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... do fragmento ao rizoma _ favelas do rio _

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índice agradecimentos .....007 considerações iniciais .....011 introdução .....015 histórico da cidade .....021 histórico da favela .....027 morro versus alfalto .....033 _opiniões sobre favela_ autoconstrução .....063 dinâmica da favela .....071 _fragmento_labirinto_rizoma_ imagem da favela .....087 _estética_cor_presépios intervenções na favela .....097 decompondo a favela .....109 _ a Lage _ _ o Organismo _ _ puxadinhos_estendal_depósito de água_parabólica _ _ a escada _ _ os gatos _ _ o moto taxi _ _ o tráfico _ a pipa _ tipologias de favela .....129 _ rocinha _ _ complexo da maré _ conclusão .....151 bibliografia .....155 anexos .....163

índice

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agradecimentos Bem sei que os agradecimento deveriam ser individualizados, quem sabe até especificados para uma maior justiça, mas na verdade cada uma das pessoas a quem devo a aportunidade e o resultado deste último ano de trabalho universitário, sabe a importância que teve ... assim sendo deixo essa cumplicidade sentida e enumero-vos. Cito então: primeiramente a familia, ao João meu pai, Lúcia minha mãe, Joana minha irmã, Joaquim meu tio e Aurora minha tia; as todos os professores que me acompanharam ao longo dos 6 anos de curso nas mais variadas disciplinas, à instituição Faculdade de Arquitectura de Lisboa da U.T.L., expecifico aqui os professores que me apoiaram directamente no trabalho de fim de curso, Profª. Doutora Maria Manuela Godinho, Prof. Doutor Jorge Spencer e ao Prof. Doutor João Sousa Morais que acreditou sempre neste trabalho; à Cristina Prats pela ajuda e carinho nos intercâmbios, à Faculdade de Urbanismo e Arquitectura UFRJ pela carta de recomendação e aos Professores que me deram contactos necessários para iniciar o trabalho; ao Engº Regueira e Lurdes por tudo, à Olga Toscano, ao Pedro Abrantes pela disponibilidade, à Ines Gomes pelo carinho e alegria, ao Quintais e Gouveia pela vista e boa disposição, à Iris, Nuno e Elsa pela cumplicidade, à Ana Isabel pela prontidão, à Georgiana e Nathaniel pela família, ao Afonso pelos anos de curso, à Silvia Martins pelas traduções, à Helene Reinard pelos contactos, à Hilaria e Valeria pela simpatia, ao Mirza Sokolija pela correspondência, à Priscila Alexandre pelas fotos; à D.Célia e Marzinha pelas belas tardes de convívio passadas na Maré, ao Martins pelas histórias, ao William pelos esclarecimentos, ao Luizão pelas festas, à Isanda e à Fundação Bento Rubião pela oportunidade de participar no trabalho que desenvolvem, ao grande Jorge Jauregui por tudo, ao Daniel Wagner pelas conversas e livros, à Nadeisna e Tiago pela pelos sorrisos, ao Bruno da Costa, Bruno Henriques e Marco Aresta pela amizade, ao Robertão e Rose pela familia também, ao Urubu contra-mestre de capoeira angola, ao Silvio Quilombo do Campinho pela confiança, à Marcia de Niterói, ao Iogy do Mundo, ao Anaua e Deolaine e suas três filhas da Bahia, à Irany Cardoso por ser a vóvó, à Suéli, Carlos Alberto, Ricardo e Paula de Brasilia, à Ana e Maira e Horácio e Marcelo pela vizinhaça e tardes de música, ao Edgar pela revolta, Paulo e companhia do boteco Nova Schin, ao Rudi o permacultor, ao Johan van Lengen pelos jogos e hospitalidade ... e alguns mais que me receberam e mostraram o Brasil.

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agradecimentos

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considerações iniciais

“Só quando se chega ao puramente conceitual, à abstração de uma teoria,

é que se pode fazer um retorno ao real; só a partir desse momento será possível

avançar algumas idéias em relação à prática da arquitetura e urbanismo.”

Paola Bernstein Jacques, 2003

_ da História do Envolvimento com o Tema _ Apesar de saber da existência da favela, impossível o contrário, nunca tinha estado numa. A primeira vez que vi a favela foi no autocarro que vinha do aeroporto para o centro da cidade do Rio, um “mar de barracos” que é o Complexo da Maré visto da Linha Vermelha. Não entendi bem aquele ambiente estranho e não imaginava o que se poderia passar lá dentro, mas foi o ponto de partida. Dai a comecar aos poucos a frequentar a Maré, não tardou muito no início, ia a casa da Dona Célia, acompanhado do Daniel, acrioca que viveu comigo no castiço bairro de Sta Tereza na cidade do Rio. Sabia dos conflitos daquele intrincado Complexo, contudo ávido para conhecer aquele ambiente totalmente novo para mim. Lembro-me de no inicio mostrar indignação por não poder cruzar a Linha Amarela e andar pelo outro lado. Ao que Marzinha com paciência me explicava do perigo que correríamos ao cruzar uma fronteira de domínios diferentes das facções do crime no Complexo. O contacto que criei levou-me a aprender muito com troca de experiências que tive com a população. O envolvimento chegou a tal ponto que em algumas semanas decidi deixar um pouco de lado a vida universitária que me foi disponibilizada pela UFRJ e passei a ir mais vez à Maré que à Universidade. Contudo a razão da escolha da favela surgiu em conversa com o João Regueira amigo de Lisboa, que por muitas vezes havia visitado o Rio e me alertou para a temática do morro. Conversa com alguns professores da FAL e estava tomada a decisão de partir para o Brasil.

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considerações iniciais

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_ da Etimologia de Termos Empregues _ Este trabalho fala sobre favela. Devido a ser um tema polémico, alguns cuidados devem ser tomados em relação a a termos empregues ao longo do trabalho. Termos, como a própria palavra “favela”, que tem mudado de conotação. “Favella”, no início era nome próprio e se escrevia com duplo “l” e passou para substantivo comum somente na década de 30, como veremos adiante. Hoje em dia, segundo a municipalidade, este termo é depreciativo e sinónimo de pobre e miserável, então passou a chamar-se a favela de “comunidade”. Penso que a ideia seria uma tentativa de dar mais auto-estima ao cidadão em questão. Por não fazer parte de nenhum orgão público representativo das ditas comunidades, e não achar o termo depreciativo continuarei a usar favela. Justamente para retirar, a mim e ao texto de quaisquer pré-conceitos existentes. Utilizo também derivações, como “favelado”, para os que moram em “favelas”. Termo esse que poderia chocar o leitor desavisado. Outra questão é o termo “cidade formal” que utilizo sempre entre “aspas”, como veremos adiante, a favela nem sempre foi alheia ao poder público, o qual até já encaminhou pessoas desabrigadas por diversos motivos para tais assentamentos. Assim sendo a favela já ganhou um status oficial, e este facto prejudica a dicotomia entre a “cidade formal” e a “cidade informal”, pois tudo é simplesmente “cidade”, a própria “cidade formal” por vezes cresceu também através de invasões de território. Outros termos bastante utilizados no trabalho são “morro” e “asfalto”, significando “ favela” e “cidade formal” respectivamente. São na verdade gírias do morro que o asfalto apreendeu e utiliza. _ da Organização do trabalho _ A intervenção na favela exige do arquitecto uma sensibilidade a mais. Toda formação académica é voltada para a “cidade formal”, só projectamos nela durante a escola. É verdade que há alguns professores abordam o tema e estão disponiveis para ajudar os alunos, ainda a título de curiosidade, os trabalhos que desenvolvemos centram-se na nossa realidade europeia, muito distante da realidade sul americana, aliado a biblioteca não tem recursos para este tipo de temáticas. As ementas das disciplinas são direcionadas para a “cidade formal. Neste trabalho eu tento discutir quais diferenças entre “cidade informal” e “cidade formal”, quais são suas especificidades e o que as torna diferenciáveis. Não busco uma oposição, sim alguns elementos que podem ser característicos de uma ou de outra. Também procuro entender a globalidade da favela como o cliente tradicional da arquitectura. Não pensarei em

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fazer um trabalho baseado na intervenção governamental no morro, mas sim que a arquitectura seja consequência das próprias demandas e necessidades da favela em questão. A dinâmica de construção da “cidade informal” está intimamente ligada coma falta de legislação e com o livre crescimento urbano. Apesar da área em questão ter uma legislação, não foi tratada desde o primeiro momento. Assim sendo, apresento algumas considerações sobre temas que necessitei estudar e entender para poder ter uma opinião fundada sobre o tema. A história, as opiniões, a dinâmica da favela, as intervençoes, e as duas favelas que maior proximidade tive são aqui introduzidas. Não com o intuito de resolver, de apresentar verdades e soluções mas sim despertar para o tema e apresentar a experiência que vivi este ano.

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considerações iniciais

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introdução

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introdução Desde o aparecimento de primeira favela, no morro da Providência no final do séc. XIX, até hoje falou-se mais do que se realmente entendeu sobre favelas. Nos cem anos que passaram de existência, a favela foi considerada pelo poder público e pela sociedade em geral (ou pelo menos a parte da sociedade que não inclui os favelados) como um problema da cidade. Ou antes, um problema para a cidade, visto pois que a favela não fazia parte e nem se misturava na Urbis tradicional. Um mal, estorvo, praga, câncer, não faltaram adjetivos para (des)qualifica-la, motivando o apoio da elite governante a remove-las. Porém, faltaram argumentos convincentes para sua eliminação. A primeira desculpa encontrada foi a higiene, ou a falta dela, o “perigo permanente de incêndio e infecções epidêmicas para todos os bairros através dos quais se infiltram” (urbanista Alfred Agache em 1930). Assim sendo e segundo o pensamento da época, ao invés de obras de saneamento para acabar com o problema, devia-se remover a favela como um todo. Ficando claramente demonstrado que o problema não era a falta de higiene – além do mais quem sofre com isso é o próprio favelado – o real problema estava no crescimento fora de controle das comunidades de ex-escravos negros e “vagabundos” brancos ao lado de bairros nobres da então capital. Bem debaixo do nariz das autoridades, explicitando um problema que os governantes tentavam esconder. Mas ao contrário da maioria dos políticos, a favela não parou. Continuaram a crescer ecada vez mais a fazer parte da paisagem carioca. A tal ponto chegou que os governantes acharam melhor remove-las, prática intensificada durante o regime militar, com a criação do BNH (Banco Nacional de Habitação) decorria o ano de 1964. Com a delicadeza habitual, os militares tentaram fazer uma verdadeira “limpeza” da Zona Sul carioca dizimando favelas e construído através do BNH enormes e longínquos conjuntos habitacionais que com o passar de poucos anos acabaram por se favelizar também. Foi só nos últimos vinte ou quinze anos que a classe de governantes começou a perceber que as favelas não eram “elimináveis”, e que estão para ficar, mesmo por que chegou-se a um ponto onde quase um quarto da população da região metropolitana do Rio de Janeiro vive em áreas consideradas oficialmente como favelas. Este fenómeno de expansão das favelas criou um paradoxo interessante. De um lado a enorme falta de investimentos do poder público, pois são áreas consideradas oficialmente ilegais e não pagam impostos, como tal o governo não vai beneficiar os “fora da lei”, por outro lado um

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introdução

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quarto da população nestas condições é muita gente, e muita gente é “muito voto” e a primeira lei da democracia moderna é: onde existe “muito voto” existe poder político em busca de votos. E os políticos aí estão, nas áreas ditas por eles mesmos ilegais, como quem diz: ”não podem estar aí, mas se votarem em mim eu deixo-vos ficarem e ainda trago melhorias” Inaugura-se uma nova era na relação Estado/favela que só a democratização pode albergar. Rapidamente várias intervenções governamentais, populistas ou não, começam a aparecer nas favelas. Não quero julgar os agentes do governo com leviandade, nas inúmeras obras de melhoria e bem estar promovidas na favela, algumas vem de pessoas realmente sensíveis com a condição desumana da população mais carente, rementedo a questão do não pagamento de impostos para segundo plano; outras são acções realmente populistas e/ou assistencialistas tendo como objectivo os dividendos políticos. Porém as favelas continuam ilegais e seus moradores não tem nenhuma garantia do poder oficial da posse de suas casas. Os arquitectos, mestres da arte de construir, onde entram nesta história? Entender a favela do ponto de vista da arquitectura é uma tarefa difícil. Compreender a relevância desta problemática é mais difícil ainda. Até os anos 30 no Brasil predominou o gosto pelo movimento Ecletico, contudo baseavado nas várias interpretações possíveis de antigos canones da Arquitetura, como seja o neo-gótico ou neo-mourisco. A leitura erudita destas referências, remetia de imediato as construções feitas por populares incultos como os favelados ao desmerito da apreciação por parte dos arquitectos. Dos anos 30 aos 70 o ecletismo é varrido pela avalanche avassaladora do Movimento Moderno. Mais austero, ao contrário do Ecletismo apaga as referências piegas do seu antecessor e defende a pureza de linhas e formas, bem como a de funções para uma clara identificação da paisagem urbana, logo a complexidade estética da favela e suas soluções urbanísticas labirínticas não merecem mais uma vez apreciação por parte dos arquitectos. Mas ao contrário da maioria dos arquitectos, a favela não parou. Continuar a crescer e a fazer parte da paisagem carioca. Até então pouco se investiu em estudos sérios para compreendê-la. A favela por sua vez consolidou sua existência de maneira definitiva e irreversível, os seus dedicados construtores especializaram-se e a aparência muda continuamente, porém sempre guardando o mesmo espírito. Somente nos últimos vinte ou quinze anos, com o fim do Movimento Moderno e a crise de identidade que se sente na arquitectura Brasileira, é que os arquitetos começaram timidamente a direccionar atenções e esforços para a favela. (naturalmente o aumento abrupto da violência contribuiu para este facto, pois concentrada na favela e financiada pelo tráfico de drogas, a atenção de toda sociedade voltou-se para as favelas exigindo do poder público uma resposta mais eficiente para o problema. Facto que gerou uma confusão entre a violência e a favela, onde certos segmentos mais reaccionários da sociedade identificam o problema da violência com o “problema” da favela)

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Actualmente dispomos de um bom número de estudiosos sobre o assunto que publicaram obras de grande interesse bem como de interverções com qualidade assinada por arquitectos de renome. Qual é a intenção de projectar na favela? Sendo que a ideia da favela ser parte integrante da cidade tem um aceitação recente, os arquitectos ainda não conseguiram com satisfação definir uma postura coerente de como se projectar na favela. Na verdade os arquitectos, buscam ainda compreender a dinâmica da favela. Isto porque ainda não existe notícia de profissionais actuantes que tenham nascido e crescido em tal área. As opiniões divergem, visto faltar um corpo teórico bem aceite pelos estudiosos, que forneça uma ferramenta no auxilio à prática da arquitectura. Desta forma, os projectos apontam para lados distintos e antagónicos, uns vêem a favela com romantismo e fazem com que as suas intervenções sejam discretas no conjunto estético. Outros apostam na antítese estética como garantia de novidade tentando fazer com que as suas obras tenham um carácter transformador emanado pela comunidade. O arquitecto e professor Pablo Benetti propõe um ponto intermédio: “Excessivo respeito pelas condições locais mimetiza os gestos projetuais e os desvaloriza rapidamente. Excessiva distância das condições locais destrói não apenas o tecido urbano existente, mas sobretudo as relações sociais que lhe dão suporte.”

Pablo Benetti, in Violência e projecto urbano em favelas

Só a experimentação consciente pode sinalizar uma resposta, multiplicando-se as propostas de intervenção e edificando-se assim um corpo teórico maduro. Este trabalho propõe uma contribuição a esta problemática enquanto assume o seu carácter experimental, um passo em direcção amadurecimento da postura dod arquitectos em relação à favela. Longe de uma intenção paternalista ou assistencialista, a ideia é antes apreender sobre esta tradição construtiva elaborada por mais de um século que gerou soluções arquitetónicas e urbanísticas que respondem às suas demandas. Entender que se gerou uma estética coerente e bem definida, fruto da colectividade e fundir isso com conceitos eruditos/académicos e referências exteriores à favela sem gerar uma entidade alienígena ao morro.

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introdução

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... histórico da cidade

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histórico da cidade A cidade do Rio de Janeiro, deve a sua evolução da estrutura urbana a variados responsáveis e factores. Seria tarefa demasiado complexa para se analisar todos eles num só trabalho. Como tal decidi abordar o tema das favelas, mas antes de começar esta dissertação apresento um pouco da cidade carioca e sua evolução urbana. O Rio de Janeiro, é capital do estado de mesmo nome. Situada no suueste do Brasil, alberga um população aproximada de 6 000 000 de habitantes. Dista da capital 1204 km e tem como entrada marítima a baía de Guanabara. É caracterizada por um clima tropical, quente e húmido. O seu espaço urbano alargou-se por planicies (65%) do território e pelos morros da Tijuca, Pedra Branca e Jericinó, sendo a sua altitude máxima de 1024 metros. Irrigado pelos rios Cabuçu, Cachoeira, Carioca, Comprido, Guandu, Maracanã, Meriti, Saraouí e Trapicheiros, que junto das inumeras lagoas na zona norte conferem uma natureza verdejante a toda a cidade. O relevo apresenta-se muito acentuado, sendo por isso conhecida como cidade dos morros. Fundada em 1511 pelos colonos portugueses, hoje em dia apresenta-se como um centro urbano de caracter dicotômico onde a periferia aparece versus o núcleo. Opondo pobres a ricos respectivamente. Sendo que no núcleo se encontra o poder e progressivamente as necessidades e pobreza vão aumentando à medida que se afastam rumo a periferia. O Estado terá sido o principal responsável desta disparidade, dadas as acções, medidas e omissões que realizou ao longo do tempo. O apoio esteve sempre direcionado para os previlégios e interesses da sociedade dominante, sendo os mecanismos regulatórios altamente discriminatórios e elitistas. Assim sendo o Rio de Janeiro desenvolveu-se numa tendência centralizadora onde a distribuição de recursos e necessidades é posta em causa e remete a evolução urbana para periferização proliferante na cidade com aglomerados de classes de baixa renda. Sendo que nos ultimos 100 anos deu origem às favelas, que como resposta a organização e directrizes impostas desenvolvem-se de forma impirica. A cidade tende a ser um modelo de metropole “núcleo hiperatrofiado” onde a concentração urbanistica impera resultando numa periferia de estratos urbanos daca vez mais carentes e de serviços e infra-estruturas. Tal desenvolvimento decorre na busca por parte das classes economicamente fortes de desfrutar dos equipamentos centrais e afastar a entrada dos pobres no núcleo e/ou mesmo explusá-los.

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histórico da cidade

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A região metropolitana ficou assim dividida em circulos divisórios: “O primeiro círculo, que chamamos de núcleo, é constituido pela área comercial e financeira central (o antigo core histórico da cidade) e por suas expansões em direcção à orla oceânica ( a zona sul) e ao interior (cujos limites seriam os bairros da Tijuca, de Vila Isabel, de São Cristóvão, e do Caju) mais o centro e zon sul de Nitérói. O segundo círculo abrange os subúrbios mais antigos do Rio de Janeiro, que se formaram ao longo das linhas das estradas de ferro (os limites vão de Benfica Rianchuelo e Miéier até a Penha, Irajá e Madureira) e a zona norte de Niterói. Também se inclui nesta faixa a Barra da Tijuca e a parte de Jacarepaguá onde deverá ser cosntruido o novo centro administrativo do Rio. A todo o conjunto dá-se o nome de periferia imediata. Apesar de constituir bairro periférico, a Barra da Tijuca está, entretanto, sendo ocupada por classes de alta renda, o que leva a crer que, em futuro próximo, será parte integrante do núcleo metropolitano. O terceiro círculo abrange o restante tecido urbano carioca situado além dos limites da periferia imediata, mais a conurbação do Grande Rio, que constitui por Nilópolis, São João de Meriti, grande parte do Duque de Caxias, São Gonçalo e Nova Iguaçu, e parte da Magé. Esta seria a periferia intermediária. Finalmente, o quarto círculo engloba o restante da Região Metropolitana. Trata-se da periferia distante, que faz parte da Região Metropolitana.”

Mauricio de A. Abreu, in Evolução Urbana do Rio de Janeiro

Podemos aqui entender claramente como sectoriada a cidade carioca. É no entanto na questão das favelas que “dictomiam” com a cidade formal que disserto neste trabalho sendo que muitas delas se encontram no centro da cidade por razões que veremos mais a frente. Voltando ao enquadramento saliento ainda que a cidade formal, desenvolve-se com grandes medidas por parte do Estado. Acções que transformam a cidade radicalmente como a abertura da Avenida Presidente Vargas ou a eleminação do morro do Castelo em virtude do desenho urbano do aterro do Flamengo e baía de Guanabara. Copacabana e Barra, Ipanema e Leblon posteriormente seguem o mesmo destino das grandes atitudes. Mas andado um pouco antes a cidade sofre os seus primeiros passos urbanisticos na primeira metade do século XIX, beneficiada pela acção do poder público que abre e conserva as estradas e caminhos que demandavam os arrabaldes da cidade permitindo um descongestionamento do centro e permitinddo o deslocamento para os antigos

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bairros da Lapa, Glória e Catete. Seguidamente de Botafogo, Lagoa e São Cristovão. Já posterior a 1850 a cidade alberga novo periodo de expansão pela incorporação de novos lugares à área urbana como no caso da Lagoa, bem como a intensificação das freguesias periféricas. Em 1851 é levantada a planta da cidade com a criação do aterro que posteriormente se tornou na actual Praça Mauá, iniciando-se assim a Nova Cidade. Catumbi, Estácio e Rio Comprido são também aterros deste período. É ainda neste inicio de segunda metade do século que a iluminação a gaz e serviços de esgotos sanitários são inaugurados no centro da cidade e as calçadas passam a paralelipipedos. Contudo devido a inexistência de transportes publicos rápidos a cidade movimenta-se praticamente a pé. Os bondes (eléctricos) e Trens (comboios) surgem já na década de 1870 representativos da forte expansão que se fazia sentir na zona sul e norte da cidade, tanto a nivel nacional como estrangeiro. A melhoria dos transportes possibilitaram e solidificaram a dictomia nucleo-periferia que já se fazia sentir neste período. O desenvolvimento economico do Rio de Janeiro, teve tambem o revés da moeda, pois com a poliferação dos negócios e extinção do sistema escravista a migração aumentou e começaram-se a delinear os primeiros problemas habitacionais da cidade. A construção de vilas operárias não eliminou a necessidade de utilização e sobrelotação dos cortiços da época. Em pouco tempo aperecerá a solução da favela.

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histórico da favela

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brasil

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histórico da favela

Antes Aqueles morros não tinham nomes Foi pra lá o elemento homem Fazendo barraco, batuque e festinha Nasceu Mangueira, Salgueiro, São Carlos e Cachoeirinha.

Bezerra da Silva, sambista carioca, morro da mangueira

Segundo o Novo Aurélio Dicionário da Língua Portuguesa: favela¹. [Do top. Favela (fava+ela), do Morro da Favela (RJ), assim denominado pelos soldados que ali se estabeleceram ao regressar da campanha de Canudos.] S.f. Bras. Conjuntos de habitações populares toscamente construídas (por via de regra em morros) e por com recursos higiénicos deficientes. [Sin. Morro (RJ) e caixa-de-fósforo (SP). Cf. bairro de lata.] Existem na verdade, algumas divergências sobre a data do nascimento das favelas. O que não houve na época, foi dúvidas sobre a sua conceituação. No fim do século 19 quando surgiu a primeira favela no morro da Conceição, chamado na época de “Morro da Favella”, o nome designava como afirma o Aurélio, um conjunto de casa feitas pelos próprios moradores em um regime de auto-construção. E isso ninguém tinha dúvida. A mais aceite entre historiadores é que é o Morro da Favella apareceu realmente em 1897 quando voltaram os veteranos da guerra de canudos. Sendo que o nome “Favella” surgiu da referência a uma planta existente num morro do sertão onde teria sido um acampamento estratégico destes soldados. Outros dizem que o actual morro da Providência já estava ocupado desde 1893, quando da demolição do famoso cortiço “Cabeça de Porco”, em que seus moradores usaram restos do edifício demolido para construir suas próprias casas no tal morro. Outros defendem que ainda antes, no Morro de Santo António, havia barracos feitos de sobras de materiais achados pelas ruas. Contudo o nascimento da favela está associado à dada de 1897 por ter sido na verdade a primeira vez que o nome foi empregue. Seja como for, o fato foi consumado e a favela surgiu. A evolução da favela, grosso modo, ocorreu paralelamente à evolução da cidade dita formal, sendo sempre considerada um fenómeno urbano. Os cidadãos pobres da cidade iam construindo suas habitações em espaços inocupados deixados pela urbanização oficial. A proximidade com a cidade, ou seja, trabalho; e a falta de uma outra opção habitacional, foram fautores fundamentais para que a evolução das favelas tenha seguido o seu curso. A ocupação de morros em primeiro lugar se deve ao fato de serem a principal área livre de urbanização do centro da cidade no início de século 20. Já na periferia da cidade, a escolha por lugares mais altos tem mesma raiz para o favelado e para a cidade formal. Sem aterros, a parte de “várzea” do Rio de Janeiro era composta em sua maioria por mangues e alagados, impossibilitando

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qualquer construção, ainda mais a auto-construção com parcos recursos. Embora num crescimento contínuo e aos poucos, as favelas tiveram picos de crescimento vertiginoso como consequência de algumas políticas ou posturas públicas. O “Bota-Abaixo” do perfeito Pereira Passos em 1904 desalojou muitas pessoas para a abertura da Avenida Central, actual Rio Branco, provocando talvez o primeiro grande “boom” das favelas da cidade. Em 1909 o perfeito Serzedelo Correia deu permissão para que soldados do 9º Regimento, desalojados do Alto da Boa Vista para a construção de um Horto, se instalassem no morro da Mangueira. Os próprios governantes por vezes utilizaram esta maneira de ocupação para resolver problemas habitacionais, visto que o Governo até os anos 40 estava mais preocupado com os cortiços no centro da cidade, remetendo as favelas nos morros para segundo plano. No virar do século os cortiços do centro da cidade albergavam cerca de 130.000 pessoas de um total aproximado de 530.000 habitantes da cidade, ou seja, quase ¼ da população. As favelas em levantamento feito no ano de 1920 pelo Governo federal, possuíam 830 casas no Rio de Janeiro, representando assim um numero muito menor que os cortiços, chamando menos atenção das autoridades. Prova disso é o decreto 391 de 1903 do Governo do Estado que proíbe qualquer construção, melhoramento, obra, ou conserto em cortiço e estalagens, mas tolera a construção de “barracões toscos nos morro que ainda não tivessem habitações.” Sobre o descaso das autoridades sobre a favela, Maurício de Abreu explica que: “Até 1930, a favela existe de facto, mas não de jure. Está, por tanto, presente no tecido urbano, mas ausente das estatísticas e dos mapas da cidade; não é individualizada pelos recenseamentos. É considerada como uma solução habitacional provisória e ilegal, razão pela qual não faz sentido descrevê-la, estudá-la, mensurá-la. Para os poderes públicos as favelas simplesmente não existiam.”

Maurício de Abreu, in Evolução Urbana do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro

O fato do governo não ter uma política séria sobre a questão da favela, nunca o impediu de tomar medidas práticas em relação as mesmas devido a pressões de qualquer espécie. Em 1916 houve um incêndio de origem desconhecida, contudo duvidosa nos barracos do Morro de Santo António. A maioria de seus moradores refugiou-se na Mangueira dada a sua fama de favela acolhedora e gente honesta. Assim as favelas foram surgindo ou crescendo. Sobre a dinâmica das favelas o Arquitecto Pablo Benetti explica: “As favelas foram edificadas nem contra nem a favor de alguma postura, governo ou autoridade (não que muitas delas não tenham contado com a colaboração de políticos seja liberando terras, seja fazendo vista “grossa”). Na realidade, não se trata

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de um projecto afirmativo de construção; ao contrário, é a saída possível, muitas vezes a única, a premência de morar na metrópole, nas condições que seja possível, onde der e como der.”

Pablo Benetti, in Violência e projecto urbano em favelas

O complexo de favelas da Maré, por exemplo, teve início nos anos 40, quando Dona Orosina construiu o seu barraco no Morro do Tibau (chamado na época de thybau pelos índios tupi-guarani) com pedaços de madeira trazidos pela maré. Um pouco antes, no mesmo ano de 1940, começou a ser construída a “variante”, actual Avenida Brasil, começando a consequente urbanização da área, facilitado o acesso ao Rio de Janeiro surge o início de mais uma favela. A presença da nova avenida foi fundamental para o surgimento e crescimento das favelas na Maré, dado o fácil contacto com a cidade que constituía o sustento dos favelados. Caracterizando a favela carioca realmente como fenómeno urbano. Na década de 1960, devido à remoção de varias favelas da zona sul da cidade e ao exôdo rural, a Rocinha expandiu-se e tornou-se a maior favela do país. O número de nordestinos era tão elevado que dizia-se que o Nordeste se havia transferido para a Rocinha. A sua localização entre os bairros ricos da Gávea e S.Conrado permitia o sustento da sua população.

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histórico da favela

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“Concentra-te na tua aldeia e serás internacional”

António Gramsci

_ 1900 _ Poucos anos depois da sua aparição, a favela já causava furor na sociedade civil chamando a atenção dos órgãos de divulgação. No dia 29 de Outubro de 1900 o Jornal do Brasil publica na secção “Queixas do Povo” uma carta de um leitor sobre o morro da Favella:

“Pedem-nos que chamemos a atenção do Senhor Delegado da 10ª Circunscrição para um grupo de vagabundos que estaciona ali quase todos os dias, incomodando as famílias ali residentes que são obrigadas a ouvir constantemente palavrões desses desocupados.”

A favela choca pela sua oposição a valores da cidade formal. O muito diferente, o muito próximo em uma época que a memória da escravidão ainda se encontra bastante presente. Os veteranos de guerra dos Canudos habitavam o morro neste período, defensores a recém criada República, acabaram sendo tratados como “vagabundos” e “desocupados”. O Delegado de então prontamente responde à apelação feita pelo Jornal, e escreve ao Dr. Enéas Galvão, chefe de polícia do Distrito Federal: “Obedecendo ao pedido de informações que V.Exa., em ofício sob nº 7071, ontem me dirigiu relativamente a uma local do “Jornal do Brasil”, que diz estar o morro da Providência infestado de vagabundos e criminosos que são o sobressalto das famílias no local designado, se bem que não haja famílias no local designado, é ali impossível ser feito o policiamento porquanto nesse local, foco de desertores, ladrões e praças do exército, não há ruas, os casebres são construídos de madeira e cobertos de zinco, e não existe em todo o morro um só bico de gás, de modo que para a completa extinção dos malfeitores apontados se torna necessário um grande cerco, que para produzir resultado, precisa pelo menos de um auxílio de oitenta praças completamente armadas.”

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Contudo a proposta do cerco, não era inédita, prossegue o Delegado: “Dos livros desta delegacia consta ter ali sido feita uma diligência pelo meu antecessor que teve êxito, sendo com um contingente de cinquenta praças, capturado, numa só noite, cerca de noventa e dois indivíduos perigosos.”

A solução ideal, sugere o Delegado:

“Parece, entretanto, que o meio mais pratico de ficar completamente limpo o aludido morro é ser pela Directoria de Saúde Pública ordenada a demolição de todos os pardieiros que em tal sítio se encontram, pois são edificados sem a respectiva licença municipal e não têm as devidas condições higiénicas. Saúde e fraternidade. O delegado”

O Delegado em 04 de Novembro de 1900 a carta está localizada hoje no Arquivo Nacional

A carta do Delegado assume importância ao assinalar pela primeira vez a favela como um duplo problema, sanitário e policial, apenas três anos depois da sua ocupação pelos “desertores, ladrões e praças do exército”. É justamente este duplo argumento, a sujeira e a criminalidade, que legitimam a estratégia de “limpeza” do morro utilizando a força policial. Não existem relatos sobre o que aconteceu depois deste debate, o certo é que a favella não desapareceu, e está lá até hoje. Porém, a ideia de “limpeza” do Morro da Favella, não parou na falta de articulação do Delegado da 10ª Circunscrição. Em Maio de 1905 a revista Renascença publica um artigo do Senhor Everaldo Backheuser: "O ilustre Dr.Passos, dativo e inteligente Perfeito da Cidade, já tem as suas vistas de arguto administrador voltadas para a 'Favella' e em breve providências serão dadas de acordo com as leis municipais, para acabar com esses casebres. É interessante fazer notar a formação dessa pujante aldeia de casebres e choças no coração mesmo da capital da República, eloquentemente dizendo pelo seu mudo contraste a dois passos da Grande Avenida, o que é esse resto de Brasil pelos seus milhões de quilómetros quadrados."

veraldo Backheuser, in revista Renascença, 1905

citado por Marcus Alvito, in Poder e Ideias Políticas no Rio de Janeiro

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Interessante atender à proximidade da favela com a recém inaugurada Avenida Central. Símbolo de um novo Rio, um Rio de Janeiro Moderno. A Avenida surge como um Boulevard Haussmaniano em plenos trópicos, numa tentativa de colocar o Rio no mapa das cidades mundiais pelo aliciamento de valores Europeus. Portanto “casebres” a “dois passos” do local mais chique da cidade era inaceitável. Desde seu surgimento até a actualidade esta proximidade a zonas nobres da cidade tornou-se uma característica inerente às favelas cariocas. O incrível é que durante os cem anos de convivência com “cidade formal”, o problema colocado pela sociedade civil e as autoridades, não é a favela em si, mas justamente essa proximidade, evidencia dora de uma realidade que muitos não gostariam de ver. Sendo todas as épocas há pessoas mais ou menos sensíveis com realidades alheias. Em 1908 o poeta e escritor Olavo Bilac, o mais lido nas duas primeiras décadas do século, publica nos jornais uma crónica chamada “Fora da Vida”. Nela, o autor discorre sobre a cidade do Rio de Janeiro e suas diferentes facetas. Embora parnasiano, e afastado de preconceitos, Olavo enquanto escritor tem uma visão mais romântica e menos política do morro. Escreve: “É uma cidade à parte... O Rio já é uma aglomeração de várias cidades, que pouco a pouco se vão distinguindo, cada uma adquirindo uma fisionomia particular e uma certa autonomia de vida material e espiritual. O bairro de Copacabana, por exemplo, um bairro nascido ontem, já tem a sua população fixa, o seu comércio, os seus passeios, os seus clubes – e até o seu jornal, O Copacabana, uma folha diária cujos redactores escrevem gravemente ‘os interesses de Copacabana’, como escreveriam ‘os interesses de Roma, ou de Berlim, ou de NY’. Mas de todas as cidades, que formam a federação das urbes cariocas, a mais original é a que se alastra pelos morros da zona ocidental, e onde vive a nossa gente mais pobre, denso formigueiro humano, onde habitualmente se recruta o pessoal barulhento das bernardas (revoltas), de motins contra a vacinação obrigatória, contra o aumento do preço das passagens dos bondes, contra a fixação do preço máximo das carroças. É essa a mais original de nossas subcidades (...) a mais original e a mais triste. Algumas ladeiras desses morros não conheceram nunca, por contacto, ou sequer de vista, uma vassoura municipal. Em muitas delas, apodrecem lentamente ao sol, durante semanas e semanas, sob nuvens de moscas, cadáveres de galinhas e de gatos. E as faces humanas que por lá se encontram têm quase todas esse ar de apática indiferença que vem do largo hábito da miséria e do desânimo.”

Olavo Bilac, 1908 citado por Marcus Alvito, in Poder e Ideias Políticas no Rio de Janeiro

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Mapa do centro do Rio, 1914, morro da favella e Av.Central _ futura Presidente Vargas

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A cidade é entendida como uma concentração de várias “subcidades”, sendo a favela a mais original delas, seus moradores são vistos como pessoas tristes, dotadas de desânimo, gerados segundo o autor pela miséria e descaso público. As belas vistas, o ar bucólico, a tranquilidade longe da balbúrdia urbana, que um romântico pode encontrar na favela não eram ainda apreciados na época. _ 1910 _ Na década seguinte em 1917, o jornalista João do Rio publica uma crónica na revista “Vida Vertiginosa”, com uma visão um pouco diferente de Olavo Bilac. João do Rio era famoso pelos seus relatos da vida quotidiana dos cariocas. Declarando-se um amante da cidade e suas ruas. A crónica é o relato do autor na sua primeira experiência de subida ao morro, e diz: “Certo já ouvira falar das habitações do morro de Santo António, quando encontrei, depois da meia-noite, aquele grupo curioso – um soldado sem número no boné, três ou quatro mulatos de violão em punho. Como olhasse com insistência tal gente, os mulatos que tocavam, de súbito emudeceram os pinhos, e o soldado, que era um rapazola gigante, ficou perplexo, com um evidente medo. Era no Largo da Carioca. Alguns elegantes nevralgicamente conquistadores passavam de ouvir uma companhia de óperas italiana e paravam a ver os malandros que me olhavam e eu que olhava os malandros num evidente início de escandalosa simpatia. Acerquei-me. - Vocês vão fazer uma seresta ? - Sim senhor. - Mas aqui no largo ? - Aqui foi só para comprar um pouco de pão e queijo. Nós moramos lá em cima, no morro de Santo António... Eu tinha do morro de Santo António a ideia de um lugar onde pobres operários se aglomeravam à espera de habitações, e a tentação veio de acompanhar a seresta morro acima, em sítio tão laboriosamente grave. Dei o necessário para a ceia em perspectiva e declarei-me irresistivelmente preso ao violão. Graças aos céus não era admiração. Muita gente, no dizer do grupo, pensava do mesmo modo, indo visitar os seresteiros no alto da montanha. - Seu tenente Juca – confidenciou o soldado – ainda ontem passou a noite inteira com a gente. E ele quando vem, não quer continência nem que se chame de seu tenente. É só Juca... Vossa Senhoria também é tenente. Eu bem que sei... Já por esse ponto da palestra nós íamos nas sombras do Teatro Lírico. Neguei francamente o meu posto militar, e começamos a subir o celebrado morro, sob a infinita palpitação das estrelas. Eu ia à frente com o soldado jovem, que me assegurava do seu heroísmo. Atrás o resto do bando tentava cantar uma modinha a respeito de uns olhos fatais. O morro era como outro qualquer morro. Um caminho amplo e maltratado, descobrindo de um lado, em planos que mais e mais se alargavam, a iluminação da cidade, no admirável nocturno de sombras e luzes, e apresentando de outro as fachadas dos

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prédios familiares ou as placas de edifícios públicos – um hospital, um posto astronómico. Bem no alto, aclareada ainda por um civilizado lampião a gás, a casa do doutor Pereira Reis, o matemático professor. Nada de anormal e nem vestígio de gente. O bando parou, afinando os violões. Essa operação foi difícil. O cabrocha que levava o embrulho do pão e do queijo, embrulho a desfazer-se, estava no começo de uma tranquila embriaguez, os outros discutiam para onde conduzir-me. - Você canta, tenente? - Canto, mas vim especialmente para ouvir e ver o samba. - Bom. Então, entremos. Desafinadamente, os violões vibraram. Benedito cuspiu, limpou a boca com as costas da mão, e abriu para o ar sua voz áspera: ...O morro de Santo António Já não é morro nem nada... Vi, então, que eles se metiam por uma espécie de corredor encoberto pela erva alta e por algum arvoredo. Acompanhei-os, e dei num outro mundo. A iluminação desaparecera. Estávamos na roça, no sertão, longe da cidade. O caminho, que serpeava descendo, era ora estreito, ora largo, mas cheio de depressões e buracos. De um lado e de outro, casinhas estreitas, feitas de tábuas de caixão com cercados, indicando quintais. A descida tornava-se difícil. Os passos falhavam, ora em bossas de relevo, ora em fundões perigosos. O próprio bando descia devagar. De repente parou, batendo a uma porta. - Epa, Baiano! Abre isso... - Que casa é esta? - É um botequim. Atentei. O estabelecimento, construído na escarpa, tinha vários andares, o primeiro à beira do abismo, o outro mais em baixo sustentado por uma árvore, o terceiro ainda mais abaixo, na treva. Ao lado uma cerca, defendendo a entrada geral de tais casinhotos. De dentro uma voz indagou quem era. - É o Constanço, rapaz, abre isso. Quero cachaça. Abriu-se a porta lateral e apareceu primeiro o braço de um negro, depois parte do tronco e finalmente o negro todo. Era um desses tipos que se encontram nos maus lugares, muito amáveis, muito agradáveis, incapazes de brigar e levando vantagem sobre os valentes. A sua voz era dominada por uma voz de mulher, uma preta que de dentro, ao ver quem pagava, exigiu logo seiscentos réis pela garrafa. - Mas, seiscentos, dona... - À uma hora da noite, fazer o homem levantar em ceroulas, em isco de uma constipação... Mas, Benedito e os outros punham em grande destaque o pagador da passeata daquela noite, e, não resistindo à curiosidade, eles abriram a janela da barraca, que ao mesmo tempo serve de balcão. Dentro ardia, sujamente, uma candeia, alumiando prateleiras com cervejas e vinhos. O soldadinho, cada vez mais tocado, emborcou o copo para segredar coisas. O Baiano saudou com ar de quem já foi criado de casa rica. E aí

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parados enquanto o pessoal tomava Parati como quem bebe água, eu percebi, então, que estava numa cidade dentro da grande cidade. Sim. É o fato. Como se criou ali aquela curiosa vila de miséria indolente? O certo é que hoje há, talvez, mais de quinhentas casas e cerca de mil e quinhentas pessoas abrigadas lá em cima. As casas não se alugam. Vendem-se. Alguns são construtores e habitantes, mas o preço de uma casa regula de quarenta a setenta mil-réis. Todas são feitas sobre o chão, sem importar as depressões do terreno, com caixões de madeira, folhas de Flandres, taquaras. A grande artéria da urbis era precisamente a que nós atravessávamos. Dessa, partiam várias ruas estreitas, caminhos curtos para casinhotos oscilantes, trepados uns por cima dos outros. Tinha-se, na treva luminosa da noite estrelada, a impressão lida na entrada do arraial de Canudos, ou a funambulesca ideia de um vasto galinheiro multiforme. Aquela gente era operária? Não. A cidade tem um velho pescador, que habita a montanha há vários lustros, e parece ser ouvido. Esse pescador é um chefe. Há um intendente geral, o agente Guerra, que ordena a paz em nome do doutor Reis. O resto é cidade. Só na grande rua que descemos encontramos mais dois botequins e uma casa de pasto, que dá ceias. Estão fechadas, mas basta bater, lá dentro abrem. Está tudo acordado e o Parati corre como não corre a água.” A, até então, ideia de local miserável, onde “pobres operários se aglomeravam a espera de habitações”, no início do relato, está de acordo com a mesma impressão de tristeza expressa por Olavo Bilac. Contudo esta ideia não passa de pura especulação de quem nunca conhece de facto a realidade de uma favela, e logo é desmentida pelo autor à medida que vai subindo e descobrindo o morro, seus habitantes, o que fazem e como vivem. Neste momento o samba entra em cena com uma importância fundamental, pois é ele um dos patrocinadores da alegria dos favelados, e a curiosidade das gentes da “cidade formal”. “Um outro mundo”, percepção de um local inteiramente alheio ao Rio de Janeiro que o autor conhecia, o que reforça o carácter romântico da narrativa e da sua percepção da favela. Fala de um local distante, “roça”, “sertão”... contudo e ao mesmo tempo está bem ali, junto do largo da Carioca. A questão bucólica, o estar perto da natureza, já é mais próxima ao autor que a Olavo Bilac. Passa ainda pelo mágico de um submundo, uma subcidade, escondida dentro da realidade que ele julga conhecer bem e que agora descobre... numa rápida impressão estética compara a favela a um “galinheiro multiforme”. João do Rio, continua a descrever empolgado, a nova sociedade:

“Nesta empolgante sociedade, onde cada homem é apenas um animal de instintos impulsivos, em que ora se é muito amigo e grande inimigo de um momento para outro, as amizades só se demonstram com uma exuberância de abraços e de pegações e de segredinhos assustadora – há o arremedo exacto de uma sociedade constituída.” “Um animal de instintos impulsivos”, esta descrição do favelado lembra Rousseau e a “Teoria do Bom Selvagem”, o homem possui uma alegria inocente quando ainda não foi expulso do Paraíso por não ter consciência do Pecado Original. E continua, falando das famílias que ali vivem e como fazem para conseguir satisfazer as necessidades básicas no dia a dia, dando a impressão que a tal felicidade passa pela falta de aspirações, pois a vida, já está boa como ela é:

“Sim, são famílias, e dormindo tarde porque tais casas parecem ter gente acordada, e a vida nocturna ali é como uma permanente serenata. Quase todos são operários, ‘mas estão parados’. Eles devem descer à cidade, e arranjar algum cobre. As mulheres, decerto, também descem para apanhar fitas nas casas de móveis, amostras de café na praça – ‘troços por aí’. E a vida lhes sorri e não querem mais e não almejam mais nada.”

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E termina a crónica, parecendo escrever um caderno de viagens:

“E quando de novo cheguei do alto do morro, dando outra vez com os olhos na cidade, que em baixo dormia iluminada, imaginei chegar de uma longa viagem ao um outro ponto da terra, de uma corrida ao arraial da sordidez alegre, pelo horror inconsciente daquela miséria cantadeira, com a visão dos casinhotos e das caras daquele povo vigoroso, refastelado na indigência em vez de trabalhar, conseguindo bem no centro de uma grande cidade a construção inédita de um acampamento de indolência, livre de todas as leis.”

João do Rio, in revista “Vida Vertiginosa”, 1917 citado por Marcus Alvito, in Poder e Ideias Políticas no Rio de Janeiro

O relato é marcado por um romantismo quase lírico, onde o “horror da miséria” passa desapercebido, ou quem sabe ofuscado pelas novidades que o autor vai descobrindo. O morro, sua gente e sua dinâmica de vida, neste contexto, apresentam-se como a cidade “livre de todas as leis”. O texto ganha um status utópico, onde as amarras da “cidade formal” não têm lugar, um local realmente livre, às vezes livre até do trabalho. _ 1920 _ No início da história da favela, as crónicas publicadas em jornais são um excelente instrumento para se compreender a opinião da sociedade e o censo comum sobre a favela; visto não existir muito do poder publico em dações ou opiniões a respeito. Como foi dito, até a década de 1930, as autoridades estavam mais preocupadas com os cortiços da cidade, um modelo antigo de habitação colectiva popular na cidade. Com a demolição do Morro do Castelo, no centro da cidade, em 1922, onde se localizavam várias destas estalagens, o problema dos cortiços estava em franca fase de eliminação. Contudo a favela como problema a ser enfrentado em grande escala pelo poder público, demorou ainda algum tempo. Segundo o Arq. Lílian Fessler Vaz “a favela só se tornou reconhecida oficialmente na década de 1940. Até este momento, sobre a sua história, inclusive suas origens e sua expansão inicial, ainda não há muitos estudos na historiografia do Rio de Janeiro. Os registros confiáveis e disponíveis para reconstrui-la são poucos.” É neste contexto que o valor das crónicas ganha importância fundamental. Na década de 1920, o escritor Orestes Barbosa escreve sobre o

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assunto, e pública, no ano de 1923 no livro Bambambã a seguinte crónica, reproduzida aqui alguns pedaços: “O morro da Favela ficou como uma lenda na cidade, entretanto, nada mais real do que os seus mistérios. Pouca gente já subiu aquela montanha – raríssimas pessoas chegaram a ver e a compreender o labirinto das baiúcas, esconderijos, sepulturas vazias e casinholas de portas falsas que formam toda a originalidade do bairro terrorista onde a polícia do 8º distrito não vai. Os chauffeurs, depois de dez horas da noite, não aceitam passagem para a rua da América. Os bondes depois dessa hora passam a nove pontos, e o motorneiro e o condutor levam nas mãos as suas pistolas engatilhadas. A Favela não é mesmo graça. Quem vai pela rua da América bem sabe que já nesta rua devia sentir temor... Ao longe a Favela tem até uma aparência poética – aqueles casebres que dão ideia de pobreza resignada, alguns arbustos descontentes com o terreno em que vivem, e os lampiões, em pontos diferentes, tortos, como bêbados, piscando o olhar cá para baixo. Mesmo de dia, observada por um visitante, que lhe desconheça a vida íntima, a Favela é tristonha e ordeira – tem uns ares de sono, de acabrunhamento, como se pensasse na sua própria vida.”

A relação com a violência está feita, onde nem a policia entra. A rua de acesso, a fronteira entre morro e asfalto, é um ponto crítico e enorme tensão, onde as pessoas temem passar. Situação bem parecida com actualidade. Porém para quem não a conhece de perto, a favela ainda tem uma “poética”, “tristonha e ordeira”. Acrescenta: “Os gatunos, às horas mortas, sobem ali e durante o dia por ali ficam, porque o chefe de polícia da Favela não é desembargador nem general – é o José da Barra, com quem o chefe de Polícia da capital da República não quer conversa. (...) O chefe de polícia, José da Barra, é um personagem que se impôs pela valentia e pelo aparente bom senso das suas decisões. Os criminosos analfabetos que vivem ali na mais impune liberdade, elegeram, sem sentir, um chefe que é esse José. Aquele mono de aparência tranquila tem a sua vida própria – vida intensa, misteriosa, que, à primeira vista, ninguém pode penetrar. O criminoso tem seus princípios. Um gatuno pode roubar um cidadão, menos um gatuno. Nós dizemos que ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão. Um larápio que vá atrás desse brocarão, para ver o que lhe acontece... É preciso ser leal na carreira do crime.”

Surge o “Dono do Morro”, termo actualíssimo para descrever hoje em dia o chefe do narcotráfico em cada favela, ele não é se considera um simples chefe, ele é o “Dono do Morro”. Quem manda e “desmanda”, quem decide, quem dita as leis. Embora em 1923 não existisse o tráfico de drogas como hoje, o Dono do Morro já havia. Muito antes dos governantes voltarem suas atenções para a favela, ela já estava fora de controle das autoridades. Aqui a favela não se apresenta como um local livre, como na visão romântica de João do Rio, é agora um lugar de leis rígidas e punições severas. A diferença é que são outras leis, diversas, distintas, da “cidade formal”. Mesmo assim a favela atrai, seduz, envolve, a curiosidade de pessoas alheias, Orestes Barbosa que tem origem popular, termina a crónica dizendo:

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“Há, sem dúvida, duas cidades no Rio. A Misteriosa é a que mais me encanta. Eu gosto de vê-la na luta contra a outra – a cidade que todos têm muito prazer em conhecer... Tão viciado e tão perverso quanto a Favela, mas muito mais obtuso, Botafogo não me entusiasma porque é postiço. Na Favela o observador vê uma sociedade de espíritos excepcionais. Talvez a miséria apure os sentidos. Seja como for, o pessoal do banga la fumenga [baile na zona dos malandros] mostra aos olhares curiosos a beleza de uma batalha em que o talento, a graça e a coragem aparecem na mais franca exibição. Sem imunidades parlamentares, sem dinheiro para comprar juízes, promotores ou desembargadores da Corte de Apelação, a Favela mata sempre que é preciso matar. Sem ter sido colega de turma do Dr. Pontes de Miranda, a Favela tem talento e humor de fazer inveja. Cada vagabundo da rua é uma inteligência espontânea, criadora de frases que logo a cidade toda aceita e não sabe criar. (...) O povo desses locais escusos é próprio. São como são, naturalmente, na sua mistura, no seu imprevisto, no seu horror. E por isso tudo é admirável. Eu gosto da Favela.” !...”

Orestes Barbosa, Bambambã, 1923 Edição utilizada: Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, 1995, Biblioteca Carioca.

A favela seduz, atrai atenção de eruditos e pessoas cultas. Benjamin Costallat, bacharel em direito, foi jornalista e literato. No seu livro “Mistérios do Rio”, publicado em 1924, relata suas experiências e observações: “Falavam-me sempre do perigo de subir à Favela. Nos seus terríveis valentes. Nos seus malandros que assaltam com a mesma facilidade com que se dá bom-dia. O maior perigo que encontrei na Favela foi o risco, a cada instante, de despencar-me de lá de cima pela pedreira ou pelo morro abaixo. E dizer que há uma população inteira que todos os dias desce e sobe a Favela, mulheres que fazem o terrível trajecto com latas cheias de água na cabeça, e bêbedos, alegres de cachaça, as pernas bambas, ziguezagueando, por cima dos precipícios, sem sofrer um arranhão!...”

É de imaginar de onde surgiu o rebolado do samba... Tese defendida por Paola Bernstein Jacques em seu Livro A estética da Ginga de 2001. O autor prossegue:

“Os pequeninos casebres feitos de latas de querosene também suspendem-se no ar, por cima de verdadeiros abismos, num milagre de equilíbrio, mas também não caem. - Deus protege a Favela!... E a Favela merece a protecção divina porque ela é alegre na sua miséria. Aquela gente, que não tem nada, dá uma profunda lição de alegria àqueles que têm tudo. Sem higiene, sem conforto, naqueles pequeninos

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casebres fétidos e imundos, que se arriscam, a cada instante, a voar com o vento ou a despencar-se lá de cima; aquela população de homens valentes – estivadores, carvoeiros, embarcadiços – e de mulheres anemiadas e fracas, e de crianças mal alimentadas e em trapos, cria porcos, bebe cachaça, toca cavaquinho e canta!... À noite, tudo samba. Apesar da miséria em que vive, toda a Favela, sambando, é feliz sob um céu salpicado e lindo de estrelas!... A Favela não tem luz. Não tem esgotos. Não tem água. Não tem hospitais. Não tem escolas. Não tem assistência. Não tem nada... Mas a Favela é alegre, lá em cima de seu esconderijo, com o maravilhoso panorama da cidade que se desdobra aos seus pés. A Favela que samba, quando deveria chorar, é um maravilhoso exemplo para aqueles que têm tudo e ainda não estão satisfeitos... Pobre e admirável Favela!...”

“Alegre na sua miséria” pode-se dizer que nesta época a favela entra pela primeira vez na moda. O samba contribui muito, uma novidade na “cidade formal”, ele vira motivo para várias pessoas subirem o morro com o intuito de sambar ou simplesmente conhecer o samba. Nesta visão, a favela de criminosos e gatunos dá lugar ao morro de “homens valentes” que dão uma lição de vida aos de “cá em baixo”. Identifica-se um “estilo Favela”, e sobre a estética da favela segue dizendo: “A Favela tem seu comércio. Comércio exclusivamente feito de vendas, onde o parati é artigo de primeira necessidade. As vendas são construídas pelo mesmo processo da lata de querosene, pregadas umas nas outras, tendo as fachadas mais fantasistas, conforme os rótulos das latas e a felicidade com que foram pregadas. É um estilo que não se vê na Avenida Atlântica. É o estilo próprio e inconfundível da Favela!”

Benjamin Costallat, in Mistérios do Rio, 1924 Edição utilizada: Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, 1995, Biblioteca Carioca.

Nesta década a favela desperta a atenção de artistas brasileiros de renome, na sua maioria ligados ao Movimento Moderno, sensíveis à estética gerada por artistas anónimos e pelo fruto da adaptação do disponível: “lata de querosene”, para se realizar o necessário: “comércio feito de vendas”. É precisamente este desprendimento que gera “o estilo próprio e inconfundível da Favela!”. Segundo Paola Bernstein Jacques, neste período “inúmeros artistas, tanto da própria favela quanto da cidade dita formal, ou até mesmo estrangeiros, tiveram influencia da arquitectura vernácula das favelas e nelas buscaram inspiração”. Neste período de exaltação nacionalista por essa classe de artistas, Oswald de Andrade, escreve o “Manifesto Pau Brasil” onde cita a favela, elevando-a a um nível de grande valor estético. Tarsila do Amaral, companheira de Oswald, pinta O Morro da Favela e oferece ao poeta francês Blaise Cendrars, segundo Paola, foi Balise quem chamou a atenção destes artistas ao Morro da Favela.

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Tarsila do Amaral, ano de 1924 Le Corbusier, ano de 1929

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Artistas e intelectuais sensibilizaram-se por esta estética, a da favela. Pintaram, retratam e deixaram-se influenciar por ela. Porém, a exploração da estética da favela de maneira comercial só aconteceu vários anos depois. Sendo exemplo, o cinema. Na mesma crónica, Benjamin Costallat conta uma conversa com uma moradora no alto do morro: “- Aqui não há cinema? Fizemos essa pergunta a uma negra, ainda moça e faceira, que na porta de seu casebre de zinco procurava alisar a carapinha. - Pra que cinema? E os olhos brilhando de inteligência e de malícia, a crioula caiu numa grande gargalhada. - Cinema? Oh! meu santo ! Pra quê? Mas não é ‘perciso’! Temos aqui cinema todo dia, toda hora. Olhe, ainda a semana passada, ‘tá’ vendo aquele barracão vermelho, lá ‘prus’ lado do ‘Buraco Quente’, uma crioula pegou fogo nas suas saias com querosene e se alumiou toda que nem uma fogueira! Tudo isso por causa de um menino bonito, de um ‘gigolote’, como vocês chamam lá em baixo!... ‘Pra’ que cinema? Temos cinema todos os dias. Mulheres nuas, tiros, facadas, paus-d’água. ‘Pra’ que cinema na Favela, se a Favela já é um cinema? ‘Pra’ que cinema, meu santo?...”

Comentário quase visionário, a negra anteviu uma realidade que foi várias décadas depois, parar nas telas de cinema de todo o mundo. Os filmes na década de 1920 mostravam outros cenários, a aspiração da classe burguesa, o período da Belle Époque. Ninguém estava interessado em ver no cinema a realidade nua e crua, o cinema retratava sonhos ligados às aspirações da classe burguesa da época, além disso o acto de ir ao cinema era para poucos, chique, as mulheres colocavam seus melhores vestidos e os homens seus maiores chapéus. Anos depois a Sétima Arte se popularizou, e no Brasil já no ano de 1955, Nelson Pereira dos Santos, filma “Rio 40 Graus”, embora num cinema militante, ele mostra a favela e narra o quotidiano de meninos vendedores de amendoins. É contudo na virada do milénio, que a estética da favela ganha um interesse mundial, o filme chave para entender o fenómeno é “Cidade de Deus” de Fernando Meireles, lançado no ano de 2002. Agora sim esta estética é consumida verozmente mundo fora. O filme ganha prémios internacionais é ovacionado em festivais e torna-se referência sobre o tema. A exploração da estética da favela no cinema não pára, o mais recente exemplo é o documentário Favela Rising, filme dirigido pelos americanos Jeff Zimbalist e Matt Mochary.

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A quantidade de comparações e paralelos que se pode fazer entre as épocas actuais e as retratadas aqui, é vertiginosa. Se olharmos com atenção a relação favela versus ”cidade formal” não mudou tanto quanto ao longo dos anos. Voltando atrás, à década de 1920, a atracção de artistas e intelectuais pela favela causou certo furor na parcela da sociedade mais reaccionária. Em resposta a esta “nova moda” no dia 18 de Novembro de 1926, o Dr. Mattos Pimenta, influente corretor de imóveis, um género de especulador imobiliário da época, escreve no jornal Correio da Manhã: “Deplorável e incompreensível, nefasto e perigoso este hábito adquirido por certos intelectuais de glorificar as favela, e por uma inversão de gosto, de descobrir beleza e poesia nestas aglomerações tão abjectas quanto anti-estéticas.”

Dr. Mattos Pimenta, in Correio da Manhã, 1926

Na mesma semana, o mesmo Doutor profere um discurso no Rotary Club: “É urgente que se levante uma barreira profilática contra a infestação desmedida das belas montanhas do Rio de Janeiro pelas pragas de favelas, lepra da estética.”

Dr. Mattos Pimenta, 1926

_ 1930 _ Opiniões divergem. As favelas entram na década de 1930 sem uma discussão séria sobre o assunto. O que se viu até agora são crónicas de alguns escritores que por iniciativa própria resolveram discorrer sobre o tema. Porém no ano de 1930 um facto novo acontece para ampliar e incrementar as discussões sobre a favela. Neste ano a Prefeitura do então Distrito Federal sob a gestão de António Prado Júnior, contrata Alferd Agache, urbanista francês de renome, na época vice-presidente da sociedade francesa de urbanistas, para fazer um estudo sobre a cidade. Pela primeira vez temos um especialista na ciência da cidade, o urbanismo, a fazer um estudo sobre o tema. No seu relatório, publicado em 1930, chamado “A cidade do Rio de Janeiro, remodelação, extensão e embelezamento”, dedica um capítulo às favelas: “Construídas contra todos os preceitos da higiene, sem canalização de água, sem esgotos, sem serviço de limpeza pública, sem ordem, com material heteróclito, as favelas constituem um perigo permanente para todos os bairros através do que se infiltram. A sua lepra suja as vizinhanças das praias e o bairros mais graciosamente dotados pela natureza, despe o morro do seu enfeite

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verdejante e corre até as margens da mata na encoste das serras. (...) Pouco a pouco surgem casinhas pertencentes a uma população pobre e heterogénea, nasce um princípio de organização social, assiste-se ao começo do sentimento de propriedade territorial. Famílias inteiras vivem ao lado uma da outra, criam-se laços de vizinhança, estabelecem-se costumes, desenvolve-se pequeno comércio: armazéns, botequins, alfaiates etc. (...) É um fato curioso, grave sob o ponto de vista social visto estimar-se a população das favelas em 200.000 almas, grave igualmente porque o abandono a uma liberdade individual ilimitada criada dos sérios obstáculos não só do ponto de vista da ordem social e da segurança, como sob o ponto de vista da higiene geral da cidade sem falar da estética.”

A primeira contribuição de um especialista não avança em nada o assunto. Agache aconselha a remoção e trata a favela com distância, refere-se aos moradores como “almas” ou “infelizes”. Os 200 000 favelados que cita, estão longe da realidade, visto só em 1950 essa marca é atingida. Por agora o Rio não conta com mais de 100.000 favelados. A estética da favela, é tratada como “lepra”, em oposição ao fascínio dos artistas do Movimento Moderno. Na verdade a visão de Agache é a visão da classe dominante do Rio, longe da favela, exterior a ela, e de quem está fora. Se percebemos bem, de todas as crónicas até aqui referidas, autores que descrevem a população residente em favelas como pessoas “tristes e desanimadas” por causa da miséria, contam com uma experiência externa à favela. Os dois relatos onde os favelados são “alegres apesar da pobreza”, são posteriores à experiência em cima do morro. João do Rio e Benjamin Costallat realmente subiram a ladeira e viram a realidade das comunidades. Perceberam que a miséria não traz, necessariamente tristeza, e entenderam o desconhecimento da “cidade formal” relativo à realidade da favela e seus moradores. Habito actualmente a cidade do Rio, e sou confrontado com este fenómeno ainda hoje. Porém, a ocupação dos morros pelas favelas não era, para o urbanista francês, o pior “...é preferível que um morro seja ocupado por uma população meio nômada, como a das favelas, a que seja sobrecarregado pelo excesso de residências, como em Santa Teresa. (...) Urbanizar-se-á facilmente a cidade nos pontos onde existe a favela, sendo quase impossível achar solução para Santa Teresa.”

Alferd Agache, in A cidade do Rio de Janeiro, remodelação, extensão e embelezamento, 1930 citado por Vera Rezende, in Planejamento Urbano e Ideologia

O problema das favelas não seria tão difícil de resolver. É clara e importante, a noção de transitoriedade da questão para Agache. Demorou-se a perceber que as favelas não são mais removíveis. Na verdade a favela foi subestimada. Tanto no seu poder de crescimento, quanto no seu

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poder de resistência. A posição de Agache em 1930, faz lembrar uma outra do actual perfeito do Rio de Janeiro, datada em 2005. A diferença está que para urbanista francês o problema/solução das favelas era sua remoção, já para o economista carioca o problema é o seu crescimento vertical: “É muito melhor ter prédios grandes na Rocinha do que na praia, pois eles produzem sombra. O impacto ambiental é muito menor num morro cuja vegetação foi removida, do que na beira da praia.”

César Maia, in Jornal O Globo, 22/09/2005

Depois de Agache, a favela estava na ordem do dia, a opinião de um estrangeiro teoricamente autoridade no assunto, provocou a discussão na sociedade. Após a publicação do relatório de Agache, no mesmo ano, o jornalista Annibal Bonfim publica na “Revista Para Todos”, um texto chamado "Descobrindo a Favela: habitações sórdidas descortinando paisagens maravilhosas". Onde emite uma opinião dissonante, a saber: “Descobrir a Favela, eis a última moda!!! Marinetti, Agache, o Perfeito, todos... a lançaram. Resolvi também fazer minha descobertazinha. Brasileiro, criado no Rio e aqui vivendo há trinta anos, lembro-me da admiração com que ouvia contar as lendas da Favela na minha meninice... impressão de castelo inexpugnável onde se foram refugiar os desordeiros da Gamboa e da Saúde... senti sempre que a Favela devia permanecer o reduto último da malandragem. Acho que aquilo é parte integrante do nosso Rio, é a única tradição carioca em que os vários perfeitos modernizadores não puderam tocar. ... Não seria talvez, uma boa ideia deixá-lo lá nas alturas, onde o ar oxigenado e o sol purificador combatem em grande parte a falta de higiene das casas onde moram? Este é o meu ponto de vista, depois da visita que fiz ao famoso morro.”

Annibal Bonfim, in Revista Para Todos, 1930

As opiniões variam, como sempre, o sentimento parece unânime, o fenómeno favela é efémero. Até a data a opinião oficial sobre favelas, é a do estorvo, problema a ser resolvido, mas sem nenhuma acção concreta prevista por partes das autoridades. A questão da habitação popular estava remetida para segundo plano, a cidade crescia velozmente em direcção à Zona Sul, dando início à natural especulação imobiliária, principalmente no bairro de Copacabana.

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_ 1940 _ No fim dos anos trinta, chega ao Brasil um importante escritor Austríaco, Stefan Zweig. Conceituado e premiado internacionalmente, muito celebrado e lido, principalmente na França. Veio ao Brasil movido pela curiosidade e pelo contacto com então presidente Getúlio Vargas. Muitíssimo impressionado com o que viu e escreve no seu livro “Brasil, a terra do futuro”, publicado em 1941, a seguinte impressão sobre a favela: “Certos aspectos, que dão ao Rio tanto de cor e de pitoresco, estão já ameaçados. É provável que em alguns anos, as favelas, as vilas negras e plena cidade, terão desaparecido. Os Brasileiros não gostam que falemos dela, pois para eles, as favelas são como verrugas, de um ponto de vista social e higiénico, no meio de uma cidade que brilha de limpeza, e que conseguiu eliminar completamente a febre amarela em um espaço de duas décadas. Portanto, devemos conservar ao menos um vestígio destas favelas, no mosaico desta cidade caledoscópica, como documentos da vida natural, no meio da civilização. (...) Esta existência primitiva pode parecer inimaginável aos homens da Europa ou América do Norte, e portanto, seu aspecto não incomoda em nada, não é repugnante nem vergonhoso. Estes negros se sentem mil vezes mais felizes que os proletário de nossas periferias. Eles tem sua própria cabana, eles são livres de fazer o que querem – e a noite, nos os escutamos cantar e rir. Eles são seus próprios mestres. E quando um proprietário ou um comissariado os expulsa, para a construção de casas ou de vias, eles se vão pacificamente para uma outra montanha. (...) O desaparecimento das favelas suprimirá do Rio uma parte de sua marca de estranheza. Imagino com pesar a colina da Gávea ou o velho Morro sem estas vilas audaciosamente coladas à pedra, que a existência primitiva, portanto feliz, nos faz lembrar quanto somos exigentes, e quanto toda a densidade da vida pode estar contida em uma gota de orvalho.”

Stefan Zweig, in Brésil terre d’avenir, pág.216

O romantismo sobre a favela parece estar sempre mais presente nos estrangeiros. Talvez por uma questão de distância, física e emocional. No caso de Zweig, o romantismo é mesmo exacerbado, chegando a fazer comparações, até inocentes, com o homem primitivo, em oposição à civilização. O bom selvagem volta à tona. A ideia que a favela é apenas uma ocupação passageira, efémera, causa-lhe medo. Medo de perder essa tão brilhante maneira de viver primitivamente no meio da cidade tornando o Rio menos Rio, menos peculiar. Aliando este medo à certeza do desaparecimento da favela. O autor chega a propor a conservação de um modelo, quase como ruínas testemunhas,

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uma memória que não se deve perder, um pouco entre a Acrópole de Atenas e as Catacumbas de Roma. Dotando então as Favelas do Rio, de valor quase arqueológico. Como sabemos, as favelas não desapareceram, nem a população era assim tão pacífica, como constatámos em outras crónicas. Na verdade, nesta época, já haviam tido algumas revoltas da população favelada, por diferentes motivos, como seja o incêndio criminoso dos barracos ao aumento do preço do bonde. Zweig, envolveu-se com o Brasil, teve serias desavenças com Getúlio e acabou por cometer suicídio em sua casa na cidade de Petrópolis. No mesmo ano da publicação do livro de Zweig, realiza-se no Rio de Janeiro o “Primeiro Congresso Brasileiro de Urbanismo”. Área de estudos recente no Brasil, vinda de uma autoridade francesa, Alferd Agache, que no final da década de 1920 havia atiçado as categorias de engenheiros, arquitectos e afins do Rio para começar a tratar o tema. E em 1941 fizeram seu Primeiro Congresso com carácter fundatório da “Ciência da Urbanística” no Brasil. Foram organizadores do congresso: Carmem Portinho, Adolfo Morales de los Rios, José Mariano Filho, com participações de Afonso Eduardo Reidy e Oscar Niemeyer, contando ainda com Alfred Agache como convidado de honra. A verdade é que ninguém sabia ainda o que era esse tal “urbanismo”, mas estavam ali elaborando teses para ver se entendiam a melhor a cidade. No dia de abertura, o engenheiro Valdemar Paranhos de Mendonça, representante do Distrito Federal proferiu seu discurso, e é claro não podia ter deixado de falar sobre favela. Na verdade falou atacando aqueles que segundo ele eram defensores das tais: “São os tradicionalistas do caminho do tropeiro que LE CORBUSIER, com muito espírito, apelida de Chemin des ânes; partidários das ruas medievais, tortuosas, estreitas e sujas; protectores das favelas desordenadas e imundas e dos mocambos frágeis e insalubres. Sonham com a virtuosa Becópole e não ouvem os apelos constantes e fervorosos das salutares diligências e difusões higiénicas, estéticas e sociais. Não compreendem o que sejam necessidade urbana e interesse público. Tem mentalidade particularista. Não tem espírito urbanístico.”

Valdemar Paranhos de Mendonça, 1941

É na palestra de abertura que o referido engenheiro promove só seu discurso. Os argumentos usados contra os “protectores das favelas”, sob uma óptica actual pedem ser usados contra o próprio autor. Porém sua opinião é forte, citando mesmo Le Corbusier que 12 anos antes desenhara inocentemente a favela em seus cadernos. Contudo o mais contundente relato sobre as favelas deste congresso é de José Mariano Filho, Alberto Pires Amarante e Américo Campelo, no artigo denominado As favelas de Rio de Janeiro. Afirmam:

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“O problema das habitações espúrias conhecidas como ‘favelas’ constitui de longa data, umas das mais sérias questões com que se defronta a cidade do Rio da Janeiro. Apesar de viver constantemente no cartaz, nenhuma medida racional foi até agora tomada no sentido de solucioná-la. A proliferação de novos núcleos em lugares anteriormente imunes coincide com a expansão das mais antigas formações. O problema agrava-se dia a dia, estando virtualmente a cidade bloqueada por vários núcleos de habitações aparentemente clandestinas., verdadeiros focos endémicos de moléstias altamente contagiosas.”

As opiniões sobre a favela estão, nesta época, num momento crucial. Pela primeira vez autoridades começam a dar atenção um pouco mais séria, é agora motivo de estudos oficiais, em breve vai entrar nas estatísticas do IBGE. Nesta época o Movimento Moderno na arquitectura é quase unânime no cenário carioca, salvo alguns resquícios do Neo-colonial anda vivo. Neste contexto, qualquer problema da cidade é encarado de uma forma puramente “racional” e logo uma solução também “racional” será a desejada. Assim sendo, os caminhos tortuosos da favela são desqualificados por princípio estéticos e a questão sanitária vira uma desculpa facilmente aceitável para a sociedade em geral. Surge assim uma questão muito importante - a estética. Apesar das autoridades da época terem opinião contrária (como veremos a seguir), justamente por dividirem como “beleza” e “feiura”, embora sendo a questão central nesse momento, é tratada neste artigo como uma questão menor, pois na época sua conceituação não era tão abrangente, e seguem dizendo: “Os que primeiro focalizaram o problema, o apreciaram apenas pelo seu lado estético. Argumentavam que sendo o Rio de Janeiro cidade de turismo, o espectáculo de milhares de habitações miseráveis, construídas à margem das posturas municipais a degradavam aos olhos do visitante. Entretanto, o dano causado à cidade pelas favelas que dominam os morros e planícies não é de carácter estético. As favelas são condenáveis sobre o ponto de vista sanitário. Essas aglomerações mantém, com carácter quase endémico, surtos de varíola, colicacilose, de tifo, para-tifo, escarlatina, sarampo etc. (...) Habitações condenáveis sob o ponto de vista da higiene, existem em todos os países, e existirão eternamente pelos séculos afora, enquanto a miséria impedir o homem de viver com relativo conforto. Nos países europeus, os problemas se apresentam sob aspectos diferentes daqueles que se observam entre nós. A miséria nas velhas cidade como Londres, Paris etc., se refugia nos casarões medievais dos bairros afastados (slums), enquanto entre nós ela se apresenta sem o menor disfarce.”

Se o problema fosse realmente de carácter sanitário, muito menos dispendioso seria levar as condições de higiene às favelas. Aproveitando-se a proximidade da mão-de-obra ao local de trabalho, seria possível baratear o custo da obra, simplesmente optimizando este sistema. Mas o choque da

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dicotomia estética é muito grande e insuportável para a classe alta da população. Em um momento que a pureza formalista e a lógica racional vigoram como corrente dominante no consumo estético da cidade, casas feitas com pedaços de latas de querosene era praticamente inadmissível. Percebe-se que o problema para a alta sociedade não é “favelas sujas”, mas “favelas perto”. Não há “disfarce” possível, ela está logo ali. Se ainda estivesse maquiada! Mas não estava, e os autores continuam tentando explicar o motivo de sua formação: “A pobreza tem sido apontada como sendo o motivo principal da formação e expansão dos núcleos de habitação espúria nos países sul-americanos. Evidentemente, a pobreza é um dos factores principais, pelo menos sobre o ponto de vista teórico. Entre nós, devido às circunstâncias de ordem especial, esse factor perde parte da sua importância. Aliás é preciso não dar muito valor ao pauperismo, sob pena de se confundir ‘causa’ com ‘efeito’. As favelas do Rio, como os mocambos de Recife, são, a um tempo, causa e efeito do pauperismo. Os indivíduos que se habituam à vida das favelas, perdem o estímulo para o trabalho, trocam a ferramenta pelo pandeiro, aumentando dest’arte o número de desocupados.”

Além de ser o relato mais preconceituoso deste trabalho até agora, o que os autores querem dizer é que o problema da favela não é económico. Ou seja, um trabalho digno e um pouco mais de dinheiro não resolve o problema. Porque o problema não tem esse ponto como questão principal. Se não é económico nem sanitário, só pode ser de embate estético. A favela entra para a ordem do dia. O governo começa seriamente a preocupar-se com o fenómeno. Decreta leis, demanda estudos, realiza censos, promove discussões e pensa em acções concretas a serem tomadas para a erradicação do problema. Ainda em 1937 é aprovado o código de obras, através do decreto municipal numero 6000. Artigoº 349, diz: “A formação de favelas, isto é, de conglomerados de dois ou mais casebres regularmente dispostos ou em desordem, construídos com materiais improvisados e em desacordo com as disposições deste decreto, não será absolutamente permitida. # 1º Nas favelas existentes é absolutamente proibido levantar ou construir novos casebres, executar qualquer obra nos que existem ou fazer qualquer construção. # 2º A Prefeitura providenciará por intermédio das Delegacias Fiscais, da Directoria de Engenharia e por todos os meios ao seu alcance para impedir a formação de novas favelas ou para a ampliação e execução de qualquer obra nas existentes, mandando proceder sumariamente à demolição dos novos casebres, daqueles em que for realizada qualquer obra e de qualquer construção que seja feita nas favelas.”

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Agora está definido por lei que apenas “duas ou mais” barrocos já constituem uma favela. Em 1940 o Governo Federal realiza um censo, ainda extra oficial, nas favelas cariocas, descobrindo que existem 63 317 casebres no Rio de Janeiro. Deste censo, é elaborado o “Relatório Moura” feito pelo Dr.Victor Moura e entregue ao Secretário-geral de Saúde do Distrito Federal sob governo de Henrique Dodsworth, e segundo Moura: “A vida lá em cima é tudo quanto há de mais pernicioso. Imperam os jogos de baralho, de chapinha, durante todo o dia, e o samba é diversão irrigada a álcool. Os barracões, às vezes com um só compartimento abrigam cada um, mais de uma dezena de indivíduos, homens, mulheres e crianças, em perigosa promiscuidade. Há pessoas que, vivendo lá em cima, passam anos sem vir à cidade e sem trabalhar. E este morro está situado no coração da cidade, junto ao centro de trabalho intenso que são o porto, os moinhos Fluminense e Inglês, as Usinas Nacionais...”

Dr.Victor Moura, in Relatório Moura citado por Marcus Alvito, in Poder e Ideias Políticas no Rio de Janeiro

É definitivamente decretada sua perniciosidade e exigida sua extinção, daí o medo de Stefan Zweig em relação ao desaparecimento das favelas. O governo parecia convincente nas suas intenções. A preocupação governamental ocorre num momento em que as favelas estavam em franca expansão. Sobre esse período a arquitecta e pesquisadora Lílian Fessler Vaz diz: “Os anos 40 foram o período de mais forte proliferação de favelas no Rio de Janeiro. Foi nesta época que o primeiro Censo oficial foi realizado, após as eleições de 1947 quando um grande apoio aos candidatos comunistas veio das favelas, preocupando o Governo. Apesar dos números deste Censo terem sido controvertidos, ele se tornou o marco do reconhecimento oficial do Estado da existência das favelas, que já faziam parte da paisagem da cidade.”

Fessler Vaz, 2002

Durante este período e em pleno Estado Novo, encontramos uma discordância de opiniões oficiais entre o governo Municipal do perfeito Henrique Dodsworth, que quer a remoção das favelas; e entre o governo Federal de Getulio Vargas, o “Pai dos Pobres”, que quer a sua urbanização. Sobre um livro do Jornalista Henrique Dias Cruz “Os Morros Cariocas no Novo Regime”, o Professor Marcos Alvito, da UFF diz:

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“A nossa peregrinação foi aos morros. Da cidade já se tem escrito e falado muito. Escolhemos deliberadamente os morros para as nossas reportagens porque neles é que estão as populações nas quais mais se reflectiram os benefícios das leis sociais. E ao lado da história dessas colinas, o seu progresso, o que o Estado Novo lhes deu! Assistimos à sua transformação. Já não mete medo. Perdeu a razão de ser o título que lhe davam - 'reduto de criminosos' (...) A Favela, repitamos, em bem da mais pura verdade, já está relacionada com a cidade, já participa da comunhão social. E o remédio foi tão simples: ao invés de polícia, assistência moral; ao invés de cadeia, escola, hospital, trabalho. E hoje, as populações pobres dos morros cariocas já sentem um pouco de felicidade na vida. Olhou para elas o Governo actual, repartiu com elas os benefícios das leis sociais.”

Marcus Alvito, 1941 sem indicação de local ou editora (livro encontrado na Biblioteca Nacional)

_ 1950 _ Com o fim do Estado Novo e a entrada do Brasil em uma fase democrática, entre 1945 e 1964, as favelas ganham um novo impulso. As populações faveladas agora são uma grande fonte de votos, com isso o ritmo de remoções diminui e as favela tornam-se praticamente intocáveis, a ordem do dia agora é “urbanizar”. Aliado ao grande fluxo migratório, oriundo principalmente do Nordeste. Este exôdo abastecia a cidade de mão-de-obra barata, para o sector industrial em crescimento, alocavam-se às favelas. O governo nada fez para deter a forte imigração para o Sudeste, nem o crescimento das favelas, dado o potencial económico que este modelo permitia. Até agora alheia a esta questão, a Igreja Católica entra e cena e cria em 1946 a “Fundação Leão XIII”, que visava: “Dar assistência material e moral, (escolas, ambulatórios, creches, maternidades, cozinhas e vilas populares) dentro de uma perspectiva cristã, visando: conhecer a favela, tratar as famílias e extinguir a favela.”

Marcus Alvito, in Poder e Ideias Políticas no Rio de Janeiro

A Fundação implementou centros de Acção Social entre 1947 e 1954, agindo em 34 favelas. Estimulou e assessorou durante muito tempo as associações de moradores das favelas, posteriormente convertidas num órgão governamental. Em 1948, o perfeito Mendes de Moraes em acordo com o Presidente Mal. Dutra criam sete Comissões dedicadas a trabalhar na solução do problema das favelas, mas é em 1950 que a lei 539 é aprovada. Lei esta que trata e promete melhorias locais na favela como a construção de creches, posto de assistência social para a educação dos favelados, etc. Em 1951, na época da eleição do perfeito João Carlos Vital, o jornal de cunho comunista Diário Trabalhista publica um editorial com o título:

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“Talvez, com o senhor Vital, os problemas dos morros sejam concretamente resolvidos para colocar um fim à quixotesca e melancólica batalha”.

No ano de 1952 a Prefeitura cria o “Serviço de Recuperação das Favelas” – SERFA. Seguidamente e no mesmo ano, em resposta à Prefeitura, o Governo Federal, por despacho do presidente Dutra, cria a subcomissão de favelas na Comissão Nacional de Bem-Estar Social, no Ministério do Trabalho, da Indústria e do Comércio. Subcomissão que permite a remoção quando providenciado pelo governo, um outro local de moradia. Decorre o ano de 1955, Dom Hélder Câmara ascende a Secretário-geral da Igreja Católica e cria a “Cruzada São Sebastião”, onde a Igreja visa “dar solução racional, humana e cristã ao problema das favelas no Rio de Janeiro.” Nesta época são feitas diversas melhorias em favelas do Rio, desde redes de luz, águas, chegando mesmo à urbanização em algumas. A Cruzada negocia e consegue a não-remoção das favelas do Borel, Esqueleto e Dona Marta. Porém, e embora, as favelas contem com uma parte da opinião pública e políticos como aliados, a política das remoções ainda vigora, sendo que a oposição a projectos de assistência é elevado. Já 1958, o jornal “O Estado de São Paulo” publica num editorial: “O papel das autoridades [públicas] é esse: dar apoio moral a essa gente, dar-lhes responsabilidade moral. Tanto a Fundação Leão XIII como a Cruzada São Sebastião contribuem para o aumento da ‘miserabilidade deliberada’ e desperdiçam dinheiros públicos sem dar soluções ao problema. Mas, a grande maioria da população favelada é auto-suficiente, carecendo tão-somente de orientação, apoio e boa vontade das autoridades.”

_ 1960 _ Com o início da década de 1960, o Governador do Distrito Federal Carlos Lacerda cria a COHAB – Companhia de Habitação Popular, com o objectivo claro de remover as favelas e construir grandes conjuntos habitacionais. Em 1964, a pedido de Carlos Lacerda é elaborado o “Plano Doxiadis” para renovação urbana do Rio de Janeiro, encomendado ao escritório grego de mesmo nome. O plano elabora uma visão extremamente racional e apresenta uma solução técnica para todos os problemas da cidade. Sobre a população favelada acrescenta:

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“A população das favelas compõe-se de pessoas que pertencem, em geral, ao grupos de renda mais baixa, empregadas em vários tipos de actividade dentro da cidade do Rio. (...) Essa população é, todavia, indesejável, de modo a dever ser forçosamente removida para fora da cidade. É uma população útil, para qual deverão ser encontrados lugares dentro da cidade ou em pontos de fácil acesso.”

citado por Vera Rezende, in Planejamento Urbano e Ideologia

Visão extremamente funcionalista, a população favelada é referida como a mão-de-obra que realiza actividades importantes para cidade, uma peça importante do motor, portanto não devem ser removidas para locais inacessíveis. Propõe a re-urbanização e reabilitação das favelas nos mesmos locais que ocupavam na época, desde que não atrapalhem os objectivos maiores do plano. Segundo ele a COHAB mostra-se incapaz de gerir o problema das favelas, pois a demanda estimada acerca-se dos 30 000 unidades habitacionais por ano no estado de Guanabara, número distante das 1 400 edificadas anualmente. Com o Golpe de 64 e o fim da democracia, as favelas vêem enfraquecido o seu papel político/eleitoral. O início do regime militar é marcado por uma indefinição em relação ao tema, é latente a contradição entre as opiniões dos diversos órgãos e escalões governamentais. Em 1966 é criada pelo governo estadual a CODESCO – Companhia de Desenvolvimento de Comunidades, que segundo Licia Prado Valladares tinha como objectivo a “permanência dos moradores na área; participação nos trabalhos e utilização dos investimentos já existentes; implantação de infra-estrutura básica (água, luz, esgotos); financiamentos individuais para melhoria ou reconstrução das casas; loteamento da área e venda de lotes individuais”. A CODESCO actuou na favela Brás de Pina, onde se destaca a intervenção do arquitecto e urbanista Carlos Nelson F. dos Santos. De acordo com Lílian Fessler Vaz, o projecto “contou com uma forte participação da população local, foi considerado um sucesso e é até hoje um dos símbolos da resistência contra a política de remoção, através da urbanização de favela”. Porém, logo depois, em 1967, foi criado a CHISAM – Coordenação da Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do Grande Rio, órgão metropolitano criado por decreto federal, com a função de “exterminar todas a favelas” do Rio. A coordenação durou poucos anos mas foi suficiente para liderar a maior operação anti-favela que a cidade jamais conheceu. Prolongou-se até 1974, em sete anos 80 favelas, com 26 193 barracos foram removidas, deslocando-se uma população de 139 218 pessoas. Removidas as favelas do eixo Centro/Zona Sul, a população foi transferida para conjuntos habitacionais construídos pelo BNH – Banco Nacional de Desenvolvimento. Os famosos Conjuntos do BNH, foram construídos em zonas distantes de onde se localizavam seus moradores inicialmente, e deixados de lado pelo poder publico. Sua arquitectura toda racionalista, na maioria com pequenas

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casas unifamiliares repetidas a exaustão era enfadonha e muito diversa daquela que o morador estava acostumado. Outra solução formam os prédios de habitação multifamiliares feitos de pré-moldados com o menor custo possível, igualmente repetidos quase infinitamente. Esta medida teve duas principais consequências, a primeira seria a volta de vários removidos para novas favelas no centro, dado a incompatibilidade de morar muito longe do local de trabalho; e outra foi a favelização dos novos conjuntos como no caso da Cidade de Deus. _ 1970 _ Década de 70, ano de 1975, a municipalidade lança mais um plano de organização territorial da cidade. O plano “Pub Rio”, todo elaborado por técnicos da prefeitura, apresentando uma mudança ao planos anteriores. A habitação não era o ponto central, o plano estava mais interessado em definir a “Áreas de Planeamento” (APÔS), as quais em vigor até hoje. No entanto, emite uma importante opinião sobre a questão das favelas fazendo uma critica suave dos métodos utilizados nos últimos dez anos: “O poder público, ao tentar solucionar os problemas relativos a favelas, assumiu duas atitudes: remoção e construção de habitações populares. Os assentamentos resultantes foram localizados em áreas onde os custos sociais e monetários fossem baixos, tendo como consequência o fato de que esses locais não correspondem, necessariamente, às aspirações e necessidades da população a que eles se destinam.”

citado por Vera Rezende, in Planejamento Urbano e Ideologia

Os rígidos métodos usados pela ditadura militar deixaram marcas na população favelada e a uma parte da sociedade civil. Esta opinião sinaliza o alerta da questão, visto que a partir deste planeamento, o ritmo das remoções desacelerou significativamente. Durante o período de governo militar, a censura era uma realidade, logo as citações de opiniões restringem-se a planos oficiais elaborados pelo poder público, tal como no início da história das favelas as opiniões remetem-se a crónicas publicadas em jornais. É neste cenário, e com o início do enfraquecimento da ditadura, que resultou a redemocratização, o governo Federal lança o “Projecto Rio”, ou “PROMORAR”. Visando urbanizar as favelas em piores condições. A discussão até agora baseava-se na questão “remover ou urbanizar”, neste programa,

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junto com a experiência em Brás de Pina, levanta-se a questão de “como urbanizar”, demonstrando uma clara mudança na visão governamental. No fim da década de 1970 e no início da década de 1980, a redemocratização intensifica esta vertente de opinião iniciada no fim do regime militar, segundo Paola e Lílian: Os moradores de favelas passaram a ser considerados trabalhadores, e não só marginais, e a favela começou a ser percebida como o lamentável resultado de um desenvolvimento industrial e um crescimento urbano rápido e sem planejamento. Neste contexto surgiram as políticas de “legalização”.

Bernstein Jacques e Fessler Vaz, 2002

_ 1980 _ Em 1982 foi eleito Governador do Estado Leonel Brizola. Um ano depois, promove o PROFACE – Programa Favelas da Cedae, que visa para além da urbanização, dotar as favelas de infra-estrutura, levando água e esgoto aos morros do Rio, viabilizando também a colecta de lixo nestes locais. A partir de 1985, inicia um trabalho de iluminação pública e lança o programa “Cada Família Um Lote”, com o objectivo de regularizar a situação fundiária dos moradores nas favelas. Nas questões dos direitos humanos, o governo procurou definir uma nova conduta para as polícias civil e militar, de modo que fossem respeitados os direitos civis dos moradores de favelas. Acabou com as incursões militares nos morros, que considerou arbitrariedade do Estado. Seu governo foi baseado na educação, onde cria os CIEPs – Centro Integrado de Educação Pública e constrói vários em áreas de favelas. Segundo Brizola, integrar a favela na cidade e o favelado na sociedade, era o foco. Essa postura causou duras críticas ao então governador, seus opositores afirmam que esta política foi fundamental para a consolidação do crime organizado no estado do Rio. Brizola é derrotado nas eleições de 1986 por Moreira Franco que, apesar de ser seu adversário político, recorre do seu discurso sobre os direitos humanos no caso dos favelados. Durante o mandato foi questionado pelo Ministro da Justiça Paulo Brossard sobre a não-invasão militar nas favelas, ao que Moreira respondeu:

“Se ele conhece um meio de se chegar ao objectivo que sugere sem colocar em risco a vida de centenas de moradores da favela, que mostre o caminho.”

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_ 1990 _ Mesmo com resistência do Governador algumas incursões militares foram feitas nas favelas. Em 1990, Brizola volta a ocupar o cargo de governador do estado e dá continuidade à sua política. Sobre as invasões de favelas afirma: “De repente invadiram militarmente a favela e já vínhamos condenando essas incursões há muito, embora elas agradem a classe média, aos ricos, que acham tudo muito bom. Sentem-se mais confortáveis, quando dizem que vão pegar os bandidos lá... Os funcionários da segurança, todos eles, tem essa mentalidade... De achar que fazendo operação militar acabam liquidando bandidos. Na verdade fazem com que as favelas fiquem condenadas, discriminadas, como se fossem a fonte de todo mal. Como faziam antigamente com os judeus, no tempo dos guetos.”

em discurso ao Directório Nacional do PDT

Em 1994 Brizola sai do Governo do estado, César Maia, um dos seus descendentes políticos, assume a prefeitura. César cria no mesmo ano a SMH – Secretaria Municipal de Habitação para centralizar as acções da prefeitura nesta área. Visando as favelas, o perfeito diz: “Definimos como base da política habitacional do município do Rio a compreensão de que a moradia é um direito do cidadão; a habitação não é só casa, mas integração à estrutura urbana (infra-estrutura sanitária, de transporte, de educação, de saúde e de lazer); e que compete à colectividade promover a estrutura urbana. Visa, portanto, compatibilizar o direito individual com as possibilidades colectivas na construção de uma ‘Cidade Maravilhosa’.”

De certa forma é uma continuidade do pensamento do seu padrinho político. Através da SMH promove um projecto ambicioso, o “Favela-Bairro”. A ideia do programa seduziu o BID – Banco inter americano de Desenvolvimento que disponibilizou recursos para sua implementação. A intenção do Favela-Bairro, segundo o Secretário de Habitação da época e actual professor da FAU – UFRJ, Sérgio Magalhães era de “transformar favelas em bairros”. Em outras palavras, pela coordenadora do projecto Lu Petersen: “fazer cidade onde antes só havia casa”. O programa mobilizou a comunidade de arquitectos do Rio num grande concurso de projectos para a urbanização das favelas. Patrocinado desta vez pelo IAB/RJ. Segundo Demetre Anastassakis, presidente do IAB do Rio no período de lançamento do concurso, o objectivo do programa que premiava o julgamento dos trabalhos inscritos estava claro:

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“A resposta rápida, óbvia, é integrar. Integrar a favela na cidade constituída, na cidade formal, torná-la bairro sem adjectivos.”

O Favela-Bairro no Morro da Formiga levou infra-estrutura urbana ao morro, fazendo melhorias ao que é considerado espaço público. Não mexeu nas habitações individuais, mas trouxe a presença do poder público à favela. _ 2000 _ O Programa Favela-Bairro continuou na década de 90 e existe até agora. Depois de César Maia, continuado por Luiz Paulo Conde, perfeito com apoio de César, e novamente com César no seu segundo mandato. Hoje, dez anos passados, dos inícios das obras o programa esta sendo motivo de interesse da sociedade civil e da imprensa. As maiores criticas recebidas são; o programa não conseguir conter o crescimento das favelas, considerando-o incentivador por trazer melhorias de infra-estrutura transformando as favelas em locais de melhor habitabilidade. Esta critica ganha muito apelo popular ao fazer o paralelo com a sempre crescente onda de violência na cidade. Este paralelo, contudo, causa uma confusão que não é nova na discussão sobre o tema; mistura os conceitos de favela e violência, sendo para uma parte da população, os dois termos sinónimos. A discussão feita a este nível traz à superfície a ideia de remoção de favelas, que à muito tempo já estava esquecida. Com o “estardalhaço” da imprensa, o assunto chega a Alerj – Assembleia Legislativa do Rio da Janeiro, que cogita alterar a Lei Orgânica do município para que ela permita a remoção. As opiniões dividem-se uma vez mais sobre o assunto, o deputado Flávio Bolsorano diz: “Tem que haver remoção independentemente dos riscos. O local fica à critério do poder público, o que não pode é decidir que eles [os moradores de favelas] sejam removidos para área próximas. É um absurdo, se você levar em conta o IPTU de São Conrado, onde fica a Rocinha.”

Jornal O Globo 05/10/2005

Com uma opinião distinta, a deputada Jurema Batista afirma: “Na década de 60 nós convivemos como terror dos despejos. De repente esse fantasma volta a nos assombrar. Isso abre espaço para a perseguição dos pobres.”

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Jornal O Globo 05/10/2005

Até hoje, a remoção de favelas no Rio de Janeiro teve um carácter puramente político-classista, e nunca técnico ou urbanístico, sendo prova disso o facto de todas as favelas removidas estarem na Zona Sul da cidade, a região mais rica. Sob o pretexto de tirar os pobres da vista dos ricos. As remoções são totalmente inaceitáveis. Este facto causou mazelas na parcela mais progressista da sociedade, além, é claro, do trauma das populações removidas. Acarretando uma falsa ligação entre o conceito de remoção e a luta de classes. Ora, como a favela é toda construída por pessoas que não possuem conhecimento académico, mas empírico, não é difícil perceber que algumas aberrações do ponto de vista técnico urbanístico ou de conforto surjam ocasionalmente. A eliminação de toda uma favela, nunca terá argumentos suficientes deste tipo, que o justifiquem. Contudo depois de um estudo detalhado e minucioso da favela e suas habitações individualmente, é por vezes necessário a indicação de certas casas ou conjunto de casas a serem removidas. Reforço aqui, que é fundamental, crucial ou mesmo imprescindível, entender a dinâmica das favelas e as suas motivações de crescimento para se propor tal medida. De nada adiantará remover uma favela ou um favelado e jogá-lo na rua ou a Km de distância de sua antiga casa. A mudança de endereço para qualquer pessoa acarreta na vida, um todo. A vizinhança, parentes e amigos, são eliminados; as novas distâncias entre casa e trabalho, casa e escola, ajudam no sufocamento dos transportes públicos. Contudo e a mais importante de todas as ponderações é a questão humana, de imposição de algo completamente estranho à sua realidade. Portanto é necessário haver uma política conjunta entre moradores e órgãos públicos responsáveis, pois a remoção total é absurda, ressalvando que a liberdade tem que ser consequente.

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morro versus asfalto _ opiniões sobre favela _

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autoconstrução _ uma longa construção _ o sobre-trabalho _ cultura popular

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autoconstrução Como vimos uma das formas que os favelados encontraram para resolver seu problema de morar foi, a apropriação dos terrenos livres da cidade em áreas da periferia e centro. Os salários são baixos, por isso só desta forma é possível edificar. A ocupação de terrenos livres, bem como a livre ocupação de loteamentos definidos para a população de baixa renda pela prefeitura, como no caso da Vila Pinheiro na Maré e do Bairro Barcelos na Rocinha, são uma realidade. Sem outra alternativa, os moradores sujeitam-se a morar num bairro carente de serviços. Após a posse do lote, começa a construção da casa através de um árduo e longo processo, calcado na cooperação entre amigos e vizinhos ou apenas na unidade familiar: A AUTOCONSTRUÇÃO. As favelas apresentam-se assim como um tecido urbano versátil que cobrem morros e colinas. O verde anterior, neste último século, foi substituído por uma pele de tijolo e laminado zincado. As casas estão em continuo crescimento. Ignorando restrições estruturais e arquitectónicas, os moradores aparelham as suas casas, a altura, o fenómeno do edifício crescente, pode ser visto como uma resposta directa à necessidade dos habitantes. Uma expressão dos recursos simples e pargos existentes. O resultado das sobreposições de algumas casas no terreno resultam em edifício de 8 a 9 pisos, onde a partilham de uma escada passagem e entrada, são frequentes. O recurso ao morro é o predilecto, dado ser zonas onde existe maior terreno livre, contudo é também a mais perigosa no período das chuvas. _ uma longa construção _ É principalmente através da autoconstrução que a maioria da população favelada resolve o problema de moradia nas grandes cidades brasileiras e de modo geral da América Latina. A construção da casa prolonga-se por muitos anos, absorvendo a maior parte do "tempo livre" da família. Os fins-de-semana e períodos de férias são utilizados na construção. O ritmo depende do tempo livre, do dinheiro disponível para a compra do material de construção e da disponibilidade da vizinhança que sempre dá uma ajuda. O material de construção é muitas vezes comprado em depósitos dentro do bairro que o “financiam” em favelas mais organizadas.

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autoconstrução _uma longa construção _

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No inicio, constrói-se um barraco de madeira que servirá de habitação enquanto se eleva a alvenaria, forma de evitar o pagamento de aluguer durante o período de construção, ao mesmo tempo, morando no próprio local, aproveita-se o menor "tempo livre" para a construção. Assim, num longo processo, vai-se construindo a casa e a cidade no morro. A autoconstrução é executada nos períodos que deveriam ser destinados ao descanso do trabalhador, para repor as energias, mas, na verdade, "descansa-se trabalhando, carregando pedras". Este é o lema do autoconstrutor por vários anos. _ o sobre-trabalho _ O tempo de trabalho para autoconstruir não é calculado monetariamente, não entra no computo do salário, mas faz parte do tempo de trabalho necessário para a garantia do abrigo, faz parte do tempo de descanso que é usado para o trabalho e também do desgaste do trabalhador, e da super exploração da força de trabalho. O número elevado de trabalhadores a autoconstruir a sua casa, trabalho não remunerado, contribui paradoxalmente para que o custo da habitação entre cada vez menos no cálculo do salário, embora pese cada vez mais nas costas dos trabalhadores. Estranha contribuição. À medida que trabalha durante seu tempo de descanso, passa, a ser proprietário de uma casa, numero que vai somar ao número de possuidores de casa própria. Do ponto de vista social o aumento da legião de proprietários, contribui para que o pagamento da casa no cômputo do salário seja menor, porque, o aluguer cai fora de seus cálculos. Em consequência, as reivindicações diminuem. Ou seja, é possível diminuir o nível de expectativa nos movimentos reivindicativos em relação aos salários, porque se calculará a sobrevivência sem o custo da moradia, e, assim, entende-se um dos aspectos da "ideologia" da casa própria, tão apregoada a quando da criação do BNH.

Arlete Moysés Rodrigues in "Moradia nas Cidades Grandes", Editora Contexto

Nesta ideologia, quando não se "consegue" ser proprietário de casa à custa de um esforço tão acentuado, resulta de ser preguiçoso, porque o “povo brasileiro não gosta de trabalhar”, porque ele se apega ao “descanso no fim-de-semana”. Esta mesma ideologia é transmitida aos trabalhadores que se assumem responsáveis pelo acesso ou não à casa própria, e mesmo pelo acesso ou não ao emprego.

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Os equipamentos colectivos extrapolam a dimensão do indivíduo e da família, colocando-se na dimensão da sociedade. Assim sendo, a melhoria de vida realiza-se segundo dois processos complementares: acesso, graças ao esforço individual, aos empregos e, com sacrifícios, a casa/lote; e através de lutas com o poder publico, para obter serviços urbanos adequados. Em linhas gerais, a autoconstrução é um processo de trabalho extremamente penoso, com elevados custos individuais. O alongamento da jornada de trabalho repercute na acumulação de capital, já que permite pagar salários mais baixos. Contudo, desgasta rapidamente a capacidade produtiva da força de trabalho, sem o mínimo descanso necessário. O produto _ casa _ embora seja precário _ pela qualidade do material de construção da edificação _ é uma alternativa viável de moradia. Desenvolve-se a casa e cria-se cidade neste processo quotidiano. O processo de autoconstrução, inserido no fenómeno urbano, como referimos, já existente, no Rio de Janeiro, nos primórdios do século XX, mas é na década de 50 que se torna significativo, intensificando-se ainda mais na década de 60. Está vinculado ao processo de industrialização e crescimento urbano e à transformação do sistema de transportes, substituindo-se os bondes puxados a burro, pelos bondes eléctricos e estes por uma malha viária a ser percorrida pelos ônibus. Enquanto no início do século XX prevalecia um padrão adensado de cidade, desde 1950 prevalece um crescimento horizontal, com predominância da autoconstrução. Houve várias tentativas dos governos de actuar em programas de autoconstrução, desde experiências internacionais, como as realizadas pelo Banco Mundial, pela "aliança para o Progresso" que "apoiam e incentivam" a autoconstrução, até as nacionais como os programas "Mutirão-autoconstrução", "João de Barro", seja em âmbito nacional, estadual ou municipal. Contudo quando se compara a actuação do estado nestes programas, com a produção individual de autoconstrução (70% das cidades são feitas por este processo), tem-se uma dimensão da modéstia destes financiamentos. _ cultura popular _ A alternativa da autoconstrução é considerada viável pelos poderes públicos, além de mais barata, os custos de mão-de-obra não são considerados, antes, assumidos pelo trabalhador; além disso, essa alternativa é colocada, ideologicamente, como valorização do saber popular. Promove-se a ênfase à

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autoconstrução _o sobre-trabalho _ cultura popular _

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cultura popular, num discurso demagógico: o povo sabe construir sua casa. Se os trabalhadores têm resolvido seu problema de moradia pela autoconstrução, por que não financiar material e dar assistência técnica "gratuita" para a sua construção; e como se não bastasse, têm que despender um duplo esforço: trabalhar para garantir o sustento e trabalhar no seu descanso para garantir uma das necessidades básicas da sobrevivência _ o morar, sendo que o material de construção é financiado pelo trabalho. A autoconstrução ao reproduzir casas em lugares sem infra-estrutura e com um sobre-trabalho individual, condições gerais de apropriação do espaço urbano; onde é possível morar e de que modo é possível morar, definindo e redefinindo o lugar de cada um na cidade. Criando assim uma dinâmica própria...

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autoconstrução _o sobre-trabalho _ cultura popular _

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dinâmica da favela _ fragmento _ labirinto _ rizoma _

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dinânica da favela “A experiência da dança, o samba,

deu-me portanto a exacta ideia do que seja a criação pelo acto corporal,

a contínua transformalidade.”

Hélio Oiticica, artista plástico

É neste momento que chegamos à dinâmica da Favela. Hélio Oiticica, artista proeminente da primeira metade de século XX no Brasil, resolveu subir o Morro da Mangueira e ver com os próprios olhos o que por lá havia. Apaixonou-se, de tal maneira, que os seus trabalhos adi em diante desenvolveram-se na própria favela. Como ele o fez, e demonstra na sua produção posterior, pode-se fazer um paralelo entre a dinâmica da favela e o samba. Um é filho “bastardo” do outro. A ginga, o rebolado, a experimentação, estão tanto no samba quanto na dinâmica do local onde foi criado. Tradicionalmente, o samba é feito do encontro dos seus promotores através da experimentação colectiva, gerando um produto coerente. Surge na base da tentativa e erro. Um malandro faz um verso bonito, incorpora-se ao pagode, um outro faz um verso que não passou pelo crivo da colectividade e é logo descartado e esquecido. A favela é construída de maneira semelhante. Um favelado faz a sua casa, se a construção supriu as necessidades técnicas e funcionais, ou seja, se a casa não cai e dá pra morar dentro, o vizinho logo vai fazer do mesmo modo. Como o samba, o vizinho faz edifica imitando o outro, mas na sua particularidade técnica, de disponibilidade de materiais, na qualidade de sua mão-de-obra, e nas características do seu terreno. Pois nem todo samba é igual, do mesmo modo que a favela não é homogénea. Podemos neste ponto identificar intenções de produtivas, de fazer sambas e casas, conferindo-lhes uma certa coesão e identidade, pois samba não é frevo nem favela é “cidade formal”. O corpo é a base de tudo. A chamada “escala humana” que o Movimento Moderno empregou em vários dos seus projectos, e que tem com símbolo e base prática o Modulor de Le Corbusier; na favela sempre existiu empiricamente. “... a criação pelo acto corporal...” Oiticica descobre-a com entusiasmo remetendo-a às artes plásticas, porém podemos percebe-la tanto no samba quanto na arquitectura da favela. Uma porta, sendo exemplo, na “cidade formal”, tem uma altura padrão, 2,10 metros. Na favela original, antes do advento de materiais industriais, o tamanho variava de acordo com a altura do dono da casa, o espaço necessário para passar por baixo, o construtor empilhava os fragmentos da sua casa até chegar à altura desejada. Desta forma o corpo humano tornou-se a medida de referência. Não pretendo aqui tomar uma

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dinâmica da favela

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posição romântica ou exaltar a “beleza primitiva” de nossas favelas como fez Zweig, mas tentar mostrar como a dinâmica da favela é feita, muitas vazes em oposição à ”cidade formal”. No morro não se paga impostos municipais, logo não há melhoramentos promovidos pelo poder público. Assim sendo se o favelado não configura a sua casa e o ambiente em que vive, ninguém o fará (podemos considerar o Favela-Bairro como quebra desta lógica, contudo quando chegou, a dinâmica da favela já estava bem estabelecida). O morador põe mão na massa e num fenómeno autoconstrutivo, edifica... dinâmica da favela, e não estática (Não nos deixemos aqui levar pelo maniqueísmo fácil, contrapondo favela com asfalto, ‘se um é dinâmico o outro é estático’). Observando de baixo, como lemos no relato de alguns cronistas, o morro parece ter aquela “tristeza resignada”, porém a favela não está parada, ela mexe-se, movimenta-se, em vários sentidos. O “Brizolão”, no Cantagalo, por exemplo, (prédio construído no alto do morro para ser um hotel, posteriormente é no governo de Brizola convertido numa escola publica, daí o nome dado pelos moradores) além de abrigar uma escola, o prédio era sede de 11 O.N.G.s (Organizações Não Governamentais) originárias no morro, duas rádios comunitárias, aulas de capoeira, dança afro, boxe e uma célula do Afroreggae (movimento de captação de jovens, através da música para longe do tráfico), tudo iniciativa de moradores da comunidade. Tudo isto antes da implementação do programa “Criança Esperança” que se apropriou do edifício). De um lado, as pessoas movimentam-se, donos de grande criatividade e muita vontade, organizam-se em volta de projectos comuns, do outro a “...contínua transformalidade”, descoberta por Hélio Oiticica na Mangueira. Aproveito o momento para fazer uma pequena referência às três fases de desenvolvimento da favela: o fragmento, o labirinto e o rizoma. _ fragmento _ O ambiente está em contínua transformação. A construção de novas casas, a abertura de becos na mata, os diferentes “puxadinhos” são factores óbvios de constante mutação. Os vários fragmentos com os quais, essas casas são feitas tornam-nas mutáveis, criadas a partir do que há. A precariedade com que são construídas obrigam o favelado a um constante colmatar de “remendos”, promovendo-se a transformação. Paola Bernstein Jacques explica: “Podemos então considerar a confusão como provisória e a ordem fragmentária como ordem em construção, em transição, intermediária, em transformação contínua. O fragmento é a força daquilo que cuja natureza não conhecemos, daquilo que não oferece qualquer garantia de actualização. O fragmento semeia a dúvida. Ele pode ser um pedaço, uma etapa ou um todo, inclusive o contrário de si mesmo. O acaso se instala.”

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Para a autora, a natureza fragmentária da favela é que move esta contínua transformação. E isso gera o acaso, a incerteza. Continua: “A arquitectura tem grandes dificuldades de enfrentar os riscos do acaso, do aleatório, do arbitrário, do fragmentário.”

Paola Bernstein Jacques, in Estética da ginga

A arquitectura sempre teve ligada à ideia do sólido, por mais que os arquitectos do último século levassem o exprimentalismo do movimento e flexível suas obras sempre têm uma forte componente estática, imóvel. Ao invés na favela, as mudanças podem ser muitos rápidas, a desordem aparente resulta de uma ordem veloz, que muda a cada instante. O inacabado predomina, embora dentro de uma continuidade que lhe dá consistência... o fim é indeterminado. A favela surge-nos como um produto da sociedade do consumismo de hoje, onde o produto e o objecto não são feitos para durar. O incompleto, é aqui, o efémero. Paola continua:

“O desordem é necessária porque a força do Fragmento está precisamente em suas potencialidades anárquicas que provocam tensões. Podemos então considerar a confusão como provisória e a ordem fragmentária como ordem em construção, em transição, intermediária, em transformação contínua. O fragmento é força daquilo cuja natureza não conhecemos, daquilo que não oferece qualquer garantia de actualização. O fragmento semeia a dúvida.”

Paola Bernstein Jacques, in Estética da ginga

Numa sociedade onde a arquitectura esteve ligada à ideia de durável, desde a antiguidade que alguns povos buscavam mesmo a intemporalidade das edificações, a favela desafia todos estes princípios. O fragmento que a origina não tem princípio meio e fim, é uma entidade independente que se revela a si mesmo e confere movimento e dinâmica ao organismo que vai construindo... O tempo aparece-nos neste momento, esta lógica fragmentária surge de uma necessidade de construir o mais rápido e com o menos custo possível, num objectivo único de albergar a família. De construir lugar. ao contrário da prática projectual que procura uma espacialidade e projecção de futuro, a favela constrói a forma do espaço a medida que vai investindo. Não existe o pré definido, pensado, pois o momento dita a decisão.

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dinâmica da favela _ _

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A falta de projecto, advém numa diferente apropriação do espaço a cada instante, nunca se bricola (bricolage) da mesma forma. A favela torna-se um aglomerado de fragmentos e cores, que se agrupam de forma aleatória, os espaços deixados resultam em percursos, ou melhor os percursos resultam dos espaços deixados entre edificações. _ labirinto _ Deixamos assim, a escala do abrigo da favela e passamos ao conjunto de abrigos, surge o percurso, ideia que, está presente no imaginário da favela. Contudo ao vermos a favela de fora não temos essa percepção, penetrarmos deparamo-nos com emaranhado de percursos e becos, e aqui uma vez mais através da experiência fragmentária deparamos com o labirinto. Não existem placas, setas ou nomes de ruas. O conhecimento da favela depende do grau de vivência ou experimentação, quem vem de fora facilmente se perde por ali. Diria mesmo que será necessário perdermo-nos uma vez para realmente sentirmos o labirinto. Ao contrário de labirintos conhecidos, como na mitologia grega e romana, que foram pensados e desenhados de modo a ninguém conseguir resolve-los, apenas com truques como o fio usado por Teseu ao percorrer Cnossos ou a passarola de Icaru, de nada serviriam no complexo labirinto do morro. Na favela é o próprio fio que cria o percurso, ou seja, ao percorrermos o morro ele transforma-se atrás e a nossa frente, está em constante mutação. Mesmo métodos modernos que a tecnologia nos proporciona, como a foto aérea não são suficientes para fazer uma planta exacta do local, apenas do momento captado, contudo teriam de ser actualizadas ao minuto. O mapa teria de ser instantâneo, pois não há um pensamento prévio, nem fim no processo, a metamorfose é constante.

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Pois bem o percurso é necessariamente uma experiência obrigatória para o entender da favela, devemos viver o labirinto e tudo o que nele se passa. A apropriação do espaço e dinamismo de vida que lhe são inerentes e opostos à cidade formal. A passagem e sucessão de percursos desafia o urbanismo e remetem-nos para a noção de rizoma... _ rizoma _ Em 1976, Gilles Deleuze e Félix Guattari, apresentam a noção de rizoma, comparação com o crescimento heterogéneo do vegetal do rizoma, com este conceito a ideia de ordem e hierarquia, é quebrada o rizoma desenvolve-se como uma rede, que neste caso não é simétrica, visto as suas conexões darem-se por acaso, na desordem. Outra característica importante é o facto que o rizoma tem a capacidade de constituir e reconstituir após rupturas. O conceito de unidade é aqui destituído e surge a multiplicidade... Neste contexto e de acordo com vários autores, associo a metáfora do rizoma ao crescimento das favelas, ele dá-se de forma aleatória para o todo e consciente para quem constrói. Cada autoconstrutor um cria a sua apropriação do espaço, resultando numa multiplicidade de formas, cores e sensações. Contudo tal como no rizoma o conjunto funciona, o sistema passa a ser aberto e voltado para o exterior. O movimento associado ao crescimento da favela esta também intrínseco nesta aproximação à capacidade de brotar do rizoma. Outro ponto interessante, remete-nos para a invasão dos terrenos baldios, que tal como na natureza onde a estrutura rizomatica se apropria dos terrenos abandonados, transformando-os em jardins-rizoma, na favela o motivo repete-se e criam-se marcos territorializantes, que se afastam da estrutura racional da cidade formal. Aqui entra um ponto onde o projectista interveniente na favela deve ter em consideração:

“... proceder através de quase não-intervenções, ou seja, de intervenções mínimas que seguissem os fluxos naturais e espontâneos, as linhas de fuga e as linhas de desterritorialização das favelas já existentes. Tratar-se-ia de passar à acção respeitando não somente o carácter rizomático, mas também labiríntico e fragmentário das favelas, ou seja, seguindo o processo e a estética das favelas iniciados pelos favelados...”

Paola Berenstein Jacques, in Estética da ginga

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dinâmica da favela _ rizoma _rizoma _

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Hoje podemos utiliza-lo (rizoma) num ponto de vista arquitectónico, adquiriu novo significado, e quando nos referimos a ele é rapidamente associado a modificável, adaptável, conectável. As entradas múltiplas e múltiplas saídas são comuns no fenómeno urbano das apropriações faveladas. O “jardim crescente” é agora a cidade da favela. _ voltando à dinâmica _ A compreensão desta dinâmica, nova para os arquitectos, é de fundamental importância para podermos projectar numa favela. Aqui não podemos utilizar o método da comparação por oposição pura e simples, pois na verdade, entender a dinâmica de qualquer meio de intervenção que o arquitecto pretenda construir é importante. No caso da favela, a questão torna-se crucial por vários motivos. O mais importante deles deve-se a ser um ambiente totalmente estranho, algo que não segue muito bem as leis que o profissional do espaço e da construção aprende na escola e vida. Segundo o Arquitecto Jorge Mário Jauregui para se compreender a dinâmica própria das favelas é necessário o uso de conceitos exteriores à arquitectura: “Por outro lado este tipo de trabalho ligado à complexidade, exige uma apropriação de conceitos da filosofia, tais como o conceito de rizoma, o conceito de dobra e os conceitos de espaço liso e espaço estriado, entre outros, bem como dos conceitos da teoria do caos, tomada aqui na sua perspectiva de "extrema sensibilidade às condições iniciais", que é um aspecto muito relevante em relação ao trabalho nas favelas.”

Mário Jorge Jauregui, in entrevista à revista Arquitectura e Vida, 2004

Isso posto, podemos considerar alguns pontos essenciais da devem ser bem consolidados pelo arquitecto antes de definir uma postura de intervenção no acto projectual em áreas como esta. A primeira delas que quero tratar aqui, é a relação de espaços público e privado. Agora sim podemos levar em conta a dicotomia entre morro e asfalto. É bem verdade que esta relação pode variar bastante dentro da “cidade formal”, ainda mais no Rio de Janeiro. Podemos entender como o público é diferente no Leblon (bairro da Zona Sul) ou em Madureira (Zona Norte), e o que entendemos como privado é diverso na Barra da Tijuca ou na Rua Uruguaiana. Porém, podemos perceber uma enorme disparidade entre a relação público/privado em qualquer ponto da “cidade formal” em oposição a um lugar entendido pelo senso comum como favela. (Trato aqui das definições clássicas do conceito de espaços público e privado, sendo privado tudo aquilo que, garantido por lei, ou seja, são considerados propriedade individual ou institucional privada, onde exista um dono em que a justiça oficial assim o garanta; casas e apartamentos, comércios, sedes empresas de capital privado, agencias de banco clubes, escolas particulares e etc. E espaço público seria tudo

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aquilo que é propriedade do Estado em suas diferentes instâncias, como ruas, praças, parques, praias, lagos e mares e etc. Ficando assim entre as dois conceitos, locais de instituições de capital público, como por exemplo, prédios do banco do Brasil ou da Petrobrás, escolas públicas, universidades federais e etc. Não pretendo aqui questionar esta definição clássica dos conceitos, por mais que em um mundo pós-moderno, de economia liberalizante e capitalismo evoluído, isso seja pertinente) No asfalto existe uma clara fronteira envolvendo o espaço privado. A porta de casa separa “o que é meu” do que “não é meu”, e deve ser muito bem trancada para preservar a propriedade privada. Na favela as pessoas dormem de porta aberta (facto comprovado por Zezé, líder comunitária na Maré e por Waldão, dono de birosca no Morro da Formiga). No morro a fronteira dissolve-se, o privado estende-se para a rua enquanto o publico vem um pouco para dentro de casa. É comum na favela, o morador de uma casa cuidar da calçada, quando há, em frente da sua casa. No asfalto, qualquer calçada é responsabilidade da prefeitura, o morador não cuida, pois afinal ele paga os impostos municipais justamente para que a prefeitura cuide. Na “cidade formal” a diversão de botequim, é no botequim da esquina, propriedade do seu dono, sendo que quando assim o deseja fecha a porta e todos vão embora. Na favela, por sua vez, a diversão de botequim é muitas vazes na casa da “tia” (termo da gíria carioca) do beco tal, casa essa que é considerada por todos propriedade da “tia” e quando ela quer vai dormir, enquanto a “rapaziada” ainda termina seus copos dentro de sua casa. É frequente no morro encontramos pessoas nas assistindo televisão, na sala, com a porta e janela escancaradas cumprimentando quem passa em frente como se estivessem no banco da praça. A boa compreensão disto é fundamental para o arquitecto no momento em que será ele que vai propor espaços públicos para a favela, sob o risco de desenhar espaços que simplesmente não funcionam, pois ninguém os usa. O entendimento dos fluxos de vida e dinâmica torna-se assim um papel importante, contudo há que ressalvar que não se trata de fazer o que os habitantes querem mas sim ouvir as sua demandas e reinterpreta-las. Outro factor a ser comentado foca os materiais de construção usados nas favelas, sendo estes integrantes da dinâmica das favelas. Dado estar em constante mutação, os materiais vão determinar primeiramente, como, e para onde as construções se movem e como se modificam, por possibilidades e limitações de uso de cada material especificamente. Apresento assim uma abordagem mais técnica e deixarei para um segundo momento a influencia dos materiais na estética da favela.

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dinâmica da favela

Praça inacabada no morro da Formiga Sambinha no beco ao lado no mesmo dia

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O morro há muito tempo já não vive de materiais reaproveitados do lixo da “cidade formal”. Todas as favelas do Rio de Janeiro têm hoje, em sua maioria, casas de alvenaria com laje de betão armado. São materiais industriais utilizados na favela com o mesmo fim para que foram fabricados. O tijolo é feito para fazer paredes, e actualmente é usado exactamente esse fim. Nas favelas antigas, sendo exemplo as latas, feitas para serem latas, serviam para fazer paredes nos barracos. A fragmentação na composição das casas como havia não existe mais. Com a evolução dos materiais nas construções da “cidade formal”, o know-how de utilização desta tecnologia chegou rapidamente às favelas, pois grande parte dos pedreiros e operários de construção da “cidade formal” mora nas favelas. Aliado ao conhecimento adquirido pelos favelados, o preço acessível destes materiais, consequência da economia de escala, possibilitou-se a alteração nas favelas das “latas de querosene” para a alvenaria. De repente a favela foi invadida por tijolos de barro furado cozido, cimento, brita, areia e ferragens que mudaram a “cara” dos morros. O novo material exige teoricamente um cálculo estrutural, feito na “cidade formal” por engenheiro formado e gabaritado, que garanta a responsabilidade técnica. No morro vai tudo no “olho”. O empirismo reina no dimensionamento das estruturas de casas feitas com o método da auto-construção na favela. O conhecimento vai muito por tentativa e erro: quando a casa cai, na próxima faz-se um pilar mais grosso. O motivo para as favelas não caírem todas, como no jogo de dominó, é realmente a qualidade inerente à tecnologia do betão armado. Um pilar de betão calculado com esmero pelo engenheiro é muito mais fino que o senso comum pode supor. Isso, e levando-se em consideração o volume no qual esse pilar está assente. Antes, qualquer pilar de madeira, pedra ou tijolos seria mais grosso para aguentar a mesma carga que o pilar de betão. Assim na hora de “chutar” as dimensões dos pilares e da ferragem a utilizar, o construtor favelado, utilizando o empirismo, irá naturalmente super dimensionar a estrutura. Não existe casa que caia por que o pilar ou as suas ferragens estivessem muito finos. Caem sim, por que eles estavam mal feitos, ou até por que nem existiam, ou pelas suas fundações estarem mal assentadas. Uma consequência directa do betão na favela é a utilização da laje de cobertura das casas como terraço habitável. No meio da multiplicidade de casas dispersas e amontoadas nos morros, as lajes como terraços tornaram-se um importante espaço público de convivência, principalmente em favelas muito densas onde os becos são estreitos. Churrasco, crianças que soltam pipa, são vários os usos deste espaço. Chegou a ficar conhecido nacionalmente um concurso de beleza organizado em várias favelas da cidade do Rio chamado: “A Garota da Laje”. A laje possibilitou também um outro fenómeno. A pessoa que constrói a sua própria casa e dela se declara dono, passou a “vender a

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laje” de cobertura, para que outro morador possa, ali, construir a sua própria casa também. Isso gerou um enorme e complexo “comércio de lajes” nas favelas cariocas. Este fenómeno intensificou-se, promovendo um adensamento nas favelas de tal forma, que certas casas chegam a ter 6 ou 7 andares, edificados aos poucos em cima de lajes que foram vendidas de vizinho a vizinho. Cada andar possui diferenças formais, um em relação ao outro por serem feitos por pessoas diferentes, com gostos diferentes, em períodos diferentes e com acabamentos diferentes. Esta multiplicidade de composição garante a coerência estética com o resto da favela, não destoando do conjunto que funciona como um todo. (ao leitor desavisado, não estou a defender a qualidade de espaços gerados pela favela, mas apenas sua coerência estética) Passando a um novo ponto e não menos importante, devemos entender o favelado, não mais como a parcela mais miserável da população como já foi um dia. Quem mora na favela possui uma fonte de renda, por menor que seja. Existem naturalmente classes sociais diferentes, e a distribuição de renda, apesar de ser bem melhor que da sociedade em geral, não é igualitária. O último senso do IBGE em 2000 revelou que nas favelas cariocas os 10% mais ricos ganham 9,8 vezes mais que os 40% mais pobres. Embora ainda distante do mesmo índice para o município inteiro que é de 24 vezes, demonstra que a favela esta longe de ter uma distribuição de renda justa. Com os números fornecidos pelas estatísticas, entende-se que existam pessoas que possam e queiram investir mais ou menos em melhoramentos em suas casas. Entra aqui o fantasma da “remoção”, que hoje afastado, permite ao favelado não ter mais medo de colocar dinheiro em obras de melhoramento e embelezamento da sua casa, pois sabe que dificilmente sairá de lá. O cenário gerou um fenómeno interessante. Os moradores de favelas começaram a hierarquizar as classes sociais de acordo com os melhoramentos feitos pelas respectivas classes em suas casas. Isto traduz-se na prática de uma maneira evidente, no acabamento das fachadas. Vindo desde o barraco com pedaços de fragmentos, será mais rico quem tem condição de estar mais distante desta “aparência”. O status quo da favela é representado pela estética da fachada de cada casa. Isso de acordo com os materiais mais ou menos caros de revestimento, que passaram realmente a identificar o morador. O zelo pelas fachadas surge, pois demonstra que o morador tem e pode gastar dinheiro no revestimento exterior. De forma simplista, foram identificados os estágios dos status na favela, tendo como ponto de partida a imagem do barraco de “latas de querosene”.

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dinâmica da favela

Praça inacabada no morro da Formiga Sambinha no beco ao lado no mesmo dia

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1 _ casa feita de tapumes multiformes fragmentados; 2 _ casa de pau-a-pique, onde houver; 3 _ casa de tijolos de barro sem revestimento; 4 _ casa de tijolos de barro com chapisco; 5 _ casa de tijolos de barro emboçada; 6 _ casa de tijolos de barro emboçada e pintada; 7 _ casa de tijolos de barro emboçada com revestimento cerâmico. As esquadrias também entram nesta lógica, os diferentes tipos podem ser combinados com diferentes revestimentos que vimos. A hierarquia da esquadria identificada é: 1 _ casa sem esquadria (caixilharia); 2 _ casa com esquadria de madeira; 3 _ casa com esquadria de madeira e vidro; 4 _ casa com esquadria de alumínio (e vidro, necessariamente) Sendo o último sonho de uma casa na favela, mais de um andar com revestimento cerâmico e esquadria de alumínio. É claro que devemos considerar o reducionismo desta classificação, mas ela é em grande parte verdadeira e explica muitas coisas. É comum encontrar casas com revestimento cerâmico nas favelas, várias de comerciantes que tem mais dinheiro, que são escolhidos sendo critérios ambíguos, com o intuito de mostrar a todos que tem revestimento. Por vezes até cerâmicas de pavimento são colocadas nas fachadas sem muita preocupação com o acabamento e detalhes, fazendo uma composição arquitectónica no mínimo estranha. Porém é importante ressaltar que no conjunto de casas da favela, na sua multiplicidade de formas e complexidade tipológica, a casa com cerâmica de piso na fachada não destoa na paisagem. O modelo de ocupação do território da favela sempre respeitou a topografia. E não podia ser diferente, não por uma questão de vontade, consciência ou filosofia, mas sim financeira. Para se construir prédios altos, na lógica capitalista, é necessário uma prévia acumulação de capital para alterações no terreno em grande escala fazendo aterros e cortando morros. Assim sendo a ocupação favelada, por incapacidade técnica e económica, nunca modificou a topografia em larga escala, fazendo quando necessário, pequenos ajustes à base da enxada e da pá. Essa

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característica, aliada ao crescimento orgânico e não projectado, confere às favelas uma ambiência mais próxima da tal “escala humana” que o Movimento moderno tanto buscava. Este processo chamou e chama a atenção de vários arquitectos à favela, onde encontram uma qualidade de espaços produzidos, consequência justamente desse processo de construção. O fenómeno da “venda de lajes” mudou esta ambiência em pontos de algumas favelas onde houve maior intensidade. Mesmo assim, o crescimento vertical nunca aconteceu individualmente nas construções. Ou seja, à medida que uma casa ia vendendo suas lajes, os vizinhos adjacentes também acompanhavam em um ritmo parecido, de maneira que a coerência de espaços produzidos pela favela é mantida, assim como sua aparência no e como conjunto de casas. De forma orgânica e “rizomática”, o crescimento das favelas, vertical ou horizontal acompanha a topografia, respeita o meio e pode criar espaços de qualidade. Importante ressalva visa que a produção destes espaços é feita pela colectividade, não havendo um planeamento prévio em larga escala, nem um estudo aprofundado de seus impactos posteriores, tudo é feito empiricamente. E é daí mesmo que vem a “beleza romântica” que vários conotam a favela, sendo ela a materialização em forma de cidade, das necessidades e vontades últimas dos usuários desta própria cidade, que a manipulam livremente e que conseguiram pela sua dinâmica elaborada em mais de cem anos, produzir espaços de qualidade.

Como vimos anteriormente, a favela não pára, transforma-se continuamente, a sua dinâmica vem sendo construída nos seus mais de um século de existência em constante mutação. Só neste ano de 2005 um marco fundamental veio a acontecer e que pode colocar em causa o que pensamos sobre favela até hoje. O favela-bairro não conseguiu mudar a dinâmica da favela a quando da sua implementação, pois ela vem sendo transformada sempre de dentro para fora. A prova mais recente de mutação desta dinâmica foi a construção de um prédio de 11 andares na favela da Rocinha. O importante aqui não é o facto de possuir 11 andares ou de ser “grande”, mas sim de ter sido feito de uma só empreitada. A lógica de construção da favela, na escala arquitectónica ou urbana, é justamente o facto de ser algo construído pela colectividade, uma obra múltipla e adaptável ao tempo e espaço ao qual está inserida, sendo construídos os seus pedaços aos poucos. Mesmo prédios grandes feitos no sistema de “venda de lajes” seguem esta lógica. O prédio referido edificado de uma só empreitada, simplesmente existir, pressupõe um projecto. Um projecto, um projectista, um arquitecto. Dado o tamanho da obra, pressupõe um calculista, um engenheiro. Uma obra deste tamanho feita inteira de uma só vez e projectada inteira de uma só vez exige

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dinâmica da favela

Edaquação de espaços à topografia, Formiga

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necessariamente um empreendedor, um especulador, um capitalista, alguém que, antes, arcou com os custos da obra para depois lucrar com a sua venda. Isso significa a intrusão da lógica capitalista da “cidade formal” na dinâmica da favela. _ o romantismo acabou _ Este não é um acontecimento isolado na Rocinha, como mostram outras fotos. A Rocinha tornou-se uma favela de vanguarda por possuir condições necessárias para isso. Adensamento extremo, grande tamanho total (cerca de 80 000 a 120 000 pessoas), crescimento populacional e grande circulação de dinheiro e pessoas, os limites naturais como a floresta da Tijuca e morro dos Dois Irmãos e os formais, bairro da Gávea e S. Conrado que confinam o crescimento horizontal, garantem à Rocinha as condições patrocinadoras deste fenómeno. A obra feita pela colectividade, o empirismo na construção de espaços, o respeito ao meio e todas as outras questões que fizeram a favela atrair os olhares curiosos de arquitectos sem preconceitos, não existe mais. A utilização da lógica da “cidade formal” na fabricação da arquitectura na favela, legitimiza para o crítico, a utilização de conceitos formais, académicos e eruditos no julgamento e crítica desta arquitectura. Questões como composição estética, ritmo de fachada, conforto (não tratado até aqui), adequação aos factores climáticos e culturais do meio, fluxos, qualidade de circulações e funcionalidade da planta, coerência volumétrica e tipológica, adequação às necessidades dos materiais e acabamentos, previsão de manutenção, padrões de medidas, entre muitas outras, podem agora ser critérios válidos e legítimos no julgamento desta arquitectura.

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Prédio 11 andares O Globo, Set’2005

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É verdade que a favela ao longo de sua história, em decorrência de sua dinâmica própria, acertou em vários momentos na formação de espaços urbanos ou arquitectónicos. Este novo fenómeno na Rocinha mostrou que esses acertos foram meio “sem querer”. Fruto da multiplicação colectiva de obras individuais, os produtores dos espaços na favela não tiveram (pelo menos como regra, pois não se deve subestimar a capacidade crítica das pessoas) uma reflexão critica sobre a sua produção, ou pelo menos, se a tiveram, não foi essa reflexão que moveu a sua construção, sendo portanto, obra do acaso. Quando a favela resolve “imitar” a lógica da “cidade formal” e se coloca como tal, os resultados podem ser não desejáveis. Assim, perde a sua identidade e dando possibilidade às autoridades de intervirem na sua dinâmica de liberdade ilegal, pois destoa, perde coerência e acaba por chamar a atenção da sociedade em geral.

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dinâmica da favela

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imagem da favela _ estética _ cor _ presépios _

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imagem da favela _ estética _

“A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da favela,

sob o azul cabralino, são fatos estéticos.”

Oswald de Andrade, citado por Mattos Pimenta, in Lepra da estética, 1926

Passemos então à estética de favela, quando Oswald de Andrade disse que a favela era um “facto estético” não estava julgando valores. Não se pode entender o termo “estética” relacionado à “beleza”, e em contraposição à “feiura”. Oswald foi levado a dizer isso por que ficou impressionado com uma imagem produzida pela composição de elementos, que enumera: casebre, volume, açafrão e ocre, cor e textura, verdes, volume, textura e cor, azul, cor e fundo ou moldura. A junção destes elementos num determinado local e inseridos na época precisa produziu, segundo ele, um facto estético. Materializando uma imagem, ou materializos e registrados em sua mente através de uma imagem, que o levaram a escrever a frase acima. É então possível, dizer, que a imagem é a materialização da estética. Desta maneira, para não haver confusão, podemos substituir “estética da favela” por “imagem da favela”, sem muita perda na significação dos conceitos, pois uma coisa passa pela outra, apesar de não serem o mesmo. Contudo não se pode confundir “estética” com “beleza”. O Doutor Mattos Pimenta, em confronto consciente com o escritor Moderno, ao falar que a favela é a “lepra da estética” está julgando valores. Está associando a imagem da favela, de uma maneira ou de outra, à feiura. É feia por que não segue padrões de beleza pré-estabelecidos. É justamente esse o ponto da estética da favela, não seguir os padrões pré-estabelecidos, estabelece os seus próprios padrões. Se é feio ou se é bonito, cabe ao observador formular a sua opinião, baseada ou não em padrões e modismos. A opinião do Dr. Mattos Pimenta nós já sabemos, a do Oswald, não. (na verdade, levando-se em conta o momento, circunstanciais e intenções em que foi escrito o Manifesto Pau Brasil, temos uma dica da opinião do autor), a imagem ficou marcada na cabeça do escritor, e ela é realmente marcante. Marcante antes de tudo porque ser coerente. Coerente tanto dentro de si, na composição de seus elementos estéticos; quanto no que representa, habitação pobre. A estética da favela, materializada pela sua imagem associada ao que ela representa é

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imagem da favela _ estética _

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inteligível. O observador não se perde na imagem apesar da sua complexidade formal. Existe um todo coerente, um sentido de unidade. Esta questão é antiga e foi primeiro tratada por pessoas que não tiveram um preconceito alienado nem uma pequenez individualista, e ao trabalharmos com favela essas são características importantes. Importantes pois a favela choca para quem nunca a viu, ou só a admira de longe. Choca justamente pela oposição estética que representa. É aí que mora toda a dualidade entre morro e asfalto. São mundos que tem seus valores, que produziram dinâmicas distintas gerando imagens opostas. A imagem da favela é como ela se comunica, para si mesma e para fora, para os outros. Quando chega à “cidade formal” provoca medo, receio, na verdade a favela mesmo nega a “cidade”, pois não esta acostumada aos seus valores. O medo é gerador do preconceito que muitas vezes está associado à favela e que não permite entendermos os valores que estão por traz desta imagem muitas vezes parecidos com os do asfalto. Na realidade, os valores da favela não são tão diferentes dos da “cidade formal”, mas produzem estéticas díspares, talvez porque tenham dinâmicas diferentes. Como consequência disso, os dois pólos fecha-se, isolam-se e olham cada vez mais com desconfiança para o outro, o oposto. A desconfiança gera receio, o receio gera medo, o medo gera raiva e a raiva gera violência. Temos que descobrir um e outro e olhar sem desconfiança, sem isso a favela nunca será integrada na cidade formal. Sobre a questão, Pablo Benetti coloca:

“Porém para garantir uma mudança radical na forma em que a favela é percebida pela sociedade é necessário que estes novos locais [projectos urbanos na favela] sejam também aceitos e admirados pelos moradores do ‘asfalto’ ”.

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A “cidade formal” tem que olhar a favela e identificar-se nela, e ainda gostar do que vê. Porém o problema é complexo e Pablo identifica ainda mais um complicador: “Abrir a favela à cidade, eliminar o carácter de território fechado, tentar o reconhecimento de pessoas de fora está cada dia mais difícil com o domínio do tráfico de drogas. Seu poder tem-se estendido, contaminando a representações sociais que muitas vezes são forçadas a alguma forma de diálogo com a marginalidade. Por uma questão de controlo, aos traficantes não interessa que a favela seja parte da cidade.”

Pablo Benetti, in Violência e projecto urbano em favelas

Vimos que a imagem da favela é gerada por uma estética própria, derivada de uma dinâmica intrínseca. Mas que estética é essa e qual imagem que produz? Antes de mais nada, é necessário dizer que cada favela tem suas especificidades, como cada bairro na cidade formal também o tem. A imagem da Mangueira, por exemplo, está sempre associada ao samba, por uma questão histórica, e pela fama que o Morro fez através de vários mestres sambistas que nasceram lá. A imagem de Vigário Geral, infelizmente, está ainda associada, à chacina ocorrida naquela favela em 1993. A da Rocinha está ligada ao seu tamanho, pois é frequentemente citada na media nacional e internacional como a maior da América Latina, e assim por diante. Porém, existe algo que une todas, algo na sua imagem que quando a maioria das pessoas olha para um pedaço da cidade logo identifica e diz: “Aquilo é uma favela!”. O que é esse ponto de união? Ele é na verdade a coerência estética. Que vimos como é gerado a partir da dinâmica própria. Essa coerência, esse ponto de fácil identificação das favelas passa por vários factores.

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imagem da favela _ estética _

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Um desses factores é o material com que são feitas. São na sua maioria de tijolos de barro sem revestimento. As fachadas revestidas, geralmente não estão à vista de fora da favela, pois são as fachadas da porta de entrada principal, que estão voltadas para as ruas ou becos onde os moradores circulam. Existem experiências feitas em determinadas favelas onde a prefeitura pintou todas as casas de branco (morro da Providência) isso causa certa confusão no observador de fora e dificulta a identificação da favela como tal. Outro factor, talvez o mais importante, é o da complexidade formal das favelas fruto de um conjunto de intervenções colectivas, onde cada um faz como quer sua casa, o resultado é um emaranhado de formas umas sobre as outras. Isso gera uma multiplicidade de ângulos e planos praticamente ininteligível se quisermos percebe-los individualmente. Porém o conjunto dessa multiplicidade é bastante apreensível no todo, e isso confere-lhe uma identidade plástica, que na percepção da complexidade de arranjos dos seus elementos internos garante a facilidade de classificação de um pedaço da cidade como favela. A inexistência de arruamentos na favela apresenta-se como uma oposição a “cidade-formal”. No Urbanismo pós-moderno a rua virou símbolo de cidade. Vista de longe a favela é um “mar de barracos”, temos a percepção que não existem ruas que delimitem quadras e lotes. Neste ponto existe uma consideração importante a fazer. Existem no Rio favelas planas e com ruas. Na verdade, há algumas outras maneiras de formação de uma favela, além da construção seguida de casas no solo virgem. Uma é o processo de favelização de loteamentos em áreas com tecido urbano (leia-se arruamento) já consolidado. Um grande exemplo disso é a Vila Pinheiros no Complexo da Maré e o bairro Barcelos na Rocinha. Vila Pinheiros foi outrora uma área de mangue onde existiu favela sobre palafitas, o Governo Federal aterrou a área e loteou-a, construindo ruas asfaltadas definiu lotes com alinhamento como na “cidade formal”. A população que morava na favela de palafitas foi recolocada nos novos lotes que tinham pequenas casas feitas para ser um conjunto habitacional. Contudo este conjunto com ruas e Projecto de Alinhamento, acabou por se favelizar. A Vila Pinheiros vista a partir de uma foto aérea não é percebida como favela, pois vê-se ruas e lotes, vista da Linha Vermelha em uma perspectiva onde o arruamento não é notado, tem-se a certeza de que é realmente uma favela. Ao caminhar pelas ruas, sente-se uma certa estranheza em ver várias características entendidas como sendo de favela em ruas rectificadas. É correcto portanto afirmar que não existe um tipo clássico de favela. Talvez nunca tenha existido. Compreender a variação de tipos diferentes de favelas é de extrema importância para o arquitecto na hora que se propõe a uma intervenção. Assim sendo, o projectista deve examinar e compreender as especificidades individuais de cada favela onde pretende trabalhar, tal como o fará na cidade dita formal “formal”.

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Festa em Paris Festa em N.Y. Cadeira estética da favela, designer irmãos Campana

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Mesmo sabendo das características individuais que cada favela tem, não se pode negar que quando se fala em favela uma imagem vem logo à mente. Essa imagem pode variar de pessoa para pessoa, mas acredito que haja algo em comum, mesmo que muito subtil, em todas essas imagens; pois grande parte do nosso repertório visual é fortemente influenciado pelos meios de comunicação de massa. Jornais, cinema, televisão, outdoors, etc., A propaganda utiliza imagens para vender os seus produtos e manipulam-nas para provocar sensações diversas nos observadores destas imagens. No momento a favela está na ordem do dia, sendo comentada pela sociedade em geral, os meios de comunicação começaram a utilizar a estética da favela para passar as suas mensagens, e funcionou. O grande público passou a consumir estas imagens, talvez por estranheza ou curiosidade, o facto é que, a estética da favela entrou na moda. Isto tomou tamanha dimensão que as pessoas começaram a ganhar dinheiro explorando a estética da favela. Os filmes sobre favela e com estética das favelas que começaram a multiplicar-se desde o virar do século. Com essa disseminação da estética favelada pelo mundo, surgiu também um interesse pela cultura da mesma. Os jovens do asfalto começaram a usar roupas, gírias e modo de falar das favelas, chegando até ao maior paradigma de cultura de massa no Brasil: novelas da Globo. A música da favela, anteriormente sempre associada ao samba, hoje deu espaço ao funk, e o curioso é, que este não precisou nem descer do morro, pois o asfalto subiu para consumi-lo. O consumo da estética da favela diversifica-se e vai desde a imagem romântica da cidade que não tem amarras e cada um é dono de si, até a exploração da cidade sem lei, dos tiroteios. Este fenómeno saiu do Brasil e conquistou o mundo. Longe da parte considerada como problema, o estrangeiro está livre para consumir a estética da favela sem o receio que um carioca poderia ter.

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imagem da favela _ estética _

Filme Cidade de Deus, Londres

Capa de CD produzido no Japão

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Isto ficou tão sério que chegou à esfera oficial. É comum um país escolher parte da sua cultura e apresentá-la ao mundo, um discurso estético oficial, que se torna a sua imagem. No caso do Brasil, com a quantidade de manifestações culturais, populares e eruditas, podemo-nos dar ao “luxo” de escolher qual vai ser a “cara” do Brasil para o mundo. E no momento é a favela. Em 2002 o filme brasileiro escolhido oficialmente pelo país para concorrer ao Óscar foi Cidade de Deus. Mudando de arte, no mesmo ano foi realizado na Itália a Bienal Internacional de Veneza, o mais importante evento deste tipo no mundo. A exposição escolhida oficialmente para representar o Brasil tinha como tema a favela... Sobre isso Abílio Guerra diz: “O acumulo de representações ao longo do século passado e início deste, torna mais compreensível a escolha temática e a abordagem curatorial da representação brasileira na Mostra Internacional de Arquitectura da Bienal de Veneza de 2002. Um dos dois módulos da exposição “Favelas upgrading” propõe uma leitura da realidade dos favelados. A instalação de José de Anchieta, segundo as curadoras Elisabete França e Glória Bayeux, “reproduz de forma poética-realista um barraco de favela mostrando a maneira primitiva e, ao mesmo tempo, criativa com que seus moradores-construtores erguem suas casas a partir das sobras que a cidade e a sociedade lhes oferecem”. Os barracos inseridos no contexto urbano constituem o tema dos fotógrafos, e funciona como reforço para a montagem do quadro final, onde a penúria é enfrentada com a peculiar criatividade primitiva e as carências são compensadas pela paisagem exuberante.”

Abílio Guerra, in entrevista a Globo, 2003

E completa: “Mas cabe aqui alguma ponderação, se levarmos em conta que estamos na tradicional Bienal de Veneza e o pretexto é a realização de uma exposição de arquitectura que representa nosso país.”

Abílio Guerra, in entrevista a Globo, 2003

Sendo em Veneza ou Paris, ao falar-se em arquitectura brasileira a favela é o tema. Vendo este cenário me arrisco a dizer que: A favela e sua estética estão na moda e são consumidas no mundo inteiro, porém a última pessoa que beneficia dos dividendos de todo este marketing é o favelado. Com excepção de raríssimos grupos, como o “Nós do Morro” e o “Afroreggae” que se tornaram famosos individualmente e viajam por todo o mundo, (inevitavelmente inseridos na imagem do pobre favelado que veio da miséria e venceu na vida, imagem essa que também é consumida) a massa

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Massenzi, venda de quadro pela internet Exposição metro Paris

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de favelados, que é quem realmente produziu essa estética, permanece inerte e não percebe mudança no seu quotidiano. _cor_presépios _ Mudando um pouco o rumo do discurso, deixo o consumo da favela, e falo agora de uma particularidade da imagem da favela para quem vive o Rio. No decorrer deste ano que vivenciei e estudei a cidade carioca, tenho um apontamento que me marcou bastante. Relaciona-se com a cor da favela, o tijolo é o elemento que confere a coerência imagética ao morro... os quadradinhos cor de laranja que durante o dia confundem o observador e colocam a sua visão à prova, onde as comunidades a perder de vista tornam-se uma só favela. Um único grande, e enorme edifício de tijolo coberto de retalhos coloridos, plásticos, madeiras, fios, depósitos, antenas parabólicas, pipas, azulejos; contudo é o tijolo que faz a transição entre cores, como se ele fosse o fundo e o resto pinturas sobre ele. Não pretendo aqui romancear a pobreza que presenciei, apenas partilho algumas sensações que interpretei da pura e simples observação que quem sente o contraste da realidade europeia a que me acostumei, com a escala da autoconstrução carioca. Continuo: na noite este complexo mundo de cor e movimento, transforma-se no que os cariocas chamam de presépios, são os presépios do Rio, visíveis de toda a cidade e conferem uma atmosfera mística e mágica quando os vemos do asfalto para o morro ou de morro para morro. O orgânico skyline dos morros (falo aqui de topografia, contorno aparente) permanece na noite onde a calmaria e a tranquilidade transparecem na imagem das luzes aleatórias que povoam a favela.

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imagem da favela _ cor_presépios _

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Intervenções na favela

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intervenções na favela

“Refazer o espírito da tradição, e não a tradição por si própria.”

Kengo Kuma

Desde 1994 com o início do programa Favela-Bairro várias obras foram feitas nos morros cariocas, o que mais uma vez colocou a favela na ordem do dia, porém desta vez não só da sociedade civil, como também da classe dos arquitectos, que começaram a prestar também mais atenção à questão. As Universidades entraram na discussão, dado alguns dos arquitectos das equipas ganhadoras do concurso serem professores das faculdades de arquitectura do Rio. Assim mais projectos, não só de urbanismo, mas também de arquitectura, foram construídos nos morros, além de trabalhos teóricos sobre o tema passarem a ser mais frequentes. Neste item foram selecciono alguns trabalhos realizados nas favelas, o interesse aqui é identificar a postura de cada arquitecto no acto projectual em ambiente de favela. O primeiro projectista que gostaria de tratar é o Arq. Jorge Mário Jáuregui. Vencedor de vários prémios internacionais, argentino radicado no Brasil que já realizou diversos projectos importantes em favelas. Em todas as suas intervenções ele busca levar “poesia” ao mundo das favelas que tanto dela carece. Para tal utiliza sempre formas fortes, marcantes e cores vivas. Dono de uma grande erudição, Jáuregui busca sempre conceitos em áreas diferentes do conhecimento, principalmente na filosofia, para melhor entender o acto projectual nessas comunidades e serve-se destes conceitos traduzindo-os em arquitectura. Sobre projectar na favela ele diz: “A outra exigência muito particular deste tipo de intervenções é a da "escuta das demandas" da população, para o qual é possível se apropriar, de forma consciente, da metodologia da psicanálise (atenção flutuante e associação livre). Isto significa que não se trata simplesmente de responder às demandas senão de reinterpretá-las diferenciando entre demanda manifesta e demanda latente.”

Arq. Jorge Jauregui, in entrevista à revista Arquitectura e Vida, 2004

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intervenções na favela Favela do Campino, Jauregui

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Um outro projecto de grande importância realizado recentemente foi o mercado da Rocinha. Por estar na entrada da favela torna-se visível a todos, dentro e fora. O arquitecto Rodrigo Azevedo apostou na antítese estética como postura de intervenção. Segundo ele, qualquer projecto que tente imitar a estética da favela esta fadado ao fracasso, pois a obra vai acabar por se favelizar e a intervenção no fim das contas não serviria para nada. Por isso para ir em contraponto a essa estética faz uso de uma lona tencionada que vai aumentando a medida que o mercado vai se desenvolvendo. A iluminação vem por cima da lona, escondendo as luminárias e evitando roubos e “gatos”, dando ao local um ar de serenidade.

Novo mercado situado onde existia o camelô da Rocinha

Outro escritório que realizou projectos importantes na favela é a Fabrica Arquitectura, que tem em Pablo Benetti, actual ex-director da Faculdade de Arquitectura e Urbanismo do Rio de Janeiro, um dos seus associados. A fábrica especializou-se em projectos urbanos e tem como abordagem uma postura projectual consciente do problema, Pablo coloca: “Excessivo respeito pelas condições locais mimetiza os gestos projectuais e os desvaloriza rapidamente. Excessiva distância das condições locais destrói não apenas o tecido urbano existente, mas sobretudo as relações sociais que lhe dão suporte”.

Pablo Benetti, in Violência e projecto urbano em favelas

Sempre recorrendo às cores vivas, a Fabrica prima pela qualidade do espaço, e diz que o projecto urbano pode ser um elemento transformado dos hábitos dos favelados que são os verdadeiros construtores das favelas.

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Cajú, Fábrica

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Gostaria de mostrar por último no Rio um projecto feito em 1999 durante o programa Bairrinho da prefeitura em Vila Canoas. A prefeitura ambicionava um posto na favela que abrigasse serviços municipais. No prédio funcionaria: no térreo um posto de saúde e no segundo andar o POUSO da favela além de uma

sala multi-usos. O prédio seria pequeno adequado ao tamanho da favela, que não é grande e ao exíguo lote em que está inserido. A opção da Arqui Traço, autores do projecto, foi dividir a já pequena praça em dois, de modo ao prédio ficar mais visível por estar solto das outras edificações no centro do espaço.

O problema, a praça é estreita e comprida, e fica na beira da Estrada das Canoas, desta maneira ao invés de valorizar o prédio tornando-o mais visível, não permite o distanciamento necessário para que isso

aconteça. Como consequência tornou-se uma barreira visual e não o compõe bem com o entorno, pois torna-se grande demais. Além de ter acabado com a convivência da praça que antes existia. Agora as pessoas tem que se espremer para poder passar pelo posto e chegar às suas casas. A arquitectura possui uma volumetria parecida à da favela, portanto não se destaca como o mercado da Rocinha, por exemplo. Apenas na sua implantação, sente-se espremido entre a Estrada das Canoas e no moro no lado oposto, sendo ao mesmo tempo solto nos outros dois lados onde estão as praças que foras cortadas. A estrada das Canoas possui um tráfego contínuo, sem sinais, e a calçada deixada pelo prédio é exígua e insuficiente. Não pretendo alargar-me muito nestas apresentações, pois não é minha intenção julgar as diferentes de posturas no acto projectual em favelas que apresento. Procurei sim até aqui entender e mostrar o que está sendo feito nestas áreas. O critério de escolha não surge de um acto reflectido da experiência dos últimos meses no Rio, mas de oportunidade que tive de visitar alguns destes espaços. O resultado são projectos diversos que formalmente não são necessariamente modelos a serem aproveitados, alguns são até modelos de como não se fazer. Contudo gostaria ainda de mostrar três projectos internacionais, esses sim podendo ser considerados referências formais e tipológicas, que embora não tenham o motivo da favela como tema servir-me-ão mais adiante. O primeiro guarda uma coerência intrínseca com a qual podemos fazer um paralelo com a Vila Pinheiros no Complexo da Maré, trata-se do Kunsthal Museum em Rotterdam, na Holanda, projecto de Rem Koolhaas, Feito em 1987. O prédio tem uma volumetria muito simples, uma planta quadrada, e é de fácil leitura ao observador. No entanto possui uma energia contida, uma complexidade retida na simples volumetria. Como é o caso da Vila, onde a multiplicidade das variantes arquitectónicas estão

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intervenções na favela Vila Canoa

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todas comportadas dentro dos seus lotes. Outra questão é o uso dos materiais. Vale citar a telha translúcida usada na fachada provocando um efeito estético interessante, e recorrente nas favelas. O segundo é a embaixada Holandesa em Addis Abeba na Etiópia, feita por Dick van Gameren em 1998. Neste projecto o arquitecto apropriou-se da estética e da cultura local para produzir uma arquitectura contemporânea numa visão holandesa. Utilizou a referência aos templos tradicionais de pedra da Etiópia, escavados do chão, aproveitando a topografia do terreno e implantando o edifício entre duas pequenas colinas de modo que seu tecto encontra-se ao nível do chão. Nas extremidades e no centro mostra a sua altura total numa clara referencia aos templos. Este é um excelente exemplo de como o arquitecto interpretou imagens e espaços que não são da sua realidade para produzir uma estética própria, ligada ao mesmo tempo à cultura local numa solução extremamente contemporânea, respeitando os valores intrínsecos às suas referências.

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O terceiro projecto é um prédio que abriga uma biblioteca e um auditório projectado pelo arquitecto Steven Holl. Concluído em 2003, este projecto é um adendo a uma universidade nos Estados Unidos. O arquitecto utiliza uma transparência filtrada em fachadas inteiras e joga com os níveis dos pisos observáveis através das fachadas translúcidas. Segundo o autor, neste prédio a “elegância encontra-se com a eficiência.” Ele explica o projecto na publicação intitulada “Experiências em Porosidade”, onde diz: “Enquanto este prédio é centralizado no terreno e formalmente homogéneo, suas adições internas oferecem visões periféricas e uma multiplicidade morfológica.”

Pois bem, estes exemplos que recolho nada têm a ver com a favela, poderemos dizer, contudo são referidos pela procura dos projectistas em adequar a sua linguagem às intervenções respeitando lugares e culturas. Assim sendo, remete para uma questão que tenho vindo a abordar ao longo desta dissertação, tal como na “cidade formal” ao intervirmos em favela temos de observar, entender e actuar com consciência da dinâmicas e estéticas da favela, para correctas, ou melhor aproximadas intervenções nas mesmas. Sobre este ponto o Jauregui acrescenta ainda um aspecto: “Uma das diferenças fundamentais entre intervir na cidade formal e na cidade informal é que esta última exige articular os aspectos físicos (urbanístico-arquitectónico-ambientais) com os sociais (económico-cultural-existenciais) e os ecológicos, considerando as três ecologias mencionadas por Félix Guattari (ecologia mental, ecologia social e ecologia ambiental) de forma simultânea, no mesmo acto projectual.”

Arq. Jorge Jauregui, in entrevista à revista Arquitectura e Vida, 2004

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intervenções na favela

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Por último mostrarei um projecto que transita nos dois grupos de intervenções vistos anteriormente. Em 2000, a Fundação Bauhaus Dessau em parceria com a prefeitura realizou um estudo para um projecto urbano e uma inserção arquitectónica na favela do Jacarezinho. No documento oficial, a Bauhaus explica as suas intenções: “Estruturas sócio-espaciais crescidas dentro da Favela, assim como a arquitectura da Favela como algo evoluído são realmente reconhecidos e servem de base para o planeamento. (...) Acima de tudo a intenção foi iniciar processos duradouros e auto-dinâmicos, pela interacção cultural, tecnológica e económica com o entorno urbano e criar uma nova imagem para a favela.”

O projecto foi coordenado pelo Professor Doutor Omar Akbar, da Bauhaus, baseado no conceito da “Célula Urbana” desenvolvido pela arquitecta Maria Lúcia Petersen para a prefeitura. Na parte urbana, o projecto propunha a criação de pátios internos e uma célula urbana no meio da Favela: “Pátios serão inseridos nas estruturas intertravadas das edificações pela remoção do seu núcleo. Isso melhora condições de vida e de troca, cria espaço abertos e contribui para o enriquecimento da estrutura urbana.”

Bauhaus Kolleg Complex City, 1999/2000

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O projecto arquitectónico trata-se de um prédio situado num dos cantos da célula urbana que foi trabalhada e foi chamado de “Nucleus”. Surge-nos como um pequeno edifício de três pavimentos, esguio e de frente para a Praça Concórdia que abriga um centro de media e informação. Sobre o projecto, a Bauhaus comenta: “Um hall de armazenamento é suplementado entre três andares. Dentro do prédio não há paredes estruturais. Funções secundárias, como loggia, acessos e dutos de instalações estão alocados se concentrando centro de uma área estreita no prédio.”

Bauhaus Kolleg Complex City, 1999/2000

Contudo grandes diferenças entre o desenho do papel e a edificação final aconteceram, pois os recursos e meios disponíveis não conseguiram ser mantidos até ao fim do projecto. Hoje continua a funcionar, embora esteja parado a continuação do projecto que previa uma unidade da Universidade Federal que integraria o projecto e apoiaria o centro e as actividades que desenvolve. Muitas vezes acontece que iniciativas desta natureza são posteriormente abandonadas. Contudo:

“... não é só o caso das “favelas” que carece de controle e manutenção. Por toda a cidade podemos ver a “cultura da informalidade” se alastrar como um câncer, onde escolas, hospitais, praças e até bairros inteiros vão ficando fora da atenção do poder público, demandando depois enormes esforços (económicos, políticos e sociais) para reparar o que não foi feito no seu devido momento. É assim como condomínios “fechados”, prédios gradeados, jardineiras cimentadas, lugares públicos transformados em estacionamentos, etc, vão destruindo a urbanidade e a conectividade do tecido físico e social, sob o argumento da “segurança”, que na verdade só aumenta a insegurança. Aqui há uma responsabilidade não só do poder público, mas também do cidadão comum quanto a se preocupar pelo “bem comum” (o de todos nós), que é como deveríamos ler os espaços de uso público, edificações, praças, parques, ruas, etc. Obviamente, o programa Favela-Bairro deve ser complementado com uma Política Nacional de Habitação Social consistente, não oportunista e dotada dos recursos adequados para sua implementação, sem o qual não passa de mera intenção. Pois se sabe que as famílias que moram nas favelas são de baixa renda, mas podem pagar os custos da construção da sua moradia, como podemos constatar dia a dia no crescimento das áreas informais. Por isso não devemos retroceder aos anos 70 “removendo” favelas e construindo “casinhas”, longe da urbanidade como é o caso de Cidade de Deus, onde os próprios moradores se chamam hoje de “refavelados”, por terem sido

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intervenções na favela

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forçados a abandonarem a proximidade da urbanidade (com todas as suas vantagens) para ir morar numa “Cidade de Deus”, no meio do nada, que ironicamente hoje se sente novamente ameaçada de ser removida, pois a “cidade formal” se estendeu até os seus pés”

Arq. Jorge Jauregui

O arquitecto Jauregui, defende assim essa integração e estudo adequado para toda a cidade, pois mesmo na dita “cidade formal”, existem problemas que são apenas apontados à favela. Devemos assim intervir com o mesmo cuidado da “cidade formal”, ou mais ainda visto o desconhecimento da favela ser ainda um facto.

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intervenções na favela

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_ a Lage _ o Organismo _puxadinhos_estendal_

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decompondo a favela _depósito de água_parabólica _ a escada _ os gatos _ o moto táxi _ o Tráfico _ a Pipa _

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_ a Laje _

“Eu quero presentear A minha linda donzela, Não prata nem é ouro É uma coisa bem singela (...) e pra gente se casar vou construir na favela (...)”

Zeca Pagodinho

Quem pensa ir às favelas ou periferias das cidades brasileiras, em busca de casinhas tradicionais com os aconchegantes telhados de duas águas e caleiras aprumadas para a queda das águas da chuva, ficará desapontado. Até onde o olhar pode alcançar, a laje é a cobertura. Este elemento tornou-se uma instituição, característica dos bairros pobres do país. Nos finais de semana, espalhados por toda a cidade, da Rocinha à Maré, passando pela Formiga, Perreira e S.Gonçalo, como formigas obreiras os moradores dão vida às lajes. Sob o sol quente, homens com as costas brilhantes de suor, misturam areia e cimento e carregam pilhas de tijolos em carrinhos. Nas lajes constroem um cavalete artesanal ao qual fixam uma roldana para descer balde com a corda e subir o material para os pedreiros. Num vai e vem de baldes que se prolonga de manhã até ao cair da noite com um pequeno intervalo para almoço, pois o fim-de-semana é curto, e só contam com ele para o serviço de benefício próprio. Em bairros com índices de pobreza tão elevados quem pode contratar profissionais? os moradores reúnem dois ou três amigos e constroem eles mesmos. Metem a mão na massa e assentam tijolos, azulejos, janelas, pavimentos, fazem instalação eléctrica e a laje de betão armado – sendo que mais tarde a ajuda é retribuída e quem foi ajudado constrói a casa do outro. Todos colaboram quem tem experiência profissional constrói os alicerces e coloca-os no prumo., alinham paredes e abrem vãos, os outros carregam o material. E assim com o capricho de quem constrói a casa que albergará a sua família, superam as dificuldades amadoras, do terreno acidentado

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decompondo a favela _ a Laje _

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e da precariedade das ferramentas utilizadas, elevam as suas habitações. Raro é encontrar, uma casa com as paredes tortas ou com a porta a raspar no chão ao abrir. Depois de todas as divisões levantadas chega a hora de armar e bater a laje, sobre uma estrutura de paus e madeiras até a argamassa secar. Seca esta, vem o “pau de fileira”, momento de comemoração. Começam então os preparativos para a festa, e mais uma vez a laje se torna palco de actividade, as mulheres começam bem cedo aquecendo o lume em dois ou três fogões, cedidos pelos vizinhos, porque a festa vai ser rija. Num recapitular, o vai vem começa de novo comida e temperos cima a baixo numa correria de quem quer o almoço pronto a tempo. É a hora de o dono da casa demonstrar a felicidade da família, sob a forma de uma feijoada e a fumarada de um belo churrasco. Domingo é dia de feijoada, com as bacias prontas e o fogo quente, o feijão vai ao lume, a vizinhança participa, uma frita torresmos enquanto a filha os seca em papel, outra prepara a couve, tudo com um aprumo dedicado, pois os elogios serão bem vindos. Os homens ficam encarregues dos sacos de gelo, da cachaça e da cerveja que tem de estar bem “geladinha”, é submersa em gelo e colocada em isopores (caixas de esferovite branco). Mesas e cadeira são trazias para acomodar os convidados, um adolecente coloca duas caixas de som na janela e o pagode ecoa pelo beco

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Os elementos metálicos que saem do cimento da laje, demonstram que a edificação se expandirá consoante os recursos e o número de familiares. Quando a família tem posses para arcar as despesas a nova laje serve o propósito de restruturamento do espaço interno da casa, o quarto passa para o andar de cima, que se subdivide em três ou quatro, liberando para colocar um novo armário e duas poltronas no piso em baixo. Sendo que a nova laje recebe a antena parabólica. Mais tarde a nova laje dará origem ao terceiro andar, onde surgiram mais quartos para albergar a nova família que veio. O pai constrói uma habitação para receber a família da filha que casou. Embora muitas vezes se encontre este cenário de pais no piso térreo e filhos nos andares a cima, este não é reflexo da maioria das habitações, famílias restringem-se a um andar dos sobrados ou uma parte dele, dependendo do nível económico. As favelas de hoje, albergam a especulação imobiliária, “proprietários” de terrenos preparam alicerces constroem o térreo e colocam imediatamente a venda com esse dinheiro levantam os andares superiores para habitarem ou alugarem para terceiros. Uma laje serve para crescer ou vender a outra família que se alojará por cima como tal é sempre mais vantajoso ter o andar de cima, sempre dá para fazer um “puxadinho” -imagem recorrente das favelas, alicerces, uma chapa metálica e esta feita a sombra para o convívio nos dias de maior sol e secar roupa nos dias de chuva. A laje para além servir as crianças permitir soltar as pipas longe dos fios dos postes é o lugar ideal para festas de aniversário, para churrascos e manter para manter o bronzeado sem “pegar o onibûs para ir à praia”. ............................

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decompondo a favela a Lage

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_ o Organismo _ As casas, encontram-se “juntintinho”, geminadas e sobrepostas das mais variadas formas, são fundadoras dos estreitos caminhos que surgem do espaço livre deixado a quando da sua construção. O cipoal criado obriga os moradores a serem muito discretos em suas falas quotidianas, pois a barreira da privacidade é ténue. Será contudo difícil de esconder brigas e demais discussões presentes na maioria das habitações, desentendimentos entre casais, mães que perdem os filhos na guerra do tráfico. A música?... essa é para todos. Aos domingos e com os aparelhos sintonizados não importa quem coloca, o objectivo e ser mais alta que o vizinho. É a luta de audiências. No mundo onde a ausência de regulamentarização não existe, todo o espaço é ganho, como tal se o vizinho já tem um parede e as relações de amizade existem só faltam três mais para a primeira divisão ficar pronta. Aliado a este impulso de construção, existem os milhares de fios que se esticam favela dentro, gatos e puxadas que garantem a electricidade de muitos e de todos. Criam verdadeiras teias, num emaranhado de linhas impossíveis de desembaraçar. A capacidade de orientação dos trabalhadores das companhias de electricidade é de facto impressionante.

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As vielas, caminhos e becos, percursos mil, estão na sua generalidade limpos, com a excepção de algum dejecto deixado por algum animal que por ali passou. O interior das casas também estão cuidados, normalmente ficando à responsabilidade dos filhos mais velhos, pois os pais e mães saem cedo para trabalhar e só voltam com o cair da noite. Em favelas com forte incidência de tráfico muitas vezes os filhos são aconselhados a ter muito cuidado nas saídas a rua, ou mesmo a ficarem em casa quando voltam da escola. No meio de tudo existem ainda as favelas de morro, onde não raro se encontram animais provenientes da floresta, micos, beija-flores, azulões, pintassilgos, sabiás, borboletas enormes e cheias de cor... Num vai e vem constante de crianças, mães, pais, pipas, animais, veículos diferentes e alguns mesmo estranhos, tráfico, venderes ambulantes, comelôs, musica, cor, alegrias e tristezas, pensamentos e vidas; a favela apresenta-se-nos como um organismo vivo – e assim deve ser encarado. Contudo, e apesar, das dificuldades que surgem no dia a dia, sempre aparece um braço para o apoio em situações de fome ou falta de trabalho. Quando uma criança quebra algo, uma mãe está em trabalho de parto, aparece ajuda. A comunidade defende-se, a solidariedade vinga.

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decompondo a favela _ o Organismo _

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_ puxadinhos_estendal_depósito de água_parabólica _ Quando se passeia pelo Rio, dentro ou fora das favelas há elementos do morro que não conseguimos deixar de sentir. Os “puxadinhos” estão por toda a parte, eles são uma espécie de “ainda dá para mais um pouco”, e se optarmos por esta opção temos em ideia que ninguém nota. Afinal é só “mais um pouco”. Desde a casa da favela que acrescenta um toldo, no rés-do-chão, abre as janelas e a porta para a rua, carrega-se o isopor, um pequeno rádio, e pronto boteco montado. Daqui à escolha do nome para a empresa acabada de montar é um pequeno salto. Em nada o toldo vira chapa e as biribas (varão de madeira) pilares. Este fenómeno tem infinitas possibilidades de tipologia, muitas vezes uma casa que a partida tem apenas 3 andares, começa a surgir com um novo puxadinho, e o consequente novo piso. Contudo esta prática não ocorre só na favela. Mesmo nos bairros ricos da cidade é frequente encontrar puxadinhos nas coberturas e aberturas de novos vãos, com certeza motivados por um estudo lumínico a que o proprietário se prostrou. Caravanas que ficam sobre lajes, varandas que encontram a casa vizinha... Numa escala maior, os puxadinhos viram prédios, temos o exemplo da barra. Muitos dos prédios são construídos sem nenhuma participação às autoridades, aponto aqui que tal como na favela há o descontrolo da fiscalização. Apenas estes movem interesses maiores e não fazem a sua aparição por carências económicas.

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Depois o estendal, tenho de dispor um pouco do texto para ele, são marca da favela, nas lajes, nas janelas, nas portas, nos postes das balizas de futebol, nas carrinhas, na ruas, o fascínio surge de uma incrível coloração que conferem a toda a imagem da favela. Nos fins-de-semana os lençóis estendidos cheiram a cara lavada... Quando chegamos perto, deixam um sky line de sombra que se requebra nas inúmeras arestas em seu redor. O movimento está presente, quando o vento passa e em sua ondulação toma a forma da roupa. Os depósitos de água e parabólicas povoam as lajes da favela, ficando esta repleta de pontos azuis e reflexos metálicos. Contudo não é o factor estético o objectivo, embora o satisfaça, mas sim a colheita das águas pluviais, para momento de maior necessidade e a possibilidade de ver o jogo da bola ao Domingo e as novelas da noite.

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decompondo a favela puxadinhos_ estendal_depósitos de água_parabólica

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_ a escada _ Subir uma favela, vimos em anteriores experiências relatadas por citadinos que subiram ao morro a desmistificando das especulações. O morro apresenta-se como uma cidade, um organismo vivo que alberga moradores que dada a sua condição económica são obrigados a construir as suas próprias dinâmicas e realidades. Mas é na verdade um momento de emoção para quem, nunca entrou e sempre ouviu contar. Eu mesmo senti um friozinho na primeira vez que subi a Favela da Formiga. Escadas até perder de vista, neste morro por não haver estradas todos os acesos são feitos por estreitos corredores e muitas muitas escadas. Situado em encosta íngreme desafia em muitas de suas edificações as leis da física. Curiosos são também os sinuosos caminhos que alternam de margem para margem no ribeiro que divide a favela ao meio.

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Contudo o tema das escadas surge neste trabalho devido a histórias urbana que falam que a ginga veio da favela, surgiu do subir e descer constante das escadarias que serpenteiam os morros. Passo a passo todos os dias os seus moradores percorrem caminhadas dignas de verdadeiros alpinistas. No saber popular alguns afirmam que “o samba nada mais é que subir escadas no mesmo sítio”. O chamado samba no pé. Verdade ou mito, cabe a cada um decidir... Contudo há ainda um aspecto que acrescento, desde lado agora mais racional, o elemento escada tem uma presença forte na imagem e funcionalidade da favela, pois é ela que permite o acesso a quando de uma venda de laje, o acesso aos terraços, o acesso a morros, o sentar para uma tarde de tertúlia acompanhada de um pagode de fundo, o andar gingão característico do malandro carioca, o aproveitamento dos vãos de escada para encaixar um botequim, um banco para descansar na sombra ou esperar o autocarro que passa, arrumos ou mesmo o assador para o churrasco de Domingo...

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decompondo a favela _ a escada _

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_ os gatos _ Neste subtítulo apresento a teia das energias, as comunidades na sua generalidade dispõem de iluminação pública nas ruas principais, nos diversos becos e largos. As redes de baixa e média tensão são sustentadas por postes de betão armado nas vias principais, e de madeira nos becos, este último em maior número. Estas energias são conectadas através da utilização de cabos multiplex e cabo pré-reunido, nos becos e rede aberta nas vias principais, respectivamente. Especificismos à parte, procuro aqui incidir na proliferação de cabos e fios eléctricos cruzando as ruas ou concentrados em determinados postes que para além de agredirem a paisagem urbana, segundo os cânones da linguagem da “cidade formal”, são motivo de permanente preocupação devido ao número de acidentes que ocorrem, principalmente com as crianças. Numa visão mais poética direi que é um grande momento plástico que a necessidade nos proporcionou.

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Quanto aos postes existentes nas favelas, muitos se encontram em bom estado de conservação, é a energia das comunidades e são respeitados por isso, contudo o abuso de fios e “gatos” (na gíria de Portugal será puxadas) danifica alguns postes colocando-os fora de prumo. Os “gatos” surgem por toda a favela e são também eles imagem de referência do morro. A energia roubada estende-se até ao mais remoto beco do labirinto mutável. Contudo não só de energia vivem, existe-os também nas águas e esgotos. No final acabo por menciona-los dada a sua linguagem estética evindenciadora da necessidade faz o improviso. A dinâmica da favela é mais uma vez adaptada.

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decompondo a favela _ os gatos _

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_ o moto táxi _ A estrutura viária, realmente é o tema a falar, contudo chamo-lhe “moto táxi”, pois bem ele é o meio de transporte mais incrível que tive a oportunidade de experimentar no Rio de Janeiro, muito para além das loucas vans que cruzam a cidade desrespeitando as leis da estrada e pondo em risco muitas vezes a segurança dos cidadãos. Na favela de morro as calçadas são irregulares e apresentam obstáculos à circulação. As vias principais, apesar de intensamente utilizada pela população, não possuem características favoráveis à circulação e a deslocamentos a pé. O mesmo acontece em relação à circulação motorizada, realizada de forma desordenada por linhas do sistema regular de transportes públicos. Estes operando veículos inadequados para as características físicas da via, obrigam os motoristas a apelar ao uso da chamada “mão inglesa”(conduzir no sentido contrário), sem que existam dispositivos para sua operação. Alguns pontos finais mal localizados levam à realização de manobras complicadas que atrasam e congestionam o então já caótico tráfego aumentando a confusão. Os pontos intermediários, localizados sem planeamento algum, produzem outras retenções. Somam-se a isto enxames de moto-táxis, misturados às vans e a veículos particulares que, em grande número, dividem o espaço da rua com os autocarros. Os camiões responsáveis pelo abastecimento do comércio local e pela colecta de lixo comprometem ainda mais a capacidade já limitada destas vias. No entanto existem favelas que não possuem vias desta dimensão e apenas são servidas por travessas, que muitas vezes têm larguras inferiores a 1 metro e, na maioria dos casos trechos de escadas. As travessas formam

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uma verdadeira rede de caminhos de pedestres, comportando, em algumas situações, a passagem de motos e outros veículos especiais, como os tractores utilizados na colecta do lixo. Originadas pela ocupação progressiva de antigas ruas imposta pelo adensamento da favela, sem nenhum tipo de planeamento ou controle. Dado o massivo aproveitamento dos espaços livres entre as edificações muitas vezes estes corredores assumem a forma de túneis. Essa estrutura viária diversificada não garante condições satisfatórias de acessibilidade à maioria dos sectores do bairro. Por isso, o objectivo estratégico de qualquer Plano Director deve ser melhorar substancialmente as condições de circulação e acesso, de forma a promover a formalização e um maior controlo dos ambientes construídos, assim como garantir melhores condições de mobilidade. Calçadas mal definidas, ocupadas por construções, com obstáculos variados e degraus, tornam os deslocamentos a pé muito restritos, (de novo a ginga, o problema reside...) especialmente se for considerada a presença de população idosa e moradores com mobilidade condicionada. Voltando ao moto táxi, este apresenta-se uma solução inteligente pois dadas as características da favela podem alcançar locais que outro tipo de transporte publico não poderia, atenção que embora seja um negócio ilegal não deixo de o considerar como um transporte necessário ao bom funcionamento do morro. Para além das dimensões estreitas que consegue superar, desloca-se a zona altas que por vezes, até algumas vans não arriscam dada o acentuado declive.

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decompondo a favela _ o moto táxi _

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_ o Tráfico _ a Pipa _ O medo está presente nas favelas do rio, não me refiro ao medo de ser assaltado na esquina da rua ou de ter a casa invadida de ladrões que assustam os moradores das classes médias nos seus bairros, “isso? nunca acontece na favela”. O medo existe sim no que respeita as guerras entre as diversas facções do crime organizado e policia. Os grupos de jovens armados ligados a rede do tráfico, a bala perdida. “Na favela ninguém rouba, senão bandido dá pau”. Com esta ou outras expressões os moradores reforçam que os traficantes punem estes tipos de acto, visto os assaltos criarem clima de instabilidade e afastarem possíveis compradores de droga. A favela é segura... só assim o negócio pode florescer. Assim sendo, raro não é, ver gentes de fora da favela, cariocas, brasileiros de posses ou até mesmo “gringos” (como são chamados os estrangeiros) que entram para comprar mercadoria. As dozes são organizadas nas “bocas”, local base que controla um sector de venda de droga na favela. Nestas a indolação acontece tal e qual uma linha de montagem de fábrica, a maconha é enrolada em pacotinhos chamados “dólar”, e a coca embalada em pacotes de papel ou saquinhos plástico agrafados de “5 contos” (R$5), cerca de uma grama. Depois agrupados em pacotes de 10 ou trouxas de 100 e distribuídos pelos vendedores. Sobre o tráfico, conta a Marizinha da Maré, uma das grandes mãe da favela de vila pinheiro, docemente acarinhada e respeitada por todos os jovens do tráfico, ou não fosse ela mãe de um dos muitos miúdos que padeceram na guerra das drogas, que o “negócio das bocas”, já não é uma coisa nova, é um negocio como qualquer outro qualquer afirma. Tem o fornecedor e quem vende. Muitos miúdos preferem ganhar 160 reais numa semana no tráfico do que ganhar isso num mês de trabalho decente, além do vertente económica existe a questão do poder do traficante sobre a população, o falado “respeito”, as mulheres, que levam alguns jovens a afirmar – “quero ser bandido quando crescer”. No plano do tráfico existe mesmo a possibilidade de carreira, os garotos começam por aviõezinhos, entregam recados, trazem refrescos e ranchos e recebem uma boa “grana” por isso, depois sobem a oleiros, o serviço muda um pouco, passam a viver a laje de onde soltam as pipas (espécie de papagaio feito de cana bambu e papel). Quando a pipa desce do céu a policia está perto, momento em que “todo o mundo” sai correndo. Os trabalham de noite, têm uma tarefa mais difícil, pois o sono é inimigo acrescido, nada que um baseado não resolva (baseado, ganja, cana, trombone) e acompanhe noite fora. Utilizam um canudo foguete que é disparado a qualquer mínima

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duvida, bem como revolveres para o que der e vier. “se desconfiar meto bala e pronto”. Os morteiros e disparos são uma constante do silêncio da noite carioca. Na continuação da carreira esta o posto de vapor, que ironia do nome se evapora quando algo corre mal. O soldado tem um papel de maior responsabilidade, tem de fazer a retranca de algum rival de outro comando ou atrasar a policia que aparece. A hierarquia termina com o gerente de boca, caso o indivíduo for esperto e tenha jeito para contas. Este último é o braço direito do patrão ou dono do morro. Traficante que controla o tráfico da favela. A polícia também tem o seu papel, recebe o “dízimo” do facturamento do mercado da droga. Segundo algumas vozes “sem a droga não existia policia”. A fronteira entre o heroísmo de acabar com a droga de favela e a corrupção passiva é estreita e tornaram o tráfico nas áreas pobres da cidade inevitável. A cidade do Rio de Janeiro tem três principais facções de tráfico, que se apresentam como exércitos, o CV (Comando Vermelho), TC (Terceiro Comando) e ADA (Amigos dos Amigos). O Comando Vermelho foi criado em 1979 no presídio Cândido Mendes, na Ilha Grande do Rio de Janeiro, a partir do convívio entre presos comuns e militantes dos grupos armados que combatiam o regime militar. Surgiu a partir da Falange Vermelha, com o lema "Paz, Justiça e Liberdade" e institucionalizou o mito das organizações criminosas no tráfico do Rio. A cocaína foi a grande responsável pela ampliação do poder do CV, na passagem dos anos 70 para os 80, visto o Brasil entrar definitivamente na rota da droga, como ponto de distribuição para a Europa e como mercado consumidor do produto de baixa qualidade. Também trouxe armamento pesado, como pistolas, metralhadoras, fuzis, granadas e armamento antiaéreo. Além de dominar morros e favelas, o Comando Vermelho ainda está organizado em alguns presídios do Rio, como Bagu 1. Sendo que o entre muros não interfere com as acções do comando. O TC (Terceiro Comando) surgiu nos anos 80 como dissidência do Comando Vermelho, e do qual se tornou o grande rival. A prisão de Mauro Reis Castellano, o Gigante, líder do tráfico nas favelas da Maré, resultou em brigas internas no CV. O Terceiro Comando se fortaleceu e passou a dominar comunidades,

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decompondo a favela _ o Tráfico _ a Pipa

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Tendo realizado acções marcadas pela extrema violência para tomar os domínios. Em 2000, Castellano foi assassinado, no presídio de segurança máxima de Bangu 3. Já em 1998 surge a facção ADA (Amigo dos Amigos) foi fundada por Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê, e por Celsinho da Vila Vintém. Uê foi expulso do Comando Vermelho em 94, após tramar a morte de Orlando Jogador, um dos líderes da principal organização criminosa do Rio de Janeiro. Uê, principal rival do traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar (ligado ao CV), foi morto em 2002, durante rebelião liderada pelo Comando Vermelho no presídio de Bangu 1. Com a morte de Uê e a prisão de Celsinho da Vila Vintém, o TC e a ADA se uniram. Dissidentes das duas facções formaram então o TCP (Terceiro Comando Puro). O traficante e os moradores, não estão necessariamente de costas voltadas, pois embora seja o responsável por grande parte da violência na favela, a verdade é muitas vezes ajudar em algumas carências da comunidade.

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Já no ponto de intervenção por parte de agentes exteriores às comunidades, o processo não funciona tão livremente, existem algumas barreiras e limites que têm de ser bem definidos. No caso do programa favela bairro relato uma situação que ocorreu na favela da Formiga, contada pelo Osvaldo morador da comunidade. Durante o decorrer dos trabalhos, existia um ponto onde os traficantes e os arquitectos intervenientes tiveram de chegar a um acordo, da parte do dono do morro exigiu-se que as guardas de protecção aos percursos fossem um murro completo, de modo a resultar de um posto de resguarde para atiradores do tráfico, contudo era politica do favela-bairro pilares metro a metro e duas barras de ferro. O ultimato foi simples, ou murro ou pára a obra. Conseguiu-se chegar ao acordo de meio muro e uma barra... “Não é por acaso que Dédalo sai de seu labirinto pelo alto, voando. Ícaro, seu filho, não é tão cauteloso quanto o pai e voa alto demais. Assim, cai de seus sonhos. As crianças das favelas, sem o saber, lhe rendem homenagem, brincando com pipas. Mas essas pipas são segundo a lenda do morro, sinais usados pelos traficantes – minotauros do labirinto-favela – que, no entanto, não são prisioneiros; ao contrário escondem-se deliberadamente no emaranhado das favelas para fugir da polícia (Teseu?).”

Paola Bernestein Jacques, in Estética da ginga

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decompondo a favela _ o Tráfico _ a Pipa _

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tipologias de favela _ rocinha_proposta para concurso _ o complexo da Maré _

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tipologias de favela Existem infinitas formas e tipologias de favelas e habitações, a cada instante novas contudo identifico dois grandes tipos a encosta e o plano, dentro das quais existe então o vasto espólio da autoconstrução dos favelados. A encosta desenvolve-se numa topografia agreste de grande inclinação, as tipologias edificatórias adaptam-se ao terreno como que o redesenhar das curvas de nível, os construtores não contrariam a natureza do local, pontualmente remoção de algumas casas, e o realojamento dos habitantes, que estão em perigo de derrocada, é inevitável. Sendo a favela da Rocinha o exemplo que aqui apresentarei. No plano por sua vez, a apropriação dá-se de modo diferente pois a gravidade é mais facilmente contrariada e as edificações permitem-se a menores preocupações, contudo a natureza também aparece muitas vezes como barreira natural, no caso de mangues, marés, pântanos e solos arenosos. Contudo é neste tipo de favelas que o Estado e a Prefeitura têm dedicado a maioria dos seus esforços, visto a facilidade de acesso e rapidez de execução serem reais. O Complexo da Maré será o eleito para esta tipologia. Pois bem, como é difícil falar de generalidade, num tema tão metamorfoseado e fragmentário como o tema da favela, e correndo-se o risco de generalizações pouco consolidadas apresento dois exemplos de favela encosta e plano. E como uma oposição não vem só apresento-as sobre dois pontos de vista diferentes; a Rocinha, para a qual participei na equipa de trabalho coordenada pelo Arq. Jorge Jauregui para um concurso público de reurbanização. E a Maré que conheci por amizades e moradores que conheci.

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tipologias de favela

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_ rocinha _

“Eu sonhei com um pote de ouro

Meu lindo tesouro Pobreza nunca mais

Sonho de um menino, virei grã-fino De quina pra lua estou em cartaz O jogo da vida aprendi a ganhar.

(...) Eu quero é viver, a vida gozar

Saber ser feliz e aproveitar Rocinha encanta e mostra a verdade

Dinheiro não compra felicidade.”

Marquinhos, Marinho, Timbalada, samab-enredo carnaval 2006

Situada na Zona Sul da cidade tem como limites naturais o Morro dos dois Irmãos e a já muito violada Floresta da Tijuca, e a completar o estrangulamento o bairro de S. Conrado a sul e o bairro da Gávea a norte. A desfruta de uma localização deslumbrante de paisagem natural e urbana, de onde se observa o oceano como cenário de fundo para o anfiteatro natural que a caracteriza, a favela ocupa uma área de 725.000 m2. Os primeiros Moradores da Rocinha, comerciantes e operários, que em 1927 vieram para a área, então uma grande fazenda, em 1935 inauguraram, o único acesso, hoje denominada estrada da gávea. Nos finais da década acelera-se o processo de ocupação por pessoas que julgaram tratarem-se de terrenos de domínio público. Emigrantes que na década de 30 e 40, chegavam ao Rio de Janeiro em busca de trabalho, encontravam-se sem condições de vida e menos ainda de pagar uma moradia em área urbanizada, optando então pela alternativa que vem a dar origem à favela. Inicialmente o Campo da Esperança, dá lugar à criação de gado e à plantação de mandioca e verduras que eram vendidas no Leblon. É a actividade pecuária no Campo da Esperança que vem mais tarde a dar nome ao largo mais próximo chamado de Largo do Boiadeiro, esta actividade juntamente com o cultivo das roças, origina ao nome de Rocinha. Nos anos 60 verifica-se uma expansão, devida à limpeza das favelas na zona Sul da cidade em conjunto com o grande êxodo rural provocado pela seca no Nordeste. Assim sendo década de 70 a Rocinha era já a maior favela do

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Rio de Janeiro. Juntamente com esse crescimento o Nordeste tomou conta da favela, onde as gentes encontraram um lugar óptimo para exprimir a sua cultura através de produtos, música, dança, etc. A intrigante e misteriosa vida da favela, e reforço, não sejamos pequenos ao reduzir tudo à miséria e pobreza, é uma vida que para a maioria continua desconhecida, quer por lhe virarmos as costas tentando esquecer a sua existência, quer pelo conhecimento generalizado muitas vezes cheio de mitos absurdos que povoam a nossa cabeça. Num olhar mais atento podemos observar que a favela é o palco da maior representação do mundo popular, do autêntico modo de vida carioca, das escolas de samba, da religião, do jogo do bicho da malandragem no geral sentido da palavra, uma realidade bem diferente da vivida no asfalto. Mas actuar na favela não é apenas uma questão de coragem é também o necessário espaço à frustração, é exigida alguma preparação para encarar a complexidade da experiência de observação. É necessário parar para reflectir acerca do que vamos ver e analisar, são casos particulares e singulares de pobreza económico e de riqueza sócio cultural. A imediata associação à marginalidade, é muito pouco para falar do dinâmico centro económico, os moradores são na maioria dos casos integrados na vida sócio económica do asfalto. A gigante fracção do mercado habitacional popular, é um mercado com regras próprias, diferentes do mercado habitacional regular constituído à revelia do poder público. Mas não quero tornar o discurso repetitivo, e afasto de antemão a vontade que tenho de redizer e reafirmar alguns ensinamentos e percepções que defendo. Passo assim a falar da encosta não como conceito teórico de plano inclinado, mas baseado na proposta que elaboramos no atelier do Arq. Jorge Jauregui numa equipa de trabalho multidisciplinar para o Concurso Público Nacional de Ideias para Urbanização do Complexo da Rocinha.

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__ proposta para concurso _ A partir das sucessivas visitas ao local, das informações colhidas nos fóruns realizados, da análise das condições estruturais do lugar feitas pela equipe multidisciplinar, das consultorias específicas, e de uma visão estratégica que articula os aspectos socio-económicos com os físico-ambientais nas diferentes escalas, definimos a nossa estratégia projectual, foi definido o Plano de Intervenção para o Desenvolvimento Sócio-Espacial da Rocinha, concebido como um Sistema Inteligente de Conectividade e Interfaces. O Plano de Desenvolvimento Sócio-Espacial (PDSE) utilizaria uma estratégia baseada numa metodologia que rearticula o território da Rocinha reagrupando-o em unidades projectuais, a partir de uma hierarquia que compreende Pólos (descentralizados) de conexão com a cidade, e Sectores de Desenvolvimento Urbano (SDU), que reagrupam os sub-bairros existentes em zonas de desenvolvimento em função de sua densidade, topografia e identidade local. Estes sectores são compostos de vários sub-sectores (sub-bairros) de acordo com as características de cada um deles; cada sub-bairro é estruturado em células projectuais, organizadas em condomínios. Como parte desta hierarquia estruturadora; em cada Sector de Desenvolvimento Urbano (SDU) são incorporadas Células de desenvolvimento sectorial (C_CEL) incluindo um conjunto de equipamentos urbanos para cultura, desporto e lazer. Associadas a estas células foram previstas áreas com diversas tipologias habitacionais, oferecendo variadas opções para recolocação de moradores. Assim, garantir-se-ia um tecido interconectado com base em novas centralidades, incorporando as existentes, constituindo pontos focais identificáveis, actuando como âncoras sociais, rearticulando espacial e socialmente a identidade da comunidade, dando indícios de uma nova ordem no local. Para que uma intervenção urbana seja eficaz quanto à sustentabilidade em todas as suas esferas, o conceito fundamental de Cidade como Processo é essencial ao Plano de Intervenção. De modo a evitarmos que venha agredir, mas sim preservar e recuperar o meio-ambiental, socio-cultural e económico. A proposta deveria ser implementada em sucessivas fases, para que a integração e adaptação fossem facilitadas. A sustentabilidade surge da interacção; desenvolvimento e reciclagem de conhecimentos e de materiais. Significa actuar com a ideia de “green cities” articulada com a de “green buildings”, exigindo assim boas práticas do uso dos recursos (materiais e humanos) com responsabilidade social.

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O desenvolvimento do potencial humano previa alguns pontos importantes como seja: _ “realizar um censo, considerando a densidade populacional e suas diversidades, caracteristicas. Dados e informações precisas e essenciais à elaboração de projectos nas comunidades, sobretudo socio-educativos, culturais, assistenciais, ambientais e inclusão produtiva, por parte de moradores da favela. Esta análise servirá para atender a potencialidades específicas e culturais estabelecidas pela dimensão pluriétnica, multicultural e afrobrasileira, da comunidade da Rocinha. Ao mesmo tempo permitirá desvendar o mito numérico sobre a população do bairro, estimada entre 70 000 a 100 000 habitantes de modo a estabelecer bases seguras para o dimensionamento dos programas; _ elaborar um diagnóstico participativo com as lideranças locais incluindo grupos de referência. A realização de fóruns e oficinas temáticas, onde os moradores possam manifestar as suas necessidades e expectativas, ajudando a construir a informação; _ propor aos moradores uma nova organização espacial dividida em Sectores de Desenvolvimento Urbano, naturalmente e de acordo com o que concluímos até agora a ser estabelecido após o diagnóstico. Posteriormente previa-se a participação da administração das associações de moradores e novos pólos a construir na manutenção e preservação das áreas colectivas, dos serviços e dos equipamentos urbanos a serem implantados, e contribuir com a vigilância social para a supervisão dos eco-limites.”

O facto de ser a Rocinha um território predominantemente habitado por domicílios de baixa renda, não é barreira para possuir serviços via utilities (serviços públicos de energia eléctrica, gás, água, esgoto, telefonia, internet, tv a cabo). A baixa renda é compensada pela grande densidade habitacional, que oferece a vantagem da economia de escala para pensar em novas e ousadas soluções. Para realizar este empreendimento seria necessário criar um marco regulatório inovador, uma espécie de “PDM” da Rocinha, que incentivará a criação de um consórcio formado pelas várias concessionárias de serviços públicos. A participação do poder público poderia atrair investidores de longo prazo interessados pelas possibilidades de um retorno seguro, baseados em levantamentos específicos. Como metodologia o levantamento de Campo e Base Cartográfica serão o ponto inicial, seguidos do levantamento de dados de infra-estruturas existentes onde um adequado diagnóstico serviria para propormos as melhorias necessárias a comunidade. Aqui teríamos de conferir as características físico-

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ambiental de modo a precavermos áreas de risco e optarmos como utilizar a topografia do terreno, vias estruturantes de percursos. Um diagnóstico jurídico-legal, para o ponto de vista da relgularização da situação fundiária, e desconformidades legais, bem como marcação da legislação incidente, zoneamento, uso e ocupação do solo, legislação ambiental. Neste ponto vim mais tarde a pertencer e trabalhar com a equipe de trabalho da Fundação Bento Rubião que está no momento a realizar a cadastração do Bairro de Barcelos e Vila Laboriaux. Saliento a constante e importante inter câmbio e ajudas que realiza com a comunidade de modo a ter um entendimento das complexas partilhas. Defendendo o direito à habitação tem vindo a realizar um trabalho importante, na informação e defesa dos direitos humanos das comunidades. Sem esta regulamentarização fundiária não será possível adquiri outros direitos que surgem dela, como esgotos, água, escolas, postos de saúde. O reconhecimento da estrutura do lugar, identificando os principais acessos, centralidades, carências e potencialidades, constitui o ponto de partida para a reestruturação socio-espacial do território, visando a sua rearticulação através de um sistema inteligente de conectividades e interfaces. Previmos a execução de um mapa-síntese indicando sectorização, centralidades, principais acesos, e pontos de convivência comunitária. O Plano de Desenvolvimento Socio-espacial utilizaria uma estratégia projectual baseada numa metodologia que rearticula o território da Rocinha, reagrupando-o em unidades a partir de uma hierarquia que compreende Pólos (descentralizados) de conexões com a cidade e Sectores de Desenvolvimento Urbano, que reagrupariam os sub-bairros em zonas de desenvolvimento de acordo com a sua densidade, topografia e identidade local. O Plano Urbanístico e Ambiental previu a melhoria das relações da área com a envolvente e a compatibilização de acções com o Plano Director Municipal. Já no caso do sistema viário teria uma atitude mais radical com a abertura de vias e melhoramento das existentes de modo a promover a interligação com a malha viária da cidade formal, hoje em dia remetida à congestionada estrada da Gávea. Associado a esta medida teria de ser ponderado a reestruturação dos transportes colectivos em parceria com órgãos competentes. Estas atitudes e casos de perigo de derrocada teriam necessariamente um peso de deslocação de famílias que teria de ser previsto e solucionado, contudo e ao contrário de outrora, era nossa intenção recolocar os moradores dentro da comunidade, assim sendo apontámos áreas a serem utilizadas. Apontámos também as áreas de lazer e

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protecção ambiental. Os eco-limites seriam recuperados de modo a evitar derrocadas e atentados ao eco-sistema que rodeia a favela. Proposta de directrizes de gestão, conforme diagnóstico de gestão coerentes e compatíveis com propostas do PDSE As directrizes propostas terão como referências as discussões técnicas com as entidades responsáveis pelos serviços, com a administração municipal e com a comunidade. Um sistema inovador de consórcio de concessionárias de serviços públicos (utilities) poderá ser incentivado através de um marco regulatório. Mais do que intenções são nestes casos os orçamentos e hierarquização das intervenções que prevalecem, como tal enumero a estratégia elaborada para este projecto, não esquecendo que cada caso tem as suas especificidades. A escalonar:

a _ acções prioritárias, acções e obras com projectos detalhados e recursos assegurados por fontes definidas; b _ acções e obras que não terão projectos detalhados e ou recursos assegurados (poderão vir a ser contempladas com investimentos futuros); c _ acções com estimativa de custos identificada e cronograma previsto; d _ identificação das acções essenciais para sustentabilidade dos investimentos e obras discutidos com a comunidade; e _ compatibilidade das acções com os planos e projectos existentes; f _ proposição de um cronograma físico-financeiro geral para implementação das acções, de acordo com a prioridade discutida.

Existem algumas vertentes especificas da proposta que omito no trabalho, mas são de relevância menor visto este trabalho visar o entendimento das favelas e não a resolução da Rocinha, contudo continuo e passo antes de terminar a conceitos que nos moveram e objectivos que buscámos. O desafio foi identificar o melhor caminho para valorizar a Rocinha no contexto do Rio, planeando novas conectividades (materiais e imateriais) capazes de gerar novas dinâmicas, impulsionando um projecto de desenvolvimento urbano inovador. A Rocinha é um bairro popular com um tecido físico e social vivo e muito usado, que já conta com conectividades à economia do resto da cidade, constituindo-se uma parte da cidade real, com grande potencial para aumentar sua integração. Oferece trabalho (6 000 prestadores de serviços de fora do

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bairro trabalham diariamente nele), serviços e produção local que, com a incorporação das novas estratégias de desenvolvimento propostas, poderá garantir a qualificação de pessoas e de serviços. Uma hierarquia de pólos conectados em rede, articulados a partir de um reagrupamento dos sub-bairros em sectores de desenvolvimento urbano (SDU) cada com o seu próprio gestor, contribuirá para a consolidação, ampliação, cooperação e mobilização das potencialidades instaladas. O Plano de Desenvolvimento Socio-Espacial possibilitará a obtenção de um território organizado e reequilibrado internamente, aumentando ao mesmo tempo as conectividades externas. O novo “Portal da Rocinha” situado sobre a via rápida reforça a busca de conecticidades e significará a entrada para novas vantagens locacionais que, em cooperação inteligente, permitirá articular as grandes bacias formais (economia de produção, comércio e serviços) com as micro-bacias produtivas difusas (bacias de micro-empreendedores). O nosso Plano, através da sua estruturação em pólos, sectores e células, estaria assim garantindo a articulação entre a actual geração de bens e serviços realizada no circuito da diversidade produtiva doméstica, do pequeno comércio diário e das actividades informais, com o circuito mais desenvolvido da economia (localizado na Estrada da Gávea, no Bairro Barcelos e no Largo do Boiadeiro) conectando-os à cidade, permitindo requalificar e reequilibrar estas relações, impulsionando um novo dinamismo. O Projecto amplia o acesso às condições de cidadania plena, ao incorporar novas infra-estruturas de saneamento ambiental, transformar as condições de logística e de transporte e ao introduzir novas condições para a actuação em rede e para o conhecimento e a qualificação social. Desta forma, as dinâmicas culturais e participativas conterão todos os recursos que caracterizam o bairro de uma Metrópole Contemporânea. Partindo da experiência acumulada em planos de desenvolvimento urbano, tanto na “cidade formal” quanto nas áreas informais, a equipa formulou objectivos e novas metodologias para a abordagem das questões socio-espaciais, com uma visão capaz de articular o macro (escala urbana) com o micro (escala local), dando um “pulo de visão estratégica” no sentido de compatibilizar: a formalização (fundiária, incluindo usos não residenciais); a modernização infraestrutural e vias de acesso; o estímulo ao desenvolvimento social, cultural e económico, partindo da identificação do potencial existente e da compatibilização com as demandas dos moradores. Acrescento aqui uma referência ao Jorge que sempre nos incutiu esta questão, é necessário ouvir as demandas mas como anteriormente referido o importante é reinterpreta-las e não responde-las directamente. O desafio da integração consistiu em articular num “Urbanismo de Resultados”, uma visão estratégica, integrando de forma consistente, acções tácticas com programas de mais longo prazo. A área do projecto com a região da grande

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cidade do Rio. E a integração interna da área da Rocinha, considerando o importante segmento das mulheres, dos jovens e da terceira idade nas actividades que deve ser profundamente activado. Para tal o Plano a ser elaborado deveria considerar varias condicionantes. Sendo as externas relativas ”a

directrizes existentes de planeamento nos níveis federal, estadual, municipal e metropolitano; tendências de desenvolvimento existentes; infraestruturas urbanas, os transportes e os equipamentos urbanos a serem implantados; as áreas da envolvente e as suas conexões potenciais com a área de actuação.”

As condicionantes internas seriam: ”definição de um Marco Regulatório específico; redefinição e organização do

sistema viário, infraestrutural, de tratamento do lixo, paisagístico-ambiental, equipamentos urbanos e os espaços para habitação, inovando na concepção de acessibilidade (acessibilidade física, aos bens e à cultura); remoção dos obstáculos à integração social, económica, cultural, político-administrativa, jurídica e física; o atendimento às necessidades básicas da população local, expressadas nos fóruns, nas visitas e entrevistas realizadas e a realizar com especial ênfase no atendimento às particularidades da população afro-brasilera e nordestina da Rocinha; a melhoria da qualidade de vida e a transformação da imagem do local; A identificação do forte potencial económico e social.”

Objectivos do Plano: “Criar novas condições de acessibilidade aos centros e subcentros através de um sistema

integrado de transportes de passageiros e cargas. _ Considerar as maiores densidades populacionais próximas aos centros e equipamentos novos e existentes. _ Preservar o meio ambiente natural e humano local, reduzindo a interferência com o relevo e a ecologia local, respeitando e valorizando as centralidades e espaços urbanos historicamente constituídos e reconhecidos como significativos pela comunidade. _ Promover uma nova ecologia económica com base nas pesquisas das demandas e da produção local, fortalecendo potencialidades em sintonia com uma economia da cultura que pressupõe uma sinergia com a economia da informação, articulando circuitos _ Promover a inclusão produtiva, apoiando o desenvolvimento do potencial do capital humano, com ênfase na diversidade étnico-cultural da Rocinha. _ Criar novos Pólos de Desenvolvimento, definindo uma imagem urbana forte, preservando e ao mesmo tempo renovando a identidade do bairro, de acordo com os novos Sectores de Desenvolvimento Urbano a serem definidos, considerando as suas densidades, topografia e conectividades. _ Redefinir do Sistema Viário, desobstruindo e optimizando a circulação pela Estrada da Gávea e incorporando novas vias carroçáveis, funcionando igualmente como base de uma reestruturação do sistema de abastecimento de serviços _ Articular o plano físico com o plano económico através de parcerias público-privado, aperfeiçoando para tal o sistema de concessões de serviços. _ Considerar o conjunto de novos equipamentos urbanos a serem introduzidos tais como o centro de Geração de Trabalho e Renda (CGTR), o Pólo Cultural-Comunicacional e de Inclusão Digital, o Pólo Educacional, o Centro de Saúde e o Centro Ecológico/Turismo, como sistemas que funcionam em Rede junto com as Instituições existentes (Casa da Paz, Casa de cultura, Centro Cultural, Escola de Samba, Cooperativa de Recicladores, Associações de Moradores, etc.), de acordo com as demandas derivadas

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das etapas de identificação e diagnóstico, ajustadas segundo as orientações técnicas e as normas dos órgãos responsáveis. _ Estabelecer normas racionais do uso do solo através de legislação apropriada, que permita o desenvolvimento harmónico e funcional das directrizes de ocupação a serem estabelecidas pelo Plano. _ Realizar uma pesquisa fundiária como subsidio para viabilizar as propostas do Plano, em concomitância com o processo de regularização fundiária que está sendo desenvolvido pela Fundação Bento Rubião. _ Retirar as residências localizadas em áreas de risco e fora dos eco-limites recolocando-as dentro da comunidade, reflorestando essas áreas, criar uma clara definição dos eco-limites do Bairro da Rocinha, e promover a constituição de condomínios como forma de exercer o controle. _ Estabelecer mecanismos para manutenção, avaliação periódica e ajuste de rumos.”

Para a implantação do projecto, foram previstas 3 etapas sucessivas cujo horizonte temporal e relação com o orçamento disponível, deveriam ser confirmados após a realização do censo, das consultas com os representantes comunitários, do Diagnóstico, da definição do Plano de Intervenção e da sua relação com a rede de precedências, bem como da identificação dos possíveis parceiros. Numa vertente mais humana cito ainda algumas considerações gerais que foram tema:

“Como estão sendo tratados os resíduos sólidos e líquidos (lixo) produzidos no bairro? Já houve experiências de colecta selectiva domiciliar do lixo, aliada a uma campanha intensiva de educação, saúde, transporte, comércio, meios de comunicação, com possibilidades de envolvimento de toda a população? Já houve alguma oportunidade destes moradores se aterem a uma análise critica sobre as graves consequências dos maus hábitos na destinação do lixo produzido em suas casas, principalmente em ralação à saúde e segurança de suas moradias?

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Qual é a sua consciência quanto ao bem estar – qualidade de vida – preservação ambiental – satisfação de necessidades básicas de sobrevivência – saúde em um bairro onde se observa que ainda persistem diversos focos sedimentados de degradação dos espaços ocupados, comprometendo a vida de muitas famílias? Quais as expectativas de elevação do padrão de qualidade de vida considerando, sobretudo todo investimento aplicado ao longo de muitas décadas? O sentimento do morador de pertencer, de ser daquele lugar onde nasceu, se criou e onde está constituindo novas gerações é manifestado de que forma? Com que intensidade? Será que a não titularidade do imóvel não vem impedindo que moradores desenvolvam sadiamente este sentimento e inconscientemente e consequentemente resistam às novas propostas de melhorias vindas verticalmente de agentes externos? Quais as oportunidades que os moradores, não apenas as suas lideranças, mas os diversos grupos de referencia tiveram de manifestar, analisar e debater estas questões? Qual o percentual da população que hoje estará empenhada em actuar efectivamente para a melhoria das condições de vida do bairro? Quantos por falta de opção estariam aguardando uma oportunidade de se mudar?”

Outras questões foram levantadas quanto aos serviços existentes de atendimento à população, que numa comunidade de cerca de 100 000 favelados, são necessariamente objecto de estudo e especulação de cenários por parte do profissional da arquitectura. Sendo:

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_ saúde _ Postos de atendimento – onde os doentes crónicos (diabéticos, hipertensos, cardíacos) e os portadores de doenças infectos contagiosas (hiv – hepatite –tuberculose) são atendidos? Estão sendo diagnosticados? O programa médico de família não poderia estar complementando este atendimento? Pronto atendimento de urgência 24hr. _ educação _ Creches – Existe levantamento de número de crianças entre zero e seis anos que moram na Rocinha e quais ainda não estão frequentando as creches existentes? Pode se fazer alguma estimativa de quantas unidades serão necessária para daqui a cinco anos? Houve manifestações dos moradores quanto a essa necessidade, considerando o incentivo a propostas de geração de trabalho e renda? Ensino Fundamental – o CIEP existente atende a demanda? Qual o número de crianças entre sete e catorze anos que estão matriculadas em outros bairros? Além das iniciativas votadas para actividades desportivas e culturais existem outras que possam assegurar aos alunos melhor atendimento escolar? Quantas crianças são absorvidas nos programas existentes? _ segurança _ Em se tratando de um bairro com uma população estimada em torno de 120 mil habitantes, em situação de permanente vulnerabilidade, não se justificaria a instalação de uma delegacia legal, de um juizado de menores, de um fórum regional?

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_ assistência social _ Casa da Paz – Conforme dados apresentados, foram atendidos em media 375 moradores/dia em um ano de funcionamento. Qual dos serviços prestados tem maior demanda? O que oferece atende efectivamente as necessidades da maioria dos moradores? Existe alguma entidade, serviço ou iniciativa de atendimento aos portadores de necessidades especiais, aos idosos, aos dependentes químicos, às vítimas de violência e discriminação? Quais os Conselhos Especiais de Direito existentes no bairro? (tutelar – mulher – idoso – deficiente – trabalho) A população tem consciência da importância e necessidade dos conselhos para que as acções de assistência social sejam efectivamente executadas com respaldo da sociedade civil? A Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS – vem sendo interpretada e informada aos moradores?

Perante estas indagações consideramos oportuno: “_ planear um censo considerando a densidade populacional com as suas diversidades, características e a inexistência de dados e informações precisas e essenciais à elaboração de projectos, sobretudo sócios educativos, culturais, assistenciais, de preservação ambiental e inclusão e expectativas; _ elaborar diagnóstico participativo com as lideranças locais formais e informais, incluindo grupos de referência e realização de fóruns ou oficinas temáticas, onde os moradores terão oportunidade de manifestar as acções prioritárias que corresponderão às suas necessidades e expectativas; _ propor aos moradores a sua organização espacial em condomínios para que tenham maior acesso às informações, participação nas actividades propostas e possibilidade de melhor administração da manutenção e preservação das áreas colectivas, dos serviços e equipamentos urbanos que serão implantados.”

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tipologias de favela __ proposta para concurso __ fotomontagens da proposta apresentada, Marco Aresta

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_ complexo da Maré _

“Complexo da Maré, por uma Maré sem complexos!”

Mario Campelo, artista-plastico, Baia

Maré ou Complexo da Maré – não é simplesmente uma favela, mas o que se denomina um complexo de favelas, varias comunidades diferentes juntas, como se fossem varios bairros distintos, uma quase-cidade informal Complexa Maré. Na verdade, a Maré é um dos maiores laboratórios urbanos de habitação popular do pais, onde inumeras experiências habitacionais foram feitas nas ultimas décadas. O próprio sito sofreu tantas alterações que a própria maré que deu o nome ao complexo, após sucessivos aterros não existe mais. O mar ficou bem distante. Localizada na zona Norte da cidade (parte mais pobre do Rio), ao percorrermos a linha vermelha (eixo viario que divide o complexo e liga a cidade ao aeroporto internacional) a Maré parece-nos só uma e grande favela, será só ao entramos nela que a homegeneidade desaparece e distinguimos as diversidades espaciais das diferentes comunidades. Surge na década de 40 com o Morro do Timbau e a Baixa do Sapateiro, até a sua final junção em 2000 da favela Salsa e Merengue, formando assim as 16 comunidades que hoje a constituem. Trata-se do maior complexo carioca de favelas, e ao mesmo tempo o mais diversificado de formas, a arquitecta Paola B. Jacques escreve: “A diversidade de formas está patente nas diferentes comunidades do complexo. Quase todas as morfologias urbanas e tipologias arquitectónicas referentes a habitações populares têm ou tiveram um exemplar na Maré: da favela labiríntica de morro ao mais cartesiano conjunto habitacional modernista, passando por palafitas em áreas alagadas e conjuntos habitacionais favelados. Vai-se do padrão mais informal ao mais formal, que acaba se informalizando também.”

Paola Berenstein Jacques, in Maré vida na favela

Talvez esteja aí a chave da identidade do complexo, se é que ela existe: a informalidade. A favela que cresce de forma orgânica à margem da “cidade formal” é por definição informal. O loteamento regular ou o conjunto habitacional, que têm uma génese formal, na Maré acabaram por informalizar-se também. É por isso que se chamou de Complexo de Favelas da Maré.

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E realmente difícil definir o Complexo da Maré. Para a prefeitura, a favela nada tem de complexo, decidindo a remoção da palavra do nome oficial e o local tornou-se a Maré. Agora complexa, ela é bastante. Tanto que a Prefeitura criou uma Região Administrativa (30ª) só para ela – XXX RA Maré. Espremida entre a X RA de Ramos e a XX RA das Ilhas. Para a maioria dos moradores ela é um aglomerado composto de 16 favelas, sendo que já para a prefeitura é considerada um “bairro” que possui apenas 8 favelas, aliás, junto com Cidade de Deus, Jacarezinho, Alemão e Rocinha, únicos “bairros” que são sozinhos Regiões Administrativas. Coincidência ou estratégia, são os cinco grandes complexos de favelas do Rio. Na verdade a Maré tem misturado um pouco das definições dos moradores e da prefeitura também. Sua história bastante heterogénea gerou um local também muito diversificado. Uma constante na sua história é que sempre foi ocupada pela habitação popular, porém isso não garantiu em absoluto a homogeneidade ao local. “A forma de actuação [na cidade informal] é claramente, diferenciada da actuação na cidade formal, principalmente no que se refere à "escuta das demandas", onde o diálogo é menos "interactivo" (no caso da cidade formal). Isto significa que a participação dos destinatários dos projectos, no caso das favelas, adquire diversas conotações; inicialmente são interlocutores para a definição dos programas, posteriormente colaboram na fiscalização da execução das obras e finalmente fazem parte do posto de orientação urbanístico e social que é instalado em cada comunidade urbanizada, pós-obras.”

Mário Jorge Jáuregui, in entrevista à revista Arquitetua e Vida, 2004

O local onde hoje se encontra a Maré, como outros locais de várzea do Rio de Janeiro, era originalmente um grande alagado, exceptuando-se os morros, do Tibau, e Pinheiros, que eram uma ilha. O início da sua

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tipologias de favela _ complexo da Maré _

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ocupação está intimamente ligado à abertura da Avenida Brasil, pois como vimos, a favela carioca é um fenómeno urbano, e antes da referida avenida, a cidade não chegava tão longe. Isso tem início nos anos 40, é também um período de forte crescimento da população favelada no Rio devido aos grandes fluxos migratórios. Sua primeira e histórica habitante foi Dona Orosina que não gostava da “casa de cómodos” em que vivia no centro e resolveu mudar-se. Um dia passeando pelo local gostou e ficou. Diz a lenda que D. Orosina construiu sozinha o primeiro barraco da Maré no morro do Tibau, com os pedaços de madeira que a maré trouxe de graça. Seja como for, ela só pôde ir para longe do centro por causa da Avenida Brasil que lhe garantia transporte. Com a grande quantidade de gente chegando do Nordeste, D. Orosina não demorou muito a ter vários vizinhos, pois ela mesma fez propaganda do local onde habitava no centro da cidade para recém chegados irem morar para aquelas bandas, afinal “todos juntos somos fortes”. A história de Dona Orosina atingiu grande popularidade, de modo, que em 1954 foi recebida no Palácio do Catete por Getúlio Vargas em pessoa, onde lhe garantiu que a ocupação informal no morro do Tibau não seria removida como propunha o exército que na época havia instalado um quartel junto do morro. Getúlio durou menos que D. Orosina e não pode garantir-lhe sua promessa, mas mesmo assim ela resistiu. Já na década de 1960, a Maré teve um crescimento vertiginoso com a onda de remoções de morros, a maioria na Zona Sul, Centro ou Tijuca/Vila Isabel. Foram transferidos para a Maré com o rótulo de provisório, moradores retirados das favelas de Praia do Pinto, Formiga e Esqueleto, e deram origem a ocupação da chamada Nova Holanda, favela que permanece até hoje. Nos anos 70, a Maré era o grande sinonimo de miséria no Brasil. Como o local era um enorme mangue alagado, à excepção do Tibau, a grande maioria de seus barracos eram edificados sobre palafitas. Sem nenhum tipo de esgotamento sanitário, os dejectos eram jogados directamente na lama. Dado ser um grande alagado repleto de lama, o ecossistema de mangue é muito sensível e susceptível à poluição, e mesmo quando a maré sobe não tem força suficiente para lavá-lo. O esgoto in natura despejado na lama do mangue não corria para mar e ficava se acumulando em baixo das casas na favela, num foco terrível de doenças. As casas em palafitas não precisam de terreno, vão-se desenvolvendo à medida que moradores colocando mais estacas avançam sobre a lama. O elemento que se torna definidor dessa ocupação é a circulação, oposto do que acontece na “favela labiríntica”, que ocorre geralmente em morros e a circulação é consequência da implantação das casas. Nas favelas de palafitas, pelo menos no caso da Maré, o corredor de circulação é definido previamente onde

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as casas vão surgindo nos dois lados. A evolução deste tipo de ocupação expande-se como “braços” ou “raízes” em direcção ao mar. Desde os anos 50, vários aterros foram feitos na maré, mas a palafita sempre resistiu. Os sucessivos aterros iam empurrando as casas de palafitas cada vez mais para fora, em direcção à Ilha do Fundão. Foi só na década de 90 com a construção de Linha Vermelha que elas foram definitivamente erradicadas. Neste momento vale a pena voltar um pouco a história. No fim dos anos 70, o governo Federal resolveu aterrar a favela (uma vez mais) no objectivo de acabar com as palafitas. Seu grau de insalubridade era tanta que já tinha virado o símbolo da miséria nacional. Não acabou com todas as palafitas, mas promoveu o maior aterro que a Maré já tinha visto. Em 1979, através do projecto PROMORAR, que criou a área onde na sua maioria está hoje a Vila Pinheiro. O PROMORAR, iniciativa Federal, da alçada do Ministro do Interior Mário Andreazza e patrocinado pelo BNH – Banco Nacional de Habitação, tinha como objectivo urbanizar as favelas em condições sub-humanas e teve na Maré seu primeiro grande desafio. O grande aterro deu origem a um novo bairro no qual foram traçados ruas e definidos lotes. Com esse ganho de terreno, o continente acabou engolindo a ilha dos Pinheiros que originalmente fazia parte dos Planos de Jorge Machado Moreira para os aterros da Cidade Universitária. O morro dos Pinheiros tornou-se o “Parque Ecológico da Maré”. A presença da Ilha impediu a quadrícula com quarteirões rectangulares, como tal o traçado das ruas da Vila Pinheiro acompanha de alguma maneira o desenho da Ilha. No novo loteamento foi feito um conjunto habitacional com pequenas casas geminadas; a ausência do poder público na fiscalização; e a presença da dinâmica da favela que já existia em torno, o conjunto se favelizou. Seus moradores foram fazendo andares construindo lajes em cima de lajes, hoje, a estética da favela está muito presente. O Complexo da Maré surge-nos na actualidade como um aglomerado de favelas dos mais variados tipos com números impressionantes. Segundo censo feito em 2000 pelo Centro de Estudos e Acções Solidárias da Maré – CEASM (O.N.G. criada pelos moradores da Maré, bastante respeitada que fez um trabalho muito sério neste recenseamento) a comunidade tem cerca de 132 176 moradores em 38 273 habitações (até a ultima contagem, visto cada dia surgirem novos barracos) o que representa 2,26% da

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população do municipio do Rio de Janeiro; colocando-o como o maior complexo de favelas do Rio de Janeiro. Consequência dos sucessivos aterros encontra-se estrangulada entre a Avenida Brasil a oeste e o Canal do Mangue que a separa do Fundão, a leste. A construção da Linha Vermelha em 1992 e a conexão com o Canal acabado, acabaram com a identificação histórica que a Maré tinha com o mar e com a relação que a favela tinha com a Baia da Guanabara. Terminaram os pescadores na Maré. A Avenida Brasil e a Linha Vermelha são barreiras físicas controlam o crescimento da favela. Contudo para alem destas barreiras físicas que a delimitam, a Maré possui algumas barreiras internas invisíveis, determinadas pelo tráfico de drogas onde cada facção do crime controla sua área que é muito bem determinada. Para um leigo, um estrangeiro à comunidade, é difícil identifica-las, pois são além de tudo, móveis. Pelos moradores são conhecidas e respeitam-nas com disciplina. “Viver na Favela é uma arte ninguém rouba ninguém escuta nada se perde manda quem pode obedece quem tem juízo”

Selaron, pintor chileno, escadaria da lapa

Outro elemento importante no traçado urbano do complexo é a Linha Amarela, divide literalmente a Maré ao meio, por um motivo bizarro, ela não causa tanto impacto na dinâmica urbana quanto se poderia supor. Razão disso é que actualmente a Linha Amarela coincide com a fronteira das duas facções rivais do crime (comando vermelho e terceiro comando), e esse é o maior motivo para pessoas não a cruzarem. O elemento de segregação social pela via-rapida, neste caso, fica em segundo plano. Em um contexto municipal, a Maré tem uma localização privilegiada. Situada a 10 km do centro, entre os dois aeroportos, ao lado da cidade universitária, passam pelo Complexo os três eixos rodoviários mais importantes da cidade. A Avenida Brasil, e as Linha Vermelha e Amarela, que garantem uma ligação directa com o centro, a zona sul, a Barra da Tijuca e zona oeste; e finalmente, com a zona norte e região metropolitana. O problema surge quando aumentamos a escala da análise e percebemos as deficientes relações de suas ruas com essas grandes vias.

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Selaron, pintor Hélio Oiticica, artista plastico

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Dentro ela é um mar de contradições e paradoxos. Apresenta um alto índice de pessoas com acesso à infra-estrutura: 97,87% da sua população tem acesso à água canalizada, 99,93% tem colecta de lixo, 99,96% dos moradores tem luz eléctrica em seus domicílios. Números comparáveis aos de Copacabana. No entanto, enquanto a Maré tem uma renda per capita de R$ 216,89, bem abaixo do total do município, em Copacabana apresenta valores de R$1.922,74, bem acima da taxa média da cidade, R$ 740,54. Na Maré, enquanto 97,05% da população tem uma televisão em casa e 95,99% dos moradores possuem uma geladeira, apenas 26,09% têm um telefone nos seus domicílios, e só 4,19% tem um computador. Segundo a prefeitura, das 132 176 pessoas residentes no “bairro”, 69 991 moram em favela oficial, ou seja, quase 53% (dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

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tipologias de favela _ complexo da Maré _

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conclusão

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conclusão Assim chego ao final do trabalho, da experiência que me foi proporcionada neste ano que decorreu. Ainda antes de terminar deixo algumas considerações. A favela é hoje parte da realidade urbana da cidade do Rio de Janeiro, e como tal deve ser encarada. Nasceu, cresceu e veio para ficar. Será sem duvida alarmante que a nossa classe de pensadores da cidade a queiram simplesmente remover e não aprendam com ela dinamicas e sentidos novos para as suas intervenções quer na cidade formal quer na informal. Aprender a lidar com o morro será preponderante para um melhor desenvolvimento das cidades latino americanas. Da experiência do Rio tiro que há que tomar medidas eficazes e imediatas, não querendo enumeralas e respeitando a sensibilidade de opção de que nelas intervirá, remeto esta conclusão a um tema que me ocorreu. A possibilidade de os urbanistas, arquitectos e engenheiros, poderem ensinar as comunidades como construir. Ou seja um pequeno almanaque que poderia evitar acidentes, más salubridades e consequentes doenças, optimização de materiais, que seria distribuido nas associações de moradores das comunidades. Falo aqui portanto de apontamentos que faram a diferença, como dimensões de pilares, como evitar infiltrações, argamassas e espessuras adequadas de lajes, materiais alternativos como bambú para contenção de barrancos, despertar a sensibilização para a reflorestação e eco-limites; a utilização de coberturas feitas de PET (reutilização de garrafas de plástico) que permitem uma melhor solução às vinilicas normalmente utilizadas; a utilização do solo cimento que permite montar uma fábrica de tijolos no quintal das trazeiras ou na laje crescente. Na verdade o que defendo será que já que a favel avai continuar a existir e crescer, ao menos que o faça com alguns cuidados e técnicas que poderemos ceder sem por em causa a nossa profissição ou trabalhos futuros. A meu ver esta ligação só albergará vantagens tanto para as comunidades como para os moradores dos ditos bairros informais... Antes de terminar deixo ao atento leitor lguns temas em anexo que me despertaram atenção.

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conlusão

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bibliografia _ livros _ revistas _ sites _

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_ bibliografia _ _ livros _ ABRAMO, Pedro “A Cidade da Informalidade”- O desafio das cidades latino-americanas FAPERJ ABREU, M.de A “Evolução Urbana do Rio de Janeiro” Rio de Janeiro, IPLANRIO/Zahar, 1987 ALVITO, Marcos, “Poder e Ideias Políticas no Rio de Janeiro” Apostolas de curso ministrado na UFF. BONDUKI, Nabil, “Origens da Habitação Social no Brasil” - Arquitectura Moderna, Lei do Aniquilamento e Difusão da Casa Própria ESTAÇÃO LIBERDADE CAMPOS, Andrelino “Do Quilombo à Favela”- A Produção do Espaço Criminalizado no Rio de Janeiro BERTRAND BRASIL DUARTE, Cristine Rose, Silva, Osvaldo Luiz, Brasileino, Alice “Favela, um Bairro”- propostas metodológicas para a intervenção pública em favelas do Rio de Janeiro PREFEITURA, RJ FLAVIO, FARAH, “Habitação nas encostas” IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas (HABITARE)

bibliografia _ livros _ revistas _sites _

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FREIRE, Américo, OLIVEIRA, Lúcia Lippi “Capítulos da Memória do Urbanismo Carioca” DEPOIMENTOS AO CPDOC JACQUES; Paola Berenstein, “Estética da Ginga – arquitectura das favelas através da obra de Hélio Oiticica” CASA DA PALAVRA PANDOLFI, Dulce Chaves, GRYNZPAN, Marco “A favela fala” DEPOIMENTOS AO CPDOC PETERSON, Lu “From removal to the Urban Cell” PREFEITURA, RJ REZENDE, Vera “Planejamento Urbano e Ideologia” CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA RODRIGUES, Arlete Moysés "Moradia nas Cidades Grandes" Editora Contexto, Ano 1988 SANTOS, Carlos Nelson F. “Quando a rua vira casa” FINEP/IBAM SCHWARTZMAN, Simon “As Causas da Pobreza FGV EDITORA

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SILVA, Itamar “Rio a Democracia vista de baixo” Ibase TURNER, John F.C:, “Housing by People” - Towards Autonomy in Building Enviroments VALLADARES, Licia “A Gênese da Favela Carioca” Texto apresentado no XXII Encontro Anual da Anpocs de 1998. VARELLA, Drauzio; BERTZZO, Ivaldo, JACQUES; Paola Berenstein “Maré Vida na Favela” CASA DA PALAVRA VAZ, Lilian Fessler “Modernidade e Moradia”- Habitação colectiva no Rio de Janeiro (séc.XIX e XX) 7LETRAS ZWEIG, Stefan. “Brésil, terre d’avenir” Lê Livre de Poche, Paris, 1998 _ revistas _ JAUREGUI, Mário Jorge “Construir a partir do conflito” Arquitectura e vida – Fev2004

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bibliografia _ livros _ revistas _sites _

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_ sites _ BENETTI, Pablo César. “Violência e projecto urbano em favelas” VITRUVIUS, Arquitectos 048 <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq048.asp> GUERRA, Abílio “Favela” Connects. VITRUVIUS, Arquitectos 048, Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq048.asp>. JÁUREGUI, Jorge Mário Home page <http://www.jauregui.arq.br> SALOMON, Maria Helena Rohe “Programa Favela-Bairro: construir cidade onde havia casa. O caso de Vila Canoa VITRUVIUS, Arquitectos 048, Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq048.asp>. CAMPANA, Fernando and Humberto <http://www.campanas.com.br>

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bibliografia _ livros _ revistas _sites _

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_ capoeira _ quilombos _ candomblé _

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anexos _ musicas escritas sobre favela _ bibliografia cedida pelo atelier MT _ contactos ateliers

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capoeira Pouco pode se afirmar a cerca da origem da capoeira, devido à falta de documentação. Porém, através da tradição oral e de raros registros, sabe-se que foram os africanos escravizados, no Brasil, que desenvolveram essa arte, dança, tradição. Algumas versões são normalmente bastante aceites no meio capoeirístico. Não tendo a menor intensão de encerrar ou limitar o assunto, destaco as duas versão que o meu contra-mestre de capoeira angola, Urubu, relatou e que segundo ele aproximam-se do que realmente poderia ter sido a origem da arte da capoeira. _ origem rural _ A Capoeira é um termo tupi-guarani que significa mato que cresce em cima da vegetação que foi cortada. Recentemente surgiram relatos que indicam ser uma técnica agrícola (que consiste em deixar o mato que foi cortado decompor em cima do terreno para fertilizar a terra) desenvolvida pelos índios no Brasil e assimilada mais tarde pelo africano escravizado. Independente disso, acredita-se que era nesse tipo de vegetação que os escravos, escapando da vigilância do feitor, fugiam para reviver os folguedos da sua terra natal e dessa forma tentar atenuar o sofrimento da escravidão (prática essa, que por razões obvias era extremamente reprovada e que invariavelmente terminaria em castigo no tronco). Dos folguedos revividos, destaca-se o N'Golo (“Dança de Zebra” - ritual de iniciação no sul de Angola e que simulava ou imitava as brigas das zebras na África. Os guerreiros da tribo disputavam entre si, aos pares, para que o campeão dessa disputa pudesse escolher com qual mulher queria casar sem precisar pagar o habitual dote). Acredita-se que o N’Golo tenha sido a precursora da capoeira que conhecemos hoje, porque quando flagrados, era comum que o feitor justificasse dessa forma ao seu senhor: “- Esses vão para o tronco, porque estavam se batendo por mero divertimento na capoeira”, relacionando assim o nome da vegetação com aquela prática até então desconhecida.

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anexos capoeira

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Para se formar a roda, um círculo de escravos delimitava a área do jogo, Dois capoeireas aproximam-se e agachavam-se diante dos instrumentos, ouvia-se o som da ladainha e ao ser dado o canto de entrada, começavam jogando ao seu ritmo. A roda seria formada por três berimbaus, um pandeiro e um atabaque. Os demais capoeiristas ficam sentados formando um círculo, respondendo em coro e batendo palmas. Com o passar do tempo, passou a ser utilizada para distracção do próprio dono da fazenda em dias de festas e posteriormente a principal arma dos escravos contra o seu opressor direto, o que garantia a fuga para os quilombos e, dessa forma, a conquista da liberdade tão sonhada. _ origem urbana _ Capoeira pode também significar cestos de vime, que na época eram muito utilizados pelos escravos, no cais do porto, para carregar aves galináceas (capões). Esses carregadores, são chamados de capoeiras, nos seus raros momentos de folga, largavam os seus cestos e reuniam-se para, ao som de palmas e cânticos, para reviver os folguedos de sua terra natal, África. _ capoeira angola _ É considerada a raiz da Capoeira, trata-se de um jogo mais lento, com movimentos rentes ao chão, onde a flexibilidade e a malícia são elementos fundamentais. Neste jogo, o capoeira tem a chance de usar toda criatividade e sensibilidade.

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O objetivo principal não é atingir o companheiro mas sim conduzir um jogo de golpes e contra-golpes, promovendo assim o seu bom andamento. Um dos mais belos recursos na Capoeira Angola é a chamada, trata-se, do "diálogo de movimentos" entre os dois jogadores onde a atenção, conhecimento, malícia e reflexo são testados. A chamada é uma forma dos jogadores retornarem o fôlego, sendo que existem três formas de chamada: frente, lado e costas. Sendo o seu mestre mais referência mestre Pastinha. _ capoeira regional _ Estilo criado por Mestre Bimba, que dividiu a capoeira em dois estilos. Foi a partir da criação da Capoeira Regional que surgiu a denominação de Capoeira de Angola sendo outro estilo, que até então era chamado de brincadeira dos angolas. O que caracteriza a Capoeira Regional, são as suas sequencias de ensino de ataque, defesa e contra-ataque, com movimentos mais objetivos e eficientes. capoeira_na_favela Contudo, o facto que leva a capoeira ser abordada no trabalho, deve-se ao trabalho que os mestres, contra-mestres e instrutores têm vindo a desenvolver nas favelas. Procuram com as lições de vida e ética da favela conferir uma edução alternativa às crianças das comunidades. O bom senso e a fuga ao tráfico são objectivos a cumprir, o insentivo à escola é também um dos requesitos. Para além de tudo é importante, dado a sua vertente desportiva, que permite o lema “corpo são mente sã”. As crianças adoptam esta forma de ensinamento com facilidade, pois também é um bom local para conhecer pessoas. Onde a música alegra e preenche o espirito...

anexos capoeira

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quilombos No período do escravidão no Brasil (séculos XVII e XVIII), os negros que conseguiam fugir refugiavam-se com outros em igual situação em locais escondidos e fortificados no meio das matas. Locais estes que eram conhecidos como quilombos. Nestas aldeias, viviam de acordo com sua cultura africana, plantando e produzindo em comunidade. Na época colonial, o Brasil chegou a ter centenas destas comunidades espalhadas, principalmente, pelos actuais estados da Bahia, Pernambuco, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais e Alagoas. Em 1630, Pernambuco foi invadida pelos holandeses e muitos dos senhores de engenho acabaram por abandonar suas terras. Este facto beneficiou a fuga de um grande número de escravos, que buscaram abrigo no famoso Quilombo dos Palmares, localizado em Alagoas. O facto propiciou o crescimento do referido Quilombo, no ano ano de 1670, este já albergava em torno de 50 mil escravos, uma cidade. Também conhecidos como quilombolas, costumavam roubar alimentos às escondidas das plantações e dos engenhos existentes em regiões próximas; situação que incomodou os habitantes. A situação fez com que os quilombolas fossem perseguidos e combatidos tanto pelos holandeses e pelo governo de Pernambuco, sendo que este último contou com os serviços do bandeirante Domingos Jorge Velho. A luta contra os negros de Palmares durou cerca de cinco anos; contudo, apesar de todo o empenho e determinação dos negros chefiados por Zumbi, por fim, foram derrotados. Os quilombos representaram uma das formas de resistência e combate à escravidão. Rejeitando a cruel forma de vida, os negros buscavam a liberdade e uma vida com dignidade, resgatando a cultura e a forma de viver que deixaram na África. Neste ano de intercâmbio tive a oportunidade de viver uma temporada no quilombo de Campinho em paraty, no Sul do estado do Rio de Janeiro. Onde me receberam sem impor condições participei nos trabalhos da comunidade, e no quotidiano dos moradores, comi, dancei e aprendi, tomei aqui o primeiro contacto com técnicas de construção tradicionais tal com o adobe e o pau-a-pique, que mais tarde me levaram a procura do TIBA instituto de Tecnologia Intuitiva e Bio-Arquitectura sediado no Rio de Janeiro. Porém as técnicas de trabalho de campo são desenvolvidas no Sitio TIBA dentro da mata atlantica, na cidade de Bom Jardim, 180 km Norte do Rio.

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O Quilombo Campinho da Independência está localizado, a 20 km da cidade de Paraty, entre os povoados de Pedras Azuis e Patrimônio. É banhado pelo rio Carapitanga e servido por cachoeiras e pela exuberante Mata Atlântica. Surgiu de forma é muito peculiar; todos os moradores são descendentes de três escravas: Antonica, Marcelina e Luiza, as Mães. Segundo as histórias contadas pelos mais velhos as três não eram escravas comuns, pois tinham cultura, posses e habitavam a Casa Grande. Conta-se que no local existiam grandes fazendas, sendo a Fazenda Independência a mais importante. Após a abolição da escravatura os fazendeiros abandonaram suas propriedades e as terras foram divididas entre aqueles que nela trabalhavam. Os quilombolas de Campinho cultivam arroz, feijão e milho. Também plantam mandioca (aipim) e cana de açúcar, usadas também para a produção de farinha e pinga. Frutas como manga, graviola e laranja são abundantes. A maioria dos moradores são artesãos, seus balaios, cestos e peneiras são muito apreciados pelos turistas que frequentam Paraty e região. Deixo os agradecimentos ao Silvio, pelos ensinamentos, ao Baixinha pela boa disposição, a todos os quilombolas pelo carinho e à Márcia por me ter apresentado à comunidade.

anexos quilombos

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candomblé A palavra candomblé é sinônimo de religião africana. Sempre foi e é usada ainda neste sentido. O que explica muitas coisas diz: “O negro foi arrancado de sua terra e vendido como uma mercadoria, escravizado. Aqui ele chegou escravo, objeto; de sua terra ele partiu livre, homem. Na viagem, no tráfico, ele perdeu personalidade, representatividade, mas sua cultura, sua história, suas paisagens, suas vivências vieram com ele. Estas sementes, estes conhecimentos encontraram um solo, uma terra parecida com a África, embora estranhamente povoada. O medo se impunha, mas a fé, a crença - o que se sabia - exigia ser expresso. Surgiram os cultos (onilé - confundidos mais tarde com o culto do Caboclo, uma das primeiras versões do sincretismo), surgiu a raiva e a necessidade de ser livre. Apareceram os feitiços (ebós), os quilombos.”

Oni Kòwé, 1996

Os trezentos anos da história da escravidão do negro no Brasil passaram. E testam acima de tudo, a resistência e organização dos negros. A cultura africana sobreviveu através da sua crença e da sua religião. “O que se acredita, se deseja, é mais forte do que o que se vive, sempre que há uma situação limite.”

Oni Kòwé, 1996

A religião, e a sua organização em terreiros (roças), foi como muito já se escreveu, a resistência negra. Resistiu-se por haver organização. Cada negro tinha, ou sabia que o seu avô teve, um farol, um guia, um orixá protetor. No meio dos objetos traficados (os escravos) houve jóias raras: Babalorixás e Iyalorixás. Estes sacerdotes, inteiros nas suas crenças, são os seus fundadores, criaram a África no Brasil. A força espalhou-se, o axé cresceu, e apareceu na sociedade sob a forma dos terreiros de candomblé. Era coisa de negros, portanto escusa, ignorante, desprezível e rapidamente traduzida como coisa ruim, coisa do diabo, bem e mal, certo e errado, branco e preto. Antagonismos opressores, sem possibilidades alternativas. O negro resolveu tentar agir como se fora branco, para ser aceite. Oni esclarece uma vez mais: Ele dizia: - “meu Senhor, a gente tá tocando para Senhor do Bomfim, seu Santo, nhô! Não é para Oxalá, quer dizer, Oxalá é o Pai Nosso, é o mesmo que Senhor do Bomfim”. Sincretismo. Forma de resistência que criou grande onus, severas cicatrizes desfiguradoras. O processo social, a dinâmica é implacável. A imobilidade não se mantém. O filho do africano já dizia que não

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confiava em negro brasileiro (o sìgìdì, por exemplo, um encantamento de invisibilidade e criação de elemental, não foi ensinado). Muito se perdeu, a terra africana reduziu-se a pequenos torrões, o candomblé era eficaz; o Senhor procurava a negra velha para fazer um feitiço, para que lhe desse um banho de folha, lhe desse um patuá. Proliferação de terreiros. Massificação, turismo, folclore. Mas os grandes iniciados, iguais àqueles criadores da terra africana no Brasil, ainda existem. Odé Kayode - Mãe Stella de Oxossi , em 1983, dizia: "Iansã não é Santa Bárbara", e explicava. Mostrou que candomblé não era uma seita, era uma religião independente do catolicismo. A terra tremeu; algumas pessoas falavam: “- sempre fomos à missa, sempre a última benção, depois da iniciação, era na Igreja, fazemos missa de corpo presente quando alguém morre, não pode mudar isso”. Era a tradição alienada versus a revolução coerente, era a quebra do último grilhão. A represa foi quebrada e as águas fertilizaram os campos quase estéreis da sobrevivência. O negro é livre. Veio da África, tem uma história, tem uma religião igual à qualquer outra e ainda, não é politeista, é monoteista: acima de todos os Orixás está Olorum. Nina Rodrigues conta que uma vez perguntou a um Babalorixá porque ele não recebia Olorum, já que este existia. Ouvindo a seguinte resposta: "- Meu Doutor, se eu recebesse, eu explodia".

Oni Kòwé, 1996 Contudo hoje me dia um novo limite, uma nova configuração surge. No fim do século XX com a corrosão das instituições religiosas tradicionais, com o surgimento de novas religiões, com as doutrinas esotéricas alternativas, o candomblé, foi considerado uma religião. Oni: Os brancos querem ser negros, já não se ouve "o negro de alma branca", agora o privilégio é ser um branco de alma negra, ter ancestralidade, "ter enredo, história com o Santo". Mais do que nunca as Iyalorixás e Babalorixás se questionam. As armadilhas, os "caça-fugitivos" estão instalados. São os congressos, a TV - é a mídia - os livros, a 'web', em certo sentido. Tudo isto é transformado, por nós, em pinças para separar o joio do trigo, porisso estamos aqui. Dizendo o que somos, damos condição para que se perceba o que está posto e se entenda o suposto, o oposto e o aposto. Diferenciação é conhecimento, candomblé é religião, não é seita. As Iyalorixás organizam as cabeças. O processo de organização do ori é awo (segredo). O candomblé é uma religião que trabalha com o segredo, o lado mudo do ser, o que a Olorum pertence. O candomblé organiza o fragmentado, abrindo canais de expressão para o ser humano.

Oni Kòwé, 1996

Os escravos brasileiros pertenciam a diversos grupos étnicos, incluindo os Yoruba, os Ewe, os Fon, e os Bantu. Devido à religião ter-se tornado semi-independente em regiões diferentes do país, entre grupos étnicos diferentes, evoluíram diversas divisões ou nações, que se distinguem entre si

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anexos candomblé

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principalmente pelo conjunto de divindades veneradas, o atabaque (instrumento de música) e a língua sagrada usada nos rituais. _ sincretismo _ No tempo das senzalas os negros para poderem cultuar seus Orixás, Inkices e Voduns usaram como camuflagem um altar com imagens de santos católicos e por baixo os assentamentos escondidos. Existe a versão que este sincretismo já havia começado na África, induzida pelos próprios missionários para facilitar a conversão. Após a libertação dos escravos começaram a surgir as primeiras casas de candomblé, contudo devido aos séculos de camdomblé, este incorporou muitos elementos do Cristianismo. Crucifixos e imagens são ainda exibidos nos templos. Os Orixás eram frequentemente identificados com Santos Católicos, algumas casas de candomblé também incorporam entidades caboclos, que eram consideradas pagans como os Orixás. Embora usassem imagens e crucificos, o condomblé era perseguido por autoridades e pela Igreja, que viam nas comemorações paganismo e bruxaria. O movimento fundamentalista de hoje, em algumas casas de candomblé, chega que rejeitar o sincretismo aos elementos Cristãos e procura recriar um candomblé mais puro baseado exclusivamente nos elementos e origens Africanas.

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musicas sobre favela _ anos 20 _ Foram-se os malandros (...)Os malandros da favela Não tem mais onde morar Foram uns pra Cascadura Outros pra Circular Coitadinhos dos malandros Em que aperto vão ficar Com saudades da favela Todos eles vão chorar. Os malandros da Mangueira Que vivem da jogatina São metidos a valentões Mas vão ter a mesma sina Mas eu hei de me rir muito Quando a justiça for lá Hei de ver muitos malandros As carreiras se mudar.

Casquinha e Donga, 1928

_ anos 30 _ Nem É Bom Falar (...)Até que enfim Eu agora estou descansado Ela deu o fora Foi morar lá na Favela Oh! E eu não quero saber mais dela

Ismael Silva, Nilton Bastos e Francisco Alves, 1930

É feio mas é bom O batuque da favela Terminou em tiroteio Todo samba do barulho Eu acho bom, mas acho feio(...)

Assis Valente, 1939

_ anos 40 _ Boogie Woogie na Favela (...)E lá na Favela Toda a batucada já tem boogiewoogie Até as cabrochas Já dançam, já falam No tal boogie-woogie E o nosso samba foi por isso que aderiu Do Amazonas, Rio Grande, São Paulo e Rio Ao boogie-woogie, boogiewoogie, boogie-woogie A nova dança que surgiu

Denis Brean, 1945

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anexos músicas sobre favela

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_ anos 50 _ Fala Mangueira Fala Mangueira, fala! Mostra a força da tua tradição Com licença da Portela, Favela Mangueira mora no meu coração!(...) Mirabeau e Milton de Oliveira, 1956 Favela Amarela Favela amarela! Ironia da vida! Pintem a favela Façam aquarela Da miséria colorida Favela amarela(...)

Jota Jr. e O. Magalhães Papai Noel, 1959

_ tentativas de erradicar as favelas _ Despejo na favela Quando o oficial de justiça chegou Lá na favela E contra seu desejo Entregou pra seu Narciso Um aviso, uma ordem de despejo Assinada seu doutor Assim dizia a petição: Dentro de dez dias Quero a favela vazia E os barracos todos no chão É uma ordem superior, Ô, ô, ô, ô , meu senhor É uma ordem superior, Não tem nada não, seu doutor Não tem nada não, Amanhã mesmo vou deixar Meu barracão Não tem nada não, seu doutor Amanhã mesmo vou sair daqui Pra não ouvir o ronco do trator Para mim não tem problema Em qualquer canto me arrumo

De qualquer jeito me ajeito Depois o que eu tenho é tão pouco Minha mudança é tão pequena Que cabe no bolso de trás Mas essa gente aí, hein? Como é que faz?

Adorian Barbosa, 1975

_ o lirismo da vida no morro _ Alvorada Alvorada lá no morro que beleza Ninguém chora, não há tristeza Ninguém sente dissabor O sol colorido é tão lindo, é tão lindo E a natureza sorrindo Tingindo, tingindo a alvorada

Cartola, Carlos Cachaça e Herminio Bello de Carvalho,

1976

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anexos música sobre favela

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_ morro versus alfalto _ Faceira Foi num samba De gente bamba Que te conheci, faceira Fazendo visagem Passando rasteira E desceste lá do morro Pra viver aqui na cidade Deixando os companheiros Tristes, loucos de saudade Linda criança, tenho fé, tenho esperança

Ary Barroso, 1931

Saudades do meu barracão (...)Hoje mora na cidade essa morena bonita Toda cheia de vaidade não usa mais chita Procura tudo esquecer Volta para o teu barracão E ouve o que vou te dizer: Tudo isso é ilusão!(...)

Atalufo Alves, 1935

_ vida no morro _ Vida no morro (...)Tudo no morroé tão diferente Todo vizinho é amigo da gente Até o batuque nossa maravilha Toda cabrocha é decente Tudo no morro é melhor que na cidade Tanto na dor como na felicidade (...)

Hannibal Cruz, 1942

_ os malandros _ Malandro quando morre Cai no chão Um corpo maltrapilho Velho chorando Malandro do morro era seu filho (...) Menino quando morre vira anjo Mulher vira uma flor no céu Pinhos chorando Malandro quando morre Vira samba

Chico Buarque, 1965

Malandrando Dum coro de gato Nasci um surdo, repicado A repicar no ouvido do mundo Sou brasileiro, bem mulato Bamba e valentão Sou o cupido do amor De minha raça Tocando um samba Nas cordas de um violão De um violão Se a vida é um jogo de esperteza Aprendi a ser coringa com Firmeza Jogo de pernas, capoeira É ginga pra pular É popular Se a verdade do bacana De muitas falas, pouco engana A minha não tem não É só fio da navalha Qu etrago firme na mão Eu sou malandro e ele otário E o tempo dirá quem tem razão

Silvio Lana, Luiz Melodia e Perinho Santana, 1987

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anexos músicas sobre favela

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_ funk _ Nova Dança Ao som do James Brown Malha Funk vem mostrar Uma dança maneira E você vai se amarrar Então pra começar Te mostro que a chapa é quente Agora desce e sobe Quebra de um lado pro outro Alisando o corpinho Que eu já estou ficando louco Eu to ficando louco, mais eu vou te ensinar Bote os braços para frente E vem dançar o Tcha tcha tcha Tcha, tcha, tcha Com jeitinho excitante Tcha, tcha, tcha Esse é o Malha Funk Tcha, tcha, tcha Vem com agente Vem swingar

Andinho Malha Funk/Geléia, 2005

Boladona Na madruga boladona, Sentada na esquina. Esperando tu passar Altas horas da matina Com esquema todo armado, Esperando tu chegar Pra balançar a seu coreto Pra você de mim lembrar Sou cachorra, sou gatinha, não adianta se esquivar Vou soltar a minha fera, eu boto o bicho pra pegar Sou cachorra, sou gatinha, não adianta se esquivar Vou soltar a minha fera, eu boto o bicho pra pegar

Tati Quebra Baraco, 2005

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anexos música sobre favela

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bibliografia cedida pelo atelier MT _ latin america _ general AMATO, P.W. "Elitism and Settlement Patterns in the Latin American City," Journal of the American Institute of Planners, 36 (1970), 96-105. ARMUS, Diego and John Dear. "The Trajectory of Latin American Urban Histiry," Journal of Urban History, 24,(Mar., 1998), 291-301. An introductory essay to a special issue on Latin American urban history. ARROM, Silvia and Servando ORTOLL, eds. Riots in the Cities: Popular Politics and the Urban Poor in Latin America, 1765-1910 (1996). DONGHI, Tulio Halperin. "The Cities of Spanish America, 1825-1914: Economic and Social Aspects," in Woodrow Borah, Jorge Hardoy, and Gilbert Stelter, eds., Urbanization in the Americas: The Background in Comparative Perspective)1980) , 63-70. GREENFIELD, Gerald ed. Latin American Urbanization: Historical Profiles of Major Cities (1994). GYWNNE, Robert. Industrialization and Urbanization in Latin America (1986). HARDOY, Jorge. "Two Thousand Years of Latin American Urbanization," in Jorge Hardoy, ed., Urbanization in Latin America: Approaches and Issues (1975), 3-56. HARDOY, Jorge and Mario Santos. Impacto de la urbanizacion en los centros historicos latinamericanos (1983). JOSEPH, Gilbert and Mark Szuchman, eds. I Saw a City Invincible: Urban Portraits of Latin America (1996). MORSE, Richard. "A Framework for Latin American History," in Jorge Hardoy, ed., Urbanization in Latin America (1975), 57-108. MORSE, Richard andJjorge Hardoy, eds., Cultura urbana latinoamericana (1985).

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P INEO, Ronn and James Baer. Cities of Hope: People, Protests, and Progress in Urbanizing Latin America, 1870-1930 (1998). ROMERO, Jose Luis. Latinamerica, las ciudades y las ideas (1976). _ argentina _ HARDOY, Jorge and Langdon, Maria. "Cities and Regional Thought in Argentina and Chile, 1850-1930," in Borah, Hardoy and Stelter, eds., Urbanization in the Americas , 45-56. HARDOY, Jorge. "La vivienda obrera en una cuidad en expansion, Rosario entre 1858 y 1910," in Richard Morse and Jorge Hardoy, eds., Cultura urbana latinoamericana (1985), 63-94. MOYA, Jose. Cousins and Strangers: Spanish Immigrants in Buenos Aires, 1850-1930 (1998). SARGENT, Charles. The Spatial Evolution of Greater Buenos Aires, Argentina, 1870-1930 (1974). SCOBIE, James R. Secondary Cities of Argentina (1988). SZUCHMAN, Mark. Order, Family, and Community in Buenos Aires, 1810-1860 (1988). _ brasil _ CUNNINGHAM, Susan. "Brazilian Cities Old and New: Growth and Planning Experiences," in Gordon Cherry, ed., Shaping an Urban World (1980), 181-202. DELSON, R.M. Planners and Reformers: Urban Architects of Late 18th Century Brazil," Eighteenth Century Studies 10 (no. 1, 1976), 40-51. DIAS, Maria. Power and Everyday Life: The Lives of Working Women in 19th Century Brazil (1995). Set in Sao Paulo, this book discusses the impact of urbanization on working women.

anexos bibliografia cedida pelo atelier MT

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VENSON, Norma. Two Brazilian Capitals: Architecture and Urbanism in Rio de Janeiro and Brasilia (1973). GAY, Robert. Popular Organization and Democracy in Rio de Janeiro: A Tale of Two Favelas (1994). HOLLOWAY, Thomas. Policing Rio de Janeiro: Repression and Resistance in a Nineteenth Century City (1993). HOLSTON, James. The Modernist City: An Anthropological Critique of Brasilia (1989).

KATZMAN, Martin. "Sao Paulo and its Hinterland: Evolving Relationships and the Rise of an Industrial Power," in John Wirth and Robert L. Jones, eds., Manchester and Sao Paulo, Problems of Rapid Urban Growth (1978), 107-29. LEEDS, Anthony and Elisabeth. "Brazil and the Myth of Urban Rurality: Urban Experience, Work and Values in the Squatments of Rio de Janeiro and Lima," in Arthur Field, ed., City and Country in the Third World: Issues in the Modernization of Latin America (1970), 229-70. MARCILIO, Maria Luiza. "Variantes urbanas y rurales de los regimenes demograficos preindustriales del Brasil del siglo XIX," Revista Interamericana de Planificacion, 14 (Sept. - Dec., 1980), 92-102. MEADE, Teresa. " Living Worse and Costing More': Resistance and Riot in Rio de Janeiro, 1890-1917," Journal of Latin American Studies, 21 (May, 1989). MURILO de Carvalho, Jose. Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a republica que nao foi(1987). PINO, Julio. "Dark Mirror of Modernization: The Favelas of Rio de Janeiro in the Boom Years, 1948-1960," Journal of Urban History, 22 (May, 1996), 419-53. Favellas as mirror images of the metropolis; parallel cities operated by the poor, imitating the working class and middle class city. PEARCE, A. "Some Characteristics of Urbanization in the City of Rio de Janeiro," in P. Hauser, ed., Urbanization in Latin America (1961), 191-205. STOLCKE, Verena. "Urban Transport and Popular Violence," Past and Present, 86 (Feb., 1980), 174-92.

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_ chile _ E RAMON, Armando and J.M.Larrain. ""Urban Renewal, Rehabilitation, and Remodellings of Santiago, Chile," in Woodrow Borah, Jorge Hardoy, and Gilbert Stelter, eds., Urbanization in the Americas: The Background in Comparative Perspective (1980), 97-104. DE RAMON, Armando and Patricio Gross. "Medio ambiente urban en Santiago de Chile: 1891-1918," in Richard Morse and Jorge Hardoy, eds., Cultura urbana latinoamericana (1985), 243-64. HUTCHISON, Elizabeth. " El fruto envenenado del arbol capitalista': Women Workers and the Prostitution of Labor in Urban Chile, 1896-1925," Journal of Women's History 9 (Winter, 1998), 131-51. _ ecuador _ BROMLEY, Rosemary. "The Role of Commerce in the Growth of Towns in Central Highland Ecuador, 1750-1920," in Borah, Hardoy, and Stelter, eds. Urbanization in the Americas , 25-34. Pineo, Ronn. Social and Economic Reform in Ecuador: Life and Work in Guayaquil, 1870-1930 (1996). _ mexico _ GORMSEN, Erdmann. "Changes in the Socio-Economic Pattern of Spanish-American Cities with Special Reference to Colonial Town Centres," in Borah, Hardoy, and Stelter, eds. Urbanization in the Americas, 85-96. Case study of Puebla, Mexico. LOMNITZ, L. and M. Perez. "Los origenes de la buruesia industrial en Mexico: El caso de una familia de la Ciudad de Mexico," in Richard Morse and Jorge Hardoy, eds., Cultura urbana latinoamericana (1985), 167-86. TOPIK, Steven. "Economic Domination by the Capital: Mexico City and Rio de Janeiro, 1888-1910," in Roberto Moreno de los Arcos, ed. La Ciudad y el Campo en la Historia de Mexico, (1992), 185-96. WELLS, Allen and Gilbert Joseph. "Modernizing Visions,Chiango Blueprints, and Provincial Growing Pains: Merida at the Turn of the Century," Mexican Studies/Estudios Mexicanos, 8 (2, 1992), 167-215.

anexos bibliografia cedida pelo atelier MT

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_ peru _ ORTEGA, Julio. "Para una arqueologia del discurso sobre Lima," in Richard Morse and Jorge Hardoy, eds., Cultura urbana latinoamericana(1985), 103-12. _ uruguay _ KLACZKO, Jaime and Juan Rial. Uruguay: el pais urbano (1981). _ venezuela _ ALMANDOZ, Arturo. "European Urbanism in Caracas (1870s-1930s)," Planning History, 18 (2, 1996), 14-19. VIOLICH, Francis. "Caracas: Focus of the New Venezuela," in H. Wentworth Eldredge, ed. World Capitals: Toward Guided Urbanization (1975).

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contactos de ateliers FÁBRICA ARQUITECTURA LTDA, Rua Sílvio Romero, nº 68 – Sta Tereza – 20230-100 Rio de Janeiro Tel. 0055 21 22212536 - Email: [email protected] PAA, MARIO JORGE JAUREGUI, Rua Martins Ferreira, nº 26 – Botafogo – 22271-010 Rio de Janeiro Tel. 0055 21 2527 9607 / 2527 5532 - Email: [email protected] M&T – MAYERHOFER & TOLEDO ARQUITECTURA, PLANEJAMENTO E CONSULTADORIA LTDA Rua da Glória, nº 18A – Glória – 20241-180 Rio de Janeiro Tel. 0055 21 25097121 - Email: [email protected] INDIO DA COSTA ARQUITECTURA E DESIGN LTDA, Rua Pinheiro Guimarães nº 101 – Botafogo – 22271-010 Rio de Janeiro Tel. 0055 21 25379790 - Email: [email protected] ARCHI 5 ARQUITECTOS ASSOCIADOS LTDA, Rua Sílvio Romero, nº 36 – Sta Tereza – 20230-100 Rio de Janeiro Tel. 0055 21 2222 4656 - Email: [email protected] PAULO HAMILTON CASÉ, Rua Martins Ferreira, nº 26 – Botafogo – 22271-010 Rio de Janeiro Tel. - Email: FUNDAÇÃO BENTO RUBIÃO, Rua Infante D. Henrique, nº 216 / 410 – Castelo – 20021-060 Rio de Janeiro Tel. 0055 21 22623406 / 22623003 - Email: [email protected]

anexos contactos de ateliers

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Trabalho realizado no ano lectivo 2005 . 2006, na cidade do Rio de Janeiro, Brasil

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