do direito penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

65
8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 1/65 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO PAULO CEZAR LOUREIRO DO DIREITO PENAL DO INIMIGO E SEUS ASPECTOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO MARINGÁ 2016

Upload: paulo-cezar-loureiro

Post on 07-Jul-2018

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 1/65

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁCENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO

PAULO CEZAR LOUREIRO

DO DIREITO PENAL DO INIMIGO E SEUS ASPECTOS NO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO

MARINGÁ2016

Page 2: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 2/65

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁCENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO

PAULO CEZAR LOUREIRO

DO DIREITO PENAL DO INIMIGO E SEUS ASPECTOS NO ORDENAMENTOJURÍDICO BRASILEIRO

Monografia apresentada à UniversidadeEstadual de Maringá, como exigênciaparcial para obtenção do título debacharel em Direito, sob a orientação doProf. Msc. Hamilton Belloto Henriques.

MARINGÁ2016

Page 3: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 3/65

PAULO CEZAR LOUREIRO

DO DIREITO PENAL DO INIMIGO E SEUS ASPECTOS NO ORDENAMENTOJURÍDICO BRASILEIRO

Monografia apresentada à bancaexaminadora Universidade Estadual deMaringá como requisito parcial paraobtenção do título de bacharel em Direito.

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________Prof. Msc. Hamilton Belloto Henriques

_________________________________________________

_________________________________________________

Maringá, 12 de janeiro de 2016

Page 4: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 4/65

Dedico este trabalho àqueles que fizerame fazem parte da minha vida:primeiramente a Deus, à minha mãeCelma Cristina, ao meu irmão Alvaro etoda a minha família que sempre esteve

ao meu lado, provendo incentivo, apoio,amor e carinho para que eu alcançassemeus objetivos.

Page 5: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 5/65

AGRADECIMENTOS

Ao professor e orientador Hamilton Belloto Henriques, pelo apoio na pesquisa

e demais mestres, pelos conhecimentos transmitidos durante toda a minha trajetóriaacadêmica.

Page 6: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 6/65

"São precisamente as perguntas para asquais não existem respostas que marcamos limites das possibilidades humanas etraçam as fronteiras da nossa existência".(Milan Kundera)

Page 7: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 7/65

RESUMO

A expansão do Direito Penal que ocorreu nas últimas décadas foi o fenômenopresenciado pela sociedade em face da criminalidade, visto que novos meios, juntamente às questões envolvendo a globalização e às mudanças no que concerneaos recursos globais, determinaram a diferença do ponto de vista dos intelectuais dapolítica criminal. Chega-se à teoria do Direito Penal do inimigo, frente aos atosterroristas, criada por Jakobs como forma de combater os indivíduos “inimigos” doEstado, por meio da criação de dois “tipos ideais”, um sendo o Direito Penal para ocidadão e outro para o “inimigo”, que por ser assim considerado, deixa de ter suasgarantias fundamentais e processuais intactas, estas inerentes ao cidadão, que seráabarcado pelo Direito Penal do Cidadão. A teoria em questão teve como origem emseu desenvolvimento os autores contratualistas, em especial Kant e Hobbes,influenciando Günther Jakobs em sua pesquisa. Pauta-se basicamente em trêsconsequências para os considerados “não -pessoas”, o adiantamento dapunibilidade, marcada principalmente pela tutela antecipada do bem jurídico, oincremento de penas mais duras e desproporcionais a esses indivíduos, e aflexibilização ou supressão de garantias fundamentais, principalmente processuais.No ordenamento jurídico brasileiro, em especial na Legislação Penal, pode-seobservar alguns dispositivos que possuem aspectos próprios de um direito penal doinimigo, como é notado no Código Penal Brasileiro, no instituto da reincidência,permeado de subjetividade que impõe obstáculos para diversos benefícios, além detipos penais marcados por serem uma punição para atos preparatórios, crimes demera conduta, em que o legislador antecipa o manto de alcance do Direito Penal. Oscrimes Hediondos também abarcam esse rol de legislações com aspectos da teoria,levando em conta a taxatividade da lei 8.072/1990, dificultando institutos paraaqueles que cometeram as infrações descritas nela. A Lei de Identificação Criminal,respectivamente, subjetiva os requisitos nas hipóteses cabíveis, principalmentequando o acrescenta o art. 9 – A na Lei de Execução Penal, determinando aobrigatoriedade do condenado a crimes específicos a ceder a coleta de materialgenético. Juntamente na LEP, o Regime Disciplinar Diferenciado mitiga princípiosconstitucionais, tendo em vista a que o sentenciado é submetido. Por fim, no Códigode Processo Penal, a prisão preventiva é vista à luz dos princípios do direito penal eprocessual penal, por sua decretação estar à mercê de diversas questões vagas, de

interpretação pouco restritiva, devendo ser analisada sua aplicação, a fim de evitarum Direito Penal do Inimigo.

Palavras-chave: Direito Penal do Inimigo. Direito Penal do Cidadão. LegislaçãoPenal.

Page 8: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 8/65

ABSTRACT

The expansion of criminal law that occurred in recent decades was the given

phenomenon by society towards of crime, since new media, along with issuessurrounding globalization and the changes in relation to global resources, determinedthe difference from the standpoint of intellectuals of criminal policy. Comes the theoryof criminal law of the enemy, compared to terrorist acts, created by Jakobs as a wayof combating those "enemies" of the state, through the creation of two "ideal types",one being the Criminal Law for citizens and one for the "enemy", which should bewell considered, without the intact fundamental procedural and guarantees, theseinherent to citizens, which will be encompassed by the Criminal Law of the Citizen.The theory in question had its origin in its development contractualist authors,especially Kant and Hobbes, influencing Günther Jakobs in your search. Is guidedprimarily in three consequences for those considered "non-persons", the advance ofpunishment, marked mainly by the preliminary injunction the legal interest, theincrement of stiffer penalties and disproportionate to these individuals, and therelaxation or elimination of the fundamental guarantees mainly procedure. TheBrazilian legal system, especially in criminal law, it can be seen in some devices thathave their own aspects of the criminal law of the enemy, as is noted in the BrazilianPenal Code, the recidivism institute, permeated with subjectivity imposing obstaclesfor various benefits as well as criminal types marked as being a punishment forpreparatory acts, crimes of mere conduct, the legislature anticipates achievingmantle of Criminal Law. The Heinous crimes also cover this list of legislation withaspects of the theory, taking into consideration the literalness of Law 8.072/1990,institutes difficult for those who have committed the offenses described therein. TheCriminal Identification Act, respectively, subjective requirements on reasonableassumptions, especially when the art. 9 – A, in the Prison Law, determining theobligation of the convict to specific crimes to give the collection of genetic material. Along the LEP, the Differentiated Disciplinary Regime mitigates constitutionalprinciples, in view of the sentenced is submitted. Finally, the Code of CriminalProcedure, the preventive detention is seen in the light of the principles of criminallaw and criminal procedure, by his decree be at the mercy of various issuesvacancies, light restrictive interpretation, should be analyzed their application in orderto avoid Criminal Law of the Enemy.

Keywords: Criminal Law of the Enemy. Citizen's Criminal Law. Criminal law.

Page 9: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 9/65

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 9

2 CONTEXTO HISTÓRICO ................................................................................... 11

3 A TEORIA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO .................................................. 14 3.1 CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS DOS “TIPOS IDEIAIS” .................. 203.1.1 Do Direito Penal do Cidadão ................................................................... 213.1.2 Do Direito Penal do Inimigo ................................................................... 23

4 JAKOBS, SEUS APORTES DOGMÁTICOS E CONSIDERAÇÕESADJACENTES .................................................................................................... 31

5 O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO EM FACE DO “INIMIGO” ......... 375.1 CÓDIGO PENAL BRASILEIRO .................................................................... 375.1.1 Parte Geral ................................................................................................ 37

5.1.2 Parte Especial ........................................................................................... 405.2 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL ................................................................ 435.2.1 Lei 8.072/1990 – Crimes Hediondos ....................................................... 435.2.2 Lei 12.037/2009 – Identificação Criminal ................................................ 475.3 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL................................................................ 52 5.3.1 Prisão Preventiva ..................................................................................... 52 5.4 LEI DE EXECUÇÃO PENAL (L. 7.210/1984) ................................................ 56

5.4.1 Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) ................................................. 56

6 CONCLUSÃO ..................................................................................................... 60

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 62

Page 10: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 10/65

9

1 INTRODUÇÃO

O Direito Penal sofreu uma grande transição no decorrer do séc. XX e início

do séc. XXI, principalmente tendo em vista os acontecimentos históricos marcantes,como as Guerras Mundiais, a Guerra Fria, o neocolonialismo, assim como odesenvolvimento de governos com ideais fascistas, e, no Brasil, o marco com osregimes militares, além, é claro, dos atentados terroristas em diversas partes domundo.

Com os acontecimentos ao longo das últimas décadas, a política criminalsofreu, diversas mudanças, como é visto na transição entre os modelosreducionistas e abolicionistas para aqueles que foram marcados pelorecrudescimento do Direito Penal, a partir da década de 1960, ganhando força nofinal da década de 1980, pois a sociedade contemporânea se mostrou preocupadacom a questão da criminalidade.

Tendo em vista o contexto histórico e o desenvolvimento de várias vertentesdo direito penal que Silva Sánchez elaborou seu estudo sobre a expansão do direitopenal, com vista aos aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais.

No contexto de enrijecimento do direito penal que Günther Jakos desenvolveuinicialmente sua teoria sobre dois “tipos ideias”, complementando seu pensamento

após os atentados terroristas nos Estados Unidos e em alguns países da Europa. A teoria elabora um tratamento especial para aquele que o Estado deverá

considerar como inimigo, utilizando-se de alguns requisitos, tanto objetivos, como,principalmente, subjetivos, para separar o ser “pessoa” do “não -pessoa ”, com a

finalidade de proteger a vigência da norma e o sistema como um todo,principalmente os “verdadeiros cidadãos”, que precisam ser preservados frente aos

inimigos que se encontram na sociedade. Aos inimigos serão utilizadas formas de coação, figuradas basicamente na

relativização e supressão de garantias estatais, para que esses indivíduos nãocausem dano àquele que tem condições de viver em sociedade resguardando todosos direitos e garantias, ou seja, aquele que possui suficiente garantia cognitiva.

Jakobs, para a elaboração da teoria do Direito Penal do inimigo, se baseounos filósofos contratualistas, com ênfase em Kant e Hobbes, sendo que ambos

teriam o ponto em comum de defenderem a separação dos que não tem condiçõesde cumprir o pactuado no contrato social, daqueles que teriam sim tais condições,

Page 11: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 11/65

10

divergindo de, por exemplo, Rousseau, na questão de delimitar e restringir ashipóteses em que o indivíduo será considerado inimigo, visto que Kant e Hobbes seutilizam de formas não genéricas para essa determinação, ao contrário de

Rousseau, que não abre exceções aos que desobedecem o pacto firmado com oEstado, determinando que todos os infratores seriam considerados inimigos.

As respostas de Jakobs para os “não -cidadãos” se resumem, basicamente,

na antecipação da tutela aos bens jurídicos, enrijecimento das penas, caracterizadopela desproporcionalidade e, também, na mitigação e supressão de garantiasprocessuais.

No ordenamento jurídico brasileiro, apesar de rechaçada pela maioria da

doutrina e penalistas, tais aplicações acabam se aproximando de alguns institutos,como no Código Penal Brasileiro, em que se encontram características típicas dotratamento a inimigos no dispositivo que trata da reincidência (arts. 63 e 64), o crimede associação criminosa (art. 288) e petrechos para falsificação de moedas (art.291), além de outros.

Encontram-se também resquícios desse tratamento peculiar na Lei dosCrimes Hediondos (Lei 8.070/1990), na Lei de Identificação Criminal (Lei

12.037/1990), no Código de Processo Penal, no instituto da prisão preventiva e,também na Lei de Execução de Penas (Lei 7.210/1984), na questão, principalmente,da identificação de perfis genéticos e no Regime Disciplinar Diferenciado.

Nos institutos citados, princípios encontram-se relativizados e sinais deantecipação da tutela e penas desproporcionais estão destacados, deixando clara adistinção do tratamento jurídico do “inimigo” e do cidadão, frente a um Estado

Democrático de Direito.

Page 12: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 12/65

11

2 CONTEXTO HISTÓRICO

Antes mesmo de se efetuar uma análise acerca dos dispositivos que

permeiam a teoria de Günter Jakobs, uma exploração deve ser feita na questão docontexto histórico que o autor presenciava ao elaborar tal tese.

Na questão da política criminal das últimas décadas, houve uma transiçãobreve entre os modelos reducionistas e abolicionistas para aqueles modelos quepreconizam um poder de punir mais rígido, uma expansão do poder punitivo,caracterizado pelo enrijecimento do direito penal no final da década de 1980,gerando a ampliação do Direito Penal, principalmente pelo que foi chamado de“Movimento de Lei e Ordem”, política criminal elaborada pelo sociólogo alemão RalfDahrendorf. 1

A amplitude de tal movimento começou a receber destaque nos EstadosUnidos, que incitava ser ideal uma máxima repressão à criminalidade com autilização de grande quantidade de condutas delituosas, o que foi melhor explicadopelo doutrinador Damásio de Jesus, na década de 1990:

Um dos princípios do "Movimento de Lei e Ordem" separa a sociedade em

dois grupos: o primeiro, composto de pessoas de bem, merecedoras deproteção legal; o segundo, de homens maus, os delinquentes, aos quais seendereça toda a rudeza e severidade da lei penal. Adotando essas regras, oProjeto Alternativo alemão de 1966 dizia que a pena criminal era "umaamarga necessidade numa comunidade de seres imperfeitos". É o que estáacontecendo no Brasil. Cristalizou-se o pensamento de que o Direito Penalpode resolver todos os males que afligem os homens bons, exigindo-se adefinição de novos delitos e o agravamento das penas cominadas aos jádescritos, tendo como destinatários os homens maus (criminosos). Paratanto, os meios de comunicação tiveram grande influência (RaulCervini,Incidência de la "mass media" en la expansión del control penal enLatinoamérica , Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, EditoraRevista dos Tribunais, 1994, 5: 36), dando enorme valor aos delitos de

maior gravidade, como assaltos, latrocínios, sequestros, homicídios,estupros, etc. A insistência do noticiário desses crimes criou a síndrome davitimização. A população passou a crer que a qualquer momento o cidadãopoderia ser vítima de um ataque criminoso, gerando a ideia da urgentenecessidade da agravação das penas e da definição de novos tipos penais,garantindo-lhe a tranquilidade. E essa pressão alcançou os legisladores. 2

Completa ainda Silva Sánchez, levando em consideração as sociedades pós-industriais europeias:

1 ZAFFARONI. Eugênio Raúl. O inimigo no Direito Penal. Tradução de Sérgio Lamarão. 2ª. ed. Rio deJaneiro, Revan, 2007, p. 13.2 JESUS, Damásio E. de. Sistema penal brasileiro: execução das penas no Brasil . RevistaConsulex. Ano I, n. 1, p. 24-28, Jan. 1997.

Page 13: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 13/65

12

Esse último aspecto – o da criminalidade de rua ou de massas (segurançados cidadãos em sentido estrito) – converge com as preocupaçõesclássicas de movimentos como o de “lei e ordem”. Nesse sentido, o

fenômeno não é novo. O novo é que as sociedades pós-industriaiseuropeias experimentem problemas de vertebração até há pouco por elasdesconhecidos (pela imigração, a multiculturalidade e os novos bolsões demarginalidade). E o novo é também que, a raiz de tudo isso, a ideologia delei e ordem haja ancorado em setores sociais muito mais amplos do queaqueles que a respaldavam nos anos 60 e posteriores. 3

É no contexto desse recrudescimento do direito penal que se inicia umaabordagem mais íntima sobre o direito penal do inimigo, pois há um alargamentofocado no combate à criminalidade, pautado em respostas a esta “guerra”, como o

surgimento de novas condutas típicas (que não eram entendidas como tal), oaumento considerável dos crimes de perigo abstrato e também a antecipação datutela penal em casos particulares.

Do ponto de vista de Sánchez no que concerne à expansão do direito penalna sociedade pós-industrial, o que contribuiu para o aumento dessa gama de figurastípicas a pouco citado, tendo em vista o cenário de insegurança acarretado pelaguerra fria, foi o avanço tecnológico e o surgimento de novos bens jurídicos a serem

tutelados, denominados pelo autor de “novos interesses”, “novas realidades queantes não existiam” , enfim, supervenientes valores a serem protegidos, caminho quetoda a sociedade deve percorrer para que ocorra uma evolução em um Estado deDireito.4

Como exemplo podem ser vistas as questões de degradação ambiental,quando antes se encontravam abundantes tais recursos, ou seja, a “deterioração de

realidades tradicionalmente abundantes que em nossos dias começam a manifestar-

se como ‘bens escassos’, aos quai s se atribui agora um valor que anteriormente nãolhes correspondia, ao menos de modo expresso”; o aumento dos recursospatrimoniais históricos e artísticos como “consequência da evolução social e

cultural”, que estavam presentes, mas não retinham a mesma projeção; e incluitambém a ampliação da marginalidade e exclusão social causadas pela repentinaglobalização dos meios e serviços. 5

3 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nassociedades pós-industriais. Trad. Luiz Otávio de Oliveira Rocha. 3. Ed. São Paulo: Editora Revistados Tribunais, 2013, p. 40.4 Ibidem. p. 35-36.5 Ibidem. p. 33-34.

Page 14: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 14/65

13

O autor supracitado também trabalha com o papel que a mídia fez nas últimasdécadas no que tange a questão dos delitos ocorridos na sociedade, que sãoretratados de forma a chocar a população, gerando o pensamento de que se deve

recorrer a qualquer método desde que traga a segurança para o convívio social.É nesse cenário de alargamento do poder punitivo e recrudescimento do

direito penal que Günter Jakobs elucida seu raciocínio na questão da políticacriminal, expondo seu ponto de vista a respeito do método de contenção a serutilizado, como explora Zaffaroni:

A proposta tática de contenção que provocou mais amplo debate foi aformulada por Günther Jakobs. O Professor de Bonn chamou de direitopenal do inimigo o tratamento diferenciado de alguns delinquentes – emespecial os terroristas -, mediante medidas de contenção, como táticadestinada a deter o avanço desta tendência que ameaça invadir todo ocampo penal.6

Jakobs descreveu sua ideia pela primeira vez em 1985, quando lecionavadireito penal e filosofia do direito na Universidade de Bonn (entre outras), porém,publicando sua teoria marcante apenas em 2003, denominada “D ireito Penal doInimigo: noções e críticas”, momento histórico i nteressante para se repaginar os

conceitos que havia elaborado, visto que se instalava mundialmente a “guerra ao

terror”, marcad a por atentados terroristas (em especial o 11 de setembro de 2001) euma insegurança ainda maior no convívio em sociedade que já não era discreta.

A publicação da teoria do Direito Penal do inimigo, que, apesar das críticasrelacionadas aos termos empregados (como “inimigo” e “não -pessoas”), contribuiu

para uma visão peculiar da política criminal em paralelo ao Estado Democrático deDireito que vige atualmente.

6 ZAFFARONI. Eugênio Raúl. O inimigo no Direito Penal. Tradução de Sérgio Lamarão. 2ª. ed. Rio deJaneiro, Revan, 2007, p. 155.

Page 15: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 15/65

14

3 A TEORIA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO

O trabalho de Jakobs se baseia em expor dois “tipos ideais” existentes em um

contexto jurídico-penal comum, separando o Direito Penal do Cidadão e o DireitoPenal do Inimigo enquanto postulado de política criminal. No primeiro caso, asgarantias do direito penal e o devido processo legal são oferecidas aos cidadãos,aqueles indivíduos considerados “pessoas” por Jakobs . Já em contrapartida, oindivíduo que for rotulado como inimigo será considerado uma “não -pessoa”,

portanto, não possuirá os mesmos direitos que os cidadãos.O autor afirma preliminarmente que não há possibilidade de tais modelos

concorrerem em suas formas puras, pois sempre um estará “contaminando” o outro

em algum aspecto, tanto no direito penal como no direito processual penal,formando duas esferas tangentes entre si, como disserta o próprio Jakobs:

Quando no presente texto se faz referência ao Direito penal do cidadão e aoDireito penal do inimigo, isso no sentido de dois tipos ideias que dificilmenteaparecerão transladados à realidade de modo puro: inclusive noprocessamento de um fato delitivo cotidiano que provoca um pouco maisque tédio – Direito penal do cidadão – se misturará ao menos uma levedefesa frente a riscos futuros – Direito penal do inimigo – , e inclusive oterrorista mais afastado da esfera cidadã é tratado, ao menos formalmente,como pessoa, ao lhe ser concedido no processo penal os direitos de umacusado cidadão.[...]7

Antes, entretanto, é plausível que se analise a denominação “inimigo”, pois o

autor trata de elucidar que a intenção do emprego do referido termo não tem apretensão de ser sempre pejorativa , e que indica uma questão de insuficiência noquesito pacificação, mas cabendo tanto aos pacificadores quanto aos rebeldes,como Jakobs mesmo analisa:

Em segundo lugar deve limitar-se, previamente, que a denominação Direitopenal do inimigo não pretende ser sempre pejorativa. Certamente, umdireito penal do inimigo é indicativo de uma pacificação insuficiente;entretanto esta, não necessariamente, deve ser atribuída aos pacificadores,mas pode referir-se também aos rebeldes. Ademais, um Direito penal doinimigo implica, pelo menos, um comportamento desenvolvido com base emregras, ao invés de uma conduta espontânea e impulsiva. 8

7 JAKOBS, Günther. Direito Penal do Cidadão e Direito Penal do Inimigo. In: ______; CANCIOMELIÁ, Manuel.Direito Penal do Inimigo – noções e críticas . Organização e Tradução André LuísCallegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 21.8 Ibidem . p. 22.

Page 16: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 16/65

15

Os críticos do funcionalismo sistêmico rechaçam o emprego da denominaçãoa pouco analisada utilizada por Jakobs, posto que suscitaria um avultadopreconceito, se aproximando dos ideais encontrados nos regimes totalitários do

século passado.Luis Gracia Martín se posiciona no sentido de que o termo “inimigo”

empregado por ele contém grande “carga ideológica e emocional” , afirmando que háuma “repulsa emocional” no que tange a existência de um Direito Penal do Inimigo,motivando seu ponto de vista pelo que decorreu durante a existência dos regimespolíticos totalitários, esses que “etiquetam e estigmatizam precisamente como

‘inimigos’ os dissidentes e os discrepantes” .9

Gracia Martín amplia sua análise sustentando que tais regimes não seutilizaram de conteúdos providos de justiça para criação de leis, mas se pautaramem “mecanismos de ‘guerra’ contra os etiquetados como inimigos” 10. O autor terminao paralelo histórico sobre o termo Direito Penal do Inimigo com o importante assertoa seguir aduzido:

À vista dessas experiências reais, portanto, não deve parecer nadaestranho que a carga emocional que pressupõe a etiqueta de “inimigo” já

predisponha à repulsa a um Direito Penal do inimigo em sociedades que,como é o caso das atuais sociedades ocidentais, configuram-se, ao menosem um sentido formal, como democraticamente estruturadas esedimentadas sobre os valores da liberdade, da tolerância e da igualdade. 11

A partir de tal ponto, deve-se diferenciar os indivíduos que constam nessespolos, ou seja, aqueles que serão alcançados pelo Direito Penal em que se“enquadram”.

De forma simples inicialmente a ser trabalhada, cabe salientar quem se

adaptaria no que Jakobs determina como “cidadão”. Para o autor, todos nascemcomo cidadãos, sendo definidos como tais aqueles que se demonstram aptos apreservar sua segurança cognitiva, mostrando-se passíveis ao Direito que incidesobre a sociedade. Desta forma, continuarão a ter suas garantias fundamentais eprocessuais atendidas. Jakobs disserta que para estes, “o delito não aparece como

9 GRACIA MARTÍN, Luis. O horizonte do finalismo e o direito penal do inimigo. Tradução Luiz RegisPrado e Érika Mendes de Carvalho. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 78.10 Ibidem. p. 78.11 Ibidem . p. 79.

Page 17: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 17/65

16

princípio do fim da comunidade ordenada, mas só como infração desta, comodeslize reparável” 12, o que esclarece com o seguinte excerto:

[...] o Estado moderno vê no autor de um fato – de novo, uso esta palavrapouco exata - normal, [...], não um inimigo que há de ser destruído, mas umcidadão, uma pessoa que, mediante sua conduta, tem danificado a vigênciada norma e que, por isso, é chamado – de modo coativo, mas como cidadão(e não como inimigo) – a equilibrar o dano, na vigência da norma.13

Para Luiz Régis Prado, tais indivíduos, por serem considerados “pessoas ”,cidadãos de direitos, não teriam óbices para usufruírem das garantias e direitosassegurados pelo que o Direito Penal atual já conhece, visto que a incidência do

Direito Penal do cidadão seria no sentido de definir e sancionar aquelas condutascriminosas que ocorressem de forma ocasional por cidadãos, estes que poderiam,de forma “incidental”, abusar de condutas nas relações com outros indiv íduos e/oucom o próprio Estado, mas que estão vinculados às normas e submetidos aodireito.14

Uma das características fundamentais para se distinguir a figura do inimigo éa periculosidade do indivíduo, visto que o tratamento a estes, depois de

identificados, será de neutralização, rotulação de tais como “inimigos”, “entesperigosos”, necessitando de contensão. C onsidera-se então que há umatransposição da condição de cidadão (pois todos nascem considerados pessoas,cidadãos de direitos) para um ente que só tende a causar dano à sociedade 15.

Sobre o aspecto de transposição do rótulo de “pessoa” para “não -pessoa”,

Silva Sánchez analisa de forma mais clara como esta se sucederia:

A transição do “cidadão” ao “inimigo” iria sendo produzida mediante a

reincidência, a habitualidade, a delinquência profissional e, finalmente, aintegração em organizações delitivas estruturadas. E nessa transição, maisalém do significado de cada fato delitivo concreto, se manifestaria umadimensão fática de periculosidade, a qual teria que ser enfrentada de ummodo prontamente eficaz. O Direito do inimigo – poder-se-ia conjecturar – seria, então, sobretudo o Direito das medidas de segurança aplicáveis aimputáveis perigosos. Isso, ainda que tais medidas se revelassem com

12 JAKOBS, Günther. Direito Penal do Cidadão e Direito Penal do Inimigo. In: ______; CANCIOMELIÁ, Manuel.Direito Penal do Inimigo – noções e críticas . Organização e Tradução André LuísCallegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 32.13 Ibidem . p. 32-33.14 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1: parte geral, arts 1° a 120. 11. Edver. Atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 133.15 ZAFFARONI. Eugênio Raúl. O inimigo no Direito Penal. Tradução de Sérgio Lamarão. 2ª. ed. Riode Janeiro, Revan, 2007, p.18.

Page 18: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 18/65

17

frequência sob a aparência formal de penas. Expresso de outro modo, nãohaveria um Direito “Penal”, em sentido estrito, de inimigos. 16

O que caracteriza subjetivamente um indivíduo inimigo do Estado para Jakobsé o fato de não haver nele suficiente segurança cognitiva em seu comportamentopessoal, ou seja, são aqueles que se distanciam do direito através da prática dedelitos graves, cometidos diversas vezes e de forma habitual, conforme destaca LuizRégis Prado:

O inimigo é aquele cujas atitudes revelam um distanciamento em relação àsregras de Direito, o que não se dá acidentalmente, mas de forma duradoura;comportamento pessoal, profissão e vida econômica; nada é concretizável

no âmbito de relações sociais legitimadas pelo direito; ao contrário,desenvolve-se à margem deste último e da própria sociedade. É dizer: sãoindivíduos que não prestam garantia cognitiva mínima que é necessáriapara o tratamento como pessoa. 17

A finalidade a ser atingida pelo Direito Penal do cidadão, segundo GünterJakobs, é a proteção à norma, ao sistema normativo, cabendo subsidiariamente afunção de tutela dos bens jurídicos, visto que na aplicação do direito penal essesbens jurídicos já teriam sido violados. No caso da teoria em pauta, o Direito Penal do

inimigo tem a atribuição de combater perigos, devendo estas ameaças sereminterceptadas inicialmente por colocarem em risco a sociedade.

Há que se fazer também a diferenciação entre o que a teoria entende da penacomo coação e como segurança. Günter Jakobs interpreta que a pena como coaçãopossui um significado representativo, de forma a tornar irrelevante o fato delituoso, eo que importa é que a norma continue sem mudanças 18. O delito é caracterizadopela desautorização da norma por um indivíduo racional, e a pena como coação

remete a continuação da vigência mantendo a sociedade configurada19

. Porém noaspecto da segurança, produz-se algo fisicamente relevante, visto que possui nessesentido função de prevenção especial, pois durante o cumprimento da pena, o preso

16 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nassociedades pós-industriais. Trad. Luiz Otávio de Oliveira Rocha. 3. Ed. São Paulo: Editora Revistados Tribunais, 2013, p. 19517 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1: parte geral, arts 1° a 120. 11. Edver. Atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 133.18 JAKOBS, Günther. Direito Penal do Cidadão e Direito Penal do Inimigo. In: ______; CANCIOMELIÁ, Manuel.Direito Penal do Inimigo – noções e críticas . Organização e Tradução André LuísCallegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 22.19 Idem.

Page 19: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 19/65

18

não pode delinquir fora da penitenciária20. Assim, não há que se falar em efeitosimbólico e “pedagógico”, mas sim em proteção daqueles que exacerbam em sua

característica de periculosidade. É a proteção de modo fisicamente efetivo 21.

A distinção entre inimigo e cidadão requer ainda uma análise no que consistea coexistência de ambos no campo jurídico-penal, principalmente na questão dotratamento dado a eles. Para o cidadão que infringir a lei cometendo um danoreparável, cabe a punição de forma coercitiva, conforme o ordenamento jurídico quese encontra, porém, aquele que põe a sociedade em risco deve ser excluído deforma definitiva do plano social, para que não desestruture a ordem jurídica, sendoesse denominado Direito Penal do Inimigo22.

O foco da separação entre as duas esferas do Direito Penal em questão é ade proteger os “verdadeiros cidadãos”, aquele s que detêm o direito à segurança,para que se evite perder as características do Estado de Direito. Entre estascaracterísticas, a punição, em regra, de fatos criminosos já ocorridos e proteção dasgarantias processuais do réu, conforme elucida Günter Jakobs trazendo comoexemplo o terrorismo:

[...] quem não quer privar o Direito penal do cidadão de suas qualidadesvinculadas à noção de Estado de Direito – controle das paixões; reaçãoexclusivamente frente a atos exteriorizados, não frente a meros atospreparatórios, a respeito da personalidade do delinquente no processopenal, etc. – deveria chamar de outra forma aquilo que tem que ser feitocontra os terroristas, se não se quer sucumbir, isto é, deveria chamar Direitopenal do inimigo, guerra contida23.

Para o autor supracitado, haveria maior segurança no convívio social se oEstado separasse esses dois “tipos ideias”, poi s assim deixaria de subsumir osdispositivos do Direito Penal do Inimigo no Direito Penal do Cidadão, evitando quese misturem “os conceitos ‘guerra’ e processo penal” . Além disso, o inimigo nãopode ser considerado pessoa, muito menos conviver em sociedade, sendo“desalojado” da tutela Estatal, ou seja, deixa de ser sujeito de direitos, se tornando

um objeto de direito.24

20 JAKOBS, Günther. Direito Penal do Cidadão e Direito Penal do Inimigo. In: ______; CANCIOMELIÁ, Manuel.Direito Penal do Inimigo – noções e críticas . Organização e Tradução André LuísCallegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 22.21 Ibidem. p. 23.22 Ibidem. p. 42-44.23 Ibidem. p. 37.24 Ibidem . 36-37.

Page 20: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 20/65

Page 21: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 21/65

20

a expansão econômica, pondo como exemplo de decadência da sociedade mundiala proliferação do aborto e a mitigação do conceito de família28.

Ao ser perguntado como definiria o Direito Penal do Inimigo, ele explica que

se trata de um fenômeno que ocorre em todos os ordenamentos jurídicos dos paísesocidentais, e se pauta em sancionar uma conduta ao ato anterior à consumação docrime e não esperar que o delito ocorra 29. Expõe como exemplo o que se dá nodireito processual penal, destacando a possibilidade de violação de domicílio parafins investigativos e o registro de atividades através de escutas telefônicas oumicrofones. Desta forma, o direito penal do inimigo seria uma “noção descritiva” que

define dispositivos já existentes no Estado democrático de direito para lidar com os

indivíduos perigosos, diversos daqueles inerentes ao cidadão de direitos 30.Em relação à identificação do inimigo para o Estado, Jakobs diferencia o ato

de valorar e o de descrever, afirmando que como cientista do direito, não há que sefalar em formular juízos de valor, mas sim fazer uma descrição justa e dura darealidade. Ainda expõe que a valoração e a descrição são mantidas em âmbitosdistintos e que a valoração exige uma descrição completa, conforme a própriaassertiva:

[...] a descrição é dependente da cultura, de forma que a valoração éinevitável. A questão do direito penal do inimigo tem relação com isto, poisseu objetivo é realizar uma descrição mais completa da realidade, parasaber quais as normas que devem permanecer como excepcionais em umEstado de Direito. [tradução nossa]31

Depois de elencadas tais premissas, cabe salientar as características quepermeiam o Direito Penal do Inimigo e também o Direito Penal do Cidadão, deixandoclaras as respostas que devem ser dadas aos agente s de cada “tipo ideal” e os

dispositivos para que se instaure um estado de segurança ao neutralizar os perigosemanados pelos entes com alto grau de periculosidade, os “inimigos”, o que será

analisado no tópico subsequente.

3.1 CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS DOS “TIPOS IDEIAS”

28 Idem .29 Idem .30 Idem .31 Idem. [...] la descripción es dependiente de la cultura, así que la valoración es inevitable. Lacuestión del derecho penal del enemigo tiene que ver con esto, porque su cometido es realizar unadescripción más completa de la realidad, para saber cuáles son las normas que deben permanecercomo excepcionales en un Estado de Derecho.

Page 22: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 22/65

21

3.1.1 Do Direito Penal do Cidadão

Dentre as características a serem analisadas no Direito Penal do Cidadão,

duas são necessárias de se expor para um melhor entendimento da teoria deJakobs, o Direito Penal como retrospectivo e garantista.

O garantismo penal é entendido, segundo Luigi Ferrajoli, em um dos aspectosque analisa a teoria, como um modo de direito que tem por escopo a preocupaçãocom aspectos formais, além dos substanciais, que necessitam subsistir para quehaja validade de tal direito, sendo que a aglutinação desses deve ter a função degarantir aos sujeitos de direito os direitos fundamentais existentes 32. Elucida deforma direta e clara a esse respeito Gascón:

Ao termo garantismo está impingida a ideia de segurança, proteção, tutela,acautelamento ou defesa de algo, consoante uma acepção linguística iniciale perfunctória. Em uma primeira aproximação, é mister aclarar que, noâmbito do Direito, o garantismo pugna pela tutela de direitos ou bensindividuais diante de possíveis agressões advindas de outros indivíduos e,principalmente, do poder estatal.33

Desta forma, aquele que é identificado como cidadão para Jakobs, fará jus às

garantias fundamentais, principalmente no que concerne ao direito processual penal,porém, os princípios que estão contidos em tais garantias serão mitigados no casode o indivíduo “transpor a barreira” do ser “pessoa” para o ser “não -pessoa” .

Outro aspecto necessário para se tratar é a questão retrospectiva do DireitoPenal do Cidadão, ou seja, é um Direito Penal voltado para o fato delitivo, ou melhor,a conduta que já ocorreu, oferecendo uma reprimenda pelo dano causado de acordocom as circunstâncias que envolvem a culpabilidade do agente. Isto posto, é patentenesse “tipo ideal” , que se recorra à culpabilidade para empregar a punição pelo atopraticado, pois trata-se de “pessoa”, sujeito de direitos e que recebe garantia sfundamentais, abarcado pela tutela estatal.

Cezar Roberto Bitencourt trabalha a divisão do conceito de culpabilidade emtrês momentos, como “fundamento da pena”, se referindo ao juízo de valor que

determina, considerando a ocorrência de um fato típico e ilícito, se há a possibilidade

32 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dosTribunais, 2002. p. 29-35.33 Gascón Abelán, M. La teoria general del garantismo: rasgos principales. In: Garantismo: estúdiossobre el pensamento jurídico de Luigi Ferrajolo, p. 21,apud PRADO, Luiz Regis. Curso de DireitoPenal Brasileiro, volume 1: parte geral, arts 1° a 120. 11. Ed ver. Atual. E ampl. – São Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, 2011. p. 129.

Page 23: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 23/65

22

de aplicação de pena, pondo como requisitos a capacidade de culpabilidade,consciência da ilicitude e exigibilidade da conduta.34

Em um segundo momento, a culpabilidade é posta como “elemento da

determinação ou medição da pena” , se portando como limite da pena, emconcordância com a gravidade do injusto praticado, leia-se, a medida e o limite dapena que será imposta devem cultivar uma relação de proporcionalidade àgravidade da lesão que foi causada pela ação criminosa, devendo se pautar narelação com a finalidade da pena, segundo parâmetros de política criminal. 35

E por fim, não menos importante, a acepção entendida como “conceito

contrário à responsabilidade objetiva”, isto é, “ninguém respo nderá por um resultado

absolutamente imprevisível se não houver obrado, pelo menos, com dolo ouculpa”. 36

Isto posto, torna-se claro que o Direito Penal do Cidadão se contrapõeveementemente ao Direito Penal do Inimigo, visto que o primeiro se baseia naculpabilidade do agente, não basicamente no agente do delito, gerando trêsconsequências materiais que divergem extremamente da segunda esfera “ideal”,

como elenca Bitencourt:

a) Inadmissibilidade da responsabilidade objetiva pelo simples resultado; b)somente cabe atribuir responsabilidade penal pela prática de um fato típicoe antijurídico, sobre o qual recai o juízo de culpabilidade, de modo que aresponsabilidade é pelo fato e não pelo autor; c) a culpabilidade é a medidada pena. Não resta a menor dúvida de que o princípio da culpabilidaderepresenta uma garantia fundamental dentro do processo de atribuição deresponsabilidade penal, repercutindo diretamente na composição daculpabilidade enquanto categoria dogmática37.

Ainda nesse aspecto, Prado evidencia que em um olhar analítico o crime éuma ação ou omissão que opera de forma típica, ilícita e culpável, ou seja, “uma

ação adequada a um tipo de injusto, não justificada e censurável ao agente” 38. Oque remete à culpabilidade no sentido de reprovação pessoal, por ter o autorpraticado ação ou omissão típica e antijurídica em algum momento onde se poderiaatuar de forma diversa segundo o ordenamento jurídico 39.

34 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, 1. São Paulo: Ed. Saraiva,2012, p. 62.35 Ibidem. p. 62.36 Ibidem. p. 62.37 Ibidem . p. 62-63.38 Ibdem . p. 62.39 Ibidem . p. 62.

Page 24: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 24/65

23

É mister que se exponha também o que o Professor Eugenio Raúl Zaffaronitraz a respeito do que entende como Direito Penal de culpabilidade ao trabalhar a“teoria da pena”, que se contrapõe a o Direito Penal de periculosidade (que será

trabalhado no respectivo tópico). O autor entende que o direito penal o qual trata apena como um juízo de reprovabilidade é chamado de direito penal de culpabilidade,ou seja, quer dizer que se faz necessária a suposição de que o indivíduo agente tema liberdade de escolha de seus atos para que seja aceita a possibilidade de censuraa ele, de forma que “pressupõe ser o homem capaz de escolher entre o bem e o

mal” 40. Bem como também afirma que há uma concepção antropológica do homemcomo opção, a qual entende o homem “como um ser com autonomia”, e sintetiza tal

raciocínio com a premissa de que “o direito penal de culpabilidade é aquele queconcebe o homem como pessoa” 41.

Como visto, foi dada a base para que se entenda a grande discrepância notratamento que Jakobs quis deliberar para o “inimigo” em relação ao cidadão em suateoria, relativizando um dos princípios basilares do Direito Penal em um EstadoDemocrático de Direito, o princípio da culpabilidade. Em finalização à discussãosobre a culpabilidade, Regis Prado sinaliza que no caso do cidadão, “só (se) pune

fatos (ação/omissão), daí estabelecer uma responsabilidade por fato próprio (DireitoPenal do fato), opondo-se a um Direito Penal do autor fundado no modo de vida ouno caráter” 42.

3.1.2 Do Direito Penal do Inimigo

No que se refere às características do Direito Penal do Inimigo, emcontraposição a questão da retrospectividade e do garantismo do Direito Penal do

Cidadão, é inferível que trata-se de um Direito Penal autoritário, que visa aconservação da ordem social na esfera criminal por meio de medidasassecuratórias, a fim de se evitar o cometimento de delitos futuros, ou seja, trata-sede um Direito Penal prospectivo, ignorando o que é entendido como crime peladoutrina atualmente adotada no Brasil, que a punição é a resposta a um fato típico e

40 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro, volume 1: parte geral/Eugenio RaúlZaffaroni, José Henrique Pierangeli. – 9. Ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p.108.41 Idem. 42 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1: parte geral, arts 1° a 120. 11. Edver. Atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 168.

Page 25: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 25/65

24

ilícito praticado, devendo ocorrer, em regra, um resultado material para que a penaseja aplicada.

Dentro desses aspectos, é necessário que se analise as hipóteses de

aplicação do Direito Penal do inimigo no ordenamento jurídico, o qual se manifesta,segundo Cancio Meliá, o próprio Jakobs e diversos outros penalistas, por meio detrês elementos principais: pelo adiantamento da punibilidade; através de previsão depenas abstratas mais altas e; por intermédio da relativização ou exclusão dasgarantias processuais. 43

O primeiro elemento é o que concerne, inicialmente, à questão temporal, oumelhor, na diferença do momento inter criminis em que o Estado irá agir sob o

indivíduo, ou seja, sairá da inércia. Como já analisado, para haver a punição no casodo Direito Penal do cidadão, é indispensável, em regra, que o fato criminoso já tenhaocorrido, gerando dano ou ao menos perigo de dano (o que depende do tipo penalpara se identificar qual é a espécie de perigo punível, se punível) ao bem jurídico,isto é, é um Direito Penal retrospectivo, que age após a ofensa ao objeto tutelado.

No Direito Penal do inimigo não será utilizada a retrospectividade no quetange à incidência da ação do Estado, pois nota-se que ela ocorrerá antes mesmo

da constatação do fato criminoso, quer dizer que “a perspectiva do ordenamento jurídico-penal é prospectiva (ponto de referência: o fato futuro), no lugar de – como éo habitual – retrospectiva (ponto de referência: o fato cometido) ” 44.

Sob a égide dessa incidência a pouco discorrida, fica clara a defesa deJakobs no que diz respeito às medidas assecuratórias como pena, pois estas seriamo produto da característica prospectiva trabalhada por ele, essência de sua teoria,significando um verdadeiro combate a esses que são rotulados como “não -pessoas”,

tratando-as como objetos em um mecanismo apático, qual seja, um processo penalaparentemente desinteressado e indiferente. Momento propício para expor oentendimento de Meliá:

A essência deste conceito de Direito penal do inimigo está, então, em queconstitui uma reação de combate, do ordenamento jurídico, contraindivíduos especialmente perigosos, que nada significam, já que de modoparalelo às medidas de segurança, supõe tão-só um processamentodesapaixonado, instrumental, de determinadas fontes de perigo,

43 JAKOBS, Günther. Direito Penal do Cidadão e Direito Penal do Inimigo. In: ______; CANCIOMELIÁ, Manuel.Direito Penal do Inimigo – noções e críticas . Organização e Tradução André LuísCallegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 6744 CANCIO MELIÁ, Manuel.Ibidem. p. 67.

Page 26: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 26/65

25

especialmente significativas. Com este instrumento, o Estado não fala comseus cidadãos, mas ameaça seus inimigos. 45

E em complemento, sobre as medidas de segurança que se baseia Jakobs,

Silva Sánchez analisa as características da teoria do autor, explicitando que “oDireito Penal do inimigo seria sempre a ampla antecipação da proteção penal, isto é,a mudança de perspectiva do fato passado a um porvir” 46. Discorre,respectivamente, sobre a finalidade de tais medidas de antecipação punitiva:

Na realidade, as medidas de segurança para delinquentes imputáveisperigosos (em concreto, para os habituais) surgem para enfrentar, naterminologia de Von Liszt, os ‘inimigos fundamentais da ordem social’. Odireito Penal do inimigo não é, portanto, algo novo, senão, ao contrário, já

muito patente no primeiro terço do século XX.47

Examinando o ponto de vista de Luis Gracia Martín no que tange o tema, oautor discorre sobre a característica de antecipação da tutela ao bem jurídico, nosentido de ser “uma primeira manifestação do Direito Penal do inimigo”,

representada pela punição prematura, que visa estendê-la aos atos que têm aqualidade de meramente preparatórios, fatos que ainda estão para acontecer. A faltade segurança cognitiva é o que determina quem de fato abandonou o Direito deforma permanente, ignorando os princípios basilares da sociedade, desviando oobjeto da punição, que antes era a comissão de fatos criminosos concretos edeterminados, para “qualquer conduta informada e motivada pelo fato de seu autor

pertencer a uma organização que opera fora do Direito ”.48 Ocorre, desta forma, um fenômeno de criminalização e punição dos atos

antes que eles ocorram, visto que o indivíduo inimigo do Estado não tem asegurança cognitiva necessária para ter seu rótulo de cidadão mantido, “ou de

condutas que simplesmente favorecem a existência de uma organização criminosa ealimentam sua subsistência e conservação”. 49

Interessante ressaltar que Gracia finaliza o estudo do aspecto prospectivo doDireito Penal do inimigo expondo como exemplos a criminalização da mera

45 Ibidem. p. 7146 46 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nassociedades pós-industriais. Trad. Luiz Otávio de Oliveira Rocha. 3. Ed. São Paulo: Editora Revistados Tribunais, 2013, p. 194.47 Idem. Ibidem. p. 195, nota 5.48 GRACIA MARTÍN, Luiz.O Horizonte do Finalismo e o Direito Penal do Inimigo . Tradução LuizRegis Prado e Érika Mendes de Carvalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 88.49 Idem.

Page 27: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 27/65

26

colaboração com grupos ou organizações terroristas, constante no art. 576 doCódigo Penal Espanhol, citando também a tipificação do crime de apologia aosautores ou às infrações ligadas ao crime de terrorismo (art. 578, mesmo diploma). 50

A aplicação da questão de antecipação da punibilidade, portanto, tem oescopo de punir atos preparatórios e os delitos de mera conduta, e para que hajamelhor compreensão, cabe aqui a exposição do que representa a classificação deambos no ordenamento jurídico.

Cezar Roberto Bitencourt elucida a respeito das fases que constituem o delito,denominado de iter criminis, que segundo o autor se diferencia entre a fase interna(cogitação) e a externa (atos preparatórios, executórios e consumação), cabendo

aqui desenvolver o primeiro dos atos que passam da fase chamada cognitio para aexteriorização objetiva das ações do agente, leia-se, os atos preparatórios. Em taisatos, o autor determinará as melhores condições para que seja consumado o delito,como o local que facilitará a ação, o horário, os apetrechos e demais detalhesespecíficos relacionados à tal pratica, que anteriormente se encontravam apenas emsua elaboração mental, ou melhor, naqueles atos internos que percorriam o labirintoda mente humana, vencendo obstáculos e ultrapassando barreiras que porventura

existiam no espírito do agente.51

Em relação à preparação, o legislador brasileiro separou algumas condutas

que levam em consideração a periculosidade do agente, apartando-se da regra quese pauta o Direito Penal, a qual considera impuníveis os atos preparatórios, vistoque o Código Penal exige o início da execução. Essa exceção é exercida pelos tipospenais especiais, que teoricamente seriam preparatórios e que constituem, por simesmos, figuras delituosas. Foi considerado pelo legislador o valor do bem jurídico

que estaria sendo ameaçado pela periculosidade do agente, visto que não só aescola positiva, mas autores de fora dela admitem a punição se o indivíduo forconsiderado perigoso.

A orientação dada pelo Código Penal brasileiro assume como regra geral, apouco dito, a ausência de punição em fase anterior aos atos executórios, pautado noart. 31 do Código Penal, que expõe o seguinte: “O ajuste, a determinação ou

instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se

50 Idem. 51 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, 1. São Paulo: Ed. Saraiva,2012, p. 523.

Page 28: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 28/65

27

o crime não chega, pelo menos, a ser tentado”, ou seja, “quando, iniciada a

execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente” (Art. 14,inciso II, Código Penal Brasileiro 52). O que melhor explica Bitencourt:

Na verdade, falta-lhes a tipicidade, em geral, também a antijuridicidade,características essenciais de todo fato punível. A ausência desses doiscaracteres da conduta é suficiente, no nosso ordenamento jurídico-penal,para tornar os atos preparatórios indiferentes para o Direito Penal. 53

Todavia, alguns tipos penais, como citado, carregam essa qualidade,preenchendo o tipo penal com uma conduta que ainda não ultrapassou a fase iter

criminis da preparação para a execução, como por exemplo, os crimes de petrechospara falsificação de moeda, constante no art. 291 do Código Penal, o delito deatribuir-se falsamente autoridade para celebração de casamento (art. 238), além, dodelito de associação criminosa, constante no art. 288 do mesmo diploma.

É interessante que se analise o conceito dos delitos de mera conduta, estesque são objetos que exemplificam o adiantamento da punibilidade no direito penaldo inimigo. Cezar Roberto Bitencourt trata tais delitos quando distingue os crimesmateriais, formais e de mera conduta quanto ao seu resultado naturalístico.

Considera que o primeiro grupo corresponde à “conduta cujo result ado integrao próprio tipo penal, isto é, para a sua consumação é indispensável a produção deum resultado separado do comportamento que o precede” 54, em contraposição aosdelitos formais, que descrevem o resultado, mas que não necessariamente deveocorrer, ou seja, não é relevante para o Direito Penal se ele vier a acontecer ou não.

Por fim, no que concerne aos delitos de mera conduta, o resultadonaturalístico não é ao menos concebido no tipo penal, havendo a punição pelo mero

preenchimento da figura tipificada55, como no caso do delito de porte de arma defogo, considerado crime de mera conduta, como entendimento do STF na seguintedecisão:

52 BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.Código Penal Brasileiro. Brasília, DF.Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em:22. Set. 2015.53 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, 1. São Paulo: Ed. Saraiva,2012, p. 523.54 Ibidem. p. 273-274. 55 Idem.

Page 29: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 29/65

28

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.CONSTITUCIONAL. PENAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO.JULGADO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM CONSONÂNCIACOM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ARMADESMUNICIADA. TIPICIDADE DA CONDUTA. PRECEDENTES.

1. O crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido é de meraconduta e de perigo abstrato, ou seja, consuma-se independentemente daocorrência de efetivo prejuízo para a sociedade, e a probabilidade de vir aocorrer algum dano é presumida pelo tipo penal. Além disso, o objeto jurídico tutelado não é a incolumidade física, mas a segurança pública e apaz social, sendo irrelevante o fato de estar a arma de fogo municiada ounão.2. Recurso ao qual se nega provimento.HC 103.206/RS. 1ª Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, Dje de 26/08/2010.56

Compreendendo tal classificação fica claro o ponto de vista de Jakobs, noqual se baseia a antecipação da tutela de que trata sua obra, visto quedeterminando a punição aos atos que talvez gerem um resultado, chega-se ao seuobjeto, qual seja, a conservação da sociedade frente aos inimigos.

A questão da desproporção, marcada por um exagero das penas abstratascominadas é a segunda característica marcante por Jakobs. Não há, na aplicaçãodo Direito Penal do inimigo, a observação aos princípios da proporcionalidade e daofensividade da lesão, posto que o fato típico e ilícito não é objeto de análise para a

determinação da punição, o que decorre da função primordial da teoria em estudo,contenção e neutralização do inimigo do Estado.

Gracia Martín afirma que essa segunda característica se manifesta emsentido duplo, o qual ele mesmo descreve:

Por um lado, a criminalização de condutas no âmbito prévio, isto é, apunibilidade de atos preparatórios antes referida, não seria acompanhadade nenhuma redução da pena com relação à fixada para os fatosconsumados ou tentados, valorando como perigoso o ato preparatóriorealizado nessa esfera prévia. Por outro lado, a circunstância específica deo autor pertencer a uma organização é levada em consideração paraestabelecer agravações, às vezes consideráveis e, por isso mesmo, emprincípio, desproporcionais, das penas correspondentes aos fatos delituososconcretamente realizados pelos indivíduos no exercício de sua atividadehabitual ou profissional a serviço da organização.57

56 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 103.206/RS. 1ª Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, Dje de 26ago. 2010. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoPeca.asp?id=161991256&tipoApp=.pdf >. Acessoem: 2. Set. 2015.57 GRACIA MARTÍN, Luiz.O Horizonte do Finalismo e o Direito Penal do Inimigo . Tradução LuizRegis Prado e Érika Mendes de Carvalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 88 – 89.

Page 30: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 30/65

29

Tais peculiaridades referentes à exorbitância das penas, tidas comoextremamente desproporcionais, derivadas em parte da expansão do direito penalanalisada por Silva Sánchez, divergem do princípio norteador do direito penal no

estado de direito contemporâneo, qual seja, o Princípio da Intervenção Mínima(ultima ratio), que expõe necessária a atuação e aplicabilidade do Direito Penalapenas como última alternativa para se resolver o conflito, conforme o entendimentomais completo do respectivo autor sobre o princípio em questão:

Orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que acriminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessáriopara a prevenção de ataques contra bens jurídicos importantes. Ademais,se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-sesuficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada enão recomendável. 58

E completa:

Por isso, o Direito Penal deve ser a ultima ratio do sistema normativo, isto é,deve atuar somente quando os demais ramos do Direito se revelaremincapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo e daprópria sociedade.59

Em paralelo com a teoria de Jakobs, Luiz Regis Prado faz a análise daquestão do exagero na tipificação das condutas e cominação das penas, ratificandoque tal construção teórica nada mais é do que um “emprego desenfreado da lei

penal (ultima ratio), com as medidas penais de emergência e simbólicas negativas”,

pautadas na flexibilização de princípios que estão sendo observados no decorrer dopresente trabalho, o que se traduz em u ma “pauperização das garantias” , e, ainda,“medidas de cunho autoritário e eminentemente repressivo”. 60

Já no que se refere à terceira qualidade dos caracteres em estudo, é vista aquestão da relativização ou exclusão de garantias materiais e processais, mitigandoprincípios basilares do sistema jurídico-penal por se tratar de uma medida extremaaplicada ao objeto “não -pessoa”, que não teve seu convívio social aprovado devido

58 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, 1. São Paulo: Ed. Saraiva,2012, p. 52.59 Idem. 60 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1: parte geral, arts 1° a 120. 11. Edver. Atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 137.

Page 31: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 31/65

30

à ausência de segurança cognitiva para efetivar o respeito às normas inerentes aosindivíduos considerados “cidadãos”.

Essas relativizações se pautam não só no que concerne ao direito penal, mas

amplamente no processo penal, visto sua utilização teórica no momentopersecutório criminal, concedendo à polícia poderes mais amplos para se chegar à“verdade real”, tendo como principal meio de prova a confissão, incitando, Jakobs,

que se deve valer de métodos de interrogatório mais severos. A respeito da questãoé pertinente o presente excerto:

Assim, questiona-se até mesmo a presunção de inocência, por ser contráriaà exigência de veracidade no procedimento; são reduzidasconsideravelmente as exigências de licitude e admissibilidade da prova; sãointroduzidas medidas amplas de intervenção nas comunicações, deinvestigação secreta ou clandestina, de incomunicabilidade, e se prescindedo – ou se reinterpreta restritivamente o – princípio nemo tenetur se ipsumaccusare; ou ainda, para citar apenas mais um exemplo, são ampliados osprazos de detenção policial para o cumprimento de “fins investigatórios”,bem como os de prisão preventiva; e, no plano teórico e doutrinário,defende-se inclusive a licitude da tortura.61

Outras características ainda são citadas por autores em suas análises arespeito da teoria do Direito Penal do Inimigo, que se deve pontuar no momento.

Uma delas é a manifestação de leis consideradas “leis de ocasião”, “leis de

luta ou de combate” 62, que acabam por voltar suas finalidades para o sistema comoum todo, tornando-se um direito penal de emergência.

Trabalha-se pelo autor, da mesma forma, a questão da execução penal, vistoque os benefícios explícitos na legislação sofrem óbices, ou seja, há uma restriçãode tais direitos aos indivíduos destacados do Direito Penal do cidadão, dificultandoou proibindo as progressões de regime, as concessões de livramento condicional e otratamento penitenciário em relação ao autor, à pena e à gravidade do delitocometido.63

61 GRACIA MARTÍN, Luiz.O Horizonte do Finalismo e o Direito Penal do Inimigo . Tradução LuizRegis Prado e Érika Mendes de Carvalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 89-90.62 Ibidem. p. 89.63 Ibidem. p.90-91.

Page 32: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 32/65

31

4 JAKOBS, SEUS APORTES DOGMÁTICOS E CONSIDERAÇÕES ADJACENTES

Para haver uma melhor compreensão de como se deu o avanço da teoria de

Jakobs, é necessário que haja um delineamento de como foram estruturadas suasideias, por meio de quais elementos ius filosóficos, que teriam por escopo adeterminação dos “tipos ideias” que tanto se discute.

Muito já se debateu sobre a origem de tais reflexões do autor, visto quequando se trata de um histórico jus filosófico e teórico-político do tratamento que foidado, no que concerne ao tratamento do delinquente e sua exclusão ou afastamentodo Estado, várias são as vertentes que puderam ser trabalhadas.

Antes mesmo de Cristo, já se falava em afastamento de indivíduos que nãose adequassem aos costumes sociais, como no caso do filósofo Protágoras, quedesenvolveu sua Teoria Penal, analisando a finalidade dela e as consequênciaspara aqueles que se distanciassem das regras impostas, considerando que “jamais

poderiam existir comunidades humanas se todos não comungassem em igualmedida do sentido moral e da justiça, entende- se ‘que o incapaz de participar da

honra e da justiça [...] deve ser eliminado como uma doença da cidade’” 64.Já para o sofista do Anônimo de Jâmblico, quando há o estado de ilegalidade,

ou seja, quando reinam a “desconfiança e o risco permanente”, a segurança

cognitiva não existe, gerando nos homens o temor e o medo, frutos da insegurança,desta forma, como é essencial que haja lei e justiça na sociedade, “quem não se

submete à lei é alvo da guerra, que conduz à submissão e à escravidão” 65.De outra forma, Tomás de Aquino rotula os homens como virtuosos ou

eticamente livres, sendo que a dignidade humana está interligada àqueles,afirmando que os não virtuosos não possuem o “status” para se manterem em

comunidade, podendo ser excluídos ou eliminados dela 66. A visão da filosofia moderna a respeito do tema em pauta também se faz

interessante, visto ser a fonte de embasamento para teoria do Direito Penal doInimigo, seja em caráter de concordância e construção da ideia no que tange a

64 GRACIA MARTÍN, Luiz.O Horizonte do Finalismo e o Direito Penal do Inimigo . Tradução LuizRegis Prado e Érika Mendes de Carvalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 95.65 Anónimo de Jâmblico, fragmento 7 n.m. 9 [p. 455-456]apud GRACIA MARTÍN, Luiz.O Horizontedo Finalismo e o Direito Penal do Inimigo . Tradução Luiz Regis Prado e Érika Mendes de Carvalho.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 96-97.66 Summa Theologica II, 2, q. 64.2, apud GRACIA MARTÍN, Luiz.O Horizonte do Finalismo e o DireitoPenal do Inimigo . Tradução Luiz Regis Prado e Érika Mendes de Carvalho. São Paulo: Revista dosTribunais, 2007, p. 97.

Page 33: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 33/65

32

definição de dois “Direitos Penais” em um mesmo sistema jurídico -penal, ou emcaráter de negação e refutação de pensamentos para se chegar ao mesmo fim.

Em análise aos textos de Jakobs, pode-se inferir que sua análise se pauta

nos autores contratualistas, em especial Rousseau, Fichte, Kant e Hobbes, e emobservação genérica é possível identificar que todos trabalham a premissa de quequem transgride o contrato social não pode usufruir dos benefícios ofertados peloEstado, porém, operam de forma diferente tal questão, momento de separação entreas escolhas de embasamento de Günther Jakobs, como claramente expõe noseguinte fragmento:

São especialmente aqueles autores que fundamentam o Estado de modoestrito através de um contrato os que representam o crime como umaviolação de contrato por parte do infrator, que, a partir de então, não maisparticipa de seus benefícios: ele deixa de viver com os outros numa relação jurídica.67

Rousseau desenvolve a ideia de que todo o delinquente, transgressor dodireito social, se transpõe para a figura de “rebelde e traidor da pátria”, não mais

fazendo parte dela pelo fato de ter violado suas leis. Tal fato gera uma

incompatibilidade entre a conservação do Estado e a do “inimigo” , restando aoEstado chegar à definição de que “é preciso que um dos dois pereça , e quando semata o culpado, isso é feito em razão de sua condição de inimigo, e não decidadão”. 68

Como consequência então, para o autor supracitado, como o indivíduo que secorrompeu reconheceu-se na forma de transgressor, deverá “ser separado daquele

(cidadão) mediante o desterro, como infrator do pacto, ou mediante a morte, comoinimigo público”. 69

Fichte, de forma ligeiramente análoga à Rousseau, explora a figura dodelinquente afirmando que:

Quem, por vontade ou imprudência, abandona o contrato civil numa parteem que, no contrato, contava-se com sua ponderação, perde, a rigor, todos

67 JAKOBS, Günther.Direito Penal do Inimigo . Tradução de Gercélia Batista de Oliveira Mendes. Riode Janeiro: Lumen Juris. 2009, p. 4.68 Rousseau, El contrato social, Lib. II, cap. Vapud GRACIA MARTÍN, Luiz.O Horizonte do Finalismoe o Direito Penal do Inimigo . Tradução Luiz Regis Prado e Érika Mendes de Carvalho. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2007, p. 98.69 Idem .

Page 34: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 34/65

33

os seus direitos como cidadão e como ser humano, quedando-se destituídode direitos.70

Contrapondo o rigor da ideia em questão, há por Fichte uma mitigação emrelação a essa privação de direitos, desenvolvendo o que ele mesmo chama de“contrato de expiação”, que seria possível, para ser mantida a segurança pública, a

comutação dessa privação de direitos e afastamento como cidadão, por penasalternativas, frisando a exceção a respeito do delito cometido, qual seja, o “homicídio

intencional premeditado”, que não permite tal “benefício” da expiação. 71 Após a exposição realizada, cabe salientar que apesar da singela semelhança

entre os dois autores supracitados e a teoria do Direito Penal do inimigo, Jakobsdeixa claro em seu texto que não se investe de simpatia pelo que Rousseau e Fichtetrabalham, e critica a característica genérica de suas teses no que tange a distinçãoentre o cidadão que possui direitos e o injusto inimigo, taxando de “radical” a f ormaque são desenvolvidas tais teorias.

Há o comentado dissentimento pelo fato de Jakobs aderir às teses de Kant eHobbes, autores basilares de seus estudos. Kant trabalha a questão contratualconsiderando dois estados possíveis de o cidadão se moldar, qual seja, o Estado de

Natureza e o Estado Legal (estatal).O estado civil-legal é determinado pela organização em torno de direitos, uma

sociedade civil de fato, que emana paz e garantia aos que se mantém nele, vistoque a autoridade faz com que um indivíduo proporcione segurança ao outro, poistodos detêm a disposição necessária no que concerne à segurança cognitiva mínimaem seu comportamento pessoal. 72

Para Kant, toda pessoa tem autorização para coagir outra quando se trata de

proteção da propriedade, pois “se um vizinho não dá segurança a outro (o que sópode acontecer em um estado legal), cada um pode considerar como inimigo quemtenha retirado essa segurança”, ou seja, poderá obrigar quem o ameaça a entrar no

70 Fichte, Grundçage des Naturrechts, § 20 p. 253 apud GRACIA MARTÍN, Luiz.O Horizonte doFinalismo e o Direito Penal do Inimigo . Tradução Luiz Regis Prado e Érika Mendes de Carvalho. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 98.71 Fichte, Grundçage des Naturrechts, § 20 p. 255 apud GRACIA MARTÍN, Luiz.O Horizonte doFinalismo e o Direito Penal do Inimigo . Tradução Luiz Regis Prado e Érika Mendes de Carvalho. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 98.72 Kant, Sobre la paz perpetua, p. 14 nota 3 apud GRACIA MARTÍN, Luiz.O Horizonte do Finalismo eo Direito Penal do Inimigo . Tradução Luiz Regis Prado e Érika Mendes de Carvalho. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2007, p. 100.

Page 35: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 35/65

34

estado legal ou se afastar dele. 73 Destaca-se então, sobre o citado autor, que aqueleindivíduo o qual deixa a desejar no quesito segurança dos outros, não deve dispordo rótulo de “pessoa”, isto é, aquele que se posta de forma a ameaçar

constantemente o outro na égide estatal, não poderá ser considerado um cidadãocomo aqueles que oferecem recíproca segurança social.

Em certa consonância, Hobbes, ao inquirir a respeito dos fins que seriamcabíveis aos que desrespeitassem o contrato social, define como inimigos os“indivíduos que se encontram no estado de natureza, no qual a característica maisdestacada seria, usando a terminologia mais moderna, a falta de segurançacognitiva” 74.

Tudo se baseia, para o contratualista, no que diz respeito ao “bem supremo ” do homem, que para ele é a própria existência do ser humano, esta que corre“permanente perigo”, quando se encontra no estado de natureza. 75

Isso posto, é visto que a intenção de Hobbes, segundo Welzel, é a de“constituir uma verdadeira ordem na terra, que, ao menos, assegure a existência de

todos” 76, ponto de extrema convergência com a teoria do Direito Penal do inimigo,por motivos de que tal premissa é definida por Jakobs como sendo a finalidade da

pena para o Direito Penal aplicado àqueles considerados inimigos, ou seja,contenção e neutralização deles para manter a integridade e existência dasociedade perante esses indivíduos. 77

O autor expõe que as razões de ser considerado um “estado de guerra ” oestado de natureza, é devido à igualdade natural dos indivíduos e o que há decomum a todos no que se refere ao direito, traduzindo tudo isso a levar os homens aserem uns inimigos dos outros.78

73 Kant, Sobre la paz perpetua, p. 14 apud GRACIA MARTÍN, Luiz.O Horizonte do Finalismo e oDireito Penal do Inimigo . Tradução Luiz Regis Prado e Érika Mendes de Carvalho. São Paulo: Revistados Tribunais, 2007, p. 101.74 GRACIA MARTÍN, Luiz.O Horizonte do Finalismo e o Direito Penal do Inimigo . Tradução LuizRegis Prado e Érika Mendes de Carvalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 102.75 Idem. Ibidem. Loc. cit.76 Welzel, Introcuccion, p. 118apud GRACIA MARTÍN, Luiz.O Horizonte do Finalismo e o DireitoPenal do Inimigo . Tradução Luiz Regis Prado e Érika Mendes de Carvalho. São Paulo: Revista dosTribunais, 2007, p. 102.77 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1: parte geral, arts 1° a 120. 11. Edver. Atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 134.78 Welzel, Introcuccion, p. 118apud GRACIA MARTÍN, Luiz.O Horizonte do Finalismo e o DireitoPenal do Inimigo . Tradução Luiz Regis Prado e Érika Mendes de Carvalho. São Paulo: Revista dosTribunais, 2007, p. 103.

Page 36: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 36/65

35

Feitas as aduzidas considerações, fica clara a proximidade existente entre ateoria do Direito Penal do inimigo e as premissas de Kant e Hobbes, visto queconsideram como inimigo, o primeiro,aquele que oferece “ameaça constante” 79 e

não se deixa coagir ao estado de civilidade, e o segundo, taxando de não-pessoa o“alto traidor”, indivíduo que “nega por princípio a constituição existente” 80. O quediverge, então, da definição entre o que Rousseau e Fichte delimitam como inimigosa serem neutralizados, da que Kant e Hobbes entendem sobre tal questão, é naamplitude a ser designada para efetuar o rótulo, ou seja, no requisito dadefinitividade da delinquência81. Como Jakobs reconhece no seguinte excerto:

Hobbes e Kant conhecem, portanto, um Direito Penal do Cidadão – contrapessoas que não delinquem de modo contumaz por princípio – e um DireitoPenal do Inimigo contra aqueles que se desviam por princípio; este exclui,enquanto aquele deixa intocado o status de pessoa. Mas o último, o DireitoPenal do Inimigo, é Direito em outro sentido. É certo que o Estado temdireito de proteger-se contra indivíduos que delinquem de modo contumaz;afinal de contas, a custódia de segurança é um instituto jurídico.82

Por fim, Jakobs converge de opinião com Hobbes no sentido de que “os

cidadãos têm direito de exigir do Estado medidas apropriadas, i. e., ele tem direito à

segurança, através do qual Hobbes fundamenta e limita o Estado: finis oboedientiaeest protectio” 83 . Porém, continua dizendo que não está o inimigo contido nestedireito, voltado apenas aos cidadãos 84.

Finaliza a questão do paralelo da sua obra com a dos demais contratualistasanalisados com a seguinte sentença em relação ao que se quer com a descrição dateoria em pauta:

O Direito Penal do Cidadão mantém a vigência da norma, o Direito Penal doInimigo (em sentido amplo, incluindo o Direito de medidas de segurança)combate perigos, sendo certo que existem muitas formas intermediárias. 85

Destarte, após tais pontuações pode-se inferir que Jakobs não utiliza asconstruções filosóficas de Rousseau e Fichte para elaborar a teoria do Direito Penal

79 JAKOBS, Günther. Direito Penal do Inimigo. Tradução de Gérlia Batista de Oliveira Mendes. Rio deJaneiro: Lumen Jurits. 2008, p. 7.80 Idem. 81 Idem .82 Idem. 83 Ibidem. p. 8.84 Ibidem. p. 8 . 85Ibidem. p. 8.

Page 37: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 37/65

36

do inimigo, apenas como forma de análise dos presentes institutos pelascaracterísticas contratualistas dos pensadores em questão. O que se têm é umdesenvolvimento que possui como alicerce Immanuel Kant e Thomas Hobbes, aotrabalhar a figura da “ameaça constante” e do “alto traidor” e suas respectivas

propriedades à luz de uma sociedade ameaçada p elo “estado de natureza”.

Page 38: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 38/65

37

5 O ORDENAMENTOJURÍDICO BRASILEIRO EM FACE DO “INIMIGO”

Devido à expansão do Direito Penal, questão já analisada no presente

trabalho, constata-se uma infiltração das características inerentes à teoria de Jakobsno que consiste em um Direito Penal aplicado aos inimigos em especial. Porém, oautor da teoria ao descrevê- la reservou um tópico intitulado “Descomposição:

Cidadãos como Inimigos? ”, o qual expôs o porquê da separação entre o tratamentoa ser dado pelo Direito Penal ao inimigo deve constar em outra esfera separadadaquele dado aos cidadãos. Revela que:

Em princípio, nem todo delinquente é um adversário do ordenamento jurídico. Por isso, a introdução de um cúmulo – praticamente já inalcançável – de linhas e fragmentos de Direito penal do inimigo no Direito penal geral éum mal, desde a perspectiva do Estado de Direito. 86

Alguns dispositivos podem ser trabalhados como sendo próximos aotratamento dado pela teoria em estudo, os quais se detectam no Código PenalBrasileiro, Código de Processo Penal, na Legislação Penal Especial, e também naLei de Execuções Penais (Lei 7.210/1984), estes que serão analisados a seguir,

junto a alguns casos particulares.

5.1 CÓDIGO PENAL BRASILEIRO 5.1.1 Parte Geral

Um instituto importante a ser observado quando se analisa a teoria do DireitoPenal do inimigo é determinação dos maus antecedentes, da reincidência e,conjuntamente, da personalidade do agente ao efetuar a aplicação e dosimetria da

pena.O art. 59 do Código Penal elenca, como uma das circunstâncias judiciais para

a determinação da pena base, a questão dos antecedentes do agente. São levadosem conta os fatos que o autor do delito cometeu anteriormente, podendo ser bons

86 JAKOBS, Günther. Direito Penal do Cidadão e Direito Penal do Inimigo. In: ______; CANCIOMELIÁ, Manuel.Direito Penal do Inimigo – noções e críticas . Organização e Tradução André LuísCallegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 43.

Page 39: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 39/65

38

ou maus, sendo considerados tais atos no momento em que a sentençacondenatória for proferida.87

Os maus atos são interpretados negativamente pela reprovabilidade social eperante a autoridade pública, representando uma “expressão de sua

incompatibilidade para com os imperativos ético-jurídicos. A finalidade dessemodulador, como os demais constantes do art. 59, é unicamente demonstrar a maiorou menor afinidade do réu com a prática delituosa” 88. Cezar Roberto Bitencourtanalisa tal instituto em relação aos princípios que aparentam ser mitigados,elucidando que:

Admitir certos atos ou fatos como antecedentes negativos significa uma“condenação” ou simplesmente uma violação ao princípio constitucional de“presunção de inocência”, como alguns doutrinadores e parte da jurisprudência têm entendido, e, principalmente, consagra resquícios docondenável direito penal de autor.89

Para que se identifique a ocorrência de antecedentes criminais e se eleve apena-base, é necessário que haja sentença condenatória transitada em julgado pordeterminado crime no momento em que o juiz for proferir a sentença condenatória

por outro fato. De acordo com a Súmula 444 do STJ, não é possível levar em conta,para efeitos de antecedentes, os inquéritos policiais e as ações penais em curso 90.

Dessa forma, a pena-base será agravada caso tal análise de antecedentes, juntamente às demais circunstâncias judiciais, seja negativa, sendo que outracircunstância a ser analisada é a personalidade do agente.

Ney Moura Teles traz a concepção de “personalidade” como sendo umconceito no âmbito de outras ciências não jurídicas, como psiquiatria, psicologia,antropologia, devendo ser observadas sob um viés complexo formado pelaspeculiaridades individuais próprias que com o tempo foram adquiridas e, por fim,influenciam o presente comportamento do agente 91. Já Aníbal Bruno entende como

87 BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.Código Penal Brasileiro. Brasília, DF.Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em:27. Set. 2015.88 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, 1. São Paulo: Ed. Saraiva,2012, p. 754.89 Idem. Ibidem. Loc. cit.90 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 444. S3 – Terceira Seção. Dje. 13 de maio de 2010,RSTJ vol. 218 p. 712. Disponível em:<http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?processo=444&&b=SUMU&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=1>. Acesso em: 28. nov. 2015.91 TELES, Ney Moura, Direito penal – Parte Geral, v. II, p. 125-126.

Page 40: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 40/65

39

sendo “um todo complexo, porção herdada e porção adquirida, com o jogo de todas

as forças que determinam ou influenciam o comportamento humano” 92. Bitencourt,sobre tal circunstância afirma que:

Deve ser entendida como síntese das qualidades morais e sociais doindivíduo. [...]. Na análise da personalidade deve-se verificar a sua boa oumá índole, sua maior ou menor sensibilidade ético-social, a presença ounão de eventuais desvios de caráter de forma a identificar se o crimeconstitui um episódio acidental na vida do réu.93

Considera-se então, que a determinação da personalidade do agente ofendea questão da retrospectividade do direito penal, priorizando a análise do autor em

detrimento ao fato, característica própria, também, de um direito penal do inimigo. A reincidência é uma das mais importantes circunstâncias agravantes, taxada

no art. 63, considerada quando o agente comete o novo crime após o trânsito em julgado de crime anterior. Há o prazo de 5 anos, contados da data do término decumprimento da pena do primeiro crime, para que a prática de um novo delito gerereincidência94. Após o decurso desse prazo, ao cometer novo crime, o agente seráconsiderado tecnicamente primário, não se aplicando tal agravante.

O Código Penal Brasileiro traz o instituto da seguinte forma:

Reincidência Art. 63. Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime,depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, otenha condenado por crime anterior. 95

Vários são os óbices identificados quando há a ocorrência da agravante,convém citar alguns conforme elenca Régis Prado: a) impede a concessão da

suspensão condicional da pena e a substituição da pena privativa de liberdade porpena restritiva de direitos ou multa, na hipótese de crime doloso (arts. 44, II; 60, §2°

92 BRUNO, Aníbal. Direito Penal Parte Geral, v. 3. Rio de Janeiro: Forense, 1984.93 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, 1. São Paulo: Ed. Saraiva,2012, p. 756.94 BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.Código Penal Brasileiro. Brasília, DF.Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Art. 64 – Para efeito de reincidência:I – não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e ainfração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período deprova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;Acesso em: 27. Set.2015.95 BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.Código Penal Brasileiro. Brasília, DF.Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em:27. Set. 2015.

Page 41: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 41/65

40

e 77, I, CP); b) aumenta o prazo de cumprimento da pena para obtenção dolivramento condicional, se dolosa (art. 83, II); c) obsta a que o regime inicial decumprimento da pena seja aberto ou semiaberto, quando não se tratar de tentativa

(art. 33, §2°, b e c); d) revogação obrigatória do sursis nas condenações por crimedoloso (art. 81 I); e) revogação obrigatória do livramento condicional quandosobrevém condenação a pena privativa de liberdade (art. 86); f) aumento de umterço no prazo prescricional da pretensão executória; dentre outros. 96

Destarte, percebe-se que ao analisar as características da personalidade, aconduta social e os crimes já praticados pela pessoa, afasta-se a análise pura dofato típico e ilícito para que se volte ao exame do autor e seu comportamento em

sentido amplo, relativizando de certa forma o princípio da culpabilidade, em especial,no sentido de “fundamento da pena”, como já explorado no tópico “3.1.1” do

presente trabalho.

5.1.2 Parte Especial

No vigente Código Penal Brasileiro, vários tipos penais podem ser analisadosà luz do Direito Penal do inimigo. Como no caso do delito de associação criminosa,definido pelo diploma citado como:

Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico decometer crimes:Pena – reclusão, de 1(um) a 3 (três) anos.Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação éarmada ou se houver a participação de criança ou adolescente. 97

O crime de associação criminosa é uma modalidade especial de punição tida

como exceção, visto que não acompanha o descrito no art. 31 do Código PenalBrasileiro, como já foi pontuado, o que o legislador deixou claro caracterizando-ocomo “atos preparatórios de uma futura infração penal, que, na ótica do art. 31 doreferido diploma legal, não são puníveis” 98.

96 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1: parte geral, arts 1° a 120. 11. Edver. Atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 605.97 BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.Código Penal Brasileiro. Brasília, DF.Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em10 nov. 2015.98 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 4: parte especial. 6. Ed. rev. e ampl. LivroDigital. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 1072.

Page 42: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 42/65

41

Para o doutrinador Cleber Masson, o crime em questão é uma associaçãoestável e permanente, que engloba necessariamente três ou mais pessoas para quetenham, como fim dessa união, o cometimento de crimes em continuidade. 99

Em análise ao tipo objetivo, é visto que associar-se é construir um liamesubjetivo que se revista de estabilidade e permanência entre os agentes,envolvendo, necessariamente, três ou mais pessoas, mesmo que inimputáveis porqualquer motivo (desde que um dos autores seja maior de 18 anos e imputável).Como último enfoque, há o elemento “para o fim específico de cometer crimes”, que

se refere ao termo técnico de crime, ou seja, não há que se falar em associaçãocriminosa se o fim visado pelas pessoas envolvidas é o de cometimento de

contravenções penais. Em melhores palavras:

O acordo ilícito entre três ou mais pessoas deve versar sobre umaduradoura, mas não necessariamente perpétua, atuação em comum, nosentido da realização de crimes indeterminados ou somente ajustadosquanto à espécie, que pode ser de igual natureza ou homogênea, ou aindade natureza diversa ou heterogênea, mas nunca no tocante àquantidade.100

O bem jurídico tutelado em questão é, segundo o professor Cezar RobertoBitencourt, seguindo a análise de Hungria, “a paz pública sob o seu aspectosubjetivo, qual seja, a sensação coletiva de segurança e tranquilidade, garantidapela ordem jurídica” .101

A consumação delitiva se apresenta no momento em que há o acordo devontades, não importando se houve a realização de algum tipo delitivo ou não, ouseja, “se verifica no momento em que três ou mais pessoas se associam para a

prática de crimes, ainda qu e nenhum delito venha a ser efetivamente praticado” 102, e

percebe-se a inadmissibilidade do instituto da tentativa. Destaca-se então, que setrata de crime formal, de conduta antecipada, considerado pela doutrina como sendode perigo abstrato, ou seja, o perigo ao bem jurídico é presumido, desnecessáriasua comprovação para determinar a infração.

99 MASSON, Cleber. Código penal comentado. 2. Ed. Ver., atual. E ampl. Rio de Janeiro: Forense;São Paulo: Método, 2014, p. 1078-1079.100 Idem. 101 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 4: parte especial. 6. Ed. rev. E ampl. LivroDigital – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 1093.102 MASSON, Cleber. Código penal comentado. 2. Ed. Ver., atual. E ampl. Rio de Janeiro: Forense;São Paulo: Método, 2014, p. 1083.

Page 43: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 43/65

Page 44: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 44/65

43

destinado à falsificação de moeda” 106, sendo necessário o preenchimento dequalquer um dos núcleos para tornar típica a conduta; o delito de fabrico,fornecimento, aquisição posse ou transporte de explosivos ou gás tóxico ou

asfixiante (art. 253, Código Penal), protege o bem jurídico incolumidade pública,tendo em vista o perigo comum que pode decorrer das condutas proibidas pelo tipopenal, seguindo a mesma regra do art. 291; e, por fim, o crime tipificado no art.. 238do mesmo diploma, que confere ao agente “atribuir -se falsamente autoridade paracelebração de casamento ” (art. 238, CP107), o qual tutela a regular constituição dafamília.

Destarte, são estes exemplos de delitos que o legislador decidiu estabelecer o

iter criminis punitivo antes de qualquer ação executória, ou seja, apenas pela meraconduta, em que preenchidos quaisquer núcleos constantes na figura típica, já serãopuníveis os comportamentos, independentemente do resultado que venha a ocorrer.

5.2 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL5.2.1 Lei 8.072/1990 – Crimes Hediondos

A lei referente aos crimes hediondos encontra amparo constitucional no art.5°, XLIII, como se expõe a seguir:

Art. 5° [...]XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ouanistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, oterrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo osmandantes, os executores e os que, podendo evita-los, se omitirem; 108

Deve-se considerar aqui uma interpretação extensiva do dispositivo

constitucional, (análise mais recomendada), qual seja a de que os delitosconsiderados hediondos são aqueles mais graves, necessitando de um tratamentomais rígido no sistema jurídico-penal, tratando-os com maior severidade. Leva-se em

106 BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.Código Penal Brasileiro. Brasília, DF.Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em:4. Dez. 2015.107 BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.Código Penal Brasileiro. Brasília, DF.Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em:04. Dez. 2015.108 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 4. Dez.2015.

Page 45: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 45/65

44

conta pelo legislador a proteção dos importantes bens jurídicos, dentre eles a vida, asaúde pública, a dignidade humana e sexual. 109

Guilherme de Souza Nucci conclui que, sob a ótica extensiva, “a Lei 8.072/90

teria nascido com o objetivo de elevar penas, impedir benefícios e impor maioraspereza no trato com essa espécie de delinquência”, chegando a tal concl usão porentender que extensivamente o legislador quis determinar que o acusado pelaprática de um crime hediondo não deve permanecer em liberdade, nem ter sua penaperdoada ou comutada.

A lei em questão não cria novas figuras típicas no ordenamento, mas prevêconsequências peculiares para determinados crimes já existentes. Dentro dessa

perspectiva, cabe analisar a classificação referente ao sistema que se insere paradeterminar o que seria interpretado como crime hediondo.

Renato Brasileiro nos elucida, tendo à luz das decisões jurisprudenciais, quehá três sistemas a serem analisados, o primeiro é o Sistema Legal, aquele quecompete ao legislador enumerar, num rol taxativo, quais os delitos consideradoshediondos, sendo estes os que constarem nessa relação. Já o segundo, o SistemaJudicial, é determinado quando o juiz diante da gravidade do delito, conforme foi

executado, o fixa como hediondo ou não. Por fim, quando se trata do Sistema Misto,o legislador cria um rol exemplificativo dos crimes que seriam hediondos, o quepermite ao juiz efetuar uma análise do caso concreto e assimilar outros fatos comotal, permitindo uma interpretação analógica.110

À luz do ordenamento jurídico brasileiro, o doutrinador em questão explana arespeito:

O critério adotado pela legislação brasileira para rotular determinadaconduta como hedionda é o sistema legal. De modo a saber se umainfração penal é (ou não) hedionda, incumbe ao operador tão somente ficaratento ao teor do art. 1° da Lei n° 8.072/90: se o delito constar do roltaxativo de crimes ali enumerados, a infração será considerada hedionda,sujeitando-se a todos os gravames inerentes a tais infrações penais,independentemente da aferição judicial de sua gravidade concreta. 111

109 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais comentadas. 5. Ed. São Paulo: Revistados Tribunais, 2010, p. 667.110 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada. 3. Ed. Salvador: JusPodivm,2015, p. 30.111 Ibidem. p. 31.

Page 46: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 46/65

45

No art. 2°, inciso I da lei em análise, o legislador determinou ainsuscetibilidade de anistia, graça e indulto para os crimes definidos nos arts. 1° e 2°caput. Guilherme de Souza Nucci destaca que Graça é o instituto de perdão por

parte do estado, concedido pelo presidente da república a certo condenado, tendoem vista as questões de utilidade social. É considerado como uma espécie de“indulto individual”, que se volta a apenas uma pessoa e, se concedido o benefício,

extingue-se a punibilidade do sentenciado nos termos do art. 107, II do CódigoPenal.112

O indulto é o benefício de complacência do Estado para com o condenado,por meio de decreto presidencial, tendo como sujeitos um coletivo de indivíduos, que

terão que preencher requisitos objetivos e subjetivos, conforme a peculiaridade decada indulto.

Fiança consiste no pagamento de pecúnia ou valores para que sejaassegurado o direito à liberdade durante os trâmites processuais. Com o instituto daliberdade provisória, perdeu-se a utilização da fiança no ordenamento jurídico, vistoa incompatibilidade em exigir fiança para crimes menos graves e não aos quepossuem maior reprovabilidade social, sendo que nestes também é possível,

respeitando os requisitos expostos em lei, que o indivíduo responda em liberdade. A anistia, segundo Nucci, “é a declara ção pelo Poder Público de que

determinados fatos se tornam impuníveis por razões de utilidade social. A anistia é operdão estatal concedido pelo Poder Legislativo, através da edição de lei federal” 113.Constitui causa de extinção de punibilidade, “entretant o, sua natureza jurídica é deexclusão da tipicidade, pois a lei passa a considerar o fato praticado comoinexistente, influindo, pois, no juízo de tipicidade” 114.

O art. 2° ainda prevê outros dispositivos negativos ao sentenciado, como ocumprimento da pena inicialmente em regime fechado, disposto no § 1°.115 Aredação original do dispositivo não admitia a progressão de nenhuma forma, ou seja,o sentenciado que fosse condenado por crime considerado hediondo ou equiparado,pela luz do dispositivo, deveria cumprir toda sua pena em regime fechado, o que foi

112 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais comentadas. 5. Ed. São Paulo: Revistados Tribunais, 2010, p. 679.113 Idem .114 Idem .115 BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.Código Penal Brasileiro. Art. 2° A penapor crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado. Brasília, DF.Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em:7. Dez. 2015.

Page 47: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 47/65

46

reformado no atual entendimento jurídico-penal pela Súmula Vinculante n° 26,116 inclusive por ser considerado pela maioria da doutrina uma afronta ao princípio daindividualização da pena.

A substituição de penas privativas de liberdade por restritivas de direitos éoutro ponto a ser citado, porquanto também não é admitida para autores de crimehediondo, por motivo da pena cominada a estes delitos, superior a quatro anos epelo cometimento sob violência ou grave ameaça. Antes da lei 11.343/2006 (Lei deDrogas), era viável a substituição não superior a quatro anos, visto não ser crimeviolento, mas com o advento da nova lei, foi vedada tal possibilidade.

No §2° há uma distinção nos requisitos necessários a serem preenchidos

daqueles trazidos pelo Código Penal (art. 33) e Lei de Execuções Penais (art. 112)no que se refere à progressão de regime, visto que determina outro prazo decumprimento, como nota-se na letra do dispositivo: “A progressão de regime, no

caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após ocumprimento de 2/5 da pena, se o apenado for primário e de 3/5, se reincidente” 117.

No §4° do art. 2° da Lei 8.072/1990 é destacada a questão da prisãotemporária para esses delitos, dispondo que terá o prazo de 30 dias a serem

prorrogáveis pelo mesmo período quando se identificar extrema e comprovadanecessidade. 118

Passando a analisar o art. 3°, vê-se a utilização da questão da periculosidadedo condenado, que deverá ser mantido em estabelecimentos de segurança máxima.Complementa Nucci que “a norma é cogente, impondo à União o dever de manter

estabelecimentos penais de segurança máxima para abrigar criminosos de altapericulosidade, sob sua responsabilidade, distante de centros urbanos” 119.

116 BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Súm. vinc 26 STF: Para efeito de progressão de regime nocumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará ainconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se ocondenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar,para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1271>. Acesso em: 10. dez.2015.117 BRASIL. Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos doart. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8072.htm. Acesso em: 8. Dez. 2015.118 BRASIL. Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos doart. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8072.htm. Acesso em: 8. Dez. 2015.119 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais comentadas. 5. Ed. São Paulo: Revistados Tribunais, 2010, p. 684.

Page 48: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 48/65

47

No art. 8°, o legislador determinou uma espécie de qualificadora para o crimede associação criminosa, determinando que, se a união permanente e estável fosseintegrada para o fim específico de cometer crimes hediondos, prática de tortura,

tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo, a pena abstratacominada passa a ser de 3 a 6 anos de reclusão 120. Destaca-se o Parágrafo únicodo artigo, pois refere-se à redução de pena de um a dois terços nos casos em que oparticipante e o associado denunciar à autoridade o bando ou quadrilha (atualassociação criminosa), possibilitando seu desmantelamento.

Constata-se, por fim, que o tratamento desigual aos que cometem delitostidos pela comentada lei como hediondos, em alguns aspectos pode ser considerado

um Direito Penal voltado ao inimigo, relativizando garantias como o princípio daindividualização da pena, ao impor óbices aos benefícios e o da culpabilidade, comonota-se ao examinar a personalidade do indivíduo infrator ao determinar oestabelecimento penal em que cumprirá a pena.

5.2.2 Lei 12.037/2009 - Identificação Criminal

Insta dar início ao estudo do presente instituto determinando, na medida doque se dispõe para análise, o conceito do título desta lei.

Concebe-se como identificação criminal o ato que tem como finalidade darunicidade à pessoa humana, ou seja, identifica-la por meio de critérios peculiaresintrínsecos à ela, quais sejam, a identificação visual, por meio de técnica fotográfica,datiloscopia, via impressões digitais e também por sua genética. Desta forma, setem como escopo “apontar a individualidade e exclusividade de uma pessoa

humana, a fim de se ter certeza de que o verdadeiro autor do delito está sendo

punido” 121, e também, “almeja -se a segurança jurídica de não cometer erro judiciário,processando, condenando e punindo o inocente, no lugar do culpado” 122.

O amparo constitucional está descrito no art. 5°, inciso LVIII da constituição, oqual determina “que o civilmente identificado não será submetido à identificação

120 BRASIL. Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos doart. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8072.htm. Acesso em: 8. Dez. 2015.121 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada. 3. Ed. Salvador: JusPodivm,2015, p. 116.122 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais comentadas. 5. Ed. São Paulo: Revistados Tribunais, 2010, p. 691.

Page 49: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 49/65

48

criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei” 123. Logo, o constituinte restringiu osmomentos em que poderá o indivíduo ser submetido a identificação criminal, quandoeste não for civilmente identificado, com alicerces no Princípio da Pessoalidade e da

Individualização da Pena, expondo que “a lei regulará a individualização da pena”

(art. 5°, XLV, CF124), principalmente regimentada pelos dispositivos do Código Penal(ênfase dos arts. 32 a 52) e o que “nenhuma pena passará da pessoa do

condenado” (art. 5°, XLV, CF 125).Há que se fazer a distinção entre indiciamento e identificação criminal,

notando-se que a primeira se refere a um procedimento considerado mais amplo eprivativo da área criminal, ou seja, “trata -se do instrumento oficial, ao dispor do

Estado-investigação, para apontar o auto r de determinada infração penal” 126. Refere-se às pessoas suspeitas de serem autoras de algum delito, na fase de investigação.De outra forma, corrobora Renato Brasileiro de Lima:

Enquanto a identificação criminal tem como objetivo apontar aindividualidade e exclusividade de uma pessoa humana, a fim de se tercerteza de que o verdadeiro autor do delito está sendo punido, oindiciamento é um ato privativo da autoridade policial, por meio do qual seatribui a autoria de uma infração penal a determinada pessoa. 127

No art. 3° da Lei em questão, são descritos nos incisos as possibilidades emque a identificação criminal poderá ser facultativa para a autoridade policial, que setornará responsável se incorrer em erro, negligência ou dolo, assumindo asconsequências de seus atos. Caberá tal artifício nos seguintes casos:

Art. 3º Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorreridentificação criminal quando:I – o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação;II – o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente oindiciado;

123 BRASIL. Constituição (1988), de 5 de outubro de 1988. Constituição Federal. Brasília, DF,Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado. htm>. Acesso em: 8. dez. 2015.124 BRASIL. Constituição (1988), de 5 de outubro de 1988. Constituição Federal. Brasília, DF,Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado. htm>. Acesso em: 8. dez. 2015.125 BRASIL. Constituição (1988), de 5 de outubro de 1988. Constituição Federal. Brasília, DF,Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado. htm>. Acesso em: 8. dez. 2015.126 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais comentadas. 5. Ed. São Paulo: Revistados Tribunais, 2010, p. 692.127 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada. 3. Ed. Salvador: JusPodivm,2015, p. 116.

Page 50: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 50/65

49

III – o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informaçõesconflitantes entre si;IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundodespacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício oumediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou dadefesa;V – constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentesqualificações;VI – o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade daexpedição do documento apresentado impossibilite a completa identificaçãodos caracteres essenciais.Parágrafo único. As cópias dos documentos apresentados deverão ser juntadas aos autos do inquérito, ou outra forma de investigação, ainda queconsideradas insuficientes para identificar o indiciado.128

Nota-se que é investido aqui à autoridade policial proceder a identificação

criminal sem que haja autorização judicial, devendo agir com diligência para queafaste qualquer possibilidade de abuso de autoridade (arts. 3° e 4° da Lei4.898/1965). Quanto à motivação do ato da respectiva autoridade, percebe-se quenão há exigência legal. Nucci analisa o instituto da seguinte forma:

Parece-nos cauteloso que a autoridade o faça, até pelo fato de serfacultativo o processo de identificação criminal. Resguardando-se de futurae eventual alegação de abuso de autoridade, a inserção de motivos, nosautos cabíveis, onde se dá a identificação, pode excluir qualquer ranço de

autoritarismo nessa tarefa. 129

Na mesma linha, Renato Brasileiro de Lima segue o raciocínio de que se oindiciamento deve ser motivado, da mesma forma a identificação criminal facultativadeverá ser. 130

O legislador, ao afirmar que “vedado mencionar a identificação c riminal doindiciado em atestados de antecedentes ou em informações não destinadas ao juízocriminal, antes do trânsito em julgado de sentença condenatória” 131, determina osigilo da identificação criminal, ou seja, protege-se o indivíduo de um possívelconstrangimento no caso de indevida utilização dos dados colhidos.

128 BRASIL. Lei n. 12.037, de 1. de outubro de 2009. Dispõe sobre a identificação criminal docivilmente identificado, regulamentando o art. 5º, inciso LVIII, da Constituição Federal. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12037.htm>. Acesso em: 8. Dez. 2015.129 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais comentadas. 5. Ed. São Paulo: Revistados Tribunais, 2010, p. 693.130 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada. 3. Ed. Salvador: JusPodivm,2015, p. 121.131 BRASIL. Lei n. 12.037, de 1. de outubro de 2009. Dispõe sobre a identificação criminal docivilmente identificado, regulamentando o art. 5º, inciso LVIII, da Constituição Federal. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12037.htm>. Acesso em: 8. Dez. 2015.

Page 51: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 51/65

50

O art. 7° dispõe que poderá o indiciado requerer o desentranhamento daidentificação criminal caso a denúncia não seja oferecida, ou for rejeitada ou, ainda,seja o indivíduo absolvido, após o arquivamento definitivo do inquérito ou sentença

transitada em julgado.132 Nucci discorda da disposição de tal instituto, considera que “se houve

identificação criminal, quer-se crer não ter havido suficiente identificação civilanterior”, afirmando que pode ria haver a manutenção dos dados colhidos, não fosseo “temor de vazamento”, visto que se tais documentos fossem guardados

sigilosamente ou até mesmo se se desfizessem deles, não seria necessário o quedispõe o artigo. Desfecha da seguinte forma: “trata -se de um padrão estatal

diferenciado: previne-se a ilegalidade, cortando-se o mal pela raiz, ou seja, extrai-sea foto”. 133

Outra consequência da Lei 12.037/2012 é o acréscimo do Art. 9° - “ A” na Leide Execuções Penais (Lei 7.210/1984), que prevê aos condenados por crime doloso,com violência de natureza grave contra pessoa, ou qualquer dos delitos entendidospelo legislador como hediondos, a obrigatoriedade de submissão à identificação doperfil genético, mediante extração de DNA, por técnica adequada e indolor 134,

informações que serão submetidas ao Banco Nacional de Perfis Genéticos, regidopelo Decreto n° 7.950/2013.

Nesse sentido, é patente a segregação, perante a justiça, entre os criminosose os demais cidadãos, justamente pela conduta que praticaram, o que mantémsemelhanças com a distinção que Jakobs determinou em sua teoria entre pessoas enão-pessoas, visto que tal registro no BNPG ser á utilizado para “subsidiar ações

destinadas à apuração de crimes” 135. Irreleva-se aqui, o princípio constitucional da

igualdade, descrito no seguinte dispositivo:

132 BRASIL. Lei n. 12.037, de 1. de outubro de 2009. Dispõe sobre a identificação criminal docivilmente identificado, regulamentando o art. 5º, inciso LVIII, da Constituição Federal. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12037.htm>. Acesso em: 8. Dez. 2015.133 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais comentadas. 5. Ed. São Paulo: Revistados Tribunais, 2010, p. 695.134 BRASIL. Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm>. Acesso em: 8. Dez. 2015.135 BRASIL. Decreto n. 7.950, de 12 de março de 2013. Institui o Banco Nacional de Perfis Genéticose a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Decreto/D7950.htm>. Acesso em: 8. Dez.2015.

Page 52: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 52/65

51

Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País ainviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e àpropriedade [...].136

O exame de DNA tem papel fundamental no que concerne à identificação doautor de determinado delito, visto que, principalmente nos crimes violentos, podemser encontrados vestígios biológicos, cabendo à autoridade utilizar-se desse artifíciodeterminando a coleta, com o fim de obter o perfil genético (art. 5°, parágrafo únicoda Lei n° 12.654/2012).

Muito se discute no âmbito jurídico a respeito da coleta de material biológico,quando não for consentido pelo indiciado, visto que se defende, no caso, o princípiodo nemo tenetur se detegere , leia-se, princípio da vedação à autoincriminação,“afinal, não se pode impor ao investigado que contribua ativamente com as

investigações, sobretudo mediante o fornecimento de material biológico que possavir a incriminá-lo em ulterior exame de DNA” 137.

Eugênio Pacelli explora seu entendimento sobre o Direito ao Silêncio e Não Autoincriminação da seguinte forma:

Atingindo duramente um dos grandes pilares do processo penal antigo, qualseja, o dogma da verdade real, o direito ao silêncio, ou a garantia contra aautoincriminação, não só permite que o acusado ou aprisionado permaneçaem silêncio durante toda a investigação e mesmo em juízo, como impedeque ele seja compelido – compulsoriamente, portanto – a produzir ou acontribuir com a formação da prova contrária ao seu interesse. 138

Portanto, a coação à coleta do material genético pode ser (como já é paraparte da doutrina) considerada uma mitigação do analisado princípio, quando aautoridade utilizar de coação para efetuar tal ato, e ainda, incorrendo narelativização do princípio da dignidade humano caso a coação em questão seja deforma desumana e intervenha negativamente na integridade física e psíquica doindivíduo.

136 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 8. Dez.2015.137 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada. 3. Ed. Salvador: JusPodivm,2015, p. 129.138 PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 15. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p.40-41.

Page 53: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 53/65

52

O art. 5° - A da Lei 12.037/2009, acoplado pela Lei 12.654/2012, refere-se aoarmazenamento dos dados referentes à identificação do perfil genético em umbanco de dados de perfis genéticos. O legislador, particularmente no §1° dopresente dispositivo, teve como objetivo “evitar que an álises inconclusivas acerca dotemperamento, do caráter e da personalidade do identificado, sejam utilizadas parase criar um infundado estereótipo do homem delinquente a que se referia CesareLombroso” 139.

Em sequência, no §2° é disposto sobre o caráter sigiloso, prevendoresponsabilidade civil, penal e administrativa para aqueles que permitirem oupromoverem a utilização do material genético para fins diferentes dos previstos na

lei em questão ou em decisão judicial.140 Destarte, pode-se inferir que parcela dos direitos concedidos através dos

princípios da não autoincriminação (nemo tenetur se detegere) e da dignidade dapessoa humana são relativizados sob certa perspectiva, podendo também seracrescido o princípio da igualdade, tendo em vista o foco nos perfis genéticosdepositados em um banco de dados, formando estereótipos ao determinar a coletade materiais genéticos quando se tratam de crimes mais graves, características

inerentes a um Direito Penal do inimigos, que vai delimitando o “não cidadão” deacordo com o crime e suas peculiaridades individuais.

5.3 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO5.3.1 A Prisão Preventiva

A prisão preventiva é instituto disponível no Código de Processo PenalBrasileiro, notadamente nos artigos 311 ao 316. Integra o rol do gênero das prisões

cautelares. Poderá ser decretada durante toda a persecução penal, ou seja, noInquérito Policial, no trâmite do processo e em caráter de urgência, mesmo antes doinício formal da investigação. Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci:

Trata-se de uma medida cautelar de constrição à liberdade do indiciado ouréu, por razões de necessidade, respeitados os requisitos estabelecidos emlei. No ensinamento de Frederico Marques, possui quatro pressupostos: a)

139 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada. 3. Ed. Salvador: JusPodivm,2015, p. 130.140 BRASIL. Lei n. 12.037, de 1. de outubro de 2009. Dispõe sobre a identificação criminal docivilmente identificado, regulamentando o art. 5º, inciso LVIII, da Constituição Federal. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12037.htm>. Acesso em: 8. Dez. 2015.

Page 54: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 54/65

53

natureza da infração, b) probabilidade de condenação ( fumus boni juris ), c)perigo na demora ( periculum in mora ) e d) controle jurisdicional prévio.141

Para que seja possível a decretação da prisão preventiva, é mister que estejacomprovada a existência do delito, de forma incontestável, por provas comodocumentos, perícia, testemunha ou interceptações telefônicas. Outro elementonecessário é a existência de indícios suficientes de autoria, não necessariamenteprovas extremamente consistentes. Formam então, tais elementos, a materializaçãodo fumus boni juris. 142

Esse tipo de prisão é limitado pelo art. 5°, LXI da Constituição Federal, noexcerto que afirma: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem

escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”. Desta forma, mostra -se necessário o respeito ao limite para tal dispositivo processual, visto que deve serbaseado e motivado pelos artigos. 312 e 313, principalmente, do Código deProcesso Penal.

A decretação da prisão é ato privativo do magistrado, que poderá fazê-la Ex

officio , na fase processual ou mesmo provocada pelo: Ministério Público, Querelante(nos casos de Ação Penal Privada), Delegado de Polícia e Assistente de acusação,

como prevê o art. 311 do Código de Processo Penal 143.O art. 312 do CPP expõe os requisitos para que seja plausível a decretação

da preventiva. É necessário que seja identificado o fumus comissi delict , ou seja, aaparência do delito, em que se encontra a necessidade da existência de indícios deautoria e prova da materialidade. Nota-se também o requisito do periculum libertatis, que representa o risco que a liberdade do indivíduo pode causar aos bens jurídicosexistentes, sendo possíveis nas hipóteses que serão analisadas a seguir.

A primeira é a garantia da ordem pública, que segundo Nucci é a “hipótes e deinterpretação mais ampla e insegura na avaliação da necessidade da prisão

141 NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 3. Ed. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 557.142 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 7. Ed.Salvador: Editora Juspodivm, 2012, p. 580.143 BRASIL.. Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal . Brasília, DF.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em:10. Dez. 2015.

Page 55: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 55/65

54

preventiva”, trabalhando com a separação do termo sob o trinômio “gravidade da

infração + repercussão social + periculosidade do agente”. 144 O segundo elemento é a garantia de ordem econômica, espécie do gênero

garantia da ordem pública. O autor a pouco citado disserta que:

Nesse caso, visa-se com a decretação da prisão preventiva, impedir que oagente, causador de seríssimo abalo à situação econômico-financeira deuma instituição financeira ou mesmo de órgão do Estado, permaneça emliberdade, demonstrando à sociedade a impunidade reinante nessa área. 145

Em sequência, na conveniência da instrução criminal, é provida a tutela à livreprodução probatória, isto é, impede o agente de obstruir qualquer meio de provas,seja ocultando, extraviando documentos, materiais e bens, seja ameaçandotestemunhas, funcionários públicos, comprometendo a busca da verdade sobre odelito. Preserva-se aqui o devido processo legal.

O quarto e último componente explícito no art. 312 é a garantia de aplicaçãopenal, esta que visa, em suma, evitar a ocorrência de fuga, porém, a mera ausênciainjustificada do réu a um ato do processo não autoriza a decretação da preventiva.Por outro lado, a riqueza absoluta ou a miserabilidade extrema não são fundamentos

individuais do cárcere.146 As infrações passíveis de prisão preventiva devem ser postas em análise.

Como regra, tal espécie de prisão terá cabimento na persecução penal quandonecessário para a apuração dos crimes dolosos. Dentre os delitos que tem comorequisito terem sido praticados com dolo, caberá a prisão para aqueles punidos compena máxima privativa de liberdade superior a quatro anos; se o indivíduo tiver sidocondenado por outro crime, em sentença transitada em julgado respeitado o prazo

de existência de reincidência; e se no crime doloso praticado houver violênciafamiliar e/ou doméstica contra a mulher, criança, adolescente, idoso pessoadeficiente ou enferma, para que se garanta a execução das medidas urgentes deproteção (art. 313, Código de Processo Penal 147).

144 NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 3. Ed. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 559-560.145 NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 3. Ed. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 561146 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 7. Ed.Salvador: Editora Juspodivm, 2012, p. 583.147 BRASIL. Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941.Código de Processo Penal . Art. 313 Nostermos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:

Page 56: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 56/65

55

Havendo dúvida da identidade civil do agente, da mesma forma poderá serdecretada a preventiva, o que também ocorre caso alguma medida cautelarsubstitutiva for descumprida, observando-se, sempre, as condições legais do art.

312, CPP. 148 Em relação ao tempo da prisão preventiva, nota-se que a legislação não

possui previsão do prazo para a decretação, que se estende no tempo enquantohouver necessidade, ou seja, medida pela presença das respectivas hipóteses dedecretação. Assim, à luz do art. 316, se as hipóteses não existirem mais, deverá apreventiva ser revogada, isto é, segue-se a cláusula rebus sic stantibus (como ascoisas estão). Conforme Távora analisa:

A prisão preventiva é motivada pela cláusula rebus sic stantibus , assim, sea situação das coisas se alterar, revelando que a medida não é maisnecessária, a revogação é obrigatória, podendo, se adequado e necessário,aplicar medida cautelar em substituição, de acordo com o autorizativo do§5° art. 282, CPP. 149

Tendo em vista ser uma prisão processual, percebe-se que os requisitos paraque seja decretada a preventiva são subjetivos e vagos, como há de se destacar no

art. 312, quando o legislador elencou como hipóteses de decretação a “garantia daordem pública” e “garantia da ordem econômica”, visto que para parte da doutrina, é

inadmissível a decretação que tenha como fundamento da motivação apenas esseselementos, pois a periculosidade está intrínseca a eles.

Outra questão pertinente é a hipótese de decretação exposta no art. 313,inciso II, o qual permite a aplicação do dispositivo cautelar quando se referir aoindivíduo reincidente, afastando o fato criminoso para a análise da possibilidade de

I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado odisposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - CódigoPenal;III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso,enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 10. Dez. 2015.148 BRASIL. Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941.Código de Processo Penal . Art. 313, CPP,p. ún: Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil dapessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso sercolocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar amanutenção da medida. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 10. Dez. 2015.149 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 7. Ed.Salvador: Editora Juspodivm, 2012, p. 590-591.

Page 57: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 57/65

56

prisão preventiva e considerando o que o réu já respondeu anteriormente, comtrânsito em julgado de sentença condenatória.

Destarte, pode-se notar neste instituto, dispositivos defendidos por Jakobs

para o combate aos inimigos, antecipando a tutela punitiva, pois o juiz deveconsiderar de acordo com seu entendimento que o réu é provavelmente o culpado,mitigando o princípio da presunção de inocência, juntamente com o princípio daculpabilidade, ao determinar a reincidência do indivíduo como motivo para adecretação da preventiva.

5.4 LEI DE EXECUÇÕES PENAIS

5.4.1 Regime Disciplinar Diferenciado (RDD)

O Regime Disciplinar Diferenciado foi implementado à Lei de ExecuçõesPenais em 2003, pela Lei n. 10.792, constando explícito no art. 52 da LEP, conformeaduzido a seguir:

Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e,quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o presoprovisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regimedisciplinar diferenciado, com as seguintes características:

I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetiçãoda sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sextoda pena aplicada;

II - recolhimento em cela individual;

III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, comduração de duas horas;

IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho desol.

§ 1o O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presosprovisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem altorisco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou dasociedade.

§ 2o Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o presoprovisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas deenvolvimento ou participação, a qualquer título, em organizaçõescriminosas, quadrilha ou bando.150

Como pode-se inferir, o regime em questão é um instrumento para que secombata a indisciplina, o alcance das organizações criminosas e se conserve a

150 BRASIL. Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Brasília, DF.Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm>. Acesso em: 12. Dez. 2015.

Page 58: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 58/65

57

ordem social, tanto dentro como fora dos estabelecimentos prisionais. Quando foimodificado o artigo em pauta, o legislador tinha por escopo o controle dacriminalidade dos sentenciados dentro, com a enorme ilegalidade existente, e

também externamente, visto que muitas organizações criminosas eram construídase reguladas por indivíduos presos.

Desta forma, o legislador determinou um endurecimento penal para otratamento dos indivíduos que cometessem falta grave, visto que tal lei tem a funçãode ser dinâmica, não sendo necessário o julgamento do Poder Judiciário pararecolher o sentenciado ao RDD, pois nota-se que deve se enquadrar em pelo menosuma das seguintes hipóteses:

a) quando o preso provisório ou condenado praticar fato previsto comocrime doloso, conturbando a ordem e a disciplina interna do presídio ondese encontre; b) quando o preso provisório ou condenado representar altorisco para a ordem e à segurança do estabelecimento penal ou dasociedade; c) quando o preso provisório ou condenado estiver envolvidocom organização criminosa, quadrilha ou bando, bastando fundadasuspeita. 151

Nota-se que o dispositivo criado é extremamente rigoroso no tratamento comquem se enquadra nas hipóteses mencionadas, dessa forma, compete aomagistrado da área de execução da pena a avaliação de cada caso e a necessidadede inseri-lo no regime, se utilizando da proporcionalidade e visando não ofender adignidade da pessoa humana e o princípio da humanidade.

O regime é possível, como visto, para condenados ou presos provisórios, bemcomo para nacionais, estrangeiros, provisórios ou condenados, que por suapericulosidade apresentem risco demasiado para a ordem e a segurança doestabelecimento penal ou da sociedade (art. 52, §1°), bem como aqueles que

estiverem envolvidos ou participarem – com fundadas suspeitas -, a qualquer título,de organizações criminosas, quadrilha ou bando (art. 52, §2°). 152

Como requisitos formais, somente pode ser decretado pelo juiz da execuçãopenal o RDD ao sentenciado se houver “prévio e fundamentado despacho do juiz

competente” (art. 54, caput, segunda parte, LEP 153), mas somente se o diretor do

151 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais comentadas. 5. Ed. São Paulo: Revistados Tribunais, 2010, p. 497.152 NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 3. Ed. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 957.153 BRASIL. Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Brasília, DF.Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm>. Acesso em: 12. Dez. 2015.

Page 59: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 59/65

58

estabelecimento ou autoridade administrativa efetuarem um requerimento detalhadoe a defesa, assim como o Ministério Público, forem ouvidos (art. 54, §§ 1° e 2°,LEP154). No art. 60 do diploma em questão, em caso de urgência a autoridade do

estabelecimento poderá manter o condenado por até dez dias em isolamento,enquanto aguarda a decisão judicial (que tem o prazo máximo de 15 dias). Tempoque deverá ser computado no período de cumprimento da sanção disciplinar 155, vistoque a inocência ou culpa será constatada posteriormente à decisão de recolhimentono RDD.

É passível de análise a proximidade de tratamento, se comparado àssoluções descritas por Jakobs na teoria do Direito Penal do inimigo, de forma que,

para parte da doutrina, há uma relativização das garantias fundamentais notratamento de sentenciados que se enquadram nas hipóteses do art. 52 da LEP,como nos princípios da dignidade da pessoa humana e da humanidade, visto que oisolamento por muito tempo pode gerar transtornos psicológicos, juntamente àofensa à integridade física do indivíduo, levando-se em conta o curto período debanho de sol, que pode se traduzir em problemas de saúde se observar o tempo queestará sujeito aos intemperes da cela. O Tribunal de Justiça de São Paulo, à favor

do reconhecimento da inconstitucionalidade do RDD, afirmou em decisão de HabeasCorpus que:

Independentemente de se tratar de uma política criminológica voltadaapenas para o castigo, e que abandona os conceitos de ressocialização oucorreção do detento, para adotar ‘medidas estigmatizantes e inocuizadoras’ próprias do ‘Direito Penal do Inimigo’, o referido ‘regime disciplinardiferenciado’ ofende inúmeros preceitos constitucionais. Trata -se de umadeterminação desumana e degradante (art. 5°, III, da CF), cruel (art. 5°,XLVII, da CF), o que faz ofender a dignidade humana [...] (HC 893.915-3/5,São Paulo, 1ª. C., rel. Marco Nahum, 09.05.2006).156

Em contraposição, Guilherme de Souza Nucci trabalha da seguinte forma:

Assim, não há falar em violação ao princípio da dignidade da pessoahumana, à proibição da submissão à tortura, a tratamento desumano e

154 BRASIL. Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm>. Acesso em: 12. Dez. 2015.155 BRASIL. Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm>. Acesso em: 12. Dez. 2015.156 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. HC 893.915-3/5, São Paulo, 1ª. C., rel.Marco Nahum, 9 de maio de 2006. Processo n° 978.305.3/0-00. Disponível em:<http://www.conjur.com.br/2006-ago-16/leia_voto_juiz_julgou_rdd_inconstitucional>. Acesso em: 17.Dez. 2015.

Page 60: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 60/65

59

degradante e ao princípio da humanidade das penas, na medida em que écerto que o inclusão no RDD agrava o cerceamento à liberdade delocomoção, já restrita pelas próprias circunstâncias em que se encontra ocustodiado, contudo não representa, per si, a submissão do encarcerado apadecimentos físicos e psíquicos, impostos de modo vexatório, o quesomente restaria caracterizado nas hipóteses em que houvesse, porexemplo, o isolamento em celas insalubres, escuras ou sem ventilação. Ademais, o sistema penitenciário, em nome da ordem e da disciplina, bemcomo da regular execução penal das penas, há que se valer de medidasdisciplinadoras, e o regime em questão atende ao primado daproporcionalidade entre a gravidade da falta e a severidade da sanção. 157

Por fim, leva-se também em conta a periculosidade do indivíduo frente aosistema carcerário e a sociedade em geral, como foi possível identificar no art. 52,servindo tal medida do RDD como uma antecipação da tutela aos diversos bens jurídicos envolvidos, pois antes mesmo de se determinar a culpa ou não dosentenciado, impõe-se a ele um tratamento extremamente rígido, aproximando-sedo que Jakobs separou como tratamento ao indivíduo “não -pessoa”.

157 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais comentadas. 5. Ed. São Paulo: Revistados Tribunais, 2010, p. 498-499.

Page 61: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 61/65

60

6 CONCLUSÃO

O presente trabalho teve por escopo trabalhar a teoria desenvolvida por

Günther Jakobs, a teoria do Direito Penal do inimigo, não de forma exaustiva, claro,mas analisando-se o desenvolver do Direito Penal e as influências históricas quedeterminaram a criação dela pelo doutrinador em questão, como o cenário jurídico-social que se estabeleceu nas décadas passadas e o que determinou a criaçãodesses “tipos ideias”, como no caso dos atos terroristas no início do séc. XXI.

As influências que Jakobs teve para a elaboração de sua tese também foianalisada, tendo como foco Hobbes e Kant, juntamente às suas contribuiçõescontratualistas, que se aproximam, no que concerne à delimitação de quem é ocidadão ou não, junto às hipóteses de tratamento a quem destoa do contrato socialfirmado.

Foi observada a forma de identificação de um “cidadão” e de um “não -cidadão”, ou “inimigo”, postando as questões que separam um do outro, como ahabitualidade delitiva, a gravidade do crime e o crime em espécie, requisitos queconstroem um estereótipo baseado na periculosidade do agente, determinando umverdadeiro direito penal do autor.

As características peculiares de cada “tipo ideal” fo ram trabalhadas, tendo emvista o Direito Penal do Cidadão, que se baseia na retrospectividade e garantismo,contraposto ao Direito Penal do Inimigo, voltado para os atos futuros, a fim de evita-los, juntamente ao caráter autoritário, por flexibilizar ou até mesmo suprimir direitos egarantias fundamentais.

Identificado o ser “inimigo”, volta -se para as respostas que devem ser dadas àeles, que no caso se pautam em determinar o adiantamento da punibilidade, criando

tipos penais que antecipam a punição antes de haver qualquer lesão a um bem jurídico, o aumento desproporcional de penas abstratas, como nos casos da puniçãodos atos preparatórios e crimes de mera conduta, como foi abordado em relação àquestão da reincidência e os óbices que ela causa ao sujeito passivo da ação penale até ao indiciado, aos delitos de associação criminosa (art. 288), petrechos parafalsificação de moeda (art. 291), fabrico, fornecimento, aquisição, posse, outransporte de explosivos ou gás tóxico, ou asfixiante (art. 253).

Na Legislação Criminal Especial foram analisados os reflexos do Direito Penaldo Inimigo nos Crimes Hediondos, além do instituto da Identificação criminal (Lei

Page 62: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 62/65

61

12.037/2009) e do regime disciplinar diferenciado, ambos com atribuições na Lei deExecução Penal (Lei 7.210/1984). No Código de Processo Penal abordou-se aprisão preventiva e os princípios e garantias que podem ser considerados

relativizados.Desta forma, várias características fundamentais do Direito Penal que de

acordo com Jakobs deveriam ser aplicadas aos inimigos do Estado, sãoencontradas no ordenamento jurídico, cabendo ao Poder Legislativo e ao Judiciárioevitarem essa subjetivação, constante na legislação brasileira.

Page 63: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 63/65

62

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 4: parte especial. 6. Ed. rev.e ampl. Livro Digital. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, 1, ver. Ampl.São Paulo: Ed. Saraiva, 2012.

BRASIL. Constituição (1988), de 5 de outubro de 1988. Constituição Federal .Brasília, DF, Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado. htm>. Acesso em: 2. set. 2015.

BRASIL. Decreto n. 7.950, de 12 de março de 2013. Institui o Banco Nacional dePerfis Genéticos e a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos. Brasília, DF.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Decreto/D7950.htm>. Acesso em: 8. Dez. 2015.

BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro .Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 22. Set. 2015.

BRASIL. Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941.Código de Processo Penal .Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 10. Dez. 2015.

BRASIL. Lei n. 12.037, de 1. de outubro de 2009. Dispõe sobre a identificaçãocriminal do civilmente identificado, regulamentando o art. 5º, inciso LVIII, daConstituição Federal . Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12037.htm>. Acesso

em: 8. Dez. 2015.

BRASIL. Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984.Lei de Execução Penal. Brasília, DF.Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm>. Acesso em:8. Dez. 2015.

BRASIL. Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos,nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outrasprovidências. Brasília, DF. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8072.htm. Acesso em: 8. Dez. 2015.

Page 64: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 64/65

63

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 444. S3 – Terceira Seção. RSTJ vol.218 p. 712. Brasília, DF: 13 mai. 2010. Disponível em:<http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?processo=444&&b=SUMU&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=1>. Acesso em: 28. nov. 2015.

BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Súm. vinc 26. Brasília, DF. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1271>. Acesso em: 10. dez. 2015.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 103.206/RS. 1ª Turma, Rel. Min. CármenLúcia. Brasília, 26 ago. 2010. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoPeca.asp?id=161991256&tipoApp=.pdf >. Acesso em: 2. Set. 2015.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. HC 893.915-3/5, São Paulo,1ª. C., rel. Marco Nahum, 9 de maio de 2006. Processo n° 978.305.3/0-00.Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2006-ago-16/leia_voto_juiz_julgou_rdd_inconstitucional>. Acesso em: 17. Dez. 2015.

BRUNO, Aníbal. Direito Penal Parte Geral, v. 3. Rio de Janeiro: Forense, 1984.FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, 2002.

GRACIA MARTÍN, Luis. O horizonte do finalismo e o direito penal do inimigo.Tradução Luiz Regis Prado e Érika Mendes de Carvalho. São Paulo: Editora Revistados Tribunais, 2007.

GRECO, Rogério. Código Penal: comentado. 5. Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011.

JAKOBS, Günther. Direito Penal do Cidadão e Direito Penal do Inimigo. In: ______;CANCIO MELIÁ, Manuel. Direito Penal do Inimigo – noções e críticas. Organizaçãoe Tradução André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

JAKOBS, Günther. Direito Penal do Inimigo. Tradução de Gercélia Batista deOliveira Mendes. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 2009.

JESUS, Damásio E. de. Sistema penal brasileiro: execução das penas no Brasil.

Revista Consulex. Ano I, n. 1, p. 24-28, Jan. 1997.

Page 65: Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

8/18/2019 Do Direito Penal do inimigo e seus aspectos no ordenamento jurídico

http://slidepdf.com/reader/full/do-direito-penal-do-inimigo-e-seus-aspectos-no-ordenamento-juridico 65/65

64

LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada. 3. Ed.Salvador: JusPodivm, 2015.

MASSON, Cleber. Código penal comentado. 2. Ed. Ver., atual. E ampl. Rio deJaneiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.

MORENO, Sebastián Dozo. “El enemigo tiene menos derechos”, dice GüntherJakobs. Argentina: periódico La Nación. Disponível em:<http://www.lanacion.com.ar/826258-el-enemigo-tiene-menos-derechos-dice-gunther-jakobs>. Acesso em: 12. out. 2015.

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais comentadas. 5. Ed. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2010.

NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 3. Ed.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 15. Ed. Rio de Janeiro: Editora LumenJuris, 2011.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1: parte geral, arts 1°a 120. 11. Ed ver. Atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. A expansão do direito penal: aspectos da políticacriminal nas sociedades pós-industriais. Trad. Luiz Otávio de Oliveira Rocha. 3. Ed.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal.

7. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2012.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro, volume 1: partegeral/Eugenio Raúl Zaffaroni, José Henrique Pierangeli. – 9. Ed. – São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2011.