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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Faculdade de Arquitetura e Urbanismo PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO Do Carandiru ao Parque da Juventude: reconstrução da paisagem urbana Douglas Alves Bianchini São Paulo 2018

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

Do Carandiru ao Parque da Juventude: reconstrução da paisagem urbana

Douglas Alves Bianchini

São Paulo

2018

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DOUGLAS ALVES BIANCHINI

DO CARANDIRU AO PARQUE DA JUVENTUDE:

RECONSTRUÇÃO DA PAISAGEM URBANA.

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo

da Universidade Presbiteriana Mackenzie,

como requisito parcial à obtenção de título de

Mestre em Arquitetura e urbanismo.

Orientador: Prof. Dr. Candido Malta Campos Neto

São Paulo

2018

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B577d Bianchini, Douglas Alves.

Do Carandiru ao parque da Juventude : reconstrução da

paisagem urbana / Douglas Alves Bianchini.

118 f. : il. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) –

Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2018.

Orientadora: Candido Malta Campos Neto.

Bibliografia: f. 95-98.

1. Paisagem urbana. 2. Parque da Juventude. 3.

Carandiru. I. Campos Neto, Candido Malta, orientador. II.

Título.

CDD 711.4

Bibliotecária : Giovanna Cardoso Brasil – CRB-8/9605

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Agradecimentos.

Primeiramente agradeço a DEUS, já que Ele colocou pessoas tão especiais a

meu lado, sem as quais certamente não teria conseguido concluir esta etapa!

A meus pais, Mario e Aureni, meu infinito agradecimento. Sempre acreditaram

em minha capacidade e me acharam A MELHOR de todas, mesmo não sendo.

Isso só me fortaleceu e me fez tentar, não ser A MELHOR, mas a fazer o

melhor de mim.

Aos professores e a toda equipe do Programa de Pós Graduação da

Universidade Presbiteriana Mackenzie, aqui representado por Eva e Prof.ª Dr.

Eunice.

Aos professores Silvana e José Geraldo, pelas contribuições em minha

avaliação.

Pela orientação, dedicação, paciência e principalmente pela amizade agradeço

ao Prof. Dr. Candido Malta Campos Neto, meu orientador.

São muitos os envolvidos, agradeço a todos.

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Minha matéria são os diários.

Nada mais verdadeiro. Objetivo. E nada mais falso.

Nada mais verdadeiro na sua falsidade. Nada mais falso

na sua verdade perecível, Vendida na banca,

O que me reserva a verdade do dia seguinte?

A verdade dos aços?

do fogo cuspido cela adentro?

Ou a verdade da carne

mastigada, sem fuga possível?

A alva verdade dos dentes dos cães?

Ou a verdade da marcha

dos homens de cinza, escopeta no gancho do braço,

metralhadoras?

Ou a verdade dos nus? A verdade da batalha

narrada pelos gatilhos, ou a desamparada verdade

dos corpos empilhados

pelos que vão morrer com tiros na nuca?

Que verdade afinal me apazigua?

Autoriza-me a seguir reproduzindo impotente, os minuciosos gestos diários

essa forma imperceptível de morte, a presumir que apesar de toda ruína

permanecemos todos inalteradamente humanos?

Autor desconhecido.

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Resumo.

A presente pesquisa pretende analisar a paisagem urbana como um fenômeno

mutável que se adapta as necessidades de uma sociedade, considerando esse

processo numa perspectiva histórica. A paisagem urbana é o espaço físico e

social onde se dão nossas relações existenciais. Esta pesquisa tem como

objeto o território do Complexo Carandiru e seu arredores, que vai da região

central de Santana até as margens do Rio Tietê, localizado na zona norte da

cidade de São Paulo, pertencente a prefeitura regional de Santana/Tucuruvi.

Esse território, rico em história, passou por um processo de transformação,

fruto de um projeto urbano que visou transformar uma parte do antigo

complexo da Penitenciária do Estado que foi desativado e demolido dando

lugar ao lazer e cultura, o Parque da Juventude e a Biblioteca de São Paulo,

transformando assim a paisagem urbana dessa região e seus usos. O objetivo

geral dessa pesquisa é compreender como a transformação do complexo da

Penitenciaria do Estado, palco de inúmeros episódios marcantes como o

massacre de 111 presos em 1992, em Parque da Juventude, interferiu na

paisagem urbana dessa região e como isso redefiniu a memória coletiva

relacionado ao território, e qual papel ele desempenha dentro da cidade.

Pressupomos que a paisagem urbana do bairro do Carandiru foi modificada, e

que esse processo gerado pela implantação de um parque com diversos

equipamentos urbanos, como quadras poliesportivas, escolas técnicas e

biblioteca, acabou interferindo na forma de percepção desse espaço pela

sociedade, que passou a se apropriar de um novo modo dessa área e da sua

paisagem urbana requalificada.

Palavras chave: Paisagem Urbana, Parque da Juventude, Carandiru.

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Abstract.

The present research intends to analyze the urban landscape as a mutable

phenomenon that adapts the needs of a society, considering this process in a

historical perspective. The urban landscape is the physical and social space

where our existential relations are given. This research deals with the territory of

the Carandiru Complex and its surroundings, which runs from the central region

of Santana to the banks of the Tietê River, located in the northern part of the

city of São Paulo, belonging to the regional prefecture of Santana / Tucuruvi.

This territory, rich in history, underwent a process of transformation, the result of

an urban project that aimed to transform a part of the old State Penitentiary

complex that was deactivated and demolished giving place to leisure and

culture, the Youth Park and the Library of São Paulo, thus transforming the

urban landscape of this region and its uses. The general objective of this

research is to understand how the transformation of the State Penitentiary

Complex, the scene of innumerable major episodes such as the massacre of

111 prisoners in 1992, in Parque da Juventude, interfered in the urban

landscape of this region and how this redefined the related collective memory to

the territory, and what role it plays within the city. We assume that the urban

landscape of Carandiru neighborhood was modified, and that this process

generated by the implantation of a park with several urban equipments, like

poliesportivas courts, technical schools and library, interfered in the way of

perception of this space by the society, to appropriate a new way of this area

and of its requalifiedurbanlandscape.

Keywords: UrbanLandscape,Parque da Juventude, Carandiru.

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Lista de Figuras

Figura 01 – Mapa da cidade de São Paulo, detalhe do arruamento do distrito de Sant’Ana,

1897. (Fonte: Acervo do Estado.) ..............................................................................................17

Figura 02 – Mapa da cidade de São Paulo, detalhe do arruamento no destrito de Sant’ana,

1897. (Fonte: Acervo do Estado.) ...............................................................................................18

Figura 03: Zonas de São Paulo, detalhe para zona norte, as subprefeituras e seus bairros.

(Fonte: Prefeitura de São Paulo, 2016.)...................................................................................20

Figura 04: Zonas de São Paulo, detalhe para zona norte, as subprefeituras e seus bairros.

(Fonte: Zona Norte, 2016.)......................................................................................................21

Figura 05: Fragmento do Tecido e do traçado da subprefeitura de Santana, onde aparece a

área do antigo complexo e o parque da juventude. (Fonte: MDC, 2015.) ................................ 22

Figura 06 – Solar da Fazenda Sant’Ana, ao fundo capela já deteriorada. (Fonte: TORRES,

1982.) .........................................................................................................................................24

Figura 07 – Centro de Preparação de oficiais da Reserva. (Fonte: CPOR – SP, 2016)......26

Figura 08 – Bondes de tração animal que realizava o trajeto da Ponte Grande até a colina de

Santana. (Fonte: Estações ferroviárias, 2016) .......................................................................... 28

Figura 09 - Traçado da estrada de ferro próximo a Penitencia do Estado. (Fonte: Azevedo,

1958) .........................................................................................................................................30

Figura 10– Transporte da Maria Fumaça após a sua desativação. (Fonte: Estadão, 2016)....31

Figura 11– Inauguração do aeroporto com os voos comerciais da VASP em 5 de novembro de

1933. (Fonte: Fonte: Santos, 1985, p. 150.) .............................................................................. 32

Figura 12 - Detalhe do projeto de Fonseca Rodrigues (1922) para canalização do Tiete, com

largo patamar destinado a receber o volume das cheias. Fonte: Campos, 2002, p. 196) ........ 35

Figura 13 - Projeto de retificação e canalização do Rio Tiete, Saturnino de Brito 1925. Fonte:

(ACERVO DO ESTADO, 2015.) ...............................................................................................36

Figura 14 - Obras de reforma da Ponte da Casa Verde, ligação entre os bairros da Barra Funda

e casa Verde, 1935. (Fonte: Dicionário de ruas, 2016) ..............................................................37

Figura 15 - Ponte Grande e a comitiva do Imperador Dom Pedro II em sua inauguração, foto de

Militão Augusto de Azevedo – (ACERVO DO ESTADÃO, 2015) / Ponte das Bandeiras (recebeu

esse nome em homenagem aos bandeirantes responsáveis pela povoação do estado), em 26

de janeiro em 1942 – (Fonte: IPT, 2015) ................................................................................... 37

Figura 16 - Ponte da Vila Guilherme antes da retificação do Rio Tietê: (Fonte:

VilaGuilherme.com, 2016) .........................................................................................................38.

Figura 17 – Construção da linha norte /sul do metro. Fonte: via TROLEBUS, 2016 ..............43.

Figura 18 – Parque da juventude ao fundo, trecho descoberto do Metrô altura da estação

Carandiru. (Fonte: Arcoweb, 2016) .......................................................................................... 44

Figura 19 - As 23 estações da linha norte/sul (linha 1- AZUL). (Fonte: Metrô, 2016) ............. 44

Figura 20 - Obras para a construção do terminal em 1981. Fonte: (ESTADÃO, 2016) ............ 45

Figura 21 - Terminal Intermodal do Tiete. (Fonte: Vitruvius, 2016.) .......................................... 46

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Figura 22 – Cadeia pública, posterior Presidio Tiradentes. (Fonte: Museu Penitenciário Paulista,

2016.......................................................................................................................................... 49

Figura 23 - Prisão Fresne, França.(Fonte: Ministère de la Justice, 2016) .................................51

Figura 24 – Prédio administrativo da casa de detenção. (Fonte: Museu penitenciário paulista,

2016.) ........................................................................................................................................ 52

Figura 25 –Vista aérea da Casa de Detenção. Fonte: Museu penitenciário paulista, 2016 .....53

46

Figura 26 – Planta baixa do Penitencia do estado. (Fonte: ESTADÃO, 2016.) .......................55

Figura 27 – Fotografia da alfaiataria. (Fonte: Museu penitenciário paulista, 2016.) ................. 56

Figura 28 – Fotografia da sala de enfermagem e medicina. (Fonte: Museu penitenciário

paulista, 2016.............................................................................................................................57

Figura 29 – Fotografia dos detentos cultivando o sitio. (Fonte: Museu penitenciário paulista,

2016) ............................................................................. ...........................................................58

Figura 30 – Fotografia dos detentos na escola. (Fonte: Museu penitenciário paulista, 2016) ...59

Figura 31 - Estrutura do presídio baseado no livro Estação Carandiru. (Fonte: UOL, 2016) ... 61

Figura 32 - Corpos de parte dos detentos mortos após invasão da Polícia Militar para conter

uma rebelião na Casa de Detenção do Carandiru. (Fonte: Folha de São Paulo, 2018.).....63

Figura 33 - Cena do filme Carandiru, ond acontece a limpeza do pavilhão nove após o

massacre e todo o sangue e lavado. (Fonte: Carandiru, O Filmes,

2003)..............................................64

Figura 34 – Fotos aérea do Presídio Carandiru antes da demolição. (Fonte: Encontre Santana,

2016)...........................................................................................................................................65

Figura 35 - Demolição dos Pavilhões Oito, Nove e Seis. (Fonte: Estadão, 2016)....................66

Figura 36 – Demolição do Pavilhões Dois e cinco. (Fonte: ESTADAO, 2016.) ........................67

Figura 37 – Capa do edital para o Concurso. (Fonte: Lodi, 2008) ............................................ 71

Figura 38 – Perspectiva da proposta elabora por Paulo Mello Basto. (Fonte: Lodi, 2008) ....... 73

Figura 39 – Perspectiva da proposta elabora por Mario Biselli. (Fonte: Lodi,2008) ................. 73

Figura 40 – Plano inicial atendendo ao programa de necessidade entregue pelos vencedores.

(Fonte: Lodi, 2008) ....................................................................................................................74

Figura 41 - Implantação do Parque da Juventude. (Fonte: Calliari, 2015.) ............................... 75

Figura 42 – Lanchonetes, vestiários e marquise do parque esportivo. (Fonte: Parque da

Juventude, 2016) ........................................................................................................................77

Figura 43 – Quadra poliesportivas do Parque da Juventude. (Fonte: Parque da Juventude)....77

Figura 44 – Parque central, passarelas construídas em meio as estruturas do antigo edifício.

(Fonte: Parque da Juventude, 2016) ......................................................................................... 78

Figura 45 – Passeio da muralha, elementos estruturais utilizados para sustentação e proteção.

(Fonte: Parque da Juventude, 2016) ......................................................................................... 79

Figura 46 – Biblioteca de São Paulo. (Fonte: Vitruvius, 2016) .................................................. 80

Figura 47 – Prédios do parque institucional, escolas profissionalizantes para jovens, ETEC.

(Fonte: Calliari, 2016) ...................................................................................................80

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Figura 48 – Vista aérea do parque central. (Fonte: Parque da Juventude, 2016) ....................69

Figura 49 – Vista interna da biblioteca de São Paulo. (Fonte: Parque da Juventude, 2016) ....69

Figura 50 – Detentos do pavilhão oito, em momento de recreação no pátio. (Fonte: Museu

Penitenciário Paulista, 2016) ..................................................................................................... 70

Figura 51 – Edifícios sendo erguidos na Avenida Gen. Ataliba Leonel. (Fonte: Foto do Autor,

2016)......................................................................................................................... 71

Figura 52 – Fachada dos edifícios da Avenida Zaki Narchi, fotografia retirada em frente ao

Museu Penitenciário. (Foto do Autor, 2016) .................................................................... 72

Figura 53 – Fachada dos edifícios da Avenida Cruzeiro do Sul, fotografia retirada em frente a

Biblioteca de São Paulo. (Fonte: Google Earth, 2016) ............................................................. 72

Figura 54 - Processo de transformação do complexo penitenciário e Parque da Juventude.

(Fonte: Vitruvius, 2016) .............................................................................................55

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SUMARIO.

Introdução.......................................................................................................... 1

Capitulo 1 – Desenvolvimento Histórico .......................................................... 15

1 .1 – A fazenda Sant’Ana ............................................................................... 23

1. 2– Tramway Cantareira, a estrada de ferro ................................................. 27

1. 3 – O aeroporto Campo de Marte ................................................................ 31

1. 4 – Retificação do Rio Tietê ..........................................................................33

1. 5 – As Marginais Rio Tietê .......................................................................... 38

1. 6 – Sambódromo – Pólo Cultura e Esportivo Grande Otelo........................ 39

1. 7 – Pavilhão de exposição do Anhembi ....................................................... 41

1. 8 – O metropolitano de São Paulo, a linha norte/sul do metrô .................... 42

1. 9 – Terminal intermodal Tietê ...................................................................... 44

Capitulo 2 – As transformações do Complexo Carandiru..................................47

2. 1 – Código penal e o desejo de mudanças .................................................. 48

2. 2 – Casa de detenção, um exemplo a ser seguido ...................................... 52

2. 3 – O estado novo, a super lotação e a destruição do ícone........................ 59

2. 4 – A demolição da Casa de Detenção de São Paulo.................................. 65

Capitulo 3 – O parque da Juventude ................................................................69

3. 1. 1 – O concurso, o vencedor e os projetos representativo ....................... 70

3. 1. 2 – A implantação do parque da juventude............................................. 74

3. 1. 4 – Mudando a paisagem urbana ............................................................ 82

Considerações finais ........................................................................................ 89

Referências bibliográficas................................................................................. 95

4. Anexos ..........................................................................................................99

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INTRODUÇÃO.

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INTRODUÇÃO.

O bairro do Carandiru é um dos bairros que pertencem à prefeitura regional de

Santana/Tucuruvi, na zona norte da cidade de São Paulo; essa região está

situada ao norte do rio Tietê. Historicamente, a região norte desenvolveu-se

tardiamente, e caracterizava-se por ser um elo entre São Paulo e a cidades

vizinhas ao norte, seja por caminhos terrestres ou pela estrada de ferro Santos-

Jundiaí. A ocupação desse bairro é considerada tardia ao se comparar com

algumas outras regiões de metrópole paulistana, e intensificou-se no começo

do século XX, com a implantação da mini-estrada de ferro Tramway Cantareira,

antes utilizada apenas para transporte de cargas (TORRES, 1982).

O bairro de Santana iniciou-se com a implantação do colégio da Companhia de

Jesus, em terras doadas para os jesuítas. No período inicial implantou-se

também uma base do quartel da guarda nacional. O bairro inicialmente

apresentava características agrícolas, havia ali poucos habitantes que

usufruíam da terra e da fartura de fontes de água para produzirem os alimentos

que seriam vendidos nas feiras e mercados do centro de São Paulo (TORRES,

1982).

No final do século XIX, foi designada a transferências do Hospital de Variolosos

para Santana, e a implantação do cemitério. O bairro então, considerado

periferia estava localizado longe do centro comercial da cidade de São Paulo, e

essa distância era encarada como barreira para conter a proliferação de

epidemias que nesse período eram um grande problema público, devido à falta

de saneamento. Na época os infectados eram enviados para o hospital de

Santana e ao morrerem por ali mesmo ficavam, sem a necessidade de cruzar o

centro urbano, dificultando, no saber médico da época, que essas doenças se

proliferassem.

O bairro do Carandiru recebeu o nome de um dos córregos que banhava a

fazenda Sant’ Ana. O bairro do Carandiru se tornou conhecido por abrigar em

seu território o antigo complexo da Penitenciária do Estado; e posteriormente

foram construídos vários edifícios na intenção de abrigar a Casa de Detenção

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de São Paulo. A Penitenciaria do Estado teve sua inspiração nas penitenciárias

européias e foi inaugurado em 1920. Sua implantação deu-se pela necessidade

de se ajustar ao novo sistema penal implantado no país. Seu caráter era de

correção, através de tratamento de meliantes que cometiam crimes infames, e

tinha como premissa inicial recuperar o cidadão considerado doente na

perspectiva do convívio social (RODRIGUES, 1999).

A penitenciária foi considerada modelo nas duas primeiras décadas por possuir

uma organização admirável e profissionais capacitados, além de um sistema

penitenciário nunca visto antes no país. A penitenciária, em sua primeira fase,

possuía celas individuais, estabelecia o trabalho de seus detentos além de

momentos de total silêncio. Os dois pavilhões iniciais cujo projeto resultava de

um concurso, com autoria de Samuel das Neves, foram construídos sob a

responsabilidade do escritório de Ramos de Azevedo (ASSP, 1895).

Em meados da década de 1940 o presídio atingiu sua lotação máxima, aliado

com as crises financeiras e administrativas. Ocorreu o enfraquecimento no

sistema carcerário, que passava na ocasião por um período de inúmeros

suicídios, e a penitenciária já não era mais um modelo a ser seguido. Nesse

momento ocorre a construção da Casa de detenção Flaminio Favero, dando

inicio ao complexo penitenciário do Carandiru. Pode-se considerar que a

decadência da Casa de Detenção Carandiru ocorreu lentamente, com o

aumento no número de detentos, e as condições sub-humanas, que motivavam

uma gestão sob o medo, onde os presos viviam na luta diária da sobrevivência.

Essa situação culminaria no triste episódio de 1992, no dia 02 de outubro, 111

detentos foram mortos pela Polícia Militar do Estado de São Paulo.

A desativação do complexo penitenciário foi proposta pelo governador Mario

Covas em 1995, o qual propunha a demolição do complexo e a venda de seu

terreno, gerando verba para a construção de novos presídios no interior. Em

2002 o complexo foi desativado, e os detentos que ainda restavam foram

remanejados.

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Foi proposto pelo governo do estado a construção de um complexo cultural no

local do antigo complexo, visando transformar a memória ali presente. No

processo de desativação do presídio foi realizado um concurso para a escolha

do projeto arquitetônico para o futuro parque. O projeto vencedor foi realizado

pelo escritório Aflalo e Gasperini, que visava transformar essa área marcada

por tragédias em um espaço dedicado à cultura e ao lazer.

O parque foi construído em uma área de aproximadamente 35000m². O

conjunto idealizado pelo escritório Aflalo e Gasperini, contou com o projeto

paisagístico coordenado pelo escritório de Rosa Grena Kliass.

O projeto era constituído por três setores. A primeira fase foi entregue em 2003

e contava com as instalações do Parque Esportivo que possui pista de skate,

pista para caminhada e dez quadras poliesportivas. A segunda fase foi

entregue no segundo semestre de 2004 foi o Parque Central, composto por

uma representativa área de cobertura vegetal. Nessa área está localizado o

passeio da muralha e outro forte elemento são as estruturas abandonadas que

se perderam em meio à massa arbórea.

A terceira parte, que foi entregue no começo de 2005, foi o Parque Institucional

que possui um caráter cultural. Nesse espaço estão localizados a Biblioteca

São Paulo e as escolas destinadas a cursos profissionalizantes, e essa área do

parque ainda faz a ligação com a estação Carandiru do metrô.

O presente trabalho enfatizará as transformações que ocorreram na região

entre 1992 e 2016, frutos de políticas públicas que buscaram, através de

projetos urbanos modificar ou requalificar áreas degradadas, buscando

compreender como a transformação da antiga Casa de Detenção de São Paulo

(conhecida simplesmente como Carandiru) em Parque da Juventude interferiu

na relação da população com a paisagem urbana desse território.

Para melhor compreensão do objeto o território a ser estudado parte da região

da antiga fazenda Sant’Ana (1845), e se estende até a várzea do Rio Tietê.

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Esse perímetro foi escolhido pois apresenta consideráveis influências no objeto

de estudo.

Partimos do pressuposto que a paisagem urbana é um objeto em mutação, que

está em constante transformação, proporcionando ao homem diversas

maneiras de apropriação e percepção desse processo, mudanças que

interferem diretamente na sua memória social de uma comunidade e na sua

relação com essa paisagem urbana (TOLEDO, 1981).

O estudo compreende que a paisagem urbana do bairro do Carandiru foi

modificada ao receber um projeto urbano, e que esse processo, gerado pela

implantação do Parque da Juventude, acabou interferindo na memória coletiva

da sociedade, que passou a se apropriar de um novo modo dessa paisagem

urbana requalificada.

A inquietação sobre esse processo de transformação na paisagem urbana

gerou algumas questões que poderão servir de ponto de partida.

Como a paisagem urbana foi modificada no bairro?

Quais foram as transformações na paisagem urbana e como elas estão sendo

apropriadas pelo usuário?

Qual a relação entre o homem e a nova paisagem urbana construída com a

demolição do complexo penitenciário e a construção do parque?

Quais os benefícios gerados pelo novo equipamento urbano e edifícios

institucionais ali implantados?

A escolha desse objeto de estudo deve-se pela sua importância na localização

dentro do território da metrópole paulistana, considerando a valorização que

acontece hoje no território da zona norte da cidade de São Paulo.

O bairro do Carandiru historicamente é vinculado a Casa de Detenção que por

muitos foi considerado como um espaço de terrorismo, palco de inúmeras

rebeliões e do maior massacre que ocorreu em 1992 com a morte de 111

pessoas atualmente este complexo recebe um novo uso totalmente distinto ao

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realizado anteriormente; a implantação do parque hoje, em seu território que

conta com escolas destinadas ao ensino profissionalizante de jovens e a

Biblioteca de São Paulo, quadras poliesportivas, trilhas para caminhadas e

mirantes para observações e contemplação.

O trabalho pretende iniciar uma discussão em relação à paisagem urbana da

região onde o complexo se encontra. A pesquisa pretende analisar como as

transformações da cidade e suas renovações implicam na relação entre o

homem e o espaço urbano, e de que modo esse processo transforma a

paisagem, buscando refletir a relevância que um projeto urbano, neste caso a

implantação do Parque da Juventude, desenvolve no processo de

transformação dessa paisagem urbana, que se transforma para atender às

necessidades dos grupos dominantes da sociedade.

A cidade é um espaço caracterizado pela vivência e interação de indivíduos, de

diferentes grupos e famílias, que possuem suas diversidades sociais e

culturais, promovendo um espaço heterogêneo, vital para a vida humana. A

cidade é encarada como um espaço onde os diferentes grupos estabelecem

suas relações sociais; relações essas as mais diversas, ora de cooperação, ora

de conflitos, que variam no tempo e no espaço. Portanto a cidade proporciona

inúmeras memórias coletivas que se originam de vivências experimentais, que

são diferentes umas das outras, mas que tem em comum o território da cidade.

Abreu afirma (1998) que a cidade abriga inúmeras memórias coletivas, e que

ao eternizarem essas memórias em documentos permanentes, não perdem

seu caráter específico; porém nem todas essas memórias coletivas são

registradas, e em sua maioria perdem-se no tempo. Portanto, os resquícios

presentes na paisagem ou nas instituições de memórias passam a ser

fragmentos da memória coletiva que a cidade produziu. Uma característica

marcante dessas produções de memória é que as classes mais poderosas

possuem instrumentos que possibilitam o registro de suas memórias. Abreu

(1998) considera que os documentos presentes nos atuais acervos são uma

expressão do poder das classes mais abastadas.

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Por essa razão, os documentos que se encontram nessas instituições, e que são também invariavelmente utilizados como fonte ou atestados de memória urbana, são eles também expressões de poder, como afirmou Foucault, os documentos não são uma matéria prima objetiva, eles expressam também o poder da sociedade sobre a memória e sobre o futuro (ABREU, 1998, p.15).

Abreu (1998) ainda levanta outra questão, que trata das possibilidades de

recuperar as memórias de uma cidade, onde se levanta um impasse, pois será

impossível recuperar a memória de toda uma cidade, no aspecto da memória

coletiva, mas isso não impossibilita que se resgate de outras maneiras essas

memórias; através da recuperação de espaços e documentos que expressem

tal sentimento, isso significa desempenhar um interesse em preservar as que

estão vivas e registrá-las para garantir que as próximas gerações tenham

acesso a essas informações; e, nesse sentido, é necessário encararmos a

interdisciplinaridade como uma ferramenta de trabalho onde recorremos aos

campos mais seguros, como a geografia e a história.

Pesquisas e estudos relacionados entre a memória e a paisagem urbana

devem conter uma análise dos fenômenos, culturais e sociais, que servem não

apenas para a compreensão das identidades de grupos e indivíduos, mas

permitem refletir sobre seu estilo de vida, de suas organizações e a

compreensão da dinâmica da vida urbana.

Em seu artigo em que faz as considerações sobre os conceitos de paisagem

Maximiano (2004), associa o conceito de paisagem a diversos agentes.

Esta seria um conceito de unidade da geografia, ou, uma associação de formas diversas, tanto físicas como culturais. O conteúdo cultural da paisagem, para este autor, é a marca da existência humana em uma área. Em outras palavras, a cultura seria o elemento que, agindo sobre o meio natural, resulta na paisagem cultural (MAXIMIANO, 2004, p. 87).

O autor ainda considera a paisagem como um produto que seria gerado pelas

interações entre os diversos tipos de componentes, sejam eles sociais, ou

espaciais. Que possuem uma organização dinâmica e permitem arranjos de

acordo com as necessidades do sitio, de tempo ou do usuário.

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A complexidade do conceito de paisagem destaca-se por ser uma realidade

multifacetada, permitindo um largo espectro de definições e aproximações,

largamente determinadas pela abordagem e especialidade de quem o utiliza.

A palavra paisagem tem sido utilizada cada vez com mais frequência, na

linguagem quotidiana, em diferentes contextos e por uma tão grande variedade

de disciplinas como a política, a sociologia, a biologia, a pintura, a geografia, a

arquitetura, o urbanismo, a ecologia, entre outras; pelo que se torna importante

que, em cada abordagem à paisagem, sejam esclarecidos o conceito e a forma

como este é utilizado (MATOS, 2010).

Ao analisarmos Matos (2010), recorremos ao tema da paisagem urbana aliada

com o desenvolvimento de preocupações referentes aos aspectos ambientais e

ecológicos, assim como com o impacto que o crescimento desordenado das

cidades tem sobre o espaço.

A paisagem é proposta como modelo para o urbanismo, e é recomendada a

integração das paisagens públicas com os sistemas de infra-estrutura,

coordenando e conduzindo o desenvolvimento urbano, à semelhança do que

aconteceu com o Central Park de Frederick Law Olmsted1, onde a paisagem

conduziu o processo de formação da cidade. Nesta procura da

multifuncionalidade perdida é frequente a referência às componentes estética,

sociais, ecológicas, econômicas e culturais; e, conseqüentemente, à função de

proteção, de produção e de recreio.

Começa então a tomar forma, neste estudo, a idéia da produção associada ao

recreio como componente fundamental da paisagem que estrutura, qualifica e

dá continuidade ao tecido urbano através dos seus espaços intersticiais,

1 O inaugurar de um campo disciplinar ligado à figura de Olmsted faz entrever a arte que o

informa, fundamentada no século XVIII e de matriz filosófica romântica. A presença das questões sociais participantes desde a origem estabelece especial relação com essa forma estética, pautada no princípio orgânico e que compreende a Natureza e seu projeto como um momento privilegiado de encontro entre a arte e técnica na constituição de uma Paisagem. SCHENK, 2008, p.133.

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espaços abertos e periferias, até ao campo, promovendo uma relação

articulada entre esta velha relação campo e cidade.

Jane Jacobs, em seu livro Morte e Vida das Grandes Cidades, procura fazer

um ataque aos conceitos do urbanismo moderno, conceitos que estão presente

na maioria das cidades, e ainda hoje são utilizados por inúmeros planejadores

urbanos. Ainda em sua crítica aponta a cidade com um campo de teste, onde

os conceitos são usados para provar sua veracidade ou não.

Acelera um imenso laboratório da tentativa e erro, fracasso e sucesso, em termos de construção e desenho urbano. Nesse laboratório deveria aprender o planejamento urbano a elaborar suas teorias (JACOBS, 2001, p. 5).

Sobre esta maneira de observar a cidade Lamas (1993) observa,

A necessidade principal das grandes cidades reside, para Jane Jacobs, na mistura de funções. Os urbanistas cometem grandes erros querendo tudo prever com antecipação. Na rua, no bairro, a cidade, na metrópole ou na região a integração de varias funções é de enorme importância, porque forma um organismo social e econômico (LAMAS, 1993, p. 394).

O espaço público deve ser qualificado para fornecer referências comunitárias e

culturais, marcos urbanos e ambientais que possuam forças significativas que

transpassem as suas funções aparentes. Consideramos espaço público

também como um instrumento de reestruturação social, respeitando a

comunidade, permitindo que se construa uma autoestima coletiva. Mas

também devemos assumir o espaço público como uma política de expressão

das vontades coletivas.

A cidade, apesar de tudo, permanece e renasce para atender às novas

necessidades de sua população. Em cada etapa da história se decreta a morte

da cidade. Segundo Borja (2005), as mudanças sociopolíticas e o avanço das

tecnologias permitem que a cidade se reinvente, e é necessário percebermos

como a integração com a paisagem interage nesses aspectos.

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As cidades se transformam em grande parte, mas mantêm algumas

características esse processo ocorre na intenção de proporcionar uma melhoria

na qualidade de vida para aqueles que vivem sobre ela. Um bairro pode conter

o melhor e o pior das pessoas e, nesse sentido a cidade vai adquirindo suas

características particulares, que permitem que nenhuma cidade no mundo seja

semelhante a outra, apesar de muitas delas terem passado por processos de

colonização e povoação similares. As cidades, como espaço público, são

reflexo das atividades coletivas, sociais, econômicas, políticas e culturais

(JACOBS, 2001).

No século XX o estudo da paisagem deixou de ser predominantemente um

objeto artístico. Nesse período outras disciplinas demonstraram interesse por

esse tema. Passaram a se apropriar da palavra, portanto, engenheiros

ambientais e florestais, geógrafos, biólogos, historiadores, filósofos, urbanistas

e arquitetos, que produziam estudos sobre esse assunto, contribuindo com

suas áreas de conhecimento.

Os filósofos vão introduzir novas idéias e trazer uma nova luz sobre o fenômeno da paisagem. Também um novo tipo de estudo parte da visão interdisciplinar onde se relacionam a lingüística, a geografia, a história, a sociologia, a arquitetura e a literatura, entre outras disciplinas, está a abrir novas vias ao conhecimento sobre um tema que aparece cada vez mais poliédrico e complexo (MATOS, 2010, p. 37).

Esse interesse multidisciplinar pelo estudo da paisagem está relacionado à

multifuncionalidade do tema que passou a ser cada vez mais estudado. O

interesse por esse tema promove um debate mais profundo sobre conceitos,

que envolvem questões ecológicas, culturais, sociais, econômicas e estéticas.

Matos (2010) busca mostrar que a paisagem não é apenas um modelo formal

para o urbanismo de hoje, mas talvez, mais importante que isso, para o

processo, de modo que a paisagem consegue representar as mudanças ao

longo do tempo, as transformações e adaptações, conseguindo representar as

mudanças exigidas pela sociedade.

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Para discutir sobre a estética da paisagem é necessário compreender que se

trata de uma realidade onde o homem está inserido, e não um objeto a ser

observado (LIMA, 2007).

A idéia de paisagem não se encontra, portanto, no objeto que se contempla como no olhar de quem a contempla. Não é o que está adiante mas o que se vê. Mas, o olhar requer, por sua vez um treino para contemplar. O que se vê requer um aprender a olhar para distinguir as diferenças. Requer uma escola do olhar onde se aprende a distinguir os aspectos característicos e estruturais, prescindindo dos acessórios (MATOS, 2010, p. 43)

.

A paisagem urbana é composta por elementos de diferentes formatos, com

características que podem ser classificadas em: natural, humano, social,

cultural ou econômico. Elementos que se articulam entre si de maneira

dinâmica. A paisagem urbana altera-se continuamente acompanhando as

mudanças da sociedade, se alterando e renovando para atender as novas

necessidades, como um objeto vivo que se materializa na idéia de cada

usuário. Encontramo-nos diante de fenômenos psicológicos de percepção,

interpretação e apropriação do espaço, aos quais recorre Cullen (1996).

O conceito desenvolvido por Cullen pretender compreender como os elementos

formais da cidade interferem emocionalmente nas pessoas, sobre a ótica de

que a visão é o primeiro sentido que quase inteiramente apreendemos o que

nos rodeia, e quando olhamos para algo vemos um acréscimo de novas coisas.

O trabalho desenvolvido por ele usa a visão serial buscando os novos

significados que vão além do científico, novos valores e novos critérios

desempenhados pela cidade, considerando a paisagem urbana com um objeto

vivo, social e cultural, que sempre se transforma, se renova para atender as

necessidades de seus usuários.

Diferenças culturais podem estende-se não só às diversas características a que prestamos atenção, mas também ao modo como elas estão organizadas (LYNCH, 2008, p. 146),

Lynch ainda considera que muitas vezes uma paisagem pode ser

extremamente diversa, também dividindo as atenções sobre elas, pois nosso

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organismo possui uma grande facilidade em se adaptar, de acordo com os

grupos nos quais estão inseridos, alterando as formas de interpretações

(LYNCH, 2008).

Lima (2007), afirma que para discutir sobre a estética da paisagem é

necessário compreender, que se trata de uma realidade onde o homem está

inserido, e não um objeto a ser observado.

Villaça (1998), sobre a estrutura do espaço urbano:

A expressão estrutura urbana – e sua correlata reestruturação urbana – tem sido vítima de muitos abusos. É frequentemente utilizada como sinônimo de cidade enquanto elemento físico, de cidade como um todo material, sem considerar a inter-relação entre seus elementos, aliás sem considerar sequer que elementos são esses” (VILLAÇA, 1998, p13).

O espaço urbano deve ser concebido como uma instância da sociedade, em

que cada ação do homem contribui para sua produção; portanto, é necessário

compreender como se dá a relação entre o homem, a produção social e os

locais onde se realizam, para melhor entende-las.

Correa (1995) delimita o espaço urbano como um território “fragmentado e

articulado, reflexo e condicionante social, um conjunto de símbolos e campo de

batalhas” (p.11). Ainda elenca como agentes sociais que fazem e refazem a

cidade: “Os proprietários dos meios de produção, sobretudo os grandes

industriais; os proprietários fundiários; os promotores imobiliários; o estado; os

grupos sociais excluídos” (p.24).

Para Lefebvre (1991) estão associados na dinâmica da cidade fatores políticos,

culturais e econômicos, que geram conflitos de interesses dos diversos agentes

presentes nesse processo.

A centralidade não é indiferente ao que ela reúne, ao contrário, pois ela exige um conteúdo. E, no entanto, não importa qual seja esse conteúdo. Amontoamento de objetos e de produtos nos entrepostos, montes de frutas nas praças de mercado, multidões, pessoas

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caminhando, pilhas de objetos variados, justapostos, superpostos, acumulados, eis o que constitui o urbano (LEFEBVRE, 1991, p. 110)

A grande cidade capitalista é o lugar privilegiado de ocorrência de uma série de

processos sociais, entre os quais há a acumulação de capital, e a reprodução

social da força de trabalho tem importância básica. Estes processos criam

funções e formas espaciais, ou seja, criam atividades e suas materializações,

cuja distribuição espacial constitui a própria organização espacial urbana.

Acreditamos ser útil repensar e recuperar o conceito de processos espaciais

devido a sua utilidade na conexão ação humana – tempo – espaço - mudança.

Os processos espaciais e as respectivas formas, segundo Correa (1995 )são

os seguintes:

(a) centralizado e a área central;

(b) descentralizado e os núcleos secundários;

(c) coesão e as áreas especializadas;

(d) segregação e as áreas sociais;

(e) dinâmica espacial da segregação;

(f) inércia e as áreas cristalizadas.

É conveniente deixar claro que estes processos e formas espaciais não são excludentes entre si, podendo ocorrer simultaneamente na mesma cidade ou no mesmo bairro. (CORREA, 1995, p.37).

A dissertação esta dívidida em três capítulos. No Capitulo 1 – Santana,

desenvolvimento histórico, descrevemos alguns momentos do bairro de

Santana, desde seus primórdios como fazenda Sant’Ana, o Colégio da

Companhia de Jesus, até os avanços mais atuais, abordando alguns

elementos significativo nesse processo, como a substituição da linha Tramway

Cantareira pelo Metrô, a retificação do rio Tietê e a criação das marginais, a

implantação do aeroporto Campo de Marte e o terminal intermodal do Tietê e o

Sambódromo do Anhembi.

No Capitulo 2 – As Transformações do Complexo Carandiru, abordamos o

processo que este território passou: a implantação da Penitenciária do Estado

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após o surgimento da república, seu sucesso e seu declínio, a ampliação com

a criação e construção da Casa de Detenção, a Penitenciária Feminina de

Santana; e por fim, após o massacre de 1992 a demolição de grande parte dos

edifícios.

No Capitulo3 – O Parque da Juventude, analisamos o concurso promovido pelo

IAB-SP, os projetos significativos e o projeto vencedor, sua implantação e a

transformação do antigo complexo penitenciário em Parque da Juventude,

tornando possível compreender como tal transformação influenciou a

percepção dos usuários com a paisagem urbana da área requalificada.

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1 - Desenvolvimento Histórico

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1 – Introdução

A ocupação da zona norte da cidade de São Paulo não acompanhou o ritmo de

urbanização da capital paulista, separada do centro pela várzea do Rio Tietê.

Essa região permaneceu por um longo tempo parcialmente isolada e o seu

desenvolvimento tardio é explicado pela topografia, que somente poderia ser

vencida pelo transporte animal.

O bairro considerado mais antigo da zona norte da cidade de São Paulo é

Santana, conhecida como Fazenda Tietê ou Fazenda Sant’Ana por muito

tempo, sesmaria doada aos jesuítas que construíram ali um colégio da

Companhia de Jesus.

No início do século XIX a capital paulista possuía inúmeras pontes de madeira

necessárias para vencer a topografia, rios e vales do sítio local. A Ponte

Grande, construída sobre o Rio Tietê em meados de 1700, mais tarde

substituída pela Ponte das Bandeiras, inaugurada em 26 de janeiro de 1942 e

permitia ultrapassar essa barreira natural, era utilizada por tropas e carros de

bois - muitos moradores do bairro de Santana e vizinhanças utilizavam essa

ponte diariamente para vender seus produtos no centro ou reabastecer os

mercados.

O bairro de Santana inicialmente se desenvolveu com características rurais,

situado entre o centro e as algumas das principais saídas da cidade, um

território de passagem de bandeirantes e exploradores.

Em 1879 o gerente da Cia Carris de Ferro pediu o prolongamento da linha de

trilhos até a ponte pequena em Santana, permitindo que se ampliassem os

serviços de transportes, algo que só aconteceu por volta de 1907. Admite-se

que no final do século XIX, o bairro de Santana ainda não fazia parte dos

limites da zona urbana da capital, no que diz respeito aos melhoramentos

presentes na vida da cidade, como o abastecimento de água e luz e tratamento

de esgotos.

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No começo do século XX, Santana ainda está parcialmente excluída da parte

urbanizada da cidade, o serviço de bonde era feito por dois carros puxados por

animais considerados precários, porém, em 1908 o Tramway da Cantareira,

antes destina ao transporte de cargas, passa a receber passageiros, ligando

Santana ao centro urbanizado da cidade.

São Paulo, a metrópole do café passou a ser a metrópole da indústria,

ampliando sua área urbanizada. Nesse período os recantos de recreios correm

para locais mais afastados como a Cantareira e Santo Amaro, fortalecendo o

desenvolvimento urbano, como aconteceu no bairro de Santana.

Aos poucos os melhoramentos atingiriam o bairro, e a iluminação a gás deu

lugar à iluminação elétrica fornecida pela Light, e os serviços de águas e

esgotos foram iniciados em meados de 1915. No mapa da cidade de São Paulo

de 1913 (Figura 01) é possível observar que a região da fazenda de Sant’Ana

ainda era pouco povoada, comparada com outras regiões da capital, como, as

zonas leste e sul.

Figura 01 – Mapa da cidade de São Paulo, 1913. (Fonte: Acervo do Estado, 2017)

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Santana encontrava-se fora do centro urbano propriamente dito e durante seu

desenvolvimento o bairro passou por varias categorias; industriais, residenciais,

de recreio, e agrícolas. No detalhe é possível observar os poucos arruamentos

no distrito (Figura 02).

Figura 02 – Detalhe do arruamento do distrito de Sant’Ana, mapa da cidade de São Paulo,

1913. (Acervo do Estado, 2017)

No fim do século XIX, Santana estava incluída na categoria agrícola, mesmo

considerando que o solo ao redor da capital paulista não era dos mais férteis.

Já no início de século XX, o bairro distante do centro passou a abrigar algumas

residências. Com o crescente desenvolvimento do bairro de Santana, a região

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passa a ser procurada não somente por pessoas com poucos recursos, mas

também por pessoas mais abastadas que buscam terrenos maiores para

construírem suas casas de campo ou recreio. Durante este processo de

desenvolvimento a região meandrou todas as categorias até se tornar o bairro

multifuncional da atualidade.

O desenvolvimento da metrópole paulistana não parou, assim como o

crescimento da zona norte, gerando a criação de outros bairros, como Areal,

Cantareira, Carandiru, Chora Menino, Jardim São Paulo, Guapira, Parada

Inglesa, Mandaqui, Santa Terezinha, Vila Guilherme, Vila Maria, Villa Mazzei,

além de outros.

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Figura 03 – Divisão da cidade de São Paulo, com a divisão das 32 prefeituras regionais.

(Prefeitura de São Paulo, 2017)

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A zona norte é constituída por sete prefeituras regionais atualmente, sendo

elas Anhanguera, Casa Verde, Pirituba, Freguesia do Ó, Vila Maria, Tremembé

e Santana/ Tucuruvi.

Figura 04 – Zona norte da cidade de São Paulo com as sãs 7 prefeituras regionais. (Prefeitura

de São Paulo, 2017)

Ao iniciarmos a leitura do traçado é possível observamos que a morfologia do

bairro do Carandiru apresenta algumas características. Coelho (2013) aborda o

traçado do sítio como um deformador, as barreiras naturais como a topografia e

os rios condicionam ou impedem o desenvolvimento urbano. No bairro do

Carandiru conseguimos observar esse fenômeno.

O bairro de Santana iniciou-se no outeiro da zona norte e sua expansão tardia

por volta de 1940 deu-se na região alagadiça do Rio Tietê, que após a sua

retificação e canalização foram ocupadas suas margens. A deformação do

traçado pré-concebido da malha ortogonal gerou nesse caso a transformação

das características morfológicas da região.

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Figura 5: Fragmento do Tecido e do traçado da subprefeitura de Santana, onde

aparece a área do antigo complexo e o parque da juventude. (Fonte: MDC,

2015.)

O relevo é o principal condicionante das deformações do traçado, Coelho

(2013) classifica essas deformações em duas vertentes: por ruptura ou por

torção. Compreende-se como deformação por ruptura situações decorrentes da

presença de obstáculos que interferem no traçado urbano. No bairro do

Carandiru essa ruptura acontece no momento em que se ocupa a várzea do

Rio Tietê (Figura 5). Na ruptura por convergência observa-se a ocupação no

alto da colina, situação que ocorre na maioria das cidades colonial brasileiras,

uma consolidação do traçado urbano no topo das colinas.

O bairro do Carandiru recebeu o nome de um dos córregos que banhava a

fazenda Sant’ Ana. O bairro do Carandiru se tornou conhecido por abrigar em

seu território o antigo complexo da Penitenciária do Estado, o bairro ainda

abriga o aeroporto Campo de Marte, sendo este o primeiro espaço destinado a

atividades aéreas da cidade contando com pista de pouso e decolagem e

hangar construídos na década de 1920 para atender atividades de cunho

público.

Nas décadas de 1960 e 1970 a zona norte, especialmente a região de Santana

começa a receber melhoria do sistema viário e a implantação do metrô,

posteriormente sua ampliação. Visando otimizar o uso do metrô, houve

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reorganização das linhas de ônibus que passaram a ter uma sincronia com as

estações facilitando o uso de ambos os meios. Os melhoramentos viários e a

implantação do metrô foram uma das principais ações tomadas pelo poder

público.

Outro principal acontecimento na região resultado das ações dos agentes

imobiliários foi um surto de verticalização. Esse processo gerou investimentos

como shopping centers, centro de eventos, empreendimentos de hotelaria,

escolas, clubes e bares, e as avenidas passam a receber melhorias, como

calçadas verdes e arborização, e obras para o melhor escoamento das águas.

Por um lado, esse crescimento desproporcional para o sistema viário acaba

gerando desconforto e congestionamento em horários de pico, mas não diminui

o interesse da população pela região, hoje considerada um dos principais pólos

econômicos da cidade de São Paulo.

1. 1 - A fazenda Sant’Ana

A região norte da cidade de São Paulo, por aproximadamente três séculos

servia apenas como uma zona de passagem para os bandeirantes rumo ao

interior, para vilas como Atibaia, Jundiaí, Campinas e algumas do sul de Minas

Gerais, consideradas importantes polos do “sertão” naquele período. Esse

trajeto era feito por pedestres e por tração animal. As estradas e caminhos,

fruto destes transportes representavam os principais eixos radiais que

conduziam a expansão do centro urbanizado. Sítios e chácaras foram surgindo

a beira das estradas, muitos desses, fruto das concessões de sesmarias, essas

propriedades deveriam possuir um espaço para abrigar os viajantes que

passavam por lá. (TORRES, 1982)

Ao longo desses caminhos, as sesmarias, primeiro, as datas, depois – aquelas muito maiores do que estas – dariam origem a sítios, fazendas e chácaras, ou simplesmente, a enormes casarões com quintais mal fechados, à beira da estrada empoeirada ou enlameada (TORRES, 1992, p. 14).

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Como aponta Torres (1982), o núcleo de povoamento é considerado o mais

antigo da zona norte da cidade de São Paulo, e a fazenda Sant’Ana teria sua

origem com a doação de uma sesmaria aos jesuítas em 1673. Também

conhecida como fazenda Tietê, era mais uma das propriedades que pertenciam

aos padres da Companhia de Jesus, que através de doações dos seus fiéis

possuíam grande patrimônio no Brasil colonial, o que possibilitou a instalação

de seus colégios em diversas vilas e cidade pelo país.

Obtidas umas como sesmarias outras por doações de fieis através de testamentos, puderam os jesuítas estabelecerem em São Paulo e outras capitanias, magníficas fazendas com perfeita organização (TORRES, 1982, p.17).

Figura 06 – Solar da Fazenda Sant’Ana, ao fundo capela já deteriorada. (Fonte: TORRES,

1982.)

Como apresenta TORRES (1982) a fazenda originou-se de uma doação feita

pelos herdeiros da “Matrona” como era conhecida D. Inês Monteiro1 em 1673,

fruto de uma propriedade que tinha em suas divisas limites com Guarulhos,

Jundiaí e Serra da Cantareira. De formação inicial a fazenda possuía um

grande Casarão, galpões e uma capela dedicada a Sant’Ana, conhecida como

Solar dos Andradas (Figura 06).

Fachada do antigo solar, sede da fazenda Sant’Ana. Em ruínas, a Capela Sant’Ana. Os edifícios foram demolidos em 1913. No local foi construído um Quartel do Exército, onde está sediado atualmente o CPOR de São Paulo (TORRES, 1982, p.161).

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Ao longo do tempo em que os jesuítas foram se estabelecendo, a propriedade

foi se estruturando, chegando a ser considerada em meados do século XVIII a

mais importante de São Paulo. Logo instalou-se por ali o Colégio de Santana:

Possuindo em meados de XVIII, 300 cabeças de gado bovino e 10 cavalos, a fazenda Santana podia fornecer leite a cidade, além de mandioca, legumes e frutas. Da lavoura cuidavam seus 140 servos – nota-se que pe. não se referia a escravos mas a servos - que viviam em casas separadas (TORRES, 1982, p.18.).

No ano de 1759 com a entrada do Marquês de Pombal e suas políticas, os

jesuítas são expulsos do Brasil e as terras são confiscadas e passam a

pertencer à Coroa e administradas pelo governo da capitania de São Paulo. O

marquês acreditava que os jesuítas agiam com autonomia em relação ao

governo, oferecendo risco a Coroa (VOLTOLINI, 1996).

Em meados de 1765, em um dos primeiros censos feitos na cidade de São

Paulo já encontramos Santana sendo classificada como bairro, além de outros

núcleos como Jaguará, Penha, Pari, Tatuapé, São Miguel, Aricanduva, São

Caetano, Pinheiros e Caguaçú. Já no final do século Santana conta com

aproximadamente 136 casas, sendo que sua população em geral foi formada

por agricultores e escravos (TORRES, 1982).

No início do século XIX ocorreu na região um processo de distribuição de terras

na intenção de povoar e incentivar a lavoura com características de cultivo

européias, como ocorria no sul do país, porem fracassado num primeiro

momento esse processo foi repetido novamente em 1878, onde as terras foram

divididas entre brasileiros e estrangeiros, que voltaram a produzir mantimentos

para abastecimento da cidade de São Paulo.

No final do século XIX Santana é considerada “um núcleo de assistência social,

o Hospital e o cemitério de variolosos, e a colônia de imigrantes”. Esses

elementos favorecem o desenvolvimento tardio do bairro, pois a população

preferia manter-se afastada desses locais (TORRES, 1982).

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Segundo o Relatório da Comissão Central de Estatística de 1888, havia, na colônia de Santana, no ano anterior, 136 habitantes, sendo 94 italianos e 39 brasileiros, que cultivavam, principalmente, vinha, batata, milho e forragem. (TORRES, 1982, p.66)

Em 1850 o casarão passou a abrigar a escola pública Seminário dos

Educandos de Santana, em 1875 o casarão passou a abrigar um hospital, e

posteriormente o edifício abrigou uma filial do Tramway Cantareira. Com a

deterioração do prédio, foi solicitado a construção de um novo edifício pelo 3º

Regimento de Artilharia de Campanha. Inaugurado em 1917, o prédio passou a

abrigar a 1ª Companhia do 43° Batalhão de Caçadores, e em 1948, o Centro

de Preparação dos Oficiais do Exército – CPOR se instalou no edifício(CPOR-

SP, 2016) (Figura 08).

Figura 07 – Prédio do Centro de Preparação de oficiais da Reserva. (Fonte: CPOR – SP, 2016)

No início do século XX, com o ingresso de passageiros da Tramway Cantareira

e o serviço de bondes de tração animal, acabou favorecendo o interesse pelo

bairro. As chácaras de passeio localizadas próximas a Ponte Grande e na

colina de Santana eram locais visitados pelos alunos da Escola de Direito para

reuniões e festas que duravam a noite toda.

Com o desenvolvimento da capital paulista, que apresentava uma estrutura

urbana e em crescente desenvolvimento, observa-se que ainda no início do

século XX a região da zona norte caracterizava-se como rural, aspecto que só

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começa se transformar com a infraestrutura que começa a ser instalada, como

a retificação do Rio Tietê e a melhoria dos transportes públicos, que deram

início aos novos loteamentos populares, como os da Vila Maria e da Vila

Guilherme.

Já em um período posterior as melhorias proporcionadas pelo governo do

estado chegam à zona norte, que recebe uma reestruturação das linhas de

transporte e expansão da linha do metrô até Tucuruvi, o que acaba gerando

desejo dos investidores imobiliários. Nesse período começa o processo de

verticalização desse território além do Rio Tietê, os primeiros edifícios surgem,

e hoje a zona norte ainda se encontra em processo de verticalização.

1. 2 - Tramway Cantareira, a estrada de ferro.

Anteriormente a transformação da linha de férrea Tramway Cantareira para

acomodar passageiros, o transporte até a zona norte era feito por bondes com

tração animal realizada pela companhia de Bondes Sant’ Ana, o trecho

atendido pelos bondes tinha início nas imediações da Ponte Grande e

finalizava-se na colina de Santana.

Porém, em 1900, com a instalação de bondes elétricos na região central da

cidade de São Paulo pela The São Paulo Tramway Light and Power Co. o

transporte por tração animal ficou obsoleto. Os veículos se encontravam em

péssimas condições, apenas dois condutores realizavam o trajeto e os bondes

por inúmeras vezes saiam dos trilhos até alcançar o destino final, porém o

serviço permaneceu por mais seis anos, sendo desativado em 1906.

Como mostra Torres (1982), o atendimento dos bondes elétricos levou quase

uma década para atender a população da zona norte da capital paulistana,

especialmente Santana. Inicialmente o ponto final mais próximo para a

população dessa região estava localizado na Av. Tiradentes, sendo este

prolongado até a Ponte Grande no ano de 1904.

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Com a desativação dos bondes de tração animal (Figura 08) a região ficou

cerca de dois anos sem uma linha que realizasse o trajeto. A linha de bondes

elétricos prolongada até Santana aconteceu no ano de 1908:

Figura 08 – Bondes de tração animal que realizava o trejoto da Ponte Grande até a colina de

Santana. (Fonte: Estações ferroviarias, 2016)

No começo de 1907, não estava regularizado o trafego da linha de bondes Santana, mas no começo de 1908 os bondes elétricos ligaram Santana a cidade, num horário que coincida com os do Colégio Santana (TORRES, 1982, p. 91).

A linha férrea Tramway Cantareira havia sido executada para transportar

materiais para a construção de um ramal de captação de águas na Cantareira,

que abastece o reservatório localizado na Rua da Consolação. Construída em

1893, o percurso inicial tinha como traçado o pátio da The São Paulo Railway

Co. localizado no Pari até a Serra da Cantareira, e seu principal objetivo era

facilitar o transporte desses insumos, que chegavam do porto de Santos pela

Estrada de Ferro Santos/Jundiaí.

Dois anos após sua instalação a linha passou a realizar aos finais de semana e

feriados viagens de passeio até a Cantareira, chamados popularmente Trens

de recreio ou Trenzinho da Cantareira. Posteriormente, essas viagens

tornaram-se diárias, conseqüentemente facilitando o acesso à região de

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Santana, ação de interesse anterior, como é possível identificar no relatório da

Secretaria de Agricultura de 1893:

Além de servir para a construção e conservação do serviço de água viria prestar serviços aos agricultores da zona percorrida e contribuir para o maior povoamento desta, em benefício do abastecimento da cidade em alimentícios, lenha e pedras de construção ( Apud BRITTO, p. 17)

As estações desse trecho inicial denominado ramal Horto Florestal eram as

seguintes; Tamanduateí, Areal, Santana, Quartel, Santa Teresinha, Mandaqui,

Invernada, Parada Sete, Tremembé, Parada Santa, e Cantareira.

No ano de 1908 iniciou-se sua expansão com a construção do ramal Guarulhos

que partia da estação Areal, com as seguintes estações; Areal, Carandiru, Vila

Paulicéia, Parada Inglesa, Tucuruvi, Vila Mazzei, Jaçanã, Vila Galvão, Torres

Tibagi, Gopoúva, Vila Augusta e Guarulhos/Cumbica.

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Figura 09 – Traçado da estrada de ferro que passa pela região norte da cidade de São Paulo.

(Azevedo, 1958)

A estrada de ferro Tramway Cantareira facilitou a ligação entre a região norte e

o centro da cidade, o que acabou gerando um interesse maior em povoar essa

área pelos habitantes da capital paulistana. Próximo às estações foram sendo

erguidas chácaras, com característica de recreio (Figura 09).

Por falta de verba, em 1920 a linha encontrava-se em más condições, porém

permaneceu operante, pois era o único mecanismo de ligação aos bairros mais

distantes do centro, em 1925 já se cogitava a construção de um transporte

metropolitano. Muitos foram os planos apresentando os estudos para a

construção e modernização desse trecho:

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Em várias oportunidades cogitou-se a reforma da estrada, ao longo da qual, muitos proprietários de terras abriram portões para a faixa trasviaria, transformando-a em rua. Tais reformas poderiam transforma a Tramway Cantareira em radial metropolitana, ou, em perfeita estrada para ônibus, ou, ainda em longa e confortável estrada de ferro (TORRES, 1982, p. 114).

A solução mais barata encontrada para solucionar essa dificuldade foi

incorporar o ramal a Estrada de Ferro Sorocabana, possibilitando assim que

fossem feitas melhorias como o aumento no número de trens e o

engrossamento dos trilhos feitos por volta de 1947, mas os resultados não

foram satisfatórios.

Em 1964 teve início a desativação da linha (Figura 10), que aconteceu

gradativamente. O primeiro trecho a ser desativado foi o percurso até a

Cantareira, seguido pelo trecho Guarulhos. Com a desativação da linha férrea,

avenidas e o metrô construídos posteriormente, passam pelo seu antigo

traçado.

Figura 10 – Transporte da Maria Fumaça após a sua desativação. (Fonte: Estadão, 2016.)

1. 3 - Aeroporto Campo de Marte

Os primeiros relatos sobre esse elemento na paisagem da capital paulista são

do começo do século na década de 1910, quando, em 1912, a Secretaria de

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Justiça e Segurança do estado, administrada por Washington Luiz, solicita

junto ao governo o uso de um terreno na várzea do Rio Tietê, no pé da colina

de Santana nos arredores da Ponte Grande. Para instalar o corpo de treino da

Força Pública.

A instalação da pista de pouso ocorre em 17 de dezembro de 1913 assim como

a escola de aviação da Força Pública. A escola foi fechada logo após sua

inauguração por falta de verba, porém a pista continuou em atividade, e logo

estava cercada por hangares particulares (TORRES, 1982).

Considerando os feitos de Santos Dumont a cidade considerava-se pioneira

nesse setor. Edu Chaves ao voltar da Europa trouxe consigo aviões que

ajudaram a formar a escola de aviação, e que permaneceram até 1934 quando,

sob o governo de Getúlio Vargas, teve as aeronaves confiscadas.

Em 12 de novembro de 1933 houve uma cerimônia, na qual inauguraram-se os

vôos comercias para o interior paulista (Figura 11), com a Viação Aérea de São

Paulo - VASP, fruto de uma organização de empresários que contou com a

aprovação do governo do estado, e que possuía duas rotas principais: uma

para São José do Rio Preto, com escala em São Carlos e, outra, para Uberaba

com escala em Ribeirão Preto. (BRISOLA, 1945)

Figura 11 – Inauguração do aeroporto com os vôos comerciais da VASP em 5 de novembro de

1933. (Fonte: Fonte: Santos, 1985, p. 150.)

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Em 1936 as atividades comerciais de aviação com linhas regulares foram

transferidas para o Aeroporto de Congonhas e a escola de aviação da Força

Pública foi fechada, para dar lugar ao 2º Regimento de Aviação. Em 1939

surge o Parque da Aeronáutica de São Paulo (ESTADÃO, 2016).

Em 1936 o Campo de Marte já havia sofrido a primeira reforma para melhorar e

se modernizar, a área foi aterrada e construída uma pista de asfalto. As

melhorias continuaram e em 1941 houve uma drenagem no terreno para

ampliação da pista e das áreas de manobras, novos edifícios foram construídos

e equipamentos mais modernos para melhoramento de vestiários e centro

médicos. (BRISOLA, 1945).

Hoje o aeroporto mesmo não realizando vôos comerciais, possui toda a

infraestrutura que permite pousos diurnos e noturnos e cinqüenta e cinco

hangares. Atualmente o aeroporto, além de sediar o Aeroclube de São Paulo,

recebe vôos executivos e táxi aéreo (Infraero, 2016).

1. 4 - Retificação do Rio Tietê

No final do século XIX a cidade de São Paulo sofria um surto de epidemias.

Instala-se então uma comissão de saneamento das várzeas, sob o comando

de Theodoro Sampaio de Paula Souza, que deu origem a Comissão de

Saneamento do Estado, olhando a cidade sob a ótica higienista, onde o

saneamento dos rios dar-se-ia pela sua retificação acreditando assim que

melhora a vazão das águas. Conseqüentemente, se liberaria suas várzeas

para a urbanização.

Em 1894 foi apresentado um relatório pela comissão de saneamento das

várzeas que tinha a intenção de retificar o Rio Tietê em um trecho que se

iniciava na Ponte Grande e iria até Osasco, possibilitando assim uma melhor

vazão das águas e facilitando a sua navegação. Embora esse estudo visava a

melhoria do saneamento, outro interesse envolvido partia da empresa Light &

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Power, que desejava utilizar o rio para produção de energia elétrica (MARTINS,

2006).

Em 1913 foi apresentado por Pacheco e Silva o “Plano Geral de

Melhoramentos para o Rio Tietê”. Sua principal intenção era melhorar a vazão

das águas permitindo a navegação entre os trechos da Ponte Grande até Mogi

das Cruzes, o projeto pretendia a retificação das grandes curvas do rio, o que

melhoraria a velocidade em que água escoava, e um trajeto melhor para as

embarcações, assim como a questão sanitária.

O plano de Pacheco e Silva foi o primeiro que sugeria a criação das avenidas

marginais com a configuração de bulevares, e um parque ao longo do rio

(BONILHA, 2012).

Na década de 1920, o Rio Tietê apresentava dois grandes problemas: suas

enchentes e a grande área alagada em seu curso. A canalização do rio

permitiria a utilização de muitos metros quadrados para a urbanização. Victor

Freire, em 1922, a frente da Diretoria de Obras municipais, solicitou ao

engenheiro sanitarista José Antônio Fonseca Rodrigues, que já teria realizado

estudos em 1890 buscando solucionar o problema das enchentes.

Os estudos feitos sugeriam um canal com aproximadamente 100 metros, que

abrigaram avenidas marginais (CAMPOS, 2002).

O canal seria delimitado por dois diques altos, sobre quais passariam avenida de 20 metros de largura; os afluentes do tiete desembocariam em bacias secundarias que recolheriam a água das enchentes antes do dique evitando a elevação excessiva do nível do rio (CAMPOS, 2002, p 269.)

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Figura 12 - Detalhe do projeto de Fonseca Rodrigues (1922) para canalização do Tiete, com

largo patamar destinado a receber o volume das cheias. Fonte: Campos, 2002, p. 196).

O projeto não agradou a Vitor Freire, que solicitou ao engenheiro Ulhôa Cintra

um outro estudo, sendo esse indicado a câmara de vereadores no final de

1922. O projeto possuía linhas mais orgânicas, diferente do desenvolvido por

José Antônio Fonseca Rodrigues (Figura 12). O traçado sugerido por Cintra

evitaria grandes desapropriações em bairros já consolidados.

Em 1923 a Câmara decide convocar o engenheiro Saturnino Rodrigues de

Brito, para estudar as propostas e desenvolver um novo estudo para a

canalização do rio Tietê.

A indicação não agradou à prefeitura, porém os vereadores insistem na

indicação de Saturnino de Brito, e em 1924 criam a Comissão de

Melhoramentos do Tietê.

O projeto, entregue em 1925 previa a instalação de três barragens, ao longo do

trecho entre a Penha e Osasco. Na Região da Ponte Grande, atual Ponte das

Bandeiras, sugeriam a criação de dois grandes lagos onde poderiam se

praticar esportes aquáticos.

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Figura 13 - Projeto de retificação e canalização do Rio Tiete, Saturnino de Brito 1925. Fonte:

ACERVO DO ESTADO, 2015.

O projeto desenvolvido por Saturnino de Brito visava solucionar o problema

das enchentes, assim como os anteriores, no entanto contava com a inserção

de áreas verdes combinadas com um desenho urbano mais complexo e uma

técnica construtiva mais sofisticada. O plano sofreu críticas, os opositores

alegavam a necessidade de um maior aproveitamento viário (Figura 13).

Em relatório apresentando à Câmara no início de 1927, o novo prefeito lembrou que “O problema do Tietê não se reduz a corrigir-se o mal das enchentes”, ressaltando a importância das “avenidas marginais”. Segundo essa perspectiva, as marginais do Tietê deveriam forma o arcabouço da estrutura viária da cidade, indissociável de seu desenvolvimento industrial (CAMPOS 2002, p. 300).

Em outubro de 1927 foi criada uma nova comissão para estudar os problemas

do Rio Tietê, como sua retificação e as questões urbanísticas que o envolviam,

naquele momento o aproveitamento do Rio e de sua Várzea como possível

área de lazer foi colocado em segundo plano. A cidade industrial que se

consolidava exigia novas demandas.

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Figura 14 - Obras de reforma da Ponte da Casa Verde, ligação entre os bairros da Barra Funda

e casa Verde, 1935. (Fonte: Dicionário de ruas, 2016.)

Figura 15 - Ponte Grande e a comitiva do Imperador Dom Pedro II em sua inauguração,foto de

Militão Augusto de Azevedo – (ACERVO DO ESTADÃO, 2015) / Ponte das Bandeiras (recebeu

esse nome em homenagem aos bandeirantes responsáveis pela povoação do estado), em 26

de janeiro em 1942 – (Fonte: IPT, 2015)

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Figura 16 - Ponte da Vila Guilherme antes da retificação do Rio Tietê: Fonte:

VilaGuilherme.com, 2016

1 . 5. – As Marginais do Rio Tietê.

As marginais surgem na história de São Paulo na década de 1920, junto com

os primeiros projetos de canalização do Rio Tietê. Na década de 1930 com o

aumento considerável dos números de automóveis o engenheiro civil e

arquiteto Preste Maia desenvolve o Plano de Avenidas. O plano acrescenta as

margens do rio Tietê e Pinheiros ao sistema básico de avenidas da cidade de

São Paulo, configurando-se como um anel.

O projeto foi reforçado em 1950 pelo engenheiro norte-americano Robert

Moses. Ele propôs um sistema de vias expressas radiais ligando o centro aos

subúrbios e um anel viário junto aos vales do Tietê e do Pinheiros que daria

acesso às rodovias Anchieta, Anhanguera e Dutra. (SESCSP, 2016)

Em 1957 foi inaugurada a primeira etapa: a avenida Marginal Direita do Tietê.

O último trecho, entre a ponte Aricanduva e a divisa com Guarulhos, ficou

pronto em 1977. Nesse ínterim, aos poucos, foram adicionadas pontes e vias

de ligação com outras avenidas, além de novas etapas e desmembramentos

do projeto.

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Figura 17 - Construção da marginal próximo a ponte Grande atual ponte das bandeiras. (Fonte:

UOL. 2016)

No primeiro momento as marginais conseguem cumprir sua função, criando

novas alternativas de fluxos para o centro expandido, construídas no sistema

de vias expressas as marginais permitem uma circulação urbana mais rápida.

Ao longo das marginais formaram-se grandes vazios urbanos, sendo esses

ocupados por empreendimentos comerciais, como shopping, mercados,

motéis, hotéis e centros de eventos, principalmente o Centro de Convenções

Anhembi.

1. 6. – Sambódromo - Polo Cultural e Esportivo Grande Otelo.

Construído para ser o palco de uma das maiores festas do pais, o carnaval. O

Polo Cultural e Esportivo Grande Otelo, conhecido popularmente como

Sambódromo abriga a Passarela do samba, pavilhão de exposições e o palácio

de convenções. Foi projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, e sua

inauguração ocorreu no início de 1991, durante a gestão de Luiza Erundina, e

sua conclusão parcial com capacidade para dez mil pessoas. Porém em 1993

com a ampliação e conclusão de mais módulos de arquibancada, o espaço

passou a comportar vinte mil pessoas. O sambódromo só foi finalizado em 12

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fevereiro de 1996 durante a gestão do prefiro Paulo Maluf. Com a finalização

de todos os setores a passarela do samba comportaria trinta mil pessoas

(Anhembi, 2016) (Figura 18).

Figura 18 – Construção da passarela do samba em 1991. (Fonte: Estadão, 2016.)

O Sambódromo possui ainda rede de distribuição de água, esgoto, energia

elétrica e telefonia, além de uma caixa d'água alimentada por um reservatório

com capacidade para 400 mil litros. A área da concentração tem 23.000 m² e a

da dispersão, 4.000 m². Ao longo da pista fica a arquibancada "monumental",

com capacidade para 11 mil pessoas, mais 8 conjuntos de arquibancadas,

abrigando 1.900 pessoas cada, e 103 camarotes, com estrutura de sanitários e

lanchonetes.

Indicado para eventos a céu-aberto, o espaço possui infraestrutura fixa para a

realização de atividades culturais e esportivas. Com área de 23 mil m², a Arena

Anhembi integra o Polo Cultural e Esportivo Grande Otelo, o Sambódromo, e

pode receber até 27 mil pessoas. O local conta com banheiros fixos, bares,

posto médico, salas de apoio e canaletas de piso, com suporte para água,

dados e telecomunicações. Estacionamento de fácil acesso. A Nova Arena é

mais uma opção de espaço para grandes shows internacionais, nacionais,

festas eletrônicas e todo tipo de eventos a céu aberto. Está localizada na área

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da Dispersão do Sambódromo do Anhembi. Possui infraestrutura fixa para a

realização de atividades culturais e esportivas. Uma das principais

características de todos os espaços do Sambódromo é sua diversidade de

usos.

1. 7. Pavilhão de Exposição do Anhembi

O Pavilhão de Exposições do Anhembi, projetado pelo arquiteto e urbanista

Jorge Wilheim, recebe as maiores e mais importantes feiras realizadas no país.

A área do Pavilhão Norte-Sul tem 58 mil m². Desde que recebeu o Salão do

Automóvel em 1970, na sua inauguração, é considerado o maior espaço para

feiras e eventos da América Latina. O tradicional espaço tem grande significado

no crescimento desse mercado em São Paulo. Anexo e integrado ao Pavilhão

Norte/Sul, o Pavilhão Oeste tem 18 mil m² de área de exposição. (Anhembi,

2016)

Formado por 3 auditórios e 4 salas, o espaço está adaptado para receber

diferente tipo de eventos. Adaptado a usuários com mobilidade reduzida, o

espaço é premiado com o selo acessibilidade. São dois os espaços mais

significativos: o Auditório Economista Celso Furtado - também chamado de

Grande Auditório, com capacidade para 2.553 pessoas sentadas: é um espaço

imponente e impressionante, pronto para receber eventos solenes e com

grande público. Conta ainda com 6 camarins, copa, cabines de som e luz. Os

assentos, assinados pelo arquiteto designer Sérgio Rodrigues, confirmam o

conforto e beleza do espaço; e o Auditório Elis Regina – Versátil, o auditório é

considerado um dos melhores locais para eventos da cidade de São Paulo. Um

espelho d’água e um paisagismo diferenciado no acesso ao teatro garante o

charme especial ao edifício. A área conta ainda com um grandioso hall, que

abriga uma exposição permanente da cantora, e tem fácil acesso a uma

cozinha equipada, que possibilita a realização de coquetéis e

confraternizações. O espaço possui tecnologias que tornam o auditório ainda

mais flexível para receber eventos de diversos tamanhos e estilos. Grandes

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nomes da música brasileira já passaram pelo palco do Auditório Elis Regina

(Anhembi, 2016).

Em julho de 2015 iniciou-se um processo organizado pela prefeitura e a

administração do complexo, onde seriam investidos cerca de dois bilhões para

a instalação de sistemas elétricos e de climatização de padrão internacional,

visando oferecer uma infraestrutura altamente tecnológica para o centro de

exposição (AU, 2016).

1. 8. - O Metropolitano de São Paulo, a linha norte/sul do metrô.

As discussões sobre a implantação desse sistema de transporte são bastante

anteriores a sua implantação.

Ao longo do segundo pós-guerra, a Prefeitura encomendou outros projetos, como o da Compagnie du Chemin de Fer Métropolitain de Paris em 1947, e o da Companhia Geral de Engenharia em 1948. O relatório Moses de 1950 previa a reserva de espaços nas vias expressas para passagem de metrô de superfície: 23 de maio, Radial Leste, Vale do Anhangabaú, Rua Vergueiro e no trajeto do Tramway de Santo Amaro pelas avenidas Ibirapuera e Vereador José Diniz (SOMEKH e CAMPOS, 2008, p. 136/137)

Muitos foram os planos e propostas discutidas sem sucesso, porem a proposta

feita por Mario Lopes Leão foi a mais notória, que considerava seguir o traçado

original ou bastante similar da Tramway da Cantareira, considerando até

mesmo as dificuldades para transpassar o rio Tietê, o que posteriormente

acontece na implantação da linha Norte / Sul (LEÃO, 1945).

Em 1955 nomeado pelo prefeito Lino Matos, Preste Maia chefiando a comissão

do metropolitano, elaborou um relatório, revendo uma rede com cerca de 100

quilômetros, em linhas de superfície e trincheiras, cerca de 10% apenas do

percurso seria em túnel. O projeto foi aprovado, e um concurso realizado, o

concurso não foi homologado pela prefeitura. Preste Maia anulou o concurso e

continuou as desapropriações em sua segunda gestão (SOMEKH e CAMPOS,

2008).

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Prefeito de 1965 a 1968, Faria Lima, foi quem deu início a implantação do

sistema na cidade de São Paulo. Solicitou através de um consórcio entre duas

empresas alemãs e uma brasileira, os estudos para sua implantação. O

Consórcio HMD (Hochtief, Montreal, Deconsult), pretendia utilizar os

conhecimentos especializados dos alemães e o conhecimento territorial prático

dos brasileiros (DANON, 1975).

A proposta desenvolvida pelo consorcio, preocupava-se desde a sinalização

adequada, os métodos construtivos mais eficazes e o adensamento dos polos

e subcentros:

As conquistas da moderna tecnologia foram mobilizadas, não só na concepção do sistema de trem e de linha, de sinalização, de comunicação, ventilação e demais aspectos mecânicos, como na escolha e planejamento dos diversos métodos construtivos, buscando-se experiência e equipamentos nacionais e estrangeiros onde melhor eles fossem encontráveis (DANON, 1975, p. 6).

O estudo realizado pelo consórcio analisou diversos elementos, como a malha

urbana, espaços públicos, fundações das edificações que circundavam o

traçado previsto. O trecho escolhido para a execução da linha norte/sul, tinha

como ponto final da linha básica a estação de Santana na Av. Cruzeiro do Sul,

porém já era previsto no projeto o prolongamento da linha (Figura 19).

Figura 19 – Construção da linha norte /sul do metro. (Fonte: Via TROLEBUS, 2016)

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A implantação ocorreu de forma gradativa, num primeiro momento foi

executado o trecho entre as estações Liberdade e Jabaquara, sendo

inaugurada em setembro de 1974. O trecho entre a estação São Joaquim e

Santana, que complementaria a linha, foi inaugurado no ano posterior. O trecho

inicial Jabaquara até Santana tinha 16,7 km de extensão.

O trecho entre Santana e a Ponte Pequena foi construído em um elevado, o

que diminuiria os custos, devido à facilidade construtiva do sistema (Figura 20).

Figura 20 – Parque da juventude ao fundo, trecho descoberto do Metrô altura da estação

Carandiru. (Fonte: Arcoweb, 2016)

A partir da Avenida Tiradentes até Jabaquara, o trecho é subterrâneo. Com um

aumento da demanda, em 1998 a linha norte / sul é ampliada com o acréscimo

de mais três estações, chegando ao Tucuruvi. Composta por 23 estações, a

linha norte-sul hoje tem mais de 20 km de extensão (Figura 21).

Figura 21 - As 23 estações da linha norte/sul (linha 1- AZUL). (Fonte: Metrô, 2016)

1. 9. Terminal intermodal Tietê

Na década de 1960 o antigo terminal rodoviário da Luz já não era suficiente

para atender a demanda de embarques e desembarques da capital paulista,

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que não para de se desenvolver e espandir. Naquele momento uma parceria

entre o governo do estado e o Metrô começou a realizar estudos para a

construção de um novo terminal. O projeto do terminal intermodal do Tietê tem

como autores o arquiteto Renato Viegas e o engenheiro Roberto McFadden. As

obras tiveram início em 1979, e três anos depois em maio de 1982, o terminal

foi inaugurado pelo então governador Paulo Maluf.

Figura 22 - Obras para a construção do terminal em 1981. Fonte: (ESTADÃO, 2016)

O terminal Rodoviário Governador Carvalho Pinto, quando inaugurado, era o segundo maior do mundo, sendo o primeiro o terminal Rodoviário de Nova York, nos Estados Unidos (ESTADÃO, 2016).

A empresa responsável pela administração do terminal desde 1989 é a

SOCICAM, o terminal possui 89 plataformas e atende a mais de 700 linhas de

ônibus, atendendo a quase todos os estados, exceto Acre e Amazonas e a

cinco países Peru, Uruguai, Paraguai, Argentina e Chile. São 54500 metros

quadrados de área construída, e 120000 de área total. O terminal que funciona

24 horas por dia possui 120 bilheterias para atender o público com total

acessibilidade, além de um estacionamento com capacidade para 70 ônibus.

(SOCICAM, 2016)

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Figura 23 - Terminal Intermodal do Tiete. Fonte: Portal Vitruvius, 2016.

O terminal foi idealizado e construído próximo a marginal, na intenção de evitar

que os ônibus circulassem pelas avenidas da cidade, causando

congestionamento. McFadden descreve o projeto, “Nele a circulação principal é

concebida como uma ampla rua elevada em relação ao solo. Com essa

disposição espacial, os fluxos de circulação foram divididos em níveis

diferentes, com os pedestres ao nível da conexão com a rede metroviária e os

veículos (automóveis e ônibus) ao nível do solo”. Para ele o maior desafio é

conseguir solucionar a circulação de fluxos gigantescos de usuários (AU, 2015)

(Figura 23).

Em 2002 o terminal sofreu uma revitalização, buscando oferecer um ambiente

mais agradável aos seus usuários, um sistema mais eficaz de monitoramento

com um circuito fechado de televisão totalmente digital e estrutura similar aos

balcões de aeroportos, novos guichês, internet wireless em um ambiente mais

moderno.

O terminal passou a abrigar a Agência Reguladora de Transporte do Estado de

São Paulo, a Agência Nacional de Transporte Terrestres e um posto de

assistência social (SOCICAM, 2016).

Desde 1982 o terminal intermodal Tietê foi complementado com outras

estações ferroviárias em São Paulo, também integradas ao metrô, como na

Barra Funda, no Jabaquara e, no Bresser.

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AS TRANSFORMAÇÕES DO COMPLEXO CARANDIRU

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2. 1 - O Código Penal de 1890 e o desejo de mudança.

A proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, gera um novo

regime judiciário. Um dos frutos desse processo foi o código penal de 1890.

Um dos seus objetivos visava atender à ciência criminal defendida por

Lambroso2 e seus companheiros da escola penal positiva ou Escola de

Antropologia Criminal. O código anterior de 1830 visava apenas combater o

crime, com ações vingativas que não geravam uma conscientização

regenerativa dos criminosos, com punições como multas, açoites, galés, penas

de morte (SALLA 1999).

O código de 1890 apresentou quatro tipos diferentes de penas, excluindo as

penas de tortura como a de morte e de açoito, e que não dialogavam com o

novo cenário e pensamentos, o outro diferencial é que o prazo máximo para

detenção de um indivíduo passava a ser de trinta anos (D’ELIA, 2012).

O código ainda apresentava diferentes formas para se aplicar a pena, conforme

o comportamento do detento e o crime cometido. Este sistema, chamado de

sistema progressivo, se compunha de três estágios: durante alguns meses o

preso deveria ficar recolhido em uma cela em total isolamento, trabalhando e

sob uma dieta rigorosa; em seguida durante o dia o preso executa um trabalho

comum e durante a noite se recolhe a cela; numa terceira fase – o preso era

locado em um espaço diferente trabalhava em conjunto, tem suas próprias

roupas e poderia ter saídas para fora da prisão, de acordo com seu

comportamento. (SALLA, 1999).

O sistema penitenciário do estado São Paulo precisava passar por uma

análise, acreditava o senador estadual Paulo Egydio de Oliveira Carvalho, que

levantou, tanto na Faculdade de Direito como nos meios de comunicação, que

a reforma do sistema penitenciário deveria ser multidisciplinar, afim de que toda

2 Cesare Lombroso foi um Médico, Criminologista e Antropólogo Italiano. Determinou que a

hereditariedade deveria ser levada em consideração. A pessoa não seria influenciada pelo meio, as influências externas em pouco iriam contribuir, pois a patologia criminosa já se encontrava nele, era questão de tempo até desencadear. Seu trabalho foi amplamente divulgado e ganhou diversos adeptos, inclusive no Brasil. (NAZARETH e RODRIGUES, p-01)

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a sociedade participasse e as mudanças fossem significativas. Para isso ele

propôs uma comissão para avaliar as condições da Cadeia Pública3 (Figura

24).

Figura 24 – Cadeia pública, posterior Presídio Tiradentes. (Fonte: Secretaria de Administração

Penitenciaria, 2016)

A comissão foi composta pelo próprio senador Paulo Egydio, por Clementino

de Souza e Castro, juiz de direito, Ramos de Azevedo, arquiteto, e Francisco

Franco da Rocha, médico. A comissão fez uma avaliação do período de 1890 a

1895, e constatou que no espaço de tempo de 5 anos dos 461 detidos, quase

20% vieram a óbito devido às más condições da estrutura física e da higiene,

mortes causadas por doenças como tuberculose e anemia (ASSP, 1895).

Esse cenário alimentava a necessidade de um novo presídio com

características físicas para o desenvolvimento do sistema progressivo, com os

esforços como os do senador Paulo Egydio e do secretário da Justiça

Washington Luiz (1906 a 1912).

3 A Casa de Correção, mais tarde Presídio Tiradentes, foi criada em 1825 e inaugurada em

1852 quando São Paulo possuía apenas uma cadeia pública, sediada no Paço Municipal, responsável pela prisão de arruaceiros e escravos fugitivos. Durante o Estado Novo (1937-1945), recebeu presos políticos, entre eles Monteiro Lobato, que ocupou a cela n°1. Com a mudança ocorrida no país a partir de 1964, o presídio testemunhou outra etapa de nossa história, quando se tornou lugar de detenção e repressão aos primeiros opositores do regime militar. No final de 1972, o edifício foi demolido, em função das obras do Metrô.

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No congresso estadual, em dezembro de 1907 foi liberada a verba para que o

governo construísse o presido. Ficou a cargo da secretaria de Agricultura

Comércio e Obras Públicas, a função de gerenciar o processo. Eles teriam que

apresentar a planta que suportasse 1200 detentos, salas de aula, bibliotecas,

farmácias, enfermarias, auditórios, refeitórios, abrigo para visitantes, locais

para as oficinas, sapatarias, alfaiataria e marcenarias, assim como uma casa

para o diretor e sua família residirem (SALLA, 1999).

Foi então adquirido pelo governo do estado uma chácara no bairro de Santana

com aproximadamente 20 alqueires para a construção da nova penitenciaria.

O bairro localizado na zona norte a seis quilômetros do centro comercial da

cidade de São Paulo, apresentava as características técnicas adequadas para

sua implantação, estando retirado da zona urbana da cidade.

Outro fator que contribuiu para justificar a escolha dessa região, era que o

bairro de Santana, em 1908, já contava com os serviços de bondes elétricos, o

que contribuiria para a alimentação do presídio e o transporte de presos.

O Rio Tietê apresentava outra forte característica, pois, nesse período ainda

era possível navegá-lo. O bairro de Santana possuía água e luz elétrica,

porém, os preços dos lotes ainda eram relativamente baixos comparados com

outras regiões da metrópole paulistana. O bairro, com características ainda

rurais atraiu de início a população de classe média e a classe operária, o que

leva a refletir que a elite pode ter influenciado a escolha deste local, para que o

presídio ficasse longe de seus lares (TORRES, 1982).

Após a compra do terreno foi realizado pela secretaria de Agricultura, Comércio

e Obras Públicas, um concurso para seleção do projeto arquitetônico para o

novo presídio que deveria seguir o sistema de pavilhões, quatro autores

atenderam as exigências e o projeto escolhido foi elaborado por Samuel das

Neves, e intitulado Laboravi Fidenter.

O projeto teve como referência a Prisão Fresnes, na França, construída entre

1894 e 1898, para substituir as antigas penitenciárias parisienses, o

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responsável pelo projeto foi o arquiteto Henri Poussin. Tinha como intuito ser

um reformatório higiênico e funcional (Figura 25).

Figura 25 - Prisão Fresne, França.(Fonte: Ministère de la Justice, 2016)

O sistema adotado na construção do Presídio Fresnes, posteriormente usado

no projeto da Casa de Detenção, é conhecido hoje como escama de peixe,

antes chamado de poste telegráfico, totalmente revolucionário para a época:

O Modelo Poste Telegráfico ou Espinha de Peixe, onde existe uma circulação fechada principal e a ela se interligam os diversos módulos, separados entre si, confluindo os fluxos para a circulação foi utilizado em várias penitenciárias americanas, apresentava um grande problema, pois permitia que os focos de motins, nascidos nas alas de celas, rapidamente, tomassem as demais alas de celas, de serviços e alcançassem a administração. (LIMA, 2010, p. 03)

O modelo espinha de peixe possuía um fluxo dinâmico, onde todos os serviços,

como administração, cozinhas e oficinas, encontravam-se em edificações

isolados.

Esse modelo pretendia substituir o sistema Panóptico4, desenvolvido pelo

fiolósofo Jeremy Bentham, em 1800, onde o controle era no centro do edifício,

4 Surge no século XIX o modelo arquitetônico panóptico (ótico - ver + pan - tudo), caracterizado

pela forma radial, uma torre no centro e um só vigilante, estando no centro da torre, percebia os movimentos dos condenados em suas celas.

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geralmente disposto em um prédio circular, facilitando observar todos os

comportamentos existentes no complexo. A cadeia pública, posterior Presídio

Tiradentes utilizava os parâmetros do sistema Panóptico. (LIMA, 2010)

2 .2 - Casa de Detenção, um exemplo a ser seguido.

Figura 26 – Prédio administrativo da Casa de Detenção. (Fonte: Museu Penitenciário Paulista,

2016.)

Um presídio moderno e modelo, não era algo exatamente simples e barato de

se construir. Executado segundo as mais modernas técnicas existentes na

época, utilizando os melhores materiais, a maioria deles importados (Figura

26).

A construção ficou a cargo do escritório de Ramos de Azevedo um dos mais

respeitáveis arquitetos do período, ele realizou adequações no decorrer do

processo, levando a ser citado como responsável pelo projeto por alguns. O

presídio teve sua construção autorizada em 1905, porem as dificuldades com o

desdobramento político e os matérias e sistemas construtivos permitiram que a

construção do mesmo acontecesse apenas em 1911.

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A construção durou aproximadamente nove anos, e o presídio foi parcialmente

entregue em 1920, quando ainda não contava com o pavilhão feminino e a

escola começou a receber detentos.

Essa visibilidade de arquitetura da prisão é uma armadilha, pois se permite a

direção e aos guardas vigiarem qualquer tentativa de evasão coletiva, de

projeto de novos crimes para o futuro, e recorrerem à força para obrigar o

preso a cumprir as normas instituídas, induz no preso um estado consciente e

permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder

de que eles mesmos são portadores. A prisão, diferente do que se

convencionou conceituar, teoricamente, como local de punição e recuperação

do preso, na verdade pune e intimida. A despeito disto, o preso age

compulsivamente contra esta submissão e obediência cega” (D’ELIA, 2012)

Figura 27 – Vista aérea da Casa de Detenção. (Fonte: Museu Penitenciário Paulista, 2016).

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Adotou-se o sistema de prisão celular, estabelecimento penal com celas

individuais, considerando que o isolamento leva a reflexão, de acordo com o

Código Penal de 1890 (Figura 28). O regime progressivo, tinham por base na

crença da regeneração do homem a partir da reflexão, da disciplina e do trabalho,

como mostrava a frase de Herculano de Freitas cunhada em sua entrada: “Instituto

de Regeneração - Aqui o trabalho, a disciplina e a bondade resgatam a falta

cometida e reconduzem o homem à comunhão social”.

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Figura 28 – Planta baixa da Penitenciária do Estado, Publicado na edição de 13/05/1911, p-03.

(Fonte: ESTADÃO, 2016.)

Na Penitenciária de São Paulo quase não havia funcionários, eles eram em um

número bastante reduzido se comparado ao número de detentos, Mas não haviam

motins ou rebeliões. Tudo era feito pelos prisioneiros, que produziam sua comida,

cuidavam do pomar, fabricavam o próprio pão, faziam seus próprios calçados e até

faziam a enfermagem, orientados por médicos e outros profissionais. Nos horários

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livres podiam estudar na escola do presídio, ir à missa na capela e até aprender

artes plásticas. O que remete ao pensamento da escola positiva de direito, onde o

indivíduo passava a ter condições mais dignas que posteriormente gerariam uma

expectativa em recuperá-lo para o convívio social.

Figura 29 – Fotografia da alfaiataria. (Fonte: Museu penitenciário paulista, 2016.)

.

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Figura 30 – Fotografia da sala de enfermagem e medicina. (Fonte: Museu penitenciário

O presídio tinha uma organização muito específica, onde os presos produziam

grande parte dos recursos ali utilizados. A produção de alimentos atendia

quase toda a necessidade do presídio, o que para a elite paulistana era de bom

agrado: preso que trabalha, estuda e se ocupa não tem tempo ocioso para

pensar em cometer outros crimes. Essa “auto sustentabilidade econômica” e o

modelo organizacional proporcionou à Penitenciária do Estado o título de

Presídio Modelo, com as características que os outros deveriam seguir.

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Figura 31 – Fotografia dos detentos cultivando o sitio. (Fonte: Museu penitenciário paulista,

2016.)

Todas essas características tornaram o presídio cartão postal para a cidade de

São Paulo, autoridades e pessoas públicas tinham enorme interesse em

conhecer, o presídio ficou aberto para visitação até meados de 1938 quando

alcançou 95 % de sua lotação máxima (PEDROSO, 2012).

Em 1936 o escritor Stefan Zweig escreveu em seu livro: Encontros com

homens, livros e países, "que a limpeza e a higiene exemplares faziam com

que o presídio se transformasse em uma fábrica de trabalho. Eram os presos

que faziam o pão, preparavam os medicamentos, prestavam os serviços na

clínica e no hospital, plantavam legumes, lavavam a roupa, faziam pinturas e

desenhos e tinham aulas".

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Figura 32 – Fotografia dos Detentos na escola. (Fonte: Museu penitenciário paulista, 2016.)

2. 3 - Superlotação e destruição do ícone.

Na década de 1940, em função do aumento populacional e, principalmente, ao

estabelecimento do Estado Novo, implicando em crescente número de presos

políticos, a penitenciária chegou à sua capacidade máxima – em torno de 1235

presos. O elevado número da população carcerária começa então a dificultar o

andamento das pesquisas, estudos e análises por impossibilitar o tratamento

mais individualizado, proposto inicialmente.

A partir da década de 1940 ao redor da Penitenciária do Estado foram sendo

construídos novos edifícios, como a Casa de Detenção, a Penitenciária

Feminina da Capital e o Centro de Observação Criminológica, que juntos

tornaram-se o Complexo Penitenciário do Carandiru.

A criação da Secretaria da Administração Penitenciária no Estado de São

Paulo, em 1993, foi pioneira no Brasil como órgão específico para cuidar de

assuntos penitenciários, (SAP, 2015)

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A necessidade de um estabelecimento para mulheres era urgente para aquela

época. Em 1941 autorizou-se a construção de um novo edifício, que seguiu os

mesmos padrões físicos do existente, porem em proporções menores. As

mulheres seriam submetidas à trabalhos ligados a produção de roupas, como

lavanderia e engoma (Figura 31).

A Casa de Detenção Flaminio Favero – popularmente conhecida como

“Carandiru” – retratada em livros, músicas e filmes teve sua construção iniciada

por volta de 1954 e foi inaugurada em 11 de setembro de 1956, durante o

governo estadual de Jânio Quadros (1955-1959), e buscava sanar o problema

da superpopulação carcerária.

A arquitetura do conjunto de edifícios de fácil linguagem, pragmática, com

organização pavilhonar. A simetria de sua composição arquitetônica,

valorizando os acessos centralizados, o predomínio de cheios sobre vazios em

sua volumetria acentuada pela articulação de volumes definidos,

geometrizados e simplificados, compunha os edifícios da Casa de Detenção.

A Casa de Detenção de São Paulo foi entregue à população em 11 de

setembro de 1956 para abrigar todos os presos provisórios da capital paulista.

Inaugurada, foi considerada por vários órgãos de Segurança do Brasil e de

outros países como o 2º maior presídio do mundo. Porém, a realidade foi outra.

No meio dos presos provisórios, havia também presos condenados em regime

fechado.

E como não havia mais vagas em outros locais para cumprimento de penas, a

Casa de Detenção de São Paulo, se transformou em um verdadeiro depósito

de presos.

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Figura 33 - Estrutura do presídio baseado no livro Estação Carandiru. (Fonte: Cotidianos UOL,

2016. Disponivel <https://conteudo.imguol.com.br/2013/04/06/info-carandiru-1365279562820

_540x1080.jpg>)

A entrada do preso na Casa de Detenção acontecia pelo Pavilhão Dois, que

abrigava toda a administração: chefia e carceragem, serviço de som e refeitório

de funcionários, assim como os presos encarregados dos serviços - alfaiataria,

barbearia, fotografia, rouparia – e os presos que chegavam ao presídio.

Quando ingressavam, os presos eram fotografados, cortavam o cabelo,

deixavam seus pertences, recebiam seu uniforme, e se dirigiam à Triagem,

onde permaneceriam um período em observação, antes de serem

encaminhados ao pavilhão em função do tipo de crime, à reincidência, à

personalidade ou a possíveis desafetos (Figura 33).

O Pavilhão Quatro foi construído para ser um pavilhão exclusivo da área de

saúde, e abrigava a enfermaria geral, centro cirúrgico, laboratório, salas de

raios-X, farmácia, as celas para doentes mentais, portadores de necessidades

especiais e presos que precisavam de cuidados médicos. Os detentos eram

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mantidos em celas individuais. No térreo eram mantidos os detentos com

tuberculose. Os “marcados para morrer”, eram alojados em um setor apelidado

de masmorra, lugar úmido e com celas superlotadas. Os presos permaneciam

ali até o sistema decidir transferi-los para outras unidades.

O Pavilhão Cinco, ou pavilhão padrão, abrigava no térreo toda a parte de

apoio: carceragem, uma enfermaria, sala de aula, sala para cultos religiosos e

biblioteca. Nos outros quatro pavimentos abrigava celas comuns, individuais

com 6m². O pavilhão era o mais superlotado do complexo. No segundo piso

moravam os detentos responsáveis pela faxina e distribuição de alimentos. Os

dois últimos andares eram destinados aos “pés de pato”, presos justiceiros e

estupradores, ou até mesmo os expulso de outros pavilhões. O pavilhão cinco

era considerado a casa dos sem família.

O Pavilhão Seis, de apoio, abrigava os equipamentos do presídio: no térreo, a

cozinha geral; no segundo pavimento, um enorme auditório/cinema (com

capacidabde para mais de mil presos); no segundo e terceiro andar a

administração: vigilância, disciplina, judiciário, etc.; e no quarto e quinto andar

se situavam as galerias de celas. Este pavilhão abrigava estrangeiros presos

por tráfico de drogas, e aqueles que cometiam tráfico dentro da penitenciária.

O Pavilhão Sete, construído para ser um pavilhão de trabalho, abrigava no

térreo toda a parte de apoio dos pavilhões padrão, oficinas de trabalho, o

patronato, que organizava todo o trabalho do presídio, e fiscalizava o

cumprimento das penas. O Patrono, setor responsável pelo trabalho

desenvolvido no presídio, também se localizava nesse pavilhão. No Carandiru

os presos costuravam bolas de futebol e faziam miniaturas de barcos a vela.

O Pavilhão Oito era o pavilhão dos detentos com nome feito no crime, mais

experientes e com menos confusões, sendo muito dos presos reincidentes e

conhecedores das leis internas da cadeia, que estabeleceram regras bem

definidas de comportamento.

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No Pavilhão Nove, os detentos eram em sua maioria jovens condenados pela

primeira vez, o que acabava ocasionando confusões freqüentes conforme

aponta VARELLA (1999). O Pavilhão Nove foi o cenário do massacre de 1992

que culminou da morte de 1115 pessoas e deixou mais de 135 feridos (Figura

34), 120 policiais militares foram indiciados e 74 julgados, os acusados foram

divididos e julgados em quatros momentos distintos, a defensoria publica

entrou com um recurso alegando que os policiais agiram em legítima defesa, o

Tribunal de Justiça acatou, anulando os julgamentos e absolvendo todos os

acusados.

Figura 34: Corpos de parte dos detentos mortos após invasão da Polícia Militar para conter

uma rebelião na Casa de Detenção do Carandiru. (Fonte: Folha de São Paulo, 2018.

Disponível <http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/10446-massacre-do-carandiru#foto-

194517>)

Uma decisão do governo do estado determinou que a Casa de Detenção fosse

desativada. Os edifícios da Penitenciária do Estado deram lugar a Penitenciaria

Feminina de Santana. Além disso, foram encontrados problemas estruturais em

5 Este número divulgado pela Policia Militar, em depoimentos, detentos sobreviventes relatam

que este número não corresponde à realidade, segundo eles o numero de mortos é o dobro ao informado. Jornal O Globo, 2018. (Disponivel em < https://oglobo.globo.com/brasil/testemunha-diz-que-numero-de-mortos-no-massacre-do-carandiru-o-dobro-do-divulgado-8114805>)

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mais dois pavilhões do conjunto, optando-se pela demolição de ambos. Foram

mantidos dois pavilhões, 4 e 7, e além deles mais 240mil m² foram construídos

na área (HANNES, 2014).

Figura 35 – Cena do filme Carandiru, onde acontece a limpeza do pavilhão 9 após o massacre

e todo o sangue e lavado. (Fonte: Carandiru, O Filme , 2003)

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Figura 36 - Foto área do Presídio Carandiru antes da demolição. (Fonte: Encontre Santana,

2016.)

2. 4. – A demolição da Casa de Detenção de São Paulo.

Para dar lugar ao novo projeto a área deveria ser entregue limpa e o terreno

preparado. A implosão, necessária para dar vida ao Parque da Juventude, foi

feita pelas empresas H. Guedes Engenharia, em parceria com a Arcoenge

Ltda., que teriam como atividades a demolição, transporte, descarga, gestão do

RCD, devendo fazer o descarte do material em depósitos legalizados,

conforme todas as normas técnicas e especificações impostas pelos órgãos

ambientais. O edital da licitação realizada pela Secretaria de Energia Recursos

Hídricos e Saneamento de São Paulo (SERSP) determinou alguns

procedimentos obrigatórios para a execução da obra, constando também os

termos para demolição, transporte e descarte dos resíduos (INOUE, 2006).

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A primeira fase de demolição, concentrou seu trabalho nos pavilhões 6, 8 e 9

(Figura 36). Os pavilhões 8 e 9 deveriam ser demolidos conforme o edital do

concurso, pois apresentavam em sua história uma “herança maldita” que o

governo do estado não gostaria de vincular ao novo espaço que seria gerado

naquela área. A demolição do pavilhão 6 foi gerada por diretrizes de projeto.

Antes da implosão dos pavilhões, suas telhas, grades e portas foram

removidas, assim como houve demolição mecânica de paredes internas e do

primeiro piso para o alivio das cargas.

Figura 37 – Demolição dos pavilhões oito, nove e seis. ( Fonte: Estadão, 2017.)

No dia 8 de dezembro de 2002, pontualmente às 11 horas, os pavilhões, 6, 8 e

9 da antiga casa de detenção foram implodidos (Figura 36). Para que a

implosão ocorresse foram necessários 250 quilos de explosivos, espalhados

por três mil pontos de perfuração, que transformaram os pavilhões em 80 mil

toneladas de entulho, precisando de 8 mil caminhões para sua remoção. A

segunda fase da implosão ocorreu em 2005. Após readequações feitas no

projeto inicial, fora identificado que a estrutura dos pavilhões 2 e 5 estavam

danificadas e a recuperação se tornaria insustentável, decidindo assim pela

construção de um novo prédio para abrigar a biblioteca de São Paulo, assim

como o que abrigaria o teatro do parque.

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Figura 38 – Demolição dos pavilhões dois e cinco. ( Fonte: ESTADÃO, 2017.)

Conforme o memorial descritivo, fornecido pela Companhia Paulista de Obras e

Serviços, os blocos de concreto não deveriam passar de 40 cm, para isso

foram usadas escavadeiras para fragmentar os blocos que não atingiram o

tamanho padrão.

Após essa etapa, todo o material que pôde ser aproveitado, como o aço de

estruturas metálicas, grades de celas e paralelepípedos, foi separado do

concreto e encaminhado para o Fundo Social de Solidariedade do Estado, e os

blocos de concretos foram transportados para bota-foras, não sendo possível

seu reaproveitamento na obra.

As reabilitações de edifícios, principalmente com relevância histórica, podem

representar além do valor sustentável e econômico a preservação da memória,

como os dois pavilhões não demolidos do Complexo Carandiru que foram

reabilitados ao uso social, e hoje abrigam uma unidade da Escola Técnica -

ETEC. Nesse caso dois pavilhões foram preservados; Segundo Varella (1999)

esses pavilhões eram objeto de desejo dos presos, o pavilhão 4 por ser menos

populoso e o pavilhão 7 por ser mais calmo, considerando a carga emocional

mais “leve” carregada pelos edifícios. É interessante observar que o caráter de

escola, faz com que novamente esses antigos pavilhões sejam objeto de

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desejo. Obviamente o desejo é diferente, mas carrega o valor simbólico

educacional, o qual deveria acompanhar nosso sistema prisional e que entre os

anos de 1920 e 1940 colocou a Penitenciária do Estado em destaque como

padrão de excelência.

Pouco dos resíduos permaneceram no parque. Podemos percebê-lo quando

nos remetemos aos morrotes do Parque Central, que foram construídos a partir

dos resíduos da demolição da Casa de Detenção. Quando foram remover uma

parte dos destroços e entulho as arvores já possuíam tamanho considerável, e

a vegetação encobria grande parte do que antigamente fora a muralha do

complexo, e muito feliz ficou a responsável pelo projeto paisagístico a arquiteta

Rosa Kliass, que não permitiu a remoção das arvores, incorporando os

resíduos à paisagem do parque (HANNES, 2014)

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3. O Parque da Juventude

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3. 3. O concurso, o vencedor e os projetos representativos.

O concurso nacional para a reurbanização da área do Carandiru começou a ser

discutido por volta de 1993, e foi organizado pelo Instituto de Arquitetos do

Brasil em São Paulo (IAB-SP), coordenado pelos arquitetos Wilson Edson

Jorge e José Geraldo M. de Oliveira. O conceito desse concurso foi discutido

entre a secretaria de Administração Penitenciária e o IAB-SP. O espaço,

considerado de exclusão deveria abrigar um parque que atendesse as novas

demandas da população, com áreas para eventos culturais e esportivos,

espaços de lazer e equipamentos que oferecessem formação para jovens.

Todo o processo foi longo, os presos deveriam ser transferidos para outras

unidades prisionais e, para essa evacuação do complexo deveriam ser

construídas aproximadamente 21 unidades penitenciarias em todo o estado de

São Paulo, fruto de uma parceria do governo do estado com o governo federal.

O Concurso Público de Propostas para o Plano Diretor de Uso e Ocupação da

Área e Edificação Complexo Prisional Carandiru foi fruto de debates entre o

governos do estado de São Paulo estado e o IAB-SP e tinha como território

uma aproximadamente 43 ha. delimitado pelas Avenidas Cruzeiro do Sul, Gal.

Ataliba Leonel e Zaki Narchi, e por fundos de lotes. A proposta deveria ter

características de Plano diretor, o projeto deveria atender não somente a área

como todas as necessidade da região que, em tal situação encontrava-se

desprovida desse tipo de equipamento.

A escala da área e as relações entre os espaços livre e ocupados exige um

tratamento em 3 dimensões para o Plano Diretor, que considere a volumetria a

ser admitida na proposta.

Outro aspecto a ser considerado é o da relação da área com a trama urbana atual que pode sugerir a implantação de atividades públicas e instituições que resolvam, para o bairro demandas hoje não atendidas. (IAB, 1999, p-07).

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O resultado do concurso foi divulgado em março de 1999, 58 projetos foram

inscritos e 57 projetos avaliados, com a coordenação de Roberto Aflalo Filho a

equipe do escritório Aflalo e Gasperini foi a vencedora, e o projeto ainda contou

com a colaboração da arquiteta paisagista Rosa Kliass (HANNES, 2014).

Figura 39 – Capa do edital para o Concurso. (Fonte: Lodi, 2008)

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O edital foi muito objetivo e determinou algumas diretrizes para o

desenvolvimento dos projetos, tais como: algumas das edificações atuais

deveriam ser mantidas, porem a implosão dos pavilhões 8 e 9 deveria

acontecer, e os edifícios deveriam atender as demandas de uso público e

institucional. A atual área de mata existente deveria ser objeto de preservação,

podendo ser agregada ao programa de lazer.

3.3. PROGRAMA DE NECESSIDADE A secretaria da Administrações Penitenciarias pretende que, com a desativação das atividades prisionais, o conjunto da área do Carandiru e de suas edificações remanescentes seja destinada integralmente para usos públicos e institucionais. Das edificações atuais serão apenas mantidas: 1. Parte da Casa de Detenção, com a implosão dos Pavilhões 8 e 9, situados na parte contigua ao Córrego Carajás; 2. Parte da Penitenciária do Estado: a administração e o primeiro pavilhão; 3. A antiga Casa do Diretor, hoje ACEDEPEN; 4. Parte das muralhas como testemunho histórico das antigas funções. As demais edificações serão demolidas integralmente, liberando área para os usos a serem propostos. (IAB, 1993, p.06).

No trecho extraído do edital, referente ao programa de necessidade é possível

observar que os pavilhões 8 e 9 deveriam ser demolidos. Isso porque esses

dois edifícios foram os palcos das maiores rebeliões, que acabaram

culminando na morte dos 111 detentos, no que é considerado o maior

massacre prisional do nosso país.

O desejo da SAP, era que a área de exclusão, como mostra o edital, ganhasse

um novo significado, passando a ser uma área de integração e interação social,

de alguma maneira, apagando por completo qualquer resquício do tão

sangrento episódio.

Além do projeto vencedor, elaborado pelo escritório Aflalo e Gasperini, outros

nove projetos receberam menção honrosa. O projeto sob coordenação de

Paulo de Melo Bastos foi o segundo colocado, sucedido pelo projeto sob

coordenação de Mario Biselli.

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Figura 40 – Perspectiva da proposta elabora por Paulo de Melo Basto. (Fonte: Rodrigues,

2008)

Figura 41 – Perspectiva da proposta elabora por Mario Biselli. (Fonte: Lodi, 2008)

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3. 2. A implantação do parque da juventude, transformando a

paisagem.

Com a coordenação de Roberto Aflalo Filho, a equipe vencedora responsável

pelo “Plano Diretor - Parque Carandiru - Centro de Valorização do Homem”

como denominaram a proposta, era composta por Gian Carlo Gasperini, Luiz

Felipe Aflalo Herman, Marcelo Aflalo, Rosa Grena Kliass, Maria Cecilia Aflalo,

Fernando Bernardo Prandi, Raquel Altman, Adriana Frieldmann e Clara Nori

Sato (IAB, 2016).

O concurso tinha como objetivo um plano geral para toda a área, que deveria

oferecer para a cidade diversos equipamentos, um novo centro sociocultural e,

um espaço de lazer que proporcionasse uma interação da população com

aquele território, como mostra o plano geral retirado das pranchas do projeto.

Figura 42 – Plano inicial atendendo ao programa de necessidade entregue pelos vencedores.

(Fonte: Aflalo e Gasparini, 2008)

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O projeto propôs um redesenho completo dentro do território, moldado pela

cidade que cresceu em volta, As diretrizes propostas, delimitaram áreas de

permanência para carros, Estes espaços estão nos fundos do parque,

utilizando o traçado já existente como acesso, deixando a esse tipo de veículo

totalmente externo ao parque. Estes espaços poderão futuramente receber

estruturas que otimizam o espaço de permanência, como edifícios garagens,

permitindo assim o aumento no número de vagas sem tocar na massa verde.

Figura 43: Implantação do Parque da Juventude. (Fonte: Aflalo e Gasparini, 2017.)

Na figura 43 é possível observar como se desenvolveu o projeto, sendo os três

setores executados. Vale ressaltar que o projeto inicial utilizaria os Edifícios da

antiga Penitenciaria do Estado. Felizmente, uma diretriz posterior do governo

do estado determinou que esses edifícios abrigassem hoje a Penitenciárias

Femininas de Santana, e não há previsão para que a transformação ocorra

naquele trecho.

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A intenção do projeto era de restaurar o orgulho da vizinhança, apagando o traço tão fortemente marcado de violência e em troca oferecer espaços que contemplem a paz e o bom convívio com os homens e com a natureza HANNES, 2014, p. 03).

O projeto é constituído por três setores que são interligados por uma alameda

central, a sua construção se deu em três momentos (Figura 43). Na primeira

fase, entregue em 2003 foram construídas as instalações do Parque Esportivo,

que possui pista de skate, pista para caminhada e dez quadras poliesportivas,

com uma configuração linear, esse parque funciona independentemente de

todo o resta.

Esta área possui instalações que abrigam vestiários, banheiros e lanchonete

interligados por uma grande marquise.

Recintos – o recinto é uma síntese da polaridade entre pés e pneus, entre a

circulação de pessoas e a de veículos. É a unidade base duma certa

morfologia urbana. Fora desse, o ruído e o ritmo apressado da comunicação

impessoal, vai e vem que não se sabe para onde vem nem donde vem: no

interior o sossego e a tranquilidade de sentir que o largo, a praceta ou o pátio

tem escala humana; o recinto e o objetivo da circulação, o local para a onde o

trafego nos conduz. Sem ele o trafego tranar absurdo. (CULLEN, 2009, p.27)

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Figura 44 – Lanchonetes, vestiários e marquise do parque esportivo. (Fonte: O autor, 2016)

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Figura 45 – Quadras poliesportivas, pistas de skate e áreas de permanência do setor esportivo do Parque da Juventude. (Fonte: Parque da Juventude, 2016)

A segunda fase foi entregue no segundo semestre de 2004: o Parque Central

que remete a sensação de um oásis urbano é composto por uma

representativa área de cobertura vegetal bastante densa, nesta área está

localizado o passeio da muralha6 e, outro forte elemento desta área são as

estruturas abandonadas que se perderam em meio a toda massa arbórea,

nesse território encontra-se um edifício que posteriormente abrigará um museu

com as memórias do Carandiru. Esse território ainda abriga o córrego, que foi

descoberto, e completa a paisagem local. O parque é circundado por grades e

seu acesso é limitado aos horários pré-definidos pela administração.

Figura 45 – Parque central, passarelas construídas em meio as estruturas do antigo edifício.

(Fonte: O autor, 2016)

6 O passeio da muralha está localizado no interior do parque central em meio a toda vegetação

arbórea margeando um córrego, atualmente não é possível utiliza-lo. A proibição acontece devido a problemas estruturais, a muralha utilizada não fez parte das instalações dos antigos pavilhões trata-se de um projeto não finalizado que aumentaria a capacidade de cárceres do complexo (Museu Penitenciário Paulista, 2016).

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Figura 46 – Passeio da muralha, elementos estruturais utilizados para sustentação e proteção. (Fonte: Foto do Autor, 2016)

A terceira parte, que foi entregue no começo de 2005, é o Parque Institucional

que possui um caráter cultural, onde foram mantidos dois prédios do antigo

complexo. Nesse espaço estão localizados a Biblioteca São Paulo, e as

escolas destinadas a cursos profissionalizantes. Essa área do parque ainda faz

a ligação com a Estação Carandiru do metrô.

Inicialmente, a proposta da equipe previa manter quatro pavilhões da Casa de

Detenção e construir um volume para o teatro.

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Figura 47 – Biblioteca de São Paulo. (Fonte: O autor, 2016)

o ponto focal (seja coluna ou cruz) define a situação, surge como uma confirmação: é este o local que procuravam (CULLEN, 2009, p.28).

Figura 48 – Prédios do parque institucional, escolas profissionalizantes para jovens, ETEC.

(Fonte: Calliari, 2016)

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Como o projeto foi contratado pelo governo em duas fases - primeiro os

parques Esportivo e Central, depois o Institucional, no momento em que se

realizaria o contrato da última etapa a ideia inicial era de manter quatro

pavilhões, mais o teatro, feito o levantamento dos custos após a finalização do

projeto executivo, o então governador Geraldo Alckmin alegou que no

orçamento estadual só cabia implantar dois pavilhões, gerando a necessidade

de construção de um novo edifício para abrigar a biblioteca.

Poderiam ser os dois da frente, ou os dois do fundo. No final, achamos mais interessante conservar os dois da lateral, mantendo a ideia da praça de acesso e reforçando a divisa natural da área (AFLALO apud SERAPIÃO, 2015).

O teatro que abrigará cerca de 500 pessoas ainda não possui prazo de

entrega, o projeto executivo encontra-se ponto, mas sua execução depende de

uma Parceria Público Privado (PPP).

Figura 49 – Vista aérea do parque central. (Fonte: Parque da Juventude, 2016)

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Figura 50 – Vista interna da biblioteca de São Paulo. (Fonte: Parque da Juventude, 2016)

2. 3. Mudando a paisagem urbana.

Devido a sua localização na cidade de São Paulo, o território do antigo

complexo possuía em seu entorno um grande adensamento urbano que no

final da década de 1970 começou a passar pelo processo de especulação

imobiliária.

Os agentes imobiliários voltaram-se para o território além do Tietê e

começaram a investir nessa área, mas a paisagem no entorno do complexo

não apresentava grande atratividade.

Circundado por grandes infraestruturas que interagem com o convívio da

metrópole, como os complexos esportivos, centros de eventos e shopping

center, a implantação do parque gera mais um desses espaços para uso

coletivo de maneira que a interação com a população se tornas possível e

agradável.

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Na Figura 51, é possível ver os detentos do pavilhão oito em seu pátio,

utilizado como campo de futebol, ao fundo encontra-se os na paisagem os

primeiros edifícios que começavam a surgir na região.

Figura

Figura 51 – Detentos do pavilhão oito, em momento de recreação no pátio. (Fonte: Museu

Penitenciário Paulista, 2016)

O território do Parque da Juventude é delimitado pelas avenidas Cruzeiro do Sul,

Avenida Gen. Ataliba Leonel e Avenida Zaki Narchi, e possui ainda ligação direta

com a estação de Metrô Carandiru, e fácil acesso à marginal do Rio Tiete. A região

ainda conta com uma vasta linha de transporte público sobre pneus, sendo estas

interligadas com as estações, proporcionando a região com um grande fluxo de

pessoas ao longo do dia.

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Figura 52 – Edifícios sendo erguidos na Avenida Gen. Ataliba Leonel. (Fonte: O autor, 2016)

Ao compararmos as duas imagens (Figuras 51 e 52) é possível visualizar o

processo de verticalização, a paisagem ainda contava com as construções dos

muros e guaritas do antigo complexo. Em fotografia feita aproximadamente no

mesmo ponto pelo autor constata-se que a vegetação proporciona a interação

do parque com a cidade desejo descrito no edital para o concurso. Estas

imagens mostram o processo alimentado pelo interesse imobiliário, que vem

verticalizando todo o entorno do parque.

A Avenida Cruzeiro do Sul, onde encontra-se a estação do Metrô, possui ainda

uma característica mais horizontal com comercio e serviços, que atende a

população. Observa-se que nesse trecho da avenida há o elevado no qual o

metrô circula, retardando sua verticalização.

Na Avenida Zaki Narchi, a característica principal ainda é o comércio contando

ainda com serviços e algumas residências, ao circular pelo território e vemos

um grande fluxo de pedestres e um grande trafego de veículos, esta avenida

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possui uma das entradas do Parque da Juventude, que fica ao lado do Museu

Penitenciário Paulista. Ainda na Avenida Zaki Narchi estão localizadas as

entradas das penitenciarias femininas de Santana.

Nota-se que, na Avenida Gen. Ataliba Leonel, há um comércio mais refinado,

com restaurantes e lojas especializadas. Esta avenida também se encontra nos

limites da penitenciária feminina, trecho onde o projeto não foi executado,

espera-se que em um curto prazo aconteça a desativação, para que o parque

seja entregue completamente à população.

Figura 53 – Fachada dos edifícios da Avenida Zaki Narchi, fotografia retirada em frente ao

Museu Penitenciário. (Fonte: O autor, 2016)

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Figura 54 – Vista da Avenida Cruzeiro do Sul, fotografia retirada em frente a Biblioteca de São

Paulo. (Fonte: O autor, 2016)

Figura 55 – Vista da av.Gen Ataliba Leonel, fotografia retirada em frente a Secretaria de

Administração penitenciaria. (Fonte: O autor, 2016)

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Nas três figuras a seguir é possível observar as transformações que ocorreram

durante o processo de implantação do parque. Nesse primeiro momento

observamos as construções ainda intactas, grandes áreas de concreto e chão

de terra batida, e um trecho com vegetação próximo ao córrego (Figura 56).

Figura 56 - Processo de transformação do complexo penitenciário em Parque da Juventude.

(Aflalo e Gasparini, 2017)

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Observa-se que na figuras 52 que a construção do Parque Central e Esportivo

já se encontrava avançada, a faixa de vegetação já avançava e se desenvolvia,

e os pavilhões 8 e 9 já haviam sido demolidos.

Em 2016 podemos observar o avanço do parque. Nas imagens é possível

compreender como a região, antes predominantemente cinza, já começa a

manchar a malha com suas nuances verdes, e a vegetação do Parque Central

continua a se desenvolver.

Apropriando-se do método de análise da paisagem de Cullen (2009), que

explica a relação do homem com o espaço, e as diversas formas que tal

indivíduo se apropria do território, podemos dizer que ao caminhar por esse

território é possível sentir e captar as mais variadas emoções e sensações, na

mesma velocidade em que se caminha pelo território urbano e se absorvem as

informações, construindo assim cada um, individualmente sua relação com a

paisagem urbana, fruto de suas experiências sociais e culturais.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos da paisagem urbana são importantes pois buscam compreender a

cidade, em termos de morfologia, imagem geografia, meio ambiente, e a visão

da população a tais processos. Alguns obtiveram sucesso outros não atingiram

esse resultado. possibilitando que os planejadores urbanos posteriormente

possam buscar medidas para melhor aproveitamento do solo urbano, seus

usos e ocupações. Felizmente, concluímos que para a cidade de São Paulo, a

desativação, o concurso e a implantação do Parque da Juventude com seus

instrumentos para melhorar o convívio e a interação da população foi favorável,

e a inserção do equipamento urbano foi positiva e aceita por grande parte da

população. Porém, a memória do massacre, embora fosse parcialmente

contemplada pelo edital do concurso até o momento não foi realizada.

A compreensão da cidade e de seus espaços, sejam eles públicos ou privados

se torna importante no momento em que decidimos discutir a relação que

esses espaços desempenham no processo de formação da percepção da

paisagem urbana por indivíduos. São parcelas da sociedade e indivíduos que

contam com diversas diferenças de percebê-la com as diferentes visões

culturais manifestadas pelos seus integrantes.

O espaço público e privado é aqui compreendido como um território destinado

à interação de pessoas com suas mais diversas características, permitindo que

as pessoas usem o elemento urbano para realizarem suas manifestações ou

simplesmente ter um momento de recreação com seus semelhantes. Nossa

colocação é que o desejo para que o projeto que gerou o Parque da Juventude

conseguisse contemplar as mais diferentes opções de lazer, e atender a várias

as demandas para que o complexo substituísse o antigo, dando-lhe novas

características; no entanto deveriam respeitar algo que ali aconteceu: com

efeito, o massacre dos 111 presos não está contemplado na existência do

parque. O museu dedicado a memória da Casa de Detenção ainda não foi

construído. O resquício de lembrança do antigo uso é a muralha, que hoje se

encontra inacessível devido a sua condição estrutural. No entanto, a

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Penitenciaria do Estado, uma obra histórica, executada por Ramos de Azevedo

ainda abriga a Penitenciária Feminina de Santana.

Sobre a paisagem compreendemos a importância desse instrumento como um

objeto de análise para uma leitura das transformações que ocorrem nos

espaços públicos, ou mesmo em um território urbano; essa paisagem urbana,

que Gordon Cullen prefere analisar por meio de sua visão serial, possibilita que

seja ela compreendida de maneiras diferentes para cada indivíduo. Esse é o

instrumento utilizado por grande parte dos profissionais que estudam esse

fenômeno urbano, mas não esquecemos de afirmar que para uma melhor

compreensão da paisagem urbana é necessário o uso de diversos outros

instrumentos, como aqueles de origem morfológica, geográfica e ambiental,

pois encaramos o estudo da paisagem como uma pesquisa interdisciplinar.

A cidade, e os espaços públicos e privados avaliados através desses

instrumentos, possibilitam a compreensão de seus processos de transformação

e as maneiras pela qual os usuários se apropriam desse território, complexos e

mutável, rico em sensações e expectativas.

O homem vem se desenvolvendo dentro do território urbano,um espaço cada

vez mais cosmopolita, e devemos trabalhar para transformar a cidade de

maneira que esses indivíduos utilizem-na cada vez com mais qualidade. Nesse

processo as memórias vão sendo selecionada, e aquelas que um grupo deseja

apagar vão sendo deixadas de lado, ignoradas até serem esquecidas, como

esta acontecendo no território do antigo Complexo do Carandiru.

O processo de transformação gerado pela implantação do Parque da

Juventude com diversos equipamentos urbanos, como as quadras

poliesportivas, as escolas técnicas e biblioteca, e o Parque Central,

preocupado com a preservação do meio ambiente, e de uma parte da memória

do antigo complexo faz com que a intenção do usuário com a paisagem, acabe

interferindo na memória da sociedade em relação a diversos aspectos desse

território, tanto com o futuro, como com as memórias do passado que

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assombrou aquele lugar. Esses elementos levam o homem a se apropriar de

um novo modo dessa paisagem urbana requalificada.

O local que antes possuía uma “sensação” de tristeza e vergonha, hoje é um

espaço para diversão, bons momentos e aprendizado, e os antigos muros hoje

dão espaço a grandes gramados com vegetação densa.

O projeto desenvolvido deixa em evidência alguns desses elementos que ao

circular pela área, permite ao usuário diversas experiências sensoriais. Circular

pelo parque cobertos de vegetação, praticar esportes no Parque Esportivo, e

até mesmo permanecer observando os edifícios na área institucional, com suas

grandes dimensões, e os diversos subespaços criados; permitem que ao

utilizar o parque aconteça o que consideramos como exposições e

isolamentos, conforme descreve Cullen.

Entendemos aqui que as fronteiras funcionam como conectores entre os

espaços, que permite uma justaposição. Mesmo que as escalas não se

relacionando diretamente é possível compreender a sensação que se inicia a

cada espaço. Porém, não conseguimos compreende-los de maneira separada

pois juntos compõem a paisagem urbana do complexo. Existe a sensação de

unidade, proporcionando uma utilização por completo do território do parque

em si.

Os processos de transformação que ocorreram com a implantação do Parque

da Juventude propõem a completa renovação do espaço, a capacidade da

cidade em compreender e transformar esses espaços recriando novos

cenários, exatamente o que aconteceu no caso de parque, que ao receber o

novo uso adquiriu um caráter de espaço público. O grande número de

equipamentos públicos e a variedade de usos que o parque pode comportar

são as principais apostas para que se possa apagar a memória negativa.

O antigo complexo instalado ali por questões de gestão e segurança possuía

grandes muralhas, que ocasionavam uma ruptura nessa relação, entre a

cidade e aquele território. As transformações físicas que ocorreram na área são

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de grande valor, porém ainda não sabemos no futuro, por enquanto o Parque

da Juventude é um território desassociado as antigas impressões do Complexo

do Carandiru e do Massacre.

A intervenção urbanística gerada pela implantação do parque proporcionou

uma renovação nessa paisagem urbana que carregava uma memória, para

muitos, negativa. Toda a vizinhança, mas não somente ela, agora pode ter um

espaço que integra e substitui o que antes era um espaço de exclusão.

No caso de São Paulo outra determinante foi a localização além do rio Tietê,

isso porque a cidade desvalorizou por algum tempo esse território, hoje a

cidade acaba englobando esses novos recintos, e a especulação imobiliária

passa a interpretá-los como lugares para uma nova classe média. Portanto,

essa transformação acaba proporcionando mais qualidade e o bairro passa por

um processo um de verticalização assim como muitos outros bairros que se

distanciam do centro expandida da cidade.

No entanto, essa requalificação da paisagem urbana deixou no esquecimento

o massacre de 1992, que foi o indutor dessas transformações. A nova

paisagem vem promovendo mudanças no modo de viver e ocupar aquele

território, com outras experiências e memórias, apague de vez as memórias do

seu antigo uso. E, talvez, em nossa percepção de paisagem urbana, seja

comum nos esquecermos daquilo que as visões dominantes não desejam nos

lembrar. Aos poucos, nos arredores do parque, as construções vão se

multiplicando, e este organismo vivo que é a cidade vai se renovando, assim

transformando a paisagem urbana; nunca imparcialmente, mas para transmitir

as memórias que os setores dominantes preferem lembrar, e apagar

parcialmente ou totalmente as demais.

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Anexos.

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