diz que sim, diz que não

Upload: herbert-silva-leao

Post on 07-Mar-2016

216 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

by Brecht

TRANSCRIPT

  • Tnulo do original alemo:

    Der Jasager und der Neinsag

    Personagens (por ordem de entrada em cena)

    PROFESSOR MENINO ME do Menino ALUNOS (trs)

    Observao do Autor: Estas duas pequenas peas no devem ser representadas separadamente, constituindo ambas um nico espetculo, com DIZ-QUE-NO seguindo-se ime-diatamente a DIZ-QUE-S1M. Msicas de Kurt Weill (para os versos originais).

  • Diz-que-sim

    i

    GRANDI- CORO Antes de tudo, o importante aprender a estar de acordo. Muitos dizem que sim, mesmo se no esto de acordo. Muitos nem chegam a ser consultados. E ainda h muitos que sempre esto de acordo. at quando no devem. Por isso tudo, antes de tudo, o importante c aprender a estar de acordo.

    O Professor no Espao 1, a Me e o Menino no Espao 2.

    PROFESSOR (ao Pblico) - E u sou o Professor. Nesta cidade ftu tenho uma escola, d unTlujannnij^^ morreu. Agora

    fazer uma visita.aos dois e apresentar as minhas despedi-das: daqui a pouco eu saio de viagem pelas montanhas.

    ele ficou s com toma conta dele. \h\ vim

  • O que acontece' que uma -epidemia est grassando aqui onde ns vivemos, e na cidade do outro lado- das monta-nhas existem timos mdicos. (Bate palmas.) Posso en-trar?

    .* MENINO (passando do Espao 2 para o Espao 1) r Quem ?

    (Abre a porta.) Ah, o professor! O professor veio nos visitar!

    P^ROFESSOR Que que h com voc? Por que no vai es-cola h tanto tempo?

    MENINO E u no podia: minha me ficou doente. PROFESSOR Eu no sabia que sua me estava doente. Por

    favor, diga a ela que eu estou aqui!

    MENINO (grita para o Espao 2) Me, o professor est aqui!

    ME (sentada no Espao 2) Mande entrar!

    MENINO Queira entrar, por favor! O Professor e o Menino dirigem-se para o Espao 2.

    PROFESSOR Faz tanto tempo que no venho por aqui. . . Seu filho diz que a doena pegou tambm na senhora. J est melhor?

    ME Infelizmente eu no estou nada melhor: no se conhe-ce remdio nenhum contra esta doena.

    PROFESSOR Mas preciso descobrir algum. Eu vim aqui para me despedir: amanh mesmo eu saio de viagem pelas montanhas, em busca de remdios e conselhos.'L na ci-dade do outro lado das montanhas existem timos m-dicos! .

    ME Ah, uma caravana de socorro atravessando as monta-nhas. . . verdade: l/tem timos mdicos, pelo que ouvi dizer, mas, pelo que eu tambm ouvi dizer, uma viagem muito perigosa. E o senhor pensa em levar meu filho?

    224

    PROFESSOR Numa viagem dessas no se levam crianas.

    ME Bem. Fao votos de que voltem sos e salvos.

    PROFESSOR Agora, eu preciso ir. Passe bem! (Sai para o Espao 1.)

    MENINO (acompanhando o Professor no Espao I) Tenho uma coisa/para lhe dizer.

    No Espao 2, a Me escuta junto porta.

    PROFESSOR Tem a me dizer, o qu?

    MENINO Quero ir com o senhor pelas montanhas.

    PROFESSOR Como eu disse ainda h pouco sua me, esta viagem muito difcil e perigosa. No bom voc ir conosco. Alm disso: como que pode abandonar assim sua me doente? Fique aqui mesmo. No h nenhum jeito de voc vir conosco.

    MENINO Por isto mesmo, por mame estar doente, que eu acho que devo ir com vocs pedir aos grandes mdicos l na cidade do outro lado das montanhas

    . remdios e conselhos para ela ficar boa.

    PROFESSOR S se eu falar com sua me de novo.

    O Professor volta ao Espao 2. O Menino escuta junto porta.

    PROFESSOR Aqui estou eu, de novo. Seu filho diz que quer ir conosco. Eu expliquei que no bom ele deixar a se-nhora assim doente, e que a viagem vai ser difcil e perigo-sa. No h jeito nenhum de voc vir conosco, eu ainda disse. Mas ele disse que quer mesmo ir em busca de con-

    225

  • selhos e remdios para a sua doena, l na cidade do outro lado das montanhas.

    ME Escutei muito bem o que ele disse^e no duvido da boa vontade dele era ir com o senhor nessa viagem^cheia de perigos. (Em voz alta:) Meu filho, pode entrar! iM- L"-

    O Menino passa para o Espao 2.

    MAE Desde o dia em que seu pai nos deixou, a no ser voc -no tenho ningum: voc nunca estava longe dos meus olhos ou meus pensamentos enquanto eu cuidava, de ganhar a vida para lhe dar roupa ,.N e lhe dar Comida) 0 -*

    MENINO Foi sempre assim coiho a senhora diz. Apesar disso, no h coisa alguma que me desvie da minha inteno.

    MENINO, PROFESSOR, ME Sigo (segue) para a viagem perigosa, e para a sua (minha) doena vou (vai) buscar do outro lado da montanha remdios e conselhos.

    GRANDE CORO Esto vendo que nenhum argumento faria esse menino desistir. E ento a me e o professor falaram a uma s voz:

    ME E PROFESSOR Muitos esto de acordo com o que no devem,

    mas ele no concorda com sua doena: est de acordo, sim, em acabar com ela.

    GRANDE CORO E a me falou ainda:

    226

    ME J no tenho mais foras. Se for preciso, vj com o professor; mas volte logo dessa viagem, volte depressa!

    II

    GRANDE CORO Depois disso, os viajantes partiram para as montanhas. Entre eles se encontravam o professor e o menino, que para to grande esforo no estava preparado: pedia pronto regresso seu corao fatigado, e luz da aurora, na base da montanha, ele j nem os ps arrastava mais.

    Entram no Espao 1: o Professor, mais trs Alunos, e por l-timo o Menino com uma botija.

    PROFESSOR At aqui ns viemos depressa. L est a pri-meira cabana, onde ns vamos descansar um pouco.

    Os TRS ALUNOS O senhor quem manda. Os trs Alunos sobem no estrado do Espao 2. O Menino puxa o Professor para trs.

    MENINO Tenho uma coisa para lhe dizer. PROFESSOR Tem a me dizer, o qu?

    MENINO No estou me sentindo muito bem.

  • PROFESSOR Cale essa boca! Essas coisas a gente nunca diz, quando sai para uma viagem destas. Voc talvez esteja um

    pouco afrontado, por falta de costume da subida. Pare um pouco e procure descansar.

    O Professor sobe para o estrado.

    Os TRS ALUNOS Parece que a subidinha deixou o menino afrontado: vamos l perguntar ao professor!

    GRANDE CORO : isso mesmo! Os TRS ALUNOS (ao Professor) Estamos achando que esse

    menino ficou cansado com a subida. Que que ele tem? O senhor est preocupado por causa dele0

    PROFESSOR No est s sentindo muito bem, mas no h nada de errado com ele: cansou-se um pouco com a su-bida.

    Os TRS ALUNOS Mas o senhor ento no est preocupado por causa dele?

    Longa pausa.

    Os TRS ALUNOS (confabulando) Vocs ouviram? O professor disse

    que o menino est apenas cansado da subida.. .

    Mas ele agora tambm no est com um jeito esquisito?

    Logo depois da cabana vem aquela escarpa estreita:

    s com as duas mos agarrando na pedra

    que se pode passar por ela. Tomara que o menino no esteja doente! Se no puder continuar, ns temos de abandon-lo aqui.

    melhor perguntar ao professor. (Gritam para o Espao 1, com as mos em concha na frente da boca:) Ainda h

    228

    pouco, quando lhe perguntamos o que o menino linha, u senhor disse que ele estava apenas cansado da subida; agora ns achamos o jeito dele muito esquisito, Chegou at a sentar no cho.

    PROFESSOR Eu estou vendo que ele est doente. Agora ve-jam se podem passar com ele pela escarpa estreita!

    Os TRS ALUNOS Vamos tentar. Os trs Alunos tentam passar o Menino pela "escarpa estreita". A "escarpa estreita" pode ser cenarizada com estrados, cartei-ras, cadeiras, cordas, ele, de modo que os trs Alunos consigam passar sozinhos, mas no carregando o Menino.

    Os TRS ALUNOS Com ele ns no podemos passar, nem podemos ficar aqui com ele. Temos de prosseguir, haja o que houver, porque a cidade toda est esperando os re-mdios que ns viemos buscar. doloroso a gente dizer isto, mas, se ele no puder seguir conosco, ns vamos ter que deix-lo aqui na montanha.

    PROFESSOR , talvez tenham que fazer isso. E eu no posso ficar contra vocs. Mas acho justo que se pergunte ao doente se vale a pena voltarmos por causa dele. StnUJ em meu corao uma profunda pena dessa criaturinha. \r,u vou ficar um pouquinho com ele, e prepar-lo paia aceitai o seu destino.

    Os TRS ALUNOS Por favor, faa isso! Os trs Alunos agrupam-se de frente uns para os outros.

    Os TRS ALUNOS E O GRANDE CORO Ns vamos (eles vo) perguntar se o menino quer que voltemos (voltem) por causa dele. Mas, mesmo que ele queira, ns (eles) no vamos (vo) voltar: vamos (vo) deix-lo ali mesmo, e continuar.

  • PROFESSOR (aproximando-se do Menino no Espao 1) Pres-te bastante ateno: como voc est doente e no pode prosseguir, vamos ter que deixar.voc aqui. Mas um de-ver de justia que se pergunte, ao que ficou doente, se vale a pena voltar por causa dele. E a antiga tradio man-da tambm que o que ficou doente ento responda; "no preciso".

    MENINO J entendi. PROFESSOR E vale a pena voltarmos por sua causa? MENINO No preciso.

    PROFESSOR Est de acordo, ento, em ser deixado aqui?

    MENINO Deixe eu pensar um pouco! (Pausa para o Menino pensar.) Estou de acordo, sim!

    PROFESSOR (grita do Espao 1 para o Espao 2) Ele ja deu a resposta de acordo!

    Os TRS ALUNOS E GRANDE CORO (OS trs. Alunos descem para o Espao 1) Ele disse que sim: para irmos (irem) em frente!

    PROFESSOR Agora vo em frente, sem parar, j que decidiram continuar!

    Os trs Alunos ficam parados.

    MENINO Tenho uma coisa para lhes dizer: eu s peo a vocs que no me deixem neste lugar, mas que me atirem no despenhadeiro. Eu tenho medo de morrer sozinho.

    Os TRS ALUNOS Isso ns no podemos.

    MENINO Esperem! O meu ltimo pedido!

    PROFESSOR Vocs estavam dispostos a deix-lo e a ir cm frente.

    230

    Sentenciar a sorte dele fcil, difcil executar a sentena. Esto dispostos a atir-lo no despenhadeiro?

    Os TRS ALUNOS Estamos.

    Os trs Alunos carregam o Menino para o estrado no Espao 2.

    Os TRS ALUNOS Relaxe bem sua cabea em nossos braos: no fique assim to tenso! Estamos tendo um cuidado imenso.

    Os trs Alunos depem o Menino junto borda traseira do es-trado e postam-se na frente dele, encobrindo-o da vista do P-blico.

    MENINO (invisvel) Eu bem sabia que estava arriscando perder a vida nesta expedio, mas a preocupao com minha me me induzia a partir. Peguem a minha botija, ponham o remdio nela e entreguem minha me quando chegarem de volta!

    GRANDE CORO ( Os colegas j apanham a botija^ ] e^amejTtam a s^f^j\csojn^o

    com suas leis to duras, depois atiram l embaixo o menino: p antep, um apoiado ao outro, chegam beira do despenhadeiro e o deixam cair l, de olhos fechados, nenhum deles culpado mais que o

    colega ao lado; depois jogam tambm montes de terra e alguns seixos rolados.

    231

  • Diz-que-nao

    i

    GRANDE CORO Antes de tudo, o importante aprender a estar de acordo. Muitos dizem que sim, mesmo se no esto de acordo. Muitos nem chegam a ser consultados. E ainda h muitos que sempre esto de acordo. at quando no devem. Por isso tudo, antes de tudo, o importante aprender a estar de acordo.

    O Professor no Espao I , a Me e o Menino no Espao 2.

    PROFESSOR (ao Pblico) Eu sou o Professor. Nesta cidade eu tenho uma escola, e um aluno cujo pai morreu. Agora ele ficou s com a me, que toma conta dele. Eu vim. fa-zer uma visita aos dois e apresentar as minhas despedidas: daqui a pouco eu saio de viagem pelas montanhas. (Bate palmas.) Posso entrar?

    MENINO (passando do Espao 2 para o Espao 1) Quem ? (Abre a poria.) Ah, o professor! O professor veio nos

    visitar!

    PROFESSOR Por que voc no vai escola h tanto tempo?

    MENINO Eu no podia: minha me ficou doente. PROFESSOR Eu no sabia. . . Diga a ela, por favor, que eu

    estou aqui!

    MENINO (Hrita para o Espao 2) Me, o professor est aqui!

    ME (sentada num banco no Espao 2) Mande entrar!

    2'M

    MENINO Queira entrar, por favor! O Professor e o Menino dirigem-se para o Espaa 2.

    PROFESSOR Faz tanto tempo que' no venho por aqui. . . Seu filho disse que a senhora adoeceu. J est melhor?

    ME Nao se preocupe com a minha doena: no h de sei nada.

    PROFESSOR Me alegra muito ouvir isso. Eu vim aqui para me despedir: daqui a pouco eu saio numa expedio, pe-las montanhas, porque l na cidade do outro lado existem grandes mestres.

    ME Ah, uma expedio pelas montanhas! De falo, eu ouvi dizer que l se encontram excelentes mdicos. . . Ouvi di-zer, tambm, que uma viagem muito perigosa. E o se-nhor pensa em levar meu filho?

    PROFESSOR Numa viagem dessas no se levam crianas. ME Bem. Fao votos de que voltem sos e salvos.

    PROFESSOR Agora, eu preciso ir. Passe bem! (Sai para i> Espao 7.)

    MENINO (acompanhando o Professor no Espao 1) Tenho uma coisa para lhe dizer.

    No Espao 2, a Me escuta junto porta.

    PROFESSOR Tem a me dizer, o qu?

    MENINO Quero ir com o senhor pelas montanhas. PROFESSOR Como eu disse ainda h pouco sua me,

    esta viagem muito difcil e perigosa. No bom voc ir conosco. Alm disso: como que pode abandonar assim sua me doente?

  • Fique aqui mesmo. No h nenhum jeito de voc vir conosco!

    MENINO Por isto mesmo, por mame estar doente, que eu acho que devo ir com vocs pedir aos grandes mdicos l na cidade do outro lado das montanhas remdios e conselhos para ela ficar boa.

    PROFESSOR Mas voc estaria de acordo com qualquer coisa que pudesse acontecer nessa viagem?

    MENINO Estaria.

    PROFESSOR S se eu falar de novo com sua me.

    O Professor retorna ao Espao 2. O Menino escuta junto porta.

    PROFESSOR Aqui estou eu, de novo. Seu filho diz que quer ir conosco. Eu expliquei que no bom ele deixar a se-nhora assim doente, e que a viagem vai ser difcil e pe-rigosa. No h jeito nenhum de voc vir conosco, eu ain-da disse. Mas ele disse que quer mesmo ir em busca de conselhos e remdios para a sua doena, l na cidade do outro lado das montanhas.

    ME Escutei muito bem o que ele disse, e no duvido da boa vontade dele em ir com o senhor nessa viagem cheia de perigos. (Em voz alta:) Meu filho, venha c!

    O Menino passa para o Espao 2.

    ME Desde o dia em que seu pai nos deixou, a no ser voc no tenho ningum: voc nunca estava longe dos meus olhos ou meus pensamentos enquanto eu cuidava

    234

    de ganhar a vida para lhe dar roupa e lhe dar comida.

    MENINO Foi sempre assim como a senhora diz. Apesar dis-so, no h coisa alguma que me desvie da minha inteno.

    MENINO, PROFESSOR, ME Sigo (segue) para a viagem perigosa, e para a sua (minha) doena vou (vai) buscar do outro lado da montanha remdios e conselhos.

    GRANDE CORO Esto vendo que nenhum argumento faria esse menino desistir. E ento a me e o professor falaram a uma s voz:

    Muitos esto de acordo com o que no devem, mas ele no concorda com sua

    doena: est de acordo, sim, em acabar com

    ela.

    GRANDE CORO E a me falou ainda:

    ME J no tenho mais foras. Se for preciso, v com o professor; mas volte logo dessa viagem, volte depressa!

    II GRANDE CORO Depois disso, os viajantes

    partiram para as montanhas. Entre eles se encontravam

    735

    ME E PROFESSOR

  • o professor e o menino, que para to grande esforo no estava preparado: pedia pronto regresso seu corao fatigado, e luz da aurora, na base da montanha, ele j nem os ps arrastava mais.

    Entram no Espao 1: o Professor, mais trs Alunos, e por l-timo o Menino com uma botija.

    PROFESSOR At aqui ns viemos depressa. L est a pri-meira cabana, o"nde ns vamos descansar um pouco.

    Os TRS ALUNOS O senhor quem manda. Os trs Alunos sobem no estrado do Espao 2. O Menino puxa o Professor para trs.

    MENINO Tenho uma coisa para lhe dizer.

    PROFESSOR Tem a me dizer, o qu?

    MENINO No estou me sentindo muito bem. PROFESSOR Cale essa boca! Essas coisas a gente nunca diz,

    quando sai para uma viagem destas. Voc talvez esteja um. pouco afrontado, por falta de costume da subida. Pare um pouco e procure descansar.

    O Professor sobe para o estrado.

    Os TRS ALUNOS Parece que a subidinha deixou o menino doente: vamos l perguntar ao professor!

    GRANDE CORO : isso mesmo!

    Os TRS ALUNOS (ao Professor) Estamos achando que esse menino ficou doente com a subida. Que que ele tem? O senhor est preocupado com ele?

    236

    PROFESSOR No est se seutiulo muito bem, mas uno h nada de errado com ele: caiisou-.se um pouco com a subi-da.

    Os TRS ALUNOS Mas o senhor ento no est preocupa-do por causa dele?

    Longa pausa.

    Os TRS ALUNOS (confabulando) Vocs ouviram? O professor disse

    que o menino est apenas cansado da subida. . .

    Mas ele agora tambm no est com um jeito esquisito?

    Logo depois da cabana vem aquela escarpa estreita:

    s com as duas mos agarrando na pedra

    que se pode passar por ela. e no se pode carregar ningum. De acordo com a antiga tradio, o que ns lemos a fazer no jog-lo despenhadeiro abaixo?

    Os trs Alunos, com as mos em concha diante da boca, gri-tam para o Menino no Espao 1.

    Os TRS ALUNOS A subida deixou voc doente? MENINO A mim, no.

    Vocs no vem que eu estou em p? S eu estivesse doente, vocs no acham que eu me sentaria?

    Pausa. O Menino senta-se no cho.

    Os TRS ALUNOS melhor falarmos com o professor (Ao Professor:) Mestre, quando ainda h pouco ns Uit perguntamos o que o menino tinha, o senhor disse que eh estava apenas cansado da subida; agora estamos aehaiuh o jeito dele muito esquisito. Chegou at a sentar no cho

    237

  • horrvel termos de falar nisso, mas, desde tempos ime-moriais, vigora aqui uma antiga tradio: aquele que no puder prosseguir, dever ser jogado no despenhadeiro. -

    PROFESSOR Ento vocs querem jogar esse menino despe-nhadeiro abaixo?

    Os TRS ALUNOS Achamos que esse o nosso dever.

    PROFESSOR bem antiga essa tradio. E eu no posso ficar contra vocs. Mas tambm manda a antiga tradio que se pergunte, ao que ficou doente, se vale a pena voltarmos por causa dele. Sinto em meu corao uma profunda pena dessa criaturinha. E u vou ficar um pouquinho com ele, e prepar-lo para conformar-se com o que manda a antiga tradio.

    Os TRS ALUNOS Por favor, faa isso!

    Os trs Alunos agrupamse de frente uns para os outros.

    Os TRS ALUNOS E O GRANDE CORO Ns vamos (eles vo) perguntar se b "menino quer que voltemos (voltem) por causa dele. Mas ns (eles) no vamos (vo) voltar, mesmo que o menino queira: ns (eles) vamos (vo) jog-lo no despenhadeiro!

    PROFESSOR (aproximando-se\ do Menino no Espao 1) Preste bastante ateno: manda uma lei, de tempos ime-morais, que aquele que adoecer, numa viagem como esta, seja lanado no despenhadeiro/'A morte instantnea. Mas tambm manda a antiga tradio que se pergunte ao doente se vale a pena voltar por causa dele. E a antiga tradio manda tambm que o doente responda: "no preciso". Eu se estivesse no seu lugar, aceitaria de bom grado a morte!

    238

    MENINO J entendi. PROFESSOR Quer que voltemos por sua causa? Ou voc est

    de acordo em ser lanado no despenhadeiro, de acordo com a antiga tradio?

    MENINO (aps uma pausa para pensar) No: no cslou de acordo.

    PROFESSOR (grita do Espao 1 para o Espao 2) Venham c, vocs! O menino no respondeu de acordo com a an-tiga tradio!

    Os TRS ALUNOS Ele disse que no. (Enca/ninham-se para o Espao 1 e falam com o Menino:) Por que voc no responde de acordo com a tradio? Quem diz A, tam-bm deve dizer B. Quando lhe foi perguntado sc estaria de acordo com tudo o que pudesse acontecer numa via-gem destas, voc disse que sim. . .

    MENINO A resposta que eu dei no foi correia, mas a per-gunta foi menos correta ainda. E nem sempre quem diz A, deve tambm dizer B : a gente pode muito bem reconhe-cer que o A foi dito errado. Minha inteno era buscar remdio para a doena de minha me, mas agora eu Cam-bem fiquei doente e a coisa toda muda. Quero voltar ime-diatamente, em face da nova situao. E ainda peo a vocs que tambm voltem e me deixem em casa. O apren-dizado que vocs iam fazer, pode muito bem ser leito mais tarde. E se esperavam aprender alguma coisa, ao

    'que imagino, s pode ser isto: que,/numa situaoIcomo a nossa, o melhor mesmo voltar. Quanto ao que reza a antiga tradio, no vejo nela o mnimo bom senso. Sinto muito mais' falta de uma tradio nova, que ns devemos instituir de uma vez: a tradio de usar o ra-ciocnio, a cada nova situao.

    Os TRS ALUNOS (ao Professor) Que que ns vamos fa-zer? O que o Menino est dizendo faz sentido, embora no seja l muito herico.

    239

  • PROFESSOR Prefiro deixar que vocs decidam o que tm a fazer. Mas uma coisa eu lhes posso dizer: se voltarem da-qui, sero cobertos de zombaria e vergonha!

    Os TRS ALUNOS E existe alguma vergonha em se ter opi-nio prpria?

    *

    PROFESSOR No, eu no vejo nenhuma vergonha nisso. Os TRS ALUNOS Ento ns vamos voltar daqui mesmo, e

    no vai ser o riso de ningum, nem zombaria alguma, o que nos impedir de seguir o bom senso; e nem vai ser nenhuma tradio antiga o que nos impedir de adotar uma ideia que nos parea justa.

    Os trs Alunos pegam o Menino, para lev-lo de volta.

    Os TRS ALUNOS Relaxe bem sua cabea em nossos braos:

    no fique assim to tenso! Estamos tendo um cuidado imenso.

    GRANDE CORO Assim os trs amigos foram levando o amigo. E instituram uma nova tradio e uma lei nova, voltando com o menino para casa. P antep, um apoiado ao outro, vo eles enfrentando a zombaria, enfrentando as risotas, com os olhos bem abertos, cada qual mais ousado que o seu colega ao lado.

    240

    A OBRA DRAMTICA D E B E R T O L T B R E C H T *

    1. Baal: escrito em 1918. Primeira representao: Leipzig, "Altes Theater", 8 de dezembro de 1923, direo de Alwin Kronacher, encenao de Paul Thiersch; ed. Potsdam 1922.

    2. Trommeln in der Nacht: escrito por volta de 1918-1920. primeira representao: Munique, "Kammerspiele", 30 de setembro de 1922, direo de Otlo Falckenberg; ed. Munique 1923.

    3. lm Dickicht der Stddte: escrito de 1921 a 1924. Primeira representao: Munique, "Residenztheater", 9 de maio de 1923", direo de Erich Engel, encenao de Caspar Neher; ed. Berlim 1927.

    4. Leben Eduards des Zweiten von England: adaptao da obra de Marlowe feita em colaborao com Liou Feuchtwanger. Primeira representao: Munique, "Kam-

    extrado do Uvro Bertolt Brceht, de Paolo Chlurlnl, publicado por caia Bldltora.

    241