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1 | 17 0 SNHCT ANAIS ELETRÔNICOS Divulgação das ciências geológicas por meio da linguagem visual: o papel pedagógico do livro de texto nas primeiras décadas do século XX HEITOR ASSIS JÚNIOR [email protected]* PEDRO WAGNER GONÇALVES [email protected]** 1 Introdução O objetivo deste artigo é tratar do livro Geologia Elementar, produção inte- lectual de John Casper Branner destinada ao ensino de Geologia para estudantes brasileiros, voltando o olhar para a construção do seu texto baseada nos seus estudos prévios do solo e das águas brasileiros, que resultaram em artigos do próprio autor e de autores contemporâneos que excursionaram em pesquisas científicas pelo Brasil no século XIX e início do século XX. Os elementos icono- gráficos da obra são fotos, mapas, desenhos e esquemas de autoria do próprio autor e de outros autores, tanto na edição de 1906, como na de 1915, sendo que esta última foi atualizada a partir de seus artigos e de terceiros, publicados no intervalo de tempo entre as duas edições. A instrumentalização com elementos iconográficos permite o estudo das Ci- ências e das Ciências da Terra, tornando-os objetos científicos, por evidenciarem influências e percepções do autor dos textos na escolha das imagens que os ilustram. No caso da Geologia Elementar, textos de Branner anteriores à sua pu- blicação foram reescritos com linguagem didática e, mesmo fotografias de dife- rentes publicações foram reutilizadas e, por vezes, convertidas em esquemas ou desenhos explicativos. As relações mútuas entre artistas, fotógrafos e naturalistas no desenvolvi- mento científico e o estudo de desenhos e pinturas botânicas, antropológicas, 1 *Universidade Estadual de Campinas – Instituto de Geociências – Pesquisador de Pós-Dou- torado ** Universidade Estadual de Campinas – Instituto de Geociências – Ensino e História de Ciências da Terra

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Divulgação das ciências geológicas por meio da linguagem visual: o papel pedagógico do livro de texto nas primeiras décadas do século XX

HEITOR ASSIS JÚNIOR [email protected]*

PEDRO WAGNER GONÇ[email protected]**1

IntroduçãoO objetivo deste artigo é tratar do livro Geologia Elementar, produção inte-

lectual de John Casper Branner destinada ao ensino de Geologia para estudantes brasileiros, voltando o olhar para a construção do seu texto baseada nos seus estudos prévios do solo e das águas brasileiros, que resultaram em artigos do próprio autor e de autores contemporâneos que excursionaram em pesquisas científicas pelo Brasil no século XIX e início do século XX. Os elementos icono-gráficos da obra são fotos, mapas, desenhos e esquemas de autoria do próprio autor e de outros autores, tanto na edição de 1906, como na de 1915, sendo que esta última foi atualizada a partir de seus artigos e de terceiros, publicados no intervalo de tempo entre as duas edições.

A instrumentalização com elementos iconográficos permite o estudo das Ci-ências e das Ciências da Terra, tornando-os objetos científicos, por evidenciarem influências e percepções do autor dos textos na escolha das imagens que os ilustram. No caso da Geologia Elementar, textos de Branner anteriores à sua pu-blicação foram reescritos com linguagem didática e, mesmo fotografias de dife-rentes publicações foram reutilizadas e, por vezes, convertidas em esquemas ou desenhos explicativos.

As relações mútuas entre artistas, fotógrafos e naturalistas no desenvolvi-mento científico e o estudo de desenhos e pinturas botânicas, antropológicas,

1 *Universidade Estadual de Campinas – Instituto de Geociências – Pesquisador de Pós-Dou-torado** Universidade Estadual de Campinas – Instituto de Geociências – Ensino e História de Ciências da Terra

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urbanas, rurais e paisagens naturalísticas revelam a linguagem visual como um suporte importante do fazer ciência no século XIX. Há um papel ilustrativo e com-plementar das pinturas, desenhos e fotografias para a ciência, de fato, há uma interação desses campos de conhecimento que se retroalimentam. As represen-tações visuais não apenas difundem os conhecimentos que os naturalistas pos-suíam dentro do grau de desenvolvimento das ciências de suas épocas, bem como inculcam explicações, ideologias e amplo conjunto de valores que eram considerados verdadeiros.

A trajetória de Branner revela um esforço de construir uma carreira científica vinculada ao intercâmbio entre diversos círculos científicos, uma espécie de rede que articulou profissionais de distintas universidades por onde passou, quem ne-las se formou e membros do staff governamental envolvidos na criação dos ser-viços geológicos (como o Serviço Geológico de Arkansas, Comissão Geológica do Império e a Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo2).

A evidência dessas ligações está refletida na sua produção científica cujo foco é uma combinação de estudos geológicos e biológicos. Branner também voltou seu olhar para os processos ligados aos mecanismos de diversificação das espé-cies e tomou posição favorável às explicações de Charles Darwin, em momentos de grandes polêmicas no que se refere às ideias deste naturalista contidas em sua obra de 1959, A Origem das Espécies.

Construção de uma obra didáticaA presença de Branner na Comissão Geológica do Império (CGI, 1875-1877)

influenciou suas publicações posteriores, um bom exemplo, é a formação geoló-gica resultante da ação erosiva das águas do mar, conhecida como Portão (Figu-ras 1 e 2) localizada na Ilha de Fernando de Noronha e visitada por Branner pela primeira vez em 1875, que resultou na sua publicação de 1889 sobre a Geologia de Fernando de Noronha (BRANNER, 1889) que foi em sua obra didática, Geolo-gia Elementar (BRANNER, 1915).

2 Embora durante esta pesquisa não tenham sido encontradas evidências da participação di-reta de Branner na Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, diversas publicações dela resultantes foram utilizadas como fontes durante as atualizações feitas para a publicação da se-gunda edição da Geologia Elementar de 1915. Este fato demonstra o interesse do geólogo pelos trabalhos da Comissão, mesmo depois de 1904, quando Orville Derby deixou de ser seu diretor. Um outro artigo está sendo preparado a este respeito.

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Figura 1: Portão da Ilha de Fernando de Noronha [BRANNER, 1889:158]

Figura 2: O portão, uma abertura cortada pelas vagas por baixo da extremidade sudoeste da ilha de Fernando de Noronha [BRANNER, 1915:77].

Deve-se observar que a imagem de seu artigo foi posteriormente utilizada para ilustrar sua obra didática nas duas edições, de 1906 e de 1915. O artigo so-bre o Arquipélago de Fernando de Noronha de 1889, traz a explicação sobre a origem do Portão a partir de camadas de tufos, isto é, de rochas piroclásticas de baixa densidade originadas a partir de detritos vulcânicos:

Os fragmentos individuais nos quais se rompe com a desintegração raramente têm mais de dois centímetros de diâmetro, e a superfície desgastada das camadas tem uma aparência irregular e áspera. As camadas são estratificadas regularmente, o material marrom escuro sendo listrado com faixas mais claras e mais escuras. Eles mergulham para sudoeste e sudeste em um ângulo de quase 45°, a abertura sendo cortada em uma espécie de sinclinal cujo eixo desce para o sul. Sobrejacente ao tufo, encontra-se um leito de rocha dura contendo muitos cristais retangulares, cujos es-pécimes infelizmente não foram preservados. Essa rocha dura, mas muito articulada, preenche a pequena depressão, ou sinclina, no tufo e forma um teto quase horizon-tal para esse túnel natural... As paredes de pedra do Portão de uma face para a outra têm pouco menos de trinta metros de espessura; o telhado está a cerca de dezoito metros acima da água, na maré média, e a abertura tem cerca de quarenta pés de largura3 [BRANNER, 1889:158].

Na Geologia Elementar, aparece a explicação, de forma didática, facilitando a compreensão, uma vez que era voltada para alunos iniciantes no estudo das Ciên-cias da Terra num capítulo intitulado “Formas das costas produzidas pelas vagas”:

3 1 pé = 30,48 cm

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A figura mostra o grande portão na extremidade nordeste da ilha de Fernando de Noronha. Neste ponto a escavação do mar formou um istmo que tem sido solapado pelas vagas escavando as rochas mais moles de baixo e deixando um arco bem firme de rochas duras. [BRANNER, 1915:76 e 77].

Vale assinalar a figura humana que observa através da abertura, além de servir de escala dando ideia das dimensões do Portão, sugere que se olhe em di-reção ao horizonte traçado por uma linha, cuja distância é sugerida pelo pequeno tamanho da embarcação ao fundo. Em primeiro plano as rochas ígneas com os “muitos cristais retangulares” característicos da ilha de Fernando de Noronha, parte de um arquipélago de origem vulcânica.

No mapa do arquipélago de Fernando de Noronha (Figura 3), a formação Portão aparece indicada na parte inferior e à esquerda de quem olha para o mapa, assim como, em escuro, aparecem os arenitos mais recentes resultantes de processos de litificação.

Figura 3: Mapa mostrando a localização do Portão em Fernando de Noronha, observar no canto esquerdo inferior do mapa. [BRANNER, 1889:162].

Este mapa não aparece na Geologia Elementar, no entanto, sugere ao leitor deste artigo a preocupação do geólogo com o tempo necessário para a formação dos “arenitos recentes”, posteriores aos processos ígneos que deram origem ao arquipélago e à Ilha de Fernando de Noronha. Neste caso, a escala em milhas sugere as dimensões locais, assim como a localização do arquipélago através das coordenadas geográficas.

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Outras formações decorrentes da ação erosiva das águas sobre as rochas costeiras foram documentadas por Branner, inclusive, utilizando fotografias como base para esquemas, sendo que em seu artigo de 1904 sobre os recifes de areia (BRANNER, 1904), elas aparecem num anexo no final. Tais fotografias, incluem al-gumas de Marc Ferrez, porém, sem a referência devida ao fotógrafo autor e que foi companheiro de Branner durante a Comissão Geológica do Império (1875-1877).

Neste caso, os corais aparecem como agentes geológicos, é o caso da figura 4, que localiza os recifes de coral margeando os recifes de pedra e mostra que es-tes podem ficar expostos durante a maré baixa, porém, ficam submersos durante a preamar ou maré alta. No caso dos corais, mesmo na maré baixa, devem estar submersos para poderem respirar e filtrar o plâncton que lhes serve de alimento.

Duas linhas indicam os dois níveis da maré e as duas imagens sugerem a pas-sagem do tempo, pois na segunda, à esquerda do observador, a parte superior do recife de pedra se rompeu após a erosão de sua parte inferior menos resisten-te. A mesma ação erosiva que havia ocorrido na formação portão de Fernando de Noronha.

Figura 4: Estrutura dos recifes de pedra do Rio Formoso, Pernambuco, Natal, Santa Cruz etc.

Notar o recife de coral que margeia as costas no lado de fora dos recifes de pedra [Branner, 1915:218].

Essa imagem utilizada para ilustrar a edição de 1915, havia sido utilizada, de forma mais pormenorizada em sua publicação sobre os recifes de pedra [BRAN-NER, 1904]. Observar como a figura 5 que foi simplificada na Geologia Elementar de 1915, resultando na figura 4.

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Figura 5: Seções através do recife de arenito do Rio Formoso [BRANNER, 1904:86].

Observar na figura 6, uma continuação dos processos mostrados na figura 5, como cresceu a formação coralínea, na parte voltada para o oceano e, como a parte desabada no lado oposto, se apresenta mais desgastada que a mostrada na seção 7 da figura 5. Assim, o autor sugere a dinâmica terrestre em seus processos de formação e destruição por meio de agentes físicos e biológicos.

Figura 6: Do outro lado do Rio Formoso, recifes de corais e pedras. As porções mais escuras são corais [BRANNER, 1904:87].

Figura 7: Esboço do mapa do extremo sudoeste do recife de pedra em Paripueira, Alagoas [BRANNER, 1904:90].

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Enquanto os corais ficam voltados para o oceano, no lado do recife de areia voltado para o continente, existem arenitos de origem orgânica, cimentados por vermes (Figuras 8) e que Branner afirma só ter visto nos recifes ao sul de Cunhaú em Natal, RN. Assim sendo, também os vermes, além dos corais, atuam como agentes geológicos construtores.

As rochas do extremo sul do recife interno são cobertas com grandes quantidades de arenito de origem orgânica - um tipo de rocha que vi apenas nesta costa norte do Brasil. Essas rochas são formadas por vermes que cimentam grãos de areia em massas semelhantes a rochas de arenito. Eles parecem sempre ser construídos sobre bases de rocha dura. O material não é duro onde é encontrado nas praias, mas pode ser facilmente escavado com a ponta de um martelo geológico. Excelentes exem-plos cobrem grande parte da praia ao norte da Bahia Formosa, onde foram tiradas as vistas reproduzidas nas pranchas. Os exemplos mencionados como tendo sido observados no extremo sul do recife de Cunhaú são os únicos vistos em um recife de pedra [BRANNER, 1904:44 e 45].

Figura 8: BRANNER. Massas de areia semelhantes a pedregulhos, mantidas juntas por vermes [BRANNER, 1904: PL 25].

A figura 9 exibe uma fotografia, obtida por Marc Ferrez, de corais do gêne-ro Siderastraea carcomida por ouriços num recife de Candeias em Pernambuco. É interessante notar que Branner utiliza esta imagem em duas obras, a primeira sobre os recifes de pedra de 1904 (Figura 10) e na Geologia Elementar (Figura 11), porém, identificando a rocha carcomida com sendo riolito.

Figura 9: MARC FERREZ. Siderastraea carcomida por ouriços. Recife de Can-deias, Pernambuco.

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Branner utilizou a imagem de Ferrez em duas de suas obras (Figuras 10 e 11), no entanto, os ouriços cavam rochas ígneas e não o coral Siderastraea, como aparece na foto de Marc Ferrez da figura 9.

Figura 10: BRANNER. Rocha do recife de Pernambuco [BRANNER, 1904: PL 50].

Figura 11: BRANNER. Rocha dura (riolito compacto) cavada por ouriços do mar. Ilha de Santo Aleixo, na costa de Pernambuco [BRANNER, 1915: 176]

Na foto de Marc Ferrez, 1875-6, a inscrição afirma tratar-se de coral carco-mido por ouriços do mar no recife de Candeias. Já no esquema derivado da foto na Geologia Elementar de 1915, a legenda afirma tratar-se de riolito na Ilha de Santo Aleixo, a distância entre as duas localidades passa de sessenta quilômetros.

Branner observa os fatos geológicos influenciando os seres vivos, da mesma forma que Darwin o fez nas suas teorias da formação de recifes de coral:

“A maior área de recifes de coral do mundo é atualmente a da parte tropical do Oceano Pacífico desde cerca de 128o oeste até a costa oriental da África. Os recifes daquela região, mais especialmente aqueles entre 128° oeste e 130° leste, foram os primeiros que despertaram a atenção dos geólogos pelos estudos de Darwin, natu-ralista inglês, e depois pelos trabalhos de Dana, geólogo norte-americano” [BRAN-NER, 1915: 196].

A Geologia Elementar trata das condições para a formação dos recifes de corais:

I. Uma temperatura de 21 a 21,6 graus centígrados (atualmente Celsius, n.a.). Assim é claro que recifes de coral só podem medrar, nos oceanos tropicais.

II. Uma profundidade de 46 metros mais ou menos; a profundidade mais favorável é de 15 metros e menos... Este fato é também de importância no estudo da história dos movimentos verticais da crosta da terra. Evidentemente é impossível para um recife de coral ter uma espessura maior do que quarenta e seis metros, a menos que os recifes se afundassem enquanto os corais crescem para cima...

III. Água salgada clara... explica a ausência de recifes em alguns mares rasos e quen-tes onde as outras condições são aliás favoráveis. O grande volume d’água doce derramado no oceano pelo rio São Francisco e a água doce lamacenta despejada pelo rio Amazonas explicam a ausência de recifes de coral ao longo da costa nas proximidades das bocas daqueles rios...

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IV. Uma mudança constante d’agua, pela necessidade de cal e oxigênio [BRANNER, 1915: 191-192].

Notar que Branner dá esta explicação sobre a formação dos recifes de corais, está se utilizando dos três princípios básicos da Teoria da Seleção Natural de Darwin:

a. Variabilidade

b. Seleção Natural pelo meio ambiente.

c. Adaptações

Assim sendo, os corais não crescem mesmo em águas límpidas próximas da foz de um grande rio, pois sendo água doce, altera muito a salinidade da água do mar e tornando-a imprópria para o desenvolvimento dos corais. Por outro lado, se a água for barrenta, pode diminuir a luminosidade necessária ao desenvolvi-mento do plâncton que serve de alimento aos corais, assim sendo, tais organis-mos corais crescem após as barreiras formadas pelos recifes de arenito, onde as condições ambientais lhes são favoráveis.

Por outro lado, os vermes podem crescer na parte dos recifes de arenito voltada para o continente, podendo alimentar-se filtrando os restos dos lodos formados próximos à foz de um rio, assim como das partículas alimentares trazi-das por este. Assim sendo, devido às suas diversidades, corais e de vermes, são selecionadas pelo meio ambiente e vivem nas respectivas regiões às quais são adaptadas e, portanto, conseguem alimento, espaço e condições adequadas para procriação, perpetuação e construção geológica ao longo do tempo. Evidências de seu passado geológico, através de fósseis, marcas no substrato em que vive-ram e construções deixam sinais de sua existência no passado e revelam evidên-cias da dinâmica da crosta terrestre no tempo presente.

Branner foi apoiador da Teoria de Subsidência proposta por Charles Darwin para explicar o surgimento dos atóis:

“Darwin, depois de seus estudos, propôs a teoria de subsidência para explicação das formas peculiares e características dos recifes de coral. De acordo com esta teoria, a maioria dos recifes de coral originaram-se como recifes em franja nas ilhas da costa, e pela depressão lenta da região e pelo crescimento dos corais que originam recifes de barreira e ainda depois circulares”. [BRANNER, 1915: 196].

Assim sendo, a formação dos atóis de recifes coralíneos ocorre em 3 estágios (Figura 12):

1) o recife surge em franja próximo à praia de uma ilha;

2) surgimento vagaroso de uma depressão e o crescimento dos corais sobre a parte já existente origina um recife de barreira (Figura 13);

3) com o aumento da depressão a ilha fica abaixo do nível do mar, os corais cres-cem em volta da ilha formando o recife circular, que recebe o nome de nome de atol.

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Figura 12: Subsidência originando um atol [BRANNER, 1915:197].

Figura 13: Recife de Barreira na costa da ilha de Itaparica, Bahia. De uma fotografia tirada com a maré baixa e olhando para o sul [BRANNER, 1915: 192].

A teoria da subsidência dos recifes de corais se apoia em quatro evidências e relaciona-se à leitura de trabalhos de Darwin:

1. A intergraduação das formas de recife em estágios sucessivos de forma-ção, de franja a circular (atol) (Figura 12-3).

2. A subsidência efetiva de algumas ilhas de corais, hoje mortos, existentes em áreas não mais encobertas pela maré.

3. Esqueletos calcários de corais mortos têm sido encontrados em profundi-dades de até 300 metros, como decorrência de depressão lenta sofrida pela re-gião. A conclusão de depressão lenta, porque “um afundamento súbito, de mais de quarenta e seis metros, levaria os pólipos a uma profundidade na qual eles não poderiam viver, e o recife cessaria de crescer”.

4. “A elevação de certos recifes os tem colocado a algumas centenas de me-tros fora d’água”.

Branner cita as Geological Observations de Darwin na “marcha das mudanças do nível”, como variando enormemente em diferentes regiões da Terra como no ano de 1871, quando

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“recifes de corais foram elevados tão subitamente na ilha de São Thomaz, Antilhas, que os pólipos morreram sobre a praia posta em seco. Darwin diz que um baixio rochoso próximo à Ilha de Santa Maria na costa do Chile, perto de Concepcion, foi levantado tão subitamente em 1834 que os mexilhões morreram onde estavam pre-sos à rocha” [BRANNER, 1915:169].

Outro tipo diferente de recife é conhecido como recife lixa e constitui, segun-do Branner,

“alguns dos maiores recifes... são manchas irregulares nos mares rasos e pa-recem não ter relações definidas com as costas circunvizinhas. Assim é o grande recife da Lixa (Figuras 14 e 15) ao largo da costa sul da Bahia nas vizinhanças de Caravelas” [BRANNER, 1915:195].

Figura 14: BRANNER. Recife de coral lixa perto do extremo norte [BRANNER, 1904:PL 82b].

Figura 15: BRANNER. Recife da Lixa, costa sul da Bahia (de uma fotografia tirada com a maré baixa) [BRANNER, 1915:194]. Notar que é a mesma foto utilizada na obra de 1904.

Em sua obra sobre os Recifes de Pedra de 1904, Branner trata dos Recifes de Coral Lixa ao largo de Caravelas, e o descreve:

“grupo mais extenso de recifes de coral do litoral brasileiro. Eles têm um comprimen-to total de cerca de trinta e três quilômetros e uma largura máxima de cerca de vinte quilômetros. Eu os visitei apenas uma vez - em setembro de 1899 -, mas atravessei quase todo o seu comprimento e largura em um barco de baleia que me permitia passar livremente pelas partes mais rasas dos canais. No entanto, não vi a extremi-dade leste extrema dos recifes, onde eles recebem as ondas mais pesadas. A parte mais alta dos recifes do Parcel das Paredes fica no extremo norte e é conhecida como

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Recife da Lixa, ou Recife de Tubarões, devido ao grande número de certos tipos de tubarões nessa parte. Mas todo esse grupo, de um extremo ao outro, e sem exceção, é completamente coberto pela água na maré alta. Veremos que esses recifes estão muito longe da costa. Para passar um segundo dia com eles, era necessário ancorar nosso barco e permanecer ali durante a noite. Quando a maré estava alta, exceto que o mar não estava muito agitado, para todas as aparências poderíamos estar ancora-dos no meio do oceano” [BRANNER, 1904: 251 e 252].

Percebe-se mais uma vez, como Branner utilizou seu artigo sobre os recifes de pedra de 1904 para atualizar sua versão de 1915 da Geologia Elementar, pois a descrição anterior poderia ter sido ilustrada com a figura 16 que, no entanto, somente aparece em sua obra didática sobre a geologia do Brasil.

Figura 16: Esboço do recife da Lixa em frente da costa de Caravellas, estado da Bahia. As rochas de coral só se acham expostas na ocasião da maré baixa [BRANNER, 1915:193].

Observando-se esta imagem de 1915 nota-se o barco ancorado e quase cer-cado pelo recife lixa e, mais uma vez os dois personagens em primeiro plano aparecem como escala e dão ideia da profundidade do local e a noção do barco estar praticamente encalhado no meio do recife durante a maré baixa.

Considerações finaisA Geologia Elementar foi escrita visando o ensino da Geologia, do Brasil em

particular, embora estabeleça relações com os mesmos fenômenos encontrados em outros locais do planeta Terra.

No decorrer das pesquisas e leituras necessárias para a elaboração deste trabalho científico, notou-se que seu autor, John Casper Branner, abrandou a lin-guagem utilizada nos seus artigos científicos, quando tratou do mesmo assunto em seu livro com finalidade didática.

As ilustrações presentes na Geologia Elementar, vão de simples esboços, esquemas simples, mapas com legendas manuscritas e fotografias. Estas últi-

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mas foram obtidas pelo próprio autor e pelo fotógrafo profissional Marc Ferrez que, provavelmente, ensinou ou aperfeiçoou Branner nesta técnica durante o convívio na Comissão Geológica do Império. Um fato que merece ser relatado é que nem sempre Ferrez recebeu os créditos devidos quando suas fotografias foram utilizadas.

Foram encontradas em jornais publicados entre 1874 e 1922, período de sua atuação no Brasil e de publicações de sua autoria, notícias de seus trabalhos geológicos para o governo imperial brasileiro na Comissão Geológica do Império (CGI) e em outras ocasiões, para instituições norte americanas universitárias ou não, como por exemplo, suas prospecções fibras vegetais úteis para confecção do filamento incandescente da lâmpada elétrica de Thomas Edson.

São dados que ressaltam a importância deste autor para o desenvolvimento da pesquisa científica e do ensino das Ciências da Terra no Brasil, pois o mesmo transitou pelo país e escreveu sobre eventos geológicos e sua história, inclusive, utilizou em sua obra didática conhecimentos sobre a história geológica da Terra tal qual eram conhecidos antes da Deriva Continental de Alfred Wegener e da Tectônica de Placas. Trata-se, portanto, de um campo fértil para futuras pesquisas e publicações sobre o Ensino e História de Ciências da Terra.

Fontes BRANNER, J. C. Geology of Fernando de Noronha; Part 1. American Journal of Sciences, Series 3, vol. 37: 145-161, 1889.

BRANNER, J. C. Geologia Elementar. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1915.

BRANNER, J. C. The stone reefs of Brazil, their geologic and geographical relations in the chapter of costal reefs. Bulletin of the Museum of Comparative Zoology, vol. 44, Geology Series, n. 7, Harvard College. Massachusetts, 1904.

DARWIN, Charles. The structure and distribution of coral reefs. 3d. ed. London, 1889.