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Ricardo Jannini Sawaya DIVERSIDADE, DENSIDADE E DISTRIBUIÇÃO ALTITUDINAL DA ANUROFAUNA DE SERAPILHEIRA DA ILHA DE SÃO SEBASTIÃO, SP São Paulo 1999

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Ricardo Jannini Sawaya

DIVERSIDADE, DENSIDADE E DISTRIBUIÇÃO ALTITUDINAL

DA ANUROFAUNA DE SERAPILHEIRA

DA ILHA DE SÃO SEBASTIÃO, SP

São Paulo

1999

Ricardo Jannini Sawaya

DIVERSIDADE, DENSIDADE E DISTRIBUIÇÃO ALTITUDINAL

DA ANUROFAUNA DE SERAPILHEIRA

DA ILHA DE SÃO SEBASTIÃO, SP

Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, para a obtenção de Título de Mestre em Ciências, na Área de Zoologia. Orientador: Ivan Sazima

São Paulo

1999

Sawaya, Ricardo Diversidade, densidade e distribuição altitudinal da anurofauna de serapilheira da Ilha de São Sebastião, SP 65 páginas Dissertação (Mestrado) - Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. Departamento de Zoologia. 1. diversidade 2. densidade 3. anurofauna I. Universidade de São Paulo. Instituto de Biociências. Departamento de Zoologia.

Comissão Julgadora:

Marcio R. C. Martins________ Otávio A. V. Marques________ Prof. Dr. Prof. Dr.

Miguel U. T. Rodrigues____ Prof. Dr. p/ Orientador

Aos meus pais,

por tudo.

Ao meu avô, Paulo,

pelo exemplo de uma vida dedicada à biologia.

“The biosphere is an intricate tapestry of interwoven life forms.”

E. O. Wilson, 1988

6

AGRADECIMENTOS

Este trabalho só foi possível a partir da ajuda de diversas pessoas. Àquelas que não

me recordo agora peço desculpas e agradeço da mesma forma.

Agradeço sinceramente:

a Glauco Machado, Renato Nunes, Carlos Henrique Vasconcelos, Luciano dos

Anjos e Angela Midori, pela amizade, profissionalismo e por formar a heróica e divertida

equipe que dividiu comigo os bons e maus momentos dos trabalhos de campo;

à querida Dani, por participar ativamente em todas as fases do trabalho, desde a

concepção do projeto até a conclusão da dissertação, por segurar todas as minhas barras

nos momentos mais difíceis e por estar sempre ao meu lado;

à Veridiana Vaccarelli, pela amizade e por integrar a equipe no momento em que

mais precisamos;

a Márcio Martins, pela amizade, orientação atuante em todas as fases do projeto e

por dividir comigo sua experiência de trabalho;

a Ivan Sazima, pela orientação e ajuda na fase final da dissertação;

a Ariovaldo Giaretta, por dividir comigo seus conhecimentos sobre anuros e

experiência de campo ao longo dos últimos anos, e pela ajuda na fase final da dissertação;

à Kátia Facure, pela ajuda na análise multivariada;

a José Pombal Jr., pela ajuda na taxonomia;

a Célio Haddad, pela ajuda na taxonomia;

à Fernanda Oliveira e Sandra Baptista pela ajuda na fase final da dissertação;

7

à Cristiane Leonel, por sempre apoiar o trabalho, desde a fase de coleta preliminar

de dados, pelo profissionalismo e exemplo de como dirigir um parque;

a Vini, Marquinhos, Hélio, Beto e demais empregados do Parque Estadual de

Ilhabela, que tornaram o trabalho de campo possível;

ao Instituto Florestal, pela hospedagem durante a coleta de dados, por testar minha

paciência e por me ensinar a lidar com as situações mais adversas;

a Vini, Daniel e Ildefonso, pelo companheirismo, por me ensinar muito sobre a Ilha

de São Sebastião e pela ajuda na “descoberta” e abertura de trilhas;

a Renato Nunes, Márcio Araújo, Glauco Machado, Angela Midori, Hermes

Fonseca, Sónia Andrade, Juliana Félix, Cristiana Damiano, Rodrigo Ribeiro, Ito, Rafael

Raimundo, Frank Barrientos e Joel Meyer, pela ajuda nos trabalhos de campo da coleta

preliminar de dados;

a Glauco Machado, Márcio Araújo, Hermes Fonseca e Renato Nunes pela amizade

e inúmeras discussões frutíferas ao longo de todo o trabalho;

à Vera Jannini e Rogério Sawaya, por todo o apoio, mesmo distantes da Ilha de São

Sebastião;

aos hotéis Petit Village e Devissé, pela hospedagem durante a coleta preliminar de

dados.

8

ÍNDICE

I. ÍNDICE DE TABELAS E FIGURAS............................................................................................... 10

II. INTRODUÇÃO............................................................................................................................. 11 III. OBJETIVOS................................................................................................................................ 14 IV. MATERIAL E MÉTODOS........................................................................................................... 15

1. Área de estudo............................................................................................................... 15

2. Coleta de dados............................................................................................................. 17

3. Análise de dados........................................................................................................... 23

4. Comentários taxonômicos........................................................................................... 25

5. Espécies regulares de serapilheira............................................................................... 27 V. RESULTADOS.............................................................................................................................. 29

1. Riqueza específica......................................................................................................... 29

2. Abundância relativa de espécies e dominância......................................................... 36

3. Densidade....................................................................................................................... 40

4. Relação entre a anurofauna de serapilheira e as variáveis ambientais................... 44

5. Modificação do método: uso de redes....................................................................... 46 VI. DISCUSSÃO................................................................................................................................ 47

1. Riqueza específica......................................................................................................... 47

2. Abundância relativa de espécies e dominância......................................................... 50

3. Densidade....................................................................................................................... 51

4. Relação entre a anurofauna de serapilheira e as variáveis ambientais................... 53

5. Comparação com outras localidades da Mata Atlântica......................................... 54

6. Método das parcelas amplas de 8 x 8 m.................................................................... 54 VII. CONCLUSÕES........................................................................................................................... 56 VIII. RESUMO.................................................................................................................................. 58

9

IX. ABSTRACT.................................................................................................................................. 60 X. APÊNDICE 1: Lagartos e serpentes encontrados nas parcelas............................................ 62 XI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................................. 63

10

ÍNDICE DE TABELAS E FIGURAS

Figura 1: Imagem de satélite da Ilha de São Sebastião.............................................................. 16 Figura 2: Aplicação do método das parcelas amplas de 8 x 8 m............................................. 20 Figura 3: Espécies de anuros de serapilheira da Ilha de São Sebastião.................................. 31 Figura 4: Curva média do coletor................................................................................................. 34 Figura 5: Riqueza específica ao longo do gradiente altitudinal................................................ 35 Figura 6: Avaliação da distribuição altitudinal das espécies..................................................... 37 Figura 7: Abundância relativa de espécies.................................................................................. 38 Figura 8: Espécies dominantes ao longo do gradiente altitudinal........................................... 39 Figura 9: Densidade de indivíduos por parcela ao longo do gradiente altitudinal................ 41 Figura 10: Densidade de indivíduos por parcela ao longo do gradiente altitudinal em cada transecto.............................................. 42

Figura 11: Densidade de indivíduos por parcela para as quatro espécies mais abundantes................................................................. 43

Figura 12: Relação entre os anuros de serapilheira e as variáveis ambientais, Análise de Correspondência Canônica (ACC).............. 45 Tabela 1: Pontos de amostragem, altitudes amostradas em cada transecto...................................................................... 18

Tabela 2: Lista de espécies de anuros de serapilheira da Ilha de São Sebastião, e coletadas nas 92 parcelas amostradas............................... 30

Tabela 3: Amostragens quantitativas de anuros de serapilheira na Mata Atlântica do Estado de São Paulo................................................................ 48

11

INTRODUÇÃO

O termo diversidade biológica inclui dois conceitos distintos: riqueza específica, ou

número de espécies, e heterogeneidade, ou abundância relativa de espécies (KREBS, 1989).

Diferentes índices têm sido propostos para expressar estes dois conceitos conjuntamente

(cf. MAGURRAN, 1988). Entretanto, vários autores discutem a relevância destes índices,

argumentando que medidas mais diretas de diversidade são mais compreensíveis (cf.

JANZEN, 1973; HURLBERT, 1971; SCOTT, 1976). MAY (1975) conclui que uma das medidas

de heterogeneidade mais satisfatórias disponíveis é a abundância da espécie dominante

(índice de Berger-Parker sensu MAGURRAN, 1988). Assim, a diversidade de espécies de uma

comunidade ou taxocenose pode ser medida pela riqueza específica e pela dominância da

espécie mais abundante expressa em porcentagem.

A comunidade científica tem reconhecido ultimamente a importância do estudo e

quantificação da diversidade biológica (cf. LOVEJOY, 1995), que está entre os objetivos

básicos da Estratégia Global para a Biodiversidade (WILSON, 1992). Estudos sobre

abundância e distribuição de espécies também têm sido enfatizados por fornecer

conhecimentos básicos para pesquisa nas áreas de ecologia, sistemática, biogeografia e

biologia da conservação (HEYER et al., 1994).

Existem diversas hipóteses para explicar o maior número de espécies existente nos

trópicos (cf. KREBS, 1985; PIANKA, 1966; RICKLEFS, 1990; PIANKA, 1994). A região

neotropical é a que possui a maior riqueza específica de anfíbios e répteis, sendo ideal para

o estudo dos padrões de diversidade destes grupos (CADLE & PATTON, 1988; DUELLMAN,

1988; HEYER, 1988; MARTINS, 1994). Entretanto, o uso de métodos padronizados é crítico

para comparações de dados coletados por diferentes pesquisadores em diferentes locais e

épocas (HEYER et al. 1994).

12

A serapilheira é a camada de folhas e outros detritos vegetais que se depositam

sobre o chão das florestas. A anurofauna associada à serapilheira em florestas tropicais é

caracterizada pela alta riqueza de espécies (e. g. HEYER et al., 1990; ZIMMERMAN &

RODRIGUES, 1990; VITT & CALDWELL, 1994). O método das parcelas amplas de 8 x 8 m

introduzido por LLOYD et al. (1968), e padronizado por JAEGER & INGER (1994) para a

amostragem de anuros de serapilheira, possibilitou a primeira comparação quantitativa das

faunas tropicais de vertebrados entre o velho e o novo mundo (SCOTT, 1976). Esse método

têm possibilitado o reconhecimento de padrões de diversidade e densidade de anuros de

serapilheira em diferentes localidades do planeta (veja revisões em INGER, 1980; ALLMON,

1991; GIARETTA, 1999). Estes padrões têm sido relacionados a fatores como altitude,

perturbação de florestas e variáveis ambientais e climáticas (SCOTT, 1976; INGER, 1980;

LIEBERMAN, 1986; FAUTH et al., 1989; HEINEN, 1992; RODRIGUEZ, 1992; GIARETTA et al.,

1997; GIARETTA, 1999; GIARETTA et al., no prelo; presente estudo). SCOTT (1976) compara

a herpetofauna de serapilheira de localidades da América Central e sudeste da Ásia,

sugerindo que haja diminuição no número de espécies com o aumento da altitude e

número de meses secos (pluviosidade menor do que 100 mm), e enfatiza a densidade de

indivíduos aproximadamente dez vezes maior na Costa Rica (América Central) em relação a

Bornéu (sudeste da Ásia). Esta grande diferença observada na densidade de indivíduos

entre localidades do novo e do velho mundo tem sido atribuída a fatores como

produtividade do ecossistema (SCOTT, 1976) ou composição de espécies vegetais (INGER,

1980), mas a questão é objeto de debates (MAY, 1980).

Embora anfíbios e escamados tenham sido analisados conjuntamente em alguns

estudos, a distinção entre os dois táxons deve ser considerada, pois parcelas amplas de 8 x 8

m não amostram eficientemente serpentes (cf. LLOYD, 1968; INGER, 1980; SCOTT, 1982;

LIEBERMAN, 1986; GIARETTA et al., 1997; GIARETTA, 1999; GIARETTA et al., no prelo;

13

presente estudo) e lagartos em determinadas localidades (cf. GIARETTA et al., 1997;

GIARETTA, 1999; GIARETTA et al., no prelo; presente estudo).

ALLMON (1991) trabalhou especificamente com os anuros de serapilheira na

Amazônia Central, e analisou dados relativos a América Central, África e sudeste da Ásia,

propondo a riqueza de 20 espécies como relativamente constante para as florestas tropicais

de baixa altitude, e padrões regionais de densidade de indivíduos: sudeste da Ásia com 1 a 2

indivíduos/100 m2, América do Sul com 4 a 6, África com 9 a 10 e América Central com

14 a 15.

Desde o final da década de 80 tem sido observado o declínio de populações de

anfíbios anuros em todo o planeta (POUGH et al., 1998), inclusive em florestas protegidas (e.

g. DAPTF, 1999a). Para a criação de programas de conservação de anfíbios é necessário o

desenvolvimento de métodos de monitoramento ambiental (BEEBEE, 1996). Em 1991 foi

criado o programa “Declining Amphibian Populations Task Force (DAPTF)”, que têm

estabelecido métodos e protocolos para a amostragem e monitoramento de populações de

anfíbios (WAKE, 1994; veja também DAPTF, 1999b). Uma das maiores dificuldades

encontradas no início do programa foi a falta de informações básicas sobre anfíbios

(WAKE, 1994). Assim, o “DAPTF” tem como objetivo ainda a criação de grupos de

trabalho em todas as regiões do planeta onde vivem os anfíbios, especialmente aquelas para

as quais as informações são escassas (DAPTF, 1999c)

Para as regiões serranas do sudeste do Brasil compreendidas no Domínio

Morfoclimático da Floresta Atlântica (sensu AB’SABER, 1977), popularmente denominado

Mata Atlântica, e particularmente ricas em espécies de anfíbios, estudos de cunho ecológico

e/ou quantitativo sobre a anurofauna são praticamente inexistentes (HADDAD & SAZIMA,

1992). Exceções são os trabalhos recentes que utilizaram o método das parcelas amplas de

8 x 8 m no Estado de São Paulo, sudeste do Brasil (GIARETTA et al., 1997; GIARETTA,

1999; GIARETTA et al., no prelo; presente estudo). A partir destes trabalhos, começam a

14

tornar-se disponíveis informações necessárias para uma primeira abordagem sobre os

padrões de diversidade e densidade de anuros de serapilheira da Mata Atlântica do sudeste

do Brasil, e a comparação destas faunas com as de outras localidades.

A Ilha de São Sebastião, localizada no litoral norte do Estado de São Paulo, possui

extensa área de florestas protegidas por um parque estadual. O conhecimento sobre sua

anurofauna é escasso, baseado em poucos trabalhos de caráter qualitativo que foram

desenvolvidos na ilha (e. g. LUEDERWALDT, 1929; MÜLLER, 1968). Assim como em várias

regiões da Mata Atlântica, para a Ilha de São Sebastião inexistem dados ou trabalhos

quantitativos sobre a anurofauna.

OBJETIVOS

Este estudo teve como objetivos caracterizar:

1) a riqueza específica;

2) a abundância relativa e a dominância;

3) a densidade de indivíduos;

4) a relação com variáveis ambientais

da anurofauna de serapilheira, ao longo de um gradiente altitudinal de 0 a 900 m, na Ilha de

São Sebastião, Estado de São Paulo.

15

MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudo

A Ilha de São Sebastião (Figura 1), município de Ilhabela, está localizada no litoral

norte do estado de São Paulo (23o47’ S; 45o24’ W). É a maior ilha marítima do Brasil, e está

incluída no Domínio Morfoclimático da Floresta Atlântica (sensu AB’SABER, 1977).

Sua cobertura vegetal está compreendida na região da Floresta Ombrófila Densa,

apresentando as seguintes formações: Floresta Submontana, Floresta Montana e Vegetação

Secundária (IBGE, 1983).

De relevo montanhoso, apenas aproximadamente 2% de sua superfície total

corresponde a áreas planas ou ligeiramente acidentadas (aqui designadas Florestas de

Baixada), aproximadamente 7% estão em cotas superiores a 900 m de altitude, e seu pico

mais alto atinge os 1.379 m (FRANÇA, 1951). Além de diminutas extensões planas, às vezes

representadas somente pelas praias, apenas duas áreas podem ser reconhecidas como

planícies que corresponderiam a Florestas de Baixada (FRANÇA, 1951): a “Planície do

Perequê”, localizada na face oeste da ilha, 4 km ao sul da “Vila de Ilhabela” (Figura 1), com

aproximadamente 260 ha de área e quase totalmente alterada e urbanizada (obs. pess.); e a

“Planície de Castelhanos”, localizada na face leste da ilha na “Bahia de Castelhanos”

(Figura 1), com aproximadamente 64 ha de área e vegetação secundária (obs. pess.).

Devido à precariedade, descontinuidade ou inexistência de dados disponíveis sobre

pluviosidade e temperatura para a Ilha de São Sebastião e cidade de São Sebastião, são

consideradas neste estudo as informações climáticas disponíveis para o município de

Ubatuba, localizado aproximadamente 70 km ao norte da ilha. O clima em Ubatuba é do

tipo tropical úmido, com chuvas bem distribuídas ao longo do ano, precipitações anuais ao

redor de 2,5 m e temperaturas médias de 21,2oC, sendo que de junho a setembro ocorrem

16

Figura 1 - Imagem de satélite modificada da Ilha de São Sebastião (Landsat; bandas 3,4 e 5). S.S. = cidade de São Sebastião; V.I. = "Vila de Ilhabela"; P.P. = "Planície do Perequê"; B.C. = "Bahia de Castelhanos"; T1 = Transecto 1 ("Estrada de Castelhanos"); T2 = Transecto 2 ("Morro do Pacuíba"); T3 = Transecto 3 ("Morro do Ramalho").

17

as menores temperaturas (Instituto Agronômico de Campinas, dados não publicados apud

GIARETTA, 1999). Na região ocorrem de um a dois meses com precipitação mensal inferior

a 100 mm, e janeiro é o mês que apresenta os maiores valores (GIARETTA, 1999).

Em 1958 a Ilha de São Sebastião tornou-se Área de Proteção Ambiental (GOMES &

RAMOS, 1994). O Parque Estadual de Ilhabela (PEIB) foi criado em 1977 com 27.025 ha de

área total (IBGE, 1983) e engloba cerca de 80% da ilha, assim como a totalidade das outras

ilhas, ilhotas e lajes que compõem o arquipélago (SMA, não publicado). Na maior parte da

face oeste da ilha, voltada para o canal de São Sebastião, o PEIB está restrito a altitudes

superiores a cota dos 200 m, incluindo em outras regiões cotas de 100 m e, mais raramente,

0 m de altitude.

Coleta de dados

A coleta da anurofauna de serapilheira foi realizada através do método das parcelas

amplas de 8 x 8 m (“Quadrat Sampling, Large Quadrats” sensu JAEGER & INGER, 1994),

modificado pelo uso de redes que cercaram as parcelas.

Entre 10 de dezembro de 1997 e 30 de janeiro de 1998, foram amostradas 92

parcelas em três diferentes transectos (Figura 1), o que correspondeu a área total de 5.888

m2 de amostragem da serapilheira. A coleta foi realizada nos meses mais quentes e úmidos

da região para evitar efeitos de sazonalidade climática.

Os três transectos amostrados (Figura 1; Tabela 1) correspondem a morros onde o

acesso foi possível. O Transecto 1, “Estrada de Castelhanos” (altitude máxima:

aproximadamente 750m), corresponde ao trecho da estrada de terra entre a “Bahia de

Castelhanos” e o ponto mais alto da encosta, na face leste da ilha. O Transecto 2, “Morro

do Pacuíba” (altitude máxima: aproximadamente 800m), corresponde a uma trilha, em

parte aberta pela equipe de trabalho, ao norte da ilha. O Transecto 3, “Morro do Ramalho”

Tabela 1 - Distribuição de altitudes dos pontos de amostragem em cada transecto amostrado na Ilha de São Sebastião. T1 = “Estrada de Castelhanos”; T2 = ”Morro do Pacuíba“; T3 = ”Morro do Ramalho”.

Atitude (m) T1 T2 T3

0

X

100

X X

200

X X X

300

X X X

400

X X X

500

X X X

600

X X X

700

X X X

800

X

900

X

19

(altitude máxima: aproximadamente 1.100 m), corresponde a uma trilha, aberta pela equipe

a partir dos 700m de altitude, na face oeste da ilha.

Em cada transecto, foi utilizado um delineamento amostral estratificado,

apropriado para amostragens ao longo de gradientes. Para cada transecto foram

determinados pontos de amostragem correspondentes à área de uma circunferência com 58

m de raio (aproximadamente 1,057 ha). Os pontos de amostragem foram determinados a

cada 100 m de altitude a partir do nível do mar, através de pelo menos três leituras de

altímetro (“Thommen Classic TX-12”; acurácia de 10m; Tabela 1). Nos três transectos

foram amostrados 23 pontos (aproximadamente 24,307ha).

Não foi possível a amostragem das mesmas faixas altitudinais nos três transectos

devido à pouca disponibilidade de ambientes preservados em baixas altitudes nos

transectos 2 e 3, e à altura máxima dos topos de morro acessíveis, entre 700 e 800m de

altitude nos transectos 1 e 2. Assim, a amostragem desigual em relação às faixas altitudinais

nos três transectos (Tabela 1) reflete, em parte, a disponibilidade de ambientes preservados

na Ilha de São Sebastião.

Em cada ponto de amostragem, foram realizadas quatro parcelas (totalizando 256

m2), determinadas por duas séries de aleatorizações. Na primeira, foi definida a direção a

partir do centro do ponto de amostragem, utilizando-se uma bússola (N, NE, E, SE, S, SO,

O ou NO). Na segunda, foi definida a distância a partir do centro (1 a 50m).

Cada parcela correspondeu a um quadrado de 8 m de lado (Figura 2A), e foi

amostrada por uma equipe previamente treinada, que variou de quatro a oito pessoas (na

maioria das vezes cinco ou seis pessoas). Após a determinação do local, uma pessoa

caminhou ao redor da área aproximada da parcela para homogeneizar a perturbação. A

parcela foi delimitada por quatro cordas com 8 m de comprimento. Em cada lado da

parcela, foi estendida uma rede de fibra sintética branca, com malha de aproximadamente 1

20

Figura 2 - Aplicação do método das parcelas amplas de 8 x 8 m no campo. A: parcela delimitada por cordas e cercada por redes; B: detalhe de um membro da equipe removendo a serapilheira com a ajuda de tridente manual de jardinagem; C: instalação e cobertura da porção inferior da rede com serapilheira; D: amostragem das redes.

A

B

C D

21

mm, 60 cm de altura e 9 m de comprimento, sustentada por 4 estacas de alumínio fixas à

mesma e enterradas no solo. Os primeiros 10 cm, na base de cada rede, foram dobrados

em direção ao interior da parcela e cobertos com serapilheira e pedras, ficando os 50 cm

restantes acima do solo (Figura 2C). As extremidades das redes foram entrelaçadas umas às

outras com as estacas externas e sobras de aproximadamente 1 m de cada rede, para evitar

frestas entre duas redes adjacentes.

Para cada parcela foram registradas, sempre pela mesma pessoa, as seguintes

informações: 1) número da parcela; 2) data; 3) local; 4) horário de início e término da

amostragem; 5) pressão atmosférica no início e término da amostragem (altímetro

“Thommen Classic TX-12”; acurácia de 1 mmHg); 6) condições gerais do clima (sol,

nublado, chuva, garoa ou neblina); 7) estimativa da distância de riachos ou corpos d’água;

8) altitude; 9) cobertura da copa dentro da parcela (densiômetro vertical “GRS

Densitometer”com 25 pontos de amostragem); 10) cobertura do solo por serapilheira

(estimativa de porcentagem entre 0 e 100%, com intervalos de 20%); 11) cobertura do solo

por pedras (estimativa de porcentagem entre 0 e 100%, com intervalos de 20%); 12)

cobertura do solo por arbustos (estimativa de porcentagem entre 0 e 100%, com intervalos

de 20%); 13) densidade do subbosque (estimativa de porcentagem entre 0 e 100%, com

intervalos de 20%); 14) cobertura do solo por bromeliáceas de chão (estimativa de

porcentagem entre 0 e 100%, com intervalos de 20%); 15) quantidade de bambu

(categorias: nada, pouco, médio ou muito); 16) quantidade de bromeliáceas em geral

(categorias: nada, pouco, médio ou muito); 17) quantidade de cipó (categorias: nada, pouco,

médio ou muito); 18) número de palmeiras; 19) altura máxima do dossel (clinômetro e

trena); 20) umidade relativa do ar na serapilheira em cinco pontos: a 1 m de cada vértice e

no centro quadrado (termohigrômetro digital “Protimeter”; acurácia de 2%); 21) umidade

relativa do solo em cinco pontos: a 1 m de cada vértice e no centro do quadrado (a 1 cm de

profundidade; medidor de condutividade do solo; acurácia de 10%); 22) altura da

22

serapilheira em cinco pontos: a 1 m de cada vértice e no centro do quadrado (régua

milimetrada); 23) altura da camada de raízes em cinco pontos: a 1 m de cada vértice e no

centro do quadrado (régua milimetrada); 24) temperatura da serapilheira no centro do

quadrado (termômetro de mercúrio; acurácia de 0,5oC e estimativa de 0,1oC); 25) número

de formigueiros; 26) número de cupinzeiros; 27) número de buracos; 28) comprimento e

perímetro de troncos caídos no solo (trena milimetrada); 29) perímetro a altura do peito de

árvores (diâmetro maior do que 3 cm; trena milimetrada); 30) número de árvores com

raízes tabulares e respectivos perímetros a altura do peito (trena milimetrada); 31)

inclinação do terreno nos dois lados paralelos mais inclinados da parcela (clinômetro e

trena; acurácia de 1o); 32) face de inclinação do terreno (N, NE, E, SE, S, SO, O ou NO);

33) número de anuros avistados e coletados na parcela; 34) número de anuros avistados e

coletados nas redes; 35) espécies de anuros avistadas e coletadas na parcela; e 36) espécies

de anuros avistadas e coletadas nas redes.

Após a instalação da parcela e das redes, a serapilheira foi cuidadosamente

removida pela equipe, que trabalhava de joelhos com a ajuda de tridentes manuais de

jardinagem (Figura 2B). Pelo menos uma pessoa se posicionou em cada lado da parcela,

sempre delimitando uma faixa de solo sem serapilheira de aproximadamente 40 cm, para

tornar visível a fuga de anuros. A serapilheira foi removida das periferias para o centro do

quadrado. Buracos ou frestas de troncos e pedras foram examinados com lanternas. Todos

os anuros encontrados na serapilheira ou vegetação até a altura de 50 cm foram coletados.

Após a amostragem da parcela, as quatro redes foram cuidadosamente examinadas (Figura

2D) e os anuros encontrados coletados. Os anuros foram acondicionados em sacos

plásticos umedecidos e marcados, separadamente em relação à coleta nas redes e na parcela

e/ou quando apresentavam tamanhos muito diferentes.

Todas as parcelas foram amostradas durante o dia, entre 06:20 e 18:30h, sendo que

a duração de cada uma variou entre 1h:18 min e 3h:11 min (em média, 2h:01min).

23

Em laboratório, os anuros foram identificados, medidos (comprimento rostro-

cloacal; paquímetro com acurácia de 0,05 mm), mortos em álcool a 10%, rotulados, fixados

em formol a 10%, e conservados em álcool a 70%. O tempo entre a coleta e a fixação

variou de 5 a 120h.

Análise de dados

Foram consideradas para as análises de dados as 92 parcelas amostradas na Ilha de

São Sebastião, e outros métodos, como procura visual, encontros ocasionais e procura em

sítios de reprodução, utilizados durante 13 meses de coleta preliminar na localidade (R. J.

SAWAYA, dados não publicados).

A riqueza específica de anuros de serapilheira foi determinada a partir das espécies

encontradas nas parcelas que foram consideradas como habitantes regulares da serapilheira

(veja abaixo, em “Espécies regulares de serapilheira”). Na lista de espécies de anuros de

serapilheira conhecidas para a localidade, foi incluída também uma espécie não coletada nas

parcelas (Tabela 2; Figura 3).

Para verificar se a maioria das espécies de serapilheira da localidade foram

encontradas nas parcelas, foi feita uma curva média do coletor. Esta curva foi feita com o

programa “EstimateS” (COLWELL, 1997), baseada em 200 curvas de acumulação de

espécies com aleatorização da ordem das parcelas.

Para estimar a riqueza específica de anuros de serapilheira da localidade, através do

número de espécies encontrado nas parcelas, foi escolhido um estimador de riqueza

baseado no método “Jacknife” (KUENOUILLE, 1956) que indica a ordem de “Jacknife” que

corresponde à melhor estimativa (BURNHAM & OVERTON, 1979). Assim, o número de

espécies mais ou menos o erro padrão da estimativa é expresso por N(JK), e a ordem do

24

“Jacknife”, que corresponde à melhor estimativa, por K (escolhida quando p>0,05; para

maiores detalhes veja BURNHAM & OVERTON, 1979).

A abundância relativa de cada espécie foi determinada através das porcentagens do

número de indivíduos de cada espécie em relação ao total de indivíduos avistados e

identificados nas parcelas.

A dominância foi determinada pelo índice de Berger-Parker (sensu MAGURRAN,

1988) expresso em porcentagem, que é simplesmente a porcentagem da espécie mais

abundante em relação ao total de indivíduos.

Nas análises de densidade, foram incluídos todos os anuros avistados nas parcelas:

os coletados, os avistados e identificados, e os avistados e não identificados. A densidade

de indivíduos foi expressa em média de indivíduos por 100 m2 apenas para a comparação

com trabalhos realizados em outras localidades. Para as outras análises, a densidade foi

expressa como mediana do número de indivíduos encontrados por parcela, por representar

uma medida de tendência central mais confiável, devido a inclinação, “outliers” e valores

extremos dos dados (ZAR, 1996). Para a confecção dos gráficos “Box-Whiskers”, e

determinação dos “outliers” e valores extremos, foi utilizado o programa “Statistica”

(STATSOFT, 1998).

Para testar as diferenças em relação ao tamanho rostro-cloacal dos indivíduos que

foram encontrados nas redes e nas parcelas, foi utilizado o teste não paramétrico U

(“Mann-Whitney”; ZAR, 1996) do programa “Statistica” (STATSOFT, 1998), considerando

como significativo p<0,05.

Para verificar a relação das variáveis ambientais com a anurofauna de serapilheira,

foi feita uma Análise de Correspondência Canônica (ACC), com o programa CANOCO,

versão 3.10 (TER BRAAK, 1987). Este método foi escolhido por permitir a análise dos dados

ambientais e biológicos conjuntamente, e a escolha das variáveis ambientais que melhor

explicam o padrão de distribuição das espécies. Para a construção da matriz de dados

25

biológicos (89 linhas e 9 colunas), foram consideradas as 89 parcelas que apresentaram pelo

menos um indivíduo, e as nove espécies que estiveram presentes em pelo menos cinco

parcelas. Para a construção da matriz de dados ambientais (89 linhas e 30 colunas), foram

consideradas 30 variáveis ambientais derivadas das informações medidas para cada parcela,

exceto as de número 1, 2, 3 e 32 (veja acima, em “Coleta de dados”). A relação de cada uma

das variáveis ambientais com a matriz de dados biológicos foi verificada pelo teste de

Monte Carlo (MANLY, 1991), com 999 permutações. Para a ordenação da ACC foram

consideradas apenas as nove variáveis significativas segundo este teste (p<0,05).

Comentários taxonômicos

Em virtude da grande riqueza de espécies de anuros da Mata Atlântica e da posição

taxonômica incerta de várias formas, não foi possível a denominação específica de todas as

populações amostradas neste estudo. A identificação e a denominação das espécies aqui

citadas foram baseadas na literatura corrente, consulta a coleções científicas e taxonomistas

que têm trabalhado em localidades correlatas, considerando apenas os caracteres

morfológicos. São comentadas a seguir as formas para as quais a denominação apresenta

problemas ou não foi possível a aplicação de um nome específico.

Brachycephalus sp. (Figura 3A) - população semelhante à de Boracéia, identificada

como Brachycephalus nodoterga por HEYER et al. (1990), mas com algumas diferenças

morfológicas. Brachycephalus nodoterga foi originalmente descrito por Miranda Ribeiro em

1920 para a Serra da Cantareira, localidade da Serra da Mantiqueira do Estado de São

Paulo, mas foi sinonimizado a Brachycephalus ephippium (FROST, 1985), sendo posteriormente

revalidada por HEYER et al. (1990) para Boracéia, Serra do Mar. Porém, a população de

Boracéia denominada B. nodoterga não confere com a diagnose da população descrita por

Miranda Ribeiro para a Serra da Cantareira (FROST, 1985). Assim, não foi atribuído um

26

nome específico à população da Ilha de São Sebastião, pelas diferenças morfológicas que

apresenta e pelo problema existente na denominação de B. nodoterga.

Hyla aff. arianae - trata-se de uma forma não descrita (J. P. POMBAL JR., com. pess.),

relacionada a Hyla arianae CRUZ E PEIXOTO, 1987, descrita e com distribuição conhecida

para o Estado de Santa Catarina.

Adenomera cf. marmorata (Figura 3F) - mais de uma espécie é tratada sob esse nome,

e a denominação para a Ilha de São Sebastião provavelmente inclui duas formas diferentes

(C. F. B. HADDAD, com. pess.), não sendo possível a separação com base em caracteres

morfológicos.

Eleutherodactylus guentheri (Figura 3H) - duas espécies estão sendo tratadas sob esse

nome no presente estudo, E. guentheri e E. aff. erythromerus, sendo o segundo possivelmente

uma forma não descrita (J. P. POMBAL JR., com. pess.). Por serem espécies estreitamente

relacionadas e pelos juvenis, que ocorreram em maior número, não serem distinguíveis

morfologicamente (A. A. GIARETTA, com. pess.), foi utilizado um único nome.

Eleutherodactylus aff. lacteus (Figura 3J) - Eleutherodactylus lacteus MIRANDA RIBEIRO,

1923, foi originalmente descrito de Iguape, Estado de São Paulo, mas o nome tem sido

atribuído também a espécimes do alto Itatiaia (J. P. POMBAL JR., com. pess.). Assim, no

momento só é possível afirmar que a forma da Ilha de São Sebastião pertence ao grupo.

Eleutherodactylus aff. parvus (Figura 3L) - apresenta diferenças morfológicas marcantes

em relação a Eleutherodactylus parvus, mas não há um nome disponível na literatura para esta

população. O grupo está sendo revisto por C. A. G. Cruz, que chama a atenção ao fato de

haver pelo menos quatro espécies distintas sob o nome E parvus (J. P. POMBAL JR., com.

pess.).

Physalaemus aff. signifer (Figura 3N) - possivelmente trata-se de uma forma não

descrita, pois não corresponde morfologicamente a nenhuma das espécies descritas do

grupo signifer.

27

Chiasmocleis cf. leucosticta (Figura 3P) - Chiasmocleis urbanae BOKERMANN, 1952,

descrito para a Ilha de São Sebastião, foi sinonimizado a Chiasmocleis leucosticta

(BOKERMANN, 1952), mas foi considerado como espécie válida por FROST (1985). CRUZ et

al. (1997) concordam com BOKERMANN (1952), considerando C. urbanae sinônimo de C.

leucosticta. O único indivíduo encontrado neste estudo apresenta diferenças morfológicas em

relação a C. leucosticta, mas a série tipo de C. urbanae não foi consultada, havendo, portanto

dúvidas quanto à identificação do espécime.

Espécies de anuros regulares de serapilheira

Não há um critério bem estabelecido para definir quais espécies de anuros são

habitantes regulares da serapilheira. Algumas definições têm sido propostas na literatura,

tais como: espécies que ocupam o chão da floresta pelo menos 25% do tempo (LLOYD et

al., 1968; SCOTT, 1976); que passam uma porção significativa de suas vidas ao nível da

serapilheira (ALLMON, 1991); que vivem diretamente no chão da floresta, ou alimentam-se

de organismos que vivem na serapilheira (HEINEN, 1992). Em alguns casos todas as

espécies coletadas na serapilheira são consideradas para as análises (LIEBERMAN, 1986), ou

o critério estabelecido não está claro (FAUTH, 1989). SCOTT (1982) define arbitrariamente

as espécies regulares de serapilheira, enfatizando que o conhecimento sobre o habitat das

espécies africanas é escasso. Apesar de LLOYD et al. (1968) proporem um critério claro,

incluem nas análises de diversidade espécies ocasionais de serapilheira (“refugee species”)

que foram coletadas nas parcelas, considerando-as como membros da taxocenose, e

enfatiza que a decisão é arbitrária mesmo quando as informações sobre o grupo são

abundantes.

Para a Mata Atlântica do sudeste do Brasil, informações sobre história natural de

anuros em geral são escassas, o que dificulta a definição das espécies regulares de

28

serapilheira. No presente estudo o critério também foi arbitrário, mas, sempre que possível,

baseado em observações realizadas durante 13 meses de coletas preliminares na Ilha de São

Sebastião, e a aplicação de outros métodos que não as parcelas (R. J. SAWAYA, dados não

publicados). Gêneros mais comumente considerados com regulares de serapilheira são

Eleutherodactylus, Brachycephalus, Adenomera, Bufo, Dendrophryniscus, Physalaemus, Proceratophrys,

Chiasmocleis e Myersiella (cf. SCOTT, 1976; TOFT, 1982; LIEBERMAN, 1986; FAUTH, 1989;

ALLMON, 1991; HEINEN, 1992; GIARETTA et al., 1997; GIARETTA, 1999; GIARETTA et al.,

no prelo). GIARETTA (1999) também considerou Scinax trapicheiroi como regular de

serapilheira. Outras espécies do mesmo grupo (catharinae) também podem ser encontradas

freqüentemente na serapilheira (A. A. GIARETTA, com. pess.). Assim, no presente estudo,

Scinax argyreornatus foi considerada como espécie regular de serapilheira. Apesar de

GIARETTA (1999) ter considerado uma espécie de Hyla do grupo circumdata como ocasional

de serapilheira, Hyla hylax, no presente estudo, foi considerada como espécie regular de

serapilheira, pois espécies do grupo podem ser encontradas freqüentemente neste ambiente

(Hyla hylax: obs. pess., e Hyla luctuosa: GIARETTA et al., 1997; GIARETTA et al., no prelo).

Espécies encontradas em parcelas no presente estudo, mas consideradas como

ocasionais de serapilheira, foram: Flectonotus fissilis, por estar associada a bromeliáceas, e

Hyla aff. arianae, por estar associada a poças temporárias (obs. pess.).

29

RESULTADOS

Em 92 parcelas amostradas na Ilha de São Sebastião, foram avistados 865 anuros de

serapilheira. Destes, 804 (92,9%) foram coletados e 61 (7,1%) foram avistados mas não

coletados. Dos 61 indivíduos avistados e não coletados, 42 puderam ser identificados com

segurança ao nível de espécie. Assim, para os 865 indivíduos avistados, foi possível a

identificação de 846 (97,8%), sendo que os 19 (2,2%) restantes não foram identificados e só

foram considerados para as análises de densidade.

Riqueza específica

Foram encontradas 17 espécies de anuros nas 92 parcelas amostradas, das quais 15,

de cinco famílias, foram consideradas como habitantes regulares da serapilheira (Tabela 2).

Para a Ilha de São Sebastião são conhecidas atualmente 16 espécies de anuros de

serapilheira (Tabela 2; Figura 3). O número de espécies encontrado nos transectos 1, 2 e 3

foi, respectivamente, nove, oito e quatorze (Tabela 2).

A curva média do coletor (Figura 4) não atingiu um platô, indicando que não foram

coletadas todas as espécies regulares de serapilheira existentes na localidade. O estimador

de riqueza escolhido, derivado do método “Jacknife” (BURNHAM & OVERTON, 1979),

indica que aproximadamente 20 espécies de serapilheira ocorrem na Ilha de São Sebastião

[N(JK)=20 ± 3,16; K=1; T(K)=1,74; p=0,08].

Em relação à altitude, entre 200 e 600 m a riqueza específica foi maior do que entre

0 e 100 m e 700 e 900 m (Figura 5).

30

Tabela 2 - Lista de espécies de anuros de serapilheira conhecidas para a Ilha de São Sebastião e espécies ocasionais de serapilheira coletadas nas 92 parcelas amostradas. A ocorrência das espécies regulares de serapilheira em cada transecto amostrado é indicada por um “x”; T1=Transecto 1; T2=Transecto 2; T3=Transecto 3.

FAMÍLIA ESPÉCIE T1 T2 T3 Brachycephalidae Brachycephalus sp. - - x Bufonidae Bufo crucifer x x x

Dendrophryniscus brevipollicatus x x x Hylidae Flectonotus fissilis 1 Hyla aff. arianeae 1

Hyla hylax x - - Scinax argyreornatus - - x

Leptodactylidae Adenomera cf. marmorata x x x Eleutherodactylus binotatus x x x Eleutherodactylus guentheri x x x Eleutherodactylus parvus x x x Eleutherodactylus aff. lacteus - - x Eleutherodactylus aff. parvus - - x Hylodes phyllodes x x x Physalaemus aff. signifer 2 Proceratophrys boiei - - x

Microhylidae Chiamoscleis cf. leucosticta - - x Myersiella microps x x x

1: Espécies ocasionais de serapilheira. 2: Espécie regular de serapilheira (R. J. Sawaya, dados não publicados) não encontrada nas 92 parcelas amostradas.

31

Figura 3 - Espécies de anuros de serapilheira conhecidas para a Ilha de São Sebastião. Família Brachycephalidae - A: Brachycephalus sp. Família Bufonidae - B: Bufo crucifer; C: Dendrophryniscus brevipollicatus Família Hylidae - D: Hyla hylax; E: Scinax argyreornatus Família Leptodactylidae - F: Adenomera cf. marmorata

B

C D

A

E F

32

Figura 3 - continuação Família Leptodactylidae - G: Eleutherodactylus binotatus; H: Eleutherodactylus guentheri; I: Eleutherodactylus parvus; J: Eleutherodactylus aff. lacteus; L: Eleutherodactylus aff. parvus; M: Hylodes phyllodes

G H

J

L

I

M

33

Figura 3 - continuação Família Leptodactylidae - N: Physalaemus aff. signifer; O: Proceratophrys boiei; Família Microhylidae - P: Chiasmocleis cf. leucosticta; Q: Myersiella microps

O

P

N

Q

34

Figura 4 - Curva média do coletor para as 92 parcelas amostradas na Ilha de São Sebastião, baseada em 200 curvas de acumulação de espécies com aleatorização da ordem das parcelas (para detalhes veja em “Material e métodos; Análise de dados”).

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

número cumulativo de parcelas

núm

ero

cum

ulat

ivo

de e

spéc

ies

35

Figura 5 - Variação da riqueza específica de anuros de serapilheira ao longo do gradiente altitudinal amostrado. Inclui Physalaemus aff. signifer, não coletado nas parcelas.

0

2

4

6

8

10

12

0 100 200 300 400 500 600 700 800 900

altitude (m)

rique

za e

spec

ífica

36

Em relação à distribuição altitudinal das 16 espécies de anuros de serapilheira

conhecidas para a Ilha de São Sebastião (baseada nas 92 parcelas amostradas e outros

métodos; R. J. SAWAYA, dados não publicados; Figura 6), nenhuma espécie foi restrita à

Floresta de Baixada. Physalaemus aff. signifer, Chiasmocleis cf. leucosticta e Proceratophrys boiei

foram restritos entre 0 e 300 m; apenas Eleutherodactylus parvus distribuiu-se ao longo de

todo o gradiente altitudinal; Brachycephalus sp. foi restrito entre 700 e 900 m; e

Eleutherodactylus aff. lacteus e Eleutherodactylus aff. parvus foram restritos aos 900 m de altitude

(Figura 6).

Abundância relativa de espécies e dominância

A anurofauna de serapilheira da Ilha de São Sebastião é composta por cinco

espécies relativamente comuns com contribuição percentual entre 5 e 35%, e dez espécies

raras com contribuição inferior a 2%, em relação ao total de indivíduos (Figura 7).

A espécie dominante foi Eleutherodactylus parvus, que representou 34,7% do total de

indivíduos avistados e identificados.

Ao longo do gradiente altitudinal, as quatro espécies mais abundantes,

Eleutherodactylus parvus, Eleutherodactylus binotatus, Brachycephalus sp. e Adenomera cf. marmorata,

foram dominantes em duas ou três diferentes faixas altitudinais (Figura 8). Adenomera cf.

marmorata foi dominante entre 0 e 200 m de altitude; E. parvus em 300, 600 e 700 m; E.

binotatus em 400 e 500 m; e Brachycephalus sp. em 800 e 900 m (Figura 8). Considerando

apenas a espécie que foi dominante em cada faixa altitudinal, não foi observado aumento

da porcentagem de dominância com o aumento da altitude (Figura 8).

37

Figura 6 - Avaliação da distribuição altitudinal dos anuros de serapilheira conhecidos para a Ilha de São Sebastião. Inclui Physalaemus aff. signifer, não coletado nas parcelas.

faixas altitudinais (m) 0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 Physalaemus aff. signifer xxxxxxxxxxxx Chiamoscleis cf. leucosticta xxx Proceratophrys boiei xxxxxxxx Adenomera cf. marmorata xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx Hylodes phyllodes xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx Myersiella microps xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx Hyla hylax xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx Bufo crucifer xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx Dendrophryniscus brevipollicatus xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx Eleutherodactylus parvus .xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx Eleutherodactylus binotatus xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx Scinax argyreornatus xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx Eleutherodactylus guentheri xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx Brachycephalus sp. xxxxxxxxxxxx Eleutherodactylus aff. lacteus xxx Eleutherodactylus aff. parvus xxx

38

Figura 7 - Abundância relativa de espécies de anuros regulares de serapilheira avistadas e identificadas nas 92 parcelas amostradas na Ilha de São Sebastião. epa = Eleutherodactylus parvus (N=294); ebi = Eleutherodactylus binotatus (N=172); bra = Brachycephalus sp. (N=147); acm = Adenomera cf. marmorata (N=123); egu = Eleutherodactylus guentheri (N=55); dbr = Dendrophryniscus brevipollicatus (N=16); bcr = Bufo crucifer (N=14); hph = Hylodes phyllodes (N=11); mmi = Myersiella microps (N=6); eap = Eleutherodactylus aff. parvus (N=2); sar = Scinax argyreornatus (N=2); ccl = Chiasmocleis cf. leucosticta (N=1); eal = Eleutherodactylus aff. lacteus (N=1); hhy = Hyla hylax (N=1); pbo = Proceratophrys boiei (N=1). Número total de indivíduos: 846.

0

5

10

15

20

25

30

35

epa ebi bra acm egu dbr bcr hph m m i eap sar ccl eal hhy pbo

espécies

% d

o nú

mer

o to

tal d

e in

diví

duos

39

Figura 8 - Contribuição percentual das espécies dominantes ao longo do gradiente altitudinal amostrado. acm = Adenomera cf. marmorata; bra = Brachycephalus sp.; ebi = Eleutherodactylus binotatus; epa = Eleutherodactylus parvus.

0

10

20

30

40

50

60

0 100 200 300 400 500 600 700 800 900

altitude (m)

% d

o nú

mer

o to

tal d

e in

diví

duos

acmbraebiepa

40

Densidade

A densidade média de anuros de serapilheira da Ilha de São Sebastião foi de 14,7

ind./100 m2. O número de indivíduos avistados por parcela (ind./par.) variou entre 0 e 56,

com mediana 7,0, e primeiro e terceiro quartis 3,0 e 10,3 ind./par., respectivamente.

Ao longo do gradiente altitudinal, foi observada uma tendência de queda da

densidade (ind./par.) nas faixas entre 500 e 700 m de altitude, e aumento expressivo nas

faixas de 800 e 900 m (Figura 9).

Em função das diferentes altitudes mínimas e máximas amostradas nos três

transectos, o número de indivíduos avistados por parcela ao longo do gradiente altitudinal

foi analisado separadamente para cada transecto (Figura 10). Os transectos 1 e 2 são

semelhantes em relação à tendência de queda na densidade de indivíduos entre 400 e 700 m

de altitude, mas apresentam diferenças na faixa dos 300 m. O transecto 3 é semelhante aos

transectos 1 e 2, apresentando baixas densidades em 500 e 600 m de altitude, mas distinto

na faixa dos 700 m, onde a densidade é mais alta. Nas faixas de 800 e 900 m (altitudes não

amostradas nos transectos 1 e 2), o transecto 3 apresenta as maiores densidades observadas

em qualquer faixa altitudinal ou transecto.

Para as quatro espécies mais abundantes, que foram dominantes em duas ou três

faixas altitudinais (Figura 8) e representaram 87% do total de indivíduos avistados e

identificados, foi observada variação na densidade ao longo do gradiente altitudinal (Figura

11).

Eleutherodactylus parvus, que ocorreu entre 0 e 900 m de altitude, apresentou um

pequeno aumento de densidade em 400 e 500 m, e as mais altas densidades em 800 e 900

m.

41

Figura 9 - Variação do número de indivíduos avistados por parcela (“Box-Whiskers”) ao longo do gradiente altitudinal amostrado. Linhas horizontais = mediana; limites das caixas = 1o e 3o quartis (entre 25% e 75% dos valores observados); linhas verticais = valores mínimos e máximos excluindo-se “outliers” e extremos; o = “outliers”; + = valores extremos. O número de parcelas amostrado ao longo do gradiente está indicado acima dos valores máximos observados para cada faixa altitudinal.

altitude (m)

núm

ero

de in

diví

duos

por

par

cela

0

10

20

30

40

50

60

0 100 200 300 400 500 600 700 800 900

N=4

N=4

N=4

N=8N=12

N=12N=12

N=12

N=12

N=12

42

Figura 10 - Variação do número de indivíduos avistados por parcela (“Box-Whiskers”) ao longo do gradiente altitudinal amostrado em cada transecto. A: transecto 1; B: transecto 2; C: transecto 3. Em todas as faixas altitudinais foram amostradas quatro parcelas. Linhas horizontais = mediana; limites das caixas = 1o e 3o quartis (entre 25% e 75% dos valores observados); linhas verticais = valores mínimos e máximos observados.

TRANSECTO 1

altitude (m)

núm

ero

de in

diví

duos

por

par

cela

0

10

20

30

40

50

60

0 100 200 300 400 500 600 700 800 900

TRANSECTO 2

altitude (m)

núm

ero

de in

diví

duos

por

par

cela

0

10

20

30

40

50

60

0 100 200 300 400 500 600 700 800 900

TRANSECTO 3

altitude (m)

núm

ero

de in

diví

duos

por

par

cela

0

10

20

30

40

50

60

0 100 200 300 400 500 600 700 800 900

A

B

C

Figura 11 - Variação dencontradas nas parcelasA: = Eleutherodactylus pB: = Eleutherodactylus bLinhas horizontais = mevalores observados); linhe extremos; o = “outlierPara o número de parce

núm

ero

de in

diví

duos

por

par

cela

0

5

10

15

0 100

núm

ero

de in

diví

duos

por

par

cela

0

10

20

30

0 100

s

Eleutheroactylus parvu

A

altitude (m)200 300 400 500 600 700 800 900

Brachycephalus sp.

B

o número de indivíduos das quat (“Box-Whiskers”) ao longo do gradiarvus; = Brachycephalus sp. inotatus; = Adenomera cf. marmorata diana; limites das caixas = 1o e 3o quaas verticais = valores mínimos e máx

s”; + = valores extremos. las amostradas em cada faixa altitudin

altitude (m)

200 300 400 500 600

Adenomera cf. marmorata

r

Eleutherodactylus binotatus

43

o espécies mais abundantes ente altitudinal amostrado.

rtis (entre 25% e 75% dos imos excluindo-se “outliers”

al veja acima Figura 10.

700 800 900

44

Eleutherodactylus binotatus, que ocorreu entre 100 e 900 m de altitude, apresentou

aumento de densidade em 200 m, queda em 300 m, maior aumento em 400 m, e queda

progressiva de densidade entre 400 e 900m.

Brachycephalus sp., restrito ao transecto 3 entre 700 e 900m de altitude, apresentou

aumento progressivo de densidade entre 700 e 900m.

Adenomera cf. marmorata, que ocorreu entre 0 e 600m de altitude, apresentou queda

progressiva de densidade entre 0 e 600m.

Relação entre a anurofauna de serapilheira e as variáveis ambientais

Foi testada a relação de 30 variáveis ambientais com a distribuição das nove

espécies de anuros de serapilheira que estiveram presentes em pelo menos cinco parcelas

(veja em “Material e Métodos; Análise de Dados”). Nove variáveis (altitude, altura da

camada de raízes, quantidade de bambu, inclinação do terreno, temperatura da serapilheira,

umidade do solo, distância de riachos, altura da camada de serapilheira e variação da

pressão atmosférica) foram significativamente correlacionadas com a abundância das

espécies, sendo utilizadas para a ordenação das parcelas e das espécies na Análise de

Correspondência Canônica (ACC). A Figura 12 ilustra a ordenação das parcelas e das

espécies ao longo do 1o e 2o eixos da ACC, e os vetores das variáveis ambientais sobre as

quais a análise foi gerada. A variância total explicada por estas nove variáveis foi de 42%.

O eixo 1 da ACC (autovalor: 0,55; p<0,01) ilustra basicamente a distribuição de

espécies ao longo do gradiente altitudinal. A localização de cada espécie em relação a este

eixo indica em que posição do gradiente cada uma é mais abundante. Da menor para a

maior altitude, as espécies distribuem-se ao longo do eixo na seguinte ordem: Bufo crucifer,

Adenomera cf. marmorata, Myersiella microps, Hylodes phyllodes, Eleutherodactylus binotatus,

Dendrophryniscus brevipollicatus, Eleutherodactylus parvus, Eleutherodactylus guentheri e

45

46

Brachycephalus sp. As espécies próximas à origem do eixo (Eleutherodactylus parvus e

Dendrophryniscus brevipollicatus) foram encontradas praticamente ao longo de todo o gradiente

(veja também Figura 6). Com o aumento da altitude, também aumenta a altura da camada

de raízes, a quantidade de bambu, a inclinação do terreno e a distância de riachos, e

diminuem a umidade do solo e a temperatura da serapilheira. As variáveis altura da camada

de serapilheira e variação da pressão estão pouco relacionadas com este eixo, sendo

representadas por vetores relativamente curtos.

O eixo 2 da ACC (autovalor: 0,19; p<0,01) está relacionado, por ordem de

importância, às variáveis: quantidade bambu, inclinação do terreno, altura da camada de

raízes, distância de riachos e temperatura da serapilheira.

Hylodes phyllodes, Adenomera cf. marmorata e Bufo crucifer estão ordenados em sentido

contrário a inclinação do terreno e distância de riachos, e no mesmo sentido de umidade do

solo.

Modificação do método das parcelas amplas: uso de redes

A modificação do método das parcelas amplas de 8 x 8 m, pelo uso de redes de

fibra sintética que cercaram as parcelas, aumentou consideravelmente o número de anuros

avistados. Dos 865 anuros avistados, 396 estavam nas redes, o que corresponde a 45,8% do

total de indivíduos.

Todas as espécies avistadas nas redes também foram avistadas nas parcelas. Em

relação ao tamanho (comprimento rostro-cloacal) dos indivíduos avistados nas redes e nas

parcelas, foi observada diferença significativa (p<0,01; U=65.412,5; Nrede=366;

Nparcela=457), sendo que na rede os indivíduos foram menores (mediana 12,8; primeiro e

terceiro quartis 10,0 e 17,6, respectivamente) do que nas parcelas (mediana 14,2; primeiro e

terceiro quartis 11,5 e 22,7, respectivamente).

47

DISCUSSÃO

Riqueza específica

Conhecimentos sobre a anurofauna da Ilha de São Sebastião estão limitados a

poucos estudos (e. g. LUEDERWALDT, 1929; MÜLLER, 1968; CRUZ et al., 1997; R. J. SAWAYA,

dados não publicados; presente estudo). No presente estudo, é estimado para a Ilha de São

Sebastião ao redor de 20 espécies de anuros de serapilheira. Em Ubatuba, a maioria das

espécies de serapilheira é conhecida (cf. GIARETTA, 1999), pois vários pesquisadores têm

trabalhado na localidade nos últimos anos. Assim, GIARETTA (1999) não utilizou qualquer

estimador de riqueza baseado nas parcelas amostradas, e apresenta uma lista de anuros de

serapilheira com 21 espécies. ALLMON (1991) propõe o número de aproximadamente 20

espécies para florestas tropicais de baixa altitude, o que parece se aplicar às localidades

estudadas na Serra do Mar do Estado de São Paulo, Ilha de São Sebastião e Ubatuba.

Para a Serra da Mantiqueira, no Estado de São Paulo, estudos quantitativos e

conhecimentos prévios sobre as localidades estudadas (GIARETTA et al., 1997; GIARETTA et

al., no prelo) apontam um menor número de espécies de anuros de serapilheira, entre 11 e

12 (veja também Tabela 3). As altitudes amostradas na Serra da Mantiqueira, entretanto,

limitaram-se às faixa entre 850 e 1.250m. SCOTT (1976) sugere haver diminuição do

número de espécies com o aumento da altitude e número de meses secos (pluviosidade

menor do que 100 mm). Assim, além das maiores altitudes, as menores pluviosidades e a

ocorrência de maior número de meses secos (Tabela 3) poderiam explicar o menor número

de espécies observados na Serra da Mantiqueira em relação à Serra do Mar. Entretanto, as

localidades da Serra da Mantiqueira correspondem a reservas menores e com maior grau de

perturbação antrópica, o que dificulta a comparação entre as duas serras.

48

49

Em Ubatuba, uma diminuição abrupta da riqueza específica foi observada a partir

dos 550m de altitude, o que correspondeu a uma relação não linear de declínio do número

de espécies com o aumento da altitude (GIARETTA, 1999). Apesar de já ter sido observada

para localidades da América Central (e. g. SCOTT, 1976; FAUTH et al., 1989), a diminuição da

riqueza com o aumento da altitude tem sido tratada na literatura como uma relação linear.

Nas Florestas de Baixada de Ubatuba foi observado um maior número de espécies, com

seis espécies que ocorreram somente aí (GIARETTA, 1999). Na Ilha de São Sebastião, o

padrão de riqueza em relação à altitude é semelhante ao observado para Ubatuba, com

exceção das faixas altitudinais entre 0 e 200m, que apresentam baixo número de espécies

(Figura 5). A menor riqueza observada em menores altitudes na Ilha de São Sebastião

provavelmente está associada à escassez de planícies litorâneas na localidade (veja acima

“Material e métodos; Área de estudo”) e, praticamente, à inexistência de Florestas de

Baixada, que devem representar um ambiente particular.

A teoria da biogeografia de ilhas propõe um menor número de espécies em áreas

menores e mais isoladas (MACARTHUR & WILSON, 1967; veja revisões em PIANKA, 1994;

BEGON et al., 1986). Segundo a teoria, para a Ilha de São Sebastião não seria esperado um

decréscimo importante no número de espécies por sua grande dimensão e proximidade do

continente. Para as altitudes maiores da ilha, entretanto, a diminuição da área deve ser um

fator importante, que poderia explicar o menor número de espécies observado em regiões

mais altas. Brachycephalus sp. está restrito na Ilha de São Sebastião a altitudes acima dos 700

m, tendo sido observado em apenas um dos três transectos amostrados, justamente o que

apresenta as maiores altitudes (aproximadamente 1.100 m; veja também Tabela 2). Os

outros dois transectos apresentam altitudes máximas de aproximadamente 750 e 800m, e

provavelmente áreas muito reduzidas acima dos 700m que suportem populações de

Brachycephalus sp. Além disso, estes transectos apresentam um menor número de espécies

em relação ao transecto 3 (veja Tabela 2).

50

Na Ilha de São Sebastião, assim como em Ubatuba (GIARETTA, 1999), foi

observada alta sobreposição na ocorrência de espécies ao longo do gradiente altitudinal

amostrado (Figura 6). Entretanto uma análise quantitativa (ACC) evidenciou substituição

das nove espécies mais abundantes ao longo do gradiente altitudinal, o que deve estar

relacionado a diferentes preferências de habitat entre as espécies (veja discussão abaixo em

“Densidade de indivíduos” e “Relação entre a anurofauna de serapilheira e as variáveis

ambientais”).

Abundância relativa de espécies e dominância

Apesar de ser esperado para florestas tropicais alta equitatividade na abundância

relativa de espécies (LLOYD et al., 1968), ou seja, baixos valores de dominância, LIEBERMAN

(1986) não considera a equitatividade como uma característica distintiva de florestas

tropicais. Como esperado para a maioria das comunidades ou taxocenoses (KREBS, 1989), a

Ilha de São Sebastião apresenta um maior número de espécies raras, em relação a espécies

comuns (Figura 7). Considerando os valores de dominância para as amostragens

quantitativas das localidades de Mata Atlântica do Estado de São Paulo (Tabela 3), a

variação é considerável. Para as localidades da Serra do Mar a espécie dominante é a

mesma, Eleutherodactylus parvus, mas com valores diferentes no verão em Ubatuba, 51,9%

(GIARETTA, 1999), e Ilha de São Sebastião, 34,7% (presente estudo). Para a única localidade

da Serra da Mantiqueira amostrada no verão, Atibaia, a espécie dominante é diferente,

Brachycephalus ephippium, e o valor de dominância é de 54,3% (GIARETTA et al., no prelo;

Tabela 3). Considerando que Eleutherodactylus parvus também ocorre em Atibaia,

provavelmente a diferença entre as duas serras, em relação à espécie dominante no verão,

está relacionada às diferentes condições climáticas (e. g. pluviosidade média anual e número

de meses secos) e, conseqüentemente, às diferentes tolerâncias ambientais das espécie

51

dominantes, à altitude e/ou à diferente composição de espécies das localidades (mais

parecidas entre si nas localidades da Serra do Mar). Considerando apenas o inverno (Tabela

3), estação não amostrada na Ilha de São Sebastião, a Serra do Mar caracteriza-se por

menores valores de dominância em Ubatuba (43,2%) em relação à Serra da Mantiqueira em

Atibaia (78,5%) e no Japi (71,5%). Nesse caso, os diferentes valores de dominância entre as

duas serras não estão relacionados às espécies dominantes, que são diferentes em Atibaia e

Japi, mas sim à linha de neblina que ocorre em regiões mais altas da Serra da Mantiqueira,

possivelmente aumentando a umidade e diminuindo os efeitos da sazonalidade climática

nessas regiões (GIARETTA et al., 1997; GIARETTA et al., no prelo).

Para a Ilha de São Sebastião, foi observada substituição das espécies dominantes ao

longo do gradiente altitudinal, como também observado para as duas altitudes amostradas

na Serra do Japi (GIARETTA et al., 1997) e no gradiente altitudinal amostrado em Ubatuba

(GIARETTA et al., no prelo). Entretanto, quando considerada a espécie dominante em cada

faixa altitudinal, não foi observado aumento da dominância com o aumento da altitude,

como proposto por SCOTT (1976). É possível que o padrão observado por SCOTT (1976)

seja resultado da comparação de diferentes altitudes em diferentes localidades na América

Central, e não limitada a um gradiente altitudinal contínuo como o analisado no presente

estudo.

Densidade

A densidade média de indivíduos observada para a Ilha de São Sebastião, 14,7

ind./100 m2, não corrobora o padrão regional de ALLMON (1991) proposto para a América

do Sul, de 4 a 6 ind./100 m2. As generalizações de ALLMON (1991) sobre padrões regionais

de densidade apresentam como problemas diferenças dos métodos utilizados nos estudos

que são comparados (e. g. parcelas de 5 x 5m e de 8 x 8 m), esforço amostral diferente nas

52

localidades e falta de replicação em algumas regiões. Para a proposta do padrão regional de

densidade da América do Sul, ALLMON (1991) considerou apenas dados relativos à região

de Manaus, Estado do Amazonas. Sendo a própria Amazônia uma região variável em

relação à abundância de anuros de serapilheira (M. MARTINS, com. pess.), provavelmente a

América do Sul apresenta variação ainda maior. Em relação à Mata Atlântica do Estado de

São Paulo, a Serra do Mar apresenta densidades maiores em relação à Mantiqueira no

verão, a primeira com 14 a 17 ind./100 m2, e a segunda ao redor de 6 ind./100 m2 (dados

disponíveis apenas para Atibaia; Tabela 3).

Ao longo do gradiente altitudinal, na Ilha de São Sebastião, foi observada uma

tendência de queda na densidade de indivíduos nas faixas altitudinais de 500 a 700m, e

aumento expressivo em 800 e 900m (Figura 9). Quando analisados os três transectos

separadamente (Figura 10), os transectos 1 e 2 (limitados entre 0 e 700m de altitude)

apresentam tendências bastante diferentes do transecto 3 (limitado entre 200 e 900m de

altitude) na faixa dos 700 m. Os transectos 1 e 2, para os quais as altitudes máximas dos

morros são de aproximadamente 750 e 800m, respectivamente, apresentam uma queda

progressiva na densidade de indivíduos entre os 400 e 700m. É possível que a baixa

densidade observada nestes transectos nas maiores altitudes esteja relacionada à

proximidade destas com os topos de morro, que podem representar um ambiente distinto

daqueles de altitudes intermediárias. O Transecto 3, com altitude máxima de

aproximadamente 1.100 m, também apresenta menores densidades em 500 e 600m, mas

maiores densidades em 700m, que apenas neste caso está distante do topo de morro. As

grandes densidades observadas em 800 e 900m de altitude no transecto 3, podem estar

relacionadas às grandes distâncias destas faixas altitudinais em relação ao topo do morro,

possibilitando a presença de Brachycephalus sp. e a ocorrência de Eleutherodactylus parvus em

alta densidade. (Figura 11A).

53

Relação entre a anurofauna de serapilheira e as variáveis ambientais

Nove variáveis ambientais apresentaram relação significativa com as abundâncias

das nove espécies de anuros de serapilheira mais amostradas na Ilha de São Sebastião. A

“altitude”, entretanto, não pode ser considerada estritamente como uma variável ambiental,

e sim como uma variável de posição. No diagrama de ordenação da Análise de

Correspondência Canônica (ACC), o vetor “altitude” corresponde praticamente ao eixo 1,

que ilustra a substituição das espécies ao longo do gradiente altitudinal (Figura 12; veja

também figuras 8 e 11). O número relativamente alto de variáveis ambientais relacionadas

às abundâncias das espécies, indica diferentes preferências de habitat entre cada uma delas.

As espécies que estão ordenadas em sentido contrário à altitude e distância de riachos, e em

mesmo sentido de umidade do solo, Adenomera cf. marmorata, Bufo crucifer e Hylodes phyllodes,

são mais abundantes em terrenos menos inclinados e mais próximos a riachos, que

apresentam maior umidade do solo. Bufo crucifer e A. cf. marmorata são espécies oportunistas

que normalmente invadem áreas degradadas (obs. pess.), tendo ocorrido em altas

densidades na única Floresta de Baixada amostrada na ilha, que se encontra mais degradada

que as demais regiões. Adenomera cf. marmorata também está associada a regiões de menor

altitude, onde apresenta as maiores densidades (Figura 11B). Hylodes phyllodes, uma espécie

nitidamente associada a riachos, provavelmente está ordenada em sentido contrário à

altitude em função das parcelas amostradas em regiões mais altas apresentarem maior

distância de riachos (veja na figura 12 a associação entre os vetores altitude e distância de

riachos).

54

Comparação com outras localidades da Mata Atlântica

Apesar de apenas quatro estudos quantitativos sobre a anurofauna de serapilheira

terem sido realizados na Mata Atlântica do Estado de São Paulo, e em reservas com

características diferentes, torna-se possível uma primeira abordagem sobre padrões de

diversidade e densidade para o grupo nas Serras da Mantiqueira e do Mar. Em relação à

Serra da Mantiqueira, a Serra do Mar parece caracterizar-se pela maior riqueza específica e

densidade de indivíduos. Em grande parte, a maior riqueza observada na Serra do Mar

pode estar associada a presença de florestas em menores altitudes. Apenas amostragens

mais detalhadas em altitudes superiores a 850m na Serra do Mar, poderiam confirmar a

hipótese. Para verificar os padrões observados e propostos para cada serra, e possibilitar

uma maior compreensão dos padrões de distribuição altitudinal da anurofauna de

serapilheira, seriam úteis estudos quantitativos em regiões mais preservadas e com

gradientes altitudinais mais longos na Serra da Mantiqueira (e. g. Serra do Itatiaia).

Método das parcelas amplas de 8 x 8 m

O método das parcelas amplas de 8 x 8 m possibilita boas estimativas de

abundância relativa e densidade de anuros de serapilheira (HEYER et al., 1994). Em relação à

riqueza específica, nas duas localidades da Serra do Mar do Estado de São Paulo onde o

método foi utilizado, Ubatuba (GIARETTA, 1999) e Ilha de São Sebastião (presente estudo),

foram coletadas aproximadamente 75% das espécies de serapilheira que provavelmente

ocorrem em cada localidade. Assim, para uma melhor amostragem da riqueza específica de

anuros de serapilheira, seria apropriado combinar dois ou três métodos diferentes dentre

aqueles propostos em HEYER et al. (1994). Apesar de não amostrar toda a fauna de anuros

de serapilheira, as parcelas amplas também podem ser indicadas para a amostragem de

55

espécies dificilmente coletadas através de outros métodos. Em Ubatuba (GIARETTA, 1999),

onde a anurofauna é relativamente bem conhecida, foi coletada uma nova espécie,

Psyllophryne hermogenesi, que ocorre desde o nível do mar até os 700m de altitude (GIARETTA

& SAWAYA, 1998). Na Ilha de São Sebastião (presente estudo), apesar da anurofauna ser

relativamente pouco conhecida, foram coletadas três formas do gênero Eleutherodactylus sem

um nome disponível (E. aff. erythromerus, E. aff. lacteus e E. aff. parvus).

Embora o método das parcelas amplas tenha sido utilizado em outras localidades

do planeta para a amostragem de répteis, parece ser limitado para a amostragem de

serpentes e lagartos. Nas 92 parcelas amostradas na Ilha de São Sebastião foram avistados e

coletados apenas dez lagartos de três espécies, e oito serpentes de cinco espécies (Apêndice

1). Assim, como proposto por JAEGER & INGER (1994), o método deve ser utilizado

apenas para a amostragem de anuros de serapilheira.

A modificação do método pelo uso de redes que cercam as parcelas (GIARETTA,

1999; presente estudo; Figura 2) é de grande importância, por aumentar em até 45% o

número de indivíduos coletados.

56

CONCLUSÕES

A Ilha de São Sebastião apresenta aproximadamente 20 espécies de anuros de

serapilheira, assim como florestas tropicais de baixa altitude em diferentes localidades dos

planeta. Maior número de espécies ocorre entre 200 e 600 m de altitude.

A taxocenose é composta por um maior número de espécies raras, que representam

menos de 5% do total de indivíduos.

Diferentes espécies são dominantes ao longo do gradiente altitudinal, mas não há

um aumento no valor de dominância em maiores altitudes.

A densidade média de indivíduos na Ilha de São Sebastião, 14,7 ind./100 m2, está

entre as maiores densidades observadas em outras florestas tropicais do planeta, sendo

semelhante a de Ubatuba, SP, sudeste do Brasil, e de localidades da América Central.

Ao longo do gradiente altitudinal, a densidade de indivíduos foi menor entre os 500

e 700m de altitude, e maior nos 800 e 900m. Densidades maiores observadas nos 800 e

900m estão limitadas a apenas um dos três transectos amostrados e estão relacionadas à

maior altitude máxima de morros, possibilitando a ocorrência de Brachycephalus sp. e

Eleutherodactylus parvus em alta densidade.

Apesar da alta sobreposição na ocorrência de espécies, análises quantitativas

demonstram substituição de espécies ao longo do gradiente altitudinal amostrado.

Provavelmente esta substituição de espécies nas faixas altitudinais reflete as diferentes

preferências de habitat de cada uma, evidenciadas pela relação de nove variáveis ambientais

com a sua distribuição.

Em relação à Serra da Mantiqueira, a Serra do Mar apresenta maior riqueza

específica e maior densidade de anuros de serapilheira, provavelmente associadas à altitude

e pluviosidade.

57

O método das parcelas amplas de 8 x 8 m não amostra todas as espécies de anuros

de serapilheira, mas permite a coleta de espécies dificilmente amostradas por outros

métodos. Uma importante modificação do método das parcelas amplas é o uso de redes,

que podem aumentar o número de indivíduos coletados em até 45%.

58

RESUMO

Foram caracterizadas a riqueza específica, a abundância relativa e a densidade de

anuros de serapilheira ao longo de um gradiente altitudinal de 0 a 900m, em uma localidade

de Mata Atlântica do sudeste do Brasil. O estudo foi realizado na Ilha de São Sebastião,

litoral norte do Estado de São Paulo, em três diferentes transectos. Foram amostradas 92

parcelas amplas de 8 x 8 m cercadas por redes, durante o dia, entre 10 de dezembro de

1997 e 30 de janeiro de 1998. Foram avistados 865 indivíduos, dos quais 846 de 15

diferentes espécies foram identificados, e 804 foram coletados. Foi estimado para a

localidade um total de 20 espécies de serapilheira, sendo que atualmente são conhecidas 16.

Foi observado um maior número de espécies entre os 200 e 600 m de altitude, sendo que

apenas três foram restritas entre 0 e 300 m, e três entre 700 e 900 m. Uma única Floresta de

Baixada amostrada apresentou baixa riqueza e nenhuma espécie exclusiva, provavelmente

pela escassez deste tipo florestal na localidade. Apesar da alta sobreposição na ocorrência

de espécies, análises quantitativas evidenciaram substituição de espécies ao longo do

gradiente altitudinal amostrado, especialmente para as quatro espécies mais abundantes,

provavelmente devido a diferentes preferências de habitat de cada uma. A taxocenose de

anuros de serapilheira da Ilha de São Sebastião é composta por cinco espécies

relativamente comuns, e pelo menos dez raras com contribuição percentual em relação ao

número total de indivíduos menor do que 5%. As quatro espécies mais abundantes foram

dominantes em duas ou três faixas altitudinais, mas os valores gerais de dominância não

aumentaram em maiores altitudes. A densidade média de indivíduos para a localidade foi de

14,7 ind./100 m2. Foram observadas as menores densidades de indivíduos entre 500 e

700m de altitude. As maiores densidades observadas em 800 e 900m de altitude, faixas

amostradas em apenas um transecto, foram relacionadas a duas espécies, Eleutherodactylus

parvus e Brachycephalus sp. O método das parcelas amplas de 8 x 8 m amostrou

59

aproximadamente 75% do número total de espécies estimado para a localidade e poucas

espécies de lagartos e serpentes, indicando que é apropriado apenas para a amostragem de

anuros de serapilheira, mas deve ser combinado a outros métodos para melhor

caracterização da riqueza total de espécies. Através dos quatro estudos quantitativos

realizados na Mata Atlântica do Estado de São Paulo, em relação à Serra da Mantiqueira a

Serra do Mar caracteriza-se pela maior riqueza e maior densidade de anuros de serapilheira,

o que provavelmente está relacionado a altitude e características pluviométricas.

60

ABSTRACT

The species richness, relative abundance and density of litter frogs were sampled in

a rain forest locality, in Southeast Brazil, along an altitudinal gradient between 0 and 900

meters. The study was carried out in “Ilha de São Sebastião”, São Paulo State, in three

different transects. Ninety-two 8 x 8 m plots enclosed by plastic fences were sampled

during the day between December 10, 1997 and January 30, 1998. Eight hundred and sixty

five individuals were found, of which 846 were identified as belonging to fifteen different

species; 804 were collected. Twenty species of litter frogs were estimated for the locality, of

which sixteen are currently known. Between 200 and 700 meters of altitude a great number

of species was observed and only three were restricted between 0-300m and 700-900m. In

a single lowland forest sampled there was low richness and no restricted species, probably

due to the scarcity of this forest type in the locality. Along the altitudinal gradient there was

high overlap of species occurrence but quantitative analyses illustrated species replacement,

especially for the four more abundant species, probably due to different habitat

preferences. The litter frog assemblage of “Ilha de São Sebastião” has five relatively

common species and at least ten rare species that were represented by fewer than 5% of

the total number of individuals. The four abundant species were dominant in two or three

altitudinal bands, but the general values of dominance were not increased in higher

altitudes. The mean density of individuals observed for the locality was 14,7 ind./100 m2.

The lowest densities were observed between 500 and 700 meters of altitude. The highest

densities observed between 800 and 900 meters, bands sampled in only one transect, were

due to two species, Eleutherodactylus parvus and Brachycephalus sp. The 8 x 8 meter plot

method has sampled approximately 75% of the total number of species estimated for the

locality and a few species of lizards and snakes, indicating that it is a good method only for

litter frog assemblage samples but should be combined with other methods to sample the

61

total species richness. Based on the four quantitative studies of litter frogs in the Atlantic

Rain Forest of southeastern Brazil, “Serra do Mar” could be characterized by a higher

species richness and density of individuals when compared to “Serra da Mantiqueira”,

probably due to altitudinal and pluviometric characteristics.

62

Apêndice 1 - Espécies de lagartos e serpentes, e número de indivíduos coletados em cada faixa altitudinal, nas 92 parcelas amostradas na Ilha de São Sebastião.

subordem família espécie N altitude

Lacertilia

Polychrotidae Enyalius iheringii 7 400 (N=1), 500 (N=4) e

600m (N=2)

Gekkonidae Gymnodactylus darwini 2 200m

Gymnophtalmidae Placosoma glabellum 1 300m

Serpentes

Viperidae Bothrops jararaca 3 200, 500 e 600m

Bothrops jararacussu 1 400m

Colubridae Clelia plumbea 1 400m

Dipsas petersi 1 0m

Echinantera cephalostriata 2 400 e 700m

63

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