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Page 1: Ditadura Militar, Esquerdas e Sociedade - zahar.com.br · Daniel Aarão Reis Ditadura Militar, Esquerdas e Sociedade terceira edição Rio de Janeiro

Ditadura Militar, Esquerdase Sociedade

744.2000-3

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Daniel Aarão Reis

Ditadura Militar, Esquerdase Sociedade

terceira edição

Rio de Janeiro

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Copyright © 2000, Daniel Aarão Reis

Copyright desta edição © 2005:Jorge Zahar Editor Ltda.rua México 31 sobreloja

20031-144 Rio de Janeiro, RJtel.: (21) 2240-0226 / fax: (21) 2262-5123

e-mail: [email protected]: www.zahar.com.br

Todos os direitos reservados.A reprodução não-autorizada desta publicação,

no todo ou em parte, constitui violaçãode direitos autorais. (Lei 9.610/98)

Capa: Carol Sá e Sérgio CampanteVinheta da coleção: ilustração de Debret

Composição eletrônica: TopTextos Edições Gráficas Ltda.Impressão: Cromosete Gráfica e Editora

Edição anterior: 2000

R299d3.ed.

Reis, Daniel Aarão Ditadura militar, esquerdas e sociedade / Daniel AarãoReis. — 3.ed. — Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005 : il.. — (Descobrindo o Brasil)

Inclui bibliografia ISBN 85-7110-558-8

1. Brasil – História – 1964-1985. 2. Brasil – Políticae governo – 1964-1985. I. Título. II. Série.

CDD 981.06205-2883 CDU 981“1964/1985”

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

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Ditadura militar no Brasil:uma incômoda memória

Quase ninguém quer se identificar com a ditaduramilitar no Brasil nos dias de hoje. Contam-se nos dedosaqueles que se dispõem a defender as opções quelevaram à sua instauração e consolidação. Até mesmopersonalidades que se projetaram à sua sombra, e quedevem a ela a Sorte, o poder e a riqueza que possuem,não estão dispostas, salvo exceções, a acorrer em suadefesa.

Para a grande maioria da sociedade, a ditadura e osditadores foram demonizados. Em 1998, por ocasiãodas comemorações dos 30 anos do estranho ano de1968, a sociedade brasileira, através da mídia e daacademia, consagrou uma orientação de hostilidade àditadura: celebrou os vencidos de então e condenousem piedade os poderosos que mandavam e desman-davam no país. Sobre o período, de modo geral, amemória da sociedade tendeu a adquirir uma arquite-tura simplificada: de um lado, a ditadura, um tempode trevas, o predomínio da truculência, o reino da

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exceção, os chamados anos de chumbo. De outro, a novarepública, livre, regida pela Lei, o reino da cidadania,a sociedade reencontrando-se com sua vocação demo-crática.

Nessa reconstrução, as esquerdas freqüentementeaparecem como vítimas. Quando lutam, o fazem inte-gradas em um processo de resistência. Esta é umapalavra-chave na memória das esquerdas submetidaspela ditadura. Nessa reconstrução os valores democrá-ticos, embora derrotados em 1964, sempre contaramcom um apoio amplo e maciço na sociedade, emborasob vigilância, acuados pela repressão, pelo menos até1974. Foi exatamente nessas circunstâncias, sem válvu-las de escape, que alguns grupos de esquerda — deses-perados e desesperançados — se lançaram à luta arma-da. Constituídos fundamentalmente por jovens estu-dantes, audaciosos mas inexperientes, foram destroça-dos em uma luta desigual contra os aparelhos da repres-são. Bravos jovens! Radicais, equivocados, mas genero-sos! A rigor, a ditadura, sempre segundo essas versões,fora a grande responsável pela luta armada, redimen-sionada como uma reação desesperada à falta de alter-nativas.

De 1974 em diante, nas condições relativamentefavoráveis criadas pela distensão lenta, segura e gradual,comandada pelo general Geisel, haveria um refloresci-mento das esquerdas moderadas e democráticas nasociedade. Na segunda metade dos anos 70 — sobre-

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tudo depois da revogação do Ato Institucional n.5, apartir do início de 1979, e da aprovação da Anistia, emagosto do mesmo ano —, lideranças e partidos deesquerda, embora ainda minoritários, voltariam a de-sempenhar papéis importantes na cena política.

A ditadura fora uma noite. Mas triunfara a manhã,confirmando a profecia do poeta Thiago de Melo: “Fazescuro, mas eu canto, porque a manhã vai chegar.” Em1979 a manhã chegou, finalmente. E a sociedade bra-sileira pôde repudiar a ditadura, reincorporando suamargem esquerda e reconfortando-se na idéia de quesuas opções pela democracia tinham fundas e autênti-cas raízes históricas.

Muitos dos aspectos até agora referidos constituemlugares-comuns em uma certa memória sobre a dita-dura e as esquerdas. Habitam discursos políticos, livrosdidáticos, filmes e materiais diversos de análise e divul-gação. Em tudo isto, sobressai uma tese: a sociedadebrasileira viveu a ditadura como um pesadelo que épreciso exorcizar, ou seja, a sociedade não tem, e nuncateve, nada a ver com a ditadura.

Assim, embora tenha desaparecido gradualmente,em ordem e paz, a ditadura militar foi e tem sido objetode escárnio, desprezo ou indiferença, atitudes que ten-dem a estabelecer uma ruptura drástica entre o passadoe o presente, quando não induzem ao silêncio e aoesquecimento de um processo, contudo, tão recente etão importante de nossa história.

DITADURA MILITAR, ESQUERDAS E SOCIEDADE

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Entretanto, se isso tudo corresponde à verdade,como explicar por que a ditadura não foi simplesmenteescorraçada? Ou que tenha sido aprovada uma anistiarecíproca? Como compreender que permaneçam comtanta força lideranças e mecanismos de poder preser-vados e/ou construídos no período da ditadura, pela epara a ditadura? Como se sabe, do latifúndio ao poderincontrastável dos bancos, da mídia monopolizada deRoberto Marinho aos serviços públicos deteriorados dasaúde e da educação, da dívida interna à externa, deJosé Sarney a Antonio Carlos Magalhães, passando porDelfim Neto, são inúmeras as continuidades entre astrevas da ditadura e as luzes da democracia. E o quedizer da cultura política autoritária, cuja vitalidadeninguém pode contestar tantos anos depois de fechadoo período da ditadura militar?

Talvez seja necessário refletir um pouco mais sobreas raízes e os fundamentos históricos da ditadura mili-tar, as complexas relações que se estabeleceram entreela e a sociedade, e, em um contraponto, sobre o papeldesempenhado pelas esquerdas no período.

É o que o presente texto pretende fazer. Começandopelo início: o processo que desembocou na instauraçãoda ditadura. Reconstruir o contexto internacional. Re-visitar as versões então formuladas: uma revolução?Um simples golpe de Estado? Em seguida, estudar odesenvolvimento contraditório dos governos ditato-riais, seus ziguezagues, as tradições conservadas, as

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rupturas efetuadas, as oposições de esquerda, os pro-gramas alternativos apresentados, o impacto que tive-ram, sempre no contexto de uma sociedade que, afinal,nunca se rebelou de forma radical contra a ordemvigente. E observar, finalmente, como se foi extinguin-do a ditadura militar, redefinindo-se, transformando-se, transitando para uma democracia sob formas híbri-das, mudando de pele como um camaleão muda decores, em uma lenta metamorfose que até hoje desen-cadeia polêmicas a respeito de quando, efetivamente,terminou. Nossa escolha recai em 1979, quando dei-xou de existir o estado de exceção, com a revogação dosAtos Institucionais, e foi aprovada a anistia, ensejandoa volta do exílio dos principais líderes das esquerdasbrasileiras. Daí em diante, abriu-se um período detransição, até 1988, quando a aprovação de uma novaConstituição restabeleceu as condições de um plenoestado de direito em nosso país.

Para além dos marcos cronológicos, porém, o fato éque da ditadura fez-se a democracia, como um partosem dor, sem grandiloqüência ou heroísmo, sem revo-luções ou morte d’homem. Cordialmente, macunai-micamente, brasileiramente.

Abril, 1964: a gênese da ditadura

A vitória do movimento civil-militar que derrubouJoão Goulart em abril de 1964 desferiu um golpe no

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