distinção das teorias de alexy e dworkin

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Distinção Das Teorias de Alexy e Dworkin

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  • 2.4.6. A distino das teorias de Alexy (ponderao de princpios pela proporciona-lidade) e Dworkin (integridade do direito)

    comum encontrar nos livros jurdicos brasileiros a indicao de uma relati-va compatibilidade entre as teorias de Robert Alexy e Ronald Dworkin acerca da aplicao dos princpios jurdicos. Todavia, um olhar mais cuidadoso revela que tal proximidade , na realidade, uma iluso, j que os pressupostos tericos dos quais partem ambos os autores so totalmente distintos.

    Alexy, reconhecidamente, parte de um ensaio de autoria de Dworkin para che-gar as suas concluses sobre as distines entre princpios e regras no direito.268 Todavia, aps uma leitura do ensaio, possvel constatar que as concluses assu-midas por ambos os juristas so distintas, para no dizer at mesmo contrrias.

    A principal divergncia se assenta no fato de que, em momento algum de seu percurso acadmico, Dworkin afirma que regras e princpios podem ser diferencia-dos em razo de sua estrutura de aplicao ou por caractersticas morfolgicas (de forma ou de estrutura); ao contrrio, para o autor norte-americano, princpios e regras apresentam uma distino lgico-argumentativa, isto , toma por base no uma construo semntica (dirigida a forma ou estrutura de cada espcie de nor-mas jurdicas em tese e, por isso, longe do caso concreto), mas pragmtica,269 j que a separao se dar de acordo com a argumentao e a apresentao de razes

    266. Em suas pesquisas, Ingeborg Maus (2000) demonstra como, luz do paradigma jurdico do Estado Social, este pode assumir a funo de tutor de uma sociedade desprovida de orientao, de uma sociedade rf e incapaz. Caberia, ento, ao Judicirio a tarefa de materializao de direitos fundamentais principalmente dos chamados direitos sociais como forma de emancipar e conduzir seus clientes condio de cidados. Todavia, tal empreendimento est fadado ao fracasso. Isso porque, luz de uma compreenso procedimen-talista do paradigma do Estado Democrtico de Direito, pode-se perceber que tal quadro conduz a uma es-pcie de crculo vicioso, de modo que a posio privilegiada de autoridade conferida pela teoria processual ao Judicirio apenas fez com que este assumisse o papel do superego da sociedade, passando a ditar para aquela sempre com base em uma racionalidade solipsista os padres de comportamento desejveis.

    267. SOUZA CRUZ, lvaro Ricardo, Jurisdio constitucional democrtica, p. 193- 210.

    268. Trata-se do texto Model of Rules, publicado originalmente na Chicago Law Review, n. 35 (1967-1968), tendo sido depois republicado como o captulo 2 da obra Levando os direitos a srio (com traduo para o por-tugus pela Editora Martins Fontes). Isso no quer dizer que Alexy tenha superado Dworkin (ou coisas do gnero, que demonstram, salvo raras excees, uma preguia intelectual!), mesmo porque Dworkin continuou desenvolvendo suas teorizaes nos ltimos 40 anos. Apenas como exemplos, temos: Law's Empire (1986); Freedom's Law (1996); Justice in robes (2006) e justice for hedgehogs (2011).

    269. Por essa diferenciao, resta claro que a teoria Dworkiana a mais condizente com o giro hermenutico--pragmtico (que defendemos), e fica absurda (para no dizer outra coisa) qualquer teoria que afirme, de forma estrutural e extremamente semntica, que um princpio no pode operar por si s, mas somente a partir de regras que dele so extradas. As concluses desses tericos, infelizmente, podem ser as seguintes: a) um conflito entre princpios seria apenas um conflito de regras; ou b) um eventual conflito entre um prin-cpio e uma regra deveria ser decidido a favor da regra (o absurdo semntico : a regra sempre prevalece

  • pelos envolvidos na discusso. Nessa perspectiva, s pela anlise das razes trazidas pelos participantes da discusso que podemos compreender se a norma invocada funciona como um princpio ou como uma regra jurdica.270

    Outra distino importante e que deve ser destacada provm do fato de Dwor-kin realizar no uma separao entre duas espcies de normas jurdicas, mas sim entre trs espcies de normas jurdicas: regras, princpios e diretrizes polticas. Esta ltima espcie simplesmente se encontra omissa nos estudos de Alexy, at mesmo quando comenta a separao dworkiana.

    Enquanto um princpio consagra uma exigncia de um direito, uma diretriz po-ltica traz um objetivo a ser alcanado, que geralmente coincide com algum aspecto econmico, poltico ou social da comunidade, buscando promover ou assegurar uma situao econmica, poltica ou social considerada desejvel. As diretrizes pol-ticas sim, adquirem o sentido e a aplicao que em Alexy se quer dar aos princpios. Enquanto contedos relativos, elas podem ser ponderadas e aplicadas em diferen-tes graus, mas no os princpios. Os princpios so trunfos, inclusive prevalecendo contra diretrizes polticas! E mais, dado o carter flexvel das diretrizes polticas, apenas o Poder Legislativo seria o rgo legitimado para estabelecer definies e programas de aplicao; ao Judicirio, caberia apenas a aplicao das regras e prin-cpios conforme a dimenso de adequao do caso sub judice, uma vez que a ele est fechada a porta para a realizao de escolhas polticas, que s esto dispon-veis para um conjunto de parlamentares ou congressistas eleitos democraticamente (e, por isso mesmo, representantes de um povo em um Estado democrtico).

    Nesse texto, o jurista norte-americano, de fato, coloca que regras so aplicadas ao modo do tudo ou nada e princpios jurdicos, para serem aplicados, dependeriam de uma anlise do caso concreto, para que se pudesse definir qual princpio teria o maior peso. Todavia, o uso, no texto dworkiano, dos termos peso e ponderar

    sobre um princpio!). Aqui temos um retorno dcada de 40 do sculo XX! Pois, afirmar que uma regra a priori (de forma prvia) prevalece sobre um princpio, seria voltar a uma hierarquizao espria a partir de uma teoria semntica (que definitivamente no leva em considerao situao de aplicao).

    270. Nesse sentido, Dworkin na introduo da obra Justice in robes (2006) explicita, at mesmo, que a afirmao de que o direito seja formado por padres de normas distintos no passaria de uma elaborao escols-tica. Ou seja, a famosa distino entre regras e princpios elaborada por ele em 1967 (no texto: Modelo de Regras I) que inspirou inmeros juristas (incluindo o prprio Alexy) no seria um ponto fulcral em suas anlises posteriores dcada de 70 do sculo XX. Nesses termos, respondendo aos crticos, afirma Dworkin: Temo que boa parte do que afirmei em um artigo publicado em 1967 tenha estimulado a interpretao que (Scott) Shapiro deu a minha argumentao. Sua interpretao, porm, incorreta, como demonstrei num ar-tigo publicado em 1972 (que posteriormente foi chamado de: Modelo de Regras II). Referindo-me ao artigo de 1967, afirmei: No tive a inteno de dizer que o direito contm um nmero fixo de padres, alguns dos quais so regras, e outros princpios. Na verdade, quero contrapor-me ideia de que o direito seja um conjunto fixo de padres de qualquer espcie. DWORKIN, Ronald, A Justia de Toga, p. 330-331, 2011.

  • no recebe a mesma significao e aplicao na tradio norte-americana, na qual Dworkin se situa, daquela que est presente na obra de Alexy.271

    Seguindo a tradio norte-americana, ponderar nada mais do que refletir sobre uma coisa, de modo que Dworkin se prope a ponderar sobre princpios (e no ponderar os princpios). Logo, conflitos envolvendo princpios seriam so-lucionados por meio de uma anlise cuidadosa e pormenorizada da leitura que a sociedade (e no exclusivamente o intrprete) faz da sua histria jurdica. Nessa leitura, devemos nos esforar, ainda, para construir um esquema coerente de prin-cpios e de regras que esto inscritos em nossa prtica social. Dworkin denomina, ento, de integridade uma concepo do direito que se destaca por tentar agir assim. Como consequncia, um direito que apresente integridade capaz de sina-lizar e nortear a aplicao dos princpios em face de cada caso concreto, que deve sempre ser tratado como um evento nico e irrepetvel.272 Em cada caso, portanto, podemos observar os argumentos trazidos por todos os participantes (o que inclui, principalmente, os argumentos que, num processo judicial, so veiculados tanto pelo autor quanto pelo ru), assim como as discusses anteriores sobre aqueles direitos envolvidos. Se posto dessa maneira, seremos capazes de compreender que o que se mostra aparentemente como um conflito entre direitos (ou princpios) ,na realidade, uma iluso.273

    271. Aleinikoff (Constitutional law in the age of balancing) busca traar um panorama da utilizao da chamada ponderao ou balanceamento, que os tribunais norte-americanos alegam adotar, a partir do incio do sculo XX. Todavia, aponta que, em vrios os casos, no preciso vislumbrar a questo a partir da tica do conflitoentre interesses a serem ponderados; desse modo, ele assinala uma importante diferena que parece ser olvidada pelos seus defensores: nem sempre ponderar significaria algo como colocar interesses concorrentes (ou princpios) numa balana e sopes-los. Dentro da tradio norte-americana, ponderar acaba por signifi-car, ainda, refletir; de modo que a soluo dos conflitos entre princpios envolve muito mais um exerccio de reflexo que vai culminar com uma construo terica acerca do princpio adequado do que um tratamento axiolgico. Logo, h uma diferena importante no emprego do termo por um autor como Dworkin que dele faz uso no sentido de realizar uma reflexo e por outro como Alexy que o utiliza no primeiro sentido. Infelizmente a maioria da doutrina ptria (por erro de leitura!) no consegue entender o sentido que o termo ponderar adquire na obra de Dworkin.

    272. O direito como integridade, portanto, comea no presente e s se volta para o passado na medida em que seu enfoque contemporneo assim o determine. No pretende recuperar, mesmo para o direito atual, os ideais ou objetivos prticos dos polticos que primeiro o criaram. Pretende, sim, justificar o que eles fizeram [...] em uma histria geral digna de ser contada aqui, uma histria que traz consigo uma afirmao complexa: a de que a prtica atual pode ser organizada e justificada por princpios suficientemente atraentes para ofe-recer um futuro honrado. O direito como integridade deplora o mecanismo do antigo ponto de vista de que lei lei, bem como o cinismo do novo relativismo. Considera esses dois pontos de vista como enraizados na mesma falsa dicotomia entre encontrar e inventar a lei. Quando um juiz declara que um determinado princpio est imbudo no direito, sua opinio no reflete uma afirmao ingnua sobre os motivos dos es-tadistas do passado, uma afirmao que um bom cnico poderia refutar facilmente, mas sim, uma proposta interpretativa: o princpio se ajusta a alguma parte complexa da prtica jurdica e a justifica; oferece uma maneira atraente de ver, na estrutura dessa prtica, a coerncia de princpios que a integridade requer. DWORKIN, Ronald, O imprio do direito, 1999, p. 274.

    273. Nesses termos, em Dworkin, no h uma contradio ou coliso entre princpios que ser resolvida a partir do estabelecimento de prioridades ou preferncias (como para Alexy). Para Dworkin, no h uma coliso de princpios, mas sim uma concorrncia entre os mesmos para um determinado caso.

  • Um exemplo ilustrativo: para os defensores da proporcionalidade, como Ale-xy, a restrio de subir a Avenida Paulista (ou qualquer outra grande avenida de uma cidade), pela contramo, seria lida como uma medida estatal que limita o di-reito individual de liberdade no que diz respeito liberdade de ir/vir/permanecer. Todavia, analisando essa questo luz da teoria Dworkiana, possvel recolocar a questo. No temos uma restrio liberdade quando o Estado, definindo ques-tes de poltica de trnsito, impede que se siga por um determinado caminho. Na verdade, o que surge como uma limitao a um direito individual para Alexy para Dworkin a condio necessria e lgica para seu exerccio. Basta imaginar o que aconteceria em uma cidade se todos os seus cidados resolvessem dirigir por qualquer uma das vias.

    Para explicar melhor, ento, a dinmica de aplicao do direito luz da integri-dade, Dworkin desenvolve uma metfora (j citada nessa obra) a qual denomina de romance em cadeia. Aqui, cada juiz deve assumir o papel de um romancista que est escrevendo um captulo para uma obra coletiva. Ele tem de ler tudo o que os demais fizeram para se inteirar da narrativa e procurar construir uma histria que preserve a linha de raciocnio j estabelecida pelos romancistas anteriores. Logo, no lhe autorizado ignorar o que passou, nem transformar o livro coletivo em uma obra de contos desconexos. Ao contrrio, seu captulo tem de ter uma ligao com o passado e, ao mesmo tempo, permitir uma abertura para o futuro, de modo que a histria possa evoluir e no apenas ser repetida pelos futuros par-ticipantes dessa prtica.274

    Assim aconteceria com o direito. Cada deciso judicial preenche um momento de nossa histrica institucional, tentando revelar a melhor leitura que nossa socie-dade faz de suas prticas sociais. Logo, o magistrado no uma figura criadora do direito, mas, antes disso, um participante que argumenta com o restante da socie-dade275, tentando convenc-la que sua leitura de fato atinge o objetivo de trazer o

    274. Este o sentido de correo a que se refere Dworkin uma pretenso de validade, um elemento argumen-tativo/discursivo nunca o resultado equacionrio de um clculo. A irrepetibilidade da resposta correta , portanto, para o caso concreto especfico, nunca a criao de uma regra geral, o que parece passar despercebido no discurso de muitos constitucionalistas brasileiros, ainda apegados a uma perspectiva mais metodolgica que hermenutica (MENDES, Gilmar Ferreira et al., Curso de direito constitucional, p. 73; FREITAS, Juarez, A melhor interpretao constitucional versus a nica resposta correta).

    275. Nesses termos, em Dworkin, no h um juiz, por exemplo, de cunho ativista, nos moldes trabalhados (e de-fendidos) por alguns constitucionalistas brasileiros! Em uma viso equivocada da obra de Dworkin e tambm de Habermas (que a seguir iremos trabalhar), temos inmeros autores em solo ptrio. Certo que h uma diferena fundamental (que no apenas formal) entre a atuao do legislador e a do juiz nesses autores. Em Habermas (que um crtico da constituio como ordem concreta de valores to festejada no Brasil), por exemplo, temos com base em Gnther a diferena entre discursos de justificao (tpicos do legislador) e discursos de aplicao (tpicos do julgador). Aqui, registra-se, no podemos interpretar esses autores por citaes literais e esparsas (por tiras!)

  • direito ao caso sua melhor luz.276 Esse convencimento, ainda, no se d por um argumento que pode ser deduzido de uma frmula matemtica, como acontece com Alexy, mas por uma via hermenutica afiliada perspectiva de Gadamer e a pragmtica de Wittgenstein. Nesse mesmo diapaso, temos ainda que, para Alexy, a ponderao ainda que justificada de forma racional pelo critrio da proporciona-lidade no teria como chegar a uma nica soluo correta para cada caso. Nesses termos, teramos apenas solues discursivamente aceitveis; j para Dworkin, por meio de uma interpretao construtiva com base na teoria da integridade, h sim a possibilidade de uma nica resposta correta a um caso concreto.