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Universidade Federal do Rio de JaneiroCentro de Cincias Matemticas e da Natureza
Instituto de GeocinciasPrograma de Ps-graduao em Geografia
Gesto Ambiental e Gerenciamento Costeiro Integrado
no Brasil: uma anlise do Projeto Orla em Cabo Frio - RJ
Ricardo Voivodic
Rio de Janeiro - 2007
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Gesto Ambiental e Gerenciamento Costeiro Integrado no Brasil: uma anlise do Projeto Orla em
Cabo Frio - RJ
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Gesto Ambiental e Gerenciamento Costeiro Integrado no Brasil: uma anlise do Projeto Orla em Cabo Frio - RJ
Por
Ricardo Augusto de Almeida Voivodic
Dissertao apresentada para o cumprimento parcial das exigncias para o ttulo de
Mestrado em GeografiaUniversidade Federal do Rio de Janeiro
Banca examinadora:
Cludio Antnio Gonalves Egler (orientador)
Dieter Muehe
Antnio Carlos Robert Moraes
Rio de Janeiro Fevereiro de 2007
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Voivodic, Ricardo Augusto de Almeida.
Gesto Ambiental e Gerenciamento Costeiro Integrado no Brasil: uma anlise doProjeto Orla em Cabo Frio - RJ
Rio de Janeiro: UFRJ / IGEO/PPGG, 2007
181 pg.
Dissertao apresentada para o cumprimento parcial das exigncias para o ttulode Mestrado em Geografia - Universidade Federal do Rio de Janeiro
1. Gesto Ambiental2. Gerenciamento Costeiro Integrado3. Planejamento Urbano4. Projeto Orla
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Gesto Ambiental e Gerenciamento Costeiro Integrado
no Brasil: uma anlise do Projeto Orla em Cabo Frio - RJ
Por
Ricardo Augusto de Almeida Voivodic
Dissertao apresentada para o cumprimento parcial das exigncias para o ttulo de
Mestrado em GeografiaUniversidade Federal do Rio de Janeiro
Aprovada em
Banca examinadora
_________________________________________________________________________Prof. Dr. Cludio Antnio Gonalves Egler - Orientador
IGEO/PPGG - URFJ
_________________________________________________________________________Prof. Dr. Dieter MueheIGEO/PPGG - URFJ
_________________________________________________________________________Prof. Dr. Antnio Carlos Robert Moraes
Universidade de So Paulo
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O real no est na sada nem na chegada: Ele se dispe para a gente no meio da travessia
Guimares Rosa
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Para a Bel
Agradecimentos
Antes de tudo, gostaria de destacar a importncia para a minha formao o fato deter me graduado e feito o mestrado na Geografia da UFRJ, mas no posso deixarde mencionar que trabalhar no Instituto Brasileiro de Administrao Municipal temme oferecido mais do que uma excelente escola de vida, tem sido a possibilidadereal de atuar nas questes ambientais, sociais e democrticas, e que me permitesonhar e ajudar a construir uma realidade um pouco melhor e mais justa.
A todos os colegas e funcionrios do IBAM, que certamente fazem dainstituio referncia rea de planejamento urbano, na descentralizaoadministrativa e no apoio aos municpios. E, em especial, Ana Lcia Nadalutti LaRovere, superintendente da rea de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente,por todo o apoio e confiana.
A Alberto Lopes, por ter sempre estado disposto a me ouvir e ajudar comimportantes conselhos e orientaes. Aos amigos do IBAM: Pedro, Rodrigo, Nin,Jansen, Maurcio, Flavia, Gil, Alexandre, Adriana e Leo, por fazerem com que ashoras de trabalho sejam momentos de grande descontrao e aprendizado
Ao Joo, amigo de todas as horas e pea fundamental na discusso dosassuntos tratados neste trabalho.
Aos colegas de mestrado, em especial Mariana, que compartilhou comigoas mesmas dificuldades.
Um agradecimento especial aos grandes amigos que so parte integrante daminha prpria constituio: Vitor, Gui-gui, Laura, Henrique, Paulada, Flavinho,Roger e Tapajs.
Tnia, pela ajuda com a redao.
Bel, pelo companheirismo, compreenso e todo o carinho nas horas boase difceis.
minha me, por tudo, mas principalmente por ter me despertado o amorpelas cincias humanas. Sem esquecer, claro, o apoio prtico nas correes eleitura crtica.
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RESUMO
Palavras-chave: Gesto Ambiental; Gerenciamento Costeiro Integrado;Planejamento Urbano; Projeto Orla
O Brasil abriga ao longo do litoral diversos ecossistemas de alta relevncia do
ponto de vista ecolgico, mas presses da ocupao antrpica, no entanto,
constituem grave ameaa a esse patrimnio ambiental. A degradao do ambiente
costeiro fruto de um acelerado processo de ocupao. A gesto ambiental umgrande desafio, pois os instrumentos de planejamento e gesto implementados ao
longo das ltimas dcadas para a Zona Costeira Brasileira apresentam diversos
problemas. O propsito deste trabalho avaliar os conflitos de competncia
institucional existentes no Projeto Orla, decorrentes da falta de definio de escalas
de atuao nas formas de descentralizao do poder. Um estudo de caso foi
realizado tendo como foco o Municpio de Cabo Frio-RJ, onde foram identificadas
estratgias locais voltadas para o desenvolvimento do municpio que incorporam a
dimenso ambiental em seu discurso, mas no rompem com prticas e com
modelos de desenvolvimento altamente lesivos ao meio ambiente, pondo em risco
o patrimnio paisagstico do local.
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Aes Essenciais que Correspondem aos Passos do Ciclo deGerenciamento Costeiro Integrado .................................................... 72
Quadro 2: Principais Aes e Medidas Identificadas no mbito do ProjetoOrla ........................................................................................................ 102
Quadro 3: Relao de Escalas de Apreenso dos Fenmenos e Atividades deGesto .............................................................................................. 114
Quadro 4: Cabo Frio Populao Total, Urbana e Rural, e Taxa deCrescimento Mdio Anual ................................................................... 139
Quadro 5: Atendimento da Concessionria PROLAGOS em Cabo Frio RJ .. 145
Quadro 6: Diviso em Unidades de Paisagem....................................................... 149
Quadro 7: Classificao dos Trechos da Orla de Cabo Frio .............................. 159
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CILJS Consrcio Intermunicipal Lagos So JooCIRM Comisso Interministerial para os Recursos do MarCONAMA Conselho Nacional de Meio AmbienteFEEMA Fundao Estadual de Engenharia e Meio AmbienteFIRJAN Federao das Indstrias do Rio de JaneiroGCI Gerenciamento Costeiro IntegradoGERCO Gerenciamento CosteiroGESAMP
Joint Group of Experts on the Scientific Aspects of Marine Environmental Protection GIGERCO Grupo de Integrao de Gerenciamento CosteiroGRPU Gerncias Regionais do Patrimnio da UnioIBAM Instituto Brasileiro de Administrao MunicipalMMA Ministrio do Meio AmbienteMPO Ministrio do Planejamento Oramento e GestoOEMA rgos Estaduais de Meio AmbientePMCF Prefeitura Municipal de Cabo FrioPMGC Plano Municipal de Gerenciamento CosteiroPNMA Poltica Nacional de Meio AmbientePNGC Programa Nacional de Gesto CosteiraPOOC Planos de Ordenamento da Orla Costeira (de Portugal)SERLA Superintendncia Estadual de Rios e LagoasSIG Sistemas de Informaes Geogrficas
SIGERCO Sistema de Informaes do Gerenciamento CosteiroSPU Secretaria do Patrimnio da UnioSQA/MMA Secretaria de Qualidade Ambiental do Ministrio do Meio AmbienteUFRJ Universidade Federal do Rio de JaneiroZEEC Zoneamento Ecolgico Econmico Costeiro
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SUMRIO
APRESENTAO.............................................................................................. xiii
1 INTRODUO................................................................................................ 20
1.1 Conextualizao do Tema .......................................................................... 201.2 Objetivos ..................................................................................................... 321.3 Questes Norteadoras ............................................................................... 331.4.Estrutura da Dissertao ........................................................................... 341.5 Mtodos de Pesquisa ................................................................................. 351.6 Tcnicas de Coleta de Dados .................................................................... 36
2 A PROBLEMTICA AMBIENTAL NA ZONA COSTEIRA E MECANISMOSDE GESTO.................................................................................................... 38
2.1 Espao Costeiro Particularidades e Presses . .................................... 382.2 Urbanizao Turstica no Litoral - O Fenmeno da Segunda
Residncia ................................................................................................... 412.3 Dificuldades na Gesto Ambiental na Zona Costeira ............................. 572.4 Definindo Conceitualmente o Gerenciamento Costeiro Integrado ........ 632.5 Gerenciamento Costeiro no Brasil ............................................................ 753 O PROJETO ORLA......................................................................................... 803.1 Uma mudana de escala no mbito do Gerenciamento Costeiro .......... 883 2 O Uso dos Terrenos de Marinha e seus Acrescidos ............................... 963.3 Os Planos de Interveno na Orla Martima ............................................. 1004. ENQUADRAMENTO TERICO SOBRE A QUESTO INSTITUCIONAL.... 1064.1 Centralizao ou Descentralizao no Brasil - A Poltica de Escalas
no Gerenciamento Costeiro ....................................................................... 1154.2 A Questo das Escalas e seu Debate na Geografia ................................ 1245 ESTUDO DE CASO: A IMPLEMENTAO DO PROJETO ORLA EM
CABO FRIO..................................................................................................... 1305.1 Histrico da Ocupao ............................................................................... 1335.2 Evoluo Demogrfica do Municpio........................................................ 1385.1 O Processo Histrico de Apropriao de Terras em Cabo Frio ............. 1404.4 Impactos Ambientais do Processo de Urbanizao de Cabo Frio ........ 1434.5 Os Impactos da Urbanizao Turstica na Orla Martima de Cabo Frio 1485.6 O Projeto Orla em Cabo Frio ..................................................................... 1496 CONSIDERAES FINAIS............................................................................ 167
REFERNCIAS.................................................................................................. 172
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APRESENTAO
Esta dissertao no tem a pretenso de ser conclusiva, nem de exaurir
todas as possibilidades de anlise sobre os elementos nela contidos. Ela , isto
sim, o estudo de um processo e de como os fatos e as lies se dispuseram ao
longo dele, modificando o seu rumo e alterando suas concluses. Por isso, tomo
como ponto de partida a minha prpria insero nesse processo.
Tendo sido graduado bacharel em geografia pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), e tendo dado nfase especial ao papel da geografia no
Planejamento Urbano e Territorial, tive a minha primeira experincia profissional no
Instituto Brasileiro de Administrao Municipal (IBAM), que atualmente conta com
54 anos de experincia em atendimento aos municpios. A misso institucional do
IBAM promover o Municpio enquanto esfera autnoma de Governo, fortalecendo sua capacidade de formular polticas, implementar projetos de desenvolvimento e
promover o ordenamento urbano.
Dentre as diversas reas de atuao do IBAM, realizei a maior parte dos
meus trabalhos em projetos vinculados rea de Desenvolvimento Urbano e Meio
Ambiente, na qual tive experincias diversas que envolveram estudos e relatrios
de indicadores ambientais e urbanos, consrcios municipais de desenvolvimento,
cadastro multifinalitrio, Plano Diretor e o Projeto Orla. Desses, o primeiro que
pressupunha uma participao real com uma atuao em campo, isto , a partir do
municpio, participar diretamente da formulao de propostas e polticas, foi o
Projeto Orla.
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O Projeto Orla Projeto de Gesto Integrada da Orla Martima uma
iniciativa do Ministrio do Meio Ambiente (MMA), em parceria com o Ministrio do
Planejamento, Oramento e Gesto (MPO), via Secretaria do Patrimnio da Unio
(SPU), que atua nos municpios, buscando aplicar diretrizes de ordenamento de
uso e ocupao da Orla Martima.
A concepo de gesto apresentada nos documentos e manuais do Projeto
Orla vincula-o aos princpios da poltica ambiental brasileira e tem como
pressupostos legais: a Lei n 7661/1988, que institui o Plano Nacional de
Gerenciamento Costeiro, o Decreto n 5300/2004 e a Lei n 9636/1998, que dispe
sobre regularizao, administrao, aforamento e alienao de bens imveis de
domnio da Unio, incluindo os localizados na orla martima.
O arranjo institucional proposto pelo Projeto Orla orientado no sentido da
descentralizao de aes de planejamento e gesto dos terrenos defrontantes
com o mar, da esfera federal para a do municpio. Cumpre ressaltar que tais reas,
em sua grande maioria, so Terrenos de Marinha, isto , esto sob domnio da
Unio; esse instituto legal ser analisado no captulo 2 desta dissertao. A
proposta do Projeto visa a articular os rgos de meio ambiente e as Gerncias
Regionais do Patrimnio da Unio (GRPU) s administraes municipais e
organizaes no-governamentais locais, alm de estabelecer contatos com outras
entidades e instituies relacionadas ao patrimnio histrico, artstico e cultural,
bem como vincul-los a questes fundirias ou a atividades econmicas
especficas como as porturias ou relativas explorao petrolfera cuja
atuao tenha reflexo destacado naquele espao.
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So apresentados, como objetivos estratgicos do Projeto Orla: o
fortalecimento da capacidade de atuao e a articulao de diferentes atores do
setor pblico e privado na gesto integrada da orla; o desenvolvimento de
mecanismos institucionais de mobilizao social para sua gesto integrada; e o
estmulo de atividades scio-econmicas compatveis com o desenvolvimento
sustentvel da orla (BRASIL, 2002).
O IBAM iniciou sua participao no Projeto Orla, em carter ad hoc, na fase
de desenvolvimento e validao da metodologia, incluindo sua aplicao e
avaliao em quatro Municpios-piloto, todos do Piau. Participou, tambm, da
Reunio de Trabalho sobre Procedimentos de Implementao do Projeto Orla,
realizada em Braslia nos dias 23 e 24 de maio de 2002. Essa reunio tinha como
objetivos: a articulao das equipes dos rgos Estaduais de Meio Ambiente
(OEMAs/GERCO) e das Gerncias Regionais do Patrimnio da Unio (GRPUs/SPU); a discusso da estratgia de conduo do projeto na esfera
estadual; e a discusso da minuta do Termo de Convnio entre SPU e Municpios
(IBAM, 2004).
Alm das atividades de concepo e planejamento, descritas acima,
participei diretamente, pelo IBAM, em conjunto com a coordenao nacional do
Projeto Orla, das seguintes fases:
Capacitao dos instrutores etapa que compreendeu: a realizao da
oficina de treinamento dos instrutores para o repasse da metodologia do
Projeto Orla; a preparao do programa das atividades presenciais; a
organizao do material didtico de apoio e de informaes bsicas a serem
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disponibilizadas nas oficinas; e reunies para definio e ajuste das
estratgias de execuo das atividades.
Aplicao prtica da metodologia atividade realizada junto aos Municpios
selecionados, em dois momentos do cronograma de trabalho:
- Atividade presencial I repasse da metodologia que conduz elaborao do Plano de Interveno na Orla Martima (diagnstico da situao socioeconmica e ambiental, definio e delimitao da faixa de orla, seleo e classificao de trechos para interveno, formulao de cenrios e propostas). Apresentao do Roteiro de Elaborao do Plano de Interveno.- Atividade presencial II apresentao da verso preliminar do Plano de Interveno, elaborado pela equipe local, seguida de discusso e sugestes para a complementao do documento.Detalhamento dos itens do Roteiro relativos s estratgias de implementao, legitimao, acompanhamento e avaliao do Plano de Interveno. Definio da composio e das atribuies do Comit Gestor.
Acompanhamento da elaborao dos Planos de Interveno na Orla
Martima atividade realizada no intervalo entre as Atividades Presenciais I
e II; a etapa posterior s Atividades consistiu na assistncia tcnica prestada
s equipes locais responsveis pela elaborao dos planos.
Ao longo de dois anos, atuei diretamente na implementao do Projeto Orla
realizando as atividades descritas para fornecer assistncia tcnica a quarenta
Municpios (ver Figura 1), selecionados em dez Estados, que estavam em fase de execuo de projetos de gerenciamento costeiro no mbito do PNMA II, a saber:
- Amap Macap e Santana; - Cear Beberibe e Icapu; - Paraba Joo Pessoa e Cabedelo; - Pernambuco Cabo de Santo Agostinho e S. Jos da Coroa Grande; - Sergipe Itaporanga dAjuda; e Estncia; - Bahia Conde;
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- Rio de Janeiro Araruama, Iguaba Grande, So Pedro da Aldeia e Saquarema; Armao dos Bzios, Arraial do Cabo, Cabo Frio,Casemiro de Abreu, Rio das Ostras, Campos dos Goytacazes,Carapebus, Maca, Quissam, Angra dos Reis, Mangaratiba e Paraty; - Paran Pontal do Paran, Matinhos e Guaratuba; - Santa Catarina Navegantes, Itaja, Balnerio de Cambori, Itapema,Porto Belo e Bombinhas; - Rio Grande do Sul Torres, Arroio do Sal, Capo da Canoa e Rio
Grande.
Figura 1: Municpios Participantes do Projeto Orla Cuja Execuo Coube ao IBAM
Do contato direto com os tcnicos dos municpios e constatando os problemas, conflitos e aes propostas para mitig-los, observei um conjunto de
questes, reincidentes nas preocupaes de municpios muito diferentes entre si.
De um modo geral, refletiam, por diversos aspectos, preocupaes com a atrao
de investimentos, a promoo imobiliria e o desenvolvimento turstico, revelando
os interesses de grupos especficos ou disputas polticas. Muitas vezes, embora
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houvesse consenso durante a oficina de repasse da metodologia e preparao do
Plano de Interveno sobre determinadas questes de carter preservacionista,
secretrios ou tcnicos mais prximos s instncias decisrias na poltica municipal
mostravam-se cticos, afirmando que seriam diretrizes ou aes incuas, pois
dificilmente seriam implementadas.
De um modo geral, percebe-se que o poder pblico municipal tem um
conjunto de questes que lhes so prprias. Em parte, elas refletem tanto a
consolidao do poder e interesses econmicos que se manifestam na escala local
(como interesse imobilirio ou polticas clientelistas, por exemplo), quanto a disputa
em torno da distribuio de funes e competncias entre esferas de governo para
a gesto de assuntos que dizem respeito aos interesses locais.
Nesse sentido, pude observar que esferas de governo e seus
representantes e atores institucionais, alocados em diversas escalas, se utilizam de
estratgias discursivas e de mecanismos legais que determinam as capacidades
de atuao e promoo de seus interesses, ou de interesses de grupos de presso
especficos de cada escala.
Da observao dessa delicada mediao de interesses e da necessidade de
se construrem polticas integradas, surgiu o interesse por discutir teoricamente a
questo das escalas e dos arranjos interinstitucionais, buscando identificar como
diferentes escalas se articulam especificamente dentro do sistema de governo a
partir de uma perspectiva de gesto integrada, nos marcos polticos e conceituais
da Gesto Integrada da Zona Costeira ou Gerenciamento Costeiro Integrado.
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Assim, de posse de um conjunto de questionamentos. Surgiu o interesse em
incorporar a observao crtica, oriunda do trabalho tcnico, que se situa na ponta
do processo, para aprofundar o estudo e a conceituao sobre os benefcios e as
deficincias do Projeto Orla. Dessa forma, visando identificar as possibilidades de
implementao de uma poltica de Gerenciamento Costeiro Integrado ainda mais
coerente e sustentvel, que enfrentei o desafio (e os riscos) de analisar um
processo que ainda est em curso e que, portanto, conta com diversas dificuldades
de avaliao. A vantagem, por outro lado, que as analises aqui feitas podem subsidiar alteraes no Projeto, uma vez que o caminho a ser percorrido por ele
apenas comeou.
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1 INTRODUO
1.1 Contextualizao do Tema
Desde o descobrimento do Brasil, as regies costeiras vm sendo utilizadas
como espaos privilegiados para o assentamento humano, e a relao do homem
com esses espaos permeada por aspectos culturais e socioeconmicos
altamente relevantes. Junto a isso, necessrio salientar a importncia, nos
ltimos cinqenta anos, do crescimento do turismo como fenmeno sociocultural
de grande magnitude, principalmente por sua relevncia na incorporao e
modificao dos espaos litorneos.
Os ambientes marinhos e costeiros do Brasil tm sofrido, nos ltimos anos,
um contnuo processo de degradao, gerado pela crescente presso da atividade
humana sobre os recursos naturais marinhos e continentais e pela capacidade
limitada de esses ecossistemas absorverem os impactos dela resultantes. A
modificao do balano de nutrientes, a alterao ou destruio de hbitats, as
mudanas na sedimentao, a superexplorao de recursos pesqueiros, a poluio
industrial, principalmente por poluentes persistentes, e a introduo de espciesexticas constituem-se nos maiores impactos ambientais verificados na Zona
Costeira brasileira (SANTOS; CMARA 2002).
Podem ser encontrados, ao longo do litoral brasileiro, diversos ecossistemas
de alta relevncia do ponto de vista ecolgico, tais como: mangues, campos de
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dunas e falsias, baas e esturios, recifes e corais, praias e cordes arenosos,
costes rochosos e plancies de mars, entre outros. tambm na Zona Costeira
que se localizam as maiores manchas residuais de mata atlntica. Tal mosaico de
situaes e ambientes diversificados confere Zona Costeira diversas
oportunidades para atividades econmicas, como, por exemplo, a pesca, a
agricultura, a aqicultura, a explorao de recursos minerais, e a explorao
turstica, entre outros (SANTOS; CMARA, 2002).
As presses da ocupao antrpica, no entanto, constituem grave ameaa a
esse patrimnio ambiental. Alm disso, a diversidade de condicionantes ao longo
da Zona Costeira torna a gesto integrada desses espaos um desafio, uma vez
que situaes freqentemente dspares e presses de grupos sociais com
interesses econmicos nas reas litorneas dificultam a elaborao e a
implementao de polticas preventivas e corretivas. Ao longo da Zona Costeirabrasileira, grandes centros urbanos (cinco das nove regies metropolitanas
brasileiras encontram-se beira-mar) so entremeados por reas de baixa
densidade de ocupao, onde ocorrem ecossistemas de alta relevncia ambiental.
Entretanto, essas reas costeiras com baixa densidade populacional vm sofrendo
um rpido processo de ocupao, que tem como vetores a urbanizao, o turismo
e a industrializao.
Quando se consideram, alm das cinco regies metropolitanas costeiras, os
efetivos de outras conurbaes litorneas, chega-se a quase 25 milhes de
habitantes, distribudos em apenas onze aglomeraes urbanas na costa. Metade
da populao brasileira reside a no mais de duzentos quilmetros do mar, o que
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equivale a um efetivo de mais de setenta milhes de habitantes, cuja forma de vida
impacta diretamente os ambientes litorneos.
As diversas situaes existentes ao longo da Zona Costeira brasileira tm,
como elemento comum, a fragilidade dos ecossistemas encontrados e a
complexidade da sua gesto, com uma demanda enorme por insumos e material
tcnico e cientfico que subsidie a elaborao e a implantao de polticas pblicas
para esse espao.
Os mecanismos de planejamentos implementados ao longo das dcadas de
80 e 90 para a Zona Costeira brasileira apresentaram problemas e dificuldades
gerais comuns aos modelos tradicionais de planejamento, quais sejam: a
fragmentao da produo do conhecimento, a identificao histrica com o
tecnocratismo (legitimador de uma matriz conservadora) e a falta de articulao
entre esferas de governo. Alm dessas dificuldades gerais, existe o fator agravante
de que essa rea apresenta um mosaico com imensa variedade de situaes,
unidades fisiogrficas, nveis e formas de ocupao do territrio.
De fato, como veremos no captulo 2, a Zona Costeira um ambiente
repleto de particularidades no tocante s dimenses ambientais e sociais. Em parte
devido a esse motivo, at mesmo a definio dos termos Zona Costeira e
Ambiente Costeiro esto sujeitos a vrias formas de interpretao e delimitao,
que variam de acordo com o tipo de anlise ou interesse (MORAES, 1999). Para
fins poltico institucionais, mais interessante, por exemplo, definir a Zona Costeira
a partir de limites poltico-administrativos, como foi feito na reviso do Programa
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Nacional de Gerenciamento Costeiro, o PNGC (BRASIL, 2001). J discusses
acadmicas, pesquisas cientficas ou instituies estritamente vinculadas
dinmica dos ecossistemas comumente utilizam critrios biofsicos para delimitar
os limites geogrficos desse espao, tais como acidentes geogrficos, rios,
esturios ou outro ecossistema natural relevante (MARRONI; ASMUS, 2005).
Tomemos como ponto de partida a definio mais tradicional e tambm mais
geral de Zona Costeira, isto , um sistema ambiental formado pela interao direta
de sistemas ambientais localizados no continente, sistemas ambientais localizados
no oceano e sistemas atmosfricos. Embora essa delimitao parea um tanto
quanto genrica e pouco elucidativa, ela est presente na legislao brasileira
desde a elaborao da primeira verso do Plano Nacional de Gesto Costeira
(PNGC), em maio de 1988, que no Pargrafo nico de seu artigo 2 define: Para
os efeitos desta Lei, considera-se Zona Costeira o espao geogrfico de interaodo ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos renovveis ou no, abrangendo
uma faixa martima e outra terrestre, que sero definidas pelo Plano (BRASIL,
1998). Encontra-se presente, novamente, na Resoluo 01 da Comisso
Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), de 21 de novembro de 1990, que
definiu a Zona Costeira como: a rea de abrangncia dos efeitos naturais
resultantes das interaes terra-mar-ar (BRASIL, 1990).
A definio final dos limites legais da Zona Costeira brasileira foi, portanto,
estabelecida na atualizao do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNCG
II) (CIRM, 1997) (BRASIL, 2001), dirigindo sua definio ao atendimento de uma
intencionalidade de gesto desse espao, ficando compreendida uma faixa
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terrestre e uma martima. A faixa terrestre abrange municpios selecionados de
acordo com os critrios estabelecidos no PNGC II, totalizando cerca de
quatrocentos municpios, distribudos ao longo de 7.367 km de costa (que alcana
8.698 km de extenso ao se considerar as reentrncias), numa rea de
aproximadamente 388 mil km (Figura 2). A faixa martima vai at as 12 milhas
martimas, compreendendo a totalidade do Mar Territorial brasileiro.
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Figura 2: Municpios que Compem a Zona Costeira Brasileira
Fonte: Tagliani, 2005
A Zona Costeira est presente tambm no texto constitucional em seu Ttulo
VIII, Captulo VI, nas disposies sobre o meio ambiente, Artigo 225, que afirma:
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Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem deuso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se aoPoder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para as
presentes e futuras geraes (BRASIL, 1998).
Sobre a Zona Costeira, o 4 Pargrafo define:
A Floresta Amaznica brasileira, a Mata Atlntica, a Serra do Mar, oPantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira so patrimnio nacional, e suautilizao far-se-, na forma da lei, dentro de condies que assegurem apreservao do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursosnaturais (id. ibid.).
Se observarmos, como fez Moraes (1999), que os remanescentes de Mata
Atlntica e a Serra do Mar encontram-se, quase em sua totalidade, inseridos na
Zona Costeira, temos uma tripla conceituao da Zona Costeira enquanto
Patrimnio Nacional , alando-a a um alto grau de prioridade para a gesto
ambiental.
A despeito de tal importncia, diversos problemas decorrentes do uso
intensivo desses espaos, principalmente a partir de meados do sculo passado,
tm se tornado entraves ao desenvolvimento sustentvel da Zona Costeira.
Intervir no meio ambiente costeiro objetivando proteg-lo significa atuar
sobre uma unidade espacial complexa, constituda pela interao de elementos
diversos, atores e interesses convergentes e conflitantes. Por isso, fundamental
ao gestor a interao entre os meios tcnicos e poltico-institucionais e o meio
acadmico, visando a uma constante retroalimentao e reavaliao dos
problemas e tcnicas disponveis a essa gesto.
Ao pensar em Desenvolvimento Sustentvel e Gesto Integrada da Zona
Costeira, importante ter-se clareza de que o meio ambiente , segundo Becker;
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interao entre elementos fsicos e bioqumicos e sociais , bem como um
processo poltico, que mescla elementos da administrao e elementos da
governabilidade. O bom funcionamento da gesto ambiental pressupe a interao
dessas duas vertentes.
necessrio observar, ainda, o conceito de planejamento ambiental
expresso por Lanna (1995, p. 18), como
(...) um processo organizado de obteno de informaes, reflexo sobre osproblemas e potencialidades de uma regio, definio de metas e objetivos,definio de estratgias de ao, definio de projetos, atividades e aes,bem como definio do sistema de monitoramento e avaliao que irretroalimentar o processo. Este processo visa organizar a atividade scio-econmica no espao, respeitando suas funes ecolgicas, de forma apromover o desenvolvimento sustentvel.
Percebe-se nesse ponto de vista que, embora a gesto ambiental se
caracterize por aes bastante diferenciadas do planejamento ambiental, no
deveria ser desvinculada deste. Dessa forma, planejamento e gesto ambientaldeveriam acontecer concomitantemente, num processo iniciado pelo planejamento
e retroalimentado continuamente pelas aes de gesto ambiental. A preocupao
com a gesto ambiental um assunto cuja discusso vem crescendo no pas,
muito embora o Brasil detenha uma das mais importantes biodiversidades mundiais
e possa contar com um aparato legal considerado suficiente para poder facilit-la.
Na tentativa de analisar as mudanas que ocorreram no mbito das aes
governamentais e que resultaram na adoo de polticas pblicas como estratgias
e diretrizes da prpria ao governamental, importante identificar o espao
privilegiado de atuao dessas polticas que tm como meta e objetivo a
sustentabilidade ambiental na Zona Costeira. Nesse sentido, para Meadowcroft
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(1997), o planejamento e a gesto ambiental, no devem objetivar apenas a
elaborao de solues amplas e acabadas, mas sim assumir um carter de
processo com capacidade incremental e que seja suficientemente dinmico, a
ponto de ser capaz de incluir a sua prpria reestruturao enquantodesign
institutional , de forma a minimizar, assim, as necessidades de constantes
intervenes. Essa concepo nos aproxima bastante do conceito de Gesto
Costeira Integrada, que exposto por Cicin-Sain como:
Gerenciamento Costeiro Integrado um processo, pois o mesmo caracteriza-se por ser participativo, contnuo, interativo e adaptativo, e que inclui umasrie de deveres associados, e que tambm devem alcanar metas eobjetivos pr-determinados. Este envolve, ainda, uma avaliao abrangenteda realidade em que est inserida e objetiva o planejamento de usos, e ogerenciamento dos sistemas e recursos, levando tambm em consideraoaspectos de natureza histrica, cultural e das tradies, bem como osconflitos de interesses e a utilizao do espao a ser analisado (CICIN-SAIN,apud POLETTE & SILVA, 2003, p. 3).
As polticas pblicas, por sua vez, constituem instrumentos da ao
governamental sendo, como destaca Bucci (2002, p. 45), programas de aogovernamental visando a coordenar os meios disposio do Estado e as
atividades privadas, para a realizao de objetivos socialmente relevantes e
politicamente determinados. Em realidade, h um componente prtico e finalstico
na idia de poltica pblica como programa de ao governamental para um setor
da sociedade ou um espao geogrfico (id. ibid.), buscando a concretizao de
determinados objetivos e metas.
importante, que a geografia utilize os instrumentos de anlise de que
dispe para contribuir com o debate e a formulao de polticas pblicas sobre o
ambiente, visto que a cincia ainda um frum privilegiado de discusses e
reflexo. O propsito de ampliar o debate sobre Gerenciamento Costeiro Integrado
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na Geografia particularmente interessante, pois trata-se de um campo sob o qual
a capacidade de anlise pode contribuir para demonstrar a importncia das
relaes scio-espaciais e da estrutura de classe no entendimento da problemtica
ambiental. Segundo Coelho (2001, p. 20), Alm dos aspectos sociais e polticos,
cabe aos gegrafos, especificamente, analisar a estruturao e reestruturao
sociespacial, processo em que os benefcios e riscos ambientais so repartidos
desigualmente no seio de uma sociedade heternoma. Segundo essa lgica, a
Geografia um frum privilegiado para a discusso da gesto ambiental integrada,na viso de Becker e Gomes:
A geografia pretende dar sempre questo do ambiente uma dimenso maisampla, que inclua suas mltiplas e complexas relaes com a sociedade, aqual tambm contextualiza e conduz a reflexo sobre a natureza. Estapretenso de sntese cria a via de uma obrigatria solidariedade disciplinar e,simultaneamente, coloca a geografia como produtora de um discursoespecfico, centrado no na naturalidade pura dos fenmenos, mas sim emsuas imbricaes com os fatos sociais (BECKER; GOMES, 1993, p. 148).
Nessa perspectiva, ainda que no caiba a nenhum campo acadmico a
propriedade sobre a questo ambiental ou urbana enquanto objetos de
investigao prprios , visto que ambas so temticas interdisciplinares por
excelncia, pretende-se, neste estudo, explorar as formas e instrumentos de
anlise com que a geografia pode contribuir para a gesto ambiental, supondo-se
que tais anlises podem vir a configurar valiosos aportes na formulao de polticas
pblicas nesses temas.
De incio, a Gesto Integrada da Zona Costeira requer, conforme o seu
prprio nome aponta, uma necessria articulao entre diferentes setores e nveis
de atuao. Tal processo de articulao estende-se desde a participao da
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sociedade na formulao do diagnstico, a definio de prioridades e a
implementao de programas, organizao de uma base poltico-institucional
para a gesto costeira, que envolva, necessariamente, uma articulao mais
harmnica e eficiente entre os trs nveis de governo. Essa articulao, como
aponta Moraes (2005, p. 1), revela-se problemtica no Brasil, onde a questo
federativa nunca foi bem equacionada. Operar na prtica o princpio da atuao
cooperativa e concorrente presente na Constituio Federal no tarefa fcil. O
autor deixa claro que tal tarefa fatalmente gera conflitos de competncia e entravesao planejamento e gesto integrados nos trs nveis de governo.
Assim, pretende-se discutir, nesta dissertao, o papel da representao
espacial dos fenmenos e das estratgias operacionais e discursivas adotadas
para tratar dos problemas ambientais identificados na Zona Costeira brasileira,
observando como a desregulamentao e re-regulamentao institucional tornam-se estratgias para a dinamizao da economia local. Trata-se de evidenciar como
a retrica de transferncia de competncias e gesto local, baseada em
intervenes pontuais e localizadas, integra um entrelaamento de discursos e
prticas que tm o espao como referncia, configurando o que vem a ser
chamado de poltica de escalas (ACSELRAD, 2006, p. 14). De acordo com esse
autor,
(...) para entender os meandros de uma tal poltica, no poderemos tomar adesconstruo e reconstruo de escalas espaciais como auto-evidentes;devemos, ao contrrio, procurar capt-las ao mesmo tempo como expressode relao de poder e como dinmicas que, por sua vez redistribuem estepoder sobre o territrio e seus recursos, sejam eles materiais, institucionaisou polticos (id. ibid.).
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1.2 Objetivos
O objetivo geral da presente dissertao , portanto, analisar se ocorre no
Brasil uma efetiva Gesto Integrada da Zona Costeira, a partir da anlise do papel
da representao espacial dos fenmenos e das estratgias operacionais e
discursivas adotadas para tratar dos problemas ambientais identificados na zona
costeira. Pretende-se observar a implementao e a execuo do Projeto Orla,
particularmente no municpio de Cabo Frio, no Estado do Rio de Janeiro, posto que
tal municpio pode ser visto como uma situao emblemtica de crescimento sob
uma enorme presso turstica e de incorporao imobiliria.
A partir dessa anlise, pretende-se identificar a ocorrncia de problemas e
dificuldades decorrentes das relaes institucionais que se tornaram verdadeiros
obstculos Gesto Integrada da Zona Costeira.
Para concretizar-se essa meta, definiram-se os seguintes objetivos
especficos:
Analisar, com vistas ao seu perfeito entendimento, os agentes
envolvidos e as presses sobre a zona costeira, com foco na
observao dos mecanismos institucionais de gesto desse espao;
Identificar o enquadramento legal e o arcabouo jurdico-institucional
que rege os espaos costeiros e a poltica urbana;
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Explicar o significado e os procedimentos do Projeto Orla enquanto
um dos principais mecanismos de Gerenciamento Costeiro em
implementao pelo governo federal nos dias atuais;
Realizar um estudo de caso sobre as presses da ocupao e a
implementao do Projeto Orla em Cabo Frio, RJ.
1.3 Questes Norteadoras
No contexto apresentado, esta pesquisa se utilizou de alguns
questionamentos bsicos:
Quais so os principais conflitos identificados no mbito do Projeto Orla?
Eles so inerentes apenas s dinmicas e aos processos locais, ou h interaes
com processos mais amplos que a esfera municipal? Qual a capacidade dos
municpios em gerir esses conflitos?
Que mudanas na forma de apropriao do territrio pretende-se conquistar
com o Projeto Orla e quais as implicaes e o reflexo dessas mudanas no meio
fsico-natural e na qualidade de vida dos grupos sociais afetados?
Qual o papel do Projeto Orla frente s necessidades de articulao poltica
entre esferas e agncias de governo? Ele atua para que haja o necessrio apoio
institucional ao municpio (num processo, de transferncia de poder)? Contribui
para gerir conflitos territoriais (associados ao uso e ocupao do solo) e conflitos
ambientais nas esferas da prpria competncia administrativa do municpio?
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1.4 Estrutura da Dissertao
Esta dissertao est organizada em mais cinco captulos, alm deste,
introdutrio.
O captulo 2 foi pensado a partir, da dialtica existente entre as presses
exercidas por variados grupos de interesse, em constante conflito com o
compromisso do Estado no que diz respeito aos dispositivos legais relativos
preservao do meio ambiente, e a interao possvel entre essas duas realidades
em oposio. Entende-se que essa uma estrutura coerente para fazer uma
apresentao clara dos problemas ambientais e suas origens, bem como da
atuao de grupos de interesses sobre o espao costeiro. Assim, busca-se analisar
como os principais problemas da atualidade na Zona Costeira so tratados emresposta a essas presses, observando os instrumentos de gesto urbana e de
Gesto Integrada da Zona Costeira, bem como as estratgias poltico-institucionais
associadas a essa gesto, em especial no mbito do Projeto Orla.
No captulo 3, so apresentadas todas as caractersticas do Projeto Orla,
mostrando as mudanas previstas no gerenciamento costeiro, os usos de Terrenosde Marinha e os planos de interveno a serem aplicados na orla marinha.
O captulo 4 apresenta uma anlise conceitual mais aprofundada das
implicaes do sistema poltico e das escalas de interpretao e apreenso desses
fenmenos e processos. Entendendo que a estrutura poltico-institucional responde
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por parte das dificuldades de implementao de um processo de Gesto Costeira
Integrada (GCI) mais abrangente e coerente.
No captulo 5, foi realizado um estudo de caso que buscou avaliar a
implementao do Projeto Orla em Cabo Frio, no Rio de Janeiro, onde buscou-se
avaliar como grupos de interesse que estabelecem relaes de poder com atuao
na escala do municpio determinam diferentes estratgias discursivas e prticas de
gesto que so capazes de mobilizar consensos e perpetuar suas esferas de
influncia sem alterar substancialmente suas prprias prticas e formas de
apropriao dos recursos naturais e paisagsticos.
Finalmente, so apresentadas, no captulo 6, algumas consideraes,
guisa de concluso sobre as relaes entre o que foi observado nos captulos
tericos e a sua analogia com o que observado na realidade municipal, buscando
fornecer caminhos para pensar mudanas que garantam melhores condies de
implementao de um processo de Gesto Integrada da Zona Costeira.
1.5 Mtodos de Pesquisa
Quanto ao nvel pretendido, a pesquisa de natureza qualitativa, pois noprocura quantificar, mas sim elaborar uma anlise complexa com o objetivo de
buscar aspectos [do problema da articulao institucional para a gesto ambiental
e implementao de um programa de gerenciamento costeiro integrado] que ainda
no foram investigados (RIZZINI, 1999, p. 89). Esta pesquisa est lidando com a
impreciso de analisar um processo dinmico ainda em execuo. Considera-se,
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ainda, que, como o Projeto Orla funciona a partir de bases tcnicas e conceituais
extremamente inovadoras, o presente estudo s se tornou possvel por meio de
uma pesquisa participativa, que permitiu a observao direta e ampla de variadas
situaes. S assim, com a participao efetiva deste pesquisador, foi possvel a
identificao das idiossincrasias prprias de cada caso e dos problemas comuns
ao processo como um todo.
1.6 Procedimentos Tcnicos de Coleta de Dados
A opo quanto aos meios de investigao e procedimentos tcnicos de
coleta de dados foi, inicialmente, encetar uma pesquisa documental, pois, de
acordo com Vergara (2004), a pesquisa documental aquela que busca
informaes em documentos conservados no interior de rgos pblicos
(VERGARA, 2004, p. 49). Para este estudo, buscam-se dados na leitura de
documentos normativos e tcnicos relativos aos instrumentos de Gerenciamento
Costeiro e gesto ambiental e urbana.
Alm da realizao de uma pesquisa documental, porm, foi imprescindvel
utilizar, tambm, a busca de fundamentao terica em livros, por meio de uma
pesquisa bibliogrfica, o que deu sustentao para a discusso da temtica tratadaneste trabalho. A opinio abalizada de tericos em Cincia Poltica possibilitou o
contraditrio entre o que ideal, na ao poltica responsvel, comprometida com
a preservao do meio ambiente e, por outro lado, os elementos de presso
representados por grupos de interesse na sociedade civil.
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E, como principal foco deste estudo, utilizou-se, ainda, a experincia
adquirida por este pesquisador ao longo de dois anos de trabalho com os gestores
municipais para subsidiar o entendimento dos problemas e situaes analisados
nessa dissertao, tendo realizado, dessa forma, uma observao participante. De
acordo com Almeida Pinto, na pesquisa participante, as diversas tcnicas
reforam-se, sendo sujeitas a uma constante vigilncia e adaptao segundo as
reaes e as situaes. (ALMEIDA; PINTO, 1995). Assim, nesta pesquisa foi
utilizado no s o conhecimento formal, lgico, mas tambm um conhecimentoexperencial, em que esto envolvidas sensaes, percepes, impresses e
intuies. Segundo Ldke e Andr (1986), este carter subjetivo importante no
processo de anlise dos dados, porque enriquece a pesquisa qualitativa, visto que,
na observao participante, o principal instrumento de pesquisa, o investigador,
num contacto direto, freqente e prolongado com os atores sociais e os seus
contextos.
A maneira como a sociedade nela compreendidos os Governos nos
mbitos municipal, estadual e federal, bem como os diversos grupos de interesses
que se interpem s normas e legislaes interage, gerando presses, um fator
primordial para qualquer estudo acerca da implementao de um projeto de Gesto
Integrada. , pois, da dinmica causadora dos principais conflitos de interessesque este estudo parte, para obter a compreenso do processo como um todo.
importante, ento, que o primeiro passo deste trabalho se volte para uma reflexo
sobre a problemtica ambiental, frente aos mecanismos de gesto, e as presses
dela decorrentes.
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2 A PROBLEMTICA AMBIENTAL NA ZONA COSTEIRA E MECANISMOS DE
GESTO
2.1 Espao Costeiro Particularidades e Presses
As zonas costeiras so sistemas altamente complexos, resultantes daintercepo da hidrosfera, da geosfera, da atmosfera e da biosfera. precisamente desta complexidade que resultam no apenas a elevadavariabilidade que apresentam, mas tambm as grandes potencialidades queas caracterizam. (DIAS, 2003).
Com uma faixa de 8.698 quilmetros de costa, o Brasil abriga, ao longo do
litoral, diversos ecossistemas de alta relevncia do ponto de vista ecolgico, tais
como: mangues, campos de dunas e falsias, baas e esturios, recifes e corais,
praias e cordes arenosos, costes rochosos e plancies de mars, entre outros.
tambm na zona costeira que se localizam as maiores manchas residuais de mata
atlntica. Tal mosaico de situaes e ambientes diversificados confere zona
costeira diversas oportunidades para atividades econmicas, como, por exemplo, a
pesca, a agricultura, a aqicultura, a explorao de recursos minerais, etc
(SANTOS e CMARA, 2002).
Esses ambientes originais da Zona Costeira foram profundamente alterados
pela ocupao humana. Essa rea detm quase um quarto (23,9%) da populao
do Pas, isto , 40,6 milhes de pessoas (censo demogrfico de 2000),
concentradas em 7% dos municpios brasileiros (so cerca de 400 os municpios
costeiros, de um total de 5.561). A densidade mdia de 105 hab/Km, nmero
cinco vezes superior mdia nacional (20 hab/Km) (ASMUS & KITZMANN 2004).
O nmero de habitantes em reas urbanas correspondia, em 1991, a 87,66% do
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total, destacando-se que treze das dezessete capitais dos estados litorneos
situam-se beira-mar. Alm disso, para Egler (2001, p. 28), ocorre na Zona
Costeira uma
(...) concentrao espacial do equipamento produtivo e energtico em zonase centros industriais. A associao de centrais energticas com terminaisespecializados e complexos industriais aumenta de sobremaneira o risco deacidentes, bem como favorece a exposio a longo prazo da populao asubstncias txicas na gua e no ar.
Sobre os usos da rea litornea, esse autor afirma: evidente a
concentrao produtiva na Zona Costeira, onde esto presentes campos de
extrao, terminais e dutos de petrleo e gs, usinas termoeltricas e nuclear e
expressiva concentrao dos complexos qumico e metal-mecnico (id. ibid.).
Dessa forma, os riscos de acidentes como derramamentos de leo, vazamentos de
gases e efluentes txicos so maiores em vrios trechos do litoral brasileiro em
comparao com outras reas menos frgeis do Pas, pondo em risco os
ecossistemas naturais e o patrimnio paisagstico representado por esse espao.
Para Souza et al (2003), a zona costeira pode ser considerada como um
espao repleto de contrastes, constituindo-se, dessa forma, um campo privilegiado
para o exerccio de diferentes estratgias de gesto ambiental. Ao longo do litoral,
so encontradas reas onde para onde convergem intensa urbanizao, atividadesindustriais de ponta e atividades porturias, bem como uma explorao turstica em
larga escala (principalmente junto s metrpoles litorneas, que constituem centros
difusores dos movimentos de ocupao territorial, do litoral).
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Um aspecto fundamental associado questo dos usos desse espao e dos
recursos ambientais da zona costeira reside no fato de que, nesses locais,
definem-se, em geral, quadros problemticos do ponto de vista da gesto
ambiental, o que demanda aes de carter corretivo, com a mediao dos
"mltiplos conflitos de uso" dos espaos e recursos comuns e de controle do
impacto sobre o ambiente marinho, decorrente de poluio e contaminao por
diferentes tipos e fontes (SOUZA et al, 2003).
Por outro lado, os espaos litorneos so permeados por reas de baixa
densidade de ocupao1 aliada ocorrncia de ecossistemas de grande
significado ambiental, que, no entanto, vm sendo objeto de acelerado processo de
ocupao, demandando aes preventivas, de direcionamento das tendncias
associadas dinmica econmica emergente (a exemplo do turismo e da segunda
residncia para fins de veraneio, por exemplo) e o reflexo desse processo nautilizao dos espaos litorneos e no aproveitamento dos respectivos recursos
ambientais.
Optou-se, nessa dissertao, em focalizar o fenmeno urbano na Zona
Costeira, observando a ampliao da ocupao a partir de uma dinmica de
incorporao turstica e de lazer do espao costeiro, visto que tal fenmeno tmrepresentado uma grande fonte de presso sobre os recursos e ecossistemas
contidos nesse espao.
1 Para Moraes (1999), essa caracterstica de espaos densamente povoados entremeados poroutros ainda relativamente preservados est associada ao processo histrico de ocupao do litoralbrasileiro.
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variadas, e com pequenos povoados costeiros sendo convertidos em grandes
cidades. Muitos trechos litorneos, que ao longo de toda a histria quase no
tinham sido ocupados, ficaram sobre-ocupados em poucas dcadas (Dias 2003).
Dessa maneira, imprescindvel analisar as dinmicas do processo de
urbanizao a partir do fenmeno turstico e da incorporao de novas reas. Tal
fenmeno impulsionado por um processo mais amplo de articulao do Estado
expanso capitalista. Assim, conforme exposto por Macedo (1993, p-55), o mar
como valor cnico e a praia como espao de lazer so incorporados (...) ao
repertrio urbano brasileiro. Em funo desse fenmeno, o autor estipula algumas
conseqncias geradas na organizao espacial dessas cidades tursticas, entre
elas destacam-se:
Como conseqncia de seu uso exclusivamente sazonal, tais reasapresentam caractersticas prprias, sendo a principal o totaldesvinculamento de grande parte de sua populao de veranistas (donos damaior parte das residncias) com o municpio em que esto instaladas suaspropriedades. (...)Esse fato se reflete diretamente na forma de estruturao da trama urbana,que em geral ineficiente para receber elevados contingentes de veranistasque durante o ano multiplicam em muitas vezes a populao destas cidades.As deficincias so muitas: desde a inexistncia de servios deabastecimento adequados de gua, at a ausncia total de esgotos. Pormuitas vezes a vida urbana e at mesmo a economia da cidade e domunicpio esto estruturadas em funo exclusiva da temporada de vero(MACEDO, 1993, p. 61).
Macedo ressalta, ainda, que raros so os municpios que conseguemaparelhar suas sedes para atender contingentes to grandes de populao
unicamente com a renda advinda desse tipo de turismo. De fato, ao longo de dois
anos de implementao do Projeto Orla em cerca de quarenta municpios ao longo
da costa brasileira, constata-se que, por diversas vezes, tcnicos dos municpios
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informaram que o ndice de inadimplncia no pagamento de IPTU era
extremamente alto no caso de segundas residncias.
Outro problema apontado por Macedo diz respeito ao fato de que tais
ocupaes so voltadas para a mxima explorao dos valores paisagsticos
ligados praia e ao mar, pois estes so os principais focos de atrao deste tipo
de ocupao, e que os demais valores paisagsticos e ambientais, como barras de
rios, manguezais e matas, no so objetos de ateno imediata nem para o
empreendedor, nem para a maior parte do pblico consumidor e so eliminados
quando necessrio (MACEDO 1993, p. 61). Dessa forma, as reas planas junto s
praias so as mais pressionadas, sendo as preferidas para a implantao de
loteamentos tursticos de segunda residncia. Outro aspecto dessa questo, que
tais residncias, que ficam fechadas a maior parte do ano, alm de alterarem a
paisagem, criam um custo de infra-estrutura que absorvido e pago pelosmoradores locais.
Assim, observa-se que a dilatao de reas residenciais em linha ao logo da
orla martima tem-se constitudo um dos processos bsicos da urbanizao
turstica. Tais reas diferenciam-se no meio urbano em funo da diviso social do
espao, o que reflete a diviso em classes sociais da populao urbana: as reasresidenciais expressam as condies de reproduo de cada classe social em
funo da sua localizao, do acesso a equipamentos sociais, da qualidade das
moradias, mas, fundamentalmente, no caso da incorporao turstica do espao,
das amenidades naturais, que so apropriadas de maneira diferencial.
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O crescimento dos processos de urbanizao turstica, ou de segunda
residncia, esteve associado, inicialmente, ao provimento de novos padres de
consumo de bens de longa durao (casas de veraneio) para as classes de maior
poder aquisitivo. Entretanto, por se constiturem em expresses de necessidades e
mecanismos intrnsecos ao prprio desenvolvimento capitalista, envolvem
populao e capital na busca de um ajustamento aos padres de produo e
consumo, por isso esse mesmo processo j foi incorporado s aspiraes de
consumo de classes mdias.
As regies litorneas, de reas naturais conservadas e os atributos
paisagsticos, tornam-se alvo dessa aspirao de consumo, sendo intensa a
procura pelo litoral nas proximidades de reas metropolitanas, de maneira que
suas caractersticas originais so transformadas e suas paisagens modificadas.
Assim, os potenciais atrativos, decorrentes de praias lmpidas, vegetaoabundante e diversidade topogrfica, tornam-se ameaados pelo uso indevido e
pela ausncia de um planejamento adequado.
Nesse contexto, observa-se que existe uma clara associao do fenmeno
da urbanizao turstica a um processo de expanso metropolitana, pois as
metrpoles detm condies e especificidades favorveis ao surgimento edesenvolvimento desse tipo de expanso. Entre tais condies, podem ser citados:
- A disponibilidade de capital e a necessidade de incorporao de
novas reas e formas de investimento.
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- A presena de populao suficientemente favorecida capaz de se
constituir em demanda potencial para investir em novas formas de
consumo.
- O crescimento da chamada indstria do lazer, capaz de mobilizar
instrumentos de promoo e ampliao de uma cultura de consumo de
massa do turismo litorneo, que se manifesta, essencialmente, nas
formas de expanso e ocupao do espao.
Para fazer uma anlise da composio de foras e de interesses que atuam
na incorporao desse espao de consumo turstico-balnear, fundamental ter
clareza de que essa incorporao se d nas estruturas de apropriao do espao
vinculadas ao meio urbano, ou seja, a apropriao do espao ocorre dentro de uma
expanso urbana inserida em um contexto capitalista. Nesse sentido, Roberto
Lobato Corra (1989) j havia observado a composio dos atores chave no
contexto urbano: os moradores, os proprietrios fundirios, promotores imobilirios,
os incorporadores imobilirios e, fundamentalmente, o Estado.
Nesse processo, entretanto, preciso salientar que, independentemente de
se tratar de urbanizao turstica ou no, existem diferentes formas de anlise da
relao sociedade-espao, e que esta pode ser vista tambm como uma relao
valor-espao, principalmente tendo em vista que a apropriao de recursos
naturais e a prpria dominao e substituio do espao natural por um espao
humanizado um processo de criao de valor. Vale tambm observar que a
noo de valor do espao est intrinsecamente associada ao seu valor de uso,
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embora as condies de uso e as formas de apropriao do espao nem sempre
sejam iguais para todos (MORAES; COSTA,1999). Alm disso, a noo de valor de
um determinado local dentro do espao urbano faz-se essencialmente a partir de
elementos que permitem uma diferenciao espacial, isto , o valor de
determinados locais est associado ao no-valor de outros, seja pela presena de
amenidades naturais, equipamentos sociais e urbansticos ou pelo valor simblico
associado a determinados locais (CASTELLS, 1972).
Nesse sentido, observamos que os principais mecanismos de produo da
cidade capitalista esto baseados no princpio econmico da maximizao do
benefcio, segundo o qual o solo torna-se valor de troca, ao se aplicar capital e
trabalho mediante a urbanizao e a construo. Assim, no apenas os elementos
da cidade (edifcios, habitaes, terrenos) convertem-se em mercadorias, a serem
comercializados, mas tambm o diferencial de amenidades naturais que compemo processo de valorizao do solo tambm se converte em mercadoria.
Desta maneira, possvel afirmar que a propriedade privada, fundamento do
modo de produo capitalista, beneficia-se do valor de troca e apropria-se,
enquanto elemento diferencial de valor, do patrimnio paisagstico que, a princpio,
pertence a toda a coletividade. Alm disso, altera e pe em risco esses prprios
valores paisagsticos. As contnuas transformaes da paisagem urbana tambm
so conseqncias da busca do mximo benefcio pelo capital.
Os proprietrios fundirios so os agentes responsveis, em grande parte,
pela criao do padro de segregao urbana, uma vez que seus interesses esto
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em ltima anlise, a existncia do espao como mercadoria, proporcionando a
sustentao das relaes capitalistas.
Na viso de Castells (1972), o Estado atua como regulador do conflito de
classe e reflete, atravs de suas intervenes, as relaes polticas entre classes
diferentes, representando, assim, uma estrutura para o exerccio do poder. Para
Castells, o Estado s pode ser entendido como referncia estrutura de classes
de uma sociedade, e, em particular, das classes dominantes e de sua relao com
as classes dominadas. Dialeticamente, para Castells o Estado exerce (...) a
dominao de uma classe, mas trata de regular, na medida do possvel, as crises
do sistema, a fim de preserv-lo (CASTELLS, 1972, p. 295).
Na acepo de Castells, o Estado estruturado de forma hierrquica e
dotado de capacidade concreta de exerccio do poder em uma relao de
subordinao-dominao, que, em ltima anlise, utilizada por burocratas para o
exerccio de controle sobre a sociedade.
Alm disso, ele concebe sua essncia, a tarefa concreta de dominao, damesma forma que realiza o poder econmico historicamente peladestruio, no curso do tempo, do espao social e pela sua substituio porum espao instrumental, fragmentado, e uma estrutura administrativahierrquica desenvolvida no espao (GOTTDIENER, 1993, p.146).
essa capacidade de dominao que garante, segundo Acselrad (2004),
que os recursos, danos e benefcios ambientais sejam apropriados, tanto em sua
dimenso material, quanto simblica, de maneira diferenciada entre as classes
com maior acesso aos centros decisrios. Dessa maneira, para esse autor, o
Estado insere-se na luta pela apropriao simblica da base material, impondo a
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definio de natureza estatizada, integrada ao capital, e de uma natureza residual
onde acomodam-se os agentes que resistem ou so excludos (Ibidem, p. 21).
importante aqui fazer um breve parntesis na tentativa de delimitar
conceitualmente o que est sendo entendido como Estado. Afinal, mesmo no
mbito da cincia poltica, esse conceito ainda um tanto impreciso, conforme
aponta Bresser-Pereira (1995, p. 86):
comum confundir-se Estado com governo, com estado-nao ou pas, emesmo com regime poltico, ou com sistema econmico. Na tradio anglo-sax, fala-se em governo e no em Estado. Dessa forma, perde-se adistino entre governo e Estado, o primeiro entendido como a cpulapoltico-administrativa do segundo. Na tradio europia, o Estado freqentemente identificado ao estado-nao, ou seja, ao pas. Expressescomo Estado liberal ou Estado burocrtico so normalmente uma indicaoque a palavra Estado est sendo utilizada como sinnimo de regimepoltico. Finalmente, expresses do tipo Estado capitalista ou Estadosocialista, identificam o Estado com um sistema econmico. vlido utilizarexpresses como essas quando desejamos definir o tipo de Estadopredominante em diferentes tipos de regimes polticos e modos de produo.Nesse caso, no estamos confundindo o Estado com o regime poltico oucom o sistema econmico, mas simplesmente dizendo que o Estado em umademocracia ser diferente de um Estado em um regime autoritrio, ou que oEstado no capitalismo diverso do Estado no feudalismo ou no estatismo.
Independentemente dessa impreciso, o conceito de Estado utilizado para
este trabalho ser claramente diferenciado dos conceitos de governo, de estado-
nao, de regime poltico ou mesmo de territrio. O Estado visto aqui como uma
parte da sociedade. uma estrutura poltica e organizacional que se sobrepe
sociedade ao mesmo tempo em que dela faz parte.
Em uma perspectiva histrico-materialista, entende-se o Estado enquanto
um poder, isto , uma estrutura organizacional e poltica que emerge da
progressiva complexificao da sociedade e da sua diviso em classes. Essa
diviso destinada a manter a ordem dentro da sociedade, e, portanto, a manter o
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sistema de classes vigente (BRESSER-PEREIRA, 1995). Complementarmente,
esse autor destaca:
Adotando-se uma perspectiva lgico-dedutiva ao invs de histrica, possvel afirmar que o Estado o resultado poltico-institucional de umcontrato social atravs do qual os homens cedem uma parte de sua liberdadea esse Estado para que o mesmo possa manter a ordem ou garantir osdireitos de propriedade e a execuo dos contratos (BRESSER-PEREIRA,1995, p. 89).
Nesse sentido, no ser adotada, aqui, uma perspectiva marxista
generalista, que entenda que a ao estatal simplesmente age de acordo com os
interesses da classe dominante, sendo uma expresso poltica da estrutura de
classes vigente. Desdobrando essa concepo, entende-se o Estado tambm
como uma formao pluralista, onde se destaca a existncia de numerosos grupos
de interesses difusos. Ainda assim, que fique claro que no se est negligenciando
o papel exercido na mediao dos conflitos sociais, nos quais o Estado est
profundamente envolvido.
Para CASTRO (2005, p. 41), os conflitos de interesses surgem das
relaes sociais e se territorializam, ou seja, materializam-se em disputas entre
esses grupos e classes sociais para organizar o territrio da maneira mais
adequada aos objetivos de cada um, ou seja, do modo mais adequado aos seus
interesses.
No contexto da determinao das funes do Estado na Gesto Ambiental e
de suas atividades no mbito do planejamento e da gesto, alguns aspectos e
escalas de anlise merecem ser mais bem detalhados, principalmente tomando por
base que o poder pblico na escala do municpio , segundo Moraes (1999), um
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espao privilegiado para o exerccio do planejamento e da ao poltica.
Situando essa afirmao juridicamente, podemos observar que aConstituio de 1988 concedeu ao Municpio um significativo ganho em autonomia
administrativa, desde que este ente federado obedea s normas constantes da
legislao federal. Com relao questo ambiental, ocorreu um aumento das
atribuies do Municpio, ampliando a esfera de sua competncia na proteo
compartilhada do meio ambiente, assim como foi acrescentada a responsabilizao
dos governos locais na proteo do patrimnio ambiental. Essa diretriz expressa
no Art. 30 da Constituio Federal, que afirma que a proteo ao meio ambiente e
o combate poluio em todas as suas formas so competncias comuns Unio,
Estados e Municpios. Entre outras questes com impactos presumveis na
dinmica ambiental da zona costeira, cabe salientar que compete ao Municpio,
planejar o uso e a ocupao do solo em seu territrio, em especial na rea urbana;estabelecer normas de construo, de loteamento, de arruamento e de
zoneamento urbano, bem como as limitaes urbansticas convenientes
ordenao do seu territrio; conceder licena para localizao e funcionamento de
estabelecimentos industriais, comerciais, prestadores de servio e quaisquer
outros, renovar a licena e determinar o fechamento de estabelecimentos que
funcionem irregularmente.
Sendo assim, cabe ao poder pblico municipal, uma funo fundamental no
mbito do planejamento, que deve ser visto como uma proposta tcnica
consistente para a execuo de suas polticas pblicas. Nesse sentido, os critrios
de sustentabilidade e de preocupao com a manuteno de ecossistemas e com
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prticas polticas que privatizam as esferas decisrias, a definio de prioridades e
os caminhos para a gesto.
Ao projetar um cenrio de atuao poltica no meio urbano, a tendncia
natural de um governo comprometido com a questo ambiental buscar prover
algum tipo de resposta sociedade. Os governos locais, entretanto, tm
encontrado dificuldade para fazer frente s demandas por polticas ambientais que
amenizem a dramtica situao da maior parte das grandes cidades brasileiras.
Isso fruto de um processo histrico criado por uma economia que se
industrializou e provocou urbanizao descontrolada, com crescente concentrao
de renda, acumulando um passivo ambiental elevado.
Esse conjunto de polticas ambientais pode ser definido como medidas ou
intervenes que pressupem uma tentativa de mediao dos conflitos pela
apropriao de recursos, uma reduo dos processos que acarretam perda do
patrimnio ambiental e paisagstico e uma equalizao de desnveis sociais e
ambientais visando recuperao e ao acesso da populao a esses bens.
necessrio, no entanto, que haja clareza quanto a: (a) as limitaes do poder local,
dada sua escala de atuao e capacidade de investimento para promover
mudanas estruturais em nvel de sociedade, uma vez que contradies inerentesao sistema no podem ser alteradas apenas por adoo de polticas locais; e (b) os
governos locais permanecem pressionados, por um lado pela escassez de
recursos, e, por outro, pela presso de interesses privados de grupos locais de
poder.
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Por esses motivos, a lgica da interveno governamental obedece a
distintas estratgias, que se formam de acordo com as tenses organizacionais e
com a estruturao, em maior ou menor grau, de grupos de presso no interior do
espao urbano (VOIVODIC, 2002). Assim, essas intervenes tendem a variar de
acordo com os diferentes nveis de governo ou com as estruturas das agncias
burocrtico-administrativas. Ou, ainda, a interveno governamental obedece a
estruturas de relacionamento poltico entre sociedade e grupos de poder
(historicamente construdas), e segue, diversas vezes, por caminhos que nemsempre conduzem ao fortalecimento da cidadania e da participao poltica.
Nesse contexto, segundo Acselrad (2004b), a prtica do planejamento
urbano e do prprio urbanismo passa a ser concebida just in time , comandada em
grande parte pela lgica do mercado imobilirio. Os grupos de poder localizados
retiram da esfera do estado central certos papeis de coordenao das condiesde reproduo do capital e atribuem a si um papel mais pr-ativo nas estratgias
de desenvolvimento local. Para Ribeiro (2000, p. 237), beneficiam-se dessa lgica
projetos de renovao urbana que segmentam o tecido social e que mercantilizam
a vida espontnea, favorecendo o embelezamento apenas da paisagem e
ampliando os obstculos apropriao social da cidade.
Assim, para Oliveira (2004, p. 110) a retrica da proteo ao meio ambiente
e da conservao e defesa da natureza so elementos que passam a servir como
recursos discursivos em processos de reestruturao do espao e reordenamento
de usos recursos esses utilizados na construo de novas lgicas scio-
espaciais com o fim de redefinir novas territorialidades, inclusive no interior dos
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aparelhos do estado (e em suas diversas esferas).
A questo da ocupao das zonas costeiras e da tendncia expanso daurbanizao turstica torna-se particularmente grave em funo da fragilidade
desses ambientes. Alm do mais, o fenmeno da urbanizao turstico-balnear
processou-se com tal rapidez, que a capacidade institucional dos organismos de
gesto foi incapaz de conferir mecanismos regulatrios que impedissem a
degradao ambiental. Antes da abertura de rodovias, os litorais ocenicos eram
de tal modo sub-ocupados, que no havia preocupaes relevantes com a sua
gesto. Perante os benefcios econmicos diretos do turismo (essencialmente a
entrada de divisas), e diante da forte presso pela incorporao imobiliria
(inclusive com umboom de emancipaes municipais), e da falta de corpo tcnico
e capacidade institucional local, que garantisse um contraponto mnimo
voracidade com que a urbanizao ocorreu, quase tudo foi permitido. A partir deento, comeam a surgir os problemas: contaminao das guas devido a
deficincias (ou ausncia) dos sistemas de saneamento bsico; carncias de gua
potvel devido sobre-explorao de aqferos e contaminao dos corpos
dgua superficiais; perda de valores culturais; forte sazonalidade das atividades
econmicas, com sobrecarga dos sistemas de abastecimento e saneamento nos
perodos de pico; decaimento (e, em alguns casos, desaparecimento) da maior
parte das atividades tradicionais; destruio de ecossistemas importantes; perda
do patrimnio paisagstico e, at mesmo, perda do prprio novo patrimnio
edificado, que pe-se em risco ameaado pelos temporais ou pela eroso costeira.
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2.3 Dificuldades na Gesto Ambiental na Zona Costeira
clara a necessidade de, urgentemente, o poder pblico proceder a uma
regulao poltica eficaz. A interveno poltica necessria para detectar as
conseqncias ecolgicas da atividade econmica, para avaliar os custos das
externalidades e para garantir mecanismos regulatrios que restrinjam, pelo menos
a forma como a ocupao se d, , no entanto, frequentemente limitada pelos
alinhamentos institucionais do Estado capitalista. Isso porque, uma vez que os
estados contam com as economias capitalistas para receberem suas receitas
fiscais, existem grandes presses para restringirem a imposio de custos
ecolgicos s atividades econmicas, nelas includas a prpria urbanizao.
A dificuldade que as institucionalidades demonstram em regulamentar as
questes ambientais passa pela dicotomia entre o ganho eleitoral da promulgaode leis ambientais e o custo poltico de sua implementao de fato. Existe, segundo
Habermas, uma tenso bsica entre os princpios normativos de um Estado
democrtico e as exigncias funcionais da acumulao capitalista: O Estado
democrtico confere primazia integridade do mundo natural, e a acumulao
capitalista atinge os seus limites legtimos no ponto em que a integridade social do
mundo natural ameaada (HABERMAS, 1988. apud GOLDBLAT,1996, p.178)
Outro problema tem relao com as distintas esferas e escalas em que os
problemas ambientais so observados bem como os diferentes escales
institucionais entre a concepo da ao planejadora e a sua implementao,
como ser mostrado no captulo 5.
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Segundo Lowry (2002), um dos maiores problemas atuais da gesto
ambiental a dificuldade de transformar as metas ambientais em aes efetivas. O
resultado dessa dificuldade chamado de lacuna de implementao ou
implementation gap . Essa lacuna, segundo esse autor, est associada
inconsistncia entre metas polticas estabelecidas em um nvel de governo e a
translao dessas metas para atividades especficas de manejo em outros nveis
ou em outras agncias de governo.
Nas disputas que envolvem a produo do espao, urbano em geral e na
zona costeira especificamente, existe, por parte dos atores envolvidos, uma
apropriao de estratgias e variados recursos discursivos, no esforo de
concretizao de seus interesses. Inclui-se, nesse rol, a propagao da
modernidade e do emprego como estratgias de valorizar a atrao de
investimentos e de incorporaes tursticas e imobilirias para determinadascidades. Nesse sentido, a questo da degradao ambiental tomada como um
mal secundrio, sem haver uma clareza no entendimento dos supostos benefcios
oriundos do crescimento urbano.
Assim, dentro da lgica de um novo protagonismo do Municpio quanto
regulao urbana, os espaos pblicos tornam-se instrumentos primordiais nacompetio por investimentos. Nesse contexto, o que est posto dot-los de
significados, para que atuem na promoo das cidades. Esse fenmeno pode at
responder por uma requalificao desses espaos, segundo um ponto de vista de
melhoria das condies ambientais. Entretanto, os fins que justificam essa melhoria
raramente so estritamente ambientais, e sim uma lgica de valorizao do espao
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urbano a ser incorporado ou reestruturado para fins imobilirios. Em geral, esses
novos espaos tm-se caracterizado por serem construtores ou reafirmadores de
identidades e por estarem voltados para o consumo. A qualidade paisagstica,
nesse caso, ganha um novo sentido, pois nesses espaos a apropriao privada
do patrimnio ambiental se coloca como fator constituinte.
Sobre esse aspecto, fundamental observar que espaos pblicos e
privados so regidos por regras e mecanismos de controle distintos, conforme
observa Eva (2004),
Private space is organized according to the dimension and the concept ofproperty; who has the biggest property has a proportional level of power;private space is organized according the concept of inequality. ()Private property of the territory cut strongly the space, separating the privateone (with its proper authoritarian rules) and leaving us the public space(represented by the state) as a simulacrum of participation/negociation; thefact is that the social space the private owners are in condition to have moredecisional power and theres a continuous fight between inequalities.
Para Gomes (2002, p. 164-165), o espao pblico o resultado de um
gnero de relao contratual com o espao. tambm o lugar das inscries e
do reconhecimento do interesse pblico sobre determinadas dinmicas e
transformaes da vida social.
As formas de organizao desse espao e o arranjo fsico das coisas e
elementos que compem o espao pblico so consideradas por Gomes (idem, p.
172) como agentes ativos na realizao de determinadas aes sociais, e essa
ordem espacial concebida como uma condio para que essas aes se
produzam. Esse ponto de vista nos remete dialtica do espao, isto , as
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praticas sociais so fruto de uma dada forma de organizao do espao ao mesmo
tempo em que condicionam essa mesma organizao espacial.
Nesse sentido, esse autor defende que um olhar geogrfico sobre o espao
pblico deve considerar, por um lado, sua configurao fsica e, por outro, o tipo de
prticas e dinmicas sociais que a se desenvolvem (GOMES, 2002, p. 172).
A opo por tratar do problema ambiental da zona costeira a partir das
relaes existentes no mbito do espao urbano decorre justamente doentendimento de que a cidade um palco privilegiado dessa combinao repleta
de conflitos entre a apropriao pblica e privada do espao. A zona costeira e a
orla martima, em especial, revelam-se exemplos bastante paradigmticos desse
tipo de relao, pois trata-se de espaos dotados de particularidades que lhes
conferemstatus privilegiado, seja como Patrimnio Nacional (a zona costeira), seja
como bens de domnio da Unio (os terrenos de marinha e seus acrescidos) ou
bem de uso comum do povo brasileiro as praias, ou seja como propriedades
privadas de alto valor comercial, no caso de residncias, hotis, etc.
Cada municpio tem hoje a tarefa de combater a degradao ambiental e,
por isso, todos eles devem adotar polticas pblicas e sistemas de gesto que
permitam compatibilizar a construo e a manuteno de infra-estruturas
necessrias ao desenvolvimento econmico, com o controle da poluio e do uso e
ocupao do solo urbano, a criao de reas de preservao ambiental e a
participao da populao na gesto ambiental.
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A degradao do ambiente costeiro fruto, do complexo e acelerado
processo de apropriao do espao e das relaes sociais que a se impe,
conforme foi apresentado. Essa apropriao, no entanto, revela um significativo
paradoxo, pois ao mesmo tempo em que ela o fator da perda do patrimnio
ambiental e cultural do litoral, tambm um potencial de desenvolvimento.
preciso, entretanto, observar que a qualidade paisagstica, a beleza cnica e a
salubridade do ambiente so os fatores de atratividade dos espaos litorneos e
representam um importante ativo ambiental e que, assim, o comprometimentodesses fatores pode significar a estagnao econmica, derivada da perda da
qualidade ambiental (BUTLER, 1980). Por isso, o ordenamento desse espao, nos
termos da proteo ao ambiente natural, passou a ser uma prioridade (BRASIL,
1996) e modelos de desenvolvimento regional compatveis ecologicamente
permearam o discurso tcnico e acadmico vigente a partir de meados dos anos
80.
A incorporao da questo da degradao ambiental na Zona Costeira no
discurso acadmico particularmente importante, pois, segundo Hanningan
(1995), existem seis fatores que so fundamentais para a construo com xito de
um problema ambiental e para a busca de solues:
1. Autoridade cientfica para a validao das exigncias2. Existncia de propagadores que possam estabelecer a ligao entre ambientalismo e a
cincia3. Ateno dos meios de comunicao social onde o problema estruturado como novidade e
importante4. Dramatizap do problema em termos