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NICOLAS FLORIANI

AVALIAO DA FRAGILIDADE GEOSSISTMICA DE UMA MICROBACIA SOBRE GEOLOGIA CRSTICA: POTENCIAL E LIMITAES.

Dissertao apresentada como requisito parcial obteno do grau de Mestre, apresentada ao Curso de Ps-Graduao em Agronomia, rea de concentrao Cincias do Solo de Setor de Cincias Agrrias da Universidade Federal do Paran. Orientadora: Celina Wisniewski. Co-orientador : Naldi Emerson Canali.

CURITIBA 2003

Aos meus pais Dimas Floriani e Gladys de Souza Sanchez, minha esposa Andra Mayer Veiga COM MUITO AMOR E CARINHO, DEDICO.

AGRADECIMENTOS Ao Povo Brasileiro, Universidade Federal do Paran, e ao Departamento de Solos pelo investimento na educao, formao e aprimoramento profissional. professora Orientadora Celina Wisniewski pela acessibilidade, disponibilidade, confiana e, acima de tudo, amizade. Ao Professor Co-orientador Naldi E. Canali pela compreenso, tranqilidade e pelas crticas que propiciaram um maior aprofundamento nas questes polmicas da pesquisa. Ao Professor Dimas Floriani pela importante colaborao no amadurercimento das idias a respeito da interdisciplinaridade e pela construo de um pensamento ambiental mais abrangente. Ao Professor Angelo E. Sirtoli pela colaborao e contribuio no desvendamento das ferramentas de sistemas de informaes geogrficas. Aos funcionrios da Biblioteca do Setor de cincias Agrrias, em especial Dona Rosa. Aos colegas de ps-graduao pelos momentos agradveis de convivncia. Ao colega Engenheiro Agrnomo Guilherme Gandara Martins pela colaborao e pelo tempo dedicado troca de informaes teis ao desenvolvimento do trabalho. Ao colega agrnomo Oromar J. Bertol pela acessibilidade dedicada. Aos meus pais Dimas Floriani e Gladys de Souza Sanchez que me fizeram acretidar que esta jornada valeria a pena, despertando o esprito crtico e incansvel fazendo-me ver que arte e a cincia podem e devem andar juntas a fim de transformar o mundo em um lugar menos injusto. minha esposa Andra Mayer Veiga pela pacincia e incentivo, pelas horas de sono interrompidas quando da chegada dos meus ps frios em baixo dos cobertores, pela compreenso, pelas preciosas dicas e, principalmente, pelo amor e carinho dedicados.

Vi terras da minha terra. Por outras terras andei. Mas o que ficou marcado No meu olhar fatigado, Foram terras que inventei. Manuel Bandeira

SUMRIOLISTA DE ILUSTRAES.............................................................................................................................vii LISTA DE TABELA........................................................................................................................................viii LISTA DE QUADROS.....................................................................................................................................ix RESUMO..........................................................................................................................................................x ABSTRACT.....................................................................................................................................................xi 1 INTRODUO............................................................................................................................................1 1.1 OBJETIVOS................................................................................................................................................4 2 REVISO BIBLIOGRFICA...................................................................................................................... 5 2.1 ABORDAGENS DA FRAGILIDADE AMBIENTAL SEGUNDO DIFERENTES ESCALAS E DIMENSES...........................................................................................................................................5 2.2 AS BASES TERICAS PARA O MAPEAMENTO DA FRAGILIDADE AMBIENTAL.............................10 2.2.1 O entendimento dos processos naturais a partir da ecodinmica........................................................16 2.2.2 Alguns estudos aplicados aos geossistemas.......................................................................................20 2.2.3 Ferramentas alternativas aplicadas anlise dos sistemas ambientais complexos............................25 2.3 SOLO: COMPONENTE DE ESTABILIDADE DA PAISAGEM E SER CONSERVADO.........................28 2.3.1 Agroecossistemas: por uma agricultura ambientalmente sustentvel..................................................33 2.4 CARACTERSTICAS AMBIENTAIS DA BACIA HIDROGRFICA DE FERVIDA E RIBEIRO DAS ONAS...........................................................................................................................................37 2.4.1 Estudos relativos fragilidade e vulnerabilidade da regio compreendida pelo aqfero crstico...................................................................................................................................41

2.5 JUNTANDO AS PEAS: RESUMO DO REFERENCIAL TERICO.....................................................453 MATERIAL................................................................................................................................................47 3.1 LOCALIZAO E CARACTERSTICAS DA REA..................................................................................47 3.2 CARACTERIZAO CLIMTICA.............................................................................................................49 3.3 CARACTERIZAO GEOLGICA..........................................................................................................49 3.4 CARACTERIZAO GEOMORFOLGICA.............................................................................................53 3.5 CARACTERIZAO PEDOLGICA........................................................................................................56 3.6 CARACTERIZAO DA VEGETAO...................................................................................................64 3.7 CARACTERIZAO HIDROGRFICA E HIDROGEOLGICA...............................................................64 3.8 USO ATUAL DAS TERRAS E COBERTURA VEGETAL.........................................................................67 4. METODOLOGIA.........................................................................................................................................72 4.1 DETERMINAO DA FRAGILIDADE AMBIENTAL.................................................................................72

4.1.1 Gerao da Carta de Fragilidade Potencial...........................................................................................74 4.1.2 Ponderao Intra-elementos segundo os modelos Ross (1994)...........................................................76 4.1.2.1 Gerao da Carta Geolgica e Valorao das Classes.....................................................................76 4.1.2.2 Gerao da Carta de Geomorfologia e Valorao das Classes.........................................................77 4.1.2.3 Gerao da Carta de Solos e Valorao das Classes.......................................................................78 4.1.2.4 Gerao da Carta de Declividade e Valorao das Classes.............................................................79 4.1.2.5 Gerao da Carta de Uso do Solo e Valorao das Classes............................................................80 4.1.3 PONDERAO INTRA-ELEMENTOS SEGUNDO O MODELO ALTERNATIVO PROPOSTO..........82 4.1.3.1 O Mtodo Booleano de Cruzamento de Informaes........................................................................83 4.1.3.2 A Tcnica de Classificao Contnua de Dados: Mtodo Fuzzy Ponderado (AHP)..........................84 4.1.4 Gerao da Carta de Fragilidade Emergente........................................................................................86 5 RESULTADOS E DISCUSSO.................................................................................................................89 5.1 AS CARTAS DE FRAGILIDADE POTENCIAL DO AMBIENTE NATURAL..............................................89 5.1.1 Cartas geradas segundo a lgica booleana..........................................................................................89 5.1.1.1. Carta da Fragilidade Potencial 1 (CFP1) do meio natural segundo o modelo de Ross (1994)........89 5.1.1.2. Carta da Fragilidade Potencial 2 (CFP2) do meio natural ou segundo modelo alternativo...............91 5.1.2 Cartas Geradas Segundo a Lgica Fuzzy (AHP)..................................................................................93 5.1.2.1 Carta de Fragilidade Potencial 3 (CFP3) do meio natural segundo modelo alternativo.....................93 5.1.2.2 Carta de Fragilidade Potencial 4 (CFP4) do meio natural segundo modelo alternativo.....................96 5.2. INTERAO ENTRE A FRAGILIDADE POTENCIAL DOS AMBIENTES NATURAIS E O USO DAS TERRAS...............................................................................................................................103 5.2.1 Cartas de Fragilidade Emergente do Ambiente Antropizado..............................................................103 5.2.1.1 Carta de Fragilidade Emergente 1 (CFE1) segundo modelo Ross (1994).......................................106 5.2.1.2 Carta de fragilidade emergente 2 (CFE2).........................................................................................109 5.2.1.3 Carta de fragilidade emergente 3 (CFE3).........................................................................................112 5.2.1.4. Carta de fragilidade emergente 4 (CFE4)........................................................................................115 6 CONCLUSO............................................................................................................................................123 7 RECOMENDAES FINAIS....................................................................................................................125 REFERNCIAS............................................................................................................................................128 ANEXOS.......................................................................................................................................................136

LISTA DE ILUSTRAESFIGURA 1 - ESBOO DO FUNCIONAMEMTO DO GEOSSISTEMA DE ACORDO COM BERTRAND (1971)..............................................................................................................................................................13 FIGURA 2 - O COMPORTAMENTO DO BALANO MORFOGENTICO EM UM PERFIL DE VERTENTE, CONFORME AS PROPOSIES DE ALFRED JANH (1954)..............................................................................................................................................................17 FIGURA 3 DIFERENAS VISUAIS ENTRE DUAS IMAGENS GERADAS PELOS MTODOS DE CRUZAMENTO BOOLEANO E FUZZY.........................................................................................................27 FIGURA 4 FIGURA 5 MAPA DA LOCALIZAO GEOGRFICA DA REA............................................................48 MAPA GEOLGICO da BFC/FR............................................................................................52 GRFICO 1 - PORCENTAGEM DAS CLASSES GEOLGICAS DA BHC/FR............................................50 FIGURA 6 - IMAGEM SOMBREADA MOSTRANDO A MORFOLOGIA DO RELEVO DA BHC/ FR...................................................................................................................................................................54 GRFICO 2 PORCENTAGEM DOS TIPOS DE RELEVO DA BHC/FR......................................................55 FIGURA 7 FIGURA 8 FIGURA 9 MAPA GEOMORFOLGICO DA BHC/FR.............................................................................55 MAPA PEDOLGICO DA BHC/FR.........................................................................................62 MAPA HIDROLGICO E DOS TOPOS DA BHC/FR.............................................................65 GRAFICO 3 PORCENTAGEM DAS CLASSES DE SOLOS DA BHC/FR...................................................59

FIGURA 10 - MODELO ESQUEMTICO DOS COMPARTIMENTOS ESTRUTURAIS DO CARSTE LIMITADO PELOS QUARTZITOS/FILITOS NA DIREO NE-NW E DIQUES DE DIABSIO NA DIREO NW-SE (LISBOA E BONACIM, 1995)............................................................................................................66 FIGURA 11 - MAPA DO USO ATUAL DAS TERRAS DA BHC/FR..............................................................68 GRFICO 4 PORCENTAGEM DAS CLASSES DE COBERTURA VEGETAL E USO DAS TERRAS DA BHC/FR..........................................................................................................................................................69 FIGURA 12 - ESBOO ESQUEMTICO MOSTRANDO A DINMICA DA PONDERAO INTRA E INTER ELEMENTOS GEOSSISTMICOS....................................................................................................73 FIGURA 13 - FLUXOGRAMA DAS ATIVIDADES E PRODUTOS SOBRE A FRAGILIDADE AMBIENTAL....................................................................................................................................................75 FIGURA 14 - MAPA DE DECLIVIDADE DE BHC/FR...................................................................................79 GRFICO 5 - PORCENTAGEM DAS CLASSES DE DECLIVIDADE...........................................................80 FIGURA 15 - CARTA DE FRAGILIDADE POTENCIAL 1.............................................................................91 FIGURA 16 - CARTA DE FRAGILIDADE POTENCIAL 2.............................................................................93 FIGURA 17 - CARTA DE FRAGILIDADE POTENCIAL 3.............................................................................95 FIGURA 18 - CARTA DE FRAGILIDADE POTENCIAL 4.............................................................................99 GRFICO 6. COMPARAO DAS CLASSES DE FRAGILIDADE POTENCIAL DE ACORDO SUAS RESPECTIVAS CARTAS.............................................................................................................................100 GRFICO 7- CONFRONTO DOS SOLOS COM AS TIPOLOGIAS DE USO DAS TERRAS DA BHC/FR.........................................................................................................................................................104 GRFICO 8. CONFRONTO DAS DECLIVIDADES COM AS TIPOLOGIAS DE USO DAS TERRAS DA BHC-FR........................................................................................................................................................105

GRFICO 9. CONFRONTO DOS SOLOS COM AS TIPOLOGIAS DE USO DAS TERRAS DA BHC-FR..105 FIGURA 19 - CARTA DE FRAGILIDADE EMERGENTE 1........................................................................107 FIGURA 20 - CARTA DE FRAGILIDADE EMERGENTE 2........................................................................110 FIGURA 21 - CARTA DE FRAGILIDADE EMERGENTE 3........................................................................113 FIGURA 22 - CARTA DE FRAGILIDADE EMERGENTE 4........................................................................116

LISTA DE TABELAS TABELA 1 TABELA 2 TABELA 3 TABELA 4 TABELA 5 TABELA 6 TABELA 7 TABELA 8 TABELA 9 TABELA 10 TABELA 11 TABELA 12 TABELA 13 TABELA 14 TABELA 15 TABELA 16 TABELA 17 TABELA 18 TABELA 19 TABELA 20 TABELA 21 TABELA 22 PERCENTUAL MDIO DE AGRICULTORES SEGUNDO AS FORMAS DE PREPARO DO FRAGILIDADE DAS CLASSES GEOLGICAS......................................................................76 FRAGILIDADE DAS CLASSES GEOMORFOLGICAS........................................................78 FRAGILIDADE DAS CLASSES DE SOLO..............................................................................78 CLASSES DE FRAGILIDADE PARA AS DECLIVIDADES.....................................................80 GRAU DE PROTEO DOS TIPOS DE COBERTURA VEGETAL.......................................81 MATRIZ BSICA N 1 PARA O CRUZAMENTO DOS MAPAS TEMTICOS, ESCALA DE VALORES AHP PARA COMPARAO PAREADA..........................................85 PESOS ADOTADOS E DISPOSIO HIERARQUICA DOS ELEMENTOS..........................85 MATRIZ BSICA N 2 PARA CRUZAMENTO DOS MAPAS TEMTICOS, CARTA DA FRAGILIDADE POTENCIAL 1 (CFP1).................................................................90 CARTA DA FRAGILIDADE POTENCIAL 2 (CFP2).................................................................91 PESOS DEFINIDOS PELA TCNICA AHP............................................................................94 CARTA DA FRAGILIDADE POTENCIAL 3 (CFP3).................................................................94 PESOS DEFINIDOS PELA TCNICA AHP............................................................................96 CARTA IV DA FRAGILIDADE POTENCIAL DO MEIO NATURAL.........................................97 SNTESE DA EVOLUO DAS CLASSES DE FRAGILIDADE POTENCIAL.......................99 CLASSES DA CARTA DA FRAGILIDADE EMERGENTE 1 (CFE1).....................................106 REAS (HECTARE) RESULTANTES DO CRUZAMENTO ENTRE AS CLASSES DA CARTA CLASSES DA CARTA DE FRAGILIDADE EMERGENTE 2 (CFE2).....................................109 REAS (HECTARE) RESULTANTES DO CRUZAMENTO ENTRE AS CLASSES DA CARTA CLASSES DA CARTA DE FRAGILIDADE EMERGENTE 3 (CFE3).....................................112

SOLO NAS UNIDADES DE PRODUO ORGNICAS DA RMC..................................................................70

CONSIDERANDO-SE O RESULTADO COMO PERTENCENTE CLASSE MAIS ALTA..............................84

CONSIDERANDO-SE O RESULTADO COMO SENDO A MDIA DOS ELEMENTOS ANALISADOS...........87

DE FRAGILIDADE POTENCIAL 1 (CFP1) E A CARTA DE USO ATUAL DAS TERRAS (CUT)....................108

DE FRAGILIDADE POTENCIAL 2 (CFP2) E A CARTA DE USO ATUAL DAS TERRAS (CUT)..................111

TABELA 23 TABELA 24 TABELA 25 TABELA 26 TABELA 27 TABELA 28 TABELA 29 -

REAS (HECTARE) RESULTANTES DO CRUZAMENTO ENTRE AS CLASSES DA CARTA CLASSES DA CARTA DE FRAGILIDADE EMERGENTE 4.................................................115 REAS (HECTARE) RESULTANTES DO CRUZAMENTO ENTRE AS CLASSES DA CARTA SNTESE DA EVOLUO DAS CLASSES DE FRAGILIDADE EMERGENTE...................117 PORCENTAGEM DAS REAS RESULTANTES DO CRUZAMENTO DAS TIPOLOGIAS DE CENRIO EVOLUTIVO DAS REAS DA TIPOLOGIA DE USO ATUAL DAS TERRAS DIFERENAS ENTRE O USO E OCUPAO DAS TERRAS DE

DE FRAGILIDADE POTENCIAL 3 (CFP3) E CARTA DE USO ATUAL DAS TERRAS (CUT).......................114

DE FRAGILIDADE POTENCIAL 4 E DA CARTA DE USO ATUAL DAS TERRAS........................................116

USO ATUAL DAS TERRAS COM AS CLASSES DAS CARTAS DE FRAGILIDADE POTENCIAL...............118 SEGUNDO AS CARTAS DE FRAGILIDADE POTENCIAL.............................................................................119 1996/2001........................................................................................................................................................121

LISTA DE QUADROSQUADRO 1RELAES GEOMORFOLOGIA/PEDOLOGIA E CONSERVAO EM CADA MEIO

GEODINMICO.......................................................................................................................................................15 QUADRO 2- DIFERENAS ESTRUTURAIS E FUNCIONAIS ENTRE ECOSSISTEMAS NATURAIS E AGROECOSSISTEMAS..........................................................................................................................................36 QUADRO QUADRO 4QUADRO 5 3PRINCIPAIS DIFERENAS ENTRE AGRICULTURA SUSTENTVEL E CONVENCIONAL...................................................................................................................................................37 RESUMO DA PONDERAAO E DISPOSIO HIERARQUICA DOS ELEMENTOS SEGUNDO PESOS ADOTADOS E DISPOSIO HIERARQUICA DOS ELEMENTOS SEGUNDO MODELO ROSS (1994)...........................................................................................................................................................81 ALTERNATIVO PROPOSTO..................................................................................................................................83 QUADRO 6 - ETAPAS METODOLGICAS DAS CARTAS DE FRAGILIDADE POTENCIAL (LGICA, DIFERENA E IGUALDADE INTRA E INTER ELEMENTOS DO GEOSSISTEMA)..............................................88

RESUMO A fragilidade de um geossistema mais bem avaliada quando leva em conta a inter-relao entre os componentes biolgicos e o potencial ecolgico. A explorao dos recursos naturais pela atividade humana provoca uma vulnerabilidade no meio ambiente, deixando impressos seus resultados na paisagem. O estudo da paisagem deve privilegiar metodologias que apreendam a complexidade inerente aos sistemas ambientais, envolvendo a pluralidade das dimenses sociais, ecolgicas e econmicas. A Anlise por Mltiplos Critrios (AMC) apresenta-se como uma ferramenta alternativa s metodologias tradicionais de modelagem que so dicotmicas na anlise e ambguas nas decises. Assim, incorporando a AMC a partir da lgica fuzzy modelagem dos dados ambientais, procedeu-se a um ajuste na metodologia de mapeamento da fragilidade ambiental (ROSS, 1994) da Bacia Hidrogrfica Crstica de Fervida e Ribeiro das Onas do municpio do Colombo/PR, criando critrios e indicadores adequados aos geossistemas locais. A metodologia alternativa sugerida neste trabalho consistiu resumidamente em duas etapas: na primeira, aplicao de critrios diferentes para superar a rigidez da classificao dos solos obtendo-se assim valores diferentes aos aplicados pela classificao de Ross, por conta de uma maior diferenciao das especificidades, ausente no modelo criticado. Na segunda etapa, adotou-se a ferramenta Analytical Hierarchy Process (lgica fuzzy) para determinar diferenas entre os elementos solo, declividade, geologia e geomorfologia com maior peso para o solo, critrio desprezado por Ross. Os resultados da aplicao das duas metodologias (a original e a alternativa) foram os seguintes: na original obteve-se 98,38% da rea agrcola distribuda em reas de fragilidade emergente alta a muito alta, enquanto que na metodologia alternativa 94,56% da rea agrcola encontrava-se distribuda em reas de mdia a baixa fragilidade emergente. O resultado obtido na metodologia original poderia induzir aparentemente a um impedimento da utilizao efetiva do espao para fins produtivos. Ora, nem sempre uma interveno humana no meio sinnimo de degradao ambiental, desde que a tecnologia empregada seja adequada ao potencial ecossistmico existente. Ao no contemplar pressupostos tericometodolgicos adequados para pensar a sustentabilidade do uso das terras, as metodologias de mapeamento de fragilidade dos ambientes naturais podem produzir conseqncias contrrias ao pretendido. Dessa maneira, constatou-se que a metodologia alternativa proposta apresentou resultados muito diferentes aos de Ross, uma vez que baseou seus pressupostos no debate terico da sustentabilidade. Palavras-chave: fragilidade ambiental; modelagem geossistmica; agroecossistemas e sustentabilidade; morfodinmica e solos; complexidade e lgica fuzzy.

ABSTRACT The fragility of a geossystem is better considered when it takes into account the relation between biological components and the ecological potential. The exploitation of natural

resources results in vulnerability of the environment, producing some serious impacts in the landscape. Metodologies of landscape study must incorporate the intrinsec complexity of environmental systems including not only the ecological but also the social and the economical dimensions. The Multiple Criteria Analysis (MCA) appears as a alternative tool face the traditional pattern methodologies which are doubtful and dichotomical in its choices. So, the incorporation of the MCA methodology from fuzzy logic to the environmental data model has allowed an arrangement mapping of environmental fragility (ROSS, 1994) from Hydrographic Carstica Bassin of Fervida and Ribeiro das Onas, a county of Colombro/Pr. This aternative planning allows appropriate indicators to the local geossystems. The suggested alternative methodology of this research may be briefly resumed following two steps: the first one, by the applying differents criteria to overcome the strictnessed classification of soils. This application reached to differents values from those of Ross classification, seeing the bigger differentiation of specificities tooked by the alternative model. In the second steps, the Analytical Hierarchy Process (fuzzy logic) allowed to determine differences among the soil, declivity, geology and geomorfology, with major value ascribed to the soil in opposition to Ross model. The two methodologies (the original and the alternative one) presented the following scores: 98,38% to the original from the agricultural surface extended into high and very high emergent fragility areas, while the alternative methodology presented 94,56% of agricultural surface, situated in an average and low emergent fragility areas. The result reached from the original methodology could apparently suppose an obstruction of using this area to productive purposes. Sometimes, a human intervention in environment doesn t represent an attack against the nature, since that the employed tecnology be appropriate to the real ecossystemic potential. Disconsidering the theorical and methodological principles to think the sustainable land uses, the methodologies of mapping of the environmental fragility can produce unexpected consequences. In this way, its possible to remark that the purposes of alternative methodology presented a very different outputs than those of Ross, once the last had not based his presuppositions on the theoretical debate about sustainability. Key-words: environmental fragility; geossystemic planning; agroecossystems sustainability; morphodynamics and soils; complexity and fuzzy logic. and

1

INTRODUO

O estudo das relaes entre os seres vivos e o planeta, a partir de uma viso compartimentalizada do conhecimento cientfico, excluiu por muito tempo o ser humano da teia da vida do qual ele faz parte. Ficou evidenciado a partir da Revoluo Industrial, em meados do sculo XIX, que os distrbios e transformaes do quadro natural no derivavam de um processo devido unicamente s energias naturais desencadeadas. A histria do pensamento mostrou que os sistemas naturais possuam diferentes formas de reao s perturbaes, podendo ser interpretadas como prprias de uma evoluo natural e tambm como produto da interferncia antrpica.

A partir de uma perspectiva planetria foi possvel vislumbrar que a evoluo das espcies e a evoluo de seu ambiente esto estreitamente associadas num processo nico e indivisvel, cuja tendncia aponta para um estado de homeostase por longos perodos, at que alguma contradio interna ou fora exterior provoque o salto para uma nova situao estvel. Na medida que as sociedades humanas passaram progressivamente a intervir na apropriao dos recursos naturais, alterando os processos que conduzem estabilizao do meio ambiente, ocorreu a necessidade de se repensar a fragilidade dos sistemas naturais. Acrescentar-se-ia ao processo de mudana dos sistemas naturais um estado social; os estudos sobre meio ambiente passariam mais tarde a incorporar uma racionalidade social, configurada por comportamentos, valores e saberes, bem como por novos potenciais produtivos que estabeleceriam limites s formas e ritmos de explorao dos recursos e que, condicionariam, tambm, os processos de valorizao, acumulao e reproduo do capital. Atualmente, existe a necessidade de se reexaminar essa concepo compartimentalizada do conhecimento cientfico luz da idia de co-evoluo, partindo das inter-relaes entre sociedade e natureza em lugar de abordar os dois sistemas separadamente. Essa tendncia foi incorporada pelas cincias da terra a partir do comeo do sculo XX, e resultou na elaborao de novos pensamentos que culminaram na construo de uma cincia que passa a analisar a paisagem enquanto um sistema espacial dinmico de fenmenos naturais e scio-econmicos: o geossistema. Assim, o estudo geossitmico surge a partir da construo de uma nova anlise da paisagem, buscando o entendimento da sua estrutura e dinmica, ou seja, na busca da compreenso do complexo da paisagem. A compreenso deste complexo da paisagem passa de um lado pelo entendimento da lgica de apropriao da natureza bem como das tecnologias utilizadas para tal, e por outro, pelo entendimento do jogo triangular das interaes dinmicas entre biocenose-pedognesemorfognese que est no centro das influncias do clima sobre o relevo e cuja somatria das foras resulta na estabilidade ou na instabilidade da superfcie. Do estudo desse jogo de interaes entre os fenmenos presentes na natureza surge a metodologia da Ecodinmica. Ela tem por objetivo definir as modalidades de funcionamento do meio ambiente dos seres vivos, inclusive do Homem. E tem por finalidade contribuir na definio do grau de sensibilidade do meio ambiente em face dos fenmenos espontneos e das intervenes antrpicas.

Assim, com base no estudo geossistmico e da ecodinmica possvel analisar os graus de fragilidade natural do relevo, mapeando-os, bem como analisar a fragilidade da superfcie face s intervenes antrpicas. No obstante, as metodologias baseadas nas cincias tradicionais mostram-se incapazes de analisar os sistemas ambientais complexos caracterizados pela subjetividade e impreciso. Na modelagem dos sistemas ambientais e no manejo de conflitos advindos da escolha de mltiplos critrios para a resoluo dos problemas scio-ecolgicos deve-se dar preferncia a ferramentas que abarquem as incertezas e a pluralidade de perspectivas. Os mtodos de Avaliao por Mltiplos Critrios so em princpio uma ferramenta apropriada de modelagem para a formao de decises em assuntos ambientais, pois se encarregam de tratar de informaes qualitativas e quantitativas sem incorporar o quadro da incerteza estocstica que enfoca a ambigidade da informao. As ferramentas capazes de incorporar mltiplos critrios para a formao de assuntos ambientais devem ser utilizadas na anlise da fragilidade ambiental na medida que os elementos do geossistema variam ou mudam de valor de acordo com o momento histrico ou com o lugar em que se encontram. Assim, face aos objetivos do trabalho deu-se maior importncia ao fator solo na anlise da fragilidade ambiental, dada sua importncia como fator de estabilizao dos processos morfodinmicos na paisagem, como fator de produtividade dos agroecossistemas, e como fator de contaminao ou depurao das guas superficiais e subterrneas, caractersticas estas do ambiente crstico no qual se aplicou o estudo. A rea da bacia hidrogrfica de Fervida e Ribeiro das Onas situa-se em uma regio caracterizada como rea de mananciais pela presena de aqferos subterrneos (Regio Aqfera do Carste). Localizada no Municpio de Colombo, parte integrante da Regio Metropolitana de Curitiba essa bacia hidrogrfica apresenta atualmente um quadro de crise que confere riscos para a sustentabilidade do ecossistema: a explorao dos recursos hdricos por meio do bombeamento de poos artesianos para atender s demandas dos grandes centros urbanos; o uso da gua de superfcie para a irrigao de produtos hortigranjeiros; a produo de hortalias de forma convencional sobre reas de interesse de proteo ambiental; os sistemas agrcolas predominantemente intensivos; e os jogos de interesses entre estilos de vida opostos (urbano x rural).

Por outro lado, a regio vem presenciando a estruturao de formas alternativas de produo (principalmente a agricultura orgnica) que se caracterizam pela prtica de novas formas de explorao dos recursos segundo princpios biolgicos procurando reduzir ou substituir insumos qumicos, proteger o meio ambiente e a sade e reforar as interaes biolgicas e fsicas nos agroecossistemas. Frente quelas situaes de conflito, peculiares s sociedades de risco, justifica-se a necessidade de se pensar formas alternativas ao desenvolvimento rural, ou seja, torna-se crucial pensar uma forma de desenvolvimento que satisfaa as necessidades de reproduo social e econmica de cada comunidade e estabelecimento rural, bem como a manuteno em longo prazo dos recursos naturais e da produtividade agrcola com um mnimo de impactos adversos ao ambiente. Neste caso, justifica-se o planejamento do uso sustentvel das terras, por meio da aplicao de metodologias que identifiquem e mapeiem a fragilidade e a vulnerabilidade geossistmica a fim de propiciar formas de planejamento do uso correto dos solos, o manejo e o gerenciamento da paisagem com seus recursos naturais.

1.1.

OBJETIVOS

O presente trabalho teve como objetivo geral mapear a fragilidade ambiental da Bacia Hidrogrfica Crstica de Fervida e de Ribeiro das Onas, fornecendo desta forma subsdios para o planejamento do uso sustentvel das terras, que a finalidade do trabalho. Este objetivo geral resume-se nos seguintes objetivos especficos: a. Discutir a noo de fragilidade ambiental englobando os conceitos de estabilidade, meio ambiente, paisagem e geossistema; b. Aplicar a metodologia de mapeamento da fragilidade ambiental desenvolvida por ROSS (1994); c. Construir modelos alternativos referida metodologia por meio da utilizao da ferramenta de suporte deciso AHP (Analitycal Hyerarqui Process); d. Identificar e classificar caractersticas de fragilidade morfodinmica do terreno (pedolgicas, geomorfolgicas e geolgicas); e. Avaliar a interao entre o uso e ocupao da terra frente s caractersticas do quadro natural.

3.

REVISO DE LITERATURA

ABORDAGENS DA FRAGILIDADE AMBIENTAL SEGUNDO DIFERENTES ESCALAS E DIMENSES.

Aplica-se o conceito de fragilidade geossistmica (SOTCHAVA, 1968; BERTRAND, 1971) inter-relao existente entre o potencial ecolgico (geomorfologia + clima + hidrologia) e os componentes biolgicos (vegetao + solo + fauna). Por sua vez, o conceito de vulnerabilidade est associado ao antrpica exercida sobre o quadro natural do geossistema. Embora sem consenso ainda pelos estudiosos do assunto relativo fragilidade eco e geossistmica, o conceito de fragilidade ambiental til para traduzir as intenes de pesquisa que aproximam essas dinmicas com a dimenso antrpica. Mais recentemente alguns autores REDCLIFT e WOODGATE (1998), apoiando-se em Richard Norgaard, desenvolvem o conceito de co-evoluo, mais abrangente para analisar situaes de interdependncia dos sistemas naturais e sociais: (...) a coevoluo entre a sociedade e a natureza deu lugar no apenas a relaes socioambientais crescentemente complexas, mas tambm a uma mais sofisticada organizao social. A crescente complexidade das estruturas sociais amplia a cadeia de conexes entre a sociedade e a natureza, de tal modo que a sustentabilidade de sociedades altamente desenvolvidas tornase dependente no s da manuteno dos laos entre a sociedade e o meio natural, mas tambm dos laos que unem os atores sociais s instituies. A anlise da fragilidade dos sistemas naturais grandemente influenciada pelas teorias ecolgicas a respeito da resilincia1 dos ecossistemas. Por muito tempo prevaleceu na ecologia a teoria monoclimtica, ou seja, a noo unidirecional da resilincia que estabelece que os sistemas perturbados retornariam a sua conformao anterior perturbao, ou seja,Resilincia um termo extrado da mecnica e descreve a caracterstica de alguns materiais, em especial os metais, de chegar a deformaes permanentes sem se romper quando so aplicados esforos maiores, permitindo-lhes voltar ao seu tamanho e forma iniciais. Esse termo quando utilizado pelos eclogos ganha um outro sentido: a quantidade de perturbaes que um ecossistema capaz de agentar, adaptando-se s novas condies sem chegar a falhar no seu funcionamento (MAYA, 1993). De acordo a ODUM (1986), existem duas formas de estabilidade nos ecossistemas: a estabilidade de resistncia e a estabilidade de elasticidade. A estabilidade de resistncia indica a capacidade um ecossistema de resistir a perturbaes e de manter intactos sua estrutura e seu funcionamento. A estabilidade de elasticidade indica a capacidade de se recuperar quando o sistema desequilibrado. O grau de estabilidade realmente alcanado por um determinado ecossistema depende no somente da sua histria evolutiva e da natureza do ambiente de entrada, mas tambm da complexidade. Em termos gerais, os ecossistemas tendem a se tornar mais complexos em ambientes fsicos benignos do que quando sujeitos a perturbaes estocsticas (aleatrias, imprevisveis) de entrada.1

ao seu estado natural de equilbrio esttico. Essa concepo influenciou a noo de sustentabilidade, tendo-se em vista que esta busca a persistncia (permanncia) de um presumido estado de equilbrio, mantido atravs de sua proteo contra as perturbaes (distrbios) - particularmente daquelas introduzidas pelas atividades humanas (UFPR. Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento, 2001). Segundo a concepo da teoria monoclimtica, torna-se imperioso salvar o que ainda resta do mundo selvagem e devastado continuamente pelo homem. A partir dessa filosofia, ento constri-se uma representao sobre o mundo natural; constri-se um neomito que reporta idia de paraso perdido, da beleza primitiva da natureza anterior interveno humana, e da exuberncia da paisagem intocada. esta idia que inspirou, e ainda inspira, uma parte do discurso ambientalista e os principais instrumentos da legislao ambiental vigente que tendem a privilegiar a natureza pensada como intocada, da ao predadora das populaes (DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE, 2000). No entanto, essa concepo de natureza sofreu mudanas. Ficou evidenciado mais tarde atravs das descobertas das cincias naturais que os ecossistemas podem reagir diferentemente s perturbaes (dado forte variabilidade entre eles), o que faz levar a diferentes pontos de equilbrio dinmico2 e envolver mudanas contnuas, com ciclos de perturbaes e rejuvenecimento. A noo de fragilidade dos sistemas ambientais tambm questionada por LOVELOCK (1991) quando elaborada a teoria de Gaia ou a Terra enquanto um organismo vivo. Ao expor sua teoria o autor faz uma crtica s cincias biolgicas e da terra dizendo que os modelos ecolgicos e a ecologia terica enquanto cincia at agora no conseguiram explicar a grande estabilidade dos ecossistemas naturais complexos, como as florestas tropicais ou o emaranhado talude de Darwin (...) . Segundo Lovelock, em Gaia a evoluo das espcies e a evoluo de seu ambiente esto estreitamente associadas num processo nico e indivisvel de tal maneira que o clima eNeste caso, o termo equilbrio no tem o mesmo significado que na esttica, pois aqui se refere ao balanceamento dos diferentes elementos do sistema que mutuamente se mantm dentro de determinados limites que impedem com que o sistema se destrua. No , pois, sinnimo de morte, seno de complementaridade e de balano (MAYA, 1993). O conceito de equilbrio dinmico ou do steady state nos sistemas fechados e abertos discutido por CHORLEY (1971), com base nas idias de Von Bertalanffy, em seu artigo A Geomorfologia e a Teoria dos Sistemas Gerais. Para Chorley um steady steate o estado de estabilidade no qual a importao e exportao de energia e matria so equacionadas por meio de ajustamento das formas, ou geometria do prprio sistema: um steady state significa que os aspectos das formas no so estticos e imutveis, mas que so mantidos pelo fluxo de matria e de energia que atravessam o sistema. (...) Na prtica, o steady state raramente caracterizado por um exato equilbrio, mas simplesmente pela tendncia em ating-lo. Esse fato devido parcialmente s constantes alteraes da energia que so, por si mesmas, caractersticas do funcionamento em sistema aberto.2

a composio qumica da Terra so mantidos em homeostase por longos perodos, at que alguma contradio interna ou fora exterior provoque o salto para uma nova situao estvel. Para que o planeta consiga atingir a regulao do ambiente necessria a presena de um nmero suficiente de organismos vivos. Logo, a teoria de Gaia obriga a que tenhamos uma viso planetria, pois nesta escala a vida quase imortal e no tem a necessidade de se reproduzir. Gaia tem presenciado hoje um perodo de intensa interferncia humana (atividades industriais, da agricultura, da pesca em grande escala) que se observado da escala de tempo de nossas vidas breves deve parecer acidental ou at maligna, e se observado a partir das dimenses espaciais e temporais de Gaia, no represente necessariamente uma ameaa extino da vida na Terra. Contudo, o que ocorreu foi que durante essas abruptas mudanas as espcies residentes sofreram catstrofes, evoluindo ou deixando lugar ao surgimento de outras. A espcie humana produto de uma dessas catstrofes e se o mundo se torna inadequado para ns, pelo que ns mesmos fazemos, existe a probabilidade de mudana no regime, que passar a ser o melhor para a vida embora no necessariamente o melhor para ns (LOVELOCK, 1991). Portanto, embora o planeta esteja presenciando um perodo de intensas mudanas provocadas pelas atividades humanas, elas devem ser encaradas como um perigo real mais aos seres humanos e aos ecossistemas locais que propriamente ao planeta que possui mecanismos prprios de controle frente s adversidades. A questo da fragilidade ambiental ganha outro sentido quando analisada a partir de uma escala menos abrangente, a escala da paisagem ou de uma microbacia hidrogrfica onde h uma forte interveno social modificando as dinmicas processuais do quadro natural, ou seja, a natureza socialmente construda. Antes de abordar esta questo, vale a pena destacar a viso de SANTOS (1997) quanto aos distrbios e transformaes do quadro natural. Para ele a identidade do quadro natural se renova mediante as trocas de energia (num movimento perptuo) entre os seus elementos. Esse processo, pelo qual constituem-se as entidades ou elementos naturais, intitulado como a diversificao da natureza: quando a natureza ainda era inteiramente natural, teramos, a rigor, uma diversificao da natureza em estado puro. O movimento das partes, causa e conseqncia de suas metamorfoses, deriva de um processo devido unicamente s energias naturais desencadeadas.

Contudo, a partir da interveno das sociedades humanas para a apropriao dos recursos, os ambientes naturais - que se mostravam em estado de equilbrio dinmico passam a apresentar maior ou menor fragilidade em funo de suas caractersticas genticas (ROSS, 1996a). Assim, com a primeira presena do homem acrescenta-se um fator novo na diversificao da natureza na medida em que a sociedade atribui s coisas um valor, acrescentando ao processo de mudana um estado social. Historicamente, com o aperfeioamento das tcnicas vai-se aumentando o poder de interveno e a autonomia relativa do homem ao mesmo tempo em que se vai ampliando a parte da diversificao da natureza socialmente construda (SANTOS,1997). A partir dessa lgica de valorao dos recursos e ecossistemas por parte da sociedade, LEFF (2001) amplia o conceito de meio ambiente, vinculando-o racionalidade social: (...) o ambiente no o meio que circunda as espcies e as populaes biolgicas; uma categoria sociolgica (e no biolgica), relativa a uma racionalidade social, configurada por comportamentos, valores e saberes, bem como por novos potenciais produtivos. Neste sentido, o ambiente do sistema econmico est construdo pelas condies ecolgicas de produtividade e regenerao dos recursos naturais, bem como pelas leis da termodinmica de degradao de matria e energia no processo produtivo. O ambiente estabelece potenciais e limites s formas e ritmos de explorao dos recursos, condicionando os processos de valorizao, acumulao e reproduo do capital. Nesse sentido, o estudo do meio ambiente3 pode ser definido, segundo MAYA (1993), como a anlise da relao entre o ecossistema e a cultura, reservando o termo ecossistema para o conjunto de leis que regem os sistemas vivos antes de ser transformados pela atividade humana, e o de cultura para a forma como o homem se organiza em sociedade, constri seus instrumentos adaptativos e organiza uma rede de smbolos que o permite comunicar-se e transmitir seus conhecimentos s geraes futuras. Assim, nota-se a partir das idias expostas acima que a insero do elemento antrpico tem uma relao com a qualidade do meio fsico. Atualmente, existe uma necessidade de se reexaminar essa concepo luz da idia de co-evoluo, partindo das inter-relaes entre sociedade e natureza em lugar de abordar os dois sistemas separadamente, pois, como seNeste caso, MAYA (1993) confirma que o conceito de meio ambiente e ambiente carregam diferentes conotaes. Ambiente para o autor significa o conjunto de condies fsicas nas quais se desenvolve um ser vivo.3

pode observar hoje, a quase totalidade dos meios naturais so produtos da ao dos homens que, no s enquanto elos da cadeia trfica, mas como seres sociais, participam dos processos de formatao dos meios que eles ocupam (UFPR. Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento, 2001). Seguindo o raciocnio, devemos assumir que a sociedade, a exemplo do meio fsico, tambm possui uma determinada fragilidade, e que pode ser interpretada segundo uma sociologia de risco. A sociologia de risco tem como aspecto caracterstico localizar as origens e conseqncias da degradao do meio ambiente no centro de uma teoria da sociedade moderna, em vez de consider-la um elemento perifrico ou uma reflexo terica posterior. Ela definida pela emergncia dos perigos ecolgicos, caracteristicamente novos e problemticos em se comparando sociedade industrial cujos riscos, ao contrrio da primeira, ainda podiam ser calculados e previsveis (GOLDBLATT, 1996). A insero do elemento antrpico no discurso das cincias ambientais recente e fruto da internalizaro de valores e princpios ecolgicos impostos pela globalizao da degradao socioambiental s disciplinas cientficas (LEFF, 2001). Segundo Leff, a partir desse contexto surgem novos enfoques metodolgicos capazes de apreender a multicausalidade e o potencial sinrgico de um conjunto de processos de ordem fsica, biolgica, tecnolgica e social. Nesse sentido, o entendimento das dimenses social, econmica e ecolgica vai depender em grande parte da complexidade do sistema e de cada um de seus componentes que se quer trabalhar. Trabalhar para que as dimenses se inte-relacionem de forma equilibrada requer a participao e dilogo de saberes, ou seja, da interdisciplinaridade ou de diagnsticos alternativos capazes de traduzir a complexidade inerente aos ecossistemas. Uma das maneiras para garantir a possibilidade de realizao desses diagnsticos deve contemplar o dilogo de saberes: no domnio das relaes sociedade-natureza, certamente, justifica-se cada vez mais novas associaes, para produzir novos conhecimentos e engendrar prticas diferentes e alternativas ao modelo predatrio de civilizao instaurado pela economia de mercado e pelo produtivismo exacerbado (FLORIANI, 2000).

2.2 BASES TERICAS PARA O MAPEAMENTO DA FRAGILIDADE AMBIENTAL. No tocante ao surgimento desses novos enfoques metodolgicos, MENDONA (1993) descreve as etapas evolutivas para construo de uma geografia ambiental. Para ele, o

segundo momento do ambientalismo geogrfico aparece, de certa forma, como uma reao ao descaso de grande parte dos gegrafos fsicos em abordar as relaes sociais enquanto componentes das paisagens e do espao. A partir desse momento, comearam a surgir metodologias enfocando a natureza sob o ponto de vista da dinmica natural das paisagens em interao com as relaes sociais de produo, ou seja, abriu-se um espao para uma nova varivel na paisagem do gegrafo fsico: a ao antrpica4. Com o progressivo avano do estudo da paisagem e dos estudos geoecolgicos, originados e desenvolvidos a partir da sistematizao da geomorfologia alem, tem sido possvel articular a natureza sociedade. Recentemente, autores soviticos e franceses (Bertrand, 1968, Ticart, 1977, Sochava, 1972) tm procurado desenvolver estudos integrados da paisagem, sob a tica dos geossistemas (CASSETI, 2001). Nesse sentido BERTRAND (1971) ao centralizar o foco das atenes para o estudo do geossistema, privilegia o entendimento da paisagem. Segundo ele, a paisagem no a simples adio de elementos geogrficos disparatados. , numa determinada poro do espao, o resultado da combinao dinmica, portanto instvel, de elementos fsicos, biolgicos e antrpicos, que reagindo dialeticamente uns sobre os outros, fazem da paisagem um conjunto nico e indissocivel, em perptua evoluo. Assim, para entendermos o geossistema necessrio entender a paisagem que, segundo TROPPMAIR (1981), o espelho do prprio geossistema. Ela entendida como um sistema espacial dinmico de fenmenos naturais e scio-econmicos e procura entender a estrutura e a dinmica, ou seja, compreender o complexo da paisagem, e no apenas a sua classificao terica que constitui o objetivo fundamental da pesquisa em geografia fsica. Segundo GOMES (2002), o estudo geossistmico recente, sendo primeiramente proposto na antiga Unio Sovitica na dcada de 1960, pelo estudioso Sotchava que o conceituou como o potencial ecolgico de determinado espao no qual h uma explorao biolgica, podendo influir fatores sociais e econmicos na estrutura e expresso espacial.De acordo a CASSETI (1991), a forma como que o homem utiliza os meio de produo (a prpria terra) determinada pelo grau de desenvolvimento cientfico-tecnolgico de uma sociedade e, acima de tudo, pela forma como as relaes de produo so evidenciadas nas diferentes fases da histria da humanidade. No tocante ao estudo das transformaes ambientais decorrentes da relao sociedade/natureza, o autor diz que: (...) as leis que regulam o desenvolvimento da segunda natureza [a natureza transformada pelo homem] no so ao todo as que os fsicos encontram na primeira natureza [a natureza intocada pelo homem]. A forma de apropriao da natureza determinada pelas leis transitrias da sociedade [e] a chave da soluo cientfica [para os problemas ambientais] est na anlise dos fatores sociais, nos fatos especficos da produo determinada por esses fatores.4

Fundamentado na Teoria Geral dos Sistemas5 o enfoque geossistmico tem como princpio bsico a conectividade que permite ao estudioso compreender a realidade complexa das ligaes entre os elementos do sistema. Contudo, sem a aplicao deste princpio possvel incorrer no erro de analisar um dado espao, avaliando apenas os seus elementos, sua natureza, sua estrutura sem, contudo, ultrapassar os limites da descrio. No ponto principal da discusso sobre a abordagem geossistmica no estudo das paisagens, GOMES (2002) questiona dois aspectos fundamentais: qual a rea limite de um geossistema e quais componentes devem ser includos nesta anlise. Como resposta a essas questes o autor sugere o seguinte: Seus elementos [do geossistema] variam ou mudam de valor de acordo com o momento histrico ou com o lugar que se encontram e devem ser considerados de acordo com seu valor em um dado momento. O relevo, vegetao, solo, clima, hidrografia, ou qualquer outro componente, mesmo os antrpicos, podero ser considerados na anlise geossistmica desde que haja uma homogeneidade, uma relao mtua, e um valor qualitativo em sua estrutura. No existe um valor mximo de componentes, mas existe um valor mnimo j que apenas um elemento isolado deixa de ter o carter de interrelao fundamental no geossistema. Entretanto, pode-se conceber o geossistema como estruturado em subsistemas conforme o esboo na figura 1, elaborado por BERTRAND (1971), onde todos os elementos constituintes do geossistema, bem como as suas interaes podem ser compreendidas.

FIGURA 1 - ESBOO DO FUNCIONAMEMTO DO GEOSSISTEMA DE ACORDO COM BERTRAND (1971).(geomorfologia+clima+hidrologia).........................................................(vegetao+solo+fauna) POTENCIAL ECOLGICO EXPLORAO BIOLGICA

GEOSSISTEMASOTCHAVA (1977) utiliza a prpria definio de Bertalanfy para conceituar geossistemas: so uma classe peculiar de sistemas dinmicos abertos e hierarquicamente organizados.5

AO ANTRPICA

Para o autor, o geossistema possui um limite fsico - de uma unidade dimensional compreendida entre alguns quilmetros quadrados e algumas centenas de quilmetros quadrados em cuja escala se situa a maior parte dos fenmenos de interferncia entre os elementos da paisagem. Devido a essa peculiaridade, o geossistema constitui uma boa base para os estudos de organizao do espao6 porque ele compatvel com a escala humana. A compreenso de sua dinmica passa necessariamente pelo entendimento dos mecanismos gerais da paisagem traduzidos por A. Chorley atravs da teoria do Sistema de Eroso7 que inspirou diretamente a ordem metodolgica: a geomorfognese condiciona a dinmica de conjunto do geossistema e domina o sistema de evoluo da paisagem. importante destacar que a pedognese tem a um papel essencial pelo fato de bloquear atualmente a dinmica geral da paisagem.

Para as necessidades da anlise, Bertrand aconselha isolar trs conjuntos diferentes no interior de um mesmo sistema de evoluo: o sistema geomorfogentico; a dinmica biolgica; o sistema de explorao antrpica. A partir desta estrutura analtica, Bertrand definiu um sistema taxonmico dinmico que permite classificar as paisagens em funo de sua evoluo e que engloba atravs disso todos os aspectos das paisagens. Ela leva em considerao trs elementos vinculados aos trs conjuntos acima descritos: o sistema de evoluo, o estgio atingido em relao ao clmax; e o sentido geral da dinmica (progressiva, regressiva, estabilidade)8.Esta compreenso de Bertrand funcional, servindo para atender a dimenso da escala das relaes sociais, porm como conceito (para Sotchava) ele adimensional. 7 Tomando como princpio as relaes dinmicas entre morfologia e os processos erosivos, CUNHA e GUERRA (1996) exemplificam o cenrio exposto acima por Chorley, acrescentando ao sistema o fator antrpico: O desmatamento ou crescimento da rea urbana nas encostas reduz a capacidade de infiltrao, aumenta o escoamento superficial, promovendo a eroso hdrica nas encostas e fornece maior volume de sedimentos para a calha fluvial o que pode resultar no assoreamento do leito e enchentes na plancie de inundao. Da mesma forma, alteraes no comportamento natural dos canais fluviais influenciam os processos que se registram nas encostas. Obras de acentuado entalhe e aprofundamento dos leitos, no sentido de reduzir a ocorrncia de enchentes, so exemplos que alteram o nvel de base local, gera retomada erosiva nas encostas e a conseqente formao de ravinas e voorocas. Esta tipologia inspirada na teoria de bio-resistasia de H. Erhart que tambm utilizada para elaborar a teoria da Ecodinmica do geomorflogo Jean Tricart, da qual falar-se- mais adiante.8 6

Quanto anlise da fragilidade de um geossistema, de acordo a BERTRAND (1971), deve-se abordar no interior de um geossistema o geofcies que so setores fisionomicamente homogneos onde se desenvolve uma mesma fase da evoluo geral. Sendo menores, eles so mais sensveis s modificaes que afetam os geossistemas e evoluem mais rapidamente. Sua combinao traduz a dinmica geral do geossistema do qual eles fazem parte. O geossistema se define primeiramente por seu potencial ecolgico, enquanto que no geofcies a explorao biolgica do potencial ecolgico determina geralmente a dinmica. Pode-se falar de cadeias progressivas e de cadeias regressivas de geofcies, como tambm de um geofcies clmax que constitui um estgio final da evoluo natural de um geossistema. Os geossistemas, portanto, so definidos em funo do estado de biostasia ou resistasia e da dinmica progressiva, regressiva ou climcica (equilbrio). O Quadro 1 exemplifica o sistema taxonmico proposto por Bertrand.

QUADRO

1-

RELAES

GEOMORFOLOGIA/PEDOLOGIA

E

CONSERVAO

EM

CADA

MEIO

GEODINMICO.1.1. Geossistemas climcicos e subclimcicos: No caso de um desmatamento ou mesmo um acidente natural, observa-se rapidamente uma reconstituio da cobertura vegetal e dos solos; o potencial ecolgico no parece modificado.

1. Geossistema em Biostasia: - Paisagens onde a atividade geomorfogentica fraca ou nula. - O potencial ecolgico , no caso, mais ou menos estvel. - O sistema de evoluo dominado pelos agentes e os processos bioqumicos. - A interveno antrpica pode provocar uma dinmica regressiva da vegetao e dos solos, mas ela nunca compromete gravemente o equilbrio entre o potencial ecolgico e a explorao biolgica.

1.2. Geossistemas paraclimcicos: Aparecem no decorrer de uma evoluo regressiva, geralmente de origem antrpica. A evoluo no pode prosseguir seno artificialmente para uma outra forma de clmax (ex: reflorestamento aps arao).

1.3. Geossistemas degradados com dinmica progressiva: Territrios rurais cultivados que passam ao abandono, com capoeiras e retorno a um estado florestal que , na maior parte dos casos, diferente da floresta-climax.

1.4.Geossistemas degradados com dinmica regressiva: Paisagens fortemente humanizadas, onde a vegetao modificada ou destruda, os solos so transformados pelas prticas culturais e o percurso dos animais. No entanto, o equilbrio ecolgico no rompido malgrado um inicio de ressecamento ecolgico.

2. Geossistema em resistasia: A geomorfognese domina a dinmica global das paisagens. A geomorfognese contraria a pedognese e a colonizao vegetal.

2.1. Geossistemas com geomorfognese natural: Neles a eroso faz parte do clmax, isto , ela contribui a limitar naturalmente o desenvolvimento da vegetao e dos solos. Ex: vertente montanhosa com talude de detritos mvel. 2.2. Geossistemas regressivos com geomorfognese ligada ao antrpica: 2.2.a Geossistemas em resistasia bioclimtica. 2.2.b Geossistemas marginais em mosaico: Isto geofcies em resistasia com geofcies em biostasia, caracterizados por um certo desequilbrio e uma certa fragilidade natural. 2.2.c Geossistemas regressivos: possuem potencial ecolgico degradado que se desenvolve no seio das paisagens em plena biostasia.

Fonte: Adaptado de BERTRAND, G. Paisagem e geografia fsica global: esboo metodolgico. Caderno de Cincias da Terra, no. 13. So Paulo, 1971, p 1-27.

2.2.1 O entendimento dos processos naturais a partir da ecodinmica.

Conforme MENDONA (1993), o desenvolvimento do tratamento temtico ambiental dentro da geografia demorou a consolidar-se no Brasil, ficando mais restrito influncia da escola francesa. Outro expoente da escola francesa foi Jean Tricart que introduziu os conceitos de Ecodinmica e Ecogeografia, servindo de base para a metodologia da cartografia da fragilidade ambiental dos ambientes naturais e antropizados. A Ecodinmica uma metodologia baseada no estudo da dinmica dos ecossistemas. Enfoca as relaes mtuas entre os diversos componentes da dinmica e os fluxos de energia/matria no meio ambiente. Ela tem por objetivo definir as modalidades de funcionamento do meio ambiente dos seres vivos, inclusive o Homem. E tem por finalidade contribuir na definio do grau de sensibilidade do meio ambiente em face dos fenmenos espontneos e de nossas intervenes (TRICART, 1977). De acordo a Tricart, geralmente o elemento determinante na anlise de uma unidade ecodinmica a morfodinmica, caracterizado como o componente mais importante da

dinmica da superfcie terrestre. A morfodinmica depende do clima, da topografia, do material rochoso e tem repercusses mais ou menos imperativas sobre a biocenose, produzindo estabilidade ou instabilidade da superfcie, que um fator limitante muito importante para o desenvolvimento dos seres vivos. A ecodinmica se processa atravs do jogo triangular das interaes biocenose-pedognese-morfognese que est no centro das influncias do clima sobre o relevo. Os processos morfognicos, por sua vez, produzem a instabilidade da superfcie, que um fator limitante muito importante no desenvolvimento dos seres vivos. Assim sendo, o conhecimento da dinmica desses processos torna-se o elemento determinante para a administrao e ordenamento do meio ambiente, lembrando que um dos seus objetivos a diminuio da instabilidade morfodinmica dos meios. Conforme o autor supracitado, existe uma passagem gradual entre os meios estveis e os meios instveis que caracterizada pela interferncia da morfognese-pedognese sobre um mesmo espao. Tal relao pode ser mais bem explicada atravs do modelo elaborado por Alfred Janh em 1954 para a anlise da dinmica das vertentes9 e pelo conceito de balano morfogentico que pode ser elucidado da seguinte maneira:FIGURA 2 - O COMPORTAMENTO DO BALANO MORFOGENTICO EM UM VERTENTE, CONFORME AS PROPOSIES DE ALFRED JANH (1954). PERFIL DE

A B C Vertente Em A: (Bm = V > P)

Em B e C: (Bm = V < P) Bm = balano morfogentico.

Canal fluvial

9 De acordo a PENTEADO (1974), uma paisagem composta de pequenos segmentos de encosta, cada um reagindo particularmente aos efeitos do intemperismo, escorregamento e eroso. Uma encosta dinamicamente estvel ou em equilbrio exemplo de Sistema Fsico aberto, no qual tanto energia como matria se movem, num sistema de auto-regulao, para manter a forma a mais eficiente possvel: o perfil terico neste caso tende a ser regularmente encurvado, convexo no topo e cncavo na base. Numa vertente regularizada, a massa slida em movimento, no perfil convexo representada pelo rastejamento do solo e escoamento difuso, muito lento, sob efeito da gravidade. Quando submetida ao escoamento difuso que transporta material muito fino, erodindo s lateralmente, a vertente no altera sua forma. Na base das vertentes o transporte por escoamento superficial sobrepuja o rastejamento. Estes so setores controlados por lavagem pluvial (rainwash), escoamento laminar (sheet wash), escoamento difuso (rill wash) e, geralmente, so cncavos. Nas encostas onde o escoamento difuso dominante no h concavidade basal. Encostas intermedirias retas parecem se formar quando a eroso muito rpida. O declive cresce morro a baixo at que a gua da chuva comea a correr na superfcie em lugar de infiltrar e lubrificar o solo rastejante. Nesse nvel da encosta comea a lavagem em lenol e a concavidade.

V = componente vertical. P = componente paralela.

Fonte: Adaptado de CHRISTOFOLLETTI (1974).

1)

a meteorizao e a pedognese correspondem s componentes verticais na

vertente e a ao combinada dessas componentes tem o efeito de aumentar a espessura do regolito; 2) os demais processos morfogenticos (movimentos do regolito, escoamento,

eroso elica e outros) correspondem s componentes paralelas. Tais processos tm efeito de retirar os detritos da vertente, promovendo a diminuio da espessura do regolito e o rebaixamento do modelado (JANH10, apud CHRISTOFOLETTI, 1974). De acordo a TRICART (1977), os meios estveis (em termos morfodinmicos) encontram-se em regies dotadas de uma srie de condies como tais como: cobertura vegetal suficientemente fechada para opor um freio eficaz ao desencadeamento dos processos mecnicos da morfognese; dissecao moderada, sem inciso violenta dos cursos dgua, sem sapeamentos vigorosos dos rios, e vertentes de lenta evoluo. ausncia de manifestaes vulcnicas suscetveis de desencadear paroxismos morfodinmicos de aspectos mais ou menos catastrficos. Os meios classificados por Tricart como estveis ou instveis possuem seu equivalente na classificao geossistmica de Bertrand. Os meios estveis podem ser tratados como geossistemas em biostasia, enquanto que os meios instveis equivalem aos geossistemas em resistasia. Inspiradas no fundamento da bio-resistasia de 1954 do pedlogo Henri Erhart, as teorias de Tricart e de Bertrand evidenciam a importncia da cobertura vegetal. Onde a vegetao capaz de fornecer detritos tem lugar a pedognese, ou seja, a pedognese se exerce livremente sem ser afetada praticamente pelas situaes da morfognese. Neste caso, estamos numa situao de biostasia (equilbrio biolgico). Caso ocorra uma ruptura do equilbrio biolgico tem lugar morfognese, o que caracteriza os meios morfodinmicamente instveis: medida que os processos de denudao retiram detritos da10

JANH, A. Balance de dnudation du versant. Czasopismo Geograficzne, v. 25, 1954, p.38-64.

zona de partida, h franca acumulao na base da encosta e o intemperismo atua no sentido vertical atacando a rocha subjacente. Um desequilbrio qualquer (climtico, tectnico ou antrpico) pode acelerar os processos de desgaste (intemperismo mecnico) em relao decomposio das rochas (intemperismo qumico). No setor mais inclinado da encosta a eroso retira o horizonte A e, na base, a acumulao rpida de detritos enterra o horizonte A. Essa situao chamada por Erhart de resistsica (desequilbrio bioclimtico). As influncias exercidas pelos estgios de bio-resistasia no ficam somente na estabilidade de uma vertente e no impedimento eroso mecnica dos horizontes pedolgicos. De acordo a ERHART (1962) a influncia da bio-resistasia amplificada de modo a alterar o quadro natural de uma paisagem em diferentes escalas, e tem como agente principal uma floresta em clmax e um clima favorvel ao seu desenvolvimento. Tal teoria parte do pressuposto que durante milnios e milhes de anos os continentes puderam presenciar uma fase caracterizada pela ausncia de turbulncias tectnicas ou vulcnicas e sem modificaes climticas importantes a ponto de provocar o desaparecimento da floresta. Esse perodo de equilbrio permitiu aos seres organizados atingir o seu clmax e o seu desenvolvimento mximo. O estabelecimento de uma floresta poderia a partir deste cenrio exercer papel marcante nos fenmenos da pedognese e na gnese das rochas sedimentares, dada a ao primordial da floresta na separao e filtrao dos materiais componentes das rochas e dos solos a partir de duas fases: a fase migradora (de minerais) e a fase residual. A separao dos componentes qumicos e fsicos dos solos tem lugar pelo simples fato que em toda floresta densa a eroso mecnica praticamente nula e que somente os elementos da primeira fase (a fase migradora) podem deixar o continente (por meio da eroso qumica), tendo a floresta atuado no papel filtro-separador dos elementos no decorrer de uma grandiosa reao geoqumica. Assim, a partir da separao dos componentes qumicos como os bicarbonatos de Ca e Mg, a ordenao vertical de certas sries estratigrficas (carapaas calcrias, magnesianas e silicosas) poderia ser explicada pela formao das paisagens fitogeogrficas que se sucederam nos continentes, ou seja, as fases migradora e residual, segundo Erhart, podem responder formao de algumas rochas sedimentares, tais como os calcrios, margas e dolomitos, assim como algumas rochas com slica hidratada. Nesse sentido, essas rochas devem ser entendidas como as testemunhas da histria florestal dos continentes.

2.2.2 Alguns estudos aplicados anlise geossistmica.

De acordo a SOTCHAVA (1977), o mtodo cartogrfico, que muito importante para o estudo dos geossistemas, em geral desempenha um papel capital na elaborao das prognoses geogrficas que constitui o objetivo do estudo dos geossistemas - e coadunam perfeitamente com a modelagem dos sistemas. O modelo do geossistema do futuro deve ser mapeado, permitindo assim a descoberta de seus ndices espaciais. Seguindo o raciocnio, o autor nos indica um esboo metodolgico para os mapeamentos de territrios para qual as previses sero feitas: deve ser provido uma srie de mapas sobre o ambiente natural que, em seu conjunto, caracteriza o gecoro11 por seus componentes e, ao mesmo tempo, como um todo. Referimo-nos a uma srie de mapas conjugados (geomorfolgicos, hidrolgicos, climticos, de vegetao, de populaes animais, e assim por diante), ou seja, perfeitamente comparveis uns aos outros. O contedo para a legenda desses mapas bem como sua interpretao grfica no deve faltar. As pesquisas geradas a partir da abordagem sistmica tomam como referencia padres de fisionomias do terreno, ou padres de paisagens (Unidades de Paisagens) que, individualizadas e cartografadas, so o referencial bsico para o incio das pesquisas. Assim, o pesquisador procura informaes referentes natureza e sociedade, que esto representadas em cada uma das manchas ou unidades previamente identificadas ROSS (1998). No trabalho intitulado Ecossistemas e Geossistemas que expe os resultados obtidos na elaborao do mapa de eco e geossistemas do Estado de So Paulo na escala 1:250.000, TROPPMAIR (1981) decidiu adotar uma classificao dos ecossistemas diferenciada daquela genrica que no se adequava a uma anlise do ponto de vista espacial. Assim, ao invs de adotar os termos simples, complexo ou natural, e artificial optouse pela classificao de Jalas que leva em considerao a interferncia antrpica nos ecossistemas. Esta classificao estabelece quatro classes de hemerobia (hemero= dominado, cultivado): A, OLIGO, MESO e Euhemeorbio. classificao de Jalas foram

Na caracterizao do meio natural verifica-se a convergncia de dois princpios; homogeneidade e diferenciao. No processo de desenvolvimento natural desse domnio funcionam, ao mesmo tempo os processos de homogeniedade e diferenciao. Todas as classes de geossistemas com estrutura homognea chamam-se gemeros, e os de estrutura diferenciada so chamados de gecoros. O menor nmero de parcelas de combinaes territoriais de reas elementares, assegurando o mnimo de condies para o seu funcionamento e a manuteno especfica do carter (tnus) da geografia fsica constitui o gecoro elementar (SOTCHAVA, 1978).

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associados tambm os nomes das formaes vegetais e a legenda da classificao funcional dos ecossistemas, proposta numa escala mundial por Ellengerg em 1973. Foram estabelecidos, assim, 15 geossistemas e em cada um foram analisados: 1) a atuao das massas de ar, a classificao climtica e os elementos; 2) temperaturas: mxima, mnima e absolutas; 3) precipitao: anual, poca, seca e chuvosa, dias de precipitao, mximo de precipitao em 24 horas; 4) altitude e geomorfologia; 5) declividade do relevo; 6) tipos de solos (textura, profundidade e pH); 7) falta ou excesso de gua do solo; 8) a cobertura vegetal e 9) uso e capacidade de uso do solo. Alm disso, foram estabelecidas as classes de inter-relaes entre os componentes dos geossistemas: intensivo, intermedirio, fraco, e imperceptvel, bem como o elemento mais importante que marca e rege as inter-relaes da paisagem de cada geossistema. Em funo de uma tipologia dinmica e da fragilidade dos equilbrios morfopedogenticos, segundo as proposta de Bertrand e Ehart, PASSOS (1991) definiu as unidades mais representativas da dinmica da paisagem no Pontal do Paranapanema: reas de florestas residuais em biostasia subclimtica e paraclimtica; reas de pastagens artificiais. A metodologia consistiu do levantamento da compartimentao geomorfolgica (onde foram delineadas as unidades elementares da paisagem); as condies geopedolgicas; e a dinmica climato-hidrolgica, que correlacionados constituem o potencial ecolgico do geossistema. Este potencial quando analisado conjuntamente ao tipo de explorao biolgica do espao (flora e fauna). Para Passos, a eliminao da cobertura vegetal natural o incio de toda uma fase resistsica e nas reas de ocupao agrcola os agentes morfogenticos passam a se manifestar com grande agressividade, definindo uma dinmica da paisagem com caractersticas de ruptura. Atravs de uma classificao das unidades ecodinmicas ou unidades de comportamento morfodinmico, ROSS (1996a) consegue obter o grau de fragilidade do ambiente. As unidades ecodinmicas so diferenciadas basicamente em dois grandes grupos: as unidades estveis ou em equilbrio morfodinmico, e as unidades instveis ou em desequilbrio. Tais unidades so classificadas a partir das variveis litologia, solos, cobertura vegetal/uso da terra e pluviosidade/temperatura, resultando em graus de instabilidade indo de fraco a forte. Esta metodologia permite trabalhar com situaes distintas de uso da terra (uso agrcola ou urbano) e vrios tipos de cobertura vegetal (natural ou recuperada espontaneamente), estabelecendo-se neste caso a instabilidade emergente quando a rea est ocupada e a instabilidade potencial quando a rea no est alterada pelo uso antrpico.

Segundo Ross, esta metodologia, sob o ponto de vista ambiental, fornece um diagnstico-sntese que pode perfeitamente nortear as intervenes antrpicas futuras e corrigir as presentes. por tanto um instrumento importante no trabalho de planejamento fsico territorial. A metodologia de mapeamento da fragilidade ambiental exige o conhecimento das potencialidades dos recursos naturais que passa pelo levantamento do relevo, do subsolo, do solo, do uso da terra e do clima que devem originar produtos cartogrficos temticos como: geomorfologia, geologia, pedologia, climatologia e uso da terra/vegetao. As informaes de natureza lito-pedolgicas so hierarquizadas em funo do maior ou menor grau de fragilidade do manto de alterao (solo mais alterito) face suas caractersticas fsicas e minerais em relao ao antrpica e sobretudo das guas pluviais (erodibilidade laminar ou em sulcos e a movimentos de massas), ou seja, proposta uma hierarquizao de cada tema em cinco classes de fragilidade: 1- Muito baixa; 2- Baixa; 3- Mdia; 4- Alta ; e 5- Muito Alta. A partir do cruzamento dos temas, obter-se- outros resultados cujos valores so tambm distribudos no intervalo de 1 a 5, ou seja, de muito baixa a muito alta. Do cruzamento dos outros primeiros temas acima descritos resulta a fragilidade potencial do meio natural e do cruzamento da fragilidade potencial com a ao antrpica (uso da terra/vegetao) resulta a fragilidade emergente ou ambiental. Baseado na metodologia de ROSS (1994) de mapeamento da fragilidade ambiental, DOS SANTOS (1997) analisou a ocupao de ambientes urbanos localizados dentro da bacia hidrogrfica do rio Palmital, na regio metropolitana de Curitiba. Segundo o autor, a metodologia fundamenta-se no conceito de Unidades Ecodinmicas elaborado por TRICART (1977), que analisa o ambiente sob o prisma da Teoria dos Sistemas. Neste trabalho foram determinadas duas fragilidades: a fragilidade emergente do meio rural, e a fragilidade emergente do meio urbano, atravs da integrao da fragilidade potencial com os usos rural e urbano. Dois temas foram discutidos e acrescentados: hidrologia e climatologia servindo de base para obteno da fragilidade potencial usando-se os seguintes temas: geomorfologia (clinogrfico); pedologia; climatologia (isoerosividade); e hidrologia (enchente). MOTTI e MOTTI (1998) realizaram o estudo integrado do meio natural para elaborar o mapa dos geossistemas da rea de Santa Quitria no Estado da Bahia. A metodologia conceituou-se principalmente pela idias de Bertrand e Tricart. Foram feitos estudos pedolgicos (com mapeamento na escala de 1:20.000), geomorfolgicos (mapeamento tambm na escala de 1:20.000), assim como estudos do clima, da vegetao e da ocupao

humana. O estudo da paisagem permitiu caracterizar 7(sete) geofcies que se organizam em dois geossistemas: o geossistema das serras e dos ps de serras e um geossistema em mosaico. Eles foram definidos em funo do estado de Bio-resistasia e da dinmica progressiva, regressiva ou climcica (equilbrio), conforme Betrand (1968). O resultado final foi esquematizado em um mapa cuja leitura permite classificar diretamente componentes da paisagem em funo da sua dinmica e da fragilidade dos equilbrios morfopedogenticos. Deste ponto de vista, o documento final tem uma utilidade prtica importante para o planejamento da utilizao da rea e a escolha dos modos de produo do meio natural. Um outro trabalho intitulado de zoneamento agroecolgico do estado do Tocantins (MIRANDA e BOLOGNA, 1999) compartimenta o estado do Tocantins a partir dos domnios morfoclimticos, detalhados em termos de regies ecolgicas, setores e unidades agroecolgicas. Utiliza para isso a juno dos princpios da teoria geral de sistemas, o modelo de diviso da paisagem fsica de BERTRAND (1968) e da ecodinmica de TRICART (1977). O primeiro nvel hierrquico do zoneamento agroecolgico foi o dos domnios morfoclimticos que englobam amplos modelados geomorfolgicos decorrentes de aspectos maiores da geologia, principalmente a geotectnica. O segundo nvel hierrquico, as regies ecolgicas, constitui a compartimentao prprias da paisagem fsica de um domnio morfoclimtico e registram as diferenciaes existentes em cada caso, baseadas principalmente no contexto geomorfolgico (natureza das rochas e dos mantos superficiais, valores de declives, dinmica das vertentes, processos morfogenticos dominantes, etc). O terceiro nvel hierrquico, os setores agroecolgicos, constituem compartimentaes naturais de uma regio ecolgica. Elas resultam de uma relao dinmica entre os fatores pedolgicos, morfolgicos e a vegetao predominante. as classes de solos, a disposio destes na paisagem, a vegetao natural e a ecodinmica constituram a espinha dorsal dos 90 setores agroecolgicos mapeados. Outro trabalho fundamentado no mapeamento da fragilidade ambiental foi desenvolvido. Neste trabalho, RODRIGUES (2000) apresentou uma metodologia de avaliao da fragilidade do relevo-solo utilizando informaes detalhadas das caractersticas do ambiente que interferem na manuteno do equilbrio do relevo. Como resultados foram produzidos documentos cartogrficos, como os mapas de uso da terra, fragilidades potenciais associadas s inclinaes das vertentes, geomorfolgico e de fragilidade do relevo. Mais recentemente, GOMES (2002), fundamentando-se na teoria geossistmica, passa a caracterizar os sistemas e subssistemas naturais da Regional Barreiro - Belo Horizonte do

estado de Minas Gerais e sugere recomendaes das atividades antrpicas que melhor se adaptam s potencialidades do meio natural da rea. Utiliza-se, para tanto, de materiais como mapas geolgicos e de vegetao (ambos na escala de 1:25.000) e declividade e hipsomtrico (a partir de uma carta topogrfica na escala de 1:10.000) para cruzar as informaes de modo a elaborar um mapa dos Sistemas Naturais divididos em 34 (trinta e quatro) subsistemas conforme as caractersticas (geomorfolgicas, geolgicas, uso e ocupao do solo, hipsomtricas e clinogrficas). A partir desse mapa foram recomendadas restries ou adaptaes s atividades localmente desenvolvidas. No mbito dos estudos relativos dinmica dos sistemas naturais a metodologia do mapeamento da fragilidade ambiental apresenta-se coerente na medida que articula o potencial ecolgico, o fator biolgico e o antrpico em um mesmo nvel analtico a fim de determinar a fragilidade do meio fsico e a sua vulnerabilidade frente s atividades antrpicas. Contudo, essa metodologia encontra limitaes quando da incorporao de pesos diferenciados aos componentes geossistmicos: a primeira limitao diz respeito lgica operacional a que est condicionada, a lgica booleana. A segunda diz respeito generalizao dos indicadores e critrios aplicveis a qualquer situao. No caso deste trabalho, aos solos foi dado um destaque maior que outros elementos do geossistema, fato no previsto na metodologia de ROSS (1994).

2.2.3 Ferramentas alternativas aplicadas anlise dos sistemas ambientais complexos.

Para FUNTOWICZ et al (1999) as metodologias baseadas nas cincias tradicionais so de restrita efetividade no auxilio a construo das polticas ambientais. Os sistemas simples podem ser capturados a partir de uma anlise linear causal e determinstica, mas em se tratando dos sistemas espaciais-ambientais complexos, caracterizados por serem subjetivos, incompletos e imprecisos, muitas vezes tais sistemas requerem mais que essas clssicas explanaes cientficas. Devido natureza dos sistemas ambientais complexos, que envolve profundas incertezas e uma pluralidade de perspectivas legitimadas, deve-se escolher uma ferramenta que auxilie na modelagem desses sistemas e no manejo de conflitos advindos da escolha de mltiplos critrios para a resoluo dos problemas scio-ecolgicos (FUNTOWICZ et al, 1999). Segundo os autores acima, a lio que a complexidade d que os indicadores isolados no podem ser os nicos corretos. Eles devem ser usados em um dilogo que

busque agregar a pluralidade de perspectivas que esto antes de qualquer coisa reguladas por seus prprios sistemas, variavelmente social, geogrfico ou cognitivo, com caractersticas de escalas espaciais e temporais. Portanto, os mtodos de avaliao de mltiplos critrios so em princpio uma apropriada ferramenta de modelagem para a formao de decises em assuntos ambientais, pois se encarregam de tratar de informaes do tipo mesclado (medidas qualitativas e quantitativas) incorporando o quadro da incerteza estocstica, chamada de incerteza fuzzy que enfoca a ambigidade da informao. Esse tipo de incerteza tem sido estudada pelas teorias da probabilidade e da estatstica, culminando no conjunto terico fuzzy que uma teoria matemtica usada na modelagem de situaes nas quais as tradicionais linguagens de modelagem (a exemplo da booleana12), que so dicotmicas em carter e ambguas em suas decises, no podem ser usadas. Como exemplo da aplicao da lgica booleana temos a metodologia de mapeamento da fragilidade ambiental desenvolvida por ROSS (1994). Ela assume no cruzamento dos planos de informao a lgica booleana a partir da equivalncia entre os elementos do meio fsico. Segundo INPE (2000), uma das tcnicas utilizadas como alternativa ao modelo booleano, que gera descontinuidades inexistentes no dado original (por exemplo, reas com declividade igual a 29,99% sero classificadas diferentemente de regies com inclinao de 30,01%, no importando as demais condies) o processo analtico hierrquico Analytical Hierarchy Process (AHP), desenvolvida pelo matemtico SAATY (1992) e considerada como sendo a mais promissora no contexto do processo de tomada de deciso. A AHP uma teoria com base matemtica que permite organizar e avaliar a importncia relativa entre critrios e medir a consistncia dos julgamentos. Os dados so transformados para o intervalo numrico de [0..1] e processados por combinao numrica atravs de mdia ponderada ou inferncia fuzzy. Ao invs de um mapa temtico com limites rgidos gerados pelas operaes booleanas, obteremos uma superfcie de deciso, sob forma de uma grade numrica que tem como caractersticas a indefinio de fronteiras ou limiares entre as classes.

O mtodo booleano envolve combinao lgica de mapas binrios atravs de operadores condicionais (E, OU, Exclusivo OU e NO). O resultado expresso de forma binria, valor 0 (hiptese no satisfeita) e valor 1 (hiptese satisfeita), no sendo possvel a condio talvez. O procedimento tradicional de anlise baseia-se no princpio de interseco de conjuntos espaciais de mesma ordem de grandeza e est baseada em condicionantes (exemplo, a fragilidade mxima ocorre em reas cuja declividade maior que 30% em solos litlicos). A transposio desta metodologia analgica para o ambiente de SIG requer o uso de operaes booleanas (OU, E, NO) para expressar as diferentes condies.

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FIGURA 3. DIFERENAS VISUAIS ENTRE DUAS IMAGENS GERADAS PELOS MTODOS DE CRUZAMENTO BOOLEANO E FUZZY.

A figura 3 na pgina anterior est dividida em duas imagens. A da esquerda representa uma imagem resultante do cruzamento por meio da lgica booleana. Na imagem da direita, gerada por meio da lgica fuzzy AHP, possvel notar a indefinio de fronteiras ou limites rgidos aparentando um aspecto de smog (esfumado), enquanto que na imagem gerada pela lgica booleana os limites so bem definidos e rgidos. Como j discutido em captulos anteriores, a preservao e, conseqentemente, a fragilidade do meio ambiente est condicionada valorao dos elementos naturais por parte das sociedades que os transformam em recursos, em bens econmicos. Assim, a partir da tcnica AHP pode-se estipular uma hierarquia entre os temas, dando maior grau de importncia a um ou outro de forma a distribu-los ponderadamente conforme a lgica fuzzy. 2.3 SOLO: COMPONENTE DE ESTABILIDADE DA PAISAGEM A SER CONSERVADO. Da experincia extrada a partir do estudo dos solos nas regies intertropicais, quatro lies essenciais foram apreendidas por RUELLAN e DOSSO (1993) e que podem, segundo eles, serem aplicadas ao conjunto dos solos do mundo, sejam elas:

1.

O solo, como todo corpo natural, est organizado e estruturado, existindo relaes laterais entre as morfologias das coberturas pedolgicas e seus comportamentos e fertilidades;

2. etc; 3. 4.

O solo um meio de concentraes minerais: argilas, carbonatos, alumnio, ferro,

O solo possui uma importante funo na elaborao das formas do relevo; O homem, ao utilizar o solo, torna-se um agente potente da transformao dos solos. Do ponto de vista geomorfolgico, o processo erosivo pode ser analisado a partir de

diferentes escalas espaciais e temporais. Analisado a partir da dimenso temporal, o processo erosivo apresenta uma ciclicidade em funo das oscilaes climticas caractersticas da evoluo do planeta Terra. E a partir da dimenso espacial ele, o processo erosivo, atuar nos mais diversos txons do geossistema - da amplitude regional s ravinas nas encostas. A ciclicidade do processo erosivo analisada por CHORLEY (1971), tomando como base a teoria geral dos sistemas e as leis da termodinmica. O ciclo de eroso, assim chamado pelo autor, reflete as relaes entre a dinmica e a morfologia e carrega consigo o poder escultor das paisagens: (...) Em longo prazo, o ciclo de eroso promover contnuos reajustamentos dos componentes em steady state (estado de estabilidade) como o rebaixamento do relevo e diminuio da energia disponvel. As formas mostraro, nessas condies, uma lenta evoluo. Assim, o ciclo erosivo pode ser entendido como um fenmeno normal de evoluo das paisagens e concomitantemente da evoluo dos solos nelas contidos. Para BERTRAND (1971) a procura pelos mecanismos gerais da paisagem, em particular no nvel dos geossistemas passa pela teoria do Sistema de Eroso de A. Chorley: a geomorfognese condiciona a dinmica de conjunto do geossistema e domina o sistema de evoluo da paisagem. A pedognese tem a um papel essencial pelo fato de bloquear atualmente a dinmica geral da paisagem. CASSETI (1991, 2001) concorda com a idia desse papel a ser desempenhado pela pedognese ao dizer que a evoluo morfolgica da paisagem tende atualmente (sob clima mido) ao processo de convexizao e conseqente revestimento florestal e o intemperismo qumico resultante, bem como a colonizao de microorganismos, respondero pela prvia elaborao pedognica que em condies estveis caracteriza o equilbrio geoecolgico.

Para GERRARD (1992), os processos geomorfolgicos e pedolgicos interagem na encosta especialmente quando o movimento do solo e gua considerado. Os processos geomorfolgicos podem criar distintivas formas, tais como uma superfcie de eroso, da qual tem-se uma grande influncia na distribuio e tipos de solos. De acordo ao autor, transies entre os vrios tipos de balano denudacional freqentemente ocorrem com muita rapidez durantes as fases de instabilidade. Alguns cientistas acreditam hoje que a mudana na paisagem acontece em um curto perodo e estes curtos perodos de mudana so separados por longos perodos de comparativa estabilidade. Tais idias tm sido incorporadas por BUTLER (1959) em seu conceito intitulado K-ciclo. Cada ciclo ter uma fase de instabilidade (Ki) de eroso e deposio seguida por uma fase estvel (Ke) acompanhada pelo desenvolvimento do solo. BIGARELLA, BECKER e SANTOS (1994), citando as experincias de Bunting, descrevem alguns ndices evolutivos para determinados solos. Por exemplo, a formao do horizonte B argilfero (podzlico) em condies de clima tropical, com 1,8m de desenvolvimento em depsito piroclstico, possuiria uma razo de 0,4m/1.000 ano. Em condies climticas semelhantes, a formao de 1 metro de latossolo, a partir de rocha grantica clcica, demoraria de 22.000 a 77.000 anos. J, os solos cidos de regies midas requerem um tempo menor para se formarem: um solo razoavelmente bom em material arenoso, recoberto com floresta densa, levaria de 100 a 200 anos para desenvolver-se, desde que fosse garantida a presena da floresta que assegura a ciclagem dos materiais essenciais ao seu desenvolvimento. Genericamente, a idade relativa de um solo estimada pelo estgio do desenvolvimento13 e pelo nmero de horizontes resultantes dos processos pedogenticos estabelecidos, decorrentes do equilbrio das condies climticas, geomorfolgicas e biolgicas. A alterao de qualquer uma dessas condies ambientais provoca o reajustamento das demais, e inicia uma nova sucesso de processos pedogenticos, at alcanar um novo pedoclmax resultante dos fluxos de matria e energia no sistema natural (BIGARELLA; BECKER; SANTOS, 1994).

DEMMATT e DEMTRIO (1997), objetivando avaliar um solo por meio da densidade de drenagem (Dd), destacam os ndices que representam o grau de evoluo dos solos: os mineralgicos - Ki (Jackson, 1969); CTC (Sanchez, 1981) e morfolgicos horizontes diagnsticos (Maignien, 1966). Os resultados da pesquisa evidenciaram que a densidade de drenagem pode ser utilizada como um ndice de intemperismo dos solos, que exprime a situao do relevo e paisagem dos solos e, principalmente, a relao infiltrao/deflvio e a capacidade de infiltrao dos solos. A partir dos resultados concluiu-se que a Dd permitiu uma diferenciao hidrolgica entre as unidades BV, TE, LR, LB e TB. Os dados mostraram que esses solos esto numa seqncia de intemperismo (do menos para o mais intemperizado): BV-TE-LRd-LRa.

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De acordo aos mesmos autores, o solo constitui na realidade uma entidade viva e sua sobrevivncia (conservao) depende da resistncia que a camada superficial e a cobertura vegetal oferecem eroso. De um modo geral, as pesquisas sobre eroso do solo consideram como sendo fatores controladores dos processos erosivos a erosividade da chuva, as propriedades dos solos (textura, densidade aparente, porosidade, teor de matria orgnica, teor e estabilidade dos agregados e ph do solo), cobertura vegetal e caractersticas das encostas (GUERRA; SILVA; BOTELHO, 1999). As perdas de