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i SUMÁRIO LISTA DE ILUSTRAÇÕES ..............................................................................iv/v RESUMO ............................................................................................................vi ABSTRACT .......................................................................................................vii INTRODUÇÃO ................................................................................................... 8 CAPÍTULO 1 .................................................................................................... 17 TECENDO RELAÇÕES, PROJETOS E IDÉIAS: ARMANDA ALVARO ALBERTO E A ESCOLA REGIONAL DE MERITY .......................................... 17 1.1 ARMANDA ÁLVARO ALBERTO: UM POUCO DE SUA TRAJETÓRIA FAMILIAR E SOCIAL .................................................................................... 19 1.2 A “NOSSA CASA” NA VIDA DE ARMANDA ÁLVARO ALBERTO ......... 28 1.3 ARMANDA E A IMPRENSA ESCRITA ................................................... 36 1.4 CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO DE ARMANDA ÁLVARO ALBERTO.... 42 CAPÍTULO 2 .................................................................................................... 45 ROMPENDO BARREIRAS: UM PROJETO INOVADOR NO SERTÃO DA CAPITAL FEDERAL, A BAIXADA FLUMINENSE. ........................................... 45 2.1 BAIXADA FLUMINENSE: O “SERTÃO” DA CAPITAL FEDERAL. ........ 46 2.2 OCUPAÇÃO E VIDA SOCIAL EM MERITY............................................ 50 2.3 INÍCIO DE UMA RELAÇÃO: A REGIÃO DE MERITY E A ESCOLA REGIONAL DE MERITY ............................................................................... 56 2.3.1 A Evasão Escolar....................................................................................... 63 2.3.2 Os dois projetos de cidade ....................................................................... 66 2.3.3 Os Trabalhadores de Merity..................................................................... 75 2.3.4 Formação Profissional das Mulheres ..................................................... 77 2.3.5 Mão-de-obra infantil ................................................................................... 80 2.3.6 Ações assistenciais ................................................................................... 83

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SUMÁRIO LISTA DE ILUSTRAÇÕES ..............................................................................iv/v RESUMO ............................................................................................................vi ABSTRACT .......................................................................................................vii INTRODUÇÃO ................................................................................................... 8 CAPÍTULO 1 .................................................................................................... 17 TECENDO RELAÇÕES, PROJETOS E IDÉIAS: ARMANDA ALVARO ALBERTO E A ESCOLA REGIONAL DE MERITY .......................................... 17

1.1 ARMANDA ÁLVARO ALBERTO: UM POUCO DE SUA TRAJETÓRIA FAMILIAR E SOCIAL.................................................................................... 19 1.2 A “NOSSA CASA” NA VIDA DE ARMANDA ÁLVARO ALBERTO ......... 28 1.3 ARMANDA E A IMPRENSA ESCRITA................................................... 36 1.4 CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO DE ARMANDA ÁLVARO ALBERTO.... 42

CAPÍTULO 2 .................................................................................................... 45 ROMPENDO BARREIRAS: UM PROJETO INOVADOR NO SERTÃO DA CAPITAL FEDERAL, A BAIXADA FLUMINENSE. ........................................... 45

2.1 BAIXADA FLUMINENSE: O “SERTÃO” DA CAPITAL FEDERAL. ........ 46 2.2 OCUPAÇÃO E VIDA SOCIAL EM MERITY............................................ 50 2.3 INÍCIO DE UMA RELAÇÃO: A REGIÃO DE MERITY E A ESCOLA REGIONAL DE MERITY............................................................................... 56

2.3.1 A Evasão Escolar....................................................................................... 63 2.3.2 Os dois projetos de cidade....................................................................... 66 2.3.3 Os Trabalhadores de Merity..................................................................... 75 2.3.4 Formação Profissional das Mulheres ..................................................... 77 2.3.5 Mão-de-obra infantil................................................................................... 80 2.3.6 Ações assistenciais ................................................................................... 83

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CAPÍTULO 3 .................................................................................................... 87 O MOVIMENTO HIGIENISTA E A ESCOLA REGIONAL DE MERITY: EDUCAR E CIVILIZAR PELA SAÚDE. ............................................................................ 87

3.1 AGENTES DA SAÚDE: INSTRUIR E CIVILIZAR PELA EDUCAÇÃO ESCOLAR PRIMÁRIA .................................................................................. 88 3.2 A ESCOLA REGIONAL DE MERITY E OS PRECEITOS HIGIÊNICOS. 98 3.3 BELISÁRIO PENNA E A REGIONAL DE MERITY............................... 106

CAPÍTULO 4 .................................................................................................. 113 UMA ÉPOCA, UM TURBILHÃO DE IDÉIAS (1882 – 1930): O PROCESSO DA RENOVAÇÃO DA EDUCAÇÃO PRIMÁRIA E SUA INFLUÊNCIA NA ESCOLA REGIONAL DE MERITY. ............................................................................... 113

4.1 PRIMEIRO MOMENTO: PRIMEIRAS AÇÕES PARA A RENOVAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO .......... 116 4.2 SEGUNDO MOMENTO: A RENOVAÇÃO DA EDUCAÇÃO PRIMÁRIA E A CULTURA MATERIAL ESCOLAR NA REPÚBLICA ............................... 123

4.2.1 Lei 88, de 8/9/1892 e Decreto 144-B, de 30/12/1892....................... 124 4.2.2 Os Grupos Escolares Paulistas............................................................. 130 4.2.3 Cultura Material Escolar na República ................................................. 133

4.3 TERCEIRO MOMENTO: AS NOVAS PROPOSTAS, EMBATES E DEBATES PARA O ENSINO PRIMÁRIO NA CAPITAL FEDERAL (1920-1930) .......................................................................................................... 135

4.3.1 A Escola Nova na Capital Federal ........................................................ 139

4.4 ASPECTOS RENOVADORES DO ENSINO PRIMÁRIO NA ORGANIZAÇÃO DO PROJETO EDUCACIONAL DA ESCOLA REGIONAL DE MERITY. ............................................................................................... 143

4.4.1 Espaço Escolar ........................................................................................ 144 4.4.2 Tempo Escolar: adequação a uma organização escolar específica151

CAPÍTULO 5 .................................................................................................. 154 COMPARTILHANDO PROPOSTAS: A RENOVAÇÃO DOS MÉTODOS DE ENSINO NAS PRÁTICAS ESCOLARES. ...................................................... 154

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5.1 CONHECENDO O CAMINHO TEÓRICO E METODOLÓGICO ........... 156 5.2 MÉTODO DE ENSINO-APRENDIZAGEM E SUA APROPRIAÇÃO NA PRÁTICA EDUCATIVA DA REGIONAL DE MERITY................................. 164 5.3 O PROGRAMA DE ENSINO - QUADRO CURRICULAR .................... 178

5.3.1 Programa de Ensino: Estudo da Natureza .......................................... 181

5.4 O CORPO DOCENTE NA REGIONAL DE MERITY............................. 184

5.4.1 Função da professora na aplicação dos novos métodos de ensino 187

5.5 MÉTODO DE AVALIAÇÃO ESCOLAR................................................. 189 5.6 ARMANDA ÁLVARO ALBERTO NA GESTÃO ESCOLAR DA ESCOLA REGIONAL DE MERITY............................................................................. 193

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 200 FONTES......................................................................................................... 204 BIBLIOGRAFIA .............................................................................................. 209

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES (As ilustrações encontram-se no final do trabalho, numeradas conforme a relação abaixo). FIG.1 – Fotografia da professora Armanda Álvaro Alberto. Arquivo Pessoal da professora Martha Ignez Rossi. FIG.2 – Fotografia da Estação Ferroviária de Merity e o presidente Nilo Peçanha em campanha para o saneamento e incentivo agrícola na região em 1916. Arquivo do Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto – Câmara Municipal de Duque de Caxias. FIG.3 – Imagem de Merity vista da escola, em 1928. Arquivo do Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade – PROEDES. FIG.4 – Imagens das sedes pelas quais passou a Escola Regional de Merity de 1921 a 1964. Arquivo do Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade – PROEDES. FIG.5 – Fotografia da ex-professora e sub-diretora da Escola Regional de Merity, Martha Ignez Rossi, em 2008. FIG.6 – Fotografia dos primeiros alunos matriculados na inauguração da escola em 1921. Arquivo do Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade – PROEDES. FIG.7 - Fotografias de aulas ao ar livre em 1925. Arquivo do Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade – PROEDES. FIG.8 – Imagem da aula prática de Jardinagem, em 1929. Arquivo do Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade – PROEDES. FIG.9 – Imagem do Professor de Trabalhos Manuais, professor José Montes. Arquivo da Escola Dr. Álvaro Alberto. FIG.10 – Fotografia dos alunos com o professor José Montes em aula prática de trabalhos manuais. Arquivo da Escola Dr. Álvaro Alberto. FIG.11 – Algumas peças do acervo do Museu Regional da Escola Regional de Merity. Arquivo da Escola Dr. Álvaro Alberto. FIG.12 – Cópia da imagem do Boletim de Aproveitamento. Arquivo do Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto – Câmara Municipal de Duque de Caxias.

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FIG.13 – Imagem da Ficha médica utilizada pela professora visitadora no ano de 1926, na Escola Regional de Merity. Arquivo do Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto – Câmara Municipal de Duque de Caxias. FIG.14 - Imagem da Ficha médica e da Escala dos Testes de Inteligência da Aluna Irene Satorre, de 28/11/1937. Arquivo do Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto – Câmara Municipal de Duque de Caxias. FIG.15 – Cópia da carta de encaminhamento, por parte da Secretaria de Estado do Interior e Justiça – Departamento de educação, de uma professora para a escola regional de Merity, 14 de agosto de 1934. Arquivo do Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto – Câmara Municipal de Duque de Caxias. FIG.16 – Imagem interna da Biblioteca Euclides da Cunha, seção para professores. Arquivo do Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade – PROEDES. FIG.17- Livros didáticos – acervo da biblioteca Euclides da Cunha. Arquivo do Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto – Câmara Municipal de Duque de Caxias.

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RESUMO

A presente pesquisa investiga, tendo como área de conhecimento a História da Educação Brasileira, uma experiência escolanovista, o projeto educacional da Escola Regional de Merity, entre os anos de 1921 a 1937. Trata-se de uma instituição fundada, em 1921, pela professora Armanda Álvaro Alberto, “a pioneira da Escola Nova no Brasil”, na então Vila Merity, atual município de Duque de Caxias, no Estado do Rio de Janeiro. Tomamos como principais fontes na elaboração da pesquisa os Relatórios anuais da escola, memorando, livros de colaboração, artigos de jornais, o programa de ensino de “Estudos da Natureza”, o livro documentário sobre a escola organizado pela professora Armanda, documentos administrativos, fichas médicas, boletim escolar, entre outros documentos. O presente estudo tem como finalidades apresentar, a partir da análise das fontes documentais, os mecanismos e estratégias pedagógicas e sociais utilizados pela diretora da escola e sua rede de relações, bem como a integração da comunidade local nas diversas atividades escolares e extra-escolares ali apresentadas. Para tal, foi necessário situar historicamente a professora Armanda e sua relação com a região de Merity, assim como elucidar parte da história da Baixada Fluminense, tomando como foco a região da Vila Merity, para que pudéssemos visualizar a relação da escola, no que tange à sua organização escolar, com a região. A escola, em seu programa curricular, tinha como princípio fundamental o ensino da higiene. Nesse sentido, investigamos as ações e práticas educativas realizadas pelos agentes do movimento higienista na Escola Regional de Merity. Sendo a Regional de Merity uma instituição de ensino primário, coube-nos a tarefa de mapear o processo de renovação da educação primária e dos métodos de ensino, desde meados do século XIX, para que pudéssemos perceber quais foram as propostas inovadoras inseridas no campo educacional brasileiro. Partindo desse contexto, focamos nossos estudos nos métodos de ensino aplicados na Regional, fundamentados nos pressupostos teóricos e metodológicos derivados do movimento da Escola Nova. Concluímos que a escola, direcionando suas atividades às demandas locais, inovou ao aplicar o ensino regionalizado. A pesquisa apresentada pretende contribuir para a construção da História da Educação Regional, isto é, da Baixada Fluminense, e de forma especial, aludir sobre uma experiência escolanovista, pioneira no que tange ao ensino regional. Inseriu-se, ainda, nas linhas de pesquisa desenvolvidas pelo grupo de Pesquisa memória, História e produção do Conhecimento em Educação, como parte do projeto “Intelectuais, poder e formação de dirigentes no Brasil”.

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ABSTRACT To present research investigates, tends as knowledge area the History of the Brazilian Education, an experience new school, the education project of the Escola Regional de Merity, among the years from 1921 to 1937. A founded institution, in 1921, for Armanda Álvaro Alberto, "the pioneer of the New School in Brazil", in the Vila Merity, current municipal district of Duque de Caxias, in the State of Rio de Janeiro. We took as main sources in the elaboration of the researches the annual reports of the school, , program of teaching of "Studies of the Nature", the book documentary on the school organized by Armanda, administrative documents, records doctors, school bulletin, , considered important to the History of the Brazilian Education. The present study has as purposes to present, starting from the documental sources, the mechanisms and pedagogic and social strategies used by the director of the school and her net of relationships, the local community's integration in the several school and extra-school activities there presented. For such, it was necessary to make explicit about Armanda and her relationship with the area of Merity. The school program curricular, had as fundamental beginning the teaching of the hygiene. In that sense, we investigated the actions and educational practices accomplished by the movement hygienist's agents in the Regional School of Merity. Being the Regional of Merity an institution of primary teaching, it fit us the task of we map the process of renewal of the primary education and of the teaching methods, from middles of the century XIX, so that we could notice which went to the innovative proposals inserted in the Brazilian education field. Leaving of that context, we focused our studies in the teaching methods applied in the Regional, based in the theoretical and methodological presuppositions derived of the movement of the New School. We ended that the school, addressing their activities to the local demands, it innovated when applying the teaching regionalizado. The presented research intends to contribute for construction of the History of the Regional Education, that is, of the Baixada Fluminense, and in a special way, to mention on an experience new school, pioneer with respect to the regional teaching. It still to fitted into in the research lines developed by the group of Research memory, History and production of the Knowledge in Education, as part of the project "Intellectuals, to can and leaders' formation in Brazil."

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INTRODUÇÃO

Essa pesquisa tem como objetivo central investigar, a partir das fontes

documentais, a experiência da Escola Regional de Merity, observando a

possibilidade de a idealizadora da escola ter se apropriado, inovado ou

adaptado à sua organização escolar elementos inseridos no processo de

renovação dos métodos de ensino. Tendo sido considerada, por Lourenço

Filho, a mais completa experiência de educação renovada, por sua ação

socializadora, averiguamos quais foram os possíveis mecanismos e estratégias

implementados pela diretora da escola e seus pares no conjunto das atividades

escolares.

Durante o processo de realização desse trabalho, enfrentamos o silêncio

de muitas vozes, as limitações de fontes perdidas ou que não nos foram

disponibilizadas, os “tropeços” que a vida nos traz como barreiras a serem

enfrentadas, acrescidas da condição de estarmos “correndo contra o tempo”.

Fomos “costurando” os dados obtidos na pretensão de formarmos um conjunto

de informações sobre o projeto educacional da Escola Regional de Merity,

entre os anos de 1921 e 1937.

Ao longo do processo de coleta de dados e estudos, um importante

estudo acadêmico sobre a Escola Regional de Meriti e sua fundadora foi

localizado, a obra da professora Ana Chrystina Venâncio Mignot “Baú de

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memórias, bastidores de histórias: o legado pioneiro de Armanda Álvaro

Alberto”.

Compreender o que significou a escola para a região de Merity, num

período em que a educação rural não era prioridade para os poderes públicos,

principalmente o poder local, nos remeteu a buscar dados sobre a educação

escolar das décadas de 1920 e 1930, assim como o contexto histórico e

político da região. Sobre a educação escolar local, as informações foram

incipientes, não nos fornecendo dados consistentes e precisos para

dissertamos sobre o assunto. No entanto, a obra de José Lustosa (1958), foi de

extrema importância para entendermos o campo educacional local, já que as

documentações relativas às primeiras décadas do século XX não foram

localizadas. Devido à falta de documentos oficiais sobre a educação local,

tomamos como base os estudos sobre a história local que nos afirmam ter sido

a Regional de Merity a primeira instituição escolar da localidade de Merity.

A partir dos documentos encontrados nos arquivos públicos1 e privado2,

sobre o projeto educacional da Escola Regional de Merity percebemos que sua

organização escolar envolvia ações fortemente voltadas para o âmbito do

social, da saúde, higiene e trabalho.

O marco temporal dessa pesquisa foi delimitado entre os anos de 1921 e

1937, devido à correlação histórica do movimento escolanovista brasileiro e a

prática dos ideais postos desse movimento no projeto educacional da Escola

Regional de Merity. O ano inicial foi o de criação da escola por Armanda Álvaro

Alberto. O ano final marca o início do período ditatorial do governo de Getúlio

Vargas que, de certa forma, com suas ações intervencionistas abalou o

cotidiano de diversas instituições educativas, inclusive da Escola Regional de

Merity, com a prisão de sua diretora, por motivos políticos. A educadora, com

seu engajamento pelas questões sociais e educacionais brasileiras, integrante

do movimento escolanovista, participou ativamente, no interior da Associação

Brasileira de Educação, na Seção de Cooperação da Família, pela expansão

do ensino primário às camadas menos favorecidas da sociedade.

1 Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto / Câmara Municipal de Duque de Caxias; Instituto de Pesquisa e Análises Históricas e de Ciências Sociais da Baixada Fluminense – IPAHB; Casa Oswaldo Cruz –Departamento de Arquivo e Documentação. 2 Arquivo pessoal da professora Martha Rossi, ex sub-diretora da Escola Regional de Meriti.

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Nos estudos sobre o objeto de pesquisa em questão, alguns

questionamentos sobre a escolha da localidade relacionados à organização

escolar ficaram latentes: Por que a região da Vila Merity foi eleita para

abrigar tal projeto educacional? O contexto histórico da Vila inspirou a

fundadora da escola a buscar fundamentos para um ensino regional e

popular? O que haveria embutido no contexto histórico da cidade que

determinasse a organização curricular empregada? As questões sobre o

processo de ocupação, urbanização e saneamento da região, tiveram

relevância no arcabouço pedagógico implantado na organização escolar da

Escola Regional de Merity?

No intuito de mapear os pontos de ligação dessas questões,

observamos a possibilidade de a história da região nos conduzir a

acontecimentos, atores e lugares comuns. Buscar entender a história da região

da Vila Merity e sua relação com a escola em questão, através dos

personagens que, de alguma forma dela participaram, fez com que a análise

pudesse contemplar as experiências humanas e as transformações sociais

ocorridas em nível local.

Sendo assim, ao iniciarmos a construção da pesquisa, acreditamos que

seria imprescindível conhecermos a história da região na qual a escola foi

fundada. Nesse sentido, recuperamos a produção sobre a história do Município

de Duque de Caxias. A partir da análise de Alexandre dos Santos Marques

percebemos que estão divididos em: memorialistas e acadêmicos. Ele afirma

que: “Os memorialistas da Baixada Fluminense desempenharam relevante papel na construção do passado local. Sem a sua contribuição, não teria sido possível preservar as fontes nem constituir uma dada interpretação desse passado, com sua respectiva visão de mundo. Os documentos oficiais, como ocorre com freqüência entre nós, teriam se deteriorado ou se tornado peças de acervos particulares”( MARQUES, 2005:22).

No contexto regional, a falta de preservação dos documentos é um dos

graves problemas enfrentados pelos pesquisadores que tentam montar o

“quebra-cabeças” relativo à história da Baixada Fluminense. Sendo assim,

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recorremos às obras dos memorialistas,3 dos acadêmicos4 e aos registros da

imprensa local.

A respeito da origem dos memorialistas e conseqüentemente, a

construção de suas obras, Marques(2005:22) assinala que, “Uma vez que quase todos esses produtores são migrantes ou filhos de imigrantes, na falta de um passado comum e de uma cultura identitária, esforçaram-se por criar uma referência por meio de uma interpretação da História da cidade”.

Mapeando algumas características identitárias dos acadêmicos, Ana

Lucia Enne (apud MARQUES, 2005:24), relatou que os acadêmicos5 são, em

sua maior parte, graduados em História e oriundos de movimentos sociais,

todos atuando no magistério. Esses estabelecem que a História deve ser

“problematizadora” e crítica. Ainda como agentes da construção da história da Baixada, temos a

imprensa local. 6 Agente importante na divulgação e preservação da memória

do projeto educacional da Escola Regional de Merity, com sua produção

cotidiana de matérias, exaltando e criticando objetos, iniciativas e projetos,

além de personalidades que contribuíram para o desenvolvimento econômico,

político, cultural e educacional da região. No conjunto da produção jornalística

localizamos diversos artigos relacionados à Escola Regional de Merity, o que

nos permitiu perceber a importância da instituição escolar e sua rede de

relações com a elite dirigente local.

Em relação à pesquisa teórica nos apoiamos no conceito de campo de

Pierre Bourdieu. De acordo com Bourdieu, só é possível compreender uma

obra, seu valor ou a crença que lhe é dada, após conhecer a história do campo

3 Entre eles: José Lustosa, Dalva Lazaroni, Rogério Torres, Gêneses Torres, Guilherme Peres, Stélio Lacerda, Ney Alberto. 4 MARQUES (2005), BRAS (2006), SANTOS DE SOUZA (2004), entre outros. 5 Na pesquisa utilizamos os estudos de: Antônio Augusto Braz, nascido em Duque de Caxias. Graduado em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Duque de Caxias, onde atua como professor e exerce funções de coordenação em seu campo de conhecimento tanto em nível de graduação quanto de pós-graduação. Mestre em História pela Universidade Severino Sombra. Professor da rede municipal de ensino constituiu-se em um dos maiores incentivadores de uma produção acadêmica sobre a História da região, coordenando cursos e eventos sobre o tema. É editor do Caderno de Textos de História Local e Regional da Baixada Fluminense: Hidra de Iguassú e da revista Pilares da História; e Marlúcia Santos de Souza. Graduada em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Duque de Caxias onde atua como professora de História do Brasil. Mestre em História pela Universidade Federal Fluminense. Professora da rede publica estadual. 6 Jornal Correio de Iguassú, Tópico, Grupo, O municipal, Folha de Caxias.

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no qual foi produzida. O campo pode ser definido como o lócus onde se travam

disputas entre os agentes em torno de interesses específicos que caracterizam

a área em questão. 7 Num dado momento da história, a estrutura do campo

mostra a relação de forças entre os agentes.

Um problema ou questão em debate de um determinado campo, no caso

da pesquisa em questão, a educação, para ser legitimado, deve ser

reconhecido por seus componentes, ou seja, todos os agentes em luta pelo

poder no campo. Segundo Bonnewitz (2003:53) referindo-se a Bourdieu, as

estratégias e mecanismos utilizados nas disputas pelos agentes dependerão

do volume do seu capital.

Dentre as diferentes formas de capital (social, econômico, cultural,

simbólico), o econômico e o cultural são os que permitem distinguir as

diferenciações de força e poder entre os campos ou entre os agentes de um

mesmo campo. Os agentes sociais fortemente dotados de capital, tanto

econômico quanto cultural aparecem na escala de hierarquização, na estrutura

vertical, como os dominantes. As classes dominantes, ou superiores, são

caracterizadas pela importância do capital do qual dispõem os seus membros.

No interior dessas classes há uma fração dominada que surge como mais

provida de capital cultural do que de capital econômico. Esta fração reúne os

engenheiros, os professores, os intelectuais.

Os agentes do campo ou instituições, como os integrantes da ABE, eram

dotados de habitus, conheciam as regras da luta em que estavam engajados,

por objetos de disputa ou por interesses específicos. Para Bourdieu, o Habitus

é um Sistema de disposições adquiridas pela aprendizagem implícita ou explícita, que funciona como um sistema de esquemas geradores, é gerador de estratégias que podem ser objetivamente afins aos interesses objetivos de seus autores, sem terem sido expressamente concebidas para este fim (1993: 94)

O habitus se apresenta como um conjunto de princípios geradores de

práticas distintas e distintivas, ao mesmo tempo em que são esquemas

classificatórios, princípios de classificação, de visão e divisão. Isto é, o habitus 7 BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1993. Segundo Bourdieu, o interesse é o investimento específico nos processos de lutas, que é, ao mesmo tempo, a condição e o produto da vinculação a um campo.

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é um sistema de disposições (atitudes, inclinação para perceber, sentir, pensar

e fazer) duradouras, adquiridas pelo indivíduo durante o processo de

socialização (BONNEWITZ, 2003:77).

Com relação à estrutura do campo, Bourdieu define como “um estado da

relação de força entre os agentes sociais ou as instituições engajadas na luta,

ou ainda, da distribuição do capital específico8 acumulado durante o processo

de socialização”. Tomando como modelo os agentes do movimento renovador

da educação, pertencentes a uma elite intelectual e dirigente, a estrutura

estava sempre em disputa para conservar ou subverter a estrutura de

distribuição do capital específico, especialmente cultural, conjunto das

qualificações intelectuais produzidas pelo sistema ou transmitidas pela família

(diplomas, características lingüísticas, códigos culturais e outros).

Consideramos importante citar, também, o capital social (conjunto das relações

sociais), e o simbólico (conjunto dos rituais: reconhecimento, prestígio

reputação, símbolo de poder).

Os conceitos de Bourdieu apresentados nos deram suporte para

enveredarmos sobre o objeto de pesquisa em questão, que se encontrava

mergulhado nas malhas da educação, dentro de um contexto de pioneirismo e

renovação, através de suas práticas pedagógicas, metodológicas e sociais.

Na área de história da educação, a metodologia da pesquisa identifica-

se com aquelas próprias ao ofício do historiador. Dois procedimentos

metodológicos foram os mais utilizados na presente investigação.

O primeiro deles foi a análise documental, numa perspectiva histórica. A

apropriação desta metodologia nos conduziu a um processo de “garimpagem”,

pois não foram raras as vezes em que os documentos não foram localizados,

ou, quando localizados, estavam incompletos ou deteriorados, fazendo-se

necessário receberem um tratamento “que, orientado pelo problema proposto

pela pesquisa, [estabelecesse] a montagem das peças, como num quebra-

cabeças”.9

8 O capital específico é “fundamento do poder ou da autoridade específica característica de um campo e só vale dentro dos limites deste determinado campo. Pode ser de diversas naturezas: cultural, econômico, artístico, político e outros” (1993:94) 9 Termo utilizado por: PIMENTEL, Alessandra. O Uso da Análise Documental: seu uso numa pesquisa historiográfica. Cadernos de Pesquisa, n. 114, p. 179-195, nov./ 2001

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As dimensões de organização e análises de dados, sugeridas por

LÜDKE & ANDRÉ (1986) numa tentativa de estudar a escola em sua

dimensionalidade, foram fundamentais para que pudéssemos reunir dados,

historicamente constituídos e reveladores da identidade organizacional,

teórica, pedagógica e metodológica da Regional de Merity. De acordo com

essas autoras, os documentos “não são apenas uma fonte de informação

contextualizada, mas surgem num determinado contexto e fornecem

informações sobre esse mesmo contexto” (1986:39). O processo de análise

das fontes documentais foi nos revelando as marcas construídas de uma

relação entre a escola e a região da Vila Merity, atual município de Duque de

Caxias.

As fontes documentais, como elemento metodológico, nos

proporcionaram responder a indagações sobre o contexto histórico, as

tendências referentes ao passado do objeto pesquisado, podendo assim nos

revelar questões pontuais que contribuíram ou limitaram as ações dos agentes

na construção do projeto educacional em estudo.

Nesse sentido, foi fundamental o acesso à documentação referente ao

projeto educacional da Escola Regional de Merity, existente nos arquivos do

Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto – Câmara Municipal de

Duque de Caxias, no PROEDES (UFRJ), no IPHAB, na Escola Dr. Álvaro

Alberto e no arquivo pessoal da professora Martha Ignez Rossi, ex-subdiretora

da escola. Entre prateleiras empoeiradas, em armário fechado e esquecido

numa pequena sala da escola, encontramos alguns materiais didático-

pedagógicos, tais como: álbuns ilustrados com fotos e postais para o ensino

Estudos da Natureza, História e Geografia, livros didáticos e de literatura, um

histórico da escola, certificados de cursos realizados por professores, textos

sobre puericultura, planos de aula de literatura infantil, livros, etc.. Do acervo do

museu da escola, localizamos alguns animais empalhados, minerais, conchas

do mar, e materiais sobre a cultural nacional.

O segundo procedimento metodológico refere-se à análise de materiais

bibliográficos concernentes ao contexto histórico da região da Vila Merity, na

Baixada Fluminense; ao legado educacional da educadora Armanda Álvaro

Alberto; ao contexto histórico, social e político do marco temporal delimitado

para a pesquisa (1921-1937); e sobre o próprio objeto de estudo em questão.

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Alguns autores foram particularmente importantes no estudo da historiografia:

Marlúcia Santos de Souza, Antônio Augusto Bras, Alexandre dos Santos

Marques, Ana Chrystina Venâncio Mignot, Clarice Nunes, Sonia Camara, Jorge

Nagle, José G. Gondra, Luciano de Faria Filho, Maria Marta de Carvalho, Ana

Maria Magaldi, entre outros.

Na captação de um melhor entendimento a respeito da pesquisa, a partir

das fontes documentais, percebemos que foi necessário definirmos um

conceito para o termo “documento” e “memória”, já que ambos são elementos

intrínsecos a este estudo. Documento é um termo polissêmico, posto que se

pode considerar documento qualquer suporte que registre informações. Le Goff

(1996) nos indica que são documentos os vestígios materiais de civilizações

desaparecidas investigados pelos arqueólogos, os registros orais de grupos

humanos estudados pelos antropólogos e sociólogos ou a correspondência,

mapas, contratos privados ou públicos que são pesquisadas pelos

historiadores.

Os documentos, embora possam variar na forma como se apresentam,

ou tecnicamente falando, no suporte em que a informação está registrada,

apresentam algumas características que os aproximam do conceito de

monumento.10 Para Le Goff, tanto a memória coletiva quanto a história

constroem-se a partir de registros que podem ser pensados como documentos

/monumentos. Considerando que “não há história sem documentos” e que há

de tomar a palavra ´documento` no sentido mais amplo documento escrito,

ilustrado, transmitido pelo som, a imagem, etc, o autor chama a atenção para o

caráter monumental de qualquer documentação. Com isso, alerta-nos quanto

ao modo de produção, assim como aos processos de seleção que atuaram na

sua preservação.

Em se tratando do conceito de memória, em sua relação com a história –

relação esta que nos é cara para o desenvolvimento deste trabalho - Le Goff

(1996:477) aponta que cabe aos historiadores - também profissionais da

memória – “fazer da luta pela democratização da memória social um dos

imperativos prioritários da sua objetividade científica”, e também que “a

10RONCAGLIO, Cynthia, SZVARÇA, Décio e BOJANOSKI, Silvana. Arquivos, gestão de documentos e informação. Rev. Eletr. Bibl. Ci. Inf., Florianópolis, n. esp., 2º sem. 2004 disponível: http://www.encontros-bibli.ufsc.br/bibesp/esp_02/1_roncaglio.pdf

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memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o

passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a que a

memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens”.

Assim, na busca de entender a trajetória histórica e social do projeto

educacional da Escola Regional de Meriti, sem a intenção de recriar o vivido, o

presente estudo tem como intenção mapear questões que nortearam o

movimento de ações e realizações exercidas pela instituição e pelos diversos

agentes que participaram da construção e afirmação de tal projeto.

Ao revelar a historicidade e a organização prática pedagógica, social e

ideológica do objeto de pesquisa em questão temos o desejo de contribuir para

a construção da História da Educação da Baixada Fluminense, além de

preencher uma lacuna historiográfica que esteve presente devido ao

“esquecimento” dessa experiência pedagógica que, de certa forma, foi um dos

projetos que através da divulgação que recebeu na imprensa, provavelmente,

proporcionou uma maior visibilidade ao ideal social e educacional do

movimento escolanovista brasileiro, nas décadas de 1920 e 1930. Durante

seus quarenta e três (43) anos de existência, a escola teve a intenção de

apresentar ao campo da educação uma possibilidade de avanço no que tangia

à educação regional no Brasil.

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CAPÍTULO 1 TECENDO RELAÇÕES, PROJETOS E IDÉIAS: ARMANDA ALVARO ALBERTO E A ESCOLA REGIONAL DE MERITY

A literatura sobre o legado de Armanda Álvaro Alberto na história da

educação brasileira nos revela que sua trajetória em prol da educação primária

iniciou-se ainda quando jovem, no período republicano.

A história nos aponta que a partir dos anos 1910 e 1920, boa parte da

intelectualidade, insatisfeita com o novo regime, dedicou-se a pensar sobre a

realidade social, política e cultural da sociedade brasileira, o que proporcionou

a produção de uma série de diagnósticos nos quais foi revelada a ausência de

uma consciência nacional.

Nesse contexto, essa intelectualidade, engajada no processo de

construção de uma identidade nacional e de uma sociedade civilizada, utilizou

a educação como instrumento para solucionar um dos males identificado como

um dos maiores obstáculos para o progresso do país: o analfabetismo.

A literatura nos indica que a elite intelectualizada, daquele período, tinha

como intenção promover grandes transformações no país. No entanto, para

gerar a transformação desejada por parte da elite, dever-se-ia promover uma

reforma mais profunda que permitisse moldar o povo brasileiro. E a instituição

legitimada, tanto pela elite dirigente quanto pela população, capaz de forjar

essa mudança seria a escola, através das ações dos educadores, atuando nas

mais diversas camadas sociais que precisavam ser preparadas para o trabalho.

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Nesse momento histórico, muitos intelectuais da educação, incluindo a

educadora Armanda Álvaro Alberto, estavam envolvidos no projeto nacionalista

de construção de uma nova identidade para o país, buscando a construção de

uma nação “civilizada”, tornando-se os difusores da civilidade e formadores do

ideal de nação que se pretendia implantar. A difusão das idéias de progresso e

civilização não poderia ser desvinculada da educação, como bem sintetizou,

em 1924, o educador A. Carneiro Leão: “Acredito que nessa época da civilização de base científica, onde tudo se procura fazer pela cultura, a educação é a maior necessidade do Brasil. No nosso país precisamos de cultura, por toda parte, e para tudo: cultura física, higiênica, profissional, mental, moral, social, política e cívica. Quem diz educação, diz formação, diz organização, diz adaptação. Formar a nacionalidade e o país, organizá-los e adaptá-los à hora atual do mundo são os fins da cultura que proclamo” (LEÃO, apud CARDOSO, 1981:70).

No presente texto, a partir da perspectiva histórica descrita, tentaremos

aludir sobre a experiência de vida da educadora Armanda Álvaro Alberto, sua

importância e contribuição para história da educação brasileira. E para cumprir

tal direção coube-nos a tarefa de mergulharmos em seu arquivo e buscarmos

informações sobre sua vida pessoal, social e profissional.

Diante das fontes documentais localizadas nos arquivos públicos como o

Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade - PROEDES; o

Instituto Histórico da Câmara Municipal de Duque de Caxias e a Escola Dr.

Álvaro Alberto, a respeito da educadora, uma inquietação se apoderava de nós:

quais foram as circunstâncias na vida dessa educadora que, de alguma forma,

poderiam ter-lhe possibilitado criar uma instituição escolar, a Escola Regional

de Merity, com inúmeros elementos inovadores para o ensino primário numa

época e região considerada o “sertão” da Capital Federal (RJ), no ano de 1921,

onde a educação escolar caminhava muito lentamente, ou era quase

inexistente?

Nesse viés de pesquisa tentamos recuperar sua trajetória de vida

familiar, social e profissional de Armanda, como, também, sua rede de relações

que de forma direta ou indireta, colaborou para a criação e manutenção de seu

projeto educacional, a Escola Regional de Merity.

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1.1 ARMANDA ÁLVARO ALBERTO: UM POUCO DE SUA TRAJETÓRIA FAMILIAR E SOCIAL

Ao fazer o levantamento bibliográfico para a construção dessa pesquisa,

consideramos a obra “Baú de memórias, bastidores de histórias: o legado

pioneiro de Armanda Álvaro Alberto”, da historiadora Ana Chrystina Venancio

Mignot o estudo mais completo sobre essa educadora. Nesse sentido,

tomamos esse trabalho como fonte primordial para elaboração dessa parte da

pesquisa.

Nascida em 10 de junho de 1892, no Rio de Janeiro, pouco se sabe

sobre sua infância, sua vida particular ou afetiva e seu casamento. Entre tantos

documentos localizados no arquivo público do PROEDES, observamos raras

menções sobre sua vida particular, todavia, localizamos uma substancial

quantidade de documentos a respeito de sua vida pública e profissional.

As pesquisas e buscas nas fontes documentais nos indicaram que a

jovem Armanda Álvaro Alberto vinha de uma família de intelectuais, elemento

importante que pode ter interferido em sua formação pessoal e profissional.

Seu pai possuía formação de nível superior, graduado em medicina,

porém pouco clinicou. Possuidor de uma vocação para o estudo da química de

explosivos, destacou-se na área. Ocupou cargos públicos como médico

pesquisador, engajando-se no projeto de saneamento do Rio de Janeiro, no

final do século XIX e início do XX, no combate à febre amarela. Veio a falecer

no ano de 1908, ficando ela e o irmão Álvaro Alberto aos cuidados da mãe

Maria Teixeira.11

O envolvimento do pai nas questões de saúde sanitária para a massa

popular, de certa forma, nos traz indícios de ter sido uma das primeiras

circunstâncias que permitiram à Armanda envolver-se com as questões sociais

em prol das camadas menos favorecidas.

Sobre sua mãe, Maria Teixeira, consta que ela possuía uma

personalidade forte e combativa. Oriunda de família abastada, foi educada por

governantas francesas e professores particulares. Daí ter sido sempre

11 A respeito da história familiar da educadora Armanda ver: MIGNOT, 2002:79-80.

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lembrada por amigos e familiares como uma pessoa muito culta, determinada,

carinhosa e dedicada. Recebeu como herança, do pai, chefe político em Santa

Cruz no Estado do Rio de Janeiro, o temperamento e o gosto pela política

(GARCIA, 2000: 6).

De acordo com MIGNOT (2002:80), Armanda e seu irmão Álvaro Alberto

da Motta e Silva não freqüentaram escolas na infância, recebendo a educação

letrada da própria mãe. Logo após a morte do marido, D. Maria Teixeira, Dona

Filhinha como era carinhosamente tratada, mulher de “convicções, opiniões

políticas, literárias, com aquela independência de espírito que era um dos seus

traços marcantes” tomou a doutrina espírita como amparo e refúgio,

“exercendo a caridade e a assistência social”.(Idem, ibidem) Os traços da

história de vida de D. Maria Teixeira podem nos indicar alguns dos elementos

formadores da personalidade de Armanda.

Acompanhando a inclinação do pai ao estudo de explosivos, seu irmão,

o Comandante Álvaro Alberto, que convivera com a mãe até seu falecimento,

em 1954, retomou os esforços do pai, em 1917, dedicando-se aos estudos de

explosivos, a rupturita. No mesmo ano de 1917, fundou a Fábrica Venâncio &

Cia, uma fábrica de explosivo rupturita em Merity, na Baixada Fluminense.

Nesse mesmo ano, aos 25 anos de idade, Armanda iniciou sua trajetória

rumo ao magistério no Colégio Jacobina, onde “esboçava-se uma certa

compreensão de que a arte de ensinar era uma missão nobre a ser exercida

pelas mulheres de elite, extensão natural das tarefas educacionais no espaço

doméstico”.(Idem, p. 125) É curioso observar que Armanda só deu início à sua

formação profissional aos 25 anos, pois, naquela época uma jovem com a sua

idade era considerada “adulta”, e muitas já estavam casadas e com filhos. A

vida de futura dona do lar, normalmente, começava ser delineada pela família

quando a jovem entrava na fase da adolescência. Nas fontes documentais de

seu arquivo pessoal não há nenhuma referência a intervenções por parte da

família de Armanda em sua vida pessoal ou profissional.

Nesse período, morando próximo ao colégio, no bairro do Flamengo,

ampliava-se o círculo de amizades de Armanda com as famílias de elite:

Aguiar, Buarque de Almeida, Niemeyer, Osório de Almeida, Rodrigues Peixoto,

Rios Bastos. Círculo esse que fortaleceria sua rede de relações sociais e

culturais.

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No contexto social da República, a elite mantinha laços partilhando

espaço comuns como o de lazer, trabalho, valores, padrões culturais

“estreitando o relacionamento num círculo ainda restrito mantendo, em outros

termos, o poder”.(Idem, p. 86) Nesse ambiente os destinos de Armanda e

Edgar Süssekind de Mendonça se cruzaram, como também seu forte laço de

amizade com Francisco Venancio Filho. Em 11 de agosto de 1928, Armanda

une-se em matrimônio com Edgar Süssekind de Mendonça.

A futura educadora, ainda uma jovem rumo a sua carreira profissional

parece ter incorporado os pressupostos educacionais de Pestalozzi desde sua

infância. Segundo relato de Beatriz Osório, aos 13 anos de idade, Armanda já

havia lido a vida de Pestalozzi, “por quem tomou admiração irrestrita”.12 Sendo

leitora das obras de Pestalozzi, Armanda provavelmente, apoiada na obra do

educador suíço “Leonardo e Gertrude”, que conta a história de uma aldeia

regenerada pela escola, espelhou-se nesse conto ao dar início a sua longa

trajetória no campo da educação. (cf. MIGNOT, op. cit., p. 145)

Em 1917, Armanda começava a delinear sua trajetória profissional no

Colégio Jacobina,13 onde, com as crianças, iniciou o ofício do

magistério.(MIGNOT, 2002:138). Armanda ao invés de construir uma vida

dedicada ao lar e aos filhos, traçou uma trajetória diferenciada das demais

jovens de sua época. Dedicou-se as questões educacionais em prol das

camadas menos favorecidas da sociedade brasileira.

Influenciada não só pelas idéias pedagógicas de Pestalozzi, mas

também pelos ideais educacionais de Maria Montessori, Armanda, em 1919,

quando seu irmão atuava na Escola Naval e foi transferido para Angra dos

Reis, deu início, naquela cidade, ao “ensaio de escola ativa”14 ao ar livre,

12 OSÓRIO, Beatriz. “Uma obra extraordinária – A Escola Regional”. 18/09/1944. Aluna do Instituto de Educação do Rio de Janeiro, Curso Normal, que realizou um estágio orientado por D. Armanda na Escola Regional de Merity. Arquivo: Instituto Histórico da Câmara Municipal de Duque de Caxias. 13 O Colégio Jacobina era uma instituição de ensino que tinha como público as mulheres da elite, “a arte de ensinar era uma missão nobre a ser exercida pelas mulheres de elite, extensão natural das tarefas educacionais no espaço doméstico”. O colégio tinha como proposta um ensino voltado para “o exercício de papéis socialmente aceitos”, isto é, as tarefas domésticas, do lar, como cuidar dos filhos e organizar reuniões e festas. “O objetivo era formar mães zelosas, donas-de-casa exemplares”. (MIGNOT, 2002:125 e 127). 14 Expressão utilizada por NAGLE (apud MIGNOT, p. 139). Escola Ativa era a escola fundada sobre a ciência da criança, isto é, era a aplicação das leis da psicologia à educação das crianças. Baseava-se na autonomia dos educandos, na atividade espontânea, no autogoverno, na experiência pessoal da criança, na liberdade, na criatividade, na individualidade e nos

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destinado aos filhos de pescadores “para as quais não existia escola pública

ou particular, por tôda a redondeza”, “crianças e adolescentes que não sabiam

sequer dar nomes às coisas, salvo dos frutos verdes e maduros, que

ignoravam sua condição de brasileiros” (ÁLVARO ALBERTO, apud MIGNOT,

2002: 148).

A ida para a região de Angra dos Reis proporcionou à educadora o

primeiro contato com o Dr. Belisário Penna, médico sanitarista, por intermédio

do amigo Francisco Venancio Filho. A partir desse encontro, o Dr. Penna

tornou-se um dos grandes colaboradores do trabalho educativo realizado por

Armanda.15

A convivência de Armanda com os moradores da aldeia de pescadores

em Angra dos Reis, aliada às circunstâncias de vida familiar e social podem ter

possibilitado a realização de seus projetos, principalmente os ligados às

causas em prol da camada popular.

Ao retornar ao Rio de Janeiro, no final do ano de 1919, o ambiente

social e cultural da cidade tinha agregado à sua configuração outros espaços

de sociabilidade feminina. Espaços esses em que as mulheres dirigiam

automóveis, usavam cabelos curtos, maquiagem, etc, “as mulheres letradas

articulavam um moderado movimento feminista reivindicando igualdade de

oportunidades de educação, trabalho e salários e conquistas dos direitos

políticos,significando o fim da opressão”(MIGNOT, 2002:153).

A historiografia nos aponta que no final da primeira década do século

XX, as mulheres de elite insatisfeitas com a educação recebida começam a

manifestar-se contra sua condição de passividade na vida social e pública.

“Tédio, solidão, ânsia de identidade, empurravam as mulheres para formas

associativas inusitadas, retirando-as do enclausuramento do lar” (idem, p.141).

Dentre os locais de atuação feminina, a escola foi, certamente um dos

primeiros e mais duradouros espaços.

métodos ativos. Ver, PERES, Eliane. A Escola Ativa na visão de Adolphe Ferrière: elementos para compreender a Escola Nova no Brasil. In: STEPHANOU, Maria e BASTOS, Maria Helena Câmara (Orgs.). Histórias e memórias da educação no Brasil. V. III – Século XX. Petrópolis:Vozes, 2005, p. 115-128. 15 Informações retiradas do texto: ALBERTO, Armanda Alberto. Homenagem a Belisário Penna na Escola Regional de Merity. 03/12/1939

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Em 1920, as mulheres de elite participantes do movimento feminista

fundaram a Associação Cristã Feminina. Armanda ingressou na Associação

“como uma das 805 sócias fundadoras” (idem, p.153). A participação na

Associação propiciou um envolvimento maior com o movimento feminista. Era

um movimento “marcadamente moderado”, [que] “enfatizava a filantropia como

condição importante para que a mulher exercesse sua missão social,

contribuindo assim para uma aproximação das classes sociais”.(MIGNOT,

2002:161).

Nesse mesmo ano, a convite do irmão realizou uma visita à fábrica de

explosivos da família em Merity. Ao se deparar com a pobreza da região, um

retrato do abandono percebendo que ali não havia escola, solidária com a

situação de precariedade em que vivia a população, decidiu dar continuidade à

experiência educativa iniciada em Angra.

Aos 28 anos de idade, em 1921, fundou a Escola Proletária de Merity,

tendo como principais colaboradores o Comandante Álvaro Alberto, Francisco

Venâncio Filho16 e Edgard Süssekind de Mendonça.17 Durante os estudos e

análises sobre a escola uma pergunta ficou a circundar nosso pensamento:

Por que fundar uma escola proletária naquele local? E por que a escola só três

anos depois, em 1924, mudou o nome de “Proletária” para “Escola Regional de

Merity”, se desde o primeiro ano já havia a intenção da troca de nome? Não

localizamos uma resposta precisa para nenhuma das duas perguntas, no

entanto, para a primeira pergunta há indícios que a educadora tenha

planejado, inicialmente, criar uma escola que atendesse aos operários da

fábrica de rupturita, no entanto, as condições locais não permitiram tal

propósito. 16 Francisco Venancio Filho (1894-1946), filho de Francisco Ribeiro Venancio, comerciante de descendência portuguesa e de Dona Antonia Gomes Venancio que pertencia a tradicional família de fazendeiros.Formado pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro lecionou Física na então Escola Normal, hoje Instituto de Educação do Rio de Janeiro e no Colégio Bennett. Lecionou por quase trinta anos no magistério, nos últimos anos dedicou-se ao ensino de história da educação. Junto com Heitor Lyra foi um dos fundadores da Associação Brasileira de Educação. Foi signatário e articulou, juntamente com Fernando de Azedo o texto redigido do “Manifesto da Educação Nova No Brasil”, em 1932. Publicou diversos artigos e livros dirigidos a educação. VENACIO FILHO, Francisco (Org.). Um educador brasileiro (1894-1994). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. 17 Filho mais velho do segundo casamento do escritor, jornalista e jurista Lúcio de Mendonça – um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Autor de livro didático em co-autoria com Francisco Venancio Filho. Foi um dos criadores do Grêmio Euclides da Cunha, em 1911 no Colégio Pedro II, onde escreveu artigos sobre o autor de “os Sertões”, Euclides da Cunha. Membro da ABE e signatário do Manifesto.(MIGNOT, 2002: 87)

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Quanto à manutenção da escola, inicialmente, foi mantida pela Fábrica

de Explosivos Venancio & Cia, de propriedade do Comandante Álvaro Alberto,

irmão da diretora e professora Armanda Álvaro Alberto e por doações de

amigos e colaboradores. Depois, em 1922, foi criada a Caixa Escolar Dr. Álvaro

Alberto “para a qual os moradores de Merity poderiam também

contribuir”.(ÁLVARO ALBERTO, 1968:40)

Integrada ao meio intelectual e político, por meio de sua rede de

relações, Armanda Álvaro Alberto teve oportunidades diversas para divulgar o

trabalho realizado em sua instituição escolar. Segundo Ana Chrystina V.

Mignot (2002:171), foi a partir da criação da Escola Regional de Merity que a

educadora Armanda revelou-se para o cenário educacional, sendo

“reconhecida por alguns traços distintivos da sua experiência pedagógica, por

um estilo de trabalho diferente, corajoso, ousado, inovador”.

A respeito de sua trajetória de vida, as fontes documentais nos deixam

lacunas a serem preenchidas. Os poucos dados e relatos de sua passagem

nesse período só foi possível conhecer através dos relatórios anuais que eram

enviados anualmente aos colaboradores. Com a criação da escola, sua

inserção no campo educacional foi sendo anunciada através de artigos de

revistas e jornais da época. Muitos dos colaboradores e mantenedores18 da

escola eram amigos que estimulavam a educadora a dar continuidade ao seu

projeto educacional e social.

Muitos são os indícios que às circunstâncias remetem Armanda a

trabalhar com as causas políticas e sociais, talvez por ter convivido numa

família que não era neutra às questões políticas e sociais da nação. Em 1923,

Armanda ocupava a vice-presidência da Liga Brasileira Contra o

Analfabetismo,19 movimento inscrito no âmbito nacionalista do início do século

XX, que conjugava a atividade profissional com a militância política. No

entanto, não há registros que nos remetam a sua participação na Liga nesse

período. (MIGNOT, 2002: 142).

18 Entre eles podemos citar: Heitor Lyra da Silva, Paschoal Lemme, Francisco Venancio Filho, Júlia Lopes, Belisário Penna, Flavio Lyra da Silva, Edgard Roquette Pinto, Álvaro Alberto da Motta e Silva, Corina Barreiros entre outros. 19 Instituição fundada em 1915, no Rio de Janeiro. Uma instituição direcionada “para a necessidade de reverter o panorama de abandono em que se encontrava a educação popular, elevar o nível cultural das massas, retirando-as da ignorância, apatia, desenvolvendo o espírito cívico”. Ver MIGNOT (2002: 141).

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Na Liga Brasileira Contra o Analfabetismo sua rede de relações foi se

ampliando, o que permitiu uma projeção para o trabalho que realizava.

Armanda, juntamente com Corina Barreiros que exercia também o cargo de

secretária-geral da Associação Cristã Feminina e Maria Reis dos Santos

assumiram a diretoria da Liga. Também integrando a diretoria das duas

instituições citadas, havia o reverendo H. C.Tucker criador do Instituto Central

do Povo,20 em 1906. Instituição que no futuro, no ano de 1964, dará apoio se

responsabilizando pela escola criada pela educadora Armanda.

Como podemos observar, as circunstâncias de vida familiar, políticas e

culturais serviram de base de sustentação à realização dos projetos de

Armanda, que nesse momento da história, associavam-se ao ideário de

construção de uma nação civilizada e moderna nos moldes dos países mais

desenvolvidos, principalmente os europeus, que já estava posto pelos

intelectuais brasileiros. O grupo de intelectuais engajado no projeto de

construção de uma identidade nacional tomou a educação como propulsora

das transformações sociais.

Ancorado num clima de efervescência política e entusiasmo pela

questão educacional, o educador Heitor Lyra da Silva apoiado por um grupo de

intelectuais da educação e diletantes fundou, em 1924, a Associação Brasileira

de Educação – ABE, lócus de agregação dos debates educacionais da época.

Integrante desse grupo, Armanda foi sócia-fundadora da entidade desde a

primeira diretoria.

Nesse momento, Armanda já havia se projetado no cenário

educacional, passando a ser reconhecida nos círculos intelectuais e políticos

através de suas redes de relações e de seu trabalho. Tal reconhecimento

proporcionou que, em 1925, fizesse parte da Seção de Cooperação da Família

na ABE, que agregava mulheres que atuavam no magistério, na rede particular

e pública, e pessoas de diferentes correntes de ação, interessadas na questão

da educação nacional. Dentre os diversos diletantes da educação que tiveram

atuação marcante na Seção, constituída exclusivamente por mulheres, entre

20 Instituição localizada na zona portuária, voltada para as atividades ligadas à saúde, higiene, trabalho, lazer, além de pregação religiosa. Em contraste com as demais escolas protestantes metodistas tinha como objetivo promover a educação popular, trabalhando “pelo desenvolvimento moral, cultural e espiritual do povo proletário” (MIGNOT, 2002: 157)

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elas muitas colaboradoras da Escola Regional de Merity, Ana Chrystina Mignot

(2002:204) menciona: “Laura Jacobina, Corina Barreiros, Miss Myrth King, Miss Eva Hyde, Ana Amélia Queiroz Carneiro de Mendonça, Carlotita Lyra e Silva, entre outras companheiras do Colégio Jacobina, Liga Brasileira Contra o Analfabetismo, Associação Cristã Feminina, Instituto Central do Povo, Federação Brasileira para o Progresso Feminino”.

No interior da ABE, na Seção de Cooperação da Família a educadora

divulgou e implantou os Círculos de Pais e Professores nas escolas públicas e

privadas; coordenou uma série de estudos sobre o lazer e a literatura infantil.

Junto com as demais educadoras que se qualificaram “como as profissionais

mais competentes para interditar, autorizar e legitimar cuidados com as

crianças”, posicionou um olhar diferenciado a infância. (MIGNOT, 2002: 205)

Tendo sido a questão do regionalismo e do nacionalismo tema presente

nos debates entre os intelectuais nacionalistas nos anos finais do século XIX e

nas primeiras décadas do século XX, possivelmente tal discurso pode ter

influenciado Armanda na troca do nome de sua escola, de “Escola Proletária de

Merity” para “Escola Regional de Merity”.

Tendo seu campo de interesses direcionado para a Literatura infantil,

aproveitava os debates sobre a questão do livro infantil para se posicionar

sobre a identidade nacional a ser construída nos futuros cidadãos do país.

Opinava que os livros deveriam “girar em torno de motivos nacionaes, tomar

themas de nossa vida real, ser brasileiros”.21 A questão da importância do livro

era levada às práticas pedagógicas realizadas na Escola Regional de Merity,

dirigida pela educadora, como parte fundamental na formação dos alunos. Um

dos autores mais lidos pelos alunos na Escola Regional de Merity era Monteiro

Lobato, pois seus livros atendiam ao interesse infantil tanto pela linguagem e

temas quanto pelas ilustrações.

Em 1932, já como membro ativo da ABE e integrante do grupo do

movimento renovador da educação, defendia que a educação deveria ser um

direito de todos os cidadãos. A escola deveria ser pública, gratuita, universal,

laica e de responsabilidade do poder público. Em 1932, como reação ao

21 ALBERTO, Armanda A. Leituras Infantis. Texto publicado no Jornal A Ordem. 12/11/1929.

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desinteresse político pela educação, os integrantes lançaram o Manifesto dos

Pioneiros da Educação Nova, do qual Armanda foi uma das signatárias.

Engajada no movimento feminista, posição que diferenciava Armanda de

muitas mulheres de sua época, lutava pelos direitos das mulheres de inserção

na vida pública, assim como lutava pelo progresso intelectual do país. Com a

mesma postura de ação, representando a ABE, participou, entre 1932 e 1934,

na Comissão de Censura Cinematográfica do Ministério da Educação e Saúde

Pública. Expressou seu protesto contra os filmes apresentados: “Nenhuma arte para o Brasil tem a importância da arte cinematográfica, podemos affirmar repetindo o que foi dito para a Rússia por Lenie. (...) Mas infelizmente, a verdade é que grande porcentagem das fitas são meros folhetins, de uma vulgaridade exasperante, simples motivo para a exibição de todos os dotes, tanto physicos, como artísticos, das estrellas! (...) A distorção da realidade, amoral de encomenda do casamento, num ´close up` sentimental – antes do qual todas as atuações são permittidas para realçar os predicados pessoaes de ´estrella`, a obrigatoriedade do ´good end`, arrostando as incoerências mais chocantes, o abuso das scenas de cabaret com aquellas mesmas dansas de ´girls` - essas e outras falhas repetidas, constituem o lado medíocre da cinearte actual. Protestemos contra essa mediocridade” (ÀLVARO ALBERTO apud MIGNOT, 2002:169).

Por sua postura e idéias sobre questões políticas e educacionais, nas

Conferências promovidas pela ABE, Armanda abriu caminhos para galgar um

espaço de maior representação no interior da instituição. Por sua atuação, foi

indicada presidente da ABE, em 1933, junto com o cunhado Carlos Süssekind

de Mendonça. Integrante ativa do movimento feminista, em 1934, Armanda foi

signatária do “Manifesto em defesa da soberania dos países e pela paz

universal”, documento dirigido às mulheres do Brasil, solicitando a união de

todas em defesa da paz e da humanidade. Por sua postura progressista nas

entidades que integrava, Armanda era identificada na imprensa como

subversiva e comunista. (MIGNOT, 2002: 232-233).

Apesar dos comentários, aos poucos, suas posições sobre as questões

sociais, educacionais e políticas passaram a constar nos inúmeros artigos

publicados pela imprensa escrita: discursos, exposições, festas escolares,

entrevistas, etc. Sua atitude progressista lhe causou alguns problemas com o

governo federal no Governo Vargas. Passou a ser mais uma das vítimas de

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perseguições políticas no governo Getúlio Vargas. Segundo informações de

Ana Chrystina V. Mignot (2002:272), a prisão de Armanda, como a de outros

acusados de extremismo, foi decretada em 1935, porém, ela só foi presa em

1936, junto com as dirigentes da União Feminina do Brasil, Maria Werneck e

Eugênia Álvaro Moreira, além de várias personalidades militantes políticas do

mundo acadêmico e intelectual, entre as quais Olga Benário, mulher do líder

comunista Luiz Carlos Prestes. Mesmo na prisão, ficava sabendo sobre os

seus “passarinhos” (nome carinhoso pelo qual ela chamava as crianças) e da

rotina educativa de sua escola, a Regional de Merity.

Em junho de 1937, foi posta em liberdade. Sobre esse episódio na vida

da educadora, nada se tem escrito, nenhum artigo ou comentário. Até aquele

momento, Armanda não tinha conhecimento de que o grupo dos renovadores

da educação havia se diluído, pois alguns dos integrantes também sofreram

represálias da ditadura do governo Vargas. “A atmosfera de silêncio,

repressão, inviabilizava retomar o projeto coletivo que tinha conferido sentido

às ações dos reformadores” (Idem, p.110).

Apesar do momento de infortúnio pelo qual passava Armanda, as

atividades na Escola Regional de Merity não cessaram. O retorno da diretora

às atividades escolares foi registrado com uma festa em comemoração à

normalidade das atividades educativas.

1.2 A “NOSSA CASA” NA VIDA DE ARMANDA ÁLVARO ALBERTO

Considerando o desempenho de Armanda Álvaro Alberto no campo

educacional brasileiro como indissociável de sua reflexão teórica, sua ação nos

movimentos sociais e políticos e sua interação com diversas personalidades de

diferentes áreas de conhecimento, perceberemos que suas práticas discursivas

e educativas expressaram de maneira articulada uma dada concepção social,

política e educacional dentro de um movimento maior de construção de uma

nação civilizada rumo ao progresso.

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Armanda, na Escola Regional de Merity acompanhou o fazer pedagógico

de seus “passarinhos”,22 os problemas da comunidade escolar, da região (a

pobreza, as epidemias, falta de saneamento); as dificuldades de por em prática

os novos métodos e práticas educacionais, entre outras questões. Conforme o

próprio nome da instituição indica, a Escola se propunha a ser regional, tendo

suas raízes na vida de Merity. Dessa localidade “suga seiva e extrai os

objetivos para o seu trabalho. E tem a sua finalidade na população de

Merity”.(BITTENCOURT, 1968:140)

Apesar de, nas duas primeiras décadas do século XX, os educadores

renovadores partilharem das concepções escolanovistas pautadas, em grande

medida, na defesa da universalização do ensino público de ensino.

Provavelmente, a inoperância do poder público em relação à educação

primária voltada à camada popular tenha propiciado o florescimento das

iniciativas particulares de ensino.

Cabe mencionar que o projeto educacional da Escola Regional de

Merity, um desses exemplos, mostrava-se alinhado ao ideal educacional

apresentado pelos integrantes da ABE, que buscavam contribuir na construção

de uma sociedade civilizada utilizando a educação como instrumento.

Encontraremos indícios dessa posição nas seguintes mensagens: “È uma utopia esperar que os poderes públicos possam algum dia por si só resolver o problema da educação nova. Quer em quantidade, quer em qualidade, ele exige absolutamente o concurso da iniciativa particular e sem este permanecerá eternamente insolúvel” (Boletim da ABE, n0 12, ano IV, apud MAGALDI, 2007: 68).

“O exemplo de Merity, de iniciativa particular, fala aos poderes públicos com a incomparável autoridade de uma excelente lição” (LEMME, 1968:169).

Ao estudarmos e analisarmos o contexto histórico e social no qual a

escola foi criada, observamos terem sido poucas as instituições particulares de

ensino, com exceção das escolas católicas, que obtiveram tamanha projeção

no campo educacional brasileiro como a Escola Regional de Merity.

Possivelmente, esta projeção tenha sido proporcionada por ter tido como

criadora e diretora uma intelectual da elite brasileira, que mantinha em sua rede

22 Como carinhosamente chamava seus alunos.

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de relações importantes personalidades da sociedade da época, além de

estarem engajados num mesmo projeto de construção de uma nação civilizada

e moderna tendo como viés à educação primária voltada à camada menos

favorecida da população brasileira.

As relações da educadora Armanda, nos círculos intelectuais e políticos,

possibilitaram articular uma série de estratégias capazes de dar visibilidade e

angariar apoio para o projeto educacional da Regional de Merity, por intermédio

do acesso à imprensa, campanhas, conferências, festivais, participação em

comissões, etc.

Os maiores divulgadores da escola foram integrantes do movimento de

renovação educacional e membros das instituições às quais Armanda estava

integrada. Lourenço Filho, um dos expoentes desse movimento, e numerou as

iniciativas pioneiras realizadas na escola: “Foi das primeiras, se não a primeira escola a tentar a educação conjunta de crianças e adultos. Foi a primeira a criar um Círculo de Mães. Foi a primeira a organizar concursos de Higiene e de Arte Popular, entre toda a população da localidade a que devia servir (LOURENÇO FILHO, 1968:161).

Fernando de Azevedo, em seu livro “A Cultura Brasileira”, apontava a

Regional de Merity como uma das primeiras iniciativas particulares de cunho

renovador na sociedade brasileira:

“Não faltam, aqui e ali, iniciativas particulares, como para citar uma das primeiras e de sentido mais corajosamente renovador, a Escola Regional de Merity, fundada no Estado do Rio de Janeiro, em 1921, por Armanda Álvaro Alberto, que se alistava entre os pioneiros da educação nova no Brasil” (AZEVEDO, 1968:127).

Perante os depoimentos dos colaboradores que compunham o largo

círculo de relações, vê-se que a divulgação do trabalho de Armanda obtivera

boa repercussão ente os intelectuais e diletantes da educação. Júlia Lopes,

escritora e poetisa, ao reconhecer o importante papel da escola na

comunidade, enfatizou a importância social da instituição numa região onde a

população necessitava de todos os tipos de atendimentos: “As crianças aprendem sorrindo que devem andar lavadinhas, penteadas, e sem alfinetes em vez de botões e, pouco a pouco, vão corrigindo as suas faltas e desmazelos e fazendo, ao mesmo tempo, propaganda desses bons costumes entre as

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pessoas da sua família e da sua vizinhança” (ALMEIDA, 1968:59)

Nesse contexto, os integrantes do movimento renovador, entre eles os

médicos sanitaristas e higienistas, tomaram a escola primária como lócus para

criar mecanismos e estratégias de inserção de suas idéias e ideais

educacionais e políticos. Estes observaram que, além dos ensinamentos

pedagógicos contidos nos conteúdo curricular, seria imprescindível inculcar

valores e costumes pautados nos preceitos higiênicos, a saúde e a moral.

Na perspectiva de dar visibilidade e legitimidade ao projeto de

construção de uma identidade nacional criado pelos nacionalistas, há indícios

de uma preocupação com o regionalismo, que foi partilhado na organização

pedagógica da Escola Regional de Merity por Armanda e seus pares.

De acordo com o relato de Julia Lopes, em 1928, em visita realizada à

Escola Regional de Merity, a instituição através de seu método pedagógico,

seguindo a orientação moderna de ensino, implementava transformações na

vida social da localidade. “Pela sua orientação moderna, carinhosa, e profundamente patriótica essa escolinha de povoação pobre tem já conseguido uma verdadeira transformação nos hábitos e na higiene, não só das crianças que ela educa como, através das crianças, de seus pais e irmãos adultos” (Idem, p. 59).

Observamos ser, o modelo de escola regional concebido pela

educadora, vinculado as tarefas educacionais e sociais, como centro irradiador

propagado pelos defensores escolanovistas para a construção de uma

identidade nacional e um país civilizado e modelo, já que esta instituição tinha

como público alvo a maior parcela da sociedade brasileira, às camadas pobres.

Esse modelo de escola abraçado pelos escolanovistas, nos anos de

1920, aponta para a missão civilizatória da escola que já vinha sendo

construída no mundo ocidental. Uma escola que vinha se afirmando “como

espaço de excelência do trabalho educativo que teve sua consolidação por

volta do século XIX”, quando o Estado, em diversas sociedades, assumiu a

educação como tarefa fundamental para seu projeto político, assim como para

a criação de um sentimento de identidade nacional.(MAGALDI, 2007: 71-72)

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Em 1925, o médico Savino Gasparini, um dos agentes do movimento

higienista e sanitarista brasileiro e, membro destacado da ABE, após

mencionar sua impressão sobre a escola, conclamava outros educadores a

empreender projetos similares: “Possa a pálida idéia que procuramos dar da

sua organização despertar, em todos os recantos abandonados do nosso

maravilhoso país, escolas como esta”. (GASPARINI, 1968:90).

A literatura nos aponta que diferentes projetos intervencionistas no bojo

da sociedade foram concebidos e implementados no contexto das décadas de

1920 e 1930, com o objetivo de construir um país novo, “de um homem novo,

sendo preciso para isto, regenerar o brasileiro, tornando-o saudável,

disciplinado, produtivo e educado” (CAMARA, 2003:32). Como meio renovador

a “nova pedagogia”, se apresentava como “discurso competente”23 nos debates

entre os intelectuais da educação investidos na tarefa de construção de uma

identidade nacional, elevando o país a um patamar de civilização e

modernização, nos moldes dos países mais desenvolvidos da época.

Nesse período, década de 1920, a insatisfação com as iniciativas do

governo em relação à questão educacional, fez com que os educadores

assinalassem a importância política, social e cultural da instituição escolar.

Sendo a educação considerada o elemento-chave na construção de uma

sociedade moderna, era preciso expandir o acesso à educação escolar para

instruir as camadas populares, a fim de alcançar a civilização.

Para alguns dos membros da ABE, como o Dr. C. A. Barbosa de

Oliveira, a Escola Regional de Merity, por sua atuação no campo educacional

brasileiro, “fala aos poderes públicos com a incomparável autoridade de uma

excelente lição”. Num período em que, de acordo com o pensamento dos

educadores, a educação seria o caminho para eliminar diversos males que

assolavam a nação, principalmente o econômico, modelo de escolas como a

regional seria um dos meios viáveis para solucionar os problemas, por entre os

“brasis” afora. (OLIVEIRA, 1968:101). “No momento em que o mundo proclama métodos de organização de trabalho, como fator essencial da prosperidade econômica, na hora em que a educação moderna se institui dando a esse trabalho, desde os primeiros passos do aluno, uma

23 Termo utilizado por CHAUÍ, Marilena. O discurso competente. In: CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia. São Paulo: Moderna, 1981.

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diretriz segura para a “racionalização” unanimemente prescrita em todos os ramos da atividade humana, a Escola Regional, sobretudo em países como o nosso, de vasta extensão territorial e enorme diversidade de costumes – assume uma relevância difícil de exagerar” (Idem, ibidem).

A participação da diretora na ABE, assim como nas demais instituições

das quais participou e sua integração com a população da região de Merity

possibilitaram que uma das maiores campanhas da escola fosse realizada, a

da construção da “Nossa Casa”, isto é, a construção do prédio escolar.

Analisando as fontes documentais, principalmente os relatórios anuais e

os artigos de jornais da época, observamos a possibilidade da aproximação da

elite da região de Merity com a escola ter sido facilitada pela divulgação das

ações educativas e sociais pela imprensa escrita da Capital Federal, e

provavelmente, também, pela posição social e profissional da fundadora e

diretora da escola perante a elite intelectual da sociedade brasileira.

Provavelmente, o reconhecimento dessa elite local ao trabalho ali realizado fez

com que um laço de compromisso fosse estabelecido.

No relatório anual de 1924, há a menção da doação do terreno para a

construção do prédio escolar definitivo por dois moradores da região, o que nos

possibilita supor o grau de reconhecimento de alguns membros da elite local

pelos serviços prestados pela escola para o desenvolvimento social e cultural

da localidade. “O Dr. Bernardino Jorge, proprietário de terras em Merity, demonstrava o vivo interesse pelo estabelecimento, combinando com o seu sócio, o Sr. Manoel Gonçalves Vieira, também importante proprietário, doaram-nos um terreno de 40 metros por 50 (...). No melhor ponto da localidade” (Relatório Anual de 1924, p. 1).

Cabe ressaltar que o número de sócios colaboradores da região

aumentava a cada ano. O novo prédio escolar foi projetado pelo arquiteto Lúcio

Costa.24 Apesar de o projeto do prédio escolar ter sido realizado pelo ilustre

24 Lúcio Costa (1902-19998), filho de brasileiros em serviço no exterior. Seu pai era o almirante Joaquim Ribeiro da Costa. Estudou na Royal Grammar School de Newcastle (Reino Unido) e no Collége National, em Montreux (Suíça). Após retornar ao Brasil, em 1917, estudou pintura e arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes, diplomando-se em 1924. Em 1930 é nomeado diretor da Escola Nacional de Belas Artes, onde introduz mudanças no sistema de ensino. Figura-chave da arquitetura moderna no Brasil: mentor de uma reforma do ensino, articulador de um dos principais edifícios do movimento moderno, o Ministério da

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arquiteto, nenhum traço de uma arquitetura mais requintada foi esboçado.

Provavelmente, pela escola estar localizada numa região pobre, o projeto

atendeu às características regionais, sociais e econômicas, onde a

simplicidade deveria estar presente. Mesmo com toda simplicidade, a

arquitetura do prédio escolar sobressaía diante das moradias locais.

Devido às dificuldades financeiras, muitas foram as campanhas

destinadas à construção da nova sede escolar. No intuito de ajudar na

construção da “Nossa Casa”, as alunas do Colégio Jacobina25 criaram o jornal

“O Pinto”, cujo produto da venda foi todo destinado à obra da nova sede da

Escola Regional de Merity. O professor João Freire de Castro, do Instituto

Benjamim Constant, realizou um festival no cinema Merity. Outros

colaboradores como a Liga Brasileira Contra o Analfabetismo e a Escola

Paroquial de Merity fizeram doações em espécie.

Entre os colaboradores da escola muitos nunca foram a Merity conhecer

a obra para a qual contribuíam. Sendo assim, aliando a necessidade de

arrecadar mais verbas para a conclusão da obra da “Nossa Casa” e a

oportunidade de mostrar parte da vida escolar da Escola Regional de Merity,

alguns dos colaboradores que conheciam o projeto pessoalmente, entre eles o

Prof. Roquette Pinto, realizaram um festival no Teatro João Caetano, no Rio de

Janeiro. No festival, os próprios alunos da Regional foram os atores,

encenando “ao vivo” diversos aspectos do cotidiano escolar para aqueles

sócios e colaboradores.

Tal manifestação só foi possível devido ao círculo de relações criado

pela professora Armanda ao longo de sua vida pessoal e profissional. Sua

participação na publicação de artigos sobre a educação proporcionou uma

maior divulgação do trabalho realizado na Regional de Merity.

Sócia destacada da ABE na Seção de Cooperação da Família, a

professora Armanda através das conferências e artigos, divulgava o trabalho

realizado na escola e cooptava colaboradores para a tarefa educativa.

Educação e Saúde Pública, autor de textos clássicos da historiografia arquitetônica brasileira e das normas de preservação do patrimônio histórico nacional. Lucio Costa foi designado pelo ministro Gustavo Capanema para projetar o edifício-sede do Ministério da Educação e Saúde Pública, atual Palácio Gustavo de Capanema, no Rio de Janeiro. Informações disponíveis on line: www.casadeluciocosta.org. Acessado em 23/01/2008. 25 Colégio feminino de elite, o qual Armanda se formou como professora.

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Sobre a participação de Armanda na Seção de Cooperação da Família,

Magaldi (2007:78) destaca que ela direcionava suas mensagens de cunho

pedagógico de “maneira diversa, dirigindo-se a receptores distintos daqueles

que compunham o público alvo das ações da Escola Regional de Merity”. Na

ABE, Armanda levava informações sobre a educação das camadas populares

aos diletantes da educação possuidores de capital cultural, social e econômico

distinto de seu público alvo na região de Merity – alunos e a comunidade.

Os relatórios anuais da Escola Regional de Merity nos possibilitaram

visualizar o grau de comprometimento do grupo da ABE com o projeto

educacional de Armanda Álvaro Alberto, no que tange à participação destes na

construção e na consolidação do trabalho educativo e social por ela idealizado.

Alguns sócios da ABE e algumas integrantes que participavam da Seção de

Cooperação da Família, convencidos da importância da obra educacional da

professora Armanda, dispunham-se a colaborar com o trabalho educativo de

diferentes formas: uns na elaboração dos programas curriculares, outros como

sócios colaboradores e realizadores de campanhas em prol da instituição

escolar, e assim por diante. Entre eles, podemos citar Heitor Lyra, Belisário

Penna, Miss Myrth King, Laura Lacombe, Corina Barreiros, entre outros.

Tendo a ABE como forte aliada ao seu projeto educacional, a professora

Armanda organizava excursões para os alunos da Regional de Merity. Dentre

as diversas excursões,26 os alunos visitaram na “Semana de Educação” a

exposição de trabalhos escolares na sede da Associação Brasileira de

Educação. Na “Semana de Educação”, buscando sensibilizar a sociedade para

a importância da questão educacional na formação do cidadão brasileiro, os

educadores da ABE, entre eles, Armanda, promoviam exposições, palestras,

onde diariamente eram abordados diversos temas relacionados à questão

educacional. “Nessa programação, eram comemorados o dia do lar, do mestre,

da saúde, entre outros”. De certa maneira, as atividades projetavam abranger

de forma especial a instituição familiar. (Idem, p. 79).

26 Os relatórios anuais (1922-1964) nos indicam excursões realizadas ao Jardim Botânico, ao Teatro Municipal, a Biblioteca Municipal, ao Horto da Penha, ao aquário do Passeio Público, ao cinema do Instituto Nacional do Cinema Educativo – INCE, dentre muitos outros espaços educativos. Na região de Merity, orientadas para o ensino regional nas disciplinas de História, Geografia e Ciência da Natureza, as crianças visitaram os rios, as lavouras, as fábricas, etc.

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Ciente dos problemas específicos da comunidade, a diretora utilizou

como base fundamental de seu trabalho educativo o ensino dos trabalhos

manuais direcionados à realidade social, cultural, econômica da região. Um dos

objetivos da diretora era que os alunos aprendessem uma atividade a partir das

aulas de trabalhos manuais. Partindo do pressuposto de que esta disciplina

além de auxiliar no sustento dos alunos e de suas famílias, através da venda

dos produtos confeccionados, pudesse evitar a evasão escolar. Além dos

alunos, a comunidade também poderia participar das aulas ou na produção de

produtos como “tapetes de aniagem tecidos a mão, objetos de bucha, contas,

etc”. Os objetos eram alocados em exposições, em seguida vendidos. A escola

retirava 20% sobre o lucro e o restante cabia ao produtor.(ÁLVARO ALBERTO,

1968:37).

Por intermédio da professora Armanda, a escola foi convidada, em 1924

e 1925, a expor os objetos produzidos nas aulas de trabalhos manuais na sede

da Associação Cristã Feminina. Logo depois, convidada pela Federação

Brasileira pelo Progresso Feminino, apresentou uma exposição de trabalhos

manuais no Lyceu de Artes e Ofícios. Entre os objetos expostos “o berço de

taboas de caixote, com seus acessórios, hygienico e barato, foi a peça mais

elogiada entre todas as modestíssimas coisas regionaes” (Relatório anual de

1931, p. 2). Essas iniciativas representaram um movimento a mais na

divulgação do trabalho realizado pelos alunos e moradores na escola.

1.3 ARMANDA E A IMPRENSA ESCRITA

Os artigos publicados sobre a escola, nas décadas de 1920 e 1930,

marco temporal da pesquisa em questão, nos permitiram dimensionar a

posição da Escola Regional de Merity no esforço de difusão das idéias

renovadoras. Sobre a importância da imprensa na História da Educação,

Catani nos diz que constitui, “(...) uma instância privilegiada para a apreensão dos modos de funcionamento do campo educacional enquanto fazem circular informações sobre o trabalho pedagógico e o aperfeiçoamento das práticas docentes, o ensino específico das disciplinas, a organização dos sistemas, as reivindicações da categoria do magistério e outros temas que emergem do espaço profissional.

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(...) conhecer as lutas por legitimidade, que se travam no campo educacional. É possível analisar a participação dos agentes produtores do periódico na organização do sistema de ensino e na elaboração dos discursos que visam a instaurar as práticas exemplares” (CATANI apud CARVALHO, ARAUJO & NETO, 2002:75).

Além disso, a imprensa se mostrava como um dos dispositivos

privilegiados para incutir valores e conceitos do grupo dirigente, pois era

portadora e produtora de representações. Pondo em prática a ação de informar

os fatos, opiniões e acontecimentos, a imprensa procurava inculcar uma certa

maneira de pensar e ver, isto é, uma mentalidade, no seu público leitor.

Le Goff aponta que dentre as “fontes privilegiadas da história das

mentalidades, a imprensa ocupa um lugar de destaque. Nela o pensamento

coletivo e as tendências de uma época mais claramente se manifestam e se

elaboram” (SCHAEFFER, apud BASTOS, 2002:152).

Direcionando um olhar ao papel da imprensa como um espaço mediador

entre o cultural e o ideológico, Maria Helena Câmara Bastos (2002:152) afirma

que “a imprensa cria um espaço público através do seu discurso – social e

simbólico – agindo como mediador cultural e ideológico privilegiado entre o

público e o privado ...”. Partindo dessa posição, percebemos que a imprensa foi

um dos lócus de importância para os agentes do movimento renovador da

educação brasileira que lançaram, através de artigos, seus discursos e

conhecimentos, no intuito de privilegiar e legitimar seu(s) ideário(s),

principalmente no que se refere à educação escolar. Considerados por alguns

membros da ABE como parceiros na divulgação das questões educacionais, a

professora Armanda e seus pares, através da imprensa, promoveram, de forma

significativa, seus ideais pedagógicos, utilizando a Escola Regional de Merity

como meio e modelo de educação destinada à população pobre das regiões

rurais.

Sendo a imprensa, segundo Wenceslau Gonçalves Neto, o espaço da

comunicação, “indicada também como um dos veículos educativos”, o jornal,

objeto de referência nesse tópico da pesquisa, é um dos elementos dessa

imprensa. Ao empregarmos o jornal como fonte de pesquisa, não devemos

esquecer que estamos “usando apenas uma parte das interpretações

produzidas, apesar de bastante significativa, em virtude da importância do

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jornal no século passado, principalmente na difusão de notícias, de valores e

emissão de opiniões” (GONÇALVES NETO, 2002:205).

Nas primeiras décadas do século XX, os artigos jornalísticos contribuíam

para formação da opinião pública, assim como permitiam a “crítica e a

participação política e, ainda, o acesso à diversidade de opiniões [eram]

colocados como elementos impulsionadores da civilidade” (Idem, p. 206).

Usando uma frase da obra clássica de Barbosa Lima Sobrinho, em 1923 (apud

Gonçalves Neto, 2002:206), “o jornal é civilizador”, podemos identificar o jornal

como um dos meios de divulgação e legitimação do ideário nacionalista da

época: a construção de uma nação moderna e civilizada.

O intuito da pesquisa em questão não é expor analiticamente todos os

artigos jornalísticos sobre o objeto em estudo, o que nos propomos é citar

apenas alguns como referência da importância da notícia escrita como

documento na construção de interpretações históricas sobre a educação

brasileira, tendo como foco a Escola Regional de Merity e os agentes que nela

e dela participaram.

Ao analisamos alguns artigos publicados nos jornais da época sobre a

Escola Regional de Merity, observamos que seu conteúdo trazia um discurso

de cunho inovador no que tange às atividades ali realizadas. Considerada por

alguns, como modelo “pioneiro de escola rural brasileira”, direcionava suas

ações ao meio que estava inserida, atendendo, de alguma forma, as demandas

e necessidades locais com a distribuição de merenda escolar, vestuário,

calçados, atendimento médico as crianças pobres.27

Em 1932, o presidente da Associação Brasileira de Educação, Flavio

Lyra da Silva, em um de seus artigos publicados nos jornais da Capital Federal,

indicou o projeto educacional da Escola Regional de Merity como modelo de

educação escolar direcionada ao meio rural brasileiro, além de esboçar

comentários sobre a prática do ensino agrícola. No entanto, também expressou

críticas contundentes em relação ao descaso dos poderes públicos quanto à

educação escolar da população rural.

27 Entre os artigos localizados no álbum de recortes organizado pela professora Armanda, tomamos como referência o texto: “Escola Regional de Merity – Fundação Dona Álvaro Alberto”. Jornal O Globo, de 25/06/1928, s/p. Fonte: Arquivo Público do PROEDES-UFRJ.

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“Quanto mais assistimos ao entrechoque da ambição desvairada e do idealismo desorientado em que se debate ao momento angustioso que se passa, o organismo depauperado da nacionalidade, mais se nos affirma a convicção de que somente a diffusão da educação popular, poderá ir debeliando lenta, mas seguramente, os males actuaes, cuja cansa principal reside na ignorância completa das grandes massas da população e na mentalidade artificial das elites dirigentes, filha de uma instrucção alheia ás realidades do ambiente. (...) É de esperar, que a propaganda cada vez mais intensa pelo verdadeiro typo de escola popular venha a chamar a attenção dos governos de todos os Estados e que é a semelhança do E.do Rio, iniciem elles imediatamente providencias para a instalação de Escolas orientadas pelo modelo da de Merity que esse jornal, com visão segura do problema, está tornando conhecida em todo território fluminense”.28

A participação da imprensa se dava, tanto pela publicação de artigos

específicos ao campo educacional, quanto pelo apoio às campanhas e

festividades de cunho educativo e social promovidas pela escola.29 Como

exemplo, podermos citar a divulgação dos festivais realizados nos teatros da

Capital Federal, os artigos a respeito da iniciativa educativa em prol da

população rural, os concursos realizados, entre muitas outras informações que

poderiam despertar o interesse daqueles que se preocupavam com a educação

nacional.

A educadora Armanda, através de entrevistas concedidas à imprensa

escrita, divulgava suas reflexões sobre a questão educacional. Dentre os

diversos temas, discursava sobre as questões das condições de trabalho,

materiais e econômicas, das professoras primárias no Brasil. Em artigo

intitulado “Às professora primárias do Brasil”, Armanda expôs sua posição

política e ideologia sobre a questão do pleito reivindicatório de melhorias no

trabalho das mulheres engajadas no magistério do ensino público primário.

Invocava as educadoras a atentarem para sua posição na sociedade, como

formadoras dos futuros cidadãos brasileiros:

28 Flavio Lyra da Silva. A escola Regional de Merity e o ensino agrícola. Artigo publicado no Jornal “O Estado”, em 01/05/1932. 29 Vários foram os artigos publicados em jornais sobre as Escola Regional de Merity, entre podemos citar: “Exposição de trabalhos da escola Regional de Merity” – O Jornal, 22/12/1925; “A Escola Regional de Merity e as conferências populares do Dr. Belisário Penna”, O Jornal, 30/08/1925; “Concursos de Janelas Floridas em Merity Realizados pela Escola Regional”, O Estado, 31/1/1932; “Uma interessante tentativa pedagógica”, Diário de Notícias, 1932; “O Guarani amanhã no Teatro Municipal”, Jornal do Brasil, 22/11/1935; “Escola regional de Merity: um aspecto feminista de sua acção social”, Correio da Manhã, 22/6/1930; entre outros.

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“Constituis o órgão de ação direta da sociedade na formação da mentalidade popular. Nenhuma outra classe compartilha essa nobilíssima função. A capacidade de inúmeros homens e mulheres que amanhã labutarão nos campos e nas fábricas em muito dependerá de vosso grau de desenvolvimento cultural e social” (Jornal do Brasil, 4/7/1935, s/p.).

Essa convocação, provavelmente, seria uma forma de denunciar o poder

público à sociedade brasileira pelo descaso e precariedade das condições de

trabalho no magistério público da época.

Dentro de uma concepção moderna de educação, Armanda defendia o

ensino da educação sexual nas escolas primárias a partir dos chamados

“Estudos da Natureza, [onde], guiados pela professora, os pequeninos

habituam-se a observar os phenomenos da reprodução vegetal e animal ao

lado dos outros phenomenos estudados, com a maior simplicidade,

concedendo-lhes igual importância”. Para ela, cabia ao educador consciente de

sua responsabilidade interpretar as “manifestações de fundo sexual, ao par das

que se originam em situações sociais”. Todavia, para isso, seria necessário

conhecer os estudos da psicologia infantil, no sentido de acompanhar a

evolução bio-psicológica da criança. Além disso, seria imprescindível a

cooperação da família nas atividades aplicadas. Tomamos como exemplo, no

sentido da prática das idéias da professora Armanda, o programa de ensino

Estudos da Natureza da Regional de Merity, onde a “educação sexual era

iniciada no estudo das plantas e animais (que se cultivam e criam), continuada

na fisiologia humana (terceiro grau)”.30 De acordo com a professora, caberia

aos pais introduzirem os conhecimentos da educação sexual no seio familiar.

No entanto, a escola, “no Círculo de Mães [procurava] prepará-las para o

exercício dessa função” (ÁLVARO ALBERTO,1968: 39).

Armanda, na Associação Brasileira de Educação, na Secção de

Cooperação da Família, produziu alguns textos que foram apresentados em

palestras promovidas pela entidade (MIGNOT, 2002: 204-223). Alguns textos

produzidos, por Armanda, para os Inquéritos de Leituras Infantis, promovidos

30 Informação e citação aspada retirada do artigo: “Poderá a cultura sexual ser dispensada pelos pedagogos?”- Boletim da Educação Sexual, novembro de 1934.

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em 1926 e 1930 pela ABE, como os para a III Conferência Nacional de

Educação, foram publicados em alguns jornais da Capital Federal. 31

Percebemos que, através da imprensa, a educadora e seus pares

promoviam práticas que legitimavam e privilegiavam conhecimentos por eles

selecionados,32 no intuito de produzir e inculcar saberes que homogeneizavam

e modelavam seu público-leitor. Naquele período, alguns dos intelectuais

envolvidos na questão da educação popular, divulgavam suas iniciativas e

práticas educacionais utilizando como um dos meios de comunicação a

imprensa escrita. Não devemos nos furtar de mencionar que os textos

produzidos eram frutos da concepção política, social, cultural e econômica de

uma determinada elite letrada, professores, médicos, jornalistas, advogados,

políticos, engenheiros, etc.

Expondo à sociedade o ensino regional, através de artigos em jornais da

Capital Federal, a Sociedade dos Amigos de Alberto Torres, organizou um

“curso de Ensino Regional” com o objetivo de apresentar a “realidade

brasileira” tendo “especialmente por fim o combate à indigência, em nosso

“habitat” rural mediante o regime agro-pecuário, adequado a cada região”.33

Tomou como modelo a pedagogia da Escola Regional de Merity, tendo como

palestrantes das conferências a professora Armanda Álvaro Alberto e o

professor Edgar Süssekind de Mendonça, o professor Raul de Paula, o Dr.

Arthur Lopes e o Dr. Savino Gasparine, entre outros.

A divulgação do curso na imprensa, possivelmente, projetou a um

número maior de educadores maior informação sobre o ensino regional, além

de promover, com maior intensidade, o modelo pedagógico de educação

regional da Escola Regional de Merity.

Tomando em consideração que, em uma sociedade pouco letrada como

a brasileira, os artigos de jornais, a “notícia escrita assinada e respaldada” por

31 Como exemplo podemos citar, respectivamente: “Uma palestra da Sra. Armanda Álvaro Alberto sobre literatura infantil” Jornal do Commércio, 06/04/1934; “A Iniciativa Particular na Organização das Escolas primárias e Profissionais – Meios de Provocar e Intensificar essa Iniciativa”– Jornal do Commércio, 20/11/1929. 32 Nesse ponto nos referimos à introdução dos pressupostos teórico-metodológicos do movimento escolanovista brasileiro, que de certa forma, investiram na expansão da educação popular, além da educação rural. 33 Informação e citação aspada retirada do artigo: “Ensino Regional: 10 curso do Instituto Alberto Torres de altos estudos nacionaes em organização, pela Sociedade do Amigos de Alberto Torres, visando o ensino da realidade brasileira” – Jornal do Comercio, 3/3/1933.

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alguma personalidade “portadora de um título acadêmico ou de

reconhecimento social”, como os professores, advogados, médicos, políticos

de expressão, entre outros, tornaram-se um “veículo de divulgação rápida de

notícias, idéias, de programas, etc.” (GONÇALVES NETO, 2002: 206).

1.4 CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO DE ARMANDA ÁLVARO ALBERTO

Percebemos a concepção de educação de Armanda integrada aos

pressupostos pedagógicos do educador suíço Pestalozzi (1746-1827) e da

educadora italiana Maria Montessori (1870-1952). As fontes documentais nos

apontam que Pestalozzi e Montessori foram os aportes teóricos mais utilizados

por Armanda na proposta da Escola Regional de Merity. Ambos valorizavam o

ser infantil respeitando suas características e individualidades. Sendo assim, a

criança dentro da concepção de educação de Armanda, era elemento

essencial.

Armanda Álvaro Alberto procurava perceber a criança em seu

desenvolvimento natural, com potencialidades a serem desenvolvidas,

fundamentadas na liberdade de pensamento e expressão, valorizando a

expansão da individualidade, descartando, assim, o caráter coercitivo

empregado na pedagogia tradicional utilizada nas escolas primárias da época.

Assim como aqueles educadores, Armanda teve como seu público alvo

as crianças pobres, dedicando-se à educação popular. Em seus princípios

pedagógicos percebia o papel parental como elemento fundamental no

desenvolvimento da criança, isto é, a interação entre o aluno e a família.

Considerando a concepção de educação de Maria Montessori, educar,

do ponto de vista da criança, significa “assegurar-lhe a passagem do estágio

imaturo para o adulto”, pois “a criança é um corpo que cresce e uma alma que

se desenvolve”.34 Vemos aqui dois aspectos, o fisiológico e o psíquico, que no

processo de desenvolvimento do ser humano têm sua origem na própria vida.

34 Trecho aspados retirados de: PINTO, Manuel da Costa [colaboradores Alessandra Arce et al.]. Maria Montessori: o indivíduo em liberdade. Coleção Memória da pedagogia. Revista Viver – mente&cérebro.Rio de Janeiro: Ediouro; São Paulo: Segmento-Dueto, n. 3, 2005, p. 24.

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Tendo como suporte esse princípio, seu método educativo baseava-se no

respeito à natureza da criança e no estímulo à liberdade.

Tendo como paradigma os pressupostos educacionais de Montessori,

Armanda, nas atividades pedagógicas da Regional de Merity, estimulava o

conhecimento, a colaboração, o respeito, a liberdade e o trabalho em grupo.

Com relação ao trabalho em grupo, em todas as atividades era permitido aos

alunos: “(...) manifestarem as simpatias pessoais, liberdade de movimento e de iniciativa, solidariedade com os interesses da sua comunidade escolar – ali tudo é de todos e cada um tem sua parte de responsabilidade na conservação do material e outros serviços...”(ÀLVARO ALBERTO, 1968: 54)

No conjunto das atividades pedagógicas e sociais, os relatórios anuais

da escola nos fornecem uma gama de informações a respeito da participação

dos familiares nos trabalhos escolares. Por esse motivo, acreditamos na

possibilidade de que, naquele momento da prática educacional, Armanda,

seguindo seus pressupostos teóricos, não concebia a educação de seus alunos

sem considerar a família integrada à escola. Nesse sentido, seria de proveito

que os laços entre uma e outra fossem estreitados através das diversas

atividades escolares e extra-escolares realizadas, o que possivelmente

agregaria maior qualidade na formação dos alunos.

A atuação da professora Armanda, assim como de seus pares,

continuou “fazendo viver a escola” até 1963. Nesse período, impossibilitada de

continuar desenvolvendo o projeto ficou acordado doar a escola ao Governo

Fluminense, mas não obteve resposta. Diante da negativa, em 1964, a escola

foi transferida ao Instituto Central do Povo, instituição que visava à educação

popular, e que aceitou manter a escola em todas as suas características. No

entanto, a doação seria realizada mediante algumas condições:

a) A Escola Regional de Merity continuaria mantendo os seus cursos atuais e

receberia a denominação “Escola Doutor Álvaro Alberto”; b) Seria mantido o ensino dos trabalhos manuais femininos e masculinos, bem

como a oficina para estes últimos com a sua atual denominação “Oficina Heitor Lyra”;

c) Seria mantida a “Biblioteca Euclydes da Cunha”, com esta denominação, e com a dupla função de servir à Escola e ao público em geral;

d) O Instituto daria oportunamente sede ao museu escolar, franqueando-o, então, à visitação pública;

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e) A Escola continuaria promovendo anualmente o “Concurso de Janelas Floridas”, entre as famílias dos alunos e moradores locais;

f) O patrimônio da Escola, oficina, biblioteca e museu, seria conservado, não sendo permitida a sua transferência a outra entidade ou instituição;

g) Não seria adotado o regime de três turnos para o funcionamento do curso primário, mantendo-se o horário de quatro horas diárias no mínimo;

h) A doação seria intransferível, não podendo o Instituto ceder as instalações da Escola a outra instituição, pública ou particular, sejam quais fossem as suas finalidades.35

Dentre os muitos fatos relatados, fica clara a posição e preocupação

com o social que circundou todo o trabalho realizado na escola durante os seus

quarenta e três (43) anos de existência. Todo o trabalho realizado tinha como

fim a população da antiga Vila Merity, atual município de Duque de Caxias.

O ano letivo de 1964 foi encerrado em 20 de dezembro. Neste mesmo dia, foi

entregue a Escola ao Instituto Central do Povo. Por motivo de doença, a

professora Armanda não compareceu. O Instituto ofereceu-lhe a função de

Orientadora Educacional. Este cargo representou uma oportunidade de

participar do prosseguimento de sua obra educacional.

Em 5 de fevereiro de 1974, a educadora Armanda Álvaro Alberto faleceu

no Rio de Janeiro. Lembrada por seus alunos e consagrada por seus amigos,

não ficou esquecida na memória daqueles de quem fez parte da vida.

Paschoal Lemme deixou registrado na ata do Conselho Diretor da ABE,

instituição da qual Armanda participou e dedicou sua vida profissional, uma

homenagem especial à sócia fundadora e conselheira honorária. Esse

educador, que vivenciou junto à educadora os contrastes e conflitos da

educação brasileira, considerava Armanda uma das maiores “figuras da

pedagogia contemporânea e cognominada, sem exagero, a Montessori

brasileira” (MIGNOT, 2002: 328).

35 Ata da Assembléia Geral Extraordinária, realizada em 7-7-1964.

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CAPÍTULO 2 ROMPENDO BARREIRAS: UM PROJETO INOVADOR NO SERTÃO DA CAPITAL FEDERAL, A BAIXADA FLUMINENSE.

A pesquisa sobre o projeto educacional da Escola Regional de Merity

nos proporcionou observar, em sua organização, direcionamentos pedagógicos

e sociais adaptados ao meio em que estava inserida. Nesse sentido, a

literatura sobre a história da região, 36 a Baixada Fluminense, tendo como foco

a Vila Merity atual município de Duque de Caxias, nos proporcionou

compreender o programa de ensino ali organizado, assim como os objetivos

das atividades extra-escolares e sociais.

Nesse viés, para que possamos compreender melhor o movimento

realizado pela diretora da escola na execução dos trabalhos, iremos apresentar

uma breve explanação sobre a história da Baixada Fluminense a partir do

conceito de “sertão” e sua ocupação e vida social. A seguir, procuraremos

elucidar a relação da região de Merity com a Escola Regional de Merity. Esse

direcionamento nos permitiu visualizar o quanto o programa de ensino e social

da escola estavam conformados com o meio no qual estava inserida.

A Escola Regional de Merity ao longo dos anos de trabalhos realizados

foi se integrando ao meio, apresentando-se como instrumento no

36 FORTES (1933); FUCHS (1988); LUSTOSA (1958); TORRES (2004); BELOCH (1986); BRAS (2006); ENNE (2002); SOUZA (2002); MARQUES (2005), entre outros.

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desenvolvimento social, cultural, político e econômico para a região. Segundo

educador Heitor Lyra da Silva (1968), a professora Armanda Álvaro Alberto

tinha como intenção e meta realizar mais uma missão de educação, do que o

simples ato de ensinar a ler, escrever e contar.

Esse movimento de estudo sobre a trajetória histórica da região e da

escola nos possibilitou observar como algumas temáticas estavam

intrinsecamente ligadas ao processo educativo e social veiculado pela escola.

Temáticas como a evasão escolar, os dois projetos de cidade, as ações

assistenciais da escola, os trabalhadores de Merity, a formação profissional das

mulheres e o emprego de mão-de-obra infantil nas fábricas locais, que

integravam as preocupações do projeto educativo, eram questões nodais na

região.

2.1 BAIXADA FLUMINENSE: O “SERTÃO” DA CAPITAL FEDERAL.

Ao explicitar a história da Baixada Fluminense, consideramos legítimo

utilizar uma das categorias mais recorrentes no pensamento social brasileiro,

especialmente no conjunto de nossa historiografia, o “Sertão”. Esse termo está

presente desde o século XVI, nos relatos dos viajantes que desbravavam as

mais longínquas terras brasileiras, assim como nas primeiras elaborações

textuais sobre a história do Brasil, por exemplo, os relatos de Frei Vicente do

Salvador. Já nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras do século XX,

“sertão” constituiu-se em uma essencial categoria nas construções

historiográficas brasileiras.

De acordo com Cortesão (1958:28 apud AMADO, 1995), o conceito

“sertão” ou “certão”já vinha sendo utilizado pelos colonizadores portugueses

desde o século XIV, pois estes empregavam a palavra fazendo referência a

áreas situadas dentro de Portugal, porém distantes de Lisboa. A partir do

século XV, a palavra “sertão” passou a designar espaços vastos, interiores,

situados em regiões recém-conquistadas e desconhecidas. Continuou a ser

utilizada até o final do século XVIII, pela Coroa portuguesa e por seus

representantes – autoridades lusas -, nas colônias.

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Em documentos oficiais do século XVIII, no Brasil, há relatos da

utilização deste conceito. A palavra já se integrava de tal modo à língua usada

no Brasil, no início do século XIX, que se fazia comum nos relatos de viajantes

estrangeiros. Portanto, observamos que o conceito “sertão” designou quaisquer

espaços amplos, longínquos, desconhecidos, desabitados ou pouco habitados,

no Brasil, desde o período colonial. O conceito foi empregado pelos

portugueses, para nomear áreas distintas, por exemplo, o interior da capitania

de São Vicente, e a região de Iguaçu, atual município de Nova Iguaçu, no Rio

de Janeiro.

Segundo Rubia Nunes Pinto,37 no Brasil do século XX, a palavra

conservou seu significado, mas adquiriu outros: a intelectualidade brasileira

construiu uma representação dualística do Brasil – sertão, o campo, em

oposição ao litoral, a cidade -, particularmente no que condiz com sua

expressão geográfica. Um dos maiores representantes do pensamento a

respeito dos “sertões” brasileiros foi Euclides da Cunha.

Euclides da Cunha, 38 em sua obra de maior repercussão “Os Sertões”,

ao narrar a paisagem inóspita dos sertões, inaugura uma fase no pensamento

social brasileiro, quando aproxima sua vivência nos sertões à realidade

nacional, e aponta o total desconhecimento em que vivia a população do litoral

com relação ao interior do Brasil. A partir daí, a vida no sertão,39 assim como

dos “sertanejos”, tornou-se objeto que adquiriu relevância no debate sobre

nacionalismo e construção nacional.

Em sua obra “A Conquista do espaço: sertão e fronteira no pensamento

brasileiro”, Lúcia Lippi Oliveira (1998) nos apresenta a questão do sertão sob

três perspectivas: a primeira é expressa no romantismo, incorporada ao sentido

de “paraíso”, lugar perdido, o lugar perfeito e puro que deveria ser mantido e

contemplado. A segunda associa o sertão ao inferno: lugar distante, esquecido

37 NUNES PINTO, Rúbia Mar. Progredir ou desaparecer: destinos do sertão e educação de crianças sertanejas no pensamento de Anísio Teixeira. Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, s/d 38 Euclides Rodrigues da Cunha (1866-1909) foi escritor, sociólogo, repórter jornalístico, historiador e engenheiro brasileiro. Sua obra “Os Sertões: campanha de Canudos (1902) trata de uma sociedade completamente diferente da litorânea. De certa forma, revela um Brasil diferente da representação usual que se tinha na época. 39 Abandono, precariedade no contingente da saúde, moradia, educação, higiene, etc.

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pelo poder público, espaço da barbárie. Na terceira, o sertão foi concebido

como uma espécie de purgatório, sítio de reflexão, de melhoramento.

Dentre as três perspectivas apresentadas por Lúcia L. Oliveira, a que

mais se aproxima do enfoque que foi e é apresentado na história da Baixada

Fluminense, em meados do século XIX, é a visão do sertão como “purgatório”.

Isto é, uma região a ser descoberta, decifrada, principalmente, em sua

potencialidade cultural, social e econômica.

Apesar de ter sido área de passagem de mercadorias e pessoas,

intensificando-se a relação do “sertão” com o litoral, a Baixada Fluminense não

adquiriu a visibilidade e importância necessária por parte do poder central.

Embora, no século XIX tenha vivenciado um período de auge, profundas

transformações a levaram ao declínio.

De acordo com Nísia Trindade Lima (1999), há várias definições para o

conceito “sertão”. A idéia de distância em relação ao poder público e a projetos

modernizadores é a que melhor caracteriza este ambiente. Nesse sentido, a

dualidade entre litoral e sertão é referência na representação de intelectuais

que construíram representações sobre o Brasil. A autora nos informa que: “... sertão, nessa perspectiva, é concebido como um dos pólos do dualismo que contrapõe o atraso ao moderno, e é analisado com freqüência como o espaço dominado pela natureza e pela barbárie. No outro pólo, litoral não significa simplesmente a faixa de terra junto ao mar, mas principalmente o espaço da civilização” (LIMA, 1999:60).

Seguindo esta dualidade de pensamento, as expedições compostas por

intelectuais e cientistas ao interior dos sertões brasileiros tinham como objetivo

valorizar o sertão enquanto espaço de incorporação aos projetos

modernizadores, que conduziriam a um expressivo movimento de valorização

do interior do país. Ainda, de acordo com LIMA (1999:66), muitas dessas

viagens tiveram início no Império e estiveram associadas à construção de

ferrovias, expansão de linhas telegráficas, entre outras iniciativas.

Influenciados pelas denúncias reveladas em “Os Sertões”, que

identificavam o sertão como o lugar do esquecimento, do abandono pelos

poderes públicos e, ao mesmo tempo como “berço da nação onde se

desenvolveu a nossa verdadeira nacionalidade”,(TEMPERINI, 2003:11)

cientistas e intelectuais iniciaram um projeto de modernização e integração

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nacional, isto é, o grupo envolvido assumiu a missão de recuperar e integrar o

país e o homem do interior através de campanhas e ações de saneamento e

profilaxia nos “sertões” brasileiros.

A literatura40 nos aponta que, entre as décadas de 1910 e 1920, a obra

“Os Sertões” foi referência para uma geração de intelectuais e cientistas

envolvida nas campanhas de saneamento pelos sertões do Brasil. No âmbito

da representação geográfico-social, o país refletia dois contextos: o Brasil do

litoral e o Brasil dos sertões. Podemos caracterizar que a (re) descoberta dos sertões foi marcada

pela atuação de médicos e sanitaristas envolvidos numa ampla campanha de

saneamento nacional. Estes apregoavam que as endemias seriam um dos

principais problemas do país e um dos maiores obstáculos à civilização. Através do movimento sanitarista, o sertão se aproximou do centro

político do país, num momento em que as abordagens sobre a saúde pública e

as campanhas de saneamento, no Brasil, denunciavam que a população do

interior estava doente devido ao abandono do poder público em grande parte

do território nacional, (HOCHMAN, 1998:217-235) caracterizando um entrave

para o desenvolvimento da nação.

Apesar de as primeiras ações de saneamento do “sertão” da Baixada

Fluminense terem acontecido ainda em 1844, somente com o advento da

República, através das iniciativas do movimento sanitarista, a região da

Baixada Fluminense foi (re) descoberta pela sociedade brasileira. Várias

comissões e ações foram criadas ao longo das duas primeiras décadas do

século XX na região.

Foi nessa região do “sertão” da Capital Federal, necessitada de toda

assistência dos poderes públicos, numa vila denominada Vila Merity, na

segunda década do século XX, mais precisamente no ano de 1921, que a

jovem Armanda Álvaro Alberto escolheu esta localidade, tipicamente rural, para

tentar implementar seu projeto educacional, juntamente com seus principais

colaboradores, o Comandante Álvaro Alberto, seu irmão; Francisco Venancio

Filho, amigo dedicado; e Edgar Süssekind de Mendonça seu marido.

40 Podemos citar: LEVINE (1995), ABREU (1998), LIMA (1999), HOCHMAN (1998), além da coletânea de artigos publicada na revista História Ciências Saúde. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, vol. 5 (Suplemento), 1998.

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Apesar do crescimento que a região vinha galgando ao longo da história,

foi somente na década de 1930 que com mais vivacidade essas ações se

tornaram efetivas retirando a região da condição de “sertão” no sentido de lugar

esquecido e abandonado e, passa a tomar característica de cidade. O governo

Vargas iniciou algumas ações de resgate da vocação agrícola, como também

retomou o projeto de saneamento da região.

Este conjunto de ações tinha como intenção e projeto a construção de

um novo homem, o homem do campo. Segundo o discurso do governo federal,

“... os núcleos cumpririam o papel de valorização do homem do campo ao lhes fornecer educação e orientação técnica capazes de assegurar uma maior racionalidade e produtividade agrícola, e de manter um cinturão agrícola como modelo de desenvolvimento e de manutenção do abastecimento urbano” (ALVES, apud SANTOS, 2002:93).

A intenção do governo, com as ações implementadas para transformar o

“sertão” da Baixada Fluminense pareciam se concretizar. O sertão não mais

representaria o “inferno”, mas sim o “purgatório”. Um lugar em processo de

modernidade, onde as características inóspitas antes encontradas estariam em

direção a mudanças significativas. Nesse sentido, as ações políticas ajudariam

nesse processo, possibilitando amenizar a situação precária dos habitantes

dessas localidades, como também, contribuir na construção de uma nova

realidade de vida.

2.2 OCUPAÇÃO E VIDA SOCIAL EM MERITY

Na literatura pertinente, a conceituação da região da Baixada

Fluminense nos apresenta os diversos limites e diferentes interpretações que,

na verdade, foram sendo modificados de acordo com as próprias mudanças

espaciais que se sucederam, gerando diferentes traduções. De acordo com

Manoel Ricardo Simões (2007:20), não há um consenso geral do que seja a

Baixada Fluminense, pois as definições são múltiplas.

No entanto, a mais recorrente é a estabelecida pela antiga Secretaria de

Desenvolvimento da Baixada Fluminense (SEDEB), atual Secretaria de

Desenvolvimento da Baixada e Região Metropolitana (SEDEBREM), que

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considera a Baixada Fluminense o agrupamento de treze municípios: Nova

Iguaçu, Duque de Caxias, São João de Merity, Belford Roxo, Nilópolis,

Mesquita, Japeri, Queimados, Magé, Guapimirim, Itaguaí, Paracambi e

Seropédica.

Para uma melhor compreensão sobre a questão territorial, política e

administrativa fez-se necessário abordar a história da região desde o século

XVI. O território que hoje corresponde à Baixada Fluminense abrigava, a partir

do século XVI, a porção do Recôncavo da Guanabara, situada ao norte da Vila

de São Sebastião do Rio de Janeiro, conhecida como Iguaçu.

Originalmente, essas terras eram cobertas pela Mata Atlântica e por uma

vegetação de várzeas e manguezais. Seu relevo formado por planícies mais

amplas a leste vai ganhando altitude na medida em que acompanha o curso

dos rios em direção às suas nascentes a oeste e a noroeste. Inúmeras

elevações, morros e colinas pontilham seu território, tornando-se mais

compactos ao se aproximarem das encostas da serra do Mar (norte-noroeste)

e do maciço Medanha-Gericinó (sul). Sua complexa rede hidrográfica é

formada pelas bacias dos rios Merity, Sarapuí, e mais ao norte, pelo Estrela-

Inhomirim, nascendo nas altitudes que margeiam a região e correndo em baixa

declividade pela planície, o que dificulta seu escoamento, formando e

alimentando inúmeros brejos e pântanos (BRAZ, 2006:22).

Cabe mencionar que, no período de ocupação das terras que

compreendiam a região de Iguaçu, incluindo a Vila Merity, as condições

ambientais e o modelo implantado exigiam o uso permanente da mão-de-obra

do escravo africano para desobstruir os rios; construir canais, diques e pontes;

abrir estradas, assegurar a produção de tijolos e aguardente; o plantio da cana-

de-açúcar, o cultivo de alimentos para a subsistência das fazendas e para a

comercialização com o porto do Rio de Janeiro; nas construções das casas nos

engenhos, das capelas e das olarias; criar gado; transportar as mercadorias e

conduzir as embarcações.

A produção da região era escoada por pequenas embarcações nos

portos41 instalados nas proximidades dos engenhos. Ao chegar ao porto

principal da freguesia mais próxima, transportava-se a produção para as

41 A Freguesia de Iguaçu possuía 14 portos; a de Jacutinga, 9; a do Pilar, 9; a de Piedade de Iguaçu, 2; e a de Estrela, 2.

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embarcações maiores com destino ao Rio de Janeiro. Os principais portos

localizavam-se nas margens dos rios Iguaçu, Pilar, Merity, Estrela e Sarapuí.42

O primeiro foi o principal escoadouro colonial da Baixada Fluminense durante o

século XVI. Por ele, chegava-se às águas da Baía da Guanabara em direção

ao porto do Rio de Janeiro, para embarcar a produção agro-exportadora com

destino à Europa ou para a comercialização no mercado interno.

A história da Baixada Fluminense, tomando como referência a província

de Iguaçu, nos aponta que, do ponto de vista administrativo, tinha sua área

mapeada em circunscrições eclesiásticas conhecidas como freguesias.43 Entre

os séculos XVII e XVIII foram criadas na região seis freguesias,44 sendo que

quatro delas (Pilar, Merity, Jacutinga e a parte ocidental de Estrela) formavam o

território do atual município de Duque de Caxias. No século XIX, esse conjunto

de freguesias abrigaria duas grandes Vilas, a de Iguaçu e a de Estrela,45 Nesse

período, apesar de todo movimento rumo ao progresso econômico e social, a

região não recebeu, por parte dos poderes públicos, atenção às suas

necessidades e demandas.

Com o advento do regime republicano, em 1889, a região começou a ser

“estilhaçada”,46 as vilas se transformaram em municípios e as freguesias em

distritos. Em 1891, a Vila de Estrela perdeu sua autonomia administrativa tendo 42 Principais portos localizados nas atuais fronteiras do município de Duque de Caxias: Porto Estrela (na divisa com Magé); Porto da Chacrinha (área próxima ao atual centro de Duque de Caxias, conhecida como povoamento de Trairaponga); Porto de Pau Ferro (margens da Baía da Guanabara); e Porto Pilar e Anhangá (nome do rio que cortava o litoral da fazenda Iguaçu, desaguava no Rio Iguaçu, defrontava-se com os Portos Retiro e Piaba). Ver PEIXOTO, Rui Afrânio. Imagens iguaçuanas. Nova Iguaçu: Edição do Autor, 1968. 43 Estas centralizavam as obrigações religiosas dos habitantes das áreas que as compreendiam, como batizados, nascimentos, casamentos, óbitos, testamentos e recebiam as visitas pastorais que conferiam a presteza dessas ações que deviam estar registradas em seus livros de assento. A sede de uma freguesia era a Igreja Matriz, a partir da qual podiam se relacionar outras chamadas filiais e, no entorno dessas, a vida social e os relacionamentos pessoais através das quermesses, cultos e da ação das irmandades religiosas que apoiavam a ação cotidiana das igrejas e das capelas. Essa divisão eclesiástica foi apropriada pelo Estado português ao longo do período colonial e pelo Império brasileiro no século XIX servindo à administração civil até o advento da República. (BRAS, 2005:23) 44 Nossa Senhora do Pilar (1637), Santo Antônio de Jacutinga (1657), Nossa Senhora da Estrela dos Mares (1677), Nossa Senhora de Piedade de Iguaçu (1719), São João de Merity (1747) e Nossa Senhora de Conceição de Marapicu (1759). 45Município de Iguaçu, Decreto Imperial de 15 de janeiro de 1833; Município da Estrela instalado em 20 de julho de 1846 pela Lei Provincial n. 397. FONTE: ALMANAK de LAEMMERT – 1878. 46 Termo utilizado por Manoel Ricardo Simões para designar as novas formações territoriais ocorridas a partir do final do século XIX na região de Iguaçu. SIMÕES, Manoel Ricardo. A cidade estilhaçada: reestruturação econômica e emancipações municipais na Baixada Fluminense. Mesquita: ed. Entorno, 2007.

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seu território dividido entre Magé e Iguaçu que, por sua vez, passou a ser

composto pelos distritos de Santo Antônio de Jacutinga, Marapicu (atual

Queimados), Piedade de Iguaçu, Merity (parte da atual São João de Merity e

Caxias), Santana de Palmeiras (Tinguá) e Pilar, que abrigaria os atuais distritos

de Xerém e Imbariê, foram desanexadas da extinta Vila de Estrela.

Recuando um pouco na história, a literatura nos mostra que o

desenvolvimento da região teve início no final do século XIX, principalmente,

com o advento da construção da malha ferroviária que substituiria a navegação

fluvial.

O moderno modelo de transporte de carga e passageiros adotado pelo

Barão de Mauá incentivou o governo imperial à construção, em 1858, da

Estrada de Ferro D. Pedro II, que, partindo do Rio de Janeiro, atravessaria o

território iguassuano, da estação de Maxambomba até Queimados,

prolongando-se, no fim do mesmo ano, até Belém (atual Japeri) alcançando o

Vale do Paraíba em 1864.

Nesse período, Merity representava apenas um porto de escoamento de

poucos produtos (lenha e carvão). Uma região alagadiça, em situação de

verdadeira calamidade, onde as epidemias exterminavam a população através

do “cólera morbus”. O trabalho para assentamento dos trilhos em Merity iniciou-

se em 28 de fevereiro de 1884. Até que, dois anos depois, em 23 de abril de

1886, a ferrovia chega ao vale de Merity, e conseqüentemente, mesmo que de

forma lenta, a região começa a sofrer os efeitos da expansão urbana. “Sob a égide das Maria-fumaça, de silvo estridente e penacho de fumo negro, tudo se modificou. As hidrovias com seus barcos, portos e vilas, estavam com seus dias contados. Agora, a ferrovia, obedecendo à lógica do progresso, ditava novos traçados nos caminhos, fazendo surgir a volta de Merity, a região começa a sofrer os efeitos da expansão urbana da Cidade do Rio de Janeiro”.(TORRES, 2004:162)

Em Merity, as obras exigiram extensos aterros, dificultando a drenagem

de uma região pantanosa, onde florescia a tabua,47 fonte de renda de uma

população escassa que se restringia a usá-la na confecção de esteira e lenha

47 Planta que vive em águas paradas e rasas, pois radica-se no fundo lamacento por meio de um rizoma. As folhas servem para tecer esteiras e cestos, e podem dar celulose para papel.

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para fabrico de carvão, transportados para a Capital no novo meio de

transporte, o trem.

Com a inauguração da “The Rio de Janeiro Northern Railway”, a região

estaria, definitivamente, ligada ao antigo Distrito Federal, e uma reorganização

populacional, social e econômica se apresentava nas primeiras décadas do

século XX. Era a esperança do progresso circundando a região. Todavia, os

fatores que afastavam a região do progresso continuavam, como por exemplo:

a falta de saneamento, serviços médicos, energia elétrica, educação escolar

pública, etc.

Sem a pretensão de fazer um aprofundado estudo histórico sobre o

município de Duque de Caxias, – região escolhida pela professora Armanda

Álvaro Alberto para realizar seu projeto educacional, pois alguns autores já o

fizeram (Torres (2004), José Lustosa (1958), Lacerda (2003), entre outros),

percebemos ser necessário falarmos das emancipações municipais que

ocorreram na região de Iguaçu, principalmente ao longo do século XX. Cabe

lembrar que o municipalismo, uma das transformações políticos-territoriais

ocorridas no Brasil, e com certa freqüência em Iguaçu, teve sua origem desde

os primórdios da colonização, cujos poderes locais eram exercidos pelo

coronelismo, tendo as bases econômicas calcadas nas atividades agrárias.

Observando os processos de municipalização da província do Rio de

Janeiro, no período republicano, percebe-se que, em quatro anos, entre 1889 e

1893, foram criados 14 municípios.48 No entanto, de 1894 a 1935, a criação de

municípios sofreu uma inércia de 41 anos sem emancipações (NATAL E

BARBOZA, 2001:101).

Para compreendermos as transformações político-administravas

ocorridas na região da Baixada Fluminense, tendo como referência a região de

Iguaçu, consideramos relevantes, no transcorrer do texto, apresentarmos o

quadro das reformas administrativas que ocorreram nas primeiras décadas do

século XX.

48 De 1889 a 1893 foram criados os municípios de: Itaperuna; Barra do Piraí; rio das Flores; Itaocara; Trajano de Moraes; Duas Barras; Teresópolis; Sumidouro; São Sebastião do Alto; São Gonçalo; Mangaratiba; Cambuci; São Pedro da Aldeia; Bom Jardim.

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Na divisão administrativa de 1911, os povoados de Merity49 e Pilar foram

nomeados distritos de Nova Iguaçu. Em 1916, o município de Iguaçu se

encontraria dividido nos seguintes distritos: 1º distrito - Nova Iguaçu; 2º distrito

– Queimados; 3º distrito – Piedade de Iguaçu; 4º distrito – Merity; 5º distrito –

Palmeiras; 6º distrito – Pilar; 7º distrito São Matheus.50 Em 1921, o distrito de

São Matheus recebeu a denominação de Nilópolis.

Por volta da década de 1910, Merity, situada em terras baixas e

atormentadas pelas “febres”, sofria particularmente o peso da decadência

econômica que reduziria sua população, pelo flagelo das epidemias que

assolaram a região, reduzindo a população para menos de 800 habitantes. A

falta de água potável era um dos mais graves problemas da população.

No intuito de amenizar o sofrimento da população, mas, também

objetivando apoio político, em 1916, Nilo Peçanha, então presidente da

província do Rio de Janeiro, instalou a primeira bica d’água na região.51 No

entanto, a água não atendia a toda a população.

“... tinha hora certa para cair e em frente à bica se formava enorme fila com pessoas que se deslocavam de várias partes do distrito. Esta aglomeração devia-se a necessidade da água potável já que os poços e as fontes da região estavam contaminados” (MARQUES, 2005:48).

A historiografia regional assinala que a trajetória política de Nilo Peçanha

baseou-se no apoio das elites rurais fluminenses, em especial na Baixada

Fluminense, menos conservadoras que se beneficiaram dos projetos de

saneamento e de incentivo à produção agrícola.

Seguindo os fatos históricos, o desenvolvimento industrial da região teve

sua origem nas cerâmicas (séc. XIX). Com as profundas transformações na

forma urbana da cidade do Rio de Janeiro, no início do século XX, através da

reforma Passos, tanto as freguesias urbanas quanto as rurais assistiram a um

processo de urbanização acelerado. Devido às melhorias, os altos custos dos

terrenos impediam que as indústrias se estabelecessem nas freguesias

urbanas, obrigando-as a se instalarem em outras regiões.

49 Região que atualmente corresponde ao 10 Distrito de Duque de Caxias. 50 Legislação sobre os municípios, comarcas e districtos, de 8 de março de 1835 a 31 de dezembro de 1925. 51 A bica foi instalada na praça do Pacificador, onde, até o final da década de 1990, existia um monumento alusivo ao fato.

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Durante esse período, algumas fábricas e oficinas se estabelecem na

região de Merity devido a alguns fatores: a proximidade geográfica com outras

regiões do Estado do Rio de Janeiro perante as demais cidades da Baixada; as

ações de saneamento; o transporte ferroviário e o baixo custo dos loteamentos.

A primeira grande indústria da região foi criada em 1917, em plena

Primeira Guerra Mundial, a F. Venâncio & Cia - Fábrica de Explosivos

Rupturita, de propriedade do Comandante Álvaro Alberto,52 que fabricava e

comercializava um tipo de explosivo desenvolvido pelo próprio comandante, a

rupturita. O explosivo era utilizado em pedreiras e era fabricado manualmente

por não mais que uma dúzia de operários. Abastecia um mercado formado

pelas pequenas pedreiras e pelas poucas minas de carvão, especialmente as

de São Gerônimo (RS). Apesar de não haver, praticamente mineração no país

nesse período, o empreendimento apresentava, segundo João Carlos Vitor

Garcia (2000), boas perspectivas de crescimento.

A região mostrava-se em vias de mudanças, a partir da década de 1920,

devido aos investimentos econômicos, sociais, políticos e de saneamento por

parte do governo federal.

2.3 INÍCIO DE UMA RELAÇÃO: A REGIÃO DE MERITY E A ESCOLA REGIONAL DE MERITY

Segundo o professor Guilherme Peres,53 a relação da professora

Armanda Álvaro Alberto com a região de Merity teve início no ano de 1920. A

convite de seu irmão, o Comandante Álvaro Alberto, veio à cidade para

conhecer a fábrica de explosivos “Rupturita”, que funcionava em uns barracões

a poucas quadras da estação ferroviária de Merity. “Naquela manhã do ano de 1920, uma locomotiva puxando alguns carros de passageiros envolvidos no vapor, parou na

52 Empresário, físico e químico, um dos fundadores da Academia Brasileira de Ciências. Em 1946, foi designado representante brasileiro na Comissão de Energia Atômica da Organização das Nações Unidas e criador do Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq. Ver: GARCIA, João Carlos Vitor. Álvaro Alberto: a ciência do Brasil. Rio de Janeiro: Contraponto: Petrobrás, 2000. 53 Ex-aluno da Regional de Merity, pesquisador e membro do Instituto de Pesquisas e Análises Históricas da Baixada Fluminense. Licenciado em Artes Gráficas pelo Departamento de Imprensa Nacional; Curso de História do Brasil pelo Departamento de Imprensa Nacional; Curso de Fotografia pela Fundação Calouste Gulbenkian.

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pequena estação de Merity, hoje Duque de Caxias. Dentre os poucos viajantes que desembarcaram estava uma jovem bem vestida, que olhava curiosa as casas aninhadas ao longo da via férrea... Ao chegar àquele lugarejo, ficou sensibilizada com a população marginalizada que revoava em torno do pequeno comércio ali estabelecido.” (PERES, s/d).

A partir dessa visita, a professora Armanda Álvaro Alberto, com o apoio

de um grupo de amigos decidiu fundar na região a Escola Proletária de Merity.

Há indícios de que, de início, o projeto era que a escola atendesse aos

proletários da fábrica de rupturita e seus filhos. Mas, devido a vários fatores, o

atendimento ficou direcionado aos filhos dos operários e às crianças da

localidade.

Nesse período, a pequena Vila Merity não passava de um pobre vilarejo

com poucas ruas que convergiam para sua estação ferroviária e que se

comunicava com seu arredor, além dos trilhos, por via fluvial54 e algumas

estradas. Sua população rarefeita subsistia com comércio de hortaliças,

banana, mandioca e laranja. Também produzia e comercializava a madeira, o

carvão, os tijolos e as telhas que eram extraídas das matas e produzidas nas

olarias da região.55 A pobreza da região, sua característica rural contribuíram

para a idealização de um projeto educacional voltado à camada proletária da

localidade.

Dentro desse quadro, em 13 de fevereiro de 1921, foi inaugurada a

Escola Proletária Merity.56 Juntamente com a Escola, considerada anexo

indispensável, inaugurava-se a Biblioteca Euclides da Cunha, e logo depois foi-

se organizando o Museu Regional, em parte, com as contribuições trazidas

pelos próprios alunos, com espécimes da natureza da região.

Desde a fundação, a diretora e fundadora da escola, professora

Armanda Álvaro Alberto, já explicitava a vontade de realizar, naquele espaço,

54 A região possuía, pelo menos, cinco pequenos portos: o de Estrela, na foz desse mesmo rio; o da Chacrinha na baía de Guanabara, próximo a foz do rio Merity e os da Pedra, do Pico e do Bento, no próprio curso desse rio. “Nasce uma cidade – entrevista com José Luís Machado” – Jornal Tópico – 25/08/1958. p. 03. 55 A produção de lenha, carvão, tijolos e telhas era bem significativa, pois “partiam diariamente dois trens especiais com lastros de lenha e carvão” e que “delas (as cerâmicas da região) saíram todos os tijolos com que foi construído o Cais do Porto do Rio de Janeiro”.Idem, de 25/08/1958 p. 08. 56 Primeiro nome da Escola.

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na Vila Merity, uma escola regional; ficando claro assim, que o nome Escola

Proletária de Merity seria provisório: “Tanto a nossa atitude ainda de quem não atingiu a sua meta – que o nome definitivo, Escola Álvaro Alberto, em homenagem à memória do Dr. Álvaro Alberto da Silva, seu Patrono, só lhe será conferido, quando a virmos mais próxima do tipo que idealizamos. Esforçamo-nos para que seja uma acabada escola regional; afeiçoada pelo seu próprio meio e que será capaz de reagir eficazmente sobre ele”(Relatório anual 1921:1).

O primeiro ano de trabalho da Escola, 1921, foi marcado por alguns

sucessos e muitas dificuldades. Dentre as dificuldades para efetivar o projeto, o

problema de saúde dos alunos e familiares era o mais preocupante. Um dos

grandes problemas da localidade eram as constantes epidemias de malária e

impaludismo. O problema das “febres” que assolavam a localidade de Merity

passou a ser um dos maiores desafios para a continuidade do trabalho

educativo.

A escola era uma instituição particular, laica e gratuita. Sendo uma

instituição gratuita, cabe ressaltar que, desde o início, a Escola recebeu

assistência financeira e material da Fábrica de Rupturita (explosivos) da família

Álvaro Alberto, e de um grupo de pessoas57 que através de donativos ajudaram

a concretizar o projeto educacional.

Uma das pretensas metas da direção da escola, ainda em 1921, era

fundar o curso noturno para os operários da fábrica de Rupturita. No entanto,

esta meta não pôde ser cumprida, pois na localidade ainda não havia sido

instalada a luz elétrica, além da dificuldade de encontrar professores

qualificados que tivessem disponibilidade para trabalhar num curso noturno. O

curso noturno não foi efetivado, mesmo com a chegada da luz elétrica em

1934.

Boa parte dos moradores da região era de migrantes que, atraídos pela

melhoria progressiva nas condições de saneamento, pelo “acesso rápido” ao

Distrito Federal oferecido pelos trilhos da Estrada de Ferro do Norte58 e pelos

loteamentos a baixo custo, ocupavam progressivamente a região. Em 1920, o

57 Os primeiros a integrar-se ao grupo foram: Comandante Álvaro Alberto da Silva, Edgard Süssekind de Mendonça, Francisco Venancio Filho, Heitor Lyra, Dr. Belisário Penna, Antonia Venancio, Corina Barreiros, Dr. Ernesto Otero, Prof. Roquette Pinto, entre outros. 58 E. F. do Norte até 1888; RJ. Northen Railway até 1890 e a partir daí, até 1975 Estrada Leopoldina Railway. Ver TORRES, 2004:162.

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recenseamento federal contabilizava 2.920 habitantes. A curva demográfica

decrescente das décadas anteriores foi revertida. A região começava a ter vida

social, econômica e política com mais intensidade.

Dentro do quadro social e cultural apresentado da região, a diretora se

surpreendeu com o número de mães que procuraram a escola para matricular

seus filhos. A expectativa inicial era de trabalhar em média com 30 alunos,

porém esta meta foi superada. “No primeiro dia em que a Escola funcionou, 37 era o número de alunos matriculados; um mês depois, a 18 de março, eram 40; a 16 de abril, eram 47; a 10 de maio, eram 50; a 17 de junho, eram já 57; e a 29 do mesmo mês, 60 crianças freqüentavam as aulas. A casa e as carteiras não comportavam tanta gente. [...] E não tínhamos casa, nem professoras, nem programa para aquêle bando de pequeninos” (Relatório anual 1921:4).

Com relação à instrução escolar da região, até os anos de 1920, a

educação era informal, realizada no seio da família, onde noções de

alfabetização eram dadas aos filhos, quando o capital social e cultural dos

familiares permitia. De acordo com reportagem do Jornal Tópico, havia uma

escola isolada, a de Dona Cordélia, que funcionava com subvenção pública e,

ficava situada próxima à Pedreira, no lado leste da estação, atual praça

Roberto Silveira.59

Com o título “Progresso do ensino em Merity”, o autor José Lustosa

(1958), menciona que, apesar da população reduzida, pobre, região insalubre,

precariedade de todas as formas, uma notável iniciativa particular das primeiras

letras, com métodos de ensino modernos foi criada, a Escola Regional de

Merity, a mais antiga instituição da cidade.

Um ex-morador da cidade, o Sr. Paulino Batista da Silva em entrevista

para o Jornal Tópico rememorando os idos anos de 1923, quando chegou à

cidade com sua esposa, relatou: “Tudo aqui era incipiente e a vida difícil para

todos. Era um dos poucos homens que sabia ler e escrever, por isso meus

serviços eram requeridos”.60

59 “Nasce uma cidade: Entrevista com José Luís Machado”. Jornal Tópico, 25 de agosto de 1958. p. 03. 60 “Paulino Silva – Empreendimento e vigor em prol de Caxias”. Jornal Tópico, 23 de agosto de 1958.

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Durante os primeiros anos da República, os investimentos no setor do

saneamento e na saúde feitos pelo governo federal na região, apesar de

amenizar a situação de calamidade que vivenciava a região, não foram

suficientes para solucionar os problemas, sobretudo as enchentes, e as febres

que assolavam a cidade permaneciam. Contudo, a cidade caminhava, mesmo

que muito lentamente, rumo ao desenvolvimento social, econômico, político e

cultural.

Apesar das inúmeras dificuldades que a região apresentava, ao final do

ano letivo, na Escola havia certeza de que o trabalho continuaria com o afinco

dos primeiros dias, pois, “nesta casa há liberdade e amor – condições que

tornam a vida feliz (...) o que faz realmente parte do nosso programa”.(Relatório

anual, 1921, p. 8).

Em 1922, pensando em manter a manutenção dos trabalhos e nas

condições sociais e econômicas da população, a Escola criou a Caixa Escolar

Dr. Álvaro Alberto cujo objeto principal estava voltado para efetuar provimentos

tanto para a escola quanto para os alunos. As contribuições realizadas para a

caixa escolar asseguravam o comparecimento dos alunos às aulas, pois

garantiam coisas básicas como o vestuário.

As questões regionais que estavam intrinsecamente ligadas ao

programa geral da escola foram vivenciadas pelos moradores da localidade.

Dentre os moradores da região, o Sr. Guilherme Fuchs, filho de um casal

alemão que veio para o Brasil fugindo da crise que a Alemanha atravessava, e

instalou-se na região em 1922, no bairro do Centenário, em Merity, nos revela

algumas dessas questões. Em sua obra autobiográfica61 relata as experiências

e estratégias de sobrevivência de uma família em uma região semi-rural em

transformação que sofria de inúmeros padecimentos. O bairro ficava

aproximadamente a 2 km da estação ferroviária, só alcançado por um caminho

“tortuoso e cheio de lama, buracos e valas”. As péssimas condições sanitárias

obrigavam a família e seus vizinhos a lançar mão dos recursos possíveis para

evitar as doenças que assolavam a região. “Um foco de mosquitos terrível que obrigava meus pais a utilizar verdadeiros estratagemas para evitar malária e outras febres. Chegava o velho em casa, a mãe já tinha preparado o jantar que

61 FUCHS. Guilherme. Depoimentos e Reflexões de um Teuto Brasileiro: Uma Crônica. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 1988.

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era consumido dentro de uma cama coberta por mosquiteiro”(FUCHS apud BRAS, 2006:54).

O fraco comércio local sofria com as precárias condições estruturais e

sanitárias da região. Para que pudessem obter os gêneros de primeira

necessidade e medicamentos, as famílias se deslocavam, de trem, para os

subúrbios do Rio de Janeiro, Penha ou Praça da Bandeira, pois em Merity o

comércio era quase inexistente. No entanto, com o aumento sensível da

população nas décadas seguintes, a atividade comercial tendeu a aumentar.

Nesse período a escola já estava integrada à vida local, as famílias

mantinham uma relação de interação com as atividades escolares. O espaço

escolar ampliava suas atividades além muro. “A Escola Proletária não é mais este recinto só: ella já penetrou por muitos lares a dentro, já attrahio até cá a alma de muita família. Casos interessantes vos contaria...Um recente bastará. O pae do pequeno Licinio, sem pedido nosso, espontaneamente, assumio o papel de director dos trabalhos de carpintaria dos meninos empenhados em concurso. Consta-me que deixou até de ir aos seus affazeres um dia ou dous. E eu nem sequer tinha o prazer de conhecer o Sr. Monteiro Serodia....”(Relatório anual, 1923:13).

A cidade caminhava em direção ao desenvolvimento, mudanças sociais,

culturais e econômicas começaram a ser percebidas. As indústrias começavam

mais fortemente a se instalar na região, atraindo uma gama de imigrantes,

muitos deles oriundos de diversas regiões da Europa62 e migrantes de diversas

regiões brasileiras. A Fábrica Venâncio & Cia continuava a ser mantenedora da

Escola.

Em 1924, a Caixa Escolar Dr Álvaro Alberto passa a ser designada

Fundação Dr. Álvaro Alberto, com três seções: Escola Regional de Merity,

Biblioteca Euclides da Cunha e Museu Regional de Merity.

A Escola Proletária de Merity passa a se chamar Escola Regional de

Merity. “... todos aqueles que acompanham a vida desta casa sabem que o nome que lhe demos ao surgir – Escola Proletária de Merity – era um nome provisório e que outro, grato ao nosso sentimento filial lhe era

62 Marlucia Santos Souza (2002:69), nos informa que nos documentos oficiais da região consta sobrenomes como, Cocozza, Rinaldi, Duccine, Di Gregório, Oliveira, Vaz Martins e Vaz Teixeira, o que indica a origem dos imigrantes que se estabeleceram na região durante a década de 1920.

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destinado bem a víssemos florescente, “afeiçoada pelo seu próprio meio” e “capaz de reagir eficazmente sobre ele” – em suma, com seus traços bem definidos, livre já das incertezas dos primeiros tempos (...)”(Relatório anual, 1924: 2).

A mudança de nome nos leva a refletir sobre o que seria “escola

regional” nos primórdios da década de 1920. Segundo a própria fundadora da

escola, a professora Armanda Álvaro Alberto, naquele período ainda não havia

nenhum modelo de escola regional. Neste sentido, a escola incorporou à sua

organização escolar uma concepção de escola regional que compreendesse as

características da região a qual escolhera, isto é, a região da Vila Merity.

Uma concepção de escola regional articulada e delineada a partir dos

debates entre os intelectuais nacionalistas, os quais idealizavam um projeto de

formação da identidade nacional, civilizador, que poderia ser estabelecido

através da educação e da saúde. Segundo a definição de Edgar Sussenkind de

Mendonça (Apud MIGNOT, 2002:40), a concepção de escola regional “traduzia

a compreensão de que não existiria nacionalidade sem as características de

cada região”. A idéia de regionalismo utilizado pela Escola Regional de Merity,

que tinha como eixo norteador o ensino primário, imprimia uma crítica aos

modelos uniformizadores vigentes da época.

O ensino regional, intimamente ligado ao conceito de regionalismo,

deveria criar um sistema próprio de ensino, com metodologia e práticas

específicas ao seu público. A Escola Regional de Merity, fiel ao seu

regionalismo, considerava as crianças pobres da região de Merity seu público

alvo. “... A regionalização do ensino, preceito de ordem metodológica e social, é para ambos, criança e povo, condição indispensável da própria compreensão, pois o povo e a criança, para abrangerem a realidade, precisam recebê-la através da região” (MENDONÇA, 1968:15).

Diante da intrínseca relação da escola com a localidade de Merity, nos

foi possível trabalhar algumas temáticas como elementos da constituição

histórica da cidade e da escola: evasão escolar, dois projetos de cidade, os

trabalhadores de Merity, formação profissional das mulheres, mão-de-obra

infantil e as ações assistenciais.

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2.3.1 A Evasão Escolar

Historicamente a evasão escolar está dentre os temas que fazem parte

dos debates e reflexões no âmbito da educação pública e particular brasileira

que infelizmente, ainda ocupa nos dias atuais, espaço de relevância no cenário

das políticas públicas e da educação, em particular. Notadamente, as

discussões acerca da evasão escolar, há algumas décadas, têm sido tema

central de debate, tanto na escola quanto na família em relação à vida escolar

da criança.

Vários estudos têm apontado aspectos sociais considerados como

determinantes da evasão escolar, dentre eles, o ingresso precoce no mundo do

trabalho, as políticas de governo, as condições sócio-econômicas, a

desnutrição, a escola e a própria criança, entre outros.

No que tange à pesquisa em estudo, considerando o momento histórico

em que estava inserida a Escola Regional de Merity, início do século XX, mais

precisamente as décadas de 1920 e 1930, observamos que a evasão escolar

não era um problema restrito apenas a algumas unidades escolares, era uma

questão nacional.

A historiografia da educação relata que, durante as décadas de 1920 e

1930, a escola ainda não tinha o reconhecimento da Igreja e nem da família

como espaço prioritário de socialização da infância.

A evasão escolar, historicamente falando, é um dos grandes problemas

a serem enfrentados pelas escolas públicas e particulares em âmbito nacional.

Partindo do marco temporal da pesquisa (1921-1937), observamos que o

atendimento escolar às zonas rurais do país, por parte dos poderes públicos,

era ineficiente ou nulo. Tal posição pode ser considerada para a região da Vila

Merity, onde a educação escolar era praticamente inexistente, pois em toda a

região só havia, até 1921, segundo dados documentais, uma escola isolada.

Dentro desse contexto, uma população desassistida não via a escola como um

dos elementos principais para sua sobrevivência. A escola, como instrumento

de apropriação de conhecimento e ascensão social nessa região,

provavelmente, começou a ser considerada pela população mais pobre a partir

da introdução do projeto educacional da Escola Regional de Merity, já que, até

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aquele momento, o acesso à escola pública ou particular para boa parte da

população não fazia parte de sua realidade.

No que tange à Vila Merity, nas primeiras décadas do século XX, a

literatura sobre a história da Baixada Fluminense nos relata o total abandono

dos poderes públicos com relação à região, o que acarretava graves problemas

sociais, econômicos e culturais para a população local. Implementar um projeto

educacional numa região alagadiça, onde a falta de saneamento e as febres

assolavam a população, significava travar um luta constante para que a

população reconhecesse e se reconhecesse com direitos sociais e culturais

diferentes dos vividos e experienciados até então.

O acervo documental da escola nos revela as dificuldades encontradas

pela direção para a continuidade do trabalho. Os relatórios anuais da Escola

Regional de Merity nos apontam os vários motivos que contribuíram para a

evasão: as doenças (impaludismo, doença de Chagas, tuberculose, etc);

necessidade de auxiliar nos serviços domésticos; o ingresso precoce no mundo

do trabalho para auxiliar no sustento familiar; a não aceitação das famílias ao

programa de ensino aplicado, etc.

Como ponto de partida para a colocação da evasão escolar na presente

pesquisa, iremos nos deter na questão da saúde pública local como um dos

elementos que contribuiu para tal situação. Diante da figura da evasão, a

escola teve a necessidade de criar mecanismos que atuassem em prol da

saúde dos alunos e seus familiares. Para tal enfrentamento, foram realizadas

medidas como a assistência médica e odontológica como um dos instrumentos

para manter os alunos na escola, já que a questão da saúde era um dos

fatores para a retirada dos alunos da escola.

Dentre os muitos mecanismos e ações para conter a evasão, a escola

mantinha, mesmo em período de férias, algumas de suas atividades. Eram

ministradas as aulas de trabalhos manuais femininos, de Linguagem e as

excursões ao Rio de Janeiro e vários locais da região. “A idéia era não perder

de vistas nossos educandos, ainda que em férias”.(Relatório anual de 1923,

p.1).

Numa luta constante contra a evasão escolar, a diretora implementou

algumas ações ligadas à preparação dos alunos para o mundo do trabalho

como estratégia para reter o alunado por um período mais prolongado na

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escola. As precariedades do meio e a necessidade de ingresso precoce ao

trabalho arrastavam os alunos para fora da escola. Adequando-se à realidade

social e econômica, e conhecendo as necessidades das famílias às quais

assistia, a diretora, juntamente com o grupo de sócios colaboradores,

investiram nas aulas de trabalhos manuais. O trabalho, apesar de parecer

pequeno diante do problema das crianças, começou a apresentar resultados

que se refletiram na vida dos alunos e de seus familiares. A diretora e os

colaboradores da escola organizaram exposições para a venda dos produtos

produzidos por alunos e moradores nas aulas de trabalhos manuais femininos

e masculinos.

A primeira exposição pública de trabalhos manuais foi realizada em

1924, na cidade do Rio de Janeiro, na Associação Cristã Feminina,63 entre os

dias 14 e 21 de outubro. A estratégia de venda dos produtos, em parte,

colaborava no sustento familiar dos alunos. Cabe mencionar que a escola

retirava 20% sobre o lucro das vendas na Exposição, ficando os 80% restantes

para os alunos, familiares e moradores que dela participaram. Iniciativa que

teve um significado especial no contexto escolar e social dos alunos e

familiares. Essa realização significa duas coisas: sensível progresso na educação manual de nossas alunas (digo alunas porque os trabalhos manuais masculinos estão muito atrasados) e probabilidade de não perdermos mais nossos discípulos, mal cheguem à adolescência, como tem acontecido até aqui, chamados são pela luta da vida para as fábricas, os ateliers e os serviços domésticos... Vendidos, então, os trabalhos na Exposição, que pretendemos efetuar duas vezes por ano e atendidas as encomendas que nos chegam, o laço econômico, sem dúvida poderoso, reterá até a conclusão do curso, o aluno necessitado. E não só as crianças as únicas beneficiadas com essa iniciativa, as suas famílias e quaisquer outros moradores de Merity – como desta vez se verificou – podem tirar seu quinhão de lucro, ajudando ao mesmo tempo a Escola e seus filhos... (Relatório anual,1924:4).

A divulgação do trabalho proporcionou exposição e venda dos produtos

fabricados pelos alunos no ano seguinte. Em 1925, a escola foi convidada pela

63A Associação Cristã Feminina (YWCA- World Young Women’s Christian Association), uma instituição inglesa fundada em 1855 pelas Sras. Emma Roberts e Lady Kinnard, o maior movimento feminino mundial existente na atualidade. No Brasil, a Associação Cristã Feminina iniciou suas atividades no Rio de Janeiro em 1920, no Largo da Carioca, 11, 20 andar. Dados obtidos no site: www.acfdobrasil.org.br. Acessado em 28/01/2008.

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Federação Brasileira pelo Progresso Feminino a realizar uma exposição de

trabalhos manuais no Lyceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. Entre os

objetos expostos “o berço de taboas de caixote, com seus acessórios,

hygienico e barato, foi a peça mais elogiada entre todas as modestíssimas

coisas regionaes”.(Relatório anual de 1931, p. 2).

Visualizando a situação econômica de seu alunado e utilizando algumas

estratégias para que as meninas não deixassem a escola por ter de contribuir

com os serviços domésticos, a diretora permitiu que “as meninas tragam

consigo o irmãozinho de que cuidam, ou porque não tenham mãe, ou porque

esta trabalhe fora ...”.( ÁLVARO ALBERTO, 1968: 48)

2.3.2 Os dois projetos de cidade

A investigação sobre o papel exercido pela Escola Regional de Merity na

região em que se localizava nos possibilitou perceber que sua ação educativa e

social não irradiou influências apenas sobre seus alunos, e conseqüentemente,

sobre os pais e as famílias da localidade, mas, sobretudo, na elite dirigente

local com a qual a diretora, através de suas iniciativas estabelecia contatos

políticos, sociais e culturais.

A diretora da escola, sempre lembrada por sua personalidade

combativa, em prol da camada menos favorecida de Merity, por aqueles que

passaram pela instituição, provavelmente, foi um dos exemplos de luta para

muitos integrantes da elite local que tinham como projeto melhorar a região,

levar o progresso e o desenvolvimento, e, conseqüentemente, melhorar a vida

da população de Merity de então. A história local nos fornece fortes indícios de

que, durante as décadas de 1920 e 1930, havia dois projetos de cidade: o da

escola e da elite local.

Já possuindo uma projeção de destaque para o seu trabalho educativo

entre os intelectuais da educação, qual seria a intenção da diretora ao idealizar

um possível projeto de cidade? Talvez esta seja uma das lacunas que esta

pesquisa não consiga preencher, no entanto, fica uma abertura para os demais

pesquisadores que dela puderem se apropriar.

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Entrelaçado ao projeto educacional da escola havia um projeto social e

cultural voltado à cidade como um todo. Analisando as fontes documentais,64

podemos visualizar indícios de que a escola, através das ações da professora

Armanda e de sua rede de relações, construiu um projeto de cidade, isto é, um

projeto voltado para melhoria e progresso da cidade e de sua população.

Desde os primeiros anos de funcionamento da escola, a diretora

relatava, nos relatórios anuais enviados aos colaboradores da escola, entre

eles personalidades da sociedade brasileira e alguns políticos, as diversas

atividades educativas e sociais que envolviam toda a comunidade local.

Possivelmente, este ato fazia parte da estratégia de divulgação do trabalho ali

realizado. Pois era estabelecendo boas relações com a elite intelectual e

política da Capital Federal e local que a diretora ia afirmando e dando

visibilidade ao seu projeto educacional, e ao mesmo tempo, ia costurando seus

planos e projetos para a cidade.

Ao término de cada relatório anual, aqui visto mais como um ato político

do que educativo, a diretora delineava suas idéias e planos de melhorias que

iriam beneficiar não só a região, como toda a população local. Um dos

primeiros elementos que nos permitem considerar a projeção de projeto de

cidade inicia-se no ano de 1926, quando a diretora solicita à prefeitura de Nova

Iguaçu melhoramentos para o trajeto que conduzia até a escola: “(...) Melhorar

o caminho que a ellla conduz – e que desejamos venha a ser chamada de Rua

Santos Dumont”. (Relatório anual, 1926, p. 11) Cabe ressaltar que a região na

qual a escola estava estabelecida, a Vila Merity, possuía poucas ruas, o que

havia eram caminhos abertos pelos próprios moradores.

Ainda no relatório anual de 1926 é explicitada uma campanha para o

melhoramento da cidade, o que nos possibilita perceber idealizado um “projeto

de cidade” em vias de concretização, por parte da diretora. “Prosseguiremos na campanha, quase victoriosa, em que vimos tomando parte ao lado do Centro Beneficente de Merity, para o lançamento de uma ponte sobre o rio Merity, medida de que muito depende o progresso local”.

64 Documentos como: os relatórios, as cartas, os memorandos, os artigos de jornais, textos publicados em livros, etc.

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Tal beneficiamento, com a construção da ponte sobre o Rio Merity

contribuiria para o progresso da região, interligando-a diretamente ao Rio de

Janeiro.

Não separado das atividades educativas e pedagógicas, no corpo do

projeto de modernização e mudança visual da cidade, a Escola criou o

concurso “Janelas Floridas” onde os moradores participavam enfeitando suas

janelas com flores naturais, como, também manteriam seus quintais limpos

com construção de jardins e varandas enfeitadas com plantas de diversas

espécies. “Enfim, graças às mãos das creanças vêem-se hoje, aqui e acolá,

janellas cheias de flores em Merity”. (Relatório anual, 1923, p. 8)

Indicações de melhorias para a região que se refletiriam na comunidade,

também foram projetadas: “Por ora, nos contentamos em saber “que é preciso fazer”, ignorando o “como fazer”. Esses e outros velhos sonhos mais modestos, tal o da arborização das ruas mais povoadas, o do coreto para retretas domingueiras, etc. – nosso papel por enquanto é propagá-los, mostrando-lhes a beleza e utilidade, esperando realizá-los ou que outros o realizem, até quando não podemos prever” (Relatório anual de 1926, p.10).

As indicações e solicitações de melhorias para a cidade, esboçadas nos

provável projeto de cidade, naquele momento, começaram a serem atendidas.

A rua do logradouro escolar foi aberta e passou a se chamar Rua Santos

Dumont, pedido concedido pelo prefeito da Nova Iguaçu, o Coronel Telles

Bittencourt e sócio contribuinte da Fundação Dr. Álvaro Alberto, mantenedora

da escola.

No transcorrer da pesquisa, observamos que, alguns membros da nova

elite dirigente local uniram-se ao projeto educacional e social da escola,

tomando-o como modelo de luta política e desenvolvimento para a cidade. A

historiografia sobre a Baixada Fluminense nos aponta que os antigos

proprietários de terras foram sendo substituídos por comerciantes, agentes

imobiliários, advogados, médicos e outros profissionais liberais. Essa elite

constituiu-se de indivíduos que se estabeleceram em Merity nas primeiras

décadas do século XX, oriundos das antigas famílias proprietárias que se

capitalizaram loteando suas terras ou daqueles que se estabeleceram na

região nas décadas anteriores.

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A Escola Regional de Merity, envolvida com a vida social da região tinha

como colaboradores alguns membros da nova elite e do comércio local. Essa

nova elite, nesse momento, partilhando de ideais progressistas em prol da

cidade, começava a direcionar suas ações políticas e sociais visualizando

mudanças que pudessem possibilitar mais autonomia e desenvolvimento para

a região.

Em 1930, quando foi deflagrada a “Revolução”, sob liderança de Getúlio

Vargas, a escola sentiu o “abalo revolucionário” do novo regime. A instituição

escolar esteve fechada por ordem do governo, de 13 a 20 de outubro. A escola

sentiu, em suas atividades cotidianas, os reflexos das políticas aplicadas pelo

novo governo. O número de concorrentes nos concursos “Janelas Floridas” e

de Criação ficou bastante reduzido. Segundo o relatório, o ano de 1930 “foi um

dos mais perturbados por acontecimentos estranhos à vida do

estabelecimento”.

Mudanças também ocorreram no município de Nova Iguaçu. Alguns

membros da elite política, que faziam parte da rede de relações da professora

Armanda, foram destituídos dos cargos que ocupavam. A prefeitura de Nova

Iguaçu passou a ser governada por interventores. Por indicação de Manoel

Reis,65 o professor Sebastião de Arruda Negreiros ocupou o cargo de

Interventor Estadual no extenso Município de Iguaçu.66

A partir desse momento, pudemos observar a movimentação da nova

elite local na construção de seu projeto de cidade. Uma elite escolarizada que

65 Manoel Reis (1876-1935) nasceu em Nova Iguaçu. Era proprietário de terras e bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais. Foi Secretário do Ministro da Aviação (1910 a 1912) durante o governo de Hermes da Fonseca. Foi eleito deputado federal, ocupando uma cadeira na Câmara de 1912-1914. Foi deputado estadual e vereador da Câmara Municipal de Nova Iguaçu, que presidiu de 1916 até dezembro de 1923. Nas eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, foi eleito suplente e assumiu a cadeira em julho de 1934. Durante os primeiros cinco anos do Governo Vargas, Manoel Reis atuou articulando seus interesses regionais com os do getulismo. Sua residência era conhecida como o local em que o Presidente Getúlio Vargas descansava, e ele era visto como o homem do presidente na Baixada Fluminense. Dados disponíveis on line: www.ipahb.com.br. Acessado em 28/01;2008, e MARQUES, 2005:53. 66 Nasceu em 28 de março de 1884, na localidade de São Pedro, Município de Piracicaba, Estado de São Paulo. Cursou o Primário e Escola Normal (Magistério) em Piracicaba e o superior na Faculdade Nacional de Direito. Como professor, começou a lecionar com 20 anos no Município de Cachoeira Paulista, no Grupo Escolar, tendo sido Diretor daquele educandário. Transferiu-se para o Rio de Janeiro em 1912, fixando residência em São João de Merity. Foi eleito vereador da Câmara Municipal de Iguaçu, da qual foi Presidente em 1922. Dados disponíveis on line: www.ipahb.com.br/persona.php. Acessado em 28/01/2008.

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possuía um projeto de cidade que, possivelmente, se articulava ao projeto de

industrialização posto na região desde o início do século XX, e que pretendia

se afirmar no poder político local. Tal projeto, provavelmente, encontrou no

projeto da educadora Armanda uma ferramenta para a sua própria afirmação, a

questão social.

As mudanças ocorridas em Merity, no âmbito político e comercial,

tornaram possível que uma fração dessa elite, com apoio dos governos

interventores, se organizasse e pleiteasse a definitiva separação de Nova

Iguaçu. Isto é, a emancipação política e administrativa.

Como resultado deste novo quadro, sob ato do Interventor Plínio

Casado, em 4 de março de 1931,67 Merity tornou-se o 8° Distrito de Nova

Iguaçu e passou a denominar-se “Caxias”, em homenagem ao Marechal Duque

de Caxias. Daí em diante, tendo a nova elite de Merity como mobilizadora do

movimento emancipatório, as diferenças entre as duas localidades ampliaram-

se consideravelmente.

Obras de historiadores sobre a Baixada Fluminense como Marlúcia

Santos de Souza (2002) e Alexandre dos Santos Marques (2005), aludindo

sobre a trajetória histórico-política de Caxias, nos apontam que os líderes

representantes da elite local, a princípio, buscavam construir uma identificação

regional na intencionalidade de implantar o projeto de emancipação local do

Município de Nova Iguaçu.

A intenção de construir uma identidade regional nos remete à noção de

identidade presente no debate acadêmico. De acordo com Renato Ortiz (Apud

MARQUES, 2005:52), toda identidade caracteriza-se pelo estabelecimento de

uma igualdade entre os elementos de um grupo e do estabelecimento de

diferenças em relação a outros grupos.

Na busca por essa identidade regional, uma das primeiras iniciativas do

grupo foi trocar a placa da estação ferroviária que tinha o nome de “Merity” por

uma outra com o nome “Caxias”. Sobre a mudança do nome, apareceram

algumas interpretações, mas a que se consagrou foi de que a elite local

desejava que a velha Merity de áreas alagadiças e com endemias fosse

esquecida ficando, a partir da troca da placa, a configuração de uma cidade de 67 Decreto Estadual n0 2559

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progresso contínuo. Contudo, a troca de nome e de uma placa não apagou os

problemas que assolavam a localidade. Muitos eram os problemas que

continuavam a circundá-la: saneamento básico, saúde pública, educação

escolar, etc.

Nesse momento, há indícios de que os dois projetos de cidade, da elite e

da escola, foram articulando ações similares, porém com objetivos distintos.

Cada qual em seu espaço de luta articulavam-se politicamente em prol da

cidade.

Em parte, algumas das solicitações por parte da escola aos poderes

públicos foram atendidas, como, por exemplo, o abastecimento de água

potável. Em 1931, a água encanada chegou às instalações da escola e em

algumas residências mais próximas. Mas, para a maior parte da população, o

problema persistiu. O abastecimento de água e a ausência de uma rede de

captação de esgoto eram alguns dos graves problemas enfrentados pela

população caxiense.

A escola, com a divulgação e reconhecimento de seu trabalho educativo

e social, de certa forma, fortalecia o movimento social e político da nova elite

local perante a sociedade civil e política da Capital Federal construindo a

imagem de progresso social e cultural.

O desenvolvimento e progresso da região, o meio social e as famílias,

como já mencionado estavam nos planos da escola. As preocupações com a

cidade, por parte da diretora, não se limitavam ao contexto educacional e

interno da escola. Ao longo de sua experiência de vida e profissional na região,

observou que, no bojo das questões educacionais muitas outras se

apresentavam: “(...) a quem se occupa com a educação de seu povo uma porção de problemas novos pedem solução. (...) Merity está pedindo muito mais. Exemplos: um jardim de infância, uma creche, uma praça arborisada recreio aos domingos, derivativos aos botequins e mafuás que se enchem de crianças... E muitas outras coisas além de nosso alcance. Fiados, contudo, na própria história da escola é que ousamos acreditar realizáveis todos os projectos que acabamos de formular, sem perder, mesmo, o direito de pensar na realização dos outros” (Relatório Anual de 1931, p. 6 e 7).

No compasso do desenvolvimento da região, ansiosos por melhorias

concretas os moradores de Caxias, entre eles agentes da nova elite, frente ao

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crescimento populacional ocorrido no distrito e, conseqüentemente, em sua

arrecadação, reivindicavam maior atenção de Nova Iguaçu. Para isso,

organizaram-se não só para diferenciarem-se da sede do município, mas

também para terem espaços de sociabilidade e lazer (MARQUES, 2005:51).

Há indício,s na história da cidade, de que, essa elite tenha criado

espaços de sociabilidade como clubes, agremiações e associações para

promover a visibilidade de seus projetos, sendo o principal deles a separação

de Nova Iguaçu. Entre os espaços criados por eles encontramos a União

Popular Caxiense (UPC) e a Associação Comercial de Caxias. Nesses lugares,

explanavam suas idéias e projetos. Nesse contexto, delineia-se o possível

projeto de cidade por parte da elite intelectual local.

Politicamente, alguns membros da sociedade, objetivando uma

autonomia em relação a Nova Iguaçu, em setembro de 1933, fundaram a União

Popular Caxiense -UPC. Seu principal articulador foi Paulino Batista da Silva68,

que compôs a comissão que elaborou o estatuto, juntamente com Daniel Alves,

o tenente José Dias69 e Joaquim da Silva Cardoso, e tinha, como sócios,

importantes figuras da política e da economia caxiense, como Adriano

Salgueiro, Manoel Vieira e Mario Pina Cabral70 entre outros. A União Popular

Caxiense tinha entre seus membros fundadores um sócio colaborador da

escola Regional de Merity.71

Devido ao apoio dos governos interventores, a instituição encontrou

facilidades para manter suas ações e serviços. Envolvidos em iniciativas

sociais parecidas, a UPC e a Regional de Merity realizavam ações como o

atendimento médico e odontológico, educação escolar e distribuição de roupas

e remédios à população mais pobre. O que diferenciava uma ação da outra era

que a UPC tinha como instrumento de luta medidas assistencialistas, próprias

68 Paulino Batista da Silva. Chegou a Caxias em 1923. Gráfico, jornalista e manteve ligações com os Diários Associados. Foi proprietário dos jornais “A gazeta mercantil” e “A voz do povo de Caxias”, criados em 1924 e 1933, respectivamente. (MARQUES, 2005:54) 69 Tenente José Dias. Nasceu no Rio de Janeiro em 6 de janeiro de 1888 e chegou a Caxias em 1925. (Idem, ibidem) 70 Mário Pina Cabral. Nasceu em 8 de julho de 1914 na Guanabara. Chegou a Caxias no início dos anos 30, vindo de Portugal. Foi proprietário da Fábrica de Bebidas Progresso, que depois passou a chamar-se Centenário e Mafra. Foi presidente do Cartolinhas de Caxias e participou das direções do Clube Recreativo Caxiense, do Clube dos 500 e da Associação Comercial de Duque de Caxias. (Idem, ibidem) 71 O Sr. Manoel Vieira. Informação retirada do livro de contribuições da Fundação Dr. Álvaro Alberto, 1924.

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da época. Isto é, suas ações eram calcadas em políticas sociais de forma

populista que visavam o atendimento imediato das necessidades básicas da

camada menos favorecida da região, sem preparar-lhes para o enfrentamento

do mundo do trabalho. E a Escola Regional de Merity em suas atividades

sociais apropriava-se de medidas assistenciais que favorecessem a população,

mas dando-lhes condições de aprenderem um ofício por mais simples que

fosse, como garantia de sustento próprio e familiar.

Em memorando enviado à escola comunicando a doação de um

estoque de material escolar, deixado por uma tipografia que havia mudado da

cidade, a UPC expressou reconhecimento ao trabalho realizado pela

Regional72, tal ato nos permite visualizar o reconhecimento do trabalho ali

realizado pelos integrantes da instituição.

Pareciam imbuídos do pensamento de união e cooperativismo na

construção de uma nova identidade regional, tendo como paradigma o

movimento nacionalista de construção de uma identidade nacional, apesar de

estarem em períodos distintos Em seu Estatuto, a UPC afirmava que “união faz

a força; e para que tenhamos força, precisamos de união, posto que sem ela

não pode haver obra sólida, eficiente e salutar”.73 Nesse sentido, trabalhando

com ações semelhantes, no entanto com objetivos diferenciados, acreditavam

que a união de esforços das duas entidades poderia levar ao distrito algumas

transformações sociais.

No ano de 1934, as ações dessa nova elite com o devido apoio dos

governos interventores, permitiu que o fornecimento de energia elétrica mais

eficiente fosse estendido a um número maior de residências, chegando,

também, às dependências da escola, o que permitiu realizar um dos projetos

mais aguardados: as primeiras sessões de cinema, como também de rádio.

(DA SILVA, 2002:27)

O historiador Alexandre Santos Marques (2005:55) aponta que os

associados a UPC pertenciam a diversas categorias profissionais, o que para

alguns historiadores descaracterizaria o grupo como um grupo de elite:

72 Memorandum expedido à Escola Regional de Merity em 18 de novembro de 1934. 73 In: Estatutos da União Popular Caxiense. Duque de Caxias, 1935. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Fundo DESPS. Folhetos. Notação 324 (Apud SANTOS MARQUES, 2005:54).

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“No entanto, no “Livro de Propostas” numerado de 400 a 600, encontrado no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, todas as fichas estão preenchidas com nome, endereço, valor da contribuição e profissão. Nesse último campo, encontramos domésticas, choferes, pedreiros, advogados, comerciantes e médicos. Tal composição do quadro associado ou descaracteriza a UPC como um grupo de elite, como defendem alguns produtores da história local, ou aponta para uma aproximação dessa associação” com as camadas populares para angariar apoio político e fortalecê-los frente ao governo federal. (UPC. Livro de Propostas. n° 401 a 600, apud MARQES, 2005:55).

Porém, a literatura nos conduz a categorizá-los como integrantes da elite

intelectualizada local. No interior dessa elite havia uma fração mais provida de

capital cultural do que de capital econômico. Partindo desse viés, observamos

que esses tinham em comum um capital cultural acumulado74 durante a intensa

atividade profissional e na projeção de suas idéias políticas através dos

movimentos sociais locais.

Das estruturas da UPC e contando, entre seus fundadores com alguns

de seus membros, nasceu, em 1937, a Associação Comercial de Caxias, cuja

principal finalidade expressa era “amparar o comércio local que dia a dia mais

se desenvolvia”. (MORAES, apud MARQUES, 2005:56) A Associação passou

a representar mais um elemento de afirmação do projeto de cidade criado pela

elite local. Apesar da escassa documentação sobre a história da Baixada

Fluminense, especialmente sobre o município de Duque de Caxias, como

relata Alexandre Santos Marques (2005:55), algumas lacunas ficaram abertas

sobre ambas entidades. No entanto, sabemos que a Associação funcionou nas

dependências da UPC até o ano de 1943 e, somente nesse mesmo ano, ano

da emancipação de Caxias, adquiriu sede própria.

Pressupondo uma resposta à questão posta na abertura desse tema em

estudo, visualizamos que, no bojo das iniciativas para o melhoramento da

cidade, ficou implícita, nas ações da diretora, uma intenção de projeção política

no campo social através de sua atuação na escola e na cidade.

Além disso, observamos que, apesar de trabalharem com metas e

objetivos distintos, ambos projetos tinham em comum uma rede de relações

com personalidades da sociedade brasileira e local, de diversos campos 74 Conjunto das qualificações intelectuais produzidas pelo sistema escolar ou transmitida pela família. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 8a ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.

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profissionais (políticos, jornalistas, médicos, professores, entre outros), que

possivelmente facilitou a concretização de suas iniciativas em prol da cidade de

Merity.

2.3.3 Os Trabalhadores de Merity

Ao aludirmos à questão da formação dos trabalhadores da região da Vila

Merity, tendo a Escola Regional de Merity como lócus auxiliador na qualificação

profissional de seus alunos, cabe-nos ressaltar uma parte importante da

história da região que foi o marco para o povoamento da localidade no início do

século XX, a migração, assim como a introdução de profissionais de diversas

áreas para a localidade.

A Vila Merity, atual município de Duque de Caxias é uma cidade de

migrantes. De gerações de migrantes que foram se sobrepondo na medida em

que chegavam levas à região desde as primeiras décadas do século XX. Esses

homens e mulheres lutaram ao longo das décadas na construção de suas

vidas, de seus projetos, de suas aspirações, construindo não só a história de

suas vidas, mas também a história do próprio município.

Cabe lembrar que Merity, em 1910, oitavo distrito de Nova Iguaçu,

contava com uma população de pouco mais de 800 habitantes, número

assustadoramente baixo se comparado aos 10.542 auferidos em 1872 pelo

censo estadual. Segundo Antonio Augusto Brás (2006:31), essa queda

populacional vertiginosa era conseqüência direta de problemas que assolavam

a região desde meados do século XIX, “das crises econômica e ecológica que

atingiram de forma muito dura, principalmente essas empobrecidas, baixas e

pantanosas terras próximas à baía de Guanabara”.

Devido aos investimentos em saneamento na região, por parte do poder

público federal, entre 1910 e 1930, e a implantação de algumas fábricas na

região da Baixada Fluminense, incluindo a localidade de Merity, muitos

migrantes de diversas regiões brasileiras ocuparam seu espaço de terra na

localidade.75 Um novo censo, em 1930, registraria no distrito, a presença de

75 Essa onda migratória em direção ao Distrito Federal vinha se avolumado desde meados da década de 20 acentuando-se ao longo das décadas seguintes. Suas razões ligaram-se

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uma população estimada em 28.756 habitantes, “o que configurava não só uma

extraordinária recuperação demográfica, como também a superação dos

números de 1872”.|(BELOCH, apud BRÁS, 2006:31) Antes do advento da

migração, a população rarefeita pelas “febres” subsistia com comércio de

hortaliças, banana, mandioca e laranja. Também produzia e comercializava a

madeira, o carvão, os tijolos e as telhas que eram extraídas das matas e

produzidas nas olarias da região.76

A historiografia sobre a Baixada Fluminense não nos aponta dados

específicos sobre a questão da formação profissional dos trabalhadores da

região da Vila Merity. Porém, nos fornece estudos sobre a formação

profissional dos trabalhadores da Baixada a partir da expansão industrial,

principalmente da indústria têxtil na região.77 Cabe-nos aqui, abrir, uma breve

explanação sobre um dos principais lócus de formação profissional dos

trabalhadores na Baixada Fluminense, e os principais fatores que contribuíram

para sua expansão na região. Uma localidade que saía da condição de região

propriamente agrária para a industrialização e que, conseqüentemente

requisitava qualificar seus trabalhadores para as funções exigidas.

Estudos nos apontam que no, último quartel do século XIX, algumas

áreas da região progrediram econômica e socialmente78 mais do que outras

devido ao acesso facilitado pelos meios de transporte, particularmente as

ferrovias. Outros elementos também favoreceram a implantação das fábricas,

tais como: as condições de salubridade; águas aproveitáveis para o uso nas

máquinas; e a povoação ali existente. Elementos esses que favoreceram a

diretamente ao surto industrializante que atingiu o país nas primeiras décadas do século XX em que parte do capital nacional majoritariamente, alocado no setor agro-exportador, desloca-se para o setor industrial, acentuando o processo que estava em curso desde 1850. 76 Levando em conta as informações da entrevista de José Luís Machado, a produção de lenha, carvão, tijolos e telhas eram bem significativas, pois “partiam diariamente dois trens especiais com lastros de lenha e carvão” e que “delas (as cerâmicas da região) saíram todos os tijolos com que foi construído o Cais do Porto do Rio de Janeiro”. “NASCE UMA CIDADE – entrevista com José Luís Machado” – Jornal Tópico – 25/08/1958.p. 08. 77 Sobre o assunto ver: WEID, Elisabeth Von der. O fio da meada; estratégia de expansão de uma indústria têxtil: Companhia América Fabril: 1878-1930. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, Confederação Nacional da Indústria, 1986; e KELLER, Paulo Fernandes. Fábrica e Vila Operária: a vida cotidiana dos operários têxteis em Paracambi/RJ. Engenheiro Paulo de Frontin/RJ: Sólon Ribeiro, 1997. 78 Entre elas podemos citar a região de Paracambi, Estrela e Magé na Baixada Fluminense em meados do século XIX. Tais localidades tiveram suas redes ferroviárias construídas nos anos de 1860. As demais regiões da Baixada, como a Vila Merity, atual município de Duque de Caxias, foram favorecidas pela rede ferroviária a partir de 1886, tendo seu progresso, efetivamente, iniciado a partir da década de 1930.

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expansão comercial e industrial, e que demandavam mão-de-obra mais

qualificada.

Em relação à importância dos meios de transportes, em particular as

ferrovias, Max Weber (1974:137-8) afirma que: “A ferrovia constituiu o meio mais revolucionário que a história registra não apenas para o tráfego, mas também para a economia. Seu desenvolvimento está vinculado ao início da chamada época do ferro...”

No contexto da indústria têxtil fluminense, Stein (apud KELLER,

1997:26) afirma que: “A construção de uma rede de estradas de ferro ligando o Rio de Janeiro a São Paulo e Minas Gerais após a década de 1860 contribuiu, finalmente, e de forma decisiva, para o deslocamento da supremacia têxtil da Bahia para a região centro-sul do Brasil”

As fábricas se instalavam próximas às estações ferroviárias, o que

facilitava o deslocamento dos operários, apesar de muitas delas possuírem

suas vilas operárias.

Sobre um dos lócus de formação dos trabalhadores, a fábrica têxtil de

Pau Grande localizada em Magé, na Baixada Fluminense, Weid (1986:221)

revelam que a produção têxtil também utilizava o trabalho masculino não

qualificado, sobretudo “nas seções em que a atividade exigia força física ou

implicava maiores riscos de acidentes”. O contingente de mão-de-obra

masculino era superior ao feminino.

2.3.4 Formação Profissional das Mulheres

Diante das diversas informações contidas nas fontes documentais sobre

a Escola Regional de Merity percebemos indícios de uma formação

profissional, por parte das mulheres de Merity, nas fábricas têxteis que foram

implementadas nas diversas regiões da Baixada Fluminense desde o final do

século XIX e início do XX.

No contexto da ocupação de espaços laborais nas fábricas têxteis da

Baixada, apesar de os homens totalizarem um número maior em relação ás

mulheres nas fábricas têxteis, o papel delas nas funções que exerciam era de

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grande importância para a produção. As mulheres representavam 33% (1/3) da

mão-de-obra empregada pelas fábricas nas seções de trabalho leve,

semiqualificado: “preparação de beneficiamento do fio, trama, bordado”.

(WEID, 1986:221) Nos teares, seção magna da fábrica, centro da produção

têxtil, o número de mulheres era ligeiramente superior ao de homens, e o

mesmo ocorria em outras seções, como a de pano.

Provavelmente, a presença da mulher na tecelagem se devesse ao fato

de ser uma função tradicionalmente feminina. Pois, desde o período da

Colônia, no interior do país, os tecidos eram confeccionados pelas mulheres

nos teares manuais. Além disso, a mão-de-obra feminina representou o

principal contingente no período da implantação da indústria têxtil brasileira.

Apesar de estar perdendo lugar para a mão-de-obra masculina no mercado de

trabalho, tentavam se manter nos postos qualificados que ocupavam no final do

século XIX.79

Partindo do contexto da formação profissional das mulheres, sendo elas

capacitadas a trabalharem nos teares, com tapeçaria e bordados, nos atemos à

possibilidade de muitas famílias, nas quais as mães tenham trabalhado nas

fábricas têxteis, terem se instalado na região da Vila Merity. Haja visto que as

mulheres da localidade, na década de 1920, tinham habilidades na produção

de tapeçaria e bordados.

Desde 1921, ao implantar seu projeto educacional, a Escola Regional de

Merity, a professora Armanda, conhecedora da trajetória histórica e social da

região, mantinha um traço de união direta, por meio das conferências

populares, dos cursos, concursos e festividades, com toda a comunidade local.

A partir de suas ações, demonstrava sua “ação civilizadora”, proposta

idealizadora contida nos projetos da elite intelectual da época, projetando-se na

vida social da localidade.

Foi dentro desse contexto de transformações econômicas e,

conseqüentemente, e do fluxo migracional que a educadora, provavelmente,

orientou suas iniciativas educacionais e sociais. Nos primeiros anos de trabalho

na Regional de Merity, a educadora tinha um projeto de criar uma cooperativa

79 Sobre a questão do papel da mulher nas indústrias têxteis ver: PENA, Maria Valéria Junho. Mulheres e trabalhadoras. Presença feminina na constituição do sistema fabril. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, cap. III.

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para a fabricação de tapetes. No entanto, as mudanças nas vidas das mulheres

da localidade fizeram com que esse projeto não vingasse. A razão para a não

implementação de tal projeto está disposta no texto “Uma experiência de

escola regional”, onde Armanda Álvaro Alberto abordou as mudanças

econômicas e sociais ocorridas na Capital Federal (RJ) com a participação das

mulheres da localidade de Merity nas fábricas ou nos empregos domésticos

que cresciam em escala ascendente.

Partindo desse pensamento, e por meio das aulas de trabalhos manuais

femininos, a escola iniciou um trabalho dirigido, de certa forma, a ensinar às

alunas afazeres domésticos que, de certa forma, contribuíram para a

permanência na escola e no sustento familiar. Segundo Ana Chrystina

Venâncio Mignot (2002:182) a escola preparava para a vida e, ”visava habilitar os alunos para as exigências concretas. Tinha por suposto a superação da divisão do trabalho manual e intelectual, como condição para uma humanidade melhor”.

A escola integrada, afeiçoada ao meio, por meio das aulas de trabalhos

manuais femininos, ensinava tapeçaria, costura, bordado, cestaria, cozinhar,

entre outras artes destinadas ao sexo feminino. As aulas eram abertas às

mulheres da comunidade. Diante da produção, apesar de caseira e rudimentar,

a diretora da escola, na década de 1920, via a possibilidade de montar uma

indústria feminina. “Nossas aulas de trabalhos são franqueadas a pessoas estranhas à casa, a quem estimulamos nos lavores mais característicos, tais tapetes de aniagem tecidos à mão, objetos de bucha, contas, etc. Quem sabe se não veremos nascer, um dia, uma indústria feminina, caseira, das mãos rudes destas mulheres?” (ÀLVARO ALBERTO, 1968:37).

Com uma produção das aulas, em 1924 e 1925, a escola realizou

exposições de trabalhos manuais no Rio de Janeiro, onde dos produtos

confeccionados pelas alunas e moradoras da região, foram comercializados,

ficando 20% sobre o lucro das vendas na exposição para a escola, e o restante

para as alunas e moradoras. Nas festividades escolares, a diretora realizava as

exposições e vendas dos produtos confeccionados pelos alunos e moradores.

Provavelmente, foi assim que a Escola Regional de Merity, por suas

finalidades sociais, foi se integrando à comunidade, convidando as mulheres da

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localidade a se integrarem nas atividades ali projetadas pela educadora

Armanda Álvaro Alberto.

2.3.5 Mão-de-obra infantil

Os relatórios anuais, fonte primordial para a construção dessa pesquisa,

nos apontam uma provável idealização, por parte da diretora, que, através das

ações pelo viés das aulas de trabalhos manuais implantadas pela escola

ocorreriam mudanças na condição de vida de seus alunos, já que estes desde

muito cedo ingressavam no mundo do trabalho. “Gente que tem que andar

depressa, que aos 11, aos 10 anos, diz adeus à escola, por mais amiga que ela

seja!”. (ÁLVARO ALBERTO, 1968:48).

Aqueles que, por força maior, eram obrigados a abandonarem a escola,

buscavam o sustento familiar nas fábricas e nos serviços domésticos. Os

menores eram “chamados pela luta da vida para as fábricas, os ateliers e os

serviços domésticos”. (Relatório anual de 1924, p. 4) Nessa época, a idade

mínima de 8 anos para admissão de crianças nas fábricas fora definida por lei

em 1891. Em 1926, o Código do Menor proibiu o trabalho dos menores de 14

anos de idade. Restrição essa não muito considerada, pois havia registros de

admissão das fábricas da Baixada Fluminense de menores de 14 anos, do

início do século XX até o final da década de 1920(WEID,1986:230-231).

Como citado acima, as fábricas têxteis foram grandes empregadoras de

formadoras e mão-de-obra na Baixada Fluminense. Segundo WEID (1986) e

KELLER (1997), a presença de menores nas fábricas era muito forte,

sobretudo entre 14 e 17 anos – idade estabelecida pelo Código do Menor de

1926, embora houvesse um número considerável de menores de 14 anos.

Muitas dessas fábricas possuíam, em seu interior, escolas de instrução

elementar para formar mão-de-obra nacional qualificada e mais barata. Tendo

crianças como operários, foi criado o Corpo de Aprendizes, “assim se chamava um grupo de menores que eram mantidos pela Companhia em edifício especial, com regimen collegial, freqüentando de dia a fábrica e de noite aulas de instrucção elementar” (480 Relatório da Cia Brazil Industrial – 1871-1921. Apud KELLER 1997:65) .

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A respeito da implantação desse tipo de escola nas fábricas, Stein (apud

KELLER, 1997:65) cita: “Os proprietários das fábricas precisavam de técnicos competentes e estavam dispostos a contratar homens e mulheres no exterior para manejar as suas máquinas e treinar operários brasileiros de ambos os sexos (...) Acreditava-se na época que essa mão-de-obra especializada, completando o emprego de rapazes e moças do campo que recebiam salários mais baixos, e a criação de escolas de ofício iria possibilitar a formação de operários, mecânicos e “manufaturas inteiramente nacionais”.

Os menores empregados nas fábricas trabalhavam principalmente na

fiação. Nas funções que exigiam um trabalho mais pesado requisitavam-se os

adolescentes mais velhos, por serem mais ágeis e fortes. A maioria realizava

um trabalho equivalente aos dos operários maiores de idade, mas recebiam

salários inferiores. Assim, a fábrica obteria um lucro maior com a mesma

qualidade de mão-de-obra.

Já no início da década de 1920, a localidade de Merity começava a

progredir com a instalação de fábricas de vidros, carpintaria e marcenaria,

entre outras, além das olarias e da fábrica de rupturita existente desde os anos

de 1910. Essas fábricas também utilizavam mão-de-obra infantil.

Sendo uma escola regional, tinha em todas as suas atividades um

direcionamento específico intencionado a atender às demandas e

necessidades da região, assim como às de seus moradores. Nesse sentido, a

diretora orientou as atividades de trabalhos manuais com a perspectiva de

formar cidadãos com conhecimentos mais qualificados para as fábricas da

região.

Na provável busca de mecanismos para reduzir ou, até mesmo,

amenizar tal situação a diretora da escola, com as aulas de trabalhos manuais

femininos e masculinos, realizou investimentos em máquinas e equipamentos

que pudessem preparar as crianças para o momento de ingresso no mundo do

trabalho. O ensino de ofícios manuais masculinos não era desenvolvido através

de custosas oficinas, mas por meio do trabalho artesanal, utilizando as técnicas

de marcenaria. “Os meninos fazem trabalhos de marcenaria, todos sabem consertar uma tomada elétrica e aprendem a aproveitar-se de

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qualquer objeto velho para transformá-lo segundo sua fantasia e habilidade.Sob os cuidados de professor especializado, confeccionam muitos objetos” (JEAN, 1968:145).

Além de pensar na formação de mão-de-obra para as fábricas, outros

tipos de ofícios eram ensinados às crianças, como os trabalhos de cartonagem,

consertos de livros e confecções de quadros, transmitidos a todos os alunos

sem discriminação de gênero. “Acresce que, ao lado do que representam na

educação da criança, os trabalhos manuais ainda desempenham um outro

papel em nossa Escola: o fator econômico cada vez mais importante”.

(Relatório anual de 1937, p. 3) Fundamentada no princípio de que, nas classes

pobres, onde a miséria é, muitas vezes, a vizinha próxima, o trabalho seria o

instrumento principal e indispensável à manutenção da própria escola, as aulas

de trabalhos manuais seriam um dos principais instrumentos educativos

auxiliadores para a formação profissional dos alunos da Regional de Merity.

Entre os professores que lecionaram a disciplina de trabalhos manuais

na escola, não podemos deixar de mencionar o professor José Montes, figura

participativa que, junto com a escola, foi o iniciador de vários cidadãos da

localidade na arte da marcenaria, carpintaria e entalhação.

O professor iniciou sua vida profissional na Escola Profissional Souza

Aguiar nas aulas de entalhação. Com o auxílio do padrinho, continuou a

estudar, e preparou-se para concorrer nas provas de professor de entalhação

na Escola Técnica Nacional, em 1957, para que pudesse receber em

certificado de professor nesta disciplina. Desta data em diante, passou a

lecionar entalhação e trabalhos manuais. Em seguida, matriculou-se no Liceu

de Artes e Ofícios que funcionava no Largo da Carioca, no Rio de Janeiro. Em

1958, através da madrinha, conheceu a professora Armanda Álvaro Alberto,

que o convidou para dar aulas na Regional de Merity.

Com sua atuação nas aulas de trabalhos manuais, o professor José

Montes encaminhou vários alunos para o curso de marcenaria e

beneficiamento de madeira, na Fábrica Nacional de Motores, em Xerém, 40

distrito do município de Duque de Caxias e, depois, encaminhando-os às

fábricas locais. Muitos profissionais de marcenaria, carpintaria e entalhação da

cidade foram alunos do professor José Montes. Praticamente, toda a carreira

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do professor está ligada à Escola Regional de Merity onde trabalhou durante 45

anos. O professor trabalhou na escola até 2003, ano de seu falecimento.80

2.3.6 Ações assistenciais

No conjunto das ações sociais realizadas é importante mencionar que

para entendermos as medidas assistenciais empregadas pela professora

Armanda no projeto educacional da Escola Regional de Merity com mais

propriedade, faz-se necessário analisar em que tipo de sociedade ele estava

inserida e a especificidade da demanda que justifica o seu exercício.

Historicamente, as medidas assistenciais, enquanto política pública, não

encontravam correspondentes na realidade brasileira, porque, no Brasil, a

trajetória dessa política não se consagrava como um direito social (SPOSAT et.

all,1998). Nessa perspectiva, alguns agentes do grupo de intelectuais

ocupados com as questões sociais do país engajaram-se em diversos projetos

em prol das camadas populares.

Cabe lembrar que os agentes envolvidos no projeto educacional da

Escola Regional de Merity estavam envolvidos num projeto maior de

construção de uma nação moderna e civilizada. Impregnados ideologicamente

de ideais similares, criaram dispositivos de reprodução de valores sociais e

culturais legitimados pela elite intelectual brasileira. Um dos vieses por eles

escolhidos foi à educação das camadas populares. No contato direto com

massa popular, depararam-se com dificuldades diversas a serem combatidas.

Dentre as muitas estratégias destacamos as medidas assistenciais. Segundo

Aldaíza de Oliveira Sposati (1998:67), “A assistência é vista até como necessária por alguns, mas vazia de “conseqüências transformadoras”. Sua operação é revestida de um sentido de provisoriedade, mantendo-se isolada e desarticulada de outras práticas sociais”.

Partindo da citação acima, entendemos aqui, que as medidas

assistenciais empregadas na Regional de Merity possuíam um direcionamento

80 José Montes: 50 anos dedicados à arte e à cultura. Revista da Cultura, ano I, n0 4, dezembro de 2002.

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com bases estruturantes, visando transformações para e na vida de seus

educandos, como para os integrantes da comunidade que ali participavam de

suas atividades educativas e sociais. Ao mesmo tempo em que “dava o peixe”

ensinava–lhes a pescar.

Porém, não descartamos a possibilidade dessas ações terem suas

bases nas relações de reprodução social. Isto é, através daquelas ações e

estratégias poderia haver a intenção de se inculcar nos indivíduos valores

sociais e culturais legitimados pela elite intelectual e dirigente da sociedade

brasileira, a qual a diretora da escola fazia parte.

Através das medidas assistenciais, provavelmente, a diretora da escola

objetivava garantir apoio popular á sua linha de ação educativa e social. A

escola prestou muitos serviços à comunidade pobre da cidade de Merity. Entre

suas atividades, voltadas à comunidade escolar e local, além de educação

gratuita, fornecia remédios, médicos, dentistas, vestuário, calçado, cursos para

as mães, palestras, etc, o que possivelmente lhe garantia representatividade

política e social.

Um dos discursos da diretoria da escola para sua prática assistencial era

de que “a pobreza e a doença eram a regra” entre o alunado. (ÁLVARO

ALBERTO, 1968:40) Uma outra posição posta no discurso, que denunciava a

total precariedade da região, talvez ironizando o descaso dos poderes públicos

com a população local, era assim expressa: “Sem a iniciativa particular, o Brasil, não resolverá tão cedo o problema da educação de seu povo, simplesmente porque faltam à União e aos Estados os recursos financeiros suficientes” (Idem, p. 41).

Cabe mencionar que observamos uma tênue ligação entre assistência

social como política social e assistencialismo. Haja visto que, no Brasil,

historicamente falando, as políticas públicas sociais vêm sendo marcadas “pela

provisoriedade e descontinuidade das ações e, via de regra, estão limitadas

aos sintomas fenomênicos da pobreza”.81

81 Edval Bernanrdino Campos em seu artigo “A assistência social vulgarizada: avesso do direito”,contempla uma reflexão sobre a assistência social e o assistencialismo tomada como política que integra as estratégias adotadas pelo Estado, tendo como foco as ações destinadas as mais variadas manifestações da pobreza. CAMPOS, Edval Bernardino. A assistência social vulgarizada: avesso do direito. Trilhas, Belém, v. 2, n. 1, p.42-48, julho, 2001.

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É preciso ressaltar que a pobreza e outros fenômenos a ela associados,

como a fome, desnutrição, saúde pública, abandono, entre tantos outros,

naquele momento histórico, mais especificamente no início do século XX, não

seguiam ocultos no manto da caridade. A pobreza, aqui relacionado ao

conceito assistencialista, é uma manifestação social, historicamente,

identificada com as sociedades promotoras das desigualdades sociais

(CAMPOS, 2001:41).

Neste sentido, percebemos nas ações provenientes dos poderes

públicos uma caracterização paliativa no combate às demandas das camadas

menos favorecidas. A partir desse contexto, alguns agentes da sociedade

intelectualizada, imbuídos dos problemas sociais e culturais do país, no marco

temporal aqui estudado (1920-1930), imprimiram ações particulares que

surgiram na intenção de auxiliar os mais necessitados da sociedade brasileira

adotando medidas assistenciais como mecanismo de enfrentamento ou

amenização da pobreza.

Provavelmente, as iniciativas empregadas pela diretora da escola foram

implementadas por ser ela conhecedora do descaso dos poderes públicos com

relação à camada menos favorecida da sociedade, em especial, à região de

Merity e sua população. Há fortes indícios na documentação da escola, de que

a diretora, através de sua rede de relações e sabendo da importância das

ações particulares, já que os poderes públicos eram ausentes, iniciasse uma

série de iniciativas sociais e educativas.

Desde a fundação do projeto educacional da Escola Regional de Merity,

a professora Armanda se deparou com problemas e dificuldades que iam além

do saber e do fazer pedagógico. As demandas da região tida como “Merity das

febres”, uma área pantanosa e alagadiça, onde as pessoas, em sua maioria,

viviam em precárias condições de saúde, sem saneamento e educação

escolar, impediam que os planos e programas estabelecidos pela direção da

escola no primeiro ano, fossem efetivados.

Diante de tal enfrentamento, foi necessário criar mecanismos e

estratégias de ação que possibilitassem a continuidade do trabalho ali

realizado, e garantir ao seu alunado, noções de higiene e saúde e uma

formação mais sólida que, através das aulas de trabalhos manuais, lhes

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permitissem, quando chegasse a hora de ingressar no mundo do trabalho, uma

noção básica de um ofício.

Dentre as mais variadas informações contidas nos relatórios anuais, a

questão da saúde pública era a que mais afetava as atividades escolares.

Segundo as palavras da diretora, “a maior, aquela que mais nos tem afligido, é

a falta de assistência médica para as nossas crianças”. Nesse sentido, para

suprir uma das demandas locais, e levar conhecimento de forma clara e

simples, não só para os alunos como também para toda a família, pois o aluno

seria o canal entre a escola e a família, constava no programa de ensino da

escola aulas de higiene. E para as mães dos alunos e as demais mulheres da

cidade foi criado o “Círculo de Mães”, onde estas aprendiam noções de

higiene, puericultura, educação familiar, entre outras atividades. Nas reuniões

do Círculo de Mães, as mulheres da cidade aprendiam a aplicar seus

conhecimentos culinários e artísticos, também como instrumento de sustento

familiar. Na troca de conhecimentos aprendiam a bordar, costurar, cestaria e

tapeçaria. Os produtos ali fabricados eram expostos nas festas escolares e

outros eventos para serem comercializados.

Por meio dessas práticas assistenciais, a escola, por ação de sua

diretora, de certa forma, contribuiu para o bem-estar da comunidade escolar.

Entretanto, não podemos perder de vista que, nas entrelinhas dessas ações,

há indícios de que a diretora procurava passar a idéia de que a instituição

estava suprindo as ações públicas, além de passar para população uma

imagem bondosa e caridosa, ocultando uma prática que, possivelmente, tinha

como objetivo reproduzir e perpetuar os valores sociais e culturais da elite

intelectual brasileira, além de promover sua imagem para a sociedade.

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CAPÍTULO 3 O MOVIMENTO HIGIENISTA E A ESCOLA REGIONAL DE MERITY: EDUCAR E CIVILIZAR PELA SAÚDE.

Os pesquisadores da História da Educação, assim como os da esfera

pedagógica, têm iniciado estudos valiosos sobre o papel histórico do saber-

poder médico na constituição política brasileira, como estratégia de hegemonia

e do quanto esse saber gerou matrizes norteadoras da produção de currículos

escolares.

A literatura sobre os discursos médicos na sociedade moderna

vinculados às práticas disciplinares e de higienização no campo educativo nos

oferece estudos consistentes.82 Tomamos como referência principal para a

construção desse capítulo, o artigo “Discursos Médicos e a Educação Sanitária

na Escola Brasileira”, de Maria Stephanou, por nos apontar as ações e a

circulação dos saberes do campo da Medicina nas práticas pedagógicas

escolares.

Neste capítulo temos por objetivo retratar como o processo de

introdução do ensino da higiene através do movimento higienista e sanitarista,

os preceitos higiênicos na Escola Regional de Merity, e a participação do Dr.

Belisário Penna nas atividades educativas e sociais da Regional de Merity. A

82 Entre muitos autores Herschmann & Pereira (1994); Rocha (1996); Machado (1978); Gondra (1998); etc.

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escola primária tornou-se um dos lócus de viabilização do projeto político de

modernização da nação, principalmente, durante o período de 1920 a 1930.

Identificado nacionalmente nas propostas educacionais dos agentes envolvidos

no Movimento da Escola Nova no Brasil, é possível percebê-lo na prática

educativa e social da Escola Regional de Merity, fundada pela professora

Armanda Álvaro Alberto.

O movimento sanitarista na Baixada Fluminense teve como importante

colaboradora e divulgadora, das iniciativas e ações sanitárias e de higiene, a

Escola Regional de Merity. A partir das atividades educativas e sociais da

instituição de ensino buscamos compreender as múltiplas estratégias de

intervenção realizadas pelos agentes do movimento e pela diretora da escola

na vida dos habitantes da região de Merity.

Em seu programa organizacional e curricular, a escola tinha como

princípio fundamental o ensino da higiene e as práticas sanitaristas. A Escola

Regional de Merity, através das atividades educativas e sociais, divulgava os

preceitos higiênicos a toda a comunidade de Merity. Tinha como meta inculcar

padrões higiênicos de uma sociedade “civilizada” na localidade de Merity,

situada no “sertão” da Capital Federal, a Baixada Fluminense, nos anos de

1920 e 1930.

Através de dispositivos e estratégias como o atendimento médico

escolar, o concurso “Janelas Floridas”, o curso “Círculo de Mães” e as

conferências populares realizadas na região de Merity, os preceitos higiênicos

do movimento higienista e sanitarista da década de 1920 foram sendo

apreendidos pela comunidade local.

3.1 AGENTES DA SAÚDE: INSTRUIR E CIVILIZAR PELA EDUCAÇÃO ESCOLAR PRIMÁRIA

“Em higiene, saber é uma coisa, praticar é outra”.

Armanda Álvaro Alberto

No processo histórico brasileiro observamos que, durante a primeira

República com o avanço da indústria, mudanças importantes ocorreram no

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cenário brasileiro. O progresso e a modernização econômica e social fizeram

com que um imenso contingente de imigrantes e migrantes começasse a

ocupar as áreas urbanas da Capital, mais tarde indo ocupar a área rural da

Baixada Fluminense. Essa ocupação trouxe problemas até então

desconhecidos. Instalou-se uma desordem urbana: cortiços, habitações

coletivas, acúmulo de lixo, enchentes, epidemias, etc. O caos urbano estava

posto e estratégias de intervenção deveriam ser executadas.

Num processo de enfrentamento das mazelas, inúmeros agentes

sociais, entre eles os médicos-higienistas e sanitaristas,83 abraçaram a causa.

Com a intenção de solucionar o problema em nome da ordem e do progresso,

esses profissionais visualizaram que seria urgente civilizar e reeducar os meios

populares, substituindo as práticas consideradas arcaicas e anti-higiênicas por

novos hábitos e costumes considerados salutares.

Esses agentes denunciavam a precariedade da saúde pública,

afirmando que “a doença seria resultado da ausência e inoperância do poder

público e da descentralização das políticas governamentais, quando existentes”

(HOCHMAN, 1998:74). Tal posição era um alerta às autoridades

governamentais, pois seria necessário combater a progressão ou proliferação

das doenças, caso contrário, os prejuízos com a economia e com a saúde da

população seriam maiores ainda.

As denúncias acima revelaram-se também através da obra de Monteiro

Lobato, que já dizia que, para tornar o Brasil um país civilizado e alcançar o

seu ideal de ordem e progresso, seria necessário que fossem postas em

prática medidas profiláticas que visassem à saúde e à educação do seu povo.84

Pensamento este que os médicos-sanitaristas também incorporaram. À

influência de Monteiro Lobato somou-se a disposição da corrente ruralista e

nacionalista de resgatar os sertões do abandono, criando condições favoráveis

junto às elites para a difusão do sanitarismo (SANTOS, 1985: 6).

83 Entre eles, podemos citar Belisário Penna, Floriano de Araújo Góes e Savino Gasparini, grandes colaboradores e divulgados do trabalho realizado na Escola Regional de Merity, na década de 1920. 84 SCHMACHTEMBERG, Ricardo. Sanear ou Perecer: o movimento pelo saneamento dos sertões e das cidades brasileiras. Texto on-line: www.anpuh.uepg.br/xxiii-simposio/anais/textos. Acessado em 03/10/2007.

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No Brasil, no final do século XIX e durante as primeiras décadas do XX,

estabeleceu-se uma política na área da saúde social num sentido prático,

quando a experimentação se impôs efetivamente. Modernizar, regenerar,

civilizar, dar ao povo educação e saúde eram enunciados proferidos nos

discursos entre os intelectuais. Nesse sentido, “a ciência técnica passou a ser

considerada crucial para o destino da nação” (HERSHMANN & PEREIRA,1994:

25).

O movimento sanitarista foi introduzido com mais vigor no Brasil nos

anos 1920, assim como o movimento da Escola Nova. A luta pela gratuidade,

universalidade do ensino e pela inovação dos métodos e práticas educativas,

do movimento da Escola Nova no Brasil, somou-se à prática higienista e

sanitarista nas escolas, principalmente nas escolas primárias.

As iniciativas realizadas pelos médicos-higienistas e sanitaristas, na

questão do saneamento, não se limitariam, apenas, às das políticas públicas

de desobstruções de valas, canais e rios, combate às endemias, etc.,

permearia também, como já mencionado, o meio educacional, através das

escolas. Para Afrânio Peixoto, 85 qualquer trabalho de saneamento deveria

estar associado à educação do brasileiro. Assim expressou suas idéias em

relação à educação: “Saneamento, sim! Educação, também! Principalmente educação, porque então será mais fácil, e só então durável, o saneamento. (...) o saneamento não é só o remédio infalível para a ‘doença do Brasil’; além deste e com este, para a ignorância dos meios, a imprevidência dos recursos, a incúria da saúde, a incapacidade de trabalho e de economia, a pobreza triste e envergonhada, no meio da festa da nossa natureza, só existe um recurso, remédio único e específico: a educação, pela instrução primária profissional, técnica, superior; educação – para a prosperidade, para a saúde, para a felicidade, para a redenção do Brasil...” (PEIXOTO apud STANCIK, 2005:55).

Assim como Afrânio Peixoto, o Dr. Belisário Penna também expressava

a importância de estender os conceitos existentes na educação higiênica as

camadas menos favorecidas da sociedade brasileira. Citando a omissão dos

poderes públicos quanto sua responsabilidade com a saúde pública, e

comentando as ações das iniciativas particulares, interessadas na educação

higiênica, em prol da saúde pública, expressou: 85 Afrânio Peixoto (1876-1947), além de médico legista, foi ainda político, professor, historiador e autor de várias obras literárias e médicas.

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“O que devia fazer e não faz o officialismo, por negação de recursos, ou por incapacidade dos funcionários, ou por comparsaria destes com a comédia democrática, vae sendo realisado pela iniciativa particular de espíritos clarividentes e patrióticos, interessados na educação higiênica do povo, para que firme em todas as classes a “consciência sanitária”, que o mesmo é convencer toda a gente de pautar os actos da vida no sentido da defesa da saúde, como condição fundamental da prosperidade individual, da família, da sociedade e da Nação” 86.

Segundo Schwarcz (1993: 206), no momento em que os pensamentos

encontravam-se na articulação entre saúde e progresso, como parte do mesmo

processo, caberia aos governantes criarem leis para assegurar esse objetivo e

aos médicos-higienistas e sanitaristas “caberia a implementação de grandes

planos de atuação nos espaços públicos e privados da nação”. No entanto,

para isso seria necessário o apoio político e financeiro dos poderes públicos.

De acordo com Stephanou (2005:142), os discursos médicos propagados

nesse período “propunham orientar e educar a fim de construir cidadãos (pre)

ocupados com a saúde e a higiene”. Dentro desse viés de pensamento, as

palavras do Dr. Belisário Penna nos apontam os espaços de ação e atuação da

classe médica, como importantes lócus de formação e conscientização da

educação higiênica: “Pela educação higiênica na escola, no collegio, no lar, na fábrica, na fazenda e na caserna é que se conseguirá formar a consciência sanitária nacional, que, alcançada, constituirá base solidíssima da prosperidade do Brasil”87.

Dentre as estratégias lançadas por esses profissionais, confere dar

ênfase às iniciativas que tendiam fazer da educação escolar um meio de

higienização da população. Assim como construir a escola como signo de

representação da civilização e do progresso. A “educação e a instrução do

povo seria a luz” (Idem, ibidem) no processo de construção de uma nova

nação.

Cabe ressaltar que aquele era um período de mudanças e

transformações políticas e sociais calcadas no conceito de “civilidade” oriundo

86 Arquivo público Casa de Oswaldo Cruz, Fundo Belisário Penna: inventário analítico. Departamento de Arquivo e Documentação: Setor de arquivos pessoas e de outras instituições. PENNA, Belisário, s/d. “Escola prática de hygiene”, s/d. BP/PI/TP/90002040-43 87 PENNA, Belisário, s/d. “Escola prática de hygiene”, s/d, p. 2. BP/PI/TP/90002040-43

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das sociedades da Europa Ocidental. Numa sociedade em que as práticas

sociais, os valores e padrões de comportamentos caminhavam para uma

profunda transformação, inevitavelmente, seria necessário criar instrumentos e

mecanismos que organizassem a aprendizagem de “códigos de

relacionamento ainda não dominados”. (MAGALDI, 2007: 34).

As mensagens sobre higiene deveriam ser divulgadas em diferentes

espaços, dentre eles, a escola primária. A estratégia seria levar os preceitos

que deveriam conformar a nova civilidade através dos educadores, porta-vozes

legitimados pela camada mais pobre como os portadores de grandes

conhecimentos (ROCHA, 2003:14).

Os agentes participantes, nesse momento da história, abalizaram a

importância da propaganda sanitária, na acepção de educar o povo e ensinar-

lhe os bons hábitos de higiene. Como fonte de divulgação e propagação de

suas ações, tomaram o espaço escolar para suas intervenções. As ações no

campo da educação escolar tinham como intenção e objetivo a prevenção de

doenças e a regeneração física, intelectual e moral dos alunos e de seus

familiares auxiliando na formação da consciência sanitária.

Os grandes problemas sanitários e de saneamento eram vistos, pelo

movimento sanitarista, como problemas de ordem educativa. O povo precisava

ser instruído, educado e civilizado através da educação escolar e do ensino da

higiene. Nesse sentido, a solução passava pela inculcação de novas práticas

de viver conforme os pressupostos da ciência moderna inseridos nos

programas pedagógicos da escola primária.

Entre os agentes do movimento propagava-se a“...crença de que a

melhoria das condições sociais dependia da alteração das técnicas

pedagógicas” (GHIRALDELLI, 1985: 5). Sendo a escola o meio mais eficiente

de inculcar hábitos e valores da sociedade “civilizada” nas camadas pobres, os

médicos se preocupavam em discutir elementos pedagógicos como: os

conteúdos e objetos de ensino, metodologia, a avaliação, o exemplo do

professor, a materialidade e a salubridade das escolas, os pressupostos

teóricos dos pedagogos (Idem, ibidem).

Diante da problemática, esses profissionais declaravam que a solução

não viria de uma educação qualquer. A educação deveria ser balizada e

fundamentada nos conhecimentos científicos, isto é, a educação integral.

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“Somente uma terra bem preparada antes do cultivo poderia gerar bons frutos”

(STEPHANOU, 2005:145).

Analisando a escola como um espaço de referências nas ações dos

médicos, uma reflexão mais atenta à questão pedagógica nos conduziu a

buscar o sentido dos vocábulos ensinar e educar no contexto higienista da

época. Ensinar relacionava-se com o conteúdo cognitivo, e educar com a

formação do caráter, que na verdade representava a "imposição do arbitrário

cultural de um grupo ou classe a outros grupos ou classes”, ou seja, a

imposição de uma ideologia (SEVERINO, 1986:44). O vocábulo "educar", na

acepção de educação própria dos discursos médico-higienista, tinha a

preeminência sobre o ensino, deveria ser função determinante para os futuros

rumos sociais da nação. Na verdade, o conceito de educar estava

intrinsecamente associado ao controle do "saber" a ser ministrado, à formação

do caráter, nos moldes do ideário nacionalista.

Nas primeiras décadas do século XX, os médicos-higienistas e

sanitaristas foram reconhecidos como os “detentores do saber científico”, um

saber “verdadeiro”, sendo assim, tinham todo o respaldo para “falar sobre os

modos de cultivar uma vida saudável”, um conhecimento legitimado que

possibilitava intervir sobre “os fenômenos da vida e da doença e definir uma

profilaxia e uma terapêutica” (STEPHANOU, 2005:147).

No âmbito dos discursos médicos havia uma distinção bem clara a

respeito de qual saúde e qual educação seriam necessárias. Em seu texto

STEPHANOU faz a seguinte colocação: “Não há uma saúde física, mas

mental, moral e intelectual. Não apenas uma educação intelectual, mas física,

mental, moral, sexual” (idem, ibidem). Assim, fica claro que os médicos, nesse

momento, trabalhavam com um conceito mais amplo de saúde e, por esse viés,

de educação.

De acordo com a ótica higienizadora, o ambiente familiar, deveria

também sofrer as devidas modificações para que se criassem os hábitos de

higiene nas crianças, como nos aponta José Gonçalves Gondra “(...) para

formar as novas gerações seria necessário uma intervenção não apenas no

espaço público da escola, mas, também, no espaço privado da casa. Pais e

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mestres constituem-se, portanto, nos principais destinatários das prescrições

médicas quando se trata da educação”.88

Perante a postura dos médicos com relação aos elementos mais

específicos do saber escolar e aos processos de aprendizagem, percebe-se

que os discursos não se restringem ao campo político, mas abarcaram um

complexo saber sobre o campo pedagógico. Essa ação, também, nos permite

perceber a intensa interação do meio médico com os espaços educativos,

sejam escolas de diversos níveis de ensino, asilos, orfanatos, cursos de mães,

etc.

Segundo o pensamento dos agentes sanitaristas, era na escola primária

que se assentava a base sólida da educação higiênica de um povo. E para isso

seria indispensável que os professores primários adquirissem conhecimentos

básicos e técnicos de história natural e de biologia. “A fim de compreenderem plenamente as deduções biológicas de hygiene, cujo o fim consiste em modificar, afastar, remover ou eliminar as causas de natureza physica, chimica e biológicas capazes de perturbar ou prejudicar a normalidade orgânica e physica do organismo humano – individual, collectivo e social – descobrindo e apllicando os meios de adaptação sadia do homem em qualquer ambiente... (...) Aos professores, mais do que tudo aos das classes primárias, cabe a tarefa gloriosa da formação da consciência sanitária, pela implantação de hábitos salutares, pelo exemplo e por sólidos conhecimentos de noções básicas [e técnicas] de biologia e de hygiene”(PENNA, 1928:1-2)

Segundo o pensamento médico-sanitarista apresentado nos anos iniciais

do século XX, a escola seria uma fonte preciosa de ensinamentos, pois ela

inculcaria os conhecimentos que acompanham o homem por toda a vida. À

escola primária seria delegada a tarefa de produzir transformações, individuais

e sociais, através da propagação de uma consciência sanitária. A escola é o local mais propício para promover a transformação. O ensino primário precisa ser vulgarizado... Mas não apenas a ministração dos conhecimentos das letras e das ciências. O capital humano precisa ser preservado das infecções que aniquilam o valor do homem, e para isso é ainda a escola o lugar melhor para difundir uma consciência sanitária, que será tanto

88 GONDRA apud CHAVES, Miriam Waidenfeld. A educação escolar no antigo distrito federal nos anos 30: a formação de hábitos cívicos, belos e sadios. Disponível on-line: www.anped.org.br/reunioes/28/textos/GT02/GT02-144--Int.rtf. Acessado em 26/12/2007.

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mais habitual, quanto mais cedo for movida. De início, pois deve ser a escola um ambiente educativo por seus vários aspectos (ESPÍRITO apud STEPHANOU, 2005:149-150).

Era consenso entre os médicos-higienistas e sanitaristas engajados num

projeto maior de civilizar e modernizar o país que tais iniciativas só teriam

eficácia se penetrassem na intimidade do lar. Os projetos deveriam ter, como

alvo de suas ações, os núcleos familiares. Usar o lócus “escola” como

instrumento eficaz legitimou as ações médicos-sanitaristas na educação, isto é,

produzir saúde pela educação.

A escola seria o lugar mais propício para se promover as grandes

mudanças, individuais e sociais dentro do projeto ideológico de construção da

nacionalidade, através da civilidade e progresso, arquitetado pelos intelectuais

da saúde, da educação e diletantes.

Acompanhando os ideais médico-higienista, no que diz respeito a

melhoria do estado de saúde da população e, portanto, das futuras gerações,

discursos proveniente do campo educacional integraram essas interpretações

para também propor soluções mediadas pela instituição escolar. Para Carvalho

(Apud VIVIANI & BUENO, 2006:49), tais iniciativas reuniram forças e grupos

em torno da validação de campanhas, num processo que acabou atraindo

adeptos para uma ampla causa educacional.

Fazendo uma análise dos movimentos de intervenção pelos agentes

médicos-higienistas e sanitaristas no contexto escolar, Heloisa Helena Pimenta

Rocha (2003:166) expõe que: “Fazendo da escola e da sala de aula cenários para a encenação dos rituais da saúde, por intermédio dos quais a moderna ciência da higiene procurava intervir sobre o aluno, esquadrinhando o seu corpo, revelando os seus modos e costumes, os homens de ciência buscavam produzir um espaço asséptico, ordenado, disciplinado e, ao mesmo tempo, corpos hígidos, física e moralmente”.

Ensinando às crianças as novas condutas e preceitos higiênicos, por

meio das práticas de educação sanitária, suas ações penetrariam com maior

facilidade nos lares mais pobres, onde a informação escrita era de difícil

acesso. A tarefa maior seria a de eliminar as atitudes viciosas e inculcar

hábitos salutares já nas mais tenra idade. A escola seria o meio mais preciso

para se “criar um sistema fundamental de hábitos higiênicos, capaz de

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dominar, inconscientemente, toda a existência da criança”; enfim, modelar a

natureza infantil pela aquisição de hábitos salutares (ROCHA, 2003:179).

Aludindo à questão de formar cidadãos “civilizados”, tendo a escola

como instrumento transformador, tomando como referência o projeto higienista,

Maria Stephanou (2005:150) explanou: “À escola estava reservado o papel de formar crianças e jovens, futuros cidadãos, produzindo práticas individuais e coletivas, associadas aos propósitos de constituição de sujeitos ocupados com sua higiene e sua saúde, seja pela ruptura face aos hábitos perniciosos herdados da família, seja pela conservação de práticas salutares, acrescidas de novas formas de ser e de pensar, esboçadas pelos médicos a partir da ciência e dos ideais de civilização e urbanidade”.

Alguns agentes do movimento sanitarista e higienistas empenharam-se

na luta política pelo saneamento dos “sertões” brasileiros, isto é, dos lugares

mais afastados das áreas urbanizadas e, abandonados pelos poderes públicos.

Sendo assim, suas ações, em geral, foram implementadas em regiões que

necessitavam de maior intervenção.

Situada no “sertão” da Capital Federal, a região de Vila Merity, era um

espaço que atendia a todas as finalidades e objetivos da educação sanitária e

higiênica. Um lugar onde os pântanos, mosquitos e as febres faziam parte do

cotidiano da população. A pobreza e a doença eram regras entre a comunidade

local.

Conhecedora da história da Baixada Fluminense, dos problemas de

saneamento e saúde, assim como da precariedade social, econômica e

educacional em que vivia a população da região, a professora Armanda Álvaro

Alberto pôs em prática seu projeto educacional agregando em sua organização

curricular e nos programas pedagógicos o ensino de higiene. Projeto este,

vinculado ao projeto higienista dos médicos-sanitaristas que estavam

engajados na construção de uma nova identidade nacional através dos

preceitos higiênicos utilizando como instrumento de inserção de suas ações, a

escola primária.

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O espaço escolar da Escola Regional de Merity era o que se poderia

chamar de um “lugar da saúde”,89 segundo os discursos do movimento

higienista. Apesar de possuir uma arquitetura simples em estilo rural, o prédio

escolar possuía uma organização espacial propícia ao ensino de higiene,

semelhante à citada como exemplo de arquitetura escolar por Afrânio Peixoto

(ROCHA, 2003: 168): “O prédio escolar deveria achar-se situado em meio de um terreno, amplo, enxuto, arborizado, sem a possibilidade de se interporem outros aos lados ou defronte, que lhe diminuam a luz: 25 metros lhe são necessários diante das janellas para isso. Há ainda que exigir espaço para os recreios e commodidades escolares. Uma área de 3 m² por alumno seria pelo menos necessário”.

O terreno era amplo, o espaço interno, apesar de pequeno, seguia as

prescrições higiênicas, aberta ao sol e ao ar, limpa, ordenada, que exercia uma

grande influência sobre as crianças no que tange à questão higiênica. O que

contrastava com o ambiente onde vivam seus alunos.

Um dos grandes problemas da região eram os constantes surtos de

impaludismo, malária, tuberculose, coqueluche, “febres” em geral. A

precariedade do atendimento médico aos alunos e seus familiares, assim como

para toda a população, por parte dos poderes públicos, fez com que a diretora,

juntamente com um grupo de amigos médicos-sanitaristas, no final do ano de

1921, agregasse ao seu programa educativo e social, o atendimento médico

escolar.

Participando dos problemas locais e criando novas formas de

intervenção, os médicos-higienistas e sanitaristas, juntamente com a diretora

da Escola, ávidos por fazer da localidade um espaço civilizado, procuraram

produzir um novo modo de vida, “cuja legitimação contará com a

desqualificação dos hábitos e costumes assumidos pela maioria da população”

(ROCHA, 2003:13).

Como adverte Chartier: “as percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros,

89 Termo apresentado em por ROCHA (2003: 187) fazendo referência a materialidade da escola “aberta à luz do sol e ao ar, limpa, espaçosa, ordenada e clara, que exerceria por si só uma poderosa sugestão higiênica sobre as crianças”.

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por elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas” (1990:17).

As ações empregadas pelos agentes higienistas e sanitaristas estavam

sendo postas no sentido de inculcar um habitus socialmente legitimado da

camada social dominante, isto é, a elite dirigente, na camada menos favorecida

econômica e culturalmente da sociedade brasileira.

3.2 A ESCOLA REGIONAL DE MERITY E OS PRECEITOS HIGIÊNICOS

Utilizando-se de múltiplos dispositivos, os agentes médicos-sanitaristas

e higienistas divulgaram, dentro e fora da escola, os preceitos da educação

sanitarista e higiênica na região de Merity através das ações educativas e

sociais da Escola Regional de Merity. No programa pedagógico da Escola,

entre os dispositivos utilizados, podemos citar a assistência médica e

odontológica aos alunos e familiares, as professoras visitadoras, o concurso

“Janelas Floridas”, o curso “Círculo de Mães” e as conferências públicas.

No primeiro ano de funcionamento da instituição, a diretora da Escola

Regional de Merity menciona que, dentre as dificuldades apresentadas no

referido ano “a maior, aquela que mais nos tem afligido, é a falta de assistência

médica para as nossas crianças” (Relatório anual de 1921, p. 3). Apesar de os

alunos terem sido assistidos, durante alguns meses, por um dos médicos do

Posto de Profilaxia Rural dirigido pelo médico Belisário Penna, localizado na

Penha, subúrbio da capital, na cidade do Rio de Janeiro, a escola necessitava

de uma assistência mais complexa.

Visando ao atendimento da demanda, no ano seguinte, em 1922, foi

iniciado o serviço de assistência médica aos alunos e aos seus familiares.

Nesse mesmo ano, as epidemias proliferaram na região de Merity, inclusive o

sarampo e a coqueluche, atingindo as crianças menores de 10 anos, o que

ocasionou uma baixa na freqüência às aulas.

Ciente da problemática pública em relação a saúde da comunidade, a

diretora por meio de sua rede relações sociais, solicitou ao médico sanitarista

Belisário Penna, amigo e colaborador da escola, auxílio para amenizar esse

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problema. Assim, o Dr. Belisário Penna enviou um dos médicos do Posto de

Profilaxia Rural da região que prestou atendimento às crianças da escola. No

entanto, era de “uma assistência mais complexa que necessitamos” .90

Iniciou-se nesse período, mais sistematicamente, a assistência médica.

Auxiliada por meio de sua rede de relações, a diretora efetivou os serviços

médicos aos dos alunos e familiares, com a ajuda do Dr. Hugo dos Santos

Silva91.

Além da assistência médica, o Dr. Santos Silva contribuiu para a

elaboração das fichas de saúde, onde se registrava detalhadamente os dados

sociais, morais e de saúde de cada família assistida pela escola (Relatório

anual, 1922, p. 4 e 6). Nos anos seguintes, outros médicos da Santa Casa de

Misericórdia prestaram os serviços de atendimento médico as crianças e

familiares.

Medicamentos, vacinas, exames eram disponibilizados aos educandos.

Os medicamentos tinham várias procedências, sendo a maior parte obtida

através dos agentes engajados no projeto higienista e sanitarista, locados em

departamentos públicos como o Dr. Belisário Penna, da Diretoria de

Saneamento e Profilaxia Rural e o Dr. Manoel Ferreira, Inspetor de Higiene do

Estado do Rio de Janeiro. Ampliando os serviços de assistência aos alunos, a

escola passou a contar com o atendimento odontológicos da Sra. Beatriz

Vieira, dentista do Instituto Moncorvo.

Entre os muitos aspectos relevantes ao meio em que atuavam para o

bom funcionamento dos trabalhos escolares, encontramos no relatório de 1924,

a ausência das epidemias na região, devido às campanhas de profilaxia e

saneamento realizadas, com a participação do Dr. Belisário Penna na Diretoria

de Saneamento e Profilaxia Rural (DSPR).

Segundo Maria Stephanou (2005: 159), com o crescimento da atuação

dos agentes higienistas e sanitaristas nas instituições escolares, as atividades

foram se complexificando, estendendo-se, por exemplo, a visitas domiciliares

às famílias dos alunos por intermédios das “educadoras sanitárias”, sempre

subordinadas à orientação do médico escolar.

90 Citações aspadas retiradas do relatório anual da Escola Proletária de Meriti de 1921, p. 3. 91 Médico da Santa Casa de Misericórdia. Foi administrador da instituição hospitalar nos anos de 1946 a 1949.

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Na Regional de Merity para que a ação médica tivesse mais eficácia, a

escola designou uma professora-visitadora que tinha como função auxiliar o

trabalho médico através da organização de fichas onde constavam os dados

sobre o aluno, o ambiente material e moral de toda família. Pois sem esse

auxílio, provavelmente, haveria prejuízo na ação médica ali empregada.

Sendo assim, no intuito de a escola melhorar a assistência, uma

professora-visitadora realizava visitas às residências dos alunos, organizava

fichas onde constavam os dados sobre os aspectos de saúde de toda a família,

o ambiente material e a situação sócio-econômica. Nas fichas de saúde

individual da Escola regional de Meriti, localizadas no arquivo público do

Instituto Histórico da Câmara Municipal de Duque de Caxias, podemos

observar o cuidado que a professora visitadora tinha em anotar as informações

que pudessem contribuir para um melhor atendimento às crianças e às

famílias: “Nome: Oswaldo dos Santos 8 anos Filiação: Candido J. dos Santos e Benedicta dos Santos Localidade: Villa Centenário – Merity Data do estabelecimento da ficha: 1-12-926 Antecedentes hereditários e antecedentes pessoais: O pai tem 36 anos. Antes de casar bebia, mas curou-se completamente deste vicio. Fuma muito, mas gosa de saúde. A única moléstia que teve foi impaludismo... A casa é de estuque caiada internay externay, coberta de telhas e pavimentada de cimento....Fica no meio de um terreno todo arborisado. Conta de 2 quartos e 2 salas mto. arejados e limpos. Não tem fossa e o poço mede cerca de 8m de profundidade. Osvaldo dorme numa cama de solteiro em companhia de seu irmão mais velho. Passa mal às noites pq. soffre horrively de bronchite ashmatica. Ao levantar-se toma café com leite. Raray almoça. Merenda na Escola, matte com angu de milho e janta às 5h. Os alimentos mais freqüentes nessa refeição são: carne, feijão, arroz, batata, aipim, macarrão e, as vezes, algumas verduras. Está sempre limpinho, anda descalço e usa chapéu. Nasceu no D. Federal por ocasião da gde. Epidemia de 1918. Foi sempre mto. Fraquinho. Recebeu aleitamento artificial e soffreu mto. Dos intestinos. Teve várias convulsões por ocasião da dentição. Há 4 anos q. soffre de bronchite. É uma criança sympathica, está sempre disposto a brincar e é mto. Activo apezar de passar péssimay as noites”.(Ficha de saúde de 1926)

O registro acima nos aponta elementos que nos conduzem a uma

reflexão sobre a ação do médico-escolar no contexto pedagógico escolar. Ao

analisarmos a ficha médica, observamos que a professora para realizar tal

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registro deve ter sido bem orientada pelo médico escolar, já que as

informações, direcionadas o um conhecimento da medicina, a respeito da

família são minuciosamente detalhadas. Na verdade, visualizamos uma ficha

de anamnese médica acerca da família, sua origem, a situação de saúde e

evolução da mesma, isto é, uma ficha contendo dados básicos e consistentes

para uma assistência médica mais orientada e eficaz.

Tendo em vista que as condições de insalubridade da região pela falta

de saneamento básico, água potável e saúde pública, como também os hábitos

culturais da população,92 as atividades pedagógicas da escola deveriam ser

orientadas de acordo com as demandas e necessidades locais. Nesse sentido,

a partir do trabalho realizado pelo médico-escolar e pela professora visitadora,

intuímos que a diretora observando e analisando as fichas médicas tinha como

direcionar melhor as atividades da escola, através das medidas assistenciais

direcionadas às famílias e do ensino da higiene e saúde em todos os graus de

ensino, o que provavelmente, auxiliaria na diminuição da oscilação da

freqüência e evasão escolar.

Avaliamos que na obra médico-social e pedagógica da escola,

envolvendo as ações do movimento higienista, seria necessário reunir três

capacidades: a de médico, de higienista e de pedagogo (professor). Nesse

sentido, concebemos que a Regional de Merity, num sentido estrito, conseguiu

envolver essas três capacidades em suas ações educativas e sociais. A

atuação do médico envolvia a assistência médica; a higienista agia na

prevenção e conservação da saúde; o professor, além de auxiliar o médico,

tinha a responsabilidade de trabalhar na formação da consciência sanitária dos

alunos e seus familiares.

Enfatizando a função e a importância das professoras-visitadoras, a

diretora da Escola relatou que, “nunca é demais encarecer o papel desempenhado pela visitadora, levando de lar em lar o espírito da Escola e trazendo-lhe de volta, as informações preciosas para a eficiência de sua ação de que é principal factor a realidade da situação de cada um de seus alunnos”(Relatório anual de 1926, p. 8).

92 Culturalmente, devido às condições sociais e econômicas da região, nas primeiras décadas do século XX, as casas, em sua grande maioria, não possuíam banheiros. As crianças andavam descalços, o que favorecia a infestação de várias doenças como as verminoses.

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A ação conjunta da professora-visitadora com o médico, zelando não só

pela instrução e educação, mas, principalmente, pela saúde dos alunos e

familiares contribuiu para a continuidade dos trabalhos. Devido à melhora na

saúde dos alunos, e de seus familiares, a freqüência já não apresentava

grandes oscilações.

A escola primária, segundo o pensamento higienista, deveria modelar a

natureza infantil, pela aquisição de hábitos salutares a fim de resguardar a

infância da debilidade e das moléstias. Ensinando às crianças as novas

condutas e preceitos higiênicos, as práticas de educação sanitária penetrariam

com maior facilidade nos lares mais pobres, onde a informação escrita era de

difícil acesso.

Em visita à escola, a poetisa e escritora Julia Lopes (1968:57) descreveu

sua impressão sobre o aprendizado das crianças com relação ao ensino de

higiene: “As crianças aprendem sorrindo que devem andar lavadinhas, penteadas, e sem alfinetes em vez de botões e, pouco a pouco, vão corrigindo as suas faltas e desmazelos e fazendo, ao mesmo tempo, propaganda desses bons costumes entre as pessoas de sua família e da sua vizinhança!...”

Diante do trabalho pedagógico e social, a diretora e seus pares93 se

defrontavam com uma variedade de dificuldades. Nos primeiros anos de

funcionamento da instituição, as iniciativas em prol da saúde dos alunos e seus

familiares foram sendo ampliadas. Uma outra questão a ser enfrentada era a

saúde bucal do alunado, problema esse que, em 1923, começou a ser

contornado através de rede de relações da professora Armanda. Nesse

período mais uma medida assistencial foi implementada, a escola passou a

contar com os atendimentos odontológicos da Sra. Beatriz Vieira, dentista do

Instituto Moncorvo.

As atividades foram para além do espaço físico escolar na sua ação

direta com a comunidade e, conseqüentemente, com seus lares. Numa atitude

de contribuir com a vida do ambiente material e moral, higienizando a casa e

educando os alunos e familiares pelos preceitos higiênicos e sanitários, em

1923, foi organizado o 10 concurso “Janelas Floridas”. A princípio só os alunos

93 Nos referimos os colaboradores mais presentes no desempenho do trabalho escolar, o prof. Francisco Venancio Filho e o prof. Edgard Süssekind de Mendonça.

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floriam suas janelas, depois a população começou participar do evento.

Passado algum tempo, já se via jardineiras às janelas de muitas casas da

localidade.

O concurso “Janelas Floridas”, mais uma estratégia de intervenção na

vida local, foi criado com o objetivo e finalidade de “combater a fealdade e o

desconforto de Merity, dar-lhe a alegria das flores e a sombra das árvores”

(ÁLVARO ALBERTO, 1968:37). “Janelas Floridas, luxo de arte e de bom gosto num recanto poeirento e tristonho dos subúrbios da Leopoldina! Pois, a linda verdade é que, chegada a hora do concurso, várias choupanas ou casebres de barro e coberta de palha ostentavam, nas suas janelinhas e muro de taipa, festões de verbena, de hera, ou de melão de São Caetano, em molduras graciosas e bem dirigidas! Mãozinhas brancas, pretas, cablocas ou mulatinhas, com auxílio das mãos paternas, já interessadas no caso que se tinham dedicado ao doce mister de beleza e de poesia” (ALMEIDA, 1968:60).

Integrada à região e objetivando educar as crianças e seus familiares

dentro dos preceitos do ensino da higiene, no âmbito da escola ou fora delas, a

Escola criou, em 1925, o “Círculo de Mães”, um curso com programa

especialmente traçado para mães da região, analfabetas em sua maioria. O

curso era ministrado pela diretora da escola, a professora Armanda Álvaro

Alberto, uma vez por semana, que “procurou escrever um programa de

educação familiar em todos os pontos praticável por aquellas a quem se

destinava” (Relatório anual de 1925, p. 3). O programa do curso constava de

três partes: higiene, educação familiar e economia doméstica. Havia um

regulamento com sete itens a serem cumpridos para a participação no “Círculo

de Mães”, cujos pontos principais eram: freqüentar com assiduidade as aulas

do Curso para mães; e cumprir fielmente, em casa, os preceitos de higiene,

educação familiar, ensinados de forma compatível com as condições de cada

família.

No curso do Círculo de Mães, um conjunto de saberes articulados e

sistematizados, com base nos conhecimentos científicos da medicina, era

ministrado pela diretora, entre eles, a puericultura.94 O estudo da puericultura

94 Conjunto de técnicas empregadas para assegurar o perfeito desenvolvimento físico e mental da criança, desde o período de gestação até a idade de quatro ou cinco anos, ou até a

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foi desenvolvido pelos médicos-higienistas com a perspectiva de preservar a

vida das crianças e ensinar regras de higiene às famílias. A diretora da escola,

no Círculo de Mães, em nome do interesse público partilhou da crença no

poder regenerador da educação (MIGNOT, 2002:198).

Inserida no conteúdo programático do curso do Círculo de Mães, na

puericultura eram abordados temas como: Higiene e Puericultura; Puericultura

Individual e Social, Puericultura Pré-Natal; Particularidades anatômicas e

fisiológicas do recém-nascido a termo e normal.95 Apesar do vocabulário

científico, todas as palestras eram proferidas numa linguagem simples,

apropriada ao público alvo. No caso da instrução das mães, a Escola estava

voltada para os propósitos de sempre mantê-las alertas para as questões da

higiene do corpo e da mente, assim como para as questões sanitárias. Olga

Obry (1968:156) apresentou a declaração de D. Cirila, uma das mães que

participava das aulas no Círculo de Mães, sobre a utilidade do curso: “Acha

muito úteis os debates do Círculo de Mães; há tantos problemas, aquêle, por

exemplo, de não espancar os filhos ...; mas, há mães, a senhora sabe, que

precisam ser convencidas...”.

Muitas foram as iniciativas da Escola voltadas para a educação higiênica

dos alunos e de toda a comunidade. Dentre elas, as conferências realizadas

pelo Dr. Belisário Penna a convite da diretora Armanda Álvaro Alberto, no

modesto cinema da cidade, o Cine Merity. As conferências, segundo a diretora

da escola “foi o traço de união definitivo entre a Escola e a população de

Merity” (Relatório anual de 1925, p. 3).

Acompanhando o Dr. Belisário, também proferiram palestras na mesma

conferência o Dr. Savino Gasparini e o Dr. Floriano de Araújo Góes. O ciclo

completo de 7 conferências acompanhadas de apresentação de filmes

relacionados à educação sanitária e outras questões sobre a saúde. Foram

apresentados os seguintes filmes: Educação sanitária do povo; Verminoses;

Impaludismo; Sífilis; Sífilis (para homens); Alcoolismo e Tuberculose.96

Atribuindo crédito à escola primária como local mais propício para

promover a transformação individual e social, os médicos-sanitaristas não puberdade. Fonte: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 95 Textos localizados no Arquivo da Escola Dr. Álvaro Alberto. 96 Idem, ibidem.

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hesitavam em mencioná-la como fonte preciosa de ensinamentos para se obter

uma consciência sanitária.

Partindo da premissa de que a escola é uma instituição social que

expressa a relação de forças do campo social e cultural em que se encontra,

pressupõe-se que a Escola Regional de Merity, uma escola primária

fundamentada nos pressupostos pedagógicos escolanovistas e focada nos

preceitos higienista e sanitarista tenha se transformado em um espaço produtor

e difusor de valores que contribuiu para a construção da nação durante as

décadas de 1920 e 1930.

Dentre os muitos profissionais que atuavam no campo da saúde,

mencionaremos os ideais educacionais do médico-sanitarista o Dr. Belisário

Penna que, durante a década de 1920, proferiu palestras e escreveu diversos

artigos sobre higiene e educação para vários jornais. A circulação da produção

de Belisário Penna, como dos demais médicos-higienistas e sanitaristas

permitiu a presença desse conhecimento junto a outros campos. A educação

foi o meio mais efetivo na medicina preventiva.

Para Belisário Penna era, sobretudo, finalidade da escola primária tratar

da formação social, moral e cívica da criança, pois ela seria a esperança do

futuro, o homem de amanhã. Para se obter uma nação em pleno

desenvolvimento, era preciso investimentos que assegurassem uma política na

área da saúde e da educação direcionada à população, principalmente à

pertencente à região rural.

Diante das ações educativas, em relação aos preceitos do ensino da

higiene, prolongadas as famílias observamos dois elementos que uniam a

escola e a comunidade escolar: o trabalho realizado pela professora visitadora

e as aulas ministradas no Círculo de Mães. Quanto ao papel exercido pela

professora visitadora visualizamos a possibilidade de que, através dos dados

por ela colhido sobre as famílias discriminados nas fichas médicas, um

planejamento mais orientado sobre os temas a serem aplicados no trabalho

escolar e no curso do Círculo de Mães poderia ser melhor direcionado as

necessidades da comunidade escolar. Segundo a diretora da escola, “este [foi]

o vínculo definitivo entre a Escola e a família dos alunos”.97

97 Relatório anual da Escola Regional de Merity, 1925, p. 3.

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3.3 BELISÁRIO PENNA E A REGIONAL DE MERITY

Belisário Penna (1868-1939), nasceu em Barbacena (MG), filho do

Visconde de Carandaí e de Lina Laje Penna. Graduou-se em medicina em

1890, pela Faculdade de Medicina da Bahia. A partir de 1903, empenhou-se na

luta política pelo saneamento dos sertões. Nomeado inspetor sanitário na 4a

Delegacia de Saúde, no Rio de Janeiro, trabalhou no combate à varíola. Em

1905 foi designado para trabalhar na Inspetoria de Profilaxia Rural da Febre

Amarela, incorporando-se à campanha chefiada por Oswaldo Cruz para a

erradicação desta doença no Rio de Janeiro. A partir de então e até 1913,

dedicou-se ao combate de endemias rurais, como a malária e a

ancilostomíase.98

Durante sua trajetória profissional publicou diversos artigos sobre saúde

e higiene. Em 1914, através do jornal Correio da Manhã iniciou uma campanha

"pelo saneamento físico e moral do Brasil". Em 1918, publicou o livro O

Saneamento do Brasil, onde a questão sanitária aparece mais como um tema

político do que de saúde pública. Ainda neste ano, foi nomeado para dirigir o

recém-criado Serviço de Profilaxia Rural, assumindo o cargo de delegado de

saúde. Entre 1920 e 1922, foi diretor de saneamento do Departamento

Nacional de Saúde Pública (DNSP), instalando em 15 Estados os serviços de

profilaxia rural.99

O primeiro contato do Dr. Belisário Penna com a educadora Armanda

Álvaro Alberto aconteceu em 1919, numa das praias de Angra dos Reis, por

intermédio de Francisco Venâncio Filho. A partir desse encontro, tornou-se um

grande colaborador e amigo da educadora. Ainda em Angra dos Reis, onde a

professora Armanda iniciou uma experiência de escola ativa ao ar livre

destinada aos filhos de pescadores locais, o Dr. Belisário Penna enviava

medicamentos que aliviavam a situação precária de saúde das crianças100.

98 Dados biográficos retirados do “Fundo Belisário Penna: inventário analítico” da Casa de Oswaldo Cruz. Departamento de Arquivo e Documentação – Setor de Arquivos Pessoais e de Outras Instituições, 1998, p. 1. 99 Idem, ibidem. 100 Informações contidas em: “Homenagem a Belisário Penna na Escola Regional de Merity”. Palestra proferida pela Diretora Armanda Álvaro Alberto, p. 1. 3/12/1939.

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Ao retornar ao Rio de Janeiro, em 1921 a educadora deu continuidade

ao seu trabalho e fundou a Escola Proletária de Merity, posteriormente

denominada Escola Regional de Merity. Reconhecendo o trabalho educativo e

social realizado pela educadora, o Dr. Belisário, nessa época diretor do DNSP,

enviava doações de medicamentos ao gabinete médico da escola. Em 1925, foi

aclamado sócio benemérito da Fundação Dr. Álvaro Alberto, mantenedora da

então Escola Regional de Merity.

A convite da diretora da escola, foi a Merity realizar uma série de

palestras. Rememorando esse momento, a diretora relatou: “Assim foi que, em 1925, encontramo-nos de novo, dessa vez pessoalmente em Merity, vindo ele fazer a nosso pedido, duas ou três conferências, na sala do modestíssimo cinema que então existia aqui. Veio e ainda nos trouxe a colaboração do doutor Savino Gasparini, seu discípulo na arte de se comunicar com o povo”(Idem, ibidem).

Em conferência proferida no Cine Merity, em 1925, o Dr. Belisário

Penna, seguindo o pensamento ideológico do movimento sanitarista nos anos

1920, expôs várias questões sobre higiene e saúde, para as quais a escola

seria o meio de divulgação e transmissão.

Conhecedor dos hábitos e costumes, e da cultura do povo brasileiro,

falou ao povo pobre da região da Baixada Fluminense que era preciso “ensinar

o nosso povo a viver com saúde nos campos”. De forma simples e adequada

ao público que explanava, passava sua mensagem. O homem culto que sabia

como se dirigir e falar à massa foi lembrado por Armanda Álvaro Alberto: “E aquele Belisário Penna, senhores, que sabia falar o linguajar de quasi todos os rincões do Brasil, porque os percorria detidamente, que imitava o caipira com seus trejeitos e manhas que fazia rir com os “causos” contados a propósito, que fazia chorar porque junto a sua piedade era como a de um irmão, que fazia franzir de indignação pelo abandono de gente de qualidades aproveitáveis, e a quem devemos tanto, afinal aquele Belisário só existiu pra nós que o vimos nos seios populares, sem constrangimento, natural, dando-se todo a ação de educar as massas rurais”(Idem, p.2).

Ainda segundo as lembranças da diretora, o trabalho do Dr. Belisário

Penna apresentando à sociedade a realidade da vida nos “sertões” e o

sertanejo, propiciou que a visão estereotipada do homem do campo como o

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“caipira”, improdutivo, miserável e amaleitado, fosse desfeita. Seu trabalho

também serviu de referência a Monteiro Lobato. “Deixou de ser moda ridicularizar a torto e a direito o homem e amaleitado a roça. E essa atitude nova de compreensão de que eram causas bio-sociais, influindo e sofrendo a influência e o abandono em que viviam milhões de patrícios, expressou-a Monteiro Lobato, naquele famoso prefácio a 2a edição dos “Urupes”, pedindo perdão a Jeca Tatu pela injustiça com que o tratara antes”.

Em sua obra de educação das massas, Belisário Penna, no largo âmbito

de sua especialidade e buscando o sentido profundo de educar, pela sua

campanha, contribuiu para acentuar as denúncias em relação ao abandono e

descaso dos poderes públicos com a população da região rural. Belisário

Penna, chamado pela diretora de “figura apostolar”,101 foi um dos maiores

colaboradores da escola.

Em seu discurso, proferido na conferência de 1925, compondo o

discurso higienista e sanitarista enfatizou que a criança tinha direito à

civilização e ao aprendizado das conquistas da ciência moderna. Pois seria ela

a esperança do futuro, a segurança da nacionalidade. “Se quisermos nos constituir em nação respeitável, precisamos reagir contra esses dois flagelos [a ignorância e a doença], incentivando a instrução, a educação e o saneamento, a começar pela salvação da criança desde a gestação até a idade pós-escolar, quando ela já poderia orientar-se na vida com relativa segurança”(PENNA, 1968:70).

Os principais elementos, segundo as palavras do próprio Dr. Belisário

Penna, na construção e consolidação de um ambiente saudável, esclarecido e

consciente seriam a criança e a família: [...] A criança em idade escolar, instruída em noções práticas, claras e seguras de história natural e de higiene, é um elemento apreciável de propaganda no seio da família e entre as pessoas das respectivas relações. A proporção do seu desenvolvimento físico e intelectual, uma vez ministrado o ensino, gradativamente, esses conhecimentos se gravarão de vez nos seus cérebros receptíveis, concorrendo para o abandono de velhos hábitos, aquisição de novos, salutares, modificação do ambiente...”.(Idem, p. 71)

101 Relatório Anual da Escola Regional de Merity, 1925, p. 3.

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A criança, vista como representação do futuro, como o futuro construtor

de uma nação desenvolvida, era recorrente nos discursos higienistas. Um novo

olhar sobre a infância circundava os debates nacionalistas nas três primeiras

décadas do século XX. A criança deveria ser resguardada desde a infância,

pois dela dependeria a formação do indivíduo, da família e o prestígio da

nação.

No discurso sanitarista é perceptível uma orientação de moldar as

crianças pobres dentro de um padrão cultural legitimado pela elite dominante.

As crianças eram submetidas a incorporarem um capital cultural estranho ao

seu meio e à sua cultura. Elas aprenderiam a ser autodisciplinadas. Os agentes

do movimento higienista e sanitarista engajados num projeto maior de

construção de uma identidade nacional pretendiam “produzir sujeitos

higiênicos, higienizados e higienizadores, preconizando, assim, a emergência

de uma arte de dirigir a sociedade”.102

A apropriação da infância como objeto privilegiado de intervenção,

justificaria o papel central atribuído à escola primária. E no corpo estrutural da

escola, o professor primário seria o orientador e saneador da mentalidade

coletiva, e criador da consciência nacional.

Seguindo o discurso de Belisário, a escola primária seria o espaço

primordial para a formação dos cidadãos que atuariam na construção da

identidade de um país civilizado e desenvolvido. Seguindo esse viés, a Escola

Regional de Merity seria o modelo de instituição escolar primária a ser seguido

por “todos aqueles que desejassem contribuir para a evolução do organismo

brasileiro, dentro das leis imutáveis da Biologia Humana, dos preceitos

científicos da Higiene, da Eugenia e da Educação intelectual, moral e cívica”

(PENNA, 1968: 69).

No entanto, não deixa de se inserir entre esses elementos a importância

do papel do professor, pois, segundo ele, [...] o magistério não deve ser exercido apenas como um meio de vida, ou um dever burocrático, e sim com a consciência de que depois da responsabilidade dos pais, nenhuma é tão grave, pela influência na formação da mentalidade do indivíduo, quanto

102 RIZZINI 1995, APUD MAGALHÃES, S. M. O.; BARBOSA, I. G. - Do topo de uma montanha temos um ótimo ângulo de visão das coisas... Mas será que podemos ver tudo? Uma reflexão sobre as políticas públicas para a educação da infância. Revista da UFG, Vol. 5, No. 2, dez 2003. Disponível on line: www.proec.ufg.br. Acessado em 27/12/2007.

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a do professor, sobretudo a do professor primário, que recebe, em primeira mão, um cérebro virgem e maleável, onde indelevelmente se gravam as imagens, os exemplos e os ensinamentos”(Idem, p. 74).

A escola, assim como o professor, possuía uma imensa importância na

formação não só do aluno, como de todos aqueles que fazem parte de suas

relações. Segundo ele, a professora primária seria a “Bandeirante e Guardiã da

saúde” que alicerça em solo fértil, o processo de desenvolvimento de um

indivíduo sadio, criativo e próspero. “Povo sadio e vigoroso é, naturalmente,

produtivo e rico [...], patriota e moralizado” (Idem, p. 75-76).

E, ainda, segundo Belisário Penna, a função do professor primário nas

camadas menos favorecidas seria incomparavelmente mais importante do que

a dos pais do educando, pois estes seriam pessoas rudes e ignorantes.

Caberia aos professores a tarefa da formação da consciência sanitária, pela

inculcação de hábitos salutares nos alunos e em seus lares. Iniciativa esta que

passava pela criança e pela família através do ensinamento, da informação. E

que a prática dos preceitos higiênicos escolares e familiares deveria colaborar

para se constituir um hábito.

A figura do professor para os médicos higienistas diletantes da

educação, numa medida perigosa de imitação, teria um grande poder de

sugestão sobre a criança, transmitindo-lhe “hábitos de asseio, modos de

arranjar-se e de vestir-se, precauções hygienicas em favor do próprio ou dos

outros, temperança, etc.” (ALMEIDA JUNIOR, Apud ROCHA, 2003:187).

Belisário Penna (1968:70) afirmou que, “nenhuma influência seria mais

decisiva do que a do professor primário na orientação psíquica dos seus

discípulos e na formação da consciência sanitária”. Nesse momento da história,

tendo como referência o pensamento do movimento higienista, recaía sobre o

professor primário a responsabilidade de educar, instruir e moldar a criança

inculcando os preceitos higiênicos legítimos do grupo social dominante, a elite

dirigente.

No entanto, não deixou de criticar os poderes públicos que exigiam do

povo o cumprimento das leis através de regulamentos severos, já que eles não

cumpriam seus deveres, não dando e nem servindo de exemplo à nação. “Os maus exemplos dos governantes, na transgressão dos seus deveres legais e sociais, com irresponsabilidade e impunidade,

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contaminam, perniciosamente, todas as classes, infiltram-se na mentalidade receptível das crianças e dos jovens, trazendo como conseqüência o domínio da imoralidade e da anarquia” (PENNA, 1968: 71).

Assim como os adultos, o povo, a criança é imitadora e assimiladora das

condutas e exemplos vivenciados. Por isso, a importância da escola, assim

como do professor, não só no preparo intelectual e moral dos cidadãos, mas,

sobretudo, o de transformá-los em bons instrumentos educativos do meio em

que vivem.

Abraçando os conhecimentos da “nova pedagogia”, assinalou que a

criança em idade escolar, instruída a partir das noções práticas e seguras da

história natural e da higiene será o melhor veículo de propagação, no seio da

família e entre as pessoas, das respectivas relações.

Fazendo uma analogia com a Escola Regional de Merity, o Dr. Belisário

Penna aludiu sobre a função da escola primária naquele momento. Sua função

ia além do ato de alfabetizar e do ensino de rudimentos de aritmética. “Sua

missão é, principalmente, educadora, no sentido mais elevado dessa função de

ordem psíquica, moral e social” (Idem, p. 73).

A Regional de Merity, sob a direção da professora Armanda Álvaro

Alberto, tinha como finalidade e objetivo promover a educação integral

(intelectual, física e moral), considerando os interesses, necessidade e vivência

dos alunos. Observamos no conjunto de suas atividades, um direcionamento

não apenas as crianças, mas, também as suas famílias “indicando as formas

corretas [no que tange os preceitos higiênicos] de viver a vida cotidiana”

(ROCHA, 2003:194).

Estabelecida essa interação, esse seria o caminho, segundo Belisário

Penna, seguro e viável para prestar o melhor atendimento às mães e à

infância, no que tangia a uma instituição escolar através do ensino da

puericultura e higiene. Utilizando-se das palavras de Pestalozzi: “Conhecer o

que é o homem e do que ele necessita, o que o eleva e o deprime, o que o

fortifica e o debilita, é um dever tanto para os dirigentes de povos, como para o

habitante da mais humilde choupana”, Belisário Penna expressou que seria

“pela instrução higiênica do povo através do magistério primário” que o ideal

orgânico e básico da saúde se estabeleceria (PENNA, 1968: 75).

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Nesse sentido, a Escola Regional de Merity agregou em sua proposta

educacional os elementos acima expostos, sendo referência para Belisário

Penna de um espaço em que “...[se] cuida de fato, com inteligência e carinho,

da saúde das crianças, se acompanha cientificamente o seu desenvolvimento

físico e intelectual, se ensinam e se praticam preceitos de higiene...”(Idem, p.

76).

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CAPÍTULO 4 UMA ÉPOCA, UM TURBILHÃO DE IDÉIAS (1882 – 1930): O PROCESSO DA RENOVAÇÃO DA EDUCAÇÃO PRIMÁRIA E SUA INFLUÊNCIA NA ESCOLA REGIONAL DE MERITY.

A historiografia sobre a instrução primária nos aponta que, desde a

segunda metade do século XIX, a questão política da educação popular

envolveu, em todo o Ocidente, a discussão sobre as organizações política e

administrativa, e didático-pedagógica para o ensino primário.

No Brasil, essa discussão entrou em voga em meados do século XIX,

com as propostas postas no processo de renovação dos programas escolares

através de intelectuais engajados na renovação educacional do país.

Movimento de renovação que continuou durante as primeiras décadas do

século XX. Nesse contexto, insere-se o objeto dessa pesquisa, a Escola

Regional de Merity, o que nos permitiu visualizar a estreita relação dessa

experiência educacional e o contexto histórico em que se situava.

De acordo com Bourdieu (1993), só é possível compreender uma obra,

seu valor ou a crença que lhe é dada após conhecer a história do campo no

qual foi produzida. Nesse sentido, iremos reconstituir parte do contexto

histórico e social do final do século XIX, até as duas primeiras décadas do

século XX, no intuito de compreender, na multidimensionalidade das práticas e

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dos agentes praticantes, algumas estratégias e mecanismos por eles utilizados

na construção de uma nova organização no campo da educação brasileira.

Uma das primeiras ações direcionadas à renovação da educação, em

âmbito legal, foi o parecer da reforma do ensino primário apresentado por Rui

Barbosa, em 1882. Expressando suas idéias sobre a educação de sua época,

nesse texto expressou que seria indispensável uma renovação pedagógica

usando como paradigma as iniciativas realizadas nos países mais

desenvolvidos, o que, de certa forma, desqualificava as escolas e práticas

desenvolvidas no campo da educação escolar no país, por considerá-las

ultrapassadas.

No final do século XIX e início do XX, um intenso debate sobre a

questão política da educação popular tendo como questões centrais o

conteúdo e método de ensino, assim como a melhor organização pedagógica

para a escola primária fez parte dos discursos proferidos pelos intelectuais e

políticos da época. Em toda parte, como afirma SOUZA (2000:11), “difundiu-se

a crença no poder da escola como fator de progresso, modernização e

mudança social. A idéia de uma escola nova para a formação do homem novo

articulou-se com as exigências do desenvolvimento industrial e o processo de

urbanização”.

Embora o país ainda estivesse ligado aos laços da estrutura da

sociedade imperial, a idéia de modernidade começa a se configurar entre o

meio intelectualizado nos discursos políticos e sociais. Grande parte da

intelectualidade debruçava-se em debates sobre os rumos do recém-instalado

regime republicano e seus laços com os interesses oligárquicos, considerando

que o mesmo não ergueria o país rumo ao progresso.

O poder público não ficou alheio às questões educacionais postas nos

debates nacionalistas. O Distrito Federal (Decreto 891, de 8/11/1890) e o

Estado de São Paulo (Lei 88, de 8/9/1892 e Decreto 144-B, de 30/12/1892)

foram as primeiras unidades federativas a realizarem as primeiras reformas

que resultaram em um sistema público de ensino primário gratuito. Sem

nenhuma proposta ou direcionamento do governo central, o Estado de São

Paulo deu início a um modelo de instituição de ensino denominado Grupo

Escolar que, a partir de sua organização escolar, serviu de modelo a várias

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instituições particulares, dentre elas a Escola Regional de Merity objeto de

pesquisa dessa dissertação de mestrado.

De acordo com os historiadores da educação brasileira, esse novo

modelo de instituição escolar foi entendido como reflexo de modernidade e

urbanização estabelecido pelo novo Regime, a República, que buscava, dentro

de um projeto mais amplo, a construção de uma nação “civilizada” através da

educação.

Diante de uma conjuntura política oportuna, a intelectualidade103

procurava estabelecer seu projeto político, redefinindo a própria república. A

construção de um grande projeto de edificação da nação brasileira via-se

comprometido pela herança limitada do patrimônio de homens livres em uma

sociedade escravocrata. Um dos meios apontados como dos mais importantes

na consolidação e afirmação da nação em bases modernas, nos discursos

nacionalistas, foi a educação (MAGALDI, 2003:419).

No bojo desse processo, a escola primária foi (re) inventada com novas

finalidades, outras concepções educacionais e organização de ensino. No

contexto das reflexões política e pedagógica, temas variados sobre a nova

organização escolar foram abordados. Entre eles, podemos citar: métodos de

ensino, a ampliação dos programas com a inclusão de novas disciplinas, livros

e manuais didáticos, a classificação dos alunos, a distribuição dos conteúdos e

do emprego do tempo, o mobiliário, materiais escolares, a arquitetura, a

formação de professores.

As pesquisas em torno do ensino primário e a renovação pedagógica no

período da primeira República mostram que alguns intelectuais diletantes da

educação implantaram iniciativas em prol da educação popular de grande

repercussão política e social para a época: conferências educacionais, criação

de escolas populares, cursos noturnos para adultos e fundação de escolas

profissionais (SOUZA, 1998:30).

Nessa parte da dissertação dividimos a pesquisa em três momentos: no

primeiro momento tentaremos nos ater às “primeiras ações para a renovação

103 Intelectuais que passaram pela memória nacional por sua atuação pública não só na política, mas também na educação, na cultura, na medicina preventiva, na literatura, etc, como: Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Francisco Campos, Armanda Álvaro Alberto – campo da educação; Mario de Andrade – na literatura; Oswaldo Cruz, Belisário Pena, Artur Neiva, Carlos Chagas, etc. – campo da saúde.

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do ensino primário no cenário educacional brasileiro” tomando as questões

postas no parecer de Rui Barbosa. No segundo momento explanaremos sobre

“a renovação da educação primária e a cultura material escolar na República”,

tendo como base a reforma paulista de 1892 que deu origem aos grupos

escolares. Tal reforma surgiu no “interior do projeto político republicano de

reforma social e da difusão da educação popular” (Idem, ibidem). A nova ordem

escolar estabelecida, através da Lei 88 de 1892, posteriormente, serviu de

modelo de organização escolar para diversos estados brasileiros. No terceiro

momento, abrimos um espaço para aludirmos sobre “as novas propostas,

embates e debates para o ensino primário na Capital Federal”. E finalizando,

abordaremos alguns “aspectos renovadores do ensino primário na organização

do projeto educacional da Escola Regional de Merity”, assim como a

organização do ensino e a arquitetura escolar, isto é, a nova cultural material

escolar estabelecida no projeto de renovação do ensino primário brasileiro.

Na tentativa de entender o panorama da instrução primária que se

delineava naquele momento da história da educação, nos apropriamos de

informações contidas nos jornais da época e documentos referentes ao projeto

educacional da Escola Regional de Merity e sua fundadora, existentes no

arquivo público do PROEDES e do Instituto Histórico da Câmara Municipal de

Duque de Caxias, no marco temporal delimitado pela pesquisa (1921-1937).

Como aporte teórico para o campo das inovações pedagógicas no Brasil

durante o período da Primeira República, nos balizaremos, principalmente, nas

obras de Rosa Fátima de Souza.104

4.1 PRIMEIRO MOMENTO: PRIMEIRAS AÇÕES PARA A RENOVAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO

Ao abordamos a questão da renovação da educação primária no Brasil,

o estudo nos conduz a retroceder um pouco ao marco temporal delimitado para

a pesquisa em desenvolvimento. Não deixando de ressaltar que o objeto de

pesquisa dessa dissertação de mestrado está intrinsecamente relacionado à

104 Autora e professora Doutora da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista – UNESP, onde desenvolve atividades de docência e pesquisa nas áreas de História da Educação e Currículo.

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questão da renovação do ensino primário por ser uma instituição de ensino

primário, popular e regional que congregava, em sua organização escolar,

diversos elementos tidos como “inovadores” à sua época.

Será no contexto histórico da educação brasileira, final do século XIX e

nas duas primeiras décadas do século XX, que elucidaremos, brevemente,

nesta parte da pesquisa, os principais aspectos sobre os agentes promotores

da renovação do ensino primário no Brasil e suas ações mobilizadoras. Sendo

essa dissertação uma pesquisa de cunho histórico, coube-nos explorar, ou pelo

menos supor, os múltiplos significados vividos por esses atores, singulares ou

coletivos, em diferentes momentos de suas trajetórias sociais, políticas e

educacionais.

Ao tratarmos das inovações pedagógicas no ensino primário no Brasil

tendo como respaldo as determinações legais, é imperativo voltarmos nossa

atenção para o parecer de Rui Barbosa acerca da Reforma do ensino primário

e várias instituições complementares da instrução pública (1883).105

Segundo Faria Filho (1999), é preciso ver a legislação como uma prática

ordenadora das relações sociais. Buscaremos analisar o parecer sobre a

reforma do ensino primário como uma forma discursiva de intervenção e

produção de práticas sociais. Muitas das concepções e propostas contidas no

parecer irão servir de base para as reformas da instrução pública em várias

províncias na década de 1880, e mais tarde, nos primeiros anos da República,

pelos Estados.

Embora pretendamos nos guiar pelas orientações da legislação oficial,

não devemos nos furtar de mencionar que iniciativas particulares no Estado

de São Paulo já traziam, em sua organização escolar, propostas inovadoras

de ensino. Em 1870, os missionários presbiterianos criaram a Escola

Americana em São Paulo. E os metodistas, em 1881, o Colégio Piracicabano

para meninas. Ambas instituições empregavam os postulados pedagógicos

de Pestalozzi e Froebel, que foram postos em circulação nas escolas norte-

americanas no início dos anos 1880. Maria Lucia Hilsdorf (apud VIDAL, 105 Rui Barbosa apresentou ao Parlamento brasileiro dois pareceres em 1882: um sobre a reforma do ensino secundário e superior e outro sobre o ensino primário. Os Pareceres foram elaborados para servir de subsídio à discussão do projeto de Reforma do Ensino Primário e Secundário no Município da Corte e Superior em todo o Império em substituição à reforma instituída por Leôncio de Carvalho em 1879 (SOUZA, 2000:25).

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2005:149) menciona, também, o Colégio Internacional (Campinas, 1873),

Instituto Novo Mundo (Itu, 1875) e o Colégio Morton (capital, 1880). Essas

iniciativas, com suas propostas pedagógicas inovadoras, provavelmente,

serviram de modelo para as reformas do ensino primário.

A historiografia da educação brasileira pouco nos revela sobre a

instrução primária de instituições particulares, no entanto, nos abastece de

variados estudos sobre a instrução pública. Tais estudos nos afirmam que em

meados do século XIX, no Brasil, difundiu-se a instrução pública e sua

renovação. Balizados pelos interesses políticos e econômicos, os intelectuais

dirigentes esboçaram uma preocupação com a instrução popular como meio de

habilitação dos homens para a construção de uma nação moderna. Porém,

será no final do século XIX que a elite intelectual brasileira intensificará seus

propósitos em colocar o Brasil no nível das nações mais avançadas, superando

a atraso cultural através da instrução escolar.

Nesse contexto, os debates sobre a questão do ensino primário para a

massa popular e uma nova organização pedagógica para a escola primária se

intensificaram.Fazia-se necessário, naquele momento histórico, referendar a

idéia de que a instrução popular seria estratégia imprescindível à marcha do

progresso, transformando homens simples em cidadãos, conferindo significado

à idéia de nação.

Tornando-se componente teórico, durante o século XIX, a ciência

passou a ser elemento fundamental nos debates de toda a elite intelectual

brasileira. Vários intelectuais, “homens de ciência”, se apropriavam da literatura

internacional para exporem suas opiniões na imprensa e na política,

tencionando interpretar “a realidade brasileira à luz dos avanços científicos”

(SOUZA 1998:173). O grupo tinha a concepção de que a ciência preparava

para a vida racional e para o trabalho, tanto na agricultura quanto na indústria.

Cabe ressaltar que, nesse período, a expansão da escola pública,

universal e gratuita nos países desenvolvidos representava, de certa forma,

qualificação para o trabalho técnico industrial e, conseqüentemente, a

eliminação do analfabetismo. Apesar de o Brasil não compartilhar de tal

realidade cultural e econômica avançada, muitos intelectuais já se

posicionavam para efetivar ações que erguessem o país ao patamar

semelhante ao dos países desenvolvidos.

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Dentre os intelectuais e políticos da época, tomaremos as idéias liberais

de Rui Barbosa como exemplo de iniciativas na rota do desenvolvimento do

país. Influenciado pelas discussões de sua época e conhecedor das iniciativas

inovadoras de instituições educacionais particulares no Estado de São Paulo,

envolveu-se na questão da reforma do ensino.

Naquele momento da história brasileira, últimas décadas do século XIX,

o ensino primário estava praticamente abandonado pelas autoridades e a

massa da população continuava analfabeta, sem perspectivas de obter

qualquer tipo de educação.

Designado como relator da Comissão de Instrução Pública, Rui Barbosa

procurou documentar amplamente o substitutivo tomando como referência farto

material bibliográfico norte-americano e europeu disponível, reforçando sua

convicção de que ignorância era sinônimo de atraso e miséria, enquanto

cultura e ensino de bom nível traziam desenvolvimento e riqueza material.

No final do século XIX, a escola popular foi elevada à condição de

redentora da nação e de instrumento de modernização por excelência. O que

claramente fica colocado no substitutivo de reforma do ensino primário

apresentado por Rui Barbosa. A educação no império ressentiu-se de ações

que expandissem a instrução escolar em âmbito nacional. Para uma população

equivalente a 12 milhões de habitantes, a matrícula nas escolas primárias

existentes não chegava a 260 mil. Dado relevante que pode ter conduzido Rui

Barbosa, diante dos estudos sobre a situação escolar dos países

desenvolvidos, a proclamar seus esforços em prol da educação popular e por

uma nova organização pedagógica que atendesse às demandas do país

naquele momento.

Em seu parecer sobre a reforma do ensino primário, Rui Barbosa

apresenta um rigoroso estudo da situação escolar do país à época. Faz uma

análise, tanto dos princípios pedagógicos quanto de uma descrição do

cotidiano escolar brasileiro. E assinala que o progresso da nação deveria estar

alinhado ao trabalho e à instrução popular.

A necessidade de expansão da escola primária fazia-se presente diante

das demandas sociais e políticas que a proposta de construção de um país

civilizado e moderno solicitava. Partindo dessa premissa, a intelectualidade

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tinha como ideário um projeto de construção de nação desenvolvida,

principalmente, nos moldes europeus.

Tendo Rui Barbosa a escola como eixo norteador em seu parecer, não

concebia que esta fosse restrita a tão poucos, tendo em vista a necessidade de

lucidez para preparar homens para vida social. Uma escola pautada quase que

exclusivamente na memorização, que não conduzia o indivíduo à descoberta

de suas potencialidades, de seus talentos e vocações. Pois, segundo o autor

do parecer, a escola brasileira do século XIX, modelava homens sem

perspicácia, incapazes de pensar. Sendo esses, produtos de uma educação

insignificante que não conduziria o país ao patamar do progresso almejado

pela elite intelectualizada.

O parecer aponta denúncias significantes para que possamos entender

o movimento trazido pelo autor sobre a educação de sua época. Denuncia a

ausência de método e racionalidade no ensino, além da arquitetura escolar

existente ser imprópria para abrigar as características infantis. O método de

ensino vigente seria arcaico e inadequado. Diante de uma instrução opaca, o

modelo de ensino destinado às crianças refletia o povo que se modelava: “Do material técnico de ensino existem apenas os elementos mais rudimentares e os tipos mais primitivos. Tudo está revelando o domínio absoluto da palavra autoritária do mestre, ou das fórmulas ferrenhas do compêndio, servidas pela memória passiva do aluno. Nada fala aos olhos da criança: nada lhe provoca os instintos de observação, nada lhe desperta a espontaneidade; nada a põe em contato com o mundo e a natureza. Nem cartas murais, nem coleções de objetos para as lições pelos sentidos, nem sequer os mais grosseiros meios de experimentação. A inviolabilidade das paredes é religiosamente observada, em alguns desses estabelecimentos, graças a recomendações estritas, que apenas se poderia compreender, se víssemos provida a escola de porta-cartas alunos os quadros, as estampas, os modelos precisos. .O quadro preto., diz um dos mais eminentes pedagogistas americanos, .é tão necessário ao mestre como o arado ao agrícola, a plaina ao carpinteiro, ou a lanceta ao cirurgião. Importa alargá-lo pelo menos, a toda a extensão do estrado de onde fala o mestre e multiplicá-lo por todos os claros de que se possa dispor. Não sei de professor que já se queixasse de excesso de pedra”(RUI BARBOSA apud BOTO, 1999:260).

Visualizando a importância da instrução pública para a camada popular,

em substituição à instrução primária existente, Rui Barbosa defendia uma

escola primária obrigatória e laica, com duração de oito anos, dividida em três

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graus: o elementar e o médio, cada um com dois anos de duração, e o

superior, com quatro anos. Em sua concepção, a antiga escola de primeiras

letras deveria ser substituída por uma escola primária moderna, com um ensino

renovado e um programa enciclopédico, direcionada para o progresso do país

(SOUZA, 2000:12).

Pautando-se nos exemplos estrangeiros e em suas reformas efetuadas,

um outro ponto em questão era a crítica ao ensino religioso que estava

intrinsecamente atrelado à liberdade de ensino. Defendia uma escola laica sob

controle do Estado. Carlota Boto (1999) nos afirma que a intenção de Rui

Barbosa não era extinguir nenhum ramo de instrução, mas sim, dar laicidade à

escola pública, já que, em muitas das instituições de ensino, quem ministrava

as aulas eram leigos que não teriam qualificação para lecioná-las. Apesar da

crítica, ponderava que o ensino religioso, não vinculado ao currículo oficial,

poderia ser oferecido por representantes das várias crenças nas escolas, mas

num horário alternativo, fora do horário regular de ensino.

Com base no parecer, na concepção de Rui Barbosa, em relação ao

ensino ministrado nas escolas de sua época, o poder público deveria assumir a

responsabilidade na tarefa de irradiar “luzes contra as sombras do

obscurantismo” (BOTO, 1999:267), isto é, levar o conhecimento às massas.

Pois investir na instrução da camada popular seria um sinal de acuidade e

orientação administrativa, necessárias para impulsionar a grandeza do Estado.

No Brasil da década de 1880, onde, de maneira geral, a educação era

calcada, quase que exclusivamente, na memorização dos conteúdos pelos

educandos, onde a criança era esculpida como tabula rasa, para o autor do

parecer cabia criar um método de ensino. A reforma escolar exigia uma

mudança geral e mais contundente de toda a rotina pedagógica.

Partindo dessa premissa, o eixo central da renovação pedagógica

apresentado e exaltado no parecer foi o “método intuitivo”, conhecido também

como “lições de coisas”, fundamentado nas idéias de Pestalozzi e Froebel, que

“pressupunha uma abordagem indutiva pela qual o ensino deveria partir do

particular para o geral, do conhecido para o desconhecido, do concreto para o

abstrato. Afirmava que esse “método poderia triunfar sobre o ensino verbalista,

repetitivo, enraizado na memória e nas abstrações inúteis praticado nas

escolas de primeiras letras do Império” (Idem, p. 12-13). O método tradicional

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empregado nas escolas da época, aos poucos, cedeu espaço ao método

intuitivo. O princípio desse método residia na defesa da intuição da criança

como recurso indispensável para o verdadeiro aprendizado.

No bojo das propostas do parecer estava integrada uma alteração no

currículo escolar existente. Os velhos programas de ensino que ocultavam das

crianças o mundo dos fatos, aqueles que não existiam para além das palavras,

deveriam ser abandonados. A prática pedagógica exigiria do professor, quando

não estivessem disponíveis os fatos originais a serem observados “improvisar,

com desenhos ou gravuras, meios auxiliares de que o método intuitivo possa

lançar mão”(VALDEMARIN, 2006:94).

Tendo em vista a necessidade de ampliação da cultura escolar para o

povo, isto é, a formação de uma classe trabalhadora conformada às exigências

do desenvolvimento econômico e social do país, um programa enciclopédico foi

proposto no parecer. O programa de ensino proposto por Rui Barbosa em seu

parecer abarcando as diretrizes do método intuitivo, (Idem, ibidem)

compreendia: educação física, música e canto, desenho, língua materna,

rudimentos das ciências físicas e naturais, matemática e taquimetria (estudo da

velocidade), geografia e cosmografia, história, rudimentos da economia política

e cultura moral e cívica (SOUZA, 2000:15).

Vislumbrando uma renovação na escola primária de sua época, Rui

Barbosa apresenta uma análise dos possíveis erros no ensino ministrado: a

valorização intelectual do mestre, suas crenças e valores a serem transmitidos

como concepções primordiais na formação dos educandos.

As questões postas sobre a renovação pedagógica indicavam que, para

uma real transformação do ensino primário, seria necessário conceber novas

maneiras e práticas de ensino. Isto significava que, para a adoção de uma nova

pedagogia, algumas ações seriam imprescindíveis, tais como: investir na

formação um novo professor e, conseqüentemente, um novo trabalho docente;

uma nova organização da escola primária, espaços escolares maiores e

materiais didáticos adequados a essa nova pedagogia. Isto é, uma nova ordem

escolar estava sendo esboçada nos discursos e ações educacionais.

O processo de implantação de boa parte das concepções e propostas

educacionais somente foi concretizado com o advento da República.

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Ideologicamente, empunhar-se-ia a escola como bandeira de edificação do

futuro, alavanca propulsora da reconstrução nacional no novo regime.

4.2 SEGUNDO MOMENTO: A RENOVAÇÃO DA EDUCAÇÃO PRIMÁRIA E A CULTURA MATERIAL ESCOLAR NA REPÚBLICA

Revisando a literatura para entendermos os condicionantes que levaram

a uma renovação da educação primária no Brasil, nos remetemos às escolas

de ensino elementar ou de primeiras letras no período do Império como estudo

de base. Nesse sentido, fez-se necessário sintetizarmos alguns pontos

referentes a este nível de ensino por considerarmos relevantes ao

desenvolvimento e entendimento da pesquisa em questão. Observando a

organização escolar e a inserção de uma cultura escolar inovadora nesse

período teremos melhor compreensão do processo de renovação educacional

no Brasil após a República, e o quanto a organização escolar do projeto

educacional da Escola Regional de Merity se apropriou dessas inovações.

A literatura sobre as tentativas de organização do ensino primário

público, ainda no Império, nos informa que algumas reformas106 foram

realizadas. No entanto, o que se viu na prática foi que a maioria dos

dispositivos não foi cumprido. As incipientes tentativas de reforma do ensino

ocorridas nesse período não diminuíram as disparidades educacionais do país,

pelo contrário, como ficou claro nos Pareceres de Rui Barbosa, serviram de

corolário para ratificar a incompetência e a incapacidade do Estado em

solucionar tais diferenças. Desta maneira, o Brasil aporta à República com uma

elevada taxa de analfabetismo e vergonhosa parcela da população excluída da

sociedade.

Ao alvorecer a República, em 1889, os líderes que assumiram o poder

do novo regime executaram as propostas da nova pedagogia, propiciando uma

nova organicidade ao ensino primário, principalmente, no Estado de São Paulo.

Nesse período, utilizando uma metáfora, o Brasil com sua educação, a

chaga nacional, parecia um “imenso hospital”. (BOMENY, 1993:24) O novo

regime nascia com o desafio de minimizar as chagas mais profundas: a doença 106 Decreto Imperial (15/10/1827); Reforma Couto Ferraz (decreto n. 1.331-A 17/02/1854); Leôncio de Carvalho (decreto n. 7.247 de 19/04/1879).

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do analfabetismo e, além da questão da educação, abrangiam a saúde pública,

incluindo as questões de saneamento e higiene nos ambientes insalubres dos

“sertões” nacionais, fruto do descaso do poder público.

As ações legais e os estudos sobre a educação primária nesse momento

da história brasileira, nos afirmam o desinteresse e descaso do poder público

pela educação elementar ou primária de cunho público, voltado à massa

populacional, o que explica o surgimento de diversas escolas particulares em

todo o país. Configurando sua ação dentro desse panorama educacional, o

movimento de renovação da escola primária empreendido pelos primeiros

governos republicanos teve um profundo significado político, social e cultural.

4.2.1 Lei 88, de 8/9/1892 e Decreto 144-B, de 30/12/1892.

Apoiados nos estudos da história da educação brasileira, observamos

que, mais uma vez, as intenções de melhoria da educação primária destinada à

população ficaram apenas no papel. Após esta iniciativa, as reformas que

contemplaram o ensino na Primeira República se deram em âmbito local, isto

é, aconteceram em alguns Estados.107

Souza (1998:26) afirma que: “(..) a educação no projeto liberal paulista tornou-se uma estratégia de luta, um campo de ação política, um instrumento de interpretação da sociedade brasileira e o enunciado de um projeto social”.

Partindo da premissa de que os republicanos tinham como intenção e

projeto a construção de uma nação civilizada e moderna, utilizando como

instrumento e estratégia a educação escolar, seria necessário apresentar uma

107 Ao lado das reformas de cunho mais organizacional, - Reforma Rivadávia Correia (1911), Reforma Maximiliano (1915) e a Lei Rocha Vaz (1925) -, as reformas estaduais de ensino, assinadas por educadores de grande significação na história da educação brasileira começaram a efetivar-se em diversos estados como São Paulo, por Sampaio Dória (1923/24); Ceará (1924) por Lourenço Filho; Bahia (1924) por Anísio Teixeira; Distrito Federal (1922/26) por Carneiro Leão e Pernambuco (1928), no Rio Grande do Norte (1925/28) por José Augusto; em Minas Gerais (1927/28) Francisco Campos e Mário Casasanta; e novamente Anísio Teixeira na Bahia (1928).

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proposta de escolarização destinada à grande parte da população que ficou,

até então, sem nenhuma oportunidade de instrução.

Em meados da última década do século XIX, efetivamente, a educação

popular tornou-se um dos elementos de luta dos liberais republicanos.

Delineando os meandros da educação desse período da história brasileira

Gizele de Souza (2007:40) revela os vestígios de uma nova cultura material

escolar108 sendo introduzida nas escolas brasileiras através do modelo escolar

republicano: “Na tarefa de atender aos propósitos republicanos de “instruir e civilizar” por meio da escola, produziu-se o entendimento que ações públicas deveriam ser tomadas na direção da reconfiguração dos espaços e tempos escolares, da adequação dos programas e métodos de ensino, da mobília e utensílios na dita “nova” escola republicana [elementos da cultura material escolar [grifo meu] (...)”.

Diante das iniciativas educacionais naquele momento, observamos que

o propósito dos agentes do novo regime era o de “instruir e civilizar” pela

educação. O novo modelo de escola passaria a representar instrumento

importante no jogo político dos republicanos por romper com a tradição escolar

do Império e apresentar um novo tipo de educação que pretendia ser popular e

universal (BENCOSTA, 2005:69).

Pautando nosso olhar, nesse ponto da pesquisa, à modernidade

pedagógica utilizada como estratégia pelos republicanos paulistas em suas

instituições escolares, tema de relevância para o estudo em questão,

consideramos tomar como suporte a primeira reforma republicana no Estado

de São Paulo, realizada em 1892 (Lei 88, de 8/9/1892 e Decreto 144-B, de

30/12/1892), que deu origem, um ano depois, aos grupos escolares e envolveu

os ensinos primário, secundário e normal e suas propostas teóricas e

pedagógicas para a nova organização escolar. Apesar da reforma abordar os

108 Observamos que o campo de pesquisas da cultura material escolar se aproxima, quando não se engaja firmemente no campo da cultura escolar, qual seja o da formação de sujeitos históricos na escola e das relações entre a cultura da sociedade e a cultura promovida na escola para esta formação. A diferença está na ênfase, ou melhor, no grau de importância que a cultura material escolar dá aos objetos concretos produzidos para e pela cultura escolar. In: SOUZA, Gizele. Cultura escolar material na história da instrução pública primária no Paraná: anotações de uma trajetória de pesquisa. Revista Brasileira de História da Educação, n. 14, maio/agosto, 2007, p. 37-68.

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três níveis de ensino iremos nos deter no ensino primário, nível de ensino do

objeto de pesquisa em questão.

A referida reforma incorporou as várias idéias de renovação do ensino

apresentadas no parecer de 1883 de Rui Barbosa. Posteriormente, diversos

Estados do país também se apropriaram dos pressupostos nela contidos,

assim como diversas instituições particulares de ensino em todo país, cada

qual ao seu modo e finalidade de ensino, entre elas o projeto educacional da

Escola Regional de Merity, objeto de análise do próximo tópico.

Contextualizando os primeiros anos da República e as ações em torno

da educação escolar, ficou evidente que projeto de educação acadêmica e

aristocrática continuou a prevalecer sobre a educação popular, o que

correspondia à realidade e à estrutura de organização da sociedade.

Ao tomarmos as iniciativas republicanas entre 1889 e 1920 como objeto

de estudo das iniciativas para a renovação do ensino primário, observamos ter

sido a reforma realizada por Benjamin Constant, na capital Federal, através do

Decreto n. 981 de 8 de novembro de 1890, a que mais trouxe, em sua

estruturação, elementos inovadores para esse nível de ensino. Nessa reforma

observamos intenções de reestruturação da escola primária, inclusive em

relação ao método de ensino e aprendizagem, apesar de não ter sido

efetivada: “O Regulamento de instrução primária e secundária do Distrito Federal, assinado por Benjamin Constant e publicado na Revista Pedagógica em 1890, no que tange às escolas primárias, afirmava que “em todos os cursos será constantemente empregado o método intuitivo, servindo o livro de simples auxiliar” (art. 3)” (VIDAL, 2005:145).

A historiografia nos aponta que a primeira reforma que abarcou o

pressuposto pedagógico da “nova pedagogia”,109 legalmente, ocorreu no

Estado de São Paulo em 1892 (Lei 88, de 08/09/1892) incorporando as

numerosas idéias da renovação do ensino primário postas nos debates e ações

dos intelectuais engajados no movimento educacional brasileiro desde a

109 Além das obras no campo da história da educação brasileira sobre a utilização da nova pedagogia da Escola Nova, há referências e anúncios impressos no Almank de Lammert da década de 1880 sobre instituições de ensino no Rio de Janeiro que empregavam a nova pedagogia.

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década de 1870, além das experiências das escolas de origem norte-

americanas já instaladas no período.

Ancorados nas idéias renovadoras de ensino e educação dos países

mais desenvolvidos, os republicanos visualizaram que a nova prática

pedagógica solicitava uma arquitetura escolar específica.

Cabe ressaltar que, nos anos de 1870, os debates em torno das

questões educacionais abordavam aspectos relacionados à organização

administrativa e didático-pedagógica, não havendo uma discussão sistemática

sobre a implantação de uma arquitetura escolar que compreendesse várias

salas de aula e vários professores. Somente na reforma paulista esse aspecto

foi incluído como elemento importante no conjunto de ações para a renovação

do ensino primário.

Analisando a Lei 88 de 08/09/1892, subtende-se que há, de fato,

entrelaçada em suas linhas gerais, uma cultura material escolar que se

manifesta concretamente, não só da disposição de novos métodos e teorias,

mas também, das práticas, do novo espaço e materiais que deveriam ser

empreendidos através dessas novas concepções de ensino e aprendizagem

por ela estabelecida.

Possivelmente, pautados na idéia de construção de uma nova ordem

escolar, tendo com paradigma os pressupostos pedagógicos do movimento da

Escola Nova, oriundos de alguns países da Europa e dos Estados Unidos, as

autoridades de ensino paulistas consideravam que a nova organização escolar

deveria possuir uma seqüência metodológica e sistemática de ensino sob uma

regulamentação científica (organização escolar dividida em classes e graus de

ensino, educação intelectual, física e moral).

A diferenciação dos programas de ensino foi eliminada com a reforma,

facultando os programas de educação integral e enciclopédico para ambos os

sexos. A Lei também estabeleceu um programa, de caráter enciclopédico, do

ensino dividido em séries, cada uma com duração de seis meses.

Apesar do caráter inovador, o caráter enciclopédico não atendia às

expectativas das camadas populares, que viam na escola os meios de acesso

a determinados conteúdos socialmente valorizados, como ler, escrever e

contar. A distribuição da organização curricular nos quatro anos de formação

elementar estabelecia matérias como: leitura, caligrafia, aritmética, desenho,

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linguagem, música, geometria, trabalhos manuais, história, ginástica, geografia

e cosmografia, ciências físicas e naturais – higiene, moral e cívica.

Provavelmente, visando uma organização curricular distinta da existente

nas escolas de primeiras letras do Império, a reforma de 1892 introduziu duas

ordens de método: o simultâneo, organização de alunos em seções por grau de

instrução; e o método intuitivo, organização dos saberes – método de ensino-

aprendizagem. Na rota da renovação pedagógica, a reforma contemplou o

método intuitivo como uma das bases para a renovação pedagógico-didática

da prática efetiva do ensino primário. “No regulamento que for expedido para a execução desta lei, serão minuciosamente especificadas em programas as matérias que constituem o ensino e sua distribuição conforme o desenvolvimento intelectual dos alunos, observando-se com rigor os princípios do método intuitivo” (Lei 88, 8/9/1892, apud SOUZA, 2006:58).

Nesse momento da República, o método intuitivo foi concebido como um

meio, um caminho seguro para se alcançar objetivos e metas almejadas, ou

seja, a racionalização da produção e da vida social em um âmbito geral e a

difusão da escolarização em massa em um âmbito mais restrito – o

educacional. O método intuitivo, sintetizado como “observar” e “trabalhar”,

almeja direcionar o desenvolvimento da criança de modo que a observação

gere o raciocínio e o trabalho prepare o futuro produtor, tornando indissociáveis

pensar e construir (VALDEMARIN, 2006:93).

Ainda contemplando a lei de 1892, verificamos que vários outros

aspectos educacionais foram instituídos, como a sistematização de exames,

medida do sucesso ou do fracasso escolar; o rígido controle sobre

procedimentos de matrícula, freqüência e o tempo destinado aos trabalhos

escolares.

No que tange à formação dos professores, como muitos eram leigos ou

a formação deficiente não se adequava à nova organização escolar, a lei

estabeleceu a implantação de bibliotecas escolares em cada escola contendo

“manuais de modernos processos de ensino e vulgarização das principais

aplicações da ciência à agricultura e à indústria” (Decreto 144-B, 30/12/1892

Apud SOUZA, 2006:59). Tal mecanismo de adequação e formação de

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professores à nova pedagogia, também foi fundamentado na Escola Regional

de Merity, na década de 1920.

Realizando uma pequena análise sobre os aspectos da referida lei,

observamos que os republicanos do movimento renovador do ensino primário,

ao implantarem o novo modelo de espaço-escolar que consideravam ideal, não

consideraram que estavam abrindo um espaço em que outras camadas

sociais, além da elite, estariam inseridas. Caso a intenção primeira fosse a de

implementar uma educação destinada à massa, seria imprescindível adequar

as propostas e pressupostos teóricos e pedagógicos às características sociais

e culturais de seu público alvo. As ações realizadas no espaço escolar, sem os

devidos ajustes, acarretaram críticas por parte das camadas populares, por

interferirem de certa forma no cotidiano das famílias, como assinala VIDAL

(2005:146): A intrusão do Estado, por intermédio da escola obrigatória, nos fazeres e tempos familiares, ditando nova organização das tarefas e dos horários cotidianos das famílias, bem como colocando em questão as autoridades constituídas no espaço doméstico, delineava outras zonas de conflito sobre o que se considerava como escola ideal.

Nesse momento da história, final do século XIX e início do XX, a relação

de gêneros se diferenciava da posta até então, e meninos e meninas passaram

a freqüentar o mesmo espaço escolar. A instituição pública republicana instituiu

a co-educação. Mesmo que, ainda, de forma um pouco lenta, a co-educação foi

sendo implementada nas instituições escolares do país.

Embora a lei tivesse avançado na questão da co-educação, observa-se

que ainda havia a diferenciação de espaços femininos e masculinos no

currículo escolar. Algumas disciplinas eram direcionadas para meninas e

meninos como as atividades inseridas nas disciplinas de educação domésticas,

trabalhos manuais e educação física.

Acompanhando a nova forma escolar paulista dentro dos parâmetros

legais, a escolarização do ensino primário ficou dividida em dois cursos: o

preliminar e o complementar, ambos com duração de quatro anos. Sendo o

primeiro, obrigatório para crianças de 7 a 12 anos de idade, ministrado em

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escolas preliminares.110 O segundo, o curso complementar, e destinado aos

alunos habilitados no curso preliminar, deveria ser ministrado em escolas

complementares111.

Observamos, na nova ordem escolar da reforma paulista, que o conjunto

da organização pedagógica da escola primária, a graduação escolar e a

classificação dos alunos apareceram como dispositivos, tendo como base a

divisão dos alunos em seções por grau de instrução e critério para distribuição

das matérias do programa de ensino. Tal modelo organizacional foi instituído

em diversas instituições educacionais em todo o país, públicas ou particulares.

No tocante à organização do espaço escolar, a literatura nos aponta que

as preocupações dos republicanos engajados no projeto político da educação

transitavam em torno de questões básicas como localização, tipos de

construções, organização interna e externa, funções e utilizações. As

condições do espaço físico: topografia, condições climáticas, paisagens

vegetais e outros são vistas como elementos decisivos na formação dos

sujeitos. As escolas deveriam funcionar em um só prédio com vastas salas,

pátios, museus escolares, bibliotecas populares, mobílias, etc.

A apropriação do novo modelo de escola reivindicava uma nova

arquitetura que comportasse a organização proposta na Lei. O que implicou na

construção de novos espaços escolares, novos monumentos que

materializassem e dessem visibilidade ao regime republicano recém-

instaurado.

4.2.2 Os Grupos Escolares Paulistas

Um ano após a promulgação da Lei 88, de 08/09/1892, eis que surgem

os grupos escolares paulistas como ícone da inovação pedagógica. Segundo

Gisele de Souza (2007:40), o surgimento dos grupos escolares foi acordado

entre os republicanos para a completa apropriação da “nova pedagogia”,

configurando, assim, uma nova organização e metodologia de ensino e 110 Escolas regidas por professores normalistas e suas auxiliares. Consistiam em escolas unitárias onde um professor ministrava aulas para crianças em diferentes graus de adiantamento, às vezes auxiliados por um adjunto, quando o número de alunos ultrapassava a 30. 111 Equivalente à grammar school americana; intermediária entre o curso elementar e a escola secundária. Ver: SOUZA, 1998:44.

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aprendizagem. Além das questões pedagógicas, os grupos escolares

representavam grandes monumentos arquitetônicos e se localizavam em

espaços valorizados dentro das cidades, preferencialmente nas principais

praças.

A concentração dos grupos escolares nos centros urbanos, como nos

informa Rosa Fátima de Souza (2006:63) revelava, além da vantagem

pedagógica, a econômica. “O agrupamento de centenas de crianças num mesmo edifício-escola apresentava-se como medida de racionalização de custos e de controle. Por isso, tais escolas eram apropriadas para os centros populosos, as cidades onde a escolarização em massa poderia ser estabelecida com maior facilidade”.

O novo modelo escolar poderia comportar algumas escolas isoladas (de

quatro a dez) num só espaço, com uma quantidade menor de professores. Um

professor da mesma escola, diplomado pela Escola Normal, nomeado pelo

governo, assumiria a direção da instituição.

Os alunos seriam distribuídos em quatro classes “para cada sexo,

correspondente ao 1o, 2o, 30 e 40 anos do curso preliminar”.(Idem, p. 65) Nos

grupos escolares havia separação dos sexos, já que a co-educação ainda não

se enquadrava à prescrição legal. Cabe ressaltar que a coexistência de

meninas e meninos em uma mesma escola já era usual em algumas escolas

mistas desde o Império.

Nesse momento da história da educação brasileira “a imperiosa

finalidade moralizadora, cívica e civilizadora da educação popular estendeu-se

à educação feminina”.(Idem, ibidem) O avanço nesse sentido foi significativo,

haja vista a precariedade da educação pública feminina no período do Império.

Com a implantação dos grupos escolares foi reafirmado o princípio da

educação entre os sexos, pelo menos no Estado de São Paulo, com o

estabelecimento de igual número de classes para ambos os gêneros.

No que tange à categoria espaço escolar, analisamos que esta não se

apresenta como estrutura neutra nas ações educacionais. O espaço é, por si

só, grande condicionador de normas e regras implícitas, conduzindo os sujeitos

que intervêm no processo de ensino-aprendizagem a executarem variadas

ações pedagógicas e políticas.

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Explanando a respeito do espaço-escola como um programa,

ESCOLANO (2001:26) assinala que: “A arquitetura escolar é também por si mesma um programa, uma espécie de discurso que institui na sua materialidade um sistema de valores, como de ordem, disciplina e vigilância, marcos para uma aprendizagem sensorial e motora e toda uma semiologia que cobre diferentes símbolos estéticos, culturais e também ideológicos”.

Para contemplar tal dimensão escolar, o espaço externo se fazia tão

importante quanto o interno. Nesse sentido, o local de construção do prédio

escolar deveria ser pensado, criteriosamente, para que pertencesse a um

programa cultural e pedagógico representante do progresso trazido pelo novo

regime, o republicano. De tal modo que o edifício fosse “estrategicamente

situado e dotado de uma inteligência invisível, que informaria culturalmente o

meio humano-social que o rodeia” (ESCOLANO,1998:33).

Em geral, a localização dos prédios funcionava em pontos de destaque

do cenário urbano, de modo que “se tornassem visíveis, enquanto signos de

um ideal republicano, uma gramática discursiva arquitetônica que enaltecia o

novo regime”. (BENCOSTA, 2005:70) Com uma arquitetura monumental e

edificante, os grupos escolares expressavam modernidade e civilidade que

tinha como uma das finalidades propagar e divulgar as ações do governo

republicano.

No que tange ao programa de ensino, inicialmente, permanecera o

mesmo estabelecido para as demais escolas primárias, com a inclusão de

novas matérias e procedimentos didáticos: “Leitura e dedução de princípios de gramática; escrita e caligrafia, cálculo aritmético sobre números inteiros e frações; geometria prática (taquimetria) com as noções necessárias para suas aplicações à medida de superfície e volumes; sistema métrico decimal; desenho à mão livre; moral prática; educação cívica; noções de geografia geral; cosmografia; geografia do Brasil; especilamente do estado de São Paulo; noções de física, química e história natural nas suas mais simples aplicações; especialmente à higiene; história do Brasil e leitura sobre a vida dos grandes homens; leitura de música e canto; exercícios ginásticos e militares, trabalhos manuais apropriados à idade e sexo” (Decreto n. 248, de 26.7.1894 Apud SOUZA, 1998:48).

Dentro das prescrições legais concernentes às escolas primárias

paulistas, os grupos escolares, além dos programas, deveriam utilizar os

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mesmos materiais escolares, disciplina, calendário, exames, matrículas, etc.

Dentro do exposto, acordando com o pensamento de Rosa Fátima de Souza

(1998), percebemos que, inicialmente, os grupos escolares foram concebidos

como mais uma modalidade de escola primária entre as existentes no estado.

Porém, em 1894, foi criado um regimento interno que considerava suas

especificidades. Contudo, a obrigatoriedade na adoção do tipo de organização

e método de ensino das escolas-modelo do estado permaneceu. Nesse

sentido, ainda segundo Souza (1998:49), a Escola-Modelo incorporou “o duplo sentido de seu caráter modelar: constituiu o modelo a ser seguido pelos alunos da Escola Normal e o paradigma a partir do qual deveriam organizar e pautar-se todas as escolas preliminares do Estado”.

A nova organização administrativo-pedagógica do ensino primário

paulista, através da concentração de várias escolas num só espaço, os grupos

escolares, proporcionaria mudanças no ensino: “a racionalização e a padronização do ensino, a divisão do trabalho docente, a classificação dos alunos, o estabelecimento de exames, a necessidade de prédios próprios com a conseqüente constituição da escola como lugar, o estabelecimento de programas amplos e enciclopédicos, a profissionalização do magistério, novos procedimentos de ensino, enfim, uma nova cultura escolar” (SOUZA, 2006:67).

Há de se reconhecer que os grupos escolares construíram uma nova

ordem escolar na educação brasileira. Esse modelo de organização escolar

imprimiu suas marcas no sistema escolar atual do país, impulsionando uma

nova cultura escolar.

4.2.3 Cultura Material Escolar na República

As propostas educacionais trazidas pelos republicanos demandavam

novos elementos estruturais e pedagógicos. Nesse sentido, Viñao Frago nos

aponta que (2003:77), a disseminação desse modelo de escola, em vários

países do Ocidente, foi atribuída à confluência de dois aspectos: o pedagógico

e o arquitetônico.

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O primeiro implicava a classificação dos alunos em grupos o mais homogêneos possível a fim de facilitar o ensino simultâneo, a fragmentação do currículo em graus e a especialização ou divisão do trabalho dos professores. O segundo era a construção dos edifícios “ad hoc” com várias salas de aula e a atribuição a cada professor de uma sala de aula independente sob a supervisão de um diretor (Apud SOUZA, 2006).

Nesse viés, direcionamos nosso olhar a alguns pontos em relação a

uma nova cultura material escolar que estava sendo posta, mudanças nos usos

e artefatos escolares começavam a circundar as escolas primárias da época.

Na educação, os materiais são vestígios e registros das finalidades culturais da

escola. Como observa Escolano (1990:07),

“los textos, el mobiliario, los espacios y todos los elementos que componen el utillaje escolar hablan también de nuestros modos de pensar y de sentir, de los sistema de valores que informaron la educación, de la intrahistoria de la escuela y de las relaciones de ésta con la sociedad de cada epoca”.

Na perspectiva de Funari e Zarankin (2005:139), a cultura material

escolar envolve dois grandes elementos inter-relacionados: “o edifício, ou artefato fixo, e a infinidade de artefatos móveis que estão em seu interior ou à sua volta, como lousas, mesas, carteiras, giz, retroprojetores, brinquedos e tudo mais”.

Além da adoção da perspectiva acima citada, a cultura material escolar

está sendo entendida, neste trabalho, sob duas outras perspectivas:

pedagógica e metodológica – como a legislação educacional dispôs sobre o

uso do espaço e material escolar, e os métodos utilizados nas aulas. O espaço

escolar, a legislação, os pressupostos teóricos, o currículo, a organização

escolar, o método e os próprios materiais didáticos, também constituem

elementos da cultura material escolar.

Podemos dizer que entendemos o conceito de cultura material escolar

como um universo físico feito, usado e apropriado pelo homem num lugar

planejado no espaço, formado por uma estrutura arquitetônica - a escola -,

onde as práticas estão vinculadas a um processo de ensino de saber

legitimado. Funari e Zarankin (2005:138) assinalam que, “a escola funciona

num lugar cujo espaço está fisicamente circunscrito”, configurado por saberes

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legítimos. E que é necessário esclarecer que esse modelo de escola que

conhecemos hoje é relativamente recente – meados do século XIX.

4.3 TERCEIRO MOMENTO: AS NOVAS PROPOSTAS, EMBATES E DEBATES PARA O ENSINO PRIMÁRIO NA CAPITAL FEDERAL (1920-1930)

Nesse contexto de renovação e expansão da escola primária, os

agentes112 envolvidos no projeto educacional da Escola Regional de Merity,

apropriaram-se do ambiente de efervescência educacional para por em prática

suas concepções políticas e ideológicas.

Apesar da efervescência de idéias e da disputa de espaços pela

expansão da educação primária, nas primeiras décadas da República, as

conquistas foram pequenas. De um modo geral, havia escassez de escolas e

professores qualificados, e somente uma pequena parte da população tinha

acesso à instrução pública ou particular.

Envolvidos no clima de entusiasmo e otimismo pela educação, muitos

dos intelectuais da educação manifestavam-se em prol da expansão de

escolas voltadas às camadas populares pelo poder público.

A historiografia desse período nos revela a falta de investimento e o

descaso com educação destinada às camadas populares por parte dos

poderes públicos. Desta forma, evidencia-se que a educação não era um

campo de preocupação por parte do Estado. Sem incentivos e investimentos,

os professores atuavam praticamente sozinhos, com exceção de algumas

instituições isoladas e o trabalho tendia à desagregação e ao arrefecimento dos

esforços pelos ideais educacionais.(Azevedo, apud FERREIRA, 1988:34)

Insatisfeitos com as ações do novo regime, um grupo de intelectuais e

diletantes da educação interessados política e socialmente nas questões que

112 O projeto educacional da Escola Regional de Merity teve em sua formação e consolidação diversas personalidades da sociedade brasileira compondo, de forma direta ou indireta, sua organização escolar. Entre eles podemos citar: os educadores Armanda Álvaro Alberto, Heitor Lyra da Silva, Paschoal Lemme, Francisco Venâncio Filho, Edgard Süssekind de Mendonça, Lourenço Filho, Fernando de Azevedo; os médicos higienistas e sanitaristas Belisário Penna e Savino Gasparini; entre muitos outros colaboradores.

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envolviam o desenvolvimento do país engajaram-se num projeto de criação de

uma instituição que abraçaria as causas educacionais. Nesse momento,

algumas experiências particulares começaram a surgir em boa parte do

território nacional, num esforço de contribuir para construção de uma

identidade nacional, com o propósito de erguer um país moderno e civilizado.

“As iniciativas particulares, sobretudo, irrompem de Norte a Sul do nosso solo, cooperando com o mais decisivo esforço, nessa obra de fazer o Brasil dos brasileiros”.(O Imparcial, 2/2/1927)

Numa sociedade em mudanças,113 o discurso divulgado no Brasil

República, oriundo da Europa, de que era preciso instruir a população para se

alcançar à civilização encontrou eco entre os políticos, intelectuais e

educadores. Estudos sobre a educação brasileira do início do século XX nos

apontam que a eleição do Estado como agente principal dos projetos de

educação, por parte dos intelectuais da época, pode ser percebida nas

propostas dos anos 10 e 20 do século XX. Algumas iniciativas (reformas) foram

promovidas na tentativa de regulamentar a educação, e tiveram grande

importância na direção da institucionalização do campo da educação. Como

exemplo, temos a Reforma Rivadávia Correia, em 1911, que instituiu o ensino

livre e limitou a competência do governo federal em relação à educação. Em

1915, a Reforma Maximiliano reinicia o processo de ampliação da competência

do governo federal no sentido de regulamentar e controlar o ensino em todo o

país.

Ainda exemplificando as ações empreendidas por parte do poder público

nas primeiras décadas do século XX, no período de renovações no campo da

educação, obtivemos as reformas de cunho mais organizacional as reformas

estaduais de ensino, assinadas por educadores de grande significação na

história da educação brasileira, começaram a efetivar-se em 1920, em diversos

estados como São Paulo, por Sampaio Dória (1923/24); Ceará (1924) por

Lourenço Filho; Bahia (1924) por Anísio Teixeira; Distrito Federal (1922/26) por

Carneiro Leão e Pernambuco (1928), no Rio Grande do Norte (1925/28) por

113 Aqui nos referimos ao final do século XIX, quando estabeleceram-se importantes transformações políticas, econômicas e sociais, entre as quais pode ser situadas a transição do regime monárquico para o regime republicano, a superação da ordem escravista e a afirmação do trabalho livre, e uma nova realidade urbana e industrial.

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José Augusto; em Minas Gerais (1927/28) Francisco Campos e Mário

Casasanta; e novamente Anísio Teixeira na Bahia (1928).

Imbuídos de um pensamento progressista, na década de 1920, alguns

intelectuais diletantes114 da educação começam a buscar um espaço de

representação política e social para os debates e ações em prol da educação

escolar do país.

Em 1924, o professor Heitor Lyra da Silva, um dos integrantes do grupo

de intelectuais da época, fundou a Associação Brasileira de Educação – ABE, a

primeira entidade nacional a congregar profissionais da área e diletantes da

educação. A ABE transformou-se em lócus de lutas ideológicas que instigaram

importantes debates sobre a problemática educacional, assim como também

proporcionou a elaboração do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, no

calor dos debates de elaboração da Constituição que seria promulgada em

1934.

Não desconsiderando a Associação Brasileira de Educação como um

dos primeiros espaços de estudos da causa educacional brasileira e pela sua

propagação, Marta Maria Chagas de Carvalho (1998) revela um lado menos

romantizado e conhecido de tal instituição. Segundo a autora, a ABE não

nasceu de uma crença genuína no poder transformador da educação, mas sim

de uma tentativa fracassada de formar um partido político. Na tentativa de

ocultar as intenções primeiras da fundação da instituição, os primeiros

integrantes conferiram a ela uma “fachada de idealismo, retidão moral e

desinteresse político” (MOREIRA, 2001:131). Tendo a questão educacional

como solução para todos os males nacionais, os integrantes da ABE

declaravam que esta não deveria estar submetida a divergências políticas.

Partindo desse pensamento, presumia-se que “a natureza apolítica da ABE

pretendia apresentar adesão à causa educacional como inquestionável e

dependente apenas do bom senso” (Idem, Ibidem).

Contraditoriamente, as ações dos integrantes da ABE apresentaram-se

com forte caráter político na década de 1930, no governo Vargas, mais

precisamente, em 1931, na IV Conferência Nacional de Educação promovida

114 Professores, médicos, engenheiros, jornalistas, advogados, políticos, escritores, enfim, todos que tinham interesses convergentes a respeito do trabalho educativo no campo da educação escolar.

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pela ABE quando os educadores defendiam que a educação deveria ser de

responsabilidade do poder público, sendo a educação um direito de todos os

cidadãos, devendo a escola ser pública, gratuita, universal e laica.

Nesse contexto de debates políticos sobre a educação, posições

divergentes quanto às propostas e pressupostos pedagógicos para as escolas

de ensino primário começaram a serem difundidas no interior da ABE entre o

grupo dos renovadores da educação e os católicos conservadores. Diante dos

debates e embates ocorridos no campo educacional brasileiro, a educação

passou a ocupar, mais um vez, lugar de destaque sendo abordada nos debates

em torno de projetos de reestruturação nacional.

Mesmo com as muitas iniciativas estabelecidas desde meados do século

XIX, a literatura nos aponta que, as inovações pedagógicas nas escolas

primárias brasileiras começaram a ser evidenciadas com mais ênfase e força

no cenário educacional brasileiro a partir da década de 1920, quando se

processa a aplicação sistemática das idéias do movimento da Escola Nova.

Principalmente, quando Fernando de Azevedo promove a Reforma do Ensino

Primário no Distrito Federal, em 1927, marco considerado pelos historiadores

da educação como fundamental entre as inúmeras tentativas de renovação do

nosso ensino.

Sintetizando, o movimento da Escola Nova fixou um momento de

renovação dos processos educacionais, que passariam a ser fundamentados

no progresso das ciências biológicas e psicológicas, nas atribuições sociais da

escola, no desenvolvimento tecnológico e industrial e, sobretudo na atividade

infantil, dando ênfase no trabalho em solidariedade.

Nesse contexto, um grupo de intelectuais115 identificados com os novos

métodos pedagógicos e engajados num projeto educacional de base científica,

capaz de pensar e propor soluções para os problemas do país por meio da

educação renovada criou um movimento intitulado: movimento renovador da

educação brasileira.

Vidal e Paulilo (2003:375) nos apontam que no fervor das inovações

pedagógicas, o movimento da Escola Nova no Brasil sugeriu uma

115 Podemos citar: Paschoal Lemme, Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Venâncio Filho, Edgar Sussenkind, Armanda Álvaro Alberto entre outros.

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“convergência entre reforma educacional e reforma social, um movimento de

fervor e inquietação em relação ao estado da cultura nacional”.

O grupo que aderiu ao movimento renovador possuía uma identidade

que ia além da acepção profissional. Constituídos de um habitus116 agregado a

um capital social117 e cultural118 legitimado pela sociedade, estavam cientes de

que a inserção das novas idéias pedagógicas, calcada na ciência, mobilizaria

todo o movimento renovador.

4.3.1 A Escola Nova na Capital Federal

Tomando como referência a Capital Federal, nas primeiras décadas da

República, a “febre metodológica da Escola Nova”119 permeava o campo

educacional como uma forte tendência pedagógica. Tendência esta que trazia

em seu bojo a questão da formação docente, ao defender a idéia de que não

bastava ensinar, era preciso saber ensinar. Numa sociedade em

transformação, cabia utilizar uma metodologia que contribuísse para um ensino

produtivo, superando a concepção tradicional de ensino.

No bojo desse movimento de renovação pedagógica nas escolas de

ensino primário no Brasil várias experiências foram sendo postas em prática,

entre elas o projeto educacional da Escola Regional de Merity, objeto de estudo

e análise desse trabalho de dissertação de mestrado.

Entre os historiadores da educação brasileira, é sabido que entre os

anos 1920 e 1930, as discussões sobre a educação, via de regra, foram

fomentadas pelo “entusiasmo pela educação”, que se converteria, no momento

posterior, em “otimismo pedagógico” nas palavras de Nagle: “Uma das maneiras mais diretas de situar a questão [da escolarização no quadro das transformações do início do século], consiste em afirmar que o mais manifesto resultado das

116 Sistema de disposições (atitudes, inclinação para perceber, sentir, pensar e fazer) duradouras, adquiridas pelo indivíduo durante o processo de socialização. (BOURDIEU, 1993,94) 117 Conjunto de relações sociais. Idem, ibidem. 118 Conjunto das qualificações intelectuais produzidas pelo sistema ou transmitidas pela família (diplomas, características lingüísticas, códigos culturais e outros). Idem. 119 Termo utilizado por NUNES, Clarice. Cultura escolar, modernidade pedagógica e política educacional no espaço urbano carioca. In: HERSCHMANN, M; KROPF, S. e NUNES, Clarice. 1996:198 apud MAGALDI 2007:64.

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transformações sociais foi o aparecimento de inusitado entusiasmo pela escolarização e de marcante otimismo pedagógico; de um lado, existe a crença de que, pela multiplicação das instituições escolares, da disseminação da educação escolar, será possível incorporar grandes camadas da população na senda do progresso nacional, e colocar o Brasil no caminho das grandes nações do mundo; de outro lado, existe a crença de que determinadas formulações doutrinárias sobre escolarização indicam o caminho para a verdadeira formação do novo homem brasileiro” (NAGLE, 2001:134).

Nesse contexto de efervescência pedagógica, final da década de 1920 e

início da década de 1930, pode-se considerar a expansão da escola pública

primária acompanhando o crescimento industrial e conseqüente processo de

urbanização, o que originou um momento novo na estruturação da economia

do país. Esse movimento gerou novas necessidades por parte da sociedade,

empreendendo lutas pela ampliação do acesso às escolas. Cabe mencionar

que Getúlio Vargas assumiu a presidência do país em 1930.

No engajamento dos intelectuais em prol da expansão da escola pública

para as camadas populares percebemos indícios de uma preocupação por

parte da elite: manter-se como sociedade dirigente sem perdas de direitos. Isto

é, no conjunto das ações visualizamos uma preocupação em separar a

educação das elites da do povo. Marta Maria Chagas de Carvalho (1998) com

muita apropriação expõe que: “Às elites estavam reservadas a educação secundária e a universitária, graus que capacitariam os filhos da classe dominante à condução do país rumo ao progresso. O povo, por sua vez, estava fadado a receber uma educação primária baseada no ensino de valores considerados importantes para a o adestramento do operariado, tais como a saúde, a moral e o trabalho”.

Podemos observar que, no conjunto das reformas e das ações postas

nas escolas do ensino primário, as apropriações de valores, teorias e conceitos

vindos do exterior não foram concebidos de forma ingênua. Tais propósitos se

alinhavam à nova atividade econômica e social que se estabelecia no país: a

indústria. Seria necessário formar cidadãos mais escolarizados, saudáveis e

aptos ao novo sistema econômico que se apresentava.

Conhecer o contexto histórico exposto impõe que se conheça os

espaços sociais implicados nessa conjuntura, e que se parta da idéia de que

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espaços como a ABE,120 a escola, a cidade do Rio de Janeiro e a nação

organizavam-se em variados campos sociais, onde alguns de seus setores

articulavam-se em torno de um projeto de modernização que se materializava

por meio de consensos, mas, também de muitas disputas.

Através do conceito de campo (Bourdieu, 1993) é possível entender que

aqueles espaços, enquanto espaços de embates e disputas, buscavam,

através de variadas estratégias, homogeneizar os comportamentos, tendo

como fim à implementação de um projeto nacional. Um campo estruturado que

Bourdieu define como “um estado da relação de força entre os agentes sociais

ou as instituições engajadas na luta” (Bourdieu, 1993:94). A ABE foi um dos

mais importantes espaços de debates e embates entre os diletantes da

educação na década de 1930. Espaço de luta pela expansão do ensino no

país.

Em virtude da reputação da ABE enquanto lócus reservado a intelectuais

e técnicos em educação,121 a retórica produzida pela entidade sobre os

problemas educacionais brasileiros produzia uma validação, uma legitimidade

inquestionável na causa da educação. E como estratégia para estabelecer a

educação como indiscutível solução dos problemas nacionais, a ABE apoiava-

se em suas principais características, segundo Marta Maria de Carvalho

(1998:140): “não-explicitação de pressupostos discursivos; encenação metafórica de utopias como positividade desejável e de prestígio que ameaçam o presente como negatividade execrável; vazio mitológico da referencia do discurso e generalidade decorrente; signos emotivos de apelo do ouvinte; redundância e ênfase na apropriação assistemática de vários códigos (...)”.

Observamos que essa estratégia utilizada pela ABE, também poderia

definir e inculcar nos indivíduos das camadas populares, mesmo que de

maneira diferenciada, comportamentos e ações socialmente aceitáveis e

120 Lócus de estudos e debates da causa educacional desde 1924 agregava profissionais como professores, médicos, engenheiros, jornalistas, advogados, políticos, escritores, passou a representar o campo da educação brasileira; onde embates, lutas e disputas acirravam os discursos educacionais da época. 121 Como membros da ABE podemos citar, Heitor Lyra, Paschoal Lemme, Fernando de Azevedo, Francisco Venâncio Filho, Edgard Süssekind de Mendonça, Armanda Álvaro Alberto, Lourenço Filho, Anísio Teixeira, Laura Jacobina Lacombe, Isabel Jacobina Lacombe, Décio Lyra e Silva, entre muitas outras personalidades.

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legitimadas pela elite dirigente. Ao analisarmos tais estratégias observamos

fortes indícios de utilização desse estratagema na nova ordem escolar posta

nas escolas primárias. Como exemplo, podemos mencionar a introdução e

inculcação do amor à pátria, os valores cívicos e morais aliado às idéias de

ordem social e progresso econômico, estimulado através das comemorações

cívicas promovidas pela ABE. A Escola Regional de Merity, objeto de pesquisa

dessa dissertação de mestrado, sempre encaminhava seus alunos aos eventos

promovidos pela ABE122, como as Semanas de Educação que se dedicavam “à

disciplinarização de todos os aspectos do cotidiano e à sacralização de

conceitos abstratos e úteis às classes dirigentes, tais como o lar, a escola, o

mestre, o dever, saúde, o trabalho, a família e fraternidade”(CARVALHO, apud

MOREIRA: 2002:132).

Nesse momento da história da educação brasileira, a intelligentsia

brasileira, particularmente, os intelectuais educadores no interior da ABE

objetivaram formular novas concepções e estratégias de organização da

cultura e da educação, tendo como foco principal de suas intenções a questão

da modernização econômica e cultural do país. E para isso, como nos

apresenta Sônia Câmara (2003:31),

“(...) buscaram justificar seus projetos a partir da construção de um discurso científico, identificado com o planejamento e a produção sistematizada de diagnósticos sobre a realidade brasileira, eivada de grandes mazelas nacionais, associadas ao analfabetismo e a doença, estigmas do “atraso” brasileiro a ser superado”.

Cabe aqui ressaltar que, quando a Associação Brasileira de Educação

foi criada em 1924, existiam dentro dela diferentes posturas e idéias para a

educação: alguns que queriam formular um programa mínimo de instituição –

os católicos- e outros que percebiam a escola como uma instituição capaz de

oferecer algo para além da alfabetização, isto é, preparar o indivíduo para a

vida – os renovadores.

Sendo a ABE lócus de agregação da intelligentsia brasileira, em seu

interior um turbilhão de idéias e ideais se processavam. Alguns dos intelectuais

pertencentes ao grupo dos renovadores envolvidos na política nacional já

haviam participado do ciclo de reformas estaduais da década de 1920, entre 122 Ver relatórios anuais da Escola Regional de Merity a partir de 1928.

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eles Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Anísio Teixeira. Do movimento

em prol de uma educação escolar pública, universal, gratuita e laica, e como

reação ao desinteresse político pela educação, foi redigido o texto clássico da

literatura pedagógica na história brasileira: o Manifesto dos Pioneiros da

Educação Nova, publicado em 1932.

Explanando sobre o que representou o Manifesto dos Pioneiros para a

política da educação brasileira, Sônia Câmara (2003:30) nos revela: “Concebido por educadores identificados com o pensamento escolanovista, o Manifesto dos Pioneiros mais do que síntese de idéias de uma geração de educadores buscou constituir-se como “diretrizes fundamentais para uma política educacional moderna adequada às necessidades e aspirações do Brasil”, uma vez que “as únicas revoluções fecundas são as que se fazem ou se consolidam pela educação”.

Diante do contexto educacional da época, os auto-intitulados

“renovadores”, “pioneiros”, “reformadores” buscaram apresentar um projeto que

consolidassem suas posições perante o Estado e mostrar a sociedade que

suas ações e posições seriam à pedra fundamental para a reconstrução

educacional do país.

Apesar de todo o movimento na década de 1930, o ensino primário não

ocupou o espaço pretendido pelos educadores, nenhuma reforma se ocupou

deste nível de ensino.

4.4 ASPECTOS RENOVADORES DO ENSINO PRIMÁRIO NA ORGANIZAÇÃO DO PROJETO EDUCACIONAL DA ESCOLA REGIONAL DE MERITY.

O projeto educacional da Escola Regional de Merity partia do

pressuposto de que aprender não era simplesmente reproduzir um

conhecimento dado, mas sim, um processo interior de construção de

significados. Sendo a Regional de Merity uma escola construída nos primórdios

da década de 1920, essa observação sobre o processo de conhecimento nos

remete a um tipo de escola que concebia, em sua organização, uma pedagogia

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mais progressista que a vivenciada na maioria das escolas desse período, uma

pedagogia “moderna”.

Sua idealizadora, apoiada na pedagogia da Escola Nova e no ensino

regional, defendia que uma escola que tinha como eixo norteador o ensino

primário deveria ser organizada de acordo com as exigências de seu público

alvo. Não caberia copiar modelos pré-definidos, pelo simples fato de que cada

região, cada localidade e população traz em seu bojo demandas específicas.

Sendo assim, copiar a “escola modelo valeria por um repúdio”(MENDONÇA,

1968:16), um comodismo que não levaria a instituição a contribuir de forma real

à formação de cidadãos cooperativos e participativos.

Apesar de os documentos não explicitarem a apropriação dos

dispositivos da lei 88 de 1892, referente à reforma da instrução pública paulista,

são fortes os indícios dessa influência da legislação na organização

pedagógica da Escola Regional de Merity. Pode-se inferir que seus princípios

já estivessem bastante assimilados por parte do campo educacional trinta anos

após sua implementação e difusão a partir de São Paulo.

No conjunto das inovações pedagógicas, ao examinarmos a cultura

material escolar da Escola Regional de Merity, levaremos em consideração sua

ordem escolar em aspectos tais como: o espaço (prédio escolar, local) e o

tempo escolar (horário, calendário); aspectos pedagógicos, programa de

ensino (currículo), avaliação; função do corpo docente.

A escola, de acordo com os reformadores dos anos 1920, entre eles a

fundadora e idealizadora da Regional de Merity, a professora Armanda Álvaro

Alberto, instituição munida de prestígio por congregar os elementos que

permitiriam à sociedade chegar ao “progresso”, “[...] foi reafirmada como arma

de que dependia a superação dos entraves que estariam impedindo a marcha

do Progresso, na nova ordem que se estruturava”.(CARVALHO apud

MAGALDI, 2006:65).

4.4.1 Espaço Escolar

A pesquisa em História da Educação aponta que a adoção dos Grupos

Escolares, como modelo escolar, foi o fator de maior relevância na organização

do ensino, nos anos iniciais da República. O processo de renovação do ensino

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primário, desde o final do século XIX, contribuiu para a consolidação de uma

nova cultura material escolar.

Novos espaços escolares foram projetados, com uma arquitetura

diferenciada, verdadeiros monumentos representantes de uma visão de

progresso e civilidade, que o Regime recém instalado propunha estabelecer. “O

espaço escolar não é apenas um “continente” em que se acha a educação

institucional (...) espaço escolar é um elemento significativo do currículo, uma

fonte de experiência e aprendizagem” (VIÑAO FRAGO, 2001:26).

Luciano Faria Filho (2000:61) assinala que, “um dos limites que se

impunha à consolidação de uma nova forma e cultura escolar era, sem dúvida,

a falta de um espaço adequado para o “acontecer” da educação escolarizada”.

Nessa perspectiva, a arquitetura escolar da Escola Regional de Merity

que se apresentava distante dos aspectos arquitetônicos projetados para os

Grupos Escolares, não deixou de representar um espaço específico onde a

educação escolarizada aconteceria. A escola, desde sua fundação, passou por

quatro sedes diferentes, até a construção do prédio definitivo.

Sobre o primeiro prédio identificamos apenas, no relatório de 1921, uma

pequena menção, pela diretora, sobre a mudança de um prédio para o outro:

“nos primeiros dias de julho passou-se do prédio em que fora inaugurada para

êste, mais espaçoso”. (Relatório anual de 1921, p. 1). No entanto, a questão do

espaço escolar não havia sido solucionada, como relatado pela diretora no

relatório de 1923: “Deixei para último lugar a questão da casa, pesadello chronico destes dous annos. Como não achássemos outra nem mais, nem menos conviniente de que esta, contractamol-a por um anno, prazo a expirar-se a 31 do corrente [mês de dezembro de 1923 – grifo meu]”.

Em 1924, ainda sem sede própria, ao final dos dois meses de férias, no

mês de fevereiro, outra mudança de prédio foi realizada. “(...) situação que não melhorou ao findarem as férias, pois não achamos prédio que conviesse, sendo obrigados a reabrir a Escola em um que era, todo elle, apenas uma sala, em frente de rua, sem um palmo de terreno” (Relatório anual de 1924, p. 1).

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No mesmo ano, a 8 de abril, mais uma mudança“(...) para esta casa

acanhadíssima, cuja deficiência procuramos remediar com os dous galpões de

sapê que ahi estão”. A construção de um prédio próprio se fazia urgente, pois, “ (...)a importância do problema que avulta cada vez mais, a proporção que a Escola progride, a ponto de chegar a esse extremo: ou se faz o edifício apropriado, ou não se dá mais um passo para frente”. (Idem, ibidem)

Nesse mesmo ano, dois moradores da localidade, parte da rede de

relações de Armanda a que fizemos referência no capitulo anterior, o Dr.

Bernardino Jorge e o Sr. Manoel Gonçalves Vieira, doaram um terreno para a

construção da sede definitiva. O projeto arquitetônico da nova sede escolar foi

realizado gratuitamente pelo recém-formado arquiteto Lúcio Costa,123. Apesar

do prédio definitivo ter sido projetado por um dos mais ilustres arquitetos

brasileiros, sua estrutura física possuía uma especificidade própria: a

simplicidade. Uma arquitetura compatível com a proposta de uma escola

regional e popular direcionada à camada menos favorecida, localizada na

região rural do Estado Rio de Janeiro, a Vila Merity.

Em 24 de junho de 1928, houve a inauguração da “Nossa Casa”, com a

presença de umas 150 (cento e cinqüenta) pessoas, entre elas “representantes

do Director de Instrucção Pública do Districto Federal, do Juiz de Menores e

comissões da Associação Brasileira de Educação, da Liga Brasileira Contra o

Analphabetismo, da Federação das Bandeirantes, da Associação Christã

Feminina, do Conselho Brasileiro de Hygiene Social, do Curso Jacobina e do

Collegio Bennett”(Relatório anual, 1928, p.1). Coube à diretora da escola, as

palavras de inauguração da nova sede. “O dia de hoje é o maior entre todos os dias destes sete anos e quatro meses de trabalho para fazer viver uma escola. Francamente, nunca imaginaríamos tão próximo, tão absorvidos que andávamos com as questões novas surgidas a cada passo, com programas e ficha de saúde... um mundo de cousas”124.

123 Nascido na França, em 1902, filho de pais brasileiros que exerciam atividades diplomáticas. Lúcio Costa estudou as primeira letras na Europa, vindo forma-se em arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro. Dados retirados do site: www.casaluciocosta.org. Acessado em 04/01/2008. Amigo pessoal da diretora da escola, a professora Armanda Álvaro Alberto, aceitou o convite para elaborar o projeto de construção da Escola, o que fez gratuitamente. 124 Palavras de Inauguração de “Nossa Casa”, 24 de junho de 1928. Arquivo PROEDES.

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Após o pronunciamento da diretora, o secretário da Fundação Álvaro

Alberto, o professor Francisco Venâncio Filho realizou a leitura do discurso

escrito pelo falecido professor Heitor Lyra, para o lançamento da pedra

fundamental. A festividade foi encerrada com o plantio das árvores símbolos,

pelas mãos dos amigos da Escola ou por seus representantes.125 Observamos

que, desde a criação da Caixa Escolar, em 1922, a árvore foi utilizada, pela

diretora, como símbolo de amparo e acolhimento aos alunos e familiares. “... que a Caixa crescesse forte e boa e pudesse amparar os pequenos sob a sua proteção como a mangueirinha [plantada por Roquette Pinto no dia da festa de inauguração da Caixa] há de vicejar, agasalhar e prover ás ninhadas de sua ramaria” (Relatório anual de 1922, p. 1).

A professora Armanda Álvaro Alberto, representante ativa do movimento

escolanovista, ao fundar a Escola Regional de Merity, teria se preocupado com

a utilização de uma arquitetura escolar própria que propiciasse a instauração

de uma “nova pedagogia”, adaptada às características social, econômica e

cultural de uma região, num momento da história brasileira em que a

preocupação com relação ao espaço escolar dirigia-se às questões higiênicas

e pedagógicas nos debates da época? Em direção a uma resposta, Viñao

Frago, nos afirma que:

“A arquitetura escolar é também por si mesma um programa, uma espécie de discurso que institui na sua materialidade um sistema de valores, como os de ordem, marcos para a aprendizagem sensorial e motora e toda uma semiologia que cobre diferentes símbolos estéticos, culturais, [sociais] e também ideológicos. Ao mesmo tempo, o espaço educativo refletiu obviamente as inovações pedagógicas, tanto em suas concepções gerais como nos aspectos mais técnicos” (VIÑAO FRAGO, 2001:26).

Para além dessa perspectiva de espaço escolar, ainda segundo Viñao

Frago, a arquitetura escolar, também pode ser considerada como “uma forma

125 Árvores símbolos: “Ipê de flores douradas, símbolo da Fundação – Comte Álvaro Alberto; Laranjeira, riqueza da região, resumo de sua poesia popular e, também, símbolo da Escola – Armanda Álvaro Alberto; Mangueira, símbolo da força maternal do Círculo de Mães – Viúva Álvaro Alberto; Carnaúba, providencia vegetal, imagem da ação social pretendida pela Escola – Prof. Edgar Sussenkind de Mendonça; Umbuzeiro, planta predileta de Euclides da Cunha, representando a biblioteca que o tem como patrono – Dr. Venâncio Filho; Paineira, árvore da beleza – Julia Lopes; e a Palmeira Merity - Dr. Bernardino Jorge, o doador do terreno”. Relatório de 1928, p. 2.

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silenciosa de ensino” (Mesmim, G., apud Viñao Frago, 2001:27). Incorporada

ao seu programa de ensino e espaço escolar, a Regional de Merity privilegiava

a co-educação.126 Diferentemente da concepção e definição dos Grupos

Escolares que buscava projetar uma educação escolar que pretendia a

homogeneização, a questão das diferenças de gêneros como, por exemplo,

entradas independentes para meninos e meninas e separação nos horários de

recreio.

A adoção de espaços únicos para ambos os gêneros estava incorporada

à proposta da escola que privilegiava a solidariedade, a cooperação, o

exercício da democracia e o respeito à natureza cultural e educativa. De acordo

com a diretora da Regional de Merity, em sua instituição não havia distinção de

raça, cor, credo e classe social. Todos eram vistos e percebidos com

igualdade.

Estudando os relatórios anuais da escola, nas entrelinhas, verificam-se

vestígios de uma possibilidade de o prédio escolar ter sido construído, também,

com a intenção de ser a continuidade do lar dos populares da região, um lar-

escola. A concepção de um lar-escola por parte da diretoria da escola parece

trazer em seu bojo o intento de inculcar nos indivíduos hábitos sociais e

culturais legitimados pela camada elitizada da sociedade. Conceituação esta

enfatizada na idéia da inserção harmoniosa da instituição na cultura da região,

mesmo estando sua estrutura e aspecto arquitetônico distante das

características do espaço doméstico da comunidade local. Ana Maria Magaldi

(2007:73) assinala que:

“[...] longe de expressar o espaço doméstico dos populares tal como era visto em seu tempo pelos formuladores do projeto educacional, aquela representação era a de uma casa idealizada, uma casa que, construída imaginariamente pelos educadores envolvidos, seria resultante de sua ação transformadora, isto é, uma casa popular do futuro desejado”.

A sede da escola contava, em seu espaço interno, com “salas adaptadas

ao ensino das diversas matérias, cozinha e sala de jantar; um gabinete para os

exames médicos e um banheiro”; uma biblioteca; um museu e uma oficina de

trabalhos manuais femininos e masculinos. O espaço interno era mais utilizado 126 Educação conjunta de indivíduos de ambos os sexos.

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nos dias de chuva. “As aulas são dadas ao ar livre e, só quando chove é que

os escolares se recolhem na casa principal”.(BITTENCOUR, 1968:139).

A aplicabilidade do espaço externo da escola era bem diversificada. O

próprio currículo assinalava a necessidade de utilização desse espaço nas

aulas ao ar livre. Disciplinas como estudos da natureza, ginástica, trabalhos

manuais, jardinagem e criações faziam uso desse espaço de forma bem

intensa e interativa com os recursos naturais abundantes nessa área da escola.

Esse espaço, diferentemente do espaço interno da escola, era mais amplo, o

que proporcionava a reunião de um grupo maior de pessoas. Nesse sentido, as

ações coletivas como reuniões, festas e palestras eram realizadas nesse

espaço.

Observamos, através das fontes documentais, que a proposta

pedagógica da Regional de Merity confere à utilização do espaço externo a

mesma função do espaço interno: o educar, a busca pelo conhecimento, a

unidade de pensamento, o estímulo por ensinar e aprender.

A configuração de espaços, como o Jardim, a Biblioteca Euclides da

Cunha e o Museu Regional foram especificamente criados para que o ensino

estivesse completo. Todos esses espaços eram defendidos, dentro da

organização escolar da instituição, como elementos necessários à prática do

ensino pretendido, isto é, a utilização do método intuitivo.

O jardim era o espaço de significação maior nas aulas de Estudos da

Natureza, como também, adquiriu um significado simbólico e material que a

cidade ainda não possuía, pois estava inserido no projeto social mais amplo da

escola, como a “praça da cidade”. Por não possuir muros, por não pretender

separar a escola da rua, este seria, também, um espaço de socialização e

ensino em relação direta com a comunidade local.

Como representação simbólica de uma cidade, a praça seria um espaço

de sociabilidade e lazer, que estaria vinculado à projeção de modernidade. A

região onde se localizava a escola, a Vila Merity, não possuía características

mínimas de uma cidade urbanizada. Nesse sentido, a idealização de um

espaço arborizado e florido teria como finalidade inspirar os moradores, assim

como o poder público municipal, com vistas à construção de uma praça na

comunidade. O que representaria, também, uma ruptura com o passado, com a

imagem de um lugar onde prevaleciam os pântanos, mosquitos e doenças.

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A construção de espaços específicos para a complementação do ensino

proposto, o regional e popular, fez-se necessária ao processo educativo. Desde

o início da fundação da escola, a Biblioteca foi criada com o propósito de levar

o conhecimento, o gosto e prazer pela leitura aos alunos e a comunidade local.

Com o objetivo de levar à população o conhecimento mais científico sobre a

região, no que se referia aos aspectos geográficos, políticos, sociais, culturais,

educacionais e de saúde, foi criado o Museu Regional. Desta forma, o trabalho

articularia os três órgãos necessários à regionalização do ensino: a escola, a

biblioteca e o museu.

Com relação à Biblioteca, em seu acervo poderíamos encontrar mais de

mil publicações, entre elas obras de Euclides da Cunha, Monteiro Lobato, Júlia

Lopes de Almeida, Olavo Bilac, Felisberto de Carvalho, João Köpke, Hilário

Ribeiro, Francisco Viana, Arnaldo Barreto, entre muitos outros. Quase todo o

acervo foi doado pelos diversos colaboradores da escola. No caderno de

empréstimos da biblioteca, constatamos que não só os alunos buscavam

manter contato a leitura, mas também seus familiares e professores. Em visita

à escola, Yvonne Jean relatou: “Esta biblioteca, grande e clara, contém um número impressionante de livros infantis, romances, obras pedagógicas, científicas e de interesse geral. Ficavam à disposição de todas as famílias, cujo interesse pude verificar pessoalmente, pois diversas senhoras vieram trocar livros no dia da minha visita” (JEAN, 1968:143).

O acervo do Museu Regional era bem diversificado. Muitos materiais

eram originários de elementos da própria região: pedras, minerais, frutos

secos, insetos, etc. Por uma questão pedagógica e metodológica, com o

objetivo de despertar o interesse e a compreensão para um conhecimento mais

ampliado sobre outras regiões do Brasil e do mundo aos visitantes – alunos e

comunidade-, nem todos os materiais eram provenientes da região. Havia

materiais da região da Amazônia, da região das secas do Nordeste, do Rio

Grande do Sul, etc. O Museu possuía material “zoológico” (insetos, carcaça de

animais e animais empalhados); “colleção didactica de botânica, obtida no

Jardim Botânico”; “colleção ethnographica-miniatura de louça de

Portugal.(Relatório anual de 1926, p. 8).

A biblioteca, o museu, os cursos e concursos, as festividades e

cerimônias escolares podem ser concebidas como estratégias de aproximação

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da comunidade em direção ao centro da escola, numa tentativa de realizar

mudanças de hábitos e costumes locais, principalmente na família, que tanto

afetavam a continuidade do trabalho escolar, assim como a freqüência e o

aproveitamento dos alunos.

No seu conjunto de ações, o espaço escolar da Escola Regional de

Merity, agregou não só os alunos, mas todos aqueles que desejassem

participar das atividades realizadas, isto é, estava aberta a toda a comunidade.

Utilizando as palavras de Faria Filho (2000:69), “em seu movimento de

constituição, foi o palco e a cena de apropriações diversas, produzindo e

incorporando múltiplos significados para um mesmo lugar projetado pela

arquitetura escolar”.

4.4.2 Tempo Escolar: adequação a uma organização escolar específica

Num primeiro momento, os documentos como os relatórios e artigos

sobre a Escola Regional de Merity nos indicam que a direção da instituição

escolar tentou estabelecer uma organização de tempo utilizado pelas demais

escolas da Capital. No entanto, esta prática foi modificada pela necessidade de

adaptação às condições e necessidades locais e sociais da região. Numa visão

mais restrita, podemos dizer que o modelo de organização de tempo das

escolas isoladas foi utilizado pela Regional de Merity, isto é, de acordo com a

conveniência das professoras, dos alunos e dos costumes locais.

Não entraremos na questão de conceituar o que seria tempo na escola

primária, pois demandaria um estudo mais ampliado. Porém, podemos

mencionar que o tempo escolar, ou melhor, os tempos escolares são múltiplos

e, “tanto quanto a ordenação do espaço, fazem parte da ordem social e

escolar”.(FARIA FILHO, 2000:70).

Na ordem escolar da Regional de Merity, como nas demais escolas,

havia uma busca de delimitar o tempo escolar através de elementos como

quadros de séries (graus), período de férias, tempo de aula, relógios,

campainha, etc.

O relatório anual de 1921 nos revela informações sobre carga horária do

dia letivo. Inicialmente, o dia letivo começava às 10:00 e terminava às 14:00

horas da tarde, apesar de a escola ter como projeto o horário integral (toda a

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manhã e parte da tarde). A partir de 1922, foi acrescida uma hora no dia letivo,

e as aulas iniciavam-se às 10:00 e terminavam às 15:00. Respaldados nas

fontes documentais, podemos mencionar que o horário estabelecido foi

organizado numa tentativa de buscar uma certa adequação da escola às

necessidades das crianças e suas famílias. Segundo a diretora da escola, o

horário seria modificado, “atendendo que muitas crianças precisam prestar

serviços em casa antes da vinda para a Escola”. (Relatório Anual da Escola

Proletária de Merity de 1921, p. 8).

Para se cumprir o horário determinado, instrumentos como relógio e

sinetas foram utilizados. Martha Rossi, uma ex-professora e sub-diretora da

Escola lembra que, “ao chegar o momento de ingressar em sala de aula, a

sineta era tocada, os alunos entravam em forma para cantarem o hino nacional

e o hino da escola”.127

Como demarcador do tempo, os programas de ensino estabeleciam que

algumas matérias aconteceriam seis dias por semana, isto é, de segunda a

sábado. Somente as aulas de trabalhos manuais, pintura e desenho128

ocorreriam aos sábados. Freqüência, datas de início e término do ano letivo,

datas dos exames escolares, também eram sugeridas como elementos

demarcadores do tempo escolar. Um tempo articulado e criado artificialmente,

um tempo apropriado e ordenado pela razão humana, “próprio às relações

capitalistas que se estabeleciam”.129

Foi a partir desse movimento, que os múltiplos sentidos de tempo,

dentre eles o de controle e delimitação temporal que a figura dos Inspetores

Escolares surgiram. Nas muitas escolas e grupos escolares da Capital a

presença do Inspetor Escolar fazia com que os prazos e os programas fossem

seguidos.

Nas visitas realizadas à Escola Regional de Merity, os Inspetores se

detinham em inspecionar o quadro de funcionamento e programa através do

Boletim de Informações do Ministério da Educação e Saúde, solicitando dados

sobre a natureza do ensino, cursos ministrados, corpo docente, corpo discente, 127 Entrevista realizada com a professora aposentada e ex sub-diretora da Regional de Merity, Martha Rossi. Duque de Caxias, 28/11/2007. 128 No caso dessa última, havia a particularidade de estar inserida nas demais matérias como, estudo da natureza, linguagem, história e geografia. 129 Texto aspado retirado de FARIA FILHO, 2000:71, que se refere à inserção mais sistemática do sistema capitalista industrial na sociedade brasileira.

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número de matrículas e freqüência. No acervo documental da Escola não foi

localizado nenhum relatório ou carta que revelasse algum tipo de intervenção

no trabalho escolar ou administrativo.

Retomando a questão do tempo escolar, a diretora da Regional de

Merity, mesmo adaptando o horário e tornando-o mais flexível, numa tentativa

de romper as barreiras socioeconômicas, muitas vezes, não conseguia conter a

evasão escolar. “Gente que tem que andar depressa, que aos 11, aos 10 anos,

diz adeus à escola, por mais amiga que ela seja!”. (ÁLVARO ALBERTO,

1968:48).

Mesmo com a utilização de um horário adequado aos pleitos das

famílias, a freqüência oscilava muito, não correspondia à desejável, porém,

segundo a própria da diretora da escola, era à que os alunos poderiam

responder.

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CAPÍTULO 5 COMPARTILHANDO PROPOSTAS: A RENOVAÇÃO DOS MÉTODOS DE ENSINO NAS PRÁTICAS ESCOLARES.

A literatura especializada nos aponta que, desde a segunda metade do

século XIX, a questão política da educação popular envolveu, em todo o

Ocidente, a discussão sobre a organização administrativa e didático-

pedagógica do ensino primário. No Brasil, essa discussão entra em voga no

final do século XIX, com as propostas postas no processo de renovação dos

programas escolares.

A educação, a partir desse momento, tomada como instrumento de

ajuste para os males nacionais foi concebida pelos intelectuais, políticos,

educadores e diletantes da educação como “panacéia para todos os males

sociais, como instrumento infalível, milagroso, de aperfeiçoamento humano e

progresso nacional” (SILVA, 2003:186). No contexto educacional brasileiro é

recorrente perceber a escola como um depósito de esperanças de progresso

econômico, social e cultural.

Partindo dessa premissa, novas formulações pedagógicas foram sendo

postas na prática educativa de alguns educadores durante as décadas de 1910

e 1920, através dos fundamentos e princípios derivados do movimento da

Escola Nova. Durante as duas primeiras décadas do século XX, alguns

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educadores deram início a algumas experiências educativas calcadas nos

fundamentos escolanovistas.

O movimento escolanovista, segundo Sacristan e Gómez, é visto como

uma das expressões mais importantes da mentalidade liberal moderna que

contribuiu significantemente para as tendências pedagógicas atuais, tendo

como fatores importantes para a vivência democrática a centralização do

ensino na criança e no método ativo: “(...) a pretensão de criar climas favoráveis para a auto-expressão, o aprender em liberdade, o ensino baseado nos interesses do aluno/a, a adequação do que se transmite para suas capacidades, o fomento dos métodos ativos no ensino para favorecer a experiência pessoal de aprendizagem e a conseqüente relativização dos conteúdos das disciplinas herdadas, junto à necessidade de sua organização ao apresentá-los aos alunos/as são princípios que orientam a educação moderna” (1998 apud LEAL, 2003: 59).

Intelectuais imbuídos da causa da educação do povo, no período de

1920 e 1930, se predispuseram a enfrentar o desafio de educar a massa mais

pobre da sociedade brasileira. Defendiam que a educação deveria ser de

responsabilidade do poder público, sendo a educação um direito de todos os

cidadãos. E que a escola deveria ser pública, gratuita, universal e laica. Alguns

dos agentes do movimento, cientes da problemática educacional nacional,

realizaram algumas experiências particulares.

No entanto, para que as propostas educacionais do pensamento

pedagógico oriundo do movimento escolanovista fossem absorvidas pelas

práticas educativas vigentes na época, inovações pedagógicas e

metodológicas deveriam ocorrer no âmbito da escola.

Aqui se insere o projeto educacional da Escola Regional de Merity

idealizado e implementado pela educadora Armanda Álvaro Alberto. Uma

instituição de ensino primário, particular, laica e gratuita, destinada às crianças

pobres da região de Merity, no “sertão” da Capital Federal que, na década de

1920, não passava de um pequeno vilarejo, com poucos moradores e

abandonado pelos poderes públicos.

Dentro do campo da educação brasileira, muitas instituições escolares

utilizaram-se dos fundamentos e princípios educacionais escolanovistas. A

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literatura130 nos aponta que a Escola Regional de Merity teria sido a mais

completa experiência escolanovista no Brasil. No entanto, a necessidade de

uma reflexão mais apurada sobre as práticas pedagógicas e metodológicas

ficou latente no transcorrer da coleta de dados sobre a instituição.

Várias questões circundavam nosso pensamento no percurso da

construção da pesquisa, como: quais foram os fundamentos e princípios

escolanovistas que nortearam a trajetória educacional dessa entidade? Qual o

método de ensino empregado para o desenvolvimento do programa curricular e

pedagógico e, como a escola se apropriou do arcabouço pedagógico, teórico e

metodológico escolanovista? Teria sido mesmo, esta instituição a pioneira e a

mais completa na utilização dos pressupostos pedagógicos e metodológicos

escolanovistas como afirmou o professor Lourenço Filho, em sua obra

“Introdução ao Estudo da Escola Nova”?

5.1 CONHECENDO O CAMINHO TEÓRICO E METODOLÓGICO

A historiografia sobre o movimento da Escola Nova no Brasil nos

assinala que as inovações pedagógicas surgiram no cenário educacional

brasileiro na segunda metade do século XIX.131 Contudo, começaram a ser

evidenciadas com mais ênfase e força a partir de 1927, com a reforma

Fernando de Azevedo, quando se processou a introdução sistemática das

idéias do movimento.

Porém, em 1921, antes da reforma de reforma de Fernando de Azevedo,

a educadora Armanda Álvaro Alberto, através de seu projeto educacional,

empregou os fundamentos e princípios escolanovistas. Sintetizando as

características gerais postas pelo “Bureau Internacional des Écoles Nouvelles”

fundado em Genebra, em 1899, para uma escola ser considerada

escolanovista, ela deveria cumprir alguns princípios e fundamentos básicos da

nova pedagogia, como: a educação integral (intelectual, moral e física);

educação ativa, considerando o aluno como sujeito da aprendizagem; 130 LOURENÇO FILHO (1931), AZEVEDO (1958), MIGNOT (2002). 131 Cabe ressaltar que, antes mesmo de proclamada a República, Rui Barbosa já vinha introduzindo alguns elementos pedagógicos do movimento da escola nova oriundo da Europa no campo educacional brasileiro.

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educação prática, sendo obrigatório o ensino de trabalhos manuais; exercício

de autonomia; vida no campo; co-educação, entre outros aspectos

(LOURENÇO FILHO, 2002: 249-252).

Observando a organização escolar e curricular, podemos concluir que a

Regional de Merity contemplava várias características de uma instituição

escolanovista. Na organização escolar, o curso completo oferecido pela

Regional de Merity era dividido em quatro graus (séries), sendo três

fundamentais e um de aperfeiçoamento em desenhos, trabalhos manuais,

economia doméstica, jardinagem e criação (animais). O tempo escolar era de

um turno com seis horas diárias.

A base curricular da escola estava intrinsecamente vinculada à didática

da Escola Nova. Cabe mencionar que a dimensão didática leva à definição de

métodos e práticas de ensino e aprendizagem que mais se aproximem da linha

de ação, isto é, uma didática baseada na ação prática-metodológica que,

orientada e planejada pelo professor, leve o aluno a aprender observando,

pesquisando, trabalhando, construindo, pensando e resolvendo situações que

lhe sejam apresentadas.

O objetivo da formação curricular, já mencionado no capítulo 4, era o de

promover educação integral, congregando a educação intelectual, física e

moral, considerando os interesses, necessidades e vivência dos alunos. Na didática da Escola Nova, o centro da atividade escolar não é o

professor nem a matéria aplicada, mas sim o aluno ativo e investigador. A

didática ativa valoriza o processo de aprendizagem e os meios que possibilitam

o desenvolvimento das capacidades e habilidades intelectuais dos alunos. A

didática não é a direção do ensino, “é a orientação da aprendizagem, uma vez

que esta é uma experiência própria do aluno através da pesquisa e da

investigação”. (LIBÂNEO, 1994:65-66) Isto é, cabe ao professor dar ao aluno

condições propícias para que, partindo de suas necessidades e estimulando os

seus interesses, possa buscar por si mesmo conhecimentos e experiências.

Entendemos que a didática ativa baseia-se na atividade mental do

aluno, no estudo e na pesquisa, propondo a formação de um pensamento

autônomo.

No texto “Tentativa de Escola Moderna”, a professora Armanda aponta a

origem dos métodos de educação aplicados na Escola Regional de Merity:

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“Os métodos de educação, venham eles da Suíça, dos Estados Unidos, da Itália, desde que se baseiem na liberdade, que consente a plena expansão da individualidade, e no trabalho, que leva a criança a observar, a experimentar, a descobrir e a fazer por si”. (ÀLVARO ALBERTO, 1968:41)

A partir da citação acima percebemos que a professora Armanda, ao

construir seu projeto educacional, inspirou-se nas idéias pedagógicas de

Montessori, Pestalozzi e Dewey, colocando em prática os métodos de ensino e

aprendizagem da Pedagogia da Escola Nova, adaptando-os à realidade social,

econômica e cultural da região Merity. Embora as idéias pedagógicas possam

ser analisadas em sentido amplo no que pese à incorporação de certas

concepções educativas, ao serem transpostas para o interior da escola

adquiriram singularidades atribuídas pelos sujeitos que conduziram o projeto.

Para compor esse cabedal de propostas pedagógicas, o emprego do

método ativo seria imprescindível. O método ativo foi criado pela educadora

italiana Maria Montessori (1879-1952) e, também traduzido nos pressupostos

pedagógicos e educacionais de John Dewey. É um método que possibilita o

uso de exercícios atraentes para desenvolver o gosto pelo trabalho e a ordem;

trabalha o desenvolvimento da liberdade e da disciplina. Possui outras

características como: a ênfase na educação dos sentidos; noções de higiene;

prática de trabalhos manuais; exercícios da vida prática; trabalho de

jardinagem; ginástica concebida como exercício de todos os movimentos que

auxiliam o crescimento dos mecanismos motores.

Os ideais pedagógicos de Pestalozzi, possivelmente, já haviam se

estruturado como exemplo de educação para a idealizadora da Regional de

Merity desde sua infância. Segundo Beatriz Osório (1944: 1), “aos 13 anos de

idade já havia lido a vida de Pestalozzi, por quem tomou de uma admiração

irrestrita”.132 A princípio, observamos que a obra do educador foi absorvida de

forma consistente no trabalho educacional da instituição. Para Pestalozzi (1746-1827), o educar deveria ocorrer em um ambiente o mais natural possível,

seu conceito de “educação do homem do povo” contribuiu para uma educação

baseada no respeito pelo educando. Considerado um dos defensores da

132 O texto produzido por Beatriz Osório, “Uma obra extraordinária: a Escola Regional de Merity”,aluna do curso Normal do Instituto de Educação do Rio de Janeiro em 18/9/1944, nos revela que Armanda, desde sua infância, dedicara-se aos estudos das obras de Pestalozzi.

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escola popular extensiva a todos, reconhecia a função social do ensino.

Defendia a idéia de que a escola devia ser uma extensão do lar, e inspirar -se

no ambiente familiar para oferecer uma atmosfera de segurança e afeto.

Na sua visão, o principal cuidado do educador deveria ser respeitar os

estágios de desenvolvimento pelos quais a criança passa, e dar atenção à sua

evolução, suas aptidões e necessidades. Isto é, a tarefa do mestre seria a de

estimular o desenvolvimento espontâneo do aluno, procurando compreender o

espírito infantil, atitude que se distancia do ensino dogmático e autoritário

utilizado na pedagogia tradicional.133 Sendo assim, o aprendizado seria, em

sua maior parte, conduzido pelo próprio aluno, tendo por base suas

experiências na vida. O objetivo final deveria ser a formação intelectual, física e

moral. Sua proposta era contra provas, notas, castigos ou recompensas.

Defendia também a formação específica para professores. Em sua metodologia

de ensino, as atividades que deveriam ser mais estimuladas seriam: desenho,

escrita, canto, educação física, cartografia, excursões ao ar livre, etc.

Destacava o valor educativo do trabalho manual e a importância de a criança

desenvolver destreza prática (ZANATTA, 2005:171-174).

No projeto educacional da Regional de Merity as idéias pedagógicas e

metodológicas de Montessori e Pestalozzi perpassavam todas as atividades

educativas. Uma leitura através dos documentos (boletim de avaliação e

relatórios anuais) nos apontou a utilização da concepção de educação de

ambos os renomados educadores no conjunto das atividades educativas da

Escola Regional de Merity.

Ana Chrystina Mignot (2002) nos mostra que a adoção dos ideais

montessorianos estava presente no trabalho educativo da instituição, e que os

suportes metodológicos seriam a liberdade, responsabilidade, auto-educação e

respeito ao desenvolvimento biológico e psicológico do educando.

Seguindo os pressupostos educacionais de Pestalozzi, na Regional de

Merity, as provas, quando aplicadas, não possuíam o caráter de punição,

repressão ou castigo. A escola deveria ser uma extensão do lar. A liberdade, a

espontaneidade eram bases essenciais na prática pedagógica; a disciplina não 133 Uma proposta de educação centrada na ação do professor, valoriza o conteúdo livresco e a quantidade, enfatiza a repetição de exercícios com exigência de memorização.Não permite a participação do aluno no processo de ensino-aprendizagem. Sua metodologia tem como princípio a transmissão do conhecimento através da aula do professor. (LIBÂNEO, 1994:61)

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era imposta, e sim aprendida juntamente com o respeito, com o trabalho

coletivo e com a responsabilidade. Os alunos eram vistos como sujeitos ativos

e participativos no funcionamento da Escola.

Tendo nos revelado que um dos métodos concebidos pela escola era

oriundo dos Estados Unidos, a professora Armanda, na citação acima, nos

aponta fortes indícios de serem os pressupostos pedagógicos e educacionais

de Dewey.134 John Dewey, um dos mais influentes pensadores na área da

educação contemporânea, posicionou-se a favor do conceito de Escola Ativa,

no qual o aluno tinha que ter iniciativa, originalidade e agir de forma

cooperativa. Acreditava que as escolas que atuavam dentro de uma linha de

obediência e submissão não eram efetivas quanto ao processo de ensino-

aprendizagem. Seus trabalhos influenciaram vários países, inclusive o

movimento da Escola Nova no Brasil. Tomou o trabalho como princípio

educativo, procurando romper com a dicotomia entre o trabalho manual e o

intelectual. (OLIVEIRA, 2002:74).

A pedagogia de Dewey, rica em aspectos inovadores, tem como sua

principal marca a oposição à escola tradicional. Critica a educação tradicional,

sobretudo a predominância do intelectualismo e da memorização. Nesse

sentido, observamos similaridades com a metodologia aplicada na Regional de

Merity. Para ele, o conhecimento é uma atividade dirigida que não tem fim em

si mesma, mas está voltada para a experiência. Trabalha com o pressuposto

de que há uma conexão direta entre experiência pessoal e educação, desde

que essa experiência seja educativa, ou seja, que favoreça o continuum

experiencial, que significa a possibilidade de uma experiência poder, por sua

natureza, dar continuidade a outras experiências, “o princípio de continuidade

de experiência significa que toda e qualquer experiência toma algo das

experiências passadas e modifica de algum modo as experiências

subseqüentes” (DEWEY, 1976:26).

O fim da educação não seria formar a criança de acordo com modelos,

nem orientá-la para uma ação futura (assim estaria seguindo modelos prontos),

mas dar-lhe condições para observar e resolver por si os problemas 134 John Dewey (1859-1952), filósofo, psicólogo e pedagogo liberal norte-americano exerceu grande influência sobre toda a pedagogia contemporânea. Defensor da Escola Ativa propunha a aprendizagem através da atividade pessoal do aluno. Ver: GADOTTI, Moacir. História das Idéias Pedagógicas. São Paulo: Ed. Ática, 2005, p. 148-150.

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apresentados. Concebendo a noção de experiência, Dewey conclui que a

escola não pode ser uma preparação para a vida, ela é a própria vida. Por isso,

vida-experiência-aprendizagem não se separam.

Partindo desta concepção, a nova função social da escola seria a de

possibilitar que o aluno tivesse consciência e condições de enfrentar os

obstáculos encontrados na vida e na sociedade. A sala de aula deveria ser um

local onde as crianças pudessem formar grupos, criar planos e executar suas

atividades sob a orientação do professor. Este deveria conduzir o aluno de

acordo com a complexidade da sociedade, dando-lhe oportunidade de

aprender da forma mais natural possível.

A metodologia adotada procurava meios eficazes de aprender e ensinar,

tendo o aluno como centro da educação, um agente ativo no processo de

aprendizagem. Os princípios básicos eram: desenvolver a solidariedade,

integrar aluno e sociedade, promover atividades que favorecessem a

cooperação das crianças e formar o cidadão (GALIANE, 2004:57).

De acordo com os pressupostos de Dewey, concluímos que a professora

Armanda, no contexto de seu projeto educacional, tinha uma proposta de

educação fundamentada no princípio de que a aprendizagem da criança

deveria se dar num ambiente estimulador, de liberdade e cooperação,

organizado institucionalmente, voltado para as diferenças individuais e, acima

de tudo, integrado com o próprio desenvolvimento da sociedade.

Compreendemos que na pedagogia utilizada pela educadora Armanda,

alguns princípios do pensamento educacional de John Dewey foram utilizados,

como, por exemplo, a idéia do 'aprender fazendo', do trabalho cooperativo, da

relação entre teoria e prática, da observação e pesquisa, a valorização da

linguagem (fala) como método no trabalho educativo direcionado aos alunos.

Para Dewey, a escola deveria oferecer experiências duradouras e saudáveis,

preparando a criança para lidar com o futuro.

Tendo os pressupostos de Dewey como fundamento, na proposta

pedagógica de Armanda, o trabalho deveria ser realizado conjuntamente, por

professor e aluno. Cabia ao professor acompanhar o processo de

desenvolvimento individual de cada aluno, ensinando-lhes “os fatos que

estiverem ao alcance imediato de sua observação e experiência” (CARVALHO,

1968: 120).

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Com as iniciativas renovadoras através dos métodos pedagógicos de

Pestalozzi, Montessori e Dewey, a escola se diferenciava das demais escolas

existentes que empregavam o método tradicional de ensino.135 Recusava-se a

empregar testes que mensurassem o aprendizado, pois tinha a concepção de

que os testes homogeneizavam os alunos, ocultando e não reconhecendo as

diferenças. O trabalho da escola era realizado numa perspectiva de

acompanhar, analisar o desenvolvimento infantil. “Em nossa Escola não se dão notas, nem prêmios, nem castigos, porém, longe de impedir, tal regime facilita o estudo individual da criança entregue à nossa direção. Livre da inveja e do despeito que a luta para a conquista dos primeiros lugares faz nascer nos outros meios colegiais, aqui ninguém procura exibir o que não tem ou dissimular o que não é”.(Relatório anual de 1921:7).

A Regional de Merity tinha como objetivo e intenção negar a escola

livresca, autoritária, e fora da realidade social dos seus alunos. Tendo como

pretensão promover a educação intelectual, física e moral, isto é, a educação

integral, considerando os interesses, necessidades e vivência de seus alunos.

O emprego de métodos e práticas de ensino escolanovista adaptados à

massa pobre da zona rural do Rio de Janeiro deu início a um novo modelo de

escola destinado à população rural, a Escola Regional. De acordo com Ana

Chrystina Mignot (2002:177), o regionalismo, espírito que norteou a Escola

Regional de Merity, fez com que fosse criado um sistema próprio de ensino,

baseado na “liberdade”, “na expansão da individualidade”, levando “a crianças

a observar, a experimentar, a descobrir por si”. Nesse contexto, percebe-se

que o sentido de escolarização ia além do alfabetizar: o de propiciar aos

educandos a descoberta, o prazer, a ludicidade.

Palestrante da ABE, o Dr. C. A. Barbosa de Oliveira, fez um recorte

sobre a importância da escola regional na formação do cidadão, adaptada ao

meio onde vivem os alunos: “Nessa escola não se moldam as creanças em um determinado tipo, a educação é feita aproveitando para o bem as propensões reveladas, de fôrma a preparar a consciência dos deveres e a cultivar as faculdades pessoais, para em labor produtivo todas

135 A atividade de ensinar é centrada no professor que expõe e interpreta. A metodologia é focada no ensino verbal, na autoridade, na ênfase à passividade do aluno e na concepção da criança como um “adulto pequeno”. LIBÂNEO, José Carlos. op. cit, p. 64.

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cooperarem na obtenção do progresso da sociedade em que irão viver” (ÀLVARO ALBERTO, 1968:98).

As investigações nos proporcionaram visualizar que o regionalismo era

apenas o ponto de partida da ação pedagógica. Cabia à escola educar, levar

um conhecimento amplo da realidade dos alunos e de outras realidades

“aparentemente” distantes; despertar e aguçar o espírito de busca ao

conhecimento, de descoberta. Incorporar às aulas os passos do método

científico era o objetivo real na proposta pedagógica, além de despertar o

espírito de civismo e amor à pátria nas crianças. Isto é, criar o sentimento de

nacionalismo.

“Saúde”, “Alegria”, “Trabalho” e “Solidariedade” sintetizavam os

princípios pedagógicos que norteavam as propostas postas na pequena escola,

e ficavam em cartazes afixados nas paredes. Observamos que a base do

trabalho pedagógico seguia os preceitos educativos de Dewey, dando ênfase

às atividades infantis, na formação moral mediante o trabalho, escola e

comunidade. Além de estabelecer o exercício da democracia, pois esta poderia

ser aprendida e exercitada no ambiente escolar, sendo externalizada na

tomada de decisões coletivas e debates, nos quais se garantiriam a livre

expressão e cooperação entre alunos.

A criadora do projeto educacional da Regional de Merity, tendo como

fundamento os ideais pedagógicos de Pestalozzi, inspirou-se no método de

ensino-aprendizagem e de avaliação deste educador. Utilizamos a expressão

“inspirou-se” por termos que considerar que ao abordar tal metodologia de

ensino aprendizagem, oriunda de uma realidade européia, teve que realizar

algumas adaptações ao meio cultural e social brasileiro, principalmente no que

se referia à região rural.

O método intuitivo fundamenta-se em teorias do conhecimento

desenvolvidas a partir no século XVII, que procuraram investigar as condições

a partir das quais o indivíduo adquire o conhecimento e entende o meio em que

está inserido. No entanto, toda a proposta do método foi amplamente difundida

na Europa, somente na segunda metade do século XIX, “quando a nova ordem

social pretendia renovar os sistemas educacionais para que a aprendizagem se

tornasse mais significativa para o educando” (MEDINA, 2000:14).

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Com relação ao emprego do método no Brasil, Lourenço Filho (2002,

p.239) nos aponta que o movimento escolanovista se apropriou da concepção

do método realizando algumas adaptações, já que nenhuma idéia se apresenta

totalmente original e única. O que podemos considerar é que a Escola Nova no

Brasil imprimiu um caráter próprio ao método utilizado em suas práticas

pedagógicas.

5.2 MÉTODO DE ENSINO-APRENDIZAGEM E SUA APROPRIAÇÃO NA PRÁTICA EDUCATIVA DA REGIONAL DE MERITY

As ações educativas implementadas na Escola Regional de Merity, por

intermédio da professora Armanda Álvaro Alberto tiveram com fundamento a

“nova pedagogia” como referência, isto é, a pedagogia escolanovista. Nesse

viés de pensamento, localizamos duas perspectivas de utilização de métodos

de ensino-aprendizagem na organização da escola: o método intuitivo e o

método ativo.

Com relação ao processo ensino-aprendizagem nada é mais revelador

do que o emprego do método intuitivo, para os profissionais da educação,

principalmente aqueles que estavam engajados no movimento renovador da

educação, apesar de o método já ter sido introduzido no país desde meados do

século XIX. Segundo Faria Filho (2000:163), o método “é a condição de

possibilidade de adotar nas escolas não apenas novas atividades ou novos

mecanismos de ensino, mas também de afirmação de uma nova ‘teoria da

aprendizagem`, baseada no pressuposto de que a atividade do aluno é a

condição primeira do sucesso escolar”.

Tomando como princípio que a Regional de Merity tinha como base em

sua organização escolar os fundamentos pedagógicos e ideais educacionais de

Pestalozzi, esta, possivelmente utilizava o princípio da intuição, isto é, o

método intuitivo. A metodologia de Pestalozzi consistia na valorização do

processo intuitivo, partindo das experiências concretas que visam estimular a

observação e o raciocínio. Sendo, então, a intuição, fundamento de todo o

conhecimento humano e da instrução.

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Intuição, escreve Compayré comentando Pestalozzi, não é somente a

percepção externa dos sentidos. A intuição estende-se às experiências da

consciência interna, aos sentimentos e às emoções tanto quanto às sensações.

Isto é, só podemos ter intuição daquilo que percebemos, e só percebemos

aquilo que observamos. Com relação a essa noção de intuição, Luciano Lopes

(1945:158) afirma que: “[...] a intuição não é uma visão meramente contemplativa; pelo contrário, considerada segundo a concepção pestalozziana, é, por excelência, uma atividade, porque, na sua essência, é o ato de observar e perceber as cousas que nos rodeiam”.

No entanto, Lourenço Filho em sua obra Introdução ao Estudo da Escola

Nova, nos remete a refletir a respeito da utilização do método intuitivo nas

experiências educacionais escolanovistas das décadas de 1920 e 1930.

Ao avaliarmos o método de aprendizagem aplicado na Regional de

Merity, num primeiro momento, observamos pontos de grande semelhança

entre o método intuitivo empregado nas Escolas Novas européias e

americanas. Porém, devemos analisar se o método utilizado na Regional de

Merity e o método intuitivo possuem ou não os mesmos elementos

pedagógicos e didáticos, já que um dos referenciais teóricos apresentados pela

diretora da escola foi o precursor do método intuitivo como metodologia de

ensino, Pestalozzi. A respeito desta questão, Lourenço Filho (2002, p.239) nos

aponta esta possibilidade de diferença, já que “nenhuma idéia se apresenta

totalmente original”, única. Nesse sentido, consideramos pertinente analisar as

práticas e métodos utilizados na Regional de Meriti, através das fontes

documentais sobre a escola, para que possamos considerar ou não a hipótese

de diferença ou semelhança entre um método e outro, ou se o método intuitivo

foi empregado com algumas adaptações.

Camila Beltrão Medina (2000:15) nos aponta que o movimento

escolanovista brasileiro realizou uma tentativa de modernização do ensino

escolar fortemente vinculada a métodos de ensino. Como elemento para a

renovação, os agentes do movimento propuseram um ensino desvinculado da

memorização e repetição dos conteúdos, valorizando o ensino pelas coisas e

fatos através da observação e experimentação.

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Na proposta de renovação, das décadas de 1920 e 1930, um novo saber

pedagógico foi-se inserindo no campo educacional brasileiro nutrido pelas

idéias educacionais mais modernas em circulação nos países mais

desenvolvidos, e até mesmo dentro do país. Idéias essas de que os defensores

da instrução pública vão se servir para instituir a escola primária pública,

visando a expansão da mesma como direito de todo cidadão. Como

exemplificação da utilização do método nas escolas primárias públicas, já nos

referimos à Lei 88 de 1892 do Estado de São Paulo, no Capítulo 4, que serviu

de modelo para as demais escolas do país.

Para entendermos a utilização do método intuitivo nas escolas

brasileiras elucidaremos, sinteticamente, a questão do material didático

empregado nesse tipo de metodologia. Vera Teresa Valdemarin (2006:91)

aponta que, em meados do século XIX, os materiais mais difundidos, nesse

tipo de metodologia, além dos manuais de ensino compreendiam: “caixa para o

ensino das cores e das formas, gravuras, coleções, objetos variados de

madeira, aros, linhas, papéis, etc. em substituição aos velhos livros de texto

para serem memorizados”.

Vera Teresa Valdemarin (2006:92) referindo-se ao manual, aponta que o

programa de ensino fundamentado nas formulações de Pestalozzi e Froebel,

empregava, na prática educativa, uma outra variedade de materiais utilizados

no desenvolvimento intelectual das crianças: “ (...) bolas, esferas, cubos, prismas, cilindros, bastões para ensinar numerais e das operações aritméticas, tábuas para representação das linhas, aros e círculos, em atividades que englobam trançado, tecelagem, dobradura, recorte, costura, desenho, pintura, etc.”

Considerando a utilização do método intuitivo em sua origem e

materialidade, podemos deduzir que foram realizadas adaptações em seu

emprego na Escola Regional de Merity, no que tange à aplicabilidade

metodológica. Uma questão se apresentou ao analisarmos a documentação da

escola: Se as condições materiais e financeiras da escola não possibilitavam a

obtenção diversificada de objetos sugeridos pelo método intuitivo, quais seriam

as adaptações ou inovações aplicadas?

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Tendo a escola o regionalismo como princípio educativo, as questões da

vida local estavam inseridas em todas as atividades da escola, inclusive nos

conteúdos dos programas de ensino aplicados nas aulas.

“... pelo interesse máximo de sua proximidade, pela observação de toda hora e pela comunhão emocional da convivência, fator pedagógico de valor inestimável, a região constitui a coleção dos temas mais apropriados à atividade das aulas – é a mestra por excelência da melhor Metodologia”(MENDONÇA, 1968:20).

No emprego do regionalismo havia a preocupação “de não contrapô-lo

aos interesses genéticos da criança, que devem ser respeitados”. Tendo como

público alvo as crianças pobres de Merity, e sendo essas envolvidas pelas

questões locais, o método de ensino deveria estar direcionado às questões

locais que mais lhes interessavam. Direcionando o método e conteúdo de

ensino às crianças de Merity, a diretora da escola mencionou que: “Nunca

adotaríamos, por exemplo, o abandono do estudo dos animais e das plantas,

que em certa idade apaixona os pequenos”.

Na Regional de Merity, as crianças adaptadas à organização do lar-

escola, percebiam a escola como extensão de suas casas, exercitavam-se

através dos jogos e as brincadeiras organizadas pelas professoras. Mas,

também expressavam sua imaginação e liberdade como se estivessem em

suas próprias casas, conforme relato da diretora: “Além dos jogos organizados pela professôra gosto de ver (sem ser vista) os grupinhos de meninas entretidas naquelas fabulações tão comuns na roça,“brinquedo de comadres” e outras, em pleno domínio do “faz de conta”, como se estivessem brincando em algum recanto do quintal de suas casas. Deixamo-las dramatizar espontaneamente....” (ÀLVARO ALBERTO, 1968:51).

A citação acima nos proporciona observar a valorização da infância no

contexto educativo da instituição. O trabalho educativo traduziu um novo olhar

para a criança “num momento de valorização social da infância” (MIGNOT,

2002:172). O contexto histórico nos assinala que o final do século XIX e o início

do século XX demarcaram um período em que a infância e a sua educação

faziam parte dos discursos nacionalistas sobre a edificação de uma sociedade

moderna e civilizada. Sendo assim, os cuidados com a infância e sua

valorização tornaram-se aspectos a serem considerados no modelo idealizado

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de nação moderna, com suas ações políticas e instituições. A Regional de

Merity, tendo sua fundadora como uma das personalidades intelectuais

engajadas nesse projeto de construção de uma nova identidade nacional, foi

resultado dessa compreensão e entusiasmo pela educação, principalmente

pela educação das crianças pobres.

A menção da escola como “Nossa Casa” pela diretora da escola nos

relatórios anuais reforça a idéia de escola como continuidade do lar. Por

intermédio das atividades manuais, as crianças vivenciavam a vida em

comunidade, onde aprendiam a dividir tarefas, a cooperar. Partilhavam

experiências e exercitavam a democracia, derrubando barreiras de raças,

credos religiosos e sexos. Assim, para o bom funcionamento da escola, todos

tinham tarefas a realizar. Os grupos eram divididos em comissões

“permanentes para os diversos trabalhos de ordem e embellezamento da

Escola”,136 as Comissões Doméstica e de Jardinagem orientadas pelas

professoras. Os chefes dessas comissões eram escolhidos pelos colegas

através de votação. “Todos os alunos, dos dez anos em diante, desde que cooperem para a comunidade, votam e são elegíveis para diversos cargos, sem, entretanto, terem competência para legislar ou participar da direção da Escola. Nas próprias assembléias gerais ainda não sabem agir inteiramente sós, embora aquêles já mais treinados dêem o exemplo de opinar com seriedade sobre os assuntos de interesse comum. E as resoluções da assembléia são respeitadas pela diretora” (ÀLVARO ALBERTO, 1968:54).

Eram as seguintes as divisões de tarefas: limpeza da casa, da cozinha,

dos banheiros, auxílio na biblioteca, no museu e jardinagem. “Como se faz um

lar hygienico, alegre, confortável, é das cousas mais ensinadas entre nós, tanto

a um, como a outro sexo” (Relatório anual de 1923, p. 7). O aproveitamento

das aulas de educação doméstica, por parte das alunas, foi relatado no

relatório anual de 1924: “O enfeitar com flores e trepadeiras as suas casas não sinão um dos aspectos da educação domésticas que procuramos diffundir entre as nossas meninas. De facto, ellas revelam aproveitamento, quer na vida de família que se vive aqui dentro, quer nos exercícios práticos de economia, nas applicações que fazem “de verdade” de seus conhecimentos”(Relatório anual de 1924, p. 7).

136 Relatório anual da Escola Proletária de Merity de 1922, p. 7.

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Percebe-se, na atividade educativa os princípios escolanovistas que

postulavam, dentro dos ideais de Montessori e Dewey, em que a liberdade e a

democracia poderia e deveria ser um habitus137 aprendido e exercitado no

ambiente escolar.

A escola, configurada com base nos métodos da “escola ativa”, concebia

a aprendizagem como processo individual, de acordo com o desenvolvimento

de cada aluno, onde estes eram levados a aprender observando, pesquisando,

trabalhando, perguntando, construindo, resolvendo situações problemáticas

que lhes fossem apresentadas (LOURENÇO FILHO, 2002: 233). A proposta

pedagógica empregada na Regional de Merity levava em conta as atividades

cotidianas que tinham como objetivo a aprendizagem (individual) e

participação, estimulando hábitos de colaboração, companheirismo,

solidariedade, cooperativismo nos trabalhos da escola, visando a democracia.

Enquadrado como instrumento didático posto na metodologia utilizada e,

como complementando o ensino ao ar livre e em sala de aula, o Museu

Regional era o local de expansão e complementação do conhecimento. Quanto

ao acervo existente, a maioria dos objetos oriundos da região, “galhos floridos,

os frutos, as pedras, os insetos, os produtos industriais” foram colhidos e

doados pelas próprias crianças. “É um direito da infância essa expansão de

sua personalidade ávida, digamos a palavra – de beleza – ao contato das

maravilhas naturais” (ÁLVARO ALBERTO, 1968:50).

Apesar de não constarem detalhes nos documentos sobre os tipos de

materiais utilizados na prática de ensino da Regional de Merity, localizamos

alguns objetos, entre as doações de materiais listadas nos relatórios anuais,

sugeridos como materiais didáticos do emprego ao método intuitivo: coleção de

cartões ilustrativos, régua, lápis, agulhas, rolos de barbante, lápis de cor,

tinteiros, esquadros, transferidores, tesouras, resmas de papel, livros de

diversas áreas de conhecimento, tecidos, entre outros.

Uma das atividades consideradas essenciais ao método intuitivo era a

de Desenho, por compreender “aplicações artísticas e industriais, possibilitando

tanto a ornamentação quanto a construção de objetos. A geometria, sua base

137 Nesse sentido habitus refere-se à possibilidade da escola, em seu processo de socialização, gerar e inculcar disposições duráveis e que habilitem as crianças para vida social.

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indispensável e seu ponto de partida, pode ser desenvolvida à mão livre ou

com a utilização de instrumentos e materiais específicos, tais como régua,

modelos, papel quadriculado, etc” (VALDEMARIN, op. cit. 95).

No conjunto das matérias lecionadas na Regional de Merity, o Desenho,

considerada atividade predileta dos alunos, “... ainda instrumento e meio de

expressão, distenso a todas as disciplinas, largamente desenvolvido, pela

cópia natural, direta, conduzindo, pelo atrativo do colorido, à noção estética e à

geometria, ensinada como forma e medida”,138 nos fornece indícios da

utilização dos preceitos do método intuitivo nessa atividade. Como ensino da

forma, o manual da “Primeiras Lições das Coisas” (CALKINS, 1950 apud

MEDINA, 2000:21) nos informa que na aplicação do método intuitivo, vários

tipos de objetos como bolas, laranjas, anéis, livros, botões, lápis de desenho,

moedas, etc. de formatos e tamanhos diferentes, devem ser apresentados aos

alunos perguntando-lhes o nome e aparência de cada um, no sentido de

distinguir similaridades ou desigualdades.

De acordo com Vera Teresa Valdemarin (2006:96), embora o ensino do

desenho seja um “conteúdo particular a ser desenvolvido pelo professor, ele é

também uma estratégia para a verificação da aprendizagem de todos os outros

conteúdos”. Como exemplo, cita a aprendizagem sobre as ciências naturais,

que é “sempre verificada com trabalhos que têm no desenho sua expressão

prioritária, do mesmo modo que escrever consiste em desenhar sinais

gráficos”.

Como já mencionado, o método intuitivo privilegiava a aprendizagem

através da ilustração e do desenho. Desta forma, a imagem tornou-se tão

importante quanto o texto escrito na sala de aula. Provavelmente por ter sido

uma metodologia de ensino calcada na pedagogia moderna para a época,

dentre os materiais criados para efetivação do ensino, os álbuns de fotografias

e cartões postais, acompanhados de anotações para o uso de professores e

alunos, criados pela Escola, foram citados por Delgado de Carvalho em sua

138 Citação do texto: VENANCIO FILHO, Francisco. A Escola Popular. In: ALBERTO, Armanda Álvaro . op. cit., p.26.

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obra “Metodologia do Ensino Geográfico”139 como um dos mais importantes

recursos pedagógicos e fontes riquíssimas de informações.

Muitas vezes, a explanação sobre um tema ou objeto, numa aula inteira,

poderia não ser suficiente para analisar e descrever tudo que contém uma boa

e significativa ilustração. As ilustrações nos álbuns eram apresentadas sob a

forma de fotografias, de cartões postais, de gravuras, de quadros ou de simples

desenhos.

Entre prateleiras empoeiradas, em um armário fechado e esquecido

numa pequena sala da Escola Dr. Álvaro Alberto,140 encontramos alguns

materiais didático-pedagógicos criados para serem utilizados nas atividades

escolares, tais como: álbuns ilustrados com fotos e postais para o ensino de

história e geografia; livros literários com gravuras; animais empalhados; peças

em cerâmica sobre a cultural nacional, etc. Tais materiais nos informam que,

apesar de a escola ser norteada pelo ensino regional, o ensino não se limitava

às questões locais.

O método de ensino e os recursos pedagógicos utilizados pela escola

tinham como objetivo despertar a curiosidade, o conhecimento e o espírito de

observação nas crianças. As aulas deveriam ser um misto de aprendizagem,

brincadeira, alegria e prazer em busca de novos conhecimentos.

Tendo como eixo norteador o ensino primário e aplicando práticas

adotadas a partir do método intuitivo, podemos afirmar que a Regional de

Merity advogava da mesma afirmação de F. Buison (apud Faria Filho,

2000:165), “se a intuição é o meio de conhecimento mais natural dos quais

dispomos, é ele dentre todos que convêm ao ensino, e por excelência, ao

ensino primário” e, explanando a que público o método é destinado, o mesmo

autor indica que “o método intuitivo não é um método para todas as idades; é

exclusivamente um método para a infância”.

Sendo um método para crianças, as professoras na Regional de Merity,

ao iniciarem as aulas, selecionavam temas e objetos mais simples e familiares

aos educandos com o objetivo de que, no transcorrer das atividades, o

139 CARVALHO, Delgado de. Metodologia do ensino geográfico. Petrópolis: Editora Vozes de Petrópolis, 1925. 140 Em 1964, a Escola Regional de Merity foi doada o Instituto Central do Povo passando a se chamar Escola Dr. Álvaro Aberto.

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entusiasmo e interesse pelo tema estimulassem o sentido de observação,

contribuindo para uma busca mais aprofundada do objeto em estudo.

Dentro do ensino regional, os temas selecionados deveriam ter ligações

diretas com a cultura e o cotidiano dos alunos. Algumas vezes, o conteúdo

estabelecido no programa era aplicado de acordo com o ambiente/situação

encontrado. Beatriz Osório, aluna do Instituto de Educação do Rio de Janeiro,

em uma das visitas à segunda turma do 10 grau adiantado na Escola Regional

de Merity, relatou que D. Armanda, ao chegar em sala de aula pediu que um

aluno segurasse ao colo um gato que dormia por perto. Tendo o animal como

objeto de pesquisa e observação, foi ministrada uma aula completa sobre o

bichano. Apropriando-se do movimento, sugeriu que os alunos dissertassem

sobre a aula e, em seguida, “leu e comentou as redações feitas pelas crianças

sobre o animal”.

A utilização do mecanismo de introdução de um tema ou objeto de

pesquisa conduzia o educando a formular e responder a variadas questões,

bem como discorrer sobre o estudo aplicado. A apropriação desse método de

ensino tinha como foco central preparar as crianças para a vida prática. O

ensino das matérias programáticas deveria utilizar, além dos livros e textos,

materiais concretos como: animais empalhados, mapas, álbuns, pedras, folhas,

animais vivos, objetos de madeira e cerâmica, etc. Possivelmente, a utilização

desses objetos proporcionaria um aprendizado mais consistente e real sobre o

objeto estudado, o que permitiria o quase abandono dos ensinamentos

abstratos e de difícil compreensão.

Segundo Valdemarim (2006:93), “o método intuitivo pretende direcionar

o desenvolvimento da criança de modo que a observação gere o raciocínio e o

trabalho prepare o futuro produtor, tornando indissociável pensar e construir”.

Sendo assim, seria imprescindível a aula de trabalhos manuais femininos e

masculinos. Disciplinas consideradas, pela diretora, essenciais na e para as

vidas dos alunos na Regional de Merity.

De acordo com Ana Chrystina Mignot (2002: 182), as aulas de trabalhos

manuais tinham um objetivo maior do que o simples fato de “fazer”. Elas se

propunham a habilitar os alunos para as exigências concretas do meio. Não

havia a valorização do saber intelectual em detrimento do saber manual. E,

nessa medida, a escola acreditava que a divisão social do trabalho poderia ser

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superada na medida em que na escola não houvesse a valorização do saber

intelectual sobre o manual. Nas aulas de trabalhos manuais, as meninas

aprendiam a bordar, cozinhar, costurar, cestaria, etc. Os meninos aprendiam

carpintaria, jardinagem e conhecimentos agrícolas.

Uma das matérias valorizadas era a de Linguagem. A ambição da escola

era que seus alunos se expressassem, tanto na fala quanto na escrita, de

forma clara e compreensível, já que muitos só conseguiam chegar ao 30 grau

do curso por terem, em sua maioria, que ingressar no mundo do trabalho

precocemente. Como estratégia para que esses alunos, ao saírem da escola,

não perdessem o contato com os ensinamentos da escola, empréstimos de

livros eram disponibilizados. No contexto cultural e educacional da região,

podemos afirmar ser a Biblioteca da escola uma inovação, pois esta era aberta

a toda a comunidade com empréstimos de livros, como também foi a única da

região até a década de 1960.

Apoiada nos ideais pedagógicos e sociais do movimento escolanovista

brasileiro, a diretora administrou uma metodologia de ensino que abraçasse

não só criança, mas também a família e a comunidade local.

Visualizamos que, nas atividades educativas e sociais realizadas na

Regional de Merity, mecanismos e estratégias de ensino como a criação de

cursos para as mães; aceitação da comunidade nas aulas de trabalhos

manuais, com a venda dos produtos fabricados; empréstimos de livros à

comunidade; participação dos familiares nas festividades realizadas pela

escola; os concursos, que eram abertos a toda população, entre outras,

imprimiram uma nova perspectiva metodológica de ensino-aprendizagem.

Inferimos que tal iniciativa, no contexto do trabalho pedagógico e social,

direcionada a toda comunidade, abriria caminhos para que a influência da

escola se estendesse “aos pais das crianças, com os quais se relacionam a

Diretora e as Professoras..., estabelecendo uma convergência de esforços,

para que no lar se inutilize a orientação educativa da Escola” (PENNA, 1968:

81).

De acordo com as informações contidas nas fontes documentais, nos foi

possível visualizar, no arcabouço teórico utilizado na Regional De Merity,

alguns elementos dos pressupostos educacionais e metodológicos da Escola

ativa anunciados por Montessori e Dewey.

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Propondo despertar a atividade infantil através do estímulo, promover a

auto-educação da criança, colocando meios adequados à sua disposição,

Montessori, nos aponta elementos que auxiliariam a criança à sua

autoformação (GADOTTI, 2005:151). A pedagogia de Montessori informa que,

a individualização do ensino estimula a atividade livre, com base no princípio

da auto-educação. Observamos nessas indicações, uma metodologia

marcadamente ativa, onde o aluno usa o material/atividade a ele

disponibilizado, na ordem que escolher. Possibilita às crianças cuidarem da

própria higiene e da limpeza do ambiente em que vivem, a escola. Tal proposta

traz como intenção e objetivo a socialização e integração em grupo, baseando-

se em uma necessidade vital para a criança que é a de aprender fazendo.

O método de ensino de Montessori privilegia um ambiente propício às

necessidades das crianças. Um ambiente rico e abundante em material

didático, voltado para a estimulação sensório-motora: cores, formas, sons,

qualidades táteis, movimentos, ginástica, com a intenção de alcançar o domínio

do corpo e das coisas.

Os documentos escolares que continham a relação dos materiais

didáticos, não nos indicam que a escola possuísse os materiais didáticos

construídos por Montessori141 que auxiliariam no processo de ensino

aprendizagem. No entanto, inovando em relação ao uso de materiais na

metodologia ativa, a Regional de Merity apropriando-se da estrutura física

espacial, por ser uma escola norteada pelo ensino regional e localizada numa

região rural, tinha em seu meio materiais naturais que, provavelmente,

possibilitariam o desenvolvimento dos alunos segundo a prescrição

metodológica de Montessori. Cabe mencionar que o método Montessori,

fundamentado pela diretora na Regional de Merity, se propunha a desenvolver

a totalidade da personalidade da criança e não somente suas capacidades

intelectuais.

Segundo Dewey (1959:187) “o método de ensino é o método de uma

arte, de ação inteligentemente dirigida por objetivos”, por isso não deve ser

141 Um dos materiais mais conhecidos é o Material Dourado. Esse material baseia-se nas regras do sistema de numeração, inclusive para o trabalho com múltiplos, sendo confeccionado em madeira, é composto por: cubos, placas, barras e cubinhos. O cubo é formado por dez placas, a placa por dez barras e a barra por dez cubinhos.

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praticado através de improvisos ou pela inspiração, é essencial um estudo

aprimorado centrado em objetivos e metas.

John Dewey, ao explicitar sua teoria, sempre assinalava a importância

de se educar obedecendo a um processo dinâmico e agradável. Isto é, o aluno

deve ser visto e reconhecido com um ser ativo no processo de ensino-

aprendizagem. No entanto, esse autor, não apresentou aos seus leitores sua

teoria em forma de método de ensino, como encontramos nas “Primeiras

Lições das Coisas” de Calkins. Essa postura, possivelmente, dificultou os

estudos e a aplicação prática de seus ideais, o que deu margem a várias

interpretações, possibilitando uma leitura distorcida de seu ideário (MEDINA,

2000:96).

Ao analisarmos, principalmente, o programa de Estudos da Natureza,142

redigido pela professora Armanda, observamos que a escola aplica os

pressupostos de Escola Ativa anunciados por Dewey. Ao aplicá-los na

organização escolar da Regional, a diretora, possivelmente direcionou as idéias

de Dewey à sua metodologia de ensino. Localizamos elementos pedagógicos

que, à primeira vista, sem o conhecimento das idéias de Dewey, tornam-se

estranhos à prática educativa em sala de aula para a maioria dos profissionais

da educação da atualidade, mas que, possivelmente, numa instituição adepta

ao ensino ativo, contribuiria para o aprimoramento e desenvolvimento

intelectual do aluno, a partir de sua vivência e experiência de vida. “Não há desvantagem alguma em interromper a aula para ouvir o canto de certo pássaro, pousado na vizinhança, ou o modo porque essa mesma ave estar a construir seu ninho”(CARVALHO, 1968:120).

Podemos inferir que Dewey tinha uma proposta de educação

fundamentada no princípio de que a aprendizagem da criança deveria se dar

num ambiente estimulador, de liberdade, organizado institucionalmente, voltado

para as diferenças individuais e, acima de tudo, integrado com o próprio

desenvolvimento da sociedade. Partindo dessa colocação, conferimos ter a

professora Armanda conjugado da mesma linha de pensamento, em relação ao

142 Entre todos os programas da escola, o programa de Estudo da Natureza foi o único localizado.

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desenvolvimento da região de Merity, quando expõe sobre a execução do

programa global da escola, em relação à criança e à comunidade: “...alguma coisa tivemos, desde certo tempo, que modificar na orientação e no conteúdo dêsse programa, embora flexível como sempre foi. É que o ritmo da vida em Merity é outro, depois e inaugurada a estrada Rio-Petrópolis. Começaram a surgir novas oficinas industriais, o comércio tomou vulto...”(ÀLVARO ALBERTO, 1968:49).

Observamos, nas palavras da diretora, a necessidade de um novo

direcionamento aos conteúdos e ao método de ensino aplicado pela escola.

Sua organização escolar deveria acompanhar o progresso local para que

pudesse agir no desenvolvimento dos alunos, assim como contribuir para o

desenvolvimento social, cultural, educacional e econômico da região.

Como podemos avaliar, segundo o quadro exposto, a metodologia

aplicada na Regional concentrava mais elementos do método intuitivo do que

do método ativo, entretanto não devemos considerar que um sobressaiu mais

do que o outro na prática escolar, ao contrário, observamos uma integração

entre as duas metodologias.

Partindo dos dados, de cunho documental, consideramos elementos

perceptíveis de diferenciação entre os métodos citados acima e o criado pela

diretora da escola, a questão do ensino regionalizado que tem como princípio

fundamental a vida local, colocada no centro das atividades escolares e, a

inclusão, não só dos alunos, mas, também, dos pais e da comunidade local nas

atividades escolares e sociais aplicadas na organização curricular da escola.

No âmbito das análises documentais não localizamos nenhuma

informação explícita, por parte da diretora da escola, com relação à utilização

do método intuitivo. No entanto, dados referentes à metodologia empregada na

escola nos conduziram a uma possibilidade de utilização do mesmo como

metodologia de ensino. Entretanto, há uma citação feita por Belisário Penna,

com relação ao método de ensino empregado na Regional de Merity, no livro

documentário da escola: “o ensino é intuitivo, ministrado de acordo com a

psicologia de cada aluno e com o aproveitamento das tendências que revela”

(PENNA, 1968: 81).

É importante ressaltar que as inovações pedagógicas e as novas teorias,

além de fazerem parte dos debates entre os diletantes e “teóricos” da

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educação da época, tinham penetração nas ações dos profissionais da

educação envolvidos na renovação educacional que se encontravam em sala

de aula. Fato que não pode ser negligenciado nos estudos dos historiadores da

educação brasileira.

Quanto à colocação de Lourenço Filho de que a Escola Regional de

Merity, sob orientação da professora Armanda Álvaro Alberto, teria sido “a mais

completa experiência de educação renovada”, no ensino primário particular,

“pela intenção socializadora”, pelos procedimentos didáticos e metodológicos

escolanovistas. A literatura atual não nos fornece suportes para uma afirmação

substancial. Segundo Nunes, “a história da educação brasileira tem primado

por focalizar a escola seja sob a lente da legislação e organização escolar, seja

sob a lente das demandas de escolarização da sociedade brasileira, seja sob a

perspectiva do pensamento pedagógico ou do ideário”. No entanto, pouco se

sabe sobre suas práticas pedagógicas e metodológicas, processo de utilização

dos métodos de ensino, e “como traduziram e construíram o movimento de

modernização da sociedade”.

No entanto, a partir de uma pesquisa intensa sobre as escolas primárias

durante os primeiros anos da República, período em que as inovações

pedagógicas se integraram ao campo da educação nacional, os poucos dados

localizados focalizavam as instituições sob a perspectiva do pensamento

pedagógico ou sob a visão da legislação buscando ressaltar a organização

escolar.143 Porém, na versão escrita de alguns integrantes do movimento

renovador, sua participação no campo educacional brasileiro era exaltada

como inovadora, pioneira: “Inspirada a princípio em Montessori, Armanda Álvaro Alberto organizou, em breve, um sistema próprio, visando não só a educação das crianças, mas a dos pais dos alunos, problema muito particular às nossas populações rurais, e que não lhe escapou o espírito. A escola organiza campanhas de higiene, concursos de trabalhos e arte, entre os moradores da localidade, e abre a sua biblioteca à população. Foi a primeira escola a fundar, no Brasil, um “Círculo de Mães”, não só para maior coordenação do trabalho na escola com o da família, mas também para disseminação do conhecimento de higiene e educação doméstica. O curso compreende quatro anos, com um de aperfeiçoamento em desenho, trabalhos manuais, economia

143 Dados foram retirados dos artigos publicados no VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação: Percursos e desafios da Pesquisa e do Ensino de História da Educação – Uberlândia, Minas Gerais, 17 a 20 de abril de 2006.

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doméstica, jardinagem e pequena criação. Não há programa rígido, mas flexível, atendendo ao ensino de oportunidade. Os processos ativos são largamente empregados. O horário tem por base não interromper nunca uma atividade que interesse. O ensino é globalizado e as excursões, freqüente” (LOURENÇO FILHO, 2002:268).

“Não faltavam, aqui e ali, iniciativas particulares, como para citar uma das primeiras e de sentido mais corajosamente renovador, a Escola Regional de Merity, fundada no Estado do Rio, em 1921, por Armanda Álvaro Alberto, que se alistava entre os pioneiros da educação nova no Brasil” (AZEVEDO, 1968:127).

“’A Escola Regional de Merity, por suas finalidades sociais, por seus métodos ativos e globalizados, é um caso genuíno de escola nova em nosso país” (BITTENCOURT, 1968:140).

Tais testemunhos nos condicionam a pensar que a obra educativa da

professora Armanda Álvaro Alberto representou a novidade pedagógica da

época, pois reunia em sua organização grande parte dos fundamentos e

princípios postulados pelos renovadores da educação nova no Brasil,

principalmente a metodologia de ensino e aprendizagem por eles concebida.

5.3 O PROGRAMA DE ENSINO - QUADRO CURRICULAR

O quadro curricular planejado na Lei 88 de 1892 foi concebido para ser

adequado às escolas graduadas de ensino primário no Estado de São Paulo e

aos Grupos Escolares. Porém, observamos que este programa de ensino

serviu de base para a organização pedagógica e curricular de várias escolas

brasileiras de ensino primário nos primeiros anos do século XX. Um modelo

fundamentado nos pressupostos do movimento da Escola Nova, plausível de

ser copiado.

A Escola Regional de Merity tomou como fundamento a organização

pedagógica disposta na referida lei, baseando-se na divisão dos alunos em

seções por grau de instrução, como critério para distribuição das matérias do

programa de ensino.

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O curso completo era dividido em quatro graus,144 “sendo três

fundamentais e um de aperfeiçoamento em desenhos, trabalhos manuais,

economia doméstica, jardinagem e criação (animais). Cálculo, Forma,

Linguagem, Estudos da Natureza, Higiene, Ginástica Sueca, História,

Geografia faziam parte do curso fundamental” (ÀLVARO ALBERTO, 1968:38).

A Regional de Merity se diferenciava das escolas tradicionais, nas quais se

restringiam às atividades intelectuais e de memorização, por proporcionar aos

seus alunos aulas de jardinagem, costura, marcenaria, cestaria, etc..

Uma das dificuldades encontrada pela diretora em dar continuidade às

atividades educativas era a carência de livros didáticos ilustrados nas diversas

matérias. Essa carência fez com que alguns dos conteúdos programáticos

fossem escritos e ilustrados pelos educadores que colaboravam com a obra

educativa. “Dificuldade que muito nos tem embaraçado é a carência de livros didáticos (...) Basta dizer que só em novembro pôde dar-se começo aos Estudos da Natureza, para que fossem feitos, como deveriam, de acordo com o programa. Essa tarefa de escrever os programas de cada matéria com “Instruções” [e ilustrações] que substituam os livros didáticos inexistentes, é das que têm ocupado mais o Comitê e a Diretora” (Relatório anual de 1921, p.3).

Cabe mencionar que os primeiros livros didáticos brasileiros foram

produzidos a partir de 1810 pela Imprensa Régia, embora se observe um

crescimento deste segmento em editoras privadas, como a Garnier e a

Laemmert do Rio de Janeiro. Apesar do consubstancial crescimento, a tiragem

se dava em pequena quantidade. Verifica-se, que até os anos 1880, boa parte

dos livros utilizados nas escolas brasileiras eram de origem européia,

sobretudo de Portugal. Somente na virada do século XX, a produção nacional

de livro didático aconteceria juntamente com a nacionalização da literatura

infantil. Não por acaso, nesse mesmo período o sistema de educação pública

elementar foi ampliado (RAZZINI, 2005: 101).

Com relação aos programas de ensino, os relatórios anuais nos

esclarecem que esses foram sendo elaborados de acordo com o andamento

das turmas que eram divididas em graus de ensino. Os programas iniciais

foram criados e adaptados ao ensino regional pelos próprios professores, por 144 A denominação grau referia-se ao podemos chamar de série de ensino.

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não haver, nas livrarias e gráficas, livros didáticos que abordassem os temas

segundo os métodos aplicados na escola.

Os relatórios anuais pontuam a trajetória de elaboração dos programas.

No relatório de 1923, a diretora descreve os programa em andamento e seus

realizadores: o de Desenho ficou a cargo do professor Edgar Süssekind de

Mendonça que o elaborou com ilustrações detalhadas; a aplicação nas aulas

ficou sob a direção do mesmo. O de História do Brasil, para o 10 grau, foi

escrito pelo Dr. Francisco Venancio Filho. E o de Estudos da Natureza, para o

20 grau, foi elaborado pela professora Armanda. Os programas de Linguagem,

Cálculo e Trabalhos Manuais femininos ainda estavam em processo de

elaboração, à espera de profissional especializado para concluí-los.

No contexto escolar da Regional de Merity, os programas de ensino

eram instrumentos imprescindíveis nas aulas, já que não havia livros didáticos.

Devido às dificuldades financeiras e de pessoal para a finalização dos

programas, a escola, até o final da década de 1920, contou com os seguintes

programas prontos ou em andamento:

“Estudos da natureza, geografia, higiene e jardinagem, escritos por mim [a diretora]; desenho pelo Prof. Edgar Süssekind de Mendonça; história (10 grau), pelo Prof. Francisco Venancio Filho; cálculo, adaptação de Paula Vera (indicação do saudoso Prof. Heitor Lyra), e geometria de Heitor Lyra e Paula Vera; o de economia doméstica está sendo escrito por Miss Maud Mathis, do Colégio Bennett” (ÀLVARO ALBERTO, 1968:39).

Os programas mais aplicados na escola foram os de Cálculo, Geometria,

Estudos da Natureza e Linguagem, além do de Trabalhos Manuais Masculinos.

No que tange ao emprego do ensino regional, segundo os conteúdos dos

programas, a diretora relata que “para a Geographia e Estudos da Natureza

teem sido de grande proveito as excursões feitas pelos arredores de Merity, as

suas indústrias, lavouras, etc” (Relatório anual de 1926, p. 5).

Apesar de todo o esforço em elaborar um programa adequado aos

pressupostos pedagógicos e metodológicos da nova pedagogia, as famílias

não se familiarizavam com o programa e método de ensino. Além disso,

segundo a diretora, alguns pais achavam que “as crianças brincavam e

trabalhavam demais” (ÁLVARO ALBERTO, op. cit., p. 51).

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À sua organização curricular foram incorporadas aulas de canto

orfeônico e ginástica, ressaltando que, de acordo com as teorias higienistas

muito utilizadas no início do século XX no campo educacional, essas

disciplinas, além de educar e disciplinar, seriam momentos de repouso e

descanso para a mente do educando.

Possivelmente, na busca de mostrar a importância do ensino e manter a

imagem da escola, a diretora não se furtava de orientar as professoras quanto

aos programas de ensino e ao trabalho por elas realizado: “devia-se tratar de

melhorar os ensinos de trabalhos manuais, o ensino doméstico, a

jardinagem”.145 Estando todas as professoras, no ano de 1928, empenhadas

nas festividades de inauguração do novo prédio escolar, parte das atividades

pedagógicas parece ter sido deixada em segundo plano. Em conseqüência

dessa atitude a diretora chamou a atenção: “Contrariamente ao que se tem dado nos últimos annos, quando as realisações de segunda ordem nos iam consolando do adiamento do ponto capital do programa, - este anno foi justamente a inauguração festiva de Nossa Casa o único plano levado a cabo. Dos outros a não ser o contracto de duas professoras competentes, já no fim do anno para aquellas aulas sempre a reclamar aperfeiçoamento, nada mais conseguido...” (Relatório anual de 1928, p. 1).

Observamos que, para a diretora, os programas de ensino produzidos

para a escola eram instrumentos importantes na eficiência do método aplicado

ao ensino regionalizado. E um dos elementos imprescindíveis na organização

da Regional de Merity era “uma professora preparada para seu mister”, com

conhecimento dos modernos métodos pedagógicos e “consciente do seu

trabalho” com relação as crianças e a comunidade (ÁLVARO ALBERTO, 1968:

52 e 55).

5.3.1 Programa de Ensino: Estudo da Natureza

145 A referência sobre a importância no ensino no contexto da escola foi retirada do Relatório anual da Escola Regional de Merity, 1928, p. 1.

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Segundo as instruções, as aulas práticas de Estudos da Natureza

deveriam ser, de preferência, ao ar livre, partindo do princípio da observação e

percepção. Com um vasto material disposto no próprio terreno da escola e

muitas vezes, levado pelos próprios alunos, as aulas os conduziam “a

observação e à pesquisa melhor que os incitamentos da professôra”

(CARVALHO, 1968:120). No próprio documento, “Programa de ensino de

Estudos da Natureza”, encontramos indícios da utilização do método intuitivo.

Cabe ressaltar as estratégias utilizadas para a introdução dos temas

contidos no programa para despertar nos alunos questões que não deveriam

passar desapercebidas: “Por vezes, é conveniente começar o estudo – seja de animal, de plantas, da água, etc. – pela leitura (feita pela professôra) de uma poesia ou trecho em prosa em que o assunto da lição se revista de encanto e simplicidade. No “Livro das Crianças”, de Zalina Rolim, nas “Poesias Infantis”, de Bilac, no “Livrinho das Aves”, de R. Von Ihering, e outros de nossa biblioteca, a professôra encontrará paginas adequadas. Não se deixe passar nenhuma oportunidade de chamar a atenção dos discípulos para certas cenas da natureza, que por acaso possam testemunhar” (CARVALHO, 1968:120).

A citação nos indica que o método exposto contribui para a

aprendizagem. Pressupondo uma disposição natural do interesse no aluno, o

estudo não era imposto de forma coercitiva, além de trabalhar a educação dos

sentidos, da sensibilidade e dos sentimentos. Ao desenvolver cada sentido,

florescem condições propícias à expansão reflexiva e do raciocínio. Camila

Beltrão Medina (2000:17) indica que, na utilização do método intuitivo, “o

educador deve criar situações pedagógicas agradáveis destinadas à

estimulação e ao desenvolvimento das faculdades perceptivas”.

No que se refere às ciências naturais, a aprendizagem poderia ser

verificada através do desenho que era considerado um elemento de expressão,

da mesma forma que a linguagem escrita. Na Regional de Merity, logo após a

apresentação do conteúdo aos alunos, as professoras deveriam estimular que

esses expressassem sua compreensão através dos desenhos e das

modelagens em barro.

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“Depois das poesias e dos comentários e “casos” que sobre o assunto as crianças contarem, começa-se a desenhar. Desenhar muito e modelar no barro o que se prestar a modelagem: frutos, folhas, animais, etc.” (CARVALHO, 1968: 121).

Este tipo de conduta do professor em relação à prática de ensino,

encontra-se em consonância com o método intuitivo, que propõe a livre

expressão do pensamento em sua forma variada.“Do ponto de vista didático,

seria um erro desastroso proibir a expressão livre e espontânea do

pensamento infantil” (VALDEMARIM, 2006: 96). Já que na construção do

conhecimento sobre o tema abordado através do objeto construído, a criança

aplicaria os elementos “fornecidos pela observação numa ordem diferente, que

reúne percepções já existentes a dados da realidade exterior, cujo resultado é

uma obra que expressa o próprio pensamento” (Idem, p. 97).

Tendo, a Escola Regional de Merity, o regionalismo como princípio

educativo, as atividades e o método de ensino estariam sempre ligados ao

meio do aluno. No estudo sobre as plantas, um dos conteúdos do programa

aponta os passos metodológicos a serem seguidos e observados pelos

professores. Como exemplo, a experiência do grão de feijão, já que a região de

Merity era, em sua grande extensão, uma área essencialmente agrícola. “Dois punhados de grãos de feijão para cada aluno; ponha-se de molho em água pura um dos dois punhados; no outro dia, verifique o aluno o que sucedeu a cada um e tome nota no caderno (...). A professora, intervirá quando as plantas, tendo atingindo certo desenvolvimento, houverem esgotado as reservas dos cotilédones. Dirá aos alunos que plantem metade dos feijoeiros na terra, deixando os outros como estavam” (CARVALHO, 1968:122).

Esse tipo de atividade introduz na criança o espírito científico. Através

dos passos científicos como a observação, o experimento, as comparações e

classificações das experiências, provavelmente, um canal de debate seria

aberto entre os alunos, levando-os a uma melhor compreensão dos elementos

da natureza que faziam parte de seu cotidiano. A experiência conduz os

alunos, por meio da observação das semelhanças e diferenças, a obterem

suas próprias conclusões e, com isso, “avoluma o conhecimento consolidado

pela experiência e pela capacidade progressiva de associar e classificar as

coisas” (MEDINA, 2000: 18)

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Em coerência com os princípios norteadores do método, os elementos

ensinados a partir do conteúdo selecionado foram organizados tendo como

critério a importância atribuída a cada um dos sentidos para a apreensão do

conhecimento: a percepção visual, trabalhando a observação; e o tato como

suporte cognitivo, trabalhar a sensibilidade, as texturas, etc. Como estratégia

para prender a curiosidade e estimular a criança, as atividades deveriam ser

associadas à recreação e ao prazer, para que se tornassem um hábito

necessário à educação intelectual.

5.4 O CORPO DOCENTE NA REGIONAL DE MERITY

Com a introdução dos elementos146 renovadores do ensino primário,

desde o início da República, uma nova ordem escolar tomava corpo nas

instituições escolares, o que requereria um novo tipo de formação para os

professores. O educador, a partir de então, toma uma nova identidade, passa a

pertencer a um campo profissional específico, onde o domínio de um saber

técnico-científico fazia-se necessário nos cursos a ele dirigidos. Quanto ao

contexto da Escola Regional de Merity, as fontes documentais nos apontam o

número de professores que ali lecionaram, assim como suas origens e sua

capacitação na escola.

No primeiro ano de funcionamento a escola contou com duas

professoras efetivas durante todo o ano: uma para lecionar a classe adiantada

e outra para a classe atrasa. Segundo a diretora, duas professoras atendiam

“às necessidades do ensino” naquele estabelecimento, “visto não haver

diferenças de adiantamento na massa de alunos. Nenhum passou ainda, em

todas as matérias, do primeiro grau do curso” (Relatório anual de 1921, p. 2).

Conforme o aumento da massa de alunos e a inclusão de matérias, o número

de professoras foi aumentando, chegando, em alguns anos, ao número de

cinco. O trabalho era orientado segundo “a especialização das professoras nas

matérias de sua predilecção” (Relatório anual de 1925, p. 7).

146 Tomamos como elementos os pressupostos pedagógicos e metodológicos, e conseqüentemente, uma nova organização espacial e temporal da instituição escola.

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A maioria das professoras (normalistas) que ingressava na escola era da

Capital Federal, que estavam “apenas de passagem” enquanto esperavam a

nomeação como professoras do estado. Nesse intervalo, a escola oferecia

“oportunidade de estudos de educação regional e vantagens econômicas –

pois a Escola não se desobrigou do seu dever de remunerá-las, enfim, a

possibilidade de reter aquelas auxiliares, de quem depende, em última análise,

a eficiência da Escola” (ÁLVARO ALBERTO, 1968: 53).

Diante de uma pedagogia “inovadora” para a época, uma das

dificuldades da escola era encontrar professoras com um arcabouço teórico e

metodológico calcado na pedagogia da Escola Nova. Nesse sentido, a solução

era a de criar condições propícias para que essas profissionais se tornassem

aptas a lecionar, a partir dos novos métodos e práticas de ensino. A diretora da

escola, explanando sobre a dificuldade de encontrar professores habilitados

aos novos métodos pedagógicos, mencionou: “Demais, é preciso confessar aqui, com franqueza, que tivemos de modificar, ou mesmo desistir de muita coisa praticada com sucesso em meios estrangeiros. É sabido que o principal, o único fator de eficiência dos métodos modernos de educação é o professor. Infelizmente, desde que inauguramos a Escola não temos tido maior preocupação que a de preparar as professoras por meio de aulas, empréstimos de livros, excursões, etc” (ÀLVARO ALBERTO, 1968:39).

No intuito de amenizar o problema, o professor Edgar de Mendonça, um

dos membros do Comitê de Auxílio da escola, ministrava “aulas às professoras

em seu escriptório” com o objetivo de capacitá-las a lecionarem dentro dos

preceitos da “nova pedagogia”. No entanto, parece que tal ação não foi capaz

de solucionar a questão, pois foi decidido “organizar pequeno curso para as

férias” (Relatório anual de 1923, p. 10). Já capacitadas e habilitadas a

empregarem a metodologia ali aprendida, as professoras deixavam a escola.

Segundo a diretora, “depois de tanto trabalho, quando começam a agir

razoavelmente, deixam-nos, nomeadas para as escolas do Governo (quase

todas são normalistas) ou outro emprego igualmente vantajoso” (ÁLVARO

ALBERTO, 1968: 38).

Na Regional de Merity, a função das professoras era facilitar o processo

de ensino e aprendizagem dos alunos, como diria a própria diretora: elas

deveriam ser “amigas discretas” nesse processo. Mostrarem-se as detentoras

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do saber inibiria o desenvolvimento dos alunos. Deveriam ser professoras

“camaradas que ensinam como querem que as crianças aprendam – fazendo.

Sejam capazes de encontrar a sua própria infância na infância delas, e corram,

e brinquem no meio delas...” (ÁLVARO ALBERTO, 1968: 54).

Observamos que o trabalho do educador na escola não poderia se

limitar apenas às questões pedagógicas, seu envolvimento com as questões

sociais seria complementar à sua ação escolar. Esse comprometimento social

era uma das exigências por parte da diretoria, pois segundo a própria diretora

“não podemos compreender o educador desinteressado das questões sociais”

(Idem, p. 52). Um dos compromissos assumidos pelo grupo de educadores

engajados na renovação do ensino e na construção de uma nação civilizada e

moderna, como não podemos esquecer, era o de formar cidadãos que

contribuíssem para esse idealismo. Nesse caso, a falta de compromisso de

melhorar a sociedade através da escola seria uma grave falha.

Dentro de uma concepção inovadora de escola, uma concepção

inovadora de profissional da educação ligada ao campo social também se fazia

presente: “Sejam as professoras as trabalhadoras conscientes e alegres do seu trabalho, trabalho que as identifica inteiramente com as aspirações sociais que nutrem para os seus alunos, e pouco a pouco aquelas linhas ideais, que já se deixam entrever mas ainda não fixadas, se fixarão” (ÀLVARO ALBERTO, 1968:55).

O problema de mudança de professoras foi amenizado quando, em

1932, o Comte. Ari Parreiras, então interventor do Estado, baixou o decreto

2.787, concedendo à escola o direito de convocar duas professoras do Estado,

“facultando-se à Escola o direito de oferecer-lhes uma gratificação” (Relatório

anual de 1937, p. 1).

Laura Jacobina Lacombe, em entrevista sobre a educação renovada da

década de 1920, dava como exemplo de experiência da Escola Regional de

Merity que através de sua diretora procurava “vencer as grandes dificuldades”

e que desde de 1921 “vinha experimentando métodos novos”. 147

Na organização escolar da Regional de Merity podemos observar que as

preocupações iam além dos métodos pedagógicos aplicados. Abrangia

147 Artigo “Educação renovada”. Jornal do Brasil, 5/5/1938.

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elementos relacionados à formação de suas professoras. Norteada pelo

ensino primário e regional, empregando uma pedagogia inovadora para a

época, oriunda do movimento da Escola Nova, foi necessário realizar

adaptações aos métodos e, até mesmo, desistir de elementos praticados com

sucesso em escolas européias e americanas.

5.4.1 Função da professora na aplicação dos novos métodos de ensino

A aplicação do método intuitivo e ativo introduziu sensíveis mudanças no

conjunto de ações das escolas, como também no que se refere às funções das

professoras nas primeiras décadas do século XX no Brasil. Dentro dessa nova

forma de ensinar, esperava-se que o livro, antes objeto primordial de

aprendizado do aluno, passasse a ser menos utilizado e se tornasse material

essencial para o professor. Assim, o professor passaria a executar um papel

diferenciado no processo de ensino-aprendizagem.

Para alguns críticos da educação, as professoras, utilizando as novas

práticas de ensino, nada teriam de ensinar, pois precisariam apenas guiar

metodicamente os alunos na observação dos fatos, em busca do conhecimento

a ser revelado, com base na compreensão das leis naturais.

Essa representação da função da professora, que circulava nos

bastidores educacionais era vista de forma diferenciada pela diretora da

Regional de Merity. Para ela, as professoras muito tinham que ensinar e, para

isso, era fundamental sempre estar em busca de novos conhecimentos. Isso

porque a metodologia aplicada conduzia o aluno a questionamentos variados,

principalmente em relação ao meio no qual estava inserido; questões para ass

livros existentes na época não traziam respostas.

Na compreensão da diretora, “o único fator de eficiência dos métodos

modernos de educação é o professor” (ÁLVARO ALBERTO, 1968: 38). A

questão social era um dos elementos que permeavam o trabalho educativo da

escola. Ao educador, além da função de ensinar a ler, escrever e contar cabia

trabalhar a questão moral nos alunos e, assim, trabalhar em prol da sociedade,

“Não podemos compreender o educador desinteressado das questões sociais”

(ÁLVARO ALBERTO, 1968: 53).

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Uma das instruções contida no programa curricular da Regional de

Merity, direcionada às professoras, fazia referência à relação aluno-professor

no que tangia ao ensino-aprendizagem. Quando o aluno elaborasse uma

pergunta para qual a professora não soubesse a resposta, a instrução era para

não inventar ou mentir, mas, ambos – professor e aluno – irem em busca das

respostas. “... Amigas de mais idade (as professoras) e experiência, que sabem e às vezes também não sabem, não se acanhando de pesquisar ao lado dos alunos, de aprenderem, mesmo com eles, as coisas todas da região que conhecem desde pequeninos...” (Idem, p. 54).

Aí está, sem dúvida, exposto o papel do professor no processo de

ensino-aprendizagem e o papel do aluno diante de um mundo de questões

ainda desconhecidas, assim como o da escola no emprego da “nova teoria da

aprendizagem”. Creio que essa postura demonstra que o fundamental não era

o resultado final da aprendizagem, mas o processo de construção da mesma.

No conjunto de ações pedagógicas e metodológicas, as professoras da

escola faziam mais do que “guiar”, através do método, as crianças no processo

de apreensão do conhecimento: “... ao apresentar um plano de coisas a estudar, esperam sugestões, discutem com os alunos os detalhes de execução, respondem a perguntas muito mais do que perguntam, na atitude de quem encaminha o aprendizado, sem autoritarismo de quem dá lições... Amigas que sabem deixar cada um dar tudo de si, satisfeitas do esforço próprio...” (Idem, p.54-55).

No programa de ensino dos Estudos da Natureza, escrito pela

educadora Armanda, na Escola Regional de Merity, podemos observar como

os agentes se apropriaram dos novos métodos de ensino em sua prática

pedagógica. De acordo com a autora do programa, “nenhuma outra matéria

oferece, como esta, campo tão largo à curiosidade e à iniciativa da criança”

(CARVALHO, 1968: 118).

A adaptação do método intuitivo ao campo das ciências naturais,

segundo Vera Teresa Valdemarin (2006:94), é evidentemente percebida por

ser o conteúdo apresentado aos alunos, de modo atraente, com a atenção

voltada para a compreensão dos usos práticos no seu cotidiano.

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Na Escola Ativa, segundo os pressupostos de Montessori, cabia ao

professor apenas dirigir [mediar] as atividades aplicadas, e não propriamente

ensinar como se fosse o detentor do saber absoluto. “... a tarefa da nova professora tornou-se muito mais delicada e mais séria. Depende dela se a criança encontrará seu caminho rumo à cultura e a perfeição ou se tudo será destruído. A coisa mais fácil é fazer a professora compreender que, para o progresso da criança, ela deve se eclipsar e renunciar aos diretos que, antes, eram dela; deve entender muito bem que não pode haver nenhuma influência nem sobre a formação nem sobre a disciplina do aluno, e que toda a sua confiança deve ser colocada nas energias latentes de seu discípulo” (MONTESSORI, s/d, apud GADOTTI, 2005:152).

Observamos, na citação acima, que, na escola ativa, a professora é uma

auxiliar no processo de ensino-aprendizagem do aluno. E que a postura

aprendida dentro da concepção tradicional de ensino deve ser abandonada,

abrindo espaço para uma prática pedagógica calcada nos princípios da

psicologia, e conseqüentemente, na valorização da criança enfatizando seus

aspectos biológicos. A pedagogia montessoriana considera que a vida é

desenvolvimento e que é função da educação escolar favorecer esse

desenvolvimento.

5.5 MÉTODO DE AVALIAÇÃO ESCOLAR

Neste tipo de metodologia, o método intuitivo, onde a observação e a

experimentação caminham sempre juntas, também seria possível avaliar a

aprendizagem dos alunos de forma diferenciada.

De acordo com José Dias Sobrinho (2003: 14), a avaliação que “hoje

nos afeta se relaciona com as possibilidades e as necessidades de escolha

que o mundo moderno engendrou”. Com significados específicos está

incorporada ao cotidiano de professores, estudantes e escolas, de tal forma

que é geralmente considerada “um patrimônio das instituições educacionais”.

Cabe mencionar que não foi apenas o campo educacional que utilizava

os procedimentos avaliativos. Segundo José Dias Sobrinho (2003:15), nos

tempos modernos, a indústria veio a fazer amplo uso da avaliação, no sentido

de “apreciar os resultados das ações de formação e capacitação”, seja para

selecionar e/ou classificar os trabalhadores. Essa avaliação, atrelada aos

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interesses de classificação e seleção, “guarda estreito vínculo com os

processos de complexificação da sociedade”.

Porém, foi na educação que a avaliação legitimou-se, encontrando um

espaço privilegiado não só como prática política e pedagógica, mas também

como importante campo de estudo. No espaço escolar, a avaliação reafirma a

tradição de regulação, seleção e hierarquização dos saberes, classificando,

incluindo e excluindo os indivíduos. E, de acordo com as mudanças ocorridas

no campo educacional, tornou-se um instrumento para diagnosticar

quantitativamente a rentabilidade e a eficiência da escola, dos processos

pedagógicos e administrativos (Idem, ibidem).

Durante os primeiros anos do século XX, as avaliações eram realizadas

através de provas de mensurações de capacidades mentais e físicas para

classificar e selecionar os alunos, baseados no sistema de Binet. Nesse

período, a avaliação insere-se no campo da psicologia, ciência básica que

compunha os fundamentos pedagógicos escolanovistas.

Podemos constatar, no relatório de 1922, que, apesar de não ser

aceitável o uso de provas na escola, elas eram aplicadas para passagem dos

alunos para as novas turmas como um sistema de avaliação do processo do

ensino-aprendizagem de cada aluno em cada matéria. As provas eram

aplicadas duas vezes ao ano, maio e novembro-dezembro, por um comitê

composto por três professoras e a diretora.

“Embora diffiram largamente dos exames em uso em nosso meio, ainda é a contra gosto que adptamos a prática das provas, este anno realisadas duas vezes, em maio e novembro-dezembro. Não podendo acompanhar dia a dia a evolução de nossos alumnos, o que dispensaria com vantagem o exame... Enquanto esperamos essa época de definitiva organização da Escola, as provas para a passagem de turma vão-se fazendo sem notas, prêmios ou reprovações. Demais, como o alumno póde pertencer a diversas turmas, conforme o grau de adiantamento em cada matéria, não se sente diminuído em se retardar nesta ou naquella turma” (Relatório anual de 1922, p. 8).

Nesse mesmo relatório, podemos constatar que existiam alunos

cumprindo matérias de dois graus de ensino distintos, 10 e 20 grau, no mesmo

ano. Por exemplo, a aluna Delphina dos Santos, da 5a turma do 10 grau, foi

aprovada nas matérias de Desenho, Cálculo, Forma passando nessas matérias

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para a 1a turma do 20 grau. Mas, não conseguiu um bom desempenho na

matéria de Higiene. Sendo assim ela cumpria ao mesmo tempo a matéria de

Higiene na 5a turma do 10 grau, e seguiria cumprindo as matérias da 1a turma

do 20 grau. O documento nos revela que o curso do 10 grau consistia de cinco

turmas, 1a, 2a, 3a, 4a e 5a, sendo que os alunos, cumprindo as provas e

passando pelo sistema de avaliação passariam para as turmas mais

adiantadas, e assim por diante. Não nos foi possível confirmar se nos demais

graus as turmas também possuíam a mesma organização. As 1a, 2a e 3a

turmas do 1o grau eram denominadas de “aulas atrasadas”. Não localizamos

nos documentos, o porquê de tal referência, mas provavelmente deve estar

relacionada a alunos que não estejam em idade apropriada para o grau de

ensino.

Com essa metodologia de organização das classes, observamos que a

escola possuía um método de avaliação que se diferenciava daquele utilizado

nas escolas da época. Ao estudarmos as fontes documentais, evidenciou-se

que a metodologia de avaliação era realizada com o objetivo de verificar e levar

em conta o processo de aprendizagem dos alunos. O que não resultaria em

reprovação, notas, prêmios ou castigos, como nas instituições de ensino

tradicional. Essa postura diante dos mecanismos de avaliação, segundo

menção da própria diretora, era para não afetar a auto-estima do aluno, e

assim não intervir no processo de aprendizagem.

A pobreza, uma das características regionais mais consideráveis,

impedia a utilização da regra clássica de Binet, que ordenava classificar cada

aluno em sua idade mental, pela variação geral de sua capacidade avaliada em

testes. Esse tipo de regra excluía aqueles que não possuíam um capital cultural

acumulado, isto é, um capital cultural socialmente legitimado. A escola não

priorizou este tipo de regra, pois seu público alvo eram as crianças pobres.

Edgar Süssekind de Mendonça (1968:17), nos aponta evidências da não

utilização, pela escola, de uma avaliação calcada nas regras de Binet que

classificaria o aluno segundo sua idade mental. “Basta lembrar que a pobreza, característica regional mais considerável da povoação em que ensinamos, invalida a regra clássica de Binet, que ordena classificar cada aluno em sua “idade mental” pela variação geral de sua capacidade avaliada em testes; que fazemos? Se a pobreza não acompanha a variabilidade comum dessas normas, mas, antes, as retalha em

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sentidos francamente contrários, ao mesmo tempo retardando aquisições e excitando precocidades, ela que sacode os pobrezinhos entre os extremos do desejo de toda hora e a satisfação de quase nunca...”

A avaliação do aproveitamento escolar era uma atividade do professor

que acompanhava o processo de ensino-aprendizagem de cada aluno. O

objetivo da avaliação não tinha como direcionamento um aprendizado expresso

em números, mas, de acordo o desenvolvimento de cada aluno, verificando os

conhecimentos adquiridos e respeitando as capacidades de cada um. Esse tipo

de avaliação rompe com a prática de exclusão, deixando de lado a avaliação

classificatória como alternativa pedagógica.

A partir de 1926, a escola começou a enviar boletins para os pais. O

que nos chamou atenção, como elemento de estudo nesse documento foi o

título: Boletim de Aproveitamento. Qual seria a representação da palavra

“aproveitamento” na concepção de ensino da escola, sendo a avaliação uma

tarefa complexa que não se resumiria à realização de provas ou atribuições de

notas? “Os boletins foram uma inovação deste anno. Não se pense, no entanto, que retrogradamos, dando “notas” aos nossos alumnos. Não. Os boletins mensaes contam simplesmente o que cada aluno fez durante o mez, inclusive os actos de bondade, si os fez, a saúde que teve, os jogos que tomou parte, enfim todas as suas actividades na Escola, escrevendo cada professora a parte lhe compete, conforme a matéria. O aproveitamento do alumno é comparado com o dele próprio, um mez antes, nunca com o de seus collegas” (Relatório anual de 1926, p. 4-5).

Ao analisarmos tais boletins, observamos que não havia notas, e sim um

relatório breve sobre o aluno naquele período escolar. Nesse sentido, nos

parece que diagnosticar o “aproveitamento”, ou seja, verificar o processo de

aprendizagem dos alunos, num contexto mais amplo das matérias aplicadas,

estava acima de qualquer ato de quantificação do conhecimento.

Possivelmente, o método avaliativo utilizado pela escola estivesse direcionado

às funções pedagógico-didáticas148 de diagnósticos em relação ao processo de

ensino-aprendizagem dos alunos, que auxiliariam os professores no trabalho

148 Utilizamos aqui o termo “funções pedagógico-didáticas” como referência ao papel da avaliação no cumprimento dos objetivos gerais e específicos orientados pela escola e professores.

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cotidiano de sala de aula, orientando-os a tomarem decisões em relação os

objetivos e finalidades às atividades planejadas.

Os aspectos enfatizados nos boletins apresentavam elementos como a

freqüência e comportamento do aluno, a saúde, assim como a descrição do

processo de desenvolvimento e participação de cada aluno nas matérias

aplicadas, como: linguagem, cálculo, geometria, desenho, estudos da natureza,

higiene, ginástica, jardinagem, geografia, entre outras.

Observa-se que, nesse tipo de metodologia, o elemento importante no

procedimento avaliativo é o próprio processo de aprendizagem de cada

aluno. Não visualizamos, nos documentos analisados, uma preocupação com a

quantidade dos conteúdos adquiridos, mas com o processo de assimilação

desses conteúdos.

Observa-se que a avaliação, neste contexto, toma uma outra dimensão,

estabelecendo a ênfase do qualitativo sobre o quantitativo. Na Regional de

Merity, diferentemente das escolas de ensino tradicionais da época, o aluno era

visto como o novo protagonista na história, sendo avaliado segundo aspectos

formativos de participação e interesse. A avaliação era feita pela observação

do rendimento do aluno.

5.6 ARMANDA ÁLVARO ALBERTO NA GESTÃO ESCOLAR DA ESCOLA REGIONAL DE MERITY

Maria de Fátima Costa Félix (apud NISKIER, 1985: 25) informa que a

“Administração Escolar apresenta proposições teóricas sobre a organização do

trabalho na escola”. Nesse sentido, observamos, nos estudos sobre a

administração na educação, uma vinculação da psicologia com a pedagogia.

Retoma-se, por vezes, o psicologismo pedagógico, do século XVIII, de

Pestalozzi e Froebel, em que a realidade psicológica do educando, com todas

as exigências do seu mundo subjetivo, deveria ser considerada.

A escola, pela sua natureza e pelos seus fins, é uma organização

específica, que deve considerar alguns elementos e concepções da sociedade

na qual está inserida. A administração escolar e pedagógica da Escola

Regional de Merity, desde sua fundação, ficava a cargo da professora Armanda

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Álvaro Alberto. Sob a direção da professora Armanda, a escola tinha como

princípio valorizar a criança, seu desenvolvimento e interesses, como também,

integrar às suas atividades a comunidade local.

Segundo Anísio Teixeira (apud NISKIER, 1985:26), um dos precursores

da Administração Escolar no Brasil, “os princípios de estruturação e normas de

funcionamento [da escola] terão de inspirar-se em novas idéias, com revisão de

muitas das até seguidas”. A professora Yolanda Lima Lobo,149 dissertando

sobre a administração escolar no campo da História da Educação, segundo as

lições anisianas, relata que:

“ A História da Educação no Brasil nos dá conta de uma teoria administrativa que se desejou implantar, de forma ativa, onde cada unidade escolar seria um caso particular que se interrogava a si mesma sobre o seu funcionamento, seu processo decisório; que seria capaz de ouvir experiências diferentes das suas e de perceber, apreender que, sob a aparência de sua singularidade, existiam caracteres invariantes de um modelo passível de generalizações. Esse modo de ação parece ter sido incorporado àqueles escolhidos para desencadear o processo de ensino-aprendizagem, ou seja, uma das características pertinentes ao conjunto dos agentes (professores) escolhidos para implantar a mudança foi a de questionar sobre a sua própria formação e a de estar disposto a criar algo novo”..

Acompanhando a citação acima, visualizamos na Regional de Merity,

através das ações da diretora, o sentido acima mencionado: uma instituição

com característica única, em que sua organização pedagógica e metodológica,

integrada a um ensino regionalizado, se diferenciava das demais escolas da

época. Nesse tipo de organização, um os elementos de importância para o

trabalho realizado era a formação de suas professoras, que deveriam estar

habilitadas a trabalharem com o ensino regional.

Adentrando a questão da gestão da diretora, tomando os relatórios

anuais como fonte investigativa do papel exercido pela diretora no contexto da

escola numa tentativa de trilhar os caminhos e normas por ela criadas,

observamos que a atuação da professora Armanda, na administração da

escola, não a obrigava a estar presente na instituição todos os dias do ano

149Texto em homenagem ao educador Anísio Teixeira, como parte das comemorações do centenário de seu nascimento. LÔBO, Yolanda Lima. Administração escolar: Lições Anisianas. Disponível on line: http://www.prossiga.br/anisioteixeira/agenda/administracao.html. Acessado em 02/04/2006.

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letivo. No decorrer do ano letivo, alguns fatores faziam com que a diretora se

ausentasse da escola: por motivo de doença; por motivos administrativos para

obter donativos e manter a escola em funcionamento ou por ter que participar

em outras instituições ligadas às questões educacionais, divulgando e

promovendo a escola na sociedade intelectualizada da Capital Federal, já que

muitos sócios colaboradores da instituição pertenciam a esse segmento da

sociedade.

Consta no relatório de 1921, ano da fundação da escola, que foi

organizado um “Comitê de Auxílio” à diretoria da escola. Inicialmente, o Comitê

era constituído de dois membros, o Dr. Francisco Venancio Filho e Comte.

Coriolano Martins, e posteriormente, ingressou o professor Edgar de

Mendonça. O comitê funcionava “quer como órgão consultivo, quer

materialmente”(Relatório de 1921, p. 2).

Dentre as atividades da diretora na administração escolar, encontrava-se

a elaboração dos relatórios anuais. No conjunto das fontes documentais, os

relatórios significaram fontes ricas em informações gerais sobre o campo

administrativo e pedagógico da instituição. Os relatórios, longe de

representarem documentos burocráticos e enfadonhos, apresentaram-se como

textos que convidavam o leitor a penetrar na história da instituição,

despertando um sentimento de curiosidade; como retrata Carlos Drummond de

Andrade: “Se os relatórios burocráticos são sempre envoltos numa camada de tédio, há outros, os escolares, que podem oferecer-nos a sugestão dos documentos sociológicos e mesmo o interesse dos romances. Contar a vida de uma escola, durante um ano, é tarefa que deveria seduzir o escritor, ou despertar em quem não o fosse o desejo de sê-lo, porque nada há mais rico de humanidade, mais cheio de problemas e sugestões, do que o funcionamento da comunidade escolar. Necessariamente, a narrativa do ano será tanto mais palpitante quanto maior for a integração da escola nos seus verdadeiros fins [...] O relatório não é, pois, coisa enfadonha. Saiba-se escrevê-lo, isto é, saiba-se ver o que está aí para ser visto, sentido e interpretado, e logo se conseguirá isto que, aparentemente, é tão difícil: interessar o povo na vida escolar (ANDRADE, 1968: 131-132)”.

Ao analisarmos os relatórios, concluímos que cabia à diretora “adaptar,

remodelar, criticar, divulgar os discursos e as práticas pedagógicas” (FARIA

FILHO, 2000:16) e relatar todos os acontecimentos através desses

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documentos. Podemos inferir que, de certa forma, os relatórios compunham

uma estratégia de divulgação do trabalho realizado. Através deles, o trabalho

escolar era passado em revista e minuciosamente analisado, sendo apontados

seus êxitos e falhas.

A diretora, ao encaminhá-los a diversas instituições públicas e privadas,

e colaboradores estava, sobretudo, realizando uma intensa e fundamental

tarefa de dar visibilidade à escola no meio social, político e educacional. A

forma de elaboração dos relatórios, para a diretora, também seria uma forma

escrita de organizar a vida da escola.

Com relação ao significados dos relatórios, Luciano faria Filho (2000:17)

nos aponta que esses “representam e materializam um dos momentos

fundamentais da nova racionalidade que se que introduzir na educação

escolar”, nos anos iniciais da Primeira República.

Os relatórios também abrangem o conteúdo educativo escolar, “que tem

por objeto desde as finalidades da educação e da escola” (Idem, ibidem),

abarcando aspectos referentes à aprendizagem dos alunos e do trabalho

docente. Detentora de uma autoridade maior na escola, a diretora utilizava os

relatórios como instrumento de projeção e construção de um exemplo

educacional, no que tangia ao ensino primário e regional, com a pretensão de

ser parâmetro para as futuras escolas primárias regionais.

Podemos afirmar que esses relatórios expressaram, para além de seu

conteúdo pedagógico-educacional, identidades profissionais de diversas áreas

afinadas com a questão educacional e de saúde do país, que materializaram

parte de suas ações através da escola.

Mediante a análise dos documentos, pudemos perceber que a escola,

por intermédio de sua diretora, sempre em interlocução com outros agentes

sociais, construiu parte da história da educação brasileira, empregando em sua

estrutura organizacional os pressupostos teórico-pedagógicos escolanovistas.

Seguindo as informações contidas nos documentos, pudemos, de certa

forma, trilhar parte das atividades realizadas pela diretora. No relatório de 1921,

foi relatado, com o título “Visitas e Aulas Modelos”, o número de vezes que a

diretora compareceu à escola: “De 13 de fevereiro a 25 de dezembro, comparecemos à Escola 30 vêzes, sendo: 1 em fevereiro, 2 em março, 2 em abril, 3 em

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maio, 2 em junho, 1 em julho, 3 em setembro, 5 em outubro, 4 em novembro, 5 em dezembro”.

Fato que não a impedia de administrar a escola, assim como orientar as

professoras nas atividades escolares e sociais. Na ausência da diretora, um

membro do Comitê era designado a comparecer na escola. Nesse mesmo ano,

“o comitê compareceu 15 vêzes em igual período, cabendo dez vezes ao Dr.

Venancio e cinco ao Comte. Coriolano. Total das visitas – em que tanto o

Comitê como a Diretora deram pelo menos duas aulas: 45 visitas” (Relatório

anual de 1921, p. 6).

Além da presença dos membros do Comitê, a diretora mantinha uma

professora, capacitada para o cargo, na administração como sub-diretora, para

realizar as tarefas por ela designadas. No ano de 1922, a professora Marina

Motta estava à frente na escola na ausência da diretora.

“É de inteira justiça não esquecer que a dedicação, ao sentimento do dever da professora Marina Motta se deve a repercussão relativamente diminuta que teve na vida desta casa o afastamento da Diretora. A presença daquella auxiliar era-nos garantia de ordem” (Relatório anual de 1922:5).

No ano seguinte, a ausência da diretora se deu por um período mais

prolongado, “Apesar de, por motivo de moléstia, entrar em actividade tão tarde

– só em 2 de junho pude vir à Escola este anno, sinto-me contente ao constatar

que, mesmo assim compareci 33 vezes” (Relatório anual de 1923, p. 10).

Por motivo de mudanças constantes no quadro das professoras, a cada

período uma professora era designada a cumprir a função de sub-diretora. As

professoras eram escolhidas segundo sua adaptação aos princípios da escola

e aos alunos, segundo nos aponta o relatório de 1924: “...a presença da professora com seu conselho, o seu prestígio no seio familiar do aluno. Este anno, em outubro, encarregamos dessa tarefa melindrosa, a dedicadíssima D. Maria da Luz Carvalho. E o resultado não podia deixar de ser o que tem sido – um vinculo a mais entre a Escola e o lar” (Relatório anula de 1924:9).

Houve um período de turbulência nas atividades da escola, em que a

diretora foi obrigada a não comparecer. Num dado momento do governo

Vargas, 7 de outubro de 1936, a diretora foi presa sob acusação de ser

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comunista. No entanto, não deixou de saber tudo o que acontecia na escola.

Pois, durante os oito meses de sua ausência, o Dr. Edgard Sussekind de

Mendonça, seu marido e, “a professora D. Zulmira muito de esforçaram para

que a nossa ausência se fizesse sentir menos” (Relatório anula de 1937, p. 3).

Foi posta em liberdade em 1 de agosto de 1937. A partir dessa data, até de

dezembro do mesmo ano, a diretora compareceu à escola 21 vezes.

Entre os anos de 1921 a 1938, a diretora compareceu à escola, em

média, 21 vezes ao ano.150 Nos dias em que comparecia à escola, desde a

fundação da mesma, aplicava o que chamava de “aula-modelo”. Nos anos

seguintes, com a aquisição de um fogão e utensílios para o lar-escola, a

“refeição [era] preparada pela comissão de alumnos destinados na cozinha”, e

a diretora almoçava com os alunos e professoras (Relatório anual de 1930, p.

7). Com relação ao que seria “aula-modelo”, tomamos como referência estudos

sobre os métodos adotados na escola que eram direcionados ao ensino

regional e popular, ainda não ensinados nas escolas de formação de

professores da época. “Sendo os métodos adotados nesta Escola assas diferentes dos geralmente seguidos em nosso meio, têm-nos sido regular o praticarmos, cada dia um pouco mais completamente, o nosso programa”(Relatório anual de 1921:6).

Mediante a análise dos documentos, consideramos que a diretora inovou

na forma administrativa, por, praticamente, administrar a escola à distância,

tendo como suporte, nos momentos de sua ausência, um grupo de

colaboradores compenetrados no mesmo objetivo educacional e social. Além

de inovar na estrutura dos relatórios que, como mencionou Carlos Drummond

de Andrade, nada tinham de enfadonhos e burocráticos.

Com relação ao trabalho realizado pela educadora na Regional de

Merity, Francisco Venancio Filho (1968:29), citando uma frase de Roquette

Pinto, expressou-se: “No Brasil todos sonham. Nem sempre tão e tão digno”.

150 Dados retirados dos relatórios anuais, na seção “Visitas da diretora” que relata a quantidade de vezes que a diretora compareceu à escola ao ano.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sem a intenção de recriar o vivido, os documentos nos indicaram os

caminhos que a diretora da escola trilhou para a construção e organização da

instituição, norteada pelo ensino regional, tendo como público alvo a

comunidade pobre da região de Merity. Uma instituição que tinha como

principais colaboradores integrantes do movimento escolanovistas, das

décadas de 1920 e 1930. De certa forma, a Regional de Merity, fundamentada

nos pressupostos pedagógicos, teóricos e metodológicos escolanovistas,

devido à divulgação de suas atividades nas mais diversas instituições do país,

inclusive na imprensa escrita, possibilitou uma maior visibilidade às propostas

educacionais, como, também, aos ideais sociais e políticos desse movimento.

Inserida numa localidade onde o descaso do poder público com relação

à saúde pública, saneamento e educação escolar eram explícitos, os

problemas se traduziam nas atividades escolares e sociais. A questão da

saúde dos alunos era um dos problemas que se refletia na freqüência escolar,

e, conseqüentemente, ocasionava a evasão. Agregando o ensino da higiene ao

seu quadro curricular, a escola, teve como intenção amenizar parte dos

problemas locais. Para tal empreitada, obteve a colaboração de alguns agentes

do movimento higienista brasileiro, em especial o Dr. Belisário Penna. Estes,

tomando a escola primária como lócus para educar e civilizar os meios

populares pela saúde, utilizaram a Escola Regional de Merity como um dos

principais meios de higienização da população da Baixada Fluminense,

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principalmente, da região da Vila Merity. As iniciativas lançadas, pela diretora e

pelos agentes do movimento, foram aplicadas pela Regional de Merity através

de dispositivos e estratégias como: o atendimento médico escolar direcionado

aos alunos e familiares, o concurso “Janelas Floridas”, o curso “Círculo de

Mães” e as conferências populares. Essas ações apresentaram resultados que

se refletiram na vida não só dos alunos e de seus familiares, mas como na

comunidade ao seu redor.

Consideramos que, nas décadas de 1920 e 1930, a escola com suas

ações educativas e sociais, e algumas vezes, política, contribuiu para o

desenvolvimento econômico, social, político e cultural da região, devido à sua

participação na formação profissional e intelectual dos alunos, como também

da comunidade. Além dessa contribuição, deduzimos que a elite dirigente local

encontrou, no projeto da educadora Armanda, uma ferramenta para a sua

própria afirmação, a questão social, tomando-o como modelo de luta política e

desenvolvimento para a cidade.

Evidenciamos, no processo de elaboração da pesquisa, que as idéias

pedagógicas apresentadas no campo da educação brasileira, desde o final do

século XIX, influenciaram na organização curricular, didática e metodológica da

instituição. Dentre as práticas educativas e sociais, tendo como referência os

pressupostos teórico-metodológicos de educadores como Montessori,

Pestalozzi e Dewey, a escola introduziu os métodos intuitivo e ativo. Dentre os

dois métodos, que visualizamos integrar as aplicações práticas da escola, o

método intuitivo não estava explicitamente citado pela diretora nos documentos

encontrados. Entretanto, encontramos fortes indícios de sua aplicação.

Considerando o intuitivo, dentro dos preceitos educativos de Pestalozzi,

Manacorda (apud ZANATTA, 2005: 169), afirma que: “O mestre (...) deveria antes de tudo procurar suscitar e manter vivo o interesse pela aprendizagem. A falta de diligência nas crianças depende sempre da falta de interesse e esta, por sua vez, depende do método de ensino adotado pelo mestre”.

Tendo esta citação como referência, pudemos aferir que o método de

ensino aplicado na Regional de Merity tinha como princípio fundamental

estimular e aguçar o conhecimento da criança, através de temas de seu

interesse. Nesse sentido, a escola, no transcorrer das aulas, tomava como

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tema de interesse das crianças os elementos constituintes da própria região ou

que faziam parte do cotidiano delas. “Um dos alunos traz para aula o seu cãozinho amigo. Dada a simpatia de que goza o cão entre as crianças, o seu estudo será levado por diante com o maior proveito. Mesmo processo que para o estudo das plantas: os alunos dirão o que já sabem da vida, dos hábitos, das diversas raças e das qualidades intelectuais do cão” (Carvalho, 1968:124).

As marcas deixadas na educação primária no Brasil, desde o final do

século XIX, foram sendo reveladas através dos estudos sobre os processos de

renovação do ensino primário e dos métodos de ensino. Nesse contexto, a

Escola Regional de Merity, apropriando-se de muitos elementos contidos nas

reformas educacionais, principalmente a paulista, de 1892, foi nos apontando

um método de ensino que se diferenciava das demais escolas da época, as

ditas tradicionais. Mas, em que se diferenciava esse método de ensino? E em

quais elementos da organização escolar ele se manifestou?

Tais indagações nos remeteram a refletir sobre as práticas educativas

aplicadas, a partir da análise das fontes documentais. Tendo a escola o

regionalismo como princípio educativo, consideramos que as questões da vida

local estavam inseridas em grande parte das atividades da escola, inclusive

nos conteúdos dos programas de ensino. O ensino regionalizado tinha, como

princípio fundamental, a valorização e o conhecimento da vida local. No centro

das atividades estavam inseridos não apenas os alunos, mas toda a

comunidade local.

Dentre os aspectos relacionados ao ensino regionalizado aplicado na

Regional de Merity, observamos que alguns elementos da organização escolar

tiveram que ser adaptados para o funcionamento da escola. Entre eles

podemos citar: o quadro curricular, onde as matérias, assim como os

conteúdos eram direcionados às questões da região; para o corpo docente, era

exigida uma formação diferenciada da recebida nos cursos normais da época,

devido ao emprego da nova pedagogia, oriunda do movimento da Escola Nova,

e direcionada ao ensino regional; o método de avaliação, cujo objetivo não era

quantificar o conhecimento do aluno, mas, sim, verificar e levar em conta o

processo de ensino-aprendizagem dos alunos em cada matéria, o que não

resultaria em notas, reprovação, prêmios ou castigos.

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Assim, concluímos que a Regional de Merity, tomando as questões

educativas e sociais, direcionadas às demandas locais, como elementos de

sua organização escolar, inovou na aplicabilidade do ensino regionalizado, que

colocava no centro das atividades escolares a inclusão, não só dos alunos,

mas, também as famílias e a comunidade local.

Em tese apresentada na I Conferência Nacional de Educação, em 1927,

promovida pela ABE, a diretora expôs alguns dos aspectos formativos e

pedagógicos da organização da escola (ÁLVARO ALBERTO, 1968:41):

10 - Os métodos de educação, venham eles da Suíça, dos Estados Unidos, da

Itália, desde que se baseiam na liberdade, que consente a plena expansão da

individualidade, e no trabalho, que leva a criança a observar, a experimentar, a

descobrir e a fazer por si (...). Em nosso meio, poucos são os professores

capazes de os empregar com segurança; faz-se necessário, portanto, antes de

tentar a escola ativa, preparar os mestres para ela.

20 – A escola primária tem que ser regional, o que não a impede de ser

brasileira. Tanto melhor reagirá sobre o seu meio, quanto mais adaptada lhe

estiver. Na roça é o único centro, muitas vezes, de vida intelectual; deve sentir

as necessidades de progresso da sua região e tomar a si as iniciativas em

benefício da comunidade a que pertencem os seus alunos.

30 – A cooperação da família na obra da escola é indispensável. Em cada

escola deve existir um Círculo de Mães, que as prepare convenientemente.

Nessas colocações, verificamos algumas das diretrizes aplicadas no

projeto educacional da Escola Regional de Merity, e que consolidam algumas

de nossas afirmações ao longo da pesquisa.

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FONTES

1 – DOCUMENTOS

1.1 – Documentos localizados no Arquivo do Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto / Câmara Municipal de Duque de Caxias. Carta de Armanda a seus alunos no período de sua prisão. Texto da estagiária do Instituto de Educação (RJ), Beatriz Osório: Uma obra extraordinária – 1944. Boletim de Aproveitamento – Escola Regional de Merity, 1926 Notas sobre o concurso Janelas Floridas. Fichas médicas de 1926. Ata da Assembléia Geral da Fundação Dr. Álvaro Alberto – 30 de dezembro de 1930. Ficha médica de 1937. Escala do teste de inteligência: ficha de anotação – 1937. Cópia do artigo “Aos editores do Brasil” publicado na revista da ABE, n.9, ano II, fevereiro de 1931. Texto de Paulo Rosas sobre a Teoria da Literatura infanto-juvenil, revista do Departamento de extensão Cultural e Artística, Secretaria de estados e negócios de educação e Cultura, Recife, 1960, ano II, n. 2.(acervo da Biblioteca Euclides da Cunha – seção de professores).

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Texto “A criança e o livro”, palestra proferida por Amanda na radio Sociedade em 30/9/31. Texto de Armanda para a da 2a Exposição da Literatura Infantil, na ABE – 1930. - palavras de inauguração da exposição; - programa da exposição. Texto apresentado na ABE por Armanda: Sugestões para a criação de bibliotecas infantis. Texto apresentado na ABE, 2o Inquérito sobre Literaturas Infantis – 1930. Catálogo da Exposição de trabalhos manuais da escola Regional no Salão da Associação Christã Feminina – 1925. Cópia do documento da Diretoria Geral de Estatística, 4a secção - Informação para a estatística da instrucção – 1929. Cópia do documento do Serviço de Estatística da Educação e Saúde – estatística do ensino elementar, médio e superior. Boletim de Informações – Rio de Janeiro, 1946. Cópia datilografada do artigo “Como aperfeiçoar a Literatura Infantil”, por Lourenço Filho, s/d. Cópia do Discurso proferido por Paschoal Lemme no 400 aniversário da Escola Regional de Merity, 1961. Cópia do Memorando expedido à Escola Regional de Merity em 18 de novembro de 1934. Artigo “Palavras de Inauguração da ´Nossa Casa`, por Armanda Álvaro Alberto, 1928. 1.2 – Documentos localizados no Arquivo da Escola Dr. Álvaro Alberto. Materiais Didáticos: - postais sobre a história de Napoleão; - postais sobre ciência e cultura oferecidas por Roquette Pinto - álbum didático, assuntos diversos sobre o Brasil; - álbum sobre a Ásia; - texto sobre a Bahia e seus filhos escritores; - imagens de objetos do Museu, que eram utilizados nas aulas.

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Textos aplicados no programa do “Círculo de Mães”: Puericultura, Higiene e Puericultura – Mortalidade Infantil; Puericultura Individual e Social; Puericultura Pré-Natal; Puericultura Prévia; Particularidades anatômicas e fisiológicas do recém-nascido a termo normal. Roteiro de trabalho sobre obras infantis: Monteiro Lobato e Lúcia Machado de Almeida. Texto da Biografia do professor José Montes. Texto proferido pelo prof. José Montes no encerramento do último ano letivo dirigido por D. Armanda – 1964. Ata exame de suficiência, da Escola Técnica Nacional, para professor de entalhação – José Montes. Relatórios das atividades nas aulas de trabalhos manuais Plano de aula da disciplina Trabalhos manuais 1.3 – Documentos localizados no Arquivo do Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade - PROEDES. Relatórios Anuais da Escola Proletária de Merity – 1921 a 1923. Relatórios Anuais da Escola Regional de Merity – 1924 a 1964. Programa e panfleto do Festival de Artes em benefício da Escola Regional de Merity, no Teatro Municipal - 1935. Convite e panfleto do Festival em benefício da Escola Regional de Merity, no Liceu de Artes e Ofício - 1934. Convite para a Inauguração da “Nossa Casa” – 1928. Livro de colaborações da “Nossa Casa” – Fundação Dr. Álvaro Alberto, mantenedora da Escola Regional de Merity – 1923 a 1939. 1.4 – Documentos localizados no Arquivo do Instituto de Pesquisas e Análises Históricas e de Ciências Sociais da Baixada Fluminense - IPAHB. Artigo “Armanda Álvaro Alberto e a Escola Regional de Merity”, de Guilherme Peres, s/d. Artigo “A Escola Regional de Merity – o querido ´Mate com angu`”, de Guilherme Peres, s/d.

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1.5 – Jornais, Revistas. “Dr. Belisário Penna”, - Jornal Correio da Lavoura, 13/05/1920. “Hygiene Popular” – Jornal Correio da Lavoura, 27/01/1921. “Educação Nova” - Jornal Correio da Lavoura, 9/09/1920. “Instrucção” - Jornal Correio da Lavoura, 4/11/1920. “Instrucção Primária” - Jornal Correio da Lavoura, 11/11/1920. “A instrucção em Merity” – Merity Jornal, 7/06/1925. “A Escola Regional de Merity e as conferências populares do Dr. Belisário Penna” – Merity Jornal, 30/07/1925. “Exposição de trabalhos da Escola Regional de Merity” – O Jornal, 22/12/1925. “Escola Regional de Merity” – Jornal do Comercio, 24/10/1926. “Um estabelecimento em que ensina o Brasileiro a conhecer o Brasil” – O Imparcial, 2/02/1927. “Uma interessante iniciativa da Escola regional de Merity” – O Jornal, 13/12/1928. “Leituras Infantis” - Jornal A Ordem. 12/11/1929. “A Iniciativa Particular na Organização das Escolas primárias e Profissionais – Meios de Provocar e Intensificar essa Iniciativa”– Jornal do Comércio, 20/11/1929. “Merity: Concurso de Janelas Floridas” – O Jornal, 21/10/1930. “Sobre a Escola Regional de Merity : um relevante depoimento do Dr. Flavio Lyra da Silva” – O Estado, 26/01/1932. “O Governo vae auxiliar a Escola Regional de Merity – o decreto hontem assignado” – O Estado, 7/04/1932. “A Escola Regional de Merity e o ensino agrícola” – O Estado, 1/05/1932. “Uma palestra da Sra. Armanda Álvaro Alberto sobre literatura infantil” – Jornal do Comércio, 06/04/1934. “Poderá a cultura sexual ser dispensada pelos pedagogos?” – Boletim da educação sexual, novembro de 1934.

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“As professoras primárias do Brasil” – Jornal do Brasil, 4/07/1935. “O Guarany amanhã, no Theatro Municipal – uma bella noite de arte para um alto objectivo de solidariedade humana” – A Notícia, 22/11/1935. “Armanda Álvaro Alberto foi posta em liberdade” – O Globo, 23/06/1937. “Educação renovada” – Jornal do Brasil, 5/05/1938. “Paulino Silva – Empreendimento e vigor em prol de Caxias”. Jornal Tópico, p.2, 2o caderno, 23 de agosto de 1958. “Uma instituição que honra a cidade” - Jornal Tópico, s/p, de 23 de agosto de 1958. “Nasce uma cidade: Entrevista com José Luís Machado”. Jornal Tópico, p. 3-2o caderno, 25 de agosto de 1958. José Montes: 50 anos dedicados à arte e à cultura. Revista da Cultura, ano I, n0 4, p.7-9 dezembro de 2002. 2 – ORAIS Entrevista realizada exclusivamente para a pesquisa sobre a Escola

Regional de Merity.

1 – Sra Martha Ignez Rossi, ex-professora e sub-diretora da Escola Regional de Merity (depoimento oral, 2006 e 2007). 3 – ICONOGRAFIA - Fotografia da professora Armanda Álvaro Alberto (arquivo pessoal professora Martha Rossi). - Fotografia da professora Martha Ignez Rossi (arquivo pessoal). - Fotografias dos espaços onde funcionou a Escola Regional de Merity, Arquivo do Instituto Histórico da Câmara Municipal de Duque de Caxias e do PROEDES. - Fotografia da Oficina de Trabalhos Manuais Heitor Lyra, Arquivo da Escola Dr. Álvaro Alberto.

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SOUZA, Marlúcia Souza de. Escavando o passado da cidade. Duque de Caxias e os projetos de poder político local: 1900-1964. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2002. Dissertação de Mestrado. SOUZA, rosa Fátima de, VALDEMARIN (orgs.). A cultura escolar em debate: questões conceituais, metodológicas e desafios para pesquisa. Camponas, SP: Autores Associados, 2005. SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de civilização: a implantação da escola primária graduada no Estado de São Paulo (1890-1910). São Paulo: Ed. UNESP, 1998. _________, Rosa Fátima de. A inovação educacional do século XIX: A construção do currículo na escola primária do Brasil. Caderno CEDES, ano XX, n. 51, p. 9-28, novembro/2000. __________, Rosa Fátima de. Espaço da educação e da civilização: origens dos grupos. In: O legado educacional do século XIX. 2 ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2006. SPOSATI [et.al]. A assistência na trajetória das políticas sociais brasileiras: uma questão em análise. 7.ed., São Paulo: Cortez, 1998. STEPHANOU, Maria. Discursos médicos e a educação sanitária na escola brasileira. In: STEPHANOU, Maria. BASTOS, Maria Helena Câmara. História e memórias da educação no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. vol. III: século XX. TORRES, Gênesis (org). Baixada Fluminense: a construção de uma história: sociedade, economia, política. São João de Meriti, RJ: IPAHB ED., 2004. VALDEMARIM, Vera Teresa. O método Intuitivo: os sentidos como Janelas e Portas. In: SAVIANI, Dermeval [et al.].O legado educacional do século XIX. 2 ed.. ver. e ampl. Campinas, SP: Autores Associados, 2006. VIDAL, Diana e PAULILO, A. L.. Projetos e estratégias de implantação da Escola Nova na Capital do Brasil (1922-1935). In MAGALDI, A, ALVES, C. e GONDRA, J. (Orgs.) Educação no Brasil: história, cultura e política. Bragança Paulista: EDUSF, 2003, p. 375-398. WARDE, Mirian Jorge. O itinerário de formação de Lourenço Filho por descomparação. In: Revista Brasileira de História da Educação, n0 5, janeiro/julho, 2003. WEID, Elisabeth Von der. O fio da meada; estratégia de expansão de uma indústria têxtil: Companhia América Fabril: 1878-1930. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, Confederação Nacional da Indústria, 1986.

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XAVIER, Maria Elizabete Sampaio Prado. Capitalismo e escola no Brasil: a constituição do liberalismo em ideologia educacional e suas reformas do ensino (1931-1961). Campinas: Papirus, 1990. YAZBEK, Maria Carmelita. Classes subalternas e assistência social. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2006. ZANATTA, Beatriz Aparecida. O método intuitivo e a percepção sensorial como legado de Pestalozzi para a geografia escolar. Caderno CEDES, vol.25, no.66, maio/agosto, p. 165-184, 2005. Disponível em http://www.cedes.unicamp.br. Acessado em 28/12/2007.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIG.1 – Fotografia da professora Armanda Álvaro Alberto. Arquivo Pessoal da professora Martha Ignez Rossi.

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FIG.2 – Fotografia da Estação Ferroviária de Merity e o presidente Nilo Peçanha em campanha para o saneamento e incentivo agrícola na região em 1916. Arquivo do Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto – Câmara Municipal de Duque de Caxias.

FIG.3 – Imagem de Merity vista da escola, em 1928. Arquivo do Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade – PROEDES.

Fotografia da estação ferroviária de Merity em 1913.

Fotografia do Presidente Nilo Peçanha na estação ferroviária de Merity em 1916.

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FIG.4 – Imagens das sedes pelas quais passou a Escola Regional de Merity de 1921 a 1964. Arquivo do Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade – PROEDES.

Primeira sede – 1921. Sede de 1921-1923.

Sede de 1924-1927. Prédio escolar definitivo - 1928

Prédio escolar reformado – 1964.

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FIG.5 – Fotografia da ex-professora e sub-diretora da Escola Regional de Merity, Martha Ignez Rossi, em 2008.

FIG.6 – Fotografia dos primeiros alunos matriculados na inauguração da escola em 1921. Arquivo do Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade – PROEDES.

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FIG.7 - Fotografias de aulas ao ar livre em 1925. Arquivo do Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade – PROEDES.

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FIG.8 – Imagem da aula prática de Jardinagem, em 1929. Arquivo do Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade – PROEDES.

FIG.9 – Imagem do Professor de Trabalhos Manuais, professor José Montes. Arquivo da Escola Dr. Álvaro Alberto.

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FIG.10 – Fotografia dos alunos com o professor José Montes em aula prática de trabalhos manuais. Arquivo da Escola Dr. Álvaro Alberto.

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FIG.11 – Algumas peças do acervo do Museu Regional da Escola Regional de Merity. Arquivo da Escola Dr. Álvaro Alberto.

Pato empalhado Conchas do mar

Carcaça de tatu Objetos da cultura popular brasileira

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FIG.12 – Cópia da imagem do Boletim de Aproveitamento. Arquivo do Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto – Câmara Municipal de Duque de Caxias.

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FIG.13 – Imagem da Ficha médica utilizada pela professora visitadora no ano de 1926, na Escola Regional de Merity. Arquivo do Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto – Câmara Municipal de Duque de Caxias.

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FIG.14 - Imagem da Ficha médica e da Escala dos Testes de Inteligência da Aluna Irene Satorre de 28/11/1937. Arquivo do Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto – Câmara Municipal de Duque de Caxias.

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FIG.15 – Cópia da carta de encaminhamento, por parte da Secretaria de Estado do Interior e Justiça – Departamento de educação, de uma professora para a escola regional de Merity, 14 de agosto de 1934. Arquivo do Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto – Câmara Municipal de Duque de Caxias.

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FIG.16 – Imagem interna da Biblioteca Euclides da Cunha, seção para professores. Arquivo do Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade – PROEDES.

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FIG.17- Livros didáticos – acervo da biblioteca Euclides da Cunha. Arquivo do Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto – Câmara Municipal de Duque de Caxias.

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FIG.18 – Livro francês sobre plantas – acervo da Biblioteca Euclides da Cunha. Arquivo do Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto – Câmara Municipal de Duque de Caxias.