dissertação de mestrado will de barros pita genética 2009
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UUNNIIVVEERRSSIIDDAADDEE FFEEDDEERRAALL DDEE PPEERRNNAAMMBBUUCCOO CCEENNTTRROO DDEE CCIIÊÊNNCCIIAASS BBIIOOLLÓÓGGIICCAASS
DDEEPPAARRTTAAMMEENNTTOO DDEE GGEENNÉÉTTIICCAA
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ANÁLISE DA EXPRESSÃO DOS GENES RELACIONADOS À ASSIMILAÇÃO DO NITRATO NA LEVEDURA DEKKERA
BRUXELLENSIS
WILL DE BARROS PITA
RECIFE 2009
UUNNIIVVEERRSSIIDDAADDEE FFEEDDEERRAALL DDEE PPEERRNNAAMMBBUUCCOO CCEENNTTRROO DDEE CCIIÊÊNNCCIIAASS BBIIOOLLÓÓGGIICCAASS
DDEEPPAARRTTAAMMEENNTTOO DDEE GGEENNÉÉTTIICCAA
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DDIISSSSEERRTTAAÇÇÃÃOO DDEE MMEESSTTRRAADDOO
ANÁLISE DA EXPRESSÃO DOS GENES RELACIONADOS À ASSIMILAÇÃO DO NITRATO NA LEVEDURA DEKKERA
BRUXELLENSIS
WILL DE BARROS PITA
RECIFE 2009
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Genética da Universidade Federal de Pernambuco como requisito para obtenção do grau de Mestre em Genética pela UFPE.
Orientador: Marcos Antonio de Morais Jr.
Pita, Will de Barros Análise da expressão dos genes relacionados à assimilação do nitrato na levedura Dekkera Bruxellensis / Will de Barros Pita.– Recife: O Autor, 2009. vi, 56 folhas : il., fig., tab.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCB. Genética, 2009.
Inclui bibliografia.
1. Levedura 2. Fermentação alcoólica 3. Dekkera Bruxellensis 4. Reação em Cadeia Polimerase (PCR) I Título. 663.123 CDU (2.ed.) UFPE 579.562 CDD (22.ed.) CCB – 2009-145
AAggrraaddeecciimmeennttooss À minha família, pelo apoio ainda que inconsciente, aos tantos anos de estudo e
trabalho.
À minha namorada, Jaqueline, pelo amor e dedicação em todos os momentos e pela
força, suporte, conselhos e psicologia quando quase surtei!
Ao meu orientador, Marcos Morais, pela oportunidade, confiança e paciência para
agüentar minhas inseguranças, perturbações, ligações e e-mails, mesmo que nas
horas mais inconvenientes.
Aos colegas de Laboratório, principalmente Theresa, Luciana, Billy, Fernanda,
Rodrigo, Felipe e todos os outros que contribuíram direta ou indiretamente para a
conclusão do meu trabalho, ou até mesmo pela alegria e descontração no
laboratório.
Ao pessoal da Applied Biosystems do Brasil pelo suporte técnico fornecido.
Ao CNPq, pelo apoio financeiro.
Aos meus verdadeiros amigos...
SUMÁRIO Lista de Abreviaturas iii
Lista de Figuras iv
Lista de Tabelas v
Resumo vi
Abstract vii
Introdução viii
1. Revisão da Literatura 1
1.1. Fermentação alcoólica 1
1.1.1. O Processo fermentativo 1
1.1.2. Composição do caldo de cana 2
1.1.3. Microbiologia do processo fermentativo 3
1.2. Dekkera bruxellensis: biologia e fisiologia da espécie 4
1.2.1. Ecologia 4
1.2.2. Dekkera bruxellensis como contaminante industrial 5
1.3. Metabolismo do Nitrogênio 7
1.3.1. Metabolismo central do nitrogênio 7
1.3.2. Fontes de nitrogênio 8
1.3.3. Regulação do metabolismo do nitrogênio e repressão catabólica 8
1.4. Assimilação de nitrato 11
1.4.1. Fisiologia da assimilação do nitrato 11
1.4.2. Regulação da expressão dos genes da via de assimilação do nitrato 12
1.4.3. Genética da assimilação do nitrato em D. bruxellensis 12
1.5. Estudos da expressão gênica 14
1.5.1. Regulação da expressão gênica 14
1.5.2. Métodos de análise da expressão gênica 15
1.5.3. PCR Quantitativa em Tempo Real (qPCR) 16
2. Objetivos 21
2.1. Objetivo Geral 21
2.2. Objetivos Específicos 21
3. Materiais e Métodos 22
3.1. Análises fisiológicas 22
3.1.1. Linhagens e meios de cultivo celular 22
3.1.2. Ensaios de crescimento celular 22
3.2. Análise da expressão gênica 24
3.2.1. Extração de RNA 24
3.2.2. Quantificação e avaliação da integridade do RNA total 24
3.2.3. Síntese de cDNA 25
3.2.4. RT-PCR Quantitativa (RT-qPCR) 25
3.2.4.1. Coleta das seqüências gênicas, construção de primers e condições
de amplificação 25
3.2.4.2. Método de quantificação e controle endógeno 26
3.2.4.3. Curva de dissociação (Melting) 26
3.2.5. Otimização dos ensaios 26
3.2.5.1. Primers 26
3.2.5.2. Testes de eficiência para validação do método 2-ΔΔCt 27
3.2.5.3. Estimativa da contaminação por DNA genômico e montagem das
reações 28
3.2.7. Quantificação relativa da expressão gênica em meios YNB 28
3.2.8. Quantificação relativa da expressão gênica no caldo de cana 28
3.2.9. Análise dos resultados 29
3.3. Detecção de Nitrato no Caldo de Cana 29
4. Resultados 30
4.1. Seleção das Linhagens 30
4.2. Avaliação da velocidade de Crescimento celular 30
4.3. Desenho de Primers 31
4.3.1. Análise das seqüências in silico 31
4.3.2. Otimização da Concentração dos Primers 32
4.4. Otimização dos ensaios de quantificação gênica 33
4.4.1. Validação do Controle Endógeno 33
4.4.2. Validação do Método 2-ΔΔCt 33
4.5. Quantificação da Expressão Gênica em Meio sintético 34
4.6. Quantificação da Expressão Gênica em Caldo de Cana 39
4.7. Consumo de Nitrato do Caldo de Cana ao longo do cultivo 40
5. Discussão 42
6. Conclusões 46
7. Referências Bibliográficas 47
iii
LLiissttaa ddee AAbbrreevviiaattuurraass NADH Nicotinamida adenina dinucleotídeo
NADPH Nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato
AA Aminoácidos
CO2 Dióxido de carbono
DNA Deoxyribonucleic acid / Ácido Desoxirribonucléico
pH Potencial hidrogeniônico
NO2- Íon nitrito
NO3- Íon nitrato
NH4+ Íon amônio
YNB Yeast Nitrogen Base
RPM Rotações por minuto
RNA Ribonucleic acid / Ácido ribonucléico
EDTA Ácido etilenodiamino tetra-acético
SDS Sódio Dodecil Sulfato
nm Nanômetro
µg Micrograma
ml Mililitro
DEPC Dietilpirocarbonato
UV Ultravioleta
cDNA DNA complementar
RT-qPCR PCR quantitativa com transcrição reversa
qPCR PCR quantitativa
NCBI National Center for Biotechnology Information
pb Pares de base
Tm Temperatura de Dissociação
nM Nanomolar
QR Quantificação Relativa
IMO Índice Máximo de Oscilação
µM Micromolar
mRNA RNA mensageiro
iv
LLiissttaa ddee FFiigguurraass
Figura 1 Esquema da fermentação alcoólica em Saccharomyces cerevisiae.
Pág. 02
Figura 2 Células da levedura Dekkera bruxellensis CBS74. Pág. 04Figura 3 Assimilação da amônia e formação do glutamato a partir
da ação central da enzima glutamato desidrogenase que utiliza NADPH.
Pág. 08
Figura 4 Via de assimilação do nitrato em leveduras. Pág. 11Figura 5 Comparação entre a organização dos genes da via de
assimilação do nitrato em D. bruxellensis e Hansenula polymorpha.
Pág. 13
Figura 6 Esquema do processo de transcrição mediado pela RNA polimerase II.
Pág. 15
Figura 7 Fases da PCR. Pág. 18Figura 8 Base matemática do método de quantificação relativa 2-
ΔΔCt. Pág. 19
Figura 9 Gel de agarose a 1% de amostras de RNA total extraído de células de D. bruxellensis.
Pág. 25
Figura 10 Curva de dissociação (melting) do gene EFA1 de D. bruxellensis.
Pág. 27
Figura 11 Curvas de crescimento de Dekkera bruxellensis. Pág. 31Figura 12 Gráfico de amplificação gerado pelo software SDS v.2.0
da Applied Biosystems em um ensaio de otimização dos primers.
Pág. 32
Figura 13 Gráfico de amplificação gerado pelo software SDS v.2.0 da Applied Biosystems em um ensaio para verificar o padrão de expressão do controle endógeno.
Pág. 33
Figura 14 Curva padrão da amplificação do gene EFA1, gerada pelo software SDS v.2.0 da Applied Biosystems em um ensaio para validar o método 2-ΔΔCt.
Pág. 34
Figura 15 Quantificação Relativa da expressão dos genes da via do metabolismo do nitrato em Dekkera bruxellensis crescida em nitrato como fonte de nitrogênio.
Pág. 35
Figura 16 Quantificação Relativa da expressão dos genes da via do metabolismo do nitrato em Dekkera bruxellensis crescidas na presença de amônia e nitrato como fontes de nitrogênio.
Pág. 37
Figura 17 Quantificação Relativa da expressão dos genes da via do metabolismo do nitrato em Dekkera bruxellensis crescidas em caldo de cana industrial.
Pág. 39
Figura 18 Consumo de nitrato em experimento realizado em caldo de cana.
Pág. 41
v
LLiissttaa ddee TTaabbeellaass Tabela 1 Meios de cultura utilizados para a construção de curvas de
crescimento em Dekkera bruxellensis. Pág. 23
Tabela 2 Concentrações utilizadas para os ensaios de otimização dos primers.
Pág. 27
Tabela 3 Configuração da placa de reação de qPCR. Pág. 29 Tabela 4 Lista de primers desenhados a partir das seqüencias dos
genes do metabolismo do nitrato de Dekkera bruxellensis. Pág. 32
Tabela 5 Eficiências de amplificação, slope e R2 apresentados pelos primers nos ensaios de validação do método 2-ΔΔCt.
Pág. 34
Tabela 6 Variação da expressão apresentada pelos genes do metabolismo do nitrato em meio YNB contendo nitrato como fonte de nitrogênio (IMO).
Pág. 36
Tabela 7 Variação apresentada pelos genes do metabolismo do nitrato em meio YNB contendo amônia e nitrato como fontes de nitrogênio (IMO).
Pág. 37
Tabela 8 Redução percentual dos níveis de expressão dos genes do metabolismo do nitrato em Dekkera bruxellensis crescida em amônia e nitrato.
Pág. 38
Tabela 9 Variação entre os valores mínimos e máximos da expressão dos genes da via de assimilação do nitrato em Dekkera bruxellensis cultivadas em caldo de cana (IMO).
Pág. 40
Tabela 10 Diferença média entre os valores de RQ do gene mais expresso e do menos expresso em todos os pontos estudados (em vezes).
Pág. 40
vi
RReessuummoo A levedura Dekkera bruxellensis foi identificada como principal contaminante dos
processos de fermentação alcoólica em destilarias do Brasil, do Canadá e dos EUA.
Contagens elevadas desta levedura podem resultar em diminuição da produtividade
etanólica, com conseqüente prejuízo econômico. Recentemente, esta levedura teve
seu genoma parcialmente seqüenciado e foram identificadas seqüências
correspondentes a genes do metabolismo do nitrato. A presença de tais genes
indica que D. bruxellensis possa usufruir deste composto como fonte de nitrogênio,
ao contrário de Saccharomyces cerevisiae, durante o processo fermentativo. Como
estas leveduras competem no ambiente industrial, a presença de nitrato poderia ser
um fator diferencial na adaptação de D. bruxellensis, visto que esta fonte pode estar
presente no caldo de cana proveniente do processo de adubação da cana de
açúcar. Assim, os objetivos deste trabalho foram analisar o perfil de expressão dos
genes da via metabólica do nitrato de D. bruxellensis em meios laboratoriais e
verificar se esta levedura expressa estes genes em caldo de cana industrial
utilizando a técnica de PCR quantitativa (qPCR). As células de D. bruxellensis foram
cultivadas em meios sintéticos contendo glicose como fonte de carbono na presença
de amônia, de nitrato ou ambas as fontes. As células foram coletadas em pontos
específicos para extração do RNA, síntese de cDNA e analise por qPCR utilizando o
método 2-∆∆Ct para quantificação da expressão gênica. Como controle endógeno foi
empregado o gene EFA1. Todos os quatro genes estudados apresentaram indução
de sua expressão na presença de nitrato e foram sujeitos à repressão catabólica do
nitrogênio quando a amônia estava presente no meio. Adicionalmente, a presença e
o consumo de nitrato no caldo de cana foram investigados. Neste substrato, os
genes apresentaram perfil de expressão diferente do observado nos meios YNB. O
nitrato foi detectado no caldo de cana e seu consumo ao longo do tempo foi
determinado. Este estudo comprova que os genes da assimilação do nitrato em D.
bruxellensis são induzidos em presença deste composto e reprimidos na presença
de amônia. As células de D. bruxellensis expressaram estes genes no caldo de
cana. Entretanto, maiores estudos acerca da regulação da expressão dos genes
desta via metabólica ainda são necessários para correlacionar esta expressão com a
adaptação de D. bruxellensis no meio de fermentação alcoólica.
Palavras-chave: Dekkera bruxellensis, qPCR, assimilação de nitrato, fermentação
alcoólica.
vii
AAbbssttrraacctt
Dekkera bruxellensis was identified as major yeast contaminant of industrial ethanol
fermentation processes in Brazil, Canada and USA. Increased cell counts of this
yeast can result in reduction of ethanol productivity, with consequent industrial
economic loss. Recently, its genome was partially sequenced and the genes involved
in nitrate metabolism were found. This suggests that D. bruxellensis can use nitrate
as nitrogen source, unlike Saccharomyces cerevisiae, in the fermentative processes.
As these species compete at industrial environment, the presence of nitrate could
provide a differential advantage for D. bruxellensis adaptation, since sugarcane juice
may contain a significant amount of nitrate coming from field fertilizers. The aim of
this study was to analyze the expression profile of nitrate assimilation genes in
laboratorial media and to verify the expression of these genes in industrial sugarcane
juice by Real Time quantitative PCR (qPCR). D. bruxellensis cells were grown in
synthetic medium (YNB) containing glucose as carbon source in presence of
ammonia, nitrate and a mixed ammonia-nitrate medium as nitrogen source in
equimolar concentrations. Cells were collected in specific points of growth curve for
RNA extraction, cDNA synthesis and qPCR analysis using 2-∆∆Ct method for gene
expression quantitation. As endogenous control, EFA1 gene was employed. All of
four nitrate genes showed induced expression in presence of nitrate and were
subject to nitrogen metabolic repression when ammonia was present in medium.
Furthermore, the nitrate presence and its consumption were examined in sugarcane
juice. In this substrate, nitrate assimilation genes exhibited a different expression
profile compared to YNB media that may be related to the kinetics of nitrate
consumption. This study showed that Dekkera bruxellensis nitrate assimilation genes
are induced by nitrate and subjected to ammonia catabolic repression. Their
induction in sugarcane juice might be related to the adaptation of D. bruxellensis to
industrial fermentation processes.
Keywords: Dekkera bruxellensis, qPCR, nitrate assimilation, fermentation.
viii
IInnttrroodduuççããoo
O etanol constitui-se hoje em uma importante fonte alternativa de energia,
sendo considerada uma commodity com perspectivas reais de aumento da demanda
em muitos mercados internacionais. Isto impõe a necessidade de aumento de
produção por parte dos principais líderes mundiais do setor. No Brasil, este
combustível é produzido a partir da fermentação do caldo da cana de açúcar por
células da levedura Saccharomyces cerevisiae. A levedura Dekkera bruxellensis foi
identificada como principal contaminante dos sistemas de fermentação alcoólica no
Brasil e em outros países. Contagens elevadas desta levedura podem resultar em
diminuição da produção de etanol, visto que contaminantes em geral, consomem a
sacarose da cana sem produzi-lo ou o fazem em menor rendimento.
Esta levedura apresenta algumas adaptações fisiológicas que podem justificar
o seu sucesso competitivo frente à S. cerevisiae em ambiente industrial. Uma destas
é a possibilidade de utilizar nitrato como fonte de nitrogênio, visto que as células de
S. cerevisiae não são capazes de assimilar este nutriente. O nitrato pode estar
presente no caldo de cana proveniente do processo de adubação da cana de
açúcar. Como a disponibilidade de amônia ou de aminoácidos é muito pequena
nesse substrato, a presença de nitrato conferiria às células capazes de metabolizá-lo
uma vantagem nutricional para crescimento em um meio rico em carbono, mas
pobre em nitrogênio. Em geral, os organismos que assimilam nitrato, tais como a
levedura D. bruxellensis, apresentam os genes responsáveis pela maquinaria
enzimática envolvida nesse metabolismo organizados em unidades de expressão
que respondem à presença do nutriente. Porém, esta é uma via de alto custo
energético e muitos organismos restringem sua utilização para ambientes nos quais
fontes de nitrogênio preferenciais não estão presentes, efeito chamado Repressão
Catabólica do Nitrogênio.
Dada a possibilidade de que a vantagem adaptativa desta levedura na
fermentação alcoólica industrial possa estar relacionada com a utilização de nitrato,
este trabalho apresenta a expressão dos genes da via de assimilação de nitrato
quando as células de D. bruxellensis são cultivadas em diferentes meios de cultura,
incluindo caldo de cana, e a relação dessa expressão com a assimilação do nitrato
do meio. Para isso foi empregada a técnica da PCR quantitativa (qPCR) que é
sensível o suficiente para detectar variações mínimas na expressão de um gene e
definir padrões de regulação da expressão de genes metabolicamente relacionados.
1
11.. RReevviissããoo ddaa LLiitteerraattuurraa
1.1. Fermentação alcoólica
1.1.1. O Processo fermentativo
Fermentação alcoólica é o termo que se refere à conversão de açúcares,
principalmente hexose, a etanol a partir da glicólise (Figura 1), que ocorre
principalmente em ambiente anaeróbio. Em teoria, durante fermentação anaeróbia,
para cada grama de glicose que entra na via glicolítica ocorre produção de 0,51 g de
etanol e 0,49 g de CO2. Entretanto, devido à produção de biomassa e de
subprodutos como o glicerol, os valores de 0,46 g de etanol e 0,44 g de CO2 são
bastante aceitáveis do ponto de vista industrial (Wheals et al., 1999). A levedura S.
cerevisiae é tradicionalmente o microorganismo mais utilizado nos processos
fermentativos. Esta levedura possui características muito importantes para a
indústria, pois apresenta o metabolismo fermentativo mesmo em aerobiose, alta
eficiência fermentativa e tolerância a etanol. Entretanto, linhagens com diferentes
capacidades fermentativas podem ser identificadas e isoladas (Silva-Filho et al.,
2005a; Silva-Filho et al., 2005b). A fermentação alcoólica industrial ocorre no Brasil
desde a época do império, mas foi na década de 1970 que este processo se tornou
muito importante, comercial e socialmente, com a implantação do Programa Pró-
Álcool do governo federal. Este programa estimulou não apenas a produção do
etanol como um combustível ambientalmente limpo, mas todo o parque industrial
automotivo brasileiro. Com o crescimento da demanda, a produção de etanol
também teve que aumentar, e com isso várias iniciativas de desenvolvimento
científico e tecnológico foram apoiadas com recursos públicos e privados.
Atualmente, a modernização do setor alcooleiro também passa pela disponibilidade
de novas linhagens de S. cerevisiae, naturais ou geneticamente modificadas, com
maior capacidade fermentativa, métodos de detecção de microrganismos
contaminantes (De Souza-Liberal et al., 2005) e de controle microbiológico do
processo (Basílio et al., 2008). Em conjunto, esses fatores devem levar ao aumento
do rendimento fermentativo e da produção de etanol pelas destilarias.
2
Figura 1. Esquema da fermentação alcoólica em S. cerevisiae. PEP = Fosfoenolpiruvato. Adaptado
de Van Maris et al., 2006.
1.1.2. Composição do caldo de cana
A cana-de-açúcar (Saccharum officinarum) é uma gramínea muito rica em
açúcares, o que a torna a planta mais utilizada para a produção do açúcar comercial
e do etanol combustível a partir da fermentação por células de S. cerevisiae. O caldo
obtido na moagem da cana-de-açúcar é formado por água entre 78% e 86%,
açúcares 11% e 18% (dos quais 90% de sacarose e 10% de glicose e/ou frutose),
pelos compostos orgânicos não açúcares que são constituídos de substâncias
nitrogenadas entre 0,5% e 1,0%, tais como proteínas, aminoácidos, etc., além das
gorduras, ceras, pectinas, ácido málico, ácido succínico e de corantes como a
clorofila, sacaretina e antocianina. Os compostos inorgânicos deste caldo são
representados pelas cinzas entre 0,3% e 0,5%, que têm como componentes
principais sílica, potássio, fósforo, cálcio, sódio, magnésio, enxofre, ferro, alumínio,
cloro e outros (Wheals et al., 1999; Lima, 2001). Após a moagem, o caldo da cana-
de-açúcar é filtrado e clarificado por decantação, que retira parte das impurezas em
suspensão. A fermentação ideal ocorre com o caldo de cana diluído para
concentração de açúcares em torno de 14º brix, que em média representa sacarose
na concentração de 120 g.l-1 no mosto. O pH desejável do caldo a ser fermentado
situa-se em torno de 4 que é alcançado naturalmente pela atividade fermentativa
das células. E a temperatura ideal para fermentação situa-se entre 28 ºC e 32 ºC.
Temperaturas mais baixas diminuem a atividade do fermento, enquanto as mais
elevadas favorecem o desenvolvimento de bactérias indesejáveis, provocando o
enfraquecimento das leveduras. Da mesma maneira, a elevação do pH também
favorece o desenvolvimento de bactérias e leveduras contaminantes (Revisto por
Silva Filho, 2003).
3
1.1.3. Microbiologia do processo fermentativo
Tradicionalmente as indústrias produtoras de álcool combustível utilizavam
levedura de panificação para iniciar o processo fermentativo. Hoje já existem até
linhagens comerciais específicas para esta fermentação (Lallemand Inc., Canadá),
tais como a JP1, que foi isolada por Silva-Filho et al., (2005b) e é comercializada
atualmente sob a marca Fermol Distiller® (AEB Group, Brasil). Entretanto, episódios
de contaminação ao longo da safra podem fazer com que espécies não-S.
cerevisiae provenientes do caldo de cana substituam o inóculo inicial. Este
problema, embora em menor escala, também ocorre em indústrias que possuem
algum tratamento prévio do caldo. As causas deste grande crescimento das
leveduras contaminantes na dorna de fermentação ainda não são conhecidas, mas
suspeita-se que fatores abióticos como variações de pH, temperatura, osmolaridade,
presença de ácidos orgânicos e a concentração de etanol devem contribuir para este
fato. Portanto, informações sobre a dinâmica das leveduras do processo são
fundamentais para o apropriado controle microbiológico (Granchi et al., 1999; Silva-
Filho et al., 2005a), bem como para a identificação e seleção de novas linhagens
com alta capacidade fermentativa (Silva-Filho et al., 2005b).
Episódios de contaminação geralmente estão associados com aumento de
tempo de fermentação, problemas operacionais e diminuição do rendimento. Essas
leveduras podem ser provenientes do mosto de alimentação ou podem ser ainda
residentes do processo, localizando-se em pontos mortos da tubulação, nos
trocadores de calor e na água de lavagem da cana e de diluição do mosto (Revisto
por Silva Filho, 2003).
Sherata (1960) reportou pela primeira vez a presença de 14 espécies de
levedura do caldo de cana que pertenciam aos gêneros Candida, Endomyces,
Hansenula, Kloekera, Pichia, Saccharomycodes, Schizosaccharomyces e
Torulopsis. Mais tarde, espécies de Debaromyces, Rhodotorula e Cryptococcus
foram também identificadas neste substrato (de Azeredo et al., 1998). Nos últimos
anos, mais espécies dos gêneros Candida, Hanseniaspora, Kloekera,
Kluyveromyces, Schizosaccharomyces e Pichia têm sido identificadas no processo
fermentativo industrial tanto para a produção de etanol combustível quanto para a
produção de cachaça (Cabrine & Gallo 1999; Guerra et al., 2001; Schwan et al.,
2001; Gomes et al., 2002; Olasupo et al., 2003). Recentemente, Basílio et al., (2008)
utilizaram pela primeira vez no Brasil técnicas moleculares para tipagem e
identificação e mostraram a presença de mais de 30 espécies de leveduras no
4
processo fermentativo em várias destilarias da região Nordeste (Basílio et al., 2008),
dentre as quais destacam-se as espécies D. bruxellensis, Candida tropicalis e Pichia
galeiformis.
1.2. Dekkera bruxellensis: biologia e fisiologia da espécie
1.2.1. Ecologia
A levedura D. bruxellensis (Figura 2), forma teleomórfica (produtora de
ascosporos) de Brettanomyces bruxellensis, é um microorganismo pertencente ao
grupo dos hemiascomicetos (Molina et al., 1993). Leveduras do gênero
Brettanomyces são muito comuns e foram isoladas de diversos processos de
produção de bebidas fermentadas, principalmente o vinho, cidra e cerveja (Loureiro
& Malfeito-Ferreira, 2003; Ibeas et al., 1996, Coton et al., 2006). Apesar de
diferentes espécies de Dekkera/Brettanomyces terem sido previamente relatadas,
apenas cinco são reconhecidas até o momento: D. bruxellensis, D. anomala, B.
custersianus, B. nanus e B. naardenensis (Mitrakul et al., 1999; Röder et al., 2007).
Figura 2. Células da levedura Dekkera bruxellensis CBS74. Fonte: http://www.ncyc.co.uk/photo-ncyc-CBS74.html
A D. bruxellensis é capaz de metabolizar diversas fontes de carbono, entre as
quais, glicose, frutose, galactose, sacarose, maltose e etanol. As fontes de
nitrogênio utilizadas por esta levedura incluem amônia, prolina, arginina e nitrato
(Conterno et al., 2006). Além disto, assim como S. cerevisiae, D. bruxellensis é
tolerante a etanol, possui anaerobiose facultativa, é petite positiva (capaz de
5
sobreviver sem DNA mitocondrial) e Crabtree positiva, ou seja, apresenta
metabolismo fermentativo quando altas concentrações de glicose estão presentes
no meio mesmo em condições aeróbicas (Woolfit et al., 2007; Piskur et al., 2006).
Esta levedura produz uma grande diversidade de metabólitos, sendo os mais
significantes o ácido acético e etilfenóis, como 4-etilfenol e 4-etilguaiacol. A presença
destes compostos é relacionada especificamente a atividade de D. bruxellensis e
aos aromas desagradáveis encontrados em vinhos contaminados (Chatonnet et al.,
1995; 1997). Na fermentação alcoólica industrial, principalmente a vinícola, o ácido
acético produzido por D. bruxellensis está associado a perdas econômicas
significativas (Chatonnet et al., 1995). O aumento na produção de ácido acético inibe
o crescimento de S. cerevisiae e, portanto, diminui a capacidade desta levedura em
produzir etanol (Lema et al., 1996; Gerós et al., 2000).
1.2.2. Dekkera bruxellensis como contaminante industrial
Apesar de S. cerevisiae ser o principal microorganismo fermentador, outras
espécies foram identificadas nestes processos. Embora a maioria das leveduras
encontradas pareça não exercer qualquer efeito, algumas podem agir como
contaminantes (Basílio et al., 2005). As contaminações bacterianas que ocorrem no
ambiente industrial geralmente são controladas mantendo-se o pH em valores
baixos ou com o uso de antibióticos. Porém, estes métodos não são eficazes contra
leveduras não-S. cerevisiae.
Um estudo realizado em diversas destilarias do Nordeste do Brasil mostrou
que a espécie D. bruxellensis é a principal levedura contaminante dos sistemas de
fermentação. Este mesmo trabalho demonstrou que a subpopulação de D.
bruxellensis substitui a de S. cerevisiae, mesmo com repetidas ocasiões de troca da
biomassa celular total (de Souza Liberal et al., 2007). Por causa desta habilidade de
substituir a S. cerevisiae na população de leveduras, D. bruxellensis representa um
dos contaminantes mais significativos em destilarias que fermentam o caldo da cana
em sistemas contínuos. Na produção de etanol combustível, quando as contagens
de D. bruxellensis estão aumentadas, observa-se uma diminuição da produtividade
volumétrica do etanol, acompanhada de significativo prejuízo econômico (de Souza
Liberal et al., 2007). Além disso, a maioria dos estudos realizados tem mostrado que
D. bruxellensis é a espécie prevalente em eventos de contaminação de produtos de
6
fermentação (de Souza Liberal et al., 2007; Röder et al., 2007; Renoulf & Lonvaud-
Funel, 2007; Phister & Mills, 2003; Miot-Sertier & Lonvaud-Funel, 2007).
Embora haja a percepção de que D. bruxellensis, principalmente na sua forma
anamorfa B. bruxellensis, representa um contaminante industrial (o conceito de
contaminação foi revisto por Loureiro & Malfeito-Ferreira, 2003), dados recentes
mostram que esta levedura é capaz de produzir etanol em rendimentos muito
próximos àqueles apresentados por S. cerevisiae (de Souza Liberal et al., 2007) e
existe até a proposta de utilizar esta levedura em processos fermentativos em
associação com a bactéria Lactobacillus vini (Passoth et al., 2007). Por outro lado, o
problema causado pela presença desta levedura em altas contagens no meio é o
maior tempo de fermentação que é necessário para converter o açúcar em etanol
(de Souza Liberal et al., 2007), o que provoca atraso na produção e no rendimento
diário do processo. Esta baixa produtividade pode estar relacionada, por exemplo,
com a menor capacidade fermentativa específica em decorrência da menor
metabolização da sacarose (Basílio et al., 2008).
A vantagem adaptativa observada em D. bruxellensis em relação a S.
cerevisiae no ambiente industrial demonstra sua elevada adaptação a estes
ambientes. Para se tornar predominante na população de leveduras, D. bruxellensis
deve crescer a uma taxa mais alta do que S. cerevisiae nas mesmas condições.
Uma hipótese sugerida é que D. bruxellensis provavelmente possui maior resistência
ao etanol do que S. cerevisiae, conseguindo desta forma, superar a população desta
última nas fases finais da fermentação (Renouf et al., 2006). Adicionalmente, em um
sistema de fermentação contínua com reciclagem de células, altas densidades
celulares são atingidas e o suprimento de nutrientes para o crescimento celular
torna-se limitado. Nestes ambientes, a competição é determinada principalmente
pela habilidade de utilizar o fator limitante do crescimento. Se D. bruxellensis é
capaz de metabolizar um nutriente disponível mais eficientemente, ou se for capaz
de captá-lo com maior afinidade do que S. cerevisiae, sua taxa de crescimento pode
ser bem maior nesta condição particular.
Dentre as evidentes diferenças metabólicas entre S. cerevisiae e D.
bruxellensis destaca-se a capacidade desta última de assimilar nitrato e nitrito como
fontes de nitrogênio, característica que é utilizada na taxonomia bioquímica do
gênero (Barnett et al., 2002). O caldo de cana pode apresentar concentrações
significativas de nitrato oriundo do processo de adubação do campo com fertilizantes
a base de nitrato (nitrato de cálcio, nitrato de magnésio ou mesmo nitrato de
7
amônia), muito utilizado nos canaviais. Desta forma, o nitrato poderia constituir uma
fonte de nitrogênio que seria assimilada por células de D. bruxellensis para seu
crescimento. Como S. cerevisiae não assimila nitrato, então isso explicaria a
diferença na velocidade de crescimento calculada para as duas leveduras no
processo industrial (de Souza Liberal et al., 2007).
1.3. Metabolismo do Nitrogênio
1.3.1. Metabolismo central do nitrogênio
O nitrogênio é um dos nutrientes essenciais para todas as formas de vida. As
leveduras podem utilizar diversos compostos nitrogenados distintos, incluindo
amônia, aminoácidos, uréia e bases nitrogenadas (Godard et al., 2007; Conterno et
al., 2006). Além disto, são capazes de sintetizar endogenamente todas as moléculas
nitrogenadas essenciais à sua vida. Estas características têm sido muito estudadas
em S. cerevisiae como um organismo eucarioto modelo. Nesta levedura, o
crescimento e a expressão gênica são dependentes da identidade e concentração
destas fontes (ter Schure et al., 1998; ter Schure et al., 2000;).
Em princípio, todas as fontes de nitrogênio assimiladas devem gerar amônia
intracelular para a produção de glutamato e, posteriormente glutamina. Estes dois
aminoácidos servem como doadores de nitrogênio para todos os outros compostos
nitrogenados da célula e, juntamente com a amônia, formam a via do Metabolismo
Central do Nitrogênio (Magasanik, 1992). As moléculas nitrogenadas entram na
célula através de permeases e são direcionadas para reações de biossíntese ou
catabolizadas para a liberação de nitrogênio na forma de amônia (via desaminação),
glutamato (via transaminação) ou ambos, sendo estes dois posteriormente
condensados para formar a glutamina (Horak, 1997).
Em S. cerevisiae, quando as células têm uma fonte abundante de amônia, a
enzima glutamato desidrogenase dependente de NADP+, produto do gene GDH1 é
responsável pela síntese de glutamato (Figura 3) através da combinação de amônia
com o alfa-cetoglutarato (Grenson et al., 1974). Subseqüentemente, o glutamato é
convertido à glutamina pela incorporação de outro íon amônio, às custas de ATP,
pela glutamina sintetase (GS-GOGAT), produto do gene GLN1 (Mitchell &
Magasanik, 1983; Mitchell, 1985). A via GS-GOGAT tem sido encontrada em muitos
organismos, incluindo leveduras, fungos filamentosos e plantas superiores. Por outro
lado, durante o crescimento em glutamato como única fonte de nitrogênio, este é
8
degradado a 2-oxoglutarato e NH4+ pela enzima glutamato desidrogenase (NADH-
GDH, gene GDH2) para produzir amônia para a síntese de glutamina (Ter Schure et
al., 1995; Valenzuela et al., 1995; De Morais Jr., 2003).
α-cetoglutarato + NH4+ L-glutamato + H2O
Figura 3. Assimilação da amônia e formação do glutamato a partir da ação central da enzima glutamato desidrogenase que utiliza NADPH.
A glutamina sintetase é a única forma pela qual glutamina é sintetizada e
células carentes desta enzima necessitam de glutamina para crescer. Por outro lado,
a perda de GDH1 apenas reduz a taxa de crescimento em amônia (Wiame et al.,
1985). A habilidade de mutantes gdh1 crescerem em amônia é devida a existência
da enzima glutamato sintase, produto do gene GLT1, que cataliza a reação:
Glutamina + alfa-cetoglutarato + NADH + H 2 glutamato + NAD+ (Miller &
Magasanik, 1990; Cogoni et al., 1995).
1.3.2. Fontes de nitrogênio
As leveduras encontram em seu ambiente natural, uma ampla variedade de
fontes de nitrogênio. Entretanto, nem todas elas proporcionam taxas de crescimento
igualmente satisfatórias. Um meio com fontes prontamente utilizáveis gera taxas
relativamente mais altas do que um meio contendo outras que necessitam de
reações adicionais para serem assimiladas (Godard et al., 2007; Conterno et al.,
2006).
As fontes de nitrogênio são geralmente classificadas em fontes preferenciais
ou primárias e em não-preferenciais ou secundárias, de acordo com a taxa de
crescimento que elas conferem em um meio contendo glicose (Magasanik & Kaiser,
2002). Amônia, glutamato, glutamina e asparagina são fontes preferenciais de
nitrogênio para S. cerevisiae, enquanto leucina, prolina e metionina são fontes não-
preferenciais (ter Schure, 1998; Boer et al., 2007).
1.3.3. Regulação do metabolismo do nitrogênio e repressão catabólica
As leveduras podem utilizar fontes de nitrogênio secundárias para
crescimento celular a partir do aumento da expressão de enzimas para a síntese de
glutamato e glutamina e de atividades das permeases responsáveis pela captação
NADPH + H+ NADP+
9
de aminoácidos para seu metabolismo (Magasanik & Kaiser, 2002). A S. cerevisiae
tem seu crescimento freqüentemente limitado pela disponibilidade de nitrogênio
(Pretorius, 2000; Attfield, 1997). Para se adaptar a estas várias condições
ambientais e selecionar a melhor fonte de nitrogênio disponível, esta levedura
desenvolveu um complexo sistema regulatório para garantir um eficiente controle do
metabolismo (Cooper, 2002; Magasanik & Kaiser, 2002). Em culturas com diferentes
substratos, S. cerevisiae exibe um uso seqüencial de fontes preferenciais, médias e
não-preferenciais.
Estas respostas gerais à qualidade da fonte de nitrogênio no meio de
crescimento são coletivamente chamadas de regulação do nitrogênio. A regulação
do nitrogênio é o mecanismo responsável por impedir ou reduzir a capacidade
sintética das células para a formação de enzimas e permeases para a utilização de
fontes secundárias, quando uma fonte preferencial está disponível (Magasanik,
1992). Este controle é realizado por um mecanismo de regulação transcricional
conhecido como Repressão Catabólica do Nitrogênio (Cooper, 2002; Magasanik &
Kaiser, 2002). Este mecanismo consiste na indução de sistemas gênicos
necessários e na repressão dos sistemas dispensáveis em determinado momento.
Este mecanismo assegura para a levedura que a melhor fonte de nitrogênio está
sendo utilizada (Grenson & Dubois, 1982).
A base genética para esta regulação está atualmente bem estabelecida em
diversos organismos. A expressão de muitos genes de S. cerevisiae cujos produtos
são responsáveis pela utilização de diferentes compostos de nitrogênio é ativada por
duas proteínas do tipo zinc finger, que reconhecem a seqüência GATAAG localizada
à montante destes genes. Uma destas proteínas ativadoras é o produto do gene
GLN3, e sua habilidade de ativar a transcrição é antagonizada pelo produto do gene
URE2 em resposta a um aumento no nível intracelular de glutamina. O outro
ativador, produto do gene NIL1 (também chamado de GAT1) possui um motivo zinc
finger homólogo ao de Gln3p e é capaz de ativar alguns dos mesmos promotores
desta última. A atividade de Nil1p é antagonizada pela proteína Nil2p, produto do
gene NIL2, em resposta ao aumento intracelular de glutamato. Como resultado, a
transcrição de um gene suscetível a este controle é ativada quase que
exclusivamente por Gln3p durante crescimento em glutamato e quase que
exclusivamente por Nil1p durante crescimento em amônia ou uréia e não é ativada
durante crescimento em meio contendo glutamina (Revisto por Magasanik & Kaiser,
2002). A região zinc finger de Gln3p possui homologia com os fatores de transcrição
10
GATA de fungos filamentosos, como NIT2 e AREA, de Neurospora crassa e
Aspergillus nidulans, respectivamente. Outra proteína com um domínio zinc finger
proximamente relacionado à Gln3p foi descoberta por seu efeito inibitório na
expressão de alguns, mas não de todos os genes regulados pelo nitrogênio. Esta
proteína, Dal80p é o produto do gene DAL80 (Magasanik, 2003).
O estímulo que causa a geração de um sinal intracitoplasmático é transduzido
para os fatores de transcrição responsáveis pela ativação da expressão gênica. No
caso da repressão catabólica do nitrogênio, o estimulo responsável pela
incapacidade de Gln3p ativar a expressão é a presença de uma fonte preferencial de
nitrogênio no meio de crescimento (Stanbrough et al., 1995; Coffman et al., 1996).
Além disso, a presença de glutamato é o estímulo que resulta na incapacidade de
Nil1p, mas não de Gln3p para ativar a expressão (Stanbrough & Magasanik, 1995;
Stanbrough et al., 1995; Rowen et al., 1997). O sinal gerado pela presença de fontes
preferenciais de nitrogênio no meio de crescimento é transduzida para Gln3p através
de Ure2p (Courchesne & Magasanik, 1988). Este sinal é aparentemente um
aumento na concentração intracelular de glutamina, que bloqueia a habilidade de
Ggln3p ativar a expressão gênica.
Aparentemente, a atividade de Gln3p é inversamente proporcional a
concentração intracitoplasmática de glutamina, que é alta em células crescidas em
um meio contendo glutamina, baixa em meio contendo amônia e ainda mais baixa
em meio contendo glutamato. Em células crescidas com glutamina como fonte de
nitrogênio, Gln3p está presente no citoplasma em uma forma fosforilada complexada
com Ure2p. É provável que o agente responsável pela fosforilação de Gln3p seja
uma TOR quinase (Bertram et al., 2000). A inativação de proteínas TOR quinase
impede a fosforilação de Gln3p e resulta na ativação da Sit4p fosfatase, que pode
ser o agente responsável pela defosforilação de Gln3p. A defosforilação de Gln3p
parece ser essencial para sua translocação do citoplasma para o núcleo, visto que o
agente responsável por esta translocação através do poro nuclear, a Srp1p é capaz
de ligar apenas a Gln3p não-fosforialdo (Carvalho et al., 2001).
A glutamina intracelular parece ser o agente responsável pela habilidade de
Ure2p ligar a Gln3p fosforilada. De acordo com esta visão, uma queda na
concentração intracelular de glutamina resultaria na mudança conformacional do
complexo Gln3p-Ure2p, que leva a liberação de Gln3p fosforilado, que seria então
defosforilado no citoplasma, permitindo sua ligação a Srp1p e a translocação ao
núcleo. Existe alguma evidência para a visão que glutamina interage com Ure2p,
11
uma interação que pode ser responsável pelo aumento da afinidade de Ure2p para
Gln3p (Magansanik, 2003).
1.4. Assimilação de nitrato
1.4.1. Fisiologia da assimilação do nitrato
Apesar de as leveduras serem capazes de utilizar uma grande variedade de
compostos nitrogenados, o uso de nitrato e/ou nitrito é restrito a umas poucas
espécies de alguns gêneros (Revisto por Siverio, 2002). O fato de leveduras
pertencentes ao gênero Saccharomyces serem incapazes de assimilar estas fontes
pode explicar parcialmente o porquê de esta área do metabolismo ter recebido tão
pouca atenção em leveduras em comparação aos fungos filamentosos (Marzluf,
1997). A clonagem do gene YNR1, codificante da enzima nitrato redutase de H.
polymorpha (Ávila et al., 1995) iniciou a fase de estudos moleculares da assimilação
de nitrato em leveduras.
Em leveduras capazes de assimilar nitrato, sua utilização ocorre como em
outros organismos. O NO3- entra na célula através de transportadores de alta
afinidade e então é convertido em amônia via duas reduções consecutivas
catalisadas por nitrato redutase e nitrito redutase. A primeira reduz NO3- a NO2
- e a
segunda reduz NO2- a NH4
+ (Figura 4).
Figura 4. Via de assimilação do nitrato em leveduras. Adaptado de Siverio, 2002.
12
1.4.2. Regulação da expressão dos genes da via de assimilação do nitrato
Na maioria dos organismos capazes de assimilar nitrato, este processo requer
dois tipos diferentes de sinais: o primeiro é um sinal global indicando ausência de
fontes preferenciais de nitrogênio (amônia, glutamato, glutamina); a segunda é uma
via específica que indica a presença de nitrato (Marzluf, 1997).
Em A. nidulans e N. crassa, a indução por nitrato é mediada pelos
reguladores positivos específicos NirA e NIT-4 (Burger et al., 1991b; Fu et al., 1995),
respectivamente. A repressão por amônia envolve um mecanismo mais complexo,
que age regulando diversas vias específicas requeridas para a utilização de fontes
secundárias de nitrogênio. Os ativadores globais de ligação ao DNA, AreA de A.
nidulans e NIT-2 de N. crassa são fatores de transcrição Zinc-finger do tipo GATA
que possuem papel central nestes mecanismos (Caddick et al., 1986; Chiang &
Marzluf, 1994). Em adição, os reguladores negativos NmrA e Nmr1 ligam a AreA e
NIT2, respectivamente, para auxiliar a modulação de suas atividades e a repressão
catabólica do nitrogênio (Andrianopoulos et al., 1998; Xiao et al., 1995).
Em H. polymorpha, a assimilação do nitrato também é sujeita a controle
duplo: repressão catabólica do nitrogênio, desencadeada por fontes reduzidas de
nitrogênio e mecanismos de indução específicos, conduzidos pelo nitrato (Pignocchi
et al., 1998; Serrani et al., 2001). A indução por nitrato está associada aos fatores de
transcrição descritos YNA1 e YNA2 (Ávila et al., 1998; Ávila et al., 2002), enquanto
que a repressão por amônia é relacionada aos genes NMR1, NMR2 e NMR4 (Rossi
et al., 2005). Mutações no lócus NMR1 desta levedura causam desrepressão da
assimilação do nitrato em H. polymorpha na presença de glutamato, mas não da
glutamina, sugerindo que um circuito de sinalização dependente de glutamina possa
coexistir com um dependente de glutamato. O lócus NMR2 é possivelmente um
membro do mecanismo de sinalização dependente de glutamina e NMR4 parece
estar envolvido diretamente na percepção e/ou transporte de amônia (Serrani et al.,
2001).
1.4.3. Genética da assimilação do nitrato em D. bruxellensis
Apesar de sua importância, D. bruxellensis ainda é pouco caracterizada
geneticamente. De fato, Woolfit et al., foram pioneiros no estudo genético desta
levedura, tendo fornecido muitos dos dados utilizados para as atuais pesquisas
envolvendo a base genética de suas capacidades fisiológicas. Estes pesquisadores
realizaram um seqüenciamento parcial que cobriu aproximadamente 40% do
13
genoma de D. bruxellensis, identificando cerca de 3000 genes. Dentre estes, é
interessante notar a presença de genes envolvidos no metabolismo de lipídios e do
nitrato, que podem refletir adaptações ao ambiente caracterizado por baixos
nutrientes e alta concentração de etanol (Woolfit et al., 2007).
Em D. bruxellensis, a identificação de genes envolvidos com o metabolismo
do nitrato (Woolfit et al., 2007) vem ao encontro do fato de que D. bruxellensis pode
assimilar este nutriente (Barnett et al., 2002). A organização destes genes foi
largamente estudada em H. polymorpha. Os trabalhos com este organismo
revelaram que os genes YNT1, que codifica a proteína transportadora, YNR1,
codificante da enzima nitrato redutase e o YNI1, que codifica a nitrito redutase estão
situados em um único cluster (Pérez et al., 1997; Ávila et al., 1995; Brito et al.,
1996). Posteriormente, dois outros genes (YNA1 e YNA2) codificantes de fatores de
transcrição do tipo Zn(II)2Cys6 foram localizados neste mesmo cluster (Ávila et al.,
1998; Ávila et al., 2002). Estes ativadores possuem domínio de ligação ao DNA
compartilhado com o bem conhecido Gal4p (Parthun & Jaehning, 1990) de S.
cerevisiae e pelos bem caracterizados NirA de A. nidulans e NIT4 de N. crassa,
envolvidos especificamente no metabolismo do nitrato (Burger et al., 1991b; Fu et
al., 1995). Devido à natureza fragmentada do seqüenciamento do genoma de D.
bruxellensis, ainda não é possível determinar o grau de clusterização destes genes
nesta espécie. Entretanto, os dados apresentados mostram claramente que os cinco
genes não ocorrem em um cluster ininterrupto e que as posições relativas e
orientações dos genes diferem entre D. bruxellensis e H. polymorpha (Woolfit et al.,
2007) (Figura 5).
Figura 5. Comparação entre a organização dos genes da via de assimilação do nitrato em D.
bruxellensis e H. polymorpha. Woolfit et al., 2007.
14
1.5. Estudos da expressão gênica
1.5.1. Regulação da expressão gênica
O processo de transcrição, síntese de RNA a partir de um molde de DNA, é
um dos passos mais importantes no controle do crescimento celular e diferenciação.
A transcrição é realizada pela enzima RNA polimerase, conjuntamente com outras
proteínas chamadas de fatores gerais de transcrição. Estes fatores são envolvidos
no reconhecimento das seqüências promotoras (Revisto por Hahn, 2004).
Em uma célula eucariótica, apenas alguns dos genes presentes são
expressos em um dado momento. A proporção e composição dos genes transcritos
mudam consideravelmente em reposta a condições ambientais e fisiológicas
flutuantes. Cada gene é flanqueado por seqüências regulatórias que, em conjunto
com outras proteínas, regulam quando a expressão ocorre, em que nível e sob que
condições ambientais. Na ausência destas seqüências de DNA específicas e
proteínas capazes de direcionar a transcrição, o produto que um dado gene codifica
não será sintetizado. Os elementos regulatórios são tão importantes para o gene
quanto as seqüencias codificantes que determinam o arranjo linear dos aminoácidos
em uma proteína (Revisto por Wray et al., 2003).
Para virtualmente todos os genes eucarióticos, o ponto de controle mais
comum é a taxa de início de transcrição. Os muitos milhares de genes codificantes
de proteínas são transcritos por uma maquinaria protéica comum. A RNA polimerase
II é responsável pela síntese de todos os RNA mensageiros em eucariotos
(Kornberg, 2007). O DNA é geralmente refratário a transcrição por causa de sua
organização em nucleossomos (Kornberg & Lorch, 1999), sendo empacotado em um
octâmero de histonas, que interfere com muitas interações do DNA. Os
nucleossomos assim servem como repressores gerais. Eles ajudam a assegurar a
inatividade de todos os genes em eucariotos exceto aqueles cuja transcrição é
produzida por mecanismos regulatórios positivos específicos.
O reconhecimento do promotor pela maquinaria de transcrição é essencial
para o correto posicionamento e montagem da RNA polimerase II e os fatores gerais
de transcrição. Os elementos do promotor são sítios de ligação para subunidades da
maquinaria de transcrição e servem para orientar e direcionar a transcrição
unidirecional (Figura 6). Uma das seqüências encontrada no promotor é o TATA box,
sítio reconhecido pela Proteína de Ligação a TATA (TBP). TBP e outras proteínas
associadas fazem parte do fator de transcrição TFIID. No promotor contendo TATA,
15
a formação deste complexo proteína-DNA é o passo inicial na montagem da
maquinaria de transcrição. Outros fatores gerais de transcrição interagem
especificamente com o promotor, entre eles TFIIA TFIIB e TFIIF (Revisto por Hahn,
2004).
Figura 6. Esquema do processo de transcrição mediado pela RNA polimerase II. Adaptado
de Hahn, 2004.
1.5.2. Métodos de análise da expressão gênica
Para a análise da expressão gênica, diversas técnicas podem ser
empregadas, entre elas, as de Northern Blot, DNA Microarrays e PCR quantitativa
em Tempo Real (qPCR). Em 1977, a técnica de Northern Blot foi introduzida para a
análise de RNA (Alwine et al., 1977). Este método permanece como um padrão para
detecção e quantificação de níveis de mRNA, a despeito do advento de técnicas
mais poderosas como RT-qPCR e DNA microarrays. Northern blot é a contraparte
do RNA para a técnica de Southern blot, que foi desenvolvida para a análise de DNA
por E. M. Southern em 1975 (Southern, 1975). Northern blot envolve o
fracionamento de espécies de RNA com base no tamanho por eletroforese em gel
desnaturante seguida por transferência do RNA para uma membrana, geralmente
por capilaridade, a vácuo ou pressão. O RNA é então permanentemente ligado a
membrana em uma interação não covalente via exposição a uma curta onda de luz
ultravioleta ou por aquecimento a 80 °C em um forno a vácuo. As seqüências de
RNA de interesse são detectadas no blot por hibridização a uma sonda especifica
marcada. Sondas para Northern blot geralmente contém seqüencias de cDNA e
podem ser marcadas por incorporação enzimática de nucleotídeos marcados. Após
a hibridização da sonda e remoção de marcas não especificas, o sinal de
16
hibridização é geralmente detectado por exposição dos blots a filmes de raios X. A
banda resultante identificada pela sonda indica o tamanho do mRNA, e a
intensidade da banda corresponde a abundância relativa (Revisto por Reue, 1998).
Apesar destas vantagens, existem limitações associadas à análise por
Northern blot. Primeiro, se as amostras de RNA estão degradadas, ainda que
moderadamente, a qualidade dos dados e a habilidade de quantificar a expressão
são severamente comprometidos. Segundo, o procedimento Northern padrão é, em
geral, menos sensível do que RT-qPCR (The Basics: Northern Analysis, Ambion).
Outra técnica utilizada para a análise da expressão gênica é o DNA
microarrays, que consiste em uma lâmina de vidro, na qual moléculas de DNA fita
simples são ligadas em posições fixas (spots). Podem existir dezenas de milhares de
spots em um array, cada um relacionado a um único gene. Uma das plataformas
mais populares é usada para comparação da abundância de mRNA em duas
amostras diferentes. O RNA das células é extraído e marcado com dois corantes
fluorescentes diferentes, por exemplo, corante vermelho para RNA extraído da
amostra teste e corante verde para RNA extraído da amostra controle. Ambos os
extratos são lavados e as seqüencias gênicas dos extratos hibridizam as suas
seqüências complementares nos spots (Revisto por Brazma & Vilo, 2000). Para
medir a abundância relativa de RNAs hibridizados, o array é excitado por um laser.
Se o RNA da amostra teste é abundante, o spot apresentará cor vermelha, se o
RNA da amostra controle está em abundância, o spot será verde. Se as amostras
ligam igualmente, o spot será amarelo, enquanto que se não houver ligação,
nenhuma fluorescência é detectada e o spot ficará preto. Assim, a partir de
intensidades e cores de cada spot, o nível de expressão dos genes nas amostras
pode ser estimado. Pela análise dos níveis de transcrição em um organismo sob
várias condições, é possível construir perfis de expressão gênica, que caracterizam
o funcionamento dinâmico de cada genoma (Revisto por Brazma & Vilo, 2000).
1.5.3. PCR Quantitativa em Tempo Real (qPCR)
A técnica de PCR quantitativa (qPCR) ou em Tempo Real tornou-se um
padrão para a quantificação da expressão gênica. Desde o seu advento (Higuchi et
al., 1992) tem sido largamente utilizada permitindo uma quantificação rápida, precisa
e sensível dos níveis de RNA mensageiro (Schefe et al., 2006). PCR em Tempo
Real refere ao processo onde a produção de amplicons é diretamente monitorada
durante cada ciclo da PCR (Higuchi et al., 1993). Antes da introdução da técnica de
17
qPCR, a RT-PCR convencional foi amplamente utilizada para a quantificação de
RNA mensageiros específicos. Entretanto, este método de PCR não é capaz de
determinar a quantidade inicial de moléculas alvo, porque no final dos ciclos de
amplificação a quantidade de amplicon depende não apenas da quantidade inicial,
mas também de variações técnicas que ocorrem durante a reação (Liu & Saint,
2002). A qPCR oferece a oportunidade de observar a cinética de amplificação da
PCR em “tempo real” via acúmulo e detecção de sinais específicos de fluorescência
a cada ciclo (Higuchi et al.,1992; Heid et al., 1996; Wittwer et al., 1997).
As reações de PCR em Tempo Real são realizadas em termocicladores que
permitem a detecção de uma molécula repórter fluorescente, diminuindo o pós-
processamento e minimizando o erro experimental. São realizadas comumente
através do uso de tecnologias baseadas em fluorescência, incluindo sondas
fluorescentes por hidrólise do tipo TaqMan® (Applied Biosystems, Foster City, CA,
USA) e corantes intercalantes do tipo SYBR Green®. A qPCR requer menor
quantidade de RNA e é mais resistentes a amplificação não especifica (Heid et al.,
1996).
O SYBR Green® é um exemplo de um corante intercalante que fluoresce
após sua ligação a uma dupla fita de DNA. No decorrer da reação, múltiplas
moléculas de SYBR Green® ligam ao produto amplificado e emitem um sinal de
fluorescência forte que é facilmente detectado. Corantes intercalantes são baratos e
mais simples de utilizar. Contudo, o SYBR Green® liga-se indiscriminadamente a
qualquer dupla fita de DNA, e artefatos como dímeros de primer e erros de
amplificação contribuem para a fluorescência detectada (Zipper et al., 2004).
Geralmente a PCR consiste de três diferentes estágios cinéticos (Freeman et
al., 1999; Wilhelm & Pingoud, 2003). Na primeira fase, de amplificação exponencial,
o crescimento dos produtos de PCR é detectável como sinal fluorescente
(teoricamente, ocorre uma duplicação dos produtos de PCR a cada ciclo). A fase
linear é caracterizada por um aumento linear dos produtos, à medida que os
reagentes vão tornando-se limitantes. Na fase estacionária ou plateau, nenhum
amplicon adicional é produzido, devido à depleção de alguns reagentes (Freeman et
al., 1999; Pannetier et al.,2003). Para a análise de dados da PCR em tempo real, a
fase exponencial é crucial. A figura 7 mostra um gráfico típico de qPCR.
18
Figura 7. Representação gráfica das fases da PCR relacionando o aumento do número de
ciclos com o aumento da quantidade de produto e sinal fluorescente. Adaptado de VanGuilder et al.,
2008
A cinética da PCR na fase exponencial pode ser descrita com a seguinte
equação exponencial:
sendo:
Rn = sinal de fluorescência após n ciclos;
R0 = sinal de fluorescência no início da reação
E = Eficiência da reação
n = número de ciclos
Dois conceitos precisam ser determinados em uma reação de qPCR. O “Ct”
(Cycle threshold) e a eficiência da reação. O valor de Ct é definido como um número
fracionário de ciclos onde a curva cinética da PCR alcança uma quantidade de
fluorescência limiar definida pelo pesquisador, ou automaticamente pelo programa
que interpreta os dados. Este ponto de interseção deve ser posicionado na fase
exponencial da curva, isto é, acima do background e abaixo da fase estacionária. A
eficiência da reação é o ponto principal em uma análise de qPCR. Em uma situação
ideal, a quantidade de amplicons deve teoricamente dobrar de um ciclo para o outro,
o que seria equivalente a uma eficiência de 100% (Applied Biosystems, User Bulletin
#2).
A análise de quantificação por qPCR pode ser realizada em níveis absolutos
(numero de copias de um DNA/RNA específico, quantificação absoluta) ou níveis
19
relativos (amostra 1 possui duas vezes mais mRNA do que a amostra 2,
quantificação relativa). Para a quantificação relativa, o método de análise mais
comumente utilizado é o 2-ΔΔCt. Este método baseia-se em duas suposições. A
primeira é que a reação está ocorrendo com aproximadamente 100% de eficiência.
Isto pode ser assegurado através de um simples experimento descrito em detalhes
por Livak & Schmittgen. A segunda suposição é que existe um gene (ou genes) que
é expresso em níveis constantes entre as amostras. Este controle endógeno é
utilizado para corrigir quaisquer diferenças decorrentes de etapas anteriores a PCR
(Livak & Schimittgen, 2001). Uma vez que o valor de Ct é coletado, ele pode ser
utilizado para gerar um dado de expressão relativa. O método 2-ΔΔCt é descrito na
figura 8. No exemplo, existem duas amostras (controle e teste) e a curva de
amplificação do gene alvo e do controle endógeno. Para cada amostra, a diferença
de valores de Ct entre o gene alvo e o controle endógeno é calculada (ΔCt). A
seguir, subtrai-se o valor de ΔCt da condição controle do valor de ΔCt da condição
teste (ΔΔCt). O valor negativo desta subtração é utilizado como o expoente de “2” na
equação. O valor obtido é normalmente referido como RQ (Relative Quantity ou
Quantidade Relativa) (Revisto por VanGuilder et al., 2008).
Figura 8. Método 2-ΔΔCt. O método permite a quantificação relativa (Condição teste X
Condição controle) através da análise do Ct. Adaptado de VanGuilder et al., 2008.
Finalmente, a levedura D. bruxellensis possui cinco genes relacionados com a
assimilação de nitrato, que pode ser um fator de adaptação potencial para este
contaminante no ambiente industrial. A técnica de qPCR é bastante sensível, capaz
de determinar a variação dos níveis de expressão gênica em diversas condições
20
e/ou momentos. Desta forma, o estudo do perfil de expressão dos genes desta via
metabólica pode levar à identificação de fatores genéticos determinantes para o
sucesso competitivo de D. bruxellensis frente a S. cerevisiae em ambientes de
fermentação alcoólica.
21
22.. OObbjjeettiivvooss
2.1. Objetivo Geral
• Analisar a expressão dos genes da via de assimilação do nitrato em D.
bruxellensis.
2.2. Objetivos Específicos
• Analisar o perfil de expressão dos genes da via metabólica do nitrato de D.
bruxellensis em meio sintético contento amônia, nitrato ou ambos.
• Determinar se ocorre expressão dos genes do metabolismo do nitrato de D.
bruxellensis em caldo de cana industrial.
• Investigar a presença e consumo de nitrato no caldo de cana industrial,
determinando sua concentração.
22
33.. MMaatteerriiaaiiss ee MMééttooddooss
3.1. Análises fisiológicas
3.1.1. Linhagens e meios de cultivo celular
O laboratório de Genética de Microrganismos da Universidade Federal de
Pernambuco possui mais de 30 isolados de D. bruxellensis coletados de diversas
destilarias de álcool espalhadas pelo Nordeste do Brasil. As linhagens utilizadas
neste estudo (GDB237, GDB239, GDB240, GDB242, GDB248 e GDB251) foram
testadas quanto à habilidade de crescimento em meio contendo apenas nitrato como
fonte de nitrogênio, para verificar se as células eram capazes de assimilar este
composto. Para isto, células das diferentes linhagens da levedura foram crescidas
em placas com YNB (Yeast Nitrogen Base (w/o) aa e (NH4)2SO4, Difco) contendo
apenas nitrato como fonte de nitrogênio. A composição dos meios utilizados nos
ensaios de crescimento celular e de quantificação da expressão gênica está
mostrada na Tabela 1.
3.1.2. Ensaios de crescimento celular
As células de D. bruxellensis foram cultivadas nos meios descritos acima para
verificar quais fontes de carbono (C) e nitrogênio (N) proporcionam melhores taxas
de crescimento. Os meios foram classificados quanto às fontes de carbono (glicose,
sacarose, glicerol e etanol) e nitrogênio (amônia e nitrato) e selecionados com base
nas taxas de crescimento específicas apresentadas. A concentração de cada fonte
foi baseada no meio padrão, YNB Completo e, quando da substituição das fontes, a
equimolaridade foi respeitada.
Para a construção das curvas, células da linhagem GDB248 de D.
bruxellensis foram crescidas em meio padrão YNB completo a 30 °C, sob agitação
por 24h (pré-inóculo). Após este período, uma alíquota dos cultivos foi coletada para
a determinação da concentração celular pela medida da Densidade Óptica (DO) das
culturas a 660 nm (DO660nm). O cálculo da concentração celular é realizado por meio
da seguinte conversão: uma unidade de absorbância é igual a 107 células/ml. A
partir dos dados obtidos, a densidade celular para os meios específicos (inóculos) foi
ajustada para que cada um apresentasse inicialmente 105 células/ml, concentração
propositalmente baixa para permitir a análise dos dados somente após 20 horas de
23
crescimento. Para os inóculos, as células cultivadas no meio padrão foram
coletadas, centrifugadas a 10.000 g por 3 min, o sobrenadante descartado e o
sedimento celular inoculado nos meios específicos. As culturas foram submetidas a
condições de crescimento iguais às do pré-inóculo.
Tabela 1. Meios de cultura utilizados para a construção de curvas de crescimento em D. bruxellensis. N° Meios Fonte de C Fonte de N Reagentes [ ] 1 YNB Completo (padrão) Glicose Amônia YNB 6,7 g/l Aminoácidos Glicose 5 g/l 2 YNB (w/o) AA Glicose Amônia YNB 6,7 g/l Glicose 5 g/l 3 YNB (w/o) AA e amônia Glicose Nitrato YNB 1,7 g/l Glicose 5 g/l Nitrato 6,43 g/l 4 YNB (w/o) AA Glicose Amônia YNB 6,7 g/l Nitrato Glicose 5 g/l Nitrato 6,43 g/l 5 YNB (w/o) AA Sacarose Amônia YNB 6,7 g/l Sacarose 4,75 g/l 6 YNB (w/o) AA e amônia Sacarose Nitrato YNB 1,7 g/l Sacarose 4,75 g/l Nitrato 6,43 g/l 7 YNB (w/o) AA Sacarose Amônia YNB 6,7 g/l Nitrato Sacarose 4,75 g/l Nitrato 6,43 g/l 8 YNB (w/o) AA Glicerol Amônia YNB 6,7 g/l Glicerol 4,06 ml/l 9 YNB (w/o) AA e amônia Glicerol Nitrato YNB 1,7 g/l Glicerol 4,06 ml/l Nitrato 6,43 g/l 10 YNB (w/o) AA Glicerol Amônia YNB 6,7 g/l Nitrato Glicerol 4,06 ml/l Nitrato 6,43 g/l 11 YNB (w/o) AA Etanol Amônia YNB 6,7 g/l Etanol 4,88 ml/l 12 YNB (w/o) aa e amônia Etanol Nitrato YNB 1,7 g/l Etanol 4,88 ml/l Nitrato 6,43 g/l 13 YNB (w/o) AA Etanol Amônia YNB 6,7 g/l Nitrato Etanol 4,88 ml/l
24
Após as 20 horas iniciais, a DO dos meios foi verificada a cada 60 minutos.
Os valores foram anotados e plotados em gráficos utilizando o programa Origin v.7
(OriginLab Co., Massachusetts, USA). A variável linear da equação da reta foi
utilizada para cálculo da velocidade específica de crescimento, a partir da qual se
pode calcular o tempo de duplicação da biomassa com base na seguinte fórmula:
Sendo:
Bd = tempo de duplicação da biomassa;
Ln2 = logaritmo natural do número 2;
Grate = taxa de crescimento celular.
3.2. Análise da expressão gênica
3.2.1. Extração de RNA
Para a realização dos ensaios de quantificação relativa da expressão gênica,
as células de D. bruxellensis foram cultivadas nos meios n° 2, 3 e 4 da Tabela 1 e,
no momento escolhido para análise, coletadas em tubos do tipo Falcon de 50 ml,
colocadas em nitrogênio líquido para congelamento rápido e armazenadas em
freezer a -80 °C até o momento da extração. Para o isolamento do RNA, as células
armazenadas em freezer foram descongeladas e centrifugadas a 10000 RPM por 5
minutos a 4 °C. O sobrenadante foi descartado e ao pellet celular foi adicionado 250
µl de solução AE (Acetato de sódio 50 mM e EDTA 10 mM pH 5,3) e 60 µl de SDS
10%. A mistura foi homogeneizada e colocada em banho-maria a 65 °C por 5
minutos. As células foram centrifugadas a 10000 RPM por 5 minutos a 4 °C. O
sobrenadante foi transferido para um tubo de 1,5 ml e o precipitado foi descartado.
Então, o RNA total foi isolado com auxílio do kit NucleoSpin® RNA II (Macherey-
Nagel), seguindo o protocolo fornecido pelo fabricante. Após a extração as amostras
de RNA foram congeladas em freezer a -20 °C.
3.2.2. Quantificação e avaliação da integridade do RNA total
As amostras de RNA foram quantificadas em espectrofotômetro. A
quantificação foi realizada, utilizando-se a seguinte conversão: uma unidade de
absorbância a 260 nm representa 40 µg/ml de RNA. As amostras foram diluídas
(1:100) e a DO mensurada. Para a determinação da concentração e pureza, as
25
absorbâncias de 260 nm e 280 nm foram observadas. A relação Abs260/Abs280
ideal deve ser próxima de dois para o RNA puro, sendo aceitáveis valores entre 1,9
e 2,1. Para a determinação da integridade das amostras de RNA, as mesmas foram
submetidas à eletroforese em gel de agarose 1%, utilizando-se tampão de corrida
apropriado (tratado com DEPC). Para a corrida, foram utilizados 4µl de RNA e 1µl de
tampão de amostra. O gel foi corado com brometo de etídeo e visualizado em
transiluminador UV. A Figura 9 mostra um gel contendo amostras de RNA extraído
de células da levedura D. bruxellensis. Na foto, é possível visualizar claramente as
duas bandas correspondentes ao RNA ribossomal da levedura.
Figura 9. Gel de agarose a 1% de amostras de RNA total extraído de células de D.
bruxellensis, a partir do qual são visualizadas duas bandas que correspondem ao RNA ribosomal da levedura.
3.2.3. Síntese de cDNA
O cDNA foi sintetizado a partir do RNA total extraído. Para esta finalidade, o
kit ImProm-II™ Reverse Transcription System Promega II (Promega, USA) foi
utilizado, seguindo instruções do fabricante. A quantidade de RNA utilizada foi de 1
µg final para cada tubo de 40 µl de reação de transcrição reversa.
3.2.4. RT-PCR Quantitativa (RT-qPCR)
Os ensaios de PCR em Tempo Real foram realizados no sistema de detecção
ABI Prism 7300 (Applied Biosystems, Foster City, CA, USA), utilizando o kit SYBR
Green PCR Master Mix seguindo as instruções do fabricante (Applied Biosystems).
3.2.4.1. Coleta das seqüências gênicas, construção de primers e condições de
amplificação
As seqüencias dos genes YNR1, YNI1, YNT1 e YNA1, bem como o EFA1,
foram obtidas no banco de dados do NCBI. Os primers foram desenhados com
auxílio do software Primer Express® da Applied Biosystems
(http://www.appliedbiosystems.com/support/apptech/). Para a construção dos
primers foram obedecidos os seguintes critérios: tamanho do amplicon entre 70 e
26
150 pb; tamanho do oligo entre 19 e 21 nucleotídeos; conteúdo GC entre 20 e 80% e
Tm média de 60 °C. Os parâmetros utilizados para a amplificação dos genes em
todos os ensaios realizados foram: 95 °C por 10 min, para ativação da Taq
polimerase e 40 ciclos de 95 °C por 15 seg e 60 °C por 1 min.
3.2.4.2. Método de quantificação e controle endógeno
O método 2-ΔΔCt foi utilizado para a quantificação relativa da expressão
gênica. Este método relaciona a expressão do gene alvo com a de um controle
endógeno, normalmente um gene constitutivo (housekeeping gene), em diferentes
condições ou momentos. O controle endógeno é utilizado para corrigir variações
relacionadas a diversos passos anteriores à reação de qPCR, como extração e
quantificação do RNA, transcrição reversa, etc., ou seja, são genes que apresentam
expressão considerada uniforme em todas as amostras estudadas. Para esta
função, foi escolhido o gene EFA1 de D. bruxellensis, codificante da cadeia alfa do
fator de elongação de tradução nesta levedura. Este gene foi amplificado utilizando-
se o cDNA de todas as amostras e observado quanto à uniformidade de sua
expressão.
3.2.4.3. Curva de dissociação (Melting)
A química utilizada como sistema de detecção neste estudo foi o SYBR®
Green, que necessita da curva de dissociação (melting) do amplicon para sua
validação. A curva baseia-se na temperatura de melting, onde 50% dos amplicons
estão dissociados. Para a curva, o produto de PCR é submetido a diversas
temperaturas para a determinação do pico de dissociação. A realização desta etapa
ao final da qPCR, assegura que somente o alvo dos primers foi amplificado,
detectando a presença de produtos inespecíficos e dímeros de primer. A figura 10
mostra o gráfico contendo uma curva de dissociação do gene EFA1 de D.
bruxellensis.
3.2.5. Otimização dos ensaios
3.2.5.1. Primers
Os primers foram testados para a determinação de quais concentrações
geram o menor Ciclo threshold (Ct), o maior ΔRn e não favorecem a formação de
dímeros. A Tabela 2 descreve as concentrações analisadas.
27
Figura 10. Curva de dissociação (melting) obtida a partir da amplificação do gene EFA1 de D. bruxellensis mostrando apenas um pico de dissociação (aproximadamente 80 °C), confirmando a amplificação específica do alvo.
Tabela 2. Concentrações utilizadas para os ensaios de otimização dos primers.
Primer Reverse
[ ] nM 100 200 300 600
100 100/100 100/200 100/300 100/600
200 200/100 200/200 200/300 200/600
300 300/100 300/200 300/300 300/600
Prim
er F
orw
ard
600 600/100 600/200 600/300 600/600
3.2.5.2. Testes de eficiência para validação do método 2-ΔΔCt
Para ser utilizado corretamente, o método de quantificação relativa 2-ΔΔCt,
necessita ser validado com a realização de testes de eficiência para cada par de
primer estudado. O objetivo é verificar se as eficiências de amplificação dos genes
alvo e do controle endógeno são semelhantes. Diferenças nas eficiências de
amplificação entre estes genes podem gerar resultados de quantificação imprecisos.
Para esta finalidade foram realizadas curvas-padrão de amplificação, baseadas em
diluições seriadas (1:2) de amostras de cDNA contendo o alvo de cada par de
primers. As amostras diluídas foram utilizadas para amplificação dos genes de
interesse e os resultados foram analisados pela curva padrão de cada gene. Uma
eficiência de 100% indica que a quantidade de alvo é duplicada a cada ciclo de PCR
e resulta em uma inclinação de -3,32. O coeficiente de correlação apresentado por
cada curva indica a precisão entre as replicatas utilizadas e deve ser superior a 0,99.
28
3.2.5.3. Estimativa da contaminação por DNA genômico e montagem das reações
A contaminação das amostras de RNA com DNA genômico foi estimada
através da introdução de um controle chamado RT-negativo para cada amostra
estudada. Este controle utiliza como substrato para a reação de qPCR, ao invés do
cDNA alvo, o respectivo RNA submetido a “transcrição reversa” sem a enzima
Transcriptase Reversa. O Ct da amostra de RNA é então comparado com obtido
para o cDNA e a estimativa de contaminação, em percentagem, realizada através da
seguinte fórmula:
Onde,
gDNAc = contaminação da amostra de RNA com DNA genômico.
Ct RNA – Ct cDNA = diferença de Ct entre as amostras de RNA e cDNA.
Para a execução das reações, foi preparado um mix para cada par de primer
estudado. O mix de reação contém água, primers direto e reverso e o Master Mix
SYBR Green, de acordo com a configuração descrita na Tabela 3. O mix foi
distribuído nos poços da placa de qPCR e posteriormente o cDNA foi adicionado.
Para uma maior precisão dos resultados cada amostra foi testada em triplicata nesta
etapa.
3.2.7. Quantificação relativa da expressão gênica em meios YNB
Para estes ensaios, células de D. bruxellensis foram cultivadas nos meios n°
2, 3 e 4, descritos no item 3.1.1, para uma DO inicial igual a 0,1. As células foram
crescidas sob agitação a 30 °C e coletadas para extração de RNA em oito pontos
diferentes ao longo do experimento, para determinação da expressão gênica. Os
pontos escolhidos para análise foram: 1 hora, 2 horas, 3 horas, 4 horas, 5 horas, 6
horas, 24 horas e 48 horas. As células foram imediatamente congeladas com
nitrogênio líquido e armazenadas em freezer a -80 °C. O RNA total foi extraído de
acordo com a metodologia descrita no item “3.2.1” e o cDNA sintetizado de acordo
com o item “3.2.3”. As reações de qPCR foram montadas conforme explica o item
acima. Os experimentos foram realizados com replicatas.
3.2.8. Quantificação relativa da expressão gênica no caldo de cana
Com o objetivo de verificar a possibilidade de D. bruxellensis expressar os
genes do metabolismo do nitrato em meio industrial, células da levedura foram
29
cultivadas em caldo de cana, fornecido pela usina Geasa. O caldo obtido foi filtrado
em papel de filtro, as células inoculadas para uma DO inicial igual a 0,1 e colocadas
para crescimento em agitação a 30 °C. As coletas foram realizadas nos mesmos
pontos descritos para os meios YNB. As células foram rapidamente congeladas com
nitrogênio líquido e armazenadas em freezer a -80 °C. O RNA total foi extraído de
acordo com a metodologia descrita no item “3.2.1” e o cDNA sintetizado de acordo
com o item “3.2.3”. As reações de qPCR foram montadas conforme explica o item
“3.2.6”. Os experimentos foram realizados com replicatas.
Tabela 3. Configuração dos poços na placa de reação de qPCR.
Componentes Volume (µl)
H2O 3,2
Master Mix SYBR Green 5
Primer Forward 0,4
Primer Reverse 0,4
cDNA 1
3.2.9. Análise dos resultados
Ao final da amplificação, os dados gerados foram analisados no software SDS
v.2.0 da Applied Biosystems. O cálculo de quantificação relativa 2-ΔΔCt foi realizado
em planilhas do software Microsoft® Office Excel® 2007 e os gráficos foram gerados
com auxílio do software Origin® 7 da OriginLab Corporation.
3.3. Detecção de Nitrato no Caldo de Cana A presença de nitrato foi investigada no caldo de cana utilizado para os
ensaios de quantificação relativa, com auxílio do kit Nitrite/Nitrate Assay Kit
Colorimetric (Sigma-Aldrich). O caldo de cana foi filtrado e a dosagem deste
composto foi realizada conforme o indicado pelo fabricante. Os experimentos foram
realizados com replicatas. Para avaliar se havia consumo de nitrato ao longo do
experimento, a dosagem de sua concentração foi realizada nos mesmos pontos
descritos para os ensaios de qPCR.
30
44.. RReessuullttaaddooss
4.1. Seleção das Linhagens
As linhagens de D. bruxellensis foram testadas quanto à habilidade de
crescimento em meio contendo apenas nitrato como fonte de nitrogênio. Todas as
linhagens foram crescidas em placas contendo YNB sem aminoácidos e sem sulfato
de amônia, suplementadas com nitrato em concentrações descritas no meio nº 3 do
item 3.1.1 da seção Materiais e Métodos. Todas as linhagens foram capazes de
crescer em nitrato como fonte exclusiva de nitrogênio. Porém, linhagem GDB248 foi
selecionada para a continuidade dos ensaios devido ao melhor crescimento
observado.
4.2. Avaliação da velocidade de Crescimento celular Os experimentos realizados para construção das curvas de crescimento
mostraram que a D. bruxellensis utiliza, de forma mais eficiente para o seu
crescimento, glicose e sacarose como fontes de carbono (Figura 11). Nos meios em
que estes açúcares foram empregados, foi observado que a utilização exclusiva de
nitrato como fonte de nitrogênio, proporcionou taxas de crescimento mais baixas do
que as obtidas em amônia ou em amônia e nitrato. O uso concomitante destas duas
fontes em glicose (Figura 11a) mostrou uma taxa de crescimento maior do que a
obtida quando o cultivo foi realizado apenas em amônia. Entretanto, em sacarose
(Figura 11b), o crescimento verificado foi ligeiramente inferior do que o observado
em amônia. Já nos meios contendo glicerol e etanol como fontes de carbono, as
células de D. bruxellensis apresentaram taxas de crescimento acentuadamente
menores do que em glicose ou sacarose. Curiosamente, quando as células foram
cultivadas em glicerol (Figura 11c), a utilização apenas de nitrato proporcionou uma
taxa de crescimento maior em comparação à observada quando o cultivo ocorreu
em amônia ou amônia e nitrato. Esta foi uma exceção à regra de que o nitrato, por si
só, apóia um crescimento menor do que o encontrado em amônia. A utilização
simultânea de amônia e nitrato, proporcionou aumento na taxa de crescimento em
meio contendo etanol (Figura 11d) como fonte de carbono, porém não interferiu no
crescimento em meio contendo glicerol.
31
Figura 11. Curvas de crescimento de Dekkera bruxellensis cultivadas em glicose (a),
sacarose (b), glicerol (c) e etanol (d) em meio sintético YNB contendo amônia (curvas em azul),
nitrato (curvas em vermelho) ou mistura equimolar dos dois nutrientes (curvas em verde). Os valores
calculados de velocidade específica de crescimento (h-1) estão mostrados para cada fonte de
nitrogênio.
4.3. Desenho de Primers
4.3.1. Análise das seqüências in silico
As seqüências dos genes YNR1, YNI1, YNT1, YNA1 e EFA1 coletadas no
banco de nucleotídeos do NCBI (acessos: EF364428; EF364429; EF364426;
EF364427; EF552481) foram utilizadas para o desenho dos primers, com o software
Primer Express da Applied Biosystems de acordo com os critérios estabelecidos no
item 3.2.4.1 da seção Materiais e Métodos. A Tabela 4 lista os pares de primers
desenhados para os genes estudados.
(a) (b)
(c) (d)
32
Tabela 4. Lista de primers desenhados a partir das seqüências dos genes do metabolismo do nitrato de D. bruxellensis. Gene Seqüência (5´-3´) Amplicon (pb)
YNR1 TGCTGGAAACAGGCGTAAAGA 71
TCCCAGCAGAACCCCAATT
YNI1 AAAAGCTGAGCATCGTTGTG 88
TTGTTCTGTTCCTGGTCCAA
YNT1 CAGATACGGTCCACGTTGGG 71
ACGGCATAAACGCTGTAGGG
YNA1 TTTATATGGCGGGCATTGTA 109
CCGTGAGCATTCAAGACATC
EFA1 GGATGGTCAGACCAGACAGCA 71
TGACGGCAACAATAAGCTGC
4.3.2. Otimização da Concentração dos Primers
A otimização dos primers realizada para determinar qual concentração é mais
adequada para os ensaios de qPCR, revelou que, como verifica-se na Figura 12,
para todos os pares utilizados, a combinação de 200 nM de oligos forward e reverse
gera as melhores condições de amplificação (menor Ct e maior ΔRn).
No experimento descrito, um par de primers foi utilizado em uma reação de
qPCR em duas concentrações diferentes (200 nM e 300 nM). A reação contendo
primer a 200 nM obteve melhor desempenho na amplificação, seguindo os critérios
acima, do que a contendo 300 nM. Em todos os outros ensaios de qPCR, a
concentração utilizada foi a de 200 nM para cada primer.
Figura 12. Gráfico de amplificação gerado pelo software SDS v.2.0 da Applied Biosystems em um ensaio de otimização dos primers alvo para os genes de assimilação de nitrato em D. bruxellensis.
200 300 nM nM
33
4.4. Otimização dos ensaios de quantificação gênica
4.4.1. Validação do Controle Endógeno
Os ensaios realizados para verificar se o controle endógeno escolhido era
adequado para o estudo proposto comprovaram que o gene EFA1 possui expressão
uniforme nas amostras utilizadas neste trabalho. O gene foi amplificado utilizando-se
cDNA de todas as amostras analisadas e o desvio padrão calculado pelo software
SDS v.2.0 foi de 0,14 Ct entre elas. Este dado possibilitou a utilização deste gene
nos experimentos de quantificação relativa subseqüentes. O padrão de expressão
do gene EFA1 foi semelhante em todas as amostras, como se pode observar nas
curvas de amplificação mostradas no gráfico da figura 13.
Figura 13. Gráfico de amplificação gerado pelo software SDS v.2.0 da Applied Biosystems em um ensaio para verificar o padrão de expressão do controle endógeno.
4.4.2. Validação do Método 2-ΔΔCt
O teste de eficiência de amplificação dos genes para a validação do método
de quantificação 2-ΔΔCt, mostrou que os conjuntos de primers deste estudo possuem
eficiências semelhantes, um requisito necessário para a utilização deste método. A
validação é obtida a partir da construção de curvas-padrão de amplificação de cada
gene, onde o mesmo é submetido a uma qPCR utilizando-se amostras de cDNA
diluídas seriadamente e o perfil das curvas obtidas é analisado e plotado em um
gráfico. A figura 14 mostra a curva padrão de amplificação do gene EFA1. O “slope”
apresentado pela curva, que está relacionado com a eficiência de amplificação do
gene, foi de -3,34; refletindo uma eficiência (Eff%) de 99,24%. O coeficiente de
correlação (R2) obtido foi 0,998; o que indica que os valores de Ct das replicatas do
ensaio possuem uma elevada precisão. A Tabela 5 lista os genes e suas respectivas
eficiências, slope das curvas e R2.
34
Figura 14. Curva padrão da amplificação do gene EFA1, gerada pelo software SDS v.2.0 da
Applied Biosystems em um ensaio para validar o método 2-ΔΔCt.
Como as eficiências de amplificação dos genes divergiram em menos do que
5%, o método de quantificação relativa 2-ΔΔCt foi validado e utilizado para os ensaios
de qPCR posteriores.
Tabela 5. Eficiências de amplificação, slope e R2 apresentados pelos primers nos ensaios de validação do método 2-ΔΔCt.
Gene Eficiência (%) Slope (R2)
YNR1 99,26 -3,34 0,994
EFA1 99,23 -3,34 0,998
YNA1 98,39 -3,36 0,995
YNI1 97,4 -3,39 0,994
YNT1 102,3 -3,27 0,991
4.5. Quantificação da Expressão Gênica em Meio sintético
Após a otimização dos ensaios de qPCR, as células foram cultivadas em
meios YNB contendo glicose como fonte de carbono e três combinações diferentes
de fontes de nitrogênio. Uma destas, continha apenas amônia (i) e foi utilizada como
amostra de referência para a quantificação; um meio apresentava apenas nitrato (ii),
para verificar a indução da expressão dos genes do seu metabolismo; e outro
continha ambas as fontes (iii) para verificar se a repressão catabólica do nitrogênio
exerce algum efeito sobre a expressão dos genes. Após os cultivos, as células foram
35
coletadas, o RNA total foi extraído, o cDNA sintetizado e posteriormente utilizado
para as reações de qPCR, como descrito na seção “Materiais e Métodos”.
Os dados de quantificação relativa obtidos por RT-qPCR mostraram que, de
forma geral, os genes do metabolismo do nitrato sofrem indução de sua expressão
quando as células de D. bruxellensis são expostas a esta fonte em meios YNB. Na
presença de nitrato como fonte única de nitrogênio, os genes YNR1, YNI1 e YNT1
apresentam oscilações significativas de expressão ao longo do ensaio. Nas
primeiras 3 horas de crescimento, os genes são fracamente induzidos.
Posteriormente, atingem níveis elevados de expressão e após o ponto de inflexão,
caem consideravelmente. Os índices de expressão voltam a subir e finalmente
retornam para níveis compatíveis com os do início do experimento. A Figura 15
mostra o gráfico de quantificação relativa da expressão gênica em meio YNB
contendo apenas nitrato como fonte de nitrogênio. A amostra de referência para o
ensaio de quantificação contém apenas amônia como fonte de nitrogênio.
Figura 15. Quantificação Relativa da expressão dos genes da via do metabolismo do nitrato em Dekkera bruxellensis quando as células foram crescidas em nitrato como fonte de nitrogênio.
O gene YNT1, codificante da permease de nitrato, apresentou os maiores
índices de expressão da via metabólica, alcançando valores máximos de indução
em 4 horas após o início do cultivo em nitrato, semelhante ao observado para os
genes YNI1 e YNR1. Em todos os pontos analisados a expressão do gene YNI1,
codificante da enzima nitrito redutase, apresentou níveis mais altos do que os
observados para o gene YNR1, codificante da enzima nitrato redutase. Desta forma,
o grau de indução dos genes, em ordem decrescente é: YNT1 YNI1 YNR1. O
gene YNA1, que codifica um fator de transcrição envolvido na regulação dos genes
36
estruturais do metabolismo do nitrato, comportou-se de forma diferente dos demais.
Apesar de apresentar alguma variação de seus níveis de expressão, este gene
possui um perfil mais uniforme, sem oscilações bruscas, apresentando um pico de
expressão 5 horas após o início do crescimento em nitrato. Além disto, este é
também o menos expresso dos genes estudados. Estes fatos estão de acordo com
o padrão de expressão de genes que codificam proteínas regulatórias.
O grau de variação da expressão apresentado pelos genes do metabolismo
do nitrato de D. bruxellensis cultivada neste meio foi calculado dividindo-se o maior
valor de quantificação relativa (QR) obtido, pelo menor valor de QR (IMO, Índice
Máximo de Oscilação). O gene YNT1 mostrou o maior índice dos ensaios, variando
mais do que 30 vezes entre a máxima e a mínima (IMO igual a 30). Inversamente, o
gene YNA1 apresentou maior uniformidade, possuindo IMO igual a cinco (Tabela 6).
A contaminação média das amostras com DNA genômico foi estimada em 3,0%.
Tabela 6. Variação da expressão apresentada pelos genes do metabolismo do nitrato em meio YNB contendo nitrato como fonte de nitrogênio (IMO).
QR (em vezes) YNR1 YNI1 YNT1 YNA1
Mínimo 1,1 1,8 2,3 1,3
Máximo 10,3 39,3 81,3 8,3
IMO 8,5 20,5 33,5 5,0
Quando amônia e nitrato são empregados concomitantemente como fontes
de nitrogênio, observa-se um perfil de expressão diferente daquele encontrado
apenas na presença de nitrato. Os genes YNR1, YNI1 e YNT1 apresentaram
redução, ainda que moderada, nos níveis de expressão gênica, em comparação aos
valores obtidos quando o nitrato foi a única fonte utilizada. Esta redução pode estar
associada ao mecanismo de Repressão Catabólica do Nitrogênio proposto para
outros organismos. Da mesma forma que o ensaio contendo apenas nitrato, o pico
de expressão dos três genes foi observado após 4 horas do início do experimento. O
gene YNI1 continuou sendo mais expresso do que o YNR1 em todos os pontos
analisados e tornou-se também o gene mais expresso da via metabólica, seguido
por YNT1 e YNR1 (YNI1 YNT1 YNR1). O gene YNA1, da mesma forma como
verificado em meio contendo nitrato, continuou como o menos expresso e mais
uniforme dos quatro genes. A figura 16 mostra o gráfico de quantificação relativa da
37
expressão gênica em meio YNB contendo amônia e nitrato como fontes de
nitrogênio. A amostra de referência para o ensaio contém apenas amônia como
fonte de nitrogênio.
Figura 16. Quantificação Relativa da expressão dos genes da via do metabolismo do nitrato em Dekkera bruxellensis quando as células foram crescidas na presença simultânea de amônia e nitrato como fontes de nitrogênio.
O IMO apresentado por estes genes em YNB contendo amônia e nitrato foi
calculado como descrito para o meio YNB suplementado apenas com nitrato. Desta
vez o gene YNI1 apresentou o maior IMO, enquanto que o YNA1 novamente
apresentou-se como o mais uniforme dos genes, variando apenas 3 vezes entre a
máxima e a mínima (Tabela 7).
Tabela 7. Variação apresentada pelos genes do metabolismo do nitrato em meio YNB contendo amônia e nitrato como fontes de nitrogênio (IMO).
Para uma avaliação mais precisa dos efeitos da repressão catabólica do
nitrogênio sobre os genes da via de assimilação do nitrato, foi calculada a redução
RQ (em
vezes) YNR1 YNI1 YNT1 YNA1
Mínimo 0,7 0,8 1,0 0,6
Máximo 9,6 26,5 20,8 2,7
IMO 11,7 29,6 18,8 3,0
38
percentual nos níveis de expressão de cada gene no meio contendo amônia e nitrato
a partir da seguinte equação:
Rp =
onde,
Rp = Redução percentual nos níveis de mRNA
Ea+n = expressão do gene em amônia e nitrato;
En = expressão do gene em nitrato.
O gene YNT1 foi o mais suscetível ao efeito da Repressão Catabólica do
Nitrogênio, com redução média de 66% durante o ensaio, seguido por YNA1, com
redução média de 49%. Inversamente, o gene menos afetado foi o YNR1, com uma
redução média de 35%, seguido do YNI1, com redução de 45%. A Tabela 8
apresenta os dados de redução percentual da expressão dos genes quando células
de D. bruxellensis foram cultivadas em amônia e nitrato, devido aos efeitos da
repressão catabólica do nitrogênio. A contaminação média das amostras com DNA
genômico foi estimada em 3%.
Tabela 8. Redução percentual dos níveis de expressão dos genes do metabolismo do nitrato em D. bruxellensis crescida em amônia e nitrato.
Tempo YNR1 YNI1 YNT1 YNA1
1 hora 26% 61% 42% 17%
2 horas 31% 53% 55% 51%
3 horas 62% 68% 77% 66%
4 horas 7% 45% 74% 42%
5 horas 55% 57% 93% 67%
6 horas 21% 4% 88% 14%
24 horas 59% 37% 46% 75%
48 horas 22% 46% 57% 59%
Redução Média 35% 45% 66% 49%
39
4.6. Quantificação da Expressão Gênica em Caldo de Cana
Células de D. bruxellensis foram cultivadas em caldo de cana para verificar a
possível expressão dos genes de assimilação de nitrato em meio industrial. Os
dados de quantificação relativa obtidos por RT-qPCR indicaram que todos os quatro
genes avaliados em meio de laboratório apresentaram expressão também em caldo
de cana, embora em menor nível. Nas primeiras horas do cultivo em caldo, da
mesma forma que para o meio YNB, os níveis de expressão dos genes YNR1, YNI1,
YNT1 e YNA1 foram baixos. Entretanto, diferentemente do meio sintético, os níveis
de expressão dos genes apresentam-se de forma mais estável, não sofrendo
grandes oscilações ao longo do ensaio (Figura 17). Por volta de cinco horas após o
início do experimento, os níveis de expressão começam a assumir tendência de alta
que perdura até aproximadamente 24 horas, seguida de considerável queda até o
final do experimento (48 horas).
Figura 17. – Quantificação Relativa da expressão dos genes da via do metabolismo do nitrato
em Dekkera bruxellensis. O gráfico mostra os níveis de expressão quando as células foram crescidas em caldo de cana industrial.
O gene YNT1 foi novamente o mais expresso, seguido YNI1 e YNR1, porém,
ao contrário do observado em meio YNB, a diferença de expressão entre estes não
foi tão elevada. Os índices e os picos de expressão dos genes no caldo de cana
também são menores em relação ao YNB. Como encontrado anteriormente, em
todos os pontos de análise, o gene YNA1 foi o menos expresso e mais uniforme,
não variando mais do que 10 vezes entre a mínima e a máxima (IMO). O gene YNI1
foi o que apresentou maior variação, possuindo IMO igual a 50. A Tabela 9
40
apresenta dados sobre a variação da expressão dos genes do metabolismo do
nitrato de D. bruxellensis no caldo de cana.
Tabela 9. Variação entre os valores da expressão dos genes da via de assimilação do nitrato em Dekkera bruxellensis cultivadas em caldo de cana (IMO).
RQ YNR1 YNI1 YNT1 YNA1
Mínima 0,66 0,44 0,87 0,49
Máxima 17,03 22,73 32,49 5,23
IMO 26 52 37 10,5
A diferença média entre o valor máximo de expressão obtido para um gene
estrutural, dividido pelo valor mínimo, em um dado ponto de análise, foi menor para
o caldo de cana (Tabela 10) em comparação aos demais meios, indicando maior
homogeneidade de expressão dos genes do metabolismo do nitrato em D.
bruxellensis neste meio. A contaminação média das amostras com DNA genômico
foi estimada em 3,5%.
Tabela 10. Diferença média entre os valores do gene mais expresso e o menos expresso em todos os pontos estudados (em vezes).
Tempo de cultivo (h) Nitrato Amônia + Nitrato Caldo
1 3,3 2,3 -
2 2,2 1,5 2,0
3 2,5 1,7 9,8
4 21,5 9,7 7,3
5 21,1 12,0 7,3
6 36,9 17,6 6,3
24 2,0 8,0 4,4
48 3,9 5,1 4,7
Média 11,7 7,2 6,0
4.7. Consumo de Nitrato do Caldo de Cana ao longo do cultivo Para corroborar os dados de RT-qPCR, a presença de nitrato no caldo de
cana foi determinada. Os dados indicam que a concentração média do nitrato nas
amostras de caldo de cana foi 23 µM. Os dados apresentados na figura 18 mostram
41
o consumo gradual desta fonte de nitrogênio durante o ensaio. Na primeira hora de
experimento, a concentração de nitrato ficou praticamente inalterada e, a partir de
então sofreu queda até completar as primeiras 24 horas. Neste ponto, a
concentração obtida foi de 14,2 µM, redução de aproximadamente 40% em relação
à concentração inicial. Após 48 horas, a concentração de nitrato foi estimada em
11,8 µM, redução de 51% em relação à concentração inicial e de 17% em relação à
de 24 horas. O consumo médio de nitrato no caldo foi de 230 nM.h-1, o que indica
que o tempo necessário para a depleção total deste composto nas amostras
analisadas é de aproximadamente 100 horas.
Figura 18. Consumo de nitrato em experimento realizado em caldo de cana. O gráfico mostra a redução das concentrações médias deste composto ao longo do tempo.
42
55.. DDiissccuussssããoo
Os experimentos designados para a elaboração de curvas de crescimento
revelaram que glicose e sacarose são as fontes de carbono mais adequadas para
apoiar o crescimento da levedura D. bruxellensis. Conterno et al., (2006), realizaram
caracterização fisiológica de diversas linhagens desta levedura e verificaram que
estas mesmas fontes de carbono são mais prontamente utilizadas por D.
bruxellensis. Entretanto, Basílio et al., (2008) mostraram que o consumo de
sacarose por células de D. bruxellensis é menor do que o observado para células de
S. cerevisiae. Portanto, este fator não deve contribuir para a melhor adaptação de D.
bruxellensis ao mosto de caldo de cana. Por outro lado, os resultados dos
experimentos de crescimento celular mostraram que o meio contendo apenas nitrato
proporcionou menor velocidade de crescimento em relação ao meio contendo
amônia e nitrato. A assimilação de nitrato como fonte de nitrogênio é muito onerosa
do ponto de vista energético, visto que para cada molécula de nitrato assimilada são
necessárias quatro moléculas de NADPH para sua redução a amônia. Além disso,
mais uma molécula de NADPH é necessária para converter a amônia a glutamato
(Magasanik, 2003). Ou seja:
1 mol NO3- + 4 moles NADPH = 1 mol glutamato (Marzluf, 1997)
1 mol NH4+ + 1 mol NADPH = 1 mol glutamato (Magasanik, 2003)
Os ensaios de quantificação da expressão gênica mostraram que os genes da
via de assimilação de nitrato em D. bruxellensis são induzidos na presença desta
fonte e sujeitos a repressão catabólica do nitrogênio em meio YNB. Estes genes
parecem ter um comportamento similar ao descrito para a levedura H. polymorpha e
para os fungos filamentosos N. crassa e A. nidulans (Siverio, 2002; Marzluf, 1997).
Em D. bruxellensis, a expressão destes genes sofre grande variação. Nas
primeiras horas de cultivo das células em meio YNB contendo nitrato, ocorre leve
indução da expressão dos genes, para após 4 horas atingirem o pico de indução.
Este período “lag”, no crescimento em nitrato, pode indicar o tempo necessário pela
célula para adaptar seu metabolismo a uma nova condição, visto que as células
saíram de um pré-crescimento em uma fonte prontamente utilizada como amônia.
Isto indica que a resposta de expressão não é imediata. Além disso, a quantidade de
proteínas da via de assimilação de nitrato presentes mesmo em células cultivadas
em amônia já asseguraria a assimilação do nitrato quando presente em altas
concentrações no meio.
43
O perfil de expressão apresentado por estes genes em YNB foi caracterizado
por muita oscilação que deve refletir a afinidade das células pelos nutrientes, o que
dependeria de sua concentração no meio extracelular. Este perfil pode indicar que,
quando a expressão dos genes está elevada, uma grande quantidade de nitrato
entra na célula e é reduzido a nitrito e amônia, o que pode provocar saturação do
sistema. A presença de grandes quantidades de amônia dentro da célula pode levar
a repressão catabólica, e assim diminuir a expressão dos genes da via do nitrato. À
medida que a amônia vai sendo consumida, o efeito da repressão catabólica deve
diminuir e uma nova rodada de elevação dos níveis de expressão é então
observada. Quando a concentração de nitrato no meio extracelular cai, sua
assimilação deve ser rápida e não deve promover acúmulo intracelular.
O gene YNT1 mostrou-se como o mais expresso da via metabólica nestas
condições, o que pode indicar que esta é a única porta de entrada do nitrato na
célula. O fato de que o gene YNI1 é mais expresso do que o YNR1 em todos os
pontos analisados, pode sugerir que o promotor do gene YNI1 seja mais forte que o
do YNR1, diferentemente do observado para H. polymorpha (Brito et al., 1999), ou
ainda, que a enzima nitrito redutase em D. bruxellensis não seja tão eficiente quanto
em outros organismos. O gene YNA1 apresentou-se como o mais uniforme e o
menos expresso de todos, exatamente como encontrado para H. polymorpha (Ávila
et al., 1998). Este perfil pode indicar que, como em H. polymorpha, YNA1 seja o
primeiro gene na cascata de indução por nitrato, sendo responsável pela indução de
outro fator de transcrição (YNA2), seja como simples indutor, seja na formação de
um complexo protéico heterodimérico (Ávila et al., 2002). O índice de variação (IMO)
calculado para o gene YNT1 foi de 50, sendo este o gene que mais varia entre a
mínima e a máxima de expressão. Esta oscilação pode estar relacionada com o
efeito da repressão catabólica, sendo o YNT1, provavelmente o mais suscetível aos
seus efeitos.
Quando amônia e nitrato são utilizados simultaneamente, verifica-se que
ocorre, ainda que não completamente, redução dos níveis de expressão dos genes.
Nestas condições, o gene YNI1 tornou-se o gene mais expresso da via metabólica,
talvez pelo fato de YNT1 ser mais passível de repressão pela amônia do que os
demais. O gene YNA1 continuou sendo o mais uniforme dos genes. Apesar de
apresentar redução de expressão dos genes, o efeito da repressão em D.
bruxellensis parece ser menos rigoroso do que o observado para H. polymorpha
(Ávila et al., 2002), sendo semelhante ao descrito para H. anomala (Garcia-Lugo et
44
al., 2000). O perfil de expressão dos genes do nitrato em D. bruxellensis cultivada
em amônia e nitrato é similar ao encontrado somente para nitrato. A redução dos
níveis de expressão após o ponto de inflexão pode ser explicado pelo acúmulo da
amônia proveniente do meio somada àquela oriunda da redução do nitrato. Isto
explicaria também a redução nos índices de expressão observados para todos os
genes. O maior valor de IMO apresentado foi o do YNI1, diferentemente do
apresentado quando as células foram crescidas em nitrato. Uma hipótese para este
fato é que YNT1, como mais suscetível à repressão catabólica, já esteja sob controle
da amônia, enquanto que YNI1 necessite de uma quantidade adicional de amônia
para mostrar um perfil semelhante ao YNT1, o que ocorre quando o nitrato é
reduzido à amônia e se junta ao pool de amônia já existente.
Os experimentos realizados em caldo de cana, para verificar a ocorrência de
expressão dos genes em meio industrial indicaram que o perfil de expressão diverge
do apresentado em YNB. Diferentemente do apresentado no meio sintético, a
expressão dos genes foi mais estável, pelo menos no período de análise. Esta
estabilidade pode estar relacionada à menor presença de nitrato neste meio. Em
meio laboratorial, as concentrações das fontes de nitrogênio são equimolares,
enquanto que no caldo de cana, a quantidade de amônia é provavelmente mais
elevada do que a de nitrato. Desta forma, a utilização de nitrato em um meio que
fornece uma fonte prontamente utilizável como a amônia em proporções elevadas,
parece não ser tão necessária, pelo menos nas primeiras horas de crescimento, em
comparação aos meios YNB, onde a proporção amônia/nitrato próxima de 1 pode
explicar os maiores índice de indução nestes meios. O YNT1 foi novamente o mais
expresso, assim como no meio sintético com nitrato, mais uma vez sugerindo que
esta é a única forma de entrada do nitrato na célula. Isto também deve representar o
fato de que a proteína transportadora codificada pelo gene YNT1 apresenta baixa
afinidade pelo substrato. Portanto, estudos cinéticos mais aprofundados precisam
ser realizados para se determinar a afinidade deste transportador pelo substrato, já
que isto pode influenciar na capacidade da célula em utilizar o nitrato do meio
industrial.
Também em caldo de cana o gene YNI1 apresentou maior expressão do que
o gene YNR1, e o gene YNA1 apresentou a menor expressão. O gene YNI1
apresentou novamente o maior IMO do sistema, reforçando a hipótese de que YNT1
já está sob maior controle pela amônia, enquanto que YNI1 provavelmente necessite
de quantidades mais elevadas de amônia como sinalizador da repressão.
45
A presença de nitrato no caldo de cana foi detectada neste estudo. A
concentração média inicial foi de 23 μM. A redução da concentração de nitrato,
associada à utilização desta fonte, foi avaliada ao longo do experimento. Os dados
obtidos mostram claramente o que o nitrato foi consumido no decorrer do ensaio. Os
dados sobre a concentração do nitrato conjuntamente com os de expressão gênica
sugerem a utilização do nitrato presente no caldo de cana pela levedura Dekkera
bruxellensis.
46
66.. CCoonncclluussõõeess
•• Os genes do metabolismo do nitrato de D. bruxellensis são induzidos na
presença deste composto e sujeitos à repressão catabólica do nitrogênio por
amônia.
•• O perfil de expressão dos genes da via de assimilação de nitrato segue o
padrão descrito para a levedura H. polymorpha e fungos filamentosos.
•• A presença de nitrato foi detectada no caldo de cana, o que explica a
expressão dos genes naquele meio.
•• Os dados de expressão gênica conjuntamente com os de consumo de nitrato
sugerem a pronta utilização deste nutriente por D. bruxellensis.
•• Portanto, a disponibilidade de nitrato e sua utilização apenas pelas células de
D. bruxellensis pode conferir a esta levedura uma vantagem adaptativa em
relação a S. cerevisiae na medida que ambas podem consumir a amônia, e o
nitrogênio orgânico (aminoácidos) do substrato industrial, mas apenas a
primeira poderia se beneficiar do nitrato presente como provavelmente a fonte
de nitrogênio remanescente.
47
77.. RReeffeerrêênncciiaass BBiibblliiooggrrááffiiccaass
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