dissertação de mestrado a telenovela econômica: mercados e...
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Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação (PPGCC)
Mestrado em Ciências da Comunicação
Dissertação de Mestrado
A telenovela econômica: mercados e estratégias de internacionalização
Aluno: Andres Kalikoske Teixeira Orientador: Prof. Dr. Valério Cruz Brittos
São Leopoldo 2010
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Andres Kalikoske Teixeira
A telenovela econômica: mercados e estratégias de internacionalização
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos para a obtenção do título de Mestre em Ciências da Comunicação, sob a orientação do Prof. Dr. Valério Cruz Brittos.
São Leopoldo 2010
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Ficha catalográfica
Catalogação na Fonte: Bibliotecário Fernando Scheid - CRB 10/1909
T266t Teixeira, Andres Kalikoske
A telenovela econômica: mercados e estratégias de internacionalização. / por Andres Kalikoske Teixeira. – 2010.
152 f. : 30cm.
Dissertação (mestrado) — Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação, São Leopoldo, RS - 2010.
“Orientação: Prof. Dr. Valério Cruz Brittos, Ciências da Comunicação”.
1. Economia Política da Comunicação. 2. Telenovela. 3.
Internacionalização. I. Título.
CDU 070:33
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Andres Kalikoske Teixeira
A telenovela econômica: mercados e estratégias de internacionalização através da ficção seriada
Avaliação: 10.0, em 10/03/2010
Banca examinadora:
______________________________________________________
Profa. Dra. Sandra Lúcia Amaral de Assis Reimão (UMESP)
______________________________________________________
Profa. Dra. Maria Luiza Cardinale Baptista (UNISINOS)
______________________________________________________
Prof. Dr. Valério Cruz Brittos (Orientador)
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Agradecimentos
- Ao aporte financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que tornou viável a realização desta dissertação.
- Ao professor Valério Cruz Brittos, que sempre acreditou no meu potencial.
- A Marisa, cultora de bons livros e colégios durante minha formação, que me apoiou incondicionalmente com o amor de uma mãe. Obrigado por estar ao meu lado e ser a quem devo o que sou.
- A Zayra, que se mostrou sábia ao preocupar-se com o desenvolvimento de valores cristãos, essenciais para a formação do caráter que hoje rege meu caminhar.
- Ao Eduardo, que jamais mediu esforços para que eu alcançasse meus objetivos.
- Ao Éder, pelo imenso apoio durante a realização desta dissertação, e aos demais amigos que entenderam minha reclusão.
- Aos amigos argentinos Marcos, Cecília e Laura Ubfal, pelos instigantes diálogos sobre a televisão de seu país, além das tantas portas abertas, que tornaram inesquecível minha estadia em Buenos Aires.
- Por ordem alfabética, aos professores Alexandre Rocha da Silva, Cristiane Finger Costa e Maria Luiza Cardinale Baptista, que me influenciaram positivamente a escolher a vida acadêmica.
- Aos membros do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (CEPOS), pelos encontros de valorosas contribuições. Em especial às discentes Ana Maria Oliveira Rosa e Maíra Bittencourt, parceiras na amizade, no coleguismo e nas discussões.
- Aos funcionários que fazem a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) apresentar-se como é, construindo diariamente um ambiente idôneo, digno e agradável para o desenvolvimento do conhecimento científico.
- Aos entrevistados das emissoras Canal 13 (Argentina), Cris Morena Group, Telefé, Televisa e Underground Producciones, por me receberem, reconhecendo a importância da pesquisa científica. Em especial ao novelista Alberto Migré (em memória), pelas histórias compartilhadas naquela tarde fria de inverno em Buenos Aires.
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Resumo
A dissertação analisa as estratégias de internacionalização do mercado latino-americano
de televisão, com ênfase nos realizadores do Brasil, México e Argentina. A partir do advento
do videoteipe, que no final dos anos 50 viabiliza a gravação simultânea de som e imagem em
fita magnética, empresas de comunicação passam a incrementar a circulação de seus produtos
para diferentes territórios. Somado ao favorecimento da conjuntura econômica liderada pela
instauração de uma política liberalista, já nos anos 70, realizadores de telenovelas agregam
nova função econômica à sua ficção seriada: após o término da produção, o bem simbólico é
estocado para que continue gerando receita a seus investidores, através da aquisição
transnacional. Nesta ambiência, Globo e Televisa implementam estratégias direcionadas ao
mercado externo, enquanto que o mercado argentino, através de sua lógica de produção
horizontal, atravessa um período de proliferação de produtoras independentes, que passam a
vender conteúdo para emissoras nacionais e estrangeiras. O padrão tecno-estético transcorre
os diferentes modelos de produção dos três países, estabelecendo nexos entre indústria
cultural, economia e comunicação. Sob a perspectiva da Economia Política da Comunicação
(EPC), são desenvolvidas questões que buscam especificar as inter-relações do capitalismo
contemporâneo com os sistemas de comunicação globais, desencadeados num esforço
reflexivo sobre as estruturas deste específico mercado latino-americano e suas respectivas
barreiras à entrada. Ainda, recupera-se o advento dos atores estudados, traçando um histórico
global sobre teledramaturgia e os movimentos das indústrias televisivas, tal como suas
políticas de ação e fatores econômicos desencadeados desde a reconfiguração do capitalismo.
Palavras-chave: economia política da comunicação; telenovela; internacionalização.
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Abstract
This dissertation analyzes the internationalization strategies of the Latin American
television market, with emphasis on producers of Brazil, Mexico and Argentina. With the
advent of the videotape, which in the late 1950s enables the simultaneous recording of sound
and image on tape, communications companies begin to increase the circulation of their
products for different territories. In addition to facilitating the economic situation led by the
establishment of political liberalism, in the 1970s, telenovela producers of aggregate new
economic function to their serial fiction: after completion of production, the symbolic good is
stocked to continue generating revenue to its investors through transnational acquisition. In
this ambiance, Globo and Televisa implement strategies towards the international market,
while the Argentine market, through its horizontal logic of production, is experiencing a
period of proliferation of independent producers, who begin to sell content to national and
foreign broadcasters. The techno-aesthetic standard runs through the different production
models for the three countries, establishing links between the cultural industry, economy and
communication. From the perspective of Political Economy of Communication, we discuss
questions that seek to specify the interrelationships of contemporary capitalism with global
communication systems, initiated in an effort reflecting on the structures of this particular
market and their respective entry barriers. Still, we recover the advent of the studied economic
actors, tracing a global history about telenovelas and the movements of the television
industry, such as their action policies and economic factors triggered since the reconfiguration
of capitalism.
Keywords: political economy of communication; telenovela; internationalization.
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Resumen
La tesis examina las estrategias de internacionalización de la televisión
latinoamericana, con énfasis en las estaciones televisivas de Brasil, México y Argentina.
Desde la aparición del video-tape, que en los años 50 permitió la grabación simultánea de
imagen y sonido en cintas magnéticas, las cadenas de televisión ampliaron la programación en
sus transmisiones. Con el desarrollo de la situación económica en los años 70, después que
finalizada una grabación, el producto seguía generando ingresos económicos para sus
inversionistas a través de la venta transnacional. En este sentido, Globo y Televisa aplicaron
sus estrategias en el mercado internacional, mientras que el mercado argentino, a través de su
lógica horizontal de producción, ha experimentando una proliferación de productores
independientes, que pueden vender contenidos a los organismos de radiodifusión local y
extranjeros. El tecno-estético desarrolla a los diferentes modelos de los tres países, cruzando
vínculos entre la industria cultural, economía y comunicación. Desde la perspectiva de la
Economía Política de la Comunicación (EPC), se desarrollan las preguntas que tratan de
precisar las relaciones del capitalismo contemporáneo con sistemas de comunicación mundial,
en un esfuerzo de reflexión sobre las estructuras del mercado de América Latina y sus
barreras a la entrada de nuevas corporaciones. Sin embargo, se recupera la llegada de los
agentes económicos estudiados, haciendo un recuento a la historia de las telenovelas y los
movimientos de la industria televisiva, ya que su acción política y los factores económicos se
ha desencadenado desde la nueva concepción del capitalismo.
Palabras-clave: Economía Política de la Comunicación; televisión; telenovela.
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Sumário
Introdução...............................................................................................................................10
Capítulo 1. Para analisar a telenovela econômica ...............................................................26
1.1. Capitalismo e indústrias culturais......................................................................................26
1.2. Globalização e tecnologia..................................................................................................35
1.3. Economia da cultura e teleprodutos ..................................................................................38
1.4. Padrões tecno-estéticos......................................................................................................41
1.5. Estruturas de mercado .......................................................................................................45
1.6. Obstáculos e lógicas de acesso..........................................................................................48
Capítulo 2. Mercado latino-americano de televisão ............................................................56
2.1. Origem e desenvolvimento................................................................................................56
2.1.1. Televisão no Brasil .............................................................................................56
2.1 2. Televisão no México ...........................................................................................62
2.1.3 Televisão na Argentina........................................................................................64
2.2. Histórico global da teledramaturgia ..................................................................................69
2.3. Teleficção e concorrência .................................................................................................76
2.4. Organizações e particularidades ........................................................................................78
2.5. Mercados contemporâneos ................................................................................................81
Capítulo 3. Telenovela, transnacionalização e estratégia ...................................................93
3.1. Telenovela no mercado internacional ...............................................................................93
3.2. Telenovela como munição ................................................................................................95
3.2.1. Telemontecarlo ...................................................................................................95
3.2.2. Televisa Argentina..............................................................................................97
3.3. Telenovela transnacional ...................................................................................................98
3.4. Telenovela e fluxo ...........................................................................................................103
Considerações conclusivas ...................................................................................................108
Referências ............................................................................................................................113
Apêndices...............................................................................................................................122
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Tabelas
Tabela 1. Produção brasileira na programação da TV aberta................................................... 61
Tabela 2 Origem da ficção emitida em canais norte-americanos hispânicos........................... 92
Tabela 3. Presença da telenovela no mundo............................................................................. 94
Tabela 4. Demonstrativo das atividades em televisão.............................................................. 95
Tabela 5. Telenovela latino-americana no prime time........................................................... 104
Tabela 6. Oferta mensal de teleficção no Brasil..................................................................... 105
Tabela 7. Oferta mensal de teleficção no México .................................................................. 106
Tabela 8. Oferta mensal de teleficção na Argentina .............................................................. 106
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Introdução
Desde a conformação do capitalismo, a informação tem sido um importante elemento,
configurando-se, através de seu fluxo, como um dos principais procedimentos
comunicacionais para o desenvolvimento da humanidade e a acumulação de riquezas. Durante
o período anterior ao sistema capitalista mercantil, corrente no século XV, o chamado ciclo
das navegações marítimas possibilitou a abertura de novos mercados, fortalecendo
especialmente os comerciantes e a burguesia do Velho Continente. Nesta época,
desbravadores europeus navegaram em busca de territórios nunca antes explorados.
Desconhecia-se até mesmo que a Terra era redonda, relacionando o desaparecimento de
navios que trafegavam em alto mar com a existência de uma espécie de precipício fluvial.
Sumariamente, estas primeiras expedições marítimas resultaram no desenvolvimento de
novos produtos, garantindo o crescimento do comércio local a partir da obtenção de insumos
provenientes de outras regiões.
Cinco séculos depois, durante o decênio de 70, outros atores econômicos também
conquistaram novos espaços: os mercados globais. Diferentemente dos comerciantes europeus
do século XV, estes atores eram oligopólios,1 que se beneficiaram das mudanças ocasionadas
pela consolidação do capitalismo monopolista-financeiro na sociedade. Tal processo, também
denominado terceira fase do capitalismo, caracteriza-se principalmente pela concentração,
privatização, expansão transnacional, desregulamentação e rearranjo do Estado frente à
instauração de uma política neoliberal.
Em consonância ao novo cenário, as empresas de comunicação passam a incrementar
a circulação de seus produtos para diferentes territórios. As corporações transnacionais,
sobretudo devido às mudanças tecnológicas e desregulamentação dos mercados, passam a
integrar uma nova ordem mundial. No mercado televisual, este panorama não é diferente.
Com o advento do videoteipe, no final dos anos 50, viabiliza-se a gravação simultânea de som
e imagem em fita magnética, sinalizando um futuro promissor quanto ao seu
desenvolvimento. A partir da instauração da nova técnica, permite-se a reprodução de cenas
remotas em momento presente, que, por sua vez, ao serem geradas como atuais, acabam por
estagnar a relação de espaço e tempo dos teleprodutos, maximizando sua vida útil.
1 O oligopólio e as demais classes de estrutura de mercado são temas centrais desta pesquisa, aprofundados individualmente no decorrer do trabalho. No entanto, em suma, pode-se considerar oligopólio como uma estrutura com poucos vendedores detendo as maiores fatias do mercado, havendo, em contrapartida, um elevado número de compradores, de forma que os vendedores exercem grande controle sobre os mercados. É caracterizado pela forte presença de barreiras à entrada, inerente aos mercados oligopolísticos. Neste caso, a fatia de mercado pertencente a cada agente apresenta-se com demasiada tensão, inflexibilidade e rigidez, requerendo controle estatal.
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Seqüencialmente, a partir do decênio de 70, com a desregulamentação dos mercados
mundiais, forma-se uma conjuntura político-econômica favorável à expansão transnacional.
Neste sentido, as empresas de televisão que produzem telenovelas também são contempladas,
agregando nova função econômica à sua ficção seriada: após o término da produção, o bem
simbólico passa a ser estocado, para que, através da aquisição transnacional, continue gerando
receita a seus investidores.
Ações de plano estritamente econômico, como a insídia norte-americana em decretar
disparidade do dólar em relação ao ouro,2 fator originário da financeirização dos preços,3
seguido pela crise da Bolsa de Nova Iorque, em 1987, foram os pontos de partida para a
abertura e desregulamentação dos mercados financeiros. A instauração da política neoliberal,
com seus processos de liberalização e privatização, passa a permitir a atuação do capital em
setores outrora administrados pelo Estado. O processo contínuo de desregulamentação e re-
regulamentação estabeleceu uma conjuntura oportuna para o salto tecnológico que estava por
vir. Chesnais propõe uma periodização sobre o advento do que designa como finança
mundializada, posto que, em sua concepção, as alterações do sistema financeiro internacional
de mundialização financeira seriam definidas a partir de três etapas.4
A primeira, que compreende os anos de 1960 a 1979, o autor denomina de
internacionalização financeira direta. Durante sua vigência, os sistemas monetários e
financeiros de internacionalização teriam sido limitados, destacando-se especialmente o
surgimento e o desenvolvimento do mercado de eurodólares.5 Frente ao fim do padrão ouro-
dólar e do sistema de taxas de câmbio fixas, é neste período que ocorre a queda do sistema de
2 Padrão-ouro foi um sistema monetário internacional, empregado desde o século XIX até a Primeira Guerra Mundial. Sua concepção foi concebida pelo filósofo David Hume, que, ao lado de Adam Smith e Thomas Reid, foi uma das figuras mais importantes do chamado iluminismo escocês. Em síntese, os países participantes do padrão-ouro deveriam relacionar suas moedas ao ouro, tal como suas respectivas reservas internacionais. O objetivo era de maximizar as exportações entre os países participantes, uma vez que a adoção de taxas fixas de câmbio entre as diferentes moedas representava paridade. Esta taxa poderia ser estabelecida acima ou abaixo da paridade da moeda do país, de acordo com os pontos de ouro. Frente à inerente proposta simétrica do padrão-ouro, nenhum dos países participantes do sistema ocuparia posição privilegiada. No entanto, o desempenho das nações em manter o equilíbrio interno não foi uniforme. Cria-se, então, o padrão câmbio-ouro, para que a moeda dos países em déficit fosse adquirida por países com superávit, que não possuíssem suas moedas atreladas ao ouro. 3 O termo financeirização explicita uma definição, gestão e transformação da riqueza no capitalismo, onde a acumulação produtiva abre espaço para um regime de acumulação com predominância especulativa ou financeira. 4 CHESNAIS, François. A mundialização financeira: gênese, custos e riscos. Xamã, São Paulo. p. 25. 5 Euromercados são distritos onde as transações financeiras internacionais concretizam-se, através de empréstimos externos com pequena regulamentação governamental (offshore), ou seja, fora do controle das autoridades domésticas de regulamentação de mercado. Ao mesmo tempo, oferece às empresas as opções de emitir títulos de dívida ou obter empréstimos fora de seus mercados nacionais, com custos inferiores. Isto só é possível devido a menor regulamentação governamental e ao maior universo de investidores. Este modelo de negociação surgiu como resposta à crescente regulamentação imposta pelos vários governos europeus aos mercados locais de capitais, sobretudo nos mercados de renda fixa.
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Bretton Woods.6 Tal acontecimento faz com que o mercado cambial se torne extremamente
volátil, caracterizando-se como o primeiro episódio da mundialização financeira
contemporânea. Isto se deu através do surgimento do chamado mercado de derivativos7 sobre
moedas, com o objetivo de realizar cobertura cambial sobre a volatilidade das cotações,
mecanismo que também se desenvolveu para as taxas de juros. É nesta primeira etapa,
também, que ocorre a acelerada expansão internacional dos bancos americanos, fruto da
desregulamentação daquele país.
A segunda etapa é a da desregulamentação e liberalização financeira, abrangendo os
anos de 1979 a 1985. Inicia-se com uma série de medidas adotadas pelos governos norte-
americano e britânico, emergentes do atual sistema financeiro liberalizado. Esta etapa tem
como principais características a liberalização (tanto para entrada como para saída dos
movimentos de capitais) e a reconversão das dívidas públicas em nova dívida, com prazo
maior. No que diz respeito às alterações institucionais, destaca-se o surgimento dos mercados
financeiros e das instituições não-bancárias, agora desempenhando papel de instituições
dominantes (em contrariedade à etapa anterior, onde tal ação era desempenhada somente
pelos bancos), além do crescimento da participação de fundos de pensão e fundos mútuos.
6 Bretton Woods foi um acordo firmado em 1944 por 45 países aliados, cujo objetivo comum era reger a política econômica mundial. Segundo o acordo de Bretton Woods, as moedas dos países membros passariam a estar vinculadas ao dólar, com variação estreita de 1%, para mais ou para menos, e a moeda norte-americana estaria vinculada ao ouro, pelo valor de U$ 35. Para que tal engrenagem funcionasse sem sobressaltos, foram constituídas, juntamente com o Bretton Woods, duas entidades de supervisão: o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial. Nesta direção, o dólar passou a ser a moeda forte do sistema financeiro mundial, e os países membros utilizavam-na para financiar os seus desequilíbrios comerciais, minimizando os custos de detenção de diversas moedas estrangeiras. Em suma, o sistema Bretton Woods funcionou como o previsto durante 20 anos, sendo que, na segunda metade da década de 1960, problemas derivados da degradação das finanças norte-americanas começaram a surgir. Para financiar o déficit orçamental, houve um aumento da emissão de dólares, fator que gerou problemas aos países membros do acordo, uma vez que os obrigava a emitir suas próprias moedas para cultivar o cambio fixo, provocando inflação; por outro lado, associado a uma degradação da conta corrente norte-americana (com as importações crescendo mais rápido do que as exportações), a quantidade de dólares passou a exceder o stock de ouro, diminuindo a pretensão dos outros países em deterem dólares. Durante o primeiro semestre de 1971, já se notava alguma valorização das moedas mais importantes frente ao dólar, apesar de serem tomadas algumas medidas para contrariar tal tendência. Foi o então presidente Nixon que pôs fim ao acordo de Bretton Woods, assim como as conversões de dólar em ouro. Tal ação, que visava realinhar as taxas de paridade, manteve os mercados fechados durante uma semana, sendo que, na retomada das operações, o dólar foi desvalorizando, com Bancos Centrais tendo que intervir para controlar a situação. 7 Derivativo é um contrato definido entre duas partes, no qual se definem pagamentos futuros com base no comportamento dos preços de um ativo de mercado (normalmente as commodities). No mercado de derivativos, as transações são liquidadas no futuro. Em outras palavras, seu papel é permitir que os agentes alterarem as características de um ativo (moeda de denominação, tipo de taxa de juros, composição de riscos). Dentre os principais derivativos, destacam-se o financial futures (futuros), que são contratos de compra/venda a preços e datas futuras estipuladas; os swaps, que são operações de balcão (não constituem um mercado organizado com padronização das operações e câmaras de compensação) constituídas de uma compra (venda) casada a uma venda (compra), de forma a trocar um risco pelo outro; e os opcionais, que são contratos onde o comprador obtém do vendedor a concessão do direito de exercer a opção (compra ou venda) em um determinado instante do tempo, não existindo a obrigatoriedade dela ser exercida.
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Por fim, a terceira etapa compreende os anos de 1986 a 1995. Suas principais
características são a abertura e a desregulamentação dos mercados de ações, ocasionado
especialmente pela incorporação dos mercados emergentes dentro da circulação internacional
do capital e pelos choques financeiros e cambiais de maior intensidade.
Nesta conjuntura, as empresas mundiais passam a explorar novos modos de produção.
A realização de alianças, mesmo que não seja algo inovador – uma vez que tal processo, ainda
que embrionariamente, é concebido antes mesmo do advento do mercantilismo – se
intensifica com o aprimoramento das co-produções, pré-vendas e dos joint-ventures.8 No
mercado televisivo, a telenovela – principal produto audiovisual da América Latina – ganha
fluxo constante no âmbito internacional, configurando-se como um lucrativo negócio para
seus investidores.
Globo e Televisa, maiores conglomerados de comunicação da América Latina, passam
a implementar estratégias direcionadas ao mercado externo, visando a transnacionalização de
seus produtos de ficção, especialmente telenovelas. Tamanha necessidade de preenchimento
das grades de programação fez com que os exibidores do mercado europeu ignorassem uma
considerável barreira à entrada: a questão lingüística, que em tempos remotos seria sinônimo
de desprestígio, pelo fato dos produtos serem dublados. No caso mexicano, onde a teleficção
nacional alcança os territórios mais longínquos desde a constituição da Televisa, é apenas nos
anos 80 que seus teleprodutos atingem índices de exportação considerados ótimos. A
vantagem competitiva de já serem desenvolvidos no idioma espanhol facilita a circulação das
atrações desse grupo mexicano, que logo tomam frente nas exportações, tendo sua difusão
corriqueira já no final desse decênio.
As Organizações Globo iniciam sua expansão a partir da aquisição do canal italiano
Telemontecarlo. Um vácuo na legislação italiana – que posteriormente acaba por beneficiar o
grupo brasileiro – e o elevado faturamento propiciado pelo mercado europeu foram
determinantes para esta transnacionalização de nível empresarial. Paralelamente, o grupo
Televisa também empreendeu uma série de ações, a fim de ampliar sua produção de
8 A joint venture é um instrumento jurídico que estabelece as regras de relacionamento entre duas ou mais empresas, sem interferir em suas respectivas estruturas societárias. Sua celebração visa à troca ou transferência de tecnologia, experiências e realização de operações de forma conjunta, de modo que se restringe, tão somente, aos aspectos operacionais de uma aliança isolada. Conforme Moraes, a internacionalização dos meios de comunicação na América Latina tende a ser maior do que no resto do mundo, frente à fusão de investidores internacionais com atores regionais. Nas palavras do autor, “com a desregulamentação e privatizações, dinamizou-se a junção de atores locais – sobretudo no Brasil, México e Argentina – e transnacionais. A reformulação do setor centra-se, por um lado, na progressiva internacionalização dos conglomerados regionais e, por outro, na escalada das megacorporações norte-americanasno continente”. MORAES, Dênis de. Planeta mídia: tendências da comunicação global. Campo Grande: Letra Livre, 1998. p. 100.
15
telenovelas ao mercado latino-americano. No entanto, somente no início dos anos 90
consegue instalar-se na Argentina, disposta a realizar produções com mão-de-obra nacional.
Firmaria, ainda, aliança com os canais 9 (Omar Romay) e 13 (Grupo Clarín), tradicionais
programadores de seus conteúdos no país, especialmente ficção seriada. A soma de esforços
de ambos os grupos, rumo à internacionalização, ocorre após um extenso período de exibição
de novelas brasileiras na Itália e mexicanas na Argentina; países onde a ascendência do
gênero é demonstrada através do crescimento da audiência de seus programadores,
normalmente emissoras não posicionadas em primeiro lugar e com forte apelo popular.
Simultaneamente aos movimentos internacionais, as maiores exportadoras da América
Latina, Globo e Televisa, desenvolvem seus produtos de ficção a partir de um modelo de
produção vertical.9 Em contrapartida, no que diz respeito ao conteúdo difundido, enquanto a
emissora brasileira introduz questões político-sociais em suas produções, a mexicana se
utiliza de livretos cubanos e argentinos, com pouca ou nenhuma inovação. Não raro, adquire
scripts originais recentemente produzidos em outras redes da América Latina, para, a partir
destes, desenvolver uma narrativa que incorpore tanto sua concepção lógico-ideológica
quanto seu padrão tecno-estético.10
O modelo argentino segue a lógica da produção horizontal,11 encadeada pela
proliferação de produtoras independentes que vendem conteúdo às emissoras nacionais, tanto
para a realização dos produtos quanto no incremento de co-produções. O termo é utilizado
para explicitar a carência de produções inteiramente realizadas por emissoras, modelo
corrente desde o advento da televisão no país.12 Nesta direção, as produtoras independentes
desenvolvem alianças13 com programadores nacionais. Para citar apenas um exemplo, tem-se
a Cris Morena Group e a RGB, duas produtoras de conteúdo ficcional concebidas por antigos
gestores da emissora-líder Telefé, que no auge da crise de 2000 desfazem-se do negócio, 9 Estrutura de produção que integra todas as etapas de produção de um bem simbólico televisivo, desde a concepção até sua difusão (veiculação). 10 Designa-se como padrão tecno-estético a configuração de técnicas, formas estéticas, estratégias e determinações estruturais que definem as normas de produção de uma empresa. BOLAÑO, César. Indústria cultural, informação e capitalismo. São Paulo: Hucitec/Polis, 2000. p. 234. Conceito a ser desenvolvido posteriormente nesta dissertação. 11 Estrutura de produção que não concentra na mesma interface os processos de concepção, produção e veiculação de um produto; diferentemente, a o modelo vertical condiciona tais processos na lógica do concebimento do produto. 12 Esta ordem de organização, no entanto, pode resultar deficitária. No Brasil tem-se o caso do SBT, que investiu um alto custo no desenvolvimento de seu parque televisivo horizontal, chamado de Centro de Televisão, localizado na Via Anhanguera, em São Paulo. A partir da crise que atingiu a emissora, em 2006, a estrutura mostrou-se exagerada, passando a ter suas possibilidades subutilizadas. 13 Segundo Brittos, aliança caracteriza-se por toda associação dirigida a alcançar determinados objetivos, podendo ser provisória ou definitiva, com dependência ou não, parcial ou total. BRITTOS, Valério Cruz. Televisão, concentração e concorrência no capitalismo contemporâneo. In: BRITTOS, Valério Cruz (Org.). Comunicação na fase da multiplicidade da oferta. Porto Alegre: Nova Prova, 2006. p. 21-45. p. 24
16
negociando suas ações com o grupo espanhol Telefónica.
Para nortear a análise, a pesquisa filia-se à Economia Política da Comunicação (EPC),
recorte epistêmico da Economia Política “disposto a aprofundar-se no desenvolvimento
empreendido pelo sistema capitalista ao que diz respeito às indústrias culturais, ou mais
precisamente às empresas de comunicação”.14 O verbete “Economia Política” surge no século
XVII, cunhado por Antoine de Montchrétien no pioneiro livro Traité de I`Économie
Politique,15 cuja primeira versão data de 1615. O mercantilista francês, propondo-se a dar
conta das relações de produção, retomou os escritos do filósofo político Jean Bodin,
desencadeando sua maior contribuição na divisão das três principais classes vigentes na
sociedade de então: capitalistas, proletários e latifundiários.
A percepção da Economia Política como campo de conhecimento deveu-se às
mudanças processadas especialmente na sociedade européia, como a Revolução Industrial e
as revoluções burguesas, estabelecendo o processo industrial e instaurando as bases de um
Estado liberal. Em seu período de consolidação, posterior ao célebre O Capital,16 de Karl
Marx, a Economia Política passou a designar a economia não ortodoxa, inclusive a marxista.
No campo da comunicação, pesquisadores da disciplina acabaram por propagar o pensamento
marxista, aplicado especialmente à circulação da informação e à homogeneização da cultura.
Concedendo dimensão central à informação e à cultura, o desenvolvimento atual do modo de
produção capitalista também amplia o poder explicativo da EPC, revelando sua importância
tanto no interior do campo da Economia Política quanto no das Teorias da Comunicação.17
O desenvolvimento da EPC, no caráter de interdisciplina emergente do campo da
Comunicação, discorre ao longo dos decênios de 80 e 90 do século XX, quando acaba por
convergir com estudos anteriores do âmbito comunicacional, especialmente dos anos 60 a 70,
como as teorias sociológicas da dependência e do imperialismo cultural. Nesta direção,
Vincent Mosco enfatiza dois fatores que teriam sido decisivos para o desenvolvimento da
EPC: (a) as grandes transformações provocadas pela estagnação dos anos 60 a 70,
culminantes para a crise internacional do capitalismo, tal como produção em declínio,
aumento de custos, salários em decréscimo e aumento das desigualdades; e (b) as grandes
transformações a espaciais e estruturais neste período, tal como a fortificação das empresas, 14 BOLAÑO, César; MASTRINI, Guillermo. Economía política de la comunicación: un aporte marxista a la constitución del campo comunicacional. Eptic On Line – Revista Electrónica Internacional de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación. Aracaju, v. 3, n. 3, set./dez. 2001. Disponível em: <http://www.eptic.com.br>. Acesso em: 26 maio 2008. p. 58. 15 MONTCHRESTIEN, Antoine de. Traicté de l’oeconomie politique: dédié en 1615 au roy et à la mère du roy. Paris: Rivière, s. d. 16 MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. 21 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971. 17 BOLAÑO, César; MASTRINI, Guillermo, op. cit. p. 58.
17
através da especialização e transnacionalização, o enfraquecimento dos governos como
reguladores e a expansão das TICs.18 Não obstante, também se atribui à Economia Política a
“preocupação de descrever e observar a importância das formas estruturais responsáveis pela
produção, distribuição e troca dos produtos de comunicação e pela regulação do mercado da
comunicação”,19 buscando, a partir de uma análise macroestrutural, atingir o ápice dos fluxos
audiovisuais no século XXI. Ainda, a EPC retrata, desde sua origem, questões sobre o debate
sobre os dois modos de institucionalização da mídia eletrônica, o regime comercial e o serviço
público.20
O aparecimento das indústrias da mídia, no século XX, é o que teria provocado a
aproximação da disciplina Economia Política com a comunicação. Surgida nos Estados
Unidos, durante os anos 60, as pesquisas em EPC originalmente questionaram o desequilíbrio
dos fluxos de informação e produtos culturais entre países ricos e em desenvolvimento. Neste
sentido, se destaca o trabalho do economista Herbert Schiller, ao analisar as relações entre o
Estado norte-americano, os meios de comunicação e as corporações industriais e financeiras
frente às propostas de crescimento econômico.
Na Europa, a EPC priorizou a análise das relações entre a produção material e a
simbólica, enfatizando os meios como entidades econômicas cujo objetivo era criar mais
valia21 direta, através da venda de mercadoria-programa, ou indireta, através da publicidade
das outras áreas de produção. A disciplina também se voltou aos processos de trabalho, à
valorização dos produtos culturais e a revisão dos conceitos que inspiraram os estudos,
pretendendo, assim, evitar visões que reduzissem as análises dos meios e interpretações
mecânicas sobre seus impactos na sociedade.
No âmbito latino-americano, a EPC ganhou impulso a partir das propostas da Nova
Ordem Mundial de Informação e Comunicação, desenvolvidas nas reuniões da Unesco
(Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), tendo relação com
as Teorias da Dependência Cultural (TDC), desenvolvidas por Luis Beltrán, Armand
Mattelart, entre outros. Nesse movimento, dava-se ênfase ao estabelecimento de Políticas
Nacionais de Comunicação, pois os pesquisadores acreditavam que, através da independência
e autonomia, a comunicação social se democratizaria, buscando um maior equilíbrio
18 MOSCO, Vincent. The political economy of communication: rethinking and renewal. Londres: Sage, 1996. 19 MOSCO, Vincent. Economia política da comunicação: uma perspectiva laboral. Comunicação e sociedade I – Cadernos do Nordeste, Ninho, v. 12, n. 1-2, p. 97-120, 1999. p. 107. 20 MATTELART, Armand; MATTELART, Michele. História das teorias da comunicação. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2001. p. 124. 21 Nomenclatura que Marx utilizou para designar a diferença entre o valor produzido pelo trabalho e o salário pago ao trabalhador, que seria a base da exploração no sistema capitalista.
18
econômico e social. Conforme Santos, a EPC também se divide entre estudos variáveis de
acordo com os momentos históricos ou questões regionais, como, por exemplo, os estudos
sobre imperialismo cultural no Terceiro Mundo, as discussões sobre a mercantilização das
relações sociais nos Estados Unidos ou o debate britânico sobre as formas de organização
alternativa da esfera pública.22
No Brasil, o marco inaugural da EPC foi a publicação de Mercado brasileiro de
televisão,23 que parte de uma abordagem histórico-econômica da TV brasileira para alocar a
questão das barreiras à entrada ao centro da análise, desenvolvendo sobre a formação do
oligopólio neste mercado. Mais tarde, em Indústria cultural, informação e capitalismo,24 o
mesmo autor estabelece nexos entre o sistema capitalista, o conceito habermaseano de esfera
pública e a teoria marxista do valor, concentrando uma árdua discussão teórica. Não obstante,
é importante salientar que, desde os anos 80, questões sobre o mercado brasileiro de TV têm
sido abordadas muito corretamente, no âmbito da TDC – como Televisão e capitalismo no
Brasil,25 por exemplo. Torna-se imprescindível, no entanto, deixar claro qual o principal
diferencial entre a EPC e a TDC, sendo esta diferença esmiuçada por dois dos mais
importantes teóricos:
É importante traçar esta genealogia porque, não raro, nota-se um equívoco entre os autores de fora do campo da EPC, ou mesmo entre aqueles que têm procurado ingressar no campo recentemente, vindos de outras áreas e sem a formação básica na matéria, a respeito da relação entre Economia Política da Comunicação e as Teorias da Dependência Cultural (TDC), com as quais aquela partilha dúvidas e preocupações, além de uma origem comum, como vimos, mas tendem a divergir nos diagnósticos e encaminhamentos, inclusive porque, historicamente, uma nasce da crítica interna da outra, no interior do campo comum do Materialismo Histórico. As TDC erram especialmente ao atribuir a origem das desigualdades dos fluxos de circulação de bens essencialmente à dominação externa, desconsiderando, em última estância, o caráter capitalista complexo do processo. Acrescenta-se que a TDC nem sempre primou pelo rigor metodológico, preocupada que estava, no mais das vezes, com a luta política, nos anos 60 e 70 do século XX, um período de radicalização e luta revolucionária contra governos ditatoriais, fruto do deslocamento da disputa pela hegemonia global, entre os dois blocos de poder mundial, para a periferia, inclusive a América Latina, onde esses estudos se originam.26
Em 2005, pesquisadores vinculados à União Latina de Economia Política da
Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC) concordaram que a EPC enfrenta na
22 SANTOS, Suzy dos. Get back to where uou once belonged: alvorada, ocaso e renascimento da economia política da comunicação. In: BRITTOS, Valério Cruz; CABRAL, Adilson. Economia política da comunicação: interfaces brasileiras. Rio de Janeiro: E-papers, 2008. p. 14-36. p. 15. 23 Vide BOLAÑO, César. Mercado brasileiro de televisão. São Paulo: EDUC, 2003. 24 BOLAÑO, César. Indústria cultural, informação e capitalismo. São Paulo: Hucitec, 2000. 25 Vide CAPPARELLI, Sérgio. Televisão e capitalismo no Brasil. Porto Alegre: L&PM, 1982. 26 BOLAÑO, César; BRITTOS, Valério Cruz. Economia Política da Comunicação. In: MELO, José Marques de (Org.). O campo da comunicação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 186-197. p. 189-190.
19
contemporaneidade três desafios básicos.27 Entre eles, em primeiro lugar encontram-se as
discussões acerca da propriedade dos meios, que necessitam ser recuperadas; a necessidade de
definição das políticas democráticas de comunicação e, no que diz respeito à distribuição da
informação, um empenho mútuo por um contexto internacional eqüitativo. Em segundo está a
sistematização da análise teórica acerca do funcionamento das indústrias culturais, uma vez
que se faz necessário analisar os meios como sistemas de produção, distribuição e consumo de
formas simbólicas, que requerem a utilização de recursos comunicacionais escassos, como
know-how e aporte financeiro, distribuídos a partir de restrições impostas pelo modelo
capitalista de produção. Para completar tal lógica, não somente faz-se necessária a realização
de estudos macroeconômicos dos meios, mas também sua participação no processo de
acumulação do capital e a presença do Estado, além de um olhar que contemple as formas de
produção, singularidades culturais e valorização de capitais de cada setor. Em terceiro lugar, a
EPC deve formular um programa de intervenção que vincule novamente a academia com as
práticas e as organizações sociais.
Nestas vias, o problema de pesquisa constrói-se a partir do pressuposto de que as
principais emissoras de TV do Brasil, México e Argentina viabilizaram sua expansão
transnacional através da telenovela. Isto se verifica pelo fato da ficção seriada ser o primeiro
produto a estabelecer-se no mercado internacional, conquistando forte presença entre os
programadores estrangeiros, graças à sua penetração junto às audiências e rentabilidade
comercial.
Um período anterior à participação direta das empresas de televisão em outros países,
além do seu, inicia-se com a proliferação de seus múltiplos produtos no mercado
internacional, os quais passam a ser difundidos por outros programadores. A partir da década
de 70, estes movimentos, segundo Brittos, concebem a terceira fase da comunicação, tanto no
que diz respeito à iniciativa das corporações quanto às mais variadas organizações, que
passam a incorporar a informação em seu sistema de funcionamento.28
Diante deste cenário, caracterizado pelo anseio aos lucros maximizados, torna-se
pragmática a concepção de bens simbólicos que possam facilmente ser aderidos pelo mercado
internacional. Já no início dos anos 90, emissoras de televisão passam a desenvolver
estratégias específicas e implementar ações, desde a produção até a distribuição dos produtos,
27 BOLAÑO, César; MASTRINI, Guillermo; SIERRA, Francisco. Introducción. In: BOLAÑO, César; MASTRINI, Guillermo; SIERRA, Francisco (Eds.). Economía política, comunicación y conocimiento: una perspectiva crítica latinoamericana. Buenos Aires: La Crujía. 2005. p. 17-36. p. 24. 28 BRITTOS, Valério Cruz. A terceira fase da comunicação: novos papéis no capitalismo. In: BRITTOS, Valério Cruz (Org). Comunicação, informação e espaço público: exclusão no mundo globalizado. Rio de Janeiro: Papel & virtual. 2002. p. 21–45. p. 26.
20
a fim de diminuir o corrente esgotamento das possibilidades de distribuição.29 Ora, descobre-
se, neste momento, que o mercado comporta uma diversidade de produtos derivados,
transformando os bens simbólicos televisivos em semente para a planificação de novos
negócios. Em outras palavras, a veiculação torna-se o ponto de partida para abastecer o
mercado – especialmente o juvenil – com produtos que vão desde material escolar até
brinquedos e vestuário, paralelamente a tradicional exploração da indústria fonográfica. Em
consonância a este novo panorama, estabelecido com o advento de um produto
essencialmente transnacional, estratégias anteriormente deficitárias de transnacionalização
apontariam um novo rumo às empresas de televisão.30
Assim, algumas perguntas caracterizam a problematização:
(1) Quais estratégias as empresas de televisão da América Latina adotaram para inserir
seus conteúdos audiovisuais no mercado internacional; e de que modo isto ocorreu?
(2) Como os padrões tecno-estéticos colaboraram para a identificação dos teleprodutos
nos mercados externos?
(3) Quanto ao modelo de produção, a que adequações as empresas se submeteram para
se desenvolverem no mercado internacional?
(4) Qual o modelo de produção das emissoras na contemporaneidade?
O objetivo geral da pesquisa é oferecer elementos que permitam entender e criticar os
procedimentos econômicos e a ação empreendida pelas empresas de televisão, no que diz
respeito à transnacionalização de telenovelas. Já os objetivos específicos são:
(1) Pesquisar o mercado audiovisual latino-americano, a partir da Economia Política
da Comunicação;
(2) realizar apontamentos históricos sobre a internacionalização das emissoras do
Brasil, México e Argentina;
(3) promover uma análise acerca dos padrões tecno-estéticos, resgatando o modelo de
produção inicial e sua evolução;
(4) detectar e desdobrar as estratégias utilizadas a partir da telenovela, para ingresso no
29 Um exemplo de esgotamento de possibilidades de distribuição ilustra-se no período em que a Televisa deixou de exibir suas telenovelas no Brasil (1997-1999). Com a migração do SBT, seu programador nacional, para os produtos argentinos, a empresa mexicana buscou a CNT, canal paranaense interessado em suas produções. Devido ao não cumprimento do contrato por parte da CNT, a rede mexicana rompeu a aliança, permanecendo dois anos sem exibir suas produções no Brasil. Seu retorno se daria em 1999, com a estréia de A usurpadora, novamente pelo SBT. A partir de 2008 o canal de Silvio Santos volta a produzir teledramaturgia nacional, e a Televisa novamente estreita suas relações com a CNT. 30 Um exemplo de estratégia deficitária de transnacionalização, no que diz respeito especificamente aos resultados do quesito audiência, é a teledramaturgia do SBT, que durante sete anos (2001-2008) utilizou-se de roteiros mexicanos da Televisa. Esta estratégia, no entanto, já foi concebida em outros períodos, como a aquisição dos roteiros de Marisa Garrido, no início do decênio de 80.
21
mercado internacional;
(5) observar o fluxo das telenovelas latino-americanas na atualidade;
(6) caracterizar as formas de internacionalização em uma telenovela: exibição integral,
venda de roteiro e venda de formato; e
(7) estabelecer relações entre as redes estudadas, apresentando Brasil e México como
exportadores do produto integral e Argentina como principal provedora de roteiros.
A escolha da telenovela transnacional como corpus justifica-se a partir do fluxo de tal
produto na América Latina. Com forte presença na grande de programação das emissoras de
televisão, configura-se como um lucrativo negócio para seus investidores. Sua audiência
movimenta o mercado publicitário e viabiliza novos negócios aos programadores, através de
merchandising31 ou licenciamento de produtos. Em um segundo momento, seu arranjo híbrido
possibilita diversos modelos de produção, como co-produções, pré-vendas e joint-ventures.
No Brasil e no México, de forma mais grandiosa, e na Argentina, que ainda tem seu mercado
de exportação em ascensão – mas notoriamente implementa com sucesso o modelo de
produção vertical –, a ficção seriada foi ferramenta fundamental, especialmente para o
fortalecimento dos oligopólios. A partir dos anos 90, a comercialização de títulos e a criação
de empresas extensoras das redes, especialistas na comercialização de formatos de telenovela,
foram as principais responsáveis para que o produto conquistasse territórios transnacionais.
Nesta direção, a pesquisa se desenvolve no sentido de suprir a carência de um estudo
que verifique as estratégias de internacionalização das empresas de televisão a partir da
teledramaturgia. Para a sociedade, torna-se relevante no sentido de desvendar os rumos da
comunicação e da cultura, a partir de uma análise macro dos elementos estruturais da
chamada Sociedade da Informação, caracterizada, entre outros fatores, pela aceleração dos
processos de produção. Para traçar este caminho a pesquisa filia-se à Economia Política da
Comunicação. Em suma, o projeto não pretende esgotar a análise acerca dos movimentos
empreendidos pelos players, mas sim colaborar modestamente na construção e legitimação
dos procedimentos econômicos, explicitados a partir da ficção seriada.
O projeto está vinculado à área de concentração Processos Midiáticos, do Programa de
Pós-Graduação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), cujo enfoque 31 Em seu estudo sobre telenovela, Ramos constata que o merchandising não se trata apenas de produtos ocupando cenas, uma vez que são inseridos no contexto narrativo, resultando numa mensagem midiática favorável ao consumo e pouco perceptível. “Os enredos das novelas trocam nomes, personagens e cenas. No entanto, são sempre os mesmos. Contam a história da adaptação social. Não possuem senso ético e nem moral. O telespectador pensa que acompanha mais um capítulo, mas está sendo administrado para que se colabore na preservação do capitalismo. É indispensável dizer sim e comprar todo o tipo de supérfluo para manter intactos os privilégios da classe dominante e o cativeiro do povo.” Vide RAMOS, Roberto. Grã-finos na Globo: cultura e merchandising nas novelas. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1987. p. 84.
22
contempla especialmente o campo das mídias, abordando os sistemas eletro-eletrônicos de
comunicação e as demais esferas implicadas nas interações sociais tecnologicamente
mediadas. A partir daí, a área insere-se na linha de pesquisa Mídias e Processos Audiovisuais,
preocupada em investigar as mídias audiovisuais e sua convergência tecnológica, em
perspectiva cultural, política e filosófica. Esta linha desenvolve pesquisas sobre a significação
e a produção da produção, circulação e consumo de audiovisuais, focalizando suas estéticas,
linguagens e técnicas, tal como seus devires de cultura, estratégias e a economia política dos
meios.32
Neste âmbito é que germina a presente dissertação, somando-se ao Grupo de Pesquisa
Comunicação, Economia Política e Sociedade (CEPOS), ambiente de constante discussão
analítica acerca dos processos midiáticos na sociedade capitalista. A diversidade de diálogos
do CEPOS contempla relações da comunicação com a sociedade contemporânea, tais como a
funcionalidade das indústrias culturais no capitalismo global, o papel e as manifestações da
cultura dos meios, a interação estatal e comunicação, os limites e aberturas das novas
tecnologias de comunicação e informação, as reordenações do espaço público diante das
organizações privadas, públicas e não-governamentais, as lógicas internas e estratégias de
fidelização da audiência, as disputas entre as corporações midiáticas, as práticas
comunicacionais no âmbito das diversas organizações, as experiências de comunicação
alternativa (especialmente as desenvolvidas por atores não-hegemônicos), as trajetórias e
experiências de empresas ligadas ao provimento de comunicação, os lugares dos diversos
produtos culturais nas relações internas e externas dos agentes de comunicacionais e as ações
de publicidade e marketing no âmbito dos mercados e de cada negócio.33
Conforme Caio Prado Jr., o conhecimento científico não se constitui de uma
aglomeração de conceitos individualizados e dispostos entre si em composição vocabular,
mas sim de um sistema de conjunto cujas partes, que seriam os conceitos particulares,
reciprocamente se incluem umas nas outras, referindo sentido e conteúdo unicamente dentro
do sistema em que se integram.34 Nesta direção, como procedimento metodológico, recorre-se
ao materialismo histórico concebido por Marx, tratando-se, portanto, de uma investigação
analítico-descritiva, onde os fenômenos são observados, registrados, analisados e
32 UNISINOS. PPG em Ciências da Comunicação – Linhas de Pesquisa. Disponível em: <http://www.unisinos.br/ppg/comunicacao/index.php?option=com_content&task=view&id=38&Itemid=121&menu_ativo=active_menu_sub&marcador=121 >. Acesso em: 16 jun. 2009. 33 GRUPO DE PESQUISA CEPOS. Institucional – O grupo. Disponível em: <http://www.grupocepos.net/site/?cat=3>. Acesso em: 16 jul. 2008. 34 PRADO JÚNIOR, Caio. Introdução à lógica dialética: notas introdutórias. 4 ed. São Paulo: Brasiliense, 1979. p. 73.
23
correlacionados.35
Para uma compreensão global do pensamento de Marx – que, tal como sua obra,
emerge da filosofia para as ciências sociais e econômicas –, é preciso discorrer sobre as
contribuições dos filósofos alemães de seu tempo.36 Após a morte de Friedrich Hegel, em
1831, um grupo formado por estudantes e professores da Universidade Humboldt, de Berlim,
passa a construir noções teóricas radicais sobre religião e sociedade. Pertencentes à chamada
esquerda hegeliana, este grupo de pensadores influencia o pensamento do então jovem Marx,
que em pouco tempo separa-se do grupo e passa a criticar sua timidez política e seus limitados
projetos de transformação. Isto posto, o pensamento de Marx pode ser dividida em três
distintos períodos: a) jovem Marx (filósofo); b) Ideologia alemã (1846); e c) Marx maduro
(economista).
No entanto, o pensamento de Friedrich Hegel estaria em constante diálogo com toda a
obra de Marx, especialmente no que diz respeito à sua compreensão dialética de mundo, da
qual este se apropria para esquematizar sua própria concepção. A noção dialética possui longa
trajetória no pensamento filosófico, iniciada com Heráclito, passando por Platão, Kant e
outros pensadores, até chegar a Hegel. Para Marx, a dialética de Hegel está invertida: a
história não é fruto do espírito absoluto, mas sim fruto do trabalho humano. São os homens,
interagindo para satisfazer suas necessidades, que desencadeiam o processo histórico.
A matriz dialética de Marx propõe-se a estudar a sociedade, não se tratando da
acumulação acidental de objetos, fenômenos destacados isolados ou independentes, mas sim
como um todo unido, coerente, onde os objetos e os fenômenos estão ligados organicamente
entre si, dependendo uns dos outros e condicionando-se reciprocamente. Não se trata, no
entanto, de um estado de repouso, imobilidade ou estagnação e imutabilidade, mas sim em um
estado de movimento e mudança perpétuos, onde renovação e desenvolvimento são
incessantes, com nascimento e desenvolvimento contínuos, e algo se desagrega e desaparece.
Por fim, não se trata de um simples processo de crescimento, onde as mudanças quantitativas
não resultam em mudanças qualitativas, mas sim em um processo de desenvolvimento que
emerge de mudanças quantitativas insignificantes a mudanças qualitativas radicais não
graduais, mas aceleradas, súbitas, e operando por saltos de um estado a outro.37
O materialismo histórico é a ciência das leis que regem o desenvolvimento da
35 BARROS, Aidil Jesus Paes de; GEHFELDT, Neide Aparecida de Souza. Fundamentos de metodologia: um guia para a iniciação científica. São Paulo: McGraw-Hill, 1986. p. 90. 36 Revisão bibliográfica a partir de tradução livre do próprio pesquisador. 37 STÁLIN, Josef. Histoire du Parti Communiste (bolchevique) de URSS. Moscou: Langues Étrangères, 1990. p. 118.
24
sociedade. É capaz de explicar cientificamente os problemas sociológicos gerais e cardinais
da ciência social, como caminho de esclarecimento fundamental para uma compreensão do
desenvolvimento da vida social em seu conjunto, ou o de qualquer de seus aspectos
separadamente. Sua formulação é descrita por Marx e Engels na obra A Ideologia Alemã,38
cujos conceitos básicos constituem uma teoria científica da História, enumerando-se em (1)
forças produtivas; (2) relações de produção; (3) modos e meios de produção; (4) infra-
estrutura e superestrutura; (5) determinação em última instância pela economia; (6) classe
social e luta de classes; (7) transição e (8) revolução. Portanto, a evolução histórica, desde as
sociedades mais remotas até à atual, dá-se pelos confrontos entre diferentes classes sociais,
decorrentes da exploração do homem pelo homem. A teoria serve também como forma
essencial para explicar as relações entre as organizações.
O método dialético de Marx compreende quatro leis fundamentais, que convergem
entre seus distintos pensadores. São elas: (1) Ação recíproca, unidade polar ou “tudo se
relaciona”; (2) Mudança dialética, negação da negação ou “tudo se transforma”; (3) Passagem
da quantidade à qualidade ou mudança qualitativa; (4) Interpenetração dos contrários,
contradição ou luta dos contrários.39 Em outras palavras, Marx apropriou-se do método
dialético utilizado por Hegel, esforçando-se intelectualmente para que sua releitura estrutural
compreendesse as mudanças ocorridas na história da humanidade. Ao deter-se nos fatos
históricos, esquadrinhava seus elementos contraditórios, buscando encontrar fatores
responsáveis por sua transformação num novo fato, em um contínuo processo histórico.
Com relação à amostragem, o corpus analisado se estabelece em diferentes medidas.
Enquanto no Brasil e no México são as emissoras de televisão que norteiam a análise, na
Argentina isto ocorre através das produtoras de conteúdo, responsáveis por nutrir a
programação dos exibidores. Para tanto, concentra-se especialmente (mas não
exclusivamente) nas três principais produtoras daquele país: Telefé Contenidos, Cris Morena
Group (CMG) e RGB Entertainment. Este critério se justifica pelo lugar que a produção
independente ocupa na Argentina, que, através de co-produções ou joint-ventures, acaba
contrapondo-se ao modelo vertical praticado em países como Brasil e México. Tal desnível
em relação ao empírico será sanado a partir de abordagem qualitativa, contemplando na
análise, especialmente, técnicas de observação sistemática, entrevista focalizada não
38 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: crítica da filosofia alemã mais recente na pessoa dos seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão na dos seus diferentes profetas. Lisboa: Presença, 1980. 2 v. 39 LAKATOS, Maria Eva; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica. 2 ed. São Paulo: Altas, 1991. p. 74.
25
estruturada e pesquisa documental.
Em sentido amplo, observar condiz com coletar e reunir evidências concretas capazes
de reproduzir a essencialidade dos fenômenos.40 Na observação sistemática, especificamente,
“o pesquisador sabe o que procura e o que carece de importância em determinada situação;
deve ser objetivo, reconhecer possíveis erros e eliminar sua influência sobre o que vê ou
recolhe”.41 Portanto, um olhar adjacente sobre determinados produtos de ficção seriada,
possibilita constituir respostas acerca de determinado modelo de produção e padrão tecno-
estético empregado.
Com respeito à entrevista focalizada não estruturada, “o entrevistado tem liberdade
para desenvolver cada situação em qualquer direção que considere adequada. É uma forma de
explorar mais amplamente uma questão”.42 Caracteriza-se, também, por uma conversa aberta
e informal, onde o pesquisador pode dissecar acerca de determinado ponto que considerar
pertinente o aprofundamento.
A pesquisa documental, por sua vez, deve ser atualizada e revisada. Trata-se de uma
fonte de coleta restrita a documentos de fontes primárias, tal como documentos de arquivos,
contratos, gravações em fita magnética, etc. Quando extraída de impressos (jornais ou
revistas), deve ser analisada sob respectiva conjuntural. Sua amostragem pode derivar de
documentos contemporâneos ou retrospectivos, ou seja, compilados após o acontecimento.
Ademais as técnicas, a pesquisa nutre-se de métodos de investigação teórica rígida, a
partir da formulação de quadros de referência e descrição e análise das teorias, a partir de
bibliografias inseridas ou delineadas na EPC. Neste sentido, busca-se se acercar da realidade;
de todas as dimensões que compõem uma forma de viver e o espaço que a cerca. Realidades
sociais circunscrevem-se às dimensões sociais, tanto àquelas que estão em nós quanto àquelas
que nos circulam.43
A análise dos resultados obtidos discorre um segundo momento da pesquisa. Neste
sentido, pretende-se explicitar os movimentos da telenovela transnacional como estratégia de
expansão das empresas de televisão. Quando explicitadas, estas questões devem ser
contrapostas às entrevistas. A finalidade é criar uma estrutura convergida entre as referências
bibliográfica, os dados coletados e as entrevistas. Neste momento, então, construir-se-á as
considerações do pesquisador.
40 LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Pesquisa em Comunicação. São Paulo: Loyola, 1990. p. 142. 41 MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Técnicas de pesquisa. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 90. 42 MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria, op. cit., p. 94. 43 DEMO, Pedro. Introdução à metodologia da ciência. São Paulo: Atlas, 1987. p. 27.
26
A presente dissertação divide-se em três capítulos, cuja organização sumária parte de
um fenômeno macroestrutural – o capitalismo avançado –, a fim de atingir uma análise
microestrutural, analisando a totalidade do mercado latino-americano de e culminando nas
estratégias de internacionalização empregadas a tais bens simbólicos ficcionais televisivos. O
primeiro, Para analisar a telenovela econômica, busca oferecer subsídios para se estabelecer
nexos entre a indústria cultural, a economia e a comunicação, partindo-se de uma revisão
bibliográfica macroestrutural do capitalismo. Nesta direção, contempla os fatores políticos e
econômicos que desencadearam a reconfiguração capitalista, a partir da década de 70. Sob a
perspectiva da EPC, desenvolvem-se questões que buscam entender como se desenvolvem a
articulação do capitalismo contemporâneo e os sistemas de comunicação globais.
O segundo capítulo, Mercado latino-americano de televisão, discorre sobre as
estruturas do mercado televisivo latino-americano, suas estratégias e seus modelos de
teleficção. Em rápida análise, recupera-se o advento dos atores econômicos trabalhados,
partindo para um histórico global da teledramaturgia na América Latina. Contextualiza-se o
padrão tecno-estético, a fim de identificar o modelo de produção das empresas investigadas, o
papel da transnacionalização e convergência de formatos a partir do decênio de 90. Neste
sentido, desenvolve-se o movimento das empresas rumo à internacionalização e a utilização
da telenovela como produto cardeal para este fim.
O terceiro capítulo, Teledramaturgia, transnacionalização e estratégias, procura
analisar o corpus da pesquisa com uma lupa, considerando e descrevendo especificamente as
estratégias das organizações midiáticas estudadas, seus movimentos singulares e as políticas
de ação empreendidas. Com a pretensão de classificar os processos de transnacionalização
praticados pelas empresas de televisão na contemporaneidade, contextualiza-se a tentativa das
Organizações Globo em penetrar com solidez no mercado europeu, através de estratégias
aplicadas à sua ficção seriada. Em consonância, faz-se alusão também aos movimentos da
Televisa rumo ao mercado argentino, levando em conta seu know-how de produção em
teledramaturgia no México.
27
Capítulo 1. Para analisar a telenovela econômica
O presente capítulo oferece subsídios necessários para se estabelecer nexos entre
indústria cultural, economia e comunicação, contemplando uma revisão bibliográfica
macroestrutural do capitalismo. Para tanto, contextualiza-se a produção de bens simbólicos
culturais sob a ótica da EPC, resgatada dialeticamente a partir de movimentos pré-
mercantilistas culminantes para a formatação da atual conjuntura econômica, favorável aos
interesses capitalistas. A fabricação de produtos em série caminha rumo ao rearranjo do
cenário político-econômico dos anos de 70, decênio favorável aos processos de expansão,
onde também se desenvolvem os principais desencadeamentos de ordem econômica.
O surgimento de novas tecnologias de comunicação e informação (TIC) expandiu as
possibilidades de produção cultural, antes limitadas. Neste contexto, a desregulamentação dos
mercados – no caso o televisivo, especialmente devido a vácuos legislativos –, colaborou
positivamente para o fortalecimento das networks de comunicação. Com o estabelecimento de
uma política neoliberal e da submissão ao capital internacional globalizado, empresas de
comunicação começam a desempenhar estratégias visando à expansão transnacional de seus
teleprodutos.
1.1. Capitalismo e indústrias culturais
A História do Pensamento Econômico resgata que a busca por insumos em regiões
fronteiriças inicia-se apenas com o advento do mercantilismo. No entanto, mesmo que os
indivíduos pré-históricos não fossem pautados pela busca da riqueza pessoal – anseio gerado
com a instauração do capitalismo – ações específicas buscaram compensar a carência de
insumos a partir de um olhar transversal às regiões fronteiriças. No momento em que a
Economia é cunhada como ciência, este fenômeno passa a ser observado a partir do resgate
histórico de ações individuais, que, mesmo inerentes à vontade do homem, revelam o
princípio da busca pelo que está além-mar. Inicialmente apresentados como uma necessidade,
tais movimentos esboçam o desenvolvimento da sociedade, ao mesmo tempo em que,
constituindo uma hipótese, avigoram um esboço do que seriam os primeiros indícios de
transnacionalização, ainda incipientes.
Na Antiguidade, comerciantes mesopotâmicos transportavam seus produtos agrícolas
e artesanais, especialmente tecidos de lã, até regiões vizinhas, para serem trocados por
matérias-primas. Já os egípcios, exportavam tecido, trigo, linho e cerâmica para países como
Creta, Fenícia, Palestina e Síria, utilizando-se de argolas de ouro e cobre em transações
baseadas no escambo. Na Idade Média, mercadorias advindas de navegações além-mar
28
também eram valorizadas. A permuta, então concretizada por intermédio de peças de ouro e
prata, evoluiu com o advento da moeda. Nesse período surgem as feiras, os bancos, o cheque
e as regras do Direito Mercantil Internacional (DMI). Sequencialmente, a reabertura do
Mediterrâneo (graças às expedições militares, também denominadas de cruzadas) ativa o
intercâmbio comercial entre a Europa e o Ocidente, incentivando a população rural a migrar
para as cidades.
A doutrina mercantilista,44 instaurada na Idade Moderna, induz ao desenvolvimento de
inventos que aprimoram a relação do homem com a informação. Entre tais a bússola,
proporcionando navegações mais seguras, principalmente de larga distância; o papel,
possibilitando a difusão de livros, relatos e tratados sobre viagens oceânicas; e a imprensa,
que, através da tipografia – cuja paternidade final é incumbida ao alemão Johann Gutenberg –
possibilita a reprodução gráfica de periódicos, viabilizando as primeiras experiências
jornalísticas. O crescimento da população e da concentração urbana favorece o
desenvolvimento do comércio de longa distância. A caravela, outra geniosa invenção, revela a
necessidade de conquistar mercados mais longínquos. Em busca de um caminho marítimo que
levasse às Índias, os europeus explicitam seu interesse em driblar os concorrentes árabes,
genuínos exploradores de especiarias exóticas nesse território. Todas essas descobertas
acarretam na Revolução Comercial, impacto econômico mundial que findaria com o poder
centralizado nas mãos de soberanos e seus ministros. Em consonância, uma série de medidas
políticas e econômicas busca a ascensão ao lucro, o desenvolvimento do sistema bancário e o
controle da atividade econômica por parte do Estado. O capitalismo está posto.
O surgimento do discurso econômico, primeiramente atrelado aos estudos de Filosofia
Moral, aflora no contexto iluminista do século XVIII, instigante ao predomínio da razão e das
correntes intelectuais. O Iluminismo45 designa-se como um importante período para o
desenvolvimento da história intelectual ocidental, onde os estudos de fenômenos físicos
colaboram para a compreensão integral da cultura do homem. Uma difundida observação
44 Consolidada no século XVIII, a doutrina mercantilista situa-se no momento intermediário entre o esfacelamento da estrutura feudal e o surgimento do capitalismo industrial. Numa perspectiva global, pregava que a riqueza de uma nação residia na acumulação de metais preciosos, especialmente ouro e prata. Tal política também tinha o objetivo de garantir lucro para as grandes companhias de comércio, além de ampliar as fontes de renda dos governos nacionais. Ao adotar uma política econômica orientada pelo Mercantilismo, o Estado Moderno buscou propiciar todas as condições de lucratividade para que as empresas privadas exportassem o maior número possível de excedentes. 45 O termo Iluminismo sintetiza as diversas tradições filosóficas, originadas de correntes intelectuais e atitudes religiosas. Na verdade, ocorreram diversas correntes, diferenciando especificidades temporais, regionais e de matiz religiosa, como nos casos do Iluminismo Tardio, Iluminismo escocês e Iluminismo católico. O uso do termo Iluminismo na forma singular justifica-se, contudo, dadas certas tendências gerais comuns a todos os iluminismos, nomeadamente a ênfase nas idéias de progresso e esclarecimento das questões humanas em defesa do conhecimento racional como meio para a superação de preconceitos e ideologias tradicionais.
29
sobre a conduta do indivíduo em suas relações de troca parte de Adam Smith, em 1759, na
obra Teoria dos sentimentos morais.46 Considerado um dos percussores da Economia Política,
Smith inicialmente buscou compreender o desencadeamento das ações por parte do homem,
através de seus sentimentos e percepções subjetivas. Em sua concepção, as normas morais são
produções sociais, uma vez que a capacidade do indivíduo se colocar no lugar de outro, a
partir de uma experiência imaginativa análoga, vem a ser fator desencadeante de suas
decisões. Frente ao desejo de aprovação e reconhecimento, o indivíduo mostra-se virtuoso na
medida em que combina e contrabalança seus sentimentos, sendo, por conta disso, capaz de
agir de modo justo, com prudência e benevolência.
Smith concebe que o amor-próprio (self-love) ou a busca do interesse pessoal (self-
concern) são sentimentos naturais do indivíduo. Esta aspiração, no entanto, deve ser
ponderada, uma vez que poderia levar o homem a ultrapassar o limite onde se encontra o
direito de outros homens, inviabilizando o convívio em sociedade. Em outras palavras, Teoria
dos Sentimentos Morais afirma que o interesse pessoal é uma das motivações da ação
humana, inclusive as virtuosas, evidenciando que não há qualquer contradição entre sua
filosofia moral e sua teoria econômica. O bem-estar coletivo também seria levado em conta.
Em metáfora à existência de uma mão invisível, que atuaria como reguladora das ações da
sociedade, o autor concebe que é a partir de determinados atos, em prol do interesse próprio,
que os indivíduos acabam por contribuir inconscientemente para o bem comum, enriquecendo
e acumulando riquezas para sua pátria.
Sua obra mais célebre, A Riqueza das Nações47 desenvolve o momento em que o
dinheiro é instaurado como moeda de troca, tornando-se inerente aos câmbios de mercadorias.
Para tal constatação, Smith esboça uma primeira teoria dos preços, observando que o valor da
maior parte das mercadorias se decompõe a partir de três elementos, sendo que o primeiro
paga os salários do trabalho, o segundo paga os lucros do capital e o terceiro paga a renda da
terra, utilizada para produzi-las e colocá-las no mercado. Não obstante, algumas mercadorias
têm seu preço decomposto por somente dois elementos: os salários de mão-de-obra e os
lucros do capital; e algumas poucas, nas quais consistem apenas em um elemento, que são os
salários da mão-de-obra. Para Smith, o preço de cada mercadoria é composto de um ou outro
destes elementos, ou dos três simultaneamente, sendo que o montante não destinado à renda
da terra ou aos salários é o que constitui lucro para alguém. Nesta direção, o autor
macroestruturaliza sua análise antes de mercadorias isoladas, constatando que o mesmo deve
46 SMITH, Adam. Teoria dos sentimentos morais. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 47 SMITH, Adam. Riqueza das nações. 3 ed. São Paulo: Hemus, 2008.
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ocorrer em relação a todas as mercadorias que compõem a produção anual total e a mão-de-
obra de um país. O preço total do valor de troca dessa produção anual, por sua vez, passa a se
decompor nestas mesmas três partes, sendo distribuído entre os diversos habitantes do país em
forma de salários, como lucro de seu capital ou como renda de sua terra.48
Neste momento, Smith atinge o plano estritamente econômico de análise da vida
moderna, referenciando que os mercados devem ser livres, sem qualquer restrição.49 Em sua
linha de pensamento, a acumulação de riqueza passa a ser inconcebível através da rigidez das
relações de trabalho e da produção, sendo somente atingida através do trabalho livre, sem a
regulação ou intervenção do Estado. Concebe, então, que a divisão do trabalho atua
favoravelmente para a especialização das atividades. Em outras palavras, em constatação
empírica, eleva-se a qualidade dos serviços a partir do momento em que cada indivíduo torna-
se expert na produção de determinado produto. As concepções fisiocratas50 de Smith
seguidamente são referenciadas como ponto de partida para o modelo capitalista. No entanto,
é com o posterior avanço da industrialização e a instauração da divisão do trabalho que tal
processo é tencionado.
Na Idade Contemporânea, a invasão das exportações de produtos manufaturados
fabricados na Inglaterra desencadeia a Revolução Industrial, mais importante transformação
econômica ocorrida até então. Neste momento, o homem capitalista já não troca insumos que
lhe sobram por outros que lhe faltam, mas passa a visar o lucro a partir da produção de
mercadorias. Nas fábricas, cada operário passa a desenvolver determinada tarefa, que
corresponde a uma fração do procedimento total. A integração de máquinas ao processo
produtivo modifica a relação do trabalhador com o meio de trabalho. Até então provedoras de
manuseio individual, as mãos do homem são incorporadas ao mecanismo repetitivo
determinado pela máquina, resultando em “um mecanismo que, uma vez lhe seja transmitido
o movimento adequado, executa, com ferramentas, as mesmas operações que antes o operário
executava com outras ferramentas semelhantes”.51 Ora, se por um lado a tecnologia permite
abrandar o esforço braçal do homem, por outro caminha no sentido de explorar, alienar e
48 SMITH, Adam, op. cit., p. 293. 49 Alguns estudos dedicam-se a pesquisar a ruptura no pensamento de Smith, que pode vir a gerar, inclusive, incompreensibilidade no entendimento total de sua obra. Para tal análise, ver: GANEM, Ângela. Adam Smith e a explicação do mercado como ordem social: uma abordagem histórico-filosófica. Revista de Economia Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 9-36, jul./dez. 2000. 50 Escola econômica fundada na doutrina do francês Quesnay (1694-1774), a qual constitui, no século XVIII, uma reação ao mercantilismo. Considerava a terra a única fonte da riqueza pública e da prosperidade nacional e combatia qualquer interferência nas relações econômicas, as quais devem ser governadas livremente pelas leis naturais. 51 MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. 21. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971. p. 304.
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controlar e sociedade.
A introdução das máquinas no ambiente de trabalho apresenta-se para os burgueses
como alternativa viável para maximizar os lucros e garantir o atendimento das necessidades
das massas. Nesta direção, Marx seria o mais importante crítico sobre os novos rumos
tomados pela sociedade capitalista. Seu legado aponta que a busca por ganhos elevados
conduziria a uma permanente transformação das condições de produção, onde o progresso
tecnológico é atravessado pela divisão do trabalho no interior da manufatura, chegando à
indústria maquinizada. Estas transformações do processo produtivo, traduzidas num
processo de dominação do capital sobre o trabalhador, seriam, mais tarde, as
responsáveis por uma ambiência de opressão e alienação. Com um valor de
mercadoria medido pelo tempo trabalhado, aumenta-se a produtividade reduzindo-se a
produção de valor por unidade de produto. Há, neste cálculo, uma dinâmica típica da
economia capitalista, decorrente da interação contraditória do chamado trabalho concreto e
abstrato. Uma vez que a quantidade de trabalho abstrato (valor) e os efeitos do trabalho
concreto podem mover-se de diferente maneiras, riqueza material e valor tendem a se
maximizarem neste ciclo de produção, carente de constante renovação e inserção de produtos
geradores de novos anseios.
O enfoque neo-schumpteriano aloca a tecnologia ao centro de sua análise, voltando-se
às questões que envolvem os processos de inovação. Este seria, na visão de Schumpeter, o
dinamizador fundamental da atividade econômica capitalista, que ocorre não somente com a
introdução de novos meios produtivos, mas também pela constituição de diferentes produtos e
serviços, tal como formas de organização da produção diversificadas, matéria-prima
diferenciada e nichos de mercado (a fim de atingir um público específico). Fatores
microeconômicos (bases tecnológicas empresariais, controle de mercados e competitividade)
e fatores macroeconômicos (política cultural, industrial e externa) também devem ser
considerados para que ocorra não somente a introdução de novos meios produtivos, mas
também a constituição de diferentes produtos e serviços, com formas de organização
diversificadas, matéria-prima diferenciada e nichos de mercado a serem identificados e
atingidos.
Diferente da experimentação e da invenção, o processo de “destruição criadora”,
conforme denominado por Schumpeter, envolve uma alteração histórica quanto ao
desenvolvimento e disponibilidade de produtos, gerando novos consumos, aprimorando ou
32
contrariando uma tradição anterior.52 Mas isso não corresponde, necessariamente, à inclusão
de alguma novidade científica. Passa a interessar não diretamente o conhecimento, “mas o
sucesso da solução, que se traduz na tarefa sui generis de pôr em prática um método não
experimentado”,53 o que não faz diferença à natureza do processo, até porque o estoque de
conhecimentos científicos não opera com potencialidade total, no sentido da sua aplicação ao
desenvolvimento industrial. O que prevalece no capitalismo, e essencialmente nas indústrias
culturais, é a permanente revolução que destrói o obsoleto para, a partir deste, incorporar
novos elementos.54 No entanto, considera-se qualquer ação que diferencie o produto ou o
serviço de um agente perante os demais, sendo que, para Schumpeter:
O capitalismo é, por natureza, uma forma de método de transformação econômica e não, apenas, reveste caráter estacionário, pois jamais poderia tê-lo. Não se deve esse caráter evolutivo do processo capitalista apenas ao fato de que a vida econômica transcorre em um meio natural e social que se modifica e que, em virtude dessa mesma transformação, altera a situação econômica. [...] O impulso fundamental que põe e mantém em funcionamento a máquina capitalista procede dos novos bens de consumo, dos novos métodos de produção ou transporte, dos novos mercados e das novas formas de organização industrial criadas pela empresa capitalista.55
Não obstante, o autor esclarece em Teoria do desenvolvimento econômico,56 que, para
que o processo produtivo deslanche, a presença de inovações tecnológicas se faz necessária,
assim como o sistema bancário estruturado, cuja demanda se dará pela necessidade do crédito
por parte dos investidores. No entanto, no modelo schumpeteriano existem falhas de mercado,
ou seja, situações em que o comportamento individual dos atores econômicos não conduz à
eficiência. Frente a esta configuração, considera-se como favorável a atuação do Estado como
órgão regulador de determinadas ações, a fim de promover o crescimento econômico e
maximizar o bem-estar social com um menor grau de falhas de mercado. Tal ação ocorre
especialmente por meio da regulação dos mercados, através da taxação de tributos (impostos),
correção de preços, administração de bens públicos, introdução de leis e procedimentos fiscais
e monetários, culminantes desde o liberalismo econômico.
Com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, as nações capitalistas
estariam condenadas à propagação do sistema financeiro. Na contemporaneidade, a
52 SCHUMPETER, Joseph. O processo da destruição criadora. In: SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961. p. 103-109. 53 SCHUMPETER, Joseph. A instabilidade do capitalismo. In: SCHUMPETER, Joseph. Ensaios: empresários, inovação, ciclos de negócio e evolução do capitalismo. Oeiras: Celta, 1996. p. 42-66. p. 59. 54 Vide REIS, Ana Carla Fonseca. Economia da cultura e desenvolvimento sustentável: o caleidoscópio da cultura. São Paulo: Manole, 2006. 55 SCHUMPETER, Joseph. O processo da destruição criadora. In: SCHUMPETER, Joseph. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961. p. 103-109. p. 105. 56 SCHUMPETER, Joseph. Teoria do desenvolvimento econômico: uma pesquisa sobre lucros, capital, crédito, juros e ciclo econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1982.
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transformação da sociedade, no que diz respeito ao aumento da produtividade, por parte das
grandes corporações, e a expansão dos salários, produziu melhorias na situação de vida das
massas, propiciando um relativo acesso a bens simbólicos que outrora eram exclusivamente
dirigidos à burguesia. No entanto, tal avanço caminhou exclusivamente no sentido de atender
interesses capitalistas, que, a partir da elevação do poder de consumo das classes
desfavorecidas, promoveu um discurso de protesto contra a miséria e injustiça reinante,
agraciado com a ideologia de uma arte autônoma, regida pelo mercado e de fácil acesso.
Conforme Rüdiger, os artistas e escritores, antes dependentes dos poderes político e religioso,
conquistam a liberdade de expressão frente ao surgimento de um consumidor capaz de pagar
por suas obras, e desinteressado em interferir no processo criativo. Posto este raciocínio, a arte
constitui-se como mercadoria, mas somente na esfera da circulação, havendo relativa
autonomia cultural e simbólica em sua produção.57
O conceito de indústria cultural, difundido por Adorno e Horkheimer, surge a partir da
obra Dialética do esclarecimento,58 de 1944. No entanto, já havia sido concebido por
Horkheimer em 1941, no ensaio Arte e Cultura de Massa.59 Os autores, professores judeus do
Instituto de Pesquisas Sociais da Universidade de Frankfurt, refugiaram-se nos Estados
Unidos, fugidos do regime nazista iniciado por Hitler em 1933. O conceito surge em oposição
ao conceito de cultura de massa, vastamente utilizado pela pesquisa norte-americana. Para
explicar o termo, Adorno e Horkheimer partem de uma observação sobre as transformações
sociais de seu tempo, sobretudo de ordem econômica. Em direta relação às formas concretas
de trabalho, concluem que toda práxis desta indústria transfere a motivação do lucro para o
intelecto criativo, ou “criações espirituais”, sendo que, a partir do momento que essas
mercadorias asseguram a vida de seus produtores no mercado, elas já estão contaminadas por
essa motivação”.60 Tal concepção passa a designar o conjunto de organizações empresariais,
altamente concentradas tecnicamente e de capital centralizado, que produzem e distribuem
objetos culturais em grande escala, empregando métodos marcados por um alto grau de
divisão do trabalho, baseados em fórmulas, e visando à rentabilidade econômica.
Adorno defendia que os produtos, em todos os setores, eram fabricados seguindo mais
ou menos o mesmo arquétipo, sendo ideal para o consumo das massas, vindo a reforçar a
perspectiva nascente de uma intenção deliberada de instrumentalização de interesses, cuja
57 RÜDIGER, Francisco Ricardo. Estética da cultura de massa. Porto Alegre: [s.N.], 1990. p. 33. 58 HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodoro W. Dialética do esclarecimento. São Paulo: Ática, 1975. 59 FREITAG, Bárbara. A teoria crítica: ontem e hoje. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. 60 ADORNO, Theodor. A indústria cultural. In: COHN, Gabriel. Comunicação e indústria cultural. São Paulo: USP, 1987. p. 287-295. p. 288.
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principal vítima reside, segundo ele, no consumidor comum.61
Em clássico estudo sobre a reprodutibilidade técnica,62 de 1936, Benjamin também
apresentou indícios categóricos sobre o surgimento de uma indústria da cultura, que se inicia
com a tipografia e emerge ao romance-folhetim, as clássicas novelas em capítulos dos jornais
do século XIX. Para o autor, a reprodução da obra de arte implicaria na destruição de sua
aura, levando à extinção de sua autenticidade:
O que faz com que uma coisa seja autêntica é tudo o que ela contém de originariamente transmissível, desde sua duração material até seu poder de testemunho histórico. Como esse testemunho repousa sobre essa duração, no caso da reprodução, em que o primeiro elemento escapa aos homens, o segundo - o testemunho histórico da coisa - encontra-se igualmente abalado. Não em dose maior, por certo, mas o que é assim abalado é a própria autoria da coisa.63
Ao inaugurar a era da “reprodução mecânica” das obras artísticas, a fotografia suscitou
vários problemas estéticos e materiais que influenciaram o imaginário artístico do início do
século XX. A arte moderna, ao tomar consciência da mudança e ao ficar fascinada pela
técnica, velocidade e movimento, pretendeu transformar a concepção de arte, a sua função
social, os conceitos de representação e as concepções estéticas. Assim, os artistas do início do
século XX tanto incorporaram objetos industriais, como as novas tecnologias, para mediação
da criação artística. Já na segunda metade do século XX, após a Segunda Guerra Mundial,
esta mudança no imaginário social já estava posta, atingindo os planos socio-político,
econômico, e especialmente cultural. Neste momento, começava-se a delinear o que hoje se
conhece por pós-modernidade. Com o cinema, o rádio e a televisão, a cultura de massas
encontrou sustentação para a sua estabilização. Da mesma maneira, o surgimento de novas
tecnologias e grandes descobertas no campo da ciência (como o DNA) abriram novas
possibilidades para o imaginário artístico, que já mergulhava na total aceitação do efêmero, do
fragmentário, do descontínuo e do caótico.64
Rüdiger esclarece que o termo original se referia genericamente às indústrias
interessadas na produção em massa de bens culturais; no entanto, observa que a expressão não
se refere às empresas produtoras nem às técnicas de difusão dos bens culturais, mas sim a um
“movimento histórico-universal: a transformação da mercadoria em matriz de cultura e,
61 ADORNO, Theodor W. Sobre a indústria da cultura. Coimbra: Angelus Novus, 2003. p. 97-98. 62 Vide BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1996. 63 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1996. p. 219-252. p. 225. 64 AZEVEDO, Isabel; OLIVEIRA, Rosa; LARDOSA, Fernando. Arte e ciência: um novo olhar na arte contemporânea. In: V CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 5, 2007, Coimbra/Aveiro. Anais... Braga, SOPCOM, 2007. 1 CD.
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assim, da cultura em mercadoria, ocorrida na baixa modernidade”.65 O advento do cinema e a
forte penetração do rádio entre as audiências, principalmente nos Estados Unidos,
apresentavam indícios sobre o surgimento de uma cultura produzida em série, que atendia
interesses capitalistas.
Ora, a Escola de Frankfurt é referência nas abordagens teórico-metodológicas críticas
desenvolvidas ao longo da história da pesquisa em Comunicação. Não obstante, na
contemporaneidade, a indústria cultural é representada por organizações ligadas diretamente à
proliferação de produtos oriundos de conceitos, conhecimentos, técnicas e artefatos, padrões
de comportamento e atitudes que caracterizam uma determinada sociedade; ou, empregando-
se o empírico, editoras de livros, gravadoras de discos e realizadoras de audiovisuais, ao
mesmo tempo, “designa a transformação de uma parte da cultura, capaz de integrar um
trabalho criativo, em uma matriz tecnológica e industrial para transformá-lo em um produto
destinado a ser vendido a um público massivo”.66 Em contribuição às transformações da
indústria cultural, Bustamante atualiza o termo, explicando que:
o conceito de indústrias culturais já abandonou, há tempo, as conotações que podia ter sua origem, na obra de Adorno e Korkheimer, ou o tom nostálgico e pejorativo que pode adquirir em certas polêmicas dos anos sessenta, para designar simplesmente a transformação de uma parte da cultura, capaz de integrar um trabalho criativo em uma matriz tecnológica e industrial para transformá-lo em um produto destinado a sua venda e a um público massivo. E como tal tem se convertido no núcleo central de uma rica teoria, sociológica e econômica, orientada nas últimas décadas a compreender a produção e o consumo da cultura massiva. Se assinalada assim, a nível fundamental, que os produtos e serviços estão compostos por protótipos reproduzíveis, marcados por uma renovação permanente, de valorização aleatória (alto risco econômico), com custos fixos elevados (a criação e fabricação do máster [ou programação]) e custos variáveis débeis (a reprodução e distribuição).67
No entanto, os frankfurtianos não se ocuparam exatamente da reflexão sobre a
organização institucional dos meios existentes na época (rádio, cinema, imprensa, etc). Não
fizeram, portanto, uma análise específica dos negócios de comunicação. Também não se
ocuparam propriamente do processo de transformação do bem cultural em mercadoria, nem
de questões relacionadas à sua organização institucional.68 Para os economistas políticos,
especialmente os franceses, a indústria cultural não existe como unidade, mas como
conjuntura de elementos que se distinguem fortemente entre si, por setores que apresentam
65 RÜDIGER, Francisco. Comunicação e teoria crítica da sociedade. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999. p. 16. 66 BUSTAMANTE, Enrique. La televisión económica: financiación, estratégias y mercados. Barcelona: Gedisa, 1999. p. 25. 67 BUSTAMANTE, Enrique. La televisión econômica: financiación, estratégias y mercados. Barcelona: Gedisa, 1999. p. 23-24. 68 FONSECA, Virgínia Pradelina da Silveira. Jornalismo no conglomerado da mídia: a reestruturação produtiva sob o capitalismo global. 2005. Tese (Doutorado em Comunicação) – Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, p. 75.
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leis de padronização próprias. Cada indústria particular obedece sua lógica, o que inviabiliza a
operacionalização do conceito genérico de indústria cultural. No entanto, adotam a expressão
no plural – indústrias culturais, em clara ruptura com os frankfurtianos, uma vez que estes
partem do pressuposto de que os produtos culturais obedecem à mesma racionalidade técnica,
organização e planejamento administrativo, semelhante ao da fabricação de automóveis.69
Conforme Bolaño, a reestruturação do capital, a expansão do Estado, o surgimento das
grandes empresas e a articulação entre capital bancário e capital industrial são fatores
resultantes de transformações estruturais que acabam culminando nas duas grandes guerras do
século XX.70 Nesta direção, soma-se a instauração da fase monopolista-financeira, que torna
corriqueira a política de diminuição de custos e aumento da escala produtiva, instalando um
regime de acumulação intensiva e um modo de regulação que prioriza as ações dos
monopólios. Também, tal política torna-se essencial para a sustentação e manutenção da
atividade econômica, que atinge seu apogeu ainda nos anos 70. Frente a esta ambiência, um
mínimo movimento antagônico – incoerente às lógicas orquestradas pelo mercado – é
sinônimo de perda de capital, e, não eventualmente, afastamento dos investidores do cenário
produtivo.
1.2. Globalização e tecnologia
O desenvolvimento acelerado da tecnologia e dos meios de comunicação contribuiu
para o aumento da integração dos mercados e da interligação entre as economias globais. Em
outras palavras, os países não vivem mais isoladamente: fatores que atingem uma nação
alastram-se rapidamente a outras. Uma crise financeira de proporção nacional – a exemplo da
estagnação de crédito nos Estados Unidos, a partir de 2007, frente à quantidade de devedores
no setor imobiliário –, rapidamente se alastra através do efeito contágio, tornando-se mundial.
Chesnais destaca a importância da tecnologia no capitalismo contemporâneo, um caráter que
serve para articular estrutura produtiva e estratégia competitiva:
As transformações advindas, desde fins da década de 70, nas relações entre a ciência, a tecnologia e a atividade industrial fizeram da tecnologia um fator de competitividade, muitas vezes decisivo, cujas características afetam praticamente todo o sistema industrial (entendido em sentido amplo, e portanto abrangendo parte dos serviços). [...] A vinculação entre conhecimento científico fundamental e tecnologia tornou-se sensivelmente mais estreita. Mais do que em qualquer outra época, assiste-se a uma interpenetração entre a tecnologia industrial, de finalidade competitiva, e a pesquisa de base “pura”, sem falar na “pesquisa fundamental orientada”, que tem papel cada vez mais importante. Elas [as tecnologias críticas contemporâneas] oferecem oportunidades de renovar a concepção de muitos produtos e de inventar novos. Mais importante: exigem a transformação dos
69 MATTELART, Armand; MATTELART, Michele. História das teorias da comunicação. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2001. p. 122-123. 70 BOLAÑO, César. Indústria cultural, informação e capitalismo. São Paulo: Hucitec/Polis, 2000. p. 72.
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processos dominantes de fabricação, bem como das técnicas de gestão, em todo o sistema industrial.71
O processo econômico e social denominado globalização, tal como foi instaurado,
passa a privilegiar determinados blocos econômicos, através da totalidade da economia de
livre mercado, numa circunstância onde as empresas passam a atender diversos países
(inicialmente de modo embrionário, mas já nos anos 80 com notável fluxo). No âmbito
estatal, o avanço do neoliberalismo, o desenvolvimento das novas tecnologias e a ampliação
da concorrência são fatores que geram os movimentos característicos da globalização e
alteram o papel do Estado diante da liberalização, privatização e desregulamentação de
mercados. Nas palavras de Brittos:
acredita-se que tal fenômeno impõe desafios ao Estado nacional, por retirar-lhe a característica de agente com um poder demasiadamente assimétrico na relação com outros atores, já que estes passam a pesar definitivamente nas decisões políticas, econômicas e culturais, o que se reflete sobre o conjunto da complexidade social contemporânea. No entanto, defende-se que isto provoca um reposicionamento do Estado na atualidade, mas não um esvaziamento de suas atividades.72
De suma importância para o desenvolvimento do fenômeno da globalização está o
advento do circuito integrado, também denominado microchip, que emprega informação aos
sistemas eletrônicos, gerando uma mobilidade altamente perspicaz, ao ponto de dinamizar
transferências de valores financeiros em tempo real e realizar velozmente o translado do
distribuidor ao consumidor final. O alicerce para o incremento do aparelhamento tecnológico
efetua-se nesta conjuntura de desenvolvimento das TICs, que, conforme Chesnais, articula
comumente as estruturas produtiva e competitiva, no âmbito da estratégia.73 Para o autor,
ciência, tecnologia e atividade industrial se inter-relacionam desde o decênio de 70 do século
XX, onde o ambiente competitivo contemporâneo é estabelecido como um fator decisivo para
a fomentação de estratégias, e que em muitas vezes afetam todo o sistema industrial:
a vinculação entre conhecimento científico fundamental e tecnologia tornou-se sensivelmente mais estreita. Mais do que em qualquer outra época, assiste-se a uma interpenetração entre a tecnologia industrial, de finalidade competitiva, e a pesquisa de base “pura”, sem falar na “pesquisa fundamental orientada”, que tem papel cada vez mais importante. Elas oferecem oportunidades de renovar a concepção de muitos produtos e de inventar novos. Mais importante: exigem a transformação dos processos dominantes de fabricação, bem como das técnicas de gestão, em todo o sistema industrial.74
Desde seu período emergente, no âmbito da cultura, o que Chesnais denomina como
71 CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996. p. 142. 72 BRITTOS, Valério Cruz. A presença do Estado na fase atual da globalização. Cadernos do Ceas, Salvador, n. 182, p. 31-45, jul./ago. 1999. p. 31. 73 CHESNAIS, François, op. cit., p. 139. 74 Ibid., p. 142.
38
mundialização de bens simbólicos mobilizou, no mínimo, três setores em seu mapa de
interesses: os pesquisadores do setor de eletrônica, convocando-os a apresentar soluções para
os problemas da implantação e funcionamento do sistema do novo meio de comunicação; a
indústria de produtos eletrônicos, convocando-a para atender a demanda de consumo dos
aparelhos; e o mercado publicitário, que encontrou no veículo o ambiente apropriado para o
desenvolvimento de campanhas.75 Nesta direção, constata-se que os campos da cultura e da
comunicação estão cada vez mais entrelaçados, no que diz respeito à proliferação de bens
simbólicos transnacionais.
Conforme Harvey, as mudanças que trouxeram à tona as inovações tecnológicas
contemporâneas alinham-se ao modelo neoliberal, ligando-se ao desenvolvimento do
capitalismo e à busca de alternativas para sua manutenção.76 Nesta conjuntura inserem-se os
produtos geradores de valor econômico com algum grau de valor cultural integrado, também
denominados bens culturais. Em uma nação, o capital cultural é formado por dois tipos de
valores que, apesar de diferentes, apresentam alto grau de correlação e interdependência.
“Enquanto o valor econômico é freqüentemente reduzido a uma quantidade monetária e
movido por sentimentos egoístas, o valor cultural de um bem é parte de um sistema de ideais,
crenças e tradições de um grupo e que faz com que cada indivíduo componente obtenha uma
satisfação ao possuir um grau de identidade com seus companheiros”.77
O incremento do mercado televisivo, impulsionado especialmente nos três decênios
finais do século XX, em uma expansão de ordem especialmente tecnológica, remete ao
advento do videoteipe, o desenvolvimento da televisão em cores, a instauração do satélite e,
mais recentemente, neste processo contínuo, o advento da TV digital. Em grau comparativo
aos primórdios do pensamento econômico, tais movimentos fundamentam que a busca pelo
transnacional constitui-se como alicerce fundamental para o desenvolvimento de posteriores
estratégias mercadológicas. No anseio de ganhos maximizados, muitas vezes com
investimentos ínfimos, a telenovela torna-se a principal munição televisiva dos
conglomerados latino-americanos, especialmente quando estes concentram suas ações na
conquista de mercados transnacionais. Bolaño defende que este parágrafo da história não se
trata de uma nova sociedade ou de uma sociedade da informação, mas de uma reorganização
75 BRITTOS, Valério Cruz; BENEVENUTO JR., Álvaro. Televisão, interações comunicativas e industrialização cultural. Sessões do Imaginário, Porto Alegre, v. 1, n. 9, p. 26-31, 2003. 76 Vide HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo : Loyola, 1994. 77 FLORISSI, Stefano; WALDEMAR, Felipe Starosta de. Economia da cultura: uma revisão da literatura. In: VALIATI, Leandro; FLORISSI, Stefano (Orgs.). Economia da Cultura: bem estar econômico e evolução cultural. Porto Algre: Ed. UFRGS, 2007. p. 11-28. p. 14.
39
do antigo capitalismo.78 Não obstante, os processos de acumulação são facilitados pelo
constante aperfeiçoamento dos mecanismos de produção, armazenamento e circulação da
informação, assim como se estabelecem para garantir as condições de legitimidade da
dominação que os bens simbólicos exercem sobre as massas. Conforme coloca Ortiz:
a globalização da tecnologia e da economia não significa somente a internacionalização das trocas de produtos e de conhecimento. O conceito de internacionalização refere-se ao aumento da expansão geográfica das atividades econômicas através das fronteiras nacionais; isso não é um fenômeno novo. Já a globalização é uma forma mais avançada e complexa de internacionalização, implicando um certo grau de integração funcional entre as atividades econômicas dispersas. O conceito aplica-se, portanto, à produção, distribuição e consumo de bens e de serviços, organizados a partir de uma estratégia mundial, e voltada para um mercado mundial, correspondendo a um nível e a uma complexidade da história econômica, no qual as partes, antes inter-relacionadas, se fundem agora numa mesma síntese: o mercado mundial.79
A dominação ideológica imposta pelas indústrias culturais também opera nos
elementos inconscientes de seus consumidores. Em sentido amplo, o termo ideologia é
utilizado para explicitar o sentido de um conjunto de idéias, pensamentos, doutrinas e visões
de mundo de um indivíduo ou de um grupo, pautado para suas ações sociais e, especialmente,
políticas. Marx e Engels, em A Ideologia Alemã,80 concebem que ideologia vem a ser todo o
tipo de saber teórico que implica, ao mesmo tempo, valores e condutas práticas; sendo que
cada sistema de idéias representa os interesses de sua respectiva classe social. Em um sentido
preciso, os autores esmiúçam a questão, identificando a existência de dois tipos de ideologia:
a socialista, que expressaria os interesses dos trabalhadores; e a burguesa, que definiria os
interesses da oligarquia. Em outras palavras, tomando-se como exemplo o objeto empírico
desta análise, a própria teledramaturgia congrega a difusão de um modo de vida capitalista em
diferentes âmbitos da cultura, num processo onde a transmissão ideológica subordina-se aos
objetivos econômicos de seus investidores. Nesta direção, a ideologia pode ser considerada
um instrumento de dominação, que age através do convencimento – e não da força –, de
forma prescritiva, alienando a consciência humana e mascarando a realidade.
1.3 Economia da cultura e teleprodutos
O conceito de cultura apresenta-se de forma ampla e flexível, podendo ser
diferentemente empregado nas mais diversas áreas de conhecimento. Em consonância, os
estudos em economia da cultura, durante muitos anos, restringiam-se ao campo da arte,
78 BOLAÑO, César. A convergência informática/telecomunicações/audiovisual. Praga: estudos marxistas, São Paulo, n. 4, p. 67-77, dez. 1997. p. 69. 79 ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 2000. p. 16. 80 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: crítica da filosofia alemã mais recente na pessoa dos seus representantes Feuerbach, Bauer e Stirner, e do socialismo alemão na dos seus diferentes profetas. 2 ed. Lisboa: Presença, 1980. 2 v.
40
minimizando a potencialidade das indústrias culturais massivas. No entanto, fatores como o
papel de vitrine promocional que o espetáculo ao vivo representa para a indústria fonográfica,
os produtos derivados de todos os gêneros e a importância da criação na concepção de
produtos industriais alocaram o cinema, a edição de livros e a gravação de discos ao campo da
economia da cultura.81 Não obstante, a economia dos meios de comunicação e seus produtos
ditos específicos – categorizados como informativos ou de entretenimento –, difundidos
através de veículos como a imprensa escrita, o rádio, a TV e internet, também tardou a
pertencer ao rol de estudos de economia da cultura.
O próprio desenvolvimento de uma teorização que contemple a totalidade das
indústrias culturais, no plural, evidencia que os modelos clássicos são insuficientes, pelo
menos se não forem relacionados com abordagens mais atuais. Isto posto, os trabalhos sobre
indústria da cultura e da comunicação passaram a conquistar melhor norte, especialmente no
que diz respeito à peculiaridade de cada uma das mídias e seus produtos. Visto que as fontes
de financiamento são passíveis de estratégias acertadas em longo prazo (publicidade) e
aquisição de recursos estatais consideráveis, a intenção de facilitar o processo de difusão-
distribuição passa a ser atravessada pelas novas soluções tecnológicas e suas possibilidades.
Neste bojo é que o mercado audiovisual insere-se e enfrenta-se, através de seus diferentes
meios, com disputas mais diretas (como a indústria cinematográfica norte-americana, a TV
aberta nacional e a locação de filmes em geral) e indiretas (internet e demais formas
eletrônicas de entretenimento). O cerne desta análise está no entendimento de que as
indústrias culturais da contemporaneidade estabelecem estreitos laços com a televisão
(teleprodutos). Para algumas indústrias tal veículo é mercado, para outras apresenta-se como
local de promoção, mas, para todas, apresenta-se como uma impiedosa concorrente.82
À luz do conceito original de fluxo proposto por Williams, em 1974,83 a expressão
“cultura de onda” foi cunhada por Flichy nos anos 80, sendo posteriormente desenvolvida por
Miège e sua equipe da Universidade de Grenoble (1986). A constatação é de que a
radiodifusão apresenta especificidades, sob o ponto de vista tecnológico-cultural,
contrapondo-se aos modelos anteriormente instaurados, como o editorial e o de imprensa.
Caracterizando-se por dar conta de produtos cujo consumo é semi-individual e instantâneo, 81 BENHAMOU, Françoise. A economia da cultura. São Paulo: Ateliê Editorial, 2007. p. 19. 82 BENHAMOU, Françoise. op. cit, p. 110. 83 Numa visão restrita às unidades de programação, a noção de fluxo é elaborada por Williams, nos anos 70 do século XX. O autor parte da constatação de que não faria mais sentido pensar a série de programas como unidades de tempo em sequência, mas sim como “um fluxo serializado por unidades diferentemente relacionadas, no qual a temporalidade, embora real, não é explicitada, e no qual a organização interna é uma outra coisa diversa da que é mostrada”. Vide WILLIAMS, Raymond. Television: technology and cultural form. New York: Schoken, 1975. p. 89.
41
com difusão contínua e financiamento assegurado por subsídios, taxas ou publicidade, a
principal diferenciação entre as três indústrias centra-se no aspecto da obsolescência do
produto televisivo. Ao contrário de mercadorias culturais como filme ou compact discs, o
produto televisivo precisaria da continuidade para manter-se no mercado, uma vez que não
parte do pressuposto da unicidade.84
Enquanto livros e assemelhados têm sua principal fonte de financiamento o pagamento
direto do consumidor, o modelo hegemônico da radiodifusão é sua viabilização econômica via
publicidade (ou taxas cobradas do cidadão, no caso da tradição clássica de TV pública
européia). No conjunto de setores de comunicação e cultura, a aleatoriedade de realização é
central, o que pode ser atenuado, mas não eliminado plenamente, adotando-se sondagens de
opinião, recorrendo-se a modelos já testados (continuações, remakes e homogeneidade de
conteúdos em geral) e recrutando-se um star-system fidelizador de público. No âmbito do
audiovisual, a grande diferença entre a televisão convencional e o cinema é que essa funciona
em fluxo, ou seja, exibe conteúdos permanentemente, a partir de uma grade de horários
prévia, definida pelo programador, enquanto o segundo oferece um catálogo de produtos, com
maior unicidade de cada um e possibilidade mais ampla de escolha do consumidor,
notadamente quanto a horário de consumo. Esta demarcação no âmbito do audiovisual hoje já
não se apresenta com a mesma nitidez, especialmente pela proliferação de outros modelos
televisivos.
Em consonância à contribuição de Miège, o investimento em estratégias de
distribuição e convergência entre telecomunicações, informática e audiovisual seriam
tendências gerais dos modelos econômicos da produção cultural contemporânea, assim como
a renovação e a extensão do processo de industrialização da informação e da cultura.85 Para
tanto, recorre-se a fatores como (1) individualização das práticas de consumo e extensão do
pagamento ao consumidor; (2) câmbio de suportes tradicionais por suportes on line; e (3)
investimento em publicidade, a fim de promover os produtos.
No âmbito audiovisual, o cinema brasileiro deslancha a partir do momento em que a
Lei Rouanet, sancionada em 1991, passa a permitir o abatimento de até 5% no Imposto de
Renda (IR) para organizações incentivadoras de cultura, ao mesmo tempo em que a Lei do
Audiovisual começa a garantir incentivos fiscais a empresas públicas e privadas.86 Frente a tal
84 FLICHY, Patrice. Las multinacionales del audiovisual: por un análisis económica de los medios. Barcelona: Gustavo Gili, 1982. p. 37-38. 85 Vide MIÈGE, Bernard; PAJON, Patrick; SALAÜN; Jean-Michel. L'industrialisation de l'audiovisuel : des programmes pour les nouveaux medias. Paris: Aubier, 1986. 86 Em agosto de 2009 foi enviado ao Congresso um projeto propondo que produtos audiovisuais com potencial
42
configuração legislativa, as indústrias culturais (entendidas aqui como os grandes grupos de
mídia) interligam-se no seu conjunto, condicionando um mesmo bem simbólico a gerar novas
possibilidades de rentabilidade; com produtos sendo desdobrados a diferentes formatos, de
modo que um meio com maiores possibilidades de midiatização, como a o setor televisivo,
deslanche a venda de outro, como a indústria do cinema.87
Insere-se nesta conjuntura a Globo Filmes, uma ramificação das Organizações Globo
surgida em 1998, com o intuito de realizar joint-ventures e até mesmo constituir holdings para
explorar benefícios fiscais e verbas de orçamentos públicos, designadas ao incentivo do
cinema nacional. Seus primeiros títulos, Simão, o Fantasma Trapalhão (1998), com Renato
Aragão, e Zoando na TV (1999), com Angélica, registraram 1,59 milhão e 866 mil
espectadores, respectivamente, concorrendo diretamente com a norte-americana Walt Disney,
que no mesmo período atingiu 2,18 milhões de espectadores no país, e com O Príncipe do
Egito, da Dreamworks, de Steven Spielberg, com 1,1 milhão.88 Tais associações são cada vez
mais freqüentes para a viabilização de um bem simbólico audiovisual, seja ele assumidamente
transnacional no seu conjunto (com roteiro, equipe técnica e até mesmo parte do elenco
proveniente de país estrangeiro) ou transnacional no que diz respeito aos seus investidores,
com realizadores nacionais encarregados de seu processo de feitura. Sendo em direção aos
mercados internos ou externos, as indústrias culturais expandem-se, procedendo a alianças,
realizando sinergias com a intenção de aumentar a rentabilidade de seus produtos.89 Algo
muito semelhante – e também transcorrido de forma ascendente – com o que ocorre nas co-
produções entre Brasil e Argentina, nomeadamente no ramo da teledramaturgia.
1.4 Padrões tecno-estéticos
O conceito de padrão tecno-estético surgiu de matrizes dessemelhantes, sendo
desenvolvido em diferentes épocas e a partir da reflexão de intelectuais cujo trabalho
acadêmico, apesar de acolher certa interdisciplinaridade, limitava-se a uma linha de análise ou
epistemologia específica. Isto posto, acrescido da época em que os autores se debruçaram
comercial revertam parte de sua receita a algum fundo cultural, ou reduzam o preço do ingresso ou do produto produzido. Atualmente, não há diferenciação entre projetos comerciais e os demais. Pela primeira opção, os grandes projetos que pedirem recursos da Lei Rouanet terão de destinar parte de sua receita para o Fundo Nacional da Cultura (FNC). O fundo, gerido pelo MinC, apoiará projetos considerados experimentais e inovadores. Desta maneira, o valor que o artista terá de retornar ao Ministério vai depender de quanto pediu inicialmente. NOVA Lei Rouanet vai exigir retorno. Folha On Line, São Paulo, 8 set. 2009. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u606828.shtml>. Acesso em: 9 set. 2009. 87 BRITTOS, Valério Cruz. Televisão, concentração e concorrência no capitalismo contemporâneo. In: BRITTOS, Valério Cruz (Org.). Comunicação na fase da multiplicidade da oferta. Porto Alegre: Nova Prova, 2006. p. 21-45. p. 22. 88 SÁ, Nelson de. Globo filmes começa bem, mas desiste de sua distribuidora. Folha de S. Paulo, 13 mar. 1999. 89 BRITTOS, Valério Cruz. As barreiras à entrada dos processos televisivos. Diálogos Possíveis, Salvador, v. 4, n. 1, p. 75-87, 2005. p. 76.
43
sobre o tema, não foi pensado, pelo menos inicialmente, para compreender produtos
genuinamente híbridos do ponto de vista cultural, suficientemente multiformes quanto a seu
gênero e especificamente transversais no que diz respeito à diversidade de plataformas
existentes na contemporaneidade. Neste sentido, a dificuldade basal inicia-se na compreensão
do que seria próprio da TV, do cinema, da publicidade e da internet, uma vez que as
linguagens audiovisuais apresentam-se convergentes a diversas tecnologias digitais.
O tecno-estético trata-se de uma terminologia cunhada por Leroy, a partir de sua
observação sobre a adoção de estruturas tecno-econômicas (progresso tecnológico) e sócio-
econômicas (aumento da mão-de-obra especializada) empregadas para compor unidade ao
espetáculo teatral francês. Ainda que centrado aos estudos do Groupe de Recherche sur les
Enjeux de la Communication (Gresec), o autor concebe que a combinação de certas estéticas
com determinadas estruturas econômicas ocasiona a constituição de sistemas tecno-estéticos
integrados.90 Tal compreensão é ponto de partida para o desenvolvimento analítico do
entrelaçamento entre tecnologia e estética na epistemologia da Economia Política da
Comunicação, especialmente dentre pesquisadores brasileiros de primeira geração. Partindo
do entendimento de que tal construção estava veementemente atrelada às práticas
comunicacionais, a nomenclatura estende-se, sendo desenvolvida por matrizes
dessemelhantes a partir de uma reflexão intelectual interdisciplinar.
Ainda que o termo de Leroy não tenha sido inicialmente pensado para compreender o
mercado televisual, parte de Bolaño, em estudos realizados entre 1981 e 1986, a correlação
sobre as transformações concorrenciais vigentes neste mercado, especialmente a partir dos
anos 60 do século XX. Para tanto, o autor identifica que a produção simbólica subordina-se às
dimensões superestruturais estéticas e ideológicas, sendo que, mesmo num mercado
caracterizado pelo oligopólio, congrega ações culturais e econômicas de maneira
intercalada.91 Ações como o advento do videoteipe, o aporte financeiro extramídia da TV
Excelsior (originário de negócios do ramo cafeeiro) e o desenvolvimento do Código
Brasileiro de Telecomunicações, em 1962, começam a desenhar o cenário propício para o
estabelecimento de um padrão televisivo hegemônico incipiente, tencionado com o início das
operações das Organizações Globo. Em contribuição ao desenvolvimento do conceito, Bolaño
o considera “uma configuração de técnicas, de formas estéticas, de estratégias, de
determinações estruturais, que definem as normas de produção cultural historicamente
90 LEROY, Dominique. Economie des arts du spectacle vivant: essais sur la relation entre l'economique et l'esthetique. Paris: Economica, 1980. p. 241. 91 Vide BOLAÑO, César. Indústria cultural, informação e capitalismo. São Paulo: Hucitec/Polis, 2000.
44
determinadas de uma empresa ou de um produtor cultural particular para quem esse padrão é
fonte de barreiras à entrada”.92
A idéia de padrão tecno-estético funciona, então, como interface entre barreiras à
entrada e poder simbólico, explicitando a fidelização de parte significativa dos
telespectadores, transformada posteriormente em audiência passível de ser transacionada no
mercado publicitário:
A importância de uma produção própria, não apenas pelas economias que a integração vertical permite ou pela possibilidade de explorar sinergias graças a uma estratégia de diversificação horizontal, mas, sobretudo, pela perspectiva que ela abre de constituição de um modelo tecno-estético próprio, que pode traduzir-se tanto em barreiras dirigidas contra os concorrentes efetivos ou potenciais, como em arma ofensiva, por exemplo, no mercado internacional. Na televisão brasileira, que sempre teve essa característica, uma estratégia importada só pode ser imaginada para capitais muito fracos, obrigados a concentrar-se com um segmento de mercado mais restrito, o que demonstra o peso das barreiras à entrada nessa indústria.93
Paralelamente ao desenvolvimento brasileiro, Hescovici preocupa-se com o âmbito
cultural, desenvolvendo sua contribuição a partir de estudos na Université de Picardie,
iniciados em 1989 e encerrados em 1992, sob orientação do próprio Leroy. Sua análise
compreende o tecno-estético como estruturas econômicas que tratam das relações entre os
diferentes setores do ramo atuante, além das diferentes fases de um mesmo processo de
produção.94 Uma vez combinadas, as estruturas potencializam-se, desenvolvendo estéticas
próprias, atuantes nos níveis intraestrutural, onde a lógica do projeto criador e as condições
para sua realização se confrontam; intermidiático, que diz respeito ao confronto das mídias ao
estabelecerem seu padrão tecno-estético, a fim de se tornar dominante; e interestrutural, que
cabe ao mercado onde se definem as relações entre o sistema cultural e a conjuntura do
sistema econômico.95
A necessidade de diferenciação e a própria inovação tecnológica desencadearam uma
aproximação estética de diversas mídias para com a mídia hegemônica. Não obstante, outros
atores se estagnavam perante a estética dominante, pontuando pouca popularidade entre seus
consumidores. Hescovici denomina de estrutura tecno-estética as relações existentes entre
tecnologia e estética, ainda que tais lineamentos devam ser coerentes, uma vez que a intenção
é produzir um modo de funcionamento econômico e, principalmente, uma estética.96
O advento das câmeras fotográfica e cinematográfica impulsiona o que se denomina
92 BOLAÑO, César, op. cit. p. 234. 93 BOLAÑO, César, op. cit., p. 239. 94 HERSCOVICI, Alain. Economia da cultura e da comunicação: elementos para uma análise sócio-econômica da cultura no capitalismo avançado. Vitória: UFES, 1995. p. 123. 95 HERSCOVICI, Alain, op. cit. p. 234. p. 125. 96 HERSCOVICI, Alain, op. cit. p. 234. p. 123-124.
45
de lógica dialética, ou seja, momento onde se busca maior verossimilhança entre a
representação e o representado através destes novos dispositivos.97 Desta forma, com o
desenvolvimento de dispositivos como o cinema e a TV, ambos teriam sido desenvolvidos
para serem incorporados pelo homem em seu cotidiano. O cinema, reproduzido em telas
grandes e públicas, buscava impressionar pelo seu maior aproveitamento dos espaços. Em
contrapartida, a televisão, pensada para telas pequenas e ambientes privados, buscava ser
intimista.
Suficientemente multiformes quanto a gêneros e especificamente transversais no que
diz respeito à diversidade de plataformas, os padrões tecno-estéticos da contemporaneidade
dinamizam-se, dificultando a identificação do que seria próprio da TV, cinema, publicidade,
internet e novas mídias digitais. Uma vez que as linguagens audiovisuais apresentam-se
convergentes a diversas tecnologias, nutrindo-se e incorporando diferentes elementos a partir
do desenvolvimento tecnológico e estético de cada um.
O consumo de determinados bens simbólicos requer a existência de um público com
formação gramatical e alguma ambientação com a referente estética. Portanto, quanto maior o
investimento na produção cultural diferenciada em nichos de mercado (como a TV paga, por
exemplo), maior a possibilidade de consumidores potenciais; ao contrário, se tal produto for
exibido na TV aberta, eleva-se uma barreira, e a aceitação será limitada.
Na contemporaneidade, o caráter heterogêneo das indústrias fomentadoras de
mercadorias culturais, regidas por lógicas diferenciadas de funcionamento, fez emergir na
Europa da segunda metade dos anos 70, especialmente entre os pesquisadores franceses, a
compreensão sobre a existência de indústrias culturais, no plural. O trabalho que deslanchou
este esclarecimento foi coordenado por Miège em 1978, intitulado Capitalisme et Industries
Culturelles.98 Não obstante ao termo cunhado por Adorno e Horkheimer em Dialética do
esclarecimento,99 esta concepção pretendia compreender os novos modelos de
institucionalização das indústrias (serviços públicos, privados ou cruzados), suas lógicas
produtivas (horizontais ou verticais) e seus valores de uso. Nesta direção, faz-se emergente a
constituição de diferentes padrões tecno-estéticos, dotados ou não de cruzamentos entre si,
característica predominante também na listagem de ações acometidas pelas indústrias
culturais (livro, disco, cinema, televisão, jornal, internet, etc).
O mercado televisivo brasileiro, com seu diversificado número de atores, apresenta
97 ROSSINI, Mirian, op. cit., p. 177. 98 MIÈGE, Bernard, et alii. Capitalisme et industries culturelles. Grenoble: PUG, 1978. 99 HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodoro W. Dialética do esclarecimento. São Paulo: Ática, 1975.
46
diferentes padrões tecno-estéticos, os quais são regidos pelo hegemônico (Globo), mas que se
apresentam como anacrônicos (SBT), emergentes (Record), periféricos (RedeTV!),
alternativos (canais comunitários), etc. Ainda que demais taxonomias possam ser tencionadas,
a presente classificação se apresenta como analítica dos bens simbólicos cardinais exibidos na
programação, num coeficiente que também congrega particularidades não representativas da
totalidade tecno-estética empregada pelos agentes. Para citar apenas um exemplo, tomando-se
o caso brasileiro, após investir alto em produtos diferenciados que passaram despercebidos,
como a telenovela Metamorphoses – cujo primeiro capítulo foi exibido excepcionalmente
num domingo e a narrativa abusou de longos planos-seqüência – e a série nacional
Avassaladoras, a Record parece conduzir com precaução suas novas empreitadas no ramo da
teledramaturgia. Seguindo o padrão tecno-estético da Globo, tanto nos feitos artísticos quanto
técnicos, agora une-se ao conglomerado mexicano Televisa, através de joint venture, investiu
em Bela, a Feia, versão nacional derivada do texto mexicano La Fea Mas Bella, já veiculada
pelo SBT em 2006. Este roteiro, por sua vez, baseou-se num original colombiano de grande
repercussão mundial: Yo Soy Betty, la Fea, exibida duas vezes no Brasil (de 2002 a 2003 e de
2004 a 2006) pela RedeTV!, sob o título de Betty, a Feia.
1.5 Estruturas de mercado
Frente a tais ocorrências, os atores que integram o mercado de comunicação (no caso,
os agentes midiáticos) são classificados ordenadamente em diferentes estruturas de mercado.
A condição específica de cada um destes atores é medida por hipóteses estruturais e
comportamentais, determinantes para o nivelamento dos padrões de concorrência. O
coeficiente também leva em conta o risco de entrantes em potencial ingressarem no setor.
Existem diversas taxonomias para identificar as estruturas de mercado, podendo-se apresentar
uma classificação que abrange as seguintes classes: monopólio simples, concorrência perfeita,
oligopólio, monopólio monopsônio e monopólio bilateral.100
O monopólio é considerado simples quando se apresenta como um sistema de mercado
genuinamente constituído, sob o domínio de um único realizador de produtos, para os quais
não existem substitutos próximos. No que diz respeito à sua estrutura, alguns fatores
caracterizam o monopólio, como a existência de um só ofertante ou um só adquirente, a
possibilidade do agente midiático monopolista fixar o preço do produto ofertado ou limitar
sua quantidade e a inexistência de produtos substituíveis. As causas do monopólio são
100 Vide BOLAÑO, César Ricardo Siqueira; BRITTOS, Valério Cruz; HERSCOVICI, Alain Pierre; LOPES Ruy Sardinha; DANTAS, Marcos; SANTOS, Verlane Aragão; TEIXEIRA, Rodrigo; KALIKOSKE, Andres; MIGUEL, João; SCHNEIDER, Nadia Helena. Enciclopédia Intercom de Comunicação: verbetes de Economia da Comunicação. São Paulo: Intercom, 2009. No prelo.
47
diversas, tais como: o ofertante ser o único a dispor do serviço demandado; ser proprietário,
com exclusividade, da fonte de matéria-prima ou dispor de uma localização privilegiada, de
modo que as despesas com logística impeçam a concorrência; o Estado impor-se fazendo
concessões exclusivas de exploração de serviços públicos, como telefone, correio, luz, água e
outros; ou as patentes impedirem legalmente que outros provedores possam oferecer o
produto.101 Não raro, no campo da Comunicação, especialmente no setor televisivo, o agente
midiático dominante é erroneamente referido como detentor de poder monopolístico, quando
o mercado se apresenta como um oligopólio.
Na concorrência perfeita, características como homogeneidade dos produtos,
transparência nas transações e livre ingresso de novos agentes midiáticos alocam este modelo
estrutural para a mais alta aspiração do que seria um mercado ideal. O elevado fluxo de
compra e venda, por parte dos agentes e consumidores, anularia influências sobre os preços
dos produtos, assim como a necessidade de regulamentação governamental. No entanto, trata-
se de uma construção teórica dificilmente praticável, uma vez que sempre há algum grau de
imperfeição, inviabilizando a concorrência perfeita dos mercados.
O oligopólio é a classe de estrutura de mercado por excelência no capitalismo
contemporâneo, onde um reduzido número de agentes, líderes em seu respectivo setor,
exercem grande controle sob a oferta de determinado produto ou serviço. Frente a um elevado
número de compradores a serem atendidos, estas empresas configuram-se como detentoras
das maiores fatias do mercado. No campo da Comunicação, tal concentração contempla
especialmente as questões ligadas à construção de fórmulas para conquistar o receptor e
controlar os sistemas de distribuição.102 De suma importância para a compreensão destes
movimentos, para Possas, a noção de barreiras à entrada desempenha papel central na
disposição dos agentes oligopolistas, uma vez que sintetiza a tensão, inflexibilidade e rigidez
da disputa pelas fatias de mercado, por parte de novos agentes.103
Na literatura econômica, de modo geral, subdivide-se a classe oligopolista conforme a
seguinte taxonomia: oligopólio concentrado, oligopólio diferenciado, oligopólio misto ou
diferenciado-concentrado e oligopólio competitivo, além de mercado competitivo.
O oligopólio concentrado tem a centralização técnica como principal característica, ou
seja, seus produtos e serviços são ofertados a partir de uma mesma base produtiva. A
organização comunicacional que oferta uma ampla gama de produtos, pouco diversificados,
101 GALVES, Carlos. Manual de economia política atual. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense. 1976. p. 235. 102 BRITTOS, Valério Cruz. Oligopólios midiáticos: a televisão contemporânea e as barreiras à entrada. Cadernos IHU Idéias, São Leopoldo, v. 1, n. 9, p. 1-16, 2003. 103 POSSAS, Mario Luiz. Estruturas de mercado em oligopólio. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1990. p. 161.
48
pode ser enquadrada como incentivadora desta concentração. A principal disputa acirra-se no
âmbito da estratégia, frente à introdução de novos processos (diferenciação técnica) e
ampliação da capacidade produtiva (melhoria de qualidade).
A estrutura de mercado própria das indústrias culturais é o oligopólio diferenciado,
uma vez que a disputa ocorre devido à diferenciação do produto, a partir de um duplo
investimento, centrado em publicidade e comercialização, bem como na inovação de produtos
– não sendo habitual, portanto, a concorrência em preços. Comparativamente com o
oligopólio concentrado, no diferenciado o grau de concentração técnica e econômica é
inferior. A natureza das barreiras à entrada não se prende às economias técnicas, nem ao
volume mínimo de capital, mas sim às economias de escala de diferenciação (quantidade e
qualidade), ligadas às questões de reputação.
Combinando elementos dos tipos concentrado e diferenciado, o oligopólio misto (ou
diferenciado-concentrado) tem a diferenciação de produtos como estratégia de competição por
excelência, apresentando índices de concentração mais elevados do que no oligopólio
diferenciado. Sua principal estratégia de concorrência dá-se no planejamento de excesso de
capacidade, como a expansão da produção e a disponibilização de bens culturais de catálogo,
visando atender a um possível crescimento do mercado, mas igualmente não ignora a
possibilidade de ter sua produção interrompida.
Apesar de haver oportunidade para diferenciação do produto, no oligopólio
competitivo a concorrência acirra-se basicamente em preços de serviços, a fim de ampliar
ainda mais a posição dos agentes líderes. A inexistência de economias de escala,
aprimoramento técnico e diferenciação do produto, somada à coexistência de diferentes
tecnologias e baixa capacidade de investir, restringe a concentração e o nível das barreiras à
entrada.
Como exceção à regra do capitalismo, o mercado competitivo é o único tipo de
estrutura de mercado que pode ser considerada não-oligopolística. Em sua vigência encontra-
se uma desconcentração, ligada à competição por fatias de mercado e ausência de qualquer
barreira à entrada, reduzindo a margem de lucros a um mínimo aceitável. Em alguns destes
mercados estabelece-se a possibilidade de determinada margem de diferenciação de produtos,
inclusive quanto à qualidade, formatando-se uma estrutura com razoável grau de liberdade de
entrada, então condicionada pela maior ou menor facilidade de diferenciar o produto.
O monopsônio é um monopólio onde existem muitos vendedores, mas apenas um
comprador, sendo aplicado especialmente em mercados intermediários. No setor
comunicacional, apresenta-se, por exemplo, quando uma gama de produtoras de conteúdo
49
depende de uma única organização para adquirir o material produzido e revendê-los aos
consumidores finais.
No monopólio bilateral, por fim, os agentes midiáticos monopolista e monopsonista se
defrontam, uma vez que o monopolista deseja vender determinada quantidade de insumos por
um valor inferior ao que o monopsonista pretende pagar. Como ambos concordam com a
quantidade a ser transacionada, sua principal característica vem a ser a forte presença do
poder de barganha na transação.
O termo concorrência designa um conjunto de movimentos realizados por um ator
midiático, no sentido de planejar e executar ações estratégicas que visem sua ascensão em
determinado mercado. Tal capacitação permite ampliar ou conservar uma infinidade de ações,
para que seja possível manter-se continuamente numa posição sustentável. Uma vez que no
campo estritamente econômico a concorrência dá-se exclusivamente pela relação de preços,
no campo da Comunicação sua conjuntura pode ser determinada em caráter mais amplo,
tratando-se de um processo extrínseco, resultante do enfrentamento dos capitais. Seus
movimentos vêm a delinear o motor básico da dinâmica capitalista, uma vez que, sem
concorrência, não haveria o próprio capitalismo.104
Para se estabelecer o padrão de concorrência no qual o agente midiático insere-se
(determinante do lucro da totalidade de agentes existentes no mesmo setor), parte-se do
empreendimento de diferentes forças competitivas estruturais, tais como: poder de negociação
dos compradores e fornecedores, ameaça de novos entrantes, produtos ou serviços substitutos
e defrontação direta com os agentes líderes. Um singelo movimento, por parte de um agente
midiático, pode gerar efeitos imediatos em seus concorrentes. A gama de fatores possíveis de
competição também é ampla, podendo conjugar itens como melhor preço, qualidade ou
durabilidade, confiabilidade, plataformas de distribuição ou circulação, publicidade e papel do
Estado como órgão regulador.
1.6 Obstáculos e lógicas de acesso
As tentativas de ingresso nos mercados televisuais aludem diretamente à concepção de
barreiras à entrada, surgida nos anos 30 e desenvolvida por Joe Bain, em 1956, a partir de sua
observação sobre as empresas industriais, que fixavam seu preço inferior aos praticados pelas
empresas monopolistas.105 Em suma, o autor desloca determinadas barreiras para o centro de
104 BRITTOS, Valério Cruz. Televisão e barreira: as dimensões estética e regulamentar. In: JAMBEIRO, Othon; BOLAÑO, César; BRITTOS, Valério Cruz (Orgs.). Comunicação, informação e cultura: dinâmicas globais e estruturas de poder. Salvador: Edufba, 2004. p. 15-42. p. 17. 105 Para aprofundamento na perspectiva de Bain sobre barreiras à entrada, ver: BAIN, Joe. Organización industrial . Barcelona: Omega, 1963.
50
sua análise sobre estruturas de mercado, classificando-as em mecanismos que evitam a
proliferação de novos atores nos mercados dominados por oligopólios; frente a esta
concepção, a noção de preço-limite passa a denominar, para Bain, o acordo comum
estabelecido entre os oligopólios, que viria a garantir um limite máximo para o preço.106 Tal
ação assegura às empresas líderes a manutenção de seus negócios com maior lucratividade,
sem induzir à entrada de outras firmas no mercado. Esta estratégia visa sustentar o maior
preço, impedir a entrada e maximizar lucros a longo prazo.
Para discutir barreiras à entrada, parte-se de uma revisão bibliográfica sobre o assunto,
resgatando tópicos gerais, além da questão de preços, que exemplifiquem impedimentos de
empresas entrantes aos mercados pretendidos. Na direção exposta a seguir, confere-se
notoriedade aos movimentos das empresas latino-americanas de televisão, especialmente no
que diz respeito ao valor atribuído à sua produção de teledramaturgia.107
+ Barreiras absolutas. São aquelas em que os movimentos da empresa entrante
tornam-se impraticáveis por motivos de força maior, quando não impossíveis. No mercado
televisivo, a concessão ou permissão apresenta-se como uma barreira absoluta dominante, no
caso de todas as outorgas estarem ocupadas por atores econômicos que não se disponham a
uma associação ou venda de espaço. Se o entrante for um grupo internacional, ele deve se
adequar às exigências legislativas do país visado. Segundo a legislação brasileira, o limite
para investimentos estrangeiros na TV aberta é de 30%. Resultante de uma medida provisória
do Governo Fernando Henrique Cardoso, a lei 10.610, de 23 de dezembro de 2002, determina
que a aliança ocorra exclusivamente por intermédio de pessoa jurídica, e que tais movimentos
devem ser informados ao Congresso Nacional (radiodifusão) ou no Legislativo (empresas
jornalísticas e revistas).
+ Custos irrecuperáveis. Trata-se dos investimentos em aparelhamento específico para
a realização de um produto, que dificilmente possa vir a interessar companhias de outros
setores. Por se tratar de maquinaria extremamente exclusiva, na descontinuidade do negócio
sua venda torna-se dificultosa ou impossível. Diferentemente dos custos fixos, que despertam
interesse em empresas de outros segmentos, os custos irrecuperáveis são investimentos
irreversíveis, com retorno pífio ou inexistente quando subutilizados. Manufatura,
desenvolvimento de marca (design) e distribuição são exemplos de custos irrecuperáveis. No
entanto, no segundo caso, se o empreendimento pertencer a um ator midiático notório, parte
106 BAIN, Joe, op. cit., p. 114 107 Vide BRITTOS, Valério Cruz; KALIKOSKE, Andres. Economia e audiovisual: as barreiras à entrada nas indústrias culturais contemporâneas. In: MELEIRO, Alessandra (Org.). A indústria cinematográfica brasileira. São Paulo: CENA, 2010. No prelo.
51
de um conglomerado, estes custos podem ser reduzidos ou terem seus resultados otimizados
junto aos consumidores.108 No caso do audiovisual, os equipamentos de produção em regra
podem ser aproveitados para mais de um tipo de empresa (emissoras de TV e produtoras de
vídeo, principalmente, além de organizações de ramos diversos, que desenvolvem conteúdos
para objetivos internos).
+ Custos de troca. Nem sempre são custos financeiros, mas igualmente dispendiosos.
A mudança do sistema operacional Windows para o Linux, por exemplo, torna-se inviável
frente ao tempo que o consumidor terá que dispor para aprender a operar uma nova
plataforma. Em menor medida, pode-se dizer que o mesmo ocorre com aparelhos celulares de
marcas distintas: o aparelho que portar um sistema amigável ou de fácil manuseio ganhará
preferência, sendo que, uma vez habituado a utilizar tal sistema, o consumidor dificilmente
migrará para outra marca ao adquirir um novo aparelho. No mercado televisivo, a ausência de
canais locais na televisão por satélite representa um custo de troca. Neste caso, toma-se o
exemplo da Sky, TV paga que até 2007 não oferecia a programação regional das emissoras
abertas em seu sinal. O mesmo grupo, inclusive, não disponibilizava canais básicos em sua
programação, como o SBT. Em analogia ao custo de troca tradicional, o próprio produto
audiovisual brasileiro pode gerar uma troca dispendiosa ao espectador habituado aos
blockbusters norte-americanos, no caso de filmes ou séries. Nesta direção, no âmbito
televisivo, o chamado “padrão Globo de qualidade”, legitimado continuamente na
programação da emissora, também pode se impor como uma barreira deste nível. Algo muito
praticado nas redes norte-americanas é a reprodução do padrão de audiência dominante. No
Brasil, a Record tem investido neste modelo, ao reproduzir elementos já consagrados nos
produtos da Globo.
+ Reputação. No mercado televisivo, a capacidade do telespectador em avaliar a
reputação de um produto provém de diversos fatores, tais como: conhecimento sobre o
veículo, impressões pessoais e identificação com o canal. A telenovela Sangue do Meu
Sangue exemplifica um caso de má reputação. O investimento do SBT em teledramaturgia
não chamou atenção do telespectador em 1995. Mesmo requintada e com orçamento similar
às novelas da Globo, o telespectador deu preferência ao Jornal Nacional, produto que
dispunha de melhor reputação. Sangue do Meu Sangue ainda contou com argumento de
Vicente Sesso e um elenco de peso: os protagonistas Rubens de Falco e Lucélia Santos, agora
108 BRITTOS, Valério Cruz. Televisão e barreira: as dimensões estética e regulamentar. In: JAMBEIRO, Othon; BOLAÑO, César; BRITTOS, Valério Cruz (Orgs.). Comunicação, informação e cultura: dinâmicas globais e estruturas de poder. Salvador: Edufba, 2004. p. 15-42. p. 21.
52
pai e filha, tentavam repetir a popularidade de seus personagens, juntos pela primeira vez em
A Escrava Isaura (Globo, 1976). O mesmo voltou a ocorrer em 2009, quando nem mesmo a
aquisição da obra radiofônica da novelista Janete Clair e um orçamento por capítulo similar às
novelas da Globo renderam ao produto Vende-se um Véu de Noiva bons índices de audiência.
Fatores como a frenética alteração de horários na grade de programação e o investimento em
uma teledramaturgia com estilo estagnado no folhetim clássico latino-americano,
especialmente, evidenciaram a preferência do telespectador pelos produtos concorrentes.
Nesse caso, confrontaram-se duas reputações, na mesma empresa, uma alta, de um produto
(centrado na tradição de Janete Clair como a maior novelista do país de todos os tempos), e
outra baixa, da companhia em si (a instabilidade do SBT). Venceu a reputação baixa, num
primeiro momento, o que pode ser alterado a longo prazo, se a organização conseguir reverter
sua imagem (reputação) junto aos públicos, mantendo alguma regularidade estratégica.
+ Dumping. Consiste na venda de produtos a preços extraordinariamente baixos,
muitas vezes inferiores ao seu custo de fabricação. Tal ação gera perdas para a empresa, mas
resulta na eliminação progressiva da concorrência. Posteriormente, a empresa praticante de
dumping tende a impor preços elevados, uma vez que é beneficiada pela ausência de
concorrência. Também pode ocorrer de uma empresa nacional estipular, para seus produtos de
exportação, preços inferiores aos praticados no mercado doméstico. Para que tal estratégia
mostre-se acertada, a empresa deve segmentar muito bem seus dois mercados, evitando o
acesso dos consumidores domésticos aos bens destinados à exportação. Na indústria
televisiva, a prática de dumping pôde ser identificada em 2006, quando a Record ofereceu seu
sinal internacional para a operadora de televisão paga portuguesa TV Cabo a um preço abaixo
dos padrões de mercado.109 Isso prejudicou diretamente o canal GNT, difusor dos produtos da
Globo em terras lusitanas, que acabou por ser extinguido.110
+ Mercado em contração. Os investimentos no setor televisivo são vastos, sendo
facilmente reconhecíveis através da proliferação de produtoras de conteúdo, muitas delas
independentes. A partir de um olhar do mercado europeu – que reflete também o andar do
109 A criação da Globo Portugal, em 1º de outubro de 2007, sinaliza a nova estratégia do grupo brasileiro no país. As produções locais são raras, e ao invés de utilizar-se de produtos Globo e Globosat, o canal passa a funcionar como uma filial transnacional, muito similar às praças regionais. A nova grade é padronizada ao sinal brasileiro, com exceção dos jornalísticos e programas exibidos ao vivo. 110 A entrada da Record em Portugal desenrolava-se desde 2005, quando a emissora inaugurou sua sede em Lisboa, com seis estúdios equipados com tecnologia de última geração. A idéia é transformar os estúdios numa central de produção que sustente não apenas a programação lusitana, mas também viabilize realizações para os países africanos. DENICOLI, Sergio. A guerra se expande até Portugal. Observatório da Imprensa, São Paulo, n. 375, 3 abr. 2006. Disponível em: <http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp? cod=375TVQ001>. Acesso em: 17 nov. 2008.
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mercado latino-americano –, Richeri observa que a produção televisiva apresenta-se como um
negócio cada vez mais oneroso.111 Isso se deve principalmente ao aumento dos custos de
produção, uma vez que os programas devem dispor cada vez mais de atrativos técnicos para
conquistar audiência, em um arranjo de crescente concorrência. Outros fatores, como o
aumento dos direitos de exibição (sobretudo para os produtos de teleficção e eventos) e a
segmentação limitam a capacidade de pagar com publicidade os custos dos programas.
Somado a estes custos, quando se encontra em contração, o mercado normalmente não é
convidativo a novos entrantes. Maior fonte de receita dos mercados televisivos, a publicidade
acompanha a conjuntura econômica nacional e global, havendo retração em períodos de
desestabilização, crise ou recessão. Conforme Herscovici, no caso de uma indústria em
expansão, o aumento da procura pode gerar um lucro extra, provocando a entrada de grupos
extramídia no mercado (como investidores de telefonia), e estimulando as empresas outsiders
(de fora) a extinguir as barreiras existentes.112
+ Padrão tecno-estético. De extrema relevância para o mercado televisivo, o padrão
tecno-estético é fortemente definido nas emissoras latino-americanas, sendo diretamente
responsável pela captura de audiência (e também publicidade) através da fidelização do
telespectador, por conta de sua empatia ao videografismo oferecido pelo ofertante. No
México, os investimentos em teledramaturgia nacional da TV Azteca, especialmente os
produtos concebidos até o ano de 2005, contrapõem o estereótipo melodramático, principal
característica dos produtos da Televisa, sua concorrente. No Brasil, o chamado padrão Globo
de qualidade vem sendo praticado com êxito também por sua principal concorrente, a Record,
que atualmente atinge o segundo lugar de audiência no país. Enquanto isso, o SBT, tradicional
vice-líder, durante anos não abdica seu padrão tecno-estético, mostrando-se frágil como
produtor de teledramaturgia. Para citar apenas um exemplo, em Revelação (SBT, 2008),
produção que reativou seu núcleo de teledramaturgia após oito anos de associação com a
Televisa, é notável a falta de agilidade (tanto na narrativa quanto na estética), verossimilhança
e um gancho que prenda efetivamente o telespectador, de forma que se sinta motivado a não
perder o capítulo seguinte.113 Um pequeno avanço, relacionado à questão tecno-estética do
canal, aparece em Vende-se um Véu de Noiva (2009), através da utilização uma fotografia
111 RICHERI, Giuseppe. La transición de la televisión: análisis del audiovisual como empresa de comunicación. Barcelona: Bosch, 1994. p. 19. 112 HERSCOVICI, Alain. Valor e preço de mercado: dinâmica concorrencial, equilíbrio “gravitacional” e regulação “imperfeita”. Cadernos de Economia, Vitória, n. 14, p. 1-20, mar. 1997. 113 BRITTOS, Valério Cruz; KALIKOSKE, Andres. Revelação: a fragilidade de teledramaturgia. Observatório da Imprensa, São Paulo, n. 516, 16 dez. 2008. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=516TVQ001>. Acesso em: 20 jul. 2009.
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sofisticada, que se utiliza da técnica de adição de cores. Amplamente explorada pelo cinema,
os habituais tons amarelados agora abusam de saturação, alterando positivamente a textura da
imagem. No vídeo, o que o telespectador tem acompanhado são escaldantes tardes de sol ou
um cintilante tom azulado nas águas do mar.114 Nesta direção, constata-se que a disposição de
ingresso nos mercados audiovisuais é maior quando o padrão tecno-estético dominante,
regido pela empresa cimeira, é passível de ser reproduzido com êxito pelo novo entrante.
A ameaça de entrada em uma indústria depende das barreiras estabelecidas pelas
empresas já atuantes no mercado visado pelos novos entrantes. Conforme Porter, economias
de escala, diferenciação do produto, necessidade de capital e política governamental se
caracterizam como algumas fontes de barreiras de entrada.115 Seguindo esta linha de análise,
recupera-se a seguir outros fatores que, na revisão do autor, também se caracterizam como
determinantes para o ingresso de novos entrantes:
+ Diferenciação do produto. A relação de confiança que o consumidor deposita em
determinada marca116 é desenvolvida através de esforços passados com publicidade, serviços
ao consumidor, diferenciais de produto ou pioneirismo de mercado. Neste sentido, frente à
existência de um produto que não atenda completamente às necessidades do consumidor, o
ingresso de um novo entrante será facilitado. No mercado televisivo, para citar apenas um
exemplo, no início do decênio de 90 a extinta TV Manchete inaugura, a partir da exibição de
Pantanal, seu novo horário de novelas, às 21h30. Neste momento, sua principal concorrente,
a Globo, dedicava-se especialmente à exibição de filmes norte-americanos ou humorísticos.
Ante a diferenciação de produto e horário oferecidos pela Manchete, o telespectador passa a
migrar para a programadora. Em contrapartida, a Globo também passa a utilizar-se da mesma
estratégia, estendendo a exibição de sua “novela das oito” e programando a então estreante
Araponga (Globo, 1991) às 21h30.
+ Necessidade de capital. Quando se necessita fazer frente a empresas já estabilizadas
no mercado, a carência de capital caracteriza-se em uma forte barreira à entrada. O risco é
114 BRITTOS, Valério Cruz; KALIKOSKE, Andres. Telenovela: inovação e competitividade no mercado brasileiro. Observatório da Imprensa, 4 ago. 2009. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=549TVQ004>. Acesso em: 4 ago. 2009. 115 Vide PORTER, Michael. Estratégia competitiva: técnicas para análise de indústrias e da concorrência. 16 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1986. p. 25-31. 116 Marca é um nome, uma designação, um sinal, um símbolo ou uma combinação de todos estes elementos, cujo propósito é identificar bens ou serviços de um grupo e diferenciá-lo de seus concorrentes. KOTLER, Philip. Administração de marketing: análise, planejamento, implementação e controle. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 386. Não obstante, pode-se desdobrar o conceito de marca como um elemento amplo, dotado de estratégias que geram significado e constroem identidade junto ao público-alvo, onde o processo de relacionamento com o público a ser atingido pode ser positivo ou negativo. Entre as etapas de construção de uma marca estão quesitos como preço, acessibilidade, diversificação, padrão tecno-estético adotado e produtos em catálogo.
55
ainda maior quando o capital é necessário para ser destinado a atividades irrecuperáveis ou de
alto risco, como a publicidade inicial e investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D).
Em televisão, tais investimentos não são insuficientes para assegurar a rentabilidade de um
produto. No entanto, gastos bem empregados em publicidade – através de campanhas que
possam melhorar a imagem da empresa – podem se tornar vantajosos. Um exemplo de
ausência de capital ilustra-se a partir da estratégia da CNT, emissora paranaense que se
arriscou na disputa pelo terceiro lugar de audiência da televisão brasileira, a partir de 1997.
Contando com o conteúdo dos produtos da Televisa, a CNT tentou lançar-se ao rol das
emissoras mais assistidas do país. A estratégia, no entanto, falhou. Além da carência de
capital (até mesmo para honrar o compromisso contratual com o grupo mexicano) e
investimentos publicitários, a programadora foi prejudicada por não disponibilizar seu sinal
em grande parte do território brasileiro. Em contrapartida, a Record – e sua rápida ascensão, a
partir de 2004 – é um exemplo de vasta disponibilidade de capital extra-mídia, proveniente da
IURD.
+ Política governamental. O governo pode agir de maneira a limitar ou impedir a
entrada de novas empresas em determinados setores, utilizando controles como licenças de
funcionamento e limitação ao acesso de matéria-prima. Em contrapartida, também pode
beneficiar grupos a ingressarem em determinado setor. As outorgas televisivas, que delimitam
a disponibilidade de canais para novos programadores. No entanto, a falta de assimetria na
regulação dos mercados acaba por gerar desvios no funcionamento do sistema. Outro exemplo
é a falta de assimetria na regulação dos mercados acaba por gerar desvios no funcionamento
do sistema. No mercado audiovisual, a exclusão pelos preços, somada à facilidade de acesso
aos meios reproduzidos em série, gera o crescente fenômeno da pirataria de produtos
audiovisuais, fenômeno interligado à cadeia criminalidade, elementos que, dentre outros
fenômenos, ligam-se às políticas governamentais, em termos de ação e omissão.
+ Economias de escala. Denomina-se economia de escala o comportamento dos
mercados frente ao aumento da demanda produtiva de determinada empresa. Em outras
palavras, na presença acirrada de concorrentes, determinadas empresas passam a implementar
a produção de seus bens em larga escala, visando à redução nos custos de produção. Tal ação
atinge especialmente as empresas em declínio nos custos unitários de seus produtos. À
medida que se eleva o nível de produção, se obriga os entrantes a ingressarem com uma
produção em larga escala (arriscando-se a uma reação das empresas já estabelecidas), ou
ingressar em pequena escala (submetendo-se a uma desvantagem de custo). Em aplicação ao
setor televisivo, a produção consecutiva de telenovelas (a partir da reutilização de cenografia,
56
vestuário e infra-estrutura técnica nos títulos subsequentes) pode ser referenciada como uma
prática de economia de escala, em que os custos de realização são reduzidos. Nesta mesma
análise insere-se a minissérie, onde a economia de escala tende a ser inferior, pela quantidade
reduzida de capítulos, comparativamente à telenovela, já que os custos fixos são diluídos por
um menor número de episódios.
O cinema, ao contrário, no Brasil não conseguiu ainda estabelecer-se plenamente
enquanto indústria, trabalhando com um grau de descontinuidade e improviso de cada
produtora que impede a realização de economias de escala. Em relação às desvantagens de
custos independentes de escala, Porter enumera algumas vantagens detidas pelas empresas
estabelecidas, que não podem ser igualadas pelas entrantes potenciais, independentes do
tamanho ou de economia de escala obtidas. Essas vantagens traduzem-se nos seguintes
fatores: (1) tecnologia patenteada do produto, protegido por patentes ou por segredo, como,
por exemplo, o formato registrado de um programa, no qual se torna necessário o pagamento
de royalties para sua realização; (2) acesso favorável a matérias-primas; (3) localizações
favoráveis, ocupadas pelas empresas estabelecidas antes que as forças de mercado elevem
seus preços; (4) subsídios oficiais, concedidos pelos governos às empresas estabelecidas e que
em alguns negócios se transformam em vantagens duradouras; e (5) trajetória de
aprendizagem ou experiência.117 Ainda para Porter, os efeitos da experiência refletem-se na
redução dos custos em diversas atividades, tais como o marketing, a produção, a distribuição
e, especialmente, em atividades que envolvem alto grau de participação de mão-de-obra
específica. Além disso, a redução do custo em razão da experiência pode ser incrementada na
presença de empresas que dividam as operações ou funções (sinergias).
117 PORTER, Michael. Estratégia competitiva: técnicas para análise de indústrias e da concorrência. 16 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1986. p. 86.
57
Capítulo 2. Mercado latino-americano de televisão
O capítulo parte da estrutura de mercado na qual a televisão latino-americana se
insere, para acercar-se dos atores midiáticos investigados, suas estratégias e seus modelos de
teleficção. Com foco no padrão tecno-estético, busca-se identificar o modelo de produção das
empresas, considerado o papel da transnacionalização e convergência de formatos a partir do
decênio de 90. Neste sentido, desenvolve-se o movimento das empresas rumo à
internacionalização e a utilização da telenovela como produto cardeal para este fim.
No caso do México, a Televisa é fundada para este fim, prevendo a produção de
conteúdos que nutram a programação dos demais programadores latino-americanos. No
Brasil, a Globo utiliza-se do know-how do grupo Time-Life como estratégia inicial para
alavancar sua penetração junto as audiência, originando um padrão de qualidade técnica que a
tornaria referência no mercado internacional. A Argentina, pioneira na exportação de
conteúdos, principalmente telenovelas, inicia tardiamente a produção de parcerias
transnacionais.
2.1 Origem e desenvolvimento
O advento da televisão na América Latina, que remete ao decênio dos anos 50, conta
com o favorecimento da conjuntura econômica liderada política liberalista. Inspirado no
modelo norte-americano, favorável aos investimentos transnacionais, o Brasil foi o sexto país
a implantar a tecnologia,118 em 18 de setembro de 1950, seguido pela Argentina (17 de
outubro de 1951), Colômbia (13 de junho de 1954), Uruguai (7 de dezembro de 1956) e Chile
(1959). No México, apesar de se realizarem experimentos desde os anos 1930, a fundação
oficial da televisão no país data de 31 de agosto de 1950.
2.1.1 Televisão no Brasil
O desenvolvimento da televisão no Brasil recebeu diversas periodizações, mas neste
estudo adota-se a divisão de Mattos, que compreende a seguinte classificação: (a) fase elitista
(de 1950 até 1964); (b) fase populista (1964-1975); (c) fase do desenvolvimento tecnológico
(1975-1985); (d) fase da transição e da expansão internacional (1985-1990); (e) fase da
globalização e da TV paga (1990-2000); e (f) fase da convergência e da qualidade digital (a
partir dos anos 2000).119 Não obstante, a partir dos anos 90, o trânsito informativo dinâmico e
ágil apresenta-se como uma externalidade benéfica às corporações, uma vez que há a redução
de custos de transação, ampliação da oferta e elevação do retorno do consumidor aos
118 JAMBEIRO, Othon. A TV no Brasil do século XX. Salvador: UFBA, 2001. p. 51. 119 MATTOS, Sérgio. História da televisão brasileira: uma visão econômica, social e política. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 78-79.
58
produtores, estimulando a quantidade de oferta disponibilizada.120 Como conseqüência, a
Fase da Multiplicidade da Oferta é instaurada na televisão brasileira.
Em breve resgate do início das transmissões da televisão no país, a primeira difusão da
data do dia 18 de setembro de 1950, sendo realizada pela TV Tupi de São Paulo. Na
oportunidade, apresentou-se ao vivo o programa Show na Taba, que mesclava música, humor,
dança e um quadro de dramaturgia. O então proprietário da emissora, Francisco de Assis
Chateaubriand Bandeira de Melo, que também detinha uma cadeia de rádios e jornais
impressos, o Diários e Emissoras Associadas, foi responsável pela transmissão e pela
importação dos 200 aparelhos televisores existentes no país.
Em tempos de pós Segunda Guerra, o investimento em uma emissora de televisão
apresentava-se como uma estranha aventura comercial do capital privado brasileiro. No
entanto, as agências de publicidade desempenharam um papel fundamental neste momento
inicial: eram elas que definiam as estratégias de marketing e, muitas vezes, contratos com os
artistas.121 Com linguagem radiofônica, eram exibidos programas como Cartilha Musical
Pirani, Show Musical Nobis, Sabatinas Maisena, Divertimentos Ducal e Repórter Esso.
Filmes, teleteatros e seriados estrangeiros completavam a programação. O desenvolvimento
do setor, a partir dos anos 50, pode ser atribuído especialmente ao favoritismo político, o qual
concedia licenças para exploração de canais sem um plano preestabelecido. Apesar da
estrutura artesanal, já no início dos anos 60 o país contava com dez emissoras de televisão um
código de comunicações e os programas eram levados ao ar através do videoteipe.122
A Globo iniciou suas operações em abril de 1965, pouco mais de um ano depois do
golpe militar. Sintonizada no canal 4 do Rio de Janeiro, a emissora de televisão era o veículo
que faltava para que a empresa, pertencente à família Marinho, se tornasse um conglomerado
multimídia – o grupo já era integrado pelo o jornal O Globo, a Rádio Globo e uma editora.
Fundada por Irineu Marinho,123 em 1925, a empresa expandiu-se na década de 50, valendo-se
de empréstimos fornecidos pelo Banco do Brasil.124 Nos primeiros anos após sua fundação já
contava com um bom sinal de imagem, filmes interessantes e operação padronizada,
120 BRITTOS, Valério Cruz. Recepção e TV a cabo: a força da cultura local. 2. ed. São Leopoldo: Unisinos, 2001. p. 143. 121 REIMÃO, Sandra. TV no Brasil: ontem e hoje. In: REIMÃO, Sandra (Org.). Televisão na América Latina: 7 estudos. São Bernardo do Campo: Metodista, 2000. p. 59-80. p. 68. 122 MATTOS, Sérgio, op. cit., p. 51. 123 Irineu Marinho havia fundado o jornal O Globo, no ano de 1925, mas faleceu pouco tempo depois. Aos 26 anos, no ano de 1931, Roberto Marinho tornou-se diretor do jornal. Nos anos 1940, deu início às transmissões da Rádio Globo. Marinho obteve sua primeira concessão de televisão no ano de 1957, do então presidente Juscelino Kubitscheck; e a segunda, do presidente João Goulart. 124 MELO, José Marques de. As telenovelas da Globo: produção e exportação. São Paulo: Summus, 1988. p. 13
59
elevando-se à altura de emissoras tradicionais, como a Tupi e a Record.
A participação de empresas estrangeiras em emissoras brasileiras era proibida pela
Constituição.125 No entanto, desde 1962, antes mesmo de sua inauguração, a Globo firmou um
contrato de cooperação e assistência técnica com o grupo norte-americano Time-Life. O
contrato permitia a participação da Time-Life com a proporção de 45% dos lucros, sendo
estabelecido em uma forma legal no estrito senso da palavra. O convênio contradizia o artigo
160 da Constituição de 1964. Por um lado, a Time-Life – que já estava presente em outros
países da América Latina, com contratos similares – buscava uma forma de ingressar no
mercado brasileiro. Por outro, a emissora dos Marinho necessitava de capital e know-how. Em
contrapartida, por parte do governo havia o interesse na criação de uma rede televisiva que
pudesse unir o país, atendendo assim aos interesses das reformas econômicas e industriais.
Conforme Sérgio Capparelli, esta assistência entre a Globo e a Time-Life ocorreria da
seguinte forma:
O contrato de assistência previa que Time daria assistência à Globo no campo da técnica administrativa, fornecendo informações e prestando assistência relacionada com a moderna administração da empresa, novas técnicas e processos modernos relacionados com a programação, noticiário e atividades de interesse público, atividades e controles financeiros, orçamentários e contábeis, assistência na determinação das especificações do prédio e do equipamento, orientação de engenharia e técnica, assistência na determinação do número e das responsabilidades adequadas do pessoal a ser empregado pela emissora de TV e orientação e assistência com relação aos aspectos comercial, técnico e administrativo da construção e operação de uma televisão comercial. Além disso, o grupo Time-Life treinaria, nos Estados Unidos, o número de pessoas que a TV Globo desejasse ou enviaria pessoal norte-americano para treinamento no Rio de Janeiro. O grupo Time-Life orientaria e assistiria a TV Globo com referência à obtenção de material de programas de televisão em Nova Iorque, bem como as negociações com protagonistas e atores; além disso, em casos especiais, a Time assistiria a TV Globo com referência à venda de anúncios, visitando, em Nova Iorque, os representantes de anunciantes em potencial.126
Os primeiros programas exibidos pela emissora, no dia 25 de abril de 1965, foram
Sempre Mulher, apresentado por Célia Biar no período da tarde; Festa em Casa, com Paulo
Monte; e Show da Noite, na faixa das 22 horas, com Gláucio Gil. A primeira novela da
emissora, Ilusões Perdidas, estreou no dia seguinte. Mesmo com tecnologia inovadora,
125 A possibilidade de investimento estrangeiro em emissoras brasileiras seria proposta no ano de 1997, pelo então deputado Aloysio Nunes Ferreira, do PSDB de São Paulo. No entanto, a emenda não avançou. A aprovação não interessava a Globo, que não tinha interesse de fortalecer suas concorrentes. Mas seria aprovada no final de 2001 e início de 2002, época em que a Globo herdaria a dívida da Globopar, referente a seus investimentos em televisão por assinatura. Nesta oportunidade, a emissora “mobilizou o Congresso Nacional e fez aprovar a emenda constitucional, com apoio até mesmo da oposição, na época liderada pelo Partido dos Trabalhadores”. RAMOS, Murilo César. A força de um aparelho privado de hegemonia. In: BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César (Orgs.). Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. 2 ed. São Paulo: Paulus, 2005. p. 57-76. p. 71. 126 CAPPARELLI, Sérgio; LIMA, Venício A. de. Comunicação e televisão: desafios da pós-globalização. São Paulo: Hacker, 2004. p. 72.
60
inicialmente a emissora não obteve uma boa penetração junto ao público. O processo de
aceitação iniciou-se a partir de uma cobertura jornalística, durante uma inundação ocorrida no
Rio de Janeiro, em 1966. Diferentemente das demais emissoras, a Globo interrompeu sua
programação e passou a exibir ao vivo o drama das famílias que perdiam suas casas, com
câmeras espalhadas por diversos pontos da cidade. Mobilizou também uma campanha social,
visando auxiliar os desabrigados através da arrecadação de donativos que poderiam ser
entregues em sua sede.
As novelas exibidas pela Globo (escolhidas pelas agências de publicidade)
apresentavam características radiofônicas, onde o drama conduzia os conflitos dos
personagens. Mesmo assim, a responsável pelo setor de teledramaturgia, a cubana radicada no
Brasil Glória Magadan, era contratada da emissora.
O Ato Institucional n. 5 (AI-5), decretado em 13 de dezembro de 1968, passa
suspender diversas garantias constitucionais.127 Para os meios de comunicação, representou a
instalação da censura, mas a partir de um discurso ideológico de “preservação da ordem em
todo o território”, foi desenvolvido, através da tecnologia de microondas, um moderno
sistema nacional de telecomunicações. Nesta direção surgiu a Embratel, a partir de infra-
estrutura constituída pelo Governo Federal. Para a Globo, o surgimento da Embratel
representou a possibilidade de interligar sua emissora, sediada no Rio de Janeiro, às demais
capitais brasileiras. Em 1º de setembro de 1969, o Jornal Nacional passou a ser transmitido
para todo o território brasileiro. Exibido entre duas novelas, para a maioria dos brasileiros
representava a construção de sua auto-imagem, além da asseveração de uma sociedade e país
coerente, coeso e único.128
Através de uma linha de crédito, o governo passa a viabilizar a compra de televisores
aos consumidores. Neste momento, após investigações parlamentares, concluiu-se que o
acordo firmado entre a Globo e a norte-americana Time-Life era ilegal. Formalmente, o
acordo se encerrou no ano de 1969. No entanto, o apoio da Time-Life era já dispensável, uma
vez que a Globo tinha conquistado o primeiro lugar no mercado televisivo brasileiro, em uma
estratégia de programação direcionada às camadas socioeconômicas mais baixas da
população.129
127 O ato é redigido pelo então ministro da justiça Luís Antônio da Gama e Silva, em 13 de dezembro de 1968, numa represália à Câmara dos Deputados. Mas o decreto também vinha na esteira de ações e declarações pelas quais a classe política fortaleceu a chamada “linha dura” do regime militar. O AI-5 foi o instrumento que deu ao regime poderes absolutos, cuja primeira conseqüência foi o fechamento do Congresso Nacional durante um ano. 128 REIMÃO, Sandra, op. cit., p. 23. 129 MATTOS, Sérgio. História da televisão brasileira: uma visão econômica, social e política. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 95.
61
Em 1972, o então presidente Médici inaugurou a televisão a cores. Um de seus
discursos, em plena vigência do regime militar, traduziu a parcialidade com que muitas vezes
a Globo tratou o jornalismo: “Sinto-me feliz todas as noites quando assisto o noticiário. Por
quê? Porque no noticiário da TV Globo o mundo está um caos, mas o Brasil está em paz. É
como tomar um calmante após um dia de trabalho”.130 Suas novelas, agora marcadas de
ufanismo, emergem da linguagem teatral para a coloquial, passando a ambientar as histórias
em cenários que o público reconhecia, ou cenários pertencentes ao cotidiano nacional. No
final dos anos 70, já posicionada como líder hegemônica, estabelece os horários das seis, sete
e oito da noite como tradicionais para a exibição de suas novelas, sendo que o horário das dez
da noite, até então existente, é eliminado pela carência de concorrentes.131
Nos anos 80, a Globo contabiliza 36 emissoras filiadas (número que cresce para 48 no
ano de 1986), cobrindo 98% dos municípios brasileiros e atingindo 17,6 milhões de
domicílios; e sua audiência é estimada em 80 milhões de telespectadores.132 No entanto, com
o surgimento do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) e da Manchete, a emissora perde
audiência em alguns momentos. Nas novelas, os principais casos são de Dona Beija (1986),
onde a Manchete chegou a marcar 42 pontos de audiência no Rio de Janeiro; Pantanal (1990),
e Carrusel (1991).
Na segunda metade dos anos 90, um processo de descentralização é seguido pelo
surgimento de novos programadores regionais, mas especialmente por conta da estruturação
do mercado de TV por assinatura. Ora, com o desenvolvimento tecnológico do setor
televisivo, em uma primeira leitura, tal alastramento deveria competir (e não somente) aos
programadores já estabelecidos; e fator contrário poderia resultar em ação controversa, ou
seja, na diminuição do poder dos grandes players e no aumento de notoriedade de grupos em
ascensão. No entanto, em momento algum a soberania da Globo é abalada, permanecendo o
mercado na classe de oligopólio, porém, com expansão de investimentos.
Trata-se do início da Fase da Multiplicidade da Oferta, conceito cunhado por Brittos
para denominar o momento em que se ampliam as possibilidades de escolha aos
consumidores. Inicialmente concebido para o mercado televisivo, acaba por compreender a
indústria radiofônica, sendo posteriormente estendido a diversos suportes digitais
convergentes. Nas palavras do autor, “em todos os setores midiáticos identifica-se uma
multiplicação do número de agentes, representando uma ampliação substancial da quantidade
130 ORTIZ, Renato; BORELLI, Silvia; RAMOS, José Mário. Telenovela: história e produção. São Paulo: Brasiliense, 1991. p. 81. 131 REIMÃO, Sandra, op. cit., p. 26. 132 ORTIZ, Renato; BORELLI, Silvia; RAMOS, José Mário, op. cit,. p. 84.
62
de produtos disponibilizados aos consumidores”.133
Este período também é marcado pela exclusão pelos preços, uma vez que a cobrança
direta das ofertas disponibilizadas acaba por restringir o acesso a conteúdos, especialmente
aos economicamente menos favorecidos. Ainda, somada à facilidade de acesso aos meios
reprodutivos em escala, a exclusão pelos preços colabora para o crescente fenômeno da
pirataria dos produtos audiovisuais, referida por Bolaño como “decorrência de um sistema em
que o Estado institui o mercado impedindo a apropriação coletiva da riqueza”.134 Inicia-se,
assim, um novo período no desenvolvimento do campo da Comunicação, informação e
cultura, de modo geral, onde consumidores deparam-se, em termos de organizações,
tecnologias e produtos, com múltiplos serviços disponíveis.135 Ainda de acordo com Brittos,
esta reconfiguração do mercado comunicacional não significa a presença de novas lógicas na
concepção dos produtos, muito menos em termos de cidadania e interesses não
mercadológicos. No entanto, pode resultar na proliferação de programas ditos popularescos,
que primam pela carência de qualidade e orçamentos pífios de produção:
A busca da captação rápida do consumidor, já que as dinâmicas de fidelidade deste para com os distribuidores e distribuidores é cada vez mais tênue, tem promovido a expansão de critérios de formatação de produtos de fácil assimilação, o que tem sido chamado, no caso dos mercados televisivos, de popularização das programações.136
Não obstante, uma vez que tal fenômeno pode ser aplicado a todos os setores
midiáticos, Bustamante enfatiza que a diversidade de produtos e serviços oferecidos pelo
mercado também engloba ideologias, contrastes e equilíbrios entre práticas culturais e
diferentes dinâmicas estruturantes, como o serviço público, o mercado, o terceiro setor.137
Conforme se observa na tabela que segue, a participação da produção nacional sofreu
declínio na década de 90, que, após se manter acima de 70%, durante o decênio anterior,
passa a atingir a unidade de 66,3%.
Tabela 1. Produção brasileira na programação da TV aberta
1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995
61% 50,1% 53,5% 74% 73% 64,2% 66,3
Fonte: REIMÃO, Sandra. A chegada do videoteipe. In: ______ (Coord.). Em instantes: notas sobre a
133 BRITTOS, Valério Cruz. Introdução. In: ______ (Org.). Comunicação na fase da multiplicidade da oferta. Porto Alegre: Nova Prova, 2006. p. 15. 134 BOLAÑO, César. Max, Habermas, Foucault e a TV digital, plataforma de comunicação tecnologicamente mediada. In: BRITTOS, Valério Brittos, CABRAL, Adilson (Orgs.). Economia Política da Comunicação: interfaces brasileiras. Rio de Janeiro: E-papers, 2008. p. 57-75. p. 58. 135 BRITTOS, Valério Cruz. Televisão, concentração e concorrência no capitalismo contemporâneo. In: ______ (Org.). Comunicação na fase da multiplicidade da oferta. Porto Alegre: Nova Prova, 2006. p. 21-45. p. 23. 136 BRITTOS, Valério Cruz, op. cit., p. 24. 137 Vide BUSTAMANTE, Enrique (Org.). Comunicación y cultura en la era digital. Barcelona: Gedisa, 2002.
63
programação da TV brasileira (1965-1995). São Paulo, Cabral Universitária, 1997. p. 18-33.
Brittos referencia que a carência na regulação dos sistemas e a aceleração dos
processos digitais e de convergência resultam, a nível mundial, no fortalecimento do processo
de oligopolização através da entrada de um número expressivo de novos atores econômicos
nos mercados internos.138 Tal momento atinge não somente o setor televisivo, mas também o
“campo da Comunicação, informação e cultura como um todo, onde os consumidores
dispõem de uma maior possibilidade de escolha, em termos de organizações, tecnologias e
produtos”.139 Outro exemplo que pode ser citado é o caso da emissora paranaense CNT, cujas
primeiras transmissões datam de 1979, ainda como retransmissora e denominada TV Tropical.
Na segunda metade dos anos 90, o canal pertencente à família Martinez atinge rapidamente
um período de ascensão. Ao firmar contrato com a mexicana Televisa, garante a exibição de
seus produtos, tendo como contrapartida o repasse de 15% de seu faturamento publicitário do
prime time.140
Frente à ampliação da gama de exibidores, a partir de 1995, um crescimento relevante
torna-se ainda mais dificultoso para os grandes grupos do setor televisivo. Em contrapartida, é
o momento da ascensão dos mercados ainda não amplamente desenvolvidos, como a
produção independente e, em grande medida, os programadores regionais, agora também
produtores. Neste sentido, as operações televisivas antes centradas no eixo Rio-São Paulo
passam a surgir em outras praças. É o caso da gaúcha TV Com (RBS), canal autorizado pelo
decreto n°. 95744, de 23 de fevereiro de 1988, cuja transmissão inicial deveria ocorrer até
maio de 1995, mês de sua fundação. Com transmissão inicial para a região metropolitana de
Porto Alegre, o canal era sintonizado somente no sistema UHF, logo sendo ofertado para
algumas cidades catarinenses como Joinville, Chapecó e Florianópolis – devido à forte
presença da RBS no Estado –, além de via cabo para todo o país.
2.1.2. Televisão no México
Em comparação às experiências iniciais de transmissão realizadas no país, desde o
final dos anos 20, a televisão surgiu tarde no México. O primeiro programa, exibido ao vivo
pelo canal 2, então denominado XEW TV, foi uma partida de beisebol, realizada na Cidade
do México. O ponto de partida para a inauguração do canal, em 12 de janeiro de 1952, foi a
aquisição de um prédio na Avenida Chapultepec, por meio do proprietário de sua concessão,
138 Vide BRITTOS, Valério Cruz. Televisão e barreira: as dimensões estética e regulamentar. In: JAMBEIRO, Othon; BOLAÑO, César; BRITTOS, Valério Cruz (Orgs.). Comunicação, informação e cultura: dinâmicas globais e estruturas de poder. Salvador: Edufba, 2004. p. 15-42. 139 BRITTOS, Valério Cruz, op. cit., p. 23. 140 ACORDO com Televisa pode triplicar faturamento. O Globo, Rio de Janeiro, 19 dez. 1996.
64
Emílio Azcárraga Vidaurreta. Originalmente, a construção deveria abrigar duas rádios
mexicanas, mas, frente ao advento da televisão no mundo, foi decidido congregar os dois
meios no mesmo espaço, criando-se assim o Televicentro, um pequeno conglomerado com
estrutura técnica projetada pelas empresas americanas General Eletric e Laboratórios Dumont.
A internacionalização da televisão mexicana começa a ser pensada com a chegada do
videoteipe, no final dos anos 50. Além de qualidade técnica, representou novas possibilidades
econômicas: programas poderiam ser gravados, editados e vendidos para outros países de
língua hispânica, que até então, não contavam com um sistema televisivo bem desenvolvido.
O primeiro programa gravado em videoteipe foi um capítulo da série Puerta de Suspenso
(Televicentro, 1959), antes concebido com a técnica do kinescópio, em película
cinematográfica de 16 mm.
Em 1961, com a intenção de atingir um público mexicano residente nos Estados
Unidos, é instalada em San Antonio, no Texas, a primeira emissora do grupo Telesistema. Já
em 1963, o engenheiro Guillermo Gonzáles inicia transmissões de caráter comercial na
televisão a cores, sendo o programa Paraíso Infantil, do canal 5, a primeira produção colorida
transmitida no país. Também se inicia, por microondas, transmissões internacionais ao vivo
vindas dos Estados Unidos, como o funeral do presidente John Kennedy e a posse do Papa
Paulo IV. No entanto, o Telesistema Mexicano passaria a se chamar Televisa a partir de 1973,
em uma fusão de todos os canais existentes no país – canal 2, XEW TV, canal 4 e canal 5. É
importante ressaltar que estes canais, antes da fusão, difundiam sua programação em horários
esporádicos, sendo que, somente após a união, a TV mexicana contou com uma programação
na íntegra.
Desde seu surgimento, Azcárraga declarou que o Telesistema Mexicano foi criado
para fazer uma televisão forte e competitiva não apenas no México, mas em toda América
Latina, sendo fundada como um meio de defesa de três empresas que estavam perdendo
muitos milhões de pesos.141 Todos os programas se originam do Televicentro, que será a
grande central da televisão. A expansão também foi visível: emissoras repetidoras se
espalharam, cobrindo todo o território mexicano, além do inicio de investimento em
emissoras locais.
Preocupado em fazer uma televisão competitiva não apenas para o México, mas para
toda a América Latina, o grupo teve em suas novelas tradicionais e clássicas – que tratam de
situações humanas básicas, como amor/ódio, encontros/desencontros, triunfos/fracassos – a
141 Vide BARQUERA, Fernando Mejía. História mínima de la televisión mexicana (1928 – 1996). Revista de Comunicación y Cultura, Pereira, n. 1, p. 1-26, mar.-mai. 2007.
65
peça fundamental para a expansão territorial desejada por seu fundador, o falecido empresário
Emílio Azcárraga Vidaurreta. Nas histórias, a heroína, normalmente incorruptível, é sofrida,
desgraçada pela vida, e o fio condutor, o amor, faz com que ela transcorra os capítulos em
busca de seu príncipe encantado. O triângulo amoroso, sempre presente, traça o paradigma do
bem contra o mal. Pode haver também o sacrifício, o desejo de vingança com as próprias
mãos, a herança, a acusação de um crime não cometido, as irmãs gêmeas, etc.
Além de novelas contemporâneas, de época ou históricas, em diversos momentos a
ficção seriada experimentou gêneros não-ficcionais, sem perder sua identidade. Ainda no
México, Mujer, Casos de la Vida Real (Televisa, 1985) surgiu como um jornalístico proposto
a ajudar vítimas de um recente terremoto que abalara o país. Inicialmente se tratou de um
programa especial, mas sua exibição foi prolongada e acabou se fixando na programação. Sua
identificação com o telespectador – principalmente com o público feminino, que relatava seus
dramas pessoais através de cartas anônimas – tornou a produção um clássico, sendo exibida
durante 23 anos e tendo seu formado exportado para diversos países.
Concorrente da Televisa, no México, a TV Azteca tentou seguir o caminho inverso,
produzindo histórias realistas em associação com a produtora independente Argos. As
chamadas “telenovelas de ruptura”, como Nada Personal (TV Azteca, 1996), mostraram o
que nunca se tinha visto antes em uma produção nacional: crimes políticos, corrupção e
narcotráfico. Outro exemplo, porém mais tímido, foi o enredo de liberdade e auto-afirmação
feminina de Mirada de Mujer (TV Azteca, 1997), lembrada como uma reação ao estilo
melodramático no país. A versão mexicana, originalmente escrita na Colômbia, conquistou o
primeiro lugar de audiência, ao agregar características da sociedade mexicana contemporânea,
modernizando a linguagem dos clássicos folhetins.
2.1.3. Televisão na Argentina
O projeto que viabilizaria a concessão do primeiro canal estatal da televisão argentina
foi aprovado no ano de 1945, mas apenas cinco anos depois as primeiras transmissões foram
realizadas. No início do decênio de 50, a então primeira dama Maria Eva Duarte de Perón foi
a maior incentivadora da nova tecnologia no país. Evita, como era popularmente conhecida,
foi pioneira entre as mulheres na utilização do rádio como instrumento de propagação
política. Neste ano, através de seu programa semanal, realizou uma forte campanha,
difundindo a imagem de seu marido, o Coronel Juan Domingo Perón, entre a classe
trabalhadora. A primeira dama, contudo, enganou-se. Somente dez anos após a primeira
transmissão oficial da televisão argentina é que a população começaria a adquirir aparelhos
televisores para suas residências.
66
Antes que o Coronel Perón se candidatasse à reeleição, no ano de 1951, a então
primeira dama encarregou o empresário Jaime Yankelevich de viajar aos Estados Unidos para
conhecer a nova tecnologia. O empresário, de família atuante nos meios de comunicação, já
era proprietário da LR3 Radio Belgrano. Conforme relata Mindez, Yankelevich viajou com
dois técnicos de sua rádio e ficou deslumbrado com as possibilidades dos canais CBS, NBC e
ABC. Entusiasmado, e ainda contando com o apoio de Evita, conseguiu convencer o Coronel
Perón a levantar a quantia de 20 milhões de pesos, necessários para a compra e instalação dos
equipamentos na cidade de Buenos Aires.142 Em setembro do ano de 1951 foram realizadas as
primeiras experimentações ao vivo, com a transmissão de um quadro de Eva Perón pintado a
óleo. Entre os equipamentos trazidos dos Estados Unidos, estavam transmissores, antenas,
duas unidades móveis (um ônibus e um caminhão), seis câmeras Standard Electric e 450
aparelhos televisores.143
A emissora que inaugurou a televisão na Argentina chamou-se LR3 Radio Belgrano
TV, e era exibida pelo canal 7 de Buenos Aires. Os estúdios foram inicialmente instalados em
um prédio de propriedade governamental, na Avenida 9 de Julio. A primeira exibição oficial
ocorreu no dia 17 de outubro do ano de 1951, transmitindo-se da Praça de Maio o sexto
aniversário do Dia da Lealdade, considerado o dia do nascimento do movimento peronista.
Apesar de estatal, o canal emitia livremente publicidade comercial, sendo que o acordo entre
o Estado e a família de Yankelevich nunca ficou claro. Segundo relato de Mindez, “a primeira
estação de televisão argentina se enquadrava dentro das mesmas peculiaridades que regiam o
resto do sistema de radiodifusão: um canal estatal, de responsabilidade do principal
empresário privado da área, administrado com fins comerciais”.144 Com transmissões
esporádicas, apenas algumas horas por dia, das 18h às 22h, a grade inicial de programação da
LR3 Belgrano TV contava com os mesmos artistas da Radio Belgrano. A telenovela, no
entanto, já se faz presente, mesmo que em uma etapa ainda artesanal. A rápida difusão do
gênero ocorre no ano de 1952, quando os chamados teleteatros passam a ocupar seis horários
da programação, classificados em diferentes edições, como Teleteatro Suspenso, Teleteatro
Aventura, Teleteatro Romance e Teleteatro Cómico.
No ano de 1954, a LR3 Radio Belgrano TV passa a pertencer a Asociación Promotora
de Telerradiodifusión (ATP), de propriedade de empresários partidários do governo. Com a
intenção de difundir o aparelho televisor, o governo permite a importação de 50 mil
142 MINDEZ, Leonardo. Canal siete, medio siglo perdido: la historia del Estado argentino y su estación de televisión. Buenos Aires: La Crujía, 2001. p. 47. 143 NIELSEN, Jorge. La magia de la televisión argentina: 1951-1960. Buenos Aires: Jilguero, 2004. p. 15. 144 MINDEZ, Leonardo, op. cit., p. 49.
67
aparelhos,145 passando gradativamente à produção nacional de receptores. No decênio de 60,
com o surgimento das emissoras privadas, o canal tenta fazer frente, lançando uma nova
programação. A estabilidade econômica e o fluxo de novidades artísticas, estéticas e
tecnológicas, que chegavam da Europa e Estados Unidos, faziam um cenário promissor. No
entanto, a estratégia da emissora não se mostrou acertada, passando a perder gradativamente
seus artistas e audiência para as emissoras privadas, que também tecnicamente faziam frente à
programação da emissora estatal, por contarem com o pleno aporte financeiro da publicidade.
Nos anos seguintes, o Canal 7 contou com os investimentos descontinuados por parte do
governo. Talvez seu maior feito tenha sido lançar a programação em cores na Argentina, em
1978. Nesta época, início da ditadura militar, o canal passou a se chamar ATC (Argentina
Televisora Color). A proposta desta nova etapa era de “um canal cultural de baixo custo e
com rendimento sustentável; um canal com inserção financeira limitada, criado para estar no
terceiro ou quarto lugar de audiência”.146
A possibilidade de uma televisão privada na Argentina ocorre durante o governo do
General Pedro Aramburu, a partir do decreto 15.460, assinado em 25 de novembro do ano de
1957. Nesta direção, são criados os canais 9 e 13, que seriam administrados através de
concessões. A Companhia Argentina de Televisão (Cadete), sociedade de empresários,
editores e escritores, recebe a primeira concessão. Frente à impossibilidade de que
investidores estrangeiros fossem proprietários de emissoras nacionais, a rede americana NBC
associa-se ao Canal 9, passando a fornecer equipamentos, filmes e séries. Neste primeiro
momento, cerca de 50% da programação era nacional, com alguns programas ao vivo e outros
gravados com a tecnologia do videoteipe.147
No ano de 1963, o empresário Alejandro Romay torna-se acionista majoritário da
emissora, assumindo também o cargo de diretor geral. Sua estratégia de nacionalização da
programação mostra-se acertada, lançando diversos formatos de programas e viabilizando a
produção de telenovelas, que posteriormente seriam comercializadas em diversos países da
América Latina, especialmente o México.
Em 1966, o Canal 9 exibiu uma de suas telenovelas mais memoráveis. Escrita por
Abel Santa Cruz, Jacinta Pichimahuida, La Maestra que no se Olvida inova ao abordar o
cotidiano de uma professora e as desventuras de sua classe de alunos. Com um critério
pedagógico retrógrado, ao estilo “os que se comportam bem vão para o céu; os que se
145 NIELSEN, Jorge, op. cit., p. 85 146 ULANOVSKY, Carlos. Estamos en el aire: una historia de la televisión argentina. Buenos Aires: Planeta, 1999. p. 28. 147 NIELSEN, Jorge, op. cit., p. 118.
68
comportam mal vão para o inferno”,148 destacavam-se os personagens estereotipados, como a
menina rica, insuportavelmente arrogante; o menino gordo e desprovido de interesses
escolares, que, a partir de um esforço momentâneo, conseguia passar de ano; o menino negro
e pobre, apaixonado pela menina rica; entre outros.
O Canal 9 chega ao início dos anos 70 com uma programação quase exclusivamente
nacional. No entanto, em agosto do ano de 1974, quando as emissoras argentinas são
confiscadas pelos militares, Romay decide deixar o país. A partir deste momento, o Canal 9
passa às mãos do exército, voltando às mãos de Alejandro Romay apenas em 1984, através de
um processo judicial que se alastrou durante dez anos. Neste momento, ocorre uma retomada
na produção de telenovelas. Mesmo com a terceira colocação na preferência dos
telespectadores, a emissora consegue destacar-se com alguns produtos. As telenovelas La
Extraña Dama (1989), Una Voz en el Teléfono (1990) e Más Allá del Horizonte (1994) são
alguns exemplos. Esta última, produzida por Alejandro Romay, é exibida às 21h. Este
momento é considerado um divisor de águas na televisão argentina, que, por uma questão
cultural, não costumava programar telenovelas para o prime time.
A partir do ano de 1997, o Canal 9 passa por diversas mãos. O empresário Alejandro
Romay vende a emissora ao grupo australiano Prime Televisión. Os novos proprietários
mudam o nome e a imagem do canal, que neste momento, passa a chamar-se Azul TV. Dois
anos depois, 51% das ações da Azul TV são adquiridas pelo grupo espanhol Telefónica. Em
2004, a emissora é novamente vendida, agora ao Grupo Infobae, do empresário e jornalista
Daniel Hadad. Proprietário até os dias de hoje, o grupo também possui o jornal impresso
Infobae, uma rádio AM e quatro rádios FM, sediadas em Buenos Aires.
O canal 13 de Buenos Aires inicia suas transmissões em 1º de outubro de 1960,
através de licenciamento para a empresa Rio de la Plata T.V. S/A. No entanto, a responsável
pela programação da emissora seria a produtora Proartel, de propriedade do cubano Goar
Mestre. Em Cuba, Mestre havia sido proprietário de emissoras de rádio e do canal televisivo
CMQ. O empresário também chegou a fundar canais na Venezuela, Porto Rico e Peru. Por
sua condição de estrangeiro, Mestre não poderia ser proprietário majoritário da emissora.
Conforme Nielsen, o Canal 13 contava com equipamentos superiores aos de seus
concorrentes, apresentando uma imagem “nitidamente melhor, com cores mais vivas e fácil
sintonização”.149 Seguindo os passos do Canal 9, que teve a NBC como fornecedora inicial de
148 NIELSEN, Jorge. La magia de la televisión Argentina II: 1961–1970. Buenos Aires: Del Jilguero, 2005. p. 159. 149 NIELSEN, Jorge, op. cit., p. 123.
69
conteúdo, o Canal 13 tinha fortes vínculos com a emissora americana CBS e a empresa Time-
Life, através da Proartel, com carência de inovação e forte presença de fórmulas estrangeiras.
No decênio de 60, as ações da CBS e da Time-Life são adquiridas pelo Editorial Atlántida.
Durante o período militar, o canal passa às mãos da Marinha.
O canal 11, penúltima emissora privada a ser inaugurada, inicia suas transmissões em
1961, pouco antes de encerrar o prazo dado pelo governo para início de operações.
Administrado pela Igreja Católica, inicialmente é anunciado como um canal familiar.
Conforme relata Nielsen, colocou no ar uma programação de emergência, apenas para não
perder a concessão. Começava às 18h com quadros femininos (El hogar de Nélida, La Salud
Infantil, Telecocina); passando a exibição de séries durante a tarde (Los Três Mosqueteros,
Whiplash, Hombre Sin Revólver, Roy Rogers); conversas de sacerdotes (Padre Laburu, Bispo
Fulton Sheen); e um jornalístico (Pantalla Gigante). Musicais importados e filmes
americanos completavam a oferta inicial.150 A proposta da Igreja Católica, de possuir um
canal na capital argentina, acabaria no ano de 1965, quando a emissora é vendida ao
empresário Héctor Ricardo García. Durante a ditadura militar, em 1974, o canal foi
administrado pelas Forças Armadas.
No ano de 1989, o Grupo Editorial Atlántida adquire a concessão do Canal 11. Desde
o inicio desta nova fase, o gerente de programação Gustavo Yankelevich, neto do fundador da
televisão argentina, impõe seu estilo bem definido. Há uma mudança no padrão tecno-
estético, seguido por agressivas campanhas publicitárias nos principais veículos de
comunicação. A estréia de produtos como Chiquititas (1995) e a contratação de artistas como
Suzana Gimenez e Marcelo Tinelli elevam o canal à liderança de audiência no país.
O último canal aberto da TV argentina surgiu em 1966, inicialmente com o nome de
Rivadavia Televisión S/A. Foi fundado pelos proprietários da Rádio Rivadavia e o jornal
impresso El Mundo. Contava com estúdios próprios na cidade de La Plata, e ainda alugava
estúdios da produtora argentina Sono Film. Em sua primeira década de existência, seu sinal
apresentava dificuldades de sintonia na cidade de Buenos Aires. O motivo era a antena de
baixa freqüência, localizada em La Plata. Segundo relata Nielsen, a seguinte nota era exibida
durante a programação: “A imagem do canal 2 é ótima. Se você não sintoniza bem, revise seu
aparelho, ajuste o sintonizador ou coloque sua antena na posição adequada”.151 Nos anos
seguintes, mesmo com algum investimento, como a contratação de Alberto Migré e Abel
Santa Cruz, o canal 2 tornou-se o menos visto pelos argentinos.
150 NIELSEN, Jorge, op. cit., p. 12. 151 NIELSEN, Jorge, op. cit. p. 186.
70
Nos anos 90, a televisão argentina incorporou o videoclipe em novelas como
Chiquititas (Telefé, 1995), Verano del ‘98 (Telefé, 1998), Floricienta (Canal 13, 2005) e
Patito Feo (Canal 13, 2007). Os temas musicais são originais, na maioria das vezes
interpretados pelos próprios atores.
2.2 Histórico global da teledramaturgia
Os primeiros registros do que viria a ser ficção seriada televisiva aparecem no
romance-folhetim, narrativa literária que se popularizou nos jornais franceses do século XIX.
Na Inglaterra, registra-se o caso do railway literature (literatura de trilhos), contos de fácil
leitura, produzidos para distrair os usuários de trem das recém inauguradas linhas férreas
européias. No período da Revolução Industrial, na França, o espaço físico do folhetim em um
jornal de periodicidade diária estava delimitado ao rodapé. Inicialmente, por se tratar de uma
estratégia comercial para fidelizar assinantes, a narrativa desfrutou de pouco prestígio. Mas
acompanhando as transformações sócio-econômicas que a sociedade atravessava,152 o gênero
acabou por difundir-se, caindo no gosto popular. “Em outubro de 1836 La Presse, de Émile
Girardin, publica um romance inédito de Balzac, e a partir de então, esta forma seriada de
literatura torna-se cada vez mais aceita”.153 Neste momento, a competência mercadológica da
narrativa foi reconhecida e jornais como La Presse e Le Siècle iniciaram relações trabalhistas
assalariadas com os autores das histórias.
A chegada do gênero na América Latina ocorre de navio. Partindo da Europa, um
transatlântico viaja com destino a Buenos Aires e Havana, repleto de emigrantes dispostos a
“fazer a América”.154 Nas tabacarias da capital cubana, cria-se o hábito de ler textos
dramáticos em voz alta, prática comum realizada em conventos e cárceres europeus.155 Neste
momento, as rádios de Miami – freqüentemente sintonizadas pelos cubanos – já fervilhavam
de soap operas.
Reproduzindo o modelo radiofônico estadunidense, as emissoras de Cuba tomam
fôlego e forma. A criação de um sistema de rádios comercial no país, nos anos 30, viabiliza a
produção de radionovelas. O primeiro título aparece em 1931, e na Argentina em 1935.
Rapidamente, o roteiro de O Direito de Nascer, de Félix Gaignet, invade as rádios de diversos
152 Além da convergência e do desenvolvimento tecnológico da imprensa, outros fatores colocam França e Inglaterra em contato. Conforme relata Ortiz, alguns exemplos são: abertura de estradas, aperfeiçoamento das ligações marítimas, criação de agências internacionais de notícias, comunicação através de cabos submarinos e criação de ferrovias. ORTIZ, Renato; BORELLI, Silvia; RAMOS, José Mário, op. cit., p. 12. 153 ORTIZ, Renato; BORELLI, Silvia; RAMOS, José Mário, op. cit., p. 14. 154 MARTÍN-BARBERO, Jesús. Viagens da telenovela: dos muitos modos de viajar em, por, desde e com a telenovela. In: LOPES, Maria Immacolata Vassallo de (Org.). Telenovela: internacionalização e interculturalidade. São Paulo: Loyola, 2004. p. 23-46. p. 33. 155 MARTÍN-BARBERO, Jesús, op. cit., p. 33.
71
países. A partir dos scripts do autor, cada país começa a realizar sua própria versão da
história, sempre alcançando boa audiência. O horário da irradiação, primeiramente matutino, é
escolhido por seu ótimo custo-benefício: além de apresentar baixo custo de aquisição, atingia
seu público-alvo, as donas de casa. Em um relato anedótico, Gaignet explica porque se
delineou ao estilo melodramático:
Elas consumiam os produtos que meus programas anunciavam. Eram pobres e sofriam. Desejavam chorar para desafogar suas lágrimas. Eu estava obrigado a escrever para elas e facilitar-lhes o que elas necessitavam, porque enquanto choravam meus dramas, descarregavam sua própria angústia. Então abri a válvula do pranto.156
Na Argentina, a radionovela se desenvolveu com linguagem própria. Começou com o
circo-crioulo, transformando-se em teatro e migrando para o rádio, onde foi chamada de
radioteatro. Normalmente, as agências de publicidade que controlavam as contas das fábricas
de sabão eram as responsáveis pela produção das radionovelas, ficando a cargo das emissoras
sua irradiação.157 Colgate-Palmolive, Gessy Lever e Procter and Gamble são exemplos de
fábricas que encarregavam suas agências de tarefas como contratar o elenco e adaptar o
roteiro. Em países como Colômbia e Venezuela, a radionovela percorreu um caminho similar.
No Brasil o gênero chegou relativamente tarde. Em Busca da Felicidade (Rádio
Nacional/RJ, 1941), o primeiro título que se tem notícia, foi adquirido da Argentina, que, por
sua vez, se tratava de um original cubano. A idéia de transmitir radionovela aos lares
brasileiros foi da agência Standard, que detinha a conta do creme dental Colgate. A partir de
1955, empresas de eletrodomésticos e lingerie também se tornavam patrocinadoras. No
entanto, com o advento da televisão, a história das radionovelas não teria um final feliz. A
migração dos anunciantes para o novo veículo fez com que o gênero desaparecesse do
continente latino-americano nos anos 70.
Na TV, igualmente como no rádio, desde seus primórdios a telenovela se desenvolveu
como um produto híbrido. Roteiros radiofônicos cubanos e argentinos foram traduzidos ou
livremente adaptados por autores locais. Mesmo nos países que não deram continuidade ao
estilo do melodrama, estes roteiros foram o ponto de partida para a história da telenovela
nacional. Nesta direção, especula-se que a telenovela teria surgido em Cuba, proveniente
destes livretos de radionovelas. No entanto, seu paradigma cubano teria sido inspirado na
soap opera, existente desde o decênio de 30 nas rádios norte-americanas. A criação do gênero
– ou o modelo que é conhecido na contemporaneidade – foi mérito das agências de
publicidade, que, no auge da recessão econômica, necessitavam fidelizar as donas-de-casa 156 GONZÁLES, Reinaldo. Lágrimas de exportación. Revolución y cultura, Habana, n. 6, p. 68-69, jun. 1986. 157 ORTIZ, Renato; BORELLI, Silvia; RAMOS, José Mário, op. cit., p. 14.
72
diante do rádio para vender sabão. Inicialmente, algumas emissoras latino-americanas
investiram na realização de teleteatros, para somente mais tarde evoluírem à produção da
telenovela diária:
O teleteatro, tecnicamente, representava um desafio. Antes de partir para encenação de uma peça de fôlego era necessário algum tempo de experiência, para que se tivesse um maior conhecimento e domínio do equipamento e seus recursos. Nesse período de aprendizagem os atores se habituaram a decorar os textos mais longos (muitos atores provinham do rádio, no qual liam as peças) e aprenderam a se locomover no estúdio em função das câmeras que os focalizavam.158
As limitações tecnológicas condicionaram por muitos anos a produção televisiva.
Fatores como “a baixa sensibilidade dos tubos, a impossibilidade de registrar e editar o sinal,
as características das câmeras, a pouca mobilidade dos equipamentos e a falta de definição de
detalhamentos impediam-na de utilizar muitos dos ensinamentos de seus antecessores
cinematográficos”.159
No México, o grupo Telesistema Mexicano160, que se torna Televisa a partir de 1973,
começa a produzir novelas apenas com o advento do videoteipe, em 1958. No entanto, a
empresa já produzia teleteatros, filmados com película de 16 milímetros, através da técnica do
kinescópio, um antecessor do vídeo. Da exploração de roteiros cubanos (muitos utilizados
como base de suas novelas até a contemporaneidade), surge Senda Prohibida, lembrada como
a primeira novela mexicana a ser produzida.161 Na Argentina, a ficção seriada inicia-se com
telecomédias e teleteatros, passando gradualmente à produção de telenovelas. Os primeiros
títulos apareceram nos anos 50. Teleteatros ocupavam uma faixa importante na programação,
tendo sua temática dividida por faixa de horário: humor, às 17h; romance, às 18h; e suspense,
às 22h.162
A telenovela brasileira surgiu em 1951, com Sua Vida me Pertence, apresentada em 15
capítulos e de periodicidade não diária. Durante toda a década de 50, inúmeros textos foram
levados ao ar, duas vezes por semana, com duração média de 20 minutos por capítulo.163 De
1951 a 1953, as emissoras Tupi e Paulista exibiram 23 novelas. No entanto, enquanto as
158 PEREIRA, Sindênia Freire. Arquivo de memórias: o resgate do teleteatro através da memória autobiográfica e histórica. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 26., 2003, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte, Intercom, 2003. 1 CD. 159 FIGUEIREDO, Ana Maria C. Teledramaturgia brasileira: arte ou espetáculo? São Paulo: Paulus, 2003. p. 20. 160 O grupo surgiu de uma fusão dos canais 2, XEW; 4, XHTV; e 5, XHGC. É interessante ressaltar que, antes desta fusão, a programação dos canais era esporádica. O TM foi a primeira emissora mexicana a contar com uma grade sem vácuos na programação. 161 Senda Prohibida é um conto mexicano adaptado para o rádio e, em seguida, para a televisão. Ganhou dois remakes no México: El Dolor de Amar (TM, 1966) e Amor Prohibido (Televisa, 1979). 162 NIELSEN, Jorge. La magia de la televisión Argentina II: 1961–1970. Buenos Aires: Del Jilguero, 2005. p. 50. 163 ORTIZ, Renato; BORELLI, Silvia; RAMOS, José Mário, op. cit., p. 28.
73
produções da Tupi eram originárias de dramáticos roteiros cubanos, a Paulista apostava em
adaptações de romances brasileiros. A TV brasileira estabeleceu a ficção seriada como seu
principal produto, de consumo interno e exportação, gerando resultados comerciais dos mais
elevados, pela grande quantidade de público que mobiliza e por suas múltiplas possibilidades
de comercialização publicitária. Como as demais produções latino-americanas, o produto
brasileiro também constituiu inicialmente uma linguagem híbrida, herdada dos livretos
cubanos.
De 1954 até o início dos anos 60, surgem adaptações de romances literários de autores
consagrados, como Machado de Assis e José de Alencar. Reimão diagnostica que a escolha de
tais obras é sintomática, explicitando o momento em que a desprestigiada telenovela buscava
se firmar, através da legitimidade e “peso cultural” dos consagrados romancistas.164 Entre os
textos estrangeiros, muitos já haviam sido explorados pelo cinema norte-americano, como
César e Cleópatra, Um Lugar ao Sol e O Conde de Monte Cristo. Este período de ascensão
dos filmes produzidos em Hollywood coincide com o declínio do estilo dramalhão no Brasil.
A partir de 1962, com a introdução do videoteipe no país, surge a possibilidade de gravar e
editar as telenovelas. Já no ano seguinte é lançada 2-5499, Ocupado, primeira novela diária da
televisão brasileira. A versão nacional de O Direito de Nascer (Tupi, 1964) repete seu sucesso
radiofônico, atingindo alta popularidade, e seu último capítulo, exibido cinco meses após o
golpe militar, consolidando definitivamente o gênero melodramático no país. Quanto à
penetração de uma telenovela, os Mattelart argumentam:
a popularidade de uma telenovela não se mede somente pela cotação do Ibope, mas exatamente pelo espaço que ocupam nas conversas e nos debates de todos os dias, pelos boatos que alimentam, por seu poder de catalisar uma discussão nacional, não somente em torno dos meandros da intriga, mas também acerca das questões sociais. A novela é de certa forma a caixa de ressonância de um debate público que a ultrapassa.165
No Brasil, desde o original argentino 2-5499, Ocupado (Excelsior, 1963) até Ilusões
Perdidas (Globo, 1965), cerca de 60 novelas foram produzidas pelas emissoras Tupi,
Excelsior e Record. A modernização do gênero, no final dos anos 60, oferece maior agilidade
à narrativa: surge a linguagem coloquial e a interpretação natural por parte dos atores. A
Globo, localizada no Rio de Janeiro, foi inaugurada em 1965, tendo um papel fundamental na
modernização e consolidação do produto no país, resultante de sua elevada capacidade para
investir. Para tal, foram essenciais os recursos advindos do contrato de cooperação e
164 REIMÃO, Sandra. Livros e televisão: correlações. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004. p. 20. 165 MATTELART, Armand; MATTELART, Michèle. O carnaval das imagens. São Paulo: Brasiliense, 1998. p. 111.
74
assistência técnica que firmou com o grupo estadunidense Time-Life. O convênio, que
contradizia o artigo 160 da Constituição de 1964, beneficiou a emissora com tecnologia e
know-how norte-americano.
Na América Latina, a década de 70 ficou marcada pela perda de notoriedade dos
seriados estadunidenses no horário nobre das emissoras, o prime time. Com a crescente
realização de telenovelas nacionais e a consolidação do gênero ficcional, a telenovela torna-se
um produto fundamental na grade de programação. O produto brasileiro atravessa seu
momento de nacionalização de temáticas, diversificando com enredos “realistas”, fiéis ao
cotidiano da família nacional; “adaptações literárias”, oriundas especialmente da literatura
brasileira; “novelas-comédia”, que contam com alto grau de hilariância em seu contexto; e
“folhetins modernizados ou melodramas”, uma atualização dos tradicionais enredos
folhetinescos.166
O crescimento da Globo coincidiu com o interesse do governo militar em criar uma
emissora que viesse a unir o território brasileiro, atendendo aos interesses das reformas
econômicas e seu projeto político. Num primeiro período, os investimentos não resultaram em
audiência, mas logo o público foi capturado. A estratégia inicial priorizou os programas
populares para, sequencialmente, constituir um padrão tecno-estético qualificado, inviável de
ser reproduzido por seus concorrentes naquele momento, e onde a telenovela exercia – e ainda
exerce – um papel preponderante.
A opção por uma teledramaturgia melodramática e exótica surge com a contratação da
autora cubana Glória Magadan, mas também não alcança os resultados esperados. Nos
produtos de sua autoria predominavam condes, duques, ciganos, galãs arrebatadores,
mocinhas pobres e ingênuas e terríveis vilãs. “Ela chega ao Brasil em 1964, como supervisora
da seção internacional de novelas da Colgate-Palmolive de São Paulo; logo em seguida é
contratada pela Globo”.167 As histórias fantasiosas e extremamente românticas eram
ambientadas nos mais diversos países. “La Magadan”, como também foi chamada,
permaneceu na emissora por quatro anos e escreveu oito novelas: Eu Compro Esta Mulher
(Globo, 1966), O Sheik de Agadir (Globo, 1966), A Sombra de Rebecca (Globo, 1967), A
Rainha Louca (Globo, 1967), Demian, o Justiceiro (Globo, 1968), O Santo Mestiço (Globo,
1968), A Gata de Vision (Globo, 1968), e A Última Valsa (Globo, 1969). Sem nenhum
compromisso com a realidade, Magadan teve seu cargo ameaçado com a chegada da autora
Janete Clair. “Os príncipes e condes cedem lugar aos industriais, homens de negócio e
166 ORTIZ, Renato; BORELLI, Silvia; RAMOS, José Mário, op. cit., p. 58. 167 ORTIZ, Renato; BORELLI, Silvia; RAMOS, José Mário, op. cit., p. 61.
75
membros das profissões liberais. A mesma tendência pode ser observada nos anos 40 com a
radionovela. Os textos latino-americanos devem se aclimatar ao gosto do público
brasileiro”.168
Com a modernização da telenovela brasileira, no final dos anos 60, há uma
aproximação da realidade. Antonio Maria (Tupi, 1968) e Beto Rockfeller (Tupi, 1968) foram
as responsáveis pela ruptura do gênero melodramático. Seus personagens apresentavam
qualidades e defeitos, com declínio a uma linguagem coloquial. Conforme propõe Mattelart, é
neste momento que o público brasileiro se identifica na telenovela:
Com a novela Beto Rockfeller, os canais de televisão que ainda importavam roteiros argentinos, mexicanos ou cubanos, descobrem uma maneira própria de fazer telenovela, deixando de lado as lacrimejantes produções latinas para reconstituir o gênero com uma perspectiva e técnicas próprias. As falas tornam-se coloquiais; os diálogos soltos; desaparece o maniqueísmo; surge o herói sem qualidades, sujeito a erros e a acertos. Há, agora, certa margem de improvisação, mais gravações externas, aumento do número de tomadas de cenas e das seqüências, narração mais rápida.169
Produções mexicanas não são as únicas desprovidas de realidade. No entanto, na
Colômbia, mesmo com tramas declinadas ao chamado estilo cor-de-rosa (muito romântico e
leve), a telenovela consegue abordar problemas sociais e dificuldades econômicas que o país
atravessa. Café con Aroma de Mujer (RCN, 1994) foi um exemplo de novela que, apesar de
contar o romance de uma humilde colhedora de cafezais com um rico empresário do ramo
cafeeiro, “traçou os laços que ligam a fazenda de café com a Bolsa de Nova York; os
processos artesanais de sua colheita com a produção tecnológica e a comercialização de suas
variedades”.170 Por sua vez, a Venevisión, emissora venezuelana do conglomerado Cisneros,
apresenta títulos com desenvolvimento narrativo pouco factível, muito similar ao produto
mexicano.
Na Argentina, a realização de novelas a partir de produtoras independentes também
tem oferecido maior desprendimento narrativo. A série Mujeres Asesinas (Canal 13, 2005),
produzida pela Pol-ka Producciones, mistura ficção e realidade, ao dramatizar homicídios
cometidos por mulheres argentinas. Son de Fierro (Canal 13, 2007) e El Tiempo no Para
(Canal 9, 2006) são outros títulos independentes, que tentam fugir da inalterabilidade
folhetinesca. Seus scripts foram adquiridos pela Televisa, o que não representa uma evolução
na teledramaturgia da rede mexicana, já que as produções são adaptadas ou reescritas,
168 ORTIZ, Renato; BORELLI, Silvia; RAMOS, José Mário, op. cit., p. 75. 169 MATTELART, Armand; MATTELART, Michèle. O carnaval das imagens. São Paulo: Brasiliense, 1998. p. 31. 170 MARTÍN-BARBERO, Jesús; REY, Germán. Os exercícios do ver: hegemonia audiovisual e ficção televisiva. São Paulo: Senac, 2001. p. 120.
76
tornando-se um produto convencional.
Neste sentido, a Globo desempenha um papel decisivo, transformando o folhetim
melodramático e estrangeiro numa novela contemporânea, de acordo com a realidade do
país.171 Novelas como Selva de Pedra (1972), Véu de Noiva (1969), Irmãos Coragem (1970) e
O Astro (1977), de Janete Clair; Anjo Mau (1976), de Cassiano Gabus Mendes; O Casarão
(1976), de Lauro César Muniz; A Escrava Isaura (1976) e Dancin’ Days (1978), de Gilberto
Braga, entre outras, reforçaram a consolidação da emissora, ao longo dos anos, como a maior
emissora do país. Nos anos 80, a Globo “contabiliza 36 emissoras filiadas (número que cresce
para 48 no ano de 1986), cobre 98% dos municípios brasileiros, atingindo 17,6 milhões de
domicílios com televisão; e sua audiência é estimada em 80 milhões de telespectadores”.172
Neste período, algumas novelas incorporaram crises políticas que o país atravessou,
como Roque Santeiro (1985), de Dias Gomes; Vale Tudo (1988), de Gilberto Braga; O
Salvador da Pátria (1989), de Lauro César Muniz; e Que Rei Sou Eu? (1989), de Cassiano
Gabus Mendes. Apenas no início dos anos 90 a Globo tem sua audiência ameaçada no gênero
da teleficção: primeiro pela forte concorrência de Pantanal (Manchete, 1990) e em seguida
pela mexicana Carrusel (Televisa, 1989), exibida no Brasil em 1991 pelo SBT.
No Brasil, o formato de telenovela-realidade foi experimentado em Malhação 98
(Globo, 1998), quando o folhetim começou a ser apresentado ao vivo e de um cenário único:
o quarto do personagem protagonista da história. Os atores, que também assumiram papel de
apresentadores, incentivavam o telespectador a participar por telefone e através da internet, no
sítio da atração. Outra produção da Globo, Você Decide, exibida entre 1992 e 2000, também
contou com a participação por telefone: ligações decidiam o desfecho da história, que era
exibida no formato de caso especial.
Seguindo os passos da Globo, a Record, emissora de propriedade da Igreja Universal
do Reino de Deus (IURD), investiu em Prova de Amor (2006). Cada capítulo da novela
custou cerca de 60.000 dólares; e Bicho do Mato, a produção subseqüente, contou com um
investimento de 75.000 dólares por capítulo.173 Com o estabelecimento de uma linha de
produção, os produtos seguintes, Vidas Opostas (2007) e Caminhos do Coração (2007),
ocasionalmente conquistaram o primeiro lugar de audiência.174 A estratégia contemplou a
171 MELO, José Marques de. As telenovelas da Globo: produção e exportação. São Paulo: Summus, 1988. p. 49. 172 ORTIZ, Renato; BORELLI, Silvia; RAMOS, José Mário, op. cit., p. 84. 173 LOPES, Maria Immacolata Vassallo de (Coord.). Brasil: cada vez mas realidad en la ficción. In: VILCHES, Lorenzo (Comp.). Culturas y mercados de la ficción televisiva en Iberoamérica: anuario Obitel 2007. Barcelona: Gedisa, 2007. p. 77-108. p. 104. 174 VIDAS OPOSTAS volta a bater Globo e fica em 1º na audiência. Folha On Line, São Paulo, 8 fev. 2007. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u68326.shtml>. Acesso em: 13 fev. 2008.
77
contratação de autores, atores e equipe técnica proveniente da Globo. A similaridade do
produto final abriu portas para a Record, que já comercializa suas telenovelas no mercado
internacional.
2.3 Teleficção e concorrência
No Brasil e no México, de forma mais grandiosa, bem como na Argentina, que ainda
tem seu mercado em ascensão, a telenovela foi ferramenta fundamental na construção de
monopólios e oligopólios, por parte das emissoras. A partir dos anos 90, a comercialização de
títulos e a criação de empresas especializadas na comercialização de formatos de
teledramaturgia foram as principais responsáveis para que o produto conquistasse mercados
globais. Neste sentido, as experiências mais bem sucedidas foram da Televisa, nos Estados
Unidos, seguida pela Globo, em Portugal. As exportações da televisão mexicana se iniciaram
nos anos 50, enquanto no Brasil apenas no decênio de 70.
No México de 1961, o grupo Telesistema Mexicano deu os primeiros passos rumo à
internacionalização: instalou em San Antonio, no Texas, sua filial em território norte-
americano. Com o advento da televisão em cores no país, em 1963, iniciam-se as primeiras
transmissões internacionais realizadas ao vivo. No ano de 1966 o grupo ingressou no satélite
Intelsat, começando a exploração destes serviços de transmissão. Mas o grande passo
internacional deu-se a partir da aquisição de 20% das ações da empresa americana Spanish
International Communication Corporation (SICC), constituindo, em 1976, sua primeira
emissora nos Estados Unidos, a Univisión.175
Em 1980 a cobertura da Televisa já ocupava 100% do território mexicano. Com a
aquisição de 75% das ações do canal Spanish International Network (SIN),176 transmitia 19
horas de programação diária para os Estados Unidos, que eram geradas por mais de 100
estações.177 A integração ao satélite Westar III e a exploração dos serviços de TV a cabo no
México fizeram da Televisa o maior conglomerado latino-americano já nos anos 80. Sua
estratégia de abastecer emissoras do mundo afora com conteúdos híbridos – em sua maioria
telenovelas – a torna a maior compradora dos direitos autorais de roteiros cubanos e
argentinos, inclusive com a possibilidade de modificá-los ou comercializá-los para outros
países.
Entre as mais bem sucedidas novelas da Televisa está o texto argentino Simplemente
Maria (Canal 9, 1967). Em seu país de origem, contou com três temporadas distribuídas em
175 O contrato incluía a exploração de estações em Los Angeles, Nova York e San Antonio. 176 A partir de 1961, o canal Spanish International Network (SIN) daria origem a Univisión. 177 BARQUERA, Fernando Mejía. História mínima de la televisión mexicana (1928 – 1996). Revista de Comunicación y Cultura, Pereira, n. 1, p. 1-26, mar.-maio 2007. p. 11.
78
629 capítulos. No México, no entanto, seu remake, realizado em 1989, contabilizou 120
capítulos, adequando-se aos padrões internacionais de exibição. Carrusel, baseada no original
argentino Jacinta Pichimahuida, la Maestra que no se Olvida (Canal 9, 1966), teve uma
versão mexicana que resultou na “mais espetacular reviravolta da televisão brasileira dos
últimos anos, uma virada mais profunda que a de Pantanal”.178 Este destaque refere-se aos 21
pontos de audiência que Carrusel alcançou na cidade de São Paulo,179 mesmo competindo
com O Dono do Mundo (Globo, 1991), principal atração da Globo, cuja audiência submergia
diante da história de ascensão profissional e declínio matrimonial de um desonesto cirurgião
plástico. Em análise sobre a rejeição do telespectador, autores pós-modernos defenderam que,
nesta novela, o declínio do então presidente Fernando Collor de Mello aparecera reeditado na
ficção, num jogo de sedução-decepção recentemente vivenciado pelos brasileiros.180
Rebelde (Televisa, 2005), outra adaptação da Televisa, também foi produzida
originalmente na Argentina. A versão mexicana foi ao ar em diversos países da América
Latina, sempre com boa audiência. No entanto, a produção original, que se chamou Rebelde
Way (Canal 9, 2001), também ganhou o mundo. Foi vendida para a Europa Ocidental, Europa
Oriental, Ásia e América Latina. Em Israel, causou espanto entre pais de adolescentes:
influenciados pela história e pelos temas musicais da novela, seus filhos estavam aprendendo
o idioma espanhol. Na Espanha, onde Rebelde Way foi exibida em 2006, ocorreu o reencontro
dos integrantes do grupo musical Erreway, formado pelos atores que protagonizavam a
história. O objetivo era divulgar a trilha sonora da trama. A mesma banda havia se desfeito no
ano de 2002, quando a novela terminou em seu país de origem.
No que diz respeito às latas,181 o valor unitário de uma produção da Televisa, por
exemplo, torna-se menor quando vendido a emissoras do Uruguai, Equador ou Honduras. Isso
porque, conforme o modelo de comercialização internacional de produtos televisuais, seu
preço é calculado através de fatores como extensão geográfica e alcance territorial da
emissora adquirente, quantidade de títulos que a emissora compra, valor da fatia publicitária
no país e média de televisores por habitante.
O mercado europeu, muito atraente por pagar altas cifras, teve suas portas abertas à
Globo e à Televisa a partir da década de 80. O ingresso de canais privados e a própria
178 CARROSSEL mexicano. Veja, São Paulo, n. 1.186, p. 78-84, 12 jun. 1991. 179 Segundo o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), cada ponto de audiência corresponde a 55,5 mil domicílios com televisores ligados em São Paulo, cidade que é referência para o mercado publicitário nacional. 180 BAPTISTA, Maria Luiza Cardinale. Comunicação: trama de desejos e espelhos. Canoas: Ulbra, 1996. p. 85. 181 Proveniente da forma como os próprios produtos eram enviados às emissoras adquirentes. Também são chamadas de enlatados.
79
condição de disputa de mercado, imposta às emissoras públicas, provocou o aumento do
número de horas transmitidas. Novelas argentinas também foram adquiridas por canais da
Itália. No início dos anos 90, o empresário e político Silvio Berlusconi – então proprietário da
emissora Rete 4 – chegou a injetar dinheiro em produtoras argentinas, através de compra
antecipada ou co-produção. A intenção era que as novelas fossem posteriormente exibidas em
seu país.182
Na Argentina, é interessante ressaltar que durante a vigência do processo militar
(1974-1984), a telenovela nacional desaparece e os canais passam a exibir produtos
estrangeiros. Diferentemente do Brasil, México ou Venezuela, onde os canais de televisão se
desenvolvem tecnologicamente durante a incursão de militares, a televisão argentina atravessa
um período de estagnação. Seus processos são reativados somente no o término da ditadura.
2.4 Organizações e particularidades
Apesar das emissoras de TV ainda priorizarem a audiência de um programa em seu
país de origem, com raras exceções, os teleprodutos de ficção, especialmente, estão
condenados à transnacionalização. Trata-se de uma tendência mundial, que incentiva a
categorização de gêneros para, consequentemente, facilitar a comercialização de formatos (e
apresentação do produto) no mercado externo. Um exemplo corriqueiro, mas que dificilmente
pode-se fugir, é ilustrado na América Latina, onde Globo (Brasil) e Televisa (México)
trabalham com modelos e padrões opostos de produção. Apesar de o produto ser o mesmo, a
telenovela, sua conjuntura tecno-estética e narrativa diferenciam-se. Enquanto a emissora
brasileira incorpora questões político-sociais em suas produções, a mexicana se utiliza de
memoráveis livretos cubanos e argentinos, com pouca ou nenhuma renovação.
Para Ortiz, tal circunstância aplica-se para o que denomina ser a constituição de um
padrão internacional-popular, que designa uma conjuntura de normas dominantes, à qual a
produção deve adequar-se para ser internacionalizada.183 O resultado final visa diminuir as
diferenciações locais, demonstradas através de particularizações dominantes. De tal maneira,
a possibilidade de exportação e a necessidade de ingresso no mercado externo estimularia a
constituição de um modelo de produção, fazendo com que as empresas consolidassem estilos
pré-estabelecidos e bem definidos, podendo, através do modo em que seu modelo de produto
se apresenta, serem identificadas por investidores no mercado externo:
A produção de telenovelas significou então uma certa apropriação do gênero por cada país: sua nacionalização; se o gênero telenovela implica rígidos estereótipos em seu esquema dramático e fortes condicionantes em sua gramática visual –
182 MAZZIOTTI, Nora. La industria de la telenovela. Buenos Aires: Paidós, 1996. p. 126. 183 ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1996.
80
reforçados pela lógica planificadora do mercado televisivo mundial – cada país também tem feito da telenovela um lugar particular de cruzamento entre a televisão e outros campos culturais, como a literatura, o cinema e o teatro.184
Mesmo não se debruçando em estudos sobre a economia dos produtos audiovisuais, a
contribuição de Castells sobre identidade pode ser aplicada em analogia ao mercado
televisivo. Para o autor, a questão identitária congrega um processo de construção de
significados, cujo atributo cultural singular apresenta-se como dominante, ou ainda, um
conjunto de atributos inter-relacionados, que prevalecem sobre as demais fontes de
significação.185 Nesta direção, Castells desenvolve seu posicionamento a partir da seguinte
taxonomia: (a) legitimação, introduzidas por instituições dominantes, a exemplo do
nacionalismo; (b) resistência, sendo criada por atores que se posicionam de forma
desvalorizada pela lógica da dominação; e (c) projeção, quando atores utilizam material
cultural para construir uma nova identidade, então capazes de redefinir sua posição na
sociedade.186
Em nexos traçados com o mercado televisivo brasileiro, o primeiro caso alude
diretamente à Globo, ou qualquer instituições dita dominante, que constantemente reforce seu
discurso para manter-se em posição notória. Como conseqüência, uma resistência passa a
desenvolvida por agentes midiáticos em fase de ascensão, como é o caso da Record,
empregando, assim, a desconstrução do discurso do agente midiático notório. Dificilmente
reproduzirá o discurso dominante, como visto em emissoras de TV terciárias, onde a
midiatização de produtos da primeira colocada incumbe-se em sua estratégia (pode-se citar,
por exemplo, o caso da Rede TV!, que utiliza-se de imagens das novela das nove da Globo,
para produzir conteúdo para seus programas de variedades, especialmente matutinos). No
terceiro caso, a projeção de um discurso não empregado pelos demais agentes é estratégia
cardinal, algo muito comum quando grupos transnacionais instalam-se em países estrangeiros.
Esta estratégia, no entanto, raramente apresenta-se como acertada.
Barber, ao abordar a mundialização da cultura e do capital,187 discute a forma como o
mundo globalizado transforma-se no que chama de McWorld, e como a cultura norte-
americana, interessada em um domínio econômico global, consegue colonizar os demais
continentes. Para o autor:
184 MARTÍN-BARBERO, Jesús. Viagens da telenovela: dos muitos modos de viajar em, por, desde e com a telenovela. In: LOPES, Maria Immacolata Vassallo de (Org.). Telenovela: internacionalização e interculturalidade. São Paulo: Loyola, 2004. p. 23-46. p. 40. 185 CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 2008. p. 22. 186 CASTELLS, Manuel, op. cit., p. 25. 187 BARBER, Benjamim. Cultura McWorld. In: MORAES, Denis de. (Org.) Por uma outra comunicação: mídia, mundialização cultural e poder. Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 41-56.
81
A videologia é mais fluida que a ideologia política tradicional, o que a torna ainda mais eficaz para insuflar valores que os mercados mundiais requerem. Estes valores não são tão impostos por governos coercitivos ou sistemas educativos autoritários; eles são transfundidos à cultura por pseudoprodutos culturais – filmes ou publicidade – dos quais deriva um conjunto de bens materiais, de acessórios de filmes e de divertimento.188
Já para Straubhaar, os fenômenos globalização e localização sempre estiveram
relacionados, uma vez que seus níveis de produção, distribuição, consumo, identidade de
informação e condição cultural estão correlacionados.189 Seu entendimento acerca do
funcionamento do mercado televisivo contemporâneo é desmembrado a partir de diferentes
níveis, recuperados abaixo em uma aproximação ao mercado latino-americano de televisão.
+ Fluxos globais. Modelos econômicos provenientes de nações dominantes (quanto ao
formato de produção), com forte penetração em diferentes regiões. Rapidamente
transformam-se em fluxos globais, pois, além de estarem aliados à tecnologia (ou sinergias e
know-how), são produtos cujos custos de produção já foram pagos em seu mercado de origem
(como é o caso dos desenhos animados, nos Estados Unidos ou no Japão), ou que podem ser
vendidos a um valor individual pouco significativo para seus produtores, uma vez que o
interesse maior está no ganho em escala global (como as telenovelas da Televisa, oferecidas a
programadores latino-americanos através de planos comerciais anuais).
+ Imperialismo norte-americano. Domínio específico dos Estados Unidos,
especialmente no cinema e telejornalismo, mas também em outras áreas de TV, música,
videojogos, software e sítios de internet, com alto índice de exportação. O maior exemplo são
os blockbusters, filmes norte-americanos distribuídos em escala mundial. Não obstante,
agências de notícias internacionalizadas, como a CNN, também vem a ser um exemplo:
através da onipresença de suas imagens, emprega entre os programadores mundiais sua
ideologia fortemente definida.
+ Mercados transnacionais. São mercados culturais e lingüísticos já difundidos, cuja
proliferação de seus produtos deu-se através de antigos sistemas coloniais. O
desenvolvimento do neoliberalismo, através da liberalização, privatização e
desregulamentação, impulsiona a transnacionalização dos capitais, especialmente pela
sincronia dos mercados, devido às novas tecnologias. Grosso modo, o capitalismo
reconfigurado da década de 70 segmenta os públicos, transformando-os em consumidores.
+ Mercados geoculturais. São mercados com línguas e culturas similares, por conta de
188 BARBER, Benjamim, op. cit., p. 44. 189 Vide STRAUBHAAR, Joseph. World television: from global to local. California: Sage, 2007.
82
sua geografia. Tal fenômeno ocorre especialmente em países anglófonos e lusófonos, mas
também há forte incidência de imigrantes, como os brasileiros nos Estados Unidos, que
pagam mensalmente para assistir à Globo Internacional. Alguns têm origem no colonialismo
europeu, como a América Latina, mas outros, como a China ou o mundo árabe, são baseados
em impérios mais antigos.
+ Mercados regionais. Criados a partir de tratados como a União Européia, o
Mercosul ou o NAFTA. Estes, em geral, não compartilham de vínculos culturais, históricos
ou lingüísticos, por isso são um tanto complicados como mercados e espaços culturais. Os
esforços europeus na criação de um mercado televisivo comum (com publicidade idem)
enfrentam barreiras constantes de língua e de cultura, mas a experiência da imigração dentro
da Nafta (e da própria União Européia) mostra que a integração econômica pode lentamente
criar um intercâmbio cultural, de nível diferenciado.
+ Mídias translocais. Trata-se das mídias que se utilizam das novas tecnologias para
romperem fronteiras nacionais, visando um mercado nacional ou local. Em países como Índia,
Irã, Turquia e Arábia Saudita, por exemplo, as primeiras experiências de TV comercial
ocorreram via satélite, incorporando programações geradas de outros países.
+ Mídias nacionais. Grupos centralizados em grandes cidades, como Hong Kong,
Cidade do México ou São Paulo, podem representar fatores locais importantes, pois estão
vinculados culturalmente e lingüisticamente audiências de milhões de habitantes. O espectro
nacional segue com forte penetração na maioria dos países. No México, a Televisa possui
cinco canais temáticos abertos, sendo que sua concorrente, a TV Azteca, conta com dois.
+ Mídias locais. Além de reforçar a identidade local, representa credibilidade junto
aos habitantes de sua região. Atualmente, a mídia local está mais ligada a jornais, revistas,
música, rádio e internet, mas isso pode mudar com o barateamento das tecnologias, fazendo
com que a produção de TV seja cada vez mais viável.
+ Mídias regionais. Trata-se da mídia com maior penetração em países historicamente
complexos, com idioma e tradições distintas, porém bem definidas, como China, Índia e o
território catalão da Espanha. Isso se torna mais expressivo se houverem fortes indústrias
midiáticas locais, que sustentem tais diferenças, como é o caso do cinema indiano.
2.5 Mercados contemporâneos
A atividade econômica depende de certa conjuntura para realizar-se, sendo a carência
de infra-estrutura o principal limitador para seu deslanche. Em alusão aos filósofos da
História do Pensamento Econômico, observa-se que nem mesmo a necessidade e os esforços
do homem primitivo foram suficientes para impulsionar uma conjuntura de maior abrangência
83
geográfica, sendo necessária uma reordenação dos processos produtivos, através das
transformações econômicas, para que o modelo de troca viesse a se tornar eficiente.
A diversidade terminológica adotada para designar as mais diversas facetas de uma
aliança diferencia-se principalmente na positivação jurídica. Neste sentido, a joint venture
caracteriza-se pela associação de empresas que apostam no desenvolvimento e execução de
um projeto específico. Sua concepção difere da simples associação, uma vez que os
participantes conservam suas individualidades, restringindo-se ao empreendimento de
determinado projeto. Sua constituição jurídica, de modo geral, também é individualizada,
ainda podendo integrar apenas um setor da empresa matriz. A holding, por sua vez, vem a ser
uma sociedade criada com o objetivo de administrar um grupo de empresas, sendo que suas
ações majoritárias pertencem às respectivas empresas matrizes.
Moraes, ainda que se referindo às holdings no setor de publicidade, observa que tais
associações percorrem um caminho semelhante quando implementadas pelos meios de
comunicação e entretenimento. Para o autor, a redistribuição geográfica dos setores
operacionais pode carregar consigo uma diversidade de incumbências, variáveis desde a
conquista de incentivos fiscais até a possibilidade de produzir produtos diversificados.190 No
último caso, não necessariamente, mas na maioria das vezes, a empresa matriz será a
responsável por ditar o padrão de produção e a localização dos novos pólos produtivos. No
mercado televisivo, é a partir de 2005 que a Televisa constitui sua subsidiária nos Estados
Unidos, iniciando suas operações a partir da fundação da empresa transnacional Fonovideo.
Trata-se de uma holding entre o grupo mexicano e a produtora independente norte-americana
FV Productions (parcialmente extinta após a descontinuidade da aliança). A intenção seria
levar a produção de telenovelas, então concentrada na Cidade do México, para o território
norte-americano. Tal ação colocaria os títulos da Televisa mais próximos à realidade dos
hispânicos residentes nos Estados Unidos. Também, a nova localização geográfica poderia ser
classificada como uma inovação na linha de produção da empresa, abrindo caminho para uma
série de novas temáticas folhetinescas; ao mesmo tempo, tentaria frear o crescimento da
Telemundo, sua concorrente direta, popular por centrar suas produções próprias quase que
exclusivamente no cotidiano do migrante mexicano.
Nesta direção, reengenharias para incremento de produtividade também podem ser
implementadas. É o exemplo da holding, já explicitado, ou em aplicação ao setor publicitário,
o caso de uma agência de publicidade que pode oferecer aos mais diversos clientes uma gama
190 MORAES, Denis de. Cultura mediática y poder mundial. Bogotá: Norma, 2005. p. 90.
84
técnica de serviços (como e-commerce, publicidade comercial e institucional, marketing
direto, de relacionamento ou on line, comércio eletrônico, relações públicas, tecnologia,
promoção, eventos, design de marcas, entre outros).
Não obstante, a incorporação de novas tecnologias torna-se necessária especialmente
quando um aparato moderno passa a englobar ações antes desenvolvidas separadamente por
aparatos de primeira geração. Em outras palavras, a convergência de tecnologias geralmente
torna-se necessária para a sustentação ou expansão da vida útil de um setor ou categoria de
produtos. Na indústria do entretenimento, um típico exemplo são os videojogos, que, frente ao
avanço da informática e o desenvolvimento de jogos para computadores, têm seu mercado em
contração.
Mercado brasileiro
As principais emissoras de canal aberto, Globo, Record e SBT, concentram seus pólos
de produção especialmente nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. No que diz respeito
à teledramaturgia, Globo e Record investem nas produções nacionais, enquanto o SBT – que
durante décadas apostou em formatos transnacionais para alavancar sua audiência – revisa sua
teledramaturgia e insere-se, dentro de suas possibilidades estruturais e financeiras, também
como produtor de teledramaturgia. Em 2008, a aquisição da obra radiofônica de Janete Clair e
a contratação do diretor Del Rangel norteiam um novo caminho. Vende-se um Véu de Noiva
(SBT, 2009), o primeiro título a ser realizado neste ano, representou uma ruptura positiva no
padrão tecno-estético da emissora.
Especialista em telenovelas, a Globo exporta regularmente seus títulos para cerca de
50 países.191 Devido à extensão geográfica e cultural do Brasil, é através da televisão e,
sobretudo, da telenovela, que o telespectador conhece características de outro estado ou região
do país. O jornalismo, presente desde o nascimento da emissora, por muitas vezes, ignorou
questões políticas importantes. No entanto, foram estes dois produtos (jornalismo e
telenovela) os responsáveis por sua hegemonia ao longo dos anos.
O caso da Record é singular, uma vez que seus altos investimentos são abastecidos
pelo caixa da IURD, através de recursos não tributados. Em breve explanação, a estratégia da
emissora se confunde com a própria astúcia da Igreja em captar dinheiro dos fiéis. O discurso
ideológico da IURD emprega doutrinas religiosas ao seu favor, em um simplificado e
constantemente midiatizado discurso, que prega uma interpretação questionável da Teologia
191 MAZZIOTTI, Nova. A força da emoção – a telenovela: os negócios, audiências, histórias. In: LOPES, Maria Immacolata Vassallo de (Org.). Telenovela: internacionalização e interculturalidade. São Paulo: Loyola, 2004. p. 383-402. p. 393.
85
da Prosperidade. Surgida nos Estados Unidos no decênio de 40, a chamada Teologia da
Prosperidade desenvolve-se a partir dos anos 70, no cerne do Movimento Neopentecostal. Sua
concepção baseia-se em três vertentes: (a) a autoridade espiritual, alocando aos cristãos à
condição de profetas da contemporaneidade (uma vez que eles teriam poder de dialogar
diretamente com Deus); (b) as bênçãos ou maldições da lei divina, onde os cristãos poderiam
escolher entre a vida plena, com condições humanas primárias garantidas (dor, pobreza e
doença), ou o pecado concebido (morte espiritual); e (c) a confissão positiva (dizer, fazer,
receber e evitar expressões mortiças, então responsáveis pelo enfraquecimento da fé, e logo,
do elo com Deus).192
Nesta configuração, os principais atores econômicos brasileiros envolvidos na
produção e comercialização de telenovelas, organizados por ordem alfabética, são:
+ Band. Emissora pertencente à família Saad e braço principal do Grupo Bandeirantes
de Comunicação. O conglomerado possui duas redes de televisão aberta (Band e Rede 21),
três canais de TV por assinatura (o noticioso Band News, o canal de agronegócios Terraviva e
o esportivo Band Sports), seis redes de rádios, um jornal de classificados, uma distribuidora
de sinal a cabo, um selo musical e um portal de serviços de internet. Foi pioneira na
transmissão de imagens a cores e na utilização do satélite Intelsat, uma vez que o sistema
desenvolvido pela Embratel atendia interesses da Globo e da Tupi. Em 2005, amplia sua
presença jornalística no Rio de Janeiro, a partir de associação com os grupos Fluminense de
Comunicação (Bandnews FM) e Ariane de Carvalho (MPB FM). Na teledramaturgia, após
investimentos descontinuados em ficção nacional – cujo melhor desempenho dá-se nos anos
80 –, opta pela produção independente. Nesta direção, exibiu Confissões de Adolescente
(1995), A Idade da Loba (1995), O Campeão (1996) e Perdidos de Amor (1996). Sem o
retorno esperado, voltaria a produzir a partir de Serras Azuis (1996), realizando, em seguida, o
remake de Meu Pé de Laranja-lima (1996), sucesso de sua teledramaturgia nos anos 80. A
partir de 1999, passa a investir nos formatos transnacionais. Em joint venture com o canal
Sony, co-produz as séries Santo de Casa e A Guerra dos Pintos, além do seriado nacional As
Aventuras de Tiazinha. No ano de 2005, a emissora adquire junto à produtora argentina CMG
o formato de Floricienta, que vai ao ar no mesmo ano, com o nome de Floribella. Também
em 2005, exibe sem êxito as produções portuguesas Olhos D’Água e Morangos com Açúcar,
dubladas ao português brasileiro. No ano de 2006 co-produz com a rede portuguesa RTP a
novela Paixões Proibidas, baseada nos livros do autor Camilo Castelo Branco.
192 Vide MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo, Loyola, 1999.
86
+ Casablanca. Produtora independente de propriedade da publicitária Arlette Siaretta,
marroquina radicada no Brasil. Movimenta 70% do mercado de finalização de filmes
publicitários do país, declarando em 2003 o faturamento de R$ 150 milhões.193 Sua
experiência no ramo da ficção seriada, no entanto, limita-se ao seriado A Turma do Gueto
(Record, 2003) e a novela Metamorphoses (Record, 2004). Para esta última, realizou uma
agressiva campanha publicitária no período de sua estréia: milhares de outdoors foram
espalhados por todo o território brasileiro, anunciando a estréia do produto. O primeiro
capítulo foi exibido excepcionalmente num domingo, passando a tradicional exibição de
segunda a sábado nos meses seguintes. Apesar de passar despercebida, Metamorphoses foi
gravada em alta definição (HDTV) e contou com longos planos-seqüência; uma inovação que
não sensibilizou o telespectador.
+ Globo. Principal veículo do maior conglomerado de mídia e comunicação do Brasil.
Emissora líder de audiência e braço fundamental das Organizações Globo, que contabiliza
121 emissoras (entre geradoras e afiliadas), cobrindo 98,44% do território nacional; além de
deter redes de rádio, mídia impressa e uma editora. Aos seus negócios também se somam
investimentos em TV por assinatura, serviços de internet, telefonia e setor imobiliário. O
Projeto Jacarepaguá (Projac), que originou seu complexo de estúdios, foi implementado para
comportar uma cidade cenográfica de 160 mil m2 para a produção de teleficção, em um
investimento inicial de 110 milhões. A Central Globo de Produção (CGP), localizada no Rio
de Janeiro, produz seis novelas por ano, com uma média de 200 capítulos por produto. O
chamado padrão Globo de qualidade,194 desenvolvido nos anos 70 por Walter Clark, principal
executivo da empresa na época, foi fortemente influenciado pelo padrão tecno-estético das
emissoras norte-americanas, mas já não é inabalável, diminuindo a distância entre a rede e
suas concorrentes. Em 2008 sua teledramaturgia ultrapassa a marca dos 300 títulos
produzidos, somando telenovelas, minisséries e seriados. Sua sede em São Paulo também é
imponente: em uma área de 20 mil m2, os 15 pavimentos do Edifício Roberto Marinho
comportam a produção de programas de entretenimento e telejornalismo, além de abrigar
áreas administrativas e departamento comercial. Sob o selo Globo Marcas, o grupo passa a
centralizar a venda de seus produtos licenciados, derivados de seus programas de televisão.
+ Record. É a mais antiga emissora brasileira em atividade, hoje pertencente ao
193 A DONA da história. Veja On Line, São Paulo, 31 mar. 2004. Disponível em: <http://64.233.169.10 4/search?q=cache:2ehiDDiwS38J:veja.abril.com.br/310304/p_118.html+casablanca+siaretta&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=1&gl=br >. Acesso em: 1 set. 2008. 194 A noção do padrão de qualidade da Globo denota uma série de preceitos estéticos, discernidas a critério da própria empresa, para promover seu discurso ideológico e manter-se distante de seus concorrentes.
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empresário Edir Macedo, líder religioso à frente da Igreja Universal do Reino de Deus
(IURD). Fundada em 1953, esteve nas mãos de diversos grupos, sendo adquirida por Macedo
em 1990. Voltou a ter notoriedade, no entanto, partir de 2004, quando priorizou o prime time
e direcionou seus investimentos nos setores de telejornalismo e teledramaturgia. A reprodução
do padrão tecno-estético da Globo ficou evidente, não se limitando ao videografismo, mas
atingindo também os cenários e até mesmo o aparência dos apresentadores nos telejornais.
Com a aquisição dos estúdios cinematográficos Tycoon, em 2005, a emissora inaugura o
Recnov, dando início a um consistente projeto para a teledramaturgia. O investimento é
estimado em 100 milhões de dólares.195 Localizado no Rio de Janeiro, o terreno de 75 mil m²
comporta três estúdios, reajustados para a produção de novelas. Nesta nova fase, destacam-se
os produtos Prova de Amor (Record, 2005) e Vidas Opostas (Record, 2006), que
conquistaram, por mais de uma vez, a liderança na audiência.196 A partir de 2008, o Recnov
passa por uma fase de ampliação: mais dois estúdios de 3,5 mil m² estão em fase de
construção, além de um prédio que abrigará as áreas administrativas, camarins e fábrica de
cenários. Apesar de o alvo ser ultrapassar a Globo, a emissora emerge entre a segunda e
terceira posição, afetando principalmente o SBT de Silvio Santos. Seu maior mérito, no
entanto, foi de reconfigurar o mercado brasileiro de televisão aberta, congruente há mais de
duas décadas.
+ SBT (Sistema Brasileiro de Televisão). Emissora pertencente ao empresário Senor
Abravanel, popularmente conhecido como Silvio Santos. Com seu alicerce constituído sob os
auspícios das novelas latino-americanas e dos popularescos programas de auditório, o canal
conseguiu, desde sua fundação, em 1981, manter-se como vice-líder. Em meio a uma crise,
entre 1983 e 1985, redireciona sua estratégia em um processo de qualificação de sua
audiência, uma vez que a programação sensacionalista afastava o mercado publicitário. Seus
investimentos em teledramaturgia nacional são marcados por empreitadas descontinuadas,
frente a uma resposta não positiva da audiência. Em 1996 inaugura o Complexo Anhanguera,
empreendimento de U$ 120 milhões,197 que congrega oito estúdios, antes dispersos em
diferentes unidades na cidade de São Paulo. Possui 210.000 metros quadrados de área
edificada, o dobro do tamanho do Projac (pólo de produção da Globo). Ainda na
teledramaturgia, novas modalidades de produção também foram adotadas: desde a
195 VILCHES, Lorenzo. Culturas y mercados de la ficción televisiva en Iberoamérica: anuario Obitel 2007. Barcelona: Gedisa, 2007. p. 82. 196 VIDAS OPOSTAS volta a bater Globo e fica em 1º na audiência. Folha On Line, São Paulo, 8 fev. 2007. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u68326.shtml>. Acesso em: 13 fev. 2008. 197 SBT. Institucional . Disponível em: <http://www.sbt.com.br/institucional.asp>. Acesso em: 1 set. 2008.
88
transnacionalização dos produtos argentinos com baixo grau de particularização da cultura
brasileira, como Antonio Alves, Taxista (1996) e Chiquititas (1997) até a refilmagem de
novelas brasileiras com roteiro mexicano (a partir de 2001). O know-how mexicano garantiu
redução dos custos, mas não empolgou os telespectadores. A vice-liderança seria ameaçada a
partir de 2004, frente aos investimentos da Record. Em 2008 relança Pantanal (Manchete,
1991) e consegue manter-se como vice-líder, ainda que de modo agonizante. Atualmente, a
emissora está presente em 95% do território brasileiro, atingindo 70 milhões de
telespectadores. Os negócios do Grupo Sílvio Santos ainda comportam uma prestadora de
serviços financeiros, uma rede de lojas do ramo varejista, um complexo hoteleiro, uma
concessionária de veículos, uma empresa de TV a cabo filiada a NET Serviços e um centro
cultural.
+ JPO. Produtora independente, de propriedade do empresário José Paulo Vallone.
Dedica-se principalmente à produção de telenovelas. Durante os anos 90, SBT e Record
foram seus principais clientes. Entre os produtos destaca-se Colégio Brasil (SBT, 1996),
Brava gente (SBT, 1996), Dona Anja (SBT, 1996), Louca paixão (Record, 1999), Tiro e
Queda (Record, 2001) e O Direito de Nascer (SBT, 2001). Perante a estratégia do SBT em
assinar com a Televisa e a reestruturação da teledramaturgia da Record – que parte para a
realização de teledramaturgia própria – suas realizações saem de cena. No entanto, volta a ter
notoriedade em 2008, quando concedeu ao SBT os diretos de exibição da novela Pantanal,
produzida em 1991 e parte da massa falida da extinta Manchete.
Mercado mexicano
+ Argos. Produtora independente de propriedade do empresário Epigmenio Ibarra, que
se dedica à realização de telenovelas e filmes. Nos anos 90, foi importante parceira da TV
Azteca, sendo a responsável pela consolidação da emissora no gênero ficcional. Desde 2001
realiza joint-venture com a estadunidense Telemundo, produzindo suas telenovelas de prime
time. A partir de 2006 volta a co-produzir também com a TV Azteca.
+ TV Azteca. Principal veículo de comunicação do Grupo Salinas, possui dois canais
de televisão aberta, serviços de internet e empreendimentos financeiros. Suas emissoras foram
concebidas em 1993, como conseqüência da privatização do canal estatal Instituto Mexicano
de la Televisión (Imevisión). Em associação com a produtora Argos, conseguiu bons
resultados com Mirada de Mujer, chegando a atingir 28 pontos de audiência. No que diz
respeito à aquisição de formatos de teleficção, sua primeira experiência transnacional foi
Chiquititas (1998). Medidas de customização foram tomadas: a novela foi rodada em Buenos
Aires, com atores mexicanos e técnicos argentinos. Sem êxito, o canal voltaria a produzir suas
89
telenovelas. No entanto, a partir de 2005, realiza a compra de diversos roteiros argentinos,
passando a produzi-los localmente.
+ Televisa. Maior conglomerado de multimídia em língua espanhola, formou-se a
partir da união das emissoras Telesistema Mexicano e Televisión Independiente de México.
Possui quatro emissoras na televisão aberta, dividindo com o grupo Salinas o duopólio na
televisão mexicana. Seus negócios ainda contemplam estações de rádio, jornais impressos,
selo musical e uma das editoras mais importantes do país. É a maior produtora de telenovelas
em espanhol, sendo também detentora dos direitos autorais de inúmeros roteiros de ficção
seriada da América Latina. Possui dois sinais internacionais: o latino-americano TL Novelas e
o europeu TL Novelas Europa, que abrange ainda Austrália e Nova Zelândia.198 Sua
programação ainda é transmitida em tempo real a diversos países da América Latina, em
regime de televisão fechada. A Televisa Estudios, seu braço internacional, é responsável pela
distribuição e aquisição de produtos integrais, roteiros e formatos internacionais. No que diz
respeito à teledramaturgia contemporânea, diversos casos de joint-ventures têm sido
realizados com produtoras independentes da Argentina. Mais do que a transferência de know-
how, tais associações contemplam a realização de produtos transnacionais customizados, a
partir da venda de projeto.199 Nesta direção, ilustram-se os produtos da Cris Morena Group
(CMG). A transnacional Rebelde Way (América, 2002), cujo roteiro e distribuição
internacional foram adquiridos pela Televisa, contabilizou em 2008 versões também na Índia,
Chile e Portugal. Floricienta (Canal 13, 2004), que mantém temática juvenil, também
originou versões no Chile, Colômbia, Portugal, Brasil, México, Rússia e Croácia.
Mercado argentino
+ Cris Morena Group. Produtora de conteúdo ficcional, com foco nas novelas infanto-
juvenis. Fundada em 2001, centraliza sua imagem na figura de Maria Cristina de Giacomi,
que atende pelo nome artístico de Cris Morena. Ex-cônjuge do executivo de televisão Gustavo
Yankelevich, Morena funda sua empresa contando com aporte financeiro do empresário
israelense Yair Dori. Na televisão argentina, sua trajetória artística inclui a apresentação do
programa Jugate Conmigo e a produção das novelas Chiquititas (Telefé, 1995) e Verano del
’98 (Telefé, 1998). Sua plataforma de negócios aloca o conteúdo ficcional televisivo como
ponto de partida para a comercialização de múltiplos produtos derivados, como obras de
198 MAZZIOTTI, Nora. Telenovela: industria y prácticas sociales. Bogotá: Norma, 2006. p. 134. 199 A venda de um projeto inclui não somente o script da telenovela, mas tudo o que diz respeito a seus feitos artísticos, de forma que o comprador passa a contar com a consultoria do vendedor para o desenvolvimento do produto. O produto final resulta em um conjunto de elementos semelhantes – vestuário, trilha sonora, cenografia –, que também pode agregar características de identificação local da nação adquirente.
90
teatro, filmes, trilha sonora, álbum de figurinhas, vestuário, material escolar; além de licenças
e merchandising integrado ao produto, ou seja, emissão de publicidade no momento em que o
telespectador dispõe de elevado grau de atenção ao produto. Os principais produtos da CMG
foram as telenovelas Rebelde Way (América, 2001), vendida para a Televisa; Chiquititas
(Telefé, 1995) e Floricienta (Canal 13, 2004). Seu modelo de produção congrega joint-
ventures com a também independente RGB, outra produtora argentina.
+ Ideas del Sur. Produtora independente de propriedade do empresário e apresentador
Marcelo Tinelli. Realiza programas de entretenimento, séries e telenovelas a partir de joint-
ventures com emissoras argentinas. Fundada em 1996, esteve ligada ao Canal 13 de Buenos
Aires, do Grupo Clarín, sendo a principal responsável por alimentar sua teledramaturgia nos
anos 90. Em 2007 reproduz o padrão tecno-estético de sua principal concorrente, a CMG, ao
lançar a novela Patito Feo (Canal 13, 2007) e uma plataforma de negócios que comercializa
diversos produtos derivados.
+ Pol-ka Producciones. Empresa de propriedade do ator e produtor Adrián Suar, é a
principal produtora argentina de ficção. É considerada uma companhia independente, apesar
de um terço de sua propriedade pertencer ao Grupo Clarín, titular do Canal 13.200 Realiza
joint-ventures com diversas emissoras e produtoras internacionais, a exemplo da israelense
Dori Media. Em seus estúdios em Buenos Aires foram rodadas as versões brasileira, mexicana
e argentina da série Desperates Housewives. Exibida pela RedeTV!, no Brasil ganhou o nome
de Donas de Casa Desesperadas (2007).
+ RGB Entertainment. Produtora de propriedade dos executivos Gustavo Yankelevich
e Victor Gonzalez. É o principal realizador das telenovelas de Cris Morena. A empresa foi
constituída por Yankelevich, em 2001, quando deixou a direção do canal Telefé, então
vendido ao Grupo Telefónica. Com sede na Argentina e representação no Brasil, realiza
telenovelas, show de realidade e programas de entretenimento. Em 2006, foi contratada pela
Televisa para a produção da série Amor Mio, rodada na Argentina com atores mexicanos, em
um típico caso de produção transnacional.
+ Telefé Contenidos. Não chega a ser uma produtora independente, mas sim uma
nomenclatura utilizada pela emissora Telefé para designar suas produções próprias. Sua
notoriedade internacional deu-se a partir de 2008, quando iniciou a co-produção da telenovela
Tango de A Três com o canal estatal russo RTR. A divisão de custos garante a exibição do
produto na Rússia, grande importador da ficção televisiva argentina. A Telefé Internacional,
200 MAZZIOTTI, Nora. Telenovela: industria y prácticas sociales. Bogotá: Norma, 2006. p. 122.
91
seu braço no mercado externo, é parceira das demais emissoras argentinas na distribuição de
seus teleprodutos, especialmente telenovelas. Em seu catálogo, inclusive, somam-se produtos
que competem com a Telefé a nível nacional. Também comercializa roteiros de telenovelas
argentinas. Seu know-how inclui a negociação de Rebelde Way para a Televisa, que produziu
a novela com o nome de Rebelde.
+ The Latin Flower. Distribuidora independente, fundada em 2007 pela executiva
Silvana D’Angelo, ex-funcionária da Telefé Internacional e Dori Media Group. No mercado
internacional, representa as produtoras Underground e Pampa Films, além do canal uruguaio
Teledoce.
+ Underground. Produtora de propriedade do empresário Sebastian Ortega, tem no
produto Lalola (América, 2006) sua maior realização. Concebido para a comercialização
internacional, a novela tomou notoriedade ao reproduzir, quanto à agilidade de sua edição, o
padrão das comédias de costumes norte-americanas. Com um videografismo moderno,
mostrou ser um produto positivamente inovador, não apenas para as emissoras argentina.
Mercado norte-americano
O mercado norte-americano hispânico também se caracteriza como relevante para um
entendimento macro acerca da indústria latino-americana de televisão. Tal importância
ilustra-se especialmente para o mercado mexicano, que devido à proximidade geográfica e à
quantidade de migrantes do país residentes nos Estados Unidos, identificou o território como
um negócio em potencial desde os anos 60.
A seguir, recuperam-se os principais atores econômicos norte-americanos envolvidos
na produção e comercialização de telenovelas, organizados por ordem alfabética.
+ Fonovideo. Empresa fundada na Venezuela em 1977, pelo empresário venezuelano
Alfredo Schwartz. Transferiu-se para Miami em 1999, com a intenção de co-produzir
telenovelas com grupos internacionais, especialmente mexicanos. Em 2003, após rumores de
que teria sido adquirida pela Televisa, começa a co-produzir títulos com o grupo mexicano,
como a novela Inocente de Ti (Televisa/FV, 2004), sob o selo FV Productions.
Simultaneamente, também estréia produtos na Venezuela e nos Estados Unidos, adquiridas
respectivamente pelos canais Venevisión e Univisión. Entre seus últimos títulos estão La
Revancha (Fonovideo, 2000), Gata Salvaje (Fonovideo, 2002) e Ángel Rebelde (Fonovideo,
2003) e Rebeca (Fonovideo, 2003), produção que contou com a participação do telespectador
no desenvolvimento de seus núcleos, constituindo-se em uma novela interativa com alto grau
de cenas externas, além de ter seu desfecho decidido pelo público.
+ Telemundo. Emissora de origem porto-riquenha, radicada nos Estados Unidos desde
92
1987. Fundada pelo empresário Ángel Ramos em 1954, atualmente pertence ao conglomerado
NBC. Conta com 36 afiliadas de transmissão, 24 estações retransmissoras de alta e baixa
potência nos Estados Unidos e seu sinal é enviado a mais de 684 sistemas de TV por
assinatura.201
+ Univisión. A Univision Communications Inc. foi a primeira companhia a transmitir
programação em língua espanhola nos Estados Unidos, surgida em 1961, como Spanish
International Network (SIN). Suas operações incluem os canais Univision, Telefutura,
Galavision (transmitida via cabo) e mais 62 estações de televisão, distribuídas em mercados
latino-americanos, especialmente no México e Porto Rico. Detém ainda 50% do
empreendimento TuTv, que distribui canais mexicanos da Televisa em solo norte-americano
(cujos assinantes são, em grande maioria, migrantes mexicanos); além de 14.9% da empresa
Entravision Comunicações Corporation, que detém retransmissoras de seus canais e mais de
20 emissoras de rádio nos estados do Colorado, Texas, Califórnia e Arizona.202
Na tabela a seguir, verifica-se que, com exceção da Telemundo (que viabiliza sua
própria ficção), o conteúdo transmitido pelas demais operadoras é em maior parte de origem
latino-americana. Encontrando-se em uma segunda posição no quesito audiência, Telefutura e
Teleazteca, que exibem especialmente conteúdo mexicano produzido pela Televisa e TV
Azteca, respectivamente, concentram 50,6% da totalidade da demanda, enquanto Telemundo
e Univisión, 49,4%.
201 TELEMUNDO COMMUNICATIONS GROUP, INC. Legal corporate – Spanish. Disponível em: <http://msnlatino.telemundo.com/legal_corporate_spanish>. Acesso em: 4 fev. 2009. 202 SABAN CAPITAL GROUP, INC. Broadcasting Media Partners Completes Acquisition of Univision. Los Angeles, 1 mar. 2009. Disponível em: <http://www.saban.com/html/press/070329.html>. Acesso em: 1 mar. 2009.
93
Tabela 2. Origem da ficção emitida em canais norte-americanos hispânicos
Nacional América Latina Total Canais
Horas % Horas % Horas %
Telemundo 22:30 15,0 2:30 1,6 25:00 16,7
Telefutura 0:00 0,0 43:30 29,0 43:30 29,0
Teleazteca 0:00 0,0 32:15 21,6 32:15 21,6
Univisión 0:00 0,0 49:00 32,7 49:00 32,7
Total 22:30 15,0 127:15 85,0 149:45 100,0
Fonte: LÓPEZ-PUMAJERO, Tomás (Coord.). Estados Unidos: la expanción de la ficción hispana. In: VILCHES, Lorenzo (Comp.). Culturas y mercados de la ficción televisiva en Iberoamérica: anuario Obitel 2007. Barcelona: Gedisa, 2007. p. 195-221. p. 204.
94
Capítulo 3. Telenovela, transnacionalização e estratégia
O capítulo apresenta e discute as estratégias das organizações midiáticas estudadas,
considerando os movimentos singulares e a política de ação empreendida. Toma-se como
ponto de partida a tentativa das Organizações Globo em penetrar com solidez no mercado
europeu, uma vez que seus teleprodutos já eram difundidos no Velho Continente em seu
formato integral. Em consonância, faz-se alusão também à tentativa da Televisa em adquirir
sua emissora na Argentina. Para tal investimento, o grupo leva em conta que sua ficção
seriada, então produzida no México, preenche com relativo êxito as grades dos programadores
locais. Apesar de concebidas em diferentes momentos – a primeira na segunda metade dos
anos 80 e a segunda no início da década de 90 –, tais tentativas de diversificação de
investimentos refletem questões fundamentais para a compreensão das estratégias de
internacionalização adotadas pelos conglomerados de comunicação na contemporaneidade.
Parte-se, também, para uma classificação acerca do processo de transnacionalização
praticado pelas empresas de televisão da contemporaneidade. Frente a tal exposição, buscam-
se subsídios para uma melhor compreensão do novo papel da telenovela, dito econômico. Para
tanto, um olhar inerente aos interesses dos investidores faz-se necessário para compreender os
novos caminhos deste bem simbólico, especialmente no que diz respeito aos processos de
convergência com as novas mídias digitais.
3.1 Telenovela no mercado internacional
A primeira metade do século XX foi um período importante para o crescimento das
empresas de comunicação, especialmente devido aos avanços tecnológicos a partir da
Revolução Industrial. No entanto, o emprego de estratégias de internacionalização, como
plano estrito de expansão mercadológica, passa a ocorrer a partir dos anos 50. Sua adoção
deve-se à necessidade de determinar os rumos, às direções certas, para o crescimento futuro,
dentre as diversas alternativas conhecidas, e da concentração de toda a energia na nova
direção escolhida. No que diz respeito às trocas transnacionais de bens culturais, não apenas
no âmbito audiovisual, parte dos Mattelart, no final dos anos 80, o entendimento de que:
esta internacionalização é uma lógica tão impositiva que, por si só, autorizaria a parar aqui: no caráter globalizante do novo processo de produção dos bens materiais e simbólicos. Entretanto, nesta época de universalização das normas, nunca se sentiu tanto a necessidade de observar a maneira concreta e particular pela qual cada sociedade se articula na realidade envolvente do mercado e das trocas internacionais.203
O audiovisual relaciona-se à curtas e longas-metragens, documentários, programas de 203 MATTELART, Armand; MATTELART, Michèle. O carnaval das imagens. São Paulo: Brasiliense, 1998. p. 8.
95
TV, arquivos digitais de vídeo e outros materiais que incorporem som e imagem, exibidos em
salas de cinema, auditórios, na televisão e internet. No entanto, quando se considera a
totalidade do fazer audiovisual, esboçando os atores envolvidos em suas diversas etapas
(muitas vezes de realização fragmentada), esbarra-se na carência de subsídios para um
entendimento acerca da economia dos dispositivos que envolvem seu processo de realização.
Na América Latina, onde a indústria cinematográfica, por exemplo, é majoritariamente
financiada por órgãos governamentais, tal sistema se mostra deficiente – desde a distribuição
de recursos até a prestação de contas –, atendendo especialmente interesses de grupos de
mídia já consolidados. Tratando-se de um produto gerado por grupos privados, a telenovela
apresenta elevada presença no continente, com títulos comercializados em grande escala
desde os anos 80, conforme se verifica na tabela a seguir.
Tabela 3. Presença da telenovela no mundo
Título Ano Autor(a) original Produtora País Vendas
Kassandra 1992 Delia Fiallo RCTV Venezuela 150
Terra Nostra 1999 Benedito Ruy
Barbosa Globo Brasil 121
Los Ricos También Lloran 1980 Inés Rodena Televisa México Mais de
100
Esmeralda 1997 Delia Fiallo Televisa México 100
Rosalinda 1999 Delia Fiallo Televisa México 100
A Escrava Isaura 1976 Gilberto Braga Globo Brasil 95204
O Clone 2001 Glória Perez Globo Brasil 84
Café con Aroma de Mujer 1994 Fernando Gaitán TCN Colômbia 77
Maria Mercedes 1994 Inés Rodena Televisa México 70
Marimar 1992 Inés Rodena Televisa México 70
Maria la del Barrio 1994 Inés Rodena Televisa México 70
Fonte: MAZZIOTTI, Nova. A força da emoção – a telenovela: os negócios, audiências, histórias. In: LOPES, Maria Immacolata Vassallo de (Org.). Telenovela: internacionalização e interculturalidade. São Paulo: Loyola, 2004. p. 383-402. p. 393.
Bustamante desenvolve que a televisão envolve três atividades: a produção de
conteúdos, que deve sustentar as planilhas de programação; a programação, que é o conteúdo
oferecido para a audiência em uma seqüência temporal; e a divisão dos sinais hertzianos em
uma determinada área de cobertura.205 São atividades distintas, que, para compor todo o
204 EQUIPE da Telemundo faz curso sobre O Clone no Projac. Abril.com – Blog Novela das oito, São Paulo, 13 fev. 2009. Disponível em: <http://blogs.abril.com.br/caminho-das-indias-novela/2009/02/equipe-telemundo-faz-curso-sobre-clone-no-projac.html>. Acesso em: 13 fev. 2009. 205 BUSTAMANTE, Enrique. La televisión económica: financiación, estrategias y mercados. Barcelona:
96
processo televisivo (idealização, realização e recepção), imprescindivelmente necessitam estar
inter-relacionadas, conforme a tabela que segue.
Tabela 4. Demonstrativo das atividades em televisão
Atividade Característica Profissionais envolvidos
Produção
Elabora, discute, escreve e monta os programas, produtos ou
conteúdos, sejam eles de caráter informativo, noticioso ou de
entretenimento.
Jornalistas, escritores, publicitários, diretores de cena, atores, engenheiros
elétricos e eletrônicos, arquitetos, cenógrafos, iluminadores, operadores
de áudio e vídeo, maquinistas, continuístas, assistentes, maquiadores, cabeleireiros, alfaiates e funcionários
do setor administrativo.
Programação Prepara, organiza e administra a grade de programas exibidos.
Programadores, gerentes de marketing, publicitários,
representantes comerciais, arquivistas e funcionários de atendimento e
pessoal administrativo-financeiro.
Difusão Promove a transmissão dos sinais da emissora em uma determinada
área.
Engenheiros e técnicos do setor eletrônico, especializados em ondas
eletromagnéticas.
Fonte: BUSTAMANTE, Enrique. La televisión económica: financiación, estrategias y mercados. Barcelona: Gedisa, 1999. p. 17.
Uma quarta atividade, no entanto, agrega-se intrinsecamente à classificação de
Bustamante. Trata-se da comercialização transnacional, que, em muitos casos, acaba por
tomar frente aos processos produtivos. Nesta direção, citam-se as produções argentinas do
decênio de 90, cuja rentabilidade da venda internacional era sobreposta a fatores artísticos
(como a adoção do ponto eletrônico por atores) e até mesmo culturais (a exemplo de La
Extraña Dama, que, visando o mercado externo, abdicou de vocábulos cujo conhecimento era
restrito aos portenhos, mesmo que isto não prejudicasse o entendimento geral do contexto).
3.2 Telenovela como munição
Por inúmeras vezes a telenovela foi utilizada como produto principal na captura
audiência e, consequentemente, investimento publicitário. Nesta direção, recuperam-se dois
destes momentos, em que os maiores conglomerados de comunicação da América Latina,
Globo e Televisa, estão diretamente envolvidos.
3.2.1. Telemontecarlo
Em 1985, as Organizações Globo deram início ao conturbado processo de aquisição da
emissora TVI, canal da rede franco-italiana Telemontecarlo.206 Na concorrência pela
Gedisa, 1999. p. 17. 206 Em 1985 a Telemontecarlo era uma rede do Principado de Mônaco, composta por duas emissoras que transmitiam independentemente em francês e italiano. O canal adquirido pelas Organizações Globo foi o italiano, então denominado Televisione Internazionale (TI). No momento da aquisição, adotou-se o nome
97
concessão também estava Sílvio Berlusconi,207 então proprietário de três dos quatro canais
existentes no país. Temendo que mais esta emissora viesse a ser controlada pelo empresário, o
governo italiano viabiliza a entrada da Globo, ignorando até mesmo o fato de um canal
nacional estar em poder de um grupo estrangeiro. No entanto, por exigência do Parlamento
Europeu, a rede estatal RAI também integraria o pacote acionário, detendo 10% de
participação. Como ressalva, vale enfatizar que, na primeira metade dos anos 80, a
privatização e a descentralização dos mercados colaboraram suntuosamente para o
nascimento do império de Berlusconi. Em reação a esse rearranjo, a rede estatal RAI sacrifica
sua função de prestadora de serviço público para se adaptar ao novo contexto de
concorrência.208
Enquadrada na posição de órgão regulador, a RAI não injetaria aporte financeiro na
transação, com a possibilidade de, ainda por cima, enviar um representante ao conselho de
administração da Telemontecarlo. O contrato também contemplava o pagamento de dívidas
publicitárias atrasadas e a injeção de recursos próprios das Organizações Globo, para manter a
emissora durante sua gestão concessiva. Na prática, as Organizações Globo deteriam 80% de
suas ações, cabendo o remanescente à estatal RAI e ao governo italiano. Tal cenário, agravado
principalmente pela impossibilidade de associação com grupos italianos ou estrangeiros,
tornava a Telemontecarlo um assombroso e imprevisível negócio para o grupo brasileiro.
A conclusão da operação de compra da Telemontecarlo coincidiu com o início das
negociações para aquisição da divisão francesa da emissora. Tratava-se de um canal periférico
instalado no sul da França, próximo à Itália, que atingia três milhões de telespectadores.209
Pela segunda vez, os interesses da Globo se cruzam com os de Sílvio Berlusconi, que mesmo
detendo o controle acionário da primeira cadeia privada de TV da França, denominada Canal
5, também disputava a concessão da Telemontecarlo francesa. Para deter a Telemontecarlo
italiana, o grupo Berlusconi tomou uma série de contestáveis medidas. Relata-se desde a
tentativa de provar que a emissora era inconstitucional, devido a uma aliança com a Parmalat
– que, mesmo sem atender à legislação, foi concebida pelo governo italiano –, até a implosão
Telemontecarlo. Criada em 1976, a TI chegou às mãos da Globo com uma audiência pífia e programação que atendia aos interesses do Estado. 207 Em meados dos anos 70, o interesse de Sílvio Berlusconi pelos meios de comunicação foi despertado. Comprou seu primeiro canal de televisão em 1974. Seqüencialmente, expandiu o seu domínio no setor, multiplicando suas emissoras através de uma rede de televisões locais. A programação estava majoritariamente centrada em concursos e programas de entretenimento. Figura desde 1994 no cenário político, através de seu partido, o esquerdista Forza Itália. Na atualidade, controla 60% dos meios de comunicação do país, sendo proprietário de veículos de mídia impressos e redes de TV privada. 208 SALVADORI, Chiara. Educação para os meios na Itália. Comunicação e Educação, São Paulo, n. 17, jan.–abril 2000. 209 GLOBO, com TV na Itália, disputa mercado francês. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 14 dez. 1985.
98
das antenas retransmissoras da rede.
O cenário desfavorável às Organizações Globo na Itália se completaria com uma
estratégia de programação equivocada, que desconsiderava as singularidades do país. A
telenovela brasileira, então dublada em italiano, resulta em efeito contrário, passando a ser
sinônimo de perda de audiência. Na produção local jornalística, a agilidade da reportagem
brasileira se contrapunha ao discursivo e pretensioso formato dos noticiosos italianos,
consolidado há mais de 30 anos pela emissora estatal. Frente a isso, a meta inicial de 8 a 10%
de participação no faturamento publicitário não se concretizou. Apesar de parecer uma
pequena fatia do mercado, este valor, se atingido, superaria a receita da emissora no Brasil.
Com a intenção de se desfazer do negócio, a Globo mira em Portugal, a partir de 1993,
sendo sócia minoritária (os 15% máximos permitidos pela Constituição daquele país) da SIC,
que ingressava no mercado televisivo aberto português. Com o surgimento da segunda
emissora privada do país, a Televisão Independente (TVI), logo conhecida como Televisão da
Igreja, as telenovelas brasileiras voltam a ter notoriedade através da venda do produto
integral, mas nada comparado aos feitos de Gabriela (Globo, 1977) nos anos 70.210 Inicia-se,
então, um processo de competitividade entre as emissoras locais pela exibição dos produtos
da Globo, que primeiramente divide-se entre RTP e SIC, e depois permanece só nesta
segunda.
3.2.2 Televisa Argentina
Denominada Televisa Argentina, o grupo Televisa adquire o antigo estúdio Pampa,
tradicional pólo de produção cinematográfica nos anos 40, e que está localizado na região
metropolitana de Buenos Aires. A compra coincide com a introdução do regime econômico
currency board, que, a partir de 1991, fixa o peso argentino ao dólar norte-americano. A
conquista de um canal próprio na televisão aberta, no entanto, é impossibilitada frente à
legislação do Comitê Federal de Radiodifusão, onde se estabelece que o investidor majoritário
deva ser uma empresa nacional. Nem mesmo a promessa de intensificar suas produções no
país, com contratação de profissionais locais, entre equipe técnica, roteiristas e atores,
sensibiliza o órgão. Com a imposição de tal barreira, resta aos mexicanos aliarem-se com
exibidores locais. Nesta reconfiguração estratégica, elege primeiramente o estatal canal 7
(então denominado ATC) como difusor de seus conteúdos, mas frente a inúmeras
complicações, acabam por firmar contrato com os canais 13 (Clarín) e 9 (Alejandro Romay),
210 Sobre a penetração das telenovelas brasileiras em Portugal, ver: CUNHA, Isabel Ferin. A revolução da Gabriela: o ano de 1977 em Portugal. Cadernos Pagu Online, Coimbra, n. 21, nov. 2003. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/cunha-isabel-ferin-revolucao-gabriela.pdf>. Acesso em: 28. out. 2008.
99
tradicionais programadores de seus conteúdos produzidos no México, especialmente
telenovelas.
Nos três anos subseqüentes, a empresa produz quatro novelas: Apasionada (Canal 13,
1993), El Amor Tiene Cara de Mujer (Canal 9, 1993), Esos Que Dicen Amarse (Canal 9,
1994) e El Dia Que Me Quieras (Canal 13, 1994). A estratégia da Televisa visava explorar o
ponto forte da televisão argentina: seus autores. Apasionada, que no México foi exibida na
TV por assinatura, dublada ao espanhol mexicano, contou com roteiro de Celia Alcántara,
autora do clássico Simplemente Maria (Canal 9, 1967); já Esos Que Dicen Amarse resgatou o
consagrado autor Alberto Migré, responsável por memoráveis sucessos radiofônicos
televisionados, como Rolando Rivas, Taxista (Canal 13, 1972) e Una Voz en el Teléfono
(Canal 9, 1990). Com orçamentos semelhantes, as quatro produções contaram com escassez
de cenas externas, a fim de diminuir custos e dinamizar a gravação. A crise econômica
mexicana de 1994, também denominada Efeito Tequila,211 marca a descontinuidade das
produções. Frente à avaliação de que nenhum dos títulos rendeu o sucesso esperado, a
Televisa Argentina encerra suas atividades no país.
3.3 Telenovela transnacional
Na contemporaneidade, a necessidade de atingir mercados internos e externos vem
conduzindo os conglomerados de comunicação à realização de alianças sinérgicas, capazes de
aumentar sua rentabilidade e de seus produtos em novos espaços. Isto posto, constata-se uma
tendência global, com raras exceções, que ocorre especialmente a partir dos anos 90 do século
XX, onde “médias e pequenas corporações são absorvidas, sucumbem-se ou, com menos
intensidade, assumem posições mercadologicamente inferiores, dirigindo suas ações a
públicos restritos, desejosos de estéticas alternativas”.212
O fenômeno da transnacionalização, que atinge vários campos, no plano
comunicacional pode ser entendido como a difusão da informação internacional,
independentemente dos limites territoriais de uma nação, onde seu espaço torna-se permeável
a dados transfronteiriços. Como tal, o poder regulador do Estado no campo da Comunicação e
da Informação decresce enormemente. Assim, a delimitação política dos espaços perde
importância, uma vez que as fronteiras nacionais perdem o poder estruturador dos circuitos da
211 Crise econômica de 1994 provocada pela falta de reservas internacionais. A partir de um déficit no peso mexicano, mais de 200 mil trabalhadores perdem seus empregos. Sua principal causa foi a falta de competitividade das empresas mexicanas em relação às multinacionais norte-americanas e canadenses, que se implantaram no país devido ao Tratado Norte-americano de Livre Comércio (NAFTA). 212 BRITTOS, Valério Cruz. Televisão e barreira: as dimensões estética e regulamentar. In: JAMBEIRO, Othon; BOLAÑO, César; BRITTOS, Valério Cruz (Orgs.). Comunicação, informação e cultura: dinâmicas globais e estruturas de poder. Salvador: Edufba, 2004. p. 15-42, p. 15.
100
informação, sobretudo no domínio do audiovisual. Ainda, conforme constatado por Moraes
no final dos anos 90, a saturação do mercado norte-americano, a redução das barreiras com o
neoliberalismo e a necessidade de descentralizar o capital, apresentavam-se como indícios de
que novas modalidades de produção estavam a surgir.
Para obter diferenciais competitivos, os conglomerados transnacionais assenhoram-se de satélites e cabos, abrem subsidiárias para a coordenação dos investimentos regionais e estabelecem acordos e parcerias com firmas locais. Sem a onda de fusões e aquisições, tais ações dificilmente teriam a abrangência geográfica, a contundência mercadológica e a sobredeterminância de fluxo de informação e entretenimento.213
Mesmo centrando seus estudos estritamente no âmbito da cultura, Canclini reconhece
que as vantagens ou inconveniências da desterritorialização não devem ser restringidas aos
movimentos de idéias ou códigos culturais, sendo que o seu sentido constrói-se também em
conexão com as práticas sociais e econômicas, nas disputas pelo poder local, na competição
para aproveitar as alianças com poderes externos.214 Com a desterritorialização parcial dos
fluxos de informação – através da desconexão dos circuitos em relação aos espaços nacionais
–, as estruturas nacionais passaram a operar simultaneamente com as estruturas
supranacionais (também ditas globais). Nesta direção, frente à reconfiguração geográfica da
informação, verifica-se uma transposição da soberania do Estado no sentido de centrar a
informação. Tal constatação parte de Noam, quando se refere às mudanças na ordem
informativa tradicional. Para o autor, antes da transnacionalização as redes de comunicação
eletrônicas tradicionais, então organizadas territorialmente, baseavam-se no anseio do Estado
em proteger as organizações públicas, ao mesmo tempo em que exercia certa dominação sob a
cultura nacional.215 Neste sentido, a multiplicidade de produtos culturais oferecidos aos
consumidores vem frustrando os planos dos grandes grupos latino-americanos de
comunicação nos últimos anos.
A partir de 1993, a Televisa depara-se com a concorrência da TV Azteca; e o mesmo
ocorre com a Globo, no Brasil, que, mesmo momentaneamente, em 1990 começa a perder
audiência para as novelas da Manchete.216 Acostumada com as investidas descontinuadas do
SBT, em 2004 a Globo passa a enfrentar a também a Record, e sua estratégia de investimento
em infra-estrutura. Em território nacional, a rede pertencente à IURD chega a alcançar a vice-
213 MORAES, Denis de. Planeta mídia: tendências da comunicação global. Campo Grande: Letra Livre, 1998. p. 68. 214 Vide CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp, 1997. 215 NOAM, Eli. Reconneting communications studies with communication policy. Journal of Communication. California, v. 43, n. 3, 1993, p. 199-206. p. 202. 216 A teledramaturgia da Manchete se inicia em 1984, com a produção de minisséries. No entanto, foi com a exibição de Pantanal (1990) que a emissora alcança sua melhor fase, atingindo 40 pontos de audiência.
101
liderança por poucos meses. No âmbito internacional também consegue feitos: oferece um
produto semelhante a um preço competitivo.217 No entanto, canais que não dispõem de uma
linha de produção contínua, como as brasileiras SBT e Bandeirantes, também exportam. Nos
anos 90, frequentemente as produções da Bandeirantes eram vistas no sinal internacional da
portuguesa RTP. Mais recentemente, a versão brasileira de Os Ricos Também Choram (SBT,
2006) foi exibida em 2007 na mesma rede, enquanto a produção nacional Esmeralda (SBT,
2005) foi vendida ao Paraguai, para transmissão na emissora Telefuturo.
Na Venezuela, a empresa Venevisión Internacional comercializa as novelas de sua
emissora (Venevisión), e a Coral Pictures vende os títulos da RCTV (Radio Caracas
Televisión). A Tepuy distribui novelas colombianas, venezuelanas e produzidas pela emissora
estadunidense Telemundo.218 Essa ampliação da oferta deve-se ao aumento da demanda por
audiovisual:
a expansão do número de canais, a diversificação e crescimento da televisão a cabo e as conexões via satélite aumentaram o tempo de programação, impulsionando uma demanda intensiva de programas, que abre ainda mais o mercado à programação latino-americana, que abre pequenas brechas na hegemonia televisiva norte-americana e modifica a divisão do mundo entre um norte identificado com países produtores e um sul com países unicamente consumidores.219
As maiores empresas exportadoras de telenovelas continuam sendo Globo e Televisa,
seguidas pela Cisneros (Venezuela) e Telefé (Argentina).220 A Televisa é a que exporta mais,
mas a Globo tem maior faturamento. No Brasil, a primeira novela a ser exportada foi O Bem
Amado (Globo, 1973), vendida para 17 países da América Latina e exibida primeiramente no
México, em 1973, e no Uruguai, três anos depois. Um marco também em solo nacional, que
“parodiava e denunciava o coronelismo nordestino e os desmandos dos pequenos poderes
locais”.221 Nino, o Italianinho (Tupi, 1969) foi o primeiro texto a ser exportado, inicialmente
aos Estados Unidos, em 1979. No entanto, foi com A Escrava Isaura (Globo, 1976) que a
Globo se consagrou como grande exportadora de telenovelas. Em Cuba, Fidel Castro
confessou que não podia agendar reuniões para a hora da novela, pois, assim como ele, seus
colaboradores também acompanhavam a saga da escrava. Na Polônia, a história de Isaura
atingiu 85% de audiência, superando a programação esportiva, inclusive jogos internacionais
e os programas jornalísticos, que costumavam merecer a atenção da maioria dos
217 CASTRO, Daniel. Globo e Record disputam mercado externo. Folha de S. Paulo, 27 ago. 2006. 218 Atualmente sediada na Flórida, a emissora iniciou suas operações em San Juan, Porto Rico. 219 MARTÍN-BARBERO, Jesús; REY, Germán, op. cit., p. 112. 220 BRITTOS, Valério Cruz. Globo, transnacionalização e capitalismo. In: BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César (Orgs.). Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. 2 ed. São Paulo: Paulus, 2005. p. 131-154. p. 137. 221 REIMÃO, Sandra. Livros e televisão: correlações. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004. p. 59.
102
telespectadores poloneses.222 Em visita à China, a protagonista Lucélia Santos foi recebida
por mais de cinco mil pessoas no aeroporto de Pequim. O livro de Bernardo Guimarães, autor
da obra original, foi traduzido para diversos idiomas, vendendo 250 mil exemplares em Cuba
e 300 mil na China. Ainda há relatos de que A Escrava Isaura teria causado interrupções na
luta armada da Croácia.223 Apresentando dados da internacionalização da Globo, Brittos
complementa este fluxo:
Em 1977, Gabriela foi adquirida pela rede estatal portuguesa RTP e, a partir daí, pelos países africanos de língua portuguesa. No ano seguinte, a Globo apresentou sua programação exportável ao MIPTV, no festival da televisão de Cannes, na França, para executivos de emissoras européias. Anteriormente, a Globo já vinha negociando sua programação com outros países, exportando Véu de Noiva em 1970 e, em 1972, vendendo Irmãos Coragem inclusive para a TV porto-riquenha de Nova Yorque. O reconhecimento internacional [no caso] da Globo veio em 1979, quando a National Academy of Television Arts and Sciences of the United States conheceu-lhe o troféu Salute.224
Na segunda metade dos anos 90, o modelo de co-produção transnacional intensifica-
se, suprindo as necessidades de emissoras que não contam com uma linha de produção. Os
resultados – nem sempre positivos – reajustam o mercado de televisão, que passa a dar
atenção especial às produções independentes realizadas na América Latina. Até mesmo
grandes grupos do continente se inclinam às telenovelas provenientes de redes internacionais.
Neste cenário reconfigurado, a diversidade da teleficção apresenta-se nos mais variados
modelos de produção: frequentemente encontram-se títulos nacionais e transnacionais em
uma mesma emissora.225 Na contemporaneidade, o processo de transnacionalização vem
sendo realizado de três maneiras distintas:
+ Venda integral. Caracteriza a telenovela vendida a um país estrangeiro e exibida
integralmente pela emissora adquirente. A veiculação pode ocorrer em seu idioma original ou
dublado, e a dinâmica da edição pode ser alterada, atendendo às necessidades estratégicas do
comprador. O SBT, maior cliente da Televisa no Brasil, recebe os produtos televisuais
padronizados em capítulos de uma hora, incluindo inserção publicitária de quinze minutos.
No entanto, realiza sua própria edição, oferecendo maior dinâmica à telenovela. Não raro,
dois capítulos de uma hora são compactados, transformando-se em um episódio de 40
minutos, e contando com dois ou mais inserts de intervalos comerciais. A emissora
222 REDE GLOBO assina acordo com TV estatal da Polônia. O Globo, Rio de Janeiro, 24 set. 1986. 223 ALENCAR, Mauro Alencar. A Hollywood brasileira: panorama da telenovela no Brasil. Rio de Janeiro: Senac, 2002. p. 123. 224 BRITTOS, Valério Cruz. História, economia política e tendências da TV brasileira. Conexão – Comunicação e Cultura, Caxias do Sul, v. 1, 2002. p. 26. 225 Vide BRITTOS, Valério Cruz; KALIKOSKE, Andres. História, modelos e economia da telenovela em mercados globais. In: BOLAÑO, César; GOLIN Cida; BRITTOS, Valério (Orgs.). Economia da arte e da cultura . São Paulo: Itaú Cultural, 2010. p. 217-237.
103
adquirente, inclusive, pode adequar abertura e trilha sonora ao seu padrão de produção. Maria
Mercedes, Marimar e Maria la del Barrio – produções realizadas pela Televisa em 1992,
1994 e 1996, respectivamente –, sofreram alterações em suas aberturas no Brasil, quando
foram ao ar pela primeira vez no SBT. Maria Mercedes ainda teve seu tema sonoro traduzido
ao português, produzido pelo departamento fonográfico da emissora. Com a desativação do
setor, as novelas subseqüentes começaram a utilizar sua abertura e trilha sonora originais – a
primeira foi Luz Clarita (Televisa, 1997) –, com raras exceções,226 contando até mesmo com
caracteres em espanhol. A venda do produto em seu formato integral apresenta características
específicas. O número de capítulos precisa ser pré-estabelecido (no mercado latino-americano
gira em torno de 120); a dublagem e a sonorização são recompostas utilizando a técnica Music
and Effects (ME), que permite excluir as vozes dos personagens mantendo o som ambiente;227
uma assistência do setor de marketing também é fundamental, para que o cliente realize a
produção das chamadas da novela,228 envolvendo vinhetas e logotipos.
+ Venda de roteiro. A realização de uma produção nacional a partir de roteiro
estrangeiro caracteriza-se como um dos mais antigos casos de transnacionalização dos
produtos de teleficção. Nos primórdios da teledramaturgia, a Televisa foi a primeira rede a
adquirir roteiros radiofônicos cubanos e argentinos para produzir suas telenovelas. As
histórias, adaptadas e reescritas, eram adequadas ao padrão tecno-estético do grupo mexicano.
Um roteiro original é capaz de resultar em inúmeras histórias. No SBT, a carência de autores
consagrados em seu casting levou a emissora a adquirir o roteiro de Éramos Seis, escrita
originalmente por Silvio de Abreu e Rúbens Ewald Filho para a TV Tupi em 1977, com base
no livro Éramos Seis, de Maria José Dupré. Em 2008, a emissora paulista repete sua
estratégia, ao adquirir os direitos de produção televisiva de toda a obra radiofônica de Janete
Clair. A intenção é reativar o núcleo de teledramaturgia a partir destes originais. No âmbito
latino-americano, o roteiro de Betty, la Fea (RCN, 1999), de Fernando Gaitán, contabiliza 21
adaptações a partir de seu argumento. Há versões nos países mais longínquos, como Rússia,
Turquia, Bélgica, Índia, Israel, Filipinas e China.
+ Venda de projeto. Genuíno caso de transnacionalização, a venda de um projeto
inclui não somente o script da telenovela, mas tudo o que diz respeito a seus feitos artísticos,
226 Kassandra (Coral Pictures, 1992), Café com Aroma de Mulher e a reprise de Pantanal (SBT, 2008) são exemplos de produtos de estoque que ganharam aberturas com estética revitalizada. 227 CASÉ, Geraldo. O processo de produção da telenovela. In: LOPES, Maria Immacolata Vassallo de (Org.). Telenovela: internacionalização e interculturalidade. São Paulo: Loyola, 2004. p. 231-327. p. 324. 228 BERNARDI, Helena. Área de importação/exportação da Rede Globo. In: LOPES, Maria Immacolata Vassallo de (Org.). Telenovela: internacionalização e interculturalidade. São Paulo: Loyola, 2004. p. 403-407. p. 406.
104
de forma que o comprador passa a contar com a consultoria do vendedor para o
desenvolvimento do produto. O produto final resulta em um conjunto de elementos
semelhantes – vestuário, trilha sonora, cenografia –, que também pode agregar características
de identificação local da nação adquirente. Neste sentido, Chiquititas (SBT, 1997) foi
pioneira. Produzida pela Telefé, a novela foi gravada nos estúdios da Sonotex, em Buenos
Aires. A idéia de reaproveitar o material cenográfico dos argentinos – alojando atores
brasileiros no país – barateou os custos de produção. No entanto, apesar de representar uma
saída para as emissoras que não dispõem de um núcleo continuado de produção, a venda de
projeto também chamou a atenção de grandes grupos. Amor Mio (Telefé, 2005), original
argentino, ganhou sua versão mexicana, repetindo-se o realizado com Chiquititas. No Brasil,
o exemplo mais recente de venda de projeto é a série Donas de Casa Desesperadas (RedeTV,
2007). Também rodada na Argentina, nos estúdios da Pol-ka Producciones, contava com
produção norte-americana da Disney ABC, que mantém uma produtora subsidiária em
Buenos Aires. A experiência de venda de um projeto genuinamente brasileiro é isolada e
acontece na Globo. Vale Todo (Globo/Telemundo, 2002) foi gravada no Rio de Janeiro, com
técnicos brasileiros e atores latino-americanos, provenientes de diversos países. O produto era
dirigido ao público hispânico residente nos Estados Unidos. O resultado não foi positivo,
ficando muito aquém do lucro de US$ 6 milhões estipulado pela Globo.229 Entre os principais
problemas, apontou-se que o produto sofreu rejeição porque o público latino desaprovou a
organização familiar da obra, principalmente os relacionamentos extraconjugais e os
constantes desentendimentos entre a vilã Maria de Fátima (Glória Pires) e sua mãe, a
submissa Raquel (Regina Duarte). Em conseqüência, a co-produção entre as emissoras foi
descontinuada.
3.4 Telenovela e fluxo
Na América Latina, a ficção norte-americana ocupa a terceira posição nas grades de
programação das emissoras no horário prime time. Ainda que no México este número seja
elevado, através da difusão de telenovelas locais nos diversos canais abertos controlados pela
Televisa, no Brasil e na Argentina a produção nacional também domina o horário, mesmo que
em menor escala. A tabela a seguir, referente ao ano de 2006, confronta o número de horas de
produção nacional no prime time com a presença da programação estrangeira nos países
ibero-americanos.
229 GLOBO quer faturar US$ 6 milhões com versão hispânica de Vale Tudo. AcessoCom, Porto Alegre, 22 mar. 2002. Disponível em: <http://www.acessocom.com.br/unico2.asp?cod_texto=18817>. Acesso em 10 mar. 2009.
105
Tabela 5. Telenovela latino-americana no prime time
Produção nacional Produção estrangeira Total País
Horas % Horas % Horas %
Argentina 20:05 95,3 1:00 4,7 21:05 100
México 25:00 69,4 11:00 30,6 36:00 100
Brasil 24:58 67,4 12:05 32,6 37:03 100
Colômbia 23:28 61,2 14:51 38,8 38:19 100
Portugal 12:53 58,3 9:12 41,7 22:05 100
Venezuela 22:24 53,1 19:48 46,9 42:12 100
Chile 25:46 48,4 27:31 51,6 53:17 100
Espanha 12:55 46,7 14:45 53,3 27:40 100
EUA 15:00 35,3 27:30 64,7 42:30 100
Total 182:29 57,0 137:42 43,0 320:11 100
Fonte: VILCHES, Lorenzo (Comp.). Introducción. In: VILCHES, Lorenzo (Comp.). Culturas y mercados de la ficción televisiva en Iberoamérica: anuario Obitel 2007. Barcelona: Gedisa, 2007. p. 223-249. p. 30.
A seguir, a partir de pesquisas realizadas pelo Observatório Ibero-Americano de
Ficção Televisiva (Obitel),230 nas semanas de 17 a 23 de abril e 6 a 12 de novembro de 2006,
verifica-se as diferentes presenças do gênero nos países latino-americanos analisados.
Na próxima tabela, observa-se que os seis canais brasileiros analisados oferecem 221
horas de programação de teleficção, correspondendo a 22%. Esta cifra corresponde a 126
horas de ficção televisiva (57% do total) e 95 horas de produções cinematográficas exibidas
na televisão (43% do total). A liderança na teleficção é ocupada pelo SBT, com uma diferença
de mais de 10 horas que a Record e 13 horas que a Globo. A Cultura, emissora pública, ocupa
o último lugar. Cabe salientar que a liderança do SBT neste período deve-se à exibição de
novelas mexicanas e séries norte-americanas.
230 Vide VILCHES, Lorenzo (Comp.). Culturas y mercados de la ficción televisiva en Iberoamérica: anuario Obitel 2007. Barcelona: Gedisa, 2007. p. 77-108. p. 83.
106
Tabela 6. Oferta mensal de teleficção no Brasil
Novelas Filmes e afins Total Canal
Horas % Horas % Horas %
SBT 42:55 4,2 124:65 12,3 168:00 16,7
Record 32:09 3,2 135:51 13,5 168:00 16,7
Globo 30:10 3,0 137:05 13,7 168:00 16,7
RedeTV! 9:35 1,0 158,25 15,7 168:00 16,6
Band 8:29 0,8 158,91 15,8 168:00 16,7
Cultura 2:38 0,3 164,82 16,3 168:00 16,6
Total 125:56 12,5 881:64 87,5 1008:00 100,0
Fonte: GÓMEZ, Guillermo Orozco (Coord.). México: ¿qué hemos hecho los televidentes para merecer esta ficción? In: VILCHES, Lorenzo (Comp.). Culturas y mercados de la ficción televisiva en Iberoamérica: anuario Obitel 2007. Barcelona: Gedisa, 2007. p. 77-108. p. 83.
A tabela seqüente, referente ao México, soma 817 horas totais de transmissão de
programação, onde 120 horas e 30 minutos correspondem à ficção propriamente televisiva,
especialmente telenovelas. O remanescente (696 horas e 30 minutos) é constituído por
programas informativos, esportivos e filmes. Emissoras titulares, como o canal 2 da Televisa
e o canal 13 da TV Azteca, concentram a maior parte da ficção televisiva mexicana,
ultrapassando 600 horas de exibição mensal. Em contrapartida, canais públicos como o IPN e
o Canaculta, respectivamente nos dígitos 11 e 22, não produzem telenovelas, concentrando
sua oferta de ficção na exibição de filmes.
107
Tabela 7. Oferta mensal de teleficção no México
Novelas Filmes e afins Total Canal
Horas % Horas % Horas %
Televisa 2 28:30 2,5 61:00 7,5 89:30 11,0
Televisa 4 19:00 2,0 104:00 12,5 123:00 15,0
Televisa 5 22:00 3,0 73:30 9,0 95:30 12,0
Azteca 7 7:00 1,0 117:30 14,0 124:30 15,0
Televisa 9 14:00 2,0 69:30 8,5 83:30 10,0
IPN 11 06:30 1,0 113:30 14,5 120:00 14,5
Azteca 13 21:30 3,0 68:30 8,5 90:00 11,0
Conalcuta 22
02:00 0,0 98:00 12,0 91:00 11,5
Total 120:30 15% 696:30 85,0 817:00 100,0
Fonte: GÓMEZ, Guillermo Orozco (Coord.). México: ¿qué hemos hecho los televidentes para merecer esta ficción? In: VILCHES, Lorenzo (Comp.). Culturas y mercados de la ficción televisiva en Iberoamérica: anuario Obitel 2007. Barcelona: Gedisa, 2007. p. 223-249. p. 228.
A tabela que segue, computa dados da programação da Argentina, apontando a Telefé
como o canal líder na exibição de teleficção, sendo seguida pelo Canal 13 e Canal 9. O canal
América não exibe filmes neste período, e o Canal 7, de controle estatal, é o único onde a
exibição de filmes supera as novelas. A teleficção estrangeira predomina, ainda que de origem
latino-americana: são 33 horas e 10 minutos de novelas contra 14 horas e 30 minutos de
ficção norte-americana.
Tabela 8. Oferta mensal de teleficção na Argentina
Novelas Filmes e afins Total Canal
Horas % Horas % Horas %
América 2:30 0,4 93:00 16,8 95:05 16,4
Canal 7 4:45 0,9 121:35 21,9 125:08 22,8
Canal 9 19:30 3,5 96:70 17,3 116:00 20,8
Telefé 38:00 6,9 63:35 11,5 101:35 164,7
Canal 13 23:20 4,2 90:30 16,4 113:50 203,08
Total 88:05 15,9 465,50 84,1 553:55 100,0
Fonte: GÓMEZ, Guillermo Orozco (Coord.). México: ¿qué hemos hecho los televidentes para merecer esta ficción? In: VILCHES, Lorenzo (Comp.). Culturas y mercados de la ficción televisiva en Iberoamérica: anuario Obitel 2007. Barcelona: Gedisa, 2007. p. 77-108. p. 83.
108
Tais dados, aliados aos rearranjos dos mercados globais, confirmam que, na
contemporaneidade, os conglomerados de comunicação têm sido beneficiados por múltiplos
fatores de ordem política e econômica. O deslanche do fluxo de seus produtos audiovisuais no
mercado externo, especialmente, resulta no desenvolvimento de seus capitais.
Desde os anos 70, o cenário reconfigurado proporcionou um crescimento dos
investimentos diretos, necessários para compensar o aumento dos custos fixos gerados pela
evolução tecnológica. Nesta direção, o investimento em tecnologias de informação e
comunicação (TIC) se faz necessário por garantir fluxos ágeis o bastante para o
desenvolvimento de mercados competentes e sincronizados, além da possibilidade de
ampliação das formas de consumo.
Paralelamente, o surgimento de novos exibidores – especialmente a partir dos anos 90
– amplia a oferta televisiva, modelando a conjuntura ideal para a inserção de tais bens
simbólicos. Nesta ambiência, atores econômicos internacionais elevaram seus olhares à
telenovela latino-americana, produto cujo custo de aquisição torna-se pífio frente à quantidade
de horas adquiridas, necessárias para o preenchimento de suas grades de programação.
109
Considerações conclusivas
Passados 50 anos de seu surgimento na América Latina, a telenovela reforçou a
abordagem de temas da vida pública e privada, conquistou visibilidade como produto
artístico-cultural e desempenhou um papel fundamental no fortalecimento dos oligopólios de
comunicação. Frente à proliferação de exibidores, segue sendo um negócio lucrativo: sua
audiência, além de movimentar o mercado publicitário, viabiliza ações de merchandising e o
licenciamento de produtos derivados. Em um segundo momento, o seu arranjo híbrido
possibilitou diferentes modelos de produção, como associação com realizadores
independentes, co-produção com organizações internacionais, pré-venda para países
estrangeiros e joint-ventures com pequenos grupos (especialmente com os não pertencentes ao
rol dos agentes midiáticos notórios). Além disso, soma-se a este mercado o forte investimento
em mídias transversais no plano interno (TV por assinatura, cinema, internet, entre outras),
como forma de buscar reverter a perda de espaço da transmissão hertziana para outros meios
de comunicação (além de outras opções de entretenimento).
Na esfera acadêmica, o elevado número de pesquisas científicas sobre o gênero
folhetinesco superou discursos conceituais diminutivos, transformando a popular narrativa em
um objeto atraente aos mais diversos campos do conhecimento científico. Esta trajetória
transdisciplinar se desenvolveu a partir de diferentes eixos teórico-metodológicos no âmbito
das Ciências da Comunicação, com forte presença nos estudos de recepção. No entanto, o
caráter singular das abordagens consecutivamente esbarrava na impossibilidade, por parte dos
pesquisadores, de contemplar as múltiplas facetas deste complexo objeto. No campo da EPC,
a análise dos produtos televisivos ocupa posição central, a partir de um enfoque global dos
meios; e mesmo nas propostas que não se contemplam discussões de linguagem e análise de
conteúdo, por inúmeras vezes tais fatores são incorporados, considerados como ações
estratégicas deste particular mercado. Observar bens simbólicos televisivos sob esta
perspectiva reforça o caráter transdisciplinar das Ciências Sociais Aplicadas. O estudo da
teledramaturgia, em específico, ainda carece de extenso trabalho intelectual, para que seja
possível alcançar uma ótica integral de seus complexos processos. Não obstante, tais
interconexões da EPC não se propõem ao antagonismo; ao contrário, previnem a estagnação e
reforçam a necessidade de aproximação aos objetos mutáveis e dinâmicos, através de diálogo
construído em diferentes visões teóricas.
Em consonância aos tópicos abordados pela EPC, verifica-se que o mercado televisivo
se integraliza através da produção de conteúdo, que conduz ao preenchimento da grade de
110
programação com produtos atrativos e comercialmente rentáveis; da construção do fluxo de
programação, através do gerenciamento dos horários dos programas; da divisão de sinais
hertzianos, que diz respeito à área de cobertura das redes; e da comercialização
transnacional, através da venda de produtos aos programadores estrangeiros. Não obstante,
ações sinérgicas que contemplem investimentos recíprocos entre países são cada vez mais
freqüentes para viabilizar produtos televisivos a programadores que não contam com
produção contínua de teledramaturgia. Deste modo, alianças com grupos transnacionais se
intensificam para conceber uma teleficção assumidamente transnacional em sua ideologia
(com roteiro, equipe técnica e até mesmo parte do elenco proveniente de país estrangeiro) ou
transnacional no que diz respeito apenas aos seus investidores (ficando o produto a cargo de
um realizador nacional).
No que diz respeito à comercialização da telenovela, parte desta pesquisa a
classificação de três diferentes modelos. O primeiro, denominado venda integral, caracteriza a
telenovela vendida a um país estrangeiro e exibida integralmente pela emissora adquirente,
desencadeando uma série de movimentos do setor de marketing do vendedor. O segundo,
venda de roteiro, trata-se da realização de uma produção nacional a partir de roteiro
estrangeiro. Caracteriza-se como um dos mais antigos casos de transnacionalização dos
produtos de teleficção, tratando-se da adaptação ou nova versão do script, ao mesmo tempo
em que há uma adequação ao padrão tecno-estético do adquirente. Terceiro e último, o
modelo venda de projeto trata dos casos genuínos de transnacionalização, onde a aquisição de
um projeto inclui não somente o roteiro da telenovela, mas tudo o que envolve seus feitos
artísticos.
A televisão brasileira, hoje uma das maiores indústrias audiovisuais do mundo –
graças, em grande parte, ao gigantismo do mercado consumidor nacional e ao amplo
reconhecimento internacional do país (ou da Globo, em específico) como produtor de
telenovelas. O momento atual do mercado nacional, denominado Fase da Multiplicidade da
Oferta, indica um setor atravessado pela produção diversa, que, mesmo especializado em
telenovelas, conquista cada vez mais audiência massiva através de programas popularescos
(especialmente nos horários matutino e vespertino). No entanto, mesmo com a forte onda das
associações transnacionais, o folhetim brasileiro acaba por manter bons números, sendo
exportando para mais de 100 países. Sua teledramaturgia tem sido submetida a uma constante
experimentação, que sucessivamente vincula-se ao desenvolvimento tecnológico,
incorporado, de uma forma ou de outra, em todos os produtos da TV. Portanto, se os
modernos equipamentos são os responsáveis por acionar as novas possibilidades e soluções
111
do fazer teleficção, cabe à expertise de cada emissora e ao conjunto de elos da indústria (com
sua capacidade de agregar novas fórmulas ao processo, através de erros e acertos recorrentes)
responder pela dinâmica inovativa. O fato é que, ao investir em inovação, a empresa televisiva
deve ser tolerante, flexível e perseverante, criando contextos adequados, no âmbito de sua
programação, para a midiatização destes novos produtos.
No México, principal atingido pela crise, o tradicional intervalo de seis minutos do
Canal de las Estrellas foi substituído por inserções de três minutos, sendo que nesse tempo
ainda são veiculados dois institucionais do próprio grupo. Com a desvalorização do peso
mexicano, as dívidas negociadas em moeda norte-americana se tornaram onerosas. Em uma
clara tentativa de suavizar seu prejuízo, a Televisa tenta ganhar mercado em países que, até
então, não faziam parte de sua estratégia de expansão. É o caso de recentes contratos firmados
com canais da China e França. Um investimento errôneo também está pesando nos ombros do
grupo mexicano. Após perder judicialmente ações do canal Univisión, sua subsidiária nos
Estados Unidos, em uma batalha judicial que se estendeu durante anos, adotou a estratégia de
gerar receita a partir dos milhares de roteiros de telenovelas que estão em seu acervo. Mas
apesar de ser um bom negócio, a comercialização de um roteiro não é mais vantajosa do que a
venda de uma novela integral (dublada e finalizada, pronta para ser exibida). Isto porque, no
primeiro caso, é necessário remunerar autores, adaptadores e, muitas vezes, até empresas
distribuidoras que intermediaram a negociação.
Na Argentina, os produtos de estoque têm sido recorrentes, através de sua redifusão na
programação. Tal corte de custos evidencia-se especialmente na programação da Telefé, a
principal rede do país. A tradicional novela do prime time foi amputada da programação, em
uma clara demonstração de que o mercado publicitário portenho não está disposto a viabilizar
custos elevados. Ao término deste estudo, a estratégia tem sido capitalizar. Com a redução de
anunciantes, as emissoras do país novamente buscam a terceirização, apostando em produtos
independentes – e, de longe, mais baratos – para alavancar sua audiência através da produção
horizontal, ou seja, quando um canal de TV se limita à exibição do produto, não participando
de sua produção. Neste delicado momento para sua produção ficcional, a ordem é diminuir
possíveis riscos. Em outras palavras, abolir experimentações e novos formatos.
Durante o desenvolvimento deste estudo, ainda que se enumerem dificuldades
referentes ao acesso às cifras de produtos e investimentos, a constante participação em
observatórios de comunicação (através do constante acompanhamento crítico da realidade
midiática pertinente e do desenvolvimento de análises transversais de textos publicados),
suavizou tais empecilhos, sendo um exemplo de esforço enérgico que emerge da sociedade
112
civil, ainda que conte especialmente com a colaboração de profissionais da comunicação.
Assim, o estudo se finaliza oferecendo novas hipóteses a serem exploradas, no sentido de
ampliar e qualificar a compreensão dos bens simbólicos culturais transnacionais. Não
obstante, o projeto estruturou a implementação de um observatório da teledramaturgia latino-
americana, propondo-se um esforço que, até o presente momento, já caminha no sentido de
organizar sua estruturação operacional-administrativa, por meio de reuniões e diálogos com
os integrantes do grupo e desenvolvimento de um sítio na internet. O Núcleo de Análise da
Teledramaturgia (NAT) busca colaborar de forma extracurricular para a socialização do
conhecimento, através do emprego de questões teórico-metodológicas levantadas pela linha
Mídias e Processos audiovisuais do Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Comunicação (PPGCC) da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e de maneira
conjugada às atividades desenvolvidas no Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia
Política e Sociedade (CEPOS).
Conclui-se que a concorrência está acirrada a partir das emissoras que lançam novos
produtos, ao mesmo tempo em que retiram do ar atrações de formatos obsoletos.
Recentemente, alguns exemplos neste âmbito foram testados: avanços de conteúdo e estética,
diga-se de passagem, mas que nem sempre resultam em rentabilidade comercial para os
canais, com baixo grau de experimentação. Aponta-se, ainda, o entendimento sobre diferentes
padrões tecno-estéticos, no plural – uma vez que a concepção inicial deste conceito procurou
promover uma análise fixada no mercado brasileiro a e partir da Globo –, expandida nesta
pesquisa ao mercado latino-americano, com seus diferentes padrões tecno-estéticos e
estruturas de mercado (horizontal/vertical).
O instrumental tecnológico, neste sentido, opera como difusor mundial de idéias,
projetos, modos de vida e modelos de organização econômico-social. Em simultâneo, o
consumidor de produtos culturais – por relacionar-se cumulativamente com meios tradicionais
e interagir com outros dispositivos, efetivados pelas novas mídias, expressões da reordenação
capitalista – em dados momentos assume uma postura mais madura, reagindo de diversas
formas às propostas das indústrias de informação e entretenimento, de modo geral dentro de
um limite prévio, reproduzindo a própria ideologia da oferta. Nesta direção, frente à
instauração da tecnologia digital, entende-se que a própria televisão encontra-se em fase de
expansão. Gerador de diferentes modos de produção, distribuição e consumo, o avanço
tecnológico representa um desafio para os tradicionais agentes hegemônicos, no âmbito da
renovação de seus protótipos produtivos, diversificação da modalidade de negócios e projeção
de diferentes estratégias, frente à elevação concorrencial ocasionada pela aproximação de
113
atores midiáticos emergentes. Apesar da vagarosa penetração junto aos consumidores –
especialmente devido ao alto custo de migração para o novo formato e carência de atrativos
que sua tecnologia possibilita –, o advento da TV digital deve desencadear novos negócios
aos produtos ficcionais.
Quanto às barreiras à entrada vigentes na tecnologia analógica, ao contrário, as
presentes no digital se dão em menor grau, uma vez que há a diminuição dos custos de
transferência. Não obstante, o fato de qualquer organização poder gerar conteúdo a baixo
custo, a ser difundido através da internet, modificou o próprio prime time, tradicional horário
nobre da televisão, cujas cifras publicitárias são as mais elevadas, pela totalidade da audiência
atingida. No Brasil, especialmente, por conta da reestruturação de seu mercado, este câmbio
pode ser identificado, não sendo mais restrito ao horário da chamada “novela das oito” (cuja
exibição registra-se a partir das nove da noite), mas sim das 20h00 às 23h00, contemplando
também telejornais e séries nacionais. Na América Latina, de modo geral, o prime time é
preenchido essencialmente por telenovelas (com exceção da Argentina, onde os formatos de
auditório são fortemente difundidos e aceitos). Em comparação aos demais territórios ibero-
americanos, como Portugal e Espanha, a produção latino-americana nacional ainda é a grande
mobilizadora da audiência do horário nobre.
114
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123
Apêndice 1. Pantanal: vitalidade da produção e falta de estratégia do SBT231
No momento em que a televisão brasileira apresenta um elevado número de
telenovelas em produção, o SBT recorreu a Pantanal como sua principal arma na disputa pelo
mercado, o que reafirma sua falta de estratégia para a teledramaturgia. Produzida há 18 anos,
a realização da extinta TV Manchete teve suas fitas adquiridas pela emissora de Silvio Santos
por intermédio do empresário José Paulo Vallone, ex-parceiro do SBT no ramo de novelas.
Como era plenamente previsível, não está repetindo a façanha de sua primeira exibição, na
qual chegou a atingir 40 pontos de audiência.
Mas, para os limites do SBT, Pantanal veio em hora excelente, passando a ocupar o
posto de carro-chefe da programação, vago até junho de 2008. Além de demonstrar que ainda
possui valor de mercado, a novela devolveu a vice-liderança no horário para a rede de Sílvio
Santos, ameaçada a partir dos investimentos da Record.
Os resultados de audiência têm sido muito bons, considerando a realidade atual do
SBT: dados do Ibope indicam uma média de 18 pontos, com 21 de pico, apenas 7 pontos
distante da Globo. Com isso, Pantanal mostra sua vitalidade, superando a pífia divulgação de
sua estréia, quando foi exibida uma enquete, durante a programação, na qual populares
apontavam a produção como sendo a novela de que sentiam mais saudade.
A reprise, no entanto, complicou os planos do teledramaturgo Benedito Ruy Barbosa,
que havia negociado a história com a Globo, a fim desta possivelmente produzir um remake.
A exibição pelo SBT esvaziou a eventual regravação pela Globo e Barbosa vem tentando, sem
sucesso, impedir a exibição da novela. Este, certamente, foi o melhor marketing para a rede de
Sílvio Santos, que, em 2005, já havia reapresentado Xica da Silva, outra produção da
Manchete.
A falta de identidade na ficção seriada sempre assombrou o SBT. A emissora já exibiu
telenovelas mexicanas, colombianas, venezuelanas, argentinas, brasileiras com roteiros
mexicano e argentino, produções nacionais independentes e realizações da Argentina
transnacionalizadas. A rede chegou também a ter cara de TV argentina no período de 1996,
quando lançou novelas como Antônio Alves, Taxista e Chiquititas, além do programa Alô,
Christina. Recentemente, encerrou seu contrato com a mexicana Televisa, após ter produzido,
durante seis anos, 12 novelas brasileiras, desenvolvidas a partir de textos (e padrão tecno-
231 BRITTOS, Valério Cruz; KALIKOSKE, Andres. A Record atira na concorrência. Observatório da Imprensa, São Paulo, 5 ago. 2008. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp? cod=497TVQ002>. Acesso em: 5 ago. 2008.
124
estético) mexicanos.
Nesta configuração, não é difícil constatar que o problema do SBT é a falta de
estratégia de programação, com seu devido planejamento, incluindo metas e variáveis de
monitoramento em curto, médio e longo prazos. Tal desacerto, que representa as próprias
dificuldades de gestão do SBT, descabidamente centralizada em Silvio Santos (numa partilha
de poder que se encaminha para uma solução familiar e nada profissional), redunda,
especificamente, na inexistência de um projeto para o setor de teledramaturgia, cujo próprio
papel dentro da rede nunca foi plenamente identificado, passando por várias fases.
Os dois capítulos diários que a emissora exibe de Pantanal, sem intervalos comerciais,
deverão ceder lugar à produção nacional Revelação, aventura de Íris Abravanel que marca sua
estréia no ramo das novelas – uma medida estranhamente interessante de construção de
audiência. Isso porque uma decisão rápida de exibir Pantanal pode conduzir a um inesperado
resultado positivo (também) subseqüente, se puder fidelizar público para a ficção da rede.
Entretanto, paradoxalmente poderá nada acrescentar se, seguindo a tradição do SBT, a falta de
planejamento levar a uma breve mudança de rumos, ante eventual resultado não tão positivo
de Revelação (o que é menos provável, sendo sua autora a ainda inexperiente cônjuge de
Silvio Santos).
A Record, por sua vez, tem uma estratégia de atuação muito definida, de buscar a
liderança sustentada fortemente em teleficção e telejornalismo. Diante disso, e no sentido
contrário do SBT, deve assinar contrato com a Televisa, como saída para consolidar seu
recém-criado terceiro horário de novelas. Dos textos mexicanos adaptados pela Record – cujo
primeiro roteiro deve ser o de Betty, a Feia, original colombiano já veiculado no Brasil pela
Rede TV! – pode-se esperar histórias clássicas, ao melhor estilo folhetinesco, muito similares
às produções da Globo no horário das 18 horas.
As produções originais da Televisa, dubladas ao português, devem ser exibidas pela
CNT. O canal já está veiculando chamadas de duas novelas em sua programação, sendo
apenas uma inédita no Brasil. Esta será a segunda vez que a emissora paranaense assina com a
rede mexicana. O primeiro contrato, em 1997, não vingou. Já ao SBT, sem planejamento
estratégico, uma das poucas opções restantes é aproveitar o público da novela da Manchete
para sua nova realização. Se Pantanal continuar como está, outras produções devem ser
resgatadas do baú da Manchete.
Frente a isso, destaca-se que o êxito da reprise de Pantanal reafirma como os produtos
culturais de estoque representam um rendimento considerável para as emissoras televisivas,
na medida em que podem ser reproduzidos mais de uma vez, com prazos variáveis de
125
decorrência de sua produção, além de serem aqueles mais apropriados para a exportação.
Todavia, a vida útil da ficção seriada é variável. As novas tecnologias, incorporadas nos
títulos mais recentes, são os principais fatores para que este tipo de produto possa ficar
datado, eventualmente perdendo sua atratividade ao longo do tempo. Quanto à telenovela
costumar conter elementos factuais em suas tramas, isso não é problema para a redifusão, pois
tais passagens podem ser eliminadas na nova edição, assim como nas versões para o exterior.
Com seu alicerce constituído sob os auspícios das novelas latino-americanas, o SBT
conseguiu, desde sua fundação, manter-se como vice-líder exibindo antigas produções. Os
casos mais curiosos são o do produto mexicano Chispita, produzido em 1979 e transmitido até
1992, contabilizando sete reprises; e de Café com Aroma de Mulher, realizada em 1994 e
veiculada pela primeira vez em 2001, no prime time do SBT, e repetido em 2006.
A Globo, apesar de manter um horário dedicado à reapresentação de suas telenovelas,
a tradicional sessão Vale a Pena Ver de Novo, à tarde, raramente se utiliza de produções
realizadas há mais de uma década. Os títulos reapresentados, geralmente, não ultrapassam
cinco anos desde sua realização. Contudo, há exceções, como Roque Santeiro, produzida em
1985, que teve sua terceira reprise em 2000; e A Gata Comeu, de 1986, que foi ao ar pela
terceira vez em 2001.
126
Apêndice 2. Revelação: fragilidade na teledramaturgia232
A fim de driblar a carência de autores consagrados em seu casting, majoritariamente
contratados pela Globo e Record, o SBT recorreu a uma medida pouco plausível, mas
estranhamente interessante para reativar seu núcleo de teledramaturgia. Trata-se do
lançamento do cônjuge de Sílvio Santos, Íris Abravanel, como novelista, à frente de
Revelação. A produção é um divisor de águas na história da emissora: além de ser a primeira
novela gravada em alta definição, marca o fim de uma joint venture iniciada há nove anos
com a mexicana Televisa. Com texto original – o primeiro desde Fascinação, escrita por
Walcyr Carrasco, em 1998 –, o produto estréia com seus 150 capítulos inteiramente gravados,
impossibilitando possíveis ajustes ao longo da transmissão, conforme a reação do público.
A julgar pela primeira semana de exibição, o vôo solo do SBT não deve nada aos seus
recentes títulos, co-produzidos com a Televisa. Falta agilidade, verossimilhança e um gancho
que prenda efetivamente o telespectador, de forma que se sinta motivado a não perder o
capítulo seguinte. Com um time de sete roteiristas (alguns advindos de uma igreja evangélica,
da qual Íris é devota), supervisionados pelo já demitido Yves Dumont, a espinha dorsal do
enredo patina ao explorar os desencontros do casal protagonista. Nas cenas de ação, a
ausência de agilidade é notável, tanto na narrativa quanto na estética – algo que a Globo sabe
explorar muito bem e a Record já aprendeu. O picote das seqüências na edição não garantiu
agilidade: ao contrário, só quebrou a narrativa, prejudicando-a.
Para completar, o núcleo cômico até tenta fazer graça, mas a retração dos atores diante
das câmeras – muitos são oriundos do teatro – torna o resultado sofrível, conseguindo ficar
aquém dos humoristas de A Praça É Nossa. Nessa configuração, os experientes Antonio
Petrin, Elaine Cristina, Flávio Galvão e Cláudia Mello têm pela frente a difícil tarefa de
manter a audiência conquistada pela reprise de Pantanal – ou, ao menos, não amargar índices
pífios, ao ponto da novela ser minimizada ou retirada do ar, o que sempre é possível, mesmo
que a autora seja uma das donas da emissora. De um lado, Revelação não traz atores-
celebridades capazes de agregar público por sua própria figura; de outro, com a exceção dos
mais experientes, grande parte do elenco não domina o naturalismo característico da dinâmica
de interpretação na telenovela brasileira.
Sem renunciar ao seu padrão tecno-estético, o SBT mostra-se frágil como produtor de
teledramaturgia, levando ao ar um produto tecnicamente mal acabado, o que atesta que os R$
232 BRITTOS, Valério Cruz; KALIKOSKE, Andres. Revelação: fragilidade na teledramaturgia. Observatório da Imprensa, São Paulo, 16 dez. 2008. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=516TVQ001>. Acesso em: 16 dez. 2008.
127
200 mil destinados para a realização de cada capítulo estão sendo muito mal utilizados. No
primeiro episódio, apresentado a partir das 23h15 da segunda-feira 8/12, caracteres
exagerados confundiam o telespectador, tentando situar os países onde a história se inicia –
Portugal, Espanha e Brasil. Além disso, por diversas vezes faltou sincronia entre o áudio e o
vídeo, remetendo a uma deficiência já superada pelo cinema brasileiro (neste caso, porque as
falas dos atores eram gravadas separadamente), ou, em ironia, às novelas mexicanas, dubladas
em português.
Em meio a tantos deslizes, Revelação tem alguns acertos que, frente a um
investimento subseqüente e contínuo no setor de teledramaturgia, podem render bons frutos
ao SBT. O tema de abertura, interpretação inédita do trio Sá, Rodrix e Guarabyra, dá
vitalidade à trilha sonora, sob responsabilidade da produtora musical Laura Finocchiaro. O
texto, apesar de inexpressivo, tem vantagens, com relação à tradição do canal. Mesmo que
timidamente, o enredo resgata temas contemporâneos da sociedade brasileira, como as
dificuldades enfrentadas pelo surdo-mudo Léo (Jiddú Pinheiro), a busca inconseqüente pelo
poder, através do prefeito George Castelli (Flavio Galvão), e a ação preponderante dos
narcotraficantes nas favelas (o que vem sendo bem explorado pela Record).
Apesar da acirrada concorrência do mercado televisivo brasileiro, imposta
especialmente a partir dos investimentos da Record em infra-estrutura, nem de longe
Revelação remete a produções vitoriosas da história do SBT, como a bem cuidada Éramos
Seis, de 1994, ou a requintada Sangue do Meu Sangue, veiculada em 1995. Partindo do
entendimento de que os produtos de teleficção necessitam de investimentos sucessivos, para
aprimoramento de know-how, gerando resultados em longo prazo, Silvio Santos contratou a
equipe de teledramaturgia da Band para coordenar suas futuras produções. Com passagens
pela Globo, Record e pelo próprio SBT, o diretor Del Rangel assume o setor a partir de 2009.
Tal ação, somada à aquisição de 35 obras de Janete Clair escritas para o rádio, pode indicar
um novo horizonte para o canal.
Enquanto a inovação não sai do papel, Silvio Santos deve explorar exaustivamente os
produtos da Manchete, adquiridos junto à produtora independente JPO. Repleta de planos
longos, imagens belíssimas, narrativa lenta e doses fortes de erotismo, com beldades desnudas
em paisagens pastoris, Ana Raio e Zé Trovão parece ser, no momento, a melhor opção para a
emissora assegurar seu segundo horário de novelas (ainda que a exibição original, na
Manchete, não tenha obtido todo o êxito pretendido). Isso se Pantanal não se transformar em
atração fixa na grade de programação, como foi recentemente cogitado. Sua audiência, que
gira em torno de 15 pontos, mostra que ainda há fôlego para banhos de rio, tuiuiús e marruás.
128
Apêndice 3. A Lei e o Crime: Record atira na concorrência233
O telespectador que sintonizar a Record, nas noites de segunda-feira, sentirá que
qualquer semelhança talvez não seja mera coincidência. Trata-se do seriado A Lei e o Crime,
nova empreitada da emissora de Edir Macedo, que tem tudo para incomodar a Globo e fazer
dinheiro no mercado internacional. Com muitos tiros e custo elevado – são 600 mil reais por
episódio, três vezes mais do que gasto com o capítulo de uma telenovela –, o enredo resgata
temáticas comuns aos brasileiros, como corrupção policial e guerra civil do Rio de Janeiro.
Seu elenco ainda conta com dois atores oriundos do bem-sucedido filme Tropa de Elite, o que
torna quase impossível não comparar o seriado com a respectiva obra cinematográfica.
Este não é o primeiro investimento da Record no formato. Em 2006, a primeira
experiência no gênero, Avassaladoras, foi uma co-produção da emissora com o canal Fox. Já
em seu primeiro mês mostrou-se deficitária no quesito audiência, tendo seu horário de
exibição alterado por diversas vezes. No entanto, no caso de A Lei e o Crime, a carência de
originalidade no enredo não se estende à estratégia da emissora.
Esta é a primeira vez que o canal de Edir Macedo estréia novos produtos no mês de
janeiro, algo corriqueiro na Globo há quase dez anos. Todavia, além de atirar contra a
concorrência nacional, o seriado também carrega consigo a difícil missão de maximizar os
ganhos da Record no mercado externo. Primeiramente o produto será ofertado a canais da
Europa, Estados Unidos, Canadá e Japão. O Reino Unido também se apresenta como um
mercado potencial, frente ao arrebatador sucesso de público e crítica de Elite Squad, título
local de Tropa de Elite. Posteriormente, deverá ser exibido na Record Internacional, seu sinal
além-mar. A primeira modalidade de venda, no entanto, é muito mais vantajosa, uma vez que
a Record Internacional ainda não decolou.
O crescimento da Record Internacional ocorre especialmente nos países pobres da
África, falantes da língua portuguesa. Por coincidência, nota-se nesses países a forte presença
da Igreja Universal do Reino de Deus. Todavia, tanto na venda aos canais estrangeiros quanto
na emissão de programas via seu sinal internacional, os mercados (e consumidores) seguem
fiéis às produções da Globo. O europeu e o norte-americano, que pagam altas cifras por
produtos televisivos, preferem oferecer em suas grades telenovelas como A Favorita,
atualmente exibida pela SIC de Portugal, ou El Clon, sucesso recente na Telemundo norte-
americana.
233 BRITTOS, Valério Cruz; KALIKOSKE, Andres. A Record atira na concorrência. Observatório da Imprensa, São Paulo, 27 jan. 2009. Disponível em: <http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=522TVQ001>. Acesso em: 27 jan. 2009.
129
Frente a este cenário, com exceção da Globo – que estreou a bem sucedida minissérie
Maysa – Quando Fala o Coração e Caminhos das Índias –, nas outras emissoras tão pouco há
inovação. A Band ressuscita o nada original Band Verão, apostando no revezamento de
apresentadores para tentar emplacar as diversas edições do programa que são exibidas por dia.
No momento, o programa de maior audiência do canal é o humorístico Uma Escolinha Muito
Louca, que, além de sua exibição inédita, vem sendo reprisado à tarde. Já no SBT, estréias
parecem soar como algo um tanto remoto. Com o término de Pantanal – cujo último capítulo
foi exibido na terça-feira, dia 13, sem a mínima divulgação prévia – o canal de Silvio Santos
prepara-se para editar as fitas de Ana Raio e Zé Trovão, produzida em 1991 pela extinta TV
Manchete.
130
Apêndice 4. SBT recorre a reprises234
A atividade televisiva se integraliza através de quatro movimentos fundamentais: a
produção de conteúdo, que conduz ao preenchimento da grade de programação com produtos
atrativos e comercialmente rentáveis; o fluxo da programação, através do gerenciamento dos
horários dos programas; a divisão de sinais hertzianos, que diz respeito à área de cobertura
das redes; e a comercialização transnacional, através da venda de produtos aos programadores
estrangeiros. No mercado brasileiro, no entanto, a estratégia adotada pelo SBT nos últimos
anos vem contrariando esta constatação. Mesmo que o canal de Silvio Santos nem de longe
alcance os índices de seu passado recente – quando era vice-líder isolado –, ainda hoje
consegue se manter na disputa com uma audiência que oscila entre a segunda e a terceira
posição.
No mês de março de 2009, a descontinuidade da produção dos programas Casos de
Família e Olha Você evidenciaram a incapacidade do canal de Silvio Santos como produtor
de conteúdos e gerenciador de sua programação. Regina Volpato, então apresentadora do
Casos de Família, protagonizou um esdrúxulo episódio: informou, através de seu blog na
internet, que não renovaria seu contrato com o SBT. Tal ação teria sido desencadeada por
alterações no formato de seu programa – que, por intervenção da emissora, adotaria um
formato mais polêmico e popularesco. Graduada em jornalismo, Volpato concebeu o Casos
de Família como uma espécie de auto-ajuda na TV, apostando no diálogo e abolindo
apelações, que freqüentemente são vistas neste tipo de talk show. O resultado não tardou:
além de financeiramente rentável, o programa permaneceu no ar durante quatro anos – vida
longuíssima para os parâmetros do SBT.
No caso do Olha Você, a tentativa da emissora em produzir uma revista eletrônica
inspirada no sucesso do matutino Hoje em Dia, da Record, transformou-se em um verdadeiro
show de experimentações. Da equipe original, salvo Claudete Troiano e Ellen Jabour, os
apresentadores masculinos se mantiveram apagados durante os sete meses em que o programa
foi exibido. O cozinheiro Francesco Tarallo mostrou-se desastroso nas entradas ao vivo, e
Alexandre Bacci, apesar de experiente, não teve carisma nem desenvoltura para ancorar a
atração – atributos que sobram ao jornalista Britto Júnior, do Hoje em Dia.
Para cobrir o vácuo deixado pelo Olha Você, Silvio Santos recorreu a uma medida já
tradicional em sua emissora: o resgate de programas arquivados. A estratégia apresenta custos
234 KALIKOSKE, Andres. SBT recorre a reprises. Observatório da Imprensa, São Paulo, 31 mar. 2009. Disponível em: <http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=531TVQ006>. Acesso em: 31 mar. 2009.
131
pífios, uma vez que estes produtos oneram apenas gastos de edição. O finado humorístico Ô
Coitado e o game-show recentemente extinto Nada Além da Verdade foram os escolhidos.
Apresentados conjuntamente, ambos estréiam com a árdua missão de atingir cinco pontos no
Ibope. Parece pouco, mas para a atual realidade do SBT, tal pontuação seria um feito
prodigioso. Apenas para citar como exemplo, o extinto Olha Você mal chegou aos dois
pontos, perdendo inúmeras vezes para a Band, Rede TV e Gazeta.
As crianças também estão agonizando no SBT. A programação infantil da emissora
insiste no formato de telejogos, incentivando descabidamente os pequenos a realizarem
chamadas telefônicas tarifadas. No Bom Dia & Cia., os apresentadores Priscilla Alcântara e
Yudi Tamashiro estimulam essa participação de maneira esquizofrênica, oferecendo como
contrapartida sorteios de brinquedos, computadores e videogames. A dupla repete frases como
"O que vai ser do seu dia se você não ligar?", ou ainda, "Pra ser feliz, tem que ligar pro Bom
Dia", que exemplificam a deficiência criativa do programa, sempre abastado de desenhos
clássicos (em maior parte, reprises) para segurar a audiência. Nem de longe lembram antigos
sucessos do SBT, como o nostálgico Show Maravilha, apresentado por Eliemary Silva da
Silveira – popularmente conhecida como Mara Maravilha –, atualmente fora da televisão, e
que poderia ser reaproveitada pela emissora, desempenhando novamente a função de
apresentadora. Mesmo a novela mexicana Carrossel, com texto sofrível e produção de baixo
custo, somada às limitações de um produto estrangeiro, mostrou-se mais instigante,
conseguindo ao mesmo tempo prender a atenção das crianças e captar anunciantes, através da
propagação de uma mensagem que explicitava valores humanos primários.
O reaproveitamento de produtos televisivos não é algo novo. Com a difusão do
videoteipe, no final dos anos 50, as empresas de TV passaram a estocar programas, de forma
que, através da venda internacional, o bem simbólico continuasse gerando receita para seus
investidores. No que diz respeito às reprises, em casos isolados a estratégia de re-exibir
estoques mostra-se acertada. No próprio SBT, os decanos Chaves e Chapolin são sucessos
inquestionáveis de audiência. Na teledramaturgia – que sabidamente está longe de ser o ponto
forte do canal –, em sua re-exibição, a versão nacional de Pérola Negra atingiu a primeira
colocação por inúmeras vezes, fazendo frente à reprise de superproduções brasileiras, como
Terra Nostra e Deus nos Acuda, da Globo.
Ao contrário do SBT, os demais canais investem em novos produtos. No entanto, nem
sempre o conteúdo prima pela originalidade. Na Record, o primeiro capítulo de Promessas de
Amor insistiu na indigerível saga dos mutantes. Em sua estréia, uma esquizofrênica
perseguição de helicóptero mostrou a personagem da veterana atriz Ítala Nandi com seus fiéis
132
escudeiros do mal, caçando mutantes fugitivos dispostos a fazer o bem. No desenrolar do
capítulo, a dificuldade em acompanhar a história se intensifica pelo reaproveitamento de
personagens, muitos oriundos de Os Mutantes – Caminhos do Coração, fase anterior da
novela – mas que, conforme divulgado na imprensa, pouco tem a ver com a temporada atual.
As cenas de ação, apesar de caprichadas, não são suficientes para encobrir a fragilidade do
texto, que atinge seu ápice quando entra em cena uma discussão sobre a lei anti-mutante
decretada pelo governo e disposta a perseguir os indivíduos alterados geneticamente.
No mesmo horário, Caminho das Índias, da Globo, despejava um banho de realidade
no telespectador: a professora Berê (Silvia Buarque) acabara de descobrir que uma
fotomontagem sua, onde aparece caracterizada de vedete, estava circulando pela internet.
Desenganada, busca auxílio com Murilo (Caco Ciocler), que a desencoraja a prestar queixa na
polícia. Em tom didático, o discurso politizado sobre a lentidão da justiça brasileira enfatiza
que a punição de criminosos virtuais é tarefa difícil, quase impossível. Em rápida análise, o
telespectador pode constatar que, se por um lado a saga indiana peca ao apresentar um Oriente
imaginado apenas por sua autora, por outro acerta, ao abordar temas de interesse geral da
sociedade, como a violência em escolas, o desprestígio da figura do professor e o preconceito
por descendentes de hindus – temática que ainda pode atingir diversas outras minorias.
No mesmo horário, para o telespectador sintonizado no SBT, fica claro que a emissora
não quer entrar seriamente na briga das novelas, ao menos no presente momento. Enquanto
Record e Globo se enfrentavam, o canal paulista exibia Esquadrão da Moda, show de
realidade disposto a fazer um upgrade no manequim de mulheres descontentes com sua
aparência. Atualmente, a única novela em exibição no SBT é Revelação, que por pouco
também não foi estocada. Inteiramente gravada, mostra que a emissora ainda tem um
longuíssimo caminho a percorrer no ramo da teledramaturgia. Mesmo sem cartas na manga,
Silvio Santos e seu SBT sobrevivem como podem. Frente ao recente sucesso de Pantanal,
outro produto requentado está por vir. Trata-se de A História de Ana Raio e Zé Trovão, que
deve ocupar o prime time da emissora quando re-exibida. Os executivos do SBT torcem por
isso, e seguindo à risca a receita do homem do baú, esperam ansiosamente para recuperar os
anunciantes da antecessora pantaneira. De preferência com investimentos pífios em produção.
133
Apêndice 5. O país das telenovelas235
2008 foi um ano fértil para os investimentos em teledramaturgia no Brasil. Com
exceção da Rede TV!, as demais emissoras de televisão aberta apostaram na produção de
novelas e minisséries para elevar seus índices de audiência. No entanto, nem todos os
resultados foram positivos. Mesmo desencorajada pelos baixos índices de Dance, Dance,
Dance, a Band levou ao ar a novela Água na Boca. No entanto, a produção não cativou nem
mesmo o telespectador que tentava fugir dos noticiosos Jornal Nacional e Jornal da Record.
Frente a um roteiro pífio e desestruturado, a emissora viu seu investimento cair por terra:
Água na Boca estacionou nos dois pontos de audiência. Com tal resultado, o setor de
teledramaturgia foi desativado e a nova ordem é investir em produtos cômicos.
Além da versão brasileira do CQC, desde a segunda metade de dezembro vai ao ar o
também humorístico Uma Escolinha Muito Louca, atual carro-chefe da programação. Apesar
de resgatar uma nova safra de humoristas brasileiros, o programa realmente deslancha quando
entra em cena a lingüista portuguesa Elvira, personagem interpretada pela atriz Pâmela Côto.
A atuação de Sidney Magal é outro ponto forte da atração, fazendo jus ao personagem criado
por Chico Anysio, no início dos anos 90.
A Record, que estreou a segunda temporada de Os Mutantes no mesmo dia do
primeiro capítulo de A Favorita, fez a trama da Globo amargar a pior audiência de uma
novela das oito em dez anos. No entanto, a emissora da Igreja Universal pecou em escalar Os
Mutantes para o horário. Com diálogos estapafúrdios e efeitos especiais ao melhor estilo
kitsch, em Porto Alegre a trama teve seu horário alterado com o de Chamas da Vida,
produção estelar da casa. Mas não foram apenas os gaúchos que deixaram de prestigiar a
produção: estagnada nos 10 pontos de audiência – bem distante do pico de 22 da primeira
temporada –, a saga dos indivíduos atormentados por uma alteração genética passou
despercebida.
O SBT, por sua vez, tenta reorganizar sua teledramaturgia, chorosa desde 2002,
quando Silvio Santos apostou em roteiros mexicanos já produzidos pela Televisa. Revelação,
apesar de não se tratar de uma superprodução, muito menos contar com atores consagrados
em seu casting, vem se mostrando uma produção acertada, com bons índices de audiência
para o avançado horário noturno no qual é exibida. Para 2009, a volta do diretor Del Rangel à
emissora e a aquisição de 35 obras radiofônicas de Janete Clair apontam um bom caminho.
235 KALIKOSKE, Andres. O país das telenovelas. Observatório da Imprensa, São Paulo, 6 jan. 2009. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=519TVQ001>. Acesso em: 6 jan. 2009.
134
Dentre as novas produções, a minissérie Maysa – Quando Fala o Coração, da Globo,
resgata a intensa trajetória da cantora brasileira, curiosamente captada sob as lentes de seu
filho, o diretor Jayme Monjardim. Como de costume, o investimento deve se desdobrar em
um longa-metragem homônimo, mirando-se especificamente o mercado externo. A Record,
por sua vez, estréia a série policial A Lei e o Crime. Gravada em alta resolução (HDTV), a
primeira temporada contará com 16 capítulos ao melhor estilo Tropa de Elite: tráfico de
drogas, milícias, policiais corruptos, operações em morros e muitos tiros. Cada episódio
custará aos cofres da Record cerca de R$ 600 mil, valor três vezes maior do que o gasto em
um capítulo de suas telenovelas.
135
Apêndice 6. Telenovela em tempos de crise236
A crise econômica internacional parece ter atingido a atividade televisiva em sua
principal fonte de captação de recursos: o setor publicitário. Um contraste em relação a 2008,
ano fervilhante para a teledramaturgia brasileira, por exemplo. Os efeitos são visíveis: na
Europa, as principais emissoras – RTP, SIC e TVI – amenizaram seus orçamentos,
diminuindo a produção de teleficção e passando a investir em programas de menor custo,
como entretenimento e shows de realidade. O caso da RTP, uma TV estatal, é ainda mais
grave: apesar de em 2008 ter anunciado uma arrecadação de 51 milhões de euros em receitas,
sua dívida ultrapassa os 800 milhões.
No que diz respeito às vendas internacionais, a própria feira televisiva de Cannes, na
França, conhecida por ser o maior mercado europeu de negócios audiovisuais, apresentou em
sua última edição uma grande quantidade de formatos com custos pífios de realização,
sobretudo concursos de auditório. No âmbito latino-americano, salvo a Record – cujas cifras
provêm da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), sua mantenedora – as emissoras
também têm optado pela diminuição de prejuízos, através do barateamento da produção ou a
própria redifusão de programas, os chamados produtos de estoque.
Nestes tempos, para as organizações cujo principal produto é a teledramaturgia –
especialmente as redes brasileiras, argentinas e mexicanas –, o mínimo risco de perder
audiência pode representar um enorme prejuízo. Caminho das Índias, da Globo, é um
exemplo de telenovela que não veio para inovar, uma vez que grande parte de sua narrativa já
foi explorada em outras tramas de sua autora, Glória Perez. O enredo mais parece uma versão
hindu de O Clone, reproduzindo fielmente seus elementos – como a pastelaria dos indianos,
que muito se parece ao bar de Dona Jura; ou os desencontros de Maya e Bahuan, que também
remetem aos intermináveis vaivens de Jade (Giovanna Antonelli) e Lucas (Murilo Benício).
Temáticas da novela América também foram reaproveitadas, como o núcleo da
religiosa Creuza (Juliana Paes), uma falsa moralista que adorava seduzir os homens. Enredo
parecido se vê atualmente em Caminho das Índias com a impetuosa Norminha, que, mesmo
com a excelente atuação de Dira Paes, ainda se trata de uma personagem requentada. No
decorrer dos capítulos, outra pedra no sapato de Glória Perez foi o protagonista Bahuan. O
ator Márcio Garcia, seu intérprete, sofreu rejeição por parte do telespectador e desde então
tem aparecido menos que os demais personagens, ficando até dois capítulos fora do ar. Como
236 KALIKOSKE, Andres. Telenovela em tempos de crise. Observatório da Imprensa, São Paulo, 28 abr. 2009. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=535TVQ002>. Acesso em: 28 abr. 2009.
136
a reviravolta do personagem pode representar riscos, seu novo norte será, nas palavras da
autora, um homem "duro, implacável, que se deixa levar e dominar pelas exigências dos
sentidos e pelas ambições materiais".
Na Argentina, de modo geral, as emissoras aumentaram a quantidade de produtos
reprisados. Tal corte de custos evidencia-se especialmente na programação da Telefé, a
principal rede do país. A tradicional novela do prime time foi amputada da programação, em
uma clara demonstração de que o mercado publicitário portenho não está disposto a viabilizar
custos elevados. Em seu lugar entrou o programa Justo a Tiempo, típico game-show de
perguntas e respostas. Exibida seqüencialmente, a ficcional Los Exitosos Pells teve seu final
prolongado. A estratégia é capitalizar a emissora, frente ao possível fracasso de sua sucessora
– outra novela, ainda em fase de produção.
A série nacional Casados con Hijos é veiculada em dois horários (ao meio-dia e às 14
horas), seguida pelas novelas Doña Bárbara, importada do México, e Amor en Custódia, que
é nacional, porém outra reprise. A faixa das 17 horas, tradicionalmente dedicada às novelas
infanto-juvenis da Cris Morena Group, até poucos dias atrás exibia filmes, majoritariamente
norte-americanos, além do desenho animado Los Simpsons. No entanto, há uma semana
passou a veicular a terceira temporada de Casi Ángeles, uma espécie de Chiquititas
remodelada.
No vice-líder Canal 13, que é ligado ao grupo Clarín, a redifusão de produtos é em
menor medida, mas em fortes doses: a novela Floricienta, produzida originalmente em 2005,
tem início às 17 horas, terminando somente quando a Telefé encerra Casi Ángeles, por volta
das 20 horas. Nas demais emissoras, a sobrevida do mercado publicitário é ainda mais
evidente: Xica da Silva, produção brasileira de 1997, da hoje extinta TV Manchete, ocupa o
principal horário do Canal 9, sendo que a emissora ainda reprisa as também brasileiras O Rei
do Gado e Sinhá Moça.
Justamente a empresária Maria Cristina de Giacomi, à frente da empresa Cris Morena
Group, foi quem se deu melhor em remotos tempos de crise da TV argentina. Sua produtora
de conteúdo surgiu em meio ao colapso de 2002, no ápice da desvalorização do peso
argentino – que chegou a 70%, provocando uma forte fuga de anunciantes. O know-how de
Morena (que é ex-cônjuge de Gustavo Yankelevich, diretor de programação da Telefé por
mais de dez anos) colaborou suntuosamente para eliminar possíveis desacertos em suas
realizações, avançando nas questões relevantes para concepção de um produto televisivo.
Hoje, oito anos depois, Morena ainda colhe frutos.
Com a redução de anunciantes, as emissoras do país novamente buscam a
137
terceirização, apostando em produtos independentes – e, de longe, mais baratos – para
alavancar sua audiência. É a chamada plataforma horizontal, ou seja, quando um canal de TV
se limita à exibição do produto, não participando de sua produção. Algo comum em diversos
países, mas ainda pouco praticado por emissoras latino-americanas.
No México, principal atingido pela crise econômica de 2008, o tradicional intervalo de
seis minutos do Canal de las Estrellas (emissora do conglomerado Televisa) foi substituído
por inserções de três minutos, sendo que nesse tempo ainda são veiculados dois institucionais
do próprio grupo. A empresa não obteve lucro no quarto semestre de 2008, embora tivesse
registrado ganhos de 206 milhões de dólares no mesmo período de 2007. Com a
desvalorização do peso mexicano, as dívidas negociadas em moeda norte-americana se
tornaram onerosas. Em uma clara tentativa de suavizar seu prejuízo, a Televisa tenta ganhar
mercado em países que, até então, não faziam parte de sua estratégia de expansão. É o caso de
recentes contratos firmados com canais da China e França.
Um investimento errôneo também está pesando nos ombros do grupo mexicano. Após
perder judicialmente ações do canal Univisión, sua subsidiária nos Estados Unidos, em uma
batalha judicial que se estendeu durante anos, adotou a estratégia de gerar receita a partir dos
inúmeros roteiros de telenovelas que estão em seu acervo. Mas apesar de ser um bom negócio,
a comercialização de um roteiro não é mais vantajosa do que a venda de uma novela integral
(dublada e finalizada, pronta para ser exibida). Isto porque, no primeiro caso, há a necessidade
da regravação, com remuneração de autores, adaptadores e, muitas vezes, até empresas
distribuidoras para intermediarem a negociação.
Neste difícil momento para a telenovela latino-americana, a ordem é diminuir
possíveis riscos. Em outras palavras, abolir experimentações e novos formatos. O Brasil,
apesar do atual reaproveitamento de temáticas e produtos de estoque, mantém-se
continuamente na produção de telenovelas, tendo os altos investimentos da Record como
exceção. A TV argentina se salva por ser a maior fonte de sustentação de teleficção da
América Latina, através de seus scripts concebidos no idioma espanhol. E quanto às novelas
mexicanas, o desafio será comover os anunciantes do país até que a crise seja amortizada.
Para a Televisa, especialista em lágrimas e falta de inovação, isso não será tarefa difícil.
138
Apêndice 7. Telenovela: inovação e competitividade no mercado brasileiro237
A teledramaturgia brasileira tem sido submetida a uma constante experimentação, que
sucessivamente vincula-se ao desenvolvimento tecnológico, incorporado, de uma forma ou de
outra, em todos os produtos da TV. Portanto, se os modernos equipamentos são os
responsáveis por acionar as novas possibilidades e soluções do fazer teleficção, cabe à
expertise de cada emissora e ao conjunto de elos da indústria (com sua capacidade de agregar
novas fórmulas ao processo, através de erros e acertos recorrentes) responder pela dinâmica
inovativa. O fato é que, ao investir em inovação, a empresa televisiva deve ser tolerante,
flexível e perseverante, criando contextos adequados, no âmbito de sua programação, para a
midiatização destes novos produtos.
Diversos modelos têm sido testados desde metade dos anos 90 do século XX, quando
se abre a Fase da Multiplicidade da Oferta da televisão brasileira, com maior disputa entre os
agentes, requerendo maior agilidade estratégica, por parte dos operadores. Frente a isso, na
área da teledramaturgia, há a introdução especialmente dos formatos argentinos, além dos já
tradicionais mexicanos; mas uma inovação efetiva, a ponto de reinventar o processo de
realização dos produtos, só é obtida em raríssimos casos. Entende-se que, na qualidade de
organizações comerciais preocupadas com resultados de curto prazo, os veículos de TV aberta
resistam à experimentação em seu conteúdo, sendo que, no Brasil – e podendo-se estender
esta análise também ao cenário latino-americano –, nem mesmo os canais públicos se
arriscam em tal inovação. Ao contrário, alocam-se numa posição estacionária, reproduzindo
(com enormes dificuldades e resultados pífios) modelos já instaurados pelas redes comerciais.
Na visão do austríaco Joseph Schumpeter (1883-1950), um dos mais importantes
economistas do século XX, a inovação ocorre não somente com a introdução de novos meios
produtivos, mas também a partir do lançamento de diferentes produtos e serviços, tal como,
no mercado televisivo, formas alternativas de organização, fontes diferenciadas de produção
de conteúdos e estratégias que contemplem os chamados nichos de mercado, a fim de atingir
públicos específicos. Sua tese surgiu na década de 40, ainda que voltada exclusivamente ao
mundo empresarial não-cultural; mas, uma vez que seja assumida por emissoras de TV, pode
significar a proposição de caminhos diversificados para a realização de teleprodutos. Na visão
schumpeteriana, esta prática é chamada de “destruição criadora”, ou seja, reinventar a partir
237 BRITTOS, Valério Cruz; KALIKOSKE, Andres. Telenovela: inovação e competitividade no mercado brasileiro. Observatório da Imprensa, São Paulo, 4 ago. 2009. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=549TVQ004>. Acesso em: 4 ago. 2009.
139
do que já existe. O legado de Schumpeter tem demonstrado que empresas inovadoras, que
correspondem às solicitações do mercado, têm sido promovidas; enquanto grupos sem
agilidade para acompanhar as mudanças são extintos.
Nesta direção, é fácil perceber que a verdadeira concorrência dá-se a partir das
emissoras que lançam novos produtos, ao mesmo tempo em que retiram do ar atrações de
formatos obsoletos. Recentemente, alguns exemplos neste âmbito foram testados: avanços de
conteúdo e estética, diga-se de passagem, mas que nem sempre resultam em rentabilidade
comercial para os canais. Após amargar falta de originalidade com o seriado nacional Força
Tarefa, a Globo lançou Som & Fúria, uma co-produção com a 02 Filmes. Sucesso de crítica e
fracasso de audiência, a história da companhia teatral que representa obras de William
Shakespeare expressa o típico produto que, por regra, é exibido apenas na televisão paga.
Declaradamente institucional e artisticamente interessante, Som & Fúria teve 85% de
suas cenas ambientadas em estúdio (ou no Teatro Municipal de São Paulo), e seu argumento,
versão do original canadense Slings and Arrows, foi uma grata surpresa até mesmo aos mais
pessimistas. Trata-se de um raro momento, onde a TV aberta brasileira pode ser utilizada
como um instrumento que ultrapassa os limites do mercadológico, levando a cultura universal
aos públicos mais distantes; enquanto que, simultaneamente, provoca no telespectador a
capacidade de abstração e reflexão ou simples fruição da arte, na sua mais alta acepção.
Mesmo com todas as críticas passíveis de serem feitas à Globo, esta é a emissora que tem
garantido os melhores momentos da televisão nacional. Por motivação mercadológica,
logicamente, já que se trata de uma empresa privada, na medida em que, mesmo sem ser êxito
comercial, tais produtos garantem pontos para a imagem da organização. Mas as demais
redes, que também estão no mercado, praticamente ignoram este tipo de projeto, deixando de
investir em reputação para apostar em iniciativas com expectativa de rentabilidade imediata.
Outro visível acerto da Globo é a microssérie destinada ao público adolescente
Geral.com, que lembra o formato do premiado seriado Confissões de Adolescente. Com
estética despojada e despretensiosa, levanta questões sobre a presença da tecnologia na vida
dos jovens. Em meio a muita música e alguma interação através da internet, a história verídica
da família Werneck – cujos irmãos e primos formam um grupo musical – é representada com
boas doses de ficção e realidade. Concebido como produto de TV, não chega a estabelecer
nexos entre as linguagens cinematográfica e televisiva (e nem se propõe a isso), mas seu
formato renovador sugere importantes avanços para os teleprodutos juvenis.
O SBT, vice-líder desde os anos 80 e que atualmente oscila entre segundo e terceiro
lugares, também tenta inovar. Ainda que timidamente e dentro de suas possibilidades atuais,
140
Vende-se um Véu de Noiva, seu carro-chefe nas novelas, recorre a belas imagens na tentativa
de ser uma alternativa ao denso texto de Poder Paralelo, da Record. Até o final da produção,
tomadas externas devem ocupar 75% dos capítulos, cada um orçado em R$ 180 mil. O diretor
Del Rangel, responsável por estes avanços, acertou ao apostar em uma fotografia sofisticada,
que se utiliza da técnica de adição de cores. Amplamente explorada pelo cinema, os habituais
tons amarelados agora abusam de saturação, alterando positivamente a textura da imagem. No
vídeo, o que o telespectador tem acompanhado são escaldantes tardes de sol ou um cintilante
tom azulado nas águas do mar. O áudio, em contrapartida, deixa a desejar: sua sonoridade
parece eco de caverna, atrapalhando o entendimento dos diálogos. Este é um ponto que deve
ser ajustado nas futuras produções da casa. Mesmo tratando-se de um produto diferenciado
(especialmente para o SBT), a audiência de Vende-se um Véu de Noiva não respondeu de
forma positiva, estacionando em parcos cinco pontos. Algo justificável, uma vez que o
histórico da emissora é alterar o horário de seus programas sem aviso prévio; também se soma
a isso a má reputação de oito anos co-produzindo telenovelas com a Televisa, a qual insistia
na adaptação de folhetins clássicos, oriundos das radionovelas latino-americanas.
Plenamente seguro de suas faculdades intelectuais, o estrategista Silvio Santos não
perdeu tempo: em seu programa dominical, solicitou que os telespectadores assistam à novela.
Um pedido estranhamente interessante, mas pouco curioso tratando-se do folclórico
empresário e apresentador. Em tom intimativo e hilariante, seu apelo sugere que o público
continue assistindo às telenovelas da concorrência, mas que também atente para a produção
do SBT (e até da Record), uma vez que, em sua visão, se a teledramaturgia de outros canais
não for aceita, apenas a Globo seguirá no ramo das novelas. Colocação que não deixa de ser
plausível.
A Record, após investir alto em produtos diferenciados que passaram despercebidos,
como a telenovela Metamorphoses – cujo primeiro capítulo foi exibido excepcionalmente
num domingo e a narrativa abusou de longos planos-seqüência – e a série nacional
Avassaladoras, parece conduzir com precaução suas novas empreitadas no ramo da
teledramaturgia. Seguindo fielmente o padrão tecno-estético da Globo, tanto nos feitos
artísticos quanto técnicos, agora une-se ao conglomerado mexicano Televisa, através de joint
venture, a fim de lançar, nesta terça (04/08/2009), Bela, a Feia, sua nova novela das 20h30.
Trata-se de uma versão nacional, derivada do texto mexicano La Fea Mas Bella e já veiculada
pelo SBT, em 2006. Este roteiro, por sua vez, baseou-se num original colombiano de grande
repercussão mundial: Yo Soy Betty, la Fea, exibida duas vezes no Brasil (de 2002 a 2003 e de
2004 a 2006) pela RedeTV!, sob o título de Betty, a Feia. O maior desafio para o êxito da
141
novela, cujos capítulos estão orçados em R$ 300 mil cada um, caberá a Gisele Joras,
responsável pela adaptação brasileira. A novelista terá que mostrar toda sua versatilidade,
atraindo o telespectador para uma história trivial e com desfecho previsível, cuja versão norte-
americana, Ugly Betty, também está no ar na televisão brasileira, pelo SBT e canal Sony.
142
Apêndice 8. Telenovela na Fase da Multiplicidade da Oferta238
50 anos após seu surgimento na América Latina, a telenovela reforçou a abordagem de
temas da vida pública e privada, conquistou visibilidade como produto artístico-cultural e teve
papel fundamental no fortalecimento dos oligopólios de comunicação. O Brasil, exímio
exportador de ficção seriada, têm nas novelas da Globo um produto significativo
comercialmente e com forte apelo popular – ainda que, para diversos mercados potenciais, a
questão linguística estabeleça uma barreira preponderante.
O momento atual da televisão nacional, denominado Fase da Multiplicidade da
Oferta, caracteriza-se pelo aumento do número de canais, geradores de uma maior disputa
entre as emissoras e, por decorrência, da popularização das programações. Este período
também é marcado pela introdução de um conjunto de mudanças tecnológicas (que fazem
analogia ao próprio desenvolvimento do meio, que se deu com o advento do videoteipe, a
introdução da televisão em cores e a instauração do satélite), tendo o lançamento da TV por
assinatura e o investimento de agentes econômicos extra-mídia como principais
desencadeantes. Com isso, capitais de ramos industriais tradicionais e financeiros passam
cada vez mais a investir em negócios midiáticos, buscando preferencialmente resultados
rápidos, nem sempre concretizados.
Mais oferta
No Brasil, a amplitude desta oferta tem sido compensada pelo investimento em lugares
compensatórios, como novos negócios no âmbito externo – através do estabelecimento de
canais internacionais e incremento das exportações –, além de acordos com empresas de TV
por assinatura, cinema e internet. Frente a tal configuração, movimentos como a alteração na
estrutura produtiva do mercado televisivo, a inovação tecnológica e a neo-regulamentação
têm sido determinantes para o estabelecimento das estratégias de concorrência. Em suma, há
um redirecionamento das ações das redes para o segmento popular, elevando a oferta de
programas que resgatam a tragédia e a pobreza dos mais desassistidos, sob o manto da
prestação de serviços. O modelo destas produções, na maioria dos casos, apresenta baixo
orçamento (onde o custo mais alto é o salário do apresentador), resgata discussões apelativas
sobre sexo ou apresenta-se como uma opção retrógrada, proliferando folhetins
melodramáticos de fácil assimilação. Mas isso não altera substancialmente a estrutura do
mercado, que segue como oligopólio, embora não tão concentrado e com barreiras mais
238 BRITTOS, Valério Cruz; KALIKOSKE, Andres. Telenovela na Fase da Multiplicidade da Oferta. Observatório da Imprensa, São Paulo, 23 set. 2009. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=556TVQ001>. Acesso em: 28 set. 2009.
143
frágeis.
Menos conteúdo
O panorama atual da TV brasileira indica um setor atravessado pela produção diversa,
que, mesmo especializado em telenovelas, conquista cada vez mais audiência massiva através
de programas popularescos (especialmente nos horários matutino e vespertino). No entanto,
mesmo com a forte onda das associações transnacionais, o folhetim brasileiro acaba por
manter bons números, sendo exportando para mais de 100 países. Diante da forma como o
telespectador é utilizado – como ponte para atingir faturamento –, a programação televisiva se
molda aos propósitos publicitários e a regulamentação é decidida numa articulação vedada à
sociedade civil, inexistindo controle social sobre seu conteúdo ou combate efetivo à
concentração da propriedade. Dito de outra forma, seu desenvolvimento e expansão podem
ser resumidos à condição de mercado capitalista, onde os movimentos têm em vista a maior
rentabilidade possível dos atores.
No mercado internacional, os efeitos do aumento de número das horas na programação
também são visíveis. Na Europa, as emissoras portuguesas RTP, SIC e TVI amenizam seus
orçamentos, diminuindo a produção de teleficção e passando a investir em programas de
menor custo, como entretenimento e shows de realidade. O caso da RTP, uma TV pública
estatal, é ainda mais grave: apesar de em 2008 ter anunciado uma arrecadação de 51 milhões
de euros em receitas, sua dívida ultrapassa os 800 milhões. Na América Latina, de modo
geral, a crise de criatividade, sempre presente nas produções da Televisa, eleva este número: a
empresa não obteve lucro no quarto semestre de 2008, embora tivesse registrado ganhos de
206 milhões de dólares no mesmo período de 2007. Com a desvalorização do peso mexicano,
as dívidas negociadas em moeda norte-americana se tornaram onerosas. Em uma clara
tentativa de suavizar seu prejuízo, os executivos mexicanos agora tentam ganhar mercado em
países que, até então, não faziam parte de sua estratégia de expansão. É o caso de recentes
contratos firmados com canais da China e da França.
Sinergias, dinheiro e fé
Quanto à proliferação de exibidores, a telenovela segue sendo um negócio lucrativo:
sua audiência, além de movimentar o mercado publicitário, viabiliza ações de merchandising
e licenciamento de produtos derivados. Em um segundo momento, seu arranjo híbrido
possibilita diferentes modos de execução, como produção associada com realizadores
independentes, co-produção com organizações internacionais, pré-venda para países
estrangeiros e joint-ventures com pequenos grupos, não pertencentes ao rol dos agentes
midiáticos notórios. É importante ressaltar que a Fase da Multiplicidade da Oferta foi e
144
continua sendo um processo contínuo, alavancado especialmente a partir dos anos 90. Na
teledramaturgia, salvo exceções, há a forte tendência em abolir experimentações e novos
formatos. Os produtos Geral.com (destinado ao público juvenil e que mesclou os gêneros
ficcional e documental) e Som & Fúria são admiráveis exemplos singulares.
O Brasil, não obstante ao atual reaproveitamento de temáticas e produtos de estoque,
mantém-se continuamente na produção de telenovelas, tendo a Record como principal
exemplo de realizadora que se utiliza de um aporte financeiro extra-mídia. Seus altos
investimentos, abastecidos pelo caixa da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), são
recursos não tributados, entregues por fiéis a uma organização que utiliza doutrinas religiosas
ao seu favor, em um simplificado e constantemente midiatizado discurso, que prega uma
interpretação questionável da Teologia da Prosperidade.
145
Apêndice 9. Telejornalismo: reconfiguração e estratégia no mercado gaúcho239
Desde que a TV brasileira iniciou seu processo de expansão nacional, via sistema de
rede, com programação altamente concentrada no eixo Rio-São Paulo e poucas janelas para as
geradoras locais, o telejornalismo praticado por emissoras filiadas e afiliadas tem seguido
progressivamente um modelo editorial verticalizado, no qual as regras de conteúdo são
concebidas pelo exibidor nacional. Esta constatação, contudo, não elimina a possibilidade de
alguma experimentação, sobretudo nos produtos oferecidos em faixas mais populares.
No Rio Grande do Sul, o mercado televisivo vem se reconfigurando desde julho de
2007, quando o Grupo Record, pertencente ao empresário Edir Macedo, líder maior da Igreja
Universal do Reino de Deus (IURD), adquiriu quatro veículos do Sistema Guaíba–Correio do
Povo, em um valor estimado em R$ 100 milhões. Agonizante em seus últimos anos e
fortemente envolvida na comercialização de horários, a TV Guaíba limitava-se a exibir
atrações produzidas por terceiros, com escasso impacto junto ao telespectador.
O negócio, aparentemente vantajoso e único para a Record, amargou baixa audiência
em seus primeiros anos, principalmente no período inicial de transição, onde a falta de
costume dos gaúchos em sintonizar o dígito pertencente à Guaíba foi uma forte barreira. No
entanto, dois anos após o início de suas atividades, a Record RS consolidou-se, desenhando,
em termos de audiência, um cenário muito similar ao panorama de sua rede nacional – onde
também atinge notoriedade e abala o tradicional vice-líder, através do direcionamento de seus
investimentos notadamente aos setores de telejornalismo e teledramaturgia, em uma estratégia
que prioriza o prime time (horário nobre).
Acerto estratégico
A penetração da Record RS junto aos gaúchos ocorreu especialmente a partir da
chegada do jornalista paulista Alexandre Mota, colocado pela direção nacional
estrategicamente à frente do Balanço Geral. Apesar de já ter contado com outros
apresentadores desde sua estréia, quando assumido por Mota, a partir de fevereiro de 2008, o
programa acaba por alavancar a audiência do horário (12h40 às 14h40), com reportagens
populares fortemente direcionadas às classes C e D, e que também abrangem a região
metropolitana de Porto Alegre, muitas vezes ignorada pelos demais telejornais.
No dia 22 de setembro último, por exemplo, o Balanço Geral obteve uma média de
239 BRITTOS, Valério Cruz; KALIKOSKE, Andres. Telejornalismo: reconfiguração e estratégia no mercado gaúcho. Observatório da Imprensa, São Paulo, 7 nov. 2009. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=558TVQ001>. Acesso em: 8 nov. 2009.
146
audiência de 12.5, enquanto a RBS TV ficou com 16.8 e o SBT com apenas 1.3, em quarto
lugar, atrás também da Ulbra TV (1.4). Nesse mesmo dia, o Balanço garantiu à Record um
pico de 15.4, às 13:35, horário em que a RBS TV não passou de 14.5 pontos. Os números são
ótimos para a Record, conhecendo-se a tradicional e marcante liderança da RBS no Rio
Grande do Sul. Com isso, evidentemente que a Record RS, apesar de inicialmente mostrar-se
temerosa quanto à popularização, acabou por convencer-se do acerto estratégico de aderir à
formatação nacional do programa, já praticada com sucesso em outras praças, como no Rio de
Janeiro, onde Wagner Montes é o apresentador, e na Bahia, estado em que a atração é
comandada por Raimundo Varela.
Reviravolta no SBT RS
No cerne dos prejudicados está o SBT RS, que, até o momento, contava com audiência
oscilante entre 15 e 20 pontos, consolidada pelo noticioso SBT Rio Grande, da experiente
Cristiane Finger. No ar há nove anos, o produto marcou a retomada da programação local do
canal no estado e acumulou, ao longo de sua trajetória, diversos prêmios de jornalismo na
categoria televisão. Concebido a partir de um projeto nacional do SBT, tinha os objetivos de
reforçar a presença local do canal de Silvio Santos e ser gerador de conteúdo para os
telejornais nacionais da rede.
Todavia, abalado pela crescente audiência do Balanço Geral, e com forte tendência ao
popularesco, o SBT Rio Grande foi se desintegrando aos poucos. Adepta ao bom jornalismo,
Cristiane Finger (que também é doutora em Comunicação e professora da PUCRS) descartou
a possibilidade de popularizar seu telejornal, por não concordar com a linha editorial exigida
pela rede. Afastou-se por opção, sendo substituída por um repórter que não contava com o
mesmo carisma, além de não ter tanta notabilidade no vídeo. Diante disso, o SBT Rio Grande
esfacelou-se, logo sendo transformado em edições extras de três minutos, transmitidas ao
longo da programação. A rápida ascensão de Alexandre Mota chamou a atenção de Silvio
Santos, gerando até mesmo um convite para que o jornalista substituísse Ratinho em rede
nacional. Frente à recusa de Mota (afinal, nunca se sabe quantos dias alguém ficará no ar no
SBT, ante a instabilidade estratégica de seu proprietário), optou-se por investir em um
programa que captasse o crescente público do Balanço Geral.
Popularesco e experimental
Concebido às pressas para frear a audiência da Record RS, o Repórter Coragem,
comandado pelo também paulista Herbert de Souza, logo se transformou em um grande
fiasco. Policial e sensacionalista, o programa tentou ser uma espécie de versão gaúcha do
decano Aqui Agora (o mesmo que tinha o boxeador Adilson Maguila como comentarista
147
econômico), porém com pífios investimentos em produção.
Encorajado pelo SBT nacional a chegar e falar o que pensa, Herbert notoriamente não
estava à vontade diante das câmeras. Com tom carregado e total carência de verossimilhança
na articulação de gírias locais, o jornalista caminhava abruptamente pelo pequeno cenário,
atrapalhando o foco e o enquadramento de câmera, e quase inaugurando negativamente um
novo preceito no telejornalismo local. Em redes sociais na internet, telespectadores criaram
comunidades pedindo a extração do programa. Diante disso, a estratégia do SBT RS, de
buscar um jornalismo popular capaz de atingir as classes menos favorecidas, foi
descontinuada, e o Repórter Coragem deixou de ser exibido sem aviso prévio.
Com o término do projeto, o SBT novamente apostou no SBT Rio Grande, no ar desde
a terça-feira (29/09). Com um cenário pouco chamativo, mas adequado aos padrões do SBT
gaúcho, o telejornal voltou sem novidades, mantendo sua mesma equipe de repórteres. O
retorno do jornalismo tradicional, defendido por Cristiane Finger, deve aumentar sua
audiência, porém, dificilmente fará frente ao Balanço Geral. Considerando-se que a região
Sul é um mercado potencial, que conta com recursos publicitários próprios, além de ser
importante para a acumulação da audiência nacional, resta saber qual será a próxima
experimentação do canal de Silvio Santos.
148
Apêndice 10. Cultura, televisão e mídias transversais240
A televisão brasileira é hoje uma das maiores indústrias audiovisuais do mundo,
graças, em grande parte, ao gigantismo do mercado consumidor nacional e ao amplo
reconhecimento internacional do país (ou da Globo, em específico) como produtor de
telenovelas. Embora as emissoras abertas estejam perdendo espaço relativo no mercado
interno, nesta Fase da Multiplicidade da Oferta elas têm procurado lugares compensatórios,
através de novos negócios, como geração de sinais internacionais e incremento nas
exportações, que agora buscam contemplar acordos com mercados anteriormente não visados.
Além disso, soma-se o forte investimento em mídias transversais no plano interno (TV
por assinatura, cinema, internet, entre outras), como forma de buscar reverter a perda de
espaço da transmissão televisual hertziana para outros meios de comunicação e demais opções
de entretenimento. No entanto, a diversificação de plataformas atrela-se à limitação da
inovação, tanto do ponto de vista da linguagem, quanto das novas modalidades de produção.
O instrumental tecnológico opera como difusor mundial de idéias, projetos, modos de
vida e modelos de organização econômico-social. Em simultâneo, o consumidor de produtos
culturais – por relacionar-se cumulativamente com meios tradicionais e interagir com outros
dispositivos, efetivados pelas novas mídias, expressões da reordenação capitalista – em dados
momentos assume uma postura mais madura, reagindo de diversas formas às propostas das
indústrias de informação e entretenimento, de modo geral dentro de um limite prévio,
reproduzindo a própria ideologia da oferta.
Prazer conhecido
Considerando os produtos culturais num contexto mundial, hoje circula um conjunto
de bens simbólicos que conforma uma cultura global, remetendo a referentes culturais comuns
aos consumidores da maioria dos países. No mercado televisivo, tal constatação é facilmente
identificada nas telenovelas, mas não só, uma vez que, com o advento da internet, formatos
até então locais projetaram-se na esfera internacional, sendo posteriormente incorporados por
realizadores globais. Através de movimentos compensatórios heterogêneos, estrategicamente
empregados, para que haja o mínimo necessário de identificação por parte da audiência, estas
produções acabam agregando elementos de reconhecimento local, o que constitui a chamada
particularização, mas com forte presença do global, numa permanente construção do
audiovisual transnacional.
240 BRITTOS, Valério Cruz; KALIKOSKE, Andres. Cultura, televisão e mídias transversais. Observatório da Imprensa, São Paulo, 17 nov. 2009. Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=564TVQ002>. Acesso em: 30 dez. 2009.
149
Verifica-se, então, que nem mesmo a internet foi capaz de fazer com que os
conglomerados de comunicação reformatassem seus modelos de produção, limitando-se a
oferecer em suas plataformas informáticas o prazer conhecido, o chamado mais do mesmo,
até porque a audiência de TV aberta tem reagido com estranhamento frente à experimentação
audiovisual, na maioria das vezes. O procedimento internético, talvez o mais enaltecedor
caminho para a possibilidade de alguma inovação, esbarra na tendência de reprodução do
modo de produção televisiva e na dificuldade de captar o investimento publicitário necessário.
Medição de audiência
Ainda que reconhecidos institutos de pesquisa apresentem técnicas satisfatórias de
medição da audiência – com diagnóstico em tempo real e análises que compreendam a
internet como responsável pela diminuição do rating televisivo –, o desenvolvimento de um
método que congregue o grau de ascendência de bens simbólicos em mídias e redes
transversais torna-se necessário. Para citar apenas um exemplo, usuários do Orkut geram
anualmente uma infinita gama de comunidades dedicadas ao seguimento de produtos
televisivos. Quanto a seguir uma lógica de clube, a rede social (que teve os norte-americanos
como alvo inicial, mas que acabou por registrar maior adesão entre brasileiros e indianos)
serve também para dar sobrevida a programas televisivos antigos.
Circular por estes espaços pode vir a ser uma interessante observação de como a
teledramaturgia, em específico, permanece no imaginário popular: a novela mexicana
Carrossel, exibida originalmente no Brasil em 1991, conta com mais de 165 mil membros em
sua comunidade; já a telenovela brasileira A Viagem (em menor medida) também apresenta
boa adesão, com cerca de 18 mil filiados, posicionando-se como um dos produtos de estoque
da Globo com maior destaque.
Por outro lado, muitos programas parecem ter mais notoriedade nas páginas do Orkut
do que na própria televisão. A novela venezuelana Isa TKM, em exibição pela Band, não
dispõe de grande audiência na TV brasileira (com a ressalva que seus índices de quatro pontos
são expressivos para a atual configuração da emissora). Em contrapartida, suas três
comunidades mais notórias no Orkut somam 170 mil usuários. Entre os canais hertzianos, a
comunidade dedicada à Record é a que mais comporta membros, ultrapassando 700 mil;
sendo seguida pela Globo, que registra 392 mil, e pelo SBT, com 200 mil ingressos. Apesar
de se distanciarem de procedimentos tradicionais, tais coeficientes devem ser levados em
conta, uma vez que dizem respeito à reputação dos veículos, pelo menos entre os usuários das
redes sociais.
A ideologia do capital
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Não obstante esta verificação precise ser legitimada, especialmente pelo mercado
publicitário, caminha-se para o entendimento de que a audiência televisiva não se apresenta
como único modo de medição de público e êxito de uma operadora de TV. Atendendo aos
interesses das indústrias culturais, a difusão de espaços virtuais estimulantes de relações
midiáticas muito fortes insere-se na lógica do próprio capitalismo, uma vez que seus
resultados são absorvidos e propagados por seus produtores.
Ao adotar o discurso da interatividade, a nova fase da novela Malhação, agora
rebatizada de Malhação ID, tem seu espaço no Twitter, sob responsabilidade do roteirista da
história, que dialoga com os usuários, antecipando acontecimentos e inserindo cenas inéditas.
A estratégia segue fiel à ideologia do capital, através da tentativa de marcar presença em
espaços muito utilizados por adolescentes (o principal alvo da novela), com inversão de novos
recursos proximamente de zero, ao utilizar-se de estruturas já existentes.
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Apêndice 11. Viver a Vida: a sobrevida da novela das nove241
Devido ao alto grau de sofisticação técnica e literária das produções da TV Globo, a
telenovela brasileira se tornou referência mundial ao longo de sua trajetória, entregando para a
emissora o posto de principal realizadora do gênero folhetinesco. Com sede no Rio de
Janeiro, a Central Globo de Produção (CGP) produz até seis novelas por ano, com
investimentos superiores a 150 mil dólares por capítulo de produto, que não raramente
atingem a marca dos 200 episódios. No entanto, a mesma organização que difundiu este bem
simbólico televisivo hoje amarga títulos fracassados em seu horário mais nobre, o das 9 da
noite, também responsável pelo funcionamento da engrenagem da emissora.
Problemas administrativos
Na telenovela brasileira tradicional, a multiplicidade de núcleos gerou espaço para os
mais diversos discursos e ideologias, que, não obstante, se traduziram em retrocesso, ou seja,
uma carência criativa bem diferente de seu passado, quando viveu o auge da originalidade
autoral. Desta forma, também se pode constatar que a falta de noveleiros com know-how no
mercado é hoje o principal obstáculo para o deslanche do gênero fora da Globo.
Mesmo ameaçada pelos investimentos da Record (e também pela contrapartida do
SBT), a emissora dos Marinho apostou no projeto de Viver a Vida, produto televisivo
marasmático, com núcleos sem apelo popular. Seu roteirista titular, Manoel Carlos (que,
curiosamente, já assinou uma minissérie com o mesmo nome, exibida em 1984 pela extinta
TV Manchete), apesar de uma interessante trajetória, nunca teve a renovação folhetinesca
entre suas características, recorrendo freqüentemente aos mesmos personagens que o
projetaram no passado.
São várias as dificuldades enfrentadas por Viver a Vida. Para uma produção do prime
time, a audiência desejável pela Globo seria de, em média, 45 pontos. Algo muito distante da
média de 30 pontos que a novela tem registrado. Os principais ingredientes das tramas de
Manoel Carlos (como o recorrente bairro carioca do Leblon) já não são suficientes para
prender a audiência.
Problemas administrativos, como o atraso na entrega dos roteiros, também têm sido
registrados. Como conseqüência do tempo insuficiente para o estudo do texto, o elenco grava
cenas sem o preparo ideal, dificultando a construção dos personagens e resultando, muitas
vezes, num contexto inverossímil, onde atores não apresentam a sincronia necessária para o
241 KALIKOSKE, Andres; SILVA, Éderson Pinheiro da. Cultura, televisão e mídias transversais. Observatório da Imprensa, São Paulo, 29 dez. 2009. Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=570TVQ002>. Acesso em: 30 dez. 2009.
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bom desenvolvimento da história. Logicamente, exceções podem ser apontadas: a bem
construída personagem de Lília Cabral e a estréia na Globo da atriz Bárbara Paz (enfim
perdoada por vencer um reality show do SBT e ter interpretado diversas Marias em novelas
mexicano-brasileiras) são alguns acertos.
Carência de conflitos
Com narrativa lenta, que conta com boas doses de imagens do Rio de Janeiro, a novela
parece estar sendo alongada capítulo após capítulo, sem ganchos e tramas que realmente
prendam o telespectador e o façam querer saber o que acontecerá no dia seguinte. No
desenrolar da história, a estratégia para resgatar a audiência foi transformar a protagonista
Helena (Taís Araújo) em uma heroína sofredora. Bem conhecido do público, o caricato
personagem de José Mayer não deixa muita opção ao ator. Já os papéis de Mateus Solano,
ainda que versátil na interpretação de gêmeos, seguem rumo previsível, dividindo nos
próximos capítulos o amor da mesma mulher.
Imersa no desgaste da narrativa de Manoel Carlos, o dia-a-dia dos personagens de
Viver a Vida é monótono, carecendo de um elo entre os demais núcleos da trama e a
protagonista. Devido ao baixo grau de conflito e ausência de cenas de ação – tratando de
temas como violência urbana, corrupção e outro leque de problemas sociais – o público se
afastou. Ainda que a perda de audiência seja um real problema nesta Fase da Multiplicidade
da Oferta da TV brasileira (e especialmente para a Globo, por deter a maior audiência), nos
próximos capítulos a Helena de Viver a Vida terá que derramar boas doses de lágrimas e se
desdobrar em mãe de todos para resgatar a atenção do público.