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Universidade de So Paulo Faculdade de Sade Pblica

A relao do sistema jurdico e do sistema poltico na garantia do direito social assistncia farmacutica: o caso do Estado de So Paulo

Silvia Badim Marques

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Sade Pblica para obteno do ttulo de Mestre em Sade Pblica. rea de Concentrao: Servios de Sade Pblica Orientadora: Profa. Titular Sueli Gandolfi Dallari

So Paulo 2005

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A relao do sistema jurdico e do sistema poltico na garantia do direito social assistncia farmacutica: o caso do Estado de So Paulo

Silvia Badim Marques

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Sade Pblica da Faculdade de Sade Pblica da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Mestre em Sade Pblica. rea de Concentrao: Servios de Sade Pblica Orientadora: Profa. Titular Sueli Gandolfi Dallari

So Paulo 2005

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Aos meus pais, Silvia e Ricardo. Ao meu companheiro Guilherme.

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AGRADECIMENTOS

Professora Sueli Dallari, minha orientadora neste trabalho, que merece toda a minha admirao acadmica. s minhas queridas amigas do CECOVISA USP: Ana Figueiredo, Ana Letcia Silva, Maria Cristina Marques, Rachelle Balbinot, Silvia Vignola, Lia Navarro e Fabiana Bertazzo, pelo apoio, pelo incentivo e pelo carinho cotidiano e verdadeiro. Aos Professores Fernando Lefvre e Ana Maria Cavalcanti Lefvre, pela importante ajuda metodolgica na anlise dos dados desta pesquisa e pela disposio e presteza com que me ouviram e me ensinaram. Ao amigo Filipe Cleodon, pela pronta e firme ajuda na coleta do material de campo desta pesquisa e pelas tantas horas em que me escutou discursar sobre este trabalho. amiga Eliane Arajo, pela ajuda de todas as horas. Aos amigos Sandra Cordeiro Molina, Daniela Schoeps, Marcelo Burgos, Juliana Crelier, Luciana Baptista e minha irm Thais Badim, por dividirem comigo as angstias, dvidas e alegrias que me acompanharam durante esta trajetria. amiga Itana Stiubiener, primeira incentivadora deste trabalho. E ao apoio financeiro do CECOVISA USP, que propiciou que este trabalho fosse realizado.

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NDICE 1. INTRODUO..........................................................................................................01 2. OBJETIVOS...............................................................................................................13 2.1. Objetivo geral...................................................................................................13 2.2. Objetivos especficos........................................................................................13 3. METODOLOGIA.......................................................................................................14 3.1. Da pesquisa de campo: os processos judiciais analisados................................14 3.2. Da metodologia aplicada: o Discurso do Sujeito Coletivo...............................15 4. RESULTADOS...........................................................................................................24 4.1. Caracterizao dos autores...............................................................................24 4.1.1. Quanto representao em juzo................................................................24 4.1.2. Quanto espcie de autor...........................................................................25 4.1.3. Quanto s doenas de que padecem os autores..........................................26 4.1.4. Medicamentos e insumos pleiteados em juzo...........................................26 4.1.5. Quanto espcie de ao interposta em juzo para pleitear o fornecimento do medicamento....................................................................................................34 4.1.6. Quanto ao Municpio em que reside o autor da ao.................................35 4.1.7. Quanto ao objeto da ao interposta em juzo............................................36 4.2. Do Discurso do Sujeito Coletivo dos autores...................................................37 4.2.1. Idias centrais dos discursos dos autores....................................................38 4.2.2. Discurso do Sujeito Coletivo relacionado a cada idia central dos autores...................................................................................................................39 4.3. Caracterizao dos rus....................................................................................45 4.4. Do Discurso do Sujeito Coletivo dos rus........................................................46 4.4.1. Das idias centrais dos discursos dos rus.................................................47 4.4.2. Do Discurso do Sujeito Coletivo dos rus..................................................48 4.5. Da caracterizao das sentenas.......................................................................60 4.5.1. Deciso dos juizes no que tange a concesso de medidas liminares..........61 4.5.2. Sentenas judiciais que julgam o pedido do autor, no que tange o fornecimento de medicamentos............................................................................62

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4.6. Do Discurso do Sujeito Coletivo dos juzes.....................................................63 4.6.1. Das idias centrais dos discursos dos juzes...............................................64 4.6.2.Do Discurso do Sujeito Coletivo dos juzes................................................65 5. DISCUSSO...............................................................................................................73 5.1. Positivismo jurdico: o purismo metodolgico.................................................73 5.2. Sistema jurdico e sistema poltico: as relaes inevitveis.............................82 5.3. O sistema jurdico e o sistema poltico na perspectiva da teoria dos sistemas autopoiticos de Niklas Luhmann...........................................................................86 5.3.1. Os sistemas autopoiticos: caractersticas..................................................87 5.3.2. O sistema jurdico e a funo do poder Judicirio......................................95 5.3.3. O sistema poltico.....................................................................................101 5.3.4. Acoplamento estrutural entre os sistemas jurdico e poltico...................106 5.3.5. Relao entre o sistema jurdico e sistema poltico na garantia dos direitos sociais: o problema da corrupo de cdigos e da judicializao da poltica................................................................................................................110 5.4. Judicializao da poltica de assistncia farmacutica no Estado de So Paulo......................................................................................................................123 5.5. Problema da formao dos profissionais de direito: o legado positivista......141 6. CONCLUSO...........................................................................................................147 Referncias Bibliogrficas...........................................................................................156 Bibliografia complementar....................................................................................160 ANEXOS.......................................................................................................................162

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Lista de figuras

Figura 1. Representao do autor em juzo......................................................................24 Figura 2. Espcie de autor................................................................................................25 Figura 3. Doenas de que padecem os autores.................................................................26 Figura 4. Espcie de ao interposta pelo autor...............................................................35 Figura 5. Municpio em que reside o autor da ao.........................................................36 Figura 6. Incidncia das idias centrais relativas aos pedidos dos autores......................37 Figura 7. Incidncia das idias centrais dos autores.........................................................39 Figura 8. Caracterizao dos rus.....................................................................................46 Figura 9. Incidncia das idias centrais dos rus..............................................................48 Figura 10. Deciso judicial relativa concesso ou no de medida liminar....................61 Figura 11. Sentenas judiciais que julgam o pedido do autor..........................................62 Figura 12. Incidncia das idias centrais dos juzes.........................................................65

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Lista de tabelas Tabela 1. Caracterizao dos medicamentos e insumos pleiteados pelos autores...........27 Tabela 2. Idias contidas nos pedidos dos autores...........................................................36 Tabela 3. Idias centrais dos discursos dos autores..........................................................38 Tabela 4. Idias centrais dos discursos dos rus...............................................................47 Tabela 5. Idias centrais dos discursos dos juzes............................................................64

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1. INTRODUO A Constituio Federal brasileira de 1988, influenciada pela abertura democrtica e pela necessidade de se prover igualdade social para os cidados brasileiros, direciona a atuao do Estado brasileiro para a consecuo do bem-estar social e da plena cidadania. Segundo SILVA56, a Constituio Federal de 1988 conhecida como Constituio Cidad, porque teve ampla participao popular em sua elaborao e especialmente porque se volta decididamente para a plena realizao da cidadania (p. 92). E, neste sentido, institui, pela primeira vez em nosso ordenamento jurdico, determinados direitos sociais, pertencentes a toda a coletividade brasileira, como o direito sade, educao e habitao, direcionando a atuao do Estado para garantlos, atravs da implementao de polticas pblicas. A positivao desses direitos e o direcionamento da atuao do Estado para garant-los, revelam-se necessrios para prover aos cidados brasileiros efetiva igualdade social e condies dignas de sobrevivncia. E, portanto, para que os cidados brasileiros possam efetivamente gozar de seus direitos de liberdade e individualidade, participando da sociedade em igualdade de condies e oportunidades. Ainda segundo SILVA56, os direitos sociais so prestaes positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condies de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualizao de situaes sociais desiguais. So, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como gozo dos direitos individuais na medida em que criam condies materiais mais propcias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condio mais compatvel com o exerccio efetivo da liberdade (p. 289290). E, assim, positivados em nosso ordenamento jurdico, esses direitos ganham efetividade e a possibilidade de serem exercidos em juzo pelos cidados. Ou seja, passam a integrar

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o sistema jurdico brasileiro. E por se tratar de direitos que se referem ao elemento social, consecuo de justia social e distributiva, possuem peculiaridades que os diferem dos direitos individuais at ento tutelados por nosso sistema jurdico. Os direitos sociais dependem, para sua concretude, da elaborao e implementao de polticas pblicas pelo Estado. So direitos que dependem, necessariamente, da tomada de decises coletivas pelo sistema poltico, a serem formalizadas e implementadas atravs da elaborao de polticas pblicas e da prestao de servios pblicos. E, assim, vinculam ativamente o sistema poltico e o sistema jurdico para a sua garantia. A proteo dos direitos sociais, dessa forma, difere essencialmente da proteo dos direitos individuais, sob a qual se funda o sistema jurdico moderno e o prprio Estado de direito. Os direitos individuais no dependem de uma atuao positiva do Estado para serem implementados, ao contrrio, requerem a conteno do poder do Estado para o seu pleno exerccio, de forma que a atuao do Estado no interfira na vida da sociedade (a no ser para garantir como polcia - a segurana e a moralidade pblica) e, conseqentemente, no mbito das liberdades e interesses individuais que esses direitos tutelam. Os direitos sociais, por sua vez, dependem exatamente de uma atuao positiva do Estado para serem exercidos plenamente pelos cidados. Dependem da existncia de polticas pblicas e de servios pblicos, capazes de prover aos cidados condies sociais e econmicas mais eqitativas. Assim, dependem exatamente da interferncia do Estado para serem implementados de fato na sociedade. Como salienta KUNTZ33, em relao aos direitos sociais, corresponde, da parte do Estado, no s a responsabilidade pela ordem pblica e pela defesa da propriedade ou, no mximo, pelo bom funcionamento do mercado. O poder pblico concebido, neste quadro, como responsvel pela equalizao de oportunidades, pelo equilbrio do jogo de mercado, pela manuteno da prosperidade e pela administrao de uma rede social de segurana (p. 34).

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Assim, os direitos sociais demandam, para a sua garantia, uma outra relao entre o sistema jurdico e o sistema poltico, diferente da relao at ento estabelecida para a proteo dos direitos individuais. A proteo desses direitos requer uma atuao ativa tanto do sistema jurdico quanto do sistema poltico, de acordo com as funes exercidas por cada um desses sistemas na sociedade, cujas atuaes revelam-se fundamentais para a garantia dos direitos sociais. funo do sistema poltico a tomada de decises coletivamente vinculantes. E, assim, as decises globais voltadas para a implementao dos direitos sociais na vida da coletividade so de competncia do sistema poltico. Ao invs de se abster em face desses direitos, como em relao aos direitos individuais, o sistema poltico exerce exatamente um papel ativo para a sua garantia, atravs da elaborao e implementao de polticas pblicas e da prestao de servios pblicos. Como salienta LOPES36, os novos direitos sociais, espalhados pelo texto constitucional, diferem em natureza dos antigos direitos subjetivos. No se distinguem apenas por serem coletivos, mas por exigirem remdios distintos. Mais ainda, tm uma implicao poltica inovadora na medida em que permitem a discusso da justia geral e distributiva (p. 127). Os direitos sociais, dessa forma, institudos no ordenamento jurdico brasileiro pela Constituio Federal de 1988, trazem para o mbito de nosso sistema jurdico uma nova concepo de direitos, com implicaes para o funcionamento do sistema jurdico, do sistema poltico e para a relao entre os dois sistemas. Em relao ao direito social sade, tema que nos interessa para o desenvolvimento deste trabalho, o sistema jurdico e o sistema poltico possuem funes distintas e fundamentais para a sua garantia. Como esse direito depende, para a sua concretude, da elaborao de polticas pblicas e da prestao de um servio pblico de sade para toda a coletividade, depende, conseqentemente, de uma atuao positiva do Estado e do sistema poltico para a sua garantia.

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Dessa forma, examinaremos no presente trabalho como esses dois sistemas (jurdico e poltico) se relacionam na garantia efetiva do direito social sade, especificamente em relao ao direito social assistncia farmacutica no mbito do Estado de So Paulo. A Constituio Federal de 19889 assegurou a sade como um direito social em seu artigo 6, norteado pela definio estabelecida pela Organizao Mundial de Sade: um estado de completo bem-estar fsico, mental e social e no apenas a simples ausncia de doenas e outros danos. Nesse sentido, a sade inserida em nosso texto constitucional como um direito integral e universal de todos os cidados, que devem ter acesso no s s aes e servios destinados assistncia, como tambm preveno e promoo da sade. O artigo 194 da Constituio Federal9 insere a sade no sistema de seguridade social do pas. Os artigos 196 a 201 da Constituio Federal9, por sua vez, instituem uma estrutura poltica complexa e abrangente para o sistema de sade brasileiro, com a organizao de um Sistema nico de Sade (SUS) que integra a Unio, os Estados, os Municpios e o Distrito Federal, formando uma rede regionalizada e hierarquizada, com direo nica em cada esfera de Governo e participao da comunidade, destinada a garantir, de forma sistemtica, o direito sade de todos os cidados. Conforme COHN e ELIAS17, O atual texto constitucional institui a sade como direito de todos e dever do Estado enquanto acesso universal e igualitrio s aes e servios de promoo, proteo e recuperao da sade (art. 201). Institui ainda a participao, em carter complementar, das instituies privadas do setor no Sistema nico de Sade. Igualmente institui a descentralizao com direo nica em cada esfera de Governo, o atendimento integral com prioridade para as atividades preventivas sem prejuzo dos servios assistenciais, e a participao da comunidade (p. 50). Assim, o artigo 196 da Constituio Federal9 estabelece expressamente que a sade direito de todos e dever do Estado, garantido mediante polticas sociais e econmicas que visem a reduo do risco de doena e de outros agravos e ao acesso universal e

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igualitrio s aes e servios para a sua promoo, proteo e recuperao, sendo as aes e servios de sade considerados de relevncia pblica de acordo com o artigo 197 da Constituio Federal9 e, dessa forma, inseridos dentre as atribuies institucionais do Ministrio Pblico. Percebemos, portanto, que a prpria Constituio Federal estabelece que o direito sade um direito de todos, a ser garantido mediante polticas sociais e econmicas a serem elaboradas e implementadas pelo poder pblico. Assim, temos que a relao entre o sistema jurdico e o sistema poltico na garantia do direito social sade estabelecida em sede constitucional e determina, dessa forma, a organizao do Estado para a sua consecuo, vinculando atividades jurdicas e polticas. De acordo com CARVALHO e SANTOS14, o direito sade (artigos 6 e 196) dever estatal que gera para o indivduo direito subjetivo pblico, devendo o Estado colocar sua disposio servios que tenham por fim promover, proteger e recuperar a sua sade (p. 39). Dessa forma, todos os indivduos brasileiros, bem como os estrangeiros residentes no pas, tm direito a receber uma prestao positiva do Estado que tenha por fim assegurar a sua sade. Conclui-se que o Estado brasileiro, por misso constitucional, deve instituir polticas sociais e econmicas para garantir a integralidade e universalidade das aes e servios de sade populao, organizando e gerindo uma rede de servios articulada entre todos os entes da federao, destinada a garantir integralmente o direito sade dos cidados brasileiros. Temos, dessa forma, uma relao intrnseca e ativa entre o direito e a poltica para a garantia do direito social sade. O artigo 197 da Constituio Federal9 atribui ao Estado a misso de dispor, atravs de Lei, da regulamentao, fiscalizao e controle das aes e servios de sade. Para dar cumprimento a esse mandamento constitucional, foi promulgada a Lei Orgnica da Sade (LOS), de mbito nacional, composta pelas Leis 8.080 de 19 de setembro de 19907 e 8.142 de 28 de dezembro de 19908, as quais devem ser observadas pelos demais

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entes da federao (Estados, Municpios e Distrito Federal) ao elaborarem suas prprias normas, de acordo com as suas competncias constitucionais. A Lei Orgnica da Sade7,8, que normatiza amplamente o Sistema nico de Sade, define-o em seu artigo 4, caput, como o conjunto de aes e servios de sade, prestados por rgos e instituies pblicas federais, estaduais e municipais, da Administrao Direita e Indireta e das fundaes mantidas pelo Poder Pblico. Integram o Sistema tambm as instituies pblicas de controle de qualidade, pesquisa e produo de insumos, medicamentos, sangue e hemoderivados, e de equipamentos para a sade, e as instituies privadas que, de alguma forma, prestam servios de sade de forma complementar (pargrafos 1 e 2 do artigo 4). Destaca-se que o que delegado ao particular to somente a prestao de certas aes e servios de sade, as quais so, essencialmente, de carter pblico e assim sendo, o Estado deve acompanhar, fiscalizar e regular a atuao particular, nos mesmos moldes das demais aes e servios que integram o SUS. O artigo 6 da LOS7,8 inclui, em seu inciso I, a execuo de uma srie de aes no campo de atuao do SUS, dentre elas a de assistncia teraputica integral, inclusive farmacutica. O artigo 7 dessa Lei Orgnica7,8 estabelece que os servios pblicos e privados de sade que integram o SUS devem ser estruturados de acordo com as diretrizes do artigo 198 da Constituio Federal9, e elenca princpios que devem ser igualmente observados, dentre eles o de integralidade de assistncia, entendida como um conjunto articulado e contnuo das aes e servios preventivos e curativos, exigidos para cada caso em todos os nveis de complexidade do sistema. Assim, conclumos que o Estado deve garantir assistncia teraputica integral aos cidados brasileiros, na qual inclui-se a assistncia farmacutica, atravs da elaborao e implementao de polticas pblicas. E, dessa forma, o sistema jurdico e o sistema poltico participam ativamente na garantia do direito social assistncia farmacutica, parte integrante do direito sade.

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De acordo com GUERRA JNIOR e ACRCIO30, No processo de ateno sade, o medicamento constitui um insumo fundamental empregado para a preveno, o diagnstico ou o tratamento de enfermidades, o acesso a ele deve ser garantido de maneira universal. Assegurar a equidade de acesso aos medicamentos papel do Estado, considerando seu impacto na sade e tendo em vista a imperfeio do mercado de medicamentos, que impossibilita a obteno desses produtos pela populao de menor renda (p. 113). Assim, podemos concluir que a assistncia farmacutica insere-se dentre as atribuies do SUS e, portanto, deve ser provida pelo Estado atravs da elaborao de polticas pblicas e da prestao de servios pblicos, de forma integral e universal. Dessa forma, faz-se necessrio identificar quais as polticas elaboradas e implementadas pelo Estado em matria de medicamentos, atravs da tomada de decises coletivas, tendentes a garantir o direito social assistncia farmacutica. Com a promulgao da Constituio Federal de 1988 e com a instituio do SUS, foi necessrio modificar o antigo modelo que norteava a Assistncia Farmacutica no Brasil, centralizado em torno da Central de Medicamentos (CEME), no nvel federal, sem a participao dos Estados e dos Municpios. Foi publicada ento, pelo Ministro da Sade, a Poltica Nacional de Medicamentos (PNM), constante na Portaria 3.916 de 10.11.199843, como parte essencial da Poltica Nacional de Sade, desenvolvida a partir das orientaes da Organizao Mundial de Sade (OMS), sob trs eixos estruturais de ao governamental: Regulao Sanitria, Regulao Econmica e Assistncia Farmacutica (estando neste eixo o acesso, propriamente dito, ao medicamento). Essa poltica de medicamentos tem como propsito garantir a necessria segurana, eficcia e qualidade dos medicamentos, a promoo do uso racional e o acesso da populao queles considerados essenciais43. A Poltica Nacional de Medicamentos (PNM), dessa forma, estabelece as diretrizes e prioridades para as aes governamentais das trs esferas de Governo em matria de

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medicamentos e assistncia farmacutica, com a determinao dos meios para seu alcance, de modo a assegurar o acesso da populao a medicamentos seguros, eficazes e de qualidade, ao menor custo possvel43. A citada Poltica adota as seguintes diretrizes e prioridades para a atuao do Estado neste mbito: Adoo da Relao de Medicamentos Essenciais; Regulamentao Sanitria de Medicamentos; Reorientao da Assistncia Farmacutica, Promoo do Uso Racional de Medicamentos; Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico; Promoo da Produo de Medicamentos; Garantia da Segurana, Eficcia e Qualidade dos Medicamentos e Desenvolvimento e Capacitao de Recursos Humanos. Atendendo diretriz da Poltica Nacional de Medicamentos, foi adotada a Relao Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) pela Portaria GM n 507, de 27/04/9944, a qual objetiva ajustar as demandas s ofertas de medicamentos pelo SUS, atravs de um panorama epidemiolgico dos principais problemas de sade da populao e dos medicamentos essenciais ao tratamento desses problemas, os quais devem ser disponibilizados continuamente queles que deles necessitarem. De acordo com as prioridades da Poltica Nacional de Medicamentos, a RENAME deve ser revista periodicamente. E, para garantir que essa atualizao ocorra, o Ministrio da Sade, atravs da Portaria GM n 131/0145, constituiu a Comisso Tcnica e Multidisciplinar de Atualizao da Relao Nacional de Medicamentos Essenciais (COMARE), composta por algumas instituies e rgos que lidam com a questo dos medicamentos no Brasil, tais como o Ministrio da Sade, a Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (ANVISA), a Sociedade Brasileira de Vigilncia de Medicamentos (SOBRAVIME), entre outros. Nesse contexto, o Ministrio da Sade, em conformidade com a Poltica Nacional de Medicamentos e com a necessidade de promover o uso racional e seguro de medicamentos, criou os Protocolos Clnicos e Diretrizes Teraputicas (PCDT). Estes protocolos objetivam estabelecer claramente os critrios de diagnstico de cada doena,

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o tratamento preconizado com os medicamentos disponveis, as doses corretas, os mecanismos de controle, o acompanhamento e a verificao de resultados, e a racionalizao da prescrio e do fornecimento. Observando tica e tecnicamente a prescrio mdica, os PCDT tm, tambm, o objetivo de criar mecanismos para a garantia da prescrio segura e eficaz10 (CONASS, p. 55). Destaca-se que os Protocolos Clnicos e Diretrizes Teraputicas so elaborados com base em evidncias cientficas, incorporando-se ao movimento da chamada Medicina Baseada em Evidncias. E, assim, padronizam e monitoram os medicamentos ofertados para a populao de acordo com evidncias cientficas e, para tanto, contam com a parceria de instituies acadmicas em sua elaborao. Contam, tambm, com a participao do setor produtivo de frmacos e dos usurios dos servios pblicos de sade para serem elaborados. Esses Protocolos so formalizados atravs da edio de Portarias pelo Ministrio da Sade, as quais so submetidas consulta pblica antes de sua publicao oficial. E, assim, o SUS padroniza os medicamentos distribudos para a populao brasileira, implementando um modelo de ateno farmacutica que envolve os trs entes governamentais, sob a perspectiva de uma prescrio segura e eficaz de medicamentos. E, desta forma, racionaliza o atendimento aos cidados que necessitam de assistncia farmacutica, de modo a atender o maior nmero de pessoas possvel, dentro do oramento destinado ao setor sade. A Poltica Nacional de Medicamentos e os Protocolos Clnicos e Diretrizes Teraputicas, portanto, sintetizam a tomada de decises coletivas - por parte do Estado em matria de assistncia farmacutica e, assim, visam dar concretude ao direito social assistncia farmacutica. O Estado de So Paulo, embasado nas diretrizes constitucionais do SUS, na Norma Operacional Bsica NOB 01/9642 do Ministrio da Sade e na NOAS SUS n 01/200246, que apontam para a descentralizao, municipalizao e regionalizao dos

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servios de sade, com a atribuio, ao gestor municipal, da responsabilidade pela organizao das aes e servios de sade nos nveis primrio, secundrio e tercirio, adotou, no mbito de seu territrio, o Programa de Assistncia Farmacutica Bsica Dose Certa54, visando reforar e estimular a Assistncia Farmacutica nos Municpios do Estado. Este programa objetiva promover a regionalizao da assistncia farmacutica no mbito do Estado de So Paulo, de forma a garantir a seleo dos medicamentos essenciais pactuados, sua aquisio, distribuio, armazenamento e dispensao, tendo em vista que esses medicamentos so os que atendem aos principais agravos sade da populao. Dessa forma, percebemos que o poder Executivo do Estado brasileiro elaborou e implementou, atravs de diversos atos administrativos, uma poltica pblica de medicamentos, com base nas diretrizes contidas na Constituio Federal e na Lei Orgnica de Sade, para garantir de fato o direito social dos cidados assistncia farmacutica. E esta poltica envolve o estabelecimento de determinados critrios, devidamente justificados, para que os medicamentos sejam disponibilizados populao de forma segura e, tambm, de forma a atender o maior nmero de pessoas possvel, em face aos recursos pblicos que integram o oramento do setor sade. Como as prestaes pblicas em sade dependem de recursos pblicos e da capacidade do Estado para serem efetivadas, dependem, conseqentemente, do grau de desenvolvimento e de organizao do Estado, que se revelam fundamentais para que o direito assistncia farmacutica seja atendido de forma efetivamente integral e universal. Observamos em DALLARI e FORTES23, que a garantia de oferta de cuidados sade do mesmo nvel a todos que deles necessitam tambm responde exigncia da igualdade. claro que enquanto direito coletivo, a sade depende igualmente do estgio de desenvolvimento do Estado. Apenas o Estado que tiver o seu direito ao

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desenvolvimento reconhecido e assegurado poder garantir as mesmas medidas de proteo e iguais cuidados para a recuperao da sade de todo o povo (p. 190). Desta forma, temos que a poltica pblica implementada em matria de assistncia farmacutica visa racionalizar a prestao coletiva, de acordo com os recursos pblicos existentes e com a capacidade do Estado. E, assim, possui limitaes em relao ao espectro de necessidades teraputicas de toda a populao brasileira. Como as necessidades em sade e os custos em sade so volumosos, principalmente frente ao constante avano da tecnologia mdica e teraputica, e os recursos pblicos, por sua vez, so escassos, a poltica pblica de medicamentos introduz determinados critrios para racionalizar a prestao coletiva e, assim, fornecer populao determinados medicamentos e insumos teraputicos de forma segura e equnime, com base em seus principais problemas de sade. Neste sentido, essa poltica pblica no se revela capaz de atender, individualmente, todas as necessidades teraputicas dos cidados brasileiros. Ela elaborada com base na tomada de decises coletivas pelo sistema poltico, sob uma perspectiva coletiva e distributiva. E, dessa forma, adota critrios justificados de incluso e excluso de medicamentos dentre os medicamentos ofertados pelo SUS, para possibilitar o atendimento equnime ao maior nmero de pessoas possvel. E, assim, as polticas e servios pblicos em matria de assistncia farmacutica revelam-se fundamentais para a concretude do direito social assistncia farmacutica. Passaremos a analisar, dentro deste contexto, como o sistema jurdico vem garantindo o direito social assistncia farmacutica, atravs da prestao jurisdicional. Analisaremos, no presente trabalho, decises judiciais proferidas pelo sistema jurdico, relativas a garantia do direito social assistncia farmacutica, tendo em vista que esse direito depende, para a sua concretude, da elaborao e implementao das citadas polticas e servios pblicos de sade.

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No ser foco de nossa preocupao, neste trabalho, a anlise da eficcia destas polticas e servios pblicos. Nosso foco ser a anlise da relao entre o sistema jurdico e o sistema poltico na garantia do direito social assistncia farmacutica, partindo-se da anlise de decises judiciais neste mbito. Assim, analisaremos como o sistema jurdico vem se manifestando, quando provocado em juzo, a respeito da garantia do direito social assistncia farmacutica, que possui a peculiaridade de envolver a elaborao de polticas pblicas para a sua concretude. Para efetuarmos esta anlise, foi realizada uma pesquisa nas Varas da Fazenda Pblica do Poder Judicirio do Estado de So Paulo, com o intuito de obter xerocpias de processos que versam sobre o exerccio do direito assistncia farmacutica. Foram obtidas xerocpias de peties iniciais, de defesas e de sentenas proferidas em 1 grau pelos juzes dessas Varas da Fazenda Pblica, em processos que tm por objeto o fornecimento de medicamentos pelo Estado. O presente trabalho procurar compreender, de forma metodolgica, como os atores destes processos, ou seja, os autores, os rus e os juzes, sustentam e garantem o direito social assistncia farmacutica. E, por fim, procurar analisar de que forma as decises judiciais se informam (ou no) pelos elementos polticos constantes na poltica pblica de medicamentos, implementada para garantir este direito em escala coletiva, e quais as conseqncias jurdicas e polticas dessas decises judiciais.

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2. OBJETIVOS 2.1. Objetivo geral Partindo-se da anlise de decises judiciais proferidas em demandas que envolvem pedidos de fornecimento de medicamentos pelo Estado de So Paulo, este trabalho pretende analisar de que forma as decises judiciais se informam (ou no) pelos elementos polticos constantes na poltica pblica de medicamentos, destinada a garantir o direito social assistncia farmacutica. Alm disso, analisar a relao existente entre o sistema jurdico e o sistema poltico para a garantia deste direito social, bem como as conseqncias jurdicas e polticas das decises judiciais analisadas. 2.2. Objetivos especficos a) Identificar como o direito assistncia farmacutica sustentado em juzo pelos cidados que interpem a demanda judicial para obter um determinado medicamento do Estado; b) Caracterizar os autores dessas aes, ou seja, os cidados que interpem a demanda jurdica para obter um determinado medicamento; c) Identificar como o direito assistncia farmacutica sustentado e defendido em juzo pelo Estado de So Paulo ru destes processos e caracterizar o ente governamental contra o qual a demanda interposta; d) Identificar como as decises judiciais garantem o direito social assistncia farmacutica nestas demandas, verificando se essas decises se informam dos elementos constantes nas polticas pblicas de medicamentos; e) Identificar a relao existente entre o direito e a poltica na garantia do direito social assistncia farmacutica; f) Identificar quais as conseqncias jurdicas e polticas das decises judiciais proferidas nesses processos.

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3. METODOLOGIA 3.1. Da pesquisa de campo: os processos judiciais analisados Entende-se por campo, no presente trabalho, o recorte espacial que corresponde abrangncia, em termos empricos, do recorte terico correspondente ao objeto da investigao41 (MINAYO, p.105). Neste caso, o recorte espacial foi delimitado pela pesquisa de processos judiciais, nas Varas da Fazenda Pblica do Estado de So Paulo, que tinham por objeto o fornecimento de medicamentos e insumos pelo Estado. O mbito territorial da pesquisa foi delimitado pela rea geogrfica do Estado de So Paulo, abarcando pedidos de fornecimento de medicamentos advindos de todos os Municpios deste Estado, os quais tm como Foro competente a Fazenda Pblica Estadual. Para o desenvolvimento desta pesquisa foram analisados os seis ltimos livros de sentena editados e disponveis nos Cartrios das seguintes Varas da Fazenda Pblica do Estado de So Paulo: 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14. Destaca-se que a pesquisa foi realizada no perodo de agosto a dezembro de 2004 e os perodos dos livros de sentena variaram entre os meses de maro a novembro de 2004. Os livros de sentena so compostos pelas sentenas proferidas pelos juzes, em ordem cronolgica de deciso, contendo decises judiciais sobre as variadas matrias de competncia do Foro da Fazenda Pblica Estadual. Destaca-se que o citado Foro da Fazenda Pblica composto de 14 Varas e, desta forma, a pesquisa abarcou 71,4% das Varas existentes. Para a realizao da pesquisa foi obtida, em cada uma das Varas da Fazenda Pblica elencadas, a competente autorizao do Juiz responsvel ou, em alguns casos, do Diretor responsvel pelo funcionamento do respectivo Cartrio. A pesquisa foi efetuada no interior dos Cartrios no balco de atendimento ou em sala separada do mesmo Cartrio - sob a superviso de funcionrio designado pelo juiz ou pelo Diretor competente.

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Fez-se a opo pela anlise dos seis ltimos livros de sentena disponveis pelo fato de, nesses casos, ser maior a probabilidade de se localizar, em Cartrio, os respectivos processos. Nesta anlise, buscou-se identificar sentenas proferidas em processos que tinham por objeto o fornecimento de medicamentos e insumos pelo Estado, este representado por qualquer ente federativo ou entidade autrquica. Em seguida, foram tambm identificados os respectivos processos, que foram catalogados por nmero e Vara. Os processos localizados variaram entre os anos de 1997 e 2004. De posse dessas informaes, buscou-se localizar os respectivos processos em Cartrio. Uma vez localizados, foram requisitadas ao Tribunal de Justia do Estado de So Paulo, xerocpias das seguintes peas processuais: petio inicial, contestao ou defesa do Estado e sentena do juiz de 1 grau. As requisies foram devidamente quitadas atravs de Guia de Recolhimento, seguindo os trmites e valores definidos pelo Tribunal de Justia para tais requisies. Ressalta-se que nem todos os processos identificados nos livros de sentena foram localizados em Cartrio, uma vez que alguns deles se encontravam em grau de recurso, no Tribunal de Justia do Estado e, outros, encontravam-se fora de Cartrio para elaborao de peas recursais. Foram obtidas, ao final da pesquisa, xerocpias de 31 processos. 3.2. Da metodologia aplicada: o Discurso do Sujeito Coletivo Aps a realizao da referida pesquisa de campo, os processos foram identificados aleatoriamente por nmero (de 1 a 31). Cada processo recebeu uma ficha especfica, na qual foram anotados os seguintes dados relativos ao processo: tipo de autor (individual ou coletivo), municpio em que reside, representao em juzo, objeto da ao, medicamento ou insumo pleiteado, custo do medicamento ou insumo, concesso de medida liminar, concesso de gratuidade de justia, valor da causa e tipo de ru (pessoa fsica ou jurdica).

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Aps a identificao desses dados objetivos, iniciou-se o processo de identificao dos principais argumentos contidos nas peas processuais coletadas. Os textos constantes das peas processuais foram tomados como unidade de anlise, dos quais foram extrados os argumentos preponderantes. Dentro da ficha de cada processo foram transcritos os principais argumentos trazidos aos autos pelos trs atores que o compem: autor, ru e juiz. O preenchimento das fichas dos processos com estes argumentos permitiu uma visualizao ampla do material argumentativo contido em cada processo judicial, em relao a cada um de seus atores. E, assim, facilitou a identificao dos discursos existentes nas peas processuais, subjacentes a esses argumentos. Desta forma, o conjunto de argumentos trazidos aos autos por cada ator, revela o discurso deste dentro do processo. De acordo com LEFVRE e LEFVRE34, quando as pessoas professam um pensamento, uma opinio ou, neste caso, uma argumentao dentro de um processo judicial, esse algo professado sempre um discurso. E, desta forma, se estar descrevendo muito melhor e mais adequadamente os pensamentos de indivduos e coletividades quando estes estiverem sendo coletados, processados e apresentados sob a forma de discurso, porque os pensamentos pertencem famlia das lnguas e linguagens e, portanto, ordem do discurso ou do texto (p.14). Entendemos que os textos produzidos nas peas processuais so a expresso de pensamentos e interesses, elaborados de forma aberta pelos atores, que so condicionados apenas pelos requisitos do devido processo legal. Podem ser caracterizados, desta forma, como discursos, tendentes a exercer, defender ou julgar um direito em juzo. No caso da pesquisa em tela, identificamos trs grupos distintos de atores e discursos, relacionados s peas processuais coletadas: o dos autores dos processos, cujos discursos encontram-se nas peas iniciais; o dos rus, cujos discursos encontram-se na defesa ou

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contestao apresentada; o dos juzes, cujos discursos esto sintetizados nas sentenas que pem termo ao processo em primeira instncia. De acordo com MINAYO41, qualquer discurso referidor: dialoga com outros discursos; tambm referido: produzse sempre no interior de instituies e grupos que determinam quem fala, o que e como fala e em que momento (p.214). Identificamos assim que, dentro de cada grupo, os seus atores perseguem finalidades semelhantes e fazem parte do mesmo locus social. Desta forma, os fins almejados pelos autores com a propositura da ao judicial eram semelhantes. H uma identidade entre os autores dos processos, visto que fazem parte do mesmo locus social, qual seja: o locus do cidado, e buscam em juzo uma mesma pretenso, o fornecimento de determinado medicamento ou insumo por parte do Estado. Da mesma forma, os rus, na maioria dos processos, eram representados pela mesma entidade estatal ou pela mesma pessoa fsica, quais sejam: o Estado de So Paulo e o Secretrio de Estado da Sade de So Paulo. Apresentavam interesses semelhantes e almejavam a mesma finalidade dentro dos processos, contrapondo-se a pretenso do autor no papel de Secretaria de Sade ou de gestor de sade, responsvel por garantir efetivamente o direito assistncia farmacutica dos cidados, atravs da implementao de polticas pblicas. Os juzes, por sua vez, desempenham a mesma funo em todos os processos, com argumentos semelhantes utilizados ao proferirem as sentenas. Os atores deste grupo fazem parte da instituio que diz a Justia, responsvel por aplicar a Lei ao caso concreto e decidir se procede ou no o pedido do autor e em que termos ocorre essa procedncia ou improcedncia. Desta forma, identificamos trs grupos distintos dentro dos processos: o grupo dos autores, o grupo dos rus e o grupo dos juzes, cada qual com interesses e discursos especficos, que dialogam entre si dentro do campo processual, travando uma batalha de argumentos e sustentaes tendentes a garantir uma pretenso ou repel-la.

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Seguindo as indagaes de LEFVRE e LEFVRE34, como obter descries de pensamentos, crenas e valores em escala coletiva? (p.15), este trabalho destinou-se a obter as descries dos argumentos encontrados nos diferentes grupos em escala coletiva e confront-las. Ou seja, buscou obter a soma dos discursos encontrados em cada grupo (dos autores, dos rus e dos juzes), tendo os textos das peas processuais coletadas como discursos acabados para fins de anlise. Desta forma, objetivou somar os discursos individuais encontrados em cada pea processual, de modo que pudessem expressar o pensamento e os interesses da coletividade de autores (cidados), de rus (gestores e instituies de sade) e de juzes (instituio que diz a Justia), em relao ao exerccio do direito assistncia farmacutica. Para se alcanar a soma dos discursos, foi utilizada a metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo, que se destina, de acordo com LEFVRE e LEFVRE34, a fazer a coletividade falar diretamente. Partindo-se do suposto que o pensamento coletivo pode ser visto como um conjunto de discursos sobre um dado tema, o Discurso do Sujeito Coletivo visa dar a luz ao conjunto de individualidades semnticas componentes do imaginrio social (LEFVRE e LEFVRE, p.16)34. Sintetiza, portanto, atravs de um discurso na primeira ou terceira pessoa do singular, o pensamento ou interesse social de uma dada coletividade sobre determinado tema. E no caso da presente pesquisa, a utilizao dessa metodologia objetivou fazer a coletividade dos autores, dos rus e dos juzes falar diretamente, atravs de um discurso que sintetiza o coletivo dos pensamentos e interesses, contidos em cada grupo. Assim, atravs do discurso coletivo de cada grupo, podemos identificar a sua representatividade social. Desta forma, acreditamos que a opo por esta metodologia qualitativa justifica-se pelo fato de ser a mais adequada para se aferir os significados polticos, jurdicos e sociais dos discursos encontrados nas peas processuais, conduzindo-nos questo central desta

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pesquisa, atravs de aspectos essenciais da realidade. Ao invs de reconhecer na subjetividade a impossibilidade de construo cientfica, metodologias como a do Discurso do Sujeito Coletivo consideram-na como parte integrante da singularidade do fenmeno social, trazendo para o interior da anlise o subjetivo e o objetivo, os atores sociais, os fatos e seus significados41. Assim, com a utilizao da citada metodologia, acreditamos ser possvel nos aproximarmos de uma compreenso mais adequada da realidade poltica, jurdica e social, que envolve o conflito entre os diferentes atores dos processos judiciais estudados. Realidade esta que composta pelas subjetividades e interesses de cada ator dentro do contexto poltico, jurdico e social em que se inserem e que, por sua vez, movimentam a mquina judicial, exercem o direito e fazem a poltica dentro da sociedade. O que se busca fazer com o Discurso do Sujeito Coletivo reconstruir, com pedaos de discurso individuais, como em um quebra-cabeas, tantos discursos-sntese quantos se julgue necessrio para expressar uma dada figura, ou seja, um dado pensar ou representao social sobre um fenmeno (LEFVRE e LEFVRE, p.19)34. O uso da metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo, portanto, permite-nos visualizar a representao social de cada grupo acerca do exerccio do direito assistncia farmacutica, que aparecer sob a forma de discurso. E, assim, permite-nos aferir o pensamento e as sustentaes de cada grupo de atores acerca dessa questo, identificando os discursos coletivos que impulsionam, defendem, rebatem e julgam o direito social assistncia farmacutica. E permite-nos aferir, tambm, como estes discursos se relacionam entre si e com o contexto poltico, jurdico e social brasileiro. Permite-nos, por fim, visualizar a forma como esse direito social vem sendo exercido em juzo e os conflitos subjacentes ao seu exerccio.

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Para se criar o Discurso do Sujeito Coletivo de cada grupo de atores dos processos judiciais, foram utilizadas, de acordo com as orientaes de LEFVRE e LEFVRE34, as seguintes figuras metodolgicas: Expresses-chave: foram localizadas nos argumentos de cada ator, as expresses que revelam a essncia desses argumentos trazidos aos autos. Essas expresses sintetizam os argumentos sustentados pelos atores, sendo transcries literais dos textos processuais coletados. Idias centrais: so as expresses lingsticas que descrevem, da forma mais sinttica e precisa possvel, o sentido de cada expresso-chave (ou conjunto homogneo de expresses-chave). Assim, a idia central uma descrio sinttica do sentido dos argumentos encontrados. Como j citado, cada processo recebeu uma ficha dentro desta pesquisa, com um nmero especfico (de 1 a 31), contendo informaes objetivas acerca do mesmo e as principais argumentaes de seus atores. Para a construo do Discurso do Sujeito Coletivo de cada grupo de atores, foram agrupadas todas as argumentaes dos atores em um arquivo, todas as argumentaes dos rus em outro e, por fim, todas as argumentaes dos juzes em um terceiro arquivo. As argumentaes de cada ator continuaram a ser identificadas pelo nmero que o respectivo processo recebeu nesta pesquisa (de 1 a 31). Assim, todas as argumentaes do autor do processo 1 foram identificadas com o nmero 1, as do autor do processo 2 com o nmero 2, as do ru do processo 1 com o nmero 1 e assim por diante. Passou-se, posteriormente, para a leitura detalhada de cada um desses argumentos, destacando-se os trechos considerados mais relevantes, que lhes conferiam significncia. Esses trechos relevantes foram destacados, separando-os dos demais pedaos do texto considerados irrelevantes para fins de anlise. A identificao desses trechos mais relevantes permitiu-nos identificar as expresses-chave contidas nas argumentaes de todos os atores dos processos, dentro da cada grupo especfico. As expresses-chave encontradas continuaram numeradas de acordo com o nmero do processo.

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As expresses-chave homogneas, ou seja, que possuam um mesmo ncleo de sentido, foram agrupadas, sempre guardando referncia com o nmero do processo de origem. Esse ncleo de sentido o que LEFVRE e LEFVRE34 denominam como idia central. Identificou-se, desta forma, atravs do agrupamento das expresses-chave homogneas de cada grupo, a idia central dessas expresses. A idia central representa uma descrio, a mais sucinta possvel, do sentido dos argumentos encontrados nos processos, agrupados de acordo com a homogeneidade de suas expresses-chave. A idia central tem, portanto, a importante funo de individualizar um dado discurso ou conjunto de discursos, descrevendo, positivamente, suas especificidades semnticas o que permite distingu-lo de outros discursos portadores de outras especificidades semnticas (LEFVRE e LEFVRE, p.25)34. Pode ser considerada, ento, o nome ou a marca do sentido dos discursos. As expresses-chave, por sua vez, so elementos do discurso que remetem idia central e a corporificam (LEFVRE e LEFVRE, p.26)34. Representam o contedo do sentido identificado pela idia central. Desta forma, temos que tanto as expresses-chave quanto as idias centrais so indispensveis para que se possa identificar e descrever o sentido dos discursos, que no caso da presente pesquisa, esto sintetizados nos argumentos trazidos aos autos pelos atores processuais. Assim, as idias centrais encontradas possuem uma funo identificadora do sentido dos discursos trazidos aos processos, enquanto que as expresses-chave corporificam, recheiam este sentido identificado. Temos ento que, para cada grupo de atores processuais, foram identificadas as expresses-chave de seus argumentos, agrupando-se as homogneas, que remetem a uma idia ou sentido semelhantes. A partir desses agrupamentos, portanto, foram identificadas as suas idias centrais, que foram descritas sucintamente, dando-lhes um nome ou uma marca.

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Foi possvel obter os ncleos de sentido dos argumentos encontrados (idias centrais), bem como os contedos desses ncleos de sentidos (expresses-chave). Temos, ento, os sentidos dos discursos encontrados nos processos e a descrio desses sentidos. Assim, pudemos passar para a prxima fase desta metodologia, qual seja: a construo do Discurso do Sujeito Coletivo. O Discurso do Sujeito Coletivo um discurso sntese que rene, em um s discurso, isto , em um s conjunto, as expresses-chave e idias centrais semelhantes, o qual passa a expressar ou a representar a fala do social ou o pensamento coletivo na primeira pessoa do singular (LEFVRE e LEFVRE, p.28)34. Assim, aps a reunio das expresses-chave homogneas e da identificao de suas respectivas idias centrais, foi possvel a composio de um discurso comum, coletivo, para cada ncleo de sentido identificado nos discursos de cada grupo de atores. Este discurso comum, coletivo, foi elaborado a partir das expresses-chave homogneas que recheiam cada ncleo de sentido, da forma como apareceram nos processos. O discurso comum elaborado capaz de representar o coletivo de autores, de rus e de juzes. A fala do social, portanto, na presente pesquisa, foi obtida sistematicamente pelo procedimento at ento descrito buscando-se, nas idias centrais e expresseschave identificadas, um discurso compartilhado entre os integrantes de cada grupo de atores. Cada autor, cada ru e cada juiz proferiu individualmente um discurso dentro de cada processo. O Discurso do Sujeito Coletivo do grupo de autores, do grupo de rus e do grupo de juzes permite-nos conceber as representaes sociais de cada grupo, como a expresso do que pensam e do que proferem essas populaes dentro do exerccio do direito objeto. assistncia farmacutica. Permite-nos, tambm, confrontar essas representaes, visto que cada grupo apresenta um discurso distinto acerca do mesmo

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Assim, foi elaborado um painel de Discursos do Sujeito Coletivo para cada grupo de atores processuais. Foi elaborada uma tabela com o agrupamento de expresses-chave e as respectivas idias centrais e, tambm, um painel contendo as idias centrais identificadas e o discurso coletivo proveniente de cada agrupamento de expresseschave. Este painel, dentro da metodologia empregada, resgata o imaginrio social de cada grupo de atores sobre o tema em foco nesta pesquisa, refletindo como os autores, os rus e os juzes de direito, sustentam e exercem o direito social assistncia farmacutica. O painel do Discurso do Sujeito Coletivo ir refletir o que se pode pensar, em uma dada formao sociocultural, em um dado grupo ou em uma dada coletividade, sobre um determinado assunto. Temos como resultado desta pesquisa um painel de discursos que reflete como podem pensar e agir os usurios do SUS, os gestores do SUS e os juzes de direito, acerca do exerccio do direito assistncia farmacutica. De acordo com LEFVRE e LEFVRE34, quantidade e qualidade so conceitos complementares e no, como muitos acreditam, mutuamente exclusivos (p.34). Atravs da identificao das idias-centrais, do sentido dos discursos, foi possvel obter, quantitativamente, a incidncia das mesmas no total de discursos, entendendo-se o total de discursos como o total de iniciais, de defesas e de sentenas dos processos coletados. Assim, foi possvel identificar o quantum encontra-se presente uma dada idia central no conjunto dos discursos existentes. Acreditamos ser possvel vislumbrar, com o uso da citada metodologia, de que forma um dado direito social, neste caso o direito assistncia farmacutica, vem sendo sustentado, defendido e julgado em juzo e quais as implicaes jurdicas, polticas e sociais decorrentes de seu exerccio. Passaremos, a seguir, para os resultados encontrados nesta pesquisa.

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4. RESULTADOS 4.1 - Caracterizao dos autores Encontram-se abaixo as descries objetivas relacionadas aos autores dos processos, divididas em: representao em juzo, espcie de autor, doenas de que padecem os autores, medicamentos e insumos pleiteados em juzo, espcie de ao interposta, municpio em que reside o autor e objeto da ao. 4.1.1. Quanto representao em juzo Foram encontradas duas espcies de representao em juzo: a representao por advogados particulares, elegidos e contratados pelos indivduos que ingressaram com a ao; e a representao efetuada pela Procuradoria Geral do Estado que, atravs da Procuradoria de Assistncia Judiciria (PAJ), destina-se a prestar Assistncia Judiciria Gratuita populao, atendendo queles que comprovadamente no possuem renda suficiente para arcar com os custos de um advogado, sem prejuzo para sua prpria sobrevivncia.

representao do autor80,00% 70,00% 60,00% 50,00% 40,00% 30,00% 20,00% 10,00% 0,00% possui advogado particular representado pela PAJ Seqncia1

Figura 1. Representao do autor em juzo

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Destaca-se que dos 67,70% dos autores que so representados por advogados particulares, 23,8% possuem o apoio de associaes, criadas para proteger interesses de portadores de determinadas doenas ou interesses relacionados sade em geral. 4.1.2 Quanto espcie de autor Procurou-se identificar nos processos as seguintes espcies de autor: autor coletivo, que representa em juzo os interesses de toda uma coletividade, indistintamente; autor em litisconsrcio ativo, que representa o interesse comum de dois ou mais indivduos, devidamente identificados; autor individual, que representa em juzo os interesses de um s indivduo.Espcie de autor120% 100% 80% coletivo 60% 40% 20% 0% 1 em litisconsrcio ativo individual

Figura 2. Espcie de autor Assim, temos que 96,8% dos autores dos processos enquadram-se na espcie de autor individual, defendendo em juzo os interesses de um s indivduo. Destaca-se que no foi encontrado nenhum autor na modalidade de autor coletivo.

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4.1.3 Quanto s doenas de que padecem os autores Todo pedido de medicamento ou insumo encontra-se subsidiado por uma determinada doena. No existe pedido de medicamento sem que haja a especificao da doena que acomete o autor. Desta forma, foram encontradas as seguintes doenas nos processos:

Insuficincia Renal Crnica

Doenas de que padecem os autoresRejeio de Transplante de Fgado

35,00%

Esclerose Multipla AIDS

30,00%AIDS + Hepatite C Diabetes Mellitus + Neuropatia Hepatite C

25,00%

20,00%

Hepatite B Leucemia Mielide

15,00%

Diabetes Mellitus Diabetes Mellitus + Hipotiroidismo Alergia Alimentar

10,00%

5,00%

Toxioplasmose IGM Leucemia

0,00% 1

Artrite Reumatide Tumor Cerebral

Figura 3. Doenas de que padecem os autores 4.1.4 Medicamentos e insumos pleiteados em juzo Foram identificadas, no pedido do autor, as seguintes especificaes e apontamentos, em relao ao medicamento ou insumo pleiteado em juzo: nome genrico do medicamento ou insumo, nome do laboratrio farmacutico responsvel pela fabricao ou

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comercializao dos mesmos e o valor mensal para a aquisio destes. Destaca-se que todos os componentes da tabela abaixo encontram-se especificados da forma como aparecem nas peties iniciais dos processos. Tabela 1 Caracterizao dos medicamentos e insumos pleiteados pelos autores Processo Medicamentos e pleiteados Laboratrio Nome genrico do Valor medicamento insumo (respectivamente) ou mensal to insumo (total) 1 2 3 TENOFOVIR No aponta No aponta interferon beta 1 a 1.200,00 3.200,00 do ou medicamen

insumo (respectivamente)

AVONEX 300 ABBOTT mcg

PEGASYS 180 F. Hoffmann La Interferon Peguilado 5.981,72 mcg RIBAVIRINA Roche ltd No aponta WORD MED Alfa 2 a o mesmo No aponta cloridrato eto de sevelamer 2.052,00 de No aponta

4 5

PROGRAF

RENAGEL 800 No aponta mg

sevelamer/hidroclor 100 No aponta No aponta 7.000,00

6

GLIVEC mg/d

7

insulina humana

NPH No aponta

o mesmo

304,00

36

insulina regular humana No aponta o mesmo o mesmo o mesmo o mesmo No aponta Interferon Peguilado 5.184,60 Alfa 2b No aponta o mesmo No aponta 300,00 No aponta

fitas testes para No aponta glicemia capilar 8 ABACAVIR AMPRENAVI R No aponta KALETRA 9 PEGINTRON 100 mcg RIBAVIRINA 10 para aparelho de No aponta de + este No aponta insulina humana NPH Shering-plought No aponta No aponta

Fitas reagentes No aponta prescision para controle glicemia

11

Aparelho Advantage para Controle Glicemia fitas para aparelho

No aponta

180 (aquisio do aparelho) + 320,00 mensais

reagentes

o mesmo

37

No aponta lancetas +seringas 12 13 NEOCATE INTERFERON PEGUILADO 14 ROVAMICINA No aponta 500 mg 15 VIREAD mg 300 GILEAD distribudo United/Medical 16 Fitas Teste para No aponta aparelho ADVANTAGE + Lancetas para aparelho ADVANTAGE + Fita Teste este No aponta Insulina humana humana NPH + para aparelho Acessvel importadoras No aponta

o mesmo

por No aponta No aponta

7.600,00 No aponta

No aponta

No aponta

e Fumarato por Tenofovir

de 408,00

No aponta

443,12

So os mesmos

Insulina regular

38

17

Insulina Humana Insulina Regular Humana

NPH No aponta +

So os mesmos

392,51

No aponta Lancetas aparelho para +

No aponta

Tiras Teste de glicemia capilar para aparelho 18 Aparelho GLICOSMET RO Teste + Lancetas No aponta Insulina Humana Insulina Regular Humana CAPTOPRIL 25mg No aponta No aponta No aponta No aponta NPH + So os mesmos + Fitas para No aponta So os mesmos 762,00 este

glicemia capilar

39

ATENOLOL 50 mg

No aponta No aponta

No aponta No aponta No aponta

HIGROTON No aponta ASS 100 mg METFORMIN A 850 mg 19 PEGASYS F. Hoffmann La Interferon Peguilado 3.974,16 Roche ltd RIBAVIRINA 20 Insulina humana humana No aponta Seringa Agulhas descartveis para aplicao No aponta o mesmo de insulina INJEO GLUCOGEM 21 ERITROPOETI No aponta NA RECOMBINA NTE 10.000 No aponta No aponta e So os mesmos No aponta Alfa 2a o mesmo So os mesmos 309,97

NPH No aponta +

Insulina regular

40

unidades 22 23 ETANERCEPT E HEPSERA mg 10 GILEAD distribudo AL 24 Insulina NPH + No aponta Insulina Humana Regular No aponta Fitas Teste para aparelho ADVANTAGE 25 26 TEMODAL 200 mg Aparelho GLICOSMET RO da marca ONE para aparelho No aponta Insulina humana 27 Insulina LISPRO ELI LILLY No aponta 780,54 NPH o mesmo TOUCH este + Fitas Teste No aponta Aparelho GLICOSMETRO 381,20 Shering Plought No aponta 5.200,00 No aponta o mesmo 290,00 UNITED/MEDIC e ADEFOVIR por 1.727,25 WYETH ENBREI 2.950,00

41

No aponta Insulina GLARGINA LANTUS No aponta Insulina Humana Regular Tiras teste para aparelho ACCU CHECK + para ACTIVE Lancetas CHECK agulhas modelo ULTRAFINE III MINI, curta 31 G 28 Insulina Humana Regular No aponta Insulina LISPRO HUMALOG Fitas teste para No aponta No aponta ROCHE

No aponta

o mesmo

No aponta

aparelho ACCU No aponta

No aponta

No aponta

184,00

No aponta

No aponta

42

controle glicemia PURANT 4 29 30 31 GLIVEC mg/d AVONEX KALETRA

de No aponta

No aponta

100 No aponta ABBOTT No aponta

No aponta Interferon beta 1 a No aponta

7.000,00 2.600,00 1.200,00

Assim, percebemos que em 35,5% dos processos aparece expressamente o nome do laboratrio farmacutico e, em 77,4% dos casos, o autor requer pelo menos um medicamento ou insumo (dos demais pleiteados) de uma determinada marca, sobrepondo o nome fantasia do medicamento ou insumo ao seu nome genrico. 4.1.5 Quanto espcie de ao interposta em juzo para pleitear o fornecimento do medicamento Foi identificada a espcie de ao interposta pelos autores dos processos para pleitearem o fornecimento de medicamentos. Verificou-se que os autores interpem ora aes ordinrias com pedido de antecipao de tutela e ora mandado de segurana.

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Espcie de ao80,00% 70,00% 60,00% 50,00% 40,00% 30,00% 20,00% 10,00% 0,00% 1 2 3 Ao ordinria com pedido de tutela antecipada Mandado de Segurana

Figura 4. Espcie de ao interposta pelo autor Destaca-se que, independente do tipo de ao interposta em juzo, em 100% dos casos h pedido liminar por parte do autor, visando concesso imediata do medicamento pleiteado. A urgncia na satisfao deste pedido demonstrada pelo autor atravs da alegao de iminente risco de morte ou agravo em decorrncia do no uso da medicao. 4.1.6 Quanto ao Municpio em que reside o autor da ao Como o Foro da Fazenda Pblica destina-se a abrigar aes provenientes de todo o mbito do Estado de So Paulo, procurou-se identificar o Municpio em que reside o autor.

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Municpio em que reside o autor90,00% So Paulo 80,00% 70,00% 60,00% 50,00% 40,00% Barueri 30,00% 20,00% 10,00% 0,00% 1 Jundia Porto Feliz Monte Alto So Bernardo do Campo Bauru

Figura 5. Municpio em que reside o autor da ao Assim, temos que a maioria das aes interposta por indivduos que residem em So Paulo, representando um total de 80,7% das aes coletadas. 4.1.7 Quanto ao objeto da ao interposta em juzo Foram identificados os pedidos efetuados pelo autor em cada processo, ao ingressar com a ao em juzo. Posteriormente, foram identificadas as idias centrais, os ncleos de sentido desses pedidos. Aps essa identificao, buscou-se mensurar a incidncia de cada idia central sobre o total de processos coletados. Tabela 2. Idias centrais contidas nos pedidos dos autores A B Fornecimento imediato, gratuito, indefinido e indeterminado do medicamento, de acordo com as especificaes contidas na prescrio mdica Fornecimento imediato do medicamento prescrito pela quantidade e tempo necessrios ao integral tratamento mdico do autor ou at que a critrio mdico venha a ser substitudo por outro

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C D E F

Fornecimento de outros medicamentos que venham a ser prescritos futuramente pelo profissional mdico que lhe assiste Indenizao por danos morais e patrimoniais no total de 1.000 vezes o valor do medicamento necessrio Aplicao de multa diria a ser arbitrada pelo juiz em caso de no fornecimento do medicamento O fornecimento do medicamento em carter de urgncia, atravs de medida liminar, estando presentes os requisitos para a concesso desta medida (fumus boni iuris e periculum in mora)

G

Concesso de justia gratuita, visto que o autor no possui condio financeira de arcar com as custas do processo sem prejuzo de sua prpria subsistncia

Incidncia das idias centrais120,00% 100,00% Idia Central A 80,00% 60,00% 40,00% 20,00% 0,00% 1 2 Idia Central B Idia Central C Idia Central D Idia Central E Idia Central F Idia Central G

Figura 6. Incidncia das idias centrais relativas aos pedidos dos autores 4.2. Do Discurso do Sujeito Coletivo dos autores Atravs da utilizao da metodologia do discurso do sujeito coletivo, conforme especificado no item 3.2 deste trabalho, foram identificadas as idias centrais,

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expresses-chave e expresses-chave homogneas presentes nos argumentos trazidos aos autos pelos autores dos processos. E, assim, foi construdo o Discurso do Sujeito Coletivo relacionado a cada idia central identificada. Abaixo, especificaremos as idias centrais e os Discursos do Sujeito Coletivo a elas relacionados. No anexo A, encontra-se a tabela com as expresses-chave identificadas, agrupadas por expresses-chave homogneas, que permitiram a identificao de cada idia central. 4.2.1. Idias centrais dos discursos dos autores Tabela 3. Idias centrais dos discursos dos autores A B O autor portador de uma determinada doena, que est colocando em risco a sua vida ou a sua sade. O medicamento prescrito pelo profissional mdico que assiste o autor representa um avano cientfico e o nico capaz de controlar a molstia que lhe acomete. C D E O autor no possui condies financeiras para adquirir o medicamento O direito do autor sade e assistncia farmacutica integral um direito fundamental, garantido por Lei. As leis que subsidiam o direito sade e assistncia farmacutica compreendem o fornecimento do medicamento especfico necessitado pelo autor. F G Os direitos sade e assistncia farmacutica no dependem de regulamentao infraconstitucional para serem exercidos. Os direitos fundamentais sade e assistncia farmacutica no podem ser condicionados por polticas pblicas de sade ou por questes oramentrias. H I Os juzes tm se manifestado favoravelmente em pedidos semelhantes ao do autor. A poltica de assistncia farmacutica do Estado possui falhas e, por isso, no contempla o medicamento pleiteado.

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J

O Estado deve reparar o dano material e moral causado ao autor em decorrncia de sua omisso.

Incidncia das idias centrais dos autores120% Idia Central A 100% 80% 60% 40% 20% 0% 1 Idia Central B Idia Central C Idia Central D Idia Central E Idia Central F Idia Central G Idia Central H Idia Central I Idia Central J

Figura 7. Incidncia das idias centrais dos autores 4.2.2. Discurso do Sujeito Coletivo relacionado a cada idia central dos autores Idia central A - O autor portador de uma determinada doena, que est colocando em risco a sua vida ou a sua sade. Discurso do Sujeito Coletivo: So gravssimas as condies de sade que afligem o impetrante. Realizou exames que diagnosticaram que portador de doena largamente associada com significativa morbidade e mortalidade. Desta forma, seu quadro clnico exige cuidados especiais e medicao ininterrupta. Encontra-se, portanto, com o estado de sade bastante delicado. Se esta doena no for combatida com eficcia pode causar danos ainda mais graves sua sade ou at mesmo a sua morte. Fica evidenciado que o impetrante est correndo grave risco de vida.

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Idia central B - O medicamento prescrito pelo profissional mdico que assiste o autor representa um avano cientfico o nico capaz de controlar a molstia que lhe acomete. Discurso do Sujeito Coletivo: O profissional mdico que assiste o autor, levando em conta a fragilidade da terapia convencional, determinou a utilizao de medicamentos novos que esto chegando no mercado, que foram desenvolvidos graas ao avano cientfico. H grande expectativa em torno desta nova gerao de medicamentos, que apresentam eficcia superior aos medicamentos convencionais. Estes medicamentos so a nica opo teraputica com possibilidade para interromper a evoluo da doena que acomete o autor. Somente a medicao pleiteada capaz de garantir uma convivncia harmoniosa com a doena. Sem a referida medicao o quadro de sade do impetrante, certamente, agravar-se-, podendo ocorrer srios prejuzos a seu organismo. Estes medicamentos no esto disponveis na rede pblica, porm so fundamentais para a manuteno de sua vida. Se no for tratado com os mesmos, o impetrante corre imediato e iminente risco de vida. Idia central C - O autor no possui condies financeiras para adquirir o medicamento. Discurso do Sujeito Coletivo: O medicamento possui um custo elevadssimo, muito alm das possibilidades financeiras do autor, que pessoa pobre na acepo legal do termo. Desta forma, no pode o autor, de forma lgica, suportar tamanho gasto com o medicamento, sendo-lhe necessrio recorrer ao SUS. No tem, portanto, condies financeiras de adquirir este nico medicamento existente no mercado e vital para o seu tratamento. Idia central D - O direito do autor sade e assistncia farmacutica integral um direito fundamental, garantido por Lei. Discurso do Sujeito Coletivo: O que est em discusso o direito incontestvel sade, a prpria vida do ser humano. direito fundamental que no lhe pode ser negado O artigo 5 da CF assegura

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as pessoas o direito vida e o artigo 6 da Lei Maior consagra a sade como direito social, verdadeira clusula ptrea em favor do cidado. O direito lquido e certo do impetrante decorre do artigo 196 da Constituio Federal, que prescreve que a sade um direito de todos e um dever do Estado, garantido atravs de polticas econmicas e sociais que visem a reduo do risco de doena e de outros agravos e ao acesso universal e igualitrio s aes e servios para a sua promoo, proteo e recuperao. Os artigos 2 e seguintes da Lei 8080/90 preconizam que a sade um direito fundamental do ser humano, devendo ser provido pelo Estado de forma integral e que esto includos no campo de atuao do SUS a execuo de aes de assistncia teraputica integral, inclusive farmacutica. A responsabilidade do Estado quanto ao fornecimento de medicamentos est disposta expressamente no artigo 6, I, d e artigo 7, II, da Lei 8080/90. Ainda, de acordo com o artigo 7 da citada lei, as aes e servios de sade que integram o SUS so desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da CF, obedecendo, entre outros, o princpio da integralidade de assistncia, entendida como um conjunto articulado e continuo das aes e servios preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os nveis de complexidade do sistema. A Lei complementar 791/95 sustenta que a sade uma das condies essenciais da liberdade individual e da igualdade de todos perante a lei e que o direito sade inerente pessoa humana, constituindo-se em direito pblico subjetivo. Os artigos 220, 222 e 223 da Constituio do Estado de So Paulo dispem que: a sade direito de todos e dever do Estado, que os poderes pblicos estadual e municipais garantiro o direito sade mediante polticas sociais, econmicas e ambientais que visem o bem estar fsico, mental e social do indivduo e da coletividade e reduo do risco a doenas e outros agravos. Garantem o acesso universal e igualitrio s aes e servios de sade, em todos os nveis e o atendimento integral do indivduo, abrangendo a promoo, preservao e recuperao de sua sade. O Cdigo de Defesa do Consumidor, Lei Ordinria 8078/90, em seu artigo 22, enfatiza ainda a obrigao do Estado no fornecimento de servios adequados, bem como

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determina que o seu no fornecimento ensejar a reparao devido aos danos por ele causados. Idia central E - As leis que subsidiam o direito sade e assistncia farmacutica compreendem o fornecimento do medicamento especfico necessitado pelo autor. Discurso do Sujeito Coletivo: As expresses atendimento integral, assistncia teraputica integral, inclusive farmacutica e integralidade de assistncia, contidas nas leis apontadas, compreendem inexoravelmente o fornecimento de medicamentos indispensveis e essenciais ao valor mximo que o direito pode e deve tutelar: a vida. Nota-se que o legislador constitucional no restringiu o tipo de deficincia, no imps restries ao tipo de deficincia a ser tutelada, outrossim deixou em aberto a todos aqueles que apresentem problemas, por questes de igualdade. principio bsico de hermenutica que onde o legislador no limita no cabe ao interprete faz-lo. O Sistema nico de Sade SUS visa integralidade da assistncia sade, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade. Desta forma, restando comprovado o acometimento do indivduo ou de um grupo por determinada molstia, necessitando de determinado medicamento para debel-la este deve ser fornecido. O fornecimento de remdios e insumos deve ser efetivado para quem deles necessita, no podendo ser negado ou omitido. dever do Estado, portanto, fornecer os medicamentos necessrios manuteno da vida do autor.

Idia central F - Os direitos sade e assistncia farmacutica no dependem de regulamentao infraconstitucional para serem exercidos. Discurso do Sujeito Coletivo: Toda sistematizao constitucional tendente a dar concretude aos direitos fundamentais da pessoa humana no pode ser vista como mero acervo de boas intenes, dessas que jamais extrapolam o letargo tpico do arcabouo das inutilidades jurdicas concebidas

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nesta ptria. Para evitar que isso ocorra a prpria Constituio Federal, no pargrafo 1 do artigo 5, proclama que esses direitos e garantias fundamentais, no qual inseremse o direito sade e vida, tm aplicao imediata. No se diga que o artigo 196 da CF consiste em norma programtica, sem efetividade. O que existe simplesmente a previso de regulamentao futura, a qual dever respeitar os direitos j consagrados constitucionalmente. Merece, pois, aplicao imediata. Idia central G - Os direitos fundamentais sade e assistncia farmacutica no podem ser condicionados por polticas pblicas de sade ou por questes oramentrias. Discurso do Sujeito Coletivo: No deve prevalecer a postura do Estado consistente na negativa de fornecimento de medicamentos necessrios a enfermo carente, sob a alegao de ausncia do medicamento para distribuio gratuita, por estarem em jogo direitos de muito maior relevncia, que so os direitos integridade fsica e a vida. O Protocolo Clnico e Diretrizes Teraputicas do Ministrio da Sade indica como terapia medicamentosa para a doena de que padece o autor somente produtos que ele no pode mais utilizar, j que desenvolveu resistncia aos mesmos. A ilegalidade do impetrado consiste no fato da negativa de fornecimento dos medicamentos necessitados pelo autor, sob a alegao de que Portaria emitida pelo Ministrio da Sade no permite o fornecimento destes. Tambm no importa se quem os est requisitando foi atendido por mdico do setor pblico ou particular ou de convnio, isso no dever ser motivo para o no fornecimento do pleiteado. Inexiste direito do Requerido em determinar quem pode ou no pode viver, quem ter o direito de realizar determinado tratamento e quem no ter. O poder pblico no tem supremacia sobre tais direitos fundamentais, que no podem, inclusive, ser executados atravs de precatrios. O direito vida inegocivel e garantido pela Constituio Federal.

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Idia central H - Os juzes tm se manifestado favoravelmente em pedidos semelhantes ao do autor. Discurso do Sujeito Coletivo: Em casos anlogos, os MM. Juzes desse Foro da Fazenda Pblica tm se posicionado no sentido de concederem liminares, determinando ao Sr. Secretario Estadual de Sade o imediato fornecimento de medicaes reclamadas. O medicamento pleiteado, inclusive, j vem sendo objeto de vrias demandas judiciais no Estado de So Paulo. A jurisprudncia de nossos Tribunais tem-se mostrado favorvel ao pedido do autor. Os Tribunais so unnimes quando se trata de proteger o direito vida, o maior bem tutelado pelo Direito. Tm-se manifestado uniformemente acerca da responsabilidade do Estado no cumprimento de sua obrigao, notadamente no fornecimento de medicamentos. Idia central I - A poltica de assistncia farmacutica do Estado possui falhas e, por isso, no contempla o medicamento pleiteado. Discurso do Sujeito Coletivo: O Estado-Administrao , com base na previso mdico-cientfica internacional, j deveria ter previsto a compra dos medicamentos pleiteados em seu oramento. Desta forma, no abastece seus postos de fornecimento de medicamentos com medicamentos como estes, ditos de alto custo, em desrespeito aos preceitos legais. Esta poltica administrativa ineficiente apresenta relao custo-efetividade muito ruim e enseja a ocorrncia de graves crises nos indivduos que necessitam destes medicamentos. O Estado possui diversos mecanismos para diminuir os custos de tais medicamentos. Se no o faz porque no o quer. Isso demonstra a insensibilidade dos governos federal e estadual. O autor no pode ser vtima desse descaso. necessria a definio de uma poltica de mdio e longo prazo, com negociao com fornecedores, avaliao do estimulo produo nacional e outras alternativas.

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Idia central J - O Estado deve reparar o dano material e moral causado ao autor em decorrncia de sua omisso. Discurso do Sujeito Coletivo: Diz a Lei Maior, em seu artigo 5, inciso X, que todos so iguais perante a Lei, sem distino de qualquer natureza, sendo inviolveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Todo cidado tem direito sua incolumidade fsica e moral, sendo assegurado o direito a indenizao pelo dano material e moral decorrente de sua violao. Existe dano pessoa do requerente, dano este contra seu patrimnio: sua honra, bem juridicamente tutelado pela Constituio Federal. O requerente sofreu dano moral inquestionvel traduzido pelo no fornecimento dos medicamentos mais eficazes de que necessita. Ainda, o risco de vida por no utilizar tais medicamentos para conter o mal de que padece, atinge decisivamente a sua honra, importando na tristeza e dor moral, suscetveis de serem indenizadas. Existe claro nexo causal entre o dano experimentado pelos autores e a ao e omisso culposa da requerida. Reza o artigo 159 do Cdigo Civil que aquele que por ao ou omisso voluntria, negligncia ou imprudncia, violar direito ou causar prejuzo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A requerida, portanto, deve ser responsabilizada e arcar com os prejuzos causados ao autor.

4.3. Caracterizao dos rus A caracterizao dos rus compreendeu a identificao da pessoa fsica ou jurdica contra a qual a ao foi interposta em juzo, ou seja, o plo passivo da ao judicial.

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Caracterizao dos rus70,00% 60,00% 50,00% Estado de So Paulo 40,00% 30,00% 20,00% 10,00% 0,00% 1 Coord. de Sade da Regio metropolitana de SP Secretaria dos Negcios da Justia Municipio de So Paulo Fazenda Pblica do Estado Secretario de Estado da Sade

Figura 8. Caracterizao dos rus 4.4. Do Discurso do Sujeito Coletivo dos rus Atravs da utilizao da metodologia do discurso do sujeito coletivo, conforme especificado no item 3.2 deste trabalho, foram identificadas as idias centrais e expresses-chave presentes nos argumentos trazidos aos autos pelos rus dos processos, acima caracterizados, e construdo o Discurso do Sujeito Coletivo relacionado a cada idia central identificada. Abaixo, especificaremos as idias centrais identificadas, sua incidncia sobre o total de processos e os Discursos do Sujeito Coletivo relacionados a cada idia central. No anexo B, encontra-se a tabela com as expresses-chave identificadas, agrupadas por expresses-chave homogneas, que permitiram a identificao de cada idia central presente nos argumentos dos rus.

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4.4.1. Das idias centrais dos discursos dos rus Tabela 4. Idias centrais dos discursos dos rus A B Nenhum ato ou omisso de autoridade de sade violou direito lquido e certo do autor. O pedido do autor no se enquadra na padronizao da Poltica de Assistncia Farmacutica para o tratamento da respectiva doena, no merecendo prosperar. C D E O medicamento pleiteado no possui registro da ANVISA, no podendo ser comercializado no Brasil. O Estado possui limitaes legais e oramentrias que obstam a garantia da pretenso do Autor. O Poder Judicirio no pode ser transformado em um co-gestor dos recursos destinados sade pblica. Isso implica em afronta ao principio da separao dos poderes do Estado. F G O Estado de So Paulo no a pessoa jurdica de direito pblico competente para figurar no plo passivo da ao. O direito sade deve ser interpretado em consonncia com os demais preceitos constitucionais, de forma a atender os interesses de toda a coletividade. Atender pretenso do autor sobrepor o individual ao coletivo. H No h possibilidade de se garantir pretenso futura e incerta, como no caso de medicamentos ainda no prescritos ao autor. O pedido deve ser certo e determinado. I O Estado no pode ser responsabilizado por eventuais danos morais e materiais que o Autor alega ter sofrido, em decorrncia da falta da medicao.

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Incidncia das idias centrais dos rus80,00% 70,00% 60,00% 50,00% 40,00% 30,00% 20,00% 10,00% 0,00% 1 Idia central A Idia central B Idia central C Idia central D Idia central E Idia central F Idia central G Idia central H Idia central I

Figura 9. Incidncia das idias centrais dos rus 4.4.2. Do Discurso do Sujeito Coletivo dos rus Idia central A - Nenhum ato ou omisso de autoridade de sade violou direito lquido e certo do autor. Discurso do Sujeito Coletivo: Nenhum ato do impetrado violou direito lquido e certo do autor, j que o direito lquido e certo aquele que se apresenta manifesto na sua existncia, delimitado na sua extenso e apto a ser exercitado no momento da impetrao, deve trazer em si todos os requisitos e condies de sua aplicao ao impetrante. Direito lquido e certo o comprovado de plano. No consta dos autos qualquer ato que porventura praticado pelo impetrado que tenha lesado ou ameaado seu direito. Note-se que o objeto do mandado de segurana consiste na correo de ato ou omisso de autoridade, desde que ilegal e ofensivo de direito individual, liquido e certo. Descabe o mandado de segurana quando o impetrante no tem em vista a defesa de direito subjetivo, mas a de mero interesse reflexo de normas objetivas.

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A ao ou omisso violadora de direito lquido e certo h de estar comprovada perfeitamente, posto o mandamus no permitir instruo probatria. No caso a autoridade no emitiu ou omitiu qualquer ato que pudesse, eventualmente, lesionar ou ameaar direito lquido e certo do impetrante. Tal afirmao pode ser facilmente constatada ante o fato de que a inicial no se encontra acompanhada de qualquer documento que prove tenha havido recusa e/ou omisso desta autoridade quanto ao fornecimento dos insumos e produtos para o seu tratamento. evidente que sem um pedido ou solicitao formal de fornecimento de medicamentos o Estado no tem como saber que tal ou qual indivduo deles necessita. Logo no se pode atribuir conduta omissiva a esta autoridade, que nem mesmo tinha conhecimento da necessidade e inteno do impetrante em obter os medicamentos e insumos em questo do Estado. Idia central B - O pedido do autor no se enquadra na padronizao da Poltica de Assistncia Farmacutica para o tratamento da respectiva doena, no merecendo prosperar. Discurso do Sujeito Coletivo: O medicamento pleiteado pelo autor no faz parte da padronizao do Ministrio da Sade. E a padronizao exigncia imprescindvel para a disponibilizao do remdio. Existem outros medicamentos padronizados para a patologia em questo, disponveis a todos que deles necessitarem. Em conformidade a Poltica Nacional de Medicamentos, decidiu o governo federal formular, para os medicamentos de alto custo, os Protocolos e Diretrizes Teraputicas. O Poder Pblico busca garantir o acesso do paciente ao medicamento. Porm, o medicamento pode se constituir em fator de risco quando utilizado de maneira inadequada. Portanto, deve-se promover o uso racional e seguro de medicamentos. A ao estatal deve abranger medidas que assegurem oferta adequada de medicamentos em termos que quantidade, qualidade e eficcia, razo pela qual o Ministrio da Sade desenvolve esforos na formulao dos Protocolos Clnicos e Diretrizes Teraputicas. Os Protocolos tm o objetivo de, ao estabelecerem claramente os critrios de diagnstico de cada doena, definir: a) o tratamento preconizado com os medicamentos

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disponveis, nas respectivas doses corretas, b) os medicamentos de controle, c) o acompanhamento e a verificao dos resultados, d) a racionalizao da prescrio e do fornecimento dos medicamentos. Ao desenvolver o trabalho de construo dos Protocolos, o Ministrio da Sade incorpora-se ao movimento internacional da Medicina Baseada em Evidncias, e passa a disseminar o conhecimento, assume responsabilidades antes no expressas, dispe-se ao debate, chama os agentes desse processo discusso, conta com o auxlio da comunidade cientfica e constri uma nova dimenso de gesto de medicamentos. Cada Protocolo publicado pelo Ministrio da Sade passa por um longo, laborioso e gratificante processo de construo participativa. Como se constata, para a doena do impetrante o Ministrio da Sade estabeleceu o referido Protocolo Clnico, cabendo, pois, aos profissionais mdicos desta pasta a subordinao aos seus preceitos, no s por se tratar de ato administrativo de autoridade superior, mas, principalmente, por seu contedo ter sido objeto de Consulta Pblica, que promoveu sua ampla discusso e possibilitou a participao efetiva da comunidade tcnico-cientfica, sociedades mdicas, profissionais de sade, gestores e usurios do SUS na sua formulao, sendo obrigatria a observncia deste Protocolo para fins de dispensao de medicamentos para os pacientes que padecem da respectiva doena. Assim, apenas os medicamentos contemplados no citado Programa Nacional que podero ser dispensados aos pacientes, que devero se enquadrar em todos os critrios clnicos e laboratoriais previstos no correspondente Protocolo Clnico. No h tambm qualquer elemento de prova que afaste a possibilidade de obteno de idntico resultado por meio de outros medicamentos disponveis na rede pblica. De acordo com informaes prestadas pela Comisso de Medicamentos Bsicos, rgo da Coordenadoria Geral de Administrao, integrante da SES SP, todos os medicamentos solicitados possuem equivalentes teraputicos que podem ser encontrados na Rede Pblica de Sade. Desse modo o medicamento postulado fornecido pela Rede Pblica atravs de similares teraputicos, ou seja, medicamentos que possuem a mesma bio-equivalncia que o medicamento de referncia. Depreende-se da inicial que o objetivo da autora a garantia de obteno de medicamentos especficos, de forma continuada, desconsiderando o fato de haverem

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similares teraputicos disponveis na Rede Pblica. Porque compelir o Estado a fornecer medicamentos de referncia, se existem outros similares disponveis na rede pblica? Desta forma, ilegal e absolutamente improcedente que o impetrante tenha a possibilidade de escolher o medicamento que lhe seja, segundo seu entendimento, mais conveniente, inclusive pela MARCA. Se h contestao ao medicamento fornecido pela rede pblica ou se, como no caso, o impetrante pretende obter outro medicamento que no est previsto na padronizao, cumpre-lhe apresentar prova incontestvel, de plano, de seus argumentos, arregimentando doutrina mdica que conteste cientificamente a ineficcia dos medicamentos fornecidos pela rede pblica. A concesso do aludido medicamento encontra bice ainda no fato de ter sido prescrito por mdico particular, que no integra a rede pblica estadual. No se justifica que aqueles que adotaram procedimentos particulares atropelem a conduta de aquisio e distribuio de medicamentos. Nos autos no consta qualquer prescrio mdica de mdico prprio da rede do SUS, requisito este que indicaria a prescrio do medicamento pelo prprio Estado. Idia central C - O medicamento pleiteado no possui registro da ANVISA, no podendo ser comercializado no Brasil. Discurso do Sujeito Coletivo: O medicamento pleiteado novo e no possui registro na ANVISA. A nica forma de adquiri-lo atravs de importao direta por pessoa fsica ou atravs de concorrncia pblica internacional, para aquisio por instituies pblicas. O medicamento em questo foi aprovado nos EUA pelo FDA (Food and Drug Administration) todavia, no Brasil o mesmo no possui registro do Ministrio da Sade, no sendo assim comercializado. Isto implica reconhecer que se trata de um novo recurso teraputico, cuja eficincia e segurana ainda esto sendo avaliadas pelo Ministrio da Sade. Por isso, esse referido medicamento sequer poderia ser entregue a consumo em territrio nacional, j que a Lei 6.360/76 estabelece que os medicamentos e drogas e os insumos farmacuticos (art. 1) inclusive os importados, no podem ser expostos venda ou entregues ao consumo antes de registrados no Ministrio da Sade. Sempre existiro

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novos produtos farmacuticos, promissores, em estudos no Brasil e j desenvolvidos ou registrados no exterior. O artigo 24 da Lei 6.360/76 possibilitou a pacientes com doenas graves que no disponham de alternativas teraputicas nacionais, o acesso a essas novas drogas mediante autorizao do Ministrio da Sade, concedida no bojo de um programa denominado de acesso expandido. E, porque se trata de um novo recurso teraputico, cuja eficincia e segurana ainda no foi comprovada em pacientes no Brasil, a ANVISA Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria editou a Resoluo 26 de 17 de dezembro de 1.999, estabelecendo normas bastante rgidas para a dispensao dessas novas drogas. Em linhas gerais, esse programa, a ser patrocinado exclusivamente pelo laboratrio intere