dissertação rute versão final

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INICIANDO A CONVERSA Ao refletir sobre a escolha do tema trabalhado no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, pude evidenciar que meu interesse pelas Políticas Públicas perpassa por minha trajetória no curso de Pedagogia. As disciplinas por mim cursadas 1 , a participação como monitora da disciplina Filosofia da Educação III e atuação como bolsista de Iniciação Científica possibilitaram-me dialogar com diversos autores, permitindo-me visualizar um panorama educacional do Brasil. Enquanto aluna e pesquisadora, pude observar que, na década de 1990 e na virada do século XX para o século XXI, houve um acréscimo de atenções voltadas para a educação no Brasil, principalmente no que se refere à ampliação da escolaridade dos brasileiros. Nesse mesmo período, destaca-se a Conferência de “Educação Para Todos”, realizada em Jomtien, em março de 1990, e a de Dakar em 1993,conferência convocada pela UNESCO em que se discutiu, com o apoio de órgãos internacionais como ONU e UNICEF, os rumos da educação nos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, no atual contexto da globalização. O processo de globalização econômica tem sido marcado pela internacionalização do capital. Esse processo foi intensificado a partir da década de 1970, quando o uso de novas tecnologias promoveu a ampliação das fronteiras geográficas, interferindo, não somente na organização da força de trabalho e em sua própria divisão, mas também na organização do mercado em todo o mundo. Quanto a isso Bruno (2001), identifica que: Na base da internacionalização do capital estão a formação, o desenvolvimento e a diversificação do que se pode denominar ‘fábrica global’. (...) A nova divisão internacional do trabalho e da produção, envolvendo o fordismo, o toyotismo, a flexibilização e a terceirização, tudo isso amplamente agilizado e generalizado com base nas técnicas eletrônicas, concretiza a globalização do capitalismo em termos geográficos e históricos (BRUNO,2001,p. 47) 1 Dentre tais disciplinas destaco: “Sociologia da Educação I”, “Filosofia da Educação I”, “Seminário e Prática em Gestão Educacional” e “História da Educação I”.

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INICIANDO A CONVERSA Ao refletir sobre a escolha do tema trabalhado no Programa de Pós-Graduação da

Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, pude evidenciar que meu

interesse pelas Políticas Públicas perpassa por minha trajetória no curso de Pedagogia. As

disciplinas por mim cursadas1, a participação como monitora da disciplina Filosofia da

Educação III e atuação como bolsista de Iniciação Científica possibilitaram-me dialogar com

diversos autores, permitindo-me visualizar um panorama educacional do Brasil.

Enquanto aluna e pesquisadora, pude observar que, na década de 1990 e na virada do

século XX para o século XXI, houve um acréscimo de atenções voltadas para a educação no

Brasil, principalmente no que se refere à ampliação da escolaridade dos brasileiros. Nesse

mesmo período, destaca-se a Conferência de “Educação Para Todos”, realizada em Jomtien,

em março de 1990, e a de Dakar em 1993,conferência convocada pela UNESCO em que se

discutiu, com o apoio de órgãos internacionais como ONU e UNICEF, os rumos da educação

nos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, no atual contexto da globalização.

O processo de globalização econômica tem sido marcado pela internacionalização do

capital. Esse processo foi intensificado a partir da década de 1970, quando o uso de novas

tecnologias promoveu a ampliação das fronteiras geográficas, interferindo, não somente na

organização da força de trabalho e em sua própria divisão, mas também na organização do

mercado em todo o mundo. Quanto a isso Bruno (2001), identifica que:

Na base da internacionalização do capital estão a formação, o desenvolvimento e a diversificação do que se pode denominar ‘fábrica global’. (...) A nova divisão internacional do trabalho e da produção, envolvendo o fordismo, o toyotismo, a flexibilização e a terceirização, tudo isso amplamente agilizado e generalizado com base nas técnicas eletrônicas, concretiza a globalização do capitalismo em termos geográficos e históricos (BRUNO,2001,p. 47)

1 Dentre tais disciplinas destaco: “Sociologia da Educação I”, “Filosofia da Educação I”, “Seminário e Prática em Gestão Educacional” e “História da Educação I”.

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Modificada a própria característica da globalização, com políticas neoliberais, o

capital se mundializa, alcançando sua internacionalização um estágio de transnacionalização2.

As empresas, antes denominadas multinacionais, neste final de século, parecem

encontrar-se acima do Estado-nação. Nessa perspectiva, Bruno (1997) define que os “Estados

nacionais locais encontram dificuldades de controlar suas economias e garantir estabilidade

econômica para seus cidadãos”.

Esse novo modelo econômico, denominado de neoliberalismo, que se inicia no

Brasil, na década de 1980 e se cristaliza na década de 1990, aliado às conjunturas históricas

internas, gera uma crise do Estado e sua Reforma, envolvendo a reformulação de suas

políticas públicas educacionais relacionadas à educação básica e à formação profissional, para

atender às novas exigências do mercado de trabalho.

Romäo (1992) sinaliza que:

este período é marcado pela desarticulação da representação partidária e sindical das demandas sociais organizadas; pelo gigantismo e o burocratismo que conduziram aos altos custos das atividades-meio à ineficiência e ineficácia de atividades-fim e pelas taxas de crescimento econômico que não foram acompanhadas pelo desenvolvimento social (ROMÃO,1992,p.34).

Dentro da perspectiva do Estado e sua Reforma, Castro (2001, p. 03) afirma que “na

verdade a necessidade de mudar e reformar as funções do Estado Moderno decorre das

alterações estruturais internas e externas que o deixam defasado diante de um novo papel que

lhe é colocado”. De acordo com esse economista, após a década de 1970, nos países

desenvolvidos da Europa e nos Estados Unidos, inicia-se a implementação do “Estado

Mínimo”,em que se registra uma preocupação com o desenvolvimento da economia nacional

2 Conforme procura mostrar Burbules e Torres (2004), a globalização não é um fenômeno atual, já que tem início com a conquista de novas terras e a expansão marítima. Mas é no século XX e começo do século XXI que temos visto um estágio nunca antes imaginado de globalização de economia, globalização financeira e de relações sociais. Essa questão será melhor discutida no item que se propõe trabalhar com o Referencial Teórico deste estudo.

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em escala mundial, modificando a estrutura do “Estado Intervencionista”. Tal processo

aumentou de forma substancial a exclusão social.

Remetendo-me às reformas educacionais que estão diretamente relacionadas à

Reforma do Estado brasileiro, é importante ressaltar o movimento de pressões e acordos entre

o Governo brasileiro e as agências internacionais para qualificar a força de trabalho no Brasil.

No que se refere a essas intervenções externas, Oliveira D.(2001, p. 01), tratando da educação

no contexto da globalização, diz que “os anos 90 foram marcados pela aparência de um certo

‘consenso’ em torno da necessidade de políticas de atendimento da educação básica”, com a

justificativa de melhor qualificar o indivíduo para o flexível mercado de trabalho que surge.

Percebe-se uma política de currículo e avaliações voltada para o fornecimento de um

conhecimento básico a todos e o desenvolvimento de competências. Nota-se a opção pelo

atendimento à educação elementar da população, com medidas que priorizam o ensino

fundamental, em detrimento de outros níveis de ensino da educação básica, contrariando o

que estava previsto no primeiro projeto de Lei de Diretrizes e Bases (LDB), encaminhado ao

Congresso Nacional em 1988 e do que prevê a Constituição Federal do mesmo ano, que

garantiam a universalização da educação básica, entendendo-se que educação básica abrange

os níveis que vão da educação infantil ao ensino médio.

No bojo dessas reformas, a descentralização financeira, administrativa e pedagógica

foi legitimada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96. Isso

pode ser percebido, no seu princípio de gestão democrática, definido no art. 2º e na

possibilidade de criação dos sistemas municipais de ensino, estabelecida pelo art. 8º dessa

mesma lei. Também a Lei nº 9.424/96, que cria o Fundo Nacional do Ensino Fundamental e

Valorização do Magistério – FUNDEF- e incentiva a municipalização do ensino fundamental

e, mais recentemente, o Plano Nacional de Educação-PNE que ratifica todas as determinações

legais engendradas nessa década de 1990, orientam-se na linha da descentralização.

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Em muitas análises, a questão da descentralização do ensino tem sido enfocada pela

vertente de uma política neoliberal. No entanto, verifica-se, através da história, que, no Brasil,

os estados e os municípios vêm buscando maior autonomia para deliberar sobre a educação

em seus territórios. Educadores que, desde a década de 1930, mostram-se preocupados com a

universalização da educação gratuita e de qualidade, indicavam que a descentralização

deveria ser uma medida para enfrentar os problemas educacionais do país3.

Anísio Teixeira (1977), em seus ensaios acerca das mudanças educacionais pensadas

desde as primeiras décadas do século XX, apontava para a descentralização como um dos

principais vetores dessa transformação na educação brasileira.

Esse ilustre representante do movimento por reformas educacionais afirmava a

necessidade de organização dos sistemas municipais de ensino.

A descentralização educacional que assim propugnamos não representa apenas medida técnica que está, dia a dia, mais a se impor, por uma série de motivos de ordem prática, mas também um ato político de confiança na nação e na efetivação do princípio democrático de divisão do poder, a impedir os estrangulamentos da centralização e dificultar a concentração de força que nos poderia levar a regime totalitários (TEIXEIRA, 1977 p. 39).

No entanto, Teixeira não exime a atuação do Estado e da União no auxílio à

organização dos sistemas locais, como também não propõe o isolamento entre os três

sistemas, federal, estaduais e municipais. Em sua perspectiva, a União e o Estado atuariam

com sua rede de escolas médias, profissionais e superiores, além de garantirem assistência

financeira e técnica às escolas locais.

Segundo Anísio Teixeira (1977), a educação se organizaria da seguinte forma:

O Município, com seu sistema de escolas locais, primárias e médias, enraizadas no solo físico e cultural do Brasil, brasileiras como as que mais o sejam, o Estado, com suas escolas médias, superiores e profissionais, exercendo e sofrendo a influência das escolas locais e detendo o poder de formar o magistério primário, e a União com o sistema federal supletivo de escolas superiores, escolas primárias e médias de demonstração, órgãos de

3 Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e outros integrantes do Movimento da Escola Nova. Ver Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova de 1932.

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pesquisa educacional e o poder de regulamentar as profissões _ atuarão em diversas ordens, independentes mas articuladas, constituindo a ação tríplice, mas convergentes dos três poderes, algo de dinamicamente sistemático e unificado (TEIXEIRA, 1977 p. 40) grifo do autor.

Ao longo do tempo, as questões referentes à municipalização e organização dos

sistemas de ensino têm sido objeto de disputas políticas e estudos acadêmicos.Com a

Constituição Brasileira de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional_ LDB,

em 1996, surge uma nova realidade para as políticas educacionais, principalmente em âmbito

municipal.

Consciente da complexidade do quadro educacional, a escolha do tema está

relacionada à discussão da descentralização4, na vertente da municipalização, mais

especificamente na possibilidade de criação dos sistemas municipais de ensino. Essa política

ocorre pelo fortalecimento da autonomia do município ou é uma política que acompanha a

estruturação do Estado Mínimo?

Acredito que tentar compreender a possibilidade de autonomia do poder local

ultrapassa uma perspectiva pautada na dinâmica do “Estado Mínimo”, uma vez que é preciso

levar em conta que existe o “outro lado da moeda”, o direito da sociedade de reivindicar suas

demandas, podendo ser o poder local o âmbito onde elas se expressam mais facilmente e que

podem levar às mudanças de uma sociedade.

Antes de tudo é imprescindível dizer que os motivos que me levaram a optar por esse

foco de análise foram as leituras por mim realizadas, instigando-me a aprofundar-me no

tema, além de ser este um campo de investigação recente, com poucas pesquisas5

4 A temática da descentralização é um dos eixos tratados na LDB que servem tanto para o “bem” como para o “mal”. Na seção que trata do referencial teórico buscarei ressaltar essa dinâmica. 5Cito : Ana Maria Beraldo Crespo (2002), estudando a municipalização do ensino em Juiz de Fora, nas décadas de 1970 e 1980, mostra que os municípios (instâncias locais) vinham buscando sua autonomia e maior abertura de participação da sociedade civil nos centros de tomadas de decisões há tempos, portanto, torna-se restrito afirmar que a autonomia municipal e a descentralização são simples conseqüências de políticas engendradas no Brasil na década de 1990, por influência de uma política neoliberal. Além da Pesquisa de Crespo, há a Pesquisa realizada entre os anos de 2001 e 2003, intitulada Autonomia Municipal: a criação dos sistemas municipais de ensino, desenvolvida no Núcleo de Estudos Sociais e Conhecimento em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, da qual fiz parte como bolsista de iniciação científica.

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desenvolvidas. Na seção que trata especificamente das pesquisas na área, procuro analisar os

estudos encontrados que se dedicaram às temáticas da descentralização, da autonomia

municipal, da política da municipalização e de criação dos sistemas de ensino, suas

perspectivas de análise, os caminhos percorridos e suas principais contribuições.

Detalhamento da Temática

Durante o curso de Mestrado em Educação, propus-se a realizar uma pesquisa e

refletir sobre as temáticas da descentralização, da democratização, do fortalecimento do

poder local e dos sistemas de ensino. Tal pesquisa teve por objetivo mais amplo o estudo da

organização educacional do Município que optou por não criar seu sistema de ensino. A

partir desse objetivo geral, foi possível apontar os objetivos específicos, quais sejam: a)

caracterizar o Município, nos seus aspectos histórico, social, econômico, político e

geográfico; b) identificar quais foram e são seus mecanismos de organização educacional nos

últimos anos; c) analisar a relação do Município com o Estado no campo educacional; d)

identificar quais as relações de poder que o município tem privilegiado; e) reconhecer os

resultados da política do município quanto à garantia de universalização da educação infantil

e do ensino fundamental, níveis de competência do município, além de outras propostas

definidas pelos instrumentos legais; f) sistematizar as informações a respeito da organização

do Município que possam contribuir para o estudo das Políticas Públicas Educacionais.

Um dos pontos centrais que norteiam este estudo encontra-se na Lei nº 9.394 de 1996

- LDB que, em consonância com a Carta Magna, esclarece sobre a organização dos Sistemas

de Ensino no Brasil. Em seu artigo 11, essa Lei trata das incumbências do município,

definindo no seu inciso I “a de organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições

oficiais dos seus sistemas de ensino, integrando-se às políticas e planos educacionais da União

e dos Estados”. Mais adiante, no parágrafo único desse mesmo artigo, a Lei oferece duas

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outras possibilidades aos municípios, além da criação de seu sistema de ensino: integrar-se ao

Sistema Estadual de Ensino ou compor com ele um Sistema Único de Educação Básica.

No que se refere ao papel do Município frente ao Estado e à União, é estabelecido,

no artigo 8º da L.D.B de 1996, um regime de colaboração, em que o Município deve

colaborar com a União: na elaboração do Plano Nacional de Educação; recebendo assistência

técnica e financeira para o desenvolvimento de seu sistema de ensino e para o atendimento

prioritário da escolaridade obrigatória; no estabelecimento de competências e diretrizes para a

educação infantil, ensino fundamental e ensino médio; na construção de um processo nacional

de avaliação do rendimento, oferecendo informações e dados necessários sobre os

estabelecimentos de ensino e aos órgãos educacionais de seu sistema; no estabelecimento do

padrão mínimo de oportunidades educacionais para o ensino fundamental.

A concepção de sistema adotada neste estudo toma como base SAVIANI (1999) que,

ao tratar de sistema, define-o como sendo:

um conjunto de atividades que se cumprem tendo em vista determinada finalidade, o que implica que as referidas atividades são organizadas segundo normas que decorrem dos valores que estão na base da finalidade preconizada. (...) sistema implica organização sob normas próprias (o que lhe confere um elevado grau de autonomia) e comuns, isto é, que obrigam a todos os seus integrantes (SAVIANI, 1999,p. 121).

Em se tratando do Sistema Municipal de Ensino, especificamente, a mesma Lei

define, em seu artigo 18, que este compreende: a rede de escolas de educação infantil da

iniciativa privada, a rede de escolas do ensino fundamental, médio e de educação infantil

mantidas pelo poder público municipal e demais órgãos municipais. São exemplos desses a

Secretaria Municipal de Educação (órgão administrativo) e o Conselho Municipal de

Educação (órgão normativo, deliberativo e consultivo). A Lei não normatiza como e quando

deverão ser implantados os sistemas de ensino nos municípios.

Segundo Gracindo (1998, p.186), para criar seu sistema de ensino:

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O município deverá elaborar uma lei municipal de ensino, alterar sua Lei Orgânica, caso seja necessário, comunicar a criação do sistema ao CEE (Conselho Estadual de Educação) e elaborar um plano educacional que estabeleça princípios, compromissos, objetivos e normas para sua estrutura e organização.

A respeito dessa questão, Sarmento (2000) esclarece que “a criação do sistema

municipal é bem mais do que uma questão legal, já que pressupõe uma maior autonomia do

município”.

A criação do sistema municipal não se reduz a um ato, mas é um processo que precisa partir da consciência dos problemas educacionais do município, do conhecimento da realidade e da formulação de um projeto com indicação de objetivos e meios para garantir a todos uma educação de qualidade (SARMENTO, 2000, p. 31).

Com o objetivo de orientar os Municípios mineiros sobre a implantação de seus

sistemas de ensino, o Parecer nº 500, de 1998, do Conselho Estadual de Educação de Minas

Gerais, define que “os municípios deveriam refletir sobre o significado da decisão de criar ou

não seus sistemas municipais de ensino” (p.18) e aponta ainda um conjunto de características

ou condições que deveriam orientar a organização dos sistemas municipais de ensino em

consonância com a L.D.B.:

Intencionalidade; adotando uma concepção de educação que contribua para erradicar as desigualdades sociais, para formar a cidadania e estabelecer as políticas, visando à inclusão de todas as crianças e jovens em uma escola de qualidade; articulação entre os elementos do sistema; gestão democrática; respeito à autonomia das escolas; universalização do atendimento e controle social.

É importante salientar que a criação dos sistemas municipais de ensino representa um

desafio para os municípios. Haja vista que, em Minas Gerais, de 1997 a 2000, somente nove

municípios optaram por assumirem sua autonomia6. Mesmo havendo infra-estrutura, com

6 São eles: Juiz de Fora, Juatuba, Patos de Minas, Governador Valadares, Caratinga, Belo Horizonte, Francisco Sá, Ribeirão das Neves e Lavras.

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uma rede de escolas organizada e com um quadro de pessoal suficiente, o município sente

dificuldade em se desmembrar do sistema estadual de ensino7.

A iniciativa do município de criar seu próprio sistema de ensino, como já referido, é

opcional. Acredita-se que seja o primeiro passo para a afirmação do poder local, solidificação

da autonomia municipal no plano educacional e para a maior participação popular nos centros

de decisões, devido à maior proximidade entre sociedade civil e a esfera de governo. A opção

do município de criar seu sistema de ensino é uma ação descentralizadora que permite pensar

a educação e seus problemas conjuntamente e não implantar soluções articuladas

externamente. Consiste em um “olhar sobre si mesmo” em que se toma os rumos da educação

em seu território.

A justificativa do estudo

Além da autonomia que passa a ser conferida ao município que opta por criar seu

sistema municipal de ensino, é preciso atentar para a legitimidade de suas ações educacionais,

ou seja, se as resoluções provêm de um processo democrático ou não. Sob esse prisma,

convém ressaltar que a participação da sociedade civil na tomada de decisão é que garante o

caráter democrático das propostas, pois a simples criação do sistema não permite a

socialização do poder, que pode passar das mãos do Estado para se concentrar em uma “elite

governante” do Município.

Considero que a forma de se viabilizar uma representação verdadeiramente

democrática, que atenda aos interesses públicos e não privados de determinada categoria,

7 Entre os anos 2000 e 2002, mais 11 municípios criaram seus sistemas de ensino, o que ainda é um número insignificante em relação ao universo de 853 municípios que compõem o Estado de Minas Gerais. São eles: Muriaé, Teófilo Otoni, Cataguases, Santa Luzia, Uberaba, Conselheiro Lafayete, Vespasiano, Bocaina de Minas, Jacutinga, União de Minas e Sabará. Esses dados foram retirados do Relatório Final da Pesquisa Autonomia Municipal: Criação dos sistemas municipais de ensino.

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deve ocorrer pela construção paralela de espaços públicos nos municípios, aliados às esferas

públicas, como mecanismo de socialização do poder8.

A questão da participação está presente como pano de fundo desse estudo. Tal

questão tem sido abordada, nos últimos anos, por autores como Ivo Lesbaupin e Elenaldo

Teixeira, juntamente com a temática do fortalecimento do poder local. Este último autor

afirma que:

No espaço público tematizam-se questões de interesse geral, realizam-se negociações, formulam-se proposições de políticas públicas e pode-se exercer o controle social dos atos e decisões do poder político. Auto-organizados, são efetivos espaços de interação entre os atores da sociedade civil, diversamente da esfera pública. Nesta, fenômeno recorrente em vários países em processo de democratização, os debates e as negociações entre atores vinculam-se à estrutura do Estado (Conselhos) com representação da sociedade civil, em alguns países com caráter decisório e em outros, consultivo (TEIXEIRA, E.,2001, p. 20).

Sempre que se discute acerca da participação, é preciso classificá-la em dois tipos: o

da participação direta e o da representação. No caso dos sistemas municipais de ensino o tipo

de participação encontrada é o da representação, através da composição do Conselho

Municipal de Educação, por representantes de setores da comunidade.

Acredito que o estudo da participação e democratização dos espaços públicos faz-se

necessário nessa pesquisa, uma vez que poderá viabilizar não apenas o entendimento da

dinâmica de organização educacional do município mas também a identificação das relações

de poder que esse município tem privilegiado.É importante lembrar, nesse momento, que um

dos objetos de análise da pesquisa é a sociedade civil e seu espaço de participação que pode se

dar através do Conselho Municipal de Educação, ou de outros mecanismos.

No âmbito do município, a formação de órgãos como o Conselho Municipal de

Educação, concebido como esfera pública, tendo em sua composição representantes de vários

segmentos da sociedade e com o objetivo da promoção da educação de qualidade, como já foi

8 Os termos espaço público e esfera pública são utilizados por Teixeira (2001). Por espaço público entende-se que sejam instâncias que possibilitam a participação de forma não institucionalizada. Por esferas públicas, entende-se por instâncias que possibilitam a participação mediada pelo Estado.

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mencionado, acompanhou os processos de construção da autonomia municipal e de

descentralização. Por um lado, a formação de Conselhos pode constituir-se como um espaço

para participação e extensão da democracia e cidadania, como também, pode, por outro lado,

representar um mecanismo de legitimação de interesses da elite municipal.

Tais Conselhos constituem-se como órgãos fundamentais dos sistemas municipais de

ensino, sendo que, em alguns casos, precedem à sua criação.

Nessa perspectiva, algumas questões importantes emergem nesse estudo, como: em

que medida se torna importante a maior aproximação entre sociedade civil com o centro de

decisão? Em contrapartida, como a organização educacional do município, que não dispõe de

um sistema próprio, se prejudica por um maior distanciamento da sociedade civil do centro de

decisão?

Não procuro estabelecer relações que caminhem em uma direção única. A

descentralização é um processo que pode trazer mudanças significativas para a organização da

estrutura educacional municipal, mas para isso deve vir acompanhada de outro processo:

democratização9.

Nos municípios com sistema de ensino próprio, podem-se encontrar práticas

autoritárias de gestão, políticas pensadas de cima para baixo, além de poucos espaços

destinados à participação da sociedade civil. Assim como define Romão (1992, p.22) “o

governo municipal brasileiro como esfera do Estado burguês, a despeito de menor ou maior

autonomia, cumpre estruturalmente funções da lógica capitalista (submissão do social ao

econômico) e da ética burguesa.”. Frente ao exposto, é preciso que se tenha bem claro quem

e como se discute a educação no município, para se afirmar se há efetiva participação e gestão

democrática.

9 Ao discutir acerca da Democracia, Bobbio (1986, p. 51) a caracteriza como sendo “um sistema que difere dos sistemas autocráticos, nos quais o fluxo de poder procede do alto para baixo”. Estes conceitos são discutidos no item que trabalha com o Referencial Teórico deste estudo.

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Quando se organiza um sistema municipal de ensino está se privilegiando o local

frente ao global. Isso pode favorecer a participação, a democratização do acesso e a qualidade

da escola pública. Poucos foram os municípios, em Minas Gerais, que optaram por um

sistema próprio. Sendo assim, o interesse em estudar um município que não fez essa opção

justifica-se ao possibilitar compreender um pouco mais as relações políticas que envolvem as

ações na área da educação na esfera local.

Esta dissertação está estruturada em cinco capítulos. No primeiro capítulo faz-se o

resgate histórico do movimento entre centralização e descentralização presentes nos debates

políticos educacionais do Brasil e nas idéias contidas na legislação federal da educação. Uma

das razões desta reflexão é estabelecer um elo entre o passado e o presente na construção da

educação no Brasil. Essa inserção na história se torna importante por permitir a compreensão

dos motivos pelos quais o Brasil, ainda hoje, não construiu um Sistema Nacional de Ensino

articulado que promovesse uma educação de qualidade e que atendesse aos interesses de toda

a população brasileira.

No segundo capítulo procuro refletir sobre o processo de pesquisa e a metodologia

utilizada.

O capítulo seguinte, denominado de Revisão de Literatura, propõe-se a discutir os

trabalhos produzidos nos últimos anos sobre os temas relacionados ao assunto em foco nesse

estudo, identificando a diversidade de abordagens.

O quarto capítulo tem por objetivo trabalhar com as perspectivas teóricas que

fundamentam os conceitos utilizados nessa pesquisa, que são: descentralização e

fortalecimento do poder local; municipalização; sistema de ensino municipal; globalização e

neoliberalismo; reforma do Estado brasileiro e democratização.

No capítulo subseqüente procede-se à apresentação e análise dos dados coletados

sobre a educação no Município pesquisado.

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Ao finalizar a conversa, procuro não só retomar alguns pontos relacionados à

pesquisa que demandam maior detalhamento como também responder a algumas questões

que foram levantadas nesse estudo.

Reconhecendo os limites deste trabalho, espero contribuir para a ampliação dos

estudos da Gestão e Políticas Públicas da Educação e para a melhor compreensão dos

processos de descentralização, democratização, municipalização e criação dos sistemas

municipais de ensino no Brasil.

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1 OS SISTEMAS DE ENSINO NO BRASIL: CENTRALIZAÇÃO X

DESCENTRALIZAÇÃO

Este capítulo busca sistematizar o movimento entre centralização e descentralização

presentes nos debates políticos educacionais do Brasil e nas idéias contidas na legislação

federal da educação.

Estabeleço, como ponto de partida, a análise da Primeira República por ser este o

período em que o país estabelece um pacto federativo, constituindo-se assim como o

momento de se conceder maior autonomia aos estados que compõem a federação.

O segundo período analisado é o que vai de 1930 até 1964. Esse corte histórico,

justifica-se pelo momento político vivido no país, já que se trata de uma época em que o

Brasil sai de uma “Revolução” política para outra.

Outro período que merece destaque é o da Ditadura Militar, em que são aprovadas

várias legislações na área da educação que correspondem ao contexto de centralização política

pelo qual passa o país.

O quarto momento analisado é o que se inicia com a redemocratização do país no

início dos anos de 1980, em que se observa uma mudança político-ideológica que certamente

influenciou as políticas públicas educacionais brasileiras. Nesse período os discursos políticos

destacam questões como democratização, participação e descentralização do poder.

Por fim, o último período analisado é o da década de 1990. Tal período é

reconhecido na literatura que trabalha com as políticas públicas educacionais, como um marco

histórico. Trata-se do período da Reforma do Estado brasileiro e das políticas de ajuste

econômico e do assentamento do neoliberalismo.

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Primeira República:

Este período é conhecido pelo nascedouro de uma nova classe, talvez emergente ou

transferida da velha ordem oligárquica latifundiária, a burguesia industrial. É também na

década de 1920, que se registram as revoltas armadas do tenentismo10, a criação do Partido

Comunista e a Semana de Arte Moderna.

Com o advento da República, instaura-se como debate educacional a necessidade de

criação do Sistema de Ensino no Brasil, para a implantação de uma escola de qualidade,

gratuita, única e laica.

Para Teixeira (1977, p.57), “era viva, lúcida e quente a convicção democrática da

função da escola, na república e em seus primórdios.” Entretanto, a grande contradição desse

período, conforme destacado por Teixeira, é que democracia e república faziam parte de um

movimento de poucos. A classe dominante à época concordava que era preciso educar o povo,

mas os próprios educadores, segundo Teixeira (1977), admitiam que o sistema de escolas

públicas para toda a população era impossível. Dessa forma, pode-se perceber que o Brasil

amanhecia republicano sem ao menos ter resolvido os problemas deixados pela Monarquia

que aqui se instaurara.

O processo de luta a favor da educação popular, que deveria ser rapidamente

desencadeado, começou em marcha lenta, tendo surgido com maior intensidade somente na

década de 1920.

10 Nas palavras de Romanelli (1989, p. 49), o tenentismo se resumiu em uma série de reivindicações que oscilaram entre a necessidade de se implantar uma ordem social e econômica de caráter capitalista e a moralização das eleições, até a implantação de mudanças radicais, só passíveis de realização pela imposição de um governo forte, coeso e nacionalista.

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Uma primeira iniciativa foi a criação de um Conselho de Educação, a nível federal,

através da Reforma Benjamin Constant, por meio do Decreto nº 1232 de 02 de janeiro de

1891.

Tendo em vista o princípio federativo, as iniciativas dos estados e a desobrigação do

Governo Federal para com a educação fundamental, ficou marcada como característica do

período inicial da República, ou Primeira República, a descentralização na educação11. Como

afirma Fernando de Azevedo:

o triunfo federativo, com a mudança do novo regime político, não só consagrou, mas ampliou o regime de descentralização estabelecido pelo Ato Adicional de 1834 e, jogando a educação fundamental do plano nacional para os planos locais, subtraiu à esfera do governo federal a organização das bases em que se devia assentar o sistema nacional de educação (AZEVEDO,1963, p.609).

Pode-se depreender que, na visão do autor, ao Governo Federal deveria competir a

normatização do Sistema Nacional de Ensino. Como o Regime Federativo triunfou, isso não

ocorreu naquele momento. Percebe-se, portanto, que a descentralização estabelecida em 1834,

que atribuía a responsabilidade pela educação fundamental às Províncias foi mantida com a

República, ficando a política educacional da educação elementar nas mãos dos Estados.

Segundo a Constituição de 1891, conforme destaca Azevedo, as competências da

União e dos Estados em educação foram divididas da seguinte forma:

a)à União competia privativamente legislar sobre o ensino superior na capital da República, cabendo-lhe, mas não privativamente, criar instituições de ensino superior e secundário nos estados e prover a instrução no Distrito Federal; b) aos Estados se permitia organizar os seus sistemas escolares completos c) ao Distrito Federal, pertencia, à alçada do govêrno do país, o ensino superior, a que se facultava, mas não se impunha, prover à instrução nos graus primário e médio. Donde se seguia a possibilidade de organização, simultânea e paralela, de três

11 É importante ratificar que desde o Império, as discussões entre descentralizar e centralizar se faziam presentes, portanto, seria mais correto afirmar que é o retorno da idéia de descentralização proclamada desde o Ato Adicional de 1834.

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tipos de sistemas escolares: a) o sistema escolar federal, constituído, no território do país, do ensino secundário e superior, e necessariamente incompleto; b) sistemas escolares estaduais completos; c) e dois tipos de organizações escolares públicas no Distrito Federal, uma, dos poderes municipais, sem o ensino superior, e outra, da União, que tinha o direito exclusivo de legislar sobre o ensino superior e a faculdade de organizar, no Distrito Federal, a instrução em todos os graus (AZEVEDO,1963,p.610).

O panorama educacional da época passou a ser configurado com a formação dos

sistemas escolares estaduais que começaram a se organizar paralelamente ao sistema federal,

que se limitara ao ensino secundário e superior.

A Reforma Epitácio Pessoa, de 1901, que regulamentou os Institutos Oficiais de

Ensino Superior e Secundário, dependentes do Ministério da Justiça e Negócios Interiores,

trata das instituições de Ensino Superior e Secundário fundadas pelos Estados ou particulares.

Essa Lei determina, em seu artigo 361, que:

aos estabelecimentos de ensino superior ou secundário fundado pelos Estados, pelo Distrito Federal ou por qualquer associação ou indivíduo, poderá o governo conceder os privilégios dos estabelecimentos federais congêneres e que para isso deveriam equiparar-se aos institutos federais.

No artigo 382, inciso II está definido que:

a organização dos programas de ensino é da exclusiva competência da Congregação do Ginásio Nacional, sendo, todavia, permitido às congregações dos institutos equiparados submeter, antes de terminado o prazo da duração daqueles programas, à consideração do governo, por intermédio e com informação dos respectivos delegados fiscais, modificações ou medidas aconselhadas pela experiência em bem do ensino, sobre as quais resolverá o mesmo governo, ouvida previamente a Congregação do Ginásio.

O ensino processava-se irregularmente, segundo as diferenças de nível econômico e

cultural, entre os diversos Estados da União. Não só se desenvolvia com evidente

irregularidade, ligada aos desníveis econômicos e culturais, nas várias regiões do país, mas

sempre nas direções tradicionais e com uma intensidade maior, nos municípios, no domínio

do ensino primário e normal.

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A dualidade do ensino que havíamos herdado do Império acabou agravando-se na

República, uma vez que as Províncias, que não dispunham das adequadas condições,

assumiram a educação primária de forma deficiente em quase todo o território nacional.

Romanelli (1989, p. 42) identifica que esse período acabou por gerar uma

descentralização forçada, aumentando a dualidade vertical e horizontal dos sistemas de ensino

no país. Enquanto a formação popular ficava a cargo dos Estados, a formação das elites cabia

à União.

Entretanto, afirma Nagle (1990) que a primeira República avança na formulação de

uma política nacional de educação, baseada em três pilares que fundamentam a ideologia do

novo regime: democracia, federação e educação. Já se falava, nessa época, em autonomia

concedida às escolas. A Reforma Rivadávia Corrêa, através do Decreto nº 8.659, aprova a Lei

Orgânica do Ensino Superior e do Fundamental na República.

Em seu artigo 2º, define que os institutos, até agora subordinados ao Ministério do

Interior, serão de ora em diante, considerados corporações autônomas, tanto do ponto de vista

didático, como do administrativo .

Essa mesma Lei, que concede autonomia didática e administrativa aos Institutos de

Ensino Superior e Fundamental, cria o Conselho Superior de Ensino a nível federal. Além do

movimento de entusiasmo pela educação, que pode ser exemplificado por uma preocupação

cada vez maior com o estudo da Língua Pátria e a luta contra o analfabetismo, esse período

pode ser identificado como pioneiro na racionalização da administração escolar. Mais do que

a União, os Estados foram convocados à implantação e/ou reorganização da administração da

educação, bem como o uso de instrumentos de planejamento, como os recenseamentos

escolares. Era a busca pela ampliação da rede e da clientela escolar.

A criação do Departamento Nacional de Ensino é um exemplo dessa racionalização

administrativa. A Reforma Rocha Vaz, implementada pelo Decreto nº 16.782 de 1925,

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estabelece o concurso da União para a Difusão do Ensino Primário, organiza o Departamento

Nacional do Ensino, reforma o Ensino Secundário e dá outras providências.

O artigo 2º determina que o Departamento terá a seu cargo os assuntos que se refiram

ao ensino nos termos desse regulamento, assim como o estudo e a aplicação dos meios

tendentes à difusão e ao progresso das ciências, das letras e das artes no país.

Tal Departamento apresentava-se dividido em seções. Conforme o art.8º, à Seção do

Ensino cabia o estudo de todos os assuntos peculiares aos estabelecimentos federais de ensino

superior e secundário. O art. 11 determinava que a Seção do Ensino organizaria a estatística

do ensino, compreendendo o ensino primário subvencionado, o profissional, o artístico, o

secundário e o superior, subordinados ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, assim

como os estabelecimentos particulares do ensino primário, secundário e superior.

O artigo 24 do Capítulo II determinava que o Governo da União, com o intuito de

animar e promover a difusão do ensino primário nos Estados, entrará em acordo com estes

para o estabelecimento e manutenção de escolas do referido ensino nos respectivos territórios.

O artigo 25, alínea g, definia que para cada município em que houvesse escola

subvencionada, o Diretor Geral do Departamento Nacional de Ensino, nomearia, sob proposta

do inspetor estadual, pessoa idônea para exercer o cargo de inspetor municipal cujas funções

seriam gratuitas e consideradas como de relevante serviço público.

Na alínea h desse mesmo artigo, está definido que ao inspetor municipal incumbiria

informar ao estadual e este ao Conselho de Ensino Primário e do Profissional, por intermédio

do Departamento Nacional do Ensino, sobre todas as ocorrências que interessassem à

regularidade do ensino nas escolas subvencionadas; dar aos professores o atestado mensal de

exercício, para o recebimento dos vencimentos e propor ao inspetor estadual a aplicação das

penalidades previstas na legislação ou no termo do acordo.

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Casemiro dos Reis Filho (1981) sinaliza que a Primeira República foi o marco

histórico para o planejamento da educação nacional. No entanto, na perspectiva desse autor,

nem mesmo os Republicanos haviam traçado um planejamento prévio para a educação pós

1889. Reis Filho (1981, p.12) afirma que o objetivo dos republicanos era o poder, depois de

conquistado urgia organizá-lo e fazê-lo funcionar. Portanto, não havia nenhum planejamento

prévio para a instauração da República. Em todos os setores, inclusive o educacional, a

estruturação se faria a posteriori.

Nas palavras de Nagle (1990), à União competia fixar os padrões da escola

secundária e superior e aos Estados a ampliação da rede de escolas primárias e técnico-

profissionais. Tal autor conclui que a Primeira República caracteriza-se pela ausência de

ações intervencionistas do Governo Federal na educação e pelas reformas pontuais realizadas

nos Estados. Percebe-se desde essa época um movimento local, descentralizador de ações

educacionais, ora por iniciativa dos próprios Estados, ora por iniciativa do Governo Federal

que se eximia da responsabilidade com o ensino primário e técnico-profissional.

Alguns anos após a proclamação da República, a década de 1920 aparece como um

período de grande importância no país. Há o movimento modernista e uma crescente

mobilização dos municípios para o encaminhamento de discussões acerca da educação, como

o Congresso de Municipalidades, a Conferência Interestadual do Ensino Primário, a Reforma

Cearense e a Reforma Baiana, com o envolvimento dos Pioneiros da Escola Nova. O

Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, em 1932, declarava que:

a organização da educação brasileira unitária sobre a base e os princípios do estado, no espírito da verdadeira comunidade popular e no cuidado da unidade nacional, não implica num centralismo estéril e odioso, ao qual se opõem as condições geográficas do país e a necessidade de adaptação da escola aos interesses e às necessidades regionais.

Tal documento aponta, sobretudo, para a ausência de esforços e de um plano de

organização escolar que estivesse à altura das necessidades modernas e das necessidades do

país.

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Os educadores e demais intelectuais da época que assinam tal manifesto

denunciavam a falta de um espírito filosófico e científico na resolução dos problemas da

administração escolar, buscavam a solução dos problemas educacionais do Brasil, aspirando

que o movimento renovador pudesse inaugurar uma série fecunda de combates de idéias,

dando uma nova direção para a educação.

Anunciando que o Estado deveria se comprometer com a educação, o Manifesto

declara que nas Reformas Educacionais anteriores faltava uma visão global dos problemas

educacionais do país.

O que se apreende desse documento é a importância que dá ao plano nacional de

educação articulado, respeitando a “doutrina federativa”. Para os educadores, políticos e

demais colaboradores que assinaram o documento estava clara a idéia de um Sistema

Nacional de Educação articulado em todos os níveis da federação brasileira, em que não se

consagrava a centralização mas sim a autonomia dos estados em seus respectivos territórios.

Tal movimento estava na base de todas essas discussões entre centralização e

descentralização da educação, da separação da Igreja do Estado e da luta pela construção de

uma escola única, gratuita e obrigatória. Como um de seus mais conhecidos representantes,

estava Fernando de Azevedo que, esclarecendo sobre o movimento, afirma que:

a reforma pela qual apontavam os educadores deste movimento conhecido como escolanovista, não se propunha superficial. Reforma de caráter administrativo e de pura renovação de técnicas, mas uma reforma radical, feita em profundidade e montada para uma civilização industrial, e em que, tomando-se o sentido da vida moderna e das necessidades nacionais, se procurou resolver as questões de técnica em função de uma nova concepção de vida e de cultura e, portanto, de novos princípios e diretrizes de educação. De caráter local em suas origens, mas nacionais nos seus propósitos e nos seus efeitos. (AZEVEDO, 1963 p. 642)

É importante a tese de Rocha (2004) a respeito dos pioneiros da educação. Esse autor

aponta para o surgimento de um novo ator social, como um novo padrão de soberania na

relação Estado/Sociedade, denominado por ele de “Geração dos Críticos Republicanos”, que

advinha de uma nova concepção de modernidade.

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A Geração dos Críticos Republicanos nasce com a República e sua militância

educacional encontra um lugar privilegiado na Associação Brasileira de Educação(ABE),

criada em 1924, no interior da Escola Politécnica do Rio de Janeiro.

Tal associação abarca uma confluência de matrizes distintas de pensamento, como

procura mostrar o autor.

Ao analisar a constituição do que denomina de novo ator social, os Pioneiros da

Educação, Rocha (2004) define que:

o seu cerne é precisamente o vetor que aponta o sentido para a sociedade, para a solidariedade da nação, em vez de fazê-lo para a autoridade. O seu publicismo educacional não representa a exacerbação do Estado, mas o fortalecimento do povo perante o Estado (ROCHA, 2004, p. 149).

Para Romanelli (1989, p. 43), a Primeira República é conhecida por suas várias

reformas no campo da educação. Na concepção da autora, tais reformas não passaram de

tentativas frustradas de políticas nacionais de educação e mesmo quando aplicadas,

representaram o pensamento isolado e desordenado dos comandos políticos.

Com base na análise de Romanelli, a perspectiva federalista, que dava autonomia aos

Estados, talvez pautada no ideário de diferenças regionais, neste espaço de tempo, acabou por

acentuar as desigualdades regionais, tanto no plano econômico, quanto no plano cultural e

educacional.

Os anos de 1930 a 1964

Este período pode ser identificado, neste trabalho, com uma diversidade no campo

da política, já que foi marcado por um Golpe de Estado que implantou um Regime Ditatorial

por 15 anos, seguido por um período de aspiração democrática.

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Findo o período de Ditadura Vargas, tem-se novamente um governo eleito, do

presidente Dutra, cujo governo é seguido pelo retorno de Vargas ao poder, eleito, de 1951

até 1954, ano da sua morte. Em 1955, o presidente Juscelino Kubtischek chega ao poder e é

sucedido por Jânio Quadros, em 1959, que permanece na presidência da República por apenas

7 meses. Seu vice e herdeiro político de Getúlio Vargas, o presidente João Goulart, assume o

poder até o Golpe das Forças Armadas em 1964.

Esse breve panorama do que ocorreu nesse período serve para mostrar que os anos de

1930 a 1964, assim como a Primeira República, foram anos de muitas ações políticas e

estratégias de governo que deixaram conseqüências no país até os dias de hoje.

A realidade educacional desse período, analisada por Teixeira (1977), foi marcada

pelo reforço da escola dual, contrariando a luta travada na década de 1920, já que incentivou a

educação secundária que poderia ser ministrada pelos particulares mediante a concessão do

Estado.

Para esse teórico, a revolução de 30, nascida das inquietações políticas e

democráticas de 1920, fez-se reacionária depois de 1937. As lutas a favor da educação

popular, na perspectiva de Anísio Teixeira, foram sufocadas pela ditadura varguista. As

reivindicações proclamadas no manifesto dos educadores, publicado em 1932, só se fizeram

ouvidas em 1946, quando teve fim a era Vargas e foi instituída uma nova Constituição

Federal que incorporou muitas dessas reivindicações.

A Reforma Campos do Ensino Secundário, em 1932, serve para mostrar como se

dava a relação entre os governos federal, estadual e municipal naquela época. O artigo 1º

determina que o ensino secundário, oficialmente reconhecido, seria ministrado no Colégio

Pedro II e em estabelecimentos sob regime de inspeção oficial.

O Título II, que trata da Inspeção do Ensino Secundário, dos Estabelecimentos

Equiparados, Livres e sob inspeção preliminar, determina no seu art. 50 que seriam

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oficialmente reconhecidos, para efeito de expedir certificados de habilitação, válidos para fins

legais, aos alunos neles regularmente matriculados, os estabelecimentos de ensino secundário

mantidos por Governo estadual, municipalidade, associação ou particular, observadas

algumas condições.

O capítulo II, que trata do Serviço de Inspeção, determina no seu artigo 63 que ficava

mantido, no Departamento Nacional de Ensino, o serviço de inspeção aos estabelecimentos de

ensino secundário. No artigo 64, para os fins da inspeção, os estabelecimentos de ensino

secundário seriam agrupados de acordo com o número de matrículas e com as distâncias e

facilidades de comunicação entre eles, constituindo Inspetorias Regionais (grifo meu).

O parágrafo único determina que o Ministro da Educação e Saúde Pública, proposta

do Departamento Nacional de Ensino, criaria novas Inspetorias Regionais, ou faria nova

distribuição dos estabelecimentos de ensino por Inspetoria Regional, sempre que o

aconselhassem as exigências da inspeção.

O artigo 96, que trata das Disposições Gerais e Transitórias, define que os

estabelecimentos de ensino secundário, mantidos pelos Governos do Estado e já sob o regime

de inspeção permanente, entrariam desde logo no gozo das prerrogativas conferidas por esse

Decreto aos estabelecimentos equiparados. O parágrafo 1º desse mesmo artigo define que os

estabelecimentos de ensino secundário, mantidos pelos Governos dos Estados, atualmente sob

regime de inspeção preliminar, continuariam no gozo das prerrogativas que lhe foram

concedidas.

A Constituição de 1934 estabeleceu a responsabilidade da União em relação ao

ensino em seus Territórios e Distrito Federal, além de ação supletiva em relação aos Estados.

Criou o Conselho Nacional de Educação (com uma característica menos administrativa e mais

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normativa) e os Conselhos Estaduais de Educação. Colocou como incumbência da União a

elaboração do Plano Nacional de Educação.12

A Constituição de 1937 foi elaborada com um caráter estritamente conservador e

centralizador e revoga direitos estabelecidos na Constituição de 1934.

O período que vai de 1930 a 1945, sob a presidência de Getúlio Vargas, é marcado

pela tendência centralizadora que retirou dos Estados sua autonomia, foram sete anos de

governo provisório e oito anos de plena ditadura, significando, nas palavras de Romanelli

(1989), o modelo brasileiro do fascismo europeu.

No que se refere à política de interesses, Getúlio Vargas oscilava entre o

compromisso com a velha ordem oligárquica e a burguesia industrial, “constitucionalistas

liberais e nacionalistas autocráticos”, como afirma Romanelli (1989, p. 51).

No período que vai de 1942 a 1946, no setor educacional foi implementada uma série

de Decretos-Lei, chamada de Reforma Capanema, no período que vai de 1942 a 1946. Tais

leis normatizavam várias modalidades e níveis do ensino, eram as chamadas Leis Orgânicas

do Ensino Industrial, Ensino Secundário, Ensino Comercial, Ensino Primário, Ensino Normal

e Ensino Agrícola.

Foi estabelecido que, além da União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal e

pessoas natural ou jurídica poderiam manter institutos de ensino industrial, secundário,

comercial, normal13 e agrícola. Com exceção do curso normal, os estabelecimentos de ensino

mantidos pelo Estado e Distrito Federal eram considerados equiparados e os

estabelecimentos de ensino mantidos pelos Municípios e pessoa natural ou jurídica eram

considerados reconhecidos, mediante fiscalização e controle.

12Destaca-se neste período a atuação dos educadores pertencentes ao Movimento dos Pioneiros da Escola Nova. 13O Decreto-lei nº 8.530, de 02 de janeiro de 1946, que regulamenta essa modalidade de ensino, determinava em seu art.40 que onde fosse conveniente poderiam os Estados outorgar mandato a estabelecimentos municipais ou particulares de ensino, para que ministrassem curso de Ensino Normal, oficialmente reconhecidos.

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Pode-se perceber, por meio da legislação, um reforço à hierarquia entre a União,

Estados e Municípios. Tal hierarquia só seria modificada na Constituição de 1988.

A Lei Orgânica do Ensino Primário, implementada pelo Decreto-lei nº 8529, de 02

de janeiro de 1946, determinava que o ensino primário obedeceria a programas mínimos e a

diretrizes essenciais, fundamentados em estudos de caráter objetivo, realizados pelos órgãos

técnicos do Ministério da Educação e Saúde, com a cooperação dos Estados.

Segundo o Parágrafo único desse artigo, a adoção de programas mínimos não

prejudicaria os programas de adaptação regional, desde que respeitados os princípios gerais

citados no Decreto-Lei.

O artigo 24, que tratava dos sistemas de ensino primário, determinava que os

estabelecimentos de Ensino Primário, públicos e particulares formariam, em cada Estado, em

cada Território e no Distrito Federal, um só sistema escolar, com a devida unidade de

organização e direção. O Art. 25 diz que:

providenciariam os Estados, os Territórios e o Distrito Federal no sentido da mais perfeita organização do respectivo sistema de Ensino Primário, atendidos os seguintes pontos: planejamento dos serviços de ensino, em cada ano, de tal modo que a rede escolar primária satisfaça às necessidades de todos os núcleos da população;organização, para o cumprimento progressivo, de um plano de construções e aparelhamento escolar; preparo do professorado e do pessoal da administração, segundo as necessidades do número de unidades escolares e de sua distribuição geográficas; organização da carreira do professorado, em que se estabeleçam níveis progressivos de condigna remuneração; organização de órgãos técnicos centrais, para a direção, orientação e fiscalização das atividades de ensino;organização dos serviços de assistência escolares; execução das normas de obrigatoriedade da matrícula e da freqüência escolar; organização das instituições complementares da escola; coordenação das atividades dos órgãos referidos no item “e” com os órgãos próprios do Ministério da Educação, para mais perfeita articulação dos sistemas regionais e crescente aperfeiçoamento técnico pedagógico.

O artigo 26 definia que o Sistema Primário, em cada Estado e no Distrito Federal,

teria legislação própria, em que se atenderiam aos princípios definidos no Decreto-Lei. O

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Parágrafo único desse artigo determinava que os sistemas dos Territórios teriam regulamento

expedido pelo Ministério da Educação.

O artigo 42 estabelecia que a administração dos Estados, dos Territórios e do Distrito

Federal baixaria regulamentos especiais sobre a obrigatoriedade escolar e organizaria, em

cada Município ou Distrito, serviços de Cadastro Escolar, pelos quais se poderia tornar

efetiva essa obrigatoriedade.

O artigo 45, que trata dos recursos para o Ensino Primário, determinava que os

Estados e o Distrito Federal reservariam, cada ano, para manutenção e desenvolvimento de

seus serviços, a cota-parte das rendas tributárias de impostos, fixada no convênio, de que

tratava o Decreto-Lei nº 4.958, de 14 de novembro de 1942. Igual providência tomaria a

União, quanto aos orçamentos dos Territórios.

O artigo 52 das Disposições finais diz que o Ministério da Educação e Saúde

providenciaria, por seus órgãos técnicos e em cooperação com a administração dos Estados,

do Distrito Federal e dos Territórios, a realização de estudos e pesquisas especiais sobre a

organização do Ensino Primário, verificação do seu rendimento social, apuro e oportunidade

dos levantamentos estatísticos e mais eficiente aplicação de recursos.

Pode-se perceber, através do texto do Decreto-Lei, que a organização do ensino

primário nos Municípios ficava sob responsabilidade maior do Ministério da Educação e

Saúde a nível federal ou, de alguma forma, dos Estados. Não havia, nesse período, nenhuma

intenção de conceder autonomia aos municípios, tudo era concedido sobre controle e tutela do

Governo Federal, que via a necessidade de expansão desse nível de ensino.

A Constituição de 1946 manteve o regime federativo e presidencial, aumentou a

autonomia dos Estados e Municípios por uma nova política tributária, possibilitou a criação

dos sistemas de ensino dos Estados e do Distrito Federal. O ensino dos territórios continuava

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sob o controle da União. Tal Constituição, no entanto, retoma a questão do Plano Nacional de

Educação e determina a elaboração de uma Lei de Diretrizes e Bases.

O Governo Juscelino Kubitschek, iniciado no ano de 1956, é marcado pela

implantação da indústria pesada no Brasil e a entrada maciça de capital internacional. A

ênfase é o desenvolvimentismo14 e a educação ganhando destaque nesse governo. Os gráficos

que tratam da relação entre crescimento demográfico e expansão escolar apontados por

Romanelli (1989,p. 66), mostram que entre 1940 e 1950 foram da ordem de 19,6% para o

aumento da população, e de 59,3% para a expansão escolar, o que demonstra que as classes

populares, que forneciam um maior contingente da população, já se havia empenhado na luta

pela expansão da escola elementar e média, principalmente o ensino profissionalizante.

Esse crescimento gradual, que vinha ocorrendo desde a década de 1930, é explicado

pelas transformações do panorama político, econômico e social do país. Os estratos médios

buscavam ascensão e prestígio social, a transferência do setor arcaico para o setor moderno e

a mudança de uma sociedade dominantemente agrária para uma sociedade urbana. A

educação tornou-se um veículo de mobilidade social e ganhou maior importância na agenda

política, ou seja, a demanda era sustentada por mudanças econômicas e políticas.

A Lei nº 4.024 de 1961, a 1ª Lei de Diretrizes e Bases, estabeleceu em seu artigo 11

e 12 a possibilidade de Criação dos Conselhos Estaduais de Educação; a criação de sistemas

de ensino nos Estados e a criação do Conselho Federal de Educação.

Coube aos Municípios a chamada anual da população com 7 anos para a matrícula da

escola primária. Os Estados, o Distrito Federal e os Territórios ficaram encarregados do

14 Desenvolvimentismo é um termo que se refere ao período de consolidação/superação das transformações políticas e econômicas que tiveram início na década de 30 no Brasil, com a implantação de um núcleo de indústria de base, assim como a definição de um novo papel do Estado em matéria econômica, voltado agora para a afirmação do pólo urbano-industrial enquanto eixo dinâmico da economia, superando a tradição agrário-exportadora. Foi sob a égide do Plano de Metas (JK) lançado na segunda metade dos anos 50, que o país ingressou em sua fase de economia industrial avançada, concretizando-se uma estrutura monopolista específica que articulou, de modo peculiar, a multinacional, a empresa privada nacional e a empresa pública. Ver: BOTTMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Social do século XX. Ed. Brasileira: Rio de Janeiro, 1996.

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levantamento anual do registro de crianças em idade escolar e do incentivo e fiscalização da

freqüência às aulas. O art. 28 estimulava os Municípios a atuarem no ensino primário. No

artigo 13, ficou explicitado que a União organizaria o ensino público dos Territórios e

estenderia a ação federal supletiva a todo país, nos estritos limites das deficiências locais.

O artigo 16 definia que era da competência dos Estados e do Distrito Federal

autorizar o funcionamento dos estabelecimentos de ensino primário e médio não pertencentes

à União, bem como reconhecê-los e inspecioná-los.

Ao estabelecer a relação entre o Conselho Federal de Educação (nome dado ao

conselho na época) e os Conselhos Estaduais de Educação, Sucupira (1963), membro do

Conselho Federal , destaca em parecer, a importância de um intercâmbio entre o Governo

Federal e os governos estaduais. Chama a atenção para a autonomia dos sistemas estaduais e

seus respectivos conselhos o que possibilitaria a harmonia entre o nacional e o regional,

esclarecendo que:

Parece que o legislador se preocupou em delimitar as competências para bem firmar a autonomia dos sistemas estaduais e seus conselhos com o objetivo de melhor assegurar o princípio de descentralização . Os Conselhos Estaduais, todos sabemos, são órgãos autônomos que não se acham subordinados ao Conselho Federal... Em face da descentralização, o Conselho Federal e os Conselhos Estaduais trabalham e desenvolvem suas atividades independentemente, supondo-se que da ação eficaz e esclarecida de todos os Conselhos resulte, por uma espécie de harmonia preestabelecida da qual a lei é a garantia, o benefício geral da educação nacional (SUCUPIRA,1963,p. 4).

Nessa perspectiva, o debate que se travou em torno do Projeto de LDB, de 1948 a

1958, como observa Romanelli, estava relacionado à questão da centralização e da

descentralização do sistema educacional brasileiro.

Os defensores da descentralização pautavam-se pelo texto constitucional de 1946, de

aspirações democráticas e liberais. O grupo que lutava em torno da bandeira da centralização

pertencia à velha ordem social conservadora advinda do Estado Novo. Conforme destaca

Romanelli (1989):

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O projeto primitivo propunha, embora sem muita veemência, a descentralização. O deputado Capanema, em parecer baseado numa interpretação bastante parcial do texto constitucional, opusera-se a essa descentralização, porque entendia que a competência da União para traçar as diretrizes e bases não se restringia tão somente ao campo das idéias, mas também ao campo da administração (ROMANELLI, 1989, p. 172).

Após vários projetos substitutivos, mudou-se o enfoque da discussão, que deixou de

ser a centralização ou descentralização, para se travar em torno da questão da liberdade do

ensino. Essa nova ênfase dada ao Projeto de lei visava beneficiar os setores privados da

educação brasileira.

Romanelli considera que, em essência, a LDB de 1961 mudou pouco a educação no

país. Em suas palavras:

A sua única vantagem talvez esteja no fato de não ter prescrito um currículo fixo e rígido para todo o território nacional, em cada nível e ramo. Este, a nosso ver, o único progresso da lei: a quebra de rigidez e certo grau de descentralização. Foi uma abertura que se fazia necessária, mas que, na verdade, foi timidamente ensaiada (ROMANELLI, 1989, p. 181).

Dessa forma, podemos entender, por meio das palavras da autora, que a aprovação

do texto da Lei n 4.024 de 1961, representou a vitória da mentalidade conservadora.

É importante salientar que o Brasil, desde a “revolução de 30” até a “revolução de

64”, foi marcado por rompimentos políticos e econômicos com a velha ordem social

oligárquica. Houve a crise de 29, que foi reflexo da quebra da bolsa de Nova Iorque e a

saturação do café no mercado mundial, transformando o cenário da política e da economia.

Percebe-se a mudança de setores, mas sem a mudança dos atores e dos bastidores.

Dentro desse panorama, percebe-se que o embate entre o Brasil Moderno e

Conservador, característica de nossa cultura, permanece até os dias atuais. Práticas

patrimonialistas, clientelistas e conservadoras estão presentes na política desenvolvida pelos

coronéis e não foram totalmente extintas das relações sociais que se estabelecem no Brasil.

Raymundo Faoro, em “Os Donos do Poder” (1979), fornece-nos o retrato da

formação dessas oligarquias rurais. Esses grandes fazendeiros, fascinados pelo poder,

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conforto, luxo e vida social da corte, enredam-se em uma trama de domínio social local. O

senhor territorial, antes Comissário nos tempos da Coroa, subjuga o lavrador sem terras e o

pequeno proprietário para permanecer com o controle sobre as terras e sobre o território que o

abriga.

A linha política desses grandes proprietários rurais é o conservadorismo e o

mandonismo, a eles não interessava a soberania popular. Tais proprietários colocavam-se

como intermediários entre a elite que governava as capitanias e a população presa nas redes

de troca de favores.

É com o advento da República, já baseado em um sistema eleitoral, que o

coronelismo se estabelece no Brasil15. Bem como alerta Faoro (1979, p. 620), “o coronel é o

senhor da soberania, o povo que vota e decide, cala e obedece, permanece mudo ao apelo de

sua palavra”.

A prática do coronelismo e o patrimonialismo são comportamentos que ainda

permanecem nas relações sociais do Brasil. Hoefle, em pesquisa realizada nas zonas do sertão

e do agreste brasileiro entre 1977 e 1981, afirma que os eventos ocorridos no Brasil desde a

década de 1960 deram uma versão moderna ao sistema de voto de cabresto. A instauração de

uma política econômica que favoreceu o setor urbano-industrial e a agricultura de exportação

da região sul contribuiu, segundo esse autor, para a depressão da agricultura nas regiões

periféricas do Nordeste. Outro fator agravante, trazido por Hoefle, foi a aliança política-

militar conservadora que chegou ao poder com o Golpe de 1964. Tais acontecimentos,

segundo o pesquisador, aumentaram o grau de dependência entre o governo estadual, o

governo federal e os políticos do interior.

15 O conceito de Coronel, conforme explicita Faoro (1979), é utilizado desde o tempo em que a Guarda Nacional do Império investia o poder ao chefe do regimento Municipal. A nomeação recaía sobre a pessoa socialmente qualificada, em regra detentora de riqueza, à medida que se acentua o teor de classe da sociedade. A denominação permanece na linguagem e nas relações sociais.

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Atualmente o Nordeste, conforme Hoefle procura mostrar, é marcado pela política

empreguista que garante a permanência de um jogo de forças desigual entre a elite local e a

população. Interessa ao líder o poder por meio do voto e todo tipo de barganha é permitido. O

controle do poder político é tão importante para conferir status a membros da comunidade

quanto à posse de bens materiais. É estabelecida uma hierarquia política nessas localidades,

em que a pessoa que ocupa o posto mais alto dessa cadeia pode, às vezes, estar apenas dando

àqueles que estão abaixo um emprego ou um serviço social que deveria ser deles de qualquer

modo. Mas tal fato é visto e posto na forma do patrão que concede um benefício aos que lhe

são caros. Dessa forma, estabeleceu-se uma relação em que a idéia do agradecimento se

perpetua, já que se passa a impressão de que se está devendo uma obrigação.

A exemplo do que mostra Hoefle sobre o que ocorre no Nordeste, podemos perceber

a todo o momento que a política nacional também é marcada por tais processos. Essa cultura

da troca de favores, do empreguismo, clientelismo e patrimonialismo continua impregnada na

sociedade brasileira.

A Ditadura Militar

Com o golpe de 1964, foi elaborada uma nova legislação que reflete a centralização

do Estado, com medidas autoritárias de repressão à participação e aos movimentos estudantis.

Nesse contexto, a Constituição de 1967 representou um retrocesso no processo de

descentralização que vinha sendo desenvolvido nas legislações precedentes.

Trata-se de um período marcado por influências internacionais no setor educacional e

de apropriação das idéias difundidas nos países centrais da tese do Capital Humano-CH16.

16 A teoria do CH, em linhas gerais, é a de que o desenvolvimento de uma nação tem como principal promotor o ser humano. Portanto, quanto mais educada for a população, mais desenvolvido será seu país. As grandes críticas que se fazem em torno desta tese é que não se leva em consideração o jogo introduzido pelo modo de produção

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O objetivo do governo militar foi romper com o modelo político populista e instaurar

a modernização do país, desenvolvendo o setor industrial e retomando a expansão e o

crescimento econômico.

Romanelli afirma que:

a criação e a preservação de condições políticas e sociais para que a economia se expanda no sentido desejado definem novas funções do Estado que então se expressam, politicamente, em termos de: reforço do executivo e conseqüentemente remanejo das forças na estrutura do poder; aumento do controle feito pelo Conselho de Segurança Nacional; centralização e modernização da administração pública e cessação do protesto social (ROMANELLI, 1989, p. 194).

São desse período os acordos fundados entre o Ministério da Educação e Cultura

(MEC) e a Agency for Internetional Development (AID) para assistência técnica e cooperação

financeira dessa Agência à organização do sistema educacional brasileiro, os chamados

Acordos MEC-USAID.

O estabelecimento desses acordos é exemplo da tentativa de se adotarem medidas

para adequar a educação no Brasil ao desenvolvimento econômico proposto pelos Governos

Militares.

Sobre os acordos MEC-USAID, Romanelli esclarece que a estratégia adotada era a

do treinamento de pessoal docente e técnico, do aumento dos recursos materiais e a

reorganização do currículo, com vistas ao treinamento em nível desejado. A autora conclui

que a ajuda internacional privilegiou não só o ensino superior, favorecendo, com isso, as

camadas mais altas da população, mas também, ao modernizar a estrutura do ensino em

qualquer um dos seus níveis, tal acordo acabou por aumentar o controle da educação pelos

órgãos centrais do governo.

Dentro desse panorama, a Lei nº 5.692 de 1971 trouxe avanços em termos de

descentralização, estabelecendo atribuições ao Conselho Federal de Educação, aos Conselhos

capitalista que promove o desenvolvimento econômico de alguns países com base no empobrecimento de outros o que, por conseguinte, causa a exclusão social de grande parcela da população mundial.

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Estaduais e às escolas que passariam a poder complementar e escolher a melhor forma de

organização da sua grade curricular.

O artigo 4º determinava que os currículos do ensino de 1º e 2º graus teriam um

núcleo comum, obrigatório em âmbito nacional, e uma parte diversificada para atender,

conforme as necessidades e possibilidades concretas, às peculiaridades locais, aos planos dos

estabelecimentos de ensino e às diferenças individuais dos alunos.

Ao Conselho Federal de Educação coube a elaboração do núcleo comum do

currículo, aos Conselhos Estaduais, a parte diversificada e às instituições escolares competia a

elaboração do currículo pleno, escolhendo as disciplinas que seriam oferecidas a seus alunos.

A referida Lei delegou responsabilidades aos estados e aos municípios quanto ao ensino,

incentivou os municípios a atuarem no ensino primário devido a grande demanda pela

escolarização, porém com um excessivo controle do Conselho Federal de

Educação.

No artigo 54 desta Lei, está definido que: para efeito de concessão de auxílios, os

planos dos sistemas de ensino deveriam ter a duração de quatro anos,ser aprovados pelo

respectivo Conselho de Educação e estar em consonância com as normas e critérios do

planejamento nacional de educação. O parágrafo 1º deste artigo diz que a concessão de

auxílio federal aos sistemas estaduais de ensino e ao sistema do Distrito Federal visaria à

correção das diferenças regionais de desenvolvimento sócio-econômico, tendo em vista renda

“per capta” e população a ser escolarizada, o respectivo estatuto do magistério, bem como a

remuneração condigna e pontual dos professores e o processo quantitativo e qualitativo dos

serviços de ensino verificado no biênio anterior (LEI nº 5692 de 1971, art.54).

No artigo 58 da Lei nº 5.692 de 1971, está descrito que a legislação estadual

supletiva, observado o disposto no artigo 15 da Constituição Federal, estabeleceria as

responsabilidades do próprio Estado e dos seus Municípios no desenvolvimento dos diferentes

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graus de ensino e disporia sobre medidas que visassem tornar mais eficiente a aplicação de

recursos públicos destinados à educação. Com isso, conforme descrito no parágrafo único,

seria realizada a progressiva passagem para responsabilidade municipal dos encargos e

serviços de educação, principalmente de 1º grau que, pela sua natureza, poderiam ser

realizados mais satisfatoriamente pelas administrações locais.

Em seu artigo 71, permite a criação dos Conselhos Municipais de Educação onde

houvesse condições e sob delegação de atividades do Conselho Estadual de Educação.

Souza e Faria (2003, p. 51), ao analisarem historicamente a temática da centralização

e descentralização, apontam que a ideologia desse período é caracterizada pela

descentralização militarizada e pela base tecnocrática de administração. Tais pressupostos se

opõem ao que era defendido por Anísio Teixeira, que previa uma responsabilidade solidária

entre os sistemas de ensino, ao se referir à descentralização no ensino como um dos pilares

para a sistematização da sua organização política no Brasil.

A década de 1980: a redemocratização do país

O fim da Ditadura Militar, segundo Oliveira (2002), deveu-se a dois fatores: pressão

popular e a dificuldade dos governantes em lidar com uma crise econômica grave, gerando a

perda de legitimidade do governo.

Apesar de ter sido fundamental para a democracia no Brasil, a instauração da Nova

República, como Oliveira chama atenção, deu-se através de um “ato inconstitucional”, a

eleição de Sarney. O autor afirma que:

Isto é a transição à brasileira. Como pirão à brasileira, essas coisas mexidas sem forma. Esse é o primeiro ato da Nova República. Ela nasce cercada de muitas esperanças. Essas esperanças se fundam no fato de que a rigor, a chamada queda da ditadura é provocada pelo tenso atrito com a força da sociedade civil e pela quebra por uma crise econômica bastante grave que retira da ditadura a sua legitimidade que havia sido conseguida com o processo de crescimento econômico (OLIVEIRA, F., 2002, p. 42).

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A tese de Oliveira é de que as décadas de 1970 e 1980 foram os anos em que o

movimento civil alcançou a maior força de organização e mobilização para promover as

mudanças no país. No entanto, após um breve período de redemocratização, os próximos

governos retomaram os interesses da classe média, da burguesia e das corporações privadas

nacionais e internacionais. Essa engenharia política frustrou grande parte das expectativas da

sociedade civil que lutava em torno da ampliação da democracia, da participação e da

socialização do poder.

Um dos exemplos do movimento a favor da democratização foi a eleição direta dos

governadores dos estados em 1982. Nas palavras de Oliveira (2002):

Nós inauguramos a redemocratização com a ilusão de que a caução do apoio popular, dos movimentos que haviam sido criados mesmo na própria ditadura, eram suficientes para pautar a agenda, a ação e o comportamento do novo governo. À sombra, entretanto, desenvolviam-se duas tensões que terminaram, desaguaram na verdade na eleição de Collor, o bufão de Alagoas (OLIVEIRA,F. 2002, p. 46).

A eleição de Fernando Collor representou para os brasileiros uma espécie de

salvacionismo da inflação gerada no governo anterior. Oliveira diz que esse salvacionismo era

“a busca desesperada de um messias que conseguisse deter o furacão, que penalizava os mais

pobres, e até a classe média.” De certa forma, foi esse mesmo medo que manteve Fernando

Henrique Cardoso (FHC) no poder durante oito anos.

No momento em que realizava sua análise, Oliveira conclui que não temos vivido

uma democracia e sim um simulacro do que seria a democracia, uma vez que, apesar de

termos instituições formais e eleições livres, a elite que comanda o poder limita-nos a uma só

alternativa. Segundo o autor, quando não há outra alternativa, não há democracia.17Essa

alternativa única a que Oliveira faz referência é a ampliação dos mercados e o abandono dos

projetos nacionais que marcou a era do governo FHC.

17 Este tema será abordado, neste estudo, na seção que trabalha com o referencial teórico da democratização.

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A Constituição de 1988 foi o marco dessa transição política. Tal como a

Constituição de 1934, representa um importante fator no estabelecimento de direitos da

educação e da autonomia municipal.

Além de ampliar a autonomia dos Estados e conceder autonomia aos Municípios,

promovendo-os como entes federativos, determina que a União deverá aplicar 18% em

educação, os Estados e Municípios 25%. Anteriormente, a União aplicava 13% e os Estados

e Municípios 25%, segundo a Emenda Calmon de 1983.

A década de 1990

Esta década é notoriamente conhecida como o momento em que os governos recém-

democráticos implementaram reformas em todas as áreas sociais. É a década de ampliação

dos mercados, de introdução de políticas de ajuste econômico, da Reforma do Estado e da

aceitação do modelo de Estado Neoliberal.

Na área da educação, como aponta a literatura educacional, foram realizadas várias

reformas.

Nesse sentido, Oliveira (2000) diz que, na década de 90, há uma reconfiguração da

crença na educação.

Diante da constatação de que ela não consegue responder plenamente às necessidades de melhor distribuição de renda e, portanto, de saldar a dívida social acumulada em décadas passadas, a crença na educação como elevador social cede à premência de formar para a empregabilidade (OLIVEIRA,D.,2000,p. 244).

As reformas educacionais realizadas em todo o país revelam alterações significativas

na composição, estrutura e gestão da rede pública do ensino. Oliveira (2000) faz análise das

reformas educacionais realizadas pelos governos do Estado de Minas Gerais na década de

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1990 que adotaram como referência as orientações dos organismos multilaterais, como

UNESCO, ONU, BANCO MUNDIAL.

Como já foi mencionado no início desse estudo, a Conferência de Jomtien, em 1990,

pode ser considerada o marco inicial para a realização dessas mudanças na política

educacional dos países do terceiro mundo. Foram produzidos, nesse contexto, documentos

que expressam um compromisso de satisfazer às necessidades básicas de aprendizagem de

grande parte da população mundial concentrada nos países pobres.

No Brasil foi estabelecido o Plano Decenal de Educação para Todos, em 1993, que

previa o compromisso de recuperar a profissionalização do magistério, a qualidade do ensino

fundamental, a autonomia da escola e a eqüidade na aplicação dos recursos da educação. A

idéia central deste Plano, conforme está descrito no seu interior, era atender ao dispositivo

constitucional que determinava a eliminação do analfabetismo e a universalização do ensino

fundamental para os próximos dez anos no Brasil.

As linhas de ação estratégica do Plano Decenal do Governo Federal (1993-2003)

eram as seguintes: 1- estabelecimento de padrões básicos para a rede pública; 2- fixação de

conteúdos mínimos determinados pela Constituição; 3- profissionalização e reconhecimento

público do Magistério; 4- desenvolvimento de novos padrões de gestão educacional; 5-

estímulo às inovações; 6- eliminação das desigualdades educacionais; 7- melhoria do acesso

e da permanência escolar; 8- sistematização da educação continuada de jovens e adultos; 9-

produção e disseminação do conhecimento educacional e das informações em educação; 10-

institucionalização dos Planos Estaduais e Municipais e Profissionalização da administração

educacional.

Para tanto, foram estabelecidas medidas para a concretização dessas ações, tais

como: a) consolidação de alianças e parecerias, que acelerou o processo de privatização da

educação no país; b) eficiência e equalização do financiamento, que deu origem ao FUNDEF;

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c) desenvolvimento da cooperação e intercâmbio internacional, que consistiu na “importação”

de métodos e tecnologias educacionais para o nosso país18; d) intensificação das ações

governamentais em curso, entre as quais se destaca o Sistema de Avaliação da Educação

Básica_ SAEB; e) eficiência, equalização e agilização do Sistema de Financiamento.

Em Minas Gerais, também foi estabelecido um Plano Decenal de Educação para

todos, que se colocava em sintonia com o do Governo Central e com as prioridades

estabelecidas pelo país em Jontiem. Essas reformas educacionais ocorridas no Estado mineiro,

em linhas gerais, visavam a alguns objetivos, quais sejam: a autonomia da escola, em seus

aspectos financeiro, pedagógico e administrativo; o fortalecimento da gestão escolar; a

capacitação dos profissionais da educação, feita em serviço; a avaliação do desempenho da

escola e o convênio entre as redes municipais e a rede estadual, que se materializou no

processo de municipalização.

Oliveira (2000, p. 277) chama atenção para o fato de que “não é possível, no entanto,

atribuir somente aos compromissos assumidos pelo governo brasileiro em âmbito

internacional as razões para a reforma que se desenvolveu em Minas Gerais”. No Estado, no

início dos anos de 1980, um setor considerado politicamente progressista esteve à frente da

SEE-MG e promoveu o Congresso Mineiro de Educação. Nesse espaço de negociações em

que se transformou esse Congresso, foram estabelecidos muitos dos compromissos que

estavam presentes no projeto de reforma.

A autora citada acima discute os resultados dessa experiência de reforma educacional

em Minas Gerais e afirma que “as mudanças implantadas acompanham o mesmo ritmo e

lógica excludentes do atual padrão de acumulação (p. 305)”. Além disso, Oliveira (2000) diz

que:

18 Tal medida não representa uma novidade quando se refere a planejamentos educacionais do Brasil, haja vista, os acordos realizados com os EUA na década de 1970 - acordos MEC-USAID. As políticas educacionais brasileiras deveriam ser pensadas e planejadas internamente para que fossem capazes de operar mudanças.

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a metodologia adotada nos modelos de planejamento e gestão do sistema público de ensino é a mesma adotada nas empresas privadas, objetivando o máximo de eficiência e o mínimo de custo. (...) Muito mais do que equidade social, as expectativas giram em torno de adequar os sistemas de ensino às reais demandas do capital hoje. Essa adequação, no entanto, não pressupõe uma formação de trabalhadores homogênea. Os requisitos educacionis variam de acordo com o modelo de exploração adotado, ou ainda com as possibilidades ou não de inserção no mercado de trabalho (OLIVEIRA, D.,2000, p. 306).

Nesse contexto, a Emenda Constitucional nº 14 de 1996, um dos resultados da

política de reforma educacional, dos anos de 1990, previu a criação de um Fundo em cada

Estado e no Distrito Federal com a incumbência de eliminar o analfabetismo e universalizar o

ensino fundamental em um prazo de 10 anos.

A Lei nº 9.424 de 1996 regulamentou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do

Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, conhecido como FUNDEF e criou uma

subvinculação do orçamento da educação para o ensino fundamental. Dos 25% que os

Estados e Municípios devem aplicar em educação, 15% devem ir para o Fundo. Esse dinheiro,

baseado em um valor custo-aluno estipulado anualmente, é redistribuído entre os Municípios

no Estado proporcionalmente ao número de alunos que estes (Estado e Município) possuem

no ensino fundamental, excluindo a modalidade da educação de jovens e adultos, educação

infantil e ensino médio. Desses 15%, 60% são para o pagamento do pessoal do magistério,

restando somente 40% para outras despesas relacionadas à qualidade do ensino

fundamental19.

A lei que criou o FUNDEF pode ser considerada como uma alavanca no processo da

municipalização.Com a preocupação de ganhar ou perder recursos, os municípios começaram,

nesse período, por estabelecer acordos com os Sistemas Estaduais de Ensino a que

pertenciam, resultando na transferência de matrículas do ensino fundamental estadual para os

19 Sobre as conseqüências desta Lei ver: OLIVEIRA, Cleiton. A Emenda Constitucional nº 14/96, o Financiamento e a Gestão do Ensino Brasileiro. In: Educação em Foco. Juiz de Fora: UFJF, v.4, nº 1, mar. –ago, 99.

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municípios. Esse processo conhecido como municipalização ocorreu em quase todo o país,

com vantagens e desvantagens20.

Quanto às vantagens advindas do processo de municipalização, Oliveira (1999, p.

33) sinaliza que o FUNDEF obriga a existência do Conselho de Acompanhamento e Controle

Social do Fundo nas três esferas de poder público. Para os municípios que em geral não são

acostumados a trabalhar com colegiado e têm pouca tradição na participação, isso é

fundamental. Esse Conselho exigido pelo Fundo será, na concepção do autor, muito

provavelmente o indutor da criação de Conselhos Municipais de Educação. Além disso, a

criação do FUNDEF ressalta a preocupação com a formação do professorado que, em grande

parte dos municípios brasileiros, é precária.

No que se refere às desvantagens da municipalização, podemos identificar a forma

como foi implementada. Muitos municípios sem condições de gerir suas redes de ensino, com

poucos recursos humanos e materiais, foram coagidos a receber matrículas do ensino

fundamental. Muitos professores dos Sistemas Estaduais foram cedidos aos municípios, bem

como salas de aulas ou, até mesmo, escolas inteiras. Muitas foram as promessas feitas pelos

Estados para incentivarem os municípios a assumirem as matrículas do ensino fundamental. O

município no qual foi realizada a pesquisa trata-se de um típico exemplo desse processo. Na

seção que trabalho com a análise dos dados, procuro evidenciar como tal experiência ocorreu

no município pesquisado.

A Lei nº 9.394 de 1996 veio ratificar tendências políticas que vinham sendo

implementadas desde a década de 1980. Possibilitou, em seu artigo 8º, a criação dos sistemas

municipais de ensino, em consonância com a Constituição que estabeleceu, em seu artigo 211,

o município como ente federativo.

20 Este trabalho não tem por objetivo o estudo da municipalização. Várias pesquisas sobre essa questão foram realizadas no país, como demonstra o tópico que buscou analisar as produções científicas realizadas recentemente na área da educação.

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A LDB e a Lei do FUNDEF foram sancionadas com poucos dias de espaço entre

uma e outra e fazem parte dessa mesma política engendrada na década de 1990. A Emenda nº

14 alterou um artigo constitucional e visou criar condições para seu cumprimento, mas

atendendo aos interesses do Governo em exercício.

No que se refere ao processo de elaboração da LDB, Cury (1997) esclarece que

foram necessários oito longos anos para que essa Lei, de iniciativa do legislativo, fosse

finalmente aprovada e sancionada. Nas palavras do autor:

A iniciativa primeira foi da Câmara Federal. A esta se sobrepôs à iniciativa do Senado, que terminou por preponderar sobre a primeira, embora o texto final seja um composto híbrido de ambas as iniciativas. Mas esta composição é desigual, de tal modo que o projeto da Câmara ficou recessivo em face de dominância do projeto do Senado.(CURY,1997, p. 93)

A Lei nº 9.394 de 1996 traz em seu bojo a dimensão do seu caráter nacional. Nesse

sentido, Cury questiona se quanto à Educação “uma lei de caráter nacional não ofenderia o

princípio federativo?” Dando continuidade à reflexão, o autor conclui que tal ofensa poderia

não ocorrer necessariamente. O autor afirma que:

De um lado, o enclausuramento dos sistemas estaduais e municipais de ensino em si mesmos ofenderia o nacional e de outro a centralização passaria por cima do caráter federativo. No primeiro caso a suposição é clara: ou o Brasil seria uma confederação ou dever-se-ia desconsiderar o nacional tal como hoje se põe, através de hipóteses secessionistas, ou enfim a educação não mereceria ser considerada nacional. No segundo caso, a hipótese é o retorno a um país unitário e centralização (CURY, 1997,p. 94).

Dentro desse panorama, o Plano Nacional de Educação aprovado em 2001, através

da Lei nº 10.172, estabelece em seu art. 3º que “a União, em articulação com os Estados, o

Distrito Federal e os Municípios e a Sociedade Civil, procederá a avaliações periódicas da

implementação do Plano Nacional de Educação”.Em seguida, estabelece em seu art. 6º que:

os Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios empenhar-se-ão na divulgação deste Plano e da progressiva realização de seus objetivos e metas, para que a sociedade conheça amplamente e acompanhe sua implementação.

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O Plano Nacional de Educação, estabelecido no país em caráter de lei, reafirma a

importância do local frente ao global. Coloca a esfera municipal como elemento de

divulgação do Plano e da construção de uma educação de qualidade e eqüitativa.

No entanto, o Plano, como as demais legislações da década de 1990, podem ser

entendidas como políticas favorecedoras da descentralização do poder ou medidas que

acompanham a lógica da desconcentração? São políticas que acompanham a estruturação do

Estado mínimo ou buscam favorecer a democratização e ou a participação?

A Lei que institui o Plano Nacional de Educação prevê, em seu artigo 2º, que os

Estados e os Municípios construiriam seus respectivos planos decenais para o

desenvolvimento da educação em suas esferas de atuação. Para isso, a Lei não determina

prazos. A única data fixada, conforme o art. 3º parágrafo 2º, é aquela que define o período em

que seria realizada a primeira avaliação da execução do Plano pelos Estados, Municípios e

Distrito Federal21.

A medida de construção dos Planos Estaduais e Municipais de Educação para os

próximos dez anos poderia ser considerada democrática. Entretanto, a questão não se

apresenta tão simples quanto parece. Acredito que o processo deveria ser inverso, primeiro os

planos deveriam partir das bases, com a construção dos planos municipais, estaduais que

dariam suporte para a construção do Plano Nacional de Educação.

Além disso, se o PNE já está pronto, os planos estaduais e municipais de educação

tendem a ser uma continuidade do que já está previamente definido, acompanhando sua lógica

de implementação, suas medidas e prioridades. Pude observar, em campo, o processo de

construção do Plano Municipal de Educação no Município pesquisado e perceber a lógica em

que estava sendo conduzido.

21 Este ano de 2005 é o escolhido para a efetivação dessa avaliação. Coincidentemente, foi nesse mesmo ano que o Estado de Minas Gerais determinou que seriam construídos os Planos Municipais Decenais de Educação e o Plano Decenal Estadual de Educação.

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Embora tenha sido uma oportunidade do Município e sua comunidade escolar pensar

sobre a educação em seu Território, pude perceber que a construção do Plano Municipal

Decenal de Educação significou para aquela comunidade muito mais do que uma tarefa que

deveria ser desempenhada e encaminhada ao Estado, dentro dos prazos e moldes fixados pelo

mesmo. Nesse sentido, compreendo a construção dos planos nos níveis estaduais e

municipais, de acordo com a maneira como tem sido conduzida na realidade analisada, como

mais uma medida que caminha na direção da centralização e se afasta da perspectiva da

descentralização e da democratização.

Nos dez anos contemplados pelo Plano, como afirma Teixeira (2002, p. 134), “uma

articulação entre as três esferas da administração e com a sociedade civil, visa mudar o

quadro de desigualdades que caracteriza hoje a educação e a sociedade brasileira.” Tal autora

afirma que o Plano Nacional de Educação (PNE):

Fixa diretrizes, metas e objetivos para um prazo de dez anos, para cada nível e modalidade de ensino. Além disso, dedica-se a questões relativas à gestão, ao financiamento e à avaliação da educação. Pretende ser um documento único, baseado em uma visão definida da realidade educacional brasileira, e incluindo da educação infantil à pós-graduação. Assim, oferece uma análise dos problemas e desafios para a educação, em todos os níveis, e das inter-relações entre seus níveis, com vistas à garantia da universalização do ensino. Tenciona ser um planejamento global da educação brasileira que contemple todas as especificidades necessárias, definindo responsabilidade e competências.

Valente (2002, p. 96), relatando sobre as várias instâncias e etapas que deram vida ao

PNE aprovado em 9 de janeiro de 2001, afirma que “o texto final reflete mais interesses

imediatos do Governo, que acabou desfigurando o projeto originário da Sociedade, reduzindo-

o a uma carta de intenções”.

Assim como a LDB, o PNE é o resultado de uma luta travada na Câmara Federal

entre a sociedade, representada por educadores, profissionais da educação, estudantes e pais

de alunos, e o Governo, representado, naquele momento, por Fernando Henrique Cardoso e

sua política de ajuste neoliberal.

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Ivan Valente era Deputado Federal no ano em que o projeto deu entrada na Câmara.

O PNE da Sociedade, como foi conhecido, consubstanciou-se no Projeto de Lei nº 4.155/98,

encabeçado por Valente, com o apoio de mais de 70 parlamentares e de todos os líderes dos

partido de oposição da Câmara dos Deputados. Ivan Valente afirma que:

as duas propostas de PNE materializavam mais do que a existência de dois projetos de escola, ou duas perspectivas opostas de política educacional. Elas traduziam dois projetos conflitantes de país. (...) A proposta da sociedade retomava, visando organizar a gestão educacional, o embate histórico pelo efetivo Sistema Nacional de Educação, contraposto e antagônico ao expediente governista do Sistema Nacional de Avaliação (VALENTE, 2002, p. 98).

Na visão de Valente, o PNE, instituído pela Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001,

não traduziu o resultado do diálogo com a sociedade, mas os objetivos, as propostas e as

metas do Governo Fernando Henrique Cardoso.

A escola, tal como a conhecemos, é uma organização estrutural que impõe uma

normatização comum, padronizada e surge na esteira da modernidade que se expande pelo

mundo.

No Brasil, a matriz do pensamento moderno começa a ser difundida com a

República. Com o discurso e a luta para a construção da educação para todos, percebe-se o

primeiro impulso à construção de um Sistema Nacional de Ensino no Brasil. No entanto,

como afirma Sarmento (2003), educação para todos não significou :

educação igual para todos. Os sistemas nacionais de ensino, embora apoiados na defesa da escola única, pública, laica e obrigatória, não escapou aos interesses de classe, resultando em uma educação formalmente dirigida a garantir a igualdade de oportunidades,mas concretizando uma educação desigual e dual segundo os interesses das elites (SARMENTO, 2003,p. 30).

A construção de um Sistema Nacional de Educação sempre foi pauta de debate no

cenário político educacional e ficou enfraquecida, ao longo dos anos, com a formação paralela

dos sistemas federal e estaduais. Em função disso, até os dias atuais não se colocou em prática

a unidade do Sistema Nacional de Educação no Brasil.

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Saviani (1997), analisando o processo de tramitação da LDB, aprovada em 1996,

trata da trajetória de discussão a respeito do Sistema Nacional de Educação. O primeiro

projeto de lei apresentado à Câmara por ele redigido trazia como bandeira a proclamação de

um Sistema Nacional de Ensino no Brasil. No entanto, após um período longo de discussões e

recortes, o projeto aprovado estabeleceu três sistemas de ensino no país _ federal, estadual e

municipal_ autônomos e articulados.

Esse autor esclarece que a idéia de Sistema Nacional de Educação “traduzia um

avanço real na nossa legislação educacional”. Tratava-se, para ele, de uma tendência que foi

se firmando em todas as nações modernas. Sobre tal assunto, Saviani (1997) afirmava que:

Abre-se agora a oportunidade de se consagrar, em termos legais, essa aspiração, criando mecanismos que permitam ultrapassar a falta de unidade e harmonia assim como a improvisação e descontinuidade que têm marcado a educação em nosso país (SAVIANI 1997, p. 37).

O texto do Primeiro Projeto de Lei, apresentado à Câmara pelo Deputado Otávio

Elísio, esclarecia que haveria no país um sistema nacional de educação constituído pelos

vários serviços educacionais desenvolvidos no território nacional, conforme destacava Saviani

(1997). O art. 7 deste documento determinava que a “União, os Estados, o Distrito Federal e

os Municípios organizarão, em regime de colaboração, a educação pública, com a observância

da Lei”.

Na concepção de Saviani (1997, p. 59), a consagração de Sistema Nacional de

Educação poderia “abrir caminho para a construção de uma escola comum, extensiva a todo o

território nacional, unificada pelos mesmos objetivos, organizada sob normas também comuns

e regida pelo mesmo padrão de qualidade”.

Conforme já foi sinalizado, essa possibilidade não logrou e, portanto, não faz parte

de nossa realidade político-educacional.

A ausência de um Sistema Nacional de Educação impede que muitas ações do

Governo Federal, visando à equidade e à qualidade, sejam concretizadas. De acordo com o

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que estava proposto no projeto de Lei, a construção de um Sistema Nacional de Educação não

representaria a centralização das políticas educacionais no Governo Federal, uma vez que

articularia os sistemas de ensino dos estados e dos municípios e haveria uma administração

descentralizada.

Atualmente, as discussões tornaram-se mais complexas. Nas últimas duas décadas do

século XX, assistimos à tentativa de desconstrução dos Estados-nação e à instauração de uma

nova ordem global. A partir de então, impõem-se duas questões: O que significa, atualmente,

ter um Sistema Nacional de Educação no Brasil? Até que ponto a descentralização na

educação permite a universalização em todos os graus de ensino e a garantia da qualidade até

hoje não concretizada?

Nessa perspectiva, parece-me que cabe, neste momento, a retomada dos objetivos

dessa pesquisa, que tem como principal foco de análise a organização da educação em um

município que não criou seu Sistema de ensino próprio.

A partir das leituras, ou melhor, de um maior aprofundamento teórico e da pesquisa

in loco, busquei compreender o que significa para esse Município continuar vinculado ao

Estado?

O resgate da história política e educacional desse município possibilitou

compreender como se estabelece sua relação com a esfera estadual no plano da educação.

Também considerei importante buscar o significado que o dirigente municipal de educação e

os demais profissionais envolvidos com a educação no município dão à questão da

descentralização, democratização, fortalecimento do poder local e autonomia municipal para

poder identificar quais as relações de poder que o município tem privilegiado.

Acredito que, através do estudo dos projetos educacionais desenvolvidos no

município, seus pareceres, atas de reuniões, legislações em geral, foi possível aproximar-me

dos mecanismos que têm sido utilizados para garantir a universalização da educação infantil e

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ensino fundamental, além das iniciativas do município para alcançar a melhoria da qualidade

do ensino em seu território, que são direitos do cidadão e deveres do Estado consagrados

pelos instrumentos legais.

A metodologia utilizada na pesquisa, os instrumentos necessários para a coleta e

compreensão dos dados, assim como o caminho percorrido serão apresentados no capítulo a

seguir.

2 CRUZANDO A FRONTEIRA

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“O que se perde ao atravessar uma fronteira? Cada momento parece partido em dois. Saudade do que ficou para trás e, ao mesmo tempo, entusiasmo por entrar em terras novas”. (Che Guevara em Diários de Motocicleta)

Refletir sobre o processo da pesquisa é tão importante quanto discutir sobre o objeto

pesquisado e o referencial teórico utilizado. As discussões que se seguem pretendem fornecer

maiores informações acerca da natureza da pesquisa e trazer possíveis contribuições para

outros estudos que se propõem a trabalhar com abordagem qualitativa.

No que se refere à metodologia utilizada, considero a abordagem qualitativa a que

melhor atende aos objetivos desse estudo, devido às suas características, trazidas por Bogdan

e Biklen (1986), que devem permear esse tipo de pesquisa, também conhecida como

naturalística. Tais autores assim se colocam sobre tais características

a)a necessidade de um ambiente natural como fonte direta de dados e um pesquisador como seu principal instrumento; b) os dados coletados devem ser predominantemente descritivos; c) uma maior preocupação com o processo do que com o produto; d) a tentativa de buscar o significado que as pessoas dão aos fatos e às coisas; e) o processo indutivo deve permear a análise dos dados, ao desenvolver o estudo surgirão outros focos de análise que ao final do trabalho permitirão que ele se concentre em aspectos mais específicos(BOGDAN E BIKLEN, 1986, p. 11-13).

Além desses autores, utilizo como referencial, para entender o papel do pesquisador

que trabalha com abordagem qualitativa, as características apontadas por Menezes Gonzaga

(2005):

Na pesquisa qualitativa o pesquisador vê o cenário e as pessoas a partir de uma perspectiva holística; as pessoas, os palcos, ou os grupos não são reduzidos a variáveis, senão considerados como um todo. O pesquisador qualitativo estuda as pessoas no contexto do seu passado e das situações que se acham. (...) Os pesquisadores qualitativos são sensíveis aos efeitos que eles mesmos causam sobre as pessoas que são objetos de seus estudos. Diz-se deles que são naturalistas, isto é, que interatuam com os informantes de um modo natural e não intrusivo. Para o pesquisador qualitativo todas as perspectivas são valiosas; procura um entendimento detalhado das perspectivas de outras pessoas (GONZAGA, 2005 p. 10, 11).

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A pesquisa qualitativa é ampla e pode abranger uma série de métodos, tais como:

análise de discurso, história de vida, estudo de caso, pesquisa participante, grupo focal, entre

tantos outros. Para o desenvolvimento de minha pesquisa utilizei o método de estudo de caso

por considerá-lo mais propício para o entendimento de minha questão.

Dentro dessa perspectiva, adoto as orientações das autoras Ludke e André (1986)

que, ao discorrerem sobre pesquisa em educação com abordagem qualitativa, definem o

estudo de caso como sendo uma das técnicas dessa modalidade de pesquisa. A escolha por tal

procedimento pode ser explicada por conta de suas peculiaridades. O estudo de caso possui

uma característica própria e singular dentre muitos.

Ludke e André (1986, p. 12), apontam as características fundamentais do estudo de

caso: a) visam à descoberta; b) enfatizam a interpretação em contexto; c) buscam retratar a

realidade de forma completa e profunda; d) usam uma variedade de fontes de informação; e)

procuram representar os diferentes e às vezes conflitantes pontos de vista presentes numa

situação social; f) são construídas durante o processo de estudo.

Para o desenvolvimento deste trabalho, serão necessários os seguintes procedimentos

metodológicos:

1- análise documental;

2- entrevista semi-estruturada;

3- observação participante.

Através da análise documental, pretende-se reconstruir uma memória histórica, em

um processo de garimpagem, reunindo normas, leis, regulamentos, pareceres, cartas, atas,

memorandos, diários e estatísticas. Todas essas fontes surgem em um contexto e, portanto, em

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um movimento de abstração do pesquisador é possível extrair informações sobre esse

contexto.

Sobre o caráter da entrevista, esclarece Ludke e André (1986, p. 15) que a relação

criada é de interação, havendo uma atmosfera de influência recíproca entre quem pergunta e

quem responde. Especialmente nas entrevistas não totalmente estruturadas, onde não há a

imposição de uma ordem rígida de questões, o entrevistado discorre sobre o tema proposto

com base nas informações que detém.

Referente à estratégia de observação participante, escolhi como grupo de observação

pessoas que trabalham no Departamento Municipal de Educação, além dos representantes do

Conselho Municipal de Educação e da Comissão responsável pela construção do Plano

Municipal de Educação (2005-2014)22. Para Bogdan e Biklen (1986), o estudo de caso que se

propõe trabalhar com a técnica de observação participante obedece a algumas recomendações.

Freqüentemente, os estudos de casos que recorrem à observação incluem um tratamento histórico do ambiente, o que representa um esforço suplementar de compreensão da situação atual.(...) um ambiente físico bom para estudar é aquele que um mesmo grupo de pessoas utiliza repetidamente. É evidente que nas escolas públicas pode contar com as salas de aula, um gabinete, e geralmente uma sala de professores (BOGDAN E BIKLEN, 1986, p. 91).

Além disso, os autores salientam que:

As unidades físicas não são os únicos focos de estudos possíveis. Alguns investigadores, ao abordar numa organização, levam ideias muito precisas acerca do que pretendem estudar, por exemplo, um novo programa de leitura. Ao chegar à escola constatam que o professor que, supostamente, ia aplicar o programa se mudou, e o novo professor pôs o plano de parte. Isto acontece com maior freqüência do que podemos pensar. Tenha as suas preferências, mas deixe que o foco lhe seja sugerido pelo contexto (BOGDAN E BIKLEN, 1986, p. 91).

Procurei, ainda, orientações para desenvolver minha pesquisa em estudos que

enfatizam a etnografia como principal metodologia. A escolha justifica-se pelo interesse por

22 Este Plano Municipal de Educação, conforme foi estabelecido pela Lei nº 10. 172, de 2001, foi construído pelo município no ano de 2005, enfocando os objetivos e metas para a educação municipal dos próximos dez anos.

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tal metodologia, além de perceber que, através do estudo da cultura do município, sua história

política e a significação que os indivíduos dão à questão do sistema ou sua ausência, poderia

reunir elementos que me permitiriam identificar por que razão, ou por quais razões o

município se mantém atrelado à estrutura estadual.

Minha pretensão não foi desenvolver um estudo etnográfico, mesmo porque seria um

trabalho que demandaria mais tempo do que dispunha. No entanto, considerei importante

manter contato direto e buscar compreender melhor o universo dos sujeitos que estavam

envolvidos com a organização educacional do município.

Para construir um mapeamento daquilo que pretendia estudar, fez-se necessário

apreender um pouco daquele mundo, uma vez que, como afirma, Carmem Maria Aguiar

(2005, p.1):

nessa perspectiva, é essencial não apenas observar os membros da comunidade em diferentes situações, no campo, na escola, no rio ou organizado em seus rituais e cerimônias, mas principalmente ouvi-los falar de suas vidas e perceber os significados de suas atividades e rituais, compondo uma visão conjunta do que está ocorrendo.

Com isso, procurei estar presente em todos os eventos relacionados com os sujeitos

da pesquisa, que ocorriam no município. Acompanhei reuniões entre os membros do

Conselho Municipal de Educação, as reuniões entre as diretoras, Chefe do Departamento

Municipal de Educação e o prefeito e ainda estive presente em uma atividade de entrega de

certificados do Programa de Resistência às Drogas e à Violência- PROERD, desenvolvido

pelo Estado de Minas Gerais em parceria com a Polícia Militar, ocorrido em uma escola do

Município.

Além dessas atividades, estive presente em um almoço que foi oferecido ao novo

padre da cidade no Departamento Municipal de Educação, para que este “benzesse” o órgão e

a nova administração municipal. Foi uma experiência interessante, onde pude perceber como

são estabelecidas as relações nessa municipalidade. Estavam presentes nesse encontro, além

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da Chefe do Departamento Municipal de Educação, as diretoras municipais, os funcionários

do Departamento, o antigo e o novo prefeito e suas respectivas esposas.

Não me proponho fazer um estudo do município e, sim, um estudo no município,

pois como afirma Geertz (1989):

o lócus do estudo não é o objeto do estudo. Os antropólogos não estudam as aldeias (tribos, cidades, vizinhanças...) eles estudam nas aldeias. Você pode estudar diferentes coisas, e algumas coisas, podem ser melhor estudadas em localidades específicas. Isso não faz do lugar o que você está estudando (GEERTZ, 1989,p. 32).

Percebo que o que importa é o fenômeno que ocorre na cidade, ou seja, o processo

de municipalização, autonomia, descentralização, democratização e fortalecimento do poder

local.

Apesar de ter como pressuposto que os municípios que criaram seus sistemas de

ensino utilizaram a autonomia que foi possibilitada por lei, em nenhum momento do

desenvolvimento da pesquisa afirmei que esta é a melhor forma de organização educacional a

ser adotada pelo município, muito menos a única que permite a consolidação de uma

educação de qualidade. Portanto, uma preocupação se fez importante, não chegar ao locus de

investigação com questões previamente definidas, mas, com algumas hipóteses. Procurei não

me atentar para as lacunas, as faltas daquilo que delimito como totalidade e sim procurar o

que existe de organização educacional do município ao invés do que não existe. É importante

salientar, porém, que tal reflexão não se fez de forma imediata.

No primeiro ano do Curso de Mestrado, enquanto analisávamos a questão e nos

preparávamos para ir a campo, é que pude entender a complexidade do fenômeno a ser

estudado, além da necessidade de um certo “esvaziamento” de pré-conceitos que o

pesquisador tende a alimentar acerca daquilo que pretende estudar. Não é a busca pela

neutralidade do pesquisador que, no meu entender, inexiste, mas é procurar dar sentido e

estabelecer conexões sobre a realidade após a imersão no locus de investigação. Aliás, é

importante chamar a atenção para o fato de que a proposta desse tipo de estudo não é

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linearidade, em que o pesquisador se apropria de toda a literatura e vai comprovar suas

hipóteses em campo. O que se propõe é um movimento do processo de pesquisa e análise

dialético, composto por idas e vindas, construção e (des)construção de hipóteses até o

momento final. Assim, tal processo não consistiu na certificação e comprovação daquilo que

se buscava entender, sendo inteiramente marcado por descobertas e incertezas.

Geertz (1989) se manifesta acerca dessa questão:

a análise cultural é intrinsecamente incompleta e, o que é pior, quanto mais profunda, menos completa. É uma ciência estranha, cujas afirmativas mais marcantes são as que têm a base mais trêmula, na qual chegar a qualquer lugar com um assunto enfocado é intensificar a suspeita, a sua própria e dos outros, de que você não o está encarando de maneira correta. Mas essa é a vida do etnógrafo, além de perseguir pessoas sutis com questões obtusas (GEERTZ, 1989, p. 39).

Considerações acerca da análise documental

O procedimento da análise documental trata-se de um processo de garimpagem, em

que foram reunidas: atas, pareceres, decretos, leis, projetos, relatórios e outros documentos

que me forneciam informações pertinentes para o auxílio da construção de um banco de dados

que me possibilitaram entender melhor a organização educacional do município.

No que se refere aos procedimentos da análise documental, Pimentel (2001) afirma

que:

para desenvolver a análise, além de contar com os arquivos organizando toda a documentação e com as fichas, é importante a construção de quadros e termos-chaves, aos quais devem ser acrescentados observações ou comentários sobre possíveis relações com as questões da pesquisa (PIMENTEL, 2001, p.03).

A construção de unidades de análise perpassa pela escolha do pesquisador, além do

seu nível de organização. Os conceitos que emergem da pesquisa de campo e estão

relacionados com a temática da investigação devem constar nas Notas Expandidas, outro

recurso utilizado na pesquisa. Após as observações, entrevistas, ou simplesmente as visitas ao

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Departamento Municipal de Educação, eram feitas anotações em um caderno de campo sobre

o evento ou situação. Tais anotações tinham características descritivas e reflexivas.

Ao tratar da relação entre a pesquisa etnográfica interpretativa e a análise

documental, Ludke e André (1986) afirmam que a última consiste na representação do

documento. Como tal documento consiste em uma atribuição dos fatos reais, elaborada por

seu autor, precisa ser investigado com rigor e esforço interpretativo.

O processo de coleta dos dados, as visitas realizadas, as entrevistas, as conversas

informais formaram uma teia de significados que me possibilitaram compreender a questão

investigada.

As informações trazidas pelos documentos e pela fala das pessoas que me cercavam

ficavam suspensas. Sempre me perguntava como elas poderiam se cruzar para dar sentido à

minha questão motivadora. Considero ser este o grande desafio do pesquisador, caminhar sem

perder o foco e, ao mesmo tempo, sem desprezar o novo. Ir a campo e olhar à minha volta

constituiu-se como um aprendizado constante.

Como já dito anteriormente, o pesquisador que se propõe trabalhar com este tipo de

abordagem, qualitativa, possui uma infinidade de métodos que podem ser utilizados. A

escolha por esta ou aquela técnica deve ser muito bem analisada. Já que não se trata de

“comprar” esta ou aquela idéia. O objeto de estudo deve estar diretamente relacionado com a

metodologia, no entanto, os recursos utilizados são próprios de cada pesquisador, uma vez

que cada pesquisa é única.

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3 REVISÃO DE LITERATURA

A revisão dos trabalhos produzidos nos últimos anos sobre temas relacionados ao

assunto em foco neste estudo permite identificar a diversidade de abordagens. Os temas

pesquisados, por sua relação com a questão do sistema municipal de ensino, foram:

descentralização, fortalecimento do poder local, municipalização e sistemas de ensino.

A pesquisa a esses trabalhos deu-se: através do site da Capes, que disponibiliza

resumos e artigos de dissertações e teses já defendidas; Revistas e Periódicos; além da

participação em Congressos Científicos na área, que possibilitaram-me descobrir estudos

relacionados a tais temáticas.

Após a coleta desse material, foi realizada uma primeira análise, sobre o que,

realmente, essas pesquisas já desenvolvidas estavam tratando, como trabalharam a questão ou

as questões e o que trazem de contribuições e perspectivas para demais trabalhos e pesquisas

na área. A importância desse “Estado da Arte”, como é chamado por alguns autores, ou

revisão bibliográfica, pode ser percebida através de Gracindo e Wittman (2001), ao afirmarem

que:

um estudo da produção de pesquisas, como expressão do estado da arte sobre política e gestão da educação torna-se, pois, de fundamental importância para o processo histórico de produção de conhecimento, para a qualificação dos agentes e para a melhoria da prática concreta da educação, especialmente de sua administração (GRACINDO e WITTMAN, 2001, p. 11).

3.1 Descentralização

Considerando a temática Descentralização, destaco o trabalho de Gasparello (2004),

que trata das relações entre conservadores e liberais, mostrando que, na disputa pelo poder,

aqueles louvavam uma administração mais centralizada, enquanto estes proclamavam maior

autonomia provincial. O tema da descentralização, em seu trabalho, funciona como um pano

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de fundo para retratar as disputas políticas e ideológicas que eram travadas no início do século

XX, em que se discutia a reforma do ensino secundário.

A autora mostra um quadro político e ideológico marcado por embates entre a elite

conservadora e a elite liberal. Os conservadores, conforme demonstra Gasparello (2004),

enfatizavam a necessidade de um modelo nacional do ensino secundário para todo o país,

representado pelo Colégio D. Pedro II no Rio de Janeiro, enquanto que os liberais eram

favoráveis à descentralização e à autonomia das províncias.

Um outro trabalho que aborda a questão da descentralização é o da Professora Drª

Joyce de Paula e Silva, que tem como tema central a relação entre cultura nacional e cultura

local. A autora traz uma reflexão a respeito da legitimação da cultura organizacional e o papel

da cultura nacional. Para Silva (2004), práticas democráticas ou descentralizadoras, bem

como a elaboração de regras e normas que vão além do previsto na legislação, são reflexos de

uma cultura nacional. Estabelece como referenciais teóricos Marilena Chauí, Roberto

DaMatta e Raymundo Faoro que lhe fundamentam para o entendimento da sociedade

brasileira e sua cultura.

As considerações trazidas por estes autores apontam para a hierarquia e centralização

no exercício do poder, presentes na base da cultura das organizações no Brasil. A tutela e o

favor são as principais formas de poder, fato que se manifesta historicamente no Brasil,

através do populismo.

Silva (2004) sinaliza que o desenvolvimento do Estado brasileiro indica um alto grau

de patrimonialismo e burocracia23. Com isso, a autora mostra que durante muito tempo o

cargo estatal foi carregado de poder próprio, articulado com o príncipe. Sociedade e Estado

ficaram por muito tempo divorciadas, a sociedade na condição de desinformada e o Estado

23 O patrimonialismo é considerado pela autora como a organização política básica, fecha-se sobre si próprio com o estamento, de caráter marcadamente burocrático. Burocracia é entendida, não no sentido moderno, como aparelhamento racional, mas de apropriação do cargo.

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com o monopólio do exercício do poder. A centralização e o patrimonialismo só contribuíram

para o estabelecimento de relações de dependência, eficientes para o controle e entraves para

o exercício da cidadania e do avanço social.

Especificamente em relação à gestão da educação no Brasil, Silva (2004) identifica

algumas características:

o excessivo grau de centralização administrativa e monopólio de informações; a rigidez hierárquica e excessiva burocracia; a supervalorização das estruturas intermediárias de gestão em detrimento da autonomia das escolas; a separação entre planejamento e a execução e o alijamento da comunidade e pais no processo decisório da escola (SILVA, J. 2004, p. 11).

Esclarece, ainda, que, para exercer a autonomia, é preciso que os participantes se

sintam (co) responsáveis pelo processo e não simplesmente executores; o imobilismo gera

resistência e ausência. Como forma de resistência, encontra-se a oposição sistemática de

grupos que defendem maior participação no processo decisório e que não aceitam mudanças

governamentais propostas, mesmo que elas se constituam em pequenos avanços nesse

processo. Como forma de ausência, encontram-se os que consideram não ser sua tarefa o

pensar e decidir sobre o processo educativo e administrativo da educação e esperam que os

órgãos governamentais tomem as decisões por esse grupo.

Silva (2004) trabalha com os períodos que antecederam a promulgação da

Constituição Federal de 1988 e da LDB de 1996 e afirma que:

Foram períodos de grande movimentação social, no sentido de democratização do Estado, de maior participação popular. O caráter centralizador, autoritário e pratrimonialista presente na cultura das organizações sociais e políticas no Brasil, se acirraram com o regime militar, afastando a maioria da população dos processos decisórios, fato que gerou reações, no sentido de uma retomada da publicização do Estado. As reivindicações dos setores democráticos organizados, vinham no sentido de reformas do funcionamento do Estado, assegurando a representação da sociedade civil organizada em conselhos que garantissem, além da participação dos setores sociais na elaboração das políticas, também maior fiscalização e controle da ação do Estado (SILVA,J.,2004p. 12).

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No entanto, o modelo de gestão centralizado, hierarquizado e fortemente

influenciado por uma cultura patrimonialista, que caracterizou a constituição do Estado

brasileiro, dificultou a implementação de novas formas de organização das estruturas de poder

nos sistemas educacionais e nas escolas. Não basta estar no texto da lei, é necessário que os

implementadores estejam imbuídos dos princípios de democratização.

As inovações estudadas pela autora, a partir do princípio de gestão democrática do

ensino nas escolas, foram: participação dos profissionais da educação na elaboração do

projeto político pedagógico da escola, participação das comunidades escolar e local em

conselhos escolares ou equivalentes, elaboração por parte das escolas de seu regimento

interno, a criação dos colegiados escolares, autonomia da escola no seu caráter administrativo,

financeiro e pedagógico.

Silva (2004) conclui afirmando que essas inovações exigem que o sistema, a escola e

toda sua comunidade estejam preparados para o exercício dessa autonomia, criando uma nova

cultura, que contemple aspectos como horizontalização da hierarquia, permitindo maior

participação, autonomia pessoal e do grupo no sentido de propor inovações e fazer avaliações

reais e correções de rumo, quando necessário.

A pesquisa de Peroni (2003)24, além das anteriores, trouxe importantes reflexões

sobre a temática da descentralização. Vera Peroni buscou compreender as experiências de

descentralização desencadeadas em dois Municípios Brasileiros: Campo Grande-MS e Porto

Alegre-RS, em contexto de redefinição do papel do Estado.

Através de um trabalho minucioso, a pesquisadora coletou dados das duas capitais

relativos a um período de 10 anos, entre 1988 e 1998, referentes à caracterização dos

municípios; aos projetos e política educacional desenvolvida por esses municípios, voltados à

gestão e ao financiamento da educação; ao grande movimento de receita própria destes

24 Vera Maria Vidal Peroni é professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e trabalhou na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul de 1989 a 2001.

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municípios e das receitas proveniente de transferências, para constatar o grau de autonomia

destes na efetivação de sua política educacional; à despesa em educação desses municípios

comparada à despesa total; as matrículas no Estado e no Município, para verificar as

competências por ente federativo e nível de ensino; e, por fim, aos indicadores de qualidade

educacional desses municípios, em vários aspectos.

Esse último ponto trabalhado pela autora consistia em apurar as iniciativas dos

Municípios pesquisados, Campo Grande e Porto Alegre, relacionadas a indicadores de

qualidade educacional com base nas seguintes perspectivas: a) gasto/aluno; b) salário dos

professores; c) qualificação dos regentes de classe convocados e efetivos; d) número de

regentes de classe convocados e efetivos; e) número de alunos por professor. Os indicadores

de qualidade vinculados à gestão da educação, elencados por Peroni e por ela pesquisados,

foram: a) eleição para diretores; b) elaboração do Regimento Escolar; c) Conselho Escolar; d)

Conselho Municipal de Educação; e) processo de implantação do Sistema Municipal de

Ensino; f) a Gestão dos Recursos Financeiros.

Os dados da pesquisa de Peroni foram organizados em três partes. Na primeira parte,

a autora traz informações referentes a Campo Grande, a segunda parte consiste nas

informações de Porto Alegre e na última parte Peroni apresentou a comparação entre os dados

educacionais coletados dos dois municípios.

Em Campo Grande, como demonstra Peroni, as primeiras iniciativas da gestão

municipal, no período analisado, foram a expansão da matrícula e da rede municipal de

ensino. Em 1993 foi implementado pelo governo municipal de Campo Grande o Programa

Qualidade e Produtividade na Gestão, com características semelhantes ao Programa

desenvolvido em Minas Gerais, denominado ProQualidade, neste mesmo período, pelo então

governador de Minas, Eduardo Azeredo.

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A política educacional desenvolvida no Município estava fundamentada pelo

Programa Qualidade e Produtividade. Os resultados obtidos pela pesquisa de Peroni apontam

para o fato de que as iniciativas educacionais municipais ficaram restritas à expansão da

matrícula. Apesar do Município de Campo Grande ter optado por criar seu sistema

municipal de ensino, sua implementação não foi discutida entre a comunidade escolar, sendo

uma ação do Executivo Municipal sem significativa mudança para a educação em Campo

Grande. Com relação ao Conselho Municipal de Educação, Peroni identificou que sua criação

se deu por força de lei, mas este não foi efetivado até o final de sua pesquisa.

A política de valorização do magistério desencadeada pelo FUNDEF não trouxe

melhoras para a classe no Município. O plano de Carreira criado por lei municipal em Campo

Grande prejudicou os professores da rede que perderam direitos, tais como: licença prêmio,

abono salarial e a eleição de diretores da rede, que representava uma reivindicação antiga dos

docentes e que foi negada, não constando no Plano de Carreira do Magistério Municipal.

Além disso, Peroni identifica que tanto a Constituição Estadual de Mato Grosso do

Sul quanto a Lei Orgânica de Campo Grande previam um percentual de 30% para ser

aplicado na educação a nível estadual e municipal, respectivamente. Em 1998 uma emenda na

Lei Orgânica do Município de Campo Grande e na Constituição Estadual reduziu o percentual

mínimo a ser aplicado na manutenção e desenvolvimento do ensino, conforme a Constituição

Federal, para 25%.

Pode-se observar que a educação desenvolvida no município de Campo Grande, ao

invés de avançar, foi marcada por retrocessos. Com o passar dos anos, seguiu a mesma lógica

política desenvolvida pelo governo federal no período analisado.

No município de Porto Alegre, Peroni encontra uma realidade diferenciada daquela

encontrada no município de Campo Grande.

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Porto Alegre por muitos anos foi considerada, pelos organismos internacionais, como

a cidade de melhor padrão de vida do país. Desde 1989 governada pelo Partido dos

Trabalhadores- PT, vem se aperfeiçoando nos processos de democratização da gestão pública,

conforme mostra a pesquisa de Peroni (2003). A principal ação nesse sentido foi a

implementação do Orçamento Participativo (OP), que teve início no mesmo ano do governo

do PT, com o objetivo de incentivar a organização independente e o respeito à vontade

popular.

Peroni destaca que a política educacional de Porto Alegre foi amplamente discutida

no OP, na plenária temática de Educação, Cultura e Lazer. As principais ações, identificadas

pela autora, desenvolvidas pelo Município foram o andamento do projeto do Curso Supletivo

de Alfabetização de Adultos, o auxílio a creches comunitárias e o Movimento de

Alfabetização, sendo repassado para a educação infantil e de adultos o dinheiro necessário

para que esses setores da educação continuassem funcionando, apesar do impacto do

FUNDEF.

Foi desenvolvido, a partir de 1989, o Projeto Escola Cidadã no Município, cujos

objetivos eram a compreensão do conhecimento e a descentralização do poder. No interior

desse projeto foram desenvolvidas ações relacionadas a três eixos: Gestão Democrática,

Reconstrução Curricular e Regimento Escolar.

A pesquisadora identificou várias ações relacionadas ao princípio de Gestão

Democrática no Município. Uma delas foi a criação do Sistema Municipal de Ensino de Porto

Alegre, apresentado à Câmara de Vereadores da cidade por um vereador do PT. Diferente do

que foi constatado por Peroni em Campo Grande, a construção do projeto de implementação

do sistema municipal de ensino do Município de Porto Alegre contou com a colaboração da

comunidade escolar através da Associação dos Trabalhadores da Educação do Município,

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com representantes das escolas, representantes da Secretaria Municipal de Educação e

representantes do Conselho Municipal de Educação.

Com relação ao financiamento da educação, Peroni identificou um Decreto

municipal de 1996 que possibilita a comunidade escolar, representada pelos segmentos do

Conselho Escolar, gerir os recursos financeiros da escola, passando a ter conta própria como o

Cadastro Geral de Contribuintes-CGC da prefeitura. Um sistema de financiamento da

educação altamente descentralizado.

As escolas municipais de Porto Alegre passaram, também, a elaborar seu plano

político-pedagógico-administrativo anual, diferente do que ocorre em Campo Grande, onde a

Secretaria Municipal estabeleceu um só plano para todas as escolas da rede. Em Porto Alegre,

o plano elaborado nas escolas é encaminhado à Assessoria de Planejamento da Secretaria

Municipal de Educação, para ser discutido na plenária temática de Educação do OP. Os

projetos que constam nos planos devem ser discutidos e votados regionalmente, para que

sejam desenvolvidos naquele ano pelas escolas municipais com recursos próprios.

Para Peroni, em Porto Alegre, a proposta de descentralização que se verificou foi

contrária àquela desencadeada pelo Governo Federal nos anos de 1988 a 1998. O Município

buscou aumentar a participação da população na definição das políticas e no controle social.

Em Porto Alegre, na plenária temática Educação, foram estabelecidas, como prioritárias, a educação infantil e a educação de jovens e adultos. Isso significa que a cidade, apesar das dificuldades enfrentadas, uma vez que perderia mais de sete milhões devido ao fundo, pretendia manter sua autonomia quanto à elaboração das políticas educacionais (PERONI, 2003, p. 181).

Conhecer a pesquisa realizada por Peroni foi de grande importância para o

desenvolvimento de meu estudo. Possibilitou-me compreender os vários aspectos que podem

ser abordados em uma pesquisa que se propõe discutir a Educação Municipal. A

caracterização dos Municípios, trazida por Peroni, ajuda-nos a compreender os pontos

trabalhados pela autora. Além disso, a contextualização histórica e política dos Municípios,

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sob a forma como é apresentada pela autora, enriquece o trabalho e possibilita a conexão entre

os vários dados coletados na pesquisa.

Outra observação que merece destaque acerca do trabalho de Peroni é a análise feita

pela autora que ultrapassa a unilateralidade do fenômeno da descentralização, diferente da

maioria dos textos publicados que se dedicam a tal temática.

Apesar de comungar com diversos teóricos a idéia de que as políticas desenvolvidas

na década de 1990 caminham na direção da redefinição do papel do Estado e na desobrigação

de muitas de suas funções, Peroni considera a descentralização como um processo complexo

e contraditório, que pode possibilitar maior participação, democratização e, por conseguinte,

aumentar a qualidade da educação.

A autora afirma que:

Verificamos, assim, a complexidade do termo “descentralização” em se tratando de políticas sociais no período histórico analisado, assim como a dificuldade de se discutir o termo em si, desvinculado do tempo e do espaço. Constatamos que o conteúdo da descentralização é construído no embate entre forças que defendem projetos de sociedade e de educação antagônicos (PERONI, 2003 p. 181).

Por fim, o último trabalho encontrado que se dedica à temática foi o de Arretche

(2002). A autora trata da descentralização nas décadas finais do século passado no Brasil. O

artigo apresenta conceitos de Estado federativo, descentralização, demonstrando suas

distinções. Destaca a relação estabelecida no Brasil, nos finais dos anos de 1980, entre

centralização e autoritarismo, e descentralização e democratização.

A pesquisadora destaca que os estudos comparados sobre federalismo em diversos

países, tais como França, Espanha, África do Sul e Itália apontam para a dispersão de poder

típica desse tipo de Estado. Além disso, esses estudos indicam que os Estados Federativos

aumentam exponencialmente as dificuldades para a adoção de reformas abrangentes. Esse

argumento é contraposto por Arrecthe, no que se refere ao caso brasileiro, pois, para a autora,

a implementação de um abrangente programa de descentralização das políticas sociais a partir

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de meados da década de 1990, que transferiu para os estados e municípios brasileiros grande

parte das funções de gestão de políticas sociais, não confirma as previsões que apontavam

para a “virtual” (termo usado pela autora) paralisia decisória em Estados federativos.

Ainda assim, considera que em Estados federativos a implementação de reformas de

âmbito nacional tenderia a ser mais difícil do que em Estados Unitários, porque os governos

locais dispõem de incentivos e recursos para implementar a sua própria política independente

do governo federal. Para Arretche, no Brasil, após a instalação do governo Fernando Henrique

Cardoso, os governos locais não se mostraram fortes e capazes de vetar um extensivo

programa, pelo qual muitas funções de gestão lhes foram transferidas. A autora trabalha com

os exemplos da municipalização do ensino fundamental e a descentralização da política de

saúde e de habitação.

A tese central de Arretche é de que, no Brasil, as políticas sociais, entendidas como

um compromisso dos governos com o bem-estar efetivo da população, não estão no centro

dos mecanismos de legitimação das políticas dos governos. Por essa razão, a descentralização

dessas políticas não tende a ocorrer por uma disputa por créditos políticos entre os níveis de

governo, mas de um modo semelhante ao caso norte-americano25, por indução do Governo

Federal. Desse modo, a descentralização dessas políticas ocorreu quando o Governo Federal

reuniu condições institucionais para formular e implementar programas de transferência de

atribuições para os governos locais.

Apesar de os textos se referirem à descentralização e à municipalização, não tratam

da questão do fortalecimento do poder local, que deveria estar imbricada na temática da

descentralização, já que este não é um fenômeno que ocorre em uma única direção. A

25 Nos Estados Unidos, segundo Arretche, há uma corrida para baixo entre os estados no tocante à oferta dos serviços sociais, pois estes temem atrair migrantes pobres caso ofereçam políticas sociais generosas. O sistema fiscal norte-americano é baixo redistributivamente, a capacidade fiscal dos estados repousa em seus próprios impostos. Dessa forma, elevando-se os gastos, elevam-se os impostos, o que pode diminuir em investimentos empresariais. Portanto, as políticas sociais dos governos estaduais são financiadas por transferência do Governo Federal.

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municipalização da educação, a partir dos anos de 1990, tem sido entendida como

transferência de matrícula do ensino fundamental da rede estadual para os governos locais no

âmbito dos municípios. É preciso enfatizar o outro lado da moeda, a busca pelo município de

sua autonomia e fortalecimento de suas bases, mesmo que a realidade não se apresente desse

modo.

3.2 O poder local e o poder global

Referente à questão do poder local e poder global, especificamente, encontrei

somente uma pesquisa que tratasse da temática. Bícego (2004) desenvolve a tese de que a

imagem da cidade-pátria forja a unidade da identidade cultural pelos ícones culturais do

município e sua auto-promoção de desenvolvimento sustentável. Através do estudo de

projetos culturais desenvolvidos na cidade de Piracicaba, seu locus investigativo, “Cultura nos

bairros” e “Engenho Central”, Bícego (2004) verifica que há uma nova tendência de

direcionar a política de cultura como estratégia de desenvolvimento econômico da cidade.

Apesar de trabalhar o contexto e os referenciais teóricos26 que tratam da temática do

fortalecimento do poder local, a autora enviesa seu trabalho para a discussão sobre cultura

(patrimônio histórico da cidade) e o desenvolvimento econômico local.

A ausência de pesquisas que se dedicam à temática do fortalecimento do poder local

faz com que se dificulte ainda mais o processo de elaboração e construção teórica sobre a

relação entre o fortalecimento do poder local, descentralização e a criação dos sistemas

municipais de ensino. Por outro lado, indica a importância de maiores pesquisas que tratam

dessa relação.

3.3 Municipalização

O maior número de pesquisas encontradas refere-se à temática municipalização.

26 A autora destaca Borja e Castells.

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Todas são experiências de municipalização, estudos de caso realizados em

municípios específicos, exceto a que trata do processo de municipalização do Estado de São

Paulo, realizada por Ângela Martins. Os estudos destacam que a matrícula do ensino

fundamental teve um grande aumento a partir de 1994 na rede municipal, além dos problemas

que tais municípios tiveram que enfrentar a partir dessa política engendrada na década de

1990.

Além disso, nenhuma dessas pesquisas faz qualquer referência à questão da

possibilidade de criação dos sistemas municipais de ensino e/ou autonomia municipal,

possibilidade estabelecida em lei e que tem uma vinculação direta com a temática da

municipalização.

Após essa breve discussão geral sobre as pesquisas, é indispensável colocar o que

cada uma traz de contribuição específica para a temática municipalização:

O trabalho de Ferreira (2004) analisa o processo de municipalização do ensino em

Sorocaba, sob a ótica da descentralização/universalização do ensino fundamental. A pesquisa,

em sua horizontalidade, como denomina a autora, partiu do estudo da realidade escolar do

município, em 1996, procurando analisar suas contradições. Em sua verticalidade, examinou o

momento histórico das décadas de 1980 e 1990, no Estado de São Paulo e no Brasil, época em

que tais políticas foram implementadas. A pesquisa apoiou-se em fontes primárias,

bibliográficas, bem como na experiência pessoal da pesquisadora, enquanto participante do

processo de municipalização atuando em órgãos estaduais e municipais e em conselho gestor

de educação-Conselho Municipal de Educação de Sorocaba. Além disso, traça o cenário da

municipalização no Estado de São Paulo.

Ao relatar a experiência de Sorocaba, a pesquisadora afirma que, ao longo do ano de

1997, a Prefeitura Municipal de Sorocaba realizou estudos visando à tomada de uma decisão

mais adequada à realidade do município. O processo, segundo ela, contou com o

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envolvimento de sindicatos representativos de todos os segmentos do magistério estadual e

municipal, imprensa, Câmara Municipal de Vereadores e pais de alunos. As maiores tensões

giravam em torno das vantagens e desvantagens financeiras, evolução funcional e

aposentadoria dos professores das redes estadual e municipal. Ao final de cinco anos de

discussão, foi escolhida a alternativa da municipalização gradativa, viabilizada através da

expansão da rede municipal de ensino. O estudo de Ferreira (2004) trata das alterações que

ocorreram no município após a municipalização, mostrando “como estava sendo equacionada

a demanda escolar, de que maneira as três redes de ensino se adequaram à nova realidade.”

Para tanto, foi necessário realizar um estudo do cotidiano escolar de Sorocaba em 2002.

Uma das conclusões, que merece destaque na pesquisa, é que os estudos da realidade

educacional dão visibilidade ao fato de que não foi, até o momento, estabelecida a relação

municipalização/privatização da escola pública, no que se refere à educação básica. Essa

possibilidade foi discutida em razão do ajuste do país ao modelo neoliberal do capitalismo

mundial, que prevê, entre outras estratégias, estabelecimento de políticas de descentralização

de ações, objetivando maior eficiência e eficácia. Até o momento, constatou-se que o Estado,

nos níveis estadual e municipal, não se desobrigou da responsabilidade da oferta do ensino

obrigatório, estabelecida legalmente pelo governo federal.

Além disso, a pesquisadora afirma que o estudo da proposta de universalização do

ensino fundamental por meio da descentralização/municipalização, possibilita ainda outras

leituras. A descentralização, além de histórica na educação brasileira, é uma das ações

privilegiadas pelas agências internacionais que “orientam” as políticas educacionais dos

países em desenvolvimento. Suas coordenadas foram estabelecidas no artigo 211 da

Constituição Federal de 1988 e detalhadas nos artigos 16 e 18 da LDB. A temática da

autonomia escolar e gestão democrática foi contemplada nos artigos 12 e 15 da mesma lei. No

Município de Sorocaba foi evidenciado, pela pesquisadora, o cumprimento das principais

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diretrizes legais norteadoras da descentralização proposta. Entretanto, para além do

cumprimento legal, outras variáveis foram consideradas.

No trabalho de Ferreira (2004), aceitou-se como premissa que a descentralização

objetiva maior participação, mais democracia, melhor qualidade técnico-pedagógica, maior

eficiência nos processos educacionais e autonomia do poder local que significa uma

distribuição equânime do poder de decisão. No entanto, sua pesquisa aponta para implantação

de um processo de municipalização determinado pelo governo central, sem levar em

consideração as diversidades regionais. As decisões mais importantes foram e continuam

sendo tomadas do centro para a base, não se evidenciando a necessária distribuição do poder

que possa proporcionar maior autonomia aos municípios. A estes coube cumprir a legislação,

através de ações centralizadas na administração municipal, assinalando-se a existência de

incipientes ações conjuntas com a sociedade civil. No plano financeiro não houve aporte de

novos recursos por parte da União, sendo estabelecida a obrigatoriedade de recolhimento e

aplicação de verbas na educação por parte dos estados e municípios.

O trabalho de Martins (2004) sobre o processo de municipalização no Estado de São

Paulo procurou analisar, em um primeiro momento, as questões de ordem político-

administrativa que envolveram o processo de transferência de escolas, professores,

funcionários e/ou alunos para a rede municipal, na tentativa de verificar se esse processo

facilitou ou dificultou a gestão do ensino fundamental para o poder executivo municipal.

O enfoque de seu trabalho girou em torno do que denomina de:

principais características das variáveis intervenientes junto aos órgãos gestores dos sistemas municipais: os atores envolvidos no processo e seu conhecimento das questões técnicas e políticas; possibilidades de aprendizagem no percurso, grau de adesão, compreensão e/ou resistência às mudanças geradas no desenho institucional, relação entre as esferas de governo municipal e estadual, atuação dos órgãos colegiados tais como o Conselho Municipal de Educação e Conselho de Acompanhamento Fiscal (MARTINS, 2004,p. 01).

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A autora afirma que a implementação do convênio Estado-município, que se

encontrara em curso à época da pesquisa, representava uma expressiva reorganização político-

administrativa do sistema público estadual paulista, com conseqüências no âmbito pedagógico

sem precedentes na história da educação no Estado de São Paulo.

A pesquisadora procura, também, analisar de que forma a dinâmica instaurada em

função de processos descentralizadores configura um novo desenho institucional para a

prática da democracia em pequena escala, além do aperfeiçoamento na gestão das políticas

públicas, da participação efetiva dos atores escolares nas decisões coletivas e do

encaminhamento de soluções mais efetivas e eficazes para os graves problemas configurados

pela burocratização da implementação de políticas. Preocupa-se ainda em compreender se os

novos desenhos se constituem apenas como a (re) configuração de práticas discursivas oficiais

a partir de velhos modelos de exercício da democracia e da gestão das políticas.

Sua hipótese é de que houve um “lavar de mãos” do governo federal. Sua conclusão

a respeito deste processo é de que:

o cenário político recente onde predomina a defesa da localidade como espaço apropriado para exercício da democracia em pequena escala, parece se adequar à necessidade de se instaurar novas formas de gestão da rede de escolas, tendo em vista a comprovada ineficiência dos grandes sistemas de ensino para oferecer um ensino de qualidade e de responder com agilidade aos problemas suscitados das mais diferentes ordens, em regiões completamente diferentes entre si. Nessa perspectiva, os problemas heterogêneos que permeiam as redes de escolas, aparentemente, encontram alguma solução mais imediata nos diferentes procedimentos e níveis administrativos da gestão municipal, pois a proximidade com o poder executivo, ao que tudo indica, além de ampliar a participação dos profissionais de ensino, também perturba mais diretamente o centro desse poder, no caso, as secretarias municipais de educação e/ou gabinete do prefeito (MARTINS, 2004, p. 6).

Segundo a pesquisadora, os resultados de sua pesquisa apontam para a existência de

uma dupla aprendizagem: da esfera executiva municipal e dos atores escolares. A autora

também esclarece sobre os riscos e benefícios da descentralização. Para ela, houve consenso

na concepção dos secretários de educação, membros dos conselhos municipais, diretores e

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vice-diretores, ao defenderem a mudança física e simbólica do lócus de negociação entre os

atores escolares e o poder executivo, embora reconheçam os riscos dessa proximidade.

De um lado, essa aproximação parece contemplar a reivindicação pela ampliação da

participação dos atores escolares e da comunidade, pois os canais de comunicação são

encurtados e os conflitos gerados nesse processo são negociados diretamente com os

dirigentes municipais de educação. Por outro lado, há o risco de se reinstaurar as velhas e

conhecidas fórmulas de fazer política local, pois, pelo que foi observado por ela, o

clientelismo e o favoritismo na distribuição de cargos parece ser uma prática ainda não

totalmente superada entre os brasileiros.

Martins traz um relato que comprova a ausência de autonomia municipal e o grau de

subordinação das Secretarias Municipais de Educação à Secretaria Estadual. A própria

realização de sua pesquisa esteve sujeita permanentemente à autorização prévia dos

Secretários Municipais de Educação que colocaram suas assessorias disponíveis para

acompanhar a equipe de pesquisadores:

A insegurança e as palavras sempre comedidas das equipes de assessores e dos diretores das escolas demonstravam a presença de um temor dissimulado e injustificável, pois os problemas das redes municipais estudadas, são menores que aqueles vividos pela gestão estadual nas regiões. (...) o temor dizia respeito, de um lado à prevalência de uma cultura de subordinação da gestão municipal à secretaria estadual e de outro, a própria inexperiência no enfrentamento de questões cruciais tais como as que envolvem atendimento da demanda, manutenção da infra-estrutura da rede física, problemas trabalhistas dos profissionais, material didático e, principalmente a pressão dos pais que passaram a fazer do gabinete das secretarias municipais de educação, o lócus privilegiado de canalização de suas reivindicações (MARTINS, 2004, p. 11).

O trabalho de Carvalho (2002) que apresenta o processo de municipalização do

ensino no Estado do Mato Grosso do Sul considera a municipalização do ensino fundamental

positiva, desde que essa estratégia política tenha como objetivo a desburocratização, melhoria

da qualidade do ensino e gestões mais democráticas e autônomas.

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Uma característica importante nesse trabalho é a dissociação dos termos

municipalização e democratização, já que a autora afirma que entre os argumentos em defesa

da municipalização está o que associa a municipalização à democracia e a centralização à

sistemas de ensino menos democráticos. Destaca que a pesquisa realizada no Mato Grosso do

Sul mostra que nem sempre essa relação é verdadeira. Comparando a gestão municipal de

educação de Campo Grande e a gestão estadual, a segunda apresenta muito mais

características democráticas que a primeira. A começar pela escolha dos diretores das escolas,

que são eleitos, e, ainda assim, são acompanhados em suas decisões por um colegiado.

As questões trazidas pela pesquisadora são: Por que professores estaduais desistiram

de trabalhar para escolas municipalizadas? Por que uma secretaria estadual apresenta

características mais democráticas que as secretarias municipais? O que vai acontecer com os

professores que estão trabalhando para os municípios nos próximos governos?

Em seguida, analisa a educação no município de Campo Grande e conclui que a

municipalização é um “perigo iminente” que, em vez de auxiliar um processo democrático,

busca um controle acirrado das instituições escolares, utilizando-se da proximidade para uma

maior fiscalização, comprometendo a estrutura democrática. Além disso, afirma que uma

gestão democrática da educação viabiliza-se por meio da descentralização das decisões, da

autonomia da escola, do estímulo à participação da comunidade, da criação e da ação dos

conselhos, entre outros. No entanto, a Secretaria de Educação de Campo Grande anda na

contramão desses princípios.

Já em Sidrolândia, município próximo a Campo Grande pesquisado por Carvalho, foi

encontrada uma grande precariedade estrutural na rede de ensino. Apesar disso, a

pesquisadora percebeu em todos os funcionários e no ambiente da Secretaria Municipal de

Educação um clima de satisfação com o trabalho desenvolvido, tendo observado sinais de

uma administração democrática.

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De acordo com Carvalho (2002, p. 10), “as escolas e a administração da Secretaria de

Sidrolândia estão pautadas no pólo aberto27”.

Em suas considerações finais afirma que com o advento da municipalização, muita

coisa mudou. O Estado, ao transferir para o município a incumbência de oferecer o Ensino

Fundamental, transferiu também o poder de vigiar, punir e, principalmente, de oferecer um

piso salarial inferior ao da maioria dos professores estaduais. A categoria de professores

perdeu muito. As greves por melhores salários foram sendo substituídas pela inércia, haja

vista que a fiscalização é muito mais acirrada pela proximidade do governo.

Tanto no início do processo de municipalização como no fim, o que se percebe é a

falta de força dos pequenos municípios.Eles dependem de recursos estaduais que podem até

não chegar caso tomem atitudes contrárias à vontade política do governador. Carvalho

assinalou que a essência da municipalização do ensino no Estado do Mato Grosso do Sul está

na questão financeira. Durante o período estudado pela pesquisadora, o Governo Estadual do

PT mostrou-se favorável a municipalizar a Educação Infantil em 2001. No entanto, o

município de Campo Grande do PMDB não quis. Campo Grande, mostrando também uma

certa “generosidade” devolveu para o governo estadual o Ensino Médio em 2002, já que, por

força da LDB, ao Estado cabia as responsabilidades concernentes a tal nível de ensino.

Conclui, portanto, que não percebeu, em nenhuma instância, seja estadual ou municipal,

interesse pelos níveis de ensino ou pela educação, mas a preferência condicionada pelo

recurso do FUNDEF.

Os resultados da pesquisa realizada por Rosar e Souza (1999) sobre a política de

municipalização do Estado do Maranhão também trazem importantes contribuições para o

entendimento da temática da municipalização.

27 Pólo aberto é uma conceituação utilizada pela autora para caracterizar um meio de trabalho participativo, no qual um indivíduo tem um reconhecimento próprio, no quadro de uma estratégia de desenvolvimento do seu potencial.

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O interesse da pesquisa de Rosar e Souza (1999, p. 92) era identificar os critérios e as

prioridades estabelecidas pela política educacional do Estado e dos Municípios para o ensino

fundamental, avaliar a adequabilidade das ações implementadas, bem como a organização de

formas próprias dos municípios para a solução dos problemas de funcionamento da rede.

Um dos achados dessa pesquisa aponta para o fato de que o propósito de estabelecer

uma integração entre Estado e Município tem estado presente nos planos de governo e nos

planos das Secretarias de Educação do Maranhão, desde a década de 1970, como uma

estratégia de construção de alternativas para os problemas educacionais do Estado. Entretanto,

os mecanismos de planejamento e administração utilizados estão predominantemente

determinados por relações de poder e permeados por práticas clientelistas. Além disso, as

autoras identificaram que os acordos e as ações entre os níveis de governo eram pactuados

mediante articulações político-partidárias baseadas em interesses particulares.

As observações de Rosar e Souza (1999) indicam que os programas e projetos,

desenvolvidos no Estado do Maranhão, seguiam uma série de prioridades estabelecidas pelo

MEC que, por sua vez, seguiam a cartilha ditada pelo Banco Mundial, que é patrocinador de

vários projetos desenvolvidos no Nordeste.

A conclusão final da pesquisa das autoras é de que:

Por meio de um complexo processo de redistribuição das responsabilidades com a educação entre as três esferas de governo, bem como pela modificação da sistemática de administração de recursos, o poder público busca reduzir os gastos globais com a educação, enquanto dentre outras coisas, incentiva a participação da iniciativa privada na manutenção dos serviços educacionais (ROSAR & SOUZA, 1999, p. 119)

O último trabalho analisado que trata da questão da municipalização é o de

Fernandes e Freitas (2004). As autoras se propõem a trabalhar com os percursos e desafios da

municipalização do ensino fundamental no município de Dourados, no Mato Grosso do Sul,

como esclarece o título.

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As autoras iniciam o texto com a contextualização da pesquisa, mostrando o

município, sua história, e a sua definição como um espaço de migração urbana, entre os anos

de 1950 e 1980. Portanto, estabelecem que diante das mudanças do padrão de ocupação do

espaço e do desenvolvimento econômico, marcados pela forte presença do Estado na região e

no município, seu objetivo é desvelar o comportamento do setor educacional, propriamente do

ensino fundamental, especialmente a partir do momento em que este passa a ser a etapa

prioritária da educação básica e de responsabilidade da esfera municipal.

Fernandes e Freitas destacam que no município de Dourados ocorreram três

movimentos a favor da municipalização do ensino. O primeiro sendo de 1989 a 1993, em

que, para além das iniciativas do município e coerente com o processo de desconcentração

dos sistemas educacionais, deu-se também a atuação do Estado, incentivando e realizando

ações através de seus Programas no município.

O segundo movimento de municipalização destacado pelas autoras ocorreu entre

1994 e 1997. Fernandes e Freitas afirmam que nesse período foram tomadas medidas que

visavam à estruturação e funcionamento da Secretaria Municipal de Educação, através de

promulgação legal; buscou-se a reestruturação e funcionamento das unidades escolares com

os Regimentos Escolares em 1996; implantou-se a racionalização da gestão educacional

através da institucionalização do Plano Plurianual de Educação e, em seguida, do Plano

Decenal de Educação de Dourados e, ainda, a democratização da gestão das Unidades

Escolares com eleição de diretores, conforme lei municipal.

O terceiro movimento é identificado a partir de 1998 a 2000 em que começou a

vigorar a Lei nº 9.424/96 que regulamenta o FUNDEF, o que não alterou de forma

significativa a matrícula no município referente ao ensino fundamental, pois as condições

objetivas e subjetivas da municipalização já estavam garantidas por parte do Estado.

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Adiante, em seu texto, as autoras afirmam que a municipalização é um movimento

do qual os municípios não podem furtar-se e elencam uma série de desafios das próximas

décadas para a educação no Brasil: suficiente financiamento da educação; universalização do

ensino em todos os níveis, ensino fundamental integralmente assumido, qualidade do ensino,

da instituição escolar e do sistema de ensino e das relações entre eles; dimensionar o ensino

fundamental no contexto da educação básica e, por fim, coordenar a garantia do direito ao

ensino fundamental com a garantia do direito à educação infantil.

3.4 Sistemas de Ensino

Os quatro textos encontrados que trabalham com a temática sistemas de ensino são

relatos de pesquisas em educação. O trabalho de Ganzelli (2004) é um relato da Pesquisa

“Potencialização da Gestão Escolar Municipal em Indaiatuba/SP”.

Trata-se de uma proposta para implementação de ações que possibilitem, através de

um processo participativo e organicamente estruturado, a construção de um Plano Global para

a rede municipal de ensino, bem como os Planos Escolares das Unidades que a compõem, de

forma a possibilitar a produção, pelos próprios agentes educacionais, de orientações coletivas,

indispensáveis para a consolidação de um ensino municipal de qualidade e com autonomia. O

autor assume uma postura de interferência total do pesquisador na pesquisa e em seu trabalho

define a pesquisa-ação como sua escolha metodológica.

Nesse trabalho encontra-se uma referência à possibilidade de criação dos sistemas

municipais de ensino. Enfatiza que a legislação garante a formação de um sistema municipal

de ensino democrático e coloca como um desafio concretizá-lo dentro dos limites impostos

pela realidade educacional local.

O autor trata da lei municipal que cria o sistema municipal de ensino de Indaiatuba.

Além disso, relata as providências tomadas após a criação do sistema no município, tais

como: reestruturação interna da Secretaria Municipal de Educação; criação de uma Comissão

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de Estudos da Municipalização do Ensino Fundamental; levantamento dos locais e da

demanda para a construção de prédios escolares; providência de alterações na Lei Orgânica

Municipal, na Lei de Diretrizes Orçamentária e no Estatuto do Magistério Público Municipal,

para adequá-las às novas exigências.

Outro aspecto tratado foi a providência para alterações do Conselho Municipal de

Educação de modo a torná-lo mais representativo. Foi estabelecido o contato com os

sindicatos de professores e de especialistas da educação e criado um Grupo de Apoio

Pedagógico-GAP para o atendimento às novas exigências impostas pela ampliação dos

serviços da Secretaria Municipal de Educação de Indaiatuba.

Em seguida, o autor propôs um projeto que deveria orientar-se por quatro princípios:

da historicidade, da participação, da realidade local, e, por fim, o princípio teleológico, que

denomina como sendo a busca por uma visão de futuro que possibilitaria ações

comprometidas com a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática.

Ganzelli (2004) relata, ainda, que as ações para a implementação desse projeto de

pesquisa foram organizadas através de sete subprojetos que dialogam entre si: 1) Câmara de

Educação; 2) Capacitação; 3) Sistemas informatizados; 4) História da educação no município;

5) Legislação; 6) Registro em vídeos e textos; 7) O conselho de escola.

O final de seu trabalho é uma reflexão acerca do andamento de tais subprojetos.

Apesar de colocar na introdução de seu texto a discussão sobre a autonomia municipal e a

criação do sistema municipal de ensino de Indaiatuba, Ganzelli não aprofunda a questão.

A segunda pesquisa encontrada em que se discute o tema dos sistemas de ensino foi

desenvolvida por Vasconcelos (2003). Tal estudo tem por objetivo prioritário discutir a

criação e implantação dos Conselhos Municipais de Educação, no Estado do Rio de Janeiro,

em face das novas atribuições dos sistemas municipais de ensino. A pesquisa de Vasconcelos

tomou como ponto de partida a normatização e regulamentação da L.D.B.

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Para a autora, no Estado do Rio de Janeiro, a constituição dos sistemas de

educação28, para que assumissem suas atribuições legais, caracterizou-se como um processo

bastante complexo, tendo em vista a centralização exercida pelo sistema estadual de

educação.

Vasconcelos analisa historicamente o processo de descentralização desencadeado no

Brasil e a progressiva autonomia municipal em relação ao sistema estadual. Assim como os

demais trabalhados na área, Vasconcelos identifica a LDB como um dos principais

instrumentos legais que garantiu a autonomia municipal, pois esclarece acerca da criação e

implementação dos sistemas municipais de ensino. No entanto, uma particularidade do

trabalho de Vasconcelos está no fato de que a autora não aborda as outras opções definidas

pela LDB em seu art. 11. Para a pesquisadora, a constituição dos sistemas de ensino pelos

municípios parece ser uma realidade única e universal após a implementação da Lei nº

9.394/96.

Em nenhum momento, o trabalho de Vasconcelos aponta para a possibilidade que os

municípios têm de escolher entre continuarem atrelados ao sistema estadual de educação,

comporem com ele um sistema único de ensino ou criarem seus sistemas próprios.

A pesquisa de Vasconcelos destaca que os Conselhos Municipais de Educação do

Rio de Janeiro têm sua organização inspirada na estrutura e funcionamento dos Conselhos

Estaduais de Educação. Estes, por sua vez, acompanham o modelo do Conselho Federal de

Educação, criado em 1961 pela 1ª LDB, através da Lei nº 4.024/61 e (re) elaborado como

Conselho Nacional de Educação, em 1995, a partir da Lei nº 9.131.

Esses conselhos nos municípios do Rio de Janeiro, conforme demonstra a

pesquisadora, seguem a mesma diretriz política desenvolvida pelo Estado e são compostos

em grande parte de representantes indicados pelos gestores locais, oriundos de diversas

28 No decorrer do relatório da pesquisa, Vasconcelos utiliza ora o termo sistemas municipais de ensino, ora utiliza o termo sistemas municipais de educação.

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ocupações. Tais aspectos acarretam inúmeras dificuldades para o desenvolvimento de

atividades planejadoras de políticas e diretrizes da educação municipal.

Um espaço possibilitador de mudanças como os conselhos municipais de educação,

de acordo com Vasconcelos, torna-se um dos principais obstáculos para a construção de uma

educação municipal de qualidade e de compromisso com a participação e democratização.

Para que se efetivem nos municípios antigas reivindicações da população29,

Vasconcelos afirma que:

é necessário a libertação dos Conselhos Municipais de Educação da burocracia imposta a seus antecessores, os Conselhos Estaduais de Educação, que levados pela excessiva diretriz centralizadora das leis anteriores, acabaram por se tornar órgãos cartoriais de despacho, negativas e concessões processuais (VASCONCELOS, 2003 p. 120).

O outro texto que pode ser categorizado dentro da temática sistemas municipais de

ensino trata-se de um artigo que relata o trabalho de pesquisa de Gesuína Leclerc (2002). Sua

pesquisa foi realizada no Programa de Pós-graduação da Universidade Federal da Paraíba, sob

o título “Sistema Único de Ensino: o desafio da construção e da ampliação do Espaço Público

de Direitos na Escola Pública”.Seu objeto de pesquisa é o Estado do Mato Grosso.

A pesquisadora inicia o estudo pela análise da Constituição de 1989 do Mato Grosso

que determina que o Estado promova o (re) ordenamento do seu Sistema Público de Ensino,

provendo as condições técnico-financeiras para integrar os Sistemas Municipais e Estadual

em um Sistema Único de Ensino. Em 1996, segundo a autora, foi empreendido um debate

para a criação e a implantação do Sistema Único, a partir de uma agenda comum entre o

Sindicato dos Trabalhadores no Ensino Público de Mato Grosso e o governo estadual, com a

mobilização e a participação da população usuária da escola pública (pais, mães e estudantes)

em nível escolar, municipal e estadual.

29 Tais reivindicações estão relacionadas à fiscalização e ao aproveitamento criterioso das verbas públicas; à avaliação das condições de educação do Município; ao processo de eleição de diretores e à gestão democrática das escolas; à instituição do Plano de Carreira dos Professores, entre outras demandas.

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Leclerc (2002) trabalha com a história política do Estado do Mato Grosso, a partir de

1994. Faz uma análise crítica do movimento sindical de um modo geral e afirma que:

as políticas viabilizadoras do Sistema Único exprimem um projeto de organização social. Esse projeto é uma construção histórica, trespassada por conflitos, antagonismos e lutas, em que a questão do poder está sempre presente, exigindo ser este equacionado e socializado, colocado nele a escola pública representa um legado de idéias que podem estimular uma concepção de cidadania, tendo como dimensão central a participação no poder e desempenhar um papel cultural crítico, vivenciados nela mesma (LECLERC, 2002,p. 205).

Além disso, a autora teoriza sobre os cenários e as tendências que tratam da

desestatização de amplos setores dos serviços públicos necessários ao desenvolvimento da

cidadania e sob responsabilidade do Estado, dentre eles o da educação.

Nesse trabalho, Leclerc vincula a idéia do Sistema Único de Ensino com a

proposição de um modelo de Estado democrático.

O Sistema Único de Ensino proposto em seu texto está baseado na idéia de auxiliar a

constituição do espaço público de direitos na escola pública como parte indissociável do

processo de democratização da sociedade mato-grossense. Nessa concepção, a

democratização almejada é pensada pela via do fortalecimento do Estado e da sociedade civil,

pela inscrição dos interesses das maiorias na tomada de decisão política.

A pesquisadora demonstra que o cenário educacional do Mato Grosso, antes das

discussões sobre o Sistema Único de Ensino, era de pura desordem30.

Foram criados programas de “parceria” com alguns municípios. Nesses acordos entre

os prefeitos das cidades e o governo estadual foi estabelecido que a prefeitura que tivesse

interesse em participar do convênio deveria oferecer, além das séries iniciais do ensino

fundamental, as séries de 5ª a 8ª. Para que isso acontecesse, o governo do estado pagava aos

30 Conforme esclarece Leclerc, o governo do Estado fixava o número de matrículas para as escolas estaduais, deixando de atender a pré-escola e dividindo a educação básica (separou em ensino fundamental e ensino médio), polarizando as escolas. No meio do ano letivo mandou juntar salas de aula, houve desistência de alunos, fechamento de salas de aula, de turnos e até de escolas.

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professores e os municípios complementavam seus salários. Muitos professores tiveram que

ser transferidos de suas cidades e ficavam em alojamentos pagos pelas prefeituras.

A proposta de criação do Sistema Único Descentralizado de Educação Básica do

Mato Grosso (Sudeb) visava colocar a unidade escolar como foco da reorganização do

sistema, tratando-se não de uma reforma, mas de uma transformação estrutural no modo de

pensar, planejar, implementar e gerir a educação básica no Estado de Mato Grosso. A

centralidade focal da escola objetivava fazer dela um espaço autônomo para o exercício

decisório nas esferas administrativa, financeira, pedagógica e de gestão de pessoal, financiada

pelos recursos estatais.

O conceito de sistema adotado na proposta do Sudeb considera a escola, de um certo

modo, como um verdadeiro sistema: ela é uma unidade estruturada de partes constitutivas,

interdependentes, nas quais interagem sujeitos do fato pedagógico, de acordo com as normas

pautadas (pactuadas ou impostas) de funcionamento e objetivos que devem ser buscados pelo

conjunto.

O Sudeb conceitua-se como um processo de integração dos poderes constituídos, a

interação política, normativa e executiva dos serviços públicos de educação básica, a fusão

dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos. Além disso, o Sudeb buscou

unificar redes escolares sem distinção de unidades federais, estaduais ou municipais,

localizadas no território do Estado, de modo a evitar os paralelismos, as discriminações no

atendimento dos alunos e no trato com os profissionais de educação, a duplicidade de meios

para fins idênticos e as atividades concorrenciais, buscando a universalização da educação

básica de qualidade para todos os habitantes do estado.

Além da discussão acerca da organização de um Sistema Único no Estado do Mato

Grosso, Leclerc analisa questões como a necessidade de se criar um Fundo para a Educação

Básica com princípios baseados no custo-aluno-qualidade; o desafio de envolver a sociedade

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no acompanhamento das contas do governo; a aplicação dos recursos para a educação; a

possibilidade de vincular a verba diretamente para a escola, variando de escola para escola e

de mês para mês e por fim a gestão democrática.

Em sua conclusão, a autora diz que o Sistema Único de Ensino, no momento em que

estava desenvolvendo a pesquisa no ano de 2002, não havia sido implementado, mas que foi

possível, em meio a esse processo de discussão, pensar um pouco mais sobre políticas

educacionais e de como podem ser gestadas de outra forma.

Esse trabalho constitui uma inovação na temática dos sistemas de ensino, pois pensar

e discutir acerca do Sistema Único de Ensino nos estados brasileiros representa um grande

avanço no trato com as políticas públicas educacionais e de gestão.

O último trabalho encontrado que trabalha com a temática dos sistemas de ensino foi

o projeto intitulado de “Autonomia Municipal: criação dos sistemas municipais de ensino”

realizado entre os anos de 2001 a 200331. Essa pesquisa tinha como objetivos: identificar e

caracterizar os municípios que criaram seus sistemas de ensino; conhecer o processo

percorrido para criação desses sistemas; analisar os princípios que sustentam a criação e o

funcionamento desses sistemas e identificar os mecanismos de interação entre as instâncias

municipal, estadual e a União, possibilidades e limites com vistas à cooperação estabelecida

em lei.

O período analisado nesse projeto é de 1997 a 2000, logo após a implementação da

LDB. O estudo centrou-se no Estado de Minas Gerais e identificou nesse período somente

nove municípios que optaram por criar seus sistemas de ensino.

A pesquisa caracterizou os municípios e encontrou uma variedade de características

entre eles. Foram identificados municípios pequenos e grandes, com diferentes vinculações

31 A equipe da pesquisa era constituída pelas professoras Drª Diva Chaves Sarmento (coord.) e Drª Lúcia Helena Gonçalves Teixeira, e pelos alunos Rute Couto de Abreu, Danielle Maria Vieira Alves e Ricardo Sartine Fernandes.

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político-partidárias e com uma base econômica diversificada, sendo que o alto índice de

alfabetização das suas populações (acima de 90%) e a predominância do urbano eram os

fatores que os aproximava.

Esse estudo identificou que os Conselhos Municipais foram valorizados e são vistos

como parte fundamental do sistema, sendo destacados como espaço de participação da

sociedade. Além disso, os resultados da pesquisa apontam para o fato de que a criação dos

sistemas municipais possibilitou aos municípios usarem sua autonomia no encaminhamento

da política educacional. Como afirma Sarmento (2003):

Em geral os municípios consideraram que tornou-se possível dar melhor organização à rede escolar municipal, contribuindo para a solução dos principais problemas na área da educação assim como permitiu ampliar o atendimento à Educação Infantil e à de Jovens e Adultos. Um outro aspecto que o Sistema fortaleceu foram os valores e a cultura locais permitindo a adequação do ensino à realidade da região (SARMENTO, 2003, p. 13).

As dificuldades apontadas pela pesquisa quanto à implementação e funcionamento dos

sistemas municipais de ensino referem-se à falta de informações sobre a organização dos

sistemas e à ausência, nas secretarias de educação, de pessoal técnico na área jurídica e

administrativa.

Por outro lado, as secretarias municipais de educação destacaram que a participação foi

o aspecto mais enfatizado no processo de criação dos sistemas de ensino e dos conselhos

municipais de educação. Sarmento observa que, “ora a participação foi apontada como

motivadora do processo de criação dos sistemas, ora foi ressaltada como possibilidade de ser

ampliada a partir daí”.

Em relação aos processos de municipalização, a pesquisa mostrou que os municípios

que assumiram sua autonomia, através da criação do sistema e já haviam estruturado sua rede

de ensino municipal ao longo dos anos, resistiram às políticas de municipalização

desencadeadas na década de 1990. Esses municípios não aceitaram a imposição do Governo

Estadual de Minas Gerais em transferir grande parte de sua rede escolar do ensino fundamental

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para suas administrações, pois, além do ensino fundamental ser, também, responsabilidade do

Estado, a maioria desses municípios já investia nesse nível de ensino.

Pelo relatório final dessa pesquisa, verifica-se que não foi desconsiderada a

importância de se pensar na construção do Sistema Nacional de Educação no Brasil, ainda não

concretizado. Esse relatório, ainda, considera que os municípios, construindo seus sistemas

municipais próprios, em articulação com a União, com os Estados e com o Distrito Federal,

tornam-se importantes atores no enfrentamento das crises e conseqüências da globalização que

tem aumentado a exclusão social.

Após as análises das pesquisas encontradas, conclui-se que a temática da criação dos

sistemas de ensino tem sido pouco explorada. As pesquisas na área têm dado mais ênfase ao

processo de municipalização.

É importante também assinalar sobre a diversidade metodológica dos trabalhos

analisados, que vão desde a análise documental à pesquisa-ação. Além disso, deve-se destacar

a variedade de perspectivas e recortes utilizados pelos pesquisadores que trabalham pela

vertente cultural, histórica, econômica e política.

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4 AS PALAVRAS E AS COISAS

“As palavras modificam-se muito mais rapidamente do que as coisas, embora a mudança das palavras leve a crer que as coisas também tenham mudado”. Norberto Bobbio 2000

A construção deste capítulo tem por objetivo trabalhar com as perspectivas teóricas

que fundamentam os conceitos utilizados neste estudo. Cabe neste momento retomar os

principais temas ou conceitos que são os pilares teóricos desta pesquisa:

1-Descentralização, que estabelece relação direta com o processo do fortalecimento

do poder local; 2- Municipalização; 3- Sistema de Ensino Municipal; 4- Globalização e

Neoliberalismo; 5- Reforma do Estado brasileiro e 6- Democratização.

A análise separada de tais conceitos e a discussão trazida pelos teóricos são realizados

com fins meramente de organização didática, visto que ambos estão intimamente

relacionados. A realidade estudada nessa pesquisa é permeada por todos esses processos

conjuntamente.

4.1 Descentralização

O conceito de descentralização utilizado neste estudo ultrapassa a perspectiva da

delegação de funções. Considero uma medida que possibilita a ampliação do exercício de

direitos, autonomia da gestão municipal, participação e controle dos cidadãos sobre a esfera

pública, seja ela municipal ou estadual.

Um dos resultados desse processo denominado descentralização é o fortalecimento

do poder local. As cidades, nas últimas décadas do século XX, ganharam maior importância

no cenário político das nações.

Borja (1997, p.30) afirma que as cidades tornaram-se protagonistas de nossa época.

Relata que, no ano de 1994, a Conferência sobre População da ONU salientou os problemas

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gerados pelo crescimento da população urbana e levou à convocação de uma Conferência de

Prefeitos na Espanha. Para Borja, “pela primeira vez se reconhecia na Espanha, as autoridades

subestatais e a necessidade de tratar da problemática social em nível local (BORJA,1997,

p.30).” Esse autor procura mostrar que o progresso econômico, o bem-estar social e a

integração cultural determinar-se-ão nas cidades.

O estudo que pretendo realizar comunga com a idéia do autor acima citado de que o

papel das cidades e dos governos locais precisam ser (re) valorizados, partindo da premissa de

que o local é um dos espaços privilegiados de interação entre Estado e cidadãos,

constituindo-se portanto, como um locus potencial de mudanças.

É importante destacar que as expectativas quanto à eficácia da descentralização

podem não se concretizar em muitos casos e, por conseguinte, não influenciar mudanças

qualitativas na gestão municipal.

Além de Borja, utilizo como referencial teórico para entender a questão do processo

de fortalecimento do poder local José Eustáquio Romão (1992). Esse autor aborda a relação

entre poder local e educação. Nesse sentido, afirma que “o município é um local privilegiado

para o planejamento, organização e controle da qualidade do ensino”. Distingue, ainda,

municipalização do ensino de um processo que ele denomina de prefeiturização.

Muitas vezes a transferência de atividades para o município, na perspectiva de

Romão, continua a legitimar a elite do poder local. Sem a verdadeira transferência de poder,

sem a oportunidade de maior participação e de maior controle da sociedade sobre o poder

público municipal, não ocorre a descentralização. Para Romão este processo é chamado de

prefeiturização.

Romão (1992) chama atenção para o fato de que muitos governos municipais

reproduziram no nível local o autoritarismo do governo central; outros governos adotaram

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posturas populistas e ainda outros tentaram abrir espaço e colaborar para a mobilização e

organização política da sociedade civil.

Portanto, quando se analisa a dinâmica do processo de descentralização e

fortalecimento do poder local, é preciso estar mais atento para a realidade que está sendo

objeto de estudo.

Outro autor no qual busco elementos para entender um pouco mais a dinâmica de

fortalecimento do poder local é Ivo Lesbaupin (2000). Tal autor trabalha com a tese de que, a

partir de meados dos anos de 1970, começaram a surgir governos municipais que têm

conseguido reverter em seus territórios o crescente processo de exclusão, promovendo a

inclusão dos setores sociais desfavorecidos no espaço local. Segundo Lesbaupin (2000,p. 7),

quando trata do processo de fortalecimento do poder local, afirma que: “este é um dos raros

espaços no Brasil onde a exclusão, ao invés de aumentar, diminui”.

Lesbaupin observa como nosso país nos últimos 30 anos do século XX atravessou

uma grave crise econômica e social, em que o Estado brasileiro se tornou aliado do mercado e

voltou-se contra o povo. No entanto, sinaliza que várias prefeituras democráticas no Brasil

têm tentado conseguir reverter este processo de exclusão. O autor afirma que:

No Brasil as experiências inovadoras em termos de participação popular e de gestão voltada para o social ocorreram na segunda metade dos anos 70, ainda em plena ditadura militar. Lages (SC), Boa Esperança (ES) e Piracicaba (SP) gestão 76-82, são prefeituras que vão inspirar um conjunto de experiências que se desenvolverão a partir da metade da década de 80 (LESBAUPIN, 2000, p. 41).

Em relação à descentralização e o seu papel no contexto da Globalização e Reforma

do Estado, Lesbaupin esclarece que:

Há em curso, um processo de descentralização e de valorização dos governos locais. É certo que o incentivo à descentralização faz parte do intento neoliberal de desonerar o governo central (tanto no Brasil como nos demais países envolvidos neste projeto). O governo centraliza recursos mas se desencarrega de responsabilidades e as distribui, tanto a governos estaduais como a governos municipais e, inclusive ONGs.A descentralização não é um bem em si mesma: ela é apoiada tanto por

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conservadores como por progressistas, tanto pela direita como pela esquerda, mas por razões diversas. Em outras palavras, a descentralização tanto pode significar maior participação, mais cidadania, ampliação do processo democrático, como pode restringir a democracia (LESBAUPIN, 2000, p. 46).

Nesse sentido não se pode apregoar que a descentralização é resultado exclusivo da

implantação de políticas neoliberais. Tal perspectiva é adotada neste estudo, que procura

relacionar descentralização com participação, democratização e desenvolvimento local.

Um autor que trabalha com a Reforma Educacional na América Latina no contexto

da Globalização, Juan Casassus (2001, p. 8), esclarece que uma forma de perceber o processo

de Globalização é “considerá-lo do ponto de vista da desterritorialidade, no qual o Estado

Nacional perde suas fronteiras e emergem outros espaços para a configuração da identidade e

da cultura”.

Casassus chama a atenção para as questões que estão além do campo da economia no

processo de Globalização. Nesse sentido, afirma que a perda de presença do Estado Nacional

tem sido acompanhada pela tensão que se dá entre o local, assegurado particularmente nos

processos de descentralização, e o mundial.

O interesse do autor é o estudo das Reformas Educacionais que foram

implementadas no nível regional, seu interesse não é o local. Para isso, discute os processos

de descentralização ocorridos nos países como Argentina, Brasil e Chile. Quanto a essas

experiências, Casassus afirma que suas iniciativas de descentralização antecederam a década

de 1990, quando seus governos ainda eram autoritários. Em relação aos estudos realizados

nesses países, o autor aponta que:

Independente do fato de serem federativos ou unitários, as decisões de política educacional são tomadas no âmbito central. Do mesmo modo, as decisões de avaliação são tomadas nesse âmbito, ainda que costumem ser complementadas no nível provincial ou estadual. As decisões quanto as normas são também tomadas no nível central e em alguns casos são complementadas no nível provincial ou estadual. Quanto ao currículo, que é outro âmbito estratégico, ele é definido no nível central quanto aos seus marcos gerais, mas com adaptações em outros níveis descentralizados. Por

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seu lado, o financiamento é invariavelmente um recurso de origem nacional (CASASSUS, 2001 p. 21).

Por outro lado, esse autor diz que os serviços de supervisão, administração de escolas

e contrato com os professores situam-se nas esferas locais e estaduais, além de atividades de

planejamento.

Dessa forma, na perspectiva de Casassus, são pouquíssimas as competências

destinadas à gestão de âmbito subnacional. Sendo assim, um dos questionamentos que o autor

levanta diz respeito à possibilidade de se falar em sistema de educação descentralizado.

Em suas conclusões sobre a descentralização ocorrida nos países da América Latina,

Casassus afirma que:

(...) respeitada algumas diferenças tem sido um processo de redistribuição de poder à instâncias administrativamente inferiores. Não obstante ao mesmo tempo o centro ficou com atribuições estratégicas e foram geradas novas funções nesse nível, de sorte que a descentralização vem sendo aparelhada com processos de centralização (CASASSUS, 2001,p. 26).

Ainda se referindo às Reformas da América Latina, Casassus acrescenta que existe

uma grande homogeneidade de tendências no nível macro, enquanto diversidades e inovações

interessantes vêm ocorrendo no nível micro.

Em outro ensaio, Casassus (1990) procura mostrar como os processos de

descentralização estão sendo implementados nos sistemas educacionais da América Latina.

Entre os consensos teóricos acerca da descentralização, Casassus (1990) afirma que o

conceito aparece comumente associado ao da democratização. No entanto, o que o autor tem

percebido nos países pesquisados é que, na maioria dos casos, a descentralização no campo

educacional tem sido um processo que parte da iniciativa do centro e não dos outros

estamentos do sistema, sejam eles, regionais ou locais.

A preocupação central desse teórico é desvelar as pistas de um processo amplamente

complexo e ambíguo, como já foi descrito e questionado por outros autores. Conforme

demonstra Casassus, as políticas descentralizadoras desencadeadas nos países latino-

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americanos, principalmente na última década, têm feito parte de planos de governo com

orientações político-ideológicas e sistemas econômicos muito diferentes. Nesse sentido, é

importante verificar as diferentes ações, significados e efeitos que são atribuídos ao mesmo

termo.

Na concepção desse autor, existem duas perspectivas que precisam ser consideradas

quando se trabalha com o conceito de descentralização.

Na perspectiva econômica, o significado e a lógica da descentralização refletem um processo que leva à individualização e à privatização, onde o principal instrumento de descentralização é o mercado.(...) Em outra perspectiva o significado e a lógica da descentralização refletem um processo de socialização e de participação, no qual se enfatizam aspectos como qualidade de vida ligada à identidade grupal, e onde se privilegia a relevância cultural como um critério dominante para a formulação de políticas e da administração educacional (CASASSUS, 1990, p. 14).

Para Casassus, as reformas educacionais dos países, nesse contexto de Reforma do

Estado, apontaram para a descentralização como uma das saídas no enfrentamento de

problemas, tais como: exclusão social, fracasso escolar, desigualdade quanto acesso e

permanência na escola e baixa qualidade na educação.

Segundo esse teórico, no caso de reformas educacionais da América Latina

analisados, foram encontrados dois tipos de processos que por vezes foram tratados como

únicos: descentralização e desconcentração. Casassus (1990, p.17) esclarece a importante

distinção que deve ser feita entre eles: a desconcentração reflete processos cujo objetivo é

assegurar a eficiência do poder central, enquanto que o outro é um processo que procura

assegurar a eficiência do poder local. Assim sendo, a desconcentração, para o autor, refletiria

um movimento de “cima para baixo” e a descentralização um movimento de “baixo para

cima”.

Sem implicar juízo de valor em relação aos fenômenos apresentados, Casassus

afirma que, apesar de distintos, ambos podem ser efetivados concomitantemente ou até

gradualmente. Como exemplo dessa possibilidade, Casassus cita a estratégia Mexicana que

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iniciou sua reforma no setor educacional pela delegação de funções às demais unidades da

federação, passou pela desconcentração administrativa até descentralizar administrativa e

politicamente alguns níveis da educação em seu território.

No entanto, o autor salienta que é preciso estabelecer as diferenças entre os dois

processos e que na realidade, salvo poucas exceções, hoje praticamente todos os processos de

descentralização educacional na América Latina são processos de desconcentração.

A descentralização também é tema de discussão de Thereza Lobo (1990). Para a

autora, o processo deve ser examinado em suas três vertentes: da administração direta para a

indireta, de um a outro nível de governo e/ou do Estado para a sociedade civil.

No primeiro caso, a situação já é bastante conhecida. Trata-se da proliferação de empresas públicas, sociedades de economia mista, autarquias, funções que, sob a justificativa da necessidade de agilização das ações governamentais, compõem hoje um corpo poderoso à margem do controle central. (...) A segunda vertente refere-se às relações intergovernamentais. Essa segunda vertente desdobra-se em duas dimensões: a financeira-via distribuição de receitas públicas- e a política-institucional através de novos arranjos no sistema de competências governamentais. A terceira vertente refere-se à transferência de funções, hoje executadas pelo setor público, que poderiam ser melhor executadas exclusivamente ou em cooperação com o setor privado (LOBO, 1990, p. 7).

Na concepção de Lobo, a terceira vertente não consiste unicamente na transferência

de serviços a instituições econômicas, ou seja, empresas, mas também a organizações civis, de

classe ou comunitárias.

Uma das preocupações centrais de meu estudo é a compreensão do processo das

relações que o município e estado estabelecem. Nesse sentido, interessa a discussão

conceitual de Lobo em relação à segunda vertente da descentralização por ela trabalhada.

Assim como Lobo, a posição defendida nesse estudo é o da descentralização

financeira e político-institucional para governos municipais. A aproximação da sociedade

civil do Estado tende a ser possibilitada através da descentralização sem, no entanto,

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descartarmos a idéia, muitas vezes correspondente à realidade, de que governos municipais

podem ser tão centralizadores quanto os governos federal e estadual.

A descentralização para possibilitar a democratização não é um processo que possa

caminhar sozinho. Deve vir acompanhado da participação da sociedade civil nos espaços

públicos, da transparência do poder e da criação de mecanismos de controle social.

Lobo salienta que não se trata de uma visão ingênua do processo, já que não acredita

nas mudanças em curto prazo, dadas as nossas características históricas. Mas, segundo a

autora, com a redemocratização do país, as forças regionalistas voltaram ao cenário político.

Assim nesse novo arranjo político institucional entre os níveis de governo estabeleceu-se uma

grande abertura para a luta de direitos ainda não conquistados.

Outro teórico que procurei trazer para meu estudo, que discute a temática da

descentralização, é Sérgio Martinic (2001). Para esse autor, as reformas da educação, nos

últimos anos, aconteceram em dois momentos:

As reformas dos anos 80 concentraram-se na descentralização dos sistemas públicos transferindo recursos e responsabilidades para regiões e províncias. Trata-se de uma reforma dirigida ‘para fora’, por meio da qual o Estado e o governo central transferem para o setor privado o que pode ser privatizado e, para as regiões, províncias e municípios, a gestão e administração de grande parte dos serviços educacionais, tradicionalmente centralizados. As reformas da ‘segunda geração’ foram implementadas na década de 90. Essas reformas têm como preocupação central a escola e a qualidade dos aprendizados (MARTINIC, 2001,p. 30).

Quando discute os processos de centralização e descentralização, Martinic (2001)

elenca uma diversidade de modelos e processos. Para ele, a descentralização pode ocorrer do

centro para os estados, como a que ocorreu na Argentina e Brasil; dos estados para os

municípios, ocorridos no Brasil, Colômbia e Chile; e diretamente dos estados para as unidades

escolares ocorridos no Brasil, Colômbia e El Salvador.

Analisando cada caso e as experiências desses países, Martinic (2001, p. 37) define

que “a eficiência e eficácia desses processos dependem das culturas organizacionais das

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instituições receptoras e da capacidade de os reformadores construírem alianças no nível das

províncias e municípios”.

A experiência de descentralização ocorrida em El Salvador, como demonstra o autor,

ultrapassou os limites da municipalização e alcançou a própria comunidade, pois, segundo

Martinic (2001, p.38) “sendo a comunidade a principal interessada nos benefícios da

educação, exige maior responsabilidade e qualidade nos serviços prestados”.

No Brasil, o autor analisa o processo de descentralização ocorrido nos setores da

educação e saúde. Afirma que houve avanço no acesso e cobertura dos serviços, no entanto,

no que se refere à qualidade e eqüidade, os resultados deixaram a desejar. Martinic conclui

que, no nível local, constata-se a falta de capacidade institucional para a assunção de

responsabilidades decorrentes da descentralização e também a falta de instrumentos e

competências para interagir com prefeituras, burocracias municipais, diretores de

estabelecimentos, gerentes locais, associação de pais e representantes das comunidades.

No entanto, o autor finaliza sua tese concordando que a descentralização pode

favorecer a aprendizagem desses processos.

Além desses autores acima citados, utilizo como referência, para entender o processo

de descentralização, as discussões trabalhadas por Souza e Faria (2003)32. Esses autores

procuram resgatar os antecedentes históricos relativos ao embate entre

centralização/descentralização presente na legislação federal brasileira, bem como algumas

das concepções correntes sobre a municipalização do ensino via descentralização. Além disso,

tais autores se propõem a analisar o estado do financiamento e da gestão da Educação

Municipal, à luz do novo federalismo cooperativo e não concorrente, estabelecido pelos

instrumentos legais: Constituição, LDB e Lei do FUNDEF.

32 Este artigo, apresentado no referencial teórico, resulta de um levantamento bibliográfico realizado pelos autores sobre a produção acadêmica nacional publicada no país, referente a dissertações de Mestrado, tese de Doutorado, livros e artigos publicados em Anais no período de 1996 a 2002.

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Souza e Faria (2003) apresentam as diferentes perspectivas acerca do fenômeno da

descentralização trabalhados pelos teóricos por eles analisados. No entanto, afirmam que:

apesar de distintos em termos de suas prioridades e focos, evidencia-se a defesa da descentralização como forma de desburocratização do Estado e de abertura das novas formas de gestão da esfera pública; da autonomia gerencial das unidades escolares e, ainda, na busca de incrementos nos índices de produtividade dos sistemas públicos, marcadamente sob inspiração neoliberal, em que pese, também as diferentes formas que a descentralização da educação veio assumir na América Latina (SOUZA E FARIA, 2003, p. 53).

Com relação ao financiamento da educação municipal, Souza e Faria (2003)

procuram mostrar que, apesar da Constituição Federal de 1988 ter possibilitado um aumento

na receita dos Estados e Municípios, “não alterou o elevado controle dos níveis superiores do

governo sobre os fluxos financeiros e transferências intergovenamentais”, caracterizando um

modelo concentrador e centralizador de poder. Tais medidas trouxeram, segundo os autores,

sérios problemas para a Educação Municipal, dificultando a sobrevivência financeira e

administrativa de seus sistemas de ensino.

Por fim, os autores destacam como sendo de extrema importância a efetivação do

Regime de Colaboração entre os entes federativos e o estabelecimento da democratização nas

relações que se estabelecem na instância local entre Estado e Sociedade. Por certo, conforme

destaca Souza e Faria, o que irá garantir a transferência do poder decisório, a descentralização

do poder propriamente dita é a superação dos padrões hierárquicos historicamente definidos

nas relações sociais que se estabelecem no Brasil.

As mudanças perpassam, na concepção desses autores, na colaboração dos sistemas

de ensino dos entes federados que devem estabelecer decisões compartilhadas e na

participação da sociedade em espaços como os Conselhos Municipais de Educação e os

Conselhos de Acompanhamento e Controle Social (CACS) dos municípios.

A leitura de tais autores foi importante à medida que pude conhecer as diferentes

perspectivas analíticas sobre o processo da descentralização. Longe de se constituir um

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fenômeno tranqüilo de ser estudado, a descentralização se apresenta de diferentes maneiras na

realidade e nas perspectivas teóricas, em que podem ser bandeiras de lutas de tendências

políticas antagônicas e não convergentes.

4.2 Municipalização

No que tange ao estudo da municipalização do ensino no Brasil, utilizo como

referências teóricas Oliveira (1999) e Rosar (1997).

Oliveira (1999) trabalha com a temática da descentralização na vertente da

municipalização. O autor faz um resgate histórico de como se deu a dinâmica entre

centralização e descentralização do ensino nas políticas públicas educacionais desde a Colônia

até os dias atuais33.

Ao fazer referência ao conceito de descentralização, Oliveira (1999,p.14) diz que tal

processo significa “um afastamento do centro, ou seja, as decisões e as definições de ações

para a alocação de recursos em graus variados de autonomia seriam tomadas em instâncias

outras que não as centrais”.

Oliveira, assim como Casassus e Lobo, procura apresentar as distinções conceituais

entre desconcentração e descentralização.

Por desconcentração entende-se a delegação de determinadas funções a entidades regionais ou locais que dependem diretamente do outorgante. Por descentralização entende-se que as entidades regionais ou locais, com graus significativos de autonomia definam as próprias formas com as quais vão organizar e administrar o sistema de educação pública em suas respectivas áreas de ação (OLIVEIRA,C.1999,p. 16).

O autor procura mostrar o processo da descentralização em três vertentes:

regionalização, municipalização e nuclearização, dando especial destaque em seu estudo à

municipalização.

33 Este panorama apresentado por Cleiton de Oliveira foi extremamente importante na construção deste estudo, conforme pode ser observado no tópico que trabalha com “Os sistemas de ensino no Brasil: centralização x descentralização”.

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No entanto, considero o processo de municipalização diverso do processo de criação

dos sistemas municipais de ensino. A municipalização, tal qual foi realizada em muitos

estados brasileiros, corresponde, no meu entender, mais a práticas de desconcentração do que

descentralização. Seria possível estabelecer a seguinte relação: processo de municipalização

tem correspondido mais à desconcentração de serviços e responsabilidades do estado para o

município, na maioria dos casos. Devido à ausência de autonomia municipal, os municípios

tiveram dificuldades de gerir e executar tais atribuições que lhe foram transferidas34.

O processo de criação de sistemas de ensino, em minha concepção, tem mais a ver

com a descentralização de poder devido à autonomia municipal que é possibilitada, criando

condições para definições de políticas adequadas à realidade do município.

Além de Oliveira, destaco como referência, na temática da municipalização, Rosar

(1997).

A autora busca analisar o processo de descentralização pela via da municipalização

desde a década de 1970 até o final da década de 1990.

A hipótese de Rosar (1997, p.106) é de que a descentralização está articulada ao

processo de globalização que ocorre tanto no nível da economia, quanto no nível da difusão

da ideologia neoliberal, que tem levado a desconstrução dos Estados nacionais e dos seus

sistemas educacionais.

Através de sua pesquisa sobre a municipalização no Brasil, Rosar (1997) destaca que

a campanha a favor da municipalização intensifica-se a partir da década de 1970, com a

vinculação de recursos do Fundo de Participação dos Municípios para a aplicação na

educação e do reforço à estrutura técnica e administrativa municipal para a ação educacional.

34 Na revisão de literatura procurei apresentar os diversos trabalhos que abordaram a temática da municipalização. A maioria dos estudos enfatiza como o processo foi desencadeado nas cidades pesquisadas. O município onde realizei minha pesquisa corresponde a um desses casos em que o Governo Estadual de forma autoritária transferiu tarefas e obrigações ao poder público municipal a custas de promessas não cumpridas.

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A autora cita como resultado dessa campanha o Projeto de Coordenação e

Assistência Técnica ao Ensino Municipal- PROMUNICÍPIO, realizado a partir de 1974, cuja

finalidade era apoiar os municípios no encaminhamento dos problemas do ensino municipal.

Tais problemas diziam respeito à inexistência ou inadequação dos serviços municipais;

insuficiência de recursos humanos e financeiros; carência na rede física, predominância de

professores não titulados; altas taxas de evasão e repetência; distorção idade-série; grande

número de escolas unidocentes; classes multiseriadas e currículos e programas inadequados.

Além do PROMUNICÍPIO, Rosar (1997) indica a existência de outros programas

voltados para a educação municipal, tais como: Programa de Expansão e Melhoria da

Educação no meio rural do Nordeste, o Edurural; o Programa Nacional de Ações Sócio-

educativas e culturais para o meio rural, o Pronasec; e o Programa de Ações Sócio-educativas

e culturais para populações carentes urbanas, o Prodasec.

Especificamente sobre o PROMUNICÍPIO, Rosar (1997) destaca que “a cooperação

entre estados e municípios, nesse projeto, permanecia na assistência técnica e financeira. Ao

estado cabia definir diretrizes gerais e aos municípios acatá-las”.

A autora mostra que havia uma relação hierárquica entre os níveis de governo e a

cooperação funcionava da seguinte maneira:

O MEC através do departamento do ensino fundamental definia aos Estados, normas, diretrizes, competências e prevendo cooperação financeira e estes em relação ao município. Era uma descentralização centralizada. Até o plano do órgão coordenador no nível do estado era submetido à aprovação do MEC (ROSAR, 1997, p. 115).

Analisando a década de 1980, Rosar afirma que a tônica para a municipalização

muda um pouco em termos de discurso. Na execução da política de educação do governo

Figueiredo, pretendia que se mantivesse uma estrutura mais ou menos unificada e as medidas

de descentralização permaneceriam em todos os níveis de governo para recuperar as

influências das bases no planejamento, execução e avaliação do processo educativo do país.

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A autora relata que foi produzido um documento pelo Governo Federal em que

estava explicitada a preocupação com os resultados da descentralização realizada na década

de 1970. Esse documento indicava que um país tão diferente requeria muitos cuidados e

medidas especiais que implicavam sérias definições e altas decisões nos diferentes níveis e

esferas do governo. A elaboração de diretrizes que se preocupassem em desenvolver a

municipalização do ensino deveria levar em conta a realidade de cada município.

Quanto ao processo de municipalização do ensino desencadeado no Brasil na década

de 1990, Rosar aponta que:

Adequada ao fortalecimento do projeto político da burguesia nacional e internacional, utiliza-se a descentralização pela via da municipalização como estratégia de incorporação de grupos e de processos de organização dos contornos do paradigma liberal e recentemente neoliberal. Na realidade, essa forma de atuação também dificulta o questionamento dos poderes políticos no nível local, na medida que dilui as diferenças e as possibilidades de oposição a projetos de caráter genericamente democrático, como a garantia da oferta de um ensino público de qualidade. A finalidade última desse processo é a construção de um equilíbrio das forças políticas que atuam na sociedade, de modo a conter as condições subjetivas para a elaboração de um projeto alternativo para a sociedade (ROSAR,1997, p.136).

Em suas considerações, Félix Rosar conclui que os diferentes processos de

municipalização de ensino ocorridos no Brasil desde a década de 1970 afetaram diretamente a

expansão e a qualidade do ensino. Para a autora, “a descentralização não promoveu a

democratização, favoreceu a concentração de recursos e poder sob o controle dos mesmos

grupos econômicos e políticos que as associam entre si em todos os níveis e setores da

estrutura da sociedade capitalista que temos no Brasil” (p. 138).

Rosar identifica como soluções para os problemas educacionais do país uma maior

articulação entre as três esferas de governo, com projetos que elaborem diagnósticos mais

completos sobre a realidade educacional dos municípios de forma conjunta.

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4.3 Sistema de ensino municipal

No que diz respeito à temática do sistema de ensino, utilizo como referência teórica

Sarmento (2003), as orientações trazidas pelo Parecer nº 30 do Conselho Nacional de

Educação e Dermeval Saviani (1999). Trabalhar essa temática é necessário na medida em que

o estudo que me propus realizar tem como um dos principais eixos norteadores a política de

criação dos sistemas de ensino.

Sarmento (2003) discute sobre a formação do sistema educacional no ocidente e

afirma que o desenvolvimento desse tipo de sistema está articulado ao processo de construção

da modernidade35. Segundo a autora, a organização e a difusão da escola articulada em redes,

padronizada, pública e obrigatória sob responsabilidade do Estado acontecem ao longo dos

séculos XIX e XX, partindo da Europa e se expandindo pelo mundo na trilha da

modernização.

Além disso, a autora observa que durante o século XX os sistemas escolares

tornaram-se um dos principais fatores, na concepção das elites, de desenvolvimento

econômico do país, e, para as camadas populares, um veículo de ascensão social.

Nesse sentido, Sarmento aponta que a discussão sobre a construção dos sistemas

nacionais de educação, principalmente no Brasil, foi resultado dos interesses de classe. Apesar

de formalmente ser dirigida à garantia de igualdade de oportunidades, a educação brasileira

foi concretizada de forma desigual e dual.

Para a autora, até a década de 70 do último século, “a escola cumpria a função de

socialização, preparando cada um seletivamente para ocupar um lugar na escala social num

sistema produtivo de pleno emprego e hierarquia social.(p. 70)” Com a crise do capitalismo e

35 Sarmento procura mostrar que o mundo moderno teve início com a soma de três fatores : a industrialização, o capitalismo e a estruturação dos Estados-nação.

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as mudanças internas dos Estados-nação, os sistemas de educação também sofrem

transformações.

As políticas educativas foram profundamente afetadas pelo esgotamento do projeto desenvolvimentista e modernizador e com a globalização da economia levando à reforma do Estado e à ampliação da influência das agências internacionais nas políticas públicas incluindo as políticas educacionais (SARMENTO, 2003, p. 32).

Tratando, especificamente, sobre sistema de ensino no Brasil, pós-Constituição de

1988, Sarmento discute que as expectativas advindas da redemocratização do país traduziram-

se, no tocante a educação, em propostas de reformulação do sistema educacional. Bandeiras

eram defendidas por entidades do magistério, por sindicalistas, associações científicas e

partidos políticos. As propostas defendidas por essas entidades acerca da educação, como

esclarece Sarmento (2003, p. 44), referiam-se a gratuidade do ensino público em todos os

níveis, a dotação automática de recursos para a educação, destinando recursos públicos para

instituições públicas, a manutenção do encargo das empresas com o ensino de 1º grau

(salário-educação) e a aprovação de uma nova Lei de Diretrizes e Bases.

Sarmento (2003) enfatiza que as perspectivas de valorização do nível local de

descentralização e as sugestões quanto à distribuição de competências entre os níveis

municipal, estadual e federal estavam presentes nas discussões políticas desde a segunda

metade do século XX, mesmo nos governos militares.

Ao analisar o movimento de autonomia do ensino municipal, Sarmento afirma que

tal processo teve expressão clara nos anos de 1980 com a criação da União Nacional de

Dirigentes Municipais de Educação –UNDIME , em 1986.

Por um lado, a autora reconhece que as políticas desencadeadas na década de 1990

foram implementadas sobre a égide do neoliberalismo e de Reforma do Estado, que buscava

repassar responsabilidades a instâncias menores, diminuindo assim sua intervenção na área

social. Portanto, não desconsidera a descentralização como uma política que pode favorecer a

implementação do Estado-mínimo.

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Por outro lado, ao diferenciar os processos de municipalização dos processos de

criação dos sistemas municipais de ensino, Sarmento (2003) afirma que apesar de estarem

sendo desencadeadas concomitante e paralelamente, são políticas que possuem objetivos

diversos.

Nas palavras da autora:

A criação dos sistemas municipais de ensino pode ser entendida como a opção do município em assumir a autonomia em relação à política educacional, uma vez que pressupõe uma decisão pautada em lei, devendo ser interesse do executivo, aprovada pelo legislativo e contar com a participação de setores das comunidades nos Conselhos Municipais de Educação (SARMENTO, 2003,p. 52).

O documento ao qual me reporto para o entendimento da temática dos sistemas

municipais de ensino trata-se do documento elaborado pelo Conselho Nacional de Educação –

CNE, com o objetivo de orientar os municípios quanto à questão dos sistemas municipais de

ensino. O Parecer nº 30 de 2000 foi organizado em resposta à União Nacional dos Conselhos

Municipais de Educação e teve como relator Carlos Roberto Jamil Cury.

Cury inicia o Parecer discutindo sobre a noção de sistema. O relator utiliza várias

conceituações de sistema em suas diferentes naturezas:

Entende-se sistema como elementos coexistentes lado a lado, e que, convivendo dentro de um mesmo ordenamento, formam um conjunto articulado (...) O dicionário Aurélio diz que sistema é uma disposição das partes ou dos elementos de um todo, coordenados entre si, e que funcionam como estrutura organizada. O vocabulário jurídico diz que sistema exprime o conjunto de regras e princípios sobre uma matéria, tendo relações ente si, formando um corpo de doutrinas e contribuindo para a realização de um fim. No sentido filosófico, sistema significa um conjunto ou totalidade de objetos, reais ou ideais, reciprocamente articulados e interdependentes uns em relação aos outros.

Cury resume os conceitos de sistema afirmando que este implica tanto a unidade e a

multiplicidade em vista de uma finalidade comum quanto o modo como se procura articular

tais elementos.

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Em relação à Constituição Federal de 1988, Cury enfatiza que, após a promulgação

dessa Lei, mesmo havendo polêmica a propósito do caráter federativo ou não dos Municípios,

não resta dúvida quanto à sua autonomia e auto-organização e de sua condição de pessoa

jurídico-política de direito público interno e, como tal, integrante da Federação.

Foram listadas, no artigo 30 da Constituição, as competências privativas dos

municípios e, no artigo 24, as competências concorrentes da União, dos Estados e do Distrito

Federal. Na perspectiva do autor, este foi um dos pontos que levantaram maiores dúvidas. No

entanto, como afirma Cury, embora esse artigo constitucional não indique os municípios entre

os titulares da competência legislativa concorrente, estes não ficaram dela alijados.

Cury também chama a atenção para o fato de que a Constituição, ao invés de associar

o adjetivo nacional ou único a Sistema de Ensino, como faz em relação ao Sistema Financeiro

Nacional, ao Sistema Nacional de Emprego ou como faz no Sistema Único de Saúde, opta por

pluralizar os sistemas cuja articulação mútua, segundo o Parecer, “será organizada por meio

de uma engenharia consociativa e articulada com normas e finalidades gerais”.

No que se refere à LDB, aprovada quase 10 anos após a Constituição Federal, Cury

esclarece que a Lei, em consonância com a Carta Magna, reconhece a existência do sistema

federal e dos sistemas estaduais e municipais de ensino. Além disso, é através da LDB que se

especificam as competências com a educação dos três entes federativos, lembrando-se, ainda,

do regime de colaboração nela ressaltado.

Outra questão tratada pelo Parecer diz respeito às opções deixadas pela Lei de

Diretrizes e Bases da Educação, em seu artigo 11, aos municípios com relação aos sistemas de

ensino. Tal artigo estabelece que os municípios podem integrar-se ao sistema estadual de

ensino ou compor com ele um sistema único de educação básica.

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Para Cury, a Lei é bem clara, quando estabelece como competências dos municípios

a de organizar os seus sistemas de ensino, apesar de possibilitar as duas outras opções. Tal

fato, na perspectiva do teórico, não significa um problema de autonomia.

Quanto a isso, o Parecer nº 30 esclarece que:

A base dos sistemas municipais de ensino é sua existência constitucional própria, autônoma e conseqüente ao caráter do Município como pessoa jurídico-política de direito público interno com autonomia dentro de seu campo de atuação.(...) A alternativa por integração gesta um sistema que reúne o Estado e o Município optante (não necessariamente todos os municípios) em ações conjugadas em que o caráter binário se mantém, em alguns aspectos, na condução dos órgãos e instituições de ensino e, em outros, colaborativamente, por meio de co-titularidades pactuadas. (...) No caso de um sistema único, o caráter binário de repartição de competências se dilui e une o ensino, em toda a sua extensão, entre os optantes, num mesmo território e para questões de igual natureza.

O voto do relator desse Parecer passa pela institucionalização efetiva de sistemas

municipais de ensino cujo funcionamento possa beneficiar os níveis de ensino próprios da sua

autonomia e competência, com a devida assistência técnica e financeira da União.

Por fim, outro teórico que utilizo para dialogar com a temática dos sistemas

municipais de ensino é Dermeval Saviani (1999).

Saviani (1999, p.119) tem por objetivo analisar o tratamento dado pela Constituição

e pela LDB ao problema dos sistemas municipais de ensino, equacionar a questão das relações

entre sistemas de ensino e planos de educação no âmbito dos municípios, indicando os passos

a serem seguidos para a implantação dos sistemas municipais de ensino, assim como para a

elaboração dos planos municipais de educação.

A discussão do autor relaciona-se com a ambigüidade constitucional ao tratar dos

sistemas municipais de ensino. No entendimento de Saviani, o conceito de sistema denota:

um conjunto de atividades que se cumprem tendo em vista determinada finalidade, o que implica que as referidas atividades são organizadas segundo normas que decorrem dos valores que estão na base da finalidade preconizada (SAVIANI, 1999, p. 121).

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Nesse sentido, o autor afirma que a Constituição, por não definir como competência

dos municípios a de legislar sobre a educação, não possibilita a criação dos sistemas

municipais de ensino.

Tal teórico discute que a Constituição Federal define somente, em seu artigo 23,

como competência dos municípios a de proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação

e à ciência. Com isso, seria equivocado e/ou daria margem para várias interpretações o artigo

211 da Carta Magna que estabelece que a União, os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios organizarão em regime de colaboração os sistemas de ensino.

Para Saviani, somente com a LDB pode-se falar em sistema municipal de ensino.

Esse autor diz que:

O texto da nova LDB, entretanto, procurou contornar a dificuldade apontada, ultrapassando a ambigüidade do texto constitucional e estabelecendo com clareza a existência dos sistemas municipais de ensino. Para tanto, além do art. 211, a LDB terá certamente buscado respaldo nos incisos I e II do art. 30 da Constituição Federal que afirmam, respectivamente, a competência dos municípios para ‘legislar sobre assuntos de interesse local’ e ‘ suplementar a legislação federal e a estadual no que couber’. Assim , o inciso III do artigo 11 da LDB estipula que cabe aos municípios baixar normas complementares para seus sistemas de ensino. (SAVIANI, 1999, p. 124)

Outra preocupação de Saviani diz respeito à questão dos Planos Municipais de

Educação. Enquanto a problemática dos sistemas de ensino dá margem a diferentes

interpretações e alternativas, indo desde a possível negação de sua possibilidade até a sua não

instalação por opção do município, parece ao autor não haver dúvida quanto à possibilidade, e

mesmo, a desejabilidade da elaboração dos planos municipais de educação.

Nessa perspectiva, através dos Planos Municipais de Educação se fariam

diagnósticos das necessidades, estabelecer-se-iam metas e antever-se-iam os meios para

desenvolver a educação nos municípios. Segundo o entendimento do autor, a autonomia

municipal começa pela construção dos Planos Municipais de Educação.

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Em relação a tal assunto, Saviani esclarece que nem a Constituição nem a LDB

definem como competência do Município a de elaborar os Planos36. No entanto, para o autor,

trata-se de uma das tarefas que os municípios deverão levar em conta para desenvolver uma

educação de qualidade em seus territórios.

Ao concluir suas considerações, Saviani afirma que:

Minha expectativa é a de que, no processo de instalação dos sistemas de ensino e elaboração dos planos municipais de educação, as administrações locais, em sintonia com as populações das quais receberam o mandato para governar, adotem a via alternativa para o Plano de Educação37, já que este me parece ser o único caminho que podemos trilhar tendo em vista o objetivo de resgatar a qualidade da educação pública de modo a garantir um ensino que responda efetivamente às aspirações e necessidades das pessoas que habitam cada um dos municípios que formam nosso país (SAVIANI, 1999, p. 134).

4.4 Globalização e Neoliberalismo

As temáticas da Globalização e Neoliberalismo estão presentes como pano de fundo

neste trabalho. Faz-se necessário discuti-las tendo em vista suas contradições e conseqüências.

Esses processos têm sido apresentados por diversos autores e abordados por diferentes

concepções.

Para tanto, utilizo como referência Burbules e Torres (2004), Castells (2002) e

Zigmunt Bauman (1999).

Ao tratar da conceituação e compreensão da Globalização, Burbules e Torres (2004)

têm o cuidado de situar o debate em uma perspectiva histórica e diversificada. Esses autores

comungam com a idéia de que é preciso reexaminar a inevitabilidade da Globalização e, além

disso, considerar suas diferentes visões.

Nesse sentido, afirmam que:

36 A construção dos Planos Municipais de Educação foi prevista pela Lei nº 10.172 de 2001. No município em que foi realizada a pesquisa pude acompanhar o processo de construção do Plano Municipal Decenal de Educação. Essa questão será discutida no item deste trabalho que se propõe analisar os dados pesquisados. 37 Saviani quando coloca a via alternativa, está se referindo àquela que se contrapõe à lógica da racionalidade financeira imposta nas políticas educacionais brasileiras a partir da década de 90.

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Para alguns o termo Globalização, refere-se ao surgimento de instituições supranacionais, cujas decisões moldam e limitam as opções de políticas para qualquer Estado específico; para outros, ele significa o impacto avassalador dos processos econômicos globais, incluindo processos de produção, consumo, comércio, fluxo de capital e interdependência monetária; ainda para outros ele denota a ascensão do neoliberalismo como um discurso político hegemônico; para uns ele significa principalmente o surgimento de novas formas culturais, de meios e tecnologias de comunicação globais (BURBULES E TORRES,2004,P. 11).

O processo de globalização iniciado a partir da década de 1970 desenvolveu-se

juntamente com a implementação de políticas neoliberais. Nos países centrais, como

Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos, o Estado do bem-estar social que mediava as

relações entre capital e trabalho entra em crise e uma nova forma de organização do Estado

começa a ser pensada e concretizada. Surge um novo cenário político e econômico

internacional, no qual o mercado tornou-se o palco de negociações, sem a intervenção estatal.

Burbules e Torres (2004) elencam uma série de elementos que caracterizam esse novo

processo de globalização, como por exemplo: a internacionalização do comércio,

transferência de capital cada vez mais volátil, poder de sindicatos de trabalhadores

enfraquecido, aumento do número de trabalhadores excedentes, ou sub-empregos, mudança

do modelo de produção que passa a ser baseado na flexibilidade e o crescente abismo

financeiro, tecnológico e cultural entre os países mais e os menos desenvolvidos.

Esses autores chamam a atenção para como o Estado-nação vem perdendo sua função

e colocou-se inerte ou quis se manter inerte frente às mudanças ocorridas. Em suas palavras:

Uma mudança evidente é que, com a implementação de políticas neoliberais, o Estado omitiu-se de sua responsabilidade de administrar recursos públicos para promover a justiça social, a qual está sendo substituída por uma fé cega no mercado e pela esperança de que o crescimento econômico gere um excedente para ajudar o pobre ou que a caridade privada assuma aquilo que os programas estatais deixam de fora (BURBULES E TORRES, 2004, p. 15).

Quando Burbules e Torres buscam a origem da Globalização encontram-na, há mais

de um século, com as mudanças nas tecnologias de comunicação, nos padrões de migração e

nos fluxos de capital. Suas perspectivas de análise vão além do determinismo. Apesar de

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concordarem com diversos autores que mostram o efeito desagregador da Globalização sobre

os Estados-nação, Burbules e Torres (2004, p.18) afirmam que o impacto e o significado da

Globalização não apenas são duvidosos, como também podem operar de forma diferente em

várias partes do mundo e, em certos contextos, produziu impacto reduzido. “Aqui mais uma

vez, a globalização em si não é um fenômeno unificado e global”.

Segundo esses autores, é preciso superar visões polares a respeito da temática da

globalização, visões que escapam das alternativas “bom” ou “ruim”. É preciso compreender a

globalização em toda a sua complexidade e ambigüidade, visto que não existe “A

Globalização” e sim diversas formas de globalização e em diferentes termos.

Ao concluírem suas reflexões acerca da globalização e seus efeitos, Burbules e

Torres analisam os dilemas de um Sistema de Educação no mundo globalizado. Os autores

afirmam que a escola deve repensar seus objetivos mais tradicionais no que se refere à

educação para o trabalho, além de começar a pensar na construção de uma espécie de

cidadania mundial e um novo conceito de identidade emergente.

Dentro desse panorama, um dos teóricos que trabalham com a questão da identidade

na era da globalização é Manuel Castells (2002). O criador do conceito de sociedade em rede

afirma que tem ocorrido, nos últimos anos, uma transformação das bases materiais da vida e a

reconfiguração do tempo e espaço. Nas palavras do autor:

Essa nova forma de organização social, dentro de sua globalidade que penetra em todos os níveis da sociedade, está sendo difundida em todo o mundo, do mesmo modo que o capitalismo industrial e seu inimigo univitelino, o estatismo industrial, foram disseminados no século XX, abalando instituições, transformando culturas, criando riqueza e induzindo a pobreza, incitando a ganância, a inovação e a esperança, e ao mesmo tempo impondo o rigor instilando o desespero. Admirável ou não, trata-se na verdade de um mundo novo (CASTELLS, 2002,p. 17).

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O interesse analítico de Castells centraliza-se nos movimentos sociais e políticos,

como resultante da interação entre a Globalização induzida pelos novos recursos tecnológicos,

o poder da identidade dentro desse contexto e das instituições do Estado.

Pode-se considerar a produção de Castells como um dos trabalhos mais completos e

fundamentais para o entendimento do fenômeno da Globalização e de suas contradições. Sua

análise é empírica, fruto de pesquisas que desenvolveu durante anos em países culturalmente

diferentes.

O primeiro fenômeno sobre o qual Castells faz reflexão refere-se aos vários

movimentos sociais de bases nacionalistas que surgiram no final do século XX. Ele afirma

que tais movimentos são frutos da globalização, procurando mostrar a contradição entre o

surgimento de nacionalismos em um contexto de desconstrução dos Estados-nação moderno.

A hipótese desse autor é que o aparecimento de tais movimentos deveu-se

justamente a fenômenos que acompanham o processo de globalização, tais como: fim de

fronteiras econômicas e financeiras entre os países, internacionalização das instituições

políticas e a mundialização de culturas difundidas pelas inovações tecnológicas. Isso porque,

para Castells(2002), os Estados-nação não estão historicamente limitados ao Estado-nação

moderno, pós- Revolução Francesa; também pelo fato de que o nacionalismo não seja,

necessariamente, um fenômeno das elites e, ainda, porque o nacionalismo contemporâneo

pode ser mais reativo do que ativo.

Como forma de exemplificar esses processos recentes e contraditórios, chamados

pelo autor de movimentos nacionalistas e desconstrução dos Estados-nação modernos,

Castells discorre sobre os estudos de caso que realizou na União Soviética e na Catalunha.

Na União Soviética procurou entender como se dera o processo de desconstrução de

um Estado centralizado e multinacional, enquanto que a Catalunha, que não possui um

Estado, viu surgir um quase-Estado nacional por força de um movimento nacionalista.

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Um dos objetivos de Castells (2002,p.69) é propor um novo conceito para nação e

nacionalismo. Define nação como “comunidades culturais construídas nas mentes e memórias

coletivas das pessoas por meio de uma história de projetos políticos compartilhados”. Nessa

perspectiva, ser uma nação não implica necessariamente possuir um Estado.

As reflexões desse teórico caminham na direção de que, atualmente, não faz muito

sentido utilizar o termo Estado-nação. É preciso uma distinção histórica entre nações e

Estados, já que para ele cidadania não corresponde à nacionalidade. Nacionalidade pressupõe

uma história compartilhada ao longo do tempo, que tem como seu principal elo a língua, mais

do que etnia, raça ou território. A identidade nacional, como já foi dito, não precisa de um

Estado para ser construída.

Castells, analisando um outro fenômeno que emergiu na era da Globalização, afirma

que viu surgir paradoxalmente forças políticas com bases cada vez mais locais em um mundo

estruturado por processos cada vez mais globais. Segundo ele, “subitamente indefesas diante

de um turbilhão global, as pessoas agarraram-se a si mesmas: qualquer coisa que possuíssem,

o que quer que fossem transformou-se em sua identidade (CASTELLS, 2002,p. 80)”.

O estudo dos movimentos urbanos que Castells realizou nas décadas de 1980 e 1990,

fizeram-no pensar na possibilidade de existência de um Estado local, que passou a dar um

significado à reconstrução do poder político e do significado social. Mas assim como na

questão do nacionalismo contemporâneo, na perspectiva do autor, a formação de

comunidades locais possui uma natureza defensiva e reativa diante da inexorável

globalização, como pode ser percebido na citação a seguir:

Enfim, as comunidades locais, construídas por meio da ação coletiva e preservadas pela memória coletiva, constituem fontes específicas de identidades. Essas identidades, no entanto, consistem em reações defensivas contra as condições impostas pela desordem global e pelas transformações, incontroláveis e em ritmo acelerado. Elas constroem abrigos, mas não paraísos (CASTELLS,2002,p. 84).

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Para o autor, apesar dos Estados-nação esforçarem-se para restaurar sua legitimidade

por meio da descentralização do poder administrativo às esferas de governo regionais e locais,

esses vêm perdendo seu poder, mas não sua influência.

Na teoria de Castells, a interdependência financeira e monetária de todo o mundo já

está em desenvolvimento desde os anos 1980. Esse autor demonstra que a política econômica

do Japão, por exemplo, é definida basicamente em função da balança comercial e da taxa de

câmbio dos Estados Unidos. Nem mesmo esse país, a maior potência econômica do planeta,

pode ser considerado inabalável no mundo globalizado, interconectado na rede mundial de

comércio.

Outra questão demonstrada pelo autor é que, antes do processo de globalização, os

países que produziam mais e com maior qualidade eram os mesmos que detinham maiores

benefícios sociais. Entretanto, como coloca Castells, essa relação ficou no passado. A nova

Organização Mundial do Comércio tem mobilizado esforços para o fim do protecionismo e

das barreiras comerciais impostas aos Estados.

Anteriormente, os países que conseguiam manter um grau de diferença na qualidade

de sua produção conseguiam proteger mais e melhor seus trabalhadores.Hoje isso já não é

mais verdade. Castells exemplifica esse processo de mudança com o caso EUA-México. Após

a implantação do North América Free Trade Agreement- NAFTA38, muitas empresas

deixaram de produzir nos Estados Unidos, para se “fixarem” no México. Apesar dos

trabalhadores americanos serem mais qualificados, a mão-de-obra dos mexicanos era muito

mais barata e os encargos sociais desses trabalhadores também.

O Estado-nação vem sendo cada vez mais destituído de poder, deixando de exercer

controle sobre a política monetária, definir o orçamento, organizar a produção e o comércio,

arrecadar impostos de pessoas jurídicas e honrar seus compromissos visando proporcionar

38 Acordo de Livre Comércio da América do Norte.

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benefícios sociais. Para que não se sintam tão fragilizados, os Estados vêm se organizando

para formar blocos econômicos regionais. Castells identifica esse processo como uma nova

configuração política, a construção de um governo global ou a criação de Super Estados.

A formação da União Européia, do Nafta, do G7, do Mercosul e outros mais são

tentativas macro-regionais de amenizar as conseqüências da globalização, procurando manter

o controle sobre a exclusão social, a fome, a violência, o desemprego, em seus territórios.

Nas palavras de Castells:

Em suma, temos testemunhado, simultaneamente, um processo irreversível de soberania compartilhada na abordagem das principais questões de ordem econômica, ambiental e de segurança, é o entrincheiramento dos Estados-nação como componentes básicos desse complexo emaranhado de instituições políticas. Entretanto, o resultado desse processo não é o fortalecimento dos Estados-nação e sim a erosão sistêmica de seu poder em troca de sua durabilidade (CASTELLS, 2002, p. 313).

Além das alianças e acordos que passaram a ser estabelecidos, outra tentativa de

manutenção dos Estados-nação, na visão desse teórico, é a descentralização do poder. Para

Castells, a capacidade de atender às exigências da população em geral fez com que os

Estados-nação transferissem para esferas de governo regional ou local responsabilidades com

questões cotidianas da população.

Nesse aspecto, o autor cita o Brasil como um dos países que se beneficiaram da

descentralização do poder nas décadas de 1980 e 1990, empreendendo uma série de reformas

sociais e econômicas em seu território. A tal processo Castells dá o nome de formação do

Estado local, o que, para outros teóricos, é conhecido como fortalecimento do poder local.

Nesse sentido, Castells (2002,p. 319) considera que a descentralização política, ocorrida nos

países nos últimos anos, “parece confirmar o dito popular, segundo o qual os governos

nacionais na era da informação são muito pequenos para lidar com as forças globais, no

entanto muito grandes para administrar a vida das pessoas”.

Em relação à questão da descentralização, especificamente, Castells conclui que os

governos nacionais, deixando de atender às exigências de sua população e passando as

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responsabilidades para os governos locais, acabaram por agravar a crise de legitimidade dos

Estados-nação e geraram outro problema que denomina de tribalização da sociedade.

O último teórico com o qual me propus trabalhar para compreender um pouco mais

sobre o fenômeno da globalização é Zigmunt Bauman (1999).

O interesse de Bauman passa pelas condições de inclusão e exclusão social advindas

da Globalização. O autor aborda as diversas faces e conseqüências da globalização que, em

sua perspectiva, não é de maneira nenhuma uniforme e homogênea.

Como outra face de uma mesma moeda, Bauman discute sobre a localização, que em

suas análises considera ser o sinônimo de “destino indesejável e cruel”.

Ser local num mundo globalizado é sinal de privação e degradação social. Os desconfortos da existência localizada compõem-se do fato de que, com os espaços públicos removidos para além do alcance da vida localizada, as localidades estão perdendo a capacidade de gerar e negociar sentidos e se tornam cada vez mais dependentes de ações que dão e interpretam sentidos, ações que elas não controlam (BAUMAN, 1999, p. 8).

O argumento utilizado por Bauman para analisar as conseqüências humanas e sociais

da globalização diz respeito às mudanças na reconfiguração do tempo/espaço e sua relação

com a classe trabalhadora. Para o autor, as empresas transnacionais, que são responsáveis pela

empregabilidade de grande parte da população mundial, mudam de lugar conforme sua

conveniência, sem se preocuparem com os problemas sociais que deixam.

Os acionistas dessas empresas são considerados, pelo autor, como elites

extraterritoriais que possuem mobilidade espacial, diferente dos trabalhadores que ficam

aprisionados em seus territórios.

Esse teórico chama atenção para o fato de que o fim das barreiras impostas pelo

Livre Comércio modificou conceitos como “aqui” e “acolá”, “dentro” e “fora”, “perto” e

“longe”. Para Bauman (1999, p.21), “estar longe significa estar com problemas o que exige

esperteza, astúcia, manha ou coragem. A idéia de ‘perto’, por outro lado, representa o que não

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é problemático. Seja como for, o que se conheça por ‘comunidade local’ foi algo que surgiu

dessa oposição entre ‘aqui’ e ‘acolá’, ‘longe’ e ‘perto’”.

A nova velocidade de informação e a mobilidade espacial tiveram impacto

segregador e polarizador no mundo moderno recente (conceito utilizado por Bauman). Uma

parcela da população foi unida pelas novas tecnologias e pela criação do ciberespaço39, ao

passo que grande parte de pessoas permaneceu impossibilitada de mover-se, de agir a

distância, ficaram restritas ao local.

Bauman considera que a criação desse ciberespaço e o novo sentido de poder e

controle dado às elites extraterritoriais transformaram a localidade em um mero território

físico sem significado social.

Nessa perspectiva, considero instigante a análise de Bauman sobre a localidade. O

autor chama a atenção para questões e problemas não tratados por outros teóricos, como, por

exemplo, Borja e Lesbaupin.

A citação a seguir expressa claramente a visão de Bauman acerca do assunto:

A localidade do novo mundo de alta velocidade não é o que a localidade costumava ser numa época em que a informação movia-se apenas junto aos corpos dos seus portadores; nem a localidade nem a população localizada têm muito em comum com a antiga comunidade local. Os espaços públicos, ágoras e fóruns nas suas várias manifestações; lugares onde se estabelecem agendas, onde assuntos privados se tornam públicos, onde opiniões são formadas, testadas e confirmadas,onde se passam julgamentos e vereditos; tais espaços seguiram as elites soltando-se de suas âncoras locais (BAUMAN, 1999,p. 31).

De acordo com a tese de Bauman, os Estados-nação e suas localidades perderam o

poder e o controle sobre a vida das pessoas. Com o advento da Globalização, perderam o

significado e o poder sobre si mesmos. O destino é definido pelo alto e aos de baixo só resta

acatar.

39 O conceito de ciberespaço é trazido por Bauman como análogo à concepção cristã do paraíso. “Assim como os primeiros cristãos imaginavam o paraíso como um reino idealizado para além do caos e da decadência do mundo material, os prosélitos atuais do ciberespaço proferem seu domínio como ideal ‘acima’ e além dos problemas do mundo material (Bauman, 1999,p. 26)”.

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Meu estudo não comunga, totalmente, com a análise trabalhada por Bauman. No

entanto, se aproxima daquela destacada por Borja e Lesbaupin, ou até mesmo, Burbules e

Torres, que consideram o fenômeno de fortalecimento do poder local como algo viável e

necessário para o enfrentamento das mesmas conseqüências trazidas pela globalização.

Apesar de apresentarem pontos de vistas por vezes diferentes, esses autores apontam

em uma direção comum: o fenômeno da globalização e suas conseqüências, na proporção em

que foram destacadas, fazem parte de um contexto de reorganização do capital e de

implementação de políticas neoliberais.

O neoliberalismo, enquanto política de ajuste econômico, teve início com a crise do

capitalismo na década de 1970 e, em termos reais, nos governos Reagan nos Estados Unidos e

Tatcher na Inglaterra.

Batista (1994) procura mostrar como foi desenvolvida a política econômica

neoliberal no Brasil, após o Consenso de Washington em 1989. Longe de caracterizar o novo,

o neoliberalismo constitui o resgate da ideologia econômica liberalizante do século XIX,

apregoada por Adam Smith (1723-1790), sob novas bases e proporções.

O Consenso de Washington, como declara Batista, representa um marco inicial de

expansão do ideário neoliberal, principalmente para os países considerados em

desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Essa reunião ocorreu na capital dos Estados

Unidos, com a presença de funcionários do governo norte-americano e dos organismos

financeiros internacionais, como o FMI, Banco Mundial e BID. Seu objetivo maior foi

ratificar a proposta econômica que os governos Reagan e Tatcher estavam desenvolvendo

como modelo para o resto do mundo.

Na visão desse autor, o marketing neoliberal foi tão vitorioso que conseguiu

convencer as elites governamentais da América Latina sobre as benesses desse novo

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empreendimento. Além do mais, fez parecer uma saída gerada pela própria classe dirigente

latino-americana que, segundo Batista:

Passaram a se dar conta de que a gravíssima crise econômica que enfrentavam não possuía raízes externas- a alta dos preços do petróleo, a alta das taxas internacionais de juros, a deterioração dos termos de intercâmbio- e se devia apenas a fatores internos, às equivocadas políticas nacionalistas, que adotavam e às formas autoritárias de governo que praticavam (BATISTA, 1994, p. 7).

Passou-se, então, no interior desses países, a ecoar o novo modelo econômico como a

única saída para a grave crise financeira que enfrentavam. Surge daí a retomada do discurso

liberal de necessidade de liberalização das fronteiras geográficas para o comércio; auto-

regulação do mercado; redefinição da função e do papel do Estado; a retomada ideológica do

laissez-faire, mínimo de Estado e máximo de inciativa; mão-de-obra engajada e remunerada

segundo as forças da oferta e da demanda. Enfim, pondo abaixo uma rede de proteção social

construída após a II Guerra Mundial.

As bases do Consenso, de acordo com Batista, estão relacionadas à:

1-disciplina fiscal; 2- priorização dos gastos públicos; 3- reforma tributária; 4- liberalização financeira; 5- regime cambial; 6- liberalização comercial; 7- investimento direto estrangeiro; 8- privatização; 9- desregulação; 10- propriedade intelectual (BATISTA, 1994, p. 27).

Acrescente-se nestas propostas a vinculação das moedas latino-americanas ao dólar

como forma de estabilização monetária.

Faz-se necessário registrar que, ao contrário do que foi apregoado pelos signatários

do neoliberalismo, as conseqüências da adoção de medidas de ajuste econômico não foram

homogêneas e equilibradas para os países já desenvolvidos e os que estão em

desenvolvimento. Conforme demonstra o autor, os Estados Nacionais dos países

desenvolvidos não estão totalmente alijados do processo, como é o caso dos Estados latino-

americanos.

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No Brasil, especificamente com o governo Collor, vimos a adesão política e

econômica dos postulados apresentados no Consenso de Washington. De acordo com Batista,

o ex-presidente Fernando Collor, com base em recomendações do Banco Mundial, procedeu a

uma profunda liberalização do regime de importações, dando execução por atos

administrativos a um programa de abertura unilateral do mercado brasileiro. Apesar do

afastamento de Collor do poder, a história já nos mostrou sobre a continuidade das políticas

neoliberais por ele engendradas , tanto nos governos Itamar Franco e Fernando Henrique

Cardoso I e II40.

Ao contrário do que se propõe no discurso neoliberal, nenhuma dessas ações

produziu maior riqueza para o país, muito pelo contrário, geraram o agravamento da crise

econômica e aumentaram a exclusão social. As empresas consideradas transnacionais, em

essência, não o são. Na realidade, tais corporações não globalizam seus lucros e tecnologia,

continuam alimentando a base nacional de seus países de origem, deixando para trás um alto

grau de pobreza e desordem por onde passam.

4.5 Reforma do Estado brasileiro

Para compreender as políticas públicas desencadeadas na década de 1990, é

imprescindível discutir sobre a Reforma do Estado brasileiro. Esse processo tem uma relação

muito direta com a questão da Globalização. Portanto, para analisar a temática da reforma do

Estado, é preciso se dirigir para a questão da Globalização. São fenômenos que estão

imbricados desde a base até seus resultados e se faz necessário entendê-los devido ao contexto

em que temos vivido e as suas implicações para as políticas públicas educacionais.

Os teóricos que utilizo para compreender melhor como se deu esse processo no país

são Diniz (2001), Castro (2001) e Pereira (1998).

40 Tais medidas podem ser resumidas em: redução das barreiras tarifárias, privatização, diminuição do parque industrial nacional e aumento da inserção de investimento estrangeiro no país.

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Diniz (2001), ao trabalhar com a temática da Reforma do Estado, mostra que esse

processo ocorreu em quase todos os países no início da década de 1980 e no Brasil na década

de 1990. Ela enfatiza os impactos diversos que essa Reforma teve sobre os países já

desenvolvidos e os países em desenvolvimento. Cita, ainda, outros dois processos de Reforma

do Estado ocorridos no Brasil em períodos de governos autoritários.

Ao fazer uma análise histórica, Diniz esclarece que o Brasil cultivou, ao longo dos

anos, uma fragilidade institucional que representou um dos maiores entraves na formação de

uma sociedade democrática. Somando-se a isto, a autora destaca como exemplo dessa

fragilidade a estrutura de poder no país, centrada no Executivo.

O primeiro caso de Reforma do Estado, identificado pela autora, ocorreu logo após a

Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas assume o poder. O segundo período em que foi

executada uma outra Reforma do Estado foi na Ditadura Militar. Sobre esses processos, Diniz

(2001) esclarece que:

Nos dois casos considerados, além do contexto autoritário, o ponto convergente do esforço reformador está relacionado à dimensão especificamente administrativa da reforma do Estado, que envolveu questões relativas ao grau de centralização na máquina burocrática, à hierarquia entre as várias unidades integrantes do aparelho estatal, à articulação entre as diversas agências do poder Executivo, à definição dos órgãos normativos e fiscalizadores ou ainda à classificação de cargos e carreiras. Não se verificou uma preocupação com o aperfeiçoamento dos demais poderes e, sobretudo, com a questão fundamental num regime constitucional, qual seja, a articulação e o equilíbrio entre os três poderes, atribuindo-se ao Executivo e às agências administrativas um amplo espectro de prerrogativas no que concerne à formulação e implementação de políticas públicas. Aliás, a trajetória do Estado no Brasil revela a precedência das burocracias civil e militar, que, historicamente, foram estruturadas e definiram suas identidades coletivas antes da institucionalização, em âmbito nacional, do sistema de representação política. (DINIZ, 2001, p. 17)

Para a autora, a Reforma do Estado, na década de 1990, tem o mesmo caráter

autoritário e centralizador das duas reformas anteriores. Especificamente sobre essa Reforma,

Diniz avalia que o encaminhamento desse processo revelou-se incapaz de realizar a ruptura

preconizada por seus idealizadores.

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Para Diniz (2001, p. 18), o que se observou não foi propriamente o enfraquecimento

do Estado, mas sim “o fortalecimento desproporcional do Executivo, pela concentração de

poder decisório nesta instância, enfraquecendo os suportes institucionais da democracia”.

A concretização das metas propostas com a Reforma é identificada por Diniz como o

resultado de uma crise de governabilidade41 pela qual passou o governo de Fernando

Henrique Cardoso (FHC) e pelo seu enfoque tecnocrático-reducionista. A Reforma do Estado

implementada pelo último governo do país foi basicamente voltada para políticas de ajuste

fiscal e pela preservação da austeridade orçamentária, como define Diniz.

As considerações da autora apontam para o fato de que o diagnóstico do governo

FHC acerca da crise do Estado apontava um anacronismo do modelo burocrático-weberiano

com a realidade brasileira.

A proposta do governo na época era a defesa de um novo modelo, o da administração

gerencial, buscando romper com aquele tipo de organização burocrática, o que não é

totalmente criticado pela autora. No entanto, há que se considerar, como demonstra Diniz,

que, no Brasil, nunca houve uma burocracia de tipo weberiano. O que predominou na

formação do Estado brasileiro foram práticas clientelistas aliadas a princípios universalistas e

meritocráticos.

Para Diniz, deve-se pensar uma Reforma do Estado que reverta o isolamento e o

confinamento burocrático e amplie a participação da sociedade civil, dando maior

transparência aos processos de decisão política e prestando contas à sociedade.

O caminho apontado por Diniz (2001, p. 21) é “aliar governabilidade com

governança,” reorganizando as condições sistêmicas mais gerais sob as quais se dá o exercício

do poder na sociedade e rompendo com a tradição de um governo fechado e enclausurado na

alta burocracia governamental.

41 Para Diniz (2001), “ingovernabilidade significa paralisia decisória e incapacidade de tomar decisões frente à pressão de demandas da sociedade, p. 19”.

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Outro autor que contribui no entendimento dos processos de Reforma do Estado

brasileiro é Ribeiro de Castro (2001). Para esse autor, a Reforma do Estado moderno

brasileiro deveu-se a crises externas e internas. No que concerne à crise externa, Castro

observa que o Estado brasileiro não conseguiu dar respostas às demandas decorrentes da

economia mundial. Internamente, a crise ocorreu a partir dos anos de 1980, quando a

economia entrou num processo recessivo, com uma inflação crônica.

Refletindo o contexto da Reforma do Estado brasileiro no final da década de 1990,

Castro define que:

O capitalismo, agora sob a liderança neoliberal, tendo como escopo o Estado mínimo e a economia de mercado, procura impor sua política de transferência do patrimônio do Estado para o capital privado, como também, tenta retirar do Estado seu papel de regulador da economia (CASTRO, G.,2001p. 45).

Esse período analisado pelo autor data do final dos anos de 1980, quando a economia

pára de crescer e o governo do país deixa de ser regido pelos militares para se tornar um

governo civil democrático.

Embora os anos que se passaram em plena ditadura tenham sido de grande

desenvolvimento para a economia do país, esse crescimento ocorreu de forma perversa e

concentrando a renda e a riqueza nas mãos de uma elite industrial nacional e estrangeira. Com

esse histórico de exclusão social, a situação foi agravada, ainda mais, com os anos do colapso

do capitalismo e da inserção de uma política de ajuste econômico no país. O Estado, que

nunca fora de “bem-estar”, reduziu ainda mais o seu tamanho, no que se refere ao provimento

de benefícios sociais.

Para Castro, a Reforma do Estado brasileiro teve início nos governos Collor e Itamar

Franco, quando se inicia a abertura de mercado e ocorrem as primeiras privatizações.

Na perspectiva do autor, o grande argumento utilizado pelos idealizadores e

executores da Reforma é que o Estado, não apenas, viu reduzida sua autonomia e a sua

capacidade de formular políticas macroeconômicas, como também, sua capacidade de atuar

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isoladamente como no passado. Por outro lado, Castro afirma que poderiam ter sido

encaminhadas no Brasil um outro tipo de Reforma do Estado, como, por exemplo, a que foi

discutida por Diniz que ainda acredita na governabilidade e no poder de articulação dos

Estados nacionais.

Tais perspectivas trabalham com a idéia de Reforma do Estado que articule níveis de

governo internacional, nacional, regional e local, além da ampliação da democratização e da

participação da sociedade civil nos centros de decisão.

Avaliando a Reforma do Estado e o discurso utilizado por Bresser Pereira, ministro

do governo FHC e idealizador do projeto de reforma, Castro diz que, por mais que se defenda

que a reforma foi social-liberal, a crítica sustenta que se tratava de uma reforma conservadora

e neoliberal.

Para Castro, embora o discurso, em geral, tenha atacado o insulamento burocrático e

o tamanho do Estado, o encaminhamento da Reforma reforçou ainda mais políticas de

privatização, terceirização, desregulamentação e, por conseguinte, o aumento do desemprego

e o enfraquecimento do Estado democrático ao invés de seu fortalecimento.

Por fim, para refletir e entender melhor sobre o projeto de Reforma do Estado

brasileiro da década de 1990 utilizo como referência seu principal articulador: Bresser Pereira

(1998).

O primeiro capítulo do livro de Pereira traz o discurso do então Presidente da

República, Fernando Henrique Cardoso que, na abertura do encontro que discutiria sobre a

Reforma, esclarece que:

Mudar o Estado significa, antes de tudo, abandonar visões do passado de um Estado que por força das circunstâncias, concentrava-se em larga medida na ação direta para a produção de bens e serviços. Hoje, todos sabemos que a produção de bens e serviços pode e deve ser transferida à sociedade, à iniciativa privada, com grande eficiência e com menor custo ao consumidor.

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O objetivo de Fernando Henrique Cardoso era a competência e a atuação do Estado

frente ao novo papel que lhe era colocado. Diferente do Estado do bem-estar social, que tinha

maior preocupação com a promoção do bem-público, o papel do Estado, na década de 1990

estava mudando. Sua função, na perspectiva de FHC, era de mediador entre a sociedade e o

mercado.

Pereira (1998) não se autodenomina neoliberal. Diz que a abordagem gerencial da

Reforma do Estado fazia parte de um modelo moderadamente intervencionista e que buscava

substituir a perspectiva burocrática de organização.

As “organizações sociais” e ou agências executivas, pensadas por Pereira,

desenvolveriam serviços sociais e científicos, que continuariam sendo custeados pelo Estado,

gradualmente publicizados, transformados em entidades sem fins lucrativos e entidades

públicas não-estatais. Quanto a isso, Pereira afirma que:

Se o Estado do século XX procurou proteger os direitos sociais provendo diretamente os serviços sociais através da contratação de burocratas estatais, o Estado do século XXI deverá garantir esses direitos principalmente através da contratação de entidades públicas não-estatais, mais competitivas, mais eficientes e bem mais controladas pela sociedade (PEREIRA, 1998, p. 13).

A Reforma administrativa, no entendimento de Pereira, deveria acompanhar as

demais reformas constitucionais já definidas como prioritárias pelo Governo FHC: reforma

fiscal, reforma da previdência social (que foram implementadas no Governo Lula) e a

eliminação dos monopólios estatais.

Esse autor resgata a idéia de burocratismo em Weber. Esse modelo teve início no

século XVIII e foi usado pelos Estados-nação como forma de combater o nepotismo e a

corrupção, características marcantes da administração patrimonialista. No entanto, Pereira

(1998, p. 26) diz que “ela fazia sentido no tempo do Estado liberal, pequeno e dedicado à

proteção dos direitos de propriedade, atualmente, ela tem se mostrado lenta, cara e

ineficiente”.

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É nesse sentido que o objetivo de Pereira com a Reforma Administrativa do Estado

era a busca da eficiência. Todavia, há que se considerar o impacto social dessa Reforma. No

meu entendimento, a Administração pública gerencial, pensada pelo ex-ministro, estabeleceu

uma relação entre Estado e cidadão, semelhante ao de agência e consumidor, à medida que

propõe as seguintes características básicas para a Reforma:

é orientada para o cidadão e para a obtenção dos resultados; pressupõe que os políticos e funcionários públicos são merecedores de grau limitado de confiança; como estratégia, serve-se da descentralização e do incentivo à criatividade e à inovação e utiliza-se o contrato de gestão como instrumento de controle dos gastos públicos (PEREIRA, 1998, p. 30).

Apesar de seu discurso que enfatiza o controle dos gastos públicos pelo cidadão, o

que se observou como resultado dessa Reforma do Estado, implementada pelo Governo de

FHC, foi um grande número de privatizações e transferências de competências e serviços da

União para entes federados subnacionais, sem a devida transferência de recursos e autonomia.

Pereira informa que a primeira tentativa de desburocratizar o Brasil data de 1967, no

Governo Castelo Branco, promovendo uma radical descentralização da administração pública

brasileira, muito antes de aflorarem as idéias neoliberais. Esse argumento, segundo o autor,

serve para mostrar que a Reforma do Estado na década de 1990 não segue a vertente de uma

política de ajuste neoliberal, que vem ocorrendo em países como Nova Zelândia, Austrália e

Suécia, há tempos, sob governos “no mais das vezes social-democratas”, termo usado por ele.

Um dos pilares dessa Reforma, trabalhada por Pereira, é a descentralização. Nesse

sentido, Pereira (1998,p. 33) define que “idéia geral é descentralizar, delegar autoridade. Mas

é preciso ser mais específico, definir claramente os setores que o Estado opera, as

competências e as modalidades de administração mais adequadas a cada setor”. Em termos de

Estrutura do Estado,na concepção de Pereira, deveriam existir dois tipos de atividades: as

exclusivas e não exclusivas.

Nas atividades exclusivas, a administração deveria ser descentralizada; já nos

serviços não-exclusivos (aí ele inclui os serviços da educação, saúde, culturais e de pesquisa

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científica), a administração deveria ser mais que descentralizada, deveria ser autônoma: a

sociedade civil decidiria com o governo, as tarefas de controle.

As atividades exclusivas são aquelas que envolvem o poder do Estado. São atividades que garantem diretamente que as leis e as políticas públicas sejam cumpridas e financiadas. Integram esse setor as forças armadas, a polícia, a agência de arrecadação de impostos e também as agências reguladoras, as agências de financiamento, fomento e controle dos serviços sociais e da seguridade social. Serviços não-exclusivos são todos aqueles que o Estado provê, mas que, como não envolvem o exercício do poder, extroverso do Estado, podem ser também oferecidos pelo setor privado e pelo setor público-não estatal (PEREIRA, 1998 p. 34).

O que podemos concluir das palavras de Pereira é que, para o teórico e ex-ministro

de FHC, o ideal de Estado para o novo século XXI é aquele que subsidia e financia serviços

em parceria com a sociedade.

Nesse contexto, seria criada uma terceira alternativa, a do setor público-não estatal.

Por meio de uma administração descentralizada, o Estado manteria suas atividades exclusivas

e para o desenvolvimento de atividades não-exclusivas, seriam criadas Organizações Sociais

ou agências autônomas que, por meio de contratos, prestariam serviços à sociedade e seriam

fiscalizados pelas mesmas.

A construção desse Estado, embora o autor não queira admitir, só seria possível pela

combinação de três fatores: ajuste fiscal, privatização e desregulamentação.

Frente ao exposto, em relação às temáticas da Globalização e Reforma do Estado,

cabe nesse momento tecer algumas considerações.

Estamos diante de duas vertentes teóricas sobre o papel do Estado no contexto da

Globalização. Uma perspectiva que ainda crê nas estratégias de articulação do Estado e seu

poder para reverter situações críticas e outra perspectiva que afirma que a capacidade de

superar as crises do Estado-nação foi esgotada.

A opção pela primeira vertente parece a que mais se aproxima de uma perspectiva

democrática, inclusiva e que acredita nas soluções para os problemas sócio-econômicos do

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país. Apesar de sabermos que o Estado que herdamos do século XX precisa de algumas

modificações referentes à inserção de camadas da sociedade na esfera do poder, ainda,

acreditamos que decretar a falência do Estado não será a melhor alternativa.

Tais transformações no aparelho do Estado, aqui enfatizadas, não se referem às que

foram propostas por Pereira. As mudanças que devem ser realizadas no interior do Estado, no

meu entendimento, são aquelas propostas por Diniz, de ampliação da participação, do

accountability, do próprio processo de democratização.

Podemos crer que as soluções para os problemas advindos da Globalização podem se

dar em âmbito regional ou local, como propõe Castells ao contrário de Bauman, analisados

nesse trabalho. Além disso, as respostas às crises podem ocorrer através da criação de um

Governo Global, um Super Estado, que concentre as demandas e necessidades da rede de

países que o compõem. Ou até mesmo, nesse novo arranjo institucional que os países têm

coordenado como, por exemplo, o Mercosul e a União Européia.

As saídas podem se dar de formas mais variadas, porém é importante enfatizar que

elas existem e que não estamos amarrados de pés e mãos atados frente a esses processos. Não

somos simplesmente vítimas, somos co-participantes.

4.6 Democratização

Para compreender sobre a temática da democratização, utilizo como referência

teórica Carlos Nelson Coutinho (2002), Maria Vitória Benevides (2002), Maria Ciavatta

(2002), Bobbio (2000) e Guillermo O’Donnell (1988,1993).

A análise dessa temática faz-se necessária, visto que a política dos sistemas

municipais de ensino é discutida por muitos autores como possibilitadora de maior

democratização. Portanto, é importante delimitar sobre o que significa o conceito de

“democratização” nesse trabalho.

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A discussão de Coutinho (2002) passa pela democracia na batalha das idéias e nas

lutas políticas do Brasil de hoje.

Esse autor trabalha a temática analisando a democracia no seu sentido político e

ideológico. Coutinho traz um histórico da democracia no mundo ocidental, desde os antigos

até os modernos.

Ele afirma que a democracia, atualmente, é apresentada como aliada dos ideais

liberais, mas nem sempre foi assim.

O liberalismo como corrente representativa da ascensão histórica da burguesia como nova classe social e de sua consolidação como classe dominante, nem sempre se apresentou como democrático (COUTINHO,2002,p. 12)

O pensador liberal do século XIX, destacado por Coutinho, é Aléxis de Tocqueville.

Esse teórico admirado com a Democracia na América considerava a democracia como algo

irreversível. No entanto, como esclarece Coutinho, a preocupação de Tocqueville é a de que,

tendo se equalizado as condições materiais de vida de todos os indivíduos, isso possa levar ao

despotismo, ou seja, à tirania da maioria, termo utilizado por Tocqueville.

A igualdade elimina a liberdade. Então, para o aristocrata liberal Tocqueville, a democracia é inevitável, mas é algo em si negativo. Para ele, o modo de impedir a transformação da democracia em despotismo é manter as liberdades individuais, os direitos privados; é também desenvolver o associativismo, porque com isso se impede o poder despótico, como ele julga constatar na sociedade americana (COUTINHO, 2002, p. 13).

A batalha dos liberais contra a democracia permanece até o início do século XX,

quando os primeiros regimes liberais utilizaram a democracia, segundo esclarece Coutinho,

como uma ideologia que a elite governante usa para se legitimar, dizendo agir em nome do

povo.

O autor procura mostrar a trajetória da democracia nas sociedades ocidentais, desde o

sufrágio restrito até o sufrágio universal, a luta das mulheres e dos operários para adquirirem

o direito político.

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Diante disso, Coutinho chama a atenção para o fato de que a democracia, atualmente,

foi esvaziada de sentido. Para ele parece mais adequado falar em democratização.

A democratização, trabalhada pelo autor, refere-se ao processo de ampliação da

participação popular e da socialização da política. Nesse sentido, sua idéia de democracia

aproxima-se à democracia dos antigos trabalhada por Rousseau42. Coutinho diz que:

esse processo crescente de democratização, de socialização do poder, choca-se com a apropriação privada dos mecanismos de poder. Temos aqui uma contradição: o fato de que haja um número cada vez maior de pessoas participando politicamente, participando organizadamente, constituindo-se como sujeitos coletivos, e isto se choca com a permanência de um Estado apropriado restritamente por um pequeno grupo de pessoas, por membros de classe economicamente dominante ou por uma restrita burocracia a seu serviço (COUTINHO,2002, p. 17).

Para esse autor, a democratização só se realiza plenamente na medida em que

combina socialização do poder com a superação da ordem social capitalista. Hoje, a

democracia, como é mostrada pelo teórico, resume-se a regras formais. Se há eleições

periódicas e transparentes, mesmo que permaneça sempre no poder o mesmo grupo e a

mesma elite política, estamos inseridos em um regime democrático.

Na concepção de Coutinho, essa democracia não é suficiente. É preciso que a

democracia esteja aliada à igualdade material e econômica. Não basta a democracia política, é

preciso instaurar, em nosso país, a democracia social.

Esse tema também é trabalhado por Maria Vitória Benevides (2002). Seu

entendimento de democracia é aquele que une soberania popular com respeito integral dos

direitos humanos.

A preocupação central da autora é discutir que, apesar da abertura política, com o fim

da ditadura nada mudou essencialmente em termos de economia e de melhoria da condição de

42 Coutinho (2002, p. 19) procura mostrar que para Rousseau só é legítima uma lei aprovada em assembléia popular, o povo não delega sua soberania a representantes, o povo comissiona, ou seja , nomeia funcionários que executam sua vontade.

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vida dos brasileiros. Benevides analisa, do ponto de vista jurídico-político, o que foi o

processo de democratização no Brasil dos anos de 1980.

O plano de mobilização popular, a campanha pela Constituinte, que veio no bojo de uma série de lutas sociais no final dos anos 70, das greves, da anistia, dos movimentos populares, da reorganização partidária, etc, significou um momento inédito na história do Brasil (...) Queríamos nessa luta por uma nova Constituinte, que ela fosse fruto de uma Constituinte exclusiva, efetivamente soberana, nacional e democrática. O nosso mal desgraçado, é que, sendo uma Constituinte congressual, composta por deputados e senadores eleitos no mesmo sistema de representação tão marcado pelos vícios oligárquicos, ela não foi efetivamente nem soberana, nem nacional e nem democrática (BENEVIDES, 2002, p. 70).

Com isso, a autora lança luz sobre o significado da Constituição de 1988 e sua

importância na República Federativa e democrática do Brasil. Segundo Benevides

(2002, p. 71), a função da Constituição moderna seria “proteger os seres humanos contra os

abusos do poder, de todo e qualquer poder”.

Entretanto, como Maria Vitória Benevides salienta, o que tem ocorrido no país, nos

últimos dez anos que se sucederam a aprovação da Carta Magna é uma série de artifícios,

chamados de Medidas Provisórias, que buscam excluir os interesses da maioria da população

da agenda política nacional.

Para essa autora, que trabalha com a teoria dos direitos humanos, nem mesmo a

Constituição tem favorecido a democracia no país, já que não temos unido democracia

política com democracia social. Benevides (2002) diz que:

Além de não sermos uma democracia social, também não somos uma democracia como soberania popular. E sequer somos uma democracia com separação de poderes, na medida que o Executivo usurpa poderes legislativos, quer controlar e cooptar o Judiciário e ameaça o Ministério Público, que, por definição, deve ser independente. Não há separação de poderes e muito menos a garantia dos direitos elementares da cidadania democrática (BENEVIDES, 2002 p 74).

No que se refere ao conceito de democratização, busquei a contribuição de Ciavatta

(2002), que se propõe pensar sobre a origem histórica da democracia e as condições atuais de

sua realização no Brasil, tendo como eixo norteador a questão do trabalho. Para a autora:

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A passagem dos regimes autoritários para sistemas representativos no Brasil, como em outros países latino-americanos, trouxe, como tema político maior, a questão da transição para a democracia. Observa-se que as sociedades latino-americanas, em processo de transição para a democracia são sociedades parcialmente modernas, altamente dependentes e atravessadas por elementos autoritários profundamente enraizados na vida social (CIAVATTA,2002, p. 88).

O entendimento de democracia para Ciavatta deve ter base nas sociedades concretas.

Não existiria, na concepção da autora, “a democracia” e sim democracias. Em suas palavras:

a democracia grega pôde ser tão discriminadora como eram as condições reais de existência da sociedade grega, onde havia escravos, homens livres, estrangeiros e senhores, e só os últimos gozavam de plenos direitos de cidadania (CIAVATTA, 2002, p. 90).

Assim como os outros autores aqui analisados, Ciavatta concorda que estamos

vivendo um momento de formalismo democrático. Para a autora, é preciso ir além de um

sistema de regras que controle e regule a arbitrariedade do poder, é necessária a incorporação

das demandas reais da sociedade.

Ao tratar da Democracia e/ou democratização, considero importante a contribuição

teórica de Norberto Bobbio. Tal autor define Democracia como sendo “o poder em público”,

e a classifica em Democracia dos antigos e Democracia dos modernos.

Ao se referir à democracia dos antigos ou democracia direta, Bobbio a caracteriza

como aquela em que os cidadãos, em uma assembléia, eram chamados eles mesmos a tomar

decisões que lhe diziam respeito. A democracia dos modernos, conhecida também como

democracia representativa, é aquela que, segundo Bobbio, os cidadãos transferem o poder de

decisão a outros, através de uma eleição periódica.

De acordo com Bobbio (2000):

A substituição da democracia direta pela democracia representativa deveu-se a uma questão de fato (...). As condições históricas alteraram-se com a transição da cidade-Estado para os grandes Estados Territoriais. O próprio Rousseau, embora tivesse feito o elogio da democracia direta, reconheceu que uma das razões pela qual uma verdadeira democracia jamais existiu, e jamais existirá, era que ela exige um Estado muito pequeno no qual ‘seja fácil para o povo reunir-se, e no qual cada cidadão possa facilmente conhecer todos os outros’(BOBBIO, 2000, p. 376).

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No entanto, esse mesmo teórico aponta para o surgimento de uma nova Democracia.

A “Democracia dos Pósteros”, apresentada por Bobbio, é aquela que goza dos mesmos

princípios da democracia dos modernos, embora retome em parte, através dos espaços da

democracia direta, tornada possível com a difusão dos meios eletrônicos, a democracia dos

antigos.

Minha percepção, portanto, através da reflexão teórica de Bobbio, é que nos

encontramos em um período de transição, entre o que ele chama de democracia dos modernos

e democracia do futuro, dos pósteros. Nos últimos anos, percebe-se um movimento de

ampliação de espaços públicos destinados à participação da sociedade civil para discutir

assuntos de diversas naturezas.

Fala-se mais, atualmente, em transparência no poder público, em prestação de contas,

processos que dão maior visibilidade ao poder. Na visão de Bobbio, aliás, esse é o principal

aspecto que diferencia a democracia das demais formas de governo.

A visibilidade do poder deve estar presente em governos democráticos, em que a

soberania política pertence ao povo. Tal princípio não se faz obrigatório em outras formas de

governo, como, por exemplo, a autocracia, em que a figura do governante, conforme define

Bobbio (2000, p. 389), é semelhante a do pai ou do médico: “os súditos não são cidadãos

livres e saudáveis”. Para o autor, em governos autocráticos, o povo é comparado a menores de

idade que devem ser educados ou a doentes que devem ser curados. Sendo assim, a estratégia

de ocultação no poder justifica-se na insuficiência ou indignidade o povo.

Nas palavras do teórico:

O poder autocrático dificulta o conhecimento da sociedade; o poder democrático, ao contrário, quando exercido pelo conjunto dos indivíduos, aos quais uma das principais regras do regime democrático atribui o direito de participar direta ou indiretamente da tomada de decisões coletivas, o exige. O cidadão deve saber, ou pelo menos deve ser colocado em condição de saber (BOBBIO, 2000, p. 392).

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A democracia, portanto, para ser realmente efetivada precisa de maior aproximação

do povo das decisões que são tomadas em/pelo poder público e pressupõe conhecimento,

participação, cobrança, transparência e prestação de contas. Para tanto, o cidadão deve estar

perto, junto de onde se definem as políticas que lhe dizem respeito.

Por fim, o último teórico a que me reporto para entender a temática- Democracia- é

Guillermo O’Donnell. Tal autor discute o processo de democratização que teve início nos

países da América Latina, em especial o Brasil, após a queda dos regimes autoritários.

O’Donnell (1988, p. 43) afirma que “os processos de democratização vividos nesses

países implicam em duas transições”. A primeira é a que vai do regime autoritário anterior até

a instalação de um governo democrático e a segunda transição é aquela que parte de um

governo democrático para instalação efetiva de um regime democrático.

Essa segunda transição, na visão do autor, é longa e complexa, além de pressupor a

prática da democracia política, combatendo em todos os campos os padrões despóticos de

autoridade.

Para O’Donnell (1988), a construção de um regime democrático deve ocorrer pela

via de espaços institucionais representativos. A idéia é que os atores democráticos possam ir

criando um rico tecido de instituições mediadoras que representem seus interesses sociais,

identidades e conflitos, mobilizados em um determinado período.

No caso do Brasil, esse teórico aponta para uma transição repleta de paradoxos e

contradições. A perspectiva de O’Donnell sobre a (re) democratização do nosso país na

década de 1980 é de uma transição “transada”, marcada pela falta de clareza das bases

democráticas. Diferentemente de outros países da América Latina, como por exemplo o Chile,

O’Donnell (1988, p. 62) declara que o Brasil instaurou uma transição democrática marcada

pela falta de ruptura, em que “boa parte da classe política continuou fazendo o mesmo tipo de

política que fazia antes”. Além disso, complementa o autor, o Brasil possui uma vasta

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experiência de organização política patrimonialista que, reconhecidamente, apresenta-se como

a dificuldade aqui encontrada por parte de quem ocupa o poder de realizar a separação entre

assuntos públicos e privados, entre patrimônio público e patrimônio privado.

A saída encontrada pelo autor, além do tempo e da vivência que dele deve advir, é a

vinculação da Democracia com a República.

Na República, enquanto regime político, segundo O’Donnell, existe um cuidado em

distinguir o que é público e o que é privado ou pessoal. É dela que surge a idéia de governante

como um servidor da cidadania cuja administração se ocupa dos interesses públicos.

São princípios que atualmente ganharam a expressão do accountability, da prestação

de contas, da transparência do poder que, para o autor, só ganha significado com o

alargamento da cidadania e da democracia política.

Em outro ensaio, O’Donnell avança nessa questão. Nele o autor, a partir de uma

discussão do conceito de Estado, procura estabelecer ligações entre certas características de

muitos países recém-democratizados e o tipo de democracia neles existente43.

O Brasil, na perspectiva do autor, é marcado por um Estado “esquizofrênico”, no

qual a dimensão autoritária se mescla com a democrática. Em nosso país, existe um Estado

que é incapaz de impor sua legalidade, sustentando uma democracia com uma cidadania de

baixa intensidade, conforme assinala O’Donnell44.

Aqui, conforme demonstra esse teórico, as pessoas não estão sujeitas à coerção direta

quando votam, os indivíduos podem criar qualquer tipo de organização, podem expressar suas

opiniões sem censura. No entanto, existe grande parcela da população que não recebe um

tratamento justo nos tribunais, ou não obtêm dos órgãos do Estado serviços aos quais têm

direito.

43 Nesse sentido, O’Donnell (1993, p. 126) afirma que o Estado deve ser analisado enquanto uma realidade complexa ocasionada por suas dimensões organizacionais/burocráticas, legais e ideológicas.

44 Nas palavras de O’Donnell, cidadania é quando, depois de ingressar em uma relação contratual, uma parte que pensa ter uma reclamação legítima pode ou não apelar a um órgão público legalmente competente, do qual pode esperar tratamento justo, para que intervenha e julgue a questão.

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A perspectiva de Democracia adotada por O’Donnell é a que está estritamente

vinculada à cidadania, uma vez que para ele, uma não se desenvolve sem a outra.

O autor conclui que o futuro da Democracia nos países latino-americanos é

melindroso, mas sua consolidação deve ter início não somente com o fortalecimento de

instituições políticas e sociais, como também com a incorporação da sociedade nesses

espaços, enquanto agentes políticos e cidadãos.

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5 O MUNICÍPIO E SUA ORGANIZAÇÃO EDUCACIONAL

“O coração pulsante da cidadania popular não pode ser monitorado apenas de longe, por instâncias ditas superiores (sobretudo alienadas). Precisa ser guardada de perto, observado todo dia, sentido toda hora, como um patrimônio e projeto próprio da comunidade em questão.”

Pedro Demo Os dados apresentados neste capítulo correspondem à pesquisa realizada em um

município mineiro que optou por não constituir seu sistema de ensino próprio. Para melhor

compreensão dos dados aqui apresentados, faz-se necessário retomar os objetivos da pesquisa.

Tal pesquisa teve por objetivo mais amplo o estudo da organização educacional do

Município que optou por não criar seu sistema de ensino. A partir desse objetivo geral, foi

possível apontar os seguintes objetivos específicos: caracterizar o Município, nos seus

aspectos histórico, social, econômico, político e geográfico; identificar quais foram e são seus

mecanismos de organização educacional nos últimos anos; analisar a relação do Município

com o Estado, no campo educacional; identificar quais as relações de poder que o município

tem privilegiado; reconhecer os resultados da política do município quanto à garantia de

universalização da educação infantil e do ensino fundamental, que são os níveis de

competência do município, além de outras propostas definidas pelos instrumentos legais;

sistematizar as informações a respeito da organização do Município que possam contribuir

para o estudo das Políticas Públicas Educacionais.

A escolha pelo estudo da organização educacional desse Município justifica-se,

unicamente, pela sua opção acima mencionada: manter-se atrelado ao Sistema Estadual de

Ensino.

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A análise dos dados que se segue é a tentativa de compreender uma realidade que foi

apresentada aos sistemas educacionais após a Constituição de 1988 e a LDB de 1996. A

questão motivadora desse estudo é: Por que tantos municípios mineiros, mesmo após a

proclamação legal de sua autonomia, optaram por permanecerem vinculados ao Sistema

Estadual de Educação? Esse questionamento se desdobra em outro, não menos importante:

Esse processo corresponderia a uma acomodação por parte do município, ou a

cooptação do Estado junto ao Município? Para tanto, fez-se necessária a realização de uma

pesquisa que resultou nesse trabalho.

O estudo foi realizado durante seis meses, contando com o período em que foi

desenvolvido um projeto-piloto, cujo objetivo foi estabelecer um primeiro contato com o

objeto, os sujeitos da pesquisa e o período de inserção em campo. Além das visitas realizadas

ao município, fez parte da pesquisa a coleta de dados na internet, principalmente, em sites do

IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e do INEP- Instituto Nacional de

Estudos e Pesquisas Educacionais.

5.1 O Encontro com o Município

O primeiro contato com o Município deu-se em outubro de 2004, quando foi

desenvolvido o projeto-piloto da pesquisa. Naquela ocasião, foram realizadas quatro visitas ao

campo. Na primeira visita procedeu-se ao contato com a cidade e com o que seria o ambiente

de minha investigação: o Departamento de Educação Municipal. Estava presente a Chefe do

Departamento, à qual pude apresentar meus objetivos com a pesquisa e receber a autorização

para as visitas ao Departamento e para o manuseio dos documentos para análise, o que só

poderia ser realizado com sua supervisão.

A Secretária de Educação Municipal, como é conhecida e chamada, apesar da

denominação oficial ser Chefe de Departamento, mostrou-se disposta a ajudar-me e ofereceu

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seu tempo para orientar-me nas análises documentais, nas possíveis visitas às escolas

municipais e ainda na realização de entrevistas, caso fosse necessário.

Para início da pesquisa, foi estabelecido um esquema de orientação para a análise

documental. Essa análise teve como objetivo identificar, entre os documentos legais do

Município, as medidas adotadas referentes a questões que envolvem aspectos administrativos,

estruturais, pedagógicos e normativos do Município, ou seja, como este se organiza em

termos de educação.

Nesse período, foi possível fazer um mapeamento inicial da pesquisa, além de

realizar um primeiro contato com os funcionários do Departamento e conhecer o arquivo de

documentos disponibilizados no órgão, manuseando as principais fontes de minha pesquisa.

Em um primeiro momento, foram identificados e lidos os documentos referentes à

criação de escolas municipais de educação infantil, além de relatórios de inspeção da 18ª

Superintendência Regional de Ensino- S.R.E. do Estado de Minas Gerais, que dispõem sobre

diversos assuntos.

A terceira visita ao Município permitiu a observação da reunião do Conselho

Municipal de Educação, uma vez que a Chefe do Departamento de Educação marcara comigo

uma entrevista no mesmo dia em que havia sido prevista uma reunião do Conselho. Não

podendo atender-me, a idéia inicial fora suspender a entrevista, mas solicitei participar da

reunião, o que me foi permitido.

Tal reunião teve como pauta a discussão de reestruturação do Conselho, seu

regimento interno e composição, além da discussão sobre a verdadeira função do Conselho

que, segundo uma de suas representantes, é fazer sugestões sobre a educação no Município.

Nessa mesma reunião, discutiu-se sobre o cotidiano escolar, o currículo45 e a relação do

45 A partir da fala de uma das diretoras sobre a necessidade de se discutir o currículo das escolas para o próximo ano, pude perceber que a visão de currículo dos representantes do Conselho reduz-se à definição de conteúdos programáticos.

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prefeito com a educação, uma vez que a mudança do quadro administrativo da Prefeitura para

o ano de 2005 acarretaria mudanças na estrutura e no funcionamento da educação

municipal46.

A quarta visita ao locus investigativo não ocorreu como esperado. Mesmo tendo

combinado anteriormente com a Chefe do Departamento, ela não estava presente no dia

marcado. Tinha ido à Superintendência de Ensino em Juiz de Fora para uma reunião. Como o

Departamento encontrava-se envolvido com o credenciamento do Programa de Bolsa-Escola,

aproveitei e fui até à Biblioteca Municipal para pesquisar se havia algum documento ou livro

que tratasse da história do Município.

Para minha surpresa, havia três livros separados para pesquisas que tratavam das

características do Município e sua história local: um caderno que trazia recorte de jornais

sobre reportagens locais, um livro que contava a história do Município e um Panorama

socioeconômico sobre o Município, realizado no ano de 1998 pela Prefeitura e a Universidade

Federal de Juiz de Fora.

Após o exame de qualificação, em março de 2005, retornei ao campo para mergulhar

na realidade que propunha estudar. Permaneci em pesquisa de abril a setembro de 2005,

garimpando documentos, realizando observações dos eventos ocorridos no Município e

entrevistando sujeitos.

Foram realizadas 12 entrevistas semi-estruturadas: com um vereador municipal, que

também é professor de 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental e Ensino Médio da rede estadual

no Município; o antigo prefeito; a chefe do Departamento Municipal de Educação; quatro das

cinco diretoras das escolas municipais; duas das cinco supervisoras educacionais do

46 É interessante assinalar que tais preocupações por parte do Conselho não se tornaram concretas. Durante o período em que estive em campo no ano de 2005, mesmo após a mudança do executivo, pouca coisa mudou efetivamente no quadro administrativo da prefeitura e, conseqüentemente, na área de educação. A mesma política que vinha sendo implementada pelo antigo prefeito teve continuidade na gestão atual. A mudança, na realidade, começou a ser proposta pela Câmara de Vereadores que, aos poucos, tem mexido com a estrutura administrativa do Município.

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Município; a inspetora estadual que realiza seu trabalho na cidade pesquisada e duas mães de

alunos que haviam participado como membros do Conselho Municipal de Educação. A

escolha por tais sujeitos perpassa pela relação que eles mantêm com a organização e/ou

história da educação do Município de Fronteira47.

Após o recolhimento dos dados coletados em pesquisa, a primeira tarefa

desempenhada foi organizá-los. As entrevistas foram transcritas por mim, uma a uma, e, à

medida que eram lidas, fui fazendo comentários com a perspectiva de relacionar o que estava

sendo dito pelo sujeito com aquilo que estava descrito no documento ou com alguma

observação por mim realizada. Esses procedimentos foram importantes para a realização da

análise dos dados.

5.2 Caracterização do Município

O município escolhido para a realização da pesquisa fica a 20 km da cidade de Juiz

de Fora, à distância de 275 Km de Belo Horizonte e 161 Km do Rio de Janeiro. Segundo os

dados do IBGE (2001), o Município de Fronteira possui 12.477 habitantes, distribuídos em 13

bairros, com uma área total de 157,1 km².

Segundo o Panorama Sócio Econômico_PSE (1998), o Município está inserido na

Mesoregião da Zona da Mata Mineira, fazendo parte da microrregião de Juiz de Fora,

conforme a classificação do IBGE.

Referente à renda per capita no Município, temos 1.938 pessoas que ganham até um

salário mínimo. Ganhando de um a dois salários mínimos, encontramos 2.166 pessoas. Com

uma renda superior a três salários, temos somente 1.443 pessoas. O grosso da população não

apresenta renda, sendo esse grupo representado por mais de 30% dos habitantes de Fronteira,

conforme demonstra o quadro a seguir.

47 Conforme o acordo estabelecido com os sujeitos da pesquisa, preservarei o nome da Cidade e das pessoas que fizeram parte do estudo. A denominação utilizada é fictícia.

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Quadro 1 RENDA PER CAPITA DO MUNICÍPIO DE FRONTEIRA

Com até 1 salário

De 1 a 2 salários

De 2 a 3 salários

De 3 a 5 salários

De 5 a 10 salários

De 10 a 20 salários

Mais de 20 salários

Sem renda

1.938 2.166 752 629 543 208 63 3.914 Fonte: IBGE (Censo 2001)

Através desse quadro podemos inferir que a maior parte da população do Município

com mais de dez anos vive com até dois salários mínimos e que o número de pessoas sem

renda também corresponde a uma grande porcentagem da população.

Segundo os dados do IBGE, o valor do Produto Interno Bruto-PIB do Município de

Fronteira correspondia, em 2001, a R$ 50.376,00 a preço de mercado corrente, subindo, em

2002, para R$73.915,00. Em 2003 o valor do PIB do Município aumentou para R$

125.153,00, segundo as informações trazidas pelo IBGE48.

O principal setor que movimenta a economia local é o de Serviço, responsável por

52,4% da soma do PIB total. Em segundo lugar, encontra-se a atividade industrial com 37,7%

de participação na economia; em seguida, tem-se a arrecadação de impostos com 3,4%

responsáveis pelo desenvolvimento econômico de Fronteira.

Além dessas informações, o IBGE (2001)49 também esclarece que o Município de

Fronteira, no que se refere à categoria de Instrumentos de Gestão Urbana, não possui Plano

Diretor. O Município possui somente Lei de Perímetro Urbano e Código de Obras.

48 Não consegui nenhum dado que explicasse esse aumento do valor do PIB no município de um ano para o outro. 49 O IBGE disponibilizou na internet o Perfil dos Municípios Brasileiros, apresentando informações obtidas pela Pesquisa de Informações Básicas Municipais realizada em 2001 nos 5.560 municípios brasileiros. Os principais temas contemplados são a descentralização do Estado e a fragmentação municipal; mecanismos de planejamento e gestão urbanas existentes nas municipalidades; políticas públicas e ações locais para o enfrentamento dos problemas habitacionais, iniciativas do poder público para geração de Trabalho e Renda e equipamentos de cultura, esporte e lazer disponíveis nessas localidades, entre outros.

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Na categoria Instrumentos de Planejamento Municipal verifica-se a existência de Lei

Orgânica Municipal, do Plano de Governo, do Plano Plurianual de Investimentos, da Lei de

Diretrizes Orçamentárias e da Lei de Orçamento Anual. O Município não conta com

Planejamento Estratégico. Segundo a categoria definida pelo IBGE como Descentralização e

Desconcentração Administrativa, foi apontada a inexistência do Conselho Municipal de

Educação em Fronteira. Tal informação não condiz com a realidade, já que, através da

pesquisa de campo, pude evidenciar não só o funcionamento do Conselho de Educação, bem

como participar de algumas de suas reuniões. Os dados apresentados pelo IBGE só indicam a

existência de Conselho na área da Saúde, na área de Direito da Criança e do Adolescente e na

área de Emprego e Trabalho.

A cidade onde foi realizada a pesquisa, possui programas de Geração de Trabalho e

Renda como incentivo para atração de atividades econômicas, benefício tributário relativo ao

Imposto Predial Territorial Urbano - IPTU, Benefício tributário relativo ao Imposto Sobre

Serviço de Qualquer Natureza_ ISSQN. Possui, ainda, programas de doação de terras, de

fornecimento de infraestrutura, um distrito industrial e o programa de capacitação

profissional.

No que se refere à categoria consórcios intermunicipais, o Município só possui

consórcio para atendimento na área de saúde.

Possui, ainda, serviços terceirizados na área de obras civis, processamento de dados,

transporte escolar e abastecimento de água.

O atual prefeito pertence ao Partido Progressista-PP, assim como o antigo prefeito

que apoiou sua candidatura.

Em entrevista com o antigo prefeito, pude perceber uma relação de “compadrio”

entre os dois prefeitos da cidade. Sebastião (antigo-prefeito) afirmou, em vários momentos da

entrevista, que lançou a candidatura do atual prefeito que, por sua vez, não aventava tal

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hipótese. A idéia original era promover a candidatura do seu vice-prefeito, mas como este não

quis, fora proposta e aceita pela bancada do partido a candidatura de Miguel (atual prefeito).

Tal informação foi ratificada em entrevista realizada com o vereador do Partido dos

Trabalhadores- PT. Segundo o vereador, o atual prefeito não tinha popularidade própria para

se candidatar e só ganhara a eleição por conta do apoio de Sebastião.

O PP está à frente de Fronteira desde 1996, já que, quando Sebastião foi vice-

prefeito, de 1988 a 1992, estava coligado a outro partido. Como ele mesmo diz, são 16 anos

no poder, contando com o período em que foi vice-prefeito e com o mandato do atual

prefeito. Com isso, percebe-se que Sebastião considera a eleição e a gestão do atual prefeito

como uma vitória pessoal, considerando-se, inclusive, parte da gestão atual.

A permanência desse mesmo grupo político no poder trouxe implicações para a

educação no Município. Somam-se nove anos, em que se tem em Fronteira a mesma gerência

educacional, tanto do Departamento Municipal de Educação, quanto nas escolas municipais.

Por serem cargos comissionados, algumas diretoras já estão à frente das escolas municipais há

mais de 10 anos. Parece-me que a tendência é de que esse quadro sofra poucas alterações nos

próximos três anos com a gestão do Prefeito Miguel do PP.

Atualmente, com a eleição da maioria de vereadores de oposição na Câmara

Municipal, tem-se questionado várias medidas que foram tomadas pela gestão anterior e que

estão sendo encampadas pela gestão atual.

Durante o período em que estive em campo, pude observar um movimento, de

iniciativa da Câmara de Vereadores, solicitando ao prefeito a relação nominal de alunos

bolsistas que recebiam ajuda da prefeitura desde a gestão passada. Tal informação foi

confirmada pelo vereador entrevistado. Segundo João (vereador), a prefeitura estaria

custeando bolsa integral para alunos do Ensino Superior de até R$ 700,00 em Faculdades de

Juiz de Fora, privilegiando, inclusive, a sobrinha do antigo prefeito que, segundo ele, não

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deveria ser considerada uma aluna que precisasse de tal auxílio. Esse processo se encontra em

andamento na Câmara de Vereadores para ser analisado.

Se essas hipóteses forem confirmadas, podemos observar como práticas clientelistas

ainda permanecem na estrutura política do Município. Segundo João, tais ações por parte do

executivo serviam para a compra de votos. Além disso, analisando pelo campo político-

educacional, podemos inferir que essa realidade no Município não condiz com o que está

proposto pela LDB, que estabelece como prioridade de investimento do Município a educação

infantil e ensino fundamental. Através da pesquisa pude constatar que os alunos de 4 anos,

durante anos, ficaram e ainda permanecem sem atendimento nas escolas do Município, que só

atendem os alunos com mais de 5 anos. As crianças de 0 a 3 anos dessa cidade nunca

receberam atendimento pela prefeitura. Dessa forma, vê-se que, mesmo sem a educação

infantil plenamente atendida, o Município tem investido no Ensino Superior.

Aliás, o investimento no Ensino Superior é uma das preocupações centrais do grupo

político que comanda a educação no Município. Em entrevista, o antigo prefeito afirmou que

a maior demanda para a educação no Município, sentida por ele, é o Ensino Superior.

A eleição de diretores municipais é uma outra questão que tem gerado polêmica no

Município. Segundo a Lei Orgânica de Fronteira, aprovada em 1990, em seu artigo 185, o

executivo deveria ter encaminhado, no prazo de 180 dias após a promulgação desta, um

Decreto-lei que estabeleceria a Eleição de Diretores nas escolas municipais de Fronteira.

Como isso não foi feito até o ano de 2005, a Câmara de Vereadores achou por bem pressionar

o executivo na elaboração de tal Lei. Esse processo tem gerado grandes discussões no

Departamento Municipal de Educação entre a Chefe do órgão e as diretoras municipais que

não querem abandonar seus cargos.

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152

De acordo com uma das entrevistadas, representante de pais no C.M.E., não se ouviu

mais falar desse processo, já que a Câmara de Vereadores tem se empenhado no processo de

Cassação do Mandato do Prefeito na cidade.

Atualmente, o Município está passando por uma crise política. Devido a denúncias

feitas pela Câmara de Vereadores com relação ao mau uso da verba pública, foi aberto um

processo, também por iniciativa da Câmara, de cassação do mandato de Miguel, prefeito de

Fronteira.

Conforme foi esclarecido em entrevista com as representantes de pais no C.M.E.,

Dona Júlia e Dona Ana, em outubro de 2005 houve uma audiência na Câmara em que o

Executivo e o Legislativo deveriam, ambas as partes, apresentar provas com relação ao

processo de cassação. Mas, no mês de novembro, houve uma audiência em que o advogado

do Executivo conseguiu que o processo fosse adiado.

As duas representantes de pais no C.M.E. entrevistadas têm uma visão diferenciada

com relação a tal situação, assim como a população de Fronteira, que se encontra dividida.

Para Dona Ana, o Legislativo tem impedido Miguel de governar. Como ela mesma

diz: “é menino novo, tem boas idéias, é gente nossa!” Já para Dona Júlia, a Câmara tem

cumprido sua função fiscalizadora e afirmou que ficou revoltada ao saber que a Prefeitura de

Fronteira estava pagando curso integral com valores altíssimos em Faculdades de Juiz de Fora

para pessoas que não precisavam, enquanto que muitos estão sem fazer um Curso Superior

porque não têm condições financeiras. Não existe por parte da população a consciência das

competências do Município com relação à educação.

Dona Júlia acredita que ainda falta muito para que a situação no Município mude,

pois o povo não tem consciência de seus direitos, já que a política desenvolvida no Município

é a da troca de favores entre a sociedade civil e o poder público municipal. Ela mesma relata o

caso de que, quando fazia parte do Conselho de Alimentação e Nutrição do Município_

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CONSEA, muitas pessoas a paravam na rua para pedir ajuda de Cesta Básica, achando que a

função de participação nesse Conselho fosse assistencialista. Dona Júlia ressalta que a

população de Fronteira poderia reivindicar uma melhor condição de vida de uma outra forma.

5.3 Aspectos Históricos de Fronteira

O Município teve sua origem no século XVIII, devido às diligências enviadas

pelo governador da Capitania de Minas Gerais em busca de novas riquezas e do

reconhecimento do território mineiro. Essas expedições resultaram na abertura do “Caminho

Novo50” pelo bandeirante Garcia Rodrigues Paes, ao longo do qual eram erguidos Postos

Fiscais ou Registros, possibilitando o surgimento de diversas localidades.

A referência inicial do Município é a Carta de Sesmaria51 obtida pelo português

“desbravador da localidade”, em 1709, segundo a qual a Coroa portuguesa lhe concedeu

algumas léguas de terra no local onde foi estabelecida a fazenda de Nossa Senhora da

Conceição. Em 1740, foi construída, nessa fazenda, a Capela de Nossa Senhora da Conceição,

denominada atualmente de Igreja do Rosário.

Um dos primeiros registros que indicam a formação de um povoado é a Carta

Patente, datada de 1769, que nomeou Manoel do Vale Amado, como seu “Chefe de

Capitania”. Manuel do Vale Amado comprou a Fazenda de Nossa Senhora da Conceição e,

após sua morte, a fazenda foi subdividida em vários lotes, tendo o povoado se desenvolvido

em torno dela.

O primeiro plano de arruamento de Fronteira é datado de 1880. Em 27 de agosto de

1886, através da Lei nº 3302, foi criado o distrito pertencente a Juiz de Fora.

A Lei nº 843 de 07 de setembro de 1923 criou o Município de Fronteira constituído

da Vila e de dois distritos. Fronteira foi elevada à categoria de cidade pelo disposto na Lei

50 O Caminho Novo, partindo da Borda do Campo, atravessando a Mantiqueira na garganta de João Aires, passava por João Gomes (Palmira), Chapéu D’uvas, Juiz de Fora, Matias Barbosa, Simão Pereira, Serraria, Entre Rios, Barra do Piraí, descia a Serra do Mar sobre Macacos, Inhaúma, Pinha e Rio de Janeiro (PSE,1998, p.31). 51 Em anexo transcrevo a reprodução da confirmação da carta de sesmaria do Rei de Portugal.

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Orgânica Nacional nº 311 de 02 de março de 1938 e pelo Decreto-lei Estadual nº 148 de 17 de

dezembro de 1938, quando todas as sedes municipais passaram à cidade e as sedes dos

distritos à vila.

Criada pelo Decreto nº 2904 de 08 de outubro de 1948, a Comarca da cidade foi

instalada em 15 de novembro do mesmo ano, com jurisdição sobre seus dois distritos, o que

permanece até hoje. O primeiro distrito foi emancipado politicamente pela Lei Estadual nº

1039, de 12 de dezembro de 1953. Em 31 de dezembro de 1962, o outro distrito também se

emancipou.

O Município de Fronteira teve destaque no setor econômico do Brasil. Em 1875

inaugurou-se a Estrada de Ferro Central do Brasil, cujas linhas atravessam o Município,

motivada pelo ciclo do café e o fornecimento de energia elétrica pela Companhia Mineira de

Eletricidade, trazendo grande prosperidade para a região.

O Município atravessou uma grande fase de desenvolvimento no início do século

XX. Fronteira abrigou, em seu território, fábricas de material de construção, móveis,

cartonagens e indústrias do café. Conforme explicita o Panorama Socioeconômico PSE (1998,

p.7), “na década de 20, foi inaugurado em seu território, o primeiro Laboratório de Biologia

Veterinária do Brasil, que fabricava e exportava vacinas”. Atualmente o Laboratório ainda

mantém suas estruturas, mas não funciona.

Todo esse crescimento e desenvolvimento sócio-econômico foi interrompido em

decorrência da crise do café no final da década de 1920. O Município retoma rapidamente seu

crescimento, contando nos anos 1940 com várias indústrias em seu território. A atividade

agropecuária era também relevante nessa fase de desenvolvimento da cidade. Na década de

1970, várias fábricas de calçados foram abertas, alcançando destaque no comércio nacional,

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entretanto o Curtume Mineiro de Peles foi fechado, em virtude da morte de seu fundador,

privando a população de uma importante fonte de empregos (PSE, 1998,p. 6)52.

Com a abertura econômica dos anos de 1990, a cidade passa por uma crise em um

dos setores de extrema relevância para a economia municipal: o de calçados. A crise foi

marcada pelo encerramento e diminuição das atividades de diversas empresas, o que

ocasionou um aumento considerável no número de demissões. A economia do Município

também foi afetada pela transferência de boa parte das atividades da empresa de Laticínios

para outra cidade. Conforme o PSE (1998, p.7), nos últimos anos da década de 1990,

Fronteira entrou em uma nova fase de desenvolvimento, com a abertura do Distrito

Industrial, com políticas administrativas que visavam favorecer a instalação de novas

empresas no Município. No final da década de 1990, com a construção de um pólo

automotivo em Juiz de Fora, devido à proximidade com esse local, criou-se uma expectativa

de desenvolvimento, hoje frustrada.

O Município é organizado em sua administração pela Lei Orgânica de 23 de março

de 1990. O poder executivo é composto pelo prefeito, vice-prefeito e departamentos

municipais. Além do Departamento Municipal de Educação- DME, há o de Turismo e Lazer,

que se desmembrou do DME em 1998, o da Administração, da Fazenda e Contabilidade, de

Obras e Urbanismo e o da Saúde.

O poder Legislativo da cidade é representado pela Câmara Municipal com 11

vereadores e o Poder Judiciário possui uma Vara Única de 1ª Instância com um Juiz, um

Promotor de Justiça e uma Defensoria Pública, abrangendo mais dois municípios53.

52 Atualmente, algumas famílias, que aprenderam o ofício de fabricação de calçados, permanecem com a atividade na cidade. São pequenas produções desenvolvidas no interior das casas. 53 O juiz de Fronteira possui grande prestígio entre a população. Em vários momentos seu nome era citado entre os funcionários do Departamento e em atas de reuniões do Conselho Municipal de Educação. Além disso, solicitações lhe foram feitas em alguns momentos. Como exemplo, temos o caso de uma diretora de escola municipal que foi pedir-lhe que liberasse um espaço recreativo, que estava fechado por ordem judicial, para realização de uma festa da escola. Tal pedido foi negado.

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5.4 A Educação no Município

Atualmente, conforme já mostrado, residem em Fronteira, segundo o Censo de 2001,

cerca de 13.000 pessoas. Destas 5.099 são mulheres e 5.114 homens com idade superior a 10

anos.

Referente ao nível de instrução em Fronteira, de pessoas com mais de 10 anos, têm-

se 6,5% da população analfabeta. Em relação à escolarização, temos os seguintes dados:

17% de pessoas com 1 a 3 anos de freqüência escolar; 46% de pessoas com 4 a 7 anos; 16 %

de indivíduos com 8 a 10 de escolarização e 12,5% de pessoas com 11 a 14 anos de

escolarização. Há somente 2% de pessoas que atingiram mais de 15 anos de escolarização em

Fronteira. Esses dados podem ser visualizados no quadro a seguir.

Quadro 2 NÍVEL DE ESCOLARIZAÇÃO EM FRONTEIRA

Analfabetos 1 a 3 anos de escolarização

4 a 7 anos de escolarização

8 a 10 anos de escolarização

11 a 14 anos de escolarização

Com mais de 15 anos de escolarização

6,5% 17% 46% 16% 12,5% 2% Fonte: IBGE (2001)

No tocante ao quadro educacional de Fronteira, podemos concluir que, embora o

Município apresente um número reduzido de analfabetos, uma grande parcela de indivíduos

possui baixa escolarização, sendo que somente, cerca de 14,5 % da população conta com a

Educação Básica completa.

A partir dos dados fornecidos pelo INEP referentes ao número de matrículas nas

redes municipal, estadual e particular em Fronteira, entre os anos de 1997 e 2004, conclui-se

que o Município estruturou sua rede de ensino a partir do processo de municipalização. No

ano de 1997 a rede municipal atendia a 187 alunos em escolas da zona rural. Esse

atendimento passou para 1.169 alunos em 1998 e, atualmente, conforme o Censo de 2004,

corresponde a 1.237 alunos.

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O gráfico a seguir mostra o crescimento da taxa de matrícula na Rede Municipal de

Fronteira a partir do ano de 1997.

Gráfico 1

Matrícula na Rede Municipal

0

500

1000

1500

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

Fonte: INEP A municipalização do ensino fundamental, apesar de apresentar a diminuição do

atendimento oferecido pela rede estadual nesse nível de ensino, gerou uma reordenação na

oferta de oportunidade escolar. A rede estadual estendeu seu atendimento aos alunos do

Ensino Médio, conforme foi proposto pela L.D.B de 1996.

Essa reordenação pode ser percebida através da taxa de matrícula da rede estadual do

Município. No ano de 1997, as escolas estaduais atendiam a 1.962 alunos. Esse número caiu

em 1998, por conta da municipalização, para 1.027 alunos e torna a subir em 1999 com o

atendimento de 1.602 alunos pela rede estadual. Os anos de 2000, 2001 e 2002,

respectivamente, apresentam um crescimento progressivo da matrícula na rede estadual que,

no ano de 2002, chegou a atender 1.803 alunos. Em 2003, a rede estadual atendia a 1.731

alunos e em 2004 contava com 1.681 matrículas.

O quadro a seguir mostra a evolução do número de matriculas na rede estadual de

Fronteira.

Quadro 3 REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO EM FRONTEIRA

ANO 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 MATRÍCULA 1.962 1.027 1.602 1.736 1.787 1.803 1.737 1.681 Fonte: INEP

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Quanto à rede privada de ensino no Município, podemos concluir que esta, apesar de

lentamente começar a atender onde o poder público municipal não atende54, ainda possui um

número bastante reduzido de matrículas. No ano de 2004 correspondia apenas a 2% da

matrícula total das três redes de ensino no Município. Os dados educacionais do INEP só

indicam um atendimento da rede privada de Fronteira a partir do ano de 1999, com 53

matrículas de educação infantil. Esse número cresce no ano 2000 para 94 e cai em 2001 para

87 crianças atendidas pela rede privada no Município. Em 2002 temos 77 crianças

matriculadas em escolas particulares em Fronteira e em 2003 esse número cai para 67. No ano

de 2004 foram atendidas pela rede privada da cidade somente 60 crianças55.

O quadro a seguir mostra o número de matrículas na rede privada, em educação

infantil e ensino fundamental, entre os anos de 1997 e 2004.

Quadro 4 REDE PARTICULAR DE EDUCAÇÃO EM FRONTEIRA

ANO 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 MATRÍCULA Não

consta Não consta

53 94 87 77 67 60

Fonte: INEP

Temos atualmente no Município um grande número de crianças e adolescentes em

idade de escolarização. Segundo os dados do IBGE (2001) há 823 crianças com até 3 anos de

idade; 196 crianças com 4 anos; 438 crianças com 5 e 6 anos de idade; 1.732 crianças com

idade de 7 a 14 anos e 664 adolescentes entre 15 e 16 anos. Conforme mostra o quadro a

seguir.

54 Sua primeira iniciativa foi o oferecimento da educação infantil, passando em seguida para a oferta do ensino fundamental. 55 Atualmente, o município conta com uma escola particular de ensino fundamental completo, mas que ainda estava em processo de regulamentação oficial, portanto, o número de matrículas nessa escola não aparece nos dados do INEP.

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Quadro 5 CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM IDADE DE ESCOLARIZAÇÃO

0 a 3 anos 4 anos 5 a 6 anos 7 a 14 anos 15 a 17 anos

823 196 438 1.732 664

Fonte: IBGE

Apesar de a LDB/96 estabelecer em seu art. 11 como competência do município a

educação infantil, no que se refere ao atendimento de crianças de 0 a 3 anos, os dados do

Censo Escolar fornecidos pelo Inep mostram-nos a falta de compromisso do poder público

municipal com a oferta educacional para essa faixa etária. O quadro anterior, comparado com

a população de cada faixa etária, revela um número considerável de crianças que estão fora da

escola. São 1.019 crianças sem atendimento.

Sabemos que a educação infantil não tem sido priorizada pelas reformas

educacionais ocorridas nos últimos anos no Brasil, as quais privilegiam o ensino fundamental

em detrimento de outros níveis da educação básica. Portanto, o Município de Fronteira tem

sido mais um exemplo desse descaso com a oferta da educação infantil no país.

Uma das demandas registradas e incorporadas pelo Plano Municipal de Educação em

construção no Município, neste ano de 2005, é a criação de uma Creche Municipal prevista

para começar a ser implementada a partir de 2006. Talvez essa seja uma primeira iniciativa

para mudar esse quadro educacional na cidade.

Em entrevista com D. Júlia, foi esclarecido que a Creche Municipal tem sido, durante

anos, uma das principais reivindicações da sociedade civil ao poder público municipal. No

entanto, conforme ela salienta, essa questão virou promessa de campanha política. D. Júlia é

uma das prejudicadas pelo descaso da Prefeitura com o atendimento dessa faixa etária, visto

que, sem condições, terá que matricular seu filho em uma escola particular para poder

trabalhar.

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A rede municipal de educação de Fronteira é composta pelo Departamento Municipal

de Educação, pelo Conselho Municipal de Educação, pelo Conselho de Alimentação Escolar,

pelo Conselho de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEF e por cinco escolas

municipais.

De acordo com a Lei Complementar nº 423 de 04 de julho de 1995, que dispõe sobre

a Estrutura Administrativa do Município e dá outras providências, os órgãos da administração

municipal devem ser acionados permanentemente no sentido de conhecer os problemas e

demandas da população; estudar e propor alternativas de solução social e economicamente

compatíveis com a realidade local; definir e operacionalizar objetivos de ação governamental;

acompanhar a execução de programas, projetos e atividades comuns; avaliar periodicamente

os resultados de suas ações e atualizar objetivos, programas e projetos.

As competências específicas do Departamento Municipal de Educação estão

definidas nessa mesma Lei e constituem elemento importante de análise para o entendimento

da organização educacional do Município pesquisado.

Entre as principais atividades, destacam-se: propor a implantação da política

educacional do Município, levando em conta os objetivos de desenvolvimento econômico,

político e social; elaborar planos, programas e projetos de educação, em articulação com os

órgãos estaduais da área; promover estudos, pesquisas e outros trabalhos que visem aprimorar

o sistema municipal de educação e adequar o ensino à realidade social; organizar os serviços

de merenda escolar, de material didático e outros destinados à assistência ao educando;

formular a política de educação, cultura e desportos do Município, em coordenação com o

Conselho Municipal de Educação.

Através das observações e análise documental, pude perceber que as únicas

competências desenvolvidas pelo Departamento Municipal de Educação referem-se à

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organização do material didático e da merenda escolar e a elaboração dos Planos de Educação

Municipais em articulação com a Superintendência Regional de Ensino.

Com relação à promoção de uma educação de qualidade no Município, são definidas

as seguintes competências: fixar normas para a administração escolar, didática e disciplina

dos estabelecimentos de ensino, incluindo a definição do calendário escolar e promover o

estudo, a negociação e a coordenação de convênios com entidades públicas e privadas para a

implantação de programas e projetos na área de educação em articulação com Conselho de

Planejamento Municipal.

Além disso, são apontados os seguintes procedimentos: elaborar e supervisionar o

currículo dos cursos municipais de ensino, de acordo com as normas em vigor; garantir o

ensino fundamental e obrigatório, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade

própria e promover o aperfeiçoamento e a atualização dos professores, supervisores e outros

especialistas em educação, bem como de auxiliares de ensino e demais servidores

relacionados à área.

Durante o período em que desenvolvi a pesquisa, pude observar que algumas dessas

medidas foram desempenhadas pelo Departamento. Pode-se destacar aquelas que garantiam o

acesso à educação básica para os jovens e adultos e aquelas que se referem aos cursos de

aperfeiçoamento oferecidos aos profissionais da educação municipal.

Além dessas atividades, nesse documento foram definidas algumas competências

com relação ao desenvolvimento e incentivo do esporte no Município, tais como: planejar a

execução de programas de esporte amador e promover a integração dos serviços municipais

de esportes e recreação com atividades culturais do Município. No período em que estive em

pesquisa de campo, o Departamento Municipal de Educação promoveu uma gincana esportiva

com a participação dos alunos das escolas municipais.

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Em entrevista com as supervisoras educacionais das escolas municipais foi apontado

que a maior parte das atividades desenvolvidas nas escolas são discutidas previamente por

elas juntamente com as diretoras de todas as cinco escolas de Fronteira no DME. Esse

procedimento, segundo elas, implica uniformização das atividades em todas as escolas do

município, o que não é visto, por elas, como um fator positivo para a qualidade da educação

em Fronteira.

Segundo as entrevistadas, a definição do trabalho que deve ser desenvolvido nas

escolas municipais não parte delas mesmas e sim do Departamento Municipal de Educação.

As supervisoras gostariam que essa relação fosse diferente e estabelecida inversamente. Para

elas as decisões deveriam partir das escolas para serem debatidas nas reuniões que acontecem

no Departamento, como forma de socialização das experiências bem sucedidas e não o

contrário.

Sabemos que a administração centralizada da educação em Fronteira não permanece

no nível do Departamento Municipal, mas tem início no trabalho que é conduzido pela S.R.E..

O fio condutor das atividades educacionais do Município torna-se longo e distante da

realidade de cada uma das escolas. Parece que a ausência da autonomia das escolas

municipais de Fronteira perpassa pela falta de autonomia do Departamento Municipal de

Educação.

A Política de Educação para o Município foi determinada na Lei Orgânica de

Fronteira. Através do artigo 171 da Lei Orgânica, fica definido que o Município investiria

prioritariamente na educação pré-escolar e no ensino fundamental e, atendidos estes, no

ensino médio, com a colaboração da família, da sociedade e a cooperação técnica e financeira

da União e do Estado, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o

exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

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A filosofia da educação no Município está expressa no Parágrafo Único do artigo

acima citado que define:

a educação, enquanto direito de todos, é um dever do Poder Público e da sociedade e deve ser baseada nos princípios da democracia, da liberdade de expressão, da solidariedade e do respeito aos direitos humanos, visando constituir-se em instrumento de desenvolvimento da capacidade de elaboração e reflexão crítica da realidade (LEI ORGÂNICA, art.171).

Para a promoção da educação pré-escolar e do ensino fundamental e médio, o art.

172, da Lei Orgânica, determina a observância das seguintes medidas: igualdade de condições

para acesso, freqüência e permanência na escola; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e

divulgar o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de idéias e concepções pedagógicas,

filosóficas e políticas e a coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; gratuidade

do ensino público em estabelecimentos oficiais; valorização dos profissionais do ensino com

o Plano de Carreira do Magistério; gestão democrática e garantia do padrão de qualidade.

Apesar de a Lei Orgânica de Fronteira estabelecer como competência do Município a

promoção da educação pré-escolar (educação infantil), pudemos perceber que esse nível da

educação básica foi e continua sendo negligenciado pelo poder público municipal.

Outra questão que merece ser destacada é com relação ao Plano de Carreira do

Magistério que ainda não foi implementado, tanto por falta de vontade dos governantes

municipais, quanto por falta de força política da Classe de Professores do Município.

No momento em que entrava em campo, no final do ano de 2004, quando ainda

realizava o projeto-piloto, pude evidenciar alguns anúncios de reuniões que tratariam da

organização sindical dos Professores do Município de Fronteira. Porém, durante o ano de

2005, não percebi nenhum tipo de movimentação dos professores nesse sentido.

No período em que se discutiam as reivindicações dos professores, quanto ao plano

de carreira e formação para compor o Plano Decenal Municipal de Educação (2005-2014),

pude perceber que muitas das demandas dos profissionais da educação do Município não

foram incorporadas ao plano, por alegação da Chefe do Departamento de que o Município não

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possuía recursos suficientes para atender às solicitações desse grupo. O Plano de Carreira dos

Professores no Município é visto como um assunto que sempre está por vir e que precisa ser

discutido pelo Executivo e a classe, mas nunca é posto realmente em pauta nas reuniões.

No que se refere, especificamente, à garantia do padrão de qualidade fica

estabelecida na Lei Orgânica a necessidade de “uma avaliação cooperativa periódica” por

órgão próprio do sistema educacional, pelo corpo docente e discente, além de condições para

reciclagem periódica dos profissionais de ensino.

A Lei Orgânica desse Município representou um avanço em termos educacionais

para a realidade estudada. No entanto, muitas de suas propostas não foram incorporadas e

concretizadas pelo Executivo e pelo grupo que esteve à frente da educação no Município.

Essa Lei previa, por exemplo, a criação do Sistema Municipal de Ensino, que não foi

estruturado, além disso, previu a eleição de diretores das escolas municipais até hoje não

regularizada. A criação do Conselho Municipal de Educação também estava prevista na Lei

Orgânica Municipal desde 1990, mas tal medida só foi efetivada sete anos mais tarde.

A seguir será apresentada a história da educação no Município de Fronteira. Tal

resgate fez-se necessário não apenas para entender os motivos pelos quais a rede municipal

da cidade se organiza desta e não de outra forma, mas também para conhecer quais foram e de

onde partiram as primeiras iniciativas educacionais no Município.

5.4.1 A Construção da rede de ensino em Fronteira

Segundo Castro (1998, p.141), os dados que tratam das escolas que funcionavam no

Município remontam aos últimos anos do século XIX. Esse autor afirma que “em janeiro de

1900, foi criada uma escola estadual, tendo como professora a normalista Francisca Lopes,

mais tarde transferida para Juiz de Fora”.

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O primeiro estabelecimento de ensino criado no Município data de 1909. A escola

tornou-se realidade, conforme destaca Castro, devido ao “empenho” do Cônego Joaquim

Monteiro que conseguiu junto “aos políticos de maior prestígio no Estado” instalar o grupo

escolar no Município que recebeu seu nome: Grupo Escolar Cônego Joaquim Monteiro.

O Estabelecimento de Ensino começou a funcionar com quatro classes e, mais tarde,

foi transferido para um prédio construído especialmente para o Grupo Escolar, sob o mandado

da Câmara Municipal de Juiz de Fora e inaugurado em 7 de setembro de 1913.56

A segunda Escola Estadual instalada no Município, por iniciativa do

governador do Estado de Minas Gerais, foi a Escola Estadual Marieta de Miranda Couto. De

acordo com as informações trazidas por Castro (1998), a criação desse estabelecimento de

ensino primário se deu pelo Decreto nº 7136 de 25 de agosto de 1963.

A primeira escola noturna na cidade começou a funcionar em 1912, sob

iniciativa privada. Somente em 1937, a prefeitura criou uma escola noturna.

No ano de 1931, sob iniciativa do Vigário da Paróquia, foi criado um

estabelecimento de ensino secundário no Município. No entanto, devido às exigências

oficiais, o ginásio que já havia sido construído no terreno da Igreja, não pôde permanecer em

funcionamento.

Em 1950, sob o reconhecimento do Governo Federal e através da iniciativa privada,

foi fundado o Ginásio Tiradentes que, conforme Castro (1998,p.147), “conseguiu numerosos

alunos, muitos dos quais foram graduados em cursos superiores e concorreram para o

progresso do País com seus conhecimentos e seu trabalho.” No entanto, seu tempo de

funcionamento foi curto e em março de 1960 o Ginásio foi vendido à Sociedade Anônima de

Educação e Cultura do Município.

56 De acordo com a Resolução nº 810 de 1974, o Grupo Escolar Cônego Joaquim Monteiro passou a denominar Escola Estadual Coronel Joaquim Monteiro, no Minas Gerais de 26 de novembro de 1974(CASTRO,1998,144).

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Em 9 de março de 1969, através de escritura pública passada em cartório, o referido

Ginásio foi doado à Prefeitura, pela Sociedade Anônima de Educação e Cultura, observado os

direitos dos professores e funcionários do estabelecimento, manteve-se a obrigação de

manutenção do ginásio, do 2º ciclo colegial, que estava aguardando autorização do Ministério

da Educação e Cultura para funcionamento e foi atribuído ao estabelecimento a denominação

de Colégio Municipal.

Segundo nos orienta Castro (1998):

Em 1978, o prefeito da época preocupado com as despesas do erário municipal e sem levar em conta os imensos benefícios que o estabelecimento de ensino secundário tinha prestado à população, resolveu fechá-lo, proibindo efetuar matrícula dos alunos nos cursos de 1º e 2º graus (CASTRO,O. 1998, p. 149).

Tal medida contrariou toda a população que apelou à Câmara de Vereadores para que

impedissem tal resolução.

O prefeito continuou em sua posição, preservando a iniciativa de fechar o Colégio

Municipal, alegando carência de recursos. Retinha o salário dos professores, reduzia a carga

horária de alguns, mantinha atrasados os pagamentos do salário-família, do fundo de garantia

por tempo de serviço e determinou que o Colégio não efetuasse matrículas no ano de 1979, o

que acarretou problemas na Justiça do Trabalho. Até o ano de 1984, o Colégio se manteve em

funcionamento, mas em virtude do Convênio realizado entre a Prefeitura e a Secretaria de

Estado, o Colégio Municipal foi integrado à Escola Estadual Cônego Joaquim Monteiro, o

que resultou no ensino noturno gratuito das 5ª a 8ª séries, que anteriormente era pago.

O Vereador entrevistado na pesquisa discorda da tese de Castro sobre esse processo

ocorrido com o Colégio Tiradentes em Fronteira. O Vereador, que também é professor da

rede estadual e vivenciou todo o processo, esclareceu que o Colégio Tiradentes foi criado

pela iniciativa privada, mas a maior parte dos alunos nele matriculados não podiam arcar com

as mensalidades, portanto, com um grande número de inadimplentes, a Prefeitura assumiu a

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Escola na década de 70. Ainda assim, mesmo sendo pública, a escola cobrava algumas taxas

dos alunos.

O número de evasão era alto, segundo afirmação do Vereador, e os professores

tiveram que reduzir sua carga horária sem que com isso tivessem reduzido seus salários. A

prefeitura não concordou em pagar aos professores o mesmo valor, por conta da diminuição

do número de aulas por eles trabalhadas, gerando, portanto, uma crise interna no Colégio57.

Por conta desses problemas, o Estado encampou, já na década de 80, este Colégio

que foi, conforme descrito anteriormente, integrado ao Colégio Estadual Cônego Joaquim

Monteiro.

Em 1985, através do Decreto nº 24.472, o governo do Estado de Minas Gerais criou

mais uma escola estadual na cidade para atender os alunos de 5ª a 8ª séries, conforme foi

citado por uma das diretoras entrevistadas.

Podemos perceber, através dos textos que contam a história da educação do

Município, que a iniciativa em desenvolver a educação nessa localidade partiu dela, mas

durante muito tempo a resposta para a demanda acabava sendo atendida pela rede estadual.

Tal informação pôde ser confirmada, através da pesquisa em campo.

Através das entrevistas e análise dos dados documentais, pude perceber que durante

muito tempo a Educação Básica no Município foi em grande parte financiada e administrada

pelo Sistema Estadual de Ensino o que contribuiu para uma certa acomodação do executivo

municipal em promover a educação nessa localidade.

A rede municipal, antes de 1997, constituía-se em seis escolas localizadas na zona

rural. Tais estabelecimentos ofereciam o ensino fundamental de 1ª a 4ª série em salas multi-

seriadas e, conforme podemos perceber pelos dados do censo escolar fornecidos pelo INEP,

em 1997, atendiam a um universo de 187 alunos.

57 Vários professores, que se sentiram prejudicados com a redução dos salários, entraram na justiça, conforme esclarece o vereador, tendo a Prefeitura, já na gestão de Sebastião (1996-2004) pago a esses profissionais.

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A diretora municipal que participou do processo de nucleação das escolas rurais

lembra que:

Então como que funcionavam. Deslocavam o professor. E houve épocas, por exemplo, que o professor tinha que ficar lá a semana inteira. Depois não, depois já foi facilitando, ia de manhã, voltava à tarde. Dependendo do número de alunos, ela funcionava 3ª e 4ª de manhã, 1ª e 2ª à tarde. Dependendo era tudo as quatro séries num horário só. Tinha escolinha que funcionava com oito alunos. Não tinha serviçal, era a própria professora que fazia a merenda.

A educação infantil municipal, que atendia às crianças de 4 a 6 anos, não funcionava

em sede própria. Totalizavam cinco escolas, cujas turmas eram distribuídas nas escolas

estaduais. Uma das escolas municipais de educação infantil funcionava em um galpão da

prefeitura improvisado e em péssimas condições. Após a municipalização do ensino

fundamental, a prefeitura deixou de atender às crianças de 4 anos de idade, oferecendo a

educação infantil apenas para as crianças com mais de 5 anos.

As quatro escolas estaduais que funcionavam no Município ofereciam ensino de 1ª a

8ª série do ensino fundamental e Médio e atendiam um universo de 1.962 alunos, conforme os

dados do INEP de 1997.

Conforme foi destacado em entrevista pela Chefe do Departamento Municipal de

Educação, no período em que começaram as reuniões para discutir acerca da municipalização,

uma das medidas que seriam tomadas e que foi solicitada pela Prefeitura de Fronteira, em

acordo por tal processo, era a construção de um prédio no galpão onde funcionava a escola

infantil municipal. O objetivo era abrigar o ensino estadual de 5ª a 8ª série e o Ensino Médio,

inclusive com a construção de uma quadra poliesportiva para ser usada por toda a clientela

escolar do Município. Além disso, o galpão deveria tornar-se, provisoriamente, o Núcleo do

ensino pré- escolar do Município, até que a prefeitura pudesse construir uma sede própria para

tal fim.

O prédio onde funcionava essa escola estadual que seria transferida iria abrigar o

Órgão Municipal de Educação que, na época, funcionava na Prefeitura. Como não houve a

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construção desse prédio e nem da quadra, foram feitas as modificações segundo as

possibilidades existentes.

Como Núcleo de Ensino pré-escolar não foi implementado, atualmente as escolas

municipais que foram nucleadas mantêm em funcionamento algumas turmas de educação

infantil. As escolas estaduais que funcionavam em prédios da prefeitura foram transferidas

para sede própria e com o advento da municipalização a rede estadual, atualmente, conta

somente com duas escolas no Município.

5.4.2 O Conselho Municipal de Educação

O Conselho Municipal de Educação de Fronteira foi criado em 10 de outubro de 1997,

pela Lei Municipal nº 475. Sua criação estava prevista no art. 6º da Lei Orgânica Municipal,

aprovada em 1990. Nesse artigo estava definido que o Conselho Municipal de Educação

deveria ser criado no prazo de 180 dias após a promulgação da Lei Orgânica. A criação do

Conselho só veio ocorrer sete anos mais tarde com o advento da municipalização.

Através do Livro de Atas do Conselho Municipal, pude identificar que sua primeira

reunião realizou-se no dia 2 de abril de 1998 na Câmara Municipal de Vereadores, tendo sido

composta por líderes comunitários, representantes de pais, diretores e professores das escolas

do Município, que se reuniram para deliberarem sobre a criação e formação desse Conselho.

O Conselho Municipal de Educação está subordinado ao Conselho Estadual de Educação e

vinculado ao Departamento Municipal de Educação.

No Regimento Interno desse órgão colegiado fica definido, em seu artigo 2º, como

finalidade do Conselho Municipal de Educação – CME, orientar e assessorar o Município na

fixação das diretrizes e bases da política, na sua área de atuação, adequando as diretrizes e

bases da educação nacional às condições municipais.

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O CME, conforme destacado no art. 3º, destina-se a estimular, fortalecer e

institucionalizar a participação dos setores organizados da sociedade, no processo de tomada

de decisões no setor de competência do Município.

São estabelecidas pela Lei como competências do Conselho Municipal de Educação:

I- assessorar a Secretaria de Educação na elaboração e atualização da Carta-Escolar e definição de áreas de jurisdição das escolas; II- estudar e sugerir medidas que visem à expansão quantitativa e qualitativa do ensino no Município; III- opinar sobre a criação, ampliação e localização das escolas do Município; IV- exercer as competências e atribuições que lhe forem delegadas pelo Conselho Estadual de Educação de Minas Gerais; V- Emitir pareceres sobre questão de natureza educacional que lhe forem submetidas pelas escolas e pela SME.

Além dessas competências, são estabelecidas as seguintes atribuições do Conselho:

I- elaborar e manter atualizado o Plano Municipal de Educação. II- Examinar e avaliar o desempenho das unidades escolares componentes do Sistema Municipal; III- Fixar critérios do Município, do Estado, da União ou de outra fonte, assegurando-lhe aplicação harmônica, bem como pronunciar-se sobre convênio de quaisquer espécies; IV- Fixar normas para fiscalização e supervisão no âmbito de competência do Sistema Municipal de Educação; V- Estudar e formular propostas de alteração de estrutura técnico-administrativa, política de recursos humanos e outras medidas que visem ao aperfeiçoamento do ensino.

É interessante assinalar que, em entrevista com a nova presidente do Conselho

Municipal de Educação de Fronteira, em agosto de 2005, foi destacado que tais competências

e atribuições, em sua maioria, apresentam um caráter figurativo. Quando conversava comigo,

a presidente desse Conselho ia apontando as competências do órgão que constavam somente

no papel e que nunca foram possíveis de serem realizadas.

Além disso, a leitura das atas do Conselho e as observações em reuniões desse órgão

possibilitaram-me compreender a que realmente a presidente do Conselho estava se referindo.

A única atribuição desempenhada, durante o período em que permaneci em campo, foi a

elaboração do Plano Municipal de Educação. Assim mesmo, tal medida foi proposta pela

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Secretaria Estadual de Educação neste ano de 2005, em decorrência da exigência promovida

pela Lei Federal nº 10.172 de 09 de janeiro de 2001, que determinou no seu artigo 2º que os

Estados, o Distrito Federal e os Municípios deveriam, com base no Plano Nacional de

Educação, elaborar planos decenais correspondentes.

Outra observação importante refere-se à competência normativa do Conselho

Municipal de Educação da cidade. Sendo o Sistema de Ensino do Município integrante do

Sistema de Ensino do Estado, seu CME não possui caráter normativo, somente consultivo.

Portanto, a ausência de autonomia impede que as atribuições definidas nos incisos III e IV

sejam concretizadas.

Através da leitura das atas do CME desde sua criação em outubro de 1997 até abril

de 2005, pode-se inferir que suas principais deliberações referem-se a questões de diferentes

naturezas. Os assuntos que tratam das questões administrativo-burocráticas recorrentes são:

designação de professores emergenciais para atendimento de alunos com grande defasagem

de aprendizagem; discussão sobre as verbas da educação provenientes de impostos;

indisciplina nas escolas; discussão sobre o Plano Municipal de Educação; discussão sobre a

formação de uma Comissão municipal para a realização do cadastro escolar da rede pública,

coordenado pela Superintendência Regional de Ensino e de responsabilidade da Prefeitura.

Além dessas questões, foram discutidas no Conselho Municipal de Educação

medidas consideradas importantes para o aperfeiçoamento pedagógico da rede municipal. São

elas: a discussão sobre a grade curricular desenvolvida pelas escolas; a possibilidade de

grades curriculares estaduais e/ou municipais serem equiparadas às grades curriculares

executadas pelas escolas particulares58; discussão sobre a avaliação dos alunos; sugestão sobre

58 Essa discussão trazida pelo Conselho causa um certo estranhamento, devido o seu anacronismo histórico. Após a promulgação da LDB em 1996, que fixou as diretrizes para a organização dos níveis de ensino, e da publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais- PCNs em 1997, não cabe neste momento nenhum tipo de equiparação curricular entre uma escola e outra. O norte para a organização dos currículos escolares foi dado pela LDB e pelos PCNs.

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temas a serem abordados nas escolas; discussão sobre a avaliação sistêmica que foi realizada

no ano de 1999 nas escolas do Município.

Com isso, foram expostas orientações da Superintendência Regional de Ensino de

Minas Gerais sobre a organização escolar pautada pela LDB de 1996, no que se refere ao

tempo/espaço escolar; discussão sobre o ciclo, Progressão Continuada e Promoção

automática.

Os conselheiros municipais de educação, também, identificaram como necessário

para a melhoria da qualidade da educação municipal realizar visitas aos familiares dos alunos

com problemas nas escolas e encaminhar crianças para médicos neurologistas, psicólogos e

fonoaudiólogos.

Ainda foram identificados, como sendo preocupação do Conselho Municipal de

educação, questões referentes ao próprio funcionamento do Conselho, tais como: a eleição de

novos membros do Conselho e informações quanto à competência do Conselho Municipal de

Educação.

Com isso, podemos concluir que, quando o Município não está discutindo propostas

e questões suscitadas pela Superintendência Regional de Ensino, os temas mais recorrentes

que partem dos membros do Conselho referem-se à organização das escolas em ciclo/ou série

e a disciplina escolar dos alunos.

Além disso, através da leitura das atas, pôde ser observado que as reuniões não

possuem uma periodicidade regular. Os espaços temporais entre uma reunião e outra são

grandes, chegando-se a registrar um intervalo de 11 meses entre reuniões que deveriam

acontecer mensalmente. No ano de 2003, o Conselho só se reuniu três vezes.

Quanto à composição do Conselho, estabelecida pelo Regimento Interno em seu art.

6, define-se como membros natos do Conselho: o Prefeito, a Secretária Municipal de

Educação, as Diretoras das Escolas Municipais e a Coordenadora do Departamento de

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Educação (cargo inexistente no Município), além de um representante titular e um suplente

das seguintes entidades: professores das escolas estaduais, professores de escola particular,

professores aposentados, professores das escolas municipais, pais de alunos, associação de

bairros e supervisores pedagógicos.

No entanto, pude perceber, através da leitura das atas e da observação das reuniões,

que seus membros mais assíduos são: a Chefe do Departamento Municipal de Educação e as

diretoras das Escolas Municipais. Tais membros são os que possuem o controle da Educação

no Município por cerca de 8 anos; os demais representantes raramente estão presentes nas

reuniões. Existe a representação de duas mães de alunos no Conselho, no entanto, foram

poucas as reuniões em que elas estavam presentes, além disso, pude observar que, durante

duas reuniões em que elas estavam e das quais participei, foram raros os momentos de

intervenções.

O art. 21 do cap. II do Regimento Interno do CME define que o Presidente e o Vice-

presidente do Conselho devem ser eleitos dentre seus membros em escrutínio secreto e em

votação para mandato de dois anos. A última presidente permaneceu no cargo por 4 anos,

substituindo a Chefe do Departamento Municipal de Educação.

Em entrevista com as diretoras, foi discutida a importância e a função do Conselho

Municipal de Educação para a cidade. Todas elas foram unânimes em destacar a função do

Conselho como um órgão que deve ajudar na melhoria da educação, trazer sugestões para a

administração educacional do município e informar à população, a partir dos membros da

sociedade civil, o que está sendo decidido em termos de educação no Município (grifo meu).

É interessante assinalar que, na percepção dos representantes da comunidade escolar do

Município, aos representantes da sociedade civil cabe somente o papel de informantes do que

se propõe e decide no Conselho. Na percepção das diretoras, a participação dos pais da

comunidade escolar só se restringe a ouvir e falar aos outros o que está sendo discutido no

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Conselho Municipal de Educação, estes não possuem voz ativa e sua participação existe

somente para constar.

Além disso, todos os membros fazem uma crítica quanto à estrutura e funcionamento

desse Conselho em Fronteira. Para uma diretora, o grande problema está na comunidade não

perceber a importância deste espaço de discussão, pois, segundo ela, eles não se interessam

em participar. Outra diretora, que também faz parte do Conselho, alega que a maioria dos

membros teve dificuldade em entender as competências do órgão colegiado. Além disso,

acrescenta que as reuniões demoram muito a acontecer e que em sua maioria são monótonas,

uma vez que, para ela as escolas municipais não têm problemas para serem resolvidos no

Conselho. Os problemas são corriqueiros e podem ser resolvidos dentro da instituição. Para

essa diretora, o Município em termos de educação está muito bem e não tem pauta de

discussão para o Conselho Municipal de Educação.

Conforme foi destacado em entrevista pelas representantes de pais no C.M.E., sua

participação nesse órgão é importante para fiscalizar o que está errado e ajudar no que for

preciso. Mas tanto D. Júlia quanto D. Ana reconhecem que a participação da sociedade civil

em Conselhos da cidade está muito distante da situação desejada, até mesmo nas escolas.

Esses dois membros do Conselho entrevistados afirmaram que nas poucas reuniões

em que estiveram presentes puderam expressar suas opiniões e dar sugestões quanto à

melhoria da educação em Fronteira59. Dona Júlia e D. Ana foram unânimes em afirmar que os

demais membros do Conselho foram bem receptivos às suas idéias e manifestações.

O único inconveniente para D. Ana é que o C.M.E. demora muito a realizar as

reuniões. Além disso, Dona Ana espera, assim como D. Júlia, que todas as reivindicações

propostas no Conselho sejam cumpridas.

59 D. Júlia só compareceu a duas reuniões do Conselho. Não pôde permanecer como membro, pois arrumou um emprego que lhe ocupava todo o tempo, mas se mostrou muito interessada em continuar. Perguntou-me se existia a possibilidade de ser liberada nesse período de reuniões para participar do Conselho, porque acha muito importante a manifestação da sociedade civil em espaços como estes. Já D. Ana participou de 4 reuniões.

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Dona Ana informou que uma das principais reivindicações da sociedade civil

propostas no C.M.E., refere-se ao oferecimento de Cursos Profissionalizantes pela rede

pública municipal. Essa exigência surgiu para capacitar a população de Fronteira a trabalhar

no Distrito Industrial que, segundo D.Ana, tem mais trabalhadores de Juiz de Fora do que da

própria cidade. Além disso, foi solicitado que a rede municipal atendesse, além da 5ª série do

ensino fundamental, à 6ª série, o que, segundo a entrevistada, já estaria previsto para

acontecer60.

A nova presidente do Conselho Municipal de Educação de Fronteira, que também é

diretora municipal, afirmou que vê muitos problemas nesse órgão colegiado. Para ela,

nenhuma das competências e atribuições desse Conselho foram realmente desempenhadas

desde a sua criação. Sua sugestão é estudar melhor o que o CME tem condições de fazer e

colocar em prática tais competências, conforme podemos perceber em sua fala:

Eu antes não era presidente, agora que eu comecei, e vejo assim, que a gente faz uma coisa assim, só “Pró forma”, pra existir, entendeu? Mas a gente não está assim, realmente estudando as questões, realmente contribuindo, sou muito autocrítica,. (...) Eu noto assim: se a gente que está dentro da educação não tem tanto interesse, o pessoal que vem de fora, ainda que faça parte também de outras entidades, aí que não tão nem aí mesmo(...) Olha, eu tava lendo ali as competências do Conselho. As competências (no regimento do Conselho) são muito abrangentes, são muito amplas entendeu? Teria que atuar mesmo. As atribuições. Eu falei: a gente não faz nada disso, não faz mesmo.(...) Estudar e sugerir medidas que visem à expansão quantitativa e qualitativa do ensino no Município, opinar sobre a criação e ampliação das escolas do Município, exercer as competências que lhe forem delegadas pelo Conselho... emitir pareceres sobre questões de natureza educacional que lhe forem submetidas pelas escolas, nem tem isso, ninguém nem pede.(...) Tem muitas outras atribuições que a gente tem deixado de lado, não sei se vai haver interesse do pessoal, porque assim, não adianta uma pessoa querer, tem que todo mundo querer.

Sabe-se que o Conselho Municipal de Educação pode ser um importante mecanismo

de participação e de proposição de mudanças da estrutura educacional de um município,

desde que seja valorizado e tratado como tal. Essa perspectiva comunga com a de Souza e

Faria (2003) que consideram os Conselhos:

60 É importante salientar que, enquanto estive realizando a pesquisa de campo no município e analisando as atas de reuniões do C.M.E., não presenciei a participação desses representes de pais entrevistados. Além disso, nenhuma dessas solicitações constam nas atas de reuniões por mim analisadas.

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não apenas órgãos normativos e deliberativos dos sistemas de ensino municipais, mas, sobretudo, como instâncias que, potencialmente, favorecem a consolidação de um processo de municipalização assentado em bases democráticas de gestão (seja em virtude das oportunidades de participação local, seja em decorrência da garantia de transparência e fundamentação das decisões do executivo municipal) (SOUZA e FARIA, 2003, p. 71).

Além desses autores, consideremos o que foi esclarecido por Bobbio (2000) acerca

do processo de democratização. Para o autor, a consolidação da democracia dos pósteros61

far-se-ia pela implantação de mecanismos de democracia direta, através dos espaços

destinados à prestação de contas à sociedade do que tem sido feito em/pelo poder,

transparência, conhecimento, informação e visibilidade.

No entanto, o que pude perceber, através da leitura dos documentos desse Conselho

de Educação no Município, da entrevista com alguns de seus membros e da observação de

suas reuniões, é que o Conselho Municipal de Educação de Fronteira não desempenha sua

função e tem sua importância negligenciada enquanto espaço público de discussão e

orientação. A alegação de seus membros é de que a comunidade não se interessa em participar

dos Conselhos. Na fala de uma das diretoras isso fica bem evidente:

Eu vejo da mesma forma que eu vejo o colegiado, muita falta de vontade. No fim das contas, acaba assumindo sempre as mesmas pessoa.Eu tenho reclamado muito nos Conselhos, porque assim... município pequeno... eles acabam falando, assim: ah mas tá sempre a mesma panelinha, não muda aquela panelinha. Mas na hora de mudar, ninguém quer assumir. (...) É falta de participação mesmo.Acaba sendo nós mesmos do município, só os diretores. São os que não faltam, que estão sempre aqui, que trazem um assunto pra ser discutido.Os outros só se limitam a ouvir. Graças a Deus, nunca teve assim, uma polêmica que dependesse de voto, de votar, porque eu acho que se tivesse ficaria difícil alguém se manifestar ou contra ou a favor.

Com isso, pode-se concluir que o Conselho Municipal de Educação de Fronteira

tornou-se um órgão paralisado e engessado no que se refere à sua organização, composição,

definição e desempenho de atribuições. Esse espaço, que deveria ser palco de discussões para

a melhoria da educação no Município, tornou-se um aliado do poder executivo, não

61 A “Democracia dos Pósteros”, apresentada por Bobbio, é aquela que goza dos mesmos princípios da democracia dos modernos, embora retome em parte, através dos espaços da democracia direta, tornada possível com a difusão dos meios eletrônicos, à democracia dos antigos.

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apresentando perspectiva de mudanças na rede de ensino e nem clareza acerca da autonomia

do Município. O CME da cidade tornou-se mais um mecanismo de controle, por parte de seus

membros, da educação municipal.

No período em que estive presente em campo, não evidenciei nenhum outro

mecanismo de participação no Município relacionado à educação. Algumas escolas possuem

Colegiado Escolar, mas em entrevista foi destacado que esses Conselhos nas escolas não são

ativos e que são, até mesmo, desnecessários. Essa foi uma questão enfatizada por uma

diretora, para quem o Colegiado das escolas municipais não tem importância e função, porque

a prefeitura dá toda assistência para as instituições escolares e portanto, os pais e professores

não têm o que reivindicar ou discutir.

Existem ainda, em Fronteira, os Conselhos de Alimentação Escolar e o de

Acompanhamento e Controle Social do FUNDEF. No entanto, não acompanhei nenhuma

reunião, nem encontrei documentos que fizessem referência a esses conselhos no Município.

5.4.3 A municipalização do ensino em Fronteira

No ano de 1997 foi estabelecido um Termo de Compromisso de Cooperação

Educacional entre o Governador do Estado, Eduardo Azeredo, seu Secretário de Educação

João Batista dos Mares Guia e os Governos Municipais. Esse documento foi a base sobre a

qual foram assentados os processos de municipalização desencadeados no Estado de Minas

Gerais.

Baseado na Conferência de “Educação Para Todos e Todos pela Educação”,

realizada em Jontien entre os dias 5 e 9 de março de 1996, o documento elaborado pela

Secretaria Estadual de Educação indicava como fundamento do Governo a crença

democrática da promoção do desenvolvimento com eqüidade.

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Conforme explicita o texto documental, o Termo de Compromisso seria referência

para a elaboração e contínua atualização do Programa Estadual de Cooperação Educacional

estabelecido entre o Estado de Minas Gerais e seus municípios. Assinam esse Termo de

Compromisso, juntamente com o Secretário Estadual de Educação, os representantes da:

Associação Mineira de Municípios-AMM; Federação Estadual de Associações

Microrregionais de Minas Gerais – FEMAM e a União Nacional de Dirigentes Municipais de

Educação- UNDIME.

O objetivo desse Termo de Compromisso, em regime de cooperação e à base de

construção de consenso, é elaborar em cada município o Plano Municipal de Educação,

conforme estabelece a L.D.B de 1996; o Plano de Desenvolvimento Educacional62, no âmbito

estadual e o Programa Estadual de Cooperação Educacional entre o Estado e o Município.

Em decorrência dos compromissos assumidos na Conferência realizada em Jontien

em 1996, esse Termo teve como propulsora a Lei nº 9.424 de 1996 (a Lei do FUNDEF) que

estabeleceu como paradigma nas relações entre o Estado e o Município a cooperação

educacional.

Com isso, é definido pelo Documento base do Termo de Compromisso que a

Secretaria Estadual de Educação comprometer-se-ia em:

1- Estabelecer com a UNDIME interlocução preferencial para consultas de Resoluções da Secretaria Estadual de Educação, principalmente no que se refere à normatização do atendimento escolar, além de regulamentação da aplicação da “Lei do Fundo” em Minas. 2- Criar um Conselho Fiscal do Projeto PróQualidade com o objetivo de executar em parceria os programas referentes à: Capacitação dos Professores; Capacitação dos Dirigentes Municipais; Treinamento e Organização dos Órgãos Municipais de Educação; e Avaliação da Escola Pública e do Monitoramento da Qualidade do Ensino em Minas Gerais. 3- Realizar a expansão gradual mas acelerada da oferta de matrículas no ensino médio, até a completa universalização da cobertura escolar, para jovens na faixa etária típica. 4- Promover a partir do ano de 1998 a redistribuição em espécie de até 10% da receita proveniente da quota estadual do salário-educação em

62 Esse plano teve um caráter operacional e administrativo. Veio substituir a proposta de construção do Projeto Político Pedagógico que estava proposto na LDB.

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benefício dos municípios, com base no princípio da equidade, da ação de erradicação do analfabetismo e da garantia de toda criança na escola.

Em ação conjunta entre a Secretaria Estadual de Educação, AMM e FEMAM, o

documento esclarece que deveria ser implementado o Plano Estadual de Educação de Jovens e

Adultos; o Plano Estadual de Nucleação das Escolas Estaduais Rurais e o Plano Estadual de

Melhoria do Transporte Escolar Rural. No que se refere à melhoria do atendimento escolar,

relativo ao ciclo regular de educação infantil ao ensino médio, haveria uma ação conjunta

entre todos os órgãos: Secretaria Estadual, AMM, FEMAM e UNDIME.

Ao município ficou estabelecido como competência assumir o compromisso gradual

de ampliar a oferta de educação infantil, desde que em cooperação com o Estado tenha sido

assegurada a escola fundamental para as crianças de 7 a 14 anos. Além disso, ao município

competia organizar em regime, também de cooperação, o ensino regular de suplência e/ou

outra modalidade de supletivo.

Devido à importância do documento, assinam como testemunhas o então Ministro da

Educação Paulo Renato de Souza, o Presidente do Conselho Estadual de Educação, o

Presidente da Comissão de Educação da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, a

Presidente da Federação da Associação de Pais e Alunos das Escolas Públicas de Minas

Gerais e a Delegacia do MEC em Minas Gerais63.

Em Fronteira todas as medidas foram tomadas para a realização das propostas que

foram fixadas nesse Termo de Compromisso. O próprio processo de municipalização,

desencadeado no Município pesquisado, teve início com o Projeto de Lei nº 1.223/97, de 13

de maio de 1997. O 1º art. desta Lei determina que:

A descentralização do ensino por cooperação entre Estado e os Municípios, prevista no art. 197 da Constituição do Estado, será feita nos termos desta Lei, garantindo-se: atendimento prioritário à educação infantil, ensino

63 Esse documento revela a pressão que foi feita aos Municípios mineiros para que se operacionalizasse a Municipalização do ensino, haja vista o número de personalidades que assim esse Termo de Compromisso.

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fundamental e Educação de Jovens e Adultos e o repasse dos recursos técnicos e financeiros correspondentes ao nº de matrícula assumidas pelos Municípios.

Define ainda, no seu art. 2º, que a descentralização do ensino compreenderia a

transferência aos Municípios de escolas de ensino pré-escolar do Estado com o

correspondente aporte de recursos necessários à sua manutenção.

Para que fosse operacionalizado tal processo de descentralização foi estabelecido, no

art. 4º da Lei, que na transferência da escola da rede pública estadual ao Município, o Poder

Executivo poderia fazer a cessão de uso de bens móveis e imóveis da escola municipalizada;

ceder servidores ocupantes de cargo efetivo, integrante do quadro permanente ou do Quadro

do Magistério, lotado na escola a ser municipalizada sem prejuízos dos direitos e vantagens

do cargo. Tal cessão de bens e pessoal ficaria vinculada à manutenção e ao desenvolvimento

do ensino público na localidade, bem como o aproveitamento dos trabalhadores adjudicados

na unidade municipalizada.

Um dos documentos encontrados no Município refere-se à justificativa do projeto de

lei s/nº de 1997 que orienta o Estado e os Municípios sobre a implementação do referido

Fundo.

Esse projeto de lei determinava que deveriam ser tomadas algumas providências para

que o Estado e os Municípios pudessem ter acesso aos recursos do FUNDEF. Dentre tais

medidas destacam-se o levantamento de nº de alunos do ensino fundamental que estariam sob

a responsabilidade do Estado e dos Municípios e a definição de Planos de Carreira e

remuneração do magistério de forma a assegurar aos professores remuneração condigna,

estímulo ao seu trabalho docente e melhoria da qualidade do ensino.

Além dessas medidas, destaca-se aquela que define que os municípios deveriam

constituir conselhos com a finalidade de exercer o acompanhamento e o controle social sobre

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a repartição, a transferência e a aplicação de recursos do Fundo, no âmbito de cada esfera

administrativa.

No Município de Fronteira percebe-se que tais medidas foram tomadas, exceto

aquela referente ao Plano de Cargos e Salários dos Professores Municipais, ainda não

implementado.

O Ofício Circular nº 26 de 1999, da Secretaria Estadual de Educação aos Municípios,

traça o caminho da municipalização no Estado de Minas Gerais. Algumas tarefas deveriam

ser realizadas para a operacionalização da municipalização do ensino fundamental:

A primeira tarefa seria desempenhada pela Superintendência Regional de Ensino-

S.R.E. que deveria providenciar o relatório de Verificação in loco que informaria sobre a

existência e as condições do prédio da rede municipal que receberiam as turmas

municipalizadas; a denominação proposta para as escolas, em caso de municipalização total

da unidade de ensino e a denominação da escola que receberia as turmas municipalizadas.

A tarefa de número dois determinava que, mediante análise desse relatório, o diretor

da S.R.E. deveria emitir um parecer consultivo sobre a municipalização em pauta e

encaminhar a proposta para Superintendência Organizacional de Atividades Escolares (OAE).

A tarefa número três consistia na publicação da Resolução autorizando a

municipalização, caso o processo fosse aprovado pela OAE.

E, por fim, a quarta tarefa era a de que a S.R.E. deveria encaminhar à documentação

de recursos às municipalizações indeferidas para análise e retificação ou ratificação do

parecer.

No Município foram elaboradas duas Leis referentes à municipalização do ensino, a

Lei nº 486, de 9 de dezembro de 1997, que dispõe sobre a municipalização de Escolas

Estaduais, estabelece normas e dá outras providências e a Lei nº 487, também de 9 de

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dezembro de 1997, que dispõe sobre a municipalização do Ensino Fundamental, da Adjunção

de Servidores do Magistério Estadual e dá outras providências.

A Lei nº 486/97 traz a relação das escolas que deveriam ter suas turmas de 1ª a 4ª

série do ensino fundamental municipalizadas, que totalizavam 3 escolas. Além disso,

determina no seu art. 2º que as Escolas Estaduais que seriam municipalizadas deveriam ter

seus patrimônios levantados para fins de inventário, caso houvesse transferência e/ou doação

ao Município. Tal levantamento foi realizado pelo Departamento Municipal de Educação.

A Lei nº 487/97 referente aos servidores estaduais do Magistério, esclareceu que

seriam alocados e adjuntos sem ônus para o Município até a aposentadoria ou desvinculação

do Magistério, os servidores que se encontrassem em situação de excedência que se

constituíssem como indispensáveis à continuidade do Ensino Fundamental. Tal possibilidade

já havia sido prevista, conforme esclarece a Lei Municipal, na Resolução nº 7.977 de 24 de

abril de 1997.

No entanto, em entrevista com as diretoras, foi identificado que a cessão de

servidores estaduais, não incluindo as supervisoras, somente professores de 1ª a 4ª série do

ensino fundamental e algumas auxiliares de serviços gerais, foi mantida somente até o ano

2000.

A partir de então, muitos professores estaduais tiveram que retornar às escolas do

Estado, o que, segundo a Chefe do Departamento Municipal de Educação, causou um

desconforto para ambas as partes, tanto para os profissionais, quanto para o poder público

municipal, que teve que organizar um concurso às pressas para suprir seu quadro de

professores. Os profissionais tiveram que se deslocar para cidades vizinhas, ou então ficarem

nas escolas estaduais em atividades extraclasse, pois eram em número excedente e já não

tinham nas escolas estaduais turmas de 1ª a 4ª série para lecionarem. Um dos sujeitos

entrevistados, a diretora municipal e professora estadual aposentada, informou-me que

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lecionara Filosofia para as turmas do ensino médio, mesmo não tendo tal formação acadêmica

já que é formada em Pedagogia, para não ter que se deslocar de uma cidade à outra.

No processo de municipalização de Fronteira, foi solicitada pela Prefeitura a

liberação de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para a construção de um anexo escolar, onde

funcionariam turmas de pré-escolar a 4º série das escolas rurais que foram nucleadas, turmas

de 5ª a 8ª série e o Ensino Médio do Município.

Conforme foi destacado pelas diretoras e pela Chefe do Departamento de Educação

Municipal nas entrevistas, essas solicitações à Secretaria Estadual de Educação nunca foram

atendidas, gerando revolta na comunidade escolar municipal e descrédito quanto às ações

estaduais. Para eles a cooperação educacional entre Estado e Município proposta na L.D.B

não foi posta em prática.

O processo de municipalização do ensino fundamental de 1ª a 4ª série no Município

pesquisado possui algumas particularidades que precisam ser destacadas. Apesar de ter sido

uma medida de iniciativa da Secretaria Estadual de Educação, a comunidade escolar 64do

Município faz uma avaliação positiva do processo.

Uma das questões positivas advindas da municipalização foi a organização da rede

de ensino no Município, que era composta de escolas espalhadas na zona rural, sem nenhum

tipo de apoio pedagógico, administrativo, de transporte e de merenda. Tais serviços nas

escolas eram oferecidos sem regularidade.

Conforme destaca a Chefe do Departamento Municipal de Educação, após a

nucleação das escolas rurais, com o advento da municipalização, os alunos passaram a ter

escolas melhor aparelhadas, foi resolvido o problema de distorção idade/série, as salas

deixaram de ser multiseriadas, os alunos passaram a ter acompanhamento odontológico e

psicológico, a merenda nunca mais deixou de faltar, assim como o material escolar e

64 Considero como comunidade escolar os seguintes sujeitos entrevistados: professores, diretores e supervisores municipais, além da Chefe do Departamento Municipal de Educação.

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pedagógico. Essas informações foram confirmadas pelas supervisoras municipais e pelas

representantes de pais no C.M.E..

O município assumiu, além de todas as turmas de 1ª a 4ª série do Estado, duas turmas

de 5ª série, tendo, para isso, que abrir concurso para professores desse nível de ensino. Tal

medida foi justificada, por uma diretora, como necessária para se evitar maiores problemas

com a Secretaria Estadual de Educação que não queria que coexistissem duas administrações

diferentes, municipal e estadual, funcionando em um mesmo turno. É ela que nos esclarece

sobre esse assunto:

Começou a dar problema de administração, um diretor com outro, entendeu? Coisinhas corriqueiras que davam pra levar, mas o prefeito não gostou, porque ele ficou com raiva do Estado não ter cumprido com a parte que ele prometeu. Então, ele virou e falou com a gente assim: olha eu não vou ficar quieto não, (...) Até que a diretora do estado na época estava com problema de aluno, você sabe que aluno noturno evade muito, então a superintendência veio aí e quis fechar as turmas do noturno porque não tinha o número de aluno suficiente, aí ela começou a fazer visitas domiciliares pra voltar com esses alunos pra escola do estado, e conseguiu um número muito grande de aluno e quis abrir duas quintas no mesmo horário da prefeitura. Aí, o prefeito bateu o pé que não, que não era isso que tinha sido falado, que era pra se evitar, que não queria. Então, ele resolveu: já que você tem aluno, eu vou municipalizar essas duas quintas. Então nós passamos o carnaval montando processo de municipalização dessas duas quintas, nós passamos sexta de carnaval, sábado, domingo, segunda. Quando foi na quinta-feira saiu no Minas Gerais, já municipalizadas as duas quintas, e assim, ficou muito escondido. Receberam a notícia pelo jornal, pelo Minas Gerais, aí foi um fuzuê danado. Conclusão, ficou um clima tenso, e não tinha condição de funcionar no mesmo prédio. O prefeito foi e pediu o Estado que desocupasse o prédio dele. O quê que aconteceu? Ficaram com raiva, mas tiveram que aceitar, aí mudou, foi aquela mudança horrível.

Atualmente, três escolas municipais estão instaladas em prédios próprios. Uma

escola municipal divide o prédio com uma escola estadual na saída da cidade e a outra está

com um processo quase concluído de cessão de bens móveis do Estado para o Município.

Quando questionadas sobre o impacto do FUNDEF no processo de municipalização

em Fronteira, a maioria dos sujeitos não soube esclarecer essa relação. A Chefe do

Departamento Municipal de Educação afirmou que o Fundo não teve nenhuma relação com o

processo; para ela a municipalização aconteceu porque tinha que acontecer. Somente uma

diretora esclareceu que, caso a municipalização não se efetivasse, o Município perderia

recursos.

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O antigo prefeito afirmou que a municipalização aconteceu em decorrência do

FUNDEF e que, atualmente, o Município recolhe muito mais do que retira do Fundo. Ele não

sabe precisamente o valor que fica retido no FUNDEF, mas o antigo prefeito confirma a

necessidade de se repensar as regras de repasse e de aplicação do Fundo65.

Na perspectiva do Vereador entrevistado, a municipalização do ensino, quando

começou a ser discutida no início da década de 1990, causou muitos problemas, pensava-se

que as prefeituras não iriam arcar com todas as despesas e que o Estado não iria passar as

verbas prometidas. Hoje ele encara a questão de uma forma um pouco diferente, pois, como

ele mesmo diz:

Com o ensino municipalizado você tem uma capacidade de mudança muito maior, porque você está próximo do prefeito, você está próximo do secretário de educação, você pode interferir mais diretamente, e as verbas têm vindo. Então esse é um fator importante.Eu falo isso, porque o nível de ensino que a gente tem da prefeitura de Juiz de Fora, pelo menos na escola que eu trabalho que é uma escola modelo (está entre as cinco melhores escolas de Juiz de Fora), com muita deficiência, mas com o ensino muito mais apurado, porque você relaciona diretamente com o gestor da educação. Já no Estado é um elefante branco na verdade.

Percebe-se, através da fala do vereador, a dificuldade de distinguir entre o processo

de municipalização e o processo de descentralização. Conforme já foi apresentado nesse

trabalho, no item que discute o referencial teórico desse estudo, os processos de

municipalização desencadeados no Brasil na década de 1990 representaram, na realidade,

processos de desconcentração. Tais processos significam que o governo central e/ou estadual

transfere serviços para os municípios sem o repasse devido de autonomia administrativa para

gerir esses serviços e até mesmo sem o repasse da verba necessária.

Casassus (1990 e 2001), Lobo (1990), Martinic (2001) e Oliveira (1999) nos

informam acerca das semelhanças e diferenças desses processos.

65 Em entrevista, o antigo prefeito destaca que o Município devia deixar no Fundo, cerca de 60 a 70 mil reais para serem distribuídos, proporcionalmente, aos outros municípios. Essas informações não estavam disponíveis em sites oficiais, como, por exemplo, INEP e/ou MEC.

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Casassus (1990), como os demais autores, trata das Reformas Educacionais na

América Latina, dando especial ênfase à questão da descentralização e da desconcentração. A

diferenciação feita pelo autor com relação a esses dois processos tem importância central

nesse estudo. Para Casassus (1990, p. 17), “a desconcentração reflete processos cujo objetivo

é assegurar a eficiência e eficácia do poder central, enquanto que o outro, é um processo que

procura assegurar a eficiência do poder local”.

Referente ao que foi destacado pelo Vereador, citando como exemplo a cidade de

Juiz de Fora, pode-se entender que a municipalização à qual ele faz referência é aquela que

além de transferir encargos para o município, transfere, também, poder de decisão, ou seja,

autonomia para decidir, governar e administrar a educação localmente.

Nesse caso, considero importante salientar que o processo de municipalização

ocorrido em Juiz de Fora foi diferente do que ocorreu em Fronteira. Uma das principais

diferenças, advém do fato de que o Município de Juiz de Fora, ao longo dos anos, vem

construindo uma rede de ensino fundamental e de educação infantil bem estruturada e que

atende a grande parte da população local. Além disso, Juiz de Fora criou seu sistema próprio

de ensino em 1999 e desde então vem caminhando, cada vez mais, no aperfeiçoamento da

educação municipal.

O processo de municipalização ocorrido em Fronteira, conforme foi destacado em

entrevista, foi discutido entre a comunidade escolar local e a Secretaria Estadual de Educação.

A maioria das diretoras e uma supervisora afirmaram que foi um processo transparente, em

que as negociações eram feitas de portas abertas. No entanto, os sujeitos destacaram, em

vários momentos, que o Município assumiu sua parte no acordo, estabelecido entre as partes,

e que o Estado deixou a desejar quanto ao apoio que seria dado ao governo municipal. Além

disso, as conversas estabelecidas entre Estado e Município, na concepção da Chefe do

Departamento que viveu todo o processo, não foram esclarecedoras, deixando o Município

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sem entendimento sobre algumas questões. O trecho da entrevista a seguir chama a atenção

para esse aspecto:

Ah foi, foi, foi muito diálogo. Foi assim, foi uma parte muito triste, eu achei assim, as pessoas têm que cumprir o que elas prometem. Nós municipalizamos, vários municípios fizeram um acordo nós não recebemos. Nós... Foi municipalizado assim: foi só o prefeito que cumpriu a palavra dele, tá. O Estado não cumpriu essa parte com a gente, essa parceria dele não foi cumprida,(...) não. Porque se não municipalizasse, o Estado colocava isso, o Mares Guia lá, colocava que fazia transferência para outros entes, colocava aqueles números grandes, bla, bla, bla ,bla.Quando chegava a hora do prefeito...Quando chegava a hora dos prefeitos quererem fazer uma pergunta, ele sempre falava que o avião dele tava pra sair. Então nunca foi assim, bem repassado isso para os prefeitos, nós tínhamos que ler, ler sobre o Fundef , aquela coisa, pra gente entender. Mas o Município não teve tempo, ele teve praticamente um salto no escuro, porque, porque os prefeitos estavam com medo, e se eu não municipalizo e perco dinheiro? O medo dos prefeitos era esse, de colocar o município numa pior.

O processo de municipalização ocorrido na cidade pesquisada fez com que os atores

educacionais do local estabelecessem outro tipo de relação com a Secretaria Estadual de

Educação. Atualmente, o governo municipal é considerado pelos sujeitos da pesquisa como

“aquele com quem se pode confiar”, diferente do Estado que, para eles, não cumpre o que

promete.

Para Dona Júlia e Dona Ana, a rede municipal de educação de Fronteira,

diferentemente da rede estadual, disponibiliza maiores recursos pedagógicos para seus alunos,

além de oferecer uma merenda de melhor qualidade. No entanto, essas entrevistadas não

sabem dizer se existe diferença na qualidade da educação entre as duas redes.

Para Dona Júlia, a melhor estrutura da rede municipal pode ser explicada pela

proximidade do poder público municipal. Como ela mesma diz:

Olha, eu acho assim: O prefeito está ali, a Secretária de Educação está ali. Eles estão vendo de perto, então, é mais fácil para eles administrarem. Para eles ajudarem é muito mais fácil do que o Estadual. O Estadual está longe, entendeu?

De acordo com o que foi destacado pelos sujeitos entrevistados, o que depende da

prefeitura para o desenvolvimento da educação municipal é feito. No entanto, tal sentimento

em relação ao Sistema Estadual ainda não foi suficiente para a mobilização do processo de

criação do sistema municipal de ensino. A falta de clareza do que seja tal processo pode ser

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um indício dessa ausência. No item a seguir, procuro esclarecer como essa questão tem sido

tratada em Fronteira.

5.4.4 O sistema municipal de ensino

Conforme já foi destacado por Sarmento (2003), os sistemas municipais de ensino

representam uma possibilidade real do município assumir sua autonomia em relação à política

educacional, com base na legislação vigente. Criado o Sistema de Ensino, o Município passa a

ter a competência normativa para gerir a educação em seu território, complementando as

demais competências.

Quanto a isso, o Município de Fronteira fez a opção de seguir as normas definidas

pelo Estado para a educação que está sob sua administração.

No D.M.E. do Município só foram encontrados dois documentos que fazem

referência ao sistema municipal de ensino. São eles: Lei Orgânica e Plano Municipal de

Educação- PME, elaborado em 1998. A concepção de sistema tratada nesses documentos não

corresponde à concepção de sistema utilizada nesse estudo, que tem como base teórica

Saviani, além, da L.D.B. de 1996 e do Parecer nº 500 do Conselho Estadual de Educação de

Minas Gerais66.

Entre os principais argumentos para a ausência do sistema de ensino em Fronteira,

encontra-se aquele que define o Município como muito pequeno para constituir seu sistema

próprio. Somente os municípios grandes, na concepção dos sujeitos, poderiam criar seus

sistemas de ensino, sendo a principal referência, para tanto, Juiz de Fora67. É importante

ressaltar, porém, que tal relação estabelecida pelos sujeitos da pesquisa, entre criação do

66 A idéia de sistema municipal de ensino tratada por este documento refere-se, em minha concepção, à construção da rede de educação no Município. De acordo com o que foi exposto no capítulo que trata do referencial teórico desse estudo, a idéia de sistema municipal de ensino está vinculada à autonomia do município em relação ao sistema estadual. 67 A Chefe do Departamento Municipal de Ensino afirmou, em entrevista, que não existe nenhuma experiência de município pequeno que tenha criado seu sistema de ensino.

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sistema municipal de ensino e o tamanho do município é falsa e enganosa. Existem

municípios pequenos em Minas Gerais que criaram seus sistemas de ensino próprio, como é o

caso de Juatuba, que possui pouco mais de 16 mil habitantes68.

Os aspectos que mais aproximaram os municípios que criaram seu sistema de ensino

em Minas Gerais, segundo Sarmento (2003, p. 12), “foram os índices de urbanização e de

alfabetização, bem próximos ou acima de 90%.” Além disso, a atuação do Conselho

Municipal de Educação nesses municípios foi considerada importante no processo de

construção do sistema de ensino. No caso do Município de Fronteira, observamos que o CME

não constitui um espaço ativo de discussão e de participação, além de ter sido criado apenas

no final dos anos de 1990.

Pode-se perceber que o maior problema encontrado entre os sujeitos da pesquisa, que

representam a comunidade escolar do município, é a falta de conhecimento. Além disso, para

a Chefe do Departamento de Educação, pertencer ao Sistema Estadual de Ensino é visto como

algo positivo. É ela quem diz:

A gente tem que obedecer lá, a gente tem que obedecer às resoluções deles, às leis, tudo isso.(...) não, não é negativo não. É positivo, porque lá vem fazer a inspeção no Município para saber se está tudo legalizado, entendeu. Visitar escolas, raramente elas vão, mas, também é função delas, mas por falta de tempo...Você viu no nosso plano Decenal né?Por falta de tempo...Elas têm que atender escolas do município estadual, então... Elas não recebem só um município para olhar, elas têm vários lugares, acho que por esse motivo elas vem pouco, mas se precisar a gente chama, mas quando o município precisa elas olham a documentação. Muda a inspetora de dois em dois anos. De dois em dois anos elas vêm, vêm se está tudo regularizado, se os prezinhos estão funcionando regular, se está tudo dentro da normalidade do Estado. (...) Funciona. Não funciona mal, não.

Conclui-se, a partir da fala acima explicitada, que além de não conhecerem o que

significa para o município criar seu sistema de ensino próprio e os caminhos necessários para

viabilizarem tal processo, a comunidade escolar do Município considera que não é ruim

pertencer ao Sistema Estadual de Ensino. Porém, é preciso atentar para o fato de que não ser

68 Estes dados foram retirados do Relatório Final do Projeto de Pesquisa desenvolvido no NESCE/UFJF: Autonomia Municipal: A criação dos Sistemas Municipais de Ensino (não publicado).

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ruim, não é o mesmo que ser bom, como a própria Chefe do Departamento afirma: funciona.

Não funciona mal, não. Mas não manifesta nenhum tipo de contentamento com as ações do

Estado. Portanto, pude perceber que a ausência do sistema de ensino no Município e com ele

sua autonomia representa não apenas um caso de acomodação por parte daqueles que estão à

frente da rede de ensino do Município de Fronteira, como também por falta de manifestações

da sociedade que desconhece o assunto.

Os pais representantes do C.M.E. não sabem da existência de outras possibilidades,

além da que se encontra em vigência. Somente D.Ana soube opinar sobre o assunto.

Questionada sobre a vinculação da rede municipal ao Sistema Estadual de Ensino, D.Ana

considerou que deveria continuar do jeito que estava, visto que, percebe nisso uma forma de

conseguir mais verbas.

Segundo a Chefe do Departamento de Ensino municipal, a criação do sistema próprio

demandaria um montante de recursos que o Município não possui. Além disso, ela não vê a

necessidade de se proceder ao desmembramento do Estado. Tal opinião, entretanto, não é

unânime entre os sujeitos entrevistados. Uma diretora e uma supervisora afirmaram que a

criação do sistema de ensino em Fronteira poderia trazer maiores benefícios para a educação

no Município.

Na percepção dessas profissionais, em alguns momentos, o trabalho desenvolvido no

município fica comprometido por conta das normas estaduais. A explicação para isso é que

às vezes elas querem trabalhar uma questão mais específica nas suas escolas e se sentem

presas às regras estaduais que são mais amplas. Um exemplo disso é o que foi descrito pela

supervisora municipal:

A inspeção vem: O Estado, tudo(...) Ela que pediu que a gente modificasse essas fichas de objetivos, de acordo com os critérios do Estado,(aqueles cadernos que ela passou para a gente)Então, tudo o que a gente faz é de acordo com o que é pedido pela inspeção da parte do Estado.

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Portanto, não existe um espaço para que as professoras e as supervisoras

desenvolvam seu trabalho no Município de acordo com a sua realidade. Além disso, a

supervisora e a diretora municipal são enfáticas em afirmar que não percebem nenhum tipo de

mobilização, por parte de quem está à frente da educação no Município, para discutir ou até

mesmo estudar a possibilidade de criação do sistema municipal de ensino.

É curioso perceber que os dois atores entrevistados, que identificam como necessária

a criação do sistema municipal de ensino, são também professoras da rede municipal de Juiz

de Fora. Essa experiência de pertencer ao Sistema Municipal de Ensino de Juiz de Fora pode

indicar a razão desses sujeitos possuírem uma perspectiva diferenciada dos demais acerca da

temática dos sistemas de ensino municipais.

O que pude perceber na pesquisa é que existe por parte dos atores educacionais desse

Município não só a falta de perspectiva de autonomia que lhes é possibilitada em lei, como

também a falta de mobilização para a mudança. Na realidade, a permanência de um mesmo

quadro educacional no Município, em minha concepção, advém da permanência de um

mesmo grupo político e social no poder, da centralização administrativa, da política

clientelista, controlando os espaços de participação e impedindo a emergência da autonomia.

Durante o período em que estive em campo e através do resgate histórico documental

realizado, evidenciei poucas atividades que foram desenvolvidas pela comunidade escolar

municipal com o objetivo de aperfeiçoar e garantir a qualidade do ensino fundamental e da

educação infantil. Tais atividades referem-se, somente, à formação continuada dos

profissionais da educação69

69 No ano de 2001, respondendo a uma exigência da L.D.B., a prefeitura de Fronteira firmou um Convênio Privado com a Universidade Federal de Ouro Preto para formar, através do Curso Normal Superior, 48 professoras do ensino fundamental da rede municipal. Além disso, são oferecidos vários cursos periódicos aos professores da rede de ensino da cidade, como, por exemplo, o Curso de Língua Brasileira de Sinais. Essas foram as únicas iniciativas encontradas no Município que estão relacionadas com o aperfeiçoamento dos docentes.

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Além dessas atividades práticas, foram construídos em Fronteira dois planos

educacionais. O primeiro plano foi elaborado no ano de 1997 e estabelece metas e prioridades

educacionais para os anos de 1998 a 2000 no Município. O segundo plano acabou de ser

construído, em outubro de 2005, e refere-se às propostas educacionais desenvolvidas pela

comunidade escolar para os próximos dez anos.

Essa medida de criação do Plano Decenal Municipal de Educação (2005-2014),

recém construído, foi uma resposta ao que estava proposto na Lei nº 10.172 de 2001, Lei do

PNE. Como o prazo para a elaboração dos Planos Municipais estava se esgotando, foi

definido pela Secretaria Estadual de Educação que os municípios de Minas Gerais

construiriam seus planos até outubro de 2005. Apesar de ter sido um processo encaminhado

pela União e pelo Estado, a construção dos Planos Municipais de Educação pode significar

um momento para o governo municipal discutir e pensar a educação em seu território de

forma conjunta e de acordo com a sua realidade.

A seguir destacarei como foram desenvolvidos esses processos na cidade de

Fronteira.

5.5 Os Planos Municipais de Educação em Fronteira

O primeiro Plano Municipal de Educação em Fronteira foi desenvolvido no ano de

1997. A Secretaria Estadual de Educação solicitou às prefeituras a elaboração de um plano

para o período de 1998 a 2000. A solicitação foi aceita pelo Prefeito da cidade e pela Chefe do

Departamento Municipal, com a perspectiva de organizar a educação no Município para os

anos de 1998 a 2000. Além disso, outras razões foram identificadas nos documentos para

construção desse plano: iniciava-se uma nova gestão no Município e começava-se a

implementar uma Política de Municipalização no Estado de Minas Gerais.

A justificativa para a elaboração do Plano era traçar as metas educacionais a serem

estabelecidas pelo Departamento de Educação do Município, conforme as determinações da

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LDB, na época recém aprovada, que destacou o papel dos municípios na organização e

desenvolvimento do Ensino. Estabeleceu-se que a prioridade para a elaboração de tal Plano

era compreender a realidade do Município, seus recursos disponíveis, possibilidades e limites,

além do perfil de cidadão que pretenderiam formar.

O documento estabelece, a partir de então, como competências assumidas pelo

Município: organização do sistema municipal de educação70; a opção pelo regime de

colaboração e pela integração entre Estado e Município; a criação do Conselho Municipal de

Educação; a criação do Conselho de Alimentação Escolar visando ao atendimento à

alimentação dos alunos e divulgação de sua distribuição à comunidade através de seus

membros. Além dessas competências, foram delegadas aos municípios outras atividades, tais

como: a elaboração do PME; a elaboração de propostas de colaboração entre o Município e o

Estado e, por fim, a organização dos níveis e modalidades de ensino contemplando a

qualidade de ensino e a capacitação dos docentes.

A partir desse Plano foi proposta, também, a nucleação das escolas de zona rural.

Podemos perceber, a partir da análise desse documento, que a comunidade escolar de

Fronteira optou pela elaboração de um plano municipal que ratifica a opção do Município em

continuar vinculado ao Sistema Estadual, ao invés de criar um sistema de ensino próprio.

Em termos operacionais, foram propostas várias medidas. Foram estabelecidas metas

de atendimento referente à rede física, cooperação dos entes federativos, organização do

sistema municipal de ensino e educação de qualidade.

Referente ao atendimento da rede física foram registrados pedidos ao Estado com

relação à construção de muro nas escolas, um prédio e da quadra poliesportiva no Município.

Em relação à cooperação entre os entes federativos foram estabelecidas tarefas como a

municipalização, o levantamento de dados estatísticos, o recenseamento da população em

70 Em minha concepção, entendido como rede municipal de educação.

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idade escolar e chamamento público, o oferecimento da Educação de Jovens e Adultos,

abertura de vagas no Ensino Médio e o estabelecimento de convênio para reconstrução de

salas em prédios estaduais.

Para a organização do sistema municipal de educação, foi proposta a reestruturação

do Departamento Municipal de Educação, Informatização de Serviços, nucleação das escolas

rurais remanejando-as para a zona urbana, expedição de circulares, portarias e

correspondências supervisionando e orientando os estabelecimentos de ensino.

Em termos de promover uma educação de qualidade, o Município pensou em

organizar uma biblioteca, cuidar da evasão e repetência, implantar programas para integração

da família-comunidade-escola, atender à clientela escolar com serviços de odontologia,

psicologia, neurologia, fonoaudiologia e oftalmologia, dinamizar os colegiados das escolas

estaduais, capacitar os professores através do Programa de Capacitação de Professores_

PROCAP, e capacitar os diretores através do Programa de Capacitação de Diretores _

PROCAD71.

A elaboração desse Plano foi a primeira iniciativa do Município de que tenho notícia

para pensar a organização da educação em seu território. Muitas de suas propostas foram

concretizadas, embora de forma tutelada e com a supervisão e orientação da Superintendência

Regional de Ensino, conforme desejo dos representantes da comunidade educacional de

Fronteira.

A segunda experiência de construção do Plano Municipal de Educação em Fronteira

ocorreu no ano de 2005.

No período em que retornava às minhas observações no Município, em março do

referido ano, o Departamento Municipal de Educação estava sendo notificado pela S.R.E que

71 Esses dois Programas foram desenvolvidos por iniciativa do Governo de Minas Gerais para todo o Estado e o Município de Fronteira, através de um Convênio de Parceria, adotou-os para capacitar os funcionários de sua rede.

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até outubro de 2005 deveria ser construído o Plano Decenal Municipal de Educação- PDME

para os próximos dez anos. Esse documento deveria ser elaborado pelo Município e

encaminhado à Secretaria Estadual de Educação para análise e construção do Plano Estadual

de Educação em Minas Gerais.

Considerei importante acompanhar esse processo, pois, a despeito de ter sido uma

reivindicação da Secretaria Estadual de Educação e não do próprio Município, seria uma

oportunidade ímpar de entender um pouco melhor como os representantes da comunidade

escolar municipal pensam a educação em seu território e suas expectativas educacionais para

os próximos anos no Município.

5.5.1 A Proposta do PDME (2005-2014)

Foi entregue ao Departamento Municipal de Educação, pela S.R.E., uma apostila

contendo as orientações e esclarecimentos sobre a importância do Plano e o percurso que este

deveria seguir para ser construído.

A elaboração do Plano Municipal de Educação faz parte do Programa Estadual

“Políticas Públicas para a Educação”, que tem como projeto a construção do “Plano Decenal

de Educação do Estado de Minas Gerais em Bases Pactuadas 2005-2014”, promovido pelo

Governo do Estado de Minas Gerais, Secretaria Estadual de Educação e UNDIME-MG.

No início do documento são apontadas perguntas e respostas que deveriam nortear os

municípios na construção de seus Planos Decenais. São elas:

1- O que é o Plano Decenal Municipal de Educação- PDME; o que significa construí-lo na perspectiva da cidadania mineira e qual sua importância? 2- Que bases legais sustentam o Regime de Cooperação dos entes federados no processo de elaboração de um Plano Municipal de Educação? 3- Quais deverão ser os objetivos do PDME? 4- Quem deve participar da coordenação e elaboração do PDME ? 5- Por que muitos planos fracassam? 6- Quais os procedimentos e processos de trabalho deverão ser adotados na construção do PDME? 7- O que deverá conter um PDME?

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A idéia central do Projeto seria que os Planos municipais traçassem as diretrizes e

objetivos para a educação em seu âmbito, ao mesmo tempo e em ação articulada com o Plano

Nacional de Educação, aprovado pela Lei nº 10.172 de 9 de janeiro de 2001, e o Plano

Estadual de Educação. Objetivava ainda que em ação autônoma, os municípios elaborassem, a

partir de um amplo diagnóstico, os objetivos, as metas, as ações e as políticas específicas que

respondessem às expectativas de cada um de seus níveis e modalidades de ensino.

Elaborar um Plano com base na cidadania mineira, segundo declara o documento,

consiste em reafirmar os compromissos do Município para com a “oferta de educação de

qualidade para todos”.

O PDME passaria a ser um documento de referência da Política educacional

assumida pelo Município no cumprimento de suas responsabilidades constitucionais e do

compromisso com a definição das suas políticas educacionais, atendendo qualitativamente a

todos os níveis e modalidades de ensino.

Como bases legais para a elaboração do Plano, o documento apóia-se na Constituição

de 1988, na L.D.B. de 1996 e na Lei nº 10.172/2001. Segundo o conteúdo desse documento,

os objetivos que devem constar nos Planos devem ser os mesmos propostos pelas leis acima

citadas: erradicação do analfabetismo; universalização do atendimento escolar; melhoria da

qualidade do ensino; formação para o trabalho; promoção humanística, científica e

tecnológica do país. Além da elaboração global da escolaridade da população; redução das

desigualdades sociais e regionais quanto ao acesso e sucesso educacional; democratização da

gestão do ensino público e valorização dos profissionais da educação.

Para viabilizar a construção do Plano, ficou determinado, pelo Governo do Estado,

que os municípios menores deveriam organizar uma “Comissão do Plano” e os municípios

maiores deveriam organizar um “Fórum Municipal”. A liderança desse processo seria do

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Órgão Municipal de Educação, no caso de Fronteira o Departamento Municipal de Educação,

com o assessoramento do Conselho Municipal de Educação ou órgão equivalente.

Essa Comissão deveria ser dividida em Câmaras, como de fato ocorreu no

Município, correspondentes aos níveis, modalidades ou temas a serem trabalhados pelo Plano.

No Município pesquisado foram criadas para construção do PDME, conforme sugestão da

S.E.E., as seguintes Câmaras: de Educação Infantil; do Ensino Fundamental; do Ensino

Médio; do Ensino Superior; de Educação Especial; de Educação de Jovens e Adultos; de

Educação a Distância; de Formação dos Professores e Valorização do Magistério e de Ensino

Profissionalizante e Técnico.

Tais Câmaras eram compostas por professores da rede municipal e estadual;

supervisores educacionais da rede municipal; diretores da rede municipal e estadual; alguns

representantes da comunidade e pela Chefe do D.M.E. Era facultada a tais representantes a

escolha da Câmara que poderiam compor.

O caminho percorrido pelos representantes da Comissão Municipal responsáveis pela

elaboração do PDME foi, primeiramente, recolher em cada unidade escolar as sugestões e

demandas educacionais que a comunidade daquela escola identificava como necessárias.

Após esse levantamento, foi realizada uma reunião, com a presença da inspetora da

S.R.E. para possíveis esclarecimentos, em que foram definidas as Câmaras e seus

representantes. Cada Câmara ficou responsável por elaborar uma parte do Plano referente a

seu nível e modalidade de ensino, obedecendo ao que fora levantado pela comunidade.

Outras duas reuniões foram realizadas, depois de sistematizado o planejamento pelas

Câmaras, para que se discutisse conjuntamente o que cada uma delas tinha construído. Nessas

reuniões estava presente o Secretário de Fazenda do Município que, juntamente com a Chefe

do Departamento Municipal de Educação, davam seu parecer favorável ou não às

reivindicações e demandas que constavam nos documentos elaborados por cada Câmara.

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Muitas das propostas relacionadas à Formação e Plano de Cargos e Salários dos

Professores da rede municipal foram contestadas e retiradas do documento final, por alegação

da Chefe do D.M.E. e do Secretário de Fazenda de que o Município não possuía recursos

suficientes para atender a tais solicitações.

Uma das reivindicações que foi amplamente aceita por todos os membros da

Comissão foi a construção de uma Creche Municipal, para atender às crianças de 0 a 3 anos,

há tempos necessária na localidade.

Durante as reuniões uma questão era recorrente na fala dos membros da Comissão.

Havia uma preocupação constante, com a necessidade do Plano “sair do papel” e não tornar-

se um documento fictício elaborado para o Estado e por ele arquivado, como, segundo os

sujeitos da pesquisa relataram, já havia acontecido outras vezes.

Em entrevista com a Chefe do Departamento e com as diretoras municipais, foi

apontado que todas as propostas que dependessem diretamente do poder público municipal

seriam concretizadas.

O pedido de criação do sistema municipal de ensino chegou a ser mencionado em

uma das reuniões da Comissão do Plano no Município. No entanto, não chegou a fazer parte

do texto final do documento. É importante salientar que, além de indicar que esta é uma

necessidade presente nas discussões da comunidade escolar municipal, como já foi apontado

nesse estudo, os representantes da Comissão, que em geral fazem parte dessa comunidade,

não têm muita clareza sobre o que é e sobre os procedimentos necessários para a

implementação de um sistema de ensino próprio no Município, o que foi ratificado em

entrevista.

Durante todo o processo foram realizadas oficinas em Juiz de Fora para auxiliar os

municípios da região na elaboração do seu Plano Decenal de Educação. Eram feitas, também,

reuniões em que os municípios discutiam como estava sendo realizado o processo de

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construção do Plano em seu território. Em todas as oficinas, estava presente a Chefe do

D.M.E.de Fronteira acompanhada de uma mesma diretora municipal.

Após virem dessas reuniões, a Chefe do Departamento Municipal de Educação e

algumas diretoras municipais ressaltavam uma preocupação com o tempo em que o

Documento deveria ficar pronto para ser encaminhado a S.E.E., e ainda faziam elogios à

Comissão local de elaboração do Plano, por este estar bem “adiantado” em comparação com

os outros municípios da região, inclusive Juiz de Fora72.

Através disso, pude perceber que o significado do Plano para os representantes do

Município era o cumprimento da tarefa delegada pela S.E.E., que deveria ser realizada em

tempo hábil. Não percebi preocupação com o processo de discussão das propostas que

deveriam constar no documento e nem com o conteúdo das mesmas.

A construção do PDME foi vista com grande expectativa pela comunidade escolar do

Município, embora estivesse presente a preocupação geral de que o Plano pudesse ser mais

uma vez “engavetado” quando chegasse no nível estadual.

A experiência de participar das reuniões de construção do Plano, observar as falas

dos sujeitos e as entrevistas realizadas foram importantes para perceber o grau de dependência

existente na comunidade escolar desse Município em relação à Superintendência Regional de

Ensino. O encaminhamento do processo e a forma de organização das Câmaras e Comissões

foram, previamente, definidos pela Secretaria Estadual de Educação.

Além disso, é importante atentar para o fato de que o andamento e a concretização

das propostas que foram definidas no interior do PDME podem ser prejudicados pela ausência

de autonomia do setor educacional do município de Fronteira.

72 Em Juiz de Fora foi realizada, pelo Sindicato dos Professores Municipais, uma campanha direcionada à discussão do PDME intitulada: “Se são dez anos, para que tanta pressa?” Esse movimento propunha que se discutisse mais detalhadamente as propostas que deveriam constar no PDME da cidade, justamente para que esse documento não atendesse, somente, às expectativas de um pequeno grupo no Município de Juiz de Fora.

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Tal dependência é alimentada pelos representantes da Secretaria Estadual de

Educação na S.R.E. Esse aspecto ficou claro na entrevista realizada com a Inspetora de

Educação do Município de Fronteira.

Apesar de a inspetora ressaltar a necessidade de um trabalho conjunto entre Estado e

Município, independente deste constituir sistema de ensino próprio ou não, ficou evidenciado

o controle que o Estado, ainda, procura manter sobre as atividades realizadas pelos

municípios.

De acordo com a perspectiva da inspetora estadual, os municípios precisam do apoio

do Estado, porque eles se sentem muito inseguros para atuarem na área da educação em seu

território. Para ela, a criação do sistema municipal de ensino em Juiz de Fora representou um

distanciamento das três redes de ensino na cidade, o que, em sua percepção, foi um processo

que acarretou uma série de questões negativas. No entanto, minha perspectiva é diferente

dessa apresentada pela inspetora de ensino.

Não reforço a tese de que os sistemas de ensino_ municipal, estadual e federal_

desenvolvam atividades isoladas, mesmo porque isso contraria o que está previsto na LDB,

em seu art.8º, que trata do regime de colaboração entre os três sistemas de ensino. Entendo

que as normas que são definidas pelo Sistema Estadual de Ensino, na maioria das vezes, são

incompatíveis com a realidade educacional de muitos municípios. Além disso, considero que

a transferência do lócus de discussão e negociação para o local pode tornar mais fácil a

resolução dos problemas educacionais, que podem ser, melhor e mais rapidamente, resolvidos

no âmbito municipal do que no âmbito estadual.

Após a elaboração final do PMDE, este seria encaminhado à Superintendência

Regional de Ensino para, juntamente com os Planos Municipais de Educação de outras

cidades, ser encaminhado à Secretaria Estadual de Educação, dando continuidade ao processo

de construção do Plano Estadual de Educação de Minas Gerais (2005-2014).

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Neste momento final já havia me afastado da coleta de dados da pesquisa, portanto,

não tive contato com o documento e nem participei da experiência de encaminhamento do

Plano aos órgãos do Estado.

Outra questão trabalhada na pesquisa foi a relação entre Estado e Município. Alguns

documentos foram encontrados no Arquivo do Departamento Municipal de Educação que

fazem referência aos Acordos e Convênios firmados, entre os entes federados, em matéria de

educação. O conteúdo desses documentos é importante, pois esclarece sobre as bases em que

estão sendo pactuados os termos de compromissos educacionais estabelecidos entre o Estado,

o Município e a União. Além desses documentos, foram analisadas as correspondências

recebidas e enviadas pelo Município e os Relatórios da Inspetora Estadual de Educação que

trazem informações importantes sobre a relação estabelecida entre Estado e Município. O

tópico subseqüente discute essa questão.

5.6 A relação entre os Entes Federados

No Município de Fronteira, foram realizados, no final dos anos de 1990, dois

Convênios Educacionais entre a Prefeitura e Estado de Minas Gerais e um Convênio, na área

da educação, entre a Prefeitura e o Governo Federal.

O primeiro Convênio celebrado entre Prefeitura e Estado abrange o período de 27 de

janeiro de 1997 a 30 de dezembro deste mesmo ano.

O objeto desse Convênio era a “realização de cursos de aperfeiçoamento com vistas à

superação da repetência e conseqüente melhoria da qualidade do ensino, por meio da

intervenção pedagógica da sala de aula”. Tal convênio foi firmado com base no PROCAP.

O Estado financiou o Programa com o total de R$50.767.530,00 e os municípios

ficaram com a participação estimada em R$ 14.200,00 aproximadamente. A fiscalização e

execução do Convênio ficou por conta da S.R.E e da S.E.E, através do seu Departamento de

Recursos Humanos.

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O segundo Convênio firmado entre a Prefeitura do Município pesquisado e o Estado

de Minas Gerais ocorreu no ano de 1998. Seu objetivo era viabilizar a execução do Projeto

ProQualidade do Estado de Minas Gerais, em seu subprojeto “Fornecimento de Material de

Ensino e Aprendizagem”, através da aquisição de acervos para compor “Cantinhos de

Leitura” nas escolas municipais de 1ª a 4ª série do ensino fundamental e bibliotecas escolares

nas escolas de 5ª a 8ª série do ensino fundamental.

A operacionalização desse projeto fez-se mediante ao que estava previsto e definido

no Manual de Instruções às Escolas Municipais, elaborado pela Secretaria Estadual de

Educação.

O terceiro Convênio explicitado nos documentos do Município foi firmado entre a

Prefeitura e o MEC- Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), também no

ano de 1998. Esse Convênio tinha por objetivo garantir, supletivamente, com recursos

financeiros, a manutenção das escolas públicas municipais e municipalizadas que atendessem

a mais de 20 alunos no ensino fundamental à conta do Programa Dinheiro Direto na Escola.

O documento esclarece que esse recurso poderia ser aplicado em aquisição de

material permanente; manutenção, conservação e reparos da unidade escolar; aquisição de

material de consumo necessário ao funcionamento da escola; capacitação e aperfeiçoamento

de profissionais da educação; avaliação da aprendizagem; implementação de projeto

pedagógico e desenvolvimento de atividades educacionais diversas.

O valor do Convênio era de R$2.100,00, foi assinado em 3 de julho de 1998 e válido

até 28 de fevereiro de 1999.

Pode-se perceber que, em todos os acordos firmados entre o Município e o Estado,

ou entre o Município e MEC, a fiscalização e a definição do modo de operacionalização dos

projetos e programas ficam a cargo do Estado e/ou Governo Federal. Além disso, nenhum dos

programas e projetos foram propostos e demandados pelo Município.

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Aos municípios competia implementar os programas e projetos definidos como

importantes pelo Estado e União e estabelecido conforme as regras fixadas por tais entes.

Podemos perceber que esse quadro de desarticulação entre os entes federados em

matéria de educação, está relacionado, em parte, com a negação da autonomia dos municípios

e com a inexistência de um Sistema Nacional de Educação no Brasil. As ações são isoladas e

fragmentadas. Cada Governo, quando considera necessário, define seus planos e propostas

acionando os municípios. Não há uma política de Estado, unificada. Tudo depende de

acordos, convênios e adesões.

Assim, a cada mudança de governo, novas políticas são implementadas, com

propostas que atendam aos interesses do grupo que está no poder e os municípios, sem

projetos próprios, ficam à mercê de novos acordos e definições. A situação fica ainda mais

complicada com municípios menores e com menos força política, já que estes permanecem

em um processo de idas e vindas, em que se tem pouca clareza de suas necessidades e

condições de resolver seus problemas.

Os três acordos firmados entre os entes federativos encontrados em Fronteira

referem-se às políticas de municipalização do ensino fundamental e estão inseridas na política

macro dos Governos Estadual e Federal, engendrada na década de 1990. Não foram

encontrados documentos que fizessem referência a Convênios e Acordos realizados após esse

período.

Além desses acordos, foi encontrado, também, entre os documentos do

Departamento Municipal de Educação uma Lei que dispõe sobre a Distribuição da Quota

Estadual do Salário Educação- QESE- entre Estado e Municípios. A Lei nº 13.458 de 12 de

janeiro de 2000 representa uma conquista dos municípios mineiros frente ao Governo do

Estado, em um trabalho articulado pela UNDIME/MG.

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A referida Lei teve por objetivo corrigir distorções na distribuição da QESE entre

Estados e Municípios, priorizando as prefeituras que investissem no ensino fundamental.

Segundo o autor da Lei, o Deputado Estadual Ivo José da Silva, do PT, as novas regras de

distribuição desses recursos aumentaram a verba disponível para grande parte das prefeituras

municipais.

A distribuição da verba, conforme expressa o art. 1º, passa a ser da seguinte forma:

30% da verba da QESE para livre destinação do Estado, aplicar em programas do ensino

fundamental; 50% distribuídos proporcionalmente ao número de matrículas do ensino

fundamental do Estado e dos municípios, conforme os resultados do Censo Educacional

realizado pelo MEC e 20% deveriam ser destinados para programas comuns às redes estadual

e municipal de ensino.

Esses programas, que contam com 20% da verba, seriam aprovados por acordo entre

a Secretaria Estadual de Educação e a UNDIME. Para que sejam aprovados e recebam o

recurso, os municípios teriam que encaminhar projetos específicos à S.E.E. relacionados,

somente, ao ensino fundamental regular e/ou supletivo e à educação especial.

Observa-se que, mesmo sendo uma conquista dos municípios conseguir com que o

Estado de Minas Gerais redistribuísse a verba originária do Salário Educação, o Estado,

ainda, permanece com a maior parte dos recursos.

O art. 6º da Lei nº 13.458/2000,em seu § 2º, determina que, quando destinados às

redes municipais, os recursos seriam liberados por meio de Termo de Convênio próprio, com

a interveniência da UNDIME, de acordo com o Programa de Trabalho aprovado.

No que tange aos recursos destinados aos programas comuns das redes estadual e

municipal, o art. 7º da Lei define que, em seu primeiro ano de vigência, a receita seria

utilizada da seguinte forma: 60% para os municípios, em virtude da municipalização e 40%

para o Estado, para ampliação, reforma e conservação da rede estadual.

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Os municípios de Minas Gerais foram beneficiados com a aprovação de tal medida

legal. Com isso, é importante destacar que a ampliação do poder de decisão e de barganha dos

Municípios só será efetivada a partir da maior atuação dos mesmos. Enquanto o Município,

ente federativo autônomo, não souber se posicionar como tal, sua atuação será mínima e sua

parte no bolo tributário será cada vez menor.

Entre as correspondências recebidas pelo Município, foram encontrados vários

convites destinados à Chefe do Departamento Municipal de Educação para participar de

Reuniões e Fóruns. Esses acontecimentos, na maioria das vezes, eram promovidos pelo MEC

para se discutir com Estados e Municípios, de determinada região, ações integradas em

matéria de educação.

Um exemplo disso foi a realização do Seminário Regional de Articuladores, no dia

23 de março de 2005, promovido em parceria com a UNDIME, para discutir com os

Secretários Estaduais e Municipais de Educação questões referentes a credenciamento e

integração das instituições de educação infantil aos sistemas de ensino; ampliação do ensino

fundamental para nove anos; implantação da Rede Nacional de Formação Continuada de

Professores e Política de Formação de alunos e Professores leitores.

Além de convites, foram encontrados ofícios encaminhados pela Secretaria Estadual

de Educação ao Departamento, como, por exemplo, aqueles que informam sobre o Cadastro

Escolar e esclarecem sobre acordos firmados entre o Estado e o Município referente ao

Programa de Transporte Escolar.

Pude perceber, através desses documentos, que o espaço de interlocução entre os

Entes Federados, ou seja, Fóruns e Reuniões, são sempre propostos pelo Governo Federal,

além do fato de que, muitas das vezes, tais eventos ocorrem em lugares distantes, para onde

raramente a Chefe do Departamento Municipal de Educação de Fronteira se deslocava para

estar presente.

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Com relação aos ofícios encaminhados pelo Estado ao Município, pude

compreender que o teor desses documentos converge para a simples notificação do que já foi

previsto pelo Governo Estadual e o Município atende conforme o que está proposto. A relação

estabelecida é de hierarquia entre a Secretaria Estadual de Educação e o Departamento. As

medidas educacionais propostas pelo Estado são acatadas pelo Município.

Tal hierarquização pode ser melhor compreendida nos Relatórios de Inspeção

Educacional do Município. Existe um livro no Departamento Municipal de Educação,

denominado “Termo de Visita do Inspetor”. Nele estão descritas as observações,

recomendações e advertências que o profissional julga oportuno ou necessário tecer sobre

todos os aspectos da rede escolar do Município.

Foram analisados os relatórios de visita do Inspetor no período de agosto de 2004 a

junho de 2005. Os assuntos que constam nesse documento possuem naturezas diversas.

Significam orientações referentes a questões burocrático-administrativas, pedagógicas e

normativas.

Tais recomendações vão desde a capacitação do quadro de funcionários da rede

municipal de ensino, passando pela orientação sobre o currículo das escolas e mudança do

tempo/espaço escolar.

Com relação às questões burocrático-administrativas, a inspetora da S.R.E. deteve-se

em orientar sobre o Cadastro escolar; orientar a elaboração de fichas de avaliação do ciclo

inicial e complementar de alfabetização; repassar o modelo de histórico escolar de ciclo e

série para ser reproduzido pelo D.ME.; repassar à Chefe do Departamento, o Cronograma de

Construção do Plano Municipal de Educação que deveria ser construído pelo Município.

Além disso, todos os formulários e certificados utilizados pelo Departamento são fornecidos e

repassados pela S.R.E.

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As principais orientações trazidas pela inspetora, de natureza pedagógica, referem-se

à entrega de alguns materiais, tais como: roteiro para elaboração da proposta pedagógica das

escolas; cadernos do Ciclo Inicial de Alfabetização para repassar às escolas municipais; livro

que deve ser usado na educação infantil e ensino fundamental das escolas municipais para

que os professores tomem conhecimento. Ainda com relação às medidas de caráter

pedagógico, indicadas ao Município encontramos a inclusão de conteúdos referentes à

cidadania na grade curricular, a orientação sobre alunos com necessidades educacionais

especiais e a regularização da vida escolar de alunos em progressão parcial.

As principais questões de caráter normativo, encontradas no Termo de Visita do

Inspetor, estão relacionadas ao repasse da legislação que ampliou o ensino fundamental para

nove anos, à orientação de Resolução sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação Infantil e ao repasse da Resolução que regulamenta a Educação Infantil no Estado

de Minas Gerais.

Pude perceber, ao analisar esse Livro-documento, que as principais recomendações

da S.R.E. para o Departamento Municipal de Educação perpassam pelas questões burocrático-

administrativas. As questões pedagógicas também são citadas, mas as questões relacionadas à

normatização são raramente identificadas nos relatórios.

Isso pode significar que, na percepção da inspetora estadual, aos Municípios

interessa pouco discutir as normas educacionais do Estado, uma vez que tais normas devem

ser vistas como lei e devem ser cumpridas. Além disso, percebe-se que a margem dada ao

Município para definir a organização educacional de sua rede é mínima, fato confirmado em

entrevista pelas supervisoras e por uma das diretoras municipais.

A ausência de autonomia da rede municipal de educação em Fronteira impede uma

maior articulação entre Estado e Município, em matéria de educação. A palavra repasse é

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repetida diversas vezes nos relatórios de inspeção. Percebo que não existe uma relação de

cooperação entre os dois entes e sim o reforço de uma hierarquização que predomina há anos.

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FINALIZANDO A CONVERSA

Após a apresentação dos dados, trabalhada no capítulo anterior, cabe neste momento

retomar alguns pontos que merecem maior detalhamento e que correspondem aos termos

chaves dessa pesquisa, quais sejam: descentralização, fortalecimento do poder local,

municipalização, sistemas de ensino municipais e/ou autonomia municipal e democratização.

Este trabalho se propôs entender como se organiza, em termos educacionais, um

município mineiro que optou por permanecer vinculado ao Sistema Estadual de Ensino.

Essa possibilidade de criação dos sistemas municipais de ensino se fez presente no

panorama educacional brasileiro após a Constituição de 1988, que garantiu a autonomia do

Município, e a promulgação da LDB, em 1996, que esclareceu que os municípios poderiam

criar seus sistemas de ensino próprio além das duas outras possibilidades.

No entanto, mesmo havendo infra-estrutura, com uma rede de escolas organizada e

com um quadro de pessoal suficiente, o município sente dificuldade em se desmembrar do

Sistema Estadual de Ensino. Quanto a isso, a pesquisa realizada por Sarmento (2003) esclareceu

que as principais dificuldades apontadas pelos municípios que optaram por criar seus sistemas

de ensino referem-se à falta de informações sobre a organização dos sistemas e à ausência, nas

secretarias de educação, de pessoal técnico na área jurídica e administrativa.

O Município de Fronteira representa um desses casos em que a rede municipal de

educação encontra-se dependente administrativamente da política desenvolvida pelo Sistema

Estadual de Ensino. Apesar de vários documentos encontrados no D.M.E. utilizarem o termo

sistema municipal de educação ou sistema municipal de ensino, considero que o sentido

empregado à palavra sistema está relacionado à idéia de rede de ensino, visto que, conforme

define Saviani (1999) sistema compreende:

um conjunto de atividades que se cumprem tendo em vista determinada finalidade, o que implica que as referidas atividades são organizadas segundo normas que decorrem dos valores que estão na base da finalidade

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preconizada. (...) sistema implica organização sob normas próprias (o que lhe confere um elevado grau de autonomia) e comuns, isto é, que obrigam a todos os seus integrantes (SAVIANI, 1999,p. 121).

Através do estudo da história educacional desse Município, pode-se inferir que

grande parte das ações na área de educação foi atendida, durante muitos anos, pelo Governo

Estadual e ao Município foi possibilitada somente a tarefa de executor das atividades

delegadas pelo estado. A atuação da rede municipal de educação em Fronteira foi reduzida no

decorrer dos anos. Sua representatividade tem início no ano de 1998 com a política de

municipalização desencadeada pela Secretaria Estadual de Educação- SEE de Minas Gerais

no ano anterior.

Essa pode ser uma das razões que explicam o fato de não se ter identificado, no

Município, nenhuma luta por afirmação do poder local, em termos de educação, nem de

ampliação da autonomia municipal no plano educacional e nem da possibilidade de maior

proximidade entre a sociedade civil e a esfera de governo municipal, através dos Conselhos

e/ou espaços públicos de participação.

Sua história educacional e a realidade atual encontrada revelam que o Município, em

vários momentos, buscou soluções para os problemas educacionais de seu território nas

esferas de governo ditas superiores, ou seja, no Estado e na União, estabelecendo com eles

uma interação verticalizada e hierarquizante.

Foram somente dois os momentos em que a rede municipal de educação em

Fronteira se permitiu “olhar sobre si mesma” e tomar os rumos da educação em seu território.

Tais momentos podem ser identificados na construção dos dois Planos Municipais de

Educação da cidade, desenvolvidos, o primeiro, em 1998 e o segundo, em 2005. Assim

mesmo, a coordenação e supervisão desse trabalho, nas duas ocasiões, ficaram a cargo da

S.R.E. e as ações desenvolvidas a partir dos planos não caminharam na direção da autonomia

municipal.

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A pesquisa realizada por Silva (2004), com relação à gestão da educação no Brasil,

auxiliou-me no entendimento da posição assumida por esse Município. De acordo com a

autora, para exercer a autonomia, é preciso que os participantes se sintam (co) responsáveis

pelo processo e não simplesmente executores. Durante anos a comunidade escolar de

Fronteira foi executora das decisões que partiam do Governo Estadual para a organização da

educação no Município.

Esse imobilismo encontrado nessa comunidade escolar acabou por gerar não apenas

resistência a mudanças, como também ausência de uma perspectiva autonomista. Mesmo sem

estarem totalmente satisfeitos com a atuação do Estado, na administração e normatização de

sua rede escolar, o Município não considera interessante para sua realidade educacional o

desligamento do Sistema Estadual.

Além da pesquisa acima citada, foi importante para o entendimento da realidade

educacional desse Município a busca histórica sobre o movimento entre centralização e

descentralização presente no debate político-educacional do Brasil e na legislação federal da

área. Esse estudo me possibilitou compreender que o quadro da educação encontrado em

Fronteira faz parte de um contexto nacional que foi construído ao longo dos anos.

Os problemas e soluções apontados por Anísio Teixeira (1977), Fernando de

Azevedo (1963) e Casemiro dos Reis Filho (1981) revelam que a reivindicação por maior

autonomia dos municípios, para atuarem na educação, e a expressão de movimentos a favor

da descentralização e democratização são bandeiras de lutas antigas, que se travavam nos

discursos desses teóricos, e que ainda se fazem necessárias em nosso panorama político-

educacional por não estarem plenamente concretizadas.

Tais autores apontavam para questões ainda presentes em muitos sistemas

educacionais, tais como: alto grau de racionalização e centralização administrativa; separação

entre órgãos planejadores e órgãos executores; falta de compromisso com a educação pública

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e, sobretudo, o reforço do processo que afasta a sociedade civil dos centros de decisões. Em

Fronteira tais aspectos estão presentes na organização educacional da rede municipal.

Além disso, pude perceber, através da pesquisa, que o Município se caracteriza por

uma estrutura política tipificada no patrimonialismo estatal e na personificação do poder.

Existe na cidade um forte grupo que comanda as decisões políticas há anos. O antigo

prefeito se considera no poder, conforme já foi destacado, há 16 anos. Sua influência política

é grande na gestão atual e todo o grupo que comandou a educação no Município durante seus

dois mandatos ainda permanece no cargo. São nove anos em que se tem em Fronteira a

mesma gerência educacional, tanto no Departamento Municipal de Educação, quanto nas

escolas municipais.

Nessa perspectiva, o estudo teórico de Raymundo Faoro, que discute acerca de

fenômenos como o Patrimonialismo e o Coronelismo no Brasil, foi fundamental na

compreensão das relações que se estabelecem na esfera pública desse Município.

Faoro, através do detalhamento minucioso da formação do Estado brasileiro, indica

que, durante muito tempo, o cargo estatal foi carregado de poder próprio e era usado a serviço

dos interesses privados do Príncipe. Com isso sociedade e Estado foram ficando cada vez

mais separados.

Em Fronteira esses fenômenos ainda podem ser percebidos. Apesar desse

anacronismo histórico, em pleno século XXI foram identificados mecanismos utilizados pelos

ocupantes de cargos e espaços públicos no Município para favorecer interesses particulares.

Como foi o caso da Confraternização, por mim presenciada, no D.M.E. em que o padre da

cidade foi convidado, pela Chefe do órgão, juntamente com o antigo e o atual prefeito, para

“benzer” o local e “abençoar” a nova gestão municipal.

O fato de as diretoras municipais serem indicadas pelo prefeito pode ser um outro

exemplo dessa relação no Município. A política desenvolvida em Fronteira possibilita que as

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213

diretoras municipais, que pertencem ao grupo de aliados do prefeito e são favoráveis à sua

administração, ocupem o cargo na direção há mais de oito anos.

Somente uma diretora, por ser recém formada, ocupa o cargo há pouco tempo no

Município. No entanto, sua condição de nora do antigo prefeito pode nos informar sobre essa

oportunidade.

Em entrevista com uma das mães representantes do C.M.E., foi relatado um caso que

acontecera na sala de aula de sua filha e que a deixara perplexa. Às vésperas da eleição, a

professora da rede municipal perguntou aos alunos sobre quem seria o candidato que iria

vencer as eleições municipais. Pediu para que levantassem as mãos as crianças que eram a

favor do Candidato Miguel (atual prefeito). Quase todas levantaram as mãos, o que fez com

que a professora começasse a gritar o nome do candidato e o número de sua legenda,

incitando as crianças a que também o fizessem. Para a mãe dessa aluna, que foi entrevistada

por ser membro do C.M.E., tal situação revela o quanto existe de controle político de um

determinado grupo sobre a cidade de Fronteira. Ela só não foi reclamar na escola, porque isso

poderia prejudicar a professora da menina e para não criar um clima de animosidade, pois,

conforme ela mesma disse: Cidade pequena, sabe como é... todo mundo conhece todo mundo.

Além disso, foram identificados processos em andamento na Câmara de Vereadores

que tratam de irregularidades com a verba da merenda escolar, que se suspeita ter sido usada

para financiar festas de campanha eleitoral. Como é o caso, informado pelo Presidente da

Câmara de Vereadores, da compra de uma grande quantidade de carnes no mês de janeiro de

2005 que, segundo ele, foi usada para o Churrasco que comemorou a vitória do atual prefeito

da cidade.

Outras denúncias foram feitas pela Câmara de Vereadores e estão sendo apuradas

com relação ao mau uso da verba pública pela gestão anterior no Município. Tais casos

citados no item que se dedica à apresentação dos dados dizem respeito às bolsas de estudos do

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Ensino Superior concedidas a alguns cidadãos de Fronteira, que acabaram conduzindo o

processo de Cassação do Prefeito. A entrevista do Vereador indica que o oferecimento de tais

bolsas de estudos, durante toda a gestão de Sebastião, foi destinada à compra de votos.

Esses exemplos indicam como são fortes as práticas clientelistas e patrimonialistas

no Município de Fronteira. A permanência de tais processos só contribuiu para o

estabelecimento de relações de dependência e para o fortalecimento do controle e do bloqueio

do exercício da cidadania e do avanço social nessa cidade.

A grande massa da população não tem clareza dos fatos e está esperando para ver o

que acontece. Aqueles que são favoráveis ao Executivo, em sua maioria, fazem parte de sua

rede de relações, conforme pude observar na pesquisa de campo.

A compreensão de como se constituíram e se processam as discussões no Conselho

Municipal de Educação em Fronteira, consistiu em mais um elemento importante para compor

esse quadro educacional.

Entendido como um espaço que viabiliza uma representação democrática, os

Conselhos de Educação nos municípios podem vir a ser os principais mecanismos de

mudança da realidade educacional local. No entanto, essa possibilidade ainda não se

concretizou em Fronteira.

O Conselho Municipal de Educação da cidade foi criado por solicitação do Estado

em função da municipalização, em 1998.

A finalidade do Conselho e suas competências não são desempenhadas conforme o

que está proposto na Lei de criação do Conselho e seu regimento interno. Através das

observações, da leitura das atas e das entrevistas realizadas com os membros do Conselho de

Educação de Fronteira, pude perceber que esse órgão tem suas atividades centradas

simplesmente na discussão do que tem sido desenvolvido nas escolas do Município.

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Raramente são propostas medidas que visem à melhoria da educação na rede de ensino

municipal, a não ser aquelas que se referem ao sistema de ciclo nas escolas.

A comunidade escolar desse Município não assumiu esse órgão como um espaço

destinado à participação da sociedade civil. Foram poucas as reuniões em que representantes

de pais estavam presentes e nas ocasiões em que tal presença se fazia, realizavam-se poucas

intervenções. Conforme foi descrito por uma das diretoras municipais entrevistadas, a

participação de pais no C.M.E. é entendida como a oportunidade de informar à comunidade à

qual pertencem o que está sendo discutido no órgão. É interessante assinalar, entretanto, que

informar é diferente de discutir e propor alternativas e medidas para a educação municipal.

Além disso, o fato de as reuniões não acontecerem mensalmente atrapalhou o

entendimento, por parte dos componentes do Conselho, da importância e função desse órgão

que, de acordo com a Lei Orgânica de Fronteira, é estudar e desenvolver a política

educacional do Município.

Todos os membros destacaram que era preciso repensar a estrutura do Conselho, mas

foram poucos os que se responsabilizaram pela falta de compromisso com esse órgão. A

maioria dos representantes do Conselho afirmou que são os membros da sociedade civil que

não percebem a importância do órgão, sendo estes os principais responsáveis pela ineficácia

desse espaço que não tem contribuído de maneira significativa para a melhoria da educação

no Município. No entanto, as entrevistas com os representantes de pais no Conselho revelam

que a sociedade civil tem clareza das necessidades da educação para o Município, como foi o

caso da mãe que reivindicou a criação de um Curso Profissionalizante em Fronteira. Elas,

também, enfatizam que o nível de participação dos pais ainda é baixo, mas acreditam que isso

possa ser mudado.

Tal informação nos dá base para entender que a participação dos pais no C.M.E. de

Fronteira funciona como uma forma de “legitimação” das propostas que já foram definidas

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pela elite que comanda a educação no Município que, por sua vez, obedece ao controle da

Secretaria Estadual de Educação.

Como já foi apontado, o C.M.E. de Fronteira tornou-se um espaço que privilegia a

estrutura hierárquica que está enquadrada no Município. Além de ser composto por aqueles

que detêm o controle da educação no Município, o C.M.E. não representa um espaço de

mudanças, uma vez que todas as questões ali tratadas são ou já foram referendadas pela

S.R.E..

O estudo de Sarmento (2003), acerca dos municípios que utilizaram sua autonomia

para criarem seus sistemas de ensino próprios, identificou que os Conselhos Municipais

dessas cidades foram importantes instrumentos no processo. Vasconcelos (2003), que estudou

a formação e constituição dos Conselhos Municipais de Educação no Estado do Rio de

Janeiro, observou que tais conselhos acabaram reproduzindo a dinâmica de funcionamento do

Conselho Estadual.

Essa pesquisadora sinalizou que os Conselhos Municipais de Educação precisam se

libertar da burocracia que foram impostas aos Conselhos Estaduais de Educação, seus

antecessores, que “durante anos foram levados pela excessiva diretriz centralizadora das leis e

acabaram por se tornar órgãos cartoriais de despacho, negativas e concessões processuais”

(VASCONCELOS, 2003p. 120).

Os Conselhos Municipais de Educação pesquisados pela autora não constituem

espaços de discussões e debates, são esvaziados desses sentidos, tornando-se órgãos em que

prevalecem as funções burocráticas.

Dessa forma, o estudo do processo de municipalização desencadeado em Fronteira

significou compreender um pouco mais a realidade educacional que me foi apresentada

através da pesquisa.

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Tal como foi destacado por autores como Oliveira e Rosar, em seus estudos sobre o

processo, a municipalização desenvolvida em Fronteira representou mais um caso de

desconcentração de poder em que o Estado delegou funções que estavam diretamente

vinculadas à sua necessidade. O andamento desse processo no Município estudado, aliado a

outros fatores, explica, em parte, os motivos pelos quais a rede municipal de Fronteira ainda

se mantém atrelada ao Sistema Estadual de Ensino.

O estudo do processo de municipalização ocorrido nessa cidade foi importante para

perceber e identificar como se operacionalizou e ainda se configuram as relações entre a

Secretaria Estadual de Educação e o Departamento Municipal de Educação de Fronteira. Pude

perceber que, conforme nos mostra a história, ainda é muito forte o grau de subordinação do

Município em relação ao Estado.

A municipalização do ensino em Fronteira ocorreu conforme todas as

recomendações estabelecidas pela Secretaria Estadual de Educação, sem nenhuma objeção.

Foram cedidos bens móveis e imóveis às escolas municipalizadas, alguns profissionais foram

cedidos à rede municipal e posteriormente retirados. As matrículas do ensino fundamental de

1ª a 4ª série foram integralmente assumidas pelo poder público municipal que, mais tarde,

também, assume duas turmas de 5ª série.

Os conselhos de educação criados no Município, como, por exemplo, o C.M.E. e o

Conselho de Controle Social do FUNDEF, não representaram um espaço de mudanças, de

democratização e socialização do poder. A principal preocupação, por parte do grupo que

conduziu as políticas no Município, era com o cumprimento das tarefas delegadas pela S.E.E..

A única medida não implementada pelo Executivo Municipal, proposta pela SEE,

refere-se ao Plano de Cargos e Salários dos Professores de Fronteira. O projeto de Lei nº

1.223/97 orientou os municípios mineiros, conforme recomendação do FUNDEF, a elaborar

os Planos de Carreira do Magistério Municipal. Em Fronteira, porém, essa medida ainda não

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foi regularizada, o que provocou a insatisfação de grande parcela dos professores com o

poder público municipal.

As reuniões que eram realizadas pelos representantes da Secretaria Estadual de

Educação e o Prefeito para discutirem o processo de municipalização, conforme salientou a

Chefe do Departamento de Educação, não eram esclarecedoras e deixaram o Município sem

uma posição clara do que deveria ser feito. Em suas declarações, ela diz: foi um tiro no

escuro.

De acordo com o que foi exposto nas entrevistas, o medo de perder os recursos para a

educação fora o principal propulsor da municipalização em Fronteira, embora se possa

perceber que os sujeitos não têm consciência desse fato.

As únicas solicitações feitas pelo Município, em troca da transferência da matrícula

da rede estadual para a rede municipal, não foram atendidas. Tal situação contribuiu para

estremecer as relações entre Prefeitura e Estado em Fronteira. Os acordos não cumpridos

fizeram com que o Município estabelecesse uma certa “descrença” em relação ao Estado. No

entanto, tal descrença não fez com que o Município desenvolvesse aspirações autonomistas.

O processo não ocorreu de maneira tranqüila, devido às precárias condições da rede

municipal da cidade naquele período. Conforme já foi mostrado, as promessas que não foram

cumpridas fizeram com que o Município, em um último momento, improvisasse da maneira

possível. Foram transferidas salas de aula e, até mesmo, escolas para outros prédios da

Prefeitura que estavam sendo utilizados com outra finalidade.

Pode-se perceber que, nesse processo, o Município não teve voz ativa nas discussões

e que as decisões partiram sempre da Secretaria Estadual de Educação. Com isso, pude

compreender que a falta de consciência da autonomia municipal, que lhe foi conferida através

da Constituição e da L.D.B., foi o principal fator que contribuiu para que o Município de

Fronteira saísse prejudicado das negociações.

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Dentro desse panorama, a pesquisa de Sarmento (2003) mostrou que os municípios

que assumiram sua autonomia, através da criação do sistema e já haviam estruturado sua rede

de ensino municipal, ao longo dos anos, resistiram às políticas de municipalização

desencadeadas na década de 1990. Esses municípios não aceitaram a imposição do Governo

Estadual de Minas Gerais em transferir grande parte de sua rede escolar do ensino fundamental

para suas administrações, uma vez que, além do ensino fundamental ser, também, de

responsabilidade do Estado, a maioria desses municípios já investia nesse nível de ensino.

È mister ressaltar, porém, que não foram somente aspectos negativos que marcaram o

processo de Municipalização em Fronteira. A rede municipal de educação dessa cidade foi

organizada após a municipalização. Conforme já foi mostrado, o Município atendia à oferta

educacional em número insuficiente e em escolas espalhadas pela zona rural, sem apoio

pedagógico, administrativo, de transporte e de merenda. Além disso, foi nesse mesmo contexto

que se criou os Conselhos de Educação no Município, apesar de ter sido observado que a

atuação de tais órgãos pouco contribuiu para a mudança do quadro educacional em Fronteira.

No que tange às vantagens advindas do processo de municipalização, Oliveira (1999,

p. 33) sinaliza que o FUNDEF obriga a existência do Conselho de Acompanhamento e Controle

Social do Fundo nas três esferas de poder público. Para os municípios que em geral não são

acostumados a trabalhar com colegiado e têm pouca tradição na participação, isso é

fundamental. Esse Conselho exigido pelo Fundo seria, na concepção do autor, muito

provavelmente o indutor da criação de Conselhos Municipais de Educação.

Concordo com a afirmação de Oliveira, pois, apesar de ter sido uma medida imposta

por Lei Federal e Estadual, para o uso da verba do FUNDEF, a criação desses Conselhos

poderia possibilitar aos representantes da educação municipal ampliar os meios de discussão e

participação da sociedade civil.

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Através de análise dos dados, pode-se depreender que essa discussão e participação

não ocorreram e nem acontecem da maneira desejada em Fronteira. Isso pode ser explicado pela

falta de uma vivência democrática, tanto do grupo que coordena a educação na cidade, quanto

da própria comunidade escolar municipal e da sociedade civil.

O processo de municipalização ocorrido em Fronteira não representa um exemplo

único no Brasil. No trabalho de Ferreira (2004), realizado em Sorocaba, aponta para

implantação de um processo de municipalização determinado pelo governo central, sem levar

em consideração as diversidades regionais. As decisões mais importantes foram e continuam

sendo tomadas do centro para a base, não se evidenciando a necessária distribuição do poder,

que possa proporcionar maior autonomia aos municípios. A estes coube cumprir a legislação,

através de ações centralizadas na administração municipal, assinalando-se a existência de

incipientes ações conjuntas com a sociedade civil. No plano financeiro não houve aporte de

novos recursos por parte da União, sendo estabelecida a obrigatoriedade de recolhimento e

aplicação de verbas na educação, por parte dos estados e municípios.

Gostaria de, mais uma vez, enfatizar a diferenciação entre a política de

municipalização e a política de criação dos sistemas municipais de ensino. A municipalização,

tal como ocorreu em diversas cidades do Brasil, conforme mostram as pesquisas,

correspondem mais ao processo de desconcentração. Uma vez que foram processos que

tiveram origem nos âmbitos da União e dos Estados. A criação de sistemas municipais de

ensino, em meu entendimento, corresponde ao processo de descentralização destacado pelo

autor. Aceito como premissa que a descentralização objetiva maior participação, mais

democracia, melhor qualidade técnico-pedagógica, maior eficiência nos processos

educacionais e maior autonomia do poder local que significa maior distribuição do poder de

decisão.

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A pesquisa de Martins (2004), apresentada neste trabalho, demonstra que, de um lado,

essa aproximação pode contemplar a reivindicação pela ampliação da participação dos atores

escolares e da comunidade, pois os canais de comunicação são encurtados e os conflitos

gerados nesse processo são negociados diretamente com os dirigentes municipais de educação.

Por outro lado, a pesquisadora aponta que há o risco de se (re) instaurar as velhas e conhecidas

fórmulas de fazer política local, já que, segundo sua observação, o clientelismo e o favoritismo

na distribuição de cargos parecem ser práticas ainda não totalmente superadas entre os

brasileiros.

Daí surge a necessidade de confirmação e ampliação dos espaços de participação da

sociedade civil no controle e fiscalização das decisões que são tomadas pelo poder executivo

municipal em matéria de educação.

A partir dos dados levantados, pude compreender que a ausência do sistema de ensino

no Município é justificada pela falta de interesse e de conhecimento do grupo que comanda a

educação em Fronteira em relação a essa questão.

O fato desse grupo ignorar o significado e os principais caminhos que possibilitam a

criação do sistema municipal de ensino e de seus benefícios, por sua vez, justifica-se pela

acomodação e pela ausência de uma perspectiva de mudança.

Tanto a Chefe do Departamento Municipal de Educação, quanto algumas diretoras

municipais consideram positiva a vinculação da rede municipal de Fronteira ao Sistema

Estadual de Ensino de Minas Gerais. Na concepção desses sujeitos, a criação de um sistema

próprio de educação no Município demandaria recursos de que este não dispõe, possível

somente, segundo elas, aos municípios grandes e com uma boa arrecadação de impostos.

É necessário salientar que autonomia, democracia e participação não são processos que

ocorrem a partir de um decreto, são conquistas amadurecidas dia a dia.

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Assim, um município que, durante anos, viu-se obrigado a executar as ordens e tarefas

que eram definidas pelo Estado, de um momento para o outro, não se tornará consciente de sua

autonomia passando a desenvolver um trabalho próprio.

Em uma localidade onde imperou, durante longos anos, práticas clientelistas e

empreguistas, em que o governante se sente o dono do poder público, onde um mesmo grupo

controla a educação por oito anos ininterruptos, torna-se difícil o aprendizado de práticas

democráticas e de participação e controle da sociedade civil ao poder público municipal.

Nesse sentido, é importante a contribuição de Peroni (2004) que realizou sua

pesquisa nos municípios de Campo Grande (MS) e Porto Alegre (RS). A perspectiva da

autora era analisar o processo de criação dos sistemas de ensino nesses Municípios, pela

vertente da democratização e do comprometimento da sociedade com esse projeto.

Nessa perspectiva, o estudo desenvolvido por Peroni (2004) procurou mostrar que a

criação do sistema municipal de ensino não garante ao município a superação de práticas

contrárias à democracia, à participação e à descentralização do poder. Foram desencadeados

processos diferentes nos Municípios de Campo Grande e Porto Alegre.

Os resultados obtidos pelo estudo de Peroni apontam para o fato de que as

iniciativas educacionais municipais de Campo Grande (MS) ficaram restritas à expansão da

matrícula. Apesar de o Município de Campo Grande ter optado por criar seu sistema

municipal de ensino, sua implementação não foi discutida entre a comunidade escolar,

constituindo-se como uma ação do Executivo Municipal sem significativa mudança para a

educação nesse Município. Com relação ao Conselho Municipal de Educação dessa cidade,

Peroni identificou que sua criação se dera por força de lei, mas não s efetivara até o final de

sua pesquisa.

Diferente do que foi constatado por Peroni, em Campo Grande, a construção do

projeto de implementação do sistema municipal de ensino em Porto Alegre contou com a

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colaboração da comunidade escolar através da Associação dos Trabalhadores da Educação do

Município; com representantes das escolas; representantes da Secretaria Municipal de

Educação e representantes do Conselho Municipal de Educação. Esse comprometimento e

participação da sociedade civil com o projeto possibilitaram várias mudanças do quadro

educacional desse Município.

Em Fronteira, mesmo que alguns profissionais sintam que as normas estaduais

aprisionem seu trabalho nas escolas do Município, estes não têm força para romper com a

barreira da acomodação.

Um exemplo disso foi a construção dos dois Planos Municipais de Educação em

Fronteira. O primeiro Plano elaborado em 1998 visava à organização da rede de ensino no

Município que estava se (re) estruturando em virtude da municipalização. Tal plano foi

proposto pela SEE e definia minuciosamente as tarefas que deveriam ser desenvolvidas pelo

Município naquele momento.

Aliás, uma das questões predominantes na organização educacional de Fronteira é o

distanciamento do legal e do real. Existe uma preocupação, entre o grupo que comanda a

educação no Município, de garantir que todos os documentos estejam em conformidade com as

normas do Estado e do Governo Federal. Os documentos analisados na pesquisa, como, por

exemplo, a Lei Orgânica de Fronteira e o Regimento Interno do C.M.E. apresentam uma

perspectiva de ação para a educação municipal que não corresponde à realidade, ou seja, nunca

foi possível de ser concretizada.

Os sujeitos entrevistados têm clareza sobre esse aspecto, como é o caso da Presidente

do C.M.E. que afirmou que muitas das competências do órgão nunca foram postas em prática.

No entanto, o imobilismo e a passividade presentes na comunidade escolar e na sociedade civil

do Município impedem a mudança desse quadro.

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O segundo Plano elaborado recentemente, assim como o anterior, foi uma proposta da

S.E.E. com o objetivo de construir o Plano Decenal de Educação do Estado de Minas Gerais.

Todas as questões que deveriam constar nesse Plano foram direcionadas pela Secretaria

Estadual e, pelo que pude observar, a construção desse documento foi vista, por grande parte

dos membros da Comissão que ficara responsável por sua elaboração, como um cumprimento

da tarefa que havia sido designada pelo Estado ao Município.

Ao acompanhar o processo de elaboração do P.D.M.E. (2005-2014), pude perceber que

os responsáveis pela educação no Município têm conhecimento de sua realidade e há

consciência dos problemas educacionais a serem enfrentados para se obter uma educação de

qualidade. Entretanto, para superar tais dificuldades e implementar grande parte das medidas

que foram propostas nesse documento, seria necessário um novo posicionamento da rede

municipal de ensino em relação ao Sistema Estadual e uma maior abertura no canal de

comunicação entre sociedade civil e poder público municipal.

Os Convênios Educacionais, celebrados em Fronteira, indicam o grau de subordinação

que permeia as relações entre Estado e Município em termos de educação.

Tais acordos entre Município e Governo Federal ou entre Município e Governo

Estadual tinham por objetivo central a garantia da melhoria no acesso e permanência da

população na escola e a melhoria da qualidade do ensino oferecido pela rede municipal.

Todos os Convênios foram propostos ou pela União, ou pelo Estado, de acordo com

as bases definidas por eles. Ao Município competia, somente, a operacionalização desses

programas e projetos.

Sendo assim, ao caminhar para a conclusão deste trabalho, é importante reforçar a

tese de que a Constituição de 1988 e a Lei nº 9394/96, que possibilitaram a criação dos

sistemas municipais de ensino e a política de descentralização, abriram espaços tanto para a

autonomia dos municípios quanto para a política de desconcentração, no interesse de

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governos influenciados por perspectivas neoliberais e de Estado Mínimo. Historicamente

percebe-se a existência de municípios que vêm buscando sua autonomia para a construção de

suas redes de ensino e para a capacidade de criação de seus próprios sistemas, passando a

adequar suas políticas aos problemas e necessidades locais.

No entanto, esse Município, ao negar sua autonomia, contribuiu para que sua rede de

educação fosse construída e organizada em função dos objetivos e das políticas que estavam

sendo desenvolvidas pelo Governo do Estado de Minas Gerais na década de 1990. Este, sim,

preocupado em atender à lógica do Capital e da Reforma do Estado, seguindo a cartilha dos

programas e projetos propostos pelo FMI e Banco Mundial.

Penso poder afirmar que o estudo realizado em Fronteira forneceu-me elementos

para que pudesse chegar a essa conclusão.

Mesmo após terem se passado oito anos, desde que o Município (re)estruturou sua

rede de ensino com a municipalização, as mudanças no quadro político-educacional de

Fronteira permaneceram no plano quantitativo. Houve o crescimento da rede de ensino, mas

não houve, por parte do dirigente municipal e dos demais envolvidos com a educação no

Município, ações voltadas para os processos de socialização do poder, democratização de

espaços públicos e para o processo de autonomia municipal.

Uma rede de ensino que não possui condições concretas de implementar projetos e

programas elaborados por sua comunidade escolar em conjunto com a sociedade civil

dificilmente poderá contribuir para a melhoria da qualidade da educação de seus cidadãos.

Municípios com situações semelhantes ao de Fronteira poderão ficar à margem do

desenvolvimento, se não repensarem sua estrutura e seu modo de se relacionarem com as

demais esferas de governo, sejam elas estadual, nacional e, até mesmo, global.

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ANEXO

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Anexo A: CARTA DE SESMARIA DO REI DE PORTUGAL

Reprodução da Carta de sesmaria do Rei de Portugal que trata sobre o território, que hoje é o

Município de Fronteira:

... Faço saber aos que esta minha carta de sismaria virem que tendo me representado Mathias

Barbosa da Silva, que no Rio Paraíbuna partindo com a rossa de Simão Pereira, e de Antônio

de Araújo, estão muitas terras devolutas onde Alberto Dias, queria fazer rossa na qual

paragem elle Supplicante que Vossa Excellencia digo Vossa Senhoria lhe faça mercê mandar

dar por Sismaria uma legoa de terra detestada, correndo pelo caminho com tres legoas de

certão correndo pela banda da mesma testada para nella fazer sua rossa e plantar mantimentos

para sustentar os passageiros... (CASTRO,1998p.65)

A ordem era para que se cultivasse a terra dentro de 2 anos conforme a “Ordem de Sua Magestade de 22 de outubro de 1698”.