dissertaÇÃo - prazer e sofrimento no trabalho docente

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  • I

    UNIVERSIDADE DE BRASLIA INSTITUTO DE CINCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA

    O TRABALHO E O AFETO: PRAZER E SOFRIMENTO NO TRABALHO DOS PROFESSORES DA ESCOLA PBLICA DE

    BRASLIA

    Autora: CAROLINA GRANDE.

    BRASLIA- DF 2009

  • II

    UNIVERSIDADE DE BRASLIA. INSTITUTO DE CINCIAS SOCIAIS. DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA

    O TRABALHO E O AFETO: PRAZER E SOFRIMENTO NO TRABALHO DOS PROFESSORES DA ESCOLA PBLICA DE

    BRASLIA.

    Autora: Carolina Grande

    Dissertao apresentada ao Departamento de Sociologia da Universidade de Braslia/UnB como parte dos requisitos para a obteno do ttulo de Mestre, sob a orientao da Prof.(a) Dr Anala Soria Batista

    BRASLIA - DF AGOSTO/2009

  • III

    UNIVERSIDADE DE BRASLIA INSTITUTO DE CINCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA

    DISSERTAO DE MESTRADO

    O TRABALHO E O AFETO: PRAZER E SOFRIMENTO NO TRABALHO DOS PROFESSORES DA ESCOLA PBLICA DE

    BRASLIA

    Autora: CAROLINA GRANDE

    Orientadora: Doutora Anala Laura Soria Batista ICS (UnB)

    Banca Examinadora:

    Prof. Dr. Paulo Srgio de Andrade Bareicha FE (UnB) Prof. Dra. Christiane Girard Ferreira Nunes SOL(UnB)

    BRASLIA-DF

  • IV

    Para meu pai Luiz, minha me Elizabeth, minhas irms Mina e Laura, meu companheiro Marcelo e em especial minha grande amiga e sogra Orides, que sempre me apoiaram e contriburam para meu crescimento tanto espiritual quanto intelectual, respeitando, sempre as minhas dificuldades.

  • V

    AGRADECIMENTOS

    Dedico este trabalho a todos aqueles que acreditam que a ousadia, o erro e as dificuldades so caminhos para as grandes realizaes. Durante este trabalho as

    dificuldades no foram poucas e os desafios, muitos. Os obstculos, s vezes, pareciam intransponveis.

    Nas vezes que comeava a me sentir sozinha nessa longa jornada logo descobria que no estava. Em alguns momentos o desnimo quis contagiar, mas a garra e a tenacidade foram mais fortes e fizeram com que conseguisse seguir em frente, apesar das dificuldades do caminho. Agora, ao olhar para trs, a sensao do dever cumprido se faz presente e posso constatar que as noites de sono perdidas, o cansao, o desnimo, as longas leituras, as horas de digitao, a ansiedade em querer fazer e a angstia de muitas vezes no o

    conseguir por problemas pessoais e conjunturais, no foram em vo. Aqui estou, como uma sobrevivente de uma longa batalha, porm, muito mais forte e hbil, com coragem

    suficiente para novos desafios. Algumas pessoas marcam a nossa vida para sempre. Umas porque vo ajudando-nos

    na construo de nossos ideais; outras porque nos apresentam projetos de sonhos e outras ainda porque nos desafiam a constru-los. Nunca tarde para agradecer. Assim agradeo s pessoas que sempre me apoiaram e mesmo distantes se fizeram presentes de alguma forma.

    Agradeo a realizao deste trabalho s pessoas que tanto amo: minha famlia que sempre acreditou em mim, me apoiando em todas decises

    tomadas; minha tia Luiza que confiou fielmente em meu potencial me auxiliando

    financeiramente e psicologicamente, pois seu acreditar me deu foras para continuar; Ao Marcelo, meu companheiro e amigo de tantos caminhos. impossvel traduzir aqui

    tantas emoes compartilhadas, tantos sonhos e, principalmente, as realizaes, que mesmo com suas dificuldades, sempre se fizeram presentes, me encorajando a seguir em frente, me estimulando a crescer e a conquistar o meu espao. Seu apoio foi e de extrema importncia para mim;

    minha grande amiga Orides, que me acolheu com todo carinho, me ajudou em todos os percalos enfrentados desde que cheguei a Braslia, inclusive nessa longa jornada de pesquisa, a qual me auxiliou nas reflexes e nas horas mais difceis no deixando com que desanimasse, sempre me escutando e me apoiando;

  • VI

    Aos meus amigos tanto da graduao quanto da ps-graduao: Graziele, Rogrio, Jane, Celiana e Eduardo, que por estarem sempre presentes em minha vida, fazem a diferena;

    minha amiga Patrcia, pela pacincia em escutar minhas angstias e reclamaes, pelo apoio e pela contribuio na pesquisa;

    Aos meus colegas de trabalho Alessandra Midori, Conceio, Lenice, Elidete, Wilson e

    Leopoldo que compreenderam meu cansao e muitas vezes o meu estresse. Agradeo a eles o apoio incondicional que me deram para finalizar este trabalho;

    Em especial, agradeo aos professores que participaram da pesquisa, pela confiana depositada em mim e pelos laos de amizade, sem os quais no seria possvel esta

    investigao e o posterior crescimento cientfico da pesquisadora; professora, amiga e orientadora Anala, pela pacincia, pelos ensinamentos e por

    acreditar em meu potencial, possibilitando meu aperfeioamento intelectual e cientfico; Ao professor Paulo Bareicha por ter acreditado em meu trabalho e ter possibilitado a

    parte de interveno desta pesquisa. Agradeo tambm por participar, mais uma vez, da banca examinadora contribuindo com mais um aperfeioamento acadmico;

    professora Christiane Girard, componente da banca examinadora e provedora de conhecimento acadmico pela contribuio tanto metodolgica quanto terica.

    Aos professores da graduao Elizabeth, Adalberto, Micheloto, Paulo, Sandra, Joo Marcos, Edlson, Eliane que me ensinaram a caminhar cientificamente;

    E por fim, a todos os professores educadores, apaixonados pelo que fazem e que se

    dedicam tanto educao promovendo a diferena na vida de milhares de indivduos.

  • VII

    LISTA DE TABELAS

    TABELA I DESAGREGAO DOS COMPONENTES DO INFE POR ESTADO TABELA II ESTADOS DA UNIO E SEUS RESPECTIVOS NDICES DE INFE. TABELA III DISTRIBUIO DE RECURSOS QUE PROMOVEM MELHORES

    CONDIES DE TRABALHO POR ESTADOS. TABELA IV CDIGO INTERNACIONAL DE DOENAS (CID 10) TABELA V NMERO DE LICENAS SADE POR ANO/SEXO TABELA VI IDADE MDIA DOS PROFESSORES EM LICENA SADE TABELA VII IDADE MDIA DOS PROFESSORES EM LICENA SADE POR

    SEXO MASCULINO TABELA VII.A IDADE MDIA DOS PROFESSORES EM LICENA SADE

    POR SEXO FEMININO. TABELA VIII DURAO MDIA DAS LICENAS TABELA IX DIAGNSTICOS MAIS FREQUENTES DAS LICENAS MDICAS TABELA X CICLO DE LICENAS SADE TABELA XI REGIES QUE TEM MAIS INCIDNCIAS DE LICENAS DE

    SADE

  • VIII

    LISTA DE GRFICOS

    GRFICO 1 MOTIVOS DE LICENAS MDICAS - 2005 A 2008 GRFICO 2 NDICES DE DOENAS/LICENAS EM 2005 GRFICO 3 NDICES DE DOENAS/LICENAS EM 2006 GRFICO 4 NDICES DE DOENAS/LICENAS EM 2007 GRFICO 5 NDICES DE DOENAS/LICENAS EM 2008 GRFICO 6 INCIDNCIA DE LICENAS MDICAS POR MS 2005 a 2008 GRFICO 7 INCIDNCIA DE LICENAS MDICAS POR MS 2005 GRFICO 8 INCIDNCIA DE LICENAS MDICAS POR MS 2006 GRFICO 9 INCIDNCIA DE LICENAS MDICAS POR MS 2007 GRFICO 10 INCIDNCIA DE LICENAS MDICAS POR MS 2008 GRFICO 11 INCIDNCIA DE LICENAS MDICAS POR REGIO - 2005 a

    2008 GRFICO 12 INCIDNCIA DE LICENAS MDICAS POR REGIO - 2005 GRFICO 13 INCIDNCIA DE LICENAS MDICAS POR REGIO - 2006 GRFICO 14 INCIDNCIA DE LICENAS MDICAS POR REGIO - 2007 GRFICO 15 INCIDNCIA DE LICENAS MDICAS POR REGIO - 2008 GRFICO 16 DISTRIBUIO PERCENTUAL DOS PROFESSORES DA

    ESCOLA C GRFICO 17 DISTRIBUIO DOS PROFESSORES DA ESCOLA C, TURNO

    VESPERTINO, QUE POSSUEM NVEL SUPERIOR CONFORME A REA DE ATUAO

    GRFICO 18 DISTRIBUIO PERCENTUAL DOS PROFESSORES DA ESCOLA C, POR FAIXA ETRIA

    GRFICO 19 TEMPO DE SERVIO NA SECRETARIA DE EDUCAO GRFICO 20 TEMPO DE SERVIO NA PROFISSO GRFICO 21 ESTADO CIVIL GRFICO 22 FILHOS GRFICO 23 QUANTIDADE DE FILHOS GRFICO 24 PS-GRADUAO GRFICO 25 JORNADA DE TRABALHO

  • IX

    GRFICO 26 LECIONA EM MAIS DE UMA ESCOLA GRFICO 27 SRIES EM QUE OS PROFESSORES LECIONAM GRFICO 28 NMERO DE TURMAS POR PROFESSOR GRFICO 29 AFASTAMENTO DE TRABALHO GRFICO 30 TEMPO DO AFASTAMENTO GRFICO 31 MOTIVO DO AFASTAMENTO GRFICO 32- SENTIMENTOS EM RELAO AO TRABALHO: SATISFAO GRFICO 33 MOTIVAO GRFICO 34 GOSTA DE SUA PROFISSO GRFICO 35 SENTE-SE BEM NO AMBIENTE DE TRABALHO

  • X

    LISTA DE ILUSTRAES

    FOTO 1 PROFESSORES DAS REAS DE ARTES E MATEMTICA SE PREPARANDO PARA FAZER O PAPEL DOS PROFESSORES DA REA DE FILOSOFIA

    FOTO 2 PROFESSORES DAS REAS DE PORTUGUS E HISTRIA ENCENANDO PROFESSORES DA REA DE EDUCAO FSICA

    FOTO 3 PROFESSORES DAS REAS DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA ENCENANDO PROFESSORES DA REA DE MATEMTICA

    FOTO 4 PROFESSORES DAS REAS DE MATEMTICA E PORTUGUS ENCENANDO PROFESSORES DA REA DE ARTES

    FOTO 5 RELATO DA PROFESSORA DE ARTES SOBRE O PRAZER PELO RECONHECIMENTO DOS ALUNOS

    FOTO 6 RELATO DO PROFESSOR DE SOCIOLOGIA SOBRE O PRAZER E O SOFRIMENTO NA PROFISSO

    FOTO 7 DRAMATIZAO DO RELATO DO PROFESSOR DE EDUCAO FSICA SOBRE PRAZER NA PROFISSO

    FOTO 8 REPRESENTAO DO PRAZER E DO SOFRIMENTO NA PROFISSO

    FOTO 9 A DEBATE FINAL SOBRE OS SENTIMENTOS DE PRAZER E DE SOFRIMENTO

    FOTO 9B DEBATE FINAL SOBRE OS SENTIMENTOS DE PRAZER E DE SOFRIMENTO

    FOTO 9C DEBATE FINAL SOBRE OS SENTIMENTOS DE PRAZER E DE SOFRIMENTO

    FOTO 9D DEBATE FINAL SOBRE OS SENTIMENTOS DE PRAZER E DE SOFRIMENTO

    FOTO 9E DEBATE FINAL SOBRE OS SENTIMENTOS DE PRAZER E DE SOFRIMENTO

    FOTO 9F DEBATE FINAL SOBRE OS SENTIMENTOS DE PRAZER E DE SOFRIMENTO

    FOTO 9G DEBATE FINAL SOBRE OS SENTIMENTOS DE PRAZER

  • XI

    E DE SOFRIMENTO FOTO 9H DEBATE FINAL SOBRE OS SENTIMENTOS DE PRAZER

    E DE SOFRIMENTO

  • XII

    LISTA DE ANEXOS

    ANEXO I TABELAS ANEXO II 1 - MODELO DO ROTEIRO DO QUESTIONRIO

    2 - ROTEIRO DA ENTREVISTA 3 - ROTEIRO DA PESQUISA SOBRE LICENAS MDICAS

    ANEXO III FOTOS DO SOCIODRAMA PEDAGGICO

  • XIII

    LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

    BID BANCO INTERAMERICANO DE INVESTIMENTOS BIRD BANCO MUNDIAL CEB COORDENADORIA DE EDUCAO BSICA CEFETs CENTROS FEDERAIS DE EDUCAO TECNOLGICAS CNE CONSELHO NACIONAL DE EDUCAO CID10 CDIGO INTERNACIONAL DE DOENAS CRM CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DF DISTRITO FEDERAL DRET DIRETORIA REGIONAL DE ENSINO DE TAGUATINGA ENEM EXAME NACIONAL DO ENSINO MDIO GDF GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL IBGE INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA IDH NDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO INFE NDICE DE INFRAESTRUTURA DAS ESCOLAS BRASILEIRAS LDB LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAO OMS ORGANIZAO MUNDIAL DE SADE PAS PROGRAMA DE AVALIAO SERIADA PCNS PARMETROS CURRICULARES NACIONAIS PROEP PROGRAMA DE REFORMA DA EDUCAO PROFISSIONAL SEEDF SECRETARIA DE EDUCAO DO DISTRITO FEDERAL SIGRH SISTEMA NICO DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS HUMANOS

    DA EDUCAO DO DISTRITO FEDERAL UnB UNIVERSIDADE DE BRASLIA

  • XIV

    RESUMO O grito do educador pela possibilidade de realizao de si mesmo (SORATTO;VASQUES-MENEZES; BATISTA. 1999)

    O presente trabalho aborda o tema prazer e sofrimento na profisso docente de forma geral

    e mais especificamente no ensino mdio da escola pblica brasileira. O objetivo principal comunicar os resultados da observao participante realizada pela autora com professores do turno vespertino de uma escola pblica do Distrito Federal. Com base nas representaes sociais sobre prazer e sofrimento construdas pelo grupo observado, buscou-se identificar quais fatores originam um e/ou outro destes sentimentos, ao mesmo tempo em que se analisa a utilizao de mecanismos de enfrentamento da realidade

    cotidiana da organizao do trabalho no contexto observado. Alicerada na Psicodinmica do Trabalho de Dejours, nos estudos de Moscovici sobre representaes sociais e na aplicao in loco da metodologia do sociodrama pedaggico, a pesquisa de campo propiciou entender os vnculos entre prazer, sofrimento e a profisso docente; a influncia dos fatores constitutivos da real organizao do trabalho sobre a sade dos professores participantes e a importncia da subjetividade de cada um frente s oportunidades e dificuldades vivenciadas.

    Palavras chaves: trabalho, trabalho docente, prazer e sofrimento, representao social, identidade profissional.

  • XV

    ABSTRACT "The cry of the educator is the possibility of conducting oneself" (SORATTO; VASQUES-MENEZES; BATISTA. 1999)

    This paper brings the theme pleasure and suffering in the teaching stuff, generally and specifically in the high school, in a state school. The main objective is comunicating the results of the participating observation made by the author with teachers who work in the afternoon work period in a state school of Distrito Federal. Based on the social

    representations about pleasure an suffering built by the group observed. Tried to identify which factors promote a and/ or other of those feelings. While its analysing the use of

    mechanisms of facing daily routine of work organization in the context observed. Rooted in the psychodynamics of work of Dejours in studies on social representations in Moscovici and application "spot" of the role of teaching methodology, the field research provided understanding the links between pleasure, pain and the teaching profession, the

    influence of the factors constituting the actual organization of work on the health of

    teachers involved and the importance of the subjectivity of each forward to the opportunities and difficulties experienced.

    Key words: work, teaching, joy and suffering, social representation, professional identity.

  • XVI

    SUMRIO INTRODUO................................................................................................................1 1 - Motivaes, interesses e estruturao da dissertao. ................................................................... 1 2 - O objeto de pesquisa, o problema, a hiptese e o caminho metodolgico. ................................... 3

    CAPTULO 1 - O TRABALHO: ASPECTOS SCIO-HISTRICOS ........................9 1.1 - O trabalho e a organizao escolar .......................................................................................... 11 1.2 - Novos tempos no mundo do trabalho: a era da globalizao ................................................... 13 1.3 - A globalizao e suas repercusses no mundo do trabalho docente: as polticas educacionais brasileiras buscam se adequar. ......................................................................................................... 16

    CAPTULO 2 - A REFORMA NO ENSINO MDIO E AS POLTICAS PBLICAS PS-REFORMA: EFEITOS SOBRE A EDUCAO E A CLASSE DOCENTE. .... 19 2.1- Principais aspectos contemplados pela reforma e seus pontos crticos: o contexto do trabalho do professor ps-reforma no ensino mdio. ..................................................................................... 22 2.2 - Efeitos locais da realidade do ensino pblico sobre o profissional docente. ........................... 25

    CAPTULO 3 - A PSICODINMICA DO TRABALHO COMO BASE TERICA. 28 3.1 - Trabalho prescrito versus trabalho real: os reflexos do gap entre um e outro no contexto do trabalho docente. .............................................................................................................................. 33 3.2 - A distncia entre o trabalho prescrito e o trabalho real no cotidiano de professores do ensino mdio ps-reforma. .......................................................................................................................... 35 3.3 - Carga mental no trabalho de professores ................................................................................. 37 3.4 - Carga psquica .......................................................................................................................... 38 3.5 - Motivao ................................................................................................................................ 39 3.6 - As categorias prazer e sofrimento na Psicodinmica do Trabalho .......................................... 41

    3.6.1 - Sofrimento criativo e Sofrimento patognico ....................................................................... 43

    CAPTULO 4 - ELEMENTOS HISTRICOS DAS REPRESENTAES SOCIAIS ........................................................................................................................ 45 4.1 - A representao social manifesta. ............................................................................................ 47 4.2 -A representao social da profisso de professor e do ser professor ....................................... 48

    CAPTULO 5 - O TRABALHO DO EDUCADOR: A DINMICA DA AFETIVIDADE ............................................................................................................. 52 5.0.1 - O trabalho de cuidar pode causar sofrimento. ....................................................................... 53

    5.1 - Identidade social docente e reconhecimento social ................................................................. 55

  • XVII

    5.2 - Crise da profisso: repercusso na identidade do professor ..................................................... 57 5.3 - Crise de sentido e ruptura de sentido ....................................................................................... 59 5.4 - O prazer e o sofrimento no trabalho docente ........................................................................... 61 5.5 - A prtica cotidiana de ser professor: quando a profisso, em vez de realizar, adoece. ........... 64

    CAPTULO 6 - OPERACIONALIZAO DA PSICODINMICA DO TRABALHO, DA SOCIOLOGIA CLNICA E DO SOCIODRAMA NO CONTEXTO DA ORGANIZAO ESCOLAR.......................................................... 66 6.1 - Psicodrama e Sociodrama: processo de interveno prtica. ................................................. 69

    CAPTULO 7 - TRABALHO, PRAZER E SOFRIMENTO: O CASO DOS PROFESSORES DA ESCOLA C. ................................................................................ 73 7.1 - Discrepncias dos dados estatsticos: inconsistncias na real situao das escolas do Distrito Federal .............................................................................................................................................. 74 7.2- Os afastamentos para tratamento de sade dos professores do DF ........................................ 76 7.3 - O que pertence ao trabalho prescrito e como ocorre a sua adaptao para o trabalho real. ... 90 7.4 - A Escola C - um estudo de caso. ........................................................................................... 92 7.4.1 - Histrico da Escola C ......................................................................................................... 93 7.4.2 - O ano de 2008 na Escola C ................................................................................................ 95 7.5 - Pesquisa qualitativa: questionrio, entrevista em profundidade e sociodrama. ..................... 99 7.5.1 - Anlise do perfil scio-demogrfico .................................................................................. 99 7.5.1.2 - Perfil dos professores do turno vespertino da Escola C.................................................100 7.5.1.3 - Perfil do trabalho docente .............................................................................................105 7.5.1.4 - Relaes com o trabalho ...............................................................................................108 7.6 - Entrevista em profundidade ............................................................................................... 111 7.6.1 - Anlise da categoria trabalho e trabalho docente. ............................................................ 113 7.6.2 - Anlise da categoria motivao e sua influncia no prazer e sofrimento no trabalho. .. 121 7.6.3 - A organizao do trabalho como fonte de sofrimento. .................................................... 124 7.6.4 - Representao social do ser professor: reconhecimento e identidade social como fontes de prazer e de sofrimento. ................................................................................................................... 132

    7.7 - Sociodrama: processo de interveno. ................................................................................ 147

    CONSIDERAES FINAIS ....................................................................................... 158

    REFERNCIAS .......................................................................................................... 164 Bibliografias consultadas. ............................................................................................................. 172

  • XVIII

    Sites consultados. ........................................................................................................................ 173 Outras fontes consultadas ............................................................................................................ 174

    ANEXO I ...................................................................................................................... 175

    ANEXO II .................................................................................................................... 184

    ANEXO III ................................................................................................................... 190

  • 1

    INTRODUO

    1. MOTIVAES, INTERESSES E ESTRUTURAO DA DISSERTAO.

    O respeito que devemos como professores aos educandos dificilmente se cumpre, se no somos tratados com dignidade e decncia pela administrao privada ou pblica da educao (FREIRE, 2002)

    No comeo havia o propsito de entender que mensagens estariam embutidas na

    fala cotidiana dos professores de uma escola pblica do Distrito Federal: a Escola C. Ao ouvir queixas, observar o desabrochar de projetos e v-los morrer por falta de incentivo, ao ver o progressivo adoecer de alguns professores e a superao de dificuldades por outros, ao refletir sobre os sonhos abortados pela crua realidade das condies do trabalho docente, ao perceber a mim mesma como expectadora e ao mesmo tempo como partcipe da teia de prazer e sofrimento em que se movimentam professores da instituio em foco,

    ocorreu uma transformao e o propsito inicial transformou-se numa necessidade de compreender as tramas sociais, polticas e emocionais por trs de um tipo de trabalho que

    apontado como sada para muitos males sociais, mas que a cada dia mais desvalorizado. Buscar informaes nas fontes construdas por estudiosos dos problemas relacionados ao trabalho, principalmente aos diretamente ligados ao trabalho docente, foi uma etapa de descobertas geradoras de sentimentos contraditrios: por um lado, a

    satisfao de conhecer a veemncia das vozes que denunciam os objetivos por trs do descaso com a educao, e por outro, a constatao de que existe certa aceitao acrtica deste quadro por parte da sociedade, a includa uma grande parcela de professores.

    A pesquisa mostrou que, embora o trabalho pedaggico devesse, para alcanar bons resultados e ser gratificante, estar assentado sobre uma base favorecida pelo prazer de

    ensinar, na prtica ocorre a predominncia do sofrimento, geralmente associado s condies de trabalho, tal como fartamente ilustrado por pesquisas referentes progressiva desvalorizao da profisso de professor e dos contextos em que ele atua. O presente trabalho est dividido em sete captulos e por meio de referencial terico

    adequado, foi construdo um leque de informaes que facilitou o entendimento das

  • 2

    representaes sociais dos professores participantes em relao aos sentimentos de prazer e de sofrimento que permeiam o ser professor. No primeiro captulo, discute-se o trabalho na sociedade contempornea, contemplando os aspectos scio-histricos, o trabalho na escola e os efeitos da

    globalizao. A seguir, a ateno dirigida para um assunto que explica, em parte, a situao atual dos professores de ensino mdio: o captulo dois ocupa-se da reforma deste

    ensino e das polticas pblicas ps-reforma, ocorridas a partir dos anos 90. Estas mudanas tiveram conseqncias pouco conhecidas at mesmo por aqueles que foram diretamente afetados por elas, ou seja, os professores. O descompasso entre os propsitos da reforma e a realidade do trabalho aps sua implantao aprofundou ainda mais as dificuldades

    vividas pelas escolas pblicas e seus profissionais. No captulo trs, busca-se compreender os aspectos referentes base terica da

    psicodinmica do trabalho bem como as categorias de prazer e sofrimento sob o enfoque desta abordagem, para depois analisar essas categorias no contexto do trabalho docente. A apresentao das teorias sobre representao social por meio de seus principais representantes faz parte do quarto captulo. Partindo-se de um contexto social mais amplo, vai-se de encontro ao contexto da organizao social escola e de seus atores, principalmente como estes representam a profisso de professor e o ser professor.

    O trabalho docente e a identidade social docente o assunto tratado no quinto captulo, ocasio em que se analisa, entre outros fatores, os vnculos afetivos demandados pela profisso e as dificuldades inerentes a essa complexa questo. O aspecto referente ao

    reconhecimento social tambm analisado, o que conduz ao entendimento tanto das crises de sentido na profisso docente como as crises de identidade profissional, as quais

    deixaram de ser exceo na profisso docente. A partir destas constataes, abre-se o caminho para a operacionalizao dos conceitos da Psicodinmica do Trabalho, da Sociologia Clnica e do Sociodrama Pedaggico aplicados realidade do trabalho docente.

    O captulo sete dedicado a anlise do trabalho de campo. Este captulo dividido

    em trs partes: a primeira trata da realidade das escolas pblicas do DF. Ao realizar uma avaliao dos dados estatsticos das escolas do DF, teve-se como resultado discrepncias

    entre a pontuao aferida e a realidade objetiva dessas escolas, tanto no que se refere a infraestrutura predial como material. As condies do trabalho docente nas escolas pblicas do DF so tidas como muito boas pelas tabelas do INFE (ndice de Infraestrutura

  • 3

    das escolas Brasileiras), mas, na realidade, verifica-se que elas de fato s so boas quando comparadas s pssimas condies em que atuam os professores de grande parte do pas.

    Ainda na primeira parte, discute-se a problemtica das licenas para tratamento de sade dos professores do DF, mostrando em termos estatsticos o nmero de afastamentos

    dos professores para tratamento de sade, bem como seus principais motivos. Na segunda parte, atem-se para a observao participante, a qual analisa o trabalho

    prescrito e real de acordo com as portarias 215 e 74 aplicadas na Escola C. Nesta parte possvel observar o quanto de discrepncia existe entre o que prescrito em termos organizacionais e como estas prescries so interpretadas e executadas.

    Em seguida, o espao destinado ao levantamento da histria da Escola C, esta

    caminhada comea pela sua fundao at os dias atuais, quando ela pode ser vista como uma escola referncia no DF.

    A terceira parte aborda os procedimentos metodolgicos para a coleta de dados: questionrio, entrevista em profundidade e sociodrama pedaggico. A anlise dos dados embasa o encontro entre a teoria pesquisada e a fala dos professores, momento de grata surpresa pela descoberta de que a maioria dos professores entrevistados sente-se realizada com a sua escolha profissional, apesar de sofrerem com as condies em que trabalham.

    2. O OBJETO DE PESQUISA, O PROBLEMA, A HIPTESE E O CAMINHO METODOLGICO.

    Essa dissertao tem como enfoque analisar o prazer e o sofrimento no trabalho dos/as professores/as do turno vespertino da Escola C, localizada em Taguatinga-DF. A

    partir do levantamento bibliogrfico dos dados colhidos por meio da observao participante, este trabalho mapeou as representaes sociais dos professores do turno vespertino da Escola C relativas ao prazer e ao sofrimento advindos da organizao do trabalho.

    No decorrer dos estudos foi pesquisada a influncia de vrios itens tais como a distncia entre trabalho prescrito e trabalho real, as condies de trabalho ligadas

    infraestrutura, reconhecimento social, crises de sentido e de identidade profissional, vnculos afetivos. Foram pesquisadas tambm as possibilidades em termos de intervenes destinadas a melhorar os ambientes de trabalho e o funcionamento grupal, contemplando-

  • 4

    se trs abordagens que se destacam na atualidade: Psicodinmica do Trabalho, Sociologia Clnica e Sociodrama Pedaggico.

    Assim, com base no enfoque da representao social busca-se compreender a seguinte questo: como os professores representam o prazer e o sofrimento enquanto

    atores do processo de ensino-aprendizagem? Esse problema principal se nortear por outras questes como: em que condies/situaes do trabalho docente o prazer se

    transforma em sofrimento? Quais prticas convertem o sofrimento em algo prazeroso? Dejours (2004, p.17) faz referncia ao prazer e ao sofrimento dizendo que o trabalho pode aument-los: (...) o trabalho contribui para agravar o sofrimento, levando a pessoa progressivamente loucura, ou, ao contrrio, o trabalho contribui para subverter o

    sofrimento, para transform-lo em prazer. A hiptese a ser confirmada ou no por esta pesquisa : mesmo inseridos em um

    ambiente de trabalho cheio de deficincias e sofrendo com uma desvalorizao social sem precedentes, a maioria dos professores consegue converter seu sofrimento em um nvel razovel de prazer. Isto se d mediante uma forma de representao social muito especfica sobre a funo de ensinar. Ao acreditarem que o produto do seu trabalho o aluno mais preparado para enfrentar a vida, os professores sentem-se motivados a continuarem dando o melhor de si.

    Os principais objetivos que nortearam o desenvolvimento das idias aqui encontradas foram:

    1. Analisar as condies do trabalho docente (jornadas; turnos, imprevistos, salrio). 2. Analisar as caractersticas organizacionais do trabalho de ensinar (relao habilitao/disciplina ministrada; dinmica de administrao das aulas; relaes com

    alunos; avaliaes, volume de trabalho); 3. Identificar as representaes dos docentes no que diz respeito ao reconhecimento no trabalho (pares e comunidade); 4. Investigar e analisar as representaes sociais que os professores constroem sobre o

    trabalho, prazer, sofrimento, bem como noes correlatas de trabalho e trabalho docente; 5. Identificar as fontes geradoras de prazer na viso desses profissionais e quais so as fontes de sofrimento.

  • 5

    6. Identificar e compreender como os professores sentem prazer no trabalho e como minimizam o sofrimento, averiguando quais os meios utilizados por eles para reduzir, ocultar e at mesmo transformar o sofrimento em prazer.

    Essa pesquisa justifica-se pelas possibilidades de ampliar as discusses sobre trabalho e afetividade na sua vertente analtica do prazer e do sofrimento no trabalho docente. Busca-se tambm ampliar as discusses dos aspectos polticos envolvidos na

    educao pblica, principalmente aqueles que ajudam a denunciar o descaso com a educao no pas.

    A escolha da escola e os motivos desta escolha se deram conforme os seguintes critrios:

    1) A autora desta pesquisa faz parte do corpo docente da Escola C. 2) Escola de grande porte com alta demanda de responsabilidade dos seus trabalhadores. A escola tem 2087 alunos matriculados, sendo 742 alunos no turno matutino, 681 no vespertino, 581 no noturno e 79 alunos no programa acelerao (Projeto Vereda). O corpo escolar composto por 88 professores ao todo: 32 professores atuam no turno matutino, 36 no vespertino e 20 no perodo noturno. 3) Em termos de horas trabalhadas: 27 professores trabalham em jornada ampliada (40 horas) no matutino e 32 no vespertino1. Professores com jornada quebrada (20/20): so 5 no matutino, 4 no vespertino e 20 no noturno. Professores sob regimento de contrato: 1 no matutino e 1 no noturno.

    A pesquisa, de natureza qualitativa, utilizou-se dos seguintes instrumentos e

    tcnicas de produo de informao: pesquisa bibliogrfica e de documentos oficiais; observao participante, questionrio scio-demogrfico, entrevista em profundidade e

    oficina de sociodrama pedaggico. a) Pesquisa bibliogrfica: levantamento bibliogrfico dos estudos recentes sobre

    o prazer e sofrimento no trabalho, principalmente os relacionados a professores da rede pblica, a fim de entender como se d o processo da realizao profissional ou do

    adoecimento e dar sustentao pesquisa de campo. b) Pesquisa de documentos oficiais: levantamento de documentos visando a

    anlise do trabalho prescrito. Os dados comprobatrios referentes ao trabalho prescrito foram fornecidos pela escola, pela Sede da secretaria da educao e pelo SIGRH

    1 No turno noturno no trabalham professores de jornada ampliada, somente de jornada reduzida ou quebrada

    est sendo 20/20.

  • 6

    Sistema nico de Gerenciamento de Recursos Humanos da educao do DF. O objetivo dessa parte documental analisar a distncia entre trabalho prescrito e a realidade do trabalho na escola e a influncia do eventual gap na vida dos professores, inclusive na questo das licenas mdicas.

    c) Observao participante: consiste na participao ativa do pesquisador no grupo ou comunidade pesquisada. A finalidade da observao participante foi avaliar as

    mediaes e aes dos professores relativas organizao do trabalho, identificando as estratgias utilizadas por eles para o no adoecimento e a construo dos significados entre prazer-sofrimento.

    d) Questionrio scio-demogrfico: o questionrio scio-demogrfico foi aplicado ao conjunto dos professores do turno vespertino (29 no total), com o intuito de traar-lhes o perfil e depois escolher aqueles que seriam entrevistados. Foram

    consideradas as seguintes variveis: sexo, idade, estado civil, disciplina de atuao, ps-graduao (grau de qualificao), tempo de servio na profisso, tempo de servio na Secretaria de Educao, afastamentos por motivo de doena, satisfao na profisso. Ao todo 20 professores entregaram o questionrio respondido.

    e) Entrevista em profundidade: as falas dos professores pesquisados constituem-se uma possibilidade real de atingir suas subjetividades e vivncias referentes ao prazer e ao sofrimento geradas pela organizao do trabalho. Ao identificar como os professores percebem a realidade que os rodeia, como significam as situaes prazerosas e as conflitivas e como constroem suas relaes sociais, chega-se ao universo de suas

    representaes sociais. O objetivo principal dessa fase foi compreender de que forma o professor interage com sua situao concreta de trabalho, no se deixando adoecer e

    como encara a questo do prazer e do sofrer (CODO, 1999). As entrevistas foram elaboradas por meio de tpicos-guia e considerou as dimenses de anlise abaixo relacionadas:

    DIMENSES DA ANLISE TPICOS-GUIA POLTICAS PBLICAS

    EDUCACIONAIS

    - Influncia das polticas educacionais na realidade da educao; -Trabalho real e prescrito;

    RELAO PESSOAL COM O TRABALHO

    -Motivao para a escolha profissional; -Dificuldades no trabalho; -Realidade do trabalho na escola. Autonomia e liberdade, interdies. O trabalho e os

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    sentimentos de prazer e sofrimento.

    RELAES NO TRABALHO

    -Relao com os alunos, pares e comunidade escolar: interaes positivas e problemas enfrentados; -Situaes singulares enfrentadas no cotidiano escolar.

    f) Sociodrama: mecanismo metodolgico utilizado na compreenso da subjetividade dos professores em relao ao prazer e ao sofrimento no trabalho. Foi um instrumento usado para acessar, por meio de dinmicas, a representao social dos professores em torno do prazer e do sofrimento. O sociodrama viabilizou a interveno

    conforme a proposta de Dejours (1992; 2004) que o exerccio da reflexo coletiva, a qual se deu mediante um espao pblico onde os professores podiam falar e serem

    ouvidos, criando ensejo para uma reflexo conjunta sobre a organizao do trabalho e de como eles se encaixam nela.

    A pesquisadora, por fazer parte do corpo docente da escola pesquisada, vivenciou todas as alegrias e angstias da organizao do trabalho ao utilizar a tcnica da observao participante. Diante das grandes mudanas ocorridas na Escola C, foi difcil para a pesquisadora manter-se neutra ao longo de todo o processo, isto , em alguns momentos a

    neutralidade era mais difcil de ser mantida. Por este motivo pode ter ocorrido os seguintes problemas: atitudes, situaes e

    falas que no foram percebidas, a incompreenso de alguns fatos ocorridos no ambiente de trabalho; contaminao do objeto de pesquisa pela proximidade cotidiana entre a pesquisadora e os indivduos pesquisados; possibilidade de selecionar somente as ocorrncias conforme interesse da pesquisadora, orientando sua pesquisa de acordo com

    seus juzos de valor, uma vez que o vis emocional da pesquisadora em relao s prprias necessidades tanto como professora da escola e como pesquisadora esteve presente no

    ambiente pesquisado. Por outro lado, cabe ressaltar as vantagens reais da pesquisadora pertencer ao

    mesmo grupo que investiga: oportunidades dirias para observar atitudes, condutas e posicionamentos dos sujeitos da pesquisa; facilidade para obteno de dados relevantes e significativos, que no podem ser encontrados em fontes documentais, acesso a informaes mais precisas, que poderiam ser comprovadas de imediato; observao

  • 8

    privilegiada dos sujeitos como membro do corpo docente no um ser estranho - podendo assim ter acesso a determinadas situaes inacessveis para outros pesquisadores. Por conta da maior interao com os pesquisados foi possvel perceber a realidade a partir do ponto de vista deles. Esta condio de membro do grupo de professores pesquisados

    permitiu pesquisadora ter tempo suficiente para tomar notas e fazer perguntas sobre eventos sob diferentes perspectivas.

    Ao todo foram realizadas entrevistas com 6 professores. Por ter ocorrido um processo de saturao de dados em funo da constncia nas falas dos entrevistados, julgou-se desnecessrio buscar novas fontes. A escolha dos entrevistados se deu de acordo com aspectos de segmentao tais como: idade, sexo, turnos, tempo de servio, jornada de trabalho de 402 e 20/20 horas e casos de professores que j se afastaram por doena. O questionrio scio-demogrfico possibilitou a seleo dos professores a serem

    entrevistados com base nos seguintes critrios: mais tempo de docncia no ensino mdio, os mais velhos em idade, professores com carga horria de 40 horas, professores do turno vespertino.

    A escolha do turno vespertino para se fazer a observao participante se deu devido ao fato da pesquisadora trabalhar nesse horrio e desfrutar da confiana dos professores. A escolha do tempo de servio como critrio de seleo para participar da entrevista se justifica pelo maior conhecimento que estes professores tm do sistema escolar. Como no h na escola nenhum professor sob regimento de contrato no houve a oportunidade de um ponto de vista diferenciado. Os 6 professores que compem a amostra so de carter efetivo, estatutrios. As entrevistas foram gravadas e transcritas.

    2 Os professores de carga horria de 40 horas so denominados de carga ampliada e somente trabalham em

    uma nica escola e lecionam num nico turno. Os professores de carga 20/20 horas trabalham em dois turnos podendo ser em uma escola ou mais.

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    CAPTULO 1 - O TRABALHO: ASPECTOS SCIO-HISTRICOS

    Ensinar exige segurana, competncia profissional e generosidade (FREIRE, 2002)

    A palavra trabalho, segundo Ferreira (2003), surgiu na Europa, ao final da idade mdia e origina-se do latim tripalium, palavra que se refere a um instrumento de tortura e por esta razo associada a sacrifcio, sofrimento. O autor observa que, desde o incio, o sentido do trabalho esteve ligado idia de sofrimento, mas depois mudou para esforar-se, lutar, pugnar e s mais tarde que o termo trabalho tornou-se o referencial para as

    atividades produtivas do ser humano. A tradio judaico-crist contribuiu bastante para fortalecer essa noo do trabalho

    como castigo. Esta contribuio foi to consistente que at mesmo as tentativas posteriores de elevar o trabalho categoria de elemento purificador, empreendidas pela era escolstica daquela tradio, no conseguiram apagar do imaginrio ocidental a associao entre trabalho e sofrimento (JACQUES, 2002)

    A dignificao do trabalho s se deu posteriormente. Isto ocorreu atravs da Reforma Protestante que, alm de exalt-lo, passou a pregar valores relacionados a ele tais

    como a diligncia, a temperana, a parcimnia e a poupana. Alm disso, fez com que a ociosidade passasse a ser encarada como um mal a ser combatido. No entanto, Jacques (2002) ressalta que o xito da Reforma Protestante ficou restrito assimilao da positividade moral do trabalho e a negao do cio, pois no conseguiu romper com a

    tradio judaico-crist de associ-lo punio e ao sofrimento. O trabalho, nas sociedades modernas, tem sido objeto de vrios estudos, entre

    muitos se destacam os estudos de Dejours (2004) a respeito do trabalho em si e da organizao deste sobre a sade do trabalhador. Com base nas vertentes tericas da

    ergonomia da psicodinmica e da antropologia do trabalho, ele concluiu que (...) o trabalho a atividade coordenada de homens e mulheres para defrontar-se com o que no poderia ser realizado pela simples execuo prescrita de uma tarefa de carter utilitrio, com as recomendaes estabelecidas pela organizao do trabalho. (DEJOURS, 2004, p.135)

    Na atualidade, o trabalho apresenta novas configuraes, isto , no mais o somatrio de experincias realizadoras do ser humano. Tendo deixado de ser apenas uma

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    atividade, evoluiu para uma forma de relao social caracterizada por acentuada desigualdade. O resultado dessa evoluo visto por Dejours (2004, p.31) como uma ampliao do real do trabalho, que deixando de ser somente o real do mundo objetivo, passa a ser tambm o real do mundo social.

    Em geral, as teorias consideram que o trabalho representa uma condio essencial para a existncia humana. Marx (1989), ao agregar ao trabalho o aspecto de atividade transformadora, faz uso do ponto de vista hegeliano que se refere ao trabalho como sendo uma mediao importante e mesmo nica entre as necessidades e a satisfao destas. Atravs dessa atividade transformadora, o homem transforma a natureza e a si mesmo num processo dialtico, promovendo a compreenso de que, ao se relacionar socialmente com o

    trabalho, o homem tambm transformado pelas mltiplas determinaes que nesse processo se estabelecem.

    No mundo do trabalho possvel identificar, ao longo do tempo, processos de mudana. Estes processos podem ser observados ao se verificar os diferentes modos de organizao do trabalho, que vo desde o fordismo at o modelo flexvel. Esses modelos plurais de trabalho geraram, entre outras coisas, situaes complexas no que se refere construo das identidades e ao modus de vida cotidiano dos sujeitos.

    O cronmetro taylorista e a produo em srie fordista marcaram a organizao do trabalho no sculo XX. Antunes (2002) esclarece que isso se deu por meio de atividades parcelares, da diviso de funes e, principalmente, da fragmentao entre elaborao e a execuo das tarefas. Esse modelo construiu um novo mundo do trabalho no qual passou a

    vigorar a racionalizao das tarefas atrelada rotina exaustiva. O trabalhador passou a ser programado para no pensar, instituindo-se a era da massificao do trabalho e do

    trabalhador (ANTUNES, 2002; GOUNET, 2002; BIHR, 1999). Na dcada de 50 se expande um novo modelo de trabalho denominado Toyotismo

    ou Modelo Flexvel. Esse modelo levou a mudanas do processo produtivo na organizao, tais como: a descentralizao de parte das decises operacionais, na aproximao do saber

    em relao ao fazer, limitando este saber ao pleno processamento da tarefa, na colocao dos produtos no mercado, de forma rpida e variada (SENNETT, 1998). No que diz respeito ao controle do trabalho, embora a especializao flexvel repudie a rotina burocrtica, ela no representa sua negao mas sim sua reinveno, uma vez que introduz novas estruturas de poder e controle do trabalhador (ANTUNES, 2002a, 2002b). Dos

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    funcionrios, em geral, exigido aumento do nvel de conhecimento dos processos e contedos da empresa, ensejando maiores responsabilidades para o trabalhador e maior capacidade de trabalho em equipe.

    Essas transformaes influenciaram os estudos das cincias humanas e sociais, que

    passaram a prestar ateno aos problemas de sade dos trabalhadores oriundos das condies de trabalho. No modelo fordista, a discusso era sobre o adoecimento fsico e

    psquico resultante da rotina. Atualmente, a relao sade do trabalhador e trabalho est ligada ao processo flexvel das relaes da organizao do trabalho, onde se observa o aumento da jornada de trabalho, maior responsabilidade, cobrana de desempenho e precarizao do trabalho.

    1.1 - O TRABALHO E A ORGANIZAO ESCOLAR

    As transformaes do mundo do trabalho no somente influenciaram os campos da economia, da poltica, mas tambm o campo da educao, atravs das polticas pblicas

    ligadas a educao e de prticas educativas. A cada tempo, novas concepes de educao foram surgindo, as quais vo desde as teorias da pedagogia tradicional s teorias criticas.

    A escola, em tempos remotos, mais especificamente na Grcia antiga, significava cio dedicado ao estudo, ocupao literria (SOUZA, 2007, p.97). Os indivduos iam a escola para aprenderem e aprimorarem o esprito, este privilgio era apenas para aqueles que pudessem estar ociosos, ou seja, para uma pequena parte da sociedade. Com o passar do tempo o sentido de estudo se modifica: a concepo de cio passa a ser visto como pecado e a educao se volta para a formao do indivduo na perspectiva da utilidade, ou

    seja, do trabalho em funo da salvao. No sculo XVI, a tica calvinista desviou o sentido negativo do trabalho para o

    sentido de vocao, de recompensa. Ao mesmo tempo em que se impingia ao cio a pecha de pecado, nascia a escola moderna. Esta, desde o incio, viveu uma situao contraditria:

    mesmo se constituindo um espao voltado para a disciplina, organizao e mtodo, no conseguiu livrar-se do rtulo de um lugar destinado originalmente aos ociosos. Souza

    (2007) considera que, no Brasil, esta imagem ainda muito forte e se prope a explicar os motivos.

    Dentre os motivos enumerados pelo autor existe um que mais interessa ao presente estudo e interessa pelo esclarecimento relativo pouca compreenso que se tem da

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    importncia da sistematizao do conhecimento, que no visto na mesma perspectiva do trabalho braal. Como esta diviso entre os dois tipos de trabalho continua embaralhada, ocorre uma sria desvalorizao do trabalho pedaggico como trabalho intelectual produtivo. O autor mostra como isto visvel no discurso do sistema educacional

    brasileiro: enquanto se diz que preciso valorizar a educao como instrumento fundamental de reconstruo social, na prtica deixam que ela acontea

    (...) num contexto de intensa precarizao das condies de trabalho docente, de desvalorizao do professor como profissional da educao, de uma cultura escolar assentada na concepo de magistrio como sacerdcio, tudo isso combinado com brutal estado de desigualdade sociais e econmicas. (SOUZA, 2007, p.98)

    O intervalo entre a escola como um lugar para ociosos, sua posterior popularizao

    e a situao em que se encontra hoje configura uma histria de ascenso e queda, desembocando atualmente numa forma especfica de organizao, que reflete a maneira

    como o trabalho est organizado na sociedade, orientada pelos princpios do capitalismo e da globalizao.

    Por organizao escolar compreende-se as condies gerais em que se d o trabalho docente. Este no s o contexto das salas de aula e o que ali se desenvolve mas engloba

    tambm as competncias administrativas de cada rgo que se ocupa da educao. Desde as metodologias de ensino, currculos e processos de avaliao adotados at a estrutura fsica onde as atividades acontecem, o trabalho escolar est voltado para o processo de

    ensino aprendizagem, objetivo que nem sempre atingido adequadamente, dada a precarizao anteriormente aventada por Souza (2007).

    Os estudos sobre o trabalho docente na escola pblica atual do conta de uma variedade de incoerncias tais como: querer que o professor ensine para turmas lotadas e ao mesmo tempo muito heterogneas; que ele encontre sadas para manter o aluno disposto a aprender mesmo sem dispor de instrumentos adequados; que ele d conta das demandas que vo surgindo sem o respaldo de uma reciclagem e sem a contrapartida de melhoria salarial; que se mantenha motivado mesmo encurralado por mltiplas dificuldades e que,

    depois de tudo isso, ele no adoea pois se adoecer rotulado de fraco. O trabalho docente no ensino mdio, objeto desta pesquisa, vive um perodo de

    mudanas ocasionado pela reforma implantada nos anos 90, a qual gerou a expanso desse tipo de ensino ao mesmo tempo que trouxe novas formas de ensinar e de avaliar. Oliveira (2008) mostra que as mudanas ocorridas

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    (...) repercutem diretamente sobre a organizao do trabalho escolar, pois exigem mais tempo de trabalho do professor, tempo este que se no aumentado na sua jornada objetivamente, acaba se traduzindo numa intensificao do trabalho, que o obriga a responder a um nmero maior de exigncias em menos tempo. (OLIVEIRA, 2008, p. 47)

    A intensificao do trabalho resultante da reforma educacional convive com um

    fator ainda no absorvido pelos professores: os novos parmetros de avaliao repercutiram negativamente nos alunos no sentido de diminuir o envolvimento deles com a

    aprendizagem. Estes passaram a contar com vrias possibilidades de aprovao, gerando mais desinteresse, indisciplina e mais dificuldades para os professores.

    A tarefa da escola o de criar um espao em que o professor e os alunos possam compartilhar saberes, num processo contnuo de crescimento. Ao mesmo tempo esta tarefa

    deve incluir uma interao proveitosa com a comunidade atendida. Spsito (2004) observa que as caractersticas internas dos sistemas predominantes nas escolas mostram que estes

    so incapazes de responder satisfatoriamente aos desafios que vieram junto com a expanso do ensino, todas as discusses sobre a real situao vivida pelas escolas sempre chegam na identificao de crises de vrios teores, como as apontadas por esta pesquisa.

    No Brasil, forte a associao da escola, principalmente a do ensino mdio, com a

    expectativa de futuro profissional. Entretanto, as transformaes no mundo do trabalho junto com a m qualidade do ensino vm solapando estas expectativas e tanto os professores quanto os alunos tm conscincia disso. Este um impasse de consequncias

    danosas pois gera nos professores uma certa descrena, ou seja, todos esto conscientes de que as possibilidades de sucesso para a grande maioria dos alunos remota, dessa forma

    s com muito esforo que mantm-se motivados para o trabalho.

    1.2 - NOVOS TEMPOS NO MUNDO DO TRABALHO: A ERA DA GLOBALIZAO

    A partir da dcada de 1980 comeou-se a falar insistentemente em globalizao. De uma hora para outra essa palavra passou a fazer parte do vocabulrio das pessoas, no

    entanto o seu significado prtico ficou restrito ao universo dos que entendem de comrcio, economia, capitalismo e outros assuntos afins. De acordo com Bauman (1999) as reaes dos que no entendem destas variveis se dividem: uns acham que a globalizao traz muita infelicidade e outros acham que quem quiser ser feliz tem que ser global. Mas, como

    ressalta o autor, estes pontos de vista no importam para os mentores desta realidade pois a

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    globalizao um processo irreversvel que afeta a todos: a globalizao nada mais que a extenso totalitria de sua lgica em todos os aspectos da vida (p. 73). Ningum escapa desta lgica, nem mesmo os estados pois estes no tm como enfrentar um novo tipo de presso: basta alguns minutos para que empresas e at estados se desintegrem.

    O fenmeno globalizao vem trazendo profundas transformaes condio humana e os efeitos destas transformaes no so iguais para todos. Bauman (1999) esclarece que a globalizao divide enquanto une e que as causas dessa diviso so iguais s que uniformizam o globo: alm das dimenses planetrias dos negcios, das finanas, do comrcio e do fluxo de informao, colocado em movimento um processo localizador, de fixao no espao (p.8). Estes dois processos esto intimamente relacionados e diferenciam visivelmente as condies de vida de populaes inteiras, como tambm de vrios segmentos de cada populao. Um dos efeitos mais perceptvel deste

    processo o da mobilidade, j que ela se tornou o valor mais cobiado da ps-modernidade. Por ser escassa e distribuda de maneira desigual, transformou-se rapidamente em um forte agente de estratificao social.

    O significado antigo de globalizao remetia aos conceitos de desenvolvimento, convergncia, consenso. Bauman (1999) ressalta que a idia bsica era o discurso de universalizao, o que transmitia a inteno, a esperana e a determinao de se produzir ordem numa escala global. Por sua vez, essa ordem pressupunha um mundo melhor para todos por meio de semelhantes condies de vida de todos (p.67). Em pouco tempo toda a esperana embutida nesta proposta foi substituda por uma realidade esmagadora e sem

    volta: (...) nada disto restou no significado de globalizao, tal como formulado no discurso atual. O novo termo refere-se primordialmente aos efeitos globais, notoriamente no pretendidos e imprevistos, e no s iniciativas e empreendimentos globais. (BAUMAN, 1999, p.67)

    Na realidade, a globalizao no diz respeito ao que os indivduos desejam ou esperam fazer, mas ao que acontece a todos, revelia da vontade dos mesmos. Um dos aspectos mais visveis do processo a exacerbao do consumo, antes as sociedades eram

    voltadas para a produo, representada por sculos de trabalho e principalmente pela era industrial. Nesse novo contexto, tem-se uma sociedade que descarta aquele tipo de

    trabalho. Bauman (1999) ressalta que, na poca da produo, os indivduos eram engajados como produtores ou soldados. Fala tambm que sempre se consumiu, mas hoje no mais

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    uma questo de se atender necessidades, atualmente a sociedade incentiva o consumo como um dos pilares do capitalismo/globalizao: a maneira como a sociedade atual molda seus membros ditada primeiro e acima de tudo pelo dever de desempenhar o papel de consumidor (p.88).

    Para alcanar esta condio de consumismo, foi-se criando necessidades as mais variadas, que requerem satisfao imediata e proporcionam um prazer fugaz. A mdia e

    outros instrumentos conseguem criar novos desejos, novas necessidades que tornam os consumidores acumuladores de sensaes; so colecionadores de coisas apenas num sentido secundrio e derivativo pois so mantidos continuamente expostos a novas tentaes, num estado de excitao incessante (BAUMAN, 1999, p.91). Com essa condio, criada e mantida por um mecanismo bem delineado que constantemente se renova, as sociedades garantem a continuidade do capitalismo e sua manifestao mais

    abrangente: a globalizao. As novas formas de organizao do trabalho, oriundas do capitalismo, tm

    influenciado muito a vida dos trabalhadores. A desregulamentao do trabalho criou, entre outros fatores de incerteza, a flexibilizao que, juntamente com a alta tecnologia, engoliu uma grande quantidade de postos de trabalho, gerando um elevado nvel de desemprego com todo um sqito de conseqncias.A flexibilizao do processo produtivo mostrada por Antunes (2002) que diz:

    Novos processos de trabalho emergem, onde o cronmetro e a produo em srie e de massa so substitudos pela flexibilizao da produo, pela especializao flexvel, por novos padres de busca de produtividade, por novas formas de adequao da produo lgica do mercado. (ANTUNES, 2002, p.24)

    Domingues (1999, p.77) argumenta o quanto evidente a complexidade do capitalismo contemporneo, principalmente a partir do que a sociologia econmica chama de oligopolizao de muitas reas da economia, instituda a partir do gigantismo de empresas que cada vez mais dominam o mercado: os pases, em maior ou menor grau, se

    vem merc das foras de mercado, que para muitos seriam absolutas . Ao tratar da situao do trabalho neste mundo de economia globalizada, este autor

    refere-se opinio de vrios socilogos os quais vm argumentando que, embora as sociedades modernas tenham se constitudo a partir do trabalho dos indivduos, hoje a realidade a reduo do nmero de trabalhadores dentro das empresas, substitudos pela automao dos processos produtivos. Assim, o desemprego estrutural se estabelece e a

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    identidade dos indivduos e dos grupos deixa de ser dada por seu pertencimento classe trabalhadora que, ao contrrio do previsto por Marx, encolhe em vez de aumentar de tamanho (DOMINGUES,1999, p.78).

    Antunes (2002b) bastante enftico ao afirmar que a questo do desemprego estrutural j apresenta dimenses impressionantes, no poupando nem mesmo o Japo, bero do toyotismo e onde, at o advento deste, no houve excesso de mo de obra.

    Referindo-se a este modelo de funcionamento empresarial como sendo o de maior impacto na ordem mundializada e globalizada do capital (p.41), ressalta que a dcada de 80 foi prdiga em transformaes no mundo do trabalho. Estas mudanas atingiram a classe trabalhadora no s no aspecto material mas tambm na subjetividade de cada indivduo que vivenciou a implantao do desemprego estrutural. O capital, mais do que nunca, passou a ter o controle sobre a fora de trabalho e assim o faz por meio da

    fragmentao do trabalho somada a um crescente incremento tecnolgico. Todas as anlises apontam para mudanas realmente preocupantes no mundo do

    trabalho, mais especificamente para todos aqueles que dele faziam ou fazem parte. Como todo este processo de mudanas reflete na realidade do mundo do trabalho das organizaes escolares? Os reflexos so ntidos mas so de outra natureza pois o sistema escolar apresenta caractersticas muito diferentes e portanto no passvel de toyotizao. Por conta dessa particularidade, o conceito econmico da organizao do trabalho no contexto escolar fica restrito diviso do trabalho dentro de uma hierarquizao apropriada, que visa basicamente atingir os objetivos do sistema educacional como um todo.

    1.3- A GLOBALIZAO E SUAS REPERCUSSES NO MUNDO DO TRABALHO DOCENTE: AS POLTICAS EDUCACIONAIS BRASILEIRAS BUSCAM SE ADEQUAR.

    As transformaes no mundo do trabalho decorrentes do avano do capitalismo e da globalizao impactam as polticas pblicas educacionais e conseqentemente o

    trabalho nas escolas. Principalmente a partir da dcada de 90, ocorreu a implementao de uma srie de polticas educacionais fortemente calcadas no modelo neoliberal. Este novo modelo poltico estabeleceu, nos estados brasileiros, reformas que foram alm das especificidades locais e redefiniram o papel do Estado na sua relao com a educao

    (MACEBO; EWALD, PRESTRELO, UZIEL, 2006).

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    As mudanas neoliberais nas polticas pblicas de educao no Brasil ocorreram principalmente no governo Fernando Henrique Cardoso e permaneceram no governo de Luiz Igncio Lula da Silva. Ilustrando as mudanas ocorridas, Oliveira (2004b, p.1129) demonstra o principal ponto pretendido por algumas reformas no sistema educacional, ou

    seja, as chamadas transformaes produtivas com equidade: a equidade far-se-ia presente, sobretudo, nas polticas de financiamento, a partir da definio de custos mnimos

    assegurados para todos. A equidade social , para Oliveira (2004a, 2004b), o eixo principal do globalismo

    para a educao. Uma decorrncia da opo pela equidade social foi a necessidade de alterar os objetivos, as funes e a organizao da gesto escolar. O autor explica que, diante da constatao de que a crena no sistema educacional vigente havia se esgotado por conta do seu fracasso como agente de melhoria da distribuio de renda, foi necessrio

    pensar polticas mais adequadas. Explicando melhor o sentido da equidade nas transformaes produtivas, o autor

    diz que as reformas foram baseadas na padronizao e massificao de alguns processos administrativos e pedaggicos, visando uma suposta universalidade a todo corpo escolar. Apesar da proposta de equidade social, a manobra pretendeu baixar custos e\ou redefinirem gastos, permitindo maior controle das polticas implementadas. O modelo de gesto escolar adotado passou a combinar formas de planejamento e controle central na formulao de polticas associadas descentralizao administrativa (OLIVEIRA, 2004a, 2004b).

    As consequncias mais imediatas das reformas com vistas adequao ao globalismo foram a expanso da educao bsica e a reestruturao do trabalho docente.

    Tanto uma como a outra desembocaram em sobrecarga para os professores, j que estes se viram com muito mais trabalho e responsabilidades sem o preparo e formao adequados aos novos tempos e sem a contrapartida financeira compatvel com as novas exigncias.

    Apesar da pretenso de equidade social e de adequao ao atual contexto do mundo

    do trabalho, as polticas educacionais, segundo Oliveira (2004a, 2004b), no condizem com a realidade social das escolas, sendo essas polticas, na maior parte das vezes,

    irrealistas no que se refere ao cotidiano escolar, pois no contemplam as reais necessidades dos estudantes e nem as da classe docente. As consequncias do no

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    atendimento dessas necessidades aparecem na atuao profissional, na sade e na qualidade de vida dos trabalhadores em educao.

    Para enfrentarem as repercusses da globalizao e a canhestra adequao das polticas educacionais brasileiras, os trabalhadores docentes tm empreendido lutas

    visando modificar o cenrio da educao e o faz a partir da divulgao de novas formas de encarar o impacto dessas polticas de aporte neoliberal no ensino brasileiro. Apesar das

    lutas, o sistema educacional ainda continua com muitos problemas no que se refere s questes relacionadas s condies de trabalho, formao e prtica profissional e sade dos docentes do ensino pblico.

  • 19

    CAPTULO 2 - A REFORMA NO ENSINO MDIO E AS POLTICAS PBLICAS PS-REFORMA: EFEITOS SOBRE A EDUCAO E A

    CLASSE DOCENTE.

    O professor tem o dever de dar suas aulas, de realizar sua tarefa docente. Para isso precisa de condies favorveis, higinicas, espaciais, estticas, sem as quais se move menos eficazmente no espao pedaggico. s vezes, as condies so de tal maneira perversas que nem se move. O desrespeito a este espao uma ofensa aos educandos, aos educadores e prtica pedaggica. (FREIRE, 2002)

    No Brasil, as reformas destinadas educao ocorrem periodicamente e de acordo com Frigotto e Ciavatta (2004), os fundamentos da maioria delas so importados do primeiro mundo e no correspondem s necessidades locais. Assim que nos anos 90 ocorreu a reforma do ensino mdio e tcnico com a participao ativa do Banco Interamericano de Investimentos (BID) e do Banco Mundial (BIRD). O consentimento para esta participao na reforma deu-se por meio de instrumentos legais, sendo os mais decisivos o decreto n 2208/97, as portarias do MEC n 646/97 e n 1005. Esta ltima criou o Programa de Reforma da Educao Profissional (PROEP), com o objetivo de viabilizar o aporte de recursos das instituies citadas e tambm a aceitao da reforma.

    Frigotto e Ciavatta (2004) esclarecem como esses instrumentos induziram a (...) reduo progressiva de vagas do ensino mdio de nvel tcnico at a sua extino no prazo de 5 anos a criao de cursos bsicos de educao profissional, no sujeitos regulamentao e a expanso dos cursos de tecnlogos e licenciaturas de nvel superior nas escolas tcnicas, transformadas em Centros Federais de Educao Tecnolgicas CEFETs. (FRIGOTTO E CIAVATTA , 2004, p.13)

    Os autores ressaltam a importncia de se conhecer os mecanismos polticos por trs das reformas pois estes escondem dois aspectos da cultura educacional no Brasil. Neste caso, esto se referindo, em primeiro lugar, a uma histrica dificuldade de lidar com a educao para o trabalho enquanto elemento gerador de cultura e aperfeioamento humano

    e em segundo lugar, a abertura a ideologias e recursos externos que acabam por impedir o

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    desenvolvimento da autonomia na conduo de um sistema educacional mais adequado realidade do pas.

    Copiar outras sociedades, importando suas ideologias, seria optar por no construir uma identidade prpria, principalmente por conta da dependncia econmica e cultural

    mantidas atravs da continuada interveno externa, a qual se constitui numa extensa dvida que requer vultosos recursos para ser paga, recursos que teriam melhor destino se

    fossem empregados na criao da autonomia cientfico-tecnolgica (FRIGOTTO e CIAVATTA, 2004, p. 15).

    As polticas educacionais, muitas vezes, so vistas como um mecanismo de dominao poltica que contaminam o processo educativo como um todo e no cumprem o

    propsito de formar sujeitos autnomos e crticos. A reforma no ensino mdio demonstra como se constri, na teoria, uma escola que pretende preparar as pessoas para a vida. Na

    prtica, a igualdade de condies presente nos discursos fica apenas nos discursos, o novo patamar prometido aos indivduos no chega a se constituir j que naufraga no mar de inconsistncias que se tornou a educao brasileira.

    As polticas pblicas referentes s reformas no ensino mdio so s uma pequena parte da realidade educacional brasileira que a classe dominante insiste em classificar como a melhor que se pode ter. Como bem diz Freire (2002, p.111): do ponto de vista dos interesses dominantes, no h dvida de que a educao deve ser uma prtica imobilizadora e ocultadora de verdades.

    Antes da reforma do ensino mdio, mais especificamente na dcada de 80, foi

    elaborado o projeto da lei de Diretrizes e bases da Educao LDB, ocasio em que foram amplamente discutidas vrias questes visando delinear o que seria uma educao bsica,

    fundamental e mdia, que se constitusse a partir do estudo dos fundamentos cientfico-tecnolgico e histrico-sociais (FRIGOTTO e CIAVATTA, 2004, p.17). Estes autores ressaltam que naquela ocasio no houve compatibilidade entre o pensamento dos educadores e a ideologia e as polticas de ajustes governamentais, o que levou rejeio das propostas fundamentais da LDB.

    As manobras governamentais para que a LDB se tornasse coerente com seus

    propsitos de desregulamentao, de descentralizao e de privatizao so descritas por Frigotto e Ciavatta (2004):

    (...) o projeto de LDB oriundo das organizaes dos educadores, mesmo sendo coordenado, negociado e desfigurado pelos relatores do bloco de

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    sustentao governamental, foi rejeitado pelo governo. Todas as decises fundamentais foram sendo tomadas pelo alto, pelo Poder Executivo, mediante medidas provisrias e decretos ou por leis conquistadas no Parlamento por meio da troca de favores. O substitutivo do projeto original foi ento se transformando em uma pea legal adequada aos interesses do governo. (FRIGOTTO e CIAVATTA, 2004, p.17).

    Embora os articuladores das propostas de reforma educacional vivessem a realidade vigente na educao, quem decide est a servio do poder constitudo, o qual, historicamente, atende aos interesses das classes dominantes e no s reais necessidades dos estudantes, dos trabalhadores docentes e da sociedade.

    Logo depois, o governo comeou a se preocupar com a reforma do ensino mdio e para estrutur-la montou um grupo com especialistas em educao e representantes do

    poder pblico. Preocupados com a qualidade do ensino, os educadores delinearam uma proposta de reforma com o ambicioso objetivo de prover aos estudantes uma educao como capacidade de conhecer e de atuar, de transformar e de ressignificar a realidade (FRIGOTTO e CIAVATTA, 2004, p.15). O como fazer seria oferecendo aos jovens um ensino que desconstruisse chaves tais como a cincia coisa de cientista, a cultura coisa de gente fina (p.16). No entanto, assim como aconteceu com o projeto da LDB, os esforos para implantar a proposta que corrigiria distores e que garantiriam o acesso ao ensino bsico de qualidade a todo cidado brasileiro foram em vo.

    As finalidades do ensino mdio, durante um bom tempo, estiveram

    predominantemente voltadas para o mercado de trabalho. Todavia, as profundas mudanas impostas pelo novo padro da sociedade capitalista tornaram-nas obsoletas. Este novo

    padro, por ser essencialmente caracterizado pela desregulamentao das relaes, deixou de atender a premissa bsica da emancipao humana, a qual, segundo Ramos (2004, p.39), s pode ocorrer medida que os projetos individuais entram em coerncia com um projeto social coletivamente construdo. A incoerncia do projeto de reforma, que desvinculou a formao tambm para o trabalho, desfigurou ainda mais a incipiente identidade do ensino mdio.

    A distncia entre a concepo de um ensino que transforma a realidade e daquele que meramente leva adaptao dos indivduos ao meio pode ser medida ao se observar que existe uma tendncia para ensinar aos jovens a se conformarem com a realidade material e social em que esto inseridos.

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    O descompasso entre o que se pretendia e o que se fez gerou uma nova realidade no trabalho dos professores, que foram confrontados com novas demandas, mas sem o suporte formativo e de reconhecimento social, fatores imprescindveis para o bom desempenho da funo de fazer funcionar um sistema educacional que se pretenda

    transformador. Sem dvida, as coisas ficaram mais difceis para os professores, aumentando assim o nmero daqueles para quem o sofrimento substituiu o prazer de

    ensinar. Possibilitar que eles falem dessa experincia talvez leve ao resgate do ideal que um dia os encaminhou para uma sala de aula.

    2.1- PRINCIPAIS ASPECTOS CONTEMPLADOS PELA REFORMA E SEUS PONTOS CRTICOS: O CONTEXTO DO TRABALHO DO PROFESSOR PS-REFORMA NO ENSINO MDIO.

    No artigo A escola mdia: um espao sem consenso, Krawczyt (2004, p.113), traa um panorama do ensino mdio ps reforma e deixa bem claro a distncia entre o

    pretendido e o realizado. A autora sintetiza dizendo que no campo de tenses produzido entre a intencionalidade das novas estratgias, a realidade que se quer transformar e a nova

    efetividade produzida possvel discriminar os elementos que facilitaram e os que dificultaram o xito da reforma.

    Em vista da crescente demanda pelo ensino mdio, determinada pelas novas exigncias do mercado de trabalho, definiu-se por mudanas neste ensino que

    privilegiariam a otimizao de recursos, a democratizao e a qualidade da educao oferecida. No entanto, conforme ressalta Krawczyt (2004), verifica-se que, no seio da reforma, convivem problemas antigos e novos que no impedem a expanso do ensino mdio, mas esta, alm de proporcionar um ensino de baixa qualidade, ainda mantm elevado grau de excluso.

    Nesse sentido o ensino mdio no consegue atender a demanda que cresceu

    significativamente. Ao mesmo tempo em que apresenta uma proposta pedaggica confusa e insatisfatria, no atende as finalidades desse nvel de ensino, ou seja, no promove o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental e a preparao bsica para o trabalho e para a cidadania por meio da construo da autonomia intelectual e moral (KUENZER, 2000, p.9).

    Dentre os aspectos mais crticos da reforma, Krawczyt (2004 p.116) ressalta alguns pontos mais problemticos e observa o quanto as inconsistncias das polticas educacionais

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    tm afetado negativamente o trabalho do professor, a dinmica institucional da escola e, em menor grau, a realidade educacional do aluno.

    Krawczyt (2004 p.116-128) cita os aspectos mais crticos3: A reforma do ensino, na viso da equipe diretiva das escolas pesquisadas, tida como um

    sinnimo de remodelao fsica. Observa-se que, embora o ncleo da reforma seja a reviso curricular, as melhorias referentes ao programa de melhoria da infraestrutura das

    escolas so mais lembradas e valorizadas pelos docentes.

    A instalao de unidades escolares de referncia, que se destacam pela estrutura, pelos recursos didticos e pelas finalidades multiplicadoras relativas formao continuada e de professores, de centros de inovao educacional: os objetivos que motivaram a criao destas unidades no se concretizaram na grande maioria das escolas e nada indica que isto v ser corrigido.

    A nova concepo curricular prev que os contedos oferecidos atendam aos interesses e inclinaes dos alunos. Denominada de PCNs Parmetros Curriculares Nacionais, esta nova concepo prope a construo de currculos diversificados adequados cada

    escola mas com base nacional comum. Na prtica, ocorre uma dificuldade de assimilar e executar os pontos-chave dos PCNs, principalmente os de interdisciplinaridade e de

    competncias. Outro empecilho efetividade da implantao da proposta dos PCNs a burocracia existente no processo de comunicao entre as diferentes instncias do governo e destas com as escolas.

    Os recursos didticos so outro ponto sensvel da reforma do ensino mdio. A prtica

    pedaggica pressuposta no novo currculo requer, conforme Krawczyt (2004), recursos didticos adequados e grande parte das escolas no conta com eles. Os recursos disponveis, na maioria das escolas, so os de sempre: professores fazem cpias de texto ou passam matria no quadro, em total descompasso com a tecnologia bsica, que tanto

    atrai os alunos e facilita o trabalho do professor.

    A avaliao, como mecanismo mensurador de aprendizagem, foi prescrita como avaliao

    por conceito em vez da avaliao por notas vigente at a poca da reforma. Os professores oferecem resistncia nova modalidade argumentando que no possvel

    fazer acompanhamento individual de alunos com salas superlotadas, isto , em torno de

    3 Os dados de anlise da reforma foram coletados a partir de uma pesquisa feita pela Nora Krawczyk em 18

    escolas de ensino mdio de trs estados do Brasil: Pernambuco, Cear e Paran (seis escolas em cada estado). O objetivo dessa pesquisa era analisar o processo de concretizao da reforma do ensino mdio.

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    40 a 50 alunos. Alm disso, h o receio de que os alunos se desinteressem dos estudos por terem a certeza de que sero aprovados, referido que isto de fato acontece, o que aumenta ainda mais o estresse do professor. A implantao do novo modelo de avaliao, segundo Krawczyt (2004) ainda est em transio. Aps dcadas de avaliao baseada apenas no desempenho acadmico do estudante no da noite para o dia que uma nova modalidade passe a fazer parte da prtica pedaggica instituda.

    Projetos de gesto escolar institudos produziram a gesto educacional compartimentalizada em programas; Krawczyt (2004, p.130) esclarece que a gesto escolar hoje depende da boa administrao institucional de um conjunto de programas implantados de maneira superposta, sem articulao entre eles e sem constituir uma proposta pedaggica institucional.

    Para Krawczyt (2004) as condies de trabalho dos professores um tema bastante conhecido por todos os profissionais da rea e h dois aspectos mais problemticos envolvidos: o nmero insuficiente de professores e a falta de capacitao para ensinar com

    base no novo currculo. A soluo empregada para resolver a carncia de professores a formao do professor polivalente e, segundo a autora, os rgos oficiais conduzem a

    formao docente continuada de forma precria, degradando ainda mais a formao do professor. A formao em servio apontada como um dos aspectos mais valorizados nos programas de melhoria do ensino mdio, mas, apesar dessa valorizao, foi constatado que as secretarias da educao reclamam que a formao priorizada apenas no discurso

    oficial, mas no o nos financiamentos. Sob o ponto de vista de Krawczyt (2004), a consolidao da reforma do ensino

    mdio ainda est em curso e o que pode ser observado mostra que a realidade do que se queria ver muito diferente do que pode ser constatado:

    A situao atual da escola de ensino mdio encerra o seguinte paradoxo: uma reforma curricular complexa junto com a desvalorizao do trabalho intelectual da escola como instituio cultural. Essa desvalorizao vem acontecendo, como vimos, por meio da deteriorao das condies de trabalho dos professores; de uma governana educacional cada vez mais burocratizada e de uma gesto escolar cada vez mais tecnocrtica e menos pedaggica; da ausncia de reflexo e trabalho coletivo nos processos de definio poltico-educativos; da falta de uma unidade conceptual entre as diferentes aes pedaggicas propostas nas vrias instncias governamentais. (KRAWCZYT, 2004, p.155)

    Alm deste resumo da verdadeira situao no ensino mdio aps seis anos da implantao da reforma, a autora relata um dilogo com um ativo participante do

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    delineamento da mesma. Na ocasio indagaram a esse indivduo qual a razo das mudanas em estudo no contemplarem as condies do trabalho docente nem a melhoria da formao dos professores pois estas medidas logicamente se refletiriam na transformao da educao pblica. A pessoa, muito sinceramente, respondeu: uma

    reforma desse tipo no teria impacto poltico (KRAWCZYT, 2004, p. 155). Salientando que no se pode resumir a problemtica educacional ao trabalho docente, a autora

    denuncia que no se pode tambm simplificar a realidade da educao no Brasil a ponto de se fazer reformas com base apenas no rendimento poltico.

    2.2- EFEITOS LOCAIS DA REALIDADE DO ENSINO PBLICO SOBRE O PROFISSIONAL DOCENTE.

    Como se viu, vrios fatores que se entrelaaram para construir a realidade no ensino pblico brasileiro tornaram-se mais impactantes aps a reforma do ensino mdio. Na

    maioria dos casos, a falta de alternativas de trabalho o nico motivo que leva muitos professores a enfrentarem sua jornada junto a alunos desinteressados e indisciplinados, num crculo vicioso em que a desmotivao do professor tambm um alimento para o desinteresse dos alunos. As condies de trabalho, o pouco valor social da profisso e os baixos salrios somam-se e desmotivam ainda mais os docentes.

    Freire (2002) enftico ao esclarecer que a luta dos professores por melhores salrios , antes de tudo, uma tentativa de se fazerem respeitar como trabalhadores e como pessoas. Para ele, o combate em favor da dignidade da prtica docente, visa fazer frente ao

    descaso com o ensino: Um dos piores males que o poder pblico vem fazendo a ns, no Brasil, historicamente, desde que a sociedade brasileira foi criada o de fazer muitos de ns correr o risco de, a custo de tanto descaso pela educao pblica, existencialmente cansados, cairmos no indiferentismo fatalistamente cnico que leva ao cruzamento dos braos. No h o que fazer o discurso acomodado que no podemos aceitar. (FREIRE, 2002, p. 74)

    Para muitos professores este no h o que fazer j um fato consumado. Uns realmente caem no indiferentismo e se envolvem apenas o mnimo necessrio para cumprirem a obrigao de darem suas aulas. Outros se desdobram para manterem acesa a chama do ideal que os levou profisso custa de muito sacrifcio pessoal no deixam que se desfaa a motivao por ensinar.

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    O desfazimento do objetivo de lecionar, alm da desmotivao, gera o mal estar docente, o que, de acordo com Esteve (1999, p.55) um "conjunto de reaes dos professores como grupo profissional desajustado devido mudana social". O autor prossegue com a definio:

    A expresso mal-estar docente (malaise enseignant, teacher burnout) emprega-se para descrever os efeitos permanentes, de carter negativo, que afetam a personalidade do professor como resultado das condies psicolgicas e sociais em que exerce a docncia, devido mudana social acelerada. (ESTEVE, 1999, p. 56)

    Para ele, esse mal-estar est ligado ao intenso processo de mudanas sociais que vem ocorrendo em todo o mundo nos ltimos anos e s dificuldades da escola em caminhar junto com as mudanas. Os professores fazem parte deste quadro de mudanas sociais, s que as mudanas no sistema educacional so lentas e superficiais e o desempenho da profisso docente no tem outra sada seno andar no passo lento do sistema que, s vezes,

    no prov as escolas nem do bsico para uma atuao decente. Esteve (1999) corrobora, com seus estudos, o argumento de que um dos principais

    fatores que causam o mal estar docente est na falta de recursos materiais e nas condies de trabalho do professor. Essa realidade apresenta discrepncias em relao s polticas

    educacionais, uma vez que no do conta da realidade social e no a modifica. [...] professores que enfrentam com iluso uma renovao pedaggica de sua atuao nas salas de aulas encontram-se, freqentemente, limitados pela falta de material didtico necessrio e pela carncia de recursos para adquiri-los. Muitos desses professores queixam-se explicitamente da contradio que supe, por um lado, que a sociedade e as instncias superiores do sistema educacional exijam e promovam uma renovao metodolgica, sem, ao mesmo tempo, dotar os professores dos recursos necessrios para lev-la a cabo. (ESTEVE, 1999, p.48)

    Depreende-se do trecho citado que as instncias superiores e a prpria sociedade

    exigem do professor vrias mudanas, mas, na prtica no viabilizam sequer recursos suficientes para aquisio dos materiais. O envio de recursos ocorre geralmente uma vez ao

    ano, entretanto nunca so suficientes para suprir as necessidades acumuladas, inviabilizando assim as transformaes propostas nas polticas educacionais e dificultando

    aos professores o perfeito cumprimento de seu papel. Para ter qualidade em seu funcionamento, tanto a escola como qualquer instituio

    ou grupo social, precisam de critrios compreendidos e admitidos por todos os seus

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    membros. Isto est longe de ser a realidade nas escolas pblicas, condio melhor explicada por Levy (2001a, p.25) quando ele fala dos negcios polticos-econmicos e o quanto estes influem negativamente no funcionamento das instituies: em funo de interesses no explicitados, cada vez mais se acentua o divrcio entre as instituies e os

    discursos que so proferidos em nome da escola, ou seja, de um lado ficam as condutas sociais efetivas, do outro, a forma como estas so compreendidas e sentidas.

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    CAPTULO 3 - A PSICODINMICA DO TRABALHO COMO BASE TERICA

    O sofrimento pode tornar-se o instrumento de uma modificao na organizao do trabalho ou gerar um processo de alienao e de conservadorismo (DEJOURS, 2004).

    A Psicodinmica do Trabalho surgiu na dcada de 1990, como um ramo da Psicopatologia do Trabalho. Esta segunda vertente foi criada por L Guillant, tendo como

    principal expoente Cristhophe Dejours. Dejours tinha como finalidade compreender o sofrimento psquico no trabalho e todo o seu esforo era dirigido ento no sentido de

    estabelecer relaes entre as injunes e constrangimentos organizacionais e a desestabilizao psicolgica dos indivduos (DEJOURS, 1992; 2004).

    O que se esperava era que em algum momento as pessoas iriam necessariamente se descompensar psiquicamente e adoecerem. Mas o que observou foi que isso no ocorria

    com a freqncia esperada, o que deixou Dejours um tanto intrigado. Atravs de criteriosas pesquisas vislumbrou o outro lado da questo: o estado de normalidade. O foco ento

    passou a ser a normalidade conseguida pelos trabalhadores num contexto de trabalho aparentemente adoecedor. Dada a inverso do objeto de pesquisa, Dejours passou a chamar de Psicodinmica do Trabalho o seu novo campo de pesquisa e as teorias formuladas.

    Desde ento, o objetivo principal de Dejours passa a ser a compreenso das estratgias s quais o trabalhador recorre para manter-se saudvel, apesar de certos modos de organizao do trabalho patologizantes (Dejours, 2004, p.172). Neste sentido, a condio de normalidade inclui tanto o prazer quanto o sofrimento e pode mesmo ser uma estratgia de defesa que oculta o sofrimento com o objetivo de evitar a somatizao de doenas ou a loucura tal como expressa Dejours; Abdoucheli; Jayet (1994):

    A psicopatologia tradicional baseada, como dissemos, no modelo da fisiopatologia das doenas do corpo dedicada, antes de mais nada, ao estudo das doenas mentais e da loucura. Ora, o campo de investigao que se trata de explorar aqui diz respeito a sujeitos que apesar das presses que devem enfrentar, conseguem evitar a doena e a loucura. Trata-se, portanto, de estudar um campo psicopatolgico no ocupado pela loucura: aquele da normalidade. Por certo que a normalidade dos comportamentos no implica a ausncia de sofrimento. E o sofrimento, alm disso, no exclui o prazer. (DEJOURS; ABDOUCHELI, JAYET, 1994, p.47)

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    O foco da investigao da Psicodinmica do Trabalho est entre o sofrimento e a normalidade, esta no concebida como simples ausncia de doena, mas como resultado de estratgias defensivas elaboradas para resistir ao que, no trabalho, desestabilizador (DEJOURS, 2004, p. 172). Assim, a Psicodinmica do Trabalho busca a gnese e as transformaes do sofrimento mental vinculadas organizao do trabalho (DEJOURS; ABDOUCHELI; JAYET,1994, p.14).

    Compreender como a maioria dos homens e das mulheres consegue driblar a doena mental, apesar das presses organizacionais passa a ser, segundo Mendes (2007a, p.29), a meta mxima da Psicodinmica do Trabalho. A partir da anlise da dinmica prpria dos contextos de trabalho sob observao, procura estabelecer a atuao de foras

    visveis e invisveis, objetivas e subjetivas, psquicas, sociais, econmicas que podem ou no deteriorar este contexto (MENDES, 2007a, p.29). Por meio desse tipo de anlise a Psicodinmica do Trabalho conseguiu estabelecer que o sofrimento se instala quando a relao do trabalhador e a organizao do trabalho so bloqueadas por diferentes foras que colocam frente a frente o desejo da produo e o desejo do trabalhador.

    No existe um conceito racional para os termos sofrimento e prazer, uma vez que se

    estabelecem no mbito dos sentimentos. Para Dejours (2004) o sofrimento um (...) espao clnico intermedirio que marca a evoluo de uma luta entre funcionamento psquico e mecanismo de defesa por um lado e presses organizacionais desestabilizantes por outro lado, com o objetivo de conjurar a descompensao e conservar, apesar de tudo, o equilbrio possvel, mesmo se ele ocorre ao preo de um sofrimento, com a condio de que ele preserve o conformismo aparente do comportamento e satisfaa aos critrios sociais de normalidade (DEJOURS, 2004, p.148).

    A percepo do prazer e do sofrimento no trabalho se d por meio do vis interpretativo da subjetivao, que definida por Mendes (2007a, p.30) como sendo o processo de atribuio de sentido, construdo com base na relao do trabalhador com sua

    realidade de trabalho, expresso em modos de pensar, sentir e agir individuais ou coletivos. Assim, a subjetivao um instrumento mediador entre o mundo real, aquele vivido e experimentado, e o mundo interior, aquele interpretado e construdo por intermdio dos sentidos do trabalhador. A partir desse processo de subjetivao, a realidade social construda pelo trabalhador, mediante a interpretao dos significados da real organizao do trabalho. Essa construo se d atravs da representao social, a qual produz novos comportamentos, dando novos significados realidade vivida pelo trabalhador.

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    Por real organizao do trabalho compreende-se a diviso do trabalho, o contedo da tarefa, as modalidades de comando, as relaes de poder, as questes pertinentes a responsabilidades, o sistema hierrquico. A organizao do trabalho o ponto chave para a compreenso do sofrimento e prazer do trabalhador, pois nela que se estabelece a relao

    social de confiana, de desejo, de motivao e de reconhecimento de seus pares. Dejours; Abdoucheli; Jayet (1994, p.42) afirmam que a organizao do trabalho que determina as relaes entre desejo e motivao.

    Quando a organizao do trabalho , para o trabalhador, fonte de exigncias rgidas e imutveis, inviabiliza-se a construo de defesas, neste caso, resta-lhe a alternativa nica de adaptar-se ao trabalho, o qual passa a ser apenas fonte de presses patognicas e meio

    de sobrevivncia. O trabalho, entretanto, tambm pode levar a uma vivncia de prazer, pois as pessoas diferenciam-se na