dissertação - micaela dominguez dutra
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Direito TributárioCapacidade ContributivaTRANSCRIPT
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Instituto Brasiliense de Direito Pblico - IDP Mestrado em Direito Constitucional
A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA: ANLISE
LUZ DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS
MICAELA DOMINGUEZ DUTRA
BRASLIA - DF 2008
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Instituto Brasiliense de Direito Pblico - IDP Mestrado em Direito Constitucional
A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA: ANLISE
LUZ DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS
Dissertao apresentada ao Programa de Mestrado do Instituto Brasiliense de Direito Pblico - IDP como parte dos requisitos para obteno do ttulo de mestre. Orientador: Prof. Dr. Gilmar Ferreira Mendes
BRASLIA - DF
2008
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Dutra, Micaela Dominguez.
A capacidade contributiva: elo de ligao entre os direitos fundamentais e humanos e a tributao. / Micaela Dominguez Dutra. Braslia: Instituto Brasiliense de Direito Pblico, 2008.
214f.
Dissertao (Mestrado em Direito Constitucional) Instituto Brasiliense de Direito Pblico, Mestrado Acadmico em Direito, rea de Concentrao Constituio e Sociedade, 2008.
1. Capacidade Contributiva 2. Direitos Humanos 3. Tributao 4. Direitos Fundamentais I. Ttulo
CDD 341.3933
Catalogao na fonte. Bibliotecria: Vanessa Barbosa da Silva - CRB 1/2066
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Instituto Brasiliense de Direito Pblico - IDP Mestrado em Direito Constitucional
DISSERTAO DE MESTRADO
A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA: ANLISE
LUZ DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS
MICAELA DOMINGUEZ DUTRA
Orientador: Prof. Dr. Gilmar Ferreira Mendes, Scio-Fundador do IDP
Banca Examinadora:
Gilmar Ferreira Mendes Integrante: Prof. Orientador
Liziane Angelotti Meira Integrante: Prof. IDP
Antnio Augusto Brando dos Aras Integrante: Prof. UFBA
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Dedico este trabalho a minha me, Ana Cristina Cantinho Dominguez, ao meu
pai, Jorge de Souza Dutra, e a minha irm, Georgia Dominguez Dutra, que so a
essncia e o mote propulsor da minha vida. Muito obrigada por tudo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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Agradeo a concluso do presente trabalho, primeiramente, ao meu orientador,
Ministro Gilmar Ferreira Mendes, que apostou em mim desde a defesa de meu trabalho
de ps-graduao, que me incentivou, ajudou - inclusive em um dos momentos mais
tormentosos de minha vida -, e me iluminou com sua sabedoria ao longo desses dois
profcuos anos de convvio, os quais jamais irei esquecer.
Agradeo, tambm, de forma especial ao Professor Paulo Gonet, que com seu
conhecimento e gentileza, recebeu-me em seu grupo de estudos, em suas aulas,
estimulou-me a seguir em frente com minhas idias e meu trabalho, fazendo com que
meu perodo em Braslia fosse mais agradvel, alm de muito produtivo.
Meu muito obrigada, tambm, ao Professor Inocncio Mrtires Coelho, que com
sua filosofia mudou meu enfoque sobre o mundo e sobre a vida, as aulas foram
inesquecveis....
Aos professores Luiz Moreira, Marcos Valado, Ivo Gicco, Marcelo Neves,
Arnaldo Godoy, minha eterna dvida pelo conhecimento tcnico e de vida passados,
precioso tesouro, que, com o tempo, engrandece ainda mais aos meus olhos, bem
como melhor se torna absorvido por mim. Foi uma convivncia maravilhosa e que
deixou enorme saudade!!!
Registro, outrossim, meu agradecimento Christine Oliveira Peter da Silva pelo
valioso apoio na reviso tcnica da minha dissertao.
No poderia deixar de agradecer a toda a equipe de apoio do IDP: Fernando,
Gilberto Rios, Gabriel, que me aturaram ao longo desses dois anos, bem como, minha
vtima predileta, Vanessa Barbosa, a quem devo todo o levantamento bibliogrfico
desse trabalho, bem como sua formatao e padronizao.
E, por fim, no poderia deixar de registrar o meu agradecimento ao Hlio
Siqueira e ao Daniel Hora do Pao, pela oportunidade de ter cursado esse excelente
mestrado, pelo auxlio que me foi dado para que chegasse at o fim do curso,
principalmente, por ter sido o fim dessa trajetria um dos momentos mais difceis da
minha vida, e pela confiana em mim depositada.
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Suposto, pois, que ou o sal no salgue ou a terra se no deixe salgar; que se
h-de fazer a este sal e que se h-de fazer a esta terra? Padre Antonio Vieira, em
sermo proferido em S. Lus do Maranho, trs dias antes de se embarcar ocultamente
para o Reino, Vos estis sal terrae. S. Mateus, V, l3.
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RESUMO
A dissertao procura abordar o princpio da capacidade contributiva em todos
os seus aspectos, analisando seu histrico, contedo, classificaes, balizadores,
ndices, atributos, aplicabilidade, necessidade de sua observncia por parte do Poder
Legislativo e Judicirio, sua relao com a extrafiscalidade, com a evaso/eliso fiscal,
sua localizao em nossa Constituio, sua relevncia no cenrio nacional em razo de
ser um direito e uma garantia fundamental de aplicao imediata; demonstrando que tal
princpio um elo entre os direitos fundamentais e a tributao, j que no h como
garantir um sem a existncia do outro, alm do fato de poder ser o mencionado
princpio considerado como um direito humano, respaldado na Declarao Universal
dos Direitos Humanos, o qual pode ser invocado por qualquer um em qualquer lugar do
globo com base na idia de cidadania universal kantiana.
Palavras-chave: Tributao. Capacidade Contributiva. Anlise do Princpio.
Direito Fundamental. Direito Humano.
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ABSTRACT
This book is about the principle of tax-paying ability, which focus in these
points: historical, content, classifications, limits, rates, attributes, applicability,
observation by Legislative and Judiciary Powers, the relationship between extrafiscality
and tax-paying ability, the relationship among tax-paying ability and tax evasion/elision,
your place in our Constitution, your importance in our system, your caracterization like a
connector link between the basic rights and the taxation, because one depends on the
other, besides that the principle of tax-paying ability can be consider like a human right,
which is guaranteed by the Universal Declaration of Human Rights, which is possible to
be invoked by anyone in anywhere with an idea of universal citizenship of Kant.
Key words: Taxation. Tax-paying Ability. The Contents of Principle. Basic
Rights. Human Rights.
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SUMRIO
INTRODUO................................................................................................................................ 11
1 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA: CONTORNOS MATERIAIS...................................... 13
1.1 Fundamentos axiolgicos da Capacidade Contributiva: Justia e Igualdade.......... 13
1.1.1. A Justia................................................................................................................... 13
1.1.2 A Igualdade................................................................................................................ 17
1.2 Diferenas entre a Capacidade Econmica, Contributiva e Financeira................... 21
1.3 Classificao da Capacidade Contributiva............................................................... 24
1.3.1 Capacidade Contributiva Objetiva (ou Absoluta) e Subjetiva (ou Relativa)... 25
1.3.2 Capacidade Contributiva Geral (ou Global) e Parcial.................................... 28
1.3.3 Capacidade Contributiva Prpria ou em Representao............................... 29
1.4 Capacidade Contributiva como critrio de Classificao dos Tributos..................... 33
1.5 ndices de Capacidade Contributiva......................................................................... 34
1.5.1 A Renda......................................................................................................... 36
1.5.2 O Patrimnio.................................................................................................. 39
1.5.3 O Consumo.................................................................................................... 40
1.6 Atributos da Capacidade Contributiva...................................................................... 41
1.7 Tcnicas de Tributao utilizadas para viabilizar a aplicao da Capacidade
Contributiva..................................................................................................................... 43
1.8 Caracterizao da Capacidade Contributiva como Princpio................................... 48
1.9 Histrico do Princpio da Capacidade Contributiva.................................................. 53
1.10 O Contedo do Princpio da Capacidade Contributiva........................................... 62
1.11 A juridicidade do Princpio da Capacidade Contributiva......................................... 67
1.12 A natureza da norma acolhedora do Princpio da Capacidade Contributiva.......... 70
1.13 O Princpio da Capacidade Contributiva na Constituio da Repblica
Federativa do Brasil, de 05/10/1988.............................................................................. 74
2 PRINCPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA: EFICCIA E APLICAO.............. 80
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2.1 A necessidade da Tributao e sua relao com o Princpio da Capacidade
Contributiva
80
2.2 Introduo anlise da Eficcia e a aplicao do Princpio da Capacidade
Contributiva .................................................................................................................... 89
2.3 Limites Tributao pelo Princpio da Capacidade Contributiva............................. 91
2.3.1 O Mnimo Vital.................................................................................................. 91
2.3.2 O Confisco........................................................................................................ 97
2.4 Destinatrio Legal do Princpio da Capacidade Contributiva................................... 103
2.5 Aplicao do Princpio.............................................................................................. 105
2.5.1 Com relao aos Impostos............................................................................... 109
2.5.1.1 Quanto aos Impostos Reais e Pessoais..................................... 111
2.5.1.2 Quanto aos Impostos Diretos e Indiretos................................... 113
2.5.2 Com relao s Taxas..................................................................................... 114
2.5.3 Com relao s Contribuies de Melhoria..................................................... 117
2.5.4 Com relao s Contribuies Parafiscais, a de Iluminao Pblica e aos
Emprstimos Compulsrios...................................................................................... 119
2.6 Relao entre Tributao Extrafiscal e o Princpio da Capacidade Contributiva..... 121
2.7 Evaso e Eliso Fiscais e o Princpio da Capacidade Contributiva......................... 125
2.8 Capacidade Contributiva e Atividade Legislativa...................................................... 128
2.9 Capacidade Contributiva e Atividade Judiciria....................................................... 131
2.9.1 A Ao Direta de Inconstitucionalidade e A Argio de Descumprimento de
Preceito Fundamental...............................................................................................
138
2.9.2 O Mandado de Segurana............................................................................... 138
2.9.3 O Mandado de Injuno................................................................................... 139
2.9.4 Vias Ordinrias................................................................................................ 139
2.9.4.1 Ao Declaratria de Inexistncia de Relao Jurdica............. 140
2.9.4.2 Ao Anulatria......................................................................... 140
2.9.4.3 Embargos do Devedor................................................................ 140
3 A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E OS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS 141
3.1 Delimitao Conceitual de Direitos Humanos e Fundamentais................................ 141
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3.2 Conceito de Ser Humano......................................................................................... 142
3.3 Perspectiva Histrica dos Direitos Humanos e Fundamentais e suas dimenses 146
3.4 Conceito e Contornos dos Direito Humanos............................................................ 158
3.5 Conceito e Contornos dos Direitos Fundamentais................................................... 164
3.6 Breves Notas Acerca do Princpio da Dignidade da Pessoa Humana .................... 179
3.7 Direitos Fundamentais e Capacidade Contributiva.................................................. 182
3.8 Direitos Humanos e Capacidade Contributiva.......................................................... 186
CONCLUSO.................................................................................................................... 192
REFERNCIAS.................................................................................................................. 197
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INTRODUO
O Princpio da Capacidade Contributiva, que existe no apenas no direito, mas
tambm na economia, acompanha o desenvolvimento da humanidade desde seus
primrdios, e como tal vem sendo reinterpretado ao longo do tempo.
Considerado por Perez de Ayala como uma exigncia tica da Justia, , sem
dvida, o grande mediador nas relaes entre o Fisco e o contribuinte.
Trata-se de um princpio dotado de grande carga axiolgica, que tem por
fundamento de validade o sobre-princpio da justia e o princpio da igualdade, e que,
apesar de ser extremamente til e importante para nortear a tributao, vem sendo
relegado ao oblvio em nosso pas pelo Legislativo, Executivo, e s vezes, pelo
Judicirio, todavia, este ltimo ainda busca dar alguma efetividade capacidade
contributiva.
Tendo em vista que a tributao primordial para assegurar os direitos
fundamentais reconhecidos pelos Estados, sendo, modernamente, considerada um
dever fundamental, e que, a maioria das receitas auferidas por eles para garantir tais
direitos obtida via tributao, a capacidade contributiva do cidado que vai balizar
essa relao entre o custo do direito e a necessidade do Estado de garantir esse
direito, sem que para tanto, prejudique o contribuinte em demasia. a observncia do
mencionado princpio que garantir o rtulo de justo e equnime a um sistema
tributrio.
O objeto do nosso estudo o princpio da capacidade contributiva, o qual
analisamos, prioritariamente, dentro do contexto nacional, sendo a meno a doutrina
estrangeira - basicamente espanhola, italiana, alem e argentina - pontual. Utilizamo-
nos tambm de diversas ementas extradas de acrdos prolatados por tribunais do
pas acerca de vrios aspectos do princpio, para apresentar uma dimenso prtica de
sua aplicao no Brasil.
Procuramos estudar o mencionado princpio, buscando, em uma primeira parte,
definir seu contedo, seus aspectos conceituais e sua configurao em nosso texto
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constitucional, para, em um segundo momento, analisar os aspectos relacionais dele,
atinentes a sua relao com a tributao, aos seus limites inferior e superior (mnimo
existencial e confisco, respectivamente), destinatrios, sua aplicao em relao aos
tributos existentes em nosso sistema, sua relao com a extrafiscalidade, com a evaso
e eliso fiscais e a necessidade de sua observncia por parte do Legislativo e
Judicirio. Sempre com a inteno de demonstrar que tal princpio pode ser melhor
observado dentro do nosso sistema, j que dispe de diversas estruturas que permitem
uma caracterizao mais exata do que seja a capacidade contributiva de cada cidado.
Terminado o delineamento do princpio em seus aspectos materiais e
relacionais, enfrentamos, de forma pontual, o conceito de direitos fundamentais, tendo
como referencial terico Robert Alexy, Ingo Wolfgang Sarlet e Gilmar Ferreira Mendes,
antecedido pelo de direitos humanos - por terem profunda relao -, para demonstrar
que o princpio em estudo pode ser considerado um direito fundamental e um direito
humano, sendo que para esse segundo ponto, restringimo-nos a anlise da Declarao
Universal dos Direitos do Homem de 1948, por ser ela um marco na internacionalizao
dos direitos humanos.
Ou seja, nosso objetivo primordial demonstrar, por meio de uma anlise
acerca de um extenso levantamento bibliogrfico, e de decises tomadas
prioritariamente pela Suprema Corte do pas, que o mencionado princpio tem uma
estrutura prpria, determinada, que exige a sua efetiva observncia na criao de um
sistema tributrio que procure atender aos critrios da justia e igualdade, e que, dentro
do nosso sistema constitucional, pode ser o mesmo considerado um direito
fundamental, bem como, sob uma perspectiva filosfica pode, tambm, ser
caracterizado como um direito humano, sendo respaldada tal assertiva na Declarao
Universal de Direitos do Homem de 1948.
Se conseguirmos com o presente trabalho, despertar um debate mais profundo
acerca do princpio da capacidade contributiva, e de sua observncia em nosso sistema
teremos atingido o nosso objetivo.
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1 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA: CONTORNOS MATERIAIS
Como visto na introduo, o presente trabalho procura analisar, em
profundidade, o princpio capacidade contributiva, e, para tal, iniciaremos nosso estudo
pelos aspectos que compem a noo de capacidade contributiva, que so:
fundamentos axiolgicos, diferenas entre capacidade contributiva, econmica e
financeira, sua classificao, seus ndices, atributos e tcnicas de tributao usadas
para aferi-la, para, posteriormente, analisarmos o enquadramento dela como princpio,
sua juridicidade como princpio, a natureza da norma acolhedora do princpio, e como
ela tratada na nossa constituio.
1.1 FUNDAMENTOS AXIOLGICOS DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA:
JUSTIA E IGUALDADE
1.1.1. A JUSTIA
A justia tem sido buscada pelo homem desde os seus primrdios. A raa
humana eminentemente social, e a vida em comunidade acaba levando sempre o
indivduo a estabelecer comparaes entre a sua vida e a dos demais. Portanto, o
conceito de justia nasce sempre dentro de uma sociedade, e, antes de jurdico, ser,
inevitavelmente, social.
Normalmente se declara que o conceito de justia est ligado diretamente aos
valores culturais, religiosos e morais de uma dada sociedade, e, sem dvida, esse
conceito adquiriu diversos formatos ao longo da histria da evoluo humana. Contudo,
por vivermos, atualmente, em um mundo globalizado e multicultural, pode-se dizer que
paira, pelo menos em uma grande parte dele, um conceito mais uniforme sobre a
justia.
No resta dvida de que ao se falar em justia inmeras emoes afloram e o
debate tende a ser dirigido de acordo com os interesses daquele que a pleiteia, mas,
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por trs disto, h aquilo que se pode chamar de senso comum de justia, que norteia
nosso convvio social. Logo, a necessidade de justia ou propiciar o bem estar social
um dos elementos que constituem o trip sobre o qual fundamenta-se o Estado
Moderno e, mais modernamente, o Estado de Direito.1.
Marcelo Elias Sanches define muito bem o conceito de justia, deixando fixado
que: Objetivamente, a Justia tida como ordenao da convivncia humana com
finalidade harmnica, estruturada em seus valores fundantes: igualdade, liberdade e
fraternidade.2. Ressalte-se que, para o referido autor, a igualdade, a alteridade e a
proporcionalidade so apontadas como elementos da justia, que conferem a esta
maior preciso e clareza.
Assim, expe, o supra citado autor, suas idias sobre a Justia:
Penso que a Justia no est em um plano abstrato to elevado, de maneira que jamais ser atingido pelo humano, mas sim bem prximo realidade social, podendo ser concretizada pelo Homem, a longo prazo, aps um extenso e seguro caminho de maturao racional, equilibrador de necessidades, interesses e impulsos humanos.3
Destarte, a Justia nasce como um valor, mas com o passar do tempo acaba
ganhando maior concretude e se transforma em um sobreprincpio que norteia todo o
ordenamento jurdico de um dado Estado e a origem de diversos princpios jurdicos.
Fernando Sainz Bujanda j se manifestou sobre os princpios que derivam do
sobreprincpio da justia, ao analisar o texto constitucional espanhol, expondo que:
[...] Asi, los principios formulados por el texto constitucional son los seguintes: el de generalidad, el de capacidad econmica, el de igualdad, el de progresividad y el de no confiscatoriedad. Debe subrayarse que todos ellos son aspectos parciales de un nico principio, el de justicia, proclamado por el texto constitucional y que, en el anlises particular de cada uno de ellos, han de
1 SILVA, Valclir Natalino da. Justia Tributria e Segurana Jurdica. Revista Dialtica de Direito
Tributrio. So Paulo, n. 40, p. 75, jan. 1999. 2 SANCHES, Marcelo Elias. A Teoria da Imposio Tributria e a Teoria da Justia. Revista dos
Tribunais : Caderno de Direito Tributrio e Finanas Pblicas. So Paulo, ano 6, n. 25, p. 118, out./dez. 1998.
3 SANCHES, Marcelo Elias. Op. cit., p. 120.
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tenerse presentes los restantes para su debida compreensin.4
Desde Plato, passando por Aristteles, Ccero, So Toms de Aquino,
Hobbes, Kant, Perelman, Kelsen, Larenz, muitos filsofos e juristas se dedicaram a
estudar o conceito de justia, produzindo fantsticos e profundos trabalhos, que pela
falta de espao, no sero objeto de nossa anlise, j que o que se pretende neste
subitem apenas delinear os contornos da Justia, que sero usados mais tarde na
anlise do princpio da capacidade contributiva. Contudo, deve-se abordar alguns
pontos, ainda, antes de passarmos para o prximo subitem.
Aristteles estabeleceu classes lgicas de justia, dividindo-a em distributiva e
reparadora, que so usadas at hoje na aplicao do referido princpio. A primeira
analisa a distribuio dos bens materiais em determinada sociedade. Otfried Hffe
informa que ela se utiliza de trs critrios: a cada cual lo mismo o cada cual segn su
valor como ser humano en general; a cada cual segn su capacidad y rendimiento; a
cada cual segn sus necesidades.5.
J a justia reparadora ou corretiva apenas faria mediao entre as pessoas,
procurando reparar danos causados, restituindo as partes ao status quo ante e
punindo a quem causou o prejuzo.
Confira-se a concepo de Aristteles sobre o justo:
O justo, por conseguinte, deve ser ao mesmo tempo intermedirio, igual e relativo (isto , para certas pessoas). E, como intermedirio, deve encontrar-se entre certas coisas (as quais so respectivamente maiores e menores); como igual envolve pelo menos quatro termos, porquanto duas so as pessoas para quem ele de fato justo, e duas so as coisas em que se manifesta.
E a mesma igualdade se obter entre as pessoas e entre as coisas envolvidas; pois a mesma relao que existe entre as segundas (as coisas envolvidas) tambm existe entre as primeiras. Se no so iguais, no recebero coisas iguais; mas isso origem de disputas e queixas: ou quando iguais tm e recebem partes desiguais, ou quando desiguais recebem partes iguais. Isso, alis, evidente pelo fato de que as distribuies devem ser feitas de acordo com o mrito; pois todos admitem que a distribuio justa deve concordar com o mrito num sentido qualquer, se bem que nem todos especifiquem a mesma espcie de mrito, mas os democratas o identificam com a condio de homem livre, os partidrios da oligarquia com a riqueza (ou a nobreza de nascimento), e
4 Apud SILVA, Valclir Natalino da., Op. cit., p. 74-75. 5 HFFE, Otfried. Diccionario de Etica. Barcelona: Crtica, 1994. p. 174.
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os partidrios da aristocracia com a excelncia.6
Kelsen, em O Problema da Justia, exclu a valorao do mbito de anlise da
justia, procurando descrever todos os possveis valores dela, sem eleger um como
melhor em relao aos demais. Apesar de ter se verificado que esta tica meramente
formal do direito no seria suficiente para enfocar o tema, entende-se que, com o
auxlio terico de Kelsen, a coao normativa garante, paradoxalmente, a liberdade
individual, sempre que esta seja produto da vontade de todos ou da maioria, por meio
de um processo democrtico.7.
O sobreprincpio da justia encontra-se positivado na maioria dos
ordenamentos jurdicos modernos8, revelando-se, em nosso direito positivo, na
Constituio da Repblica Federativa do Brasil em seu art. 3, incisos I, segunda figura,
e IV.
Como nossa dissertao analisa o princpio da capacidade contributiva,
reputado verdadeiro princpio tributrio constitucional, vale, antes de passarmos ao
estudo da igualdade, verificar como Roberto Wagner Lima Nogueira caracteriza a
Justia Tributria:
Para falarmos em Justia Tributria numa sociedade democrtica precisamos notar a presena de pelo menos duas caractersticas bsicas: I uma forte regulao na distribuio de bens na estrutura bsica da sociedade, e II cidados-contribuintes que em uma democracia constitucional pagam tributos e mantm um fundo comum pblico, destinado a garantir a oferta de bens e de servios impossveis de serem assegurados com eqidade a todos os cidados, se entregues ao mercado. A garantia da oferta bsica de tais bens materiais e imateriais passa inevitavelmente pela intributabilidade do mnimo existencial, e a ausncia da oferta deste (sic) bens camada pobre da populao redunda na perda do sentido humano, na perda da dignidade no mbito econmico, poltico, social e jurdico-fiscal.9
De todo o exposto, conclui-se que a justia um importante norte para a
6 Apud TROIANELLI, Gabriel Lacerda. Justia e Capacidade Contributiva: a Questo dos Impostos
Reais. Revista Dialtica de Direito Tributrio. So Paulo, n. 53, p. 47, fev. 2000. 7 ZILVETI, Fernando Aurlio. Princpios de Direito Tributrio e a Capacidade Contributiva. So Paulo:
Quatier Latin, 2004. p. 63. 8 Dentre os principais citamos o da Frana, Espanha, Itlia, Portugal. 9 NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. tica Tributria e Cidadania Fiscal. Revista de Estudos
Tributrios. So Paulo, n. 27, p. 26, set./out. 2002.
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anlise do princpio da capacidade contributiva, pois alm de dar origem a este, fornece
instrumentos teis para trazer uma viso mais humana tcnica da tributao.
1.1.2 A IGUALDADE
A igualdade um conceito atravs do qual o ser humano procura alcanar a
verdadeira justia. Derivada deste sobreprincpio, a isonomia um ideal que sempre
motivou o homem na estipulao de suas regras sociais.
Contudo, a interpretao que se deu a esse princpio evoluiu de acordo com as
alteraes sociais, culturais e polticas pelas quais passou a humanidade.
No novidade que os seres humanos so nicos, no podendo se encontrar
em todo o mundo duas pessoas completamente iguais, sempre haver diferenas. Por
conseguinte, a idia de igualdade inata absolutamente terica, sendo inalcanvel na
prtica, o que foi percebido pelos homens desde a Era Clssica.
Pensadores como Plato, So Toms de Aquino, Rosseau, Larenz, Kelsen,
Bobbio, Harbermas, dentre outros, ao abordarem o tema, partiam, sempre, do
pressuposto de que os homens so naturalmente desiguais entre si.
Portanto, a aplicao do referido princpio se d a partir da identificao das
efetivas diferenas existentes entre as pessoas, para que se possa chegar a uma
soluo adequada para a situao em que se encontram; tratando de forma igual as
que esto em uma mesma posio, e de forma desigual as que se diferenciam por se
alocarem em condies diversas.
Tal pensamento enunciado, j, por Aristteles, foi rememorado e exposto de
forma brilhante pelo nosso guia de Haia o eminente jurista Rui Barbosa que em
sua obra Orao aos Moos estipulou:
A regra da igualdade no consiste seno em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada desigualdade natural, que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais so desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a iguais com desigualdade, seria desigualdade flagrante, e no igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criao, pretendendo, no dar a cada um, na razo do que
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vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem.10
A igualdade como princpio de direito e garantia do homem surgiu pela primeira
vez, conforme relato de Fernando A. Zilveti11, na Amrica do Norte, em uma lei cuja
autoria foi atribuda ao Reverendo Nathaniel Ward of Ipswich, em 1641, que recebeu,
tempos depois, a denominao de Body of Liberties. O referido autor, tambm, aponta
que o primeiro projeto de declarao de direitos do homem foi apresentado em 20 de
novembro de 1772, em Boston, por James Otis e Samuel Adams, e deu origem a
Declaration of Rights, promulgada em 14 de outubro de 178412.
Foi elevada categoria de princpio constitucional em 12 de junho de 1776, no
Bill of Rights da Virgnia; todavia, Fernando Zilveti ressalta que nesta carta no se
mencionava efetivamente que os homens eram iguais, o que ocorreu apenas com o
advento da Constituio de Massachusets, em 2 de maro de 178013. Em 26 de agosto
de 1789, a Frana apresentou sua Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado.14
Todos esses textos legais que dispuseram sobre o princpio da igualdade
procuravam garantir s pessoas um tratamento semelhante na aplicao do Direito e na
interferncia do Estado em sua vida privada. Surge a partir da, como sugere Gerson
dos Santos Sicca:
[...] a tradicional distino entre igualdade perante a lei e igualdade na lei, a primeira assumindo o aspecto formal da racionalizao da atividade de subsuno das leis a todas as pessoas sem considerao de suas qualidades e a segunda acepo dirigida preponderantemente ao legislador, para que este no possa criar distines entre cidados situados na mesma condio.15
Jos Afonso da Silva considera irrelevante a distino entre igualdade perante a
lei e igualdade na lei; o que fundamental, para ele, verificar que os destinatrios
10 BARBOSA, Rui. Orao aos Moos. So Paulo: Martin Claret, 2004. p. 39. (Coleo A Obra-Prima de
Cada Autor) 11 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 73-76. 12 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 73-76. 13 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 73-76. 14 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 75-76. 15 SICCA, Gerson dos Santos. Isonomia tributria e capacidade contributiva no Estado contemporneo.
Revista de Informao Legislativa. Braslia, a. 41, n. 164, p. 217, out./dez. 2004.
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deste princpio so os aplicadores da lei e os legisladores.16
O princpio da igualdade teve diversas acepes, todavia, hoje, aplicado com
maior relevo no setor econmico. Francisco Campos ressaltou este ponto, esclarecendo
que:
[...] O motivo que inspira a declarao nas Constituies modernas do direito igualdade perante a lei de outra ordem. Ele consiste na convico de que um determinado regime econmico, precisamente o de que a livre concorrncia constituiu a categoria lgica, tica e jurdica, no poder subsistir a no ser se ao Estado se impe o dever de no alterar, em caso algum, as condies da concorrncia, a no ser que tais alteraes sejam gerais ou se apliquem indiscriminadamente a todos os concorrentes.17
Jos Maurcio Conti indica que a obedincia ao princpio da igualdade se d quando:
a)adotarem as normas critrios de discriminao entre as pessoas;
b)dever tal critrio de discriminao adotado ter como fundamento um elemento valorado pela norma que resida em fatos;
c)dever o fator de discriminao adotado guardar uma relao de pertinncia lgica com a situao que deu origem ao fator de discriminao;
d)dever tal fator de discriminao ter por finalidade reduzir as desigualdades existentes entre as pessoas;
e)deverem os fatores de discriminao adotados estar de acordo com o estabelecido pela legislao.18
Desta forma, constata-se que o princpio da igualdade aplicado atravs de
uma discriminao, obtida por meio de um critrio de comparao, todavia, para que tal
diferenciao seja vlida, para Gerson Sicca, necessrio que sejam observados os
seguintes itens:
[...], 1) de se reconhecer a liberdade de conformao conferida ao legislador ordinrio; 2) o legislador, ao estabelecer a discriminao, pretende atingir determinada finalidade, que deve ser objeto de sindicabilidade perante as normas constitucionais; 3) deve ser indagada a legitimidade dos meios adotados para o legislador atingir a finalidade em causa; 4) o princpio da igualdade, assim como todos os princpios, pode ser compreendido em dupla
16 SILVA, Jos Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. So Paulo: RT, 1968. p. 167. 17 CAMPOS, Francisco. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956. p. 17. v. 2 18 CONTI, Jos Maurcio. Princpios Tributrios da Capacidade Contributiva e da Progressividade. So
Paulo: Dialtica, 1996. p. 26.
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funo, seja para evitar discriminaes arbitrrias, seja para exigir a equiparao de pessoas em situaes semelhantes.19
Destarte, segundo Jos Maurcio Conti, para que o princpio da igualdade seja
aplicado, devem-se estabelecer normas que verifiquem: a) a desigualdade relativa entre
os indivduos; b) a viabilidade na comparao entre os seres, segundo um determinado
critrio que os coloque em uma posio de igualdade; e c) o critrio de comparao
eleito deve estar explicitado na Constituio.20
Nesse contexto, surge o princpio da capacidade contributiva, que, no Direito
Tributrio, afere o critrio de igualdade ou desigualdade aplicado aos contribuintes.
Misabel de Abreu Machado Derzi conclui que: A capacidade contributiva
(considerada proporcional ou regressivamente) um desdobramento de um mesmo e
nico princpio, o da igualdade.21.
Regina Helena Costa considera que a capacidade contributiva um
subprincpio do princpio da isonomia. E, segundo Jos Marcos Domingues de Oliveira,
a igualdade se desdobra em diversas facetas no direito tributrio, que so:
a) Se todos so iguais perante a lei, todos devem ser por ela tributados (princpio da generalidade);
b) o critrio de igualao ou desigualao h de ser a riqueza de cada um, pois o tributo visa a retirar recursos do contribuinte para manter as finanas pblicas, assim, pagaro todos os que tenham riqueza, localizados os que tm riqueza (logo, contribuintes) devem todos estes ser tratados igualmente ou seja tributados identicamente na medida em que possurem igual riqueza (princpio da igualdade tributria);
c) essa riqueza s poder referir-se ao que exceder o mnimo necessrio sobrevivncia digna, pois at este nvel o contribuinte age ou atua para manter a si e aos seus dependentes, ou unidade produtora daquela riqueza (primeira acepo do princpio da capacidade contributiva, enquanto pressuposto ou fundamento do tributo);
d) essa tributao, ademais, no pode se tornar excessiva, proibitiva ou confiscatria, ou seja, a tributao, em cotejo com diversos princpios e garantias constitucionais (direito ao trabalho e livre iniciativa, proteo propriedade), no poder inviabilizar ou mesmo inibir o exerccio de atividade profissional ou empresarial lcita nem retirar do contribuinte parcela substancial
19 SICCA, Gerson dos Santos. Op. cit., p. 221. 20 CONTI, Jos Maurcio. Op. cit., p. 27. 21 DERZI, Misabel de Abreu Machado. Princpio da Igualdade no Direito Tributrio e suas
Manifestaes. V Congresso Brasileiro de Direito Tributrio. So Paulo: RT, 1991, p. 163.
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de propriedade (segunda acepo do princpio da capacidade contributiva, enquanto critrio de graduao e limite da tributao).22
O princpio da isonomia encontra-se previsto na maioria das Cartas
Constitucionais existentes no mundo23. Na Constituio da Repblica Federativa do
Brasil est encartado, de forma genrica, no art. 5, caput, e inciso I, e, de forma
especfica para a seara tributria, no art. 150, inciso II.
Constata-se, de todo o exposto, que o princpio da igualdade possu diversos
subprincpios, dentre os quais est o da capacidade contributiva, que segundo Amlcar
Falco representa a verso, em matria tributria, do princpio geral da isonomia24.
Hugo de Brito Machado afirma que a capacidade contributiva seria um critrio
de valorao do princpio da isonomia, e um critrio capaz de realizar, tambm, o
princpio da justia.25
Jos Maurcio Conti ao analisar a capacidade contributiva, deixa claro a forte
influncia valorativa que a justia e a igualdade exercem na aplicao do princpio,
confira-se:
[...] O princpio da capacidade contributiva estabelece como critrio de justia a ponderao segundo a capacidade econmica do contribuinte. Dessa forma, o princpio da igualdade aplicvel ao Direito Tributrio mediante a utilizao de um critrio de discriminao j definido, qual seja, a capacidade contributiva.26
1.2 DIFERENAS ENTRE A CAPACIDADE ECONMICA, CONTRIBUTIVA E
FINANCEIRA
Em virtude da freqncia com que estes termos aparecem em diversas obras, e
22 Oliveira, Jos Marcos Domingues de. Capacidade Contributiva: Contedo e Eficcia do Princpio. 2.
ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 13, destaques do autor. 23 Dentre as principais citamos a da Espanha, Itlia, Portugal, Alemanha, Frana, Estados Unidos da
Amrica. 24 FALCO, Amlcar de Arajo. Fato Gerador da Obrigao Tributria. 2. ed. So Paulo: RT, 1971. p.
68. 25 MACHADO, Hugo de Brito. Os Princpios Jurdicos da Tributao na Constituio de 1988. 3. ed. So
Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 62. 26 CONTI, Jos Maurcio. Op. cit., p. 28.
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a divergncia doutrinria que se travou ante a interpretao das expresses
capacidade econmica e capacidade contributiva, reputou-se necessrio discorrer
um pouco sobre estes conceitos.
A noo de capacidade econmica est mais voltada cincia econmica e
financeira, conforme relata Jos Maurcio Conti, do que o conceito de capacidade
contributiva, que est mais ligado cincia jurdica.27
Ives Gandra da Silva Martins entende que a capacidade contributiva a
capacidade do contribuinte relacionada com a imposio especfica ou global, sendo,
portanto, dimenso econmica particular de sua vinculao ao poder tributante, nos
termos da lei28. Enquanto a capacidade econmica a exteriorizao da
potencialidade econmica de algum, independente de sua vinculao ao referido
poder.29 O supra citado autor elucida a diferenciao dos dois conceitos atravs do
seguinte exemplo:
Um cidado que usufrui renda ainda tem capacidade contributiva perante o pas em que a recebeu, j um cidado rico, de passagem pelo pas, tem capacidade econmica, mas no tem contributiva, pois ele tem rendimentos suficientes para suportar tributos, mas no h nenhuma relao jurdica que o vincule ao Fisco do pas pelo qual transita. Assim, no tem capacidade contributiva neste pas.30
Regina Helena Costa31, ao distinguir as referidas expresses, explicita que um
indivduo pode ter capacidade econmica para adquirir bens necessrios a sua
sobrevivncia, todavia, pode no ter capacidade contributiva, pois consome
integralmente a sua renda com o mnimo vital tal concepo tambm adotada por
Luigi F. Natoli32. Chega-se concluso de que a capacidade contributiva pressupe a
econmica, mas no se confunde com ela.
Moschetti entende ser a capacidade econmica uma condio necessria para
27 CONTI, Jos Maurcio. Op. cit., p. 36. 28 MARTINS, Ives Gandra. Capacidade Econmica e Capacidade Contributiva. Caderno de Pesquisas
Tributrias: Resenha Tributria. So Paulo, n. 14, p. 33 e seguintes, 1989. 29 MARTINS, Ives Gandra. Capacidade Econmica e Capacidade Contributiva. Op. cit., p. 33 e seguintes. 30 MARTINS, Ives Gandra. Capacidade Econmica e Capacidade Contributiva. Op. cit., p. 33 e seguintes. 31 COSTA, Regina Helena. Princpio da Capacidade Contributiva. 3 ed. So Paulo: Malheiros, 1996, p.
34-36. 32 Apud Regina Helena Costa, op. cit., 3 ed., p. 34-35.
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a existncia de capacidade contributiva, que tem como elemento de qualificao a
aptido de realizar o interesse pblico, no se podendo vislumbrar a riqueza do
indivduo separada das exigncias coletivas.33 Contudo, de acordo com Hugo de Brito,
caso esta teoria seja aceita, estar-se-ia fazendo tabula rasa do princpio da capacidade
contributiva, tendo em vista que a expresso interesse pblico deveras genrica, o
que faria com que o Estado pudesse manipular o referido conceito, decidindo quando
haveria ou no interesse pblico a justificar, por exemplo, a concesso de isenes.34
Hugo de Brito salienta que, para Maffezzoni, a capacidade contributiva no
pode ser identificada na pura e simples capacidade econmica do sujeito passivo.
Reputa ser difcil conceituar capacidade econmica, j que impreciso e vago o
conceito de renda, ademais tal expresso no poderia ser mensurada apenas pela
renda. J a capacidade contributiva deve envolver fato indicativo do gozo de vantagens
decorrentes dos servios pblicos.35
Na crtica que faz Maffezzoni, Hugo de Brito demonstra que to complicado
quanto definir capacidade econmica, determinar o que seja o gozo de vantagens
decorrentes da utilizao dos servios pblicos. Ademais, alega que no seria justo
enfocar a tributao como retribuio pelo uso dos servios pblicos, pois,
normalmente, so utilizados em maior proporo pela parcela carente da populao,
que, obviamente, no teria condies de ter maior participao que os demais no
custeio das despesas pblicas36.
Agostinho Toffoli Tavolaro37 acrescenta s expresses j estudadas o conceito
de capacidade financeira, que seria a disponibilidade para a liquidao de suas
obrigaes no tempo e forma contratadas. Diante de tal caracterizao, chega-se,
facilmente, a concluso que este conceito no tem nada que ver com os outros dois, j
33 MOSCHETTI, Francesco. Il Princpio della Capacita Contributiva. Padova: Ed. CEDAM, 1973. p. 240. 34 Apud Hugo de Brito Machado. Os princpios jurdicos da tributao na Constituio de 1998. Op. cit., p.
71. 35 Apud Hugo de Brito Machado. Os princpios jurdicos da tributao na Constituio de 1998. Op. cit., p.
71-72. 36 Apud Hugo de Brito Machado. Os princpios jurdicos da tributao na Constituio de 1998. Op. cit., p.
71-72. 37 TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Capacidade Contributiva. Capacidade Contributiva: Caderno de
Pesquisas Tributrias. So Paulo, n. 14, co-edio Resenha Tributria: Centro de Estudos de Extenso Universitria, p. 196, 1989.
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que a pessoa pode ter capacidade econmica, contributiva e no ter financeira, por
faltar-lhe liquidez.
Zilveti deixa claro que a discusso existente na distino entre os termos
capacidade econmica e capacidade contributiva, ainda que exista entre os italianos,
, para ns, desprovida de sentido, pois a primeira sempre presumida em relao
segunda, e sem a qual a tributao no seria possvel.38
O ilustre doutrinador ressalta que a melhor interpretao para a questo
fornecida por Ferreira Filho que a considera como uma sinonmia. Lembra, inclusive,
que o termo capacidade econmica, retirado de semelhante expresso existente na
Constituio espanhola, interpretado, naquele pas, como sendo sinnimo de
capacidade contributiva, pois no se faz diferenciao quanto aos termos.39
Tanto Zilveti40 quanto Leonnetti41 entendem que as expresses devem ser
reputadas como sinnimas, pois o constituinte ao se referir capacidade econmica
queria se reportar condio do contribuinte de pagar tributos.
Discordamos da opinio de Hugo de Brito ao considerar que a Constituio
Federal no se remete capacidade contributiva e sim a econmica42. Entendemos,
junto com Zilveti43 e Leonetti44, que no cabe, dentro do direito brasileiro, distinguir tais
expresses, devendo ser as mesmas reputadas idnticas, j que ntida, no esprito da
Carta de 1988, a preocupao que o constituinte teve com a situao do contribuinte, a
possibilidade dele arcar ou no com o nus tributrio que lhe imposto pelo Estado.
38 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 250. 39 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 251. 40 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 251. 41 LEONETTI, Carlos Arajo. O imposto sobre a renda como instrumento de justia social no Brasil. So
Paulo: Manole, 2003, p. 53. 42 MACHADO, Hugo de Brito. Os Princpios Jurdicos da Tributao na Constituio de 1988. 5ed. So
Paulo: Dialtica, 2004,p. 81. 43 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 251. 44 LEONETTI, Carlos Arajo. Op. cit., p. 53.
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1.3 CLASSIFICAO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
Torna-se fundamental esclarecer quais so as classificaes atribudas
capacidade contributiva, pois elas auxiliam o leitor a compreender as divergncias
doutrinrias que envolvem o princpio, dentre elas a relativa aplicabilidade dele s aos
impostos ou a todos os tributos.
Elencamos os trs tipos de classificao que so mais invocados pela doutrina
em geral:
1.3.1 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA OBJETIVA (OU ABSOLUTA) E
SUBJETIVA (OU RELATIVA)
Sem dvida, esta a classificao mais adotada pela doutrina. Destaque-se
lio de Jos Marcos Domingues de Oliveira sobre o tema:
[...] a capacidade contributiva conceito que se compreende em dois sentidos, um objetivo ou absoluto e outro subjetivo ou relativo.
No primeiro caso, a capacidade contributiva significa a existncia de uma riqueza apta a ser tributada (capacidade contributiva como pressuposto da tributao), enquanto no segundo, a parcela dessa riqueza que ser objeto da tributao em face de condies individuais (capacidade contributiva como critrio de graduao e limite do tributo).45
Maral Justen Filho esclarece que a capacidade contributiva absoluta se refere
hiptese de incidncia, j a relativa se liga ao mandamento normativo.46
Regina Helena Costa ensina que:
A capacidade contributiva absoluta ou objetiva funciona como pressuposto ou fundamento jurdico do tributo, ao condicionar a atividade de eleio, pelo legislador, dos fatos que ensejaro o nascimento de obrigaes tributrias. Representa sensvel restrio discrio legislativa, na medida em que no autoriza, como pressuposto de impostos, a escolha de fatos que no sejam
45 OLIVEIRA, Jos Marcos Domingues de. Op. cit., p. 57. 46 JUSTEN FILHO, Maral. Capacidade Contributiva. Caderno de Pesquisas Tributrias. So Paulo, n.
14, co-edio Resenha Tributria: Centro de Estudos de Extenso Universitria, p. 357-395, 1989.
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26
reveladores de alguma riqueza.47
No que tange ao aspecto subjetivo, entende a renomada jurista que, por ser
utilizado como critrio de graduao de impostos, atua como limite da tributao,
preservando o mnimo existencial e impedindo que a progressividade leve ao confisco
ou ao cerceamento de outros direitos constitucionais48.
Gisele Lemke faz um timo relato de quais doutrinadores aceitam apenas a
capacidade contributiva absoluta e quais adotam, tambm, a concepo relativista.49
Informa que Eduardo D. Botelho s aceita o aspecto objetivo, pois, para ele, o juiz s
poderia anular norma tributria quando esta no tiver qualquer fato-signo presuntivo de
riqueza. J Joo Caio Goulart Penteado aceita tanto a capacidade absoluta, quanto a
relativa, todavia, de forma limitada quanto a este segundo aspecto, pois permite a
invocao do princpio quando o fato tributvel no econmico, quando a tributao
no respeita o mnimo vital, ou quando aniquila a riqueza.
Comenta Gisele que Alfredo Augusto Becker tem entendimento semelhante ao
de Joo Caio Goulart Penteado, pois compreende que o juiz pode declarar a
inconstitucionalidade de norma que institua tributo com fundamento em fato que no
seja signo presuntivo de riqueza. Contudo, o renomado autor considera que o juiz no
pode deixar de aplicar a norma ao constatar que, em um caso concreto, no atende ao
princpio da capacidade contributiva.50
Ressalta Gisele que Maral Justen Filho d nfase especial ao aspecto objetivo
do princpio, salientando que fundamental para caracterizar uma norma como
tributria. No aceita o aspecto relativo dele por entender que tal aferio invadiria a
esfera poltica.51
Antes de se indicar os doutrinadores que admitem de forma plena a existncia
do aspecto subjetivo da capacidade contributiva, vale invocar distino feita por Gisele
Lemke entre capacidade contributiva relativa abstrata ou concreta. Na abstrata, a
47 COSTA, Regina Helena. Op. cit.,3 ed., p. 28. 48 COSTA, Regina Helena. Op. cit., p. 28-31. 49 LEMKE, Gisele. Op. cit., p. 42. 50 LEMKE, Gisele. Op. cit., p. 42. 51 LEMKE, Gisele. Op. cit., p. 42.
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graduao do imposto feita de acordo com uma mdia, obtida atravs de
padronizaes. Na concreta, os critrios estabelecidos permitem que o tributo seja
individualizado para cada contribuinte, extraindo-se, da, a sua capacidade contributiva
real.52
Sabe-se que Sacha Calmon53 considera que a capacidade contributiva deve ser
real, coadunando com esta idia temos Regina Helena Costa54 e Jos Marcos
Domingues de Oliveira55.
Entende-se, de forma majoritria56, que a capacidade contributiva deve ser vista
tanto do lado objetivo, quanto do subjetivo, pois segundo Gisele:
No se pode deduzir que o indivduo tenha capacidade de contribuir para o financiamento das despesas pblicas simplesmente por constar da hiptese de incidncia fato-signo presuntivo de riqueza. Pode haver somente capacidade econmica.57
Agora, a partir do momento que coadunamos com a corrente majoritria58,
aceitando tanto o aspecto objetivo, como o subjetivo da capacidade contributiva, cabe
perquirir, dentro do aspecto subjetivo se deve prevalecer o enfoque abstrato, ou
concreto, conforme distino anteriormente feita.
Gisele alega que tal questo tem difcil soluo, pois se de um lado se tem o
princpio da capacidade contributiva, que como corolrio da igualdade, vai requerer que
a capacidade aferida seja a real, de outro, tem-se a praticabilidade da tributao, que,
na definio de Misabel, um princpio constitucional implcito e representa o conjunto
de normas e tcnicas usado para permitir a execuo e aplicao das leis.59
52 LEMKE, Gisele. Op. cit., p. 42. 53 COLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributrio Brasileiro. 8 Ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2005, p. 84. 54 COSTA, Regina Helena. Op. cit., p. 86. 55 OLIVEIRA, Jos Marcos Domingues de. Capacidade Contributiva: Contedo e Eficcia do Princpio.
Rio de Janeiro: Renovar, 1988, p. 61. 56 Defendem esse entendimento, dentre outros: Jos Marcos Domingues de Oliveira, Regina Helena
Costa, Sacha Calmon Navarro Colho, Gisele Lemke, Fernando Aurlio Zilveti. 57 LEMKE, Gisele. Op. cit., p. 43. 58 Ilustram essa corrente, dentre outros: Jos Marcos Domingues de Oliveira, Regina Helena Costa,
Sacha Calmon Navarro Colho, Gisele Lemke, Fernando Aurlio Zilveti. 59 LEMKE, Gisele. Op. cit., p. 44.
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Zilveti ensina que o objetivo da praticabilidade dar efetividade norma, de
modo que a capacidade contributiva seja respeitada, apesar da massificao ou da
criao de meios que simplifiquem os elementos da obrigao tributria.60. Entende
que essa forma de coadunar a praticabilidade com a capacidade contributiva permitir
que seja estabelecida pela lei uma presuno61 relativa de capacidade contributiva, de
modo que o cidado prejudicado possa comprovar que no se enquadra na referida
presuno.62
Gisele Lemke tem o mesmo entendimento que Zilveti, o que se afere do seguinte trecho retirado de sua obra, j vrias vezes citada ao longo da presente dissertao:
[...] o princpio da capacidade contributiva no implica na considerao da capacidade contributiva concreta de cada contribuinte, mas apenas no que se chamou de capacidade contributiva subjetiva abstrata, a no ser em hipteses excepcionalssimas. Vale dizer, perfeitamente aceitvel o uso de presunes e de padronizaes para a composio da hiptese de incidncia tributria, desde que sejam razoveis.63
1.3.2 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA GERAL (OU GLOBAL) E PARCIAL
possvel aferir a capacidade contributiva global, quando se leva em
considerao o total de tributos pagos por uma pessoa, relacionando-os com toda a sua
riqueza. J a parcial se limita a focar cada tributo de modo isolado, comparando-o com
a riqueza a que se refere.
Gisele traz a lio de Joo Caio Goulart Penteado, segundo o qual o princpio
pode ser violado no s no aspecto parcial, mas tambm no global, quando a carga
tributria total existente em um sistema seja excessiva64. Alcides Jorge, tambm, aceita
60 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 320. 61 Concordamos com Maria Rita Ferragut que, em sua obra Presunes no Direito Tributrio (p. 176),
defende que as presunes no violam o princpio da capacidade contributiva, pois o fato-signo presuntivo de riqueza ocorreu, a sua comprovao que se deu por meios indicirios.E expande tal concluso para o caso de presuno ou arbitramento de base de clculo, nas hipteses em que os critrios utilizados para tal revelem capacidade contributiva.
62 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 320. 63 LEMKE, Gisele. Op.cit., p. 45. 64 LEMKE, Gisele. Op.cit., p. 45.
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29
ambos os aspectos supra mencionados65.
J Maria de Ftima Ribeiro e Hamilton Dias de Sousa entendem, segundo
Gisele, que cada gravame deve ser observado de forma isolada, sem levar em
considerao os demais tributos. Sendo esta, tambm, a opinio de ngela Maria da
Motta Pacheco e Alfredo Augusto Becker66.
Por conseguinte, unimo-nos a Gisele Lemke67, entendendo que a capacidade
contributiva deve ser vista, a priori, de forma parcial, aferindo-se sua manifestao em
relao a cada tipo de tributo. Todavia, em casos excepcionais, seria possvel verificar a
compatibilidade do sistema tributrio com a riqueza global do contribuinte que ele
pretende atingir.
1.3.3 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA PRPRIA OU EM REPRESENTAO
A capacidade contributiva prpria refere-se ao contribuinte, s suas condies
individuais de pagar aquele tributo. J a em representao a do chefe de famlia, por
exemplo, que abrange toda a famlia.
Quanto a este segundo aspecto, vale destacar, com Misabel de Abreu Machado
Derzi, que a Constituio da Repblica Federativa do Brasil, em seu art. 226, consagra
como base da sociedade a famlia68, e informa que esta deve ter proteo especial do
Estado. Declara a referida autora que em pases desenvolvidos69, o princpio da
proteo da famlia pauta de discusso dentro do prprio direito tributrio, e, na
Alemanha, por exemplo, tem status de princpio fundamental constitucional tributrio,
65 COSTA, Alcides Jorge. Capacidade Contributiva. RDT 55, p. 297-302. 66 LEMKE, Gisele. Op.cit., p. 45. 67 LEMKE, Gisele. Op.cit., p. 45. 68 Prioritariamente a constituda pelo matrimnio, todavia, para fins de proteo do Estado, h
equiparao desta com o companheirismo (unio estvel) e com as unidades compostas apenas por um dos pais e seus descendentes. (arts. 226, 3 e 4, da CRFB). Contudo, pertinente a crtica feita por Misabel Derzi de que a Constituio brasileira em vigor desconsiderou, para fins de proteo do Estado, outros tipos de famlia, como as comandadas por arrimos de famlia, como uma pessoa solteira e ascendentes ou irmos ou mais colaterais, que, tambm, deveriam gozar desta proteo.
69 Nos Estados Unidos e na Europa, a proteo da famlia tem espao reservado na discusso do direito tributrio, Misabel informa que as legislaes da Espanha, de Portugal e da Inglaterra, dentre outras, foram modificadas, na dcada de 80, para adaptar o direito tributrio a este princpio.
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30
como o possuem a legalidade e a irretroatividade; contudo, no Brasil, infelizmente, tal
fato no se verifica.70 Em Portugal, h uma Lei Geral Tributria que, alm de
reconhecer em seu art. 4, o princpio da capacidade contributiva, em seu art. 6,
aborda especificamente a questo atinente a tributao e a situao familiar:
Determinando que a tributao directa tem em conta: a necessidade da pessoa
singular e o agregado familiar a que pertena disporem dos rendimentos e
bens necessrios a uma existncia digna; a situao patrimonial incluindo os
legtimos encargos do agregado familiar; a doena, a velhice e outros casos de
reduo da capacidade contributiva do sujeito passivo.71
Aponta Misabel que:
A deciso mais antiga, que abordou a questo da tributao conjunta dos cnjuges, foi prolatada pela Corte Constitucional norte-americana, cujo trabalho altamente construtivo mundialmente reconhecido. Deu-se em 1930, no caso Poe X Seaborn, 282 US, 101. (Cf. Michael J. Graetz, Federal Income Taxation Principles and Policies, 2nd, ed., Westbur, New York, The Foundation Press, Inc., 1988, pp. 516-525).72
Nesse julgamento ficou estabelecido que a esposa pagaria imposto sobre a
metade da renda comum do casal, no importando que haja uma nica fonte produtora;
tal vantagem, inicialmente, era gozada somente pelos casais unidos pelo lao
matrimonial e que residissem juntos. Em 1948, o Congresso americano estendeu este
benefcio da diviso de renda (conhecido como splitting) a todos os pares unidos pelo
matrimnio, o que autorizou os mesmos a passarem a preencher uma declarao
conjunta e a pagar duas vezes o imposto que um indivduo solteiro pagaria se
percebesse metade da renda total deles 73. No resta dvida de que tal legislao
favoreceu aos casais, mas colocou os solteiros em grande desvantagem, o que veio a 70 BALEEIRO, Aliomar. Limitaes Constitucionais ao Poder de Tributar. 7. ed. Atualizado por Misabel de
Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 758. 71 CAMPOS, Diogo Leite de. O Sistema Tributrio no Estado dos Cidados. Coimbra: Almedina, 2006. p.
112. 72 BALEEIRO, Aliomar. Op. cit., p. 764. 73 BALEEIRO, Aliomar. Op. cit., p. 764.
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31
ser modificado pelo Congresso em 1969, que atribuiu alquotas especiais aos solteiros,
mas penalizou os casados que auferirem rendas iguais74.
A referida autora indica, ainda, como marco decisivo para a concepo da
proteo da famlia na seara tributria, deciso do Tribunal Constitucional Federal da
Alemanha (BVerfG), de 1957, onde foi considerada inconstitucional a declarao
obrigatria em conjunto dos cnjuges, como se se tratasse de rendimentos de uma s
pessoa, isto porque ela submetia a uma alquota progressiva mais elevada a renda
unificada dos cnjuges, que se quedavam prejudicados em relao aos solteiros. O
Tribunal indicou o spliting, vigente nos EUA, como uma soluo que se encontrava
conforme a Constituio. Tal tcnica foi posteriormente adotada pelo legislador alemo
e se encontra em vigor at hoje.75
Esclarece, Misabel Derzi, que se seguiu declarao de inconstitucionalidade
alem, a prolatada pela Corte Constitucional italiana, em 15/07/1976, sendo que tal
deciso:
[...] teve origem em seis processos oriundos de Roma, Voghera, Livorno, Milo, Arona e Florena, todos com objetos substancialmente idnticos. Estando em vias de se extinguir o prazo previsto em 1975 para a declarao anual de rendas, esposos, casados em regime de separao de bens, diante da recusa de suas mulheres em fornecer os dados e elementos necessrios, ajuizaram uma ao com base no art. 700 do Cdigo de Processo Civil, a fim de obter uma soluo para o caso. Em sua defesa, as esposas invocaram a inconstitucionalidade da lei do imposto de renda.
Nos fundamentos de sua deciso, o Tribunal italiano reconheceu que a exigncia da tributao conjunta oferece um tratamento discriminatrio contra os ncleos familiares legitimados em favor de unies livres e das famlias de fato. [....]
Assim, segundo o Tribunal italiano, inconstitucional que a) na determinao da renda total para o imposto sejam imputadas ao marido, enquanto sujeito passivo, as rendas da mulher de forma cumulativa s prprias; b) a mulher casada no seja considerada sujeito passivo no imposto de renda; c) seja nica a declarao de renda das pessoas casadas.76
Misabel Derzi invoca, ainda, um precedente do Tribunal Constitucional espanhol
74 BALEEIRO, Aliomar. Op. cit., p. 764. 75 BALEEIRO, Aliomar. Op. cit., p. 764. 76 BALEEIRO, Aliomar. Op. cit., p. 766-767.
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que, no mesmo sentido dos demais mencionados, entendeu
[...] a capacidade econmica, considerando a pessoa fsica como nico ponto vlido de referncia de dito princpio no imposto sobre a renda e sem que tal capacidade resulte modificada pelo matrimnio. Nas sentenas de 10.11.1988 e 20.02.1989, o Tribunal espanhol defendeu o princpio da neutralidade frente ao matrimnio, negando o aumento de capacidade econmica pelo fato de se pertencer ao grupo familiar, assim como tambm considerou discriminatrio o regime tributrio at ento aplicvel aos contribuintes casados, que estavam obrigados declarao conjunta de renda, em favor daqueles outros que no o so.77
Importante salientar, nos termos do que foi fixado por Misabel Derzi, que, nos
dias atuais, h, pelo menos, trs tipos de sistema de tributao da renda da pessoa
natural:
o primeiro e mais elementar considera individualmente cada membro familiar e calcula a renda (rendimentos deduzidos dos encargos) de cada pessoa, ignorando a unidade familiar como titular de capacidade contributiva prpria. um sistema muito difundido atualmente, encontrando variantes em diversos pases (Inglaterra, Brasil, Itlia, Espanha, Canad, Alemanha etc.) pois alguns poucos ignoram o fato do casamento, mas outros a maioria dentre os pases industrializados concedem isenes prprias, que contemplam a situao das pessoas casadas com encargos ou solteiras, que, no obstante, sejam arrimo de famlia (Inglaterra, Holanda etc.);
o segundo uma variao da tributao independente, pois, embora considere as pessoas individualmente, faz derivar do estado civil e de certo modelo de casamento e de famlia, uma srie de conseqncias, impondo para isso alquotas (reais, no-nominais) mais ou menos suaves (EEUU);
o terceiro considera a famlia como comunidade de ganhos e consumo e tributa em conjunto, sem entretanto admitir qualquer prejuzo em relao aos solteiros, utilizando-se a tcnica spliting restrita aos cnjuges, em carter compulsrio (Portugal) ou facultativo (Alemanha) ou spliting total, tambm chamado de quociente familiar (Frana).78
Atente-se que a maioria dos pases mescla estes sistemas, adotando formas
mistas.
Entendemos, junto com Misabel Derzi, que o modelo mais adequado para a
tributao da famlia o alemo, pois permite uma tributao conjunta, com spliting,
77 BALEEIRO, Aliomar. Op. cit., p. 767. 78 BALEEIRO, Aliomar. Op. cit., p. 769.
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bem como viabiliza a declarao em separado, e, desta forma, preserva a liberdade
individual e o direito ao segredo profissional da mulher casada, valoriza a comunho de
vida e respeita a capacidade contributiva.79
Conclumos o item com a seguinte observao feita por Misabel de Abreu
Machado Derzi:
Em resumo, segundo as normas constitucionais de capacidade econmica, igualdade, proteo da famlia e incentivo ao casamento:
o Estado, por meio do Direito Tributrio, tem de captar a real capacidade econmica do contribuinte, nisso devendo considerar os gastos efetivamente realizados e necessrios manuteno da famlia;
o princpio da neutralidade da lei diante do modelo ideal de casamento deve prevalecer, no podendo o Direito Tributrio assumir o papel pedaggico de reconduzir a mulher ao lar, por meio de impostos mais agressivos segunda renda familiar (em geral da me de famlia);
o Estado no pode prejudicar os casados em relao aos no-casados, desestimulando (entendemos que aqui a autora quis dizer estimulando) a constituio de famlias fora do casamento ou incentivando o divrcio, devendo para isso eliminar todas as normas que, economicamente, motivem a fuga ao casamento ou levem ao divrcio.80
1.4 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA COMO CRITRIO DE CLASSIFICAO
DOS TRIBUTOS
Apresentamos as classificaes acerca da capacidade contributiva, e, achamos
por bem, apresentar tambm, a presente classificao, criada por Jos Marcos
Domingues de Oliveira81, onde ele procura classificar os tributos, levando em
considerao a capacidade contributiva, o que o motiva a dividir os tributos em duas
categorias: a dos fundados na capacidade contributiva caso dos impostos e
contribuies de melhoria, cujos fatos geradores sofrem influncia do princpio desde a
tipificao. Graduam-se em funo da capacidade contributiva, apresentando alquotas
diferenciadas: seletividade do IPI, progressividade do Imposto de Renda, etc; e, a dos
79 BALEEIRO, Aliomar. Op. cit., p. 779. 80 BALEEIRO, Aliomar. Op. cit., p. 780. 81 OLIVEIRA, Jos Marcos Domingues de. Op. cit., p. 113-115.
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tributos graduados pela capacidade contributiva: caso das taxas. Seus fatos geradores
no se consubstanciam em situao reveladora de capacidade contributiva, tendo como
hiptese de incidncia, um fato da administrao pblica, sofrendo incidncia do
princpio somente na quantificao da obrigao.
No que tange a discusso acerca da possibilidade de aplicao da capacidade
contributiva a todos os tributos, remetemos o leitor ao captulo 2, onde tal ponto ser
enfrentado.
1.5 NDICES DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
Sabe-se que a obrigao tributria principal, de maior relevncia, a de pagar
tributos. Para Grizziotti82, como j foi dito, a capacidade contributiva seria a causa da
obrigao tributria principal. Entretanto, definir causa algo deveras complexo, o que
nos leva a lio de Hugo de Brito Machado, que melhor elucida tal problemtica:
[...] se como causa da obrigao tributria se entende aquilo que necessrio ao seu surgimento, sua existncia, no h como se possa sustentar que a capacidade contributiva causa da obrigao tributria. Realmente, do ponto de vista jurdico, essa obrigao, como de resto todo e qualquer efeito jurdico, tem como causa uma lei (hiptese de incidncia) e um fato (fato tributvel). A lei a causa mediata. A ocorrncia do fato nela descrito, vale dizer, do fato tributvel, causa imediata.83
Do exposto, conclu-se que a capacidade contributiva no causa da obrigao
tributria, pois esta tem na lei sua causa mediata, e no fato tributvel a imediata, sendo
este o fato gerador da obrigao tributria sobre o qual Amlcar Falco teceu a seguinte
lio lapidar:
O fato gerador decisivo para a definio da base de clculo do tributo, ou seja, daquela grandeza econmica ou numrica sobre a qual se aplica a alquota para obter o quantum a pagar. Essa base de clculo tem que ser uma circunstncia inerente ao fato gerador, de modo a configurar-se como verdadeira e autntica expresso econmica [...].
[...] indispensvel configurar-se uma relao de pertinncia ou inerncia da base de clculo ao fato gerador: tal inerncia ou pertinncia afere-se, como
82 Apud Hugo de Brito Machado, op. cit., Princpios, p. 63. 83 MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., Princpios, p. 63.
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bvio, por este ltimo. De outro modo, a inadequao da base de clculo pode representar uma distoro do fato gerador e, assim, desnaturar o tributo.84
Segundo Sainz de Bujanda, o princpio da capacidade contributiva seria o
fundamento ou pressuposto do fato gerador da obrigao tributria: [...] um fato
gerador s estar justificado, do ponto de vista constitucional, se, como tal, aparecer
configurado pela norma tributria como ndice, direto ou indireto de capacidade
econmica.85
Alfredo Augusto Becker aponta que:
[...] a praticabilidade e a certeza da incidncia das regras jurdicas tributrias sempre induziu, e cada vez mais induz o legislador a escolher, como elementos integrantes da hiptese de incidncia signos econmicos (fatos econmicos) ou signos jurdicos (fatos jurdicos), cuja existncia faz presumir a existncia de determinado gnero e espcie de renda ou capital.86
Regina Helena Costa acrescenta que:
Certo que o direito cria suas prprias realidades; porm o substrato econmico da capacidade contributiva exige que se atente s formulaes pr-legislativas da Cincia das Finanas, ao invs do recurso puro e simples s fices jurdicas. Desse modo o legislador poder adotar, na sua integralidade, o conceito econmico-financeiro; poder no proporcionar um conceito expresso de contedo determinado; como, ainda, poder ocorrer que o conceito econmico-financeiro seja acolhido parcialmente ou deformado por uma fico jurdica, no conceito legal.87
Zilveti relata que, historicamente, cinco ndices de tributao foram e continuam
a ser usados at hoje pelo homem, para distribuir, de forma equnime, o nus do
custeio do aparelho estatal, so eles:
a)classe tributao dividida por classes de pessoas; b) patrimnio tributao incidente sobre as posses do indivduo; c) despesa pela despesa individual era calculada sua parcela de imposto, com a inteno medieval de incluir na
84 FALCO, Amlcar de Arajo. Fato Gerador da Obrigao Tributria. 4. ed. So Paulo: Revista dos
Tribunais, 1977. p. 137-138. 85 Apud Jos Marcos Domingues de Oliveira, op. cit., p. 64. 86 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributrio. So Paulo: Saraiva, 1972. p. 459-461. 87 COSTA, Regina Helena. Op. cit., p. 27.
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tributao o clero e a nobreza; d) produto critrio de gravar a produo com o tributo, que no leva em considerao, necessariamente, o custo de produo; e, e) renda critrio que melhor atende o princpio da igualdade na tributao, porm exige da Administrao meios sofisticados de apurao dessa expresso de riqueza.88
Vamos adotar os critrios mais apontados pela doutrina como ndices de
capacidade contributiva, utilizados para a instituio de impostos, que so: a renda, o
patrimnio e o consumo. Sainz de Bujanda ensina que a doutrina diferencia os ndices
em indiretos: circulao e consumo de riquezas; e em diretos: posse de bens ou
percepo de rendas89. Esta distino no tem muita relevncia j que a capacidade
contributiva no pode ser mensurada por ndices singulares, mas, plurais, pois so
diversos os fatos indicadores de riquezas.
1.5.1 A RENDA
Para Zilveti este considerado o melhor ndice aferidor da capacidade
contributiva90.
Na verdade, o ndice no a renda em sua globalidade, e, sim, a renda lquida;
inclusive, para Tipke, o princpio da renda lquida para pagar tributos, o verdadeiro
fundamento do direito tributrio91.
Entende-se que, no conceito de renda, esto englobados os ganhos de capital,
as doaes e as heranas. De acordo com Zilveti, para existir renda necessrio:
fonte permanente ou eventual, no caso de ganhos de capital, o decurso do tempo para
aquisio; o carter peridico ou regular e a aplicao da atividade do titular na gesto
da renda.92.
Por conseguinte, verifica-se, ser a renda, um conceito abrangente, que inclui
88 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 292. 89 SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Hacienda y Derecho. v. III. Madrid: Instituto de Estudios Polticos,
1963, p. 196. 90 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 295. 91 TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justia Fiscal e Princpio da Capacidade Contributiva. So
Paulo: Malheiros, 2002, p. 33-34. 92 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 296.
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todas as fontes por meio das quais o indivduo adquire renda e o modo pelo qual dela
se utiliza.
Ressalta Zilveti que, para a pessoa jurdica, o conceito de renda lquida estaria
em conformidade com a capacidade contributiva, quando respeitada a produo
essencial para a sobrevivncia da empresa93. Portanto, os gastos para a manuteno
da fonte produtora estariam imunes tributao.
J no que tange a pessoa fsica, a tributao da renda disponvel o resultado
da subtrao do que gastou com o que ganhou o contribuinte em determinado perodo.
No direito brasileiro, temos um conceito legal de renda, previsto no art. 43 do
Cdigo Tributrio Nacional (CTN), o qual inclui como fato gerador do imposto de renda,
tanto a renda estrito senso, quanto os proventos, ambos englobando, de forma lata, a
conceituao que pode ser dada renda. Assim, dispe o referido artigo:
Art. 43. O imposto, de competncia da Unio, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisio de disponibilidade econmica ou jurdica:
I de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinao de ambos;
II de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acrscimos patrimoniais no compreendidos no inciso anterior. [...]
Faz-se necessrio, no momento, esclarecer o que seja disponibilidade
econmica ou jurdica, e para tal nos valemos de lio de Brando Machado94 que
entende que disponibilidade econmica foi uma expresso infeliz utilizada pelo
legislador, isto porque no existe direito que possa ser disponvel economicamente e
no juridicamente. Para este doutrinador, segundo Fernando Aurlio Zilveti, a renda
um direito e como tal sempre ser jurdico seu acrscimo, disponvel imediatamente
aps sua percepo de forma concreta, separada do patrimnio original.95
93 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 298. 94 MACHADO, Brando. Breve Exame Crtico do art. 43 do CTN. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva;
MACHADO, Brando (coord.). Estudos sobre o Imposto de Renda (em memria de Henry Tilbery). So Paulo, 1994. p. 114.
95 ZILVETI, Fernando Aurlio. O Princpio da Realizao da Renda. In: SCHOUERI, Lus Eduardo (coord.). Direito Tributrio: homenagem a Alcides Jorge Costa. So Paulo: Quartier Latin, 2003. p. 313-314.
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Quanto renda, portanto, defende-se a adoo do princpio da realizao da
renda96, para aferir o momento da incidncia dos tributos que adotam o auferimento de
renda como hiptese de incidncia. Segundo Zilveti,
O contedo do princpio da realizao da renda a identificao, antes de impor ao contribuinte a obrigao de pagar o imposto, da renda efetivamente realizada. Assim, na legislao do imposto de renda, a apurao do lucro deve conter o mandamento para os integrantes da relao jurdico-tributria, para que seja apurada a renda efetivamente realizada do contribuinte. Esse princpio est presente na tributao da pessoa fsica e jurdica, porm, na tributao da pessoa fsica sua aplicao mais imperativa.97
H quem entenda, como Ulrich Dring98, que o princpio da realizao da renda
permitiria ao contribuinte decidir o momento da tributao, contudo, apesar da crtica ter
sua veracidade, concordamos com Zilveti quando expe que este princpio permite a
captao da verdadeira capacidade contributiva, ademais funciona com (sic) uma
garantia do contribuinte, na operao de atos que visem apurar o rendimento tributvel,
direito que o legislador no pode dispor.99.
Compete informar, ademais, que o Supremo Tribunal Federal j teve a
oportunidade de se manifestar sobre a realizao da renda, o que se pode extrair da
leitura da ementa do seguinte julgado:
DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTRIO. IMPOSTO DE RENDA NA FONTE: ACIONISTAS DE SOCIEDADE ANNIMA E SCIOS QUOTISTAS (SOCIEDADES POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA). ARTIGO 35 DA LEI N. 7.713, DE 22.12.1988)
No julgamento do RE n. 172.058, o Plenrio do Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 35 da Lei n. 7.713, de 22.12.1988, no ponto em que obrigou o acionista a recolher o imposto de renda na fonte sobre o Lucro
96 Importante autor que desenvolveu este conceito foi Edwin R. Seligman, que defende que para haver
renda, no suficiente o incremento no capital, deve haver a separao, de modo que a renda seja efetivamente a realizada. Tal doutrina influenciou a Suprema Corte Americana no julgamento do caso Eisner X Macomber, onde se entendeu que no era devido imposto de renda no recebimento de aes, como dividendos. A deciso deixou claro que o recebimento de aes se deu em relao a todos os acionistas, no havendo benefcio de um s. Tal conceito, tambm no passou desapercebido aos alemes, como ressalta Zilveti, pois usado nas tcnicas contbeis de escriturao fiscal e de criao dos balanos contbeis.
97 ZILVETI, Fernando Aurlio. O princpio da realizao da renda. Op. cit., p. 314. 98 Apud Fernando Aurlio Zilveti. O princpio da realizao da renda. Op. cit., p. 314. 99 ZILVETI, Fernando Aurlio. O princpio da realizao da renda. Op. cit., p. 321.
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lquido apurado na data do encerramento do perodo-base.
que, nas sociedades annimas, a distribuio dos lucros lquidos depende principalmente da manifestao da Assemblia Geral, no se configurando ela, pura e simplesmente, com o encerramento do perodo-base.
Decidiu, mais, o Plenrio, na mesma assentada, que cumpre aos Juizes e Tribunais, das instncias ordinrias, quando se tratar de sociedades por quotas de responsabilidade limitada, a verificao, em cada caso, sobre se o contrato social prev a disponibilidade imediata, pelo scio-quotista, do lucro lquido apurado na data de encerramento do perodo-base, pois s em tal hiptese ser possvel conciliar-se, quanto a essa espcie de scio, o disposto no art. 146, III, a, da Constituio Federal, no artigo 43 do Cdigo Tributrio Nacional e no art. 35 da Lei n. 7.713, de 22.12.1988.
Observado esse precedente, o RE, no caso, conhecido, apenas em parte, e, nessa parte, provido, para que o Tribunal de origem, quanto as sociedades por quotas, levando em conta essas premissas firmadas em Plenrio do STF e os elementos dos autos, julgue a apelao, nesse ponto, como de direito, ficando o acrdo mantido no mais, ou seja, quanto s sociedades annimas.100
Contudo, constatou-se que este ndice no seria suficiente para medir a
capacidade contributiva, pois pode haver algum que detenha a mesma renda que
outro, mas no o mesmo patrimnio.
1.5.2 O PATRIMNIO
Conceituado, genericamente, como sendo o conjunto de bens materiais
acumulados por uma pessoa ao longo da vida, , tambm, considerado um timo ndice
de capacidade contributiva.
Veio para complementar o critrio da renda, mas como quele, tambm,
mostrou-se insuficiente, pois h quem alegue que algum pode ter muitos bens e no
ter renda, o que obrigaria a esse indivduo a se desfazer dos bens para pagar tributos.
Todavia, tal premissa no verdadeira, pois se a pessoa possui um grande patrimnio,
obviamente, tem capacidade contributiva, o que ela pode no ter capacidade
financeira, que, conforme j mencionamos, conceito diverso daquele, vide item 1.2.
Hugo de Brito Machado explicita que a tributao graduada em funo do
100 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinrio n 177301. Relator Ministro SYDNEY
SANCHES. Dirio da Justia de 25.10.96. No mesmo sentido Recurso Extraordinrio n 172058. Relator Ministro SYDNEY SANCHES. Dirio da Justia de 25.10.96.
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patrimnio uma interessante forma de promover o desenvolvimento econmico, como
desestmulo a propriedade improdutiva101.
Neste ponto, vale invocar a lio de Zelmo Denari, que retira qualquer dvida
acerca da existncia de capacidade contributiva de indivduo que tem um grande
patrimnio, mas no dispe de renda:
Partindo do suposto que o princpio da capacidade contributiva se prope to somente assegurar o mnimo vital necessrio subsistncia do contribuinte, parece-nos que o postulado no pode ser invocado para aliviar a carga impositiva incidente sobre o patrimnio da velhinha de Copacabana102, mxime se supormos idntico tratamento tributrio dispensado aos demais condminos do edifcio. Do contrrio, estaria violado o princpio da isonomia tributria. Desgraadamente, portanto, e do ponto de vista estritamente tributrio, a velhinha deve providenciar sua mudana. Porm, sem pressa!103
Tipke entende que o imposto sobre o patrimnio deve incidir sobre a renda que
este patrimnio produz, pois, de outra forma, quando utilizado em pases em
desenvolvimento, acaba gerando desestimulo a poupana e estimula a evaso de
divisas104.
Pelo exposto, tem-se claro que tal ndice, como a renda, no suficiente para
mensurar a capacidade contributiva total dos indivduos, razo pela qual faz-se
necessria a utilizao de outro ndice, que o consumo.
1.5.3 O CONSUMO
Tem sido considerado um excelente ndice de capacidade contributiva, sendo
um concorrente da renda pessoal; inclusive, para Kaldor, citado por Hugo de Brito,
101 MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., Princpios, p. 87. 102 Trata-se de um caso real em que uma velhinha viva, que morava em um luxuoso e confortvel
apartamento em Copacabana, beira-mar, no tinha renda elevada, compatvel com o luxuoso lugar onde vivia, pois os soldos que seu marido recebia se tornaram defasados aps seu falecimento.
103 DENARI, Zelmo. Cidadania e Tributao. Revista Dialtica de Direito Tributrio. So Paulo, n. 10, p. 44-53, jul. 1996.
104 TIPKE, Klaus. Sobre a Unidade da Ordem Jurdica Tributria. Estudos em Homenagem a Brando Machado, coord. por SHOUERI, Lus Eduardo e ZILVETI, Fernando Aurlio. So Paulo, 1998, p. 66.
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reputado melhor ndice que a renda.105
Serve para a cobrana de impostos progressivos, de acordo com lio de Hugo
de Brito Machado.106
H, como favorveis para a utilizao de tal ndice, os seguintes argumentos: 1)
dizem que melhor verificar os gastos realizados pelo cidado, pois se entende que o
consumo um ato individualista, que deve ser punido pela tributao; e 2) a tributao
da renda pode ser considerada bi-tributao, pois se tributa o consumo e a poupana
de quem auferiu renda, que, mais tarde, ao ser utilizada ser objeto de nova tributao.
De todo o exposto, pode-se concluir que, na situao dos impostos, deve-se
levar em considerao estes ndices de mensurao da capacidade contributiva, de
modo a tornar o sistema tributrio mais justo, vislumbrando-se, sempre, que este
objetivo s ser alcanado com a aplicao conjunta destes ndices, j que, conforme
demonstrado, nenhum deles suficiente para abranger as diversas manifestaes de
capacidade contributiva de um indivduo; o que pe por terra a tese que defende a
criao de imposto nico, j que este no poderia abranger todos os ndices de
capacidade contributiva elencados, violando, por conseguinte, o princpio da
capacidade contributiva.
1.6 ATRIBUTOS DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
Segundo Moschetti, a capacidade contributiva deve ser atual e efetiva. Confira
lio do mestre sobre este ponto:
No conceito de capacidade contributiva deve ser ainda valorizada a referncia a uma aptido efetiva e no meramente fictcia, na determinao tanto do pressuposto, como do mtodo de lanamento e do sistema de recolhimento. O problema pe-se, em primeiro lugar, para as presunes legais. Na nossa opinio so ilegtimas todas as presunes absolutas, quando no se pode considerar efetiva uma capacidade que no seja de alguma maneira perceptvel e determinvel; as presunes relativas so, pelo contrrio, legtimas, desde que observadas duas condies: se corresponderem a critrio de legitimidade e admitem entre limites suficientemente amplos prova contrria. Aqui se salienta, tambm, a orientao da Corte Constitucional, que de um lado aceita
105 MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., Princpios, p. 87. 106 MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., Princpios, p. 75.
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em princpio o requisito da efetividade e, do outro, no distingue presuno absoluta e relativa. Quanto s provas legais, so legtimas se no so a tal ponto restritivas, de modo a impedir a determinao da real capacidade contributiva. preciso, portanto, distinguir as provas legais que operam como meros limites daquelas que operam como absolutos impedimentos de prova.107
Por conseguinte, para o referido autor108, s as presunes relativas se
coadunam com o referido princpio, pois, deve-se, sempre, procurar a efetiva
capacidade do contribuinte. Ademais, retira do atributo da atualidade, o princpio da
irretroatividade, de modo que na incidncia da tributao, no se leve em considerao
capacidade contributiva passada ou futura, devendo-se verificar a existente no
momento de incidncia da norma.
Gisele Lemke lembra109, ainda, que o referido autor defende o princpio da
tributao lquida, atravs do qual todas as despesas de produo devem ser
deduzidas da receita bruta, sendo o resultado desta operao passvel de tributao.
Conforme expe Enrico de Mita, que segue a mesma linha de Moschetti, o
princpio em anlise exige que o pressuposto do tributo tenha carter econmico, que a
base de clculo tenha relao com a hiptese de incidncia, e que deve estar