dissertação - micaela dominguez dutra

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Direito TributárioCapacidade Contributiva

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  • Instituto Brasiliense de Direito Pblico - IDP Mestrado em Direito Constitucional

    A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA: ANLISE

    LUZ DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS

    MICAELA DOMINGUEZ DUTRA

    BRASLIA - DF 2008

  • ii

    Instituto Brasiliense de Direito Pblico - IDP Mestrado em Direito Constitucional

    A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA: ANLISE

    LUZ DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS

    Dissertao apresentada ao Programa de Mestrado do Instituto Brasiliense de Direito Pblico - IDP como parte dos requisitos para obteno do ttulo de mestre. Orientador: Prof. Dr. Gilmar Ferreira Mendes

    BRASLIA - DF

    2008

  • iii

    Dutra, Micaela Dominguez.

    A capacidade contributiva: elo de ligao entre os direitos fundamentais e humanos e a tributao. / Micaela Dominguez Dutra. Braslia: Instituto Brasiliense de Direito Pblico, 2008.

    214f.

    Dissertao (Mestrado em Direito Constitucional) Instituto Brasiliense de Direito Pblico, Mestrado Acadmico em Direito, rea de Concentrao Constituio e Sociedade, 2008.

    1. Capacidade Contributiva 2. Direitos Humanos 3. Tributao 4. Direitos Fundamentais I. Ttulo

    CDD 341.3933

    Catalogao na fonte. Bibliotecria: Vanessa Barbosa da Silva - CRB 1/2066

  • iv

    Instituto Brasiliense de Direito Pblico - IDP Mestrado em Direito Constitucional

    DISSERTAO DE MESTRADO

    A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA: ANLISE

    LUZ DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS

    MICAELA DOMINGUEZ DUTRA

    Orientador: Prof. Dr. Gilmar Ferreira Mendes, Scio-Fundador do IDP

    Banca Examinadora:

    Gilmar Ferreira Mendes Integrante: Prof. Orientador

    Liziane Angelotti Meira Integrante: Prof. IDP

    Antnio Augusto Brando dos Aras Integrante: Prof. UFBA

  • v

    Dedico este trabalho a minha me, Ana Cristina Cantinho Dominguez, ao meu

    pai, Jorge de Souza Dutra, e a minha irm, Georgia Dominguez Dutra, que so a

    essncia e o mote propulsor da minha vida. Muito obrigada por tudo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

  • vi

    Agradeo a concluso do presente trabalho, primeiramente, ao meu orientador,

    Ministro Gilmar Ferreira Mendes, que apostou em mim desde a defesa de meu trabalho

    de ps-graduao, que me incentivou, ajudou - inclusive em um dos momentos mais

    tormentosos de minha vida -, e me iluminou com sua sabedoria ao longo desses dois

    profcuos anos de convvio, os quais jamais irei esquecer.

    Agradeo, tambm, de forma especial ao Professor Paulo Gonet, que com seu

    conhecimento e gentileza, recebeu-me em seu grupo de estudos, em suas aulas,

    estimulou-me a seguir em frente com minhas idias e meu trabalho, fazendo com que

    meu perodo em Braslia fosse mais agradvel, alm de muito produtivo.

    Meu muito obrigada, tambm, ao Professor Inocncio Mrtires Coelho, que com

    sua filosofia mudou meu enfoque sobre o mundo e sobre a vida, as aulas foram

    inesquecveis....

    Aos professores Luiz Moreira, Marcos Valado, Ivo Gicco, Marcelo Neves,

    Arnaldo Godoy, minha eterna dvida pelo conhecimento tcnico e de vida passados,

    precioso tesouro, que, com o tempo, engrandece ainda mais aos meus olhos, bem

    como melhor se torna absorvido por mim. Foi uma convivncia maravilhosa e que

    deixou enorme saudade!!!

    Registro, outrossim, meu agradecimento Christine Oliveira Peter da Silva pelo

    valioso apoio na reviso tcnica da minha dissertao.

    No poderia deixar de agradecer a toda a equipe de apoio do IDP: Fernando,

    Gilberto Rios, Gabriel, que me aturaram ao longo desses dois anos, bem como, minha

    vtima predileta, Vanessa Barbosa, a quem devo todo o levantamento bibliogrfico

    desse trabalho, bem como sua formatao e padronizao.

    E, por fim, no poderia deixar de registrar o meu agradecimento ao Hlio

    Siqueira e ao Daniel Hora do Pao, pela oportunidade de ter cursado esse excelente

    mestrado, pelo auxlio que me foi dado para que chegasse at o fim do curso,

    principalmente, por ter sido o fim dessa trajetria um dos momentos mais difceis da

    minha vida, e pela confiana em mim depositada.

  • vii

    Suposto, pois, que ou o sal no salgue ou a terra se no deixe salgar; que se

    h-de fazer a este sal e que se h-de fazer a esta terra? Padre Antonio Vieira, em

    sermo proferido em S. Lus do Maranho, trs dias antes de se embarcar ocultamente

    para o Reino, Vos estis sal terrae. S. Mateus, V, l3.

  • viii

    RESUMO

    A dissertao procura abordar o princpio da capacidade contributiva em todos

    os seus aspectos, analisando seu histrico, contedo, classificaes, balizadores,

    ndices, atributos, aplicabilidade, necessidade de sua observncia por parte do Poder

    Legislativo e Judicirio, sua relao com a extrafiscalidade, com a evaso/eliso fiscal,

    sua localizao em nossa Constituio, sua relevncia no cenrio nacional em razo de

    ser um direito e uma garantia fundamental de aplicao imediata; demonstrando que tal

    princpio um elo entre os direitos fundamentais e a tributao, j que no h como

    garantir um sem a existncia do outro, alm do fato de poder ser o mencionado

    princpio considerado como um direito humano, respaldado na Declarao Universal

    dos Direitos Humanos, o qual pode ser invocado por qualquer um em qualquer lugar do

    globo com base na idia de cidadania universal kantiana.

    Palavras-chave: Tributao. Capacidade Contributiva. Anlise do Princpio.

    Direito Fundamental. Direito Humano.

  • ix

    ABSTRACT

    This book is about the principle of tax-paying ability, which focus in these

    points: historical, content, classifications, limits, rates, attributes, applicability,

    observation by Legislative and Judiciary Powers, the relationship between extrafiscality

    and tax-paying ability, the relationship among tax-paying ability and tax evasion/elision,

    your place in our Constitution, your importance in our system, your caracterization like a

    connector link between the basic rights and the taxation, because one depends on the

    other, besides that the principle of tax-paying ability can be consider like a human right,

    which is guaranteed by the Universal Declaration of Human Rights, which is possible to

    be invoked by anyone in anywhere with an idea of universal citizenship of Kant.

    Key words: Taxation. Tax-paying Ability. The Contents of Principle. Basic

    Rights. Human Rights.

  • x

    SUMRIO

    INTRODUO................................................................................................................................ 11

    1 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA: CONTORNOS MATERIAIS...................................... 13

    1.1 Fundamentos axiolgicos da Capacidade Contributiva: Justia e Igualdade.......... 13

    1.1.1. A Justia................................................................................................................... 13

    1.1.2 A Igualdade................................................................................................................ 17

    1.2 Diferenas entre a Capacidade Econmica, Contributiva e Financeira................... 21

    1.3 Classificao da Capacidade Contributiva............................................................... 24

    1.3.1 Capacidade Contributiva Objetiva (ou Absoluta) e Subjetiva (ou Relativa)... 25

    1.3.2 Capacidade Contributiva Geral (ou Global) e Parcial.................................... 28

    1.3.3 Capacidade Contributiva Prpria ou em Representao............................... 29

    1.4 Capacidade Contributiva como critrio de Classificao dos Tributos..................... 33

    1.5 ndices de Capacidade Contributiva......................................................................... 34

    1.5.1 A Renda......................................................................................................... 36

    1.5.2 O Patrimnio.................................................................................................. 39

    1.5.3 O Consumo.................................................................................................... 40

    1.6 Atributos da Capacidade Contributiva...................................................................... 41

    1.7 Tcnicas de Tributao utilizadas para viabilizar a aplicao da Capacidade

    Contributiva..................................................................................................................... 43

    1.8 Caracterizao da Capacidade Contributiva como Princpio................................... 48

    1.9 Histrico do Princpio da Capacidade Contributiva.................................................. 53

    1.10 O Contedo do Princpio da Capacidade Contributiva........................................... 62

    1.11 A juridicidade do Princpio da Capacidade Contributiva......................................... 67

    1.12 A natureza da norma acolhedora do Princpio da Capacidade Contributiva.......... 70

    1.13 O Princpio da Capacidade Contributiva na Constituio da Repblica

    Federativa do Brasil, de 05/10/1988.............................................................................. 74

    2 PRINCPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA: EFICCIA E APLICAO.............. 80

  • xi

    2.1 A necessidade da Tributao e sua relao com o Princpio da Capacidade

    Contributiva

    80

    2.2 Introduo anlise da Eficcia e a aplicao do Princpio da Capacidade

    Contributiva .................................................................................................................... 89

    2.3 Limites Tributao pelo Princpio da Capacidade Contributiva............................. 91

    2.3.1 O Mnimo Vital.................................................................................................. 91

    2.3.2 O Confisco........................................................................................................ 97

    2.4 Destinatrio Legal do Princpio da Capacidade Contributiva................................... 103

    2.5 Aplicao do Princpio.............................................................................................. 105

    2.5.1 Com relao aos Impostos............................................................................... 109

    2.5.1.1 Quanto aos Impostos Reais e Pessoais..................................... 111

    2.5.1.2 Quanto aos Impostos Diretos e Indiretos................................... 113

    2.5.2 Com relao s Taxas..................................................................................... 114

    2.5.3 Com relao s Contribuies de Melhoria..................................................... 117

    2.5.4 Com relao s Contribuies Parafiscais, a de Iluminao Pblica e aos

    Emprstimos Compulsrios...................................................................................... 119

    2.6 Relao entre Tributao Extrafiscal e o Princpio da Capacidade Contributiva..... 121

    2.7 Evaso e Eliso Fiscais e o Princpio da Capacidade Contributiva......................... 125

    2.8 Capacidade Contributiva e Atividade Legislativa...................................................... 128

    2.9 Capacidade Contributiva e Atividade Judiciria....................................................... 131

    2.9.1 A Ao Direta de Inconstitucionalidade e A Argio de Descumprimento de

    Preceito Fundamental...............................................................................................

    138

    2.9.2 O Mandado de Segurana............................................................................... 138

    2.9.3 O Mandado de Injuno................................................................................... 139

    2.9.4 Vias Ordinrias................................................................................................ 139

    2.9.4.1 Ao Declaratria de Inexistncia de Relao Jurdica............. 140

    2.9.4.2 Ao Anulatria......................................................................... 140

    2.9.4.3 Embargos do Devedor................................................................ 140

    3 A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E OS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS 141

    3.1 Delimitao Conceitual de Direitos Humanos e Fundamentais................................ 141

  • xii

    3.2 Conceito de Ser Humano......................................................................................... 142

    3.3 Perspectiva Histrica dos Direitos Humanos e Fundamentais e suas dimenses 146

    3.4 Conceito e Contornos dos Direito Humanos............................................................ 158

    3.5 Conceito e Contornos dos Direitos Fundamentais................................................... 164

    3.6 Breves Notas Acerca do Princpio da Dignidade da Pessoa Humana .................... 179

    3.7 Direitos Fundamentais e Capacidade Contributiva.................................................. 182

    3.8 Direitos Humanos e Capacidade Contributiva.......................................................... 186

    CONCLUSO.................................................................................................................... 192

    REFERNCIAS.................................................................................................................. 197

  • 11

    INTRODUO

    O Princpio da Capacidade Contributiva, que existe no apenas no direito, mas

    tambm na economia, acompanha o desenvolvimento da humanidade desde seus

    primrdios, e como tal vem sendo reinterpretado ao longo do tempo.

    Considerado por Perez de Ayala como uma exigncia tica da Justia, , sem

    dvida, o grande mediador nas relaes entre o Fisco e o contribuinte.

    Trata-se de um princpio dotado de grande carga axiolgica, que tem por

    fundamento de validade o sobre-princpio da justia e o princpio da igualdade, e que,

    apesar de ser extremamente til e importante para nortear a tributao, vem sendo

    relegado ao oblvio em nosso pas pelo Legislativo, Executivo, e s vezes, pelo

    Judicirio, todavia, este ltimo ainda busca dar alguma efetividade capacidade

    contributiva.

    Tendo em vista que a tributao primordial para assegurar os direitos

    fundamentais reconhecidos pelos Estados, sendo, modernamente, considerada um

    dever fundamental, e que, a maioria das receitas auferidas por eles para garantir tais

    direitos obtida via tributao, a capacidade contributiva do cidado que vai balizar

    essa relao entre o custo do direito e a necessidade do Estado de garantir esse

    direito, sem que para tanto, prejudique o contribuinte em demasia. a observncia do

    mencionado princpio que garantir o rtulo de justo e equnime a um sistema

    tributrio.

    O objeto do nosso estudo o princpio da capacidade contributiva, o qual

    analisamos, prioritariamente, dentro do contexto nacional, sendo a meno a doutrina

    estrangeira - basicamente espanhola, italiana, alem e argentina - pontual. Utilizamo-

    nos tambm de diversas ementas extradas de acrdos prolatados por tribunais do

    pas acerca de vrios aspectos do princpio, para apresentar uma dimenso prtica de

    sua aplicao no Brasil.

    Procuramos estudar o mencionado princpio, buscando, em uma primeira parte,

    definir seu contedo, seus aspectos conceituais e sua configurao em nosso texto

  • 12

    constitucional, para, em um segundo momento, analisar os aspectos relacionais dele,

    atinentes a sua relao com a tributao, aos seus limites inferior e superior (mnimo

    existencial e confisco, respectivamente), destinatrios, sua aplicao em relao aos

    tributos existentes em nosso sistema, sua relao com a extrafiscalidade, com a evaso

    e eliso fiscais e a necessidade de sua observncia por parte do Legislativo e

    Judicirio. Sempre com a inteno de demonstrar que tal princpio pode ser melhor

    observado dentro do nosso sistema, j que dispe de diversas estruturas que permitem

    uma caracterizao mais exata do que seja a capacidade contributiva de cada cidado.

    Terminado o delineamento do princpio em seus aspectos materiais e

    relacionais, enfrentamos, de forma pontual, o conceito de direitos fundamentais, tendo

    como referencial terico Robert Alexy, Ingo Wolfgang Sarlet e Gilmar Ferreira Mendes,

    antecedido pelo de direitos humanos - por terem profunda relao -, para demonstrar

    que o princpio em estudo pode ser considerado um direito fundamental e um direito

    humano, sendo que para esse segundo ponto, restringimo-nos a anlise da Declarao

    Universal dos Direitos do Homem de 1948, por ser ela um marco na internacionalizao

    dos direitos humanos.

    Ou seja, nosso objetivo primordial demonstrar, por meio de uma anlise

    acerca de um extenso levantamento bibliogrfico, e de decises tomadas

    prioritariamente pela Suprema Corte do pas, que o mencionado princpio tem uma

    estrutura prpria, determinada, que exige a sua efetiva observncia na criao de um

    sistema tributrio que procure atender aos critrios da justia e igualdade, e que, dentro

    do nosso sistema constitucional, pode ser o mesmo considerado um direito

    fundamental, bem como, sob uma perspectiva filosfica pode, tambm, ser

    caracterizado como um direito humano, sendo respaldada tal assertiva na Declarao

    Universal de Direitos do Homem de 1948.

    Se conseguirmos com o presente trabalho, despertar um debate mais profundo

    acerca do princpio da capacidade contributiva, e de sua observncia em nosso sistema

    teremos atingido o nosso objetivo.

  • 13

    1 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA: CONTORNOS MATERIAIS

    Como visto na introduo, o presente trabalho procura analisar, em

    profundidade, o princpio capacidade contributiva, e, para tal, iniciaremos nosso estudo

    pelos aspectos que compem a noo de capacidade contributiva, que so:

    fundamentos axiolgicos, diferenas entre capacidade contributiva, econmica e

    financeira, sua classificao, seus ndices, atributos e tcnicas de tributao usadas

    para aferi-la, para, posteriormente, analisarmos o enquadramento dela como princpio,

    sua juridicidade como princpio, a natureza da norma acolhedora do princpio, e como

    ela tratada na nossa constituio.

    1.1 FUNDAMENTOS AXIOLGICOS DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA:

    JUSTIA E IGUALDADE

    1.1.1. A JUSTIA

    A justia tem sido buscada pelo homem desde os seus primrdios. A raa

    humana eminentemente social, e a vida em comunidade acaba levando sempre o

    indivduo a estabelecer comparaes entre a sua vida e a dos demais. Portanto, o

    conceito de justia nasce sempre dentro de uma sociedade, e, antes de jurdico, ser,

    inevitavelmente, social.

    Normalmente se declara que o conceito de justia est ligado diretamente aos

    valores culturais, religiosos e morais de uma dada sociedade, e, sem dvida, esse

    conceito adquiriu diversos formatos ao longo da histria da evoluo humana. Contudo,

    por vivermos, atualmente, em um mundo globalizado e multicultural, pode-se dizer que

    paira, pelo menos em uma grande parte dele, um conceito mais uniforme sobre a

    justia.

    No resta dvida de que ao se falar em justia inmeras emoes afloram e o

    debate tende a ser dirigido de acordo com os interesses daquele que a pleiteia, mas,

  • 14

    por trs disto, h aquilo que se pode chamar de senso comum de justia, que norteia

    nosso convvio social. Logo, a necessidade de justia ou propiciar o bem estar social

    um dos elementos que constituem o trip sobre o qual fundamenta-se o Estado

    Moderno e, mais modernamente, o Estado de Direito.1.

    Marcelo Elias Sanches define muito bem o conceito de justia, deixando fixado

    que: Objetivamente, a Justia tida como ordenao da convivncia humana com

    finalidade harmnica, estruturada em seus valores fundantes: igualdade, liberdade e

    fraternidade.2. Ressalte-se que, para o referido autor, a igualdade, a alteridade e a

    proporcionalidade so apontadas como elementos da justia, que conferem a esta

    maior preciso e clareza.

    Assim, expe, o supra citado autor, suas idias sobre a Justia:

    Penso que a Justia no est em um plano abstrato to elevado, de maneira que jamais ser atingido pelo humano, mas sim bem prximo realidade social, podendo ser concretizada pelo Homem, a longo prazo, aps um extenso e seguro caminho de maturao racional, equilibrador de necessidades, interesses e impulsos humanos.3

    Destarte, a Justia nasce como um valor, mas com o passar do tempo acaba

    ganhando maior concretude e se transforma em um sobreprincpio que norteia todo o

    ordenamento jurdico de um dado Estado e a origem de diversos princpios jurdicos.

    Fernando Sainz Bujanda j se manifestou sobre os princpios que derivam do

    sobreprincpio da justia, ao analisar o texto constitucional espanhol, expondo que:

    [...] Asi, los principios formulados por el texto constitucional son los seguintes: el de generalidad, el de capacidad econmica, el de igualdad, el de progresividad y el de no confiscatoriedad. Debe subrayarse que todos ellos son aspectos parciales de un nico principio, el de justicia, proclamado por el texto constitucional y que, en el anlises particular de cada uno de ellos, han de

    1 SILVA, Valclir Natalino da. Justia Tributria e Segurana Jurdica. Revista Dialtica de Direito

    Tributrio. So Paulo, n. 40, p. 75, jan. 1999. 2 SANCHES, Marcelo Elias. A Teoria da Imposio Tributria e a Teoria da Justia. Revista dos

    Tribunais : Caderno de Direito Tributrio e Finanas Pblicas. So Paulo, ano 6, n. 25, p. 118, out./dez. 1998.

    3 SANCHES, Marcelo Elias. Op. cit., p. 120.

  • 15

    tenerse presentes los restantes para su debida compreensin.4

    Desde Plato, passando por Aristteles, Ccero, So Toms de Aquino,

    Hobbes, Kant, Perelman, Kelsen, Larenz, muitos filsofos e juristas se dedicaram a

    estudar o conceito de justia, produzindo fantsticos e profundos trabalhos, que pela

    falta de espao, no sero objeto de nossa anlise, j que o que se pretende neste

    subitem apenas delinear os contornos da Justia, que sero usados mais tarde na

    anlise do princpio da capacidade contributiva. Contudo, deve-se abordar alguns

    pontos, ainda, antes de passarmos para o prximo subitem.

    Aristteles estabeleceu classes lgicas de justia, dividindo-a em distributiva e

    reparadora, que so usadas at hoje na aplicao do referido princpio. A primeira

    analisa a distribuio dos bens materiais em determinada sociedade. Otfried Hffe

    informa que ela se utiliza de trs critrios: a cada cual lo mismo o cada cual segn su

    valor como ser humano en general; a cada cual segn su capacidad y rendimiento; a

    cada cual segn sus necesidades.5.

    J a justia reparadora ou corretiva apenas faria mediao entre as pessoas,

    procurando reparar danos causados, restituindo as partes ao status quo ante e

    punindo a quem causou o prejuzo.

    Confira-se a concepo de Aristteles sobre o justo:

    O justo, por conseguinte, deve ser ao mesmo tempo intermedirio, igual e relativo (isto , para certas pessoas). E, como intermedirio, deve encontrar-se entre certas coisas (as quais so respectivamente maiores e menores); como igual envolve pelo menos quatro termos, porquanto duas so as pessoas para quem ele de fato justo, e duas so as coisas em que se manifesta.

    E a mesma igualdade se obter entre as pessoas e entre as coisas envolvidas; pois a mesma relao que existe entre as segundas (as coisas envolvidas) tambm existe entre as primeiras. Se no so iguais, no recebero coisas iguais; mas isso origem de disputas e queixas: ou quando iguais tm e recebem partes desiguais, ou quando desiguais recebem partes iguais. Isso, alis, evidente pelo fato de que as distribuies devem ser feitas de acordo com o mrito; pois todos admitem que a distribuio justa deve concordar com o mrito num sentido qualquer, se bem que nem todos especifiquem a mesma espcie de mrito, mas os democratas o identificam com a condio de homem livre, os partidrios da oligarquia com a riqueza (ou a nobreza de nascimento), e

    4 Apud SILVA, Valclir Natalino da., Op. cit., p. 74-75. 5 HFFE, Otfried. Diccionario de Etica. Barcelona: Crtica, 1994. p. 174.

  • 16

    os partidrios da aristocracia com a excelncia.6

    Kelsen, em O Problema da Justia, exclu a valorao do mbito de anlise da

    justia, procurando descrever todos os possveis valores dela, sem eleger um como

    melhor em relao aos demais. Apesar de ter se verificado que esta tica meramente

    formal do direito no seria suficiente para enfocar o tema, entende-se que, com o

    auxlio terico de Kelsen, a coao normativa garante, paradoxalmente, a liberdade

    individual, sempre que esta seja produto da vontade de todos ou da maioria, por meio

    de um processo democrtico.7.

    O sobreprincpio da justia encontra-se positivado na maioria dos

    ordenamentos jurdicos modernos8, revelando-se, em nosso direito positivo, na

    Constituio da Repblica Federativa do Brasil em seu art. 3, incisos I, segunda figura,

    e IV.

    Como nossa dissertao analisa o princpio da capacidade contributiva,

    reputado verdadeiro princpio tributrio constitucional, vale, antes de passarmos ao

    estudo da igualdade, verificar como Roberto Wagner Lima Nogueira caracteriza a

    Justia Tributria:

    Para falarmos em Justia Tributria numa sociedade democrtica precisamos notar a presena de pelo menos duas caractersticas bsicas: I uma forte regulao na distribuio de bens na estrutura bsica da sociedade, e II cidados-contribuintes que em uma democracia constitucional pagam tributos e mantm um fundo comum pblico, destinado a garantir a oferta de bens e de servios impossveis de serem assegurados com eqidade a todos os cidados, se entregues ao mercado. A garantia da oferta bsica de tais bens materiais e imateriais passa inevitavelmente pela intributabilidade do mnimo existencial, e a ausncia da oferta deste (sic) bens camada pobre da populao redunda na perda do sentido humano, na perda da dignidade no mbito econmico, poltico, social e jurdico-fiscal.9

    De todo o exposto, conclui-se que a justia um importante norte para a

    6 Apud TROIANELLI, Gabriel Lacerda. Justia e Capacidade Contributiva: a Questo dos Impostos

    Reais. Revista Dialtica de Direito Tributrio. So Paulo, n. 53, p. 47, fev. 2000. 7 ZILVETI, Fernando Aurlio. Princpios de Direito Tributrio e a Capacidade Contributiva. So Paulo:

    Quatier Latin, 2004. p. 63. 8 Dentre os principais citamos o da Frana, Espanha, Itlia, Portugal. 9 NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. tica Tributria e Cidadania Fiscal. Revista de Estudos

    Tributrios. So Paulo, n. 27, p. 26, set./out. 2002.

  • 17

    anlise do princpio da capacidade contributiva, pois alm de dar origem a este, fornece

    instrumentos teis para trazer uma viso mais humana tcnica da tributao.

    1.1.2 A IGUALDADE

    A igualdade um conceito atravs do qual o ser humano procura alcanar a

    verdadeira justia. Derivada deste sobreprincpio, a isonomia um ideal que sempre

    motivou o homem na estipulao de suas regras sociais.

    Contudo, a interpretao que se deu a esse princpio evoluiu de acordo com as

    alteraes sociais, culturais e polticas pelas quais passou a humanidade.

    No novidade que os seres humanos so nicos, no podendo se encontrar

    em todo o mundo duas pessoas completamente iguais, sempre haver diferenas. Por

    conseguinte, a idia de igualdade inata absolutamente terica, sendo inalcanvel na

    prtica, o que foi percebido pelos homens desde a Era Clssica.

    Pensadores como Plato, So Toms de Aquino, Rosseau, Larenz, Kelsen,

    Bobbio, Harbermas, dentre outros, ao abordarem o tema, partiam, sempre, do

    pressuposto de que os homens so naturalmente desiguais entre si.

    Portanto, a aplicao do referido princpio se d a partir da identificao das

    efetivas diferenas existentes entre as pessoas, para que se possa chegar a uma

    soluo adequada para a situao em que se encontram; tratando de forma igual as

    que esto em uma mesma posio, e de forma desigual as que se diferenciam por se

    alocarem em condies diversas.

    Tal pensamento enunciado, j, por Aristteles, foi rememorado e exposto de

    forma brilhante pelo nosso guia de Haia o eminente jurista Rui Barbosa que em

    sua obra Orao aos Moos estipulou:

    A regra da igualdade no consiste seno em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada desigualdade natural, que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais so desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a iguais com desigualdade, seria desigualdade flagrante, e no igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criao, pretendendo, no dar a cada um, na razo do que

  • 18

    vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem.10

    A igualdade como princpio de direito e garantia do homem surgiu pela primeira

    vez, conforme relato de Fernando A. Zilveti11, na Amrica do Norte, em uma lei cuja

    autoria foi atribuda ao Reverendo Nathaniel Ward of Ipswich, em 1641, que recebeu,

    tempos depois, a denominao de Body of Liberties. O referido autor, tambm, aponta

    que o primeiro projeto de declarao de direitos do homem foi apresentado em 20 de

    novembro de 1772, em Boston, por James Otis e Samuel Adams, e deu origem a

    Declaration of Rights, promulgada em 14 de outubro de 178412.

    Foi elevada categoria de princpio constitucional em 12 de junho de 1776, no

    Bill of Rights da Virgnia; todavia, Fernando Zilveti ressalta que nesta carta no se

    mencionava efetivamente que os homens eram iguais, o que ocorreu apenas com o

    advento da Constituio de Massachusets, em 2 de maro de 178013. Em 26 de agosto

    de 1789, a Frana apresentou sua Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado.14

    Todos esses textos legais que dispuseram sobre o princpio da igualdade

    procuravam garantir s pessoas um tratamento semelhante na aplicao do Direito e na

    interferncia do Estado em sua vida privada. Surge a partir da, como sugere Gerson

    dos Santos Sicca:

    [...] a tradicional distino entre igualdade perante a lei e igualdade na lei, a primeira assumindo o aspecto formal da racionalizao da atividade de subsuno das leis a todas as pessoas sem considerao de suas qualidades e a segunda acepo dirigida preponderantemente ao legislador, para que este no possa criar distines entre cidados situados na mesma condio.15

    Jos Afonso da Silva considera irrelevante a distino entre igualdade perante a

    lei e igualdade na lei; o que fundamental, para ele, verificar que os destinatrios

    10 BARBOSA, Rui. Orao aos Moos. So Paulo: Martin Claret, 2004. p. 39. (Coleo A Obra-Prima de

    Cada Autor) 11 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 73-76. 12 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 73-76. 13 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 73-76. 14 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 75-76. 15 SICCA, Gerson dos Santos. Isonomia tributria e capacidade contributiva no Estado contemporneo.

    Revista de Informao Legislativa. Braslia, a. 41, n. 164, p. 217, out./dez. 2004.

  • 19

    deste princpio so os aplicadores da lei e os legisladores.16

    O princpio da igualdade teve diversas acepes, todavia, hoje, aplicado com

    maior relevo no setor econmico. Francisco Campos ressaltou este ponto, esclarecendo

    que:

    [...] O motivo que inspira a declarao nas Constituies modernas do direito igualdade perante a lei de outra ordem. Ele consiste na convico de que um determinado regime econmico, precisamente o de que a livre concorrncia constituiu a categoria lgica, tica e jurdica, no poder subsistir a no ser se ao Estado se impe o dever de no alterar, em caso algum, as condies da concorrncia, a no ser que tais alteraes sejam gerais ou se apliquem indiscriminadamente a todos os concorrentes.17

    Jos Maurcio Conti indica que a obedincia ao princpio da igualdade se d quando:

    a)adotarem as normas critrios de discriminao entre as pessoas;

    b)dever tal critrio de discriminao adotado ter como fundamento um elemento valorado pela norma que resida em fatos;

    c)dever o fator de discriminao adotado guardar uma relao de pertinncia lgica com a situao que deu origem ao fator de discriminao;

    d)dever tal fator de discriminao ter por finalidade reduzir as desigualdades existentes entre as pessoas;

    e)deverem os fatores de discriminao adotados estar de acordo com o estabelecido pela legislao.18

    Desta forma, constata-se que o princpio da igualdade aplicado atravs de

    uma discriminao, obtida por meio de um critrio de comparao, todavia, para que tal

    diferenciao seja vlida, para Gerson Sicca, necessrio que sejam observados os

    seguintes itens:

    [...], 1) de se reconhecer a liberdade de conformao conferida ao legislador ordinrio; 2) o legislador, ao estabelecer a discriminao, pretende atingir determinada finalidade, que deve ser objeto de sindicabilidade perante as normas constitucionais; 3) deve ser indagada a legitimidade dos meios adotados para o legislador atingir a finalidade em causa; 4) o princpio da igualdade, assim como todos os princpios, pode ser compreendido em dupla

    16 SILVA, Jos Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. So Paulo: RT, 1968. p. 167. 17 CAMPOS, Francisco. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956. p. 17. v. 2 18 CONTI, Jos Maurcio. Princpios Tributrios da Capacidade Contributiva e da Progressividade. So

    Paulo: Dialtica, 1996. p. 26.

  • 20

    funo, seja para evitar discriminaes arbitrrias, seja para exigir a equiparao de pessoas em situaes semelhantes.19

    Destarte, segundo Jos Maurcio Conti, para que o princpio da igualdade seja

    aplicado, devem-se estabelecer normas que verifiquem: a) a desigualdade relativa entre

    os indivduos; b) a viabilidade na comparao entre os seres, segundo um determinado

    critrio que os coloque em uma posio de igualdade; e c) o critrio de comparao

    eleito deve estar explicitado na Constituio.20

    Nesse contexto, surge o princpio da capacidade contributiva, que, no Direito

    Tributrio, afere o critrio de igualdade ou desigualdade aplicado aos contribuintes.

    Misabel de Abreu Machado Derzi conclui que: A capacidade contributiva

    (considerada proporcional ou regressivamente) um desdobramento de um mesmo e

    nico princpio, o da igualdade.21.

    Regina Helena Costa considera que a capacidade contributiva um

    subprincpio do princpio da isonomia. E, segundo Jos Marcos Domingues de Oliveira,

    a igualdade se desdobra em diversas facetas no direito tributrio, que so:

    a) Se todos so iguais perante a lei, todos devem ser por ela tributados (princpio da generalidade);

    b) o critrio de igualao ou desigualao h de ser a riqueza de cada um, pois o tributo visa a retirar recursos do contribuinte para manter as finanas pblicas, assim, pagaro todos os que tenham riqueza, localizados os que tm riqueza (logo, contribuintes) devem todos estes ser tratados igualmente ou seja tributados identicamente na medida em que possurem igual riqueza (princpio da igualdade tributria);

    c) essa riqueza s poder referir-se ao que exceder o mnimo necessrio sobrevivncia digna, pois at este nvel o contribuinte age ou atua para manter a si e aos seus dependentes, ou unidade produtora daquela riqueza (primeira acepo do princpio da capacidade contributiva, enquanto pressuposto ou fundamento do tributo);

    d) essa tributao, ademais, no pode se tornar excessiva, proibitiva ou confiscatria, ou seja, a tributao, em cotejo com diversos princpios e garantias constitucionais (direito ao trabalho e livre iniciativa, proteo propriedade), no poder inviabilizar ou mesmo inibir o exerccio de atividade profissional ou empresarial lcita nem retirar do contribuinte parcela substancial

    19 SICCA, Gerson dos Santos. Op. cit., p. 221. 20 CONTI, Jos Maurcio. Op. cit., p. 27. 21 DERZI, Misabel de Abreu Machado. Princpio da Igualdade no Direito Tributrio e suas

    Manifestaes. V Congresso Brasileiro de Direito Tributrio. So Paulo: RT, 1991, p. 163.

  • 21

    de propriedade (segunda acepo do princpio da capacidade contributiva, enquanto critrio de graduao e limite da tributao).22

    O princpio da isonomia encontra-se previsto na maioria das Cartas

    Constitucionais existentes no mundo23. Na Constituio da Repblica Federativa do

    Brasil est encartado, de forma genrica, no art. 5, caput, e inciso I, e, de forma

    especfica para a seara tributria, no art. 150, inciso II.

    Constata-se, de todo o exposto, que o princpio da igualdade possu diversos

    subprincpios, dentre os quais est o da capacidade contributiva, que segundo Amlcar

    Falco representa a verso, em matria tributria, do princpio geral da isonomia24.

    Hugo de Brito Machado afirma que a capacidade contributiva seria um critrio

    de valorao do princpio da isonomia, e um critrio capaz de realizar, tambm, o

    princpio da justia.25

    Jos Maurcio Conti ao analisar a capacidade contributiva, deixa claro a forte

    influncia valorativa que a justia e a igualdade exercem na aplicao do princpio,

    confira-se:

    [...] O princpio da capacidade contributiva estabelece como critrio de justia a ponderao segundo a capacidade econmica do contribuinte. Dessa forma, o princpio da igualdade aplicvel ao Direito Tributrio mediante a utilizao de um critrio de discriminao j definido, qual seja, a capacidade contributiva.26

    1.2 DIFERENAS ENTRE A CAPACIDADE ECONMICA, CONTRIBUTIVA E

    FINANCEIRA

    Em virtude da freqncia com que estes termos aparecem em diversas obras, e

    22 Oliveira, Jos Marcos Domingues de. Capacidade Contributiva: Contedo e Eficcia do Princpio. 2.

    ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 13, destaques do autor. 23 Dentre as principais citamos a da Espanha, Itlia, Portugal, Alemanha, Frana, Estados Unidos da

    Amrica. 24 FALCO, Amlcar de Arajo. Fato Gerador da Obrigao Tributria. 2. ed. So Paulo: RT, 1971. p.

    68. 25 MACHADO, Hugo de Brito. Os Princpios Jurdicos da Tributao na Constituio de 1988. 3. ed. So

    Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 62. 26 CONTI, Jos Maurcio. Op. cit., p. 28.

  • 22

    a divergncia doutrinria que se travou ante a interpretao das expresses

    capacidade econmica e capacidade contributiva, reputou-se necessrio discorrer

    um pouco sobre estes conceitos.

    A noo de capacidade econmica est mais voltada cincia econmica e

    financeira, conforme relata Jos Maurcio Conti, do que o conceito de capacidade

    contributiva, que est mais ligado cincia jurdica.27

    Ives Gandra da Silva Martins entende que a capacidade contributiva a

    capacidade do contribuinte relacionada com a imposio especfica ou global, sendo,

    portanto, dimenso econmica particular de sua vinculao ao poder tributante, nos

    termos da lei28. Enquanto a capacidade econmica a exteriorizao da

    potencialidade econmica de algum, independente de sua vinculao ao referido

    poder.29 O supra citado autor elucida a diferenciao dos dois conceitos atravs do

    seguinte exemplo:

    Um cidado que usufrui renda ainda tem capacidade contributiva perante o pas em que a recebeu, j um cidado rico, de passagem pelo pas, tem capacidade econmica, mas no tem contributiva, pois ele tem rendimentos suficientes para suportar tributos, mas no h nenhuma relao jurdica que o vincule ao Fisco do pas pelo qual transita. Assim, no tem capacidade contributiva neste pas.30

    Regina Helena Costa31, ao distinguir as referidas expresses, explicita que um

    indivduo pode ter capacidade econmica para adquirir bens necessrios a sua

    sobrevivncia, todavia, pode no ter capacidade contributiva, pois consome

    integralmente a sua renda com o mnimo vital tal concepo tambm adotada por

    Luigi F. Natoli32. Chega-se concluso de que a capacidade contributiva pressupe a

    econmica, mas no se confunde com ela.

    Moschetti entende ser a capacidade econmica uma condio necessria para

    27 CONTI, Jos Maurcio. Op. cit., p. 36. 28 MARTINS, Ives Gandra. Capacidade Econmica e Capacidade Contributiva. Caderno de Pesquisas

    Tributrias: Resenha Tributria. So Paulo, n. 14, p. 33 e seguintes, 1989. 29 MARTINS, Ives Gandra. Capacidade Econmica e Capacidade Contributiva. Op. cit., p. 33 e seguintes. 30 MARTINS, Ives Gandra. Capacidade Econmica e Capacidade Contributiva. Op. cit., p. 33 e seguintes. 31 COSTA, Regina Helena. Princpio da Capacidade Contributiva. 3 ed. So Paulo: Malheiros, 1996, p.

    34-36. 32 Apud Regina Helena Costa, op. cit., 3 ed., p. 34-35.

  • 23

    a existncia de capacidade contributiva, que tem como elemento de qualificao a

    aptido de realizar o interesse pblico, no se podendo vislumbrar a riqueza do

    indivduo separada das exigncias coletivas.33 Contudo, de acordo com Hugo de Brito,

    caso esta teoria seja aceita, estar-se-ia fazendo tabula rasa do princpio da capacidade

    contributiva, tendo em vista que a expresso interesse pblico deveras genrica, o

    que faria com que o Estado pudesse manipular o referido conceito, decidindo quando

    haveria ou no interesse pblico a justificar, por exemplo, a concesso de isenes.34

    Hugo de Brito salienta que, para Maffezzoni, a capacidade contributiva no

    pode ser identificada na pura e simples capacidade econmica do sujeito passivo.

    Reputa ser difcil conceituar capacidade econmica, j que impreciso e vago o

    conceito de renda, ademais tal expresso no poderia ser mensurada apenas pela

    renda. J a capacidade contributiva deve envolver fato indicativo do gozo de vantagens

    decorrentes dos servios pblicos.35

    Na crtica que faz Maffezzoni, Hugo de Brito demonstra que to complicado

    quanto definir capacidade econmica, determinar o que seja o gozo de vantagens

    decorrentes da utilizao dos servios pblicos. Ademais, alega que no seria justo

    enfocar a tributao como retribuio pelo uso dos servios pblicos, pois,

    normalmente, so utilizados em maior proporo pela parcela carente da populao,

    que, obviamente, no teria condies de ter maior participao que os demais no

    custeio das despesas pblicas36.

    Agostinho Toffoli Tavolaro37 acrescenta s expresses j estudadas o conceito

    de capacidade financeira, que seria a disponibilidade para a liquidao de suas

    obrigaes no tempo e forma contratadas. Diante de tal caracterizao, chega-se,

    facilmente, a concluso que este conceito no tem nada que ver com os outros dois, j

    33 MOSCHETTI, Francesco. Il Princpio della Capacita Contributiva. Padova: Ed. CEDAM, 1973. p. 240. 34 Apud Hugo de Brito Machado. Os princpios jurdicos da tributao na Constituio de 1998. Op. cit., p.

    71. 35 Apud Hugo de Brito Machado. Os princpios jurdicos da tributao na Constituio de 1998. Op. cit., p.

    71-72. 36 Apud Hugo de Brito Machado. Os princpios jurdicos da tributao na Constituio de 1998. Op. cit., p.

    71-72. 37 TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Capacidade Contributiva. Capacidade Contributiva: Caderno de

    Pesquisas Tributrias. So Paulo, n. 14, co-edio Resenha Tributria: Centro de Estudos de Extenso Universitria, p. 196, 1989.

  • 24

    que a pessoa pode ter capacidade econmica, contributiva e no ter financeira, por

    faltar-lhe liquidez.

    Zilveti deixa claro que a discusso existente na distino entre os termos

    capacidade econmica e capacidade contributiva, ainda que exista entre os italianos,

    , para ns, desprovida de sentido, pois a primeira sempre presumida em relao

    segunda, e sem a qual a tributao no seria possvel.38

    O ilustre doutrinador ressalta que a melhor interpretao para a questo

    fornecida por Ferreira Filho que a considera como uma sinonmia. Lembra, inclusive,

    que o termo capacidade econmica, retirado de semelhante expresso existente na

    Constituio espanhola, interpretado, naquele pas, como sendo sinnimo de

    capacidade contributiva, pois no se faz diferenciao quanto aos termos.39

    Tanto Zilveti40 quanto Leonnetti41 entendem que as expresses devem ser

    reputadas como sinnimas, pois o constituinte ao se referir capacidade econmica

    queria se reportar condio do contribuinte de pagar tributos.

    Discordamos da opinio de Hugo de Brito ao considerar que a Constituio

    Federal no se remete capacidade contributiva e sim a econmica42. Entendemos,

    junto com Zilveti43 e Leonetti44, que no cabe, dentro do direito brasileiro, distinguir tais

    expresses, devendo ser as mesmas reputadas idnticas, j que ntida, no esprito da

    Carta de 1988, a preocupao que o constituinte teve com a situao do contribuinte, a

    possibilidade dele arcar ou no com o nus tributrio que lhe imposto pelo Estado.

    38 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 250. 39 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 251. 40 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 251. 41 LEONETTI, Carlos Arajo. O imposto sobre a renda como instrumento de justia social no Brasil. So

    Paulo: Manole, 2003, p. 53. 42 MACHADO, Hugo de Brito. Os Princpios Jurdicos da Tributao na Constituio de 1988. 5ed. So

    Paulo: Dialtica, 2004,p. 81. 43 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 251. 44 LEONETTI, Carlos Arajo. Op. cit., p. 53.

  • 25

    1.3 CLASSIFICAO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

    Torna-se fundamental esclarecer quais so as classificaes atribudas

    capacidade contributiva, pois elas auxiliam o leitor a compreender as divergncias

    doutrinrias que envolvem o princpio, dentre elas a relativa aplicabilidade dele s aos

    impostos ou a todos os tributos.

    Elencamos os trs tipos de classificao que so mais invocados pela doutrina

    em geral:

    1.3.1 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA OBJETIVA (OU ABSOLUTA) E

    SUBJETIVA (OU RELATIVA)

    Sem dvida, esta a classificao mais adotada pela doutrina. Destaque-se

    lio de Jos Marcos Domingues de Oliveira sobre o tema:

    [...] a capacidade contributiva conceito que se compreende em dois sentidos, um objetivo ou absoluto e outro subjetivo ou relativo.

    No primeiro caso, a capacidade contributiva significa a existncia de uma riqueza apta a ser tributada (capacidade contributiva como pressuposto da tributao), enquanto no segundo, a parcela dessa riqueza que ser objeto da tributao em face de condies individuais (capacidade contributiva como critrio de graduao e limite do tributo).45

    Maral Justen Filho esclarece que a capacidade contributiva absoluta se refere

    hiptese de incidncia, j a relativa se liga ao mandamento normativo.46

    Regina Helena Costa ensina que:

    A capacidade contributiva absoluta ou objetiva funciona como pressuposto ou fundamento jurdico do tributo, ao condicionar a atividade de eleio, pelo legislador, dos fatos que ensejaro o nascimento de obrigaes tributrias. Representa sensvel restrio discrio legislativa, na medida em que no autoriza, como pressuposto de impostos, a escolha de fatos que no sejam

    45 OLIVEIRA, Jos Marcos Domingues de. Op. cit., p. 57. 46 JUSTEN FILHO, Maral. Capacidade Contributiva. Caderno de Pesquisas Tributrias. So Paulo, n.

    14, co-edio Resenha Tributria: Centro de Estudos de Extenso Universitria, p. 357-395, 1989.

  • 26

    reveladores de alguma riqueza.47

    No que tange ao aspecto subjetivo, entende a renomada jurista que, por ser

    utilizado como critrio de graduao de impostos, atua como limite da tributao,

    preservando o mnimo existencial e impedindo que a progressividade leve ao confisco

    ou ao cerceamento de outros direitos constitucionais48.

    Gisele Lemke faz um timo relato de quais doutrinadores aceitam apenas a

    capacidade contributiva absoluta e quais adotam, tambm, a concepo relativista.49

    Informa que Eduardo D. Botelho s aceita o aspecto objetivo, pois, para ele, o juiz s

    poderia anular norma tributria quando esta no tiver qualquer fato-signo presuntivo de

    riqueza. J Joo Caio Goulart Penteado aceita tanto a capacidade absoluta, quanto a

    relativa, todavia, de forma limitada quanto a este segundo aspecto, pois permite a

    invocao do princpio quando o fato tributvel no econmico, quando a tributao

    no respeita o mnimo vital, ou quando aniquila a riqueza.

    Comenta Gisele que Alfredo Augusto Becker tem entendimento semelhante ao

    de Joo Caio Goulart Penteado, pois compreende que o juiz pode declarar a

    inconstitucionalidade de norma que institua tributo com fundamento em fato que no

    seja signo presuntivo de riqueza. Contudo, o renomado autor considera que o juiz no

    pode deixar de aplicar a norma ao constatar que, em um caso concreto, no atende ao

    princpio da capacidade contributiva.50

    Ressalta Gisele que Maral Justen Filho d nfase especial ao aspecto objetivo

    do princpio, salientando que fundamental para caracterizar uma norma como

    tributria. No aceita o aspecto relativo dele por entender que tal aferio invadiria a

    esfera poltica.51

    Antes de se indicar os doutrinadores que admitem de forma plena a existncia

    do aspecto subjetivo da capacidade contributiva, vale invocar distino feita por Gisele

    Lemke entre capacidade contributiva relativa abstrata ou concreta. Na abstrata, a

    47 COSTA, Regina Helena. Op. cit.,3 ed., p. 28. 48 COSTA, Regina Helena. Op. cit., p. 28-31. 49 LEMKE, Gisele. Op. cit., p. 42. 50 LEMKE, Gisele. Op. cit., p. 42. 51 LEMKE, Gisele. Op. cit., p. 42.

  • 27

    graduao do imposto feita de acordo com uma mdia, obtida atravs de

    padronizaes. Na concreta, os critrios estabelecidos permitem que o tributo seja

    individualizado para cada contribuinte, extraindo-se, da, a sua capacidade contributiva

    real.52

    Sabe-se que Sacha Calmon53 considera que a capacidade contributiva deve ser

    real, coadunando com esta idia temos Regina Helena Costa54 e Jos Marcos

    Domingues de Oliveira55.

    Entende-se, de forma majoritria56, que a capacidade contributiva deve ser vista

    tanto do lado objetivo, quanto do subjetivo, pois segundo Gisele:

    No se pode deduzir que o indivduo tenha capacidade de contribuir para o financiamento das despesas pblicas simplesmente por constar da hiptese de incidncia fato-signo presuntivo de riqueza. Pode haver somente capacidade econmica.57

    Agora, a partir do momento que coadunamos com a corrente majoritria58,

    aceitando tanto o aspecto objetivo, como o subjetivo da capacidade contributiva, cabe

    perquirir, dentro do aspecto subjetivo se deve prevalecer o enfoque abstrato, ou

    concreto, conforme distino anteriormente feita.

    Gisele alega que tal questo tem difcil soluo, pois se de um lado se tem o

    princpio da capacidade contributiva, que como corolrio da igualdade, vai requerer que

    a capacidade aferida seja a real, de outro, tem-se a praticabilidade da tributao, que,

    na definio de Misabel, um princpio constitucional implcito e representa o conjunto

    de normas e tcnicas usado para permitir a execuo e aplicao das leis.59

    52 LEMKE, Gisele. Op. cit., p. 42. 53 COLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributrio Brasileiro. 8 Ed. Rio de Janeiro:

    Forense, 2005, p. 84. 54 COSTA, Regina Helena. Op. cit., p. 86. 55 OLIVEIRA, Jos Marcos Domingues de. Capacidade Contributiva: Contedo e Eficcia do Princpio.

    Rio de Janeiro: Renovar, 1988, p. 61. 56 Defendem esse entendimento, dentre outros: Jos Marcos Domingues de Oliveira, Regina Helena

    Costa, Sacha Calmon Navarro Colho, Gisele Lemke, Fernando Aurlio Zilveti. 57 LEMKE, Gisele. Op. cit., p. 43. 58 Ilustram essa corrente, dentre outros: Jos Marcos Domingues de Oliveira, Regina Helena Costa,

    Sacha Calmon Navarro Colho, Gisele Lemke, Fernando Aurlio Zilveti. 59 LEMKE, Gisele. Op. cit., p. 44.

  • 28

    Zilveti ensina que o objetivo da praticabilidade dar efetividade norma, de

    modo que a capacidade contributiva seja respeitada, apesar da massificao ou da

    criao de meios que simplifiquem os elementos da obrigao tributria.60. Entende

    que essa forma de coadunar a praticabilidade com a capacidade contributiva permitir

    que seja estabelecida pela lei uma presuno61 relativa de capacidade contributiva, de

    modo que o cidado prejudicado possa comprovar que no se enquadra na referida

    presuno.62

    Gisele Lemke tem o mesmo entendimento que Zilveti, o que se afere do seguinte trecho retirado de sua obra, j vrias vezes citada ao longo da presente dissertao:

    [...] o princpio da capacidade contributiva no implica na considerao da capacidade contributiva concreta de cada contribuinte, mas apenas no que se chamou de capacidade contributiva subjetiva abstrata, a no ser em hipteses excepcionalssimas. Vale dizer, perfeitamente aceitvel o uso de presunes e de padronizaes para a composio da hiptese de incidncia tributria, desde que sejam razoveis.63

    1.3.2 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA GERAL (OU GLOBAL) E PARCIAL

    possvel aferir a capacidade contributiva global, quando se leva em

    considerao o total de tributos pagos por uma pessoa, relacionando-os com toda a sua

    riqueza. J a parcial se limita a focar cada tributo de modo isolado, comparando-o com

    a riqueza a que se refere.

    Gisele traz a lio de Joo Caio Goulart Penteado, segundo o qual o princpio

    pode ser violado no s no aspecto parcial, mas tambm no global, quando a carga

    tributria total existente em um sistema seja excessiva64. Alcides Jorge, tambm, aceita

    60 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 320. 61 Concordamos com Maria Rita Ferragut que, em sua obra Presunes no Direito Tributrio (p. 176),

    defende que as presunes no violam o princpio da capacidade contributiva, pois o fato-signo presuntivo de riqueza ocorreu, a sua comprovao que se deu por meios indicirios.E expande tal concluso para o caso de presuno ou arbitramento de base de clculo, nas hipteses em que os critrios utilizados para tal revelem capacidade contributiva.

    62 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 320. 63 LEMKE, Gisele. Op.cit., p. 45. 64 LEMKE, Gisele. Op.cit., p. 45.

  • 29

    ambos os aspectos supra mencionados65.

    J Maria de Ftima Ribeiro e Hamilton Dias de Sousa entendem, segundo

    Gisele, que cada gravame deve ser observado de forma isolada, sem levar em

    considerao os demais tributos. Sendo esta, tambm, a opinio de ngela Maria da

    Motta Pacheco e Alfredo Augusto Becker66.

    Por conseguinte, unimo-nos a Gisele Lemke67, entendendo que a capacidade

    contributiva deve ser vista, a priori, de forma parcial, aferindo-se sua manifestao em

    relao a cada tipo de tributo. Todavia, em casos excepcionais, seria possvel verificar a

    compatibilidade do sistema tributrio com a riqueza global do contribuinte que ele

    pretende atingir.

    1.3.3 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA PRPRIA OU EM REPRESENTAO

    A capacidade contributiva prpria refere-se ao contribuinte, s suas condies

    individuais de pagar aquele tributo. J a em representao a do chefe de famlia, por

    exemplo, que abrange toda a famlia.

    Quanto a este segundo aspecto, vale destacar, com Misabel de Abreu Machado

    Derzi, que a Constituio da Repblica Federativa do Brasil, em seu art. 226, consagra

    como base da sociedade a famlia68, e informa que esta deve ter proteo especial do

    Estado. Declara a referida autora que em pases desenvolvidos69, o princpio da

    proteo da famlia pauta de discusso dentro do prprio direito tributrio, e, na

    Alemanha, por exemplo, tem status de princpio fundamental constitucional tributrio,

    65 COSTA, Alcides Jorge. Capacidade Contributiva. RDT 55, p. 297-302. 66 LEMKE, Gisele. Op.cit., p. 45. 67 LEMKE, Gisele. Op.cit., p. 45. 68 Prioritariamente a constituda pelo matrimnio, todavia, para fins de proteo do Estado, h

    equiparao desta com o companheirismo (unio estvel) e com as unidades compostas apenas por um dos pais e seus descendentes. (arts. 226, 3 e 4, da CRFB). Contudo, pertinente a crtica feita por Misabel Derzi de que a Constituio brasileira em vigor desconsiderou, para fins de proteo do Estado, outros tipos de famlia, como as comandadas por arrimos de famlia, como uma pessoa solteira e ascendentes ou irmos ou mais colaterais, que, tambm, deveriam gozar desta proteo.

    69 Nos Estados Unidos e na Europa, a proteo da famlia tem espao reservado na discusso do direito tributrio, Misabel informa que as legislaes da Espanha, de Portugal e da Inglaterra, dentre outras, foram modificadas, na dcada de 80, para adaptar o direito tributrio a este princpio.

  • 30

    como o possuem a legalidade e a irretroatividade; contudo, no Brasil, infelizmente, tal

    fato no se verifica.70 Em Portugal, h uma Lei Geral Tributria que, alm de

    reconhecer em seu art. 4, o princpio da capacidade contributiva, em seu art. 6,

    aborda especificamente a questo atinente a tributao e a situao familiar:

    Determinando que a tributao directa tem em conta: a necessidade da pessoa

    singular e o agregado familiar a que pertena disporem dos rendimentos e

    bens necessrios a uma existncia digna; a situao patrimonial incluindo os

    legtimos encargos do agregado familiar; a doena, a velhice e outros casos de

    reduo da capacidade contributiva do sujeito passivo.71

    Aponta Misabel que:

    A deciso mais antiga, que abordou a questo da tributao conjunta dos cnjuges, foi prolatada pela Corte Constitucional norte-americana, cujo trabalho altamente construtivo mundialmente reconhecido. Deu-se em 1930, no caso Poe X Seaborn, 282 US, 101. (Cf. Michael J. Graetz, Federal Income Taxation Principles and Policies, 2nd, ed., Westbur, New York, The Foundation Press, Inc., 1988, pp. 516-525).72

    Nesse julgamento ficou estabelecido que a esposa pagaria imposto sobre a

    metade da renda comum do casal, no importando que haja uma nica fonte produtora;

    tal vantagem, inicialmente, era gozada somente pelos casais unidos pelo lao

    matrimonial e que residissem juntos. Em 1948, o Congresso americano estendeu este

    benefcio da diviso de renda (conhecido como splitting) a todos os pares unidos pelo

    matrimnio, o que autorizou os mesmos a passarem a preencher uma declarao

    conjunta e a pagar duas vezes o imposto que um indivduo solteiro pagaria se

    percebesse metade da renda total deles 73. No resta dvida de que tal legislao

    favoreceu aos casais, mas colocou os solteiros em grande desvantagem, o que veio a 70 BALEEIRO, Aliomar. Limitaes Constitucionais ao Poder de Tributar. 7. ed. Atualizado por Misabel de

    Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 758. 71 CAMPOS, Diogo Leite de. O Sistema Tributrio no Estado dos Cidados. Coimbra: Almedina, 2006. p.

    112. 72 BALEEIRO, Aliomar. Op. cit., p. 764. 73 BALEEIRO, Aliomar. Op. cit., p. 764.

  • 31

    ser modificado pelo Congresso em 1969, que atribuiu alquotas especiais aos solteiros,

    mas penalizou os casados que auferirem rendas iguais74.

    A referida autora indica, ainda, como marco decisivo para a concepo da

    proteo da famlia na seara tributria, deciso do Tribunal Constitucional Federal da

    Alemanha (BVerfG), de 1957, onde foi considerada inconstitucional a declarao

    obrigatria em conjunto dos cnjuges, como se se tratasse de rendimentos de uma s

    pessoa, isto porque ela submetia a uma alquota progressiva mais elevada a renda

    unificada dos cnjuges, que se quedavam prejudicados em relao aos solteiros. O

    Tribunal indicou o spliting, vigente nos EUA, como uma soluo que se encontrava

    conforme a Constituio. Tal tcnica foi posteriormente adotada pelo legislador alemo

    e se encontra em vigor at hoje.75

    Esclarece, Misabel Derzi, que se seguiu declarao de inconstitucionalidade

    alem, a prolatada pela Corte Constitucional italiana, em 15/07/1976, sendo que tal

    deciso:

    [...] teve origem em seis processos oriundos de Roma, Voghera, Livorno, Milo, Arona e Florena, todos com objetos substancialmente idnticos. Estando em vias de se extinguir o prazo previsto em 1975 para a declarao anual de rendas, esposos, casados em regime de separao de bens, diante da recusa de suas mulheres em fornecer os dados e elementos necessrios, ajuizaram uma ao com base no art. 700 do Cdigo de Processo Civil, a fim de obter uma soluo para o caso. Em sua defesa, as esposas invocaram a inconstitucionalidade da lei do imposto de renda.

    Nos fundamentos de sua deciso, o Tribunal italiano reconheceu que a exigncia da tributao conjunta oferece um tratamento discriminatrio contra os ncleos familiares legitimados em favor de unies livres e das famlias de fato. [....]

    Assim, segundo o Tribunal italiano, inconstitucional que a) na determinao da renda total para o imposto sejam imputadas ao marido, enquanto sujeito passivo, as rendas da mulher de forma cumulativa s prprias; b) a mulher casada no seja considerada sujeito passivo no imposto de renda; c) seja nica a declarao de renda das pessoas casadas.76

    Misabel Derzi invoca, ainda, um precedente do Tribunal Constitucional espanhol

    74 BALEEIRO, Aliomar. Op. cit., p. 764. 75 BALEEIRO, Aliomar. Op. cit., p. 764. 76 BALEEIRO, Aliomar. Op. cit., p. 766-767.

  • 32

    que, no mesmo sentido dos demais mencionados, entendeu

    [...] a capacidade econmica, considerando a pessoa fsica como nico ponto vlido de referncia de dito princpio no imposto sobre a renda e sem que tal capacidade resulte modificada pelo matrimnio. Nas sentenas de 10.11.1988 e 20.02.1989, o Tribunal espanhol defendeu o princpio da neutralidade frente ao matrimnio, negando o aumento de capacidade econmica pelo fato de se pertencer ao grupo familiar, assim como tambm considerou discriminatrio o regime tributrio at ento aplicvel aos contribuintes casados, que estavam obrigados declarao conjunta de renda, em favor daqueles outros que no o so.77

    Importante salientar, nos termos do que foi fixado por Misabel Derzi, que, nos

    dias atuais, h, pelo menos, trs tipos de sistema de tributao da renda da pessoa

    natural:

    o primeiro e mais elementar considera individualmente cada membro familiar e calcula a renda (rendimentos deduzidos dos encargos) de cada pessoa, ignorando a unidade familiar como titular de capacidade contributiva prpria. um sistema muito difundido atualmente, encontrando variantes em diversos pases (Inglaterra, Brasil, Itlia, Espanha, Canad, Alemanha etc.) pois alguns poucos ignoram o fato do casamento, mas outros a maioria dentre os pases industrializados concedem isenes prprias, que contemplam a situao das pessoas casadas com encargos ou solteiras, que, no obstante, sejam arrimo de famlia (Inglaterra, Holanda etc.);

    o segundo uma variao da tributao independente, pois, embora considere as pessoas individualmente, faz derivar do estado civil e de certo modelo de casamento e de famlia, uma srie de conseqncias, impondo para isso alquotas (reais, no-nominais) mais ou menos suaves (EEUU);

    o terceiro considera a famlia como comunidade de ganhos e consumo e tributa em conjunto, sem entretanto admitir qualquer prejuzo em relao aos solteiros, utilizando-se a tcnica spliting restrita aos cnjuges, em carter compulsrio (Portugal) ou facultativo (Alemanha) ou spliting total, tambm chamado de quociente familiar (Frana).78

    Atente-se que a maioria dos pases mescla estes sistemas, adotando formas

    mistas.

    Entendemos, junto com Misabel Derzi, que o modelo mais adequado para a

    tributao da famlia o alemo, pois permite uma tributao conjunta, com spliting,

    77 BALEEIRO, Aliomar. Op. cit., p. 767. 78 BALEEIRO, Aliomar. Op. cit., p. 769.

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    bem como viabiliza a declarao em separado, e, desta forma, preserva a liberdade

    individual e o direito ao segredo profissional da mulher casada, valoriza a comunho de

    vida e respeita a capacidade contributiva.79

    Conclumos o item com a seguinte observao feita por Misabel de Abreu

    Machado Derzi:

    Em resumo, segundo as normas constitucionais de capacidade econmica, igualdade, proteo da famlia e incentivo ao casamento:

    o Estado, por meio do Direito Tributrio, tem de captar a real capacidade econmica do contribuinte, nisso devendo considerar os gastos efetivamente realizados e necessrios manuteno da famlia;

    o princpio da neutralidade da lei diante do modelo ideal de casamento deve prevalecer, no podendo o Direito Tributrio assumir o papel pedaggico de reconduzir a mulher ao lar, por meio de impostos mais agressivos segunda renda familiar (em geral da me de famlia);

    o Estado no pode prejudicar os casados em relao aos no-casados, desestimulando (entendemos que aqui a autora quis dizer estimulando) a constituio de famlias fora do casamento ou incentivando o divrcio, devendo para isso eliminar todas as normas que, economicamente, motivem a fuga ao casamento ou levem ao divrcio.80

    1.4 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA COMO CRITRIO DE CLASSIFICAO

    DOS TRIBUTOS

    Apresentamos as classificaes acerca da capacidade contributiva, e, achamos

    por bem, apresentar tambm, a presente classificao, criada por Jos Marcos

    Domingues de Oliveira81, onde ele procura classificar os tributos, levando em

    considerao a capacidade contributiva, o que o motiva a dividir os tributos em duas

    categorias: a dos fundados na capacidade contributiva caso dos impostos e

    contribuies de melhoria, cujos fatos geradores sofrem influncia do princpio desde a

    tipificao. Graduam-se em funo da capacidade contributiva, apresentando alquotas

    diferenciadas: seletividade do IPI, progressividade do Imposto de Renda, etc; e, a dos

    79 BALEEIRO, Aliomar. Op. cit., p. 779. 80 BALEEIRO, Aliomar. Op. cit., p. 780. 81 OLIVEIRA, Jos Marcos Domingues de. Op. cit., p. 113-115.

  • 34

    tributos graduados pela capacidade contributiva: caso das taxas. Seus fatos geradores

    no se consubstanciam em situao reveladora de capacidade contributiva, tendo como

    hiptese de incidncia, um fato da administrao pblica, sofrendo incidncia do

    princpio somente na quantificao da obrigao.

    No que tange a discusso acerca da possibilidade de aplicao da capacidade

    contributiva a todos os tributos, remetemos o leitor ao captulo 2, onde tal ponto ser

    enfrentado.

    1.5 NDICES DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

    Sabe-se que a obrigao tributria principal, de maior relevncia, a de pagar

    tributos. Para Grizziotti82, como j foi dito, a capacidade contributiva seria a causa da

    obrigao tributria principal. Entretanto, definir causa algo deveras complexo, o que

    nos leva a lio de Hugo de Brito Machado, que melhor elucida tal problemtica:

    [...] se como causa da obrigao tributria se entende aquilo que necessrio ao seu surgimento, sua existncia, no h como se possa sustentar que a capacidade contributiva causa da obrigao tributria. Realmente, do ponto de vista jurdico, essa obrigao, como de resto todo e qualquer efeito jurdico, tem como causa uma lei (hiptese de incidncia) e um fato (fato tributvel). A lei a causa mediata. A ocorrncia do fato nela descrito, vale dizer, do fato tributvel, causa imediata.83

    Do exposto, conclu-se que a capacidade contributiva no causa da obrigao

    tributria, pois esta tem na lei sua causa mediata, e no fato tributvel a imediata, sendo

    este o fato gerador da obrigao tributria sobre o qual Amlcar Falco teceu a seguinte

    lio lapidar:

    O fato gerador decisivo para a definio da base de clculo do tributo, ou seja, daquela grandeza econmica ou numrica sobre a qual se aplica a alquota para obter o quantum a pagar. Essa base de clculo tem que ser uma circunstncia inerente ao fato gerador, de modo a configurar-se como verdadeira e autntica expresso econmica [...].

    [...] indispensvel configurar-se uma relao de pertinncia ou inerncia da base de clculo ao fato gerador: tal inerncia ou pertinncia afere-se, como

    82 Apud Hugo de Brito Machado, op. cit., Princpios, p. 63. 83 MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., Princpios, p. 63.

  • 35

    bvio, por este ltimo. De outro modo, a inadequao da base de clculo pode representar uma distoro do fato gerador e, assim, desnaturar o tributo.84

    Segundo Sainz de Bujanda, o princpio da capacidade contributiva seria o

    fundamento ou pressuposto do fato gerador da obrigao tributria: [...] um fato

    gerador s estar justificado, do ponto de vista constitucional, se, como tal, aparecer

    configurado pela norma tributria como ndice, direto ou indireto de capacidade

    econmica.85

    Alfredo Augusto Becker aponta que:

    [...] a praticabilidade e a certeza da incidncia das regras jurdicas tributrias sempre induziu, e cada vez mais induz o legislador a escolher, como elementos integrantes da hiptese de incidncia signos econmicos (fatos econmicos) ou signos jurdicos (fatos jurdicos), cuja existncia faz presumir a existncia de determinado gnero e espcie de renda ou capital.86

    Regina Helena Costa acrescenta que:

    Certo que o direito cria suas prprias realidades; porm o substrato econmico da capacidade contributiva exige que se atente s formulaes pr-legislativas da Cincia das Finanas, ao invs do recurso puro e simples s fices jurdicas. Desse modo o legislador poder adotar, na sua integralidade, o conceito econmico-financeiro; poder no proporcionar um conceito expresso de contedo determinado; como, ainda, poder ocorrer que o conceito econmico-financeiro seja acolhido parcialmente ou deformado por uma fico jurdica, no conceito legal.87

    Zilveti relata que, historicamente, cinco ndices de tributao foram e continuam

    a ser usados at hoje pelo homem, para distribuir, de forma equnime, o nus do

    custeio do aparelho estatal, so eles:

    a)classe tributao dividida por classes de pessoas; b) patrimnio tributao incidente sobre as posses do indivduo; c) despesa pela despesa individual era calculada sua parcela de imposto, com a inteno medieval de incluir na

    84 FALCO, Amlcar de Arajo. Fato Gerador da Obrigao Tributria. 4. ed. So Paulo: Revista dos

    Tribunais, 1977. p. 137-138. 85 Apud Jos Marcos Domingues de Oliveira, op. cit., p. 64. 86 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributrio. So Paulo: Saraiva, 1972. p. 459-461. 87 COSTA, Regina Helena. Op. cit., p. 27.

  • 36

    tributao o clero e a nobreza; d) produto critrio de gravar a produo com o tributo, que no leva em considerao, necessariamente, o custo de produo; e, e) renda critrio que melhor atende o princpio da igualdade na tributao, porm exige da Administrao meios sofisticados de apurao dessa expresso de riqueza.88

    Vamos adotar os critrios mais apontados pela doutrina como ndices de

    capacidade contributiva, utilizados para a instituio de impostos, que so: a renda, o

    patrimnio e o consumo. Sainz de Bujanda ensina que a doutrina diferencia os ndices

    em indiretos: circulao e consumo de riquezas; e em diretos: posse de bens ou

    percepo de rendas89. Esta distino no tem muita relevncia j que a capacidade

    contributiva no pode ser mensurada por ndices singulares, mas, plurais, pois so

    diversos os fatos indicadores de riquezas.

    1.5.1 A RENDA

    Para Zilveti este considerado o melhor ndice aferidor da capacidade

    contributiva90.

    Na verdade, o ndice no a renda em sua globalidade, e, sim, a renda lquida;

    inclusive, para Tipke, o princpio da renda lquida para pagar tributos, o verdadeiro

    fundamento do direito tributrio91.

    Entende-se que, no conceito de renda, esto englobados os ganhos de capital,

    as doaes e as heranas. De acordo com Zilveti, para existir renda necessrio:

    fonte permanente ou eventual, no caso de ganhos de capital, o decurso do tempo para

    aquisio; o carter peridico ou regular e a aplicao da atividade do titular na gesto

    da renda.92.

    Por conseguinte, verifica-se, ser a renda, um conceito abrangente, que inclui

    88 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 292. 89 SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Hacienda y Derecho. v. III. Madrid: Instituto de Estudios Polticos,

    1963, p. 196. 90 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 295. 91 TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justia Fiscal e Princpio da Capacidade Contributiva. So

    Paulo: Malheiros, 2002, p. 33-34. 92 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 296.

  • 37

    todas as fontes por meio das quais o indivduo adquire renda e o modo pelo qual dela

    se utiliza.

    Ressalta Zilveti que, para a pessoa jurdica, o conceito de renda lquida estaria

    em conformidade com a capacidade contributiva, quando respeitada a produo

    essencial para a sobrevivncia da empresa93. Portanto, os gastos para a manuteno

    da fonte produtora estariam imunes tributao.

    J no que tange a pessoa fsica, a tributao da renda disponvel o resultado

    da subtrao do que gastou com o que ganhou o contribuinte em determinado perodo.

    No direito brasileiro, temos um conceito legal de renda, previsto no art. 43 do

    Cdigo Tributrio Nacional (CTN), o qual inclui como fato gerador do imposto de renda,

    tanto a renda estrito senso, quanto os proventos, ambos englobando, de forma lata, a

    conceituao que pode ser dada renda. Assim, dispe o referido artigo:

    Art. 43. O imposto, de competncia da Unio, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisio de disponibilidade econmica ou jurdica:

    I de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinao de ambos;

    II de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acrscimos patrimoniais no compreendidos no inciso anterior. [...]

    Faz-se necessrio, no momento, esclarecer o que seja disponibilidade

    econmica ou jurdica, e para tal nos valemos de lio de Brando Machado94 que

    entende que disponibilidade econmica foi uma expresso infeliz utilizada pelo

    legislador, isto porque no existe direito que possa ser disponvel economicamente e

    no juridicamente. Para este doutrinador, segundo Fernando Aurlio Zilveti, a renda

    um direito e como tal sempre ser jurdico seu acrscimo, disponvel imediatamente

    aps sua percepo de forma concreta, separada do patrimnio original.95

    93 ZILVETI, Fernando Aurlio. Op. cit., p. 298. 94 MACHADO, Brando. Breve Exame Crtico do art. 43 do CTN. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva;

    MACHADO, Brando (coord.). Estudos sobre o Imposto de Renda (em memria de Henry Tilbery). So Paulo, 1994. p. 114.

    95 ZILVETI, Fernando Aurlio. O Princpio da Realizao da Renda. In: SCHOUERI, Lus Eduardo (coord.). Direito Tributrio: homenagem a Alcides Jorge Costa. So Paulo: Quartier Latin, 2003. p. 313-314.

  • 38

    Quanto renda, portanto, defende-se a adoo do princpio da realizao da

    renda96, para aferir o momento da incidncia dos tributos que adotam o auferimento de

    renda como hiptese de incidncia. Segundo Zilveti,

    O contedo do princpio da realizao da renda a identificao, antes de impor ao contribuinte a obrigao de pagar o imposto, da renda efetivamente realizada. Assim, na legislao do imposto de renda, a apurao do lucro deve conter o mandamento para os integrantes da relao jurdico-tributria, para que seja apurada a renda efetivamente realizada do contribuinte. Esse princpio est presente na tributao da pessoa fsica e jurdica, porm, na tributao da pessoa fsica sua aplicao mais imperativa.97

    H quem entenda, como Ulrich Dring98, que o princpio da realizao da renda

    permitiria ao contribuinte decidir o momento da tributao, contudo, apesar da crtica ter

    sua veracidade, concordamos com Zilveti quando expe que este princpio permite a

    captao da verdadeira capacidade contributiva, ademais funciona com (sic) uma

    garantia do contribuinte, na operao de atos que visem apurar o rendimento tributvel,

    direito que o legislador no pode dispor.99.

    Compete informar, ademais, que o Supremo Tribunal Federal j teve a

    oportunidade de se manifestar sobre a realizao da renda, o que se pode extrair da

    leitura da ementa do seguinte julgado:

    DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTRIO. IMPOSTO DE RENDA NA FONTE: ACIONISTAS DE SOCIEDADE ANNIMA E SCIOS QUOTISTAS (SOCIEDADES POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA). ARTIGO 35 DA LEI N. 7.713, DE 22.12.1988)

    No julgamento do RE n. 172.058, o Plenrio do Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 35 da Lei n. 7.713, de 22.12.1988, no ponto em que obrigou o acionista a recolher o imposto de renda na fonte sobre o Lucro

    96 Importante autor que desenvolveu este conceito foi Edwin R. Seligman, que defende que para haver

    renda, no suficiente o incremento no capital, deve haver a separao, de modo que a renda seja efetivamente a realizada. Tal doutrina influenciou a Suprema Corte Americana no julgamento do caso Eisner X Macomber, onde se entendeu que no era devido imposto de renda no recebimento de aes, como dividendos. A deciso deixou claro que o recebimento de aes se deu em relao a todos os acionistas, no havendo benefcio de um s. Tal conceito, tambm no passou desapercebido aos alemes, como ressalta Zilveti, pois usado nas tcnicas contbeis de escriturao fiscal e de criao dos balanos contbeis.

    97 ZILVETI, Fernando Aurlio. O princpio da realizao da renda. Op. cit., p. 314. 98 Apud Fernando Aurlio Zilveti. O princpio da realizao da renda. Op. cit., p. 314. 99 ZILVETI, Fernando Aurlio. O princpio da realizao da renda. Op. cit., p. 321.

  • 39

    lquido apurado na data do encerramento do perodo-base.

    que, nas sociedades annimas, a distribuio dos lucros lquidos depende principalmente da manifestao da Assemblia Geral, no se configurando ela, pura e simplesmente, com o encerramento do perodo-base.

    Decidiu, mais, o Plenrio, na mesma assentada, que cumpre aos Juizes e Tribunais, das instncias ordinrias, quando se tratar de sociedades por quotas de responsabilidade limitada, a verificao, em cada caso, sobre se o contrato social prev a disponibilidade imediata, pelo scio-quotista, do lucro lquido apurado na data de encerramento do perodo-base, pois s em tal hiptese ser possvel conciliar-se, quanto a essa espcie de scio, o disposto no art. 146, III, a, da Constituio Federal, no artigo 43 do Cdigo Tributrio Nacional e no art. 35 da Lei n. 7.713, de 22.12.1988.

    Observado esse precedente, o RE, no caso, conhecido, apenas em parte, e, nessa parte, provido, para que o Tribunal de origem, quanto as sociedades por quotas, levando em conta essas premissas firmadas em Plenrio do STF e os elementos dos autos, julgue a apelao, nesse ponto, como de direito, ficando o acrdo mantido no mais, ou seja, quanto s sociedades annimas.100

    Contudo, constatou-se que este ndice no seria suficiente para medir a

    capacidade contributiva, pois pode haver algum que detenha a mesma renda que

    outro, mas no o mesmo patrimnio.

    1.5.2 O PATRIMNIO

    Conceituado, genericamente, como sendo o conjunto de bens materiais

    acumulados por uma pessoa ao longo da vida, , tambm, considerado um timo ndice

    de capacidade contributiva.

    Veio para complementar o critrio da renda, mas como quele, tambm,

    mostrou-se insuficiente, pois h quem alegue que algum pode ter muitos bens e no

    ter renda, o que obrigaria a esse indivduo a se desfazer dos bens para pagar tributos.

    Todavia, tal premissa no verdadeira, pois se a pessoa possui um grande patrimnio,

    obviamente, tem capacidade contributiva, o que ela pode no ter capacidade

    financeira, que, conforme j mencionamos, conceito diverso daquele, vide item 1.2.

    Hugo de Brito Machado explicita que a tributao graduada em funo do

    100 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinrio n 177301. Relator Ministro SYDNEY

    SANCHES. Dirio da Justia de 25.10.96. No mesmo sentido Recurso Extraordinrio n 172058. Relator Ministro SYDNEY SANCHES. Dirio da Justia de 25.10.96.

  • 40

    patrimnio uma interessante forma de promover o desenvolvimento econmico, como

    desestmulo a propriedade improdutiva101.

    Neste ponto, vale invocar a lio de Zelmo Denari, que retira qualquer dvida

    acerca da existncia de capacidade contributiva de indivduo que tem um grande

    patrimnio, mas no dispe de renda:

    Partindo do suposto que o princpio da capacidade contributiva se prope to somente assegurar o mnimo vital necessrio subsistncia do contribuinte, parece-nos que o postulado no pode ser invocado para aliviar a carga impositiva incidente sobre o patrimnio da velhinha de Copacabana102, mxime se supormos idntico tratamento tributrio dispensado aos demais condminos do edifcio. Do contrrio, estaria violado o princpio da isonomia tributria. Desgraadamente, portanto, e do ponto de vista estritamente tributrio, a velhinha deve providenciar sua mudana. Porm, sem pressa!103

    Tipke entende que o imposto sobre o patrimnio deve incidir sobre a renda que

    este patrimnio produz, pois, de outra forma, quando utilizado em pases em

    desenvolvimento, acaba gerando desestimulo a poupana e estimula a evaso de

    divisas104.

    Pelo exposto, tem-se claro que tal ndice, como a renda, no suficiente para

    mensurar a capacidade contributiva total dos indivduos, razo pela qual faz-se

    necessria a utilizao de outro ndice, que o consumo.

    1.5.3 O CONSUMO

    Tem sido considerado um excelente ndice de capacidade contributiva, sendo

    um concorrente da renda pessoal; inclusive, para Kaldor, citado por Hugo de Brito,

    101 MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., Princpios, p. 87. 102 Trata-se de um caso real em que uma velhinha viva, que morava em um luxuoso e confortvel

    apartamento em Copacabana, beira-mar, no tinha renda elevada, compatvel com o luxuoso lugar onde vivia, pois os soldos que seu marido recebia se tornaram defasados aps seu falecimento.

    103 DENARI, Zelmo. Cidadania e Tributao. Revista Dialtica de Direito Tributrio. So Paulo, n. 10, p. 44-53, jul. 1996.

    104 TIPKE, Klaus. Sobre a Unidade da Ordem Jurdica Tributria. Estudos em Homenagem a Brando Machado, coord. por SHOUERI, Lus Eduardo e ZILVETI, Fernando Aurlio. So Paulo, 1998, p. 66.

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    reputado melhor ndice que a renda.105

    Serve para a cobrana de impostos progressivos, de acordo com lio de Hugo

    de Brito Machado.106

    H, como favorveis para a utilizao de tal ndice, os seguintes argumentos: 1)

    dizem que melhor verificar os gastos realizados pelo cidado, pois se entende que o

    consumo um ato individualista, que deve ser punido pela tributao; e 2) a tributao

    da renda pode ser considerada bi-tributao, pois se tributa o consumo e a poupana

    de quem auferiu renda, que, mais tarde, ao ser utilizada ser objeto de nova tributao.

    De todo o exposto, pode-se concluir que, na situao dos impostos, deve-se

    levar em considerao estes ndices de mensurao da capacidade contributiva, de

    modo a tornar o sistema tributrio mais justo, vislumbrando-se, sempre, que este

    objetivo s ser alcanado com a aplicao conjunta destes ndices, j que, conforme

    demonstrado, nenhum deles suficiente para abranger as diversas manifestaes de

    capacidade contributiva de um indivduo; o que pe por terra a tese que defende a

    criao de imposto nico, j que este no poderia abranger todos os ndices de

    capacidade contributiva elencados, violando, por conseguinte, o princpio da

    capacidade contributiva.

    1.6 ATRIBUTOS DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

    Segundo Moschetti, a capacidade contributiva deve ser atual e efetiva. Confira

    lio do mestre sobre este ponto:

    No conceito de capacidade contributiva deve ser ainda valorizada a referncia a uma aptido efetiva e no meramente fictcia, na determinao tanto do pressuposto, como do mtodo de lanamento e do sistema de recolhimento. O problema pe-se, em primeiro lugar, para as presunes legais. Na nossa opinio so ilegtimas todas as presunes absolutas, quando no se pode considerar efetiva uma capacidade que no seja de alguma maneira perceptvel e determinvel; as presunes relativas so, pelo contrrio, legtimas, desde que observadas duas condies: se corresponderem a critrio de legitimidade e admitem entre limites suficientemente amplos prova contrria. Aqui se salienta, tambm, a orientao da Corte Constitucional, que de um lado aceita

    105 MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., Princpios, p. 87. 106 MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., Princpios, p. 75.

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    em princpio o requisito da efetividade e, do outro, no distingue presuno absoluta e relativa. Quanto s provas legais, so legtimas se no so a tal ponto restritivas, de modo a impedir a determinao da real capacidade contributiva. preciso, portanto, distinguir as provas legais que operam como meros limites daquelas que operam como absolutos impedimentos de prova.107

    Por conseguinte, para o referido autor108, s as presunes relativas se

    coadunam com o referido princpio, pois, deve-se, sempre, procurar a efetiva

    capacidade do contribuinte. Ademais, retira do atributo da atualidade, o princpio da

    irretroatividade, de modo que na incidncia da tributao, no se leve em considerao

    capacidade contributiva passada ou futura, devendo-se verificar a existente no

    momento de incidncia da norma.

    Gisele Lemke lembra109, ainda, que o referido autor defende o princpio da

    tributao lquida, atravs do qual todas as despesas de produo devem ser

    deduzidas da receita bruta, sendo o resultado desta operao passvel de tributao.

    Conforme expe Enrico de Mita, que segue a mesma linha de Moschetti, o

    princpio em anlise exige que o pressuposto do tributo tenha carter econmico, que a

    base de clculo tenha relao com a hiptese de incidncia, e que deve estar