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MARIA APARECIDA MARTINS SOUZA Retalhos de Vidas: Escravidão contemporânea nas agropecuárias do Araguaia (1970 – 2005) Cuiabá 2009

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Page 1: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

MARIA APARECIDA MARTINS SOUZA

Retalhos de Vidas: Escravidão contemporânea nas agropecuárias do

Araguaia (1970 – 2005)

Cuiabá 2009

Page 2: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

1

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE CIENCIAS HUMANAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Retalhos de Vidas: Escravidão contemporânea nas agropecuárias

do Araguaia (1970 – 2005)

Maria Aparecida Martins Souza

Dissertação apresentada como requisito para obtenção do grau de Mestre em História pelo Instituto de Ciências Humanas e Sociais – Programa de Pós-Graduação Mestrado em História da Universidade Federal de Mato Grosso, sob orientação do Prof. Dr. João Carlos Barrozo.

Cuiabá-MT Junho de 2009.

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2

S237r Souza, Maria Aparecida Martins.

Retalhos de vidas: escravidão contemporânea nas agropecuárias do Araguaia (1970-2005) / Maria Aparecida Martins Souza. – 2009. 163 f.; il. ; 30 cm. -- (inclui figuras e tabelas).

Orientador: João Carlos Barroso.

Dissertação (mestrado). Universidade Federal de Mato Grosso. Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Programa de Pós-Graduação em História, 2009.

1. Trabalho escravo. 2. Violência. 3. Exploração. 4. Araguaia-

história. 5. Mato Grosso. I. Título.

CDU 94:331-058.243.4(817.2)

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3

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE CIENCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Maria Aparecida Martins Souza

Retalhos de Vidas: Escravidão contemporânea nas agropecuárias do Araguaia

(1970 – 2005)

Banca Examinadora

Presidente: Prof. Dr. João Carlos Barrozo

Orientador

Profª. Drª. Ângela Maria de Castro Gomes

Membro Externo

Prof.ª Drª. Regina Beatriz Guimarães Neto

Membro Interno

Prof. Dr. Vitale Joanoni Neto

Suplente

Cuiabá-MT Junho de 2009.

Page 5: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

4

Dedicatória

Aos vários Peões, que com sua coragem, denunciaram o trabalho escravo

contemporâneo, descortinando o mundo de violência que se produz no interior das

fazendas.

À D. Pedro Casaldáliga bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia, que

incessantemente sempre lutou e denunciou a prática do trabalho escravo na

Amazônia. “Minhas causas valem mais que minha vida”. (D. Pedro Casaldáliga).

Page 6: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

5

Agradecimentos A presente dissertação só foi possível porque contei com a contribuição de várias

pessoas, que neste percurso me ajudaram, compreenderam e me apoiaram. Portanto, quero

agradecer aos meus pais, Abraão Souza Silva e Maria Permina Martins Souza, que mesmo nunca

tendo frequentado escola, sempre lutaram para que seus filhos estudassem. A minha madrinha

Maria de Lourdes Carlos, que carinhosamente cuidou da minha filha nos momentos em que

estive ausente.

Nesse mestrado foram importantes as várias conquistas, entre elas quero destacar a

amizade de Daniela Alves Braga Sant’ana e Marluce Scalop, duas grandes amigas com quem

sempre pude contar nesses momentos em que estive morando em Cuiabá, e suas preciosas

leituras foram de grande contribuição para este trabalho, vocês são muito importantes para mim.

Agradeço a uma pessoa a qual admiro muito pela sua capacidade de compreensão, nas

mais diversas situações, Maria do Rosário Soares Lima, minha comadre querida e, mãe do meu

filho de coração João Pedro e seus irmãos Carlos Augusto e Laura Beatriz, que sempre me

incentivou a pleitear o mestrado. Rosário mesmo no momento em que você estava distante se

fazia presente. Você é para mim um exemplo de pessoa, conviver com você é um novo

aprendizado a cada momento.

Ao Edson Flávio Santos, irmão de coração que sempre me incentivou e, carinhosamente

lê os meus textos, mesmo distante você se faz presente na minha vida.

A professora Maria do Socorro Souza Araújo e Luiz Antônio Barbosa Soares, amigos

que me incentivaram, e acreditaram que seria capaz de realizar a pesquisa.

A Ana Maria de Souza, amiga que compartilhou comigo muitas angustias e também

alegrias, obrigado amiga.

Aos colegas do Curso em especial Abrelino, Aluisio, Carlos, Anderson, Leonan e

Arthur.

A minha querida filha, Pâmella Martins Souza que soube suportar a minha ausência

durante o curso. A Enéia Barbosa que nos momentos em que estava distante cuidou e assumiu o

papel de mãe da minha filha, muito obrigado.

Page 7: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

6

As amigas Leuter Inês de Carvalho, Dagmar Aparecida Teodoro Gatti e o amigo Pe.

Félix Valenzuela, com vocês aprendi a querer sempre mais e a trilhar novos caminhos, sem

esquecer o próximo.

Aos amigos Egidio Clair Quinhões e Maria Bonfim Souza Torres, que sempre me

incentivaram e acreditaram que seria possível desenvolver a pesquisa.

A amiga Analucia Ribeiro de Sousa, sempre atenciosa, suas palavras sempre foram

animadoras.

A amiga Rosimeire Santos Souza, que mesmo distante está sempre presente na minha

vida.

As amigas Francielme Mendes e Noemi Ruthi Wong Goméz, com quem compartilhei

momentos de angústias, aflições e alegrias no período em que estive em Cuiabá.

Ao D. Pedro Casaldáliga, sempre disposto a falar, denunciar, lutar e enfrentar o

problema do trabalho escravo contemporâneo no Brasil e no mundo.

A amiga Regina Beatriz Guimarães Neto, que aceitou fazer parte da minha banca,

trazendo uma contribuição impar para este trabalho, e que tem um carinho especial pelas

pesquisas e as pessoas do Araguaia.

A professora Drª. Ângela Maria de Castro Gomes, suas contribuições foram importantes

para o meu trabalho.

Aos vários peões que me concederam entrevistas e conversas, sem a colaboração de

vocês seria impossível desenvolver este trabalho.

À Universidade do Estado de Mato Grosso- Campus de Luciara- Núcleo Pedagógico de

Confresa.

À CAPES – Coordenadoria de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior que me

concedeu a bolsa que possibilitou a realização do mestrado.

À Prelazia de São Félix do Araguaia que possibilitou a pesquisa em seus arquivos.

Ao meu orientador João Carlos Barrozo, que com suas preciosas orientações e amizade

foi possível desenvolver este trabalho.

Por várias razões o resultado dessa pesquisa é um esforço coletivo de pessoas que fazem

parte da minha vida.

Sou grata a todos vocês...

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Sumário

Introdução----------------------------------------------------------------------------------------------13

Capítulo I– Araguaia territórios e territorialidades-----------------------------------------------30

1.1- Migração: o encontro com o estranho---------------------------------------------------------31

1.2- Políticas públicas: reconfiguração do espaço na fronteira amazônica--------------------44

Capítulo II – Prelazia de São Félix do Araguaia: Uma Igreja em defesa da Vida------------57

2.1 – Discursos e práticas: a opção pelos pobres--------------------------------------------------58

Capítulo III – O Trabalho escravo contemporâneo na Amazônia hoje: debates, problemas e

discussões----------------------------------------------------------------------------------------------83

3.1 - Trabalho escravo contemporâneo – o caso brasileiro--------------------------------------97

3.2 – A escravidão contemporânea sob o ponto de vista jurídico-----------------------------105

Capítulo IV – Trajetória do peão: do roçado para o “cativeiro”-------------------------------108

4.1 – O aliciamento do peão------------------------------------------------------------------------118

4.2 – O peão dentro da fazenda--------------------------------------------------------------------126

4.3 – A degradação dos trabalhadores ------------------------------------------------------------137

4.4 – As estratégias de sobrevivência e fugas dos peões---------------------------------------142

4. 5 – Os peões depois da “libertação”------------------------------------------------------------145

Considerações finais -------------------------------------------------------------------------------148

Referencias bibliográfica---------------------------------------------------------------------------151

Anexos------------------------------------------------------------------------------------------------162

Page 9: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

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Lista de abreviaturas

BASA – Banco da Amazônia

CEAS – Centro de Estudos e Ação social

CBs – Comunidades de Base

CODEARA – Companhia de Desenvolvimento do Araguaia

CNBB – Confederação Nacional dos Bispos do Brasil

CP – Código Penal

CPT – Comissão Pastoral da Terra

DTC – Departamento de Terras e Colonização

GEMF – Grupo Especial de Fiscalização Móvel

IBAMA – Instituto Brasileiro de Recursos Renováveis

INCRA – Instituto de Colonização e Reforma Agrária

MPT – Ministério Público do Trabalho

OIT – Organização Internacional do Trabalho

ONGs – Organizações Não Governamentais

ONU – Organização das Nações Unidas

PF – Policia Federal

PIN – Programa de Integração Nacional

POLOAMAZÔNIA – Programa de Desenvolvimento da Amazônia

POLOCENTRO – Programa de Desenvolvimento dos Cerrados

PROTERRA – Programa de Redistribuição de Terras e Estímulos à Agropecuária do

Norte e Nordeste

Page 10: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

9

SIT – Secretaria de Inspeção do Trabalho

SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia

SUDECO – Superintendência de Desenvolvimento do Centro Oeste

TL – Teologia da libertação

UNEMAT – Universidade do estado de Mato Grosso

Page 11: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

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Lista de figuras

Figura 01- Mapa da localização da área de estudo

Figura 02 - Mapa com projetos agropecuários com incentivos da SUDAM.

Figura 03 - Mapa do Território da Prelazia de São Félix do Araguaia em 1970

Figura 04 - Mapa Território atual da Prelazia de São Félix do Araguaia

Figura 05 - Cortadores de cana na destilaria Gameleira no município de Confresa/MT

Figura 06 - Mapa do trabalho escravo no Brasil

Figura 07 - Caderneta de anotações de um gato

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Resumo

Nesta dissertação apresentamos a trajetória de vida de trabalhadores, homens e mulheres que se

deslocam de um lugar a outro em busca de trabalho e melhoria de vida. Mas, muitos encontraram

no novo lugar uma situação de violência e degradação humana. Essas pessoas constituem parte

importante da história do Araguaia, situado no nordeste de Mato Grosso. Na construção desta

narrativa, analisamos diversas fontes que registraram a memória, as representações, práticas

sociais e políticas vivenciadas pelos diferentes grupos na ocupação do território do Araguaia.

Esta dissertação baseou-se em relatos orais, em fontes escritas, mapas, fotografias e filmagens em

vídeo. A ocupação do nordeste de Mato Grosso, por grandes empresas, incentivadas pelo governo

federal, a partir da década de 70 do século XX tem revelado múltiplos conflitos, embates e

disputas pelo uso e posse da terra. A pesquisa realizada para esta dissertação mostra a

complexidade e a singularidade das relações no mundo do trabalho. A precarização do trabalho,

novas formas de exploração, algumas mais sutis outras escancaradas, as quais levam à exploração

e degradação do trabalhador. A abordagem das trajetórias de vida dos peões revelou estratégias

diversas para escapar do aprisionamento, da super exploração, das diversas formas de violências,

no mundo do trabalho.

Palavras-chave: Trabalho – Violência – Exploração – Mato Grosso – Araguaia.

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Abstract

This dissertation shows the life trajectory of workers, men and womem who move from one

place to another seeking a work and a better life. Though, many have found a violent scenario

and human degradation in this new place. These people make up an important part of the History

of Araguaia, in the Northeast of Mato Grosso. During the development of this narrative, we

analysed various sources that recorded memoirs, representations, social and political practises

experinced by the different groups during the settlement of Araguaya territory. This dissertation

is based on oral and written reports, maps, photographies, and e video camera.The settlement of

the Northeast of Mato Grosso, by big companies, and encouraged by the federal goverment since

the 70's in the twentieth century have revealed multiple conflicts, clashes and disputes due to the

use and possession of land. The research which was carried out for this dissertation shows the

complexity and uniqueness of the relationship in the world of business. The precariousness or

lack of work, new ways of exploitation, in which some are more subtle, others aren´t, which leads

to the exploitation and degradation of the worker. The approach of life trajectories for walkers

showed different strategies to escape from the imprisonment, of overexploitation, of various ways

of violence in the world of work.

Keywords: Work – Violence – Exploration – Mato Grosso – Araguaia.

Page 14: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

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Introdução

Para estudar a história do tempo presente, “[...] o historiador do presente é

contemporâneo de seu objeto e, portanto partilha com aqueles cuja história narra, as mesmas

categorias essenciais, as mesmas referências fundamentais”. (Chartier, 2002, p. 216). Viver o

mesmo tempo histórico, e partilhar categorias e referências fundamentais, criam alguns

problemas de ordem metodológica, os quais podem dificultar a análise. Ao selecionar as histórias

de homens e mulheres que se deslocam no território amazônico, que aqui serão apresentadas,

realizamos escolhas e elegemos documentos a serem trabalhados na construção de nossa

narrativa entrecruzando uma diversidade de fontes orais e escritas documentos escritos com a

intenção de dar maior inteligibilidade aos fatos, atribuindo significados ao passado.

A escrita da história ao ser considerada por Certeau (1982, p. 66) como uma

operação, ele destaca que “[...] a operação histórica se refere à combinação de um lugar social,

de práticas “cientificas” e de uma escrita”. Como também essa escrita segue regras, e controles

que nos possibilitam criar uma narrativa com efeitos de “verdades”. É como montar uma

encenação, onde as peças escolhidas, selecionadas (documentos, referências bibliográficas) vão

encaixando-se, sendo costuradas para dar compreensão ao que queremos contar.

Nesta dissertação apresentamos a trajetória de vida de trabalhadores, homens e

mulheres que se deslocam de um lugar a outro em busca de trabalho e melhoria de vida, mas que,

no entanto encontraram no novo lugar uma situação de desenraizamento sócio-cultural que os

tornam vulneráveis à violência e a degradação humana. Essas pessoas constituem parte

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importante da história do Araguaia1, situado no nordeste de Mato Grosso. Ao falar no Araguaia

estamos nos referindo apenas à parte situada em Mato Grosso (Baixo e Médio Araguaia), na

divisa com o sul do Pará. São quinze municípios que compõem a micro-região Araguaia/Xingu,

com uma população de aproximadamente 100.000 habitantes (IBGE, 2007). Esse espaço

corresponde à área da Prelazia de São Félix do Araguaia. Ao longo da dissertação nos referimos a

este espaço de estudo como o Araguaia.

A população residente na área enfocada, se refere à região denominando-a “o

Araguaia”. Por esta razão optamos por manter essa terminologia, que para aquele grupo social

tem um conteúdo definido, como veremos no decorrer desse trabalho.

1 A denominação Araguaia utilizada nesse trabalho compreende o Nordeste do Estado de Mato Grosso, do qual fazem parte os seguintes municípios: Alto da Boa Vista, Bom Jesus do Araguaia, Confresa, Canabrava do Norte, Luciara, Novo Santo Antônio, Porto Alegre do Norte, Querência, Ribeirão Cascalheira, São Félix do Araguaia, São José do Xingu, Santa Cruz do Xingu, Santa Terezinha e Vila Rica. Essa denominação acrescida do município de Cerra Nova Dourada, constitui a micro-região do norte do Araguaia (com exceção do município de Querência esse na micro região da Canarana ( segundo dados do IBGE) , sendo ainda a área de jurisdição da Prelazia de São Felix do Araguaia, Prelazia criada em 13 de março de 1970, através do Decreto Papal “Quo Commodius” assinado por Paulo VI. São 14 municípios da micro região norte do Araguaia e um, Querência, da micro região de Canarana.

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Mapa 01 - localização da área de estudo

SEAL

PE

PARN

CE

PI

MA

BA

MG

GO

SP

AM

PB

PR

SC

RS

RO

MT

Vila Rica

Alto Boa Vista

Bom Jesusdo Araguaia

Canabrava do Norte

Confresa

Luciara

Querência

RibeirãoCascalheira

Santa Cruz do Xingú

Santa Terezinha

São Félixdo Araguaia

São José do Xingú Porto Alegre

do Norte

ILHA DO BANANAL

PRELAZIA DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA

BRASIL

América do sul - BRASIL

PARÁ

AMAZONAS

RONDÔNIA

BOLÍVIA

MATO GROSSO DO SUL

GOIÁS

Escala

0 70Km

TOCANTINS

60° 56°

52°

12°

16°

ESTADO DE MATO GROSSO

01

ILHA DO BANANAL

01- Vila Rica02- Santa Cruz do Xingú03- São José do Xingú04- Confresa05- Santa Terezinha06- Porto Alegre do Norte07- Canabrava do Norte

Novo Santo AntônioSerra Nova Dourada

04

02

0305

06

07 08

0910

111213

14

15

Municípios que Integram a Área de Estudo

08- Lucaiara09- São Félix do Araguaia10- Alto Boa Vista11- Serra Nova Dourada12- Novo Santo Antônio13- Bom Jesus do Araguaia14- Querência15- Ribeirão Cascalheira

Fonte: Cartografia de Leodete Miranda

O recorte temporal da pesquisa compreende o período entre a década de setenta do

século XX, estendendo-se até os primeiros anos do século XXI (1970 a 2005). A partir da

documentação analisada, este recorte temporal justifica-se pelos seguintes aspectos: é um

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momento em que, no Araguaia2, está no auge a abertura das fazendas; é nesse período que vieram

a público as primeiras denúncias de exploração dos trabalhadores, particularmente os que estão

localizados nas agropecuárias. Deve-se ressaltar o papel de destaque que teve a Prelazia de São

Félix do Araguaia, criada na década de 1970, bem como o seu enfrentamento com os grandes

proprietários e o governo militar.

Durante a pesquisa, analisamos diversas fontes que registraram a memória, as

representações, práticas sociais e políticas vivenciadas pelos diferentes grupos na ocupação do

Araguaia. Esta dissertação baseou-se em relatos orais, em fontes escritas, mapas, fotografias e

filmagens em vídeo, além da observação participante e a elaboração de um diário de campo.

Ressaltamos a importância do Arquivo da Prelazia de São Félix do Araguaia que possui uma rica

documentação sobre a história do Araguaia e do país3.

Ao trabalharmos com a história do presente, as fontes orais possibilitaram a utilização

de depoimentos de pessoas que vivenciaram práticas violentas na (re) territorialização desse

espaço. Utilizamos a história oral como método de pesquisa histórica, entrevistando e

conversando prioritariamente com agentes sociais envolvidos 4 como estratégia para compreender

as trajetórias de vida dessas populações pobres, os peões5, que migram à procura de trabalho,

2 Se levarmos em conta a localização geográfica do Rio Araguaia situada no estado de Mato Grosso, podemos considerar que este território esta no Baixo Araguaia. 3 O Arquivo da Prelazia de São Félix do Araguaia possui uma importante documentação sobre a luta pela terra no território do Araguaia. Neste arquivo, a documentação encontra-se digitalizada e disponibilizada para consulta. Foi um das principais fontes documentais para o desenvolvimento desta pesquisa. Ver site da Prelazia, www.alternex.com.br/~prelazia 4 Agentes de pastoral da Prelazia de São Félix do Araguaia, agentes da CPT – Comissão Pastoral da Terra, presidentes de Sindicato dos Trabalhadores Rurais e os peões. 5 Peões - definido no dicionário Aurélio (2005) como: individuo recrutado em geral em outro Estado como mão-de-obra para as grandes empresas radicadas na Amazônia; ajudante de boiadeiro; trabalhador rural; amansador de cavalos, burros e bestas; condutor de tropa. Contudo, essas de nominações necessitam ser significadas no curso das ações dos trabalhadores pobres e mais, nas especificidades de suas experiências. Neide Esterci (1987), ressalta que este termo carrega noções de inferioridade, impregnadas de negatividade que desqualificam os trabalhadores. Optamos nesta dissertação pelo termo peão para designar os trabalhadores. Durante as entrevistas eles mesmos se alto designavam como peão.

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melhoria de vida, em busca de um sonho, objeto de nosso estudo. Como destacou Ana Maria de

Souza (2007, p. 71):

A mobilidade e deslocamento de segmentos sociais pobres, como fator de luta

pela sobrevivência, é uma prática significativa da apropriação e configuração

contemporânea dos espaços sociais do Estado de Mato Grosso. Essa mobilidade

produz algumas figuras exemplares desses deslocamentos, expressas através de

designações como peões de trecho, trecheiros, andarilhos e pés-inchados.

Imagens emblemáticas de deslocamentos populacionais que podem ser

flagradas em vários outros espaços sociais do Estado de Mato Grosso.

No percurso desta pesquisa realizamos reflexões sobre o trabalho do historiador no

tempo presente, porque se trata de estudar acontecimentos históricos, “[...] à luz de depoimentos

de pessoas que deles participaram ou os testemunharam” (Alberti, 1989, p. 2). Os peões ao

relatarem suas histórias revisitam a memória trazendo fragmentos do que foi vivido, em que

muitas vezes o passado e presente entrecruzam-se em suas falas. A história dessas pessoas como

considerou Guimarães Neto (2008, p. 9) “[...] São histórias e memórias tecidas em

territorialidades configuradas e re-configuradas em um universo marcado por conflitos os mais

diversos”. São histórias entrelaçadas na luta pela terra, pela sobrevivência, em busca de sonhos na

maioria das vezes inalcançáveis. Nesse entrelaçar de histórias muitos desses trabalhadores

relatam suas histórias como se tivessem vivenciado duas vidas; uma a que sonhou e a outra a

realidade encontrada nas fazendas, povoados e pensões em que chegavam. Foram aventuras que

os envelheceram, ficando apenas o sofrimento, os sonhos não realizados. Como destacou um

peão, “[...] a aventura vai ficando velha, a cabeça vai ficando branca, quando a gente sai do

serviço sai pobre”6. Ao envelhecerem os peões continuam pobres, longe das famílias e já não

6 Entrevista realizada com I. S. em São José do Xingu, maio de 2008.

Page 19: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

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servem mais como mão-de-obra nas fazendas, perambulando nas periferias das cidades. Muitos já

velhos vão morar em abrigos, albergues e casas de idosos7.

No procedimento de análise das fontes orais recorremos a vários autores8, que através

de seus trabalhos nos auxiliaram, possibilitando um maior entendimento do uso da metodologia

da história oral. Nessa perspectiva, a história será reconstruída atribuindo-lhe significados, visto

que “[...] a memória emerge de um grupo que ela une, o que quer dizer, que há tantas memórias

quantos grupos existentes, que ela é por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e

individualizada”. (Nora, 1993, p. 9). Sob este aspecto, este trabalho apresenta parte da história da

ocupação recente de Mato Grosso.

Considerando o conjunto de depoimentos orais produzidos pelas entrevistas no

decorrer da pesquisa, em parte fragmentados, porém ricos. Entendemos que “[...] a memória não

se acomoda a detalhes que a confortam; ela se alimenta de lembranças vagas, telescópicas,

globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas sensível a todas as transferências, cenas,

censuras ou projeções”. (Nora, 1993, p. 09).

Nesse sentido realizamos uma “operação” ao analisarmos um mosaico de

depoimentos, considerando todas essas especificidades da memória. Ao mesmo tempo colocamo-

nos perante o desafio de dialogar com as memórias do trabalho que os peões constroem e suas

dimensões no processo de degradação e violência vivenciado por eles. No entanto precisamos ser

cautelosos com os afazeres da memória como (re) significação do mundo do trabalho. Essas

pessoas se referem ao trabalho nos relatos, atribuindo-lhe um significado que vai além de uma

7 Em São José do Xingu-MT, existe um casa que abriga peões velhos, que não encontram mais trabalhos nas fazendas. Nesta casa há alguns que moram lá a mais de 6 anos, estive neste local e conversei com vários deles, muitos não sabem mais da família, ou tem vergonha de procurá-los, pois estão velhos e pobres. Este local foi organizado por um peão que conseguiu juntar um pouco de dinheiro e criou uma Associação com vários outros moradores de São José do Xingu. Hoje é mantida pela prefeitura municipal. 8 Montenegro (2003, 2005) Guimarães Neto (2006, 2008), Nora (1993), Alberti ( 1990), Maria Isaura P. de Queiroz

(1983, 1988),

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19

simples ocupação ou apenas um salário para garantir a sobrevivência cotidiana. Denota a busca

pela realização de expectativas e as possibilidades de um futuro diferente. Como também

representa as suas frustrações, angústias e sonhos não realizados. Como destacou Montenegro

(2003, p. 22), “[...] no momento em que os entrevistados narram acontecimentos que transcendem

o fazer mais imediato de suas vidas, são sempre os elementos que têm aspectos comuns com as

experiências do cotidiano as marcas relembradas”.

Nessa perspectiva, podemos destacar nas falas como a violência física ou psicológica

a que foram submetidos os peões, a saudade das famílias, a vergonha de não poder voltar porque

não conseguiram melhorar de vida, as distâncias percorridas, são acontecimentos que marcam de

maneira profunda suas vidas. Foram vidas que se esfacelaram, em busca de um sonho, ou pelo

menos de uma vida não tão sofrida. Essas falas também são reveladoras do universo da

exploração do mundo do trabalho. É através desses fragmentos de memória que podemos

perceber o quanto, através de pequenos gestos, falas e ações, essas pessoas reivindicam a sua

condição de pessoa humana, sua dignidade; “[...] dona eu não sou vagabundo, olha as minhas

mãos, eu trabalhei, quero só o que tenho direito” 9. Mostrar as mãos com cicatrizes produzidas

pelo trabalho pesado, exaustivo durante entrevistas e conversas com eles, era um gesto constante.

Com este gesto eles estavam denunciando a violência e humilhações que haviam sofrido.

Verena Alberti (1989, p 07), contribui com essa discussão chamando a atenção do

pesquisador para o respeito que se deve ter com o entrevistado:

O trabalho com a história oral exige do pesquisador um elevado respeito pelo

outro, por suas opiniões, atitudes e posições, por sua visão de mundo enfim. É esta

visão de mundo que norteia seu depoimento e que imprime significados aos fatos

e acontecimentos narrados. Ela é individual, particular àquele depoente, mas

9 Entrevista realizada com F. R. S. em Canabrava do Norte/MT, junho de 2006.

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constitui também elemento indispensável para a compreensão da história de seu

grupo social, sua geração, seu país e da sua humanidade como um todo, se

considerarmos que há universais nas diferenças.

Nos depoimentos dos peões podemos considerar que há particularidades que podem

ser generalizadas. A violência, a humilhação e os longos percursos realizados por estes

trabalhadores aparecem praticamente em todos os relatos. Já as estratégias de fugas, os

relacionamentos, são como uma marca particular de cada um, que os diferenciam. Nos relatos,

eles realizam mentalmente uma cartografia dos espaços percorridos como no relato a seguir: “[...]

estive lá naquela fazenda, que fica do outro lado do rio Xingu; [...] quando saímos do Piauí,

trabalhei no Goiás, depois vim para Mato Grosso, cheguei e fui trabalhar lá na Codeara, lá perto

do Rio Araguaia”. 10

Os depoentes transformam os espaços geográficos em espaços sociais. Essa

transformação se dá através de suas práticas. Os peões dão um novo sentido ao lugar, passando

do mundo sonhado ao inferno vivido no interior das fazendas. “[...] Eu fui para a fazenda

enganado. Chegando lá era obrigado a trabalhar das 5 da manhã às 7 da noite, se não eu apanhava

ou eles me matavam” 11.

Em seus relatos os peões recompõem e decompõem os territórios por onde passam.

Há uma constante transformação do espaço social. Para eles cada lugar tem um significado

diferente, pois foram experiências que marcaram parte de suas vidas que passaram nesses lugares.

Eles vivem deslocando-se de um lugar a outro, mas quase sempre sem encontrar o seu próprio

lugar, se sentem como estrangeiros dentro da própria pátria. Como considerou Certeau ( 1994, p.

10 Entrevista realizada com I .S. em maio de 2008, em São José do Xingu/MT. 11 Entrevista com C. P. S. realizada em julho de 2006 em Confresa-MT.

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183) “[...]um universo de locações freqüentada por um não-lugar ou por lugares sonhados”. No

caso dos peões, eles passaram do lugar sonhado ao “inferno” vivido.

Desse modo, os relatos de memória desses homens e mulheres que narram suas

experiências sobre a abertura das fazendas no Araguaia, trazem múltiplas leituras da (re)

ocupação desse espaço. Assim, as experiências vivenciadas nesse período podem ser entendidas

como leituras múltiplas, plurais de cada narrador que viveu o cotidiano do trabalho nessas áreas

de ocupação recente.

O tema da ocupação recente da Amazônia é complexo e aparece envolvido em uma

multiplicidade de questões, pois os contextos da Amazônia ou Amazônias (Gonçalves, 2005), são

variáveis e heterogêneos, o que nos possibilita diferentes análises. Guimarães Neto (2002), tem

chamado a atenção para trabalharmos com as especificidades da Amazônia fugindo das

homogeneizações que nos imobilizam, na construção de um conhecimento mais pertinente e

profícuo. É importante se destacar que existem grupos distintos que mesmo estando no mesmo

território amazônico possuem singularidades e práticas próprias. Como destacou Guimarães Neto

(2008, p. 18) referindo-se aos relatos de trabalhadores que circulam pelo território Amazônico,

“[...] as histórias narradas, ao transitarem pelas experiências dos personagens e grupos

focalizados, levando-se indicadores de comportamentos e atitudes de homens e mulheres, que

anunciam suas escolhas no imbricado jogo das redes sociais”.

A (re) ocupação do nordeste de Mato Grosso, por grandes empresas, incentivadas

pelo governo federal, a partir da década de 70 do século XX tem revelado múltiplos conflitos,

embates e disputas pelos usos e posse da terra. A partir de 1964, os governos militares,

elaboraram e conduziram um projeto de ocupação e controle de acesso às terras na Amazônia,

materializado pelo Estatuto da Terra (Lei 4.504/64). A política de integração nacional, parte do

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22

projeto civil-militar para o Brasil iniciada na década de 70 do século XX, deveria segundo seus

objetivos incorporar grandes áreas de terra ao processo produtivo e integrar economicamente a

Amazônia, objetivando dessa forma, reduzir os desequilíbrios regionais, através da ocupação

desses novos espaços (Guimarães Neto, 2002). Mas o que ocorreu foi à concentração de grandes

áreas de terra, a expropriação e exploração de índios, posseiros e peões, causando intensos

conflitos pela posse da terra.

O estabelecimento das empresas agropecuárias trouxe para a Amazônia uma série de

conflitos de duração prolongada, principalmente porque essas terras consideradas “vazias” eram

ocupadas, há muito tempo, por índios, pequenos agricultores e posseiros. De acordo com Ianni

(1979), o maior número de incentivos fiscais destinados pela SUDAM (Superintendência do

Desenvolvimento da Amazônia) foram para as agropecuárias, o que provocou uma

reconfiguração do espaço agrário: “Foram os projetos agropecuários que receberam elevados

incentivos fiscais e creditícios governamentais, que provocaram uma intensa e generalizada

transformação das terras tribais, devolutas, ou ocupadas em terras de grileiros, latifundiários,

fazendeiros ou empresários” (Ianni, 1979, p. 79).

Segundo José de Souza Martins (1997), este território desde o início da sua conquista

tornou-se objeto de múltiplos e complexos movimentos, seja na caça e escravização do índio ou

na busca e coleta das plantas conhecidas como “drogas do sertão’, e também, na coleta do látex e

da castanha. Mas, “[...] a partir de 1964, a Amazônia transformou-se num grande cenário de

ocupação territorial violenta e rápida” (1997, p. 47). Outros autores que também tem estudado o

tema da ocupação da Amazônia podem ser mencionados no que diz respeito ao movimento de

expansão, apropriação e reconfiguração das suas terras. Entre esses autores que se dedicam a

estudar essa questão podemos destacar: José de Souza Martins (1973; 1975; 1997); Alcir Lenharo

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23

(1985); José Vicente Tavares dos Santos (1994); Regina Beatriz Guimarães Neto (2003; 2005;

2007; 2008) Ariovaldo Umbelino de Oliveira (1989; 1997), Octávio Ianni (1978; 1979), João

Carlos Barrozo (1992; 2008) Carlos Walter Porto Gonçalves (2005), entre outros.

Na discussão sobre a temática do trabalho escravo contemporâneo trabalhamos com

diversos autores que desenvolveram pesquisa sobre o tema na Amazônia como: Neide Esterci12,

Ricardo Resende Figueira13 (2004), Binca Le Brenton14 (2002), João Carlos Barrozo15 (1992),

Pedro Casaldáliga16 (1971), José de Souza Martins17 e Ângela de Castro Gomes (2007).

No Araguaia, entre as décadas de 1960 a 1980, foram implantados vários projetos

agropecuários financiados pelo Governo Federal, através da SUDAM18. Para a instalação das

grandes fazendas na Amazônia, foi necessário arregimentar milhares de trabalhadores braçais

para abrir a mata, fazer cercas, plantar pasto. Estes trabalhadores foram aliciados por fazendeiros

e gatos19, sobretudo nos estados do Nordeste e de Goiás, com promessas de ganhar dinheiro fácil

e o sonho de uma vida melhor, um futuro promissor para eles e seus familiares. Esses

12 Antropóloga que morou e desenvolveu pesquisa na área de Prelazia de São Félix do Araguaia no final da década de 1970 e inicio de 1980. 13 Padre que trabalha na CPT no sul do Pará e desenvolveu pesquisa no Araguaia também, fez mestrado e doutorado em antropologia sobre a temática do trabalho escravo contemporâneo. 14 Jornalista inglesa que mora em Minas Gerais e escreveu um livro (Vidas Roubadas) sobre o tema, abrangendo áreas do sul do Pará e o Baixo Araguaia. 15 Sociólogo e professor da Universidade Federal de Mato Grosso desenvolveu, uma pesquisa para dissertação de mestrado sobre o trabalho escravo contemporâneo nas agropecuárias de Mato Grosso. 16 Bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia, uma das primeiras pessoas a fazer denúncias da prática do trabalho escravo contemporâneo na Amazônia. 17 Sociólogo e professor da USP possui, pesquisa sobre a Amazônia. 18A criação do Banco de Crédito da Amazônia (atual BASA Banco da Amazônia), e da SUDAM, ambas em 1966, tinha por objetivo estimular os projetos de ocupação da região Amazônica. Em 1970 foi lançado o Programa de Integração Nacional (PIN), marco de uma ação mais ostensiva do Governo Federal sobre toda a região, criado através do decreto lei nº 1.106, de 16/06/70. O primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (1972-1974), elaborado sob a orientação do ministro do Planejamento Reis Velloso, esteve mais voltado para grandes projetos de integração nacional (transportes, inclusive corredores de exportação, telecomunicações). 19 Agentes contratados por fazendeiros/latifundiários para aliciar os peões e vigiá-los nas fazendas para onde foram enviados. Segundo Corrêia (199, p. 77) “em alguns casos, o gato pretende-se investido da qualidade de empreiteiro, dotado de relativa autonomia; em outros, mais se aproxima de mero líder de turma, sofrendo espoliações similares à experimentada pelos demais trabalhadores, com os quais usualmente presta serviço. Em ambos os casos, porém, resulta clara a intermediação fraudulenta de mão-de-obra, aplicada em atividades essenciais ao tomador dos serviços e em seu manifesto proveito, o que caracteriza sua responsabilidade final pela relação de trabalho”.

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24

trabalhadores foram obrigados a enfrentar longas jornadas de trabalho e castigos físicos no

interior das fazendas; outros foram mortos ou submetidos ao trabalho escravo contemporâneo.

No Brasil é possível estabelecer uma relação entre a concentração fundiária e a

utilização do trabalho escravo contemporâneo, porque além da riqueza concentrar-se nas mãos de

poucos, a grande propriedade praticamente extingue qualquer perspectiva de geração de emprego

e renda para os pequenos agricultores, pois não há como estes concorrerem com a grande

produção. Esses agricultores sem a terra e sem financiamentos são forçados a migrar,

abandonando seus locais de origem em busca de melhores oportunidades. Não suportando mais a

pobreza em seus estados de origem, saem à procura de trabalho em outros estados, onde são

aliciados por empreiteiros e gatos. São esses trabalhadores que estão mais expostas à prática do

trabalho escravo contemporâneo.

Embora houvesse uma população carente na Amazônia, que poderia ter ocupado as

terras, a opção foi pela distribuição de extensas áreas, com incentivos fiscais e empréstimos

milionários para as grandes empresas, inclusive multinacionais. A Volkswagem foi uma das

empresas que ocupou uma grande área no sul do Pará, posteriormente envolvida em denúncias de

trabalho escravo. As áreas que localizam-se fora das rodovias dificulta o acesso do grupo de

fiscalização, e à ganância dos grandes proprietários são ingredientes importantes para a

exploração do trabalhador nessas propriedades. Algumas dessas grandes empresas

estabeleceram-se no Araguaia: Codeara, Suiá Missu, Tamakavi, Bordon, Frenova, entre outras.

Na Amazônia, onde ocorre uma grande concentração fundiária, a utilização da do

trabalho escravo contemporâneo como de mão-de-obra de fácil acesso é empregada, sobretudo,

na transformação da floresta em pastos para a pecuária e lavouras, especialmente na monocultura

de soja, de algodão, criação de gado e cana-de-açúcar. As práticas dos fazendeiros se perpetuam,

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25

em alguns casos produzindo igualmente violência, trabalho escravo contemporâneo e desrespeito

às leis trabalhistas (Figueira, 2004). São temporalidades diversas e formas de ocupação do

Araguaia que se sobrepõem, em um universo marcado pelo conflito e pela violência.

A incidência do trabalho escravo contemporâneo está concentrada, especialmente, nas

áreas de expansão agropecuária da Amazônia e do Cerrado. Contudo, há casos confirmados nos

Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, o que demonstra que

este fenômeno não está vinculado apenas à abertura de novas áreas, mas a outros elementos que

perpassam por realidades sociais distintas (CPT, 2005).

As ocorrências de trabalho escravo contemporâneo, na maioria das vezes, começam

como forma de obtenção de mão-de-obra para as grandes fazendas. Geralmente estas estão

instaladas em locais distantes de onde saíram os trabalhadores. Estes, atraídos com promessas de

um trabalho decente e bem remunerados, se constituem em uma presa fácil para os aliciadores. A

composição da dívida com o gato se inicia pela cobrança do transporte dos trabalhadores, pelo

adiantamento de um determinado valor no momento do aliciamento, ou pelo pagamento dos

débitos contraídos em pensões, o que se tornará para o trabalhador impagável, sujeitando-o ao

trabalho forçado (Esterci, 1994).

Os casos de trabalho escravo contemporâneo, denunciados e noticiados, no geral,

possuem um período de duração curta, o que dificulta a fiscalização, pois em grande parte quando

os fiscais chegam já não há mais trabalhadores (Figueira, 2004). Portanto, esta prática de

exploração do trabalhador pode estar apontando para novas formas de exploração no mundo do

trabalho, e sua precarização na contemporaneidade, especialmente em razão da terceirização e da

supressão de direitos sociais. Nas últimas décadas do século XX, as denúncias sobre a escravidão

contemporânea aumentaram de forma a chamar a atenção da sociedade. A imprensa tem um

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26

importante papel na divulgação desses fatos. O Brasil, reconhecendo a existência do problema,

passou a adotar uma série de medidas para coibir essa prática. Entre elas podemos destacar o

Plano Nacional para a erradicação do trabalho escravo, lançado pelo governo federal em 200320.

No cenário internacional, a O.I.T. elaborou novas recomendações para que os países signatários

adotassem essas convenções, garantindo os direitos fundamentais do trabalhador.

A nova escravidão em alguns aspectos é mais vantajosa para os empresários que a

escravidão da época do Brasil-Colônia e Império, sobretudo do ponto de vista financeiro e

operacional (Figueira, 2004; Sakamoto, 2006).

Podemos destacar o fato que, na escravidão colonial, era permitida a propriedade

legal do escravo. Era muito mais caro comprar e manter um escravo do que hoje. O negro

africano era um investimento dispendioso que poucas pessoas podiam ter. Hoje, o custo do

trabalhador explorado nas fazendas é muito baixo. Paga-se apenas o transporte e, no máximo, a

dívida que a pessoa possui em algum comércio ou pensão. O valor desta dívida será descontado

posteriormente do trabalhador, e multiplicado várias vezes (Sakamoto, 2008, Breton, 2002,

Casaldáliga, 2000, Figueira, 2004, Barrozo, 1992 e Martins, 1997)21.

A estrutura econômica e política do país estimulam a concentração de renda e amplia

a miséria, promove a formação de aglomerados de trabalhadores dispostos a aceitar as piores

condições em troca de um trabalho que lhe permita o sustento próprio e de sua família. Como

assinalou Bourdieu (1997, p. 164) “[...] os que não têm capital são mantidos à distância, seja

física ou simbólica, dos bens socialmente mais raros e condenados a estar ao lado das pessoas ou

dos bens mais indesejáveis e menos raros”. No caso dos peões desprovidos da posse de qualquer

20 Este plano encontra-se disponível no site do Ministério do Trabalho e emprego www.mte.br. 21 A ONG Repórter Brasil possui, no seu site www.reportebrasil.com.br , vários tipos de informações dobre a temática do trabalho escravo contemporâneo, como também vários artigos e reportagens, constituindo-se em uma importante fonte de pesquisa.

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27

bem, a não ser sua força de trabalho, são empurrados para as fazendas onde possivelmente serão

submetidos a situações de violência e degradação humana.

Em entrevista ao jornal o Globo a auditora Fiscal do Trabalho e responsável pela

coordenação dos grupos de Fiscalização Móvel, que combatem o trabalho escravo no Brasil

desde 1995, a auditora Ruth Vilela, secretária de Inspeção do Trabalho do governo federal,

afirma categoricamente sobre quem são esses novos escravos :

A enorme maioria, 99%, é de seres humanos invisíveis. Nascem sem certidão

de nascimento e vão morrer sem atestado de óbito. Nas fazendas, vivem em

condições desumanas, sob lonas sem higiene, e bebem a mesma água do gado.

Os animais são mais bem tratados, vivem em estábulos pintados e arrumados. 22

No interior das grandes fazendas esses trabalhadores vivem um cotidiano de

violência, são pessoas pobres que por diversas razões, vivem em constantes deslocamentos.

Chegam às novas áreas de abertura de fazendas a procura de trabalho e, na sua grande maioria

sem qualificação, sem documentos, são considerados como um incomodo nas cidades e vilas.

Para garantir o próprio sustento submetem-se a condições de trabalho cruéis e desumanas.

A pesquisa realizada para esta dissertação mostrou a complexidade e a singularidade

das relações no mundo do trabalho. A precarização do trabalho, novas formas de exploração,

algumas mais sutis, outras escancaradas, mas ambas levam à exploração e degradação do

trabalhador.

Assim, a abordagem das trajetórias de vida dos peões revelou estratégias diversas

para escapar do aprisionamento, da super exploração, das diversas formas de violências, no

mundo do trabalho. São essas pessoas que também construíram a história do Araguaia, que se

caracteriza pelos múltiplos conflitos relacionados à luta pela terra.

22 Entrevista cedida ao Jornal O Globo disponível em www.globo.com/oglobo , acessado em janeiro de 2008.

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28

No arranjo dos capítulos que integram esta dissertação procuramos articular as fontes

escritas, orais e visuais à construção da narrativa histórica, observando “[...] um conjunto de

regras que permitam “controlar” operações destinadas à produção de objetos determinados”

(Certeau 1982, p. 109).

No primeiro capítulo trazemos um quadro da ocupação do Araguaia, para

compreender o espaço em que desenvolvemos a pesquisa. Faz-se uma análise das políticas

públicas que contribuíram para a reconfiguração daquele espaço, dentro do projeto de ocupação e

exploração do território amazônico.

No segundo capítulo enfocamos a importância e a atuação da Igreja Católica,

representada regionalmente pela Prelazia de São Félix do Araguaia, no combate ao trabalho

escravo contemporâneo e em defesa dos posseiros, índios e peões. O bispo, D. Pedro Casaldáliga,

juntamente com os padres e agentes de Pastoral, enfrentaram o regime militar na década de 1970,

para defender os pobres do Araguaia.

No terceiro capítulo procuramos realizar uma discussão sobre o uso do termo trabalho

escravo contemporâneo, considerando que, ao utilizarmos o termo “trabalho escravo”, este foi re-

significado, chamando a atenção para um novo fenômeno que surge no mundo do trabalho na

contemporaneidade. Este possui especificidades próprias nas novas formas das relações de

trabalho.

No quarto capítulo propomos construir uma cartografia dos espaços percorridos,

através das memórias de homens e mulheres, e a trajetória de vida dos peões, através de

entrevistas, de cartas, bilhetes, relatórios, jornais, declarações e processos judiciais que

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29

encontram-se no Arquivo da Prelazia de São Félix do Araguaia23. Os documentos pesquisados

sobre os peões que se deslocaram para o Araguaia, indicam um intenso movimento de homens e

mulheres desterritorializados a procura de novos espaços e melhores condições de vida. A

história desses trabalhadores no Araguaia está cercada de imagens que são amálgamas de sonhos,

realidades e irrealidades. As experiências vivenciadas por essas pessoas são reconstruídas com as

memórias dos tempos das aberturas das fazendas, das festas nos cabarés, e do afastamento das

famílias, entre tantos outros sonhos que não foram realizados.

Os relatos de memória desses homens e mulheres que narram suas experiências sobre

a abertura das fazendas no Araguaia trazem múltiplas leituras dessa (re) ocupação. As

experiências vivenciadas nesse período pelos trabalhadores podem ser entendidas como leituras

plurais de mundo que cada narrador desenvolve.

23 Os documentos do Arquivo da Prelazia de São Félix do Araguaia, encontram-se digitalizados, sendo permitido pesquisas nos arquivos. Neste arquivo as pastas estão divididas por temática e por Municípios que fazem parte da Prelazia. No site da prelazia www.alternex.com.br/~prelazia é possível encontrar várias informações.

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Capitulo I

Araguaia territórios e territorialidades

Caminhar é ter falta de lugar. É o processo indefinido de estar ausente e à

procura de um próprio. Uma imensa experiência social da privação de

lugar, uma experiência, é verdade, esfarelada em deportações

inumeráveis e infinitas (deslocamentos e caminhadas) compensadas

pelas relações e os êxodos que se entrelaçam. (...) um pulular de

passantes, uma rede de estadas tomadas de empréstimo por uma

circulação, uma agitação através das aparências do próprio, um universo

de locações freqüentadas por um não-lugar, ou por lugares sonhados

(Certeau, 1994, P. 183).

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31

1.1. Migração: o encontro com o estranho

Neste capítulo discorreremos sobre a dinâmica da migração de trabalhadores para as

áreas de abertura de grandes fazendas, no nordeste de Mato Grosso, Baixo Araguaia. Esses

deslocamentos populacionais ocorrem em diferentes momentos, tecendo assim, a história desse

território. Também discutiremos as políticas públicas de ocupação dos espaços amazônicos24,

para uma melhor compreensão do espaço geográfico em que se desenvolve a pesquisa.

Ainda que o início do século XX não esteja inserido no recorte temporal selecionado

para este trabalho, consideramos importante voltar a esse período para compreender a

procedência das pessoas que ocupam o espaço estudado. Pois é através de suas histórias que

iremos construir nossa narrativa, trabalhando com as complexas relações sociais, econômicas,

políticas, culturais e espaciais que estão constituindo-se entre, o posseiro, o fazendeiro, o peão, o

índio, a Igreja Católica e o Governo.

Na abertura de novas áreas são constantes as migrações, pois as pessoas estão à

procura de oportunidades. Nesses espaços, para quem vive em situação de pobreza, há a

possibilidade de construir uma vida com menos sofrimento. Na Amazônia, no inicio do século

XX, esses deslocamentos migratórios se deram principalmente com a vinda de pessoas do

Nordeste do país. De acordo com Guimarães Neto (2007, p. 89): “[...] famílias inteiras, com a sua

24 A Amazônia Legal possui uma extensão de 5.109.812 km², que corresponde a cerca de 60% do território nacional. Por ser a maior parte dessa área coberta por florestas, com grande dificuldade de acesso, ficou por vários anos sem ter sua ocupação e exploração como prioridades dos governos. Essa situação, contudo, começou a se modificar quando foi verificada a possibilidade de exploração dos valiosos recursos naturais descobertos na região. Pode-se dizer que o marco inicial dessa fase foi a exploração do látex para a produção da borracha no final do século XIX. Essa exploração proporcionou grande desenvolvimento econômico para a Amazônia, possibilitando a geração de divisas para o país. Ao mesmo tempo, atraiu uma população miserável que buscava uma oportunidade de sustento, mas que acabou sendo explorada como escravo. Essa história de exploração econômica da Amazônia foi acompanhada de violência e exploração do homem, situação que perdura até os dias de hoje. Informação disponível em: <http://www.ada.gov.br/amazonia.asp>. Acesso em 28 de maio de 2007.

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história de vida e morte, abandonaram sua terra, procurando fugir à miséria, à seca. Lutando

contras as adversidades do meio físico mas, sobretudo contra as arbitrariedade do domínio

político do latifúndio e da exclusão social, fizeram-se nômades”.

Num primeiro momento com o ciclo da borracha e, a partir da década de 1940 com a

“marcha para o Oeste”, intensificando-se a migração em 1942 com os “soldados da borracha”,

que foram levados, sobretudo, dos estados do Nordeste para os seringais na Amazônia. Durante a

segunda guerra mundial, o governo brasileiro firmou acordos com o governo norte-americano

para suprir aquele país com a matéria prima para a fabricação da borracha (Hevea brasiliensis e

Castilloa elástica). O governo brasileiro organizou uma campanha nacional para incentivar a

migração dos nordestinos para a Amazônia, no que foi denominado pelo governo como “a

Batalha da Borracha” 25.

Na segunda metade do século XX a migração para a Amazônia se intensificou com a

implantação de empresas agropecuárias, contando com a mão-de-obra de nordestinos para

trabalhar na abertura das fazendas e a colonização privada ou pública com os colonos da Região

Sul26. Esses deslocamentos populacionais, em momentos distintos, foram incentivados e

organizados pelo Governo.

Para Martins (1980) esses descolamentos tiveram três momentos importantes na

reocupação de terras no país no século XX:

Podem-se distinguir no país três grandes correntes migratórias, duas das quais

orientadas para a região amazônica. Uma delas é a já antiga e conhecida

corrente que leva trabalhadores do Nordeste para o Sul, particularmente para o

25 Ver o trabalho de GUILLEM, Izabel Cristina Martins. Errantes da Selva História da Migração Nordestina para a Amazônia. Recife, Ed. Universitária UFPE, 2006, IANNI, Octávio. A luta pela terra: história social da terra e da luta pela terra numa área da Amazônia. Petrópolis, Vozes, 1978 e Guimarães Neto, Regina Beatriz – Cidades da Mineração: memória e práticas culturais – Mato Grosso na primeira metade do século XX. Cuiabá Carlini & Caniato; EDUFMT, 2006. 26 Ver sobre a Ocupação recente de Mato Grosso os trabalhos de Guimarães Neto (2002), Oliveira (1989) Santos ( 1993) Souza ( 2004), Barrozo ( 2000), entre outros.

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São Paulo, Rio e Paraná. [...] um outro fluxo migratório do Nordeste em direção

ao Norte e ao Centro-Oeste, o que basicamente quer dizer Amazônia Legal.

Uma outra grande corrente migratória, mais recente, é a que se dirige do Rio

Grande do Sul e do Paraná para Mato Grosso e Rondônia (Martins, 1980, p.

82).

Na área banhada pelo Araguaia, no nordeste de Mato Grosso, é possível identificar

quatro momentos distintos de deslocamentos populacionais, estabelecido por pessoas de diversas

regiões do país, que foram ocupar esse território No primeiro momento chegaram famílias que

formam pequenos povoados às margens do rio Araguaia (inicio do século XX), constituído por

uma migração espontânea. Os primeiros povoados foram Furo de Pedra (Santa Terezinha), Mato

Verde (Luciara) e São Félix do Araguaia. Nesse primeiro momento chegam famílias do

Maranhão, Goiás e Pará (Soares, 2004). Essa migração dá-se através de uma rede de parentesco e

compadrio que procuram melhores condições de vida e novas terras. Segundo Soares (2004, p.

34): “Estes deslocamentos populacionais eram lentos e as notícias sobre os garimpos

diamantíferos do leste mato-grossense e de novas terras de pastagem propicias para a criação do

gado eram veiculados “de boca em boca”.

Muitas dessas pessoas chegam para o Araguaia no inicio do século XX, algumas

vezes vinham alguns membros (mais especificamente o pai e algum dos irmãos mais velhos) para

olhar as terras e depois voltavam para buscar os outros integrantes do grupo familiar. Em alguns

casos estavam de passagem para os garimpos do leste mato-grossense e constituíam família nesse

lugar. Como também alguns grupos foram para o Araguaia seguindo a representação mítica das

“bandeiras verdes” 27. Essas pessoas como observou Guimarães (2007, p. 90):

27 Profecia de Padre Cícero, de que os nordestinos deveriam seguir para o Oeste onde havia matas e rios que não secavam, ver os trabalhos de Martins ( 1992) Lima (2002) Capelete (2002).

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Levavam em sua bagagem não só a miséria que se restringia à penúria

econômica e à exploração degradante do trabalho, mas a que também pode ser

vista em outra dimensão: aquela que pressiona grupos sociais pobres a se

deslocarem de um lado ao outro, aprisionados a incessantes construções míticas.

Essa população que ocupou as margens do Araguaia, até inicio da década de 1950,

vivia principalmente da caça, pesca, extrativismo e venda de pele de animais para barcos que

navegavam pelo rio Araguaia. Os caçadores/coletores trocavam as peles de animais por sal, café,

tecido e açúcar.

No inicio da ocupação, essa população foi assistida pela Prelazia de Conceição do

Araguaia até 1971. Como observou Casaldáliga (1971, p. 06):

A maior parte do elemento humano na região é sertanejo: camponeses

nordestinos, vindos diretamente do Maranhão, do Pará, do Ceará, do Piauí, ou

passando por Goiás. Desbravadores da região, “posseiros”. Povo simples e

duro, retirante como por destino numa forçada e desorientada migração, com a

rede de dormir nas costas, os muitos filhos, algum cavalo magro e uns quatros

“trens” de cozinha carregados na sacola.

Antes da ocupação desse território por migrantes de vários estados, esse espaço era

ocupado por povos indígenas das etnias: Xavante, Karajá, Tapirapé e Kaiapó. Os Karajá habitam

às margens do Araguaia há mais de três séculos, convivendo sem grandes conflitos com as

populações que chegaram no inicio do século XX. O Kaiapó, um povo guerreiro, aparece nos

relatos como um povo que vivia em constantes conflitos com os não índios e índios de outras

etnias, como os Tapirapé que foram quase dizimados por eles. 28 Como destacou Soares (2004,

p. 52)

28 Sobre a sobrevivência e reorganização desse povo ver o “Diário das Irmãzinhas de Jesus”, lançado em 2004, em comemoração aos 50 anos de convivência dessas irmãzinhas com o Povo Tapirapé e BALDUS, Herbert. TAPIRAPÉ: Tribo Tupi no Brasil Central. São Paulo, Companhia Editorial Nacional, 1970.

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[...] pelos indícios é possível pensar na complexidade desta longa experiência de

contatos entre as diferentes sociedades indígenas e os sertanejos/posseiros que

fixaram residência nas margens dos rios Araguaia e Tapirapé construindo o

povoamento não indígena desta parte nordeste de Mato Grosso. Foram mais de

seis décadas de contatos, de convívio diário, demarcando/construindo um novo

re-ordenamento neste espaço.

Essas áreas às margens do Araguaia com a chegada dessas populações, oriundas do

nordeste do país e do sul do Pará, juntamente com as etnias que já habitavam esse espaço

vivenciam um complexo contato inter-étnico, que resultou em conflitos os mais diversos29.

Conceição do Araguaia no final do século XIX e início do XX constituiu-se em um

importante núcleo urbano do sul do Pará (Ianni, 1978), tornando-se para as pessoas que vinham

do nordeste do país para os garimpos do leste de Mato Grosso um importante lugar de passagem.

Com o ciclo da borracha do inicio do século XX este povoado desenvolveu-se

consideravelmente. Aparece constantemente nos relatos de viajantes e entrevistados. Para chegar

a Santa Terezinha, Luciara e São Félix do Araguaia vindos, sobretudo do Maranhão, essas

pessoas passavam primeiro por Conceição do Araguaia30.

A queda na produção da borracha na década de 1910 provocou uma reorganização na

economia dos povoados do sul do Pará, que se constituíram em função da expansão da borracha.

Com a crise da borracha31, os garimpos do leste de Mato Grosso, atraíram grande parte dessa

população que subiu o Rio Araguaia em direção às áreas de garimpos (Soares, 2004).

29 Sobre esses conflitos e contatos inter-étnicos ver o trabalho de WANGLEY, Charles. Lágrimas de boas-vindas:índios Tapirapé do Brasil Central. São Paulo, Edusp, 1988, BALDUS Op. cit. 30 Octávio Ianni desenvolveu um importante trabalho sobre Conceição do Araguaia. IANNI, Octávio. A luta pela terra: história social da terra e da luta pela terra numa área da Amazônia. Petrópolis, Vozes, 1978. 31 Sobre a expansão e a crise da borracha consultar o trabalho de WEINSTEIN, Barbara. A Borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850- 1920). São Paulo, UCITEC, 1993 e Ianni, op. cit.

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As pessoas que seguiam para os garimpos do Leste de Mato Grosso32, alguns

permaneciam nos povoados às margens do Araguaia, onde se dedicavam à agricultura e criação

de animais. Foi o caso da família do senhor Cecílio Carlos Pereira. Seu pai, Martiniano Carlos

Pereira, chegou no inicio da década de 1920, no povoado Furo de Pedra (hoje Santa Terezinha),

vindo do Maranhão, perfazendo o caminho a pé, a cavalo e em alguns trechos de canoa, levando

consigo toda a família. Cecílio casou-se e constituiu família. Mais tarde na década de 1940,

deixou sua família no povoado e partiu para garimpo no leste de Mato Grosso, retornando anos

mais tarde. No princípio conseguiu um pouco de dinheiro, o que proporcionou melhorias para a

família. O senhor Cecílio teve nove filhos, sendo quatro deles homens que mais tarde, já na

década de 1980, também seguiram para garimpos no leste de Mato Grosso33.

Muitos dos que migraram para o Araguaia, antes de estabelecerem-se nos povoados,

moraram e trabalharam na Ilha do Bananal34. A maioria dessas pessoas não tinha um lugar

definido para se fixar, pois vinham seguindo informações verbais de outras pessoas que já

moravam na área ou ouviram falar dela (Cardoso, 2002).

Essas pessoas migraram para escapar da extrema pobreza nos locais de origem

(Nordeste e Goiás) e à procura de terras férteis para plantar (Soares, 2004). Para esses migrantes

a Ilha do Bananal se apresentava como a concretização de melhoria de vida, como destaca em seu

depoimento, um ex-morador:

Nós viemos para a Ilha do Bananal em 1968, por causa da criação de gado.

Quando casei com Jú eu era pobrezinho, e o meu sonho era ser fazendeiro, e eu

tinha uma terra e um pouco de gado, mas aquele lugar (Maranhão) era tão

32 Sobre as migrações para os garimpos em Mato Grosso ver os trabalhos de Guimarães Neto, Regina Beatriz – Cidades da Mineração: memória e práticas culturais – Mato Grosso na primeira metade do século XX. Cuiabá Carlini & Caniato; EDUFMT, 2006 e BARROZO, João Carlos, Em busca da pedra que brilha como estrela: garimpo e garimpeiros do Alto Paraguai. Cuiabá, Carlini & Carniato EDUFMT, 2007, entre outros. 33 Informações obtidas a partir de entrevistas com Maria de Lourdes Carlos, filha de Cecílio Carlos Pereira. 34 Sendo a maior ilha fluvial do mundo, este espaço foi ocupado, desde o final do século XVII, por populações indígenas de várias etnias. Somente a partir do final do sec. XIX é que passou a ser ocupada por não índios.

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37

pobre, cheio de erva, o gadinho que tinha, que nós arrumamos, o gado secava e

morria na saída das águas, ( depoimento de J. A. G. C. apud, Cardoso, p. 6).

Os estudos sobre as migrações do Nordeste para a Amazônia têm apontado diversos

fatores que levam as pessoas a migrarem; fome, seca, procura por terras livres, melhores

condições de vida e a questão mítica, de que na Amazônia há a possibilidade de enriquecimento

fácil, como considerou Barrozo (2007, p. 130) em sua pesquisa sobre garimpo e garimpeiros do

Alto Paraguai/MT: “[...] As migrações estão articuladas com o processo de mudança

desencadeado no conjunto das relações de produção. Os fluxos migratórios expandem-se e

retraem-se de acordo com os ciclos econômico”. E Aragon (apud, Barrozo, 2007, p. 131) assinala

que: “[...] as pessoas que migram muitas vezes vão à procura de uma retribuição pessoal, mas

como integrante de uma estratégia grupal, cujo objetivo é melhorar as condições de vida ao nível

agregado da família”. No primeiro momento da migração essas pessoas vinham em grupos

articulados com a rede de parentesco e compadrio.

Trabalhando também com migrações para a Amazônia, Guimarães Neto (2006, p. 97-

98) destaca que:

Não se pode perder de vista que os deslocamentos migratórios para a Amazônia

alinhavam-se na trama de conteúdo mítico, alimentados por técnicas de

propagandas do Estado, projetando poderosas imagens, nas quais se produzem

bandeirantes, soldados da borracha, soldados do trabalho, novos bandeirantes.

Portando, os regimes de poder, em seu próprio funcionamento, exigem e

produzem um discurso mítico sobre a terra prometida, ajustada às

“necessidades nacionais” (em diferentes versões); e os trabalhadores,

apresentados como migrantes culturalmente desterritorializados, apareciam,

pois, como conquistadores de novos territórios, construtores da nação e

pioneiros na fundação das cidades.

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38

O Estado incentivou e direcionou os deslocamentos migratórios em diferentes

momentos da história do país, agindo conforme seus interesses sem levar em conta as

necessidades dos pequenos agricultores, trabalhadores sem terra, pessoas que se deslocaram de

seus locais de origens. O Estado deixou os trabalhadores e pequenos agricultores à própria sorte

quando estes já não atendiam aos interesses dos governantes, como sucedeu com os “soldados da

borracha”, abandonados nos rincões da Amazônia, de onde muitos nunca mais conseguiram

voltar ao seu lugar de origem (Guillem, 2007). De forma análoga aconteceu com os colonos do

Sul, que foram atraídos pela colonização, pública ou privada. Ao chegarem às terras de Mato

Grosso, de Rondônia e outras áreas do território amazônico, não puderam contar com o apoio do

Estado e das colonizadoras.

A partir do final década de 1960, há um segundo momento migratório, com a

transformação do espaço social, cultural, econômico e geográfico desse território, devido à

chegada das empresas agropecuárias subsidiadas pelo governo federal. As terras antes comunais35

passam a ser propriedade privada, gerando vários conflitos pela posse da terra36. Até inicio da

década de 60 do século XX, nesse espaço não havia grandes fazendas.

Até então, no Araguaia existiam quatro povoados: Santa Terezinha, São Félix,

Luciara e Porto Alegre do Norte. Todos faziam parte do Município de Barra do Garças que

abrangia mais de 200.000 km². Essa população praticamente não conhecia o trabalho assalariado.

Se matava que fosse um porco, todo mundo da rua comia. Quando era gado ia

mais de um quilo para os vizinhos. Aqueles vizinhos que agradava mais,

mandava duas vezes. O que agradava menos recebia uma vez só, mas todos

35 As terras comunais no Araguaia constituíam as várzeas, varjões, aguadas, que eram utilizadas por todos dependendo da necessidade de cada um, essas pessoas não possuíam titulo dessas terras. 36 O território Araguaia nas décadas de 60,70,80 do século XX, ficou conhecida pelos vários conflitos e luta pela terra, ver Souza ( 2002), Pereira (2002), Martins (1994), Esterci (1987) , Canuto (1972) e Casaldáliga (1971).

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39

ganhavam nem que fosse gordura.....E não comprava não, tudo isso era trocado

(Luiza moradora de Santa Terezinha, apud Esterci, Neide, 1987, p. 101).

Com a chegada das empresas agropecuárias, constitui-se nesse espaço o trabalho

assalariado, sobretudo nas empresas agropecuárias. Essas empresas utilizam o trabalho do peão

levado de outros estados. Quando há posseiros na área ele é expropriado e expulso ou então passa

a ser explorado pelas fazendas.

A população local sobrevivia praticamente da troca de produtos e serviços entre se.

Havia barcos que percorriam o Araguaia – armazéns flutuantes - trocando sal, café e tecidos com

os moradores das margens do Araguaia. No entanto, com a chegada das empresas agropecuárias

há uma transformação no modo de vida dos moradores. Dona Joselita relata como eram

realizadas as trocas:

As coisas eram muito difícil, quase não tinha dinheiro, ai se eu tenho uma coisa

para vender, mas não tem quem comprar, eu troco, você fica com o meu, eu

fico com o seu, é assim. Com o serviço no roçado era também assim, quando

meu marido colocava a roça ou ia colher, ele trocava dia de serviço com o

compadre ou outro vizinho mais próximo, ninguém pagava para o outro e todo

mundo trabalhava assim37.

Nesses relatos podemos observar um pouco do cotidiano da comunidade de Furo de

Pedra (atual Santa Terezinha). Na década de 1950, o comércio era muito precário ou

praticamente inexistente. O que acontecia era a troca de produtos e serviços entre os moradores.

Com a abertura das fazendas a procura por mão-de-obra intensifica-se ao longo das

décadas de 1970 e 1980. Na abertura destas fazendas, foram contratados centenas de peões para

trabalhar, sobretudo, na derrubada da mata.

37 Entrevista realizada com Joselita Filomena Costa, em 10 de novembro de 2000, em Goiânia.

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40

Houve assim, uma segunda corrente migratória para o Araguaia, constituída pelos

peões que chegam para trabalhar nas fazendas que estão sendo formadas no Baixo Araguaia.

Quando terminava a “empreitada” eles permaneciam nesse território, muitas vezes perambulando

de vilarejo em vilarejo ou de fazenda em fazenda. Alguns constituem novas famílias, mesmo

tendo mulher e filhos no lugar de procedência. Eles vem principalmente do Nordeste e de Goiás.

São homens à procura de melhores condições de vida, fugindo das adversidades vividas no seu

lugar de origem.

Com a chegada dessas pessoas no Araguaia há uma desestruturação dos povoados.

Em Santa Terezinha em 1970, chegaram para trabalhar na fazenda CODEARA (Companhia do

Desenvolvimento do Araguaia) aproximadamente 1.200 trabalhadores e o povoado contava com

aproximadamente 140 famílias (que não chegava a 500 pessoas). Muitas vezes os “chegantes”

são mais numerosos que a população local, provocando rupturas na organização social,

econômica e cultural desse espaço social, uma desestabilização e fragmentação dos povoados.

Naquele período, surgiram os prostíbulos e muita violência, denunciada por Casaldáliga:

O peão fechado na mata por muitos meses, nessas condições de tensão

desumana, quando vai ou é levado à cidade, gasta, muitas vezes, tudo o que

recebeu, em bebedeiras, prostituição e é facilmente roubado. Vários chegam a

São Félix depois de 4 ou 5 meses de trabalho na mata (Casaldáliga, p. 27,

1971).

Essa situação foi constante em praticamente todos os povoados do Araguaia no inicio

da década de 1970. Para as pessoas do lugar era um grande constrangimento ver suas filhas junto

com os peões, forasteiros como eram denominados pelos habitantes do lugar. Estes estavam

sempre envolvidos em brigas e assassinatos.

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41

Norbert Elias e John Scotson (2000) estudaram uma pequena cidade do interior da

Inglaterra, Winston Parva, no início da década de sessenta do século XX. Os autores centraram

suas análises em torno das relações estabelecidas na vida social desta cidadezinha da Inglaterra.

O que eles chamam de fantasias grupais, o imaginado e o vivido, na Amazônia podemos

considerar como o mítico, o lugar promissor que passa a ser o inferno vivido pelos peões do

Araguaia.

No Araguaia os outsiders, utilizando um termo empregado pelos autores, são os peões

que na maioria das vezes nunca são aceitos na comunidade. Para Elias e Scotson, os outsiders

mesmo vivendo por vários anos na comunidade não conseguem integrar-se à mesma, sendo a

maioria das vezes, tratados como estranhos pelos estabelecidos.

Em Winston Parva, havia uma distinção entre os grupos que viviam em áreas

diferentes da cidade. Em situação análoga, os peões nas cidades do Araguaia têm os lugares

determinados onde podem circular, ou seja, são tratados como estrangeiros no lugar em que

chegam. Isso gera tensões múltiplas entre os habitantes do lugar e os que chegam depois. Os

peões são indesejados, e a população os quer longe das cidades e fora dos lugares que são

freqüentados pelas famílias.

Segundo Norbert Elias e John Scotson (2000, p. 26) “[...] não é fácil entender a

mecânica da estigmatização sem um exame mais rigoroso do papel desempenhado pela imagem

que cada pessoa faz da posição de seu grupo entre outros, e, por conseguinte de seu próprio status

como membro desse grupo”. Portanto, essa população está olhando, analisando e julgando os

peões a partir da posição que ocupam nessas cidades.

Os migrantes do Nordeste, destacando-se os peões ou trabalhadores temporários que

chegam para trabalhar, como mão-de-obra não qualificada nas agropecuárias, vieram também em

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42

busca de terras para trabalhar como agricultores. Estas pessoas são agricultores pobres que

fugiram das mais diversas e complexas situações no Nordeste: concentração de terra, seca, fome,

entre outras. Essa corrente migratória intensificou-se a partir da década de 1960. O Governo,

também estimulou a migração como estratégia para resolver as pressões que os movimentos

sociais do Nordeste faziam sobre ao Governo Federal. Naquele momento, lutavam por acesso à

terra e contra a concentração desta. Essas migrações atenderam em parte às necessidades de

mão-de-obra para trabalhar nas empresas que se instalaram na Amazônia.

Em um terceiro momento dos deslocamentos migratórios para o Araguaia podemos

destacar a segunda metade do século XX, quando chegaram os migrantes vindos do Sul, através

dos projetos de colonização privada. Estes projetos contavam com incentivos e subsídios do

Governo Federal. Favorecendo esse fluxo migratório houve uma intensa propaganda por parte

das colonizadoras privadas. Os agricultores que possuíam uma pequena propriedade no Sul do

Brasil migraram para Mato Grosso por várias razões. Naquele momento estava em andamento

um processo de modernização da agricultura, que exigia o remembramento das pequenas

propriedades. A solução proposta pelo Governo Federal para não fazer uma reforma agrária e

evitar os conflitos sociais na região sul, foi a transferência desses agricultores para projetos de

colonização na Amazônia. Segundo Ianni (1979) o governo faz uma “contra reforma agrária”.

No Araguaia foram formados seis núcleos de Colonização privada: Vila Rica,

Querência, Santa Cruz do Xingu, Água Boa, Canarana e Confresa, gerenciados pelas

colonizadoras: Vila Rica, CODEBRASA, Confresa e COOPERCANA. No caso de Confresa,

Santa Cruz do Xingu e Vila Rica, as colonizadoras não cumprindo com os acordos firmados com

os colonos, sobretudo no que se refere à questão da mecanização das terras que não foi realizado

por parte das colonizadoras. Algumas nem mesmo possuíam maquinários. Os colonos

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43

reclamavam da falta de escola para os seus filhos, assim como da inexistência ou precariedade

das estradas que davam acesso aos lotes. Os colonos foram abandonados à própria sorte, longe

dos centros urbanos e sem dinheiro para retornar ao lugar de origem. Dinheiro público que serviu

para enriquecer os donos das colonizadoras e empobrecer os trabalhadores, que saíram de seu

lugar de origem à procura de melhoria de vida.38

A partir da década de 1990, configura-se no Araguaia um novo migrante, o

“sazonal39”. Este trabalhador irá ocupar espaços mais definidos, como o da destilaria Gameleira

que se instala no Município de Confresa a partir de 1980. Esses migrantes que vão trabalhar no

corte da cana são originários, principalmente de Alagoas, Pernambuco, Piauí e Maranhão. Em

alguns casos os migrantes não retornam para o lugar de onde saíram, constituindo família no

novo lugar. Na cidade de Confresa há bairros onde um percentual alto dos moradores é

constituído por migrantes do Nordeste, que vieram para trabalhar na destilaria Gameleira40.

A partir da década de 1970 intensificou-se a chegada de migrantes de diversas regiões

do país no Araguaia, assim como o avanço do capital através das empresas agropecuárias e

colonizadoras que se instalaram naquele espaço.

38 Sobre essas áreas de colonização no Araguaia ver os trabalhos; Martini, Ângela Maria. Reféns da Esperança- Artífices da Cidade em construção: relatos da colonização em Vila Rica/MT (anos 1980). Monografia de especialização, Confresa, UNEMAT, 2007; RECH, Marinez Irene Folador. Mulheres na Colonização de Vila Rica/MT – 1970 a 1980. Monografia de especialização, Confresa, UNEMAT, 2007 (ambas sobre a colonização de Vila Rica); Ribeiro, Carla Soraya Nunes. A mulher na colonização de Confresa (1970 a 1980). Monografia de conclusão de curso, UNEMAT, 2007. Silva, Aureci Barros da. A formação da cidade de Confresa a partir da memória década de 1970 a 1980 (sobre Confresa); Fedrigo, Elsedir Maria. Terra, Sonho e Saga: Construção histórica sobre Santa Cruz do Xingu. Monografia de conclusão de curso, UNEMAT, 2007 ( sobre Santa Cruz do Xingu) . 39 Estamos nos referindo especificamente aos cortadores de cana, que vêm dos estados do nordeste (Maranhão, Piauí e Pernambuco) para trabalhar na Destilaria Gameleira. 40 Ver o Trabalho de SANTOS, Francisco José dos. Contaminação das águas dos poços na Rua Wilson Saivá por fossas em Confresa-MT. Monografia, Luciara, UNEMAT, 2007.

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44

1.2. Políticas públicas: Reconfiguração do espaço na fronteira

amazônica

Na década de 1930, Getúlio Vargas assume o poder no país, cria o Estado Novo em

1937, e reorganiza as instituições estatais, com o objetivo de empreender o desenvolvimento e

integração do país, promovendo a ocupação dos “espaços vazios”. Getúlio Vargas propõe uma

política de integração nacional, como projeto de desenvolvimento do país que ficou conhecida

como “Marcha para o Oeste”. Em seu governo foram colocados em ação programas para que essas

políticas se concretizassem. Vejamos um trecho do Discurso de Getúlio Vargas sobre o seu projeto

de ocupação dos “espaços vazios”:

Desse modo o programa rumo ao Oeste é o reatamento da campanha dos

construtores da nacionalidade, dos bandeirantes e dos sertanistas, com a

integração dos modernos processos de cultura. Precisamos promover esta

arrancada sob todos os aspectos e com todos os métodos, para sanar os vácuos

demográficos do nosso território e fazer com que as fronteiras

econômicas coincidem com as fronteiras políticas (discurso de Getúlio

Vargas em 1937, apud, SOUZA, 2002, p 15).

De acordo com Lenharo (1980, p. 59): “[...] O Estado inventou novos dispositivos de

apoio à sua obra civilizadora. Dentre eles a Fundação Brasil Central é a sua realização mais

avançada e espetacular”. A Fundação Brasil Central e Expedição Roncador-Xingu, são parte

importante dessa arrancada para o Oeste, mais precisamente no Leste e Nordeste de Mato Grosso.

Foi com esse discurso de integração e exploração dos “espaços vazios” que

organizou-se a Fundação Brasil Central e a expedição Roncador-Xingu. A Fundação Brasil Central

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45

criada em 1943 com objetivo de desbravar e colonizar as áreas do Araguaia e Xingu. A primeira

base foi organizada em Aragarças (GO), e posteriormente em Xavantina (MT).

O incentivo para a colonização do norte acabou por vir indiretamente no bojo

das medidas implantadas pelo Estado Novo, ainda em 1943. Neste ano foi

criada a Fundação Brasil Central, com o objetivo de desbravar e colonizar as

áreas do Estado: Araguaia, Xingu, estimulou a colonização do nordeste do

Estado e facilitou a penetração de contingentes de migrantes que avançaram em

regiões de garimpo. (Lenharo, 1983, p. 39).

Com a Fundação Brasil Central as ações do governo federal abrangeram maiores

dimensões territoriais e políticas, chegando a abarcar a parte norte e nordeste do estado de Mato

Grosso. Atendia ao interesse da colonização dos “espaços vazios”, demonstrando que era possível

ocupar esse território “imensamente desocupado”. Porém, essa área não era “desocupada”. Havia

povoados (como Barra do Garças e os garimpos) com milhares de pessoas, como também não

consideravam as populações indígenas que neste momento ocupava esse espaço expressivamente.

Como considerou Lenharo (1980, p. 74) “[...] também nessa parte do estado, a imagem da

exploração de um território ainda vazio não correspondia à realidade”.

A ação da Expedição Roncador-Xingu se estendeu do Rio Araguaia, saindo de Barra do

Garças, rumo ao Rio das Mortes e posteriormente até o Rio Xingu. Essa área era entendida como

um imenso território a ser conquistado, como mostra o relato dos irmãos Villas Boas:

Em 1943, os nossos quarenta e tantos milhões de habitantes viviam

praticamente na faixa litorânea. A Amazônia era um mundo remoto, e o Brasil

Central parecia mais distante do que a África. Nascia assim, em plena guerra,

um impulso expansionista, desta feita alentado pelo próprio Estado. Dois

organismos foram criados pelo Governo: o primeiro a expedição Roncador-

Xingu; o segundo a Expedição Brasil Central, com função definida de implantar

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46

núcleos populacionais nos pontos ideais marcados pela Expedição. O primeiro

órgão era assim a vanguarda do segundo (VILLAS BÔAS, Orlando, VILLAS

BÔAS, Cláudio, 1994, p. 24).

A “Marcha para o Oeste” foi uma das primeiras políticas de colonização e exploração

da Amazônia constituída pelo Governo no século XX. Esta política pública será retomada mais

tarde nos Governos militares após 1964.

A ocupação e exploração da Amazônia passaram a ser uma prioridade para os

governos militares, após o golpe de 1964. Com o lema “é preciso integrar para não entregar”,

promoveu-se uma grande campanha de integração e exploração da Amazônia41. Para desenvolver

este programa, o governo construiu uma rede de estradas, ao longo das quais foram implantados

projetos de colonização pública e privada, onde seriam assentados os colonos deslocados de outros

Estados. O processo concebido pelos governos militares para integrar, ocupar e explorar a

Amazônia foi organizado a partir de programas, tais como o PIN (Programa de Integração

Nacional) 42 e o PROTERRA (Programa de Redistribuição de Terras e Estímulos à Agropecuária

do Norte e Nordeste). Além disso, foram criados os “pólos” de desenvolvimento, entre os quais o

POLOAMAZÔNIA, o POLOCENTRO43 e o POLONOROESTE. Parte vital do ambicioso projeto

41 Os programas criados pelo governo federal para viabilizar a política de integração nacional da Amazônia foram discutidos em Cardoso e Müller (1977), Soares (2004), Moreno (1993), Oliveira (1997), Barrozo (2000), Souza (2004) e Guimarães Neto (2002). Sobre a política de ocupação de terras no Centro-Oeste brasileiro, sobretudo em Mato Grosso ver. Lenharo (1986). O autor discute pontos importantes sobre a especulação com a terra no Oeste brasileiro desde o Estado Novo até (com maior ênfase) a década de 1950. O autor aponta os critérios políticos que favoreceram a atribuição de terras aos detentores de capital, em detrimento de trabalhadores pobres. 42 PIN – Plano de Integração Nacional, previa a localização dos projetos de colonização oficial numa faixa de 100 quilômetros de cada lado das rodovias federais na Amazônia e Centro-Oeste. Criado durante o governo do presidente Médici (1969-74) pelo decreto lei nº 1.106 de junho de 1970, o PIN tinha entre outras finalidades, financiar o plano de obras de infra-estrutura nas áreas de atuação da SUDAM e da SUDENE e promover sua mais rápida integração à economia nacional. Além do plano de irrigação do Nordeste, a primeira etapa do PIN compreendia a construção de rodovias na Amazônia. Entre elas, a Transamazônica e a BR 163, ligando Cuiabá, em Mato Grosso à cidade de Santarém, no Pará. ( Ianni, 1979,Cardoso e Miller, 1997, Barrozo, 1997 Souza 2005 e Soares 2004). 43 O POLOCENTRO – Programa de Desenvolvimento dos Cerrados – foi criado no governo do general Geisel através do Decreto nº 75.320 de 29/01/1975 para transformar os cerrados em áreas de expansão de frentes comerciais a partir do Centro-Oeste e Oeste de Minas Gerais. Como meta, deveria incorporar cerca de 3,7 milhões de hectares

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47

foi a construção das rodovias Transamazônica, Cuiabá – Santarém, Cuiabá – Porto Velho, Porto

Velho – Manaus, Manaus – Boa Vista. No Araguaia foi construída a BR 158, ligando Barra do

Garças a Marabá e Belém. Com o mesmo objetivo, foram criados a SUDAM (Superintendência do

Desenvolvimento da Amazônia)44, o BASA (Banco da Amazônia)45 e a SUDECO

(Superintendência do Desenvolvimento do Centro – Oeste).

O governo militar após 1964, monta um grande aparato para atender ao grande capital

nacional e estrangeiro, pois a ocupação da Amazônia era considerada uma questão de segurança

nacional. Sem incentivos e uma infra-estrutura mínima, os empresários não investiriam nem

instalariam empresas na Amazônia.

A partir de 1968 ocorreram conflitos violentos pela posse da terra no nordeste de Mato

Grosso46. Visando “solucionar” esses conflitos e ao mesmo tempo controlar a ocupação dessas

terras, o governo volta os olhos para esse território, até então pouco habitado, intensificando a

ocupação através das empresas agropecuárias.

A construção da BR 158, interligando o Baixo Araguaia com o centro-sul do Brasil, e

com o sul do Pará, foi uma importante via de comunicação e acesso a este território. Até a abertura

da rodovia (1975) a principal via de transporte era o rio Araguaia, que na época da seca ficava

praticamente intransitável, dificultando o acesso dos moradores e migrantes. ao setor produtivo nas áreas de agricultura, pecuária e florestas. Suas ações preconizavam apoio à infra-estrutura (armazenamento, estradas rurais, eletrificação e assistência técnica, preocupando-se ainda com pesquisas de sementes visando promover o plantio de soja no cerrado). ( Ianni, 1979,Cardoso e Miller, 1997, Barrozo, 1997 Souza 2005 e Soares 2004). 44 A Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), foi criada no governo de Castelo Branco, em 1966, mantida através de incentivos fiscais e financeiros especiais para atrair investidores privados, nacionais e internacionais. A SUDAM substituiu uma outra autarquia denominada Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), criada por Getúlio Vargas, em 1953, com objetivos semelhantes aos da SUDAM. ( Ianni, 1979,Cardoso e Miller, 1997, Barrozo, 1997 Souza 2005 e Soares, 2004). 45 O BASA – Banco de Desenvolvimento da Amazônia - foi criado em 1966, em substituição ao Banco de Crédito da Borracha, fundado em 1942, com o objetivo de garantir o suprimento de borracha natural aos aliados, durante a Segunda Guerra Mundial. ( Ianni, 1979,Cardoso e Miller, 1997, Barrozo, 1997 Souza 2005 e Soares 2004). 46 Em Santa Terezinha ( posseiros X Codeara), São Félix do Araguaia (posseiros e índios X Suiá Missú), Serra Nova Dourada ( posseiros X Bordon), Porto Alegre do Norte (posseiros X Fazenda Frenova) Novo Santo Antônio ( posseiros X o grupo Abdalla Zarzu).

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48

A SUDAM era o órgão responsável pela aprovação dos grandes projetos empresariais

na Amazônia, promovendo um re-ordenamento fundiário. Segundo Ianni (1974, p.79), os objetivos

da SUDAM eram:

a) concentração de recursos em áreas selecionadas em função de seu potencial e populações

existentes;

b) adoção de política migratória, aproveitando excedentes populacionais internos e

contingentes selecionados externos;

c) incentivo e amparo à agricultura, à pecuária e a piscicultura como base de sustentação

das populações regionais;

d) ampliação conjunta dos recursos federais constantes da administração centralizada e

descentralizada, ao lado da contribuição do setor privado e de fontes externas;

e) adoção de intensiva política de estimulo fiscais, creditícios e outros para atrair

investimentos nacionais e estrangeiros e assegurar a elevação da taxa de re-inverção na

região, dos recursos nela gerados;

f) concentração da ação governamental nas tarefas de planejamento, pesquisa de recursos

naturais, implantação e expansão da infra-estrutura econômica e social, reservando para a

iniciativa privada as atividades industriais, agrícolas, pecuárias, comerciais e de serviços

básicos rentáveis.

Para por em prática os seus objetivos a SUDAM não respeitou as populações que

habitavam a Amazônia, sobretudo os posseiros e índios. No território do Araguaia as agropecuárias

com projetos aprovados pela SUDAM e com incentivos fiscais, colocaram em prática uma política

de expropriação de índios e posseiros47. D. Pedro Casaldáliga em um poema assim se refere à

SUDAM: “[...] Maldito seja o latifúndio, exceto os olhos da vaca. Maldita para sempre a SUDAM,

47 Sobre os conflitos de terra no Araguaia, especificamente sobre o conflito entre posseiros e a empresa CODEARA ver ESTECI ( 1986), SOUZA (2002), entre outros.

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49

a sua amante ilícita. Maldita para sempre, a CODEARA!” (Casaldáliga, apud, Escribano, 2000, p.

67) 48.

A ação da SUDAM no Araguaia foi através das agropecuárias, fomentando a ocupação,

a exploração e o controle da Amazônia. Segundo Ianni (1979, p. 60):

A SUDAM passou a ser, desde sua criação em 1966, provavelmente o principal

órgão do governo federal para a dinamização da economia amazonense. Além

de coordenar e supervisionar (e mesmo elaborar) programas e planos de outros

órgãos federais atuando na região, a SUDAM criou incentivos fiscais e

financeiros especiais para atrair investidores privados, nacionais e estrangeiros.

Foi a partir da criação da SUDAM que começaram a ganhar dinamismo os

empreendimentos dos setores agrícola, pecuários, industriais e de mineração.

A partir desse conjunto de políticas, mantidas à custa de subsídios governamentais, os

governos militares desenvolveram seu projeto de ocupação e exploração da Amazônia,

especialmente voltado à instalação nesse território de grandes empresas agropecuárias e

colonizadoras com capital nacional e estrangeiro. Com base neste conjunto de políticas, o governo

federal concretizou uma aliança com o capital privado, numa clara preferência pelo grande capital,

deixando de fora dessas políticas uma grande parcela da população que vivia na Amazônia,

sobretudo os índios, posseiros e ribeirinhos. Esta população será desagregada e des-territorializada,

para que outros sejam re-territorializados. Este processo instituiu uma prática de

expropriação/expulsão e exploração das populações tradicionais no espaço agrário brasileiro.

48 Companhia do Desenvolvimento do Araguaia, na época um latifúndio com mais de 190.000 hectares de terra, esteve em conflito com os posseiros de Santa Terezinha de 1968 a 1975. Sobre este Conflito ver o trabalho de ESTERCI, Neide. Conflitos no Araguaia: Peões e Posseiros Contra a Grande Empresa. Petrópolis, Vozes, 1987, SOUZA, Maria Aparecida Martins, A Luta pela permanência na terra: Resistência dos posseiros de Santa Terezinha ( década de 1970). Monografia de graduação, Luciara- UNEMAT, 2002. Relatórios, e documentos do Arquivo da Prelazia de São Félix do Araguaia.

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50

No que se refere ao Estado de Mato Grosso, convém destacar que o Estado foi

privilegiado com recursos de quase todos os programas do Governo Federal para a Amazônia

(Ferreira, 1986). Nesse contexto econômico-social de ocupação e exploração da Amazônia um

grande número de empresas agropecuárias do Centro Sul do Brasil se instalou no Araguaia,

atraídas pelas terras baratas e pelos vantajosos incentivos fiscais. Esta política modificou as práticas

sociais dos grupos que ocupavam esse território. Como indica Soares (2004, p. 100), “[...] Essas

empresas nacionais e internacionais instituíram novas práticas de domínio do espaço,

desencadeando uma série de conflitos nestes antigos povoados. As ações para expulsar os posseiros

e índios de seu território foram as mais diversas”.

Entre os anos de 1966 e 1977, a SUDAM concedeu incentivos fiscais a centenas de

empresas, aprovando 549 projetos de empresas agropecuárias. A maior parte dos incentivos

concedidos foi destinada às agropecuárias. Um total de 335 projetos que tiveram incentivos

liberados, dos quais foram aprovados 205 projetos no estado de Mato Grosso. Essas empresas são

predominantemente do Centro-Sul do país.

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51

Mapa 02 com projetos agropecuários com incentivos da SUDAM

FONTE – SUDAM In. GARRIDO, Irene Filha, 1976.

Neste mapa podemos visualizar o grande número de projetos instalados em Mato

Grosso, destacando-se o Araguaia, sendo a maioria de agropecuárias. Com a chegada dessas

empresas há uma reordenação do espaço, onde eclodiram conflitos pela posse da terra.

A especulação da terra passou a ser um meio para os “grileiros”49 agirem, sempre

abrigados por governos estaduais que não tomaram nenhuma atitude, no sentido de coibir ou

controlar a grilagem. Ao contrário, contribuíram para que essas práticas se fortalecessem,

sobretudo, em/nas terras tradicionalmente ocupadas por índios e posseiros (Oliveira, 1997).

49 Os grileiros ocupam uma área com o objetivo de vender para ganhar dinheiro. Normalmente não moram nela. Alguns põem um morador na terra ocupada para dar a impressão de que é uma posse. Os grileiros também são identificados como falsificadores de documentos de terra.

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52

O Estado acelerou o processo de apropriação privada da terra, principalmente a partir

da década de 1970, concedendo, através da SUDAM, os incentivos fiscais largamente utilizados

por grandes empresas e latifundiários, os quais deflagraram uma verdadeira corrida para ocupar

terras, sobretudo na Amazônia. Em conseqüência da ânsia governamental de desenvolvimento da

Amazônia, a chamada política de integração e desenvolvimento, vastas áreas de terra foram

vendidas por preços baixos a grandes empresas nacionais e estrangeiras.

A análise do processo de alienação de terras públicas, a partir da década de 1960, é

indispensável para entendermos a existência das atuais grandes propriedades no Araguaia. Trata-se

do re-ordenamento do espaço agrário e da produção de uma nova dinâmica demográfica induzida,

desterritorializando populações tradicionais e constituindo novas territorialidades, como sucedeu

com os peões.

A alienação de terras públicas, em Mato Grosso muitas vezes, fazia-se através de

compras por procuração ou em nome de diferentes membros da mesma família. Estas práticas

envolveram procuradores, imobiliárias e cartórios na fabricação de documentos falsos. (Moreno,

2007).

No Araguaia o Cartório de Barra do Garças de propriedade do Senhor Valdon Varjão

era o responsável pela emissão de escrituras das terras. Muitas dessas fazendas estavam a mais de

700 quilômetros de distância do cartório, facilitando a corrupção na titulação das terras. Como os

cartórios estavam distantes dos locais onde as terras eram negociadas, ficava praticamente

impossível saber se a área que estava sendo vendida era a área descrita na escritura. Foi o que

parece ter ocorrido com a Fazenda CODEARA, localizada no município de Santa Terezinha, na

divisa com o Pará. O Estado foi conivente com a ilegalidade e os interesses do grande capital.

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53

Funcionários do Departamento de Terras e Colonização (DTC) aceitando subornos; governadores

utilizando as terras públicas como moeda de troca política. (Moreno, 2007).

O Governo de Mato Grosso emitiu os títulos definitivos de áreas sem que estas

fossem localizadas, medidas e demarcadas contrariando todas as normas legais. Muitos desses

proprietários nem sabiam onde se localizavam as terras, das quais receberam o título. A

corrupção fragilizou da Lei de Alienação de Terras Públicas de Mato Grosso (Lei 3.922/77). O

agrimensor ou engenheiro que fazia a demarcação e medição da área deveriam ser pagos pelo

comprador. Obviamente estes atendiam ao interesse do comprador, demarcando uma área

superior à comprada. Segundo Moreno (2007), a corrupção e o abuso de poder eram constantes.

Em geral os documentos foram elaborados no cartório, sem sair a campo. Estas

práticas fraudulentas eram frequentes, sendo denunciadas por vários governadores e diretores do

Departamento de Terras e Colonização (DTC), como uma das causas da grande desordem que se

instalou nos cadastros de terras do Estado, mas nenhum deles agiu no sentido de coibir essa

prática.

O fato é que centenas de processos foram formalizados irregularmente, e

milhares de hectares de terras foram destinados de forma indiscriminada, sem a

observância dos dispositivos legais, que pregam a alienação para fins de

interesse coletivo, objetivando o interesse coletivo do estado. A maior venda

executado pelo INTERMAT, foi nessas circunstâncias, sem a existência de

qualquer projeto que pudesse revelar um programa mais amplo de política

fundiária para o ordenamento territorial do estado (Moreno, 2007, p. 258).

Segundo Moreno (2007), foram constantes as práticas de distribuição de terras pelas

instituições públicas e as políticas dos governadores que favoreciam o processo de alienação de

terras públicas à iniciativa privada.

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54

No Araguaia, entre as décadas de 1960 a 1980 foram instalados vários projetos

agropecuários financiados pelo Governo Federal. Foi neste período que um grande contingente de

trabalhadores foram aliciados pelos gatos e fazendeiros para trabalharem na abertura das

fazendas incentivadas pela SUDAM.

As agropecuárias com a maior área (anexo a relação das agropecuárias situadas no

Araguaia) estão localizadas no nordeste de Mato Grosso no Baixo Araguaia: a CODEARA, a Suiá

Missú50 e outras, que são constantemente denunciadas pelos peões à Prelazia de São Félix do

Araguaia pela exploração e violência a que submetiam os trabalhadores (peões). Estas denúncias

foram constatadas em centenas de cartas/relatórios no Arquivo da Prelazia. Destaca-se a

CODEARA, que na década de 1970, levou centenas de trabalhadores para a derrubada da floresta,

e expulsou os antigos moradores de Santa Terezinha da maior parte das terras.

Abria-se, assim, um vasto campo para expansão do capitalismo na Amazônia,

transformando os usos do espaço e inaugurando novas, conflituosas e violentas relações sociais de

produção nesse território. Era objetivo do governo e dos empresários, ocupar e produzir nessas

terras de “ninguém”. Para desenvolver seus projetos de ocupação e expansão na Amazônia, as

empresas valiam-se da violência do “jagunço”, da super exploração do trabalho e do “trabalho

escravo”, (a exploração dos trabalhadores será discutida no IV capítulo). Ainda hoje, dezenas de

trabalhadores, em regime de trabalho análogo ao de escravo são encontrados, com relativa

freqüência, em empresas agropecuárias no Araguaia, no nordeste de Mato Grosso.

50 A Suiá Missú foi uma grande fazenda (695.843ha.), que pertencia na década de 1970 ao Grupo Ometto e Ariosto da Riva. Na sua expansão expropriou e entrou em conflito com posseiros e índios da etnia Xavante. Pois esta fazenda foi instalada dentro de terras do povo Xavante que foram deportados para o Parque do Xingu. Nesta fazenda foram feitas várias denúncias de trabalho escravo. Na década de 1990, esta entrou em decadência e inicia-se um processo junto ao Governo Federal para devolução de parte das terras indígenas dos Xavantes, o que está esperando uma decisão judicial para a desocupação da área e retornos dos xavantes. Sobre instalação e os conflitos com os Xavantes ver o trabalho de Lima, Terezinha Gomes. Suiá Missú X Sociedade Xavante: a deportação dos Xavantes da aldeia Marâiwatsede – Baixo Araguaia. Monografia de conclusão do Curso de História, UNEMAT, 2002.

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55

As empresas prometem a esses trabalhadores boas condições de trabalho e bons

salários, ou empreita. Para os que estão em situação de pobreza, as propostas parecem melhores do

que a situação no local de origem.

Chegando ao local de trabalho, no interior da mata, os trabalhadores têm que enfrentar

um ambiente desconhecido, sempre sob o controle armado dos gatos e seus auxiliares, sendo

proibidos de sair do acampamento. Vivem em barracos (de lona plástica ou de folhas de palmeira)

sem pagamento, mal alimentados, sem assistência médica e submetidos ao trabalho duro, do nascer

ao pôr-do-sol. As promessas morrem na porteira da fazenda.

Esta forma de exploração passou a ser considerada como “trabalho escravo” ou

“escravidão branca”, para se diferenciar da escravização dos africanos, embora grande parte do

contingente de peões fosse formada por negros e mestiços. Atualmente, esta forma de trabalho é

chamada de escravidão temporária, porque dura enquanto durar a empreitada na mata. Entretanto,

em muitos casos, a situação se prolonga, porque o peão é retido pelo gato, por conta de supostas

dívidas. Por isso, perde-se também a ilusão do retorno à terra natal. Mesmo aqueles que conseguem

fazer o caminho de volta estão com a saúde debilitada e sem dinheiro. Sem contar que muitos

desses peões chegam a perder a própria vida nos ambientes violentos em que são isolados. (Ver

Capítulo IV).

É importante ressaltar que, nas áreas de ocupação recente na Amazônia a empresa

agropecuária que, supostamente, representaria a modernidade utiliza-se de uma forma arcaica de

trabalho (a peonagem), para incrementar o processo de acumulação de capital. Entretanto,

estabelece-se no interior destas fazendas um tipo de relação social de produção, onde o trabalhador,

peão, não vende a sua força de trabalho, mas ele mesmo que é “comprado”, tornando-se uma

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56

mercadoria (Esterci, 1996). Estas pessoas são aliciadas nas regiões pobres, rurais e urbanas, nas

pensões e na periferia das cidades.

Essa prática no estado de Mato Grosso se reporta ao inicio do século XX quando a

Companhia Matte Laranjeira, foi denunciada por manter centenas de trabalhadores, em regime de

escravidão no corte e processamento do mate. Essa empresa utilizou da violência física e o

elemento da dívida para manter os ervateiros atrelados a ela, e em vários momentos contava com o

apoio do poder público para exercer seu domínio sobre essa população51.

Outros mecanismos mais diretos, como a violência física ou castigos

disciplinares, para quem tentasse fugir, somavam-se aos já apontados. Os mais

significativos entres os instrumentos de coerção física eram os chamados

“comitiveiros”, grupo de homens armados e mantidos pela Cia. para “caçar” os

mineiros e peões que fugissem do local de produção com débito na “conta”. Os

fugitivos apanhados com vida aplicavam-se surras com chicote (Arruda, 1997,

p. 106).

Na abertura das agropecuárias no Araguaia os fazendeiros e gatos utilizam várias

formas de aliciamento, inclusive valendo-se de meios legais para arregimentar a mão-de-obra.

Assim, embora em alguns casos assinem a “carteira” do trabalhador e lhe ofereçam alojamento,

como determina a Lei, valem-se do antigo expediente da dívida para manterem os peões no

trabalho forçado e degradante, transformando-os, na prática, em escravos. A dívida, agora, não é

mais acumulada nos barracões das fazendas, sendo transferida para os supermercados da cidade,

que mantêm acordo com os fazendeiros, praticamente aprisionando o trabalhador até que ele

consiga pagar a dívida sempre crescente.

51 Sobre a atuação dessa empresa e a organização dos trabalhadores no processo de trabalho na extração da erva mate, ver o trabalho de ARRUDA, Gilmar. Frutos da terra: os trabalhadores da Matte Laranjeira. Londrina, Ed. Da UEL, 1997.

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57

Capítulo II

Prelazia de São Félix do Araguaia: Uma Igreja em defesa da Vida

Em certo sentido, a palavra romantismo significa também viver a história, ter

memória forte, ter capacidade de sentir de entusiasmar-se, de ser utópico. Seria

bom se houvesse um pouco mais de romantismo hoje, nessa pós-modernidade

pragmatista, imediatista. Seria bom. Sem um certo romantismo, a vida não tem

beleza nem romantismo (Casaldáliga, 2000).

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58

2.1. Discurso e prática: a opção pelos pobres

Neste capítulo apresentamos a Prelazia de São Félix do Araguaia, enfocando as ações

voltadas para no combate ao trabalho escravo contemporâneo e às diversas formas de exploração

dos trabalhadores das agropecuárias, sobretudo nas décadas de 1970 e 1980.

A Prelazia de São Félix do Araguaia foi criada em 197052, abrangendo uma área de

aproximadamente 150.000 km². Está localizada no nordeste do estado de Mato Grosso. Na época

de sua criação apenas existiam dois municípios no Nordeste de Mato Grosso, Luciara e Barra do

Garças. Atualmente fazem parte da Prelazia os seguintes municípios: Alto da Boa Vista, Bom

Jesus do Araguaia, Confresa, Canabrava do Norte, Luciara, Novo Santo Antônio, Porto Alegre do

Norte, Querência, Ribeirão Cascalheira, São Félix do Araguaia, São José do Xingu, Santa Cruz

do Xingu, Santa Terezinha e Vila Rica.

Naquele momento as instituições governamentais ali instaladas atendiam

principalmente ao interesse do grande capital, deixando a população local desprotegida da

assistência básica à saúde, educação e acesso à justiça. Como destacou Casaldáliga (1971, p.31):

Os moradores da região, em condições de pura sobrevivência, submetidos às

provas do clima tropical e desatendidos por parte das autoridades e dos

organismos responsáveis, vivem numa falta habitual de assistência básica. (...) a

saúde é um trágico problema em toda a região. Um problema sem solução para

80% dos moradores.

52 Através do decreto “Quo commodius”, assinado por Paulo VI, aos 13 de março de 1970.

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59

A Igreja Católica sediada em São Félix do Araguaia, tendo à frente o bispo D. Pedro

Casaldáliga organizou as equipes de pastoral e passou a oferecer um pouco de assistência básica

aos índios, posseiros e peões que estavam sendo expropriados de suas terras e explorados pelas

grandes empresas que estavam se instalando naquele território.

Para amenizar os problemas de saúde a Prelazia organizou equipes em São Félix e

Santa Terezinha, construindo um ambulatório que atendia gratuitamente a população. Para juntar-

se a esta equipe veio uma enfermeira da França, Srª. Suzane Robin, que trabalhou por vários anos

em Santa Terezinha. A Prelazia também organizou a assistência à educação, construindo em São

Félix do Araguaia o GEA – Ginásio Estadual do Araguaia. Esta Instituição foi construída com

recursos da Prelazia. Alguns anos depois a Escola foi repassada para a Secretaria de Educação do

Estado de Mato Grosso. Dessa forma a Igreja Católica passa a assumir ações que o Estado não

assumia junto à população. Nesse mesmo período, D. Pedro passa a defender os peões que estão

chegando de diversos estados contra a exploração e violência que sofriam nas fazendas do

Araguaia e Xingu. (Ver Mapa Nº 02).

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60

Mapa 03 - Território da Prelazia em 1970

Fonte: Arquivo da Prelazia de São Félix do Araguaia – jornal Alvorada nº. 01/1970

Mapa 04 – Território atual da Prelazia de São Félix do Araguaia

Fonte: Cartografia de Leodete Miranda

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61

Os padres Manoel e Pedro Casaldáliga chegaram ao Araguaia em 1968, antes da

criação da Prelazia de São Félix do Araguaia, para organizar as bases da Igreja de São Félix. O

Padre Francisco Jentel53, um francês que veio em dezembro de 1954 para trabalhar com o povo

Tapirapé juntamente com as irmãzinhas da Congregação de Charles de Foucaud54, que haviam

chegado no inicio do ano de 1954.

É preciso lembrar que no período da organização da Prelazia de São Félix do

Araguaia, o país passava por um regime ditatorial, com um controle rigoroso pelos militares,

mesmo nas mais longínquas áreas do país. A Prelazia nos anos de 1972 a 75 passou por um

controle e vigilância sistemática promovida pelos militares, que muitas vezes ocuparam a casa do

bispo e dos agentes de pastoral. Assim como invadia qualquer instituição ou reunião que fosse

suspeita.

Quando Casaldáliga foi sagrado bispo, em 1971 ele organizou as equipes com base

nos princípios de solidariedade, e co-responsabilidade que se apóiam e organizam na distribuição

das funções e responsabilidades entre os componentes das equipes. Essas equipes eram formadas

por pessoas de diversas regiões do país e do exterior, sendo constituídas por professores,

enfermeiros, padres, irmãs e leigos.

No momento da sagração episcopal, D. Pedro Casaldáliga55, em um gesto pessoal, fez

uma opção de estar ao lado dos pobres, pondo a Igreja da Prelazia de São Félix do Araguaia na

53 Sobre Pe. Francisco Jentel ver: DUTERTRE, Alain; CASALDÁLIGA, Pedro; BALDUINO, Tomás. Francisco Jentel defensor do povo do Araguaia. São Paulo. Edições Paulinas, 1986, REIS, Ana Amélia Teixeira. O Pe. Jentel narrado nas vozes da lembrança: história resistência pela memória. Monografia de conclusão de curso – UNEMAT, 2007. 54 Sobre as Irmãzinhas de Jesus e o povo Tapirapé ver o trabalho de conclusão de curso de NOGUEIRA, Margarete. Uma luz para o povo Tapirapé: a história de vida das Irmãzinhas de Jesus que vivem com o povo Tapirapé desde 1952. UNEMAT, 2007 e O Renascer do Povo Tapirapé: Diário das Irmãzinhas de Jesus de Charles de Foucaud. São Paulo, Ed. Salesiana, 2002. 55 Casaldáliga renuncia a toda pompa eclesiástica. Demonstrando, que seria um bispo diferente. Decidiu não utilizar nem mitra, nem báculo, nem anel. Dizia em seu diário: “não quero dar lição a ninguém”. Simplesmente quero ser consequente.

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luta pelos direitos dos pobres daquele território, como relata no trecho da carta Pastoral que

publicou na sua posse:

Olhamos com bastante amor a terra e os homens da Prelazia. Nada dessa terra

ou desses homens nos é indiferente. Denunciamos fatos vividos e

documentados. Quem achar infantil, distorcida, imprudente, agressiva,

dramatizante, publicitária, a nossa atitude, entre na sua consciência e leia com

responsabilidade o Evangelho; venha morar aqui, neste sertão, três anos, com

um mínimo de sensibilidade humana e de responsabilidade pastoral.

(Casaldáliga 1971, p. 42).

É importante destacar que no seu convite/lembrança da cerimônia de sagração é

evidenciada uma declaração de escolha por uma Igreja Católica dos “pobres de Deus” 56 como

definiu Casaldáliga. Ao redigir este documento Casaldáliga demonstrava sua opção pastoral:

Tua mitra será um chapéu de palha sertanejo, o sol e o luar, a chuva e o sereno,

o olhar dos pobres com quem caminhas e olhar glorioso de Cristo, o senhor.

Teu báculo será a verdade do evangelho e a confiança de teu povo em ti. Teu

anel será a fidelidade da Nova Aliança do Deus libertador e a fidelidade ao

povo desta terra. Não terás outro escudo que a força da Esperança e a Liberdade

dos filhos de Deus, nem calçarás outras luvas, a originalidade do convite, que o

serviço do amor. 57

A cerimônia de sagração foi presidida pelo arcebispo de Goiânia, Dom Fernando

Gomes dos Santos. Este bispo havia protegido muitas vezes os religiosos mais progressistas da

Igreja Católica. Casaldáliga o chamava afetuosamente de “padrinho”. Também participaram

outros bispos, como Tomás Balduíno, da diocese de Goiás, um dos idealizadores da criação e

organização da CPT (Comissão Pastoral da Terra), e um grande amigo de Casaldáliga e

companheiro das “causas dos pobres”.

56 Esta é uma expressão amplamente utilizada por Casaldáliga em documentos e entrevistas. 57 Arquivo da Prelazia de São Félix do Araguaia, 1971.

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Referindo-se à Carta Pastoral intitulada “Uma Igreja na Amazônia em Conflito com o

Latifúndio e a Marginalização Social”, D. Tomás Balduíno destacou58 que era a primeira vez que

alguém se atrevia a fazer uma denúncia pública e documentada contra a situação de exploração e

violência na Amazônia. E apesar da censura imposta pelo regime militar, o documento chegou a

todo país e exterior.

D. Pedro Casaldáliga foi uma das primeiras pessoas que organizou uma denúncia

contundente e irradiadora, pois apresentava documentos relatando a situação de expropriação e

exploração de índios, posseiros e peões e se posicionou contra a política fundiária do governo

brasileiro na Amazônia. Este documento distribuído no ato de sua sagração ganhou repercussão

mundial59. Tornar púbica suas ações foi uma estratégia que a Prelazia de São Félix do Araguaia

utilizou para enfrentar o regime militar e os grandes proprietários de terras que se instalaram no

Araguaia no final da década de 1960 e ao longo da década de 1970.

O Jornal Alvorada é um veículo de comunicação que a Prelazia de São Félix do

Araguaia mantém desde 1970. Este jornal circula dentro da Prelazia, mas também circula em

outras partes do país e no exterior. O jornal “Alvorada” veicula diversos tipos de

informações/denúncias e tem sido um importante veículo de informação, divulgação e denúncia

da violência a que é submetida a população do Araguaia60. Em um fragmento do jornal podemos

verificar como é o teor dessas noticias/denúncias:

58 Cf. de documentos do Arquivo da Prelazia de São Félix do Araguaia 59 Cf. de documentos do Arquivo da Prelazia de São Félix do Araguaia 60 Sobre o Jornal Alvorada ver a pesquisa que Marluce Scaloppe esta desenvolvendo para a Dissertação de mestrado, no Programa de Pós-Graduação de História da Universidade Federal de Mato Grosso.

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Fonte – Arquivo da Prelazia de São Félix do Araguaia - Jornal Alvorada Agosto de 1976, p. 3.

Casaldáliga ao fazer a opção de defender centenas de sertanejos, peões e índios que

viviam nas mais precárias condições naquele sertão, entra em choque com os grandes

proprietários que vêem nessa ação de defender os pobres uma ameaça aos seus planos de

ocupação e exploração de vastas áreas no Araguaia. Pois diante da violência com que era tratado

o ser humano como dizia ele: “nessa terra é fácil nascer e morrer, difícil é viver”. Nesse quadro,

ele teve que escolher entre os dois lados (de um lado peões, posseiros e índios e de outro o grande

latifúndio que explorava e violentava parte da população) como assegura:

Olha, em áreas conflitivas é muito difícil, por um lado, a demarcação dos

campos e, por outro, a equanimidade, pois tudo é quente. Você não pode andar

com meias tintas. É preciso deixar claro de que lado você está. Então nós éramos

maldosamente chamados de comunistas, terroristas, diziam que estávamos

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envolvidos com a guerrilha no Pará. Advertiam a quem chegava: cuidado com a

Prelazia, cuidado com o bispo. Tudo porque, na época, se não organizássemos

nós, não organizaria ninguém. Isso fez com que o próprio povo tivesse de optar:

com a Prelazia ou contra a Prelazia61.

Na década de 1970, a SUDAM aprovou sessenta e seis (66) projetos agropecuários no

município de Barra do Garças e Luciara ( Casaldáliga, 1970)62. Na época a fazenda Suiá Missú,

um dos maiores latifúndios do país com 695.843 ha. A fazenda estava no município de Barra do

Garças, porém a sua a sede estava localizada nas proximidades de São Félix do Araguaia. Na

Suiá Missú chegaram a trabalhar centenas de peões como relatam os trabalhadores nos

depoimentos.

Ao ser convidado para uma festa na fazenda Suiá Missú, Casaldáliga constatou a

situação de degradação em que se encontravam centenas de peões nessa fazenda. Esse episódio

aconteceu em 1969. Essa foi uma das poucas vezes que Casaldáliga esteve com os grandes

proprietários de terra do Araguaia. Ele relata em vários documentos e entrevistas trecho desse

episódio:

Cento e sessenta pessoas empanturrando-se com cinco bois assados,

cabritos, sobremesas e bebendo. Uma palhaçada! Vinte aviões na pista da

fazenda, a poucos passos da mata, em contraste com a mais primitiva

civilização. Nessas circunstâncias, é difícil não sair logo gritando irado.

Tanta fartura diante de tanta miséria! Foi um dos dias em que menos

comi. Aquela tarde fui visitar a pensão dos peões, chegados como

náufragos em busca de trabalho: havia uns 12 doentes, entre eles um que

61 Trecho da entrevista concedida ao diário de Cuiabá em 23/02/2003, acessado em junho de 2007. www.diariodecuiaba.com.br. 62 Ver os trabalhos sobre a ocupação da região do Araguaia de ESTERCI, Neide. Conflito no Araguaia: Peões e posseiros contra o grande latifúndio. Petrópolis, Vozes, 1987. SOARES, Luis Antônio Barbosa Soares. Trilhas e Caminhos: Povoamento não- indígena no Vale do Araguaia – parte nordeste do estado de Mato Grosso, na primeira metade do séc. XX Dissertação de Mestrado, UFMT, 2004.

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tentara suicidar-se. Verdadeiramente o contraste era duro (Casaldáliga,

1971).

Sua indignação é expressa nos seus discursos e sermões. Para ele, “[...] Foi uma opção

terrível, que violentava nosso temperamento, a vontade natural de estar bem com todo mundo, a

formação de mansidão evangélica recebida, a velha norma pastoral de não apagar a mexa que

ainda fumega”. (Casaldáliga, 2000, apud, Escribano, 2000, p. 18).

A decisão de ficar do lado dos pobres deu origem a muitos problemas, conflitos e lhe

criou inimigos considerados “poderosos”, mas também o ajudou a encontrar amigos para toda a

vida, os “seus pobres do evangelho” como ele considera:

Temos dito muitas vezes que, aqui, ou você está de um lado, ou do outro.

Tenho dito muitas vezes que o missionário que uma vez por semana vai tomar

café na casa de um rico não pode fazer opção pelos pobres, [...] não é que eu

não possa ir um dia tomar café na casa de um rico, mas, se vou lá toda semana

e não acontece nada, não digo nada, não dou uma sacudida naquela casa,

naquela consciência, já me vendi já neguei minha opção pelos pobres. (Idem,

p. 19).

Viver nesse mundo de injustiças, longe de tudo e de todos como destaca Casaldáliga,

é como se a vida das pessoas não tivesse valor. “[...] aqui se morre e se mata mais do que se vive.

Morrer ou matar é mais fácil aqui, e está mais ao alcance de todos, do que viver. “Aqui manda o

38”63.

Quando Casaldáliga começou a denunciar as injustiças cometidas pelos grandes

proprietários de terras começou a ganhar a confiança dos peões, dos camponeses e dos índios.

Então os representantes do governo militar da época, que estavam em geral, do lado de quem

detinha o poder econômico, começaram a vigiar mais proximamente as ações da Prelazia de São

Félix do Araguaia, e de modo particular, o bispo e os seus colaboradores.

63 Cf. documentos do Arquivo da Prelazia de São Félix do Araguaia.

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As ações da Prelazia de São Félix do Araguaia na luta contra a exploração e violência

a que eram submetidos os peões foram diversas, como: denunciar as autoridades, esconder os

peões, protegendo esses dos gatos nas casas das equipes e do bispo, quando doentes

encaminhando-os ao único hospital público nesse território do Araguaia, que ficava na Ilha do

Bananal64. Ações como estas foram realizadas dezenas de vezes, havendo registros das mesmas

no arquivo da Prelazia. Em um documento Casaldáliga descreve a tentativa de não deixar morrer

um peão:

Fonte – Arquivo da Prelazia de São Félix do Araguaia

A Prelazia de São Félix do Araguaia, por meio do bispo ou de seus agentes de pastoral

envolveu-se na defesa das pessoas pobres que estavam no Araguaia e os que iam chegando entre 64 Um hospital construído na década de 1950 para atender a população indígena que moravam na Ilha do Bananal ficava localizado na aldeia Santa Izabel, a poucos quilômetros de São Félix do Araguaia na outra margem do Rio Araguaia.

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eles os peões. Estes sofreram exploração e violência, pelos fazendeiros e gatos. Casaldáliga toma

a frente e os defende, o que é evidenciado nos escritos/denúncias em diversas entrevistas e

discursos. D. Pedro utiliza os meios de comunicação para denunciar a prática de trabalho escravo

no Araguaia.

Fonte: Arquivo da Prelazia de São Félix do Araguaia – Jornal Alvorada ano 25 nº. 187, Julho/Agosto- 1995.

A Igreja Católica no Araguaia abrangia um território relativamente grande em

extensão, porém com poucos habitantes, com baixa densidade demográfica, se comparada a

outras áreas do país. No território da Prelazia de São Félix do Araguaia encontram-se os povos

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indígenas: Karajá, Tapirapé, Xavante, Kayapó e outras etnias no Parque Nacional do Xingu65.

Neste território também se instalaram vários dos maiores latifúndios do estado de Mato Grosso

que passaram a ocupar a área no final da década de 1960 e inicio de 1970. Entre estes se

destacam a Suiá Missú (695,843 ha.), e a CODEARA (196,947 ha.) e outras empresas 66.

A Prelazia de São Félix do Araguaia se constitui pautada em um novo modo de ser

Igreja Católica no Brasil, atendendo aos pobres, agindo contra os interesses do grande capital.

Uma Igreja que, segundo Fernandez (1994) nasce na “periferia”, mas que é revolucionária e

profética:

A Igreja do Araguaia, enquanto figura associada à “periferia” é vista como uma

Igreja “profética” que tem uma presença decisiva na vida da Igreja

contemporânea brasileira e exerce uma grande força no imaginário das pessoas

e das lideranças que participaram diretamente da sua constituição. (Fernandez,

1994, p. 9)

Na sua organização a Prelazia contou com a participação de uma equipe constituída de

leigos, jovens, que eram universitários ou estavam terminando o colegial, quase todos originários

do sul e sudeste do país. Alguns haviam participado de movimentos contrários ao regime militar e queriam

de alguma forma combatê-lo. Uma Igreja na Amazônia e com um espírito revolucionário seria o

“cenário” ideal para a atuação, sobretudo de jovens que não aceitavam as imposições do regime militar.

Entre os muitos jovens que foram para a Prelazia de São Felix na década de 1970,

estava Dagmar Aparecida Teodoro Gatti. Era uma jovem que se casou com um jovem italiano,

que havia trabalhado na construção da transamazônica. O casal saiu de São Paulo em 1976

65 O Parque Nacional do foi criado em 1961, através do Decreto nº. 50.455, com uma área de aproximadamente 22.000 quilômetros quadrados. Sobre o processo de construção desse parque ver o trabalho de SOARES, Lima. Luiz Antônio. Trilhas e Caminhos: Povoamento não- indígena no Vale do Araguaia – parte nordeste do estado de Mato Grosso, na primeira metade do séc. XX. PPG-História , Instituto de Ciências Humanas e Sociais, UFMT, 2004. 66 Anexo segue uma lista com as agropecuárias que se instalaram no Araguaia com financiamento/incentivos fiscais do Governo Federal.

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(Franca) para trabalhar na Prelazia. Ela trabalhou como professora, e auxiliar da Irmã Irene

Franceschini na organização do Arquivo dessa instituição. A Srª. Dagmar permanece até hoje no

Araguaia. Atualmente ela ainda participa das atividades desenvolvidas pela Prelazia. Ela também

se engajou na política partidária no município de Santa Terezinha, como sucedeu com vários

outros jovens que foram trabalhar na Prelazia, os quais tiveram uma atuação importante no

período de redemocratização do país.

A Prelazia de São Félix do Araguaia propunha uma forma diferente de ser Igreja

Católica naquele momento, vivenciando as causas do povo. Como diz Casaldáliga “minhas

causas valem mais do que a minha vida”. Esta postura era assumida, no inicio, por todos os

membros das equipes de pastoral. Procurando, cada qual, entregar-se ao desafio em cada atitude.

Este tipo de Igreja Católica foi alicerçada nas diretrizes da Conferência Episcopal de

Medellín ( 1968) e Puebla (1979), dentro de uma nova configuração de Igreja Católica na

América Latina. Um marco de ruptura com a Igreja tradicional. No Brasil parte dessa Igreja

renovada institui uma pastoral voltada para a Amazônia67, a partir das orientações da Conferência

Episcopal de Medellín.

A partir de 1968, com as Conferências Episcopais de Medellín e Puebla, as mais

importantes reuniões da Igreja Católica na America Latina, membros dessa Instituição foram

convocados a colocar em prática o conceito de Povo de Deus discutido no Concilio Vaticano II68.

Nessas conferências a Igreja Católica fez uma opção pelos pobres como um modo de intervir na

sociedade para superar os problemas sociais em que viviam grande parte da população na

67 Cf. Estudo realizado pelo CEAS ( Centro de Estudos e Ação Social) – Arquivo da Prelazia de São Félix do Araguaia – Pasta B- 7-1-23. 68 O Concílio Vaticano II foi convocado pelo Papa João XXIII, em 1962 e foi concluído no pontificado do Papa Paulo VI em 1965. Foi idealizado por João XXIII para realizar o que ele chamou de aggiornamento (atualização) da Igreja Católica no mundo. Para mais informação sobre esse assunto ver: BRAÚNA, Guilherme (org). A Igreja do Vaticano II. Petrópolis, Vozes, 1965.

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America Latina. A Prelazia de São Félix do Araguaia nasce dentro de uma nova orientação da

Igreja Católica. Como também o bispo da Prelazia vem da Europa no “[...] ano (1968)

revolucionário na Europa do proibido proibir, dizia a juventude”. (Casaldáliga, 2000, apud,

Escribano, 2000, p. 20). Ele mesmo passara pela experiência de ter vivido na Espanha durante

guerra civil. A Prelazia de São Félix do Araguaia nasceu com o espírito revolucionário em seus

princípios e experiências pessoais:

Vivia-se na Espanha, um tempo de revolução e de confronto. Em casa, éramos

camponeses e católicos, e isso na Catalunha daquela época queria dizer que

éramos de direita. Falava-se em casa, de Gil Robles e de La Ceda. Os

Casaldáliga eram gente da ordem e da tradição, mas não eram ricos. Uma das

frases que meu pai mais repetia em casa e que me parece que ainda agora

escuto é: “nós somos pobres”. Nunca chegamos a passar fome, mas em casa

não sobrava nada. Em casa, respirava-se um certo menosprezo em relação aos

ricos, o dinheiro mal ganho, a exibição. Já quando era pequeno, o luxo me

parecia uma ofensa. Os padres e as freiras eram perseguidos. Todos viviam

permanentemente num clima de perseguição. As persianas de casa sempre

abaixadas, tínhamos de falar em voz baixa. A escola do povoado, mista e atéia,

era dirigida por uma professora socialista que minha mãe sempre chamava

depreciativamente de “a porca”. Tivemos de acostumar-nos ao segredo, éramos

muito jovens, mas aprendemos a calar quando vinham os milicianos

perguntando pelo esconderijo de um padre ou de freira. Nós não tivemos

adolescência. (Casaldáliga, apud, Escribano, 2000, p. 53).

Casaldáliga procura manter a Prelazia de São Félix do Araguaia a serviço dos pobres. Neste

caso, juntavam-se indignações provindas de convivência com regimes de opressão e exploração

econômica de setores da população.

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A Teologia da Libertação69 e as idéias marxistas tiveram uma grande influência na

estruturação das práticas dos agentes de pastoral da Prelazia de São Félix do Araguaia. A

Teologia da Libertação era uma nova forma de fazer teologia, articulando fé e transformação

social. Nesse sentido, parte da Igreja Católica orientada por essa nova postura da Igreja Católica,

sobretudo na América Latina, se envolve na luta em defesa dos direitos humanos, como afirma

Casaldáliga:

O diálogo aberto com o marxismo e com os marxistas tem tido lugar na

América Latina. Aqui, misturamos as canções, o suor e o sangue. E é mentira

afirmar que a Teologia da Libertação se inspira no marxismo: a Teologia da

Libertação se inspira no Evangelho e na pobreza. Mas, evidentemente,

utilizamos categorias marxistas e, graças a Marx, temos entendido melhor o

capitalismo (Casaldáliga, 2000).

Em um período de regime militar que desrespeitava os direitos humanos e convivendo

com diversos tipos de violações, a Prelazia de São Félix do Araguaia assumiu a nova orientação

social e política de Puebla e Melellin, passando a defender os direitos de índios, peões e posseiros

em um território em que estes praticamente não eram considerados e respeitados. Casaldáliga, à

frente da Prelazia, assumiu essa causa, e em consequência desta postura alguns dos membros

foram perseguidos, torturados e expulsos do país. Entres os membros da Prelazia de São Félix do

Araguaia que foram perseguidos podemos citar o Padre Francisco Jentel, que foi preso em 1972,

enviado para Campo Grande-MT e processado. Ele foi julgado por um tribunal militar e

69 Para uma compreensão mais detalhada sobre a Teologia da Libertação ver trabalhos de Leonardo Boff (1981 e 1998), Frei Beto (1986), Clodovis Boff (1985) Carlos Meister (1982) que são alguns nomes de destaque que escreveram sobre a Teologia da Libertação.

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condenado a dez anos de prisão. Depois de cumprir dois anos da pena na prisão ele foi expulso do

Brasil. 70

Na década de 1970 na Amazônia e Nordeste, um setor da Igreja, sintonizado com as

diretrizes de Puebla e Medellín, organizam as Comunidades Eclesiais de Base71. Nestas

Comunidades de Base nasce uma Igreja Católica com dois princípios orientadores na Amazônia:

por um lado - o princípio de encarnação que faz descobrir as bases da Igreja nas situações reais e

dinâmicas em que vive o homem comum; e de outro - o princípio de libertação que alerta,

sobretudo, para a situação de domínio e submissão em que esse homem vive72.

Nessa perspectiva, a Igreja Católica na Amazônia estava orientada “à luz de uma

difícil sociologia do Pai Nosso” que, nas palavras do cardeal D. Avelar Brandão Vilela era:

Muito profunda e capaz de provocar as mais sérias conseqüências. Somos um

continente em transformação. E a consciência religiosa não quer ser o ponto de

apoio para a garantia de privilégios de uma pequena minoria contra a

esmagadora maioria da população. Não quer também jogar essa maioria contra

a minoria. Mas se sente obrigada a advertir a minoria de que não se pode cuidar

primeiro, e por tempo indeterminado, de seus interesses e só depois, sem saber

exatamente quando, se cuidaria dos interesses da maioria o ‘x’ do problema que

70 Sobre Pe. Francisco Jentel ver o trabalho de, REIS, Ana Amélia Teixeira. O Pe. Jentel narrado nas vozes da lembrança: história resistência pele memória. Monografia de conclusão de curso – UNEMAT, 2007. DUTERTRE, Alain; CASALDÁLIGA, Pedro; BALDUINO, Tomás. Francisco Jentel defensor do povo do Araguaia. São Paulo. Edições Paulinas, 1986 e Esterci, op. Cit. 71 As CBs como ficou conhecida teve o ponto de partida a base popular, que constitui grupo que participa de qualquer programação e se orienta pelos próprios interesses do grupo. A solidariedade e co-responsabilidade se apóiam e desenvolvem na distribuição de funções entre os componentes do grupo, diversificando-se de tais funções progressivamente, na medida do crescimento quantitativo e qualitativo do grupo, até abrange a vizinhança, aldeia, etc. O dinamismo fundamental da comunidade vem de suas lideranças, suficientemente treinadas, a partir das quais se processa a animação, estruturação, planejamento de atividades de vida dos grupos comunitários. A condição de sobrevivência da comunidade é a sua abertura, que implica a sua colaboração com organismo, oficiais ou particulares atuantes na área no sentido do desenvolvimento social. A inspiração religiosa fundamental do grupo se mantém graças ao dialogo continuo entre a fé e a vida, sendo possível partir, tanto desta como daquela. Nos casos em que a formação da fé tem prioridade, os agentes de pastoral passam a ser liderança também prioritária. 72 Estudo realizado pelo CEAS (Centro de Estudos e Ação Social) – Arquivo da Prelazia de São Félix do Araguaia, p. 8, 1973, Pasta– B- 7-1-23.

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deve ser objeto de estudos e de revisões, numa linha de respeito ao

desenvolvimento da sociedade. 73

A Igreja Católica na Amazônia passou a ter uma orientação voltada para o homem,

que vive sob as diversas formas de dominação; econômica, cultural e política. A Prelazia de São

Félix do Araguaia seguiu esses princípios. A organização das equipes das CEBs da Igreja

Católica na Amazônia e no Araguaia, que seguem essa linha de Igreja, foram influenciadas pela

teologia da libertação. Na opinião de Casaldáliga a Teologia da libertação foi fundamental na

estruturação da Prelazia e na definição do modo de agir de seus agentes de pastoral.

A Igreja Católica do Araguaia adquire, assim uma significação própria, de uma luta

por dignidade e direitos humanos. Uma Igreja que nasce pobre no meio dos pobres:

Desse olhar-se no “povo”, surge a imagem da Prelazia de São Félix do

Araguaia como uma igreja “Popular”, considerada “pioneira “, no Brasil, na

defesa das causas camponesas: a luta pela posse da terra, o combate ao

latifúndio. Entendendo por Igreja “Popular” um novo modo de ser Igreja que se

origina da presença cada vez maior do “povo” nas decisões e atividades da

Igreja ( Fernandez, 1994, p. 14).

Nessa construção a Prelazia de São Félix do Araguaia enfrentou o governo militar

para defender os pobres; peões, índios e posseiros, o que lhe custou caro, como perseguição e

difamação dos padres, irmãs, leigos e o próprio bispo, que foi ameaçado e sofreu vários processos

de expulsão do país74. Em uma das ameaças de morte em 1971, entre tantas que sofreu o

pistoleiro contratado para matar Casaldáliga se arrepende de fazer o “serviço” encomendado e

73 Trecho da entrevista de D. Avelar Brandão, “A Igreja na Amazônia”, Veja, 22 de agosto de 1973, p. 5. apud estudo realizado pelo CEAS ( Centro de Estudos e Ação social) – Arquivo da Prelazia de São Félix do Araguaia, p. 3 e 4, 1973, – Pasta B- 7-1-23. . 74 O bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, Pedro Casaldáliga nasceu em Balsareny, pequena cidade da província catalã de Barcelona, a 16 de fevereiro de 1928, chegou ao Brasil em 1968. Cresceu no ambiente de pós-guerra civil da Espanha, e estudou em vários seminários em pleno regime franquista.

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relata tudo a outro padre que estava na equipe, que o orientou a denunciar à policia. Segue o

depoimento:

Eu, Vicente Paulo de Oliveira, peão da companhia Bordon, declaro que o

empreiteiro Benedito Teodoro Soares, vulgo “boca quente”, disparou contra

três homens ( Benedito da Silva, Geraldo e Vicente Paulo), porque não estavam

de acordo com o pagamento recebido. Benedito boca quente me pediu para

matar o padre Pedro e, se eu matasse, me daria mil cruzeiros, um revolver 38 e

uma passagem para onde eu quisesse. Ele me pediu insistentemente que o

matasse e me avisou que, se eu o denunciasse me mataria. (Arquivo da Prelazia,

1971).

Além das ameaças e sofrimentos os dirigentes dessa Igreja convivem com outros

problemas. D. Pedro Casaldáliga também é referência para várias pessoas quando procuram a

solução para os mais diversos problemas; seja em caso de doença, violência, exploração, questões

de conflitos de terras de índios ou posseiros:

A única pessoa que nós podíamos contá era com o bispo D. Pedro Casaldáliga

que enfrentava os grandes, os donos das fazendas de peito aberto. (...) Ele

assumia a postura de líder mesmo sendo ameaçado de morte todos os dias. O

bispo D. Pedro foi ameaçado várias vezes mas nunca deixou se intimidar,

sempre falava que suas causas valiam mais que sua vida. E que ele estava aqui

para defender os fracos e oprimidos. 75

Porém, havia enfrentamentos, pois a Prelazia de São Félix do Araguaia, ao denunciar

os desrespeitos aos direitos humanos sofre críticas de setores da própria Igreja Católica e,

sobretudo, do governo militar. Intensificaram-se também as ameaças e perseguições pelos

grandes proprietários de terras que sentiam seus interesses prejudicados. As constantes denúncias

75 Entrevista realizada com um morador de Confresa em 2006, por Carla Soraya Ribeiro Nunes, para a monografia de conclusão do curso de história.

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formuladas de trabalho escravo por Casaldáliga descortinam uma prática que já existia no país.

Entretanto, as autoridades faziam questão de ignorá-la. A questão era complexa, envolvendo

diferentes interesses das “elites” da Amazônia.

Porém, Casaldáliga não se amedrontou ante as ameaças, perseguições e calúnias.

Juntamente com outros setores da Igreja Católica, organizou a CPT (Comissão Pastoral da Terra)

em 1975. Esta entidade, ligada à CNBB, foi criada com o objetivo de assessorar os trabalhadores

rurais, denunciar a violência a que eram submetidos, e defender na justiça estes trabalhadores76.

A Prelazia de São Felix do Araguaia, tornou-se um referencial da luta contra o trabalho escravo

no Brasil.

As ações da Prelazia foram se alargando, rompendo muros, estabelecendo pontes na

denúncia de exploração dos trabalhadores e de modo particular em relação ao trabalho escravo. A

partir da década de 1990, no Baixo Araguaia surgem novos atores nesse cenário, como os

Sindicatos de Trabalhadores Rurais, já um pouco mais estruturados, a própria CPT, que tem uma

atuação contundente juntamente com o Ministério do Trabalho e o Grupo Móvel de

Fiscalização77.

76 A CPT é uma entidade de caráter ecumênico que possui ligação com a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, e presta serviços a camponeses e trabalhadores rurais. Pela tradição já de vários anos de ajuda aos trabalhadores egressos da escravidão contemporânea e, por estar localizada em várias pequenas cidades nas regiões Norte e Nordeste, a CPT é reconhecida pelo seu trabalho no combate às relações neo-escravocratas, seja recebendo e organizando as denúncias, seja alojando temporariamente os trabalhadores fugidos ( Rezende, 2004, Casaldáliga, 2002). 77 O Grupo Móvel de Fiscalização criado em 1996, é constituído, por membros da Polícia Federal – Delegados Federais e Agentes – e Ministério Público do Trabalho – Procuradores do Trabalho, e tem desempenhado um importante trabalhos de combate as práticas de trabalho escravo contemporâneo.

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Fonte: Relatório de 2007 do núcleo de Direitos Humanos da Prelazia de São Félix do Araguaia, p. 03 - . Arquivo A.47.4.01.

A atuação do Estado no combate ao trabalho escravo, nessa nova configuração no

Araguaia é importante, pois agora não é mais só a Igreja Católica, mas também as instituições

públicas que participam deste trabalho. A criação e posterior ação destes órgãos e instituições

facilitam o combate ao trabalho escravo, estimulando as denúncias78:

Fonte: Relatório de 2007 do núcleo de Direitos Humanos da Prelazia de São Félix do Araguaia, p. 01 - . Arquivo A.47.4.01.

Hoje a Prelazia de São Félix do Araguaia conta com o balcão de direitos humanos, um

programa ligado ao Ministério do Trabalho e Secretaria Nacional de Direitos humanos, que

atende as reclamações da população carente. Como também tem ações junto à população

carcerária, tendo uma advogada que auxilia neste trabalho.

78 As ações do Grupo Móvel de fiscalização, se intensificaram a partir do final da década de 1990.

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Fonte: Jornal Alvorada, ano 31, nº. 221, Maio/junho de 2001

As ações e os discursos dessa Igreja também se modificaram. A partir do momento

que o Estado organizou as instituições públicas de educação, saúde e assistência social, mesmo

que estas não sejam de boa qualidade, elas estão atendendo a população. Por outro lado no que

diz respeito aos direitos humanos e às questões de terra, ainda há muito a ser feito, surgindo

novos e diferentes desafios. A violência com que são tratados os trabalhadores e as condições de

exploração e degradação humana a que são submetidos, no território do Araguaia é gritante. E as

ações da Prelazia de São Félix do Araguaia visam atender a essa demanda, que ainda não é

suprida pelas instituições públicas. Como podemos perceber nas perspectivada da Prelazia para o

trabalho com os direitos humanos para o ano de 2008:

1 - Continuar e fortalecer as ações em parcerias, com o Estado e entidade da

sociedade civil, com o propósito de efetivar um trabalho verdadeiramente articulado;

2 - Reativar os grupos de direitos humanos nos regionais e dinamizar os que ainda

atuam como grupos;

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3 - Continuar as denúncias de violação de direitos humanos;

4 - Fortalecer e dinamizar a formação de lideranças em direitos humanos;

5 - Investir nas ações (formação e denúncia) contra a violência doméstica de que é

vítima a mulher;

6 - Tendo em vista as eleições, retomar a discussão, estimulando e orientando grupos

que queiram trabalhar com a Lei 9.840/98 contra a compra de votos79.

A atuação das instituições públicas (DRT, Justiça do Trabalho, Ministério Público do

Trabalho) no Araguaia têm algumas vezes (quando solicitada) atendido às necessidades dos

trabalhadores que são explorados por fazendeiros e gatos80:

A Justiça do Trabalho (Vara de São Félix do Araguaia), apesar de tudo, tem

condenado fazendeiros ao pagamento de indenizações por danos morais

coletivos, em se de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério público do

Trabalho, Oficio de São Félix do Araguaia e os valores destas condenações são

revertidos e aplicados na própria comunidade.

E um fato inédito aconteceu em 2007, quando um grupo de 10 trabalhadores

fugiu de uma fazenda e eles próprios, por meio de advogado, ajuizaram ação de

indenização por dano moral e material individual, obtendo sentença favorável ao

pedido81.

Atualmente, contando também com apoio de instituições governamentais a Prelazia de

São Félix do Araguaia tem formulado denúncias de trabalho escravo no país, tornando públicas

essas ações, seja através da imprensa ou através de cartas aos “amigos“, registrando e

documentado essas ações. Exemplarmente foram encaminhadas denúncias à ONU. Ao tomar essa

79 Fonte: Relatório de 2007 do núcleo de Direitos Humanos da Prelazia de São Félix do Araguaia, p. 05 - . Arquivo A.47.4.01 80 Podemos citar as sentenças do juiz da Vara Trabalho de São Félix do Araguaia que tem condenado gatos, empreiteiros e fazendeiros a pagar direitos trabalhistas e indenizações à trabalhadores que foram submetidos ao trabalho análogo ao de escravo. 81 Fonte: Relatório de 2007 do núcleo de Direitos Humanos da Prelazia de São Félix do Araguaia, p. 05 - . Arquivo A.47.4.01

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80

atitude, a Prelazia tem chamando a atenção do mundo para a exploração dos trabalhadores. Os

dirigentes pastorais consideram que muitas vezes só denunciar as autoridades brasileiras não tem

resolvido o problema. Segundo Casaldáliga (2007) “[...] só levando fatos assim ao conhecimento

das Nações Unidas é que se chama a atenção do mundo para a existência de trabalho escravo em

Mato Grosso. O que convenhamos é um sinal de atraso! Reclamar à ONU é a única opção que

resta”.

Fonte: Arquivo da Prelazia de São Félix do Araguaia - A. 47.3.32

Com intensificação dessas denúncias, procurando atingir os problemas para sua

resolução, a prelazia de São Félix do Araguaia nos últimos anos tem organizado ações juntamente

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com a comunidade. Dentre os trabalhos destaca-se o Grupo de Direitos Humanos e o Balcão de

Direitos Humanos, este em Convênio com a Secretaria Especial de Direitos Humanos do

Governo Federal. A Prelazia também participou da Campanha de Combate e Erradicação do

Trabalho Escravo no Araguaia. Na consideração dos agentes de pastorais, esta Campanha é

importante porque divulga informações sobre o que é o trabalho escravo, bem como a formação

de pessoas e grupos, principalmente os trabalhadores, priorizando a prevenção e punição dos

responsáveis quando o crime ocorre.

Aqui mesmo na região temos tido recentemente casos de escravidão nos

municípios de Santa Terezinha, Vila Rica e Confresa. E este trabalho contra o

trabalho escravo que faz a CPT é sobretudo no Norte de Mato Grosso, no Sul do

Pará e no Tocantins. O primeiro documento que eu fiz, no ano de 1970,

intitulado "Feudalismo e Escravidão no Norte de Mato Grosso", foi um primeiro

grito contra essa escravidão que, à época, não se tratava de um caso ou outro

caso. Era o sistema, era o regime (Casaldáliga, 2003)82.

As ações dos agentes da CPT e dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, através dos

cursos de formação para os sindicalizados, intensificaram o apoio às vitimas da violência. A

Prelazia mantém uma advogada para encaminhar e orientar os trabalhadores nas causas

trabalhistas. Os cursos e palestras visam esclarecer os trabalhadores a fim de minimizar o

problema da exploração dos trabalhadores, sobretudo, os migrantes e desassistidos.

As antigas correntes de ferro não mais aprisionam os braços e pernas dos

escravos. Elas foram substituídas pelas correntes simbólicas da dívida e da

violência, que agora aprisionam os trabalhadores e impedem que fujam das

fazendas. Existe também uma corrente de eventos ligando os fatores que levam

à escravidão: a pobreza, a migração, o aliciamento e as condições indignas de 82 Trecho da entrevista concedida ao diário de Cuiabá em 23/02/2003, acessado em junho de 2007. www.diariodecuiaba.com.br.

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trabalho. Mas há ainda uma contra-corrente, que combate essa prática

criminosa. Ela representa a articulação dos novos abolicionistas lutando contra

o trabalho escravo. (Cadernos da CPT, 2006).

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Capítulo III

O Trabalho escravo na Amazônia hoje: debates, problemas e discussões

Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a

condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o

desemprego.

Ninguém será mantido em escravidão ou servidão.

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.

(Declaração Universal dos Direitos Humanos)

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Considerando a importância da questão da exploração dos trabalhadores e as diversas

denominações para essa prática, discutiremos neste capítulo a utilização do termo trabalho

escravo83 na contemporaneidade, suas discussões na historiografia e os seus usos políticos nos

diferentes tempos e espaços. Consideramos o trabalho escravo contemporâneo como um novo

fenômeno que produz novos deslocamentos. Segundo Gomes (2007, p. 01) “[...] um fato novo da

história recente do país que, se de um lado, tem relações com práticas seculares de exploração do

trabalhador, de outro, possui singularidades próprias ao contexto recente de sua emergência”.

Este fenômeno tem sido pouco trabalhado pelos historiadores. A maior parte das pesquisas e

produções está no campo da sociologia, antropologia e do direito. Há uma necessidade de suprir

esta lacuna com estudos no campo da história.

Para compreender a problemática do trabalho escravo contemporâneo, realizamos

diversas entrevistas em diversos locais do Araguaia com os agentes envolvidos (peões,

representantes de Sindicatos e CPT), utilizando a metodologia da história oral. Esse conjunto de

entrevistas (que utilizo neste capítulo e no IV capítulo) nos possibilitou analisar esta problemática

a partir dos depoimentos de pessoas que foram submetidas à prática do trabalho escravo

contemporâneo, ou estiverem envolvidos no processo de denúncias e resgate dessas pessoas. As

entrevistas e conversas84 realizadas com os peões algumas vezes foram em botecos, Sindicatos

83 Os termos escravo e escravidão já eram utilizados pelos romanos através dos vocábulos servitus e servus. Na Península Ibérica, os termos captivus e sarracenus gradualmente substituíram o termo servus, o que se explica pelo número crescente de muçulmanos reduzidos ao cativeiro durante a Reconquista Cristã. Mas o tráfico de cativos dos países eslavos introduziu o termo sclavus também na Espanha, durante o século XIV. Em Portugal, é no século XV que o novo termo escravo se generaliza, significativamente num momento em que começava a tomar corpo o tráfico de negros trazidos da África. Igualmente aqui, a distinção de origem étnica ou racial adquiriu conteúdo social (Palo Neto, 2006, p. 64). 84 Algumas vezes não foi possível gravar as entrevistas, porque os trabalhadores não queriam ou a situação não permitia, mas nestes casos, eu anotava o que era possível.

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dos Trabalhadores Rurais, casa do idoso85 e na casa de agentes de pastoral da Prelazia de São

Félix do Araguaia. As entrevistas realizadas com os Agentes da CPT e Prelazia de São Félix do

Araguaia permitiram compreender as formas de organização no combate a esta prática.

Quando a pesquisadora chega até os entrevistados, num primeiro momento, a reação

é de desconfiança. Por um lado, por ser uma mulher que está conversando com um peão, por

outro, o medo de que o que dizem poderá mais tarde ser utilizado contra eles. Mas também

vislumbram a oportunidade de fazer uma denúncia, de reclamar pelo pagamento que não foi

realizado pelo gato ou fazendeiro. É alguém de fora das suas relações que está lhes dando

atenção. Falar de seus problemas para alguém que eles não conhecem, algumas vezes provoca

uma reação de estranhamento86, mas também de interesse, quando eles percebem que podem

expor a situação a que foram submetidos.

As entrevistas foram realizadas com peões jovens e idosos. Algumas foram obtidas

logo após a fuga da fazenda. Em outras eles já haviam passado por essa prática a algum tempo,

mas na memória isto é muito recente. São feridas ainda abertas, marcas que não se apagam

facilmente. Para chegar até esses trabalhadores e fazer as entrevistas, contei com a colaboração

de representantes de Sindicatos de Trabalhadores Rurais e amigos que os conheciam, facilitou a

aproximação, viabilizando as entrevistas.

Trabalhar com esses relatos nos possibilitou ouvir as angústias, indignações e

esperanças desses trabalhadores que na maioria das vezes são tratados não como pessoas, mas

como coisas, como mercadoria que pode ser comprada, usada e descartada. Eles reclamam com

85 Em São José do Xingu, realizei algumas entrevistas na casa de idosos, onde encontra-se vários peões que trabalharam em diversas fazendas no território do Araguaia e agora não podendo mais trabalharem nas fazendas e distantes das famílias esse é o lugar em que podem morar. 86 Depois de ser apresentada para os trabalhadores por alguém que os conhecia, em geral a reação de estranhamento se dissipava. A desconfiança diminuía, aumentando a confiança. Mesmo assim, algumas vezes me pediam para desligar o gravador ou não escrever o que estavam falando.

Page 87: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

86

frequência que apenas querem trabalhar para conseguir o sustento da família. São pessoas que

vivem o cotidiano do não ter, desde a comida com qualidade até um lugar decente para dormir.

Estudar a problemática do trabalho escravo contemporâneo no Brasil dentro do

campo da história nos possibilita fazer novas reflexões sobre o mundo do trabalho. Como

considerou Gomes (2007), este fenômeno é relativamente novo nas discussões acadêmicas, e na

sua existência também.

Uma das primeiras denúncias públicas foi feita por D. Pedro Casaldáliga, então

bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia. Em 1971, por ocasião da sua sagração episcopal,

D. Pedro publicou a Carta Pastoral “Uma Igreja na Amazônia em conflito com o latifúndio e a

marginalização social". Neste documento o bispo denuncia a situação dos índios e posseiros

que estão sendo expropriados pelas grandes empresas que começam a se instalar no Araguaia, e

os peões que estão sendo submetidos ao trabalho análogo ao trabalho escravo.

D. Pedro Casaldáliga foi uma das pessoas mais importantes a utilizar o termo

trabalho escravo e escravidão branca, entre outros. Diversas denúncias também surgiram na

imprensa, como a que foi publicada em 1971 pelo Jornal do Brasil que noticiava a libertação,

por Agentes da Policia Federal, de trabalhadores escravizados na Fazenda CODEARA, no

município de Luciara.

Fazenda formada com incentivos fiscais na área da SUDAM mantém

1.200 empregados em regime de trabalho escravo. (...) era um verdadeiro

campo de concentração, onde centenas de homens vivem em completa

escravidão, diz a Policia Federal (Jornal do Brasil, 1971, arquivo da

Prelazia de São Félix do Araguaia - Pasta B. 07.3).

Entretanto, este é um problema complexo e muitas vezes designações como:

trabalho análogo ao trabalho escravo, trabalho escravo contemporâneo, escravidão branca ou

escravidão por dívida, por si só não dão conta de expressar a complexidade do problema que

Page 88: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

87

envolve especificidades próprias do mundo do trabalho na contemporaneidade. A O.I.T. tem

utilizado o termo “trabalho forçado”, uma categoria mais ampla que engloba diversas

modalidades de trabalhos não voluntários, para definir as diferentes situações de exploração do

trabalho no mundo. É preciso compreender essas designações dentro do campo político e social

de disputas e de novas formas de um sistema de exploração do trabalhador87, como também as

especificidades das práticas que ocorrem nos diferentes lugares do mundo.

A acepção que produz significância ao termo trabalho escravo deve estar sempre

associada a um determinado contexto histórico. Falar em escravismo na antiguidade clássica

(Grécia e Roma) é diferente de falar do trabalho escravo histórico (da escravidão com negros

vindos da África para serem explorados nas novas terras na América no período Colonial e

Imperial do Brasil); bem como das formas contemporâneas de trabalho escravo no Brasil (Jardim,

2007).

Koselleck (1992, p.3) ao discutir a história dos conceitos, afirma que “[...] todo

conceito articula-se a certo contexto sob o qual também pode atuar, tornando-o compreensível”.

Neste trabalho o termo trabalho escravo está sendo utilizado para chamar a atenção para a

compreensão de um novo fenômeno, que ultrapassa e distingue as designações clássicas e

modernas.

Conforme Neide Esterci (1994 p. 12), a melhor forma de classificar essa relação de

trabalho é de fato ir além de uma discussão, partindo “[...] de definições já estabelecidas nas

convenções internacionais expressas em códigos legais nacionais ou elaboradas nos trabalhos de

87 Ao falarmos em sistema de exploração, “de trabalho escravo” estamos nos referindo a uma cadeia que envolve o patrão, o gato, a (o) dona de pensão, o motorista que leva ilegalmente os peões à fazenda desviando de barreiras e quando é preciso suborna o policial que faz vista grossa, conforme descrito por D. Pedro Casaldáliga (1971) Neide Esterci (1994) José de Souza Martins (1997) João Carlos Barrozo ( 1997), Binka Le Breton (2002) e Ricardo Rezende Figueira (2004).

Page 89: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

88

especialistas”. Para a antropóloga é necessário intensificar a pesquisa e o diálogo porque há

muitos questionamentos em torno dessa temática. E um deles é o das classificações, dos nomes

que se empregam segundo, “[...] o contexto, os critérios e as posições dos diversos atores

envolvidos ou que se pronunciam em cada caso”. Porque as formas de exploração do trabalho

não ocorrem com a mesma configuração, mas cada caso tem as suas especificidades.

Ricardo Rezende Figueira88, explica que as diversas entidades de defesa dos direitos

humanos89 que atuam na fiscalização do trabalho, quando empregam a categoria “escravo” para

essa forma de exploração do trabalhador estão fazendo menção a um:

Modelo de trabalho temporário sob coerção com o pretexto de dívida,

existente com muita regularidade em empresas agropecuárias,

principalmente desde os anos 1960. Essa forma de trabalho tem maior

incidência quando as fazendas estão derrubando as árvores para plantar

capim, erguendo, recuperando ou protegendo cercas e pastos ou

executando diversas dessas atividades simultaneamente. (Figueira, 2004,

p. 34).

Como ressaltou Koselleck (2006, p. 105), os conceitos podem sofrer transformações

ao longo do tempo, não são estáticos e as sociedades apropriam-se deles de formas diferentes

em tempos e espaços variados. “[...] as palavras que permanecem as mesmas não são, por si só,

um indício suficiente da permanência do mesmo conteúdo ou significado por elas designado”.

Ou seja, a designação trabalho escravo permanece, mas o seu significado alterou-se, se re-

significou, dando novo sentido ao seu uso. O trabalho escravo contemporâneo utiliza práticas

que divergem da escravidão clássica, do período colonial brasileiro. Foi apropriado em outro

88 Ricardo Rezende Figueira, padre que trabalhou por vários anos na CPT (Comissão Pastoral da Terra), no sul do Pará, desenvolveu pesquisas para o mestrado e doutorado em antropologia sobre a temática do trabalho escravo contemporâneo. 89 Sindicatos, Igreja, CPT e servidores públicos Grupo Móvel de Fiscalização, Ministério Público Federal e Policia Federal.

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89

tempo e espaço, para chamar a atenção de um fenômeno que, mesmo legalmente não existindo,

considerando que a escravidão foi abolida no Brasil em 13 de maio de 1888, encontra

similaridades importantes, como coerção, restrição da liberdade de ir e vir, castigos físicos e

falta de remuneração pelo trabalho desenvolvido.

Muitas vezes, o termo escravidão é utilizado por pessoas e entidades sem a intenção

de se reportar às práticas da escravidão colonial, mas manifestando sentimentos de repúdio e

recusa a situações que rompem com limites aceitáveis de degradação dos trabalhadores.

(Esterci, 1994).

Para Gomes (2007, p. 06) “[...] quando uma categoria é excessivamente ampliada,

pode perder completamente a capacidade de atribuir sentido ao que designa, pois passa a se

referir a um sem número de fenômenos muitos diferenciados no tempo e no espaço”.

Atualmente a designação de trabalho escravo é empregada para as mais diversas formas de

exploração do trabalhador. A utilização generalizada incorre no perigo de banalizar o termo,

perdendo completamente a sua significação.

Neide Esterci (1994, p. 16) chama a atenção para a re-significação do termo trabalho

escravo, a qual expressa a necessidade de superar essa variação nos termos utilizados como

forma de enfrentamento do problema:

[...] a multiplicidade de palavras e expressões (que em parte refletem as

disputas, as indefinições e as mudanças conceituais referidas) obscurece,

às vezes, a compreensão do problema, deixando o observador num

impasse: são os termos utilizados sinônimos entre si e, então, as

situações referidas devem ser pensadas como sendo do mesmo tipo, ou,

como sugere uma observação mais atenta, as situações diferem entre si?

E, neste caso, qual o significado das generalizações que têm sido feitas?

Qual a importância de recuperar a particularidade de cada caso?

Page 91: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

90

O termo trabalho escravo em alguns casos tem sido banalizado, sendo utilizado para

designar diferentes formas de exploração do trabalhador, ou mesmo para chamar a atenção da

opinião pública. Portanto há necessidade de se definir conceitual e juridicamente o que realmente

seja trabalho escravo contemporâneo. O que está em jogo não é um significante meramente

teórico. Mas todo o conjunto de atuação preventiva e repressiva acerca do trabalho escravo

contemporâneo, naquilo que se refere à sua ineficácia/ineficiência, pode ser iniciado a partir da

falta de um entendimento maior à sua compreensão (Gomes, 2007). Segundo Esterci (1994) a

escravidão tornou-se uma categoria eminentemente política, fazendo parte do campo de lutas,

sendo utilizado pelas diversas entidades para designar o trabalho não livre.

Esterci, (1994, p. 49) observa que:

Determinadas relações de exploração são de tal modo ultrajantes que

escravidão passou a denunciar a desigualdade no limite da desumanização;

espécie de metáfora do inaceitável, expressão de um sentimento de

indignação que, afortunadamente, sob esta forma afeta segmentos mais

amplos do que os obviamente envolvidos na luta pelos direitos.

A crítica à terminologia trabalho escravo existe por vários motivos. Os trabalhadores

chamados de escravos atualmente diferenciam-se do conceito histórico de escravo90. A principal

razão dessa diferença reside no fato de que o cerceamento da liberdade do escravo

contemporâneo não se dá de forma tão explícita como nos moldes da escravidão abolida no Brasil

no século XIX. A coerção não é só física, mas também a moral, simbólica91. O expediente da

dívida é para o trabalhador um fator de cerceamento da liberdade. Para ele sair devendo é 90 Refere-se à escravidão de africanos no Brasil nos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX. 91 Sobre as relações simbólicas, ver BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Bertrand / Rio de Janeiro: Difel, 2000. Para Bourdieu, o poder simbólico surge como todo poder que consegue impor significações e impô-las como legitimas. Os símbolos afirmam-se, assim, como instrumentos por excelência de integração social, tornando possível a reprodução da ordem estabelecida.

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91

vergonhoso, não é digno de um homem que empenhou sua palavra ao receber o adiantamento do

gato. Uma das principais diferenças é que, na atualidade, a escravidão enquanto um sistema legal

já foi abolido, portanto, essa situação ocorre na clandestinidade. Além do mais, não há uma venda

formal do trabalhador, mas uma coerção (proibição de afastamento do local de trabalho, que é

perda temporária do direito de “ir e vir”) provocada por uma dívida, na maioria das vezes

ilegítima.

Autores como Eduardo França Paiva (2005) tem chamado a atenção para os usos do

termo trabalho escravo e suas implicações. Um dos problemas levantados pelo autor é a

vitimização do trabalhador. Este não é mais visto como um sujeito capaz de ações, mas sim como

coisa: “[...] Já transformar o escravo em coisa, ignorando-se sua humanidade, suas capacidades,

seus conhecimentos, suas habilidades, seus sentimentos, é, creio, uma opção equivocada e

reducionista, adotada por intelectuais de épocas que aceitavam essas simplificações, mas

inaceitável hoje”. (Paiva, 2005, p. 02).

Surgem assim, vários questionamentos. Como pensar a precarização do trabalho numa

perspectiva histórica relacionada à experiência social contemporânea? Como evitar armadilhas de

reduzir os trabalhadores a vítimas do sistema, ofuscando a complexidade das relações sociais

desenvolvidas, mesmo nas situações de aprisionamento e violência, desqualificando totalmente

estas práticas? Há uma necessidade de construir outro campo de análise que não reproduza a

naturalização das categorias pobre e vítima desses trabalhadores que têm demonstrado fantásticas

estratégias para escapar do aprisionamento, violência e exploração dentro das fazendas. (Souza,

2007).

Nas nossas análises, utilizando uma vasta documentação, não há como tratar esses

trabalhadores como não sendo sujeitos, capazes de ações. Pois essa prática de exploração do

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92

trabalhador tem sido conhecida e denunciada porque essas pessoas têm conseguido romper com

o cerco armado dentro da mata, utilizando uma multiplicidade de estratégias para sair desses

locais e denunciar o que acontece no interior das fazendas 92.

Um caso que teve notoriedade foi o de uma denúncia de que era utilizado trabalho

escravo na fazenda CODEARA no ano de 1971. Este fato teve grande repercussão no país93.

Como destacou Casaldáliga, (2003) “[...] Na fazenda Codeara viu-se o maior caso de

escravidão branca da história do Brasil”. Este episódio foi denunciado por dois rapazes

memores de idade que conseguiram fugir da fazenda, sendo relatado em uma entrevista de

Antônio Canuto94:

Tinha um menino de 16 anos e outro de 15, fugiu e denunciou e foi

quando a Policia Federal baixou lá e regatou 500 trabalhadores (...) É,

naquele tempo, era um tempo que o pessoal trazia os peões cada ano;

trazia de um canto, porque, no ano seguinte, a notícia chegava no lugar

de origem, não vinham do mesmo lugar. Em 72, eu mesmo ajudei 70 a

fugir, eles chegavam lá em casa eu os escondia lá no morro, aí de noite

eles atravessavam o Araguaia e iam embora. È naquele ano fugiram uns

400 pelo menos95.

Quando realizamos as entrevistas e/ou conversas com esses trabalhadores que foram

submetidos a essas práticas, podemos pensar em outras possibilidades de leitura que implicam em

descortinar e problematizar as classificações e distinções96 sociais construídas em torno de grupos

92 Discutiremos sobre essas estratégias no capitulo IV. 93 A denúncia foi publicada em jornais de circulação nacional: O Globo, Correio Brasiliense, Folha de São Paulo, entre outros. 94 Antônio Canuto é um ex-padre que trabalhou na Prelazia de São Félix do Araguaia por mais de 30 anos. Ele ajudou dezenas de trabalhadores a fugirem, bem como encaminhou denúncias de trabalho escravo a diversos órgãos do Governo Federal. Hoje ele integra a equipe da CPT na coordenação nacional 95 Entrevista realizada em 16 de outubro de 2007, com Antônio Canuto em Goiânia. 96 Ver distinção em BOURDIEU, Pierre. A distinção: Critica social do juramento. São Paulo, Edusp, 2005.

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93

sociais pobres97. Segundo Souza (2007, p. 12) “[...] Essas classificações gerais e unificadoras

aparecem como evidências supostamente objetivas e naturais, como se fossem propriedades

essenciais atribuídas às relações entre os espaços, os homens e as mulheres”. Portanto, é preciso

considerar que estes trabalhadores reproduzem maneiras próprias de reinventar as ações

cotidianas e desnaturalizar essas classificações, que são carregadas de significação que

reproduzem um discurso dominador/dominado. As práticas desses trabalhadores têm mostrado

que eles ultrapassam, vão além dessa relação de forte/fraco. Eles são pessoas, que não podem ser

tratadas como coisas ou mercadorias.

A multiplicidade de termos empregados, inclusive no meio acadêmico, para nomear

esta relação de trabalho, nos sugere que um novo conceito está sendo forjado e/ou re-

significado, com base nas práticas de coerção e exploração do trabalhador, resultantes dos

embates no campo social, político, cultural e econômico. A visibilidade deste fenômeno é

evidenciada na literatura brasileira e nos meios de comunicação a partir da década de 1970.

Em geral, os trabalhadores, tidos como escravos modernos são recrutados por

agenciadores de mão-de-obra, denominados gatos. Estes recebem dos gerentes ou donos das

fazendas a “encomenda” de trabalhadores. São eles que saem para arregimentar os

trabalhadores temporários na época da safra. Levados para lugares distantes de sua residência,

esses trabalhadores já chegam às fazendas com dívidas de transporte, de adiantamentos, de

alimentação, as quais dificilmente serão quitadas. Trata-se de um ciclo vicioso e, apesar do

absurdo da situação, o próprio trabalhador sente-se obrigado a permanecer no local com o

objetivo de pagar a dívida, o que raramente ocorre.

97 Sobre deslocamentos de grupos de trabalhadores pobres que vivem a procura de novos espaços ver o trabalho inovador de SOUZA, Ana Maria. Relatos de Cidades: nomadismo, territorialidades urbanas e imprensa Cuiabá-MT – segunda metade do século XX. Cuiabá, Entrelinhas – EDUF, 2007.

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94

Os gatos sabem que se o peão empenhar sua palavra significa que irá executar o

serviço por mais que seja difícil. Eles aproveitam desse contrato verbal, confiando na palavra

do trabalhador, aproveitando para explorá-lo ainda mais. Segundo Jeane Belline98, o gato

utiliza-se de artifícios como amizade, conhecer e saber o nome dos trabalhadores, enfim toda

uma simbologia para convencer os peões a deixarem seu lugar de origem e irem trabalhar em

outras localidades:

Eles não vêm só escondidos, eles vêm por que confiam no gato, e já está

adiantando pra ajudar a família, mas aquele adiantamento é dívida

entende, então, é toda uma psicologia de dominação, mas muito bem,

que o peão acaba sentindo que ele tem nome e os gatos também

aprendem os nomes, é todo um fenômeno. E pra mim é porque na cultura

camponesa o homem tem que ser o provedor da família, ele tem que ser

aquele que dá conta, reconhecido de alguma forma e eles vivem a

vergonha constante de não estar dando conta. Então, o gato, ele não pode

elaborar do jeito que ele esta dizendo, mas ele aprendeu como trabalhar

esta mentalidade dos homens. Tem deles que ficam muito fiéis ao gato e

teve vez que eles não queriam contar o que tinha acontecido, na cabeça

deles por causa desse lado afetivo, eles diziam para nós, não ele (o gato)

não é tão ruim, eles diziam que esse era um fato concreto, foi uma

decepção (Jeane Belline, outubro de 2007).

As astúcias utilizadas pelos gatos, fingindo serem amigos dos peões são formas de

mantê-los leais a eles. Em alguns casos os peões denunciam as tentativas de fugas dos próprios

companheiros, para manter a boa relação com o gato. Quando esta confiança é quebrada, ele

sente-se decepcionado. Mas, de alguma forma, decide “proteger” o gato, pois mais tarde irá 98 Entrevista Realizada com Jeane Belline em Goiânia, outubro de 2007. Jeane Belline é uma freira que trabalhou por mais de 30 anos na Prelazia de São Félix do Araguaia como Agente de Pastoral primeiramente na Equipe de São Félix do Araguaia depois em Porto alegre do Norte. Na Prelazia de São Félix do Araguaia, trabalhou com pessoas que foram resgatados de fazendas onde existia a prática de trabalho escravo, e atualmente, desenvolve trabalhos na equipe da coordenação nacional da CPT.

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95

precisar de trabalho e quem poderá conseguir para ele é o gato. Dessa forma é difícil para eles

denunciarem as explorações e violências que sofreram no interior das fazendas.

A dívida é uma forma do empreiteiro/gato manter o trabalhador imobilizado, pois

enquanto o trabalhador tiver dívida ele fica impedido de dispor livremente de sua força de

trabalho. Na concepção do trabalhador ele tem a obrigação moral de liquidar a dívida. Muitas

vezes o trabalhador não percebe que já pagou a dívida várias vezes e, esta é mais uma forma do

empregador manter imobilizado o peão, como destacou Esterci (1994, p. 43):

Os efeitos da forma de constrangimento moral que pesam sobre os

dominados que podem ainda ser mais eficazes que o uso da força. Isso

expressa bem o caráter de divida que escraviza, porque a desigualdade

obriga a se endividarem com outros. (...) Mas, como fica claro em todos

os casos que denunciam como escravidão, a dívida ao mesmo tempo em

que resulta da super-exploração via comércio nos barracões ou via baixa

remuneração do trabalho, funciona como um instrumento, um pretexto

para a imobilização.

A eficiência do aparelho de repressão depende de múltiplos fatores, tais como a

violência física e/ou psicológica, a responsabilidade moral sentida pelos trabalhadores frente à

dívida e a presença de homens armados. A vulnerabilidade das pessoas aumenta com a distância

entre a fazenda e o local de recrutamento. Eles não estão apenas longe de suas cidades, mas de

uma rede de solidariedade que poderia ser acionada, composta por seus parentes, amigos e

conhecidos. (Figueira, 2004).

O trabalho escravo contemporâneo necessita ser analisado e compreendido dentro de

um conjunto de práticas sociais e políticas, que envolvem vários atores (gato, peão e fazendeiro),

como também as especificidades dos momentos e espaços em que ele ocorre. Não é só a

denominação que está em jogo, mas um conjunto de significações no mundo do trabalho.

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96

Como ressalta Gomes (2007, p. 24):

Tal designação não precisa ser vista como fruto de simplificação e/ou

distorção, mas como uma metáfora discursiva, que mobilizando o

passado, quer compreender o presente e defender um futuro, no qual

trabalhadores sejam homens livres, com direitos protegidos pelo Estado e

assegurados em lei.

Embora defenda internacionalmente a utilização da expressão trabalho forçado, a

O.I.T. reconhece a particularidade brasileira com relação à designação:

[...] No Brasil, a expressão preferida para práticas coercitivas de

recrutamento e emprego em regiões remotas é 'trabalho escravo'; todas as

situações cobertas por essa expressão parecem enquadrar-se no contexto

das convenções da OIT sobre trabalho forçado. (Relatório da OIT, 2005,

p. 08).

Portanto, as dificuldades são ainda ampliadas quando buscam definir o que seria

trabalho escravo com a inserção de outro elemento, que são as condições degradantes de trabalho:

A expressão “trabalho escravo” refere-se a condições degradantes de

trabalho e à impossibilidade de deixar o emprego por força de débitos

fraudulentos e da presença de guardas armados. Esse é realmente o

principal aspecto do trabalho forçado no Brasil rural, onde os

trabalhadores são imobilizados por coerção física até a quitação desses

débitos fraudulentos. (Relatório da OIT, 2005, p. 45).

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97

3.1. O Trabalho escravo contemporâneo – o caso brasileiro

A grande propriedade rural, sobretudo na Amazônia, tem sido a principal responsável

pela prática da escravidão contemporânea. Os proprietários de grandes áreas de terras, ainda

agem como senhores donos de escravos, exercendo autoridade absoluta em sua área de

influência, desafiando o Estado. Eles estabelecem seus poderes arbitrários com a certeza da

impunidade, utilizando-se de relações de compadrio com outros proprietários e políticos, além

de uma influência direta na política local e regional. O julgamento das ações de casos de

trabalho análogo ao trabalho escravo, na esfera Federal, vem contribuir para diminuir a

impunidade desses crimes. Entende-se que estando fora da esfera estadual, estes fazendeiros

não têm poder para influenciar nas decisões judiciais.

O conceito de “trabalho escravo”, utilizado no Brasil atualmente, sobretudo, pelas

entidades de defesa de direitos humanos e dos operadores do direito, faz referência a uma

espécie de trabalho que se distingue daquele tipo exercido na antiguidade (a escravidão clássica

como é definida por alguns autores), bem como no período colonial brasileiro (a escravidão de

negros africanos). O fato é que o trabalho escravo, trabalho forçado, escravidão por dívidas, ou

qualquer denominação que seja dada a ele, existe no Brasil contemporâneo.

Nos últimos dez anos, mais de vinte e cinco mil pessoas foram escravizadas em

diferentes localidades do Brasil, especialmente nas áreas rurais e distantes, nas quais se tornam

difícil a fiscalização e atuação do Ministério Público do Trabalho. (CPT, 2006).

Segundo Gomes (2007. p. 23), “[...] O que se deseja acionar é seu potencial

explicativo e mobilizador, que permite uma rápida apreensão de um fenômeno novo, amplo e

complexo: o da perda de parâmetros internacionais, que demarquem as condições de trabalho

“humano” no mundo contemporâneo”.

Page 99: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

98

O caso brasileiro possui especificidades próprias, sendo que este fenômeno ocorre

principalmente em áreas rurais e distantes dos grandes centros99. O maior número de

incidências está nos estados com grandes extensões de terra e de ocupação recente, sobretudo

nos Estados do Pará e de Mato Grosso, que são os campeões da prática de trabalho escravo

contemporâneo (a partir do final da década de 1960 e inicio da década de 1970). Esta forma de

exploração de trabalho é encontrada nas áreas de cultivo de cana-de-açúcar, algodão, soja,

pecuária, limpeza de pastagem e abertura de fazendas.

Quadro das operações do grupo móvel de fiscalização, fazendas fiscalizadas e

libertação de trabalhadores no Brasil – 1995-2007.

Ano Nº. de operações Nº. de Fazendas

Fiscalizadas

Trabalhadores

libertados

2007100 57 112 3.296

2006 109 209 3.417

2005 85 189 4.348

2004 72 275 2.887

2003 67 188 5.223

2002 30 85 2.285

2001 29 149 1.305

2000 25 88 516

99 Há alguns casos de trabalho escravo contemporâneo nas cidades, sobretudo, com trabalhadores imigrantes, que trabalham na ilegalidade, um dos casos que teve grande repercussão foi o caso de bolivianos escravizados, nos porões de fábricas em São Paulo. 100 No ano de 2007, está contabilizado apenas o primeiro semestre.

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99

1999 19 56 725

1998 18 47 159

1997 20 95 394

1996 26 219 425

1995 11 77 84

TOTAL 568 1.789 25.064

Fonte: Relatório do Grupo Móvel de Fiscalização e CPT.

A caracterização do trabalho escravo no Brasil é possível ser identificada através de

vários fatores; Os trabalhadores permanecem vinculados a dívidas injustas (referentes à

alimentação, transporte e equipamentos de trabalho, contraídas desde o momento em que são

aliciados. Os valores cobrados são muito superiores ao valor devido ao trabalhador). Em

conseqüência da dívida, eles são impedidos de saírem devido ao controle dos gatos e gerente de

fazendas. Este controle é facilitado pela relativa distância geográfica onde estão localizadas as

áreas de trabalho, no interior das grandes propriedades. A dificuldade aumenta quando as

fazendas estão na região Amazônica, em áreas de floresta amazônica. Algumas fazendas estão

situadas a dezenas ou centenas de quilômetros de distância das vias de acesso ou das cidades

mais próximas e, de seus lugares de origem. Nestas condições, os trabalhadores estão fora do

alcance dos agentes de fiscalização, e ameaçados pela presença inibidora de pistoleiros101

armados que os castigam ou até mesmo os matam quando há tentativas de fuga.

101 Pessoa contratada pelo fazendeiro ou gato para vigiar os trabalhadores nas fazendas, um assassino profissional.

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100

Hoje as condições desumanas de trabalho e o impedimento de sair da propriedade

continuam, mas ficou muito mais difícil para o fazendeiro manter a mão-de-obra escrava retida

dentro da propriedade, devido a maior fiscalização. (CPT, 2006).

O fazendeiro, não precisa mais comprar seus escravos, já que se tornou ilegal alguém

ser propriedade de outra pessoa. Hoje, apenas pagam o transporte até a fazenda, assume a dívida

do trabalhador na pensão pioneira e adianta uma quantia pequena em dinheiro para sua família. O

adiantamento será cobrado do trabalhador, com juros e correção, com um grande valor acrescido.

O peão contratado paga todas as despesas efetuadas por ele, como parte

do adiantamento do empreitado, tendo que aceitar qualquer salário102,

pois já estava na dependência de recursos financeiros para soldar sua

dívida perante o hoteleiro ou pensionista (Martins, 1981, pág. 61).

Quando o trabalhador adoece, sofre um acidente de trabalho ou passa a produzir

menos, isso também não causa prejuízo ao fazendeiro. Basta que ele o abandone na estrada,

sem gasto nenhum, e recrute novos escravos. (CPT, 2006). Isso porque existe muita mão-de-

obra disponível, resultante da situação sócio-econômica, de pobreza e miséria, desemprego e

falta de perspectiva que atinge aproximadamente trinta milhões de pessoas no Brasil. (CPT,

2006).

Na escravidão histórica, com africanos, o relacionamento entre o trabalhador e patrão

era por um longo período. O escravo permanecia sob a dependência do senhor por toda a vida.

A dependência se estendia aos dependentes, também escravos. Nessa nova escravidão não há

uma relação entre trabalhador e patrão. Os peões apenas se relacionam com o gato ou o gerente

102 O peão não recebe salário. Ele recebe um pagamento acertado em forma de “empreitada” um valor fixo a ser pago por um serviço determinado.

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101

da fazenda, por um curto período. Assim que termina o serviço não é mais preciso dar sustento

a este trabalhador.

Na escravidão colonial brasileira, os escravos se distinguiam por serem negros

africanos. Na escravidão atual, a característica étnica não é relevante. Hoje os escravos não se

caracterizam mais pela cor da pele, mas pela sua origem sócio-econômica. São pessoas pobres

e miseráveis, oriundas, sobretudo de algumas regiões pobres do Nordeste do Brasil. Os negros

eram considerados, por lei, propriedade do fazendeiro, o qual precisava gastar dinheiro na

compra e na “manutenção” do seu escravo. O depoimento a seguir, da Procuradora Ruth Vilela,

destaca essa forma de trabalho escravo contemporâneo, evidenciando que o mesmo é tão ou

mais cruel que a escravidão “clássica”:

Quando você compara, ponto a ponto, quase chega à conclusão que a

escravidão contemporânea, sob determinados e específicos aspectos, é

pior que a escravidão “clássica” (...). O trabalhador escravo de hoje, com

certa fartura de mão-de-obra, é descartável. Ele não tem valor

econômico, valor de mercado, como tinha o escravo negro. E por mais

que fossem comuns os castigos corporais etc., o senhor de escravo tinha

que tomar algumas providencias para manter o escravo vivo e saudável.

O escravo de hoje não; ele é inteiramente descartável. [...] Por outro lado,

os grilhões, que decorrem da “clássica” são hoje substituídos por outra

espécie de grilhões, que decorrem da ruptura das referencias dos

indivíduos e também da questão moral [refere-se ao compromisso dos

trabalhadores com as dívida que julgam ter e precisam pagar]. 103

A questão da sazonalidade da mão-de-obra não impede que o trabalho seja executado

em jornadas consideradas extenuantes. O critério de definição para um período diário de trabalho

103 Depoimento de Ruth Vilela, In. GOMES, Ângela de Castro. Trabalho análogo ao trabalho escravo: construindo um problema. Mimeo, 2007, p. 20-21.

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102

não é o número de horas máximo permitido pela legislação trabalhista, mas definido pelo gato

enquanto for possível trabalhar com a luz do sol, só deixando o trabalho no inicio da noite.

Assim, o trabalhador inicia suas tarefas quando amanhece, e somente termina ao anoitecer.

As refeições são feitas durante uma breve interrupção do trabalho, sem o período de

descanso necessário. Na maioria das vezes esta é apenas um bocado de arroz, feijão e raramente

algum tipo de carne, em geral seca (charque ou jabá).

Em geral, este tipo de escravidão dura enquanto durar a derrubada ou a “limpeza” das

áreas. Os novos escravos são pessoas pobres, negros, mulatos e/ou brancos. Segundo dados da

CPT, 98% são analfabetos, e muitos não possuem documentos de identidades ou certidão de

nascimento, não aparecendo nas estatísticas do Governo. Eles não existem legalmente, como

destacou em seu depoimento Jeane Belline.

A pobreza é tão grande nos lugares de origem, que mesmo passando pela exploração e

ou a prática do trabalho escravo eles retornam para trabalhar nas empresas por anos seguidos. Um

caso exemplar é o da destilaria Gameleira104. Esta empresa consta na “lista suja” 105 do Ministério

do Trabalho Emprego:

Quando visitamos a destilaria Gameleira, uma turma lá em barracos

terríveis, nossa demais! A grande maioria é do Maranhão, nós

perguntamos numa reunião, nós conseguimos visitar alguns alojamentos e

reunir uma turma e conversar e eu perguntei depois que eles foram

104A destilaria Gameleira está localizada no município de Confresa foi autuada pelos fiscais do Ministério do Trabalho por desrespeito as leis trabalhistas e a prática de trabalho escravo nos anos de 1997, 2001, 2003 e 2005, recentemente mudou de nome, sendo denominada Destilaria Araguaia, pois como destilaria Gameleira fazia parte da Lista Suja do Ministério do Trabalho e Emprego, ficando impedida de utilizar financiamentos em bancos oficiais. 105 Empresas que constam nesta lista encontram restrição de financiamentos públicos, a "lista suja" também lida com a desvalorização da imagem do empregador que tiveram seus nomes incluídos. A idéia segundo, o Ministério do Trabalho e Emprego é promover um amplo conhecimento das empresas que mantêm pessoas escravas em sua produção econômica como forma de inibir o consumo dos seus produtos ou serviços. O boicote comercial não se direciona apenas ao consumidor final, mas também a outras empresas que mantenham relação econômica com os infratores incluídos na lista, evitando, assim, a aquisição de matérias-primas que serão utilizadas na produção de outros bens.

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103

contando as coisas que eles tinham passado, perguntei logo, por que vocês

vieram uma segunda vez? Por que alguns deles tinham vindo 2, 3, 4 anos

seguidos do Maranhão. Ai um deles disse se vocês vissem quem ficou pra

trás chorando porque não coube no caminhão, no ônibus, então a pobreza

do Maranhão que empurrava também106.

O fato desta empresa ter sido autuada várias vezes pela prática do trabalho análogo ao

trabalho escravo, não inibiu os trabalhadores de retornarem para o corte da cana na mesma

empresa. Há uma grande miserabilidade no lugar de origem. Quando eles não conseguem viajar

para o corte da cana, ficam impossibilitados de manter o sustento da família.

Na abertura das fazendas na Amazônia, esta mão-de-obra é utilizada para desmatar a

floresta, plantar a pastagem, no preparo da terra, na cata de raízes, sobretudo nos campos de soja.

O tempo necessário para a realização das tarefas é de alguns meses, dependendo do tamanho da

área. O que significa, então, que o trabalho escravo contemporâneo rural é temporário, que dura

enquanto durar a empreitada. É um trabalho temporário que utiliza uma mão-de-obra provisória.

Os trabalhadores são temporários e substituíveis.

O mapa 05 mostra uma radiografia do trabalho escravo contemporâneo. Através dele é

possível visualizar os principais fluxos de trabalhadores, os principais estados fornecedores de

mão-de-obra, e os receptores desses trabalhadores. No estado de Mato Grosso estes trabalhadores

estão presentes nas fazendas tradicionais, como em algumas empresas do agro-negócio,

destacando-se as usinas de cana-de-açúcar. Na área da pesquisa (nordeste do estado de Mato

Grosso, entre o Xingu e Araguaia) podemos identificar a prática do trabalho escravo na limpeza

de pasto, cultivo de cana-de-açúcar, pecuária e desmatamento.

106 Entrevista realizada com Jeane Belline, outubro de 2007, em Goiânia.

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104

Figura 06 – Mapa -5 trabalho escravo no Brasil

Pecuária

ALGODÃO

SOJA

CAFÉ

Fonte: CPT, 2003.

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105

3.2. A escravidão contemporânea sob o ponto de vista jurídico

Na legislação brasileira o termo “trabalho análogo ao trabalho escravo” já existe no

código penal desde 1940. Porém, poucas vezes o preceito legal foi utilizado para apoiar os

trabalhadores. O governo brasileiro só começou a reconhecer a existência de trabalho escravo no

país a partir de 1993, a partir de pressões de entidades como a C.P.T. e, sobretudo da O.I.T., que

incluía sistematicamente a prática do trabalho escravo (ou forçado) em seus relatórios anuais. A

partir de 1993 o Brasil finalmente reconheceu a prática, e se comprometeu a combatê-la. O

Governo a partir do reconhecimento, frente à necessidade de dar respostas às pressões nacionais e

internacionais, organizou o Grupo Móvel de Fiscalização107 ligado à Presidência da República.

Segundo Gomes (2007, p. 15):

[...] A categoria, que existia no Código Penal desde 1940, começa a

ganhar trânsito entre os operadores do direito, no mesmo momento em

que passa a ser conhecido o problema concreto a que ele se referia. Até

inicio dos anos 1990, momento inaugural das novas funções do

Ministério Público no Brasil, mesmo no MPT, não se praticava seu uso,

embora já se desse início a ações que tocavam no ponto central do

problema, que ela designava e que, a nosso ver, é a dos direitos humanos

do trabalhador, e não apenas seus direitos trabalhistas.

No ano de 2003, dá-se uma nova redação ao Artigo 149 do Código Penal (CP) na

tentativa de definir o crime de trabalho análogo ao trabalho escravo:

107 O Grupo Móvel é formado por Auditores-Fiscais, Policiais Federais, Ministério Público do Trabalho de várias localidades que se reúnem para uma atuação planejada de alguns em uma determinada região. As ações de fiscalização desenvolvidas pelo GEFM são organizadas pela Secretaria de Inspeção do Trabalho – SIT a partir de denúncias recebidas de trabalho escravo, nas mais diversas regiões do País. O coordenador da ação (Auditor-Fiscal do Trabalho), em conjunto com a SIT, faz a comunicação à Polícia Federal, ao Ministério Público do Trabalho e a Procuradoria-Geral da República, além do IBAMA e INCRA (quando necessário e possível). MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Manual de procedimentos para as ações fiscais de combate ao trabalho escravo. Brasília, 2004.

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106

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer

submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer

sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por

qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o

empregador ou preposto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena

Correspondente à violência.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:

I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador,

com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de

documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no

local de trabalho.

§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I – contra criança ou adolescente;

II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

Para alguns autores e operadores do direito, esta lei cria mais confusão (Rodrigues

Junior, 2005, Gomes, 2007), no entendimento do que seja trabalho análogo ao de escravo,

dificultando para alguns a compreensão desse fenômeno.

Nesse sentido, no caso do trabalho escravo, além da informalidade, tida aqui em seu

sentido restrito, como a ausência de registro na CTPS, estão, indubitavelmente, presentes todos

os elementos acima expostos. Seria reducionismo, ou mesmo maquiagem da realidade, afirmar

que se trata simplesmente de trabalho informal.

O trabalho escravo Colonial não rendia lucros altos aos senhores de escravo devido

aos custos de manutenção. Na contemporaneidade, a mão mão-de-obra é substituível devido ao

grande contingente de trabalhadores desempregados. São aliciados pelos gatos que possuem

informações sobre os locais de mão-de-obra, sua localização e custo, poupando esforços ao

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107

fazendeiro e ao administrador para recrutarem e gerenciarem o trabalho. Os casos de escravidão

contemporânea estão freqüentemente relacionados à miséria, à baixa instrução e à falta de

oportunidades. Não é por acaso que as regiões mais pobres do Brasil são as principais fontes de

mão-de-obra escrava no país. No entanto, os locais de exploração da mão-de-obra escrava são

diversos do local de origem dos trabalhadores, pois é justamente quando esses trabalhadores

saem em busca de melhores condições de vida que se tornam presas fáceis dos fazendeiros e

gatos que os levam para as fazendas submetendo-os ao trabalho escravo. (Esterci, 1994, Breton,

2002, Barrozo, 1987 e Figueira, 2004). A condição de migrante é uma característica comum

identificada no trabalho escravo. Essa característica pode ser observada tanto na situação de

trabalhadores nacionais como estrangeiros (CPT, 2007).

Utilizar a expressão trabalho escravo, para designar o aparecimento contemporâneo de

escravidão como considerou Esterci (1994) Gomes (2007), é um modo de não aceitar as formas

atuais de exploração do trabalhador, “[...] uma metáfora do inaceitável”. Tornando assim, “[...]

uma categoria eminentemente política, faz parte de um campo de lutas”. (Esterci, 1994, p. 44).

Portanto, as associações com as imagens do escravismo histórico brasileiro de escravos negros

traficados em embarcações abomináveis e trabalhando sob o jugo imediato do senhor, sob pena

de castigos no tronco e vivendo acorrentados, sugere uma indignação, frente à existência das

práticas contemporâneas de escravidão, sobretudo pelo estranhamento de que tais imagens

possam repetir-se na cotidianidade. Nesta perspectiva, é olhar um objeto do presente com

imagens do passado, levando à negação da aceitação de sua ocorrência no presente.

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108

Capítulo IV

Trajetória do peão: do roçado para o “cativeiro”

Saí da cidade pro mundo de aventura, e a aventura vai ficando

velha, a cabeça vai ficando branca, quando a gente sai do serviço

sai pobre. Aí a gente sai pra voltar rico e a riqueza não se encontra

e vai fincando..., vai entregando aos janeiros, uns ainda dá sorte

fica, com a cabeça branca e outros morrem antes, né. ( Ismael Silva

– peão).

Page 110: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

109

Trabalhamos neste capítulo com a trajetória de vida dos peões, percorrendo, através de

seus relatos, diferentes espaços em que se deslocam, transitando por suas angústias, esperanças e

sonhos, perpassando por suas narrativas que envolvem uma multiplicidade de sentidos. Uma

cartografia de vidas, permeadas de encontros e desencontros, através das viagens da memória. As

histórias desses trabalhadores no Araguaia estão repletas de imagens que são amálgamas de

sonhos, realidades e irrealidades. Tentamos compreender o universo social dos “novos” espaços

que vão se constituindo com a chegada dos peões, acompanhando a trajetória de vida desses

trabalhadores, através de relatos, cartas e bilhetes.

Entendemos que o relato é definidor de lugar, pois as pessoas relatam os lugares em que

constroem suas relações. O relato, segundo Certeau (1994), é delinqüente porque não segue uma

linearidade, constrói seus próprios espaços deslocando-se de um lugar a outro. Os peões ao se

referirem aos espaços nas fazendas relatam também a vida no local de origem. Pois os lugares

vividos tornam-se representações de ausências e presenças. Portanto, o espaço é um lugar

praticado.

Os relatos, especialmente de trabalhadores, muitas vezes, denotam condições de vida

submetidas a práticas sociais violentas, que, são “[...] específicos do movimento de ocupação

recente do território amazônico, a partir da década de 70 do século XX”. (Guimarães Neto 2002,

p. 02). São vidas que se esfacelaram em busca de melhorias. São homens e mulheres que se

lançaram em um ”novo” mundo de aventuras. A vida nessas áreas a todo o momento é

ressignificada, reelaborada e reinventada. Trabalhamos, sobretudo, com entrevistas que nos

possibilitaram a reconstrução de parte da história de pessoas que ainda lutam a cada dia pela

sobrevivência. As entrevistas pensadas de forma metafórica, segundo Montenegro, (2005, p. 21):

[...] são painéis pintados coletivamente, através do diálogo entre entrevistador e

entrevistado. No entanto, ao se tornarem públicas, não revelam o processo de

Page 111: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

110

construção. Trazem, sim, os contornos, as imagens, os acontecimentos, as

emoções, os desafios, os sonhos, os desejos realizados ou não, as vitórias e

algumas vezes as derrotas que o entrevistado (a) seletivamente organiza para

dizer do que fez e como fez da e na sua própria vida.

Nesses “painéis pintados” pelos peões encontramos marcas que na maioria das vezes

eles querem e, até mesmo precisam esquecer para continuar vivendo, procurando outras formas

para melhorar de vida. É nesse momento (da entrevista) que muitas vezes só as palavras não dão

conta de explicar aquilo que o depoente quer transmitir. Trabalhamos com memórias que

produziram feridas, as quais na maioria das vezes não estão cicatrizadas, apenas adormecidas. O

entrevistador as desperta provocando uma voragem de emoções e sentimentos. Em geral essas

pessoas sentem vergonha de se expor. O entrevistador, nestas situações, sente-se impotente para

agir diante das denúncias feitas pelos entrevistados.

Segundo observações de Ferreira e Grossi (2004, p. 48) “[...] o lugar do historiador

que trabalha com a oralidade é na escuta sensível de onde emerge a voz de sujeitos que são

portadores de uma memória, cuja significação tece fios na história de uma época”. Através da

memória dessas pessoas (os peões) é possível reconstruirmos parte da história do Araguaia. Uma

história que é marcada pela violência, pela luta pela terra, pela esperança de centenas de

trabalhadores pobres que saíram na segunda metade do século XX de várias regiões do país em

busca de uma vida melhor.

Ao realizarmos as entrevistas e analisar os múltiplos movimentos migratórios

alcançados ao longo de suas vidas, instigamos nessas pessoas uma revisitação ao passado, a

lugares que muitos querem esquecer. É como se estas pessoas vissem um filme da própria vida. É

significante o trabalho com a memória desses migrantes, entretanto “[...] privilegiar os itinerários

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111

migratórios individuais como instrumento metodológico não significa, no entanto, negar a

importância de determinados tipos de migrações.” (Menezes, 2002, p. 51).

Os itinerários dos trabalhadores que vieram para Mato Grosso, se entrelaçaram

construindo novos espaços. Os homens migram à procura de trabalho e as mulheres ficam com a

responsabilidade de cuidar da família. Muitos peões constituíram novas famílias no lugar de

chegada. Raramente eles voltam para suas famílias de origem, vivendo em uma constante procura

por “lugares”.

Os peões como foram considerados por Casaldáliga, são brasileiros expatriados,

estrangeiros na sua própria pátria:

Os peões fazem parte dos milhões de brasileiros deserdados, tangidos, sem

pátria, brutalizados pela violência e injustiça, que cambaleiam pelos sertões na

procura de um futuro melhor. São homens que deixam o Nordeste atrás da terra

prometida, que lhe foi negada. Mas percebem logo a amarga decepção: a vida

não mudava, mudava só o lugar108.

Estes mesmos que ainda re-territorializados já não são os mesmos, constroem-se e

desconstroem-se nas multiplicidades dos espaços109. Há uma ressignificação da vida no novo

lugar, os sentidos dados a determinados acontecimentos agora são outros. O peão precisa lutar

incessantemente pela própria vida. Tudo é perigoso, falar, fazer amizades ou inimizades. Perdem-

se determinados valores, constroem-se outros. Muitas vezes no lugar de origem valorizam-se

pouco as relações familiares. Quando o peão está longe, no interior da mata, eles percebem a

108 Documento arquivo da Prelazia de São Feliz do Araguaia – B-8.2.48, p. 02. 109 Para Guatari e Rolink ( 1986, p. 323, apud, Haesbaert e Bruce 2005 ) “a espécie humana está mergulhada num imenso movimento de desterritorialização, no sentido de que seus territórios “originais” se desfazem ininterruptamente com a divisão social do trabalho, com a ação de deuses universais que ultrapassam os quadros da tribo e da etnia, com sistemas maquínicos que levam a atravessar cada vez mais rapidamente, as estratificações materiais e mentais”. Para uma melhor compreensão sobre territorialização e desterritorialização e reterritorialização, ver Guimarães Neto (2005), Ianni (2003), Deleuze e Guattari ( 2002) , Guattari e Rolink (1986) Haesbaert e Bruce (2005).

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112

importância da família, que eles aspiram a reencontrar. “[...] lá não dava muito valor pra minha

mãe não, agora eu sei o que é ficar longe de mãe, sei que ela se preocupa comigo. Aqui ninguém

liga pra ninguém não” 110. Os relacionamentos amorosos com as mulheres, no novo lugar de

chegada, são sempre provisórios, estão de passagem, “[...] vou voltar com dinheiro e casar lá no

Piauí, talvez eu volte, mas com uma mulher” 111.

Essas pessoas estão recordando parte de suas vidas, e o ato de lembrar aflora, expõe

sentimentos, que por algum motivo ficaram na reminiscência do passado. Uma entrevista que me

emocionou bastante, quando o entrevistado ao mostrar suas mãos cheias de cicatrizes do trabalho

na derrubada da mata, limpeza de pastagem e a construção de cercas, diz: “[...] dona eu não sou

vagabundo sou gente, olha as minhas mãos, vivo do meu trabalho tomo a minha cachaça, mas

trabalho” 112.

A indignação desse trabalhador expressa a violência, exploração e a sujeição aos maus

tratos que ele passou no interior de várias fazendas onde trabalhou em Mato Grosso e no Pará.

Mas também reivindica a condição de ser humano, que possui dignidade. O fato de “beber

cachaça”, não o torna menos humano ou desprovido de decência. Porque muitas vezes os peões

são tratados como se não fossem seres humanos.

Apesar da vida sempre difícil e sacrificada, e mesmo que sejam silenciados dentro das

fazendas, os peões constroem sua história com uma habilidade própria, através das narrativas e

conversas em bares, bordéis, pensões e em outros lugares. É a partir dessas narrativas que estamos

reconstruindo parte dessa história de luta, de sonhos, frustrações, realizações e irrealizações. A

chegada ao novo lugar leva os trabalhadores a um novo mundo – o das desilusões. Os espaços

percorridos por eles são estranhos, tudo parece ser perigoso. Eles criam estratégias para se 110 Entrevista realizada com F. R. S. em Canabrava do Norte/MT, junho de 2006. 111 Idem. 112 Entrevista realizada com F. R. S. em Canabrava do Norte/MT, junho de 2006

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113

organizarem e fugir desse isolamento e, no dia-a-dia, dividem entre si a miséria, a saudade de

familiares, compartilhando desde o fumo até os alimentos. Tecem experiências, das codificações e

recodificações, mas também, da produção de outros modos de existência que desestabilizam a

composição da organização dentro das fazendas. Entretanto, mesmo que construam relações de

amizade, há uma grande desconfiança entre eles, como nos relatam: “pois não dá para confiar em

ninguém”. Alguns foram enganados pelas falsas promessas do gato, tiveram seus direitos

usurpados e foram violentados, desde a saída de sua casa. Outros retornam as fazendas por não

terem condições de trabalho no lugar de origem. Como enfatiza Casaldáliga (2003) sobre os peões

que trabalhavam na fazenda Suiá Missú: “[...] Apesar de tudo, aquela fazenda era para muitos

como uma mãe, porque dava emprego. Esse mundo da peonada do trecho é dos mais

dramáticos”113.

Ao recordar passagem de suas vidas essas pessoas (re) compõem, na esfera mental,

imagens e discursos que, tornam presente um acontecimento ausente. Pois estão relembrando

com a significação do presente, a partir do que estão vivendo. Segundo Walter Benjamin (2000

p.37.): “[...] um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao

passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave para tudo o que

veio antes e depois”. Ou seja, a presentificação do passado não nos remete apenas para o fato

recordado, mas interconecta palavras e imagens, correlacionando sentidos, dando um novo

significado ao que foi vivido. (Pesavento, 2006). É nesse momento de ressignificação da

memória que alguns dos peões, sobretudo, os mais velhos expõem sua indignação, pois muitas

vezes, não tinham “consciência” da situação de exploração no momento em que esta aconteceu.

113 Trecho da entrevista concedida ao diário de Cuiabá em 23/02/2003, acessado em junho de 2007. www.diariodecuiaba.com.br .

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114

Mas ao longo do tempo e convivendo com outras pessoas, é como se despertassem para a

“realidade”. Pois estão falando do que viveram, agora sob a luz de novas relações e informações.

Os peões relataram as memórias de estranhamento do novo lugar. Essas memórias

trazem as alegrias, as tristezas, o sofrimento, as emoções mais intensas. Considerando que na

memória, o tempo não é marcado pela cronologia, o que importa é o significado dado a ela. O

tempo da memória é o tempo da experiência, das vivências. (Halbwachs, 1990).

Portanto, as memórias do passado estão em constante movimento com as memórias do

presente. Sendo assim, o ato de lembrar reporta ao passado vivido por essas pessoas. A

lembrança, segundo Halbwachs (1990, p. 71), é “[...] uma reconstrução do passado com a ajuda

de dados emprestados do presente”.

A reconstrução de algumas trajetórias de vida dos trabalhadores que vieram para

trabalhar nas fazendas agropecuárias, através de seus próprios relatos pode oferecer luzes para

compreendermos a complexidade da ocupação do Baixo Araguaia e de Mato Grosso. Sendo que

para o Araguaia foram vários grupos sociais e, muitos indivíduos isolados, com experiências de

vida bastante diversificadas. Os testemunhos norteadores da nossa narrativa sobre a ocupação do

Araguaia, articulados com outros documentos e pesquisas acadêmicas possibilitam-nos, também,

algumas reflexões sobre a história recente do Brasil e de Mato Grosso em particular.

Entender parte dessa trajetória que os peões realizaram é mergulhar em um mundo de

desrespeito aos direitos humanos, de humilhações, perseguições, violência e mortes. O senhor

Ismael nos relata fragmentos dessa memória do mundo do trabalho ao fugir da fazenda Bela

Manhã em São José do Xingu-MT com seus companheiros:

A gente saía de noite, fugia né. Ai se eles pegavam, esse sofria! Aqueles que

eles viam que voltavam quietinhos eles ainda davam umas lapadas boas neles,

ai eles vinham trabalhar. Eu mesmo cansei de ver peão trabalhar amarrado,

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115

trabalhava de dia quando era de noite eles punham uns correntão nos pés deles

para não fugir. Mas tinha aqueles que já tinha fugido mesmo... Ai eles sempre

maltratava aquela turma que fugia, algum assim era excluído, não podiam ficá

juntos com os outros. Ai aquela turma ficava ali trabalhava de dia quando era

de noite jantava, tomava banho. Amarravam eles lá no pé do pau, os capangas

ficavam lá vigiando com medo de outro ir lá e cortar as cordas e eles irem

embora. Já vi isso na fazenda Bela Manhã. 114

Essa memória do trabalho nas fazendas, relatada por senhor Ismael é ressignificada no

tempo presente. Para ele essas lembranças parecem envergonhá-los. Isso fica evidenciado em

várias entrevistas realizadas com trabalhadores que fugiram ou foram resgatados de fazendas,

onde viviam submetidos às condições de trabalho escravo. Poucos admitem que tenham sido

torturados e maltratados. Foi sempre com algum companheiro ou, como aparece em algumas

entrevistas dizem que “[...] o gato não era tão ruim para mim” 115.

Alguns admitem que fosse perto de onde trabalhavam, mas raramente aceitam que foi

com ele: “[...] a fazenda que eu trabalhei que disseram que era ruim, que tinha um gato que

espancava peão, foi do outro lado do rio pra ali, pra mim não foi tanto assim” 116. É uma desonra

ter passado por uma situação de aprisionamento, e ainda mais ter sido espancado. Na concepção

do peão ele perde a sua condição de homem provedor da família, e para suportar tudo isso, dizem

“[...] a cachaça é a minha companheira, quando bebo, esqueço tudo o que aconteceu comigo na

mata” 117.

É possível concluir que, mesmo não estando na fazenda e, muitas vezes, a centenas de

quilômetros de distância dela, o peão continua com medo do gato, uma figura que aterroriza os

114 Entrevista realizada com I. S. em maio de 2008, em são José do Xingu/MT. 115 Entrevista realizada com F. R. de S. em Canabrava do Norte/MT, junho de 2006. 116 Entrevista Realizada com R. L. em São José do Xingu/MT, maio de 2008. 117 Entrevista realizada com F. R. de S. em Canabrava do Norte/MT, junho de 2006.

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116

peões por muito tempo, ou talvez por toda a vida. Esse medo do gato de alguma forma explica a

resistência dos peões em falar da violência a que foram submetidos.

A história de vida desses trabalhadores também mostra que eles passaram por

seguidas migrações, tendo trabalhado em diversos estados do país. Mesmo sendo escravizados em

uma fazenda e conseguindo voltar, eles novamente vão para outra fazenda, onde possivelmente

serão outra vez escravizados. Vivem à procura de novos espaços, movendo-se sempre em lugares

que não são os seus. Por isso, mesmo impedidos de sair das fazendas por um determinado tempo,

os peões são movidos pelo sonho irrealizável de ganhar dinheiro e voltar para família que deixaram

há anos, muitas vezes, a centenas de quilômetros de distância, como foi relatado pelo senhor.

Ismael:

Eu tenho vontade de voltar para São Paulo ou Bahia; eu agora me deu vontade

de voltar pra onde está meus irmãos e filhos. Já fiquei desde dezessete anos

longe dos meus parentes. Com cinqüenta e cinco anos o que tinha de arrumar, já

arrumei, ao menos pra morrer. Morrer tudo lá mais perto tem uns pra chorar

pelo outro. Aqui a gente só tem amizade das pessoas, aqui eu conheço desde os

pequenininhos até os mais grandes. 118

Voltar sem dinheiro é ser fracassado, é não realizar o que procuraram durante toda a

vida. Esses trabalhadores vivem o cotidiano do não ter. Para os peões permanecer no lugar que

conhecem algumas pessoas lhes traz, de alguma forma, certo conforto. Mas estar com a família

na velhice é um sentimento que é recorrente em vários dos entrevistados. Muitos ficam

perambulando nas periferias das cidades e nunca retornam para onde estão suas famílias. Existe

um sentimento de pertencimento àquele lugar, mas precisa encontrar-se em outro, estar com a

118 Entrevista realizada com I. S. em maio de 2008, em são José do Xingu/MT.

Page 118: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

117

família. O senhor Ismael quer voltar para perto da família, mas sente vergonha da situação em

que se encontra119:

É minha família, sabem que eu tô aqui no Mato Grosso, agora só não sabem

que eu to com essas pernas entrevadas, depois que eu entrevei as pernas não

comuniquei com eles mais não. Eu era perfeito agora não vou ser pai enquanto

não melhorar dessas pernas eu acho que vou acabar voltando e com pernas

assim mesmo. To esperando essa próxima eleição no mês de outubro que eu sou

eleitor aqui há vinte anos, ai sou obrigado a esperar pra não voltar aqui. Espero

a votação aqui e vou embora pra São Paulo. Não vou trabalhar mais aqui, ficar

menos perto dos parentes, né120.

Por mais dura que seja a situação em que se encontram esses trabalhadores eles

exercem a cidadania, como mostram os depoimentos. Portanto, considerá-los como vitimas é

legitimar um discurso que os trata como coisas. Eles têm a percepção dos direitos e deveres

básicos da pessoa humana. A todo o momento eles relatam a sua situação, reivindicando os seus

direitos.

4.1. O aliciamento do peão

O senhor Celestino Pereira da Silva nasceu em Imbuzeiro no estado do Piauí, saiu

deste Estado ainda criança, indo para o Ceará, Maranhão e Mato Grosso. Em Mato Grosso

trabalhou em São Félix do Araguaia, Porto Alegre do Norte, Xingu e Confresa. Atualmente mora

em São José do Xingu. Veio a cavalo, a pé e de barco. Ainda criança, após a morte de seus pais

119 Sr. I.S. sofreu um acidente de trabalho em uma fazenda em São José do Xingu e perdeu os movimentos da perna esquerda. Não podendo mais trabalhar foi morar na casa do idoso em São José do Xingu. 120 Entrevista realizada com I. S. em maio de 2008, em são José do Xingu/MT.

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118

foi levado para o Ceará para ser criado com outra família. Como estes eram muitos severos, ele

fugiu e foi procurar parentes no Maranhão. Ainda muito jovem, aos dezesseis anos foi trabalhar

como vaqueiro no Maranhão, onde com dezessete anos encontrou um gato, que o aliciou e trouxe

para trabalhar em Mato Grosso. Atualmente com sessenta e quatros anos, velho, sem trabalho,

vive perambulando de cidade em cidade e não acha mais trabalho como peão nas fazendas.

Vinha assim, ele (o gato) mentia. Enganou os coitados, dizia que na fazenda

dele tinha toda profissão. Chegava lá (o gato) virava bandido ruim. Aí os canto

cheio de foice e machado, era assim, vinha enganado, aí os coitados ia

trabalhar. Tava bom, aí a urubuzada121 era grande, mandava matar e jogava lá

dentro (uma lagoa nas proximidades da fazenda). Ele não queria nem que

ninguém de fora encostasse naquele lugar, era arrudiado de pistoleiros. 122

O momento da saída de sua terra associado ao estranhamento da chegada à fazenda

ficaram marcados em sua memória, como também um desencanto com o gato que ele havia

confiado e que poderia ajudá-lo a sair da difícil situação em que se encontrava no Maranhão.

Podemos considerar que a trajetória de Celestino é uma trajetória coletiva. Centenas de

trabalhadores, pobres como ele, saíram do Nordeste à procura de trabalho e melhoria de vida em

Mato Grosso.

Segundo Esterci (2003, p. 268):

Os trabalhadores são recrutados através de propostas sedutoras ou, pelo

menos, de algum modo mais vantajosas que outras. Mesmo começando já

endividados, e comprometidos a pagar a dívida com trabalho, contam

como certo que ao final de algum tempo terão saldado a dívida e estarão

de volta para casa.

121 O trabalhador está referindo-se as diversas formas de violência e descumprimento dos acordos que os gatos cometiam no interior das fazendas. 122 Entrevista com C. P. da S. realizada em julho de 2006, em Confresa.

Page 120: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

119

Porém, raras vezes eles conseguem saldar essa dívida. Em alguns casos eles ficam

meses dentro da mata trabalhando de doze a quatorze horas por dia e, dificilmente conseguem

quitar a dívida. Os peões que vieram para trabalhar na abertura das fazendas agropecuárias no

Araguaia foram (e são) aliciados, sobretudo, nos estados do Nordeste e Goiás. Em uma entrevista

realizada com o senhor Celestino, ele nos apresenta a situação por que passou ao ser aliciado no

Maranhão, para vir trabalhar em Mato Grosso em 1964. A imagem que esses trabalhadores

constroem das fazendas de Mato Grosso é um pouco mítica: de riqueza, da terra em abundância,

fazendo com que muitos venham na esperança não só de trabalhar nas fazendas, mas também

poder, um dia, conseguir um pedaço de terra e reconstruir a vida, o que raramente acontece.

O senhor Celestino Pereira de Souza nos relata com detalhes quando foi aliciado aos

dezessete anos no estado do Maranhão para vir trabalhar na derrubada de matas em Mato

Grosso:

Aí o Cara (o gato) levou uma carta e o retrato duns balaios e panelas

dum casamento. Uns tachos de carne de porco e eu comendo macambira

(no Maranhão). Já tava parecendo uma pipa, assim, rapaz sofrimento. Eu

digo: eu não vou morrer de fome não, que eu tenho condição de viajar

pra muito longe né, viajar com fome, criança morrendo de fome né,

comendo feijão com farinha no dia que dava certo. Eu vou embora. Eu

mando uma carta pedindo um primo dele pra vim tomar conta da fazenda

aqui no Maranhão. Aí vendi o cavalo pra esse homem que eu vim com

ele. Levou o retrato dos que estavam comendo no Mato Grosso arroz,

banana era demais naquele... Aí perguntei: isso tudo é comida, é bóia que

tem lá? Ele disse: é, é isso aqui. Tava assim, um bocado de velha fazendo

e a festa ia zuar. Aí eu disse: rapaz, esse lugar eu vou ficar lá. Nem que

eu me acabe pra lá, longe de meu povo, mas eu vou embora pra esse

Page 121: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

120

lugar. Eu vou matar minha fome, senão eu morro aqui nesse Maranhão. 123

O relato mostra como os gatos aliciam os peões em outros estados. Este fragmento de

memória do senhor Celestino, mostra a astúcia dos gatos para aliciar os trabalhadores. Este

trabalhador, que saiu do interior do Piauí com dezesseis anos de idade, e depois foi aliciado por um

gato, é um caso exemplar da utilização dos métodos perversos que os gatos empregam para

atraírem os trabalhadores que estão em situação de extrema pobreza. O gato mostrou a fotografia

da comida em abundância, para o senhor Celestino. Aquela imagem em um momento de penúria

determina a sua partida. Ele precisava sair daquela situação degradante em busca de condições

mais dignas.

Neste caso a memória reconstrói parte da trajetória do seu sofrimento, dando ênfase

ao que para ele era significante, saciar sua fome. No momento de sua fala ele busca uma

justificativa para sua condição, ao mesmo tempo em que se indigna com esta, procura meios para

fugir, não quer de forma alguma a acomodação e conformidade com sua situação. Fica evidente no

depoimento que a fotografia do “balaio de comida” é o que o motiva a tomar a decisão de partir.

Ou seja, a fome leva-o a ir embora para longe de sua terra, pensando que naquele lugar poderá

saciá-la. A fotografia representa o imaginário de fartura, a fuga, o afastamento e o desprendimento

de tudo o que ele tinha de ruim no lugar de origem.

As lembranças o remetem a períodos de sua vida que por algum motivo estavam

“adormecidos” na memória. Na construção da narrativa é como se isso tudo tivesse acontecido há

pouco tempo. Segundo Verena Alberti ( 2004, p. 12) “ [...] ele (o entrevistado) se constitui (no

sentido de tornar-se algo) no momento mesmo da entrevista. Ao contar suas experiências, o

123 Entrevista com C. P. da S. realizada em julho de 2006 em Confresa.

Page 122: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

121

entrevistado transforma aquilo que foi vivenciado em linguagem, selecionando e organizando os

acontecimentos de acordo com determinado sentido”.

No relato e nas expressões do senhor Celestino, há um desencantamento com a vida,

com as pessoas, pois ao chegar em Mato Grosso, tudo foi muito diferente. As promessas de comida

em abundância que o haviam motivado a partir não se concretizaram. Pelo contrário, na mata para

onde foi levado para trabalhar, a comida também faltava em alguns momentos, ou era de péssima

qualidade. Ficou perambulando de fazenda em fazenda, sem conseguir melhorar de vida, como ele

nos mostra nesse trecho do relato, referindo-se ao gato que o aliciou, trazendo-o para Mato Grosso

destaca:

Pois aquele homem (o gato) não era bom não. Aquilo é peça ruim. E eu

enfrentei tudo; passei fome, medo, frio, doença. Aí trabalhei lá na fazenda, eu

fui tomando conhecimento com gatos, tudo, todo mundo da Suiá. As fazendas

estavam formando. Essa Reunidas, São Francisco, São João, tudo. Esse mundo

de fazendas que tem hoje aqui. Tudo eu cheguei ainda no princípio. Eu saí

fugido das matas pra não morrer. Pros pistoleiros não me matar, e agora estou

aqui sem trabalho. 124

O senhor Celestino, aos sessenta e quatro anos de idade, já se casou por duas vezes,

mas na velhice está só. Passou por diversas situações de violência no interior de várias fazendas

no Araguaia. Quando saiu, ainda adolescente do Maranhão procurava melhorar de vida. A

realidade encontrada nas fazendas em que trabalhou, foi totalmente diferente. Mas ainda,

continua a procura por “dias melhores”. O fato de estar desempregado e que nesta idade já não é

fácil encontra trabalho como peão, o deixa um pouco desencantado com a vida. Homens como

senhor Celestino estão sempre à procura de trabalho em diferentes lugares. Eles passaram a vida

percorrendo fazendas, povoados e vilas.

124 Entrevista com C. P. da S. realizada em julho de 2006 em Confresa.

Page 123: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

122

Outra forma de explorar os trabalhadores, constante no aliciamento do peão, eram os

acordos que os gatos e fazendeiros mantinham com os donos de pensões. Eles assumiam a dívida

do trabalhador e os levavam para trabalhar na fazenda. A dívida muitas vezes super-faturada era

transferida para o gato, passando a ser uma justificativa para manter o trabalhador dentro da mata.

Em fragmentos do relato do senhor D. S. B. são evidenciadas as manobras dos gatos e donos de

pensões:

Eu vim no pau de arara de lá pra cá. Tinha uma mulher na Santa Helena em

Goiás que chamava tia. Ela tinha uma pensão que sempre que chegava a

campanheirada ficava ali, ajuntava um lote de gente pra vir pro Mato Grosso, ai

os empreiteiros chegava lá e ela arrumava e vinha mais os empreiteiros até na

Barra do Garças. Chegava na Barra do Garças o empreiteiro pagava o que a

gente ficava devendo para ela. Naquele tempo tinha um negócio do empreiteiro

arrumar um adiantamento pra companheirada. Aí, por exemplo, o Ronildo aqui

era o empreiteiro ele chegava aqui, tinha eu, tinha o Baiano, tinha seu João, ai

nós via ele e ele falava como é que era pra nós trabalhar. Queria fazer as contas,

falava que queria trezentos cruzeiros né, aí é pagar com o trabalho. 125

Estes trabalhadores homens, mulheres e em alguns casos crianças126, uma mão-de-

obra desqualificada, substituível, são recrutados e iludidos com a promessa de ganhar dinheiro.

Quando chegavam ao local de trabalho, no interior da mata, tinham de enfrentar um ambiente

desconhecido, sempre sob a vigilância e o controle armado dos gatos e seus auxiliares. Sendo

proibidos de sair do acampamento, viviam, assim, praticamente sem pagamento e mal

alimentados, sem assistência médica e submetidos ao trabalho duro, esgotados, desesperançados,

desejando dias menos sofridos. Esses peões são levados para outras regiões, distantes de seu

lugar de origem onde são “estranhos”.

125 Entrevista realizada com D. da S. B., maio de 2008 em São José do Xingu-MT. 126 Cf. Os documentos do Arquivo da Prelazia de São Félix do Araguaia que tem registro de algumas fazendas. Em 1971 na fazenda CODEARA, e na Fazenda Araguaia Hevea, foram encontradas crianças trabalhando nesses locais.

Page 124: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

123

Eles passam uma boa parte da vida à procura de novos lugares:

Foi em 1964 que eu cheguei naquela região (São Félix do Araguaia). Aí

peguei, vendi o cavalo, peguei a “Leda” que era uma balsa que tava

viajando nesse tempo pra essa Codeara. Essa condenada matava gente

demais. Quanto não morria no tiro, na porrada, era na base da malária.

Aqui dava malária! Era essa Santa Teresinha aí, tinha índio pra lá. Eu

digo: é, eu não vou pra lá não, eu vou pular aqui por São Felix, tão

pegando pião pra Suiá Missú. E eu vou pegar o embalo. Foram quase uns

duzentos peões pra roçar e derrubar, outros cortar arroz. (...) Tinha uma

caminhonete que puxava gente. A estrada era ruim, passava quase o dia

todo para chegar em São Felix, saindo do Alto da Boa Vista e da Suiá. E

aí tinha aqueles caminhões que vinha da Suiá carregado de São Paulo,

Maranhão, Piauí, Bahia, Ceará. Era muita gente e jogava tudo bem na

mata. 127

A fazenda Suiá Missú128, a qual se referi o senhor Celestinho e também citada em vários

outros depoimentos, instalou-se no Araguaia no final da década de 1960. A empresa aprovou seu

projeto pela SUDAM, para a criação de gado de corte e instalação de um frigorífico para a

exportação de carne bovina. Através da SUDAM recebeu incentivos fiscais do governo federal para

sua implantação. Na época era uma das maiores propriedades privadas do país (aproximadamente

695.843ha.). Esta fazenda ocupou terras de índios e posseiros, gerando conflitos pela posse da

terra.

Segundo Casaldáliga:

127 Entrevista com Celestino Pereira da Silva realizada em julho de 2006 em Confresa. 128 Sobre os conflitos nesta fazenda, ver o trabalho de Lima, Terezinha Gomes. Suiá Missú X Sociedade Xavante: a deportação dos Xavantes da aldeia Marâiwatsede – Baixo Araguaia. Monografia de conclusão do Curso de História, UNEMAT, 2002.

Page 125: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

124

Porque era uma fazenda grande, que na época chegou a ser a maior fazenda de

gado da América Latina. Chegou a ter três mil peões, em uma época em que São

Félix tinha pouco mais de 600 habitantes. Ali o regime era de escravidão

mesmo. Havia uma curva de estrada pouco antes de chegar à Suiá, com um

precipício, uma espécie de grota como uma cratera. Na época mais dura da Suiá

Missú, os peões diziam que aquele era o passeio do papai. Pegavam peões,

matavam e jogavam os corpos lá. Eles diziam: eu não tenho nem um passarinho

para criar, a minha casa é o meu chapéu. Morriam muitos de malária, muitos

matados, às vezes por pistoleiros, às vezes entre eles mesmos. Quando vinham

aqui para São Félix, era só para bebedeira, prostituição e violência. Isso também

mudou muito pouco 129.

A maior parte desses peões foram submetidos à exploração, violência e humilhações

nas fazendas. A maioria deles é constituída de analfabetos, o que em parte facilita serem

ludibriados pelos empreiteiros/gatos. Mas isso não os impede de constituírem estratégias para

saírem do aprisionamento. Eles também não podem contar com a policia local que, com freqüência,

está a serviço do fazendeiro. Denunciar à policia é assinar a sua condenação, aos castigos corporais

e até mesmo à morte, como podemos identificar em um exemplo citado por Casaldáliga (1971, p.

48), que denuncia as situações vivenciadas pelos peões em diversas fazendas no Araguaia:

A própria polícia local é utilizada com freqüência para manter ainda mais

escravizados os peões. Na Tamakavy, por exemplo, alguns peões chefes de

"time" (turma), ao irem reclamar com o Capitão de Polícia de Barra do Garças,

por maus tratos, receberam dele uma carta para o gerente, Geraldo, em que

denunciava os peões. O Gerente, ao tomar conhecimento do que os peões

reclamaram, solicitou a presença da polícia de São Félix que, armada de

metralhadoras, foi à fazenda e prendeu a Pedro Pereira dos Anjos, líder dos

peões.

129 Trecho da entrevista concedida ao diário de Cuiabá em 23/02/2003, acessado em junho de 2007. www.diariodecuiaba.com.br.

Page 126: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

125

A violência policial enfrentada pelos peões em geral está a serviço dos fazendeiros.

Lembrando que nesse período de abertura das fazendas no país havia um regime militar e

qualquer organização dos peões seria considerada como um ato subversivo. O senhor Dijalmir

relata como aconteceu a captura de alguns peões em uma Fazenda em São José do Xingu-MT em

1975:

Nessa época (1979) como não existia lei aqui (São José do Xingu-MT) ainda,

tinha pouca policia, tinha muito pouco e as leis eram mais compradas no

dinheiro. Aí eles (os policiais) iam atrás dos peões batia de corrente de moto-

serra, eles tinham até um cachorro policial treinado pra pegar gente. Os peões

fugiam, eles iam atrás por tocaia nas estradas quando os peões vinham, eles

entravam no mato, aí eles soltavam o cachorro. O cachorro ia, começava a

morder os peões e os peões voltavam para trás, aí eles (os policiais) colocavam

dentro da camionete e levava para o serviço novamente. Quantas vezes

fugissem, eles iam atrás130.

4.2. O peão dentro da fazenda

Ao chegarem às fazendas os peões se deparam com uma situação nova, diferente da

prometida pelo gato. As regras do “jogo” são alteradas. Um dos principais problemas

enfrentados eram as distâncias. Muitos chegavam ao local do trabalho de avião e, quando era de

carro à noite, dificultando o reconhecimento do lugar.

130 Entrevista realizada com D. da S. B., maio de 2008 em São José do Xingu-MT

Page 127: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

126

Já viemos (em junho de 1970) direto com o dono da fazenda. Quando nós

viemos de lá do Goiás pra Três Flechas, nós já viemos trazidos de avião pelo

dono da fazenda. Fazer cantina, pra roçar, veio o empreiteiro que era o finado

Manoel. E aí a gente foi roçar mato e derrubar de machado, mais esse

empreiteiro. Porque aqui era meio revoltado, aqui era [...] Matava muita gente,

e não tinha nada, era Bang Bang mesmo. A gente trabalhava em fazenda e veio

fazer uma visita aqui, eu trabalhava em fazenda, trabalhava na Três Flechas do

Wilmar, vindo do Goiás pra Mato Grosso. Aqui na época tudo era mato. Aqui

era tudo capoeira131.

Raimundo Lustosa nasceu no Piauí, saiu de sua terra para trabalhar na construção de

Brasília na década de 1950, depois foi para Goiás e Mato Grosso. Em Mato Grosso trabalhou em

fazendas no município de Luciara. Chegou de avião com mais 15 companheiros. Atualmente ele

vive no município de São José do Xingu.

No Araguaia há muitas pessoas cujas histórias de vida retratam a história de

exploração e violência por que passaram os peões no interior das fazendas. Estes trabalhadores

vieram com esperança de um “futuro promissor”, ou pelo menos melhor do que a vida que levavam

no lugar de origem.

A Prelazia de São Félix do Araguaia realizou ações para enfrentar a problemática do

trabalho escravo contemporâneo no Araguaia. Ela atuou fazendo denúncias e informando a

população local sobre o que estava acontecendo nas grandes fazendas que estavam se instalando

naquele espaço. As equipes de pastoral tiveram um papel fundamental no processo de combate ao

trabalho escravo contemporâneo no Araguaia.

131 Entrevista Realizada com R. L. em São José do Xingu/MT, maio de 2008

Page 128: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

127

Esquema de funções, posições e formas de remuneração numa empresa agropecuária do território amazônico.

Trabalhadores Mensalistas

Trabalhadores Remunerados por Produção

Trabalhadores Indiretos

Diretoria

Assessoria Técnica

gerente

Contador Capataz Fiscal Empreiteiro Geral

Auxiliar de Escritório

Geral

Fiscais (jagunços)

Gatos

Retagato

Vaqueiros Tratoristas Operadores de Moto-Serra Auxiliares

Peões

Auxiliares

Trabalhadores Diretos

Fonte: Equipe de Pastoral da Prelazia de São Félix do Araguaia. 1983: 21

Este esquema elaborado pela equipe da Prelazia de São Félix do Araguaia contribui

para a compreensão da organização do trabalho dentro de uma fazenda, demonstrando como era

feita a distribuição das funções. Os gatos assumem um papel essencial dentro das empresas. Pois

são estes que saem para arregimentar os trabalhadores para levá-los às fazendas. Eles não

possuem um contrato (carteira assinada) com os donos das empresas, mas em geral fazem um

contrato informal com o gato 132.

O senhor Eurípides é um trabalhador que, na década de 1970, veio do interior de

Goiás com sua família para Mato Grosso á procura de terras férteis para a agricultura, percorrendo

longas distâncias com sua família. Ele relata que “[...] uns andava montado a cavalo ou jumento,

132 Estes contratos informais muitas vezes é apenas a palavra que fica empenhada.

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128

outros andava a pé. Levamos meses para chegar a Santa Terezinha”. O relato permite compreender

parte da complexidade das relações nas longas viagens até chegar ao interior das fazendas. Quando

chegou a Santa Terezinha foi aliciado por um gato, indo trabalhar na Fazenda CODEARA, onde

sofreu e presenciou violência e exploração:

Olha nas aberturas da fazenda não tinha tempo definido. Não tinha tempo não, e

assim tinha gente trabalhando o tempo todo. Era assim 50, 100, 200, eu

acompanhei turma de até de 400 homens. [...] Olha na mata aconteceu de eu

entrar uma vez, isso aconteceu com vários [...] vou contar um exemplo que

aconteceu comigo, de eu entrar dia primeiro de abril e sair dia vinte e cinco de

agosto, ficar na fazenda quatro meses. Tinha o problema de gato com

trabalhador, quando dava muitos problemas às vezes batia [...] de facão, de pau,

com uma coisa qualquer. Vi acontecer, não foi uma vez e nem duas vezes, foi

varias vezes. Com facão tirava da bainha e batia, batia também de pau aí

qualquer. Eu vi foi várias vezes, não tinha ninguém, condição nenhuma. A

questão que naquele tempo era uma humilhação muito grande quem escapava

da mão daqueles gatos, tinha quatro, cinco pistoleiro pra segurar ele, ficava

zuando na mata, ficava lá [...] dominava autoridade que fazia presente na

cidade, fazer o que? 133

Narrativas como a do senhor Eurípides permitem a reconstrução de parte de uma

história que por algum tempo não foi trabalhada pela historiografia, e que a partir de algumas

pesquisas realizadas sobre essa problemática no Araguaia, começam a ser evidenciadas, discutidas

e refletidas.

Um bilhete de um peão da fazenda CODEARA, destinado à sua esposa residente em

Gurupi (na época Goiás) que foi enviado por um companheiro que fugiu da fazenda a pé, demorou

72 dias até chegar Gurupi, permite constatar a violência exercida no interior da fazenda pelos gatos

e dirigentes da Companhia:

133 Entrevista realizada com E. F. R. setembro de 2005, em Confresa.

Page 130: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

129

Delfina estou aqui numa boca quente em Mato Grosso. Olhe nem pense em vir

aqui. A fogueira que estou nela é alta. Se um dia eu saltar essa fogueira um dia

chego lá. Aqui tudo é preso. Só sai se for fugido. O mais o Carcará te conta.

Nada mais. Aceita as minhas lembranças e saudades. Lembranças e bênçãos a

todos os meninos. Delfina se tu está muito apertada vai para onde teu pai,

porque estou mais do que tu. Só não estou sofrendo doença, o mais estou

sofrendo 134.

O conteúdo desse bilhete permite projetar uma imagem da violência em que os

trabalhadores nas fazendas no Araguaia foram submetidos. O trabalhador denuncia a “prisão” que

está sofrendo e, também encontra uma forma de enviar notícias a sua família. Ele está longe, mas

também se sente presente e preocupado, é o chefe da família, precisa dar as “ordens”. Neste trecho

o relato aponta, ainda, para os desdobramentos da construção de subjetividades na escrita. Ao

escrever, o peão dá uma significação à situação em que está vivendo. Como considerou Araújo

(2006, p. 273):

Num exercício de verbalização, é possível pensar cartas como artefatos

complexos que produzem curiosidades se forem consideradas como partes

constitutivas dos tempos da vida de pessoas singulares. O conteúdo de uma

carta possibilita sempre ao leitor projetar, na imaginação, umas

condições capazes de configurar as cenas que estão descritas e

enunciadas pelo conteúdo que apresenta. São representações das

verdades do emissor, as quais atualizam informações, (re) formam

cenários e (re) formulam emoções 135.

134 Arquivo da Prelazia de São Félix do Araguaia. – A 09.0.1CA 135 Sobre o trabalho com cartas e bilhetes ver o Trabalho de ARAUJO, Maria do Socorro Sousa. Paixões Políticas em Tempos Revolucionários: nos caminhos da Militância, o percurso de Jane Vanini. Dissertação de Mestrado, UFMT, 2002.

Page 131: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

130

O bilhete está carregado de significados múltiplos, “só não estou sofrendo doença, o

mais estou sofrendo”. Violência física e/ou psicológica, fome, saudade, medo. Para esse peão o

bilhete pode significar livrar-se da condição de isolamento em que se encontrava. Pode de alguma

forma, revelar para outras pessoas o que estava passando no interior da mata. Ao mesmo tempo

talvez, para não fazer a mulher sofrer ainda mais ele não entra em detalhes sobre a sua situação.

A forma e as condições em que esse trabalhador escreveu o bilhete, constrói uma

imagem do que estavam passando, considerando que no momento da escrita a fazenda CODEARA

possuía centenas de trabalhadores aprisionados na mata. Percebe-se o imperativo do pai, marido, o

provedor da família. Ele é o responsável, e mesmo que esteja “preso e apertado”, determina

(sugere) à esposa para “ir para a casa do pai”.

As cartas como destacou Araújo (2006, p. 289) “[...] são lugares que potencializam o

exercício pleno das liberdades múltiplas onde a individualidade cria e recria suas tramas íntimas, e

assim regula suas relações de sociabilidade. São esses espaços singulares e libertadores que

produzem os tempos dos desejos e dos prazeres pessoais”. Portanto, o bilhete escrito por este peão

é uma representação do vivido no interior da fazenda, trazendo significações daquele momento que

ele estava passando.

Os bilhetes dos peões, escritos em uma situação de isolamento e violência, são fontes

portadoras de memórias, narrativas carregadas de fragmentos que trazem múltiplas experiências.

Eles montam cenários imbricados de simbologias para expressar os sentimentos, os lugares, as

percepções e, até mesmo as denúncias.

Como o bilhete para Delfina, localizado no arquivo da Prelazia de São Félix do

Araguaia, há vários outros retratando a situação em que viviam centenas de peões. Através desses

bilhetes é possível reconstruir a história desses trabalhadores que estava “esquecida”. Por um

Page 132: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

131

longo período a historiografia não se interessou pela a história dos homens “comuns”. O foco eram

as histórias dos grandes homens e dos grandes feitos e acontecimentos. A partir da década de 70 do

século XX, a historiografia produz novos deslocamentos dando atenção para a história das

mulheres, do medo, das crianças, dos trabalhadores entre outras, possibilitando a construção de

novos olhares sobre novos objetos.

A empresa CODEARA, à qual o peão que escreveu o bilhete para sua esposa se

refere, chegou a ter aproximadamente 1.200 peões trabalhando na derrubada da mata nos entre os

anos de 1968 a 1975. Era uma das maiores empresas agropecuárias instaladas no Araguaia.

Recebeu incentivos fiscais do governo federal e crédito de bancos oficiais para a sua instalação.

Esta empresa também entrou em conflito com os antigos moradores e índios daquele território,

tendo sido denunciada pela Prelazia de São Félix do Araguaia pela prática de trabalho escravo. Em

1972 a empresa foi alvo de uma ação da Policia Federal, que libertou centenas de trabalhadores.

Vejamos os relatos dos peões:

A fazenda Codeara eu também trabalhei. Trabalhei na Codeara em

setenta e quatro, o gerente naquele tempo era um homem por nome seu

[...]. um tal de Salomão. Falaram que a Policia Federal pegou ele de taca

fez ele subir de costa em um pau. Por que ali morreu muita gente naquela

fazenda. Ali morreu muita gente, ali, tinha uma lagoa ali, que eles

falavam assim: a fazenda que menos pagou gente era aquela fazenda.

Codeara era apertada, pagava a peonada, aí diz que tinha um jagunço que

ia atrás, matava, tomava o dinheiro e voltava com o dinheiro, depois

jogava os peões na lagoa de lá. Naquele tempo tinha uma conversa feia

na Codeara, eu tinha era medo de trabalhar na Codeara. Tinha muito

peão naquele tempo 136.

136 Entrevista com I.S. realizada em maio de 2008 em são José do Xingu.

Page 133: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

132

Podemos destacar no depoimento do senhor Ismael o medo que ele sente de trabalhar

na fazenda Codeara. Raramente um peão admite que tenha medo de algo e menos ainda, de

trabalhar em alguma fazenda. As práticas dentro dessa fazenda eram tão violentas que extrapolam

os sentimentos dos peões. A ação da Policia Federal em 1971 na fazenda Codera foi destaque em

vários jornais do país.

O Globo noticiava:

Chegou à justiça Federal o inquérito realizado pela Policia Federal neste

Estado e apontado como – talvez o maior -, sobre escravidão branca no

Brasil. [...] As diligências dos federais estão sendo realizadas com base no

depoimento prestado por João Biriba, um sergipano de 28 anos, à chefia do

Serviço de Repressão ao Trafico de Pessoas. João conseguiu escapar do campo

de trabalhadores forçados, distante cerca de 1.700 quilômetros de Brasília, na

localidade de Santa Terezinha, em frente à Ilha do Bananal, depois de passar

mais de 20 dias no mato, para fugir de um grupo de jagunços que pretendiam

matá-lo para evitar que a existência do campo de trabalho forçado fosse

denunciada às autoridades (O GLOBO, 03 de agosto de 1970, apud. Casaldáliga,

1971, p. 111).

Ao sair à procura de trabalhadores (peões) os gatos recebiam uma quantia

considerável de dinheiro adiantado dos fazendeiros ou gerentes para “comprar” trabalhadores em

regiões pobres. Muitas vezes os peões referem-se a esta prática com naturalidade, para eles que

estavam devendo para os donos das pensões e precisavam saldar a dívida. Pois é uma questão

moral não ficar devendo. Essa dívida na maioria das vezes é cobrada por um valor muito acima

da dívida com o dono da pensão, ou mesmo com outro gato ou fazendeiro:

Page 134: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

133

Para ir às fazendas é o seguinte, tem um caminhão de gente vai pra

alguma cidade e está sem serviço, ai aquele dono do caminhão leva,

anuncia fazenda fulana está precisando de tantos peões, ai o caminhão

vai lá, o dono da pensão diz: eles me devem tanto, você quer ficar com

eles, ai a fazenda fica, paga aquele dinheiro que você deve a ele. Aí eu

vou trabalhar pra pagar, mas a fazenda paga [...] e ai é onde fala que a

fazenda comprou o peão. Eu mesmo fui desses que cheguei lá e eu devia

um pouco e eu não tinha o dinheiro, e eu tive que ficar lá 137.

Essa prática também foi encontrada e denunciada por fiscais do Grupo Móvel de

fiscalização do Ministério do Trabalho, em diversas diligências dessa equipe. Em uma caderneta

de um gato apreendida pelos fiscais em uma fazenda de Mato Grosso em 2003, está evidenciada

a prática de “comprar” os peões:

137 Entrevista Realizada com R. L. em São José do Xingu/MT, maio de 2008.

Page 135: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

134

Caderno do gato para anotação

das dívidas dos peões

Compra da liberdade do

peão...

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego – GMFCTE, 2003

Como podemos ler na caderneta, está escrito claramente: “compra liberdade (pião)

52,25. A seguir está escrito: “compra liberdade (pião) 50,00 e compra liberdade” 138,00. Alguns

produtos estão sem o valor. Esta também era uma prática comum entre os gatos. Eles anotavam

só o produto, pondo o valor só no momento do acerto, alguns meses depois. Algumas

mercadorias chegam a custar cinco vezes mais que o valor no mercado regional. Devido ao alto

custo cobrado pelos produtos o trabalhador dificilmente poderá liquidar a dívida.

A dívida é uma forma do empreiteiro/gato, manter o trabalhador imobilizado e

atrelado à fazenda, pois para o trabalhador enquanto houver dívida ele fica impedido de dispor

livremente de sua força de trabalho. O próprio trabalhador considera que tem a obrigação moral

Page 136: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

135

de liquidar a dívida. Muitas vezes o trabalhador não percebe que já a pagou por várias vezes. Esta

é mais uma forma de reter o peão no trabalho, como considerou Esterci (1994, p. 43):

Os efeitos da forma de constrangimento moral que pesam sobre os dominados

podem ainda ser mais eficazes que o uso da força. Isso expressa bem o caráter

da dívida que escraviza, porque a desigualdade obriga pessoas a se

endividarem com outras. Mas, como fica claro em todos os casos que

denunciam como escravidão, a dívida, ao mesmo tempo, que resulta da

super-exploração, via comércio nos barracões ou via baixa remuneração

do trabalho, funciona como um instrumento, um pretexto para a

imobilização.

Para prender as pessoas ao local de trabalho, são criados mecanismos de

endividamento artificial e formas de controle e repressão. O uso da violência física, psicológica

e confinamento são usuais, para assegurar que o trabalhador não escapará e se submeterá ao

trabalho até que a tarefa seja finalizada. Esse quadro representa uma forma de degradação e

violência na relação de trabalho. Em geral o trabalho é acertado por tarefa ou empreitada.

O senhor Francisco foi levado de Canabrava do Norte-MT por dois gatos

juntamente com mais três companheiros para trabalhar na Fazenda Rio Cristalino, no Sul do

Pará, relembra que:

Eles (os gatos) nos levaram daqui (Canabrava do Norte-MT) em janeiro de 2003

para derrubar e roçar uns 20 alqueires. Aí fizemos os 20 alqueires, falamos

assim, ô vamos sair agora, vamos acertar as coisas. Mas ele (o gato) disse assim:

acertar, vocês não tem saldo não, vocês comeram arroz, comeram feijão e

comeram muita carne, então não tem saldo. Nego podia morrer lá de trabalhar de

foice, era de corta assim o coração. Aí ele falou assim, vocês vão roçar mais,

roçar esses vinte alqueires mais, ou vão embora? Com um revolver não mão. Aí

falamos nós vamos roçar. Vocês vão roçar mais vinte, vocês vão roçar esse resto

Page 137: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

136

que tem, é esse resto logo todo. Pensei, nós não vamos dá conta... nós não damos

conta de derruba não, então roçar mais vinte alqueires. Aí ele passou por mim

assim, olhando como quem eu já ia fugir. Falei pros companheiros vamos

embora, o bicho vai pegar aqui. Foi quando nós fugimos de noite, andando a pé

até chega a uma cidade. Eu queria era voltar para Canabrava do Norte

lugarzinho bom [...] aqui não devo nada pra ninguém 138.

A destilaria Gameleira de propriedade do Grupo Monteiro, de Pernambuco, está

situada no Município de Confresa, em Mato Grosso. Em junho de 2005, essa empresa foi autuada

sob a acusação do crime de trabalho análogo ao de escravo, conforme define o Código do

Processo Penal brasileiro no Artigo 149. Nesta operação foram resgatados 1.200 trabalhadores,

originários de Alagoas, Pernambuco e Maranhão.

Essa ação só foi possível a partir da denúncia feita pela presidente do Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Confresa ao Grupo Móvel de Fiscalização e Combate ao Trabalho

Escravo. A presidente do sindicato que tem enfrentado os grandes fazendeiros e políticos do

Araguaia em defesa dos trabalhadores, é uma figura impar, destacando-se na defesa dos peões.

4.3. A degradação dos trabalhadores

Ismael Silva nasceu em São Paulo, mudou-se ainda criança para Minas Gerais, depois

Bahia, Goiás e Mato Grosso, Pará e Mato Grosso. Chegou ao Araguaia em 1970, onde trabalhou

nas fazendas Codeara, Reunidas Tamakavy.

138 Entrevista realizada com F. R. de S. em Canabrava do Norte/MT, junho de 2006.

Page 138: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

137

Quando cheguei aqui (São José do Xingu-MT) fiquei trabalhando ai nessas

fazendas, eu derrubei essas fazendas, ai tudo ai eu trabalhei, derrubando mata,

derrubando, roçando, fazendo cerca, curral. Naquele tempo a gente derrubava

era de machadão brabo. Ai a gente ficava seis meses, oito meses na mata. Eu

mesmo já passei de nove meses na fazenda. Naquele tempo eu tinha uma base de

uns dezenove anos e ainda achava bom. Lá (nas fazendas) era tudo armado, era

com revolver e carabina, aqueles que fossem com a gente era tudo armado.

Aquilo lá (se referindo a fazenda Bang em São José do Xingu) primeiro ficava

trabalhando [...] os fiscais que era todo mundo armado. Quando vinha com a

gente do serviço era com revólver, com a espingarda nas costas. Tinha uns que

fazia um serviço que não era pra fazer, ai tinham que repassar, eles faziam

repassar na marra tinha que fazer. 139

Em São José do Xingu, município situado no Nordeste de Mato Grosso, na divisa

com o sul do Pará, onde se instalou um grande número de fazendas. No final década de 70 e

inicio de 80 do século XX, iniciou-se a abertura dessas fazendas. Centenas de trabalhadores

vindos de diversos estados foram trabalhar nessas fazendas. A Prelazia de São Félix do Araguaia,

CPT e Sindicatos dos Trabalhadores Rurais encaminharam várias denúncias de trabalho escravo

naquelas fazendas.

Segundo dados da CPT e Ministério do Trabalho no Brasil de 1995 a 2007 mais de

trinta mil pessoas foram resgatadas em operações de fiscalização realizada por órgãos do Governo

Federal (Grupo Móvel de Fiscalização e Policia Federal). Os dados coletados por essas

organizações têm demonstrado que quem escraviza, não são proprietários desinformados ou

empresas arcaicas. Pelo contrário, são empresários que utilizam alta tecnologia (Sakamoto, 2006).

No município de Confresa/MT, a destilaria Gameleira, uma empresa que produz mais de trinta

milhões de litros de álcool por ano (Vitali, 2008), já foi autuada pelos fiscais do Ministério do

139 Entrevista com I. S. realizada em maio de 2008 em são José do Xingu.

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138

Trabalho nos anos de 1997, 2001, 2003 e 2005, por utilizar a prática de trabalho análogo ao de

escravo. No Sul do Pará a Fazenda Rio Cristalino ligada ao Grupo Volkswagen140, até então

especializado na fabricação de veículos automotores, com os incentivos fiscais concedidos pelo

Governo Federal através da SUDAM, entrou no ramo do agronegócio, sendo flagrada nas décadas

de 1980 e 1990, utilizando a prática de trabalho escravo 141.

Os peões no interior das fazendas são tratados de forma inferior aos animais (gado,

cavalos e cachorros) que muitas vezes possuem abrigos e alimentação mais decente que as pessoas

“[...] do jeito que estão fazendo conosco, é pior do que escravo, a gente tem que ficar na lama que

nem boi” 142. Segundo Figueira (2004, p. 292) “[...] são tratados como impuros, uma planta

desqualificada ou um animal repelente, desqualifica a pessoa, degrada-a diante de si e do outro”.

Para esses trabalhadores falar da situação pela qual passaram é muito constrangedor. O

senhor Ismael, ao relatar a situação que vivenciou, se emocionou a ponto de rolarem lágrimas de

seus olhos. Ele pede desculpas por essa condição, dizendo: “[...] não sou mais como uma pessoa,

mas um bicho que foi abandonado”.

Em fragmentos do relato do senhor Raimundo Lustosa, ele expõe um fato que

aconteceu com um companheiro seu, relatando com riqueza de detalhes a situação de humilhação

que este peão passou na frente de vários companheiros, os quais não puderam fazer nada para

ajudá-lo:

140 Está empresa investiu 38 milhões de dólares de recursos próprios e mais 116 milhões da Sudam. Essa fazenda, em particular, foi alvo de denúncias de trabalho escravo, e a notícia teve repercussão internacional. 141 Sobre a escravidão moderna nessa empresa ver o trabalho de BUCLET, Benjamin. Entre tecnologia e escravidão: a aventura da Volkswagen. Revista de Pós-Graduação em Serviços Social da PUC-Rio “O social em Questão” nº. 13, no primeiro semestre de 2005. “ Em Maio e junho de 1983, as primeiras denuncias sérias são divulgadas na imprensa e comunicada às autoridades públicas. O esquema do sistema de trabalho da fazenda vai, pouco a pouco mostrando a dura realidade. Ela empregava mais ou menos 500 trabalhadores, fora da época da derrubada, momento em que mais de 1.000 trabalhadores são empregados”. 142 Trecho da fala de um trabalhador em uma reportagem do Fantástico- Programa da Rede Globo, www.fantastico.globo.com, acessado em 2/06/2006.

Page 140: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

139

Eu vi lá uns dois sofrer, mas, eu vi um rapaz da minha cidade, do meu lugar

sofrer lá nessa fazenda. Ele aguentou uma decepção, ele não apanhou porque

ele fez o que o homem mandou. Ele falou no serviço, lá no cafezal, que a vida

boa é a de cachorro, esse rapaz, porque comia e não fazia nada e vivia gordo. O

puxa saco como tem, chegou lá falou, o fulano falou que vida boa é a vida de

cachorro, porque não trabalha e vive gordo [...] Não tinha essa necessidade dele

falar não, mas chegou lá ele falou, e no meio de quarenta, sessenta homens

ninguém pode falar nada, ai ele falou na hora da janta era na fila, mas ai ele

disse qual foi que falou, e ai o rapaz apontou. Você sai da fila, deita ali, ele

ficou em pé, ele disse é pra deitar, ai ele deitou, o rapaz deitou aquilo pra ele vê

que a vida boa era a nossa, tinha tanto homem lá e a gente não podia falar nada.

Nós íamos falar, o que, pra sofrer também, ele mandar nós deitar também. Que

jagunços tinham muitos jagunços. Quando acabou de nós todos pegar a comida

ele falou com o velho que tratava dos cachorros, coloca a comida lá no cocho,

era um cocho grandão, ele tinha uns trinta cachorros esse homem, só cachorro

de caça, matava vaca só pra dá pros cachorros não era pra gente comer,

ninguém nunca comeu um pedaço de carne, e nem de mateiro, era só pros

cachorros, ele não dava nada de caça pra ninguém, aí mandou: agora você vai

comer junto com os cachorros, e aí ele ia falar o que! Não, aí foi. Com a mão

não, você vai comer com a boca, os cachorros empurravam ele pra lá e ele

comeu bem pouco, mas ficou de quatro pés lá junto com os cachorros143.

Situações como estas são freqüentes no interior das fazendas servindo de exemplo

para os outros peões. A violência sofrida não é só a física, como também simbólica. As imagens

das humilhações são fragmentos de memórias às quais estes trabalhadores, nas entrevistas

constantemente se reportam. Para eles algumas situações como a descrita pelo senhor Raimundo

são inaceitáveis, porque os desonram. A violação dos direitos básicos desses trabalhadores e a

precarização dessas relações leva à degradação humana. Muitos desses trabalhadores quando

saem dessa situação, não mais se reconhecem como homens capazes de construir relações sociais,

143 Entrevista Realizada com R. L. em São José do Xingu/MT, maio de 2008.

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140

com base no respeito à pessoa humana. Nas ruas, bares, botecos, são pessoas extremamente

violentas, matam por qualquer motivo. “[...] a pessoa bebia cachaça tinha uma rixa com outra,

quando pensava que não matava, ai qualquer coisa bebia cachaça um com outro aí, se estranhava

pronto, neguim pegava e matava, já vi muito companheiro morto nessa rua”144. A vida para eles

passa a não ter mais valor algum.

Casaldáliga enfatiza que a vida de um peão vale tanto quanto a de um fazendeiro, pois

este vive do que produz com seu trabalho.

A vida de um peão pra nós vale tanto quanto a de um fazendeiro. Mas se um

fazendeiro é assassinado, Deus nos livre, o sertão se cobriria de horror e sairia

nas manchetes de jornal. As providências graves seriam tomadas sem perda de

tempo. Se morre um peão? É sangrado como um animal? Fala-se em

providência? Só se faz uma ou outra vez, pedir uma missa em sufrágio e

desagravo do morto. Mas quem morreu, morreu. E as viúvas e órfãos que se

arranjem. É preciso também que do mesmo modo e com igual horror o país

estremeça sabendo que os peões das companhias e projetos aprovados pela

SUDAM, continuam sendo espancados e assassinados no Mato Grosso e

Amazônia 145.

Casaldáliga em sua luta sempre foi solidário com os peões, nunca deixou de atendê-

los, em qualquer situação que estes trabalhadores enfrentavam. Ajudou-os a fugirem muitas vezes

dos pistoleiros e gatos, escondendo-os em sua própria casa. Sempre se indignou com a violência

para com esses trabalhadores.

Quando esses trabalhadores ficavam doentes eram levados para barracões dentro da

própria fazenda. Em geral tinha um auxiliar de enfermagem que fazia o atendimento médico.

Muitos peões morriam antes mesmo de chegar a esses locais ou quando chegavam nele como

relata o senhor Ismael:

144 Entrevista com I. S. realizada em maio de 2008 em são José do Xingu-MT. 145 Documento arquivo da Prelazia de São Felix do Araguaia – B-8.2.48, p. 02.

Page 142: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

141

É o hospital, era assim um barracãozão de palha de bananeira mesmo ai a gente

atava as redes ali quando adoecia, punha o soro ali. Tinha uns que escapava,

muitos morria também porque não sabia da qualidade da doença que estava

tratando. Uma injeção, quando aplicava era poucos que ficava vivo. Tinha

empreiteiro que não, quando começava a adoecer ele tirava pra longe, tirava

naquele tempo pra Porto Nacional. Ai outros não, ai melhora, dava um

remedinho, dava um comprimido ia piorando, quando pensava que não o

camarada morria. 146

As doenças com frequência eram a malária e acidentes com moto-serra. Algumas

vezes na derrubada das árvores os trabalhadores se acidentavam. Como as fazendas estavam

distantes das cidades, os fazendeiros improvisavam “hospitais” dentro da mata mesmo. O que

não atendia nas necessidades básicas dos trabalhadores e muitos morriam, por falta de

atendimento adequado.

4.4. As estratégias de sobrevivência e fugas dos peões

Para sobreviverem no interior da mata os peões desenvolveram estratégias diversas,

que construíram a partir da re-significação dos novos espaços de trabalho. Estas estratégias

individuais ou articuladas coletivamente, influenciaram e interferiram na história da exploração

dos trabalhadores no Araguaia. Essas estratégias apontam dimensões sociais das ações dos

indivíduos nas trajetórias de vida. Estes trabalhadores enfrentaram a violência, viveram incertezas

e realizaram escolhas, explorando as possibilidades de saírem da condição em que se

146 Entrevista com I. S. realizada em maio de 2008 em são José do Xingu-MT

Page 143: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

142

encontravam. Mesmo que para sobreviver fosse preciso aliar-se ao gato ou fazendeiro,

“falsificar” documentos para sair do cerco armado.

Fonte: Arquivo da Prelazia de São Félix do Araguaia

Esse documento, foi de um trabalhador da fazenda CODEARA que impedido de sair

do local onde trabalhava, encontrou meios para fugir, forjando uma autorização. Ele utilizou o

nome do gato para conseguir passar pela porteira da fazenda, que mantinha jagunços armados

para impedir que os peões saíssem do local de trabalho. Os peões relatam que alguns dos

jagunços também eram analfabetos. “[...] como ele não sabia ler, era só esperar o dia que ele

estava de guarda e entregar o papel que a gente saia. Teve um dia que um companheiro entregou

pro errado, ai ele foi pego” 147.

O senhor Celestino Pereira de Souza nos relata como aconteceu sua fuga de uma

fazenda em que estava trabalhando:

147 Entrevista realizada com E. F. R. em Confresa, setembro de 2005.

Page 144: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

143

Eu saí fugido das matas pra não morrer, pros pistoleiros não me matar, porque se

eu amanso, eles me matava. Quando eu ia levava aquele pacote de coisa, sempre

fui largadinho no mundo, mas nunca fiquei sem comer as coisas. Minha feirinha

né. E uns três metros de plástico, porque quando eu chegava no pantanal eu

botava aqueles trem todinho, botava a corda e botava no dente e ia nadando. Aí

um rapazinho chamou nós: - Piauí, vem cá. Era de São Felix, nós éramos

acostumados a brincar. Olha, dessa pista bem aí, lá na frente tem uns 40

quilômetros é 40 quilômetro de mata, só picadãozinho velho de picadeiro e, é daí

sai na Reunidas. Eu disse, vou encarar, topa Raimundo? Raimundo tinha uma

peixeirinha só e eu com um facão. Pode deixar comigo, pode deixar comigo! Nós

vamos se embora. Aí eu peguei aquelas coisas com tanta dó; panela novinha, tudo

[...] lima, facão, tudo, enxada, era uns 60 kg mesmo. O Raimundinho tinha

pouquinha coisa, só umas roupas e uma rede. Aí eu peguei e disse, pois é, falei

pro rapaz, ó você foi muito amigo porque eu ia sair na mata, eu ia cravar na mata,

cortar de onde o avião veio. Olha a idéia, passamos três dias pra sair cá na

Reunidas, no picadão. Eu ia cortar por onde o avião partiu, que largou nós, era ali

que eu ia, pegar a rota, era para sair para São Félix. Ia custar, ia passar era mês.

Aí eu joguei aqueles trem no mato e disse assim, toma conta pra tu rapaz, que me

ensinou aonde é que é. 148

Fugas assim, eram constantes nos locais de derrubada da mata. Muitos trabalhadores

eram capturados pelos gatos e seus capangas, sendo levados de volta para o local de trabalho. Os

depoentes relatam situações análogas ao que aconteceu com o senhor Celestino. Ele consegue

escapar desse cerco, mas retorna para outras fazendas de onde também fugiu. Ele destaca em seu

relato, que “já era largadinho no mundo”, ou seja, não era a primeira vez que fugia de uma

situação assim. Já andava com suas “tralhas”, roupas, comida, rede e ferramentas de trabalho,

pronto para escapar dessas armadilhas.

148 Entrevista com C. P. da S. realizada em julho de 2006 em Confresa.

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144

Segundo Guimarães Neto (2001, p. 21), “[...] os grupos sociais desterritorializados

aparecem fundando estratégias de ação frente aos limites socialmente impostos ou aos desmandos

dos grandes proprietários”. Esses peões são portadores de ações que os possibilitam sobreviver e

escapar da violência no interior das fazendas.

4.5. Os peões depois da “libertação”

José Francisco Rezende nasceu em Goiás, morou um período na Ilha do Bananal,

depois se mudou para Canabrava do Norte, trabalhou no Pará, de onde fugiu e fez a denúncia a

Prelazia de São Félix do Araguaia que encaminhou ao Grupo Móvel de Fiscalização na fazenda

Rio Cristalino. Atualmente mora em Canabrava do Norte.

Eu tava pra fora, cheguei ontem aqui, minha mãe de novo cheguei eu sou assim

o que é meu é meu, e o que não é não é, eu sou assim, pode ser um irmão meu se

ele roubar um milhão de reais eu sou assim, igual dizia minha mãe assim, graças

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145

a Deus. Minha mãe chorou mais meu avô e, eu com essa agora vou mexer só

com o gadinho deles, eu sou assim. Você viu homem honesto rico?

Os trabalhadores que são “resgatados” pelo Grupo Móvel de Fiscalização na maioria

das vezes não retornam para seu lugar de origem, pois voltar implica em ser considerado um

fracassado. Eles sentem vergonha do que passou e se encontram em precária situação econômica,

social e, sobretudo emocional, como aponta Figueira (2004, p. 292):

O trabalhador, não obtendo sucesso econômico no deslocamento, pela vergonha

do fracasso, pode não mais retornar nem manter contato com os familiares.

Voltar é, no caso, confirmar o insucesso. É desfazer o orgulho da partida, a

prova da coragem no empreendimento de uma viagem ao desconhecido: a

destruição de um sonho.

Os peões, ao relembrarem a sua triste história narram apenas alguns momentos, pois

muitos têm vergonha das humilhações que passaram, não gostam de falar dos momentos “feios” de

sua vida. Essas pessoas percorreram grandes distâncias à procura de um sonho e sobrevivem a todo

tipo de violência. Essas angústias aparecem em muitos relatos, como no descrito abaixo:

O que eu sinto pode passar 100 anos eu não esqueço não, é humilhante é

duro né, é ruim você dizer, eu vou embora e o cara dizer trabalha ou

apanha. E ser ameaçado, você trabalhar com uma arma apontada para

você e uma pessoa dizer que vai te bater se você não trabalhar, não

importa se você está doente149.

Os relatos de José Francisco Rezende são regados de muita emoção e indignação. Sua

experiência de vida é repleta de tensões vividas no espaço de trabalho e familiar, ele reconhece a

sua condição de peão e reclama por seus direitos. As humilhações por que passou estão presentes

constantemente em sua fala durante a entrevista, como também mostra as suas mãos cheias de

149 - entrevista realizada em Canabrava do Norte com o Sr. J. F. R. em Novembro de 2006.

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146

cicatrizes do trabalho pesado nas fazendas, e se indigna por não ter recebido o que lhe era de

direito quando trabalhou na fazenda Rio Cristalino no Pará.

A situação dos trabalhadores atualmente mudou um pouco no Araguaia, o que não

significa que melhoraram as condições de trabalho. Por um lado não há mais tantas fazendas com

grandes derrubadas de mata. Portanto, não há mais tantos peões como na década de 1970. Por

outro, estes trabalhadores saem para outros estados à procura de trabalho em fazendas. Sem

qualificação, são presas fáceis para os gatos. A atuação de agentes de fiscalização e as denúncias

feitas pelas organizações como CPT, Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e Prelazia de São Félix

do Araguaia, de certa forma tem contribuído para a desarticulação desse sistema de exploração

dos trabalhadores. O senhor Dijalmir ressalta que:

De certa forma mudou pra melhor, mas de certa forma ficou pior pra peonada,

porque teve uma fazenda ai, que peão saiu, fez denúncia da fazenda, essa fazenda

tava com regime de trabalho escravo, aí marcaram o homem que trabalhava na

fazenda, aí marcaram o filho dele também com marca de gado, foi! Aí a coisa

ficou séria, aí esse homem saiu e deu parte pra policia. Aí veio aquelas [...] que

fala, que vem ministério do trabalho, vem policia federal, vem tanta coisa junto.

Ai chegaram na fazenda lá e descobriu mesmo, que tinha o trabalho escravo,

entendeu?

O Governo Federal tem implementado algumas ações para combater o trabalho

escravo contemporâneo. Podemos destacar a ação do Grupo Móvel de Fiscalização, Plano

Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, o cadastro de propriedades onde tenha acontecido

trabalho escravo a “lista suja”, decisão do Supremo Tribunal de Justiça reconhecendo a

competência da Justiça Federal para processar julgar e condenar o crime de trabalho escravo, a

alteração do Artigo 149 do Código Penal e a liberação de Seguro Desemprego para trabalhadores

libertados do trabalho escravo. No Araguaia no ano de 2006, houve algumas ações mais

Page 148: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

147

especificas como a sentença do Juiz da Vara do Trabalho de São Félix do Araguaia, condenando

os donos das fazendas São Pedro, em Vila Rica e Destilaria Gameleira em Confresa, a pagarem

indenizações por dano moral. O Programa Balcão de Direitos Humanos ligado à Secretaria

Especial de Direitos Humanos, Coordenado pela Prelazia de São Felix do Araguaia também tem

agido em defesa dos trabalhadores.

No entanto, os trabalhadores depois de “resgatados” das fazendas, possivelmente

irão para outras, pois não possuem qualificação e essas políticas governamentais ainda são

precárias, não atendendo às necessidades reais dos trabalhadores. Como destacou Moraes (2006,

p. 127):

Mas não bastam essas ações. É preciso que haja esforço concentrado e

articulado do estado em todos os Poderes e esferas e, em especial do governo.

[...] É preciso que o Poder Judiciário assuma sua responsabilidade no tocante à

impunidade, fazendo caminhar os processos para que os autores do crime de

trabalho escravo sejam julgados e condenados e punidos.

Page 149: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

148

Considerações finais

Neste trabalho, enfocamos a trajetória de vida dos trabalhadores das agropecuárias do

Araguaia, os peões, procurando compreender as relações sociais de produção nas quais eles estão

inseridos.

A pesquisa utilizou um conjunto de fontes, constituído de relatos, depoimentos e

histórias de vidas de trabalhadores de vários estados do país que migraram para Mato Grosso.

Através dessas fontes documentais (relatórios, cartas, bilhetes e entrevistas) foi possível

reconstruir parte da história destes trabalhadores que sofreram diferentes tipos de exploração e

violência no trabalho. As fontes escritas são quase todas do Acervo da Prelazia de São Félix do

Araguaia.

Esta pesquisa, e a leitura de autores de outras áreas do conhecimento, mostraram que,

no campo da história, o estudo sobre o trabalho escravo contemporâneo precisa avançar mais,

produzir novos deslocamentos historiográficos que possibilitem uma maior compreensão desse

fenômeno que ocorre com relativa freqüência e intensidade nas áreas de abertura na fronteira

amazônica.

Trabalhar com as histórias destes trabalhadores, os peões, nos possibilitou mergulhar

em um mundo de violência e exploração. Estes trabalhadores desenvolvem diferentes estratégias

para sobreviver no interior das fazendas, assim como para fugir quando isto é possível. A

pesquisa e as leituras mostraram que esses trabalhadores não podem ser trados apenas como

vítimas. Eles são sujeitos capazes de atitudes que revelam sua inconformidade com as relações

sociais de produção às quais estão submetidos, e a capacidade de reagir mesmo quando parece

Page 150: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

149

que não tem possibilidade alguma. Fugir não é apenas uma ação isolada, mas faz parte de um

conjunto de ações e de sujeitos que estão evolvidos na sua concretização.

As nossas análises buscaram evidenciar as novas configurações dos espaços sociais

que vão se formando a partir da década de 1970 no Araguaia. As políticas públicas estimularam e

impulsionaram o processo de (re) ocupação da Amazônia. Esse modelo de (re) ocupação

desconsiderou as especificidades das populações locais, como posseiros, índios e pequenos

agricultores, os quais tinham uma organização baseada no trabalho e organização familiar. As

políticas dos órgãos públicos não favoreceram a ocupação da terra pelos migrantes pobres que

chegavam de diferentes localidades do país. (Souza, 2007).

Com base na pesquisa empírica destacamos a importância de compreender a re-

configuração dos espaços sociais no Araguaia e as novas relações no mundo do trabalho que vão

se constituindo nesse espaço.

Entretanto, foram os relatos orais, colhidos através de entrevistas, que permitiram

uma análise que evidenciou as trajetórias desses trabalhadores. Os relatos explicitaram as

estratégias criadas pelos trabalhadores para sobreviver na mata. Essas espertezas se expressam

nas diferentes formas de fugir do gato, burlar os vigias nas guaritas das fazendas ou mesmo

aproveitar as oportunidades para fugir do confinamento ou aprisionamento.

Esses trabalhadores (os peões) estão em constante deslocamento no território

amazônico. Eles enfrentaram em suas trajetórias diferentes formas de exploração e violência.

Compreender a trajetória desses trabalhadores, migrantes pobres que saíram à procura de

melhores condições de vida nos colocou em contato com um mundo de violência, mas também

de sonhos e esperanças, na maioria das vezes não realizadas, ou irrealizáveis. Porém, essas

pessoas também participaram da construção da história do Araguaia.

Page 151: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

150

É importante observar, nos relatos que rememoram a chegada às fazendas, as fugas,

que reforçam a busca pela realização de um sonho. Para alguns o sonho é ter comida em

abundância, ou um trabalho certo com um salário decente. Esses trabalhadores estão sempre à

procura de lugares que lhes ofereçam uma melhoria de vida, de ganhar algum dinheiro para

poderem voltar para a família. Porém, muitos nunca voltam, pois não acumulam nada, como

haviam planejado quando migraram. E voltar pobre, sem dinheiro é vergonhoso, é reconhecer o

fracasso.

Reconstruir a trajetória de vida desses trabalhadores através de suas narrativas nos

permitiu a leitura de uma história, que ainda está por ser escrita, de centenas de mulheres e

homens que transitaram e transitam no Araguaia. Uma história que é marcada pela exploração e

pela violência, na luta pela terra, por condições de trabalho decentes, pela procura de melhoria de

vida, pela conquista da dignidade humana.

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Jornais

Alvorada

Boletim informativo da CPT

Boletim informativo da ANAMATRA

O diário de Cuiabá

Vídeos

Aprisionamento por promessas

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Escravo nem pensar

Correntes

Tabuleiro de cana xadrez de cativeiro

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www.alternex.com.br/~prelazia

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Arquivos consultados

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Arquivo Público de Mato Grosso

Arquivo da Prelazia de São Félix do Araguaia

Arquivo da CPT Nacional

Arquivo da CPT Regional Araguaia/Tocantins – Porto Alegre do Norte

Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica

Page 162: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

161

Arquivo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Confresa

Relação dos peões entrevistados

Entrevista 01

Eurípides Florenço Roxo, nascido em 1945, Cristalândia Tocantins. Veio para Santa Terezinha-

MT com sua família em 1969, uma das primeiras fazendas que trabalhou foi a Codeara,

localizada no município de Santa Terezinha . Entrevista Realiza em Confresa, setembro de 2005.

Entrevista 02

Celestino Pereira de Souza, nascido em 1944, Teresina Piauí. Veio para trabalhar nas fazendas de

Mato Grosso em 1968, trabalhou inicialmente na Fazenda Suiá Missú, localizada no Município

de São Félix do Araguaia, depois trabalhou em várias outras fazendas no Araguaia. Entrevista

realizada em Confresa, Julho de 2006.

Entrevista 03

Francisco Rezende de Souza nasceu em 1962, Pium Tocantins, chegou a Canabrava do Norte em

1979. Na década de 1990, foi trabalhar nas fazendas no sul do Pará. Entrevista realizada em

Canabrava do Norte, setembro de 2006.

Entrevista 04

Ismael Silva nasceu em 1950, Guairá São Paulo, mas mudou-se ainda criança para Correntina na

Bahia. Veio para Mato Grosso em 1972 e foi trabalhar em fazendas em São José do Xingu.

Entrevista realizada em São José do Xingu, maio de 2008.

Entrevista 05

Raimundo Lustosa nasceu em 1940, no Piauí chegou a Mato Grosso em 1970 para trabalhar em

fazendas em São José do Xingu. Entrevista realizada em São José do Xingu, maio de 2008

Entrevista 06

Dijalmir da Silva Bernades nasceu em 1959, Campinopolis Minas Gerais chegou a Mato Grosso

em 1975 para trabalhar em fazendas em São José do Xingu. Entrevista realizada em São José do

Xingu, maio de 2008.

Page 163: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

162

Anexo 01

Projetos de agropecuárias aprovados pela SUDAM no Araguaia Mato-grossense

Nome da Fazenda Área aproximada – m hectares

Incentivos Ficais –Cr$

Agropecuária Suiá-Missu 695.843 7.878,000 Agropecuária do Araguaia – AGROPASA 48.165 7.122,208 Agropecuária São Francisco do Xingu 21.000 3.921,364 Agropecuária Guanabara 25.800 4.398,889 Agropecuária São José 19.915 4.960,318 Agropecuária santa Rosa 19.360 3.968,033 Agro-Pastoril Nova Patrocínio (fazenda Portal Da Amazônia)

26.817 3.083, 467

Agropecuária Tapirapé 27.614 3.109,694 Agropecuária Foltran 13.741 3.309,720 Agropecuária Três Maria 20.000 3.505.768 Agropecuária Duas Âncoras 23.005 4.191,575 Agropecuária 7 se setembro Ltda 18.582 2.025,620 Agropecuária Médio Araguaia – AGROPEMA 11.370 4.288,877 Agropecuária Alvorada Mato Grosso – APEME 29.703 4.332,496 Agropecuária Santa Silvia 35.574 3.028,000 Agropecuária Califórnia Comércio e Industria AGROINSA

29.831 3.142.165

Agropecuária Duas Pontas ------- 812,719 Agropecuária Nova Amazônica – FRENOVA ------- 4.872,318 Agropecuária Cocal ------- 4.235,909 Agropecuária Tamakavy 24.999 5.144,623 Agropecuária Roncador 24.251 5.369,188 Agropecuária Colorado 5.413 1.526,140 Agropecuária São João da Liberdade ------- 6.213,140 Agropecuária Rio Manso ----- 2.307,809 Agropecuária Tatuibi 19.936 5.973,970 Agropecuária Campo Verde 64.819 6.565,129 Agropecuária Bela Vista 36.125 4.390,924 Agropecuária Remanso Açu ------- 2.989,015 Buritizal Agropecuária 30.621 3.939,638 Cia de desenvolvimento do Araguaia – CODEARA 129.497 16.066,900 Colonização e Representação do Brasil COREBRASA

52.272 3.130,000

Cia Agro-Pastoril Sul da Amazônia 24.200 4.288,877 Cia desenvolvimento Agropecuário de Mato Grosso

26.824 2.342.725

Cuaruá 9.455 1.432,528 Cia Agrícola e Pastoril São Judas Tadeu ------ 5.955, 380

Page 164: Dissertacao Maria Apda Martins Souza Historia UFMT

163

Companhia Agropecuária Sete Barras 19.360 6.320.477 Cia. de Desenvolvimento Garapu – CODESGA 9.000 3.207.265 Cia Agro-Pastoril Aruanã - CIAGRA ------ 5.975, 784 Colonizadora e Representações Brasileiras COLBRASA

24.969 6.774,833

Empresa Agropecuária Ema 8.952 1.514,838 Elagro Pecuária 29.466 6.459,426 Fazenda Tanguru 35.562 2.149.072 Fazenda Nova Viena 29.503 4.718.377 Fazenda Nova Quênia -------- 2.115,148 Fazenda Associadas do Araguaia – FAASA 10.000 1.413,188 Independência Agropecuária ------- 1.460,546 Joaçaba Agropecuária 9.744 1.417,255 Noideri Agropecuária ------- 2.66,771 Nativa Agropecuária ------- 1.593.654 Norte Pastoril Mato-Grossense ------- 5.881,454 Paubrelândia Agro-Pastoril do Brasil Central ------ 1.913.721 Pastoral Agropecuária Couto Magalhães 50.176 2.451,662 Porto Velho Agropecuária 49.994 6.193,496 Rancho Santo Antônio 21.780 4.788,884 Rio Fantoura Agropecuária 14.864 3.754,920 Santa Luiza Agropecuária 4.930 1.959,037 Sociedade Agropecuária Vale do Araguaia – SAPEVA

72.567 6.208,686

Sociedades Agropecuária Brasil Central 31.110 3.729,142 Tabaju Agropecuária 19.931 3.019,474 Tapiraguaia Agrícola e Pecuária 21.923 2.519,404 Tracajá Agropecuária 29.880 3.798,133 Urupiranga Agropecuária 50. 468 6.573,321 Total 2.166.189 261.647,972 Fonte: SUDAM, In. SOARES, 2004.