dissertaÇÃo inaugural...escola medico-cirurgic do port ao director dr. antonijoaquio m de moraes...

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BREYE ESTUDO SOBRE ETIOLOGIA E PROPHYLAXIA DO PALUDISMO DISSERTAÇÃO INAUGURAL APRESENTADA A ESCOLA MEDICO-CIRURGIC A DO PORTO cyt<viÍG~>viÍG- JLauzopia &£/i as <—JQJ—* J PORTO JYP. DE A F- yASCONCELLOS, SUCCE 3SORES 51 Rua de Sá Noronha 59 JVÒ/C ....... 1901

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B R E Y E ESTUDO SOBRE

ETIOLOGIA E PROPHYLAXIA

DO

PALUDISMO DISSERTAÇÃO INAUGURAL

APRESENTADA A

E S C O L A M E D I C O - C I R U R G I C A DO P O R T O

cyt<viÍG~>viÍG- JLauzopia &£/i as

<—JQJ—*

J P O R T O

JYP . DE A F- yASCONCELLOS, SUCCE 3SORES

51 Rua de Sá Noronha 59

JVÒ/C .......

1901

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ESCOLA MEDICO-CIRURGICA DO PORTO D I R E C T O R

DR. A N T O N I O J O A Q U I M DE MORAES C A L D A S

LENTE SECRETARIO

Cfemenfe (Joaquim dos Santos pinio ^=1:11111^=

C o r p o C a t h e d r a t i c o

Lentes Cathedratlcos

1." Cadeira —Anatomia descripti­v e geral Carlos Alberto de Lima.

Cadeira— Physiologia . . . Antonio Placido da Costa. 3." Cadeira—Historia natural dos

medicamentos e materia me­dica Illydio Ayres Pereira do Valle.

4." Cadeira — Pathologia externa e therapeutica externa . . Antonio Joaquim de Moraes Caldas.

5." Cadeira—Medicina operatória, clemente J. dos Santos Pinto. 6." Cadeira—Partos, doenças das

mulheres de parto e dos re-eem-nascidos Cândido Augusto Corrêa de Pinho.

7.a Cadeira — Pathologia interna e therapeutica interna . . Antonio d'Oliveira Monteiro.

8.a Cadeira —Clinica medica . . Antonio d'Azevedo Maia. 9." Cadeira —Clinica cirúrgica . Uouerto B. do Rosário Frias.

10.a Cadeira —Anatomia patholo-gica Augusto H. d'Almeida Brandão.

11." Cadeira — Medicina legal . . Maximiano A. d'Oliveira Lemos. 12." Cadeira—Pathologia geral, se- *

meiologia e historia medica. Alberto Pereira Pinto d'Aguiar. 13." Cadeira — Hygiene . . . . Joào Lopes da S. Martins Junior. Pharmacia Nuno Freire Dias Salgueiro.

Lentes jubilados „ - .. ) José d'Andrade Gramaxo. Secção medica ' Dr. José Carlos Lopes. ,, \ Pedro Augusto Dias. Secção cirúrgica -, , .7 , . . . . „ , I Dr. Agostinho Antonio do Souto.

Lentes substitutos „ . , . \ José Dias d'Almeida Junior Secção medica i _

! vaga. „ „ - „ . . | Luiz de Freitas Viegas. Secção cirúrgica ™

Lente demonstrador Secção cirúrgica Yaga.

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A Escola não responde pelas doutrinas expendidas na dissertação « enunciadas nas proposições.

CHfgulamento da Escola, de 23 d'abril de 1840, artigo 155.»)

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d mens /paes pc

O prazer que sinto ao olTerecer-vos este meu trabalho final é tão grande como a de­dicação e o amor com que sempre me ani­mastes no conseguimento das minhas aspira­ções que também eram as vossas.

Tudo quanto sou a vós o devo, pelo que a minha gratidão não tem limites.

â vonre œtâti

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A' MEMORIA

MEUS QUERIDOS IRMÃOS

'ose

ítzs&eeLínha,

Saudade infinda.

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A meus parentes

meus amigos

meus. condiscípulos

Cl l'odoi «it befceia.vicc' e&p&ciali&cxt.

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fí fx.r ^NR.

JJ. èimelinda deleita QJoauô de S'iqueitedo

A O E X . " " ' S N R ,

çS/acivJáa de Ó^iauci/ttdo

E SUA El" ' a FAMÍLIA

E' como prova de intima amisade, e náo como recompensa das muitas finejas de que vos sou devedor, que vos offereço o meu humilde trabalho.

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AO MEU DIGNÍSSIMO PRESIDENTE

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jCovuenagem ao í>e­u ta tento excedente ca iao tu .

Cio i i t t t y t r e corpo docente

DA

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A nossa qualidade de aspirante a facultativo do ultramar justifica sobejamente o interesse que o es­tudo da etiologia e prophylaxia do paludismo nos despertou, e a preferencia que nos mereceu na es­colha de thema para a these inaugural. Conhecer bem os meios de combate mais efficazes contra à infecção palustre, pareceu-nos de primeira necessi­dade antes de desembarcar em terras africanas.

Mas, escrevendo a these, cumprimos uma obri­gação que a lei nos impõe e a que nos podemos subtrahir; tanto basta para merecermos a benevo­lência do nosso illustre Jury que demasiadamente conhece a insignificância do tempo que os trabalhos escolares permittem economisar para tratar d'esté assumpto que exigia um trabalho aturadissimo e uma longa pratica.

Proseguir n'este estudo, agora apenas encetado, é nossa tenção, e ella nos desculpará as faltas que a precipitação nos fez commetter.

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HISTORIA

O paludismo é de todas as doenças inficiosas a mais espalhada á superficie do globo. Podendo tomar varias formas: febres intermittentes, remit-tentes, continuas, larvadas, perniciosas e cachexia, o paludismo é uno na sua etiologia, sempre occa-sionado pela penetração no sangue d'um mesmo parasita animal, d'um protozoário que Laveran descobriu e a que chamou hematozoario.

A historia do paludismo é tão antiga como a da medicina. A sua predilecção pelos logares pantano­sos não escapou á observação de nenhum medico, julgando-se por muito tempo que fosse devido a uma intoxicação pelos miasmas emanados dos pân­tanos, d'onde o dar-se-lhe o nome de malaria, ma-la-aria. Mas a acção toxica dos gazes dos pântanos não explicava a série de symptomas que impropria­mente se lhes queriam attribuir; o mais nocivo, o hydrogenio sulfurado, só produz accidentes que

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nada teem de semelhante com as febres intermit­tentes. A theoria dos miasmas foi posta de parte e substituida pela da penetração no sangue de peque­nos seres vivos. Vários auctores a sustentaram.

Salisbury, em 1868, julgou encontrar a causa do paludismo n'uma alga, pertencente ás palmelladas, por elle descoberta nos escarros, na urina e no suor dos febricitantes. Eklund, em 1878, attribuiu os accidentes do paludismo a um cogumello ao qual deu o nome de Limnophysalis hyalina. No anno seguinte, em 1879, Tommasi Grudeli diz ter reco­nhecido o parasita do paludismo n'um bacillo me­dindo 4 a 6 \>. e a que chamou bacillus mala-riae. Mas não coube a Salisbury, nem a Eklund, nem a Tommasi Crudeli, nem a muitos outros que se occuparam de egual estudo, a honra de desco­brir o verdadeiro parasita do paludismo ; essa glo­ria pertenceu a Laveran que, em 1880, se immor-talisou na descripção do seu hematozoario..

A descoberta de Laveran é hoje plenamente acceite, e ninguém duvida que a causa do paludis­mo reside no protozoário por elle encontrado no sangue dos individuos atacados de febres. Mas para se tornar verdadeiramente util, a preciosa desco­berta de Laveran necessitava ser completada; era forçoso conhecer a vida do hematozoario fora do organismo humano e o caminho que seguia para n'elle penetrar ; sem isso ficaria estéril, sob o ponto de vista prophylatico, todo o trabalho do insigne professor. Mas a obra de Laveran foi continuada.

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Danilewsky, Sakharoff, Grassi, Mac-Callum, Manson, Bignami, Koch, etc., deram-nos a conhe­cer a estructura e a natureza dos flagellos, e mos-traram-nos a significação até alii tão mysteriosa dos corpos em crescente.

Ronald Ross, Grassi, Bignami, Bastianelli, etc., descobriram o hematozoario no corpo do mosquito, provaram que é este insecto o seu hospede habitual e que elle, e só elle, quer directa ou indirectamente, nos pôde transmittir as febres.

O trabalho de todos estes auctores veio lançar jorros de luz na prophylaxia palustre que jazia na obscuridade e na incerteza, e traçar as suas indica­ções que até esta epocha dependiam do capricho (poderemos assim dizer) de cada hygienista.

D'ora avante, o paludismo, esse inimigo da co-lonisação nos paizes intertropicaes, esse terrivel fla-gello que annualmente tem feito milhares de victi-mas, será facilmente evitável; para isso, bastará pôrmo-nos ao abrigo dos mosquitos, destruil-os e afugental-os.

A prophylaxia palustre é agora tão simples como racional, tão fácil como efficaz.

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Primeira Parte

ETIOLOGIA

Descripção do hematozoario de Laveran

O hematozoario palustre apresenta-se no san­gue sob formas muito variadas que Laveran, para maior facilidade de estudo, refere, no seu Traité da paludisme, de 1898, a três typos principaes que resumidamente vamos descrever.

i.° Corpos amiboides. — Encontram-se no san­gue, umas vezes livres, outras adhérentes aos glo* bulos rubros e a tal ponto fixos que Marchiafava os crê inclusos no próprio glóbulo. Cada glóbulo pôde conter um, dois, três ou mais corpos amiboi­des. São constituidos por uma massa hyalina trans­parente e teem de diâmetro os mais pequenos 1 «, podendo os maiores attingir ou mesmo ultrapassar o diâmetro das hemacias. Quando muito pequenos, ainda novos, são desprovidos de qualquer granulação pigmentar, mas á medida que o seu crescimento se

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réalisa, as granulações pigmentares apparecem e tornam-se cada vez mais numerosas, formando, umas vezes, uma coroa muito regular, tomando outras, uma disposição bastante irregular no inte­rior do hematozoario; estas granulações caracte­rísticas do paludismo apresentam frequentemente movimentos e constituem um producto de desassi-milação da hemoglobina, um excreto do parasita. Os corpos amiboides, adhérentes aos glóbulos ru­bros, vivem á custa d'elles, roubando-lhe a sua materia corante e acabando por os inutilisar. São dotados de movimentos amiboides. Possuem um núcleo posto em evidencia por Gras: i e Gelli, e o seu contorno é indicado por uma linha muito fina. É esta a forma mais frequentemente observada.

Multiplicam-se por gemmação e por segmenta­ção. Esta, muito interessante, effectua-se da seguinte forma : — o pigmento agglomera-se na parte central do corpo amiboide, n'este momento, muito augmen-tado de volume, ao mesmo tempo que dentaduras, separadas por sulcos, apparecem na sua peripheria, dando-lhe o aspecto d'uma rosacea ; os sulcos tor­nam-se cada vez mais profundos e conduzem por ultimo á divisão do corpo amiboide em vários se­gmentos alongados que seguidamente se arredon­dam formando novos corpos amiboides. As gra­nulações pigmentares, não tomam parte n'esta se­gmentação e ficam em liberdade no soro sanguíneo.

Segundo vários auetores, e em particular Golgi, a segmentação dos corpos amiboides só tem logar

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durante o accesso de febre, isto é, de três em três dias na febre quarta e de dois em dois na terçã.

2." Corpos em crescente. — Apresentam-se sob a forma de elementos cylindricos, medindo de com­primento 8 a 9 w, adelgaçados ou arredonda­dos nas extremidades e ordinariamente curvos em forma de crescente. São transparentes á execepção da parte central onde se vê uma mancha negra for­mada por granulações pigmentares agglomeradas. Reunindo as extremidades do crescente, vê-se uma linha tenue que Laveran julga ser o vestígio do glóbulo que serviu de hospede a este parasita du­rante o seu desenvolvimento. Não teem movimen­tos próprios.

Segundo Laveran e Mannaberg, os corpos em crescente são parasitas enkystados e, por conse­guinte, elementos de resistência. Examinados ao microscópio n'uma gotta de sangue, pouco tempo depois da sua extracção dos vasos, nota-se que se transformam em corpos ovóides e seguidamente em corpos esphericos; alguns d'estes emittem flagellos, exactamente como os corpos amiboides.

3.° Flagellos. — São filamentos extremamente delgados e transparentes, cujo comprimento oscilla entre 20 e 3o y.. Tomam origem no interior de corpos amiboides, ou de corpos esphericos deri­vados dos crescentes. Examinando ao microscópio o sangue, immediatamente depois da sua sahida

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dos vasos, nota-se que os flagellos, dois ou très mi­nutos depois, rompem o envolucro dos corpos ami-boides ou esphericos, apparecendo no exterior, mas ficando ainda, durante um certo tempo, fixos a estes corpos por uma das extremidades adelgaçada. A outra extremidade é livre e dilatada. A' semelhan­ça de pequenas enguias, presas pela extremidade caudal e procurando libertar-se, os flagellos são do­tados de movimentos muito vivos e rápidos, por meio dos quaes fazem oscillar os glóbulos rubros visinhos; são estes movimentos que os tornam fa­cilmente visiveis. O numero de filamentos fixos a cada corpo varia entre um e dez, ou ainda mais; a sua distribuição também nada tem de regular. Passado um certo tempo, os flagellos destacam-se dos corpos d'onde sahiram e por meio dos seus movimentos muito rápidos deslocam-se no campo do microscópio, desapparecendo depressa; a sua transparência não os permitte seguir. E1 evidente que cada um d'elles tem vida propria (Laveran).

Os corpos d'onde provieram os flagellos tomam immediatamente as formas cadavéricas.

São ainda muito incompletos os conhecimentos que possuímos sobre o destino dos flagellos em se­guida á sua libertação.

Os flagellos do hematozoario das aves, muito semelhante ao de Laveran, teem sido o objecto de muitos trabalhos de vários auctores, entre os quaes cumpre citar Sakharoff e Mac-Callum. Vamos re-ferir-nos ás descobertas d'estes investigadores so-

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bre o hematozoario das aves, porque nos podem elucidar, ou pelo menos dirigir, no caminho a se­guir no estudo da natureza e funcçáo dos flagellos do hematozoario de Laveran. O aspecto do hema­tozoario endoglobular das aves é muito semelhante ao de Laveran; como este ultimo, liberta-se e toma a forma espherica antes de emittic flagellos.

Em preparações feitas com sangue d'aves, Sakha-roff viu que a massa chromatica central do parasita se fragmentava n'um certo numero de partes que tomavam a forma de bastonetes. Cada uma d'estas partes se alongava e fazia saliência á superficie da massa espherica constituindo os flagellos. Estes são pois formados quasi só por chromatina.

A constituição chromatica e a mobilidade d'es-tes flagellos leva a crer que sejam elementos mas­culinos (F. Mesnil, Revue générale des sciencies, i5 avril de 1899). Pesquizas posteriores ás de Sakha-roff e realisadas por Manson, Bignami e Koch pro­varam que os flagellos do hematozoario de Lave­ran são unicamente formados também por chroma­tina.

Estudando o Halteridium do corvo, Mac-Callum distingue n'elle duas categorias: uns com o aspecto granuloso e tomando facilmente as cores básicas da anilina; outros de aspecto transparente e dirficil-mente coráveis. Os elementos transparentes dão origem a flagellos que seguidamente se libertam para ir ao encontro dos elementos granulosus, nos quaes penetram pouco depois. Os corpos granulo-

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sos seriam pois elementos femininos, susceptíveis de serem fecundados por elementos cuja estructura chromatica e mobilidade faziam considerar já an­tes como elementos masculinos. Marchoux, relativa- ' mente ao Halteridium do pombo, e Koch ao Pro-teosoma > dos pardaes, observaram o mesmo que Mac-Callum.

Depois d'isto, Mac-Gallum examinando o sangue d'uma mulher com numerosos crescentes, viu que elles se transformavam em corpos esphericos, dos quaes uns davam flagellos que iam fecundar os ou­tros que, ]i anteriormente, se distinguiam dos pri­meiros por uma certa disposição do pigmento.

D'estas observações, infelizmente muito poucas^ é racional concluir-se que os flagellos são elemen­tos masculinos destinados a fecundar os elementos femininos representados por certos corpos espheri­cos;, Esta fecundação não se effectua no organismo humano, visto que os flagellos só sahem dos corpos esphericos depois do sangue ser extrahido dos va­sos. A fecundação realisa-se no corpo do mosquito, como adeante veremos.

Além dos corpos amiboides, corpos em cres­cente e flagellos, encontram-se também no sangue dos indivíduos atacados de paludismo leucocytes melaniferos (leucocytes carregados de granulações pigmentares que apprehenderam no seu trabalho phagocytario), distinguindo-se dos hematozoarios pela facilidade com que os seus núcleos se deixam penetrar pelo carmim.

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■ < Laveran prova^nos: ■,,• .> ­ <" i.° Que o hematozoario por elle encontrado no

sangue e cujas formas acabamos de descrever é na realidade a causa do paludismo. ..*■...

2.° Que todas as formas clinicas do paludismo reconhecem como causa o mesmo parasita; que o hematozoario é uno, não sendo as différentes for­

mas observadas mais que phases diversas da sua evolução.

3." Que o seu hematozoario é pathogenico sim­

plesmente para o homem; as inoculações nos diver­

sos animaes deram sempre resultado negativo.

0 hematozoario fora do organismo humano

O paludismo não é doença contagiosa, isto é, que se possa transmittir d'um individuo a outro pelo simples contacto; uma localidade pantanosa pôde por muito tempo reter em si, mesmo depois de abandonada, o gérmen das febres. E' pois evi­

dente que o hematozoario de Laveran encontra fora do organismo humano condições proprias á sua vida e proliferação. Mas qual o meio que reúne estas condições ?

Desde 1880, epocha em que descobriu o he­

matozoario, Laveran e outros fazem convergir a maior parte dos seus trabalhos para o estudo

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d'esta importante questão e reconhecem em breve que o hematozoario se não pôde cultivar nos nos­sos meios artificiaes e que egualmente se não des­envolve no corpo dos animaes do laboratório. Tam­bém em vão o procuram no meio exterior; nenhu­ma das formas que se observa no sangue foi en­contrada, quer na agua, no solo, ou ainda no ar. Comtudo comprehende-se bem a importância que teria a solução de tal questão ; sem o conhecimento perfeito da vida exterior do parasita das febres e da via que elle segue para penetrar no nosso orga­nismo, era impossivel descobrir uma propbylaxia racional do paludismo.

Laveran, impressionado pela abundância dos mosquitos nas localidades palustres e fundando-se n'uma série de factos, que apresentaremos no capi­tulo «Infecção pelos mosquitos», conclue em 1884 que o seu hematozoario, á semelhança da filaria, se devia encontrar fora do organismo humano no estado de parasita do mosquito. A conclusão a que Laveran chegou foi plenamente confirmada pelas pesquizas de Bignami, Bastianelli, Manson e sobre­tudo Ronald Ross. São os trabalhos d'esté ultimo que vamos resumir.

Ross fez picar por mosquitos indivíduos doen­tes, no sangue dos quaes elle tinha encontrado em grande quantidade o agente palustre sob a forma de crescentes, e notou que estes crescentes, se transformavam, no corpo dos mosquitos, cm cor­pos esphericos, depois do que davam rapidamente

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origem a uma quantidade de flagellos muito supe­rior á que dariam no meio exterior ; verificou tam­bém que em todo o tubo intestinal dos mosquitos sustentados de sangue palustre appareciam elemen­tos arredondados e pigmentados, distinctes das cel-lulas epitheliaes. Estes elementos cujas dimensões augmentam progressivamente até attingirem 25 p. depois d'uma semana, nunca foram encontrados em mosquitos que não tivessem sugado sangue palustre ; devem pois ser considerados como phases de evo­lução do hematozoario.

Não podendo levar mais longe as suas investi­gações sobre o paludismo humano, Ross procura estudar a evolução do hematozoario endoglobular das aves, descoberto por Danilewsky, e ainda co­nhecido pelo nome de Proteosoma, no corpo d'um mosquito cinzento, que Grassi suppôe ser o Culex Pipiais. As analogias entre o hematozoario de La-veran e o Proteosoma são tão grandes, que fazem suppôr que as leis que regem a evolução e transfor­mação d'estes parasitas devem ser quasi idênticas. Por isso, vamos occupar-nos das observações de Ross, relativas ao hematozoario das aves.

Ross constatou que nas paredes do intestino dos mosquitos, tendo ficado aves infectadas pelo Pro­teosoma, existem quasi sempre elementos pigmenta­dos, caracteristicos e que faltam por completo nos mosquitos sustentados d'aves sãs. Os elementos pi­gmentados, muito pequenos em principio, crescem progressivamente, attingindo o seu diâmetro 6 \L

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24 horas depois'da absorpção do sangue palus­tre; á medida que o seu diâmetro augmenta,, o pigmento tende a diminuir. Na índia, esta evolução dura 6 ou 7 dias na estação quente, e i semanas ou mais, na estação fria; finda ella, os elementos pi­gmentados, esphericos, teem attingido 6o p-de diâ­metro e perdido todo o pigmento.

Chegados ao desenvolvimento completo, estes grandes elementos esphericos fazem saliência á su­perficie externa do intestino, na cavidade do corpo do insecto onde se tornam livres e onde dão origem a duas espécies de elementos:

i.° Filamentos germens, germinal threads, pe­quenos filamentos, muito delgados, terminados em ponta nas duas extremidades e medindo de compri­mento 12 a 16 p.;

2.° Esporos negros, black spores, elementos mais largos que os precedentes, cor escura, guar­necidos d'um envolucro resistente e possuindo uma curvatura variável.

Os filamentos germens espalham-se no corpo do insecto, inclusivamente nas glândulas venimo-sali-vares, cujo canal excretor termina na base d'alguns estyletes da trompa ; d'esta forma, comprehende-se facilmente como elles podem ser inoculados a aves sãs no momento da picada. Entre outras, a se­guinte experiência de Ross não deixa duvida algu­ma sobre a realidade d'esta inoculação. Ross expõe, durante uma noute, 28 pardaes sãos, sem hemato-zoarios, ás picadas de mosquitos previamente ali-

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mentados de aves doentes ; vinte e dois d'estes adoe­ceram e apresentaram o hematozoario no sangue depois de um período de incubação de 5 a 8 dias; dos seis restantes, um foi ainda infectado depois de exposto segunda vez aos mosquitos.

Outros pardaes, sãos, conservados também no laboratório, mas ao abrigo dos mosquitos, nunca apresentaram o hematozoario no sangue.

A natureza dos esporos negros ainda não é bem conhecida; comtudo sabe-se que estes elementos podem conservar-se durante muito tempo sem se alterarem, no corpo dos mosquitos e na agua. Man-son e Ross julgam que os esporos negros consti­tuem elementos de resistência destinados a infectar as aves depois de estacionarem algum tempo na agua e receberem a acção dos raios solares. Para alguns, os esporos negros amadureceriam no corpo do mosquito adulto, originando filamentos germens e novos esporos negros; o cyclo evolutivo do he­matozoario poderia pois completar-se no mosquito sem passagem pela ave.

Ross não poude levar tão longe os seus estudos sobre o hematozoario humano; porém, se attender-mos ás analogias que existem entre os dois parasitas, devemos crer que a sua evolução no corpo do mos­quito não deve ser muito diversa d'aquella que per­corre o Proteosoma. Como já dissemos, Ross ob­servou corpos pigmentados no intestino de mosqui­tos sustentados de sangue palustre humano, á seme­lhança d'aquelles que encontrou nos mosquitos tendo

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picado aves infectadas de Proteosoma. Bignami e Bastianelli confirmaram esta ultima observação de Ross e viram também os corpos pigmentados do hematozoario humano produzirem filamentos ger­mens e esporos negros.

Do que acabamos de dizer podemos tirar as se­guintes conclusões:

i.° O hematozoario de Laveran vive como pa­rasita no corpo do mosquito, onde percorre umas certas phases evolutivas que lhe asseguram a con­servação da espécie;

2.° O hematozoario pôde ser transmittido ao homem pelas picadas dos mosquitos.

Como se contrahe o paludismo

Infecção pelo ar

A inspiração do ar palustre foi considerada por todos os auctores, até estes últimos annos, como sendo o modo mais frequente, ou mesmo o único, de se contratarem as febres, d'onde o nome mala­ria, mala-aria.

Citavam-se em seu apoio exemplos de indiví­duos serem accommettidos pelas febres depois de atra­vessarem uma região pantanosa sem que ahi tives­sem bebido agua ou tomado outro qualquer alimen-

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to. Claro está, que taes factos incontestáveis, impu­nham ao espirito a hypothèse da transmissão pelo ar. Comtudo, esta hypothèse está hoje quasi com­pletamente abandonada, em virtude das descobertas de Ross, Bignami, Bastianelli e outros sobre a vida parasitaria do hematozoario de Laveran no corpo do mosquito.

A infecção realisa-se, senão sempre, pelo menos a maior parte das vezes, por intermédio da picada d'esté insecto; d'esta forma se explica como um individuo, na sua simples passagem junto a um pântano, mas sem se resguardar dos mosquitos, pôde ser atacado pelas febres.

A infecção pelo ar deve ser considerada como muito difficil, ou talvez mesmo impossível. E1 fre­quente encontrarem-se localidades salubres junto a pântanos, ainda os mais perigosos, apesar das suas emanações serem constantemente para lá arrastadas pelos ventos.

A cidade de Roma é saudável não obstante ser cercada por todos os lados de terrenos pantanosos ; os seus habitantes só podem contrahir o paludismo quando transpõem as portas, o que não succederia se os ventos podessem levar comsigo o gérmen do paludismo. Nas regiões mais insalubres do globo, os marinheiros são poupados pelas febres desde que se conservem nos seus navios, ainda mesmo que estejam ancorados muito proximo de terra e sub-mettidos aos effluvios pantanosos.

Estes factos tendem a demonstrar que a infec-

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cão palustre se não faz pelo ar; comtudo Manson admitte-a como provável, e nós, embora não acre­ditemos na sua realidade, não podemos todavia ne-gal-a d'uma maneira absoluta.

Os black spores, esporos de resistência, postos em liberdade, depois de levados pelo ar e introdu­zidos na arvore respiratória não poderão germinar, dando origem ás febres?

Infecção pela agua

Fundadas na acção microbicida do sueco gás­trico, muitos auctores teem considerado como im­possível a infecção palustre pela ingestão de aguas inquinadas. Está bem averiguada a acção protecto­ra do sueco gástrico, mas esta pôde em certas cir-cumstancias deixar de se effectuar regularmente e dar logar a uma infecção. É o que succède com os ba-cillos d'Eberth, Koch, etc., e que também poderá realisar-se para o hematozoario de Laveran.

São innumeras as observações que se teem apre­sentado, como prova de que se podem adquirir as febres pelo uso das aguas não purificadas das re­giões palustres.

Warrington e Wolsey, aldeias da Philadelphia, que eram bastante salubres emquanto os seus ha­bitantes usaram agua de nascentes, transformaram-se em focos de paludismo, depois que a população começou a servir-se de poços pouco profundos.

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Os habitantes das Landes bordalezas e outros pontos do departamento da Gironda servem-se, para bebida, de agua estagnada; uns só a bebem depois de passada por filtros de carvão e não con-trahem as febres palustres; os outros, que não usam d'esta precaução, são frequentemente atacados por ellas (Félix Jaquot).

Laveran, depois de citar muitos factos tenden­tes a provar a origem hydrica do paludismo, ter-

. mina pelas seguintes palavras: «Aucun des faits que je viens de citer ne démontre à la vérité, d'une fa­çon irréfutable que l'infection paiustre puisse se faire par l'eau de boisson et il est certain qu'on peut leur opposer bon nombre de faits défavorables à ce mode d'infection».

Expondo, d'esta forma, as suas duvidas sobre a origem hydrica do paludismo, Laveran apresenta em seguida a experiência de Salomone Marino que deu a beber a 25 individuos que se encontravam n'uma localidade salubre agua trazida de logares palustres. Esta ingestão, nos individuos sãos e ro­bustos, apenas provocou algumas nauseas; nos mais fracos, originou perturbações gastro-intestinaes ; nos portadores de doenças chronicas, produziu febre que desappareceu com a cessação do emprego da agua suspeita; finalmente nos doentes que tinham tido anteriormente as febres, a agua determinou re-cahidas. Esta experiência de Salomone Marino pro-va-nos que a agua, só muito dificilmente, pôde ser o vehiculo do gérmen palustre.

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Seguindo a corrente das opiniões actuaes, accei-taremos como possivel, embora muito rara, a in­fecção pela ingestão d'agua contendo esporos negros, ou melhor ainda, larvas, invadidas por esta Ou ou­tras formas do hematozoario. A innoculaçao pela pi­cada do mosquito constitue quasi sempre a causa determinante das febres palustres, mas não a única; o hematozoario, levado ao contacto da superficie intestinal, pôde d'ahi penetrar no sangue, infectan-do-o ; não é pois inutil a precaução, em geral segui­das nos paizes quentes, de ferver ou filtrar a agua suspeita destinada á bebida.

Infecção pelos mosquitos

O mosquito é o organismo essencial e necessá­rio á conservação do hematozoario, porque n'elle percorre todo o seu cyclo evolutivo, emquanto que o homem não é mais que um hospede accidental d'esté parasita e incapaz de o transmittir directa e naturalmente a outro homem (Grassi, Dionisi e Masson).

As experiências de Ross, Bignami, Bastianelli, etc., provam egualmente que o hematozoario de La-veran, á semelhança da filaria, necessita passar pelo corpo do mosquito, para ahi concluir a sua evolu­ção, sem a qual não pôde ir infectar outro homem.

Vê-se, pois, o papel importante que cabe aos

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mosquitos, que enxameiam os logares palustres, na conservação e disseminação das febres.

Os mosquitos podem infectar-se sugando sangue palustre, ou ainda devorando no estado de larvas, á superficie da agua, os cadáveres de mosquitos adultos contendo o hematozoario, ou finalmente, ainda talvez recebendo no ovo o gérmen dos seus ascendentes. O mosquito pôde tirar directamente o hematozoario do sangue do homem e, se assim não fosse, ficaria sem explicação o facto do paludismo fazer a sua estreia em Mauricia e Reunião em 1868 e em seguida disseminar-se n'estas ilhas que eram salubres, apezar de reunirem quasi todas as condi­ções dos paizes palustres; os mosquitos até ahi in­demnes n'estas ilhas, infcctaram-se, sugando sangue de indivíduos affectados de paludismo que ahi fo­ram procurar trabalho, e depois disseminaram a doença (Laveran).

O hematozoario pôde passar indefinidamente d'um mosquito a outro, o que explica como uma região abandonada se pôde conservar por muitos annos um foco de paludismo.

Vejamos agora por que caminho o hematozoa­rio passa do corpo do mosquito, hospede habitual, para o do homem, hospede accidental. Como vimos, é provável que o homem adquira algumas vezes o paludismo bebendo agua em que foram morrer mosquitos infectados, ou onde existem larvas con­taminadas; mas, na maior parte dos casos, o gér­men palustre passa do mosquito ao sangue do ho-

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mem por inoculação eífectuada no momento da pi­cada. Entre outros, os seguintes factos apresentados por Laveran vêem em apoio d'esta asserção :

«Os mosquitos, abundantes em todas as locali­dades palustres, desapparecem, ao mesmo tempo que o paludismo, nos logares elevados.

«A drenagem do solo, supprimindo as febres, faz egualmente desapparecer os mosquitos.

«As aguas estagnadas são muito favoráveis ao desenvolvimento do paludismo e, egualmente o são á pullulação dos mosquitos.

«As febres de primeira invasão só existem na epocha em que ba mosquitos; no resto do anno só se observam recahidas.

«Ninguém ignora quanto é perigoso dormir n'urn paiz palustre com as janellas abertas; e a melhor precaução a tomar contra a invasão dos mosquitos consiste em fechar, de tarde, as janellas.

«É de noute que com maior facilidade se con­trarie o paludismo, sendo também de noute que os mosquitos se tornam mais impertinentes.

«A predisposição ás febres é tanto maior quanto mais fina é a pelle, e portanto mais vulnerável ás picadas dos mosquitos; isto explica a vulnerabili­dade da creança e a quasi immunidade do negro».

A hypothèse da transmissão pelo mosquito, tão maravilhosamente sustentada por Laveran, em face d'estes argumentos, colhidos e apresentados com tanta sagacidade antes da descoberta da vida para­sitaria do hematozoario no corpo do insecto, trans-

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formou-se em realidade n'estes últimos annos de­pois dos trabalhos que citamos no capitulo anterior.

Vamos entretanto referir, como prova confir­mativa, a experiência realisada em Roma no hospi­tal do Espirito Santo por Grassi, Bastianelli e Bi-gnami. Um individuo indemne de qualquer antece­dente palustre foi exposto por varias vezes ás pica­das de três espécies de mosquitos: o Anopheles claviger, o Ciãex penicillaris e o Culex malariae. Estes mosquitos, considerados como particularmen­te suspeitos sob o ponto de vista da propagação do paludismo, tinham sido agarrados em Maccareso por um empregado do laboratório d'anatomia com­parada.

O individuo que experimentalmente fora ex­posto ás picadas d'estes mosquitos apresentou, de­corrido um mez, todos os signaes d'uma infecção palustre grave, tomando a febre a forma terça, pre­cisamente como a que reinava em Maccareso. O empregado do laboratório que dizia ter sido picado quando procurava agarrar os mosquitos, foi egual-mente atacado pela mesma febre.

Falíamos já nas experiências realisadas sobre pardaes por Ross, com as quaes provou que mos­quitos, tendo sugado sangue d'aves infectadas de Proteosoma, transmutem a doença a outras aves sãs, quando expostas ás suas mordeduras. O mes­mo é justo que concluamos relativamente ao hema-tozoario de Laveran, tendo em vista as estreitas analogias entre elle e o Proteosoma.

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Ha vários exemplos, de indivíduos, que, tendo atravessado ou permanecido em localidades panta­nosas, conseguiram preservar-se das febres, livran-do-se das picadas dos mosquitos.

Devemos notar que o mosquito não pôde levar directamente, d'um homem a outro, o hematozoa-rio, porque este necessita demorar-se algum tempo no corpo do insecto e soffrer ahi uma certa evolu­ção; como veremos adeante, o paludismo é inocu-lavel d'um homem a outro, mas em condições que não parecem poder ser realisadas pelos mosquitos.

Nem todos os mosquitos se prestam á propaga­ção do paludismo; o hematozoario não tem sido encontrado em muitas das espécies e também bas­tantes regiões ha que não são focos de paludismo, apezar dos mosquitos abi serem abundantes.

As diversas espécies de mosquitos, susceptíveis de inocular o hematozoario ao homem, ainda não são bem conhecidas. O Anopheles claviger, mos­quito de grande estatura, caractensado por quatro pequenas manchas sobre as azas dispostas cm T, é considerado como o verdadeiro indicio do paludis­mo por Grassi, que verificou a existência d'uma re­lação nitida entre a sua presença e a apparição das febres palustres na Lombardia, em Veneza, na Tos­cana e no Campo romano.

N'estas regiões encontrou também Grassi, nos mezes d'agosto e setembro, um outro anopheles pi­cando egualmente o homem, o Anopheles pictns. Outras variedades de mosquitos t:em sido encon-

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tradas em localidades palustres e entre ellas as prin-cipaes são : o Culex penicillaris, o Culex malarias e o Culex hortensis; todavia a sua nocividade não está demonstrada.

Passagem do hematozoario da mãe ao feto

O paludismo não é uma doença hereditaria, isto é, que possa passar dos ascendentes aos descen­dentes no momento da fecundação. Nenhum facto de incontestável veracidade foi ainda apresentado, provando que o paludismo possa ser transmittido pelo pae. Comtudo, n'uma mulher attingida de pa­ludismo durante a gravidez, o hematozoario pode atravessar a placenta e determinar no feto, em se­guida ao nascimento, signaes bem evidentes de in­fecção palustre.

Bein, Bouzian, Playfair, Duchek, Jules Simon, etc., admittem a existência do paludismo congénito e encontraram varias vezes o hematozoario no san­gue dos recem-nascidos. E' verdade que em mui­tas outras pesquizas o parasita palustre não foi en­contrado no sangue de fetos provenientes de mães tendo o paludismo, mas taes pesquizas infructiferas não tiram valor algum ás descobertas positivas de Bein e Bouzian, e provam simplesmente que a trans­missão do gérmen palustre da mãe ao feto não é constante e que só se réalisa em certas condições.

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Inoculação directa

Experiências muitos repetidas, realisadas por diversos auctores, que julgamos prolixo enumerar, provam que o paludismo pôde ser transmittido de um homem a outro por inoculação.

A injecção intravenosa de sangue, contendo o hematozoario, n'um individuo são é quasi sempre seguida, depois d'um período de incubação' de 10 a 20 dias em média, do apparecimento de febres pa­lustres.

A injecção sub-cutanea de sangue palustre, em quantidade não muito inferior a um gramma, pôde também infectar de paludismo um individuo são, mas o seu resultado não é tão certo como o obtido pela injecção intravenosa. Gehradt, Bein, Calan-druccio, Mattei e Bignami conseguiram por esta forma transmittir o paludismo a individuos até ahi indemnes e no sangue dos quaes encontraram de­pois o hematozoario palustre.

As formas que o paludismo affecta nos indivi­duos inoculados não são sempre as mesmas que existem nos que fornecem o sangue. Assim, por ex., o sangue d'um individuo tendo a forma terçã pôde por inoculação produzir n'outro febre quarta, quo­tidiana, etc., e vice-versa. Laveran chama estes fa­ctos em apoio da unidade do seu hematozoario.

Não devemos concluir do que fica dito que o mosquito picando um individuo com febres palus­tres e immediatamente um outro, são, lhe possa

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transmittir directamente o paludismo, levando-lhe intacto no aguilhão o hematozoario tirado ao pri­meiro. A observação não prova que assim seja e nunca a inoculação de quantidade muito pequena de sangue, como aquella que pôde levar o mosqui­to, chegou a determinar n'um individuo são o ap-parecimento do paludismo.

Condições que influem no apparecimento e desenvolvimento do paludismo

Condições exteriores

Temperatura. — O calor moderado desempenha um papel considerável na etiologia do paludismo. Completamente desconhecidas nas regiões polares, as febres apparecem nas regiões temperadas e ad­quirem o seu maior grau de perniciosidade e fre­quência junto ao equador.

Também nas regiões temperadas onde o palu­dismo é endémico, é durante a estação quente que os casos observados são mais numerosos e graves.

Humidade. — Milhares de paginas se teem es-cripto mostrando a influencia perigosa que a humi­dade do solo acarreta para uma dada região sob o ponto de vista das febres palustres, e com effeito, podem contar-se as localidades pantanosas situadas

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nos climas quentes ou temperados que escapam ao paludismo. Actualmente, os nossos conhecimentos sobre o papel dos mosquitos na conservação e dis­seminação das febres palustres, permittem-nos ex­plicar, tendo em consideração a necessidade de meios líquidos onde estes insectos comecem a sua existência, a relação entre o grau de humidade de uma região e a frequência do paludismo.

Os pequenos lagos, os poços, os charcos, os pân­tanos e, em geral, toda a agua estagnada é susceptí­vel, servindo de viveiro aos mosquitos, de entreter uma endemia palustre. São conhecidos de todos os bellos resultados que se obteem evitando a estagna­ção da agua. A origem da palavra paludismo de palas (pântano) é bem significativa.

Em harmonia com o grau de humidade, as fe­bres palustres são mais communs nas regiões pla­nas e baixas, junto á margem dos rios e nas pro­ximidades das praias. Os pântanos formados pela mistura d'agua doce e salgada, como os que se ob­servam junto á foz d'alguns lios, são paiticular-mente perigosos, porque os mosquitos se desenvol­vem ahi com maior facilidade que na simples agua doce ou salgada.

No nosso paiz, na povoação da Marinha, a dois kilometres d'Ovar, temos um exemplo frisant: da perniciosidade d'esta mistura.

Altitude. — A acção protectora das altitudes con­tra o paludismo está bem demonstrada e explica-se pelo abaixamento da temperatura e pelo escoamen-

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to fácil e rápido das aguas que só com grande dif-ficuldade ahi poderão formar pântanos. A altitude que p5e o homem ao abrigo das febres é variável e muitas vezes pouco considerável; segundo Léon Colin, uma altitude de 3oo ou 400 metros é na Ita­lia sufficients para preseivar das febres do Campo romano. Comtudo, é necessário notar que uma alta região inculta pôde ser muito mais insalubre e pe­rigosa que outra região baixa e cultivada.

Cultura. —A cultura do solo faz diminuir ou mesmo desapparecer nas regiões palustres os casos de febres. Laveran emitte a opinião, aliás muito justa, de que as arvores e os outros vegetaes com que os progressos da civilisação tendem a guarne­cer os terrenos húmidos e pantanosos, actuam dre-nando-os, seccando-os e portanto saneando-os.

Condições individuaes

Edade.—O paludismo não poupa edade algu­ma; entretanto, a creança e o adulto parecem ser os mais predispostos. A profissão explica a predi­lecção do paludismo para o adulto.

Sexo. — As estatísticas mostram que o homem paga ao paludismo um tributo mais considerável que a mulher, o que de resto nos não admira, se attendermos a que o homem exerce as profissões mais fatigantes e que mais expõem á infecção pa­lustre.

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Raça. — Seja qual fôr a raça a que pertençam, todos os indivíduos são susceptíveis de con trahir o paludismo, apresentando todavia para com elle uma resistência muito variável.

A raça negra é, de todas, a que melhor resiste á infecção palustre, sendo por este motivo a prefe­rida na agricultura nas regiões inter-tropicaes. Ha paizes, como são a Guyana e Madagascar, terríveis para o europeu sob o ponto de vista de salubridade, e onde os negros vivem e prosperam.

O valor d'esta resistência considerável que pos-sue a raça negra para o paludismo foi todavia exag-gerada por Boudin que chegou a admittir uma im-munidade.

Esta immunidade não existe; a cachexia palus­tre tem sido observada varias vezes nos negros, principalmente em Ceylão e nas Antilhas.

O paludismo não poupa o negro, mas as formas que a doença n'elle toma são menos graves, menos agudas e o numero de casos menor que no branco. A resistência da raça negra é innata e não adqui­rida pelo habito ; os negros, habitantes da ilha Mau-ricia que não possuíam tal adaptação até 1868, anno em que ahi appareceu pela primeira vez o paludis­mo, não foram por esse motivo tão atacados como os brancos ahi residentes.

A raça branca é, entre todas, aquella que dá maior contingente ás febres palustres e, por isso, a que menos se presta á colonisação nos climas quen­tes. É provável que esta differença de sensibilidade

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ao paludismo entre a raça negra e branca seja de­vida, como julga E. Vallin, ao facto dos negros serem menos atormentados que os brancos pelos mosquitos.

Os mosquitos picam menos os negros, ou por­que a pelle seja mais dura e resistente ao seu agui-Ihão, ou, ainda talvez, porque o cheiro do suor, próprio a esta raça, os.faça afugentar.

A raça amarella é mais vulnerável que a raça negra e menos que a branca.

Profissão. — As profissões que mais expõem o homem a contrahir as febres são aquellas que mais o fatigam, que o levam a habitar os logares húmi­dos, e principalmente, as que o obrigam a perma­necer de noute nos campos. Os mosquitos nas re­giões tropicaes enxameiam os campos, ao passo que faltam quasi por completo, como o paludismo, no centro das cidades ou dos grandes povoados ; tam­bém são mais vorazes de noute. Não admira, pois, que os individuos trabalhando nos campos e prin­cipalmente os que ahi passam a noute, como os soldados em campanha, sejam os mais attingidos.

Cansas dzbilitantes.—Todas as causas debili­tantes, como são, a fadiga, os excessos de qualquer ordem, a alimentação insufficiente ou defeituosa, o enfraquecimento occasionado por doenças anterio­res, etc., tornam o individuo mais vulnerável em presença do agente palustre. O paludismo obedece também a lei geral, segundo a qual todas as causas que enfraquecem o organismo o tornam mais apto

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a ser invadido pelos parasitas microscópicos. Se­gundo Maillot e Duboué, o paludismo é observado nas classes pobres com maior frequência que nas classes ricas, que são as que em geral menos tra­balham e melhor se alimentam. Pelas mesmas ra­zões, nas campanhas em paizes palustres, também os soldados são, mais frequentemente que os offi-ciaes, atacados pelas febres.

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Segunda Parte

PROPHYLAXIA

A prophylaxia de qualquer doença deduz-se sem­pre do conhecimento da sua etiologia; o mesmo succède com o paludismo. Se ainda ha alguns an-nos era muito difficil indicar os meios racionaes e efficazes para a prophylaxia palustre, já assim não acontece hoje. A prophylaxia do paludismo impõe-se ao espirito com toda a sua simplicidade e facili­dade, depois do que acabamos de dizer a propósito da etiologia.

Como vimos, é sempre do mosquito que o ho­mem recebe o hematozoario, o gérmen das íebres palustres, quer directamente por inoculação no mo­mento da picada, quer indirectamente bebendo agua, carregada de larvas já infectadas, ou inqui­nada por esporos negros. O mosquito é pois o nosso grande inimigo nos paizes quentes, sendo

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contra elle que devemos dirigir as principaes armas da prophylaxia.

Terminar com o paludismo, extinguindo por completo os mosquitos, é por emquanto impossível, comtudo muito bons resultados se obterão desde já : i." difficultando a pullulação dos mosquitos, sanean­do o solo e impedindo a estagnação das aguas; 2.0

destruindo-os, quer no estado de larvas, quer no estado adulto, nos logares onde se tornem mais pe­rigosos; 3.° protegendo-nos contra as suas morde­duras; 4.0 usando somente d'agua fervida ou fil­trada.

Dividiremos para maior commodidade o estudo que vamos encetar sobre prophylaxia em duas par­tes, tratando na primeira, prophylaxia geral, do conjuncto de meios que devem ser empregados no saneamento dos paizes palustres, e na segunda, pro­phylaxia individual, dos meios de que cada indivi­duo deve usar para se preservar das febres.

Prophylaxia geral

Saneamento do solo

A extincçao dos pântanos e a drenagem conve­niente do solo, de forma a impedir a estagnação das aguas, foram sempre as medidas de maior ai-

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cance adoptadas no combate contra as febres palus­tres.

A historia cita-nos exemplos do paludismo des-apparecer em muitas localidades, depois que o seu solo foi deseccado.

Não temos em vista n'este capitulo aconselhar o saneamento de todas as regiões palustres, o que se­ria o ideal, mas actualmente de impossivel realisa-ção; anima-nos unicamente o desejo d'uma orien­tação pratica, apresentando as medidas a adoptar e as condições hygienicas a que devem satisfazer as cidades ou os grandes povoados para afastarem de si o paludismo. É ahi que convém e se torna abso­lutamente indispensável não attender ás despezas d'um bom saneamento.

Este, terá por base um systema completo de es­gotos, de forma a assegurar o escoamento rápido e continuo das aguas, quer pluviaes, quer domesticas. Deve evitar-se a estagnação da agua, não somente na povoação, mas ainda nos seus arrabaldes, por espaço d'algumas centenas de metros; d'esta forma consegue-se livral-a dos mosquitos, únicos transmis­sores do paludismo. Sirva-nos de exemplo a cidade de Roma que, cercada de campos onde reina com toda a actividade a endemia palustre, deve a sua salubridade aos bons esgotos que possue.

O paludismo é desconhecido nos grandes cen­tros e foge sempre perante os progressos da civili-sação que tendem a fazer desapparecer a humidade do solo.

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E' necessário supprimir todos os reservatórios naturaes ou artificiaes d'agua estagnada e que, pela sua pouca utilidade, se tornem dispensáveis.

As cidades mais elevadas são sempre as mais salubres, como provam os excellentes resultados obti­dos pelos sanatórios inglezes situados nas altitudes; por este motivo, todas as vezes que uma cidade edi­ficada n'uma encosta tende a estender-se, convém empregar todos os esforços de maneira a dirigir as novas construcções para os pontos mais elevados. Quando se quizer edificar uma povoação, deve-se escolher sempre uma encosta e regeitar por com­pleto os valles.

Os processos aconselhados no saneamento dos pântanos são variadissimos ; mas entre elles ha um que, pela facilidade da sua execução e pelos óptimos resultados que tem dado, merece especialmente a nossa attenção. Referimo-nos á cultura do solo. As plantas exercem a sua acção salutar seccando o solo, não só pela drenagem devida ás suas raizes, mas ainda pela propriedade que teem de lhe subtrahir a agua que continuamente espalham na atmos-phera.

As arvores que se devem preferir são aquellas em que o desenvolvimento é mais rápido ; por esta razão, o Eucalyptus globulus occupará o primeiro logar. Para nos mostrar a utilidade das plantações d'esta arvore e os maravilhosos resultados que d'ella podemos esperar, Laveran conta-nos o seguinte fa­cto: «No logar das Très Foutes, perto de Roma,

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existe um convento que esteve abandonado por causa da sua insalubridade até 1868, opocha em que Pio ix o doou a religiosos trappistas. Nos primeiros annos era tão insalubre o logar em que está o convento, que os religiosos não se podiam lá conservar du­rante a noite, retirando á tarde para Roma e vol­tando no dia seguinte, só depois do nascer do sol. Em 1869, fizeram-se as primeiras plantações d'euca-lyptos, que se continuaram nos annos seguintes ; a partir d'esta epocha, as condições de salubridade melhoraram pouco a pouco a ponto dos religiosos poderem dormir sem perigo no convento. Em 1881, havia 55:ooo eucalyptos nas 7re\ Fontes e os casos de febres eram raríssimos».

As plantações d'eucalyptos teem dado excellentes resultados na Algeria, na Córsega e no Campo ro­mano. Segundo alguns auctores, o eucalypto actuaria principalmente pelos principios aromáticos e resi­nosos que espalha na atmosphera e que teriam a pro­priedade de afastar os mosquitos.

Varias outras plantas teem sido empregadas para sanear o solo, como são o pinheiro, a oliveira, o girasol, etc.

Não nos demoraremos a apresentar os outros processos empregados no saneamento do solo, por­que a sua execução pertence mais ao engenheiro que ao hygienista, comtudo repetimos que este sa­neamento é o meio mais efficaz de combater a en­demia palustre.

Quando as aguas estagnadas não poderem ser

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supprimidas, em virtude da sua utilidade, ou por motivo de serem muito dispendiosos os trabalhos destinados a tal fim, é necessário afastar ou des­truir os mosquitos.

A prophylaxia pela destruição dos mosquitos

Os esforços da prophylaxia contra a infecção pa­lustre devem dirigir-se em parte e, principalmente nos casos de impossibilidade immediata de suppres-são das aguas estagnadas, para a destruição dos mosquitos, das suas larvas, nymphas e ovos.

A necessidade de destruir os mosquitos, impõe-se ; estes insectos são verdadeiramente perigosos nos paizes quentes, porque não só nos transmutem o paludismo, mas servem ainda de hospedes ao gér­men da filariose.

Celli, com a collaboração de O. Casagrandi, fez repetidas experiências com o fim de determinar a acção de diversas substancias susceptíveis de matar os mosquitos. A destruição torna-se muito dif-ficil quando teem adquirido o seu completo des­envolvimento, quando são alados e vivem no ar, porque então resistem bem e fogem com grande facilidade aos meios artiíiciaes que lhes são nocivos.

E' mais fácil destruil-os no estado de ovos, nym­phas e principalmente de larvas.

As larvas e as nymphas só podem viver na agua estagnada; as aguas correntes são-lhes impróprias.

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As larvas encontram-se d'ordinario á superficie da agua, mas quando algum ruido se ouve, descem im-mediatamente ao fundo por meio de movimentos n'um e n'outro sentido que imprimem ao corpo. Algum tempo depois as larvas transformam-se em nymphas que continuam ainda vivendo na agua; até este período os mosquitos são herbivoros, sus-tentando-se de substancias vegetaes em suspensão na agua. Finalmente ás nymphas succedem os insectos adultos a fêmea dos quaes, algum tempo depois da sua ultima metamorphose, depõe á superficie da agua uma grande quantidade d'ovos que, decorridas 4 ou 5 semanas, serão outros tantos mosquitos aptos a reproduzirem-se por seu turno.

A destruição das larvas e nymphas deve ser cor­rentemente empregada em virtude da sua facilidade. Para este fim, uma das substancias que melhores resultados tem dado é o petróleo, quando estendido em ligeira camada á superficie da agua. Segundo as experiências de Celli, io cent. cub. de petróleo matam em seis horas todas as larvas e nymphas que se encontrarem n'um volume d'agua cuja su­perficie não exceda um metro quadrado.

Celli obteve o mesmo resultado com o empre­go de vários óleos. Estas substancias não actuam, como se poderia suppor, impedindo a ventilação da agua, e por esta forma asphyxiando as larvas. A ca­mada de óleo que se lança á superficie da agua não é sufficiente para impedir completamente o seu are­jamento, visto que ella em nada perturba a vida dos

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peixes. De experiências realisadas nos Estados Uni­dos resulta que o petróleo asphyxia as larvas, agglo-merando as sedas dos orifícios respiratórios e im­pedindo, por consequência, a passagem do ar nas suas tracheas.

A mistura de petróleo e alcatrão dá ainda me­lhores resultados que o petróleo puro ; segundo La-veran, ella mata as larvas mais rapidamente e a sua acção é mais duradoura, porque se evapora menos facilmente.

O cheiro forte do petróleo afasta da agua os mosquitos adultos, impedindo-os de ahi deporem os seus ovos. Os animaes domésticos não teem re­pugnância em beber a agua assim tratada.

Em pouco tempo o petróleo volatilisa-se e de-compõe-se, chegando a não ter mais acção sobre os mosquitos. E' necessário então, para impedir por completo a formação de insectos alados, mandar re­petir a operação de i5 em i5 dias, ou pelo menos de mez a mez.

Infelizmente o petróleo apresenta um aspecto e sobretudo é dotado d'um cheiro desagradável que torna o seu uso, junto das habitações, pouco com-modo. Celli e Casagrandi estudam outras substan­cias susceptíveis de destruirem os mosquitos e no­tam o seu valor que é o seguinte:

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Substancias empregadas Duração maxima

da vida

Larvas Nymphas

Sol. saturada de acido sulfuroso » de permanganato de potassa, o,3-(-HCl 5 por 1:000 . . .

Infuso de pó de flores de crysanthemos

{2." » ) Óleo de petróleo o,°-c20 sobre 100

Permanganato de potassa a 2 por 100 Óleo á superficie liquida . . . . Petróleo o,c-cio para 100 c. m. q.

Chloreto de cal do commercio a 1

Leite de cal a 10 por 100 . . . . Permanganato de potassa a 1 por 100

io '-5o'

i5 '

3 h -3o'

4 horas 4 » 6 » 6 »

12 »

24 » 24 » 48 »

25'

1 hora

1 h.- 35' 3 horas

4 » 8 » 4 » 6 »

24 1

48 » 36 » 72 »

Vallin —Revue d'hygiène, gg.

Como se vê, a acção insecticida de todas estas substancias, com excepção do petróleo, não pôde ser facilmente utilisada. Quando muito, em peque­nos reservatórios d'agua, poderá com vantagem empregar-se a solução de permanganato com acido chlorhydrico, que é a única que em dose fraca ma­ta rapidamente as larvas.

As cores da anilina são dotadas d'um poder to­xico extremamente considerável para as larvas, ma-tando-as rapidamente em doses muito pequenas, co-

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tíO

mo se vê no resultado das experiências de Celli e Casagrandi.

Acção insecticida das cores da anilina

Gallol .

Proporção gr. p. 1

0,5o 0,02 5 0,0125 o,oo3i 0,0025 0,0007

Verde de Malachite

Larycithe

!

o,5o 0,025 o,oi25 0,0062 o,oo31

OJO

f 0,0007 o,ooo31

Duração da vida das larvas na agua 6 h. a 12 h.

16 » » 24 « 24 » M 36 » 36 » » 96 » 48 » » 108 » 72 » sobrevivem

6 h. a 12 h. 24 » » 26 » 34 » » 48 » 36 -, » 108 -. 48 » sobrevivem

4 horas 6 » 7. » 9 »

24 » 48 » 72 »

De todas as cores da anilina deve ser preferida a larycithe, porque é a mais enérgica e a mais ba­rata. A acção da larycithe pôde ser ainda muito maior juntando-lhe uma ligeira quantidade de soda que serve de mordente.

Os inconvenientes d'estes preparados consistem em adulterar a agua, tornando-a imprópria para os usos domésticos; os peixes morrem n'ella.

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Nas lagoas, poços, tanques, etc., isto é, em to­das as massas d'agua tendo uma certa profundidade, pode-se impedir o desenvolvimento dos mosquitos lançando n'ellas peixes que devoram as larvas.

A destruição dos mosquitos adultos, como já dissemos, torna-se muito difficil, porque estes inse­ctos alados fogem a todos os meios que lhe são no­civos. Entretanto elles podem ser mortos nos loga-res confinados e afugentados, pelo menos, ao ar li­vre por certas substancias voláteis e odoriferas, por productos da combustão de vários vegetaes e por alguns gazes. As principaes substancias estudadas por Celli, podendo ser empregadas para tal fim, são as seguintes:

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Substancias empregadas

Substancias odoríferas

Fumo de:

Gaz:

Essência de terebenthina Iodoformio . . . . Menthol . . . . . Noz muscade . Camphora . . . . Alho

iNaphtalina . Tabaco Pó de flores de chrysan

themos . . . . Folhas verdes d'eucalypto Pau de quassia . Pó de pipethra . Zampironi . . . . Madeira ordinária . Acido sulfuroso Hydrogenio sulfurado . Ammoniaco D'illuminaçâo . Formaldehyde (apparelru

Trillat) . . . . Sulfureto de carbone e ace

tylena

Tempo ao fim do qual teve logar a morte

Apparente Real

i 10' 10' 10'

4 ' - 5 ' 5'-to' io'-3S'

Instantânea 5'

3'-5' 16' 5'

2 ' - I 0 '

y-7' Instantânea

i ' i '

2'

i5'-3o'

1 40' 4 5 '

2 horas 5 » 5 » 8 »

f -3 '

1 hora 3 horas 5 » a »

36 » 12-48 h.

r 1 ' 2 '

io'-5o'

sobrevivem

Vallin — Revue d'hygiène, gg.

Entre estas subtancias ha algumas cujo emprego se pôde tornar pratico. Assim, por exemplo, o fu­mo das folhas do eucalypto nos logares onde é crea-da esta planta, ou á falta d'ella, o fumo d'outro qualquer vegetal pôde prestar grandes serviços, afu­gentando durante a noite os mosquitos dos biva-ques das expedições militares. O emprego do acido

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sulfuroso, obtido pela combustão do enxofre, é um dos meios mais enérgicos e mais fácil de nos des­

embaraçarmos dos mosquitos que penetram na ha­

bitação. As outras substancias não são de tanta uti­

lidade como o gaz sulfuroso e os diversos fumos. E' necessário notar que, para o seu effeito ser

rápido e efficaz, todas ellas devem ser empregadas em doses suficientes. Não basta fumar um cigarro dentro d'um quarto em que haja mosquitos, para que estes desappareçam.

A lucta contra as febres pela destruição dos mosquitos, em qualquer das phases por que passa este insecto, acha­se apenas iniciada, mas é de crer que dentro em breve ella seja chamada a prestar serviços pelo menos eguaes aos obtidos com o sa­

neamento do solo. Quando este ultimo não poder ser effectuado, restam­nos os diversos meios de des­

truir ou afugentar os mosquitos, visto que ambos os caminhos nos conduzem ao mesmo fim : exter­

minar o vehiculo das febres palustres.

Necessidade do isolamento dos doentes

Os individuos atacados de paludismo devem ser considerados como um perigo para os seus visi­nhos, se junto d'elles houver mosquitos pertencen­tes a alguma das espécies susceptíveis de propagar esta doença (Celli).

Como já dissemos, o mosquito pôde infectar­se

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sugando sangue d'um individuo atacado pelo palu­dismo, e tornar-se em seguida um transmissor d'esta doença. Vê-se pois, como um individuo com febres se pôde tornar, ainda que indirectamente, uma causa de infecção para os seus semelhantes, o que levou Celli a propor o isolamento dos doentes, em sanatórios especiaes, até á sua completa convales­cença, isto é, até que o exame bacterelogico do sangue fizesse constatar a desapparição do hemato-zoario. Na falta d'estes sanatórios, convém pelo me­nos resguardar os leitos dos doentes por meio de mosquiteiros.

Todo o doente deve ser immediatamente sub-mettido á administração de quinino que se prolon­gará durante dois mezes, pelo menos, de forma a garantir o completo desapparecimento do hemato-zoario no seu sangue.

Prophylaxia individual

Escolha da habitação

A escolha da habitação tem nos paizes palustres uma importância considerável. Se tivermos que re­sidir n'uma cidade, devemos escolher para habita­ção uma casa situada n'uma rua central e elevada, e devemos pelo contrario regeitar todas aquellas

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GO

que se encontrarem edificadas nos arrebaldes, nos logares baixos e húmidos, ou junto a depósitos d'agua estagnada. A experiência prova que taes ca­sas são sempre insalubres. Os últimos andares de­vem ser preferidos aos primeiros.

Se formos obrigados a residir no campo, deve­mos escolher para habitação um logar secco, e ele­vado tanto quanto possível.

Uma das condições a que mais devemos atten-der, é a elevação do terreno. Nos logares elevados não só se encontra ar puro, estimulante e favorável á nutrição, mas ainda a estagnação da agua é difficil.

Em campanha, o logar para acampamento deve ser escolhido de forma a satisfazer ás mesmas con­dições hygienicas que acabamos de apresentar para a habitação. Os marinheiros encontram nos seus navios um abrigo excellente contra as febres.

Protecção contra os mosquitos

Como medida prophylatica de grande alcance, é necessário que cada individuo isoladamente procure livrar-se, tanto quanto possivel, das mordeduras dos mosquitos.

Em primeiro logar devemos esforçar-nos por evitar que se desenvolvam junto á habitação. Serão supprimidos todos os reservatórios d'agua que não prestarem grande utilidade; nos outros, procurar-se-ha destruir as larvas, empregando qualquer dos

5

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processos que mencionamos. A agua da alimenta­ção será armazenada em reservatórios cobertos, de forma a impedir que os mosquitos ahi ponham os ovos; a agua d1 estes reservatórios será renovada frequentemente.

A maior parte dos mosquitos são noctambules, fazendo o seu giro desde o pôr ao nascer do sol, d'onde se conclue que é perigoso estacionar nos lo-gares pantanosos depois do sol posto. Se tivermos necessidade de permanecer de noite junto a pânta­nos, não hesitaremos em proteger o corpo por meio de mosquiteiros, ou em accender fogueiras que attrahem e queimam os mosquitos, ou que os expul­sam pelo fumo. E' da maxima conveniência não sahir de casa, ou pelo menos devem evitar-se os logares pantanosos depois do sol posto.

Dentro da habitação deve tentar-se matar ou ex­pulsar os mosquitos, empregando os meios que já apresentamos. E. Vallin aconselha collocar de noite, a certa distancia da casa, lâmpadas repousando so­bre vasos contendo um pouco de petróleo ; os mos­quitos, attrahidos pela luz, cahem no vaso e são mortos pelo petróleo.

As janellas, principalmente as dos quartos de dormir, serão fechadas ao pôr do sol.

O emprego de mosquiteiros, protegendo o leito durante a noite, é indispensável, e a utilidade que elles prestam pôde bem ser avaliada na observação de Parker.

«Um destacamento militar inglez, composto de 3

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officiaes e i3 soldados, acampou, em Outubro de 1898, em Bararck, a 14 milhas de Calcutta, instal-lando-se n'uma casa, cujas condições bygienicas não seriam más, se não houvesse proximo d'ellas alguns pântanos ; a agua era de boa qualidade e egual para todo o destacamento. Durante oito dias que ahi se demoraram, os 3 officiaes dormiram sempre prote­gidos por mosquiteiros; os soldados não usaram d'elles, sendo por esse motivo muito picados pelos mosquitos que eram numerosíssimos. Houve duas visitas ao acampamento : a irmã d'um soldado que foi também muito mordida, e um amigo d'um dos officiaes que teve a precaução de se proteger, como elles, por meio d'um mosquiteiro.

Pouco tempo depois da partida de Bararck, to­dos os soldados, 3 creados indígenas que tinham acompanhado o destacamento e a irmã do soldado foram atacados pelas febres, morrendo um d'elles.

Os 3 officiaes e o amigo que os visitou ficaram indemnes.

Assim, de 21 pessoas que estacionaram na mes­ma localidade e nas mesmas condições, 17, que não usaram os mosquiteiros, contrataram o paludismo, e 4 que se serviram d'elles nada soffreram».

E' pois indispensável que todo o individuo que tem de permanecer n'uma região palustre se muna d'um mosquiteiro que, pondo-o ao abrigo d'estes insectos tão impertinentes e vorazes, o preserva também das febres palustres. Os mosquiteiros de­vem ser de filó de malhas estreitas para impedir a

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passagem dos mosquitos, mas não tanto que difi­cultem a circulação do ar. Não nos devemos esque­cer de verificar de vez em quando o bom estado do mosquiteiro e matar qualquer mosquito que tenha conseguido introduzir-se dentro d'elle.

Alimentação

Como vimos, o paludismo pôde também ser a consequência da ingestão d'agua contendo acciden-talmente o hematozoario ; pelo menos assim o pa­recem provar diversas estatisticas que se teem apre­sentado sobre indivíduos vivendo na mesma locali­dade e nas mesmas condições, contrahindo uns as febres por beberem agua suspeita, e ficando indem­nes outros porque a ferviam ou filtravam antes. Apesar de não estar bem provada a origem hydrica do paludismo, é conveniente (nunca se perde por excesso de cuidado) precavermo-nos contra a possi­bilidade de sermos infectados por via digestiva. Toda a agua que evidentemente não seja de muita boa qualidade, deve ser cuidadosamente filtrada ou fervida.

As infusões de chá ou café, como bebida, recom-mendam-se pela purificação, que a agua recebe na ebullição. O alcool em dose muito moderada é util.

O regimen alimentar será tónico. As refeições compor-se-hão de alimentos facil­

mente digeriveis, de carnes magras e tenras de pre-

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ferencia ás carnes duras e compactas, de carnes sal­gadas, de legumes feculentos, etc. Empregar-se-hão as especiarias e os condimentos, mas com modera­ção; a pimenta e o sal augmentam a secreção sali­var e gástrica. Não convém abusar das fructas, prin­cipalmente se a sua maturação não for completa Não se deverá trabalhar ou mesmo sahir de casa pela manhã, sem tomar qualquer refeição. Os ali­mentos serão quentes.

Vestuário

O vestuário deve ser commodo e leve, mas suf-ficiente para proteger o corpo contra as variações de temperatura que teem um grande valor nos pai-zes quentes ; deve defender o corpo da radiação so­lar e favorecer a evaporação compensadora á super­ficie da pelle.

Ninguém ignora os perigos que corre n'uni paiz quente quem expõe ao sol a cabeça nua ou mal co­berta; a exposição ao sol, além d'outros inconve­nientes, produz recahidas nos antigos paludicos e transforma em accessos perniciosos os accessos sim­ples. E' indispensável, pois, resguardar bem a ca­beça todas as vezes que tivermos necessidade de re­ceber a acção directa dos raios solares ; o chapéu de palha, com abas largas e fundo elevado, é espe­cialmente recommendado.

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Trabalhos e excessos

Dissemos na primeira parte do nosso trabalho que as causas debilitantes, fadigas de toda a espécie, excessos, etc., actuavam como causa adjuvante da infecção palustre, collocando o organismo em con­dições de fraca resistência perante o hematozoario de Laveran. Por este motivo evital-a-hemos tanto quanto possivel.

Os europeus nunca se devem occupar de traba­lhos, em paiz palustre, que produzam grande fadi­ga, como por exemplo da agricultura ; estes traba­lhos devem ser reservados de preferencia para os negros, que resistem muito melhor ás febres que os brancos.

Nas manobras deve evitar-se a fadiga inutil dos militares; o europeu deve exclusivamente ser com­batente. Esta necessidade já foi comprehendida pela Inglaterra que, em varias expedições na Africa, mandou pôr á disposição de cada soldado um indi-gena para lhe levar a bagagem e preparar os ali­mentos.

Os excessos alcoólicos não são menos prejudi-ciaes que a fadiga exagerada e devem portanto ser evitados. Da mesma forma o devem ser os excessos venéreos; nos estaleiros do Panamá reconheceu-se muitas vezes que os engenheiros, contra-mestres e obreiros, com boa saúde até ahi, eram assaltados pe­las febres em seguida a um desregramento. (Reuss).

Em resumo, o homem deve fugir de tudo o que

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o debilite e enfraqueça, porque o predispõe singular­mente a contrahir as febres e a apresentar as for­mas perniciosas de preferencia ás simples.

Prophylâxia pelo quinino

A quina, o quinino e seus saes teem, na pro-plrylaxia do paludismo, valor incontestável, demons­trado por milhares d'observaçoes recolhidas, desde 1717, em todas as partes do mundo. Não nos demo­raremos na apresentação d'estas observações que nos poderiam encher centenas de paginas, e a que estão ligados nomes auctorisados, como: Legrand, Fonssagrives, H. Rey, Bizardel, Sezary, Warren, etc., etc.; todas ellas provam o mesmo principio: o quinino previne muitas vezes as febres e, quando as não previne, atténua pelos menos a sua gravi­dade.

A bem conhecida acção toxica do quinino para os organismos inferiores foi verificada por Laveran para o seu hematozoario : «une solution, même très faible, d'un sel de quinine, mélangée à du sang qui renferme les hématozoaires du paludisme fait pren­dre aussitôt à ces derniers leurs formes cadavéri­ques».

Os saes de quinino, penetrando no sangue, trans-formam-n'o n'um meio impróprio á pullulação do hematozoario e, quando este o invade, seja por que via fôr, ou morre não produzindo manifestação

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mórbida alguma, ou se desenvolve mal e se atté­nua, tomando a doença um caracter benigno.

A efficacia da administração preventiva do qui­nino é admittida scientificamente ; comtudo Home, Thomson, Lucas e Gore duvidam d'ella.

O quinino será completamente inoffensivo e po­derá sem grande inconveniente ser administrado durante muito tempo ? Laveran assim o julga. Mas o quinino exerce acção desfavorável sobre o estô­mago e a digestão, provocando muitas vezes nau­seas, mesmo em dose fraca — 40 a 60 centigr.— (Manquât), pelo que não seremos tão optimistas, a ponto de o julgar inteiramente inoffensivo, quando usado durante muito tempo. Muitos auctores o teem accusado de produzir perturbações dyspepticas. Sé-zary e Cornebois dizem que o quinino, longe de ser um agente dyspeptico, é, pelo contrario, um tó­nico e um estimulador do appetite; basta simples­mente ter o cuidado de o dar no momento das re­feições, e não pela manhã em jejum.

Não somos d'opiniao que o quinino seja inoffen­sivo, como querem Sézary e Cornebois; entretanto concordamos que elle tem prestado relevantes ser­viços á conservação da saúde nos paizes quentes. O quinino produz perturbações digestivas, mas estas são insignificantes, relativamente ás occasionadas pelo paludismo; o paludismo depaupera o organis­mo d'uma forma extraordinária. Não admira, pois, que o quinino, embora perturbando ligeiramente a digestão, mas livrando das febres os individuos que

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o tomam, lhes conserve um regular estado de saúde e nutrição relativamente aos outros, anemicos e emmagrecidos, porque, não tendo usado preventi­vamente do quinino, foram accommettidos varias vezes pelas febres.

A prophylaxia pela quina e quinino completará a prophylaxia realisada pelos outros processos que já indicamos.

Não devemos pensar em administrar o quini­no d'uma forma continua aos habitantes dos paizes palustres; este agente therapeutico será reservado para quando os outros processos não poderem ser realisados e quando, por qualquer motivo, se re­cear uma infecção. Os marinheiros só tomarão quinino quando desembarcarem. Os viajantes e sol­dados em campanha só o devem usar quando atra­vessarem paizes em que o paludismo reine com in­tensidade.

Nem todos os auctores são concordes nas doses e modos de administração do quinino. A dose deve ser pequena de forma a não fatigar a economia, mas sufficiente para garantir o fim a que se destina, isto é, a preservação das febres. As doses de sulfa­to de quinino inferiores a 10 centigr., por dia, são insuficientes ; a d'uni gramma, administrada d'uma só vez, é muito forte, produzindo zumbido dos ou­vidos e algumas vezes surdez. A dose diária de sul­fato, para um adulto, deve oscillar entre 20 e 3o centigr. (Laveran) ; esta quantidade não produz per­turbações apreciáveis e é eficaz.

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Burot e Legrand aconselham tomar o quinino só de dois em dois, ou de três em três dias, na dose de 3o a 6o centigr.

Ha então dois methodos de administração do quinino: n'um a dose é pequena e diária; no ou­tro, é maior, mas tomada com um ou mais dias de intervallo. Ambos estes methodos teem valor e prestam-se á discussão : no primeiro, o quinino en-contra-se permanentemente no sangue, mas em quantidade menor; no segundo, falta durante al­guns momentos no sangue que perde então o seu poder toxico, mas n'outros, é mais abundante que no primeiro methodo, e portanto mais segura a sua acção sobre o hematozoario. Podemos seguir o segundo processo, de indubitável valor, mas prefe­rimos o primeiro, sobretudo nas pessoas que não tolerarem muito bem este alcalóide.

A quina tem sido usada muitas vezes, mas o sulfato de quinino é o mais correntemente empre­gado. Manquât aconselha o chlorhydrate básico, por ser mais rico em alcalóide e irritar menos, que o sulfato, as vias digestivas. O quinino pôde ser administrado em vinho, pílulas, ou cachets; deve ser tomado por uma só vez, escolhendo-se o mo­mento d'uma refeição, de forma a evitar a irrita­ção que provocaria no estômago vasio.

Varias experiências teem sido feitas, sobretudo em Italia, com o acido arsenioso, afim de determi-

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nar o seu poder preservativo contra as febres pa­lustres. Em 1889, 657 empregados dos caminhos de ferro do Adriático foram submettidos ao tratamen­to preventivo, tomando cada um, por dia, um mil-ligr. d'acido arsenioso : em 402 empregados não houve febres; em 119 o effeito foi incerto (ligeiros accessos); em i36 deu-se completo insuccesso. As outras experiências realisadas foram, como esta, in­felizes.

Não podemos, pois, depositar confiança no valor prophylatico do acido arsenioso. Seguimos a opinião de Laveran que diz: «L'acide arsénieux qui, employé à petites doses, est un tonique et un reconstituant, peut donner, comme tous les autres médicaments de cette catégorie (café, noix vomique, etc.), des résultats favorables, surtout chez des in­dividus déjà anémiés, mais il n'a pas d'action spé­cifique et l'on comprend qu'à titre préventif, com­me à titre curatif, il soit beaucoup moins efficace que la quinine».

Immunisação artificial

Celli e Santorí, em 1896, constataram que as in­jecções de sôro sanguíneo de animaes, possuindo immunidade natural para todas as formas do palu­dismo, podem prolongar o período de incumbação do paludismo experimental. Estas experiências, que

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podiam fazer crer na possibilidade d'uma sorothe-rapia, foram repetidas, em 98, por Celli e Santori, com resultados negativos.

Estes experimentadores constataram também que o soro sanguineo dos individuos em convales­cença das febres, não é dotado de propriedade al­guma immunisante para o próprio doente (immu-nidade activa), nem para outros individuos (iramu-nidade passival e que também é desprovido de qual­quer acção curativa. As injecções de soro d'um cavallo que foi submettido á ingestão de doses pro­gressivamente crescentes de quinino, deram egual-mente resultados negativos.

Acclimatação ao paludismo

A acclimatação ao paludismo nunca é possivel. Em geral, todo o individuo, vivendo n'uma região palustre e que já teve febres, é novamente attingido por ellas com maior facilidade que outro qualquer chegado d'um paiz salubre e até ahi indemne.

Os individuos já muito fustigados pelo paludismo acabam por reagir mal a esta doença, que de preferen­cia toma n'elles a forma cachetica ; os grandes ac-cessos de febre são raros, o que levou a julgar, du­rante algum tempo, que a resistência ao paludismo augmenta va com o habito. Não é verdade; o palu­dismo no seu primeiro ataque manifesta-se quasi

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sempre por febre muito intensa, mas esta forma é muito menos grave que a cachetica que, em geral, se observa nos individuos já minados por ataques anteriores.

O perigo para quem habita um paiz palustre au­gmenta á medida que os ataques se repetem.

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PROPOSIÇÕES

Anatomia. — O atlas é uma vertebra incompleta.

Physiologia. — As capsulas supra-renaes teem por funcção principal destruir ou neutralisar os productos da combustão muscular.

Anatomia pathologica.—A presença das falsas mem­branas não basta para o diagnostico da angina diphterica.

Therapeutica.— No tratamento da pneumonia o ve­sicatório de cantharidas é por vezes não só inutil mas pre­judicial.

Pathologia geral. — Não ha relação entre a frequên­cia do pulso e a gravidade da febre.

Operações. — No tratamento dos aneurismas pela la-queação da artéria preferimos o methodo d*Hunter.

Pathologia externa. — Condemnamos as injecções abortivas no tratamento da blennorrhagia.

Pathologia interna. — Nas doenças infecciosas a func­ção urinaria é uma das que mais deve chamar a attenção do clinico.

Partos.— O estado de gravidez não constitue contra-indicação ao tratamento das febres palustres pelos saes de quinino.

Hygiene. — As vantagens do mosquiteiro na prophyla-xia do paludismo não são inferiores ás do quinino.

Medicina legal. — A presença da membrana hymen não exclue a possibilidade de gravidez.

Visto, Pôde imprimir-se,

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ERRATAS MAIS IMPORTANTES

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