dissertação de mestrado de jailson alves dos santos

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO, FILOSOFIA E HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS JAILSON ALVES DOS SANTOS CONTRIBUIÇÃO BRASILEIRA PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM CIÊNCIAS NATURAIS E MATEMÁTICA NO TIMOR-LESTE: O PROCAPES 2007 A 2009. SALVADOR 2012

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Dissertação defendida no Programa de Pós-graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências.

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Page 1: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO, FILOSOFIA E HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS

JAILSON ALVES DOS SANTOS

CONTRIBUIÇÃO BRASILEIRA PARA A FORMAÇÃO DE

PROFESSORES EM CIÊNCIAS NATURAIS E MATEMÁTICA NO

TIMOR-LESTE: O PROCAPES – 2007 A 2009.

SALVADOR

2012

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JAILSON ALVES DOS SANTOS

CONTRIBUIÇÃO BRASILEIRA PARA A FORMAÇÃO DE

PROFESSORES EM CIÊNCIAS NATURAIS E MATEMÁTICA NO

TIMOR-LESTE: O PROCAPES – 2007 A 2009.

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em

Ensino, Filosofia e História das Ciências, Instituto de

Física, da Universidade Federal da Bahia e da

Universidade Estadual de Feira de Santana, como

requisito parcial para obtenção do título de Mestre.

Área de Concentração: Ensino de Ciências

Orientador: Prof. Dr. Nelson Rui Ribas Bejarano

Co-orientador: Prof. Dr. Marcelo Leandro Eichler

SALVADOR

2012

Page 3: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

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Santos, Jailson Alves dos

Contribuição Brasileira para a Formação de Professores em Ciências Naturais e

Matemática no Timor-Leste: o Procapes – 2007 a 2009. Salvador: UFBA, 2012. 93 f.

Orientador: Nelson Rui Ribas Bejarano.

Co-orientador: Marcelo Leandro Eichler.

Área de concentração: Ensino de Ciências.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Instituto de Física:

Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências,

Salvador, Bahia, Brasil, 2012.

Unitermos: 1. Formação de Professores, 2. Multiculturalismo, 3. Ensino de

Ciências. 4. Cooperação internacional.

Page 4: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

4

JAILSON ALVES DOS SANTOS

CONTRIBUIÇÃO BRASILEIRA PARA A FORMAÇÃO DE

PROFESSORES EM CIÊNCIAS NATURAIS E MATEMÁTICA NO

TIMOR-LESTE: O PROCAPES – 2007 A 2009.

Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Ensino, Filosofia e História das Ciências.

Data de aprovação: _________de ______________________ de 2012.

BANCA EXAMINADORA

Titulares:

Nelson Rui Ribas Bejarano __________________________________________________

Doutor em Educação/USP

Fernando Spagnolo_________________________________________________________

Doutor em Política para Ciência e Tecnologia/University of Sussex, Inglaterra

Edilson Fortuna de Moradillo_________________________________________________

Doutor em Ensino, Filosofia e História das Ciências/UFBA-UEFS

Suplentes:

Suzani Cassiani____________________________________________________________

Doutora em Educação/Unicamp

José Luis de Paula Barros Silva_______________________________________________

Doutor em Química/UFBA

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Page 6: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

6

Essa dissertação é dedicada especialmente ao pequeno Ian, que ilumina os meus dias.

Para Karina, minha companheira de jornada timorense e brasileira, que sabe acolher,

cuidar, respeitar. A sua presença ajuda a tornar a jornada mais suave.

Ao meu pequeno grande Matheus.

À minha mãe, pela sabedoria que herdamos.

Aos meus irmãos e irmãs, especialmente Sônia, que me ensinou principalmente a justiça e

a solidariedade.

Aos professores timorenses, com os quais convivi, e com os quais eu aprendi.

Page 7: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

7

Agradecimentos

Essa dissertação só foi iniciada e concluída pelo apoio que recebi, durante todo o

tempo que temos de convivência, do professor Nelson Bejarano, orientador que sabe o

tempo certo da orientação, sabe quando é hora de falar e de agir, de pegar pela mão,

pedagogicamente, e conduzir; de dar autonomia para o crescimento. Pelo enorme coração

que só os que convivem mais de perto sabem que ele possui. Pelo conhecimento que

acumula, sem a ostentação de quem o tem, mas sabe que tem.

Ao meu amigo Lailton Passos, pelos dias de convivência, pela amizade que se

consolidou, por ter me encorajado a decidir pelo tema aqui exposto.

Não posso deixar de agradecer ao professor Olival Freire, pelo acolhimento desde o

primeiro dia do mestrado, ainda como aluno especial, e depois, por ter me indicado o

caminho para encontrar o que eu desejava conhecer. Com a admiração que todos nós lhe

temos, e que cresce a cada dia que assistimos as suas aulas.

Ao professor Fernando Spagnolo, ex-coordenador geral do Programa de

Qualificação Docente e Ensino de Língua Portuguesa em Timor-Leste, que me indicou

para substituí-lo, permitindo que eu desenvolvesse uma visão mais aprofundada dos

projetos brasileiros de cooperação educacional implementados no Timor-Leste.

Ao senhor Domingos de Souza, Embaixador do Timor-Leste no Brasil e ex-Diretor

Geral do Ministério da Educação daquele país, porque sem o seu conhecimento e sem a sua

atuação junto ao Programa de Cooperação Brasileiro não teríamos conseguido desenvolver

juntos a nossa capacidade de trabalho cooperativo.

À Senhora Manuela Gusmão, ex-diretora do Instituto Nacional de Formação

Profissional e Contínua; ao senhor Armindo Barros, Diretor pedagógico do mesmo

instituto, que acolheram a equipe brasileira e ajudaram no desenvolvimento pleno das

atividades em Timor-Leste.

Ao professor timorense Calisto Doutel Sarmento, pelas aulas de tétum, pelas

conversas francas e pelo ensinamento sobre simplicidade e sabedoria; ao professor

timorense José Ramos, pelo sorriso, que escondia a força e a tenacidade de um homem que

está à altura dos seus líderes; ao professor João Freitas, homem de inteligência refinada.

Aos meus colegas do Programa no Timor-Leste, especialmente Sandra Beiju, Lúcia

Inês de Carvalho Veiga, Raimundo Castro e Tarcísio Botelho, com os quais conversei por

muitos dias sobre educação e formação de professores em Timor-Leste.

Page 8: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

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Aos colegas do Programa de Pós-Graduação da UFBA/UEFS, pela convivência

frutífera e pelo conhecimento trocado.

À Capes/Reuni, pela bolsa de estudos concedida, o que possibilitou estudos mais

direcionados.

Page 9: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

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RESUMO

Essa pesquisa tem como objetivo a análise e avaliação dos resultados das atividades

de formação de professores desenvolvidas no âmbito do Procapes, projeto de cooperação

entre dois países, o Brasil, que enviou professores para fazer a formação dos professores, e

o Timor-Leste, que recebeu apoio para melhorar a prática pedagógica dos seus professores

e aumentar o uso da língua portuguesa como língua de instrução.

Durante o período de vinte e quatro anos em que esteve ocupado pela Indonésia, o

Timor-Leste teve a sua estrutura física e o seu corpo técnico destroçado nesse período. A

proibição do uso da língua portuguesa em território timorense e a adoção do malaio como

língua franca e de instrução fez com que, ao restabelecer sua independência em 2002, o

Timor-Leste necessitasse de ajuda internacional, tanto para se reerguer, enquanto nação

livre, como para educar o seu povo. É por conta da aproximação com o português, tanto do

ponto de vista social, como linguístico, e portanto, cultural, que a cooperação brasileira é

efetivada, já que o Timor-Leste adotou a língua portuguesa como língua oficial junto com

a língua tétum e passou a integrar a CPLP, comunidade da qual o Brasil faz parte.

Analisamos o processo de formação continuada de professores, utilizando-se de

dois referenciais importantes no contexto timorense: o multiculturalismo e os saberes

docentes, na perspectiva de Maurice Tardif. O contexto de diversidade cultural, tanto do

ponto de vista linguístico quanto social e político, nos remete ao entendimento que a sala

de aula timorense no encontro com o professor brasileiro é o ambiente mais multicultural

que poderíamos ter. Por outro lado, formar professores em cursos de formação continuada

é ao mesmo tempo um aprendizado para o professor cursista quanto para o professor

formador, e isso é construir conhecimento sobre a diversidade cultural, e disseminá-lo pelo

mundo.

Palavras-Chave: Formação de Professores; Multiculturalismo; Ensino de Ciências;

Cooperação internacional.

Page 10: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

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ABSTRACT

This research aims to analyze and evaluate the results of teacher training activities

carried out under the Procapes, a project of cooperation between two countries, Brazil,

which sent teachers to the training of teachers, and Timor-Leste, which received support to

improve the pedagogical practice of their teachers and increase the use of Portuguese as a

language of instruction.

During the period of twenty-four years, Timor-Leste was occupied by Indonesia,

and had its physical structure and its staff broken. The prohibition of the use of Portuguese

in territory of Timor-Leste and the adoption of malay as a mother toungue and language of

instruction, made at the re-establish its independence in 2002, led Timor-Leste to need

international aid, both to rise again, as a nation free, how to educate your people. It is due

to the proximity with the Portuguese, both to social point of view, linguistic and therefore

cultural, that the Brazilian cooperation is effected, as Timor-Leste joined the CPLP, the

community of which Brazil also integrates.

We analyze the process of continuous training of teachers, using two important

references in the context of East Timor: multiculturalism and the teaching knowledge,

from the perspective of Maurice Tardif. The context of cultural diversity, both

linguistically, socially and politically, brings us to the understanding that the classroom

Timorese in the meeting with brazilian teachers is the most multicultural environment we

could have. On the other hand, offer training of teachers in continuing education courses is

both a learning experience for the teacher that receive the training and to teacher trainer,

and it is to build knowledge about cultural diversity, and spread it around the world.

Keywords: Teacher Education, Multiculturalism, Science Education, International

Cooperation.

Page 11: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

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LISTA DE FIGURAS e GRÁFICOS

Figura 1: Fluxograma das relações estabelevidas na formação de professors timorenses.

Figura 2: Mapa do Timor-Leste.

Figura 3: Divisão político-administrativa do Timor-Leste.

Figura 4: Mapa linguístico de Timor-Leste.

Figura 5: resposta ao item 7 do Questionário de Avaliação do Curso de Capacitação.

Figura 6: Capa de Guias do Aluno da disciplina de Química e Biologia, produzido pela

equipe de professores Brasileiros.

Figura 7. Atividades de formação no Distrito de Maliana, Timor-Leste.

Gráfico 1a. Entendimento da Língua Portuguesa quando falada - geral

Gráfico 1b. Entendimento da Língua Portuguesa quando falada – por distrito

Gráfico 2a. Entendimento da língua portuguesa quando escrita.

Gráfico 2b. Domínio da fala da língua portuguesa.

Gráfico 3. Língua de Instrução utilizada.

Gráfico 4. Uso da Língua Portuguesa como língua de instrução.

Gráfico 5. Distribuição do Guia Didático aos professores em 2006/2007.

Gráfico 6. Distribuição do Guia Didático aos professores em 2007/2008.

Gráfico 7. Uso do Livro Didático em português em sala de aula.

Gráfico 8. Dificuldade de compreensão do conteúdo do livro didático em português.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Distinção entre Professores Experientes versus Professores Novatos.

Tabela 2: Divisão escolar timorense.

Tabela 3: Número de professores por nível de ensino por distrito.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AuSAID: Australian Agency for International Development (Agência Australiana para o

Desenvolvimento Internacional).

BPG: Balai Penataram Guru (centro de treinamento de professores, em malaio)

CAPES: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CGCI: Coordenação Geral de Cooperação Internacional (Capes/Brasil)

CNRT: Congresso Nacional de Resistência Timorense.

CPLP: Comunidade de Países da Língua Portuguesa.

FRETILIN: Frente Revolucionária pelo Timor-Leste Independente.

INFPC: Instituto Nacional de Formação Profissional e Contínua.

ME: Ministério da Educação (Timor-Leste).

MEC: Ministério da Educação (Brasil).

PCT: Professor Cursista Timorense.

PE: Professores Experientes.

PFB: Professor Formador Brasileiro.

PKF: Peace Keeping Forces (Força de Manutenção da Paz).

PN: Professores Novatos.

PQD: Programa de Qualificação de Docentes e Ensino de Língua Portuguesa em Timor-

Leste.

PROFEP-TIMOR: Programa de Formação de Professores em Exercício da Escola

Primária em Timor-Leste.

PROFORMAÇÃO: Programa de Formação de Professores em Exercício.

RDTL: Republica Democrática de Timor-Leste.

SENAI: Serviço Nacional da Indústria.

TFET: Trust Fund for East Timor (Fundo Credor para o Timor-Leste)

UNAMET: United Nations Mission of East Timor (Missão de Nações Unidas em Timor-

Leste).

UNICEF: United Nations Children’s Fund (Fundo da Organização Mundial para as

Crianças).

UNMIT: United Nations Integrated Mission In Timor-Leste (Missão das Nações Unidas

em Timor-Leste de 25/08/2006 – atual).

Page 14: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

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UNMISET: United Nations Mission of Support in East Timor (Missão das Nações Unidas

para Suporte ao Timor-Leste)

UNOTIL: United Nations Of fice in East Timor (Escritório das Nações Unidas em Timor-

Leste – de 20/05/2005 à 19/05/2006 e de 20/06/2006 à 20/08/2006).

UNTAET: United Nations Transitional Administrat of East Timor (Administração

Transição de Nações Unidades em Timor-Leste – de 25/10/199 à 19/05/2002).

UNTIM: Universitas Timor-Timur (antigo nome da universidade pública UNTL, de 1986

até novembro de 2000).

UNTL: Universidade Nacional Timor Lorosae.

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SUMÁRIO

Introdução ....................................................................................................................... 17

Capítulo 1: Objetivos da pesquisa .................................................................................. 22

1.1 Geral

1.2 Específicos

1.3 Questões de pesquisa

1.4 Percurso Metodológico e aspectos teóricos dos instrumentos

Capítulo 2: O contexto timorense ................................................................................... 24

2.1 Apoio internacional diante da crise local

2.2 História recente de Timor-Leste

2.3 Indicadores sociais

2.4 Dados educacionais

Capítulo 3: Cooperação Brasileira em Timor-Leste ....................................................... 34

3.1 Programa Brasileiro de Cooperação e seus projetos

3.2 Procapes – objetivos, estrutura e funcionamento

3.3 Metodologia das capacitações

3.4 Elaboração dos livros didáticos

Capítulo 4: Multiculturalismo: implicações na formação de professores ...................... 42

4.1 Professores experientes x professores novatos

4. 2 A formação de professores no âmbito do Procapes

Capítulo 5: Encontro de duas visões de mundo e os resultados produzidos .................. 51

Capítulo 6: Considerações finais, à guisa de conclusão ................................................. 67

Referências Bibliográficas .............................................................................................. 71

Anexos ............................................................................................................................ 73

Page 16: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

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Page 17: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

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Introdução

“Toda vez que eu dou um passo

o mundo sai do lugar”

(Siba, compositor recifense)

Contexto da Pesquisa

A formação inicial e continuada de professores na República Democrática de

Timor-Leste (RDTL) foi estabelecida como uma das prioridades do Governo da

FRETILIN, como uma ação necessária para a superação dos problemas sociais e

econômicos do país, já que a estrutura educacional foi uma das mais destruídas durante o

período de ocupação indonésio. Tanto quando consideramos a formação inicial, no seu

reflexo que é a falta de professores com qualificação mínima para a atividade, quanto

quando consideramos a qualificação dos professores em atividade, o quadro que

encontramos em 2005 era muito grave. A situação em que se encontrava a educação no

Timor-Leste naquela altura não era apenas fruto dos anos de colonização portuguesa, mas,

principalmente, da guerra contra a invasão indonésia, que durante 24 anos cuidou de

destruir toda a sua infraestrutura física e os seus recursos humanos: os professores se

envolveram diretamente no conflito; e aqueles os que não o fizeram ou saíram do país ou

foram afastados das suas funções. O entendimento do governo era que a inserção do

Timor-Leste na comunidade internacional como um país em vias de desenvolvimento, não

se efetivará se não houver um forte investimento na recuperação da estrutura educacional,

tanto física quanto intelectual.

Durante o período da ocupação indonésia houve uma completa destruição da nação

timorense (SANTOS, 2001). A estrutura que havia para o ensino, como os Liceu de

Baucau e Dili e outras escolas de médio porte espalhadas pelo país, principalmente aquelas

vinculadas à Ordem Jesuítica, perderam a sua capacidade ou foram completamente

fechadas, já que a igreja católica foi perseguida e houve proibição do uso da língua

portuguesa em qualquer circunstância, afetando diretamente a estrutura educacional,

Page 18: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

18

porque a língua portuguesa era utilizada como língua de instrução. Após esse período (24

anos de domínio indonésio), quando a RDTL conseguiu restaurar a sua independência e

restabelecer a sua soberania, não havia professores para atuarem em salas de aula

capacitados para lecionar nas suas línguas declaradas oficiais (tétum e português). Essa

situação levou as lideranças políticas a solicitar ajuda internacional para compor, num

relativamente curto período, um quadro educacional viável ao seu desenvolvimento. Foi

em atendimento a esse apelo timorense que o Brasil enviou a partir de 2005, e nos anos

subsequentes até 2010, missões para atuar na capacitação inicial e continuada de

professores em diversos níveis de ensino. Para tal propósito, foi assinado um Acordo de

Cooperação entre as duas nações. Um dos objetivos desse Acordo foi a criação do

Programa de Qualificação de Docentes e Ensino de Língua Portuguesa (PQD), promovido

pelo Ministério da Educação do Brasil e executado pela Capes (Brasil) e pelo Ministério da

Educação do Timor-Leste. Essa pesquisa foi motivada pela minha participação nesse

Programa.

Participei do PQD entre abril de 2005 e junho de 2009. Durante esse período, atuei

em todos os projetos, iniciando as minhas atividades pelo Programa de Formação de

Professores em Exercício da Escola Primária em Timor-Leste (Profep-Timor), que no

Brasil chamava-se PROFORMAÇÃO. Esse projeto teve como objetivo capacitar e

certificar os professores da Escola Primária; em seguida fui para o Projeto de Capacitação

dos Professores da Escola Pré-secundária e Secundária (Procapes), cujo objetivo era dar

formação continuada aos professores de Ciências Naturais e Matemática desses níveis de

ensino.

O Programa de Qualificação de Docentes previa a implantação de 4 projetos: o

Profep-Timor (atuar na capacitação e certificação de professores da Escola Primária); o

Procapes (capacitar os professores de Ciências Naturais e Matemática da Escola Pré-

secundária e Secundária); o Elpi (ensinar português instrumental em diversas autarquias

timorenses); e o PG (implantar e implementar um curso de pós-graduação latu sensu para

professores de ciências naturais, pedagogia e língua portuguesa, vinculado à Universidade

Nacional de Timor Lorosa’e - UNTL). Essa estrutura foi sofrendo modificações ao longo

dos 5 primeiros anos do Acordo (2005-2009), como o apoio ao Bacharelato de Emergência

- que teve como objetivo formar e certificar licenciados em Ciências Naturais e

Matemática, também em parceria com a UNTL. Além disso, os professores brasileiros,

independente de estarem em um desses projetos, colaboravam como professores da UNTL,

a única universidade pública de Timor-Leste.

Page 19: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

19

Essa dissertação de mestrado é uma análise e avaliação dos resultados das

atividades de formação de professores desenvolvidas no âmbito do Procapes, à luz de

questões culturais e sociais importantes, e relacionadas com o quadro teórico de formação

de professores. Faz uma avaliação do Procapes, considerando que esta avaliação é

importante para entender o alcance das atividades de formação desenvolvidas com o apoio

do Brasil. Uma avaliação institucional está a espera dos organismos envolvidos, tanto pelo

lado do Brasil (Capes e MEC) quanto pelo do Timor-Leste (INFPC e ME).

É do Projeto Procapes e de seus resultados que tratarei, antecipando o que é

abordado em cada capítulo. No capítulo 1, fez-se um breve relato dos objetivos da

pesquisa, trazendo as questões de pesquisa que tentamos responder. As questões culturais

apontam para uma condição importante no desenvolvimento do trabalho em terras

timorenses, o que pode ter determinado, no final, os resultados obtidos com o Procapes nas

ações de formação de professores, considerando, por exemplo, que a formação de

professores foi executada por professores brasileiros, utilizando-se de materiais didáticos

brasileiros adaptados, formando professores timorenses que dominavam pouco a língua

portuguesa, tendo estudado durante toda a sua vida escolar em um contexto cultural bem

diferente do brasileiro, geralmente tendo como língua de instrução ou o tétum ou o malaio,

o que implica em visões de mundo diferentes, já que “a língua é um dos sistemas de

expressão de uma cultura; e as línguas são influenciadas pela cultura” (Grabe & Kaplan,

1989). Essa visão de mundo chega até a sala de aula onde ocorreram os processos de

capacitação, e foi analisada através das entrevistas com os professores brasileiros e

timorenses, e de outros documentos, relatórios e emails produzidos pelos professores do

projeto, de acordo o referencial teórico, considerando as duas categorias levantadas:

professores experientes versus professores novatos.

No capítulo 2 aborda o contexto timorense. Analisar o cenário onde foi

desenvolvido o Procapes é importante na nossa pesquisa, já que muitos dos desafios

vividos por aqueles que participaram do projeto têm seus contornos definidos

externamente, principalmente por questões de ordem política e econômica, como por

exemplo, o confronto entre os objetivos das diversas entidades apoiadoras do Timor-Leste

com o desenvolvimento de alguns projetos paralelos de formação de professores, como os

programas de Portugal, da Austrália e da Nova Zelândia, dos projetos da UNICEF, dentre

outros. Outros aspectos externos ao Procapes são relevantes o suficiente para trazermos em

perspectiva, principalmente aqueles que impactaram na formação da cultura recente do

timorense, e sua relação com os estrangeiros. Certamente, os propósitos do trabalho de

Page 20: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

20

professores formadores foram colocados sob suspeita quando se considera, por exemplo, as

invasões sofridas pelo povo timorense por outras nações, como por japoneses (1942-1945)

e pelos indonésios (1974 a 1999), fatos que certamente ajudaram a reforçar a desconfiança

dos timorenses em relação às intenções dos estrangeiros em seu território. Com efeito, o

estrangeiro é portador de hábitos, valores e costumes diferentes, portanto, essa

desconfiança é, de certa maneira, uma medida preventiva para resguardar sua integridade,

tanto do ponto de vista físico, como moral ou cultural (DIAS, 20121). Além dos aspectos

culturais (ou psicológicos, para alguns), o impacto dessas invasões foi relevante para os

resultados obtidos, já que promoveram a destruição da estrutura física das escolas, não

efetivaram uma formação inicial ou continuada de professores e modificaram a

organização curricular, introduzindo a matriz indonésia como forma de organização, dentre

outros aspectos. Os indicadores sociais e os dados educacionais levantados evidenciam a

profundidade da crise instalada no Timor-Leste e mostram o desafio que é superá-la, na

educação e através da educação.

No capítulo 3 levantou-se os dados técnicos da missão, tanto do Programa quanto

dos projetos que foram desenvolvidos no Timor-Leste pela missão educacional, dando

ênfase ao Procapes, explicando as suas diretrizes, os seus objetivos e a sua estrutura de

funcionamento. Muitas atividades de apoio ao ensino timorense foram desenvolvidas

simultânea e paralelamente às atividades centrais do Procapes, subtraindo, por um certo

aspecto, o tempo de trabalho pedagógico dos professores brasileiros. A análise dos

documentos oficiais do governo brasileiro e do governo timorense pode esclarecer quais

eram os resultados esperados pelo projeto, confrontando-os com os resultados obtidos

efetivamente.

No capítulo 4, utilizam-se as categorias Professores Experientes (PE) e Professores

Novatos (PN) para mostrar que a sua visão de mundo e a sua experiência de vida têm

relação com a atividade docente e implicou no resultado do trabalho desenvolvido nas

capacitações, já que:

“o saber dos professores depende, por um lado, das condições concretas nas

quais o trabalho deles se realiza e, por outro, da personalidade e da

1 DIAS, André Luiz Mattedi. Apontamentos escritos para o texto de qualificação, 2012.

Page 21: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

21

experiência profissional dos próprios professores” (TARDIF, 2011, pag.

16).

Encontramos tanto professores formadores brasileiros (PFB) quanto professores

cursistas timorenses em formação (PCT) enquadrados em uma das duas categorias. O

significado disso para o processo de formação continuada foi analisado nesse estudo,

tentando esclarecer como a diversidade cultural pode ser desafiadora ao processo de

formação e quais as suas implicações em sala de aula. Assim, a partir da história de vida

dos professores e da sua experiência poderemos entender como e onde eles ancoram a sua

prática pedagógica.

No capítulo 5, apresentam-se e discutem-se os resultados obtidos, onde

apresentamos dados do encontro de duas visões de mundo e como elas nortearam o

processo de formação, para, finalmente no capítulo 6 expõem-se, como conclusão, os

pontos positivos que o projeto alcançou, apontam-se as suas dificuldades e

estrangulamentos, considerando a contribuição dada à educação timorense e brasileira e

avaliando como essa pesquisa pode ajudar em situações educacionais de contexto

semelhante.

A presente pesquisa não é uma avaliação institucional do programa, embora não

possamos deixar de contribuir para essa avaliação, na medida em que analisamos os

documentos oficiais e relatórios entregues pelos professores brasileiros à Capes. O que

fizemos foi, no campo da formação de professores de Ciências Naturais e Matemática,

analisar as ações desenvolvidas no âmbito do Procapes, durante o período de 2007 a 2009,

considerando que estas ações devem ter contribuído para melhorar a prática pedagógica

dos timorenses, seja no domínio de conteúdos científicos, seja do conhecimento

pedagógico do conteúdo ou na reflexão que fazem sobre os saberes docentes relevantes na

sala de aula. Essas preocupações que são comuns a diversos teóricos com os quais nos

deparamos ao longo de nossa pesquisa, como Tardif (2011), Bejarano (2001), Zeickner

(2003), são também partilhadas por mim.

Page 22: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

22

Capítulo 1: Objetivo da Pesquisa

1.1. Geral:

Analisar o processo de formação de professores de Ciências Naturais e Matemática,

na perspectiva do multiculturalismo e do desenvolvimento profissional do professor, no

âmbito do Procapes entre 2007 e 2009.

1.2 Específicos:

Analisar e avaliar o uso dado na sala de aula timorense aos livros didáticos

desenvolvidos pelos professores brasileiros;

Avaliar mudanças no uso da língua portuguesa como língua de instrução pelos

professores timorenses participantes do Procapes.

Analisar como questões culturais influenciaram o processo de formação pelos

professores brasileiros.

Assim, o presente trabalho trata de analisar o processo de formação continuada de

professores de Ciências Naturais e Matemática, desenvolvido entre 2007 e 2009, no âmbito

do Procapes (Projeto de Capacitação dos Professores da Escola Pré-secundária e

Secundária), desenvolvido pelo Programa de Capacitação de Docentes e Ensino de Língua

Portuguesa em TL, à luz do multiculturalismo.

1. 3 Questões de pesquisa

i. Em que medida o livro didático utilizado na capacitação dos professores de

Ciências Naturais e Matemática contribuiu para a compreensão dos conteúdos

dessas áreas, já que o livro ocupou um papel central no processo de formação?

ii. Como foi o uso dos livros didáticos em sala de aula de Ciências Naturais e

Matemática timorense após a capacitação, diante da dificuldade na

compreensão da língua portuguesa (tanto escrita quanto falada) pelos

professores timorenses em formação?

Os referenciais teóricos que permitem abordar essas questões de pesquisa são

amplos e podem envolver paradigmas distintos, já que analisamos questões de cunho

didático-pedagógica, epistemológicas, linguísticas, sociais e políticas. No entanto, algumas

das questões guardam uma correspondência com as duas questões centrais, ou seja, existe

Page 23: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

23

uma relação entre teoria e prática dos professores em exercício, na medida em que se

percebe que existe uma relação entre a formação inicial e continuada dos professores e

aquilo que ele mobiliza na sua prática pedagógica. Há também uma relação entre as

questões culturais e os processos de ensino e aprendizagem de Ciências Naturais e

Matemática, as quais são muito mais evidenciadas no contexto timorense, o que nos leva a

analisar as questões linguísticas (um recorte da questão cultural) na formação continuada

de professores em Timor-Leste a partir das dificuldades encontradas no processo de

formação quando praticado por falantes de uma língua diferente.

1.4 Percurso Metodológico

1.4.1 Aspectos teóricos dos instrumentos

Um dos métodos biográficos utilizados por nós na coleta de parte dos dados está

baseado na delimitação terminológica de Allport (1947), que considera “manifestações

verbais” obtidas em entrevistas, declarações espontâneas, narrações etc. como válidos

quando o paradigma está no campo da sociologia, e o enfoque pode estar enquadrado como

um estudo de caso, embora aqui, pelo caminho trilhado dentro do projeto Procapes pelo

pesquisador, que há uma conexão com o que a literatura entende como relato de

experiência, dado o envolvimento tão longo com o tema e pelo trabalho desenvolvido

como professor formador brasileiro (PFB) no âmbito do projeto.

As entrevistas foram coletadas a partir de dois instrumentos diferentes. Um deles

teve como objetivo coletar algumas informações sobre a história de vida dos professores.

O outro teve como objetivo obter informações sobre a visão epistemológica dos

professores formadores brasileiros, sendo entendida como visão de mundo ou crença que

“associadas diretamente ao binômio causa e efeito no processamento da

informação e na percepção social dos indivíduos sobre objetos e a

realidade (...) funcionam como outra ordem de informação para determinar

o modo como cada pessoa conhece as coisas” (Rocha, 2002).

E que a relaciona com a sua atividade de professor formador em um contexto cultural

diferente do da sua formação inicial.

Foram realizadas entrevistas com três PFB, considerando que 2 destes poderiam

previamente ser enquadrados na categoria de PE e um como PN. Entre os professores

Page 24: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

24

timorenses, foram realizadas também três entrevistas, considerando que um deles poderia

ser enquadrado na categoria de PE, e os outros dois, na categoria PN.

Entre os PCT foram feitas entrevistas em áudio, utilizando-se a técnica de grupo

focal, onde juntamos cinco professores e fizemos três rodadas de entrevistas, que foram

gravadas e transcritas. Um deles disponibilizou um relato escrito, onde esclarece o seu

percurso como comerciante antes e durante a ocupação indonésia e como se tornou

professor, depois da ocupação.

Os PCT envolvidos no Procapes responderam a questionários fechados que tratam

de suas atividades durante o curso de capacitação e depois, quando retornaram à sala de

aula para as suas atividades como professores. Foram coletados 360 questionários que,

tratados pelo banco de dados Access e pela planilha Excel, foram analisados e

transformados nos gráficos, os quais foram inseridos nos resultados da pesquisa.

Ainda com relação aos PFB, a partir dos relatórios e dos emails enviados à

coordenação (os quais tratam de aspectos específicos das capacitações dentro de cada

disciplina específica, da relação com a coordenação da Capes, com a coordenação do PQD

e do Procapes), analisamos trechos que permitem avaliar pontos positivos e

estrangulamentos do Procapes a partir da visão dos professores brasileiros que atuavam em

campo.

Alguns dos instrumentos de coleta de dados de pesquisa foram documentos oficiais

emitidos pelo Ministério da Educação do Brasil editais e outros documentos emitidos pela

Capes. Pelo lado timorense foram emitidos outros documentos oficiais, como Aditivos de

Acordos, Memorandos e outras comunicações com a coordenação local do Programa,

também analisados.

Page 25: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

25

Capítulo 2: O contexto timorense

O Timor-Leste é um país pequeno. Seu território equivale, aproximadamente, a 2/3

do território do estado de Sergipe e é dividido politicamente em 13 distritos e 67

subdistritos. É uma meia ilha integrante do arquipélago de Sonda. Faz fronteira terrestre

com a Indonésia (a outra metade da ilha) e fronteira marítima, ao sul, com Austrália no

chamado Mar de Timor; e ao norte é banhado pelo mar de Banda. Sua população está em

torno de um milhão de habitantes e deve crescer nos próximos anos, apesar da taxa de

fertilidade estar diminuindo, seguindo a tendência mundial. Hoje a taxa é de 3,13,

calculada a partir do número médio de infantes nascidos por mulheres em idade fértil2.

Figura 2: Mapa do Timor-Leste3.

2 Fonte: http://www.indexmundi.com/g/r.aspx?v=31&l=pt.

3 Fonte: http://hdr.undp.org/en/reports/national/Asiathepacific_/timorleste/name,20687,en.html).

Page 26: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

26

Figura 3 divisão política do território timorense4.

O Timor-Leste foi descoberto pelos portugueses no século XVI (entre 1511-1514).

O interesse em especiarias levou os portugueses à exploração do território, principalmente

para a extração de sua quase única riqueza, o sândalo, o que levou os portugueses a

fazerem alianças com chefes tribais com o objetivo de se obter a madeira, a qual era levada

a Portugal para obtenção de óleos essenciais (utilizado na fabricação de perfumes, dentre

outros usos). Sem maiores recursos exploráveis naquele período, continuou como colônia

de Portugal, mantendo uma relação frouxa com a Metrópole por quase toda a sua

existência colonial. A sua posição geográfica determinou a sua invasão pelos japoneses na

Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de manter uma posição avançada em direção à

Ásia, principalmente porque o mar entre Dili e Ataúro (ilha timorenses a 30 km da capital)

tem uma profundidade acima de 3 mil metros, o que possibilitava manobras dos

submarinos japoneses. Outros objetivos militares se referiam à hegemonia do território

entre o sul da China e o norte da Austrália, permitindo controlar todo o pacífico sul. Há

ainda marcas dessa presença japonesa em muitos locais do Timor-Leste, a exemplo dos

túneis escavados em rochas calcárias em Viqueque, e destroços de aeronaves na ilha de

Ataúro5.

4 Fonte: http://timor-leste.gov.tl/?p=547&lang=pt#.

5 Distrito e subdistrito de Timor-Leste, respectivamente.

Page 27: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

27

2.1 Apoio internacional diante da crise local

Diante do modelo de desenvolvimento econômico globalizado, é impossível a

qualquer país ser aceito pela comunidade internacional sem que tenha superado os

problemas básicos do desenvolvimento educacional. O entendimento parte da análise de

que a educação é setor estruturante, pois dela dependerá o desenvolvimento de outros

setores importantes para o país, como por exemplo, a formação de pesquisadores,

cientistas, professores, engenheiros, juristas, técnicos, etc., enfim, vários setores

necessários para permitir tanto a estabilização interna como a inserção internacional. Mais

especificamente, exige-se dos países que tenham uma educação científica “que atenda às

exigências decorrentes do estado atual do conhecimento científico e suas aplicações”

(DELIZOICOV et al., 2005). No entanto, criar as condições para elevar e manter a

estrutura da educação científica em uma nação não tem sido uma experiência simples,

ainda mais porque cada nação possui um contexto absolutamente diferente; e as demandas

que se apresentam são tão amplas em cada uma delas e tão diversas, que poderíamos dizer

que os seus contextos são singulares. Diante disso, a experiência de trabalhar com

formação de professores tem um apelo local. Mesmo assim, é possível que tenhamos

algumas condições que se repetem, ainda que em tempos e espaços diferentes,

oportunizando o uso da experiência de algumas nações para a superação de alguns

problemas enfrentados no contexto interno de outras, considerando que “a experiência

internacional pode ajudar a colocar sob nova luz velhos problemas que afetam a formação

de professores” (GEORGEN & SAVIANI, 1998). Este tem sido o caso de TL, onde várias

nações têm colaborado para a superação do quadro de atraso técnico-científico. Lá, a

colaboração tem sido mais de ações práticas, com doação de estruturas físicas, técnica e de

pessoal especializado em educação em colaboração bi ou multilateral para o enfrentamento

da defasagem. O Brasil participou efetivamente dessa frente, tanto conjuntamente com as

Nações Unidas em cooperação multilateral, como em cooperação bilateral direta com o

Timor-Leste6. Dentre as colaborações mais importantes estão: coordenação da

Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste (UNTAET, sigla em

6 Para uma visão mais geral desses projetos e seus ajustes, ver relatório do MRE/Brasil (abril, 2010).

Page 28: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

28

inglês), chefiada por Sergio Vieira de Melo7; coordenação geral das Forças de Manutenção

da Paz (PKF) pelo Exército Brasileiro (dentro da UNMISET); e os programas de

cooperação técnico-educacional, como o do SENAI e o da CAPES/MEC.

2.2 História recente de Timor-Leste

O Timor-Leste é uma nação múltipla, formada por diversas etnias que

falavam/falam entre 17 e 37 línguas e dialetos diferentes. Essa multiplicidade vem

sofrendo reiteradas vezes um processo de redução, tanto no plano social quanto linguístico,

através de ações políticas específicas. Uma dessas ações ocorreu durante a ocupação

indonésia. Por algum significado prático num contexto de guerra, os indonésios tentaram

tratar o povo timorense como um só, reduzindo a nação, no plano lingüístico, por exemplo,

a duas línguas – tétum e malaio8 (ALBUQUERQUE, 2010), marginalizando e

criminalizando os falantes de língua portuguesa, talvez na pretensão de que, com a

introdução do malaio, fossem suprimidas as diferentes visões de mundo que as diversas

línguas e dialetos timorenses carregavam.

Figura 4: Mapa linguístico de Timor-Leste.

7 Sergio Vieira de Melo, diplomata brasileiro, funcionário da ONU desde 1969, coordenou a UNTAET,

faleceu no Iraque em 19 de Agosto de 2003, no atentado à bomba que destruiu o Hotel Canal, usado como

sede das Nações Unidas em Bagdá.

8 Em Timor-Leste, a influência é mais direta de uma variedade crioula do malaio (pazar malayu), chamada

internamente de Bahasa Indonésia.

Page 29: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

29

Em 1975, o TL foi invadido pela Indonésia, que permaneceu ocupando o seu

território até 1999. A invasão era justificada para a comunidade internacional com o

argumento da necessidade de conter a violência e acabar com a guerra civil entre os

Lorosa’e e Loromonu9. No entanto, sabe-se que a Indonésia tinha a pretensão de anexar o

Timor-Leste ao seu território, transformando-o em sua 27ª província, a qual chamou de

Timor-Timur. O contexto desta ocupação não será discutido aqui, mas podem ser

encontradas muitas publicações que esclarecem a ocupação e a tentativa de

autodeterminação do povo Maubere (outro nome para os nascidos em Timor-Leste), como

por exemplo, “Paradoxos da autodeterminação: a Construção do Estado-Nação e

Práticas da ONU em TL” (SILVA, 2004) ou “De Ceuta a Timor” (THOMAZ, 1994).

Além desses documentos, o filme “Timor Lorosa’e: o massacre que o mundo não viu”,

dirigido por Santos (2001), mostra um pouco da destruição promovida durante a saída da

Indonésia do território timorense. Essa ocupação e seus resultados sociais, políticos e

econômicos teve e tem grande impacto na educação timorense.

A economia timorense é baseada no setor agrícola, principalmente como economia

de subsistência, ou seja, produção de gêneros alimentícios como arroz, milho, feijão,

batata, etc., para consumo das próprias famílias produtoras. As receitas oriundas do fundo

para o desenvolvimento do país praticamente baseiam-se na exploração da Área de

desenvolvimento Conjunto Petrolífero (JPDA) (Decreto-Lei N.º 20/2008, RDTL, fonte:

http://timor-leste.gov.tl/?cat=35&lang=pt), além dos fundos de países doadores, mas

também de outros setores tais como: produtos minerais, marinhos e de atividades turísticas.

Sendo que todos estes recursos apontados carecem ainda de um maior investimento, tanto

por parte do setor público quanto do privado. O país ainda não tem uma indústria capaz de

produzir as matérias para cobrir todas as necessidades do povo.

9 Lorosa’e. s. nascente; oriente; Timor Lorosa’e: Timor-Leste (COSTA, 2000). É também adjetivo que designa

quem nasce no oriente, onde o sol nasce (ALBUQUERQUE, 2010); Loromonu/n. s. por do sol, ocidente,

oeste, poente (COSTA, 2000). Refere-se àqueles que nascem no ocidente, onde o sol se põe

(ALBUQUERQUE, 2010). Outros termos referidos são firaku e kaladi, que, em certa medida, representam

os mesmos macrogrupos ou relativos ao leste e oeste da ilha.

Page 30: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

30

2. 3 Indicadores sociais

A mortalidade infantil é alta, para mil nascimentos temos a média, no Timor-Leste,

de 40,65 - comparativamente, esse valor é de 22,58 no Brasil, 6,26 nos EUA e de 5,82 em

Cuba10

. Seu IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) está na posição 158 em 179

países listados*. Além dos indicadores sociais mostrarem a sua pobreza, os indicadores

econômicos mostram um país em sérias dificuldades frente ao modelo de desenvolvimento

aceito atualmente para inserção no cenário internacional: o seu orçamento público em 2010

foi de cerca de US$ 600 milhões; o PIB é de pouco mais de US$ 500 milhões e o PIB per

capita é de US$ 470**; a balança comercial é completamente desfavorável, tendo

exportado US$ 11 milhões e importado US$ 308 milhões (saldo negativo de US$ 297

milhões)***11

. Nesses valores não estão computados os royalties do petróleo que, quando

considerados, melhoram um pouco esses índices. Sua agricultura é basicamente de

subsistência, não tem indústrias, não tem rios perenes (com potencial para construção de

usinas hidrelétricas, por exemplo). Atualmente, ancora a esperança do seu

desenvolvimento nos royalties do petróleo que existe no mar de Timor (que faz fronteira

marítima com a Austrália, onde 90% pertencem ao Timor e 10% à Austrália) e nas doações

de vários países (incluindo o Brasil) mediados pelas Nações Unidas. Os royalties do

petróleo são aplicados em fundos nos EUA e na Europa, cujos rendimentos desde 2008 são

sacados anualmente e, segundo o governo timorense, investidos na educação12

.

2.4 Dados educacionais

Os indicadores educacionais do Timor-Leste mostram que, ao longo da sua história

enquanto colônia portuguesa e da ocupação indonésia, os prejuízos ao desenvolvimento

educacional ao país foram enormes. Os dados levantados junto ao Ministério da Educação

do Timor-Leste indicam que existe uma população analfabeta com 15 anos superior a

10 Fonte: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook, 2009 e IBGE, 2010.

11 Fontes: * PNUD. Human Development Report, 2008. ** FMI. World Economic Outlook Database, 2009 e

*** The Economist Intelligence Unit. Country Report, 2009.

12 Fonte: http://hdr.undp.org/en/reports/national/_asiathepacific/timorleste/name,20687,en.html.

Page 31: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

31

40%13

. Portanto, o quadro educacional do país é grave ainda hoje, sobretudo porque

durante o período de ocupação não houve qualificação de professores, os quadros técnicos

da educação e de quase todas as áreas críticas ou fugiram para o exterior ou entraram na

guerrilha contra o invasor. Muitos professores que atuavam em sala de aula não puderam

continuar atuando, porque as pessoas instruídas (dentre eles os professores) falavam a

língua portuguesa, que fora proibida; a língua de instrução passou a ser o malayo, chamada

internamente no TL de "bahasa indonésia" (língua indonésia, literalmente), portanto,

houve substituição dos professores timorenses por professores indonésios (ou timorenses

sem formação para o ensino, mas simpáticos ao regime do General Suharto), afastando

completamente não só do ensino, mas de todo serviço público os demais timorenses.

No Timor-Leste o ensino se divide conforme tabela abaixo:

Tabela 2: Estrutura escolar timorense14

Estrutura Escolar Timorense

Nível de ensino Duração (anos)

Ensino superior 3 a 6

Ensino secundário 3

Ensino pré-secundário 3

Ensino primário 6

Nesta tabela, para efeito de comparação, o nível Primário e o Pré-Secundário é

equivalente aos 9 anos do Ensino Fundamental brasileiro; e o nível Secundário equivale

aos 3 anos do Ensino Médio no Brasil.

Desde o referendo de 1999, onde o povo timorense votou pela autodeterminação,

diversas missões mediadas ou administradas pelas Nações Unidas (UNTAET, UNMISET,

UNOTIL, UNMIT), com o apoio de muitos países doadores, começaram a enviar recursos

13 Dados apresentados pelo MEC/Timor em 2008, quando da realização do II Congresso Nacional de

Educação do Timor-Leste. Para comparação com outros países lusófonos: na Guiné-Bissau, a taxa é de 63%;

Angola, 58%; Moçambique, 52%; Cabo Verde, 25%; São Tomé e Príncipe, 20%. Na Pesquisa Nacional por

Amostra de Domicílio (PNAD) de 2006, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),

aponta que a taxa de analfabetismo no Brasil é de 10,2% da população com 15 anos ou mais.

14 Fonte: Parlamento Nacional, Lei nº 14/2008.

Page 32: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

32

financeiros e técnicos para reestruturação da nação timorense. Todos os problemas

encontrados e enfrentados pelos membros dessas missões, e em particular pelos membros

do Programa de Qualificação de Docente e Ensino de Língua Portuguesa, têm relação

direta com a história recente do Timor-Leste, impactando na atividade de formação de

professores e informam muitas das tensões que foram vivenciadas, sejam elas derivadas da

conjuntura política e social ou de ordem técnica-educacional, e, provavelmente,

determinaram a qualidade das capacitações e da produção do material didático que lá

foram desenvolvidas.

Um dado determinante para o envio da missão brasileira ao Timor-Leste é que o

número de falantes da língua portuguesa diminuiu drasticamente durante o período de

ocupação indonésia. Os dados indicavam que apenas 5% da população falavam português

imediatamente após a saída da Indonésia (Hull, 1999). Esse dado do ME/Timor foi

verificado empiricamente nas atividades de formação de professores, a partir de 2005. O

Acordo de Cooperação tinha como um objetivo principal e urgente a reintrodução da

Língua Portuguesa (LP) em Timor-Leste para reverter esse quadro, principalmente porque

a LP junto com o tétum foram escolhidas como línguas oficiais. Para atingir esse objetivo

deveriam ser realizadas capacitações continuadas com os professores em exercício que

trabalhavam na função em 1974, isto é, antes da ocupação indonésia. Além disso, era

necessária uma certificação a alguns deles que eram professores leigos e atuavam no

ensino primário (ensino fundamental no Brasil), o que fora feito já a partir de maio de 2005

pelo projeto Profep-Timor (baseado no Programa PROFORMAÇÃO brasileiro).

Page 33: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

33

Tabela 3: número de professores por nível de ensino por distrito (fonte: INFPC-2007).

Page 34: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

34

Capítulo 3: Cooperação Brasileira em Timor-Leste

Segundo o Edital CGCI – nº 006/2008, e o Aditivo ao Acordo de Cooperação

(BRASIL, 2008), a instituição do Programa de Qualificação de Docente e Ensino de

Língua Portuguesa no TL, com base no Memorando de Entendimento firmado entre a

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e o Ministério da

Educação e Cultura de Timor-Leste – MEC tem como objetivo promover a formação, em

Língua Portuguesa, de professores de diferentes níveis de ensino daquele país. Esse Edital

tem o mesmo teor de outros editais que foram firmados a partir de 2005, firmando o acordo

de cooperação entre o Brasil e o TL para a área de educação com o objetivo de reintroduzir

a Língua Portuguesa naquele país. Essa reintrodução atende a dois aspectos: do ponto de

vista social, no Congresso do CNRT, realizado em 2000, foi defendido pelo linguista

Geofrey Hull (2001) que a língua portuguesa deveria ser a segunda língua oficial, junto

com o tétum, porque, pelo seu argumento, a LP era a única capaz de um diálogo com o

tétum do ponto de vista da preservação da cultura timorense; do ponto de vista político,

houve uma aceitação da LP porque foi a língua da resistência contra os indonésios, e

deveria ser utilizada como língua de instrução, porque o tétum não conseguira, tão

rapidamente, dar conta dos objetos (estudo das ciências), quanto o faria a língua

portuguesa, em substituição ao malaio, utilizado como língua de instrução durante todo o

domínio indonésio (24 anos).

A cooperação técnico-educacional entre o Brasil e o Timor-Leste começou muito

antes do envio da missão educacional, ainda no governo do Presidente Fernando Henrique

Cardoso, que visitou o TL em janeiro de 2001 e demonstrou interesse em firmar acordos de

cooperação que permitisse à nação timorense afirmar a sua independência e garantir o seu

desenvolvimento social e econômico. O entendimento entre as duas nações previa acordos

com a ABC (Agência Brasileira de Cooperação) e outras entidades brasileiras, sendo as

ações mais importantes: (i) instalação de um Centro de Desenvolvimento Empresarial,

Formação Profissional e Promoção Social Brasil - Timor-Leste, cuja implantação,

promovida pela ABC e o MRE (Ministério das Relações Exteriores), contou com a

colaboração direta do SENAI e da FIESP; (ii) Alfabetização Solidária em Timor-Leste

(ABC); (iii) Formação de Professores e Alunos com Recurso da Educação a Distância

(Telecurso/Fundação Roberto Marinho); (iv) envio de uma missão com 5 técnicos da

educação; e (v) o envio de 50 professores brasileiros para capacitação de professores

Page 35: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

35

timorenses e reintrodução da língua portuguesa. Algumas dessas ações foram prontamente

efetivadas no país, enquanto que a cooperação educacional do MEC para reintrodução da

língua portuguesa só se efetivaria em 2005, já no governo Lula.

Embora todos estivessem de acordo quanto a urgência do envio da Missão

Educacional, não havia uma saída administrativa legal para o envio dos 50 professores, o

que parece ter motivado a sua não imediata efetivação. A Capes foi designada como a

agência que seria responsável pelo envio dos professores, já que teria condição legal para o

envio de destes ao exterior. Os 50 professores enviados receberiam auxílio equivalente a

uma bolsa de doutorado no exterior. No entanto, apesar de estar resolvida a situação

administrativa legal, isso se constituiu num problema para a Missão durante toda a sua

vigência (2005/2010): não se sabia a qual agência se reportar, falta de definição dos papeis

de coordenação e incapacidade dos orgãos envolvidos de dar respostas aos problemas

encontrados no campo, durante a instalação e primeiras atividades da Missão. Até o

momento em que escrevo, a maioria das reivindicações antigas e atuais não foi atendida.

As três estruturas públicas envolvidas, o Ministério da Educação (signatário dos acordos

específicos de cada projeto), o Ministério das Relações Exteriores (signatário do acordo

geral do Programa de Cooperação) e a ABC/Capes (entidades responsáveis pelos recursos

financeiros), têm limitada capacidade e autonomia, e muitas restrições burocráticas legais.

Lamentavelmente, essa tríade de entidades tem gerado mais problemas que soluções ao

Programa desde a sua implantação em 2005, embora se deva reconhecer que os problemas

em sua maioria decorrem de fatores externos aos próprios orgãos envolvidos, e esbarram

na burocracia do Estado brasileiro. Outros tantos problemas encontrados referiam-se à

contrapartida timorense, em recursos materiais ou financeiros, que, embora fossem de

menor monta (aproximadamente 1% do montante brasileiro) foram negligenciados e/ou

ignorados, como aquisição de equipamentos de informática, local de trabalho com mínimas

condições de funcionamento, geradores elétricos etc., mesmo quando o recurso era oriundo

de Agências Internacionais, como o Banco Mundial, havia dificuldade de repasse aos

projetos.

O envio da missão foi feito após atendimento por parte dos professores ao Edital da

Capes. Inscreveram-se cerca de 13 mil e quinhentos professores de todo o Brasil, e foram

selecionados 50 profissionais que atuavam em diversos níveis de educação. Dos 50

selecionados, 8 foram destacados para trabalhar no único projeto que estava com sua

estrutura e organização já delineada, o PROFORMAÇÃO. Esse projeto era o mesmo

vigente em alguns estados do Norte e Nordeste do Brasil e em países africanos, com

Page 36: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

36

resultados obtidos bastante satisfatórios. Os professores desse projeto trabalhariam na

formação de professores da Escola Primária em Timor-Leste, e lá passou a chamar-se

PROFEP-Timor (Programa de Formação de Professores da Escola Primária em Timor-

Leste). Os demais professores (41, já que uma professora havia desistido da Missão)

atuariam junto ao MEC/Timor no apoio técnico aos diretores e como contrapartes de

técnicos de Educação em diversas diretorias. Vale lembrar que os 5 técnicos da área de

educação enviados anteriormente deveriam levantar as demandas e áreas de atuação onde

uma missão maior poderia colaborar. Estes eram vinculados diretamente a ABC/MRE.

Desses 5, três ainda permaneciam no TL quando da chegada da Missão da Capes, dois

deles - Leocádio Lameira e Walter Pinheiro - coordenaram por 2 meses a Missão da Capes,

sendo o primeiro responsável pelos professores do MEC/Timor e o segundo, pelos

professores alocados no INFPC. Por não haver um ou mais projetos específicos para alocar

os demais profissionais enviados, havia um sentimento negativo quanto ao sucesso da

missão, era grande a desmotivação dos professores e baixa efetivação de ações dentro do

MEC/Timor. Mesmo o projeto que saiu devidamente estruturado do Brasil ainda

encontrava dificuldades para iniciar as operações, uma vez que os professores brasileiros

chegaram ao TL antes da assinatura formal do acordo de implantação do projeto, o que só

se concretizou dois meses depois.

Page 37: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

37

3.2 Procapes – objetivos, estrutura e funcionamento.

O Procapes, projeto criado e implementado em 2007, tinha como objetivo, segundo

o Acordo de Cooperação celebrado entre o MEC de Timor-Leste e a Capes/MEC do

Brasil:

Capacitar os professores da série correspondente ao ano de introdução da

língua portuguesa, inclusive do Bacharelato de Emergência, no ensino das

disciplinas específicas em português e na utilização do novo material

didático elaborado, com aprofundamento dos conteúdos e de metodologias

de ensino.

Elaborar, considerando o período letivo anual, livros didáticos em português

para as seis disciplinas de responsabilidade dos professores brasileiros

(Matemática, Física, Química, Biologia, História e Geografia).

Elaborar o “Guia para o Professor” para capacitar os professores no uso dos

livros didáticos das respectivas disciplinas.

Supervisionar a utilização do material didático elaborado e acompanhar a

evolução do processo de ensino-aprendizagem com o uso da língua

portuguesa nas escolas.

Esperava-se que, ao final do projeto, teriam sido alcançados os seguintes

resultados:

Utilização do material didático em português, por parte dos professores

timorenses das referidas disciplinas;

Melhoria do processo de ensino-aprendizagem e do desempenho escolar dos

alunos;

Fortalecimento da formação docente dos professores que cursam o

Bacharelato de Emergência; e

Contribuição para a reintrodução da língua portuguesa no ambiente escolar

e sua difusão15

.

15 Fonte: Acordo de Cooperação para Qualificação de Docentes e Ensino de Língua Portuguesa em Timor-

Leste, Projeto I. Procapes, MEC/Brasil.

Page 38: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

38

Para atingir os objetivos do projeto foram selecionados 24 professores (4 para cada

uma das 6 disciplinas) e 1 professor que teria a função de coordenador, na primeira edição

do Procapes (2007-2008). Na segunda edição (2008-2009) não foi selecionado um

coordenador, além disso, as disciplinas de História e Geografia tiveram apenas 3

professores cada, totalizando 22 professores no projeto, tendo sido selecionados de vários

estados do Brasil.

Para realizar as capacitações sem interromper as atividades de sala de aula, estas

foram realizadas de forma intensiva durante o período das férias. O local escolhido foi o

INFPC, na Capital, Dili. Esse Instituto era dirigido pela senhora Manuela Gusmão (atual

embaixatriz do Timor-Leste no Brasil) e a direção administrativo-pedagógica estava a

cargo do senhor Armindo Barros (ainda exercendo esta função atualmente). O

financiamento da capacitação fora obtido com recursos do Banco Mundial, para custear as

despesas timorenses com deslocamento e alimentação, material de insumo etc. Para o

Brasil não houve despesas extras além da bolsa paga aos professores.

3.3 Metodologia das capacitações

As capacitações foram realizadas simultaneamente nos distritos de Ainaro, Baucau,

Dili e Maliana, entre julho e setembro de 2008. Para isso foram constituídos 4 grupos com

6 professores brasileiros, um para cada disciplina. A seleção dos professores timorenses foi

feita pelo staff timorense do INFPC, sendo inscritos 776 professores, tanto da Escola Pré-

Secundária quanto da Secundária (ver gráfico da distribuição por Distrito), alocando-se

aproximadamente 35 professores por sala de aula. A carga horária total foi de 420 horas de

treinamento, abordando os principais conteúdos do nível Pré-secundário e Secundário

levantados pelos próprios professores timorenses, a partir das suas necessidades de

formação. Em atenção aos objetivos específicos do Procapes, as capacitações abordariam

não só o conteúdo de cada disciplina, mas também os conteúdos pedagógicos. As aulas

foram ministradas de segunda à sexta, iniciavam às 7h30 e terminavam às 17h30, com

intervalo de 2 horas para almoço, totalizando, assim, 8 horas de encontro de formação por

dia. À direção do INFCP caberia indicar um professor timorense (com grau de bacharel),

para ser o contra parte do professor brasileiro, com o objetivo de transferir o conhecimento

para o staff do INFCP. Essa ação não foi realizada para a maioria das disciplinas. Sendo

Page 39: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

39

assim, os professores brasileiros trabalharam sozinhos na atividade de capacitação e na

elaboração do livro didático.

Os professores formadores utilizavam alguns dos livros didáticos conhecidos no

Brasil (provavelmente os mesmos utilizados em suas salas de aula brasileiras no ensino

fundamental e médio). No caso de química, muitos utilizavam os livros de Marta Reis,

Ricardo Feltre, Usberco & Salvador e de outros autores e editoras conhecidos no Brasil

para planejarem suas aulas. Essa situação foi minimizada em 2007, quando os professores

brasileiros começaram a utilizar na capacitação os livros desenvolvidos pela missão

anterior, após uma revisão dos mesmos.

Os professores formadores capacitavam os timorenses a utilizarem diversos

recursos pedagógicos, como aula dialogada, aula expositiva, desenhos animados,

seminários, visita de campo, etc. o que no contexto timorense, onde a aula geralmente é

centrada no professor e o recurso é o quadro de giz, significava grande avanço. Outro

aspecto importante foi a introdução de atividades de planejamento da tarefa docente e a

introdução da pesquisa da prática pedagógica. Estes e outros aspectos importantes e

fundamentais da atividade docente eram completamente desconhecidos pelos professores

timorenses, como podemos observar numa das respostas dada por um professor timorense

ao Questionário de Avaliação do Curso de Capacitação, abaixo:

Figura 5: resposta ao item 7 do Questionário de Avaliação do Curso de Capacitação.

3.4 Elaboração dos livros didáticos

Conforme já dissemos, essa tarefa não deveria ser desenvolvida pelo grupo do

Procapes, já que foram selecionados do Braisil professores para atuarem na formação dos

professores timorenses. Não havia professores com conhecimentos suficientes para

elaboração de material didático, além da supressão do tempo para planejamento

pedagógico das atividades de formação. Diante disso, o resultado foi abaixo do esperado.

Mas, diante do quadro timorense, onde não havia qualquer material didático para apoio da

prática pedagógica do professor timorense em sala de aula, esse material foi oportuno.

Page 40: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

40

Figura 6: Capa de Guias do Aluno da disciplina de Química e Biologia, produzido pela equipe de

professores Brasileiros.

Para a adaptação e elaboração dos Guias do aluno e Guia do Professor foram

tomadas várias decisões no sentido de dar aos Guias um caráter institucional, já que eram

elaborados por membros da Missão da Capes. Isso era necessário porque até 2008 cada

disciplina elaborava o seu Guia sem a preocupação estética que os relacionasse com a

entidade que financiava o trabalho ou com o próprio conteúdo, abrindo cada capítulo de

maneira diferente, como se não fizessem parte de um todo coeso e coerente como, por

exemplo, era feito com os Guias do Profep-Timor. Esses esforços visavam conferir maior

unidade aos Guias, minimizar os problemas oriundos da falta de uma equipe técnica com

experiência em elaboração de material didático e transferir esses conhecimentos para uma

equipe timorense. Dentre as decisões tomadas, foi criado um Conselho Editorial, presidido

pelo coordenador geral, com 1 (um) representante por disciplina e 1 (um) representante do

grupo de Ensino de Língua Portuguesa instrumental. (ELPI).

Page 41: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

41

Apesar do esforço feito para a elaboração dos livros e Guias didáticos, conforme

mostra o gráfico abaixo, pouco mais de 30% dos professores os teriam recebido no ano

letivo 2007/2008.

Gráfico 6. Distribuição do Guia Didático aos professores em 2007/2008.

Page 42: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

42

Capítulo 4: Multiculturalismo: implicações na formação de professores

Se não participamos da mesma cultura, também não partilhamos os mesmos valores

culturais. Quando não nascemos e crescemos dentro da mesma comunidade, a nossa visão

de mundo não compartilhada deve influenciar todas as demais estruturas, portanto,

aceitamos como razoável que a língua falada, escrita, os gestos, os signos e significados

atribuídos a eles, serão todos diferentemente entendidos (LARAIA, 2009). Desse modo, o

ensino de ciências, fruto de interações sociais, produto e bem cultural, deve estar imbricado

com questões culturais e com o domínio de uma língua vigente nessa cultura.

Segundo Chaui (1997), o termo cultura pode ser traduzido como cultivar, tomar

conta ou cuidar. Essas acepções estão relacionadas com algo cultivado na natureza e não

com o desenvolvimento do espírito. Para a autora, o termo cultura está ligado à educação

de modo mais amplo, já que, de certa maneira, a cultura é o primeiro contato do indivíduo

com o conhecimento, mas se considera também que cultura e educação tenham naturezas

distintas. Para Cascudo (1983), cultura, no sentido intelectual, vem de kultur, no Brasil,

cujo termo recebemos a partir da assimilação dos norte-americanos, damos a ele o sentido

que é atribuído pelos etnólogos, antropólogos e pedagogos, ou seja, cultura como sinônimo

de conhecimento e cultura como sinônimo de visão de mundo ou ideologia. Segundo esse

autor, cultura é um “conjunto de técnicas de produção, doutrinas e atos, transmissível pela

convivência e ensino, de geração em geração” (CASCUDO, 1983, pag. 39).

É Edward Tylor (TYLOR, 1920) quem dá a primeira contribuição para uma

investigação de Cultura como um objeto de estudo sistemático a partir do seu livro

Primitive Culture, por considerá-la um fenômeno natural, passível de evolução e, portanto,

de diferenciação entre os diversos grupos etnográficos. Para Rocha (2002), relacionar a

cultura e educação permite estudar e compreender a escola como um espaço de cruzamento

de culturas. O termo cultura é muito complexo e polissêmico, como se vê. O sentido de

que adotaremos é de cultura em equivalência entre cultura e conhecimento, já que a nossa

preocupação central ao abordar cultura é a sua relação com os processos de formação de

uma cultura científica, com uma perspectiva de análise a partir do multiculturalismo,

porque o entendimento nosso é de que a cultura científica, necessária a qualquer sociedade

contemporânea, é fruto de tensões geradas no seio da sociedade, por diversas estruturas, de

modo que a:

“recepção, apropriação e emprego são processos localizados socialmente

e sujeitos tanto às especificidades culturais de cada sociedade quanto à

Page 43: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

43

situação social histórica e concreta destas”. (VOGT e POLINO, 2003, p.

31).

A compreensão do impacto desse complexo multicultural e de suas implicações no

processo de formação inicial e continuada oferecida aos professores cursistas foi um

grande desafio nessa pesquisa, porque acreditamos que ela tenha sido relevante para o

processo de ensino e aprendizagem, na medida em que professores formadores brasileiros

e professores cursistas timorenses não comungavam da mesma formação inicial em termos

curriculares básicos, não comungavam das mesmas perspectivas quanto ao papel social de

um profissional da educação (e, mais especificamente, de professores de Ciências Naturais

e Matemática) e, agravando significativamente esse quadro, não comungavam da mesma

língua.

Ademais, a compreensão da língua portuguesa foi um sério obstáculo às atividades

de formação, como veremos no capítulo 5, onde apresentamos e discutimos os resultados

da nossa investigação. Uma língua é a “Expresión de la sabiduría y de la cultura de cada

nacionalidad y pueblo” (MOSEIB, 2010). Já COUTO (2007), considera o trinômio língua

(L), povo (P) e território (T) em um dado período, ou seja, um povo falante de um código

de comunicação em um dado espaço geográfico e num determinado tempo, como sendo

resultado e resultando num “fenômeno natural, social e psicológico”. Esse trinômio (LPT)

permite a elaboração de uma cosmogonia, ou uma visão de mundo, que é determinada por

questões culturais, como já exposto anteriormente. O que a língua transmite está em

correspondência com a sua cultura, sendo que para alguns autores ela é uma das expressões

da cultura (LARAIA, 2009). Assim, consideramos que os Professores Formadores e os

Professores Cursistas não partilhavam da mesma visão de mundo e isso referenciou o

processo de formação e conformou os seus resultados.

Assim, ao trazer para a discussão da formação de professores a importância que tem

os sujeitos dessa formação, trazemos a relação que o professor guarda com a sociedade,

que difere de um ambiente cultural para outro, e utilizamos o multiculturalismo para apoiar

a investigação nesse campo, já que “o multiculturalismo é uma estratégia política de

reconhecimento e representação da diversidade cultural” (SILVA & BRANDIM, 2008).

No entanto, há sérios questionamentos que podem ser feitos. Um deles refere-se à validade

do conhecimento científico como universal, ou seja, a cultura científica (uma parte da

cultura) poderia ser entendida como maior que a própria cultura (o todo), já que aquele

seria “universal”, contra esta, “local”. Essa é uma discussão importante, mas que não será

Page 44: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

44

desenvolvida nessa dissertação. Apesar disso, o que percebemos é que muito do que

pensava o professor brasileiro, ao perceber que teria que dar conta desses aspectos no

processo de formação, e que foram negligenciados, ecoavam o tempo todo na sala de aula,

com efeito, os professores brasileiros, formados nas escolas brasileiras, deparavam-se com

situações de formação onde o conhecimento científico relacionava-se com o animismo a

todo momento.

Essa concepção de universalidade da ciência tem sua origem na Grécia Antiga, a

partir das especulações de diversos filósofos, como Leucipo, Demócrito, Sócrates, Platão,

Aristóteles (LONG, 2008). Assim, na medida em que nos distanciamos do ocidente em

direção ao oriente, há um entrelaçamento com outras práticas científicas que não estão

inicialmente ligadas àquelas oriundas da Grécia. Portanto, podemos questionar a

perspectiva dos timorenses quanto à validade da universalidade da ciência. Pode parecer

uma questão menor, mas ela é discutida por muitos pesquisadores que se debruçam sobre a

aprendizagem científica (AUSUBEL et all, (1980); MOREIRA, (1994); NOVAK &

GOWIN, (1996)), considerando que só recentemente foi dada a essa pergunta uma

consideração séria. Pesquisadores mostram que a resposta, amparada na tradição da ciência

tal como praticada no Ocidente é que: sim!, a ciência é universal. Assim, os aspectos que

envolvem a prática pedagógica, o ensino e a aprendizagem das diversas ciências têm um

caráter local, porque envolvem questões contextuais específicas, como essas que temos

como pano de fundo da nossa investigação, que é a cultura (a língua, a ideologia, a política,

a economia, etc), que negam, ou melhor, localizam (se isso se pode dizer, sem ser uma

negação, no sentido da lógica) essa universalização. De qualquer modo, muitas dessas

questões têm importância, de acordo com os resultados obtidos no processo de formação,

quando desejamos preparar professores para prática da atividade docente, verificando que,

no contexto timorense, temos diferentes culturas daquelas encontradas no Brasil. Se, numa

sala de aula de uma cidade podemos dizer que já há diferentes culturas, entre os

timorenses, vindo de diversas regiões do Timor-Leste, falantes de diversas línguas nativas,

a sala se tornava multicultural, de uma grande complexidade para se lidar do ponto de vista

pedagógico, com amplificação dos aspectos culturais, porque o processo de formação era

conduzido por professores brasileiros, vindos de diversas partes do Brasil.

Como exemplo do meu argumento em favor da complexa situação encontrada pelos

Professores Formadores em Timor-Leste que impactou nas atividades do Procapes, levanto

aqui dois aspectos distintos que podem ser enquadrados na visão de mundo e concepção de

ciências com os quais nos deparamos tanto em sala de aula como em situações cotidianas

Page 45: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

45

fora dela: a relação do timorense (a) com o tempo para realizar uma tarefa; (b) como se dá

o entendimento de teorias científicas bem estabelecidas, como por exemplo, a Teoria de

Deriva Continental.

(a) A noção de tempo para um timorense difere da nossa. A execução de uma

tarefa, por exemplo, é muito diferente. Isso é fruto da cultura e das relações sociais

estabelecidas historicamente. O tempo nos permite entrar em relação com a natureza e com

os homens. Na língua tétum, a palavra que designa futuro é “Aban-bainrua”, que, na

tradução literal significa “dois dias depois de amanhã,”. Portanto, parece adequado pensar

que a noção de futuro nossa é diferente da deles, já que seria razoável supor que o seu

alcance quanto ao futuro iria até apenas dois dias além do presente, e, portanto, a execução

de uma tarefa, também. Ou, por outro lado, a execução da tarefa é uma coisa; o tempo que

será destinado a ela e quando será destinado, é outra. Ou seja, a noção de acontecimentos

que estão subordinados ao tempo é diferente. Certamente, os timorenses têm uma noção de

futuro ligado a um período maior que dois dias, uma vez que se utilizam da agricultura, das

estações do ano para plantar, colher, pescar, etc., o que nos credencia a dizer que têm um

alcance maior que o aplicado gramaticalmente (“aban-bainrua”). No entanto, tarefas

didático-pedagógicas desenvolvidas na sala de aula, como as de ensino-aprendizagem,

algumas delas requerendo ações que se inicie e termine hoje ou amanhã tem apelo

diferente entre nós e o povo timorense. O que para nós deve ser feito com urgência, para

eles pode esperar, como eles diziam: “la iha buat ida”, significando “não tem nada, não” ou

“não tem importância, deixa estar...” (COSTA, 2000). Assim, notamos que a relação com o

usufruto do tempo em Timor-Leste é diferente do Brasil. E isso terá implicação em todos

os processos desenvolvidos na vida social de cada timorense, afetando, claro, as atividades

desenvolvidas no processo de formação do Procapes, já que tempo destinado aos estudos

implica no seu melhor aproveitamento.

(b) A partir da interpretação que os professores cursistas de ciências naturais dão

aos terremotos, podemos inferir como a sua visão de mundo, baseada principalmente no

animismo, convive com a explicação dos fenômenos dados a partir de uma teoria

científica, e a diferença em relação a nossa concepção de natureza (ao menos quando

aplicada aos brasileiros que vivem em centros urbanos). A teoria das Tectônicas de Placas

(proposta por Alfred Wegener em 1915, com a publicação do seu livro A origem dos

Continentes e dos Oceanos), explica porque temos os terremotos. Sem querer alongar-me

na teoria, simplificadamente, ela nos diz que a crosta terrestre está dividida em 13 placas,

Page 46: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

46

às quais estão sobre um manto líquido. Essas placas movem-se lentamente e,

ocasionalmente, uma encontra outra, podendo ocorrer submersão de uma parte de uma

delas à outra; ou pode ocorrer um deslizamento lateral. Esses eventos provocam os

terremotos e outros fenômenos associados a eles, como os tsunamis. Como o Timor-Leste

está localizado próximo ao chamado Cinturão de Fogo do Pacífico, os terremotos lá são

frequentes. Ao perguntarmos, por exemplo, porque aconteciam terremotos, as respostas,

mesmo vinda de professores de ciências naturais, que deveriam possuir um conhecimento

mais ou menos claro da Teoria da Deriva Continental, davam-nos explicações a partir de

uma visão animista, argumentando que os abalos sísmicos eram “porque Deus cochilava e

a Terra estava caindo de suas mãos” (depoimento de um professor cursista timorense dado

ao autor, Dili, 2009). Tais respostas, não ancoradas em aspectos científicos apreendidos no

processo de formação em Ciências Naturais, evidenciam um perfil epistemológico

fortemente animista, fundado na sua visão de mundo.

Durante o processo de formação continuada dos professores de ciências naturais e

matemática em Timor-Leste, tivemos oportunidade de encontrar professores cursistas com

formação profissional inicial diferentes, o que modificava sua atitude na sala de aula.

Aqueles que haviam feito toda a sua formação em território timorense tinham um

entendimento da ciência como uma justaposição com os saberes populares e/ou crenças

apreendidas através dos mitos timorenses. Por outro lado, o entendimento da

correspondência de uma teoria científica e a explicação de um fenômeno natural (como os

terremotos) era fortalecido entre aqueles que haviam feito parte da sua formação inicial na

Indonésia, ou seja, entre estes prevalecia a cultura científica em relação ao animismo, ou

pelos menos demonstravam clareza quanto ao entendimento das causas de certos

fenômenos naturais.

4.1 Professores experientes versus professores novatos.

Norteou também a nossa investigação as categorias de Professores Experientes

versus Professores Novatos. Apesar de abordagens epistemológicas e metodológicas

diferentes, pesquisas indicam alguns aspectos mais gerais que podem definir e distinguir as

categorias, como: distinção entre formação inicial e formação continuada (MALDANER,

2003); comprometimento com a aprendizagem versus comprometimento com o ensino;

experiência mais cosmopolita versus experiência local; domínio do conteúdo elevado

Page 47: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

47

versus baixo domínio do conteúdo; boa qualidade da formação inicial versus má qualidade

da formação inicial (BEJARANO, 2001); entendimento de que deve ser um professor

pesquisador como parte da formação contínua do professor (MALDANER, 2003);

relevância dos saberes como um aspecto a ser considerado nos estudos sobre a identidade

da profissão do professor (PIMENTA, 1999). Essas categorias são importantes ao nosso

estudo porque, pela estrutura de trabalho que foi desenvolvido no Procapes, consideramos

relevante aprofundar o conceito de professor experiente (PE) e professor novato (PN).

Ambas as categorias aparecem tanto entre os professores formadores brasileiros quanto

entre os professores timorenses em formação continuada.

Tabela 1. Distinção entre Professores Experientes versus Professores Novatos (adaptado de

KAGAN (1992), apud BEJARANO (2001).

Característica Categoria

Professor Experiente Professor Novato

Tempo de formação (em anos) Muitos anos Recém formado

Tempo de docência (em anos) Muitos anos Poucos anos

Preocupação com a aprendizagem Alta Baixa

Preocupação com a pesquisa alta Baixa

Experiência cosmopolita Sim Não

Domínio do conteúdo Alto Baixo

Entender a atividade desenvolvida pelo professor na sala de aula pressupõe

entender o contexto da sua formação, o conjunto de saberes a ele acessível durante e após a

sua formação e, como tem sido constatado em muitas pesquisas, a experiência acumulada

pelo professor considerando a sua história individual e a sua história profissional, já que é

fundamental considerar o professor, em sua própria formação, num processo de auto-

formação, de reelaboração dos saberes iniciais em confronto com sua prática vivenciada.

Assim, seus saberes vão-se constituindo a partir de uma reflexão na e sobre a sua prática.

Essa tendência reflexiva tem sido apresentada como um novo paradigma na formação de

professores, consolidando uma política de desenvolvimento pessoal e profissional dos

professores.

As pesquisas internacionais conduzidas nos últimos 30 anos mostram uma

preocupação crescente com os saberes docentes (TARDIF, 2011) mobilizados em sala de

Page 48: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

48

aula, mas que não são apenas fruto do saber promovido no âmbito da formação

profissional acadêmica. O que se depreende é que a formação adquirida pelo

desenvolvimento da própria tarefa profissional é aprimorada na medida em que o tempo

passa e que o professor acumula conhecimentos práticos e teóricos no exercício da sua

atividade. Para Bejarano, “ensinar é uma atividade humana complexa, e os fatores que

envolvem o ensino são, por conseguinte, também complexos e múltiplos” (BEJARANO,

2001, p.32). Assim, diante dessa complexidade do trabalho docente, outros teóricos

apontam para a necessidade de um profissional reflexivo (SCHÖN, 1992). A análise da

atividade do professor em atuação na sala é de difícil enquadramento numa única

perspectiva teórica. No contexto timorense, essa complexidade vem acrescida de uma

diversidade cultural, com os atores participantes do processo pertencentes a culturas

diferentes, e mesmo considerando cada cultura isoladamente (timorense e brasileira),

sabemos que cada cidadão participa de maneira distinta da cultura, se apropriando

diferentemente dos bens culturais produzidos (LARAIA, 2009), portanto, revestindo a

atividade de uma complexidade muito maior. Daí a necessidade de analisar os dados sob

essas categorias (professores novatos x professores experientes), articulados com os

saberes docentes, com os critérios que indicam o professor reflexivo e professor

pesquisador, porque esse caminho pode nos conduzir de uma maneira mais segura às

respostas das nossas perguntas de pesquisa.

4.2. A formação de professores no âmbito do Procapes

Conforme caracteriza Delizoicov (2010), o trabalho pedagógico pode ser

organizado em três momentos: Estudo da Realidade, Estudo Científico e Trabalho Prático.

No contexto de estudo de Delizoicov, o Estudo da Realidade corresponde ao primeiro

contato com o assunto a ser estudado, seja através de “exame do objeto em estudo”, seja

através do levantamento de dados sobre o mesmo. O Estudo Científico é quando se

abordam os aspectos necessários à compreensão da realidade; e o Trabalho Prático, é a

realização de atividades coletivas direcionadas pelo estudo científico. Estes aspectos

deveriam ter norteado também as atividades do Procapes. No entanto, houve um

desconhecimento da realidade, quer seja pela sua complexidade, quer pela forma como foi

conduzida a preparação anterior à execução do projeto. O fato é que o trabalho prático

sofreu interferência comprometedora pelo inadequado estudo da realidade timorense.

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49

O papel dos Professores Formadores era complexo, porque envolvia questões mais

amplas que o domínio de conteúdos, mais amplas que o conhecimento pedagógico do

conteúdo e de técnicas pedagógicas. Eram atividades que visavam o resgate da profissão de

professores onde a estrutura física das escolas estava destruída, a estrutura humana

descaracterizada para a função, porque havia uma distância muito grande do período da

formação inicial dos professores, que remontava às décadas de 70 e 80. Assim,

precisávamos acima de tudo, nos sintonizar com o que se esperava da retomada da

construção da identidade do professor dentro da construção da nova identidade timorense.

Mas como colocar tudo isso em prática quando a compreensão da língua está

comprometida e, portanto, o ato de argumentar também, considerando que o argumento

científico deve ser dominado para a compreensão da ciência? Assim, estão relacionados o

conceito de enculturação com a prática da argumentação (DRIVER & NEWTON, 1997;

NEWTON et all, 1999). Para estes pesquisadores, apropriar-se da linguagem científica,

que é uma forma particular de falar sobre e de ver o mundo, é fundamental quando a

ciência é tida como uma espécie de cultura.

As ações desenvolvidas no Procapes atendiam ao fluxograma abaixo:

Figura 1: Fluxograma das relações estabelecidas na formação continuada de professors timorenses.

Assim, a análise dos aspectos importantes, como caracterização dos Professores

Formadores e dos Professores Cursistas e a análise do material didático, trazem

informações valiosas sobre como foram desenvolvidas as atividades, quais as finalidades

que elas pretendiam (a partir das ementas das disciplinas, por exemplo) e quais os

materiais utilizados para o desenvolvimento da atividade de formação.

Page 50: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

50

O processo de formação de professores em Timor-Leste, promovido pela missão

brasileira permitia ao professor timorense construir o tirocínio necessário à sua prática,

para isso, ele foi alertado de que é necessário compreender o seu trabalho dentro de uma

perspectiva maior, como professor-pesquisador da sua prática pedagógica, mas também

como um agente produtor de conhecimento para a sociedade.

Page 51: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

51

Capítulo 5: Encontro de duas visões de mundo e os resultados produzidos

5.1 Análise dos dados dos professores brasileiros quanto a sua concepção epistemológica e

sua visão de mundo.

Com relação aos dados levantados dos professores formadores brasileiros, dos três

(3) professores que foram entrevistados, 2 deles se classificaram como experiente e um

como inexperiente em atividades de sala de aula como professor. Um deles tinha

graduação em química, com 4 anos de licenciado, e mestrado em química analítica; um em

biologia, com um ano de licenciado, e o outro em matemática, com 5 anos de licenciado.

Ao ser perguntado ao PFB3 sobre:

P2. Quando você iniciou o trabalho de formação de professores em Timor-

Leste, se considerava um professor “Experiente” ou “Iniciante”?

A resposta dada foi:

R. “Quando iniciei meu trabalho como professor em Timor-Leste eu já tinha

experiência em docência na rede pública e particular, nos ensinos médio e

fundamental. Entretanto não julgava esse experiência como plena para todo o

trabalho que seria desenvolvido no PROCAPES, fui aprendendo a medida que o

trabalho foi se desenvolvendo.” (PFB3. Entrevista, Anexo 3)

E quando se perguntou sobre:

P3. Você já conhecia o Timor-Leste antes de integrar-se ao Procapes?

R. Sim ( x ) Não ( ). Quando me candidatei em 2007 para ir a Timor-Leste já

havia me candidatado antes em 2005. Entretanto não fui aprovado no processo de

seleção. Neste intervalo passei a estudar mais sobre o Timor-leste e buscar

informações sobre o trabalho da Capes em Timor através de depoimentos na internet.

Quando me candidatei pela segunda vez eu já tinha uma maior noção sobre o país.

(PFB3. Entrevista, Anexo 3).

E para outro professor formador brasileiro, quando perguntado sobre:

P4. Tinha informações atualizadas do país, como história recente, dados da

população, dados sobre falantes de língua portuguesa, etc.?

R. Sabia apenas que se falava português e tinha conhecimento do massacre

que foi com a saída dos indonésios, mas não conhecia toda história. (PFB2. Entrevista,

Anexo 2).

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52

Todos os professores foram unânimes em dizer que não conheciam o país, com

exceto o fato de saber que falavam português, mesmo assim, conforme explicitamos

anteriormente, apenas 5% da população timorense falava português por volta de 2005

(Hull, 1999), de modo que “quando cheguei lá, vi que a única coisa que sabia não era

totalmente verdade.” (PFB1. Entrevista, Anexo 1). Desse modo, estava seriamente

comprometida as atividades de formação, já que o trabalho pedagógico tem que ser

amparado no conhecimento da realidade é (DELIZOICOV, 2010).

Ao analisarmos a questão P6. Ao ingressar no Procapes, você se considerava filiado a

qual corrente epistemológica?, as respostas foram: o PFB1 se diz de outra corrente,

comentando que:

“Sou um professor que mescla o tradicional com a vanguarda,

dependendo de onde estou e para quem estou atuando. Como profissional

devo buscar a linguagem condizente com meu público-alvo, sem que isso

acarrete perda de conteúdo a ser ensinado”. (PBF1).

O PBF2 se diz construtivista; já o PBF3, respondeu que:

“Não me considero filiado a nenhuma dessas correntes epistemológicas.

Mas sempre procurei fazer um trabalho que pudesse extrair aspectos

importantes de cada uma destas no processo de construção da

aprendizagem do aluno como um ser plenamente interventor no processo

de construção do conhecimento, mas principalmente, na formação de

alunos aptos a raciocinar os conhecimentos construídos em sala de aula,

com a realidade em sua volta e de sua sociedade, com o objetivo voltado

a intervenção crítica e significativa na sociedade a partir de quaisquer

conhecimentos adquiridos.” (PBF2).

Percebe-se que o PB2, apesar de não se dizer construtivista, em sua fala ele explicita que o

aluno é “plenamente interventor do processo de conhecimento”, o que é defendido pelo

construtivismo.

Quando perguntamos na questão P7. Você acredita que essa filiação influenciou

a sua prática pedagógica? De que maneira?, as respostas foram:

“Nosso primeiro planejamento ocorreu na semana em que cheguei ao

Timor. Seria um curso de formação continuada aplicado no interior

do país, um local nunca antes explorado pela missão. Do grupo de

Page 53: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

53

biologia duas eram veteranas e dois novatos e os outros ainda por

chegar. O desconhecimento da realidade nos levou a planejar às

escuras e o resultado foi um novo planejamento.” (PBF1).

Já para outro professor foi:

“Na forma de ver e conceber minha prática em sala de aula.”

(PBF2).

Enquanto que para outro professor foi:

“Como dito anteriormente não sou filiado a nenhuma destas

correntes, mas procuro exercer o que há de positivo em ambas, mas

talvez o que mais me influenciou na minha prática pedagógica em

Timor-Leste foi conhecer as reais necessidades do público alvo, como

a necessidade do entendimento da comunicação, por isso eu mesclava

as aulas entre português e tétun, necessidade de práticas de ensino e

das próprias dificuldades específicas do conteúdo da química e da

contextualização do conhecimento químico com o meio ambiente de

Timor-Leste, por exemplo.” (PBF3).

Assim, podemos perceber que, não obstante dois dos três professores serem

professores experientes, isso não significa que tenham clareza da sua filiação, porque ainda

que não a explicitem (2), talvez por desconhecerem os fundamentos destas correntes, são

vinculados a uma delas, o construtivismo.

Na questão 10, considerando os dados levantados a partir das entrevistas,

percebemos que há entre os PFB o conceito de crença relacionado com crença no sentido

religioso. Embora crença muitas vezes tenha esse sentido sem em nenhum momento ser

entendido como menor, ou pejorativo (Rocha, 2002), é um sentido diferente da nossa

concepção, onde crença está relacionada com valores, visão de mundo, visão

epistemológica, cosmogonia etc. O animismo é uma espécie de crença e é bastante

arraigado na cultura timorense, por exemplo, na explicação dos terremotos, ou no mito de

formação do território timorense, e que impregna a cultura científica de tal modo a

confundirem-se por diversos momentos.

Quando perguntamos: P. 10: Você julga que a visão de mundo (crenças,

cosmogonia, cultura científica) dos timorenses pode ter influenciado a sua atividade de

formação de professores no Procapes? Se sim, em que medida isso aconteceu? A

resposta do professor foi:

Page 54: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

54

“Não influenciou não. Sempre aprendi a respeitar as crenças dos

outros. Em nenhum momento deixei de ensinar qualquer conteúdo

por pretexto de visão de mundo dos timorenses, e olha que ensinei

até colocar camisinha usando cabo de vassoura e falei abertamente

sobre sexo em sala em que havia timorenses religiosas, eles sempre

entenderam que era um conteúdo e que isto não colocava na berlinda

suas crenças e costumes.” (PB3).

A partir da resposta, para o professor há uma equivalência entre “crença” como

visão de mundo.

Já para o PBF2 a resposta foi:

Sim. Na medida em que tive que aprender a respeitar a forma como

os timorenses veem o mundo. (PBF2).

E o PB3 respondeu:

Totalmente. Em Timor-Leste respeitei acima de tudo a cultura local

e sempre no pensamento de que cada timorense se expressava

através de sua cultura e que esta cultura influenciava diretamente na

construção da relação pessoal professor-aluno e do processo de

ensino-aprendizagem e respeitando cada timorense com a própria

expressão de sua cultura.

Assim, apesar de estarmos buscando dissonâncias entre os professores brasileiros e

timorenses, com relação à sua epistemologia, ou seja, como entendem o processo de

construção do conhecimento pelo sujeito, vimos que essa perspectiva pode estar muito

mais relacionada com outro aspecto, que é a formação do professor brasileiro, do ponto de

vista de uma concepção epistemológica. Para o PFB1, “crença” aparece como sinônimo de

filiação ou simpatia a uma religião, mostrando que, para alguns professores, o sentido dado

à palavra “crença” na sua indistinção como crença religiosa é o equivalente ao sentido

dado à palavra “política” como sinônimo de “política partidária”. Assim, o processo de

formação deve ter sido também condicionado por ausências, ou pela não assimilação, desse

importante aspecto (clareza do que é epistemologia e como ela orienta os processos de

formação). Para dois dos três professores brasileiros, há uma implicação da cultura com o

processo de formação, porque entendem que os aspectos culturais podem estar presentes na

sala de aula de ciência, “na forma do timorense ver o mundo” (PBF2), bastante de acordo

com o nosso paradigma do multiculturalismo, no entanto, parece que o que tem orientado o

trabalho pedagógico do posto de vista epistemológico é o que se conhece por

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55

epistemologia da prática, representada por uma fonte espontânea de aprendizagem e de

conhecimento (TARDIF, 2011). Para esse autor, o perigo reside na crença de que o

exercício da sua atividade docente seja suficiente para garantir a competência do prático, o

que não é. Por outro lado, uma visão extremamente “cognitivista ou epistemológica do

saber pode levar à uma racionalidade cognitiva que coincide somente com o

conhecimento” (TARDIF, 2011, p. 299), o que eliminaria os aspectos culturais do

conhecimento, importantes para o desenvolvimento da formação no contexto do Procapes.

Das três concepções da prática em educação trazidas por Tardif (2011, pp.161-65),

a educação enquanto arte; a educação enquanto técnica guiada por valores; e a educação

enquanto interação, todas elas são fortemente ligadas ao fazer pedagógico dos professores

brasileiros em Timor-Leste, no entanto, essa concepção de interação é fundamental para o

desenvolvimento do trabalho realizado no Procapes, principalmente porque defendemos

que o trabalho esteja relacionado com aquilo que o autor traz quanto à filiação dessa

concepção às teorias educacionais, como a etnometodologia, o simbolismo interacionista,

as teorias da comunicação e, para nós, o multiculturalismo. Para o autor:

“na origem da nossa tradição, a atividade educativa foi definida, portanto,

entre outras coisas como uma atividade de interlocução, de interação

linguística onde são testados esse ‘saber-falar’ e esse ‘saber-pensar’ que

os gregos chamavam de logos e que nós geralmente traduzimos por

‘razão’” (TARDIF, 2011, p. 165)

Dessa maneira, para o desenvolvimento de uma atividade educativa e onde

professores formadores não falam nem compreendem a língua falada pelos professores

cursistas, o desafio muito grande, provavelmente negligenciado pela maioria dos

envolvidos, porque a capacitdade de argumentar e debater, como concepção de saber é

aquele provavelmente mais ausente nos processos de formação que se desenvolveu no

Procapes, porque não há debate nem argumentação, se não se pode expressar claramente

em linguagem natural, o seu pensamento quando se quer referir a “um saber que se

desenvolve no espaço do outro e para o outro”, (TARDIF, 2011, p. 196).

5.2 Análise dos dados dos professores brasileiros em relação ao processo de formação.

Segundo o nosso quadro de referência para classificar o professor como Professor

Experiente ou Professor Novato (Tabela 1), o PFB1 pode ser classificado como um

professor experiente, segundo os critérios levantados, aos quais o PBF1 atende, ou seja:

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56

tempo de docência, preocupação com a aprendizagem, preocupação com a pesquisa,

experiência cosmopolita e domínio do conteúdo. Um dos aspectos importantes do seu

trabalho como professor formador foi a sua preocupação com a aprendizagem dos

professores timorenses em formação. A partir da análise dos relatórios de missão (foram

feitos três relatórios, um para a capacitação intensiva, um para o primeiro semestre e outro

para o segundo semestre da missão), podemos avaliar que havia uma grande preocupação

desse professor com os resultados que poderiam alcançar o seu trabalho. Esse professor

ministrou a disciplina Metodologia do Ensino de Ciências, conforme o Relatório do

Professor Formador Brasileiro 1 (Anexo 4) enviado à CGCI da Capes através da

coordenação local em TL. Segundo o PFB1, um ponto negativo na disciplina foi que:

“O público alvo demonstrou desconhecimento amplo de

fundamentos biológicos necessários à boa apresentação dos

conteúdos microbiológicos, em virtude de apenas 10% dos alunos ser

efetivamente professor de biologia, os outros são professores de

língua portuguesa. O que impossibilitou um aprofundamento maior

da microbiologia nas técnicas de ensino.” (Relatório Semestral do

PFB1, Anexo 4).

Mais adiante, no mesmo relatório, ele informa que no curso:

“Possibilitou-se promover estratégias para contextualização dos

conteúdos pedagógicos, idealizando a construção do conhecimento com

diversas técnicas de ensino.” (Relatório Semestral do PFB1, Anexo 4).

O que mostra que o professor tem uma preocupação com a promoção de estratégias

de ensino. Na nossa análise é suficiente para o seu enquadramento como professor

experiente.

A preocupação com a aprendizagem dos alunos era sempre o que norteava a prática

pedagógica durante o processo de formação conduzido pelos professores brasileiros, que

na troca de experiência com outros profissionais, ou no desenvolvimento da sua prática, ele

também se fazendo professor, introduzia metodologias desconhecidas dos professores

timorenses, como mostra o relato abaixo, extraído do relatório semestral enviado à

coordenação do Procapes:

“Foram trabalhados todos os conteúdos desta sebenta e as metodologias

empregadas foram: aula expositiva através de resumo no quadro negro,

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57

resolução dos exercícios, aplicação de dinâmicas como jogos

matemáticos e dinâmicas de grupo, além de seminários e resolução de

exercícios apresentados em língua portuguesa pelos professores. Como

auxílio às aulas, lancei mão da língua tétun (sic) em correlação com

português.” (RPF3).

De qualquer modo, o que podemos considerar é que, se por um lado, as técnicas

apresentadas aos professores timorenses foram importantes para o desenvolvimento de

suas tarefas como professores, não podemos deixar de assinalar que qualquer professor que

tenha participado do Procapes, trouxe para a sua experiência profissional um saber que

provavelmente jamais teria alcançado se não tivesse tomado parte do projeto. Segundo

Tardif (2001, p. 109), há certas características do saber experiencial que são destacadas,

como: a) o saber experiencial, ligado às atividades próprias do professor, no

desenvolvimento dessas atividades, daí a importância da experiência, do tempo de

docência ser relevante, do professor experiente ser melhor, sob certas circunstâncias, que o

professor novato; b) O saber é um saber prático, está a serviço da ação, a cognição do

professor é condicionada ao desenvolvimento da sua atividade; c) é um saber interativo,

mobilizado no âmbito de interação entre os diversos atores educativos; d) o saber é

sincrético e plural e repousa sobre um vasto repertório de conhecimentos, que é utilizado

em função do contexto e das contingências da prática profissional.

Por qualquer uma dessas características do saber acima expostas, os professores

brasileiros podem ser relacionados, porque quando da interação com os professores

cursistas timorenses, o saber experimentado por eles deve ser diferenciado, em relação

àqueles que não tiveram uma experiência como esta, que pode ser de grande importância

no desenvolvimento das suas práticas, quando retornam para suas atividades no Brasil.

Infelizmente, essa pesquisa não é longitudinal, portanto, não temos dados para avaliar as

mudanças no saber experiencial dos professores brasileiros envolvidos no Procapes, já de

posse das suas funções em salas de aula brasileiras.

5.3 Análise dos dados dos professores brasileiros em relação a avaliação do Procapes.

Do ponto de vista da sua estrutura e organização, os professores foram unânimes,

tanto pelo lado da responsabilidade do Brasil, quanto pelo lado timorense, em afirmar que

faltaram elementos para o alcance pleno do êxito do projeto, no sentido de que os

resultados alcançados não foram aqueles que previa o projeto inicialmente. Pelo lado

Page 58: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

58

brasileiro, os professores entrevistados atribuem à Capes parte da responsabilidade.

Quando perguntamos (P5.) se era relevante o conhecimento dos aspectos culturais

timorenses para o desenvolvimento do seu trabalho de formação de professores, todos os

professores entrevistados responderam sim, o PFB1 complementou a sua pergunta com o

comentário:

R. “Acredito que deveria ter havido um “workshop” prévio sobre o

país aplicado pela Capes. Isso evitaria contratempos e o trabalho

fluiria melhor ao saber para quem planejar suas aulas. Ter

conhecimento prévio do seu público-alvo.”

No relatório semestral enviado à coordenação do projeto, outro professor informa

que:

“A Capes deve dar uma maior atenção a este projeto, tendo em vista a

importância dele”. (RPFB4).

Outro ainda complementa que deveria haver:

“Maior interação da coordenação deste programa da CAPES com as

atividades em Timor-Leste, inclusive através da leitura minuciosa

dos relatórios e acompanhamento mensal das atividades (envio de

relatórios mensais de atividade pelos bolsistas).” (RPFB3).

A sensação era que a Capes não atribuía a importância ao Projeto (e também ao

programa) que os professores brasileiros sentiam ao entrar em contato com as atividades de

formação no território timorense. Talvez haja aí uma dissonância entre objetivos políticos,

ainda que levem a efetivação de ações concretas (como o envio de uma missão tão grande

a outro país) e aquilo que se efetiva no cotidiano das ações implementadas, longe da rotina

burocrática de um órgão como a Capes, sobretudo porque a rigor, ela não tinha condições

de gerenciar e coordenar uma missão complexa como o Procapes. A justificativa oficial

para a Capes ter entrado na missão nunca foi claramente explicada, no entanto,

informalmente, entre os diversos coordenadores que estiveram na missão desde 2005, a

explicação era que a Capes possuía estatuto jurídico que permitia o envio de bolsistas a

outros países, pagando o equivalente a uma bolsa de doutorado sanduiche, o que era

aproximadamente 1/3 do que se pagava a um técnico com nível superior vinculado ao

Ministério das Relações Exteriores, MRE, como por exemplo, os técnicos do Senai que

trabalhavam em Dili, capital do Timor-Leste.

Page 59: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

59

5.4 Repercussão do processo de formação continuada dos professores timorenses no seu

cotidiano de prática docente.

Em geral, mudanças na prática pedagógica eram visíveis, porque os professores

brasileiros os capacitavam a utilizarem diversos recursos pedagógicos, como aula

dialogada, aula expositiva, desenhos animados, seminários, visita de campo, etc. o que no

contexto timorense, onde a aula geralmente é centrada no professor e o recurso é o quadro

de giz, significou grande avanço. Outro aspecto importante foi a introdução de atividades

de planejamento da tarefa docente e a introdução da pesquisa da prática pedagógica, já que

estes e outros aspectos importantes e fundamentais para o sucesso da atividade docente

eram completamente desconhecidos pelos professores timorenses, como mostra a figura

abaixo:

Figura 6. Atividades de formação no Distrito de Maliana, Timor-Leste.

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60

Esses eram resultados esperados pelo Procapes, conforme estabelece o documento

oficial de acordo (Anexo 8). Um dos objetivos, tanto do PQD quanto do Procapes, era a

reintrodução da língua portuguesa como língua de instrução. Tanto o uso da língua

portuguesa, como a utilização do livro didático no processo de formação continuada dos

professores timorenses, quanto a utilização da LP como língua de instrução nas salas de

aula timorense foram pesquisadas através de um questionário estruturado (Anexo 9)

aplicado aos professores timorenses, o qual foi cruzado com outro questionário aplicado

aos 34 professores formadores brasileiros envolvidos no Procapes. As respostas ao

questionário mostra como eram utilizados os livros didáticos, qual a língua que era

utilizada na sala de aula timorense, qual era o nível de compreensão dos professores

timorenses do português quando escrito e quando falado. Os resultados foram parcialmente

divulgados, através do Relatório Final da Missão, entregue às autoridades brasileiras

(CAPES/MEC/MRE) e timorenses (ME/INFCP), elaborado pelos professores brasileiros

do Procapes, a partir do que foi compilado no Seminário de avaliação da capacitação

(Anexo 13), que alertaram tanto o governo brasileiro quanto o timorense para os problemas

e estrangulamentos decorrentes da capacitação, além, claro, de apontar os seus pontos

positivos, já que esse projeto tem sido

“uma experiência que merece atenção especial por ser a primeira em que

professores brasileiros passaram um longo período trabalhando com

professores timorenses em seus distritos” (SANTOS, 2009).

E

“A análise dos aspectos positivos, das dificuldades encontradas e

desafios desse modelo de treinamento podem inspirar novos caminhos a

serem trilhados pela Cooperação Brasileira” (Idem, p. 3).

5.4. 1 Compreensão da língua portuguesa e seu uso como língua de instrução.

Os dados coletados indicam que houve mudança na compreensão da língua

portuguesa escrita e falada, que houve uso efetivo de material didático por parte de muitos

professores timorenses em sala de aula; e que houve mudança na prática pedagógica dos

professores timorenses, com incorporação de novas técnicas. Ainda assim, os gráficos nos

mostram que o tempo para compreender a língua portuguesa (entendimento quando falada

ou escrita) por parte dos professores cursistas timorenses e para ter conhecimento dela o

suficiente para ministrar aulas (domínio da fala) não foi suficiente, conforme os dados

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61

expostos nos gráficos abaixo. O gráfico 1a refere-se ao entendimento da língua portuguesa

no geral, ou seja, a síntese de todo os distritos participantes da formação; já o gráfico 1b

refere-se ao entendimento da língua portuguesa por distrito; o gráfico 2, assim como todos

os demais, sempre que não referir-se aos distritos, são síntese de todo o território timorense

(geral).

Gráfico 1a. Entendimento da Língua Portuguesa quando falada.

Gráfico 1b. Entendimento da Língua Portuguesa quando falada – por distrito.

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62

Gráfico 2a. Entendimento da Língua Portuguesa quando escrita.

Gráfico 2b. Domínio da fala da Língua Portuguesa.

Com relação à língua utilizada como língua de instrução, pelo gráfico 3 podemos

perceber que a língua de instrução escolhida não é o português, já que 68,85% dos

professores escolhem ou malaio ou tétum como língua para ministrar as suas aulas. Isso

decorre do baixo domínio da LP, tanto escrita como falada (gráficos 1a, 1b 2 2a). O

processo de formação continuada não foi suficiente para permitir um domínio maior da

língua portuguesa pelos professores cursistas timorenses que lhes garantisse conforto e

segurança para seu uso em sala de aula.

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63

Gráfico 3. Língua de Instrução utilizada.

Gráfico 4. Uso da Língua Portuguesa como língua de instrução.

5.4.2 Distribuição dos livros didáticos aos professores e alunos.

A elaboração dos livros didáticos foi sempre um ponto sensível no Procapes, já que

eles eram produzidos paralelamente às capacitações pela mesma equipe, conforme

podemos ver na agenda de trabalho (Anexo 12). Essa equipe, já pequena para a quantidade

de trabalho de formação, ainda teria que assumir outra tarefa de grande responsabilidade

como essa com a elaboração de material didático, sem dizer da incapacidade técnica para a

tarefa, que requer profissionais especializados em várias atividades (formação de

professores, elaboração de material didático, diagramação, digitação etc). Portanto, a

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64

realização dessa tarefa com uma equipe pouco coesa e com nível de conhecimento

inadequado fora um desafio e os resultados obtidos podem ser avaliados a partir da análise

dos livros didáticos. As brigas e disputas foram a tônica do grupo, e isso refletiu na

qualidade do trabalho final. Apesar disso, entregar um livro para ser utilizado em sala de

aula onde antes não havia qualquer material pode ser indicativo de que o caminho era

correto e o resultado, potencialmente forte.

Para a elaboração do material didático não havia fonte financiadora, e nenhum dos

dois países se responsabilizou pela sua produção. A maioria dos professores brasileiros

imprimia o material didático para avaliação e correção na sala da Capes no MEC/Timor

(2006) e no INFCP (2007 em diante), ainda assim, muitos utilizaram recursos pessoais,

com o objetivo de agilizar o trabalho, além de investir em laptops e impressoras pessoais; o

TL assumiu a impressão e distribuição, o que nem sempre ocorreu no prazo adequado, e

também a quantidade não foi suficiente para que cada professor e cada aluno recebesse um

exemplar.

No entanto, um problema grave era a utilização de um currículo brasileiro no

contexto cultural timorense. Ademais, esse currículo timorense sequer era encontrado em

português ou tétum, estando, para todas as disciplinas, escrito em malaio, gerando uma

grande dificuldade, porque nenhum professor brasileiro entendia essa língua e não

contávamos com os contra partes timorenses para apoio na tradução. Só em 2008 essa

tarefa foi realizada por professores timorenses que, sendo também professores cursistas,

destinavam uma parte do turno noturno para a tradução, numa tarefa voluntária.

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65

Gráfico 5. Distribuição do Guia Didático aos professores em 2006/2007.

Gráfico 6. Distribuição do Guia Didático aos professores em 2007/2008.

Os gráficos acima mostram que menos de 40% dos professores afirmam ter

recebido os livros didáticos de 2007 e menos de 33% receberam os livros de 2008.

Page 66: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

66

5.4.3 Uso dos livros didáticos em sala de aula

Como consequência de não terem recebido o livro didático, nem terem uma forma

alternativa para o uso dos mesmos, como por exemplo, fotocópias, quando consideramos

todos os distritos, menos de 46% professores usam o livro todos os dias. 26% nunca

usaram a sebenta em sala de aula e 28% usaram apenas algumas vezes.

Gráfico 7. Uso do Livro Didático em português em sala de aula.

Os dados coletados junto aos professores timorenses indicaram, ainda, insegurança

para ministrar aulas em português, além de não compreenderem os termos científicos e

técnicos dos conteúdos das disciplinas nessa língua (gráfico 8).

Gráfico 8. Dificuldade de compreensão do conteúdo do livro didático em português.

Page 67: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

67

Capítulo 6: considerações finais, à guisa de conclusão

Como resultado geral do projeto, podemos considerar que foram alcançados

resultados significativos, quando levamos em consideração a adoção de métodos e técnicas

de ensino pelos professores timorenses, quando consideramos o aumento do uso da língua

portuguesa como língua de instrução. Isso demonstra que a metodologia utilizada no

Procapes pode ser uma alternativa importante para superação dos problemas educacionais

de Timor-Leste, porque aqueles objetivos expostos tanto no PQD quanto no Procapes que

dizem respeito à atualização e compreensão dos conteúdos das disciplinas das Ciências

Naturais e Matemática, à prática pedagógica e à reintrodução da língua portuguesa entre os

estudantes timorenses não falantes dessa língua (ou melhor, que a desconheciam

completamente, porque já estando entre o 6º e o 10º ano de escolarização, nunca haviam

estudado nessa língua) foram atingidos.

O uso do livro didático em sala de aula, como principal material de instrução, não

poderia ser pleno se a língua no qual o mesmo foi escrito não era compreendida

adequadamente. Apesar de os professores brasileiros terem utilizado no processo de

formação o livro desenvolvido para o professor timorense (o guia didático), não houve

tempo para o professor timorense entender os conceitos científicos abordados nele, escrito

em uma língua que não é a sua língua materna, nem foi sua língua de instrução durante o

seu período escolar e de formação inicial. Apenas 10% dos professores timorenses

participantes do Procapes, ao final da formação, achavam que não era difícil compreender

o conteúdo do livro didático. Para os professores brasileiros, a dificuldade do entendimento

era em função de uma formação inicial insuficiente, principalmente para os conteúdos

fundamentais das disciplinas de Ciências Naturais e matemática.

As questões culturais cruzaram todo o processo de formação. Internamente, ou seja,

em relação aos próprios timorenses, que sendo falantes nativos de diversas línguas, tendo

utilizado durante toda a sua vida escolar o malaio, e como língua de comunicação tanto o

malaio quanto o tétum, estavam encontrando formalmente a língua portuguesa como língua

de instrução no processo de formação; externamente, quando se encontram com

professores brasileiros, também oriundos de diversas regiões e estados do Brasil, a sala de

aula formativa transformou-se num ambiente onde o entendimento e o respeito pela

diversidade e pela cultura do outro pautou o processo de formação. Nesse caso, apenas o

respeito não é suficiente para obter bons resultados. O conhecimento prévio da realidade

Page 68: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

68

timorense, o conhecimento de tétum instrumental, o conhecimento mais aprofundados

sobre questões epistemológicas, que orientam os processos de construção de

conhecimento, devem ser fatores importantes a serem considerados, para obtenção de

melhores resultados em programas dessa natureza. O significado de línguas diferentes,

uma utilizada pelo PFB e não entendida plenamente pelo timorense; outra falada pelo PCT

e jamais entendida pelo brasileiro, trouxe prejuízo para o resultado esperado do processo

de formação. No entanto, a disseminação da cultura científica, através do uso de uma

língua que a comunique bem, é instrumento importante, até mesmo para o fortalecimento

daquela cultura em jogo, como é o caso da cultura timorense, como pudemos ver através

da utilização de mitos para explicar os terremotos, cuja sobrevivência, importante para a

manutenção da natureza humana do homem, depende também de estudos para o seu

entendimento e explicação, o que só se dará pela construção do conhecimento científico,

preferencialmente na língua vernácula. O que se quer esperar é que o fortalecimento da

língua portuguesa como língua de instrução possa ajudar o tétum a se fortalecer,

incorporando elementos daquela, para poder ser utilizada, futuramente, como língua de

instrução.

Pelas falas tanto dos PFB, quanto dos PCT participantes do projeto, ainda será

necessário o investimento de recursos financeiros e técnicos por mais algum tempo,

utilizando a metodologia do Procapes, simultaneamente a outras, como as dos programas

portugueses, para que essas mudanças sejam consolidadas e para que os professores

capacitados possam constituir um grupo de formadores timorenses no futuro, sendo este

aspecto um dos resultados esperados no PQD: a transferência de conhecimento técnico e

científico para o Timor-Leste.

Quando avaliamos os resultados da pesquisa desenvolvida, percebemos que a

língua portuguesa é crucial, no que se refere a sua utilização como língua de instrução. Não

basta compreendê-la, mas seria necessário ter algum domínio da fala para adotá-la como

língua de instrução. Aprender a usar a LP como língua de instrução por parte do professor

timorense requer o convívio pleno com falantes dessa língua, porque além de demandar

esforço para compreendê-la e para falá-la, corretamente, como é a norma para o uso

gramaticalmente correto da língua escrita, precisa dominar técnicas de ensino para tornar

efetivo o aprendizado do que se quer comunicar nessa língua, no nosso caso, conhecimento

científico. Esse convívio não pode ser alcançado por professores de todos os distritos do

Timor-Leste uniformemente, senão pela implementação de um projeto extensivo de

capacitação, que permita aos professores timorenses conviver diariamente com os

Page 69: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

69

professores brasileiros, tanto no ambiente escolar, no acompanhamento da prática

pedagógica, como no convívio social. Não por acaso, quando analisamos os dados do

Gráfico 1b, por distrito, mostramos que os distritos de Dili e Baucau tiveram o pior

entendimento da língua, considerando o nível “muito bom” dentre os distritos participantes

da capacitação intensiva. Isso ocorre porque nos distritos mais distantes da capital, os

professores brasileiros conviviam o tempo inteiro, durante o período de formação, com os

professores timorenses, enquanto que em Dili e Baucau, após os encontros de formação,

todos os professores voltavam às suas casas, com o convívio apenas nos horários de

formação.

As decisões tomadas no II Congresso Nacional de Educação, realizado em

dezembro de 2008 (CARNEIRO, 2010), no entanto, não apontam nessa direção, tendo sido

aceita a língua inglesa como mais uma língua de instrução, considerando que “a escola é a

principal agente de difusão da língua internacional dominante” (GRIGNON, 2002), e que

essa língua dominante no momento é o inglês, e que o encontro de referenciais culturais

que são trazidos com a língua inglesa, em contato com outra cultura, falante de uma língua

que não consegue comunicar ciência com tamanha eficiência e eficácia, como é o caso do

tétum, só podemos esperar que esse encontro seja deletério para o cultura timorense como,

aliás, já havia alertado Geofrey Hull, por ocasião do congresso do CNRT (Hull, 2001).

Ademais, esses compromissos assumidos pelo governo timorense poderão subtrair recursos

para a continuação das atividades brasileiras, levando paulatinamente à diminuição do

prestígio gozado pela língua portuguesa falada no Brasil, que tão bem recebida foi pelos

professores timorenses, que esforçam-se para a utilizarem como língua de instrução, o que

pode levar, de um lado, ao enfraquecimento das relações do Timor-Leste com a CPLP; e

do outro, principalmente na região de fronteira terrestre com a Indonésia, perder terreno

para o malaio (a língua do invasor) como língua franca e de instrução.

Dada a proximidade geográfica com a Austrália, cuja língua oficial é o inglês, a

decisão do 2º Congresso Nacional de Educação pode ser um passo importante para o futuro

da educação timorense. Mas não podemos perceber esses movimentos, que são políticos,

originados no ME/Timor, a partir de estudos, e que culminam na implantação de políticas

públicas para toda a nação como ingênuos, ou como ingerência externa. A posição do

governo atende, de um lado, o anseio dos jovens timorenses, que, não sendo falantes do

português, veem na adoção do inglês uma oportunidade de inserirem-se no processo de

globalização, sendo o inglês, atualmente, mais um instrumento desse processo. Por outro

lado, a Austrália e a Nova Zelândia, além de serem referência educacional na Ásia e no

Page 70: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

70

mundo, também têm sido fortes doadores ao Timor-Leste. Resta saber se a contra partida

cobrada por eles em recursos petrolíferos e em alinhamento político incondicional ao bloco

sul-asiático não será maior que o benefício obtido, de imediato, e no descortinar da história

do Timor-Leste como país independente, soberano e livre. Se não, será tão deletério ao

povo timorense e sua cultura como tem sido os seus encontros e choques com outros povos

desde o seu descobrimento pelos portugueses.

Page 71: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

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PIMENTA, S.G. Formação de professores: Identidade e saberes da docência. In:

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ROCHA, Maria Regina de Moura. Crença, mito e verdade. Um estudo sobre o pensamento

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SANTOS, Lucélia. Timor Lorosa’e: o massacre que o mundo não viu [filme]. Rio de

Janeiro, 2001.

SCHÖN, D. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, A. (coord.)

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THOMAZ, Luiz Felipe F. R. De Ceuta a Timor. Lisboa: Difel, 1994.

TYLOR, Edward Burnett. Primitive Culture. vol 1, Londres, 1920.

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Page 75: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

75

Anexos

Anexo 1. Entrevista Estruturada – Resposta do PFB1.

1. Qual a sua formação superior? Licenciado em ciências Biológicas; Pós graduação em

Microbiologia e Mestrando em Educação

2. Em que ano a concluiu? 2007 a pós e o mestrado em 2012, se Deus quiser.

3. Quanto tempo de experiência no magistério você tinha quando iniciou o trabalho de

formação de professores no Timor-Leste? 16 anos

4. Você tinha informações atualizadas do país, como história recente, dados da população,

dados sobre falantes de língua portuguesa, etc.?

Confesso que não busquei saber muita coisa não, pois não deu tempo entre a seleção e

o embarque. Só sabia que era um país lusófono. Mas, quando cheguei lá, vi que a

única coisa que sabia não era totalmente verdade.

5. Você julgava relevante o conhecimento desses aspectos para o desenvolvimento do seu

trabalho de formação de professores?

a) Sim ( x ) Por quê? Acredito que deveria ter havido um “workshop” prévio sobre o

país aplicado pela Capes. Isso evitaria contratempos e o trabalho fluiria melhor ao

saber para quem planejar suas aulas. Ter conhecimento prévio do seu público-alvo.

b) Não ( ) Por quê?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

6. Ao ingressar no Procapes, você se considerava filiado a qual corrente epistemológica?

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a) ( ) Construtivista ( ) Sócio-interacionista ( x ) Outra

Use esse espaço se desejar explicitar melhor a sua opção

Sou um professor que mescla o tradicional com a vanguarda, dependendo de onde

estou e para quem estou atuando. Como profissional devo buscar a linguagem

condizente com meu público-alvo, sem que isso acarrete perda de conteúdo a ser

ensinado.

7. Você acredita que essa filiação influenciou a sua prática pedagógica? De que maneira?

Por favor, detalhe a sua resposta (se preciso, utilize espaço abaixo da última pergunta desse

formulário)

(continuação)

Nosso primeiro planejamento ocorreu na semana em que cheguei ao Timor. Seria um

curso de formação continuada aplicado no interior do país, um local nunca antes

explorado pela missão. Do grupo de biologia duas eram veteranas e dois novatos e os

outros ainda por chegar. O desconhecimento da realidade nos levou a planejar às

escuras e o resultado foi um novo planejamento no segundo dia de aula no interior.

Pela minha característica profissional de adaptação à diversas correntes pedagógicas

não tive dificuldade em me reprogramar, portanto, minhas concepções sobre

educação ajudaram sim nesse momento.

8. De maneira geral, quais aspectos você julga que foram POSITIVOS na sua atividade de

formação de professores em Timor-Leste? Por quê?

A experiência em si é muito positiva. Por mais que venham conflitos, no final você só

se lembra do prazer de dar aula para quem realmente deseja assistir aulas. Pontos

que considero positivos: o respeito pelos timorenses pelo meu trabalho, a boa

aceitação dos alunos por novas técnicas de ensino, o pequeno aprendizado do idioma

local para melhorar na comunicação e sem falar no desafio de ensinar em uma língua

que seu público não domina o suficiente para argumentar nela. Que se torna positivo

a medida que lhe faz buscar novas formas de ensinar, e você se torna mais paciente e

aprende a dar valor a pequenas coisas do seu cotidiano no Brasil.

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77

9. De maneira geral, quais aspectos você julga que foram NEGATIVOS na sua atividade

de formação de professores em Timor-Leste? Por quê?

A forma como os professores brasileiros são tratados pelos outros brasileiros, que

muitas vezes se tornam humilhantes. Quem mais prejudicou os trabalhos na missão

foi quem deveria atuar no apoio, que nunca veio, aí falo do papel da Capes e da

Embaixada do Brasil. Tocar o terror não é o caminho para solidificar um trabalho.

10. Você julga que a visão de mundo (crenças, cosmogonia, cultura científica) dos

timorenses pode ter influenciado a sua atividade de formação de professores no Procapes?

Se sim, em que medida isso aconteceu?

Não influenciou não. Sempre aprendi a respeitar as crenças dos outros. Em nenhum

momento deixei de ensinar qualquer conteúdo por pretexto de visão de mundo dos

timorenses, e olha que ensinei até colocar camisinha usando cabo de vassoura e falei

abertamente sobre sexo em sala em que havia timorenses religiosas, eles sempre

entenderam que era um conteúdo e que isto não colocava na berlinda suas crenças e

costumes.

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78

Anexo 2. Entrevista Estruturada – Resposta do PFB2.

1. Qual a sua formação superior? Em que ano a concluiu?

Licenciatura em Matemática, conclui em 2000.

2. Quando você iniciou o trabalho de formação de professores em Timor-Leste, se

considerava um professor “Experiente” ou “Iniciante”?

Experiente, já tinha 4 anos de sala de aula

3. Você já conhecia o Timor-Leste antes de integrar-se ao Procapes? Sim ( X )

Não ( )

4. Tinha informações atualizadas do país, como história recente, dados da população,

dados sobre falantes de língua portuguesa, etc.?

Sabia apenas que se falava português e tinha conhecimento do massacre que foi

com a saída dos indonésios, mas não conhecia toda história

5. Você julgava relevante o conhecimento desses aspectos para o desenvolvimento do

seu trabalho de formação de professores? Sim ( X ) Não ( )

6. Ao ingressar no Procapes, você se considerava filiado a qual corrente

epistemológica?

a) ( X ) Construtivista ( ) Sócio-interacionista

7. Você acredita que essa filiação influenciou a sua prática pedagógica? De que

maneira?

Na forma de ver e conceber minha prática em sala de aula

8. De maneira geral, quais aspectos você julga que foram POSITIVOS na sua

atividade de formação de professores em Timor-Leste?

Porque foi um aprendizado profissional e pessoal, neste aspecto foi positivo

9. De maneira geral, quais aspectos você julga que foram NEGATIVOS na sua

atividade de formação de professores em Timor-Leste?

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79

Não havia estrutura de trabalho. Não posso dizer que por culpa dos timorenses, pois

o país em si já não tinha estrutura, mas por falta de apoio da CAPES. A CAPES

não agiu de maneira responsável, foi amadora por demais.

10. Você julga que a visão de mundo (crenças, cosmogonia, cultura científica) dos

timorenses pode ter influenciado a sua atividade de formação de professores no

Procapes? Se sim, em que medida isso aconteceu?

Sim. Na medida em que tive que aprender a respeitar a forma como os timorenses

veem o mundo.

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Anexo 3. Entrevista Estruturada – Resposta do PFB3.

1. Qual a sua formação superior? Em que ano a concluiu?

Bacharelado em Farmácia e Bioquímica pela UFBA (2004)

Licenciatura em Ciências Naturais (Química) pela UFBA (2006)

Mestrado em Química pela UFBA (2006)

2. Quando você iniciou o trabalho de formação de professores em Timor-Leste, se

considerava um professor “Experiente” ou “Iniciante”?

Quando iniciei meu trabalho como professor em Timor-Leste eu já tinha

experiência em docência na rede pública e particular, nos ensinos médio e

fundamental. Entretanto não julgava esse experiência como plena para todo o

trabalho que seria desenvolvido no PROCAPES, fui aprendendo a medida que o

trabalho foi se desenvolvendo.

3. Você já conhecia o Timor-Leste antes de integrar-se ao Procapes?

Sim ( x ) Não ( )

Quando me candidatei em 2007 para ir a Timor-Leste já havia me candidatado

antes em 2005. Entretanto não fui aprovado no processo de seleção. Neste intervalo

passei a estudar mais sobre o Timor-leste e buscar informações sobre o trabalho da

Capes em Timor através de depoimentos na internet. Quando me candidatei pela

segunda vez eu já tinha uma maior noção sobre o país.

4. Tinha informações atualizadas do país, como história recente, dados da população,

dados sobre falantes de língua portuguesa, etc.?

Eu tinha informações reunidas através de leituras de textos disponíveis na WEB,

inclusive do site oficial da RDTL. Eu já sabia que a minoria da população falava a

língua portuguesa e que utilizavam tétun e língua indonésia como instrumento

principal de comunicação verbal e escrita.

5. Você julgava relevante o conhecimento desses aspectos para o desenvolvimento do

seu trabalho de formação de professores? Sim ( x ) Não ( )

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6. Ao ingressar no Procapes, você se considerava filiado a qual corrente

epistemológica?

b) ( ) Construtivista ( ) Sócio-interacionista

Não me considero filiado a nenhuma dessas correntes epistemológicas. Mas sempre

procurei fazer um trabalho que pudesse extrair aspectos importantes de cada uma

destas no processo de construção da aprendizagem do aluno como um ser

plenamente interventor no processo de construção do conhecimento, mas

principalmente, na formação de alunos aptos a raciocinar os conhecimentos

construídos em sala de aula, com a realidade em sua volta e de sua sociedade, com

o objetivo voltado a intervenção crítica e significativa na sociedade a partir de

quaisquer conhecimentos adquiridos.

7. Você acredita que essa filiação influenciou a sua prática pedagógica? De que

maneira?

Como dito anteriormente não sou filiado a nenhuma destas correntes, mas procuro

exercer o que há de positivo em ambas, mas talvez o que mais me influenciou na

minha prática pedagógica em Timor-Leste foi conhecer as reais necessidades do

público alvo, como a necessidade do entendimento da comunicação, por isso eu

mesclava as aulas entre português e tétun, necessidade de práticas de ensino e das

próprias dificuldades específicas do conteúdo da química e da contextualização do

conhecimento químico com o meio ambiente de Timor-Leste, por exemplo.

8. De maneira geral, quais aspectos você julga que foram POSITIVOS na sua

atividade de formação de professores em Timor-Leste?

Em primeiro lugar a interatividade com os alunos (ou professores formandos) e a

quebra da barreira cultural e linguística pelo respeito a cultura timorense,

principalmente ter vivido a realidade dos timorenses, creio que ajudou bastante no

desenvolvimento do trabalho.

9. De maneira geral, quais aspectos você julga que foram NEGATIVOS na sua

atividade de formação de professores em Timor-Leste?

Julgo como aspecto negativo a não possibilidade de explorar mais profundamente o

conteúdo da química, isso devido a vários fatores como: a falta de uma base até

mesmo inicial em química pelos (alunos ou professores cursistas) e o pouco tempo

para o desenvolvimento do trabalho.

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Mas prefiro não falar em aspectos negativos, no tom da palavra “negativo” isso,

pelo menos no meu trabalho não existiu, prefiro o termo “aspectos que dificultaram

de alguma forma o trabalho”.

10. Você julga que a visão de mundo (crenças, cosmogonia, cultura ciêntífica) dos

timorenses pode ter influênciado a sua atividade de formação de professores no

Procapes? Se sim, em que medida isso aconteceu?

Totalmente. Em Timor-Leste respeitei a cima de tudo a cultura local e sempre no

pensamento de que cada timorense se expressava através de sua cultura e que esta

cultura influenciava diretamente na construção da relação pessoal professor-aluno e

do processo de ensino-aprendizagem e respeitando cada timorense com a própria

expressão de sua cultura.

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Anexo 4. Relatório Semestral do PFB1.

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Anexo 5. Questionário: dados sobre a capacitação (folha1)

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Anexo 5. Questionário: dados sobre a capacitação (folha2) (continuação)

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Anexo 6. Questionário de Avaliação do Curso de Formação de professores de matemática

e Ciências Naturais.

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Anexo 7. Projeto Procapes – Fax-símile da capa do Acordo assinado entre os dois países.

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Anexo 8. Fax-símile da página dos objetivos do Projeto Procapes.

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Anexo 9. Fax-símile da página dos objetivos do projeto de capacitação timorense

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Anexo 10. Índice do livro de química – Guia do professor

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Anexo 11. Índice do livro de química – Guia do aluno

Capítulo 1 – CONHECENDO A QUÍMICA

Capítulo 2 – PROPRIEDADES E TRANSFORMAÇÕES DA MATÉRIA

Capítulo 3 – CLASSIFICAÇÃO DA MATÉRIA

Capítulo 4 – AS PARTÍCULAS DA MATÉRIA

Capítulo 5 – ESTRUTURA ATÔMICA

Capítulo 6 – CLASSIFICAÇÃO PERIÓDICAS DOS ELEMENTOS QUÍMICOS

Capítulo 7 – LIGAÇÕES QUÍMICAS

Capítulo 8 – UNIDADES E MEDIDAS

Capítulo 9 – NÚMERO DE OXIDAÇÃO E AS REAÇÕES DE OXI – REDUÇÃO

Capítulo 10 – BALANCEAMENTO E CLASSIFICAÇÃO DAS REAÇÕES QUÍMICAS

Capítulo – 11 FUNÇÕES INORGÂNICAS: ÁCIDOS, BASES, SAIS E ÓXIDOS

Capítulo – 12 CÁLCULOS ESTEQUIOMÉTRICOS

Capítulo – 13 A QUÍMICA ORGÂNICA E O CARBONO

Capítulo 14 – CLASSIFICAÇÃO DAS CADEIAS CARBÔNICAS

Capítulo 15 – PETRÓLEO

Capítulo 16 – HIDROCARBONETOS

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92

Anexo 12. Agenda de trabalho da equipe do Procapes para 2 semanas de outubro/2008.

Page 93: Dissertação de Mestrado de Jailson alves dos santos

93

Anexo 13. Fax-símile do seminário de avaliação da capacitação.

OBJETIVOS

Caracterizar os distritos nos quais foram

realizadas as capacitações.

Apresentar as necessidades do público alvo de

cada distrito.

Socializar os resultados do diagnóstico inicial.

Expor as metodologias utilizadas nas diferentes

áreas de conhecimento.

Apontar as facilidades e dificuldades

encontradas ao longo da capacitação.

Levantar as sugestões dos formadores

brasileiros para a próxima capacitação.

Apresentar os aspectos positivos e negativos

elencados pelos participantes da capacitação.

Levantar as sugestões para a próxima

capacitação.

Socializar os resultados da avaliação final.

REPÚBLICA FEDERATIVA DO

BRASIL

Luiz Inácio Lula da Silva

Presidente da República

Fernando Haddad

Ministro da Educação

Jorge Almeida Guimarães

Presidente da CAPES

Fernando Spagnolo

Coordenador-Geral da Cooperação

Brasileira no Timor-Leste

Jailson Alves

Coordenador/PROCAPES

COOPERAÇÃO

INTERNACIONAL

BRASIL/TIMOR-LESTEPrograma de Qualificação de

Docente e Ensino de Língua

Portuguesa no Timor-Leste

COORDENAÇÃO DE

APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL

DE NÍVEL SUPERIOR

PROJETO PROCAPES

SEMINÁRIO

DE

AVALIAÇÃO

DA

CAPACITAÇÃO

PROGRAMAÇÃO

09 de outubro de 2008

Manhã

8h - Abertura

8h e 40 min - Apresentação do trabalho

realizado em cada região:

* Ainaro

* Baucau

Intervalo

* Dili

* Maliana

12 h – Encerramento

Tarde

Seminário por área:

* Biologia

* Física

* Matemática

* Química

* Língua Portuguesa

14h - Início

15h e 45min - Intervalo

18h - Encerramento

PROGRAMAÇÃO

10 de outubro de 2008

Manhã

8h - Continuação do seminário por área

de conhecimento

10h - Sistematização do seminário por

área de conhecimento

12h - Encerramento

EQUIPES DE TRABALHO

AinaroCezar Marcos Cavalcante Filho

Erivelto Rodrigues Teixeira

Ivana Cordeiro de M. Figueirêdo

Jacirema das Neves P. Martins

BaucauFernando Japiassú Junior

Hildegard Carmen MondelJosé Silvio Vieira de Morais

Luiz Henrique Marinho Lages

Marcio Gutenberg F. de Araújo

Marina Pereira Reis

Mércia Assis da Silva

DiliAdriana Cristina Serpa Silva

Anderson Aliston Florentino

Bianca Mees Chagas

Cristiano de Souza Calisto

Gabino Ribeiro Moraes

Ítalo Batista da Silva

Jailson Alves dos Santos

Leonardo Pereira dos Santos

Meirivâni Meneses de Oliveira

MalianaClaudete Kiss

João Cleto Nascimento

Marcos José Lacerda Norões

Rita de Cássia M. F. Borborema

Xénia Maria Batista da Silva

SEMINÁRIO DE AVALIAÇÃO DA CAPACITAÇÃO