dissertação beatriz ilibio moro

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  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SUL

    FACULDADE DE LETRAS

    BEATRIZ ILIBIO MORO

    ADVRBIOS DE POSICIONAMENTO EM TEXTOS ESCRITOS DE PORTUGUS

    ACADMICO

    PORTO ALEGRE

    2014

  • BEATRIZ ILIBIO MORO

    ADVRBIOS DE POSICIONAMENTO EM TEXTOS ESCRITOS DE PORTUGUS

    ACADMICO

    Orientadora: Dra. Cristina Becker Lopes Perna

    PORTO ALEGRE

    2014

    Dissertao apresentada como requisito parcial para obteno do grau de Mestre pelo Programa de Ps-Graduao em Letras da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.

  • BEATRIZ ILIBIO MORO

    ADVRBIOS DE POSICIONAMENTO EM TEXTOS ESCRITOS DE PORTUGUS

    ACADMICO

    Aprovada em: ____ de _____________________ de ________.

    BANCA EXAMINADORA

    ________________________________________

    Profa. Dr. Cristina Becker Lopes Perna - PUCRS

    ________________________________________

    Profa. Dr. Karina Molsing - PUCRS

    ________________________________________

    Profa. Dr. Simone Sarmento - UFRGS

    PORTO ALEGRE

    2014

    Dissertao apresentada para como requisito parcial para obteno do grau de Mestre pelo Programa de Ps-Graduao em Letras da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.

  • AGRADECIMENTOS

    Ao meu Pai, por tudo.

    minha famlia, em especial aos meus pais, pelo incentivo, sacrifcio e amor.

    minha orientadora Cristina, pelo seu tempo, pacincia, entusiasmo, compreenso,

    bom-humor, apoio e companheirismo.

    Aos demais professores desta faculdade, que muito contriburam para o meu

    conhecimento - em especial, professora Leci Barbisan e professora Ana Ibaos.

    professora Lilian Scherer, pelo apoio e carinho, especialmente durante meu

    estgio de docncia.

    Aos colegas do grupo UPLA, em especial Karina Molsing, Sun Yuqi e ao Lucas

    Rollsing, pelas sugestes e fora que deram a este trabalho.

    querida colega de mestrado e amiga Lusa Mocelin, pela parceria em todas as

    horas e pela torcida incansvel.

    Aos amigos, por compreenderem meus sumios acadmicos e por torcerem por

    mim.

    PUCRS, pela oportunidade de continuar meus estudos.

    s secretrias do PPG da Faculdade de Letras.

    CAPES, pela bolsa de estudo.

  • RESUMO

    O presente estudo tem como objetivo analisar, em uma abordagem interdisciplinar,

    advrbios de posicionamento em Portugus Brasileiro Acadmico (PBA). Este

    estudo parte de um projeto maior do Grupo de Pesquisa Uso e Processamento da

    Linguagem Adicional (UPLA), do PPGL da PUCRS, que investiga os padres gerais

    de uso deste tipo especfico de linguagem, com o intuito de criar um teste de

    proficincia de PBA, tendo em vista que o nmero de estudantes universitrios

    advindos de outros pases tem aumentado no Brasil; alm disso, visa estimular mais

    pesquisas na rea de portugus acadmico e posicionamento, contribuir para o

    desenvolvimento de avaliaes do portugus acadmico para o aluno estrangeiro e

    capacitar estes estudantes a redigir textos acadmicos em PBA. Para tal, com o uso

    das ferramentas da Lingustica de Corpus (LdC), e ancorados nos estudos feitos

    com advrbios de lngua inglesa por Biber, na classificao de Searle dos atos de

    fala ilocucionrios e nos estudos do portugus culto brasileiro feito por Neves, esta

    pesquisa enfoca os advrbios de posicionamento atravs da anlise de um

    subcorpus de estudo, formado por textos escritos por estudantes de graduao, de

    aproximadamente 2 milhes de palavras, compilado pelo grupo de pesquisa.

    Buscamos descobrir se estes recursos lingusticos so utilizados e, em caso

    afirmativo, mostrar os mais frequentes. Os resultados mostram que os autores

    utilizam advrbios de posicionamento, interferindo no valor dos enunciados

    produzidos. Os advrbios de posicionamento mais comuns so os epistmicos,

    confirmando nossa hiptese baseada nos estudos de Biber, que afirma que os

    advrbios de posicionamento mais comuns no ingls so os epistmicos.

    Palavras-chave: Posicionamento. Portugus Brasileiro Acadmico. Advrbios.

    Lingustica de Corpus. Interface Semntico-Pragmtica.

  • ABSTRACT

    The present study has as its aim to analyze, in an interdisciplinary approach, stance

    adverbs in Academic Brazilian Portuguese (PBA in Portuguese). This study is part of

    a bigger project from the Research Group Additional Language Use and Processing

    at the Pontifical Catholic University of Rio Grande do Sul (PUCRS), which

    investigates the general patterns of uses of this specific type of language in order to

    create a proficiency test of PBA, since the number of international students has been

    increasing in Brazil. In addition, it seeks to stimulate more research in academic

    Portuguese and stance, to contribute to the development of academic Portuguese

    assessments for foreign students and to empower these students to write academic

    texts in PBA. To do so, with Corpus Linguistics tools and anchored in the studies of

    English adverbs by Biber, this research focuses on stance adverbs through the

    analyses of a subcorpus formed by specialized texts written by undergraduate

    students of approximately 2 million words compiled by the research group. This

    research aims to investigate whether these linguistic resources are used and, if so, to

    discuss the most frequent ones. The results suggest that the authors use stance

    adverbs, influencing the meaning of the utterances produced. The most common

    stance adverbs found are epistemic, confirming our hypothesis based on Bibers

    studies, which state that the most common stance adverbs in English are the

    epistemic ones.

    Keywords: Stance. Academic Brazilian Portuguese. Adverbs. Corpus Linguistics.

    Semantic-Pragmatic Interface.

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Corpus do Portugus - quantidade de textos por sculo.........................73

    Tabela 2 Corpus do Portugus - diviso dos textos do sculo XX por tipo............74

    Tabela 3 - Dados gerais do corpus de estudo e do subcorpus de estudo.................79

    Tabela 4 - Caractersticas gerais do corpus de estudo..............................................94

    Tabela 5 - Dados gerais do corpus de estudo e do subcorpus de estudo.................95

    Tabela 6 - Subcorpus de estudo dados sobre os advrbios...................................96

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Posio do portugus acadmico no panorama lingstico.......................40

    Figura 2 - Locais de ensino de portugus e portugus crioulo nOs Estados

    Unidos........................................................................................................................45

    Figura 3 - Expresses de posicionamento de acordo com Biber (2006)...................47

    Figura 4 Classes semnticas dos advrbios de posicionamento em diferentes

    registros......................................................................................................................49

    Figura 5 - Tipos de advrbios de acordo com o aspecto semntico destaque para

    os advrbios predicativos...........................................................................................59

    Figura 6 Classificao das palavras modalizadoras...............................................60

    Figura 7 - Classificao dos advrbios modalizadores............................................. 62

    Figura 8 - Corpus do Portugus - busca por advrbios no corpus.............................75

    Figura 9 - Corpus do Portugus - resultado da busca por advrbios.........................76

    Figura 10 - Texto no formato original.........................................................................82

    Figura 11 - O mesmo texto da figura, aps a limpeza, em formato .txt..................... 82

    Figura 12 - Arquivo em formato .xml etiquetado pelo programa PALAVRAS............83

    Figura 13 - Destaque para as ocorrncias 26 e 30 da palavra segundo nos

    resultados da pesquisa no corpus de estudo.............................................................85

    Figura 14 - Destaque para o cabealho de um dos textos.........................................86

  • Figura 15 - O programa AntConc e seus recursos.....................................................87

    Figura 16 - AntConc e a ferramenta File View...........................................................88

    Figura 17 - Tela inicial do teste Log-Likelihood..........................................................89

    Figura 18 - Detalhe do site do programa Log-Likelihood...........................................90

    Figura 19 - Resultado do teste com o programa Log-Likelihood...............................90

    Figura 20 Limpeza da lista de frequncia do corpus...............................................91

    Figura 21 Duplicao da palavra conforme......................................................... 92

    Figura 22 - As duas primeiras ocorrncias da palavra segundo no subcorpus de

    estudo.........................................................................................................................99

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Tipos de atos ilocucionrios.....................................................................36

    Quadro 2 Classificao de Searle dos atos de fala..37

    Quadro 3 - Classificao dos advrbios (nica palavra) do ingls acadmico..........50

    Quadro 4 - Corpus especializado diferentes reas.................................................76

    Quadro 5 - Organizao do corpus especializado.....................................................77

    Quadro 6 Nmero de palavras e textos nas quatro diferentes reas......................78

    Quadro 7 - Cdigo de identificao dos textos...........................................................85

    Quadro 8- Advrbios mais frequentes no corpus especializado................................96

    Quadro 9- Classificao dos advrbios modalizadores segundo Neves (2011)........98

    Quadro 10 Anlise dos advrbios presentes no subcorpus 1 a 10 posio....100

    Quadro 11 Anlise dos advrbios presentes no subcorpus 11 a 20 posio..103

    Quadro 12 Anlise dos advrbios presentes no subcorpus 21 a 30 posio..106

    Quadro 13 Anlise dos advrbios presentes no subcorpus 31 a 40 posio..109

    Quadro 14 Anlise dos advrbios presentes no subcorpus 41 a 50 posio..110

    Quadro 15 Anlise dos advrbios presentes no subcorpus 51 a 60

    posio.....................................................................................................................112

  • Quadro 16 Anlise dos advrbios presentes no subcorpus 61 a 70 posio..114

    Quadro 17 Anlise dos advrbios presentes no subcorpus 71 a 80 posio..116

    Quadro 18 Anlise dos advrbios presentes no subcorpus 81 a 90 posio..118

    Quadro 19 Advrbios de posicionamento encontrados no subcorpus..................119

    Quadro 20 Advrbios de posicionamento e respectivos nmeros de

    ocorrncias...............................................................................................................120

    Quadro 21 Advrbios de posicionamento, nmero de ocorrncias e

    classificao.............................................................................................................120

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 Subcorpus de estudo quantidade de word tokens dos advrbios e

    demais palavras ........................................................................................................95

  • LISTA DE SIGLAS

    BYU Brigham Young University

    Celpe-Bras - Certificado de Proficincia em Lngua Portuguesa para Estrangeiros

    EAP English for Academic Purposes

    FACE/FACI Faculdade de Administrao, Contabilidade e Economia

    FACIN Faculdade de Informtica

    FAENFI - Faculdade de Enfermagem, Nutrio e Fisioterapia

    FALE Faculdade de Letras

    FAMECOS Faculdade de Comunicao Social

    FAPSI Faculdade de Psicologia

    FFARM Faculdade de Farmcia

    FEFID - Faculdade de Educao Fsica e Cincias do Desporto

    FENG faculdade de Engenharia

    FMI Fundo Monetrio Internacional

    GT - Gramtica Tradicional

    IBEC Instituto Brasileiro-Equatoriano de Cultura

    LA Lngua Adicional

    LdC Lingustica de Corpus

    LC Log-Likelihood Calculator

    L2 Segunda Lngua

    MLA - Modern Language Association of America

    ODONTO Faculdade de Odontologia

    PA Portugus Acadmico

    PBA Portugus Brasileiro Acadmico

    PIB - Produto Interno Bruto

    PLA Portugus como Lngua Adicional

    PUCRS - Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul

    TOEFL - Test of English as a Foreign Language

    TTR Type/Token Ratio

    UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais

    UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    Unifieo Centro Universitrio Fieo

  • Unileste - Centro Universitrio do Leste de Minas Gerais

    USP - Universidade de So Paulo

    WWW World Wide Web

  • LISTA DE ABREVIATURAS

    Farm. Farmcia

    FarmCie Farmcia & Cincia

    Adm. Administrao

    PSICO Faculdade de Psicologia

  • SUMRIO

    INTRODUO ........................................................................................................ 18

    i. Um panorama da pesquisa ................................................................................... 18

    ii. Constituio da dissertao ................................................................................. 20

    1 A PRAGMTICA E OS ATOS DE FALA ............................................................ 22

    1.1 A PRAGMTICA .......................................................................................... 23

    1.2 ATOS DE FALA ............................................................................................ 29

    2 LINGUAGEM ACADMICA, POSICIONAMENTO E ADVRBIOS ................... 40

    2.1 LINGUAGEM ACADMICA ........................................................................... 40

    2.2 PORTUGUS COMO LNGUA ADICIONAL ................................................. 43

    2.3 POSICIONAMENTO EM LINGUAGEM ACADMICA................................... 46

    2.4 ADVRBIOS E POSICIONAMENTO ............................................................ 53

    2.4.1 Advrbios nas gramticas de lngua portuguesa ............................ 53

    2.4.2 Alguns estudos lingusticos acerca dos advrbios na lngua

    portuguesa ............................................................................................................. 56

    3 LINGUSTICA DE CORPUS ................................................................................ 64

    3.1 VISO GERAL .............................................................................................. 64

    3.2 CARACTERSTICAS PRINCIPAIS................................................................ 68

    3.3 TIPO DE PESQUISA ..................................................................................... 71

    4 METODOLOGIA DA PESQUISA ......................................................................... 73

    4.1 CORPORA DA PESQUISA ............................................................................ 73

    4.2 PASSOS DA PESQUISA ............................................................................... 80

    5 ANLISE E DISCUSSO DOS DADOS ............................................................. 93

    5.1 ANLISE QUANTITATIVA DOS DADOS ....................................................... 93

    5.2 ANLISE QUALITATIVA DOS DADOS.......................................................... 98

    5.3 DISCUSSO DOS RESULTADOS ............................................................... 122

    CONSIDERAES FINAIS ................................................................................... 124

  • REFERNCIAS ...................................................................................................... 125

    ANEXO A - Advrbios presentes no subcorpus ..................................................... 130

  • 18

    INTRODUO

    Esta dissertao inicia-se apresentando o trabalho em questo: a primeira

    parte desta introduo visa apresentao do tema, da relevncia e do contexto da

    pesquisa. Na segunda parte, apresentaremos a constituio e organizao desta

    dissertao.

    i. Um panorama da pesquisa

    A presente pesquisa visa observar e descrever os usos dos advrbios de

    posicionamento (do ingls, stance adverbs) em textos escritos de portugus

    brasileiro acadmico (doravante, PBA). Esta faz parte de um projeto maior, sob a

    coordenao da prof. Dra. Cristina Becker Lopes Perna, cujo objetivo analisar os

    padres de PBA com o intuito de criar um teste brasileiro de proficincia deste tipo

    de linguagem.

    Compreendemos que dominar uma lngua envolve a produo e a

    interpretao de textos. No ensino de lnguas adicionais, muitas vezes os alunos se

    confrontam com manuais contendo regras normativas que no levam em conta o

    aspecto pragmtico. Sob este ponto de vista, a lngua um fenmeno social, um

    jogo, um instrumento de atuao do falante.

    A utilizao de advrbios na lngua escrita um destes instrumentos,

    representando um dos fatores de complexidade e servindo como chave para o

    homem avaliar, julgar, opinar, criticar, refletir sobre o mundo e agir sobre o outro.

    Segundo um estudo feito com estudantes estrangeiros da Aston University,

    estes avaliam menos e so menos crticos avaliando. (Richards; Skelton, 1991,

    APUD Jordan, 1997), ou seja, em termos de posicionamento, alunos que estudam

    em universidades fora de seus pases acabam utilizando menos esses recursos

    lingusticos em suas vidas acadmicas. Se os resultados obtidos atravs desta

    pesquisa tambm, sob um olhar geral, representarem os estudantes que utilizam o

  • 19

    portugus em contexto acadmico como lngua adicional, fica mais evidente o

    quanto este aspecto lingustico deve ser explorado, tendo em vista o contexto no

    qual nosso pas se encontra, com um grande nmero de estrangeiros interessados

    na aprendizagem de nossa lngua.

    O projeto no qual esta dissertao se insere nasceu na interface da

    Faculdade de Letras e Faculdade de Informtica e intitula-se O portugus como

    lngua adicional na internacionalizao: processamento e anlise de linguagem

    tcnica e acadmica atravs de recursos lingustico-computacionais.

    Tendo como base os estudos sobre posicionamento na lngua inglesa feitos

    por Biber, buscaremos, nesta dissertao, analisar como o falante/escritor se

    posiciona no texto atravs do uso de advrbios de posicionamento de maneira

    qualitativa e quantitativa, numa anlise que utilizar de recursos tecnolgicos para

    obteno de resultados sem, entretanto, dispensar o papel do linguista como

    analisador, como profissional capaz de observar alm do que o corpus em sua

    superfcie revela. Com isto em mente, descreveremos e analisaremos

    qualitativamente os advrbios em seu contexto utilizando o corpus da pesquisa,

    servindo-nos da Lingustica de Corpus como metodologia de estudo.

    interessante ressaltar que ainda h na literatura uma carncia de estudos

    na rea de Portugus como Lngua Adicional (doravante, PLA) devido ao seu

    recente crescimento, fazendo com que este trabalho torne-se tambm um incentivo

    para a disseminao de outros estudos na rea, ampliando os objetivos desta

    pesquisa.

    Acreditamos que o nmero de advrbios no nosso corpus seja expressivo,

    tendo em vista que estes, como j colocado, funcionam como uma das maneiras de,

    explicitamente, o autor se colocar e demonstrar seus julgamentos e opinies. Resta-

    nos saber de que maneira so utilizados estes recursos lingusticos.

    As perguntas que direcionam este trabalho so:

    1) Com base no corpus coletado, os autores colocam-se nos textos atravs

    do uso de advrbios de posicionamento?

  • 20

    2) Constatada a presena de advrbios de posicionamento no corpus, quais

    so eles? Quais so os mais frequentes?

    Nossas hipteses para as perguntas acima so:

    1) Sim, os autores utilizam-se de advrbios como uma das possibilidades de

    colocao do eu no texto.

    2) Estes advrbios, em sua maioria, so advrbios modalizadores (advrbios

    de posicionamento), que indicam uma avaliao do falante frente a um contedo

    proposicional (modus X dictum), podendo ser do tipo epistmico, dentico ou afetivo.

    Os advrbios mais frequentes so os do tipo epistmico, baseadas nos resultados

    obtidos para o ingls acadmico de Biber (2006) que, segundo Neves (2011),

    tratam da possibilidade de algo ser ou tornar-se verdadeiro. O falante manifesta

    certeza ou impreciso a respeito de determinada proposio (p) para maior

    detalhamento, ver seo 2.4.2.

    As perguntas e as hipteses que norteiam este estudo sero retomadas no

    captulo 5, no qual apresentamos os dados e debatemos os resultados.

    ii. Constituio da dissertao

    A presente dissertao composta por 5 captulos. No primeiro,

    apresentaremos uma viso geral da Pragmtica, subteoria da Lingustica que a

    pedra de esquina deste trabalho, assim como a teoria dos Atos de Fala, de Austin

    a Searle.

    No segundo captulo, falaremos de maneira geral sobre a linguagem

    acadmica, sobre o posicionamento em linguagem acadmica e abordaremos, neste

    contexto, os advrbios num olhar contrastivo entre a viso das gramticas

  • 21

    normativas e das pesquisas lingusticas em especial aquelas com um vis

    semntico-pragmtico.

    O terceiro captulo apresentar a metodologia utilizada, sob a perspectiva da

    Lingustica de Corpus viso geral da mesma, caractersticas e tipo de pesquisa.

    A metodologia de pesquisa, evidenciando as etapas da mesma, e os dados

    sobre o corpus so o tema do quarto captulo.

    No quinto captulo, procederemos com a anlise e discusso dos dados,

    retomando nossas perguntas norteadoras e hiptese iniciais.

    Finalizaremos a dissertao com nossas consideraes finais, as referncias

    utilizadas e o anexo.

  • 22

    1 A PRAGMTICA E OS ATOS DE FALA

    Na compreenso dos eventos lingusticos, existem dois paradigmas

    diferentes, sob os quais podemos analisar a linguagem: o formalismo e o

    funcionalismo. Segundo Neves (1997, p. 39),

    Na verdade, pode-se distinguir dois polos de ateno opostos no pensamento lingustico, o funcionalismo, no qual a funo das formas lingusticas parece desempenhar um papel predominante, e o formalismo, no qual a anlise da forma lingustica parece ser primria, enquanto os interesses funcionais so apenas secundrios.

    Leech (1985) nos diz que a viso formalista tende a considerar a linguagem

    como principalmente um fenmeno mental (p. 46), cujos universais lingusticos

    advm de uma herana gentica, diferentemente dos funcionalistas, que veem a

    linguagem como um fenmeno social, relacionando a aquisio da linguagem com a

    necessidade do ser humano de viver em sociedade.

    A respeito da segunda abordagem, Cunha (2011) refora as ideias de Leech

    e nos diz que a linguagem concebida como um instrumento de interao social

    (p. 157), na qual os fatores envolvidos na situao comunicativa, como o contexto, a

    motivao e os usurios tambm podem ser abordados, e os textos so

    relacionados s funes que desempenham na comunicao interpessoal (p. 158),

    trabalhando com dados reais, olhando para o uso. Essa concepo de gramtica,

    diferentemente do pensamento chomskyano, analisa a competncia vinculada ao

    desempenho, que ir moldar os processos, os padres gramaticais.

    Apesar de divergentes, ao considerar aspectos diferentes da linguagem,

    Leech (1985) coloca que ambas possuem o seu valor de verdade e que seria

    insensato negar tanto o fenmeno psicolgico quanto o fenmeno social.

    Neste trabalho, devido ao nosso recorte de pesquisa, daremos nfase

    abordagem funcionalista, utilizando a Lingustica de Corpus (ver captulo 3) como

    metodologia e a pragmtica como base terica. Sobre esta ltima, falaremos com

    mais detalhe a seguir.

  • 23

    1.1. A PRAGMTICA

    Campos (2008), ao iniciar seus escritos sobre questes metatericas

    relacionadas pragmtica, define dois grandes momentos desta subteoria da

    lingustica: o perodo clssico, no qual temos algumas obras que apontam para a

    existncia da disciplina sem, no entanto, irem alm disso; e o moderno, no qual

    vemos o florescer dos estudos pragmticos, com a busca de uma definio e de um

    objeto de estudo para a mesma.

    O novo olhar sobre a linguagem, ou a chamada reviravolta pragmtica,

    inicia-se, segundo Oliveira (2001), com Wittgenstein II, cujo pensamento anti-

    sistemtico, em oposio ao Wittgenstein de Tractatus Lgico-Philosophicus (2001)

    a linguagem, para o primeiro Wittgenstein, era, de acordo com Spica (2009), a

    totalidade das proposies, definidas como articuladas, portadora do sentido,

    atravs da qual os pensamentos so expressos (percebe-se aqui um autor alinhado

    com a lgica proposicional).

    Opondo-se tradio de que h uma isomorfia entre realidade e linguagem:

    porque h uma essncia comum a um determinado tipo de objetos que a palavra

    pode design-los e assim aplicar-se a diferentes objetos que possuem essa

    essncia (Oliveira, 2001, p. 120), Wittgenstein II contra uma teoria objetivista da

    linguagem. A sua concepo de linguagem difere-se da concepo de Santo

    Agostinho, que apresentada logo no incio de seu livro Investigaes Filosficas:

    Se os adultos nomeassem algum objeto e, ao faz-lo, se voltassem para ele, eu percebia isto e compreendia que o objeto fora designado pelos sons que eles pronunciavam, pois eles queriam indic-lo. Mas deduzi isto dos seus gestos, a linguagem natural de todos os povos, e da linguagem que, por meio da mmica e dos jogos com os olhos, por meio dos movimentos dos membros e do som da voz, indica as sensaes da alma, quando esta deseja algo, ou se detm, ou se recusa ou foge. Assim, aprendi pouco a pouco a compreender quais coisas eram designadas pelas palavras que eu ouvia pronunciar repetidamente nos seus lugares determinados em frases diferentes. E quando habituara minha boca a esses signos, dava expresso aos meus desejos. (1)

  • 24

    Para Wittgenstein II, nesta imagem da linguagem a palavra substitui o objeto,

    sendo este conceito de significao a representao primitiva de maneira pela qual

    a linguagem funciona (2)1, um sistema nominativo que no tudo aquilo que

    chamamos de linguagem (3). Segundo o filsofo, pode-se chamar isso de

    preparao para o uso de uma palavra (26) uma espcie de treinamento, que

    caracteriza a fala de adultos com crianas, preparando para o uso de uma

    linguagem que mais complexa. A linguagem , ento, parte de uma atividade ou

    de uma forma de vida (23), de modo que no se pode separar pura e

    simplesmente a considerao da linguagem da considerao do agir humano ou a

    considerao do agir no pode mais ignorar a linguagem. (Oliveira, 2001, p.138)

    Ainda sobre Wittgenstein, Armengaud (2006) destaca dois pontos centrais em

    Investigaes Filosficas:

    1) o pensamento e a linguagem vistos como indissociveis, que geram um ao

    outro de maneira simultnea;

    2) a linguagem no sendo mais algo privado, mas pblico, uma atividade

    comunicativa controlada por regras de maneira pblica.

    Utilizando a expresso metafrica jogos de linguagem, o filsofo descreve

    este ambiente citando alguns exemplos: poder-se-ia dizer, ento, que um professor,

    ao dar um comando para os alunos ou ir at o quadro negro para expor uma teoria,

    realiza um jogo da linguagem, uma atividade, e faz com que as palavras adquiram

    significado em seu uso. Uma vtima de assalto, ao descrever o carro dos bandidos e

    os acontecimentos traumticos para a polcia, tambm realiza esta atividade, que

    se realiza sempre em contextos de ao bem diversos e s pode ser compreendida

    justamente a partir do horizonte contextual em que est inserida. (Oliveira, p. 138)

    Assim, enfatizando a ao e o contexto, este modelo quebra o paradigma de

    linguagem estabelecido pela semntica tradicional.

    1 Os nmeros entre parnteses utilizados correspondem numerao utilizada no texto pelo autor ao explanar suas idias.

  • 25

    Arajo (2004) coloca que o filsofo prope, no lugar de regras lgicas e

    semnticas para construir proposies, simplesmente o uso da linguagem ordinria,

    que tal como est, est em ordem. (Arajo, p. 100) Desta forma, satisfaz s

    finalidades da compreenso lingustica praticada por nossas formas de vida.

    (Arajo, p. 101)

    Sai de cena, neste momento, a linguagem exata da lgica, das condies de

    verdade proposta pela semntica formal e entra a anlise da linguagem em uso,

    trazendo um novo olhar sobre a significao: A significao de uma palavra seu

    uso na linguagem (43), diz Wittgenstein, que afirma que, ao usar determinadas

    palavras, os filsofos devem se perguntar: essa palavra usada de fato desse

    modo na lngua em que ela existe? (116)

    Nesta nova era, cujo pontap inicial se deu com as novas observaes

    wittgensteinianas, surgem tentativas de elaborao de um conceito para a

    pragmtica, muitas com base no pensamento do filsofo e algumas inserindo novos

    olhares ou dando maior nfase ao que j havia sido exposto.

    A definio de pragmtica feita por Morris (1938), considerada a mais antiga,

    diz que: a pragmtica a parte da semitica que trata da relao dos signos e dos

    usurios dos signos. J conseguimos perceber, por esta conceituao de Morris,

    uma tentativa de colocar o papel do usurio, to presente nas definies mais

    atuais, como central.

    Para Armengaud (2006), a pragmtica se apresenta na tentativa de responder

    a certas perguntas, como por exemplo: Que dizemos exatamente quando falamos?

    Como algum pode dizer uma coisa completamente diferente daquilo que queria

    dizer? Quais so os usos da linguagem?. Percebemos aqui o papel da pragmtica

    de ir alm do texto, embarcando, como veremos mais adiante, conceitos

    extralingusticos. A autora tambm traz alguns pontos-chave com os quais a

    pragmtica lida:

    1) Conceito de ato: linguagem como ao. Falar agir;

    2) Conceito de contexto: tudo o que preciso saber para entender e avaliar o

    que dito;

  • 26

    3) Conceito de desempenho: realizao do ato em contexto. Est

    relacionado ao saber do falante (lingustico e comunicativo).

    No conceito de ato e de contexto, percebemos a influncia do pensamento

    wittgensteiniano. Armengaud inova com seu terceiro item, o desempenho, que de

    outra forma ser abordado pela Teoria do Contexto de Van Dijk, sobre a qual

    falaremos mais adiante.

    Na viso de Huang (2007), a resposta para a pergunta o que pragmtica?

    difcil de ser dada. Ainda assim, ele define pragmtica como estudo sistemtico

    de significado em virtude de, ou dependente do uso da linguagem. O tpico central

    do inqurito da pragmtica inclui implicatura, pressuposio, atos de fala e dixis.

    (p.2 traduo nossa)

    Se, de acordo com a perspectiva de Huang, a pragmtica, assim como a

    semntica, tambm trata do significado, seriam estas subteorias autnomas ou se

    sobreporiam? Huang chega concluso de que elas so inextricavelmente

    entrelaadas de tal maneira que a fronteira entre elas no fcil de desenhar de

    maneira clara e sistemtica. (p. 242 traduo nossa)

    No nos deteremos na discusso de questes obscuras em relao aos

    limites entre a pragmtica e a semntica, mas interessante perceber o quanto as

    duas subteorias dialogam e, sob algumas perspectivas tericas, se complementam.

    Retomando a questo do significado, Yule (1996), ao elaborar sua definio

    de pragmtica, tambm coloca que a pragmtica ocupa-se do seu estudo.

    Entretanto, ele acrescenta: significado como comunicado pelo falante (escritor) e

    interpretado por um ouvinte (ou leitor). Segundo esta viso, que se difere dos

    estudos mais tradicionais, a poro humana envolvida na linguagem tambm

    considerada fundamental, assim como na definio de Morris.2

    Alm do significado do falante, Yule (1996) apresenta outras trs reas com

    as quais a pragmtica lida: i) o significado contextual, j que a interpretao daquilo

    que as pessoas querem dizer acontece num determinado contexto que ir

    2Lembramos que, no incio dos estudos lingusticos com Ferdinand de Saussure, o estudo da lngua, objeto de estudo da cincia que acabara de emergir, a Lingustica, era feito dentro da lngua, sem referncia ao contexto ou ao falante.

  • 27

    influenciar o que dito; ii) o que determina a escolha do que ser dito/no-dito e iii) a

    expresso de distncia pois, segundo ele, no pressuposto de quo perto ou distante

    o ouvinte est, os falantes determinam o quanto precisa ser dito noo esta de

    proximidade que pode ser tanto fsica e social quanto conceitual.

    Das trs reas acima destacadas por Yule, o contexto de extrema

    relevncia para a anlise que propomos fazer. Armengaud (2006) chega a coloc-lo

    como um fator central que caracteriza a pragmtica e Moura (2000), em sua

    abordagem do contexto e da relao com o significado e o sentido, coloca que o

    esforo para a incorporao de elementos contextuais na significao reabre o

    debate sobre os limites da semntica e da pragmtica, trazendo a oposio que

    surge entre sentido e significado, na qual a situao (ou contexto) tem papel

    relevante.

    Adentrando um pouco mais na definio de contexto, Koch (2006) nos diz que

    as concepes diferem consideravelmente de autor para autor e de acordo com a

    poca. O contexto era visto, na primeira fase das pesquisas com o texto, como o

    entorno verbal, ou seja, o co-texto. Esta concepo foi-se modificando com as

    consideraes feitas pelos pragmticos, que colocavam tambm a necessidade de

    anlise da situao de comunicao, dando a ela um papel importante (diramos

    fundamental) na atribuio do sentido.

    A noo de contexto, importante para a pragmtica, tambm basilar nos

    trabalhos da Anlise Crtica do Discurso. De acordo com Van Dijk (2012), o discurso

    no s o texto, mas o contexto. O falar composto no somente por

    representaes lingusticas, mas tambm pela situao da comunicao. Sua Teoria

    do Contexto baseia-se num modelo de contexto considerado um tipo de modelo

    mental da situao (parte da memria episdica), na qual o falante seleciona aquilo

    que mais relevante. Esses modelos mentais advm das experincias cotidianas e

    precedem as aes dos indivduos (como falar, atuar etc.). O modelo do contexto

    simples e tem por funo controlar o discurso que est sendo produzido, a fim de

    que a comunicao seja feita de forma adequada.

    Esta , segundo o autor, uma teoria egocntrica, baseada no eu, e

    dinmica, pois considera as mudanas no tempo, no conhecimento e nas emoes.

    Apesar de possuir uma parte cognitiva, Van Dijk considera este um modelo

  • 28

    pragmtico, pois se trata da maneira como eu falo e considera que as diferenas

    culturais criam diferentes modelos de contexto.

    Para esta teoria, o falante lida com algumas categorias, cuja relevncia

    depende de cada situao. Dentre essas categorias, podemos citar:

    Noo de lugar local de onde os falantes se comunicam. necessria para

    poder compreender diticos como aqui, l.

    Noo de tempo falamos a expresso boa tarde normalmente em um

    perodo do dia, por exemplo. Ou seja, para que a comunicao seja

    adequada, o falante precisa ter essa noo de tempo, que servir para a

    compreenso de palavras como agora, hoje, amanh e dos verbos da

    lngua.

    Representao dos participantes o participante central da teoria o eu,

    aquele que fala, o self. o centro da interao do discurso.

    Identidade a cada momento necessrio identificar as identidades

    relevantes, o papel dos indivduos. Este definido na relao entre os

    participantes, que possuem muitas identidades, mas que no representam

    todas no mesmo momento. Ex: um indivduo pode ser pai, empregado, irmo

    e filho e desempenhar um ou outro papel em diferentes momentos da vida e

    do cotidiano.

    Atos ou prticas sociais estes atos sociais relacionam-se com os Atos de

    Fala. So tipos de atos sociais: dar uma palestra, discursar, ouvir.

    Objetivo, inteno o qu se pretende com o ato social. Ao dar uma palestra,

    por exemplo, meu objetivo pode ser o de educar.

    Assim, ao adotarmos a perspectiva pragmtica e ao retomarmos alguns de

    seus dos conceitos-chave, observamos que o nosso sujeito tem voz no discurso e

  • 29

    se constitui na relao com o tu, com quem fala, o outro. Ele possui inteno ao

    produzir um texto, ao se comunicar um papel, diramos, atuante. A compreenso,

    ou seja, a produo do sentido, d-se atravs dos elementos lingusticos (sua

    organizao e forma) e dos elementos envolvidos na situao de interlocuo,

    constitutivos do contexto. A linguagem, por sua vez, vista de maneira concreta,

    para fins de comunicao entre os usurios de dada lngua, comunicao esta que

    se realiza atravs dos jogos de linguagem, como postulou o vanguardista

    Wittgenstein II.

    Essa nova viso da linguagem que surge com a virada pragmtica tornou-se

    campo frtil para as ideias de Austin. A linguagem ativa um ato de fala. A

    aproximao entre as ideias de Wittgenstein e Austin clara; distingue-se, segundo

    Wetherell & Yates (2001), porque

    Enquanto Wittgenstein fragmentou a linguagem em um grande nmero de jogos de linguagem que tendem a desafiar uma caracterizao geral precisa, o objetivo de Austin foi especificamente dar uma anlise geral, sistemtica desta linguagem ativa.

    (Wetherell & Yates, 2001, p. 43 traduo nossa)

    Falaremos mais a respeito da teoria dos Atos de Fala, da sistematizao da

    linguagem em uso feita por Austin e, posteriormente, lapidada por Searle, no

    subcaptulo seguinte.

    1.2 ATOS DE FALA

    A teoria dos Atos de Fala (do ingls, Speech Acts theory) de John Langshaw

    Austin tem por base as conferncias proferidas por ele no ano de 1955, na

    Universidade de Harvard (compiladas e publicadas em meados dos anos 60 no livro

    How to do Things with Words). Ela foi posteriormente aprimorada por Searle, que

    basicamente apresentou suas ideias no livro Speech Acts: an essay in the

    philosophy of language e no artigo A Classification of Illocutionary Acts, publicado

    no peridico Language in Society.

  • 30

    Sobre a relao entre os filsofos, existem diferentes pontos de vistas dentro

    da pragmtica: alguns estudiosos consideram que Searle no serviu apenas como

    aprimorador das ideias inacabadas de Austin. Acreditam, inclusive, que se Austin

    tivesse vivido mais, no teria chegado s mesmas concluses que Searle (ou sequer

    teria modificado seu trabalho). J outros analisam sob o ponto de vista de um

    discipulado, sendo Searle o representante oficial de seu mestre e, assim, obtendo

    autoridade para aprimorar a teoria. Neste trabalho, apresentaremos a teoria como

    apresentada por ambos, sem a tentativa de achar uma soluo para o quebra-

    cabea criado por alguns estudiosos.

    Voltando s ideias de Austin, considerando que o objeto de estudo no a

    sentena, mas a produo de uma enunciao na situao de discurso (1975,

    p.139), ele examina as enunciaes e constata que no possuem um carter

    verdadeiro ou falso, no relatam ou constatam algo, mas executam uma ao.

    Assim, a ideia central da sua teoria a de que ao falarmos, j realizamos uma ao

    (sobre o mundo e sobre o outro).

    Contrariando o pensamento de que a linguagem serve para referir, seu

    trabalho traz linguagem um carter comunicativo. Austin comea, em suas

    palestras, citando os casos em que ao se dizer algo, est se fazendo algo (os

    chamados performativos). Para tal, ele utiliza alguns exemplos, como:

    (a) Aceito (esta mulher como minha legtima esposa). do modo que

    proferido no decurso de uma cerimnia de casamento.

    (b) Batizo este navio com o nome de Rainha Elizabeth. quando proferido

    ao quebrar-se a garrafa contra o casco do navio.

    O autor coloca que estes exemplos deixam claro que as sentenas proferidas

    no esto descrevendo a cerimnia de casamento nem mesmo a cerimnia de

    batismo do navio. No so verdadeiras nem falsas; ao dizer estas palavras, estou

    fazendo a ao: casando (mudando de estado civil) e nomeando um navio. A este

    tipo de sentena chamamos sentena performativa, advinda do ingls to perform,

    verbo que indica ao.

  • 31

    Ao falarmos de sentenas performativas, devemos nos lembrar de que o

    objeto de estudo em questo a produo de uma enunciao, como j

    anteriormente colocado. Assim, sempre necessrio que as circunstncias nas

    quais as palavras so proferidas deveriam ser de algum modo, ou modos,

    apropriadas... (p. 8), ou seja, no caso de um casamento, necessrio que a pessoa

    que est casando (no caso de um casamento cristo) no seja casada, por exemplo.

    H casos em que um performativo sai errado, fracassa: neste caso, a

    sentena, ao invs de ser falsa, chamada de infeliz. Austin coloca seis regras

    que no podem ser transgredidas para o sucesso da ao. No nos deteremos na

    explicao destas, j que visamos apresentar de maneira concisa sua teoria; basta-

    nos saber que o ato no se realiza.

    Retomando o exemplo anterior, a pessoa que conduz a cerimnia de

    casamento deve ter autoridade para faz-la, assim como aquele que batiza o navio;

    caso contrrio, a cerimnia no ter seu valor reconhecido; como coloca Austin na

    segunda regra: As pessoas e circunstncias particulares em cada caso devem ser

    adequadas ao procedimento especfico invocado. (A. 2) (p. 15 traduo nossa)

    Vale esclarecer que, para Austin, os performativos no so apenas aqueles

    verbos formados na primeira pessoa do singular no tempo presente do indicativo, na

    forma afirmativa e na voz ativa. Ele acrescenta verbos na segunda e terceira

    pessoas, na voz ativa e passiva. O filsofo mostra quais so os possveis

    performativos e como alguns verbos (performativos explcitos), como aposto,

    duvido, declaro, no necessitam de complemento para serem identificados como

    tais.

    Portanto, ele defender que no h um juzo crtico (critrio gramatical ou de

    vocabulrio) que seja capaz de definir com exatido todos os possveis

    performativos, no existe um critrio gramatical que consiga distingui-los de maneira

    precisa. Desta forma, Austin procura mostrar como dizer algo equivale a fazer

    algo. Ele expe que, quando cometo o ato de dizer algo, estou automaticamente

    fazendo algo ou participando de algo. partindo dessa idia que ele apresenta os

    atos locucionrios, ilocucionrios e perlocucionrios.

    Quando profiro uma frase respeitando as regras gramaticais e que tenha um

    sentido, estou realizando um ato locucionrio. Se, ao proferir uma frase, ela resultar

  • 32

    no sentido de fazer aquilo que digo (quando prometo, estou afirmando que farei o

    combinado, por exemplo), a frase tem uma fora que ela prpria significa a

    realizao de um ato ou parte dele, ou seja, um ato ilocucionrio. Os atos

    perlocucionrios so definidos como sendo o ato de, ao proferir determinada frase,

    obter certos resultados (convencer, persuadir, impedir) que iro alm da linguagem e

    se realizam apenas se certos resultados forem obtidos.

    Retornando aos atos ilocucionrios, estes possuem uma fora, chamada de

    fora ilocucionria, que os divide em cinco grupos:

    Vereditivos: dar veredito.

    Exercitivos: exerccio de poder, influncia.

    Comissivos: prometer, ou assumir algo de maneira que se comprometa.

    Comportamentais: relacionado a atitudes e comportamentos sociais.

    Expositivos: Usado para ilustrar como o proferimento adqua a uma

    argumentao (expe).

    Searle, ao retomar as idias de Austin, percebeu que ainda existiam algumas

    lacunas que Austin, em seu estudo, no fora capaz de preencher.

    Assim, dando continuidade s ideias de Austin, em 1976, o filsofo americano

    John R. Searle lana o livro Speech Acts: an essay in the philosophy of language

    (1976). Logo no incio da obra, Searle lana a hiptese com a qual trabalhar

    durante todo seu livro: falar uma lngua um tipo de comportamento intencional

    governado por regras, regras estas de uso dos elementos lingusticos; falar uma

    lngua performar atos de fala, que so considerados as unidades bsicas ou

    mnimas da comunicao (1976, p. 16).

    Ao tratar, ento, da comunicao, Searle coloca alguns conceitos utilizados

    pela pragmtica, como o usurio/falante que produz a mensagem, o ato

    comunicativo e a inteno deste falante ao produzir tal mensagem. Seguindo suas

    explicaes, Searle fala de regras e encontra Wittgenstein, para quem a

    linguagem, nas palavras de Lycan (2001)

  • 33

    no uma questo de marcas no quadro-negro que levam a relao expressa a entidades abstratas chamadas de "proposies"; linguagem algo que as pessoas fazem, e fazer de uma forma altamente governada por regras de maneira convencional. A atividade lingustica regida por regras da mesma forma que jogar um jogo regido por regras. (Lycan, 2001, p. 91 traduo nossa)

    O filsofo alemo nos mostra a sua viso de linguagem como ao - ideia

    tambm defendida por Searle (e Austin) - ele coloca a linguagem, ou em suas

    palavras, a teoria da linguagem, dentro da teoria da ao.

    Searle prossegue trazendo de volta a dicotomia saussuriana de lngua X fala

    para explicar que sua abordagem uma abordagem de fala, que, segundo o mestre

    genebrino, um ato individual de vontade e inteligncia (Saussure, 2012, p. 45);

    sua importncia nos estudos do mestre nos mostra que a fala constitui a lngua

    o objeto da Lingustica (Silveira, p. 50).

    Searle no v os trabalhos de Wittgenstein (Tractatus Logico-Philosophicus e

    Investigaes Filosficas) como contrrios, j que, segundo ele, o estudo do

    significado e dos atos de fala so complementares. Para ele, o estudo do

    significado das sentenas no distinto do estudo dos atos de fala (1976, p. 18

    traduo nossa). So somente diferentes vises, tendo em vista que cada ato de

    fala pode ser, em princpio, formulado em uma sentena e cada sentena pode ser

    usada para produzir um ato de fala.

    Atravs desta relao sentena - atos de fala emerge o princpio da

    expressibilidade, segundo o qual, em princpio, possvel ser capaz de dizer

    exatamente aquilo que quero significar isto se difere ao efeito que o usurio

    pretende obter em seu ouvinte ao dizer X coisa, ou seja, da inteno do falante,

    como alertar, fazer um pedido, pedir desculpas etc.

    Analisemos a seguinte sentena:

    a) meio-dia.

  • 34

    Esta sentena descreve um momento, uma situao. Poderia ser usada, por

    exemplo, na descrio de algum quadro pintado por algum artista, no qual vemos

    uma famlia sentada mesa e um relgio na parede que marca meio-dia.

    b) A famlia est toda reunida, o almoo est servido, meio-dia.

    Porm, este tipo de situao, na qual apenas descrevemos um momento,

    bastante limitado. Como ato ilocucionrio, a sentena pode ser, dependendo do

    contexto, um convite ( meio-dia, vamos almoar?), um pedido ( meio dia, hora

    de silncio, poderias parar com o barulho?), pode ser uma justificativa ( meio-dia,

    j trabalhei 4 horas, preciso de um descanso.) e inmeros outros exemplos de ao

    atravs do uso da lngua.

    Desta forma, compreendemos o que Searle quer nos dizer quando, segundo

    ele, o estudo do significado no se limita somente ao estudo semntico. O

    enunciado lingustico um ato de fala, ou seja, a realizao do enunciado em forma

    de ordem, promessa, agradecimento etc., que pode ser linguisticamente de forma

    explcita ou no. Vejamos os exemplos:

    c) Prometo que irei estudar.

    d) Lamento pela morte de seu irmo.

    e) Juro que no quebrei o vaso, me.

    (c1) Prometi no ano passado que iria estudar.

    (d1) Pedro lamentou muito a sada de seu amigo da escola.

    (e1) Minha filha jurou que no compraria mais roupas.

    Nas sentenas (c), (d) e (e) ato de prometer, lamentar e jurar acontece na

    enunciao da sentena. Elas se diferem de (c1), (d1) e (e1).

    Searle retoma as ideias de Austin e apresenta os trs tipos de atos de fala:

  • 35

    a) Ato locucionrio o dizer algo, ou seja, os enunciados.

    b) Ato ilocucionrio enunciados que possuem valor convencional, ou seja,

    por meio deles pergunta-se, agradece-se etc.

    c) Ato perlocucionrio o efeito que o ato produz no ouvinte.

    Para Searle, a unidade fundamental da comunicao humana (em termos

    lingusticos) o ato de fala. Como exposto acima, j vimos, os atos de fala se

    subdividem em 3 grandes categorias. Como base para a anlise dos advrbios,

    focalizar-nos-emos na apresentao dos atos ilocucionrios.

    Existem algumas dimenses que podem ser significativas para explicar a

    variao entre os diferentes atos ilocucionrios. Deter-nos-emos na apresentao

    das trs consideradas por Searle as mais importantes e essenciais na construo da

    sua taxonomia. A primeira delas a diferena entre propsito e fora.

    O propsito parte, no o mesmo que fora ilocucionria. Pedir e

    mandar possuem o mesmo propsito: que o ouvinte faa determinada coisa.

    Entretanto, as foras so distintas. A fora resulta do somatrio de diferentes

    elementos, dos quais um deles o propsito.

    Searle ainda coloca que algumas situaes tm como parte de seu propsito

    o que ele chama de direo apropriada. Para explicar este termo, ele utiliza o

    exemplo da lista de supermercado.

    No exemplo trazido por Anscombe (1957) e utilizado por Searle, um homem

    vai ao supermercado com uma lista de compras dada por sua esposa. Na lista,

    esto escritas as palavras feijo, margarina, bacon e po. Suponhamos que ele

    ande pelo estabelecimento selecionando os itens sendo seguido por um detetive,

    que faz anotaes de tudo o que ele pega das prateleiras. Ao sarem do local,

    ambos tero uma lista idntica; porm, com funes distintas. No caso da lista de

    compras do homem, o propsito fazer com que o mundo se iguale s palavras.

    J no caso do detetive, o propsito fazer com que as suas aes se encaixem na

    lista, num sentido inverso. Se o detetive, por acaso, se enganar e escrever na lista

    um item errado (costeletas de porco ao invs de bacon, por exemplo), poder

    posteriormente apag-lo e escrever o item correto. J se o homem chegar a casa e

  • 36

    sua mulher mostrar-lhe que ele trouxe costeletas de porco no lugar do bacon, ele

    no poder simplesmente apagar a palavra para desfazer o erro.

    Percebemos, ento, a relao entre o contedo proposicional (no caso, a lista

    de compras) e a fora ilocucionria, ou seja, aquilo que determina como, de que

    maneira, o contedo deve relacionar-se com o mundo. Esta relao contedo-

    mundo chamada de direo apropriada e foi classificada de duas formas: palavras-

    para-o-mundo (representada por ), mundo-para-as-palavras (cuja representao

    ). Em cada uma destas categorias, podemos enquadrar pedidos, promessas,

    explicaes, descries etc.

    Por ltimo, h o estado psicolgico, que advm da execuo de um ato

    ilocucionrio: ao express-lo, o falante demonstra algum tipo de atitude ou estado

    em relao ao contedo proposicional, como, por exemplo, prometer, acreditar, etc.

    Searle chama a ateno para o fato de que, ao menos na primeira pessoa,

    inaceitvel que algum diga Eu afirmo que p, mas no acredito em p. Este estado

    psicolgico chamado de condio de sinceridade.

    Para melhor compreendermos este conceito, na tabela abaixo, podemos

    visualizar alguns tipos de atos ilocucionrios, os contedos proposicionais e as

    condies de sinceridade de cada um.

    Quadro 1 - Tipos de atos ilocucionrios

    Atos ilocucionrios

    Pedido Afirmao Agradecimento Aconselhamento

    Contedo

    Proposicional

    Ao futura do

    ouvinte.

    Qualquer

    proposio p.

    Ao passada

    feita pelo ouvinte.

    Ao futura do

    ouvinte.

    Condio de

    Sinceridade

    O falante quer

    que o ouvinte

    faa a ao.

    O falante

    acredita em P.

    O falante sente-se

    grato pela ou

    aprecia a ao.

    O falante acredita

    que a ao

    beneficiar o

    ouvinte.

    Fonte: Adaptada de SEARLE (1976, p. 66-67)

    Observamos que, dos quatro tipos de atos ilocucionrios, um bastante

    utilizado no registro acadmico: a afirmao. Ao dissertar sobre determinado

  • 37

    assunto, o autor frequentemente afirma algo, ainda que no mundo cientfico as

    respostas para as hipteses levantadas no possam ser tomadas como verdades

    absolutas. Em relao a qualquer proposio p, como visto na tabela, o falante

    possui uma crena. Neves (2011), ao dissertar a respeito de modalizao, coloca os

    advrbios de posicionamento dentro da categoria de palavras que modalizam a

    proposio, ou seja, apresentando crena, levantando hipteses e pontos de vista a

    respeito - estudo este que ser apresentado mais adiante (ver seo 2.4.2.); por

    hora, interessante perceber que as ideias de Searle possuem pontos em comum

    com as anlises lingusticas dos advrbios que sero apresentadas neste trabalho.

    Retomando a classificao de Austin para lapid-la, Searle coloca, a

    respeito dos verbos citados por Austin, que a primeira coisa a notar nestas listas

    que elas no so classificaes de atos ilocucionrios, mas de verbos ilocucionrios

    do ingls. (p. 8 traduo nossa) O filsofo acrescenta que nem todos os verbos

    listados so verbos ilocucionrios e, em algumas categorias, os verbos so de tipos

    diferentes. Tambm no h princpios consistentes sobre os quais a taxonomia est

    ancorada o que gera uma mistura de categorias, criando certa heterogeneidade.

    Para tentar esclarecer estes pontos, ele apresenta uma alternativa, utilizando como

    base para a sustentao de sua classificao alguns pontos j apresentados nesta

    dissertao: propsito ilocucionrio, direo apropriada e condio de sinceridade.

    Vejamos a classificao searliana:

    Quadro 2 Classificao de Searle dos atos de fala

    Ato de Fala Propsito Direo

    Apropriada

    Condio

    de

    Sinceridade

    Exemplos

    Representativos Atos que comprometem

    o falante com a verdade

    da proposio expressa.

    Acreditar

    (que p).

    Reclamar,

    concluir,

    deduzir.

    Diretivos So tentativas (convites,

    sugestes) do falante de

    fazer com que o ouvinte

    faa determinada coisa.

    Quero

    (ou desejo)

    Pedir,

    implorar,

    convidar.

    Comissivos Atos que comprometem Inteno Prometer,

  • 38

    o falante com alguma

    ao futura.

    planejar,

    apostar.

    Expressivos Expressam o estado

    psicolgico especificado

    na condio de

    sinceridade sobre um

    estado de coisa

    especificado no

    contedo proposicional.

    (P)

    Varivel para

    possveis

    estados

    psicolgicos.

    Agradecer,

    dar as boas-

    vindas,

    desculpar-

    se.

    Declarativos O sucesso na execuo

    traz a correspondncia

    entre o contedo

    proposicional e a

    realidade, garante que o

    contedo proposicional

    corresponda ao mundo.

    __

    Fonte: O autor (2014) (baseado em SEARLE, J. R. 1976)

    Observando a tabela acima, com base nas idias apresentadas por Searle

    (1976), podemos destacar alguns pontos interessantes. Primeiramente, ao debater

    os exemplos dos atos representativos, Searle coloca que reclamar relaciona-se

    com o interesse do falante, diferentemente de concluir, que est relacionado com o

    resto/contexto do enunciado ou do discurso. So exemplos de atos ilocucionrios

    que possuem o mesmo propsito (comprometer o falante com a verdade da

    proposio), mas que possuem foras ilocucionrias diferentes.

    Em segundo lugar, h a similaridade entre os atos diretivos e comissivos:

    Searle optou por separ-los em dois grupos distintos, apesar das semelhanas

    (mesma direo apropriada e propsitos similares fazer a ao X). Entretanto,

    nos atos comissivos, o falante compromete-se com alguma ao futura (exemplo:

    Prometo que no irei dormir durante a aula de amanh.), diferenciando-se dos atos

    diretivos, nos quais o propsito fazer com que o ouvinte faa determinada coisa,

    como por exemplo, um funcionrio pedir para seu chefe um aumento de salrio.

  • 39

    Os dois ltimos atos ilocucionrios tambm possuem pontos interessantes a

    serem apresentados. Nos atos expressivos, observamos que a direo apropriada

    nula; isto porque a verdade da proposio pressuposta; para finalizar, relembrando

    os atos performativos apresentados por Austin, temos os atos ilocucionrios

    declarativos, como Voc est demitido, no qual o dizer com sucesso traz

    realidade as palavras, faz a ao.

    Dentre os cinco tipos de atos de fala apresentados, aquele que mais se

    enquadra no perfil dos textos analisados o representativo. Retomando a idia j

    exposta nesta seo, textos acadmicos como resenhas, artigos, monografias etc.

    possuem como caracterstica em comum o comprometimento do falante com as

    idias por ele expressas. Utilizando os exemplos dados por Searle, em uma resenha

    crtica, por exemplo, o falante pode reclamar a respeito de um assunto de

    determinado livro que no foi bem explorado, ou poder fazer dedues (deduzir),

    em um artigo cientfico, a partir dos resultados obtidos em algum experimento

    laboratorial, por exemplo.

    Este aprofundamento da teoria dos Atos de Fala estimula o linguista a olhar

    mais a fundo a linguagem produzida por certo falante num determinado contexto,

    considerando variveis at ento impensadas. A relao que o falante estabelece

    com a linguagem e a apropriao que ele faz desta traz tona a forte ligao entre

    ao e linguagem, reascendendo discusses sobre a (im)possvel neutralidade no

    enunciado, carregado de intenes.

    Este um dos tpicos que veremos no captulo seguinte, que tambm

    descrever a linguagem acadmica, apresentando suas peculiaridades, alm de

    tratar da relao advrbios-posicionamento.

  • 40

    2 LINGUAGEM ACADMICA, POSICIONAMENTO E ADVRBIOS

    Este captulo est estruturado da seguinte forma: no primeiro subcaptulo,

    falaremos a respeito da linguagem acadmica. Aps, trataremos do portugus como

    lngua adicional em contexto nacional e mundial - e do posicionamento em

    linguagem acadmica; por fim, dissertaremos acerca dos advrbios e da sua relao

    com o posicionamento.

    2.1 LINGUAGEM ACADMICA

    A linguagem acadmica poderia ser definida, com base na definio

    apresentada por Jordan (1997) de ingls para propsitos acadmicos (EAP, sigla

    em ingls), como as habilidades de comunicao requeridas para o estudo em

    sistemas formais de educao. Em outras palavras, o tipo de linguagem utilizada

    no ambiente acadmico e para qual se espera que o aluno tenha competncia. Esta

    pode ser tanto escrita (como, por exemplo, os textos utilizados em aula, provas,

    trabalhos escritos produzidos por alunos tais como ensaios, teses e artigos) como

    falada (o discurso do professor, trabalhos orais apresentados por alunos

    comunicaes individuais, apresentao de psteres).

    Figura 1 - Posio do portugus acadmico no panorama lingstico

    Fonte: O autor (2014) (baseada em Jordan, 1997).

  • 41

    A figura anterior nos mostra a posio que o portugus acadmico (PA)

    ocupa dentro de um panorama lingustico. Temos a lngua portuguesa de maneira

    geral, com seus propsitos gerais e sociais, e a diviso das habilidades lingusticas,

    e o portugus acadmico dentro de propsitos especficos, cujos propsitos so

    divididos em especficos (so citadas as diferentes reas acadmicas que o

    utilizam) e os gerais, como seminrios, discusses etc.

    Ao ingressar em um ambiente acadmico, os alunos precisam aprender o

    cdigo acadmico (Jordan, 1997), o que envolve, segundo o autor,

    um nmero de elementos, dependendo do nvel de educao, isto , graduao, ps-graduao, pesquisa, etc. Pode incluir adaptao a um novo sistema acadmico, dentro de ambiente cultural, que possui suas prprias convenes. Pode tambm envolver observar a natureza das relaes entre o pessoal acadmico e estudantes e entre os prprios estudantes. Essas relaes envolvem atitudes e expectativas, algumas das quais so expressas pela linguagem.

    (p. 6 - traduo nossa)

    Se compararmos, ento, a linguagem acadmica com a linguagem diria

    utilizada pelos falantes de determinada lngua, veramos que a utilizao de grias e

    expresses coloquiais, por exemplo, no so caractersticas usuais da linguagem

    acadmica, que tende a possuir um nvel de vocabulrio e de estruturas gramaticais

    mais formais.

    Esta diferena entre as variantes de uma mesma lngua gera, muitas vezes,

    problemas para alunos novatos, ainda no habituados com o novo mundo

    acadmico, e para estudantes intercambistas especialmente aqueles que migram

    para um pas no qual no lhes exigido uma proficincia em linguagem acadmica

    a ttulo de exemplificao, a maioria das universidades americanas exigem que

    alunos estrangeiros faam o exame de proficincia TOEFL (Test of English as a

    Foreign Language), o que no ocorre no Brasil, que no possui um exame deste

    tipo.

    As variveis includas na aprendizagem de PLA so muitas, e estas nem

    sempre esto relacionadas linguagem (Jordan, 1997). Os estudantes tm a

    possibilidade tanto de comear seus estudos em pases que possuem a lngua

  • 42

    estudada como lngua oficial (como, por exemplo, aqueles intercambistas que

    iniciam o estudo de portugus em universidades brasileiras), como em seus pases

    de origem. As razes para o estudo variam, podendo a lngua em questo ser um

    pr-requisito para o ingresso em programas de universidades. Os professores

    podem ser falantes nativos ou no. A durao dos cursos bastante varivel:

    durao de um semestre inteiro ou meio semestre, em perodo integral ou parcial

    etc.

    Em relao ao material didtico utilizado no PLA, considerando que o

    aumento no interesse pelo estudo do mesmo recente (falaremos mais a respeito

    no captulo seguinte), o material disponvel no apresenta grandes variaes,

    voltando-se para o ensino do portugus cotidiano. Ao ensinar ao aluno as estruturas

    gramaticais mais comuns do idioma em tpicos variados, como turismo e esportes,

    utilizam para tal ferramentas como a leitura de charges, piadas e outros textos afins,

    que se diferenciam da maioria dos recursos utilizados em uma sala de aula de uma

    universidade.

    A respeito da presena do autor em linguagem acadmica, Flttum, Gedde-

    Dahl e Kinn (2006) colocam que gneros como o artigo cientfico, assim como outros

    similares, "tm constantemente sido considerados como relativamente objetivos e

    impessoais, exibindo poucos traos do pesquisador" (p. 67), e que nas ltimas

    dcadas expresses que indicam a presena do autor foram o centro das atenes

    de inmeras pesquisas em LA, especialmente os pronomes, foco da investigao

    destes autores, cuja pergunta-chave da pesquisa era: como autores de artigos se

    manifestam nos textos, mostrando-nos a pertinncia de mais estudos na rea tendo

    o portugus como lngua de estudo.

    Nesta seo, vimos algumas das caractersticas que caracterizam a

    linguagem acadmica e o PLA, recente como foco de estudo. Os fatores que

    atuaram na promoo da lngua portuguesa pelo mundo, bem como alguns dados

    atuais sobre o ensino desta no Brasil e em outros pases sero vistos no prximo

    subcaptulo.

  • 43

    2.2 PORTUGUS COMO LNGUA ADICIONAL

    O Brasil e consequentemente, o portugus - tem atrado os olhares do

    mundo medida que o pas avana em termos polticos e socioeconmicos.

    Atualmente, a lngua portuguesa possui cerca de 205 milhes de falantes

    (ALBUQUERQUE E ESPERANA, 2010, p. 4) e a quarta lngua mais falada como

    lngua adicional (LA)3. O ensino e a aprendizagem de portugus como LA ganhou

    destaque nos ltimos anos e tem sido tema de diversas pesquisas lingusticas.

    O visvel crescimento econmico do Brasil, com destaque para o maior

    crescimento do pas dos ltimos 25 anos ocorrido em 2010 e o crescimento do PIB

    (Produto Interno Bruto) em 2013 em 2,5%4, uma das causas da valorizao da

    lngua portuguesa no cenrio mundial.

    O exame Celpe - Brs, certificado de proficincia de lngua portuguesa para

    estrangeiros, reconhecido oficialmente pelo governo brasileiro, teve o dobro do

    nmero de inscritos nos ltimos 10 anos - no ano 2000, foram 1.155 candidatos

    inscritos. J em 2010, este nmero passou para 6.139. (FOREQUE, 2011).

    Alm disso, observa-se um aumento na procura por cursos de PLA fora e

    dentro do pas. Na Universidade de Harvard, o nmero de alunos matriculados em

    portugus subiu 150% nos ltimos 10 anos5 e no IBEC (Instituto Brasileiro-

    3 Pesquisadores tm optado pela utilizao do termo lngua adicional (LA) em detrimento de lngua estrangeira (LE). A respeito da diferena entre eles, Stern (1983, apud Perna; Yuqi, 2012) coloca que falantes de uma lngua adicional (L2) so aqueles que so proficientes em uma lngua no nativa, em um territrio onde esta lngua falada como L1 e possui status sociopoltico. Podemos citar como exemplo estudantes universitrios brasileiros falantes nativos de portugus (L1), atualmente residentes em algum pas de lngua inglesa, cursando uma ps-graduao portanto, proficientes em lngua inglesa (L2). J o termo LE se refere a aprendizes de lngua dentro de uma comunidade na qual esta lngua no possui status sociopoltico. Como exemplo, estudantes brasileiros residentes no Brasil que estudam francs em algum curso livre. Assim, aprendizes de lngua portuguesa que vem para o Brasil estudar a lngua portuguesa so considerados estudantes de portugus como lngua adicional (LA), termo que ser amplamente utilizado nesta dissertao. 4 Dado apresentado pelo FMI (Fundo Monetrio Internacional) conforme matria vinculada no site BBC Brasil em 08 de outubro de 2013: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/10/131008_fmi_brasil_dg.shtml. 5 Notcia do Jornal da Globo de 23 de junho de 2011: http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2011/06/alunos-de-harvard-vem-ao-brasil-para-aprender-portugues.html

  • 44

    Equatoriano de Cultura) o nmero de inscritos nos cursos PLA subiu de 533 no ano

    de 2002 para 3.184 em 20126.

    Segundo uma pesquisa da Modern Language Association (Furman, Goldberg,

    & Lusin, 2010), realizada desde 1958 nOs Estados Unidos e atualizada em 2009,

    com 99% dos cursos de graduao e ps-graduao americanos que oferecem

    cursos de lnguas (2.514 instituies), o crescimento no nmero de matriculados em

    cursos de portugus cresceu, de 2006 para 2009, mais de 10,8%, ganhando posio

    de destaque.

    O mapa a seguir nos mostra a distribuio dos locais de ensino de portugus

    e portugus crioulo7 pelo pas, com maior concentrao nas regies Sudeste,

    Nordeste e Sudoeste, como nos mostram as reas mais escuras.

    6Apresentao intitulada A Lngua Portuguesa no IBEC: uma demanda crescente apresentada por Ktia Salvado na mesa-redonda I Prticas de ensino e de formao de professores nos Centros e Institutos Culturais Brasileiros no exterior no 1 SINEPLA, Porto Alegre, 2012. 7 A respeito do portugus crioulo, a pesquisa no oferece um conceito, limita-se a apresentar dados estatsticos.

  • 45

    Figura 2 - Locais de ensino de portugus e portugus crioulo nOs Estados

    Unidos

    Fonte: MLA (Furman, Goldberg, & Lusin, 2010) (traduo nossa)

    J no Brasil, no incio de 2013, a Pontifcia Universidade Catlica do Rio

    Grande do Sul (PUCRS) ofereceu aos alunos de graduao e ps-graduao da

    Universidade de Harvard um curso de duas semanas de PLA e servios sociais,

    num total de 40 horas de estudos formais da lngua e 40 horas de servios

  • 46

    voluntrios8 a PUCRS vivencia um crescimento exponencial no nmero de alunos

    estrangeiros, que atualmente est em torno de 60 nos cursos de graduao e ps-

    graduao. Alm disso, outras universidades, inclusive federais, como a

    Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), criaram cursos de extenso de PLA

    a fim de suprir esta crescente demanda, que se fortaleceu com o aumento do

    nmero de acordos governamentais entre o Brasil e demais blocos econmicos.

    Tendo em vista essa valorizao, observamos a necessidade de criao de

    um exame de proficincia especfico, a fim de avaliar a proficincia destes alunos

    em nvel de registro acadmico9. Este, ao contrrio do exame Celpe-Bras10,

    enfocaria somente a lngua acadmica, necessria para que estes alunos, a fim de

    conseguir resultados satisfatrios em seus cursos, tenham boas habilidades

    lingusticas, principalmente em termos de leitura e escrita. Assim, atravs da criao,

    processamento e anlise de corpora, visamos obteno de padres que nos

    possibilitem no futuro no somente a criao de um exame, mas a colaborao para

    o crescimento do ensino de PLA, estimulando mais pesquisas na rea,

    especialmente no que diz respeito ao posicionamento do falante, tpico que vem

    ganhando espao na pesquisa acadmica e que ser discutido a seguir.

    2.3 POSICIONAMENTO EM LINGUAGEM ACADMICA

    O posicionamento do falante, segundo Biber (1999) e Barton (1993), feito

    atravs de mecanismos lingusticos que expressam sentimentos e avaliaes do

    autor/falante. Chamados tambm de avaliao (Huston, 1994) e intensidade

    (Labov, 1984), entre outras denominaes, o posicionamento tem chamado a

    8 Informaes extradas de; http://www3.pucrs.br/portal/page/portal/pucrs/Capa/AdministracaoSuperior/aaii/aaiiEnglishSite/aaiiPUCRSHarvard 9 Registro, segundo Biber (2006), refere-se a um tipo geral de linguagem associado com um domnio de uso, focado em caractersticas lexico-gramaticais, diferentemente de gnero, que tem sido usado para se referir a um tipo de mensagem reconhecido culturalmente com uma estrutural interna convencional, focado em aes socioculturais. Tendo em vista os objetivos deste trabalho, optamos por utilizar o termo registro. 10 O exame Celpe-Bras (BRASIL, 2006) descrito como um exame de natureza comunicativa. A proficincia do candidato medida atravs de tarefas que envolvem gneros em textos escritos e falados, tais como reportagem, quadrinhos, horscopo, entrevistas, noticirios, novelas etc., no tendo como enfoque a linguagem acadmica.

  • 47

    ateno de linguistas, principalmente de estudiosos de registros acadmicos, tendo

    em vista que a linguagem acadmica muitas vezes vista como factual e impessoal.

    De acordo com Biber (2006, p. 88 traduo nossa), advrbios de

    posicionamento expressam a atitude ou a avaliao do falante/escritor em respeito

    proposio contida na orao principal.

    Observemos o exemplo a seguir retirado de Biber:

    a) Infelizmente [nossos planos no deram certo].

    O advrbio infelizmente refere-se a nossos planos no deram certo, que

    a orao principal, que contm a proposio. Este advrbio releva a atitude do

    falante perante a proposio.

    Dentre os tipos de posicionamento, o falante pode se expressar de diversas

    formas, conforme vemos na figura abaixo:

    Figura 3 - Expresses de posicionamento de acordo com Biber (2006) (traduo

    nossa)

    Fonte: O autor (2014)

    Observamos, na figura, que h 3 tipos de posicionamento: o gramatical, o

    lexical e a marcao paralingustica.

  • 48

    O posicionamento gramatical diz respeito expresso de posicionamento em

    relao a alguma proposio11. No exemplo abaixo, os advrbios mostram a atitude

    do falante em relao ao contedo proposicional, sublinhado na frase:

    b) Eu duvido que voc consiga realizar a prova em menos de 3h.

    A orao "Eu duvido" refere-se a "voc consiga realizar a prova em menos de

    3h" (orao principal), da mesma maneira que infelizmente, no exemplo anterior a

    este, refere-se a nossos planos no deram certo.

    Este tipo de posicionamento difere do realizado em uma frase como eu amo

    bolo", na qual o falante est fazendo um julgamento em relao ao bolo, que advm

    do uso de uma palavra, um item lexical (no caso, amo, do verbo amar conjugado

    na primeira pessoa do singular do presente do indicativo). Adjetivos como bom e

    pssimo, por exemplo, tambm so exemplos do posicionamento que chamamos

    de lexical. Vejamos:

    c) O enredo desta novela pssimo!

    d) Este filme bom!

    Nas palavras de Biber, no h nada na estrutura gramatical destas

    expresses que mostrem que elas marcam posicionamento" (2006, p. 89), ou seja,

    depender do contexto e do conhecimento compartilhado para o falante perceb-lo.

    O terceiro tipo de posicionamento, chamado marcaes paralingusticas,

    envolve tanto elementos lingusticos quanto elementos no-lingusticos. Na fala, por

    exemplo, temos o tom, a intensidade e a durao; na escrita, recursos como itlico,

    negrito, sublinhado servem como sinalizao para o leitor/ouvinte que o autor deixa

    seu eu no texto, chamando a ateno para algum aspecto. Estas marcaes

    podem ser acompanhadas por indicadores como posio do corpo, expresses

    faciais e gestos, elementos no-lingusticos.

    11 De acordo com Wittgenstein (2001), a proposio a expresso, exterior ou no, de um pensamento; e um pensamento sempre uma proposio com sentido. (p. 75)

  • 49

    Em relao aos dois ltimos tipos apresentados, posicionamento lexical e

    marcaes paralingusticas, para Biber estes so menos explcitos e no

    expressam abertamente um quadro avaliativo para alguma outra proposio. (2006,

    p. 90)

    Adentrando no tipo gramatical, chegamos ao nosso objeto de estudo, os

    advrbios. Como nos mostra a figura 3, eles so divididos em epistmicos,

    atitudinais e de estilo/perspectiva.

    Em seus estudos, ao contrastar a frequncia de advrbios de posicionamento

    em textos orais e escritos, Biber (2006) escreve que h um nmero maior destes

    advrbios em registros de fala. Dentre os tipos adverbiais, ganha destaque os

    advrbios epistmicos, como aqueles que expressam certeza e possibilidade; j os

    advrbios de estilo so considerados relativamente raros (assim como os de

    atitude), sendo encontrados mais em registros escritos.

    Na figura abaixo, podemos ver o contraste entre os registros e os diferentes

    tipos de advrbios encontrados, de acordo com sua classe semntica.

    Figura 4 Classes semnticas dos advrbios de posicionamento em diferentes

    registros

    Fonte: Biber (2006)

  • 50

    Salientamos que Biber no nos apresenta os conceitos para os tipos de

    advrbio de forma satisfatria e, tampouco, quais foram seus critrios de

    classificao. O autor somente coloca uma lista de advrbios para cada categoria.

    Observemos o quadro abaixo, extrado de Biber et al. (1999) com a classificao dos

    advrbios e locues adverbiais do ingls acadmico:

    Quadro 3 - Classificao dos advrbios (nica palavra) do ingls acadmico

    Fonte: Biber et al. (1999) (traduo nossa)

    Vale ressaltar que esta uma diviso feita por Biber, podendo outros autores

    subdividir os advrbios de posicionamento em categorias diferentes. Decidimos, a

    fim de aprimorar a classificao do autor, trazer estudos que conceituassem melhor

    as diferentes categorias.

    Abordaremos, no captulo seguinte, a classificao dos advrbios dada por

    Ilari (2007), que alm de ter maior consistncia terica, trabalhou com um corpus da

    lngua portuguesa - ainda que no especificamente com a linguagem acadmica - e

    o conceito de modalizao advindo da Lingustica Textual.

  • 51

    Alm de Biber, outros estudiosos perceberem a presena de elementos

    avaliativos em textos acadmicos. No Brasil, Motta-Roth e Hendges (2010)

    analisaram os gneros acadmicos produzidos na universidade e seus objetivos.

    Ainda que sob uma perspectiva diferente, a avaliao feita pelos advrbios ganhou

    destaque.

    Ao analisar o artigo, um dos gneros textuais com o qual trabalhamos nesta

    pesquisa, as autoras colocam que este um dos gneros mais utilizados para a

    difuso do conhecimento, pela sua extenso (10 a 20 pginas, em geral), facilitando

    a leitura, e relevncia, contendo referncias e dados atualizados. O autor de artigos

    geralmente inclui, dentre os tpicos apresentados, uma discusso de trabalhos

    anteriores e dos resultados obtidos com a sua pesquisa. neste olhar feito pelo

    autor frente a resultados anteriores ou atuais, presente tambm em monografias e

    dissertaes, que o aluno/professor tenderia a utilizar com mais frequncia o

    posicionamento. Como colocado na seo "Caractersticas lingusticas da seo de

    resultados e discusso" (p. 140),

    interessante notar que na discusso dos dados usa-se frequentemente uma srie de marcadores metalingusticos que indicam um discurso mais modalizado para sinalizar incerteza, possibilidade ou probabilidade, do que para sinalizar certeza, justamente porque no nos encontramos na posio de oferecer a verdade. (p. 141, 2010)

    Citando o texto analisado pelas autoras, percebemos a presena do

    posicionamento gramatical, como vemos abaixo, nos exemplos com o advrbio

    "provavelmente", destacado:

    a) A espcie helifila T. stricta, que suporta alta incidncia de luz direta

    (Leme, 1984), provavelmente ocorre no interior das moitas...

    b) ... e esse fato provavelmente se deve presena das espcies de bromlia

    amostradas.

  • 52

    7) ... a densidade de bromlias so menores na MPI do que em AAC e AAE,

    provavelmente devido maior discrepncia entre as abundncias...

    Desta forma, o posicionamento adquire importncia no desenvolvimento das

    competncias de leitura e da escrita dos alunos, ferramentas indispensveis na vida

    acadmica.

    Para Oliveira (2010), os professores de lngua portuguesa tm por tradio

    abordar elementos de ordem lingustica e no do a devida importncia aos

    elementos pragmticos. De fato, aspectos como ortografia, pontuao, vocabulrio,

    tempos verbais, concordncia nominal, etc. e mais recentemente, diferenas entre

    gneros textuais e entre lngua falada e escrita - so e devem ser trabalhados, pois

    constituem alguns dos pilares centrais de um texto.

    Todavia, o professor, ao estimular seu aluno a trabalhar outros aspectos, faz

    com que este, ao fazer uma seleo lexical que lhe permite atuar, mostrar sua

    parcialidade, apresente um maior domnio da situao comunicativa, tornando-se

    verdadeiro autor de seu texto. Isto amplia a sua viso de linguagem, que passa a ser

    vista como um possvel elemento transformador, como expresso de si mesmo,

    como parte da identidade deste indivduo. Ao ampliar esta viso, at mesmo

    elementos tradicionalmente vistos como problemticos pelos prprios estudiosos

    da lngua tm seu papel revisto e ampliado, como o caso dos advrbios, que

    veremos no captulo a seguir.

  • 53

    2.4 ADVRBIOS E POSICIONAMENTO

    Os advrbios so frequentemente vistos como uma classe problemtica da

    gramtica. Como veremos, atravs de algumas anlises, difcil conseguir chegar a

    uma classe homognea, na qual o comportamento dos membros dessa classe seja

    semelhante. Por possurem este comportamento muito peculiar, a tarefa de

    descrever (e classificar) os advrbios complexa, na medida em que o pesquisador

    tem de lidar com uma gama de questes lingusticas, o que faz com que poucos

    sejam os estudos na rea que se voltem para este tpico.

    Neste captulo, retomaremos alguns estudos voltados aos advrbios em

    diferentes perspectivas tericas, em especial as de nvel semntico - sinttico, por

    sua grande maioria. Primeiramente, apresentaremos estes estudos, salientando a

    falta de um detalhamento pragmtico em suas propostas. Buscaremos, na seo

    seguinte, mostrar como as gramticas tradicionais (GTs) apresentam os advrbios,

    salientando novamente a falta do componente pragmtico em suas classificaes.

    Finalizaremos abordando os advrbios como ferramenta lingustica que o autor

    utiliza como uma das maneiras de se colocar no texto.

    Objetivamos, assim, mostrar a relevncia deste trabalho, que apresenta os

    advrbios sob o ponto de vista pragmtico, focalizando o posicionamento, alm de

    trabalhar com o PLA, que ainda carece de mais estudos lingusticos.

    2. 4.1 Advrbios nas gramticas de lngua portuguesa

    As classes gramaticais do portugus brasileiro foram e so estudadas sob as

    mais diversas perspectivas. Na elaborao de conceitos, muitos estudiosos utilizam-

    se de critrios no muito claros e misturam pontos de vista de anlise. Podemos ver,

    ao estudar os conceitos dados classe de advrbios, a primazia do vis semntico

    e sinttico. A categoria aspecto, por exemplo, nem sempre mencionada.

    De acordo com Bechara (2004, p.287), um advrbio uma expresso

    modificadora que por si s denota uma circunstncia (de lugar, de tempo, modo,

    intensidade, condio, etc):

  • 54

    a) Aqui tudo vai bem. (lugar e modo)

    b) Hoje no irei l. (tempo, negao e lugar)

    O advrbio desempenha, ainda segundo o autor, na orao, a funo de

    adjunto adverbial, referindo-se geralmente ao verbo ou a um adjetivo e a um

    advrbio (como intensificador), ou a uma declarao inteira (p. 287), como podemos

    observar nos exemplos a seguir:

    c) Jos escreve bem. (referncia ao verbo escrever)

    d) Jos muito bom escritor. (referncia ao adjetivo bom)

    e) Jos escreve muito bem. (referncia ao advrbio bem)

    f) Felizmente Jos chegou. (referncia a toda declarao)

    Qualificando-os como uma classe heterognea e de difcil classificao,

    Bechara aborda a questo da liberdade de posio de alguns advrbios e mostra

    que existem aqueles que so ligados internamente e externamente ao ncleo verbal.

    Os advrbios do primeiro caso no possuem tanta flexibilidade quanto os do

    segundo caso. A classificao adverbial se ancora ora em valores lxicos

    (semnticos) das unidades que o constituem, ora por critrios funcionais. (p. 290)

    Pasquale & Ulisses (1998) definem o advrbio como palavra capaz de

    caracterizar o processo verbal, indicando circunstncias em que esse processo se

    desenvolve (p. 269), mas incluem tambm o papel do usurio da lngua, pois

    segundo eles a caracterizao adverbial pode, no entanto, indicar a subjetividade

    de quem analisa um evento: o advrbio deixa de ter papel descritivo e passa a

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    traduzir sentimentos e julgamentos de valor de quem escreve ou fala (p. 270).

    Como exemplo, eles trazem o uso do advrbio obscenamente no poema de

    Ferreira Gullar intitulado Madrugada, que expressa a avaliao do poeta (ou do eu

    lrico) a respeito da noite ocidental:

    Do fundo do meu quarto, do fundo de meu corpo clandestino ouo (no vejo) ouo crescer no osso e no msculo da noite a noite A noite ocidental obscenamente acesa Sobre o meu pas dividido em classes

    O carter de opinio, subjetividade do advrbio, que central neste trabalho,

    tambm destacado por Bonfim (1988). Ao examinar as definies dadas por

    compndios gramaticais e o comportamento dos advrbios em contextos diferentes,

    a autora coloca que alguns advrbios, como os de dvida (provavelmente,

    possivelmente) e alguns de modo (realmente, terrivelmente) possuem aspecto

    subjetivo, como podemos observar nos exemplos abaixo:

    g) Provavelmente todos ns passaremos de ano.

    h) Realmente o dia est lindo

    i) Joo executou a ao terrivelmente mal.

    Apesar de sua anlise no se deter nestes casos, a autora prope que se

    faa um estudo desses aspectos a partir de sua estruturao no enunciado,

    procurando estabelecer o seu relacionamento com os elementos que lhe so

    externos, mas que esto presentes no ato de comunicao (p. 57), pois para ela

    nenhuma outra classe tem situao igual do advrbio nesse particular (p. 67).

    Desta forma, podemos perceber, atravs de questes pertinentes

    apresentadas, a necessidade de irmos mais a fundo na anlise desta classe de

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    palavras. Para tal, continuando este estudo, iremos, no subcaptulo seguinte,

    apresentar alguns estudos lingusticos que abordam o advrbio.

    .

    2.4.2 Alguns estudos lingusticos acerca dos advrbios na lngua portuguesa

    Perini (2006) traz uma anlise lingustica sob os pontos de vista

    morfossinttico e semntico (e as relaes entre esses) da classe dos advrbios

    atravs de alguns exemplos, dizendo ser impossvel colocar todos os advrbios

    tradicionais em uma nica classe. (p.161) Utilizando o critrio funcional, as palavras

    sim, depressa e francamente, classificadas pelas gramticas tradicionais como

    advrbios, no possuem um comportamento semelhante.

    Os advrbios sim e no ocorrem em diferentes contextos:

    a) Essa loja no existe. *Essa loja sim existe.

    b) Os no iniciados eram excludos. * Os sim iniciados eram excludos.

    c) No, eu no vou l. * Sim, eu sim vou l.

    d) No, minha casa aqui. Sim, minha casa aqui.

    Observando os exemplos acima, notamos que somente no exemplo d os

    advrbios se parecem, sen