dissertacao 16.10.2014

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MARI FUSIOKA UMA ANÁLISE DO IFET E DO APL DE PARANAVAÍ SOB A ÓTICA DA NOVA ECONOMIA E FORMAS DE TRABALHO

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MARI FUSIOKA

UMA ANLISE DO IFET E DO APL DE PARANAVA SOB A TICA DA NOVA ECONOMIA E FORMAS DE TRABALHO

Londrina

2014

MARI FUSIOKA

UMA ANLISE DO IFET E DO APL DE PARANAVA SOB A TICA DA NOVA ECONOMIA E FORMAS DE TRABALHODissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Mestrado em Educao da Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Educao.

Orientadora: Profa. Dra. Adreana Dulcina Platt

Londrina

2014Catalogao elaborada pela Diviso de Processos Tcnicos da Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina

Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP)

MARI FUSIOKA

UMA ANLISE DO IFET E DO APL DE PARANAVA SOB A TICA DA NOVA ECONOMIA E FORMAS DE TRABALHODefesa de Mestrado apresentada ao Programa de Mestrado em Educao da Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Educao.

Orientadora: Profa. Dra. Adreana Dulcina Platt.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________

Orientador: Profa. Dra. Adreana Dulcina Platt

Universidade Estadual de Londrina - UEL

____________________________________

Prof. Dr. Lalo Watanabe Minto

Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquisa - UNESP

____________________________________

Profa. Dra. Simone Wolff

Universidade Estadual de Londrina - UEL

Londrina, 19 de agosto de 2014.AGRaDECIMENTOSAgradeo minha orientadora Adreana Dulcina Platt pela constante orientao neste trabalho e por ensinar-me a produzir textos com rigor cientfico.

Presto tambm a minha gratido ao professor doutor Lucdio Bianchetti pelo esmero na leitura desta pesquisa e pela participao em minha banca de qualificao: minha sincera admirao pela pessoa humana que conheci. Agradeo professora Dra. Simone Wolff por toda ateno prestada ao meu trabalho, alm de todo auxlio que me foi dado para a concluso desta pesquisa. Agradeo ao professor Dr. Lalo W. Minto pela participao na banca de defesa, onde suas contribuies foram de grande importncia e pela sua simpatia contagiante. Gostaria de agradecer em especial professora Dra. Angela Maria Souza que se mostrou imensamente generosa nos momentos que precisei de suas sugestes, como tambm ao professor Dr. Mrio Maro que se tornou para mim um grande amigo. Tambm gostaria de agradecer ao professor Dr. Rafael Duarte Villa pelas sugestes que me encaminhou por e-mail sempre que foi solicitado. Agradeo tambm a Cezar Matos, Secretrio da Ao Social de Santa Isabel do Iva, pela conversa to agradvel no quintal de sua casa de baixo do p do caju, onde bebemos o suco desta rvore.

Meus agradecimentos aos professores do IFET, e particularmente ao professor Dr. Amir Limana, que apesar da agenda carregada, cederam um tempo exclusivo para a realizao das entrevistas, demonstrando um entusiasmo contagiante pela educao, to raro nos dias atuais.

Aos muitos amigos que me ajudaram a superar momentos difceis neste perodo. Agradeo muito especialmente a Carolina Zundt e a Carlos Antnio de Camargo, que foi um companheiro imprescinvel nesta caminhada, amizade que se consolidou ainda mais nesta nossa trajetria. Por fim, agradeo ao meu mais recente amigo Glauber Klein pela sua solicitude, auxiliando-me imensamente na redao e no esclarecimento das questes de cunho filosfico que permearam esta pesquisa. Agradeo profundamente ao meu pai, Jorge Fusioka e a minha me, Fussae Fusioka ( in memoriam) que me apoiaram e compreenderam os vrios dias de minha ausncia para concluso desta pesquisa.

FUSIOKA, Mari. Uma anlise do IFET e do APL de Paranava sob a tica da nova economia e formas de trabalho.2014. 171 f. Dissertao (Mestrado em Educao) Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2014.

RESUMO

Atualmente, a Organizao Internacional do Trabalho (OIT) preconiza que a educao e a formao so fundamentais obteno do considerado Trabalho Decente e Produtivo. Em conformidade com esta concepo, o Governo Federal brasileiro afirma estar adotando polticas voltadas para a gerao de emprego e para a formao profissional,dada por meio da criao dos Institutos Federais de Educao, Cincia e Tecnologia (IFETs). Uma das estratgias para a gerao de emprego tem sido a criao de polticas pblicas de incentivo aosArranjos Produtivos Locais (APLs),ou seja, voltada para as micro e pequenas empresas. Sob esta nova perspectiva,presencia-se a implantao de um novo modelo de educao profissional queobjetiva orientar sua oferta formativa em benefcio da consolidao e fortalecimento dos arranjos produtivos, sociais e culturais locais, alm de fomentar o empreendedorismo e a pesquisa aplicada. Diante destas consideraes, esta pesquisa tem como objetivo geral verificar se o incentivo s micro e pequenas empresas, por meio do fomento de programas voltados ao empreendedorismo e aos APLS articulados aos Institutos Federais seria uma poltica efetiva para o desenvolvimento social local, ou apenas fortalece e legitima os modelos de formao propalados pelas Agncias Multilaterais, que no contexto da mundializao dos mercados tem fomentado o empreendedorismo, as polticas da Boa Governana e a transferncia de tecnologia desenvolvidas pelo pblico para o privado. O estudo tece anlises, subsidiado pelo mtodo histrico-crtico, sobre o caso especfico do APL da mandioca da cidade de Paranava.

Palavra-chave: Educao Profissional, Agncias Multilaterais, empreendedorismo, APLs, Pesquisa Aplicada.

FUSIOKA, Mari. An analysis of the IFET and Local Productive Arrangementss Paranava from the perspective of the new economy and type of work. 2014. 171 f. Masters Thesis in Education - University of Londrina, Londrina, 2014.abstract

Today the International Labour Organization (ILO) recommends that teaching and training are crucial to obtaining productive and decent work. In accordance with this conception, the Brazilian federal government claim to be adopting policies aimed at generating employment and professional training promoted by the creation of the Federal Institutes of Education, Science and Technology (IFETs). One of the strategies to creation of decent work has been the creation of public policies encouraging the Local Productive Arrangements (APLs), that is, aimed to the micro and small enterprises. From this new perspective, it can be observed the implementation of a new model of professional education that aims to guide its training offer for the benefit of the consolidation and strengthening of productive, social and cultural local arrangements, and encourage entrepreneurship and applied research. Reflectingabout thefactsmentioned above,our study has the overall objective to verify if the policies incentivess Brazilian federal government to micro and small enterprises through the promotion of entrepreneurship programs and creation of the APLS articulated with the Federal Institutes, would be an effective policy for local social development, or just strengthens and legitimizes the training models propagated by Multilateral Agencies, which in the context of globalization of markets has fostered entrepreneurship policies of Good Governance and transfer of technology developed by the public to the private. The study has analysis subsidized by the historical-critical method, and its focus attention on the specific case of Cassava's APL in the city of Paranava, Paran State, Brazil.

Keywords: Professional Education, Multilateral Agencies, entrepreneurship, APLs, Applied Research.

lista de abreviaturas e siglas

ABAMAssociao Brasileira dos Produtores de Amido de Mandioca

AECIDAgncia Espanhola de Cooperao Internacional para o DesenvolvimentoAPL Arranjo Produtivos Local

BIDBanco Interamericano de Desenvolvimento

BIRDBanco Internacional para a Reconstruo e Desenvolvimento

BM Banco Mundial

BNDESBanco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social

CBAIComisso Brasileiro-Americana de EducaoIndustrialCEPCentro de Educao Profissional

CEFETCentro Federal de Educao Tecnolgica

CEPALComisso Econmica para a Amrica Latina

CETEMCentro Tecnolgico da Mandioca

CNEConselho Nacional de Educao

CNIConfederao Nacional da Indstria

EIEmpreendedores Individuais

ENADExame Nacional de Desempenho de EstudantesEUAEstados Unidos da Amrica

ETPEducao Tcnico Profissional

FBCFormao Baseada nas Competncias

FMI Fundo Monetrio Internacional

IESInstituio de Ensino Superior

IFETInstituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia

IFPRInstituto Federal do Paran

INEPInstituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio TeixeiraIPARDESInstituto Paranaense de Desenvolvimento Econmico e SocialIPEAInstituto de Pesquisa Econmica Aplicada

LDBENLei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

MAREMinistrio da Administrao Federal e Reforma do Estado

MCTI Ministrio da Cincia, Tecnologia e Inovao

MDICMinistrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior.

MECMinistrio da Educao

MGE Mdias e Grandes Empresas

OEAOrganizao dos Estados Americanos

OEIOrganizao dos Estados bero-americanos

OITOrganizao Internacional do Trabalho

OMCOrganizao Mundial do Comrcio

ONUOrganizao das Naes Unidas

OSCIPOrganizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico

OSsOrganizaes Sociais

PIPropriedade Intelectual

PMEPequenas e micro empresas

PNUDPrograma das Naes Unidas para o Desenvolvimento

PROEJAEducao Profissional Integrada Educao Bsica na Modalidade Educao de Jovens e Adultos

PROEPPrograma de Expanso da Educao Profissional

PROTECPrograma de Expanso e Melhoria do Ensino Tcnico

PTFProdutividade Total dos Fatores

SEBRAEServio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas EmpresasSEEDSecretaria de Estado da Educao

SEGIBSecretaria Geral Ibero-americana SOFTEX Programa Brasileiro de Software para ExportaoUNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia CulturaUNICEFFundo das Naes Unidas para a InfnciaUSAIDUnited States Agency for International DevelopmentSUMRIO

1INTRODUO 112COMO A TESE DA DEPENDNCIA CENTRO-PERIFERIA SE RELACIONA, A PARTIR DA CRISE DE ACUMULAO DO CAPITAL DOS ANOS 1990, COM A POLTICA EDUCACIONAL DO BRASIL25

2.1Fundo Monetrio Internacional (Fmi) E Banco Mundial (Bm): Contextualizao Histrica, Interesses E Prticas27

2.2A Internacionalizao Dos Mercados E Globalizao Da Economia: Nova Forma De Dependncia30

2.3A Boa Governana, Como Estratgia Para Readequar A Velha Dependncia40

2.4O Empreendedorismo Como Estratgia Para A Conduo Das Polticas Sociais42

2.4.1 A noo de Empreendedorismo42

2.4.2Empreendedorismo: Estratgia de Combate Pobreza dada pelas Agncias Multilaterais44

2.5Eu Tenho A Fora: O Empreendorismo/Individualismo Se Consolida No Imaginrio Social Pelos Aparelhos De Estado52

2.5.1A Busca da Boa Governana Veiculada no Discurso e Prticas Educacionais56

2.5.2Empreendedorismo como Marca de Formao para o Nov7o Milnio (Sculo XXI)61

2.6A Reforma Da Educao Terciria: Expanso Do Capital De Conhecimento Em Tempos De Mundializao Do Capital E Periferizao Da Indstria722.7Consideraes finais sobre o Capitulo I79

3 CONTRADIES DA HISTRIA DA EDUCAO TCNICA NO BRASIL: A CONSTRUO DA EDUCAO DUALISTA E INSTRUMENTAL E A RELAO DE DEPENDNCIA82

3.1Os Organismos Internacionais E As Reformas Educacionais Da Educao Tcnica No Brasil82

3.2Brasil No Sculo Xxi: Para Quem, No Contexto Internacional, A Educao Profissional Estratgica?93

3.3Neoteoria Do Capital Humano: A Reificao Do Trabalho Qualificado96

3.4O Processo de Privatizao da Educao Tcnico Profissional no Brasil103

3.5A Criao Dos Ifets E A Refederalizao Dos Ceps1103.6 Consideraes sobre o II captulo1174A FORMAO TCNICO-PROFISSIONAL COMO POLTICAS PBLICAS DE INCENTIVO S APLS: ESTUDO DE CASO120

4.1Os Ifets Articulados Aos Arranjos Produtivos Locais120

4.1.1Os Ifets e o Programa de Formao Empreendedora 121

4.1.2APLS como Brao Emprico do Programa de FormaoEmpreendedora123

4.1.3Os Arranjos Produtivos Locais e as Polticas Pblicas126

4.2Apl De Paranava 131

4.2.1Caractersticas do APL de Mandioca de Paranava1314.2.1.1Quanto s questes da governana e do empreendedorismo no APL de Paranava?140

4.2.1.2 Vocao produtiva regional ou especializao forada?143

4.3O Ifet em Paranava 145CONSIDERAES FINAIS151

REFERNCIAS1561 INTRODUO A Fbula dos porcos assados

Certa vez, aconteceu um incndio num bosque onde havia alguns porcos, que foram assados pelo fogo. Os homens, acostumados a comer carne crua, experimentaram e acharam deliciosa a carne assada. A partir dai toda vez que queriam comer porco assado, incendiavam um bosque... At que descobriram um novo mtodo. Mas o que quero contar o que aconteceu quando tentaram mudar o SISTEMA para implantar um novo. Fazia tempo que as coisas no iam l muito bem: s vezes, os animais ficavam queimados demais ou parcialmente crus. O processo preocupava muito a todos, porque se o SISTEMA falhava, as perdas ocasionadas eram muito grandes - milhes eram os que se alimentavam de carne assada e tambm milhes os que se ocupavam com a tarefa de ass-los, portanto, o SISTEMA simplesmente no podia falhar. Mas, curiosamente, quanto mais crescia a escala do processo, mais parecia falhar e maiores eram as perdas causadas. Em razo das inmeras deficincias, aumentavam as queixas. J era um clamor geral a necessidade de reformar profundamente o SISTEMA. Congressos, seminrios e conferncias passaram a ser realizados anualmente para buscar uma soluo. Mas parece que no acertavam o melhoramento do mecanismo. Assim, no ano seguinte, repetiam-se os congressos, seminrios e conferencias.

As causas do fracasso do SISTEMA, segundo os especialistas, eram atribudas indisciplina dos porcos, que no permaneciam onde deveriam, ou inconstante natureza do fogo, to difcil de controlar, ou ainda s rvores, excessivamente verdes, ou umidade da terra ou ao servio de informaes meteorolgicas, que no acertava o lugar, o momento e a quantidade das chuvas. As causas eram, como se v, difceis de determinar - na verdade, o sistema para assar porcos era muito complexo. Fora montada uma grande estrutura: maquinrio diversificado, indivduos dedicados exclusivamente a acender o fogo - incendiadores que eram tambm especializados (incendiadores da Zona Norte, da Zona Oeste, etc., incendiadores noturnos e diurnos - com especializao matutina e vespertina - incendiador de vero, de inverno etc.). Havia especialista tambm em ventos - os anemotcnicos. Havia um diretor geral de assamento e alimentao assada, um diretor de tcnicas gneas (com seu Conselho Geral de Assessores), um administrador geral de reflorestamento, uma comisso de treinamento profissional em Porcologia, um instituto superior de cultura e tcnicas alimentcias (ISCUTA) e o bureau orientador de reforma igneooperativas.

Eram milhes de pessoas trabalhando na preparao dos bosques, que logo seriam incendiados. Havia especialistas estrangeiros estudando a importao das melhores rvores e sementes, o fogo mais potente etc. Havia grandes instalaes para manter os porcos antes do incndio, alm de mecanismos para deix-los sair apenas no momento oportuno.

Foram formados professores especializados na construo dessas instalaes. Pesquisadores trabalhavam para as universidades para que os professores fossem especializados na construo das instalaes para porcos. Fundaes apoiavam os pesquisadores que trabalhavam para as universidades que preparavam os professores especializados na construo das instalaes para porcos etc. [...]

Um dia, um incendiador, categoria AB/SODM-VCH (ou seja, um acendedor de bosques especializado em sudoeste diurno, matutino, com bacharelado em vero chuvoso), chamado Joo Bom-Senso resolveu dizer que o problema era muito fcil de ser resolvido - bastava, primeiramente, matar o porco escolhido, limpando e cortando adequadamente o animal, colocando-o ento numa armao metlica sobre brasas, at que o efeito do calor - e no as chamas assasse a carne.

Tendo sido informado sobre as ideias do funcionrio, o diretor geral de assamento mandou cham-lo ao seu gabinete, e depois de ouvi-lo pacientemente, disse-lhe: "Tudo o que o senhor disse est muito bem, mas no funciona na prtica. O que o senhor faria, por exemplo, com os anemotcnicos, caso vissemos a aplicar a sua teoria? Onde seria empregado todo o conhecimento dos acendedores de diversas especialidades?". "No sei", disse Joo. "E os especialistas em sementes? Em rvores importadas? E os desenhistas de instalaes para porcos, com suas mquinas purificadoras automticas de ar?". "No sei". "E os anemotcnicos que levaram anos especializando-se no exterior, e cuja formao custou tanto dinheiro ao pas? Vou mand-los limpar porquinhos? E os conferencistas e estudiosos, que ano aps ano tem trabalhado no Programa de Reforma e Melhoramentos? Que fao com eles, se a sua soluo resolver tudo? Heim?". "No sei", repetiu Joo, encabulado. "O senhor percebe, agora, que a sua ideia no vem ao encontro daquilo de que necessitamos? O senhor no v que se tudo fosse to simples, nossos especialistas j teriam encontrado a soluo h muito tempo? O senhor, com certeza, compreende que eu no posso simplesmente convocar os anemotcnicos e dizer-lhes que tudo se resume a utilizar brasinhas, sem chamas! O que o senhor espera que eu faa com os quilmetros e quilmetros de bosques j preparados, cujas rvores no do frutos e nem tem folhas para dar sombra? Vamos, diga-me?". "No sei, no, senhor". "Diga-me, nossos trs engenheiros em Porcopirotecnia, o senhor no considera que sejam personalidades cientficas do mais extraordinrio valor?". "Sim, parece que sim". "Pois ento. O simples fato de possuirmos valiosos engenheiros em Porcopirotecnia indica que nosso sistema muito bom. O que eu faria com indivduos to importantes para o pas?" "No sei". "Viu? O senhor tem que trazer solues para certos problemas especficos - por exemplo, como melhorar as anemotcnicas atualmente utilizadas, como obter mais rapidamente acendedores de Oeste (nossa maior carncia) ou como construir instalaes para porcos com mais de sete andares. Temos que melhorar o sistema, e no transform-lo radicalmente, o senhor, entende? Ao senhor, falta-lhe sensatez!. Realmente, eu estou perplexo!, respondeu Joo. "Bem, agora que o senhor conhece as dimenses do problema, no saia dizendo por a que pode resolver tudo. O problema bem mais srio e complexo do que o senhor imagina. Agora, entre ns, devo recomendar-lhe que no insista nessa sua ideia - isso poderia trazer problemas para o senhor no seu cargo. No por mim, o senhor entende. Eu falo isso para o seu prprio bem, porque eu o compreendo, entendo perfeitamente o seu posicionamento, mas o senhor sabe que pode encontrar outro superior menos compreensivo, no mesmo?.Joo Bom-Senso, coitado, no falou mais um a. Sem despedir-se, meio atordoado, meio assustado com a sua sensao de estar caminhando de cabea para baixo, saiu de fininho e ningum nunca mais o viu. (Autor desconhecido ou ignorado).A fbula um gnero literrio no qual uma narrativa, com personagens alegricos, prope um contedo didtico, ou, a moral da histria. O inventor do gnero foi o escritor e escravo Esopo, na cidade ateniense do sculo VI a.C. Contemporneo da legislao de Slon, que viu exilar-se com a ascenso da tirania de Pisstrato, Esopo pode acompanhar a decadncia aristocrtica e o florescimento burgus na Grcia Antiga. As disputas blico-econmica-polticas desencadeavam-se conjuntamente s mudanas sociais que as provocavam. Tal cenrio social, no bero do teatro grego, permitiu a Esopo a criao de uma narrao alegrica engenhosa, funcionando como comdia dos costumes, a fbula. Tal gnero inseria-se na tradio grega da stira. A fbula, assim, uma stira dos costumes, ou seja, das formas sociais de sua sociedade. Em tempos de escravido, guerras e tiranias, prudente satirizar a sociedade por meio de linguagem simblica. Da o trao caracterstico da Stira: os personagens so o mais das vezes animais que representam uma ideia ou valor. A aproximao da astcia raposa o exemplo clebre que podemos colher em Esopo. Por fim, mas no menos importante, a inteno didtica da Fbula, cujo enredo e ao preparam o fim sapiente, posteriormente chamado moral da histria.

Recentemente, o gnero expandiu-se, perdendo alguns contornos ou regras fixas de composio e uso. Os personagens no precisam ser animais no-humanos, contanto que ainda haja proximidade entre o comportamento humano-cultural e o animal-natural. Por vezes, como na fbula dos porcos, ocorre dos seres humanos serem flagrados em comportamentos vagamente racionais; que no agimos apenas racionalmente, mas tambm por instintos, paixes, condicionamentos afetivos e dispositivos de sobrevivncia e reproduo subconscientes. Talvez esta seja a moral mxima das fbulas.

Sabemos j que a fbula dos porcos uma narrao simblica com objetivo didtico, contendo um significado final. A proximidade entre o ser humano e o mundo natural inscreve-se na determinao do tempo-espao da narrao: no longnquo certa vez, num buclico e mtico bosque, certamente na origem dos tempos, pois apenas por acidente que o Homem faz uma descoberta tcnica rudimentar: o uso do fogo no preparo de alimentos. O engenho humano acionado pelo desejo coletivo de expanso e aperfeioamento da tcnica; logo surge um novo mtodo, garantido uma instrumentalizao mais eficiente e menos dispendiosa desta tcnica de manipulao da natureza.

Neste momento, a narrao interrompida abruptamente, chamando a ateno do leitor a um estgio bastante posterior, no qual a inveno ou o engenho tcnico j havia se desenvolvido amplamente, sendo responsvel pela formao social de uma comunidade a ela dependente. Neste tempo, j havia uma organizao social sistemtica baseada neste modo de produo. Porm, no este, ainda, o cenrio completo da cena, pois preciso acrescentar que a organizao de trabalho estabelecida a partir do desenvolvimento de um modo de produo gerou uma superestrutura burocrtica. Agora sim a ao se desenrola no cenrio determinado: uma superestrutura abstrata automatizou-se, sustentando-se a si mesma, a despeito da produo real. Na fbula, isto ilustrado, a seguir, com o surgimento de um modelo mais eficiente e menos dispendioso, pois seu funcionamento tornaria obsoletos diversos procedimentos formais. Isto , eliminaria a necessidade do antigo sistema. Ao proponente de tal reforma, alcunhado alegoricamente de Joo Bom-senso, um dirigente do sistema trata logo de convenc-lo do descabimento de sua proposta, afinal, ele entendeu errado qual asua funo dentro do sistema: expandi-lo. Demanda-se desenvolvimento do sistema, do qual toda a organizao social de produo e consumo depende.

A fbula dos porcos decepciona-nos no porque a mudana do sistema no ocorra, pois nisto ela precisa: o sistema no muda pela superestrutura, que necessria a este modo de produo. A moral da histria no consegue ultrapassar a constatao da irracionalidade do sistema, incapaz de nos apresentar a razo material da manuteno do sistema, sequer a quem primeiro e mais beneficia este sistema.

Ainda assim, no deixamos de identificar o alvo principal atingido por esta fbula: A superestrutura articula-se baseada numa organizao social do trabalho, pelo qual se pode desenvolver ao mximo uma tecnologia de produo de bens. O texto diversifica-se em exemplos setorizados da superestrutura armada, pontuando particularmente a fragmentao e interdependncia das especializaes. Esta fauna de especializaes requer um ensino especfico, uma formao profissional que corresponda no s ao modo de produo vigente, mas principalmente sua superestrutura funcional. Chegamos assim s questes para as quais nos dedicamos neste estudo, quais sejam, asquestes educacionais (principalmente formao dos sujeitos e da coletividade) imbricadas de forma latente a um determinado modo de produo.

Se fizermos a analogia de nosso conto ao hegemnico modo de produo contemporneo (capitalismo), reconheceremos a produo tcnica, parcializada e burocratizada como um importante dispositivo utilizado para a otimizao dos resultados esperados nesse modelo: o lucro. O sistema capitalista, de acordo com Ianni, um modo de produo material e espiritual, um processo civilizatrio revolucionando continuamente as condies de vida e trabalho, os modos de ser de indivduos e coletividades, em todos os cantos do mundo (IANNI, 1992 apud BIANCHETTI; PALANGANA, 2014). Nesse sentido, a internalizao das condies de vida e trabalho, dos modos de ser dadas pelo capitalismo so produzidos e reproduzidos tambm por meio da Educao. Marx e Engels sinalizam essa verdade histrica:

Ao produzirem os seus meios de vida, os homens produzem indiretamente a sua prpria vida material. O modo como o homem produz os seus meios de vida depende, em primeiro lugar, da natureza dos prprios meios de vida encontrados e a reproduzir. Este modo de produo no deve ser considerado no seu mero aspecto de reproduo da existncia fsica dos indivduos. Trata-se j, isso sim, de uma forma determinada de actividade destes indivduos, de uma forma determinada de exprimirem a sua vida, de um determinado modo de vida dos mesmos. Como exprimem a sua vida, assim os indivduos so. Aquilo que eles so coincide, portanto, com a sua produo, com o que produzem e tambm como produzem. Aquilo que os indivduos so depende, portanto, das condies materiais da sua produo (MARX; ENGELS, 1982, pp. 8-9).

Para Bianchetti e Palangana (2014) a escola, entre outras instituies que compe a sociedade [...][...] justifica-se do ponto de vista da classe hegemnica, enquanto corroboram para mant-la e refor-la. dessa perspectiva que se compreende o fato de determinados mtodos e tcnicas serem aceitos enquanto outros so rejeitados. O que est em jogo [...] a realizao da lgica do capital.Atualmente, as polticas educacionais tm assimilado os elementos da lgica de capital viveis sua reproduo e constituio dessa lgica em ampla escala social (impacto nas massas), por fora das recomendaes das Agncias Multilaterais. Esses organismos surgiram no perodo ps-Segunda Guerra e, desde o momento de sua criao, tem indiscutvel influncia na poltica educacional no mundo. Na dcada de 1990, tais Agncias intensificaram suas aes na rea educacional, em especial na Educao Tcnico-Profissional, estabelecendo modelos de formao, principalmente para os pases latino-americanos. A ampliao da Rede Federal de Educao Tcnica por meio dos Institutos Federais de Educao, Cincia e Tecnologia (IFETs) coincide com as recomendaes propaladas pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID),que coloca como prioridade de suas aes estender e reformar a educao terciria, o que implica, segundo esta instituio, acelerar a diversificao funcional e institucional dirigida a desenvolver programas alternativos de educao terciria no universitria, que ampliem o acesso e sejam pertinentes para o mercado de trabalho (BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2005).Segundo o BID, existem trs formas de educao terciria: a primeira oferece capacitao ps-secundria de durao de seis meses a dois anos; a segunda responsvel pela formao acadmica (bacharelado e licenciatura); e a terceira oferece cursos de mestrado e doutorado. Esta conveno, assim como o nmero de anos para cada nvel, varia de um pas a outro nas definies e na prtica. (BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2005, p. 3).

Tal implantao da educao terciria justificada pela necessidade de, por um lado, se democratizar as oportunidades e, por outro, criar alternativas diversificadas mais integradas aos sistemas produtivos e com custo inferior s Universidades tradicionais. Embora a ampliao da educao terciria ocorra por meio de diversos programas implantados pelo Governo Federal, nossa anlise se restringir ao IFET, posto que uma das caractersticas marcantes desta instituio a sua articulao com os arranjos produtivos locais (APLs), no qual fomenta o empreendedorismo, enfatiza a cincia e a pesquisa aplicada. Esses institutos foram criados por fora da Lei 11.892/08 (29 de dezembro de 2008, BRASIL, 2008).

A poltica de Arranjos Produtivos Locais debatida no captulo III, mas introdutoriamente poderamos destacar que aes governamentais para sua existncia foram empregadas desde 1999 incentivando tal modelo enquanto fonte geradora de vantagens competitivas locais (BRASIL, 2004c, p. 8), por meio do incentivo constituio de micros, pequenas e mdias empresas, reconhecidas no fomento de postos de trabalho diretamente nos municpios/regio, voltadas ao empreendorismo e autonomia de gesto. Geralmente so empresas que servem terciariamente aos grandes conglomerados industriais e transnacionais. Na atualidade os programas voltados aos APLs e ao empreendedorismo fazem parte das propostas do Governo Federal para gerao de emprego e renda, bem como para o desenvolvimento das localidades inserido no contexto da internacionalizao dos mercados e da nova diviso internacional do trabalho. Paralelamente, o Governo Federal aprovou em 2004 a Lei 10.973 (BRASIL, 2004b) de inovao tecnolgica que prev a prestao de servios dos Institutos de Cincia e Tecnologia orientadas para as instituies privadas, como tambm a realizao de pesquisa conjunta objetivando a transferncia de tecnologia.

Diante destas consideraes, esta pesquisa teve como foco a formao ofertada pelos IFETs, articulada aos APLs e o fomento ao empreendedorismo e a pesquisa aplicada direcionada para a gerao e adaptao de solues tcnicas e tecnolgicas e para s demandas do mercado. Essa mxima se justifica nos dizeres da OIT (Organizao Internacional do Trabalho) que argumenta essa criao para a efetiva gerao de emprego formal e decente.

A proposta de investigao examinou a realidade do Arranjo Produtivo Local (APL) do municpio de Paranava no Paran. Esse municpio atendido pelo Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia (IFET) cujas aes principais se voltam construo e consolidao das diretrizes educacionais federais quanto ao setor de educao terciria, como descrevemos anteriormente. Um dos apoios de nosso estudo ser a questo: tal poltica de formao promovida pelo IFET se volta realmente ao fortalecimento dos arranjos produtivos, sociais e culturais locais, a partir do mapeamento das potencialidades de desenvolvimento socioeconmico e cultural, promovendo o desenvolvimento social, gerando o emprego formal e decente (BRASIL, 2008), ou tal formao mostra-se essencialmente alinhada s tendncias propaladas pelas Agncias Multilaterais que tm fomentado por meio de documentos a expanso da educao terciria na Amrica Latina, o empreendedorismo e a expanso do capital do conhecimento, por meio de parcerias pblico/privado.O percurso terico-metodolgico foi subsidiado pela anlise histrico-crtica das categorias selecionadas para o estudo. Esta pesquisa parte da perspectiva de que a Educao, e tudo que diz respeito a ela, um fenmeno da ao histrica humana e, portanto, das relaes sociais de produo. A Educao desta forma, um fenmeno prprio dos seres humanos (SAVIANI, 1991, p. 9). Desta forma, preciso contextualiz-la dentro das contradies existentes nas relaes de classe, na economia e na poltica, num determinado modo de organizao social, que objetivamente determinam a expresso desse fenmeno. A fundamentao terica auxiliou na reconstituio dessa totalidade, enquanto categoria fundamental para nos apropriarmos do concreto pensado, ou seja, a real formao promovida pelo IFET, e se a mesma alinha-se s tendncias educacionais preconizada pelos organismos internacionais (Agncias Multilaterais) e pelo empresariado nacional, no verificvel nos documentos oficiais e na realidade imediatemente observada nos municpios investigados.Orientamos teoricamente a adeso brasileira aos acordos com tais prerrogativas formativas aplicadas e voltadas aos interesses do capital internacional, por meio das Agncias Multilateriais, enquanto uma continuidade do que fora desvelado pela Teoria da Dependncia, fundamentada em Ruy Marini, Teodoro Santos e Carlos Eduardo Martins, como tambm pelas teorias de Harvey, Amorin e Saes. Estes autores nos chamam a um outro olhar sobre as teorias que orientam as noes de empreendedorismo, Estado, Sociedade e Educao, na atualidade.

O mtodo de pesquisa, alm de bibliogrfico, contou com pesquisa documental e de campo. Para tanto foram realizados:

- Levantamento documental do Instituto Federal de Cincia e Tecnologia (IFET) localizado no municpio de Paranava/PR; - Acesso aos sites do Ministrio da Educao (MEC), do Ministrio da Cincia, Tecnologia e Inovao (MCTI); Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior (MDIC), Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE); Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econmico e Social (IPARDES) para coleta e anlise dos documentos federais e estaduais ligados criao e desenvolvimento tanto dos IFETS como dos APLs; - Acesso aos documentos das Agncias Multilaterais: do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); Banco Mundial (BM) e Organizao dos Estados Ibero-americanos (OEI);- Pesquisa de campo no APL de Paranava: entrevista semiestruturada realizada pessoalmente com representantes da poltica desta localidade (vereador e Secretrio de Ao Social) e com o presidente do Sindicato Rural de Paranava. Foram realizadas tambm entrevistas com professores e diretores e coordenadores de ensino, pesquisa e extenso dos IFETS de Paranava (exclusivamente na entrevista realizada com o Coordenador de Pesquisa e Extenso, o questionrio estruturado foi encaminhado por e-mail) e Londrina e, finalmente, com o professor Amir Limana que foi consultor ad hoc do PNUD/UNESCO junto ao Programa Brasil Profissionalizado da Secretaria de Educao Profissional e Tecnolgica do Ministrio da Educao e um dos integrantes do processo de criao e construo dos IFETs.Em suma, esta pesquisa desenvolver-se- a partir das seguintes hipteses:

- A ampliao dos cursos tcnicos no se deu no sentido de criar polticas de garantia de emprego formal. Ao contrrio, mostra a sua orientao para a tendncia propalada pelas agncias internacionais em que no se tem como perspectiva a formao para insero no mercado de trabalho decente e formal, qualificado e de melhor remunerao, conforme preconiza a OIT em sua Recomendao n 195, mas sim voltadas para a empregabilidade, o autogerenciamento e o empreendedorismo;- Diante da opo brasileira em investir nos setores de baixo valor agregado, como de processamento de recursos naturais e a agroindstria, setores que empregam mo de obra no qualificada, a formao profissional poder ser convertida num poderoso meio para desvalorizar a mo de obra qualificada ao criar um exrcito de reserva com alta qualificao;- A investigao da realidade do Arranjo Produtivo Local de Paranava e o exame dos cursos ofertados e projetos desenvolvidos pelo IFET desta localidade poder nos desvendar se h verdadeiramente uma poltica de gerao de emprego formal e decente, por meio da educao profissional, ou se apontam para um novo papel do Estado, sinalizando, na realidade, para um Estado utilitarista que transforma a educao, objeto de interesse coletivo, em projetos particulares para atender uma pequena demanda posta pelo capital, promovendo uma formao em vistas manuteno da condio de pas perifrico, ofertando mo de obra qualificada e barata;- A ideia de Boa Governana que adentra a formao tcnico profissional traria novo vigor ideologia da coeso social, retirando de cena os interesses polticos, corporativos ou classistas que permeiam a realidade concreta;- O empreendedorismo seria um paliativo para os perodos de estagnao da economia e retrao dos postos de trabalho, pois alm de geradoras de auto emprego, garantiria s grandes empresas locais, por meio do recurso da terceirizao dos servios, o aumento da fora produtiva e a conteno dos custos trabalhistas;

- A formao orientada para o incentivo ao empreendedorismo fomentaria uma nova forma de trabalho subordinado e instvel, tratando-se, portanto, de um novo modelo de precarizao do trabalho;

- As instituies de ensino, cincia e tecnologia, ao fomentarem a cincia e a pesquisa aplicada estariam em realidade convertendo-se em prestadoras de servios das elites locais e das corporaes transnacionais, gerando um novo tipo de capital: o capital do conhecimento.Quanto diviso dos captulos, ela se dar da seguinte forma:

No primeiro captulo temos a preocupao de debater a lgica da ordem capitalista revisitando dois importantes aspectos para nosso estudo: primeiramente, as crises do modo de produo capitalista promovidas pela sobre acumulao, segundo Harvey (2005), que justificam a orientao de aes mundiais para a reestruturao produtiva, econmica e social, voltadas sobrevida de tal modelo e, num segundo aspecto, o fortalecimento das Agncias Internacionais e, consequentemente, a crise do Estado-Nao, um quadro favorvel ao surgimento da denominada concepo de Boa Governana, talhada originalmente pelo Banco Mundial em 1990. Focamos a ateno tese da Teoria da Dependncia que no Brasil denunciou o apoio para que tais aes mundiais se justificassem nos interstcios da poltica nacional, regional e local voltado sempre s prticas salvacionistas e predatrias do modelo do capital. Daremos maior nfase anlise da crise de acumulao do capital a partir de 1990, onde novas configuraes econmicas e polticas exacerbam a relao de dependncia centro-periferia no Brasil.

Este novo cenrio mundial trouxe consigo, como citado anteriormente, dois fenmenos: a reestruturao do setor produtivo (quebra das cadeias produtivas) das Agncias Multilaterais. Neste contexto verifica-se, por um lado, a popularizao da noo de empreendedorismo e, por outro, a criao de polticas e a reestruturao do Estado, orientada pelas determinaes voltadas aos arranjos produtivos locais (APLs). Atrelada s polticas implementadas de acordo com as premissas da mundializao dos mercados e ao novo papel do Estado, enquanto diretor da governana no mbito educacional, para esse novo milnio as Agencias Multilaterais, em especial, o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), preconizam o fomento formao empreendedora, a diversificao funcional e institucional dirigida ao desenvolvimento de programas alternativos de educao terciria no universitria e a necessidade de se vincular a educao ao desenvolvimento tecnolgico e cientfico.

O segundo captulo teve como primeiro objetivo revisitar historicamente as realidades polticas educacionais brasileiras, a partir dos anos 1960. Neste perodo, a educao tcnico-profissional foi objeto de polticas pblicas pautadas nos acordos firmados entre o Governo Federal e a USAID, caracterizada pela obrigatoriedade compulsria do ensino mdio vinculado ao ensino profissional. Esse projeto introduziu na escola o modelo pedaggico produtivista, baseado nas teorias do capital humano. Tal poltica educacional explica-se pelo contexto internacional da guerra fria, no qual organismos norte-americanos como a USAID funcionavam como agncias de financiamento e assistncia tcnica, de politica compensatria e conteno do comunismo, dentro de um marco de diviso internacional do trabalho, no qual pases subdesenvolvidos se encarregavam das etapas inferiores de produo. Por isso, o ensino profissionalizante no tinha outra meta seno a de criao de mo-de-obra barata para as multinacionais que adentravam no mercado nacional. Com o fim da guerra fria e o colapso do sistema sovitico, nos anos 1990 iniciou-se a mundializao do mercado financeiro. As Agncias Multilaterais, que haviam sido criadas para a estabilizao econmica do bloco capitalista, adquirem uma nova orientao: oferecer financiamento sob a prerrogativa de aplicao de modelos educacionais pautadas na nova dinmica do mercado capitalista. Foi quando se intensificam as aes ocorridas na educao tcnico-profissional no Brasil, cujo marco legal foi a criao da Lei de Diretrizes e Bases (LDB/96) e o Decreto 2.208/97, que desvinculou o ensino mdio do tcnico-profissional e, conjuntamente, iniciou o processo de privatizao do ltimo e diversificao do Ensino Superior, possibilitando a criao de instituies de educao terciria no universitria. Instala-se assim o modelo pedaggico pautado em competncias e habilidades. nesse momento que presenciamos o surgimento de programas governamentais voltadas a formao empreendedora, que coincide com o processo de desregulamentao das leis trabalhistas, que oportunizou as terceirizaes de servios. Essas mudanas vieram na esteira da passagem do modelo taylorista/fordista para o modelo toyotista, fundamentado na quebra das cadeias produtivas. Em 2004, o presidente Lus Incio Lula da Silva aprovou o Decreto 5.154/04 (BRASIL, 2004a), revogando o decreto anterior e instituindo a integrao entre o ensino mdio e o ensino tcnico-profissional. A seguir, o Governo Federal aprovou a Lei 11.892/08 para a criao e expanso de uma rede de escolas tcnicas federais. Tais atos significaram a retomada da educao profissional como setor estratgico da poltica nacional, pautada numa nova proposta de formao, integrada, politcnica e de cidadania crtica. Neste captulo tambm verificamos, a partir da anlise da posio do pas dentro no atual cenrio econmico internacional e de documentos emitidos pela Confederao Nacional das Indstrias (CNI), qual tem sido a formao profissional demandada pelo empresariado nacional e, se tal modelo de formao coaduna-se com as concepes de formao profissionais propugnadas pelas Agncias Multilaterais. Esse aspecto importante para construirmos a crtica ao papel do profissional requerido/absorvido segundo os auspcios do setor produtivo brasileiro. Por fim, o ltimo captulo se constitui no estudo de caso do APL de Paranava a fim de verificar quais as suas efetivas condies de formao existentes e oportunizadas pelos Institutos Federais de Educao, Cincia e Tecnologia. Este captulo foi oportuno verificao da tese de compatibilidade entre as diretrizes para a formao voltada aos APLs e o que efetivamente ocorre nas bases (APLs). Examinamos os cursos e as aes implementadas no IFET de Paranava e verificamos a capacidade dessa formao em realmente contribuir para o desenvolvimento local e regional. Destacamos na anlise a efetiva articulao do IFET com o APL verificando a materializao e o estmulo s prticas empreendedoras e voltadas pesquisa aplicada.

2 COMO A TESE DA DEPENDNCIA CENTRO- PERIFERIA SE RELACIONA, A PARTIR DA CRISE DE ACUMULAO DO CAPITAL DOS ANOS 1990, COM A POLTICA EDUCACIONAL DO BRASIL A histria demonstra a predisposio do sistema do capital em constituir crises peridicas (FRIGOTTO, 2003). Isto ocorre em razo do processo de acumulao de capital ter a constante tendncia superproduo e queda da taxa de lucro, onde, em tais perodos o capital necessita lanar mo de novas estratgias para recuperar suas bases de acumulao. No esgotamento do ciclo de expanso econmica e de acumulao, como da forma de relao entre capital e trabalho, uma das bases em favor da acumulao a serem constrangidas de imediato toca as questes da formalizao de empregos. Notadamente, o desemprego vincula-se enquanto antdoto para a recuperao do modelo capitalista em perodo de crise. s mudanas da infraestrutura acompanham-se inovaes no mais das vezes, adaptaes na superestrutura. Assim, as polticas pblicas de ensino atualizam-se com as mudanas dos processos de produo, de modo que a crise do capitalismo sempre acompanhada por reformas na educao, colocando-a como recurso salvacionista para o combate pobreza, s desigualdades sociais e soluo ao desemprego.

Para alguns estudiosos, a atual crise do capital iniciou-se na dcada de 1970 (ANTUNES, 1999), oriunda da estagnao econmica e da crise do petrleo. Crise do capital significa, como apontamos, renovao do regime de acumulao. Assim, foi na dcada de 1980 que surgiu o novo e atual paradigma de produo: o toyotismo ou acumulao flexvel (Harvey, 1992). Ao modelo anterior, chamado fordista ou taylorista, correspondia uma determinada concepo de governo: o Estado de Bem-estar Social. Ao modelo atual corresponde o estado de Boa Governana que redefiniu os princpios do Estado em relao sua insero nos negcios da produo industrial e na orientao de respostas pblicas na resoluo das necessidades sociais.Com a reconfigurao desse novo cenrio mundial, principalmente no que diz respeito ao papel do Estado nas polticas e aes/intervenes na esfera de produo, surge uma era de fortalecimento s propostas de apoio a certa sustentabilidade social e econmica fomentadas pelas Agncias Multilaterais Fundo Monetrio Internacional (FMI), Banco Mundial (BM), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Organizao das Naes Unidas para a Educao Cincia e Cultura (UNESCO), Organizao dos Estados Ibero-americanos (OEI) etc. e, consequentemente, a uma crise do Estado-Nao, posto que tais Agncias, atravs de seus dispositivos legais, assumiram o status de superlegislaturas e passaram a formular regulamentos e leis que foram sendo impostas aos Estados Nacionais.

No campo da estratgia poltico-social, um dos importantes movimentos dessas Agncias foi o resguardar para si elementos demarcadores ao desenvolvimento das novas concepes de produo e de acmulo que deveriam organizar as sociedades, majoritariamente denominadas perifricas e semiperifricas (MARTINS, 2011). Estas Agncias passam a atrelar a concepo de desenvolvimento ao conceito de cultura. E uma das primeiras frentes a serem reorientadas sero as polticas educacionais (estudos apontam, inclusive, que isso ocorre desde os anos de 1946).

Nesse momento, h uma grassa intensificao da atuao destas Agncias nas polticas de Educao dos pases da Amrica Latina, justificada na concepo de que seria necessrio intervir na formao escolar a fim de aumentar a capacidade dos pases se tornarem competitivos aos mercados internacionais. Isto significa dizer que, destacadamente a partir dos anos 90, h uma ampliao da diviso internacional do trabalho, sendo necessrio ampliar a retrica de qualificao da mo de obra (que mesmo assim continuaria extremamente barata) dos pases da periferia e aproveitada pelas empresas transnacionalizadas. Assim, dentro de um quadro econmico-poltico de capitalismo global, os estados chamados perifricos ou semiperifricos, em termos polticos e econmicos, e em concreto atrasados tecnologicamente, passam a ser orquestrados pelos interesses econmicos internacionais, que agem por meio de financiamentos oriundos das Agncias Multilateriais. As polticas que tais organismos condicionam aos pases (semi)perifricos envolve a implantao de programas de formao educacional e profissional prpria ao novo modelo de produo. No atual quadro de diviso internacional do trabalho, as polticas que as Agncias Multilaterais estabelecem aos pases latino-americanos a de implementao de uma formao aplicada, tcnico-cientfica.

Para o melhor entendimento deste novo cenrio relevante uma retomada da histria das Agncias Multilaterais, representadas principalmente pelo FMI e o BM.

2.1 fundo monetrio internacional (fmi) e banco mundial (bm): contextualizao histrica, interesses e prticas.No perodo ps-Segunda Guerra Mundial, h uma conjugao de foras poltico-econmicas e sociais entre os pases centrais que geram uma tenso que viria a ser denominada bipolarizao mundial. No ncleo sensivelmente observvel dessa tenso de foras se encontram fundamentalmente os Estados Unidos e a Unio Sovitica. Ambos lanaram-se em estratgias na busca da hegemonia e imposio de seus estatutos ao mundo (ALBUQUERQUE, 1995). A partir da bipolarizao mundial um importante marco ser o estabelecimento de um sistema internacional de cooperao multilateral, porquanto as relaes de fora exigem novos recortes de operaes internacionais comprometendo irreversivelmente os pases a uma deciso quanto ao lado que orientariam as decises polticas e econmicas. Nesse sentido ocorrer em 1945 a constituio da ONU, que congrega diversos organismos intergovernamentais, de carter autnomo, garantindo acordos poltico-econmicos na base de uma retrica de cultura da paz.

Apesar da ONU ter se constitudo enquanto frum de convivncia entre polos rivais, a hegemonia norte-americana pode ser afirmada oportunamente pela constituio do sistema decisrio nas principais pastas dessa Organizao, e pelo qual os Estados Unidos conquista a legitimidade por meio do poder de veto diante das resolues apresentadas pelos demais pases (SILVEIRA, 2007).Com relao ao FMI e Banco Mundial, Monbiot (2004, p. 148), argumenta que:

Assim como os pases vitoriosos da Segunda Guerra Mundial estruturaram os sistemas mundiais de segurana para ajust-los sua convenincia prpria, aqueles que ganharam a guerra de comrcio, que estava sendo travada ao mesmo tempo, garantiram que o sistema bancrio internacional reforasse e ampliasse o poder que eles tinham (grifos nossos).

Tais instituies (FMI e o BM) surgiram tambm durante a Segunda Guerra Mundial (1944), em Bretton Woods/New Hampshire, mas enquanto agncias especializadas da ONU. Eram definidas como instituies financeiras de cunho internacional. Originalmente o objetivo dessas agncias era financiar a reconstruo da Europa aps a devastao provocada pela Segunda Guerra e preservar o mundo de futuras depresses econmicas (STIGLITZ, 2002, p. 37). At idos de 1980, essas agncias eram consideradas os braos mais pungentes e expressivos da ONU, com insero em praticamente todos os pases e estabelecendo acordos e orientando diretrizes polticas e econmicas.

Aps fins da dcada de 1980 ocorre a chamada fim da bipolarizao mundial, significando objetivamente a hegemnica escalada capitalista, desconstituindo econmica e politicamente a principal personagem da diviso de foras no mundo: a Unio Sovitica.Se num primeiro momento, o FMI e o Banco Mundial foram criados enquanto instituies convocadas ao financiamento da reconstruo do Velho Mundo assolado pelas guerras e para sustentar as naes diante do crash (crises) econmico, nos anos 1980 h a ampliao e diversificao de sua agenda de servios. Pelo testemunho de Joseph Stiglitz, vice-presidente snior do Banco Mundial, no perodo de 1997 a 2000, admite-se que a criao do FMI deu-se originalmente pela necessidade de uma ao coletiva de mbito mundial para promover a estabilidade econmica global. Porm, segundo Stiglitz (2002, p. 279), a partir dos anos de 1980, com a liberao do mercado de capitais, o FMI e o Banco Mundial passaram a servir mais aos interesses da comunidade financeira do que estabilidade global e, contraditoriamente, na atualidade, defendem a supremacia do mercado com fervor ideolgico (STIGLITZ, 2002, p. 39), onde as decises so tomadas por causa de ideologias ou de poltica (STIGLITZ, 2002, p. 12). Isso significa dizer que, a partir de ento, o cenrio mundial passou a se configurar em uma transnacionalizao de acordos principalmente comerciais, no mais referenciadas em proposies bilaterais. Vale a pena nesse momento descrever o conceito de transnacionalizao dos acordos.

De acordo com Albuquerque (1995):

A transnacionalizao a propriedade que tm certos fenmenos de projetar seus efeitos atravs das fronteiras nacionais. Sua generalizao e acelerao vertiginosa, que a tornam instantnea para todos os efeitos prticos, golpeiam profundamente as prerrogativas dos Estados nacionais como atores exclusivos das relaes internacionais. transnacionalizao de determinados efeitos das atividades econmicas e sociais, corresponde hoje a transnacionalizao dos processos de formao de opinio pblica e de organizao de interesses e circulao de ideias. Com isso, os Estados no somente perderam o monoplio da definio da agenda internacional, mas, em grande parte, esta hoje determinada pela opinio transnacional, no sentido de que seus temas e ideias, quando no avanados por organizaes e movimentos no governamentais, s prosperam ao contar com seu beneplcito. (ALBUQUERQUE, 1995, p. 162).

Ianni (1988, p. 106) alerta que a vinculao do aparelho estatal com as agncias internacionais ou multilaterais ocorreria, na realidade, numa relao de efetivao do imperialismo norte americano e europeu sobre os pases colonizados. Assim, para o autor:

Os fatos mais recentes da histria do capitalismo mundial parecem indicar que no possvel compreender como opera o imperialismo enquanto no se explica a vinculao do aparelho estatal do pas subordinado s decises, acordos e rgos multilaterais, por meio dos quais, boa parte das relaes econmicas imperialistas se efetivam. Assim, a criao de organizaes e agncias multilaterais, intergovernamentais ou multinacionais, nas dcadas posteriores Segunda Guerra Mundial, parece corresponder a desenvolvimentos novos nas condies polticas de funcionamento e expanso do imperialismo.Se no Ps-guerra, a criao de Organizaes Internacionais e das Agncias Multilaterais, legitimou a expanso imperialista dos pases centrais, com o fim da bipolarizao e o incio do capitalismo global - e o fenmeno da transnacionalizao, principalmente de mercados - as Agncias Multilaterais deixaram de servir estabilidade econmica de um bloco e passaram a articular acordos e programas transnacionais, de modo a beneficiar o mercado financeiro. A atuao dos organismos internacionais e das Agncias Multilaterais aprofunda a dependncia e condicionalidade econmica dos pases perifricos aos pases do centro poltico-econmico.

2.2 A Internacionalizao dos Mercados e Globalizao da Economia: Nova Forma de DependnciaCom o fortalecimento das Agncias Multilaterais - que pregam a supremacia do mercado (STIGLITZ, 2002) - intensifica-se aquilo que passa a ser a principal estratgia do capitalismo: a internacionalizao e globalizao da economia, e consequentemente, o aumento da competitividade do mercado internacional. Frente a este novo cenrio mundial fez-se necessria reestruturao do setor produtivo, trazendo em seu bojo mudanas profundas no mundo do trabalho. Surge ento um novo momento do capitalismo baseado na acumulao flexvel do capital (1970 aos dias atuais).

Para um melhor entendimento deste panorama internacional e sua repercusso nos pases perifricos, traremos discusso o conceito de crise de sobreacumulao de Harvey (2005). Para o autor, as crises cclicas do modelo de produo capitalista estariam relacionadas, alm da tendncia do capitalismo superproduo, tambm falta de oportunidades de investimentos lucrativos (HARVEY, 2005, p. 116). Luxemburgo argumentava que para a estabilidade do sistema [...] o capitalismo tem de dispor perpetuamente de algo fora de si (LUXEMBURGO, 1968 apud HARVEY, 2005, p. 118), o que Harvey denominou de externalidades. Esta pode se dar, por exemplo, nos deslocamentos espaciais do capital, como tambm com a criao de um exrcito industrial de reserva, processo que o autor denominou de acumulao por espoliao. No primeiro caso, Harvey afirma que:[...] a expanso geogrfica do capitalismo que est na base de boa parte da atividade imperialista bastante til para a estabilizao do sistema precisamente por criar demanda tambm de bens de investimento com de bens de consumo alhures (HARVEY, 2005, p. 117).

Harvey (2005, p. 124) explica que a sobreacumulao uma condio em que excedentes de capital [...] esto ociosos sem ter em vista escoadouros lucrativos. Nesse sentido, a abertura comercial e da privatizao de bens pblicos em mbito global, iniciada nos anos 1990, levou as empresas a se transnacionalizar. Tal poltica garantiu novos investimentos e proporcionou amplos campos a serem apropriados pelo capital sobreacumulado.

Com relao criao de um exrcito industrial de reserva este fenmeno dar-se-ia, segundo Harvey, da seguinte forma: a acumulao do capital, na ausncia de fortes correntes de mudana tecnolgica poupadora de trabalho, requer o aumento da fora de trabalho, que pode ser obtido por meio do aumento da populao ou apropriando-se de reservas latentes, por exemplo, do campesinato ou de mo de obra aproveitada de ambientes externos (HARVEY, 2005, p. 118). Associada a essa estratgia o [...] capitalismo pode usar seus poderes de mudana tecnolgica e investimento para induzir ao desemprego (dispensa) criando assim, diretamente, um exrcito industrial de reserva de trabalhadores desempregados (HARVEY, 2005, p. 118).

Segundo Harvey (2005), o desemprego abre novas oportunidades de investimento lucrativo do capital porque, ao expulsar os trabalhadores do sistema num dado momento, cria estoques de ativos desvalorizados, ou seja, um exrcito industrial de reserva. Mais tarde os excedentes de capital ociosos, sobreacumulados, apossam-se destes ativos, dando-lhe imediato uso lucrativo, e, neste caso, na forma de mo de obra barata. Faz-se necessrio compreender, nesse momento do estudo, a principal estratgia do capital internacional para a efetivao destes pressupostos da produo a todas as naes do mundo, a partir da crise de acumulao dos anos 70.

Conforme Ianni (1965, p. 43), preciso ter fixo em mente a existncia de uma conexo permanente entre o ritmo e as tendncias das atividades econmicas e as atuaes do Estado, ou seja, h uma articulao necessria, porquanto latente em consequncias e resultados, das atividades do comrcio e das atividades do Estado. Neste sentido, para Harvey (2005, p. 126) uma das principais funes do Estado e das instituies internacionais orquestrar desvalorizaes para permitir que a acumulao por espoliao ocorra sem desencadear um colapso geral.

As esferas de produo, agora desenhadas em um processo de crise, rearticulam-se em espasmos de sobrevida e convertem sua vara para disciplinar o Estado a recepcionar suas novas diretrizes e coordenar internamente sua implantao. Se a estratgia a internacionalizao da produo pelo modelo de externalidades, h de ser revista a regulamentao interna dos pases que blindam tal proposta.

Corroborando esta perspectiva, Sader (2005, p. 19) afirma que o modelo neoliberal surge como alternativa ao esgotamento do ciclo de expanso econmica mundial (fundado no padro fordista de acumulao e no Estado de Bem Estar Social), defendendo a desregulamentao da economia e a livre concorrncia, promovendo, portanto, a [...] hegemonia da ideologia de mercado. Assim:[...] do modelo de capitalismo regulado, o hegemnico desde a crise de 1929, o capitalismo passou a adotar de forma crescente o modelo neoliberal, de desregulamentao, de reduo da presena do Estado na economia, de abertura para o mercado mundial, de privatizao, de flexibilizao isto , precarizao das relaes de trabalho (SADER, 2005, p. 38).

O neoliberalismo desestruturou as polticas de substituio de importaes do perodo nacional desenvolvimentista e criou novas formas de vinculao da regio economia mundial (MARTINS, 2011, p. 313). Assim, a partir de 1990, a Amrica Latina, em foco o Brasil, muda a sua arquitetura macroeconmica. A estrutura protecionista dissolvida em favor da liberalizao comercial, financeira e da fixao/valorizao do cmbio. A ofensiva neoliberal ao desmontar a estrutura protecionista criada pelas polticas de substituio de importaes levou desnacionalizao e destruio dos segmentos de maior valor agregado da regio, impulsionando a deteriorao dos termos de troca, e levando ao aprofundamento da superexplorao do trabalho para suas formas mais graves e deteriorao ecolgica (MARTINS, 2011, p. 319). Neste contexto houve um aprofundamento da condio de dependncia dos pases perifricos em relao aos pases centrais, constituindo-se assim novas formas de colonizao, ou seja, de explorao na relao centro-periferia.

Dentre as teorias para explicar a condio de colonizao dos pases da Amrica Latina, tem-se a Teoria da Dependncia, que surge no fim da dcada de 1960, quando a entrada do capital estrangeiro marca a crise do modelo nacional-desenvolvimentista propalado pela Comisso Econmica para Amrica Latina (CEPAL) e provoca mudanas na estrutura socioeconmica dos pases da Amrica Latina. Estas mudanas seriam, segundo Wagner, [...] o resultado da internacionalizao dos mercados internos dos pases latino-americanos, a partir do que estaria configurado um novo carter da dependncia (WAGNER, 2009, p. 60). Esse processo de integrao entre o capital estrangeiro e as economias nacionais resultou no aprofundamento da dependncia dos pases da periferia marcando um novo momento da economia latino-americana (WAGNER, 2009).

Martins explica que:

A crise do nacional-desenvolvimentismo havia sido superada pela modernizao vinculada liderana do capital estrangeiro no consrcio que este estabelece com o capital nacional e o Estado para dirigir a regio (MARTINS, 2011, p. 228).

Assim, segundo este autor (2011, p. 230), a Teoria da Dependncia:

[...] assinalava que o desenvolvimento do capitalismo havia estabelecido uma diviso internacional do trabalho hierarquizada constituda por classes e grupos sociais que se articulavam em seu interior, mas que pertenciam, muitas vezes, a estruturas jurdico-polticas distintas. [...] Os pases dependentes eram sujeitos aos monoplios tecnolgicos que articulavam essa circulao e tendiam a ajustar seu aparato produtivo, comercial e financeiro a ela. As decises estavam condicionadas pela economia mundial capitalista e as classes dominantes dos pases dependentes respondiam positivamente a esses condicionamentos. As contradies entre essas classes e os monoplios internacionais no eram suficientes para lev-las confrontao. Elas buscavam o compromisso e a negociao. A nacionalidade significava um instrumento de gesto adequado ao maior nvel de complexidade da economia mundial, mas no a autonomia de deciso. [...] A reproduo da dependncia era tambm a de uma diviso internacional do trabalho hierarquizada. Ela significava a existncia de uma estrutura econmica, social, poltica e ideolgica simultaneamente nacional, internacional e especfica dentro da economia mundial. E o subdesenvolvimento se estabelecia no como no desenvolvimento, mas como o desenvolvimento de uma trajetria subordinada dentro da economia mundial (MARTINS, 2011, p. 230).

Para Santos, a dependncia pode ser definida como:

[...] uma situao em que um certo grupo de pases tem sua economia condicionada pelo desenvolvimento e expanso de outra economia qual sua prpria est submetida. A relao de interdependncia entre duas ou mais economias, e entre elas e o comrcio mundial, assume a forma de dependncia, quando alguns pases (os dominantes) podem se expandir e auto-impulsar, enquanto outros pases (os dependentes) s podem fazer isso como reflexo dessa expanso, que pode agir de forma positiva ou negativa sobre o seu desenvolvimento imediato. De qualquer forma, a situao bsica de dependncia leva a uma situao global dos pases dependentes, que os coloca em posio de atraso e sob a explorao dos pases dominantes (SANTOS, 2000, p. 379).

Em sntese, no estabelecimento de uma diviso internacional do trabalho hierarquizada, os pases perifricos esto sujeitos aos monoplios e suas decises ficam condicionadas pelo desenvolvimento e expanso da economia mundial capitalista. Tal expanso pode ter repercusses positivas ou negativas em suas economias, mas como afirma Santos os coloca em posio de atraso e sob explorao dos pases dominantes. Tal condio garantida graas anuncia e o compromisso assumido entre as classes dominantes locais e o capital internacional.

Frigotto (2007, p. 1133), ao analisar a histria brasileira, considera que esta tem sido marcada pelos interesses das classes dominantes nacionais prevendo a manuteno da economia brasileira na condio de dependncia e numa posio subalterna na diviso internacional do trabalho. Isto ocorreria em razo de uma particularidade da nossa formao social capitalista, que seria:

[...] a imbricao do atraso, do tradicional e do arcaico com o moderno e desenvolvido que potencializa a nossa forma especfica de sociedade capitalista dependente e de nossa insero subalterna na diviso internacional do trabalho [...] os setores modernos e integrados da economia capitalista (interna e externa) alimentam-se e crescem apoiados e em simbiose com os setores atrasados. Assim, a persistncia da economia de sobrevivncia nas cidades, uma ampliao ou inchao do setor tercirio ou da altssima informalidade com alta explorao de mo de obra de baixo custo foram funcionais elevada acumulao capitalista, ao patrimonialismo e concentrao de propriedade e de renda.

Esta tese foi proposta primeiramente por Francisco Oliveira no livro: A economia brasileira: crtica razo dualista. Neste livro o autor define o capitalismo brasileiro como ornitorrinco: malformado, a meio caminho. Tratava-se de uma crtica Teoria da Modernizao e ao modelo cepalino que definia o moderno e o atrasado como etapas distintas, na qual a superao do atraso levaria modernizao. Porm, contrariando tal teoria, o autor mostra que no caso brasileiro o chamado moderno cresce e se alimenta da existncia do atrasado, (OLIVEIRA, 2003a, p. 32), ou seja, so na realidade simbiticos. Assim, diferentemente da viso evolucionista, etapista defendida naquele momento, o autor afirma que o subdesenvolvimento uma formao capitalista e no simplesmente histrica.(OLIVEIRA, 2003a, p.33).Essa condio explica porque houve sempre o interesse das classes dominantes nacionais em ofertar uma educao tcnico-profissional adestradora, orientada para o treinamento, ou seja, de baixa qualificao, voltadas para o trabalho simples e de baixa remunerao, direcionada no mximo para as inovaes incrementais e submissa s necessidades do capital. Para tanto, torna-se conveniente elite empresarial brasileira implantar os modelos propalados pelas Agncias Multilaterais que expressam os interesses dos pases hegemnicos do capitalismo mundial em manter o pas em condio de atraso.

Atualmente tal condio de dependncia se d no contexto da mundializao dos mercados, na qual os Estados (no sentido local, regional ou nacional), alicerados no conceito de vantagem competitiva estabelecem estratgias nas polticas pblicas para atrair os investimentos estrangeiros em um ambiente altamente competitivo, em um cenrio internacional no qual h poucas barreiras geogrficas e abundante reserva de mo de obra, cabendo, ento, tanto oferecer condies vantajosas para os negcios, como fornecer fora de trabalho em quantidade e qualidade, garantida por meio da formao profissional e treinamento (HARVEY, 2011, p. 60). Tal cenrio resulta da reestruturao produtiva, ocorrida com maior intensidade a partir da dcada de 1990 quando a quebra das cadeias produtivas demandou a criao de localidades, que garantiu a realocao espacial dos excedentes de capital ociosos para investimento produtivo e lucrativo (HARVEY, 2005, p. 124).

Silver (2005, p. 83) defende que alm do deslocamento espacial, os capitalistas respondem a um estrangulamento dos lucros inovando em processos tecnolgicos e/ou organizacional. Neste sentido, a crise nas dcadas de 70 e 80 demandou tambm a implantao de um novo modelo organizacional que garantiu novos padres de acumulao capitalista: o toyotismo. Neste modelo, a organizao da empresa se d de forma desverticalizada, ou seja, ela passa por um amplo processo de subcontratao e terceirizaes da atividade-meio (out-sourcing), tanto de bens materiais como de servios, objetivando a reduo dos custos e a mxima produtividade. fundamentado nesta premissa que ocorreu a quebra das cadeias produtivas, na qual as terceirizaes passaram a acontecer agora em mbito global. Assim, as localidades representaram a materializao tanto de um novo modelo de solues espaciais como organizacional.

Esse fenmeno explicado por Wolff (2010, p. 4):

Favorecidas pela desregulamentao e iseno tributrias diligenciadas pela economia neoliberal, as grandes corporaes passaram a distribuir grande parte de seus processos a fornecedores e subcontrates, no s nos seus pases de origem, mas, sobretudo para aqueles (geralmente perifricos) que oferecem fora de trabalho qualificada mais barata, bem como maiores incentivos fiscais e logsticos. As cadeias produtivas so o centro do ncleo produtivo que sintetiza tal estratgia e, logo, a atividade econmica de uma dada regio, sendo que a maior importncia de seu efeito ser funo da riqueza do conjunto de relaes nela presentes.

No caso brasileiro, a abertura econmica e comercial da dcada de 1990 facilitou o acesso s importaes e a entrada de empresas estrangeiras no mercado interno, resultando na desarticulao e desnacionalizao das cadeias produtivas de bens de capital, tecnologias de informao e comunicao, e dos eletroeletrnicos. Nos setores txtil, confeces, couro e calados, onde h intensivo uso de mo de obra associada a um relativo atraso tecnolgico, muitas empresas foram destrudas em razo do aumento da competitividade dos anos 90 (NARETTO; BOTELHO; MENDONA, 2004, p. 67).

Paradoxalmente, o perodo compreendido entre 1990 a 1999, caracterizado pelo acirramento da competitividade com as indstrias estrangeiras e pelo fechamento de muitas empresas, resultou numa grande concentrao econmica. Nesse momento verificou-se o aumento do nmero das Pequenas e Micro Empresas (PME). Para Naretto, Botelho e Mendona (2004, p. 68):

Esse movimento, semelhante ao visto nos pases avanados, pareceu associar-se, sobretudo aos processos de terceirizao e quebra de cadeias produtivas nas aglomeraes industriais at ento integradas, processos movidos em geral pela reduo de custos via especializao produtiva e via transformao de trabalhadores assalariados em pequenos fornecedores, como meio de conteno dos custos trabalhistas. [...] A especializao e o aumento no nmero de PMEs multiplicaram tambm o nmero de interaes no interior das aglomeraes produtivas. Cabe salientar, no entanto, que o processo conduziu hierarquizao de empresas e dependncia das PMEs em relao dinmica das lderes.

O processo de terceirizao consiste segundo Klein (2007 apud BIAVASCHI, DROPPA, 2011, p. 128):

[...] na contratao de redes de fornecedores com produo independente, na contratao de empresas especializadas de prestao de servios de apoio, na alocao de trabalho temporrio por meio de agncias de emprego, na contratao de pessoas jurdicas ou de autnomos para atividades essenciais; nos trabalhos a domiclio; pela via das cooperativas de trabalho, ou ainda, mediante deslocamento de parte da produo ou de setores desta para ex-empregados. Nessa dinmica, chega-se a presenciar o fenmeno da terceirizao da terceirizao, quando uma empresa terceirizada subcontrata outras, e o da quarteirizao, com a contratao de uma empresa com funo especfica de gerir contratos com as terceiras e os contratos de faces e os de parceria.

Apesar do processo de terceirizao abarcar diversas formas de contratao do trabalho, de acordo com Biavaschi e Droppa (2009 apud PINTO; KEMMELMEIR, 2011) sua especificidade consiste na existncia da figura do intermedirio, na qual:

Atravs desta estrutura trilateral/triangular formada pela composio trabalhador, intermedirio e tomador a empresa contratante (tomadora) aproveita a fora de trabalho, mas deixa de ser o empregador no sentido jurdico.

A consolidao do modelo toyotista de subcontratao e terceirizao praticadas pelas transnacionais, que adentraram o pas favorecidas pela abertura comercial, se deu graas s mudanas efetuadas na regulamentao das relaes de trabalho nos anos de 1990. Segundo Pinto e Kemmelmeier (2011, p. 109), a interveno estatal na economia ocorre [...] a favor da acumulao do capital [...] no amparo dos interesses de oligoplios transnacionais em detrimento dos interesses das classes trabalhadoras nacionais.

Tais mudanas legitimaram o modelo de subcontratao e consequentemente a precarizao das relaes de trabalho quando estabeleceu novas formas de contrato: o contrato de safra, o contrato temporrio, a contratao por tempo determinado e o regime de trabalho em tempo parcial, o contrato aprendiz e o contrato parcial. No caso da terceirizao, a lei estabeleceu mecanismos jurdicos que permitem a contratao de fora de trabalho fora dos moldes clssicos do contrato de trabalho por prazo indeterminado com o tomador dos servios (PINTO; KEMMELMEIER, 2011, p. 118).

Biavaschi e Droppa (2011, p. 125) afirmam que a terceirizao foi uma das formas de contratar que mais avanou no Brasil nos anos 1990 e que a utilizao de terceiras (ou empresas terceirizadas) vem crescendo no pas. Isto porque o processo de terceirizao em realidade vem sendo usada como instrumento de reduo dos custos com a fora de trabalho (MARCELINO, 2011, pp. 62-63) e, consequentemente, tem implicado na precarizao das relaes de trabalho e das condies de emprego.Portanto, a transnacionalizao das grandes empresas foi possvel graas abertura comercial dos pases perifricos s grandes potncias forando-os a permitir que o capital investisse em empreendimentos lucrativos, usando matrias-primas e fora de trabalho mais baratas (HARVEY, 2005, p. 117), este ltimo facilitado por um amplo processo de desregulamentao das leis trabalhistas. Pinto e Kemmelmeier (2011, p. 109) acrescentam que diante da instabilidade econmica e poltica do final do sculo XX, a interveno estatal, a favor da acumulao de capital, assumiu posturas radicais no amparo dos interesses de oligoplios transnacionais. .

Em suma: a exploso da abertura de microempresas ocorre no contexto da quebra das cadeias produtivas, onde as grandes empresas passaram a utilizar-se de terceiras a fim de reduzir seus custos, e das reformas do Estado (voltados para a acumulao de capital) que resultou na perda de direitos trabalhistas. Assim, por meio da terceirizao, as grandes corporaes apropriaram-se do exrcito industrial de reserva resultante de um amplo processo de flexibilizao das relaes de trabalho e precarizao do direito e das protees ao trabalhador, como das condies de trabalho garantidas at ento por meio de regulamentao Estatal. Tal apropriao se deu pela subcontratao deste exrcito industrial de reserva, agora, porm, na forma de pessoas jurdicas, ou seja, como pequenas e micro empresas (PMEs).

Denota-se, portanto, que este novo modelo de externalizao, fundamentado no paradigma toyotista, ao se basear no out-sourcing (ou na terceirizao dos servios), estabeleceu uma nova forma de dependncia na relao centro-periferia, na qual as transnacionais atuam no mundo, estabelecendo networks globais (DALLACQUA, 2003 apud WOLFF, 2010, p. 4), o que garante a extrao da mais-valia de modo universal. Muito semelhante ao modelo putting-out no incio do capitalismo (BERNARDO, 2004 apud WOLFF, 2010), a quebra das cadeias de produo precarizou as condies de trabalho e tornou possvel novas formas de composio das relaes entre capital e trabalho de modo que a extrao da mais-valia relativa e da mais-valia absoluta adquiriu um novo redimensionamento. Isto porque as empresas tercerizadas so em sua maioria micro e pequenos empreendimentos trabalhando por demanda, requerendo da empresa (leia-se trabalhadores) a intensificao da produtividade e o aumento das horas trabalhadas.

Diante de tal contexto surgiu a necessidade da criao de programas orientados ao empreendedorismo e, consequentemente, as polticas orientadas pelo Estado voltadas s localidades passam a ganhar relevncia nas agendas dos pases e das organizaes internacionais. Isto porque, em conformidade com o pensamento neoliberal, o Estado deixar de ser o agente responsvel pela garantia dos direitos trabalhistas, cabendo-lhe agora um novo papel: o de diretor da governana. Veremos no prximo item as concepes ideolgicas que permeiam tal conceito.

2.3 A Boa Governana, como Estratgia para Readequar a Velha Dependncia

Como descrevemos anteriormente, paralelamente reestruturao produtiva, os anos de 1990 foram marcados pela concepo de que seria necessria tambm uma reestruturao do Estado. Esta reestruturao foi guiada pelo pensamento neoliberal, na qual as ideias embasavam-se na concepo de que o fundamento da crise estaria no grave volume de interveno do Estado. Nesse sentido, os pases centrais rearticulam-se para balizar as diretrizes desse novo perfil Estatal e das protees nacionais frente expanso das linhas de produo, que poca (1990) seria denominado Consenso de Washington. Segundo Stiglitz (2002, p. 43), referindo-se s questes discutidas no Consenso de Washington diz que:

Muitas das ideias incorporadas ao Consenso foram desenvolvidas em resposta aos problemas da Amrica Latina, regio onde os governos haviam perdido o controle de seus oramentos, enquanto polticas monetrias flexveis haviam conduzido a uma inflao galopante. A exploso de crescimento em alguns pases latino-americanos nas dcadas que se seguiram Segunda Guerra Mundial no tinha sido mantida, supostamente em virtude de excessivas intervenes na economia por parte do Estado.

Frente a esta perspectiva, no contexto neoliberal, a prescrio do papel do Estado tem sido dada pelo capital e esta tem sofrido mudanas desde a sua formulao na dcada de 1970. Nas palavras de Peroni e Caetano (2012, p. 3):

Enquanto nas primeiras manifestaes da crise, dcadas de 1970- 1980, a teoria neoliberal apregoava o Estado mnimo, nas ltimas crises tem sido reforado o papel do Estado como o administrador da crise, inclusive injetando volumosas quantias de dinheiro pblico dos impostos para acalmar os mercados e os analistas criticando que os estados no fizeram o dever de casa de diminuir os gastos pblicos, leia-se direitos sociais, como se eles fossem os reais causadores das crises. O papel do Estado para com as polticas sociais alterado, pois com este diagnstico duas so as prescries: racionalizar recursos e esvaziar o poder das instituies, consideradas improdutivas pela lgica de mercado. Assim, a responsabilidade pela execuo das polticas sociais deve ser repassada para a sociedade: para os neoliberais, atravs da privatizao (mercado), e para a Terceira Via, principalmente atravs do terceiro setor (sem fins lucrativos). [...] Os tericos da Terceira Via concordam com os neoliberais, de que a crise est no Estado, s que apontam como a estratgia de superao o terceiro setor, que caracterizado como o pblico no estatal. Assim, a tarefa de execuo das polticas sociais repassada para sociedade, em nome da participao e democratizao da democracia.

Nesta perspectiva de reestruturao do Estado que surgir o conceito de governana. Van Haecht (2008 apud AKKARI 2011, p. 89) afirma que o termo boa governana tem sido utilizado para descrever essas novas orientaes estratgicas das polticas pblicas nacionais, tais como uma forma de deciso coletiva baseada na negociao e nas interaes entre vrias instncias e atores envolvidos, e tem como finalidade melhorar a eficincia da prestao de recursos pblicos (AKKARI, 2011, pp. 90-92). O autor aponta ainda que, na dcada de 1990, o Banco Mundial foi o primeiro a utilizar a noo de good governance. Mais especificamente, o conceito de governana utilizado para:

[...] distinguir aquilo que ressalta das atribuies e das maneiras de fazer um governo central, do que aquilo que ressalta das administraes locais. Estas ltimas dispem de uma legitimidade que tem sua origem tanto na democracia representativa (eleitos locais) quanto numa democracia participativa (participao do cidado, da sociedade civil, etc.) (LUSIGNAN; PELLETIER, 2009 apud AKKARI, 2011, p. 89).

O Estado assume o papel de diretor da governana, sendo sua funo regular e fomentar a competio do mercado, a fim de se garantir um bom clima de investimentos, promover o desenvolvimento ativo do capital humano por meio do sistema educacional e fomentar alianas regionais e transnacionais, alm de realizar as metas globais, cabendo sociedade a execuo das polticas sociais (GUIDDENS, 2000, p. 57), cabendo sociedade a execuo das polticas sociais. Segundo Peroni (2013, p. 239), o conceito de sociedade civil modernizada quer dizer bem-sucedida no mercado, j que defende o empreendedorismo.

O tema empreendedorismo torna-se, ento, parte da agenda das polticas pblicas quando se vincula aos princpios da Boa Governana, partindo-se da concepo de que a atuao governamental deve estar voltada para os sujeitos sociais, investindo na sua capacidade empreendedora de gerar valor para toda a sociedade. Assim, cada indivduo responsvel por individualmente abrir o seu caminho e as transformaes vo se dar na esfera pessoal e no societria (PERONI, 2013, p. 239).

Assim, a popularizao do termo empreendedorismo ocorre a partir dos anos 1990, quando a ofensiva por parte do capital para a superao da crise levou reestruturao do Estado e reestruturao do setor produtivo. Tal ofensiva resultou na retrao do emprego e provocou a exploso da abertura de microempresas terceirizadas - forma alternativa de auto emprego - pelas empresas transnacionalizadas.

2.4 O Empreendedorismo Como Estratgia Para A Conduo Das Polticas Sociais2.4.1 A Noo de Empreendedorismo

A palavra empreendedorismo foi alcunhada pelo economista Joseph A. Schumpeter (1883 1950). Para este pensador, no sistema capitalista ocorreria o que ele denominou de processos de destruio criativa, processo no qual os velhos padres seriam destrudos por meio da introduo de alguma inovao no sistema econmico. Esta inovao pode ocorrer por meio do desenvolvimento de novos produtos, de novos mtodos de produo e de novos mercados ou pela explorao de novos recursos e materiais. Portanto, o empreendedor seria aquele que destri a ordem econmica existente por meio da inovao, assumindo os riscos de seus empreendimentos. Para Schumpeter (1982, p. 102), [...] algum s um empreendedor, quando realmente, empreende novas combinaes e perde esta caracterstica logo que estabelecesse negcios, quando os estabiliza, deixando-os correr, como outras pessoas. O autor afirma a necessidade de que o capitalista rena os recursos financeiros a fim de organizar as operaes internas e realizar as vendas de sua empresa.

No momento atual, uma das definies mais aceitas dada por Robert D.Hisrich (2009 apud CASTOR; ZUGMAN, 2009, pp. 89-91). Segundo este autor o empreendedorismo [...] o processo de criar algo diferente e com valor, dedicando o tempo e esforos necessrios, assumindo os riscos financeiros, psicolgicos e sociais correspondentes e recebendo as consequentes recompensas da satisfao econmica e pessoal.Dornelas (2008, p. 23), por sua vez, sintetiza:

[...] em qualquer definio de empreendedorismo, encontram-se pelo menos os seguintes aspectos referentes ao empreendedor: tem iniciativa para criar um novo negcio e paixo pelo que faz; utiliza os recursos disponveis de forma criativa, transformando o ambiente social e econmico onde vive; aceita assumir os riscos calculados e a possibilidade de fracassar.

O empreendedorismo entendido, portanto, como instrumento de desenvolvimento econmico e social, haja vista que o Frum Econmico Mundial tem discutido o tema empreendedorismo de forma recorrente por consider-lo de interesse global (DORNELAS, 2008). Tal temtica tem ganhado centralidade por um nmero cada vez maior de pases em razo do que ocorre nos Estados Unidos, onde se encontra o maior exemplo de compromisso nacional com o empreendedorismo e o progresso econmico:

A conjuno de um intenso dinamismo empresarial e rpido crescimento econmico, somados aos baixos ndices de desemprego e s baixas taxas de inflao ocorridas, por exemplo, na dcada de 1990 nos Estados Unidos, aparentemente aponta para uma nica concluso: o empreendedorismo o combustvel para o crescimento econmico, criando emprego e prosperidade. [...] Economistas e especialistas americanos so unnimes em dizer que a resposta para a sada da crise continua sendo a mesma: estimular e desenvolver o empreendedorismo em todos os nveis (DORNELAS, 2008, p. 9).

Para Dornelas (2008, p. 6), a era do empreendedorismo, muito alm de um modismo, seria consequncia das mudanas tecnolgicas e sua rapidez, assim como da competitividade do mundo globalizado. Isto por que:

[...] so os empreendedores que esto eliminando barreiras comerciais e culturais, encurtando distncias, globalizando e renovando os conceitos econmicos, criando novas relaes de trabalho e novos empregos, quebrando paradigmas e gerando riqueza para a sociedade. A chamada nova economia, a era da Internet, mostrou recentemente e ainda tem mostrado que boas ideias inovadoras, know-how, um bom planejamento e, principalmente, uma equipe competente e motivada so ingredientes poderosos que, quando somados no momento adequado, acrescidos do combustvel indispensvel criao de novos negcios o capital podem gerar negcios grandiosos em curto espao de tempo. [...] o contexto atual propcio para o surgimento de um nmero cada vez maior de empreendedores. Por esse motivo, a capacitao dos candidatos a empreendedor est sendo prioridade em muitos pases, inclusive no Brasil.

E a novidade reside no fato que o empreendedorismo extrapola as academias de economia e administrao e passa a estar atrelado concepo de justia e desenvolvimento social, principalmente nos termos de combate extrema pobreza. Sero as Organizaes Multilaterais - especificamente a ONU, o Banco Mundial e o BID - as responsveis pela elaborao e difuso de projetos que tornam o empreendedorismo uma nova estratgia para o combate pobreza.

Neste sentido, tem-se [...] a convico de que o poder econmico dos pases depende de seus futuros empresrios e da competitividade de seus empreendimentos (DORNELAS, 2008, p. 9). Sero as Organizaes Multilaterais - especificamente a ONU, o Banco Mundial e o BID - as responsveis pela elaborao e difuso de projetos que tomam o empreendedorismo uma nova estratgia para o combate pobreza.

2.4.2 Empreendedorismo: Estratgia de Combate Pobreza dada pelas Agncias Multilaterais

O Banco Mundial em seu Relatrio sobre o Desenvolvimento Mundial (2005), sob o ttulo Um Melhor Clima de Investimento para Todos, incentiva os pases emergentes a desenvolverem programas e polticas de apoio aos empreendedores. Nele a denominao clima de investimento entendida enquanto fator institucional que levaria ampliao e ao aperfeioamento do capital fsico e humano e Produtividade Total dos Fatores (PTF). Este Banco sintetiza esses fatores como: as condies macroeconmicas; Estado de Direito; poltica de competitividade; governabilidade e segurana (RODRIGUEZ; DAHLMAN; SALMI, 2008 apud ERBER, 2010, pp. 11-12). H inclusive a [...] formulao de tipos ideais, de natureza universal, para essas instituies, estabelecendo comparaes entre os pases e incita-os a estabelecer instituies corretas outra faceta da globalizao (ERBER, 2010, pp. 11-12). Logo, neste contexto que o incentivo s empresas privadas, ou seja, o fomento ao empreendedorismo incluir micro e pequenas empresas estejam elas na formalidade ou na informalidade enquanto poltica de governabilidade a ser adotada pelos pases para o combate pobreza. O relatrio do Banco Mundial categoricamente chega a afirmar:

Este Relatrio sobre o Desenvolvimento Mundial trata da criao de oportunidades para que as pessoas evitem a pobreza e melhorem seus padres de vida. Aborda a criao de um clima em que empresas e empresrios de todos os tipos de agricultores e microempresas a estabelecimentos de manufatura locais e empresas multinacionais tenham oportunidades e incentivos para investir de maneira produtiva, criar empregos, crescer e dessa forma contribuir para o crescimento e reduo da pobreza. Portanto, o Relatrio trata de um dos principais desafios do desenvolvimento (BANCO MUNDIAL, 2005, p. 7).

Segundo este relatrio, as empresas privadas, responsveis por 90% dos empregos, seriam as indutoras centrais na busca do crescimento e da reduo da pobreza e estariam no centro do processo do desenvolvimento. Isto aconteceria porque o impulso para a obteno de lucro levaria as empresas de qualquer natureza de atividade, dos microempresrios s multinacionais, a investirem em novas ideias e novas instalaes visando fortalecer a base do crescimento econmico e da prosperidade. Assim sendo, o clima do investimento seria determinante para uma melhor contribuio das empresas para com a sociedade.

O Relatrio reconhece que o ndice de desemprego entre os jovens nos pases em desenvolvimento o dobro da taxa mdia dos pases desenvolvidos, sendo que mais da metade da populao trabalha na economia informal em condies precrias, e, portanto, faz-se necessrio acelerar a criao de mais e melhores empregos no setor privado nestes pases. O documento prev que o desenvolvimento do setor privado seria a chave para o combate a pobreza.

O setor privado pode reduzir a pobreza ao contribuir para o crescimento econmico, a criao de empregos e a gerao de renda para a populao pobre. Tambm pode empoderar a populao pobre, ao oferecer um vasto espectro de produtos e servios a preos mais baixos. Pequenas e mdias empresas so criadoras de emprego, representando sementes para a inovao e o empreendedorismo (BANCO MUNDIAL, 2005, p. 3).

Essa afirmao sinaliza que o Banco Mundial reproduz certa tendncia da atualidade, na qual o empoderamento tem se constitudo enquanto uma ferramenta com que governos, organizaes da sociedade civil e agncias de desenvolvimento buscam a princpio transformar a vida de pessoas e comunidades (HOROCHOVSKI; MEIRELLES, 2007, p. 487). Neste sentido esta agncia admite o setor privado como uma importante ferramenta para empoderar a populao, reduzindo o conceito de emponderamento enquanto autonomia nas esferas poltica, econmica, cultural, psicolgica, entre outros, apenas oferta de produtos e servios a preos mais baixos, o que, para esta lgica, por si s resultaria na melhoria das condies socioeconmicas de um modo geral.

Com relao condio de empoderar, Horochovski e Meirelles (2007, p. 485), apontam que atualmente o uso desse conceito tem sido indiscriminado e tambm polissmico, sendo utilizado inclusive por sujeitos s vezes situados em posies poltico-ideolgicas opostas. De acordo com estes autores, numa perspectiva em