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1 CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL JANE MARIA DE MEDEIROS CONDIÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO DE UM SISTEMA PRODUTIVO E INOVATIVO LOCAL (SPIL) DA MÚSICA A PARTIR DAS POTENCIALIDADES DE BELO HORIZONTE Belo Horizonte 2011

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENS ÃO

MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL

JANE MARIA DE MEDEIROS

CONDIÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO DE UM SISTEMA PRODUTIVO E INOVATIVO LOCAL (SPIL) DA MÚSICA A PARTIR DAS POTENCIALIDADES DE BELO HORIZONTE

Belo Horizonte 2011

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JANE MARIA DE MEDEIROS

CONDIÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO DE UM SISTEMA PRODUTIVO E INOVATIVO LOCAL (SPIL) DA MÚSICA A PARTIR DAS POTENCIALIDADES DE BELO HORIZONTE

Dissertação apresentada ao Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre. Área de concentração: Inovações Sociais, Educação e Desenvolvimento Local. Linha de pesquisa: Processos Sociais e Políticos: Articulações Institucionais e Desenvolvimento Local. Orientadora: Profa. Dra. Lucília Regina de Souza Machado

Belo Horizonte 2011

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DEDICATÓRIA Ao meu pai, Antônio Eleto de Medeiros (in memoriam), cujas palavras de incentivo ao

estudo ainda soam nos meus ouvidos, e à minha mãe, Wanda Cunha Pereira (in

memoriam), cujos dons artísticos e o amor pela música certamente influenciaram o meu

encantamento com o universo fascinante da produção musical.

Aos meus filhos Daniel, pelo incentivo, e Bruno, pelo grande apoio e paciência.

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AGRADECIMENTOS

Àqueles cuja generosa e valiosa participação tornou possível essa dissertação:

Cecília Regueira, Clarice Libânio, Clélio Campolina Diniz, Fernando Brant, Geraldo

Vianna, Ivana Parrella, João Antônio de Paula, Lucas Mortimer, Makely Ka, Marcela

Bertelli, Marcus Viana, Maria do Carmo Guerra Simões, Mauro Werkema, Mestre

Jonas, Rose Pidner, Tadeu Martins, Talles Lopes, Tânia Mara Lopes Cançado e Thelmo

Lins.

À minha orientadora, professora Lucília Machado – a quem tive a grata satisfação de

reencontrar depois de ter sido sua aluna no curso de graduação da PUC-MG –, cujo

trabalho competente, incentivo e permanente disponibilidade foram fundamentais para a

conclusão da presente dissertação, e a todos os professores do programa.

Por fim, mas não menos importante, aos meus colegas de Mestrado, pela convivência

alegre e a participação instigante, que muito contribuíram para amenizar o cansaço das

horas seguidas de aulas e para elevar o nível dos debates durante o curso.

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A música é um elemento básico e insubstituível na formação espiritual de um povo. A sua função não se limita à importância da formação estética, mas a de assumir um caráter eminentemente socializador. (Heitor Villa-Lobos)

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RESUMO O cenário musical da cidade de Belo Horizonte apresenta produção caracterizada por

grande riqueza, qualidade criativa, inovações e crescente dinamismo. Tais ingredientes

seriam suficientes para se pensar na possibilidade da construção de um Sistema

Produtivo e Inovativo Local (SPIL) da Música dessa cidade? Responder a tal indagação

motivou o desenvolvimento desta dissertação. A pesquisa realizada buscou, então,

discutir as condições existentes ou as que precisariam ser criadas para que este sistema

pudesse ser organizado. Nesse sentido, foram analisados os fatores que poderiam

facilitar ou impedir essa construção. Os dados obtidos mostraram que a atual conjuntura

cultural belo-horizontina apresenta algumas condições favoráveis para a criação do

SPIL proposto e que a iniciativa para a sua criação deve partir da própria sociedade

civil, isto é, dos músicos, por meio de suas entidades representativas. Concluiu-se que,

para tanto, o segmento precisará se organizar e se fortalecer para envolver a Prefeitura –

fundamental neste processo – e o Governo do Estado, além de outros atores importantes

para o sistema, como os empresários e as instituições de ensino e pesquisa, expressivas

no local. O arcabouço conceitual e a metodologia utilizada para o desenvolvimento da

pesquisa e do produto aplicado dela derivado foram sistematizados com base no

ferramental proposto pela RedeSist – rede de pesquisa interdisciplinar da Universidade

Federal do Rio de Janeiro – para analisar Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos

Locais (ASPILs). A pesquisa – de natureza qualitativa, e caráter exploratório e aplicado

– se valeu de consulta bibliográfica, pesquisa em documentos e de campo. Esta última

foi desenvolvida por meio de entrevistas semi-estruturadas com sujeitos que, devido às

singulares posições em que se encontram face ao objeto estudado, apresentavam e

apresentam contribuições fundamentais para a elucidação do problema investigado.

PALAVRAS-CHAVE : sistemas produtivos e inovativos locais; inovação; música;

economia da cultura; gestão social; desenvolvimento local.

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ABSTRACT

The music scene in the city of Belo Horizonte has a production characterized by great

diversity, creative quality, innovation and growing dynamism. Would these ingredients

sufficient to consider the possibility of building a Local Production and Innovative

System (LPIS) of music in this city? Answering this question was the motivation for the

present dissertation. Our survey sought to discuss the existing conditions or those that

need to be created so that this system could be organized. Accordingly, we analyzed the

factors that may facilitate or prevent such construction. Our data showed that the current

cultural context of Belo Horizonte has some favorable conditions for the creation of the

proposed LPIS and suggested that the initiative for its creation must come from civil

society itself, that is, the musicians, through their representative bodies. We concluded

that, to achieve this objective, the segment needs to be further organized and

strengthened in order to involve the City Hall – essential in this process – and the State

Government, as well as other key actors in the system, such as entrepreneurs and

educational and research institutions, which are significant on this city. The conceptual

framework and methodology used in the development of this research and the product

that derived from it were organized based on the tools proposed by RedeSist - network

of interdisciplinary research at the Federal University of Rio de Janeiro - to review

Local Productive and Innovative Arrangements and Systems (LPIASs). The research –

qualitative, exploratory and applied – used bibliographic and field research. The latter

was developed through semi-structured interviews with subjects who have had major

contributions to elucidate the investigated problem.

KEY WORDS: local production and innovative systems; innovation; music; culture

economy; social management; local development.

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LISTA DE TABELAS

01 Fundamentos teóricos para balizar a criação do SPIL da música de Belo Horizonte e suas características ....................................................................... 61 02 Condições para a estruturação sustentável da cultura como atividade econômica em Belo Horizonte e instrumentos e meios para sua promoção......................... 95 03 Condicionantes da economia da música de Belo Horizonte e suas principais implicações ................................................................................................... 141 04 Condições para a criação do SPIL da música de Belo Horizonte e instrumentos e meios para sua promoção ............................................................................... 195 05 Diretrizes e metas da Câmara Setorial de Música de Belo Horizonte ....................... 240

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................... 13

Definição do tema da pesquisa ................................................................................... 18

Definição do objeto de pesquisa ou a questão central da investigação ....................... 19

Metodologia e procedimentos de investigação............................................................ 21

CAPÍTULO 1 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA INVESTIGAÇÃO

1.1 Introdução................................................................................................................ 24

1.2 Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (SPILs)................................................... 26

1.3 Economia da Cultura.............................................................................................. 33

1.4 Gestão Social.......................................................................................................... 42

1.5 Governança............................................................................................................ 51

1.6 Desenvolvimento Local.......................................................................................... 55

1.7 Considerações Finais............................................................................................. 61

CAPÍTULO 2 ESTRUTURAÇÃO SUSTENTÁVEL DA CULTURA COMO ATIVIDADE ECONÔMICA: A MÚSICA NO CONTEXTO DE BELO HORIZONTE

2.1 Introdução.............................................................................................................. 64

2.2 A política nacional de cultura e seus reflexos locais............................................. 64

2.3 O financiamento da cultura: leis de incentivo fiscal e fundos públicos................. 71

2.3.1 O papel das empresas na política de renúncia fiscal ........................................ 75

2.3.2 A Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais: especificidades,

aplicações e implicações no segmento musical...........................................................

79

2.3.3 Empresas usuárias da lei mineira de incentivos à cultura ................................... 82

2.3.4 Os caminhos do financiamento do segmento da música de Belo Horizonte........ 85

2.3.4.1 A política municipal de financiamento............................................................ 90

2.4 Os impactos da atividade cultural na economia mineira........................................ 92

2.5 Considerações finais 94

CAPÍTULO 3 A ECONOMIA DA MÚSICA EM BELO HORIZONTE

3.1 Introdução.............................................................................................................. 97

3.2 Caracterizando os elos da economia da música de Belo Horizonte...................... 100

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3.2.1 Pré-produção ou fatores condicionantes da economia da música..................... 101

3.2.1.1 Capital humano: o artista; a formação acadêmica e técnica............................. 102

3.2.1.2 A indústria de equipamentos para som (edição e gravação) e iluminação....... 106

3.2.1.3 Os fornecedores de insumos para a produção dos suportes .............................. 107

3.2.1.4 A indústria de instrumentos e equipamentos musicais..................................... 108

3.2.1.5 A educação musical e a formação de plateias.................................................. 109

3.2.2 Produção............................................................................................................ 111

3.2.2.1 Caminhos percorridos até o produto final........................................................ 112

3.2.2.2 Peculiaridades da produção musical de Belo Horizonte.................................. 1115

3.2.2.3 O mercado da produção independente............................................................. 121

3.2.2.4 Entidades governamentais e institucionais que regulam e condicionam o

setor..............................................................................................................................

124

3.2.3 Distribuição......................................................................................................... 125

3.2.4 Divulgação........................................................................................................... 128

3.2.5 Comercialização.................................................................................................. 131

3.2.6 Consumo............................................................................................................. 133

3.3 Os impactos das novas tecnologias na cadeia produtiva da música....................... 135

3.4 A inovação no mercado da música de Belo Horizonte ao longo dos tempos......... 138

3.5 Considerações finais............................................................................................... 141

CAPÍTULO 4 INSTRUMENTOS E MEIOS NECESSÁRIOS PARA A CONSTRUÇÃO DO SPIL DA MÚSICA DE BELO HORIZONTE

4.1 Introdução............................................................................................................... 144

4.2 Qualidade e diversidade da produção: diferenciais favoráveis do mercado belo-

horizontino...................................................................................................................

145

4.3 A questão do público e a formação de plateias ...................................................... 148

4.4 Inovação: característica favorável do mercado da música de Belo Horizonte ....... 158

4.5 Condições que precisam ser desenvolvidas para a construção do SPIL................. 169

4.6 Poderes públicos e setor empresarial...................................................................... 188

4.7 Considerações finais............................................................................................... 195

CAPÍTULO 5 CONCLUSÕES................................................................................... 199

5.1 Principais deficiências dos segmentos econômicos, sociais e políticos e os instrumentos e meios para obtenção das condições necessárias para superá-las .........

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REFERÊNCIAS.................................................................................................... 226

APÊNDICES......................................................................................................... 235

ANEXOS.............................................................................................................. 253

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INTRODUÇÃO

Capital, para aqui veio gente de todas as Minas, de todos os Gerais. Os visionários e os tradicionais. Os puritanos e os pecadores. Os medianos e os criadores. Síntese, mantém os pés na terra e voa alto com a mente aberta para o sonho, a arte, a liberdade. Entre pedras e águas nasceu a cidade da música e da poesia: Belo Horizonte. (FernandoBrant)

Centro geográfico do Brasil, fazendo fronteira com outros seis Estados1, Minas Gerais é

constantemente apontada como um estado de grande diversidade cultural. Segundo o

escritor João Guimarães Rosa, “seu orbe é uma pequena síntese, uma encruzilhada; pois

Minas é muitas. São, pelo menos, várias Minas...”. Werkema (2010, p. 95) vai mais

além, considerando que, no Estado,

... em qualquer direção, uma distância de 100 quilômetros representa mudança cultural, com alterações locais relativas ao patrimônio histórico e natural, como igualmente nos hábitos, nas festas populares e religiosas, na culinária e no artesanato. E ainda bastante singularidade, exemplaridade e, especialmente, autenticidade e originalidade nesses elementos. Eis a riqueza de Minas.

Planejada para ser a capital do estado, Belo Horizonte nasce da união de esforços de

mineiros de todo o interior, gente de todas as partes do país e imigrantes estrangeiros,

que buscam empregos, melhores oportunidades de vida e, sobretudo, a modernidade

(CASTRO, 1997). Essa mistura teria sido o fator mais importante para que a capital se

tornasse uma síntese das manifestações culturais do estado, refletindo toda a sua

diversidade e criatividade.

Segundo Werkema (2010), essa característica de atrair o interior sempre esteve presente

na história da capital mineira refletindo-se de forma ainda mais marcante no segmento

musical. Como polo econômico e cultural, a ela se dirigem os artistas que querem

desenvolver uma carreira, tornando-a uma caixa de ressonância da produção mineira.

Bruno Martins (2009), ao analisar a origem do movimento musical mineiro Clube da

Esquina, nascido em Belo Horizonte, afirma que seus integrantes, além de trazerem para

1 Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Goiás.

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a capital influências musicais, também trouxeram um pouco da sua cidade natal, a partir

de “suas referências históricas e culturais particulares”. O autor considera que isso “fez

da capital mineira um solo aglutinador, em torno do qual as cidades de onde partiram

tais viajantes se avizinhavam pelos caminhos da canção”. (MARTINS, BRUNO, 2009,

p. 46)

Embora ainda pouco estudada2, a área cultural mineira, em especial a de Belo

Horizonte, tem recebido frequentes e importantes registros na mídia nacional e

internacional destacando essas características e apontando o sucesso de diversos atores

de diferentes segmentos. Esse quadro seria característico de um universo cultural rico,

diversificado, dinâmico e, principalmente, inovador, que deixaria marcas relevantes na

identidade, não apenas da cidade, mas do Estado.

Tais informações dão conta de experiências bem-sucedidas em praticamente todos os

segmentos culturais – das Artes Plásticas à Dança, do Teatro ao Audiovisual –,

passando destacadamente pela Música. Dentre as mais citadas, as experiências dos

grupos de teatro Galpão e Giramundo; Grupo Corpo e 1° Ato, na dança; artistas

plásticos como Yara Tupinambá e Amílcar de Castro; profissionais do audiovisual,

como Helvécio Ratton (de longas-metragens), Cao Guimarães (de curtas-metragens e

também artista plástico expositor no MOMA, em Nova Iorque) além do videomaker

Éder Santos, entre muitos outros.

Ao analisar a turnê mundial do Grupo de Dança Corpo em 2006, o jornal The Globe and

Mail da capital do Canadá, Ottawa, confirma essa visão:

Durante 30 anos a companhia tem sido o principal embaixador cultural da dança contemporânea do Brasil por aqui e é um prazer dizer que eles voltaram com estilo ao melhor de sua forma. Os dois trabalhos apresentados, Lecuona (2004) e Onqotô (2005), não são apenas uma demonstração da fantástica qualidade dos seus dançarinos, que poderiam plausivelmente ser considerados dos melhores do planeta; eles são também a prova de que

2 A Fundação João Pinheiro (FJP) realizou, em 1996, o 1º Guia Cultural de Belo Horizonte e, em 2003, publicou os estudos Prestando contas aos mineiros - avaliação da Lei Estadual de Incentivo à Cultura e Incentivo fiscal à cultura: limites e potencialidades. Em 2010, o jornalista Mauro Werkema lançou o livro História, arte e sonho na formação de Minas.

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Rodrigo Pederneiras encontrou novas inspirações para o seu trabalho de coreógrafo. 3

Na área da Música, as informações em circulação apontam para uma riqueza e uma

diversidade da produção cultural belo-horizontina ainda mais palpáveis. Da MPB ao

heavy metal, passando pela música instrumental, o pop-rock e até a música eletrônica.

Essas manifestações teriam produzido importantes representantes da cidade no circuito

nacional e internacional: o Clube da Esquina – movimento que revelou Milton

Nascimento, Fernando Brant, Beto Guedes, Lô Borges, entre outros e é tido como um

marco revolucionário da história da música mineira e brasileira (MARTINS, BRUNO

2009) –; o ícone do heavy metal Sepultura considerado o grupo brasileiro de maior

repercussão no mundo; a banda Skank, que além de vender milhões de discos no Brasil,

chegou a liderar as paradas de sucesso na Espanha em 1996; o Pato Fu, banda de rock

alternativo reconhecida nacional e internacionalmente, entre muitos outros.

Cantores e instumentistas que desenvolvem carreira solo também estariam se

destacando no cenário nacional e internacional. É o caso do multiinstrumentista,

compositor, arranjador e regente Maurício Tizumba4 e do bateirista Dedé Sampaio, que

deixou uma família de sete irmãos – dos quais seis se tornaram bateiristas – no bairro

Caiçara para fazer sucesso nos Estados Unidos, tendo tocado, inclusive, com o ícone do

jazz americano Miles Davis. Até na música erudita Belo Horizonte teria produzido

destaques nacionais, como Sebastião Vianna (pianista, flautista, acordeonista, assistente

de Villa Lobos) e seu filho, Marcus Viana.

A efervescência desse gênero na cidade teria levado ao surgimento da Orquestra

Filarmônica de Minas Gerais em 2008, para atuar ao lado da tradicional Orquestra

3 Fonte The Globe and Mail de 23 Mar. 2006. Disponível em: http://www.theglobeandmail.com/search/?q=Grupo+Corpo+Brazil. Acesso em: 04 Abr. 2010. 4 Com 33 anos de carreira, “tem trabalhado para manter sua herança africana em seus trabalhos artísticos tais como a música, dança, TV, teatro e cinema”. Tornou-se capitão da Guarda de Moçambique – grupo que celebra o Congado. Idealizador e coordenador do Grupo Tambor Mineiro, cujo objetivo é resgatar e valorizar a cultura de Minas. Fonte: site Tizumba. Disponível em: http://www.tizumba.com/home.php?pag=1. Acesso em: 05 Mar. 2011.

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Sinfônica do Estado de Minas Gerais5 e da Orquestra de Câmara Sesiminas6. Belo

Horizonte também estaria sendo reconhecida como um dos principais centros

produtores de ópera do país, a partir do trabalho desenvolvido na última década pela

Fundação Clóvis Salgado7. Essa opinião é compartilhada pelo diretor e produtor Cleber

Papa, que transita pelos principais centros de música clássica do país e do exterior:

São Paulo e Rio de Janeiro estão passando por reformas, Brasília não avançou. Porto Alegre não produz nada de consistente e o Festival Amazonas está em franca decadência. O Palácio das Artes está entre os poucos que fazem ópera com qualidade no Brasil e isto não pode ser visto com timidez. Existe potencial e reserva técnica para Minas se tornar uma referência internacional. 8

Além da quantidade e da qualidade da produção musical belo-horizontina, o dinamismo

na área, não apenas no que diz respeito ao surgimento de novos instrumentistas,

cantores e grupos, mas também nos quesitos produção e gestão, seria característica de

grande criatividade e inovação. Exemplo recente seria o BH Indie Music – festival de

bandas alternativas, surgido em 2008 com o objetivo de criar vitrine mineira para a

música alternativa e a Festa da Música (inspirada na Fête de la Musique, realizada na

França há 29 anos), criada em 1997. Durante dez dias, este projeto, que é anual,

apresenta shows de música instrumental – com destaque para o jazz – em parques,

praças, ruas e teatros da capital, abertos ao público.

Na área da gestão, exemplos consistentes seriam a criação, em 2007, por músicos de

Belo Horizonte, da primeira Cooperativa de Trabalho dos Profissionais de Música do

Estado de Minas Gerais (Comum) e a organização, no final de 2008, do Fórum da

Música de Minas Gerais. Além da Comum, este fórum reúne representantes da

Sociedade Independente da Música (SIM), da Associação Artística dos Músicos de

5 Um dos três corpos artísticos mantidos pela Fundação Clóvis Salgado, a OSMG foi criada em 1976 e é considerada uma das mais importantes do país. Fonte: site da FCS. Disponível em: http://www.fcs.mg.gov.br/grupos-profissionais/82,,orquestra-sinfonica.aspx. Acesso em: 10 Mar. 2011. 6 Criada em 1986, a orquestra, mantida pelo Serviço Social da Indústria trabalha com formação de público e se apresenta com vários solistas e convidados de expressão nacional. Fonte: site da FIEMG. Disponível em: http://www.fiemg.org.br/Default.aspx?tabid=4005. Acesso em: 10 Mar. 2011 7 Vinculada à Secretaria de Estado da Cultura, tem como principais finalidades “apoiar a criação cultural, fomentar, produzir e difundir as artes e a cultura no Estado”, “administrar o Palácio das Artes, a Serraria Souza Pinto e demais espaços que lhe forem designados”. Fonte: http://www.fcs.mg.gov.br/home/default.aspx. Acesso em: 10 Mar. 2010. 8 Fonte: Jornal Estado de Minas de 03/06/2009. Disponível em: http://www.em.com.br. Acesso em: 10 Mar. 2010.

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Minas Gerais (AMMIG), do Museu do Clube da Esquina e do Fora do Eixo Minas,

representante da produção musical independente mineira, todos com sede e atuação

direta na capital. Contando com a participação do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro

e Pequenas Empresas (SEBRAE)9 nas discussões para sua criação, o Fórum surgiu com

a missão principal de gerir o Música Minas, em parceria com o Governo do Estado –

programa, até então inédito, de disseminação e exportação da música mineira.

No que diz respeito à inovação, são muitos os exemplos significativos. Um dos mais

recentes seria a atuação criativa do DJ10 belo-horizontino, conhecido mundialmente,

Anderson Noise, que realizou projeto inédito no Brasil de executar solo nos pick-ups e

nos teclados, introduzindo a música eletrônica em um concerto de música erudita. Ele se

apresentou em 2009 com a Orquestra Bachiana Filarmônica de São Paulo, regida pelo

consagrado maestro João Carlos Martins. Outro exemplo: os instrumentos inovadores e

a linguagem musical variada que tornaram o grupo belo-horizontino Uakti11 uma das

referências mais fortes da música contemporânea mundial, além de um marco na

história da música mineira, a partir da década de 1980. O compositor Marcus Viana

também teria sido pioneiro ao escrever uma trilha sonora inteira para uma novela

televisiva (Pantanal, 1990) e ao eletrificar o violino em Minas Gerais.

Apesar da contundência das informações a respeito da qualidade criativa e inovativa e

do dinamismo do setor musical da capital mineira, existiria uma possível lacuna

caracterizada pela ausência de políticas voltadas ao atendimento das demandas deste

setor e ao incentivo de seu desenvolvimento. Nem mesmo o fato de a música ter sido

considerada pelo Ministério da Cultura (MinC) um dos polos mais dinâmicos da

economia da cultura no Brasil no Programa de Desenvolvimento da Economia da

Cultura (Prodec), aprovado em 2006 no âmbito do Plano Plurianual do Governo

9 Em 2008, o SEBRAE criou o projeto Música Independente na Região Metropolitana de Belo Horizonte, propondo ações centradas na institucionalização do setor, que vem desenvolvendo alguns projetos de capacitação do segmento, e foi responsável por demandar à FJP a realização do Diagnóstico da Cadeia Produtiva da Música em Belo Horizonte. Fonte: SEBRAE MG. Disponível em: http://www.sebraemg.com.br/Home/HomePortal.aspx. Acesso em: 10 Jun. 2010. 10 DJ: disc jockey; dee jay. 11Criado em 1978, o grupo UAKTI emprega madeiras, bambus, pedras e água para produzir sons musicais. Sua trajetória confunde-se com a trajetória musical de Marco Antônio Guimarães, nascido em Belo Horizonte, em 1948. Violoncelista, compositor, arranjador e responsável pela criação do UAKTI (ao lado de Paulo Sérgio dos Santos, Décio de Souza Ramos Filho e Artur Andrés), sua direção musical e construção dos seus instrumentos não-convencionais. Fonte: Per Musi. Disponível em: http://www.musica.ufmg.br/permusi/port/numeros/23/num23_cap_17.pdf. Acesso em: 15 Jul. 2010.

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Federal, teria sido suficiente para estimular a criação de políticas públicas de

aproveitamento do dinamismo musical de Belo Horizonte.

Consideramos os pólos mais dinâmicos da Economia da Cultura no Brasil: Música (produtos e espetáculos); Audiovisual (em especial conteúdo de tv, animação, conteúdo de Internet e jogos eletrônicos); Festas e expressões populares (onde se destacam o Carnaval, o São João, a capoeira e o artesanato). (PORTA, 2008, p. 5).

O cenário exposto acima – o potencial musical de Belo Horizonte e a crescente

importância da economia da cultura –, pareceu constituir-se em forte indício de que,

devidamente trabalhado, poderia se transformar em importante motor de uma estratégia

de desenvolvimento local.

Definição do tema da pesquisa

A definição do tema da pesquisa partiu, assim, dessa constatação inicial do cenário

cultural da cidade de Belo Horizonte, com destaque para o segmento da música, campo

de atuação profissional da autora desta dissertação. O trabalho12 desenvolvido há nove

anos à frente de diferentes projetos musicais foi decisivo para permitir-lhe uma

aproximação maior com esse universo e a descoberta de um mundo musical fervilhante

nesta capital, em diversidade, quantidade e qualidade de produção.

Essa constatação gerou algumas indagações que desembocaram numa interrogação

maior sobre a possibilidade dos potenciais e potencialidades musicais do município

virem a se constituir em motor de uma estratégia de desenvolvimento local. Questionou-

se se isso poderia ocorrer a partir da interação e da cooperação de seus atores e do

aproveitamento da sinergia gerada por essa interação de modo a permitir a construção

de um Sistema Produtivo e Inovativo Local (SPIL) da Música de Belo Horizonte.

12 A autora exerce a função de Coordenadora de Projetos Culturais do Conservatório UFMG, desenvolvendo atividades de concepção, curadoria, planejamento e produção cultural. É membro do Conselho Administrativo do Instituto Cultural Sérgio Magnani, tendo sido sua primeira presidente (2004/2005). É fundadora e membro da diretoria do Fórum dos Dirigentes das Casas de Espetáculos de Minas Gerais desde 2004. Integra a Rede de Empreendedores Culturais (ReCult) e o Grupo de Trabalho da Cultura do Movimento Nossa BH, criado em 2008. Foi uma das organizadoras do Movimento pela Cultura de Minas, em 2010.

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Conceito complementar ao de Arranjo Produtivo Local (APL), o SPIL valoriza a

inovação e a perspectiva sistêmica, sendo entendido como

os conjuntos de atores econômicos, políticos e sociais, localizados em um mesmo território, desenvolvendo atividades econômicas correlatas e que apresentam vínculos expressivos de produção, interação, cooperação e aprendizagem. SPILs geralmente incluem empresas – produtoras de bens e serviços finais, fornecedoras de equipamentos e outros insumos, prestadoras de serviços, comercializadoras, clientes, etc., cooperativas, associações e representações – e demais organizações voltadas à formação e treinamento de recursos humanos, informação, pesquisa, desenvolvimento e engenharia, promoção e financiamento. (LASTRES e CASSIOLATO, 2005, p. 1).

Potencial é aquilo que existe como possibilidade. Neste sentido, partiu-se do

pressuposto de que Belo Horizonte teria recursos e capacidades potenciais para a

criação de um SPIL da Música. Potencialidade diz respeito ao caráter daquilo que é

potencial, à sua qualidade. Entendeu-se, assim, que as potencialidades musicais de Belo

Horizonte seriam grandes, variadas, ricas culturalmente e de alto valor econômico. Estes

foram os pontos de partida desta investigação. Sem pretender medir o tamanho e o valor

das potencialidades musicais da capital, partiu-se da compreensão de que, para que

essas potencialidades se convertam em SPIL, são necessárias certas condições. São

essas condições que constituíram o tema e o objeto desta pesquisa.

Definição do objeto da pesquisa ou questão central da investigação

Além da diversidade e da riqueza da produção musical da capital, que, como já foi dito,

têm levado ao sucesso – nacional e internacional – inúmeros artistas, chama atenção a

capacidade inovativa característica de muitas dessas produções. Além de sua

indiscutível importância simbólica e social, entendeu-se que esse quadro poderia ser

visto também como um dos vetores econômicos da cidade com potencial de geração de

desenvolvimento local.

Questionou-se se o reconhecimento, o fomento e a adequada gestão desse potencial por

meio de um Sistema Produtivo e Inovativo Local poderiam significar incremento de

riqueza e inclusão social, além de uma nova inserção econômica e cultural da cidade no

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país e no cenário internacional. Tal questionamento surgiu a partir da existência de uma

lacuna caracterizada pela ausência de políticas voltadas para o atendimento da demanda

desse setor e para o incentivo ao seu desenvolvimento.

O problema que originou a proposta desta investigação decorre, portanto, da

constatação de uma dúvida: sendo possível identificar evidências de que Belo Horizonte

tem grandes potencialidades musicais que podem ser adequadamente aproveitadas na

perspectiva do desenvolvimento local, não se sabe se o município reúne as condições

necessárias à construção de um SPIL da música, um conjunto interdependente,

articulado e coordenado de políticas, órgãos, meios, processos, formações e instruções

sobre o qual podem se estabelecer planos, programas e projetos que atendam e

satisfaçam os potenciais de produção e inovação musical.

Portanto, a questão central a ser investigada diz respeito às condições que existem ou

precisam ser criadas para que este sistema possa ser organizado. Por condições, está

sendo entendido o conjunto de fatores, circunstâncias e meios de ordem econômica,

social, política, cultural e ética considerados como elementos de base à criação e

estruturação do sistema produtivo e inovativo da música em Belo Horizonte. Tais

condições referem-se, também, ao contexto, estado, situação e circunstâncias em que se

encontra a atividade da música em Belo Horizonte, face ao conjunto das exigências e

meios que se colocam como necessários à formação de um SPIL.

Para responder ao problema e questão central desta investigação, buscou-se, portanto,

conhecer as condições favoráveis e não favoráveis para realização desse sistema,

procurando levantar os fatores que poderiam facilitar ou impedir a sua construção. Para

tanto, os conceitos básicos selecionados para fundamentar teórica e metodologicamente

esta pesquisa foram: Sistema Produtivo e Inovativo Local, Economia da Cultura, Gestão

Social, Governança e Desenvolvimento Local. No primeiro capítulo desta dissertação

tais conceitos foram trabalhados.

No segundo capítulo, buscou-se analisar as bases de aglutinação econômica, social e

política da área da música de Belo Horizonte, na perspectiva da estruturação sustentável

da cultura como atividade econômica. O terceiro capítulo procurou caracterizar os elos

da cadeia produtiva da música na capital, desde o processo de criação dos produtos até a

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etapa do consumo. No quarto capítulo foram apontados os principais instrumentos e

meios que os entrevistados indicaram como necessários para se criar as condições

básicas para a inclusão produtiva e a mobilização e articulação dos atores do segmento,

na perspectiva da construção do SPIL da música da capital mineira. O quinto capítulo

apresentou as principais conclusões alcançadas pela presente pesquisa.

Metodologia e procedimentos de investigação

A metodologia utilizada no presente estudo foi elaborada a partir do ferramental de

pesquisa proposto pela RedeSist13 para analisar Arranjos e Sistemas Produtivos e

Inovativos Locais (ASPILs). Foram feitas modificações e adaptações consideradas

necessárias a um projeto de estudo de atividades culturais, que se propõe a levar em

consideração a complexa interrelação entre forças econômicas e culturais, e entre

inovação e tradição, dentro das características do espaço e da área estudados,

respectivamente, o município de Belo Horizonte e a música. Como apontam Matos et

al. (2008, p. 1):

O emprego do referencial de análise de ASPILs para atividades culturais contribui para ressaltar alguns elementos ou dimensões com características bastante específicas, tais como: as formas de conhecimento envolvidas e os processos de geração e difusão destes; as formas de interação entre os agentes nestes sistemas com vistas à coordenação das atividades envolvidas; bem como as características e importância da inovação e da preservação para a sustentabilidade do conjunto do sistema.

Ao procurar analisar em profundidade as percepções de sujeitos, visando obter respostas

sobre condições atuais e que precisam ser criadas e elementos facilitadores e inibidores

do desenvolvimento de um SPIL da música, a presente pesquisa assumiu caráter

qualitativo. Baseou-se no entendimento de que a compreensão e interpretação dessas

percepções subjetivas não são isoladas, mas inseridas num contexto que sofre e provoca

influências no todo. Nessa perspectiva, a pesquisa tem caráter exploratório e aplicado.

Exploratório, pois não fez generalizações sobre condições de criação de SPILs.

13RedeSist é uma rede de pesquisa interdisciplinar do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), criada em 1997, que conta com a participação de várias universidades e institutos de pesquisa no Brasil, além de manter parcerias com outras organizações internacionais. Fonte: site RedeSist. Disponível em: www.redesist.ie.ufrj.br. Acesso em: 05 Mar. 2010.

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Aplicado, porque procurou sistematizar um conjunto de referências que pudessem servir

à elaboração de um projeto de criação do SPIL da Música de Belo Horizonte.

Partiu-se do princípio de que estas características da investigação (qualitativa,

exploratória, aplicada) pudessem contribuir para a inclusão, mobilização e articulação

dos atores do segmento musical de Belo Horizonte, o que já seria uma forma de

intervenção neste cenário. Foram utilizadas técnicas de pesquisa bibliográfica e

documental e de documentação direta. Como em toda pesquisa qualitativa, aqui também

o papel do pesquisador foi considerado com a devida atenção e cuidados, especialmente

porque a autora atua na área em questão há alguns anos.

Visando maximizar a confiabilidade da pesquisa, utilizou-se o critério de credibilidade,

apropriado por meio de procedimentos apontados por Lincoln & Guba (1985, apud

ALVES-MAZOTTI, 1998, p. 175). Para checar se “os resultados e interpretações feitas

pelo pesquisador são plausíveis para os sujeitos envolvidos”, adotou-se quatro

procedimentos específicos. O primeiro deles visou garantir uma imersão maior da

pesquisadora no campo, uma vez que a permanência prolongada já estava garantida.

Desta forma, durante o período de estudo, a pesquisadora participou diretamente de

várias atividades ligadas ao segmento musical da capital, desde seminários voltados

para temas específicos, como a inserção do músico no mercado, até reuniões do Fórum

da Música, passando por mobilizações públicas em defesa do Programa Música Minas.

No segundo procedimento, que buscou o “questionamento por pares”, foi solicitado a

colegas não envolvidos na pesquisa, mas que trabalham no mesmo paradigma e

conhecem o tema pesquisado, que funcionassem como “advogados do diabo”,

apontando “falhas, pontos obscuros e vieses nas interpretações”, bem como

identificando evidências não exploradas e oferecendo “explicações ou interpretações

alternativas” àquelas elaboradas pela pesquisadora. Como terceiro procedimento,

realizou-se a triangulação de fontes, isto é, houve o cruzamento de informações

coletadas em diferentes fontes. No último procedimento, ao final da pesquisa, solicitou-

se a alguns dos participantes que fizessem a “checagem” dos resultados e conclusões

obtidos para verificar se as interpretações da pesquisadora faziam sentido, a partir da

avaliação quanto à sua precisão e relevância. (LINCOLN & GUBA, 1985, apud

ALVES-MAZOTTI, 1998, p. 175).

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Definido o universo a ser pesquisado, a partir do recorte da gestão do segmento da

música na cidade de Belo Horizonte, dentro do conceito de economia da cultura e na

perspectiva da criação de um SPIL visando o desenvolvimento local, a população

investigada envolveu 18 pessoas diretamente ligadas à produção, circulação,

divulgação, pesquisa, ensino ou estudo do segmento na cidade. A pesquisa de campo se

deu por meio de entrevistas semi-estruturadas. A análise e a interpretação dos dados

foram feitas de forma interativa com a coleta, acompanhando o processo de

investigação, buscando, a partir da identificação de temas e dados, construir

interpretações, gerar novas questões e aperfeiçoar questões anteriores.

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1. FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA INVESTIGAÇÃO

Estou bem ciente de que os problemas políticos, os econômicos e os sociais não podem ser isolados uns dos outros. (T. S. Elliot)

1.1 Introdução

Para alcançar o objetivo deste estudo – investigar as condições necessárias para a

construção de um Sistema Produtivo e Inovativo Local da Música em Belo Horizonte –,

partiu-se de um marco teórico que engloba, prioritariamente, Sistemas Produtivos e

Inovativos Locais (SPILs) e Economia da Cultura, mas também Gestão Social e

Governança e a relação de todos eles com Desenvolvimento Local. Este capítulo traz o

estudo desses conceitos básicos, que serviram para fundamentar teoricamente e balizar

as estratégias metodológicas da pesquisa.

O conceito utilizado como principal eixo teórico foi o de Sistemas Produtivos e

Inovativos Locais (SPILs), desenvolvido pela Rede de Pesquisas em Sistemas

Produtivos e Inovativos Locais – RedeSist, vinculada à UFRJ. Partiu-se do

entendimento de que o conceito de SPILs significa uma unidade de análise

complementar e não substituta de outros. A título de exemplo, tanto o conceito de

arranjo, quanto o de sistema reconhecem que o fundamental é conhecer em

profundidade as especificidades do sistema produtivo, bem como seu peso e papel nas

cadeias produtivas e setores que dele fazem parte, para dar sugestões de como promovê-

lo.

A escolha do conceito de SPIL passou pelo reconhecimento de um formato

organizacional que privilegia uma compreensão sistêmica das atividades produtiva e

inovativa dos agentes de um mesmo contexto social, cultural e institucional, e ainda

estimula a difusão do conhecimento codificado e tácito entre todos os atores locais

como parte do processo inovativo. Assim, considerou-se o conceito de sistema o mais

adequado na busca de recursos de tecnologia social que permitam utilizar um potencial

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cultural, no caso, o potencial de produção musical da cidade de Belo Horizonte para o

seu desenvolvimento.

Economia da Cultura é outro conceito que assumiu grande importância pelo fato do

objeto central desse estudo estar diretamente ligado ao tema. Assim, procurou-se

conhecer as possibilidades da cultura no universo da economia e da gestão social e,

conseqüentemente, das políticas públicas, utilizando-se como referência principal os

autores Hansen e Barreto (2003), Reis (2002, 2007, 2008) e Silva (2007). Baseou-se na

perspectiva de um mercado, não como simples espaço de trocas de mercadorias, mas

também como um lugar onde se processam interações sociais e simbólicas, apoiada na

visão de vários autores, entre eles Silva (2007), para quem separar e dimensionar o

mundo dos bens culturais é afirmar a importância desse universo nas estratégias de

produção e reprodução social.

Na pesquisa sobre a construção de SPILs, o conceito de Gestão Social tornou-se um

referencial teórico importante, pois pressupõe práticas de gerenciamento

descentralizadas, flexíveis e participativas, e negociação entre interlocutores variados

nos processos de decisão, ação, controle e avaliação. Adotou-se o conceito proposto por

Tenório (1998) de que a cidadania deve ser a protagonista das relações entre Sociedade

e Estado e entre Trabalho e Capital. Isto é, deve-se partir do ponto de vista da Sociedade

e não do Estado, do Trabalho e não do Capital, tendo sempre a perspectiva de que

Gestão Social deve atender, por meio da esfera pública, o bem comum da sociedade.

Nesse processo, o papel da Governança adquire relevância. Ao aprofundar o

conhecimento sobre este conceito, buscou-se entender suas implicações e relações com

a Gestão Social. Os autores de referência neste caso, entre eles Fischer (2002),

entendem o conceito de Governança como muito além de apenas “práticas de controle”,

mas significando também “modo de exercício do poder”, tanto em decisões no nível

organizacional como no nível institucional. Guimarães & Martin (2001) associam o

conceito a “poder partilhado” ou “ação coletiva gerenciada”, o que o torna bastante

apropriado para ser utilizado em organizações e sistemas de natureza cultural, como é o

caso do presente estudo.

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Visto como o arcabouço maior de todo esse processo envolvendo SPIL, Economia da

Cultura, Gestão Social e Governança, outro conceito importante para a realização dessa

investigação foi o de Desenvolvimento Local. Chamado DL, é compreendido por vários

autores como estratégia que permitiria a utilização de recursos e competências locais

disponíveis para enfrentar e superar os entraves que impedem a obtenção de qualidade

de vida para o conjunto da população. Nessa dimensão, o DL não visaria apenas a

produção de bens e o aumento da geração local de emprego e renda, mas a defesa da

vida, a satisfação das necessidades sociais básicas da população, o combate à fome e à

miséria e ao empoderamento das populações locais. Entre os principais autores

pesquisados nesse tema encontram-se Ladislaw Dowbor (1999, 2007) e Caio Márcio

Silveira (2001).

A contribuição de todos esses autores, que se mostrou essencial ao desenvolvimento do

presente estudo, será aprofundada a seguir.

1.2 Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (SPILs)

O novo milênio trouxe em seu bojo profundas transformações para o sistema produtivo

e a ordem geopolítica mundial, originárias das mudanças político-institucionais dos

países mais desenvolvidos. Essas transformações podem ser sentidas tanto em um novo

regime de acumulação – dominado pelo capital financeiro – como nos novos padrões

econômicos, sociais, políticos e culturais (em acelerado processo de globalização e

competição). Padrões esses que têm sido alavancados, especialmente, pelo progresso

das tecnologias da comunicação e da informação, num processo que vem sendo

chamado de era do conhecimento ou da informação, por permitir o surgimento de novas

possibilidades de codificação e difusão de informações e conhecimentos.

Entretanto, apesar de todo esse dinamismo, os chamados conhecimentos tácitos –

subjetivos, informais e ligados a ações e experiências individuais, enraizados em

indivíduos, instituições e ambientes locais, logo, difíceis e muitas vezes impossíveis de

serem codificados e transferidos – permanecem de grande importância estratégica nessa

nova era. Neste contexto, diversos autores, entre eles Lastres e Cassiolato (2003),

argumentam que também a atividade inovativa estaria se tornando ainda mais localizada

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e específica, como estratégia para se criar novas formas de organizar o processo

produtivo.

Se, por um lado, esse novo contexto contribui para transformar cada vez mais

radicalmente o modo de vida das pessoas, desde como trabalham, aprendem, produzem,

consomem, se divertem e até exercem a cidadania, por outro, coloca novas exigências

para os distintos agentes econômicos, governamentais e da sociedade em geral,

apresentando novas demandas para a formulação de políticas públicas e privadas.

Enfrentar tais desafios, impedindo que inviabilizem essas políticas, exige novas

abordagens. Por isso, novas estratégias e alternativas de desenvolvimento vêm sendo

criadas nos níveis mundial, nacional e local.

Os Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (ASPILs) fazem parte dessas

estratégias. Para a RedeSist (2005, p. 2), ambos surgem em torno da produção de um

bem ou serviço, envolvendo atividades e atores relacionados à aquisição de matérias-

primas, máquinas, demais insumos etc., e a sua formação estaria associada “a trajetórias

históricas de construção de identidades e de formação de vínculos territoriais (regionais

e locais), a partir de uma base social, cultural, política e econômica comum”. Os

arranjos assumem formas variadas, desde os mais simples até os mais complexos e

articulados. Estes se caracterizariam como sistemas.

Seis características básicas são atribuídas aos ASPILs pela RedeSist (2005). A primeira

seria a dimensão territorial ou o espaço onde ocorrem os processos produtivos,

inovativos e cooperativos, cuja proximidade geográfica possibilitaria compartilhar

valores e visões econômicos, sociais e culturais, facilitando o dinamismo local, a

diversidade e a vantagem competitiva em relação a outros locais. Outra, seria a

diversidade de atividades e atores econômicos, políticos e sociais, que, além das

empresas e associações de classe, envolve as organizações públicas e privadas voltadas

para formação e capacitação de recursos humanos, pesquisa, política, promoção e

financiamento.

Uma terceira característica está ligada ao conhecimento tácito, ou conhecimento que

não está codificado, mas implícito e incorporado em indivíduos, organizações e até

regiões, apresentando forte especificidade local devido à proximidade territorial e a

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identidades culturais, sociais e empresariais, o que se caracteriza como elemento de

vantagem competitiva. Inovação e aprendizado interativos constituem outro aspecto

importante de ASPILs: o aprendizado seria fundamental para a transmissão de

conhecimentos e a ampliação da capacitação produtiva e inovativa das empresas e

outras organizações; a capacitação inovativa possibilitaria a introdução de novos

produtos, processos, métodos e formatos organizacionais, sendo essencial para garantir

a competitividade sustentada dos diferentes atores locais, individual e coletivamente.

A quinta característica é a governança, entendida pelos autores estudados como

“diferentes modos de coordenação entre atores e atividades, que envolvem da produção

à distribuição de bens e serviços, assim como o processo de geração, uso e

disseminação de conhecimentos e de inovações”, (REDESIST, 2005, p. 3) assumindo

formas variadas (centralizada ou descentralizada; mais ou menos formalizada). O sexto

aspecto importante é o grau de enraizamento ou as “articulações e o envolvimento dos

diferentes atores de ASPILs com as capacitações e os recursos humanos, naturais,

técnico-científicos, empresariais e financeiros, assim como com outras organizações e

com o mercado consumidor local”. (REDESIST, 2005, p. 3).

A adoção da alternativa de ASPILs apresentaria importantes vantagens, tais como:

permitir a ligação entre o território e as atividades econômicas, por representar uma

unidade de análise que vai além da visão baseada na organização individual (empresa),

setor ou cadeia produtiva; focalizar grupos de atores (empresas e organizações de

P&D14, educação, treinamento, promoção, financiamento, etc.) e atividades conexas que

caracterizam um sistema produtivo e inovativo; cobrir o espaço onde ocorre o

aprendizado, onde são criadas as capacitações produtivas e inovativas e onde fluem os

conhecimentos tácitos; e representar o nível no qual as políticas de promoção do

aprendizado, inovação e criação de capacitações podem ser mais efetivas. (REDESIST,

2005).

Sistema é entendido aqui como uma variação mais complexa e articulada de um arranjo:

14 Leia-se Pesquisa e Desenvolvimento.

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Sistemas produtivos e inovativos locais são aqueles arranjos produtivos em que interdependência, articulação e vínculos consistentes resultam em interação, cooperação e aprendizagem, com potencial de gerar o incremento da capacidade inovativa endógena, da competitividade e do desenvolvimento local. (LASTRES E CASSIOLATO, 2003, p. 21).

Na abordagem conceitual, metodológica e analítica de SPIL feita pela RedeSist (2005),

das seis características principais já apresentadas, aprendizado e inovação seriam os

fatores que trariam maior peso a uma competitividade dinâmica e sustentada. A

utilização do conceito de SPIL nesta pesquisa levou em consideração esse aspecto, e por

isso essas características receberão uma abordagem mais aprofundada a seguir.

Para a RedeSist (2005, p. 5), o aprendizado caracteriza-se por um “processo pelo qual

indivíduos adquirem e utilizam seus conhecimentos como base para formar suas

opiniões e pautar suas ações e tomadas de decisões”. Seria, portanto, muito mais do que

o simples acesso a informações, mas a aquisição e a construção de diferentes tipos de

conhecimentos, competências e habilidades. Do ponto de vista da economia, tal

conceito estaria associado a um processo cumulativo onde “as organizações (através de

seus recursos humanos) adquirem e ampliam seus conhecimentos, aperfeiçoam

procedimentos de busca e refinam habilidades em desenvolver, produzir e comercializar

bens e serviços”. (REDESIST, 2005, p. 5).

Entre as formas de aprendizado consideradas importantes no processo de inovação e de

desenvolvimento de capacitações produtivas, tecnológicas e organizacionais, a RedeSist

(2005) destaca duas:

Formas de aprendizado a partir de fontes internas à empresa, incluindo: aprendizado com experiência própria, no processo de produção (learning-by-doing), comercialização e uso (learning-by-using); na busca de novas soluções em suas unidades de pesquisa e desenvolvimento (learning-by-searching) ou instâncias. Formas de aprendizado a partir de fontes externas, incluindo processo de compra, cooperação e interação com: fornecedores (de matérias-primas, componentes e equipamentos), concorrentes, licenciadores, licenciados, clientes, usuários, consultores, sócios, prestadores de serviços, organismos de apoio, entre outros (learning-by-interacting and cooperating); e aprendizado por imitação, gerado da reprodução de inovações introduzidas por outras organizações, a partir de: engenharia reversa, contratação de pessoal especializado, etc. (learning-by-imitating). (Grifos do original). (REDESIST, 2005, p. 6).

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Essas características mostram que uma parte importante do processo de aprendizado

está ligada à existência e operação de capacidades produtivas e inovativas. No mundo

tecnológico atual, esse processo também seria afetado pela diferença entre a

oportunidade de aprender e a oportunidade de aplicar criativamente o que foi aprendido

à solução de determinado problema. Em países menos desenvolvidos, mais grave do

que não possuir acesso às novas tecnologias e a informações, segundo a RedeSist

(2005), é não dispor de conhecimentos suficientes para fazer uso das mesmas e, ainda

pior, não ter a possibilidade de colocar em prática os conhecimentos apreendidos.

Segundo a RedeSist (2005), os ambientes econômico, social, cultural e institucional

interferem diretamente na natureza e intensidade das interações entre os diferentes

atores, pois, apesar das empresas permanecerem como centro dos processos de

aprendizado e de inovação, estes são influenciados pelo contexto mais amplo onde se

inserem. Por isso, para se compreender um processo de capacitação produtiva e

inovativa seria fundamental analisar a especificidade e a dinâmica institucional, pois

“processos de aprendizado e de inovação jamais ocorrem num vácuo institucional”.

(REDESIST, 2005, p. 13).

Inovação, apontada pela RedeSist (2005, p. 13) como o outro fator fundamental num

SPIL, é entendida como “o processo pelo qual as organizações incorporam

conhecimentos na produção de bens e serviços que lhes são novos, independentemente

de serem novos ou não, para os seus competidores domésticos ou estrangeiros”.

Na

economia, a inovação resultaria em mudanças técnicas, e outras correlatas,

fundamentais para que organizações, setores, regiões e países possam se desenvolver

mais rápida e amplamente que outros.

Este entendimento do conceito de inovação como um processo e não um ato isolado

surge na década de 1970, a partir da compreensão de que ela se origina de múltiplas

fontes e de complexas interações entre atores. Não seria mais, como era entendida até

então, apenas consequência do avanço do desenvolvimento científico (science push) ou

das pressões da demanda por novas tecnologias (demand pull). Inovação, então, passa a

ser definida como

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processo não linear, que pode envolver, inclusive simultaneamente, conhecimentos resultantes tanto da contratação de recursos humanos, da realização de atividades de treinamento e de pesquisa e desenvolvimento (P&D), assim como das demais atividades e experiências acumuladas pela empresa a partir de sua própria atuação e de sua interação com outros atores e com o ambiente que a cerca. A partir do início da década de 1980, particular atenção passou a ser dada ao caráter sistêmico e localizado da inovação e do conhecimento e desfez-se definitivamente o entendimento de que a inovação deve ser algo absolutamente novo, em termos mundiais, e restrito às áreas de tecnologia de ponta. (REDESIST, 2005, p. 13).

Alguns tipos de inovação apresentados pela RedeSist (2005):

- a inovação radical, que gera um produto, processo ou forma de organização da

produção inteiramente novos, podendo originar novas empresas, setores, bens e

serviços, e ainda significar redução de custos e aperfeiçoamentos de produtos existentes,

os quais exemplos significativos seriam a introdução da máquina a vapor, no final do

século XVIII, e o desenvolvimento da microeletrônica desde a década de 1950;

- a inovação incremental que introduz melhoria em um produto, processo ou forma de

organização da produção, sem alterar significativamente a estrutura industrial, podendo

gerar maior eficiência, aumento da produtividade e da qualidade, redução de custos e

ampliação das aplicações de um produto ou processo;

- a inovação tecnológica de produto e processo, que leva à utilização do conhecimento

sobre novas formas de produzir e comercializar bens e serviços;

- a inovação organizacional, que introduz novos meios de organizar a produção,

distribuição e comercialização de bens e serviços.

Cresce a preocupação com os processos inovativos, fazendo surgir novas políticas

voltadas para a questão. Nessa linha, ganha destaque o conceito de sistemas nacionais

de inovação, desenvolvido na década de 80, em especial a partir dos trabalhos de

Christopher Freeman e Bengt-Ake Lundvall (LASTRES, CASSIOLATO e MACIEL,

2003). Segundo essa corrente, acompanhada pela RedeSist, um sistema de inovação

englobaria o conjunto de organizações que contribuem para o desenvolvimento da

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capacidade de inovação de um país, região, setor ou localidade, constituindo-se de

“elementos e relações que interagem na produção, difusão e uso do conhecimento”.

A ideia principal por trás desse conceito é a de que “a inovação consiste em um

fenômeno sistêmico e interativo; e que a capacidade de inovação deriva da confluência

de fatores sociais, políticos, institucionais e culturais específicos aos ambientes em que

se inserem os atores econômicos” (REDESIST, 2005, p. 14). Portanto, especificidades e

trajetórias de um determinado desenvolvimento local contribuiriam para configurar um

sistema de inovação característico, contrapondo-se a teorias que partem da visão de um

mundo integrado globalmente, onde a geração de tecnologias também se daria de forma

global, sem uma participação efetiva do local, caracterizando um tecno-globalismo.

Segundo Lastres e Cassiolato (2003), as políticas anteriores seriam caracterizadas por

uma “visão dicotômica e linear da inovação”, ao se basearem num processo de estágios

sequenciais, onde a inovação surgia nas instituições científicas e progressivamente era

transferida para o setor produtivo. Os autores consideram essa uma visão “funcional e

hierarquizada do conhecimento (ciência, tecnologia, inovação)” e apontam ainda como

outro problema importante o fato dessas políticas apoiarem ou o lado da oferta ou o da

demanda de tecnologias, como duas questões “excludentes”. (LASTRES,

CASSIOLATO, 2003, p. 15).

Como contraponto, defendem as novas políticas de inovação, argumentando que elas

[...] têm crescentemente buscado: • a partir de uma visão sistêmica, estimular as múltiplas fontes de conhecimento, assim como as interações entre os diferentes agentes, visando potencializar o aprendizado e a inovação; • fomentar a difusão – entendida como parte do processo inovativo – do conhecimento codificado e tácito por toda a rede de agentes locais. (LASTRES e CASSIOLATO, 2003, p. 16).

Buscou-se, então, utilizar o foco dado pela RedeSist de que conhecimento e inovação

são os elementos centrais da dinâmica de crescimento regional num SPIL, entendendo-

se que aprendizado e capacitação produtiva e inovativa seriam processos socialmente

determinados e influenciados por formatos organizacionais, institucionais e políticos

específicos. Para obter conhecimento e chegar à inovação, alguns autores, como Lastres

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e Cassiolato (2003), vêem a interação local e a cooperação como requisitos

fundamentais, além de importantes também para que as empresas e demais instituições

participantes melhorem seu desempenho e reforcem o desenvolvimento local.

Entende-se, então, a partir dessas definições, os conceitos de aprendizado e inovação

como fatores básicos para que um SPIL alcance “competitividade dinâmica e

sustentada”. Esta, por sua vez, além da conduta individual das empresas, dependeria de

variáveis macroeconômicas, político-institucionais, sociais e de infraestrutura, em níveis

local, nacional e internacional. Também “o aproveitamento das sinergias coletivas

geradas pelas interações entre empresas e destas com os demais atores do ambiente

onde se localizam – envolvendo cooperação e processos de aprendizado e de

capacitação produtiva e inovativa” seria um determinante dessa competitividade

dinâmica e sustentada. (REDESIST, 2005, p. 8).

Segundo a RedeSist (2005), apesar de sistemas serem mais propícios de se

desenvolverem em ambientes favoráveis à interação, cooperação e confiança entre os

atores, eles sofrem a interferência direta da ação de políticas, tanto públicas quanto

privadas, que tanto podem contribuir para fomentar e estimular como até mesmo

destruir tais processos históricos em longo prazo. Nessa perspectiva, o presente estudo,

ao buscar conhecer e analisar as potenciais condições de Belo Horizonte para a

construção de um SPIL da música, dirigiu seu foco para as políticas (ou a sua ausência)

que de alguma forma podem afetá-las.

1.3 Economia da Cultura

O segundo eixo teórico relevante que serve de apoio a essa dissertação se refere à

Economia da Cultura, uma vez que o objeto central da investigação realizada está

diretamente ligado a essa área. A revisão da literatura sobre o tema levou em

consideração não apenas este conceito em si, mas também o de cultura e sua inserção

nas políticas públicas.

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As possibilidades da cultura no universo da economia e da gestão pública (e,

conseqüentemente, das políticas públicas) passaram a fazer parte da agenda de

discussão dos fóruns governamentais mundiais muito recentemente. Embora propostas

relativas à afirmação da diversidade cultural e ao exercício dos direitos culturais

figurem nos instrumentos internacionais promulgados pela Organização das Nações

Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) desde 195015, apenas em

1988 é aprovado o Plano de Ação sobre Políticas Culturais para o Desenvolvimento

pela Conferência Governamental de Estocolmo, como desdobramento da Conferência

Mundial sobre as Políticas Culturais (MONDIACULT) realizada no México seis anos

antes.

A produção, a circulação e o consumo de bens e serviços culturais começaram a ser percebidos como um segmento de peso na economia das nações já no pós-guerra. Mas foi apenas na década de 1970 que se aprofundou o interesse pelo setor e a Economia da Cultura passou a mobilizar pesquisadores em algumas universidades. Na década de 1990, ganha espaço nos órgãos internacionais de cooperação, começando a ser entendida como um vetor de desenvolvimento. Progressivamente, órgãos como BID, PNUD, OEA, UNESCO passam a incluir questões relacionadas à Economia da Cultura em seu escopo de ação. (PORTA, 2008, p. 1).

Em 2001, a UNESCO, constatando, entre outros fatores, que “a cultura se encontra no

centro dos debates contemporâneos sobre a identidade, a coesão social e o

desenvolvimento de uma economia fundada no saber”, aprova a Declaração Universal

sobre a Diversidade Cultural16.

15 Entre os quais, o acordo de Florença de 1950 e seu Protocolo de Nairobi de 1976, a Convenção Universal sobre Direitos de Autor, de 1952, a Declaração dos Princípios de Cooperação Cultural Internacional de 1966, a Convenção sobre as Medidas que Devem Adotar-se para Proibir e Impedir a Importação, a Exportação e a Transferência de Propriedade Ilícita de Bens Culturais, de 1970, a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural de 1972, a Declaração da UNESCO sobre a Raça e os Preconceitos Raciais, de 1978, a Recomendação relativa à condição do Artista, de 1980 e a Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular, de 1989. 16Aprovada durante a 31ª Conferência Geral da UNESCO, realizada (em Paris, em 2001) por 185 Estados-Membros, foi o primeiro instrumento internacional voltado para a preservação e promoção da diversidade cultural e do diálogo intercultural. Fonte: UNESCO. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001271/127160por.pdf. Acesso em: 04 Mai. 2010.

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Três anos mais tarde, em Barcelona (Espanha), o primeiro Fórum Universal das

Culturas17 aprova a Agenda 21 da Cultura18 como “um compromisso das cidades e dos

governos locais para o desenvolvimento cultural”, afirmando que “as políticas culturais

devem encontrar um ponto de equilíbrio entre interesse público e privado, vocação

pública e institucionalização da cultura”.19 Materializa-se, assim, o mais completo e

abrangente documento orientador das políticas públicas culturais no âmbito mundial,

buscando enfrentar os desafios do desenvolvimento cultural com direitos humanos,

diversidade cultural, sustentabilidade, democracia participativa e criação de condições

de paz.

No Brasil, embora tenha assumido status ministerial em 1985, com o seu

desmembramento da Educação, é somente em 1999 – depois de passar à condição de

Secretaria diretamente vinculada à Presidência da República por dois anos (1990 a

1992) – que a gestão federal da Cultura consolida de vez sua prerrogativa de Ministério,

a partir da ampliação de seus recursos e da reorganização de sua estrutura. Em 2002, o

então candidato a presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, lança o manifesto de

campanha A imaginação a Serviço do Brasil, onde, pela primeira vez, a cultura é

defendida num programa de governo federal como “um direito social básico”. Em 2004,

Porto Alegre (RS) sedia o Fórum Latino-Americano das Cidades para a Cultura,

preparatório para o Fórum de Barcelona, com participação de instituições e

personalidades de todas as capitais brasileiras.

É neste contexto que a discussão sobre Economia da Cultura começa a tomar corpo no

país. E essa discussão, a exemplo do que ocorre no mundo inteiro, dialoga com temas

candentes, como desenvolvimento, políticas públicas, sustentabilidade, turismo,

diversidade cultural, meio ambiente, gestão cultural e direitos de propriedade

intelectual. (YÚDICE, 2006). Ainda embrionária no Brasil, a economia da cultura tem

importância fundamental para que se consiga garantir que a cultura seja reconhecida

17 Evento intercultural, patrocinado pela UNESCO a cada três anos, visando criar uma consciência crescente sobre a importância dos espaços públicos, o uso da cultura e o desenvolvimento sustentável, a partir do diálogo entre cidadãos de todo o mundo. 18 Apoiada por representantes de mais de 750 governos locais dos cinco continentes, foi o primeiro documento, com vocação mundial, a estabelecer as bases de um compromisso das cidades e dos governos locais para o desenvolvimento cultural. 19 Fonte: Agenda 21 da Cultura, aprovada pelo Fórum Universal das Culturas realizado em Barcelona (ES), em 2004. Disponível em: http://blogs.cultura.gov.br/cnc/files/2009/07/agenda21.pdf. Acesso em: 04 Mai. 2010.

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como investimento, e não despesa. Investimento nos valores, na criatividade, na

imagem do país (internamente e no exterior) e na geração de emprego, renda e inclusão

socioeconômica. (REIS, 2008).

Para diversos autores, entre os quais Hansen e Barreto (2003), Economia da Cultura e

Economia do Conhecimento (ou da Informação) constituem o que ficou conhecido

como Economia Nova ou Nova Economia, devido ao fato de seu modo de produção e

de circulação de bens e serviços ser fortemente impactado pelas novas tecnologias, de

ser baseado em criação e não se amoldar aos paradigmas da economia industrial

clássica. Nesse novo modelo, inovação e adaptação às mudanças tecnológicas são

fundamentais e a capacidade criativa tem mais peso do que o porte do capital a ser

investido.

O surgimento desse novo modelo é descrito assim por Hansen e Barreto (2003, p.101):

O setor de serviços em conjunto com a indústria da alta tecnologia, especificamente com as tecnologias da informação que hoje fazem parte da vida cotidiana, modificaram o mercado de trabalho e estão remodelando a divisão internacional do trabalho. Esse conjunto de transformações sentidas mundialmente nas ocupações empregatícias e na criação de novos empregos no setor de serviços passou a configurar a chamada “Nova Economia” (BEYERS, 2002), que hoje, mediante a permeação das tecnologias da informação em quase todos os setores e atividades econômicos, tornou-se ainda mais visível.

Para os autores, na Nova Economia a vontade dos empresários é determinante para se

definir as localizações das atividades econômicas, diferentemente do que acontecia no

modelo anterior, que priorizava a “lógica locacional de custos e sua influência sobre a

distribuição das indústrias”. (HANSEN, BARRETO, 2003, p. 102). Descentralização e

um forte fenômeno regional de aglomeração seriam características básicas desse

modelo, que utilizaria a nova noção de Path-dependency,20 agora aplicada ao conceito

de região, ou seja, os caminhos do desenvolvimento regional são vistos como

dependentes das trajetórias históricas, entendendo-se que as regiões possuem caminhos

próprios, onde conhecimentos formais e tácitos são produzidos. Há, assim, o 20 Os processos de Path-dependency foram estabelecidos por economistas evolucionistas, como Dosi (1984), que analisaram como as tecnologias se desenvolveram ao longo de caminhos e trajetórias históricas. [...] Numa abordagem econômica evolucionista, aquilo que fazemos depende da soma dos caminhos tomados e estes são frutos de processos históricos culturais. (HANSEN e BARRETO, 2003, p. 102).

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reconhecimento para fins econômicos de spillovers de conhecimento cumulativo e

significante, isto é, o aproveitamento dos modos conhecidos de se fazer coisas como

base para se fazer novas coisas.

Para Cooke e Morgan (1998, apud HANSEN e BARRETO, 2003, p. 103), as novas

aglomerações desse modelo são locais, com característica de descentralização, baseadas

em pequenas empresas e no setor de serviços, e marcadas por três aspectos chave: 1) os

caminhos do desenvolvimento regional, vistos como dependentes de trajetórias

históricas); 2) as aglomerações como efeitos de externalidades, isto é, do conhecimento

acumulado, da competência organizacional, da capacidade de articulação etc.; 3) a

existência de infraestrutura institucional de normas, regras e práticas, junto com ativos

sócio-culturais e políticos que sustentam e melhoram a qualidade da aglomeração.

Segundo Reis (2002), o conceito de economia da cultura abarca o setor econômico e

simbólico da cultura, como a arte, o folclore, o artesanato, a indústria cultural, o

patrimônio material e imaterial, e envolve a produção, circulação e consumo de

produtos e serviços culturais. Isto é, a economia da cultura integra o segmento de

serviços e lazer, cuja projeção de crescimento tem sido superior à de qualquer outro,

estimando-se que esteja crescendo 10% ao ano21. Tal potencial de crescimento é

considerado bastante elástico, uma vez que o setor depende pouco de recursos

esgotáveis, já que seu insumo básico é a criação artística ou intelectual e a inovação.

A autora alerta para a diferenciação entre economia da cultura e economia criativa,

mostrando que esta última é mais abrangente, pois incluiria também o esporte, o

turismo, a propaganda, a moda e a arquitetura, entre outros, como explica:

Se formos partir para uma análise mais profunda, deveremos levar em consideração, por exemplo, processos inerentes à era digital, como a capacitação de softwares, o processamento de dados, as telecomunicações e a internet, que também compõem os quadros da Economia Criativa. (REIS, 2002, p. 35).

21 “Global Entertainment and Media Outlook 2004-2008”. (PRICE WATERHOUSE COOPERS, 2004 apud PORTA, 2008, p. 1).

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Throsby (2001 apud AMARAL FILHO, 2008, p. 9) propõe a seguinte classificação para

as atividades e indústrias culturais: o “núcleo duro” seria formado por “atividades

criativas acompanhadas de conteúdo simbólico e algum grau de propriedade intelectual,

nas quais se encontram a música, a dança, teatro, literatura, artes visuais, artesanato,

vídeo, multimídia”. Numa segunda faixa, “próxima e correlata”, ele inclui as atividades

ligadas à edição, rádio, jornal, filme, TV e revista e, por fim, atividades “menos

próximas, mas ainda correlatas, a arquitetura, a propaganda e o turismo”.

Estudos realizados por Porta (2008) apontam a economia da cultura como o setor de

maior dinamismo na economia mundial hoje, registrando crescimento de 6,3% ao ano,

enquanto o conjunto da economia cresce a 5,7%. O Banco Mundial, segundo a autora,

estima que a economia da cultura responda por 7% do PIB mundial (2003); nos EUA, a

cultura é responsável por 7,7% do Produto Interno Bruto (PIB), por 4% da força de

trabalho, e os produtos culturais são o principal item de exportação do país (2001); na

Inglaterra, corresponde a 8,2% do PIB (2004), emprega 6,4% da força de trabalho e

cresce 8% ao ano desde 1997.

O debate atual sobre desenvolvimento econômico tem incorporado a compreensão –

compartilhada por vários autores, entre eles Silva (2007) – da necessidade de interação

entre processos culturais, econômicos e sociais, na perspectiva da contribuição da

cultura ao desenvolvimento humano e social de uma sociedade, além da geração de

recursos econômicos. Reis (2007) vai mais além ao defender a cultura como quarto pilar

da sustentabilidade, ao lado do financeiro, do social e do ambiental. A autora baseia-se

nos estudos do analista cultural australiano Jon Hawkes que, em 2001, lançou The

Fourth Pillar of Sustainability – Culture’s essential role in public planning22,

defendendo a importância fundamental da cultura na gestão pública e seu valor

inestimável para avaliar o passado e planejar o futuro.

Ao analisar a importância de se estudar a cultura sob o ponto de vista econômico, Silva

(2007) destaca o peso da produção cultural nos processos de desenvolvimento e

integração social:

22 Quarto Pilar da Sustentabilidade – o Papel essencial da cultura no planejamento público. Ainda sem tradução para o português.

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Diversos argumentos têm justificado ou exigido o dimensionamento dos processos de produção e de consumo culturais. O principal desses argumentos diz respeito ao peso da produção cultural nos processos de desenvolvimento e integração social. Por um lado, a cultura perpassa todas as dimensões da vida em sociedade e se relaciona com processos de sociabilidade e sua reprodução. Por outro, em sentido mais restrito, liga-se aos direitos e à cidadania. (SILVA, 2007, p. 19).

Segundo o autor, o Brasil apresentaria importantes diferenciais competitivos nesse

setor: 1) a facilidade de absorção de novas tecnologias; 2) a criatividade e a vocação

para inovação; 3) a disponibilidade de profissionais de alto nível em todos os segmentos

da produção cultural; 4) a alta qualidade e a boa aceitação de nossos produtos culturais

em diferentes mercados.

Carsalade (2005, p. 3) destaca três pontos onde cultura e economia se encontram no

cenário contemporâneo. O primeiro diz respeito ao processo de valorização do

patrimônio cultural pelas populações em busca de reforço das identidades locais, como

estratégia de resistência. Isso as levaria a exigir do poder público “ações de preservação

de seu patrimônio cultural e recursos para a manutenção de suas manifestações únicas”.

Exemplos seriam a luta das cidades mineiras pela manutenção de seus centros

históricos, a valorização da culinária diferenciada, como o queijo do Serro, e a

revalorização das bandas de música em toda Minas Gerais. A isto se somaria o

crescimento da economia terciária, como prestação de serviços e, também, dos bens

intangíveis, o que levaria os bens culturais “a gerar um lastro concreto, além de

funcionar como importante fator econômico”.

O segundo ponto desse encontro seria favorecido pelo afastamento do Estado de suas

funções tradicionais de produtor e provedor, levando “como resposta, a necessidade

imperiosa da contribuição social e de formas de gestão parceiras e participativas”.

Segundo o autor, essa “crise de governabilidade e o questionamento do papel do estado

têm contribuído, também, para a ascensão dos fatores culturais à mesa de negociações

de ações do governo”. Seriam estes os “lugares em que a cultura encontra o seu

"habitat" e influi verdadeiramente”. (CARSALADE, 2005, p. 4).

O terceiro ponto diz respeito à geração de trabalho e renda, cada vez mais influenciada

pelas novas tecnologias, que levam à substituição da mão-de-obra extensiva e pouco

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qualificada, obrigando a sociedade a explorar novas formas de qualificação profissional,

além da criação de novos nichos de mercado. Segundo Carsalade (2005), este processo

beneficiaria a cultura, que, para a sua produção, exigiria “qualidades especiais ligadas

ou às formas de expressão peculiares causadas pela imersão nos valores diferenciados

de cada lugar (as manifestações musicais regionais, por exemplo) ou à qualificação

formal em especializações características do trabalho cultural (como os produtores

culturais ou os especialistas em restauração de bens culturais)”. Em relação aos novos

nichos de mercado, o autor cita como exemplo “o Turismo, negócio que mais cresce no

mundo com o aumento da longevidade e da rede de comunicações”

A participação da cultura nas atividades econômicas do país já seria bastante expressiva,

como indicam dados coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE), apontando a existência de 320 mil empresas voltadas para a produção cultural,

gerando 1,6 milhões de empregos formais. Ou seja, os empreendimentos da cultura

representariam 5,7% do total de empresas no país que seriam responsáveis por 4% dos

postos de trabalho, sendo que o salário médio mensal pago pelo setor é de 5,1 salários

mínimos, valor equivalente à média da indústria e 47% superior à média nacional.

(PORTA, 2008, p. 2) A última estatística a respeito do PIB cultural brasileiro é de 1995,

e apontou que ele representa aproximadamente 1% do PIB nacional. 23

Diante desses números, a autora aponta um conjunto de características que vêm

conferindo à economia da cultura status de setor estratégico para o desenvolvimento:

1. A geração de produtos com alto valor agregado, cujo valor de venda é em grande medida arbitrável pelo criador; 2. a alta empregabilidade e a diversidade de empregos gerados em todos os níveis, com remuneração acima da média dos demais; 3. o baixo impacto ambiental; 4. seu impacto positivo sobre outros segmentos da economia, como no caso da relação direta entre a produção cultural e a produção e venda de aparelhos eletrônicos (tv, som, computadores etc.) que dependem da veiculação de conteúdo; 5. suas externalidades sociais e políticas são robustas. Os bens e serviços culturais carregam informação, universos simbólicos, modos de vida e identidades; portanto, seu consumo tem um efeito que abrange entretenimento, informação, educação e comportamento. Desse modo, a exportação de bens e serviços culturais tem impacto na imagem do país e na sua inserção internacional; 6. o fato do desenvolvimento econômico desse setor estar fortemente vinculado ao desenvolvimento social, seja pelo seu

23 Fonte: MinC. Disponível em: www.cultura.gov.br/politicas/dados_da_cultura/economia_da_cultura. Acesso em: 05 Abr. 2010.

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potencial altamente inclusivo, seja pelo desenvolvimento humano inerente à produção e à fruição de cultura; 7. o potencial de promover a inserção soberana e qualificada dos países no processo de globalização. (PORTA, 2008, p. 2).

É ainda recente o estudo da atividade cultural como atividade econômica que, assim

como as demais, cria empregos e renda, recolhe impostos e contribui para a geração de

riqueza e crescimento. O surgimento da economia do conhecimento, abordado

anteriormente, foi fundamental para criar uma base de análise da economia da cultura.

Essa base seria formada por elementos como

[...] as externalidades positivas produzidas pela cultura vis-a-vis da sociedade; necessidades de investimento de longo prazo; especificidade na remuneração dos agentes, tendo em vista a forte presença da incerteza, a rigidez dos custos marginais na produção dos espetáculos ao vivo; a presença da utilidade marginal crescente, no lugar de utilidade marginal decrescente, como acontece com os bens e serviços comuns, e a importância da ajuda pública ou privada no apoio à realização e à socialização das atividades culturais. (AMARAL FILHO, 2008, p.5).

Para o autor, esta base torna-se necessária diante da impossibilidade de se dimensionar

os produtos culturais (bens ou serviços) utilizando-se apenas as metodologias

econômicas tradicionais que orientam a formação do preço pela teoria do valor

(quantidade de trabalho incorporada na mercadoria) ou pelo “comportamento da curva

de utilidade marginal proporcionada pelo consumo dos bens e serviços. Ou seja, quanto

mais se consumir um bem ou serviço, menor será a utilidade marginal proporcionada

por esse consumo”. (AMARAL FILHO, 2008, p.5).

Diversos autores, ente eles Reis (2008), apontam a carência de estatísticas e pesquisas

como um dos maiores entraves para o reconhecimento da importância da economia da

cultura no Brasil. É fato admitido que a cultura se apóia em processos de transformação

da realidade, mas, para que isso seja reconhecido, antes de tudo é preciso conhecê-lo.

Ao adotar a Economia da Cultura como um dos seus principais eixos teóricos, a

investigação realizada buscou contribuir para aumentar o conhecimento sobre esse tema

e oferecer elementos que permitam intervir para transformar o cenário da música de

Belo Horizonte.

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1.4 Gestão Social

O conceito de gestão social é tido por diversos autores, entre eles França Filho (2003),

como em construção, pois apenas muito recentemente despertou interesse no âmbito

acadêmico. A natureza complexa distinguiria a forma de gestão por ele contemplada de

outras, pois compreenderia uma dupla dimensão de abordagem, a organizacional e a

societária. Como o próprio termo já adianta, ela se definiria antes por sua finalidade

voltada para o social, contrariando o entendimento convencional de gestão como

atividade orientada, em primeiro lugar, para uma finalidade econômica.

Mas, para além da sua finalidade referida aos objetivos da gestão, esse autor propõe que

a gestão social seja pensada, também, como um meio, um processo, um modus operandi

de como se faz a gestão. Embora o termo, numa visão econômica, possa se confundir

com a própria gestão pública – o Estado gerindo as necessidades da sociedade –, França

Filho (2003) defende uma leitura do processo da gestão das políticas públicas numa

dimensão que vá além do Estado, contemplando a gestão das demandas e necessidades

do social pela “via da própria sociedade, através das suas mais diversas formas e

mecanismos de auto-organização, especialmente o fenômeno associativo” (FRANÇA

FILHO, 2003, p. 3).

Na dimensão organizacional, a gestão social se distinguiria da gestão estratégica ou

privada e da gestão pública ao “subordinar as lógicas instrumentais a outras lógicas

mais sociais, políticas, culturais ou ecológicas”. (FRANÇA FILHO, 2003, p.4). Ela

atuaria num âmbito diferente do circuito do mercado (originariamente da gestão

privada) e do circuito estatal (da gestão pública): a esfera da chamada sociedade civil,

que é pública, mas não estatal. Seu grande diferencial estaria na utilização do

econômico como meio para atingir fins sociais ou culturais, invertendo a lógica da

gestão para fins de acumulação privada de riquezas.

Nessa perspectiva, esta dissertação se apoiou na leitura, proposta por Tenório (1998) e

por outros autores, de que a gestão social deve atender, por meio da esfera pública, o

bem comum da sociedade, e de que o processo decisório deve ser exercido por diversos

sujeitos representativos de diferentes interesses sociais. Desta forma, as práticas sociais

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de gestão e suas análises devem partir sempre do ponto de vista da Sociedade, e não do

Estado, do Trabalho e não do Capital.

Esse autor trabalha com a “perspectiva teórico-crítica da Escola de Frankfurt, que surge

na Alemanha nos anos 30, na Universidade de Frankfurt, e que discutiu a racionalidade

instrumental como razão inibidora da emancipação do homem”. (TENÓRIO, 1998, p.

4). Para ele, a dialética da teoria crítica prevê a primazia da totalidade sobre o particular,

isto é, da sociedade em relação ao sujeito, apontando a grande diferença entre o geral e

o particular e “a determinação deste pelo geral”.

Assim, ninguém pode refletir sobre si mesmo ou ainda sobre a humanidade, como se fosse um sujeito livre de determinadas condições históricas. Decerto, um indivíduo pode abstrair-se de certos interesses pessoais, pode excluir, na medida do possível, todas as particularidades impostas pelo seu próprio destino, porém todos os passos de seu pensamento serão sempre de um determinado homem de uma determinada classe num determinado momento. (HORKHEIMER, 1990, p. 118 apud TENÓRIO, 1998, p. 5)

Para Tenório (1998), na gestão social o processo decisório é exercido por diferentes

sujeitos sociais e o gerenciamento é mais participativo e dialógico, lógica oposta à que

subsidia a gestão tecnoburocrática e monológica, característica da gestão estratégica de

índole privada. Essa ação dialógica se desenvolveria de acordo com os pressupostos da

racionalidade comunicativa (ação racional voltada para o entendimento) defendida por

Habermas:

[...] quando os atores tratam de harmonizar internamente seus planos de ação e de só perseguir suas respectivas metas sob a condição de um acordo existente ou a se negociar sobre a situação e as conseqüências esperadas. (...) o modelo estratégico da ação pode se satisfazer com a descrição de estruturas do agir imediatamente orientado para o sucesso, ao passo que o modelo do agir orientado para o entendimento mútuo tem que especificar condições para um acordo alcançado comunicativamente [...]. (HABERMAS, 1989, p. 165 apud TENÓRIO, 1998, p.11)

Na perspectiva da ação dialógica, o pressuposto é de que a gestão social parte de um

consenso racional pelo qual a verdade deixaria de ser uma relação entre o indivíduo e

sua percepção de mundo, para derivar de um acordo alcançado mediante a discussão

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crítica, a apreciação intersubjetiva. Segundo Tenório, diferentemente da gestão

estratégica, baseada no agir monológico, onde a linguagem é utilizada apenas como

meio para transmitir informações para que uma pessoa possa influenciar outra(s)

visando a continuação intencional de uma interação, na ação comunicativa, dialógica,

“um indivíduo procura motivar racionalmente outro(s) para que este concorde com sua

proposição – neste tipo de ação a linguagem atua como uma fonte de integração social”.

(TENÓRIO, 1998, p. 13).

Na gestão social orientada pela racionalidade comunicativa, os atores de um processo,

ao fazerem suas propostas, buscam um acordo a partir das argumentações expostas por

todos os participantes. Este acordo deverá ser alcançado por meio da razão, do

conhecimento, e não pela força ou coação. “A argumentação não é um processo de

decisão que acabe em resoluções, mas sim um procedimento de solução de problemas

que conduza a convicções” (HABERMAS, 1991, p. 180 apud TENÓRIO, 1998, p. 12).

Este processo valorizaria a liberdade da pessoa, sua responsabilidade social e exercício

da cidadania.

Na revisão da literatura realizada, o conceito de gestão social pressupõe o concurso de

outros, tais como: democracia, participação popular/participação social, mobilização

social, descentralização, intersetorialidade e rede. Na visão de diferentes autores, entre

eles Junqueira (2004), tais conceitos integram estratégias de um novo modelo de gestão,

o social, comprometido com a qualidade de vida da população.

Segundo Toro e Werneck (1996, p. 9), “democracia é uma forma de construir a

liberdade e a autonomia de uma sociedade, aceitando como seu fundamento a

diversidade e a diferença”. O artigo primeiro da Constituição Brasileira consagra a

escolha pelo Estado Democrático, tendo como fundamentos, entre outros, os

fundamentos da cidadania e da dignidade humana. O entendimento é de que o conceito

de democracia passa pela possibilidade de que o destino de uma sociedade não esteja

fora dela, mas nas mãos de todos de que dela participem.

Nesse conceito a noção de público se confunde com aquilo que convém e interessa a

todos, que se constrói e se fortalece na sociedade civil. Portanto, a força das instituições

públicas estaria no fato de que elas devem sintetizar e representar os interesses de todos

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os setores da sociedade. Nessa linha, Frey (2001) defende o conceito de democracia-

participativa, que abre perspectivas para a superação das desigualdades econômicas e

que, também, permite o alcance da sustentabilidade ambiental:

Um modelo democrático-participativo, adaptado à realidade sócio-econômica e ambiental dos países pobres não pode se eximir - como o faz a teoria da democracia competitiva - da sua responsabilidade de, por um lado, apresentar perspectivas para a superação das desigualdades sócio-econômicas e, por outro lado, considerar a compatibilidade do modelo com as exigências da sustentabilidade ecológica. (FREY, 2001, p.21).

No contexto da democracia participativa, o conceito de participação popular adquire

destaque. Apontada como “referencial de ampliação das possibilidades de acesso dos

setores populares a espaços antes não ocupados, dentro de uma perspectiva de

desenvolvimento da Sociedade Civil” por Jacobi (2000, p.4), a questão da participação

popular, que teve mais repercussão na década de 70, é vista como fundamental para o

fortalecimento dos mecanismos democráticos. Segundo o autor, a estreita vinculação

entre participação e processo de descentralização constituiria mecanismo essencial para

a democratização do poder público, “além de criar um espaço vital para o

fortalecimento de uma cidadania ativa e para o processo de democratização da ação do

Estado e das suas práticas institucionalizadoras”.

O Brasil, a exemplo das demais nações latinoamericanas, possui uma tradição marcada

por ações estatizantes, centralizadoras, patrimonialistas, que geram padrões de relação

clientelistas e burocráticos. Nesse contexto, novas formas de participação popular, que

ultrapassem a dimensão da democracia representativa (limitada a ações mediadas pelos

políticos, eleições e integração formal aos governos) têm sido discutidas por diversos

autores, a partir de sua dimensão cotidiana e de seu impacto na sociedade. “Trata-se de

pensar sobre a participação da população e a sua relação com o fortalecimento de

práticas políticas e de constituição de direitos que transcendem os processos eleitorais e

seus freqüentemente ambíguos e/ou contraditórios reflexos sobre a cidadania”.

(JACOBI, 2000, p 6).

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No período de redemocratização24, surge no Brasil uma sociedade civil mais ativa e

organizada, que, por meio de movimentos de pressão, conquista novos espaços públicos

de interação e negociação. Segundo Jacobi (2000), é nesse contexto que emerge a

participação social, cidadã, “principalmente como referencial de rupturas e tensões”,

gerando novas práticas de participação “associadas a uma mudança qualitativa da

gestão”, que repercutem na sociedade.

As transformações político-institucionais e a ampliação de canais de representatividade dos setores organizados para atuarem junto aos órgãos públicos, como conquista dos movimentos organizados da Sociedade Civil, mostram a potencialidade de construção de sujeitos sociais identificados por objetivos comuns na transformação da gestão da coisa pública, associada à construção de uma nova institucionalidade. (JACOBI, 1990 apud JACOBI, 2000, p.10).

Rofman (2007) construiu uma tipologia definindo cinco tipos de participação social nas

políticas estatais: 1) Participação baixa ou nula: a participação consiste apenas em

receber os resultados dessas políticas; 2) Participação na execução das ações: é uma

participação de baixa intensidade, onde os atores sociais participam da implementação

de ações já planejadas anteriormente; 3) Participação associada à implementação: a

participação da sociedade civil é feita mediante uma gestão associada com os órgãos do

Estado, que lhes permite intervir nas decisões sobre as formas e condições de

implementação das políticas; 4) Participação no desenho das decisões: os atores não

estatais participam das decisões políticas, do estabelecimento das prioridades e na

alocação dos recursos, além da formulação dos programas; 5) Participação no controle e

monitoramento: os atores da sociedade civil participam do controle e da fiscalização da

ação do Estado.

Para muitos autores, entre os quais Toro e Werneck (1996), a participação é uma

aprendizagem e deve ser considerada uma necessidade para o desenvolvimento social.

Mas, para que haja uma efetiva participação social é necessário que os atores se

mobilizem. Essa mobilização social – na visão de Toro e Werneck (1996, p. 5) –

aconteceria quando “um grupo de pessoas, uma comunidade ou uma sociedade decide e

24 Tem início na década de 1980, após o fim da Ditadura Militar – regime implantado pelos militares em 1964, por meio de um golpe, e que durou até 1985.

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age com um objetivo comum, buscando, quotidianamente, resultados decididos e

desejados por todos”. Ela pressupõe um ato de escolha, de livre participação, com o

objetivo de provocar e construir mudanças, e tem como fundamental o processo de

comunicação no seu sentido amplo de compartilhamento de discurso, visões e

informações.

Por estar orientada por um propósito comum, a mobilização social teria um sentido

público, que convém a todos, e, para ser útil à sociedade, tem de estar voltada para a

construção de um projeto de futuro. Segundo Toro e Werneck (1996, p. 5), se o “seu

propósito é passageiro, converte-se em um evento, uma campanha e não em um

processo de mobilização. A mobilização requer uma dedicação contínua e produz

resultados quotidianamente”.

Identificada com a democratização, a participação social tem como referência o

fortalecimento dos espaços de socialização, da autonomia crescente nas decisões e da

descentralização do poder, que assume importância fundamental. Segundo Junqueira

(2004), descentralização não seria apenas um processo de transferência de atribuições e

competências no âmbito do Estado (entre os três níveis de governo e entre as suas

organizações), mas também para entes privados de caráter público, possibilitando que a

sua gestão ocorra com o envolvimento dos seus usuários. Neste aspecto, assume papel

importante por contribuir para o empoderamento desses usuários, que passam também a

decidir sobre os rumos dos serviços e da gestão.

Para o autor, a descentralização é um processo de transferência de poder que determina

a redistribuição das decisões e

envolve mudanças na articulação entre Estado e sociedade, entre o poder público e a realidade social, e implica mudar a atuação do Estado, seu papel na gestão das políticas sociais. O Estado deixa de ser o único responsável pelas soluções dos problemas sociais, mesmo que tenha como sua competência a garantia aos cidadãos dos seus direitos sociais. (JUNQUEIRA, 2004, p. 5).

Para que as políticas sociais tenham eficácia, é necessário considerar seus beneficiários

como sujeitos e participantes da sua gestão. Para isso, elas precisam ser entendidas

como direito do cidadão, com caráter distributivo e não compensatório, a partir de “uma

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nova relação entre Estado e Sociedade, em que a preocupação não seja a de resolver

pontualmente os problemas sociais como carências. A redefinição dessa relação é que

permitirá transformar essas carências em direitos”. (OLIVEIRA, 1994 apud

JUNQUEIRA et al., 1997, p.17). Para os autores, essa mudança só ocorrerá com um

trabalho efetivo de “educação para a cidadania”, para que os diferentes atores sociais

possam tomar consciência de seus direitos de cidadãos.

A transferência de poder que a descentralização propicia permite o surgimento de uma

rede de relações entre os atores envolvidos nos serviços (prestadores e usuários), onde

cada um faz valer sua identidade e autonomia. Além da descentralização, também a

intersetorialidade beneficiaria o processo de aperfeiçoamento da gestão social na

solução dos problemas sociais, ao integrar as diversas políticas públicas direcionadas a

grupos de população que ocupam determinado território. Entendida como uma nova

lógica para a gestão das cidades, a intersetorialidade busca superar a fragmentação das

políticas, a partir da compreensão do cidadão e suas necessidades na sua totalidade.

A intersetorialidade é a “articulação de saberes e experiências no planejamento, realização e avaliação de ações para alcançar efeito sinérgico em situações complexas visando o desenvolvimento social, superando a exclusão social” (JUNQUEIRA & INOJOSA, 1997 apud JUNQUEIRA, 2004, p. 5).

Como uma nova lógica de gestão de políticas, a intersetorialidade pressupõe mudanças

nas práticas e nas culturas organizacionais que podem gerar insatisfações e resistências

de grupos contrariados. Por isso, exigiria investimento na formação das pessoas que vão

lidar diretamente com o atendimento das necessidades dos usuários dos serviços

públicos, para compreenderem a importância de se garantir os direitos sociais da

população. A sua adoção também implicaria na concepção de novas formas de executar

os serviços, assim como de planejá-los e controlá-los, pressupondo “um novo fazer que

envolva mudanças de valores, de cultura, como um fenômeno ativo, vivo, através do

qual as pessoas criam e recriam os mundos dentro dos quais vivem”. (MORGAN, 1996,

p. 135 apud JUNQUEIRA, 2004, p. 4).

Gerir as políticas públicas utilizando-se do conceito de intersetorialidade significa

adotar uma nova lógica para a atuação das organizações governamentais, que deixam de

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ser informadas pela especialização, pela setorialização e pela autonomização, para

adotarem uma elaboração integrada de saberes e de percepções do ser humano e de sua

realidade social. (JUNQUEIRA, 2004). Por sua complexidade, a realidade assim

compreendida exigiria um conhecimento capaz de integrar as diversas dimensões que

determinam os problemas sociais e sua interação, invertendo a lógica dos atuais

governos municipais, que, com suas respectivas secretarias setoriais, a exemplo das

secretarias dos estados e dos ministérios federais, atuam de forma paralela e

desarticulada, servindo de obstáculos a gestões democráticas e inovadoras.

(JUNQUEIRA et al., 1997).

Para que a intersetorialidade se concretize e seja bem-sucedida, a cidade deve ser

considerada na sua totalidade, fazendo com que seus diferentes grupos populacionais se

tornem sujeitos do processo, capazes de compreender seus problemas e encaminhar

soluções de forma articulada. Nessa perspectiva, ganha destaque a metáfora da rede – a

possibilidade de intercâmbio e interação de pessoas, instituições, comunidades e

municípios mobilizados em função de uma ideia ou de ações abraçadas coletivamente.

Para Villela (2008), isso representaria o fim da lógica compartimentada e isolacionista

que informava a estrutura das organizações no período fordista, resultado das mudanças

no estilo de gestão e nas formas de relacionamento entre as empresas.

O autor descreve os elementos estruturantes de uma rede como sendo os nós

(organizações ou atividades), as ligações (relacionamento entre organizações), os fluxos

(de bens e informações) e as posições (estrutura de divisão do trabalho). A conexão

entre os nós é que definiria a estrutura da rede, sendo que o potencial de combinações

entre os nós seria determinado pela coesão e as necessidades de compartilhamentos.

No contexto da gestão social das políticas públicas, o conceito de rede é introduzido

com a perspectiva da construção de relações entre os diversos atores sociais,

preservando sua identidade, com o objetivo de viabilizar e aperfeiçoar os recursos

necessários ao encaminhamento das soluções e obtenção dos resultados almejados.

O termo rede, em sua multiplicidade, nos remete tanto a uma dimensão conceitual como a um sentido instrumental. Nesse sentido ela é uma proposta de ação como um modo de funcionamento do social, um modo

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espontâneo de organização em oposição a uma dimensão formal e instituída. Assim, a rede, em muitos casos, em vez de ser um processo rígido e estereotipado cede lugar a outros que são criativos e inventivos (SAIDÓN, 1995, p. 203 apud JUNQUEIRA, 2004, p. 7).

Segundo alguns autores, entre eles Martinho (2003), uma rede teria como instrumento

básico a informação e o seu livre fluxo. Pode partir de um território ou de um recorte

temático, mas, necessariamente, tem duas características fundamentais: interlocução

política e interligação horizontal, isto é, sem hierarquias. Entre as principais vantagens

de se trabalhar em rede, o autor destaca quatro: a) a perspectiva de maior

sustentabilidade para os processos, b) a capacidade de potencializar talentos e

processos, c) o empoderamento de seus integrantes, a partir da interconexão entre os

atores e da ausência de um poder de comando, d) a maior capacidade de inovação do

que a permitida numa estrutura hierárquica.

Para Castells (2003, p. 572), as redes constituem a nova morfologia social das cidades,

representando uma transformação qualitativa da experiência humana, porque tem uma

primazia sobre a ação social, já que a presença ou ausência na rede e a dinâmica de cada

rede em relação às outras são “fontes cruciais de dominação e transformação de nossa

sociedade”. O autor argumenta que a lógica das redes modificaria de forma substancial

a operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura.

Nessa lógica, afirma: “o poder dos fluxos é mais importante do que os fluxos do poder”.

Pelo que se viu anteriormente, a construção de um SPIL passa, entre outros fatores, pelo

necessário engajamento e atuação participativa dos atores envolvidos e pela valorização

dos processos de aprendizagem e inovação, de interação local e cooperação. Nessa

perspectiva, o aprofundamento da compreensão do conceito de gestão social nos

diferentes processos de democracia, participação e mobilização, além dos aspectos da

descentralização, da intersetorialidade e da atuação em rede, mostrou-se essencial à

realização dessa dissertação.

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1.5 Governança

A inclusão do conceito de governança no eixo teórico do presente estudo se justificou

pelas suas relevantes relações e implicações para a prática da gestão social. A revisão da

literatura permitiu identificar visões que ampliam a compreensão do termo governança

para além do seu entendimento como “práticas de controle”, dando conta de que ele se

refere ao “modo de exercício do poder” em decisões organizacionais e institucionais.

(FISCHER, 2002). Neste sentido, governança aparece como poder partilhado ou ação

coletiva gerenciada. Assim, criar estruturas de governança significaria definir uma

dinâmica de incentivo à participação e engajamento dos atores sociais de uma

organização ou instituição no processo decisório estratégico, valorizando estruturas

descentralizadas. (GUIMARÃES; MARTIN, 2001).

Para a RedeSist (LATRES E CASSIOLATO, 2005, p. 3):

No caso específico dos ASPILs, governança refere-se aos diferentes modos de coordenação entre os atores e atividades, que envolvem da produção à distribuição de bens e serviços, assim como o processo de geração, uso e disseminação de conhecimentos e de inovações. Existem diferentes formas de governança e hierarquias nos sistemas produtivos, representando formas diferenciadas de poder na tomada de decisão (centralizada e descentralizada; mais ou menos formalizada).

Ao tratar a ideia de governança como uma matriz, por considerá-la uma estrutura

incorporadora e um ambiente gerador de uma rede interconectada de idéias pragmáticas,

Santos (2009) aponta a existência de dois conceitos de governança. O primeiro,

neoliberal, teria fracassado política e socialmente ao “silenciar-se” sobre e não oferecer

nenhuma alternativa positiva para conceitos que fundamentaram a teoria crítica

moderna, tais como transformação social, participação popular, justiça social, relações

de poder e conflitos sociais.

O segundo, que o autor chama de governança insurgente contra-hegemônica, é apontada

como tendo sido “gerada no ventre da globalização alternativa”, em contraposição à

globalização neoliberal. Para Santos (2009), esta globalização contra-hegemônica surge

a partir de 1999, forçada pelos movimentos sociais e pela sociedade civil organizada por

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meio de redes e da construção de vínculos entre o global e o local, com o objetivo de

realizar uma luta em conjunto contra a desigualdade, a miséria e a discriminação

provocadas ou intensificadas pela globalização neoliberal, apoiando-se na ideia de que

outro mundo é possível.

Quanto a este segundo conceito de governança, Santos (2009) esclarece que ele também

enfrentaria os desafios e dilemas da governança neoliberal, como a não participação dos

grupos sociais mais excluídos, aqueles que seriam os beneficiários diretos de uma luta

bem-sucedida contra a globalização neoliberal, e que, ao contrário, estão longe de ver

seus interesses e aspirações levados em conta. No primeiro conceito, esses grupos

seriam vistos como integrantes de um todo, sem diferenciação, e, no segundo conceito,

seriam “não-existentes”:

As any other matrix, it is, in fact, based on a principle of selection, and, thus, on the binary inclusion/exclusion, but, in this case, the excluded, rather than being present as excluded, are utterly absent and out of the picture. Governance is therefore a matrix that combines horizontality and verticality in a new way: both are self-generated, the former as all-existing, the latter as non-existing. (SANTOS, 2009, p. 1). 25

Para enfrentar esses desafios, a realização da governança precisaria contar, entre outras

condições, com um forte processo de descentralização (deslocamento de poder para os

níveis periféricos) associado a uma estratégia de inclusão social que permitisse alcançar

o desenvolvimento social, “entendido como a ampliação das condições de qualidade de

vida e do exercício da cidadania de uma dada população, com o objetivo de promover o

compartilhamento da riqueza material e imaterial disponível em um grupo social em

determinado momento histórico”. (JUNQUEIRA et al., 1997, p. 18).

Villela (2008) aponta a existência de dois tipos de governança local: a exercida pelo

setor público e a exercida pelo setor privado. Cada uma, a seu modo, seria responsável

pela coordenação dos sistemas produtivos locais com a cadeia global (fornecedores,

compradores, outros produtores), assim como pelo estímulo à competitividade entre os

produtores locais e pela difusão do conhecimento entre eles. 25 Como qualquer outra matriz, é, na verdade, baseada em um princípio de seleção, e, portanto, no composto binário inclusão/exclusão, mas, neste caso, os excluídos, ao invés de estarem presentes como excluídos, estão totalmente ausentes e fora do cenário. Governança é, portanto, uma matriz que combina horizontalidade e verticalidade de uma maneira nova: ambas são auto-geradas, a primeira como ‘existentes-no-todo’, este último como não-existentes. (SANTOS, 2009, p. 1).

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A governança do setor público se realizaria pelas efetivas assistência e promoção dos

produtores locais organizados em um arranjo local ou em um SPIL. O autor cita como

exemplo o caso dos distritos industriais da região do Vêneto, na Itália, que, a partir da

década de 1970, receberam forte apoio das instituições de governo locais para sua

estruturação e manutenção. Nessa forma de governança as ações se traduziriam na

criação de centros de treinamento e desenvolvimento dos produtores locais, centros de

apoio e prestação de serviços tecnológicos e agências governamentais de

desenvolvimento.

No que diz respeito à governança local exercida pelo setor privado, o papel das

associações de classe e agências privadas locais voltadas para o desenvolvimento

assume grande relevância, pois elas assumiriam a função de catalisadoras “do processo

de desenvolvimento local por meio de ações de fomento à competitividade e de

promoção do conjunto das empresas”. (SUZIGAN et al., 2002, p.10 apud VILLELA,

2008, p. 15).

Diversos autores, entre os quais Dowbor (1999) e Junqueira et al. (1997), ao discutirem

os processos de governança, defendem uma ação mais incisiva dos governos locais na

promoção do desenvolvimento, apesar de reconhecerem as dificuldades impostas pelo

seu restrito poder de intervenção em fatores vinculados diretamente à economia mundial

e nacional e à falta de recursos para investimento. Eles acreditam, porém, que há espaço

para ações de prefeituras que contribuam para romper circuitos fechados de acumulação

e para gerar emprego e renda. Buscar o desenvolvimento social, com garantias dos

mínimos sociais para todos os cidadãos, exigiria

uma interferência intencional e monitorada nas questões que estão no espaço de governabilidade da Prefeitura, demandando a identificação de problemas dos grupos populacionais em relação a padrões de qualidade de vida e requerendo ações que articulem saberes e experiências de diversos campos do conhecimento. (JUNQUEIRA et al., 1997, p. 21).

Entretanto, os autores apontam a inadequação da organização do trabalho das

administrações municipais em geral, tradicionalmente de característica “verticalizada e

piramidal”. Essas características dificultariam o “reconhecimento do cidadão como

sujeito – e não objeto de atuação –, bem como de suas necessidades e expectativas,

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moduladas pelo perfil territorial e, do meio-ambiente onde vive e das condições sociais

peculiares a cada grupo da população, como renda, escolaridade etc.” (JUNQUEIRA et

al., 1997, p. 21). Essa lógica, contudo, somente poderia ser mudada, segundo os autores,

com decisão política capaz de quebrar estruturas de poder desse tipo.

Além de delicado, esse processo implica enfrentar grandes dificuldades geradas por três

contradições que lhe seriam inerentes: a) entre a adesão dos novos dirigentes ao projeto

de mudança e aos seus projetos políticos pessoais; b) entre a adesão dos funcionários ao

projeto de mudança e os seus interesses corporativos; c) entre a adesão da população à

oportunidade de ampliar o espaço de cidadania e o exercício de direitos e deveres

cívicos e a expectativa de benefícios imediatos, de curto prazo e de caráter

assistencialista. (JUNQUEIRA et al., 1997).

Mas, tanto na visão de Dowbor (1999) quanto na de Junqueira et al. (1997), essas

contradições podem ser superadas numa nova lógica de governança, por meio de um

processo amplo e democrático, que inclua a implementação de mecanismos de

mobilização e participação social, sob a lógica da intersetorialidade e da revalorização

das pessoas e da função de recursos humanos, o que requer a apreciação e o incremento

dos saberes técnicos que informam a prestação dos serviços públicos e sua canalização

para ações articuladas.

De um modo geral, a governança deveria reduzir os custos de transação dos atores

envolvidos em um APL ou SPIL, assumindo o papel de ligação entre os nós (empresas)

da rede, à medida que surjam deficiências do sistema. A governança pode contribuir

para a sustentabilidade do arranjo ou sistema através de projetos estruturantes que

possibilitem as mudanças necessárias para combater tais deficiências. Devido à

descentralização de poder característica de um SPIL, Villela acredita que a governança

deveria exercer papel de “coordenação, de animador, de provedor de informações, de

educador e de incitador de novas tecnologias, de processos de aprendizado, de

inteligência competitiva etc.” (VILLELA, 2008, p. 15).

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1.6 Desenvolvimento Local

A premissa de que a diversidade e a riqueza da produção musical de Belo Horizonte

podem ser consideradas condutores com grande potencial de geração de

desenvolvimento local (DL) tornou este conceito importante fundamento teórico dessa

dissertação. A revisão da literatura indicou, contudo, a existência de controvérsias

teóricas sobre DL envolvendo distintas abordagens conceituais e metodológicas.

No Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, há vários significados para o termo

desenvolvimento, dentre os quais três se destacam: ação ou efeito de desenvolver (se);

aumento das capacidades ou possibilidades de algo, progresso; crescimento econômico,

social e político de um país, região, comunidade. Para Fischer (2002), desenvolvimento

seria um conceito, ou melhor, uma rede de conceitos que pode estar diretamente

associada a um adjetivo como “local” e “não seria possível falar de desenvolvimento

local sem referência a conceitos como pobreza e exclusão, participação e solidariedade,

produção e competitividade, entre outros que se articulam e reforçam mutuamente ou se

opõem frontalmente”. (FISCHER, 2002, p.2).

O surgimento do conceito de DL nas sociedades capitalistas é visto de forma diversa

por diferentes autores, que lhe atribuem dimensões completamente distintas. Buarque

(1999), por exemplo, destaca a sua característica de processo endógeno que aconteceria

em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos, capaz de promover o

dinamismo econômico e a melhoria da qualidade de vida da população. Para o autor, a

mobilização das energias da sociedade e a exploração de suas capacidades e

potencialidades específicas podem significar transformações nas bases econômicas e na

organização social local.

Para Barquero (1995), é preciso cuidado ao analisar o assunto, pois sob a denominação

de DL muitas vezes se esconderiam intervenções de caráter muito diferente, como, por

exemplo, aquelas que visam apenas criar ou desenvolver empresas; as de caráter

puramente assistencial que objetivam desenvolver projetos para dar empregos a jovens;

ou as que focalizam somente a manutenção do patrimônio histórico e cultural ou, ainda,

a proteção do meio-ambiente. Segundo o autor, o DL não surge como um movimento

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social para alterar o curso do sistema econômico, mas trata-se, ao contrário, de um

fenômeno do próprio capitalismo para responder às fases de crise da acumulação

econômica.

É possível (...) aceitar que o processo de reestruturação produtiva se realiza através de formas de acumulação e regulação mais flexíveis. Os sistemas locais de empresas e as políticas de desenvolvimento local são fenômenos que respondem à lógica do ajuste do sistema produtivo na fase depressiva do ciclo econômico. Sob tal perspectiva, a estratégia de desenvolvimento local deve ser concebida como uma resposta do sistema sócio-institucional aos desafios colocados pelas mudanças no modelo de acumulação e não como um "movimento social", tal como pretendido por alguns. (BARQUERO, 1995, p. 236).

Nessa leitura, as políticas de DL seriam parte da dinâmica atual da economia de

mercado e estariam servindo ao processo de reestruturação do sistema capitalista, a

partir das transformações do mercado de trabalho e do próprio sistema produtivo.

Em oposição a esse pensamento, outra corrente defende que tais políticas, se baseadas

na democracia participativa e nas ações comunitárias, seriam o contraponto ao

pensamento neoliberal, na medida em que representariam uma alternativa ao livre

mercado como determinante das diretrizes da economia, ao atribuir à sociedade civil o

papel principal na definição dos rumos do desenvolvimento. Frey (2001) está entre

esses estudiosos.

As teorias da democracia participativa e da democracia deliberativa, como também o comunitarismo, evidenciam a crescente desilusão com o potencial transformador do Estado. Representam a busca de uma alternativa ao livre mercado como modelo único de tomada de decisão sobre os rumos de desenvolvimento das sociedades, assim como a esperança depositada na própria sociedade civil como ator principal rumo ao desenvolvimento sustentável da sociedade contemporânea. (FREY, 2001, p. 13).

Já segundo Vitte (2006), a estratégia de DL no Brasil refletiria um movimento pós-

ditadura militar em direção às bases, ou seja, à revalorização dos espaços locais

municipais enquanto territórios políticos, econômicos e sociais, que poderiam se

preparar para se colocarem a serviço da luta democrática no campo popular. Segundo a

autora, esse processo seria decisivo para resgatar o significado do papel do município

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como agente do desenvolvimento econômico do país, em contraposição à centralização

do poder ocorrida principalmente no período autoritário (1964-85), que tinha na

instância nacional a sua referência de análise e intervenção. A multiplicação de

iniciativas como projetos, instituições, pesquisas e seminários voltados para o DL, que

vêm se realizando em todo o país, envolvendo diferentes instituições públicas,

demonstraria esse movimento de valorização do local.

Quanto ao aspecto estratégico, o DL é compreendido pelos autores citados como a

utilização de recursos e competências locais disponíveis para enfrentar e superar os

entraves que impedem a obtenção da qualidade de vida para o conjunto da população.

Nessa dimensão, o DL não teria como meta apenas a produção de bens e o aumento da

geração local de emprego e renda, mas a valorização dos ativos próprios da população

concernida, de seus saberes e cultura, da sua capacidade de organização, da sua

proatividade na busca de soluções para problemas vividos que venham ao encontro do

seu modo peculiar de ser. (DOWBOR, 2007).

Para alcançar tais metas, seria necessário o envolvimento democrático e engajado do

conjunto dos atores sociais concernidos, compreendendo-se que é na localidade em que

as pessoas moram e constroem suas vidas que se encontra grande parte das soluções,

pois elas têm mais condições de conhecer mais profundamente a realidade em que

vivem do que outra realidade. Isso lhes daria a capacidade de participar e intervir no

desenvolvimento com conhecimento de causa.

Dowbor (2007, p. 79) é um dos autores que valorizam o papel dos municípios como

protagonistas do desenvolvimento:

De certa forma, os municípios formam os “blocos” com os quais se constrói o país, e cada bloco ou componente tem de se organizar de forma adequada segundo as suas necessidades, para que o conjunto – o país – funcione. (...) É nesse plano que desponta a imensa riqueza da iniciativa local: como cada localidade é diferenciada, segundo o seu grau de desenvolvimento, a região onde se situa, a cultura herdada, as atividades predominantes na região, a disponibilidade de determinados recursos naturais, as soluções terão de ser diferentes para cada uma. E só as pessoas que vivem na localidade, que a conhecem efetivamente, é que sabem realmente quais são as necessidades mais prementes, os principais recursos subutilizados, e assim por diante. Se elas não tomarem iniciativas, dificilmente alguém o fará para elas.

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Conforme defende o autor, a ação local, com apoio das esferas estadual e nacional, seria

o elemento essencial de políticas de equilíbrio do desenvolvimento, na medida em que

facilitaria a intervenção do cidadão nos assuntos da sua própria vizinhança e sobre os

quais tem conhecimento direto. Isto contribuiria para democratizar as decisões. E, em

casos de países subdesenvolvidos, como o Brasil, o poder local teria outra importância:

a de permitir, mesmo que não assegure, o surgimento de equilíbrios mais democráticos

frente ao grande poder centralizado das elites.

Na visão dessa corrente de pensamento, a política de DL – que pressupõe tecnologia

alternativa, pequena produção, além do espaço local em contraposição ao espaço

nacional ou internacional – teria maior preocupação com o fortalecimento dos processos

do que apenas com os resultados e daria mais atenção às relações entre agentes públicos

e privados, buscando potencializar experiências de cooperação e de formação de redes

de contatos voltadas para o desenvolvimento originado internamente nas comunidades.

(DOWBOR, 2007).

Hansen e Barreto Jr. (2003) salientam a necessidade de uma dinâmica industrial

endógena de aglomerações, onde os atores envolvidos devem ser da própria

comunidade, a exemplo do ocorrido em vários países emergentes, incluindo aí o Brasil,

com experiências avaliadas em todo o seu território. Para eles, DL

Pode ser entendido como um processo de crescimento econômico que implica numa contínua ampliação da capacidade de agregação de valor sobre a produção, bem como da capacidade e absorção da região, cujo desdobramento é a retenção do excedente econômico gerado na economia local e/ou a atração de excedentes provenientes de outras regiões. Esse processo tem como resultado a ampliação do emprego, do produto e da renda local da região. (HANSEN; BARRETO JR., 2003, p. 262).

Estes autores também apontam outras características que contribuiriam para o sucesso

do desenvolvimento local: a existência de infraestrutura de valores humanos, a troca de

conhecimentos, uma base social e cultural comum – preocupação com a identidade da

coletividade, a qualidade de vida, os tipos de empregos gerados e a integração social – e

a existência de parcerias entre governos, comunidades e agentes produtivos. Nessa

mesma direção, Silveira (2001) defende a necessidade de combinação de três fatores,

considerados por ele alicerces de processos de DL: a formação de capital humano e

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social; a constituição de novos espaços públicos de formulação e gestão; e a

mobilização produtiva dos territórios.

Para o autor, capital humano estaria associado às “dinâmicas de aprendizagem,

construção de conhecimento e desencadeamento de mudanças comportamentais”,

enquanto capital social se referiria aos “laços de confiança e cooperação, às

competências associativas e às configurações interpessoais e interorganizacionais”.

Capital social seria de fundamental importância para garantir o empoderamento das

populações locais, em especial aquelas em situação de vulnerabilidade e exclusão. Para

isso, implicaria a criação de esferas públicas “organicamente ligadas ao tecido social,

como base para a sociedade influir sobre as políticas públicas”. Mais do que simples

parcerias, o autor defende a “inovação institucional - ou criação de novas

institucionalidades participativas”. (SILVEIRA, 2001, p. 45). (Destaques mantidos

como no original).

A constituição de novos espaços públicos de formulação e gestão é vista por Silveira

(2001) como um dos elementos estruturantes do desenvolvimento local. Estaria ligada à

inovação institucional e à criação de ambientes onde se combinam “articulações estado-

sociedade e intraestatais”. Para seguirem nessa direção, os arranjos ou SPILS deveriam

sustentar-se em ideias básicas, como integração e participação (parcerias,

empoderamento de atores, etc.). “Um dos fatores de sustentabilidade em processos de

desenvolvimento local seria, portanto, a construção de identidades próprias a estes

arranjos, o que supõe considerável grau de horizontalização nas relações

interorganizacionais”. (SILVEIRA, 2001, p. 46).

A mobilização produtiva do território, considerada por Silveira (2001) o terceiro

alicerce de um processo de DL, agregaria o desafio de “interligar o social com o

produtivo”, isto é, articular combate à desigualdade e à exclusão com dinâmicas de

inserção socioeconômica. “Articulam-se aqui a inclusão social, o elo cidadania-trabalho

e a democratização de renda e riqueza. A discussão sobre novas formas de relação

socioprodutiva e, particularmente, o microempreendedorismo articulado em redes,

emerge neste campo de questões”. (SILVEIRA, 2001, p. 47). (Destaques mantidos

como no original).

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Outra dimensão valorizada pelos autores dessa corrente é a da política de participação

democrática, sobre a qual o DL necessitaria de se sustentar para fazer a disputa com as

elites dominantes, buscando alterar as condições de poder existentes, em defesa dos

grupos sociais mais desfavorecidos política, social e economicamente (FREY, 2001).

Neste sentido, democratização e descentralização seriam inseparáveis e mutuamente

inclusivas e potencializadoras da participação popular nos processos de decisão e de

efetivação da justiça social.

Na estratégia de DL, o planejamento alcançaria importância crucial, devendo “ser

compreendido não apenas como orientado pelas necessidades da população, mas

também como conduzido por ela”. (FREY, 2001, p.10). (Grifos como no original). Sua

ação deveria, necessariamente, abranger a política de recursos humanos – a sua

modernização, melhor utilização, melhor formação e nível mais justo de remuneração –,

as modificações no sistema de organização da informação e o reforço da capacidade

administrativa (DOWBOR, 2007). Nessa linha, seria preciso haver intencionalidade no

desencadeamento de um processo de DL, que precisaria, necessariamente ser “pensado,

planejado, promovido ou induzido" (FRANCO, 2000 apud SILVEIRA, 2001, p. 2).

Outros dois importantes aspectos envolvendo as políticas de DL são destacados por

Dowbor (2007, p. 81). O primeiro diz respeito ao fortalecimento das estruturas dos

movimentos locais de participação (como as organizações da sociedade civil e os

sindicatos), considerado “indispensável para que interesses mais amplos constituam um

‘contrapeso’ democrático às estruturas esclerosadas das elites tradicionais e das

corporações”. O segundo está ligado ao processo de aprendizagem, que deveria

envolver todas as organizações, e não apenas as escolas, para, de forma articulada com a

realidade, contribuir para as transformações necessárias.

Uma educação que insira nas suas formas de educar uma maior compreensão da realidade local terá de organizar parcerias com os diversos atores sociais que constroem a dinâmica local. Em particular, as escolas, ou o sistema educacional local de forma geral, terão de articular-se com universidades locais ou regionais para elaborar o material correspondente, organizar parcerias com ONGs que trabalham com dados locais, conhecer as diferentes organizações comunitárias, interagir com diversos setores de atividades públicas, buscar o apoio de instituições do sistema S, como SEBRAE ou SENAC, e assim por diante. (DOWBOR, 2007, p. 82.).

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Ávilla (2006) cunhou a expressão “comunidade ativada para DL” significando que não

existiria “comunidade pronta para DL” e sim localidades com situação propícia para

assumirem seu próprio desenvolvimento, mas que precisariam de um investimento para

tanto. Esta dissertação se encaminhou nessa direção, como se verá nos próximos

capítulos.

1.7 Considerações finais

O arcabouço teórico apresentado acima e considerado, nesta dissertação, como

necessário à fundamentação da construção do Sistema Produtivo e Inovativo Local da

Música de Belo Horizonte, será apresentado, a seguir, num quadro sintético. Foram

listados os fundamentos necessários para que o SPIL alcance competitividade dinâmica

e sustentada e as suas respectivas características. Estes fundamentos balizaram a análise

final dos dados obtidos nas pesquisas documental, bibliográfica e empírica.

QUADRO 01 Fundamentos teóricos para balizar a criação do SPIL da música de Belo

Horizonte e suas características (continua)

Fundamentos teóricos para balizar a criação de um SPIL

Características

Dimensão territorial. Espaço onde ocorrem os processos produtivos, inovativos e cooperativos.

Diversidade de atividades e atores econômicos, políticos e sociais.

Além das empresas e associações de classe, envolve as organizações públicas e privadas voltadas para formação e capacitação de recursos humanos, pesquisa, política, promoção e financiamento.

Conhecimento tácito. Inovação.

Conhecimento que não está codificado, mas implícito e incorporado em indivíduos, organizações e até regiões, apresentando forte especificidade local devido à proximidade territorial e a identidades culturais, sociais e empresariais, caracterizando-se como elemento de vantagem competitiva. Processo que se origina de múltiplas fontes e de complexas interações entre atores, de caráter sistêmico e interativo. Pode ser localizado, pois independe de ser novo ou não em termos nacionais ou

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QUADRO 1 Fundamentos teóricos para balizar a criação do SPIL da música de Belo

Horizonte e suas características (continua)

Fundamentos teóricos para balizar a criação de um SPIL

Características

Aprendizado.

mundiais. A capacidade de inovação é determinada por fatores sociais, políticos, institucionais e culturais específicos aos ambientes em que se inserem os atores econômicos. Aquisição e construção de diferentes tipos de conhecimentos, competências e habilidades. Possibilita aperfeiçoar habilidades em desenvolver, produzir e comercializar bens e serviços. É socialmente determinado e influenciado por formatos organizacionais, institucionais e políticos específicos.

Governança. Articulações. Economia da cultura. Gestão Social. Participação popular.

“Diferentes modos de coordenação entre os atores e atividades, que envolvem da produção à distribuição de bens e serviços, assim como o processo de geração, uso e disseminação de conhecimentos e de inovações’. (LASTRES, CASSIOLATO, 2005, p. 3 Envolvimento dos diferentes atores do SPIL com as capacitações e os recursos humanos, naturais, técnico-científicos, empresariais e financeiros, assim como com outras organizações e com o mercado consumidor local. Aproveitamento das sinergias coletivas geradas pelas interações entre empresas e destas com os demais atores do ambiente onde se localizam. Abarca o setor econômico e simbólico da cultura, como a arte, o folclore, o artesanato, a indústria cultural, o patrimônio material e imaterial, e envolve a produção, circulação e consumo de produtos e serviços culturais. Entendida na perspectiva da contribuição da cultura ao desenvolvimento humano e social de uma sociedade, além da geração de recursos econômicos. Voltada ao bem comum da sociedade, refere-se ao processo decisório exercido por diversos sujeitos representativos de diferentes interesses sociais e ao gerenciamento participativo e dialógico da busca de solução de problemas e de construção de convicções. Prática social e política de constituição de direitos e envolvimento dos atores da sociedade civil na tomada de decisões sobre políticas públicas, tais como: definição de prioridades, alocação de recursos, formulação de programas, controle e fiscalização da ação do Estado.

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QUADRO 1 Fundamentos teóricos para balizar a criação do SPIL da música de Belo

Horizonte e suas características (conclusão)

Fundamentos teóricos para balizar a criação de um SPIL

Características

Mobilização social.

Engajamento ativo de atores sociais, com suas crenças e recursos, orientado por apelo à participação ativa e voluntária, propósito comum de mudança, sentido público do que convém a todos e pela construção de um projeto societário de futuro.

Descentralização do poder. Intersetorialidade.

Processo de transferência de competências e capacidades que determina a redistribuição das decisões políticas. Envolve mudanças na articulação entre Estado e sociedade, de forma que aquele deixa de ser o único responsável pelo equacionamento dos problemas sociais e os beneficiários das políticas públicas são vistos como sujeitos e participantes da sua gestão. Nova lógica para gestão das políticas públicas, que busca superar enfoques e práticas fragmentados, a partir da compreensão do cidadão e de suas necessidades na sua totalidade. Recorre à integração das diversas políticas públicas direcionadas a grupos populacionais que ocupam determinado território. Parte do princípio da importância de se garantir todos os direitos sociais da população.

Rede.

Possibilidade de intercâmbio e interação de pessoas, instituições, comunidades e municípios mobilizados em função de uma ideia ou de ações abraçadas coletivamente. Baseia-se na perspectiva da construção de relações entre os diversos atores sociais, preservando sua identidade, com o objetivo de viabilizar e aperfeiçoar os recursos necessários ao encaminhamento das soluções e obtenção dos resultados almejados.

Desenvolvimento Local.

Estratégia de utilização de recursos e competências locais disponíveis para enfrentar e superar os entraves que impedem a obtenção da qualidade de vida para o conjunto da população. Busca não apenas a produção de bens e o aumento da geração local de emprego e renda, mas a valorização dos saberes, da cultura, da capacidade de organização e da proatividade da população concernida em buscar soluções para seus problemas a partir de seu modo peculiar de ser. Depende, principalmente, da existência de infraestrutura de valores humanos, de uma base social e cultural comum e da existência de parcerias entre governos, comunidades e agentes produtivos. Planejamento e fortalecimento das estruturas dos movimentos locais de participação são fundamentais.

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2 ESTRUTURAÇÃO SUSTENTÁVEL DA CULTURA COMO ATIVIDADE

ECONÔMICA: A MÚSICA NO CONTEXTO DE BELO HORIZONTE

A economia de mercado floresce sobre os alicerces do desenvolvimento social. (Amartya Sen)

2.1 Introdução

Neste capítulo serão analisadas as condições que possibilitam ou dificultam a

estruturação sustentável da cultura como atividade econômica, especialmente no que diz

respeito às atividades musicais desenvolvidas na capital de Minas Gerais. Tendo em

vista que as políticas, tanto públicas quanto privadas, interferem diretamente nos

processos de criação de sistemas produtivos – como visto no capítulo anterior –, a atual

conjuntura nacional, que permeia a política cultural, é um dos principais aspectos que

serão abordados.

Serão consideradas as implicações da legislação federal relativa ao financiamento

cultural nas duas últimas décadas, particularmente os mecanismos de incentivo fiscal; o

comportamento do mercado, sobretudo das empresas patrocinadoras; e os impactos da

cultura na economia local. Os desdobramentos desses mecanismos, identificados na

esfera da legislação do Estado de Minas Gerais e do Município de Belo Horizonte,

também serão apresentados, com o objetivo de se caracterizar o financiamento do

segmento da música na capital.

2.2 A política nacional de cultura e seus reflexos locais

Segundo a Fundação João Pinheiro,

No Brasil os instrumentos de política pública de cultura são claramente insuficientes. Historicamente, sofrem com a falta de recursos orçamentários, baixa visibilidade política, baixa profissionalização e, sobretudo, capacidade de gestão. Soma-se a isto a ausência de equipamentos culturais na maior parte dos municípios, um mercado cultural completamente desregulado e a

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falta de informações sistemáticas, atualizadas e confiáveis para subsidiar a gestão de um sistema nacional de cultura. É histórica e crônica a falta de informações sobre a cultura no país. (FJP, 2010, p. 10).

Os estudos apontam que o Estado brasileiro tem praticado uma política cultural

fragmentada e descontinuada – centrada em projetos pontuais ou emergenciais,

caracterizados como eventos – que, apesar de importante para o estímulo e a criação de

condições materiais para muitas das ações implementadas nos últimos 20 anos, tem se

mostrado limitada por não conseguir atingir o objetivo de universalizar os direitos

culturais. Segundo o IPEA (2007), a principal diferença entre uma política cultural e

uma política de eventos estaria em seus objetivos. A primeira seria voltada para a

legitimação e universalização dos direitos culturais, enquanto a segunda se proporia à

legitimação e promoção dos governos. Enquanto a política cultural requer um

planejamento de longa duração, tendo como prioridade a geração de serviços

permanentes, a outra é de curto prazo e focada apenas em eventos pontuais.

Um dos fatores responsáveis por essa situação, citado pela FJP (2010), seria a ausência

de instituições consolidadas, com recursos técnicos, humanos e financeiros em

condições de executar uma política pública de cultura que consiga garantir esses

direitos. Embora, hoje, todos os estados brasileiros disponham de uma Secretaria de

Cultura, nos municípios a situação mostra-se bastante variável quanto à estrutura

institucional responsável pela gestão pública da cultura. Segundo o Ministério da

Cultura (BRASIL, 2009), em 70,9% dos municípios brasileiros a função cultural não

dispunha de um órgão próprio, sendo formalmente exercida em secretarias municipais

em conjunto com outras políticas (principalmente educação, turismo e esportes); apenas

9,4% dos municípios contavam com uma secretaria de cultura exclusiva e 1,9% com um

órgão da administração indireta para cuidar exclusivamente dessa área.

Mesmo nas capitais a cultura ainda não se encontra institucionalmente estruturada. Belo

Horizonte é um desses exemplos. Sexta maior metrópole brasileira em população,

segundo o IBGE26, a capital mineira teve a sua Secretaria Municipal de Cultura extinta

em 2004 e substituída por uma fundação da administração indireta, ligada ao gabinete

26 Fonte: IBGE. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1766. Acesso em: 17 Out. 2010.

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do prefeito: a Fundação Municipal de Cultura (FMC). A inclusão da cultura no rol das

secretarias municipais tem sido valorizada pelo próprio Ministério da Cultura – MinC

(IBGE, 2006; BRASIL, 2009), que a considera um indicativo da importância atribuída à

área nas pesquisas que realiza para avaliar a gestão municipal.

Outra característica da capital mineira é a ausência de um Conselho Municipal de

Cultura, considerado pelo MinC (BRASIL, 2009) uma das formas recentes de interação

institucional entre a sociedade civil e o poder público municipal. O de Belo Horizonte,

criado pela lei municipal n° 9.577, de julho de 2008, até março de 2011 não havia sido

instalado, mesmo com a decisão da II Conferência Municipal de Cultura, realizada em

outubro de 2009, de que houvesse a sua implantação “com caráter deliberativo e

processo de regulamentação participativo e democrático, em seis meses, a partir da data

desta Conferência” 27.

O Sistema Nacional de Cultura (SNC) 28, que vem sendo implantado pelo governo

federal e que já significa um marco importante para a área no país, prevê como seus

elementos constitutivos no âmbito municipal, a existência de um órgão gestor, um

sistema municipal de financiamento à cultura, Conferência Municipal de Cultura, um

conselho municipal de política cultural, um sistema municipal de informações e

indicadores culturais e um programa municipal de formação cultural, além de sistemas

setoriais de cultura (entre eles o da música) e de um plano municipal de cultura. Além

da Fundação Municipal de Cultura, da Conferência e da Lei Municipal de Incentivo à

Cultura de Belo Horizonte (LMIC) 29, a capital mineira não dispõe de nenhum desses

instrumentos.

Esses sistemas municipais, em articulação com os sistemas estaduais, o sistema nacional

e representações da sociedade civil, dariam o suporte à gestão compartilhada da política

nacional de cultura e o acesso dos municípios ao Fundo Nacional de Cultura (FNC) –

fundo público constituído por recursos direcionados à execução de programas, projetos

27 Fonte: Site da Fundação Municipal de Cultura. Disponível em: http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?app=fundacaocultura. Acesso em: 15 Nov. 2010. 28 Projeto de Emenda Constitucional, PEC 416/2005, que tramita no Congresso Nacional, cria o Sistema Nacional de Cultura (SNC) – “processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da federação e a sociedade”. (ANEXO I). 29 Lei Municipal n° 6.498, de 29 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto Municipal n° 11.103, de 5 de Ago. 2002.

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ou ações culturais provindos de nove Fundos Setoriais, entre eles de um específico para

a música. Dentro deste arcabouço, foi sancionada pelo então Presidente da República,

em dezembro de 2010, a lei que instituiu o Plano Nacional de Cultura (PNC)30, que

estabelece as diretrizes da política nacional de cultura para os próximos dez anos, a

serem seguidas por estados e municípios. São questões que precisam ser levadas em

conta ao se discutir as condições para o desenvolvimento do setor musical de Belo

Horizonte.

No âmbito estadual, embora a legislação mineira garanta a existência de um Conselho

Estadual de Cultura (Lei 11.484 de 10/06/1994, em vigor, que revogou a Lei n° 8.502

de 19/12/1983, que o havia criado), o mesmo encontra-se desativado há mais de uma

década. Na Recomendação N° 7, de 23 de junho de 2010, o Conselho Nacional de

Política Cultural (CNPC) aponta Minas Gerais, ao lado dos estados do Paraná e de

Rondônia, como os únicos a “não terem constituído e instalado conselhos estaduais de

política cultural”.31 Para o CNPC, a instalação dos conselhos nas esferas estaduais e

municipais é fundamental para que haja o repasse de recursos federais.

O segundo fator importante, apontado pela FJP (2010), que influencia a situação da área

cultural é a falta de informações sistemáticas, atualizadas e confiáveis que possam

subsidiar a sua gestão. Embora haja registro de algumas pesquisas e estatísticas sobre a

área da cultura no país, feitas por entidades governamentais e não-governamentais, a

produção de informações e indicadores culturais ainda não existe de forma sistemática,

atualizada e coordenada. A primeira iniciativa de âmbito nacional neste sentido só se

concretiza em 2009, com a publicação pela Fundação Nacional de Artes (Funarte),

ligada ao Ministério da Cultura (MinC), do Anuário de Estatísticas Culturais 2009:

Cultura em Números32. O surgimento desse instrumento constituiu o primeiro passo em

direção à recente criação do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais

30 A Lei n. 12.343 de 02 Dez. 2010, entre outras providências, institui o Plano Nacional de Cultura, que define os princípios e objetivos para a área cultural nos próximos dez anos, discrimina os órgãos responsáveis pela condução de suas políticas e os aspectos relativos ao seu financiamento. (ANEXO II). 31 Fonte: Diário Oficial da União de 29 Jul. 2010, p. 9. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/cnpc/wp-content/uploads/2009/03/recomendacao-07-dou.pdf. Acesso em: 10 Out. 2010. 32Disponível em: http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2009/10/cultura_em_numeros_2009_final.pdf. Acesso em: 15 Set. 2010.

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(SNIIC) 33, que permite conhecer e mapear a situação da cultura no país, a partir da

análise dos aspectos econômicos da produção nacional de bens e serviços culturais; das

despesas orçamentárias do governo com a administração, operação e suporte dos órgãos

de cultura; da posse, pelas famílias, de bens duráveis relacionados à cultura e, também,

do perfil socioeconômico da população ocupada em atividades culturais.

Com a parceria firmada em 2004, o Ministério da Cultura solicita ao IBGE a inclusão

de um bloco de cultura na Pesquisa de Informações Básicas Municipais – MUNIC34,

realizada anualmente desde 1999, a partir de informações das prefeituras de todos os

municípios do país sobre as práticas da gestão municipal. A MUNIC se torna, então,

outra base de dados que permite a realização de diagnósticos sobre a infraestrutura da

cultura, a partir dos equipamentos instalados nos municípios brasileiros.

Um terceiro e fundamental fator apontado pela FJP (2010) é a carência de recursos

orçamentários para a cultura. Segundo a pesquisa, a política cultural em exercício hoje

no país baseia o seu financiamento fundamentalmente nos recursos advindos das leis de

incentivo – a Lei Rouanet de 1991 e a do setor audiovisual de 1993, responsáveis pela

maior parte dos projetos culturais nos últimos 20 anos. Como fontes federais de

financiamento menos importantes surgem o Fundo Nacional de Cultura e o Fundo de

Investimento Cultural e Artístico (Ficart). Exemplo desse quadro no âmbito municipal,

os dados encontrados pela FJP (2003a, p. 59) apontam que

[...] em 98% dos municípios mineiros (813 municípios) a despesa em cultura representa uma participação relativa na despesa total inferior a 3%. Esses percentuais mostram a reduzida importância relativa das despesas em cultura no volume dos gastos orçamentários totais de cada um dos municípios mineiros [...].

Vários estudos, entre eles o do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA,

2007), criticam a omissão dos governos anteriores em relação às políticas culturais,

33 Criado pela lei 12.343, de 02 Dez. 2010, que também instituiu o Plano Nacional de Cultura (PNC). Disponível em: http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2009/10/cultura_em_numeros_2009_final.pdf. Acesso em: 16 Set. 2010. 34 Fonte: MinC. Disponível em: www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/perfilmunic/2005/munic2005.pdf. Acesso em: 17 Set. 2010.

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apontando a ausência de uma ação sistemática do Estado brasileiro na indústria cultural,

à exceção do setor audiovisual e do cinema. Constata-se que o grande investimento na

produção cultural brasileira é privado, vindo de segmentos como as redes de televisão,

do mercado editorial e da indústria fonográfica.

Procurando reverter esta situação, encontra-se em tramitação no Congresso Nacional o

Projeto de Lei n° 6.722/2010, que institui o Programa Nacional de Fomento e Incentivo

à Cultura (Procultura), que irá substituir a Lei Rouanet. Estabelecendo novas regras de

incentivo fiscal à cultura, este Programa prevê os seguintes mecanismos: Fundo

Nacional da Cultura (FNC), que cria os fundos setoriais, demanda antiga da classe

artística, geridos por colegiados e comitês formados por representantes da sociedade

civil e com mecanismos de repasse de verbas, tais como editais públicos elaborados

com base em critérios claros e transparentes; Incentivo Fiscal a Projetos Culturais (toma

como base a Lei Rouanet); Fundo de Investimento Cultural e Artístico (Ficart) e Vale-

Cultura35, criado por lei específica.

Segundo o art. 1° desse projeto de lei, o Procultura tem por “finalidade mobilizar e

aplicar recursos para apoiar projetos culturais que concretizem os princípios da

Constituição, em especial os dos Arts. 215 e 216” 36, cujos caputs determinam:

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (BRASIL, 1988, p. 141).

35 O Projeto de Lei 5.798 de 2009, que se encontra na última etapa de tramitação na Câmara dos Deputados, cria o Vale-Cultura, prevendo benefício de R$ 50 por mês para trabalhadores com carteira assinada, que recebem até cinco salários mínimos, para a compra de CDs, DVDs ou para aquisição de ingressos para espetáculos de dança, teatro, cinema e circo. Fonte: MinC. Disponível em: http://blogs.cultura.gov.br/valecultura. Acesso em: 22 Mar. 2011. 36 Fonte: MinC. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/site/2010/02/03/74194. Acesso em 15 Nov. 2010.

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Em 2006, o Ministério da Cultura conseguiu que o Programa de Desenvolvimento da

Economia da Cultura (Prodec) fosse inserido no Plano Plurianual do Governo Federal.

Com isso, a construção de indicadores e diagnósticos, a capacitação, a promoção de

negócios, a divulgação de produtos e serviços culturais passaram a ter orçamento

próprio a partir de 2007, estimulando a organização de arranjos produtivos e o

desenvolvimento dos elos das diferentes cadeias produtivas.

Desde o advento dos mecanismos de incentivo fiscal criados pelo Governo Federal,

estados e municípios passam a replicar essas leis, seguindo na linha do incentivo à

cultura a partir da isenção fiscal, hoje responsável por mais da metade dos recursos da

área. Pela importância que esses mecanismos assumiram para o financiamento da

cultura no País, em particular em Belo Horizonte, essa questão será objeto de análise

detalhada na próxima seção deste capítulo.

Entre os principais problemas da atual política cultural brasileira, a FJP (2010) destaca,

ainda, a ausência de uma interrelação entre todos os elos das cadeias produtivas dos

diversos setores culturais, tais como: a formação de público, a criação, a produção, a

distribuição e o consumo/exibição. Para isso, contribuiriam a já mencionada política

baseada em eventos e a descontinuidade dos financiamentos, o que reforçaria o caráter

de descontinuidade do próprio trabalho artístico.

Também as altas taxas de informalidade do setor são consideradas um dos fatores

responsáveis pela precariedade das atividades culturais, às quais se associam riscos de

doença, perda de renda e a falta de proteção social, como os direitos ao envelhecimento

com qualidade de vida. Segundo o IPEA (2007), existia uma média, considerada

elevada, de 38,7% de ocupações informais no setor cultural brasileiro em 2001, sendo

que entre os músicos essa taxa chegaria a 91,1% no mesmo período. Apesar dessas

dificuldades, o número registrado de empregos formais no setor cultural brasileiro é

considerado bastante significativo: 700 mil empregos em 2000, registrando um

acréscimo nas ocupações formais em música de 1,7% entre 1992 e 2001. (FJP, 2010,

p.13).

Os problemas acima mencionados são considerados pela FJP (2010) grandes

empecilhos para se alcançar os objetivos pretendidos pelo Plano Nacional de Cultura

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(PNC), como a integração das ações do poder público visando à defesa e valorização do

patrimônio cultural brasileiro e a democratização do acesso aos bens de cultura. Desse

cenário também participa o município de Belo Horizonte e a gestão do segmento

musical local, como será analisado mais adiante.

2.3 O financiamento da cultura: leis de incentivo fiscal e fundos

públicos

No âmbito do governo federal, a sistemática de financiamento da cultura baseia-se na

articulação entre duas fontes: o incentivo fiscal, que faculta a aplicação por pessoas

físicas e jurídicas de parte dos impostos devidos em atividades culturais; e os recursos

orçamentários nos quais se incluem o Fundo Nacional de Cultura (FNC) e o Fundo de

Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional (Funcines).

O primeiro mecanismo brasileiro de incentivo fiscal, surgido em 1986, ficou conhecido

como Lei Sarney (Lei n° 7.505/86) e estimulava os empresários a investir na área

cultural em troca da dedução de parte do investimento realizado no Imposto de Renda

devido. Em 1992, ela é substituída pela Lei Rouanet (Lei 8.313/91) 37, atualizada pelo

Decreto-Lei nº 1.494, de maio de 1995, que criou o Programa Nacional de Apoio à

Cultura (Pronac). (FJP, 2003a). Atualmente, essa lei encontra-se em novo processo de

reformulação para se transformar num dos mecanismos do Procultura.

A outra lei federal de incentivo à cultura por meio da renúncia fiscal em vigor é a Lei do

Audiovisual (Lei n° 8.685/93), considerada a principal responsável pelo crescimento do

financiamento ao cinema e do número de filmes produzidos e em processo de produção

nos últimos anos. (FJP, 2003a). Ela segue a mesma lógica dos incentivos fiscais e se

destina a projetos cinematográficos de produção independente e a outros projetos de

exibição, distribuição e infraestrutura técnica da área audiovisual.

37 Cujo nome é uma homenagem a um de seus idealizadores, o embaixador Sérgio Paulo Rouanet, então secretário da cultura da República.

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Em 1991, São Paulo criou a pioneira Lei Mendonça (Lei n° 10.923/90), logo

reproduzida por vários municípios e estados. Ela permitia aos contribuintes aplicar na

cultura recursos deduzidos do Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana (IPTU) e

do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). Na esfera estadual, as

deduções passam a ser feitas sobre o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação

de Mercadorias (ICMS) e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e

Intermunicipal e de Comunicação. (FJP, 2003a).

Por se tratarem de mecanismos independentes e de esferas distintas, as leis federal,

estadual e municipal de incentivo podem ser aplicadas simultaneamente a um mesmo

projeto, aumentando sua capacidade de captação de patrocínio. Segundo estudos da

Fundação João Pinheiro (2003a), as leis de incentivo à cultura têm desempenhado

importante papel no fomento e no crescimento do número de projetos culturais

patrocinados e nos valores gastos com cultura nas três esferas da União.

Muitas têm sido as vantagens apontadas como decorrentes desse mecanismo. Por parte

da sociedade, artistas e profissionais do setor viram na sua criação uma oportunidade de

obter recursos para enfrentar a ausência de apoio institucional para pesquisa, criação,

produção e circulação de bens artísticos e culturais. Segundo a FJP (2003a, p.11), “as

leis de incentivo fiscal à cultura se tornaram o grande veículo para que produtores

culturais e artistas de todo o país conseguissem viabilizar seus projetos”. A mobilização

de artistas e produtores para elaborar e apresentar projetos, iniciativa até então restrita

aos órgãos públicos, provoca um novo interesse pelo desenvolvimento cultural,

contribuindo para aumentar o protagonismo da sociedade. Dados da FJP (2003a)

comprovam o surgimento de várias associações e entidades voltadas para o apoio e

manutenção de diferentes instituições e organizações, como museus, teatros, grupos de

cultura popular, dentre outros, ampliando as possibilidades do patrocínio cultural.

Outra conseqüência positiva produzida por essas leis seria o surgimento, por meio da

organização em fóruns de debates e outras frentes em defesa das questões culturais, de

um movimento crescente da sociedade levando à reunião de demandas, até então

dispersas, em torno de interesses comuns. (FJP, 2003a). Exemplo significativo seria o

Fórum da Música de Minas, criado em 2008, a partir da mobilização do setor musical de

Belo Horizonte, que será objeto de análise mais adiante. A influência sobre a

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profissionalização do setor artístico-cultural seria outro aspecto positivo atribuído ao

uso do mecanismo, pois para se habilitar ao usufruto dos direitos que as leis conferem,

empreendedores e artistas tiveram de adotar requisitos básicos de profissionalização,

melhorando, assim, a qualidade dos eventos e produtos culturais. (FJP, 2010).

A par da contribuição que os mecanismos de incentivo fiscal à cultura propiciaram ao

incremento da sua gestão, três pontos críticos se destacariam nesse processo, segundo a

FJP (2010):

O fato de ter gerado nas empresas a prática de patrocinar só projetos aprovados por leis, de o patrocínio cultural estar atrelado à renúncia fiscal; A ausência de monitoramento dos projetos, seja do ponto de vista artístico-cultural, seja em relação ao acompanhamento de público pelas instituições gestoras das leis, o que acaba por imprimir certo viés de política de balcão aos projetos incentivados; O fato de o desenvolvimento do mercado de patrocínio ter gerado realidades “perversas”, tais como o da adequação do projeto inicial do empreendedor à demanda da empresa, o que significa um tolhimento da liberdade criativa, segundo produtores culturais entrevistados, “sem querer você vai conduzindo o seu projeto para aquilo que a empresa quer”. (FJP, 2010, p. 16-17). (Grifos, aspas e itálicos conferem com o original).

Contrariando as expectativas que acompanharam a criação dessas leis, dados coletados

pelo IPEA (2007) mostram que, a partir do advento do incentivo fiscal, as empresas, de

um modo geral, deixaram de lado e, na maioria das vezes, têm sistematicamente se

recusado a patrocinar projetos que não tenham sido aprovados mediante esse

mecanismo. Isto é, querem usar apenas os recursos da renúncia fiscal, para não

precisarem investir recursos próprios, e têm se oposto até mesmo à contrapartida,

demonstrando pouco interesse pelo desenvolvimento da cultura.

Apesar do aumento da captação de recursos, dados indicam uma diminuição na

contrapartida do empresariado. Segundo o IPEA (2007), em meados da década de 1990,

as empresas aportavam recursos novos da ordem de 60% e a renúncia representava os

outros 40%. No início dos anos 2000, essa relação havia se invertido, com a

contrapartida das empresas caindo para 40%. Em Belo Horizonte, este índice

atualmente é de 20%, mas parte do segmento cultural defende a sua extinção, com o

argumento de atrair novos patrocinadores.

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O depoimento de um dos músicos entrevistados pela Fundação João Pinheiro, retrata

bem esse quadro:

Um aspecto que é muito complicado é a contrapartida. [...] Ano passado tinha um projeto, aprovei o projeto. Quando eu fui atrás do patrocinador, chiou por causa da história da contrapartida em dinheiro. Porque o meu projeto aprovado era 100 mil e ele tinha que me dar mais 20 mil em dinheiro do caixa dele. E eles como empresários não querem pôr esse dinheiro na roda. Ainda falei com o cara: vamos dividir a contrapartida ao longo do ano. Não, eu não posso fazer isso não porque tem a crise chegando aí. (FPJ, 2010, p. 17).

Análise complementar sobre o papel do empresariado nesse processo da renúncia fiscal

será apresentada na seção 2.3.1.

O segundo ponto crítico apontado pela FJP (2010) se refere à ausência de

monitoramento dos projetos após sua aprovação pelos órgãos gestores da Lei. Estes não

são, portanto, acompanhados com relação à qualidade artístico-cultural, à receptividade

e aceitação por parte do público, o que poderia contribuir para formulação de políticas

de formação de plateia. Dessa forma, não se obtém uma avaliação completa do

mecanismo. Um agravante desse problema seria o fato de as leis não levarem em conta

a existência de projetos que têm continuidade e que, por isso, precisariam de um

financiamento de maior prazo. Praticamente toda a legislação prevê 12 meses como

prazo máximo de execução de um projeto cultural, obrigando seus proponentes a

submeterem, anualmente, o mesmo projeto ao custoso processo de seleção e captação.

O terceiro ponto crítico mencionado relaciona-se diretamente a influências do mercado

sobre o artista, colocando a sua obra em risco potencial. A situação que leva o artista a

modificar ou “adaptar” sua proposta para se enquadrar nas exigências da empresa cujo

patrocínio pretende captar pode resultar em distorção, comprometendo o processo de

criação e a liberdade de expressão artística, que deveriam ser preservados. (FJP, 2010)

De um modo geral, a predominância de recursos de financiamento da cultura oriundos

de incentivo fiscal sobre aqueles de orçamentos públicos é criticada por artistas,

produtores e profissionais da área. A maior preocupação seria quanto à instabilidade

desta política de financiamento, pois o apoio das empresas é baseado na sua

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rentabilidade, vulnerável às oscilações econômicas e do mercado. Exemplo recente seria

a crise econômica de 2008, que, segundo a FJP (2010, p. 15-16), “expôs artistas e

produtores culturais a uma situação de instabilidade que provocou o fechamento de

algumas empresas e levou muitos artistas a situações financeiras inviáveis”.

Tal fato contribuiu para mostrar a fragilidade desse modelo e reforçar a necessidade de

políticas de financiamento baseadas em investimentos diretos do próprio governo,

comprometidas com a sustentabilidade da área cultural. Isso demanda mudança de

direção, pois “a centralização da política cultural nas leis de incentivo tem desviado a

atenção para a diminuição dos orçamentos públicos de cultura, e substituído os recursos

orçamentários para o setor”. (FJP, 2010, p. 13).

2.3.1 O papel das empresas na política de renúncia fiscal

Como foi analisado, o mecanismo das leis de incentivo baseia-se na renúncia fiscal por

parte do Estado e no direcionamento de parte do imposto devido à União, Estado ou

Município ao patrocínio cultural de projetos escolhidos pelo próprio patrocinador,

pessoa física (indivíduo) ou jurídica (empresa), dentre aqueles já aprovados. Esse

modelo pressupõe parceria entre os três principais atores sociais envolvidos: a sociedade

(produtores culturais e artistas), que apresenta sua demanda ao Estado por meio de um

projeto; o Estado, que concede o incentivo e fiscaliza a execução do projeto e a

aplicação dos recursos; e o mercado, representado pelas empresas patrocinadoras, que

opta pela transferência de recursos para o produtor cultural em troca dos benefícios

fiscais oferecidos pelo Estado. (FJP, 2003a).

Exercendo o papel de indutor do financiamento privado, o Estado abre mão de parte do

imposto que lhe é devido em benefício da cultura e assume a responsabilidade de

delimitar as normas que regerão os mecanismos de incentivos fiscais. Cabe ao Estado a

definição dos percentuais de desconto sobre os impostos e o teto de incentivo das

empresas, por um lado, e a aprovação dos projetos que serão contemplados, de outro,

sinalizando para a sociedade e para o mercado as prioridades do investimento cultural.

(FJP, 2003a).

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Uma característica importante dessas leis é a definição de um percentual de

contrapartida a ser desembolsado pelas empresas ao apoiar os projetos culturais, que

tem variado entre 15% e 20% do custo total. Essa regra visa garantir o envolvimento de

recursos próprios da empresa, independentes da isenção fiscal, criando condições

institucionais e o ambiente necessário para que as mesmas invistam no desenvolvimento

cultural do país. Ao analisar os investimentos por meio da Lei Estadual de Incentivo à

Cultura de Minas Gerais e as respectivas contrapartidas das empresas no período de

1998 a 2001, a FJP (2003a) conclui que

A leitura dos números referentes à participação própria dos patrocinadores confirma a importância dessa exigência, uma vez que representa acréscimo substancial de recursos para o setor da cultura, tão carente de financiamentos. Além disso, os recursos da contrapartida são privados, o que estreita a parceria entre o setor público e a iniciativa privada no fomento às atividades artístico-culturais do estado. (FJP, 2003a, p. 47).

Essa idéia de estimular o incentivo das empresas faz parte do dispositivo desde a sua

criação e, segundo alguns autores, entre eles a FJP (2003a), surgiu não apenas para

propiciar um benefício contábil às empresas ou retorno de imagem,

[...] mas, visava criar uma atmosfera propícia e uma mentalidade coletiva favorável à parceria entre Estado, produtores culturais e empresas com vistas à criação e produção culturais - que, nesses termos, converte-se em um compromisso das partes com o público”. (MOISÉS,1998, p.3 apud FJP, 2003a, p. 6).

Baseou-se na avaliação de que o mecanismo de incentivo fiscal poderia contribuir para

fomentar a atitude das empresas de investirem recursos próprios em cultura. Acreditava-

se que uma política intensiva de subsídios para a área colaboraria para estruturar o

mercado, permitindo que o Estado se retirasse progressivamente. Uma das hipóteses era

de que o retorno obtido pelas empresas por meio do chamado marketing cultural seria

suficiente para garantir-lhes o interesse em prosseguir no investimento, que lhes

possibilitava novos meios de promoção de suas marcas e produtos e uma nova

ferramenta de comunicação. (FJP 2003a).

Vem daí o caráter de mecenato inicialmente atribuído ao patrocínio pelas empresas por

meio das leis de incentivo. Segundo o Novo Dicionário Aurélio, mecenas seria o

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“patrocinador generoso, protetor das letras, ciências e artes, ou dos artistas e sábios”.

(FERREIRA, 1975, p. 903). A intenção clara era a de que tal mecanismo fomentasse

essa prática no país. Entretanto, todas as análises, entre elas a da FJP (2003a), mostram

que a lei não conseguiu criar uma cultura de mecenato no Brasil. Em declaração

publicada no site do Ministério da Cultura, em outubro de 2008, o então Ministro Juca

Ferreira afirma que “95% do dinheiro dos projetos é público” e que “só no Brasil o

mecenato é pegar dinheiro do Estado pra fazer filantropia cultural” 38.

Essas afirmações baseiam-se no fato de que a renúncia fiscal, responsável pela maior

parte do financiamento da cultura brasileira hoje, tem sua origem no imposto devido

pela empresa, isto é, valores que, se não fossem destinados ao patrocínio cultural, iriam,

inevitavelmente, para os cofres do Tesouro. Seria, portanto, dinheiro público e não

haveria aí envolvido “patrocinador generoso” algum, ou seja, nenhum investimento

direto e despretensioso, prerrogativa que identifica o mecenato.

Outra característica das leis de incentivo que confirmaria essa leitura é o fato de

permitirem às empresas, como uma das contrapartidas, o uso da sua imagem na

divulgação dos projetos por elas patrocinados. Nesse caso, a empresa faz uso de

dinheiro público (imposto devido ao Estado) para viabilizar a realização de um projeto

cultural e se utiliza da divulgação desse projeto para obter vantagens financeiras e

mercadológicas, por meio do marketing cultural. (FJP, 2003a). Os estudos mostram que

os empresários descobriram que aliar uma manifestação cultural à imagem de suas

empresas e à de seus produtos pode trazer ganhos em razão da agregação de valores

simbólicos como beleza, sofisticação, exclusividade, ousadia e prestígio. Isto

contribuiria para aumentar o potencial mercadológico dos produtos, uma vez que o

consumidor tende a se vincular mais a uma marca que ele perceba associada a uma

atividade cultural de que goste ou que valorize. (FJP, 2003a).

Aos poucos, então, as empresas passam a reconhecer o potencial da cultura para atrair

público e conferir ganhos de imagem e credibilidade. Como lhes cabe escolher os

38 Fonte: Site MinC. Disponível em: http://blogs.cultura.gov.br/blogdarouanet/mudanca-de-financiamento-e-destaque-em-dialogo-cultural. Acesso em: 10 Dez. 2010.

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projetos a patrocinar, a decisão sobre a manifestação artístico-cultural que será levada

ao público (tipo, segmento cultural, público-alvo etc.) fica em suas mãos, apesar dessa

escolha recair sobre projetos previamente aprovados por representantes do setor público

e da classe artística que integram as comissões de avaliação dos projetos conforme

exigência da Lei. Sobre esta questão, um dos músicos entrevistados pela FJP se

manifesta da seguinte forma:

Mas o que acontece com a lei de incentivo? Ela faz com que o curador da lei não seja uma pessoa voltada para cultura e sim o diretor de marketing da empresa. Então, a empresa só vai patrocinar, por mais que seja por lei, por mais que tenha isenção, só vai apoiar aquilo que tiver um retorno ótimo para a empresa, vai querer os artistas que tragam o maior número possível de público, e tenham repercussão na mídia. (FJP, 2010, p. 18).

Nesse processo, onde os patrocínios são tratados pelo viés exclusivo do marketing

mercadológico, projetos mais inovadores, experimentais ou ligados a manifestações de

caráter local acabam encontrando maior dificuldade para atrair a atenção das empresas.

A grande maioria dos projetos incentivados fica, assim, restrita a modalidades

consideradas mais populares e a regiões de maior concentração de riqueza e dinamismo

econômico. “No caso brasileiro, o sudeste do país - especialmente São Paulo e Rio de

Janeiro - é a região privilegiada de captação de recursos privados para a cultura. (FJP,

2003a, p.8).

Nessa perspectiva, respeitando-se a importante participação da iniciativa privada,

caberia ao Estado assumir o papel claro de regulador do mercado a partir de planos

estratégicos de investimento que conciliem os recursos injetados na cultura por meio do

incentivo fiscal com os investimentos com recursos do Tesouro. Para a FJP, o Estado

não pode “prescindir de sua função reguladora, especialmente porque o mecanismo

criado baseia-se em recursos públicos oriundos de renúncia fiscal”, devendo “orientar o

investimento privado para aquelas modalidades artísticas que expressem valores

culturais importantes para as comunidades que as geraram”. (FJP, 2003a, p. 6).

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2.3.2 A Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais:

especificidades, aplicações e implicações para o

segmento musical

Por se tratar da principal fonte de recursos públicos para os projetos musicais de Belo

Horizonte, a Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais mereceu um olhar

mais detalhado no presente estudo. Instituída em 1997, passou por várias reformulações,

dando origem à Lei n° 17.615/08, regulamentada pelo Decreto n°. 44.866/08, em vigor.

Para a FJP essa lei tem possibilitado a realização de importantes projetos culturais no

Estado, recebendo o reconhecimento do setor artístico como “importante instrumento de

fomento e de estruturação da cadeia produtiva do setor cultural”. (FJP, 2010, p. 20).

Dados da FJP (2003a) indicam que a parcela dos recursos destinada à renúncia fiscal era

de 0,15% do montante da receita líquida anual do Imposto sobre Circulação de

Mercadorias e Serviços (ICMS), ou R$ 8,9 milhões em 1998, primeiro ano de vigência

desta lei, e atingiu 30% (R$ 17,3 milhões) em 2001. Este índice permanece até hoje

(2011). Uma conclusão importante a que chegou a FJP (2010) é de que a música é um

dos segmentos culturais mais contemplados pela Lei de Incentivo Estadual:

[...] diversos projetos foram realizados para produção e circulação da música, reforçando seu papel como uma das manifestações artísticas mais ricas de Minas e de todo o país. [...] no período de 1998 a 2007, 59,9% dos projetos aprovados e 66,7% dos incentivados são das áreas de música e artes cênicas”. Essa concentração se manteve neste patamar ao longo de todos os anos avaliados, indicando serem estas as duas áreas de maior peso nas atividades artísticas e culturais do estado. (FJP, 2010, p. 20).

Em relação ao desempenho da Lei, o cenário mineiro, assim como o belo-horizontino,

acompanha o nacional nas críticas mais gerais que dizem respeito a questões como a

baixa consciência das empresas quanto ao seu papel no desenvolvimento da cultura; a

falta de orçamento e de diretrizes para a área; a ausência de financiamentos de longo

prazo; a influência das oscilações econômicas e de mercado; e, a principal crítica: o

caráter excludente e concentrador do ponto de vista das regiões mais e menos

desenvolvidas do Estado e da capital. (FJP, 2010).

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Exemplo de exclusão seria a distribuição espacial no município de Belo Horizonte dos

empreendedores dos projetos culturais realizados por meio da Lei de Incentivo Estadual.

Análise da FJP constata grande concentração de projetos nas regiões “onde residem os

estratos mais elevados do município” (FJP, 2003b, p. 9), em detrimento dos bairros

mais periféricos. Os dados relativos ao período 1998 a 2002 mostram que:

Considerando somente os projetos apresentados por pessoas físicas residentes em Belo Horizonte, verifica-se que 47% são de empreendedores da região centro-sul, 15,3%, da região leste e 12,3%, da região oeste. Constata-se, pois, uma concentração nas regiões em que residem os estratos sociais mais elevados do município. As regiões periféricas como Barreiro, Venda Nova e norte apresentaram, respectivamente, somente 0,9%, 1,1% e 1,4%, dos projetos de Belo Horizonte. (FJP, 2003b, p. 9).

A relação de projetos de Belo Horizonte aprovados por meio da Lei de Incentivo

Estadual é um exemplo dessa exclusão. Os dados relativos ao período 1998 a 2002,

obtidos pela FJP (2003b), mostram que, enquanto 52,2% dos projetos de

empreendedores localizados na região Centro-Sul foram aprovados, esse índice alcança

somente 34,9% dos apresentados pelos de Venda Nova. E o índice de aprovação

diminui à medida que se avança para a periferia da cidade. Essas análises reforçam a

crítica à centralização da política cultural neste mecanismo, em detrimento de políticas

de Estado, como argumenta um dos músicos belo-horizontinos entrevistados pela FJP:

Falta uma política cultural. Se tivesse um mecanismo de financiamento que não fosse “patrocínio-dependente”, teria uma liberdade criativa, uma liberdade muito maior de implementar ações, se fosse garantida a possibilidade de fazer projetos de longo prazo e com valores consideráveis. Porque foi assim que se desenvolveu a indústria cultural de base [...] no mundo. O mais perverso de tudo é que o estado se omite. Porque o que vira política pública de cultura é só a lei. O que devia ser apenas um instrumento, uma ferramenta, vira a própria política. Isso é o mais difícil. Então, quando você pergunta: você viveria sem lei? Respondo: é claro que não, como é que vou viver sem lei se só tenho a lei? (FJP, 2010, p. 15).

Sobre os pontos positivos, há o reconhecimento de certa modernização da produção

cultural do estado após a criação da lei de incentivo, que teria elevado o nível

profissional da área em todos os segmentos (música, teatro, dança etc.). Ao induzir a

formação profissional e exigir disciplina nos processos, contribuiria para combater a

informalidade e o amadorismo. Nesse sentido, a legislação mineira prevê que todo

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projeto cultural incentivado deverá utilizar, total ou parcialmente, recursos humanos,

materiais e naturais disponíveis no Estado. Depoimento de outro entrevistado pela FJP

ressalta:

A economia da cultura, principalmente em Minas, existe antes e depois das leis de incentivo. Houve uma modernização da produção após as leis. Antigamente os shows de MPB mineiros eram realizados com quatro ou cinco holofotes de luz branca, bem amador. Hoje tem uma equipe muito sofisticada, consegue-se com a turma daqui fazer um DVD de qualidade, bacana. (FJP, 2010, p. 18).

O incentivo à área cultural de Minas Gerais é realizado por meio da redução fiscal

referente ao ICMS, que pode ser deduzido no montante o equivalente a até 80% do

valor repassado ao projeto patrocinado. Diferentemente das demais, a legislação mineira

aceita como incentivador o contribuinte cujo ICMS esteja incluído na dívida ativa do

Estado, o que amplia os recursos destinados aos projetos culturais. A natureza do

projeto determina a faixa em que este se enquadra em relação ao valor máximo a ser

autorizado.

Em 2010, esses valores eram os seguintes: produtos culturais (filmes, CDs, livros etc.),

até R$ 270 mil; promoção de eventos (feiras, exposições, festivais, mostras), R$ 450

mil; manutenção de entidades artístico-culturais sem fins lucrativos, R$ 600 mil;

reforma e/ou construção de edificação, aquisição de acervo e de equipamentos, R$ 800

mil. Tais limites não se aplicam aos projetos financiados com recursos da quitação de

débito inscrito na dívida ativa. (MINAS GERAIS, 2010, p. 3).

Como contrapartida, a lei estadual estipula que pelo menos 20% do valor incentivado

devem corresponder ao investimento direto com recursos próprios do patrocinador, que

pode ser feito em moeda corrente, fornecimento de mercadorias, prestação de serviços

ou cessão de uso de imóvel, desde que necessários à realização do projeto, a partir de

negociação com o empreendedor cultural. (FJP, 2003a). Como incentivo fiscal, em

2010, toda empresa que apoiasse financeiramente um ou mais projetos culturais

aprovados conforme a lei poderia deduzir do imposto devido os recursos aplicados no

projeto, nos patamares de 3%, 7% ou 10% do ICMS devido, de acordo com o

faturamento anual da empresa.

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Segundo a FJP (2003a), no segmento da música, especificamente no edital de 2001, o

índice de captação em relação aos projetos aprovados em todo o Estado indica que

gravação e lançamento de CD conseguiram captar 50%; espetáculos e shows, 69,8% e

circulação de show, 84,8%, este último superado apenas pelas exposições de artes

plásticas, com 100% de captação. Análise importante mostrou que a notoriedade ou

reconhecimento público do artista é uma condicionante importante para a obtenção do

patrocínio empresarial. Para a FJP (2003b), esse dado confirmaria uma das principais

hipóteses orientadoras da pesquisa por ela realizada: além de provocar distorções e

concentração na aplicação do mecanismo fiscal, essa diferenciação também se torna

fator de dificuldade para a democratização dos recursos para a área.

Os beneficiários do incentivo devem ser “projetos culturais de caráter estritamente

artístico-cultural que visem à exibição, à utilização ou à circulação pública de bens

culturais”, sendo proibida a concessão de incentivo a “projeto destinado ou restrito a

circuitos privados ou coleções particulares”. (MINAS GERAIS, 2010, p. 3). Os projetos

apresentados são analisados e selecionados pela Comissão Técnica de Análise de

Projetos (CTAP), com constituição paritária entre governo (técnicos da Secretaria de

Estado de Cultura e de suas instituições vinculadas) e sociedade (através de

representantes de entidades das classes artísticas do Estado).

O empreendedor cultural deve ser pessoa física ou jurídica comprovadamente

estabelecida em Minas Gerais, com objetivo prioritariamente cultural e com efetiva

atuação na área. As áreas culturais previstas na legislação mineira atual são nove, entre

elas a de “Música e respectivos eventos, festivais, publicações técnicas, seminários,

cursos e bolsas de estudos”, que interessam neste estudo.(MINAS GERAIS, 2010, p. 5).

2.3.3 Empresas usuárias da lei mineira de incentivo à

cultura

No Diagnóstico da Cadeia Produtiva da Música em Belo Horizonte, a FJP ressalta que

“muitas das tendências encontradas no período anterior permanecem cinco anos depois

do lançamento do primeiro relatório39. Como exemplos, o conjunto das empresas

39Prestando Contas aos Mineiros: Avaliação da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, FJP, 2003.

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patrocinadoras que são praticamente as mesmas [...]”. (FJP, 2010, p.19). Na falta de

estudo exclusivo do contexto belo-horizontino para esta dissertação, buscou-se neste

primeiro relatório da FJP (2003a) – que cobre o período de 1998, ano em que começou

a vigorar a Lei Estadual de Incentivo à Cultura, até o ano de 2001 – obter os dados

sobre o perfil dessas empresas, que são apresentados a seguir.

Importante ressaltar que, embora este estudo analise os dados referentes a todo o Estado

de Minas Gerais, área de abrangência da lei, Belo Horizonte se apresenta com grande

peso: em 2000, reuniu 34% do total da execução de projetos culturais do conjunto dos

853 municípios mineiros. A capital é sede de 71 das empresas patrocinadoras (25,2% do

total das incentivadoras do Estado) e faz parte da “região Central, na qual estão sediadas

151 empresas em 31 municípios, o que equivale a 61,1% do total das empresas que

investiram em projetos culturais”. (FJP, 2003a, p. 35) Esta região possui, ainda, o maior

número de projetos incentivados em todo o Estado – 80,7%, a grande maioria em Belo

Horizonte – e recebeu 58,1% (R$ 25,6 mi) do total de recursos investidos por meio da

aplicação da referida lei no período estudado.

Durante esses quatro anos, segundo a FJP (2003a), 745 projetos receberam patrocínio

(total ou parcial) de 229 empresas por meio da lei de incentivo fiscal, sendo que 152

projetos (20%) contaram com o apoio de duas ou mais empresas. Embora 97,2% sejam

empresas privadas e apenas 2,8% do setor público, as primeiras apoiaram em média 2,5

projetos por ano, enquanto as segundas, 4,5. O número de projetos incentivados pelas

empresas, entretanto, apresenta variação bastante alta: vai de apenas um projeto

patrocinado em todo o período – situação em que se encontram 130 empresas

patrocinadoras – até a média anual de 30 projetos, caso da Usiminas.

A análise mostra que as empresas pertencentes a três setores – indústria de

transformação (entre as quais se destacam as ligadas à metalurgia e à siderurgia, 28%, e

as fabricantes de produtos alimentares/bebidas/fumo, 10,3%), comunicações

(principalmente a Telemig Celular, a Companhia de Telecomunicações do Brasil

Central (CTBC), a Telecom e a Telemar) e comércio (varejista e atacadista) –, em

conjunto, foram responsáveis pelo patrocínio de 88,2% dos projetos que captaram

recursos da renúncia fiscal orientada para o setor cultural. O setor de transporte foi

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responsável por 5% e o de energia elétrica 4,6%. O setor extrativista mineral, 1,3%, a

agropecuária, 0,5% e o turismo, 0,3%, completam o quadro. (FJP, 2003a, p. 33)

Apesar de estarem em menor número, as grandes empresas, segundo a FJP (2003a),

foram responsáveis por incentivar quase o dobro de projetos (65,5%) do que as

empresas de médio porte (36,4%), além de também terem maior participação no volume

de recursos investidos (80,4% ou R$ 35,4 milhões). As empresas de porte médio,

embora sejam a maioria das que investem em projetos culturais (66,7%), responderam

por 19,6% dos recursos ou R$ 8,6 milhões. Enquanto as grandes empresas investem, em

média, anualmente, R$ 279 mil, os gastos médios das empresas de porte médio são de

R$ 34 mil. As empresas privadas responderam por R$ 42 milhões ou 95,2% do

incentivo, enquanto os gastos efetuados pelas empresas públicas totalizaram R$ 2

milhões ou 4,8%.

Entretanto, a participação dessas últimas no volume de recursos despendidos é superior à das empresas privadas, o que significa que os gastos médios efetuados pelo setor público são maiores se comparados aos da iniciativa privada. Por ano, os gastos médios por empresa foram de R$ 112 mil para as privadas e de R$ 349 mil para as públicas. (FJP, 2003a, p. 37).

Em relação aos investimentos por ramo de atividade, as indústrias metalúrgico-

siderúrgicas e as empresas de comunicações responderam por 66,7% do total de

recursos aplicados (respectivamente, R$ 15,9 milhões e R$ 13,5 milhões), a preços

médios de 2001, percentual bem superior à participação do número de empresas

patrocinadoras desses dois setores (17,6%). Os ramos de energia elétrica e da indústria

de transformação (fabricantes de produtos alimentares, bebidas e fumo), somados,

corresponderam a 13,2% do montante gasto pelas empresas patrocinadoras. (FJP,

2003a).

Na análise da FJP, as empresas de comunicações, além de investirem mais recursos no

setor cultural, comparativamente às indústrias de metalurgia/siderurgia, também

destinaram maior volume de recursos por projeto cultural. “Em média, as empresas do

ramo de comunicações investiram, por ano, R$ 709 mil em 49 projetos culturais,

enquanto as de metalurgia/siderurgia aplicaram por volta de R$ 324 mil em 70

projetos”. (FJP, 2003a, p. 41).

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Das 20 principais empresas do estado que financiaram projetos culturais no período40

(78,5% dos recursos disponíveis ou R$ 34,6 milhões), as duas maiores patrocinadoras

(Usiminas e Telemig Celular) responderam por R$ 18,1 milhões ou 52,3% dos recursos

gastos por essas empresas. As demais 209 empresas patrocinadoras, responsáveis por

pouco mais de um quinto dos recursos, apresentaram peso reduzido no fomento às

atividades artístico-culturais do estado.

No que se refere aos segmentos da cultura, o da música apresentou o maior número de

projetos patrocinados, embora, em termos de investimentos, tenha apresentado valores

mais baixos, se comparados aos segmentos de centros culturais e artes cênicas (este o

segundo mais incentivado). Dos projetos apoiados pelas empresas apontadas como as

maiores em número de projetos patrocinados no período (Usiminas e Telemig Celular),

37,1% eram do segmento da música e 28,1% das artes cênicas. (FJP, 2003a).

2.3.4 Os caminhos do financiamento do segmento da música de

Belo Horizonte

Ao analisar o financiamento do segmento da música de Belo Horizonte, o diagnóstico

realizado pela FJP afirma que a sua principal fonte é de recursos dos próprios artistas e

que isso “pode ser interpretado como uma consequência da dificuldade de aprovação de

projetos em leis de incentivo e da ausência de outra política pública para o setor”. (FJP,

2010, p. 91). 20% declararam trabalhar com recursos próprios, 7% com as leis de

incentivo e outros 7% com patrocínio. Os dados analisados pela FJP (2010) apontam

certa resistência por parte dos próprios músicos em apresentar projetos pautados nas leis

de incentivo (26% do universo pesquisado), por acreditarem que os beneficiados são

sempre os mesmos empreendedores; pela burocracia e dificuldade de aprovação e até

mesmo por desconhecimento dos processos. Os estudos apontam a exclusão da maior

parte dos empreendedores que buscam recursos com base nas leis de incentivo:

40Usiminas (R$ 9,3 mi), Telemig Celular (R$ 8,8 mi), Companhia de Telecomunicações do Brasil Central (CTBC) Telecom (R$2,2 mi), Companhia Siderúrgica Belgo Mineira (R$ 1,8 mi), Companhia Força e Luz Cataguazes-Leopoldina (R$ 1,5 mi), Belgo Mineira Participação Indústria e Comércio (R$ 1,3 mi), Refrigerantes Minas Gerais (R$ 1,1 mi), Telecomunicações de Minas Gerais (Telemar) (R$ 1, 1 mi), Companhia Mineira de Metais e Magnesita, CEMIG, BMB, Acesita, Cia de Tecidos Santanense, Coop. Central de Prod. Rurais, Santana Irmãos e Cia, NET BH, Maxitel, Camargo Corrêa Cimentos e Petrobrás.

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Há um verdadeiro funil, que se inicia quando das inscrições nos editais para a solicitação de recursos e vai-se estreitando cada vez mais nas fases de aprovação dos projetos e captação de recursos junto ao empresariado. (FJP, 2010, p. 90).

Os números indicam que, nos últimos cinco anos, em Belo Horizonte, apenas 56% dos

projetos apresentados com base nas leis de incentivo estadual e municipal obtiveram

aprovação e, destes, somente 44% conseguiram captar patrocínio no mercado. Apesar

desses entraves, haveria um reconhecimento generalizado pela categoria artística de

Belo Horizonte de que o financiamento da cultura por meio desses mecanismos tem

sido responsável pelo incremento da cadeia produtiva do setor musical. (FJP, 2010).

Por outro lado, assim como acontece com a lei federal, também no âmbito estadual é

grande a crítica ao excessivo apelo da política cultural a este mecanismo e à

concomitante falta de orçamento público e de diretrizes para o setor. (FJP 2010) Em

2001, por exemplo, a área da Cultura teve participação da ordem de 0,08% do volume

total dos recursos do Tesouro estadual mineiro, representando R$ 14,9 milhões de um

“montante total de gastos de R$ 18,5 bilhões, realizados pelos órgãos da administração

direta estadual”. Esse valor foi inferior ao montante de recursos movimentados pela Lei

Estadual de Incentivo à Cultura no mesmo ano, que, “considerando a parcela da

contrapartida das empresas patrocinadoras, atingiu, aproximadamente, R$ 15,3

milhões”. (FJP, 2003a, p. 63).

Outro exemplo significativo dessa situação é o que envolve a comparação entre os

recursos destinados aos projetos musicais da capital pelo Fundo de Cultura41 mineiro e

os provenientes da lei estadual de incentivo fiscal. Somados os anos de 2006, 2007 e

2008, foram R$ 2,974 milhões provenientes do Fundo. Destes, R$ 571.920 aplicados

em 2006, R$ 738.542 em 2007 e R$ 1, 664 milhão em 2008. Comparados com os

recursos oriundos do patrocínio das empresas, apenas no ano de 2007, por exemplo, os

recursos da lei de incentivo atingiram a cifra de R$ 5,082 milhões, ou seja, quase 700%

maior que o investimento do Fundo no mesmo ano. (FJP, 2010, p. 34-35).

41Criado pela Lei n° 15.975 de 12 Jan. 2006, o Fundo Estadual de Cultura tem entre seus principais objetivos apoiar financeiramente a criação, manutenção e difusão de ações culturais no Estado, além do aperfeiçoamento dos artistas, estimulando o desenvolvimento cultural especialmente no interior.

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Estudos, entre os quais o da FJP (2010), mostram que nas três esferas de governo os

recursos provenientes do Tesouro, as chamadas verbas públicas, que seriam, em tese, a

fonte para a criação e implementação de políticas de Estado de cultura, são a menor

fatia desse bolo, insuficientes para atender à demanda crescente e incapazes de permitir

a consolidação de projetos na área. Dados disponíveis no site do Ministério da Cultura 42

demonstram que os recursos públicos destinados à cultura brasileira em 2010

corresponderam a 1,0% do orçamento federal (R$ 2,2 bilhões) – índice que, pela

primeira vez, atingiu o mínimo recomendado pela ONU43.

Sobre a demanda potencial (projetos apresentados) e a realizada (projetos aprovados e

efetivamente captados no mercado) por meio da Lei de Incentivo mineira, os dados da

FJP (2010) mostram que no segmento da música esse índice oscilou de 16% em 2003 a

27% em 2007, sendo que o ano de 2002 foi o único com alto índice de aprovação (68%

dos projetos apresentados). Descartando a possibilidade de inadequação técnica dos

projetos ser a causa desse baixo índice, por considerar que os cinco anos de vigência da

Lei teriam sido suficientes para a capacitação dos empreendedores, o Diagnóstico da

FJP aponta como uma das causas desse descompasso

[...] a própria centralidade da política de financiamento à cultura em praticamente um único mecanismo: o da renúncia fiscal. Os dados revelam, portanto, o caráter excludente dessa política, tanto no que se refere à aprovação dos projetos quanto na obtenção de incentivo/patrocínio das empresas: o índice de projetos com patrocínio no período oscilou de 25% em 2007, pior ano da série, a 75% no melhor ano – 2004. (FJP, 2010, p. 21).

Ao longo desses seis anos, 720 projetos de música foram realizados em Belo Horizonte

com incentivo fiscal, correspondendo a 56% dos projetos aprovados com base na Lei.

Em termos de recursos, o total pleiteado no período de 2002 a 2007 foi de R$

297.831.000; o montante aprovado (pela Comissão Julgadora) foi de R$ 96.805.000 e o

valor incentivado (captado no mercado) atingiu a cifra de R$ 52,831.000, 42 Disponível em http://www.cultura.gov.br/site. Acesso em: 10 Dez. 2010. 43 Tramita no Congresso Nacional a PEC 150/2003, que avança em relação ao índice proposto pela ONU, vinculando à Cultura 2% da receita federal, 1,5% das estaduais e 1% das municipais, uma das principais reivindicações aprovadas na II Conferência Nacional de Cultura, realizada em março de 2010.

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correspondendo a 55% dos valores aprovados. Os dados obtidos pela FJP (2010)

demonstram que em todos os anos da série os empreendedores não conseguiram aprovar

nem 50% do pleiteado. Este índice é ainda menor na relação entre os projetos pleiteados

e os patrocinados, onde o melhor índice foi o de 2005: 33%.

Para a FJP (2010, p. 27), essa discrepância entre os valores pleiteados e os efetivamente

incentivados evidenciaria a “inexistência de controle pelo setor público dos resultados

da política de cultura em vigor, principalmente quando seu mecanismo de

financiamento central é a renúncia fiscal”. Apesar dessa situação, a música, como já foi

visto, é um dos setores culturais de Belo Horizonte mais contemplados pela lei de

incentivo estadual.

Outro dado que chama a atenção é a predominância de festivais entre os projetos: 123

ao longo do período estudado. A importância está no seu caráter permanente e no

impacto econômico gerado pelo grande número de pessoas envolvidas na sua

organização, contribuindo para a geração de emprego e renda para o setor. Destaque

também para a produção de CDs – no período, mais de 80 CDs de artistas diferentes –,

além da realização de cerca de 90 turnês de lançamento dos CDs e de produção e

lançamento de DVDs. Há, ainda, projetos visando a formação de plateia, divulgação,

pesquisa e produção de documentários. (FJP, 2010).

A respeito dos empreendedores musicais (pessoas físicas ou jurídicas, com e sem fins

lucrativos, e entidades públicas) que obtiveram o incentivo, os dados apontam uma clara

predominância de pessoas físicas em todos os anos de análise. Por outro lado, segundo a

FJP, a criação dessas leis provocou a formação de muitas empresas, produzindo

“impacto positivo na profissionalização do setor cultural, embora ainda predomine, para

a maioria dos artistas, a informalidade de suas atividades”. (FJP, 2010, p. 28).

Comparado com a Lei Estadual de Incentivo Fiscal, o número de projetos musicais

financiados pelo Fundo Estadual de Cultura, assim como o dos recursos financeiros

investidos, é bem menor. Voltado para projetos com menor apelo mercadológico, o

Fundo aprovou 43 projetos desde a sua criação em 2006: 10 em 2006, 13 em 2007 e 20

em 2008. Os valores aprovados corresponderam a R$ 571.920 em 2006, R$ 738.542 em

2007 e R$ 1,974.524 em 2008. Em 2006 e 2007 foram encaminhados 91 projetos para o

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fundo, enquanto 1.355 projetos deram entrada para a seleção mediante a lei de incentivo

no mesmo período. (FJP, 2010, p. 33).

Diferentemente da Lei de Incentivo, a quase totalidade dos empreendedores que

utilizaram recursos do Fundo é de pessoas jurídicas, devido à regulamentação legal do

instrumento, que limita a participação aos entes jurídicos. Os projetos realizados são

bastante variados. Em 2006, por exemplo, incluíram, entre outros, oficinas de produção

e circulação de música contemporânea, construção de sede, acervo de música antiga,

revitalização de escola e comemoração de aniversário de bandas. (FJP, 2010).

Um aspecto do Fundo considerado importante é a política de redução das desigualdades

regionais, que tem direcionado cada vez maiores parcelas de recursos para o interior, em

detrimento dos projetos voltados para Belo Horizonte. Dos 43 projetos aprovados no

período, apenas 11 eram para a capital, embora muitos dos empreendedores dos projetos

realizados no interior sejam de Belo Horizonte. (FJP, 2010, p. 36).

Experiência mais recente de gestão do segmento, o Projeto Música Minas é

emblemático desse cenário e, de alguma forma, sintetiza o dinamismo do setor musical,

por um lado, e a distância do governo, por outro. A ideia surgiu em 2008, quando

representantes do segmento decidiram criar um plano de exportação e disseminação da

música mineira a partir do recém criado Fórum da Música de Minas Gerais, que se torna

o gestor oficial do programa. O projeto – voltado para compositores, intérpretes e

instrumentistas de diversos gêneros e tendências musicais –, é apresentado à Secretaria

de Estado de Cultura de Minas Gerais (SEC), que decide incentivá-lo, destinando-lhe

orçamento de R$ 1,550 milhão em 2009, distribuídos em duas categorias: a de

Circulação Nacional de Artistas Mineiros e a de Passagens para Deslocamentos

Nacionais e Internacionais44. (MINAS GERAIS, 2009).

O sucesso da iniciativa levou a SEC a renovar o projeto em 2010. Entretanto, em maio

daquele ano, tornou pública a decisão do Governo do Estado de cancelar o Música

44 A primeira selecionou 25 músicos residentes no Estado, que circularam por diversas capitais com seu show, participaram de oficinas culturais em cidades do interior, além de cursos de capacitação de profissionais da cadeia produtiva da música, e puderam fazer residência artística (ser convidado para participar de algum projeto musical em outro estado ou país). A segunda categoria, regulamentada pelo Edital de Passagens, contribuiu para que profissionais da música participassem de festivais, feiras e congressos para os quais haviam sido oficialmente convidados.

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Minas, bem como outros projetos culturais, alegando incompatibilidade com resoluções

do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre ações governamentais durante o processo

eleitoral. Somente após forte mobilização do segmento, que realizou diversas

manifestações com grande repercussão na mídia local e nacional, o Governo Estadual

voltou atrás e o projeto foi mantido, mas com cortes no orçamento e a transferência de

sua gestão para o Estado, por meio da Fundação Clóvis Salgado.

Um aspecto relevante a ser destacado é o que se refere ao financiamento da produção

dos músicos das vilas e favelas de Belo Horizonte. Segundo a FJP (2010), o seu

trabalho é bancado com recursos próprios “na medida em que não têm condição de se

beneficiar com as leis de incentivo”. Sobre os motivos dessa dificuldade, depoimento

dado à FJP é elucidativo:

A falta de informação é um deles. As pessoas não têm a menor ideia do que sejam as leis, falta conhecimento de como elaborar projeto, prazo de inscrições, é um universo restrito de pessoas que acompanham. Elaborar um projeto exige conhecimento técnico. É tudo muito complexo, justificativa, objetivo, linguagem, depende de uma elaboração aprofundada de narrativa de texto, de conceitos. A questão de montar documentação, currículo, portifólio, para quem nunca teve contato, gera dificuldades e dúvidas. A captação de recursos é outra coisa complexa. Ainda que seja aprovado, o contato com patrocinadores é difícil, e sem patrocínio o projeto fica inviabilizado. (LIBÂNIO, 2007, p.126-128 apud FJP, 2010. p. 176).

2.3.4.1 A política municipal de financiamento

No que se refere aos recursos municipais, a Lei Municipal de Incentivo à Cultura de

Belo Horizonte (LMIC), criada por iniciativa da Prefeitura em 1993, também se baseia

em dois mecanismos: o Fundo de Projetos Culturais (FPC) – destinado a projetos

experimentais, sem apelo comercial e o Incentivo Fiscal (IF) – destinado a projetos que

estão inseridos na lógica de mercado e que buscam patrocínio via repasse do ISSQN das

empresas prestadoras de serviços. Segundo a FJP, “anualmente, são destinados cinco

milhões para os projetos culturais aprovados”. (FJP, 2010, p. 37). Destes, 60% são

destinados ao Fundo de Projetos Culturais e 40% ao Incentivo Fiscal.

Em ambos os mecanismos foram estabelecidos os seguintes limites de valores para os

projetos apresentados em 2010: até R$ 150 mil para projetos que envolvessem

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manutenção de entidade artístico‐cultural sem fins lucrativos; até R$ 170 mil para

projetos relacionados a produtos, serviços e/ou eventos culturais; até R$ 200 mil para

projetos que envolvessem reforma e/ou construção de edificação, aquisição de acervos e

equipamentos.

No período de 2003 a 2007, a Lei Municipal de Incentivo à Cultura recebeu 465

projetos e reprovou 88% deles. Dos 55 aprovados, apenas 44 conseguiram captar

recursos no mercado. Para a FJP, este alto índice de reprovação

demonstra que, da mesma maneira que a lei e o fundo estadual, a lei municipal não atende à demanda de financiamento de projetos dos empreendedores culturais. Como a lei estadual abarca um número muito maior de projetos, tem sido o principal meio de financiamento dos projetos musicais da capital. (FJP, 2010, p. 37).

Apesar de pouco numerosos, a variedade dos projetos musicais realizados por meio da

lei municipal é um indicativo da importância do setor para a cidade. Eles abrangem

desde o aspecto da formação musical até a formação de público; além de festivais

diversos (de corais, jazz, música independente, colonial) e apresentações em variados

locais da cidade, a preços populares, de diferentes gêneros musicais – do erudito ao

popular –, envolvendo artistas locais e nacionais.

Quanto aos recursos financeiros, a modalidade Incentivo Fiscal da lei municipal

movimenta montante bem inferior ao estadual: o investimento por meio de patrocínio

no período foi de R$ 2,4 milhões. Ela também apresenta grande diferença entre recursos

pleiteados e aprovados, que nunca passaram de 70%, embora o índice de captação seja

mais elevado, tendo alcançado 95% (em 2003) e 83% (em 2005), mas decrescido em

2006 (58%) e 2007 (34%). Ao contrário do mecanismo estadual, o Fundo de Projetos

Culturais do município investiu valor superior ao movimentado pelo incentivo fiscal

municipal: R$ 4,3 milhões no mesmo período. (FJP, 2010, p. 40).

O mecanismo de incentivo fiscal de Belo Horizonte prevê uma contrapartida

sociocultural, isto é, uma ação a ser desenvolvida pelo projeto como retorno ao apoio

financeiro recebido. Esta contrapartida deve ser acordada entre o empreendedor e a

Fundação Municipal de Cultura (FMC), responsável pela implementação da Lei, e deve

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estar relacionada “à descentralização cultural e/ou à universalização e democratização

do acesso a bens culturais”, sendo que seus custos não podem ser incluídos no

orçamento do projeto. (BELO HORIZONTE, 1993, p. 2).

Em relação à natureza dos empreendedores dos projetos incentivados, a exemplo da lei

estadual, a municipal apresenta predomínio de pessoas físicas, face ao número de

pessoas jurídicas. Essa situação se repete com os projetos aprovados e realizados com

recursos do Fundo Municipal. Neste também se verifica grande diferença entre projetos

apresentados e aprovados: apenas 69 num total de 426, entre 2003 e 2007; os quais,

somados aos 44 projetos patrocinados na modalidade Incentivo Fiscal, totalizam 113

projetos realizados pela LMIC de Belo Horizonte, entre 2003 e 2007, envolvendo o

montante de R$ 6,682 milhões. (FJP, 2010, p. 48).

Também em relação ao Fundo Municipal, os projetos aprovados e realizados dão a

dimensão da diversidade e multiplicidade de eventos criados pelo setor musical de Belo

Horizonte. Eles vão de festival de música eletrônica a mostras de música colonial

brasileira e da América Latina, passando por oficinas integradas de criação, formação,

experimentação e pesquisa musical, criação de kit de musicalização para jovens e

crianças, além de oficinas de desenvolvimento e qualificação artístico-cultural voltadas

para a instrumentação; chegando à implantação de um estúdio comunitário para atender

artistas moradores de vilas e favelas da cidade. Festival internacional de violão, de

choro, mostra de cultura hip hop e circuito de samba também foram contemplados.

(FJP, 2010).

2.4 Os impactos da atividade cultural na economia mineira

Conforme análise apresentada no primeiro capítulo, o mercado que envolve a economia

da cultura não é apenas um espaço de trocas de mercadorias, mas também um lugar

onde se processam interações sociais e simbólicas, cujo universo assume grande

relevância nas estratégias de produção e reprodução sociais. Segundo a Fundação João

Pinheiro,

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[...] o conteúdo simbólico da cultura, responsável pela formação das identidades dos indivíduos e povos, confere a ela uma singularidade em face dos outros setores quando considerados sob a ótica econômica. Tratar adequadamente a cultura como setor produtor de riqueza material é também não perder de vista suas implicações com as dimensões simbólica e constitutiva que fazem de cada povo o que é. (FJP, 2003a, p. 47).

Se, por um lado, é fundamental levar em consideração essas dimensões da cultura, por

outro, faz-se necessário compreender o seu lado ainda pouco conhecido e discutido

pelos próprios envolvidos na sua produção, isto é, a sua característica de atividade

econômica, que também gera emprego e renda, recolhe impostos e contribui para a

produção de riqueza e crescimento. Estudo realizado pela FJP (2003a) comparou os

estímulos produzidos pelos investimentos culturais feitos por meio da lei mineira de

incentivo com os de outros setores da atividade econômica, principalmente o de

serviços, no qual o segmento cultural encontra-se inserido.

Observaram-se duas características básicas: a de que o impacto econômico da cultura

em sua cadeia de fornecedores diretos e indiretos é maior do que o gerado pelas demais

atividades de serviços (comércio, transportes, comunicações etc.); e a de que o seu

tamanho em relação às demais é bastante reduzido. Para a FJP (2003a), isso significa

que, embora os gastos em cultura gerem mais emprego e renda que os realizados nas

outras atividades, no conjunto da economia seus efeitos não são sentidos de forma

significativa, devido ao seu reduzido tamanho econômico.

Outra observação importante é a de que, em função de sua estrutura de consumo

intermediário, essas atividades culturais têm fortes encadeamentos com os demais

setores da economia.

Assim, por exemplo, para cada unidade de produção - R$1,00 - da atividade (que vai toda para a demanda final/consumo das famílias), o PIB gerado diretamente corresponde a R$0,36. Já o PIB total, considerando os efeitos indiretos e induzidos, é de R$1,09, ou seja, a economia gera riqueza ligeiramente superior ao valor produzido pelas atividades culturais. Esses efeitos são diferenciados conforme as distintas atividades culturais. Assim, na atividade de audiovisual, para cada R$1,00 consumido pelas famílias a economia gera um PIB de R$1,30. Para festival/show/mostra esse valor atinge R$ 1,27, em artes cênicas, R$1,22, e em gravação de CD, R$1,31, todos superiores à média do conjunto das atividades culturais. (FJP, 2003a, p. 48).

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Com respeito aos efeitos produzidos no emprego e na arrecadação, essas mesmas

atividades apresentam resultados superiores à média. Elas geram, em média, 245

empregos para cada R$ 1 milhão consumido pelas famílias, sendo 319 empregos na

atividade audiovisual, 310 em festival/show/mostra, 306 em artes cênicas e 324 em

gravação de CD, índices superiores à média do conjunto das atividades culturais. Como

comparação, na indústria automobilística o resultado é de 40 empregos, e em

comunicações, 56. (FJP, 2003a).

Com relação à capacidade de geração de ICMS, as atividades culturais estudadas

apresentam desempenho superior ao de segmentos produtivos consolidados:

O ICMS gerado (considerando-se o efeito total) pelo conjunto das atividades culturais equivale a 4% do valor da produção dessas atividades, superior aos 2,6% de comunicações e a 0,8% de material de transporte (onde se encontra a indústria automobilística). (FJP, 2003a, p. 49).

Para a FJP (2003a), esses dados demonstrariam o grande potencial de geração de

emprego, renda e impostos dessas áreas culturais, que, entretanto, não se realçaria

devido à sua pequena dimensão econômica. Como exemplo, cita as 62 mil pessoas

empregadas nessas atividades culturais em 2000, somente na Região Metropolitana de

Belo Horizonte, e o rendimento médio da cultura 18,3% superior ao da população

ocupada no mesmo ano e região. (SANTANA E SOUZA, 2001 apud FJP, 2003a).

2.5 Considerações finais

As condições para a estruturação sustentável da cultura como atividade econômica em

Belo Horizonte e os instrumentos e meios para sua promoção identificados neste

capítulo foram organizados no quadro sintético, apresentado a seguir. Ressalte-se que a

análise dessas condições foi feita dentro da perspectiva do segmento da música, objeto

de estudo da presente pesquisa.

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QUADRO 02 Condições para a estruturação sustentável da cultura como atividade econômica

em Belo Horizonte e instrumentos e meios para sua promoção. (continua)

Condições para a estruturação sustentável da

cultura como atividade econômica de BH Instrumentos e meios para a promoção das

condições Estruturação dos órgãos de gestão da cultura no âmbito estadual.

Reformulação das estruturas, propiciando

recursos técnicos, humanos e financeiros em

condições de executar uma política pública de

cultura voltada para a legitimação e universalização dos direitos culturais.

Implantação do Conselho Estadual de Cultura.

Criação de um sistema estadual de informações

e indicadores culturais.

Integração da Prefeitura de Belo Horizonte ao Sistema Nacional de Cultura.

Criação da Secretaria Municipal de Cultura. Implantação do Conselho Municipal de Política Cultural. Criação de um sistema municipal de informações e indicadores culturais. Criação de um programa municipal de formação cultural. Criação de sistemas municipais setoriais de cultura. Criação de um plano municipal de cultura. Reestruturação do sistema municipal de financiamento à cultura.

Aumento dos recursos destinados à cultura.

Aplicação dos índices definidos pela PEC 150/2003 que vinculam à cultura 1,5% da receita estadual e 1% da receita municipal.

Reformulação das diretrizes das leis de incentivo, tanto estadual, quanto municipal.

Realização de campanhas de conscientização das empresas quanto ao seu papel no desenvolvimento da cultura e do município. Implantação dos mecanismos de participação das empresas de menor porte. Criação de mecanismos de estímulo ao investimento em cultura pelas empresas de médio e pequeno porte. Estímulo à contrapartida financeira das empresas, a partir da criação de condições institucionais e do ambiente necessário. Estímulo ao patrocínio de projetos experimentais. Criação de mecanismos de monitoramento da execução dos projetos aprovados pelos órgãos gestores da Lei de Incentivo no que diz respeito à qualidade artístico-cultural e ao comprimento dos objetivos propostos. Criação de mecanismos de circulação das produções culturais das diversas regiões da capital, a partir da descentralização dos investimentos.

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QUADRO 02 Condições para a estruturação sustentável da cultura como atividade econômica

em Belo Horizonte e instrumentos e meios para sua promoção. (conclusão)

Condições para a estruturação sustentável da

cultura como atividade econômica de BH Instrumentos e meios para a promoção das

condições Criação de uma Política Estadual de Cultura.

Criação de instrumentos de participação da sociedade na construção, monitoramento e avaliação dessas políticas, a começar pela imediata implantação do Conselho Estadual de Cultura; Criação de instrumentos que garantam os recursos para a área; Estabelecimento de diretrizes claras e coerentes, que levem em conta a interrelação entre todos os elos das cadeias produtivas dos diversos setores culturais, tais como: a criação, a produção, a distribuição e o consumo/exibição; Implantação de mecanismos que garantam a continuidade do trabalho artístico, a partir de financiamentos de longo prazo; Formulação de políticas de formação de plateias.

Cumprimento pelo Estado do seu papel na regulação do mercado.

Criação de planos estratégicos de investimento que conciliem os recursos injetados na cultura por meio do incentivo fiscal com os investimentos com recursos do Tesouro.

Diminuição da informalidade do setor. Implantação de políticas de estímulo ao exercício da profissão de músico na capital e fora dela.

Criação de mercados externos para a produção cultural mineira, especialmente a musical.

Reformulação e institucionalização do programa Música Minas. Construção de parcerias com instituições culturais estrangeiras.

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3. A ECONOMIA DA MÚSICA EM BELO HORIZONTE

O ambiente criativo gera inovação. (Manuel Castells)

3.1 Introdução

Segundo vários autores, entre eles Werkema (2010), Belo Horizonte – planejada para

ser a capital do Estado – nasce da união de esforços de mineiros de todo o interior, gente

de todas as partes do país e imigrantes estrangeiros, que buscam empregos e melhores

oportunidades de vida. Essa mistura teria sido fator importante para que a capital se

tornasse uma síntese das manifestações culturais do Estado, refletindo toda sua

diversidade e criatividade.

Essas características se refletiriam de forma bastante contundente no segmento musical.

Bruno Martins (2009), ao analisar a origem do movimento Clube da Esquina, entre os

anos 1960 e 1970, afirma que seus integrantes, além de trazerem as influências

musicais, também trouxeram um pouco da sua cidade natal, a partir de “suas referências

históricas e culturais particulares”. O autor considera que isso “fez da capital mineira

um solo aglutinador, em torno do qual as cidades de onde partiram tais viajantes se

avizinhavam pelos caminhos da canção”. (BRUNO MARTINS, 2009, p. 46).

Para Werkema (2010, p. 98), seriam “muitos hoje os mineiros”, mas “dois tipos marcam

sua fisionomia humana e cultural”: “o minerador, que se localizou nas zonas centrais do

estado, em busca do ouro e pedras preciosas, e o sertanista, este criador de gado,

catrumano45, porque sempre anda a cavalo, em ‘quatro patas’”. Essas duas matrizes, de

raízes, estariam muito presentes na música mineira e belo-horizontina. Dos imigrantes

estrangeiros, as principais influências na música sofridas pela capital teriam vindo dos

espanhóis e dos italianos, por meio de expressões culturais como o corso (cortejo de

carros com apresentações musicais utilizado no Carnaval) e a ópera.

45 Expressão derivada do italiano (quatro mani), que em português significa quatro mãos, “usada por Auguste Saint-Hilaire em viagem ao Norte de Minas, em 1817”. (WERKEMA, 2010, p. 98).

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Essa origem diversificada seria responsável pela grande versatilidade – característica

preponderante do segmento musical belo-horizontino – que influencia diretamente a

economia da música da capital no que diz respeito aos gêneros musicais envolvidos e

suas implicações:

Lugar de encontro entre os recém-chegados do interior mineiro e aqueles que nasceram na capital [...], Belo Horizonte foi o ponto de partida para a criação de uma nova musicalidade que carrega em um andor a densidade barroca dos cantos entoados nas festividades religiosas; que paquera a melodia chorosa das noites de serestas; que flerta com a imprudência acrobata do jazz; que namora a batida harmoniosa do violão bossa-novista; que se envolve à cadência mestiça da canção latino-americana; que acompanha o batuque ritmado do congado e se deixa levar pelo delírio, eletrizado pelas guitarras do rock. (MARTINS, BRUNO, 2009, p. 41).

O músico Makely Ka46 enfatiza uma vertente importante dessa origem diversificada, a

da música negra.

Uma característica que é muito pouco estudada aqui em Minas e em Belo Horizonte – por ser essa espécie de prisma do Estado – é a influência da cultura negra, [...]. Minas é o segundo estado com maior população negra do país. Só que a população negra de Minas é de origem “banto” 47, não “ioruba” 48, como na Bahia. [...] que traz uma outra carga de informação, e eu acho que isso influencia muito na nossa música, de uma forma que a gente não tem muita noção. Os congados que tem aqui na região metropolitana... Essa influência é muito forte, muito presente.

A segunda característica marcante da economia da música da capital é a sua história de

independência em relação às grandes gravadoras ou majors49. Segundo a FJP (2010, p.

55), ao longo das décadas de 1980 e 1990, outro mercado veio “se estruturando de

forma paralela ao imposto pelas grandes gravadoras: o dos artistas independentes” 50,

enquanto “apenas uma minoria dos artistas da cidade estava vinculada às majors”.

46 Um dos entrevistados na presente pesquisa. 47 “Raça negra sul-africana à qual pertenciam, entre outros, os negros escravos chamados no Brasil angolas, cabindas, bengueles, congos, moçambiques”. (FERREIRA, 1975, p. 183). 48 “Povo negro do grupo sudanês da África ocidental, que vive no sul da Nigéria, no Daomé e no Togo”. (FERREIRA, 1975, p. 782). 49 Denominação dada às grandes gravadoras multinacionais, que hoje são quatro: Universal Music Group, Sony BMG Music Entertainment, EMI Group e Warner Music Group. “No Brasil, a única empresa com capital exclusivamente nacional que se enquadra neste segmento é a Som Livre, que segue a agenda internacional da música independentemente das preferências regionais do Brasil”. (SEBRAE, 2008, p. 24) 50 O mercado da música independente “inclui todas as produtoras, cessionárias ou concessionárias de fonogramas que contenham interpretações ou execuções de obras musicais ou lítero-musicais de qualquer gênero e que, por difundirem, distribuírem e/ou comercializarem tais fonogramas (seja diretamente, seja via terceiros) podem ser consideradas selos, distribuidoras ou gravadoras independentes”. (SEBRAE, 2008, p. 24).

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Esta realidade provoca a necessidade de profissionalização e aprimoramento levando o

artista a se transformar em produtor e realizador do seu produto, o que irá definir a

terceira peculiaridade importante da cadeia produtiva da música de Belo Horizonte.

Segundo a FJP (2010, p. 52), o segmento musical da capital de Minas Gerais se insere

no mercado “através de uma rede de serviços e atores que se intercomunicam

constantemente, assumindo vários papéis na cadeia produtiva”. Esta seria uma das

diferenças marcantes entre a cadeia produtiva local e a dos grandes centros brasileiros,

como Rio de Janeiro e São Paulo, cujos mercados são baseados na ação das majors.

Também seria característica do que a RedeSist (2005) chama de “inovação

incremental”, pois introduz melhoria no processo e na forma de organização da cadeia

produtiva da música de Belo Horizonte, gerando maior eficiência e redução de custos.

Essa característica foi fundamental para que a Fundação João Pinheiro definisse os elos

ou fases da cadeia produtiva da música de Belo Horizonte, assim identificados:

[...] o artista; os mecanismos públicos de fomento e incentivo à cultura; os direitos autorais; a formação acadêmica e técnica; os produtores e agentes; a indústria de instrumentos e equipamentos musicais; os estúdios de ensaio e gravação; as empresas de locação de som e iluminação; os produtores e agentes artísticos; a distribuição; a divulgação, veiculação, mídia (local, regional, nacional e internacional); os espetáculos; a formação de platéias. (FJP, 2010, p. 53-54).

Este capítulo analisa estes elos, a partir do conceito de cadeia produtiva adotado pelo

Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE (2008, p. 18),

entendido como “uma rede de interrelações entre vários atores (agentes) de um sistema

industrial, que permite a identificação do fluxo de bens e serviços através dos setores

diretamente envolvidos”. Levou-se em consideração, ainda, que a cadeia produtiva da

música tem no fonograma51 sua principal unidade produtiva (além dos CDs – compact

discs –, DVDs52, espetáculos, festivais etc.) e possui, segundo o SEBRAE (2008, p. 19),

“seis macro-elos – Pré-produção, Produção, Distribuição, Divulgação, Comercialização

51 Unidade produtiva da música, em geral comercializada em formato de álbum (diversas músicas em um só “produto”) e concebida de forma conjunta por uma gravadora, um produtor artístico e o(s) artista(s). (SEBRAE, 2008). 52 Abreviação de Digital Versatile Disc ou Disco Digital Versátil, em português, é uma mídia considerada de ótima qualidade para vídeos e recursos multimídia em geral. (SEBRAE, 2008).

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e Consumo – em que as funções e os agentes atuam de forma linear e subordinada a

estes macro-elos”.

Tais macro-elos – mais precisos enquanto conceituação geral do mercado – foram

tomados como referência para se analisar os elos identificados pela FJP (2010) na

cadeia produtiva da música de Belo Horizonte. Eles foram analisados dentro da

perspectiva de se conhecer as condições que possibilitam ou dificultam a estruturação

sustentável da música como atividade econômica da capital mineira. Buscou-se não

perder de vista as peculiaridades locais, onde “os elos da cadeia se incorporam e se

mesclam, transpondo os limites de cada fase”, pois, como os artistas, em sua maioria,

são também produtores, distribuidores e divulgadores, “as funções se somam e se

entrelaçam”. (FJP, 2010, p. 80).

Numa análise subjacente, mas dentro da perspectiva traçada, também foram estudados

os dados relativos à participação no processo musical da cidade das vilas e favelas,

consideradas de grande importância no contexto geral da capital. Foram utilizados os

dados levantados pela FJP (2010), os quais, embora tenham sido apontados como “não

precisos em termos estatísticos”, pelo fato de que “seus músicos não se encontram

organizados em associações ou sindicatos” (FJP, 2010, p. 172), forneceram informações

relevantes sobre esse segmento.

3.2 Caracterizando os elos da cadeia produtiva da música de Belo Horizonte Na ausência de grandes gravadoras na cidade e diante das peculiaridades locais

marcadas pelas novas formas de comercialização da música, a partir das novas

tecnologias, e pela forte dependência das leis de incentivo, o estudo da FJP (2010, p.

53), que se constitui em uma das principais fontes de dados da presente dissertação,

baseou-se na análise do que chamou “o artista-criador”.

Para construir a amostra da pesquisa, a FJP (2010) partiu do levantamento dos artistas e

compositores com atuação profissional no município, registrados nas seguintes

entidades da categoria: Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), União Brasileira de

Compositores (UBC), Sociedade Independente da Música (SIM), Associação Artística

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dos Músicos de Minas Gerais (AMMIG), Cooperativa dos Músicos de Minas

(COMUM) e Sindicato dos Músicos Profissionais de Belo Horizonte.

Foi levado em consideração, ainda, que “grandes e destacados artistas trabalham suas

carreiras sem saírem da cidade, gerando uma cadeia econômica considerável” (FJP,

2010, p. 53) e que a capital mineira é referência nacional quando se trata de conhecer o

posicionamento do consumidor em relação a algum produto cultural. “Muitos artistas

estreiam seus shows em Belo Horizonte, considerada, ao lado de Curitiba, um

termômetro de avaliação de sucesso de uma nova empreitada artística”. (FJP, 2010, p.

55).

Outro fator importante considerado foi o avanço das tecnologias digitais que reduzem

os custos da produção e facilitam a entrada no mercado das gravadoras de menor porte,

conhecidas como independentes ou indies53. Este avanço pode ser comprovado nos

dados da Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD)54, que indicam

crescimento substancial da participação do segmento digital no total das vendas do

mercado fonográfico brasileiro, de 2% em 2006 para 12% em 2008, com queda na

mesma proporção das músicas comercializadas em suporte físico (CD e DVD).

3.2.1 Pré-produção ou fatores condicionantes do funcionamento da indústria

Para o SEBRAE (2008), a fase de pré-produção não faz parte da cadeia da música em si,

já que não determina suas características, formatos ou remuneração. Ela reúne um

conjunto de fatores condicionantes, vistos como os insumos para o funcionamento da

indústria e que exercem influências nas fases seguintes da cadeia. Considerados os

“pressupostos para a existência de um mercado de música e de produção do

fonograma”, esses condicionantes, cujas características são analisadas a seguir, seriam

em primeiro lugar o capital humano e a sua formação; a indústria de equipamentos para

53 Abreviação da palavra de origem inglesa Independents (independentes) que, na cadeia produtiva da música, caracteriza as gravadoras ou selos que não fazem parte das gigantes da indústria fonográfica. (SEBRAE, 2008) 54 Fonte: ABPD. Mercado brasileiro de música 2009. Rio de Janeiro, 2009. 10 p. Disponível em: http://www.abpd.org.br/downloads/Final_Publicacao_09_2010_CB.pdf. Acesso em: 31 Jan. 2011.

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som, edição e gravação; os fornecedores de insumos para a produção dos suportes; a

indústria de instrumentos musicais e a educação musical. (SEBRAE, 2008, p. 20).

3.2.1.1 Capital humano: o artista; a formação acadêmica e técnica

“Amor pela música e a determinação” são os fatores principais que levam os músicos de

Belo Horizonte a manter o ritmo de suas atividades, segundo a FJP (2010, p. 110). Os

dados obtidos indicam que para 31% dos artistas pesquisados essas são as principais

motivações. Em segundo lugar, a realização de shows é o estímulo mais importante para

5%; enquanto patrocínios, amadurecimento profissional, qualidade do trabalho,

utilização da internet como instrumento de divulgação, atuar em toda a área musical e

relacionamentos pessoais, cada uma com 4%, são as outras motivações mais citadas.

A maioria declara ser compositor (78%), instrumentista (69%) e/ou cantor (63%). Um

grupo elevado, de 49%, tem na produção cultural seu principal tipo de trabalho,

enquanto as funções de arranjador e professor também apresentam índices

significativos, de 42% e 35%, respectivamente. Quanto às atividades musicais que

desenvolvem, a realização de shows em teatros e casas de espetáculos (80%) é a

principal, seguida da gravação em estúdio (60%) e da música ao vivo em bares e

restaurantes (40%). Concertos e recitais são realizados por apenas 20% dos

entrevistados. (FJP, 2010).

O segmento da música da cidade possui um capital humano bastante experiente: 52%

têm 16 ou mais anos de atuação no mercado, sendo que metade destes já está na

profissão há 25 anos ou mais. Outros 34% têm seis ou mais anos no mercado, e apenas

1% tem menos de um ano de atuação profissional. Essa experiência, entretanto, não se

reflete na remuneração percebida pelo segmento. A média dos cachês pagos por

apresentação em Belo Horizonte é considerada muito baixa: 47% recebem até R$

500,00; 29% recebem entre R$ 500 e R$ 3.000; e apenas 3% têm cachê acima de R$

10.000.

A comparação entre os preços médios de cachê por apresentação, fixados pelo Sindicato

dos Músicos Profissionais de Belo Horizonte e os sindicatos das outras grandes praças

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brasileiras, mostra grande defasagem dos preços praticados na capital mineira. Quando

a comparamos com o Rio de Janeiro, por exemplo, vemos que a participação de um

instrumentista em um show de artista nacional é remunerada em R$ 430 em BH e em

R$ 830 na capital fluminense; para fazer um arranjo, o músico em BH recebe R$ 402,

enquanto o do Rio tem cachê de R$ 1.410. A gravação de um jingle tem diferença ainda

mais gritante: R$ 430 e R$ 3.300; e a diferença para gravação de um solo em uma faixa

musical é de quase 500%: R$ 430 e R$ 2.000, respectivamente. (FJP, 2010).

Dessa forma, a atividade musical proporciona remunerações médias anuais muito

baixas, de até 10 mil reais para 29% dos músicos e entre 10 e 50 mil reais para 30%.

Apenas 7% faturam acima de 50 mil reais e “os artistas com renda média anual acima

de 100 mil reais são aqueles vinculados a algum selo e/ou gravadora e têm projeção

nacional”. (FJP, 2010, p. 109).

A relação estabelecida entre tempo no mercado e atividade desenvolvida mostrou que,

dos que se apresentam em bares e restaurantes, o maior percentual, de 33%, é de quem

tem menos de um ano de profissão, sendo apenas 14% com mais de 25 anos. A

proporção é inversa quando se trata de gravação em estúdio: 32% têm mais de 25 anos

de atividade, enquanto 18% têm menos de cinco anos. (FJP, 2010).

Esse capital humano mostra-se eclético e flexível. Quanto à forma de apresentação, 55%

afirmam fazer trabalho solo, enquanto 46% integram uma ou mais formações musicais

de forma fixa ou eventual, sendo que um mesmo músico pode participar dos dois

grupos. 31% declararam convidar outros músicos para fazerem parte de suas

apresentações, indicando um índice significativo de trabalho em parceria. Bandas (56%)

constituem a formação mais comum e corais a menos procurada, apenas 5%. Orquestras

e grupos de música de câmara apresentam índice de 13% cada um, dando uma dimensão

do segmento da música erudita na cidade, embora seja preciso considerar que muitos

grupos de câmara são formados por integrantes das orquestras. (FJP, 2010).

Os gêneros praticados indicam uma formação variada dos músicos. A música popular

brasileira (MPB) é o principal gênero praticado em Belo Horizonte, segundo a FJP

(2010): 80% dos músicos declararam executá-la. Rock e pop (39%), samba (29%) e

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regional (15%) são os outros gêneros com índices significativos. 10% dos músicos

declaram trabalhar com música para publicidade.

Os baixos índices apresentados pelos gêneros rap/hip-hop/funk 55 (4%), sertanejo (3%)

e pagode/axé (2%), importantes na cidade, são explicados pela FJP (2010) pelo fato da

maioria dos músicos que trabalham nesses campos não estar organizada formalmente e,

portanto, não fazer parte do universo da pesquisa. O mesmo se aplicaria ao gospel, cujo

1% encontrado não refletiria a realidade da cidade, sede de um dos grupos com índices

de vendas superiores a um milhão de CDs por edição (Diante do Trono, da Igreja

Batista da Lagoinha) e que, recentemente, firmou parceria com a major Som Livre.

A comparação entre atividade desenvolvida e gênero musical mostrou que a maioria das

atividades ligadas à MPB acontece em shows (35%), gravações em estúdios (26%) e em

bares e restaurantes (19%). A música erudita concentra-se em shows (30%) e em

concertos e recitais (26%), enquanto gospel (50%) e sertanejo (38%) apresentam os

maiores índices de gravação em estúdio, seguidos do rap/hip-hop/funk (33%) e

rock/pop (31%).

Entre os músicos das vilas e favelas da capital, os estudos apontam a liderança do

pagode no ranking dos gêneros musicais, (15% do total dos grupos musicais), seguido

do samba (11%), do rap (11%), do gospel 56 (10%) e do pop rock (10%). Numa faixa

inferior, em termos percentuais, há a MPB com 6,5% e o forró, funk e a música

sertaneja, com 5% cada um. Percentuais ainda mais baixos referem-se ao reggae, à

música instrumental e à música erudita (definida neste contexto como “música

clássica”).

O gospel, entretanto, apresentaria grande tendência de expansão, pelo crescimento das

igrejas neopentecostais, que executam amplamente o gênero musical em seus cultos,

55 O movimento Hip-Hop, criado em Nova Iorque por jamaicanos, na década de 1970, e que chegou ao Brasil no início da década de 1980, possui três vertentes principais: na música, o rap, abreviatura para rhythm and poetry (ritmo e poesia), longas letras que tratam de questões da comunidade negra; na dança, o break; e nas artes plásticas, o grafite. “As linguagens do rap, do break e do grafite tornaram-se os pilares da cultura hip hop”. (DAYRELL, 2005, p.47 apud FJP, 2010, p. 173). Funk: gênero musical originado na chamada black music, que surgiu nos guetos de Nova Iorque e, gradualmente, foi extrapolando as fronteiras dos Estados Unidos. (FJP, 2010). 56 No inglês, gospel, no português, evangelho, é um gênero musical utilizado nos cultos das igrejas neopentecostais, mais precisamente durante o rito inicial ou louvor. (FJP, 2010).

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atribuindo-lhe grande importância até mesmo na migração de fiéis entre igrejas,

motivados pela força e a qualidade da música realizada. O rap, por sua origem ligada à

cultura negra, também se expande para além dos tradicionais bailes em escolas públicas,

quadras cobertas e pequenos salões nas periferias. “O grupo NUC57 é representativo

desse crescimento, já tendo participado da abertura de grandes eventos, como o Festival

de Arte Negra (FAN), o Festival Internacional de Teatro Palco e Rua (FIT) e os projetos

Tons & Sons e Conexão Telemig Celular”. (FJP, 2010, p. 177-178).

No perfil do artista das vilas e favelas, os dados apontam que “esses jovens têm como

sonho uma carreira musical que signifique uma alternativa de sobrevivência”, mas

“encontram extrema dificuldade para sobreviver da música, principalmente a partir do

momento em que constituem famílias”. O processo de exclusão escolar e a falta de

empregos seriam os grandes obstáculos. (FJP, 2010, p. 174). Faz-se importante observar

que esses artistas ainda precisam “romper significativas barreiras com relação aos

preconceitos existentes na sociedade contra músicos e músicas pertencentes às

periferias”. (FJP, 2010, p.178).

No que diz respeito à formação acadêmica dos músicos em geral, nesta profissão o

diploma em si faz quase nenhuma diferença. “A carreira musical, principalmente para

os gêneros mais populares (pop, rock, sertanejo, samba), assim como a música popular

em geral independe da formação acadêmica” (FJP, 2010, p. 94) e a formação teórica

não é item obrigatório para obtenção do registro junto à Ordem dos Músicos Brasileiros.

Belo Horizonte, entretanto, oferece boas oportunidades de formação musical. Possui

duas instituições de ensino vinculadas a universidades públicas: as escolas de música da

Universidade Federal de Minas Gerais (EM/UFMG) e da Universidade Estadual de

Minas Gerais (ESMU/UEMG), esta mais voltada para a licenciatura e ambas com maior

ênfase na música erudita, oferecendo cursos de graduação e pós-graduação. No âmbito

estadual, registre-se, ainda, a importante atuação do Centro de Formação Artística

(Cefar) da Fundação Clóvis Salgado (FCS).

57Negros da Unidade Consciente (NUC), grupo de rap criado em 1997, no bairro Alto Vera Cruz (Região Leste), cujas letras, musicalidade e performances vêm construindo uma identidade própria para o rap produzido em Belo Horizonte. Tem se apresentado em vários estados brasileiros, entre os quais Rio de Janeiro e São Paulo. Em 2004, fez sua primeira apresentação nacional no evento Hip Hop Havana, em Cuba. Fonte: Site Favela é Isso Aí. Disponível em: http://www.favelaeissoai.com.br/noticias.php?cod=20. Acesso em: 20 Out. 2010.

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Entre as escolas particulares, destaca-se a Fundação de Educação Artística (FEA),

criada em 1963 e que oferece uma gama variada de cursos de instrumentos, canto e

iniciação musical. É significativo o número de instituições voltadas para o ensino da

música popular na cidade. “Iniciado em 1983 com a Música de Minas Escola Livre, esse

crescente movimento de formação gerou centenas de escolas em Belo Horizonte, dentre

elas, por exemplo, a Babaya Escola de Canto, a Acorde Escola de Música e a

Promusic”. (FJP, 2010, p. 60-61).

No que diz respeito à formação de técnicos e demais profissionais vinculados à

infraestrutura (iluminadores, sonoplastas, cenógrafos, técnicos de mixagem e

masterização etc.), apesar da grande demanda, a oferta de cursos é deficitária na capital.

Para se aperfeiçoar, os profissionais dessas áreas precisam recorrer a cursos no Rio de

Janeiro, São Paulo ou até mesmo em outros países. (FJP, 2010).

Em relação à gestão e à produção musical, no entanto, há registros de que esses setores

começam a receber mais atenção com a implantação de cursos livres, de ensino superior

e pós-graduação, que, “embora em fase embrionária, representam um enorme avanço na

profissionalização e adequação ao mercado”. (FJP, 2010, p. 94). Com o objetivo de

democratizar o acesso de artistas e grupos da periferia às leis de incentivo à cultura,

como forma de garantir a produção do seu trabalho, também há dados que comprovam a

realização de cursos de capacitação neste sentido. (FJP, 2010).

3.2.1.2 A indústria de equipamentos para som (edição e gravação) e

iluminação

Para o SEBRAE (2008, p. 20), a indústria de equipamentos eletroeletrônicos (para

gravação e edição de música e para iluminação de eventos) é outra variável da fase de

pré-produção da cadeia da música, por constituir importante insumo para as gravadoras,

determinando “os novos formatos e as novas técnicas de gravação, que podem agregar

novas formas de trabalhar os arquivos de áudio e proporcionar maior qualidade ao

fonograma”.

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O mercado brasileiro disponibiliza uma infinidade de marcas internacionais de

prestígio, além de marcas nacionais, oferecendo grande variedade de preços e

especificações capaz de atender à necessidade de cada cliente. (SEBRAE, 2008). Belo

Horizonte possui um bom ramo de comercialização e importação de microfones e

equipamentos de gravação e palco em geral, mas os impostos cobrados fazem com que

eles cheguem à cidade com preços muito elevados em relação aos praticados no

mercado internacional. (FJP, 2010).

3.2.1.3 Os fornecedores de insumos para a produção dos suportes Fora da internet, o fonograma depende de suportes físicos para a sua comercialização

(CD, DVD, VHS58, SMD59, HD-DVD e Blu Ray60). Segundo a Fundação João Pinheiro,

Belo Horizonte “possui empresas atuantes em praticamente todos os elos”, mas haveria

“defasagem no que se refere às editoras, distribuidoras e fábricas de CDs”, o que geraria

“dependência das empresas do Rio de Janeiro e São Paulo e de Manaus, que atendem a

todo o Brasil”. (FJP, 2010, p. 81).

Como os CDs e DVDs são fabricados em sua maioria em São Paulo, em Manaus, ou são importados, existe um mercado significativo de empresas representantes e duplicadoras que atende a uma fatia cada vez maior de artistas em início de carreira e àqueles que estão associados à música evangélica. (FJP, 2010, p. 98).

Essas empresas que produzem o meio físico para circulação da música apresentam alto

poder de influência no mercado, não pela sua especialização ou concentração, mas pelos

altos custos de replicagem que geram para as gravadoras independentes, devido às

baixas tiragens comuns às mesmas, em comparação com as majors. (SEBRAE, 2008).

58 Video Home System ou Sistema de Vídeo Caseiro, em português. 59 Semi Metalic Disc ou Disco Semi Metálico, em português. 60 DVD de Alta Definição (High Definition ou HD-DVD) e Blu Ray (anteriormente chamado blue-ray) são formatos concorrentes que tendem a substituir o atual DVD por possuírem maior capacidade de armazenamento. (SEBRAE, 2008).

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Suporte físico da produção interrompido com o surgimento do CD, o disco de vinil61

começou a voltar ao mercado nos últimos anos na esteira de movimentos nostálgicos de

volta ao passado. Existe, entretanto, apenas uma fábrica do produto no país – a

Polysom, única da América Latina – localizada no município de Belford Roxo, no Rio

de Janeiro, que, após fechar as portas em 2007, votou a operar com força total no início

de 2010. O custo do seu produto é considerado muito elevado, como atesta informação

do selo belo-horizontino Vinyl Land Records, criado em 2008, cujos discos são

prensados na Alemanha, devido aos altos custos da produção no Brasil.62

3.2.1.4 A indústria de instrumentos e equipamentos musicais Outro fator integrante da fase da pré-produção, a indústria de instrumentos musicais

(vistos como insumos para a produção e a composição de músicas) é tida como

condicionante da cadeia produtiva na medida em que pode determinar o acesso aos

produtos, através da oferta e do preço. Belo Horizonte reflete o panorama nacional,

onde existem poucas fábricas de instrumentos musicais, levando à necessidade de

importação para suprir a demanda. Essa característica, além de encarecer os produtos e

aumentar a dificuldade de acesso a instrumentos de qualidade, “pode afetar a qualidade

musical do que é composto, gravado e consumido”. (SEBRAE, 2008, p. 20).

Para a FJP (2010), a comercialização e a importação de instrumentos musicais está bem

estruturada na capital mineira. O entrave, assim como acontece com os equipamentos

para gravação, são os impostos, que ainda encarecem os instrumentos, embora a

valorização do real em relação ao dólar tenha tornado os preços mais atrativos

recentemente. A cidade possui fábricas de instrumentos de corda (violões e guitarras),

de percussão e alguns luthiers63, cujo trabalho tem sido mais demandado por

instrumentistas de cordas e arco, na procura por produtos exclusivos.

61 O disco de vinil, ou simplesmente vinil, ou ainda Long Play (LP), ou coloquialmente bolachao, é uma mídia para a reprodução musical desenvolvida no início da década de 1950, que usa um material plástico chamado vinil. (SEBRAE, 2008) 62 Fonte: Selo Vinyl Land Records. Disponível em: http://vinyllandrecords.com. Acesso em: 15/12/11. 63 Artesãos que fabricam ou reparam instrumentos de cordas com caixa de ressonância. (Fonte: Dicionário Houaiss)

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“O mercado de instrumentos musicais se aqueceu em proporções geométricas nos

últimos anos em Belo Horizonte”, afirma a FJP (2010, p. 95), atribuindo o fato ao

aumento no número de lojas, além da melhoria do câmbio. “Isso gerou consumo direto

de instrumentos e equipamentos no mercado da própria capital”. Os dados apontam

também que “uma grande parcela dos entrevistados aproveita viagens de espetáculos

para adquirir produtos em outros estados ou países”. (FJP, 2010, p. 95).

3.2.1.5 A educação musical e a formação de plateias

Um aspecto integrante da fase da pré-produção considerado importante pelo SEBRAE

(2008) é a formação de plateias. A questão é vista do ponto de vista da educação

musical das crianças, visando o consumidor do futuro. “Se as crianças tiverem a música

como objeto de estudo e conhecimento dentro da sua grade de formação curricular, se

tornarão mais aptas a conhecer e a consumir música em seus mais variados estilos”.

(SEBRAE, 2008, p. 20).

Nessa perspectiva, a entrada em vigor, em 2011, da lei federal nº 11.769, que obriga a

inclusão do ensino da música na Educação Básica (que engloba a educação infantil e o

ensino fundamental) é um primeiro passo muito importante. No entanto, para que gere

os efeitos desejados do ponto de vista musical – desenvolver a criatividade e a

sensibilidade e difundir o senso estético – será preciso que toda a comunidade envolvida

fique atenta para assegurar um ensino musical de qualidade, com metas pedagógicas

precisas e contínuas e com profissionais capacitados, como defende a diretora da

Associação Brasileira de Ensino Musical (ABEM), Sônia Regina Albano de Lima, em

entrevista ao site Educar para Crescer64.

Lisiane Bassi, coordenadora do Ensino de Música de Franca (SP), considerado

referência nacional, em entrevista ao mesmo site, aponta um caminho: "Não queremos

formar músicos, mas desenvolver a criticidade para não aceitar tudo o que a mídia

impõe, conhecer as raízes da música brasileira, despertar o gosto pela música, preservar

64Fonte: Site Educar para Crescer. Disponível em: http://educarparacrescer.abril.com.br/politica-publica/musica-escolas-432857.shtml. Acesso em: 30 Jan. 2011.

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nosso patrimônio musical e aumentar o repertório musical nacional e internacional” 65.

Ao desenvolver a escuta, pretende-se atuar diretamente sobre a qualidade de fruição da

música.

A realidade, entretanto, aponta um caminho árduo a ser perseguido para se alcançar este

objetivo. Informações fornecidas por alguns dos entrevistados na presente pesquisa

indicam que várias empresas de software estariam preparando programas digitais de

ensino da música para serem oferecidos às escolas, numa atitude contrária ao espírito do

movimento que gerou a nova lei. A questão mais preocupante é que tais ferramentas

estariam sendo desenvolvidas exclusivamente por técnicos em computação, sem

participação de músicos e pedagogos. Ao analisar programas deste tipo existentes no

mercado, Krüger et al. (1999, apud VIANA JÚNIOR, 2010, p.3), afirmam que “a

maioria dos aplicativos não se fundamenta nos mais recentes parâmetros pedagógicos,

psicológicos, sociológicos e de outras áreas específicas da educação musical, o que

limita as vantagens da aplicação educacional destes”.

Belo Horizonte se ressente de políticas de formação de público. Embora bastante

restrito, o trabalho mais consistente vem sendo desenvolvido pelas instituições públicas

(UFMG, UEMG e FCS), além da FEA, instituição privada. Nessa direção, elas têm

oferecido cursos de extensão (de iniciação musical, de instrumentos e canto) voltados

para a comunidade. As escolas públicas mantêm importantes e tradicionais grupos como

big bands, coros de câmara, variadas formações de cordas, metais e percussão, bandas e

orquestras sinfônicas, que, além de servirem como laboratórios para seus estudantes,

realizam apresentações gratuitas e permanentes. (FJP, 2010).

Vale destacar o atual trabalho do Conservatório UFMG, que durante mais de 40 anos foi

sede da Escola de Música da Universidade. Desde 2000 – quando se transformou em

um centro de referência cultural, após a transferência da Escola para o campus da

Pampulha –, tem oferecido projetos de formação de plateia e de divulgação de

compositores e intérpretes da capital mineira, voltados para diferentes gêneros musicais,

tais como Concertos Didáticos UFMG (de música erudita), Quarta Cultural (música

erudita e instrumental contemporânea), Prata da Casa (produção de alunos, ex-alunos e

65Fonte: Site Educar para Crescer. Disponível em: http://educarparacrescer.abril.com.br/politica-publica/musica-escolas-432857.shtml. Acesso em: 30 Jan. 2011.

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professores da Escola de Música da UFMG), Para Todos (música popular), Pinzindin

(choro), Sambaqui (samba) e Domingo na Feira (bandas e grupos populares da região

metropolitana de Belo Horizonte).

A formação de plateias ou sensibilização do público fora do universo das escolas

também tem sido alvo da preocupação de diversos músicos e produtores culturais belo-

horizontinos, através de projetos didáticos voltados para públicos específicos.

Entretanto, como alerta a própria Fundação, “com exceção de alguns projetos

institucionais das instâncias de governo, praticamente todas as ações de formação de

plateia provêm de empreendedores culturais que dependem visceralmente das leis de

incentivo”. (FJP, 2010, p 94). O entendimento é de que isso seria um complicador na

medida em que atrelaria a realização dessas ações à seleção dos projetos e à captação

dos recursos.

A volta do ensino da música ao currículo da educação básica é um grande e

fundamental avanço, mas trará consequências a longo prazo. Do ponto de vista do curto

e do médio prazo, ainda há muito que fazer para fomentar o mercado. Os estudos

apontam que a formação de público é a base para a formação do gosto musical, hoje

completamente formado pela mídia. O público gera demanda pela música e esta, por sua

vez, gera novos públicos. Este trabalho, entretanto, está bastante distante da realidade

belo-horizontina. (FJP, 2010).

3.2.2 Produção

A produção é caracterizada por ser a fase onde acontece a concepção do produto em si –

a música. Na cadeia da indústria fonográfica os principais atores do elo produção são as

gravadoras, responsáveis por todo o processo (estrutural, humano, jurídico) que

transforma o fonograma num produto passível de venda. Na cadeia tradicional esse

papel cabe às grandes gravadoras, as majors. Na cadeia da música independente, as

pequenas gravadoras ou indies assumem este papel. No Brasil, o SEBRAE (2008)

aponta a existência de mais de 400 produtoras e/ou selos independentes de diversos

portes, em sua maioria micro e pequenas empresas, que possuem, em conjunto, grande

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participação no mercado, especialmente nos nichos66 criados a partir de critérios como

estilo de música, região geográfica, público-alvo etc. O órgão destaca, entretanto, não

haver uma quantidade suficiente de dados de mercado para retratar fielmente as

independentes. Os dados da FJP (2010) mostram que Belo Horizonte possui produtoras

independentes experientes, embora alguns artistas prefiram contratar empresas do Rio

de Janeiro ou São Paulo para a realização deste trabalho.

Normalmente, o mercado atua com quatro formatos de produtos: catálogo

(relançamento no mercado de um projeto ou álbum de determinado artista, como é um

produto que já existe, não há necessidade das outras fases de produção); projeto especial

(relançamento de obras de artista que já morreu; resgate de obras raras relacionadas a

esse artista ou que trabalham aspectos adicionais à música, como imagens, filmes etc.);

lançamento (colocação de um novo álbum no mercado); e selo (formato onde existe

uma unidade de tema, gênero ou filosofia que agrupa trabalhos de diferentes artistas,

indicando valores e ideias similares que permeiam as músicas). (SEBRAE, 2008, p. 21).

3.2.2.1 Caminhos percorridos até o produto final

Para um lançamento (criação de um produto novo) tem de haver primeiro o processo de

criação e composição, onde são feitas as letras, a música e os arranjos para o álbum.

Além dos artistas (intérprete – cantor ou cantora – e instrumentistas), este processo

requer a presença do diretor ou “produtor musical e artístico, responsável por dar

unidade ao trabalho, escolher o repertório e conduzi-lo até que se tenha o master67 da

gravação”. (SEBRAE, 2008, p. 21).

Segundo a FJP (2010), o mercado das produtoras (empresas ou pessoas físicas) de Belo

Horizonte estaria em ascensão, devido aos cursos implantados na cidade. Também teria

66 “Nichos de mercado são pequenos segmentos ou públicos cujas necessidades particulares são pouco exploradas ou não atendidas pelas empresas. A estratégia de aproveitamento de nichos está justamente na identificação das bases de segmentação que, quando exploradas, fornecem um diferencial ou uma vantagem competitiva para a empresa”. (SEBRAE, 2008, p. 81). 67 Gravação do master: processo de pós-produção que prepara e transfere o material gravado de uma fonte contendo a mixagem final para um dispositivo de armazenamento chamado master, pelo qual todo produto (DVD, CD ou até mesmo uma música única) deve passar antes de chegar ao consumidor final. (SEBRAE, 2008).

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sido identificada “uma proliferação de salas específicas para ensaio em Belo Horizonte,

muitas delas montadas pelas próprias bandas e artistas, cientes da necessidade de

otimização da produção dos discos”. (FJP, 2010, p. 100).

Esta etapa também inclui os aspectos legais, como os contratos firmados pelas partes

envolvidas, formalizando responsabilidades, remunerações, participações e os direitos

autorais (remuneração gerada para autores e editores das músicas a serem gravadas, pela

utilização das mesmas). A questão dos direitos autorais foi sempre polêmica e alvo de

grandes debates. Está em curso no país um processo de reforma da Lei dos Direitos

Autorais, a partir de iniciativa do Ministério da Cultura.68

Inicialmente, as majors, através dos contratos, se tornavam donas da obra do artista,

recebendo os direitos autorais, além de um percentual sobre a venda do produto.

Através de muita batalha legal, alguns artistas conseguiram reaver o direito às suas

criações artísticas, mas até hoje essa situação persiste. Aos poucos, a categoria foi se

reunindo em “sociedades de registro e fiscalização do recolhimento de direitos autorais,

atuando junto ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD)”, buscando

promover maior transparência e esclarecimento sobre o assunto. (FJP, 2010, p. 64).

Nos novos modelos de negócio por meio da web69 os direitos de propriedade intelectual

seriam um desafio, não apenas no que diz respeito ao controle da pirataria70, mas quanto

à necessidade de adaptação de indústrias, como a musical, ao paradigma digital. O tema

também tem merecido frequentes e acirrados debates. (SEBRAE, 2008). Redes sociais e

sites de conteúdo formulados pelos usuários vêm criando uma série de regulamentações

para evitar ações legais de gravadoras, além de editoras, estações de TV e estúdios de

cinema. A conhecida rede social Myspace licenciou tecnologias de áudio para prevenir

que músicas protegidas por direitos autorais sejam publicadas nos perfis pessoais dos

usuários da rede. A ferramenta de segurança permite o bloqueio de gravações protegidas

68 Fonte: Site do Ministério da Cultura. Disponível em www.cultura.gov.br. Acesso em: 15 Jan. 2011. 69 World Wide Web (em português: rede de alcance mundial), também conhecida como WWW ou internet. 70 “Pode-se definir pirataria como a prática de copiar, distribuir e vender CDs e DVDs sem autorização do produtor fonográfico e sem recolher impostos e direitos autorais conexos e fonomecânicos”. (SALAZAR, 2010, p. 46).

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por direitos, antes mesmo de o usuário torná-las públicas, controlando todas as

gravações dos áudios enviados por membros da comunidade para seus perfis71.

Segundo a FJP (2010), só agora o artista independente começa a ter consciência da

importância do registro de sua obra e, em Belo Horizonte, por falta de informação, esse

processo seria recente. Data do final da década de 1980 a instalação de um escritório da

Associação de Músicos Arranjadores e Regentes (AMAR) na capital, trazido pelos

autores Paulo César Pinheiro e Fernando Brant, com objetivos de esclarecimento e de

registro dos interessados. No Diagnóstico da Cadeia Produtiva da Música de Belo

Horizonte, a Fundação João Pinheiro informa que, apesar de essencial para a pesquisa,

não obteve junto ao ECAD os dados relativos aos direitos autorais pagos às obras dos

compositores da capital. “Um ponto de interrogação permanece então no que se refere

ao valor dos direitos autorais pagos aos artistas de Belo Horizonte e de Minas”. (FJP,

2010, p. 65).

O passo seguinte neste elo da cadeia é a gravação, que envolve a escolha de estúdio,

engenheiros de som e técnicos responsáveis pelas condições de gravação. Para a FJP

(2010, p. 100), “Belo Horizonte conta com grandes e reconhecidos estúdios

profissionais, por sua tradição e/ou qualidade. Esses fatores resultam numa oferta

surpreendente desses serviços, em contraponto com a demanda por profissionais

técnicos especializados”. Seriam mais de cem estúdios de gravação profissionais, além

da parcela significativa de músicos que possuem estúdio próprio (26% entre os

pesquisados no período de 2003 a 2008).

Nas etapas posteriores acontecem a mixagem e a masterização72 que, ao final, irão gerar

uma fita (master) – formato final do produto, que estará pronto para reprodução e

distribuição. Dados da FJP (2010) mostram Belo Horizonte com profissionais

experientes nesta área, embora registrem que alguns artistas prefiram realizar este

trabalho com empresas do Rio de Janeiro ou de São Paulo.

71 Fonte: Site MCK. Disponível em: http://www.mck.com.br/novidade.htm. Acesso em: 12 Fev. 2011. 72 Mixagem: processo onde é feita a harmonização dos instrumentos gravados, do ponto de vista do volume, ritmo e timbre, e, eventualmente, corrigidas falhas de gravação. (SEBRAE, 2008). Masterização: última etapa do processo de gravação e primeira do processo de fabricação do produto, onde são feitos a edição das faixas e o nivelamento sonoro, garantindo-se o equilíbrio do som de uma faixa para outra, buscando garantir bom nível de audição nos equipamentos de reprodução. (FJP, 2010).

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Paralelamente, no caso em que a distribuição é feita em suporte físico, há a produção

gráfica, onde são definidas as diretrizes para criação e produção da capa, encartes e

textos, que irão definir a apresentação do CD ou DVD. A FJP (2010, p. 102) registra a

existência de “excelentes profissionais nesta área” na capital. A última etapa desta fase

da cadeia é o envio da master para prensagem dos CDs e da arte da capa para

impressão, informando as quantidades a serem produzidas. (SEBRAE, 2008, p. 22).

Nas produções que não incluem suporte físico, os artistas, através dos recursos

tecnológicos e da internet, podem se lançar no mercado independentemente de

gravadoras. Nesses casos, muitas vezes, criação, composição, gravação, mixagem e

masterização são feitas pelo próprio artista, que também pode criar seu próprio portal,

registrar e divulgar sua obra, para ser ouvida on line73 ou para download74. O artista

torna-se também produtor, assumindo vários papéis da cadeia produtiva.

3.2.2.2 Peculiaridades da produção musical em Belo Horizonte

Belo Horizonte, segundo a FJP (2010), apresenta importantes peculiaridades nesta fase

da cadeia produtiva da música, e, dentro dos objetivos do presente estudo, é importante

que sejam destacadas. Diferentemente do eixo Rio-São Paulo, que, seguindo o que

ocorre em outras grandes metrópoles internacionais, tem como elo comercial mais forte

as grandes gravadoras ou majors, o segmento musical da capital de Minas Gerais se

insere no mercado a partir de uma rede de serviços e atores em constante

intercomunicação, que assumem diferentes papéis na cadeia produtiva.

De um modo geral, numa economia do segmento musical, seus atores não têm papel

estanque. Este estudo mostrou que essa característica é ainda mais evidente em Belo

Horizonte, onde o artista-criador do produto, na maioria dos casos, também é o

fomentador, produtor, contratante de serviços e divulgador, inserido no que se

73 Ouvir uma música online significa ouvi-la diretamente da internet, isto é, sem precisar copiá-la no disco rígido do computador ou em algum dispositivo, tal como um CD-ROM. 74 Processo pelo qual se dá a cópia de arquivos armazenados em outros locais da internet.

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convencionou chamar de mercado independente. Essa característica teria sido

construída ao longo das últimas décadas.

À margem das grandes gravadoras, os artistas mineiros das décadas de 80 e 90, em sua absoluta maioria independentes, começaram a aparecer no mercado nacional de forma espontânea, por demanda de ouvintes de rádios. O Skank, por exemplo, surgiu a partir da faculdade de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e conseguiu, por meio de mídia espontânea e divulgação paralela, chamar a atenção de uma grande gravadora (Major) pelo volume enorme de vendas e público alcançado em um curto espaço de tempo. O grupo abriu portas para alguns dos mais expressivos grupos de sucesso nacional: Pato Fu, Jota Quest, e Tia Nastácia. (FJP, 2010, p. 55).

Esse movimento em Belo Horizonte refletia o que vinha ocorrendo no resto do país,

quando alguns artistas (muitos deles ícones da música brasileira) deixaram as grandes

gravadoras para criar selos próprios e administrar seus direitos autorais. “Esse

gerenciamento, ainda que em escala reduzida, originou catálogos menores e

diferenciados com menores preços, gerando assim uma migração do público

consumidor (fiel a esses artistas) para os novos produtos”. (FJP, 2010, p. 57). Esse

processo gerou uma abertura de possibilidades para outros nomes em ascensão, além de

provocar mudanças no perfil do mercado, como comprova “uma gama de artistas de

outros gêneros que se destacaram na cena mineira, a partir de Belo Horizonte: Titane,

Saulo Laranjeira, Tadeu Franco, Celso Adolfo, Marcus Viana e Paulinho Pedra Azul,

este com vendas superiores a 30 mil discos por ano”. (FJP, 2010, p. 56).

Para a FJP (2010), é a partir desse processo que a cadeia mineira começa a produzir um

mercado paralelo ao comercial, utilizando estratégias de ações individuais e intensas,

que facilitavam a exposição espontânea na mídia, e de eventos que criavam espaço em

nichos não atingidos pelos estilos de música impostos pela mídia, especialmente o

público universitário. Nesse momento, a força dos independentes fica mais visível, seu

número aumenta e o artista vai se transformando em produtor/realizador de seu produto,

suprindo a ausência de agentes artísticos, cuja oferta não conseguia atender à crescente

demanda. “Surgiram então centenas de artistas/produtores, com produtos de qualidade

técnica cada vez mais aprimorada, que, no entanto, não conseguiam encontrar formas de

divulgar, circular e escoar a produção musical”. (FJP, 2010, p. 56).

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Essa realidade teria permeado toda a década de 90, chegando aos dias atuais,

provocando a necessidade de união dos artistas em associações e cooperativas, com o

objetivo de conseguir maior visibilidade e sustentabilidade para o seu produto/obra

criativo. Segundo a FJP (2010), Belo Horizonte possui grande número de artistas

regulamentados, seja na Ordem dos Músicos do Brasil, seja na União Brasileira de

Compositores, ou afiliados à Associação dos Amigos da Música de Minas Gerais, à

Sociedade Independente da Música, à Cooperativa da Música de Minas, à ONG Terra

Verde e registrados no cadastro da ONG Favela é Isso Aí.

Na perspectiva do trabalho em parceria, surgem, na última década, os chamados

coletivos – grupos de artistas de tendências específicas que se unem para buscar, em

rede, fortalecer seus movimentos e promover maior divulgação dos trabalhos –, abrindo

uma nova perspectiva para o mercado da música independente da capital. Tais coletivos

se caracterizariam como uma inovação organizacional, conceito defendido pela

RedeSist (2005) para a introdução de novos meios de organizar a produção, distribuição

e comercialização de bens e serviços. Mais ligada ao mercado do rock e da música

alternativa, a ação dos coletivos constrói redes de comunicação, troca de experiências e

socialização de tarefas, que extrapolam os limites da cidade e do estado. (FJP, 2010).

Entre os coletivos atuantes na capital, destaca-se o Coletivo Pegada – grupo que agrega

sete bandas, produtores, músicos, editores, designers, poetas, DJs, jornalistas, cineastas

e outros profissionais –, onde os participantes se envolvem em todos os elos da cadeia,

da criação das músicas à produção, passando pela divulgação, distribuição e

comercialização. Realizam, também, trabalho em parceria com outros coletivos da

capital e de outros estados, como explica um de seus integrantes:

A gente tem web-teams, street-teams75, que saem divulgando [...] A gente produz camisas, [...] um ajuda o outro, de forma que todo mundo consegue chegar àquele objetivo final que é a estruturação de uma cena [...] que é feita de várias outras ações e essa cadeia vai se expandindo [...] buscando parcerias com outros coletivos, com outras ações, com outras pessoas, e a tendência é que isso cresça e que todos possam fazer essa troca de forma diferente, mas a gente quer que as coisas sejam da forma que a gente acredita. A gente não quer se voltar para o mercado, a gente gostaria que o mercado se voltasse pra gente – às vezes não é o fato de ser comercial que vai deixar de ser independente. (FJP, 2010, p. 66).

75Web team: equipes da web, em português. Street teams: equipes de rua, em português.

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Exemplo contundente de organização coletiva, na contramão do grande mercado

nacional ainda sob a hegemonia das majors, foi a criação por artistas locais, unidos em

associações e cooperativas, do Projeto Música Minas, programa de divulgação e

exportação da música mineira, já analisado no capítulo anterior. A iniciativa – que em

2011 está passando por uma avaliação a partir de discussão promovida pelo Fórum da

Música de Minas Gerais – representou importante passo para alavancar a cadeia

produtiva da música da capital, embora ainda careça do apoio governamental para a sua

continuidade.

A produção musical de Belo Horizonte ainda baseia-se no CD – suporte físico mais

utilizado pelos artistas da capital. Entre 2003 e 2008, 73% dos músicos pesquisados

gravaram até cinco CDs; 9% gravaram entre cinco e 10; 3% gravaram entre 10 e 20;

apenas 1% gravou entre 20 a 50 CDs, enquanto 14% não gravaram nenhum CD no

período. Bem menos utilizado, o DVD não foi opção para 67,6% dos entrevistados, e

apenas 28,8% gravaram até cinco no período. 1,6% gravou entre cinco e dez, e 1,5%

entre 10 e 20. Apenas 0,5% gravou entre 20 e 50 DVDs durante os cinco anos

pesquisados. (FJP, 2010).

Característica importante da produção musical da cidade é a que diz respeito à

participação das vilas e favelas. Apesar das dificuldades, o estudo da FJP (2010) mostra

que os artistas dessas áreas marginalizadas têm encontrado soluções para vencer a

barreira da invisibilidade e mostrar a música que vêm produzindo. Para isso, lançam

mão de estúdios improvisados dentro de suas próprias casas e de estúdios populares

que, no entanto, não permitem uma boa qualidade técnica aos CDs.

A ONG Favela é Isso Aí abriga um estúdio comunitário para gravação e distribuição

dos produtos dos artistas das vilas e favelas de Belo Horizonte. Além de prestar

assessoria aos artistas, o estúdio também produz os programas de rádio que são

veiculados em parceria com a Rádio Inconfidência, integrante do sistema estadual de

comunicação76. Entre as principais dificuldades vividas pelos artistas dessas regiões

estão a falta de espaços para produzir, ensaiar, apresentar e comercializar o trabalho; a

76 Fonte: Site da ONG Favela é Isso Aí. Disponível em: http://www.favelaeissoai.com.br. Acesso em: 12 Fev. 2011.

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ausência de condições materiais para a produção dos CDs, e a dificuldade de acesso à

mídia e aos meios de divulgação. (FJP, 2010).

Dados da FJP (2010) indicam que em Belo Horizonte, “de modo geral, a produção é

feita pelos próprios artistas ou produtores culturais” e que a cidade “possui bons

profissionais nesta área”. Entretanto, apontam que “a ausência de uma política cultural

com base em recursos orçamentários de caráter permanente é o que tem inviabilizado a

maior organização dos músicos na defesa de seus direitos e de sua sustentabilidade”.

(FJP, 2010, p. 110).

Peculiaridade importante da produção da capital mineira, não apenas musical, mas

cultural, é a que diz respeito aos custos gerais para realização de eventos artísticos.

Vários dos entrevistados na pesquisa afirmam que Belo Horizonte oferece custos

diferenciados, mais baixos e favoráveis em relação ao Rio e Janeiro e a São Paulo, seja

de cachês ou de outros serviços públicos que têm que ser pagos para os

empreendimentos de grande porte. A localização central de Minas no mapa brasileiro –

que permitiria uma economia de escala e competitividade de custos – seria uma das

razões para isto. Também o aluguel dos espaços, a montagem de palco, som etc., seriam

mais baratos na capital mineira.

Quanto ao emprego formal dos músicos na capital, ou seja, empregados com registro

em carteira profissional, as estatísticas da RAIS – Relação Anual de Informações

Sociais – do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)77 indicam que do total de

1.265.316 empregos gerados em Belo Horizonte em 2008, apenas 313 eram de músicos

– instrumentistas, compositores, arranjadores, regentes, musicólogos e intérpretes. Faz-

se importante ressaltar que, como os trabalhadores do setor de música costumam não ter

vínculo empregatício, há subestimativa nesses dados. Embora possa ser considerado

pequeno em relação ao universo dos empregados totais, este número seria mais

significativo do que os 310 músicos registrados na cidade do Rio de Janeiro (RJ), se

considerado o universo de 2.161.698 empregados formais gerados naquela metrópole,

em 2008. Em Salvador (BA), este número seria de 133, num universo de 719.993

77 Fonte: RAIS/MTE. Disponível em: http://portal.mte.gov.br/rais/resultados-definitivos.htm. Acesso em: 12 Jun. 2010.

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empregados; enquanto São Paulo (SP) registra 663 músicos para um total de 4.489.076

empregados formais; e em Curitiba a proporção é de 155 para 771.798.

Esses dados permitem calcular o coeficiente de especialização, definido pela RAIS

como “a participação relativa dos músicos no emprego total do município ou região

dividida pela participação relativa dos músicos brasileiros no total de emprego no

país”78. Assim, chega-se ao coeficiente de 1,23 para Belo Horizonte79, o que significa

que a participação de músicos no emprego formal na capital mineira é 23% superior à

média nacional. Isto é uma indicação clara da especialização da capital mineira na

atividade musical, muito além das registradas nas demais capitais mencionadas, que

apresentaram os seguintes coeficientes: Rio de Janeiro, 0,71; São Paulo, 0,73, Salvador,

0,91 e Curitiba, 1,0.

Esta especialização significa que Belo Horizonte tem uma proporção de músicos no

mercado formal de trabalho 23% superior à proporção de músicos na média nacional.

Por outro lado, três das outras grandes capitais analisadas apresentam um coeficiente de

especialização bem inferior ao nacional: 29% menor no Rio de Janeiro (0,71 menos 1

vez 100), 27% menor em São Paulo e 9% menor em Salvador; enquanto Curitiba

apresenta a mesma proporção da participação nacional.

A força desse coeficiente da capital mineira aponta para um indicador econômico

altamente favorável ao SPIL da música proposto, pois mostra, em Belo Horizonte, a

possibilidade de um peso dos atores musicais num arranjo do setor que não se

observa nas outras capitais analisadas. Este dado torna-se altamente significativo se

levarmos em conta as grandes dificuldades para o exercício da profissão de músico na

capital, ao contrário do que acontece no eixo Rio-São Paulo, por exemplo, que se

beneficia da influência de grandes mídias (jornais, rádios, TVs); da presença de público

com alto poder aquisitivo, aliado ao maior acesso à cultura; e da localização das majors

neste eixo.

78 Fonte: RAIS/MTE. Disponível em: http://portal.mte.gov.br/rais/resultados-definitivos.htm. Acesso em: 12 Jun. 2010. 79 E = (Nmi/Ni)/(Nm/N), onde E é o coeficiente de especialização, Nmi o número de músicos no município i, Ni o emprego total no município i, Nm número de músicos no país e N o emprego total no país. E = 313/126531 = 1,23 7939/39441566

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3.2.2.3 O mercado da produção independente Sobre o mercado de música independente, dados da Associação Brasileira de Música

Independente (ABMI)80 demonstram que, embora cerca de 80% da produção nacional

de fonogramas estejam nas mãos dos independentes, eles representariam apenas 25% do

total vendido no país (cerca de 13 milhões em 2004). As majors atuariam por meio de

operações em grande escala, onde um único álbum pode vender mais de 100 mil cópias,

enquanto os números das pequenas gravadoras são bem mais modestos. (SEBRAE,

2008). Para a ABMI, “as majors se especializaram no processo de produção do CD em

si, ao passo que as Independentes se focaram em melhores níveis técnicos para a

produção do fonograma”. (SEBRAE, 2008, p. 29).

Depoimento de importante representante de alguns dos maiores selos independentes

internacionais dá a dimensão dessa questão:

Cada vez mais eu sinto que os selos lidam realmente com arte e cultura, respeitam os artistas com quem trabalham — opina Martin Mills, fundador e presidente da Beggars Banquet Records e do Beggars Group, que representa quatro dos mais influentes selos da atualidade: Matador (Interpol), Rough Trade (The Strokes), 4AD (The National) e XL Recordings (Vampire Weekend). — Não estamos nisso para ganhar dinheiro, mas para fazer surgir o tipo de música que possa mudar a vida das pessoas. Quando isso acontece, é claro que ganhamos dinheiro. Mas esse não é o motivo que nos leva a trabalhar com música

81. Apesar desse quadro, estudos – entre eles o do SEBRAE (2008) – destacam o aumento

da força das gravadoras independentes como um todo (de 22% para 25% de

participação no mercado, de 2004 para 2005) e uma tendência de que esse crescimento

se intensifique, enquanto registra-se queda no mercado das majors, atribuída ao

aumento da pirataria e da crescente utilização da internet (tanto para divulgação como

para venda de músicas). Segundo o IPEA (2007), os CDs e fitas cassete (K7)82 piratas83

80 Fundada em 2003 por 30 selos de todo o país, preocupados com a defesa dos direitos das gravadoras independentes, contava, em julho de 2007, com mais de 120 sócios, tendo como missão identificar e promover atividades de interesse comum em benefício da produção musical independente. (SEBRAE, 2008). 81 Fonte: Site Jornal O Globo. Disponível em: http://extra.globo.com/tv-e-lazer/sucesso-do-arcade-fire-consagra-trabalho-dos-selos-indies-1103613.html. Acesso em: 20 Fev. 2011. 82 Tipo de suporte de gravação de áudio lançado em 1963 pela empresa holandesa Philips. Utiliza basicamente o mesmo processo que a gravação em rolo, só que os carretéis e todo o mecanismo de movimento da fita se encontram alojados numa caixa plástica de 10cm x 7cm, facilitando o manuseio e a utilização. É tocado num gravador cassete. (SEBRAE, 2008).

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representam de 30% a 40% do total vendido pela indústria fonográfica do país. Outro

aspecto relevante diz respeito à tendência de segmentação do mercado das indies:

[...] o mercado das independentes está mais voltado para pequenos segmentos ou até nichos, sejam eles geográficos, por estilo musical ou por perfil de público. Ou seja, pequenas gravadoras tendem a se concentrar em uma determinada região do país, limitando sua distribuição, a escolher um portfólio de produtos restrito a um único gênero musical (em uma estratégia de alta especialização) ou a se focar em determinados públicos-alvo; [...] É importante frisar que, muitas vezes, essas “escolhas” são ditadas pela falta de recursos (humanos, mercadológicos, financeiros, know how etc.) para ampliar a distribuição geográfica, os estilos e/ou os públicos trabalhados. (SEBRAE, 2008, p. 29).

Exemplo de destaque da cena mineira é o selo independente belo-horizontino Cogumelo

Records, criado na década de 1980, que, no auge do movimento de MPB do Clube da

Esquina, atingiu o público jovem num outro nicho da produção musical – o da música

metal. Este selo, que continua em atuação, foi responsável pelo lançamento de dezenas

de discos de enorme vendagem, alavancando, em nível internacional, grupos como

Sepultura, Overdose, Sarcófago e Holocausto. (FJP, 2010). Primeiro selo independente

de Belo Horizonte e um dos primeiros do Brasil, o Bemol – criado na década de 1960 e

com ativa atuação até hoje – contribuiu para o fomento de uma cultura de gravações e

profissionalização da música produzida no Estado, ampliando a produção e distribuição

musical para todo o país e criando um catálogo com alguns títulos ainda existentes.84

No país, em 2004, existia apenas uma grande gravadora independente – Trama Music –

responsável, naquele ano, por cerca de 8% das vendas do segmento, ou um milhão de

cópias. Nesse mesmo ano, o consumo per capita de música independente no Brasil foi

estimado em 0,07 CD/habitante. (SEBRAE, 2008). Para a FJP (2010, p. 106), isso

comprovaria que, apesar de toda essa “revolução que se delineia no setor fonográfico, a

hegemonia das majors no mercado convencional da música ainda é evidente. Dados do

83 O mercado tem se mobilizado contra a pirataria. Em 2010, as companhias norte-americanas Verayo e SkyeTek anunciaram o desenvolvimento de um chip de segurança de baixo custo, que poderá ser implantado nos produtos, permitindo identificar, a partir do uso de um leitor, se determinado produto é ou não falsificado. No Brasil, a ABPD criou, em 1995, a Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos (Apdif), com o objetivo de combater a reprodução não autorizada de gravações musicais. (SALAZAR, 2010) 84 Fonte: Site Música de Minas. Disponível em: http://www.musicademinas.com.br. Acesso em: 11 Fev. 2011.

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ECAD e ranking de vendas das maiores lojas do ramo demonstram que o que mais

vende é o produto criado pela mídia”.

Essa realidade se repete em Belo Horizonte, onde nos últimos anos os artistas que

constam nos rankings de vendas são aqueles vinculados às grandes gravadoras, como,

por exemplo, a banda Jota Quest (com mais de duas músicas em alguns anos) e o Skank

(banda presente em todas as listagens). Além de confirmar a hegemonia das majors na

indústria fonográfica brasileira e mineira, isto demonstraria que o movimento

decorrente da diversificação de mídias e das novas formas de consumo ainda seria

insuficiente para se contrapor a ela, embora haja evidências contundentes de mudança

nos hábitos dos consumidores. (FJP, 2010). Esta questão é analisada com mais

profundidade no próximo capítulo.

No mercado virtual, estratégias inovadoras e ousadas têm sido utilizadas,

particularmente, por novos artistas independentes, com o objetivo de incrementar a sua

divulgação e a distribuição de seus produtos. Dados do SEBRAE (2008) apontam que

os brasileiros têm utilizado bastante o site americano de relacionamentos Myspace.com

para oferecer músicas gratuitamente, divulgar um álbum ou um show, mas que, por

enquanto, não haveria “dados concretos de mercado que comprovem os reais ganhos

dessa estratégia”. (SEBRAE, 2008, p. 29). Em Belo Horizonte, o Myspace é o site mais

utilizado, ao lado do Orkut e dos blogs. (FJP, 2010).

Na mesma direção, artistas já consagrados, considerados de grande expressão e com

público cativo, chegam a oferecer gratuitamente o download e a leiloar o valor das suas

músicas, como forma de atrair novos públicos. Um exemplo seria o lançamento em

setembro de 2007 do novo álbum In Rainbows, da banda inglesa Radiohead, quando foi

oferecida ao consumidor a possibilidade de escolher o preço que gostaria de pagar pelo

download do produto, a partir de zero. Em duas semanas, o site da banda registrou 500

mil downloads, com preço médio pago equivalente a R$ 25,00, mostrando que, mesmo

com a opção de não pagar nada pelas músicas, o consumidor demonstrou disposição em

remunerar o trabalho dos artistas. (SEBRAE, 2008, p. 28).

A iniciativa – facilitada pelas novas tecnologias – considerada mais inovadora de

financiamento da cultura e que está ligada ao mercado independente da música é o

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chamado crowdfunding (financiamento pela multidão)85. Trata-se de uma modalidade

de cooperação coletiva onde várias pessoas contribuem com pequenas quantias,

usualmente pela internet, para viabilizar uma ideia, um projeto ou um negócio de outras

pessoas ou organizações. A colaboração é espontânea e a opção é tomada por quem

gosta e se identifica com o objeto do financiamento86.

Aspecto essencial do crowdfunding na cultura é que não se trata apenas de uma doação:

os colaboradores recebem uma contrapartida que, na música, pode ser o próprio produto

financiado (CD, DVD, ingressos para show etc.). Dessa forma, pessoas físicas podem

viabilizar uma criação artística. No Brasil, a ideia ganha força com a criação de vários

sites, entre eles o carioca Queremos, que busca levantar fundos para atrair shows em

que bandas musicais possam se apresentar na cidade do Rio de Janeiro. Através da

divulgação, o site levanta um número mínimo de vendas de ingressos, para então

contratar o show. Como nos sites de compras coletivas, se o show não acontece, o

público é reembolsado87.

3.2.2.4 Entidades governamentais e institucionais que regulam e

condicionam o setor

Como parte do elo da produção, o SEBRAE (2008) inclui as entidades governamentais

e institucionais que regulam e condicionam o setor. As entidades governamentais – dos

três níveis: federal, estadual e municipal – teriam o papel principal de criar políticas

fiscais, incentivos e políticas públicas para a cultura, visando regulamentar o fluxo de

recursos e facilitar o acesso a patrocínios. A responsável pela atuação direta em Belo

Horizonte seria a Fundação Municipal de Cultura, órgão da Prefeitura, além da

Secretaria Estadual de Cultura, cujas principais ações voltadas para a música estariam

85 Exemplos tradicionais de crowdfunding seriam os impostos que uma coletividade paga para financiar projetos do governo ou a contribuição de empresas para projetos sociais, utilizados há décadas. A iniciativa ganhou força nos EUA quando o presidente Barack Obama levantou milhões de dólares para a sua campanha eleitoral em 2008 usando o crowdfunding. Fonte: Crowdfunding Brasil. Disponível em: http://crowdfundingbr.com.br. Acesso em: 08 Fev. 2011.

86 Fonte: Crowdfunding Brasil. Disponível em: http://crowdfundingbr.com.br. Acesso em: 08 Fev. 2011.

87 Fonte: Site Bolsa de Ofertas. Disponível em: http://www.bolsadeofertas.com.br/queremos-um-novo-modelo-de-compra-coletiva. Acesso em: 08 Fev. 2011.

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ligadas aos mecanismos de financiamento, como os fundos e as leis de incentivo,

analisados no capítulo 2. No âmbito federal, o responsável é o Ministério da Cultura,

(MinC) que possui uma representação na capital mineira, cujas principais ações, que

repercutem no segmento da música da capital, estão ligadas à Lei Rouanet, também já

estudada no capítulo anterior. Em 2005, o MinC criou a Câmara Setorial de Música,

órgão consultivo, integrada por representantes do segmento de todo o país.

Associações, sindicatos e sociedades diversas teriam o papel de defender as posições

dos diferentes agentes da cadeia da música, criando normas, determinando pisos

salariais, valores de arrecadação de direitos autorais etc. Exemplos de entidades

institucionais brasileiras: o ECAD, a ABMI e a AMAR, entre outras. Organizadas e

gerenciadas por músicos e compositores, as editoras e sociedades de autores – em sua

maioria com sede no Rio de Janeiro e em São Paulo – são responsáveis pela distribuição

dos valores recolhidos pelo ECAD referentes à execução pública das músicas em rádio,

TV, cinema e eventos.

Segundo a FJP (2010), Belo Horizonte conta, atualmente, com a filial da União

Brasileira de Compositores (UBC), com a editora Mais Música e com o escritório

regional do ECAD. Paralelamente, existem associações e cooperativas de músicos e

produtores que se ocupam de questionar e promover a reflexão sobre os direitos dos

artistas e suas possibilidades de trabalho.

A grande maioria dos autores de Belo Horizonte ainda detém os direitos sobre suas obras e negociam diretamente com intérpretes e produtores. Mas cada vez mais filiam-se às associações fiscalizadoras, em sua maioria com sede no Rio de Janeiro e em São Paulo, para melhor observarem o recolhimento sobre a execução de suas músicas. (FJP, 2010, p. 64).

3.2.3 Distribuição

Para ser eficiente, a distribuição deve não apenas atender às demandas, mas também

criar novas demandas, e, para isso, a etapa da divulgação é fundamental. Nesse elo da

cadeia produtiva atuam os selos e distribuidoras nacionais e locais. No entanto, a

distribuição também pode ser feita pela internet, diretamente pelos artistas, pelas lojas

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especializadas, por meio de compra para envio postal, entre outras formas. (SEBRAE,

2008)

Para o SEBRAE (2008), a forma pela qual a música será disponibilizada ao mercado –

suporte físico (CD/DVD) e/ou on line (via web) – é definida pela estratégia de

marketing da empresa, que se baseia no gênero musical e no público-alvo do produto,

levando em consideração a estratégia e o posicionamento da empresa no mercado

fonográfico. No caso do suporte físico, devem ser levados em consideração o transporte

e os níveis de estocagem necessários para garantir um preço viável ao produto. Na

distribuição para venda on line, o conteúdo musical do produto (total ou parcial) pode

ser colocado em

sites para download gratuito, sites especializados na comercialização de músicas, sites das grandes “lojas de departamento virtuais” (como Americanas, Submarino etc.) ou a empresa pode montar uma loja virtual da sua própria gravadora/selo para vender seus conteúdos musicais. (SEBRAE, 2008, p. 22).

No caso das produtoras independentes, a distribuição (seja por meio de CDs, DVDs ou

em MP388) é considerada fator fundamental para a segmentação do mercado, devendo

garantir que o produto esteja à venda onde o potencial comprador espera encontrá-lo,

isto é, em locais de fácil acesso e em casas especializadas (principalmente se

especializadas no estilo musical). (SEBRAE, 2008).

A evolução tecnológica dos meios de distribuição de música no Brasil, estudada pelo

SEBRAE (2008), mostra uma sequência que vai das apresentações pessoais em um

show, passando pelo rádio, o disco de vinil, a TV, a fita K7 e o CD, até chegar ao DVD

(que permite reprodução e até gravação de som e imagem) e a internet (que permite a

venda de músicas on line). Dados de 2009 divulgados pela ABPD89 – que apura apenas

o mercado das majors – registram um aumento extraordinário de 159,4% das vendas

digitais via internet (incluindo os licenciamentos) em relação ao ano anterior. Os CDs

88 Mpeg Audio Layer 3: Consiste em um código aberto de arquivo digital para música que tem a capacidade de compressão em um tamanho doze vezes menor do que o antigo formato adotado pelas gravadoras, o WAV, e ainda mantém a qualidade e as características da matriz de reprodução. Considerado o maior concorrente do CD no mercado atual (SEBRAE, 2008, p. 80). 89 Fonte: Associação Brasileira dos Produtores de Discos. Mercado brasileiro de música 2009. Rio de Janeiro, 2009. 10 p. Disponível em: http://www.abpd.org.br/downloads/Final_Publicacao_09_2010_CB.pdf. Acesso em: 31 Jan. 2011.

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ainda representam 60% do mercado total de música no país, enquanto os formatos em

vídeos musicais (DVD e Blu Ray) ficaram com 28,1% e os formatos digitais (internet e

telefonia móvel), 11,9%.

Para o SEBRAE (2008, p. 33), esses novos meios de distribuição acabaram por se

constituir em “novos mercados, cada vez mais importantes para o negócio de música,

como um todo, e especialmente para o subsetor de música independente, que tem maior

dificuldade para distribuir seus produtos utilizando os canais tradicionais de venda”.

(Grifos do original). Segundo a ABPD90, do total vendido em suporte digital em 2008,

78% foram comercializados por celular e 22% por internet.

Os dados de 2009, entretanto, indicam uma completa inversão entre essas duas mídias.

Pela primeira vez, o percentual das vendas pela internet superou o das vendas feitas

através da telefonia móvel, sendo em 2009 (58,7%) mais que o dobro do que

representava em 2008. No Brasil, a UOL Megastore, Terra, Sonora, I-Música e MusiG

estão entre os maiores vendedores virtuais de música, além dos sites eletrônicos

vinculados a selo como Biscoito Fino, que já se adaptam e geram demanda por

legislações específicas para normatizar o comércio virtual de músicas. (FJP, 2010).

Em Belo Horizonte, a FJP (2010) constatou que as distribuidoras e a internet são as

duas principais formas de distribuição da música, cada uma alcançando índice de 16%.

Os shows (13%) constituem a terceira opção mais importante de distribuição dos

produtos, enquanto as lojas e a venda direta independente correspondem a 9% cada

uma. Os selos (5%) e amigos/contatos (4%) foram as outras duas formas de distribuição

mais citadas. As livrarias e as gravadoras aparecem com participação de apenas 2%.

Segundo a FJP (2010, p. 61), para enfrentar “o grande gargalo verificado na cadeia da

música em Belo Horizonte, que passa justamente pela difusão/circulação, divulgação e

distribuição do produto cultural gerado pelo artista, algumas redes de distribuição se

formam na capital”. Entre as mais destacadas são citadas a Sonhos e Sons, a Karmim, a

Música que vem de Minas e, mais recentemente, a Comum, todas trabalhando com a

mídia física (CD e DVD).

90 Fonte: ABPD. Mercado brasileiro de música 2009. Rio de Janeiro, 2009. 10 p. Disponível em: http://www.abpd.org.br/downloads/Final_Publicacao_09_2010_CB.pdf. Acesso em: 31/01/2011.

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Os estudos detectaram vários projetos individuais, aprovados pela lei de incentivo à

cultura, voltados para a distribuição da música na capital, além do “sítio em construção

"Música de Minas", dedicado à divulgação e comercialização da produção

independente, com previsão de venda de áudio via internet”. (FJP, 2010, p. 79). Os

músicos belo-horizontinos têm utilizado as estratégias virtuais com objetivo de atingir

um número cada vez maior de nichos, incorporando ao mercado novos valores.

Em relação aos músicos das vilas e favelas, os dados da FJP (2010) apontam que eles

também têm procurado criar redes de divulgação e distribuição do seu trabalho,

vendendo discos a preços praticamente simbólicos e até mesmo negociando com

vendedores de CDs piratas para que seus produtos também sejam pirateados e alcancem

um público maior. Para a FJP (2010), isso indicaria que a venda dos CDs não teria fins

comerciais, mas sim de divulgação do trabalho musical.

3.2.4 Divulgação Assim como o elo da distribuição, o da divulgação está muito associado às estratégias

de marketing das empresas produtoras, que avaliam as demandas de comunicação de

cada álbum, cuidando de criar e produzir as peças publicitárias, monitorar as listas de

execução das principais estações de televisão e rádio do país e, principalmente, criar um

esquema adequado de suporte promocional ao lançamento, por meio de shows,

entrevistas, turnês etc. (SEBRAE 2008). A divulgação é fundamental para gerar

conhecimento do produto junto ao público-alvo.

Nesse processo são utilizadas as mídias tradicionais – imprensa (jornais e revistas),

rádios (AM e FM), televisão (aberta e fechada) –, voltadas para o público de massa,

além das mídias não convencionais ou inovadoras, que incluem a internet. Materiais

gráficos de apoio, como displays (mostradores), banners, outdoors, cartazes, panfletos e

brindes também fazem parte das opções de divulgação da música. Aspecto relevante da

divulgação tradicional é o chamado jabá91, forma quase institucionalizada de se garantir

91“Jabá é uma forma reduzida da palavra jabaculê, que significa suborno e, por extensão de sentido, gorjeta, gratificação ou qualquer subterfúgio utilizado para corromper alguém. O jabá, no contexto da radiodifusão, é concedido pelos interessados – artistas, promotores ou gravadoras – para garantir que determinadas canções sejam executadas. Com o passar do tempo, esta prática se naturalizou e passou a ser chamada de projeto de promoção de marketing”. (SEBRAE, 2008, p. 79).

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que determinadas canções sejam executadas nas rádios, para o qual é preciso garantir

verbas.

Estratégia importante das majors, o jabá visa intensificar e massificar a execução de

uma determinada música ou de um clipe de trabalho para mantê-lo em evidência,

gerando o interesse imediato, o aumento das vendas e, muitas vezes, a fabricação de um

novo sucesso ou ídolo. Esse tipo de sucesso tem prazo de validade, uma vez que é

resultado do chamado marketing de pressão, onde através da superexposição são criados

os sucessos de ocasião: a música da novela, a música do verão, a música do amor etc.

(SEBRAE, 2008). Para vários estudiosos do assunto, entre eles a FJP (2010), essa

estratégia estaria começando a surtir efeitos menores do que o programado pelas

gravadoras. “As inúmeras opções do mundo virtual, o crescimento da TV a cabo e, com

ela, o advento de canais comunitários e alternativos das rádios comunitárias e a pirataria

vêm provocando uma diferenciação nos hábitos de consumo”. (FJP, 2010, p. 61).

Na cadeia produtiva da música de Belo Horizonte, a principal forma de divulgação da

música encontrada pela FJP (2010) é a internet (30%), seguida pela informação boca a

boca (13%) e os shows (10%). Os jornais (9%), rádios (8%) e TVs (3%) têm papel

limitado na divulgação da música criada pelos artistas da cidade. Panfletos, cartazes,

banners, catálogos impressos, filipetas e press-releases são a principal forma de

divulgação para 5% dos músicos. Entre os produtores independentes a divulgação se dá

prioritariamente pela internet (redes sociais como Orkut e Myspace, sítios de venda

virtual) e por meio dos espetáculos, seguidos pelas rádios públicas e comunitárias e

pelos festivais de música que ocorrem no meio virtual e pelo interior do país. (FJP,

2010).

Para os artistas das vilas e favelas, o problema da divulgação é ainda mais grave. A falta

de canais de divulgação atingiria mais duramente os artistas destas regiões,

“prejudicados pelas constantes ausências de recursos financeiros e de acesso aos meios

convencionais de exposição ao público, o que acarreta o confinamento da sua produção

artística aos limites da região geográfica em que residem”.92 Para tentar minimizar o

92 Fonte: Site da ONG Favela é Isso Aí. Disponível em: http://www.favelaeissoai.com.br. Acesso em: 12 Fev. 2011.

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problema, foi criada a Agência de Notícias Favela é Isso Aí, pela ONG de mesmo

nome, que divulga a produção artística das comunidades por meio de um jornal

impresso bimestral, de boletim eletrônico quinzenal, da assessoria de imprensa aos

eventos e grupos culturais e do envio de pautas para a mídia tradicional local e estadual.

Tal agência teria se tornado referência para a mídia na busca de fontes para a cobertura

cultural na periferia.93

Os dados analisados sobre o elo da divulgação da cadeia produtiva da música da capital

apontam para a falta de suporte da mídia impressa (jornais e revistas) e das rádios e TVs

em geral, que poderia significar a possibilidade de um alcance mais abrangente e de

mais informação ao público. “Este é um dos principais gargalos da cadeia produtiva da

música em Belo Horizonte”. (FJP, 2010, p. 102) A exceção ficaria para alguns poucos

programas realizados pela TV Minas e a Rádio Inconfidência, ambas pertencentes ao

sistema estadual de comunicação.

A proliferação de festivais, fenômeno recente do mercado brasileiro da música, tem

desempenhado importante papel na divulgação dos novos artistas, ocupando papel até

então assumido apenas pelas gravadoras. Esse mercado em crescimento provocou a

criação da Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin)94 e atraiu grandes

empresas, tradicionais patrocinadoras da cultura, como a Petrobrás e o Instituto Moreira

Salles. (SEBRAE, 2008).

Iniciativa importante na perspectiva da divulgação do trabalho musical, o projeto Vozes

do Morro, lançado em 2008 pelo Governo do Estado, surge como uma tentativa de

ampliar espaços para músicos e bandas musicais oriundos de vilas e favelas de Belo

Horizonte e mais três municípios da região metropolitana: Ibirité, Ribeirão das Neves e

Santa Luzia. O projeto consiste na divulgação do trabalho de artistas selecionados

nessas comunidades nas principais emissoras de rádio e televisão do Estado, que cedem,

gratuitamente, espaço para veiculação de clipes e spots. Da estratégia de divulgação,

também faz parte a realização de um grande show de encerramento do projeto. (FJP,

2010).

93 Fonte: Site da ONG Favela é Isso Aí. Disponível em: http://www.favelaeissoai.com.br. Acesso em: 12 Fev. 2011. 94 Com sede em Goiânia (GO), já conta com mais de 20 festivais espalhados pelo país, todos com pelo menos três anos consecutivos de produção. (SEBRAE, 2008).

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3.2.5 Comercialização

Embora diversos estudos confirmem a dominação do mercado pelas majors, esses

mesmos estudos, entre eles o da FJP (2010), sugerem uma crescente e acelerada

mudança de hábitos dos consumidores, comprovada pelos dados da ABPD95 de 2009,

que registram aumento, já citado, de 159,4% das vendas digitais via internet, em relação

ao ano anterior. Assim como no elo da distribuição, essas novas tecnologias acabaram

por criar novos mercados também para a comercialização da música como um todo,

com repercussão especial para a música independente, mais necessitada de canais

alternativos de venda. Também para o SEBRAE (2008, p 34), embora ainda pouco

representativos, “é praticamente certo que os meios on line serão os principais canais de

distribuição do mercado fonográfico no futuro próximo”.

Iniciativas recém chegadas ao mercado brasileiro confirmam essa expectativa ao

proporcionar outros meios legais de se consumir música, além dos downloads pagos,

como é o caso do serviço oferecido pelo provedor de internet Terra, através do projeto

batizado Sonora, que é apresentado no site da empresa como o “mais completo serviço

de música digital da América Latina” 96. Nessa linha, no início de 2011, a Som Livre

criou o projeto Escute, que a coloca diretamente no mercado de distribuição digital. Em

acordo com as majors e algumas indies, o projeto disponibiliza cerca de um milhão de

músicas nacionais e internacionais para comercialização em download e streaming

(formas de distribuir a informação por pacotes, sem necessidade de se fazer um

arquivo), a partir de uma assinatura mensal, cujo valor mais caro cobrado (R$ 14,99

mensais) dá direito a todo o acervo97.

Segundo a FJP (2010), espetáculos (shows) e internet são hoje os principais meios de

comercialização dos produtos musicais de Belo Horizonte, com destaque para a

segunda. “A comercialização do produto cultural advindo da criação artística encontra

atualmente na internet o seu grande veículo”, que vai dos grandes varejistas virtuais até

os pequenos sites de distribuidores e cooperativas. (FJP, 2010, p. 77). Nesse novo

formato de comercialização o produto principal passa a ser a faixa musical, fazendo 95 Fonte: ABPD. Mercado brasileiro de música 2009. Rio de Janeiro, 2009. 10 p. Disponível em: http://www.abpd.org.br/downloads/Final_Publicacao_09_2010_CB.pdf. Acesso em: 02 Fev. 2011 96Fonte: Site do Terra. Disponível em: http://sonora.terra.com.br. Acesso em: 07 Fev. 2011. 97Fonte: Site Som Livre. Disponível em: http://www.escute.com/musicstore. Acesso em: 07 Fev. 2011.

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surgir a figura do microprodutor musical e representando um grande facilitador do

mercado da música independente, especialmente na capital.

A rede mundial de computadores abre um leque quase imensurável de opções àqueles que buscam qualquer gênero, de qualquer artista, de qualquer parte do mundo. Desta forma, tudo é acessível a todos. “Milhões de pessoas comuns são os novos formadores de preferências [...]”, afirma Anderson (2006). Essa análise reflete os caminhos encontrados pelos artistas de Belo Horizonte para se fazerem ouvir e existir profissionalmente. (FJP, 2010, p. 57).

Para se popularizar no Brasil, entretanto, o processo de comercialização pela internet

encontra um entrave, que é a ainda pequena difusão da banda larga no país, formato

necessário para a venda direta dos fonogramas (em álbuns ou individualmente), pois é o

recurso que permite baixar adequadamente as músicas e indispensável para o download

de vídeos. Apesar da expansão dos últimos anos, o Brasil tem uma das piores relações

conexões de banda larga/número de habitantes da América Latina: apenas 4,2%. Outro

obstáculo apontado seria a falta de hábito do brasileiro de fazer compras via internet:

menos de 50% dos internautas brasileiros realizaram pelo menos uma compra on line.

(SEBRAE, 2008, p. 34).

A força da comercialização por meio da internet é utilizada pelo autor Chris Anderson

para explicar sua teoria denominada “cauda longa”, onde a grande movimentação do

mercado pelos pequenos criadores e produtores artísticos faz com que ocupem uma fatia

considerável do mercado musical. Para a FJP (2010, p. 57), a cadeia produtiva da

música de Belo Horizonte deve ser analisada sob a luz desse fenômeno, pois ela seria

fortemente impactada por essa “nova dinâmica de marketing e vendas”.

Os shows – o outro meio importante de comercialização da música independente em

Belo Horizonte – passaram a desempenhar papel diferente na cadeia produtiva da

música nos últimos anos. Considerados locais de exposição dos novos trabalhos dos

artistas e utilizados como ferramentas de marketing para alavancar as vendas no varejo,

após a década de 1990 eles trocam o papel no elo da divulgação da cadeia pela

importante participação na geração de receitas, tornando-se fundamentais na fase da

comercialização.

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Hoje os shows constituem uma das maiores fontes de renda dos artistas; sendo assim, o artista precisa vender CDs/DVDs, ter sua música tocada nas rádios e até oferecer download gratuito de suas obras pela internet, tudo isso para conquistar o público-alvo, atraí-lo para assistir os shows e, dessa forma, obter um bom retorno financeiro. Alguns exemplos deste cenário podem ser vistos nos sites de bandas como Chiclete com Banana e Babado Novo, cujas agendas contêm mais de 100 shows ao ano. (SEBRAE, 2008, p.30).

Na cadeia produtiva tradicional da música, no processo de comercialização do produto

por meio do suporte físico, além da divulgação do álbum, é preciso planejar os locais de

venda, o que significa selecionar geograficamente as praças (cidades) e também o tipo

de estabelecimento (pontos de venda) em que o produto será comercializado. Em Belo

Horizonte, os principais pontos de venda do mercado legalizado são os mesmos do resto

do país: livrarias, lojas especializadas, grandes redes varejistas, supermercados e bancas

de jornal. Já os camelôs são os pontos de venda onde são comercializados os CDs

piratas. (SEBRAE, 2008).

3.2.6 Consumo

Último elo da cadeia produtiva, o consumo aparece tanto no ato da compra do álbum ou

fonograma, quanto no ato de fruição da música, que pode ser através de execuções

públicas ou domésticas. As execuções públicas são realizadas por meio do rádio, TV,

celular, shows, espetáculos (em restaurantes, bares, boates, bailes), cinemas, teatros,

festas populares, academias etc. Nelas, as pessoas que ouvem a música não pagam

diretamente pelo seu consumo, ou seja, nada pagam à indústria fonográfica. Nesses

casos, a remuneração da cadeia produtiva é feita pelo recolhimento dos direitos autorais,

de responsabilidade da mídia que veicula a música, do organizador do evento etc. Este

recolhimento é fiscalizado e recebido pelo ECAD, órgão responsável por repassar às

associações de direitos autorais as parcelas que cabem a cada artista/autor/músico

associado. No consumo doméstico – por meio do suporte físico ou virtual comprado na

web – o consumidor remunera diretamente a cadeia quando paga pelo álbum e produto

(fonograma). (SEBRAE, 2008, p.23).

A tecnologia digital - internet, celular e TV – tem sido considerada a maior difusora da

música da história da humanidade, convergindo divulgação e consumo em tempo real.

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Mas a tecnologia não é a única responsável pelo surgimento de novos mercados.

Mudanças de hábitos ou demandas diferentes por parte da população também podem

criar novos nichos. Exemplo recente seria a decisão de algumas gravadoras de voltar a

trabalhar com o disco de vinil. Suspenso após o surgimento do CD, o vinil teria voltado

para atender segmentos da população em busca de uma volta ao passado para relembrar

a infância ou simplesmente resgatar antigas formas de entretenimento. Na esteira dessa

demanda, a indústria lançou no mercado modernos equipamentos de som que

reproduzem tanto CDs e DVDs como discos de vinil e até mesmo a fita K7, como o

micro system da marca TEAC, batizado de Nostalgia GF 680 e cujo preço é de

aproximadamente R$ 1.200,0098. (SEBRAE, 2008).

O surgimento em Belo Horizonte da Vinyl Land Records, em 2008, vem na esteira desta

nova perspectiva. Especializada em discos de vinil, em dois anos ela computou 13

lançamentos (10 compactos e três LPs). O número é considerado significativo, não

apenas por se tratar de formato redescoberto recentemente, mas pelo fato de ser um selo

totalmente independente, que faz a maioria de seus contatos em shows e feiras.99

É importante observar que essas alterações nas práticas de consumo e na percepção dos

consumidores em relação à música levam ao surgimento de diferentes players

(participantes) do setor musical, como a Microsoft e a Apple, que, reinventando seu

modelo de negócios, passam a produzir tocadores de MP3 e a realizar a distribuição de

músicas via internet, disputando espaço na competitiva indústria da música e do

entretenimento. (SEBRAE, 2008).

Um dado relevante sobre o consumo musical no país é o que diz respeito à origem da

música. Segundo o SEBRAE (2008), em 2004, 43% das vendas eram de música de

origem internacional. Em 2007, esse percentual caiu para 23%, com a música nacional

alcançando 77% de todas as vendas. Quanto aos gêneros musicais mais consumidos,

constatou-se uma relativa estabilidade da segmentação do mercado, no período entre

2001 e 2004. Os dez maiores gêneros musicais apresentaram pouca variação, seguindo

98 Fonte: Site Todaoferta. Disponível em: http://todaoferta.uol.com.br/comprar/toca-vinil-teac-nostalgia-plataforma-giratoria-gf680-OPE33O4KJF#rmcl. Acesso em: 03 Fev. 2011. 99 Fonte: Selo Vinyl Land Records. Disponível em: http://vinyllandrecords.com. Acesso em: 15 Dez. 2011

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basicamente a seguinte colocação, por ordem decrescente de preferência: pop-rock,

sertanejo, religioso, MPB, regional/forró, pagode/samba, axé music, infantil e erudito.

Ao se comparar esses dados com os relacionados aos gêneros mais executados pelos

músicos belo-horizontinos, constata-se uma inversão, pois, como já analisado, na

capital, em primeiro lugar, vem a MPB (executada por 80% dos músicos), em segundo

lugar o pock-rock (39%), seguido do samba (29%) e da música regional (15%).

3.3 Os impactos das novas tecnologias na cadeia produtiva da música

Uma curiosidade apontada por Alkmim et al. (2005) é a de que a internet e a indústria

de software fizeram “a música sair do corpo e voltar a ser uma essência intangível,

intocável, invisível”; ao contrário do fonógrafo, criado em 1877, que tornou possível

“capturar o som, dominá-lo, trazê-lo do éter para o mundo físico”, dando origem a um

negócio bilionário – a indústria fonográfica. (ALKMIM et al., 2005, p. 151).

Devido às suas próprias características, a música – dentre todas as indústrias criativas –

tem sido considerada a mais impactada pelo uso das tecnologias digitais em sua

produção, disseminação, distribuição e consumo. Esta é uma situação característica de

inovação tecnológica, definida pela RedeSist (2005), que encontra-se bastante presente

na cadeia produtiva de Belo Horizonte. O surgimento de novos softwares que permitem

que arquivos sejam armazenados e disponibilizados para compartilhamento, a exemplo

do pioneiro Napster e depois do Kaaza, Soulseek, LimeWire e outros, subverteu o

modelo de produção e de negócio da indústria fonográfica, que viu seu poder ser

reduzido. (SEBRAE, 2008).

As plataformas de divulgação na web, que estreitam o processo de comunicação,

juntamente com os novos canais de distribuição, também contribuem para mudar a

realidade da indústria da música e alterar definitivamente a forma de consumo. Esse

contexto tem influenciado até mesmo o conceito de produto musical, pois a venda do

fonograma passa a ser só uma das formas de se obter retorno financeiro, enquanto o

valor da experiência e do relacionamento começa a ser percebido como fundamental

nessa equação. (SEBRAE, 2008).

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Aliadas ao home studio (estúdio caseiro), essas novas tecnologias de informação e

comunicação (TICs) têm possibilitado não só que novos artistas surjam, mas que eles

alcancem espaços nas etapas da distribuição e do consumo antes completamente

controladas pela indústria. Tecnologias como o MIDI100 – cujo arquivo não possui o

áudio de uma música, mas as instruções para que um sintetizador possa produzi-lo,

como os instrumentos, notas, timbres, ritmos, efeitos e outras características, podendo

ser considerado uma partitura digitalizada – contribuem para alterar radicalmente o

processo de criação e produção artística. Com o computador transformado em um

pequeno estúdio de música e vídeo, esse processo passa, cada vez mais, a dispensar a

intermediação.

Assim, aconteceu uma “desintermediação” da venda de música, ou seja, o papel das grandes gravadoras como intermediárias indispensáveis e – até então – inevitáveis entre o artista e seu público reduziu-se drasticamente. Produtores e artistas passaram a ser capazes de difundir sua música sem a intervenção da indústria fonográfica; a pirataria, embora ilegal, tornou-se uma prática socialmente aceitável na maioria dos países (incluindo o Brasil) e, em conseqüência, houve uma queda brusca na venda de CDs. (SEBRAE, 2008, p. 13-14). 101

Essa ausência de intermediação fica ainda mais evidente no processo de divulgação,

pois, hoje, como destaca a FJP (2010), cada vez mais o músico é divulgador de si

mesmo.

Essas tecnologias, que possibilitam a convergência de mídias digitais, tornam possível

carregar e baixar arquivos diretamente do computador para ouvir a música produzida

em qualquer parte do mundo, sem depender das gravadoras, como acontecia antes. No

Brasil, no site iMusica – pioneiro na distribuição de fonogramas pela internet e pelo

celular – a compra pode durar apenas alguns minutos. Basta que o consumidor crie uma

conta, escolha as músicas e deposite os créditos, finalizando o processo, para que o

100Musical Instruments Digital Interface ou Interface Digital para Instrumentos Musicais: tecnologia padronizada de comunicação entre instrumentos musicais e equipamentos eletrônicos (teclados, guitarras, sintetizadores, sequenciadores, computadores etc.), possibilitando que uma composição musical seja executada, transmitida ou manipulada por qualquer dispositivo que reconheça esse padrão. (SEBRAE, 2008). 101 A porcentagem de CDs piratas sobre o total de CDs vendidos no Brasil era de 40% em 2005. (SEBRAE, 2008).

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produto escolhido seja tocado à vontade102. Muito além do avanço tecnológico, segundo

Reis (2007), detecta-se uma mudança de paradigma, de espectador passivo para o

“garimpeiro ativo” ou o “protagonismo individual”.

Fato marcante é a integração com o celular, a partir do lançamento do iPhone103, em

2007, permitindo o surgimento de milhares de aplicativos voltados para a música, desde

um simples afinador até emuladores (imitadores) de instrumentos musicais. O site

Estrombo104, voltado para a música, cita dois exemplos nessa linha: o da banda

americana Atomic Tom, cujos integrantes tiveram seus instrumentos roubados e deram a

volta por cima gravando um clipe no metrô de Nova Iorque com a ajuda de iPhones

ligados a um amplificador; e o da banda virtual inglesa Gorillaz, primeira a gravar um

álbum inteiro utilizando somente o iPad105 e a disponibilizá-lo para download

gratuitamente no dia 25 de dezembro de 2010, como presente de Natal aos fãs, obtendo

grande repercussão mundial.

Para Durand (2001), o avanço tecnológico da mídia digital seria um fator de

barateamento da cultura para o consumidor final, o que colaboraria para a ampliação do

mercado e o desenvolvimento da economia da cultura do país. Alguns autores, entre

eles Reis (2007), alertam para o fato de a exclusão digital levar à exclusão cultural.

Embora acreditando que as tecnologias digitais possibilitam um sem-número de canais

alternativos de distribuição, além de oferecerem uma gama enorme de formas de criação

de baixo custo, a autora cita o problema de serem poucos os que se beneficiam desse

modelo.

Nessa direção, os números do Anuário de Estatísticas Culturais 2009 (BRASIL, 2009),

embora registrem 67,9 milhões de usuários da internet no Brasil, apontam duas

características importantes: o acesso à rede cresce à medida que o nível de escolaridade

também se eleva (0,17% para os sem estudo e 69% para os que têm superior completo),

o mesmo acontecendo em relação à renda (16% de acesso entre os que recebem R$ 300

e R$ 599 e 83% na faixa de R$ 4.500 ou mais). Para Reis (2007), esse quadro seria

102 Fonte: Site iMusica. Disponível em: http://www.imusica.com.br/. Acesso em: 08 Fev. 2011. 103 Smartphone da Apple, isto é, celular de terceira geração ou 3G, que incorpora várias tecnologias antes só disponíveis em computadores. 104 Fonte: Site Estrombo. Disponível em: www.estrombo.com.br. Acesso em: 22 Jan. 2011. 105 Aparelho eletrônico da Apple, que navega na internet por meio de conexões sem fio (Wi-Fi e 3G) e traz conexão bluetooth para se comunicar com periféricos, como teclados e webcams sem fio.

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característico da exclusão da maioria, não apenas desse processo de produção,

distribuição e acesso alternativo, mas também de uma linguagem crescentemente

inalcançável.

Essas facilidades geradas pelas novas tecnologias criam, por outro lado, uma situação

nova que, a longo prazo impactará de forma decisiva a cadeia produtiva da música.

Trata-se da extinção do suporte físico e da própria necessidade de se possuir a música,

como analisado no estudo sobre A Cadeia Produtiva da Economia da Música:

uma vez que a tecnologia wireless esteja difundida e os pacotes diversificados de streaming permitam ao consumidor escutar sua seleção no local que quiser, não haverá a necessidade de se “possuir” a música, qualquer que seja o formato. Com isto, a comercialização de CDs e de download via Internet já surge fadada à obsolescência, ainda que não de imediato. O marketing também sofrerá mudança radical, tornando-se continuamente mais personalizado. (ALKMIM et al., 2005, p. 67).

3.4 A inovação no mercado da música de Belo Horizonte ao longo dos tempos Confirmando uma das hipóteses da presente pesquisa, os estudos da FJP (2010, p. 52-

53) apontam Belo Horizonte como uma cidade

notoriamente produtora de qualidade e quantidade musical com vários “rótulos de inovação” criados ao longo dos anos: Clube da Esquina (anos 70), berço do Pop e capital do Metal (anos 80 e 90), Capital do Violão, Capital da Viola, “Meca” da música instrumental (a partir de 2005), entre outros.

Além de produzir inovação, a cidade também tem se mostrado aberta a novas tendências

musicais, como atesta a Fundação João Pinheiro:

O primeiro grupo independente que alcançou sucesso em âmbito nacional foi o Boca Livre, do Rio de Janeiro. Com vendas e sucesso consideráveis, fortaleceu sua carreira principalmente em Minas Gerais, estado notoriamente aberto a novas tendências musicais. (FJP, 2010, p.55).

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A capital mineira é ainda referência nacional quando se trata de avaliar a receptividade

do público a novos lançamentos. Ao lado de Curitiba, capital do Paraná, Belo Horizonte

é escolhida por artistas e gravadoras para a estréia de shows, por ser considerada um

termômetro de avaliação de sucesso de uma nova empreitada artística. (FJP, 2010, p.

55).

Um dos principais símbolos de inovação musical, o Clube da Esquina, segundo Bruno

Martins (2009), “alterou significativamente os rumos da canção popular brasileira”,

criando uma “linguagem própria, com alto grau de elaboração e originalidade”.

(MARTINS, BRUNO, 2009, p. 12). O álbum duplo Clube da Esquina, lançado em

1972, é reconhecido pela crítica especializada como “um marco divisor na produção

fonográfica brasileira do século XX”, por sua “ousadia musical”, “variedade rítmica” e

“experimentação incomum na canção popular realizada até o período”. (MARTINS,

BRUNO, 2009, p. 37). Até mesmo no tempo de duração das faixas, que até então

giravam em torno de três a quatro minutos, o autor identifica inovação nesse álbum, que

trazia uma canção (Estrelas) com apenas vinte e sete segundos e outra (Dos Cruces)

com surpreendentes cinco minutos e dezoito segundos, quebrando completamente o

padrão comercial da época.

Inovação também apontada pelo autor nos novos padrões rítmicos criados por Milton

Nascimento, que, junto com Wagner Tiso – ambos músicos autodidatas – introduzem

no cenário belo-horizontino uma musicalidade original, inventiva, feita

por meio da superação de poucos recursos disponíveis, característica comum da grande maioria dos artistas populares em começo de carreira na época. Diferentemente dos padrões rítmicos binários, ternários e quaternários, base da música brasileira, Milton passa a desenvolver músicas em compassos quinários (em cinco tempos), além de trabalhar com compassos híbridos (pulsações diferentes numa mesma música). (MARTINS, BRUNO 2009, p. 33).

Em toda a sua trajetória, o Clube da Esquina mostra-se aberto a novidades. Bruno

Martins (2009, p. 40) registra sua abertura ao diálogo com representantes de outras

tendências da canção popular, realizando “novas parcerias que ampliaram ainda mais as

fronteiras sonoras divisadas em seu percurso”. Por outro lado, o trabalho feito na cidade

também repercutia internacionalmente, com as canções do Clube da Esquina sendo

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interpretadas por nomes como Sara Vaughan, Wayne Shorter, Pat Metheny, Ron Carter,

Cat Stevens, Paul Simon, James Taylor, Mercedes Sosa, entre outros, “aumentando

assim a fama do grupo de compositores formado em Belo Horizonte”. (MARTINS,

BRUNO, 2009, p. 40).

As raízes culturais negras, a tradição musical das cidades do interior mineiro, o diálogo com a canção latino-americana, o contato com os jazzistas norte-americanos, o acolhimento dos novos procedimentos sonoros criados a partir da bossa-nova, além das influências do rock universalizadas pelos Beatles, consituíram um leque de possibilidades a serem exploradas. Nova maneira de viver e experimentar a canção brasileira, o Clube da Esquina surpreendeu o país ao combinar, de maneira inovadora, o que havia de mais atual em circulação pelas capitais do mundo com os particularismos da base cultural mineira de fundo arcaico e provincial. (MARTINS, BRUNO, 2009, p. 12).

A movimentação da cena musical da cidade é antiga e demonstra que, há várias

décadas, os músicos locais já acompanhavam de perto o que ocorria em outras praças,

inclusive internacionais, buscando agregar valores inovadores ao seu trabalho. Bruno

Martins (2009, p.31) registra que, na década de 1950, “Paulo Horta, irmão mais velho

de Toninho Horta106, foi um dos fundadores do Jazz Fun Club, que reuniu os

aficionados pelo estilo e contribuiu para o desenvolvimento criativo de uma geração de

grandes músicos”. Na boate Berimbau Club, no Edifício Malleta, o grupo se reunia para

ouvir e divugar nomes como Stan Kenton, Duke Ellington, Countie Basie, Sara

Vaughan, Ella Fitzgerald, Wes Montgomery, Charlie Parker, Max Roach, Roy

Hamilton.

Ainda na década de 1950, a juventude de Belo Horizonte escutava os primeiros acordes

do rock nas matinês do “Clube dos 50”, localizado no bairro boêmio e seresteiro de

Santa Tereza, onde se podia ouvir e dançar ao som de Johnny Restivo, Bill Halley, Paul

Anka e Elvis Presley. Bruno Martins (2009) destaca o fato de Belo Horizonte,

considerada “provinciana”, já ter naquela época o seu próprio ídolo em matéria de

guitarrista, o mestre Chiquito Braga, enquanto em outras capitais o forte eram as “festas

de arromba”, os “manifestos tropicalistas” e até “passeata contra as guitarras”.

(MARTINS, BRUNO, 2009, p.28).

106 Integrante do Clube da Esquina, considerado por alguns críticos como “o maior guitarrista brasileiro vivo”. Fonte: Site Nova Cultura. Disponível em: http://novacultura.de/wb/pages/musica/o-som-do-brasil/toninho-horta.php. Acesso em: 26 Fev. 2011.

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Na década de 1960, era bastante conhecido o “ponto dos músicos”, localizado na

calçada do Edifício Guimarães, na Avenida Afonso Pena, no coração da cidade. O local

era referência para grande parte dos profissionais da música da cidade (instrumentistas,

crooners, técnicos de som etc.), que ali conversavam sobre as novidades do mercado,

trocavam discos e partituras e até faziam negócios, montando novos grupos ou fechando

contratos para tocar em bailes, bares e festas, inclusive no interior do estado.

(MARTINS, BRUNO, 2009). Nessa mesma década de 60, mais precisamente em 1969,

registra-se a realização do 1° Festival Estudantil da Canção de Belo Horizonte, com a

participação apenas de estudantes e músicos amadores, que, segundo Bruno Martins

(2009), era uma oportunidade de agregar os jovens que pretendiam viver de música na

cidade.

3.5 Considerações finais Os condicionantes da economia da música de Belo Horizonte identificados neste

capítulo, bem como as suas implicações para o desenvolvimento do SPIL da música da

capital, foram sistematizados e são apresentados no quadro abaixo:

QUADRO 03 Condicionantes da economia da música de Belo Horizonte e suas principais

implicações (continua)

Condicionantes da economia da música de BH

Principais implicações

Histórica confluência de artistas de todas as regiões do estado e influências de outros países.

O produto musical recebe influências culturais distintas (barroca, da cultura negra, de migrantes do interior do estado, de imigrantes italianos e espanhóis – principalmente), que geram uma música diversificada, rica, dotada de grande versatilidade. Músicos com formação variada.

Capital humano experiente, eclético, flexível e dedicado à música.

Grandes e destacados artistas trabalham sua carreira a partir de BH. Existência de diversos movimentos voltados para diferentes gêneros musicais, cujo trabalho é reconhecido nacional e internacionalmente.

Independência em relação às majors. Surgimento de uma rede de serviços e atores em constante intercomunicação e, que assumem diferentes papéis na cadeia produtiva.

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QUADRO 03 Condicionantes da economia da música de Belo Horizonte e suas principais

implicações (continua)

Condicionantes da economia da música de BH

Principais implicações

Elevada participação de músicos no âmbito do emprego formal da capital mineira (23% acima da média nacional, segundo cálculos efetuados a partir dos dados da RAIS/MTE), significando uma clara especialização de Belo Horizonte na atividade musical, muito além das registradas em grandes capitais como Rio, São Paulo e Salvador.

Crescimento do mercado independente, paralelo ao comercial, contribuindo para profissionalizar o mercado local. Produtos de qualidade técnica cada vez mais aprimorada. Busca de novos nichos de mercado. União dos artistas em associações e cooperativas. Belo Horizonte apresenta um contingente expressivo dos principais atores de um SPIL da música – o que é altamente favorável à proposta –, apesar das grandes adversidades enfrentadas pelos músicos para o exercício da sua profissão.

Elos da cadeia produtiva que se sobrepõem e atores que se intercomunicam.

Maior profissionalização e aprimoramento desses atores. Incremento do processo de articulação desses atores e da formação de redes.

Apresentação ao vivo é a principal unidade produtiva desse mercado.

Grande e variada oferta de espetáculos musicais: dos artistas entrevistados pela FJP, 80% fazem shows em teatros e casas de espetáculos; 40% se apresentam em bares e restaurantes; e 20% realizam concertos e recitais.

Público exigente e aberto a novas tendências. Financiamento dependente das leis de incentivo. Grande influência das tecnologias digitais. Baixas remunerações. Existência de grandes centros voltados para o ensino da música. Baixo investimento em formação de plateias.

Impulsiona a busca pela qualidade artística; estimula as inovações. Embora o benefício fiscal facilite o acesso ao patrocínio, a área cultural fica dependente de outro setor da economia, cuja lógica é completamente diferente. Justifica, aparentemente, e estimula a ausência de políticas culturais com base em recursos orçamentários de caráter permanente. Reduz os custos da produção; facilita a ação das indies; gera diversificação e confluência de mídias, além de novas formas de consumo, criando novos mercados. Altos custos, que dificultam o acesso amplo da população, e a pouca difusão da banda larga no país podem contribuir para a exclusão cultural. Dificulta ao músico sobreviver exclusivamente da profissão. Possibilidades variadas de formação e especialização em música. Mercado se ressente da falta de fomento de público, maciçamente influenciado pela mídia tradicional e pouco preparado para a produção independente e experimental.

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QUADRO 03 Condicionantes da economia da música de Belo Horizonte e suas principais

implicações (conclusão)

Condicionantes da economia da música de BH

Principais implicações

Baixa oferta de cursos de formação de técnicos e demais profissionais vinculados à infraestrutura (iluminadores, sonoplastas, cenógrafos, técnicos de mixagem e masterização etc.).

Deficiência na oferta de técnicos especializados para viabilizar a realização de shows.

Inexistência de indústria de equipamentos para som (edição e gravação) e iluminação.

Altos impostos para importação aumentam os custos e dificultam as produções.

Ausência de empresas que produzem o meio físico (prensagem de CDs) para circulação da música.

Não interfere na produção, devido à grande oferta desse tipo de empresa no resto do país.

Poucas fábricas de instrumentos musicais, levando à necessidade de importação para suprir a demanda; comercialização e importação de instrumentos musicais bem estruturadas.

Impostos elevados encarecem os produtos e criam maior dificuldade de acesso a instrumentos de qualidade, o que pode afetar a qualidade da produção musical.

Mercado de produtoras em ascensão; presença de grandes e reconhecidos estúdios profissionais de tradição e qualidade; muitos e bons profissionais na área da produção gráfica.

Oferta desses serviços elevada, variada e com muita qualidade.

Ausência de grandes empresas de distribuição e comercialização do produto musical.

Dificuldade de difusão da produção local. Surgimento de redes independentes de distribuição e difusão dos produtos.

Pequena participação de Jornais, Rádio e TV na divulgação musical. Internet é a principal forma de divulgação da música. Localização central da capital no mapa brasileiro.

Maior investimento na divulgação por meio dos shows, das rádios comunitárias e dos festivais. Criação da Agência de Notícias Favela é Isso Aí. Permite uma economia de escala e competitividade de custos dos eventos artísticos em relação ao eixo Rio-São Paulo. Estímulo ao trabalho em parceria e à redução dos custos das produções. Fortalecimento do movimento independente. Surgimento de estúdios populares; criação do projeto Vozes do Morro, de iniciativa do governo estadual. Dificuldade de difusão da produção musical das vilas e favelas além de seus domínios. Aumento da participação dos artistas na reflexão sobre os seus direitos e suas possibilidades de trabalho. Criação do Fórum da Música de Minas Gerais e do programa Música Minas.

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4. INSTRUMENTOS E MEIOS NECESSÁRIOS PARA A CONSTRUÇÃO DO

SPIL DA MÚSICA DE BELO HORIZONTE

Só vai desenvolver e crescer pra ser conhecida no Brasil e no mundo no dia que o povo daqui conhecer, porque quem conhece, gosta; ninguém gosta do que não conhece. Quem gosta, defende; ninguém defende o que não gosta; e quem defende, divulga e divulga com a razão e com o coração, porque está defendendo, conhece e gosta. (TADEU MARTINS)

4.1 Introdução A revisão da literatura realizada confirma a hipótese inicial desta pesquisa de existência,

em Belo Horizonte, de um cenário musical rico, diversificado, com volume e qualidade

na produção. Os dados analisados até aqui apontam para uma grande potencialidade dos

potenciais encontrados, isto é, grande qualidade – riqueza, variedade, valor econômico,

inovação – da vocação musical da capital, identificando a existência de várias das

condições necessárias à criação de um sistema produtivo e inovativo local, apresentadas

no primeiro capítulo.

Neste capítulo, são apontados alguns instrumentos e meios necessários para que tais

potencialidades possam se transformar em condições reais para a criação de um SPIL da

música de Belo Horizonte. Tais condições são entendidas como o conjunto básico de

fatores, circunstâncias e meios de ordem econômica, social, política, cultural e ética. A

falta de informações consistentes sobre o assunto foi um problema a ser contornado,

pois, como destaca a antropóloga e gestora cultural Marcela Bertelli107, “a gente não

tem realmente dados, informações consistentes atuais sobre esse campo – nem sobre o

campo cultural em Belo Horizonte, quiçá o campo da música”.

Assim, esta etapa da pesquisa baseou-se nas dezoito entrevistas realizadas com

diferentes atores do cenário musical e cultural da cidade: músicos, produtores e gestores

culturais, jornalistas, professores, agentes públicos, bem como um estudioso da

107 Parecerista do Ministério da Cultura (MinC) nas áreas de Música e Humanidades; consultora do SEBRAE.

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economia de Minas Gerais, cujos nomes e referências encontram-se no APÊNDICE D.

As críticas e sugestões recebidas – apresentadas a seguir – foram analisadas na

perspectiva da busca de soluções que sirvam para pavimentar o caminho para a

construção do SPIL da música de Belo Horizonte.

4.2 Qualidade e diversidade da produção: diferenciais favoráveis do

mercado belo-horizontino

O capital humano de Belo Horizonte – formado por artistas de qualidade e diversidade

reconhecidas –, cuja origem foi analisada no capítulo anterior, é considerado fator de

excelência entre os pressupostos necessários para a existência de um mercado de

música. “O potencial musical, a gente não tem de se preocupar com isso, a gente tem de

sobra aqui”, afirma o músico e produtor musical Geraldo Vianna108. O compositor

Fernando Brant109 concorda: “há uma qualidade e uma diversidade muito grande aqui,

de todos os tipos” e afirma que a proposta de criação de um sistema produtivo local

“não só está dentro da realidade, como acho que é uma necessidade o pessoal da área

da música se unir para poder mostrar coletivamente a sua produção”.

Para o músico e agitador cultural Makely Ka110, “o volume e a qualidade da produção

aqui impressionam qualquer pessoa que chega”. Ele vai mais além ao falar sobre a

proposta do SPIL: “a gente tem a matéria prima para esse salto; a diversidade

também”. Segundo ele, Belo Horizonte “tem a cena mais criativa do país”, tem “essa

questão toda da efervescência da produção, da criatividade”.

O compositor, instrumentista e produtor Mestre Jonas111 afirma que “a gente tem uma

produção muito diversificada e muito boa, e isso é visto pelas pessoas de fora”. Ele

exemplifica com a grande procura gerada fora do estado e do país a partir da

participação de um grupo de artistas mineiros na feira internacional de música realizada 108 Violonista e compositor. Possui 42 CDs e dois DVDs lançados. Idealizador e coordenador do projeto Música de Minas, que já cadastrou cerca de 500 músicos mineiros. Disponível em: http://www.musicademinas.com.br. Acesso em: 05 Fev. 2011. 109 Integrante do movimento Clube da Esquina e presidente da União Brasileira dos Compositores (UBC). 110 Compositor e instrumentista, considera-se um “cantautor” – cantor que canta suas próprias composições. Um dos fundadores e membro da direção do Fórum da Música de Minas Gerais. 111 Ligado ao movimento do samba, é responsável por alguns dos principais projetos indoors voltados para o fomento do gênero na cidade, como o Samba do Compositor, realizado em parceria com Miguel dos Anjos e Dudu Nicácio e o Samba na Madrugada.

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em Copenhague112, na Dinamarca em 2006, e na Feira Música Brasil (FMB)113,

realizada em Recife (PE), em 2007: “quando a moçada começou a ter contato com a

produção daqui, através das feiras, [...] e viram o tanto de coisa que tem aqui, elas

ficaram sedentas de saber mais”. A iniciativa levou vários grupos a se apresentarem no

exterior.

Essa produção rica e variada está presente em todas as regiões da cidade. “O

Aglomerado114 tem vários grupos, vários artistas, tem o de rock que tá ganhando muita

projeção, o Pelos de Cachorro, tem o Na Cadência do Samba; tem grupos de teatro,

tem sertanejo, caipira, tem gente estudando música na UFMG, tem folia de Reis”.

(MESTRE JONAS). O atual trabalho musical belo-horizontino também tem presença

marcante no restante do país. Avaliadora de projetos de música para o MinC, Bertelli

diz que encontra artistas da capital nos festivais e encontros realizados pelo país. “Tem

sempre alguém dessa nova cena na programação. E isso tem me chamado atenção”.

A tradição de uma harmonia diferenciada – com origens na música barroca e influências

recebidas da cultura negra, dos imigrantes das diferentes regiões do Estado e até de

outros países – é unanimemente apontada como um dos fatores dessa qualidade. Brant

explica: “as gerações aqui se sucedem, parece até um moto contínuo, é fonte. Vai cada

vez mais”. Makely concorda:

Temos uma geração que eu acho que ela dialoga e ela dá continuidade e dá prosseguimento a uma tradição da música produzida em Minas, que é a questão da harmonia. [...] eu acho que o Clube da Esquina ele bebe muito dessa fonte da harmonia, mas acho que a harmonia vem já talvez da música barroca. Eu acho que existe uma produção hoje que dá sequência a essa linha evolutiva da música mineira. E é muito curioso que mesmo quem nega tem ela como referência; mesmo o pessoal do rock, de três acordes, que quer negar a harmonia, a referência ainda é a harmonia que eles tão negando, e isso é muito curioso.

112 Womex – The World Music Expo. Disponível em: http://www.womex.com. Acesso em: 05 Fev. 2011. 113 Ação do Programa de Desenvolvimento da Economia da Cultura (Prodec) do Ministério da Cultura, inaugurada em 2007, teve as duas primeiras edições realizadas em Pernambuco e a terceira, em dezembro de 2010, em Belo Horizonte (MG). Tem como objetivo “reunir a cadeia produtiva da música, evidenciar sua qualidade e diversidade, capacitar seus profissionais e, acima de tudo, promover seus negócios”. Fonte: site do MinC. Disponível em: www.cultura.gov.br. Acesso em: 05 Fev. 2011. 114 Aglomerado da Serra, maior favela de Belo Horizonte. Localizada na região Centro-Sul, é formada por oito vilas. Fonte: www.pbh.gov.br. Acesso em: 20 Fev. 2011.

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Para Mestre Jonas, a localização de Minas no centro do Brasil, fazendo fronteira com

diversos estados, seria uma característica marcante, aliada à influência do movimento

Barroco: “acaba que a gente tem influência dessa coisa do samba que é feito na Bahia,

no Rio, e dessa cultura nossa do Barroco, que deu essa harmonia nossa até no samba”.

Segundo o instrumentista, compositor e produtor musical Marcus Viana115, “o que

provoca a melodia e o ritmo pra nós é a harmonia. Nenhum lugar do Brasil tem isso. É

uma música completamente harmônica”.

Este processo de criação da música de Belo Horizonte incorpora uma das características

consideradas fundamentais para um SPIL pela RedeSist (2005): o conhecimento tácito,

ou conhecimento que não está codificado, mas encontra-se implícito e incorporado nos

músicos da capital mineira. Apresentando forte especificidade local – exemplificada

pela harmonia diferenciada –, ele é possível pela proximidade territorial e pelas

identidades culturais e sociais que contribuem para caracterizá-lo como elemento de

vantagem competitiva da cadeia produtiva local.

As condições para a formação e capacitação desse capital, do ponto de vista artístico,

são outro fator favorável da capital – considerada importante polo de formação musical.

“Belo Horizonte, nesse aspecto, está liderando”, afirma Geraldo Vianna. “A UFMG,

por exemplo, deu um passo à frente ao criar a disciplina de música popular; a FEA116

tem um trabalho fantástico, que atende a gêneros e estilos diferentes”, explica. Para

Bertelli, as escolas de música da capital – universidades e cursos de formação livre –

contribuem para que os músicos atuais sejam “muito qualificados”, tenham “uma boa

formação musical, uma boa capacidade criativa”. Entretanto, ela acredita que, no que

diz respeito ao conteúdo, ainda faltaria material bibliográfico, partituras.

Essa nova música, criativa, inventiva, que tá aí, ela não tá no ensino. Falta material de ensino dessa música. [...] acho que a universidade ainda está muito atrasada. Pensa na música harmorial do Nordeste: que grande material sonoro para as escolas de música – da década de 70, não é de agora. E a universidade não usa esse material. Eu estou falando de quarenta anos. É um buraco grande ainda. Então, eu acho que falta material pra trabalhar com a música mais contemporânea, mais atual. (BERTELLI).

115 Criador e diretor do Selo Sonhos e Sons. 116 Fundação de Educação Artística.

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Embora reconheça em Belo Horizonte “um grande polo da educação musical”, o

produtor cultural Lucas Mortimer117 diz sentir falta “ainda, do contato maior da

universidade com a realidade”. O produtor cultural Talles Lopes118 também defende

que os artistas deveriam “explorar melhor a relação com as universidades”. Para ele,

isso não seria problema exclusivo da capital, mas algo que ocorre no país inteiro.

Argumentando ser ali um espaço “onde teria um público mais qualificado, porque é o

espaço da livre circulação do conhecimento, da informação”, ele confessa não

“entender o porquê a gente ainda não consegue ter uma aproximação maior”.

4.3 A questão do público e a formação de plateias De um modo geral, Belo Horizonte é vista como tendo um público exigente. Isto seria

fruto, por um lado, de certo conservadorismo e, de outro, das referências muito altas de

qualidade que seriam geradas por uma cena “muito mais consistente e diversificada”,

com “um padrão muito mais alto” do que o de outros lugares, o que faria com que as

pessoas “não aceitassem qualquer coisa”. (MAKELY). Para ele, isso acabaria “criando

um padrão também de qualidade e de exigência do próprio criador”, isto é, do músico.

Acostumada a gerir projetos culturais de diferentes portes e tipos na capital, Bertelli

também vê um “público extremamente crítico, exigente”, o que não considera um

problema; ao contrário, acha que “isso é ótimo”, porque “aumenta a qualidade”.

Makely acredita na existência de um campo a ser explorado, um público “ávido por

novidade, que acompanha os artistas” e também mais ligado na realidade: “eu sinto que

o público fica mais satisfeito quando faço um show mais crítico, mais ácido, com mais

comentários, [...] quando você insere algum elemento do cotidiano, comenta uma

notícia, quando faz uma crítica”. Para Lopes, a capital mineira “tem um público

qualificado, que acaba alimentando o próprio mercado”.

117 Membro do núcleo coordenador do Coletivo Pegada integrante do movimento independente Fora do Eixo. 118 Presidente da Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin).

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O professor Clélio Campolina Diniz119 acredita que a ideia do mineiro conservador seria

uma imagem que ficou, mas, embora haja “muita gente conservadora, tem muita gente

progressista”. Ele reconhece Belo Horizonte como uma cidade “muito heterogênea, boa

parte da população de origem rural”, e que “está constituindo uma camada social que

tem hoje conhecimentos musicais, sensibilidade”. Ele destaca o fato de a cidade ser “um

grande centro educacional”, que, além da UFMG, com quase 50 mil alunos, conta com

outras universidades e instituições de ensino. Para ele, isso contribuiria para que a

cidade tenha “uma juventude bem informada”, onde “a maioria fala língua

estrangeira”.

Essas características sinalizariam a existência de um público altamente favorável para a

sustentação de um sistema produtivo da música. Diniz acredita que na capital circula

muito dinheiro, que vai movendo uma estrutura econômica cada vez mais dependente

do setor de serviços. Segundo ele, à medida que a renda cresce a cesta de consumo da

pessoa muda e, além dos itens básicos de sobrevivência, aumenta as suas possibilidades

de consumo, inclusive de bens culturais. Para isso se tornar uma demanda, entretanto,

haveria a questão educacional, pois a população precisaria ser motivada, sensibilizada.

Nesse sentido, ele acredita que a capital “tem um grande potencial”.

Para Geraldo Vianna, a princípio, o público da capital seria “favorável”, mas seria

preciso um trabalho para lembrá-lo do movimento musical que acontece na cidade.

Compartilhando esse pensamento, Makely cita o exemplo bem sucedido do projeto

Reciclo Geral, realizado em 2002, para dar visibilidade ao trabalho autoral da nova

geração. Semanalmente, durante dois meses, um grupo de compositores e intérpretes

independentes, de vários gêneros, ainda desconhecido do grande público, realizou

shows só com músicas autorais, que chamaram a atenção da mídia e, principalmente,

levaram um grande público a lotar o Reciclo Cultural Asmare120 em todas as noites de

sua realização. “Ninguém tinha gravado disco ainda”, e “a gente começou a encher a

casa e ninguém acreditava”. Isto demonstraria a existência de público para esse tipo de

trabalho.

119 Reitor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre, doutor e pós-doutor em Ciência Econômica, é estudioso de economia regional urbana e economia mineira, entre outros temas. 120 Associação dos Catadores de Material Reaproveitável de Belo Horizonte.

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No campo da música erudita, Belo Horizonte também possui público significativo.

Segundo o jornalista e pesquisador Mauro Werkema121, “há no belo-horizontino um

gosto também pela música sinfônica, a música erudita”. Também haveria “um singular

e excepcional gosto do público” pela ópera: “nas grandes montagens de natureza

operística, o que nós víamos no Palácio das Artes é que tudo que fizemos lotou. E as

pessoas me dizem que essa é uma predição que vem de muitos anos, desde o início da

capital”.

Analisando o lado da oferta, Bertelli destaca que Belo Horizonte é das poucas capitais

brasileiras que produzem óperas, mas que “a gente não percebe isso como um

diferencial” e que a “cidade exporta músico todo dia; as principais orquestras e coros

do Brasil têm músicos daqui”. Corroborando esta análise, Werkema destaca o grande

potencial de produção da Fundação Clóvis Salgado por intermédio do Centro Técnico

de Produção de Mazargão, com todos os elementos da “grande cenografia: a grande

marcenaria, a adereçaria, a pintura, tudo isso temos”; e o Palácio das Artes, com os

seus corpos artísticos, “um coral lírico de alta competência, a velha Orquestra

Sinfônica; a Orquestra Filarmônica, de padrão internacional”.

Os dados levantados confirmam esta vocação de Belo Horizonte para a música erudita e

a ópera. Segundo a pianista e professora Tânia Mara Lopes Cançado122, há uma

“evolução do poder da música erudita em BH, que eu pude ver nesses meus 60 anos de

observação e de vida”. Embora compreenda que ela atinja um público restrito,

comparativamente a outros gêneros musicais, a professora reconhece que “a gente tem

uma história, não só de compositores de outras cidades de Minas Gerais que vieram

para cá”, como é o caso de “famílias tradicionais de músicos como a de Sebastião

121Ex-Presidente da Fundação Clóvis Salgado, atual Assessor Técnico da Secretaria de Estado de Turismo de Minas Gerais e diretor do Instituto Horizontes. 122 Ex-diretora da Escola de Música da UFMG e idealizadora do Parque Escola Cariúnas – projeto desenvolvido pela Sociedade Artística Mirim de Belo Horizonte, localizado na região Norte da capital, considerado referência na formação musical de crianças e jovens. Em 2010, foi qualificado pelo MinC como Ponto de Cultura.

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Viana” 123, mas como a “história da Rádio Inconfidência, que foi um poder de

divulgação muito grande na década de 50, com programação específica, orquestras,

ópera, opereta”.

A pianista destaca o importante papel da Banda da Polícia Militar, criada no início do

século XX que, “ao lado da música erudita, também trabalhava a popular e a marcial”

e de onde saíram os primeiros docentes do Conservatório Mineiro de Música, que deu

origem à Escola de Música da UFMG. A orquestra Sinfônica da Polícia Militar de

Minas Gerais, criada por Sebastião Viana na década de 1950, foi, durante muitos anos, a

única da capital. Em 1972, Viana cria a Orquestra Sinfônica da Universidade Federal de

Minas Gerais, como um laboratório para os alunos da graduação e da pós-graduação.

Em 1976 é criada a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, um dos grupos estáveis do

Palácio das Artes, que havia sido inaugurado em 1971.

Como um expoente desse processo, Cançado destaca o papel do maestro Sérgio

Magnani, italiano, que veio ministrar aulas em Belo Horizonte em 1950, e foi

responsável pelo “trabalho de formação de gerações de músicos, instrumentistas,

cantores e regentes”. Por sua representatividade, dedicação ao campo da música e sua

atuação nas áreas de pesquisa e magistério, foi agraciado com o título de Cidadão

Honorário de Belo Horizonte. Arthur Bosman, compositor alemão – um dos importantes

professores da Escola de Música da UFMG na década de 60 – é outro destaque, “pela

obra imensa que deixou aqui”.

Outro regente importante, lembrado pela pianista é David Machado que, na década de

80, como professor convidado da UFMG, vindo do Rio de Janeiro, “reforçou o estilo

mais erudito e trouxe o potencial dos grandes corais universitários, a partir de

experiência vivida na Venezuela, naquele movimento de orquestras e grupos de música

lá”. Finalmente, a professora aponta a criação, em 2008, da Orquestra Filarmônica de

123 Em 1933, transferiu-se de sua cidade natal, Visconde do Rio Branco (MG), para Belo Horizonte, ingressando na banda da Polícia Militar. Estudou flauta, harmonia, composição e regência na Escola de Música da UFMG. De 1946 a 1950 foi assistente e revisor das obras de Heitor Villa-Lobos no Rio de Janeiro, onde se diplomou no Conservatório Nacional de Canto Orfeônico. De volta a BH, em 1950, organizou a Orquestra Sinfônica e a Banda de Música da Polícia Militar de MG. Por dez anos foi regente da Sociedade Mineira de Concertos Sinfônicos; durante dois anos foi diretor da Escola de Música da UFMG. Seus filhos Marcus Viana e Andersen Viana também são músicos. Fonte: Site A Música que Vem de Minas. Disponível em: http://amusicaquevemdeminas.blogspot.com/2010/02/banda-da-policia-militar-de-minas.html. Acesso em: 20 Fev. 2011.

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Minas Gerais como uma importante contribuição para a cena da música erudita da

capital, principalmente pela grande quantidade de músicos estrangeiros que trouxe para

a cidade – o que “contribui para o intercâmbio artístico e a dinamização do setor” –,

mas, também, pelo trabalho de difusão do gênero no estado e no país.

Reforçando a importância do canto lírico local, Belo Horizonte será sede, em abril de

2011, pela terceira vez, de mais uma edição do Concurso Internacional de Canto Bidu

Sayão124, a mais importante competição vocal da América Latina e a que oferece os

melhores prêmios: mais de R$ 70 mil em dinheiro. “Organizada pela São Paulo Imagem

Data Casa da Ópera, a competição tem como objetivo identificar novos talentos,

colocando-os em evidência e ampliando seus níveis de referência”. 125 Em quase todas

suas edições, Minas Gerais tem sido o estado com maior número de candidatos

classificados, reafirmando a vocação para o gênero. A edição de 2011 conta com 11

candidatos mineiros, a grande maioria formada em Belo Horizonte.

Todo esse quadro aponta para a necessidade de um trabalho de formação de plateias,

condição fundamental para o desenvolvimento de um mercado da música. A iniciativa

considerada mais inovadora nesse aspecto, mas que só trará resultados a médio ou longo

prazo,é a inclusão da disciplina de educação musical na Educação Básica, a partir de

agosto de 2011. Makely acredita que “isso vai trazer um impacto muito grande”,

especialmente se o ensino significar “um momento de os meninos aprenderem a ouvir”,

o que “já seria um ganho gigantesco, inclusive pra quem faz música”.

Além das dificuldades para aplicação dessa lei, analisadas no capítulo anterior, o fato

dela não determinar que o responsável pela disciplina seja músico exigirá investimento

pesado na capacitação desses professores, pois, segundo Cançado, para se alcançar os

objetivos propostos, “você precisa ter um profissional habilitado, com vivência, senão,

124 O concurso homenageia a artista brasileira Bidu Sayão, grande estrela do canto lírico brasileiro e uma das grandes cantoras do século XX , que foi a parceira favorita de Villa-Lobos por 38 anos e, por mais de uma década, foi a principal soprano do Metropolitan Opera House de Nova Iorque. Fonte: Site Página Cultural. Disponível em: http://paginacultural.com.br/concursos/concurso-internacional-de-canto-bidu-sayao. Acesso em: 30 Mar. 2011. 125Fonte: Site Página Cultural. Disponível em: http://paginacultural.com.br/concursos/concurso-internacional-de-canto-bidu-sayao. Acesso em: 30 Mar. 2011.

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não vai adiantar nada”. Segundo ela, algumas instituições de Belo Horizonte, como a

UFMG e o SESI-MG126 já iniciaram cursos e projetos nessa direção.

Para Geraldo Vianna, “não está havendo trabalho de formação de público”. Ele baseia

sua afirmação na avaliação do que é tocado “no sistema, na mídia”, que não contribuiria

para aumentar a sensibilidade das pessoas. Ao contrário, como ele diz, “estão

emburrecendo o público”. Na opinião de Cançado, trata-se de um trabalho que deveria

ser contínuo, um investimento permanente nas crianças, por meio de um leque de

ofertas de opções artísticas, pois não seria possível se formar público de um dia para o

outro, já que isso estaria diretamente ligado ao nível de sensibilidade das pessoas.

O nível de sensibilidade é que faz essa compreensão. Quando você desenvolve na população o nível de sensibilidade, ela cresce em habilidades pessoais; aumenta a sensibilidade ouvindo, participando [...]. Com uma ação contínua você tem, com certeza, um público melhor do que aquele que só ouve o que o rádio, a matéria de massa tá ali oferecendo. [...] O que a gente quer é que a pessoa assista um Milton, mas ao mesmo tempo possa entrar num teatro e ouvir a Filarmônica, assistir a uma peça de teatro [...]. A sensibilidade trabalhada modifica a criança, o jovem, rapidamente. (CANÇADO).

Como exemplo, a professora cita o caso ocorrido em 2010 com o violoncelista alemão

Alban Gerhardt, que veio a Belo Horizonte se apresentar na Orquestra Filarmônica de

Minas Gerais e também fez um recital no Parque Escola Cariúnas. Após executar duas

suítes inteiras de Bach para cerca de 200 crianças, ele teria comentado ser “raríssimo

ver um público infantil com aquela concentração durante 40 minutos”. Para a

professora, isto é resultado de um trabalho de quatro, cinco anos, em que as crianças

“continuamente estão aqui dentro, num processo onde trabalham a criatividade, a

musicalização, um instrumento... É a sensibilidade que muda”. Bertelli concorda que

“ formar plateia tem a ver com educação” que permita à pessoa “se interessar por

aquele tipo de música”, que lhe ”possibilite ter curiosidade pelas coisas, ter paciência,

ter necessidade da beleza, sensibilidade; não tem jeito de escapar disso”.

Ainda no que diz respeito às plateias, Cançado vê a sinalização do surgimento de um

novo público, que viria da periferia em busca de atividades culturais fora de suas

comunidades, como decorrência de projetos paralelos desenvolvidos por várias ONGs e

126Serviço Social da Indústria de Minas Gerais.

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pelos Pontos de Cultura implantados pelo Governo Federal. Haveria uma “plateia vindo

de uma periferia que antes ela não saia de lá. O que foi que a mobilizou? Foi a cultura

que chegou a pontos que jamais alguma coisa acontecia lá”. Para a professora, apesar

das críticas que se possa fazer aos Pontos de Cultura127, eles representam um ganho para

o Brasil, por se tratarem de “pontos de grande difusão da cultura”.

Um fator considerado desfavorável à formação de plateias seria a existência de muitos

espetáculos musicais com entrada franca, oferecidos de forma indiscriminada, sem

planejamento e objetivos didáticos. Geraldo Vianna acredita que projetos com entrada

franca são fundamentais, mas, na maioria, não teriam “um planejamento de como

trabalhar o público [...]: é de graça, vamos lá então!”. Ele acredita que essas iniciativas

não estariam contribuindo para maior informação e formação do público no sentido de

estimulá-lo a buscar qualidade, a ficar mais atento às inovações.

Para o músico, as leis de incentivo teriam grande responsabilidade por essa situação,

pois, ao financiarem a maioria de projetos com entrada franca, teriam contribuído para

disseminar a cultura do “tudo de graça”, colaborando para a perda de público.

“ Investiram muito numa certa preguiça até mental, e as consequências, a médio prazo,

são complicadas”, prevê. Concordando, Bertelli acredita que teria se estabelecido um

“círculo vicioso, onde as pessoas buscam só aquilo que é gratuito” e, nesses casos, não

é a programação que importa, “mas sim ir ao evento sem pagar o ingresso”.

A parecerista do MinC acha importante haver eventos gratuitos, principalmente em

espaços públicos, de rua, mas diz que “é preciso ter uma lógica de sustentabilidade

também dos espaços”, o que não estaria acontecendo. Ao contrário, Belo Horizonte

estaria vivendo grandes contradições, como “cercar a Praça da Estação e exigir

ingresso para um evento” e, ao mesmo tempo, “se faz um evento gratuito dentro do

Palácio das Artes. É uma loucura!”.

127 “São entidades reconhecidas e apoiadas financeira e institucionalmente pelo Ministério da Cultura que desenvolvem ações de impacto sócio-cultural em suas comunidades. Somam, em abril de 2010, 2,5 mil em 1122 cidades brasileiras, atuando em redes sociais, estéticas e políticas”. Fonte: MinC. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/culturaviva/ponto-de-cultura. Acesso em: 05 Fev. 2011.

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Brant defende o trabalho de público como responsabilidade de toda a sociedade: “a

gente tem público, mas ele tem de ser informado da existência dessa música enorme que

existe aqui e, para isso, a gente precisa das secretarias de cultura, de desenvolvimento,

das empresas”. Embora considerado ainda “incipiente”, o produtor cultural Tadeu

Martins128 destaca o trabalho de formação de plateia desenvolvido pela UFMG por meio

dos concertos didáticos e dos projetos culturais que realiza; o trabalho da Fundação

Clóvis Salgado, com os concertos no Parque Municipal; e o da Fundação de Educação

Artística e do SESC, “que têm projetos cumprindo esse papel”.

Nas vilas e favelas da cidade, a falta de formação de público também é considerada um

grave problema. Segundo a socióloga Clarice Libânio129, “a gente sabe que é um

processo lento, depende de uma série de variáveis da própria região, [...] a história

local, a cultura local, e isso, de fato, não é uma coisa que é considerada”. Para ela, a

origem do problema estaria na falta de interação dos equipamentos públicos de um

modo geral – especialmente dos centros culturais – com as comunidades. Ela cita um

exemplo concreto:

A gente tem o exemplo lá do Alto Vera Cruz, que é um dos centros culturais mais antigos, que foi conquistado em parceria com a comunidade; e, na hora de fazer a gestão, a Prefeitura falou “não, a gestão é nossa”. Então, os movimentos culturais se afastaram e hoje usam muito mais um outro espaço que tem lá do que o próprio Centro Cultural. (LIBÂNIO).

Para a gestora, a questão da formação de público estaria ligada a uma oferta permanente

e variada, que permitisse às pessoas a assimilação das novas linguagens e gêneros e a

criação do hábito de consumo cultural. “Você precisa ter periodicidade com oferta

diferenciada”. Como exemplo de trabalho nessa linha ela cita a Campanha de

Popularização do Teatro e da Dança, realizada há 37 anos na capital por iniciativa do

Sindicato dos Produtores de Artes Cênicas de Minas Gerais (Sinparc). “Você pode ter

muitas críticas à campanha, mas chegam pessoas que você não tem a menor noção que

elas um dia iriam ao teatro, e falam que já foram à peça tal etc. [...] Esse é um

processo de formação de público”.

128 Diretor do Instituto Vale Mais – Instituto Sociocultural do Jequitinhonha. 129Diretora Executiva da ONG Favela é Isso Aí.

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Realizado pela Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Fundação Municipal de

Cultura, o Festival Internacional de Teatro Palco e Rua de Belo Horizonte (FIT-BH) –

que completou dez anos em 2010, quando pela primeira vez foi realizado em vilas e

favelas – também é apontado por Libânio como importante nesse sentido. Pesquisa

realizada pela ONG Favela é Isso Aí junto ao público do Festival mostrou que 41% dos

entrevistados assistiam a um espetáculo teatral pela primeira vez. “É um número enorme

de pessoas que estava tendo acesso pela primeira vez àquele tipo de linguagem. [...]

Acho que esse é um processo de formação de público, é a oferta”.

No que diz respeito à oferta de projetos públicos de música, entretanto, os dados

levantados mostram que Belo Horizonte está na contramão deste caminho. Além de

apontar a descontinuidade de eventos culturais anuais importantes no calendário da

cidade, como o Festival de Rock Independente, o Festival de Arte Negra e a Bienal de

Poesias, Makely questiona o fato de que Belo Horizonte “não tem um festival de

música”. Segundo Tadeu Martins,

todos os projetos de formação de público que a Prefeitura realizava ou apoiava acabaram. [...] Os eventos públicos de rua, que são importantes pra formação de público, caíram pra zero, praticamente. Existiam 290 por ano, hoje não tem nenhum. [...] tinha o Praça Sete às Seis e Meia, acabou; tinha o projeto Minha Praça, com shows simultâneos acontecendo em 12 praças da cidade, nenhum existe mais. Seresta em Santa Tereza toda sexta-feira, acabou; Canta BH na Praça Raul Soares, todo sábado, de uma às cinco, acabou; Música ao Pé das Árvores, maravilhoso, com orquestra e tudo, na Bernardo Monteiro, acabou.

Mestre Jonas lembra o projeto Palco da Periferia – importante iniciativa da comunidade

do Aglomerado da Serra –, que, com o apoio da Prefeitura por meio da Belotur130,

conseguiu se manter durante três anos. “Dois dias de shows, com eventos de música,

apresentação de danças, exposições, artistas plásticos, costuras, trabalhos artesanais”,

que tiveram de ser suspensos quando a Prefeitura retirou o apoio. Por parte do governo

estadual, o cantor, ator, jornalista e produtor cultural Thelmo Lins131 lembra a extinção

de projetos de música (como o Fim de Tarde) realizados pelo Palácio das Artes, que

contribuíam para lançar e divulgar novos talentos locais e que acabaram por falta de

apoio. “Toda quarta-feira, seis e meia, tinha um show diferente lá, com preços 130 Empresa Municipal de Turismo, a Belotur, criada pela lei n° 3.237, de 11/08/80, é um órgão municipal que se dedica à promoção do turismo. Originalmente encontrava-se vinculada à Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes. Atualmente está ligada diretamente ao gabinete do prefeito. 131 Músico, ator e Administrador do Teatro Santo Agostinho.

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baratos”. Makely cita os projetos Música Independente132 e Expresso Melodia133, que

acabaram e “ninguém deu satisfação, ninguém falou mais nada”.

Outro programa considerado importante por todos os músicos e produtores ouvidos,

mas que também foi suspenso pela Prefeitura sem qualquer explicação, é o Arena da

Cultura. Segundo Tadeu Martins, o projeto, que possibilitava “ao povo conhecer os

talentos que tem nessa cidade, [...] desapareceu”. Realizando atividades em duas linhas

de ação: “formação e capacitação” e “difusão cultural”, o projeto buscava “ampliar o

acesso dos cidadãos de Belo Horizonte aos bens artísticos e culturais” através da

“realização de oficinas do ciclo de iniciação artística nas áreas de Artes Plásticas,

Dança, Música e Teatro, nos Centros Culturais da Fundação Municipal de Cultura”.134

Para nós [...] o Arena da Cultura é fundamental. [...] É um projeto que de fato atinge [...] os moradores de vilas e favelas, que não teriam acesso a uma formação. Ele capacita em gestão, informação, essa coisa de aonde ir, como fazer, mas capacita, também, artisticamente, em teatro, dança, música, artes plásticas. (LIBÂNIO).

Segundo Bertelli, o trabalho desenvolvido pelo projeto “provocou muita gente a entrar

pro campo da cultura, da música. Tem uma série de compositores, de poetas, de

pessoas que ganharam força a partir da passagem pelo Arena da Cultura”. Apesar da

importância da iniciativa, ela lamenta que “ele jamais foi sequer avaliado”. Para

Cançado, a interrupção de projetos importantes e bem-sucedidos refletiria a ausência de

políticas públicas sólidas. Ela seria causada por problemas de gestão governamental, na

maioria das vezes baseada em desejos pessoais ou projetos de campanha do governante

ou de gestão das empresas: “um governo que está começando interrompe um projeto,

não quer mais, porque foi o outro que fez; ou então é a empresa, por motivos

financeiros, de mercado”. 132 Projeto realizado pela Fundação Clóvis Salgado em parceria com a Sociedade Independente da Música (SIM), Rádio Inconfidência e TV Minas, com o objetivo de “dar oportunidade a novos intérpretes, compositores e instrumentistas que se dedicam à música brasileira, com destaque para shows inéditos e novos encontros entre artistas”, além de “valorizar a diversidade de gêneros musicais”. Fonte: site Secretaria de Estado da Cultura (SEC). Disponível em: http://www.cultura.mg.gov.br/?task=interna&sec=1&cat=39&con=1270. Acesso em: 03 Mar. 2011. 133 Projeto da SEC, realizado por meio da Fundação Clóvis Salgado, que, através de um caminhão-palco, difundia a produção artística mineira na periferia da capital e no interior do Estado. Fonte: site Instituto Cultural Sérgio Magnani. Disponível em: http://www.institutosergiomagnani.org.br/gestao-de-projetos/outros-projetos. Acesso em: 03 Mar. 2011. 134 Fonte: www.pbh.gov.br. Acesso em: 22 Fev. 2011.

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De acordo com Marcus Viana, “o poder público é o único que tem capacidade de

mudar isso em curto prazo, investindo nos artistas locais, na propaganda dos já

famosos e puxando os novos”, com vistas à criação de público. O músico vê a

necessidade de se criar “eventos periódicos, bem divulgados”, onde “a participação

principal seja dos artistas locais”, e de que haja ações “aumentando a capacidade de

força dos artistas locais que escolheram morar aqui”.

Os artistas baianos do axé – cujos shows na cidade enchem o Mineirão, lotam os hotéis,

atraem gente de outros estados, movimentam a economia – seriam um exemplo. Ele diz

não ser contra esse tipo de evento – “um fenômeno da baianidade que atravessou

fronteiras” – e que eles servem de lição para os mineiros: “a gente podia lançar a

música das montanhas, atrair gente do Brasil todo, a Estrada Real toda tinha de estar

com festivais. Será que o governo não acorda?”.

4.4 Inovação: característica favorável do mercado da música de Belo

Horizonte As palavras de Geraldo Vianna resumem o que acontece no segmento da música da

capital mineira do ponto de vista da inovação:

As propostas artísticas aqui têm coisas fenomenais, inovadoras, muita proposta experimental, muita proposta apurada de jazz, muita proposta apurada de choro. É inovação você pegar um gênero lá do princípio do século passado até metade do século e propor novas linguagens, é uma forma de inovar uma coisa tradicional. [...] Na música erudita, a quantidade de gente propondo coisas novas está em efervescência. (VIANNA, GERALDO).

Como analisado no capítulo anterior, essa inovação acompanha a história do movimento

musical da cidade. Como uma das grandes marcas, ela passa pelo Clube da Esquina –

que, nas palavras de Marcus Viana “era diferente de tudo, foi muito à frente” –, até

chegar aos tambores do Grupo Tambolelê135, que mistura ritmos ancestrais utilizados na

Folia de Reis e no Congado com pitadas de sons contemporâneos, como blues, rock'n 135Criado em 1995, é formado por Santonne Lobato, Geovane Sassá e Sérgio Pererê. Fonte: Grupo Tambolelê. Disponível em: http://www.orkut.com/Community?cmm=258607&hl=pt-BR. Acesso em: 17 Fev. 2011.

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roll , funk e black music, e ao multiinstrumentista Maurício Tizumba, reconhecido

internacionalmente. “Os tambores daqui são diferentes dos tambores da Bahia, por

exemplo; são mais lentos, têm uma coisa muito profunda, [...] um Congado; o tambor

mineiro é mais denso”, explica Marcus Viana.

O próprio Marcus Viana é responsável por algumas marcas de inovação da música

criada em Belo Horizonte. Foi o primeiro a eletrificar um violino em Minas Gerais, na

década de 1970, além de fundar o grupo de rock progressivo Sagrado Coração da Terra,

que misturava “a alma sinfônica com ritmos modernos”, defendendo, já naquela época,

“uma bandeira meio ecológica em prol da transformação espiritual e planetária”. O

violinista também foi pioneiro, no Brasil, ao compor trilhas sonoras inteiras para

novelas – Pantanal, da TV Manchete, exibida em 1990, e O Clone, da TV Globo, de

2001 –, depois de já ter feito trilhas para espetáculos do grupo de balé do Palácio das

Artes e do Grupo Primeiro Ato, ambos de Belo Horizonte. Mas foi só depois de fazer

sucesso fora do Estado que ele começou a ser reconhecido em sua terra natal: “porque

Minas só aceita o que estoura fora. Nós temos um complexo feio de não valorizar o

filho da terra”.

A música instrumental mineira é outro exemplo de inovação. Ela produziu grandes

nomes, reconhecidos internacionalmente, a exemplo do guitarrista belo-horizontino

Toninho Horta – cujo CD Harmonia e Vozes foi indicado ao 11° Grammy Latino 2010

na categoria de melhor álbum de MPB; do saxofonista Nivaldo Ornelas, também natural

de Belo Horizonte – onde foi um dos fundadores do Berimbau Club, voltado para o

Jazz, na década de 1950, e que se apresentou ao lado de nomes internacionais como

Sarah Vaughan; do compositor e arranjador Juarez Moreira, nascido no interior de

Minas, mas cuja carreira foi desenvolvida a partir de Belo Horizonte e que possui discos

lançados nos Estados Unidos, Canadá, Japão e Europa.

Sobre o trabalho apurado de choro, apontado por Geraldo Vianna, os dados mostram

Belo Horizonte como uma das referências no gênero. “Soma do batuque, do lundu, com

a música portuguesa, a polca, a valsa, o minueto, e de outros mais” 136, o choro

encontrou, na capital mineira, vasto campo para se desenvolver. Para isto contribuíram

136 Fonte: Site BH Choro. Disponível em: http://www.bhchoro.com.br/historiaetrajetoria.html. Acesso em: 03 Set. 2010.

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não apenas a origem da formação dos músicos locais, mas a sua flexibilidade e gosto

pela inovação, uma vez que o gênero tem na “liberdade de improvisação do intérprete –

quando cada um, a seu modo, pode demonstrar toda sua virtuose – uma das suas

características mais marcantes”. 137

A capital oferece pelo menos meia dúzia de espaços (bares e restaurantes) voltados

exclusivamente para a execução pública do choro, sendo um dos mais tradicionais

redutos (desde 1993) o Bar do Bolão (localizado no Bairro Padre Eustáquio), onde, em

2006, foi fundado o Clube do Choro de Belo Horizonte, associação sem fins lucrativos,

voltada para a divulgação e a promoção do gênero. Alguns de seus principais expoentes

são os grupos Belo Choro, Pedacinhos do Céu, Corta Jaca, Duo 13 Cordas, Chora Pro

Nobis, Chora o 7 e Flor de Abacate que, desde 1989, realiza trabalho inovador em

Minas Gerais de pesquisa, estudo e divulgação da música instrumental brasileira, com

destaque para o choro, já tendo lançado três CDs. 138

Tadeu Martins aponta Belo Horizonte como uma das grandes referências em inovação

por meio da viola, o que teria levado a capital a se tornar sede da Associação Brasileira

dos Violeiros e do Instituto Brasileiro da Viola Caipira, que promove o maior prêmio de

viola do Brasil – o Prêmio Excelência de Viola Caipira, em sua terceira edição. Ele

lembra o Carnaviola – carnaval movido a viola – que está em sua quarta edição e,

recebendo convites internacionais.

A viola em Minas Gerais virou uma referência para o Brasil e pro mundo [...] Fernando Sodré, jovem, aqui de BH está participando de festivais internacionais de jazz com viola. Chico Lobo está voltando agora de 12 shows na China. [...] Pereira da Viola está fazendo uma série de shows pelo Brasil e pelo mundo, o Renato Caetano toca até rock na viola, são inovações. (MARTINS, TADEU).

Inédito, segundo o produtor cultural, também seria o trabalho desenvolvido pelo grupo

Meninas de Sinhá do bairro Alto Vera Cruz, na Zona Leste. Criado em 1998, é formado

por mulheres da comunidade, que fazem um trabalho – já registrado em CD – de resgate

e divulgação da cultura popular por meio de cantigas de roda, cirandas e brincadeiras

137Fonte: Site BH Choro. Disponível em: http://www.bhchoro.com.br/historiaetrajetoria.html. Acesso em: 03 Set. 2010. 138Fonte: Site Clube do Choro de BH. Disponível em: www.clubedochorodebh.com.br. Acesso em: 03 Set. 2010.

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infantis. Tadeu Martins cita, ainda, o inédito Carnaval Sanfônico, que aconteceu pela

primeira vez em Belo Horizonte em 2011, com as sanfonas substituindo os sopros –

tradição da festa popular –, resgatando “o carnaval à moda antiga, com marchinhas,

sambas, frevos, cantigas de rodas”. Inovador na capital também seriam os blocos

carnavalescos, que começaram a surgir em 2009 no período pré-carnaval e ganharam

força em 2011, arrastando centenas de pessoas pelas ruas de diferentes bairros da

cidade, inclusive nos dias do Carnaval. Mestre Jonas diz que o movimento é fruto de

“muita gente com esse mesmo pensamento, montando grupos, blocos, fazendo

marchinhas, divulgando na internet”.

Lopes acompanhou esse movimento: “em 2010, teve um boom de blocos, que surgiram

de forma muito espontânea”, e, em 2011, um grupo de músicos está preparando “a

gravação das marchinhas desses blocos pra sair uma coletânea das marchinhas, num

processo de estimular o renascimento do carnaval da capital”. Sem nenhum apoio ou

estímulo público, sem necessidade de uniformes, abadás ou fantasias, estes blocos são

formados por grupos de amigos, familiares, colegas de trabalho ou de escola, de todas

as idades. Seriam exemplos os blocos Da Cidade (Centro), Gamboa e Treme na

Linguiça (Savassi), Da Tetê (Santa Tereza), Mamá na Vaca e Sou Bento mas Não Sou

Santo (Santo Antônio), Santo Bando (São Bento), Sagrada Folia (Sagrada Família),

Concentra mas não sai (Funcionários), As Virgens do Formigueiro Quente

(Mantiqueira) e Carnasônico (Santa Efigênia). 139

Outros dois movimentos musicais inovadores, também surgidos de forma espontânea na

capital, ganharam força a partir da adesão popular, se apropriando de espaços públicos

para fazerem da rua o local de trocas e defesa do gênero musical do coração. Criado em

2004, o Quarteirão do Soul surge na região central de Belo Horizonte (Rua Goitacazes,

entre Curitiba e São Paulo), a partir do encontro de alguns amigos, entre eles Geraldo

Antônio dos Santos, o DJ Geraldinho, lavador de carros no local. Desde então, nas

tardes de sábado, homens e mulheres de meia idade transformam a rua em espaço de

dança e celebração da identidade que se estabelece a partir do gosto comum pela soul

music.

139Fonte: Jornal Estado de Minas. Disponível em: http://www.divirta-se.uai.com.br/html/sessao_27/2011/02/27/ficha_carnaval/id_sessao=27&id_noticia=35336/ficha_carnaval.shtml. Acesso em 03 Mar. 2011.

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Os freqüentadores do local se apossaram da rua sem a permissão oficial da prefeitura e realizam seus bailes a céu aberto. [...] em sua maioria negros, trabalhadores de baixa remuneração: pintores, donas de casa, coveiros, cabeleireiras, taxistas, mecânicos, lavadores de carros e outras funções, que se encontram pelo prazer de ouvir e dançar a soul music. (RIBEIRO, 2008, p. 5).

A alguns quarteirões dali, também no centro da cidade, surge, em 2008, o duelo de

MC’s (Mestres de Cerimônias). Realizado debaixo do viaduto Santa Tereza, reúne “o

melhor das manifestações artísticas do Hip Hop”, com “roda livre de danças urbanas e

as tradicionais batalhas de rimas improvisadas”, realizadas sob o compasso das batidas

saídas dos toca-discos do DJ. O espetáculo, que muitas vezes incorpora a participação

de grafiteiros, é ponto de encontro de centenas de jovens das diferentes regiões da

cidade, nas noites de sexta-feira.140

Lopes considera inovador o movimento batizado de Praia da Estação, criado e

desenvolvido por grupos de artistas da capital, entre eles dezenas de músicos, para

protestar contra a decisão da Prefeitura de proibir “a realização de eventos de qualquer

natureza na Praça da Estação”. 141 A partir de mobilização pela internet, eles levaram

centenas de pessoas a se reunirem no local durante vários finais de semana. Para Lopes,

a experiência teria sido inovadora na medida em que a arte, de forma espontânea,

casual, levou à discussão de problemas que afetam a cidade, como a utilização dos

espaços públicos e a questão dos moradores de rua.

Ali, como uma brincadeira, indo pra praia, colocando um biquíni, os artistas se reunindo, discutindo, [...] experiências bem inovadoras, que a atividade dos músicos, da classe musical, vem conseguindo fazer, e conseguindo outros desdobramentos para além de plataformas da própria música. (LOPES).

Inovador, também, é considerado o movimento Reciclo Geral, já mencionado como

exemplo de projeto de formação de público. Para Makely, aquele foi um marco, “foi o

primeiro show autoral, só com as próprias composições”, e “num dia que não tinha

público nenhum na casa, começou a ter excesso de público em poucas semanas de

projeto. Só divulgação boca a boca, não tinha Twitter; Facebook; mal tinha e-mail”. A 140Fonte: Blog Duelo de MC’s. Disponível em: http://duelodemcs.blogspot.com/. Acesso em: 25 Jan. 2011. 141 Decreto n° 13.798 de 09 Dez. 2009 do Prefeito de Belo Horizonte. Fonte: Diário Oficial do Município. Disponível em: http://portal6.pbh.gov.br/dom/iniciaEdicao.do?method=DetalheArtigo&pk=1017732. Acesso em: 05 Jan. 2011.

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iniciativa, segundo um dos veículos impressos locais, criou uma “ebulição criativa

poucas vezes vista na história da música feita no Estado”, mostrando o surgimento de

“uma nova e talentosa geração”142. Para Bertelli, o Reciclo foi a semente de um

movimento que está sendo responsável por levar a nova geração de compositores e

intérpretes da cidade a ser conhecida no Brasil inteiro.

A força do movimento foi tão grande, que dois anos mais tarde boa parte dos artistas

que dele participaram começou a gravar e a lançar o seu disco de estreia. Um deles, o

álbum A Outra Cidade, reuniu os músicos Kristoff Silva, Pablo Castro e Makely Ka,

além de convidados como Alda Rezende, Sérgio Pererê, Titane, Marina Machado e

Regina Spósito, entre outros. Também em 2005 foi a vez do álbum de Vitor Santana e

Mariana Nunes, que contou com participações de Mônica Salmaso, Sérgio Santos e

Juarez Moreira, entre outros; além do projeto da dupla Dudu Nicácio e Leopoldina.

Mestre Jonas, integrante do movimento, diz que “foi daí que tomei a carreira como

profissão e, a partir daí, comecei a me organizar pra viver disso”. Vários músicos

concordam que a possibilidade da criação coletiva, do trabalho em grupo, foi um dos

principais legados do Reciclo. Para eles, houve uma grande troca de informações e

experiências a partir da pluralidade de vertentes da música feita na capital, respeitando-

se o trabalho estético de cada um. Esse trabalho desenvolvido de forma cooperativa

seria o responsável por essa geração de músicos mineiros despontar com tanta força.

Dessa mesma época, Bertelli cita “o projeto Conexão, proposta lá da Cria Cultura143

com a atual Vivo (então Telemig Celular), que também foi o diferencial”. Segundo

Lopes, este projeto é exemplo de inovação na produção – área em que Belo Horizonte

teria atuação muito forte –, tendo sido replicado em outros estados, “gerando um

modelo inovador de gestão de projetos de lei de incentivo”. Por meio “de um processo

de gestão coletiva, de compartilhamento de serviços de informação, de tecnologia, você

142 Fonte: Jornal O Tempo. Disponível em: http://www.bhmusic.com.br/diversos/otempo.htm. Acesso em: 25 Fev. 2011. 143Empresa de elaboração, desenvolvimento, gestão e produção de projetos culturais para o setor público e privado, sobretudo ligados à área musical. Fonte: site Cria Cultura. Disponível em: http://www.criacultura.com.br. Acesso em: 03 Mar. 2011.

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gera uma ação que tem uma força muito maior do que a ação dos projetos

isoladamente”, explica.144

Outro exemplo de inovação também na área da produção seria o lançamento editorial do

Cancioneiro do Elomar pela Duo Editorial. Para Bertelli, uma das responsáveis pelo

projeto, diferentemente dos tradicionais songbooks, este foi feito pensando em quem iria

utilizá-lo, levando em conta “profundamente o que era a obra do Elomar, quem era

Elomar, qual era o universo sonoro do Elomar”. Também no suporte houve inovações:

do tipo e da cor do papel utilizado ao formato mais adequado para ser manuseado e

colocado numa estante, tudo foi pensado, afirma Bertelli.

Considerado popular, o músico baiano compõe para cantores de formação lírica e, numa

ação também considerada inovadora, está tendo a sua obra estudada e interpretada por

professores da Escola de Música da UFMG. “Claro que outros cantores, outros

músicos, já interpretaram o Elomar”, mas os daqui “foram os primeiros no Brasil que

abraçaram a obra dessa forma. Do ponto de vista da inovação, aqui se criou um grupo

de profissionais que interpretam Elomar constantemente”, explica a gestora. Em

agradecimento, o artista teria batizado a sala de concertos que construiu em sua fazenda

na caatinga baiana de “Teatro Escola Lírica Mineira”.

Uma característica unanimemente apontada pelos músicos entrevistados como fator

diferencial de Belo Horizonte é a que diz respeito ao grande trânsito existente entre os

diversos setores da música da capital, o que seria uma coisa inovadora. “BH tinha de ser

modelo nisso”, afirma Geraldo Vianna. “A música aqui é uma loucura, [...] todas as

pessoas se encontram, se conhecem, se interrelacionam e se respeitam”, afirma. Para

ele, continua havendo os músicos especialistas nos vários estilos, mas “eles conversam

entre si e dialogam com os outros estilos”. Sobre este aspecto, Brant cita o crítico

musical carioca Domingos Rafaelli, que “vai a encontros de músicos e nunca viu o que

acontece aqui, porque todos os músicos se dão bem, um vai ao show do outro,

prestigia; há uma união entre as pessoas que fazem música”.

144 No Conexão Vivo, a empresa, ao invés de apoiar projetos isoladamente, reúne vários já aprovados pela lei de incentivo e os produz de forma coletiva numa mesma plataforma, potencializando a utilização dos recursos. Em um único palco no Parque Municipal, são realizados shows durante 11 dias seguidos.

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Makely reconhece essa característica como única na cena nacional: “tem um detalhe

muito curioso que eu acho que tem em Belo Horizonte e que eu não vejo em nenhuma

outra grande metrópole: é que não existe muito gueto”. Para o próprio Makely, isto

pode ser observado nas formações dos grupos, nas fichas técnicas dos discos, no público

que frequenta os shows, onde não haveria uma “divisão rígida das tribos urbanas

identificadas com estilos e gêneros musicais específicos, que se verifica na maioria das

grandes metrópoles”.

O músico faz uma reflexão sobre a importância que essa aproximação teria ao promover

“o encontro dos contrários de uma forma espontânea, não-programática”, encurtando

as distâncias impostas pelas profundas desigualdades sociais de Belo Horizonte –

apontada em pesquisa da ONU de 2009 como uma “das dez cidades com maior índice

de desigualdade social do mundo”145. Para ele, essa convivência musical, ou

“promiscuidade social na música produzida por essa nova geração”, contribuiria para a

existência do que ele chama de uma “tensão harmônica”.

A gente sabe que é uma cidade que tem realmente vários problemas de desigualdade, a gente sente no dia a dia, a violência, a tensão... Mas, ao mesmo tempo, no meio musical, eu sinto que é um ambiente onde essa tensão afrouxa. Por quê? Em primeiro lugar, eu acho que não existe muito sentimento de grupo. Por exemplo, eu vejo os músicos de formação erudita da UFMG tocando nas rodas de samba; eu vejo o pessoal do hip hop participando das folias e dos congados; na discussão aqui no Fórum você vê o pessoal do rock discutindo com o pessoal da MPB, e isso não acontece em outras cidades. [...] é uma característica de Belo Horizonte que merece destaque, [...] ajuda a quebrar um pouco essa tensão, porque um mora no morro, no Alto Vera Cruz, o outro mora no São Bento, e eles tocam juntos às vezes. Isso é um dado salutar, isso ajuda a quebrar essa tensão dessa diferença do IDH

146.

Outro aspecto considerado inovador na cena da capital é a organização de cooperativas

e de coletivos dos chamados fora do eixo – agrupamentos de artistas independentes com

o objetivo de otimizar, não apenas a produção artística, mas a difusão do trabalho

realizado, já analisados no capítulo anterior. Recém chegados ao movimento dos

145 Fonte: site UOL. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/internacional/2010/03/19/brasil-tem-quatro-cidades-entre-as-mais-desiguais-do-mundo-diz-onu.jhtm. Acesso em: 05 Jan. 2011. 146 Índice de Desenvolvimento Humano utilizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para medir a qualidade de vida de uma determinada população. Fonte: site Brasil Escola. Disponível em: http://www.brasilescola.com/brasil/o-idh-no-brasil.htm. Acesso em: 05 Jan. 2011.

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músicos da cidade, esses dois modelos são responsáveis por introduzirem grandes

inovações na organização do segmento.

São dois modelos de certa forma concorrentes, mas que são complementares também, porque eles trabalham com públicos diferentes, mas que têm um princípio básico que é a economia criativa, comércio justo, troca de informação, cultura livre, cooperativismo – independente de ser uma cooperativa ou não, mas é um princípio fundante desse modus operandis também. (MAKELY).

Pioneiro em Belo Horizonte, o Coletivo Pegada procura desenvolver um “trabalho de

qualificação dos produtos da música independente”, para que ela não seja “confundida

com a música amadora”, explica Mortimer. Com esse objetivo, ele busca ações

diferenciadas, desde a criação gráfica de cartazes de divulgação dos shows até

iniciativas inovadoras como “fazer a própria cobertura dos eventos, porque vimos que

isso era uma coisa que não tinha na cena”, para divulgar na internet. Para Mortimer, os

coletivos contribuem para o surgimento de novas idéias, novas ações, pois tudo é feito

com participação e muita discussão: “o fato da gente se encontrar semanalmente pra

debater todas as questões vai qualificando isso de forma a entender melhor cada um

dos processos”.

A nova relação de trabalho provocada pelo desenvolvimento da tecnologia é

considerada por vários dos entrevistados, entre eles Makely, outra grande inovação, por

permitir que o músico, mesmo tendo uma atividade que ele executa melhor, possa

compreender todas as demais atividades da cadeia produtiva. Isso lhe daria mais

conhecimentos e habilidades e, mesmo que não faça tudo diretamente, ele já não estaria

mais “falando de uma coisa completamente desconhecida”. Para o músico, isso

refletiria um “processo de mudança de paradigma de uma indústria cultural” baseada

na “lógica da divisão de trabalho”, o que nos levaria a entrar “num processo holístico

até, de ampliação dos saberes e de interlocução de conhecimentos”, onde “pela

primeira vez o operário tem o meio de produção na mão dele” e “vai dar conta de toda

a cadeia”. De acordo com ele, essa mudança da lógica de relação de trabalho “é muito

inovadora”.

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Esse processo possibilitou o surgimento de um formato de parcerias – também

considerado inovador – que é o Banco de Serviços, onde os integrantes da cadeia

produtiva fazem permuta de tarefas “dentro de uma estrutura solidária, que é uma

forma de fomentar e potencializar as ações”, explica Makely. Como o músico passa a

se inserir na cadeia de várias formas, isso lhe abre oportunidades nesse processo de

troca de serviços, facilitando-lhe o acesso a vários projetos e contribuindo para que mais

produções sejam realizadas. (MORTIMER).

Do ponto de vista da comercialização, Makely considera que “a Feira Música Brasil ter

vindo pra cá foi uma grande inovação. É um lugar de negócios... acho que abriu um

caminho”. Segundo o músico, a iniciativa permitiu criar espaço para a realização de

outra feira do gênero, chamada Câmbio, pensada para o segundo semestre de 2011. Na

mesma direção, foi realizada em Belo Horizonte, em março de 2011, a primeira Feira

Música de Minas – MusiMinas –, com o objetivo de “apontar rumos e colocar nossas

dificuldades e conquistas na mesa de debate”. Dentro da feira, foi realizado o 1°

Encontro de Autores e Intérpretes, visando provocar a troca de experiências e

informações relacionadas à música entre “artistas, autores, intérpretes, veículos de

comunicação e representantes do mercado fonográfico; vislumbrando uma atuação mais

dinâmica destes profissionais num mercado cada vez mais competitivo e desigual” 147.

Outro fator considerado inovador pela maioria dos entrevistados foi a criação, em 2008,

do Fórum da Música de Minas. “Tem uma organização da sociedade aqui também que

é inédita, [...] é muito recente, mas é um dado relevante porque, da forma como se

organizou, não existem muitas outras cenas organizadas com essa configuração que a

gente tem aqui hoje”, afirma Makely. Segundo Mestre Jonas, “o Fórum da Música tem

um papel fundamental, porque ele aglomera os estilos” e “as coisas que estavam mais

segmentadas têm que ser organizadas”. Ele cita a assembléia do Fórum, realizada em

fevereiro de 2011, para exemplificar: “começou a vir gente do interior, a moçada da

viola, do rock [...], os coletivos”. Para Bertelli, “a palavra inovador é às vezes até um

pouco estranha pra uma coisa tão óbvia: se articular” , mas ela considera que essa

“articulação de músicos, de compositores, sobretudo dos novos compositores”, foi “ um

diferencial”, que “acabou surtindo muito efeito”.

147 Fonte: Site Feira Música de Minas. Disponível em: www.musiminas.com.br. Acesso em: 05 Mar. 2011.

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Um desses “efeitos”, o programa Música Minas (apresentado no capítulo 2), que o

Fórum criou e está gerindo junto com o Estado, também seria “uma ideia inovadora” na

opinião de Makely. Lopes acredita que o programa ajudou a dar mais visibilidade ao

Fórum de Minas, que se responsabilizou pela gestão dos recursos, ficando o poder

público com o papel de mediador. “Com a implementação do programa, a gente

conseguiu posicionar uma marca nacionalmente, porque a gente criou um programa de

circulação dos artistas”, explica. Para Lopes, a perspectiva de construção de um Fórum

de entidades e não de pessoas é importante e inovador porque “você acaba gerando a

necessidade de organização da sociedade civil”.

Embora visto de forma positiva, o surgimento do Fórum tem recebido várias críticas dos

próprios músicos, a maioria pelo fato de as entidades e associações que o constituem

não serem consideradas representativas dos segmentos que dizem representar.

Considerando o processo “um avanço”, mas que “tem que melhorar, avaliar”, Geraldo

Vianna argumenta:

Acho fundamental discutir amplamente com a classe. Hoje o Fórum da Música discute com as associações, mas as associações – e eu estou falando por contato pessoal com a classe toda – hoje não representam a opinião de 40% da classe. Então, enquanto não houver uma discussão muito ampla, plena, das diretrizes, do que vai ser feito, como é que vai ser administrado isso, com que objetivos, a gente vai continuar no mesmo lugar.

As associações a que Geraldo Vianna se refere são as várias entidades surgidas a partir

de divergências entre grupos de músicos da capital. Segundo Lins, da Associação dos

Músicos de Minas Gerais (AMMIG) teria nascido a Sociedade Independente dos

Músicos (SIM), de onde saiu o grupo que criou a Cooperativa da Música de Minas

(Comum). Por isso, hoje, de acordo com ele, quando se fala que “a entidade tal está

representada no Fórum da Música, que entidade é essa? Essa entidade tem cinco

pessoas que estão frequentando as reuniões.”

Para Geraldo Vianna “o Fórum veio pra amarrar essas associações”, que, em sua

opinião, “ainda atendem muito a interesses próprios”, pois teriam sido criadas a partir

de divergências: “eu discordo de você e, ao invés de a gente entrar em conflito e chegar

a uma conclusão, eu falo ‘então tá, fica com a sua empresa que eu abro a minha’. Isso

não resolve nada, mas foi o que aconteceu”. Segundo Tadeu Martins, o Fórum da

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Música tem conseguido algumas conquistas porque um grupo de artistas se uniu, mas

concorda que a organização dos músicos em geral ainda “é muito fraca”.

4.5 Condições que precisam ser desenvolvidas para a construção do SPIL Ao lado da cadeia criativa, bastante favorável em Belo Horizonte, outra importante

condição para que se possa propor a criação de um SPIL da música é a existência de

uma cadeia produtiva estruturada, com elos fortes e dinâmicos que abarquem as fases da

produção, distribuição, divulgação, comercialização e consumo. Como estudado no

capítulo anterior, todos esses elos estão presentes na cadeia de Belo Horizonte, embora

alguns estejam enfraquecidos, necessitando de fomento e investimento.

Do ponto de vista da produção, onde há a concepção do produto em si, a pesquisa

mostrou que este elo é o mais robusto em BH, com a capital oferecendo boas condições

para se cumprir todas as suas etapas. O mercado em ascensão de produtoras e os

estúdios de gravação de alto nível, além da existência de excelentes profissionais

especializados no processo de gravação e na produção gráfica, colocam a capital em

igualdade de condições com os grandes centros de produção de música do país.

Segundo Lopes, “você consegue fazer todo o processo de produção de um CD em Belo

Horizonte, com qualidade”.

Para Geraldo Vianna, no que diz respeito às condições de produção, “nós atingimos um

bom nível de qualidade, mas, como em qualquer lugar do mundo, há uma variação

muito grande”. Entretanto, ressalta que a cidade dispõe de técnicos excelentes, do mais

alto nível, cuja qualidade seria reconhecida até fora da cidade. “Eu gravo um disco em

Belo Horizonte e vou mixar num dos maiores estúdios do Rio ou de São Paulo e os

técnicos ficam loucos com a gravação”. Brant concorda: a “infraestrutra é muito boa”,

“não só os estúdios comerciais, como os particulares; tem muito estúdio muito bom,

com alta tecnologia”.

Neste elo, apenas na fase da masterização, em que a cidade também oferece boas

condições, as principais referências de qualidade ainda estariam em três estúdios de

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fora, como aponta a produtora Rose Pidner148: “hoje em dia aqui tem muita condição.

Só mesmo na masterização as máquinas ‘bala’ estão em São Paulo (duas) e no Rio de

Janeiro (uma)”. Isso, entretanto, não comprometeria a qualidade do produto

integralmente produzido na capital mineira. Seria mais uma opção do artista que dispõe

de maiores condições financeiras. A ausência em Minas Gerais de uma fábrica de

reprodução de CD não é considerada problema. Segundo Geraldo Vianna, prensar os

CDs fora, hoje, não aumenta os custos da produção, devido à grande quantidade de

novas fábricas, além das tradicionais, localizadas em São Paulo e Manaus.

Os dados trazidos pela pesquisa confirmam o diagnóstico realizado pela FJP (2010) de

que o grande gargalo da cadeia produtiva da música em Belo Horizonte estaria nos elos

posteriores, isto é, nas etapas de distribuição, divulgação e circulação do produto. Todos

os músicos e produtores musicais entrevistados – com carreira já consolidada ou

iniciante – são unânimes em ressaltar a necessidade de se buscar formas de divulgar,

circular e escoar a produção musical da capital mineira. Lins explica:

Depois que o disco fica pronto, é um vácuo, você não sabe o que fazer, por vários motivos. Primeiro, porque não tem essa cadeia estruturada da distribuição, da difusão e tal. Segundo, porque você não tem dinheiro pra fazer isso. Uma vez eu li a respeito de um disco do Leonardo, cantor sertanejo, onde a relação era: num custo total de dois milhões, o disco era quinhentos mil e um milhão e meio era divulgação. Aqui, você aprova projeto pra fazer disco de quarenta mil reais, e só. Não sobra dinheiro pro cartaz, não sobra dinheiro pra mídia radiofônica, não sobra dinheiro pra nada. Então, o que acontece? Você não difunde.

Geraldo Vianna também aponta a circulação, a divulgação e a distribuição como os

grandes problemas da cadeia produtiva da cidade, pois, apesar de “já ter se falado

muito”, nunca houve uma “iniciativa forte de facilitar, viabilizar a promoção, projeção

e vendagem do produto feito aqui”. Segundo ele, “o mercado independente mineiro é

um dos maiores; há muitos anos ele produz muito”, mas aí “foi onde a gente errou”.

“Produz-se muitos CDs, vende-se poucos CDs”, constata. Endossando essa avaliação,

Pidner diz que “a distribuição continua ruim”. Ela cita o exemplo dos CDs produzidos

por meio das leis de incentivo, cuja grande parte “fica em casa, guardada, porque os

artistas não têm onde comercializar, não têm shows, nem como criar seu público”.

148 Musicista, presidente da Associação Artística dos Músicos de Minas Gerais (AMMIG).

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Brant concorda com a origem do problema, “exatamente na distribuição e divulgação

dos trabalhos”.

Para Gerado Vianna, a sobrevivência do produto final estaria em jogo. “Não se faz um

disco com proposta artística, musical em um ano. Tem uma carga que vem antes, de 20

anos de estudo, de preparação de linguagem, de proposta, de estilo, de características

próprias na abordagem da música”. Para ele, este investimento pesado por trás do

produto final estaria ameaçado quando não se consegue difundir o disco, quando já se

sabe que ele “não vai ter saída, não vai ser divulgado, não vai ser assumido por alguns

órgãos políticos, culturais. [...] Aí, o negócio é meio assustador”.

Os altos custos de produção também contribuiriam para esta situação, além do

agravante de comprometerem a qualidade do produto final, acredita Geraldo Vianna.

“Grandes estúdios, grandes músicos estão sofrendo sérios problemas em relação aos

custos de produção” ao terem de se submeter a um “mercado ditatorial, que é pegar ou

largar, porque eu tenho quem faça”. Ele explica:

O produtor, o estúdio, dependem de clientes. A procura continua muito grande, mas a oferta está sendo muito maior e está acontecendo um fenômeno assustador que é o desprezo pelo refinamento absoluto, que antigamente era uma preocupação, que continua ainda em alguns setores nossos, mas não aquela preocupação. Porque a qualidade é uma coisa muito sutil, o produto final, a sutileza, é uma coisa que me preocupa. Então, está começando a nivelar por baixo na produção em BH e isso me preocupa. [...] Antigamente, as pessoas primavam mais pela qualidade final, elas tinham medo da falta de qualidade. (VIANNA, GERALDO).

Como já foi constatado, um dos pontos altamente favoráveis da cena musical de Belo

Horizonte é a sua tradicional qualidade de produção. Nesse sentido, o alerta de Geraldo

Vianna precisa ser levado em conta nas análises para criação do SPIL da música, do

ponto de vista de processos de longo prazo. A arte, por sua subjetividade, seria mais

complexa e exigiria parâmetros específicos para se julgar a sua qualidade. Na opinião de

Vianna, a vivência do músico, seu conhecimento técnico e a experiência seriam os

principais. “Quando você detona a qualidade, destrói esses conceitos, você nivela tudo,

perde o sentido total”, argumenta. Ainda do ponto de vista da qualidade, o músico

levanta outro aspecto que aconteceria em todo o país e que diz respeito à

preponderância do financiamento por meio das leis de incentivo, o que obrigaria o

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artista a uma adaptação e a concessões que estariam desvirtuando o próprio fazer

artístico.

Popularmente, eu digo sempre que transformaram a arte em loteria. Não se constrói carreira, concorre o tempo todo: você tem de entrar no concurso, que são os editais da empresa, do estado, municipal, federal, [...] e eles estão apontando pra uma direção perigosa. Não vejo a arte dirigida dessa forma como uma saída pra quem é sério, que atua há muitos anos. (VIANNA, GERALDO).

Defendendo a necessidade de “ampliação de fontes de financiamento”, o que exigiria

“monitoramento dos dados e da realidade para poder pensar lógicas de financiamento

coerentes com essa realidade”, Bertelli aponta um problema que estaria ocorrendo em

Minas Gerais. O estado “começou a manejar os recursos de incentivo fiscal dentro do

próprio estado. Tirou do mercado a possibilidade da captação”. Exemplo citado, o

recém criado Museu das Minas e do Metal – parte do Circuito Cultural Praça da

Liberdade, iniciativa do governo estadual –, cujo realizador, a empresa MMX, “aplicou

toda a lei Rouanet disponível em Minas naquele prédio, naquele museu, com uma

lógica de investimento, de funcionamento privado”, explica. Para Geraldo Vianna, a

“Fundação [Municipal de Cultura] é concorrente da classe artística, como o governo

estadual também é concorrente, a partir do momento em que você tem setores do

governo que captam recursos nas leis de incentivo”. Para ele, “a coisa precisa ser bem

estruturada e bem pensada para que o resultado seja em benefício da cultura”.

De acordo com Makely, o “problema dramático, o ponto nevrálgico da cena hoje” é a

divulgação. Em sua opinião, faltaria uma visão dos próprios músicos, que não estariam

atentos ao problema. “Acho isso um grande erro, um erro de visão, de estratégia” e que

estaria sendo cometido por todos: “mesmo grandes artistas, grandes nomes, têm pecado

nesse quesito”. Como exemplo, ele cita outro aspecto dos projetos para produção de

CDs, realizados por meio das leis de incentivo:

O cara tem cinquenta mil pra fazer o disco dele. Aí ele faz o encarte, prensa o disco, grava o disco, paga os músicos, paga o estúdio, paga o designer, faz um show de lançamento... E aí o que ele faz? Ele pega uma assessoria de imprensa, manda o disco [...] pra meia dúzia de veículos aqui em Belo Horizonte e acabou. Eu acho que, nesse caso, você tem cinqüenta mil, então você vai tirar dez mil do seu projeto, você vai contratar um assessor de imprensa nacional e vai fazer esse disco chegar na mão de quem precisa chegar. (MAKELY).

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Ele sugere a inclusão de um item no edital das leis de incentivo que obrigue o músico a

fazer uma assessoria de imprensa nacional, “porque isso reflete aqui dentro do Estado”.

Além da divulgação na mídia local e nas redes sociais, Makely considera fundamental

“essa imprensa ainda formadora de opinião”, defendendo que “tem que investir nisso”.

Para ele, haveria ainda muita “dificuldade em se transpor as barreiras do perímetro da

cidade e do estado também”. Essa avaliação vai ao encontro do pensamento de alguns

estudiosos do assunto, entre eles Durand (2009), para quem ainda é preciso valorizar

essa mídia. O autor lembra que, há vinte anos,

um brasileiro com um interesse mínimo em artes se extasiava quando chegava a Paris e podia comprar em qualquer banca de jornal o Periscope e se deparar com uma oferta cultural impensável para o Brasil. Hoje, [...] pelo menos duas metrópoles, Rio e São Paulo, dispõem de cadernos de entretenimento tão extensos quanto os parisienses. [...] Atente-se, pois, ao potencial de informação que eles contêm acerca das obras, linguagens e processo cultural geral [...]. São espaços de mídia que em geral não só anunciam como qualificam a oferta cultural. (DURAND, 2009, p. 54).

Como analisado no capítulo anterior, os elos da divulgação e da distribuição estão muito

associados. Nesse sentido, a ideia proposta de divulgação nacional dos produtos de Belo

Horizonte pretende interferir diretamente no processo de distribuição dos mesmos.

Segundo Makely, a Trattore – maior distribuidora brasileira independente – tem como

colocar um disco no país inteiro. Mas a situação seria complicada, “porque o disco

entra no estoque e aí eles esperam as lojas pedirem o disco. Como que a loja vai pedir

o seu disco se ela nunca viu?”. Ele argumenta que a divulgação nacional poderia fazer

com que um jornal de Natal, no Rio Grande do Norte, por exemplo, publicasse matéria

sobre o trabalho de um músico mineiro, gerando curiosidade no consumidor e levando-o

a procurá-lo na loja, que, por sua vez, o demandaria da distribuidora.

A iniciativa mais importante, para Makely, seria a de enviar o produto, pois o jornalista,

ao receber um produto de fora, de qualidade, ao qual não teria acesso, perceberia o seu

valor e isso o levaria a escrever sobre o CD. Esse círculo virtuoso entre divulgação,

leitor/consumidor, ponto de venda e distribuidora aumentaria a chance do produto entrar

nas estatísticas de venda da distribuidora. A partir daí, o artista poderia começar a

visualizar o mercado do seu produto.

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Então, o cara já tem um mapa ali do que ele vendeu, ele vai fazer uma atuação na rede social, vai encontrar as pessoas que tão consumindo o trabalho dele; aqueles vinte e cinco viraram setenta e cinco; ele já tem cem pessoas ali, ele pode ir lá fazer um show; vai fazer um show pequeno, mas ele vai começar a construir uma cena ali. E aí a circulação começa a acontecer. (MAKELY).

Esta distribuição teria, ainda, outros aspectos perversos, como o valor que é pago ao

músico. Lins aponta: “numa dessas distribuidoras independentes, sabe quanto eu

ganhava por um disco que era vendido por 25, 30 reais? Um real e pouco”. Segundo

ele, a distribuidora fez “um trabalho legal, ela levou o meu disco pro Brasil inteiro, só

que é quase uma doação”. Assim, ele argumenta ser mais vantajoso vender os discos

nos seus shows, onde conseguiria arrecadar cerca de 20 reais por unidade.

Essa dificuldade no processo de divulgação não seria um problema recente nem isolado;

ela teria origem numa certa maneira de ser do mineiro e na falta de um canal de

comunicação de Minas com o país. “Tudo que é produzido aqui em Minas fica em

Minas. Esse foi sempre o grande problema de Minas, que é divulgar o que é feito aqui”,

acredita Makely. Para o músico, Belo Horizonte não teria poder de inserção nem mesmo

no interior de Minas Gerais, lembrando a realidade das várias regiões onde jornais de

outros estados têm muito mais penetração, como O Globo em Juiz de Fora, o Correio

Brasiliense em Uberlândia e os jornais paulistas no sul de Minas.

O mesmo argumento é apresentado por Geraldo Vianna, para quem “Minas Gerais

nunca foi um estado de fazer nomes. A gente tem certo complexo de inferioridade [...] a

gente cria uma ilusão muito grande em relação ao que vem de fora”. Para ele, a

solução seria valorizar, dar mais atenção para as produções locais. “A gente precisa

olhar para o próprio umbigo, passar um período pelo menos” fazendo isso. Como

exemplo, cita a Bahia, onde o governo teria investido em políticas públicas voltadas

para a cultura do entretenimento e do turismo, a partir de um amplo e planejado estudo

da realidade local.

Na mesma direção, Marcus Viana ressalta a importância de a população local ser a

primeira a valorizar os seus artistas e lamenta que isso não seja um traço dos mineiros,

como aconteceria em Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul, “os mais nativistas de

todos”, afirma. “Aqui, a gente tinha de valorizar qualquer movimento que fosse feito

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pra conscientização do mineiro como formador de artista, porque o que faz o artista

desistir da vida é a aridez [...] a recepção do artista por parte do público.” Segundo

ele, “Minas não preza as pessoas daqui”. Ele exemplifica com experiência vivida

quando fazia divulgação de seu trabalho em Salvador, tendo ouvido o seguinte

argumento de um radialista:

– “aqui, há por bem tocar baiano, porque, afinal, estamos na Bahia, não é mesmo? Mas vamos ver: mineiro, interessante, rock progressivo... vamos ver se dá pra tocar”. Quando é que, em Minas, alguém vai receber um cara do Rio de Janeiro e falar isso? Nunca!(VIANA, MARCUS).

Bertelli acredita que a diferença estaria no fato de o mineiro ser muito autocrítico.

“ Imagina se o baiano vai ficar: ‘se a nossa música tem qualidade, se não tem; se a

gente é assim, se a gente é assado...’ Não vai. O que importa é fazer e acontecer”. Ela

diz que mesmo no Rio de Janeiro e em São Paulo tem visto uma quantidade grande de

projetos megalomaníacos, mas de conteúdo mínimo, em termos de qualidade, e, no

entanto, isso não os preocuparia, porque o que querem é fazer, “botar na praça”.

Segundo Bertelli, “a gente é muito autocrítico, perfeccionista. É uma característica

nossa”. O músico mineiro, para ela, “é um ser que preza ainda por passar uma

mensagem poética, uma letra de música bonita, uma harmonia bem feita, uma mistura

de instrumentos bem orquestrados, bem arranjados”.

Para Makely, estaria faltando “um posicionamento” por parte dos próprios músicos:

Acho que falta uma agressividade às vezes, sabe, uma agressividade positiva, no sentido assim, de uma ousadia. Falta esse espírito mais desbravador. Aquele estigma do “mineiro come quieto”, e fica ali, vai comendo pelas beiradas, e às vezes não é reconhecido porque ele não se posicionou.

A preocupação com a necessidade de se conquistar o mercado mineiro para a produção

local está presente na fala de quase todos os entrevistados. Tadeu Martins, no entanto,

faz uma reflexão em busca de caminhos. Segundo diz, para se desenvolver o mercado

da música, o primeiro passo necessário seria possibilitar às pessoas conhecerem os

talentos locais, pois só conhecendo é possível gostar e, gostando, passa-se a defender e a

divulgar, criando-se, assim, um círculo virtuoso.

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Em relação à divulgação realizada pela mídia tradicional local, as avaliações se

dividem. Alguns músicos acreditam que a mídia escrita seja boa e que não daria

divulgação maior pela falta de espaço, já que, como argumenta Geraldo Vianna, “em

Belo Horizonte, para cada dia que você quisesse noticiar só música, você enchia um

caderno só com a programação artística”. Brant discorda:

A gente não tem uma mídia nacional; a mídia é muito restrita, existe quase um monopólio. Na imprensa escrita parece que não há nem vontade do pessoal da rede líder de aparecer pro Brasil. Isso é prejudicial pra cultura de Minas, pra política de Minas, pra tudo que é feito aqui. Porque, na realidade, o que é produzido aqui, o que é veiculado aqui não tem realce nenhum lá fora. (BRANT).

Lopes também vê problemas: “a mídia tradicional ainda tem uma dificuldade de

absorção dos movimentos novos”, mas já tivemos “melhoria de uns anos prá cá; alguns

jornais já começaram a abrir um pouco mais de espaço”. Para ele, os veículos

impressos, principalmente, ainda trabalham “com pautas requentadas”, se apoiando

muito “nas pautas das agências de notícias que vêm de fora”. Para Tadeu Martins, “a

mídia é madrasta”, porque daria prioridade para os artistas que vêm de fora ou que são

divulgados pelas majors, mesmo quando são inexpressivos ou pouco conhecidos.

Segundo ele, a cidade estaria adotando “a linguagem do dominado cultural”, segundo a

qual só teria valor o que vem de fora.

Se você pegar qualquer jornal – o Hoje em Dia tá melhorando –, a página inteira da Cultura é dedicada pra quem vem de fora e para aqueles artistas que a gravadora manda o material pro jornal. [...] Enquanto aqui você tem valores, que eu poderia citar 300, que quando fazem um show você tem a divulgação, mas pequenas notas. Parece que para os daqui se está fazendo um favor. (MARTINS, TADEU).

Lins afirma ter ouvido de repórteres que “os nossos editores pedem pra gente

privilegiar, senão focar exclusivamente os artistas globais ou de grande conhecimento

da mídia”. Comparando com a grande divulgação dada à produção cultural local pelos

veículos do eixo Rio-São Paulo, que divulgam “até pequenos concertos dentro das

igrejas”, Cançado diz que aqui a publicação do que está acontecendo “é uma listinha de

nada, mas a gente tem certeza que a cada dia, nos vários espaços de BH, estão

acontecendo muito mais coisas”, e “não seria um email que vai resolver isso”. Para ela,

a mídia local estaria “muito mal direcionada”.

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Na opinião de Lins, a mídia como um todo, em especial os veículos impressos, está

desconectada do que acontece no cenário cultural local. De acordo com ele, os veículos

de comunicação deveriam ser os canais entre o acontecimento (show, peça de teatro

etc.) e o público. Entretanto, “os meios de comunicação não cumprem esse papel e a

gente questiona qual é o papel que eles estão fazendo. Qual é o papel de um caderno de

cultura hoje?”. A partir dessas reflexões, propõe uma discussão sobre o que chama de

“ invisibilidade do artista” em Belo Horizonte: apesar da quantidade de artistas e atores

produzindo intensamente, o público não teria a menor informação sobre este cenário.

Segundo Bertelli, a mídia impressa local é pontual, só divulga o evento no dia da sua

realização; “não tem um viés qualitativo, [...] não é investigativa”. Para a parecerista do

MinC, o público se interessa em saber com maior profundidade sobre o que vai assistir

e “a imprensa daqui se interessa pouco pela história, pela necessidade da área, pela

cultura; ela responde muito pouco a isso”. Bertelli também acredita que o jornal

precisaria ir além, falar das tendências, mas eles “não sabem, não acompanham, não

investigam”.

A mídia radiofônica e televisiva teria ainda mais problemas, inclusive as pertencentes

ao poder público. Para Geraldo Vianna,

ainda sofremos com rádio e televisão, que não contribuem para a nossa música andar. [...] a TV Minas não abre as portas, só uma frestinha, e mesmo assim às vezes fecha. A Rádio Inconfidência, a mesma coisa. [...] Alegam que a pontuação (audiência) é baixa, que caiu [...]. Mas uma rádio do Estado não pode ter isso.

O violonista defende maior integração entre os órgãos do governo estadual responsáveis

pela aplicação da lei de incentivo fiscal e o sistema estadual de comunicação. “Um

projeto é aprovado na lei estadual de cultura e ele não é abraçado pela Rádio

Inconfidência nem pela TV Minas. São coisas separadas e eu não entendo porque é

assim”. O argumento se baseia na constatação de que, se um projeto é suficientemente

bom para ser aprovado por um mecanismo do governo, ele também deveria ser bom

para ser trabalhado pelas mídias estatais.

De um modo geral, as emissoras de rádio da capital, na opinião de Lins, “não tocariam

músicas de artistas mineiros, a não ser daqueles que já, digamos assim, cruzaram a

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barreira do eixo Rio-São Paulo [...], conseguiram uma projeção nacional”. Para tentar

minimizar a situação, elas incluiriam um ou outro programa sobre artistas mineiros.

Mestre Jonas concorda: “sinto falta de mais música de mineiro na programação da

Inconfidência. Nas outras, a possibilidade é muito remota de se tocar música daqui”. A

situação das emissoras de televisão seria ainda mais desfavorável, por se tratarem de um

meio muito mais caro e pelo fato de os canais menores, da TV fechada, possuírem

pequeno alcance de público. (LINS). Lopes também vê na televisão “uma dificuldade

muito grande”, pois o que “já está muito bem posicionado tem espaço, mas as

experiências inovadoras carecem disso”.

Com experiência de atuação como gestor de cultura na Prefeitura de Itabirito149, Lins

aponta um problema relacionado à divulgação dos músicos de Belo Horizonte no

interior do Estado. Ele relata o recebimento pelas secretarias de cultura dos municípios

da revista mensal Show Business, editada em São Paulo, que divulga endereços de

artistas e telefones de escritórios, além de anúncios com os músicos de maior

popularidade ou que dispõe de recursos financeiros para investir na publicação. “Essa

revista é que baliza o prefeito ou o secretário de cultura na contratação dos shows”; no

entanto, ela não traz “quase ninguém daqui de Minas Gerais, só alguns já

consagrados”. Como estratégia de divulgação, ele sugere que as distribuidoras de Belo

Horizonte contratem espaços nessa e em outras revistas do gênero, para divulgar os

músicos daqui junto às prefeituras, principais contratantes de eventos no interior.

Em relação às emissoras de rádio do interior, Lins aponta o mesmo problema de falta de

acesso à produção mineira. Segundo ele, alguns radialistas do interior recebem de uma

associação de emissoras de rádios de Brasília um CD com os principais temas

veiculados nas novelas “e é esse CD que toca na programação”, pois eles têm

dificuldade de acessar diretamente os músicos ou as produtoras. Para Lins, “a gente tem

que atacar é esse povo lá”, “ convencê-los de que Minas tem uma produção local e

montar um CD, quem sabe?”. Para enfrentar esses problemas e baseado em experiência

realizada pela França150, ele sugere a criação de “bureaux151 culturais” nas cidades polo

149 Município mineiro, localizado na região do Quadrilátero Ferrífero, a 55 km de Belo Horizonte. 150 Desde 1993, o governo da França mantém um Bureau d’Export de la Musique Française (Instituto Cultural para Exportação da Música Francesa), de “apoio ativo à indústria da música francesa”. Fonte: Site do BureauExport. Disponível em: www.french-music.org. Acesso em: 21 Fev. 2011. 151 Escritórios, do francês.

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do Estado, que seriam responsáveis pela difusão da música mineira. Geraldo Vianna

também vê na experiência francesa um bom exemplo de “ investimento cultural

associado ao turismo” e acredita que só um trabalho integrado pode abrir “boas

perspectivas para o futuro”.

Conforme Werkema, a situação atual do elo da divulgação seria fator desfavorável para

a construção do SPIL da música de Belo Horizonte. “Quem produz hoje, quem monta

espetáculos, se queixa amargamente da questão da divulgação, da promoção. [...] A

mídia escrita ou eletrônica estabelecida é cara e não tem sensibilidade pra isso”. Um

problema sério para ele seria a falta de crítica especializada. “Pra começar, não tem

crítica, não há crítica de espetáculos aqui!”, constata. Makely também vê “a falta de

uma crítica mais aguerrida, mais consciente, mais preparada também”.

Duran (2009) é um dos autores que defendem a importância do papel da crítica:

Só os críticos e especialistas são capazes de discriminar valor cultural. Assim, eles estão talhados para construir cenários qualitativos do fluxo cultural [...]. Tendo um contato mais próximo com os bolsões de amadorismo [...] e dominando em profundidade o código estético de sua especialidade, tem o crítico uma visão privilegiada da esfera erudita e de suas pontes com a cultura de massa e com as culturas populares. (DURAND, 2009, p. 53).

Já na questão da divulgação digital, é consenso que Belo Horizonte oferece muita

facilidade de acesso às novas mídias. Para Lopes, estaria havendo um movimento de

qualificação das redes de informação em cima das novas mídias. Nesse sentido, acho que a gente tem um movimento bacana, com blogs interessantes que já existem, com os próprios artistas e produtores entendendo que hoje você tem de se ver como cidadão multimídia, você mesmo já é o seu próprio veículo de comunicação, e investir nisso.

Como analisado no capítulo terceiro, além da produção, que teve o seu processo

popularizado pelas novas tecnologias, os elos da divulgação e da comercialização foram

os mais atingidos por elas. As inúmeras possibilidades criadas pelas redes sociais

contribuíram para o surgimento de um número incalculável de novos agentes com um

novo perfil de atuação. Belo Horizonte seria exemplar neste aspecto.

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Cada vez mais os próprios músicos estão buscando experimentar, se especializar dentro de outras coisas da cadeia além de fazer música; que é o princípio da autogestão, que a gente vem trabalhando, porque é interessante o artista se empoderar de outros meios que estão aí na cadeia produtiva pra entender melhor o processo, saber como se adaptar em determinadas situações. Acho que isso fez crescer o número de agentes de forma geral, porque o cara é músico, mas ele tem um estúdio e grava outra banda; outro é jornalista e escreve para um blog; outro músico é um fotógrafo. [...] acaba que dá muitas possibilidades de facilidade de acesso nesse lance de troca de serviços. Os próprios músicos podem trocar serviços entre si, o que facilita que haja produções mais freqüentes e tal. (MORTIMER)

Na opinião de Makely, “Twitter e Facebook, hoje, são ferramentas imprescindíveis

quase que pra vida das pessoas”. Como estratégia de utilização das redes sociais para a

comercialização dos produtos musicais, Makely dá o exemplo de um aplicativo que

estaria desenvolvendo e que vai lhe permitir oferecer suas músicas para download

gratuito na internet. Por trás dessa iniciativa, entretanto, haveria uma estratégia de

comercialização de shows. A partir do terceiro download, o usuário é convidado a

preencher um cadastro, que se transformará num banco de dados, de modo que o músico

possa mapear seu consumidor, “saber onde que ele tá, qual o perfil dele, e você vai

vender o show pra ele, por exemplo”, explica.

O recente crescimento mundial das indies, que reflete o fortalecimento dos movimentos

independentes, seria mais um fator favorável para a criação do SPIL da música da

capital – forte nesse segmento. Após darem seus primeiros passos na década de 1990,

alguns dos mais importantes selos e bandas mundiais da atualidade passam a ocupar, a

partir da década de 2000, cada vez mais espaço na mídia, na moda e no mercado,

influenciando comportamentos e concepções estéticas em larga escala, antes privilégio

dos artistas vinculados às majors. O sucesso desses grupos comprova que não era por

uma questão de qualidade, mas sim pelo dinheiro disponível para a promoção e pelo

controle da distribuição, que os artistas ligados às majors conseguiam atingir o grande

público152.

Para a maioria dos entrevistados, as facilidades oferecidas pela internet e o fenômeno

das redes sociais seriam os principais elementos dessa transformação. Os sites de

relacionamento e as lojas de música on line seriam os caminhos para se enfrentar os

152 Fonte: Site Jornal O Globo. Disponível em: http://extra.globo.com/tv-e-lazer/sucesso-do-arcade-fire-consagra-trabalho-dos-selos-indies-1103613.html. Acesso em: 20 Fev. 2011.

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dois principais problemas vividos pela música independente: falta de visibilidade,

devido à dificuldade de acesso à mídia tradicional; e dificuldade em convencer as lojas

de música a manter os discos em estoque. Como já analisado, a internet já é hoje o

principal meio de divulgação da música independente da capital e alguns sites já

alcançam certa penetração, como o Música de Minas, já mencionado, e o A Música que

Vem de Minas, projeto que, desde 2002, procura divulgar “a cultura mineira pelo país,

através da música e de seus artistas” 153

. A agência MusicMinas, criada pelo compositor

e instrumentista Túlio Mourão, se considera uma “vitrine de artistas dos mais

tradicionais à nova geração, atuantes em Minas Gerais”, além de possibilitar ao músico

acesso a profissionais e serviços que facilitam a circulação de seu trabalho pelo Brasil e

pelo mundo.154

Esse crescimento da cena independente tem levado a uma inversão no fluxo de

produção entre majors e indies, num movimento internacional que já chegou ao país e

que pode ser favorável para a cadeia da música de Belo Horizonte. Pressionadas pelas

consequências do crescimento da internet, pelo surgimento de novas formas de vender,

distribuir, veicular e ouvir música, além da pirataria, física e digital, as majors

começaram a se arriscar menos, voltando seu investimento para projetos mais seguros e

nomes com potencial para ganhar dinheiro rápido. Isso fez com que muitos artistas mais

preocupados com um trabalho de qualidade se voltassem para as indies ou até mesmo

criassem mecanismo próprio de produção e distribuição independentes, contribuindo

para fomentar o segmento.155

No Brasil, artistas consagrados já trilharam esse caminho. Chico Buarque, que

anteriormente trabalhava com a major internacional BMG (associada à Sony Music), em

2005 assinou contrato com a Biscoito Fino, criada em 2000 e, hoje, umas das maiores

gravadoras independentes do país. Na mesma direção, Rita Lee deixou a major nacional

Som Livre, enquanto a cantora Maria Betânia lançou, em 2003, o selo independente

Quitanda. Em 2002, Marcus Viana criou, em Belo Horizonte, a gravadora independente

Sonhos e Sons e, em 2008, Milton Nascimento lançou o selo Nascimento Music.

153 Fonte: Site A Música que vem de Minas. Disponível em: http//www.amusicaquevemdeminas.com.br. Acesso em: 23 Fev. 2011. 154 Fonte: Site Music Minas. Disponível em: http://www.musicminas.com.br. Acesso em: 23 Fev. 2011. 155 Fonte: Site Jornal O Globo. Disponível em: http://extra.globo.com/tv-e-lazer/sucesso-do-arcade-fire-consagra-trabalho-dos-selos-indies-1103613.html. Acesso em: 20 Fev. 2011.

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Os depoimentos confirmam que a ausência de infraestrutura adequada para a realização

de shows e apresentações musicais em geral é outro grande fator desfavorável ao

desenvolvimento da cadeia produtiva da música da capital. Essa infraestrutura

envolveria tanto as questões materiais – espaços adequados (com acústica apropriada) e

condições técnicas de sonorização (equipamentos de qualidade) – quanto as questões

humanas, isto é, técnicos de qualidade e em quantidade para atender à demanda.

Para Brant, a música na capital “não tem espaço, tem só os barzinhos, não tem teatro

[...] falta muita coisa. A gente tem de criar essa infraestrutura”. Para Tadeu Martins,

até os bares e restaurantes deixaram de ser uma opção, devido à chamada Lei do

Silêncio156, que exige das casas um tratamento acústico para isolamento do ruído, que,

por se tratar de um investimento muito caro, levou vários empresários a optarem por

parar com as apresentações musicais.

Os bares com música ao vivo, que eram uma característica fortíssima de Belo Horizonte, caíram demais. Hoje é muito difícil, porque, com a questão da Prefeitura fiscalizar a sonorização, começou a gerar problemas e, com isso, hoje a música como geração de emprego e renda perdeu muito. Os músicos estão desesperados procurando lugar pra tocar. Até pra sobrevivência, pro trabalhador, esse espaço tá faltando. (MARTINS, TADEU).

Pidner destaca que os espaços existentes “não têm equipamento completo, a gente tem

de alugar. Nenhuma casa é completa”. Segundo ela, para grandes shows, haveria uma

expectativa do mercado quanto à inauguração, prevista para o primeiro semestre de

2011, do SESC Paladium, que seria “completo; comprou a mesa mais moderna que

existe, tem 1.350 lugares, estacionamento para 200 carros”. Maior do que ele, hoje,

apenas o grande teatro do Palácio das Artes, com 1.600 lugares, e o ginásio do Colégio

Dom Silvério (conhecido como Marista Hall), cuja acústica e falta de conforto são

bastante criticadas pelos músicos, e também pelos freqüentadores. Haveria previsão,

ainda, de inauguração de mais duas grandes casas de espetáculos na cidade: uma no

156 Lei municipal n° 9.505/08, “que normatiza o controle de ruídos, sons e vibrações em Belo Horizonte”. Fonte: site da Câmara Municipal de Belo Horizonte. Disponível em: http://www.cmbh.mg.gov.br. Acesso em: 22 Fev. 2011.

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local onde funcionou o Cine Brasil (na Praça Sete, centro da cidade) e outra no Centro

Cultural Banco do Brasil, integrante do Circuito Cultural Praça da Liberdade.157

Vistos com bons olhos pelo mercado, esses novos espaços, entretanto, suscitam uma

preocupação quanto à sua ocupação. “Fomos ver o teatro do SESC e uma das coisas

discutidas foi arrumar uma maneira desse espaço lá não ser só receptor de coisa que

vem de fora, mas que seja um espaço pra se fazer a cultura de BH ali dentro”, afirma

Brant. Para ele, seria importante discutir políticas de uso desses novos espaços pelos

artistas locais. Lopes argumenta na mesma direção: “a gente vai ter que ver como vai

utilizar os equipamentos estaduais e federais que estão chegando e que abrem um

potencial enorme”. O presidente da Abrafin também defende que a programação de tais

equipamentos possa ser discutida, para não deixar que “se paute da mesma forma que a

mídia se pauta, de requentar pautas e não dar espaço para esse novo que está

fervilhando em BH”.

Bertelli vê um problema na localização desses novos equipamentos culturais. Segundo

ela, haveria espaços dirigidos à música, mas eles estariam “todos concentrados no

mesmo raio ali do grande centro de Belo Horizonte. E os centros culturais públicos,

municipais, estão à míngua aí na periferia”. Geraldo Vianna contabiliza os prejuízos

gerados pelo problema da falta de infraestrutura:

Temos “n” teatros; outra coisa é você produzir ali. O teatro não negocia o preço, aí vem ECAD, a produção em si; isso inviabiliza a produção. Todos têm o espaço e a infraestrutura de pessoal, mas, quando se trata de equipamento, você leva o equipamento, então é mais um custo cruel, né? Quando se trata de iluminação específica, você leva a iluminação. No final das contas, a produção – sem querer ser pessimista – não compensa.

Makely destaca o déficit na área de recursos humanos para operar equipamentos de som

e iluminação, uma demanda muito grande enfrentada com iniciativas pequenas,

isoladas.

157Iniciativa do Governo de Minas, por meio da Secretaria de Estado da Cultura, o Circuito está sendo desenvolvido em parceria com a iniciativa privada, com o objetivo de restaurar e dar novos usos aos prédios públicos localizados na Praça da Liberdade, sendo implantados museus, centros culturais, bibliotecas, espaços para cursos e oficinas, além de planetário, cafeterias, restaurantes e lojas. Fonte: site Praça da Liberdade Circuito Cultural. Disponível em: http://www.circuitoculturalliberdade.mg.gov.br. Acesso em: 23 Fev. 2011.

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Os técnicos que a gente tem não têm formação. Não tem recursos pra formar os técnicos que atuam nesse setor, desde produção até operação de luz, de som, palco. É tudo improvisado, todo mundo é autodidata e tem algumas áreas que é complicado ser autodidata. (MAKELY).

Para o músico, “essa situação, é um ultraje para o desenvolvimento da cena. Não tem

espaços adequados pra trabalho autoral”. Ele afirma haver uma incompreensão,

principalmente por parte das casas de show, da “cena autoral, representativa” existente

na cidade, “uma cena capaz de sustentar público, de tirar o cara de casa pra ir ver o

show”, argumenta. Isso contribuiria, segundo Makely, para gerar um grande problema

de sustentabilidade do mercado belo-horizontino da música, pois apenas as bandas

cover teriam “um circuito que talvez seja sustentável”, contando com alguns bares fixos

para apresentação, embora não tenham campo para desenvolver uma carreira, pois “o

circuito se consome em si mesmo”. Já quem trabalha com a música autoral passaria

“meses sem conseguir fazer um show”.

Segundo Marcus Viana, “nós temos teatros micro ou então temos casas imensas, mas

não temos o intermediário. O que falta é casa voltada para a música, com espaço

adequado, tratamento acústico”. Werkema, por sua vez, denuncia um “problema

grave”, que é o fato da capital não ter “um local para um espetáculo de massa, aberto,

de público acima de dez, quinze a vinte mil pessoas”. Isso não teria sido levado em

conta no planejamento da cidade ao longo dos anos, e hoje já não haveria mais área

física disponível para um empreendimento desses. Eventos desse porte são realizados

em áreas de municípios fronteiriços, como Santa Luzia e Nova Lima. Para o jornalista,

isto prejudicaria o desenvolvimento do turismo de negócios na cidade que, segundo ele,

poderia ser uma grande oportunidade para a difusão da produção musical local.

Tadeu Martins é ainda mais contundente: “tudo está conspirando contra o crescimento

desse talento musical nato de Belo Horizonte; falta espaço nessa cidade pra todo tipo

de música”. Ele aponta, ainda, um fator ideológico que dificultaria o desenvolvimento

de um dos gêneros que teria tradição na cidade: o samba.

Se você for avaliar um preconceito da cidade com um tipo de música, é com o samba. O samba aqui é expulso de todo canto. A Rua do Samba que era um encontro sábado, o dia inteiro lá na Rua Rio Grande do Sul, de lá foi expulso, [...] de 79 prá cá ele já foi expulso de 14 ou 15 lugares diferentes da

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cidade. [...] Acho que nesta questão do samba há um preconceito social e racial. Já ouvi síndicos de prédios que brigavam pra tirar o samba de algum lugar dizer o seguinte: “eu não quero essa negraiada fazendo essa algazarra na minha porta”. (MARTINS, TADEU).

Makely aponta outro fator desfavorável no que diz respeito ao público. Segundo ele, nos

bares da capital que ainda oferecem música ao vivo as pessoas estão acostumadas a

beber, e conversar, enquanto acontece uma apresentação como música de fundo e não

como um show: “não tem ambiente, porque o público não foi educado pra ir ali assistir

ao trabalho autoral; [...] e o trabalho autoral não dá pra se submeter a essa situação”.

Afirmando ser um problema difícil, ele defende a criação de condições mínimas para

utilização desses espaços, “um trabalho de educação mesmo do público, de levar o

público pra ver o show. O show não é um detalhe, é o motivo pelo qual as pessoas estão

ali”.

Na mesma linha, Geraldo Vianna acredita que a extensa cadeia de bares e restaurantes

da cidade seja uma possibilidade a ser trabalhada, a partir de um processo de

conciliação e conscientização. “Já toquei várias vezes na Europa em clubes de jazz,

onde os caras bebem uísque, bebem cerveja, mas existe uma educação, eles ouvem a

música [...] durante o show não se servem bebidas. A coisa é tratada como um evento,

um show específico, não como música ambiente”. Makely cita o exemplo da Casa de

Francisca, recentemente criada em São Paulo, que estaria fazendo esse trabalho com

sucesso:

Antes do show, o cara sobe no palco educadamente e fala: “hoje a gente vai ter aqui um show do José Miguel Wisnik. A gente pede para as pessoas fazerem os seus pedidos agora, porque os garçons vão parar de servir durante uma hora e quinze minutos. A gente pede para as pessoas não falarem durante o show, porque vai atrapalhar”. (MAKELY).

Mestre Jonas também tem exemplo de situações que funcionam: “fiz um show em Paris,

numa casa que era restaurante, e, na hora do show, pararam de servir, baixaram a luz,

e aí era o show, todo mundo foi pra ver o show”. Ele concorda que em Belo Horizonte,

além das casas serem despreparadas, elas não conseguiriam “distinguir o conceito do

que é artístico”. Mas também acredita que estaria faltando um respeito maior pela

própria profissão de músico. “Falta exigir respeito, ele é profissional, tá gerando um

trabalho ali, é o motivo do público estar ali e é o que ganha menos; aceita demais:

toca a noite toda e ganha 50 reais!”, exemplifica. Pidner concorda: “o músico da noite

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sofre muito, trabalha muito, ganha pouco. Não tem um sindicato, não tem assistência

médica, odontológica, não tem como se aposentar”.

Na mesma direção, a respeito da necessidade de reconhecimento da profissão, Bertelli

defende maior “atenção do ponto de vista da fiscalização e da legalização da profissão

de músico”. Ela lembra um problema sério: o fato de não haver nada que obrigue os

bares a passar o couvert artístico integral para o artista. “Não tem lei que proteja o

músico que toca em bar”. Segundo ela, a Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), por

exemplo, ao invés de ir ao bar fiscalizar se ele está repassando ao artista o couvert, “vai

lá fiscalizar se o músico tem a carteira da OMB”.

Apesar de destacarem uma solidariedade e um coleguismo entre os músicos da capital,

no que diz respeito ao fazer artístico – parcerias, trabalhos conjuntos, trocas de serviços

etc. – os entrevistados enfatizam a falta de uma visão de classe, uma rasa compreensão

da necessidade de união para se buscar conquistas para a categoria como um todo. Para

Pidner,

isso precisa ser trabalhado. Tá faltando um pouquinho de humildade, um pouco mais de coleguismo, um pouquinho menos de egocentrismo generosidade. Acho que isso são qualidades que o músico mineiro precisa desenvolver, [...] quando você começa a falar do coletivo, aí você vê, o interesse pessoal chega.

Considerando a organização dos músicos “ainda muito fraca”, Tadeu Martins diz que a

categoria “é assim, cada um por si e Deus por todos, [...] cada um quer abocanhar seu

quinhão: se eu conseguir o meu eu calo a boca, porque eu estou conseguindo. Precisa

ter uma união maior desses artistas”. Como afirma Geraldo Vianna, “desde que vim

para Belo Horizonte, em 81, já ouvia falar de encontros: ‘vamos fazer alguma coisa’.

Até hoje é assim, mas todo mundo prioriza o próprio trabalho, não existe consciência

da forma de administrar a cultura – é um aspecto, mas é verdadeiro”. Lins fala de sua

experiência vivida como membro da diretoria de uma das entidades da categoria:

Por mais que haja interesse em ver algumas questões resolvidas, existe muito interesse pessoal, ou seja, os interesses coletivos não estavam à frente dos interesses individuais. Então, à medida que uma ou outra pessoa não era bem associada com determinada ação, ela se retirava, e ao mesmo tempo a gente ia percebendo, como eu percebo até hoje, que existe um certo grupo mais privilegiado, que esse grupinho se privilegia de quase todas as ações. (LINS).

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Marcus Viana vê o músico belo-horizontino “ilhado, cada um no seu mundinho”. Ele é

cético quanto ao problema: “a organização dos músicos não existe, nem nunca vai

existir, porque o artista é movido a ego, a vaidade, a compulsão criativa, ele é muito

egoísta”. De acordo com o violinista e empresário, a solução seria fazer com que as

organizações que dizem respeito às produções coletivas dos músicos não sejam geridas

pelos próprios músicos, porque o artista é “individualista; é normal da pessoa que está

gerenciando a própria obra: ele fica meio fanático com aquilo, perde um pouco da

racionalidade, da ética”. Para ele, o Fórum da Música “é um início”.

Nessa questão, Makely acha que “seja até um pouco uma contradição da cena”, pois

ele vê os músicos se mobilizando “quando vêem uma ação muito objetiva”, “ que pode

ter um resultado prático”, como, por exemplo, realizar um festival, um show. Mas

quando se trata de discussões mais políticas, reivindicações, “elas acabam afastando

mesmo” e eles atuariam somente quando a situação “chega no limite”. Mesmo assim, a

participação ainda não seria tão ampla. Ele lembra o episódio ocorrido com o programa

Música Minas, que correu o risco de ser cancelado em 2010 e, mesmo assim, pequena

parte da categoria se dispôs a ir para a rua defendê-lo: “acho que podia ter tido muito

mais pessoas ali”. De acordo com o músico, “as discussões políticas e conceituais

ainda estão num outro patamar. As pessoas ainda não alcançaram esse grau de

politização”.

De qualquer forma, Makely acredita ser um dever do músico ter também uma atuação

política. “Acho que é uma dívida, que a gente tem de dar esse retorno; acho que a idéia

do artista romântico só que tá lá e toca e fica morando num castelo e inacessível; acho

que é uma função do artista ir para um debate, discutir, trazer isso e trazer as ideias”.

Bertelli afirma: “a gente quer cooperar, a gente quer se associar, mas a gente não sabe

fazer junto, a gente não sabe ser solidário, a gente não sabe dividir, a gente entra por

um interesse muito individual”. Para que as ações correspondessem às intenções, seria

necessário um trabalho educativo. Ela acredita que “o desejo expresso nas pessoas de se

associarem, de cooperarem, é o que pode favorecer uma educação à cooperação”.

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4.6 Poderes públicos e setor empresarial

Outra faceta desse quadro, que diz respeito ao papel dos poderes públicos, apresenta

uma leitura desfavorável da atuação dos órgãos encarregados da gestão cultural na

capital. Na avaliação de Tadeu Martins, apesar do potencial musical da cidade ser muito

grande, “público e notório”, o espaço para se mostrar a produção mineira “é muito

pequeno e o apoio público, sobretudo, é muito acanhado”. Segundo ele, o poder público

“não teria capacidade de criar palco para essa produção”.

Cecília Regueira158 acredita que estaria faltando articulação entre os diversos órgãos do

governo para um trabalho planejado e integrado. Segundo ela, a Secretaria da Cultura é

que tem os recursos para desenvolver projetos culturais, mas seria preciso o aporte de

outras secretarias, pois “a cultura vai diminuir a violência, a criminalidade, a saúde vai

melhorar”, argumenta, constatando que “aqui no Brasil ainda não existe essa

percepção”. Lopes aponta na mesma direção, afirmando que é preciso um “exercício de

pressão política maior” para dar visibilidade à cultura de modo a ser entendida pelo

governo “como algo que é prioritário”:

Hoje em dia, normalmente eles não veem como prioritário, veem como perfumaria, porque a questão da saúde é sempre mais importante, a segurança pública é mais importante. Mas se a gente entender que com projetos de arte-educação você está combatendo a violência? Com projetos de arte-educação você está gerando cidadania, está trabalhando um ser humano que é mais crítico, mais consciente dos seus direitos, dos seus deveres? (LOPES).

Para Marcus Viana, “é o povo cultural que faz os governos abrirem o olho” e essa

pressão precisaria ser feita para que os governos se conscientizem de que “Minas é um

celeiro”. Ele aponta outro caminho que a música de Minas deveria trilhar: “seria

importante ter essa música maravilhosa nossa em todo polo turístico do Estado. Usar a

música como atrativo”. Geraldo Vianna também defende uma política intersetorial: “se

não houver uma política casada com vários setores, não só artísticos, musicais, acho

impossível”. Segundo o músico, há vários anos haveria tentativas de se desaguar a

produção musical feita em Minas, principalmente em Belo Horizonte, mas seriam quase

158 Especialista em gestão do Terceiro Setor e Diretora Executiva do Instituto Hartman Regueira.

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todas frustradas “exatamente por isso”, porque “não existe esse casamento entre vários

setores que deem força, sustentabilidade. Então, a gente tem momentos bons e depois

desaparece tudo”. Nessa articulação, ele também acredita em ações associadas ao

turismo para alavancarem a cadeia da música na cidade.

A burocracia estatal, a falta de comunicação e o distanciamento dos governos da

sociedade seriam outros problemas graves apontados por vários dos entrevistados.

Segundo Bertelli, “a política tem que entrar em um diálogo real com a classe cultural.

A participação das pessoas não pode ser só um chavão. Tem que ter a participação, e

ela tem que ser desejada. Quando ela é desejada, você cria formas de comunicação”.

Segundo ela, é preciso que o gestor da cultura não veja apenas a necessidade estrutural

da área, mas compreenda sua “necessidade de diálogo, a necessidade criativa,

inventiva”. Werkema diz ser “preciso uma reformatação, um redesenho” dos órgãos de

cultura de Minas Gerais:

Os órgãos de cultura, sejam municipais, sejam estaduais, estão muito burocratizados, muito ainda despreparados para terem políticas culturais ou políticas públicas que possam estimular como merecem, com apropriação conceitual, apropriação ideológica, apropriação pedagógica, apropriação devida, essa vocação musical mineira. (WERKEMA).

Essa burocracia, segundo Regueira, faz com que mesmo entidades parceiras do governo

tenham de percorrer vários setores, sendo mandadas de um lado para outro, sem saber a

quem se dirigir, porque os próprios órgãos estatais não sabem tratar do assunto. “Tem de

haver dentro do governo uma comunicação mais clara, tem de haver departamentos

desenvolvidos para acolhimento do público, tem de haver um padrão de conhecimento

estabelecido nas diferentes áreas”, argumenta. Do contrário, as pessoas cansam,

desistem da ação, pois ficariam desestimuladas, pondera.

Para Brant, a cultura não estaria no foco da maioria dos políticos não apenas de Belo

Horizonte e do Estado, mas do Brasil inteiro, o que se refletiria na grande falta de

verbas para a área. ”É uma ignorância total”, afirma, pois

aqui tem uma música de alta qualidade, quantidade, diversidade, só que está sendo mal empregada pela cidade e pelo estado. Podia estar empregando mais gente, trazendo mais dinheiro pra cidade. [...] fez-se muito pouco, faz-se muito pouco e não estou vendo ninguém com visão pra implementar alguma coisa. Por isso a idéia desse sistema [SPIL] é boa. (BRANT).

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Lembrando um problema crônico, Pidner diz que “o poder público fica brigando entre

si, cada um de um partido”. A professora Ivana Parrela159 concorda, dizendo que,

“especialmente na área de cultura, temos uma situação de muito embate entre os

órgãos federal estadual e municipal, no caso de Belo Horizonte”. Para Bertelli, hoje “a

gente tem três governos completamente distantes entre si e que têm olhares

completamente distintos pra realidade da cultura”. Quanto ao governo federal, ela

espera que se mantenha a lógica que vem sendo implantada e que gerou a criação do

Sistema Nacional de Cultura. Para dar sequência, aponta a necessidade de se “montar o

sistema municipal de cultura”. Mortimer avalia que o governo federal “estava

caminhando bem, até a entrada da nova ministra” [Ana de Hollanda]. Werkema

reconhece “um avanço do Ministério da Cultura em várias coisas [...]. Esses editais,

por exemplo”.160

Avaliando o governo estadual, Bertelli diz que

o governo do estado tem uma visão de privatização de todos os setores, de repasse da gestão pública para as OSCIPS controladas pelo governo, porém, com uma visão privada, uma visão que não leva em conta a participação pública [...]. Eu estou falando isso em relação aos espaços, às políticas regionais, ao trato com os Pontos de Cultura, a tudo. É uma questão de visão de mundo, de conceito. Uma lógica de funcionamento pelo viés do privado. Então, tudo é resolvido, tudo é conversado numa relação privada, e o interesse público, realmente, tá em segundo, em terceiro, em quinto plano.

Segundo Werkema, “a Secretaria de Estado da Cultura vive [...] um momento de

empobrecimento de políticas públicas, de recursos humanos, de recursos financeiros”.

Libânio acrescenta ao diagnóstico, a ausência de um sistema estadual de informações

culturais. Sobre a questão da integração, ela diz que “você tem um monte de políticas de

superintendência de museus, um monte de políticas das bibliotecas, mas tudo disperso.

Falta integração; a integração das ações é fundamental”. Geraldo Vianna, além de

defender uma melhor estruturação dos órgãos públicos de cultura na cidade, ressalta a

159 Coordenadora Geral do Museu Padre Toledo (da Fundação Rodrigo Mello Franco de Andrade, pertencente à UFMG); presidente da Associação Cultural do Arquivo Púbico da Cidade de Belo Horizonte e membro do Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC), órgão colegiado integrante da estrutura básica do Ministério da Cultura. 160 O MinC utiliza editais de seleção pública para apoiar projetos e premiar iniciativas culturais por meio de concursos, festivais, prêmios e pesquisas em todas as áreas da cultura. Fonte: MinC. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/site/categoria/editais-ministerio-da-cultura. Acesso em: 08 Mar. 2011.

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importância do planejamento. “Se o governo não tiver uma estrutura pra dar suporte

fica difícil para administrar”. Mas, para ele, o problema vai mais além.

Cultura depende fundamentalmente de dinheiro, mas o dinheiro não é fundamental para que a cultura se alastre. É um paradoxo, mas que tem que ser resolvido. Hoje a cultura do imediatismo está descartando aquele que pensa, que faz o planejamento. Está muito voltada para o que realiza. Eu acho que tem de haver as duas coisas, trabalhando lado a lado, senão vai ser catastrófico. (VIANNA, GERALDO).

Para Tadeu Martins, “falta um investimento maior em BH, [...] criar uma via de mão

dupla do interior com a capital”. Ele lembra projeto do governo estadual de 1983, que

chegou a criar 300 festivais de música nas cidades do interior, fomentando o segmento.

Com baixo custo, “o estado apoiava pra fazer o projeto, ajudar a organizar e mostrar

como fazer”. Não envolvia despesas financeiras, que ficavam a cargo das prefeituras e

de patrocinadores locais. “Vinha músico, compositores de outros estados; era uma

verdadeira ebulição cultural”, relembra. “Hoje, Minas só tem 18 festivais, todos

sobreviventes desse período. É hora de voltar os olhos pra isso”, propõe.

Pidner lembra que “no plano estadual conseguimos emplacar um projeto, mas que

precisa virar lei para garantir”, referindo-se ao Música Minas. Para Regueira seria

necessária uma ação do Estado, no sentido de unir esforços. Segundo ela, o apoio

empresarial hoje aos projetos culturais, assim como aos sociais, seria muito

fragmentado e poderia ser mais eficiente se, através da Secretaria de Cultura, por

exemplo, eles se unissem e “criassem um programa que fortalecesse a cultura como um

todo”, pois “é muito difícil trabalhar com pequenos projetos, quando você sabe que, se

você somasse, você teria recursos suficientes para transformar uma realidade”.

Para que isso possa ocorrer, entretanto, ela vê necessidade de um trabalho de “educação

para com os empresários”, de distinção entre marketing social e responsabilidade

social, pois acredita que “a empresa também deve investir para que a nação se

desenvolva”, sensibilidade que ainda não existiria no Brasil. Brant vê em Minas “os

empresários muito conservadores; não exatamente entendem a importância que a

cultura pode ter pra cidade e pro estado”. Segundo Tadeu Martins, seria mais fácil

captar recursos no Rio de Janeiro e em São Paulo, “porque já têm uma visão diferente

das empresas”. Já “aqui, só tem algumas empresas com esse pensamento. [...] ainda

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funciona muito essa questão provinciana. Talvez por isso tenha essa dificuldade tão

grande de desenvolvimento”. Segundo Makely, Belo Horizonte “tem três empresas que

patrocinam e essas três empresas não conseguem dar conta da diversidade toda, e aí

você tem um déficit muito grande, muita gente fica de fora”.

No âmbito do município, Makely considera que “a Fundação Municipal precisa de um

‘sacode’, porque é muita inoperância. Uma cidade igual BH não ter uma secretaria eu

acho gravíssimo. Cidades do interior têm secretarias, que tão atuando muito mais do

que a Fundação”. Bertelli concorda: “a Prefeitura realmente paralisou a política

pública municipal [...] não há política pública municipal. Não há desenho de política

pública”. Ela critica o que chama de ações restritas, pontuais, que transformam a FMC

apenas numa produtora de eventos. Para a gestora, trata-se de

uma Fundação Municipal de Cultura muito enfraquecida, a partir do momento em que perdeu o status de secretaria, com baixo orçamento em relação ao percentual mínimo indicado pela UNESCO. Imagina um município que foi vanguarda, dos primeiros municípios a ter uma secretaria exclusiva de cultura, a ter uma política pública de cultura, a ter um museu que conta a história da própria cidade! Tudo aqui foi tão inovador, e depois tudo foi tão menosprezado! (BERTELLI).

Parrela, que participou das discussões sobre a transformação da Secretaria Municipal

em Fundação, em 2004, acha a existência da secretaria “fundamental, que coloca a

cultura em pé de igualdade com outras áreas do governo”. Mas, para ela, “o grande

argumento que seduziu a administração municipal” foi a “enorme dificuldade de

agilizar os processos pela lógica da produção cultural”. Isso balizou a decisão, já que,

com a falta de recursos financeiros, “seria impraticável manter essas duas estruturas”.

Libânio aponta a falta de diálogo, de participação e de informações qualificadas para

que a Prefeitura desenvolva ações na área cultural. “Estão sendo feitas ações sem

embasamento de pesquisas. [...] Quais são as prioridades? [...] Tem que discutir com a

cidade: intenção, desejos. Acho que falta um diagnóstico mesmo”, afirma. Para Mestre

Jonas, a relação da Prefeitura de Belo Horizonte hoje com a sociedade seria de “100%

de restrição, ela restringiu os espaços [...] não poder tocar na praça, tem a lei do

silêncio”. Ele explica não ser contra as regulamentações, mas acha que “algumas

concessões podiam ser feitas”. Ele cita a proibição de eventos na Praça da Estação pela

Prefeitura, em dezembro de 2009, como uma decisão ”muito radical. Não me lembro

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deles terem chamado as entidades pra conversar; fica uma coisa muito de cima pra

baixo”.

Mortimer diz: “a Fundação Municipal de Cultura não tem uma política clara pra

música” e “não vejo nada sendo feito para que isso aconteça”. Bertelli lembra a

realização pela Fundação da Conferência Municipal de Cultura e questiona: “o que

aconteceu dessa Conferência? Qual é a capacidade, depois, que a Fundação tem de

aproveitar todo esse conteúdo da Conferência, de operacionalizar esse conteúdo?”

Martins acredita que “nós vamos entrar numa fase pior ainda no que diz respeito ao

poder público municipal”, devido à reforma administrativa feita pela Prefeitura no

início de 2011, que, entre outras medidas, extinguiu a gerência de eventos da Belotur.

Segundo o produtor cultural, a capital estaria vivendo “uma situação de hiato na

produção cultural”, pois a reforma não levou essa atribuição para nenhum outro órgão

da Prefeitura: “eles não pertencem à FMC, nem à Belotur, nem às regionais, nem à

Secretaria de Esportes [...], os eventos de lazer da cidade estão órfãos, ninguém sabe

onde eles estão na nova estrutura”.

Parrela se preocupa com as relações pessoais e políticas que se sobrepõem aos

interesses públicos, mencionando uma preocupação com o que ocorre hoje na FMC,

onde prevaleceria “uma lógica pessoal, e não institucional”. Segundo ela, “hoje temos

uma presidente da Fundação que tem, digamos, boas relações políticas”, por isso ela

teria “esse espaço pra participação” no governo que a área da cultura poderia deixar de

ter com uma troca de gestor, por exemplo. Sobre a necessidade de construção de

políticas públicas, Parrella exemplifica com o que ocorre entre a própria população nas

discussões do Orçamento Participativo, onde músicos entram em pé de guerra com o

pessoal do teatro, que por sua vez não reconhece os setores do patrimônio, e tudo isto

porque “nunca chegamos a discutir” o problema como um todo, a partir de uma visão

do interesse público, que gere políticas públicas. No que diz respeito à música, ela

exemplifica:

Temos ótimos espaços para discutir, para formar esses profissionais, mas não tem essa integração em nenhum momento, não se pensou nisso como uma política de educação, de cultura, que inclui, por exemplo, na questão das bandas, formação de profissionais que vão lidar com manutenção dos instrumentos musicais; uma discussão de política cultural em BH que articule as diversas áreas. (PARRELA).

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Pidner entende que “ainda tem muita coisa que se fazer para criar política pública para

a música” em Belo Horizonte. “Precisamos de algum mecanismo, algo que force os

poderes a criar uma coisa mesmo sustentável”, argumenta. Nessa perspectiva, os

conselhos de cultura, tanto municipal quanto estadual, poderiam exercer papel

importante. Para Makely, a inexistência desses conselhos “é muito desfavorável”. Lopes

defende maior diálogo com a FMC, “e, aí, a gente retoma, mais uma vez, a necessidade

do Conselho Municipal de Cultura, muito importante”. Segundo ele, é necessária,

também, a implantação do Conselho Estadual de Cultura, que “talvez seja, hoje, a pauta

mais importante que a gente tem na discussão de uma política cultural em Minas”.

Os dados apresentados e analisados neste capítulo foram obtidos por meio de entrevistas

semiestruturadas. Dos 18 entrevistados, 16 preencheram um pequeno formulário no

qual se solicitava a enumeração em ordem decrescente de itens de uma lista de

condições que, a priori foram consideradas importantes como parte de um plano de

ação para a organização do SPIL da música de Belo Horizonte.

A consolidação das enumerações realizadas pelos entrevistados permitiu verificar que

14 (87,5%) destacaram as políticas voltadas para a criação ou fomento de públicos

como primeira prioridade. Condições de incentivo, apoio, promoção, parceria e

financiamento da produção musical foram indicadas por 11 (68,8% dos consultados)

como a segunda prioridade para a organização do referido SPIL. Criação ou fomento de

políticas públicas para institucionalizar o segmento foi apontada como terceira

prioridade por 10 participantes ou 62,5%. Criação ou fomento de clima cooperativo e

associativo foi considerada a quarta prioridade por nove entrevistados (56,2%). Criação

ou fomento de sistemas de informação foi eleita a quinta prioridade por 50,0% do total,

o que corresponde a oito participantes.

As demais condições apresentadas obtiveram índices inferiores a 44% de indicações.

São elas: criação ou fomento de mercados (43,7%); criação ou fomento de

oportunidades de trabalho (43,7%); criação ou fomento de infraestruturas humanas

(43,7%); criação ou fomento de práticas, relações e articulações profissionais (37,3%);

criação ou fomento de condições de trabalho (31,25%); criação ou fomento de acessos a

informações (31,25%); criação ou fomento de infraestruturas materiais (25%); criação

ou fomento de instituições (18,75%) e criação ou fomento de fatos (12,5%).

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4.7 Considerações finais Os instrumentos e meios necessários para a promoção das condições para a criação do

Sistema Produtivo e Inovativo Local da Música de Belo Horizonte, levantados acima,

serão apresentados, a seguir, de forma sintética. A relação das condições foi feita a

partir do conceitual teórico de SPIL definido pela RedeSist e analisado no segundo

capítulo dessa dissertação.

QUADRO 04 Condições para a criação do SPIL da música de Belo Horizonte e instrumentos

e meios para sua promoção (continua)

Condições para a criação do SPIL da música de BH

Instrumentos e meios para a promoção das condições

Dimensão territorial. Características de Belo Horizonte: dimensão pequena (apenas 332 km2) e organização em regionais; População significativa de 2.375.444 milhões de habitantes161; Inserção em uma região metropolitana de 5.413.627 habitantes162; localização estratégica em relação ao eixo Rio-São Paulo. Diversidade de atividades e atores econômicos, políticos e sociais.

Criação de mecanismos de descentralização das políticas culturais visando atender à produção musical de todas as regionais da cidade; Implantação de políticas que incentivem o compartilhamento de valores e visões econômicos, sociais e culturais, que facilitam o dinamismo local, a diversidade e a vantagem competitiva em relação a outros locais; Criação de políticas que visem atingir a população da Região Metropolitana, buscando potencializar o mercado no tocante ao público consumidor – fator altamente positivo para o SPIL proposto; Desenvolvimento de ações que aproveitem a vantagem competitividade dos custos dos eventos artísticos de Belo Horizonte em relação ao eixo Rio-São Paulo. Valorização da diversidade e a qualidade da música de BH – notórias e reconhecidas, inclusive, no exterior, por meio de programas e políticas que fomentem a sua divulgação; Incentivo à capacidade de intercâmbio artístico dos músicos da capital, a sua capacidade de diálogo e flexibilidade para atuação nos diversos elos da cadeia produtiva; Estímulo à organização e o associativismo dos artistas – músicos, compositores, técnicos e produtores –, a partir do fortalecimento de suas entidades representativas, a fim de capacitá-las a se tornarem legítimos porta-vozes do junto aos demais atores do SPIL;

161 Fonte: IBGE. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1766. Acesso em: 17 Mar. 2011. 162 Fonte: IBGE. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1766. Acesso em: 17 Mar. 2011.

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QUADRO 04 Condições para a criação do SPIL da música de Belo Horizonte e instrumentos

e meios para sua promoção (continua)

Condições para a criação do SPIL da música de BH

Instrumentos e meios para a promoção das condições

Existência de conhecimento tácito.

Existência de inovação.

Existência de público interessado e capaz de fruir a música.

Estímulo à participação dos diversos segmentos econômicos e comerciais da cidade – organizados, fortes e dinâmicos –, no processo de criação do SPIL, por meio de ações que visem sensibilizar o empresariado sobre a importância do investimento em cultura; Envolvimento das instituições públicas responsáveis pela gestão da cultura na capital, a saber: a Fundação Municipal de Cultura, órgãoda Prefeitura, no âmbito municipal, e a Secretaria Estadual de Cultura, no âmbito estadual, propugnando pela sua adequação, capacitação e qualificação, visando: a) melhorar a sua gestão no que diz respeito ao fluxo de informações internas, à comunicação com a sociedade, à qualidade e agilidade no atendimento, além da eficiência de sua atuação; b) seu efetivo alinhamento com as demandas contemporâneas da área cultural e da cidade; Integração da representação do Ministério da Cultura ao processo; Reforço à atuação das instituições voltadas à educação musical – sólidas e preparadas – buscando envolvê-las na construção do sistema proposto; Envolvimento das organizações culturais internacionais instaladas na capital, como o Instituto Cervantes (órgão oficial de difusão da cultura espanhola) e o Serviço de Cooperação e Ação Cultural da Embaixada da França; Retorno do projeto Arena da Cultura da Prefeitura – voltado para a formação e a capacitação musical – como uma alternativa importante para atender os artistas das vilas e favelas; Fortalecimento dos atores sociais desse processo, por meio de programas para atrair a atenção, por exemplo, do segmento bem-informado da juventude universitária de BH, amplo e significativo contingente haja vista o peso do conjunto das instituições de ensino superior, que transformam essa capital num forte polo educacional.

Estímulo e apoio a ações e movimentos espontâneos que visem preservar as manifestações culturais e os saberes populares tradicionais da cultura local. Implementação de programas que visem preservar e difundir as importantes marcas de inovação – como o Clube da Esquina, já consolidado, e a música instrumental, da qual são exemplos Toninho Horta, Nivaldo Ornelas e Juarez Moreira; Construção de políticas de divulgação dos novos movimentos que a cidade gera, permanentemente; Incentivar as novas relações de trabalho provocadas pelo uso das novas tecnologias, como o Banco de Serviços, por exemplo.

Implementação de políticas públicas de formação de plateias de caráter permanente, voltadas tanto para a sensibilização de crianças e jovens, nas escolas, quanto para os adultos, por meio de projetos musicais didáticos de longa duração, que contribuam para maior informação e formação do público, no sentido de estimulá-lo a buscar qualidade e a ficar mais atento às inovações; Oferta de projetos culturais – permanentes e variados – às comunidades das vilas e favelas, que permitam às pessoas a assimilação das novas linguagens e gêneros e a criação do hábito de

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QUADRO 04 Condições para a criação do SPIL da música de Belo Horizonte e instrumentos

e meios para sua promoção (continua)

Condições para a criação do SPIL da música de BH

Instrumentos e meios para a promoção das condições

Existência de mercado para o consumo dos produtos musicais.

consumo cultural; Fiscalização do cumprimento da obrigatoriedade do ensino da música em todas as escolas de Belo Horizonte, a partir de agosto de 2011, por meio de comissão integrada por professores, pedagogos e músicos para acompanhar a implantação dessa disciplina nas escolas da rede municipal de ensino da capital, para garantir que se alcance o espírito da lei de desenvolver nos alunos sensibilidade, criatividade e capacidades pessoais; Criação de programa de formação continuada para professores, especialmente os da educação básica; Criação de concursos para professores de música da rede municipal de ensino de Belo Horizonte; Desenvolvimento de projetos e campanhas que visem sensibilizar o público para o ato de fruição da música e para a importância da produção musical mineira. Implantação, pelos órgãos públicos da cultura, de projetos voltados para divulgar os artistas e a produção musical locais, não apenas para a população da capital, mas a do interior e a do resto do país. Criação pelo governo estadual – com apoio do setor empresarial e participação dos músicos –, de escritórios culturais nas cidades polo do estado, com o objetivo de gerenciar as ações de difusão da música mineira a serem implementadas, que tenham, entre as suas funções, as que se seguem:

a) articular relações com agentes difusores locais como radialistas, jornalistas e críticos de música, a fim de implementar canais permanentes de apoio da imprensa regional; b) implementar a distribuição de material bibliográfico e fonográfico, catálogos e livros sobre música mineira, além de partituras a bibliotecas, universidades e demais polos culturais, a fim de instrumentar as instituições culturais locais para a formação de agentes multiplicadores; c) promover o mapeamento dos locais de apresentação de espetáculos e dar suporte às turnês; d) incentivar a venda e a distribuição de produtos mineiros como CDs, DVDs; Investimento na cena da música independente por meio da criação de festivais, concursos, prêmios etc. que busquem criar um canal de comunicação entre a produção da capital e a do interior do estado; Implantação de projetos e ações que busquem associar o desenvolvimento da música às políticas de desenvolvimento do turismo local de negócios e eventos; Ampliação das fontes de financiamento; Estabelecimento de estratégias de divulgação da produção local na mídia impressa, radiofônica e televisiva do interior de Minas Gerais e nos principais veículos nacionais. Incentivo à crítica especializada. Integração entre os órgãos do governo estadual responsáveis pela aplicação da lei de incentivo fiscal e pelo sistema estadual de comunicação, para que os projetos aprovados pelos mecanismos de governo sejam trabalhados pelas mídias estatais. Articulação entre os três poderes (municipal, estadual e federal),

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QUADRO 04 Condições para a criação do SPIL da música de Belo Horizonte e instrumentos

e meios para sua promoção (conclusão)

Condições para a criação do SPIL da música de BH

Instrumentos e meios para a promoção das condições

Governança.

visando potencializar o aproveitamento dos espaços culturais públicos existentes e aqueles a serem inaugurados, de modo a valorizar a produção musical local; Aproveitamento mais intenso da internet, por meio das redes sociais, para a comercialização dos produtos musicais; Criação de infraestrutura física apropriada para a realização de espetáculos musicais, do ponto de vista da qualidade acústica, de equipamentos de som e luz adequados, de conforto e espaço para o público; Investimento na formação e capacitação de mão-de-obra especializada para operar equipamentos de som e de iluminação; Fiscalização do exercício da atividade de músico na capital mineira, do ponto de vista do respeito aos seus direitos pelos contratantes. Articulação entre os órgãos públicos responsáveis pela gestão da área cultural em Belo Horizonte, procurando-se desenvolver ações integradas e planejadas, com o objetivo de criar políticas intersetoriais que busquem a difusão da produção musical da capital, tanto do ponto de vista da fruição quanto da arte-educação. Essas políticas devem ter como ponto de partida a realidade local do segmento da música e o interesse público; Estímulo a uma postura profissional dos músicos mais ousada, um posicionamento mais agressivo no mercado, visando a defesa difusão de seu trabalho; Estímulo a uma maior conscientização e participação política dos músicos nas questões de interesse da categoria – o que contribuiria para que ela participasse mais efetivamente do sistema proposto –, por meio de campanhas de educação para a cooperação desenvolvidas pelas entidades da categoria.

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5. CONCLUSÕES

Se você tiver uma maçã e eu tiver uma maçã e nós trocarmos essas maçãs, você e eu ainda teremos cada um uma maçã. Mas se você tiver uma ideia e eu tiver uma ideia e nós trocarmos essas ideias, então cada um de nós terá duas ideias. (George Bernard Shaw)

Os estudos e análises realizados na presente pesquisa – que teve por objetivo investigar

as condições necessárias para a construção de um Sistema Produtivo e Inovativo Local

da Música na cidade de Belo Horizonte – apontaram um quadro bastante favorável à

proposta. Das seis características consideradas fundamentais pela RedeSist (2005) para

a criação de um SPIL, a capital mineira apresentou condições satisfatórias em pelo

menos quatro. No primeiro aspecto, da dimensão territorial onde ocorrem os processos

produtivos, inovativos e cooperativos, o município – por sua característica de grande

contingente populacional, concentrado em área relativamente reduzida e organizada em

regionais – possibilita o compartilhamento de valores e visões econômicos, sociais e

culturais, facilitando o dinamismo local e a diversidade. Também a sua localização

central no mapa brasileiro e estrategicamente posicionada, próxima às capitas do Rio de

Janeiro e São Paulo – eixo econômico e cultural do país – lhe confere importante

vantagem competitiva em relação a outros locais.

A segunda condição positiva – fartamente comprovada pelos dados obtidos – é

assegurada pela marcante diversidade de atividades e atores econômicos, políticos e

sociais, que, além de recheada de empresas e associações ligadas ao segmento musical,

conta com a presença de órgãos públicos (local, estadual e federal) gestores de cultura,

além de uma gama enorme de organizações públicas e privadas voltadas para a

formação e capacitação de recursos humanos, pesquisa, promoção e financiamento no

âmbito cultural. A cidade é reconhecida como polo educacional e de pesquisa científica.

Tal diversidade de atividades se caracteriza por dar vazão a uma produção musical

dinâmica, com fortes características de inovação, cuja quantidade e qualidade são

amplamente reconhecidas. Ao mesmo tempo, verifica-se a presença de um processo

robusto de aprendizado, que permite a aquisição e a construção de diferentes tipos de

conhecimentos, competências e habilidades. Para a RedeSist (2005), aprendizado e

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inovação interativos – que constituem a terceira condição importante para este sistema –

seriam os fatores que trariam maior peso à competitividade dinâmica e sustentada de um

SPIL. A pesquisa constatou que esses fatores encontram-se presentes de forma incisiva

na cadeia produtiva da música de Belo Horizonte.

Não apenas os próprios atores do segmento musical da capital mineira reconhecem e se

orgulham da qualidade da produção local, mas esta, quando difundida, é valorizada de

forma ampla e sistemática, alcançando sucesso em diferentes praças do país e do

exterior. A pesquisa constatou que esta qualidade da música tem como uma de suas

bases principais o conhecimento implícito e incorporado por seus músicos – o chamado

conhecimento tácito, quarta condição necessária ao SPIL –, cuja produção apresenta

forte especificidade no que diz respeito à harmonia de suas melodias, passada adiante de

geração em geração e caracterizada como importante elemento de vantagem competitiva

da cadeia produtiva local.

Este conhecimento tácito é um dos fatores responsáveis pela cidade ser considerada

produtora de grandes marcas de inovação musical – como o movimento Clube da

Esquina, já consolidado, e a música instrumental, de Toninho Horta, Nivaldo Ornelas e

Juarez Moreira –, resultado de um processo oriundo de múltiplas fontes e de complexas

interações entre seus atores. Confirmando as análises da RedeSist (2005), segundo as

quais as especificidades e trajetórias de um determinado desenvolvimento local

contribuiriam para configurar um sistema de inovação característico, essa capacidade de

inovação belo-horizontina é determinada por diferentes fatores sociais, políticos e

econômicos.

Os mais importantes seriam: as influências culturais distintas (barroca, da cultura negra,

de migrantes do interior do estado, de imigrantes italianos e espanhóis –

principalmente), que o produto musical recebe; a diversidade de origem, de formação e

das atividades dos músicos; a reconhecida experiência, flexibilidade e capacidade de

integração dos atores envolvidos no processo; a existência de processos de

aprendizagem tecnológica voltados à inovação; e a existência de diversos movimentos

orientados para diferentes gêneros musicais, o que gera uma música diversificada, rica,

dotada de grande versatilidade.

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Nessa perspectiva, deve-se levar em conta, também, a constatação feita de que Belo

Horizonte possui público exigente e aberto a novas tendências, condição que impulsiona

a busca pela qualidade artística e estimula as inovações. É também relevante o fato da

capital mineira registrar a presença de uma ampla e bem informada juventude, capaz de

fortalecer os atores sociais desse processo.

Outro aspecto que destaca a capital mineira no cenário nacional – e que se constituiria

em importante fator econômico do SPIL – é a elevada participação de seus músicos no

âmbito do emprego formal da cidade (23% acima da média nacional, segundo cálculos

efetuados a partir dos dados da RAIS/MTE) 163. Isto significa uma clara especialização

de Belo Horizonte na atividade musical, muito além das registradas em grandes capitais

brasileiras tradicionais produtoras de música, que, ao contrário, apresentam coeficiente

de especialização inferior ao nacional: 29% menor no Rio de Janeiro, 27% menor em

São Paulo e 9% menor em Salvador.

Este índice mostra, em Belo Horizonte, a possibilidade de um peso dos atores musicais

no arranjo do setor que não se observa nas outras capitais analisadas. Esta condição

adquire ainda mais importância se levarmos em conta as grandes dificuldades para o

exercício da profissão de músico na capital, ao contrário do que acontece no eixo Rio-

São Paulo, beneficiado pela influência de grandes mídias (jornais, rádios, TVs); da

presença de público com alto poder aquisitivo, aliado ao maior acesso à cultura; e da

localização das majors neste eixo.

Essa especialização, a produção efervescente e as características de inovação, no

entanto, não se refletem em um mercado aquecido para o produto musical local, nem em

políticas públicas de geração de trabalho e renda para o músico, obrigado a conviver

com um quadro permanente de incertezas e instabilidade. Todo esse potencial também

não é aproveitado como fator para impulsionar o desenvolvimento local. É nesse

contexto que foram encontradas as principais restrições que precisariam ser superadas

por meio da criação das condições necessárias para se chegar ao desenvolvimento do

SPIL proposto.

163 Fonte: Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego. Disponível em: http://portal.mte.gov.br/rais/resultados-definitivos.htm. Acesso em: 12/06/2010.

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Trata-se do necessário processo de articulações e interações, que permita alcançar a

governança necessária à construção desse sistema. Como pontua a RedeSist (2005), o

desafio colocado é o de encontrar diferentes modos de coordenação entre os atores e as

atividades da cadeia produtiva da música de Belo Horizonte, que envolvem da produção

ao consumo dos produtos musicais, assim como o processo de geração, uso e

disseminação de conhecimentos e de inovações.

Nessa perspectiva, a participação organizada e direcionada das entidades representativas

dos músicos precisará assumir o papel relevante de ser o ponto de partida, o estímulo

para deslanchar a discussão sobre este sistema, uma vez que a pesquisa mostrou que o

poder público local encontra-se alheio e, em alguns casos, completamente desconectado

da realidade vivida pela cultura na cidade. Esta avaliação é corroborada pela análise

feita por Carsalade (2005, p. 4), segundo a qual o afastamento do Estado de suas

funções tradicionais de produtor e provedor levaria “como resposta, à necessidade

imperiosa da contribuição social e de formas de gestão parceiras e participativas”.

Caberá, assim, aos músicos, por meio de suas entidades representativas, tomarem a

frente desse processo.

O passo seguinte será atrair a participação direta e efetiva da Prefeitura, por meio da

Fundação Municipal de Cultura – essencial à coordenação desse processo –, e a do

Governo do Estado, por meio da Secretaria Estadual de Cultura, de forma coordenada e

integrada ao poder local. Por outro lado, também será preciso alcançar formas de

coordenação que envolvam os segmentos da indústria e do comércio – com presença

forte e dinâmica na capital –, além das instituições de ensino e pesquisa.

Por sua subjetividade, a arte, em geral, e a música, em particular, exigem debates e

articulações mais complexas, tornando esse processo – já difícil pelo seu caráter

sistêmico e inovativo – ainda mais desafiador. A pesquisa constatou que, embora haja

presença altamente significativa de atores econômicos, políticos e sociais no território

estudado, estes ainda precisariam se preparar e se qualificar melhor para adquirirem as

condições necessárias para integrar o SPIL. A seguir, são apresentadas as principais

deficiências e dificuldades encontradas nesses segmentos e relacionados alguns

instrumentos e meios para obtenção das condições necessárias à sua superação.

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5.1 Principais deficiências dos segmentos econômicos, sociais e políticos e os

instrumentos e meios para obtenção das condições necessárias à sua

superação

Quanto ao segmento musical, foi detectada a necessidade de se aprofundar e fortalecer a

sua organização, além da sua capacidade de articulação com os demais atores do

sistema. Faz-se necessário o fomento de clima cooperativo e associativo, visando maior

conscientização e participação política dos músicos nas questões de interesse da

categoria, o que contribuiria para que ela participasse mais efetivamente do sistema

proposto. Um fator complicador de Belo Horizonte – reflexo de característica atribuída

aos mineiros em geral – é o aspecto cultural que envolve a falta de valorização da

produção local pelos próprios músicos, que assumem postura tímida na divulgação e

defesa de seu trabalho. A mudança para um comportamento mais ousado, proativo, é

um dos requisitos para qualificá-los como os principais atores desse processo.

Para isso, um passo essencial, apontado pelos dados recolhidos, é o que envolve a

conscientização dos próprios músicos, a urgência de se enxergarem como uma categoria

profissional, fortalecendo suas entidades representativas, tendo como foco o interesse

coletivo. Embora haja sindicatos de músicos e ordem dos músicos no Brasil, o espírito

gregário desta categoria profissional não encontra condições objetivas favoráveis para

florescer e se fortalecer. Isso se dá, em parte, porque ao longo dos anos essas entidades

se mostraram distantes dos interesses da categoria, o que levou ao seu esvaziamento e

perda de qualquer traço de representatividade, provocando a pulverização dos músicos

em diversas outras associações e sociedades.

Entretanto, a maior parte dos fatores que dificultam o fortalecimento desse espírito

gregário está associada a contingências objetivas da trajetória de estudo e trabalho dos

músicos. A formação desse profissional – o aprendizado de um instrumento ou de canto

– é um processo desenvolvido individualmente, levando-o a certo isolamento. Por outro

lado, o exercício da profissão, de criação ou de interpretação, mesmo quando em grupo,

também tem características fortemente solitárias, como confirma o produtor cultural

Tadeu Martins, quando destaca que mesmo num show, que é coletivo, você tem o artista

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e os acompanhantes, onde esses têm um valor secundário em relação ao artista, que

acaba se distinguindo dos demais.

A comparação destas particularidades com a organização e o trabalho em grupo dos

artistas do teatro, feita por vários dos entrevistados pela pesquisa, dá a dimensão dos

caminhos que os músicos ainda precisam percorrer. Os atores de teatro estão habituados

a trabalhar coletivamente. Mesmo um monólogo, por exemplo, envolve vários

profissionais – da preparação do texto da peça, passando pela direção, até à construção

de cenários e figurinos; tudo depende do conjunto. Ao contrário, da criação à

interpretação, o músico está sempre sozinho.

Isto se reflete diretamente no comportamento profissional, social e até político de ambos

os segmentos. Enquanto o ator está acostumado a compartilhar a arrecadação da

bilheteria (sempre uma incógnita), como forma de remuneração de seu trabalho, o

músico só valoriza o cachê, cujo valor é assegurado antes da sua apresentação. Muito

recentemente, e ainda de forma tímida, têm sido realizadas experiências de

apresentações musicais remuneradas pela bilheteria. Uma ação mais coletiva neste

sentido foi tentada em Belo Horizonte pela Associação Artística dos Músicos de Minas

Gerais (AMMIG), no final da década de 1990. A exemplo da Campanha de

Popularização do Teatro, criou-se uma campanha de popularização da música – um mês

de shows com participação de dezenas de artistas de todos os gêneros, do sertanejo à

música erudita, sem cachê, onde a remuneração dos artistas advinha da bilheteria.

Segundo o músico e produtor Thelmo Lins – um dos participantes do processo –

embora a adesão inicial dos músicos tenha sido grande, “a iniciativa não foi à frente

porque os músicos não gostaram de não ganhar cachê” e ter de se contentar, em muitos

casos, com valores pequenos oriundos da divisão da bilheteria com a produção do

espetáculo. Os artistas da música não demonstram o mesmo grau e espírito de

cooperação no que diz respeito ao envolvimento no processo cultural como um todo.

Essa situação pode ser comprovada pela dinâmica e histórica atuação do Sindicato dos

Produtores de Artes Cênicas de Minas Gerais (Sinparc), que, entre outras coisas, se

reflete nas dezenas de espaços conquistados para o teatro na cidade e no grande número

de projetos públicos para o setor.

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A reversão desse quadro, entretanto, mostrou-se viável, mas, para se tornar realidade,

precisa partir da iniciativa das próprias entidades, por meio de campanhas educativas

entre seus associados e também entre os músicos em geral, que resultem na ampliação

da participação da categoria nas deliberações e na implementação das ações dessas

organizações. Um caminho possível seria o trabalho dessas entidades junto aos

estudantes das escolas de música da cidade – convidando-os a participarem de reuniões

e fóruns da categoria, por exemplo –, a fim de informá-los e despertá-los para a questão,

levando à construção de vínculos cada vez mais cedo com os interesses e problemas

comuns.

Para que isto seja possível, no entanto, constatou-se a necessidade de que essas

entidades passem por uma reformulação no sentido de se estruturarem para serem

capazes de prestar os serviços demandados por seus associados. E para que isto ocorra,

será preciso planejamento estratégico, plano de ação, estatuto, enfim, um arcabouço

estruturante, que lhes permita conhecer as demandas reais da categoria e atuar em

direção aos interesses da maioria, e não apenas aos dos grupos no exercício da direção.

Isto pressupõe organização autossustentável, com cobrança de contribuição

(mensalidade ou anuidade), o que hoje não acontece na maioria das entidades.

É preciso criar um círculo virtuoso, onde o filiado se imponha a responsabilidade pelo

desembolso financeiro para ajudar a manter a entidade, e que, em troca, tenha o retorno

em prestação de serviços que lhe interessem; ao mesmo tempo em que a entidade se

beneficia da contribuição financeira para se manter, mas se abre para a participação dos

filiados em todos os níveis de decisão. A profissionalização dessas entidades mostrou-se

fundamental.

O outro lado dessa moeda é a necessidade de que os próprios músicos se interessem e

vejam como prioritária a atuação junto aos órgãos de representação da categoria, para

torná-los mais fortes e porta-vozes legítimos de seus anseios e necessidades. Embora os

entrevistados tenham sido unânimes em afirmar a camaradagem existente entre os

músicos da capital, não importando o gênero musical ou a origem de sua formação, os

dados recolhidos pela pesquisa permitem afirmar que o sentimento de coletividade, de

união em defesa dos direitos de todos, de organização e conscientização da categoria

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ainda está longe de poder ser generalizado, consistindo em fator que precisará ser

trabalhado para se tornar favorável à construção do SPIL da música de Belo Horizonte.

Como exemplifica a fala de um dos entrevistados: “o cenário da música em Minas tem

muita estrela, mas elas não formam uma constelação”.

A formação de uma consciência coletiva e associativa se impõe como necessidade

inadiável, até mesmo para que os músicos passem a se ver como agentes sociais e

políticos em condições de participar desse processo. Entidades mais representativas e

filiados mais participativos formam uma coalizão fundamental para permitir que o

Fórum da Música de Minas – constituído por essas entidades – ganhe a força necessária

para se transformar em porta-voz do segmento musical como um todo, podendo

representá-lo com legitimidade no processo de criação do SPIL. Essa é uma questão

crucial, pois os músicos são os principais interessados na criação desse sistema e

somente a sua mobilização, atuação organizada e direção poderão alavancar este

processo.

A constituição do Fórum por meio de entidades, e não de pessoas – como é usual –,

além de inovadora, pode, na prática, contribuir para a organização do segmento musical,

por depender de entidades representativas e dinâmicas para a sua sobrevivência. Ficou

claro, ainda, que o Fórum também precisaria passar por uma reformulação capaz de

dotá-lo da infraestrutura organizacional necessária para assumir o papel de representante

do conjunto do segmento. Para ser eficaz, esta reformulação deverá incluir a criação de

um estatuto e dos instrumentos necessários para definir e regular a participação de seus

membros.

Este problema pode ser explicado pela própria origem do Fórum. Como ele nasceu com

a responsabilidade de gerir o programa Música Minas, de exportação e disseminação da

música mineira, seus integrantes logo foram sendo absorvidos pelas tarefas decorrentes

do desenvolvimento do programa – pelas quais são remunerados –, faltando tempo para

ações de planejamento e construção do próprio Fórum. Na avaliação de alguns dos

entrevistados, o que também pode ser constatado pela pesquisa, tanto envolvimento

levou a que, na prática, o Fórum se confundisse com o próprio programa, o qual, se

acabar, leva a entidade consigo. Detectou-se, assim, a necessidade urgente de se pensar

no conjunto, de se planejar estrategicamente a organização do Fórum, visando a sua

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profissionalização, de modo a contribuir para que ele conquiste as condições necessárias

para representar o segmento nesse processo de articulação com os demais atores

envolvidos no sistema proposto.

Do ponto de vista das empresas – outro segmento importante na construção do SPIL da

música –, a pesquisa mostra a necessidade de se criar ações que visem sensibilizar o

empresariado para a importância do investimento em cultura, não apenas para o estado,

mas para o país e a sociedade em geral. Embora envolvendo ainda baixos valores, deve-

se levar em conta os dados levantados que apontam a música como um dos dois

segmentos mais procurados pelos empresários para investimento e aquele cujos projetos

conseguem altos índices de captação de recursos em Belo Horizonte. Há alguns

empreendimentos de grande porte com tradição de investimento na área, que podem se

tornar importantes estimuladores desse processo, especialmente no que diz respeito às

pequenas e médias empresas.

Um instrumento relevante seriam as campanhas de esclarecimentos ao setor empresarial

sobre as Leis de Incentivo, além do estudo de formas de participação no incentivo fiscal

para empresas tributadas com base no “lucro presumido”. Essas propostas levam em

conta os estudos de vários autores, entre eles Hansen e Barreto (2003, p. 102), para

quem, na Nova Economia – que inclui a Economia da Cultura –, “a vontade dos

empresários é determinante para se definir as localizações das atividades econômicas”.

Nesse processo, o grande potencial de geração de emprego, renda e impostos das

atividades culturais, cuja estrutura de consumo intermediário as leva a um forte

encadeamento com os demais setores da economia, torna-se argumento relevante. Os

dados obtidos pela FJP (2003a) mostram que as atividades culturais podem gerar um

PIB maior do que a média gerada pelos demais setores da economia; que elas

apresentam resultados superiores à média sobre a geração de emprego e a arrecadação

(310 empregos gerados, em média, em festival/show/mostra, para cada R$ 1 milhão

consumido pelas famílias, enquanto na indústria automobilística o resultado é de 40

empregos, e em comunicações, 56). A capacidade de geração de ICMS das atividades

culturais também apresenta, segundo a FJP (2003a), desempenho superior ao de

segmentos produtivos consolidados (4% do valor da produção dessas atividades,

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superior aos 2,6% de comunicações e a 0,8% de material de transporte) e constitui mais

um argumento a ser utilizado.

Quanto às demais instituições que precisariam participar da criação do SPIL, Belo

Horizonte dispõe de um elenco sólido e preparado, capaz de agregar condições

extremamente favoráveis ao processo. São exemplos, a Fundação João Pinheiro (FJP) e

o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas e Empresas (SEBRAE MG), duas

instituições tradicionais, com experiência de se envolverem em pesquisas e projetos

ligados ao mercado da música da capital mineira e que têm demonstrado interesse em

contribuir para a construção de políticas de cultura. O chamado Sistema S164, do qual o

SEBRAE participa, formado por organizações criadas pelos setores produtivos

(indústria, comércio, agricultura, transportes e cooperativas) – todas com sede ou

representação em Belo Horizonte –, pode constituir relevante parceiro nesse processo.

A capital mineira também conta com importantes representações culturais estrangeiras,

como o Instituto Cervantes (órgão oficial de difusão da cultura espanhola) e o Serviço

de Cooperação e Ação Cultural da Embaixada da França – que poderiam constituir

parceiros estratégicos do SPIL. Do ponto de vista das novas tecnologias – estreitamente

ligadas ao desenvolvimento da música –, Belo Horizonte apresenta uma das melhores

bases para um sistema de informação, do ponto de vista técnico, como lembra um dos

entrevistados, o professor Diniz: “nós somos, hoje, um grande centro criador de

programas de software, inclusive com a criação da FUMSOFT” 165.

164 Formado pelas seguintes organizações: Serviço Nacional da Indústria (SENAI), Serviço Social da Indústria (SESI), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), Serviço Social do Comércio (SESC), Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), Serviço Nacional de Aprendizagem em Transportes (SENAT), Serviço Social do Transporte (SEST), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (SESCOOP). Fonte: SENAI. Disponível em: http://www.senai.br/br/ParaVoce/faq.aspx. Acesso em: 02. Fev. 2011. 165 A Sociedade Mineira de Software (FUMSOFT), com sede em Belo Horizonte, “atua na criação, capacitação, qualificação e fomento de empreendedores e organizações produtoras de software de Minas Gerais para o sucesso no mercado global”. “São programas nas áreas de empreendedorismo, qualificação e certificação de produtoras de software, geração de negócios, pesquisa, desenvolvimento e inovação (P,D&I), trabalho cooperado, exportação, entre outras”. Integra a Rede Softex – Associação para Promoção da Excelência do Software Brasileiro. Fonte: Site da FUMSOFT. Disponível em: http://e-portal.fumsoft.softex.br/fumsoft. Acesso em: 02 Fev. 2011.

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Entres as universidades, a UFMG, por sua história, infraestrutura e tradição no

desenvolvimento de projetos culturais166, qualifica-se como um importante ator desse

processo. Seu atual Pró-Reitor de Extensão, professor João Antônio de Paula167, afirma

que, por seu compromisso “com a cultura, com o saber, com o desenvolvimento”, a

UFMG se colocaria como uma instância adequada para contribuir para a criação das

condições necessárias à criação do SPIL da música de Belo Horizonte no que diz

respeito ao embate de ideias, a partir de seus diversos centros acadêmicos.

Para o professor, este seria um bom momento para tratar essa questão, uma vez que a

UFMG, a partir da redefinição conceitual de um de seus maiores projetos culturais, o

Festival de Inverno, estaria passando por um processo de discussão interna sobre temas

que, por exemplo, levam em consideração o fato de que “a cultura, a arte etc. são

instrumentos de discussão das identidades locais” e o de que “elas também têm esse

potencial de alavancar recursos, captação, atração do turismo e tal”. Ao defender uma

postura da Universidade cada vez mais aberta e em sintonia com a sociedade, o reitor

Clélio Campolina Diniz também vê “as atividades culturais como elementos centrais na

formação humana, para o lazer, para uma sociedade mais democrática”, defendendo

um papel cada vez mais ativo da UFMG nesta área.

Ainda no âmbito das instituições superiores de ensino e pesquisa da capital, a Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) também poderá representar papel

relevante neste SPIL. Desde 1999, oferece um curso de Pós-Graduação em Ciências

Sociais, com área – única em Belo Horizonte – de concentração em Cidades: Cultura,

Trabalho e Políticas Públicas, tendo como um de seus objetivos “qualificar, de forma

mais densa, profissionais já integrados ao quadro da administração pública, de

instituições privadas e de organizações não governamentais”. O programa conta com

166 A UFMG possui uma Diretoria de Ação Cultural, um Centro Cultural, um Conservatório, além das escolas de Música e de Belas Artes, responsáveis pela realização anual de centenas de espetáculos e atividades de música, dança, teatro e artes plásticas, a maioria aberta ao público. Realiza, há 42 anos, o Festival de Inverno, considerado “um dos mais importantes e tradicionais eventos culturais do país”. Fonte: Site da UFMG. Disponível em: www.ufmg.br. Acesso em: 02 Mar.. 2011. 167 Professor do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG (Cedeplar).

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linhas de pesquisa relacionadas ao objeto desse estudo, tais como: Cultura, identidades e

modos de vida; e Políticas públicas, participação e poder local.168

Do ponto de vista das instituições governamentais, a pesquisa apontou clara fragilidade,

tanto da Fundação Municipal de Cultura, quanto da Secretaria de Estado da Cultura –

principais órgãos gestores da área na capital –, no que diz respeito aos recursos

humanos, técnicos e de infraestrutura que lhes permitam exercer adequadamente o seu

papel de executor de políticas públicas voltadas para a legitimação e a universalização

dos direitos culturais. Os estudos mostraram que, para uma atuação efetiva, voltada para

os interesses reais da maioria da população, tais órgãos precisam sofrer profundas

transformações do ponto de vista da gestão, buscando melhorar o fluxo de informações

internas, a comunicação com a sociedade, a qualidade e agilidade no atendimento, além

da eficiência de sua atuação.

Do ponto de vista político, será necessário um efetivo alinhamento desses órgãos com

as demandas contemporâneas da área e da cidade. Para alcançar tal objetivo, um dos

caminhos é a necessária interação entre os mesmos, visando o desenvolvimento de

ações integradas e planejadas para criar políticas intersetoriais que busquem a difusão

da produção musical da capital, tanto aquela voltada para a fruição quanto a produção

com vistas à arte-educação. Nesse sentido, a ausência de informações consistentes,

consolidadas e atualizadas sobre a cadeia produtiva da música da capital é um fator

desfavorável. Como solução, a pesquisa apontou a necessidade de criação de sistemas

de informação e indicadores culturais municipal e estadual. O Sistema Nacional de

Informações e Indicadores Culturais (SNIIC) – recém criado pelo Ministério da Cultura

– pode servir de modelo e importante ponto de partida desse processo. A larga

experiência da Fundação João Pinheiro no desenvolvimento de pesquisas na área

cultural, que pode levá-la a contribuir nesse processo, também é fator favorável.

168 Fonte: Site da PUC-MG. Disponível em: http://www.pucminas.br/ensino/mestrado_doutorado/mestrado_doutorado.php?&pagina=947&programa=13. Acesso em: 02 Fev. 2011.

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Para que essas políticas de desenvolvimento do setor estejam conectadas com a

realidade do segmento musical e em sintonia com uma política de desenvolvimento

econômico e social local, será preciso uma ação planejadora e reguladora do Estado,

neste caso, da Prefeitura. Para serem eficazes, essa ação deverá partir de duas

perspectivas principais. A primeira diz respeito ao reconhecimento e ao fortalecimento

do que existe na cidade, do que o segmento musical já está produzindo, do ponto de

vista do interesse público. A segunda passa pela construção de elos entre o segmento

musical e os demais setores da sociedade, por meio de uma rede de relações cuja

dinâmica signifique uma transformação qualitativa na experiência desses atores, na

perspectiva de uma transformação maior do processo social, dentro da lógica defendida

por Castells (2003, p. 572) de que “o poder dos fluxos é mais importante do que os

fluxos do poder”.

Tais políticas deverão contemplar algumas diretrizes básicas, tais como a interrelação

entre todos os elos da cadeia produtiva da música; o aprendizado e a difusão – entendida

como parte do processo inovativo – do conhecimento codificado e tácito; a diminuição

da informalidade do setor; o estímulo ao exercício da profissão de músico na capital; a

continuidade do trabalho artístico; a necessidade de formação de plateias; e a

importância de se ampliar as fontes de financiamento (públicas e privadas), conciliando-

se os recursos injetados na cultura por meio do incentivo fiscal com os investimentos

com recursos do Tesouro. Aqui, é preciso considerar que – como defendem Hansen e

Barreto (2003) – nesse novo modelo que envolve a Economia da Cultura, inovação e

adaptação às mudanças tecnológicas são fundamentais e a capacidade criativa tem mais

peso do que o porte do capital a ser investido.

Entre as ações consideradas prioritárias na elaboração de um plano para a organização

do SPIL proposto, duas foram destacadas na presente pesquisa: a) o fomento de público;

b) a criação ou fomento de condições de incentivos, apoios, promoções, parcerias e

financiamentos que resultem na divulgação e no fomento da produção musical como um

todo, para que o sucesso não se restrinja a projetos pontuais, dependentes de esforços

particulares ou de privilégios de ocasião. Trata-se, aqui, de enfrentar uma dificuldade

comum a toda a área, que sempre precisa defender que a cultura seja reconhecida como

investimento, e não despesa. Investimento nos valores, na criatividade, na imagem da

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cidade (no estado, no país e no exterior) e na geração de emprego, renda e inclusão

socioeconômica, como argumenta Reis (2002).

Como destacou o músico Geraldo Vianna, para quem a criação do SPIL deve levar em

conta “o aspecto empresarial da arte”, porque “a música, a arte, ela nunca acaba, mas

ela precisa de suporte para virar produto”. Isto significa criar ações voltadas para a

economia da música em todos os seus aspectos – de planejamento, organização,

financiamento, monitoramento e avaliação –, com o objetivo de se construir políticas

estruturantes de Estado, que ultrapassem as políticas conjunturais de governo – sujeitas

aos humores e desejos particulares dos governantes do momento.

Constatou-se a urgência de que o debate sobre o desenvolvimento de Belo Horizonte

incorpore a compreensão da necessidade de interação entre processos culturais,

econômicos e sociais, na perspectiva da contribuição da cultura ao desenvolvimento

local, além da geração de recursos econômicos. Como defende Silva (2007, p. 19), “a

cultura perpassa todas as dimensões da vida em sociedade e se relaciona com processos

de sociabilidade e sua reprodução”.

Embora exista alguma sensibilidade por parte do Governo do Estado, como demonstra a

recente criação da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais e o apoio ao projeto Música

Minas, por exemplo, o não entendimento da dimensão econômica da cultura e do papel

estimulador de desenvolvimento social que ela pode desempenhar transparece na falta

de uma política estadual clara, com objetivos definidos, metas, programas e projetos

estruturantes para a área.

A dificuldade para se viabilizar o programa Música Minas, já apresentada, é um

exemplo dessa situação, que é a mesma enfrentada por outros programas estaduais

importantes para a cultura, como o Filme em Minas – de estímulo ao audiovisual – e o

Cena Minas, realizado desde 2007, com o objetivo de “incentivar e fortalecer as

produções cênicas no Estado, nas áreas do teatro, da dança e do circo”.169 Nenhum deles

está institucionalizado, não dispondo, portanto, de dotação orçamentária própria. A

169 Fonte: Site da SEC/MG. Disponível em: http://www.cultura.mg.gov.br/?task=interna&sec=9&cat=74. Acesso em: 02 Mar. 2011.

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implantação do Conselho Estadual de Cultura – demanda urgente da área cultural –

poderá contribuir para avançar essa discussão.

No âmbito municipal a situação mostra-se ainda mais precária. Do ponto de vista

político, o fato que chama mais atenção é a perda de status da Secretaria de Cultura,

transformada em fundação, o que retira da área o poder de participar, em pé de

igualdade com as demais secretarias, da construção e discussão das políticas públicas da

cidade. Por outro lado, a necessidade de uma fundação capaz de responder ao

dinamismo da gestão cultural também está demonstrada. A falta de recursos, entretanto,

tem sido apontada como impeditivo para que os dois órgãos coexistam.

A situação, portanto, parece sinalizar para a necessidade de uma ampla discussão a

partir das instâncias da própria Prefeitura, no sentido de buscar solução mais adequada

para o problema. O que parece não ser concebível é que a terceira mais importante

capital do país, detentora de grande e expressivo volume de produção cultural em

absolutamente todas as áreas, possa se conformar em continuar a ter a cultura fazendo

parte da administração indireta do município.

Outro problema do ponto de vista institucional a ser enfrentado diz respeito à adequação

da Prefeitura para participar do recém criado Plano Nacional de Cultura (PNC),

analisado no segundo capítulo, grande conquista recente da cultura brasileira. Segundo

este Plano, o Sistema Nacional de Cultura (SNC) – cujo projeto de lei encontra-se em

fase final de tramitação no Congresso Nacional – “será o principal articulador federativo

do PNC, estabelecendo mecanismos de gestão compartilhada entre os entes federados e

a sociedade civil”.170

Para aderir ao PNC, o município deve assumir o compromisso de criar, até 31 de

dezembro de 2011171, o seu Sistema Municipal de Cultura, composto por, pelo menos,

cinco instâncias obrigatórias. Belo Horizonte ainda precisa criar duas dessas instâncias:

o Conselho Municipal de Política Cultural e o Plano Municipal de Cultura. Três já

170 Parágrafo 1° do Artigo 3° da Lei nº 12.343 de 02 dez. de 2010. (ANEXO II). 171 Fonte: Acordo de Cooperação Federativa do Sistema Nacional de Cultura. Disponível em: http://blogs.cultura.gov.br/snc/files/2010/12/GUIA-DE-ORIENTA%C3%87%C3%95ES-AOS-MUNIC%C3%8DPIOS-SNC-PERGUNTAS-E-RESPOSTAS_19JAN2011.pdf. Acesso em: 03 Mar. 2011.

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existem: o órgão gestor municipal de cultura, no caso, a FMC; o sistema municipal de

financiamento à cultura (a LMIC); e a Conferência Municipal de Cultura, embora a sua

segunda edição, realizada em outubro de 2009, não tenha tido nenhuma sequência por

parte do encaminhamento e da operacionalização de suas resoluções pela Fundação, até

março de 2011.

A importância da cidade se preparar para integrar o Sistema Nacional de Cultura não se

restringe apenas à garantia de verbas do governo federal. Trata-se de participar da maior

e mais efetiva iniciativa governamental em defesa da cultura brasileira, que, pela

primeira vez na história do país, vem trabalhando com base em amplo e profundo

planejamento, criando sistemas de informações e indicadores e procurando

institucionalizar planos e políticas para a área, com a participação da sociedade.

Do ponto de vista das ações, constatou-se que as políticas desenvolvidas pela Fundação

não refletem a dimensão atual da diversidade cultural da cidade. Por exemplo, não há

registro de projeto municipal voltado para o fomento e a difusão da música, apesar de

toda a efervescência do segmento. Ao contrário, a pesquisa mostrou que o segmento

musical tem feito grande esforço, sem sucesso, para chamar a atenção do gestor público

municipal e, em alguns casos, até mesmo para se desvencilhar dos obstáculos criados

por ele. Exemplos mais contundentes são o Quarteirão do Soul e o Duelo de MCs, já

apresentados no capítulo terceiro. Como legítimos representantes de gêneros musicais

abraçados por grandes parcelas da população da cidade e que dependem do espaço

público para suas apresentações, espera-se que sejam reconhecidos pela Prefeitura e que

a mesma crie, democraticamente, políticas claras de ocupação dos espaços públicos.

Nessa perspectiva, a pesquisa mostrou a necessidade de uma discussão pública na

cidade sobre o conceito de espaço cultural. Será que espaço cultural é só aquele espaço

físico, o equipamento público, o teatro, a galeria etc.? Ou “existem esquinas?”, como

lembrou a antropóloga Marcela Bertelli: “olha como uma esquina foi tão importante

pra essa cidade, reconhecida como um espaço de cultura” 172. Os dados apontam a

necessidade de se reconhecer essas realidades vivas, essas manifestações culturais

espontâneas, nos ambientes onde elas surgem – sejam eles públicos ou privados, menos

ou mais qualificados –, percebendo-os como espaços simbólicos da cultura. 172 Referência ao movimento musical Clube da Esquina.

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Os dados colhidos mostram a existência de um verdadeiro abismo entre o que acontece

no segmento musical da cidade e as ações da Fundação Municipal de Cultura. A gestão

da Fundação mostra-se em total desconexão quanto ao “desenvolvimento cultural” que

propõe173 e às suas ações relacionadas, principalmente, aos movimentos culturais locais,

ao entendimento de cultura como um direito social e aos usos coletivos dos espaços

públicos. O quadro encontrado aponta para a necessidade urgente de que a FMC se abra

para o que acontece na cidade, para o imprevisível, tomando como ponto de partida a

realidade local – não apenas a estrutural, mas a necessidade criativa, inventiva – e o

interesse público, por meio do estabelecimento de canais de participação e de diálogo

com a sociedade, buscando corresponder ao que se espera de seu papel.

Ainda no que diz respeito à Fundação Municipal de Cultura, outra ausência sentida é a

de projetos de formação de plateias. A pesquisa apontou a existência, em Belo

Horizonte, de público interessado e capaz de fruir a música. Entretanto, observou-se a

necessidade de investimentos permanentes na formação de plateias, voltados tanto para

a sensibilização de crianças e jovens, nas escolas, quanto para os adultos – condição

essencial para a construção do SPIL proposto. Uma forma de enfrentar este problema

seria o desenvolvimento de campanhas que visem sensibilizar o público para o ato de

fruição da música e para a importância da produção musical mineira. Outra seria a

implantação de projetos musicais didáticos de longa duração, que contribuam para

maior informação e formação do público, no sentido de estimulá-lo a buscar qualidade e

a ficar mais atento às inovações.

Ainda nessa perspectiva, outra medida importante seria a criação de uma comissão no

âmbito da FMC, formada por professores, pedagogos e músicos, com o objetivo de

acompanhar a implantação da disciplina de educação musical no currículo das escolas

municipais, para garantir que se alcance o espírito da lei de desenvolver nos alunos

sensibilidade, criatividade e capacidades pessoais. Como uma estratégia para se alcançar

tal objetivo, propõe-se o desenvolvimento do canto coral, por meio da criação de corais

173 Fonte: Site da FMC. Disponível em: http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&app=fundacaocultura&tax=7664&lang=pt_BR&pg=5520&taxp=0&. Aceso em: 03 Mar. 2011.

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nas escolas públicas municipais. A referida comissão poderia se encarregar da

elaboração de projeto de lei sobre o assunto. Dois argumentos básicos justificam essa

proposta. Primeiro, a combinação facilidade e baixo custo na viabilização de um coral, o

qual exige basicamente dois profissionais – o regente e o pianista – e um piano, não

envolvendo a aquisição e manutenção de grande quantidade de instrumentos musicais.

Em segundo lugar, porque o coral é o caminho mais simples para se trabalhar as

crianças, visando o desenvolvimento de um sentimento coletivo e de disciplina, além da

sensibilidade.

Para atender ao público das vilas e favelas174 – bastante significativo e cada vez mais

presente na produção musical da capital –, a pesquisa apontou a necessidade de uma

oferta permanente e variada de projetos culturais a essas comunidades, que permitam às

pessoas a assimilação das novas linguagens e gêneros e a criação do hábito de consumo

cultural.

Em relação à capacitação profissional dos principais atores envolvidos nesse sistema –

músicos, produtores e técnicos –, Belo Horizonte mostra-se bastante preparada no que

diz respeito à formação artística, com oferta de cursos variados e de alta qualidade, o

que se configura como fator altamente favorável ao SPIL da música. Também na área

da capacitação de produtores foram registradas iniciativas importantes, como alguns

cursos de nível superior e treinamentos oferecidos pelo SEBRAE MG e pela ONG

Favela é isso Aí, entre outras instituições. As falhas nessa área foram detectadas em

relação à capacitação técnica. A baixa oferta de cursos de formação de técnicos e

demais profissionais vinculados à infraestrutura (iluminadores, sonoplastas, cenógrafos,

técnicos de mixagem e masterização etc.) tem gerado deficiência na oferta de técnicos

especializados, principalmente para a realização de shows e grandes espetáculos.

174 Belo Horizonte possui 208 comunidades, entre vilas, favelas, conjuntos habitacionais populares e outros assentamentos irregulares, totalizando 471 mil moradores ou 19,53% da população da capital. Fonte: Site da Urbel/PBH. Disponível em: http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&app=urbel&tax=7491&lang=pt_br&pg=5580&taxp=0&. Aceso em: 03 Mar. 2011.

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Um caminho para enfrentar tal problema seria o mapeamento das demandas reais nessa

área e a realização de parcerias com as empresas fornecedoras dos equipamentos de som

e luz, por exemplo, ou com o Sistema S, no sentido de suprir essas demandas. Também

a UFMG poderia se tornar outro grande parceiro, a partir do oferecimento de cursos de

extensão nessa área. A construção dessas parcerias poderia fazer parte das estratégias de

articulação do Fórum.

Quanto aos recursos financeiros, a ampliação das fontes de financiamento, públicas e

privadas, e o aumento da dotação orçamentária para a área – cujo índice almejado é

baseado na proposta de 1% do orçamento municipal prevista em projeto de lei em

tramitação no Congresso Nacional –, são iniciativas essenciais para acabar com a atual

dependência do segmento dos recursos provenientes dos mecanismos de incentivo

fiscal. Propõe-se, ainda, a criação de um mecanismo misto de financiamento,

envolvendo a iniciativa privada e o setor público, que, a partir da participação financeira

efetiva e não reembolsável do empreendedor, lhe assegure a possibilidade de

comercialização do produto patrocinado. Tais medidas, associadas à reformulação das

diretrizes das leis de incentivos fiscais municipal e estadual – no que diz respeito à

lógica da concorrência não artística e do atendimento pontual desses mecanismos –,

contribuiriam para a valorização do trabalho artístico e o respeito ao profissional das

artes, em geral, e da música, em particular.

Esta inversão de proporção entre as fontes de financiamento – garantindo o fluxo

permanente de recursos e a democratização de acesso aos mesmos – é condição

essencial para a construção de políticas estaduais e municipais para o segmento e,

consequentemente, para a construção do SPIL proposto. Nesse sentido, a criação do

Sistema Municipal de Informações e Indicadores Culturais proposto torna-se

fundamental para permitir pensar lógicas de financiamento coerentes com a realidade

local. Pensando-se em planejamentos de médio e longo prazos, as atuais características

urbanas da capital – seus limites territoriais encontram-se conurbados com outros seis

municípios175 – apontam a necessidade de que esse sistema assuma caráter

175 Ribeirão das Neves (Norte e Noroeste), Santa Luzia (Norte e Nordeste), Sabará (Leste), Nova Lima (Sul e Sudeste), Ibirité (Sudoeste) e Contagem (Noroeste e Oeste). Fonte: Portal Brasil. Disponível em: http://www.portalbrasil.net/brasil_cidades_bh.htm. Acesso em: 15 Mar. 2011.

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intermunicipal, o que irá demandar interações e articulações com os municípios da

região.

Faz-se necessária, ainda, uma observação quanto à utilização dos recursos do orçamento

destinados à cultura. Além do montante disponível, é preciso, também, estar atento a

como e onde ele é aplicado, ou, em alguns casos, até mesmo garantir que o que foi

destinado para a área esteja sendo realmente aplicado nela. No tocante à Fundação

Municipal de Cultura de Belo Horizonte (FMC), dados da prestação de contas da

execução orçamentária de 2010176 mostram que o órgão utilizou apenas 61% da verba

prevista para aquele ano, constituindo-se em um dos orçamentos menos executados

entre todos os órgãos da Prefeitura. Há que se levar em conta, ainda, que a maior parte

desses recursos foi gasta com pagamento de pessoal, encargos sociais e serviços

administrativos do próprio órgão. As causas disto podem ser diversas, do despreparo do

órgão para operar esse dinheiro, por exemplo, à falta de interesse da gestão municipal

em investir em cultura. O que fica claro, entretanto, é que a área da cultura não está

recebendo o tratamento que seus atores esperam e demandam do poder público.

Sobre a ausência de políticas públicas voltadas para a área, tanto por parte da Prefeitura

quanto do Governo Estadual, de Paula, Pró- Reitor de Extensão da UFMG, afirma que

estaria faltando uma compreensão de que a economia da capital mineira, por não poder

ser pensada do ponto de vista da produção industrial, até por falta de espaço, poderia ter

na cultura um de seus principais alicerces, já que “as atividades culturais agregam

muito valor, têm impacto ambiental nenhum, pelo contrário, são até preservacionistas,

totalmente sustentáveis e têm um impacto, uma capacidade de atração do turismo muito

forte”. A música poderia se transformar em “um elemento de atração turística”, como

concorda Diniz, tendo em vista a deficiência da capital no que diz respeito a grandes

atrativos nesse setor.

Tal entendimento vem ao encontro da visão de vários autores, entre eles Reis (2008), de

que a economia da cultura integra o segmento de serviços e lazer, cuja projeção de

crescimento tem sido superior à de qualquer outro, estimando-se que esteja crescendo

10% ao ano, como analisado no capítulo primeiro. Tal potencial de crescimento é 176 Fonte: PBH/Contas Públicas/Execução orçamentária/Demonstrativos e Relatórios. Disponível em: http://migre.me/41Wuv. Acesso em: 23 Mar. 2011.

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considerado bastante elástico, uma vez que o setor depende pouco de recursos

esgotáveis, sendo o seu insumo básico a criação artística ou intelectual e a inovação.

Outro conjunto de problemas encontrado está relacionado à necessidade de criação de

mercados para consumo do produto musical da capital, não apenas local, mas além dos

limites do estado e do próprio país. A esse respeito, a pesquisa mostrou que Belo

Horizonte apresenta vários fatores desfavoráveis. Levando-se em conta o dado

encontrado de que as apresentações ao vivo são a principal unidade produtiva do

mercado da música da capital, a ausência de espaços apropriados e de condições

adequadas para a prática dessa atividade constitui uma dificuldade significativa.

Para enfrentá-la, uma medida que assume caráter de urgência é a que diz respeito à

necessária articulação entre os três poderes (municipal, estadual e federal), visando

potencializar o aproveitamento dos espaços culturais públicos existentes e a serem

inaugurados em Belo Horizonte – a exemplo do Centro Cultural Banco do Brasil e do

Espaço Cultural Funarte –, para que contemplem a produção musical local.

Em relação aos bares e restaurantes, propõe-se, a partir do Fórum da Música, um

trabalho de aproximação com os donos das principais casas ou daquelas que já

apresentem alguma condição de realizar shows, com o objetivo de atraí-los para o

debate sobre a criação do SPIL, sensibilizando-os para o retorno econômico e financeiro

que poderão alcançar, além da contribuição que poderão dar ao desenvolvimento

cultural e social da cidade.

Essa aproximação também poderá facilitar o desenvolvimento de campanhas conjuntas

que busquem trabalhar o público desses espaços para a arte da fruição da música, outro

problema a ser enfrentado. Em contrapartida, sugere-se a criação de linhas de crédito

especiais que favoreçam os estabelecimentos privados que empregam músicos locais

para apresentações ao vivo, auxiliando-os na aquisição de instrumentos e equipamentos

musicais, de sonorização e iluminação, e de aparelhagem para se adequarem às

exigências da Lei do Silêncio.

Diante da expressiva e relevante produção musical belo-horizontina, propõe-se que a

Prefeitura crie um espaço público municipal voltado especificamente para os

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espetáculos musicais, já que todos os espaços disponíveis hoje na cidade são teatros

adaptados para shows. Uma proposta seria preparar o Teatro Francisco Nunes – único

de propriedade da PBH e que se encontra fechado há dois anos – para receber

espetáculos de música, dotando-o de qualidade acústica e equipamentos apropriados.

Por sua origem – foi criado como casa da ópera – localização privilegiada (no Parque

Municipal, centro da cidade), estrutura de porte médio (cerca de 600 lugares) e pelo

próprio artista que lhe dá nome177, Chico Nunes, como é conhecido, poderia ser

caracterizado como a Casa da Música de Belo Horizonte, constituindo um equipamento

público cultural diferenciado. Esta Casa da Música – além de atender à demanda do

segmento musical belo-horizontino – pode se transformar em referência para o turismo

cultural da capital.

Ao lado disso, propõe-se, ainda, que a Prefeitura, por meio da FMC, também invista na

criação da Orquestra Sinfônica Jovem de Belo Horizonte. Além de a pesquisa ter

apontado a existência de público significativo para a música erudita na capital mineira,

que comparece em peso aos espetáculos do gênero produzidos na cidade, este tipo de

projeto se justifica pelo importante papel que desempenha na formação dos jovens, além

de poder contribuir com o processo de formação de plateias.

Compreende-se, entretanto, que, para que essas propostas tenham receptividade, é

preciso que a Prefeitura adote postura mais sensível em relação ao papel da cultura,

especialmente à importância da música para a economia e o desenvolvimento social de

Belo Horizonte, reconhecendo e valorizando a efervescente produção do segmento.

É preciso, também, um trabalho articulado entre a Fundação Municipal de Cultura e a

Secretaria Estadual de Cultura, visando criar ações coordenadas para divulgar os artistas

e a produção musical locais, não apenas para a população da capital, mas a do interior e

177 “O nome do teatro é uma homenagem ao grande clarinetista e maestro mineiro Francisco Nunes (1875-1934), que criou a Sociedade de Concertos Sinfônicos de Belo Horizonte e dirigiu o Conservatório Mineiro de Música”. Fonte: Site PBH. Disponível em: http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/contents.do?evento=conteudo&idConteudo=25459&chPlc=25459&termos=história do teatro frnacisco Nunes. Acesso em: 15 Mar. 2011.

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a do resto do país. Nessa direção, assume relevância a proposta de criação pelo governo

– com apoio do setor empresarial e participação dos artistas – de escritórios culturais

nas cidades polo do estado, que possam cumprir esse papel. Concomitantemente, é

preciso que o poder público crie mecanismos próprios de divulgação, a partir de

planejamento e projetos específicos que busquem alcançar o público por meio de

instrumentos de comunicação tanto físicos quanto virtuais: impressos (jornais, folders,

catálogos etc.), programas de rádio, vídeos, sites, blogs etc. Este material, ao lado de

recursos humanos capacitados, bem informados e articulados, será fundamental para o

funcionamento desses escritórios.

Também é preciso investir em divulgação na mídia tradicional e nas rádios

comunitárias, particularmente as do interior, aproveitando o seu potencial local. Do

ponto de vista da divulgação, o Fórum da Música pode desempenhar papel estratégico

essencial, criando, articulando e apoiando projetos que contribuam para a difusão da

produção de Belo Horizonte. As universidades locais devem ser estimuladas a

oferecerem cursos, workshops etc. que estimulem e contribuam para a formação de

críticos musicais.

Em relação ao governo estadual, faz-se necessária a construção de uma política de

divulgação dessa produção nas mídias estatais (Rede Minas de Televisão e Rádio

Inconfidência). Para alcançar tal objetivo, torna-se fundamental que os dirigentes dessas

instituições, particularmente os diretores artísticos, sejam escolhidos a partir de critérios

que levem em conta a formação e a qualificação para o desempenho no cargo. Propõe-

se, ainda, verificar-se a possibilidade de se estabelecer uma parceria entre a Rádio

Inconfidência e a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) para o intercâmbio de

programação com a Rádio MEC – empresa estatal educativo-cultural –, a exemplo do

que já ocorre entre a TV Minas e a TV Brasil (também pertencente à EBC). Esta veicula

programas da TV mineira e cede programas da sua grade para veiculação na

programação da emissora local. A rica produção atual e o grande acervo da Rádio

MEC178, voltados para a música de qualidade, popular e erudita, serão de grande

contribuição para qualificar a programação da Rádio Inconfidência.

178 “A MEC AM, voltada para a Música Popular Brasileira, apresenta programas variados que contemplam também a música regional, a bossa-nova, o jazz e a música instrumental. [...] A MEC FM transmite música de concerto em 90% de sua programação, com janelas de jazz, choro e música instrumental. [...] Com uma história que se confunde com a própria história do país nos últimos 70 anos, a Rádio MEC

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Instrumentos importantes para a difusão e a comercialização da produção musical são os

festivais – que além de lançarem novos artistas, possuem uma cadeia produtiva

completa –, os concursos e os prêmios. Assim, propõe-se a criação – pela FMC, em

parceria com o Fórum da Música – do Festival de Música de Belo Horizonte, na linha

dos recentes festivais independentes, sem caráter competitivo, mas sim de mostra da

produção local, com periodicidade bienal, e do Prêmio da Música de Belo Horizonte,

também bienal, cujos anos de realização seriam intercalados. No âmbito estadual, a

volta do circuito de festivais no interior seria oportunidade eficiente de intercâmbio da

produção das diferentes regiões, de fomento de plateias e de geração de trabalho e renda

para o segmento.

Tais iniciativas poderão constituir grandes vitrines para a música da capital,

colaborando para aumentar sua visibilidade nacional e internacional e constituindo,

ainda, atrativos turísticos específicos. Trabalhados intersetorialmente e de forma

integrada pelos governos municipal e estadual, estes atrativos poderão contribuir

efetivamente para a geração de trabalho e renda na capital muito além da cadeia

produtiva da música, alcançando setores como a rede de hotéis, a cadeia de bares e

restaurantes, o comércio em geral, entre outros.

Essas propostas são exemplos de ações que podem associar o desenvolvimento do

segmento musical às políticas de fomento do turismo local e estadual, agregando à

cadeia produtiva da música outro papel importante no processo de desenvolvimento

social – o de indutora do turismo da capital. Dialeticamente, o desenvolvimento do

turismo pode se transformar em condição importante para o SPIL da música de Belo

Horizonte, aumentado o mercado consumidor de seus produtos e contribuindo para a

difusão da sua produção fora dos limites da capital.

A capital mineira – hoje com boa hotelaria e aeroporto internacional – tornou-se um

portão de chegada e um centro distribuidor de turistas para os três principais circuitos

turísticos do estado: das cidades históricas, das estâncias hidrominerais e do ecoturismo.

A oferta planejada de atrações musicais pode contribuir para que a cidade – com

possui, hoje, um dos mais importantes acervos do rádio brasileiro, com quase 50 mil fitas de gravações e programas temáticos”. Fonte: Site Rádio MEC. Disponível em: http://www.radiomec.com.br/70anos/intro.htm. Acesso em: 20 Mar. 2011.

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pouquíssimas atrações turísticas – deixe de ser apenas uma rota de passagem para esses

turistas.

Faz-se importante ressaltar que Belo Horizonte possui uma população de 2.375.444

habitantes179, sendo a sexta cidade mais populosa do país. Além disso, a região

metropolitana na qual se insere eleva esse contingente populacional para cerca de cinco

milhões de habitantes180, o que amplia significativamente o raio de ação do seu

mercado, inclusive o da música. Se, desses cinco milhões, considerarmos, numa leitura

conservadora, que 50 ou 100 mil têm interesse em apreciar música, já se pode inferir a

existência do que os economistas chamam de densidade de mercado, isto é, que há na

própria região número suficiente de consumidores potenciais para sustentar o mercado

da música de Belo Horizonte, numa economia de escala.

Outro aspecto relevante a ser considerado é a direção da economia da capital para o

setor terciário – comércio, prestação de serviços e setores de tecnologia de ponta181 –,

principalmente, pela saturação do espaço físico e pelo adensamento do tecido urbano, o

que tem levado ao fortalecimento do turismo de negócios182 e de eventos (congressos,

convenções, feiras, exposições, eventos técnico-científicos etc.). Dessa forma, ganham

destaque as atividades culturais, em geral, e a música, em particular – intimamente

ligadas às estratégias atuais das empresas e instituições de divulgação de produtos e

fidelização dos clientes por meio de eventos. Desse ponto de vista, a música tem

grandes contribuições a oferecer, com o incremento na realização, por exemplo, de

feiras de negócios e seminários sobre o próprio segmento, aproveitando toda a expertise

e infraestrutura locais.

179 Fonte: IBGE. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1766. Acesso em: 17 Mar. 2011. 180 Fonte: IBGE. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1766. Acesso em: 17 Mar. 2011. 181 Alguns exemplos: a implantação do Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BHTec), o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento do Google para a América Latina e o Centro de Exposições Expominas. 182 Quando o indivíduo se desloca visando desenvolver empreendimentos com fins lucrativos, através de reuniões de negócios, a fim de fechar acordos, comprar produtos ou serviços ou acertar outras questões pontuais relacionadas à atividade de mercado. Envolve setores como transporte, hospedagem, alimentação e lazer.

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Como destaca Werkema, “o marketing do setor terciário é eventos. O evento é o novo

nome do marketing”. Além de se tornar cada vez mais comum a apresentação de

músicos nas solenidades de abertura e encerramento de congressos e convenções, tem

aumentado o número de empresas que utilizam os shows como peças importantes do

seu planejamento de marketing, representando crescente nicho de mercado para os

músicos. O fortalecimento do turismo de eventos, além de incrementar os níveis de

ocupação da rede hoteleira e do consumo dos serviços de bares, restaurantes e

transportes, como já acontece hoje, pode também contribuir para o fomento da produção

musical de Belo Horizonte.

Esta questão promete ganhar nova dimensão na capital mineira – uma das sedes da

Copa do Mundo de 2014 – com o lançamento de empreendimentos para atender à

demanda de hóspedes durante o Mundial. Segundo pesquisa do Fórum de Operadores

Hoteleiros do Brasil (FOHB) 183, depois da Copa do Mundo, Belo Horizonte – cujo

número de hotéis saltará de 103 para pelo menos 133, podendo chegar a 144 unidades –

precisará atrair cerca de 20 mil turistas por semana, gerando uma média de 40 mil

diárias, para não ter prejuízos com quartos ociosos. Isto significa que a cidade precisará

incrementar o turismo de negócios e eventos, o que aumenta a perspectiva para a

produção musical local e a relevância da criação do SPIL da música.

Um aspecto importante, associado ao Mundial de futebol, é a possibilidade de

divulgação da cultura mineira, em especial da música, que será criada com a vinda de

milhares de turistas estrangeiros a Belo Horizonte. Trata-se de uma oportunidade ímpar,

que deverá ser aproveitada pelo segmento musical, o qual, para tanto, deve se preparar

com antecedência, estimulando e cobrando do poder público investimentos em projetos

nessa direção. Uma proposta é a criação de programação bilingue para TV, voltada para

a divulgação da produção musical da capital, para ser veiculada nos circuitos internos de

TV do Aeroporto de Confins e dos demais aeroportos internacionais do país. Ainda do

ponto de vista do turismo, a criação de projetos de música associados aos eventos do

circuito Estrada Real seria uma oportunidade de difundir a produção musical mineira e,

ao mesmo tempo, contribuir para a consolidação desta importante iniciativa turística.

183 Fonte: Site do FOHB. Projeção da taxa de ocupação nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo no Brasil. Disponível em: http://www.asacom.com.br/hvs/FOHB_2010. Acesso em: 10 Fev. 2011.

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Tais ações representam apenas uma das facetas que a economia da música de Belo

Horizonte pode adquirir. Como já analisado, é preciso ter sempre em perspectiva que o

impacto econômico da cultura em sua cadeia de fornecedores diretos e indiretos é maior

do que o gerado pelas demais atividades de serviços (comércio, transportes,

comunicações, etc.) – como apontam estudos da FJP (2003a) –, o que significa que os

gastos em cultura geram proporcionalmente mais emprego e renda que os realizados nas

outras atividades. Estes efeitos somente não são sentidos de forma significativa no

conjunto da economia devido ao reduzido tamanho econômico da cultura. A solução

natural, portanto, é o investimento cada vez maior na área.

A pesquisa mostrou que a construção de um sistema produtivo e inovativo local exige

articulação institucional envolvendo a sociedade civil e o governo e, também,

intencionalidade. A atual conjuntura cultural belo-horizontina indica que essa intenção

deve partir da própria sociedade civil, isto é, dos músicos, por meio de suas entidades

representativas. A partir daí, deve-se procurar a interação com os governos do estado e

do município, assim como com os demais atores importantes para o sistema, como os

empresários e as instituições de ensino e pesquisa.

Interações e articulações que contribuam para sustentar e fomentar o intenso trabalho

profissional e artístico dos músicos da capital. Para tanto, faz-se necessária a existência

de um mecanismo que possibilite a aproximação das partes, garantindo-lhes

reciprocidade no todo, de modo a dar sustentação a um processo social, econômico e

político capaz de catalisar essas energias e potencialidades, em prol do segmento da

música e do desenvolvimento local.

Nessa perspectiva, propõe-se, como primeiro passo institucional para a criação deste

SPIL, a constituição da Câmara Setorial da Música de Belo Horizonte, como uma

instância mediadora permanente, um espaço que contribua para qualificar a discussão de

estratégias e de políticas para o segmento mediante o estímulo à aproximação territorial

dos diferentes agentes locais. Esta instância deve ser constituída por representantes dos

músicos, da Prefeitura, do Governo do Estado, do Governo Federal, dos empresários e

das instituições de ensino e pesquisa da capital. Projeto detalhando esta proposta

encontra-se no APÊNDICE A.

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APÊNDICES APÊNDICE A

PROJETO DE CRIAÇÃO DA CÂMARA SETORIAL DE MÚSICA DE BELO HORIZONTE 184

1. Introdução

Belo Horizonte é considerada produtora de grandes marcas de inovação musical – como

o movimento Clube da Esquina, já consolidado –, resultado de um processo oriundo de

múltiplas fontes e de complexas interações entre seus atores, como apontam alguns

estudiosos do assunto, entre eles Martins (2009). Essa capacidade de inovação é

determinada por diferentes fatores sociais, políticos e econômicos, tais como: as

influências culturais distintas (barroca, da cultura negra, de migrantes do interior do

estado e de imigrantes, principalmente, italianos e espanhóis), que a criação musical

recebe; a diversidade de origem, de formação e das atividades dos músicos; a

reconhecida experiência, flexibilidade e capacidade de integração dos atores envolvidos

no processo; a existência de processos de aprendizagem tecnológica voltados à

inovação; a existência de diversos movimentos orientados para diferentes gêneros

musicais, o que gera uma música diversificada, rica, dotada de grande versatilidade.

Na raiz de toda essa riqueza estaria a própria formação da capital, que nasceu da união

de esforços de mineiros de todo o interior, gente de todas as partes do país e imigrantes

estrangeiros, em busca de empregos e melhores oportunidades de vida. Essa mistura,

segundo vários autores – entre os quais Werkema (2010) – teria sido o fator mais

importante para que a capital se tornasse uma síntese das manifestações culturais do

estado, refletindo toda a sua diversidade e criatividade. Essa característica de atrair o

interior se refleteria de forma ainda mais marcante no segmento musical. Como polo

econômico e cultural, a ela se dirigem os artistas que querem desenvolver uma carreira,

184 Projeto de intervenção social, parte integrante da dissertação Condições para a construção de um Sistema Produtivo e Inovativo Local (SPIL) da Música a partir das potencialidades de Belo Horizonte, apresentada ao Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA como requisito parcial à obtenção do título de Mestre, em 18 de Abril de 2011.

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levando, além de influências musicais, suas referências históricas e culturais

particulares, de modo a torná-la uma caixa de ressonância da produção mineira.

Atualmente, não apenas os próprios atores do segmento musical de Belo Horizonte

reconhecem e se orgulham da qualidade da produção local, mas esta, quando difundida,

é valorizada de forma ampla e sistemática, alcançando sucesso em diferentes praças do

país e do exterior. A qualidade da música tem como uma de suas bases principais o

conhecimento implícito e incorporado por seus músicos, cuja produção apresenta forte

especificidade no que diz respeito à harmonia de suas melodias, passada adiante de

geração em geração e caracterizada como importante elemento de vantagem competitiva

da cadeia produtiva da música de Belo Horizonte.

Outro fator que destaca a capital mineira no cenário musical nacional é a elevada

participação de seus músicos no âmbito do emprego formal da cidade (23% acima da

média nacional, segundo cálculos efetuados a partir dos dados da RAIS/MTE)185. Isto

significa uma clara especialização de Belo Horizonte na atividade musical, muito além

da registrada em grandes capitais brasileiras tradicionais produtoras de música, que, ao

contrário, apresentam coeficiente de especialização inferior ao nacional: 29% menor no

Rio de Janeiro, 27% menor em São Paulo e 9% menor em Salvador.

Essa especialização e a produção efervescente, no entanto, não se refletem em um

mercado aquecido para o produto musical local, nem em políticas públicas de geração

de trabalho e renda para o músico, obrigado a conviver com um quadro permanente de

incertezas e instabilidade.

A pesquisa realizada para fins de conclusão do curso de mestrado apontou um quadro

com duas situações distintas a cerca das condições necessárias para a construção de um

Sistema Produtivo e Inovativo Local (SPIL) da Música na cidade de Belo Horizonte. De

um lado, essa produção musical diversificada, com vários traços de inovação, cuja

quantidade e qualidade justificam e, mais do que isso, são fatores estimulantes da

criação do SPIL proposto. Do outro lado, porém, os dados mostram a existência de

185 Fonte: Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego. Disponível em: http://portal.mte.gov.br/rais/resultados-definitivos.htm. Acesso em: 12/06/2010.

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algumas restrições que precisariam ser superadas por meio da criação das condições

necessárias para se chegar ao desenvolvimento de tal sistema.

A principal dificuldade encontra-se na falta de articulação entre o segmento dos músicos

e os demais atores da cadeia produtiva da música, fundamentais para alavancar esse

sistema. Por sua subjetividade, a arte, em geral, e a música, em particular, exigem

debates e articulações mais complexas, tornando esse processo – já difícil pelo seu

caráter sistêmico e inovativo – ainda mais desafiador.

Nesse sentido, faz-se necessária a existência de um mecanismo que possibilite a

articulação de todos os atores envolvidos na cadeia produtiva da música de Belo

Horizonte, garantindo-lhes reciprocidade no todo, de modo a dar sustentação a um

processo social, econômico e político capaz de catalisar essas energias e potencialidades

locais em prol do segmento, o que o transformaria em importante estratégia de

desenvolvimento local.

Assim, como primeira iniciativa institucional para a criação deste SPIL, propõe-se a

constituição da Câmara Setorial de Música de Belo Horizonte, como uma instância

mediadora permanente que possa qualificar a discussão de estratégias e de políticas para

o segmento, mediante o estímulo à aproximação territorial dos diferentes agentes locais.

Em 2004, o Governo Federal iniciou o processo de implantação de câmaras setoriais de

cultura – órgãos consultivos vinculados ao Conselho Nacional de Política Cultural

(CNPC)186 –, que têm por finalidade principal se constituírem em um canal organizado

de diálogo permanente entre os segmentos das artes e o Ministério da Cultura. Em 2005

foi criada a Câmara Setorial de Música, composta por entidades governamentais e

representantes do segmento de todo o país, a qual tem se credenciado como eficiente

fórum de discussão e articulação de questões relacionadas ao setor.

186Reestruturado a partir do Decreto n° 5.520, de 24 de agosto de 2005, este órgão tem como finalidade “propor a formulação de políticas públicas, com vistas a promover a articulação e o debate dos diferentes níveis de governo e a sociedade civil organizada, para o desenvolvimento e o fomento das atividades culturais no território nacional”. Fonte: MinC. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/cnpc. Acesso em: 15 Fev. 2011.

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Atualmente, a Prefeitura de Belo Horizonte passa pelo processo de qualificação para

aderir ao recém criado Plano Nacional de Cultura (PNC)187, importante e recente

conquista da sociedade brasileira, o qual tem como principal objetivo institucionalizar e

consolidar políticas públicas para a cultura, intensificando o planejamento de programas

e ações voltados para a área. Este Plano, criado por lei federal em dezembro de 2010,

prevê a implantação de um Sistema Nacional de Cultura (SNC) – cujo projeto de lei

encontra-se em fase final de tramitação no Congresso Nacional –, estabelecendo

mecanismos de gestão compartilhada entre os poderes públicos federal, estaduais e

municipais e a sociedade civil, incluindo sistemas setoriais de cultura.

Como um passo nessa direção, propõe-se que a Câmara Setorial de Música de Belo

Horizonte seja constituída nos mesmos moldes da câmara setorial federal188. De caráter

consultivo e composição paritária, ela deverá se constituir em espaço permanente de

diálogo entre artistas, produtores, pesquisadores, gestores, críticos,

investidores/empresários do segmento musical da capital mineira – por meio de suas

entidades representativas – e o governo.

A seguir, são apresentadas as principais características desta Câmara – proposta

inovadora de gestão do segmento da música de Belo Horizonte – no que diz respeito aos

seus objetivos, à sua constituição e às diretrizes e metas a serem alcançadas.

2. Câmara Setorial de Música de Belo Horizonte

2.1 Objetivos e finalidades

Promover reflexões sobre as dificuldades, as oportunidades e os desafios apresentados

em cada elo da cadeia produtiva da música – formação, criação,

187Disponível em: http://www.cultura.gov.br/site/2010/12/03/plano-nacional-de-cultura-19. Acesso em: 10 Out. 2010. 188Fonte: Sistematização das Propostas da Câmara Setorial de Música para o Plano Nacional de Cultura. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2007/10/sistematizacao-musica-pnc.pdf. Acesso em: 30 Mar. 2011.

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produção, distribuição, divulgação e consumo –, visando apontar caminhos para o seu

desenvolvimento, é o principal objetivo da Câmara Setorial de Música de Belo

Horizonte.

As discussões e proposições a serem feitas no espaço social desta Câmara deverão se

nortear por princípios e parâmetros que viabilizem suas finalidades de:

• incentivar e apoiar a formação artística do músico;

• valorizar a profissão do músico e o aprimoramento de suas condições de trabalho;

• reivindicar políticas públicas de formação de plateias de caráter permanente,

voltadas tanto para a sensibilização de crianças e jovens, nas escolas, quanto para

os adultos;

• pleitear a ampliação dos recursos financeiros municipal e estadual para a cultura e

a otimização de seu uso, além da diversificação das fontes de financiamento

(orçamento público, fundos públicos, renúncia fiscal e capital privado);

• valorizar a produção musical belo-horizontina em toda sua diversidade, por

meios que garantam a sua difusão, distribuição, comercialização e consumo;

• incentivar a execução pública e ao vivo da música belo-horizontina;

• concorrer para a democratização, descentralização, desoneração e fomento do

consumo da música produzida na capital mineira em sua diversidade.

2.2 Constituição

A Câmara Setorial de Música de Belo Horizonte é um conselho consultivo, constituído

por representantes de todos os elos da cadeia produtiva da capital mineira – escolhidos

democraticamente por seus pares. A sua composição baseia-se nos seguintes critérios: a)

paridade entre a representação da sociedade civil e do poder público; b) presença de

representantes de todos os conjuntos de atores envolvidos na cadeia produtiva da

música de Belo Horizonte. A Câmara será integrada por:

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a) Entidades civis organizadas e representativas do segmento musical do

município: artistas (dois representantes), produtores (1), pesquisadores (1),

críticos (1), investidores/empresários (1);

b) Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte (4);

c) Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais (1);

d) Representação da Fundação Nacional de Artes (Funarte) em Belo Horizonte (1);

e) Instituições educacionais de formação de profissionais da cadeia produtiva da

música (dois representantes, sendo um de entidade da sociedade civil organizada

e um de instituição pública).

2.3 Diretrizes e Metas

O trabalho da Câmara Setorial de Música de Belo Horizonte deverá se pautar pelas

diretrizes e metas descritas a seguir:

QUADRO 05

Diretrizes e metas da Câmara Setorial de Música de Belo Horizonte

Dimensão simbólica da Cultura

Diretrizes Metas Desenvolver um programa de incentivo à difusão da música belo-horizontina em toda a sua diversidade.

Criação de feiras e festivais de música que promovam intercâmbios entre a capital, as cidades do interior de Minas Gerais e os demais estados brasileiros; Criação de um festival e um prêmio da música da cidade de Belo Horizonte; Criação de um calendário anual com os festivais de música que já são promovidos na cidade; Inclusão de shows de músicos locais em apresentações de artistas estrangeiros na cidade.

Organizar acervos musicais, visando a preservação do patrimônio musical da cidade.

Mapeamento do patrimônio musical belo-horizontino; Criação de um banco de fonogramas; Cadastro das instituições públicas e privadas que trabalhem com acervos musicais.

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Dimensão econômica da Cultura (continua) Diretrizes Metas

Promover a redução da informalidade nas relações de trabalho dos músicos.

Localização das situações em que houver supressão de direitos e atuação sobre as mesmas; Criação de programas visnado estimular o crescimento do mercado de trabalho formal; Contribuição com a discussão nacional sobre a criação de mecanismos e instrumentos contratuais específicos que regulamentem e formalizem as relações de trabalho em gravações fonográficas e novas mídias.

Estimular e promover a formação e a capacitação profissional do produtor, do músico e demais agentes da cadeia produtiva da música de Belo Horizonte, incluindo em sua formação as novas tecnologias. Promover a redução da informalidade nas relações de trabalho dos músicos. Estimular e promover a formação e a capacitação profissional do produtor, do músico e demais agentes da cadeia produtiva da música de Belo Horizonte, incluindo em sua formação as novas tecnologias. Estimular o empreendedorismo por meio da criação de redes, cooperativas, ONGs e todas as manifestações de associativismo por parte dos músicos e demais agentes da cadeia produtiva da música, no sentido de consolidar o mercado de trabalho. Desonerar e desburocratizar a produção, de modo a ampliar o mercado de trabalho formal da música. Incentivar a execução de música ao vivo em locais de freqüência coletiva. Difundir a música belo-horizontina no interior do estado de Minas Gerais e a música mineira nos demais estados brasileiros e no exterior.

Criação de cursos de formação, capacitação e requalificação de agentes da cadeia produtiva local, bem como de gestores públicos, por meio de convênios entre a Fundação Municipal de Cultura, a Secretaria de Estado de Cultura e o Sistema “S” (SESC, SENAC, SEBRAE, SESI, SENAI); Abertura de linhas de financiamento e microcréditos para a promoção de cursos de formação e capacitação para agentes da cadeia produtiva da música; Promoção de convênios interinstitucionais e interdisciplinares entre as universidades públicas locais para a criação de cursos da área técnico-artística. Localização das situações em que houver supressão de direitos e atuação sobre as mesmas; Criação de programas visnado estimular o crescimento do mercado de trabalho formal; Contribuição com a discussão nacional sobre a criação de mecanismos e instrumentos contratuais específicos que regulamentem e formalizem as relações de trabalho em gravações fonográficas e novas mídias. Criação de cursos de formação, capacitação e requalificação de agentes da cadeia produtiva local, bem como de gestores públicos, por meio de convênios entre a Fundação Municipal de Cultura, a Secretaria de Estado de Cultura e o Sistema “S” (SESC, SENAC, SEBRAE, SESI, SENAI); Abertura de linhas de financiamento e microcréditos para a promoção de cursos de formação e capacitação para agentes da cadeia produtiva da música; Promoção de convênios interinstitucionais e interdisciplinares entre as universidades públicas locais para a criação de cursos da área técnico-artística. Criação de linhas de crédito para estas iniciativas; Criação do Sistema Municipal de Informações e Indicadores Culturais; Criação do Sistema Estadual de Informações e Indicadores Culturais; Fomento e abertura de linhas de crédito para atividades dos músicos independentes e das microempresas da cadeia produtiva local. Distribuição dos produtos originários dos músicos independentes, facilitando o acesso a eles por meio de redes e órgãos municipais e estaduais. Criação de incentivos fiscais (estaduais e municipais) de estímulo à execução de música ao vivo em bares, restaurantes e demais locais de frequência coletiva; Criação de linhas de crédito para essas empresas se adaptarem à execução de música ao vivo, dentro das exigências da Lei do Silêncio vigente na capital. Criação de projetos de música associados aos eventos do circuito turístico Estrada Real; Criação de escritórios de representação da música mineira nas cidades polo do estado, com o objetivo de gerenciar as ações de difusão a serem implementadas. Entre as funções desses escritórios estariam: 1- articular relações com agentes difusores locais, como radialistas, jornalistas e críticos de música, a fim de implementar canais permanentes de apoio da imprensa regional; 2- realizar o mapeamento dos locais de apresentação de espetáculos; 3- elaborar um cadastro de contatos para produção e assessoria de imprensa a shows realizados por empresas produtoras de espetáculos privadas mineiras, reunidos em banco de dados controlado pela SEC e disponíveis para consulta pública;

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Dimensão econômica da Cultura (continua) Diretrizes Metas

Democratizar o acesso ao consumo da música belo-horizontina e mineira como um bem cultural. Incentivar a descentralização do consumo da música contemplando a sua diversidade. Desonerar a cadeia produtiva da música por meio de incentivos e aperfeiçoamento de seus processos, para permitir o acesso irrestrito da população aos diferentes produtos musicais.

4 - gerenciar a logística de todas as ações culturais musicais previstas pelos programas em implementação da Secretaria Estadual de Cultura; 5 - incentivar a venda e a distribuição de produtos mineiros como CDs e DVDs; 6 - assistir e estimular a participação de empresas e artistas mineiros em festivais, feiras e encontros fonográficos e musicais nessas regiões; 7 - implementar a distribuição de material bibliográfico e fonográfico, catálogos e livros sobre música mineira, além de partituras orquestrais e songbooks, a bibliotecas, universidades e demais polos culturais, a fim de instrumentalizar as instituições culturais locais para a formação de agentes multiplicadores; 8 - manter informações atualizadas acerca de suas atividades e resultados alcançados, com base nos referidos dados controlados pela SEC, como forma pública e transparente de prestação de contas dos esforços de difusão empreendidos; 9 – difundir a diversidade da música mineira no interior de Minas, no Brasil e no exterior por meio de editais públicos de seleção e da reformulação e institucionalização do programa Música Minas, com promoção de ações junto a agentes multiplicadores locais para a formação de público por meio de cursos e oficinas, entre outras atividades culturais integradas aos espetáculos musicais; 10 - difundir, por meio de editais públicos de seleção, projetos e programas, a música erudita mineira; 11 - desenvolver um website em várias línguas, especializado e permanentemente atualizado, com ênfase na diversidade da chamada música popular e a da música de concerto mineira, de forma a, respeitados os direitos autorais, prover o visitante de informações como pequenas biografias de artistas com sua discografia, extratos de música em formato streamming áudio (arquivo não copiável) para consulta, seção de lançamentos de CDs, agenda atualizada de turnês estaduais, nacionais e internacionais dos artistas mineiros e seção de tradução de letras de música; 12 - prever uma relação diferenciada com os programadores de rádio, para que, mediante cadastramento possam ter acesso a uma seção de arquivos digitais promocionais para divulgação em seus programas, de forma a incentivar a difusão espontânea neste setor, respeitados os direitos autorais e conexos; 13 - disponibilizar um calendário turístico em ação coordenada de cooperação entre a Secretaria Estadual de Cultura, a Secretaria Estadual de Turismo, a Fundação Municipal de Cultura e a Belotur, com informações a respeito de festividades e atividades folclóricas em diversos pontos do estado, de maneira a estimular o consumo da cultura mineira pelo turista; 14 - estimular a criação de cursos livres de capacitação de profissionais da área de produção e gerenciamento de eventos musicais, orientando-os para a atuação no mercado estadual e nacional, com o objetivo de qualificar os serviços. Desenvolvimento de ações de treinamento e capacitação dos profissionais ligados ao comércio do segmento da música para que possam compreender a sua importância, sua especificidade e diversidade. Neste sentido poderiam ser feitos, por exemplo, convênios com SENAC, SEBRAE entre outros, visando atender a demanda do mercado; Fiscalização reforçada das contrapartidas dos projetos financiados por leis de incentivos fiscais; Criação de fonotecas nas escolas e bibliotecas da rede pública de Belo Horizonte e do estado; Circulação e distribuição dos produtos musicais belo-horizontinos nos municípios mineiros; Fomento do circuito de festivais e feiras de música que promovam a diversidade de gêneros, estilos e tendências musicais a preços populares. Estabelecimento de um convênio entre a SEC e a Empresa de Correio e Telégrafos, com o objetivo de desenvolver a redução de tarifas dobre a circulação de remessa de produtos fonográficos (DVDs, CDs, VHS, vinis etc.); Fomentar as formas de distribuição dos insumos e produtos da cadeia criativa e produtiva, dos produtores independentes, pequenos e microempresários, por meio da redução da carga tributária estadual;

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Dimensão econômica da Cultura (conclusão) Diretrizes Metas

Fomentar o consumo por meio da valorização da música como cultura, conhecimento e direito à cidadania.

Amplo apoio à produção de espetáculos musicais, com a concessão de passagens aéreas, traslados, hospedagens e alimentação, por meio de editais públicos voltados para músicos independentes e pequenos produtores da cadeia da música, a partir do aperfeiçoamento e da institucionalização do programa Música Minas. Campanhas na rede particular e pública de ensino de 1° e 2° graus de estímulo ao consumo da música mineira; Por meio da FMC e da SEC, criação de espaços coletivos em feiras e festivais estaduais, nacionais e internacionais, para abrigar a música belo-horizontina e mineira independente; Incentivos aos lojistas e distribuidores que apóiam a produção independente e local.

Fomentar a criação e ampliação de acervos públicos de música nas bibliotecas públicas, com finalidade de difundir a música mineira.

Criação de audiotecas públicas virtuais com músicas e partituras, disponibilizadas em rede.

Apoiar as iniciativas da sociedade civil organizada na difusão da diversidade musical belo-horizontina.

Buscar meios que facilitem a utilização do espaço público para a realização das atividades musicais de interesse público, entre outras iniciativas.

Cultura e Educação

Diretrizes Metas

Acompanhar o cumprimento da obrigatoriedade do ensino da música em todas as escolas de Belo Horizonte, a partir de agosto de 2011. Incentivar a criação de um programa municipal de formação musical.

Criação de comissão integrada por professores, pedagogos e músicos para acompanhar a implantação dessa disciplina nas escolas da rede municipal de ensino da capital, de modo a garantir que se alcance o espírito da lei de desenvolver nos alunos sensibilidade, criatividade e capacidades pessoais; Criação de programa de formação continuada para professores, especialmente os da educação básica; Criação de concursos para professores de música da rede municipal de ensino de BH;

Desenvolver e implantar programas de apreciação musical e formação de plateias.

Criação de banco de dados de formação musical, abrangendo: projetos e ações governamentais e não governamentais; materiais didáticos; leis vigentes; projetos de leis em tramitação; trabalhos científicos (teses, dissertações); instituições de ensino. Implementação de políticas de formação de plateias de caráter permanente, voltadas tanto para a sensibilização de crianças e jovens, nas escolas, quanto para os adultos, por meio de projetos musicais didáticos de longa duração, que contribuam para maior informação e formação do público, no sentido de estimulá-lo a buscar qualidade e a ficar mais atento às inovações; Oferta de projetos culturais – permanentes e variados – às comunidades das vilas e favelas, que permitam às pessoas a assimilação das novas linguagens e gêneros e a criação do hábito de consumo cultural.

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Gestão pública da Cultura (continua)

Diretrizes Metas Fomentar a execução pública de música ao vivo, com o objetivo de difundir a música mineira.

Execução de concertos de música erudita e popular.

Criar novos mecanismos – e aprimorar os existentes – para o controle e benefício pela sociedade da utilização dos recursos públicos direcionados à cultura em geral e à música em particular.

Estabelecimento de contrapartida por parte dos projetos financiados por leis de incentivo fiscal à cultura, onde não estiverem previstos. Por exemplo: ingressos gratuitos ou a preços populares, cotas de doações de produtos a bibliotecas, museus e outros acervos públicos; Aperfeiçoamento do acompanhamento on line dos projetos culturais inscritos nas leis de incentivo fiscal à cultura, proporcionando total e irrestrito acesso desde o protocolo até a conclusão do processo; Sites da FMC e da SEC com listagens permanentes dos projetos, principais dados e quadros estatísticos.

Acompanhar e monitorar o desenvolvimento da economia da música de Belo Horizonte. Propugnar pela redução progressiva do uso dos mecanismos de financiamento cultural estadual pelos órgãos públicos vinculados à SEC, sendo a redução proporcional ao aumento de recursos fixados no orçamento da SEC. Consolidar e fomentar os "circuitos de música" por meio da ocupação e reaparelhamento dos espaços culturais, garantindo a produção musical independente e regional, mercado de trabalho e programação anual. Incentivar a utilização de sistemas de rádio e TV para a veiculação de programas de formação musical. Contribuir para o aumento da difusão da música mineira, por meio das emissoras do Sistema Estadual de Comunicação (Rádio Inconfidência e TV Minas) e TVs e rádios das entidades sem fins lucrativos, como as da UFMG e da PUC Minas, as rádios comunitárias etc. Incentivar o surgimento de novos canais de difusão da música mineira na internet.

Pesquisas sistemáticas a serem realizadas pela FMC para mapear o impacto do investimento na cultura, visando o aperfeiçoamento constante das políticas públicas para o setor. Adequação do Teatro Municipal Francisco Nunes para se transformar na Casa da Música de BH; Programação dos equipamentos públicos federais de cultura instalados na cidade, de modo a contemplar a produção local; Participação da iniciativa privada, por meio de parcerias, no reaparelhamento e manutenção dos equipamentos culturais públicos; Mapeamento e documentação das festas e manifestações populares, projetos e programas voltados para a música da cidade, disponibilizando-se à sociedade os resultados, sob forma de portal eletrônico com acesso amplo e irrestrito; Criação de circuitos de música, dando visibilidade e publicidade aos já existentes, estimulando parcerias que possam gerar e consolidar novos circuitos. Incentivo para rádios e TVs privadas a ampliarem o repertório, inclusive local; Ampliação da utilização da Rádio Inconfidência e da TV Minas para a veiculação de programas musicais, bem como à diversificação do repertório, com ênfase na produção local; Processo de Certificação – Selo Amigo da Música Mineira – para as emissoras locais de Rádio e TV que veiculem na sua programação um percentual mínimo de produção musical mineira. Este Certificado

será conferido por uma Comissão de Certificação, em âmbito municipal, composta por agentes da cadeia produtiva da música de BH. Criação de uma campanha municipal e estadual, a partir de parceria entre a FMC e a SEC, para a mobilização da sociedade em torno deste processo de certificação. Criação de incentivos, por meio de renúncia fiscal no âmbito Estadual, para que as empresas detentoras deste Certificado adquiram novos equipamentos para modernização e ampliação de seu parque tecnológico a preços mais acessíveis.

Difusão do conteúdo artístico musical mineiro, pelas emissoras públicas de rádio e TV; Aumento da divulgação da produção regional em nível nacional por meio do incremento do convênio entre a TV Minas e a TV Brasil; Convênio entre a Rádio Inconfidência e a Rádio MEC,visando o intercâmbio de programação. Criação de canais musicais nos sites da FMC e da SEC.

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APÊNDICE B

ROTEIRO DAS ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS

1) ROTEIRO DA ENTREVISTA COM OS MÚSICOS

I- Identificação do entrevistado: 1. Nome completo 2. Formação/Escolaridade 3. Filiação ou ligação com associações ou similares. 4. Lugar que ocupa no cenário da produção cultural musical, especialmente com

relação a contribuições inovadoras. 5. Objetivos atualmente visados no campo cultural da música. 6. Preparativos para se colocar em condições de realização dos objetivos visados

considerando-se as seguintes contingências: o Público visado. o Pessoal qualificado. o Concorrências. o Parcerias e cooperações. o Financiamentos. o Apoios e promoções. o Divulgação. o Outras.

II- Quais condições fazem com que uma produção cultural musical seja

considerada na atualidade como inovadora: 1. Concepção do entrevistado sobre:

o Inovações com relação ao público. o Inovações com relação às parcerias e cooperações. o Inovações com relação aos financiamentos. o Inovações com relação aos apoios e promoções. o Inovações com relação ao processo de produção. o Inovações com relação às infraestruturas (material e humana). o Inovações com relação ao uso dos recursos. o Inovações com relação às divulgações. o Inovações com relação aos resultados. o Inovações com relação às estratégias de comercialização. o Inovações com relação à promoção de aprendizados.

2. Concepção do entrevistado sobre se tais condições têm caracterizado a produção

musical em Belo Horizonte: o Inovações com relação ao público em BH (sim, não, em parte e

justificativas). o Inovações com relação às parcerias e cooperações em BH (sim, não, em

parte e justificativas). o Inovações com relação aos financiamentos em BH (sim, não, em parte e

justificativas).

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o Inovações com relação aos apoios e promoções em BH (sim, não, em parte e justificativas).

o Inovações com relação ao processo de produção em BH (sim, não, em parte e justificativas).

o Inovações com relação às infraestruturas (materiais e humanas) em BH (sim, não, em parte e justificativas).

o Inovações com relação ao uso dos recursos em BH (sim, não, em parte e justificativas).

o Inovações com relação às divulgações em BH (sim, não, em parte e justificativas).

o Inovações com relação aos resultados em BH (sim, não, em parte e justificativas).

o Inovações com relação às estratégias de comercialização em BH (sim, não, em parte e justificativas).

o Inovações com relação à promoção de aprendizados em BH (sim, não, em parte e justificativas).

III- Condições já existentes em Belo Horizonte que podem intervir favoravelmente ou desfavoravelmente na estruturação de um sistema produtivo inovativo local (SPIL) da música:

1. Público existente ou com potencial para ser fomentado: a. Favoravelmente b. Desfavoravelmente

2. Mercados existentes ou com potenciais para serem criados: a. Favoravelmente b. Desfavoravelmente

3. Oportunidades de trabalho existentes: a. Favoravelmente b. Desfavoravelmente

4. Condições de trabalho existentes: a. Favoravelmente b. Desfavoravelmente

5. Infraestruturas materiais existentes: a. Favoravelmente b. Desfavoravelmente

6. Infraestruturas humanas existentes: a. Favoravelmente b. Desfavoravelmente

7. Condições de incentivos, apoios, promoções, parcerias e financiamentos: a. Favoravelmente b. Desfavoravelmente

8. Fatos ocorridos e em curso: a. Favoravelmente b. Desfavoravelmente

9. Valores, opiniões e referências vigentes: a. Favoravelmente b. Desfavoravelmente

10. Instituições existentes: a. Favoravelmente

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b. Desfavoravelmente 11. Sistemas de informação existentes:

a. Favoravelmente b. Desfavoravelmente

12. Acessos a informações existentes: a. Favoravelmente b. Desfavoravelmente

13. Políticas públicas existentes (nos 3 níveis: federal, estadual, municipal): a. Favoravelmente b. Desfavoravelmente

14. Práticas, relações e articulações profissionais existentes: a. Favoravelmente b. Desfavoravelmente

15. Clima cooperativo e associativo existente: a. Favoravelmente b. Desfavoravelmente

IV- Ordem das prioridades das condições que precisam existir visando à elaboração de um plano de ação para a organização de um sistema produtivo inovativo local (SPIL) da música em Belo Horizonte:

AÇÕES PRIORITÁRIAS NUMERAR CONFORME A ORDEM

DE PRIORIDADE Criação ou fomento de públicos Criação ou fomento de mercados Criação ou fomento de oportunidades de trabalho

Criação ou fomento de condições de trabalho Criação ou fomento de infraestruturas materiais Criação ou fomento de infraestruturas humanas Criação ou fomento de condições de incentivos, apoios, promoções, parcerias e financiamentos

Criação ou fomento de fatos Criação ou fomento de valores, opiniões e referências

Criação ou fomento de instituições Criação ou fomento de sistemas de informação Criação ou fomento de acessos a informações Criação ou fomento de políticas públicas Criação ou fomento de práticas, relações e articulações profissionais

Criação ou fomento de clima cooperativo e associativo

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2) ROTEIRO DA ENTREVISTA COM OS DEMAIS PARTICIPANTES I. Identificação do entrevistado:

1. Nome completo 2. Formação/Escolaridade 3. Atuação profissional 4. Órgão/Empresa onde atua 5. Atividades que desenvolve

II. Considerações do entrevistado sobre o contexto musical de Belo Horizonte, no que diz respeito a: 1. Quantidade (músicos, espetáculos, CDs, DVDs etc.) 2. Diversidade (programações, gêneros, públicos etc.) 3. Qualidade (músicos, espetáculos, CDs, DVDs etc.) 4. Inovação (conteúdo, formato, produção, distribuição, comercialização etc.) 5. Acessibilidade (aos locais, aos produtos, aos espetáculos, aos músicos etc.) III. Condições já existentes em Belo Horizonte que podem intervir favoravelmente ou desfavoravelmente na estruturação de um Sistema Produtivo e Inovativo Local (SPIL) da música:

1. Condições econômicas existentes • Favoráveis • Desfavoráveis

2. Condições sociais existentes • Favoráveis • Desfavoráveis

3. Condições turísticas existentes • Favoráveis • Desfavoráveis

4. Condições ideológicas existentes (valores, opiniões e referências) • Favoráveis • Desfavoráveis

5. Condições institucionais existentes • Favoráveis • Desfavoráveis

6. Condições informacionais (sistemas de informação) existentes • Favoráveis • Desfavoráveis

7. Condições de suporte de políticas públicas existentes (nos 3 níveis: federal, estadual, municipal) • Favoráveis • Desfavoráveis

IV. Ordem das prioridades das condições que precisam existir visando à elaboração de um plano de ação para a organização de um sistema produtivo inovativo local (SPIL) da música em Belo Horizonte:

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AÇÕES PRIORITÁRIAS NUMERAR CONFORME A ORDEM

DE PRIORIDADE Criação ou fomento de públicos Criação ou fomento de mercados Criação ou fomento de oportunidades de trabalho

Criação ou fomento de condições de trabalho Criação ou fomento de infraestruturas materiais Criação ou fomento de infraestruturas humanas Criação ou fomento de condições de incentivos, apoios, promoções, parcerias e financiamentos

Criação ou fomento de fatos Criação ou fomento de valores, opiniões e referências

Criação ou fomento de instituições Criação ou fomento de sistemas de informação Criação ou fomento de acessos a informações Criação ou fomento de políticas públicas Criação ou fomento de práticas, relações e articulações profissionais

Criação ou fomento de clima e práticas cooperativos e associativos

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APÊNDICE C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

PESQUISA: Condições para a construção de um Sistema Produtivo e Inovativo Local (SPIL) da Música a partir das potencialidades de Belo Horizonte. As informações contidas nesta folha, fornecidas pela Profa. Dra. Lucília Regina de Souza Machado e Jane Maria de Medeiros têm por objetivo firmar acordo escrito com o (a) voluntária(o) para participação da pesquisa acima referida, autorizando sua participação com pleno conhecimento da natureza dos procedimentos a que ela(e) será submetida(o).

Esclarecimentos ao participante:

1- Esta pesquisa pretende conhecer a situação atual da gestão social da música em Belo Horizonte, através de

entrevistas semi-estruturadas com 10 (dez) pessoas representativas do setor;

2- Sua participação é voluntária e você pode desistir no momento que desejar, sem risco de qualquer natureza;

2- O seu nome será mantido em anonimato, ou seja, não será revelado a ninguém;

3- Os conteúdos cedidos serão de uso exclusivo desta pesquisa;

4- Você não terá nenhum tipo de despesa e não receberá nenhuma gratificação pela participação nesta pesquisa;

5- Não há qualquer benefício direto pela sua participação, apenas o conhecimento da sua opinião sobre o tema.

6- Suas respostas serão usadas exclusivamente para os fins desta pesquisa;

7- Este termo de consentimento ficará sob a minha guarda até finalização da pesquisa e, logo depois, incinerado;

8- Você poderá entrar em contato com os pesquisadores a qualquer momento que lhe convier ou com o Comitê

de Ética em Pesquisa da UNA.

Após estes esclarecimentos, solicitamos o seu consentimento de forma livre para permitir sua participação nesta

pesquisa. Portanto, preencha os itens que seguem

TERMO DE CONSENTIMENTO

Eu, _______________________________________________________________, após a leitura e compreensão

destas informações, concordo em participar da pesquisa Condições para a construção de um Sistema Produtivo e

Inovativo Local (SPIL) da Música a partir das potencialidades de Belo Horizonte, uma vez que fui devidamente

orientado(a) sobre a finalidade e objetivo do estudo, bem como da utilização dos dados exclusivamente para fins

acadêmicos e científicos e de que meu nome será mantido em sigilo. Confirmo que recebi cópia deste termo de

consentimento e autorizo a execução do trabalho de pesquisa e a divulgação dos dados obtidos neste estudo.

Assinatura do participante _________________________________________

Assinatura do pesquisador mestrando _________________________________

Jane Maria de Medeiros Telefones: (31) 9952-7393 - (31) 3225-7393 Lucília Machado Telefones: (31) 3508-9104 - (31) 3281-2909

Belo Horizonte, MG. ________/________/2011

CEP-HUMANOS - Centro Universitário UNA. Rua Guajajaras, 175, 4º. Andar, Centro, Belo Horizonte, MG. Tel: 3508-9110

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APÊNDICE D

PARTICIPANTES DA PESQUISA

1. Cecília Regueira – Graduada em Arquitetura, é especialista em gestão do

Terceiro Setor e atual diretora executiva do Instituto Hartman Regueira.

2. Clarice de Assis Libânio – Mestre em Sociologia, é fundadora e atual diretora

executiva da ONG Favela é Isso Aí.

3. Clélio Campolina Diniz – Doutor em Economia e estudioso de economia

regional urbana e economia mineira, entre outros temas, é o atual reitor da

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

4. Fernando Rocha Brant – Graduado em Direito, é compositor e atual presidente

da União Brasileira dos Compositores (UBC).

5. Geraldo Vianna Lacerda – Violonista, compositor, arranjador, produtor musical,

idealizador e coordenador do projeto Música de Minas.

6. Ivana Denise Parrela – Doutora em História, é professora da Escola de Ciência

da Informação da UFMG. Atual coordenadora geral do Museu Padre Toledo (da

Fundação Rodrigo Mello Franco de Andrade, pertencente à UFMG) e membro

do Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC) – órgão colegiado

integrante da estrutura básica do Ministério da Cultura.

7. João Antônio de Paula – Doutor em História Econômica e atual Pró-Reitor de

Extensão da UFMG.

8. Jonas Henrique de Jesus Moreira (Mestre Jonas) – Graduado em Arte e

Educação, é compositor, instrumentista e produtor.

9. Lucas de Ávila Carvalho F. Mortimer – Graduado em Educação Física, é

produtor cultural e atual membro do núcleo coordenador do Coletivo Pegada,

assim como integrante do movimento independente Fora do Eixo.

10. Makely Oliveira Soares Gomes (Makely Ka) – Graduado em Filosofia, é

compositor, violonista, cantor e agitador cultural. É também um dos fundadores

e membro da direção do Fórum da Música de Minas Gerais.

11. Marcela de Queiroz Bertelli – Graduada em Ciências Sociais e Antropologia, é

especialista em Políticas Culturais e Gestão Cultural. Atualmente, é parecerista

do Ministério da Cultura (MinC) na área de Música e Humanidades e consultora

do SEBRAE.

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12. Marcus Viana – Violinista, compositor e produtor musical. Criador e diretor do

Selo Sonhos e Sons.

13. Maria do Carmo Guerra Simões – Graduada em Música (Piano), é fundadora e

atual diretora da Karmim Promoções. (Participou da pesquisa no processo de

checagem por pares).

14. Mauro Guimarães Werkema – Graduado em Psicologia e Administração de

Empresas, é Jornalista e pesquisador, ex-presidente da Fundação Clóvis

Salgado, atual Assessor Técnico da Secretaria de Estado de Turismo de Minas

Gerais e diretor do Instituto Horizontes.

15. Rosemarie Pidner – Graduada em Administração de Empresas e em Música

(Violão e Percussão), é produtora cultural e atual presidente da Associação

Artística dos Músicos de Minas Gerais (AMMIG).

16. Tadeu Martins Soares – Graduado em Engenharia Química é produtor cultural e

atual diretor do Instituto Vale Mais – Instituto Sociocultural do Jequitinhonha.

17. Talles Pereira Lopes – Graduado em Ciências Sociais é produtor cultural e atual

presidente da Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin).

18. Tânia Mara Lopes Cançado – Graduada em Música (Piano), é ex-diretora da

Escola de Música da UFMG e idealizadora e atual diretora do Parque Escola

Cariúnas.

19. Thelmo Antônio Gonçalves de Miranda Lins – Graduado em Comunicação

Social (Jornalismo), é cantor, ator e produtor cultural. Atualmente, administra o

Teatro Santo Agostinho e dirige a TW Comunicação e Arte, empresa de gestão e

produção cultural.

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ANEXOS ANEXO A

SUBSTITUTIVO À PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 416-A, DE 2005

Acrescenta o art. 216-A à Constituição para instituir o Sistema Nacional de Cultura.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao Texto Constitucional:

Art. 1º. É acrescentado o art. 216-A a Constituição Federal, com a seguinte redação: "Art. 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa, institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento – humano, social e econômico - com pleno exercício dos direitos culturais. § 1º - O Sistema Nacional de Cultura fundamenta-se na política nacional de cultura e nas suas diretrizes, estabelecidas no Plano Nacional de Cultura, e rege-se pelos seguintes princípios: I - diversidade das expressões culturais; II - universalização do acesso aos bens e serviços culturais; III - fomento à produção, difusão e circulação de conhecimento e bens culturais; IV - cooperação entre os entes federados, os agentes públicos e privados atuantes na área cultural; V - integração e interação na execução das políticas, programas, projetos e ações desenvolvidas; VI - complementaridade nos papéis dos agentes culturais; VII - transversalidade das políticas culturais; VIII - autonomia dos entes federados e das instituições da sociedade civil; IX - transparência e compartilhamento das informações; X - democratização dos processos decisórios com participação e controle social; XI - descentralização articulada e pactuada da gestão, dos recursos e das ações. XII- ampliação progressiva dos recursos contidos nos orçamentos públicos para a cultura.

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§ 2º Constitui a estrutura do Sistema Nacional de Cultura, nas respectivas esferas da federação: I- órgãos gestores da cultura; II- conselhos de política cultural; III- conferências de cultura; IV- comissões intergestores; V- planos de cultura; VI- sistemas de financiamento à cultura; VII- sistemas de informações e indicadores culturais; VIII- programas de formação na área da cultura; e IX- sistemas setoriais de cultura. § 3º - Lei federal disporá sobre a regulamentação do Sistema Nacional de Cultura, bem como de sua articulação com os demais sistemas nacionais ou políticas setoriais de governo. § 4º - Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão seus respectivos sistemas de cultura em leis próprias.

Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data da sua publicação.

Sala da Comissão, em de abril de 2010.

Deputado PAULO RUBEM SANTIAGO Relator

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ANEXO B

LEI Nº 12.343, DE 2 DE DEZEMBRO DE 2010. 189

Institui o Plano Nacional de Cultura – PNC, cria o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais – SNIIC e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1o Fica aprovado o Plano Nacional de Cultura, em conformidade com o § 3o do art. 215 da Constituição Federal, constante do Anexo, com duração de 10 (dez) anos e regido pelos seguintes princípios:

I - liberdade de expressão, criação e fruição;

II - diversidade cultural;

III - respeito aos direitos humanos;

IV - direito de todos à arte e à cultura;

V - direito à informação, à comunicação e à crítica cultural;

VI - direito à memória e às tradições;

VII - responsabilidade socioambiental;

VIII - valorização da cultura como vetor do desenvolvimento sustentável;

IX - democratização das instâncias de formulação das políticas culturais;

X - responsabilidade dos agentes públicos pela implementação das políticas culturais;

XI - colaboração entre agentes públicos e privados para o desenvolvimento da economia da cultura;

XII - participação e controle social na formulação e acompanhamento das políticas culturais.

Art. 2o São objetivos do Plano Nacional de Cultura:

I - reconhecer e valorizar a diversidade cultural, étnica e regional brasileira;

II - proteger e promover o patrimônio histórico e artístico, material e imaterial;

189 Esta Lei possui um Anexo, que dispõe sobre as diretrizes, estratégias e ações do PNC. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12343.htm. Acesso em: 10/10/2010.

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III - valorizar e difundir as criações artísticas e os bens culturais;

IV - promover o direito à memória por meio dos museus, arquivos e coleções;

V - universalizar o acesso à arte e à cultura;

VI - estimular a presença da arte e da cultura no ambiente educacional;

VII - estimular o pensamento crítico e reflexivo em torno dos valores simbólicos;

VIII - estimular a sustentabilidade socioambiental;

IX - desenvolver a economia da cultura, o mercado interno, o consumo cultural e a exportação de bens, serviços e conteúdos culturais;

X - reconhecer os saberes, conhecimentos e expressões tradicionais e os direitos de seus detentores;

XI - qualificar a gestão na área cultural nos setores público e privado;

XII - profissionalizar e especializar os agentes e gestores culturais;

XIII - descentralizar a implementação das políticas públicas de cultura;

XIV - consolidar processos de consulta e participação da sociedade na formulação das políticas culturais;

XV - ampliar a presença e o intercâmbio da cultura brasileira no mundo contemporâneo;

XVI - articular e integrar sistemas de gestão cultural.

CAPÍTULO II

DAS ATRIBUIÇÕES DO PODER PÚBLICO

Art. 3o Compete ao poder público, nos termos desta Lei:

I - formular políticas públicas e programas que conduzam à efetivação dos objetivos, diretrizes e metas do Plano;

II - garantir a avaliação e a mensuração do desempenho do Plano Nacional de Cultura e assegurar sua efetivação pelos órgãos responsáveis;

III - fomentar a cultura de forma ampla, por meio da promoção e difusão, da realização de editais e seleções públicas para o estímulo a projetos e processos culturais, da concessão de apoio financeiro e fiscal aos agentes culturais, da adoção de subsídios econômicos, da implantação regulada de fundos públicos e privados, entre outros incentivos, nos termos da lei;

IV - proteger e promover a diversidade cultural, a criação artística e suas manifestações e as expressões culturais, individuais ou coletivas, de todos os grupos étnicos e suas derivações sociais, reconhecendo a abrangência da noção de cultura em todo o território nacional e garantindo a multiplicidade de seus valores e formações;

V - promover e estimular o acesso à produção e ao empreendimento cultural; a circulação e o intercâmbio de bens, serviços e conteúdos culturais; e o contato e a fruição do público com a arte e a cultura de forma universal;

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VI - garantir a preservação do patrimônio cultural brasileiro, resguardando os bens de natureza material e imaterial, os documentos históricos, acervos e coleções, as formações urbanas e rurais, as línguas e cosmologias indígenas, os sítios arqueológicos pré-históricos e as obras de arte, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência aos valores, identidades, ações e memórias dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira;

VII - articular as políticas públicas de cultura e promover a organização de redes e consórcios para a sua implantação, de forma integrada com as políticas públicas de educação, comunicação, ciência e tecnologia, direitos humanos, meio ambiente, turismo, planejamento urbano e cidades, desenvolvimento econômico e social, indústria e comércio, relações exteriores, dentre outras;

VIII - dinamizar as políticas de intercâmbio e a difusão da cultura brasileira no exterior, promovendo bens culturais e criações artísticas brasileiras no ambiente internacional; dar suporte à presença desses produtos nos mercados de interesse econômico e geopolítico do País;

IX - organizar instâncias consultivas e de participação da sociedade para contribuir na formulação e debater estratégias de execução das políticas públicas de cultura;

X - regular o mercado interno, estimulando os produtos culturais brasileiros com o objetivo de reduzir desigualdades sociais e regionais, profissionalizando os agentes culturais, formalizando o mercado e qualificando as relações de trabalho na cultura, consolidando e ampliando os níveis de emprego e renda, fortalecendo redes de colaboração, valorizando empreendimentos de economia solidária e controlando abusos de poder econômico;

XI - coordenar o processo de elaboração de planos setoriais para as diferentes áreas artísticas, respeitando seus desdobramentos e segmentações, e também para os demais campos de manifestação simbólica identificados entre as diversas expressões culturais e que reivindiquem a sua estruturação nacional;

XII - incentivar a adesão de organizações e instituições do setor privado e entidades da sociedade civil às diretrizes e metas do Plano Nacional de Cultura por meio de ações próprias, parcerias, participação em programas e integração ao Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais - SNIIC.

§ 1o O Sistema Nacional de Cultura - SNC, criado por lei específica, será o principal articulador federativo do PNC, estabelecendo mecanismos de gestão compartilhada entre os entes federados e a sociedade civil.

§ 2o A vinculação dos Estados, Distrito Federal e Municípios às diretrizes e metas do Plano Nacional de Cultura far-se-á por meio de termo de adesão voluntária, na forma do regulamento.

§ 3o Os entes da Federação que aderirem ao Plano Nacional de Cultura deverão elaborar os seus planos decenais até 1 (um) ano após a assinatura do termo de adesão voluntária.

§ 4o O Poder Executivo federal, observados os limites orçamentários e operacionais, poderá oferecer assistência técnica e financeira aos entes da federação que aderirem ao Plano, nos termos de regulamento.

§ 5o Poderão colaborar com o Plano Nacional de Cultura, em caráter voluntário, outros entes, públicos e privados, tais como empresas, organizações corporativas e sindicais, organizações da sociedade civil, fundações, pessoas físicas e jurídicas que se mobilizem para a garantia dos princípios, objetivos, diretrizes e metas do PNC, estabelecendo termos de adesão específicos.

§ 6o O Ministério da Cultura exercerá a função de coordenação executiva do Plano Nacional de Cultura - PNC, conforme esta Lei, ficando responsável pela organização de suas instâncias, pelos termos de adesão, pela implantação do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais - SNIIC, pelo estabelecimento de metas, pelos regimentos e demais especificações necessárias à sua implantação.

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CAPÍTULO III

DO FINANCIAMENTO

Art. 4o Os planos plurianuais, as leis de diretrizes orçamentárias e as leis orçamentárias da União e dos entes da federação que aderirem às diretrizes e metas do Plano Nacional de Cultura disporão sobre os recursos a serem destinados à execução das ações constantes do Anexo desta Lei.

Art. 5o O Fundo Nacional de Cultura, por meio de seus fundos setoriais, será o principal mecanismo de fomento às políticas culturais.

Art. 6o A alocação de recursos públicos federais destinados às ações culturais nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios deverá observar as diretrizes e metas estabelecidas nesta Lei.

Parágrafo único. Os recursos federais transferidos aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios deverão ser aplicados prioritariamente por meio de Fundo de Cultura, que será acompanhado e fiscalizado por Conselho de Cultura, na forma do regulamento.

Art. 7o O Ministério da Cultura, na condição de coordenador executivo do Plano Nacional de Cultura, deverá estimular a diversificação dos mecanismos de financiamento para a cultura de forma a atender os objetivos desta Lei e elevar o total de recursos destinados ao setor para garantir o seu cumprimento.

CAPÍTULO IV

DO SISTEMA DE MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO

Art. 8o Compete ao Ministério da Cultura monitorar e avaliar periodicamente o alcance das diretrizes e eficácia das metas do Plano Nacional de Cultura com base em indicadores nacionais, regionais e locais que quantifiquem a oferta e a demanda por bens, serviços e conteúdos, os níveis de trabalho, renda e acesso da cultura, de institucionalização e gestão cultural, de desenvolvimento econômico-cultural e de implantação sustentável de equipamentos culturais.

Parágrafo único. O processo de monitoramento e avaliação do PNC contará com a participação do Conselho Nacional de Política Cultural, tendo o apoio de especialistas, técnicos e agentes culturais, de institutos de pesquisa, de universidades, de instituições culturais, de organizações e redes socioculturais, além do apoio de outros órgãos colegiados de caráter consultivo, na forma do regulamento.

Art. 9o Fica criado o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais - SNIIC, com os seguintes objetivos:

I - coletar, sistematizar e interpretar dados, fornecer metodologias e estabelecer parâmetros à mensuração da atividade do campo cultural e das necessidades sociais por cultura, que permitam a formulação, monitoramento, gestão e avaliação das políticas públicas de cultura e das políticas culturais em geral, verificando e racionalizando a implementação do PNC e sua revisão nos prazos previstos;

II - disponibilizar estatísticas, indicadores e outras informações relevantes para a caracterização da demanda e oferta de bens culturais, para a construção de modelos de economia e sustentabilidade da cultura, para a adoção de mecanismos de indução e regulação da atividade econômica no campo cultural, dando apoio aos gestores culturais públicos e privados;

III - exercer e facilitar o monitoramento e avaliação das políticas públicas de cultura e das políticas culturais em geral, assegurando ao poder público e à sociedade civil o acompanhamento do desempenho do PNC.

Art. 10. O Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais - SNIIC terá as seguintes características:

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I - obrigatoriedade da inserção e atualização permanente de dados pela União e pelos Estados, Distrito Federal e Municípios que vierem a aderir ao Plano;

II - caráter declaratório;

III - processos informatizados de declaração, armazenamento e extração de dados;

IV - ampla publicidade e transparência para as informações declaradas e sistematizadas, preferencialmente em meios digitais, atualizados tecnologicamente e disponíveis na rede mundial de computadores.

§ 1o O declarante será responsável pela inserção de dados no programa de declaração e pela veracidade das informações inseridas na base de dados.

§ 2o As informações coletadas serão processadas de forma sistêmica e objetiva e deverão integrar o processo de monitoramento e avaliação do PNC.

§ 3o O Ministério da Cultura poderá promover parcerias e convênios com instituições especializadas na área de economia da cultura, de pesquisas socioeconômicas e demográficas para a constituição do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais - SNIIC.

CAPÍTULO V

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 11. O Plano Nacional de Cultura será revisto periodicamente, tendo como objetivo a atualização e o aperfeiçoamento de suas diretrizes e metas.

Parágrafo único. A primeira revisão do Plano será realizada após 4 (quatro) anos da promulgação desta Lei, assegurada a participação do Conselho Nacional de Política Cultural - CNPC e de ampla representação do poder público e da sociedade civil, na forma do regulamento.

Art. 12. O processo de revisão das diretrizes e estabelecimento de metas para o Plano Nacional de Cultura - PNC será desenvolvido pelo Comitê Executivo do Plano Nacional de Cultura.

§ 1o O Comitê Executivo será composto por membros indicados pelo Congresso Nacional e pelo Ministério da Cultura, tendo a participação de representantes do Conselho Nacional de Política Cultural - CNPC, dos entes que aderirem ao Plano Nacional de Cultura - PNC e do setor cultural.

§ 2o As metas de desenvolvimento institucional e cultural para os 10 (dez) anos de vigência do Plano serão fixadas pela coordenação executiva do Plano Nacional de Cultura - PNC a partir de subsídios do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais - SNIIC e serão publicadas em 180 (cento e oitenta) dias a partir da entrada em vigor desta Lei.

Art. 13. A União e os entes da federação que aderirem ao Plano deverão dar ampla publicidade e transparência ao seu conteúdo, bem como à realização de suas diretrizes e metas, estimulando a transparência e o controle social em sua implementação.

Art. 14. A Conferência Nacional de Cultura e as conferências setoriais serão realizadas pelo Poder Executivo federal, enquanto os entes que aderirem ao PNC ficarão responsáveis pela realização de conferências no âmbito de suas competências para o debate de estratégias e o estabelecimento da cooperação entre os agentes públicos e a sociedade civil para a implementação do Plano Nacional de Cultura - PNC.

Parágrafo único. Fica sob responsabilidade do Ministério da Cultura a realização da Conferência Nacional de Cultura e de conferências setoriais, cabendo aos demais entes federados a realização de

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conferências estaduais e municipais para debater estratégias e estabelecer a cooperação entre os agentes públicos e da sociedade civil para a implantação do PNC e dos demais planos.

Art. 15. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 2 de dezembro de 2010; 189o da Independência e 122o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Guido Mantega

João Luiz Silva Ferreira

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ANEXO C

CARTA DE APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA ( CEP)

Belo Horizonte, 31 de março de 2011.

Ao Pesquisador principal do projeto abaixo identificado Título/Projeto: Condições para a construção de um sistema produtivo e inovativo (SPIL) da música a partir das potencialidades de Belo Horizonte. Orientador/ Profª: Lucília Regina de Souza Machado Após análise do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), em 01 Dezembro de 2011, informamos que o mesmo foi: ( X ) aprovado ( ) aprovado com sugestões ( ) aprovado com restrições ( ) reprovado. Lembramos ao pesquisador principal que o mesmo deverá encaminhar um relatório parcial ou ao final da pesquisa até o dia (01 de Junho de 2011). O CEP deseja aos pesquisadores sucesso em sua trajetória de pesquisa! Atenciosamente, Profª. Elaine Linhares de Assis Guerra Coordenadora do CEP Centro Universitário UNA