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Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 297 Introdução Introdução Introdução Introdução Introdução Ao longo de quase uma década, políticas curri- culares para o ensino médio têm sido produzidas e difundidas no Brasil. No âmbito federal, documen- tos constituintes da reforma do ensino médio, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNEM) e as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNEM), ex- pressam as principais orientações das propostas for- muladas pelo campo oficial e, como outros, auxi- liam na divulgação da reforma, formando uma das fases de difusão da política produzida. Cabe aqui ressaltarmos que as políticas curriculares são parte da reforma e, como tal, são formadas por práticas, concepções, valores e intenções de vários sujeitos nos múltiplos espaços a que pertencem no contexto educacional e social. Dessa forma, outros textos também devem ser analisados para a melhor compreensão da constitui- ção da política curricular, entre os quais destacamos o livro didático. A produção e a circulação, assim como a instituição de um Programa Nacional do Livro Di- dático (PNLD) para o ensino médio, podem ser en- tendidas como outro momento de difusão e de regu- lação da reforma curricular. Nesse processo, participam outros sujeitos (autores dos livros, equi- pes de produção de materiais de apoio para o profes- sor, como os manuais do professor) e instituições (edi- toras) que “reinterpretam os princípios da reforma e traduzem para essa nova linguagem os significados e sentidos da reforma curricular” (Dias, 2004, p. 4.485). Realizam, assim, outro processo de recontextualiza- ção (Bernstein, 1996, 1998) dos textos curriculares oficiais, processo no qual discursos são retirados do seu local de origem e colocados em outros locais que possuem outras relações e sujeitos que influenciam a produção de novos significados para os recortes esta- belecidos. Muitos trabalhos têm analisado os discursos dos documentos oficiais da reforma do ensino médio e Discursos do mundo do trabalho nos Discursos do mundo do trabalho nos Discursos do mundo do trabalho nos Discursos do mundo do trabalho nos Discursos do mundo do trabalho nos livros didáticos do ensino médio* livros didáticos do ensino médio* livros didáticos do ensino médio* livros didáticos do ensino médio* livros didáticos do ensino médio* Rosanne Evangelista Dias Universidade Federal do Rio de Janeiro, Colégio de Aplicação Rozana Gomes de Abreu Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Educação * Este artigo é derivado da pesquisa “A integração curricu- lar em textos de ciências do ensino médio”, aprovada pelo Conse- lho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e coordenada por Alice Casimiro Lopes.

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Discursos do mundo do trabalho nos livros didáticos do ensino médio

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 297

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

Ao longo de quase uma década, políticas curri-culares para o ensino médio têm sido produzidas edifundidas no Brasil. No âmbito federal, documen-tos constituintes da reforma do ensino médio, comoos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNEM) eas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNEM), ex-pressam as principais orientações das propostas for-muladas pelo campo oficial e, como outros, auxi-liam na divulgação da reforma, formando uma dasfases de difusão da política produzida. Cabe aquiressaltarmos que as políticas curriculares são parteda reforma e, como tal, são formadas por práticas,concepções, valores e intenções de vários sujeitosnos múltiplos espaços a que pertencem no contextoeducacional e social.

Dessa forma, outros textos também devem seranalisados para a melhor compreensão da constitui-ção da política curricular, entre os quais destacamoso livro didático. A produção e a circulação, assim comoa instituição de um Programa Nacional do Livro Di-dático (PNLD) para o ensino médio, podem ser en-tendidas como outro momento de difusão e de regu-lação da reforma curricular. Nesse processo,participam outros sujeitos (autores dos livros, equi-pes de produção de materiais de apoio para o profes-sor, como os manuais do professor) e instituições (edi-toras) que “reinterpretam os princípios da reforma etraduzem para essa nova linguagem os significados esentidos da reforma curricular” (Dias, 2004, p. 4.485).Realizam, assim, outro processo de recontextualiza-ção (Bernstein, 1996, 1998) dos textos curricularesoficiais, processo no qual discursos são retirados doseu local de origem e colocados em outros locais quepossuem outras relações e sujeitos que influenciam aprodução de novos significados para os recortes esta-belecidos.

Muitos trabalhos têm analisado os discursos dosdocumentos oficiais da reforma do ensino médio e

Discursos do mundo do trabalho nosDiscursos do mundo do trabalho nosDiscursos do mundo do trabalho nosDiscursos do mundo do trabalho nosDiscursos do mundo do trabalho noslivros didáticos do ensino médio*livros didáticos do ensino médio*livros didáticos do ensino médio*livros didáticos do ensino médio*livros didáticos do ensino médio*

Rosanne Evangelista DiasUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Colégio de Aplicação

Rozana Gomes de AbreuUniversidade do Estado do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Educação

* Este artigo é derivado da pesquisa “A integração curricu-

lar em textos de ciências do ensino médio”, aprovada pelo Conse-

lho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

e coordenada por Alice Casimiro Lopes.

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Rosanne Evangelista Dias e Rozana Gomes de Abreu

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006

como esses discursos vêm sendo reinterpretados emoutros contextos de produção curricular (Abreu &Gomes, 2004; Dias, 2004; Mello, 2004; Silva &Lopes, 2004),. Destacamos neste artigo a análise dosdiscursos sobre o mundo do trabalho, recontextuali-zados nos textos dos livros didáticos, apresentandosentidos e significados que o conceito configura nes-ses materiais.

Iniciamos este estudo com uma breve análise decomo as reformas curriculares têm focalizado, em seusdiscursos de mudança, uma relação mais estreita daeducação com a economia, no contexto da globaliza-ção e da sociedade do conhecimento/da informação.Tal contexto constrói uma base para a incorporação deconceitos empregados no mundo empresarial para ocurrículo escolar, como é o exemplo do conceito dascompetências, entre outros. Esses discursos recontex-tualizados em diversas reformas curriculares no mun-do têm como finalidade a performatividade do futurotrabalhador e do estudante nos diversos processos deavaliação aos quais deverão se submeter, valorizandoum ensino que “efetivamente propicie um aprendiza-do útil à vida e ao trabalho” (Brasil, 1999, p. 2).

Na seção seguinte, analisamos os livros didáti-cos como textos constituintes de políticas curricula-res e, dessa forma, também produtores de novos sen-tidos e significados dos discursos circulantes sobre omundo do trabalho. Por fim, analisamos, na coleçãointitulada “De olho no mundo do trabalho” (livros di-dáticos e encartes de assessoria pedagógica), da edi-tora Scipione, como esses discursos são recontextua-lizados pelos diferentes autores das disciplinasquímica, biologia, matemática e física. Tencionamosanalisar tais discursos buscando compreender suasrelações com as finalidades da reforma, entendendo-os como resultado de processos de recontextualiza-ção das políticas curriculares.

Reformas curriculares e a formaçãoReformas curriculares e a formaçãoReformas curriculares e a formaçãoReformas curriculares e a formaçãoReformas curriculares e a formaçãopara o mundo do trabalhopara o mundo do trabalhopara o mundo do trabalhopara o mundo do trabalhopara o mundo do trabalho

Podemos identificar nos variados documentos dasreformas curriculares uma análise contextual do mun-

do globalizado e em permanente mutação. Esse dis-curso, que acentua inexoráveis mudanças nos cam-pos científico, social e econômico, credita à educa-ção papel relevante, na condição de portadora de umanova concepção de ensino que dê conta das atuaiscircunstâncias em que o mundo vive. Embora reco-nheçamos as interfaces da globalização com os as-pectos cultural, político, econômico, nos deteremosneste último para desenvolver as análises sobre osdiscursos produzidos no âmbito das reformas curri-culares do ensino médio, tendo como foco a forma-ção para o mundo do trabalho. Diante das ações dereestruturação econômica presentes no mundo glo-balizado, devemos indagar-nos, a exemplo do quefazem Burbules e Torres (2004), como os processosde reestruturação econômica vêm afetando a educa-ção ao redor do mundo.

Os processos de globalização têm produzido al-terações significativas especialmente “na organizaçãoda produção e em sua relação com o conhecimento einformação” (Morrow & Torres, 2004, p. 29). Essasmudanças acabam por influenciar o campo da educa-ção, acarretando, no plano do discurso e da prática,novas relações de ensino e aprendizagem. ParaBernstein (1996), essa relação entre conhecimento/informação e a organização da produção na socieda-de contemporânea cria uma idéia de mercado de co-nhecimento e conhecedores, e dessa nova relação en-tre conhecimento e sujeito novas relações de mercadose estabelecem, movimentando, substituindo e ex-cluindo pessoas que não estejam adaptadas às mu-danças do mundo. Concordamos com Lopes (2004b,p. 117) que a educação não deve estar submetida aoscritérios econômicos e ao mercado, pois desse modo“a educação e o conhecimento importam apenas quan-do podem gerar vantagens econômicas”.

Uma das maiores crises provocadas pela rees-truturação econômica ocorre no campo do trabalho.A despeito de o discurso do contexto científico-tecnológico avançado ser apresentado como soluçãopara muitos problemas econômicos, a melhoria dopadrão de vida da maior parte da população não setem beneficiado da alta tecnologia produzida. Em vez

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disso, o emprego ainda se tem caracterizado pelaproletarização e desespecialização (Burbules & Tor-res, 2004), resultado, na maioria dos casos, da cres-cente desresponsabilização do Estado nas políticassociais para a saúde, previdência social e educação(Morrow & Torres, 2004). Essa crise no trabalho afe-ta de variados modos a educação na sua finalidadebásica de atuar na formação do trabalhador. É nessaperspectiva que o discurso presente nas reformas edu-cacionais passa a estar mais vinculado ao mercado detrabalho instável e competitivo, formulando propos-tas curriculares que produzam sujeitos com novashabilidades e capacidade flexíveis para adaptar-se àsnovas exigências do mundo do trabalho. Também oconteúdo para a formação do trabalhador sofre alte-rações, pois se valorizam mais as competências bási-cas e habilidades, ou seja, o “domínio dos instrumen-tos para acesso ao conhecimento, do que propriamentea aquisição do repertório dos saberes socialmenteconstruídos” (Dias, 2002, p. 67). Enfatiza-se no dis-curso curricular a idéia de conhecimento e aprendi-zagem de caráter instrumental, na qual a finalidadeda educação passa a ser a resposta para a seguintequestão: “para que serve isso?”.

A cultura da performatividade (Lyotard, 2002)pode ser identificada nos discursos educacionais quedefendem “um melhor desempenho estudantil em umavariedade de habilidades” (Lingard, 2004, p. 66). Nabusca de eficácia na educação, os desempenhos dese-jados são estimulados “por meio de um sistema derecompensas e sanções baseado na competição e naperformatividade” (Ball, 2004, p. 1.107), no qual es-tão presentes métodos de mensuração e de controle,discursos da responsabilidade, vinculados às formaseconômicas do mundo contemporâneo, criando umapolítica da aprendizagem (idem). Lopes (2004a) lem-bra-nos de que a existência de modelos de avaliaçãofocalizados nos resultados vincula-se a processos decontrole da educação submetidos aos princípios demercado. Contudo, a lógica do melhor desempenhoda performatividade mostra-se contraditória no cam-po socioeconômico em que se instaura, pois “ela quer,simultaneamente, menos trabalho no contexto da glo-

balização (para baixar os custos da produção) e maistrabalho (para aliviar a carga social da população ina-tiva)” (Lyotard, 2002, p. xvii). Em outras palavras, alógica do desempenho pela performatividade busca ainclusão do indivíduo no mundo produtivo, ao mes-mo tempo em que minimiza e otimiza o tempo e ascondições de trabalho.

A política da aprendizagem baseada na perfor-matividade tem como discurso sobre o mundo do tra-balho a valorização do trabalhador capaz de aprenderrapidamente, de trabalhar em equipe, de ser criativo,auto-regulado e sujeito a relações e vínculos de tra-balho mais instáveis. Essa política traduz-se no“aprender a aprender”, bastante difundido no Relató-rio Jacques Delors (Delors, 2001). A “empregabilida-de”, analisada por Bernstein (1998) como indispen-sável para o desenvolvimento de uma nova habilidadevital, vincula-se ao “aprender a aprender”, ao desen-volvimento de competências flexíveis e transferíveisajustada às contingências tecnológicas, de organiza-ção e do mercado. Com a aprendizagem baseada no“aprender a aprender”, processos de educação podemocupar espaço na vida do sujeito de modo permanente.

Nos documentos oficiais da reforma curricular doensino médio e nos não-oficiais que difundem a refor-ma, os discursos sobre o mundo do trabalho expres-sam-se de modo semelhante ao destacado pela análisedos autores citados. Neles, podemos perceber a im-portância da educação ante os desafios de um mundoem constante mudança, evidenciando, como já apon-tado por Abreu e Gomes (2004, p. 2.000), uma con-vergência de discursos que buscam estabelecer umaarticulação entre a educação e o panorama mundial.As Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN,lei n. 9.394/96) coloca o ensino médio como etapa daeducação básica, tendo “por finalidades desenvolvero educando, assegurar-lhe a formação comum indis-pensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhemeios para progredir no trabalho e em estudos poste-riores” (Brasil, 1996, artigo 22). Além disso, ressaltaque, como parte do processo educacional, o ensinomédio, “deverá vincular-se ao mundo do trabalho e àprática educacional” (idem, artigo 1°, § 2°).

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Rosanne Evangelista Dias e Rozana Gomes de Abreu

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É interessante verificar de que maneira as duasperspectivas apontadas como finalidades do ensinomédio também estão presentes nos discursos de ou-tros contextos, como é o caso da proposta curricularpara esse nível de ensino e de textos produzidos pelosetor editorial:

[...] preparação e orientação básica para sua integra-

ção ao mundo do trabalho, com as competências que ga-

rantam seu aprimoramento profissional e permitam acom-

panhar as mudanças que caracterizam a produção no nosso

tempo; o desenvolvimento das competências para continu-

ar aprendendo, de forma autônoma e crítica, em níveis mais

complexos de estudos. (Brasil, 1999, p. 6)

Assim é que, mais do que fornecer informações, o

Ensino Médio deve se voltar ao desenvolvimento de com-

petências básicas, tanto para o exercício da cidadania quanto

para o desempenho de atividades profissionais, na perspec-

tiva de uma aprendizagem permanente e de uma formação

continuada. (Scipione, s.d.)

Já as DCNEM argumentam que o ensino médio ébásico porque deve ser entendido como “base para aformação de todos e para todos os tipos de trabalho”(Brasil, 1998, artigo 35). Esse argumento coincide comos discursos sobre a formação de um trabalhador flexí-vel, possuidor de conhecimentos gerais, capaz de adap-tar-se às diversas atividades de trabalho.

Os documentos oficiais afirmam também que apreparação para o trabalho depende fortemente dacapacidade de aprendizagem. Entretanto, não há dis-cussão de outros aspectos (sociais, econômicos etc.)que podem afetar a capacidade de aprendizagem decada indivíduo, como também não se questiona a ca-pacidade de exclusão do mercado de trabalho. Ocor-re assim uma naturalização dos aspectos excludentesdo mundo do trabalho, pela valorização (ou superva-lorização) das “novas” qualidades que esse indivíduodeve possuir na sociedade contemporânea. O discur-so da aprendizagem permanente, o “aprender a apren-der”, é incorporado nos documentos brasileiros,enfatizando a formação continuada “em função dos

processos sociais que se modificam” (Brasil, 1999, p.10), e as alternativas de organização curricular, comoas competências, que fornecem bases para a aprendi-zagem ao longo da vida, de acordo com “o novo sig-nificado do trabalho no contexto da globalização eco-nômica” (idem, p. 14).

Os textos oficiais ressaltam ainda que a prepara-ção para o trabalho está interligada aos conhecimen-tos científico-tecnológicos cada vez mais valorizados,os quais são entendidos como imprescindíveis nomundo do trabalho. A LDBEN aponta como uma dasfinalidades do ensino médio “a compreensão dos fun-damentos científico-tecnológicos dos processos pro-dutivos, relacionando a teoria com a prática, no ensi-no de cada disciplina” (Brasil, 1996, artigo 35, IV).No contexto atual, não importa o conteúdo ou a infor-mação, consideradas as constantes mutações e osavanços no campo científico-tecnológico, e sim o queestá além do conhecimento e da informação: aaplicabilidade do conhecimento (Dias, 2004).

Abreu (2001) afirma que a valorização dos co-nhecimentos científico-tecnológicos surge da forteassociação entre tecnologia e ciência, na qual aaplicabilidade da tecnologia é fundamental para a re-solução de problemas na área científica. Ainda segun-do a autora, as relações de poder e controle relativosà ciência, à tecnologia e ao mundo do trabalho sãoresponsáveis pelas influências e posicionamentos dosprocessos de recontextualização dos discursoscirculantes na sociedade.

Partindo da perspectiva de que os discursos so-bre o mundo do trabalho são apropriados e recontex-tualizados pelos livros didáticos, analisamos a impor-tância desses materiais para a constituição das políticascurriculares.

O livro didático como constituidorO livro didático como constituidorO livro didático como constituidorO livro didático como constituidorO livro didático como constituidorde políticas curricularesde políticas curricularesde políticas curricularesde políticas curricularesde políticas curriculares

O livro didático faz parte da construção do currí-culo e, como tal, deve ser entendido como uma cons-trução sócio-histórica formada por intenções, reali-dades e decisões provenientes de diferentes indivíduos

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e contextos. Assim, não pode ser considerado elementoinocente e neutro de transmissão desinteressada doconhecimento social (Moreira & Silva, 1999).

Os livros didáticos são produções culturais, re-sultados concretos de disputas sociais relacionadascom decisões e ações curriculares. Podemos afirmar,com base nos estudos de Goodson (1998, p. 21), queesses materiais constituem um currículo escrito, o qualnos proporciona um testemunho, uma fonte documen-tal, bem como “um dos melhores roteiros oficiais paraa estrutura institucionalizada da escolarização”.

Dessa forma, as investigações sobre os livros, apartir de uma perspectiva sócio-histórica, podem le-var-nos a compreender a produção desses materiais,o estudo dos elementos implícitos e explícitos quecaracterizam, orientam e determinam as finalidadesdo livro didático, esclarecendo como acontecem aapropriação e a recontextualização dos diversos tex-tos participantes desse processo de construção.

Igualmente, o livro didático não deve ser vistoapenas como veículo de reprodução vertical de senti-dos e de finalidades das políticas curriculares. Con-cordamos com Ball (1999) no que se refere à existên-cia de diferentes contextos que funcionam comoespaços de negociação e formação das políticas cur-riculares. Esses espaços simbólicos não possuem fron-teiras delimitadas com exatidão, como também seussignificados não se limitam ao contexto de origem;eles podem transitar livremente entre os diferentesespaços. Isso acontece porque, por exemplo, os parti-cipantes da construção do livro didático também sãointegrantes de outros contextos, e seus textos produ-zidos em determinado espaço transitam por outrosespaços, adquirindo novos sentidos e interpretações.

Ball (1999) identifica três diferentes contextosque participam da elaboração das políticas curricula-res: o contexto da influência, no qual as definições eos discursos políticos são iniciados e/ou construídos;o contexto da produção, no qual textos com as defini-ções políticas selecionadas anteriormente são produ-zidos; e o contexto da prática, no qual as definiçõescurriculares são recriadas e reinterpretadas. É nesseúltimo contexto que as definições curriculares são

colocadas em ação (prática), por isso as ações peda-gógicas referentes à escola estão nesse espaço, incluin-do-se aí também a elaboração do livro didático.

Entretanto, esse processo de elaboração das po-líticas curriculares não acontece em um único senti-do, do contexto da influência (dos organismos inter-nacionais) para o contexto da prática (escola, livrosdidáticos), por exemplo. Muitos estudos ressaltam queas políticas curriculares costumam apropriar-se deconcepções produzidas em diversos contextos, comoé o caso da proposta curricular do ensino médio noBrasil (Abreu & Gomes, 2004; Lopes, 2003, 2004a,2004b; Silva & Lopes, 2004). Os PCNEM não se apro-priaram somente dos discursos do campo internacio-nal (contexto de influência), mas também de deter-minados discursos existentes no campo de ensino decada área de conhecimento, existindo assim umacircularidade das influências e reinterpretações quedependem do grau de articulação dos grupos envolvi-dos nesse processo.

Nessa perspectiva, consideramos que o livro di-dático não é apenas um reprodutor das políticas cur-riculares, na medida em que o campo editorial se apro-pria das concepções das propostas oficiais e da práticae as reinterpreta de acordo com as suas próprias con-cepções e finalidades. Novos significados e interpre-tações formam-se, influenciando não só o contextoescolar como também os contextos que lhe deramorigem. Afirmamos, portanto, que os livros didáticossão produtores de políticas curriculares, seja pelamanutenção de suas concepções, seja pelareinterpretação e introdução de novas questõestrazidas pelas propostas oficiais.

Discursos sobre o mundo doDiscursos sobre o mundo doDiscursos sobre o mundo doDiscursos sobre o mundo doDiscursos sobre o mundo dotrabalho nos livros didáticostrabalho nos livros didáticostrabalho nos livros didáticostrabalho nos livros didáticostrabalho nos livros didáticos

Como já dissemos, neste artigo detemo-nos naanálise de livros didáticos de química, biologia, ma-temática e física, da coleção “De olho no mundo dotrabalho”. A escolha desses materiais para análise éjustificada por sua edição posterior aos primeiros do-cumentos oficiais da reforma do ensino médio (Bra-

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Rosanne Evangelista Dias e Rozana Gomes de Abreu

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sil, 1996, 1998), além de possuírem referências ex-plícitas à apropriação de princípios preconizados nostextos oficiais. Isso se expressa numa valorização domundo do trabalho e do “novo ensino médio”, tantonos dizeres de divulgação das capas e contracapasquanto nas cartas de apresentação das obras ao pro-fessor e/ou ao estudante.

Apesar de os livros pertencerem à mesma cole-ção, eles não apresentam uma estrutura de organiza-ção uniforme. Podemos interpretar isso pelo fato deque, mesmo pertencendo à mesma editora e coleção,os autores de cada livro interpretam de formas diver-sas as orientações gerais para a elaboração dos mate-riais didáticos, uma vez que levam em consideraçãoseus interesses e concepções. Observamos tambémque essas incorporações se diferenciam entre os gru-pos disciplinares, os quais são considerados espaçosde influência na produção das políticas curriculares,assim como na difusão dos discursos curriculares(Lopes, 2003).

Os livros da coleção analisada, na sua maioria,são organizados por unidades gerais, divididas emcapítulos, com apresentação do conteúdo respectivoe exercícios ao final. De um modo geral, os livrosdidáticos pouco alteram sua estrutura, especialmenteno que diz respeito à organização dos conteúdos dis-ciplinares, reforçando a estrutura disciplinar do ensi-no médio (Abreu & Gomes, 2004).

O livro de química, segundo os autores, surgiu coma finalidade de “se tornar um acessório para o cumpri-mento da principal função do professor: despertar a‘fome’ nos alunos” (Carvalho & Souza, 2003, p. 2).Assim, afirmam que a intenção da obra é fornecer con-dições para o desenvolvimento de uma visão atualiza-da do nosso mundo, estimulando “a instrumentaliza-ção da química, ou seja, as habilidades necessárias paraa interpretação e aplicação das questões abordadas”(idem, p. 5). O livro apresenta três grandes unidades,relacionadas com a organização do conhecimento quí-mico científico (química geral, físico-química, quími-ca orgânica). Quanto à ordem de abordagem dos con-teúdos do conhecimento químico escolar apresentadosnos capítulos, não existe nenhuma mudança significa-

tiva com relação a outros livros da editora. Existemainda, ao longo dos capítulos, três tipos de seçõesinseridas na forma de boxes coloridos, denominados“De olho no contexto” e “A química é notícia”, quetêm a função de relacionar a química com o contextomais amplo do dia-a-dia, e “De olho no mundo do tra-balho”, no qual se propõe uma correspondência entreos conceitos da química e o seu uso em diversas pro-fissões de nível superior ou médio.

Já o livro de biologia apresenta os conteúdos emsete unidades, de acordo com os últimos avanços dessaárea, segundo o autor, e abordando temas transver-sais como ambiente, biotecnologia, saúde e sexuali-dade (Machado, 2003). Ao longo dos capítulos tam-bém existem textos complementares, na forma deboxes coloridos, organizados e denominados peloautor, no encarte Assessoria Pedagógica, de: a) boxessobre profissões, “De olho no mundo do trabalho” e“Produção! O mundo do trabalho”, que apresentam aconexão entre os conceitos de biologia e sua utilida-de no contexto profissional do mundo atual; b) boxessobre questões diversificadas, como a associação dabiologia com as outras áreas de conhecimento no es-tudo de um problema, no bloco “Interdisciplinarida-de! Associando conhecimentos”, as recentes pesquisascientíficas para aprofundamento, no “Biodescober-ta!”, a ligação entre a biologia e aspectos de saúde,no “Sexualidade! Orientação sexual”, ou ainda deque maneira utilizar o conteúdo de biologia comogerador de soluções para os problemas do dia-a-dia,no “De olho no contexto”; c) boxes com propostasde atividades, como o “Cidadania: participação so-cial”, o “Fórum de discussão” e o “Entrevista! Apren-dendo com quem faz”, que estimulam a iniciativa ea tomada de decisões, bem como o trabalho em equi-pe, a integração e o convívio social equilibrado, ouainda o “Investigação! Experimento simples”, noqual uma atividade prática é incentivada; d) e boxesque explicam o significado de termos específicos ci-tados nos capítulos, no “Termos de biologia”, ou queindicam referências bibliográficas na internet paraaprofundamento dos temas, no “Busca! Fontes depesquisa”.

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Discursos do mundo do trabalho nos livros didáticos do ensino médio

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Com o livro de matemática, a disciplina apro-veita-se da discussão central do mundo do trabalhopara mostrar sua importância em todos os campos doconhecimento e sua aplicação em variados contextosprofissionais, levando aos alunos

as principais idéias e conceitos da matemática no ensino

médio, relacionando-os permanentemente com o mundo do

trabalho e com as mais diversas e fascinantes aplicações da

matemática no mundo que nos cerca. [...] a matemática será

sempre uma poderosa linguagem de estudo e desenvolvimen-

to, seja qual for a área do conhecimento à qual você pretenda

se dedicar. (Youssef, Soares & Fernandez, 2004, p. 3)

Entre os objetivos declarados pelos autores notexto de apresentação do livro está o de fazer o alunoter resposta para a seguinte pergunta: “para que eutenho que aprender isso?” (idem, ibidem). Essa ques-tão relaciona-se com os aspectos operacionais e ins-trumentais do conhecimento, como apontado porLyotard (2002), característicos da performatividadedo ensino. Os autores também vão defender que omodo como o livro foi organizado pretende garantirao aluno a percepção das aplicações para utilizar-sedo conhecimento matemático nos mais variados con-textos de resolução de problemas em sua futura pro-fissão (idem, ibidem). Desse modo, a cada capítulo olivro faz “chamadas” para a introdução de conceitosde idéias matemáticas, relacionando-os à utilizaçãoem determinadas profissões. Apresenta ainda quatroseções destacadas, sendo uma delas o boxe sobre pro-fissões, “De olho no mundo do trabalho”, e outrastrês intituladas “De olho na história da matemática”,mostrando a evolução da construção e o desenvolvi-mento dos conceitos matemáticos na história da hu-manidade, “De olho no contexto”, com aplicações damatemática no dia-a-dia, e “De olho na...”, associan-do a matemática a disciplinas como física, arte etc.

No livro de física, os discursos sobre o mundodo trabalho são desenvolvidos em seu capítulo ini-cial, cuja temática é “a Física no campo da ciência”.Nesse capítulo introdutório são apresentadas as rela-ções da física com os avanços científico-tecnológicos

no mundo contemporâneo. Entre os objetivos do en-sino de física, apontados pelos autores, está o de queo aluno possa, ao longo do curso, responder às se-guintes questões: “por que preciso adquirir esses co-nhecimentos?” e “para que eles irão me servir?” (Má-ximo & Alvarenga, 2003, p. 11). Essas questões sãodefendidas pelos autores como importantes para queos alunos compreendam o papel da ciência e das suastécnicas. Novamente, podemos perceber nessas ques-tões a idéia de aplicabilidade do conhecimento, acen-tuando seu caráter instrumental. Há, ao longo do li-vro, a apresentação de uma seção intitulada “Históriae contextos”, com o objetivo de destacar a história dafísica e a aplicação dos conceitos da disciplina emcontextos variados, além da seção “De olho no mun-do do trabalho”.

Com relação aos princípios preconizados pelosdocumentos oficiais da reforma, chama-nos a aten-ção a valorização do discurso do mundo produtivopelo próprio título da coleção analisada. SegundoMachado, “o pensar de modo criativo, crítico e autô-nomo é uma condição essencial para o sucesso nomundo do trabalho” (Machado, 2003, p. 3). O autorainda trata da formação para o trabalho em um mun-do em mutação, dizendo que o objetivo da obra é fa-vorecer os alunos na “busca permanente de novas eimportantes competências que os acompanharão pelavida afora”, tornando-os aptos “a fazer uso de novastecnologias, vencendo os desafios que a vida impõe”(idem, ibidem).

Nos dizeres das capas, contracapas e na apresen-tação, existe uma preocupação com um indivíduo cria-tivo, autônomo, crítico, cooperativo, que deve serformado pela escola. Pede-se prioridade para conhe-cimentos e competências mais gerais, uma vez queestes serão essenciais “para a inserção do aluno nomercado de trabalho e para a continuidade dos seusestudos” (idem, p. 4). A preocupação com a formaçãocontínua do indivíduo vai ao encontro das orienta-ções dos discursos sobre o mundo do trabalho rela-cionados à lógica da performatividade. O trabalhadorda sociedade contemporânea deve estar preparado paraacompanhar as mudanças dos diferentes contextos,

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sendo flexível, criativo e rápido o bastante para to-mar decisões conscientes, além de ter capacidade paraaprender continuamente a partir da resolução de pro-blemas.

Com relação aos boxes intitulados “De olho nomundo do trabalho”,1 comum a todos os volumes ana-lisados dessa coleção, verificamos que são diversasas profissões citadas a fim de estabelecer ligaçõesentre os conteúdos disciplinares e sua aplicação nomundo produtivo, com predominância de profissõesde nível universitário.

Das formações de nível universitário, a maioriafaz parte do grupo denominado por Bernstein (1996,1998) como regiões. Nas regiões, a formação está vin-culada à aplicação do conhecimento derivado de di-versos campos, como é o caso da engenharia, jornalis-mo, arquitetura, entre outras. As regiões são sintetizadaspor Bernstein (1996) como “interface entre as discipli-nas e as tecnologias que elas tornam possível” (p. 219).Nos boxes, a maior parte das profissões faz uso de tec-nologias avançadas. No livro de física, por exemplo, ofísico médico (desenvolve instrumentos e técnicas parao diagnóstico e tratamento de doenças), e no livro dematemática, o cientista da computação (desenvolveferramentas para o uso do computador).

Quanto às profissões citadas repetidamente(geólogo, veterinário etc.), verificamos que o textode apresentação não é o mesmo nas diferentes disci-plinas. Os textos das referidas profissões possuemencaminhamentos de acordo com o conhecimentodisciplinar no qual estão inseridos. Passam, assim, porreinterpretações e recontextualizações segundo a ló-gica do conhecimento de cada área disciplinar, bemcomo consideram as finalidades e interesses do gru-po disciplinar que participa da elaboração do mate-rial didático.

Grande parte das profissões pertence ao setor deprodução e serviços, sendo indicados como espaços

de trabalho os laboratórios de pesquisa em indústrias,bancos de investimento, museus públicos e privados,empresas que empregam tecnologia, grandes obras daconstrução civil como hidrelétricas, entre outros, acen-tuando a caracterização do mercado de trabalho comoamplo e diversificado. Conceitos e idéias como: efi-cácia, eficiência, viabilidade econômica, automação,produtividade do sistema, competição no mercado detrabalho e a idéia de versatilidade do profissional,apresentado como “curinga” (Youssef, Soares &Fernandez, 2004, p. 23), presentes nos discursos so-bre o mundo do trabalho na reforma curricular, sãoincorporados nos textos sobre as profissões. Enten-demos que o propósito desses boxes seja tambémenfatizar conceitos/idéias que fazem parte do discur-so sobre o mundo do trabalho presentes nas políticascurriculares do ensino médio.

Ressaltamos que o discurso sobre o mundo dotrabalho presente nos livros didáticos se restringe àapresentação das obras e aos boxes que falam sobreas profissões. Em outras palavras, além do texto deapresentação e dos boxes específicos, não existe umaarticulação maior entre os conteúdos de cada disci-plina e os discursos circulantes sobre o mundo do tra-balho. O direcionamento proposto pela coleção ana-lisada concentra-se em um caráter de aplicabilidadedo conhecimento e numa conseqüente valorização doconhecimento científico-tecnológico.

Considerações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finais

O discurso do mundo do trabalho cada vez maisganha destaque no campo educacional, uma vez queoutros contextos, como o da produção e da prática, seapropriam e recontextualizam suas orientações.

No caso dos livros didáticos, ocorre a apropria-ção dos conceitos dos discursos sociais e econômicosque valorizam o conhecimento científico-tecnológi-co submetido à lógica do mercado, dos conceitos in-troduzidos por documentos educacionais oficiais enão-oficiais, bem como dos discursos dos própriosautores e dos interesses editoriais. Sendo assim, po-demos afirmar que a elaboração do livro didático so-

1 A editoração e a redação desses boxes foram realizadas por

profissionais integrantes da equipe do Guia do Estudante, da edi-

tora Abril.

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fre a influência de todos os contextos que participamdo processo de formação das políticas curriculares,ou seja, do contexto de influência até o contexto daprática.

Verificamos que a recontextualização da baseproposta para a organização da coleção analisada, omundo do trabalho, não produziu os mesmos signifi-cados nas diferentes disciplinas. Os livros de mate-mática e de biologia apresentam uma incorporaçãomaior das concepções do novo trabalhador aplicadasà educação, na qual o desenvolvimento de competên-cias e habilidades desejáveis para o futuro trabalha-dor deve capacitá-lo ao ajuste das variadas situaçõesde trabalho. Já nos livros de química e física, a preo-cupação maior é a utilidade do conhecimento disci-plinar no contexto social mais amplo, relacionadoprincipalmente ao setor produtivo e às tecnologias.

A ressignificação sobre o discurso do mundo dotrabalho pelas disciplinas analisadas acarreta diferen-tes sentidos para a aplicabilidade do conhecimento.Diferenças essas que levam em consideração os inte-resses e as finalidades de cada grupo disciplinar du-rante o processo da recontextualização. Na química ena física, a aplicabilidade do conhecimento concen-tra-se na contextualização das tecnologias relaciona-das ao cotidiano e ao mundo produtivo, como formade valorizar o conhecimento científico-tecnológicoespecífico de cada área. Já a biologia e a matemáticaapresentam um discurso que valoriza a aplicabilidadedo conhecimento pelas competências e habilidadesligadas à idéia da performatividade do trabalho, alémdas questões citadas nas outras disciplinas.

Entretanto, existe um traço de similaridade entreos livros, na medida em que todas as disciplinas in-corporam o princípio de aplicabilidade do conheci-mento na apresentação das profissões. Todas as dis-ciplinas utilizam as profissões como meio de aplicaro conhecimento de determinado conteúdo curricularespecializado, fazendo com que elas funcionem maiscomo uma ferramenta para demonstrar a utilidade doconhecimento científico, como uma tecnologia quetem o objetivo principal de ressaltar e valorizar osconhecimentos específicos da área.

Outro ponto a considerar é que essa aplicabilidadedo conhecimento não produz alterações significativasna seleção e organização dos conteúdos disciplinaresda coleção, não contribuindo assim para o questiona-mento da construção do currículo, nem dos conheci-mentos considerados socialmente válidos. Em outraspalavras, a utilização do discurso do mundo do traba-lho pela lógica da performatividade implica a manu-tenção da disciplina como padrão de estabilidade cur-ricular (Goodson, 1997) para a coleção analisada.

Portanto, além de os livros didáticos dessa cole-ção terem sofrido a influência de vários contextosdurante a sua elaboração, eles também se apresentamcomo produtores de diversos sentidos e posições,como, por exemplo, a valorização da aplicabilidadedo conhecimento, a importância do desenvolvimentode competências, a valorização do conhecimento cien-tífico-tecnológico e de um maior tempo de escolari-zação. Essas ressignificações influenciarão a produ-ção das políticas curriculares tanto no contexto daprática quanto no contexto de produção de políticas.Nesse sentido, os livros didáticos assumem um cará-ter central na discussão e produção de políticas curri-culares.

Ressaltamos ainda que não estamos desconsi-derando as outras interpretações que os livros didáti-cos sofrem em outros contextos, como a sala de aula.É bem provável que essas reinterpretações não este-jam em consonância com as apresentadas neste arti-go, uma vez que levam em consideração outros as-pectos por nós não abordados. Entretanto, essas outrasreinterpretações não diminuem a importância da nos-sa análise, seja na investigação dos sentidos e signi-ficados que esses materiais trazem, seja na investi-gação da produção de políticas curriculares, uma vezque a releitura e a reinterpretação desses textos nãosão totalmente abertas. Destacamos que as políticascurriculares oficiais possuem mecanismos de controlepara essa releitura, promovendo, por exemplo, a pa-ráfrase dos textos curriculares por intermédio do mer-cado editorial. Dessa forma, os livros didáticos tor-nam-se redutores do caráter polissêmico dos textoscurriculares, na medida em que veiculam as leituras

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ditas mais apropriadas para determinado contextosócio-histórico. Por essa razão, salientamos que o es-tudo sobre os livros didáticos é de fundamental im-portância, na medida em que esses textos influen-ciam mais os contextos escolares do que os própriostextos oficiais.

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ROSANNE EVANGELISTA DIAS, mestre em educação

pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutoranda

em educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro

(UERJ), professora do Setor Curricular Multidisciplinar do Colé-

gio de Aplicação da UFRJ. Publicou recentemente: Competências

na formação de professores no Brasil: o que (não) há de novo, em

co-autoria com Alice Casimiro Lopes (Educação & Sociedade,

Campinas, v. 24, n. 85, p. 1.155-1.177, dez. 2003); Discurso das

competências nos manuais do professor – um estudo sobre os li-

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sobre questões curriculares. Rio de Janeiro: UERJ, ago. 2004. 1

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curriculares, em co-autoria com Silvia Braña López (In: 3º Coló-

quio Luso-Brasileiro sobre questões curriculares. Braga: Univer-

sidade do Minho, fev. 2006). Integra o grupo de pesquisa do Con-

selho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(CNPq) “Currículo: sujeitos, conhecimento e cultura”, participando

da pesquisa “A produção de políticas de currículo em contextos

disciplinares”, coordenada pela professora Alice Casimiro Lopes.

E-mail: [email protected]

ROZANA GOMES DE ABREU, mestre em educação pela

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutoranda em

educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),

é professora do Setor Curricular de Química do Colégio de Apli-

cação da UFRJ. Publicou recentemente: Tecnologia e ensino de

ciências: recontextualização no “Novo Ensino Médio” (In: 3º En-

contro Nacional de Pesquisa e Educação em Ciências. Atibaia:

ABRAPEC, 2001. 1 CD-ROM); Investigando a contextualização

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ensino médio, em co-autoria com Maria Margarida Gomes (In: 2º

Colóquio Luso-Brasileiro sobre questões curriculares. Rio de Ja-

neiro: UERJ, ago. 2004. 1 CD-ROM); Concepções curriculares

do grupo disciplinar de química e produção de políticas para o

ensino médio (In: 3º Colóquio Luso-Brasileiro sobre questões cur-

riculares. Braga: Universidade do Minho, fev. 2006). Integra o

grupo de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico (CNPq) “Currículo: sujeitos, conheci-

mento e cultura”, participando da pesquisa “A produção de políti-

cas de currículo em contextos disciplinares”, coordenada pela pro-

fessora Alice Casimiro Lopes. E-mail: [email protected]

Recebido em novembro de 2005

Aprovado em março de 2006

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Resumos/Abstracts/Resumens

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context of the reconstruction of thepublic sphere in Latin America. It isargued, after returning to the socialand pedagogical locations where po-pular education originated, that adistinctive trait of popular education isthe notion of search itself, in the samesense that the Latin American identityitself constitutes a similar space ofpossibilities. This is followed by ananalysis of some clandestinepedagogical strategies, thusunderstood since they arecharacterized respectively as absenceor for what is hidden by hegemonicpedagogical theory: pedagogy ofsurvival, of resistance, and of relation.At the end there is an allusion to theimage of the labyrinth for defining theperplexities – past and present – of po-pular education.Key-words: popular education; LatinAmerica; public sphere; clandestinepedagogies

La educación popular y lareconstrucción del público. ¿Hayfuego sobre las brasas?El artículo busca ubicar la educaciónpopular en el contexto de lareconstrucción de la esfera pública enAmérica Latina. A partir de la vuelta asus orígenes para identificar el lugarsocial y los espacios pedagógicos enlos cuales la misma se originó, argu-menta que un trazo distintivo de laeducación popular es la propiabúsqueda, en el mismo sentido en quela identidad latinoamericana seconstituye como este lugar deposibilidades. A seguir analiza algunasestrategias pedagógicas clandestinas,así entendidas por caracterizarsecomo ausencia u ocultación, respecti-vamente: pedagogía de lasobrevivencia, de la resistencia y de larelación. Al final, retorna a la imagendel laberinto para definir las perplexi-dades – históricas y actuales – de laeducación popular.

Palabras claves: educación popular;América Latina; esfera pública;pedagogías clandestinas

Elizabeth Macedo

Currículo como espaço-tempo defronteira culturalA autora defende que o currículo preci-sa ser pensado como espaço-tempo defronteira entre culturas, garantindo acentralidade da categoria cultura emdetrimento do conhecimento, caro àpedagogia crítica e ainda hojeembasando as discussões do campo.Utiliza-se, na construção da argumen-tação, de discussões pós-coloniais, es-pecialmente as contribuições de H.Bhabha, S. Hall e B. S. Santos. Concluique tratar o currículo como entre-lugarcultural em que se expressam princí-pios do Iluminismo e do mercado, mastambém alternativas geradas na ambi-valência dos globalismos, pode permi-tir ao currículo rearticular sua dimen-são política na contemporaneidade.Palavras-chave: currículo; pós-colonialismo; cultura

Curriculum as the space-time ofcultural frontierThe author defends the position thatthe curriculum should be thought of asthe space-time frontier betweencultures. In so doing, the text proposesto guarantee the centrality of thecategory culture over knowledge,which is important to critical pedagogyand fundamental to the discussionswithin this field. Post-colonial theoriesas proposed by H. Bhabha, S. Hall andB. S. Santos are the theoreticalcontributions that sustain theargumentation. The text argues that tothink about curriculum as a culturalin-between where we can findcontributions from Illuminist theoryand the market, as well as alternativescreated in the ambivalence of theseglobal discourses, can rearticulate thepolitical dimension of curriculum in

contemporary society.Key-words: curriculum; post-colonialism; culture

Currículo como espacio-tiempo defrontera culturalLa autora defiende que el currículoprecisa ser pensado como espacio-tiempo de frontera entre culturas,garantiendo la centralidad de lacategoría cultural en detrimento delconocimiento, caro a la pedagogía crí-tica y todavía hoy sirve de base a lasdiscusiones del campo. Se utiliza en laconstrucción de la argumentación, dediscusiones pos-coloniales, especial-mente las contribuciones de H.Bhabha, S. Hall y B. S. Santos.Concluye que tratar el currículo comoentre-lugar cultural en que se expresanprincipios del iluminismo y del merca-do, mas también alternativasgeneradas en la ambivalencia de losglobalismos, puede permitir al currícu-lo rearticular su dimensión política enla contemporanidad.Palabras claves: currículo; pos-colonialismo; cultura

Rosanne Evangelista Dias e RozanaGomes de Abreu

Discursos do mundo do trabalho noslivros didáticos do ensino médioNeste estudo, focalizamos os discursossobre o mundo do trabalho nos livrosdidáticos da área de ciências da cole-ção De olho no mundo do trabalho(editora Scipione), como parte de umapolítica curricular para o ensino médio.Entendemos a constituição de políticascurriculares como um processo de ne-gociação complexo que inclui influên-cia, produção e disseminação de textoscirculantes que estão sujeitos à recria-ção contínua no contexto da prática(Ball). Analisamos como os discursossobre o mundo do trabalho são apro-priados e recontextualizados(Bernstein) na elaboração de livros di-

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Resumos/Abstracts/Resumens

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 373

dáticos e quais novos sentidos e signi-ficados são produzidos. Identificamosno discurso sobre a formação para otrabalho sentidos e significados queprecisam ser refletidos pela comunida-de educacional, considerando as rela-ções estabelecidas entre os contextoseconômico e educacional que resultamem formas de ensino e aprendizagemque acentuam o caráter deperformatividade (Lyotard).Palavras-chave: ensino médio; livro di-dático; políticas curriculares; trabalho

Discourse on the world of work insecondary school textbooksIn this study, we focus on discourse onthe world of work in science textbooksof the collection With an eye on theworld of work (De olho no mundo dotrabalho), published by Scipione, aspart of a curriculum policy forsecondary education. We understandthat the construction of curriculum po-licies is a complex process ofnegotiation that includes influence,production and dissemination of textswhich circulate and which are subjectto continuous recreation in the contextof practice. We analyse how discourseon the world of work is appropriatedand re-contextualised in theelaboration of school textbooks andwhat new meanings are produced. Inthe discourse on training for work, weidentify meanings that the educationalcommunity needs to reflect upon,considering the relations establishedbetween educational and economiccontexts that result in forms ofteaching and learning, accentuatingthe character of performance.Key-words: secondary education;textbook; curriculum policies; workand education

Discursos del mundo del trabajo enlos libros didácticos de la enseñanzasecundariaEn este estudio, enfocamos los discur-sos sobre el mundo del trabajo en los

libros didácticos de la área de cienciasde la colección De ojo en el mundo deltrabajo (editora Scipione), como partede una política curricular para laenseñanza secundaria. Entendemos laconstitución de políticas curricularescomo un proceso de negociacióncomplejo que incluye influencia,producción y diseminación de textoscirculantes, que están sujetos a larecreación continua en el contexto dela práctica (Ball). Analisamos comolos discursos sobre el mundo deltrabajo son apropiados y contextuali-zados (Bernstein) en la elaboración delibros didácticos y en los cuales losnuevos sentidos y significados sonproducidos. Identificamos en el discur-so sobre la formación para el trabajo,sentidos y significados, que precisanser pensados por la comunidad educa-cional, considerando las relacionesestablecidas entre los contextoseconómico y educacional que resultanen formas de enseñanza y aprendizajeque acentuan el caracter deperformatividad (Lyotard).Palabras claves: enseñanza secunda-ria; libro didáctico; políticas curricu-lares; trabajo

Isabel Cristina de Moura Carvalho

As transformações na esfera públicae a ação ecológica: educação epolítica em tempos de crise damodernidadeDiscute as transformações da esferapública contemporânea e a emergênciade novos modos de ação política asso-ciados à formação de um campo políti-co e pedagógico ambiental. Afirma quea ação política ambiental, no contextodo ambientalismo e da nova esquerdacontracultural, pode ser consideradauma das expressões da crise da moder-nidade. Nesse sentido, os movimentosecológicos buscam reposicionar o egoe o socius, o privado e o público, a éti-ca e a estética na esfera de ação

societal. Isso repõe um dilema que re-mete tanto às tendências conflitivas damodernidade quanto ao seu projetoemancipatório. Ante essa problemática,algumas análises destacam a dissolu-ção e o declínio da política, enquantooutras enfatizam a emergência de umanova forma de ação política. Por fim, oartigo explora os rebatimentos dessasmudanças sociais no campo da açãoeducativa, particularmente a educaçãoambiental, preocupada com a constru-ção de um sujeito ecológico.Palavras-chave: ação política; moder-nidade; educação ambiental; sujeitoecológico

Changes in the public sphere andecological action: education andpolitics in the crisis of modernityThe article discusses transformationsin the contemporary public sphere andthe emergence of new types of politicalaction, which are related to thecreation of a political and pedagogicalenvironmental field. The politicalenvironmental action may beconsidered as part of thecounterculture and the new leftmovements. Therefore, it may be takenas one of the expressions of the crisisof modernity, which is redefining therole of social action in terms of indivi-dual, private, public, ethical andaesthetic action. This dilemma exposesthe conflicts which constitutemodernity and its emancipatingproject. In the face of this problematic,some analyses emphasise thedissolution and the decline of politicswhilst others underline the emergenceof a new way of doing politics. Finally,the article explores the aftermaths ofthese social changes in the educationalfield, especially in environmentaleducation, which is concerned with theconstruction of an ecological self.Key-words: political action;modernity; environmental education;ecological self