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DISCURSO E LEITURA: A PRÁTICA DISCURSIVA DA LEITURA NA SALA DE APOIO À

APRENDIZAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA

FONTANINI, Afife Maria dos Santos Mendes – UEL/PR [email protected]

Eixo Temático: Políticas Públicas, Avaliação e Gestão da Educação

Agência Financiadora: Secretaria de Estado da Educação – SEED/PR Resumo O artigo trata da aplicação do projeto de intervenção pedagógica “Discurso e Leitura: A prática discursiva da leitura na Sala de Apoio à Aprendizagem de Língua Portuguesa”, desenvolvido nas aulas de contraturno, na Escola Estadual Professor Francisco Antonio de Sousa, como trabalho final do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE 2009), no Estado do Paraná. O foco da discussão é o processo ensino-aprendizagem da leitura, assumido pelos professores que atuam na sala de apoio, bem como a metodologia aplicada para detectar as significações de um texto junto ao alunado. A concepção de linguagem que permeia o trabalho é a interacionista e os estudos teóricos para a compreensão das formas de “assujeitamento ideológicas”, quando da escolha e elaboração de atividades de leitura e interpretação, estão alicerçados na (AD) Análise do Discurso Francesa e nas Diretrizes Curriculares Estaduais da Educação Básica. Ao considerar os alunos, com dificuldades de aprendizagem, sujeitos-leitores, é preciso que todo o corpo docente visualize a importância de expandir os conhecimentos linguísticos, as experiências e vivências sócio-culturais dos educandos. Ao apoiá-los a (re)significar e (re)significar-se, tratando a leitura como um trabalho intelectual, a compreensão dos discursos explícitos e implícitos torna-se uma necessidade real na atribuição de sentidos. Palavras-chave: Discurso. Leitura. Sujeito-leitor. Memória e condições de produção.

Introdução

A busca de estratégias que auxiliem o processo ensino-aprendizagem na transição dos

alunos, dos anos iniciais para os anos finais do Ensino Fundamental, sempre foi muito

discutida por especialistas na área da educação, bem como pelos professores e equipes

pedagógicas. No intuito de propor uma ação para ajudar a comunidade escolar paranaense a

avançar nessa questão, foi que a Secretaria de Estado da Educação

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[...] implementou o Programa Salas de Apoio à Aprendizagem em 2004, com o objetivo de atender às defasagens de aprendizagem apresentadas pelas crianças que frequentam a 5ª série/6º ano do Ensino Fundamental. O programa prevê o atendimento aos alunos, no contraturno, nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, com o objetivo de trabalhar as dificuldades referentes à aquisição dos conteúdos de oralidade, leitura, escrita, bem como às formas espaciais e quantidades nas suas operações básicas e elementares. (Portal dia a dia Educação, acesso em: 12 mar. 2010).

Na Sala de Apoio à Aprendizagem, doravante denominada SAA, a presença do aluno

não é obrigatória e, por tratar-se de um “programa governamental”, os pais do educando

devem concordar com a necessidade de extensão do tempo escolar. É função da direção e

equipe pedagógica da escola entrar em contato com a família, informando sobre tal

importância, assim que um diagnóstico avaliativo for efetuado pelo professor regente da 5ª

série/6º ano. No entanto, é preciso que tanto professor regente como o de apoio compreendam

que essa sala não é um ambiente de reforço escolar, mas um espaço de apoio/base para que o

aluno continue seu processo de letramento. O objetivo desse trabalho é contribuir para elevar

os índices de efetivo aprendizado do aluno, até torná-lo capaz de prosseguir sozinho. O

princípio da flexibilização, disposto na LDBEN nº 9394/96, segundo o qual cabe ao sistema

de ensino criar condições possíveis para que o direito à aprendizagem seja garantido ao aluno,

é que faculta o desenvolvimento do referido programa.

De acordo com as Diretrizes Curriculares Estaduais de Língua Portuguesa (2008, p.

62-63), o discurso como prática social é o conteúdo estruturante que organiza e identifica o

conjunto de saberes e conhecimentos desta disciplina, por meio das práticas discursivas da

oralidade, leitura e escrita. Diante dos inúmeros debates sobre o desenvolvimento social,

cognitivo e afetivo das crianças, na faixa etária de 5ª série/6º ano, bem como da importância

da formação de um sujeito-leitor, foi que se elaborou o projeto de intervenção pedagógica:

“ Discurso e Leitura: A prática discursiva da leitura na Sala de Apoio à Aprendizagem de

Língua Portuguesa”.

Ao trabalhar com a prática discursiva da leitura na SAA, faz-se necessário romper com

a cristalização de algumas crenças, quais sejam:

• O livro didático, ainda que não formalmente adotado, é uma fonte segura de conteúdos do conhecimento (no caso da Sala de Apoio, há utilização do Caderno de Orientações Pedagógicas: Língua Portuguesa/SEED-PR, 2005; grifos nossos);

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• O ensino envolve, fundamentalmente, a ocupação dos alunos com exercícios pré-elaborados para busca de respostas certas; • O aluno, para aprender, necessita de internalização/memorização de regras e/ou de modelos fornecidos pelo professor durante ou após a correção de exercícios; • A aprendizagem é, antes de tudo, uma tarefa individual; • O controle da disciplina dos alunos, por meio de diferentes mecanismos, envolve a produção do silêncio em sala de aula, necessário ao bom andamento das atividades de ensino-aprendizagem; • Determinados alunos – principalmente os considerados “problemas” – jamais vão aprender, independentemente dos métodos e recursos utilizados pelos professores (SILVA, 2005, p. 74-75).

Ao considerar o aluno da SAA um sujeito-leitor, é preciso que todo o corpo docente (e

não apenas os professores de Língua Portuguesa e Matemática) visualize a importância de

expandir os conhecimentos linguísticos, as experiências e vivências sócio-culturais desses

educandos, ou seja, suas formações discursivas. Ao apoiá-lo, a (re)significar e (re)significar-

se, tratando a leitura como um trabalho intelectual, a compreensão dos discursos explícitos e

implícitos tornar-se-á uma necessidade real na atribuição de sentidos.

Concepções de linguagem assumidas pelos professores

Ao retomarmos o percurso histórico do trabalho com a Língua Portuguesa,

detectamos a influência de várias concepções teóricas no processo ensino-aprendizagem dos

docentes. Geraldi (1997) nos coloca, claramente, três formas de se trabalhar a linguagem

nessa caminhada: “como expressão do pensamento”, “como forma de comunicação” e “como

forma de interação”. Tais concepções convivem ainda, simultaneamente, no espaço escolar,

fazendo com que professores e alunos sejam “interpelados” por essas formações discursivas

que representam um modo de trabalho com a linguagem.

Segundo Orlandi (2001, p. 18),

[...] todo falante e todo ouvinte ocupa um lugar na sociedade, e isso faz parte da significação. Os mecanismos de qualquer formação social têm regras de projeção que estabelecem as relações entre as situações concretas e as representações (posições) dessas situações no interior do discurso: são as formações imaginárias. O lugar assim compreendido, enquanto espaço de representações sociais, é constitutivo de significações. Tecnicamente, é o que se chama relação de forças no discurso.

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Por mais que a DCE de Língua Portuguesa, a Resolução nº. 196/2010 sobre a

distribuição de aulas, a Resolução nº. 371/2008 – GS/SEED, a Instrução nº. 22/2008 –

SUED/SEED estabeleçam um perfil e as atribuições dos profissionais ligados a SAA,

reforçando a necessidade de uma metodologia diferenciada, ainda assim, em algumas salas, o

trabalho com a metalinguagem do ensino da língua se sobrepõe. Isso devido ao

assujeitamento dos professores a determinadas concepções/formações discursivas, ou seja, a

filiação a determinadas redes de memória.

Um exemplo claro desse assujeitamento é a forma utilizada para diagnosticar as

dificuldades apresentadas pelos educandos nas práticas discursivas da oralidade, leitura e

escrita, considerando o nível de conhecimento esperado pelos alunos concluintes das séries

iniciais do Ensino Fundamental. Normalmente, os professores regentes da 5ª série/6º ano

elaboram uma avaliação para indicar quais crianças deverão frequentar a SAA e, a partir dos

resultados, preenchem a ficha de encaminhamento. Observa-se, muitas vezes, que tais

avaliações acabam por supervalorizar a prática da escrita em detrimento às outras duas,

prevalecendo o enfoque do ensino de regras e de ortografia.

Para detectar essas interferências, realizamos uma entrevista e coletamos atividades

junto aos docentes, instigando-os a trabalhar com a prática da leitura na SAA. Após a

pesquisa, foi possível perceber que existe um entrecruzamento entre aquilo que se teoriza e

aquilo que se pratica. Abaixo, segue a transcrição das respostas de três professores:

Professor A: “Primeiramente seleciono textos curtos, interessantes e curiosos. Depois conversamos, esclarecemos a maneira correta de se fazer uma boa leitura, respeitando a pontuação, ritmo e entonação. Em seguida, todos fazem a leitura silenciosamente. Após todos lerem, peço que cada aluno leia em voz alta e individualmente. A cada aluno que lê se faz as correções necessárias e cabíveis”.

Professor B: “Procuro desenvolver atividades que despertem o interesse e a motivação, levo-os sempre a biblioteca para escolher livros, eles gostam muito principalmente de contos e poesias. Trabalhamos com textos interessantes de jornal, humor, propagandas, datas comemorativas, sempre atuais e chamativas. O mundo é repleto de imagens e linguagens e é por meio delas que interagimos. A língua é viva e o acompanha a todos os lugares, quando se conversa com um amigo... até a conversa na internet”.

Professor C: “Procuro iniciar as atividades de leitura trazendo a antecipação temática, baseado em questionamentos (referenciais), relacionados ao: texto/contexto. Essas informações estabelecem pré-conhecimentos que servem de parâmetros para dar sequência à atividade. Procuro através de uma leitura ordenada: interpretação, compreensão e inferenciação, o envolvimento e a atitude reflexiva e crítica do aluno sobre o objeto que lhe é posto”.

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Por meio das respostas, podem-se observar posições-sujeitos em diferentes formações

discursivas. O trabalho com a leitura é retratado a partir de suas posições ideológicas, modos

de conceber a leitura e experiências com a linguagem. Linguagem essa que se inscreve na

história e produz sentidos.

Para Orlandi (2007, p. 47),

O sentido é assim uma relação determinada do sujeito – afetado pela língua – com a história. É o gesto de interpretação que realiza essa relação do sujeito com a língua, com a história, com os sentidos. Esta é a marca da subjetivação e, ao mesmo tempo, o traço da relação da língua com a exterioridade: não há discurso sem sujeito. E não há sujeito sem ideologia. Ideologia e inconsciente estão materialmente ligados. Pela língua, pelo processo que acabamos de descrever.

Segundo Orlandi (2001, p. 37), “a leitura é o momento de constituição do texto, o

momento privilegiado do processo de interação verbal, uma vez que é nele que se desencadeia

o processo de significação”. Conclui-se então, “que não se pode trabalhar a leitura limitando-a

a um reducionismo linguístico”.

A compreensão de sujeito-leitor

A concepção de linguagem que permeará essa discussão é a interacionista e os estudos

teóricos, bem como a elaboração do material didático para o trabalho com a prática discursiva

da leitura, estão alicerçados na (AD) Análise do Discurso Francesa.

A Análise do Discurso surgiu entre as décadas de 60-70 na França, país que tinha forte

tradição escolar no estudo do texto literário e influenciou vários estudiosos brasileiros. Para a

AD, a linguagem não deve levar em consideração apenas aspectos gramaticais, ou seja, o

saber linguístico, mas também aspectos ideológicos, sociais que se manifestam através dos

discursos.

Segundo Orlandi (2007, p. 21), “no funcionamento da linguagem, que põe em relação

sujeitos e sentidos afetados pela língua e pela história, temos um complexo processo de

constituição desses sujeitos e produção de sentidos e não meramente transmissão de

informação”. Portanto, esses sujeitos são

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[...] seres situados num tempo histórico, num espaço geográfico; pertencem a uma comunidade, a um grupo e por isso carregam crenças, valores sociais, enfim a ideologia do grupo, da comunidade de que fazem parte. Essas crenças, ideologias são veiculadas, isto é, aparecem nos discursos. É por isso que dizemos que não há discurso neutro, todo discurso produz sentidos que expressam as posições sociais, culturais, ideológicas dos sujeitos da linguagem. Às vezes, esses sentidos são produzidos de forma explícita, mas na maioria das vezes não. [...] Fica por conta do interlocutor o trabalho de construir, buscar os sentidos implícitos, subentendidos. (BRANDÃO, 2005, p. 2-3)

Ao discutir a perspectiva de trabalho com a prática da leitura efetivada pelos docentes

da SAA, bem como os encaminhamentos metodológicos utilizados para detectar as

significações de um texto junto ao alunado, buscamos três sujeitos em funcionamento: a

SEED/NRE e a instituição escola (discurso institucional), o professor (que dirige o processo

educacional) e o aluno (do seu lugar social e na sala de apoio). Cada um desses sujeitos

reclama o outro no entrecruzamento de suas posições, seja a partir dos documentos oficiais

que organizam o funcionamento da SAA ou pelo planejamento, escolha e compreensão dos

textos a serem trabalhados.

Para que a compreensão dos textos seja exteriorizada pelos sujeitos é preciso que três

dimensões sejam atingidas:

a) O inteligível: ao que se atribui sentido atomizadamente (codificação); b) O interpretável: ao que se atribui sentido, levando-se em conta o co-texto linguístico (coesão); c) O compreensível: é atribuição de sentidos, considerando o processo de significação no contexto de situação, colocando-se em relação enunciado/enunciação. (ORLANDI, 2001, p. 115).

Na SAA, o trabalho com essas dimensões é imprescindível. Por tratar-se de alunos

que apresentam “dificuldades de aprendizagem”, os professores devem planejar momentos de

leitura, nos quais se considere: não o texto em si; mas exijam-se conhecimentos dos sujeitos

do discurso e de dados que permitam identificá-los e se atribuam sentidos. Por isso, a

dimensão do compreensível é a que deve ser mais trabalhada em sala de aula, pois ela

explicitará os processos de significação dentro da leitura a partir dos contextos sócio-

históricos, tornando os educandos mais críticos e participativos.

Alguns elementos das condições de produção da leitura como: os sujeitos (autor e

leitor), a ideologia, os diferentes tipos de discurso (verbal e não-verbal), a distinção entre

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leitura parafrástica (que procura repetir o que o autor disse) e a polissêmica (que atribui

múltiplos sentidos ao texto), precisam ser considerados. Além, é claro, das histórias da leitura

do texto e as histórias das leituras do leitor.

Segundo Antunes (2009, p. 186),

[...] o ensino descontextualizado tem transformado em privilégio de poucos o que é um direito de todos: a saber, o acesso à leitura e à competência em escrita de textos. Lamentavelmente, até o momento, aprender a ler, ou melhor, ser leitor, tem sido no Brasil prerrogativa das classes mais favorecidas. Quer dizer, os meninos pobres são levados a se convencerem de que “têm dificuldades de aprendizagem” e, portanto, não nasceram pra leitura.

De acordo com a DCE de Língua Portuguesa (2008, p. 14), “a escola pública

brasileira, nas últimas décadas, passou a atender um número cada vez maior de estudantes

oriundos das classes populares”, por isso a necessidade de definir qual formação se quer para

esses sujeitos, proporcionando que o acesso ao saber sistematizado seja igual para todos.

Nesse sentido é que, mesmo com tantas injunções, o Programa Sala de Apoio à

Aprendizagem deve ocupar um lugar de relevância dentro dos estabelecimentos de ensino,

porque se constitui em uma oportunidade não só de melhorar a taxa de rendimento escolar das

5ª séries/6º anos, mas de desencadear uma ação-reflexão quanto ao ensino-aprendizagem

tanto do aluno quanto do professor.

Ao desencadear ações para o trabalho específico com a leitura, o professor da SAA

deve elaborar um plano de trabalho docente adequado a uma concepção de sujeito-leitor. “É

muito importante, neste momento, que o docente tenha claro que apenas a alfabetização não é

suficiente. É preciso que o alfabetizado vá inserindo-se, sempre mais, no universo da

comunicação escrita – o que se tem definido como letramento -, pelo contato com diferentes

materiais e objetivos de leitura”. (ANTUNES, 2009, p. 204).

Ao apoiar o aluno neste trabalho, o professor precisa tomar as dificuldades apontadas

na ficha de encaminhamento, como possíveis níveis de desenvolvimento real, que precisam

sofrer a intervenção. Segundo Vygotsky (1998, p. 112),

[...] a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um

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adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes, é o que chamamos de zona do desenvolvimento proximal.

Essa ficha apresenta a indicação de 20 (vinte) conteúdos básicos, sendo assim

distribuídos: do 1 (um) ao 5 (cinco) referentes à prática da oralidade, do 6 (seis) ao 13 (treze)

referentes à prática da leitura e do 14 (catorze) ao 20 (vinte) referentes à prática da escrita.

Como o foco dessa pesquisa é a leitura, faz-se necessária uma análise mais detalhada dos seus

tópicos, à luz da Análise do Discurso.

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO – SUPERINTENDÊNCIA DE EDUCAÇÃO DEPARTAMENTO DE ENSINO FUNDAMENTAL – SALAS DE APOIO À APRENDIZAGEM

O Professor regente deve assinalar a situação em que o aluno se encontra em relação a cada conteúdo, considerando o nível de conhecimento esperado do aluno concluinte das séries iniciais (1ª à 4ª séries) do Ensino Fundamental.

INDICAÇÃO DE CONTEÚDOS BÁSICOS – LÍNGUA PORTUGUESA SIM PARCIAL- MENTE NÃO

6 Lê com relativa fluência, entonação e ritmo, observando os sinais de pontuação.

7 Reconhece a ideia central de um texto.

8 Localiza informações explícitas no texto.

9 Percebe informações implícitas no texto.

10 Reconhece os efeitos de sentido do uso da linguagem figurada.

11 Identifica a finalidade e os objetivos dos textos de diferentes gêneros.

12 É capaz de fazer relações de um texto com novos textos e/ou textos já lidos.

13 Interpreta linguagem não verbal.

A ficha, na íntegra, encontra-se disponibilizada no seguinte link:

http://www.diaadia.pr.gov.br/deb/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=62.

Esse documento aponta questões bem pontuais em relação ao trabalho com a leitura,

como: fluência, entonação, ritmo, sinais de pontuação, informações explícitas muito

pertinentes aos alunos em processo de alfabetização e também, tópicos que visam à

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interpretação como a ideia central, informações implícitas, efeitos de sentido da linguagem

figurada, finalidade/objetivos dos textos, bem como a interpretação de linguagem não verbal.

No entanto, para o trabalho dentro de uma perspectiva interacionista discursiva, além de fazer

relação de um texto com novos textos e/ou textos já lidos, o leitor precisa levar em conta

[...] as condições de produção, que envolvem não só a situação imediata (quem fala, a quem o texto é dirigido, quando e onde se produz ou foi produzido), mas também uma situação mais ampla em que essa produção se dá: que valores, crenças os interlocutores carregam, que aspectos sociais, históricos, que relações de poder determinam essa produção. Para produzir/compreender um texto tenho que ter não só conhecimentos linguisticos (conhecer o vocabulário, a gramática da língua, isto é, suas regras morfológicas e sintáticas), mas também tenho que ter conhecimentos extralinguísticos (conhecimento de mundo, enciclopédico, históricos, culturais, ideológicos de que trata o texto) que me permitirão dizer a que formação discursiva pertence e a que formação ideológica está ligado. (BRANDÃO, 2005, p. 10).

Só se desenvolve leitores críticos, autônomos e participativos à medida que a

atribuição de sentidos aos textos seja efetuada e a compreensão das relações de poder a eles

inerentes sejam desvendadas.

A construção de uma metodologia de trabalho

Precisamos pensar que o aluno está na SAA, mas faz parte de um contexto maior que é

o "ensino regular". Se não tentarmos expandir a sua visão de mundo, ao deixar de frequentar

essa sala, o mesmo continuará com dificuldades de aprendizagem. Trata-se, pois, não apenas

de apoiar o aluno a superar suas dificuldades e ter condições de acompanhar seus colegas do

turno regular, para diminuir, assim, a repetência e melhorar a qualidade da educação ofertada

pela rede pública, mas de trabalhar com as formas de “assujeitamento ideológicas”, pelas

quais alunos e professores encontram-se interpelados inconscientemente (ambiente social,

discurso institucional, discurso escolar/ensino-aprendizagem, modos de conceber um

leitor/ficha de encaminhamento e metodologia de ensino), levando-os a ocupar seus lugares, a

identificar-se ideologicamente com grupos ou classes de uma determinada formação social.

Ao buscar contribuições da perspectiva interacionista discursiva de leitura, não há

como limitar a interpretação de textos ao exercício de responder questionários, iguais aos que

se apresentam nos livros didáticos. Neste sentido, a AD contribui para a leitura das vozes

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sociais, dos silenciamentos, das formas de assujeitamento ideológicas que se materializam nos

textos, suscitando o princípio da autoria. “A assunção da autoria implica uma inserção do

sujeito na cultura, uma posição dele no contexto histórico-social. Aprender a se representar

como autor é assumir, diante das instâncias institucionais, esse papel na sua relação com a

linguagem: constituir-se e mostrar-se autor”. (ORLANDI, 1988).

Possenti (2009), também, demonstra outros aspectos que devem ser observados diante

da proposta da AD para a formação de leitores:

• Nunca ler um texto isoladamente (não se faz análise do discurso de um texto); • Nunca ler um texto considerando apenas seu material verbal (é preciso relacioná-lo

a seu exterior); • Nunca tratar a linguagem como se fosse transparente (as palavras não têm sentidos

únicos); • Nunca supor que um texto (ou mesmo vários) fornece todas as condições de sua

leitura (é necessário considerar mais de um fator relevante, é preciso considerar os pressupostos, a intertextualidade).

Na busca de estratégias para a concretização do trabalho, foi elaborado um caderno

pedagógico, intitulado “O Sujeito e a Leitura”, no qual sugestões de atividades e

encaminhamentos metodológicos foram propostos para aplicação na SAA. Para a construção

dessa produção didático-pedagógica, foram consideradas as necessidades da escola, bem

como o perfil do alunado: menino ou menina, pré-adolescente ou adolescente, que está

cursando a 5ª série/6º ano, do Ensino Fundamental, e que já descobriu a leitura e a escrita,

mas precisa de apoio do professor para esclarecer algumas dúvidas e continuar o seu processo

de alfabetização e letramento. Ou seja, alunos que têm sonhos, que gostam de interagir com

os outros, que identificam desigualdades e injustiças, que são capazes de aprender e atravessar

dificuldades. Seres em construção e que, para se integrar socialmente, precisam “saber utilizar

a língua escrita nas situações em que esta é necessária, lendo e produzindo textos”.

Ao ler e escrever textos, o sujeito descobre e revela quem é, ou seja, com quem se

relaciona, do que gosta, em que acredita. Nesse sentido, propomos um trabalho com quatro

temáticas que influenciam muito a vida dos sujeitos, a sua constituição como “cidadãos”

na/da sociedade. São elas: 1- O Sujeito e a Família; 2- O Sujeito e o Meio Ambiente; 3- O

Sujeito e a Cultura e 4- O Sujeito e o Consumo.

A partir das histórias de leitura (conhecimentos de mundo), os alunos estabeleceram

relações entre os diferentes textos propostos nas unidades, para assim emitir opiniões,

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expressar dúvidas, desejos, emoções, ideias e receber mensagens. A socialização das ideias

pelos alunos a respeito das leituras efetuadas se constitui como uma das formas de contemplar

os processos parafrásticos e polissêmicos da linguagem.

De acordo com Orlandi (2007, p. 36), “processos parafrásticos são aqueles pelos

quais em todo dizer há sempre algo que se mantém, isto é, o dizível, a memória” e “processos

polissêmicos são a ruptura de processos de significação”.

Nas atividades sobre os textos foram realizadas reflexões sobre os contextos de

produção, semântico-discursivas, polissêmicas, sentido e memória discursiva, posições-

sujeito, polifonia, entre outras.

A aplicação do material didático

A implementação do projeto ocorreu na E.E. Prof. Francisco Antonio de Sousa –

Ensino Fundamental, no município de Apucarana, onde a proponente está lotada como

professora da disciplina de Língua Portuguesa.

No ano de 2010, apenas duas 5ª séries/6º anos faziam parte da demanda da escola e, de

acordo com a Instrução nº 022/2008 – SUED/SEED, somente os estabelecimentos de ensino

que ofertassem 03 (três) turmas de 5ª séries/6º anos, excluindo-se desse cálculo as turmas do

noturno, é que teriam abertura automática. Portanto, para aplicar o trabalho foi necessário

realizar a apresentação do material didático para todo corpo docente da escola, durante a

semana pedagógica de agosto, com o intuito de que avaliassem se o mesmo condizia com as

necessidades da comunidade escolar.

A partir de então, sob a aprovação da direção, equipe pedagógica e professores,

passou-se a verificar quais eram os alunos com defasagens de aprendizagem nas 5ª séries/6º

anos (com base nos registros do Conselho de Classe do 2º bimestre), para que o

encaminhamento fosse efetuado e os estudantes passassem a expandir seu tempo escolar

(contraturno), com autorização devidamente assinada pelos responsáveis.

O atendimento aos alunos indicados para participar do projeto aconteceu às sextas-

feiras, das 8h às 10h. Foram reproduzidas as unidades do “caderno pedagógico” para que cada

educando tivesse o seu material. Várias atividades sobre as temáticas: o sujeito e a família, o

sujeito e o meio ambiente, o sujeito e a cultura, o sujeito e o consumo foram desenvolvidas,

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com vistas à compreensão e significação da leitura, levando em consideração a relação

sujeito/linguagem/história e ideologias.

Não foram momentos fáceis, pois a prática da leitura, bem como algumas temáticas

desenvolvidas pareciam longe das suas realidades; se não soubéssemos aliar bem a teoria com

a prática poderíamos nos perder em nossos propósitos. Pensar na variação dos

encaminhamentos e recursos metodológicos foi de suma importância para o estímulo dos

alunos com “déficit de atenção”, pois dos onze que participaram do projeto, três possuíam

laudos de especialistas. No laboratório de informática, além de visualizar o caderno

pedagógico em cores, os alunos efetuaram pesquisas sobre as temáticas, oralizaram as leituras

por meio de discussões/compreensões e participaram do processo de construção da história

“Os Franciscaninhos”, com base na leitura do livro de literatura infantil “A Formigadinha”, de

Rosana Ramos.

A cada temática estudada, percebia-se mais participação e menos receio de expor as

compreensões, mesmo que as significações muitas vezes tomassem por base apenas as falas

do outro.

Considerações finais

O projeto contribuiu significativamente para que o trabalho com a prática discursiva

da leitura fosse efetuado pelos alunos das 5ª séries/6º anos, da Escola Estadual Prof. Francisco

Antonio de Sousa, apontados com “defasagens de aprendizagem”.

As relações sujeito/linguagem/história e ideologias foram consideradas durante a

aplicação de todas as unidades do “Caderno Pedagógico”. Apesar do pouco tempo, ficou

comprovado que por mais que um aluno tenha defasagens de aprendizagem, quando existe um

estímulo contínuo no contato desse indivíduo com a leitura discursiva, este leitor em

formação colocará em prática a sua criticidade. Portanto, entendemos que, para tornar-se um

leitor crítico, o trabalho com a leitura deve ocorrer sob uma perspectiva, às vezes, nem tanto

“prazerosa”, mas de extrema reflexão e desconstrução de verdades prontas e acabadas.

É certo que muitas das atribuições de significações realizadas pelos alunos foram orais

e não escritas, mas partiram sempre das suas experiências com o mundo e do interdiscurso

(professora e demais colegas). Por apresentarem “déficit de atenção”, os alunos do projeto

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necessitariam de mais atendimentos, inclusive de equipe multiprofissional, pois apenas

começaram a (re)significar e (re)significar-se perante a compreensão dos discursos explícitos

e implícitos.

Outro ponto relevante foi o trabalho coletivo e o uso do laboratório de informática

como recurso metodológico no auxílio de pesquisas, socialização de opiniões e observação

das figuras coloridas nas unidades do material didático.

A ideia de registrar na memória o trabalho efetuado, através da leitura do livro “A

Formigadinha” tornou possível que reescrevêssemos e contássemos tudo o que vivenciamos,

fazendo com que os alunos se sentissem muito “especiais”.

Ao tomarmos uma posição em relação ao trabalho com a leitura discursiva, mesmo

com alunos tidos como “problemas”, estamos revelando qual a concepção de linguagem a

qual nos filiamos e acreditamos fazer a diferença no trabalho com a Língua Portuguesa.

REFERÊNCIAS

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SILVA, Ezequiel Theodoro da. A produção da leitura na Escola: pesquisa X propostas. 5. ed. São Paulo: Ática, 2005. VYGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Trad. José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

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