discuros da dep. luiza erundina na sessão solene para rememorar os fatos relacionados ao dia 31 de...

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1 SESSÃO SOLENE PARA REMEMORAR OS FATOS RELACIONADOS AO DIA 31 DE MARÇO DE 1964 Como presidente da Subcomissão Memória, Verdade e Justiça da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, requeri a realização desta Sessão Solene em homenagem aos civis e militares que resistiram ao golpe de 31 de março de 1964 e se opuseram ao regime civil-militar e que, por isso, pagaram com prisão, tortura, exílio, desaparecimento forçado e até com a própria vida. Há exatamente 50 anos, instalou-se no Brasil a mais longa e cruenta ditadura da nossa história, pela força das armas dos

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SESSÃO SOLENE PARA REMEMORAR OS FATOS RELACIONADOS AO DIA 31 DE MARÇO DE 1964

Como presidente da Subcomissão Memória, Verdade e Justiça da

Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos

Deputados, requeri a realização desta Sessão Solene em

homenagem aos civis e militares que resistiram ao golpe de 31

de março de 1964 e se opuseram ao regime civil-militar e que,

por isso, pagaram com prisão, tortura, exílio, desaparecimento

forçado e até com a própria vida.

Há exatamente 50 anos, instalou-se no Brasil a mais longa e

cruenta ditadura da nossa história, pela força das armas dos

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militares, com o apoio econômico dos empresários e o respaldo

dos Estados Unidos da América que, na época apoiavam os

regimes ditatoriais do continente latino-americano, a pretexto da

Guerra Fria.

Nosso requerimento teve a acolhida do presidente da Câmara, o

Excelentíssimo Senhor deputado Henrique Eduardo Alves, vítima

também da ditadura por ter o pai e dois irmãos cassados pelo

regime. Concordou, inclusive, em instituir, por Ato Oficial que

acaba de assinar, “2014 Ano Nacional da Democracia, da

Liberdade e do Direito à Verdade”.

Senhor Presidente, senhoras e senhores parlamentares,

Há meio século, num 1º de abril como hoje, o povo brasileiro foi

golpeado nesses três preceitos fundamentais. Perdeu a

democracia com a deposição do Presidente Constitucional João

Goulart; perdeu a liberdade, tragada pela eliminação das normas

democráticas; perdeu o direito à verdade, por imposição de um

governo que promoveu e encobriu sequestros, prisões ilegais,

torturas e bárbaros assassinatos.

Sob o regime de opressão e violência institucional, os partidos

políticos foram extintos, 173 deputados federais foram cassados.

Senadores, deputados estaduais, vereadores, governadores, e

prefeitos tiveram, igualmente, seus mandatos usurpados e,

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consequentemente, milhões de brasileiros e brasileiras viram

suprimida sua representação política.

Ademais, cidadãos e cidadãs de diferentes classes sociais

também sofreram perseguições, prisões, violência. Muitos

morreram nas “Casas da Morte” sob tortura ou em situações

obscuras; outros tantos permanecem, até hoje, desaparecidos.

Destaque-se, ainda, a violência que se abateu sobre as

instituições da sociedade civil que resistiram ao golpe e ao

regime de exceção, como os sindicatos de trabalhadores; o

movimento estudantil; a Ordem dos Advogados; a Associação

Brasileira de Imprensa; organizações religiosas de diferentes

denominações; supressão da liberdade de expressão e de

organização; além do massacre de índios e de camponeses que

lutavam contra a repressão e pela Reforma Agrária.

Relembremos, aqui, o memorável movimento pela Anistia que

contou com o protagonismo e a generosa bravura das mulheres

brasileiras que pagaram caro pela ousadia de lutarem contra o

regime e pela volta ao pais dos brasileiros que estavam no exílio.

Foram essas mulheres guerreiras que mobilizaram e organizaram

a sociedade civil para pressionar o governo militar e o Congresso

Nacional pela aprovação de uma lei de Anistia, o que só ocorreu

em 28 de agosto de 1979, com a provação da Lei 6683/79, ou

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seja, uma autoanistia, pois beneficia tanto as vítimas como seus

algozes, um verdadeiro absurdo jurídico. Assim, permanecem

impunes os crimes de lesa humanidade cometidos pelos agentes

do Estado, civis e militares, que violaram os direitos humanos e a

dignidade dos que lutaram pela liberdade e pela democracia.

É preciso, pois, virar a página desse vergonhoso capítulo da

história brasileira, com a urgente aprovação, pelo Congresso

Nacional, do Projeto de Lei 573/2011 que aguarda votação na

Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania desta Casa.

Referido Projeto de Lei propõe a reinterpretação do parágrafo

primeiro, artigo 1º, da Lei de Anistia, sobre os chamados crimes

conexos, sem o que não se promoverá a justiça de transição e,

consequentemente, o processo de redemocratização

permanecerá inacabado. Ressalte-se, inclusive, que o Estado

brasileiro está em débito com a Corte Interamericana de Direitos

Humanos da OEA, por descumprimento de sentença

condenatória da referida Corte que obriga o nosso governo a

rever a Lei da Anistia em vigor.

Pouco adiantarão atos de repúdio ao golpe militar de 1964, se

não vierem acompanhados de ações concretas no sentido de

fazer justiça às vítimas da ditadura. Espera-se, portanto, que o

Congresso Nacional aprecie e vote o projeto que reinterpreta a

Lei da Anistia, a que o mesmo Congresso foi levado a aprovar por

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pressão do regime que, na época, mantinha, com o poder das

armas, o controle do processo político.

Senhor presidente, nobres colegas parlamentares,

Convém lembrar, ainda, que a democracia e a liberdade só foram

restauradas vinte um anos após o golpe, com a realização da

Constituinte e a promulgação da Carta Magna de 1988.

Já o direito à verdade e o direito à justiça permanecem

interditados, por força de uma conspiração silenciosa, porém

eficiente, para impedir que venham à luz fatos escabrosos e

responsabilidades inescapáveis.

Em 1977, no pronunciamento que, aos olhos da ditadura,

justificaria sua cassação, o destemido deputado Alencar Furtado

denunciou a existência no Brasil de “filhos órfãos de pais vivos -

quem sabe - mortos talvez” e de esposas viúvas “com os maridos

vivos, talvez, ou mortos, quem sabe”.

Alencar Furtado e mais 172 deputados cassados, em 2012, numa

Sessão Solene semelhante a esta, recuperaram simbolicamente

seus mandatos e, assim, a Câmara dos Deputados demonstrava

reconhecimento e respeito à soberania do voto popular.

No entanto, os “órfãos do talvez ou do quem sabe” e as “viúvas

do quem sabe ou do talvez” continuam esperando a verdade.

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Por respeito a estes, aos que foram massacrados e aos que

sobreviveram resistindo, não é justo que os mortos sejam

esquecidos; que se finja não haver desaparecidos; que se

acredite que a tortura não passou de um mero abuso eventual. O

pleno esclarecimento desses fatos e a devida punição dos

responsáveis por eles é questão de justiça e de respeito à

dignidade humana.

Senhor Presidente, colegas parlamentares,

Após esta Sessão Solene, teremos a abertura oficial da

Exposição: “Instituições mutiladas, resistência e reconstrução

democrática (1964/2014)”, resultado da dedicação e

competência dos servidores e órgãos técnicos da Casa, que num

tempo recorde realizaram esse extraordinário trabalho de

pesquisa histórica, de planejamento estratégico e de elaboração

e execução artísticas. A todos nossa profunda gratidão e,

certamente, os aplausos dos que tiverem a oportunidade e o

privilégio de visitarem a Exposição.

Gostaria de destacar e de agradecer à direção e ao corpo técnico

da TV Câmara pelo trabalho excepcional que realizaram,

imortalizando nas imagens e sons dos documentários sobre a

repressão política do regime civil-militar e a resistência heroica

de pessoas e instituições à violência e ao arbítrio.

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Também celebramos a reinstalação, na data de hoje, da

Subcomissão Memória, Verdade e Justiça, em reunião da

Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara, que

retomará suas atividades interrompidas compulsoriamente

durante o ano de 2012, por razões já conhecidas pela Casa e pela

sociedade.

A programação do “Ano Nacional da Democracia, da Liberdade e

do Direito à Verdade” compreende outros eventos que se

estenderão ao longo do ano de 2014, como a realização de um

Ato Político, aqui na Casa, no dia 10 de abril, no hall da

Taquigrafia, para marcar as primeiras cassações de deputados

federais, num total de quarenta parlamentares de uma só vez e

por força de um único ato baixado pela ditadura.

Outro evento será a aprovação, pela Comissão de Constituição,

Justiça e Cidadania (C.C.J.C) da Câmara, provavelmente ainda

esta semana, do Projeto de Lei 4903/2012 que inclui o “Dia

Internacional do Direito à Verdade” no calendário nacional de

datas comemorativas, a ser celebrado, anualmente, em todo o

país, em 24 de março, data do assassinato de Dom Oscar

Romero, Arcebispo de El Salvador. Esta é uma iniciativa

recomendada pela Assembleia Geral das Nações Unidas e já

adotada por vários países.

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Consta ainda da programação um Encontro Nacional de todas as

Comissões e Comitês da Memória, Verdade e Justiça do país, no

mês de novembro, para analisar o Relatório Final da Comissão

Nacional da Verdade (CNV); avaliar os trabalhos desenvolvidos,

até agora, pelas Comissões e Comitês; e discutir e definir

estratégias para o pós Comissão Nacional da Verdade.

Finalmente, aos que alegam que é preciso virar essa página da

nossa história, a resposta é sim. Antes, porém, devemos

completá-la com a revelação de toda a verdade sobre as graves

violações dos direitos humanos e sobre os crimes de lesa

humanidade cometidos pelo regime militar, e os responsáveis

por eles, ainda impunes. É preciso que sejam processados e

julgados e punidos, como o foram seus opositores.

Assim, o Brasil estará quite com o seu passado; a democracia

política estará consolidada e só, então, a página poderá ser

virada.

Nossa gratidão a todas e todos cidadãos brasileiros, civis e

militares, que resistiram ao arbítrio do regime ditatorial, e aos

que seguem lutando pelo direito à memória, à verdade e à

Justiça, condição indispensável à construção de uma convivência

de paz entre todos os cidadãos e cidadãs brasileiros.

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Por fim, nossos agradecimentos ao Presidente Henrique Eduardo

Alves, aos senhores líderes e a todos os servidores da Casa por

apoiarem e viabilizarem a realização desta sessão histórica, que

certamente, marcará a presença da Câmara dos Deputados no

reencontro da Nação Brasileira com o seu passado recente,

procurando corrigir suas mazelas e reparar as graves violações

aos direitos humanos, fazendo justiça às vítimas dessas

violações.

Obrigada,

Deputada Luiza Erundina