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Disciplina: Ética na Saúde Aula 4: Transplante de órgãos e tecidos Apresentação Nesta aula, pretendemos fazer uma rápida passagem pelos principais aspectos éticos que estão presentes nesta situação tão delicada do campo da saúde. Iniciaremos tratando do conceito de direitos fundamentais e em seguida, veremos os tipos de origens que podem ter os órgãos e tecidos destinados a transplantes. Estudaremos os modos de obtenção destes órgãos e como a legislação trata desta questão e veremos alguns aspectos gerais da Bioética que estão intrinsecamente associados à situação de doação de órgãos. No encerramento, conheceremos como o Ministério da Saúde estabelece os critérios para elegibilidade de receptores e os estágios propostos por um dos mais importantes nomes da Bioética nacional para alocação destes órgãos e tecidos. Bons estudos! Objetivos Identificar a noção de Direitos fundamentais do receptor e do doador; Reconhecer a legislação e os princípios éticos que regem os transplantes de órgãos e tecidos; Verificar os critérios e caracterização de morte.

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Disciplina: Ética na Saúde

Aula 4: Transplante de órgãos e tecidos

Apresentação

Nesta aula, pretendemos fazer uma rápida passagem pelos principais aspectos éticos que estão presentes nesta situação tãodelicada do campo da saúde. Iniciaremos tratando do conceito de direitos fundamentais e em seguida, veremos os tipos deorigens que podem ter os órgãos e tecidos destinados a transplantes.

Estudaremos os modos de obtenção destes órgãos e como a legislação trata desta questão e veremos alguns aspectos geraisda Bioética que estão intrinsecamente associados à situação de doação de órgãos.

No encerramento, conheceremos como o Ministério da Saúde estabelece os critérios para elegibilidade de receptores e osestágios propostos por um dos mais importantes nomes da Bioética nacional para alocação destes órgãos e tecidos.

Bons estudos!

Objetivos

Identificar a noção de Direitos fundamentais do receptor e do doador;Reconhecer a legislação e os princípios éticos que regem os transplantes de órgãos e tecidos;Verificar os critérios e caracterização de morte.

O transplante de órgãos no BrasilPara iniciar esta aula, vamos conhecer a situação do transplante de órgãos no Brasil.

Assista ao vídeo abaixo:

Transplante de órgãos no Brasil (Fonte: Youtube)

URL

Direitos fundamentaisO transplante de órgãos e tecidos implica uma sequência de eventos que, desde a doação até a efetivação do transplante,abarca alguns direitos fundamentais pertinentes ao doador e ao receptor.

Estes direitos estão associados a:

1

Direito à vida, à formação dos direitos de personalidade, à integridade física e ao direito ao corpo, em particular, à liberdadede consciência e ao poder de dispor do próprio corpo.

2

Dignidade e aos direitos essenciais da pessoa que são, inclusive, considerados como cláusulas inatingíveis por diversasconstituições democráticas pelo mundo, ou seja, não podem ser alterados por legislações.

A questão dos transplantes frequentemente tangencia questões éticas relativas à experimentação no corpo humano, àsdecisões políticas relacionadas com a saúde, e, em sentido mais amplo provocam debates sobre estes direitos fundamentais.

Estes debates estão associados a aspectos que vão desde a origem dos órgãos e tecidos, até a forma de obtenção e ao tipo deprocedimento realizado para o transplante.

Vamos começar pela origem dos órgãos destinados a transplantes. Existem basicamente três fontes de órgãos e tecidosutilizáveis. Este material pode ser coletado de:

Animais

Neste caso chamamos de xenotransplantes.

Porcos em um curral (Fonte: Shutterstock)

Os xenotransplantes, por enquanto, são apenas uma possibilidade teórica.

Muitos estudos vêm sendo realizados no sentido de transplantar órgãos e tecidos entre espécies distintas. Os defensores destatécnica ressaltam os argumentos de que esta possibilidade diminuiria muito o tempo de espera por órgãos e muitas vidaspoderiam ser salvas.

Há, no entanto uma série de dificuldades técnicas que ainda precisam ser vencidas. A principal delas se refere às rejeições e àpossibilidade de transmissão de vírus não humanos para os receptores. Além destas, há ainda aspectos éticos envolvidos comoo direito ou não de humanos em utilizar-se de animais para fins de retirada de órgãos.

Seres humanos vivos

São os chamados alotransplantes intervivos.

Homem em uma maca com uma enfermeira medindo os seus batimentos cardíados (Fonte: Shutterstock)

O alotransplante intervivos, naturalmente implica na utilização de órgãos e tecidos específicos e na necessidade derespeitar-se ao preceito ético da não maleficência do doador.

Isto é, não podemos promover uma doação se a mesma produzir no doador algum tipo de dano ou prejuízo a sua saúde geral.Estes aspectos já estavam dispostos na Lei 9.434/97 <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9434.htm> (Leidos Transplantes) que estabelece em seu capítulo III, parágrafo 3, que:

Só é permitida a doação referida neste artigo quando se tratar de órgãos duplos, de partes de

órgãos, tecidos ou partes do corpo cuja retirada não impeça o organismo do doador de

continuar vivendo sem risco para a sua integridade e não represente grave comprometimento

de suas aptidões vitais e saúde mental e não cause mutilação ou deformação inaceitável, e

corresponda a uma necessidade terapêutica comprovadamente indispensável à pessoa

receptora.

Seres humanos mortos

Que chamamos de alotransplantes de doador cadáver.

Cadáver de uma pessoa em um necrotério (Fonte: Shutterstock)

O alotransplante de doador cadáver é de fato o mais comumente utilizado para a grande maioria dos casos e a principalquestão ética envolvida diz respeito ao critério de morte, na medida em que esta precisa ser atestada para que se promova aremoção do órgão.

O Conselho Federal de Medicina, através da Resolução CFM 1480/97<http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1997/1480_1997.htm> , alterou o critério de morte queanteriormente estava vinculado à falência cardiorrespiratória para a morte encefálica, possibilitando com isso, grande avançona viabilidade e efetividade das doações. Assim, neste tipo de doação por cadáver, a questão, hoje, resume-se praticamente àforma de obtenção dos órgãos.

Voluntariedade e espontaneidade no ato de doarA questão ética mais premente, se refere ao questionamento da prevalência e manutenção da voluntariedade e daespontaneidade no ato de doar ou se considerar o princípio pelo qual o bem-comum está acima da vontade individual e,consequentemente, se aceita a apropriação de órgãos de cadáveres.

No bojo desta questão, reside o questionamento acerca do fato de sermos ou não donos de nosso corpo. O que pode não seruma questão tão simples quanto parece como vimos em nossa aula 2 nos princípios éticos da santidade da vida e datotalidade.

Corpo humano (Fonte: Shutterstock)

Ser dono implica na relação de posse o que, a princípio, só se estabelece em relação a coisas

(objetos) e em poder dispor destes objetos em função exclusivamente de sua vontade. Não é

assim que o corpo é concebido atualmente. As partes do corpo não podem ser dissociadas na

noção integral de pessoa. Pertencem ao conjunto da nossa identidade. Não são coisas e muito

menos podem ser utilizadas independentes da vontade.

As formas de obtenção de órgão são comumente distribuídas pelas seguintes modalidades:

1

Doação voluntária

2

Consentimento presumido

3

Manifestação compulsória ou abordagem de mercado

A doação voluntária é aquela realizada através da vontade expressa do doador quando em vida.

Até 1997, no Brasil, os órgãos só poderiam ser utilizados se a pessoa tivesse assim procedido. A partir daquele ano, alegislação brasileira substituiu a doação voluntária pelo consentimento presumido. Por esta modalidade presume-se que todocidadão é um doador em potencial a menos que tenha expressado vontade contrária. Assim, se não há manifestação explicitada negativa de doação, as equipes de saúde podem proceder a retirada dos órgãos.

Em 1998, através de medida provisória e em 2001 promulgada pela Lei 10.211/2001<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10211.htm> (que alterou alguns dos dispositivos da Lei dostransplantes original de 1997) a legislação brasileira substitui este critério pelo do consentimento familiar, onde o cônjugeou parente na linha sucessória assume a responsabilidade pela autorização da doação.

1

Médico entregando um coração doado para um receptor (Fonte: Shutterstock)

As duas demais modalidades, representam apenas propostas ainda não amplamente debatidas. A chamada manifestaçãocompulsória defende o conceito de que todo cidadão deve fazer formalmente a opção entre ser ou não um doador e aabordagem de mercado defende a possibilidade de incentivos financeiros à família do doador como forma de estimular asdoações voluntárias.

De modo geral, podemos resumir os aspectos vinculados à questão da doação de órgãos a um conjunto de princípios éticosgerais, nos quais, se vinculam intrinsecamente as questões dos transplantes. São eles:

Princípio da intangibilidade corporal

Associa de modo absoluto o corpo à identidade pessoal, e assim, estende ao corpo do indivíduo (e às suas partes) osmesmos princípios de dignidade e indisponibilidade por terceiros que regem os direitos da pessoa. O sentido deintegridade, portanto, fica compreendido sob a perspectiva da integridade pessoal ampla, não sendo possível separar o“eu físico” do psíquico, compondo ambos uma única identidade. Assim, intervenções no corpo são sempre interpretadascomo intervenções na integridade pessoal.

Princípio da solidariedade

Considera que o ato de doar órgãos inclui-se na possibilidade que os indivíduos têm de sacrificar sua individualidade emdetrimento do bem da comunidade (de outros), desde que estas doações não impliquem em comprometimento da vidaou da saúde geral da pessoa.

Princípio da totalidade

Entende o corpo como uma unidade, sendo cada parte do mesmo avaliada de acordo com o todo. Assim, cada parte(membro, órgão ou função), só pode ser sacrificada em função da unidade do corpo, ou seja, desde que isso seja útilpara o bem-estar de todo o organismo ou que em caso de doação a terceiros, não comprometa a integridade geral.

A estes princípios éticos gerais, somam-se ainda aspectos específicos que se traduzem em princípios do biodireito própriospara as situações de transplantes. Dentre eles, destacam-se:

1

Princípio da autonomia

Pelo qual qualquer coleta de tecidos ou órgãos tem de passar pelo consentimento do doador.

2

Princípio da confidencialidade

Pelo qual se preserva o direito do indivíduo doador em decidir qual a informação sua que autoriza a veiculação ao receptor equal quer manter em anonimato.

3

Princípio da gratuidade

Estabelece que o órgão ou tecido apenas poderá ser dado e nunca vendido, visto que não se trata de objetos e sim partes daprópria individualidade.

4

Princípio da não discriminação

Em que a seleção dos receptores só pode ser feita mediante critérios médicos.

Saiba mais

Em relação ao princípio da não discriminação, o Ministério da Saúde, através do Sistema Nacional de Transplantes,estabeleceu na Portaria n.º 3.407 de 5 de agosto de 1998<http://www.adote.org.br/assets/files/portaria_3407.pdf> o chamado sistema de lista única. Este sistemainformatizado integra toda rede de saúde nacional e segue critérios de distribuição específicos para cada tipo de órgão outecido, alocando cada receptor em função de sua posição na lista de espera pelos critérios próprios do órgão ou tecido aoqual se candidatou.

Segundo José R. Goldim, a alocação dos órgãos para transplante deve ser feita em dois estágios. “O primeiro estágiodeve ser realizado pela própria equipe de saúde, contemplando os critérios de elegibilidade, de probabilidade de sucessoe de progresso à ciência, visando à beneficência ampla. O segundo estágio, a ser realizada por um Comitê de Bioética,pode utilizar os critérios de igualdade de acesso, das probabilidades estatísticas envolvidas no caso, da necessidade detratamento futuro, do valor social do indivíduo receptor, da dependência de outras pessoas, entre outros critérios mais.”

Leia o texto “Aspectos Éticos dos Transplantes de Órgãos <https://www.ufrgs.br/bioetica/transprt.htm> ”para saber mais sobre esse assunto.

AtividadeSabemos que um dos maiores entraves técnicos que impedem os xenotransplantes é, além da infecção por vírusestranhos ao organismo humano, o imenso risco de rejeição por parte do receptor. Pesquisas recentes demonstram que oorganismo receptor pode chegar a destruir o órgão implantado em menos de 24 horas. Assim, se seguirmos uma lógicasimples, quanto maior a semelhança biológica entre os seres, menor o risco de infecções por vírus estranhos e menortambém os riscos de rejeição do organismo.

Nesse caso, reflita:

Por que órgãos de porcos e não de macacos são testados para transplantes em seres humanos?

Notas

Legislação brasileira

Houve ainda a Lei 11.633 de 2007 <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11633.htm> que incluiu um artigo na lei original sobre o direito a informação sobre os benefícios dadoação de placenta e sangue do cordão umbilical.

Xenotransplantes

Transplantes de órgãos entre espécies diferentes.

Próximos Passos

O avanço das tecnologias e os novos problemas éticos sobre reprodução humana;Conceitos sobre objetivos da reprodução e geração da vida;Procedimentos sobre reprodução assistida;Legislação e aspectos éticos e morais.

Explore mais

Acesse os sites:

Saiba quais são os critérios da lista de espera por transplantes<http://www.brasil.gov.br/saude/2016/09/saiba-quais-sao-os-criterios-da-lista-de-espera-por-transplantes > ;Sistema Nacional de Doação e Transplante de Órgãos <http://portalms.saude.gov.br/acoes-e-programas/doacao-transplantes-de-orgaos > .

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