diretriz cardio oncologia

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  • Diretrizes

    I Diretriz Brasileira de Cardio-Oncologia da Sociedade Brasileira de Cardiologia

    SUMRIO

    1. Introduo .................................................................................................................................. pgina 3

    2. Definio de cardiotoxicidade ..................................................................................................... pgina 3

    3. Insuficincia cardaca ................................................................................................................... pgina 43.1. Incidncia e agentes mais envolvidos ............................................................................................................. pgina 4

    3.2. Fisiopatologia ................................................................................................................................................ pgina 5

    3.3. Quimioterpicos ............................................................................................................................................. pgina 53.3.1. Antraciclinas .............................................................................................................................................. pgina 5

    3.3.2. Trastuzumabe ............................................................................................................................................ pgina 5

    3.3.3. Ciclofosfamida e drogas relacionadas .................................................................................................... pgina 6

    3.3.4. Anticorpos monoclonais e inibidores da tirosina-quinase............................................................................. pgina 6

    3.4. Apresentao clnica ...................................................................................................................................... pgina 6

    3.6. Toxicidade por radiao .................................................................................................................................. pgina 6

    3.7. Diagnstico ................................................................................................................................................. pgina 73.7.1. Sinais e sintomas ................................................................................................................................... pgina 7

    3.7.2. Eletrocardiograma ................................................................................................................................... pgina 7

    3.7.3. Biomarcadores ................................................................................................................................... pgina 7

    3.7.4. Mtodos de imagem ................................................................................................................................... pgina 7

    3.7.5. Bipsia endomiocrdica.............................................................................................................................. pgina 7

    3.8. Monitoramento da cardiotoxicidade............................................................................................................... pgina 8

    3.9. Preveno da cardiotoxicidade ...................................................................................................................... pgina 10

    3.10. Tratamento da cardiotoxicidade .................................................................................................................. pgina 11

    4. Isquemia miocrdica .................................................................................................................... pgina 124.1. Interaes dos frmacos cardiovasculares e o cncer..................................................................................... pgina 13

    4.2. Cirurgia de revascularizao do miocrdio ...................................................................................................... pgina 13

    4.3. Cirurgia no cardaca em pacientes com doena coronariana ........................................................................ pgina 14

    5. Hipertenso arterial sistmica ...................................................................................................... pgina 145.1. Incidncia e fisiopatologia .................................................................................................................... pgina 14

    5.2. Manifestaes clnicas/diagnstico ...................................................................................................... pgina 15

    5.3. Tratamento ................................................................................................................................................. pgina 15

    6. Arritmias ................................................................................................................................................. pgina 166.1. Incidncia e fisiopatologia .................................................................................................................... pgina 16

    6.2. Manifestaes clnicas/diagnstico ..................................................................................................... pgina 17

    6.3. Tratamento ................................................................................................................................................. pgina 18

  • Diretrizes

    I Diretriz Brasileira de Cardio-Oncologiada Sociedade Brasileira de Cardiologia

    7. Tromboembolismo .................................................................................................................... pgina 197.1. Incidncia ................................................................................................................................................. pgina 19

    7.2. Diagnstico ................................................................................................................................................. pgina 20

    7.3. Profilaxia ................................................................................................................................................. pgina 23

    7.4. Tratamento ................................................................................................................................................. pgina 237.4.1. Trombose venosa profunda ................................................................................................................... pgina 237.4.2. Tromboembolismo pulmonar .................................................................................................................... pgina 247.4.3. Contraindicaes a tromblise ...................................................................................................... pgina 24

    7.5. Tratamento em longo prazo .................................................................................................................... pgina 25

    8. . Quimioterpicos e cardiotoxicidade ....................................................................................... pgina 258.1. Antraciclinas ................................................................................................................................................. pgina 258.1.1. Epidemiologia .................................................................................................................................. pgina 258.1.2. Fisiopatologia .................................................................................................................................. pgina 258.1.3. Diagnstico/Monitoramento durante terapia ....................................................................................... pgina 268.1.4. Exames de imagem ................................................................................................................................... pgina 268.1.5. Anatomia patolgica ................................................................................................................................... pgina 268.1.6. Preveno e tratamento .................................................................................................................... pgina 268.1.7. Prognstico ................................................................................................................................................ pgina 28

    8.2. . Alquilantes ................................................................................................................................................. pgina 28

    8.3. . Antimetablitos ................................................................................................................................... pgina 28

    8.4. .Anticorpos monoclonais ................................................................................................................... pgina 29

    8.5. .Agentes biolgicos .................................................................................................................................. pgina 32

    8.6. .Taxanos (paclitaxel/docetaxel) .................................................................................................................... pgina 33

    8.7. .Inibidores de topoisomerase e epidoflotoxinas ....................................................................................... pgina 34

    8.8. .Alcaloides da vinca (vincristina / vinblastina / vinorelbina) ........................................................................ pgina 35

    8.9. .Inibidores da aromatase e moduladores do receptor de estrognio: anastrozol,

    letrozol e tamoxifeno ............................................................................................................................................. pgina 35

    8.10. .Miscelnea: talidomida, lenalidomida, bleomicina, mitomicina, pentostatina, trixido de arsnico, bortezomibe .................................................................................................................... pgina 35

    9. Cardiotoxicidade associado radioterapia ........................................................................ pgina 36

    10. Avaliao do risco perioperatrio no paciente oncolgico ........................................... pgina 3710.1. . Avaliao geral ................................................................................................................................... pgina 37

    10.2. . Avaliao cardiovascular do paciente oncolgico ...................................................................................... pgina 37

    10.3. .Avaliao respiratria do paciente oncolgico ...................................................................................... pgina 38

    10.4. .Avaliao da funo renal do paciente oncolgico ..................................................................................... pgina 38

  • Diretrizes

    I Diretriz Brasileira de Cardio-Oncologia da Sociedade Brasileira de Cardiologia

    10.5. .Avaliao do sistema hematolgico ........................................................................................................... pgina 3810.5.1. Recomendaes para uso de antiagregantes plaquetrios antes de operaes no cardacas...................... pgina 39

    10.5.2. Uso de anticoagulantes.............................................................................................................................. pgina 39

    10.5.2.1. Anticoagulao e perioperatrio............................................................................................................... pgina 39

    10.6. Manejo anestsico no paciente oncolgico ................................................................................................... pgina 4010.6.1. Consideraes anestsicas e o

    intraoperatrio....................................................................................................................................................... pgina 40I. Monitorizao hemodinmica............................................................................................................................. pgina 40II. Escolha da tcnica anestsica ......................................................................................................................... pgina 40III. Escolha do agente anestsico ......................................................................................................................... pgina 40IV. Manuteno da temperatura corporal ........................................................................................................... pgina 41V. Suporte ventilatrio e analgesia no perioperatrio .......................................................................................... pgina 41

    11. Doenas do pericrdio e cncer .................................................................................................... pgina 4111.1. Introduo ................................................................................................................................................. pgina 41

    11.2. Diagnstico ................................................................................................................................................. pgina 42

    11.3. Tratamento ................................................................................................................................................. pgina 42

    12. Exerccio e reabilitao no paciente oncolgico.................................................................... pgina 43

    13. Perspectivas ........................................................................................................................................... pgina 43

    Referncias bibliogrficas ....................................................................................................................... pgina 44

  • I Diretriz Brasileira de Cardio-Oncologia daSociedade Brasileira de Cardiologia

    RealizaoGrupo de Estudos em Insuficincia Cardaca da Sociedade Brasileira de Cardiologia (GEIC/SBC)

    Sociedade Brasileira de Oncologia Clnica

    Instituto do Corao Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo

    Instituto do Cncer do Estado de So Paulo Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo

    CooRdenadoR de noRmatizaes e diRetRizes da sBCIran Castro

    CooRdenadoR GeRalRoberto Kalil Filho (SP)

    editoResLudhmila Abraho Hajjar (SP); Julia Tizue Fukushima (SP); Filomena Regina Barbosa Gomes Galas (SP); Juliano Pinheiro de

    Almeida (SP); Fernando Bacal (SP); Paulo Gehm Hoff (SP); Maria Del Pilar Estevez Diz (SP); Roberto Jun Arai (SP)

    autoRes

    Roberto Kalil Filho1,2 (SP), Ludhmila Abraho Hajjar1,2 (SP), Fernando Bacal1 (SP), Paulo Marcelo Gehm Hoff2 (SP), Maria Del Pilar Estevez Diz2 (SP), Filomena Regina Barbosa Gomes Galas1,2 (SP), Jlia Tizue Fukushima2 (SP),

    Juliano Pinheiro de Almeida2 (SP), Rosana Ely Nakamura1,2 (SP), Thalia Rodrigues Trielli2 (SP), Cristina Salvadori Bittar2 (SP), Marlia Harumi dos Santos2 (SP), Flvia Gomes Galdeano2 (SP), Jos Otvio da Costa Auler Jnior1,2 (SP), Anderson Arantes Silvestrini5 (DF), Aristteles Alencar8 (AM), Augusto Csar de Andrade Mota9 (BA),

    Cid Abreu Buarque de Gusmo2 (SP), Dirceu Rodrigues Almeida3 (SP), Claudia Marques Simes2, Edimar Alcides Bocchi1 (SP), Enaldo Melo de Lima11 (MG), Fbio Fernandes1 (SP), Fbio Serra Silveira10 (SE),

    Fbio Vilas-Boas13 (BA), Lus Beck da Silva Neto4 (RS), Lus Eduardo Paim Rohde4 (RS), Marcelo Westerlund Montera6 (RJ), Mrcia Barbosa12 (MG), Max Senna Mano2 (SP), Rachel Simes Riechelmann2 (SP), Roberto Jun Arai2 (SP),

    Slvia M Martins7 (PE), Slvia Moreira Ayub Ferreira1 (SP), Vernica Santos3 (SP)

    instituiesInstituto do Corao do Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo1;

    Instituto do Cncer do Estado de So Paulo2; Instituto de Cardiologia da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de So Paulo3; Servio de Cardiologia do Hospital das Clnicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul4; Hospital Universitrio de Braslia5; Centro de Insuficincia Cardaca, Hospital Pr-Cardaco6; Pronto-Socorro Cardiolgico

    Luiz Tavares, Universidade de Pernambuco7; Fundao Centro de Oncologia do Amazonas, Universidade Federal do Amazonas8; Monte Tabor - Hospital So Rafael, Salvador - BA9; Clnica do Corao, Fundao de Beneficncia Hospital e Cirurgia, Aracaju - SE10;

    Sociedade Brasileira de Oncologia Clnica SBOC11, Ecocenter Hospital Socor - Belo Horizonte MG12; Hospital Espanhol, Salvador - BA13.

    Esta diretriz dever ser citada como: Kalil Filho R, Hajjar LA, Bacal F, Hoff PM, Diz M del P, Galas FRBG, et al. I Diretriz Brasileira de Cardio-Oncologia da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol 2011; 96(2 supl.1): 1-52.

    Correspondncia:Roberto Kalil Filho

    Av. Dr. Arnaldo, 251, Instituto do Cncer do Estado de So Paulo, 10 andar, Cerqueira Csar, So Paulo-SP, CEP 01246-000 E-mail: [email protected]

  • Diretrizes

    I Diretriz Brasileira de Cardio-Oncologiada Sociedade Brasileira de Cardiologia

    Declarao obrigatria de conflito de interesses

    Se nos ltimos 3 anos o autor/colaborador das Diretrizes:

    Nomes Integrantes da Diretriz

    Participou de estudos clnicos e/ou experimentais

    subvencionados pela indstria farmacutica ou de equipamentos relacionados

    diretriz em questo

    Foi palestrante em eventos

    ou atividades patrocinadas pela indstria relacionados

    diretriz em questo

    Foi () membro

    do conselho consultivo ou diretivo da indstria

    farmacutica ou de equipamentos

    Participou de comits normativos de estudos cientficos

    patrocinados pela indstria

    Recebeu auxlio pessoal ou

    institucional da indstria

    Elaborou textos cientficos em

    peridicos patrocinados pela

    indstria

    Tem aes da indstria

    Informar o nome da empresa em caso de resposta positiva

    Anderson Arantes Silvestrini No No No No Roche No No

    Aristteles Alencar No No No No No No No

    Augusto Csar de Andrade Mota No No No No No No No

    Cid Abreu Buarque de Gusmo No No No No Boehringer Ingelheim, Pfizer No No

    Claudia Marques Simes No No No No No No No

    Cristina Salvadori Bittar No Roche No No No No No

    Dirceu Rodrigues Almeida No No No No No No No

    Edimar Alcides Bocchi No No No No No No No

    Enaldo Melo de Lima No No No No No No No

    Fabio Fernandes No No No No No No No

    Fbio Serra Silveira No No No No Novartis, Ache, Biolab No No

    Fbio Vilas-Boas No No No No No No No

    Fernando Bacal No No No No Novartis No No

    Filomena Galas No No No No No No No

    Flvia Gomes Galdeano No No No No No No No

    Jos Otvio Auler Junior No No No No No No No

    Jlia Tizue Fukushima No No No No No No No

    Juliano Pinheiro de Almeida No No No No No No No

    Ludhmila Abraho Hajjar No Roche No No No No No

    Luis Beck da Silva Neto Novartis, Amgen Merck, Astrazeneca No No No Astrazeneca, Merck, Baldacci No

    Luis Eduardo Paim Rohde No No No No No No No

    Marcelo Westerlund Montera No No No No No No No

    Marcia Barbosa No No No No No No No

    Maria Del Pilar Estevez Diz No No No No Roche Roche No

    Marlia Harumi dos Santos No No No No No No No

    Max Senna Mano Roche Roche No No No No No

    Paulo Marcelo Gehm Hoff Roche, Novartis, Astrazeneca No No No No No No

    Rachel Simes Riechelmann No No No NoRoche

    Pharmaceuticals, Novartis, Merck

    No No

    Roberto Jun Arai No No No No No No No

    Roberto Kalil Filho No No No No No No No

    Rosana Ely Nakamura No No No No No No No

    Silvia M Martins No Sanofi Aventis No No No No No

    Slvia Moreira Ayub Ferreira No No No No No No No

    Thalia Rodrigues Trielli No No No No No No No

    Vernica Santos No No No No No No No

  • Diretrizes

    I Diretriz Brasileira de Cardio-Oncologia da Sociedade Brasileira de Cardiologia

    Arq Bras Cardiol 2011; 96(2 supl.1): 1-52

    1. IntroduoAs doenas cardiovasculares nos pacientes com cncer so

    eventos cada vez mais frequentes, em decorrncia de avanos na teraputica oncolgica que resultaram tanto na melhora da qualidade de vida como no aumento da sobrevida dos pacientes1. Nas ltimas dcadas, os progressos no tratamento oncolgico resultaram tambm na maior exposio dos pacientes a fatores de risco cardiovasculares e quimioterapia com potencial de cardiotoxicidade2,3.

    Atualmente, observa-se uma mudana no paradigma em relao ao prognstico do paciente oncolgico, que passa a ser visto como um portador de uma doena crnica que ao longo de sua evoluo pode apresentar descompensaes agudas, como as manifestaes cardiovasculares4.

    A colaborao e a interao das Disciplinas de Cardiologia e Oncologia tm contribudo para reduzir os efeitos adversos cardiovasculares e obter melhores resultados no tratamento do paciente com cncer. Em janeiro de 2009, a Sociedade Internacional de Cardio-Oncologia foi criada, tendo como objetivo unir a Cardiologia e a Oncologia para promover o cuidado adequado ao paciente oncolgico1. A meta principal dessa fuso promover a preveno, o diagnstico adequado e o tratamento das doenas cardiovasculares nesse grupo de pacientes, permitindo que estejam em condies ideais para receber o tratamento oncolgico especfico.

    A Sociedade Brasileira de Cardiologia e a Sociedade Brasileira de Oncologia Clnica, com o objetivo de enfatizar a importncia da abordagem racional das complicaes cardiovasculares no paciente oncolgico, reuniram um grupo de especialistas para investigar novas estratgias e propor recomendaes baseadas em evidncias e desenvolver o cuidado multidisciplinar que permitiro o manejo adequado dessa categoria crescente de pacientes.

    A I Diretriz Brasileira de Cardio-Oncologia tem como metas:

    1) Desmistificar a viso da doena cardaca como uma barreira ao tratamento efetivo do paciente com cncer.

    2) Prevenir e reduzir os riscos da cardiotoxicidade do tratamento.

    3) Promover a interao das duas especialidades (Cardiologia e Oncologia) para obter a melhor estratgia teraputica para o paciente, considerando riscos e benefcios do tratamento.

    4) Propor a unificao de terminologias e definies das complicaes cardiovasculares no paciente com cncer, com o objetivo de homogeneizar a assistncia e a pesquisa.

    5) Divulgar as evidncias disponveis em relao s complicaes cardiovasculares no paciente oncolgico.

    6) Disseminar recomendaes prticas para a monitorizao da funo cardiovascular antes, durante e aps o tratamento do paciente.

    7) Estimular a pesquisa e o conhecimento na rea de Cardio-Oncologia.

    Seguem as classes de recomendao e nveis de evidncia utilizados por esta diretriz.

    Classes de recomendaoClasse I - Consenso sobre a indicao do procedimento/

    tratamento.Classe IIa - Evidncias favorecem a indicao do

    procedimento/tratamento.Classe IIb - Evidncias no favorecem a indicao do

    procedimento/tratamento.Classe III - No indicado o procedimento/tratamento.

    Nveis de evidnciaA) Dados obtidos a partir de estudos randomizados ou

    metanlises de grandes estudos randomizados;B) Dados obtidos de um nico ensaio clnico randomizado

    ou vrios estudos no randomizados;C) Dados obtidos de estudos que incluram uma

    casustica e dados obtidos do consenso e de opinies de especialistas.

    2. Definio de cardiotoxicidadeUma definio padronizada de cardiotoxicidade

    essencial para fins assistenciais e de pesquisa nessa populao. Nas ltimas duas dcadas, as definies de cardiotoxicidade dos ensaios clnicos de oncologia so baseadas nas medidas da frao de ejeo do ventrculo esquerdo (FEVE). O Instituto Nacional de Sade (NIH) define cardiotoxicidade segundo a FEVE5:

    Grau I: reduo assintomtica da FEVE entre 10% e 20%Grau II: reduo da FEVE abaixo de 20% ou abaixo do

    normalGrau III: insuficincia cardaca sintomticaA cardiotoxicidade apresenta-se de forma aguda,

    subaguda ou crnica5. A cardiotoxicidade aguda ou subaguda caracteriza-se por alteraes sbitas na repolarizao ventricular, alteraes no intervalo Q-T, arritmias supraventriculares e ventriculares, sndromes coronarianas agudas, pericardite e miocardite, geralmente observadas desde o incio at 14 dias aps o trmino do tratamento5. A cardiotoxicidade crnica pode ser diferenciada em dois tipos, de acordo com o incio dos sintomas clnicos. O primeiro subtipo ocorre dentro de um ano aps o trmino da quimioterapia, e o segundo ocorre geralmente aps um ano do trmino da quimioterapia. A manifestao mais tpica de cardiotoxicidade crnica a disfuno ventricular sistlica ou diastlica que pode levar a insuficincia cardaca congestiva at a morte cardiovascular5,6.

    Alm de no contemplar a avaliao clnica, limiares diferentes para a determinao de toxicidade cardiovascular tm sido utilizados, o que dificulta estabelecer a real incidncia de cardiotoxicidade ao longo do tempo. Para eliminar essas dificuldades, uma definio comum deve ser estabelecida, e preferencialmente deve incorporar achados clnicos e no s exames complementares.

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  • Diretrizes

    I Diretriz Brasileira de Cardio-Oncologiada Sociedade Brasileira de Cardiologia

    Arq Bras Cardiol 2011; 96(2 supl.1): 1-52

    Na Tabela 1 encontram-se as manifestaes clnicas de cardiotoxicidade abordadas nesta Diretriz:

    Tabela 1 Manifestaes clnicas de cardiotoxicidadeCardiotoxicidade

    Insuficincia cardaca Arritmias ventriculares e supraventricularesIsquemia miocrdica aguda com ou sem supra de STDisfuno ventricular esquerda assintomticaHipertenso arterial sistmicaDoena pericrdicaEventos tromboemblicos

    Abreviatura: ST: segmento ST do eletrocardiograma.

    3. Insuficincia cardaca

    3.1 - Incidncia e agentes mais envolvidos Dentre os efeitos adversos dos quimioterpicos no sistema

    cardiovascular destaca-se, pela sua maior frequncia e gravidade, a agresso miocrdica com disfuno ventricular sistlica e insuficincia cardaca. O aparecimento dessa complicao pode determinar interrupo do tratamento quimioterpico e comprometer a cura ou o adequado controle do cncer4,7. vlido ressaltar que a insuficincia cardaca tem pior prognstico que muitas neoplasias e pode comprometer seriamente a evoluo do paciente em tratamento8.

    A ocorrncia da disfuno ventricular sistlica e diastlica assintomtica ou sintomtica varia nas sries clinicas entre 5% e 30%, sendo mais frequente em pacientes que se apresentam com os clssicos fatores de risco como: extremos de idade, disfuno ventricular prvia, hipertenso arterial, diabetes, uso de associao de quimioterpicos, radioterapia mediastinal e suscetibilidade gentica9-11. Cabe ressaltar que os efeitos cardiotxicos clssicos so cumulativos e tm relao com a dose, a velocidade de infuso, a associao de drogas e as insuficincias heptica e renal. Teoricamente, qualquer quimioterpico tem potencial para causar toxicidade. Na Tabela 2 esto listados os quimioterpicos mais utilizados e com maior potencial para causar cardiotoxicidade.

    Na Tabela 3, proposta uma classi f icao de cardiotoxicidade, baseada no tipo de alterao histopatolgica e na evoluo clnica descritas nos pacientes acometidos. Classicamente, esto bem definidos os efeitos txicos para os micitos de frmacos do grupo das antraciclinas (cardiotoxicidade tipo I) que so muito utilizados em vrios

    Tabela 2 Principais agentes quimioterpicos utilizados no tratamento do cncer e a incidncia de cardiotoxicidade (reduo da frao de ejeo e/ou insuficincia cardaca)

    Agente quimioterpicoIncidncia (%) de

    disfuno ventricular ou insuficincia cardaca

    Frequnciade uso

    Antraciclinas (doxorrubicina,epirrubicina, idarrubicina)

    5% a 35% dos casos (dose acima de 400 mg/m2) ++++

    Agentes alquilantes(ciclofosfamida, ifosfamida)

    5% a 25% dos casos ++++

    Agentes antimicrotbulos(docetaxel, paclitaxel) 2% a 10% dos casos +++

    Anticorpos monoclonais e inibidores da tirosina-quinase

    Trastuzumabe 2% a 28% dos casos ++

    Bevacizumabe 2% a 10% dos casos ++

    Sunitinibe 3% a 10% dos casos ++

    Tabela 3 Classificao proposta para cardiomiopatia relacionada quimioterapia

    Cardiotoxicidade Prottipo Relao com dose cumulativaAchados na bipsia endomiocrdica

    (microscopia eletrnica) Reversibilidade

    Tipo I DoxorrubicinaCiclofosfamida SimVacolos, destruio dos sarcmeros,

    necrose No

    Tipo IITrastuzumabe

    SunitinibeSorafenibe

    No Aparncia benigna ultraestrutural Sim (maioria dos casos)

    tipos de neoplasias3. A cardiotoxicidade das antraciclinas (doxorrubicina, epirrubicina e idarrubicina) caracteriza-se por queda na frao de ejeo do ventrculo esquerdo, ocorre em 5% a 25% dos casos, inicia-se nas primeiras doses, e est relacionada dose cumulativa, especialmente com doses acima de 400 mg/m2 de superfcie corprea. Nessa, observa-se dano permanente miocrdico, caracterizado por apoptose dos micitos, resultando em fibrose e perda da funo cardaca3. A toxicidade relacionada ciclofosfamida, tambm considerada tipo I, geralmente aguda ou subaguda, tem relao com a dose, e irreversvel na maioria dos casos. A ciclofosfamida e a ifosfamida esto relacionadas disfuno ventricular em at 10% a 20% dos casos4,7.

    O segundo grupo em importncia como causa de toxicidade tem como representantes o trastuzumabe e o bevacizumabe (cardiotoxicidade tipo II). O trastuzumabe causa disfuno ventricular em at 28% dos casos. Nessa, ocorre disfuno transitria reversvel dos micitos, sem que haja relao com a dose, resultando em melhor prognstico12,13. O sunitinibe e o bevacizumabe determinam cardiotoxicidade em 3% a 12% dos casos14. Merece destaque a constatao pela dosagem de biomarcadores como troponina e BNP (brain natriuretic peptide) que a agresso miocrdica com os diferentes quimioterpicos ocorre precocemente e com maior frequncia do que aquela reportada pela anlise de frao de ejeo reduzida, sinalizando que a ocorrncia de cardiotoxicidade

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  • Diretrizes

    I Diretriz Brasileira de Cardio-Oncologia da Sociedade Brasileira de Cardiologia

    Arq Bras Cardiol 2011; 96(2 supl.1): 1-52

    Tabela 4 Fatores de risco para cardiotoxicidade associada s antraciclinas

    Fatores de risco Risco aumentado no caso de

    Idade Menor idade

    Sexo Feminino

    Modo de administrao Injeo rpida

    Dose cumulativa Excedendo a dose cumulativa de:

    Daunorrubicina 550-800 mg/m2

    Doxorrubicina 400-550 mg/m2

    Epirrubicina 900-1.000 mg/m2

    Idarrubicina 150-225 mg/m2

    Irradiao mediastinal Irradiao mediastinal precoce ou concomitante

    Doenas cardiovasculares prvias Hipertenso arterial, doena coronria

    Distrbios eletrolticos Hipocalcemia, hipomagnesemia

    deve estar subestimada quando se analisa apenas a queda da frao de ejeo e existem estudos sugerindo que a dosagem dos biomarcadores deve ser empregada para diagnstico mais precoce da cardiotoxicidade8.

    3.2 - FisiopatologiaAs medicaes que determinam leses irreversveis tm

    sido classificadas como agentes tipo I (antraciclinas, agentes alquilantes), e aquelas que no determinam destruio celular irreversvel, como agentes tipo II (trastuzumabe, sunitinibe, lapatinibe)1,15. As manifestaes e a fisiopatologia da cardiotoxicidade dependem do tipo do agente.

    3.3 - Quimioterpicos3.3.1 - AntraciclinasO prottipo de cardiotoxicidade a cardiomiopatia

    relacionada com as antraciclinas. Do ponto de vista f is iopatolgico, observam-se com a uti l izao de antraciclinas16-18: (1) leso do retculo sarcoplasmtico e das mitocndrias; (2) modificao estrutural e funcional de miofibrilas; (3) perda total ou parcial da matriz intercalada com placas de colgeno no interstcio; (4) modificao do acoplamento excitao-contrao e do fluxo do clcio; (5) apoptose; (6) alteraes do metabolismo do ferro; e (7) perda da capacidade de regenerao do msculo cardaco e de clulas endoteliais coronarianas16-18. Consequentemente, h disfuno e hipertrofia dos micitos remanescentes. A cardiotoxicidade das antraciclinas parece ser distinta de seus efeitos teraputicos, e tem sido atribuda a alguns efeitos, incluindo apoptose, alteraes do metabolismo do ferro, desregulao no metabolismo do clcio e disfuno mitocondrial. O gatilho comum desses eventos parece estar ligado ao estresse oxidativo causado pela produo de espcies reativas de oxignio, resultando em fibrose e necrose miocrdica15. Algumas observaes do consistncia importncia do estresse oxidativo na cardiotoxicidade das antraciclinas15-18:

    - superexpresso da metalotioneina, um antirradical livre, no corao de camundongo transgnico minimiza a injria induzida pela doxorrubicina.

    - a inibio da formao do peroxinitrito, um oxidante reativo produzido do xido ntrico e do superxido, melhora a funo cardaca de camundongos expostos a doxorrubicina.

    - o probucol, um forte antioxidante, impede a reduo em glutationa peroxidase e reduz a peroxidao lipdica miocrdica associada doxorrubicina em modelo murino.

    - o dexrazoxane um quelante like-EDTA que pode impedir o dano por antraciclinas por meio da ligao com o ferro, que o cofator para os radicais livres.

    Sabe-se que o dano maior com dose maior cumulativa15. Administraes repetidas das antraciclinas podem resultar em leso dose-dependente dos cardiomicitos e dano no interstcio, associadas com disfuno diastlica precoce e disfuno sistlica tardia, que so observadas tanto em modelos experimentais quanto na prtica clnica15.

    Disfuno diastlica por toxicidade cumulativa dose-dependente pode ser observada com dose cumulativa

    equivalente a 200 mg/m2, enquanto disfuno sistlica observada usualmente com doses acima de 400 mg/m2, com variabilidade segundo limiar individual19. Entretanto, prejuzo na funo diastlica foi observado com dose cumulativa de apenas 120 mg/m2 20. A ecocardiografia com estresse durante exerccio e infuso de dobutamina demonstra que reduo do espessamento da parede de ventrculo esquerdo e da reserva contrtil precederam o aparecimento de disfuno sistlica20.

    Fatores de risco associados com maior chance de toxicidade por antraciclinas esto apontados na Tabela 4. Dentre eles, destacam-se cardiopatia prvia, dose cumulativa e velocidade rpida de infuso do frmaco.

    Sinais e sintomas de insuficincia cardaca em geral so manifestaes de pacientes com disfuno sistlica, enquanto pacientes com disfuno diastlica geralmente so assintomticos7.

    3.3.2 - Trastuzumabe O trastuzumabe est relacionado ocorrncia de

    insuficincia cardaca em at 26% dos pacientes21,22. Exerce ainda efeito cardiodepressor, usualmente transitrio e reversvel. A toxicidade atribuda ao trastuzumabe no bem esclarecida, mas sabe-se que em parte se deve ao bloqueio do receptor HER2. Os receptores HER2 so fisiologicamente expressos nos micitos, exercendo funes essenciais de cardioproteo15. Dados de estudos experimentais e clnicos indicam a importncia da sinalizao HER2 no corao normal e sustentam a teoria da relao entre cardiotoxicidade do trastuzumabe e o bloqueio HER215,23-26:

    - em modelos animais, a sinalizao HER2 importante para o desenvolvimento cardaco embrionrio e para a proteo de cardiotoxinas potenciais.

    - a supresso do gene HER2 em camundongos resulta em cardiomiopatia dilatada. Camundongos com knockout do gene HER2 desenvolvem miocardiopatia dilatada e seus cardiomicitos tm suscetibilidade aumentada a antraciclinas.

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    - o nvel srico do HER2 est aumentado em pacientes com insuficincia cardaca congestiva crnica e esse se correlaciona inversamente com a funo ventricular.

    Assim, dados esses apontamentos, fica evidente que a cardiotoxicidade induzida pelo trastuzumabe pelo menos em parte efeito direto do bloqueio HER21,26.

    3.3.3 - Ciclofosfamida e drogas relacionadasNecrose hemorrgica, edema intersticial, depsito

    de fibrina, leses endoteliais, trombos microvasculares, reas isqumicas e bandas de contrao so o substrato anatomopatolgico para o desenvolvimento de insuficincia cardaca aguda relacionada aos agentes alquilantes20. Quando doses no fracionadas alcanando 180 mg/kg so administradas, ifosfamida em altas doses tambm pode determinar importante disfuno de ventrculo esquerdo com incidncia de at 17%20.

    3.3.4 - Anticorpos monoclonais e inibidores da tirosina-quinase

    Os anticorpos monoclonais esto relacionados ocorrncia de disfuno ventricular esquerda por inibio do fator de crescimento do endotlio vascular (VEGF)3,27, O surgimento de disfuno ventricular durante o tratamento ocorre em at 2% dos pacientes. Geralmente, transitria e reverte aps a suspenso do frmaco27.

    Os inibidores de tirosina-quinase como o sunitinibe e o lapatinibe inibem o fator de crescimento epidrmico e o HER228, A incidncia de disfuno ventricular esquerda baixa, em torno de 1,6%. Na maioria dos casos, a disfuno ventricular assintomtica e reversvel, sugerindo cardiotoxicidade tipo II15,29.

    3.4 - Apresentao clnicaUma das principais e mais temidas complicaes do

    tratamento oncolgico a insuficincia cardaca (IC). De acordo com diretrizes nacionais e internacionais, a insuficincia cardaca uma sndrome clnica complexa de carter sistmico, definida como disfuno cardaca que ocasiona inadequado suprimento sanguneo para atender as necessidades metablicas tissulares30,31,

    O mecanismo responsvel pelos sintomas e sinais clnicos da IC pode ser decorrente de disfuno sistlica, diastlica ou de ambas, acometendo um ou ambos os ventrculos.

    A insuficincia cardaca pode ser classificada em estgios evolutivos30:

    Estgio A - Inclui pacientes sob risco de desenvolver insuficincia cardaca, mas ainda sem doena estrutural perceptvel e sem sintomas atribuveis insuficincia cardaca.

    Estgio B - Pacientes que adquiriram leso estrutural cardaca, mas ainda sem sintomas atribuveis insuficincia cardaca.

    Estgio C - Pacientes com leso estrutural cardaca e sintomas atuais ou pregressos de insuficincia cardaca.

    Estgio D - Pacientes com sintomas refratrios ao tratamento convencional, e que requerem intervenes especializadas ou cuidados paliativos.

    A IC por cardiotoxicidade geralmente ocorre nos primeiros meses aps o ciclo de quimioterapia, podendo ainda ocorrer nas primeiras semanas, e mesmo tardiamente, anos aps o tratamento32. Porm, quadros agudos podem ocorrer ainda durante o tratamento, especialmente em indivduos com fatores de risco ou quando doses acumuladas mais elevadas so utilizadas32.

    O principal sintoma que leva o paciente a procurar atendimento a dispneia. As presenas de ortopneia e de dispneia paroxstica noturna tambm favorecem o diagnstico de IC. Outros sintomas incluem cansao, fadiga e sintomas digestivos, como anorexia, distenso abdominal e diarreia (em casos de isquemia ou congesto visceral).

    Deve-se proceder a um cuidadoso exame fsico, avaliando sinais que indiquem presses de enchimento de ventrculo esquerdo (VE) aumentadas, congesto pulmonar e sistmica e sinais de baixo dbito cardaco. Entre os sinais de exame fsico, aqueles com maior especificidade para IC so a presena de terceira bulha e a turgncia jugular. Entretanto, a sensibilidade desses sinais baixa e sua ausncia no exclui o diagnstico de IC. Outros sinais observados incluem edema de membros inferiores, hepatomegalia, ascite e taquicardia. Sinais tpicos de baixo dbito cardaco incluem hipotenso arterial, alteraes do nvel de conscincia, oligria, pulso filiforme e extremidades frias. Derrame pleural comum em pacientes com IC descompensada30.

    3.5 - Toxicidade por quimioterpicosA toxicidade cardiovascular pode ser verificada em eventos

    pr-clnicos e clnicos. A cardiotoxicidade pr-clnica pode ser detectada por tcnicas bioqumicas (dosagem de troponina ou de BNP) ou histopatolgicas (bipsia endomiocrdica)12. J a cardiotoxicidade clnica pode se manifestar de diversas formas.

    Uma das mais acuradas definies de cardiotoxicidade a formulada pelo Comit de Reviso e Avaliao dos Estudos Clnicos de Trastuzumabe12,33. De acordo com essa classificao, a cardiotoxicidade associada a quimioterpicos pode se apresentar como uma das seguintes formas clnicas: 1) miocardiopatia com reduo da frao de ejeo ventricular esquerda (FEVE), quer seja global, quer segmentar, acometendo mais gravemente o septo interventricular; 2) sintomas associados IC; 3) sinais associados IC, tais como B3, taquicardia ou ambos; 4) reduo na FEVE em comparao com a basal, de pelo menos 5% at menos de 55%, com sinais ou sintomas de IC concomitantes, ou reduo na FEVE na faixa de pelo menos 10% at menos de 55%, sem sinais ou sintomas concomitantes. Qualquer um dos quatro critrios suficiente para confirmar o diagnstico de cardiotoxicidade. Os eventos podem ainda ser classificados de acordo com a classificao da New York Heart Association (NYHA). Essa definio no inclui dano cardiovascular subclnico que pode ocorrer precocemente em resposta a alguns agentes quimioterpicos. Portanto, no temos at hoje ainda uma classificao ideal.

    3.6 - Toxicidade por radiao

    Radiao externa sobre o trax se associa a dano cardiovascular, incluindo insuficincia cardaca34. O espectro

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    das alteraes inclui pericardite crnica, derrame pericrdico, pericardite constritiva, miocardiopatia restritiva, disfuno sistlica, doena valvar, alteraes do sistema de conduo e doena coronariana acelerada35.

    Ocorrncia e manifestaes da doena cardaca relacionada radiao dependem especialmente da dose de radiao, do volume do corao exposto e de tcnicas especficas de aplicao34.

    O espectro da cardiopatia induzida por radioterapia inclui disfuno sistlica, diastlica e miocardiopatia restritiva34. O mecanismo fisiopatolgico subjacente predominante a doena isqumica de pequenos vasos e fibrose. Miocardiopatia restritiva pode ser difcil de diferenciar de pericardite constritiva, e ambas podem estar presentes no mesmo paciente.

    Doena valvar comum, mas frequentemente no grave. De qualquer forma, pode contribuir para morbidade substancial que acompanha o corao irradiado. As leses mais comuns so insuficincia tricspide, insuficincia mitral e insuficincia artica, que em alguns casos podem ser a causa da insuficincia cardaca36.

    3.7 - DiagnsticoA avaliao inicial dos pacientes oncolgicos submetidos

    a quimioterapia cardiotxica tem como objetivos: excluir pacientes com evidncias clnicas, laboratorial e radiolgica de insuficincia cardaca congestiva (IC) antes do incio do tratamento quimioterpico, identificar pacientes com reduo da frao de ejeo, associada a sintomas ou no, durante a quimioterapia37. fundamental diagnosticar IC para evitar piora na qualidade de vida e aumento do risco de mortalidade dos pacientes.

    3.7.1 - Sinais e sintomasOs sinais e sintomas de insuficincia cardaca so

    importantes para o diagnstico. No entanto, muitas vezes podem ser semelhantes s complicaes do prprio cncer38. Para o diagnstico da miocardiopatia associada quimioterapia, importante definir a classe e o quimioterpico utilizado, sua dose cumulativa, o uso prvio de outros quimioterpicos cardiotxicos, e a presena de outros fatores de risco cardiovasculres38. So fatores de risco para cardiotoxicidade de quimioterpicos: hipertenso, idade maior que 60 anos, disfuno do ventrculo esquerdo prvia, irradiao torcica prvia39.

    3.7.2 - EletrocardiogramaO eletrocardiograma realizado rotineiramente na avaliao

    do paciente com fatores de risco para cardiotoxocidade. Na insuficincia cardaca, pode demonstrar baixa voltagem, bloqueio do ramo direito ou esquerdo, sobrecargas ventriculares e arritmias. utilizado, tambm, para excluir distrbios de conduo, prolongamento do QT, anormalidades de repolarizao ventricular40,41. A deteco de arritmias ventriculares e supraventriculares, como a fibrilao atrial, deve alertar o clnico para a presena de leso estrutural cardaca.

    3.7.3 - BiomarcadoresA utilizao de biomarcadores cardioespecficos vem sendo

    apontada como ferramenta til na identificao precoce de leso cardaca por quimioterpicos e seguimento dos pacientes oncolgicos42. Estudos demonstram que a troponina pode representar um marcador sensvel e especfico de injria miocrdica nos pacientes em uso de doses elevadas de quimioterpicos cardiotxicos43,44. Ela mostrou-se capaz de predizer o desenvolvimento de disfuno ventricular, pois, nessa situao, seu nvel srico pode manter-se elevado aps um ms do uso de antraciclina44,45.

    O peptdeo natriurtico do tipo B (BNP), liberado em resposta sobrecarga de presso, volume e aumento da tenso parietal do ventrculo esquerdo, tambm preditor da gravidade da leso miocrdica42. Aumenta mesmo sem sinais e sintomas de insuficincia cardaca, o que demonstra alta sensibilidade do BNP em predizer cardiotoxicidade6,46. No entanto, poucos ensaios avaliaram o uso do BNP como screeening inicial46.

    3.7.4 - Mtodos de imagemSo necessrias a avaliao e a quantificao da funo

    ventricular por mtodos de imagem antes do incio da quimioterapia cardiotxica. Essa mensurao deve ser feita por meio do ecodopplercardiograma ou da ventriculografia radioisotpica47. O mtodo escolhido deve ser mantido por todo o seguimento. Quando encontrados valores da FE < 50%, no se recomenda iniciar drogas com alto potencial de cardiotoxicidade, sendo adequado discutir com o oncologista a possibilidade de indicar esquema quimioterpico com menor risco cardiovascular.

    O ecocardiograma tem sido a opo mais utilizada pelo baixo custo, fcil acesso e carter no invasivo47. Alm disso, permite avaliar no s a funo sistlica, como a funo diastlica, as valvas cardacas e o pericrdio. Fatores relacionados ao prprio paciente, como janela acstica inadequada, e tambm ao examinador (variaes intra e interobservador) so considerados limitaes da tcnica, optando-se pela ventriculografia radioisotpica em algumas situaes. Novas tcnicas como o Doppler tecidual, o strain rate e variantes tm sido agregadas, fornecendo subsdios para deteco precoce de disfuno ventricular esquerda48,49.

    A ventriculografia radioisotpica pode ser superior ao ecocardiograma em pacientes obesos, ou submetidos a cirurgias ou a irradiao torcica prvia. A ressonncia nuclear magntica apresenta alta sensibilidade para avaliar o volume e a funo do ventrculo esquerdo. Alm disso, estuda outras estruturas cardacas como valvas, vasos e pericrdio, alm de poder avaliar possveis mecanismos de disfuno miocrdica como isquemia e miocardite50. Entretanto, de alto custo e no est amplamente disponvel, sendo hoje utilizada como alternativa ou em ambientes de pesquisa.

    3.7.5 - Bipsia endomiocrdicaA bipsia um mtodo altamente sensvel e especfico

    na deteco da cardiomiopatia induzida por antraciclina, mostrando alterao irreversvel da arquitetura celular.51 No

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    entanto, seu uso tem sido desencorajado, no s por seu carter invasivo e pelos riscos associados, mas tambm pela alta acurcia obtida pelos mtodos de imagem na avaliao da funo cardiovascular.

    3.8 - Monitoramento da cardiotoxicidadeA avaliao cardiolgica basal de pacientes que iro

    se submeter a terapias potencialmente cardiotxicas deve inicialmente incorporar a realizao de anamnese e exame fsico, focados para a rea cardiovascular, um eletrocardiograma de 12 derivaes em repouso e avaliao basal da funo ventricular esquerda pela ecocardiografia preferencialmente ou pela ventriculografia radioisotpica52-54.

    O monitoramento de sinais e sintomas de insuficincia cardaca aspecto fundamental do manejo de pacientes que se submetem a terapia oncolgica cardiotxica. Ateno especial deve ser dada s manifestaes clnicas precoces de toxicidade, que embora ocorram raramente, podem se apresentar como quadro clnico de miocardite aguda fulminante e/ou arritmias ventriculares graves1,55. Como a toxicidade pode se manifestar em qualquer momento aps o uso de quimioterpicos, at mesmo vrios anos aps a finalizao do tratamento, faz-se necessria vigilncia contnua das manifestaes clnicas da sndrome, com avaliao de sintomas pouco especficos como cansao, fadiga e limitao funcional para as atividades do dia a dia56.

    Na Tabe la 5 , suger imos moni toramento por eletrocardiograma (ECG).

    Os mtodos amplamente aceitos de avaliao da funo ventricular so a ecodopplercardiografia bidimensional e a ventriculografia radioisotpica.54 Ambos so capazes de detectar alteraes basais de funo cardaca, sendo opes adequadas de avaliao inicial. Para o monitoramento de alteraes sequenciais de funo ventricular, sugere-se que se mantenha o mesmo mtodo de anlise durante o acompanhamento, pois as medidas obtidas entre diferentes tcnicas no so intercambiveis. O monitoramento peridico da cardiotoxicidade durante os ciclos de infuso estratgia essencial para prevenir leses miocrdicas graves e irreversveis, embora no existam estudos prospectivos

    Tabela 5 Monitoramento por meio do eletrocardiograma (ECG)

    Classe Indicao Nvel de evidncia

    Avaliao clnica(anamnese e exame fsico cardiolgico)

    I Basal (incluindo ECG de 12 derivaes) D

    IPeridica e aps concluso da quimioterapia

    em pacientes com alto risco de cardiotoxicidade (semestral ou anual)

    D

    Tabela 6 Recomendaes referentes a monitorizao da funo cardiovascular antes e durante o tratamento com trastuzumabe57

    Classe Indicao Nvel de evidncia

    Classe I Avaliao clnica, em busca de sinais e sintomas de cardiopatia C

    Classe IIa Anlise de risco-benefcio antes do incio do tratamento em pacientes portadores de fatores de risco para cardiotoxicidade D

    Classe IIa Terapia com trastuzumabe em pacientes com FEVE < 55% quando os benefcios forem maiores que o risco C

    Classe I Avaliao peridica dos pacientes em uso de trastuzumabe quanto a sinais e sintomas de ICC C

    Classe I Avaliao da funo ventricular avaliada por meio do ecocardiograma transtorcico (Simpson) ou da ventriculografia radioisotpica (MUGA) antes do incio do tratamento com trastuzumabe C

    Classe I Manuteno do mesmo mtodo complementar durante o tratamento D

    Classe I Realizao de ecocardiograma transtorcico antes do incio do tratamento, e aps 3 meses, 6 meses e 12 meses C

    Classe I Realizao de ecocardiograma transtorcico se houver modificaes do quadro clnico C

    Classe IIa Realizao de ecocardiograma tridimensional ou de ressonncia nuclear magntica ou MUGA em casos de limitao do ecocardiograma transtorcico D

    randomizados que tenham testado tal conduta. A Tabela 6 ilustra uma sugesto de periodicidade do monitoramento de cardiotoxicidade tradicionalmente relacionada ao uso de antraciclinas1. De forma geral, podemos classificar os mtodos de monitoramento entre aqueles que identificam leso funcional global do corao (avaliada tradicionalmente pela frao de ejeo de ventrculo esquerdo [FEVE]) e aqueles que buscam identificar leso precoce do cardiomicito (avaliada por biomarcadores).

    Diversas diretrizes internacionais recomendam a avaliao da FEVE em diferentes momentos do tratamento: (I) antes do incio de terapia antineoplsica potencialmente cardiotxica, (II) depois da administrao de metade da dose total cumulativa ou aps doses especficas de antraciclinas ou equivalentes, e (III) aps cada ciclo subsequente de quimioterapia1. No seguimento, aps a finalizao do tratamento oncolgico, recomenda-se avaliao da FEVE em intervalos variveis, de acordo com o risco basal de cardiotoxicidade1. O comportamento da FEVE no acompanhamento tem importantes implicaes teraputicas. So critrios aceitos e validados para suspenso do tratamento a reduo da FEVE maior que 10% e/ou reduo para valores absolutos menores que 50%. A utilizao desses critrios implicou reduo substancial do risco de desenvolvimento de insuficincia cardaca clnica em diversos estudos observacionais6,15. A desvantagem deste tipo de estratgia, entretanto, a de que o diagnstico de cardiotoxicidade se estabelece apenas quando a leso j est estabelecida e, na sua maior parte, irreversvel.

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    A monitorizao da funo ventricular esquerda aps o uso de trastuzumabe merece consideraes especiais, uma vez que a disfuno cardaca na maioria das vezes reversvel com o uso desse quimioterpico13. As Tabelas 6 e 7 ilustram protocolo de monitorizao para avaliao da FEVE de pacientes em tratamento com trastuzumabe, adaptado das recomendaes do United Kingdom National Cancer Research Institute57. Mesmo em pacientes que tenham tido queda substancial da FEVE (para valores absolutos menores que 44% ou valores entre 45%-49%, porm com reduo de mais de 10% em relao aos valores basais), deve-se reavaliar a funo cardaca trs semanas aps suspenso do trastuzumabe e o incio de tratamento farmacolgico para disfuno miocrdica. Se nessa reavaliao houver recuperao parcial ou total da FEVE, pode-se reiniciar o uso de trastuzumabe57.

    O uso de biomarcadores para identif icao de cardiotoxicidade estratgia atrativa, pois permite identificar dano precoce e subclnico, proporcionando janela teraputica para o uso de medidas potencialmente cardioprotetoras, alm de acompanhamento clnico

    Quadro 1 Esquema de monitoramento cardiolgico* para pacientes recebendo antraccliclos ou outros agentes tipo 1 (MD Anderson)

    Dose acumulada de antraciclina (mg/m2)**

    Antes do tratamento Durante o tratamento

    Ao final do tratamento

    Primeiro ano aps o tratamento

    2 ao 5 ano aps o tratamento

    > 5 ano aps o tratamento

    < 200 Sim Quando clinicamente indicado SimControle com

    1 anoControle com 2 anos e 5 anos Quando clinicamente indicado

    200-300 Sim Aps 200 mg/m2 Sim Controle com 6 meses e 1 ano

    Controle com 2 anos, 3 anos e

    5 anosQuando clinicamente indicado

    300-400 Sim Aps 200, 300, 350 mg/m2 SimControle com 6 meses e 1 ano Controle anual Controle a cada 2 anos

    > 400 Sim Aps 200, 300, 350 e 400 mg/m2 SimControle com 3 meses, 6 meses

    e 1 anoControle anual Controle anual

    * Monitoramento cardaco inclui: consulta cardiolgica, avaliao da funo ventricular e dosagens de troponina (esta ltima apenas durante o tratamento quimioterpico); ** As doses cumulativas so referentes doxorrubicina; para o mitoxantrone, multiplica-se a dose por 0,2, para a epirrubicina e as preparaes lipossomais, multiplica-se a dose por 1,5.

    intensivo, incluindo rastreamento ativo de disfuno ventricular. Os biomarcadores mais testados nesse contexto so as troponinas e os peptdeos natriurticos1 (Tabela 8).

    As troponinas so protenas do aparato contrtil muscular que regulam a formao do complexo actina-miosina. As subunidades T e I das troponinas cardacas (cTnT e CTnI) so marcadores relativamente sensveis e especficos de leso do cardiomicito. A cintica de liberao das troponinas associada cardiotoxicidade de quimioterpicos difere em parte daquela observada na sndrome coronariana aguda, podendo se prolongar at um ms aps a infuso6. Estudos que avaliaram o valor prognstico da mensurao das troponinas aps o uso de quimioterpicos cardiotxicos no so consensuais55. Na maioria deles, entretanto, observa-se que aproximadamente um tero dos pacientes apresenta elevao de troponinas56,58. De forma geral, a determinao de troponinas foi capaz de predizer com razovel acurcia o surgimento de insuficincia cardaca clinicamente manifesta e a gravidade da disfuno ventricular esquerda58. Mais importante, entre os pacientes que tm elevao desse

    Tabela 7 Recomendaes do seguimento dos pacientes durante o tratamento com trastuzumabe57

    Classe Indicao Nvel de evidncia

    Classe I Manuteno do tratamento em pacientes assintomticos com FEVE normal que no apresentam reduo da FEVE C

    Classe I Manuteno do tratamento em pacientes assintomticos com queda da FEVE > 10% mas ainda com valor dentro da normalidade. Recomenda-se repetir ecocardiograma em 4 semanas C

    Classe IManuteno do tratamento em pacientes assintomticos com queda da FEVE entre 10% e 15% mas ainda com valor

    acima de 40%. Recomenda-se iniciar terapia com betabloqueador e IECA e repetir ecocardiograma em 2 a 4 semanas. Se no houver recuperao da funo, recomenda-se suspender o trastuzumabe

    C

    Classe IInterrupo do tratamento em pacientes assintomticos com queda da FEVE > 15% ou FEVE < 30%. Recomenda-se

    terapia com betabloqueador e IECA e repetir ecocardiograma em 2-4 semanas. Se a FEVE no melhorar, manter terapia suspensa. Se a FEVE estiver acima de 45%, pode se reiniciar o trastuzumabe

    C

    Classe IPacientes sintomticos com queda da FEVE > 10%, mas ainda com valor dentro da normalidade, podem ter seu tratamento

    continuado. Recomenda-se terapia com iECA e betabloqueador e repetir ecocardiograma em 2 a 4 semanas. Se a FEVE permanecer estvel ou melhorar, a terapia deve ser mantida. Se houver queda, o trastuzumabe deve ser suspenso

    C

    Classe I Interrupo do tratamento em pacientes sintomticos com queda da FEVE > 15% C

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    marcador, aqueles em que a elevao persiste por mais de um ms aps o uso do quimioterpico tm probabilidade de 85% de apresentar evento cardaco maior no seguimento58. Por sua vez, troponinas persistentemente indetectveis tm alto valor preditivo negativo, identificando subgrupo de pacientes de muito baixo risco de cardiotoxicidade futura. No existe consenso em que intervalos a mensurao de troponina deve ser realizada nesse cenrio, embora a maioria dos estudos tenha realizado dosagens sequenciais precoces e alguns protocolos incluam dosagem aps um ms da finalizao da quimioterapia. Troponina tambm parece ser capaz de identificar aqueles pacientes com risco de cardiotoxicidade por trastuzumabe, alm de predizer aqueles que no tero reversibilidade de disfuno ventricular aps seu uso59.

    Os peptdeos natriurticos (tipo B [BNP] e o fragmento aminoterminal de seu precursor [NT-pr-BNP]) so produzidos pelos ventrculos e so marcadores de sobrecarga de presso. Diversos estudos de pequeno porte avaliaram sua dosagem em pacientes em uso de quimioterpicos cardiotxicos, indicando correlao razovel com outros marcadores de disfuno miocrdica. Entretanto, poucos estudos buscaram determinar o valor preditivo dos peptdeos natriurticos para deteco de disfuno miocrdica futura. Alm disso, a indefinio de pontos de corte amplamente aplicveis e a grande variabilidade na sua mensurao ainda limitam as implicaes prticas de sua dosagem no contexto da cardiotoxicidade no tratamento oncolgico60 (tabela 8).

    3.9 - Preveno da cardiotoxicidadeA preveno da miocardiopatia por antraciclinas passa pelo

    reconhecimento dos seus fatores de risco. Dentre eles esto: cardiopatia isqumica, disfuno ventricular, doena valvular, hipertenso no controlada e arritmias, dose cumulativa

    de antraciclina superior a 550 mg/m2, extremos de idade, radioterapia concomitante do mediastino, diabetes, obesidade e combinao com outras drogas, como o trastuzumabe7.

    O reconhecimento de indivduos em risco e a preveno da disfuno ventricular esquerda assintomtica e insuficincia cardaca clnica so, portanto, importantes objetivos no manejo desses pacientes.

    As recomendaes para embasar condutas nesse contexto clnico tm sido baseadas em estudos pequenos, uma vez que recomendaes de diretrizes internacionais so ainda escassas. No entanto, alguns estudos merecem destaque pelos seus achados. Cardinale et al.61 selecionaram pacientes com elevao de Troponina I logo aps quimioterapia em altas doses e evidenciaram que o uso de enalapril, com dose alvo de 20 mg/dia, usado por pelo menos um ano, preveniu o surgimento de disfuno ventricular esquerda e insuficincia cardaca. Enquanto houve 43% de incidncia de disfuno ventricular (definida como queda superior a 10% na frao de ejeo) nos controles, no houve relato de disfuno ventricular no grupo com enalapril. Os inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) so eficazes nesse contexto por atuar no remodelamento ventricular e no antagonismo neuro-humoral da insuficincia cardaca (Tabela 9).

    Alguns estudos experimentais demonstraram que o uso profiltico de carvedilol previne a cardiomiopatia induzida pelas antraciclinas62. Estudos clnicos testando a eficcia de carvedilol na preveno de miocardiopatia induzida por antraciclinas ainda so escassos. Um estudo alocou 25 pacientes com quimioterapia planejada para receberem carvedilol 12,5 mg/dia ou placebo por seis meses63, evidenciando relevante proteo da miocardiopatia no grupo tratado. O uso de betabloqueadores tambm foi avaliado em uma coorte de pacientes de 201 pacientes com

    Tabela 9 Recomendaes para o uso de agentes cardioprotetores para a preveno da miocardiopatia associada a antraciclinas

    Classe Indicao Nvel de evidncia

    I Uso de IECA em pacientes com evidncias de leso miocrdica (elevao de troponina I, ou BNP ou alterao ecocardiogrfica) logo aps quimioterapia B

    IIa Uso do carvedilol em pacientes com evidncias de leso miocrdica (elevao de troponina I, ou BNP ou alterao de ecocardiografia) logo aps quimioterapia C

    IIa Uso de dexrazoxane pr-quimioterapia para preveno de insuficincia cardaca em pacientes de alto risco de cardiotoxicidade A

    III Uso de agentes cardioprotetores como N-acetilcistena, coenzima Q10, combinaes de vitaminas E e C e N-acetilcistena ou L-carnitina C

    Abreviaturas: IECA: inibidor da enzima conversora de angiotensina; BNP: brain natriuretic peptide.

    Tabela 8 Monitoramento por meio de biomarcadores

    Classe Indicao Nvel de evidncia

    IIa Dosagem precoce de troponinas (0h, 24h, 72h aps cada ciclo) e BNP (ou NT-ProBNP) para pacientes de alto risco para cardiotoxicidade B

    IIa Dosagem tardia de troponinas e BNP (ou NT-ProBNP) 1 ms aps o ciclo C

    IIb Dosagem de peptdeos natriurticos para seguimento ambulatorial de cardiotoxicidade C

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    miocardiopatia por antraciclinas estabelecida e evidenciou-se de maneira clara que a precocidade do incio da teraputica (IECA e betabloqueadores) foi fator determinante no sucesso da recuperao da funo ventricular, o que contribui para o racional do uso de betabloqueadores na preveno de miocardiopatia (Tabela 9)38.

    O uso do dexrazoxane, uma droga com efeitos antioxidantes, tem sido avaliado como potencial indutor de cardioproteo em ensaios clnicos. Uma metanlise de nove estudos clnicos, incluindo um total de 1.403 pacientes, descreve papel protetor do dexrazoxane na insuficincia cardaca (Risco Relativo (RR) 0,29, IC95% 0,20 to 0,41)64.

    Supostos agentes cardioprotetores como a N-acetilcistena, coenzima Q10, combinaes de vitaminas E e C e L-arnitina no foram avaliados em estudos clnicos comparativos e algumas sries de casos ou pequenos estudos no indicam cardioproteo64.

    3.10 - Tratamento da cardiotoxicidadeA disfuno ventricular aps quimioterapia (QT) tem sido

    alvo de recentes estudos e de novas pesquisas65,66. Esse fato reflete melhora no tratamento do cncer, proporcionando aos pacientes uma longevidade maior, e consequentemente aumentando as potenciais complicaes da exposio aos quimioterpicos.

    Durante muito tempo, considerou-se que a disfuno ventricular ps-QT fosse uma situao clnica irreversvel. Esse conceito se baseava em estudos antigos, nos quais o diagnstico somente era feito em fases bastante avanadas da afeco. Atualmente, com os frmacos utilizados para insuficincia cardaca, e com avanos diagnsticos, tornou-se possvel identificar a doena em fases mais precoces e at mesmo proporcionar melhora da funo ventricular, mesmo quando ela j est instalada.

    As drogas que efetivamente mudaram o prognstico de pacientes com IC so aquelas que podem atuar no processo de remodelamento, proporcionando melhora de funo e reduo dos dimetros ventriculares. Nesse contexto, os inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA), bloqueadores de receptores AT2, betabloqueadores e bloqueadores da aldosterona so drogas de primeira

    linha para o tratamento da IC, independentemente da etiologia67,68. Uma vez que a discusso em questo o tratamento da disfuno ps-QT, racional que esses conceitos sejam extrapolados para essa populao em especial (Tabela 10).

    Os IECA constituem uma classe de medicamentos com comprovados benefcios na evoluo clnica de pacientes com IC, em relao a morbidade, qualidade de vida e mortalidade. Essa afirmao baseia-se em numerosos ensaios randomizados, placebo-controlados, que demonstraram os benefcios dos IECA nos diferentes estgios evolutivos da IC, desde os mais avanados aos moderados, e mesmo na disfuno ventricular sistlica assintomtica; portanto, agindo tambm no processo de preveno da disfuno ventricular69,70,71.

    O uso do IECA indicado nas diferentes etiologias de IC, a partir do diagnstico da disfuno ventricular, mesmo que os sintomas no estejam instalados ainda. Esse conceito exatamente o que recomendamos em pacientes submetidos a tratamento quimioterpico. Durante a monitorizao peridica desses pacientes, ao detectar sinais de disfuno sistlica e ou diastlica, deve-se introduzir essa classe de medicamentos, na maior dose tolerada. Para pacientes que no podem receber IECA em razo de intolerncia, indica-se o uso de bloqueadores do receptor AT2 da angiotensina (BRA), para obteno do efeito vasodilatador e de bloqueio neuro-hormonal (Tabela 10).

    A introduo dos betabloqueadores no tratamento farmacolgico da IC constitui um dos maiores avanos dos ltimos anos no manejo clnico dessa doena. Seu uso tem sido fundamentado na atenuao da hiperatividade simptica aumentada na IC, que contribui para a progresso da disfuno miocrdica. Seus efeitos benficos incluem inibio da cardiotoxicidade das catecolaminas, reduo do consumo energtico pelo miocrdico e melhora do relaxamento diastlico. Alm disso, inibe a vasoconstrico perifrica, reduz a frequncia cardaca, atua no remodelamento ventricular, e exerce efeitos anti-hipertensivos, antianginosos, antiarrtmicos e antiproliferativos.

    Existem trs betabloqueadores disponveis para o tratamento da IC com efetividade comprovada: metoprolol, bisoprolol e carvedilol. Esses seriam os medicamentos a serem

    Tabela 10 Recomendaes para o tratamento da IC ps-QT

    Classe Indicao Nvel de evidncia

    I Uso de IECA em pacientes com IC e disfuno sistlica assintomtica ou sintomtica, na maior dose tolerada C

    IIa Uso de IECA em pacientes com aparecimento de disfuno diastlica durante ou aps tratamento quimioterpico C

    I Os BRA devem ser recomendados a pacientes portadores de IC intolerantes aos inibidores da ECA C

    I Uso de betabloqueadores (carvedilol, metoprolol, bisoprolol) em pacientes com IC e disfuno sistlica assintomtica ou sintomtica, na maior dose tolerada C

    I Uso de espironolactona (25 a 50 mg/dia) em pacientes sintomticos (IC CF II-IV), com disfuno sistlica C

    IIa Indicao de transplante cardaco para pacientes com IC refratria, apesar da mxima medicao para IC, com mais de 5 anos de no recidiva da neoplasia aps tratamento C

    III Uso de IECA em pacientes com insuficincia renal, hipercalemia ou hipotenso sintomtica C

    Abreviaturas: QT: quimioterapia; IECA: inibidor da enzima conversora de angiotensina; BRA: bloqueador do receptor AT2 da angiotensina; IC: insuficincia cardaca.

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    utilizados no tratamento clnico de pacientes com disfuno ventricular sistlica e/ou diastlica aps QT72,73.

    Os betabloqueadores apresentam benefcios clnicos comprovados de melhora da classe funcional, reduo da progresso dos sintomas de IC e reduo de internao hospitalar, em pacientes com insuficincia cardaca com disfuno sistlica, classe funcional I a IV da NYHA74,75,76,77-81. Quando associados com IECA ou com BRA, os betabloqueadores apresentam atuao teraputica no aumento da sobrevida em longo prazo por reduo na mortalidade por insuficincia cardaca e morte sbita por arritmia ventricular.

    Os antagonistas do receptor da aldosterona (espironolactona e eplerenone) tambm so drogas que se demonstram eficazes na reduo da morbidade e mortalidade dos pacientes com disfuno ventricular em classes funcionais II a IV, com efeitos favorveis tambm no processo de remodelao ventricular e, portanto, esto indicadas em todos os pacientes com disfuno ventricular sintomtica82-84. A Tabela 10 traz as evidncias do tratamento da IC aps QT.

    Tambm importante discutir que hoje, cada vez mais, se fala da indicao de transplante cardaco para pacientes com IC avanada, no responsiva ao tratamento clnico otimizado. sabido que a teraputica imunossupressora pode predispor ao aumento da incidncia de cncer, ou at mesmo induzir recorrncia da doena prvia. Assim, fundamental a discusso conjunta com a oncologia para definio de critrio de cura e rastreamento completo para posterior indicao e incluso do paciente na fila de transplante. A International Society for Heart and Lung Transplantation j publicou casos de pacientes com cncer submetidos a transplante, com excelentes resultados85.

    4. Isquemia miocrdicaPacientes com cncer atualmente apresentam maior

    sobrevida em razo dos avanos no diagnstico e na teraputica oncolgica. Isso resulta em sua exposio a mais fatores de risco de doena aterosclertica, o que, associado cardiotoxicidade dos agentes quimioterpicos, resulta em aumento da prevalncia e da gravidade da isquemia miocrdica nessa populao86,87.

    Durante o tratamento oncolgico, o paciente pode apresentar qualquer forma de doena coronariana, estvel ou instvel86-88. A sndrome coronariana aguda (SCA) resulta da interao entre a leso aterosclertica e o sistema hematopoitico, gerando ruptura de uma placa vulnervel ou eroso da placa com formao de um trombo, que pode ocluir a luz vascular parcialmente (angina/infarto agudo do miocrdio sem supradesnivelamento do segmento ST) ou totalmente (infarto agudo do miocrdio com supradesnivelamento do segmento ST)89,90. A apresentao clnica da doena coronria nos pacientes com cncer semelhante observada na populao geral. A doena coronariana envolve uma interao entre metabolismo lipdio, inflamao e trombose. O cncer induz um estado pr-trombtico por vrios mecanismos, incluindo ativao e agregao plaquetria, como tambm aumento dos fatores pr-coagulantes. Na populao de pacientes com cncer, h uma srie de fatores adicionais

    que aumentam a gravidade e a incidncia de coronariopatia, dentre eles quimioterpicos cardiotxicos e radioterapia. Dentre os quimioterpicos mais associados isquemia miocrdica, destacam-se4,7:

    - antimetablitos (capecitabina e fluorouracil)- antimicrotbulos (paclitaxel e docetaxel)- anticorpos monoclonais (bevacizumabe)- inibidores de tirosina-quinase (sorafenibe, sunitinibe)- alcaloides da vinca (vincristina, vinorelbina)A maior incidncia de trombognese, coagulopatia e

    plaquetopenia resulta em peculiaridades no manejo dos pacientes oncolgicos90-92.

    O manejo da doena coronria em pacientes com cncer deve levar em considerao os seguintes aspectos: a) a incidncia elevada de cirurgias no cardacas no paciente com cncer, b) o potencial aumentado da ocorrncia de plaquetopenia durante a evoluo, c) predisposio a trombose, e d) potencial da interao medicamentosa entre frmacos utilizados no manejo da doena coronria e de quimioterpicos91,92.

    A seguir so sugeridas as recomendaes do manejo da isquemia miocrdica nesses pacientes. O manejo da angina estvel e da sndrome coronariana aguda, em geral, segue as recomendaes da ACC/AHA e da Sociedade Brasileria de Cardiologia (SBC)93,94. Pontuamos adiante aspectos especficos que devem ser considerados na populao oncolgica.

    Stents: o desenvolvimento de stents revolucionou o manejo da doena coronariana. Mas deve-se considerar seu potencial trombognico, especialmente at sua endotelizao completa. A terapia antiplaquetria fundamental para minimizar a probabilidade de trombose aguda do stent. Um regime de dupla terapia antiplaquetria com uma tienopiridina (ticlopidina ou clopidogrel) e aspirina essencial at que o stent esteja incorporado ao endotlio, o que no caso dos stents convencionais ou de metal dura quatro semanas em pacientes sem uso de quimioterapia95,96. Aps o trmino da endotelizao, recomendao inibio antiplaquetria com aspirina para evitar trombose tardia. Os stents farmacolgicos so revestidos com frmacos antiproliferativos (sirolimus, paclitaxel, everolimus. zotarolimus), para minimizar a re-estenose intrastent. Esses so atualmente utilizados em mltiplas intervenes e tm endotelizao tardia, em torno de um ano ou mais. Recomenda-se manter dupla terapia antiplaquetria por pelo menos um ano aps o implante de stent revestido95,96.

    Dados os riscos de trombose relacionada ao stent, o benefcio dos stents farmacolgicos no paciente com cncer bastante discutvel. H poucos dados em relao a esse tpico, a maioria advindos de relatos de casos e opinies de grandes centros41,97. Os stents revestidos impem preocupao adicional no paciente com cncer tanto pelo risco prolongado de trombose quanto pela necessidade imperativa de manuteno da terapia antiplaquetria dupla com aspirina e clopidogrel. O impacto da terapia antineoplsica na re-endotelizao do stent no foi estudado, e teoricamente poderia expor o paciente a um perodo ainda mais prolongado de risco trombtico, tanto com stent convencional ou farmacolgico quanto requerendo terapia antiplaquetria

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    Tabela 11 Recomendaes para o uso de stents e terapia antiplaquetria nos pacientes oncolgicos

    Classe Indicao Nvel de evidncia

    I Uso do cido acetilsaliclico em pacientes com doena coronria A

    I Uso de clopidogrel e cido acetilsaliclico em associao em pacientes com sndrome coronariana aguda de alto risco ou aps angioplastia coronria A

    I Uso de clopidogrel na dose de ataque de 300 mg/dia e depois mantido na dose de 75 mg/dia, em pacientes com idade at 75 anos de idade A

    I Uso de clopidogrel sem dose de ataque, na dose de manuteno de 75 mg/dia, em pacientes com idade superior a 75 anos de idade A

    I Uso de clopidogrel, nos casos de intolerncia ou hipersensibilidade a aspirina C

    I Uso de clopidogrel por pelo menos 4 semanas nos pacientes submetidos a angioplastia com stent convencional e por pelo menos 12 meses com stent farmacolgico B

    IIa Uso de terapia antiplaquetria e/ou anticoagulante em pacientes com sndrome coronariana aguda, mesmo com plaquetopenia C

    IIa Manuteno da terapia antiplaquetria dupla (cido acetilsaliclico e clopidogrel) continuadamente desde que no haja intolerncia ou eventos adversos srios C

    IIb O uso de stents farmacolgicos no paciente com cncer C

    dupla prolongada. No h estudos comparando a evoluo de pacientes com cncer tratados com stent convencional ou farmacolgico. Nesses pacientes, alm da necessidade da administrao prolongada do clopidogrel, h risco aumentado de trombogenicidade de alguns quimioterpicos, como talidomida, cisplatina e lenalidomida7. Assim, no h vantagem nesses pacientes de se utilizar stents farmacolgicos, e alguns autores recomendam que esses devam ser evitados em pacientes com cncer ativo41,97. Desse modo, recomendamos como primeira escolha no paciente com cncer a angioplastia com stent convencional pelo menor risco de trombose (Tabela 11).

    Plaquetopenia: as plaquetas so parte fundamental na patognese da sndrome coronariana aguda. Embora a ocorrncia de SCA em pacientes com plaquetopenia seja evento raro na populao geral, ela ocorre em 30% dos pacientes com cncer e plaquetopenia90. A terapia padro no tratamento da sndrome coronariana aguda envolve a utilizao de cido acetilsaliclico, clopidogrel, heparina, trombolticos e interveno percutnea, como sugerido na Tabela 11. Essa terapia est associada a risco aumentado de sangramento em pacientes com plaquetopenia, e na populao em geral, habitualmente a plaquetopenia resulta em contraindicao a essas intervenes90. A causa de trombose coronariana em pacientes com plaquetopenia controversa e multifatorial. Mas o desenvolvimento e as consequncias do trombo oclusivo so semelhantes doena aterosclertica. Independentemente da trombocitopenia, os pacientes com cncer esto predispostos a trombose coronria porque as plaquetas so maiores, mais aderentes superfcie vascular e produzem micropartculas trombognicas, promovendo a formao do plug hemosttico90.

    H relatos isolados do uso de agentes antiplaquetrios sem efeitos adversos nos pacientes oncolgicos com sndrome coronariana aguda e plaquetopenia. As recomendaes de se suspender a aspirina com plaquetas abaixo de 50.000/mm3 no devem ser seguidas em pacientes com cncer e sndrome

    coronariana aguda90,98. Em um estudo recente retrospectivo, a aspirina demonstrou segurana e reduziu a mortalidade em sete dias em pacientes com cncer e plaquetopenia90.

    No h estudos clnicos randomizados e controlados que sejam base da recomendao para o tratamento da sndrome coronariana aguda nos pacientes com cncer e plaquetopenia. Entretanto, alguns investigadores sugerem o uso da terapia antiplaquetria e anticoagulante nesses pacientes e, se necessrio, suporte transfusional de plaquetas, uma vez que no h evidncia de aumento de sangramento clinicamente importante90,98. O tratamento deve ser individualizado e deve ser pesado o benefcio do tratamento em relao ao risco de sangramento, especialmente considerando-se outros fatores predisponentes99.

    Nos pacientes com plaquetopenia, o acesso radial preferido na realizao do cateterismo, por permitir melhor hemostasia local.

    4.1 - Interaes dos frmacos cardiovasculares e o cncerH muitas interaes entre os frmacos utilizados no

    tratamento da doena coronariana e o cncer. As estatinas so recomendadas no tratamento da doena coronariana100. O paclitaxel interfere com a via CYP2C8, envolvida no metabolismo da sinvastatina. Recentemente, tem-se discutido o papel da estatina na angiognese, como anti-inflamatrio, como antitrombognico e um possvel efeito sinrgico com a quimioterapia101. Entretanto, essas informaes so advindas de relatos e observaes sem estudos prospectivos definitivos101-103. O prasugrel, uma nova tienopiridina, em um estudo clnico demonstrou aumento da ocorrncia de metstases na populao com cncer104.

    4.2 - Cirurgia de revascularizao do miocrdio A cirurgia de revascularizao do miocrdio (RM)

    opo extremamente importante no tratamento da doena coronria. No paciente oncolgico, suas indicaes seguem

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    as recomendaes internacionais gerais105. Entretanto, vlido ressaltar que irradiao torcica prvia pode comprometer os resultados cirrgicos, impondo dificuldade tcnica ao cirurgio e comprometimento da cicatrizao. Gansera et al.106 descreveram que a RM nos pacientes com cncer tem resultados semelhantes aos pacientes sem cncer. Nos pacientes com cncer submetidos a cirurgia de RM, deve ser ressaltado o risco de trombose venosa profunda perioperatria, o que impe a necessidade da implementao de medidas profilticas nesse grupo em especial107. A cirurgia de RM sem circulao extracorprea pode resultar em menor risco de imunodepresso e de outras complicaes nesses pacientes, como coagulopatia e insuficincia renal; entretanto, no h estudos comparativos nessa populao.

    4.3 - Cirurgia no cardaca em pacientes com doena coronariana

    As recomendaes nos pacientes com cncer so semelhantes s utilizadas na populao geral105. fundamental ressaltar que os pacientes com cncer com programao de cirurgia oncolgica podem apresentar uma sndrome coronariana aguda, como tambm pacientes portadores de stent podem vir a ter a indicao de um procedimento cirrgico eletivo. Assim, as decises em relao ao tratamento cardiovascular devem considerar esse fato. Na Tabela 12, citamos as recomendaes:

    5. Hipertenso arterial sistmica

    5.1 - Incidncia e fisiopatologia

    A hipertenso arterial sistmica (HAS) condio clnica multifatorial caracterizada por nveis elevados e sustentados de presso arterial (PA). Associa-se frequentemente a alteraes funcionais e/ou estruturais de rgo-alvo (corao, encfalo, rins e vasos sanguneos) e a alteraes metablicas, com consequente aumento do risco de eventos cardiovasculares fatais e no fatais108.

    Tabela 12 Recomendaes do manejo de pacientes oncolgicos com stents no perioperatrio de cirurgia no cardaca

    Classe Indicao Nvel de evidncia

    IAdiar o procedimento cirrgico eletivo por pelo menos 6 semanas e idealmente por 12 semanas aps angioplastia com stent

    convencional por causa do risco aumentado de infarto, morte cardiovascular, trombose do stent e revascularizao de emergncia

    A

    I Adiar o procedimento cirrgico eletivo por pelo menos 1 ano aps angioplastia com stent farmacolgico B

    I Indicar cirurgia eletiva aps 14 dias da realizao de angioplastia com balo B

    I Manuteno da terapia antiplaquetria em pacientes com stent coronariano no perioperatrio A

    I Suspenso pr-operatria do cido acetilsaliclico em pacientes que devero ser submetidos cirurgia espinhal, ocular, intracraniana, resseco transuretral da prstata ou a grandes cirurgias reconstrutivas A

    I Em pacientes de alto risco para trombose de stent cuja terapia antiplaquetria tenha sido suspensa, a realizao da operao em hospitais equipados com laboratrio de hemodinmica e a recuperao ps-operatria em unidade de monitorizao avanada B

    IIa Em pacientes portadores de stent, com alto risco para eventos cardiovasculares, heparina/tirofiban esto indicados como ponte antiplaquetria, devendo ser suspensos 12 horas antes da cirurgia C

    III Anticoagulao com heparina no fracionada ou de baixo peso molecular em substituio terapia antiplaquetria no perioperatrio B

    A prevalncia de HAS nos pacientes com cncer antes da introduo dos inibidores de angiognese era semelhante da populao adulta em geral, entre 32% e 48%109. Assim como nos pacientes sem o diagnstico de cncer, est associada a eventos agudos, como insuficincia cardaca (IC), acidente vascular enceflico, crises hipertensivas, sndromes coronarianas agudas e insuficincia renal. Entretanto, com a maior sobrevida dos pacientes oncolgicos, e com o aumento da utilizao de quimioterpicos relacionados hipertenso arterial sistmica, esta ltima vem sendo um diagnstico mais frequente nesses pacientes. Os quimioterpicos mais relacionados HAS so os inibidores da angiognese (Tabela 13)109,110.

    Alguns quimioterpicos que inibem a angiognese, como bevacizumabe, sutinibe e sorafenibe, vatalanibe, pazopanibe, mosetamibe, axitinibe e aflibercept agravam ou induzem elevao da presso arterial. Dessa forma, os pacientes em uso desses quimioterpicos necessitam de estreita observao dos nveis tensionais da presso arterial sistmica antes e durante o tratamento.

    A cisplatina e a ciclosporina apresentam efeitos nefrotxicos e hipertensivos. Outras medicaes comumente utilizadas durante o tratamento dos pacientes oncolgicos, como eritropoetina, corticosteroides e inibidores da cicloxigenase, tambm podem elevar a presso arterial.

    Os inibidores da angiognese esto associados hipertenso arterial por atuarem em fatores neuro-hormonais, como renina, aldosterona e catecolaminas. A literatura sugere

    Tabela 13 Incidncia de hipertenso arterial sistmica associada aos inibidores de angiognese

    Quimioterpico Incidncia

    Bevacizumabe 15% 20%

    Sunitinibe 15%

    Sorafenibe 17%

    Vatalanibe 21%

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    que esses quimioterpicos inibem a atividade da tirosina-quinase do receptor de crescimento do endotlio vascular, responsvel pelo aumento da permeabilidade capilar, produo de xido ntrico, migrao e proliferao das clulas endoteliais109-111. Portanto, resultam em vasoconstrio e reteno de sdio. Recentemente, tem sido descrita rarefao vascular na microcirculao induzida por esses agentes, podendo colaborar com a fisiopatologia da HAS109-111.

    5.2 - Manifestaes clnicas/diagnsticoA hipertenso arterial sistmica, na maioria dos casos, no

    resulta em sintomas. uma doena de curso assintomtico; no entanto, quando ocorrem manifestaes clnicas, ocasiona complicaes, elevando morbimortalidade e piorando a qualidade de vida. Manifesta-se por encefalopatia hipertensiva, acidente vascular enceflico, edema agudo de pulmo, sndromes coronarianas agudas, hipertenso de curso maligno e insuficincia renal. Dessa forma, mandatrio que todo paciente oncolgico sempre que entre em contato com qualquer profissional de sade tenha sua presso arterial avaliada e documentada em pronturio mdico, assim como se deve buscar a manuteno dos nveis pressricos dentro da faixa de normalidade108,109.

    O nvel da PA considerado adequado no paciente oncolgico semelhante ao utilizado na populao adulta. O Instituto Nacional de Cncer dos Estados Unidos National Cancer Institute publicou uma recomendao referente avaliao de potenciais efeitos adversos durante o tratamento com inibidores da angiognese, definindo critrios para o diagnstico de HAS e estratificao de risco. Alm disso, utiliza um sistema para classificao dos eventos adversos que leva em conta a gravidade do evento e a interveno necessria para seu controle, o Common Toxicity Criteria (NCI CTC). O objetivo do documento unificar as informaes relacionadas aos inibidores de angiognese, para identificar teraputica, doses e grupos de pacientes associados a risco para eventos adversos graves111.

    Na Tabela 14, abordamos a classificao diagnstica de HAS baseada nas VI Diretrizes Brasileiras de Hipertenso e na Diretriz do Instituto Nacional do Cncer.

    A medio inicial da PA importante e deve ser realizada com um dispositivo devidamente calibrado de acordo com as recomendaes publicadas, incluindo um manguito adequado e com o paciente 5 minutos na posio sentada, antes da medio inicial. A mdia de um mnimo de duas medies coletadas deve ser usada. O conjunto dessas medidas em duas visitas clnica usado para o diagnstico de hipertenso111.

    No paciente oncolgico em tratamento quimioterpico, alm dessas medidas habituais, devem ser realizadas medidas da presso arterial antes da infuso do medicamento, na metade da infuso, imediatamente aps e aps uma hora do final da infuso110.

    Protocolos do NCI recomendam monitorizao da PA semanalmente durante o primeiro ciclo de tratamento com inibidores da angiognese e, em seguida, pelo menos, a cada duas a trs semanas durante a durao do tratamento. Aps o primeiro ciclo, se a PA estvel for alcanada e dependendo das complicaes, o cronograma de aferio

    Tabela 14 Diferenas da classificao dos nveis de PA (mmHg) entre as VI Diretrizes Brasileiras de Hipertenso e a Diretriz do Instituto Nacional do Cncer Critrios Comuns de Toxicidade

    Categoria

    Classificao das VI Diretrizes

    Brasileiras de Hipertenso

    NCI CTC v4.0

    tima PAS < 120 PAD < 80 -

    Normal PAS 120-129 e/ou PAD 80-84 -

    Limtrofe PAS 130-139 e/ou PAD 85-89 -

    Hipertenso PAS 140 e/ou PAD 90 -

    Grau 1 PAS 140-159 e/ou PAD 90-99Pr-hipertenso

    (PAS 120-139 e/ou PAD 80-89 )

    Grau 2 PAS 160-179 e/ou PAD 100-109

    (PAS 140-159 mmHg ou PAD 90-99 mmHg);

    interveno mdica indicada; recorrente ou persistente

    ( 24h), aumento sintomtico por

    > 20 mmHg (diastlica) ou > 140/90 mmHg,

    se anteriormente DLN; monoterapia indicada

    Grau 3 PAS 180 e/ou PAD 110

    (PAS 160 mmHg ou PAD 100 mmHg);

    Necessidade de mais de uma droga ou terapia mais intensa

    que a anterior

    Grau 4 -Risco de vida

    (exemplo, crise hipertensiva); interveno urgente indicada

    Grau 5 - Morte

    Abreviaturas: PAS, presso arterial sistlica; PAD, presso arterial diastlica; NCI-CTC, National Cancer Institute-Common Toxicity Criteria; DLN: dentro dos limites normais.

    da PA pode ser alinhado com as avaliaes clnicas de rotin