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COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS Rua Sete de Setembro, 111/2-5º e 23-34º Andares, Centro, Rio de Janeiro/RJ CEP: 20050-901 Brasil - Tel.: (21) 3554-8686 www.cvm.gov.br Processo Administrativo Sancionador CVM nº 03/2011 Voto 1 de 42 PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR CVM Nº 03/2011 Reg. Col. nº 0299/2016 Acusados: Alex Waldemar Zornig Charles Laganá Putz Deloitte Touche Tohmatsu Auditores Independentes Marco Antonio Brandão Simurro Paulo Narcélio Simões do Amaral Ricardo Knoepfelmacher Telemar Norte Leste S/A Assunto: Irregularidades no reconhecimento contábil de contingências passivas judiciais nas demonstrações financeiras da Brasil Telecom S.A. relativas aos exercícios sociais de 2006 a 2008 (art. 176, caput, art. 177, §3º e art. 153 da Lei nº 6.404/76 c/c itens 10 e 11(a) da Deliberação CVM nº 489/2005). Não observância dos procedimentos estabelecidos pelo CFC na revisão das demonstrações financeiras da Companhia (art. 20 da Instrução CVM nº 308/99). Embaraço à fiscalização (inciso II do parágrafo único do art. 1º da Instrução CVM nº 491/2011). Diretor Relator: Carlos Alberto Rebello Sobrinho VOTO I. OBJETO 1. O presente processo administrativo sancionador tem por objeto a apuração de responsabilidade de administradores da Brasil Telecom S.A. (“Brasil Telecom” ou “Companhia”) e do auditor independente responsável pela auditoria de suas demonstrações financeiras, Deloitte Touche Tohmatsu Auditores Independentes (“Deloitte” ou “Auditor”), por irregularidades no reconhecimento contábil de contingências passivas judiciais envolvendo contratos de participação financeira firmados no âmbito dos planos de expansão de telefonia promovidos pelo governo federal (“Contingências Judiciais” e “Planos de Expansão”, respectivamente), as quais não teriam sido adequadamente refletidas nas demonstrações financeiras da Companhia relativas aos exercícios sociais findos em 31.12.2006, 31.12.2007 e 31.12.2008.

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Page 1: Diretor Relator: VOTO BJETO - Securities Commission...2019/07/02  · Diretor Relator: Carlos Alberto Rebello Sobrinho VOTO I. OBJETO 1. O presente processo administrativo sancionador

COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Rua Sete de Setembro, 111/2-5º e 23-34º Andares, Centro, Rio de Janeiro/RJ – CEP: 20050-901 – Brasil - Tel.: (21) 3554-8686 www.cvm.gov.br

Processo Administrativo Sancionador CVM nº 03/2011 – Voto 1 de 42

PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR CVM Nº 03/2011

Reg. Col. nº 0299/2016

Acusados: Alex Waldemar Zornig

Charles Laganá Putz

Deloitte Touche Tohmatsu Auditores Independentes

Marco Antonio Brandão Simurro

Paulo Narcélio Simões do Amaral

Ricardo Knoepfelmacher

Telemar Norte Leste S/A

Assunto: Irregularidades no reconhecimento contábil de contingências

passivas judiciais nas demonstrações financeiras da Brasil

Telecom S.A. relativas aos exercícios sociais de 2006 a 2008

(art. 176, caput, art. 177, §3º e art. 153 da Lei nº 6.404/76 c/c itens

10 e 11(a) da Deliberação CVM nº 489/2005). Não observância

dos procedimentos estabelecidos pelo CFC na revisão das

demonstrações financeiras da Companhia (art. 20 da Instrução

CVM nº 308/99). Embaraço à fiscalização (inciso II do parágrafo

único do art. 1º da Instrução CVM nº 491/2011).

Diretor Relator: Carlos Alberto Rebello Sobrinho

VOTO

I. OBJETO

1. O presente processo administrativo sancionador tem por objeto a apuração de

responsabilidade de administradores da Brasil Telecom S.A. (“Brasil Telecom” ou

“Companhia”) e do auditor independente responsável pela auditoria de suas

demonstrações financeiras, Deloitte Touche Tohmatsu Auditores Independentes

(“Deloitte” ou “Auditor”), por irregularidades no reconhecimento contábil de

contingências passivas judiciais envolvendo contratos de participação financeira firmados

no âmbito dos planos de expansão de telefonia promovidos pelo governo federal

(“Contingências Judiciais” e “Planos de Expansão”, respectivamente), as quais não teriam

sido adequadamente refletidas nas demonstrações financeiras da Companhia relativas aos

exercícios sociais findos em 31.12.2006, 31.12.2007 e 31.12.2008.

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Processo Administrativo Sancionador CVM nº 03/2011 – Voto 2 de 42

2. Também é objeto do presente processo acusação de embaraço à fiscalização

formulada em face da Telemar Norte Leste S.A. (“Telemar”), acionista controladora da

Companhia a partir de janeiro de 2009, e de seu diretor de relações com investidores

(“DRI”) no período, Alex Waldemar Zornig (“Alex Zornig”), por terem deixado de

atender a solicitações desta autarquia no curso das investigações conduzidas pela

Superintendência de Processos Sancionadores (“SPS” ou “Acusação”).

II. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

3. Inicialmente, para melhor compreensão das irregularidades apontadas pela

Acusação quanto ao reconhecimento contábil das Contingências Judiciais, entendo

conveniente tecer breves considerações a respeito da controvérsia objeto das ações

judiciais movidas por usuários dos serviços de telefonia, partes dos “contratos de

participação financeira” celebrados no âmbito dos Planos de Expansão.

4. Como descrito no relatório que acompanha o presente voto, os Planos de

Expansão foram concebidos pelo governo federal, ainda na década de 1970, com vistas à

capitalização das sociedades do sistema Telebrás por meio da participação financeira dos

próprios usuários dos serviços de telefonia. Tal iniciativa, de um lado, assegurava o

investimento necessário à implantação e expansão das redes de telefonia e, de outro,

contornava o obstáculo inicialmente enfrentado pelo governo federal para integração das

comunicações no país: a escassez de recursos públicos.

5. O investimento dos assinantes do serviço de telefonia era formalizado a partir da

celebração de “contrato de participação financeira”, nos termos do qual cabia ao usuário

o aporte de recursos, a serem capitalizados pela companhia concessionária e, em seguida,

revertidos em ações de sua emissão, entregues ao usuário em contrapartida ao seu

investimento.

6. Ocorre que os atos normativos expedidos para regulamentar o financiamento

celebrado no âmbito dos Planos de Expansão – notadamente as Portarias do extinto

Ministério da Infraestrutura nº 1.361/76 e 881/90 e 86/91 – divergiam1 a respeito de duas

1 Conforme exposto na nota de rodapé nº 4 do relatório de inquérito “[a] Portaria nº 1.361/76 dispunha que

os prazos de retribuição em ações não poderiam exceder 12 meses da integralização do valor da

participação e que o valor patrimonial seria apurado no fim do exercício social anterior àquele em que

ocorresse à capitalização. Entretanto, as demais Portarias, modificando esses critérios, estabeleceram que

o cálculo para o número de ações a serem retribuídas seria efetuado com base no valor patrimonial

apurado no primeiro balanço elaborado e auditado após a integralização da participação financeira. No

que tange aos prazos para a efetivação da retribuição, enquanto a Portaria 881/90 estipulava que as

companhias tinham até 4 (quatro) meses da data do encerramento do balanço para emitir as ações, a

Portaria 86/91 aumentou esse prazo para 6 meses” (fls. 5165).

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condições fundamentais para o cumprimento da obrigação da companhia concessionária

de entrega das ações de sua emissão: (i) o prazo para a capitalização dos recursos

aportados pelo usuário e subsequente emissão das ações pela companhia; e (ii) a base de

cálculo a ser adotada para a apuração do valor patrimonial da ação.

7. Diante da incerteza proporcionada pelo comando dos referidos normativos e

considerando, em especial, o cenário hiperinflacionário vivenciado à época, instaurou-se

expressiva litigiosidade envolvendo os contratos de participação financeira, haja vista que

a depender do critério adotado para definição do valor patrimonial das ações, o impacto

no número de ações a serem entregues aos usuários seria relevante.

8. Esclareço: considerando a relação inversamente proporcional entre o valor

patrimonial e a quantidade de ações a ser emitida, o montante de ações entregue ao

usuário seria tão maior quanto menor fosse o valor patrimonial apurado no período.

Assim, se tomado como parâmetro o balanço relativo ao exercício posterior à

integralização da participação financeira, o valor patrimonial refletiria a inflação do

período e, por conseguinte, resultaria em montante inferior de ações, ao passo que,

adotado o balanço patrimonial relativo ao exercício imediatamente anterior à

integralização do investimento, o valor patrimonial das ações não sofreria o efeito

inflacionário do período e a quantidade de ações entregues aos usuários seria superior.

9. Dito isso, para além do parâmetro temporal adotado para apuração do valor

patrimonial, há de se considerar, ainda, a faculdade conferida às concessionárias de diferir

a capitalização dos recursos aportados pelos usuários por determinado período, ao longo

do qual o valor patrimonial das ações seria majorado pela inflação, impactando

diretamente o número de ações entregues aos usuários.

10. À luz destas circunstâncias, milhares de ações judiciais foram movidas pelos

usuários contratantes em face de sociedades originalmente integrantes do sistema

Telebrás pleiteando a adequação da base de cálculo para apuração do valor patrimonial

da ação e a consequente complementação do número de ações entregues pela

concessionária.

11. Não foi diferente com a Brasil Telecom. Na qualidade de sucessora da

Companhia Riograndense de Telecomunicações – CRT2, a Companhia chegou a

2 A Companhia Riograndense de Telecomunicações – CRT era a sociedade operadora do sistema Telebrás

no Estado do Rio Grande do Sul, tendo sido sucedida pela Brasil Telecom em 2000. A partir de então, a

Brasil Telecom, como sucessora por incorporação da CRT, passou a ser a legitimada passiva para responder

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Processo Administrativo Sancionador CVM nº 03/2011 – Voto 4 de 42

responder por, aproximadamente, cento e cinquenta mil processos3 envolvendo os

“contratos de participação financeira” celebrados no âmbito dos Planos de Expansão, o

que, de imediato, evidencia a relevância das Contingências Judiciais e o seu potencial

impacto na situação patrimonial da Brasil Telecom, o qual restou comprovado quando da

divulgação das demonstrações financeiras relativas ao exercício findo em 31.12.2009.

12. No referido exercício foram reconhecidos ajustes nas provisões relativas às

Contingências Judiciais no montante de, aproximadamente, R$ 2,5 bilhões, em reflexo

aos trabalhos de “revisão e conciliação de práticas e estimativas contábeis”, conduzidos

pela nova administração da Brasil Telecom, em conjunto com empresa de auditoria

especializada, BDO Trevisan Auditores Independentes (“BDO”), após a conclusão da

operação de aquisição de controle da Companhia pela Telemar.

13. Conforme exposto no fato relevante divulgado em 14.1.2010 e em

esclarecimentos prestados pela Brasil Telecom em 13.12.2010 (fls. 2065-2071), tais

ajustes refletiriam circunstâncias apuradas no curso do exercício de 2009, quais sejam:

(i) a edição de súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidando o entendimento

acerca do critério a ser adotado para apuração do valor patrimonial das ações, publicada

em 31.3.2009; e (ii) a identificação, a partir dos trabalhos conduzidos pela BDO, de

divergência no “estágio processual” das ações judiciais inicialmente considerado para a

estimativa das provisões.

14. O impacto do referido ajuste contábil na situação patrimonial da Companhia –

que acarretou, inclusive, a interrupção da segunda etapa da reorganização societária da

Brasil Telecom4 – suscitou questionamentos por membro do conselho fiscal, apresentados

em reclamação protocolada junto à CVM em 3.3.2010, e deu início às investigações

carreadas no âmbito do presente processo.

15. Após inúmeras diligências conduzidas pelas áreas técnicas desta CVM, inclusive

mediante a realização de inspeção junto à Deloitte e à sede da Companhia, voltadas a

resgatar os critérios adotados para a constituição e mensuração das provisões para as

pela pretensão dos usuários de complementação acionária decorrente dos contratos de participação

financeira. 3 Conforme esclarecimentos prestados pela Brasil Telecom em 13.12.2010 (fls. 2071). 4 Ainda quando da divulgação da aquisição do controle da Brasil Telecom pela Telemar em fato relevante

de 25.4.2008, divulgou-se a intenção da adquirente de realizar reorganização societária nas sociedades

adquiridas – Brasil Telecom e Brasil Telecom Participações S.A. –, a qual envolveria, entre outras etapas,

a incorporação de ações da Brasil Telecom por sociedade sob o controle da Telemar. Em razão dos ajustes

contábeis decorrentes da constituição de provisões adicionais para as Contingências Judiciais, a Companhia

divulgou no fato relevante de 14.1.2010 a interrupção do processo de incorporação de ações para revisão

da relação de substituição das companhias envolvidas.

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Contingências Judiciais em relação aos exercícios de 2006 a 2008, a SPS concluiu pela

existência de irregularidades no reconhecimento contábil de tais contingências nas

demonstrações financeiras da Brasil Telecom.

16. Em linhas gerais, sustenta a SPS que as premissas adotadas pela administração

da Companhia para a mensuração e classificação de risco das ações judiciais envolvendo

os Planos de Expansão não considerariam a jurisprudência predominante sobre o tema –

mas sim as teses jurídicas sustentadas em juízo – e, por conseguinte, não retratariam a

probabilidade de saída de recursos decorrente da condenação da Brasil Telecom nestas

ações, prática que não se conformaria às disposições do Pronunciamento IBRACON NPC

nº 22, aprovado pela Deliberação CVM nº 489/05 (“NPC 22”)5, no que diz respeito ao

tratamento contábil a ser conferido às contingências passivas.

17. Antes de analisar os argumentos levantados pela Acusação para suportar tais

conclusões, cumpre enfrentar as questões preliminares suscitadas por alguns acusados.

III. PRELIMINARES

III.1. PRESCRIÇÃO

18. A primeira preliminar a ser examinada diz respeito à prescrição da ação punitiva

desta CVM, prevista no caput do art. 1º da Lei nº 9.873/99, em relação aos fatos objeto

do presente processo, arguida nas defesas de Charles Putz, Paulo Narcélio e Ricardo K.

19. Segundo o referido dispositivo, a ação punitiva da administração pública

prescreve em cinco anos a contar da data da prática do ato ou, em se tratando de infração

permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado a conduta delitiva. Entre as causas

interruptivas da prescrição quinquenal figuram a “notificação ou citação do indiciado ou

acusado, inclusive por meio de edital” (art. 2º, inciso I) e a prática de “ato inequívoco,

que importe em apuração dos fatos” (art. 2º, inciso II).

20. Ao longo de inúmeros precedentes, a CVM consolidou entendimento no sentido

de que o ato inequívoco deve ser entendido como o “ato documentado cuja existência

seja induvidosa, e que tenha o objetivo claro de dar impulso ao processo administrativo

5 A Deliberação CVM nº 489, editada em 3 de outubro de 2005 e vigente à época dos fatos, aprovou e

tornou obrigatório às companhias abertas o Pronunciamento do IBRACON NPC nº 22 sobre provisões,

passivos, contingências passivas e contingências ativas.

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de investigação”6, não se exigindo, para tanto, a ciência da prática do ato pelo acusado

ou a instauração prévia de inquérito administrativo.

21. Assim, revela-se equivocado o argumento de que o primeiro ato interruptivo da

prescrição só poderia ser a intimação do acusado para apresentação de defesa e que adotar

outra interpretação acerca do regime legal da prescrição prestigiaria a inércia da atuação

administrativa.

22. Além de a própria Lei nº 9.873/99 prever outras circunstâncias aptas a

interromper o prazo para o exercício da pretensão punitiva da administração pública,

firmou-se na CVM o entendimento de que a prescrição quinquenal pode ser interrompida

diversas vezes, desde que realizados diferentes atos inequívocos de apuração7.

23. Deste modo, considerando que os fatos apurados no presente processo remetem

aos anos de 2006, 2007 e 2008, o exame dos autos nos permite identificar diversos atos

interruptivos da prescrição, entre os quais destaco os seguintes: (i) o envio de diversos

ofícios durante o período de 25.1.2010 a 19.11.2014 solicitando informações acerca das

operações objeto da investigação; (ii) a Portaria editada em 10.8.2011 determinando a

instauração do Inquérito Administrativo CVM nº 03/2011 (fl. 01); (iii) a oitiva de

investigados e outras pessoas relacionadas aos fatos a serem apurados nos meses de abril,

maio e julho de 20138, a demonstrar que antes da apresentação do relatório de inquérito

o prazo foi interrompido em diversas ocasiões.

24. Em outubro de 2013, os acusados foram citados para apresentação das defesas

(fls. 5259-5265) e, em reunião realizada em 12.7.2016, o Colegiado desta Autarquia

decidiu rejeitar, por unanimidade, as propostas de termo de compromisso apresentadas

(fls. 5806-5807), todos esses atos aptos a interromper a prescrição, conforme previsão

constante da Lei nº 9.873/99.

25. Rejeito, portanto, a preliminar de prescrição suscitada pelos acusados.

III.2. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA

26. Em suas razões de defesa, os acusados Paulo Narcélio, Ricardo K. e Charles Putz

argumentaram, ainda, que a ausência dos documentos de suporte aos lançamentos

6 Conforme definição apresentada pelo Ex-Presidente Marcelo Trindade no julgamento do Processo

Administrativo Sancionador CVM nº RJ2005/6924, julg. em 31.10.2006. 7 Nesse sentido, vide manifestação de voto do Presidente Leonardo Pereira no âmbito do Processo

Administrativo Sancionador CVM nº 12/2013. 8 A título exemplificativo, podem ser citados os seguintes Termos de Declarações às fls. 3565-3588.

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contábeis relativos às Contingências Judiciais teria prejudicado o exercício do seu direito

à ampla defesa, em especial a demonstração da diligência por eles adotada no tratamento

contábil conferido a estas contingências.

27. Sustentam os acusados que a relevância da referida documentação teria sido

reconhecida pela área técnica quando formulou acusação de embaraço à fiscalização em

face da Telemar e do DRI, Alex Zornig, pelo não atendimento às solicitações da CVM de

envio do aludido material de suporte.

28. Não posso concordar com a alegação dos acusados. Muito embora a

impossibilidade de acesso aos referidos documentos tenha dificultado o exercício da

atividade investigativa da CVM, ela não impediu que, por outros meios, a área técnica

desta autarquia levantasse os elementos necessários à apuração dos fatos ora em análise.

29. Nesse sentido, foram conduzidas diligências junto à Deloitte e aos escritórios de

advocacia que assessoravam a Brasil Telecom no período analisado, bem como

solicitados esclarecimentos aos próprios administradores da Companhia.

30. Assim, a partir dos papéis de trabalho do Auditor, a Acusação conseguiu

resgatar, para cada exercício social, as informações quanto ao número de ações judiciais

envolvendo os Planos de Expansão e os valores das contingências considerando a sua

classificação de risco em “provável, possível e remoto”. Foram levantados, ainda,

documentos auxiliares elaborados pela Deloitte no curso de seus trabalhos de auditoria,

com informações a respeito das premissas adotadas pela Brasil Telecom na contabilização

das Contingências Judiciais.

31. Por sua vez, os escritórios de advocacia contatados pela CVM apresentaram

esclarecimentos acerca da rotina de acompanhamento das ações judiciais sob a sua

responsabilidade e da troca de informações com a diretoria jurídica da Brasil Telecom.

Ainda no que diz respeito aos assessores jurídicos da Companhia, também foram

identificadas nos papéis de trabalho da Deloitte as respostas destes escritórios às cartas

de circularização encaminhadas por ocasião da auditoria das demonstrações financeiras

do período.

32. Acrescenta-se a isso o fato de que mesmo a nova administração da Brasil

Telecom disponibilizou materiais relativos às ações judiciais envolvendo os Planos de

Expansão, em especial apresentações realizadas pela administração e atas de reuniões da

diretoria, do conselho de administração e do conselho fiscal em que se discutiu o tema.

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33. Assim, ao contrário do alegado, a impossibilidade de obtenção do material de

suporte aos lançamentos contábeis relativos às Contingências Judiciais não impossibilitou

o exercício do direito de defesa, visto que os acusados tiveram acesso a todos os

elementos utilizados pela área técnica para fundamentar a sua Acusação.

34. Tampouco há que se falar que, diante da ausência da referida documentação, a

SPS teria apresentado “ilações infundadas” – como quer fazer crer a defesa de Ricardo

K. Como exposto, todas as conclusões formuladas pela Acusação estão amparadas em

documentos e informações levantados no curso das investigações a partir de diligências

alternativas conduzidas pela área técnica.

35. Como bem pontuado pela própria Acusação, a impossibilidade de acesso ao

aludido material de suporte teria, na realidade, causado “impacto direto no tempo

necessário para a instrução do presente inquérito” (fls. 5190), sem inviabilizar, no

entanto, a apuração dos fatos. Não vislumbro, portanto, qualquer violação ao princípio da

ampla defesa.

III.3. ILEGITIMIDADE PASSIVA

36. Ainda em sede preliminar, a Telemar arguiu a sua ilegitimidade para figurar

como acusada no presente processo “por deixar de atender às reiteradas solicitações da

CVM para a remessa dos documentos que suportassem os lançamentos contábeis

efetuados na conta provisão de contingências passivas referentes aos [Planos de

Expansão]”, conduta que se enquadraria no tipo de embaraço à fiscalização, previsto no

inciso II, do parágrafo único do art. 1º da Instrução CVM nº 491/11.

37. De fato, a análise – ainda que preliminar – da peça acusatória em relação a este

ponto revela a insubsistência da acusação formulada contra a Telemar e, por conseguinte,

impõe reconhecer a sua ilegitimidade passiva.

38. Isso porque, muito embora a Acusação sustente que o embaraço à fiscalização

por parte da acusada decorreria de sua omissão frente às solicitações da CVM, não consta

dos autos comunicação ou ofício endereçado à Telemar requerendo a apresentação do

material de suporte às referidas provisões. Tampouco há qualquer consideração no

relatório de inquérito a indicar que a Telemar, na qualidade de acionista controladora da

Brasil Telecom, teria atuado, por outros meios, com o objetivo de obstruir os trabalhos

de investigação desta autarquia. Na realidade, pouquíssimo ou quase nada se menciona a

respeito da conduta desta acusada.

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Processo Administrativo Sancionador CVM nº 03/2011 – Voto 9 de 42

39. Por esta razão, reconheço a ilegitimidade da Telemar para responder pela

acusação de embaraço à fiscalização.

40. Ricardo K. e Paulo Narcélio também arguiram a sua ilegitimidade passiva em

relação às irregularidades apontadas pela Acusação nas demonstrações financeiras

referentes ao exercício findo em 31.12.2008, sob a justificativa de que não seriam

responsáveis pelo levantamento de tais demonstrações.

41. Ocorre que, ao contrário das insubsistências identificadas na acusação formulada

em face da Telemar, em relação a Ricardo K. e Paulo Narcélio, entendo não ser possível,

em um exame preliminar, concluir acerca do não envolvimento dos acusados na

elaboração das demonstrações financeiras relativas ao exercício findo em 31.12.2008, o

que demandaria avaliação acerca dos elementos constantes dos autos, a ser realizada

quando da análise de mérito do presente processo.

42. Da mesma forma, Charles Putz sustenta a sua ilegitimidade passiva recorrendo

ao princípio da pessoalidade da sanção, haja vista que, segundo o acusado, não teria

ocorrido de sua parte qualquer descumprimento a dever legal no que diz respeito ao

tratamento contábil conferido às Contingências Judiciais. Entendo, no entanto, que esta

avaliação se confunde com o próprio exame de mérito do presente processo.

43. Nestes termos, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva arguida por Ricardo

K., Paulo Narcélio e Charles Putz.

IV. MÉRITO

IV.1. EMBARAÇO À FISCALIZAÇÃO

44. Passando ao mérito do presente processo, entendo por bem iniciar a minha

análise pela acusação de embaraço à fiscalização.

45. A respeito, a SPS relata as diversas comunicações encaminhadas à Brasil

Telecom, já sob a administração eleita pela Telemar, solicitando a apresentação da

documentação que teria suportado os lançamentos contábeis dos exercícios de 2006 a

2008 relativos às provisões para Contingências Judiciais, notadamente as informações

acerca do número de ações judiciais envolvendo os Planos de Expansão, o valor estimado

para cada categoria de risco (Provável, Possível ou Remoto) e os critérios considerados

pela administração (avaliações de risco, pareceres jurídicos e fundamentos econômicos).

46. Em que pese tenham sido prestados esclarecimentos a respeito das ações

judiciais envolvendo os Planos de Expansão, bem como disponibilizados determinados

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documentos levantados pela nova administração, em relação ao material de suporte dos

lançamentos contábeis realizados na conta de provisões ao longo dos exercícios de 2006

e 2007, a Brasil Telecom se limitou a informar que não teria sido possível identifica-los9.

47. Diante da impossibilidade de obter informações a respeito dos critérios adotados

para constituição e mensuração das provisões para Contingências Judiciais a partir do

material de suporte aos lançamentos contábeis, a área técnica voltou-se à condução de

diligências alternativas, levantando informações junto aos administradores que atuaram

nos exercícios de 2006 a 2008 e à Deloitte, responsável pela auditoria da Companhia no

período.

48. A afirmação unânime de tais administradores de que toda a documentação

suporte aos aludidos lançamentos contábeis teria sido entregue à Telemar por ocasião da

transferência do controle acionário da Companhia, somada à ausência de apontamentos

nos relatórios de auditoria de eventuais problemas nos documentos da Brasil Telecom,

levaram a Acusação a concluir que o não atendimento às solicitações formuladas

representaria embaraço à fiscalização da CVM – e não apenas inobservância do dever

legal de guarda.

49. Outra circunstância determinante para a conclusão da SPS seria o fato de a nova

administração da Brasil Telecom ter assinado as demonstrações financeiras referentes ao

exercício findo em 31.12.2008 sem qualquer ressalva acerca de eventual ausência de

documentos a suportar a mensuração das provisões, o que, na visão da Acusação,

9 Nesse sentido, convém mencionar os seguintes trechos de manifestações da Brasil Telecom a respeito das

solicitações da CVM: “(...) a Companhia informa que não localizou em seus arquivos quaisquer relatórios

sistematizados produzidos pelos assessores jurídicos da Companhia, contendo informações a exemplo

daquelas descritas no Ofício, que possam ter embasado a classificação das contingências nas

demonstrações financeiras da Companhia nos exercícios de 2006 a 2007” (g.n.) (fls. 901-906); “(...) a

Companhia já teve a oportunidade de efetuar diversas buscas em seus arquivos com o objetivo de obter

documentos e informações sobre o processo de decisão, assim como as próprias decisões da administração

anterior a respeito da classificação contábil das contingências referentes às demandas relacionadas aos

Planos de Expansão (PEX). Entretanto, em suas diligências a atual administração da Companhia não teve

sucesso em obter informações e documentos que evidenciassem os motivos de tais decisões” (g.n.) (fls.

2065-2071); e “(...) apesar de todos os esforços em obter maiores informações quanto aos processos

envolvendo os Contratos PEX relativos a exercícios anteriores a 2009, de modo a atender adequadamente

ao Ofício; não foi possível à Companhia localizar, nas atas da reuniões de sua administração referentes à

classificação de risco das contingências relacionadas às demandas em referência, quaisquer documentos

aprovados pelas administrações anteriores que pudessem comprovar a quantidade de demandas judiciais

relacionadas aos direitos de titulares de Planos de Expansão, ou o respectivo valor total para cada

classificação de risco (provável, possível ou remoto) com relação aos exercícios de 2004 a 2008” (fls.

3550-3551).

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autorizaria a presunção de que tais administradores tinham conhecimento da existência e

disponibilidade do material de suporte.

50. Por estas razões, imputou-se à Telemar e a Alex Zornig violação ao disposto no

inciso II, do parágrafo único, do art. 1º da Instrução CVM nº 491/2011, segundo o qual

constitui embaraço à fiscalização a hipótese em que o requerido – sendo ele qualquer das

pessoas referidas no art. 9º, inciso I, alíneas “a” a “g” da Lei nº 6.385/76 – deixe de

“colocar à disposição da CVM os livros, os registros contábeis e documentos necessários

para instruir sua ação fiscalizadora”.

51. A partir do comando normativo e de precedentes recentes sobre o tema10,

extraem-se os dois requisitos para a caracterização do ilícito de embaraço à fiscalização,

quais sejam: (i) a solicitação pela CVM de informações e documentos que existam e

estejam em posse de pessoa sujeita à atuação fiscalizadora da autarquia, nos termos do

art. 9º, inciso I, da Lei nº 6.385/76; e (ii) a conduta deste agente, omissiva ou comissiva,

no sentido de, intencionalmente, impedir ou dificultar a obtenção das informações ou

documentos solicitados.

52. Nesse sentido, convém reproduzir o seguinte trecho do voto proferido pelo

Diretor Relator Roberto Tadeu no âmbito do PAS 03/2013, julgado em 5.5.2015:

“A análise do tipo revela que para a caracterização do embaraço à

fiscalização faz-se necessário o preenchimento de duas condições: a CVM

desenvolva ato de fiscalização, isto é, solicite informações ou

documentos que existam e estejam de posse das pessoas sujeitas à

legislação, e estas, mediante ação ou omissão, impeçam ou dificultem a

obtenção das informações solicitadas”.

53. Em relação ao elemento subjetivo do referido ilícito, em julgamento recente no

âmbito do PAS 02/2013, realizado em 22.1.2019, o Diretor Relator Gustavo Gonzalez

ressaltou a necessidade de demonstração da intenção – leia-se, do dolo – do agente em

obstruir a atuação fiscalizadora da CVM11.

54. Retomando a análise do caso concreto, no que diz respeito ao primeiro elemento

do tipo – a existência dos documentos solicitados e a sua posse pela Companhia –,

10 Sobre o tema, vale destacar as decisões proferidas no âmbito do PAS RJ2002/8428, Rel. Dir. Luiz

Antonio de Sampaio Campos, j. em 14.10.2004; do PAS SP2010/0186, Rel. Dir. Luciana Dias, j. em

27.1.2015; do PAS 03/2013, Rel. Dir. Roberto Tadeu, j. em 5.5.2015; e do PAS 02/2013, Rel. Dir. Gustavo

Gonzalez, j. em 22.1.2019. 11 Também nesse sentido manifestou-se o Diretor Relator Luiz Antonio Sampaio Campos nos seguintes

termos: “(...) exige-se a comprovação de que de fato se buscava obstruir a investigação, que não se deve

presumir obviamente” (PAS RJ2002/8428, julgado em 14.10.2004).

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entendo ter restado demonstrada, a partir das informações levantadas em consulta aos

escritórios de advocacia responsáveis pelo acompanhamento das Contingências Judiciais

e em inspeção conduzida junto ao Auditor, a existência de material de suporte às

provisões constituídas nos exercícios de 2006 a 2008.

55. Conforme esclarecido no relatório de inquérito, com base nos documentos e

informações encaminhados pela Deloitte foi possível identificar as quantidades e os

valores das ações judiciais envolvendo os Planos de Expansão classificados com grau de

risco provável, possível e remoto (fls. 5198-5199).

56. Por sua vez, as informações prestadas pelos escritórios de advocacia consultados

pela CVM indicam a existência de planilhas de controle circuladas entre o jurídico da

Brasil Telecom e os assessores externos indicando o andamento processual das

Contingências Judiciais (fls. 5191). Alguns escritórios informaram, ainda, para cada

exercício social, o saldo de ações judiciais envolvendo os Planos de Expansão sob a sua

responsabilidade.

57. Vale ressaltar, ainda, que, instada a prestar informações em 16.12.201112, a

Companhia apresentou13, em relação aos exercícios de 2008 e 2009, o plano de contas, a

composição do saldo das Contingências Judiciais e a conta contábil em que estas estariam

lançadas.

58. Conclui-se, portanto, que os lançamentos contábeis registrados nas

demonstrações financeiras eram amparados em controles e documentos mantidos pela

Companhia. Em outras palavras, estou convencido de que, ao menos à época da

elaboração das demonstrações financeiras, tais documentos foram produzidos para dar

suporte aos lançamentos contábeis relativos às Contingências Judiciais.

59. O mesmo não posso afirmar, no entanto, em relação à posse dessa documentação

pelo DRI da Brasil Telecom, ora acusado, ao tempo das investigações.

60. A meu ver, o fato de a nova administração não ter registrado qualquer

apontamento em relação a eventual ausência de documentação a suportar os lançamentos

contábeis quando da assinatura e divulgação das demonstrações financeiras relativas ao

exercício de 31.12.2008 não seria suficiente para comprovar que ela tinha acesso ao

material de suporte das provisões constituídas nos exercícios de 2006 e 2007.

12 Ofício/CVM/SPS/GPS-2/nº 156/2011 (fls. 2909-2910). 13 Manifestação datada de 23.1.2012 (fls. 2917-2918) e posteriormente complementada em 31.1.2012 (fls.

2921-2922),

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61. Soma-se a isso o fato de ter sido conduzida inspeção in loco junto à Companhia

– ao contrário do alegado nas razões de Alex Zornig14 –, sem que tais documentos tenham

sido identificados pelos inspetores que compareceram à sede da Brasil Telecom.

62. Tampouco entendo estarem presentes elementos suficientes a demonstrar a

intenção do DRI de embaraçar a atuação fiscalizadora desta CVM. Pelo contrário, foram

inúmeros os esclarecimentos prestados pela Brasil Telecom em resposta a solicitações

desta autarquia, todos eles subscritos por Alex Zornig, a demonstrar a tentativa do

acusado de colaborar com as investigações.

63. Com efeito, ao que indicam as circunstâncias apuradas no curso das

investigações, o ilícito administrativo que se poderia cogitar no presente caso é o de

inobservância do dever legal de guarda, previsto no inciso I, do art. 9º da Lei nº 6.385/76.

Ocorre que, como exposto, não é esta a tese acusatória sustentada pela SPS, motivo pelo

qual entendo não ser possível a responsabilização de Alex Zornig.

IV.2. RECONHECIMENTO CONTÁBIL DAS CONTINGÊNCIAS JUDICIAIS

64. Passo a analisar a principal acusação objeto do presente processo, relativa a

supostas falhas da administração no reconhecimento contábil das Contingências Judiciais

nas demonstrações financeiras da Brasil Telecom referentes aos exercícios sociais de

2006 a 2008, em violação aos arts. 176, caput, 177, §3º e 153 da Lei nº 6.404/76 c/c itens

10 e 11(a) da Deliberação CVM nº 489/2005.

65. Por essa infração propôs-se a responsabilização de Charles Putz, diretor

financeiro no exercício de 2006, Paulo Narcélio, diretor financeiro nos exercícios de 2007

e 2008, e Ricardo K., diretor presidente ao longo de todo o período em análise.

14 Em suas razões de defesa, os Acusados afirmaram em mais de uma oportunidade que, muito embora

tivessem se colocado à disposição da CVM caso esta autarquia entendesse conveniente a realização de

inspeção in loco, esta nunca teria ocorrido. Nesse sentido, destaco os seguintes trechos: “se colocaram à

disposição, caso a CVM entendesse que deveria ser feita uma inspeção in loco (...). Tal inspeção, contudo,

nunca foi realizada, por motivos alheios ao conhecimento dos Defendentes” (fls. 5635); e “Como se pode

provar que os documentos não estavam lá, se a CVM não quis fazer a inspeção in loco” (fls. 5662). No

entanto, compulsando os autos, verifica-se que, após o envio de “Aviso de inspeção e intimação para

fornecer documentos e informações”, datado de 16.12.2011 (fls. 2909-2910), foi juntado aos autos cópia

do ofício de apresentação dos inspetores credenciados para fiscalizar a companhia (Ofício

AP/CVM/SPS/GPS-2/N 01/2012), assinado por L.C., com a indicação de seu registro na ordem dos

advogados do brasil, atestando o recebimento da via original. Além disso, às fls. 2925 dos autos foi acostada

mídia apresentada pela Brasil Telecom com a indicação de que se trataria de informação complementar

solicitada em inspeção conduzida na Companhia em 2012 (“Complemento ao Ofício/CVM/SPS/GPS-

2/156/2011 e à solicitação em inspeção, realizada na Oi no ano de 2012”). Por fim, ressalte-se que no

despacho que solicitou a 2ª prorrogação de prazo da instrução do inquérito IA 03/2011, de 6.3.2012, a área

técnica ressaltou que “estão sendo realizadas diligências na Brasil Telecom S.A.” (fls. 2926).

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66. Como exposto brevemente nas considerações iniciais deste voto, as

irregularidades identificadas pela Acusação nas demonstrações financeiras da Brasil

Telecom decorreriam das premissas adotadas pela administração para a mensuração e

classificação de risco das Contingências Judiciais.

67. Tais premissas refletiriam as teses jurídicas sustentadas em juízo pela

Companhia a respeito de duas temáticas centrais envolvendo os “contratos de

participação financeira” celebrados no âmbito dos Planos de Expansão, quais sejam: (i) a

base de cálculo para apuração do valor patrimonial da ação e consequente definição do

número de ações devidas aos usuários contratantes; e (ii) o prazo prescricional para

exercício da pretensão destes usuários de complementação do montante de ações

entregues pela Companhia.

68. Em breve síntese, ainda que outras linhas de argumentação tenham sido

desenvolvidas e testadas pela Brasil Telecom em diferentes momentos – em especial no

que diz respeito ao prazo prescricional incidente nessas demandas –, as teses mais

amplamente defendidas em juízo pela Companhia seriam a Tese do Balancete e a Tese

da Prescrição Societária (3 anos), descritas detalhadamente nos itens 15 e 25 do relatório

que acompanha este voto.

69. Com fundamento nestas teses jurídicas, a Companhia defendia-se da pretensão

dos usuários contratantes dos Planos de Expansão alegando que o valor patrimonial da

ação deveria ser apurado não a partir do balanço patrimonial referente ao exercício

anterior à integralização dos recursos pelo usuário – Tese do Autor –, mas sim com base

no balancete mensal levantado no mês do investimento.

70. Além disso, sustentava que a relação existente entre a Brasil Telecom e o usuário

adquirente das ações seria de natureza societária, de modo que, a partir da entrada em

vigor da Lei nº 10.303/01 em 1.3.2002, passaria a incidir o prazo prescricional de três

anos, previsto no art. 287, inciso II, alínea “g”, da Lei nº 6.404/76, em relação às

pretensões ainda não ajuizadas, as quais seriam consideradas prescritas em 1.3.2005.

71. De modo a amparar tal interpretação, ainda em 8.4.2005, foi solicitado parecer

a renomado jurista a respeito da possibilidade de aplicação do prazo prescricional de três

anos introduzido pela Lei nº 10.303/01 às pretensões dos usuários de complementação

das ações emitidas pela Companhia. Em novo parecer, de 27.7.2006, este mesmo jurista

manifestou-se acerca da natureza da relação jurídica entre a Companhia e o usuário

contratante. Posteriormente, em 27.3.2007, solicitou-se a opinião de outro ilustre jurista,

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agora sobre eventual violação à Constituição Federal decorrente da não aplicação do

prazo prescricional de três anos estabelecido na legislação societária.

72. Vale ressaltar que a cronologia dos fatos parece respaldar os esclarecimentos

prestados por Charles Putz no sentido de que a administração da Companhia teria passado

a se debruçar com maior cautela sobre as demandas envolvendo os Planos de Expansão a

partir de 200615, buscando, inclusive, o assessoramento jurídico necessário à defesa dos

interesses sociais e ao tratamento uniforme dos casos pelos diferentes escritórios externos

que atuavam pela Brasil Telecom16.

73. Nesse sentido, convém destacar igualmente a declaração prestada pelo diretor de

controladoria da Brasil Telecom no período de 2005 a 2008, J.A.S., segundo o qual “o

assunto existe desde a cisão da Telebrás, mas era tratado junto com os demais contratos;

a partir do momento em que os pedidos de indenização começaram a ser ‘absurdos’ e de

forma recorrente, essas ações passaram a ser analisadas separadamente” (fls. 3581).

74. Nada mais razoável. Diante do aumento de ações ajuizadas envolvendo os

Planos de Expansão17 e frente a decisões desfavoráveis à Companhia, com significativos

valores de indenização, parece razoável que a administração tenha adotado estratégia

coordenada para defesa da Brasil Telecom em juízo.

75. Há que se avaliar, no entanto, a aderência das teses jurídicas defendidas pela

Companhia à jurisprudência dominante à época dos fatos, com destaque para o

posicionamento dos tribunais superiores, haja vista a possibilidade de eventuais

divergências entre tribunais de justiça estaduais.

76. Iniciando pela temática da base de cálculo para apuração do valor patrimonial

da ação, entendo assistir razão aos acusados quando afirmam que, antes do julgamento

do REsp 975.843-RS pela Segunda Seção do STJ, realizado em 24.10.2007, não havia

15 Segundo depoimento prestado por Charles Putz à CVM em 29.4.2013, “ao longo de 2006, o

departamento jurídico passou a se debruçar mais sobre os processos PEX; também neste ano houve

pareceres defendendo a tese da prescrição” (fls.3578). 16 Nesse sentido, vale ressaltar o seguinte trecho do depoimento prestado em 26.4.2013, por D.L.C., diretor

jurídico à época dos fatos: “na gestão anterior cada escritório respondia da forma como entendia, ou seja,

não havia uniformização das defesas; a partir da sua gestão optou-se por uniformização das defesas; (...)”

(fls. 3572). 17 Segundo estudo conduzido pela McKinsey & Company em fevereiro de 2008 acerca da “Visão geral da

situação e da abordagem adotada para minimizar o impacto para a BrT” (fls. 1900-1909), em 2005 seriam

28.260 ações em andamento contra a Companhia envolvendo os Planos de Expansão, ao passo que em 2006

esse número teria saltado para 55.701 e em 2007 para 81.652.

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entendimento consolidado nesse tribunal superior a respeito do parâmetro a ser adotado

para o referido cálculo.

77. O próprio fundamento suscitado pela Quarta Turma para submeter a análise do

referido recurso à Segunda Seção corroboraria tal conclusão, visto que teria por

fundamento o art. 14, inciso II, do regimento interno do STJ, segundo o qual poderia a

Turma remeter determinado feito para exame “quando convier pronunciamento da Seção,

em razão da relevância da questão, e para prevenir divergência entre as Turmas da

mesma Seção” (g.n.).

78. Na realidade, o que se verifica a partir do próprio voto condutor, proferido pelo

Exmo. Ministro Hélio Quaglia, é que, até o julgamento do referido recurso especial, o

STJ teria firmado os seguintes entendimentos: (i) o marco temporal para apuração do

valor patrimonial da ação seria a data de integralização do investimento – e não a de sua

capitalização pela companhia –; e (ii) a inaplicabilidade da tese de correção monetária do

valor patrimonial, não tendo se manifestado, portanto, a respeito da Tese do Balancete.

79. Isso não significa que não houvesse, até aquele momento, decisões acolhendo

tese desfavorável à Companhia. Pelo contrário, em análise conduzida por consultoria

contratada pela Brasil Telecom18, verificou-se que, até novembro de 2007, data da

publicação do acórdão proferido pelo STJ, seriam 65.001 decisões acolhendo a tese dos

autores, em diferentes fases processuais.

80. Posteriormente, com a edição da Lei nº 11.672/08 (“Lei de Recursos

Repetitivos”), que introduziu o art. 543-C ao Código de Processo Civil de 1973, então

vigente, a matéria foi submetida ao rito dos recursos repetitivos no âmbito do julgamento

do REsp 1.033.241-RS, realizado em 5.11.2008. Em seguida, o entendimento do STJ

acerca da adoção do balancete mensal para apuração do valor patrimonial da ação restou

sumulado no verbete nº 371, editado em 30.3.2009 (“Súmula 371”).

81. Verifica-se, ainda, que mesmo antes da edição da referida súmula a Companhia

interpôs recursos ao STJ pleiteando a reversão de decisões anteriores, já transitadas em

julgado, fundadas em critérios de apuração do valor patrimonial da ação distintos da Tese

do Balancete19. Entendeu, no entanto, este tribunal superior que as aludidas decisões

18 Em fevereiro de 2008, a McKinsey & Company emitiu relatório intitulado “Visão geral da situação e da

abordagem adotada para minimizar o impacto para a BrT”, a respeito das ações judiciais movidas em face

da Companhia envolvendo os Planos de Expansão (fls. 1900-1909). 19 Nesse sentido, vide Agravo de Instrumento nº 1.052.408 -RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j.

26.2.2009; Agravo de Instrumento nº 1.079.994 -RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 2.3.2009; Agravo

de Instrumento nº 1.122.133 -RS, Rel. Min. Massami Uyeda, j. 27.5.2009.

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estariam protegidas pelo manto da coisa julgada, não se aplicando o posicionamento

consolidado na Súmula nº 371 aos casos transitados em julgado antes de sua edição.

82. No que diz respeito à natureza da relação existente entre a companhia

concessionária e o usuário contratante que pleiteia a complementação das ações a ele

entregues, não resta dúvida quanto à consistência do entendimento manifestado pelo STJ

ao longo dos anos.

83. Ao contrário da conclusão alcançada em relação à Tese do Balancete, quanto à

Tese da Prescrição Societária (3 anos) – e mesmo às demais teses prescricionais

defendidas pela Companhia – é possível afirmar que o STJ mantinha um posicionamento

consolidado sobre o tema no sentido de que a relação entre as partes teria natureza pessoal

e não societária e, por conseguinte, o prazo prescricional incidente seria o do Código

Civil.

84. São inúmeras as decisões do STJ nesse sentido20. A respeito, convém destacar

que o próprio REsp 975.843-RS, de 24.10.2007, – leading case sobre a Tese do Balancete

– dispõe sobre a matéria nos seguintes termos:

“Quanto à prescrição, nos moldes do artigo 287, II, “g”, da Lei nº

6.404/76, esta Corte em reiterados julgados, afasta a aplicação da norma

societária, a partir de que, em tais situações, a pretensão deduzida em

juízo ostenta nítido sentido de pugnar por responsabilidade civil

contratual, decorrente do inadimplemento de obrigação. Não se trata de

20 Nesse sentido, convém mencionar decisões proferidas antes da vigência da Lei n° 10.303/2001: (i) Ag

598792, Min. Nancy Andrighi, j. 10.8.2004; (ii) REsp 628.819, Min. Fernando Gonçalves, j. 16.6.2004;

(iii) REsp 595.792, Min. Cesar Asfor Rocha, j. 2.2.2004; (iv) Ag. 593.987, Min. Jorge Scartezzini, j.

29.9.2004; (v) EdAg 578.703-RS, Min. Barros Monteiro, j. 10.4.2006; (vi) AgRg em REsp 822.248, DJ

11.12.2006; (vii) REsp 855.484, j. 13.11.2006; (viii) REsp 834.758, j. 11.12.2006; (ix) REsp 829.835, DJ

21.8.2006; (x) REsp 876.295, Min. Hélio Qualia Barbosa, j. 21.9.2006; (xi) AgRg no REsp 845.763 – RS,

Min. Fernando Gonçalves, j. 18.9.2007; (xii) EDcl no Ag 1011032/RS, Min. Carlos Fernando Mathias, j.

24.6.2008; (xiii) REsp 1037208/RS, Min. Sidnei Beneti, j. 25.6.2008; (xiv) AgRg no REsp 1017500/RS,

Min. Sidnei Beneti, j. 26.6.2008; (xv) EDcl no Ag 943415/RS, Min. Carlos Fernando Mathias, j. 5.8.2008;

(xvi) AgRg no Ag 993173/RS, Min. Carlos Fernando Mathias, j. 5.8.2008; (xvii) AgRg nos EDcl no REsp

1045821/RS, Min. Sidnei Beneti, j. 23.9.2008; (xviii) EDcl no Ag 972504/RS, Min. Rel. João Otávio de

Noronha, j. 16.09.2008; (xix) EDcl no Ag 973201/RS, Min. Rel. João Otávio de Noronha, j. 2.9.2008;

(xx) AgRg nos EDcl no REsp 1051854/RS, Min. Rel. Aldir Passarinho Junior, j. 26.8.2008; (xxi) AgRg

nos EDcl no REsp 1054613/RS, Min. Sidnei Beneti, j. 21.8.2008; (xxii) AgRg no REsp 1038699/RS, Min.

Sidnei Beneti, j. 12.8.2008; (xxiii) AgRg no Ag 980050/RS; Min. Carlos Fernando Mathias, j. 5.8.2008;

(xxiv) AgRg no REsp 1080027/RS, Min. Aldir Passarinho Junior, j. 11.11.2008; (xxv) REsp 1033241/RS,

Min.Aldir Passarinho Junior, j. 22.10.2008; (xxvi) AgRg nos EDcl no REsp 1054676 / RS, Min. Sidnei

Beneti, j. 21.10.2008; (xxvii) AgRg nos EDcl no REsp 1064893 / RS, Min. Carlos Fernando Mathia, j.

21.10.2008; (xxviii) AgRg no REsp 1027094 / RS, Min. João Otávio de Noronha, j. 16.10.2008;

(xxix) AgRg nos EDcl no REsp 1036706 / RS, Min. João Otávio de Noronha, j. 14.10.2008; (xxx) AgRg

nos EDcl no REsp 1033928 / RS, Min. Aldir Passarinho Junior, j. 23.09.2008; (xxxi) EDcl no Ag

981100/RS, Min. João Otávio de Noronha, j. 19.08.2008.

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obrigação de caráter societário, porquanto a partir de ações não

subscritas, os postulantes não gozariam do status de acionistas”. (g.n.)

85. Também no âmbito do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (“TJRS”) o

entendimento dominante seria o da inaplicabilidade do prazo prescricional societário, ao

menos a partir de 31.3.2006 com o julgamento do incidente de uniformização de

jurisprudência nº 70013790272. Naquela oportunidade, decidiu-se, por maioria dos votos,

que a pretensão do usuário de complementação das ações a ele entregue tem caráter

obrigacional e não societária, não incidindo, portanto, o prazo prescricional do art. 287,

inciso II, alínea “g”, da Lei nº 6.404/76.

86. O fato de ter sido identificada decisão do TJRS posterior ao julgamento do

referido incidente em sentido a ele contrário – como apontado por Charles Putz – não

afasta a conclusão de que o posicionamento do referido tribunal teria sido uniformizado,

por meio de incidente específico, no sentido da inaplicabilidade do prazo prescricional

societário.

87. Com efeito, o próprio jurista consultado pela Brasil Telecom a respeito da

aplicação do prazo prescricional de três anos introduzido pela Lei nº 10.303/01 às ações

judiciais envolvendo os Planos de Expansão registrou em seu parecer, datado de

27.7.2006, que “[t]em sido negada a incidência da regra do art. 287, II, “g”, da Lei das

Sociedades Anônimas, a situações jurídicas como a ora examinada” (fls. 4191).

88. Nota-se, portanto, que, a despeito de se verificar uma maior concentração de

decisões do STJ afastando a Tese da Prescrição Societária (3 anos) ao longo do exercício

de 2008, já em 2006, a percepção quanto ao entendimento desse tribunal superior a

respeito do tema era desfavorável à Companhia. As próprias decisões do STJ no período

fazem referência a “reiterados julgados” negando acolhimento a Tese da Prescrição

Societária (3 anos).

89. Também nesse sentido o REsp 1.033.241-RS, julgado em 5.11.2008 e submetido

ao rito de recursos repetitivos, elencou uma série de decisões do STJ no período de 2006

a 2008 a demonstrar que a orientação da Segunda Seção desse tribunal era:

“(...) no sentido de que o direito é de natureza pessoal obrigacional,

de sorte que a pretensão se submete à regra do art. 177 do Código Civil

anterior, que fixava em 20 (vinte) anos o lapso prescricional, agora 10

(dez) anos, segundo a lei substantiva civil em vigor (art. 205),

afastada, na espécie, a figura do acionista propriamente dito, ante a

vindicação de um direito baseado em contrato de participação financeira”.

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90. Ainda assim, amparada por parecer de outro renomado jurista, a Tese da

Prescrição Societária (3 anos) chegou a ser levada pela Companhia ao STF, sob a

justificativa de que a negativa de incidência do prazo prescricional da lei societária

importaria a criação de dois regimes jurídicos distintos em relação a uma mesma pessoa

e uma mesma relação jurídica, em violação ao princípio constitucional da isonomia (art.

5º, incisos I e II da Constituição Federal). Em decisão de 28.5.2009, a Ministra Carmen

Lucia, monocraticamente, negou seguimento ao agravo de instrumento interposto pela

Brasil Telecom.

91. Conclui-se, portanto, que em qualquer das instâncias julgadoras superiores, a

Tese da Prescrição Societária (3 anos) não foi acolhida.

92. Ocorre que, como muito bem sinalizado pela Acusação, não se está a analisar

neste caso o acerto das estratégias jurídicas desenvolvidas pela administração da

Companhia para defesa dos interesses sociais. Na realidade, o que se busca é examinar se

o impacto de tais ações judiciais na situação patrimonial da Brasil Telecom foi

adequadamente refletido nas demonstrações financeiras da Companhia.

93. Para tanto, cumpre analisar as disposições do NPC 22, aprovado pela

Deliberação CVM nº 489/05, a respeito do tratamento contábil a ser observado para

“Provisões, Passivos, Contingências Passivas e Contingências Ativas”.

94. No presente caso, as ações judiciais movidas em face da Brasil Telecom,

envolvendo os contratos de participação financeira celebrados no âmbito dos Planos de

Expansão, representam contingências passivas, nos termos do item 6, (viii) do referido

normativo, e devem ser reconhecidas como provisões quando for provável a saída de

recursos para liquidação da obrigação e for possível estimar, com suficiente segurança, o

valor da obrigação (item 10 NPC 22).

95. Agora, se a saída de recursos for somente possível – isto é, a chance de ocorrer

é menor que provável e maior que remota – ou caso não seja possível mensurar o valor

da obrigação, a contingência deve ser divulgada pela Companhia nas notas explicativas

às demonstrações financeiras, o que sequer se exige quando a probabilidade de

desembolso é remota (item 18 NPC 22).

96. À primeira vista, tais conceitos parecem simples de manejar. No entanto, a

avaliação quanto ao risco de perda decorrente destas contingências envolve grau de

incerteza relevante, a dificultar a sua classificação em “provável, possível e remoto”. O

NPC 22 reconhece essa incerteza, mas esclarece que, via de regra, a entidade é capaz de

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vislumbrar os possíveis desfechos envolvendo determinada obrigação e, a partir disso,

apresentar estimativa suficientemente confiável quanto ao reconhecimento de uma

provisão (item 20).

97. Ainda assim, haja vista a possibilidade de alteração no cenário inicialmente

considerado, as contingências passivas devem ser reavaliadas periodicamente, quando da

elaboração das demonstrações financeiras, para determinar se a estimativa anterior

continua válida ou se para determinado item inicialmente tratado como contingência

passiva deve ser reconhecida provisão (item 24 NPC 22).

98. Também quanto à mensuração das provisões há certas balizas a serem

observadas. Em regra, o montante reconhecido como provisão deve ser a melhor

estimativa de desembolso para liquidação da obrigação, isto é, a quantia que a entidade

pagaria para liquidar a obrigação na data do balanço (itens 28 e 29 NPC 22).

99. Esta melhor estimativa deve levar em consideração os riscos e incertezas

envolvendo os eventos e circunstâncias que impactam a liquidação da obrigação, que, na

prática, representam a variação das estimativas de desfecho (itens 34 e 35 NPC 22).

Ademais, eventos futuros só devem ser refletidos no valor da provisão quando houver

evidência objetiva suficiente de que eles ocorrerão (item 39 NPC 22).

100. Em se tratando de provisão constituída por uma multiplicidade de itens, o NPC

22 esclarece que se deve estima-la ponderando “todos os possíveis desfechos em relação

à possibilidade de sua ocorrência” (item 31). A respeito, traz-se exemplo que entendo

conveniente reproduzir:

“Por exemplo, experiências passadas de uma entidade e suas expectativas

futuras indicam que, no ano seguinte à venda de um produto, 80% dos bens

não apresentam defeito, 15% apresentam defeitos menores e 5% têm defeitos

maiores. Uma entidade avalia a probabilidade de uma saída para as

obrigações de garantias como um todo. Supondo que a entidade estima que

se a totalidade dos produtos vendidos tivesse que sofrer pequenos

reparos, isto custaria um total de R$ 2 milhões e no caso de grandes

reparos custaria R$ 6 milhões, a provisão para garantia seria determinada

como segue: (80% x 0) + (15% x R$ 2 milhões) + (5% x R$ 6 milhões),

totalizando R$ 600 mil.”

101. Igualmente esclarecedora é a orientação trazida pela Deliberação CVM nº 29/86,

vigente até dezembro de 200821, a respeito do princípio do conservadorismo, segundo o

21 Posteriormente revogada pela Deliberação CVM nº 539/08, aplicável aos exercícios encerrados a partir

de dezembro de 2008, nos termos do item III da referida deliberação.

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qual “entre conjuntos alternativos de avaliação para o patrimônio, igualmente válidos,

segundo os Princípios Fundamentais, a Contabilidade escolherá o que apresentar o

menor valor atual para o ativo e o maior para as obrigações”22.

102. Acrescenta-se, ainda, que, o princípio do conservadorismo dever ser interpretado

“à luz da vocação de resguardo, cuidado e neutralidade que a Contabilidade precisa ter,

mormente perante os excessos de entusiasmo e de valorizações por parte da

administração e dos proprietários da entidade”.

103. O Colegiado da CVM já se manifestou anteriormente a respeito da aplicação do

princípio do conservadorismo a casos concretos23. Nesse sentido, convém mencionar a

decisão do Diretor Relator Pedro Marcílio no âmbito do Processo Administrativo CVM

nº 2005/4284, apreciado em 30.8.2005.

104. Ao afastar argumento levantado para justificar reversão de provisão para

desvalorização de investimento anteriormente constituída pela companhia, o Diretor

esclareceu que “as regras contábeis exigem mais do que bons argumentos para a inserção

de resultados judiciais em demonstrações contábeis. Necessita-se ou decisão judicial

transitada em julgado ou jurisprudência estável e pacífica, requisitos que, obviamente,

não se aplicavam ao caso”.

105. Nota-se que, a despeito da incerteza e subjetividade que, inegavelmente, envolve

a classificação de risco e mensuração das contingências passivas, as normas contábeis

trazem parâmetros a auxiliar a entidade no reconhecimento contábil das provisões.

106. Não há, portanto, discricionariedade para que o administrador decida pelo

melhor tratamento contábil a ser conferido a contingências passivas judiciais, há, na

22 A título de exemplo, a Deliberação CVM nº 29/86 menciona a seguinte situação hipotética: “[s]uponha

que a entidade tenha duas previsões, igualmente confiáveis (de igual probabilidade) para a ocorrência de

devedores insolváveis. Por tudo que tenha sido possível avaliar e calcular, inclusive com o uso de

probabilidade, poderão ocorrer: uma insolvência de $ 1.000.000, ou de $ 1.300.000 - praticamente com o

mesmo grau de probabilidade. Pela restrição escolheríamos a previsão de $ 1.300.000, por apresentar um

menor valor final para o ativo líquido”. 23 A respeito do tema, identificam-se, como exemplo, as seguintes decisões: Processo Administrativo

Sancionador CVM nº 33/98, Rel. Dir. Wladimir Castelo Branco Castro, julgado em 20.7.2000; Processo

Administrativo CVM nº RJ2001/10308, Rel. Dir. Wladimir Castelo Branco Castro, apreciado em 2.4.2002;

Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2001/6835, Rel. Dir. Norma Parente, julgado em

5.6.2002; Processo Administrativo CVM nº RJ2002/2714, Rel. Dir. Norma Parente, apreciado em

11.7.2002; Processo Administrativo CVM nº 2003/3710, Rel. Dir. Luiz Antônio de Sampaio Campos,

apreciado em 9.3.2004; e Processo Administrativo CVM nº RJ2004/4462, Rel. Dir. Wladimir Castelo

Branco Castro, apreciado em 8.3.2005

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realidade, certa subjetividade na classificação de risco de ações judiciais, mitigada, no

entanto, pelas orientações previstas na norma contábil.

107. À luz destas disposições, alinho-me às conclusões da área técnica quanto à

existência de falhas no tratamento contábil adotado pela administração da Companhia em

relação às ações judiciais envolvendo os Planos de Expansão.

108. A meu ver, a decisão de sustentar as teses jurídicas mais favoráveis aos interesses

da Companhia “até a última instância” – posição defendida pelo diretor jurídico e pelo

diretor jurídico adjunto em seus depoimentos à CVM – teria extrapolado a estratégia

jurídica e adentrado, equivocadamente, a prática contábil da Brasil Telecom.

109. Como muito bem sinalizado pela Acusação, não resta dúvida que o dever de

diligência a ser observado pelos administradores impõe a eles a defesa dos interesses

sociais o quanto possível, o que, neste caso, representaria a submissão das teses jurídicas

favoráveis à Companhia até a última instância. Isso não os autoriza, no entanto, a

desconsiderar os preceitos contábeis no reconhecimento das Contingências Judiciais.

110. A falha da administração residiria no fato de a classificação de risco e a

mensuração das Contingências Judiciais ter sido orientada não pela jurisprudência

dominante, mas pela expectativa da administração de acolhimento de tese jurídica

sustentada em juízo com relação à prescrição, a qual, muito embora embasada em

pareceres jurídicos, não encontrava respaldo nas decisões do STJ já à época dos fatos.

111. A referida prática não se coaduna com as orientações do NPC 22, segundo as

quais, para o reconhecimento de eventuais provisões, a entidade deve, periodicamente,

avaliar a estimativa de desfecho das contingências passivas e, por conseguinte, a

probabilidade de saída de recursos decorrente de sua liquidação, avaliação esta que, a meu

ver, deve ser conduzida o quanto possível a partir de elementos objetivos, tal como a

evolução jurisprudencial sobre a matéria.

112. Andou bem a Acusação ao pontuar que, neste caso, não faltariam elementos à

administração da Companhia para estimar o risco de perda nas ações judiciais envolvendo

os “contratos de participação financeira”, haja vista o contencioso de massa que se

instaurou a respeito do tema.

113. Reconheço que, em relação a determinadas discussões, a incerteza quanto ao

entendimento jurisprudencial dominante era relevante, tal como no caso da Tese do

Balancete, enfrentada pelo STJ apenas em novembro de 2007 quando do julgamento do

REsp 975.843-RS. Este não era o caso da Tese da Prescrição Societária (3 anos),

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rechaçada não somente pelo TJRS em decisão proferida no âmbito de incidente de

uniformização de jurisprudência, como também em inúmeros julgados do STJ.

114. Identifico neste ponto a primeira falha da administração no tratamento contábil

conferido às Contingências Judiciais: estimar o risco de perda das ações judiciais movidas

a partir de 1.3.2005 com base na Tese da Prescrição Societária (3 anos), considerando-as

prescritas, em contraponto à jurisprudência dominante sobre o tema à época dos fatos.

115. A meu ver, a segunda falha residiria na aplicação da Tese do Balancete para a

mensuração de ações com decisão já transitada em julgado que fixava critério distinto

para a apuração do valor patrimonial da ação.

116. Em relação a estes casos, após a consolidação do entendimento do STJ favorável

à Tese do Balancete, aventou-se a possibilidade de reverter decisões definitivas a partir

do ajuizamento de ações rescisórias, estratégia que foi abandonada pela Companhia após

decisões desse tribunal superior no início de 2009 concluindo pela impossibilidade de

aplicação da Súmula 371 a processos cujo trânsito em julgado tenha ocorrido

anteriormente a sua edição.

117. Segundo as informações divulgadas ao mercado em 3.4.2009 e 14.1.2010 e os

esclarecimentos prestados à SPS24, uma das principais causas para o aumento das

provisões reconhecidas pela Brasil Telecom no exercício de 2009, já sob a administração

eleita pela Telemar, teria sido justamente o reconhecimento de que havia um volume

superior ao estimado de ações cujo trânsito em julgado teria sido anterior à referida

súmula e, por conseguinte, não poderiam ser valorados pela Tese do Balancete.

24 Nesse sentido, vale mencionar a correspondência encaminhada pela Companhia à Deloitte em 3.7.2009,

na qual se esclareceu que “para esses processos líquidos (critério definido na decisão da fase de

conhecimento) pela tese dos autores e ilíquidos (critério indefinido na decisão da fase de conhecimento),

cujo trânsito em julgado ocorreu antes do ‘leading case’ constata-se que a Súmula 371 não surtirá o efeito

desejado, pois o STJ entende que a adoção do balancete para esses casos implicaria em violação da coisa

julgada” (fls. 2311). Da mesma forma, em esclarecimentos prestados à CVM em 25.2.2010, a Deloitte

afirmou que “as principais causas dessa revisão [aumento na provisão reconhecida em 2009] residem na

consolidação do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no que tange aos processos que tiveram

transito em julgado, diverso do critério de cálculo do VPA com base no balancete contábil da data da

integralização, antes da publicação da Súmula nº 371, bem como nas remotas chances de reversão do

cenário envolvendo o reconhecimento da prescrição societário no âmbito do Supremo Tribunal Federal”

(fls. 2047-2048). Por sua vez, o relatório final apresentado pela BDO em conclusão ao trabalho de análise

do montante da contingência estabelecida pela Brasil Telecom em relação às ações movidas contra a

Companhia envolvendo os Planos de Expansão apresenta a seguinte informação: “Frise-se que para a

aplicação das médias, consideramos que nos processos em fase de execução, 12% das teses estão sendo

revertidas para a do balancete e, o remanescente, 88% ainda está seguindo pela tese do VPA Ano Anterior”

(fls. 129).

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118. Como exposto anteriormente, o NPC 22 esclarece que a provisão deve ser

reconhecida pela sua melhor estimativa, sendo ela a quantia que a entidade pagaria para

liquidar a obrigação na data do balanço. Diante de tal previsão e à luz do princípio do

conservadorismo que orienta o reconhecimento de ativos e passivos na contabilidade das

companhias, entendo não haver fundamento para que ações judiciais com decisão já

transitada em julgado fossem mensuradas, para fins de provisionamento, com base na

Tese do Balancete sob a expectativa de reversão da decisão por meio da propositura de

ação rescisória.

119. Vale reiterar, ainda, a previsão do item 31 da referida norma contábil acerca da

mensuração de provisões constituídas por múltiplos itens, hipótese que, a meu ver, reflete

perfeitamente o contencioso de massa existente em relação aos contratos de participação

financeira. Nestes casos, a NPC 22 preceitua que o valor estimado deve levar em

consideração todos os possíveis desfechos de ocorrência da obrigação provisionada.

120. Essa parece ter sido a metodologia adotada pela nova administração da Brasil

Telecom em relação às Contingências Judiciais. Em esclarecimentos prestados à CVM a

respeito das demonstrações financeiras de 200925, a Companhia esclareceu que passou a

mensurar as provisões com base em critério estatístico “baseado na média histórica dos

efetivos pagamentos de todas as decisões judiciais, relativos aos 30 meses anteriores à

data de levantamento” (fls.1941), considerando, ainda, as datas e teses jurídicas que

nortearam o trânsito em julgado das ações judiciais.

121. Nesse sentido, também se manifestou a Deloitte, responsável pela revisão das

referidas demonstrações financeiras, segundo a qual “a Companhia teve que estimar os

valores das perdas médias de acordo com as classificações entre as teses do autor, do

balancete e do investimento corrigido” (fls. 3220).

122. Neste ponto, no entanto, destaco que os elementos constantes dos autos levantam

dúvida quanto ao momento em que a administração da Brasil Telecom teria passado a

considerar a Tese do Balancete inclusive para as ações judiciais já transitadas em julgado

com base em critério distinto. Isso porque, em depoimentos prestados à CVM26, alguns

25 Correspondência encaminhada pela Brasil Telecom em 21.10.2011 em resposta ao

Ofício/CVM/SEP/GEA-4/nº 212/11 (fls. 1939-1943). 26 Em esclarecimentos prestados à CVM em 20.12.2012, questionado a respeito do critério de mensuração

das ações, Charles Putz esclareceu que “[t]ambém havia casos de decisões transitadas em julgado, em que

a companhia acatava os valores da decisão e provisionava” (fls. 3501). Também nesse sentido manifestou-

se o diretor jurídico, D.C., segundo o qual “os processos eram valorados pela tese do balancete. Se essa

tese era perdida, o caso era reavaliado conforme o que estivesse contido no título executivo judicial

decorrente da fase de conhecimento” (fls. 3528). Vale reproduzir, ainda, as informações prestadas por Paulo

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administradores declararam que, em regra, as provisões e Contingências Judiciais eram

todas mensuradas com base na Tese do Balancete, salvo quando tese distinta era

expressamente acolhida em decisão de mérito, hipótese em que a provisão passaria a ser

contabilizada levando em conta o critério fixado no título executivo judicial.

123. Por sua vez, em expediente datado de 5.1.2009, elaborado pela Deloitte no curso

dos trabalhos de auditoria referentes ao exercício social findo em 31.12.2008 e intitulado

“Memorando Contratos de Participação Financeira” (fls. 2276-2277), o Auditor declara

que “[a]pós a decisão do STJ [no REsp 975.843-RS], a Companhia reavaliou os

processos em que a provisão estava constituída com base no balancete de encerramento

do exercício em que houve a integralização, para considerar o balancete do mês da

integralização, como base para o cálculo da provisão. A Brasil Telecom reconheceu no

exercício de 2008 os efeitos dessas reavaliações” (fls. 2277).

124. Assim, ao menos em relação ao exercício de 2008, pode-se afirmar que, em

determinados casos, a administração teria reavaliado as Contingências Judiciais

desconsiderando a decisão transitada em julgado e aplicando a Tese do Balancete

confirmada pelo STJ.

125. Identificadas irregularidades no reconhecimento contábil das provisões e

Contingências Judiciais atinentes aos “contratos de participação financeira”, passo a

analisar a responsabilidade dos administradores da Brasil Telecom pela infração aos

arts. 176, caput, 177, §3º e 153 da Lei nº 6.404/76 c/c itens 10 e 11(a) da Deliberação

CVM nº 489/2005.

126. Como exposto no relatório de inquérito, seriam três as áreas afetas à questão do

reconhecimento contábil das Contingências Judiciais: a diretoria jurídica, a diretoria

financeira – e, no seu bojo, a diretoria de controladoria – e a presidência, sendo que a

diretoria jurídica, não estatutária, se reportaria diretamente ao diretor presidente.

127. Apurou-se que o acompanhamento das Contingências Judiciais envolvia a

adoção de uma série de procedimentos específicos. O primeiro deles seria a troca

periódica de informações entre a diretoria jurídica da Companhia e os escritórios de

advocacia contratados para a defesa de seus interesses em juízo.

128. Em um primeiro momento, esta troca de informações ocorria a partir de planilhas

em Excel consolidando os principais dados das ações e os seus respectivos andamentos,

Narcélio em 22.12.2012: “[a]queles casos em que ocorreu o trânsito em julgado e com possibilidade de

negociação esgotada, eram registrados pelo valor provável de liquidação” (fls. 3508).

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as quais, posteriormente, teriam sido substituídas por sistema informatizado

especialmente desenvolvido para a Companhia, que, ao que indicam as informações

constantes dos autos27, estaria pronto para implantação em 2009, com a migração da base

de dados dos escritórios para o referido sistema.

129. No que diz respeito em específico ao reconhecimento contábil das ações judiciais

envolvendo os Planos de Expansão, os depoimentos prestados pelos administradores da

Companha à época dos fatos são uníssonos ao afirmar que a classificação de risco de

perda dos processos, bem como a indicação dos valores eventualmente devidos aos

autores das ações eram realizadas pela diretoria jurídica, em conjunto com os escritórios

de advocacia contratados.

130. Levanta-se, ainda, a discussão – a meu ver, pouco relevante para a análise de

responsabilidade da diretoria financeira e da presidência – se a classificação do risco de

perda da ação em “provável, possível ou remota” era realizada pelos próprios escritórios

de advocacia que acompanhavam as demandas ou diretamente pela diretoria jurídica, que

centralizaria tal decisão28. Fato é que o grau de risco atribuído às demandas refletia a

avaliação do jurídico da Brasil Telecom.

131. À diretoria financeira – em especial à controladoria – cabia, em um primeiro

momento, a orientação da diretoria jurídica quanto aos critérios a serem observados em

tal classificação29. Realizado o acompanhamento analítico mensal das ações judiciais pela

diretoria jurídica adjunta, com a indicação do grau de risco de perda, a mensuração das

27 Nesse sentido, vale mencionar os esclarecimentos prestados pelo diretor jurídico adjunto, S.V., segundo

os quais o projeto do BrTJur (...) quando da minha saída [que teria ocorrido em 6/2009] estava pronto para

receber as informações dos processos” (fls. 3537-3539). Além disso, ao descrever como teria ocorrido a

revisão dos valores provisionados em relação às Contingências Judiciais no exercício de 2009, a nova

administração da Brasil Telecom informou que “durante a segunda parte do mês de novembro de 2009,

por ocasião dos estudos internos para migração dos processos judiciais do sistema de planilhas

alimentadas com dados fornecidos pelos escritórios de advocacia terceirizados para o sistema

informatizado já utilizado pela Telemar” (fls. 2068). 28 Isso porque, muito embora em cartas encaminhadas em resposta à nova administração da Brasil Telecom,

datadas de março de 2009, os escritórios de advocacia tenham declarado sua opinião favorável às teses

jurídicas sustentadas pela Companhia e afirmado que a classificação e mensuração dos processos sob a sua

responsabilidade seguiria tais parâmetros, quando questionados pela CVM (fls. 859-894), muitos

afirmaram que a responsabilidade pela classificação de risco das ações judiciais seria da diretoria jurídica,

acrescentando que as planilhas de acompanhamento das demandas já vinham com o campo correspondente

à classificação preenchido e bloqueado por senha (fls. 3378-3397). Na realidade, alguns escritórios

afirmaram que informavam o grau de risco do processo em um primeiro momento, quando do seu ingresso

à base de dados do escritório, mas em um segundo momento tal classificação seria gerida pela diretoria

jurídica da Brasil Telecom (fls. 3380-3386). 29 Nesse sentido, vale destacar os esclarecimentos prestados pelo gerente de demonstrações contábeis da

Brasil Telecom, segundo o qual “à gerência de contabilidade corporativa cabia orientar a diretoria

jurídica quanto aos conceitos para definição do grau de risco de perdas” (fls. 3519).

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demandas e atualizações quanto a eventuais pagamentos e baixas realizados no período,

as informações eram transmitidas, em planilhas de cálculo consolidadas, à gerência de

operações contábeis, responsável pelo controle dos registros contábeis das contingências.

132. A partir desta dinâmica, nota-se que, ao menos em relação às Contingências

Judiciais, o tratamento contábil conferido nas demonstrações financeiras da Brasil

Telecom refletia a análise de risco e a mensuração atribuídas pela diretoria jurídica, que,

em razão de sua competência, era quem detinha o conhecimento técnico necessário para

avaliar a probabilidade de perda das ações judiciais movidas em face da Companhia.

133. Não se encerra, no entanto, neste ponto a análise da responsabilidade pelas falhas

identificadas no reconhecimento contábil dessas contingências. Há que se avaliar, ainda,

qual a visibilidade de tais ações judiciais para as demais diretorias – leia-se, qual era o

acompanhamento mantido em relação às demandas envolvendo os Planos de Expansão –

e se havia, à época dos fatos, sinal de alerta a indicar possível falha na classificação de

risco atribuída pela diretoria jurídica.

134. Nesse sentido, destaco dois documentos fundamentais que permitem vislumbrar

as ferramentas gerenciais adotadas pela administração da Brasil Telecom no

monitoramento das Contingências Judiciais.

135. O primeiro deles é a apresentação realizada por consultoria internacional

contratada em fevereiro de 200830, a qual aponta como medidas gerenciais mantidas pela

Companhia: (i) desde 2005, a auditoria e controle sobre os serviços prestados pelos

escritórios contratados, inclusive com a previsão de cláusula de qualidade nos contratos

firmados; e (ii) o controle sobre o cálculo dos valores devidos aos usuários contratantes

dos Planos de Expansão, com destaque para a contratação de escritório contábil

especializado.

136. Em relação a este último ponto, convém ressaltar os esclarecimentos prestados

pelo diretor jurídico (fls. 3529). A respeito de tal contratação, afirmou que os escritórios

de advocacia careceriam de suporte contábil para auxilia-los na elaboração da defesa da

Companhia, especialmente em fase de execução, haja vista ser necessária a apuração dos

30 Apresentação realizada pela McKinsey & Company em fevereiro de 2008 a respeito da “Visão geral da

situação e da abordagem adotada para minimizar o impacto para a BrT”

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valores relativos à complementação de ações, dividendos, juros sobre capital próprio e

outras verbas condenatórias eventualmente devidas31.

137. Ainda no que concerne à governança mantida pela administração da Brasil

Telecom em relação às aludidas ações judiciais, a consultoria contratada apontou que, a

nível de diretoria jurídica e de gerência, seriam acompanhadas (i) a evolução do número

de processos e valores desembolsados por mês; (ii) a qualidade do trabalho prestado pelos

escritórios de advocacia e a sua adesão às diretrizes fornecidas pela Companhia; e (iii) o

resultado dos processos por vara dos tribunais de justiça.

138. Por sua vez, a nível de presidência, o monitoramento do assunto envolveria a

evolução do número de processos, em bases anuais, e a efetividade da estratégia adotada

para defesa dos interesses da Companhia, avaliada com base no “placar de acolhimento

de teses e prescrição”. O diretor presidente não estava, portanto, alheio à evolução

jurisprudencial acerca das principais teses sustentadas pela Companhia ou à

representatividade das ações judiciais envolvendo os Planos de Expansão.

139. A corroborar estas considerações, em seus depoimentos à CVM, os

administradores confirmaram que havia reuniões periódicas entre as diretorias jurídica,

financeira e a presidência da Brasil Telecom, as quais teriam por objetivo discutir o mérito

das teses jurídicas sustentadas pela Companhia, bem como atualizar os demais membros

da administração sobre o histórico das decisões judiciais e as tendências dos julgados para

cada uma das teses32.

31 Em seu depoimento, o diretor jurídico esclareceu anda que “[p]ara apoiar o trabalho do escritório

ACADROLLI, contratamos a consultoria internacional McKinsey para elaborar o algoritmo e a planilha

de cálculo que seria usada por ACADROLLI. A Mckinsey designou uma equipe com formação solida em

contabilidade e matemática, que passou várias semanas estudando e catalogando todas as variantes

possíveis para cálculo dos passivos de PEX. (...) A McKinsey então preparou um software baseado em

excel para ser usado pela equipe de controladores do escritório ACADROLLI. (...)” (fls. 3529) 32 Questionado se havia reuniões periódicas entre as diretorias jurídica, financeira e a presidência, o diretor

jurídico declarou que “a diretoria tinha reuniões semanais, com todos que reportavam ao Presidente e o

Conselho de Administração e Fiscal tinham reuniões mensais; os grandes movimentos, fruto do

acompanhamento dessas ações, eram reportados nessas reuniões” (fls. 3572). Direcionado o mesmo

questionamento a Charles Putz, este respondeu que “sim; o tema era levado pelo presidente e detalhado

pelo departamento jurídico; a diretoria financeira levava uma tabela com valores envolvidos e os

esclarecimentos eram reportados ao Conselho de Administração pelo jurídico; também havia reuniões

com o Conselho Fiscal, onde o tema era tratado até com mais detalhes e, embora não houvesse a

participação do Presidente, responsáveis pela controladoria e pelo jurídico detalhavam o tema aos

presentes” (fls. 3579). Por sua vez, Ricardo K. declarou que “foi criada uma reunião semanal das

diretorias; havia reuniões mensais com o Conselho de Administração; essas reuniões geravam atas e as

apresentações/material de apoio eram anexas às mesmas que eram arquivadas na empresa; departamento

jurídico e controladoria sempre atualizavam o tema PEX” (fls. 3576). O diretor de controladoria, J.A.S.,

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140. Ademais, verifica-se a partir das atas de reuniões do conselho de administração

e do conselho fiscal que a temática relativa às Contingências Judiciais era,

periodicamente, submetida a estes órgãos, mediante apresentações conduzidas pela

diretoria jurídica da Companhia33.

141. Também seria objeto de monitoramento em reuniões do conselho fiscal a

evolução dos depósitos judiciais realizados pela Companhia.

142. Destaca-se, nesse sentido, a apresentação realizada na reunião do conselho fiscal

de 23.7.2008 a respeito do “estágio atual das contingências prováveis, possíveis e

remotas da companhia, bem como da evolução dos respectivos depósitos judiciais”, com

a presença, inclusive, do diretor financeiro, Paulo Narcélio, do diretor adjunto jurídico e

do diretor de controladoria. A referida apresentação menciona expressamente decisões do

STJ em ações judiciais envolvendo os Planos de Expansão.

143. O segundo documento a indicar as ferramentas gerenciais à disposição da

administração da Brasil Telecom é o “Painel de Controle Societário” referente a

dezembro de 2008 (fls. 2973-2978), que fornece inúmeras informações a respeito das

Contingências Judiciais, tais como o panorama geral das ações por escritório contratado,

a quantidade e o montante das contingências por classificação de risco (provável, possível

e remoto), o impacto financeiro destas demandas, a comparação entre o valor

efetivamente pago pela Companhia e o montante contingenciado, o “placar” de

acolhimento das Teses do Autor e do Balancete e a exposição estimada da Companhia

em relação aos processos em fase de execução.

144. Todos os elementos colhidos ao longo da instrução indicam, portanto, a

existência de robusta governança envolvendo as ações judiciais relativas aos Planos de

Expansão. É certo, no entanto, que nem todos os membros da administração da

Companhia acompanhavam de perto todo esse conteúdo.

145. Como exposto anteriormente, a classificação de risco e a mensuração destas

contingências era realizada diretamente pela diretoria jurídica. Além disso, a evolução

dessa matéria era levada ao conhecimento da diretoria financeira e da presidência em

esclareceu, no entanto, que “não havia discussão em relação aos critérios” (fls. 3583), mas o tema era

genericamente levado ao conhecimento da diretoria e do conselho de administração. 33 Nesse sentido, convém mencionar, por exemplo, as apresentações realizadas em junho de 2006 (fls. 3788-

3804), em agosto de 2006 (fls. 1736-1747) e maio de 2007 (fls. 1816-1837). Nota-se que eram realizadas,

ainda, apresentações pelo jurídico de diferentes filiais da Brasil Telecom, com destaque para a apresentação

conduzida pelo jurídico da filial do Rio Grande do Sul em 25.7.2006 (fls. 1755-1776).

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reuniões periódicas e ao conselho de administração e ao conselho fiscal em apresentações

realizadas pela diretoria jurídica.

146. Também me parece razoável concluir que, em vista do caráter técnico da

matéria, o diretor financeiro e o diretor presidente se valessem das informações

transmitidas pela diretoria jurídica, pelos assessores externos e pelos pareceristas

contratados pela Companhia quanto à avaliação de risco destas demandas.

147. Trata-se de prerrogativa reconhecida tanto pela doutrina como pelos precedentes

desta autarquia e usualmente referida a partir da experiência norteamericana a respeito do

“right to rely on others”. Sobre o tema faço referência às excelentes considerações

expostas no voto do Diretor Gustavo Gonzalez no âmbito do PAS RJ2014/8013, julgado

em 31.8.2018.

148. Naquela oportunidade, o Diretor ressaltou que, em se tratando de decisão a

respeito de matéria complexa relativa à área do conhecimento que não é do domínio do

administrador, a melhor forma de observar o seu dever de diligência seria buscar o

assessoramento técnico necessário, podendo, então, fiar-se nas opiniões que lhe são

transmitidas.

149. Ainda assim, esta prerrogativa de se valer do aconselhamento de terceiros não

seria absoluta e a proteção por ela conferida à conduta do administrador (reliance defense)

estaria condicionada a determinadas circunstâncias, detalhadamente descritas no voto do

Diretor, entre as quais destaco a inexistência de sinais de alerta (red flags) que pudessem

apontar para eventual falha ou inconsistência na opinião do expert34.

150. Ainda sobre o tema, por ocasião do julgamento do PAS RJ2014/6517, o

Presidente Marcelo Barbosa esclareceu que a análise do cumprimento do dever de

diligência deve considerar, ao menos as seguintes circunstâncias:

“(i) suas competências legais e estatutárias (e, eventualmente,

atribuições adicionais desempenhadas na prática), as quais definirão se

o acusado tinha um dever de conduzir pessoalmente determinado assunto

34 Nesse sentido, destaco o seguinte trecho do voto do Diretor Relator: “(...) o administrador não pode ser

simples receptor e aplicador da informação recebida, tendo o dever de analisar criticamente o material

que lhe é apresentado. Não se trata, é claro, de exigir que o administrador refaça o trabalho preparado

pelos seus assessores ou o revise em minúcias, questionando cada premissa adotada e cada conclusão

atingida43 – sob pena de se negar qualquer efeito prático a prerrogativa de confiar no expert – mas de

reconhecer que a defesa não é disponível quando existem sinais de alerta (red flags) de algum tipo, os

quais devem ser de tal natureza que um administrador razoável seja capaz de identificá-los”.

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ou realizar determinado ato, ou se sua atribuição consistia em fiscalizar

a execução de referido trabalho;

(ii) o grau de tecnicidade da matéria analisada, cuja medida determinará

o envolvimento direto do administrador nas discussões a respeito ou

então exigirá e justificará a consulta a especialistas internos ou a

contratação de externos (reliance defense); e

(iii) a existência de sinais de alerta que apontem para a irregularidade

posteriormente identificada pela acusação, os quais justificarão a

exigência de uma fiscalização mais atenta e assídua quanto a assuntos

ou atos específicos.” (g.n.).

151. Transpondo estes conceitos ao presente caso conclui-se que, a princípio, pela

tecnicidade da matéria – qual seja, a classificação do risco de perda das ações judiciais

envolvendo os Planos de Expansão –, a responsabilidade recairia sobre o diretor jurídico,

em quem se fiariam o diretor financeiro e o diretor presidente com relação ao

reconhecimento contábil de tais contingências nas demonstrações financeiras da Brasil

Telecom.

152. No entanto, diante de qualquer sinal de alerta a sugerir eventuais inconsistências

na avaliação de risco ou na mensuração propostas pela diretoria jurídica, caberia ao

diretor financeiro e ao diretor presidente – a quem se reportava diretamente o jurídico da

Companhia – se aprofundar na análise do tema e suscitar os questionamentos necessários

a assegurar a adequação do tratamento contábil conferido às Contingências Judiciais.

153. A meu ver, ao menos a partir do exercício social de 2007, havia relevante red

flag a ser considerado por tais administradores: a evolução dos depósitos judiciais, cuja

taxa de crescimento era muito superior às reavaliações dos valores provisionados e

registrados em relação às Contingências Judiciais.

154. Tal circunstância é especialmente importante se considerarmos que não se trata

de informação técnica, a pressupor conhecimento jurídico do avaliador, mas dado

eminentemente financeiro que poderia ser facilmente percebido pelo diretor financeiro e

pelo diretor presidente da Brasil Telecom.

155. A discrepância entre o saldo dos depósitos judiciais e os valores provisionados

já teria sido identificada na apresentação realizada pela consultoria internacional

contratada pela Companhia, que representou graficamente a evolução dos valores

depositados em juízo, com expressivo salto a partir de 2007 (fls. 1904).

156. A análise das notas explicativas às demonstrações financeiras dos exercícios de

2007 e 2008 revela que os depósitos judiciais vinculados às ações judiciais classificadas

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como de risco provável – e, portanto, provisionadas – teriam aumentado de R$ 20,89

milhões em 2006 para R$ 53,11 milhões em 2007 e, em seguida, para R$ 285,5 milhões

em 2008.

157. Por si só esses montantes já revelam um aumento considerável, em especial de

2007 para 2008. No entanto, se comparados aos valores provisionados nos dois

exercícios, respectivamente, R$ 398 milhões e R$ 752 milhões, tal aumento não geraria

preocupação relevante.

158. Por outro lado, chama especial atenção o exame da evolução dos depósitos

judiciais vinculados às ações judiciais classificadas como de risco de perda possível e

remoto, em relação às quais a norma contábil não impõe o reconhecimento de qualquer

provisão, sendo estes valores somente informados nas notas explicativas das

demonstrações financeiras.

159. Quanto a estes depósitos, verifica-se um aumento de R$ 216 milhões em 2006

para R$ 1,044 bilhão em 2007 e, em seguida, ainda mais alarmante, para R$ 2,5 bilhões

em 2008. Não bastasse, as notas explicativas às demonstrações financeiras do exercício

de 2009 indicam que, em relação aos depósitos judiciais vinculados às ações judiciais de

risco de perda possível e remoto, houve uma “redução pelas reclassificações para

provisão para perdas em processos judiciais” no valor de R$ 2,78 bilhões.

160. A contrapor essas circunstâncias argumentou-se que não se poderia avaliar o

aumento dos depósitos judiciais sem considerar igualmente a evolução dos valores

efetivamente pagos pela Brasil Telecom em relação às Contingências Judiciais, a qual

corroboraria a alegação dos Acusados de que os montantes depositados em juízo seriam

muito superiores aos valores de fato devidos pela Companhia. Isso porque os usuários

executariam as condenações com base nas teses a eles mais favoráveis, obrigando a Brasil

Telecom a depositar a quantia apontada na execução, de modo a evitar atos executórios,

para discutir os critérios de cálculo.

161. Nesse sentido, apontou-se que do exercício de 2007 para o exercício de 2008

teria se verificado uma redução nos pagamentos realizados pela Companhia em relação

às Contingências Judiciais, que teriam passado de R$ 279 milhões para R$ 137 milhões.

162. Há, no entanto, duas razões que me levam a crer que tal argumentação não é

suficiente para desconstituir o sinal de alerta identificado.

163. A primeira delas é a impossibilidade de correlacionar os depósitos judiciais e os

pagamentos de um mesmo exercício. Em vista do andamento natural do processo, há um

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lapso entre o momento em que o executado realiza o depósito judicial para discutir o valor

devido e o efetivo pagamento da condenação ao exequente. Assim, a comparação entre

os depósitos judiciais e os pagamentos realizados deve considerar o tempo médio para o

encerramento da fase executória.

164. Em segundo lugar, entendo que tal argumentação não afasta o fato de que parcela

considerável dos depósitos judiciais realizados pela Companhia estava vinculada a ações

judiciais em relação às quais não fora reconhecida qualquer provisão. Assim, a despeito

do estágio avançado de tais ações, já em fase de execução, e do aumento significativo nos

valores depositados pela Brasil Telecom, manteve-se a classificação de risco destas

demandas como de perda possível ou remota.

165. Retomando a análise da responsabilidade dos diretores financeiro e presidente,

entendo ter restado demonstrada a existência de red flag a afastar a prerrogativa

assegurada a estes administradores de se fiarem tão somente nas informações prestadas

pelo diretor jurídico (reliance defense) e impor a adoção de cautela adicional na análise

do tratamento contábil conferido às Contingências Judiciais.

166. Nada obstante, tal red flag só esteve presente a partir do exercício de 2007,

motivo pelo qual entendo razoável que, à época da elaboração e divulgação das

demonstrações financeiras de 2006, o diretor financeiro e o diretor presidente tenham

confiado na avaliação de risco levada a cabo pela diretoria jurídica.

167. O mesmo não se pode concluir em relação aos exercícios de 2007 e 2008. Nestes

casos, entendo que Paulo Narcélio e Ricardo K. falharam com o seu dever de diligência

ao não se aprofundarem no exame dos critérios adotados para o provisionamento das

ações judiciais relativas aos Planos de Expansão.

168. Se, por um lado, Paulo Narcélio era o diretor financeiro, responsável, portanto,

por assegurar que as demonstrações financeiras refletissem adequadamente a situação

patrimonial da Brasil Telecom35, por outro, era à Ricardo K., profissional com experiência

35 Destaca-se que tanto a doutrina quanto os precedentes desta CVM ressaltam a importância de as

demonstrações financeiras da companhia refletirem adequadamente a sua real situação patrimonial. Nesse

sentido, convém reproduzir os seguintes excertos: “O legislador preocupou-se com a completude e

veracidade das demonstrações contábeis e de suas notas explicativas, que constituem uma espécie de

‘fotografia’ da situação econômico-financeira da empresa. No caso das companhias abertas, é ainda mais

importante que as demonstrações espelhem com precisão e veracidade os dados sobre o patrimônio da

companhia, essenciais para que os investidores possam bem avaliar os riscos embutidos na aquisição das

ações de sua emissão” (EIZIRIK, Nelson; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Irregularidades na elaboração

das demonstrações contábeis de companhia aberta. Responsabilidade dos Administradores. In: BOTREL,

Sérgio; BARBOSA, Henrique (org.). Finanças Corporativas: aspectos jurídicos, e estratégicos. 1 ed. São

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na área financeira36, que se reportava diretamente a diretoria jurídica não estatutária37,

cabendo a ele inclusive, como exposto anteriormente, o acompanhamento do “Placar de

acolhimento das teses e da prescrição”.

169. Há que se reiterar ainda a governança mantida em relação ao assunto, a qual

envolvia reuniões periódicas entre as diretorias jurídica, financeira e a presidência para

discussão das teses jurídicas sustentadas pela Brasil Telecom e atualização dos diretores

sobre o histórico das decisões judiciais e as tendências dos julgados.

170. Seria perfeitamente possível, portanto, a Paulo Narcélio e Ricardo K. tomar

conhecimento do insucesso da Tese da Prescrição Societária (3 anos) perante o STJ e do

fato de que parte das ações judiciais movidas em face da Companhia teriam sido decididas

com base em critério distinto da Tese do Balancete.

171. A despeito da conclusão pela responsabilização de tais administradores, nos

termos das razões expostas, entendo oportuno ressaltar a minha percepção de que as

falhas ora apuradas decorreram do excesso de otimismo da diretoria jurídica em relação

às teses sustentadas em juízo e, por conseguinte, da ausência de cautela na transposição

desta estratégia para a contabilidade da Brasil Telecom, incompatível com o

conservadorismo que se impõe na avaliação da situação patrimonial da companhia.

172. No que diz respeito às demonstrações financeiras do exercício de 2008, esclareço

que há duas circunstâncias que me convencem da responsabilidade de Paulo Narcélio e

Ricardo K.

173. A primeira delas é o fato de tais administradores terem assinado, em conjunto

com os novos diretores presidente e financeiro da Brasil Telecom, a carta de

responsabilidade encaminhada à Deloitte para fins da auditoria das referidas

Paulo: Atlas, 2016, pp. 317-318); “A Contabilidade tem por função fornecer informações financeiras

quantificadas sobre o patrimônio da pessoa em cujo nome é exercida a atividade empresarial que sejam

úteis para a tomada de decisões econômicas” ((PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Exercício Social e

demonstrações financeiras. In: LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Direito das

Companhias. 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 1114); “A elaboração das demonstrações financeiras

em desacordo com as normas contábeis traz prejuízo para os usuários das informações financeiras, na

medida em que prejudica a correta análise da situação econômico-financeira da companhia, bem como

dificulta a comparação e a interpretação dos demonstrativos, fazendo com que os acionistas, fornecedores,

credores e demais usuários das informações financeiras tomem suas decisões com base em informações

não confiáveis.” (PAS RJ2014/1442, Rel. Dir. Roberto Tadeu, j. em 2.6.2015). 36 Ricardo K. contaria com vasta experiência profissional em reestruturações operacionais e financeiras

como executivo, consultor e conselheiro, conforme descrito no website

http://www.rkpartners.com.br/ricardoknoepfelmacher/. Acesso em 30.6.2019. 37 A governança interna da Brasil Telecom encontra-se ilustrada no organograma constante das fls. 3450-

3452.

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demonstrações (fls. 2231-2233). No último parágrafo da referida carta, datada de

10.2.2009, registra-se que “Todos os atos praticados em 2008 são de responsabilidade

da antiga administração”.

174. Acrescenta-se a isso a declaração prestada por Alex Zornig em depoimento à

CVM, segundo a qual o novo DRI da Brasil Telecom teria “se reuni[do] com a

administração anterior (especialmente Paulo Narcélio e contadores) para tratar das DFs

e nada foi levantado naquela oportunidade como ponto de observação que fosse material

e/ou que requeresse ajuste” (fls. 3860).

175. A segunda é o calendário de eventos corporativos da Brasil Telecom, que previa

a disponibilização das demonstrações financeiras referentes ao exercício social de 2008

aos acionistas em 11.2.200938, o que me leva a concluir que, para que fosse possível

cumprir com tal cronograma, as demonstrações financeiras já teriam que estar em fase

avançada de elaboração e revisão ao final do exercício de 2008.

176. A corroborar tal conclusão, nota-se que o “Memorando Contratos de

Participação Financeira”, elaborado pela Deloitte no curso do trabalho de auditoria

relativo às demonstrações financeiras de 2008 com o objetivo de refletir os entendimentos

havidos entre o Auditor e a administração da Companhia a respeito das ações judiciais

envolvendo os Planos de Expansão, está datado de 5.1.2009, momento anterior à

conclusão da transferência do controle acionário à Telemar (8.1.2009). Deste modo,

eventuais esclarecimentos solicitados pela Deloitte a respeito das referidas demandas

teriam sido prestados pela antiga administração da Companhia.

177. Também nesse sentido verifica-se no “Cronograma dos Trabalhos de Auditoria

para 2008”, constante dos papéis de trabalho do Auditor, que os procedimentos para

auditoria das demonstrações financeiras deste exercício seriam conduzidos pela Deloitte

até 15.1.2009 (fls. 2258).

178. Por estas razões, concluo pela responsabilização de Paulo Narcélio e Ricardo K.

em razão das irregularidades identificadas no reconhecimento contábil das Contingências

Judiciais nas demonstrações financeiras dos exercícios de 2007 e 2008.

IV.3. AUDITORIA DAS DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS

179. Por fim, a última acusação formulada no presente processo diz respeito à

inobservância pela Deloitte, na qualidade de auditora responsável pela revisão das

38 Conforme calendário de eventos corporativos do exercício de 2009, divulgado no sistema Empresas Net.

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demonstrações financeiras da Brasil Telecom nos exercícios de 2006 a 2008, e por seu

responsável técnico, Marco Antonio, dos procedimentos mínimos de auditoria

estabelecidos nas Resoluções nº 820/1998 (NBC T 11) e 1022/2005 (NBC T 11.15), em

infração ao disposto no art. 20 da Instrução CVM nº 308/99.

180. Antes de analisar as irregularidades apontadas pela SPS, convém examinar a

alegação do Auditor de que a formulação de acusação no presente caso representaria

comportamento contraditório da administração pública, uma vez que, ao final da inspeção

conduzida junto à Deloitte, a SFI teria atestado que os procedimentos por ela adotados

em seu trabalho de auditoria junto à Brasil Telecom seriam adequados e suficientes, nos

termos do despacho proferido em 22.7.2011 (fls. 4837).

181. Ocorre que, ao assim concluir, a defesa do Auditor não considerou a ressalva

final do aludido despacho, segundo a qual:

“A análise conclusiva sobre o trabalho de auditoria depende não só da

qualidade dos documentos preparados, como também da verificação da

adequação do julgamento profissional. Em razão dessa especificidade, o

Relatório de Inspeção não teceu nenhum juízo crítico ou de valor acerca

do exercício desse julgamento, sobre o qual a área demandante pode melhor

se manifestar”.

182. Tal avaliação crítica foi conduzida pela SPS, que, ao final, concluiu pela

existência de elementos suficientes a demonstrar falha na conduta do Auditor, não

havendo que se falar, portanto, em comportamento contraditório da administração

pública.

183. Para a SPS, seriam três as falhas identificadas nos trabalhos de auditoria

conduzidos pela Deloitte, quais sejam: (i) não realização de testes de subavaliação do

passivo, de modo a assegurar a correção dos valores apontados e identificar eventuais

passivos não registrados; (ii) inobservância das normas contábeis no que diz respeito ao

estudo e avaliação do sistema contábil e dos controles internos da Brasil Telecom; e

(iii) não ter considerado a possibilidade de que fatos não relevantes pudessem se tornar

relevantes ao longo dos trabalhos de auditoria.

184. No que diz respeito à primeira falha, a área técnica ressaltou que, a princípio, os

testes conduzidos pela Deloitte para avaliação das contingências passivas judiciais da

Brasil Telecom – sendo eles, a circularização dos advogados e a circularização dos

processos e do valor das provisões – estariam formalmente aderentes à previsão do item

11.15.3 do NBC T 11.15.

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185. Ocorre que, na visão da Acusação, o Auditor teria ignorado importante sinal de

alerta a demonstrar que a independência dos assessores jurídicos consultados estaria

comprometida. A red flag identificada pela SPS decorreria do fato de correspondências

encaminhadas por diferentes escritórios de advocacia conterem textos idênticos, o que,

na sua visão, o impediria de tomar as informações repassadas por estes escritórios como

evidência definitiva, cabendo a adoção de procedimentos específicos para identificar

eventual inconsistência que pudesse impactar nas demonstrações financeiras da

Companhia, tal como a solicitação de opinião de outro consultor jurídico independente.

186. Em suas razões de defesa, o Auditor esclarece que as correspondências

apontadas pela SPS não são as respostas às cartas de circularização enviadas no curso dos

trabalhos de auditoria, mas sim comunicações enviadas já em 2009, em resposta a pedido

de ratificação dos valores inicialmente informados à Companhia a respeito das

Contingências Judiciais.

187. Nesse ponto, entendo que assiste razão aos Acusados. A análise dos papéis de

trabalho da Deloitte (fls. 2094-2142 e 2143-2220) revela que as respostas encaminhadas

pelos escritórios de advocacia às cartas de circularização apresentam textos distintos e

descrevem as informações gerais sobre as Contingências Judiciais. Ademais, os próprios

controles de circularização mantidos pelo Auditor indicam que eram conduzidas

múltiplas rodadas de solicitações de informações aos assessores jurídicos, com

atualizações a respeito das ações judiciais (fls. 2179-2180).

188. Inexistiria, portanto, o suposto indício de falta de independência dos consultores

jurídicos, a impor ao Auditor a adoção de verificações adicionais.

189. Ainda no que concerne aos procedimentos realizados pela Deloitte em relação a

identificação de passivos não registrados e à avaliação de sua adequada apresentação nas

demonstrações financeiras, segundo as informações constantes do relatório de inspeção

elaborado pela SFI (fls. 2525-2570)39, em relação aos exercícios de 2006 e 2007, a

avaliação conduzida pelo Auditor envolveu o total das contingências judiciais da

Companhia – haja vista a análise de materialidade das ações envolvendo os Planos de

Expansão –, tendo sido testada 100% da base de processos.

190. Não houve, no entanto, uma análise específica e aprofundada das contingências

passivas judiciais relativas aos Planos de Expansão. Tendo restado demonstrado o critério

utilizado pela administração para definição da materialidade a ser considerada nos

39 Relatório de Inspeção CVM/SFI/GFE-4/Nº03/2011, de 14.7.2011.

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trabalhos de auditoria40 e considerando não ter sido identificada distorção relevante nas

contingências avaliadas pela Deloitte, não vislumbro irregularidade na conduta do

Auditor em relação à revisão das demonstrações financeiras dos exercícios de 2006 e

2007.

191. Por sua vez, no que diz respeito ao trabalho de auditoria conduzido em relação

às demonstrações financeiras de 2008, a Deloitte passou a considerar relevantes as

contingências judiciais envolvendo os Planos de Expansão e, por conseguinte, ampliou

os procedimentos de auditoria adotados, inclusive com a indicação de medidas específicas

para mitigar o risco identificado.

192. Diante do aprofundamento do exame conduzido pelo Auditor e do seu

reconhecimento acerca da relevância das Contingências Judiciais, concordo com a SPS

quando esta afirma que a Deloitte teria desconsiderado circunstâncias relevantes em sua

análise, quais sejam: (i) o posicionamento da Companhia e dos assessores jurídicos

externos a respeito da adoção da Tese da Prescrição Societária (3 anos) para classificação

de risco destas demandas; e (ii) a evolução do saldo dos depósitos judiciais vis a vis as

provisões reconhecidas pela Brasil Telecom em relação às ações judiciais envolvendo os

Planos de Expansão.

193. No “Memorando Contratos de Participação Financeira”, elaborado pela

Deloitte para fins da auditora das demonstrações financeiras de 2008, não há qualquer

menção de que estas circunstâncias tenham sido objeto de esclarecimentos pela

administração da Companhia ou acarretado a condução de procedimentos adicionais de

verificação.

194. Isso não significa, tal como sustentado pela SPS, que a Deloitte deveria ter

“verificado, por meios próprios, o andamento das demandas nos Tribunais de modo a

confirmar se a tese da prescrição (...) estava de fato prosperando” (fls. 5245).

195. A meu ver, os procedimentos descritos na NBC T 11.15 envolvem

questionamentos e solicitações de esclarecimentos direcionados à administração da

entidade auditada ou aos assessores jurídicos consultados, em relação aos quais, inclusive,

a norma prevê a possibilidade de realizar reunião junto a estes assessores para discussões

e explicações mais detalhadas (item 11.15.3.3. “c”), mas não impõe ao auditor que

conduza uma pesquisa independente a respeito de teses jurídicas.

40 Vide memorando “Cálculo da Materialidade”, datado de 11.01.2006 (fls. 2122).

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196. Ainda assim, entendo que o Auditor deveria, ao menos, ter solicitado

esclarecimentos à Companhia e a seus assessores jurídicos a respeito da Tese da

Prescrição Societária (3 anos) e da evolução dos depósitos judiciais, conforme preceitua

o item (a) da NBC T 11.15.2.141.

197. A segunda falha identificada pela Acusação diz respeito ao estudo e à avaliação

do sistema contábil e dos controles internos da Brasil Telecom. No entanto, em relação a

este ponto, a Acusação se limita a apontar o suposto descumprimento da NBC T 11, sem

apresentar, no entanto, os elementos que indicariam a ausência de avaliação pelo Auditor

quanto aos controles internos da Companhia.

198. De todo modo, as informações constantes do relatório de inspeção, bem como

os papéis de trabalho da Deloitte revelam que teria sido conduzida avaliação quanto aos

controles internos da Companhia, ainda que, para o exercício de 2007, a carta comentário

elaborada pelo Auditor com sugestões para aprimoramento dos controles da Brasil

Telecom não apresente considerações a respeito dos procedimentos atinentes às ações

judiciais envolvendo os Planos de Expansão.

199. Já em relação ao exercício de 2008, o relatório de inspeção registra

especificamente que teria sido verificado pelo Auditor “que a companhia possui

atividades de controle devidamente implementadas e eficazes conforme testes de controle

efetuado por nós” (fls. 2553).

200. Por fim, a Acusação alega que não teria sido considerada pela Deloitte a

possibilidade de que fatos não relevantes pudessem se tornar relevantes ao longo dos

trabalhos de auditoria, em inobservância ao previsto na NBC T 11.6, aprovada pela

Resolução CFC 981/2003, segundo a qual:

11.6.1.7. O auditor independente deve considerar a possibilidade de

distorções de valores relativamente não relevante que, ao serem

acumulados, possam, no conjunto, produzir distorção relevante nas

demonstrações contábeis. Por exemplo, um erro na aplicação de um

procedimento de encerramento mensal pode ser um indicativo de uma

41 “11.15.2.1. Os eventos ou as condições que devem ser considerados na identificação da existência de

passivos não-registrados e de contingências para a avaliação de sua adequada apresentação nas

Demonstrações Contábeis são questões de direto conhecimento e, freqüentemente, objeto de controle da

administração da entidade e, portanto, seus administradores constituem-se em fonte primária de

informação sobre esses eventos ou essas condições. Dessa forma, os seguintes procedimentos devem ser

executados pelo Auditor Independente com respeito aos passivos não-registrados e às contingências: a)

indagar e discutir com a administração a respeito das políticas e dos procedimentos adotados para

identificar, avaliar e contabilizar e/ou divulgar os passivos não-registrados e as contingências (...)”.

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distorção relevante durante o exercício social, caso tal erro se repita

em cada um dos meses.

Indícios de erros repetitivos, mesmo não relevantes, individualmente,

podem indicar deficiência nos controles internos, requerendo ao auditor

independente o aprofundamento dos exames.

201. Também em relação a este ponto a área técnica não trouxe esclarecimentos

adicionais a respeito de quais seriam as distorções de valores não relevantes que, em

conjunto, teriam potencial para se tornar relevantes ao longo do trabalho de auditoria.

202. Em linha com o exposto em suas razões de defesa e considerando as informações

constantes do relatório de inspeção, não identifico qualquer distorção de valores apurada

pela Deloitte ao longo de seu trabalho de auditoria. Pelo contrário, em relação ao exercício

de 2008, o Auditor declarou expressamente não ter identificado diferenças materiais entre

as informações prestadas pelos escritórios de advocacia e os saldos contábeis

disponibilizados pela Companhia.

203. Ademais, os procedimentos adotados pelo Auditor teriam sido considerados

suficientes para mitigar o risco de não identificação de distorções relevantes.

204. Por estas razões, concluo pela responsabilização da Deloitte e de seu responsável

técnico tão somente pela inobservância do item (a) da NBC T 11.15.2.1, aprovada pela

Resolução CFC nº 1022/05, por ocasião da revisão das demonstrações financeiras da

Brasil Telecom relativas ao exercício de 2008.

V. CONCLUSÕES

205. No que diz respeito à dosimetria da penalidade a ser aplicada, considero, de um

lado, como circunstância atenuante, a ausência de antecedentes dos acusados42 e, de outro,

como circunstância agravante, o impacto que as falhas identificadas no tratamento

contábil conferido às Contingências Judiciais teriam na percepção dos participantes do

mercado acerca da real situação patrimonial da Brasil Telecom, com consequências no

valor das ações negociadas em bolsa de valores, especialmente considerando a

representatividade das ações judiciais envolvendo os Planos de Expansão.

42 Em relação à Deloitte, esclareço que há condenação anterior à penalidade de advertência no âmbito do

Processo Administrativo de Rito Sumário CVM nº RJ2000/03739, cujo recurso foi julgado pelo Colegiado

em 24.7.2001 e em definitivo pelo CRSFN em 28.8.2002. Não obstante, em vista do tempo decorrido desde

a referida decisão e em analogia à sistemática adotada para fins de reincidência, nos termos do art. 64 do

Código Penal, não considerarei a referida condenação na dosimetria da pena aplicada à Deloitte.

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206. Com relação à responsabilidade de Ricardo K., há que se ponderar, ainda, o fato

de tal administrador ter acompanhado as discussões envolvendo as Contingências

Judiciais desde 2005, quando ingressou na administração da Brasil Telecom, tendo,

portanto, melhor visibilidade sobre o tema.

207. Além disso, conforme exposto anteriormente neste voto, a diretoria jurídica –

responsável pela classificação de risco e mensuração destas demandas – se reportaria

diretamente ao diretor presidente, a quem caberia, em razão de sua posição na estrutura

administrativa da Companhia, acompanhar as decisões tomadas por diretoria não

estatutária a ele subordinada.

208. Considera-se, ainda, no que concerne à Deloitte e ao seu responsável técnico, o

fato de que, entre as irregularidades apontadas pela Acusação, somente em relação a uma

delas concluiu-se pela responsabilização dos acusados.

209. Por todo o exposto, com fundamento no art. 11 da Lei nº 6.385/76, voto:

(i) por acolher a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pela

Telemar Norte Leste S.A. em relação à acusação de embaraço à fiscalização,

descumprimento previsto no inciso II, do parágrafo único, do art. 1º da Instrução

CVM nº 491/2011;

(ii) pela absolvição de Alex Waldemar Zornig, na qualidade de diretor de

relações com investidores da Brasil Telecom, da acusação de embaraço à

fiscalização, descumprimento previsto no inciso II, do parágrafo único, do art. 1º

da Instrução CVM nº 491/2011;

(iii) pela absolvição de Charles Laganá Putz, na qualidade de diretor financeiro

da Brasil Telecom no exercício de 2006, da acusação de violação aos arts. 176,

caput, 177, §3º, e 153 da Lei nº 6.404/76, c/c itens 10 e 11(a) da Deliberação

CVM nº 489/2005;

(iv) pela condenação de Paulo Narcélio Simões do Amaral, na qualidade de

diretor financeiro da Brasil Telecom, à penalidade de multa pecuniária no

valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) pelo não reconhecimento contábil

de parte das Contingências Judiciais nas demonstrações financeiras dos

exercícios sociais findos em 31.12.2007 e 31.12.2008, em violação aos arts. 176,

caput, 177, §3º, e 153 da Lei nº 6.404/76, c/c itens 10 e 11(a) da Deliberação

CVM nº 489/2005;

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(v) pela condenação de Ricardo Knoepfelmacher, na qualidade de diretor

presidente da Brasil Telecom, à penalidade de multa pecuniária no valor de

R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) pelo não reconhecimento contábil de parte

das Contingências Judiciais nas demonstrações financeiras dos exercícios sociais

findos em 31.12.2007 e 31.12.2008, em violação aos arts. 176, caput, 177, §3º,

e 153 da Lei nº 6.404/76, c/c itens 10 e 11(a) da Deliberação CVM nº 489/2005;

(vi) pela condenação de Deloitte Touche Tohmatsu Auditores Independentes

à penalidade de multa pecuniária no valor de R$ 150.000,00 (cento e

cinquenta mil reais), por falha no trabalho de auditoria conduzido junto às

demonstrações financeiras da Brasil Telecom relativas ao exercício social findo

em 31.12.2008, em violação ao art. 20 da Instrução CVM nº 308/99, haja vista a

inobservância das disposições da NBC T 11.15, aprovada pela Resolução CFC

nº 1022/05; e

(vii) pela condenação de Marco Antonio Brandão Simurro, na qualidade de

responsável técnico da Deloitte, à penalidade de multa pecuniária no valor de

R$ 75.000,00 (setenta e cinto mil reais) por falha no trabalho de auditoria

conduzido junto às demonstrações financeiras da Brasil Telecom relativas ao

exercício social findo em 31.12.2008, em violação ao art. 20 da Instrução CVM

nº 308/99, haja vista a inobservância das disposições da NBC T 11.15, aprovada

pela Resolução CFC nº 1022/05.

É como voto.

Rio de Janeiro, 2 de julho de 2019.

Carlos Alberto Rebello Sobrinho

DIRETOR RELATOR