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    Jus Navigandihttp://jus.com.br

    Direitos sociais: normas programticas?http://jus.com.br/artigos/25285

    Publicado em 09/2013

    Eugnia Maria de Holanda Campos

    Com os novos pilares interpretativos, tem-se que a aplicabilidade dos direitos sociais no pode serembargada em face da reserva do possvel, ressaltando-se, assim, a importncia ao ativismo

    judicial.

    Resumo: O Estado Democrtico de direito foi inaugurado pela Constituio de 1988, consideradao marco jurdico que rompe com os sistemas de exceo. O esprito constitucional resgatou osistema federativo, a diviso dos poderes e o novo Estado de Direito, bem como a dignidade dapessoa humana, que concebida com um dos fundamentos da Repblica, norteia todo o ncleo

    jurisdicional. Conforme a tendncia contempornea, os direitos sociais, concebidos como

    verdadeiros direitos fundamentais erigidos categoria de clusulas ptreas, distanciam-se domodelo liberal e passam a exigir do Estado medidas que os corporifiquem. Nessa esteira econsiderando os novos pilares interpretativos, percebe-se que a aplicabilidade dos direitos sociaisno pode ser embargada em face da reserva do possvel. neste momento que se d importnciaao ativismo judicial que, no mais se contentando com a inrcia estatal, adotar os institutos darazoabilidade e da proporcionalidade para fazer cumprir os valores constitucionais.

    Palavras-chave: Dignidade da Pessoa Humana. Direitos Fundamentais Sociais. Efetivao.Ativismo Judicial. AplicabilidadeImediata.

    IntroduoA Constituio Federal de 1988 inaugura uma nova ordem jurdica na medida em que exalta osdireitos fundamentais e cria mecanismos com o propsito de nivelar as camadas populacionais,atendendo aos anseios da comunidade. Neste diapaso, o texo constitucional inovou concebendodireitos antes ligados economia como verdadeiros direitos fundamentais. Na realidade, o intuitoconstitucional foi eferecer ampla efetividade a esses direitos e promover aos cidado, ao menos, omnimo existencial.

    Tanto assim que o constituinte concebeu os direitos sociais como clsusulas ptreas e lhesoutorgou o mesmo status dos direitos e garantias individuais previstos no artigo 5, pargrafo1, da

    CF. bem verdade que o texto constitucional atribui valores, princpios e metas a seremperseguidos por todos. Contudo, deixou diversas lacunas, que, muitas vezes so interpretadascontrariamente ao esprito da lei maior.

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    Em virtude desses espaos, diversos so os bices efetivao dos direitos sociais. Dentre elesdestaca-se a reserva do possvel, realidade ftica que influencia a aplicabilidade do direito. Assim,sob a argumentao de que sua concretizao custa caro, o Estado permanece inerte.

    Entende-se que a reserva do possvel deve ser prontamente observada pelo Poder Pblico com ofito de conciliar os comandos constitucionais sociais com os recursos disponveis, e pelo PoderJudicirio, rgo competente para amenizar os impactos produzidos pelo supracitado fenmeno.Pautado no Princpio da dignidade da pessoa humana e no da Proporcionalidade, serve oJudicirio de parmetro indispensvel realizao da justia social.

    Com isso, o objetivo geral do presente estudo analisar a essncia e a aplicabilidade dos direitossociais, tomando conhecimento de suas formas de concretizao e, interconectar a dignidadehumana com a obrigao do Poder Pblico de proporcionar, pelo menos, o mnimo necessrio sobrevivncia condigna.

    Procuraremos responder, ao longo da leitura, diversos questionamentos, dentre eles: Qual aimportncia dos direitos fundamentais na ordem jurdica brasileira? Como os direitosfundamentais devem serconcebidos em face das dimenses? Qual a natureza dos direitos sociais

    no Estado Democrtico de Direito e como eles podem ser materializados?

    A justificativa do artigo deve-se a diversos fatores que impedem a aplicabilidade dos direitossociais. A escolha do tema est profundamente embutida na prpria condio do Brasil, pasemergente que mesmo diante de tantas misrias, desigualdades e discriminaes, permaneceausente. Dentre as diversas facetas apresentadas, sobrepe-se a deficincia na efetivao dosdireitos sociais.

    Em ltima anlise, neste contexto que o Brasil vivencia o dilema entre a aplicabilidade dosdireitos sociais e as reservas indisponveis para tanto.

    1.Os direitos fundamentais e seus aspectos histricos

    Inicialmente, de forma bastante tmida, as previses constitucionais refletiam os ideais individuais,florescendo no Egito e na Mesopotmia. Posteriormente, surge na Grcia a concepo deassegurar a igualdade e a liberdade do homem por meio de sua introduo na vida pblica.Contudo, foi em Roma que houve a implantao de um sistema cujo objetivo era a proteo dosdireitos individuais em razo das arbitrariedades estatais.

    Como bem anuncia Moraes (2005), atravs das teorias religiosas de que todos os homens soiguais perante a Deus sem qualquer tipo de discriminao, o Cristianismo promove os primeiros

    germes dos direitos fundamentais. Com o desenvolvimento das mquinas e, paralelamente, osurgimento de uma classe operria, logo foi possvel perceber a insuficincia das garantias formaisat ento existentes. O indivduo era considerado elemento secundrio, era apenas mais uma peaa propiciar o desenvolvimento da poca.

    Em meio a este cenrio, surge aMagna Charta Libertatum, na Inglaterra, fenmeno queinfluenciou sobremaneira os direitos fundamentais, instituindo o devido processo legal, aliberdade de locomoo e o acesso justia. OBill of Rights, com sua poltica restritiva frente aoEstado, foi um instrumento considervel para a estruturao dos direitos fundamentais.

    Ainda seguindo a linha de Moraes (2005), o pice do desenvolvimento dos direitos fundamentaisse deu com a Revoluo Norte-Americana, quando houve a Declarao dos Direitos de Virgnia, a

    independncia dos Estados Unidos e promulgao da Contituio Americana, tutelando aliberdade religiosa e de imprensa, alm de instituir a separao dos poderes e o devido processolegal.

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    Tambm como antecedente dos direitos fundamentais pode-se elencar a Declarao dos Direitosdo Homem e do Cidado que, enrraizada na Revoluo Francesa, proclama que o homem o fimde todas as coisas. Os socialistas, atravs do Manifesto Comunista, empreenderam severas crticasao regime liberal, possibilitando o surgimento de diversos documentos, como as Encclicas Papais,que despertaram para a realidade desumada construda sob a mxima explorao do trabalho pelocapital.

    luz dessa nova roupagem do cenrio mundial, as novas concepes foram voltando-se para afigura do homem, nico meio de reduzir as desigualdades produzidas pelo liberalismo. Nesseespectro, surge as constituies Mexicana e de Weimar, que apesar de concentrar um conjunto dedireitos sociais do homem, no romperam integralmente com o capitalismo, visto que aindarestringiam a participao do Estado na ordem econmica e social.

    Diante do ocorrido na Unio Sovitica, conforme relata Moraes (2005), faz-se necessrio realar aDeclarao dos Direitos do povo trabalhador e explorado que visava expandir o socialismo pelomundo e exterminar qualquer forma de explorao sob os trabalhadores. Embora com ideaisslidos, a declarao Sovitica no subsiste em face da Constituio de 1918, posteriormenteultrapassada pela constituio de 1936 que a supera, trazendo em seu bojo uma inovadora viso do

    homem sob os padres da moderna concepo socialista sovitica.

    nessa famigerada inquietao, e em meio as devastaes e runas ocasionadas pela segundaguerra mundial, que foi redigida a Declarao Universal dos Direitos do Homem, que, como oprprio nome j anuncia, declara, absolutamente, o homem como o valor supremo.

    Comparato (2005) testemunha com clareza que a Declarao Universal dos Direitos do Homemfoi o resultado de todas as lutas revolucionrias que se insurgiram contra o capitalismo burgus.Sob a gide dessa Carta de recomendaes o mundo voltou seus olhos para o homem, apreciandosua dignidade e estabelecendo que cada um tem seu prprio valor, apesar das diferenas, quedevem ser respeitadas e cultivadas em prol de um convcio social saudvel.

    Deste modo, ir de encontro a esses preceitos retroceder aos princpios do lucro e da explorao atodo custo, recuar diante das inovadoras transformaes que asseguram ao homem um mnimode dignidade, por em risco todo o Estado Democrtico de direito e a existncia humana.

    Exatamente por seu denso histrico e imenso valor que a conceituao do direitos fundamentaistorna-se complexa com bem assevera Tupinamb Nascimento (apudMORAES, 2005, p.22) aorelatar que no fcil a definio de direitos humanos, concluindo que qualquer tentativa poderesultar significado insatisfatrio e no traduzir para o leitor, a exatido, a especificidade decontedo e a abrangncia.

    Desse modo feliz a concepo da nova hermenutica ao apontar para um estado comprometido e

    limitado pela eficcia e efetividade dos direitos fundamentais. Tanto assim que no OrdenamentoJurdico brasileiro tais direitos recebem a mais slida rigidez ao serem consagrados, pelo art. 60, 4, da CF, como clusulas ptreas, estando a salvos do poder constituinte derivado e dasdesventuras legislativas.

    Com base em uma anlise valorada, entende-se que os direitos fundamentais representam osprincpios ideolgicos do Estado Brsileiro, so mandados de otimizao que norteiam toda aestrutura judicante. A sua dimenso no se exaure, propagam-se e renovam-se a cada diaacompanhando aos anseios da sociedade e, por isso, sua vigncia no se vincula apenas quilo queest sacramentado nas leis.

    Trata-se de situaes jurdicas sem os quais o homem no convive. Constituem-se na condio deexistncia e legitimidade do ordenamento jurdico na medida em que visam a conjugao deideiais de justia e isonomia com o fito de reduzir todas as formas de desigualdade,principalmente, as humanas.

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    2.Crtica teoria das geraes dos direitos fundamentais

    Os direitos fundamentais, desde a sua congrao nas primeiras constituies, sofreram intensasmudanas determinadas pelo contedo histrico em que se desenvolveram. Conforme alude Sarlet(2006), nesse cenrio que surge a trade das geraes. Como se bem sabe, os direitos

    fundamentais so herdeiros do regime liberal, mecanismo de defesa do homem em face dointervencionismo estatal. Assim, diz-se que os direitos de primeira gerao so de cunho negativo.Com o caminhar da sociedade os impactos gerados pela Revoluo Industrial revelam que osdireitos civis e polticos no eram suficientes para tutelar as desigualdades impostas, necessitandodo Estado para nivelar e promover a justia social. No se cuida mais, portanto, de liberdade de eperante o estado, e sim na liberdade por intermdio do estado (SARLET, 2006, p.57).

    nesta perpesctiva que direitos sociais como sade, moradia, previdncia, educao, trabalho eassistncia, tornaram-se imposies concretistas dirigidas ao Estado. Seguindo a lgica evolutiva,os direitos de terceira dimenso so os direitos de fraternidade e solidariedade, cujo diferencialreside no coletivo, no ncleo familiar. Sarlet (2006) pontifica que os direitos fraternos e solidrios

    foram postulados como resposta s atrocidades cometidas ao longo da histria, donde percebeu-sea necessidade de proteger no somente o indivduo, mas concomitantemente, a autodeterminaodos povos, o meio ambiente, a paz, bem como a qualidade de vida de forma globalizada.

    Sustentados pelo constitucionalista cearense Bonavides (2004), os direitos de quarta dimensoinclinam-se para a consecuo de uma sociedade mais justa composta pelo pluralismo e pordireitos informao e democracia direta. Sobre esta famosa trade das geraes, oportunas soas crticas proferidas por Lima (2003, online) em seu artigo, no qual analisa a teoria das geraes(ou mesmo dimenses) dos direitos fundamentais, e que servir de base aos enunciadosposteriores.

    O jurista Karel Vasak foi quem pela primeira vez proferiu a expresso gerao dos direitos do

    homem ao referir-se evoluo dos direitos humanos com base nos ideais de liberdade,igualdade e fraternidade defendidos na Revoluo Francesa. De acordo com ele, a primeiragerao contemplava os direitos civis e polticos. A segunda gerao abrangia os direitos sociaisbaseados na igualdade e, por fim, a terceira gerao representava os direitos fraternos e solidrios.

    Contudo, conforme Lima (2003, online), a teoria inicial das geraes, carregada de intensosvalores polticos e histricos, no se sustenta diante de uma profunda anlise crtica. Ocorre que aexpresso gerao de direitos tem sido censurada pela doutrina pois seu significado podetransmitir o entendimento de que uma gerao sucede outra, e assim, extintos estariam osdireitos de liberdades em face do surgimento dos direitos sociais. Do mesmo modo, a expressopode conduzir ideia de que uma gerao s pode ser reconhecida diante da suficiente solidez da

    anterior, acarretando demasiado prejuzo aos pases subdesenvolvidos, que ficariam represados emvirtude de nem ao menos alcanarem os direitos individuais.

    Sob este enfoque entende-se que a teoria contribui para a hierarquizao das geraes, realandoos direitos de primeira gerao e alijando a implementao dos direitos sociais bem como dosdireitos de solidariedade e fraternidade. Ainda, com veemncia, aduz Lima (2003, online) que estateoria peca quanto a veracidade histrica, desmistificando a tese de que os direitos fundamentaisseguiram sequenciadamente a trilogia francesa (liberdade, igualdade e fraternidade).

    No traduzindo puramente a verdade histrica, afirma-se que sempre o Estado liberal atuounegativamente, quando na verdade o mesmo, muitas vezes, agia positivamente na defesa dosideais burgueses. Ademais, vale mencionar que os direitos sociais, no plano internacional, foramcriados antes dos individuais, j que o caos deixado pela primeira guerra mundial primava pelaproteo do direito dos trabalhadores, o que se efetivou com a criao da OrganizaoInternacional do Trabalho (OIT), fundada antes da Organizae das Naes Unidas (ONU).

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    No Brasil, na Era Vargas, poca de exceo democrtica, houve preponderncia dos direitossociais se comparados aos direitos de reunio, de imprensa ou associao no Estado Novo. Este o mesmo caso da China e da Cuba que, ao vivenciarem o comunismo autoritrio, optaram porimplementar primeiramente os direitos sociais. Outro engano crucial desta teoria classificartodos os direitos de primeira gerao como negativos, e os de segunda gerao, absolutamenteprestacionais. Neste contexto, relata Lima (2003, p.9,online):

    Por isso, fundamental que se afaste essa equivocada dicotomia de que os direitos deliberdade so negativos, no onerosos, e que os direitos sociais so direitos aprestaes, onerosos. Essa falsa diviso afeta diretamente a teoria da aplicabilidadedas normas constitucionais, contribuindo para reforar a odiosa tese de que os direitossociais so meras normas programticas [...].

    Desmistificando essa teoria, necessrio que se analise o direito de propriedade. O mesmo possuicaractersticas negativas, j que o Estado deve respeit-lo e se abaster de confiscar. Contudo, agarantia do direito de propriedade no se satisfaz apenas com medidas absentestas, pois a suatutela requer investimentos em segurana pblica, elaborao de normas que regulem seu livreexerccio, bem como a instituio de meios que reprimam os eventuais violadores. Neste caso, a

    inercia estatal consistiria em grave violao ao direito de propriedade.

    Do mesmo modo ocorre com o direito sade, com o direito de greve e de sindicalizao e comos diversos direitos sociais que no demandam apenas medidas positivas por parte do Estado. Aorevs, vrias so as medidas negativas que asseguram esses direitos, como o respeito greve,quando deve o Estado atuar de forma inerte.

    Fato que todos os direitos se complementam e equivalem-se em essncia. Por isso que osdireitos fundamentais so indivisveis, superando a concepo de que so divididos em geraes.Exigem tratamento isonmico em razo de no haver hierarquia, mas to somente paridade. Dessamaneira, muito difcil desvincular o direito vida do direito sade, o direito de voto ao direito

    informao e assim sucessivamente.Diante de todas essas crticas proferidas, a expresso dimenso a mais adequada para expressartoda a conjuntura dos direitos fundamentais. Na realidade, o ideal que todos os direitos sejamanalisados em mltiplas dimenses, j que no se sucedem, apenas complementam-se.

    Neste espectro passa-se a examinar o direito sade. Inicialmente o direito sade possua mbitoestritamente individualista, cabendo ao Estado tutear apenas a vida do homem contra asadversidades cotidianas. Em um segundo momento deve o Estado expandir e socializar a sade,oferecendo instrumentos que garantam uma vida mais saudvel. A terceira dimenso rompe asfronteiras nacionais e obriga os Estados a ajudaram-se mutuamente. Indo mais alm, a quartadimenso prima pela implementao de um Sistema nico de Sade capaz de elevar a expectativade vida.

    Esta mesma anlise pode ser feita com todos os direitos fundamentais, visto que os mesmo devemser visto em uma seara multidimensional, desfazendo a ideia de que os direitos sociais so apenasnormas programas destitudas de exigibilidade e condicionadas vontade do legislador e doadministrador pblico.

    3 A Efetivao dos Direitos Sociais e seus bices

    Sabe-se que com o surgimento da nova hermenutica constitucional, ultrapassada a tese queconsidera que apenas os direitos individuais possuem statusconstitucional. Como bem se sabe, osdireitos sociais elencados no art. 6 do texto constitucional, possuem a finalidade de diminuir as

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    disparidades sociais e promover a dignidade da pessoa humana, logo, seria demasiado prejuzoque fossem relegados mera categoria de normas programas.

    Neste sentido, assevera Bonavides (2004) que a defesa dos direitos sociais eleva-se a extremadimenso, j que sua preservao e concretude contribuem diretamente para a sade doOrdenamento Jurdico. Assim, diante da relevncia jurdica que compem os direitos sociais, faz-se legtima a sua insero no mbito das clusulas ptreas.

    Incumbe esclarecer que no h nenhuma diferena entre os direitos individuais e os direitossociais, bem como no h nenhuma linha hierrquica ou nvel de escalonamentos que osdistingam. Ambos se complementam para assegurar a dignidade humana. Em lapidar definiopronuncia Bonavides (2004, p.643):

    Demais, uma linha de eticidade vincula os direitos sociais ao princpio constitucionalda dignidade da pessoa humana, o qual lhe serve de regra hermenutica! Urge, porconseguinte, interpretar tais direitos de um modo que se lhes reconhea o mesmoquadro de proteo e garantia aberto pelo constituinte em favor do contedo materialdo 4 do art. 60, ao qual eles pertencem pela universalidade mesma da expresso

    direitos e garantias individuais.

    Vislumbra-se, portanto, que as garantias sociais so parte do todo que compem a expressogarantias individuais, devendo ser reconhecidas como clusulas ptreas, com toda a proteo que aelas inerente.

    Outro aspecto relevante sobre os direitos sociais merece destaque. O art. 5, 1, da Constituiode 1988 reza que: As normas definidoras de direitos e garantias individuais tem aplicabilidadeimediata. Resta verificar se os direitos sociais so abrangidos pela expresso direitos e garantiasindividuais. Para tanto, cabvel que se trate da aplicabilidade das normas constitucionais.

    Em poca de exceo militar, em que se vivia o pice da ditadura militar no Brasil, Jos Afonso daSilva (apud LIMA, 2004, online), desenvolveu uma teoria que tratava da aplicabilidade dasnormas constitucionais. Estas foram classificadas quanto sua eficcia em plena, contida elimitada. Seriam normas de eficcia plena aquelas que produzem seus efeitos plenamente semnecessitar de regulamentao. Quanto s normas de eficcia contida entende-se que so as normasque produzem todos os seus efeitos momentaneamente, mas que, posteriormente, podem serrestringidas pelo legislador. Por fim as normas de eficcia limitada so aquelas atravs das quaiso legislador constituinte traa esquemas gerais de estruturao e atribuies de rgos, entidadesou institutos, para que o legislador ordinrio os estruture em definitivo, mediante lei.

    Esta teoria, para o tempo em que foi instituda, bastante louvvel e constitui intenso avanoconstitucional. No entanto, diante dos progressos conquistados pelo homem, e na medida em que

    no canaliza meios para combater a omisso do Estado, torna-se insuficiente, pois concebe asnormas de eficcia limitada como simples instrumento legislativo, somente produzindo efeitos namedida em que leis nelas previstas forem editadas.

    Na inteno de superar tal teoria, contemporaneamente, busca-se dar mxima eficcia s normasconstitucionais, sendo incontestvel que, diante da omisso estatal e da reserva do possvel, pode otitular do direito violado se socorrer do Poder Judicirio. Nesta seara nota-se que as normas deeficcia limitada adquirem novo status de aplicabilidade, ou seja, de normas programas passam,agora, a ser materialmente cumpridas, sendo direcionadas no apenas ao legislador, mas tambmao Judicirio. Conforme pondera Lima (2004, online) O Judicirio ser uma espcie decatalisador da vontade constitucional, antecipando-se ao legislador e ao administrador na busca da

    concretizao mxima dos objetivos traados na Constituio Federal.

    Em uma avaliao sistemtica e teleolgica, possvel estabelecer que no o fim da constituioexcluir do mbito de proteo do art. 5, 1 os direitos sociais, polticos e de nacionalidade.

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    Analisando os pilares, a estrutura e o esprito constitucional, possvel extrair que a Constituiovigente no faz diferena alguma entre os direitos individuais e sociais.

    Deste modo, luz de Sarlet (2006), entende-se que a expresso prevista no texto constitucionalteve apenas o intuito de enaltecer e fortalecer a dimenso dos direitos fundamentais. Em linhasgerais, a melhor forma de conceber o mandamento constitucional consider-lo em sua esferaprincipiolgica, que impe aos poderes estatais a obrigao de dar mxima eficcia aos direitosfundamentais.

    Contudo, esta mxima eficcia dos direitos fundamentais, notadamente quanto aos direitos sociais,deve ser analisada sobre o prisma da reserva do possvel. Os direitos sociais, como todo direitofundamental de cunho prestacional, exigem do Estado medidas efetivas para a sua implementao.Nesta seara o mundo ftico primordial, j que a obrigao prevista na norma depende de umaatuao do Estado a fim de modificar a situao jurdica.

    Destarte, um aspecto relevante quanto efetividade dos direitos sociais reside na disponibilidadede recursos materiais, ou seja, para assegurar a eficcia do direito previsto na norma, deve oEstado estar em posse de recursos e poder deles dispor. inegvel a importncia econmica para

    a aplicabilidade dos direitos sociais, j que demandam gastos vultosos. Contudo, faz-se necessrioelucidar a reserva do possvel sob a inexistncia total de recursos e a inexistncia desses recursosem razo de serem destinados a outros fins.

    Seguindo a linha de Olsen (2012), a Constituio trouxe expressamente em seu bojo a destinaocerta de alguns recursos auferidos pelo Estado, visando, precipuamente, o direcionamento destes implementao de determinadas polticas pblicas capazes de assegurar a efetivao de algunsdireitos sociais. Ademais, menciona, ainda, que h outros institutos que estabelecem finalidaderestrita aos recursos arrecadados, como por exemplo, o Fundo de Combate e erradicao dapobreza, que vincula sua dotao oramentria a programas relacionados reduo dasdesigualdades sociais.

    Vale lembrar que todos os direitos, sejam sociais ou individuais, demandam gastos pblicos paraserem efetivados. Assim, deve o Estado traar metas para proporcionar o livre exerccio dessesdireitos. o que aduz Canotilho (apudSARLET, 2006, p.302): Ao legislador compete, dentrodas reservas oramentais, dos planos econmicos e financeiros, das condies sociais do pas,garantir as prestaes integradoras dos direitos sociais, econmicos e culturais.

    importante esclarecer que a constituio, ao eleger alguns direitos como fundamentais, oscolocou como regras, restando reserva do possvel um papel secundrio. Desta feita, ao verificar,no caso concreto, que um direito ser restringido em face da reserva do possvel, primordial quese observe os parmetros de razoabilidade e proporcionalidade. Para Olsen (2012, p. 213): [...] osdireitos a prestao esto sujeitos reserva do possvel no sentido daquilo que o indivduo poderazoavelmente esperar da sociedade [...].

    Deduz-se que a reserva do possvel no absoluta, de modo que pondera de um lado a proibiodo exagero em realizar de forma irrestrita todos os direitos fundamentais e, de outra banda, aalegativa utilizada pelos poderes pblicos de que no h nada a se fazer diante da ausncia derecursos.

    Certo que deve haver uma conciliao entre o que dispem os direitos fundamentais sociais e adotao oramentria destinada a outros bens tutelados pelo direito. Necessrio se faz ponderar ofundamento de direito contido na norma e a disponibilidade de caixa disposio do poder estatal.

    Diante de todos os impedimentos que cercam a efetivao dos direitos sociais merece destaque,como outrora j mencionado, a parcialidade dos administradores pblicos em utilizar a reserva dopossvel como meio de o Estado se exonerar de suas obrigaes constitucionalmente postas.Verificando-se, muitas vezes, a inrcia estatal, faz-se necessrio que as novas interpretaes se

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    voltem para preencher essas lacunas com o objetivo de efetivar tais direitos. inevitvel, portanto,a atuao judiciria. Salutar so os ensinamentos de Sampaio Jnior (2008, p.99):

    No h como pensar em um pas que tenha positivado os direitos humanos,estabelecidos na Declarao Universal dos Direitos do Homem, trazendo-os agoracomo fundamentais, sem que se perquira sobre a imanente atuao do PoderJudicirio em todas as suas arenas, inclusive polticas, tudo com o escopo de tutelar osdireitos e assegurar aos cidados uma efetiva democracia. [...].

    Atualmente, com as mudanas de posies que regem a estrutura nacional, o Poder Judicirio orgo legtimo para atuar em defesa do bem-estar social. A judicializao deve ser compreendidacomo uma misso atribuda ao Judicirio com o fito de assegurar a aplicabilidade das normasconstitucionais.

    Reala-se ainda, que no Brasil h inmeros aspectos para que haja a concretizao do controlejurisdicional, tais como a separao harmnica dos poderes, o regime democrtico, as disparidadessociais e o uso da mquina a favor de interesses pessoais.

    Por todo o exposto, necessrio que exista uma conjuntura poltica, econmica e social slida eum Judicirio preparado para fazer cumprir a Constituio, resguardando os direitos fundamentaise colmatando as lacunas provenientes do legislativo e do Executivo.

    Concluso

    O novo Estado Social de Direito, fundado em pilares integradores, inclusivos e sociais e, ainda,baseado na dignidade da pessoa humana, no mais admite que os direitos sociais continuematrelados aos ideais neoliberais. Desse modo, a nova hermenutica se desprende das teoriasindividuais ao colocar o homem como destinatrio de todos os direitos e garantias fundamentais.

    neste espectro que se reala a magnitude dos direitos sociais, direitos estes conceituados comoinerentes pessoa humana, visto conter, em uma de suas facetas, o propsito de reduzir asdisparidades em todos os seus nveis. Assumem, hoje, papel preponderante frente sociedade poisvinculam o Estado s suas disposies, atribuindo-lhe a obrigao de adotar mecanismos queculminem em sua efetivao.

    Neste passo, e orientando-se conforme a moderna teoria das dimenses, no h razo para umtratamento discriminatrio entre os direitos individuais e os sociais, vez que a estes tambm foiatribudo o statusde clusulas ptreas, garantia do art. 60, 4 da CF. No obstante suaclassificao como clusulas ptreas, em decorrncia de sua estreita conexo com o direito a uma

    vida digna, os direitos sociais, possuem aplicabilidade direta e imediata (art. 5, 1, CF). Essaplenitude eficacial permite que a exigibilidade das normas sociais seja direcionada no apenas aolegislador, mas tambm ao Judicirio.

    Mesmo com toda a proteo atribuda pelo Ordenamento Jurdico aos direitos sociais, os mesmoainda encontram impedimentos sua concretizao. A reserva do possvel, conhecida como arealidade ftica que influencia a aplicabilidade do direito, um instrumento bastante utilizadocomo escusa estatal sob a alegativa de que no h como concretizar os comandos constitucionaissociais em virtude dos recursos indisponveis.

    Certo que o constituinte elegeu a concretizao dos direitos sociais como regra, restando reserva do possvel um papel secundrio. Desta feita, tal fenmeno no pode ser utilizado

    indiscriminadamente pelo Poder Estatal como meio de se exonerar de sua misso social. Contudo,mediante o caso concreto necessrio se faz utilizar os mecanismos extrados da proporcionalidade

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    e da razoabilidade a fim de que se pondere e concilie a eficcia dos direitos sociais com osrecursos disponveis.

    Assim, mediante a inrcia estatal frente aplicabilidade dos direito sociais, deve haver ainterveno de um Judicirio preparado para cumprir os mandamentos constitucionais. O ativismoJudicial um fenmeno que se traduz na misso atribuda ao Poder Judicirio de suprir as lacunasproporcionadas pelos Poderes Executivo e Legislativo. Na falta de vontade poltica, deve oJudicirio agir e fazer valer o verdadeiro esprito constitucional.

    Por fim, ratifique-se que as normas de direitos sociais so clusulas ptreas dotadas deaplicabilidade imediata, impondo ao Estado o dever de concretiz-las. Na falta de polticaspblicas que realmente assegurem o verdadeiro fim desses direitos, deve o Judicirio intervir erealizar a verdadeira justia social.

    Referncias

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    BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Atualizada ata emenda constitucional n.62, de 09.12.2009. So Paulo: Escala, 2010.

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    set.2010.______. Crtica teoria das geraes (ou mesmo dimenso) dos direitos fundamentais.JusNavegandi, Teresina, ano 8, n. 173, 26, dez. 2003. Disponvelem:. Acesso em: 21 set. 2010.

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    SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livrariados Advogados, 2006.

    Abstract: The democratic rule of law was established by the 1988 Constitution, considered the legal framework that

    breaks with the exception of systems. The constitutional spirit rescued the federal system, the division of powers and the

    new rule of law and the dignity of the human person, which is designed with a foundation of the Republic, guides the

    entire nucleus court. As the contemporary trend, social rights, designed as genuine fundamental rights erected the

    category of entrenchment clauses, distance themselves from the liberal model and will demand that the state steps

    embody. On this track, and considering the new interpretive pillars, it is clear that the applicability of social rights can

    not be choked in the face of the possible reserves. It is at this point that gives importance to judicial activism that, no

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    longer content with the inertia state, adopt the institutes of reasonableness and proportionality to enforce constitutional

    values??

    Key words:Dignity of the Human Person. Fundamental Social Rights.Effectiveness.Judicial

    Activism.Immediateapplicability.

    AutorEugnia Maria de Holanda Campos

    Engenheira Civil, Pedagoga, Bacharela em Direito com especializao em DireitoConstitucional e oficiala de justia do Tribunal de Justia do Estado do Cear.

    Informaes sobre o texto

    Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT):

    CAMPOS, Eugnia Maria de Holanda. Direitos sociais: normas programticas?. Jus Navigandi,Teresina, ano 18, n. 3726, 13set.2013. Disponvel em: . Acessoem: 16 set. 2013.

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