direitos reais apontamentos

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DIREITOS REAIS Registo Predial, Posse, Propriedade e Compropriedade Distinguir entre direitos reais como direitos subjectivos e como direito das coisas, este constante do Livro III, art. 1251º e ss do CC. Direitos reais de gozo - atribuem ao respectivo titular poderes de uso ou de fruição sobre uma coisa: propriedade, usufruto, uso e habitação, direito de superfície e servidões prediais. Direitos reais de garantia - caracterizam-se por atribuir ao seu titular uma situação de preferência na realização de um crédito à custa do valor de certa coisa. São eles a consignação de rendimentos, o penhor, a hipoteca, os privilégios creditórios e o direito de retenção. Direitos reais de aquisição - atribuem ao respectivo titular o poder (potestativo) de, mediante o seu exercício, adquirirem certo direito real sobre determinada coisa - 413º e 421º e direitos de preferência legal. Na concepção clássica, o direito real é entendido como o poder directo e imediato sobre uma coisa. De rejeitar, dado que os direitos reais envolvem, como todos os direitos subjectivos, uma relação entre pessoas, não com uma coisa. Segundo a concepção moderna ou personalista na relação jurídica real existe um poder absoluto, que a todos vincula, e a que corresponde, do lado passivo, o chamado dever geral de respeito, uma obrigação passiva universal. Ou, ao menos, oponibilidade erga omnes, segundo a qual o direito absoluto se caracteriza pela possibilidade de o fazer valer contra quem ameace interferir ou de facto interfira no seu exercício. As teorias mistas concebem o direito real como o poder de exigir de todos os outros uma atitude de respeito pela utilização da coisa em certos termos por parte do titular activo - M. Pinto. Os direitos reais são absolutos, erga omnes: Se o pacto de preferência (414º e ss) tiver eficácia meramente obrigacional, a venda da coisa por A a B, em violação do pacto de preferência entre A e C, não é afectada por este incumprimento; a venda de A a B mantém-se, é válida e eficaz: Apenas poderá haver obrigação de A indemnizar C. Mas se o pacto tiver eficácia real - 421º - então a venda efectuada por A a B, em violação do pacto, acabará por ver o seu efeito aquisitivo paralisado pelo direito de

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preferência de C, nos termos do art. 1410º do CC. O direito de B cede perante a preferência real de C.

A natureza real do direito de preferência de C está aqui bem expressa na característica dos direitos reais que é a absolutidade, traduzida na oponibilidade erga omnes.

Direito real é o poder jurídico absoluto, atribuído a uma pessoa determinada

para a realização de interesses jurídico-privados, mediante o aproveitamento imediato de utilidades de uma coisa corpórea.

Direitos reais e direitos de crédito

A teoria clássica, atenta a concepção de direito real e de crédito por ela perfilhados, colocava o acento tónico na diferente modalidade do bem sobre que recaía cada uma das correspondentes situações jurídicas: coisas, num caso, prestações, no outro. Para a doutrina moderna ou personalista ao direito real correspondia o dever geral de respeito, enquanto ao direito de crédito se contrapunha um dever específico, imposto a pessoas determinadas ou determináveis. Súmula: Os direitos reais têm natureza absoluta, no sentido de as faculdades conferidas ao seu titular serem oponíveis erga omnes. Característica também existente nos direitos de personalidade, mas naqueles verifica-se a inerência que se desenvolve na sequela e prevalência.

Inerência significa que o interesse do titular do direito real é realizado por ele, mediante o aproveitamento imediato de utilidades da própria coisa. E tem como corolário a inseparabilidade que significa não apenas que o direito real não se concebe sem a coisa que tem por objecto, mas ainda que aquela tem de existir, ser certa e determinada no momento da constituição do direito real - 1545º, nº 1 - servidões prediais.

Sequela

É a possibilidade de o direito real ser exercido sobre a coisa que constitui seu objecto, mesmo quando na posse ou detenção de outrem, acompanhando-a nas suas vicissitudes, onde quer que ela se encontre.

Manifesta-se na acção de reivindicação - 1311º; na possibilidade de o credor hipotecário fazer vender a coisa hipotecada (686º, hipoteca direito real de garantia), esteja ela no património do devedor ou de terceiro; ineficácia em relação ao titular de acto (venda de coisa alheia, arrendamento - 1024º, nº 2) praticado por quem não tem para tanto legitimidade.

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Limitações: - constituição de posse sobre móveis a favor de terceiro de boa fé,

- inoponibilidade da invalidade a terceiros de boa fé - 291º - e aquisição registral.

Prevalência Significa prioridade dos direitos reais sobre todos os direitos de crédito e sobre

todos os direitos reais de constituição posterior; Só faz sentido quando houver incompatibilidade de direitos sobre a mesma coisa.

Quando um direito real, mesmo de constituição posterior, conflitua com um direito de crédito, aquele tem mais-valia e prevalece sobre este, a menos que se trate de uma limitação aceite pelo titular do direito real que por ele deva ser respeitada. Assim, Se A se obriga a emprestar X a B, não pode invocar a prevalência do direito real para se libertar da obrigação, que deve respeitar. Se, porém, entretanto, A vender X a C, este não está obrigado a emprestá-la a B. Neste sentido, o direito real prevalece sobre o de crédito.

Tipicidade Nos direitos reais vigora o princípio da tipicidade ou do numerus clausus - 1306º - que impede os particulares de criarem, com eficácia real, situações jurídicas que não estejam como tal previstas na lei. Toda a restrição resultante de negócio jurídico que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional - 1306º, nº 1, in fine. A lei converte esse negócio, independentemente dos requisitos exigidos no art. 293º.

Publicidade Espontânea - a que, como os actos de posse, resulta da simples realidade das coisas, sem mais; funciona para móveis ou imóveis, mas é essencialmente para aqueles;

Provocada - a que deriva de uma actuação intencionalmente dirigida a dar a conhecer a terceiros uma certa situação jurídica e que se faz mediante a inscrição de certos factos em livros ou registos próprios, que são guardados ou conservados por um serviço público, as Conservatórias. Tem por objecto imóveis ou móveis registáveis. A publicidade espontânea é inerente à posse (1251º e 1262º) e dela retira a lei efeitos importantes, nomeadamente a presunção da titularidade do direito a que se dirigem os actos materiais de posse - 1268º, nº 1 - e defesa dessa situação de posse - 1278º, nº 1 - presunção juris tantum pois é permitida ao esbulhador ou perturbador a prova da titularidade do direito possuído. A presunção possessória e a correspondente tutela cedem sempre que o possuidor seja convencido na questão de titularidade do direito a que respeita a posse - 1268º, nº 1, 2ª parte.

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Não vigora no direito português o princípio posse vale título, como resulta do disposto no art. 1301º do CC, embora fique a cargo do proprietário a obrigação de restituir ao comprador de boa fé o preço por ele pago, com direito de regresso contra o autor do prejuízo.

A razão de ser do artigo 1301º do Código Civil radica na protecção do comércio, pois seria inadmissível que o comerciante vendedor tivesse necessidade de provar ou garantir que as coisas por si vendidas são realmente suas ou que o comprador se preocupasse com a eventualidade de não pertencerem ao vendedor as coisas, próprias do seu comércio.

No entanto, a protecção concedida cessa se a coisa saiu de posse do proprietário

reivindicante por meios fraudulentos, como acontece no caso de furto. Por desnecessidade de protecção do comércio, o regime previsto no artigo 1301º

do Código Civil não é aplicável às coisas móveis sujeitas a registo - BMJ 315-296.

Negócios jurídicos com eficácia real - A constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato. É a regra no nosso direito - 408º, nº 1, 879º, a), 954º, a) e 1317º, a).

Negócios reais quoad constitutionem - a traditio é elemento constitutivo destes

negócios, de que são exemplos o penhor (669º, nº 1), doação consensual de coisa móvel (art. 947.°, nº 2) que não depende de formalidade alguma quando acompanhada da tradição da coisa doada, que se o não for só pode ser feita por escrito (o escrito posterior não tem efeitos retroactivos, valendo apenas como renovação da celebração de negócio nulo Col. 99-IV-284), do mútuo (art. 1142º) e do depósito irregular (art.os 1205º e 1206°).

A eficácia constitutiva da posse, como fonte de aquisição de direitos reais, circunscreve-se à usucapião, embora seja importante como uma primeira linha de defesa do direito possuído.

Publicidade registral O art. 1º do C. R. Predial - o registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário - não nos dá ideia exacta da importância do registo que se não limita a esta apregoada função de publicidade. O registo tem implicações substantivas que vão muito para além desta função.

O registo predial português é público - está a cargo de serviços públicos. Os registos feitos em conservatórias incompetentes (deve ser efectuado o registo na Conservatória da situação dos prédios, nos termos do art. 19º do CRP) são inexistentes (14º, nº 1, a) - e real (não pessoal) - assenta num acto de registo que respeita aos prédios

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em si mesmos e não às pessoas que sejam titulares de direitos que os tenham por objecto. Os actos de registo que podem ser, quanto à sua eficácia, definitivos ou provisórios, assentam na requisição de registo, documento dirigido à Conservatória em que se formula o pedido do registo, acompanhado dos documentos que comprovam o facto a registar e que servem de título do acto a registar. Além de suportes documentais - fichas e diário - há, para efeitos de busca e consulta, ficheiros reais e pessoais (24º). No Diário registam-se, por ordem cronológica, os pedidos de registo e respectivos documentos (22º, al. a) - a apresentação - sendo fundamental respeitar a ordem de entrada pois é a ordem das apresentações que determina a prioridade do registo - 6º, nº 1, CRP. A descrição é o retrato escrito do prédio - 79º; consiste no acto de registo dirigido à identificação física, económica e fiscal de cada prédio. A descrição é feita numa ficha, por freguesia e em cada freguesia com um número de ordem privativo, constituído por cinco algarismos, a que se segue a data da apresentação. O prédio nº 20 duma freguesia, com apresentação pedida em 10 de Março de 1995, será descrito na ficha nº 00020/100395 - 82º, nº 1, a). Os averbamentos às descrições servem para alterar, completar ou rectificar os elementos delas constantes, devendo naturalmente neles ser feitas as menções relativas ao seu fim. Os averbamentos, além do seu número privativo, devem ter também o número e data da apresentação, quando dela dependam (cfr. art. 88º, nº l, e 89º do C. R. Predial). A Inscrição revela a situação jurídica do prédio - 91º, nº 1. Por isso respeitam sempre a uma descrição genérica ou subordinada - nº 2. A identificação da inscrição faz-se nos termos do art. 93º, mediante uma letra, seguida do número de ordem correspondente, e o número e data da apresentação. As letras são: G - para inscrição da aquisição ou reconhecimento de propriedade; C - " " de hipoteca e F - para as restantes. Os averbamentos à inscrição servem para completar, restringir ou actualizar uma inscrição já existente, devendo ser lançados na inscrição a que respeitam (n.os 1 e 4 do art. 100º).

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O registo pode ser definitivo ou provisório, sendo este por natureza ou por dúvidas (69º- recusa, 70º e 92). Caducidade - 6 meses, alargado o prazo nos casos do art. 92º, n.os 3 a 6. Princípios gerais Princípio da Instância - salvo nos casos previstos na lei, o registo deve ser pedido pelos interessados em impressos de modelo aprovado - 41º. Nos termos do art. 186ºA do C. Notariado, acrescentado pelo art. 2º do DL nº 410/99, de 15 de Outubro,

1 - Incumbe ao notário, a pedido dos interessados, preencher a requisição de registo em impresso de modelo aprovado e remetê-la à competente Conservatória do Registo Predial ou Comercial, acompanhada dos respectivos documentos e preparo. 2 - A requisição é preenchida imediatamente após a outorga da escritura publica e assinada pelos interessados e pelo notário. ... 6 - O regime previsto nos números anteriores é apenas aplicável aos actos a indicar em portaria do Ministro da Justiça. Por isso o CRP prevê, no seu art. 41ºA, a apresentação do pedido de registo pelo Notário.

Legitimidade registral - 36º. Ónus e não dever de registo.

Princípio da legalidade - 68º - actividade fiscalizadora do Conservador, com possibilidade de recusa - 69º. Princípio da tipicidade - não sendo, como parece não ser, taxativa a enumeração dos actos sujeitos a registo, como constam dos art. 2º e 3º, a tipicidade será apenas indirecta. Principio do trato sucessivo - 34º: o registo definitivo de aquisição de direitos ou de constituição de encargos por negócio jurídico só pode ter lugar se os bens que tais actos têm por objecto estiverem inscritos em nome de quem os transmite ou onera. Por aplicação deste princípio podemos apurar a história da situação jurídica desse bem, desde a primeira inscrição até ao momento da consulta. Justificação - 116º e ss, com a nova redacção dada pelo art. 3º do DL nº 273/01, de 3 de Outubro. Princípio da legitimação registral - 9º, nº 1 - Segundo este princípio, novo no registo português, não podem ser titulados actos jurídicos de que resulte a transmissão de direitos ou constituição de encargos sobre imóveis, sem que estes estejam definitivamente inscritos a favor de quem transmite ou constitui o encargo. Reforça o princípio do trato sucessivo. Princípio da prioridade - 6º - Prevalece o direito primeiramente inscrito sobre os que, relativamente aos mesmos bens, se lhe seguirem. quando incompatíveis. As

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hipotecas inscritas na mesma data concorrem entre si na proporção dos créditos que cada uma delas garante (n.° 2). Os registos provisórios convertidos em definitivos ou com reclamação ou recurso procedentes conservam a prioridade que tinham como provisórios ou da apresentação, respectivamente - nº 3 e 4.

Efeitos do registo predial

A fé pública registral é fruto do princípio da legalidade e efectiva-se mediante presunções registrais. Nos termos do art. 7º: I - o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe II - e pertence ao titular inscrito, nos precisos temos em que o registo o define. Estas presunções são ilidíveis, como resulta dos art. 8º, 3º, b) e 13º que admitem acções para extinção de registos por não corresponderem à realidade - 16º, a), desde que se peça o cancelamento do registo - 8º, nº 2 - e do art. 1268º, nº 1 - conflito de presunções possessória e registral. A Jurisprudência é unânime no sentido de que a presunção do art. 7º não abrange os elementos de identificação ou a composição (áreas) dos prédios - Col. STJ 97-II-126, 96-2-217 e 97-4-181 - porque tal depende de declaração dos titulares e não é verificado pelo Conservador. A - Efeitos substantivos - efeitos que vão para além da função de publicidade e resultam da tutela da confiança de quem com base no registo contrata. 1 - Registo (não) constitutivo - Porque os factos sujeitos a registo podem ser invocados inter partes ou seus herdeiros, ainda que não registados - 4º, nº 1 - só na hipoteca o registo é constitutivo - 4º, nº 2 e 687º CC. 2 - Registo enunciativo - o registo limita-se a enunciar, a dar conhecimento da existência do facto registado, nada de novo acrescentando no plano da relevância substantiva desse facto: posse, usucapião, prazo mais curto para aquisição por usucapião - 1295º e 1296º. 3 - Registo consolidativo - n.os 1 dos art. 4º e 5º. Não são terceiros para este efeito os terceiros não interessados ou estranhos, os que não invoquem uma situação jurídica incompatível com a que emerge do facto jurídico não registado: proprietário que não registou em acção de despejo contra o inquilino ou de indemnização por danos contra o vizinho. Também a tutela do art. 5º, nº 1, não abrange titulares de situações jurídicas incompatíveis como a) - adquirente posterior por facto também não registado, Se A vender, sucessivamente, o prédio X a B e a C, enquanto não houver registo a solução é a do direito substantivo: a venda a C é nula por falta de legitimidade do

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alienante que vendeu coisa alheia e ineficaz em relação a B - 408º, nº 1, 879º, al. a) e 892º. b) - adquirente posterior por facto registado, mas de má fé. Se C registar a sua aquisição antes de B mas souber da anterior venda de A a C, estando, pois, de má fé, não merece a tutela do registo pela simples razão de se não verificar um dos elementos constitutivos da confiança no registo. A. Varela - RLJ 118-308 e 316 e 127-23 e ss - dispensa a boa fé para conceder a este terceiro a tutela do registo, mas Carvalho Fernandes ensina que não pode merecer tutela quem se pretende aproveitar da realidade formal do registo em detrimento da realidade substancial, que conhece. Para este Professor, terceiros a quem não pode ser oposto um acto anterior não registado são apenas aqueles que, de boa fé, se mostram titulares de uma inscrição registral incompatível com o direito anteriormente adquirido ou constituído. Este requisito da boa fé do adquirente foi consagrado no AUJ de 18.5.99, mas o nº 4 do art. 5º do CRP, acrescentado pelo DL nº 533/99, de 11 de Dezembro, é omisso neste ponto. Sobre o conceito de terceiros veja-se o AUJ de 18.5.99, no DR IA, de 10.7.99, que alterou o anterior, de 20.5.97, já referido a propósito da penhora (garantia das obrigações) e do seguinte teor: Terceiros, para efeitos do disposto no nº 5 do CRP, são os adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa. Este conceito restrito foi consagrado no nº 4 do art. 5º do CRP: Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si. Questão que parece continuar em aberto é a de saber se a aquisição de direitos sobre uma coisa sem intervenção do seu proprietário - por penhora ou hipoteca judicial, por exemplo, seguida de aquisição no processo de execução - não é, apesar da interposição do tribunal ou da lei, aquisição do mesmo transmitente. É-o para A. Varela e H. Mesquita, na RLJ 127-20, citando Vaz Serra: Terceiros portanto, relativamente a determinada alienação, são não só aqueles que adquiram do mesmo alienante direitos incompatíveis, mas também aqueles cujos direitos, adquiridos ao abrigo da lei tenham esse alienante como sujeito passivo, ainda que ele não haja intervindo nos actos jurídicos (penhora, arresto, hipoteca judicial, etc.) de que tais direitos resultam.

Pronunciando-se especificamente sobre o acto da penhora, com vista à delimitação do conceito de terceiros para efeitos de registo, escreveu Vaz Serra:

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Terceiros, para efeitos de registo predial, são, em principio, os adquirentes de

direitos sobre a coisa incompatíveis entre si e procedentes do mesmo autor. Ora, pode dizer-se que se um prédio for comprado a determinado vendedor e for

penhorado em execução contra este vendedor, o comprador e o penhorante são terceiros: o penhorante é terceiro em relação à aquisição feita pelo comprador, e este é terceiro em relação à penhora, pois os direitos do comprador e do penhorante são incompatíveis entre si e derivam do mesmo autor.

A circunstância de a penhora não ser um acto de transmissão operado pelo

executado não impede que o penhorante obtenha um direito contra o executado, direito que pode considerar-se emanado deste, embora sem a sua intervenção. Do mesmo modo que, por ex., o credor com hipoteca legal ou judicial, apesar de não ter obtido o direito hipotecário por acto do dono da coisa hipotecada, é terceiro em relação a um credor com hipoteca voluntária sobre a mesma coisa, e este é terceiro em relação ao credor com hipoteca legal ou judicial sobre a coisa, também o penhorante é terceiro em relação ao adquirente contratual da coisa, e este é terceiro em relação ao penhorante dela.

A noção de terceiro em registo predial é a que resulta da função do registo, do fim tido em vista pela lei ao sujeitar o acto a registo: e, pretendendo a lei assegurar a terceiros que o mesmo autor não dispôs da coisa ou não a onerou senão nos termos que constarem do registo, esta intenção legal é aplicável também ao caso da penhora, já que o credor que faz penhorar a coisa carece de saber se esta se encontra, ou não, livre e na propriedade do executado»

Este entendimento é, sem sombra de dúvida, o que melhor se harmoniza com os

fins do registo e com as regras legais que estabelecem os efeitos dos actos que nele devem ser inscritos.

Conforme se declara no artigo 1º do respectivo Código, o registo predial visa

fundamentalmente, através da publicidade que dá à situação jurídica das coisas imóveis, conferir segurança ao comércio jurídico imobiliário.

Se A, inscrito no registo como proprietário de determinado prédio, o vende a B e

este não regista a aquisição, a lei protege aquele a quem A, apesar de, perante as regras do direito civil, nenhum direito ter já sobre o imóvel, faça uma nova venda, desde que o comprador registe o negócio aquisitivo em primeiro lugar. O Ac. do STJ, de 7.7.99, na Col. STJ 99-II-167, adiante referido, seguiu a doutrina de que o adquirente em venda judicial e o comprador particular têm o mesmo transmitente comum, o mesmo decidindo o Ac. do STJ de 14.1.2003, na Col. Jur. (STJ) 2003-I-19.

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Sobre esta matéria convém ler os Ac. na Col. 01-III-30 (Relação de Coimbra) e na Col. STJ 02-I-154, distribuídos a propósito das Garantias das Obrigações.

A doutrina corrente afasta a tutela registral do adquirente posterior mas que primeiro registou, fazendo aplicação analógica do art. 17º, nº 2, do C. R. Predial quando a aquisição do terceiro seja a título gratuito e ele esteja de má fé.

Decidiu a Relação de Coimbra - Col. 96-IV-34 - que só o terceiro adquirente de boa fé pode confiar na fé pública do registo.

Se o terceiro adquirente sabe que o registo está em desconformidade com a situação jurídica real, não pode confiar na presunção, sendo-lhe oponível o direito não registado - compra e venda de imóvel - por, tratando-se de contrato com eficácia real, ter efeitos erga omnes.

E o STJ - Col. STJ 96-III-104 - cópia - ensinou que o art. 291º, nº 2 do CC

encontra-se em vigor, por não ter sido revogado pelo C. Reg. Predial.

Assim, se a acção de declaração de nulidade ou anulação da compra e venda de imóveis, cuja aquisição foi inscrita no registo predial pela segunda adquirente, tiver sido registada antes de decorridos três anos sobre a conclusão de tal aquisição, os direitos desse adquirente (terceiro) não são reconhecidos, prevalecendo os do primeiro adquirente, ainda que o terceiro adquirente esteja de boa fé e a aquisição tenha sido a título oneroso, como era o caso do acórdão:

Em 22 de Setembro de 1983 a ré Maria dos Prazeres e seu cônjuge outorgaram com a autora uma escritura de compra e venda de lotes, de que aqueles foram transmitentes e esta adquirente. Esta não procedeu à inscrição da aquisição em seu nome no registo predial.

Em 22 de Abril de 1991 a mesma ré, já viúva, e os réus José Fernando e António

Francisco lograram inscrever os mesmos lotes em seus nomes, sem determinação de parte ou direito, no registo predial.

Em 5 de Junho de 1991 esses três réus e as rés Maria de Lurdes e Ana Maria

outorgaram com a ré Lopes de Carvalho & Filha, L.da, escritura em que aqueles declararam vender a esta os mesmos lotes de terreno, que esta declarou comprar-lhes.

Em 27 de Junho de 1991 foi inscrita no registo predial esta última aquisição, em

nome da derradeira ré. Em 25 de Novembro de 1991 a ora (Autora) recorrida Duarte, S. A., propôs a

presente acção, que veio a ser registada em 20 de Fevereiro de 1992.

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A escritura de 22 de Setembro de 1983 teve o efeito de transmitir o direito de propriedade sobre os lotes em causa dos alienantes (a primeira ré e seu marido) para a adquirente (a autora), por força do disposto nos artigos 408º, nº 1, e 879º, alínea a), do Código Civil.

Assim, quando intervieram na escritura de 5 de Junho de 1991, os cinco primeiros

réus procederam à venda de bens que já não lhes pertenciam, à venda de bens alheios, para a qual manifestamente careciam de legitimidade.

Consequentemente, esse contrato de compra e venda é nulo, de harmonia com o

prescrito no artigo 892º daquele Código. Acontece, porém, que a autora não curou de registar logo em seu nome a

aquisição dos dois lotes e, quando, mais tarde - segundo declarou - o pretendeu fazer, verificou que, após a data daquela primeira escritura, havia no registo predial duas inscrições daqueles lotes em nome de outras pessoas.

A aparente contradição entre o art. 291º, nº 2, do CC e os art. 5º, nº 1 e 1º, nº 2, do CRP foi assim resolvida:

A solução foi apontada por Mota Pinto nestes termos: No actual Código Civil o problema da oponibilidade da nulidade e anulabilidade

a terceiros foi resolvido de forma original, através de um sistema de compromisso entre os interesses que estão na base da invalidade e os interesses legítimos de terceiros e do tráfico. Em princípio, tais formas de invalidade são oponíveis a terceiros, salvo o caso especial da simulação, que é inoponível a terceiros de boa fé (artigo 243º).

Em nome da protecção dos legítimos interesses de terceiros e dos interesses do

tráfico jurídico estabeleceu-se, contudo, que a (acção de) declaração de nulidade ou a anulação do negócio respeitante a bens sujeitos a registo, se não for proposta e registada nos três anos posteriores à conclusão do negócio, é inoponível a terceiros de boa fé, adquirentes, a título oneroso, de direitos sobre os mesmos bens (cfr. artigo 291º

Daqui decorre, logicamente, que, tendo a acção que vise aquela declaração

de nulidade ou anulação sido registada antes de se concluírem os três anos subsequentes à conclusão do negócio nulo ou anulável, essa declaração já é oponível a terceiros, ainda que de boa fé, adquirentes, a título oneroso, de direitos sobre os mesmos bens.

É esta também a lição de Antunes Varela: «De acordo com a solução decorrente

dessa disposição» (o artigo 291º do Código Civil), «os efeitos extintivos característicos da nulidade ou anulação (do contrato) mantêm-se plenamente durante os três anos posteriores à conclusão do negócio impugnado, desde que a acção, estando sujeita a registo, seja efectivamente registada.

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Passado, no entanto, esse período de defeso cerrado, se o contrato nulo ou anulado respeitar a bens imóveis (ou a móveis sujeitos a registo) e esses bens tiverem sido alienados ou onerados a favor de terceiro, que tenha registado a sua aquisição, os efeitos da nulidade ou da anulação podem ter que ceder perante o direito do terceiro adquirente. Bastará para tal que o registo da aquisição de terceiro seja anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação, que a aquisição tenha sido a título oneroso e que o adquirente tenha agido de boa fé.»

Regressando ao caso sob recurso, verificamos que a venda nula (art. 892º CC) foi

realizada através da escritura de 5 de Junho de 1991 (data, portanto, da conclusão do respectivo negócio) e que a acção para declaração da sua nulidade foi registada em 20 de Fevereiro de 1992, antes de decorridos três anos sobre aquela data.

Consequentemente, por aplicação do artigo 291º, nº 2, os direitos da

recorrente (que comprou depois mas registou) aos indicados lotes não são reconhecidos, prevalecendo a aquisição deles feita pela autora.

De negócio inválido, mas com registo prioritário e de boa fé resulta a tutela de terceiro e atribuição a negócio inválido de eficácia que ele não tinha assegurada segundo o direito substantivo. É o registo no seu efeito aquisitivo.

4 - Registo aquisitivo: a aquisição tabular - 291º, nº 2, CC e 17º, nº 2,

CRPredial: enquanto o art. 291º, nº 2 dispõe que a tutela dos direitos de terceiros não tem lugar se a acção de invalidação do primeiro negócio «for proposta e registada dentro dos três anos posteriores» à sua conclusão, aquelas normas do registo predial tutelam a situação registral do terceiro sem qualquer limitação temporal. Sobre a conjugação destes preceitos convém ler o Ac do STJ acima indicado e pág. 104 a 109 do CRP anotado, de Isabel Pereira Mendes, 7ª ed. Almedina, 1995 e a RLJ 118-307 e ss que em parte (pág. 310) se transcreve: A inscrição do acto no registo não defende o adquirente, ao invés do que sucede no direito alemão, contra os efeitos da destruição provocada pela nulidade ou anulação do contrato, nem sequer contra os efeitos da destruição em cascata desencadeada pela nulidade ou anulação de qualquer contrato de alienação ou oneração anterior.

Nenhuma disposição se encontra, com efeito, seja nas regras comuns da lei civil, seja entre as normas específicas do registo predial (do registo de navios, de automóveis ou de aviões), que, em nome do princípio da abstracção ou da autonomia do negócio, acautele o titular do direito inscrito nos livros das conservatórias do registo contra os efeitos próprios da nulidade ou da anulação do acto que serve de base ou pressuposto à inscrição.

A própria disposição inovadora e original contida no artigo 291º do Código Civil

confirma a orientação tradicional do sistema lusitano, embora tenha limitado no tempo o

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preito de vassalagem rendido pelo registo predial ao poder destrutivo das causas de nulidade ou anulação do negócio

De acordo com a solução decorrente dessa disposição, os efeitos extintivos

característicos da nulidade ou anulação (do contrato) mantêm-se plenamente durante os três anos posteriores à conclusão do negócio impugnado, desde que a acção, estando sujeita a registo, seja efectivamente registada. Passado, no entanto, esse período de defeso cerrado, se o contrato nulo ou anulado respeitar a bens imóveis (ou a móveis sujeitos a registo) e esses bens tiverem sido alienados ou onerados a favor de terceiro, que tenha registado a sua aquisição, os efeitos da nulidade ou da anulação podem ter que ceder perante o direito do terceiro adquirente. Bastará para tal que o registo da aquisição de terceiro seja anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação, que a aquisição tenha sido a título oneroso, e que o adquirente tenha agido de boa fé.

A nova disciplina instituída pelo artigo 291º do Código Civil pode ser assim

retratada sob um duplo prisma de observação. Por um lado, a disposição legal confirma a falta de valor constitutivo (autónomo)

do registo, na medida em que durante os três anos posteriores à conclusão de qualquer contrato não defende o titular do direito formalmente inscrito nos livros do registo predial contra os efeitos da nulidade ou da anulação do contrato que tenha servido de pressuposto à sua aquisição.

A vendeu em 1986 certo prédio a B, que por sua vez o vendeu no mesmo ano ou

posteriormente a C, tendo B e C registado as suas compras. Se A vier entretanto, depois da compra de C, requerer fundadamente a

declaração de nulidade ou a anulação da venda efectuada a B e registar a acção, nem B nem C poderão opor-se à eficácia real e retroactiva da nulidade ou da anulação, se A tiver proposto a acção dentro dos três anos posteriores à data em que, no ano de 1986, vendeu a B o imóvel.

De nada valerá a C ou a B, durante esse período negro da eficácia da nulidade ou

da anulação requerida por A, a alegação de terem agido de boa fé ou de a sua aquisição se ter efectuado a título oneroso.

Por outro lado, o novo preceito legal representa uma primeira e significativa con-

quista do registo contra o regime tradicional da nulidade e da anulação, na medida em que permite ao titular da inscrição efectuada no registo, embora só a partir de certo período posterior à conclusão do contrato nulo ou anulável, fazer prevalecer o seu direito (real) referente ao imóvel ou ao móvel sujeito a registo sobre o direito, relativo à mesma coisa, do beneficiário da nulidade ou anulação. O disposto nos art. 408º, nº 1, do CC e no art. 5º, nº 1, do CRP conciliar-se-ia, de acordo com o ensinamento do Prof. Varela (RLJ 118-315) da seguinte forma:

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Nos contratos de alienação ou de oneração de coisa determinada, a constituição ou a transferência do direito real opera-se por meio do contrato, salvo (além de outros casos previstos na lei) quando se trate de coisas imóveis ou de móveis sujeitos a registo.

Neste caso, a constituição ou a transferência do direito real dá-se ainda por mero efeito do contrato entre as partes ou seus herdeiros; todavia, em face de terceiros, a constituição ou transferência do direito real apenas se verifica a partir da data do registo (art. 5º, n.° l, do Cód. Reg. Predial).

No caso de duas ou mais pessoas terem adquirido do mesmo transmitente direitos

incompatíveis, prevalecerá o direito que primeiro for levado ao registo (critério da prioridade do registo) e não o correspondente ao contrato de alienação ou oneração mais antigo.

Notar-se-á que em 20 de Maio de 1997 o Pleno do STJ proferira AUJ, no BMJ

467-88 que consagrou um conceito amplo de terceiros e deu mais força ao Registo Predial quando estabeleceu que Terceiros, para efeitos de registo predial, são todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito ser arredado por um qualquer facto, jurídico anterior não registado, ou registado posteriormente. Este AUJ foi alterado pelo de 18 de Maio de 1999, acima referido. Apesar dele, o STJ - Col. 99-II-164 (Cópia antes distribuída) - decidiu, em 7.7.99, que

I - A exigência de em acção de reivindicação ser feita pelo autor a prova de ter havido uma aquisição originária do direito de propriedade ou uma ou várias aquisições derivadas que formem uma cadeia ininterrupta a terminar numa aquisição originária do mesmo direito, vale para os casos em que o proprietário se limita a pedir a declaração de que é dono.

II - A articulação entre esta exigência de prova de uma aquisição originária a fundamentar a existência do direito de propriedade invocado, por um lado, e a força da presunção resultante da inscrição registral de aquisição, por outro, faz-se no sentido de que a dita inscrição registral dispensa o seu titular de provar a aquisição originária bem como a eventual cadeia de aquisições derivadas anteriores à aquisição que conseguiu fazer inscrever.

III - No acórdão uniformizador proferido pelo STJ em 18/05/99 consagrou-se a orientação segundo a qual a inoponibilidade de direitos a um terceiro, para efeitos de registo predial, pressupõe que ambos os direitos advenham de um mesmo transmitente comum, excluindo-se os casos em que o direito em conflito com o direito não inscrito deriva de uma diligência judicial, seja ela arresto, penhora ou hipoteca judicial.

IV - Na venda executiva o executado é substituído no acto da venda pelo juiz enquanto órgão do Estado, gerando-se uma aquisição derivada em que o executado é o transmitente.

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V - Por isso, ao adquirente em venda judicial não pode ser oposta, apesar daquele acórdão uniformizador, uma transmissão anteriormente feita pelo executado a favor de uma outra pessoa que a não fez inscrever oportunamente no registo predial.

VI - Aquele que adquiriu um direito de propriedade e omitiu o registo do negócio aquisitivo, não podendo opor esse direito aos terceiros protegidos pelo registo, também não pode invocar perante os mesmos terceiros, para efeitos de afastar a prevalência do direito destes, a posse do alienante, sob pena da regra da inoponibilidade por falta de registo não ter, na prática, qualquer eficácia.

Conclusão: ao adquirente em venda judicial não pode ser oposta, apesar daquele acórdão uniformizador, uma transmissão anteriormente feita pelo executado a favor de uma outra pessoa que a não fez inscrever oportunamente no registo predial, nem este adquirente que não registou pode somar à sua a posse do alienante para poder invocar em seu favor a usucapião. E a presunção da titularidade do direito resultante da posse (art. 1268º, nº 1) é ilidível e foi ilidida pela prova da titularidade do direito de propriedade.

Em sentido contrário, com dois votos de vencido, decidiu o STJ (referido Ac. na

Col. STJ 2002-I-154) que o adquirente não registante pode invocar a posse do seu antecessor para afastar a prevalência do adquirente que registou a aquisição.

POSSE - 1251º a 1301º Regras gerais - 1251º a 1257º

Dizia Ihering, citado por Manuel Rodrigues, que a propriedade sem a posse é um tesouro sem a chave para o abrir, uma árvore frutífera sem a escada necessária para lhe colher os frutos. Sem a possibilidade de exercer os poderes em que se analisam, de que serviria ao proprietário o seu direito de propriedade, ao usufrutuário o seu direito de usufruto? Conceito - 1251º - Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.

A posse, como todos sabem, é o poder que se manifesta quando alguém actua sobre uma coisa por forma correspondente ao exercício de determinado direito real (corpus) e o faz com a intenção de agir como titular desse direito (animus).

Por detrás da actuação do possuidor pode não haver qualquer direito que a

legitime ou justifique, traduzindo-se a posse numa simples situação de facto, a que a ordem jurídica, todavia, reconhece vários efeitos, que podem consistir, quando a situação possessória se prolongue por certo período de tempo, na sua conversão ou transformação numa situação jurídica definitiva, pela via da usucapião. Fala-se, a tal respeito, em posse formal ou ius possessionis.

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Em regra, porém, o possuidor tem também a titularidade do direito que exerce possessoriamente. É a chamada posse causal ou ius possidendi.

Nesta segunda modalidade, a posse é apenas o lado material ou exterior de

determinado direito - a sua face concreta ou a sua expressão no plano da realidade física. Dito de outro modo, a posse causal é o direito em acção.

Se alguém que tenha apenas uma posse formal alienar o direito correspondente à

sua actuação possessória, como se dele fosse titular, o beneficiário da alienação (comprador, donatário, permutante, etc.) nada adquire por mero efeito do negócio por-que se trata de uma aquisição derivada e ninguém pode transmitir direitos que lhe não pertençam (nemo plus iuris in alium transferre potest quam ipse habet).

Para que a transmissão se opere validamente, é necessário que o transmitente seja

titular do direito que constitui o objecto do negócio - RLJ 127-26. Segundo P. Lima e A. Varela, o Cód. actual regressou aos princípios romanistas que

só em casos muito contados abrangiam a posse de direitos. Daí que estes Autores não admitam a posse do direito de propriedade intelectual ou industrial (a R.ão do Porto - Col. 01-V-199 - decidiu que não pode adquirir-se por usucapião a propriedade de marcas comerciais ou industriais) mas apenas da propriedade que incide sobre coisas corpóreas (III, pág. 2 e ss).

A posse de herança só poderá exercer-se em relação a bens herdados concretos, pois sendo a herança uma universalidade de coisas, direitos e obrigações não é susceptível de posse como tal. Ver 1255º. Também não haverá posse dos direitos reais de garantia: se estes direitos fossem susceptíveis de posse, não teria o legislador necessidade de conferir tutela possessória ao penhor e ao direito de retenção, como acontece com os art. 670º, a), 758º e 759º, 3, CC.

Porque na hipoteca e na consignação de rendimentos os bens sujeitos a estas garantias não estão em poder do credor, não atribuiu a lei a estes credores qualquer forma de tutela possessória.- Ib., 4, citando H. Mesquita.

As coisa do domínio público são insusceptíveis de posse pelos particulares, estão fora do comércio, e o Estado defende-as com os seus poderes de polícia. A posse é um instituto de direito privado. Mas no rigor dos princípios nada obsta à posse de coisas do domínio privado do Estado, como aconteceu na tentativa de usucapião pela C.M. Mirandela em relação ao Paço dos Távoras onde funcionam os Paços do Concelho - Relação Porto, 88-II -196. Outros casos veremos a propósito da usucapião. A posse é um direito real porque confere poder sobre uma coisa; é hereditável (1255º), alienável (1256º) e registrável (1294º e 1295º; 2º, 1, al. e), C. R. Predial). A lei concede ao possuidor a tutela possessória - 1276º e ss - .

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Mas é um direito real provisório: Tutela-se a posse de ano e dia (1267º, d)), mas apenas enquanto não aparecer alguém a demonstrar a titularidade do direito correspondente, ou o direito real pleno que é a propriedade - 1278º, 1. Como decidiu o STJ (Conselheiro Silva Paixão) em 8.5.2001, na Col. STJ 01-II-57

I - A posse é protegida apenas por se presumir que, por detrás dela, existe na titularidade do possuidor o direito real correspondente.

II - Penhorado um imóvel de sociedade comercial em execução fiscal contra ela movida, mesmo que o bem seja entregue a um gerente da executada como depositário, cessou a posse daquela, sendo o depositário possuidor em nome alheio, já que o imóvel fica à ordem do tribunal.

III - Vendido o prédio por propostas em carta fechada e passado o respectivo título de transmissão ao adquirente, transfere-se para este o direito de propriedade, entrando na posse do prédio como consequência directa e imediata da aquisição. Tem sido muito discutido saber se o estabelecimento é susceptível de posse e de defesa possessória. Só a nível do STJ pode indicar-se em sentido negativo - BMJ 348-384 e aí citados, com a seguinte justificação: como unidade jurídica o estabelecimento comercial não é objecto de posse, por não ser possível dissociar todos os elementos que o integram, os mais heterogéneos, desde as mercadorias ao aviamento e, acrescentamos nós, à própria «loja» onde o comerciante exerce a sua actividade.

No mesmo Boletim, pág. 116, vem publicado Parecer da PGR que concluiu pela impossibilidade de penhor sobre estabelecimento – Perante os preceitos dos art. 666º e ss, do CC vigente, não é admissível a constituição de penhor sobre um estabelecimento hoteleiro - , mas com douto voto de vencido e apoiado na doutrina dominante, de que se destaca:

Ora, como ensina Orlando de Carvalho, às coisas stricto sensu não pertencem só

as coisas físicas ou coisas corpóreas, mas igualmente as coisas incorpóreas, designadamente os objectos da propriedade autoral e industrial e o estabelecimento ou empresa mercantil (que, aliás, tem uma incorporalidade sui generis)» (Direito das coisas, 1977, págs. 189 e segs.). Daí que, para este Autor, apesar de o artigo 1302º do Código declarar que «só as coisas corpóreas, móveis ou imóveis, podem ser objecto do direito de propriedade regulado neste Código», há que lembrar que, para além de existir propriedade para além da contemplada no Código (propriedade intelectual, cfr. o artigo 1303º), «outras coisas incorpóreas, presumivelmente não abrangidas em uma tal disposição porque até hoje não objecto de legislação especial, como é o caso do estabelecimento mercantil, são passíveis de verdadeira propriedade - ou de verdadeiro domínio, se se prefere - propriedade a reger, enquanto outras normas não haja, tanto quanto possível pelo que o Código estatui (com as adaptações exigidas, evidentemente, pelo seu carácter incorpóreo sui generis). De resto, a restrição do artigo 1302º valeria, se valesse (e cremos demonstrado que não), apenas para o direito de propriedade: não já assim para o usufruto (artigo 1439º: «uma coisa ou direito alheio»), para o penhor (artigo 666º: «coisa móvel», «valor de créditos ou outros direitos») (...). Que ao falar-se de «coisa»

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se fala aqui, não só de toda a coisa em sentido estrito, e, portanto, também das coisas incorpóreas, mas mesmo de coisa em sentido amplo e, portanto, dos próprios direitos (quando susceptíveis de coisificação, obviamente), é algo tão líquido quanto o envolver-se o estabelecimento mercantil naquele grupo de coisas stricto sensu (visto não ser um direito, como é sabido). Nem de outro modo se entendiam disposições, como as dos artigos 94º, 3, 1118º, 1682º, 3 (1682ºA, nº 1, al. b), e 1938º, f), que postulam o estabelecimento como um objecto passível de alienação e oneração como qualquer espécie de coisas» (últ. ob. cit., págs. 191 e segs.). {Não deixa, por isso, de admirar que Luís Brito Correia, depois de afirmar que o estabelecimento é uma coisa «sui generis» (Direito Comercial, vol. III, 1983/84, pág. 36), conclua que só pode ser objecto de penhor relativamente ás coisas móveis que o integrem (ob. cit., págs. 62 e seg.), parecendo, assim, excluir o penhor do próprio estabelecimento).

Mais não é preciso adiantar para fundamentar a opinião de que o direito vigente

permite o penhor de estabelecimento mercantil, instituto gerado na prática, aplaudido pela doutrina e aceite pela jurisprudência como uma forma relevante de recurso ao crédito sobretudo por parte dos pequenos e médios empresários, lamentavelmente esquecido pelo legislador até aos nossos dias (mais uma tentativa fruste de obviar à sua falta consistiu na recente introdução da «hipoteca de fábricas», que o Código Civil de Seabra já previa, no artigo 691º do Código actual, pelo Decreto-Lei nº 225/84, de 6 de Julho, mas nem por isso ignorado pela mesma prática que o gerou). Em sentido algo diferente, parecendo admitir a usucapião de estabelecimento quando nele se escreve: Assim, não sendo titulada a posse invocada pelo autor, e apenas conduzindo à usucapião a posse sem título quando dure seis anos (artigo 1299º do Código Civil) - bem se decidiu nas instâncias ao julgar-se improcedente a acção com a consequente absolvição do pedido, o BMJ 353-469. Em sentido afirmativo vai boa parte da doutrina, como referido em nota a este Ac. e na Col. 96-I-238 e IV-122. Em acórdão de 15.6.2000 - Col. STJ 2000-II-115 - decidiu-se que, embora seja possível a defesa possessória do estabelecimento comercial, a usucapião só pode funcionar perante os elementos corpóreos do estabelecimento e não sobre os seus elementos incorpóreos, como o direito de arrendamento.

Parece-me que apesar da natureza do estabelecimento, porque ele pode ser comprado e vendido (trespasse) e penhorado - o art. 862ºA CPC diz precisamente como se faz a penhora de estabelecimento, sendo que a penhora não é mais que o desapossamento - 848º CPC -, a apreensão do bem para posterior venda - deve ser admitida a posse e defesa possessória do estabelecimento, nomeadamente pelos antigos embargos de terceiro que deixaram de ser meio de defesa só da posse para passarem a sê-lo também de qualquer direito incompatível com a realização ou âmbito da diligência ordenada judicialmente - 351º, 1, CPC.

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Idêntica discussão se passa com a possibilidade de posse de quota de sociedade, ou de acções de S.A. ou outras participações sociais, com possibilidade ou não de usucapião. Vimos, a propósito do penhor, que no Parecer na Col. 96-II-5 e ss, N. Serens e O. Carvalho defendem o penhor; P. Carlos, Parecer na Col. 83-I -7, escreve expressamente que O dono de uma quota de uma sociedade por quotas é seu possuidor, com « corpus» e «animus», e, por isso, pode deduzir embargos de terceiro contra a respectiva penhora em execução movida contra outra pessoa. Em sentido contrário, Parecer de A. Varela, na Col. STJ 93-I-265, e BMJ 421-450, com voto de vencido. O STJ admitiu a defesa por embargos de terceiro de acções de S.A. por entender que a acção é um título de crédito com algo de corpóreo, no BMJ 334-430. Segundo a doutrina tradicional, a posse é constituída por corpus - ou poder de facto, o exercício, a prática ou possibilidade de prática de actos materiais, externos, virados para o exterior, visíveis por toda a gente; e pelo animus, elemento psicológico, vontade, intenção de agir como titular do direito real correspondente aos actos materiais praticados. Embora não expressamente dito na lei, é pelo animus que se distingue as situações de posse verdadeira e própria das de mera detenção - 1253º - tal como é pelo animus que se sabe que direito é possuído. Os actos correspondentes ao direito de propriedade, ao usufruto, à servidão, dão direito à usucapião desse direito possuído -1251º e 1287º- tantum praescriptum quantum possessum, mas só se sabe se o possuidor possui como proprietário, como usufrutuário, se actua por forma correspondente ao direito de propriedade, de usufruto, de servidão, de acordo com o respectivo animus.

Presunções: 1252º, 1254º, 1257º e 1268º O acto de aquisição da posse que releva para a usucapião terá de conter os dois elementos definidores do conceito de posse: o corpus e o animus. Se só o primeiro se preenche, verifica-se uma situação de detenção, insusceptível de conduzir à dominialidade, à aquisição do direito de propriedade. Por ser difícil, se não impossível, fazer a prova da posse em nome próprio, que não seja coincidente com a prova do direito aparente, estabelece o n.° 2 do artigo 1252º, como já o fazia o § 1º do artigo 481º do Código de 1867, uma presunção de posse em nome próprio por parte daquele que exerce o poder de facto, ou seja, daquele que tem a detenção da coisa (corpus).

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Porque a posse tanto pode ser exercida pessoalmente como por intermédio de outrem - 1252º - e se mantém enquanto durar a actuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de continuar essa actuação (1257º, nº 1), sentiu a lei necessidade de estabelecer as presunções do nº 2 dos art. 1252º e 1257º, segundo as quais se presume a posse naquele que exerce o poder de facto (1252º, 2) e que a posse continua em nome de quem a começou (1257º, 2). Divergências de interpretação destas normas levaram a Ac. Un. de Jur., no D.R. de 24.6.96, segundo o qual Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa. Há já muito ensinara M. Pinto que o exercício do corpus faz presumir o animus, presunção que corresponde à normalidade das coisas, ao quod plerum-que accidit. Este Acórdão foi aplicado pelo STJ em Ac. publicado na Col. STJ 97-I-37, versando conflito de presunções: do registo - art. 7º - e do CC - 1268º e 1252º, 2, assim sumariado, com cópia: I - No nosso direito dá-se prevalência à usucapião e não ao registo. II - Se o registo não for anterior ao registo da posse, prevalece a presunção derivada daquela. III - O animus, como elemento da posse, é inferível, exprime-se pelo poder de facto; a intenção de domínio não tem de explicar-se e muito menos por palavras. IV - O art. 1252º, nº 2, do CC, visando facilitar a prova do animus, estabelece uma importante presunção de posse para quem tem o poder de facto.

Questão de fundo Os AA. têm a seu favor a presunção advinda do registo (art. 7º do Cód. Reg.

Predial); por outro lado, o R., relativamente à posse invocada, provou o corpus mas não provou o animus.

O art. 7º do Cód. Reg. Predial prescreve que o registo definitivo constitui

presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito. Por seu lado o art. 1.268º do Cód. Civil estatui que o possuidor goza da

presunção de titularidade do direito, excepto se existir a favor de outrem presunção fundada em registo anterior ao início da posse.

Escreve sobre este artigo Oliveira Ascensão ... que no nosso direito se dá

prevalência á usucapião e não ao registo. Mais importante que a situação escrita é a situação real. Se o registo não for anterior ao início da posse, prevalece a presunção derivada

daquela.

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Isto mesmo que o interessado só tenha conseguido provar a posse actual. Da posse, mesmo actual, deriva logo a presunção de propriedade, que só cede se

for provado um registo anterior ao início da posse. Se o titular do registo não provar também a anterioridade deste em relação à

posse, não goza da presunção de propriedade (neste caso, o registo dos AA. é de 1992). Tem-se entendido que no nosso direito prevalece a concepção subjectiva da posse

(Savigny). Nesta concepção aposse é integrada por dois elementos: - o corpus, que consiste no domínio de facto sobre a coisa, e - o animus, que é a intenção de exercer sobre a coisa, como seu titular, o direito

real correspondente àquele domínio de facto - vide M. Henrique Mesquita, in Direitos Reais, 1967, pág. 67.

O mesmo autor escreve a seguir (pág. 72) que não há grande diferença prática

entre as concepções objectiva e a subjectiva. Chama a atenção para o art. 1.252º, nº 2, que, visando facilitar a prova do

animus, estabelece uma importante presunção de posse para o que tem o poder de facto. Ensina por seu lado Orlando de Carvalho (Introdução à posse, in R.L.J., 122, pág.

68) que tem uma ideia errada do animus quem mantenha a concepção dos glosadores e do primitivo Savigny, de pura intentio, puro logos avulso, sobreponivel, como a alma dos gnósticos, à aparência de facto.

Não existe corpus sem animus nem animus sem corpus. Corpus é o exercício de poderes de facto que intende uma vontade de domínio,

de poder jurídico-real. Animus é essa intenção jurídico-real. E inferível, exprime-se, pelo poder de facto. A intenção de domínio não tem de explicitar-se e muito menos por palavras. O que importa é que se infira do próprio modo de actuação ou de utilização (lato

sensu). O Pleno deste Tribunal, em acórdão recente de uniformização da jurisprudência

(de 14/05/96, publicado no D.R. II, de 24/06/96), aplicou esta doutrina, ao extrair a seguinte conclusão:

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«Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa».

Escorando-se no art. 1252º, nº 2, considerou o Pleno que o poder de facto faz

nascer uma presunção de posse, não sendo lícito ao Tribunal exigir ainda a quem invoca a posse a prova, sempre difícil, do animus.

Ficou provado que os antecessores do R. agricultaram o prédio, durante 20 a 30

anos, ininterruptamente, através de colonos. Isto significa que aqueles antecessores (Raul Cunha e mulher) tiveram a posse

(provou-se o corpus, o que chega, nos termos do art. 1252º, nº 2) do chão, sendo os colonos donos de eventuais benfeitorias.

Porque a posse do chão se prolongou por mais de 20 anos, houve usucapião, nos

termos do art. 1296 do Cód. Civil. Tendo adquirido por usucapião, os antecessores do R. podiam vender-lhe o

prédio, como fizeram. Pelo que foi a acção (fundada na presunção do registo - art. 7º CRP) julgada improcedente e procedente a reconvenção (baseada em posse anterior ao registo - 1268º), declarando-se o reconvinte dono do prédio e mandando-se cancelar o registo existente a favor do Autor. Consagra a lei outra presunção no art. 1254º - posse no tempo intermédio do possuidor actual que possuiu no tempo mais remoto, desde que titulada a posse actual - também correspondente ao que é normal acontecer.

1253º - Casos de simples detenção Da conjugação dos art. 1251º e 1253º resulta indiscutivelmente (H. Mesquita, 75) a consagração da doutrina subjectivista de Savigny. Perde-se a posse pela perda do corpus - perda, roubo ou destruição da coisa ou do animus, como acontece no constituto possessório - 1264º - o proprietário que vende a casa em que continua a viver mas agora na qualidade de inquilino, passando a pagar renda (1264º, 1), ou vende a casa com inquilino que continua lá dentro (1264º, 2): em qualquer destes casos transferiu a propriedade e a posse para o comprador, embora este não chegue a entrar na casa. 1255º e 1256º - Sucessão e acessão de posse

São dois casos em que a posse continua nos sucessores; É causa de sucessão na posse a morte do possuidor; Não é necessária a apreensão material da coisa, entendendo-se por sucessores tanto os herdeiros como os legatários, embora Oliveira Ascensão ensine que só de herdeiros se trata.

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Dá-se acessão na posse quando o sucessor inter vivos soma, junta a sua própria posse à do seu antecessor. Assim, se o vendedor de um imóvel o possuiu durante dez anos, o vendeu e o comprador continuou a possui-lo durante mais dez anos, então este comprador pode invocar a aquisição da propriedade por usucapião, somando a sua posse com a do seu antecessor.

Por outro lado, se o direito estiver sujeito a registo, o adquirente só poderá opô-lo

a terceiros depois de registar o negócio aquisitivo. Suponhamos que A, Proprietário de determinado prédio e, simultaneamente,

Possuidor (posse causal), vende o imóvel a B, que não regista a compra. Se A, entretanto, vender de novo o prédio a C e este registar o negócio aquisitivo,

é ao seu direito que deverá reconhecer-se prevalência. O registo a favor de C torna a venda feita a B, não obstante a sua anterioridade, absolutamente ineficaz.

Ora, se os preceitos do registo não permitem que B oponha a C o direito

de propriedade que adquiriu de A, também não podem permitir que B afaste a prevalência do direito de C mediante a invocação da posse do transmitente, pois essa posse mais não é do que a face material ou concreta do direito que a lei declara inoponível a terceiros. A regra da inoponibilidade deve abranger não só o direito cujo registo se omitiu, mas também a posse (posse causal) que lhe corresponde.

Não se interpretando a lei nestes termos, o registo nenhuma segurança conferiria

aos negócios a ele sujeitos e deixaria, consequentemente, de ter qualquer importância prática.

Com efeito, todo aquele que não inscrevesse determinado direito no registo e

tomasse conhecimento de que fora registado um direito conflituante poderia, quando assim fosse, alegar que adquirira já o direito por via possessória, juntando à sua posse a do transmitente e a dos demais antecessores, até onde se tornasse necessário para completar o prazo da usucapião.

Foi precisamente isto o que aconteceu no caso decidido pelo acórdão em

apreciação. Tendo sido realizadas sucessivamente duas vendas do mesmo apartamento (uma em 1977, por negociação particular, e a outra em 1984, por arrematação judicial) e só a mais recente constando do registo, os herdeiros do primeiro comprador, demandados em acção de reivindicação pelo segundo, invocaram a usucapião (que não carece de registo), argumentando que se encontravam na posse do apartamento e que ao possuidor é permitido, nos termos do artigo 1256º do Código Civil, juntar à sua posse, para efeito de preenchimento do prazo de que a lei faz depender a aquisição originária do direito, a posse do transmitente e a dos demais antecessores.

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As instâncias e o Supremo aceitaram este entendimento e, com base nele, negaram qualquer direito ao comprador que tivera o cuidado de cumprir o ónus do registo e ordenaram o cancelamento da inscrição feita a seu favor.

Abriu-se, deste modo, uma porta que facilmente permitiria neutralizar ou privar de

toda a eficácia prática a regra que declara um direito real não inscrito no registo (quando deva sê-lo) inoponível a terceiros que adquiram e registem sobre a mesma coisa direitos incompatíveis.

Trata-se, sem a menor sombra de dúvida, de uma interpretação que desfere um

rude golpe no instituto do registo predial e na segurança que, através dele, o legislador pretende conferir ao comércio jurídico imobiliário. Por isso se entende que deve ser rejeitada - RLJ 127-27.

No mesmo sentido decidiu o STJ, em 7.7.99, ac. na Col. STJ 99-II-164, acima visto:

Aquele que adquiriu um direito de propriedade e omitiu o registo do negócio aquisitivo, não podendo opor esse direito aos terceiros protegidos pelo registo, também não pode invocar perante os mesmos terceiros, para efeitos de afastar a prevalência do direito destes, a posse do alienante, sob pena de a regra da inoponibilidade por falta de registo não ter, na prática, qualquer eficácia.

Contra: o também já referido a Col. Jur. STJ 2002-I-154 e 2003-I-19.

Para fazer funcionar este instituto da acessão de posses exige a lei que a transmissão da posse se faça por título formalmente válido - 1259º, 1 e Col. 80-IV-288, BMJ 256-170, 259-227 e 353-469.

E resulta do nº 2 que as posses devem ser contínuas e homogéneas, só se

somando dentro das que têm menor âmbito: o possuidor na qualidade de usufrutuário pode somar à sua posse uma posse anterior de proprietário, porque no direito de propriedade se contém o usufruto. Um possuidor de boa fé pode juntar uma posse anterior de má fé, ou vice-versa, embora em qualquer dos casos a posse seja considerada de má fé, por ser aquela que tem menor âmbito - PLAVarela, III, 15.

Caracteres da posse - 1258º a 1262º

Titulada - 1259º - Nenhum vício de fundo afasta hoje categoricamente a titularidade da posse, incluindo entre eles a simulação - embora na simulação absoluta seja difícil ocorrer o animus possidendi - o erro, a coacção, a ofensa de lei de ordem pública, etc. A lei prescinde apenas da validade substancial do negócio jurídico. Se o acto é nulo por vício de forma, como se, por exemplo, se compra um prédio por escrito particular, ou verbalmente, a posse que daí deriva não é titulada.

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A partilha não será justo título, não converte em titulada uma posse que o não era; o inventário e a escritura de partilhas não são negócios translativos, falta neles o transmitente de que fala o art. 1259º, nº 1 - PLAVarela, III - 19; contra: D. Marques, Prescrição aquisitiva, ali citado. Dada a natureza interpretativa deste art. 1259º, é ele de aplicação retroactiva - 13º. Posse de boa e de má fé - 1260º - conceito psicológico. Interessa para o regime de frutos - 1270º e 1271º; encargos - 1272º; benfeitorias (arts. 1273.° a 1275º); fixação do prazo da usucapião (arts. 1294º a 1296º e 1298º a 1300º) e pressupostos da acção de reivindicação, na hipótese do artº 1301º - coisa comprada de boa fé a comerciante. Com o regime do art. 1301º visa proteger-se o comércio. Mas tal regime não é aplicável se a coisa vendida em comércio e reivindicada saiu da esfera do proprietário reivindicante por meios fraudulentos, por furto, etc.; Por desnecessidade de protecção do comércio, não se aplica este regime às coisas móveis sujeitas a registo, como os automóveis - BMJ 315-296. Posse pacífica e violenta - 1261º - a violência pode ser contra as coisas ou contra as pessoas, mas exclui-se a ameaça lícita e o simples temor reverencial, nos termos do art. 255º. Só interessa a violência exercida no início da posse, pois neste caso só se inicia a posse a partir da cessação da violência - 1261º, 1 e 2, 1267º, 2, in fine e 1297º. Posse sob violência - 1300º, 2 e O. Carvalho, RLJ 122º - 293. Posse pública - e oculta - 1262º - Não é necessário que a posse seja exercida à vista dos interessados, mas que o seja de forma a poder ser deles conhecida. Veremos a propósito da usucapião que é indispensável para a posse conducente à aquisição do direito possuído que a posse seja pacífica e pública - 1297º - sendo os restantes caracteres - boa fé e registo - simples factores de diminuição do tempo de posse - 1294º a 1296º.

Aquisição da posse - 1263º a 1266º Notar aqui a inversão do título – 1265º - por acto de terceiro - arrendatário que compra a casa a non domino e deixa de pagar rendas ao antigo senhorio. Esta inversão há-de resultar de acto capaz de transferir a posse.

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Constituto possessório 1264º:

CONSTITUTO POSSESSÓRIO POSSE

DETENÇÃO USUCAPIÃO

I - Nos termos do artigo 1264º, nº 1, do Código Civil, se o titular do direito real,

que está na posse da coisa, transmitir esse direito a outrem, não deixa de considerar-se transmitida a posse para o adquirente, ainda que, por qualquer causa, aquele continue a deter a coisa.

II - O «constituto possessório» é, assim, uma forma de aquisição solo consensu da posse, isto é, uma aquisição sem necessidade de um acto material ou simbólico que a revele.

III - A posse, como caminho para a dominialidade - para a usucapião a que se refere o artigo 1287º do Código Civil -, é a posse stricto sensu, e não a posse precária ou detenção (artigo 1290º do mesmo Código), sendo certo que são tidos como detentores ou possuidores precários os referidos e enumerados no artigo 1253º do Código Civil, isto é, todos os que, tendo embora a detenção da coisa, não exercem sobre ela os poderes de facto com o animus de exercer o direito real correspondente.

IV - Tendo a ré vendido ao autor por escrituras públicas documentadas no pro-cesso, determinados imóveis, não podia ela continuar a praticar aí actos como se fosse a proprietária dos prédios, pois deixou de ter o animus rem sibi habendi e de ser possuidora dos mesmos.

V - Face à existência das escrituras públicas de compra e venda desses imóveis, não podia ser dado como provado, pelo tribunal colectivo, que a ré agiu sempre «como se fosse dona» (resposta ao quesito 19) e «convicta de que não lesava direitos de outrem» (resposta ao quesito 20), pelo que se têm as mesmas respostas por não escritas, nos termos do nº 4 do artigo 646º do Código de Processo Civil, assim se alterando, nesta parte, a matéria de facto, como o permitem os artigos 729º nº 2, e 722º nº 2, do mesmo Código - STJ, Ac. 10 de Dezº de 1997, BMJ 472-483

Perda da posse - 1267º Não confundir abandono com inércia: a posse do direito de propriedade só desaparece pela posse de outrem exercida esta por mais de um ano, a antiga posse de ano e dia - al. d) do nº 1. Notar, no n.º 2 deste art. 1267º, o início da contagem da nova posse, correspondente ao art. 1297º (para usucapião).

Efeitos da posse - 1268º a 1275º

O mais importante efeito da posse é a presunção da titularidade do direito possuído - 1268º.

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Havendo conflito de presunções, uma derivada do registo (artigo 7º do Código de Registo Predial) e outra emergente da posse (artigo 1268º, nº 1, do Código Civil), prevalece esta última que só cede no confronto com a presunção derivada de registo anterior ao início da posse - BMJ 414-545, assim sumariado e com a seguinte factualidade:

Por escritura de 1968 A doou uma casa a B; em 1975, a mesma A instituiu C sua

única herdeira, apesar de apenas ser dona daquele prédio que doara; falecida A em 1976, C praticou sobre a casa inúmeros actos de posse, obras de vulto, etc.

B obtém, em 1986, registo a seu favor e reivindica de C o prédio; C reconvém

com base em usucapião ou acessão, obtendo ganho de causa com base no nº 1 do art. 1268º do CC, como se vê desta passagem do Acórdão:

... a recorrida (C) detém o prédio, mau grado a doação cuja validade não foi posta em causa no acórdão recorrido, desde Dezembro de 1976 (pelo menos), enquanto que o registo, a favor do recorrente marido, é de cerca de 10 anos depois, exercendo sobre ele todos os actos correspondentes ao exercício do direito de propriedade, nomeadamente por transformação do bem reivindicado, mercê de importantes obras, de grandes proporções, realizadas durante anos, na presença de todos e sem oposição de quem quer que fosse, até ao embargo das mesmas.

Daí ser a sua posse sobre o prédio titulada, pacífica, de boa fé e pública. A inscrição do prédio a favor do autor marido, na Conservatória do Registo

Predial, ocorreu em 1986; portanto, muito tempo depois de iniciada a posse por parte da ré recorrida e operada cerca de 18 anos sobre a doação em que se baseou.

Donde a óbvia conclusão de que prevalece a posse da ré por iniciada antes

do registo. Ver a cópia da Col. STJ 97-I-37, entregue a este propósito e da Col. STJ 99-II-

164, ac. de 7.7.99 já acima citado, a estudar mais detalhadamente aquando da acção de reivindicação. Os restantes efeitos da posse verificam-se nos casos de:

Perda ou deterioração da coisa - 1269º - enquanto o possuidor de boa fé só responde com culpa, o de má fé responde mesmo sem culpa. Resta-lhe o recurso ao disposto no art. 807º, nº 2, ou seja, a possibilidade de provar que o credor teria igualmente sofrido os danos se a obrigação tivesse sido cumprida em tempo.

Frutos - possuidor de boa fé - 1270º e 212º- conceito de frutos. - possuidor de má fé - 1271º - ver 215º - despesas de cultura.

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Encargos - 1272º - encargos normais que correspondem ou estão adstritos à sua fruição, como as contribuições, juros, amortizações, apanágio. Benfeitorias - 1273º a 1275º -

Conceito - 216º - Espécies: n.os 2 e 3 - necessárias - as que têm por fim evitar a perda, a destruição ou deterioração da coisa;

úteis - as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias - as que não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem, apenas para recreio do benfeitorizante.

No tocante a benfeitorias necessárias e úteis, rege o art. 1273º: Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento da coisa benfeitorizada - nº 1 - pois que se ocorrer tal detrimento - a apreciar objectivamente - tem o possuidor direito ao valor das benfeitorias (úteis, claro), calculado esse valor segundo as regras do enriquecimento sem causa - 479º: A medida da restituição tem como limites o custo das benfeitorias - empobrecimento - e o do enriquecimento do titular da coisa.

A propósito da expressão segundo as regras do enriquecimento sem causa, do art.

1273º, n.º 2, decidiu o STJ, em seu Ac. de 4.4.2000, no BMJ 496-223: «Convém ter presente que o conceito de indemnização nesta situação não é o

mesmo que indemnização de perdas e danos. Nem a sua causa nem os seus fins são os mesmos.

Nesta situação estamos perante dois sujeitos ligados por uma relação de

arrendamento (rural), um deles incorpora bens seus e (ou) faz despesas em bens alheios, não podendo levantar, sem detrimento, as beneficiações feitas.

Por definição só são de considerar as incorporações que beneficiam. Se beneficiam e tem de ficar sem elas, o dono do prédio que com elas fica tem de

as pagar. Segundo o Decreto-Lei n.º 541 1 pagava-as pelo valor que tinham findo o contrato,

não repugnava porque tinham sido consentidas e o facto de só dizerem respeito a arrendamentos por menos de 20 anos pressupunha que não tinham sido amortizadas.

Segundo a Lei n.º 2114 o valor «era calculado pelo seu custo se não exceder o valor

do benefício à data da cessação do arrendamento. No caso contrário não poderá haver mais do que esse valor.»

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Segundo o Código Civil de 1966 a obrigação de restituir o enriquecimento pressupõe que alguém tenha enriquecido e que esse enriquecimento tenha sido feito à custa de outrem, o que pressupõe a entrada num património de valores que segundo a lei deviam pertencer a outro património.

Essa obrigação não pode exceder o valor do empobrecimento nem o do

enriquecimento. Se com um empobrecimento de 10 de alguém outrem enriquece 100, só tem de restituir 10; se com o empobrecimento de 100 só enriquece 10 só tem de restituir 10.

Segundo o Dec.-Lei n.º 335/88 a forma de indemnização é a mesma. Para se liquidar a obrigação de indemnizar temos de saber quanto custaram as

benfeitorias, procedendo à actualização monetária desse custo à data do fim do contrato, temos depois de saber em que medida essas benfeitorias, no fim do contrato, valorizam o prédio. Na posse destes valores, de acordo com os critérios apontados, fixamos a indemnização.

Da matéria de facto provada nós sabemos «o valor actual da benfeitoria, tendo em

conta o que seria o custo da sua efectivação e a depreciação provocada pelo uso». Segundo o que entendemos da dita expressão, avaliou-se a benfeitoria como nova,

hoje, e fez-se o cálculo da sua desvalorização pelo tempo. Cremos que isto não respeita o critério legal. Temos de saber quanto valorizam o prédio as benfeitorias hoje (data da denúncia do arrendamento) e qual foi o seu custo, actualizado à mesma data.

Não temos elementos para fazer uma tal avaliação e nem pela ampliação da

matéria de facto os obteríamos. Só nos resta, reconhecendo o direito à indemnização, relegar para execução de

sentença a liquidação da mesma».

Porque se trata de uma dívida de valor, deve ser actualizado de acordo com a desvalorização da moeda: Entre a data da realização das benfeitorias e a data em que é reclamada a respectiva indemnização pode mediar um longo período e o possuidor deve receber o valor real que despendeu para conservar a coisa ou para lhe introduzir melhoramentos. O possuidor deve receber o montante que seria necessário para, no momento da reivindicação, fazer aquelas benfeitorias - P. Lima -A. Varela, CC Anotado III, 43. Este regime aplica-se de modo directo à posse propriamente dita; e, indirectamente, também a situações que não são de posse verdadeira e própria, como o credor pignoratício - 670º, b) - o locatário, considerado possuidor de má fé - 1046º, comodatário, idem - 1138º, 1, o usufrutuário, considerado possuidor de boa fé - 1450º, 2 e 1459º, 2.

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Quanto às voluptuárias - 1275º - distingue a lei entre o possuidor de boa fé - que só as pode levantar desde que não haja detrimento para a coisa, pois, se houver tal detrimento, não tem direito a qualquer valor; o possuidor de má fé perde sempre as benfeitorias voluptuárias, pudesse ou não levantá-las sem detrimento para a coisa. Foi considerada benfeitoria útil a construção de casa de banho com porta e janela em casa emprestada ao benfeitorizante - BMJ 414-556; Mas não se lhe concedeu o direito de haver o valor das benfeitorias por não ter o benfeitorizante alegado - como lhe cumpria 342º, nº 1 - que o levantamento das benfeitorias provocava detrimento para a casa objecto da benfeitoria. «Com referência ao direito de indemnização por benfeitorias, provou-se que a ré construiu, no quintal do prédio, um pavilhão para armazenagem de bicicletas e motorizadas, tendo gasto na obra não mais de 150.000$00, e que a senhoria «teve conhecimento da realização desta obra».

Mesmo admitindo-se, como se decidiu nas instâncias e é aceite pela recorrente, que se trata de benfeitorias úteis, sujeitas ao disposto no artigo 1273º do Código Civil, não procede a pretensão da sua indemnização.

Por esse artigo 1273º o possuidor tem direito «a levantar as benfeitorias úteis

realizadas na coisa, desde que o possa fazer sem detrimento dela» (nº 1); e «quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas ...» (nº 2).

O acórdão recorrido negou o direito a indemnização porque a ré não alegou que

o levantamento das benfeitorias «iria provocar detrimento na coisa» e, pelo tipo de construção, «não é possível chegar-se a saber se esse tal detrimento existiria ou não no caso de serem levantadas», cabendo à ré o ónus da prova desses factos.

A recorrente alega, no essencial, que «resulta da vistoria judicial ... que tal pavilhão

foi construído em argamassa» e que as benfeitorias «não podem, até por definição, ser levantadas sem detrimento», mas essa divergência respeita a simples matéria de facto (a possibilidade de detrimento da coisa), cuja reapreciação não cabe a este tribunal (artigo 722º, 2, do Código de Processo Civil).

Ainda por outra via se deve concluir como no acórdão recorrido: resulta do

disposto no citado artigo 1273º que o direito do possuidor é, em principio, o de levantar as benfeitorias, apresentando-se o direito a indemnização como efeito ou consequência da existência de detrimento da coisa, provocado pelo levantamento; a possibilidade desse detrimento configura-se assim como circunstância impeditiva daquele primeiro direito do possuidor; por isso, e porque o detrimento deve incidir sobre a coisa, sendo indiferente o relativo às benfeitorias, é ao dono da coisa que cabe invocar o dano, quando for pedido o levantamento, como meio de oposição a este, com o consequente reconhecimento do direito a indemnização; se o possuidor pedir a

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indemnização, a oposição do dono da coisa implica o reconhecimento do direito ao levantamento, não se colocando então qualquer problema de ónus da prova.

Esta solução é idêntica à que resultava da lei anterior, onde se dispunha que «a

possibilidade de detrimento será apreciada pelo vencedor» (artigo 499º, § 3º, do Código Civil de 1876), mas não deve atribuir-se relevância ao facto de a lei actual não reproduzir essa disposição, uma vez que aquela solução está de harmonia com a letra da lei e se apresenta como a mais razoável na medida em que o dono da coisa deve poder optar entre sofrer o detrimento (permitindo o levantamento das benfeitorias) ou evitá-lo (pagando a indemnização).

No caso presente, os autores opuseram-se ao pedido de indemnização e isso seria

suficiente, como se notou, para a sua improcedência - Ac. de 27.4.99, BMJ 486-274. Por míngua de elementos caracterizadores não foi considerada benfeitoria

necessária a introdução dum sistema de tratamento de águas duma piscina - BMJ 357-440.

O sublocatário ou cessionário ilícitos - não autorizados, não reconhecidos

como tais ou não comunicada a cessão - não são possuidores em nome de outrem relativamente ao prédio arrendado, pelo que não têm direito a benfeitorias, mesmo úteis, nem direito de retenção e consequentes embargos - Col. STJ 1997-III-143.

DEFESA POSSESSÓRIA - 1276º a 1286º

Como direito real que é, ainda que provisório no sentido visto (art. 1278º, n.º 1, in fine), a posse goza da protecção do Direito que, além da acção directa - 336º e 1277º - lhe consagra, apertis verbis, cinco diferentes tipos de acções ou providências, a saber:

1 - Acção de prevenção - 1276º - Supõe justo, sério, fundado receio de turbação ou esbulho da posse. Acção de pouca ou nenhuma utilidade, por substituída, com vantagem, pela providência cautelar não especificada ou procedimento cautelar comum, hoje regulada no art. 381º e ss e antes no art. 399º CPC para a turbação ou esbulho (395º) e

2 - Restituição provisória de posse em caso de esbulho violento - 393º CPC e

art. 1279º CC, sendo o conceito de violência o consagrado no art. 1261º, 2. Se houve simples turbação ou esbulho não violento, pode o possuidor perturbado

ou esbulhado recorrer ao procedimento cautelar comum - 395º CPC. Na questão de se saber se a violência fundamento da Restituição Provisória de

Posse há-de ser só contra as pessoas ou também contra as coisas, decidiu recentemente o Supremo que a violência, para caracterização do esbulho, tanto pode ser praticada

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sobre as pessoas como sobre as coisas que constituem obstáculo ao esbulho - BMJ 477-506.

O recurso a esta providência não afasta (sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores) o recurso imediato à

3 - Acção de restituição - 1278º - cujo fundamento é o esbulho, a privação, o desapossamento total ou parcial, ainda que sem apossamento da coisa pelo esbulhador. Esta acção pode ser proposta pelo esbulhado ou seus herdeiros contra o esbulhador ou seus herdeiros e, ainda, contra quem, tendo conhecimento do esbulho, esteja na posse da coisa - art. 1281º, nº 2.

Se a actividade do agente não chega a ser esbulho, cabe ao possuidor a

4 - Acção de manutenção - 1278º - pois, apesar da perturbação, da turbação, o ofendido mantém a posse, a retenção ou fruição existente ou a sua possibilidade. A turbação é mais que ameaça e menos que esbulho. Pode ser intentada pelo perturbado ou pelos seus herdeiros, mas apenas contra o perturbador; a eventual acção de indemnização já pode ser instaurada contra os herdeiros deste - art. 1281º, nº 1; não é permitida entre compossuidores - 1286º, nº 2. 5 - Embargos de terceiro - 1285º CC e 351º CPC - providência que tem de característico ser meio de defesa da posse ou - desde a reforma processual de 95/96 - qualquer direito incompatível com a realização ou âmbito de diligência ordenada judicialmente. Dada a natureza das servidões não aparentes, o uso destas acções em defesa delas só tem lugar quando a posse se funda em título provindo do proprietário do prédio serviente ou de quem lho transmitiu - 1280º. Perante este documento fica suprida a sempre difícil prova da posse da servidão não aparente, precisamente por não aparente, por não se revelar por sinais exteriores.

A natureza de direito real provisório que a posse tem determina que esta não será mantida ou restituída se o requerido, o turbador ou esbulhador convencer de que é ele o titular do direito alegadamente possuído, do direito real correspondente que a lei presume - 1268º, nº 1 - estar por detrás da posse perturbada ou esbulhada - 1278º, nº 1.

No mesmo sentido o disposto na parte final do nº 5 do art. 510º do CPC.

Casos há, porém, em que a prova da propriedade não implica a improcedência do pedido possessório, nomeadamente quando a lei concede defesa da posse mesmo contra o proprietário, como sucede com o locatário, - 1037º, 2, CC.

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Por força do nº 2 do art. 1278º e dado que a posse se perde, como se viu - 1267º, 1, d) - pela posse de outrem por prazo superior a um ano, tem o requerente da restituição ou manutenção de provar que a sua posse dura há mais de ano.

Considera a lei que só depois de decorrido este prazo há uma situação de posse suficientemente definida e assente, merecedora de tutela jurídica.

Se não provar tal posse, só será restituído ou mantido contra quem não tiver melhor posse, graduando-se as posses em concorrência de acordo com os critérios do nº 3 deste art. 1278º: posse titulada, mais antiga, actual. 1282º - Caducidade Pela mesma razão que se protege a posse de ano e dia, estabelece a lei a caducidade das acções de manutenção e de restituição se não forem instauradas dentro do ano subsequente ao facto da turbação ou do esbulho, ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultas. Não vale a pena instaurar acção para defesa de posse que se perdeu há mais de um ano porque a posse de outrem, por mais de um ano, é também ela tutelada pelo direito - art. 1267º, n.º 1, al. d). Os embargos de terceiro devem ser deduzidos no prazo do art. 353º, nº 2, do CPC; se a título preventivo - 359º CPC.

Ver Parecer de M. Pinto, na Col. 85-III-31.

1281º- Legitimidade 1283º e 1284º - Efeitos e indemnização

Obtidas a restituição ou a manutenção, é o requerente havido como se nunca tivesse sido esbulhado ou perturbado - 1283º - com direito a indemnização e a ser restituído no lugar do esbulho e à custa do esbulhador - 1284º.

1286º - Defesa da composse Tal como cada comproprietário pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro - 1405º, 2 - e à semelhança do que se passa com a acção de petição de herança por um só herdeiro - 2078º, 1,- também cada um dos compossuidores, seja qual for a parte que lhe cabe, pode usar contra terceiro dos meios facultados nos artigos precedentes, quer para defesa da própria posse, quer para defesa da posse comum, sem que ao terceiro seja lícito opor-lhe que ela não lhe pertence por inteiro - 1286º, 1.

USUCAPIÃO

Chamava-lhe o antigo Direito Prescrição Aquisitiva e porque o Registo Predial não era obrigatório nem hoje é, em regra, constitutivo, quase sempre as questões de

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titularidade do direito se resolviam por apelo à usucapião, forma de aquisição originária do direito de propriedade e de outros direitos reais de gozo.

Não havia praticamente acção real em que o A. não invocasse esta forma de aquisição, quase sempre com fórmulas correntes em que se alegavam os factos integradores dos conceitos de posse pública, pacífica, contínua e de boa fé, por mais de 30 anos e até por tempo que excede a memória dos vivos.

Ainda hoje é assim, pois a presunção resultante do registo é ilidível e cede perante a resultante da posse desde que mais antiga, como vimos - BMJ 328-546 414-545 e Col. STJ 97-I-37. É aqui que mais ressalta a função pacificadora e de segurança da posse, transformando, pelo decurso do tempo, a situação provisória que é a posse na situação definitiva que é o direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo que durante anos se possuíram.

De entre os modos de aquisição do direito de propriedade (1316º), de usufruto (1440º), de servidões (1547º), avulta a usucapião que a lei define no art. 1287º: A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião. Daqui se vê que a usucapião vive da união destes dois elementos nucleares que são a posse e o decurso do tempo.

É um modo de aquisição originária de direitos reais, pela transformação em jurídica duma situação de facto, em benefício daquele que exerce a gestão económica da coisa.

A posse boa para usucapião há-de ter as características de posse verdadeira e

própria, não sendo, por isso, usucapíveis direitos que, embora dotados de tutela possessória, se reconduzem a situações de mera detenção (arrendamento); outros casos há em que a lei, porque não é clara a situação de posse, não admite a usucapião, como acontece com as servidões prediais não aparentes (art. 1280º) e com os direitos de uso e habitação - 1293º. A usucapião retroage à data do início da posse em nome próprio, à data em que se inicia uma posse boa para usucapião - 1288º e 1317º, c), este para a propriedade. Todos os que podem adquirir, inclusive os incapazes que tenham o uso da razão, a consciência de que estão a praticar actos materiais de posse (por si ou por seus legais representantes), podem adquirir (capacidade de exercício - nº 2) e aproveitar da usucapião (capacidade de gozo - nº 1) - 1289º.

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A inversão do título, transformando a mera detenção em posse, pode levar à usucapião mas, naturalmente, o prazo só se inicia desde a inversão - 1290º.

A usucapião por compossuidor aproveita aos compossuidores do objecto da posse comum. Nos termos do art. 1406º, 2, aplicável à composse por força do art. 1404º, o compossuidor só aproveita em seu exclusivo interesse dos seus actos de posse desde que inverta o título em relação aos seus colegas compossuidores.

Tem interesse notar que também aqui são aplicáveis as regras relativas à suspensão e interrupção da prescrição - 318º e ss e 323º e ss, além das demais referidas expressamente no art. 1292º.

A usucapião carece de ser invocada pelo interessado para produzir efeitos - art. 303º e Col. 94-I-39.

Usucapião de imóveis Nos art. 1294º a 1297º regula a lei os vários prazos, mais ou menos longos de acordo com a natureza da posse, de usucapião de imóveis.

O prazo máximo é hoje de 20 anos, enquanto pelo Código de Seabra tal prazo era de 30 anos.

Aplicação do art. 297º do CC. Neste ponto convém ler o Ac. do STJ no BMJ

305-293. Já vimos que a posse boa para usucapião há-de ser, pelo menos, pública e pacífica,

que a posse violenta ou tomada a ocultas não merece a tutela do direito, antes sofre a sua reprovação.

Daí que se a posse tiver sido constituída com violência ou tomada

ocultamente, os prazos da usucapião só começam a contar-se desde que cesse a violência ou a posse se torne pública - 1297º .

Usucapião de móveis

Sujeitos a registo - 1298º Não sujeitos a registo - 1299º - Posse violenta ou oculta e transmissão a terceiro - 1300º, nº 2. Protecção da boa fé no comércio de móveis - 1301º e BMJ 315-296 Outros exemplos

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Os bens do domínio privado do Estado podem ser adquiridos por usucapião desde que, para além dos prazos normais decorra mais metade dos mesmos (Lei n.º 54, de 16 de Julho de 1913), mantida em vigor pelo art. 1304º CC - BMJ 360-609. Bens do domínio privado das autarquias e sua afectação a fins de utilidade pública . Usucapião - Col. STJ 97-I-156. C. e v. com reserva de propriedade - Para A. Peralta, A Posição ... 77, o gozo do comprador deriva da sua posse em nome próprio, resultante da entrega do bem, em execução do contrato; ao vendedor continua a pertencer a posse nos termos de direito de propriedade, direito de que ainda é titular. Promitente comprador com direito de retenção - Já visto em sede de contrato-promessa e direito de retenção. Jazigos em cemitérios públicos - é insusceptível de usucapião a propriedade de jazigo em cemitério municipal ou paroquial. ... Posto isto, compete averiguar se no domínio da legislação em vigor a partir daquela data (4.7.72) é de considerar o jazigo erguido em cemitério municipal coisa susceptível de posse conducente á usucapião (art. 202º, 1251º, 1252º, 1267, nº 1, b) e 1287º).

Não parece discutível natureza de bem do domínio público do cemitério municipal pois “é objecto de propriedade de uma autarquia local, é destinado à inumação de cadáveres de todos os indivíduos que falecerem na circunscrição e é livre o acesso de todos ao campo santo" (Marcelo Caetano); é, enfim, coisa destinada ao uso público (por analogia, Assento do STJ de 19.4.89).

Não obstante, é consentida a concessão de terrenos no cemitério municipal para

jazigos e sepulturas perpétuas - artº 51º do Cód. Administrativo). Ponto está em saber se o beneficiário de tal concessão pode actuar sobre o terreno

e o jazigo que nele venha a erguer como seu dono (arts. 1251º e 1252º. Mas a resposta impõe-se pela negativa pois o terreno objecto da concessão é

afectado ao exclusivo proveito imediato do concessionário, sem, porém, perder a sua natureza de coisa 'fora do comércio" (art. 202º. nº 2 do CC.).

Assim sendo, a fruição do mesmo, em privado, se bem perpetuamente, configura

um direito real administrativo (v. Vítor Manuel Lopes Dias em "Cemitérios, Jazigos e Sepulturas”, pág. 326 e segs), insusceptível de o fazer entrar no domínio privado, de forma a constituir objecto de um direito de propriedade de que o concessionário seria titular.

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Trata-se de um direito real, limitado pela natureza do objecto de concessão e pela finalidade específica de acto possessório, capaz (?) de presumir o direito de propriedade e de a ele fazer conduzir ao longo do tempo.

Regime processual Com a revogação dos art. 1033º a 1036º, 1037º a 1043º e 1044º a 1051º CPC pela reforma do processo civil de 1995/96, desapareceram dos processos especiais, os então chamados meios possessórios, as acções possessórias propriamente ditas, os embargos de terceiro e a acção de posse judicial avulsa ou entrega judicial. As acções possessórias estão agora sujeitas ao processo comum, cabendo reconvenção para se discutir a questão do domínio que ao R. era permitido introduzir na contestação daquelas acções, nos termos dos anteriores art. 1034º a 1036º CPC. Notar o disposto no nº 5 do art. 510º do CPC. Dada a dificuldade de, frequentemente, distinguir entre turbação - a que cabe acção de manutenção - e esbulho - para que é adequada a acção de restituição, tal como se dispunha no art. 1033º, 2, CPC, diz hoje o art. 661º, nº 3, CPC, que se tiver sido requerida a manutenção em lugar da restituição da posse, ou esta em vez daquela, o juiz conhecerá do pedido correspondente à situação realmente verificada. Doutra forma poderia haver violação do princípio consagrado no original 661º do CPC.

PROPRIEDADE

O direito de propriedade é o direito real máximo mediante o qual é assegurada a certa pessoa, com exclusividade, a generalidade dos poderes de aproveitamento global das utilidades de certa coisa. Para H. Mesquita é o poder exclusivo, directo e imediato sobre uma coisa. Este conceito resulta do disposto no art. 1305º CC que, atribuindo ao titular do direito de propriedade os mais amplos poderes de uso, fruição e disposição, não deixa de lhe apontar as limitações e restrições impostas pela lei. Como características fundamentais do direito de propriedade temos: a) - O proprietário tem poderes indeterminados, mas plenos e exclusivos, pois as limitações hão-de resultar da lei; b) - Elasticidade - o proprietário limitado recupera a plenitude do seu direito de propriedade sempre que se extingue o direito real menor que limitava o seu direito;

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c) - Perpetuidade – o direito de propriedade não se extingue pelo não uso, se bem que a lei possa sancionar esse não uso. É excepcional a propriedade temporária - 1307º, nº 2. Mas extingue-se pela aquisição por outrem (usucapião). d) - Goza de defesa extrajudicial (acção directa - 1314º - legítima defesa) e judicial, especificamente pela acção de reivindicação (1311º). e) - numerus clausus - 1306º CC.

O negócio de constituição de um direito real não previsto é, pois, nulo, se dele resultar um parcelamento da propriedade; e produz efeitos obrigacionais, se dele nascer uma pura restrição ao direito de propriedade de outrem. Podem citar-se, como exemplos deste último tipo, o direito de passagem sobre certo prédio, constituído em benefício de pessoas, e de um modo geral, todo o direito de uso e fruição, que não esteja especialmente previsto no Código ou noutra lei. Estão nestas condições as chamadas servidões pessoais - PLAV, III, 96. A acção de reivindicação é uma acção real (sujeita a registo - art. 3º, nº1, a), do CRP) porque tem origem num direito real, a sua causa de pedir (498º, nº 4, 2ª parte, CPC) é o facto jurídico de que deriva esse direito real. Tem legitimidade activa o titular do direito reivindicado e será réu quem tem a posse ou detenção da coisa - 1311º, nº 1. Formulará o Autor dois pedidos, um principal - reconhecimento do seu direito de propriedade - e outro secundário ou consequência deste - a restituição do que lhe pertence. Nos termos do nº 2, uma vez reconhecido o direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei, ou seja, quando o possuidor ou detentor tem título, tem causa, tem fundamento bastante para tal posse ou detenção, como o arrendamento, o direito a novo arrendamento, o direito de retenção por benfeitorias (929º CPC), etc. De acordo com as regras do onus da prova, cabe ao A. provar o direito de propriedade sobre a coisa e que esta se encontra na posse ou detenção do R; a este cabe a prova de qualquer facto impeditivo ou extintivo do direito do A., a prova da excepção, a prova de que possui por virtude de um direito real ou obrigacional que lhe permite recusar a restituição, que legitima a sua posse ou detenção.

A invocação, apenas, de um negócio translativo de propriedade não basta para caracterizar a causa de pedir na acção de reivindicação, pelo que o reivindicante, pelo menos quando não foi favorecido por nenhuma presunção legal de propriedade, terá de invocar factos dos quais resulte a aquisição originária do domínio por parte dele ou de um transmitente anterior - BMJ 257-82.

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Satisfaz à invocação do domínio o autor declarar-se dono e proprietário do prédio reivindicado, juntar certidão do registo predial em seu nome e dizer que o prédio lhe adveio por transmissão - BMJ 240-220.

É que a inscrição da aquisição em seu nome no registo - a provar pela certidão que é junta com a petição - faz presumir que o direito registado lhe pertence - art. 7º do CRP - e quem tem a seu favor presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz - 350º, nº 1 - sujeitando-se, no entanto, a que o R. ilida tal presunção ou beneficie de presunção prevalecente, como é o caso da presunção derivada da posse - 1268º, nº 1: Havendo conflito de presunções, uma derivada do registo (artigo 7º do Código de Registo Predial) e outra emergente da posse (artigo 1268º, nº l, do Código Civil), prevalece esta última que só cede no confronto com a presunção derivada do registo anterior ao início da posse. - BMJ 414-545 e os antes vistos. Mais recentemente - Ac. de 7 de Julho de 1999, na Col. STJ 99-II-164 - o STJ tratou esta matéria, aplicando já o novo conceito de terceiros, Acórdão já referido acima, de que foi distribuída cópia aquando do estudo das Garantias das Obrigações, e assim sumariado:

I - A exigência de em acção de reivindicação ser feita pelo autor a prova de ter havido uma aquisição originária do direito de propriedade ou uma ou várias aquisições derivadas que formem uma cadeia ininterrupta a terminar numa aquisição originária do mesmo direito, vale para os casos em que o proprietário se limita a pedir a declaração de que é dono.

II - A articulação entre esta exigência de prova de uma aquisição originária a fundamentar a existência do direito de propriedade invocado, por um lado, e a força da presunção resultante da inscrição registral de aquisição, por outro, faz-se no sentido de que a dita inscrição registral dispensa o seu titular de provar a aquisição originária bem como a eventual cadeia de aquisições derivadas anteriores à aquisição que conseguiu fazer inscrever.

III - No acórdão uniformizador proferido pelo STJ em 18.05.1999 consagrou-se a orientação segundo a qual a inoponibilidade de direitos a um terceiro, para efeitos de registo predial, pressupõe que ambos os direitos advenham de um mesmo transmitente comum, excluindo-se os casos em que o direito em conflito com o direito não inscrito deriva de uma diligência judicial, seja ela arresto, penhora ou hipoteca judicial.

IV - Na venda executiva o executado é substituído no acto da venda pelo juiz enquanto órgão do Estado, gerando-se uma aquisição derivada em que o executado é o transmitente.

V - Por isso, ao adquirente em venda judicial não pode ser oposta, apesar daquele acórdão uniformizador, uma transmissão anteriormente feita pelo executado a favor de uma outra pessoa que a não fez inscrever oportunamente no registo predial.

VI - Aquele que adquiriu um direito de propriedade e omitiu o registo do negócio aquisitivo, não podendo opor esse direito aos terceiros protegidos pelo registo, também

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não pode invocar perante os mesmos terceiros, para efeitos de afastar a prevalência do direito destes, a posse do alienante, sob pena de a regra da inoponibilidade por falta de registo não ter, na prática, qualquer eficácia.

Note-se que no próprio AUJ de 1999 se sujeita às regras comuns a

aquisição posterior (mesmo em execução) mas registada, desde que, como é o caso, se tenha ultrapassado a fase da penhora e tenha havido já arrematação, estando então em confronto dois direitos de propriedade, de igual força, e não um direito (real) de garantia - a penhora - e outro de propriedade - fs. 4361 do DR.

Nada impede que, nos termos do art. 470º CPC, o A. formule os pedidos característicos da acção de reivindicação e com eles cumule pedido de indemnização a que haja lugar, nomeadamente pelo rendimento que o proprietário poderia retirar do imóvel se não fosse a indevida ocupação - BMJ 411-559 – e ainda que o proprietário não haja sofrido prejuízo com a indevida ocupação - Col. Jur. (STJ) 01-II-124. Se decidido igual pedido cível em processo penal, tal decisão faz caso julgado - art. 84º CPP e 129º CP - em futura acção cível que se proponha. O art. 674º-B do CPC apenas rege para a decisão absolutória penal e não para a decisão do pedido cível enxertado no processo penal - Col. 99-II-268. A acção de reivindicação é imprescritível, sem prejuízo da aquisição por usucapião, por outrem, do direito reivindicado (1313º). Breve referência à acção negatória, acção de simples apreciação, e à acção de demarcação, antiga acção de arbitramento que hoje segue os trâmites processuais comuns.

O direito de propriedade tem assento constitucional - art. 62º da Constituição - aí se consagrando o direito à propriedade privada e a sua transmissibilidade inter vivos ou mortis causa.

Também em vários preceitos do diploma fundamental se consagra claramente a

subordinação do exercício do direito de propriedade ao interesse geral, a sua função social - 61º, nº1, 81º, c) a e), 89º, 96º, nº 1, a) e 103º, a) e c).

Com efeito, o direito de propriedade sofre

Limitações de interesse público de que sobressaem: Expropriação - 62º, nº 2 da Constituição, Cód. Exp. e 1310º do CC Requisição - 62º, nº 2, da Constituição, 1309º e 1310º CC, 76º e 80º do C. Exp.

Só pode verificar-se nos casos previstos na lei e mediante indemnização adequada, tal como a expropriação.

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Segundo M. Caetano, requisição é o «acto administrativo pelo qual um órgão competente impõe a um particular, verificando-se as circunstâncias previstas na lei e mediante indemnização, a obrigação de prestar serviços, de ceder coisas móveis ou semoventes ou consentir na utilização temporária de quaisquer bens que sejam necessários à realização do interesse público e que não convenha procurar no mercado».

Servidões administrativas - implicam a afectação (de direito público) de utilidades de um prédio objecto de direitos reais, em benefício de outro, por razões de utilidade pública. Na medida necessária à satisfação do fim público que as justifica, as servidões administrativas traduzem-se em limitações ao exercício do correspondente direito, por referência às utilidades do prédio que ficam afectadas.

Exemplos: servidões de margem (em relação a águas públicas), de aqueduto público, de estradas e auto-estradas, linhas férreas, de linhas eléctricas, telefónicas e telegráficas, aeronáuticas, militares e de faróis, non aedificandi.

E sofre, também, Limitações de interesse particular, tais como: - 1346º: ver o Ac. no BMJ 446-224, já distribuído a propósito da protecção dos

direitos da personalidade - art. 70º - com abundante indicação de doutrina, lei e jurisprudência.

Nele se trata em profundidade da colisão de direitos, da protecção do ambiente e qualidade de vida como direito de personalidade, com referência a Convenções internacionais relevantes na matéria. Nesta norma se regula a existência de pocilgas (BMJ 350-301), vacarias, estábulos ou viteleiros (Col. 88-2-63; 92-I-83), pedreiras e direito ao trabalho versus direito de personalidade (92-III-130), estabelecimento de pastelaria licenciado que produz fumos, vapores, ruídos e cheiros; colisão de direitos (Col. 97-I-145); protecção do ambiente, actividade industrial, colisão de direitos, Lei de Bases do Ambiente e Constituição - Col. Jur. 03-I-168. 1347º - ainda que licenciadas pela autoridade administrativa, serão encerradas as instalações prejudiciais.

No Ac. no BMJ 459-444 tratou-se a questão de instalação de bomba de gasolina junto de escola primária, também questão de ambiente.

1348º - escavações que danificam o prédio vizinho: responsabilidade do

proprietário, ainda que a obra tenha sido executada por empreiteiro e mesmo que tenham sido tomadas as precauções julgadas necessárias - BMJ 457-317 e Col. Jur. STJ 2001-I-174 (este responsabilizando a Brisa por danos em prédios vizinhos, apesar de as obras de construção da auto-estrada serem levadas a cabo por empreiteiro).

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1350º - Ruína de construção. Relacionar com os art. 492º, nº 1 e 493º, nº 1. Se as escavações ou ruína de construção causarem danos em estabelecimento instalado em prédio vizinho, pode o locatário, ao abrigo do disposto no art. 1037º do CC, pedir a indemnização adequada (Col. 98-II-98). 1351º - escoamento natural das águas, não por mão do homem ou de águas sujas que não são águas naturais - Col. STJ 95-III-106. 1356º - Se onerado o prédio com servidão de passagem, continua o proprietário a poder exercer o direito de tapagem, desde que forneça uma chave ao dono do prédio dominante - BMJ 446-257. 1360º a 1365º - construções e edificações, servidão de vistas e de estilicídio, janelas, frestas, seteiras e óculos para luz. Estudo de H. Mesquita na RLJ 128-119 e ss, a estudar aquando das servidões.

1370º e ss - paredes e muros de meação. A propriedade tal como regulada no CC tem por objecto coisas corpóreas, móveis ou imóveis - 1302º - estando outras formas de propriedade, como os direitos de autor e a propriedade industrial, sujeitas a legislação especial, com aplicação subsidiária do CC - 1303º - Col. Jur. 01-V-198. Sobre caminhos, atravessadouros, interpretação restritiva do Assento de 19.4.89, no DR I, de 2.6.89, pode ver-se o Ac. de 15.6.2000, no BMJ 498-226, de que vai cópia. A propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão - 1316º -, indicando o art. 1317º o momento da aquisição da propriedade em cada uma destas formas. Direito legal de preferência, aquisição por sentença com efeitos ex tunc.

Negócios Jurídicos reais quoad effectum - produzem por si efeitos reais (408º, nº 1, 879º, al. a), 954º, a) e 1317º, a) - e quoad constitutionem: para o negócio se formar validamente deve haver entrega da coisa (traditio); exemplos característicos são a doação verbal de coisas móveis (artº 947.°, n.° 2) e o contrato de penhor (artº 669º, n.° 1 ).

Atenção, naqueles, à necessidade de registo para que sejam eficazes em relação a terceiros - 408º, nº 1, CC e 5º do CRP - A. Varela, na RLJ vista acima.

Usucapião - estudada aquando da posse. Ocupação - 1318º a 1324º Sucessão por morte - 2024º e ss; 2031º, 2050º.

Discute-se se a partilha tem carácter constitutivo ou meramente declarativo. P. Coelho defende esta última tese, ensina que a partilha tem carácter meramente

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declarativo, é um negócio certificativo duma situação anterior, concretizando em bens determinados um direito a uma parte ideal da herança que já existia antes dela. Assim sendo, a partilha não será justo título para o efeito da aquisição por usucapião. O justo título para o efeito será apenas a sentença homologatória da partilha. (Vide Lopes Cardoso, "Partilhas Judiciais", 3ª ed. II, pág. 504).

Acessão - 1325º a 1343º A acessão - que ocorre quando com a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra que lhe não pertencia (1325º) - pode ser natural se a união ou incorporação resultam exclusivamente da acção de forças da natureza ou industrial se há, ainda que não exclusivamente, intervenção do homem - 1326º. E será mobiliária ou imobiliária conforme a natureza das coisas a que respeita. A acessão natural é sempre imobiliária (1327º a 1332º), enquanto que a industrial pode ser mobiliária ou imobiliária. A mobiliária desdobra-se em união ou confusão (1333º a 1335º) e em especificação (1336º a 1338º). Interessa-nos, sobretudo, considerar a acessão industrial imobiliária regulada nos art. 1340º a 1343º. ... a extinção do direito do proprietário do solo não pode considerar-se ditada apenas por razões de interesse particular. O fundamento ou motivo da acessão não reside tão-só na utilidade privada do beneficiário da acessão, mas também no interesse público da resolução normativa de um conflito de direitos e no interesse, igualmente público, subjacente ao princípio da tipicidade dos direitos reais, que exige que não permaneçam duas propriedades sobrepostas fora dos casos expressamente previstos na lei, em que as vantagens do fraccionamento vertical do direito de pro-priedade excedem os inconvenientes que podem surgir dos conflitos provocados pela sobreposição daí resultante.

Este interesse público prevalece, naturalmente, sobre o interesse particular do adquirente, a quem - lembre-se - não é concedida, segundo a interpretação perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça, qualquer possibilidade de evitar, em concreto, a acessão, dado que esta opera automaticamente, uma vez verificada a incorporação da obra no solo - TC, DR, II, de 30 de Outubro de 2.000, que julgou não inconstitucional esta forma de aquisição da propriedade que se não confunde com a expropriação, mesmo por utilidade particular, com a indemnização fixada no valor que o prédio tinha antes das obras. Nela está em causa a aquisição de bens por efeito da construção de obras ou da feitura de sementeiras ou plantações, quando ao seu autor não pertencerem o terreno ou materiais, sementes ou plantas usadas, ou ambas as coisas. Os bens a que a aquisição respeita tanto podem ser o terreno como os materiais, sementes ou plantas.

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Embora o art. 1317º, al. d), disponha que a aquisição do direito de propriedade por acessão tem lugar no momento da verificação do respectivo facto, uma vez verificada a incorporação (P. Lima - A. Varela, Anotado, III), o certo é que o regime da acessão não impõe ao beneficiário a aquisição automática do direito de propriedade sobre a coisa, antes atribui ao beneficiário a faculdade de aquisição, um direito potestativo que ele exercerá ou não e, em regra, contra o pagamento de indemnização à outra parte e verificados os pressupostos legais (maior valor da incorporação, boa fé, etc.) - O. Ascensão, Menezes Cordeiro, Carvalho Fernandes.

Defendendo a aquisição automática, o STJ na Col. 96-I-154, a seguir referida. Importa distinguir entre acessão e benfeitoria.

Numa primeira e sumária análise, a benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela. A aquisição por acessão é sempre subordinada... à falta de um título que dê, de per si, a origem, a disciplina da situação criada. Num olhar mais atento, o que verdadeiramente caracteriza e justifica a acessão industrial imobiliária é a natureza inovadora e transformadora das obras que podem, a nosso ver, ter lugar em qualquer prédio alheio, seja unicamente no solo, seja em construção nele existente, desde que, no entanto, se não trate de simples obras de melhoramento ou de reparação - Col. 1997-II-177 - (Araújo Barros), com comentário favorável do Prof. Varela, este na Col. STJ 98-II-5.

A benfeitoria não se destina senão a conservar ou melhorar a coisa, atribuindo a lei ao seu autor um direito de levantamento ou um direito de crédito contra o dono da coisa benfeitorizada.

A acessão, diversamente, consiste na construção de coisa nova, mediante alteração da substância daquela em que a obra é feita.. A moradia construída pelos cônjuges no terreno que é bem próprio de um deles constitui benfeitoria. - Col. STJ 93-I-102.

O mesmo decidiu a Relação do Porto por Ac. na Col. 95-II-184, considerando que as obras de reconstrução e ampliação de casa de um só (a quem fora doada) dos cônjuges, na pendência do casamento, são benfeitoria, pelo que o prédio continua próprio do cônjuge a quem fora doado, embora este cônjuge esteja obrigado a compensar o património comum pelo valor das benfeitorias realizadas na pendência do casamento - (1726º).

A autorização não está sujeita a forma e a acessão abrange tanto o terreno

ocupado pela construção como o que lhe serve de logradouro - STJ 96-I-153.

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I - O direito de acessão restringe-se à parte do terreno onde se situam as obras que o valorizaram em montante superior ao seu valor anterior.

II - Este excesso de valor deve considerar-se em relação ao momento em que se manifesta a vontade de exercer o direito de acessão - Col. STJ 96-I-129.

I - Os limites do prédio são fixados segundo um critério económico. II - Donde decorre que acessão industrial imobiliária pode ocorrer em relação a

parcelas de prédios (parcela onde a casa foi implantada, não todo o terreno do imóvel anterior à obra - Col. STJ 2.000-I-107 – mas supõe que a construção obedeceu aos requisitos legais (licença administrativa de construção e destacamento – Col. Jur. (STJ) 2003-I-76, com cópia.

O valor devido pelo autor das obras, por quem exerce o direito de acessão, é o

valor que o prédio tinha antes das obras - art. 1340º, nº 1, in fine - nele realizadas, valor não actualizável apesar de se tratar de uma dívida de valor porque este (valor) é previamente fixado pela lei: o valor que o prédio tinha antes das obras, da incorporação e não outro - RLJ 132-254 e 339 (A. Varela).

Dívidas de valor, sujeitas no próprio direito português constituído (art. 551º do

Código Civil), ao princípio da sua permanente actualização em face do valor oscilante da moeda, são aquelas que não têm directamente por objecto o dinheiro, mas a prestação correspondente ao valor de certa coisa ou à satisfação de determinado objectivo como a obrigação de alimentos, a obrigação de indemnizar por equivalente, a obrigação de restituir o enriquecimento obtido à custa alheia), em que o dinheiro apenas intervém como um objecto temporal ou transitório de referência ou de liquidação da prestação.

E dá-se mesmo a circunstância curiosa de a obrigação imposta ao adquirente do

imóvel remodelado pelas obras alheias ser declaradamente uma dívida de valor. De um valor, todavia, não sujeito a permanente actualização, como os tribunais de instância erroneamente decretaram; mas do valor que o prédio tinha antes de as obras (de transformação) terem sido iniciadas.

E esse valor, referido à data a que a lei manda concretamente, especificadamente,

atender é o de 55.200 contos (segundo os elementos de facto constantes dos autos). O valor referido na lei é esse - e só esse - o valor do imóvel antes do começo das

obras - e não, como os tribunais de instância infundada e ilegalmente julgaram, o valor que o prédio, sem as obras, tiver à data da decisão proferida sobre a acção.

Mesmo que se entenda que o atraso na recepção do preço devido à Schimming é

imputável à Auto-Sueco (ponto ainda agora controvertido entre as partes, por causa do entrecruzamento do processo de falência com a acção cível de reconhecimento da propriedade do imóvel), a sanção adequada contra esse atraso culposo do pagamento do

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preço não seria nunca a alteração arbitrária do preço fixado na lei por um preço fixado em novos moldes, mas apenas a condenação da Autora ao pagamento dos danos moratórios alegados e provados pela ré - Parecer de A. Varela, na Col. STJ 98-II-5.

Contra: Ac. STJ, de 10.2.2000, BMJ 494-347 e da R.ão de Lisboa, de

24.1.2002, na Col. Jur. 02-I-88, entendendo que o valor do prédio antes das obras deve ser actualizado à data do exercício do direito (potestativo) de acessão.

I - A boa fé como elemento constitutivo da acessão industrial imobiliária na modalidade prevista na parte final do n.º 4 do art. 1340º do CC consiste na existência de autorização simples pelo dono do terreno para incorporação da obra.

II - Mas se a autorização para incorporação da obra for uma autorização negociada, com efeitos determinados quanto ao benefício a retirar pelo autor da incorporação, não pode este retirar mais benefícios que os concedidos, estando excluída a aquisição do terreno por acessão.

III - Neste caso, o conceito operativo de boa fé a considerar é o da boa fé - princípio geral do direito, a boa fé como regra de actuação leal, correcta, no cumprimento das obrigações e no exercício dos direitos - Col. STJ 99-II-110.

Longo estudo sobre acessão e benfeitorias pode ver-se na Col. STJ 96-I-11 e ss.

COMPROPRIEDADE - 1403º a 1413º Como se vê do art. 1403º, nº 1, do CC, há compropriedade, ou propriedade comum, quando duas ou mais pessoas detêm simultaneamente direito de propriedade sobre uma mesma coisa. As situações jurídicas de cada um dos consortes ou comproprietários são qualitativamente iguais, sendo indiferente que o sejam ou não sob o ponto de vista quantitativo, presumindo-se as quotas quantitativamente iguais se outra coisa não resultar do título constitutivo - 1403º, nº 2. As regras da compropriedade são aplicáveis à comunhão de quaisquer outros direitos, com as necessárias aplicações, e sem prejuízo do que para cada um destes a lei especialmente dispuser - 1404º. Com efeito, pode haver comunhão em todos os direitos reais: co-usufruto, co-servidão, composse, etc.

Figuras próximas: Na comunhão conjugal existe um património colectivo, um património com dois sujeitos que dele são titulares e que globalmente lhes pertence.

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Essa massa patrimonial não se reparte entre os cônjuges por quotas ideais, como na compropriedade ou comunhão do tipo romano: antes, como na antiga comunhão de tipo germânico, pertence-lhes em bloco e só em bloco. Os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede um certo grau de autonomia, e pertence aos dois cônjuges, podendo dizer-se que os dois são titulares de um único direito. Marido e mulher não têm qualquer fracção de direito que lhes corresponda individualmente e de que, como tal, possam dispor; como, individualmente, não podem dispor da sua posição em face do património comum por acto "inter vivos". Trata-se de um património que pertence em comum a duas pessoas, mas sem se repartir entre elas por quotas ideais, como na compropriedade: enquanto que a compropriedade é uma comunhão por quotas, aquela é uma comunhão sem quotas. Dissolvido o vínculo conjugal, o património comum degenera em comunhão ou compropriedade do tipo romano, podendo então, qualquer dos consortes dispor da sua quota ideal ou pedir a divisão da massa patrimonial através da partilha. Após o divórcio e antes da partilha o património permanece em situação de propriedade colectiva ou de mão comum mas equiparada à compropriedade - 1404º - regulando-se não pelas normas do direito de família mas pelas dos direitos das coisa que disciplinam a comunhão de bens ou direitos - Col. 92-IV-295 .

Aos bens comuns após a morte de um dos cônjuges mas antes da partilha aplicam-se as regras da compropriedade - BMJ 452-343.

Natureza dos bens após divórcio de casados em comunhão de adquiridos, actos

de uso e outros, acção de acessão imobiliária e de reivindicação; prédio construído em terreno de outrem - H. Mesquita, na RLJ 129-334.

A herança reveste a fisionomia de um património autónomo, separado, em confronto com o património pessoal dos herdeiros.

Antes da partilha, a herança é uma «universitatis juris» com conteúdo próprio fixado na lei. Os herdeiros são titulares de um direito indivisível enquanto se não fizer a partilha; até à partilha tal direito recai sobre o conjunto da herança e não sobre bens certos e determinados, sobre uma quota ideal da herança e não de cada um dos bens que constituem a herança.

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Meação e a herança não se confundem: a titularidade daquela constitui um direito próprio relacionado com o vínculo conjugal; a desta resulta do fenómeno sucessório. São patrimónios autónomos, distintos e com diversa afectação - Ac. de 1.2.95, na Col. (STJ) 95-I-58.

Herança indivisa - Aceitação da herança - Partilha - Arrendamento de imóveis - Regime de comunhão de adquiridos Consentimento do cônjuge

I - A comunhão hereditária, geralmente entendida como universalidade jurídica,

não se confunde com a compropriedade (v. artigo 1403º, nº 1, do Código Civil), uma vez que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa.

II - Da aceitação sucessória apenas decorre directamente para cada um dos cha-mados o direito a uma quota hereditária, sendo que os herdeiros são titulares, apenas, de um direito à herança, universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito hereditário se concretizará, bem podendo tais bens ficar a pertencer só a alguns ou a um, sendo os demais compensados com tornas.

III - Até à partilha, os herdeiros são titulares tão-somente do direito a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar sendo certo que só depois do realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou compro-prietário de determinado bem da herança.

IV - Não sendo o réu, à luz dos precedentes princípios jurídicos, proprietário nem comproprietário de qualquer dos prédios pertencentes à herança indivisa, e não sendo, por isso, esses imóveis próprios dele, não carece, para o arrendamento dos mesmos, do consentimento da esposa, com quem está casado em regime da comunhão de adquiridos - Ac. STJ, Ac. de 26.1.99 (S. Paixão), no BMJ 483-211

É discutida a natureza jurídica da compropriedade. Para uns (Mota Pinto e

Manuel Rodrigues) na compropriedade cada um dos comproprietários é titular de um direito sobre uma quota ideal ou intelectual da coisa, que constitui o seu objecto (1403º nº 2, 1408º e 1410º referem-se a quotas dos consortes).

Esta doutrina não explica os poderes dos comproprietários sobre a própria coisa,

no seu todo e não sobre quotas, meramente ideais ou intelectuais, como acontece no significativo poder de uso.

Outros (Lisboa) vêem na compropriedade um conjunto de direitos de

propriedade, coexistindo sobre toda a coisa e não sobre qualquer realidade ideal ou imaterial, como seria a quota, nem sequer sobre uma parte da coisa.

Do disposto no art. 1405º, nº 1 parece resultar o acerto desta doutrina: o

conjunto dos poderes dos comproprietários corresponde aos poderes dos proprietários singulares; mas na actuação desses poderes interfere o aspecto quantitativo, pelo que os

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comproprietários só participam nas vantagens da coisa e só suportam os correspondentes encargos na «proporção das suas quotas».

H. Mesquita trata a compropriedade como pessoa colectiva: na compropriedade

haveria um só direito com vários titulares. Tese sem apoio no regime da lei que considera os direitos qualitativamente iguais, permite a cada consorte onerar ou dispor da sua quota (art. 1408º, nº 1, CC) e renunciar ao seu direito (1411º, nº 1, in fine).

Na compropriedade, havendo uma mera justaposição de direitos

qualitativamente iguais, não está em causa mais do que o uso e fruição da coisa comum pelo conjunto dos consortes.

Pelo contrário, na sociedade, a realização do fim comum - obtenção de lucro a

repartir pelos sócios - não se contenta com tão pouco, pelo que ela não pode ter como objecto uma mera actividade económica de fruição (artº 980º). A actividade da sociedade tem de potenciar rendimentos, o que implica a criação de utilidades adicionais. Isoladamente cada comproprietário pode:

1 - usar a coisa comum - 1406º, nº 1; 2 - onerar e ou dispor da sua quota - 1408º, nº 1;

Nulidade e ineficácia de disposição ou oneração de toda a coisa comum ou de

parte especificada dela, embora na proporção da sua quota - nº 2: Se um comproprietário, sem consentimento dos restantes, alienar parte específica

da coisa comum, ou toda ela, como coisa alheia, resulta do artº 893° valer o acto como venda de coisa futura, com mera eficácia obrigacional, nos temos do n.° 2 do art.º 408º.

Sendo, porém, feita a venda como se de coisa própria se tratasse, comina a

primeira parte do artº 892º a nulidade do acto, por falta de legitimidade do alienante. A moderna doutrina vem, porém, entendendo, sem discrepância de vulto, ser essa nulidade restrita às relações entre as partes.

No que respeita ao verdadeiro titular - in casu, aos restantes comproprietários - a

alienação é ineficaz (Col. Jur. STJ 2003-I-106)

Mesmo inter partes a nulidade não segue o regime geral, porquanto se estabelecem restrições à normal legitimidade para a arguir. Assim, o vendedor não a pode invocar perante o comprador de boa fé, tal como o comprador doloso a não pode opor ao vendedor de boa fé (artº 892º, 894º e ss.). Possibilidade de redução ou conversão comuns de venda de parte especificada da coisa - 293º e 292º CC - para, de seguida, o comproprietário exercer o direito de preferência:

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Quando, porém, outro comproprietário pretende exercer o direito de preferência, parece razoável que a conversão seja possível a requerimento dele, para poder exercer esse direito, mesmo que não seja de supor que as partes teriam querido a compra e venda da quota ideal do vendedor; é que então não pode opor-se à conversão qualquer interesse legitimo das partes: do vendedor porque se desfez de parte especificada ou de toda a coisa comum; do comprador porque está sujeito à preferência e comprou - se toda a coisa - a non domino - RLJ 103-60, citado na Col. 89-I-60.

O direito de preferência dos art. 1409º e 1410º é tratado a propósito dos

direitos legais de preferência. Cabe aqui notar a natureza real do direito de preferência legal, com inerência,

sequela e eficácia erga omnes sem necessidade de registo, em contraste com o direito de preferência convencional a que não tenha sido atribuída eficácia real (416º e 421º).

3 - reivindicar a coisa comum, não podendo o terceiro opor-lhe que ela não lhe pertence por inteiro - 1405º, nº 2; Porém, só os titulares em conjunto podem exercer o direito potestativo de aquisição por acessão - RLJ 129-334. Por maioria - Na falta de convenção em contrário, a administração cabe, por igual, a todos os consortes - 1407º e 985º para que aquele remete; de administração são os actos de fruição da coisa comum, da sua conservação ou beneficiação, e ainda, actos de alienação de frutos. O STJ - Col. 95-II-125 - entendeu que um comproprietário, mesmo desacompanhado dos restantes, tem legitimidade para reclamar a indemnização por danos de carácter patrimonial causados por outrem, no prédio comum. (Entendeu-se não ser aplicável o art. 1407º, nem ser caso de litisconsórcio necessário no caso de exercício do direito de indemnização por danos). Por unanimidade, - disposição de toda a coisa ou de parte especificada dela - 1408º, nº 2; - arrendamento de prédio indiviso - 1024º, nº 2; - renúncia ao direito por um dos comproprietários para se eximir às despesas de conservação ou fruição da coisa comum, nos termos do art. 1411º, n.os 1 e 2.

Encargos e despesas - 1405º, nº 1 e 1411º, nº 1.

Divisão - Salvo cláusula em contrário (prazo de cinco anos, renovável por nova convenção; em relação a terceiros, registo se de imóvel se trata, assim como escritura pública - A. Varela, CC Anotado) nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão - 1412º, nº 1.

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Extrajudicial - 1413º - (forma da compra e venda) ou judicial, pelo processo regulado nos art. 1052º a 1057º CPC. É duvidoso que o A. possa desistir do pedido na acção de divisão de coisa comum. Não admitiu a desistência a Relação do Porto, na Col. 1977-I-72; admitiu-se tal desistência no Ac. publicado na Col. 96-II-131.

PROPRIEDADE HORIZONTAL 1414º a 1438ºA

A propriedade horizontal foi instituída em Portugal pelo Dec-Lei nº 40.333, de

14.10.1955, tendo o regime então consagrado transitado para o CC, alterado pelo Dec-Lei nº 267/94, de 25 de Outubro, ditado, como do respectivo preâmbulo consta, pela necessidade de «aperfeiçoar regras e adaptar outras à evolução entretanto verificada, suprindo omissões de regulamentação entretanto suscitadas e vencendo «algumas dificuldades de aplicação desfavoráveis ao progresso do instituto, sem, todavia, modificar o rumo escolhido pela lei antecedente».

A PH resultou da necessidade de dar habitação às populações que cada vez mais se concentram nos centros urbanos, sacrificando o espaço aéreo com a construção em altura em favor da superfície em que menos moradias independentes se construiriam.

É controvertida a natureza jurídica da Propriedade Horizontal. Desde a teoria da indivisão forçada segundo a qual o edifício parcelado em

distintas fracções pertence em compropriedade aos diversos titulares dessas fracções, não sendo estes detentores de qualquer direito de propriedade singular mas apenas da faculdade de fruir em exclusivo determinada fracção do edifício de que, afinal, são comproprietários,

à da servidão - cada fracção é objecto de propriedade plena, embora onerada

com um direito de servidão a favor das que dele dependem, ou aos que consideram a PH uma situação ou relação propter rem, sob a

forma de um ónus ou lhe atribuem natureza dualista (M. Pinto e Dias Marques), pois a PH é

integrada por um concurso de dois direitos: um direito de plena propriedade sobre as partes privativas (cada condómino é pleno proprietário de cada uma das fracções independentes de que se compõe o prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal), e este direito é uma “plena in re potestas” conferindo os poderes do proprietário; Coexiste, com esta plena propriedade, uma compropriedade (forçada) nas partes comuns (cada um dos condóminos é, além de proprietário pleno da sua parte privativa, comproprietário das partes comuns), que está ligada à propriedade plena da parte privativa, de tal forma que na alienação do direito de propriedade horizontal vão

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coenvolvidos a propriedade sobre a parte privativa e o direito de compropriedade sobre as partes comuns,

os que a consideram um direito real novo (O. Ascensão), complexo, pois combina figuras preexistentes de direitos reais; propriedade e compropriedade, que se mantêm distintas por força da diversidade do seu objecto, um direito real composto, pois os dois direitos reais fundem-se para constituir uma unidade nova (1420º, nº 2); mais recentemente, este Autor considera a PH uma propriedade especial.

Para P. Lima-A. Varela, o que verdadeiramente caracteriza a propriedade horizontal é a fruição de um edifício por parcelas ou fracções independentes, mediante a utilização de partes ou elementos afectados ao serviço do todo. Trata-se, em suma, da coexistência, num mesmo edifício, de propriedades distintas, perfeitamente individualizadas, ao lado da compropriedade de certos elementos, forçadamente comuns" - 1420º, nº 1 e 1421º.

A aplicação do regime - com as devidas adaptações - da PH a conjuntos de edifícios contíguos, funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os compõem (1438ºA) veio modificar em certa medida o conceito de propriedade horizontal e tornar menos adequada esta designação do instituto para abranger essa nova realidade.

1414º

A fracção autónoma objecto de propriedade singular é fracção por ser parte de um todo e autónoma por não depender de qualquer outra para prestar as utilidades a que se destina. Enquanto proprietário da sua fracção - que é individualizada por letra distinta (82º, nº 2, do C. R. Predial) exerce ele o seu direito com exclusão dos demais condóminos, embora com as limitações próprias de tal situação - art. 1422º; enquanto comproprietário das partes comuns fica enquadrado nas regras da compropriedade, ainda que, também, com a sua peculiar fisionomia resultante do disposto nos arts. 1420º, n.° 2 (indivisibilidade e irrenunciabilidade), 1423.° (não preferência) e 1425º, n.° 2 (não a algumas inovações nas partes comuns).

Como proprietário pode ele usar os meios de defesa dos art. 1311º a 1315º, adquiriu a propriedade sobre a sua fracção por qualquer dos meios previstos nos art. 1316º e 1317º; tem o direito de se opor aos factos incómodos ou prejudiciais enunciados no art. 1346º (fumos, vapores, cheiros, ruídos), mesmo relativamente a outros condóminos que pratiquem qualquer desses factos, e está sujeito às restrições e responsabilidades dos art. 1347º a 1349º e ss.

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Com a nova redacção dada ao art. 1421º, al. b) e aditamento do nº 3, o uso por um condómino de qualquer parte comum (seja da cobertura ou do subsolo), ainda que em exclusivo, não altera a natureza dessa parte nem o seu estatuto jurídico, pelo que a respectiva fruição está sujeita às limitações para que aponta o art. 1422º.

Também a afectação de uma parte comum ao uso exclusivo de um condómino

nunca lhe permitirá a aquisição por usucapião, com fundamento em inversão do título da posse - n.º 2 do art. 1406º CC1.

Já não se pode falar em propriedade horizontal se cada uma das fracções for

independente das demais e não tiver de utilizar espaços comuns do edifício, como sucede no caso de moradias geminadas que de comum têm apenas a parede divisória entre elas. Neste caso regem as regras do art. 1370º e ss2 (paredes e muros de meação).

Várias pessoas podem, simultaneamente, ser titulares do direito de propriedade

sobre uma fracção, ou ser uma proprietária da raiz e outra usufrutuária. Neste caso e entre essas pessoas regem as regras dos respectivos direitos (compropriedade, usufruto). Mas as relações entre esse grupo de pessoas titulares de direito sobre certa fracção autónoma e os demais condóminos são aplicáveis as normas da propriedade horizontal.

1415º

A independência e autonomia das fracções, requisito indispensável da PH, é bem vincada no art. 1415º: as fracções devem constituir unidades independentes, ser distintas e isoladas entre si e com uma saída própria, seja para uma parte comum, seja directamente para a via pública, de forma a evitar promiscuidade e litígios entre os diversos proprietários.

Se não houver partes comuns - como nalguns casos de P. Vertical (lado esquerdo para um e lado direito para outro, casas geminadas com saída independente para a rua, não há Propriedade Horizontal, haverá duas propriedades contíguas, com parede de meação. Notar a aplicação, devidamente adaptada, do regime da PH a casos destes, nos termos do art. 1438ºA, adiante analisado.

1416º e 1417º

As várias formas de constituição da PH - títulos constitutivos - constam do art. 1417º, mas o art. 1416º comina com a nulidade do título a falta dos requisitos legalmente exigidos nos art. 1414º, 1415º e n.º 3 do art. 1418º.

1 - A. Seia, Propriedade Horizontal, 2ª ed., 2002, 17 2 Aragão Seia, Propriedade Horizontal, Almedina, 2001, pág. 15.

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Esta nulidade tem regime e efeitos diferentes do regime geral dos art. 286º e ss, pois não é de conhecimento oficioso - 1416º, nº 2 - (embora não seja necessária a intervenção de todos os condóminos para a pedir - Col. STJ 99-I-144) e importa a sujeição do prédio ao regime da compropriedade, como dispõe o n.º 1 do art. 1416º. Para além destes requisitos civis há os requisitos administrativos, nomeadamente os impostos pelo RGEU, com as alterações introduzidas pelo Dec-lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação, e salvaguardando exigências de segurança, salubridade, de natureza arquitectónica, estética, urbanística que têm de ser respeitadas, por condicionarem a construção de edifícios e a sua utilização. Por isso tirou o STJ o Assento de 10.5.89, no BMJ 387-79 e DR, II, de 22.6.89, dispondo que «nos termos do artigo 294º do Código Civil, o título constitutivo ou modificativo da propriedade horizontal é parcialmente nulo ao atribuir a parte comum ou a fracção autónoma do edifício destino ou utilização diferentes dos constantes do respectivo projecto aprovado pela câmara municipal», doutrina que passou a constar do n.º 3 do art. 1418º, na redacção do Dec-Lei nº 267/94, de 25 de Outubro. Atento o interesse público de assegurar o cumprimento das condições de salubridade, segurança e solidez dos edifícios em função do uso a que se destinam3, confere a lei, além de aos condóminos, também ao MºPº - 1416º, nº 2 - legitimidade para arguir a nulidade do título, ainda que sobre participação da entidade pública competente para aprovar ou fiscalizar as construções.

Daí que se tenha decidido - Col. STJ 94-I-144 - haver nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal, quando contraria o que foi aprovado pela Câmara Municipal, nomeadamente se passou um espaço comum destinado a porteiro não residente para fracção autónoma, sob pena de ser considerado parcialmente nulo o título constitutivo do condomínio e considerada nula a venda autónoma que tenha por objecto esse fogo, quer por ser venda a non domino quer nos termos do art. 280º, nº 1, porque uma parte comum não é passível de venda - BMJ 431-472, Ac. de 3.11.93.

É parcialmente nulo o título constitutivo da propriedade horizontal que

autonomizou como fracção a casa da porteira - parte comum - e que, como tal, havia sido aprovada pela autarquia municipal no projecto de construção - Col. STJ 98-I-86.

As várias formas de constituição da PH - títulos constitutivos - são o 1 - Negócio jurídico - inter vivos ou mortis causa. Se não for testamento há-de o negócio ser celebrado por escritura pública - art. 80º, nº 1 e 2, b), do C. Notariado -

3 - Ib., 2ª ed., 23.

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normalmente por acto unilateral do proprietário do prédio ainda em construção, sem a pluralidade de titulares que o condomínio pressupõe. Entende-se em tal caso que este acto, válido, fica dependente na sua eficácia e, em tudo o que pressuponha a pluralidade de condóminos, da alienação de alguma fracção. Da mesma forma entende-se que da concentração do direito de propriedade de todas as fracções autónomas de um edifício em regime de propriedade horizontal numa só pessoa não resulta a extinção automática e necessária desse regime; mas a vontade dessa mesma pessoa, formalmente expressa nos temos do art. 1419°, pode fazê-lo cessar. Há simples suspensão do funcionamento do sistema da PH; para certos efeitos, como o de responsabilidade por dívidas (contribuição autárquica com privilégio imobiliário), convém que se mantenha a autonomia das fracções. O Dec. Lei nº 268/94, de 25 de Outubro, estabeleceu no seu artigo 10º que, celebrado um contrato promessa de compra e venda de fracção autónoma a constituir, e salvo estipulação expressa em contrário, fica o promitente-vendedor obrigado a exercer as diligências necessárias à constituição da propriedade horizontal e à obtenção da correspondente licença de utilização.

Por sua vez, o Dec. Lei nº 281/99, de 26 de Julho, determinou que não podem ser

celebradas escrituras públicas que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos ou de suas fracções autónomas sem que se faça perante o notário prova suficiente da inscrição na matriz predial, ou da respectiva participação para a inscrição, e da existência da correspondente licença de utilização, de cujo alvará, ou isenção de alvará, se faz sempre menção expressa na escritura - nº 1; para o efeito, nos prédios submetidos ao regime de propriedade horizontal, a menção deve especificar se a licença de utilização foi atribuída ao prédio na sua totalidade ou apenas à fracção autónoma a transmitir - nº 2.

Assim, se o vendedor de fracção de imóvel destinada a ser arrendada para

comércio não obteve a respectiva licença de utilização, cumpre defeituosamente o contrato de compra e venda, pois de cumprimento defeituoso da obrigação se trata e não de venda de coisa defeituosa, pelo que, se por virtude disso, o comprador ficou impedido de a arrendar, está obrigado a indemnizá-lo pelos prejuízos sofridos.

Adquiridos por compra uma fracção para habitação e um lugar indeterminado de

garagem, de um prédio constituído em propriedade horizontal, a não disponibilidade permanente deste por causa imputável ao vendedor configura um caso de cumprimento imperfeito ou defeituoso de obrigação, por a prestação realizada não corresponder ao

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objecto da obrigação a que o vendedor estava adstrito, conferindo ao comprador o direito de redução da sua contraprestação4.

2 - Decisão judicial em acção de divisão de coisa comum ou em inventário -

é forma de encontrar partilha mais justa e equilibrada, atribuindo a cada interessado uma parte autónoma de prédio que, de outra forma e por ser indivisível, seria adjudicado a um só ou vendido a terceiro. A sentença a proferir verifica se estão presentes os requisitos legais para constituição da PH, incluindo os exigidos pela autoridade administrativa5.

Examinou-se esta forma de constituição da PH no Ac. do STJ, na Col. Jur. (STJ)

01-II-51. 3 - Usucapião - 1287º - a posse há-de traduzir-se num comportamento que seja

equivalente ao que assumiria um condómino em relação a certa unidade de determinado prédio urbano e de todos em relação às partes comuns, além de se impor a exigência dos requisitos legais (e administrativos) para a constituição da propriedade horizontal, a declarar por sentença judicial que é o verdadeiro título constitutivo da PH, a registar. Será, pois, de raríssima verificação.

Na falta dos requisitos exigidos pelos art. 1414º, 1415º e 1418º, nº 3, estar-se-á

perante compropriedade. O STJ (DR,II, de 8.6.96) uniformizou a Jurisprudência no sentido de que "Nos

termos do n.° 3 do artigo 442º do Código Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.° 236/80, de 18 de Julho, tendo havido tradição de fracção de prédio urbano, o promitente-comprador goza do direito da sua retenção, mesmo que o edifício ainda não esteja submetido a regime da propriedade horizontal."

E decidiu que Não é viável a execução específica de contrato-promessa de compra e venda de uma fracção de um prédio, enquanto não for constituída a propriedade horizontal - Col. 97-I-111. Os Prof. P. Lima e A. Varela - Anotado, III, 2ª ed., 403, citado em A. Seia, 2ª. ed., 37, ensinam que a propriedade horizontal poderá constituir-se, ainda, por sentença, sempre que haja incumprimento de contrato promessa de compra e venda de uma ou mais fracções autónomas, em edifício ainda não constituído em propriedade horizontal, e seja possível a execução específica, nos termos do art. 830º do CC.

1418º O título constitutivo (sujeito a registo - art. 2º, 1, b), do CRP) da propriedade

horizontal é a pedra angular no ordenamento que regula as relações entre os condóminos, gozando, assim, de eficácia erga omnes, dada a sua natureza real, desde que

4 - Ib., 2ª ed., 27. 5 - ib., 36.

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conste de registo - BMJ 474-467. Juntamente com o regulamento, o título constitutivo constitui o estatuto regulador do condomínio.

O título contém menções obrigatórias - nº 1: - Individualização das fracções - indispensável para se determinar em relação a

que parte do prédio se verifica a propriedade singular de cada condómino, para saber se as fracções constituem unidades independentes entre si, como é da natureza da PH, e para se conhecer que partes comuns pertencem à fracção, em regime de compropriedade forçada;

- Fixação do valor de cada fracção - indispensável para os efeitos previstos na

lei - art. 1424° (repartição das despesas de conservação e fruição do edifício), dos arts. 1425º e 1426º (deliberação sobre inovações e pagamento das respectivas despesas), do art. 1428° (destruição do edifício e deliberação sobre o seu ulterior destino), do art. 1430º (determinação dos votos de cada condómino na assembleia), do art. 1432º (convocação e funcionamento da assembleia), do art. 1435.°-A (administração provisória).

E pode conter especificações facultativas: - fim a que se destina cada fracção ou parte comum;

- regulamento do condomínio; - estipulação de compromisso arbitral para resolução de litígios emergentes das relações de condomínio. Estes n.os 2 e 3 - este último a cominar com nulidade a falta, no título constitutivo, das menções referidas no nº 1 e a não coincidência entre o fim dele constante para fracção ou parte comum com o que foi fixado no projecto aprovado pela entidade pública competente - foram introduzidos pelo Dec-Lei nº 267/94, consagrando, como dito, a doutrina do Assento de 10.5.1989. Os Assentos funcionam como leis interpretativas - A. Reis, Anotado, VI, 319; como tal e nos termos do art. 13º, nº 1, do CC, fundem-se com a norma interpretada e a sua doutrina é aplicável a títulos de constituição da PH anteriores à sua formulação, com as ressalvas daquele art. 13º - Col. STJ 94-I-144.

A nulidade não se estende a todo o título: eliminada a correspondente cláusula, prevalece o fim fixado no projecto aprovado pela entidade pública competente - C. Fernandes, Lições de Direitos Reais, 349. O vício de falta de fixação do valor pode sanar-se nos termos do art. 59º, nº 3, do C. Not. (documento autêntico complementar), pelo que a nulidade só deve prevalecer quando tal não ocorra.

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1419º Em regra, a modificação do título constitutivo tem de ser feita por escritura pública (formalidade ad substantiam - 220º e 371º), sujeita a registo e exige acordo de todos os condóminos, qualquer que seja o valor da respectiva fracção. Trata-se de um acto unilateral que pode ser praticado pelo administrador em nome do condomínio, se o acordo de que depende a modificação constar de acta assinada pelos condóminos.

Já se decidiu (BMJ 358-529) que o consentimento exigido para modificação do título não é judicialmente suprível e, ao contrário, que na falta de acordo de todos os interessados, só judicialmente pode ser alterado o título constitutivo da PH - (Col. 92-II-117)6.

Pode, porém, ser outorgado pelos condóminos interessados nos casos de junção

ou divisão de fracções - 1422ºA e seu nº 4.

Tem de respeitar-se, nestas alterações, o disposto no art. 1415º que caracteriza a PH, com documento camarário comprovativo de que a alteração está de acordo com os requisitos legais (60º, nº 1, do C. Not.) e pode ocorrer necessidade de integrar por acordo o testamento para nele introduzir as menções a que se refere o art. 1418º.

1420º

I - Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício (artigo 1420º, nº 1, do Código Civil), aplicando-se neste caso as regras da compropriedade na falta de específica regulamentação. II - Presumem-se comuns e, portanto, compropriedade de todos os condóminos, as coisas que não estejam afectadas ao uso exclusivo de um deles (artº 1421º, nº 2, al. e), do C. Civil) - afectação material existente à data da constituição do condomínio, que deve constar do respectivo título constitutivo, e não meramente resultante de uma objectiva destinação. III - Nas partes comuns não são permitidas inovações susceptíveis de prejudicar a utilização, por parte de alguns condóminos, tanto das coisas próprias, como das comuns - (artigo 1425º, alínea a). IV - Constituem inovação todas aquelas obras que modificam as coisas comuns, quer em sentido material, na substância ou na forma, quer quanto à sua afectação ou destino, nomeadamente económico. Não cabem, porém, no conceito de inovação as simples reparações ou reconstituição das coisas visando repô-las no primitivo estado de utilização.

6 Op. cit, 56 e nota 1.

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Pelo que se mandou retirar portas de alumínio com que um condómino vedara parte da cave - STJ, 9.5.91 BMJ 407-545 I - Cada condómino tem o direito de defender, sem qualquer restrição especial derivada do regime da propriedade horizontal, qualquer ofensa ao referido direito. II - Como proprietário e condómino do prédio a autora tem o direito de isoladamente se defender de tudo quanto ofenda o título constitutivo da propriedade horizontal, designadamente no que respeita a violação da estrutura do prédio e ao desvio do fim das fracções que a compõem - Col. STJ 95-I-107 BMJ 444-563 e Col. STJ 95-I-107 - Ao lado da propriedade exclusiva sobre a sua fracção, cada condómino tem, portanto, ainda um direito de compropriedade sobre as partes comuns do edifício, sendo assim contitular, juntamente com os restantes condóminos, do direito de propriedade sobre as partes comuns.

São, portanto, quanto às partes comuns do prédio, as regras da compropriedade que se aplicam quanto a pontos sobre que não exista regulamentação específica.

E o n.° 2 do artigo 1405º do Código Civil dispõe que cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro.

Assim, cada condómino tem o direito de defender, sem qualquer restrição especial, derivada do regime de propriedade horizontal, qualquer ofensa ao referido direito, venha ele donde vier.

Não existe litisconsórcio necessário quando o condómino pretende seja declarado

que determinada parte de um prédio constituído em propriedade horizontal é parte comum e, como consequência, a condenação do autor condómino a reconhecê-lo como tal - Col. 90-IV-124.

Não se torna necessária a intervenção de todos os condóminos para legitimarem a

acção que alguns deles instauraram contra o réu, construtor do prédio constituído em propriedade horizontal, com vista à eliminação de defeitos de construção nas partes comuns desse prédio... mal se compreenderia que, podendo cada consorte reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que esta não lhe pertence por inteiro (nº 2 do artigo 1.405º do CC), não pudesse pedir a reparação de defeitos na parte comum - Col. 99-III-10.

A legitimidade do administrador para agir em juízo na execução das funções que

lhe competem ou quando devidamente autorizado pela assembleia dos condóminos não afecta a referida legitimidade destes, atento o interesse directo que cada um tem em demandar pela utilidade advinda da procedência da acção - BMJ 352-357.

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BMJ 435-816 - Cada condómino é titular de um direito real composto, resultante da fusão do direito de propriedade singular sobre a fracção que lhe pertence com um paralelo direito de compropriedade sobre as partes comuns do prédio. Todavia, a valência erga omnes, própria dos direitos reais, só pode efectivar-se em relação a terceiros, designadamente em relação a simples arrendatários do condomínio, se o título constitutivo da propriedade horizontal estiver registado. Face à simples inscrição no registo predial, bem pode o condómino invocar a sua propriedade horizontal, quer contra outros condóminos quer contra terceiros.

O princípio da incindibilidade não obsta a que os condóminos, alterando o título constitutivo da PH, convertam em fracção autónoma uma parte comum - salvo se imperativamente comum - e a vendam.

1421º

Enquanto que o n.º 1 indica as partes imperativa e necessariamente comuns, do nº 2 constam as partes presuntivamente comuns. Com as alterações do Dec-Lei nº 267/94, designadamente na al. b) do nº 1 e acrescentamento do nº 3, ficou claro que são imperativamente comuns o telhado ou os terraços de cobertura ainda que destinados ao uso de qualquer fracção e não apenas, como constava daquela alínea, ao do ultimo pavimento. É que a fruição em comum de todas essas partes, pela função que desempenham, é inseparável da utilização, por cada condómino, da sua fracção autónoma; mesmo o telhado, ainda que transformado em terraço para uso de uma ou de algumas fracções, servindo para cobertura do edifício é essencial resguardo de todas as fracções, por isso se integrando obrigatoriamente na comunhão - A Propriedade Horizontal, Rui Vieira Miller, 157.

Por isso se não concorda com o decidido pelo STJ Col. 97-II-34, segundo o qual não são parte comum os terraços intermédios, os terraços incrustados num dos vários andares do prédio que dão cobertura apenas a uma parte deste e que não se situam - ao nível do último pavimento - na sua parte superior e que se encontram desde sempre afectados ao uso exclusivo dos donos daquele andar e ao qual só eles têm acesso.

Parece evidente que não deixa de ser cobertura - ainda que só parcial - do piso inferior o terraço que, à frente do 1º andar, serve de cobertura ao rés-do-chão e de varanda, de terraço, àquele 1º andar a que só o dono deste tem acesso, 1º andar que, por sua vez, é parcialmente coberto por igual terraço do piso superior.

Parece mais acertada a decisão da Relação do Porto - Col. 91-IV-214 - segundo a qual

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I - Em edifício constituído em regime de propriedade horizontal, os terraços de

cobertura são necessariamente comuns a todos os condóminos, ainda que destinados ao uso de um só, e mesmo no caso de apenas uma parte do prédio ser coberta pelos terraços. II - Feita uma construção num desses terraços contra a vontade dos condó-minos e com prejuízo para a utilização da garagem por alguns deles, deve a obra ser demolida. III - A demolição não pode ser substituída por indemnização, sendo inaplicável o disposto no n.° 2 do art. 829.° do Código Civil. Os espaços de garagem que constam do título constitutivo da propriedade horizontal como partes comuns, embora afectados ao uso exclusivo de cada um dos condóminos, estão sujeitos ao regime das partes comuns - Col. STJ 95-III-51.

I - Quer o telhado, em que se inclui a respectiva caixa vulgarmente designada por vão, quer o terraço são, nos temos da lei positiva, imperativamente comuns, mesmo que estejam, por acordo ou face ao título constitutivo, afectos à fruição de algum ou alguns condóminos, pelo que não são permitidas obras que constituam inovações sem prévia aprovação por maioria de dois terços do valor total do prédio, a obter em assembleia de condóminos. II - O facto de um terraço ter sido destinado ao uso de apenas alguns condóminos não transforma estes em proprietários do mesmo pelo que é abusiva e ilícita a construção no mesmo de uma cozinha, implicando necessariamente a sua demolição. III - Deve considerar-se como celebrada contra lei com carácter imperativo e portanto nula, a escritura de constituição de propriedade horizontal que inclui em determinadas fracções o terraço de cobertura do edifício - R.ão de Lisboa, Col. 97-I-102.

Recentemente - 8.2.2000, na Col. Jur. (STJ) 00-I-67 - e contrariando hesitante Jurisprudência anterior, o STJ decidiu que

I - O sótão ("ou vão do telhado") não é parte necessariamente comum do edifício, não integrando os conceitos de estrutura do prédio ou de telhado, para efeitos do artigo 1421º, nº 1 do CC.

II - O sótão (ou "vão do telhado") trata-se antes de parte do edifício que se presume comum, se do título constitutivo da propriedade horizontal não constar a sua afectação a alguma fracção autónoma, podendo, pois, tal presunção ser ilidida.

III - Se um sótão, desde o início da construção do prédio, esteve afecto em exclusivo a uma fracção autónoma, só através dela tendo comunicação, deve considerar-se que não é parte comum e que pertence a essa fracção autónoma, ficando, por conseguinte, ilidida aquela presunção.

Quanto às coisas referidas no nº 2, podem os condóminos acordar a sua exclusão do regime de comunhão: dividir os jardins, pátios ou garagens em propriedade singular ou compropriedade por alguns deles.

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I - Tendo as varandas sido descritas, no título constitutivo de propriedade horizontal, como privativas da fracção autónoma, não podem ser consideradas partes comuns pertença do condomínio, não obstante funcionarem como cobertura parcial do prédio. II - A enumeração das partes comuns do edifício feita no nº 1 do artigo 1421º do Código Civil não é imperativa. Contra : P. Lima - A. Varela, III, 419. III - A realização de obras pelos réus, nas ditas varandas, apenas está sujeita ao disposto no artigo 1422º do Código Civil - BMJ 446-252. As garagens ou lugares de estacionamento presumem-se comuns se, de acordo com o título, não fizerem parte integrante da própria fracção ou não constituírem fracções autónomas. Sendo partes comuns podem estar, ainda, afectados ao uso exclusivo de algum ou de alguns condóminos.

Se o espaço para estacionamento for comum há que disciplinar o seu uso e fruição, o que deve ser feito no regulamento do condomínio.

Se neste se estabelecer que a garagem, embora em zona comum, tem demarcados

lugares de utilização privativa, fazendo o direito a essa utilização parte integrante da propriedade privada de cada condómino, inseparável da respectiva fracção, esse direito constitui uma simples relação possessória, complemento de propriedade da respectiva fracção.

Em relação a esse espaço ou lugar cada condómino é possuidor em nome próprio,

traduzindo-se o elemento animus na intenção de se comportar como titular do direito real correspondente que, no caso, é o de comproprietário. Esta posse não é susceptível de conduzir à usucapião dado que as partes comuns não são divisíveis, salvo mediante modificação do título constitutivo.

Normalmente os lugares serão delimitados no solo da garagem por marcações a

tinta, com identificação da fracção a cujo uso foram atribuídos7. 1422º

Além de o direito de propriedade não ser absoluto (1305º), a natureza da PH requer especial atenção à interdependência dos condóminos no uso e fruição do prédio, com relevo para a comodidade e tranquilidade destes, para a sua segurança e a do edifício. Daí se compreenda a estatuição genérica deste nº 1: os condóminos sofrem as limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários das coisas imóveis, consoante

7 - Op. cit., 79.

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esteja em causa o exercício do seu direito sobre a fracção autónoma ou sobre as partes comuns. Assim e enquanto proprietário está o dono da fracção autónoma sujeito às restrições da propriedade e constantes dos art. 1346º a 1352º ; na veste de comproprietário das partes comuns está o condómino sujeito às limitações gerais do nº 1 do art. 1406º: na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer deles "é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito". No nº 2 contém-se enumeração exemplificativa (al. d) do nº 2) dos actos especialmente vedados aos condóminos.

O lugar onde se poderão definir as limitações aos direitos dos condóminos que não resultem directamente da lei ou que não constem do título constitutivo será o regulamento do edifício em propriedade horizontal, hoje exigido pelo art. 1429°-A.

As restrições posteriores à constituição da propriedade horizontal, para terem eficácia em relação a terceiros, nomeadamente arrendatários, devem constar do registo predial.

Contra: PLAVarela, para quem, prevalecendo sobre qualquer negócio que com elas se não harmonize, todas as restrições de origem negocial, quer quanto ao destino das fracções autónomas, quer quanto aos actos materiais ou jurídicos que os condóminos não podem praticar, fazem parte integrante do estatuto do condomínio, o que equivale a dizer que têm natureza real e, portanto, eficácia erga omnes.

No caso de essas novas restrições respeitarem ao estatuto do condomínio

expresso no título constitutivo, traduzir-se-ão em modificação deste que, então, deverá revestir a forma do n.° l do art. 1419.° e constituirão também um dos factos que a alínea b) do n.° l do art. 2º do Código do Registo Predial sujeita a registo. Notar o disposto no nº 3 - autorização em assembleia por maioria de, pelo menos, dois terços do valor total do prédio. O nº 4, também novo como este, manda manter o uso que vem sendo dado à fracção cujo fim não conste do título constitutivo, exigindo igual autorização por maioria de dois terços para mudar o destino que vem tendo. Não pode, pois, o condómino, por proibição deste nº 2 do art. 1422º,

al. a) - Fazer obras no seu logradouro por forma a que, além de facilitar o acesso de

estranhos à fracção superior, altera a traça e linha arquitectónica do edifício - Col. 91-IV-299;

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- construir sobre terraço que é de seu exclusivo uso mas também é cobertura de armazém. Demolição e não indemnização - Col. 94-V-199;

- fechar o lugar de garagem que, apesar de afecto ao seu uso exclusivo, é parte comum - Col. STJ 95-III-51;

- transformar o lugar de aparcamento em armazém de mercadorias. Em tal caso as obras podem ser demolidas a requerimento de qualquer condómino, sem substituição por indemnização, nos termos dos art. 566º e 829º, nº 2, normas que apenas são aplicáveis nas relações obrigacionais e não no estatuto do condomínio que tem natureza real e eficácia erga omnes - Col. STJ 95-II-156.

- Construir uma espécie de andar recuado, alterando o telhado e parte do vão do telhado que, apesar de ter acesso apenas pelo seu andar, é parte comum - Col. STJ 94-III-129.

I - A expressão linha arquitectónica, referida a um prédio urbano, significa o

conjunto dos elementos estruturais de construção que, integrados em unidade sistemática, lhe conferem a sua individualidade própria e específica. II - A obra que modifica, prejudicando-os, os elementos diferenciadores do imóvel objecto do condomínio, consistente na implantação de pilares no logradouro traseiro por forma a sobre eles se fazer assentar uma extensão de certa fracção autónoma, aumentando-se a área desta, ofende a unidade sistemática que até aí o imóvel oferecia na sua linha arquitectónica - BMJ 319-301.

Um condómino, dono de um andar e sótão destinado a habitação, não pode, por sua exclusiva vontade, modificar o sótão e o telhado por forma a tornar aquele espaço habitável, sendo irrelevante, para este efeito, que tenha obtido licença municipal de obras - Col. 91-III-176 e Ac. de 26.5.92, no BMJ 417-734.

I - Nas paredes exteriores de um edifício em propriedade horizontal, bem como nos terraços de cobertura afectos ou não ao uso exclusivo de condómino ou em quaisquer partes do edifício ou coisas consideradas comuns não podem realizar-se obras se não forem aprovadas pela maioria qualificada de condóminos. II- Não havendo aprovação ou maioria qualificada as obras terão que ser demolidas - Col. 96-II-86.

- Relações entre condóminos - Valor da licença camarária de construção - Construção autorizada pelos condóminos

(Ac. STJ, de 25 de Maio de 2000, na Col. Jur. (STJ) 00-II-80

I - Transcende a vertente comunitária da propriedade horizontal, para se centrar nas relações bilaterais entre condóminos, sujeitas às limitações impostas aos proprietários vicinais e aos comproprietários de imóveis, o litígio surgido do levantamento de obra numa fracção, que priva o dono de outra do seu gozo pleno, designadamente nas vertentes de segurança (art. 70º CC) e de utilização de estendal para secagem de roupa.

II - A licença camarária para construir essa obra não tem, nem pode ter, virtualidade para impor uma compressão ao exercício do direito de propriedade dos outros condóminos, (impondo-se a demolição e não indemnização - 829º CC - que não

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vale para as violações do estatuto real do condomínio mas apenas para o incumprimento das obrigações em geral).

III - A autorização dos outros condóminos para essa construção, mesmo que formalizada em Assembleia Geral, é inoponível ao condómino lesado, que a assembleia apenas pode deliberar quanto às partes comuns - (art. 1425º e 1430º, nº 1).

Se no contrato de arrendamento foi clausulado que o inquilino poderia colocar

reclames ou letreiros no exterior do prédio, esse direito mantém-se ainda que o prédio tenha sido posteriormente constituído em propriedade horizontal e a assembleia de condóminos tenha reagido contra a manutenção desse regime - Col. STJ 99-III-98.

Contra: fundado na natureza obrigacional de qualquer restrição ao direito de

propriedade senão nos casos previstos na lei (numerus clausus) e no não efeito externo do contrato celebrado entre o primitivo e único proprietário do prédio e o arrendatário que afixou o reclame, obrigação que não vincula os proprietários de outras fracções autónomas que não o sucessor do senhorio/proprietário, o mesmo STJ, em Ac. de 1.6.2000 - A. Seia, op. cit., 88.

Limitação ao exercício dos direitos

- Obras que prejudicam a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício

- A expressão linha arquitectónica, referida a um prédio urbano, significa, em geral, o conjunto dos elementos estruturais que, integrados em unidade sistemática, lhe conferem a sua individualidade própria e específica.

- A expressão arranjo estético, de um edifício, refere-se, em especial, ao conjunto de características visuais que conferem unidade sistemática ao conjunto. - A obra consistente na colocação de caixas de alumínio, destinadas à colocação de ar condicionado, com as dimensões de 55 cm de profundidade, 100 cm de largura e 73 cm de altura, afixadas nas paredes exteriores do edifício, prejudica o arranjo estético do mesmo, que foi concebido e projectado sem esses elementos. - Como tal, só pode ser realizada se autorizada pela assembleia de condóminos, aprovada por maioria de 2/3 do valor total do prédio - Col. Jur. 00-I-189, (Ac de 17 de Janeiro de 2000, R.ão Porto)

As obras proibidas nesta alínea são as levadas a cabo pelo condómino na sua fracção autónoma e que causam prejuízo para a segurança, linha arquitectónica ou arranjo estético do edifício, salvaguardando interesses de ordem pública que nem com eventual autorização dos restantes condóminos podem ser ultrapassadas8.

al. b) - destinar a sua fracção a usos ofensivos dos bons costumes, com o

mesmo sentido adoptado para a resolução do arrendamento.

8 - Em sentido contrário, Vieira Miller, para quem o proprietário pode fazer, na sua fracção, obras que constituam inovações, desde que autorizado pela maioria qualificada (2/3) dos condóminos - A. Seia, 97, nota 3.

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al. c) - uso diverso do fim a que a fracção é destinada ... constitui uso diverso do fim para que foram destinados, a instalação de um laboratório de análises clínicas e de um consultório médico em dois andares de prédio em regime de propriedade horizontal cujo título de constituição os destinou a habitação, sendo irrelevante que o instituidor da propriedade horizontal tivesse prometido vender ao condómino infractor uma fracção autónoma para o exercício de profissão liberal - BMJ 233-201. Resultando do título constitutivo da propriedade horizontal que as respectivas fracções se destinam a habitação, não pode, por força do art. 1422º, n.° 2, alínea c), do Código Civil, ser-lhes dado outro destino, designadamente o de escritório comercial ou de exercício da profissão liberal de médico - BMJ 234-241.

As pessoas directamente interessadas em contradizer o pedido de retirada imediata de um consultório médico, instalado por arrendamento em fracção autónoma de prédio em propriedade horizontal destinada apenas a habitação, são os donos dessa fracção e o arrendatário, pois da procedência da acção resultará o reconhecimento da invalidade do contrato de arrendamento e a cessação da actividade naquele local; só quando conjuntamente demandados é que a decisão a proferir pode produzir o seu efeito útil normal, constituindo a falta de intervenção do arrendatário motivo de ilegitimidade passiva - BMJ 267-152;

I - Se um condómino dá à sua fracção um uso diverso do fim a que, segundo o título constitutivo da propriedade horizontal, ela é destinada, ou seja, se ele infringe a proibição contida no art. 1422º, nº 2, alínea c), do Código Civil, parece evidente que, pelo menos em via de princípio, o único remédio para essa situação é a reconstituição natural (a afectação da fracção ao fim a que ela estava destinada), solução que obriga tanto o condómino como o terceiro que, com base em qualquer negócio com ele celebrado, esteja a utilizar essa fracção, desde que o título constitutivo da propriedade horizontal esteja registado, em obediência ao determinado no art. 2º, n° 1, do Código de Registo Predial [hoje, alínea b) do n.° l do art. 2º do Código vigente - Decreto-Lei n.° 224/84, de 6 de Julho, com posteriores alterações]. II - Neste caso, a reconstituição natural não pode ser substituída por indemnização pecuniária ao abrigo dos arts. 566.° e 829º, ambos do Código Civil, pois que as respectivas regras só procedem para o não cumprimento das obrigações em geral, enquanto a afectação das fracções do prédio ao fim a que se destinam faz parte do estatuto real do domínio - BMJ 305-303 A limitação constante da alínea c) do n.° 2 do art. 1422º do Código Civil respeita às relações entre os condóminos, como resulta do n.° 1 do mesmo preceito, pelo que a violação dessa proibição pelo condómino não integra nulidade de contrato por ele celebrado com terceiro e por ele invocável - BMJ 382-492.

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I - Se o destino a comércio, atribuído no título constitutivo da propriedade horizontal, não se mostra em desconformidade com o que consta do respectivo projecto aprovado pela Câmara Municipal, não há que fazer aplicação da doutrina fixada pelo Assento de 10-5-1989. II - A expressão comércio, constante da cláusula do título constitutivo da propriedade, só pode ter o sentido vulgar e corrente, de mediação nas trocas, coincidente com o seu sentido económico, aquele que um declaratário normal deduz. III - O arrendamento para, em parte da área da fracção, fabricar pão, produtos afins do pão e pastelaria (indústria) quando o local, segundo o título constitutivo se destinava a comércio, constitui utilização para uso diverso. IV - De nada releva a circunstância de esse fabrico estar relacionado com o comércio de tais produtos, pois não são actividades da mesma natureza, nem uma perde a natureza própria para assumir a outra - Col. STJ 95-III-123. I - Quando se pretende a declaração de nulidade de negócio jurídico respeitante a parte comum de prédio constituído em propriedade horizontal, a lei não impõe a intervenção de todos os condóminos. II - Há nulidade do título constitutivo de propriedade horizontal, quando contraria o que foi aprovado pela câmara municipal, nomeadamente se passou um espaço comum destinado a porteiro não residente, para fracção autónoma - Col. STJ 94-I-144.

I - É consentâneo com o destino de profissão liberal o destino dado à fracção autónoma objectivado em prestação de serviços médicos e meios auxiliares de diagnóstico. II - Já assim não é quando estas actividades são organizadas e desenvolvidas por empresa mercantil, pelo que neste caso foi dado fim diverso ao uso da fracção. III - Além do mais há que ter presente os ruídos, trepidação e factos idênticos, ofensivos dos direitos de personalidade dos restantes ocupantes das fracções autónomas - Ac. STJ de 19.2.98, BMJ 474-467, onde, com muito interesse, se estudam as limitações ao direito de propriedade (art. 1346º), o direito ao trabalho, tudo relacionado com o direito à qualidade de vida, direito de personalidade - art. 66º da CRP, 70º CC. Não obstante ser válido o contrato de arrendamento para escritório das actividades comerciais de uma fracção destinada a habitação, segundo o título constitutivo e respectivo registo da propriedade horizontal, isso não obsta à procedência da acção de condenação do senhorio e do arrendatário a não utilizarem a fracção para fim diferente da habitação e a cessar imediatamente a utilização diferente desse fim - Col. Jur. (STJ) 99-III-122.

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Estabelecimento comercial Natureza de actividade comercial

I - Para os efeitos do art. 230º do Cód. Comercial, uma empresa comercial pressupõe uma actividade exercida profissionalmente e dotada de organização, ainda que rudimentar.

II - Tal exigência não vigora para o fim comercial a dar a uma fracção urbana, quer seja para uso do próprio dono, quer se destine a arrendamento.

III - O RAU adoptou o critério económico - e não o jurídico - da actividade comercial, pois, doutro modo, não teria feito a distinção entre a actividade comercial e a industrial (pelo que não pode instalar-se uma oficina de reparação de veículos em fracção destinada ao comércio - art. 70º e 1346º CC - Ac. STJ, de 9.12.99, na Col. Jur. (STJ), 99-III-136.

Sobre a emissão de fumos, maus cheiros, ruídos, direitos de personalidade e

relações de vizinhança, direito a ambiente sadio e qualidade de vida, nesta especial vertente da propriedade horizontal, pode ver-se inúmeros exemplos em A. Seia, op. cit., 2ª ed, 90 e ss.

Atenção ao novo nº 4 deste art. 1422º: a alteração do uso não constante do

título constitutivo depende de autorização da maioria qualificada de dois terços do valor total do prédio.

1422ºA

Este preceito novo trata separadamente a junção e a divisão de fracções. A junção de fracções contíguas - ou não contíguas se de garagens e arrecadações se tratar - não depende de autorização dos demais condóminos, mas não pode ocorrer se exigir obras que prejudiquem a segurança do edifício, a sua linha arquitectónica ou o seu arranjo estético, a menos que, neste caso, seja obtida autorização da assembleia dos condóminos, conforme o n.° 3 do art. 1422º: 2/3 do valor total do prédio.

Como pressuposto da junção, a lei aponta a contiguidade das fracções, mas tem-se como certo que essa faculdade não pode ser exercitada quando colida com as limitações impostas aos condóminos pelo anterior art. 1422.º

Assim, quando a unificação de fracções exija obras de adaptação - e essa

circunstância ocorrerá, com mais acuidade, nos casos de sua contiguidade vertical - tais obras não poderão prejudicar a segurança do edifício, nem a sua linha arquitectónica ou o seu arranjo estético, a menos que, neste caso, seja obtida autorização da assembleia dos condóminos, conforme o nº 3 do art. 1422º; de modo que, faltando esta autorização ou havendo prejuízo da segurança do edifício, não será viável a unificação das fracções - Rui Vieira Miller, citando no mesmo sentido decisões das Relações de Lisboa e Porto, de 90 e 92, antes, portanto, da actual redacção.

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A divisão é, em geral, proibida, a menos que autorizada no próprio título constitutivo ou em assembleia de condóminos, aprovada sem qualquer oposição. Além de da divisão terem de resultar novas fracções com as características e requisitos exigidos pelos art. 1414º e 1415º, é necessário que a ela não haja oposição - as abstenções não contam como oposição - e se a divisão implicar obras que constituam inovações em que rege o art. 1425º, funciona a regra geral do n.° 3 do art. 1432º, que postula a maioria de votos representativos do capital investido, ou, em segunda convocatória - nº 4 do art. 1432º - a maioria dos condóminos presentes, desde que representem, pelo menos, um quarto do valor total do prédio.

1423º

Excluída que está a preferência legal, atenta a especial natureza da PH a que não quadra a concentração que resultaria da preferência, nada impede que se estabeleça preferência convencional em pacto de preferência, no título ou posteriormente - 1419º - entre os condóminos. Também haverá, mas agora nos termos do art. 1409º, preferência entre os comproprietários de uma fracção autónoma.

As coisas comuns são, no seu todo, de tal modo necessárias à fruição de cada uma das fracções autónomas que admitir a sua divisibilidade, seria facultar- -se a qualquer dos condóminos a possibilidade de privar os restantes do gozo normal da sua parte do edifício.

Por isso a lei nega aos condóminos o direito de pedir a divisão das partes

comuns. 1424º

Regra supletiva - os interessados podem convencionar regime diverso, nos termos do nº 2 - para as despesas de serviços de interesse comum (limpeza, estética, portaria, segurança, jardim). O valor das fracções é o fixado nos termos do art. 1418º. Relativamente às despesas de conservação e fruição - o acordo depende da vontade unânime dos condóminos, em escritura pública, por se tratar de modificação do título - art. 1419, nº 1; quanto às despesas de pagamento dos serviços comuns, o nº 2 contenta-se com a maioria de dois terços do valor total do prédio, mas sem oposição. Dificuldades práticas de parcelamento das despesas previsto nos n.os 3 e 4, embora se entenda que no caso dos elevadores não é possível fraccionar as despesas de uso, reparação ou conservação como nas escadas.

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Desde que o condómino esteja em condições de poder usar o elevador - mora no rés-do-chão mas pode aceder à garagem pelo elevador - está obrigado a participar nas respectivas despesas - Col. Jur. 2001-IV-209.

Pode ser o arrendatário a pagar as despesas correntes de condomínio se tal for acordado por escrito, no título do contrato ou em aditamento a ele - 40º, 41º, 42º e 45º do RAU. Quando o arrendatário não pague, a responsabilidade é sempre do condómino senhorio - 1424º.

Nos termos do art. 1.424º do Cód. Civil, os encargos de conservação e fruição do condomínio são pagos pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções, salvo disposição em contrário.

Estamos, por conseguinte, em presença de uma obrigação propter rem, em que o

dever de realizar a prestação de dare incumbe sempre ao titular do direito real, ou seja, ao condómino.

Decorrendo essa obrigação propter rem (isto é, a obrigação de pagar as despesas

do condomínio), por definição, do estatuto de um direito real, o respectivo devedor há-de ser forçosamente o titular desse direito".

Assim, no regime da propriedade horizontal, um condómino nunca pode

recusar-se a contribuir para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento dos serviços de interesse comum, alegando, por exemplo, que essa contribuição incumbe ao lojista, ao arrendatário ou ao comodatário.

Debruçando-se sobre a coexistência de um eventual acordo entre o condómino e

o seu arrendatário, segundo o qual as despesas, na parte que coubesse á função autónoma arrendada, seriam suportadas por este último (situação que, no fim de contas, é equiparável à dos autos, quanto aos lojistas), Henrique Mesquita, na linha da doutrina e da jurisprudência, sustenta que tal acordo é inoponível aos demais condóminos, acrescentando:

"Mesmo que estes ratifiquem e adquiram, em consequência disso, o direito de agir

directamente contra o arrendatário, deverá entender-se que a ratificação não exonera o condómino - locador (cfr. art. 595º, nº 1), pois isso equivaleria a modificar o regime da propriedade horizontal» (cfr. Obrigações Reais e Ónus Reais)

Donde resulta que o Regulamento do Centro Comercial - que, aliás, como acentua

a Relação, não se mostra aprovado por nenhuma assembleia de condóminos - invocado pela Ré, não tem virtualidade para a isentar, ao invés do que preconiza, do pagamento das despesas do condomínio - Ac. STJ, de 16 de Maio de 2000 (Silva Paixão), na Col. Jur. (STJ), 00-II-64.

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As obras em terraços de cobertura ou em fachadas de varandas, aqueles e estas comuns, ainda que afectos ao uso exclusivo de um condómino, são da responsabilidade de todos os condóminos, desde que os defeitos a reparar não sejam devidos a uso anormal do condómino a cujo uso estão afectos - Col. Jur. 89-III-159 e 85-III-142, citados em A. Seia, op. cit., 128.

O art. 4º do Dec-Lei nº 268/94 impôs a criação de um fundo de reserva para

ocorrer a despesas de conservação do prédio (que pode ter o regime de poupança condomínio, nos termos do Dec-Lei nº 269/94) e o art. 6º daquele primeiro diploma conferiu força de título executivo à acta da reunião da assembleia que fixar o montante das contribuições devidas ao condomínio, isto é, as que sejam devidas conforme o art. 1424.° ou quaisquer outras resultantes de despesas com a conservação e fruição das partes comuns e a prestação de serviços de interesse comum.

1425º

Obras inovadoras são todas aquelas que, recaindo em coisas próprias ou em coisas comuns, constituam uma alteração do prédio, tal como originariamente foi concebido, com o fim de proporcionar a um, a vários, ou à totalidade dos condóminos, maiores vantagens ou melhores benefícios, ainda que só de natureza económica. Contra a opinião de Rui Vieira Miller, P.Lima-A.Varela, Anotado, entendem que este preceito "não se refere às inovações introduzidas nas fracções autónomas, sujeitas à propriedade exclusiva de cada condómino. Nesse domínio vigoram as normas relativas à propriedade de coisas imóveis, nas quais cabem, entre outras, as limitações decorrentes das relações de vizinhança (art. 1422º). O preceituado no art. 1426.° não deixa quaisquer dúvidas de que a regra consagrada no n.° 1 do artigo anterior (este 1425º) foi prevista apenas para as inovações introduzidas nas coisas comuns." O condómino que pretenda efectuar uma obra inovadora deverá obter a necessária autorização mediante convocação da assembleia nos termos do art. 1431º, obtendo aí maioria qualificada de votos representativos de dois terços do valor total do prédio, não podendo essa maioria, por falta de disposição expressa, ser substituída por outra, nomeadamente a maioria em segunda convocatória, pois o nº 4 do art. 1432º apenas ao antecedente nº 3 se reporta e a unanimidade presumida pelo silêncio dos ausentes notificados (n.os 5 a 9 do art. 1432º) sempre exige prévia aprovação unânime de dois terços. No mesmo sentido ensina A. Seia, op. cit., 139. Da adição de novos pisos ao edifício resulta o acrescentamento de outras fracções autónomas ou, quando não, pelo menos a modificação da que for constituída pelo último piso o que, alterando o valor total do prédio e, correspondentemente, o valor relativo das fracções até então existentes, torna desconforme com a realidade o conteúdo desse título - daí, a necessidade de o modificar, o que só pode acontecer por

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acordo unânime dos condóminos - art. 1419º, nº 1. Assim, só por acordo unânime se pode deliberar o acrescentamento de novos pisos. É jurisprudência corrente, como acima visto, que a sanção contra as inovações efectuadas com infracção do disposto no art. 1425º é a sua destruição, não podendo esta ser substituída por indemnização ao abrigo dos arts. 566° e 829,° do Código Civil, que são apenas aplicáveis ao não cumprimento de obrigações voluntariamente assumidas.

A autorização municipal para a realização da obra respeita unicamente a fins administrativos (salubridade, ordenamento do território, estética das povoações, segurança) e não ao direito de propriedade que escapa à sua alçada - por último, o Bol. 450-492 e Col. (STJ) 00-II-80.

I - A distinção entre as obras previstas no art. 1.422º, nº 2, al. a), do CC

(proibidas aos condóminos) e no seu art. 1.425º nº 1 (apenas dependentes da aprovação de maioria qualificada desses condóminos) reside em que, nas primeiras, é necessária a prova de efectivo dano ou prejuízo para a segurança, linha arquitectónica ou arranjo estético do prédio e, nas segundas, bastam as simples “inovações” ou alterações introduzidas na coisa.

II - A pretensão dos condóminos à demolição dessas obras pode ser julgada improcedente com fundamento em abuso de direito - 334º do CC - Col. STJ 98-II-52.

I - Inovações, para os fins do art. 1425º do CC, são quaisquer alterações da

estrutura ou do arranjo estético do prédio. II - Paredes mestras são não apenas as que se destinam a suportar as cargas,

garantindo a ossatura do edifício, mas também as que delimitam o perímetro da construção.

III - Se uma determinada loja está, no titulo constitutivo da propriedade horizontal, destinada a comércio, a afectação da mesma a estabelecimento de cafetaria e “snack-bar” importa utilização para uso diverso - Col. STJ 99-II-99

O facto de uma pessoa ter autorização administrativa ou, até, de uma assembleia de condóminos para laborar produzindo fumos e gorduras não lhe permite incomodar pessoas discordantes, com isso prejudicadas - Col. 96-I-105. Mesmo que a parte comum esteja afecta ao uso exclusivo de um condómino - v.g. um terraço de cobertura - ele não poderá efectuar aí qualquer construção sem autorização de todos os outros, além da necessária autorização administrativa9. Sobre a natureza da PH, direitos em relação a terceiros arrendatários, inovações em uma fracção, comércio e indústria, direitos de personalidade, convém ler o BMJ 435-816 e ss.

1426º

9 - Op. cit., 135, com apoio de Mota Pinto e referência ao art. 1419º, nº 1 - alteração do título constitutivo.

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O condómino discordante só poderá ser compelido a pagar a sua quota parte nas despesas com as inovações quando destas necessariamente também tire vantagens, uma vez que o benefício auferido é a causa determinante da sua responsabilidade por tais despesas - a menos que judicialmente se reconheça ter sido fundada a sua recusa em as aprovar.

No processo executivo, pode o condómino devedor, quando não o tenha alcançado antes pelo meio próprio, obter o reconhecimento de que a sua recusa foi fundada, mediante embargos à execução (cf. art. 815º do Código de Processo Civil).

1427º

O condómino que, conforme este art. 1427°, tome a iniciativa de proceder às reparações indispensáveis e urgentes de partes comuns do edifício, mais não terá a pagar do que a sua quota parte nas respectivas despesas, calculada nos termos do art. 1424°. E fica pelo excedente subrogado - art. 592º - porque tinha um interesse directo na satisfação desse crédito resultante da necessidade e urgência da efectivação das reparações, no exercício de direito que este art. 1427º lhe confere.

1428º Os três quartos do valor a que se refere o nº 1 e a maioria do nº 2 são

determinados de acordo com o disposto no art. 1418º, do valor que lhe foi atribuído no título constitutivo. Mas além da maioria de capital exige o nº 2 que a maioria deliberante seja formada também por maioria do número de condóminos, assim se atendendo ao interesse particular de cada um e à consideração que ele deve merecer na votação.

Sendo, por exemplo, onze os condóminos dos quais apenas quatro sejam

necessários para formar a maioria de capital, será ainda indispensável que, além desses, mais dois, pelo menos, concordem com a reconstrução do prédio para esta ser validamente deliberada. Os n.os 3 e 4 previnem a hipótese de algum condómino não querer participar nas despesas de reconstrução: alienação forçada dos seus direitos a outros condóminos. A fixação judicial do valor faz-se nos termos dos art. 1429º e 1430º do CPC.

1429º

De acordo com o actual regime, o seguro contra incêndio é obrigatório tanto para cada fracção autónoma como para as partes comuns - nº 1 - determinando o nº 2 a quem compete fazer o seguro: aos condóminos e, se estes o não fizerem, ao administrador.

Neste domínio, não está em causa o peculiar regime da propriedade horizontal, mas tão só a responsabilidade de cada um dos condóminos no cumprimento de um

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contrato de seguro em que todos são partes. Daí, ser lícito deixar de considerar o valor de cada fracção fixado no título constitutivo, embora o valor seguro não possa ser inferior ao dele constante.

1429ºA A aprovação do regulamento do condomínio há-de ser feita por maioria, regra

geral do nº 3 do art. 1432º, tal como as alterações, salvo quando ele se integre no título constitutivo, caso em que, importando tais alterações a modificação do título, elas só poderão ter lugar conforme o disposto no art. 1419°: acordo de todos os condóminos.

Se elaborado pelo administrador, não carece de aprovação da assembleia que,

porém, sempre pode sobre ele deliberar como órgão deliberativo do condomínio que é. E não pode, naturalmente, tal regulamento elaborado pelo administrador introduzir alterações no título constitutivo.

1430º a 1438ºA

Administração das partes comuns São dois os órgãos a quem compete administrar as coisas comuns - assembleia dos condóminos e o administrador, embora este seja, no fundo, mero executor das deliberações da assembleia, sem poder decisório e agindo por delegação da assembleia que em qualquer altura o pode exonerar - 1435º, nº 1 - e de cujos actos para aquela se recorre - 1438. Apesar de o condomínio não ter personalidade jurídica, a nova lei processual (art. 6º, al. e), como a antiga quando devidamente interpretada, atribui personalidade judiciária ao condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.

A assembleia de condóminos tem, em princípio, meros poderes de administração e só das partes comuns, não podendo coarctar direitos especiais de uso sobre determinadas partes comuns que, no título constitutivo, tenham sido atribuídos a algum ou alguns condóminos (p. ex., uso exclusivo do jardim pelos condóminos do rés-do-chão.

O Administrador executa as deliberações da assembleia mas também tem funções próprias - 1436º - e outras cometidas por lei. Sobre poderes decisórios da assembleia: 1422º, nº 4; 1422ºA, nº 3; 1428º, nº 2; 1429º e 5º do Dec-lei nº 268/94, de 25 de Outubro. Nos termos do nº 2, ao proprietário de cada fracção cabem tantos votos quantas as unidades que se contiverem no número indicativo da percentagem fixada no título

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constitutivo, com desprezo da sua parte decimal. Se a fracção A tem a percentagem de 6,250% terá seis votos. Se a fracção se encontra em regime de compropriedade, os comproprie-tários deliberarão quem os representa - 1407º - não podendo fraccionar entre eles os votos que pertencem ao conjunto deles - 1405º. Em caso de usufruto ou uso e habitação deverá ser admitido a intervir na assembleia - como condómino representante da fracção sujeita a usufruto - o proprietário ou o usufrutuário, consoante caiba a um ou a outro o poder de decidir sobre a matéria sujeita a deliberação.

A assembleia de condóminos só pode pronunciar-se sobre matérias que respeitem às partes comuns do prédio - 1430º e BMJ 301-418;

1431º

Assembleia ordinária - contas e orçamento e extraordinária. Capital mínimo

de 25% para convocação desta, salvo no caso de recurso dos actos do administrador previsto no art. 1438º. Representação por procurador, representante legal do condómino ausente ou incapaz. Cônjuge a quem couber a administração dos bens do casal, nos termos do art. 1678º.

1432º

Convocação e funcionamento da assembleia

1 - Convocatória por carta registada, enviada com dez dias de antecedência, ou aviso com recibo assinado pelos condóminos. 2 - Conteúdo da convocatória, com a especialidade de dever indicar os assuntos que só por unanimidade podem ser aprovados. Local de reunião na área do condomínio ou outro não abusivo. 3 - Aprovação de deliberações: maioria do capital investido - que pode não coincidir com a maioria do número de condóminos - salvo disposições especiais:

- modificação do título: unanimidade - 1419º, nº 1; - divisão de fracção: - autorização sem oposição - 1422ºA, nº 3; - despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum - 1424º, nº 2;

- aprovação de obras que constituem inovações: - maioria de votos e que represente, pelo menos, dois terços do capital investido - 1425º; - reconstrução do edifício por destruição total, igual ou superior a três quartos: - unanimidade - 1428º, nº 1; - reconstrução por destruição inferior a três quartos: maioria do capital investido e maioria do número de condóminos - 1428º, nº 2; 4 - Segunda convocatória: deliberações por maioria dos presentes desde que representem, pelo menos, um quarto do valor total do prédio;

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Se em segunda convocatória não for possível formar a maioria legal, por aplicação do nº 2 do art. 1407º, qualquer dos condóminos poderá recorrer ao tribunal que decidirá, segundo juízos de equidade e pelo processo regulado no art. 1427º CPC, o problema que deveria ser objecto de deliberação10.

5 a 8 - aprovação tácita de deliberações que exijam unanimidade. Os prazos contam-se nos termos dos art. 296º e 279º do CC.

Se a carta, remetida para o domicílio indicado nos termos do nº 9 do art. 1432º,

vier devolvida pode entender-se aplicável a regra do art. 254º do CPC; doutra forma será aplicável a notificação do art. 225º (anúncio público da declaração) do CC.

A irregularidade na convocação da assembleia determina a anulabilidade das deliberações nela tomadas - 1433º.

1433º Legitimidade para a impugnação: condóminos que não tenham aprovado a

deliberação, seja ela nula (contra a regra do art. 286º) ou anulável - nº 1.

Se a deliberação é tomada contra lei imperativa, se viola normas de interesse e ordem pública - 1421º, nº 1, 1427º, nº 1, 1428º, nº 1, 142º e 1438º - só com o negócio autorizado produzirá ela efeitos. E então será esse o negócio nulo e, como tal, impugnável a todo o tempo e por qualquer interessado, nos termos do art. 286º. Se a deliberação versa sobre assunto estranho à sua competência que, como se viu (1430º), é restrita às partes comuns, a deliberação é inexistente, ineficaz, e não produz qualquer efeito.

A decisão a proferir pelo Tribunal limita-se a decretar a anulação e não a reapreciar o mérito ou substituir a matéria dispositiva da deliberação.

Os prazos são de caducidade - 328º, contam-se nos termos dos art. 296º e 279º e

não são de conhecimento oficioso - 333º.

- Caducidade das deliberações da assembleia de condóminos - Deliberação sobre a repartição das despesas de conservação - Deliberação cuja acta foi lavrada e assinada posteriormente à data da assembleia Ac. do STJ (Azevedo Ramos) de 8 de Fev.º 2001, na Col. Jur. (STJ) 01-I-

105

10 - Ib., 174

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I - A deliberação que verse sobre a repartição entre condóminos das despesas de conservação das partes comuns de um edifício não contende com normas de interesse e ordem pública que estabeleçam direitos inderrogáveis dos condóminos (contende sim com o art. 1424º do CC que é uma norma dispositiva); assim, uma tal deliberação apenas pode ser anulável e cair na previsão do art. 1433º do CC, com sujeição ao prazo de caducidade aí contemplado (60 dias, no caso de não ter sido solicitada a assembleia extraordinária prevista no art. 1433º, n.º 2).

II - Também a falta da acta da assembleia de condóminos não conduz à nulidade ou inexistência da deliberação; uma deliberação sem acta tem simplesmente a sua eficácia suspensa. Assim, tomada uma deliberação e ainda que não seja lavrada e assinada nessa data a acta (o que não tem que acontecer na própria assembleia), começam a correr os prazos de caducidade previstos no art. 1433º do CC.

Ac. do STJ (Silva Paixão), de 11/1/2000, BMJ 493-385: I - No domínio do anterior n.º 2 do artigo 1433º, o prazo de caducidade era

sempre de 20 dias, contando-se, no entanto, para os condóminos presentes, da deliberação e, para os ausentes, da comunicação da deliberação.

II - Agora, contudo, não tendo sido solicitada assembleia extraordinária, a caducidade do direito de acção de anulação opera, sempre - tanto para os condóminos presentes como para os ausentes -, no prazo de 60 dias contados da data da deliberação (vigente n.º 4 do artigo 1433º).

III - O que significa que, actualmente, como pondera Rui Vieira Miller, os condóminos faltosos terão “de cuidar diligentemente de se informar sobre se teve ou não lugar a assembleia e se novo dia foi efectivamente designado (cfr. A Propriedade Horizontal no Código Civil, 3ª ed., 1998, pág. 272) e terão, de igual modo, de diligenciar no sentido de conhecerem o teor das deliberações, para, se o desejarem, poderem impugná-las no prazo dilatado de 60 dias (repare-se que o primitivo prazo de 20 dias foi alargado) sobre a data da deliberação. Não da comunicação da deliberação, como primitivamente se estipulava.

Contra: A. Seia, citado no Ac. do STJ, de 21.1.2003, na Col. Jur. (STJ) 2003-I-36: I - Havendo condóminos ausentes da assembleia as deliberações tomadas têm de

lhes ser comunicadas, nos termos do art. 1432º, n.º 6, do CC; II - O direito de propor a acção de anulação, não tendo havido assembleia

extraordinária, caduca no prazo de vinte dias contados da deliberação, quanto aos condóminos presentes, e contados da data em que a deliberação lhes foi comunicada, quanto aos ausentes.

Providência cautelar - suspensão de deliberações sociais - 396º a 398º CPC. 1434º - arbitragem e penas pecuniárias. 1435º e 1435ºA (adm. provisório)

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A nomeação pelo Tribunal segue os termos do art. 1428º CPC e o da sua exoneração o dos art. 1485º e 1484ºB do CPC.

A exoneração pela Assembleia é mero reflexo do disposto no art. 1170º para a revogação do mandato, que o administrador é simples mandatário, celebrando actos jurídicos no interesse e por conta da assembleia dos condóminos. Por isso pode ele livremente renunciar às suas funções.

A eleição é por um ano, renovável, salvo disposição em contrário, e mantém-se em

funções até aceitação de funções pelo sucessor. 1436º

Além das funções aqui indicadas tem ainda o Administrador as que lhe são cometidas pelo Dec-Lei nº 268/94 e no art. 1161º do CC, como mandatário que é.

As funções aqui elencadas são próprias, não pode a assembleia retirar-lhas, embora possa cometer-lhe outras11.

1437º O Administrador tem capacidade judiciária - a lei chama-lhe legitimidade - para estar em juízo, tanto activa como passivamente.

Do lado passivo estará em representação dos condóminos contra quem são propostas as acções de impugnação das deliberações - 1433º, nº 6 - ou nas acções respeitantes às partes comuns do edifício - 1437º, nº 2.

A legitimidade passiva nas acções de impugnação das deliberações da assembleia

de condóminos radica-se naqueles que votaram a deliberação anulanda, representados, judiciariamente, pelo administrador - Ac. de 19.11.01, na Col. Jur. 01-III-27.

Pode demandar - lado activo - qualquer condómino ou terceiro na execução das

funções que lhe competem, nomeadamente em actos conservatórios dos bens comuns - al. f) do art. 1436º - agindo por direito próprio, ou quando autorizado pela Assembleia - art. 1437º, 1, in fine. Para acções relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns exige a lei - 1437º, nº 3 - atribuição de poderes especiais pela Assembleia. É claro que continua a ter legitimidade para a acção o condómino que, independentemente de qualquer pressuposto processual, defende em juízo os seus direitos derivados da propriedade horizontal, tanto no que respeita à sua fracção como

11 - Ib., 204 e ss.

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às partes comuns, mas não pode vir a juízo defender os direitos próprios de outros condóminos - BMJ 228-204 e Col. STJ 94-I-144, além dos atrás vistos para as obras ou destino diverso da fracção. O administrador pode agir em juízo em representação dos condóminos quando a assembleia lhe conferir autorização para tal, mas essa autorização e intervenção apenas respeitam às partes comuns do prédio. No que toca às fracções autónomas, cada condómino é proprietário de cada uma delas, não tendo o administrador poderes para accionar o construtor por eventuais defeitos internos das fracções - Col. 97-IV-77.

I - A autorização pela assembleia de condóminos ao administrador para agir em juízo só pode ter lugar em matéria da competência dessa assembleia, que é relativa às partes comuns do prédio. II - Não cobre, pois, a proposição, pelo administrador, de acção que verse a utilização de uma fracção autónoma para fins diferentes dos permitidos - Col. 90-III-116. Nesta acção podem estar - e normalmente estarão - em causa partes comuns, pelo que devia ser admitido o administrador, autorizado pela assembleia, a demandar o infractor. O STJ decidiu, em Ac. de 17.2.98, que os administradores de condomínio são partes legítimas quando a acção proposta tem por objecto partes comuns (pedia-se a declaração de nulidade de escritura que autonomizou e vendeu a casa da porteira - parte comum - que como tal havia sido aprovada pela Câmara no projecto de construção) e além disso, quando ajam de harmonia com os poderes conferidos pela assembleia de condóminos - Col. STJ 98-I-86.

Capacidade judiciária - Legitimidade Propriedade horizontal - Administrador

I - O condomínio, na propriedade horizontal, não tem personalidade jurídica, mas

é titular de personalidade judiciária12, podendo por isso estar em juízo, no qual é, em princípio, representado pelo administrador.

II - O administrador tem, face ao artigo 1437º, n.º 1 e 2, do CC, legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia de condóminos, podendo também ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício.

III - Nas funções do administrador não cabe a defesa da propriedade ou posse dos bens comuns.

12 - art. 6º do CPC: Têm ainda personalidade judiciária: e) O condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.

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IV - A capacidade judiciária do administrador não abrange, assim, face ao nº 3 do artigo 1437º do CC, as acções relativas a questões de propriedade ou posse respeitantes às partes comuns do imóvel, salvo se a assembleia lhe atribuir para tanto poderes especiais.

V - Não pode, pelo exposto, ser recebida acção em que dois condóminos pedem que a administração do prédio (e só ela) seja condenada a reconhecer que eles têm direito a utilizar determinados espaços de estacionamento existentes na subcave do imóvel e que consideram partes comuns - isto, apesar de o acesso a essas zonas lhes haver sido impedido por acto da administração - Ac. STJ, 16.12.99, BMJ 492-406.

1438º

Pode afirmar-se, como regra, que só são susceptíveis de recurso os actos do administrador que não estejam imediatamente vinculados a deliberação definitiva da assembleia, sem prejuízo, todavia, de qualquer condómino suscitar a apreciação da fidelidade da execução desta, quando só ela esteja em causa. A deliberação da assembleia, agindo na qualidade de órgão hierárquico superior, com poderes de apreciação e revogação no que toca ao recurso hierárquico dos actos do administrador, no caso órgão hierarquicamente inferior, tem carácter definitivo, tendo o administrador de respeitar a deliberação sem possibilidade de dela recorrer.

Por sua vez o condómino recorrente também não pode impugnar a deliberação em juízo ou em qualquer outra instância, por os actos recorridos se situarem dentro da competência própria do administrador ou resultarem de deficiente execução de deliberações da assembleia.

Se, porém extravasarem a competência do administrador ou a execução de

deliberação da assembleia e esta os confirmar ou alterar, saindo daquele âmbito, então estar-se-á perante uma nova deliberação susceptível de ser impugnada.

O condómino recorrente deve solicitar ao administrador a convocação da

assembleia - al. a), do artigo 1436.º Se este o não fizer pode então convocá-la directamente – art. 1438º CC.

1438ºA

Refere-se este novo preceito aos condomínios fechados, instalados em antigas quintas, p.e. a Quinta da Marinha, cujo conjunto constitui uma unidade jurídica formada por fracções autónomas resultantes da aglutinação da propriedade exclusiva de cada uma dessas moradias com a quota-parte do respectivo proprietário na compropriedade dos bens (terreno, golf e instalações nele estabelecidas) destinados à sua fruição em comum como indispensável ao gozo daquela. Além do CC Anotado (P. Lima e A. Varela) e dos Manuais de Reais, convém estudar a Propriedade Horizontal no Código Civil, do Dr. Vieira Miller e a obra aqui seguida de muito perto, do Cons.º Aragão Seia.

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Propriedade das Águas

A - públicas As águas são coisas imóveis - 204º, nº 1, al. b), CC - e dividem-se em públicas e particulares - 1385º. É a Constituição que no seu art. 84º, 1, al. a) e c), diz pertencerem ao domínio público as águas territoriais com os seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos leitos, bem como as nascentes de águas minero-medicinais. Esta enumeração não é taxativa, pelo que o legislador ordinário pode, por permissão da al. f) do nº 1 e do nº 2 deste art. 84º, definir os bens sujeitos à dominialidade, nomeadamente as águas nascentes ou existentes em terreno baldio - Col. STJ 96-II-114, cópia - que, por serem do domínio público, são imprescritíveis, insusceptíveis de usucapião, salvo se tiverem entrado no domínio privado por preocupação. O Código trata, apenas, das águas particulares, depois de declarar sujeitas ao regime estabelecido em leis especiais as águas públicas. Ainda hoje vigora nesta matéria a Lei de Águas, o Dec. 5787 IIII, superiormente comentado pelo Dr. Veloso de Almeida, edição da Livraria Cruz, de Braga. Leis posteriores (N. B. a Lei do Domínio Hídrico) vêm indicadas no CC Anotado, de P. Lima e A. Varela. As águas públicas podiam (e podem) ser utilizadas por particulares mediante licença ou concessão.

A licença tem uma função meramente declarativa, a entidade competente limita-se a verificar se concorrem os pressupostos de que depende, à face da lei, a faculdade de aproveitamento. A licença tem mera função declarativa.

Na concessão a Administração não está vinculada a critérios de legalidade mas

antes de oportunidade, é do próprio título que nasce o direito de aproveitamento, a concessão tem eficácia constitutiva.

E podiam tais águas públicas ter entrado no domínio privado por preocupação até 21.3.1868. Preocupação era o direito de adquirir quaisquer águas públicas ou comuns, mesmo de correntes navegáveis ou flutuáveis (sem prejuízo, neste caso, da navegação ou

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flutuação a que tais águas estavam prioritariamente sujeitas) e que consistia na ocupação, para qualquer fim, designadamente para fins agrícolas ou industriais, daquelas águas por meio de obras permanentes de represamento ou derivação, construídas até 21.3.1868. Na medida dessa apropriação, verificava-se uma desafectação do uso público das águas apropriadas, tornando-se estas particulares, tendo os direitos resultantes da preocupação sido salvaguardados, sucessivamente, pelo Código Civil de Seabra (438º), pelo Decreto 5787-IIII (33º) e CC em vigor (1386º, nº 1, al. d). Por isso, adquirido por preocupação o direito de propriedade sobre determinadas águas, passou tal direito a poder ser alvo de qualquer negócio jurídico translativo daquela ou de usucapião nos termos gerais - BMJ 381-627.

Note-se, porém, o adiante dito em notas ao art. 1397º

Preocupação - Sinais de apropriação Distinção entre preocupação e usucapião

I - Só é possível o reconhecimento da préocupação de águas desde que o

aproveitamento delas tenha sido acompanhado de obras visíveis ou aparentes e permanentes de represamento ou captação ou de derivação, construídas até 21 de Março de 1868.

II - Constituem sinais inequívocos de apropriação das águas as condutas de captação, levadas e regos que as represam e as levam ao prédio. III - Os modos de aquisição originária de águas são a preocupação, necessariamente de águas públicas, e a usucapião, necessariamente (visto serem imprescritíveis as públicas), de águas particulares - Ac. da Relação do Porto, de 2 de Março de 2000, na Col. 00-II-181.

Ainda sobre esta matéria - preocupação - e servidões de presa e de aqueduto,

pode ver-se o Ac. da R.ão do Porto, de 15.5.2001, na Col. Jur. 2001-III-184. Interessa-nos essencialmente o estudo das

B) - águas particulares

cujo regime vem fixado nos art. 1386º a 1402º, deixando para o estudo das servidões a análise das servidões de águas.

É clássico nesta matéria o excelente Manual, em dois volumes, de Tavarela Lobo. Mais sintético e contendo repositório de jurisprudência contemporânea da sua publicação, tem interesse As Águas no Código Civil, de J. Cândido de Pinho.

1386º Na al. a) deve notar-se que são particulares as águas nascidas em prédio particular, ainda que alimentadas por águas públicas - Col. 79-1111. E que o abandono aqui referido

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refere-se à água e não à nascente e exige que a água forme, à saída do prédio onde nasce ou para onde foi conduzida pelo seu proprietário, uma corrente que se dirija directa ou indirectamente para o mar. Se consumidas antes, as águas continuam particulares. A al. b) deve relacionar-se com o disposto nos art. 1348º e 1394º que conferem aos proprietários de prédios particulares o direito de captação de águas subterrâneas nos seus prédios.

Na al. c) notar-se-á que para que possa considerar-se alimentado por uma corrente

pública, é necessário que o lago ou lagoa tenha saída para o mar, directamente ou através de uma corrente do domínio público, pois só nestas condições pode considerar-se como pública a corrente que o alimenta - PLAVarela, III, 293.

Também o facto de um prédio ser dividido e o lago ficar circundado por vários prédios resultantes dessa divisão não retira a natureza de particular ao lago ou lagoa para o tornar em público, nos termos do art. 1º, nº 4 da Lei das Águas. Nas al. d) e) e f)) têm interesse os conceitos de preocupação, de concessão e de licença acima vistos. A preocupação referia-se a determinado caudal e só esse caudal entrou no domínio privado - art. 1386º, nº 2. Se o preocupante utilizar caudal superior, nessa parte está a usar águas públicas e, como tal, deve sujeitar-se ao respectivo regime e sanções.

1389º e 1390º Sendo estas águas particulares, objecto do direito de propriedade, o dono pode servir-se delas e dispor do seu uso livremente, salvas as restrições previstas na lei e os direito que terceiro haja adquirido ao uso da água por título justo - 1389º. É o art. 1390º que nos dá o conceito de justo título de aquisição da água de fontes e nascentes: qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de imóveis ou de constituir servidões.

Para completa informação dos títulos anteriores ao Código vigente (concessão expressa, sentença, prescrição, hoje usucapião por 30 anos e até 21.3.1968) deve consultar-se PLAVarela, III, 302. O direito à água que nasce em prédio alheio, conforme o título da sua constituição, pode ser um direito ao uso pleno da água, sem qualquer limitação, e pode ser apenas o direito de a aproveitar noutro prédio, com as limitações inerentes, por conseguinte, às necessidades deste. No primeiro caso, a figura constituída é a da propriedade da água; no segundo, é a da servidão.

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A constituição dum direito de propriedade depende da existência de um título capaz de a adquirir - 1316º: contrato, sucessão por morte, usucapião, acessão; a constituição de uma servidão, da existência de um dos meios referidos no artigo 1547º: contrato, testamento, usucapião, destinação do pai de família, sentença e decisão administrativa. E foi ainda em harmonia com esta doutrina que os artigos 1557º e 1558º (aproveitamento para gastos domésticos e para fins agrícolas) enquadraram na categoria das servidões dois direitos que têm exactamente por conteúdo o aproveita-mento de água alheia. - P. Lima - A. Varela, III, 305. No caso de propriedade da água há um direito pleno e, em principio, ilimitado sobre a coisa que envolve a possibilidade do mais amplo aproveitamento, ao serviço de qualquer fim, de todas as utilidades que a água possa prestar; o direito de servidão confere ao seu titular apenas a possibilidade de efectuar o tipo de aproveitamento da água previsto no título constitutivo e na estrita medida das necessidades do prédio dominante - RLJ 115-220, citado no Ac. da R.ão do Porto, de 29.11.01, na Col. 01-V-201 e 203.

Podem as águas ser objecto de negócio jurídico que as desintegre do prédio onde se encontram e, v.g., vendidas a terceiro, passando a constituir objecto de direito autónomo.

I - As águas de fontes e nascentes podem ser desintegradas do prédio onde se

encontram através de negócio jurídico que atribua a respectiva propriedade a terceiros, mas tal negócio tem de observar as exigências de forma impostas para os bens imóveis, nomeadamente a escritura pública, em caso de venda ou doação.

II - A menção pela lei - art. 1392º, nº 1 do CC - de restrições ao uso da água implica que o dono do solo continue a ser o dono da nascente ou fonte bem como da respectiva água, apenas estando privado de lhe dar outro destino quando há mais de cinco anos ela venha a ser utilizada naqueles termos - Col. 00-I-192.

Vimos já que os proprietários dos prédios inferiores estão sujeitos a receber as águas que, naturalmente e sem obra do homem, decorrem dos prédios superiores, assim como a terra e entulhos que elas arrastam na sua corrente - 1351º, 1. O mais frequentemente invocado título de constituição tanto do direito de propriedade como do de servidão de águas é a usucapião. Prevenindo situações de posse equívoca, a lei é aqui particularmente exigente quanto ao corpus possessório. Nos termos do nº 2 do art. 1390º a usucapião só é atendida quando for acompanhada da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio.

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Para que possa ocorrer, em matéria de águas, usucapião e consequente aquisição por terceiro do direito à água ou constituição de servidão de água, é necessário que: a) - Se verifiquem todos os requisitos da usucapião - 1293º e ss;

b) - Esses requisitos devem ser acompanhados da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio.

Como a lei concede aos proprietários dos prédios inferiores o direito de aproveitar as águas vindas dos prédios superiores - 1391º - exige-se, para evitar equívocos e consequentes conflitos, que os actos daqueles sejam mais que simples actos de limpeza, destinados a melhor aproveitar a água, antes devem constituir obras visíveis e permanentes que revelem a captação da água no prédio da nascente.

Sobre esta matéria convém ler a cópia do Ac. na Col. 97-I-30 que trata muito aprofundadamente assuntos como justo título, usucapião, propriedade e servidão, composse e compropriedade, obras visíveis e permanentes, etc. O nº 3 do art. 1390º dispensa, em caso de divisão ou partilha de prédios sem intervenção de terceiro, a existência de sinais reveladores da destinação do antigo proprietário para aquisição do direito de servidão por destinação de pai de família, normalmente exigidos no art. 1549º.

1391º O aproveitamento por terceiros da água que escorre do prédio superior, a acqua profluens, por mais largo que seja o prazo durante o qual esse aproveitamento se der, não constitui posse de que resulte ou possa resultar o direito à água. É acto precário, de mera tolerância, a que em qualquer altura o dono da água pode pôr termo, aproveitando a água como entender, mesmo que as águas tivessem vindo a correr para uma corrente pública, para o mar.

Como decidiu o STJ, por Ac. de 17.1.2002, na Col. Jur. STJ 2002-I-43: «O texto legal - art. 1391º - não deixa, a este respeito margem para dúvidas: “a

privação (total ou parcial) desse uso (por parte dos proprietários de prédios inferiores), por efeito de novo aproveitamento que faça o proprietário da fonte ou nascente, não constitui violação de direito”.

Escrevem a este respeito, e lapidarmente, os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela,

in Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., págs. 310 e 311. “Foi este direito à acqua profluens, conferido aos proprietários dos prédios

inferiores, que levou o nosso legislador, dada a equivocidade da posse, a tomar medidas restritas em matéria de prescrição, quer no C. Civil de 1867 (arts. 438 § único e 439º), quer posteriormente na Lei das Águas (art. 99º § único), quer no novo Código Civil (art. 1390º, n.º 2).

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O direito à água que brota num prédio, escreveu Guilherme Moreira (in vol. II, Ap. n.º 37) é, compreendido que está no direito de propriedade, facultativo, podendo consequentemente ser exercido ou não pelo proprietário, sem que do seu não exercício resulte a perda desse direito. O facto de o proprietário abandonar essa água, deixando- -a seguir o seu curso natural e o aproveitamento pelos proprietários vizinhos da água assim abandonada, representam, em princípio, um acto facultativo e de tolerância da parte do proprietário da nascente, não constituindo o aproveitamento por terceiros, por mais largo que seja o prazo durante o qual ele se der, posse de que resulte ou possa resultar o direito à água.

Para este efeito, necessário se torna que, pela posse, se crie uma situação de facto

cuja subsistência seja incompatível com o direito de livre disposição que o proprietário do prédio tem sobre as nascentes que nele haja”.

E, a concluir: “É preciso, por conseguinte, que haja uma situação de verdadeira

captação e posse da água contra o proprietário da fonte ou nascente e não, como é normal, o simples exercício de uma factualidade de aproveitamento da acqua profluens, na sequência do direito de escoamento conferido ao dono do prédio superior.

Chamam ainda os mesmos autores a atenção para a circunstância de a

“natureza precária do direito dos prédios inferiores, sujeito sempre à eventua-lidade de um novo aproveitamento feito pelo dono da nascente ou pelo dono de um prédio superior por onde a água decorra “haver sido já consagrada pela Resolução Régia de 17 de Agosto de 1775.

No fundo - e tal como também bem obtempera a Relação - os recorrentes

confundem o “direito ao uso das águas sobejas ou sobrantes, com “direito a comunhão (quiçá indivisa e não alíquota) de águas».

Este direito de aproveitamento é atribuído aos proprietários sucessivamente superiores, de forma que B não pode impedir A, proprietário superior a si e logo abaixo do dono da água, de aproveitar toda a água que, vinda do prédio deste dono, cai no prédio dele, A.

Claro que sobre esta acqua profluens pode constituir-se direitos vários, mas nunca atingindo o direito do dono da nascente que continua proprietário dela, nem os aproveitadores de prédios superiores. Serão sempre direitos precários, de fraca consistência. 1392º e 1396º Casal tanto significa pequena aldeia como uma casa isolada, como ensinou G. Moreira e resulta da parte final do nº 2 do art. 1392º - Col. 83-II-229 e 94-IV-191.

Discutido é se o dono das águas pode mudar o curso subterrâneo delas P. Lima-A. Varela entendem que sim, enquanto G. Moreira e H. Mesquita defendem o contrário.

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Também se entende que o aproveitamento pode ser feito tanto dentro do prédio, na nascente, como fora dele, nas correntes formadas por essa água. Gastos domésticos são os necessários à satisfação das necessidades primárias da vida do homem e dos seus animais. Exige-se que as águas sejam necessárias e não apenas úteis. A indemnização será encontrada de acordo com as regras gerais dos art. 562º e ss. Também o art. 1396º protege as fontes ou reservatório destinado a uso público, qualquer que ele seja e não só, como no artigo 1392º, para gastos domésticos.

Como atrás se viu, as águas de fontes e nascentes podem ser desintegradas do prédio onde se encontram através de negócio jurídico que atribua a respectiva propriedade a terceiros, mas tal negócio tem de observar as exigências de forma impostas para os bens imóveis, nomeadamente a escritura pública, em caso de venda ou doação.

A menção pela lei - art. 1392º, nº 1, do CC - implica que o dono do solo continue a ser o dono nascente ou fonte bem como da respectiva água quando há mais de cinco anos ela venha a ser utilizada naqueles termos - Col. 00-I-192, acima visto.

1393º

Tem pouco interesse prático esta remissão, salvo no tocante a direitos adquiridos anteriormente à entrada em vigor do actual Código, de que tratam PLAVarela, designadamente quanto à aquisição das águas de lagos e lagoas, em notas a este artigo.

1394º e 1348º - 1395º, nº 2 Concede a lei ao proprietário o direito de, como dono do subsolo (1344º, nº 1), captar águas subterrâneas no seu prédio, por poços, minas ou quaisquer escavações. O mesmo pode fazer o usufrutuário, embora este não possa alienar a água encontrada - (1483º). Mas não pode com isso prejudicar direitos adquiridos por terceiro por título justo nem desviar as águas ou veios subterrâneos de prédios contíguos por meio de infiltrações provocadas e não naturais - n.os 1 e 2 do art. 1394º. «Tendo os apelantes ficado privados da água da mina em consequência de pesquisas da apelada de águas subterrâneas no seu prédio, é evidente a violação, por esta última, do direito daqueles. Tendo as apelantes adquirido o direito às águas por contrato, a apelada ficou inibida de fazer no seu prédio explorações que prejudiquem o abastecimento da nascente

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que alienaram - Col. 89-IV-217, que afectem os direitos resultantes do contrato. Pode continuar a pesquisar no seu prédio outros veios de água - PLAVarela, III, 323 e 324:

Cada proprietário só pode explorar as águas que naturalmente atinjam o seu prédio. Não pode provocar o desvio das que se encontrem ou passem em prédio vizinho, à superfície ou no subsolo.

Se o veio atravessa aqueles prédios é nítido que, no caso, cada um dos

proprietários é dono do troço do veio localizado dentro dos limites geográficos e territoriais de cada um deles. Porque assim é, a exploração efectuada pelo 2º proprietário não constitui violação do direito de A. São direitos com incidências distintas - J. C. Pinho, 114. Pode a exploração ser ilegítima se puramente emulativa ou contrária aos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito de propriedade do dono do prédio explorante, privando o vizinho da água que adquirira por justo título - Col. 83-V-211. Sempre haverá lugar para o abuso do direito.

1395º, 1 Visto quanto consta dos art. 1316º para a propriedade e 1547º para as servidões, são justos títulos de aquisição da propriedade de águas subterrâneas (para a água de fontes e nascentes rege o art. 1390º) o contrato, a sucessão por morte, a usucapião, a acessão e demais modos previstos na lei, mas não a ocupação que se não refere a imóveis - 1318º a 1324º - e a lei - 1390º - só de imóveis cuida, bem como, para as servidões, o contrato, testamento, usucapião, destinação de pai de família, sentença e decisão administrativa, estas duas últimas para as servidões legais - (art. 1547º). Claro que a usucapião só releva se as obras visíveis e permanentes tiverem sido feitas no prédio superior, pois só com obras nesse prédio é possível a captação da água e, consequentemente, a posse dela como água subterrânea. A mina feita pelo dono do prédio inferior para dentro do prédio superior jamais pode ser visível, porque é subterrânea, neste prédio superior aonde foi captar, a ocultas, a água nele existente.

Porém, se no prédio superior houver obra visível e permanente para acesso à mina, então poderá estar verificado aquele requisito de usucapião.

Notar a exigência de clareza do título, exigida pelo nº 2 deste artigo 1395º.

1397º

Refere-se esta norma apenas àquelas águas que eram originariamente públicas e

passaram ao domínio privado por preocupação, doação régia e concessão - al. d) - por

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concessão perpétua para regas ou melhoramentos agrícolas - al. e) - ou exploradas mediante licença em terrenos públicos, municipais ou de freguesia - al. f), do art. 1386º. Consagra este preceito dois importantes princípios em razão da origem pública da água: o da inseparabilidade e o da caducidade. Inseparabilidade - A água apropriada está vinculada ao prédio e, dentro deste, a um fim específico, não podendo ser alienada separadamente, abandonada, nem afectada a outro fim dentro do próprio prédio. Adquirido o prédio por usucapião, deve o direito à água considerar-se incorporado na sua aquisição. Logo que ocorra qualquer destes factos, o direito adquirido extingue-se automaticamente, por caducidade, revertendo as águas ao domínio público. Por via deste regime verifica-se uma incorporação jurídica da água no prédio a que ela se destina. H. Mesquita e PLAVarela defendem a insusceptibilidade de usucapião em relação a águas públicas apropriadas por terem elas revertido para o domínio público logo que terceiro começou a aproveitá-las.

J. C. Pinho defende a usucapião desde que verificada até à entrada em vigor do actual Código porque foi só com este Código que se introduziu a ideia da inseparabilidade.

Não parece seja assim. É que o regime da caducidade, com a consequente reversão

da água para o domínio público, torna impossível a aquisição do direito à água por usucapião - PLAVarela, III, 333.

A ideia da caducidade do direito à água vem já do art. 34º da Lei das Águas

que fazia reverter estas águas ao domínio público por uso para fim diferente ou abandono do aproveitamento.

No período de vigência do Cód. de 1867, até 1919 - data de entrada em vigor da Lei das Águas, o Dec. 5787-IIII, de 10.5.1919 - era possível adquirir direitos sobre águas originariamente públicas por escritura ou auto público (439º), mas não com base na posse porque todas as águas, mesmo as originariamente particulares, foram declaradas insusceptíveis de usucapião pelos art. 439º e 444º, parágrafo único, daquele Código - H. Mesquita, Lições, n. 1 a pág. 230.

Enquanto águas particulares, no domínio privado, nos termos do art. 1386º CC, o titular destas águas pode, como proprietário que é, socorrer-se do estatuto normal do domínio, intentando, por exemplo, para defesa do seu direito, acções de reivindicação, acções possessórias, etc.

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Não deve confundir-se não uso com abandono. Este assenta sobre uma intenção de renúncia à água, que nem sempre se verifica no não aproveitamento, acidental ou transitório, do uso a que o titular tem direito, que pode não usar a água por variadas circunstâncias, sem perder o direito a elas.

1398º

Sob a epígrafe - condomínio das águas - regula a lei situações semelhantes à compropriedade, com regime idêntico ao para esta figura consagrado no art. 1411º: o da contribuição para as despesas necessárias à conservação ou fruição da coisa comum, na proporção das respectivas quotas.

A lei fala em co-utentes, abrangendo assim comproprietários e titulares de um

direito exclusivo sobre uma parte da água.

Há comproprietários antes de partilhada a água, quando os contitulares têm direito a uma quota ideal do todo; depois da partilha há direito exclusivo, de propriedade, ou condomínio sobre a respectiva fracção da água, como acontece quando o indivíduo é dono de determinado caudal de água ou de toda a água durante certas horas por dia ou em determinados dias da semana, etc. Trata-se de um caso de obrigação real, pois o condómino da água não pode, contra a vontade dos outros e diferentemente do que sucede na compropriedade com despesa anteriormente aprovada (1411º, nº 2), renunciar ao seu direito para se eximir ao encargo de contribuição para as despesas. Não me parece que os simples utentes das águas sobejas do prédio superior estejam também abrangidos neste comando legal, dada a situação precária, de mera tolerância, em que se encontram, podendo o proprietário superior em qualquer altura aproveitar toda a água sem que isso constitua violação de direito - 1391º, in fine.

1399º, 1400º e 1401º Tal como acontece na compropriedade - 1412º, 1 - nenhum contitular de águas fruídas em comum é obrigado a permanecer na indivisão, podendo proceder-se à partilha judicial (1052º e ss CPC) ou extrajudicialmente.

Nesta matéria de divisão de águas há que considerar três hipóteses:

I - Existência de título (1399º, 1ª parte) - a divisão das águas faz-se de acordo

com os direitos que o título atribui a cada um dos contitulares;

II - Falta ou é insuficiente o título, mas há um regime estável e normal de distribuição, observado pelos interessados há mais de vinte anos - continua a fazer-

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se o aproveitamento por essa forma costumeira, não se procede a nova divisão - 1400º, nº 1, in fine.

Não pode considerar-se costume juridicamente relevante, conducente a um regime

estável e normal de distribuição, qualquer dos costumes abolidos pelo art. 1401º, por antieconómicos e geradores de conflitos, se é que algum desses costumes abolidos podia considerar-se costume neste sentido de causal de distribuição estável e normal de distribuição da água.

Para ser relevante o costume há-de ser seguido há mais de vinte anos.

III - Não há título nem costume juridicamente relevante: procede-se à

divisão de acordo com os critérios fixados no art. 1399º: em proporção da superfície, necessidades e natureza da cultura dos terrenos a regar, por tempo ou caudal.

O costume neste art. 1400º considerado nada tem a ver com os usos, o direito consuetudinário a que se refere o art. 3º

Trata-se dos meros costumes de facto, seguidos pelos interessados em cada aproveitamento da água. São uma forma de repartição da água, tacitamente acordada entre os consortes e que ganhou relevância pela duração superior a vinte anos.

Quando não seja possível provar a autoria das obras de pré-ocupação, dada a sua antiguidade, deve presumir-se que a autoria da preocupação pertence aos antecessores dos utentes que venham aproveitando a água segundo partilha por costume relevante e antes do Código de Seabra - H. Mesquita, 229.

O costume aqui em vista não atribui direitos à água, de propriedade ou quaisquer outros. Limita-se a dar certo efeito jurídico a um uso tradicional que, em relação à água, lhe dão determinados fruentes, considerando-a, por essa forma, dividida. O costume dá, apenas, a medida do direito de cada co-utente. Quando muito, pode dizer-se que ressalva o direito adquirido à água, se ele já existir, mas não visa a sua criação. O costume não constitui título de aquisição originária da água. P. Lima atribui ao costume os seguintes princípios e funções:

a) - O uso e costume não legitima um direito originário sobre as águas; b) - O uso e costume pode indicar, porém, quem são os titulares do direito;

c) - o uso e costume determina, só por si, a medida do direito de cada utente. Com vinte anos, o costume vale o mesmo que um acordo expresso e formal-mente válido de partilha.

No ensinamento de H. Mesquita, se os co-utentes forem donos da água, o uso e costume de facto funciona como um título que faz cessar a compropriedade, convertendo-a em condomínio; quando a água lhes não pertença, o uso e costume terá apenas o efeito de determinar a medida da utilização por cada um deles, mas sempre

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a título precário, sujeitos, a todo o tempo, ao direito de desvio ou reivindicação do proprietário - 1400º, nº 2. Neste nº 2 deste art.. 1395º faz-se um prolongamento do costume a quem usa as águas sem, todavia, a elas ter qualquer direito estável e absoluto. Porém, para que, ainda que condicionalmente, a divisão possa aproveitar a estes co-utentes, é preciso que eles, por si e seus antecessores, tenham estado na fruição (partilhada, dividida) da água de forma estável e normal, durante mais de vinte anos.

1402º

Trata-se de disposição interpretativa, que cede sempre que seja possível

demonstrar o emprego das expressões aí referidas com um sentido diferente daquele que a lei lhes atribui. Este sentido legal só prevalece em caso de dúvida.

SERVIDÕES PREDIAIS

1543º a 1575º Conceito e conteúdo - 1543º e 1544º - Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia.

Deste conceito legal resulta que, superada a estrutura feudal da propriedade e com a legislação liberal saída da Revolução francesa, entre nós mais marcada com a extinção das lutuosas e de outros encargos sobre os bens por Mouzinho da Silveira, não há hoje servidões ou encargos sobre prédios a favor de pessoas mas só de outros prédios.

É claro que titulares da servidão são as pessoas, os donos dos prédios dominantes e sujeitos passivos são os donos dos prédios servientes, pois só as pessoas podem ser titulares ou sujeitos de direitos (art. 67º do CC). O que se quer dizer com isto é que as utilidades próprias das servidões são proporcionadas por um prédio em favor de outro prédio.

Assim, se A celebrar com B um contrato pelo qual aquele adquire o direito de passear ou caçar em prédio deste, estamos perante simples direito de crédito, obrigacional, sem as características de direito real, porque não se criou qualquer utilidade para outro prédio, como é característico das servidões - 1543º - e porque vigora para os direitos reais o princípio da tipicidade - 1306º, nº 1 –

Já se aquele contrato visasse constituir o mesmo direito em favor de um prédio diferente, como o de os hóspedes do hotel ou clínica de A passearem no parque de B, então estaríamos perante o direito real de servidão.

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PLAVarela - CCAnotado, III, 613, destacam as seguintes notas: a) - A servidão é um encargo, um direito real limitado, um jus in re aliena,

uma restrição ao direito de propriedade do prédio onerado ou serviente, mas não, como no direito romano, uma fonte de fraccionamento do direito de propriedade, pela qual o dono do prédio dominante ficava proprietário da faixa de terreno por onde se fazia a passagem ou do leito por onde corria a água. b) - Sobre um prédio - Assinala-se aqui o carácter real da servidão que se traduz num poder directo e imediato sobre o prédio onerado, como é próprio de todo o direito real. Isto significa, praticamente, além de tudo o mais, que a servidão não é oponível apenas ao proprietário do prédio onerado (por ela especialmente atingido no seu dominium), mas a todos os terceiros (credores, arrendatários do prédio, titulares de outras servidões, etc.), e que ela vale tanto em relação ao primitivo proprietário, como em relação aos futuros adquirentes. c) - Em proveito de outro prédio e não em favor de uma pessoa, tal como hoje se não concebe uma servidão sobre uma pessoa em favor de um prédio - servidões da gleba. d) - prédios pertencentes a donos diferentes - Nemini res sua servit. Visto o conteúdo do direito de propriedade, o proprietário pode constituir sobre um seu prédio os encargos que entender em favor de outro prédio seu. Mas este encargo só adquire características de servidão quando o prédio passar a dono diferente, como acontece nas servidões por destinação do pai de família. Nada impede, porém, que o proprietário de um prédio constitua uma servidão sobre um outro de que ele seja mero comproprietário, ou a que, inversamente, os comproprietários de certo prédio adquiram uma servidão sobre um outro prédio, pertença exclusiva de um deles (R.ão de Coimbra, Ac. de 19.6.01, na Col. Jur. 2001-III-37, com apoio em PLAV, Anotado III, 617). Quanto ao conteúdo das servidões rege o art. 1544º. Podem ser as mais variadas, futuras ou eventuais, mesmo que não aumentem o valor do prédio dominante. Mas é necessário ter em conta outras normas legais, designadamente no caso de servidão de escoamento.

Se as águas decorrem, naturalmente e sem obra do homem, de um prédio superior para um prédio inferior, nos termos daquele preceito (1351º), haverá uma simples limitação ao direito de propriedade, que decorre imediatamente da lei, mas não um encargo adicional.

A servidão de escoamento pressupõe a realização de obras que desviem o curso natural das águas ou que provoquem a derivação de águas que tenderiam a ficar estagnadas no prédio dominante.

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A servidão legal de escoamento distingue-se do encargo do artigo 1351.°, designadamente, pela necessidade de um acto constitutivo, que pode ser contrato, testamento, destinação de pai de família, usucapião, sentença judicial ou decisão administrativa. Ora, se na limitação imposta pelo artigo 1351°, n.° 1, aos prédios inferiores apenas se compreendem as águas que decorrem naturalmente e sem obra do homem dos prédios superiores, excluindo-se, designadamente, as águas nocivas, ou inquinadas, contendo matérias imundas ou a que se juntaram quaisquer outras substâncias, por obra do homem, que as tornaram nocivas, igualmente a aqua nocens terá de se considerar excluída do objecto da servidão legal de escoamento que, com um tal conteúdo, é insusceptível de ser constituída por usucapião - BMJ 410-776.

São características da servidão: I - Inseparabilidade - 1545º, nº 1 - é corolário do princípio de que as utilidades

do prédio serviente devem, têm de ser gozadas através do prédio dominante. É expressão da aderência da servidão ao prédio.

Se o direito de aproveitar em certo prédio a água da fonte ou nascente alheia for afectado a outro prédio, por cujas necessidades o direito se passa a aferir, haverá extinção da primitiva servidão e constituição de uma nova servidão.

Adquirida por escritura pública parte da água de uma mina localizada em prédio rústico do vendedor, para irrigar um prédio do comprador da mesma, há servidão de águas e não propriedade. Tendo o seu comprador vendido o prédio por elas irrigado, não pode prevalecer- -se da servidão, por esta ter de ser gozada através desse prédio (prédio dominante) do qual não pode separar-se - Col. 97-V-181. II - Indivisibilidade - 1546º - Se o prédio for dividido, a servidão que o onerava continuará onerando todas as suas partes; mas se, por sua natureza, o exercício da servidão recair só numa das parcelas, só esta continuará onerada. - Col. 84-V-264. Tudo se passa, em relação ao objecto e ao exercício da servidão, como se não tivesse havido divisão.

III - Atipicidade do conteúdo - já apreciada a propósito do conteúdo da servidão - 1544º CC.

IV - Ligação objectiva da servidão - Ressalta aqui a absoluta ligação, a

aderência da servidão ao prédio, o que caracteriza este direito como direito real em confronto com o direito de crédito que não onera senão o contratante (art. 406º CC) e não também o adquirente do prédio.

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As servidões, como tudo na vida, nascem, vivem e morrem. Daí que a lei trate em capítulos separados a constituição (princípios gerais e especiais), o exercício e a extinção das servidões.

Constituição - Princípios gerais - art. 1547º a 1549º Uma primeira distinção é necessário fazer entre servidões voluntárias ou por facto do homem e servidões legais. Mas há que entender em termos hábeis estas palavras voluntárias e legais.

As voluntárias constituem-se por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família - 1547º, nº 1; as legais podem constituir-se voluntariamente pelos mesmos meios, mas têm de característico poderem ser constituídas também, na falta de constituição voluntária, por sentença judicial ou, se caso disso, por decisão administrativa - 1547º, nº 2. Se as servidões legais fossem, na verdadeira acepção do termo, «legais», resultariam ipso jure da lei e não estaríamos então perante verdadeiras servidões, mas perante restrições objectivas aos direitos reais.

O que precisamente distingue as servidões das restrições é que aquelas têm origem num acto (negócio jurídico ou sentença) e estas resultam ipso jure de uma dada situação de facto em que ab origine se encontram os prédios por elas afectados. Pelo simples facto de um prédio se situar em nível inferior a outro está ele sujeito à restrição (1351º) de receber as águas que sem obra do homem, naturalmente, escorrem do prédio superior; mas para que este mesmo prédio inferior fique sujeito a servidão de escoamento é já necessário um acto de constituição da dita servidão.

Num primeiro momento, a servidão legal é um simples direito potestativo que confere ao respectivo titular a faculdade de constituir uma servidão sobre determinado prédio, independentemente da vontade do dono deste.

Num segundo momento, exercido o direito potestativo e constituída assim, por acordo das partes ou, na falta de acordo, por sentença ou acto administrativo, a relação de carácter real a que tendia esse direito, a servidão legal converte-se numa verdadeira servidão, ou seja, num encargo excepcional sobre a propriedade. Quer isto dizer que, nas servidões legais, a verdadeira servidão só mediatamente é imposta por lei; a fonte imediata desta reside na vontade das partes, na sentença constitutiva ou no acto administrativo. O que verdadeiramente caracteriza a servidão legal é o facto de, para aqueles casos especialmente previstos na lei, o proprietário do prédio dominante poder

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impor ao dono do prédio que virá a ser o serviente, contra a vontade deste, a servidão que a lei previu. Não que não possam as partes acordar na sua constituição. Em confronto com as demais servidões e quanto ao modo por que podem constituir-se, as servidões legais distinguem-se apenas pela possibilidade de, na falta de constituição voluntária, serem impostas coercivamente. Verificando-se os pressupostos que permitem impor uma servidão legal, a servidão que se constituir deve considerar-se sempre legal, mesmo que não tenha sido coactivamente actuada - H. Mesquita, RLJ 129º-255. O legislador, de resto, nas duas únicas normas em que consagra um regime especial para as servidões legais (1555º - direito de preferência na alienação de prédio encravado - e 1569º, nº 3 - extinção das servidões legais), diz expressamente que tal regime se lhes aplica qualquer que tenha sido o modo por que se hajam constituído. Assim, constituída por usucapião uma servidão de passagem que podia ser coercivamente imposta - 1550º - e por isso é uma servidão legal, o proprietário do prédio onerado tem direito de preferência, nos termos do art. 1555º, apesar de a servidão se ter constituído por via possessória, por usucapião. Contra, o Ac. na Col. STJ 94-I-75, comentado desfavoravelmente por H. Mesquita na nota 1 da RLJ 129-256. Caracterizadas as servidões legais e voluntárias é tempo de analisar as várias formas de constituição previstas no art. 1547º. São elas: a) - Contrato - por título oneroso ou gratuito mas sempre por escritura pública e registável, nos termos dos Cód. Notariado e do R. Predial, por incidir sobre imóveis. b) - Testamento - c) - Usucapião - nos termos gerais desta figura baseada na posse e no decurso do tempo, mas não aplicável às servidões não aparentes, aquelas que se não revelam por sinais visíveis e permanentes (1548º) como porta, rego, caminho trilhado e demarcado, janela. Se bem que a servidão possa ser descontínua mas aparente, como é o caso da servidão de rego ou aqueduto que só é aparente no tempo da rega. Trata-se aqui da mesma questão de segurança pela publicidade (que substitui o registo) consagrada para a posse conducente à aquisição da propriedade (aqui o direito real menor que é a servidão) por usucapião.

A usucapião é a forma mais frequente de constituição de servidões, tanto voluntárias como legais, entendidos estes conceitos nos termos vistos.

De entre as servidões voluntárias convém destacar, pela sua frequência, a servidão de estilicídio prevista no art. 1365º e a servidão de vistas, ar e luz - 1362.

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1365º A fim de prevenir situações gravosas para os proprietários de prédios confinantes, o nº 1 do art.º 1365º CC não permite, em princípio, que se edifique telhado cuja beira fique a menos de 50 cm do prédio vizinho (dois palmos, no direito antigo). Mas se o beiral ultrapassar este prédio pode adquirir-se servidão de estilicídio (stillicidium vel flumen recipiendi) pelo qual o proprietário do prédio serviente não pode, nos termos do nº 2 do citado artigo, levantar edifício ou construção que impeça o escoamento das águas, devendo realizar as obras necessárias para que o escoamento se faça sobre o seu prédio, sem prejuízo para o prédio dominante - Col. STJ 95-I-43.

Trata-se de servidão contínua e aparente, resultando estas características da existência do beiral do prédio dominante sobre o prédio serviente.

Se esta situação se mantiver pelo tempo e modo (posse pública e pacífica)

bastantes para usucapião, a servidão constituiu-se por esta forma, vivendo e extinguindo-se como qualquer servidão voluntária com aquela origem.

1360º e 1362º

Uma das analisadas restrições resultantes da lei ao exercício do direito de propriedade consta do art. 1360: o proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção não pode abrir nela janelas ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio.

A mesma restrição se aplica a eirados, terraços, varandas, escadas exteriores e obras semelhantes quando sejam servidas de parapeito de altura inferior a metro e meio, em toda a sua extensão ou parte dela - nº 2. Sobre estes conceitos pode ver-se o Ac. da R.ão de Coimbra, de 28.10.77, na Col. 77-V-1114. Se o dono de um prédio transformar um patamar de escadas, uma varanda ou terraço em marquise, fechando o espaço e construindo janelas sobre o prédio vizinho, a hipótese passa a ser prevista pelo nº 1 e não fica a coberto da excepção do nº 2, ambos do art. 1360º CC. Nos termos do artigo 1362º, nº 1, do Código Civil, a existência de janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, em contravenção com o disposto na lei (por exemplo, a deitarem directamente sobre o prédio vizinho) pode importar, nos termos gerais, a constituição de servidão de vistas por usucapião. Constituída a servidão, fica onerado o prédio vizinho com este encargo e com a restrição de não poder o seu dono construir nele a menos de metro e meio - nº 2 do art. 1362º.

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Não se consideram abrangidas pelas restrições legais as frestas, seteiras ou óculos para luz e ar ou janelas gradadas que se situem, pelo menos, a 1,80 cm de altura, a contar do solo ou do sobrado, e não devam ter, numa das suas dimensões, mais de 15 cm. Podem, em princípio, ser tapadas pelo vizinho, que mantém a faculdade de, a todo o tempo, levantar casa ou contramuro porque tais aberturas não levam à constituição de servidão de vistas - 1363º e 1364º. Temos assim, três tipos de aberturas:

1º - As que têm mais de 15 cm e se integram no conceito normal ou vulgar de janela: aberturas mais ou menos amplas, onde, no dizer tradicionalista, cabe uma cabeça humana, munidas de sistemas que podem abrir-se e fechar-se, e permitindo a entrada de ar e luz, e ainda o debruçamento das pessoas nos seus parapeitos e gozo de vistas, de vidro fosco ou transparente, que abram mais ou menos ou nem abram; Podem levar à constituição de servidão de vistas por usucapião - 1362º. 2º - As que têm até 15 cm e se situam a mais de 1,80 m acima do solo ou sobrado, constituindo frestas, seteiras ou óculos, e que se destinam, exclusivamente, a permitir a entrada de ar e luz; Não originam servidão, podendo ser tapadas em qualquer altura, salvo abuso de direito - 1363º, nº 1 e 1305º. 3º - As que têm até 15 cm, mas se situam a menos de 1,80 m do solo ou sobrado; Abrindo-se uma fresta, seteira ou óculo, fora das condições prescritas na lei (a fresta tem, por exemplo, numa das suas dimensões, mais de 15 cm, ou está situada abaixo de 1,80 m), e decorrido o prazo necessário para haver usucapião, o proprietário adquire uma servidão que, denominada ou não servidão de vistas, está sujeita ao regime geral das servidões - P.L.-A. Varela, nota ao art. 1363º e BMJ 203-169. Estas aberturas, não sendo nem janelas nem frestas - estas tal como as caracteriza a lei - são aberturas com relevo próprio, com conteúdo específico, em termos de constituírem um encargo imposto sobre um prédio serviente em favor do outro, dominante, pertencente a dono diferente. Tal encargo traduz-se na impossibilidade de se fazerem, no prédio serviente, obras que obstem à entrada de ar e de luz, ou seja, que se construa parede encostada de forma a tapar as aberturas. Esta entrada de ar e luz constitui o conteúdo desta servidão predial - 1544º. Nada impede que se construa a menos de metro e meio - restrição que só existe para a servidão de vistas, de janela propriamente dita - mas não pode construir-se por forma a impedir a entrada de ar e luz, com o que se estorvaria o exercício desta servidão (atípica) que tem aquele conteúdo permitido pela regra geral do art. 1544º - Ac de 4.12.97, no BMJ 472-471.

Em sentido contrário, o Ac do STJ, de 3.4.91 no BMJ 406-644, que, partindo do princípio da tipicidade - art. 1306º - decidiu pela irrelevância de aberturas que não

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fossem janelas ou frestas, como favoravelmente comentado pelo Prof. H. Mesquita, com diferente fundamentação, na RLJ 128º-126 e ss.

A abertura de frestas em desconformidade com a lei pode originar a aquisição, por

via possessória, de uma servidão predial que confere ao respectivo titular o direito de manter tais aberturas em condições irregulares.

Constituída a servidão, o proprietário serviente perde o direito, que antes lhe assistia, de exigir, através de uma acção negatória, que as frestas sejam modificadas e harmonizadas com a lei. Mas não sofre qualquer limitação no seu ius aedificandi, podendo construir mesmo junto à linha divisória, ainda que tape ou inutilize as frestas, porque o artigo 1362º do Código Civil, que estabelece tal limitação (n.° 2), aplica-se apenas às janelas e demais obras nele mencionadas (quando não obedeçam aos requisitos legais), e não às frestas. I - Constituída servidão de vistas através de janelas é possível manter-se a mesma no caso de demolição e reconstrução do imóvel onde se encontra constituída. II - Porém, as mesmas janelas terão de manter a mesma localização e conservar idênticas dimensões. III - É ao Autor, titular da servidão que quer ver reconhecida, que incumbe o ónus da prova que as novas janelas, no imóvel reconstruído, mantêm as mesmas localização e dimensões das anteriores - Col. 00-I-33.

d) - Destinação do pai de família ou do antigo proprietário - art. 1549º - mesmo que os sinais reveladores da serventia prestada por um prédio ao outro não tenham sido postos, como no direito anterior se exigia, pelo antigo proprietário ou seu antecessor.

Hoje, comparando o art. 2274º do Cód. de Seabra com o actual art. 1549º, basta

que 1 - os dois ou mais prédios ou as fracções do mesmo prédio tenham pertencido ao

mesmo dono, independentemente do tipo de prédio; 2 - existam sinais visíveis e permanentes num ou noutro prédio, não forçosamente em ambos, (rego, poça, janela, carreiro, portão), mesmo que se não saiba a autoria de tais sinais e independentemente do conhecimento de todos os interessados, sinais inequivocamente reveladores de que um dos prédios fornecia serventia ao outro; 3 - os prédios ou as fracções do prédio se separem quanto ao seu domínio e não haja no documento respectivo nenhuma declaração oposta à constituição do encargo. I - São, hoje, requisitos fundamentais da existência de servidão por destinação de pai de família: a) Que os prédios em causa tenham pertencido, unitária ou fraccionadamente, ao mesmo proprietário, de cujo tempo provenha a servidão; b) Que, aquando da separação predial, nada se tenha estipulado em contrário; c) Que existam sinais visíveis e permanentes que revelem a servidão.

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II - Exigindo a lei sinal ou sinais, exige elementos incontroversos, a analisar crítica e qualitativamente pelo julgador e não, necessariamente, completo caminho, se de passagem se trata - BMJ 473-484. Para que se verifique a constituição de servidão de passagem por destinação do pai de família necessário se torna que existam sinais, visíveis e permanentes, independentemente de quem os produziu, no momento da transmissão de tais sinais, conexionados com uma manifestação de vontade nesse sentido não desmentida por declaração em contrário. Penhorado um dos prédios e arrematado em hasta pública, sendo já antes da penhora visíveis e permanentes os sinais correspondentes à existência da servidão, e nada tendo sido dito em contrário, tal servidão tem-se como constituída e eficaz - Col. 96-III-101.

Servidões legais - 1550º a 1563º: de passagem e de águas I - de passagem: 1550º a 1556º Como servidão legal que é, concede a lei ao dono de prédio encravado - absoluta ou relativamente (1550º, nº 2) encravado - a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos, pelo modo e lugar menos inconvenientes para os prédios onerados (1553º) e contra o pagamento da indemnização correspondente ao prejuízo sofrido -1554º. Sobre a possibilidade de constituição de servidão legal de passagem sobre prédios urbanos decidiu a Relação do Porto, em 26.6.2001: Da conjugação destas duas normas (art. 1550º e 1551º, nº 1) resulta alguma divergência no ensino e correcto entendimento do regime legal; enquanto uns afirmam peremptoriamente, a partir da letra do nº 1 do art. 1550º, que sobre prédios urbanos não permite a lei se constitua servidão legal de passagem - note-se, porém, que a servidão legal só recai sobre os prédios rústicos, conforme se prescreve na parte final do nº 1 (do art. 1550)13 -, decidem outros que da conjugação dos artigos 1550º e 1551º do Código Civil resulta o princípio de que só não podem constituir-se servidões (legais) sobre prédios urbanos na parte desses prédios respeitantes aos edifícios incorporados no solo. Assim, se a servidão de passagem incidir sobre os terrenos que sirvam de logradouro dos edifícios, é legítimo o exercício do direito de preferência14.

Visto o conceito de prédio urbano que nos dá o nº 2 do art. 204º, nele se incluindo os terrenos que sirvam de logradouro ao edifício incorporado no solo, concluímos ser possível constituir servidão legal de passagem sobre os terrenos

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adjacentes a prédios urbanos se os donos destes não usarem oportunamente do direito de aquisição do prédio alegadamente encravado. Possibilidade de compra do prédio encravado e de indemnização agravada até ao dobro nos casos previstos nos art. 1551º e 1552º.

Preferência do dono do prédio serviente na venda ou dação em pagamento do prédio dominante - 1555º - qualquer que tenha sido o título constitutivo da servidão legal de passagem, mesmo por usucapião. Comentando desfavoravelmente Ac. do STJ que decidiu em contrário, H. Mesquita escreve na RLJ 129-224:

Uma servidão de passagem que se constitua por usucapião em benefício de um prédio encravado (e o mesmo se diga de qualquer outra servidão que possa constituir- -se coercivamente) não deixa de ser, para todos os efeitos, uma servidão legal pelo facto de a passagem se fazer por local diferente daquele que o tribunal escolheria se o encargo houvesse sido constituído por sentença. Ponto é que a servidão já esteja efectivamente constituída, que o prédio já esteja onerado com a servidão – Col. Jur. (STJ) 2002-I-134, Ac. de 14.3.2002. Esta doutrina de H. Mesquita, P. Lima (Reais, 368), Ascensão (Reais, 5ª ed., 1993, 258-260) foi adoptada pelo STJ em Ac. de 15.12.98, no BMJ 482-241 que, porém, decidiu que desaparecido o pressuposto que condicionou a constituição da servidão legal de passagem, qual seja, não ter o prédio comunicação com a via pública (art. 1550º), essa servidão perdeu a sua razão de ser a partir do momento em que o prédio deixou de ser encravado.

Assim, ainda que o proprietário do prédio serviente não tenha requerido a declaração judicial da sua extinção por desnecessidade, a servidão deixou de subsistir como legal, apenas permanece como voluntária e, como tal, o proprietário do prédio serviente deixou de ter preferência legal na venda do prédio dominante, pois conceder- -lhe a preferência nesta situação seria premiar a sua inércia.

Também o STJ decidiu - Col. STJ 94-I-75 - que não goza do direito de

preferência o proprietário do prédio onerado com servidão de passagem constituída por meio de usucapião. Mas na Col. STJ 95-I-60 decidiu-se que sim, que tinha esse direito, como parece resultar directamente da lei - art. 1555º, n.º 1 - qualquer que tenha sido o título constitutivo.

Para casos de servidão legal de passagem constituída por destinação do pai de família ou usucapião decidiu afirmativamente, ainda, o Acórdão na Col. 96-V-276.

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Nada impede que o proprietário do prédio serviente vede a entrada do seu prédio, onerado com servidão de passagem, desde que entregue uma chave do portão ao titular da servidão, ao dono do prédio dominante - Col. 00-I-201 e loc. cit.

Outra servidão legal de passagem é a do art. 1556º, de acesso às fontes, poços

e reservatórios públicos, bem como às correntes de domínio público, a favor dos proprietários que não tenham esse acesso à água para seus gastos domésticos.

II - De águas - 1557º a 1563º

Além das consagradas nos art. 1557º - águas sobrantes - (para gastos domésticos), complementada pela de passagem para este efeito prevenida no artigo anterior, e da outra para fins agrícolas do art. 1558º (águas sem qualquer utilização por seu dono) prevê a lei três outras servidões legais de águas, a saber,

de presa (1559º e 1560º - aproveitamento de águas particulares e públicas), de aqueduto (1561º - águas particulares e 1562º - aproveitamento de águas

públicas) e de escoamento (1563º).

Precisamente porque o aproveitamento da água se encontra adstrito às necessidades deste tipo das pessoas que habitam num prédio, é que o respectivo direito, de acordo com a terminologia aceite pelo Código em matéria de águas, é considerado uma verdadeira servidão.

1 - Servidão legal de presa - 1559º - consiste no direito que tem o titular (dono ou simples utente) de um direito a água a represar e fazer derivar a água de prédio alheio.

É um acessório do direito à água. Sem direito à água não há, logicamente, direito de servidão de presa. O direito à água - em propriedade ou simples servidão de aproveitamento - é pressuposto desta servidão. Mas pode haver direito à água e não direito de a represar. Neste caso é que tem cabimento a constituição da servidão de presa.

1.1 - Servidão legal de travamento de presa - 1560º - Também aqui se pressupõe o direito à água, nos termos das al. d) e e) do nº 1 do art. 1386º ou 1385º para as águas públicas.

2 - Servidão legal de aqueduto - 1561º - Constituída em proveito da

agricultura, da indústria ou para gastos domésticos, igualmente pressupõe o direito à água: ... as águas particulares a que tenham direito ... As servidões de presa e aqueduto são um acessório do direito à agua: elas existem se e enquanto ele existir, e extinguem-se se ele se extinguir - Col. 86-IV-86.

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Inerente a esta servidão de aqueduto, de condução de água, admite-se a existência do direito de passagem por prédio alheio para acompanhar e vigiar a água, pelo carreiro existente ao lado do rego ou aqueduto. 2.1 - Servidão legal de aqueduto de águas públicas - 1562º - só quando tenha havido concessão e não simples licença. 3 - Servidão legal de escoamento - 1563º - A servidão de escoamento pressupõe a realização de obras que desviem o curso natural das águas ou que provoquem a derivação de águas que tenderiam a ficar estagnadas no prédio dominante.

Se as águas decorrem, naturalmente e sem obra do homem, de um prédio

superior para um prédio inferior, nos termos do artigo 1351º, haverá uma simples limitação ao direito de propriedade que decorre imediatamente da lei, mas não servidão, um encargo excepcional. EXERCÍCIO DAS SERVIDÕES - 1564º a 1568º Regra geral e primeira nesta matéria é a de que, no tocante à extensão e exercício das servidões, deve observar-se o que consta do título - qualquer que ele seja - da sua constituição, tanto para o dono do prédio dominante como para o do serviente ou terceiros - 1564º, 1ª parte. Na insuficiência do título observam-se os critérios do art. 1565º: o direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação.

E em caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício, entender-se-á constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente.

No mesmo desejo de equilibrar os interesses dos donos dos prédios serviente e

dominante regula a lei a mudança da servidão, tanto no local como no modo e tempo de exercício da servidão - 1568º - faculdades irrenunciáveis e ilimitáveis por negócio jurídico - nº 4 do art. 1568º.

«Constituída uma servidão por força da usucapião, o seu conteúdo ou extensão e

o seu exercício determinar-se-ão pela posse do respectivo titular, em obediência à máxima latina «tantum prescriptum quantum possessum». Se uma servidão se inicia com determinado conteúdo (ex.: servidão de vistas apenas com uma janela, servidão de passagem somente a pé) e, posteriormente, tal conteúdo ou extensão sofre um aumento (duas janelas, passagem de carro), é óbvio que o novo conteúdo exigirá o vinténio para operar a usucapião.» - BMJ 420-579. Aqui, um rego a céu aberto daria lugar a uma encanação subterrânea muito mais profunda do que aquele e situada a seu lado. Claramente que se trata de uma alteração

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ou modificação da servidão anterior, com manifesto prejuízo para o prédio serviente, atenta a profundidade da nova conduta -BMJ 457-379. Mas uma servidão de passagem de carro de bois pode ser usada para passagem de um tractor, sem alteração do exercício da servidão - Col. 88-I-120 e III-183. O art. 1568º, nº 3, do C. Civil dispõe que o modo e o tempo de exercício da servidão serão igualmente alterados, a pedido de qualquer dos proprietários, desde que se verifiquem os requisitos referidos nos números anteriores e os requisitos necessários à mudança da servidão, que são as vantagens para o proprietário do prédio dominante ou do serviente e a ausência de prejuízos para qualquer deles.

Refere o preceito «pedido de qualquer dos proprietários», o que significa que aqui o regime é diverso do estabelecido no nº 1 do art. 1566º. Ao abrigo deste, o proprietário do prédio dominante não carece da autorização ou, sequer, do consentimento do proprietário do prédio serviente para realizar as obras necessárias ao uso e conservação da servidão. Mas para a alteração do modo e do tempo de exercício da servidão, é necessário «o pedido» de qualquer dos proprietários, o que significa que tal alteração não pode fazer-se por decisão unilateral quer do proprietário do prédio dominante quer do proprietário do prédio serviente.

E assim, ou os dois proprietários acordam na alteração do modo de exercício da

servidão e ela operar-se-á em função desse acordo, ou, na falta de acordo, o proprietário interessado terá de recorrer a juízo para convencer o outro da necessidade da alteração, para o que terá de alegar e provar as vantagens que para si advêm e a ausência de prejuízos para o outro - R.ão do Porto, Col. 2000-III-220

EXTINÇÃO DAS SERVIDÕES - 1569º A 1575º

O art. 1569º prevê os vários casos de extinção das servidões. Assim, a) - Confusão - nemine res sua servit. b) - Não uso durante 20 anos, a contar nos termos do art. 1570º - qualquer que seja o motivo. Porque lhe são aplicáveis as regras da caducidade - 298º, nº 3 - não se aplicam aqui as normas da suspensão e da interrupção próprias da prescrição e constantes dos art. 318º a 327º CC. Notar, porém, o exercício parcial - 1572º - ou por um dos vários donos do prédio dominante - 1570º, nº 3 - que obstam à extinção da servidão mesmo na parte (de pé e carro) não usada e em relação aos não usadores; e o exercício em época diversa - 1573º - que pode levar à aquisição de nova servidão mas não impede a extinção da não usada.

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c) - Usucapio libertatis - oposição, durante os anos necessários para adquirir por usucapião, ao exercício da servidão - 1574º. d) - Renúncia, pura e simples, negócio jurídico unilateral: nº 5 do art. 1569º - não depende de aceitação do proprietário do prédio serviente. e) - Decurso do prazo, se temporariamente constituídas. f) - Desnecessidade judicialmente declarada - para as constituídas por usucapião e para as legais, qualquer que tenha sido o título da sua constituição - n.os 2 e 3. Servidão de passagem

Desnecessidade - Critério de avaliação

I - A «desnecessidade de subsistência da servidão para o prédio dominante», como requisito previsto no artigo 1569º, nº 2, do Código Civil para a extinção de uma servidão, afere-se em relação ao momento da introdução da acção em juízo, não sendo necessária a prova de uma superveniência absoluta da desnecessidade após a constituição da servidão.

II - A lei pretende, essencialmente, uma ponderação actualizada da necessidade de manter o encargo sobre o prédio, deixando ao prudente critério do juiz avaliar se, no momento considerado e segundo um juízo de prognose de proporcionalidade subjacente aos interesses em jogo, haverá ou não alternativa que, sem ou com um mínimo de prejuízo para o prédio encravado, possa ser eliminado o encargo sobre o prédio serviente.

III - O juízo de proporcionalidade terá de ser feito previamente in abstracto na fase declarativa de arbitramento, a que se seguirá a formulação e definição in concreto das obras necessárias.

IV - Se um prédio pode facilmente e sem excessivo incómodo ou dispêndio obter comunicação com a via pública, não se justifica a constituição (ou a manutenção) de servidão por força da lei, porque tal prédio não poderá ser considerado encravado - STJ, 27.5.99, BMJ 487-313. As servidões voluntárias, nomeadamente as constituídas por contrato e por destinação do pai de família, extinguir-se-ão pelo não uso; Como se sabe, podem constituir-se por acordo servidões não estritamente necessárias que podiam ser logo de seguida declaradas extintas (por desnecessidade), assim se violando o acordado.

Necessária decisão judicial de extinção e restituição total ou parcial da indemnização.

g) - Remissão Judicial - 1569º, nº 4 - as servidões para aproveitamento de água

para gastos domésticos ou fins agrícolas - 1557º e 1558º - podem ser remidas judicialmente ao fim de dez anos sobre a sua constituição, extinguindo-se, desde que o dono da água prove que quer doravante fazer da água um uso justificado, também com restituição total ou parcial da indemnização.

1575º

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As servidões activas adquiridas pelo usufrutuário não se extinguem pela cessação do usufruto. Ser-lhes-á aplicável o regime das benfeitorias - 1450º e 1273º e ss. Relativamente à duração das servidões (passivas) constituídas pelo usufrutuário, vigora a limitação estabelecida na parte final do n.° l do artigo 1460º: não podem ultrapassar a duração do usufruto.

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