direitos humanos para bandidos
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Grupo de Trabalho 01
Título de Trabalho: “DIREITOS HUMANOS SÃO PRA BANDIDOS”: DISCUSSÃO SOBRE A PERCEPÇÃO DO PROFISSIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA SOBRE DIREITOS HUMANOS
Autoras: Ana Carolina da Silva Pereira (Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais); Regina Geni Amorim Juncal (Graduanda em Psicologia e Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais)
Resumo: Este trabalho busca discutir aspectos das “Diretrizes Nacionais de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos dos Profissionais de Segurança Pública” a partir da experiência como estagiárias na pesquisa “Direitos Humanos e Segurança Pública”, desenvolvida pelo Instituto DH, de Belo Horizonte, em parceria com a Secretaria Nacional de Segurança Pública. A pesquisa citada teve como objetivo mapear as práticas, situações e valores socialmente reproduzidos no interior das instituições de segurança pública relativos aos direitos humanos, identificando e analisando suas vinculações ao processo de formação de seus operadores e ao monitoramento da atuação policial. O principal aspecto que tentaremos discutir é a percepção do profissional de segurança pública sobre direitos humanos, bem como a seletividade inerente do sistema penal que, por si, inviabiliza a atuação policial em consonância com os princípios dos direitos humanos, fragmentando a percepção e considerando possibilidades diferentes de atuação entre teoria e prática Abstract: This paper aims to discuss aspects of the "National Guidelines for the Promotion and Defense of Human Rights of the Public Safety Professionals" from the experience as interns in the study "Direitos Humanos e Segurança pública," developed by the Intituto DH of Belo Horizonte in partnership with Secretaria Nacional de Segurança Pública. The research aimed to map out practical situations and social values reproduced within the public security institutions related to human rights, identifying and analyzing their links to the formation of its operators and the monitoring of police action. The key point that we attempt to discuss is the perception of public security professionals on human rights, as well as the inherent selectivity in the criminal justice system that,
by itself, prevents the the police action in line with the principles of human rightsby by breaking the perception and considering differents possibilities of performance between theory and practice.
Neste artigo discutiremos sobre os direitos humanos dos profissionais
de segurança pública, tendo como referência o documento “Diretrizes
Nacionais de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos dos Profissionais de
Segurança Pública” (2010);; documentos e artigos que versam sobre as atuais
condições de trabalho desses profissionais, bem como pesquisa realizada
sobre o referido tema a qual integramos como estagiárias no primeiro semestre
deste ano. A pesquisa “Segurança Pública e Direitos Humanos” foi
desenvolvida no período de janeiro a junho de 2012 com as Academias de
formação da Polícia Civil e Militar de todo país, sob responsabilidade do
Instituto DH em parceria com a Secretaria Nacional de Segurança Pública.
Neste período fomos estagiárias participando das etapas da pesquisa,
momento em que tivemos acesso a questões que dizem respeito à formação e
atuação dos profissionais de segurança pública, sempre perpassando pela
temática dos direitos humanos. Os resultados da pesquisa não podem ser
divulgados, vez que o Ministério da Justiça até o momento não disponibilizou o
relatório em seu site. Faremos uma análise da percepção frequente
manifestada durante a pesquisa de acordo com a qual, na fala dos policiais, os
“direitos humanos são para bandidos”, e tentaremos discutir a falta de
compreensão dos agentes de segurança pública sobre o tema, bem como a
dificuldade para que essa assimilação seja possível e operacionalizada, tendo
em vista que a seletividade do sistema penal já afronta os direitos humanos e é
imprescindível para o controle do estado.
É corriqueiro entre o senso comum, na mídia e entre os próprios
policiais, o chavão “direitos humanos é coisa pra bandido”. Essa frase
demonstra tanto uma deficiência na formação sobre o tema, quanto traz
também a exclusão daquele que fala, ou seja, o sujeito de direito é o outro e
não aquele que pronuncia. Essa compreensão dos direitos humanos foi
bastante comum entre os participantes da pesquisa, ainda que haja um esforço
no sentido de desenvolver a instrução dos operadores sobre o tema. Para a
formação em direitos humanos dos agentes de segurança pública, a Matriz
Curricular Nacional (2009), apresentada em 2003, é referência para as
academias do país, tendo desde então sofrido algumas alterações, com sua
última versão apresentada em 2009. Segundo o referido documento, “a
principal característica da Matriz Curricular Nacional – doravante denominada
Matriz – é ser um referencial teórico-metodológico para orientar as Ações
Formativas dos Profissionais da Área de Segurança Pública – Polícia Militar,
Polícia Civil e Bombeiros Militares” (MATRIZ CURRICULAR NACIONAL, 2009,
p.2). Ainda, conforme o documento, todos os itinerários formativos da Matriz
devem considerar de forma transversal e multidisciplinar os direitos humanos.
Dessa maneira, todas as disciplinas devem abordar temas relacionados aos
Direitos Humanos, bem como estabelecer “uma relação dialógica entre os
campos de conhecimentos trabalhados nas Ações Formativas dos
Profissionais da Área de Segurança Pública” (MATRIZ CURRICULAR
NACIONAL, 2009, p.14). No entanto, ainda que possa haver melhoras em
relação à formação acadêmica do policial, a demanda política de atuação
desses agentes faz com que haja uma separação entre o que supostamente
se aprende na academia em relação aos direitos humanos, e o que é aplicado
nas ruas.
A política de encarceramento do Brasil, que possui 514.582 de presos
(BRASIL, 2011), demonstra que há uma prática de resolução de conflitos via
sistema penal, sendo que nessa perspectiva, há uma seleção das pessoas
encarceradas, principalmente no que diz respeito à classe social, faixa etária e
cor. Sobre o “perfil” ao qual nos referimos, segundo Relatório elaborado pelo
Grupo de Trabalho sobre o Exame Periódico Universal, da Organização das
Nações Unidas, trata-se
de acuerdo con los instrumentos de vigilancia del sistema penitenciario de que dispone el Brasil, la población reclusa del país responde predominantemente al perfil de jóvenes afrodescendientes varones con un bajo nivel de escolarización. En 2011, el 53,6% de los reclusos tenían edades comprendidas entre los 18 y los 29 años, el 93,6% eran hombres, el 57,6% eran afrodescendientes y el 34,8% eran blancos. Además, el 45,7% de los reclusos no habían terminado la enseñanza primaria, mientras que el 0,4% habían cursado estudios superiores. Sobre la base de las estadísticas, las
estrategias intersectoriales se orientan a combatir el racismo institucionalizado, luchar contra la pobreza y estimular la escolarización y la inclusión productiva para los jóvenes (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2012, p.18).
O perfil dos presos no Brasil se configura como claro processo de
criminalização de uma classe, que por sua vez, faz parte da operacionalidade
do sistema penal, “todas as sociedades contemporâneas que institucionalizam
ou formalizam o poder (Estado) selecionam um reduzido mínimo de pessoas
que submetem à sua coação com o fim de impor-lhes uma pena. Essa seleção
penalizante se chama criminalização” (ALAGIA;; BATISTA;; SLOKAR;;
ZAFFARONI, 2006, p. 46). A polícia é um dos agentes desse processo de
criminalização dos pobres, instituído pelo sistema penal. Falar em
criminalização implica delimitar um grupo, ou seja, selecionar. Se há essa
prática arbitrária do sistema penal, significa que sua legitimidade está em
questão, uma vez que, ao contrário dos seus princípios, não é para todos. Não
se trata, portanto, de um sistema de relações horizontais, comunitárias, mas
sim de um sistema de relações verticais e repressivas. A seletividade estrutural do sistema penal – que só pode exercer seu poder repressivo legal em um número insignificante das hipóteses de intervenção planificadas – é a mais elementar demonstração da falsidade da legalidade processual proclamada pelo discurso jurídico penal. Os órgãos executivos têm “espaço legal” para exercer poder repressivo sobre qualquer habitante, mas operam quando e contra quem decidem. (ZAFFARONI, 1991, pag. 27).
Essa prática institucionalizada demonstra a impossibilidade da polícia
em atuar em consonância com os princípios de direitos humanos, tanto por
todo caráter seletivo descrito acima quanto pelas péssimas e desumanas
condições de encarceramento, já denunciadas pela CPI carcerária de 2008 e
em outros documentos nacionais e internacionais, tais quais: Relatório de
Violações de Direitos Humanos no Sistema penitenciário do Espírito Santo –
Atuação da sociedade Civil (2011); Relatório sobre tortura no Brasil do
Subcomitê de Prevenção da Tortura (SPT) das Nações Unidas (2012). Dessa
maneira, há pré-condições para que a polícia haja de forma violenta,
desrespeitosa, sendo ela apenas uma das partes integrantes deste processo.
As práticas das unidades de polícia pacificadoras no Rio de Janeiro são
também exemplos de práticas desrespeitosas e inconstitucionais,
operacionalizadas pelos agentes de segurança pública, e que cerceiam os
direitos individuais dos moradores das favelas ocupadas. Essas práticas,
apesar de inconstitucionais, são travestidas de resolução de conflitos em prol
da segurança e de interesses particulares, sendo assim legitimadas. Essas são
algumas das razões pelas quais, por mais que haja uma proposta pedagógica
diferenciada tanto devido à Matriz Curricular Nacional quanto devido à própria
Constituição Federal de 1988, o projeto político de penalização dos pobres é
incompatível com o formato de polícia que temos, haja vista a separação entre
“teoria”, a nova demanda da transversalidade dos direitos humanos, e
“prática”, que é discricionária e repressiva.
Em artigo sobre a letalidade da ação policial, Loche e Gomes
demonstram que o Brasil possui uma das maiores taxas do mundo de
homicídio por cem mil habitantes, sendo a maioria das vítimas jovem, do sexo
masculino, e as mortes provocadas por arma de fogo. Muitas dessas mortes
estão relacionadas à letalidade policial, ou seja, quando as consequências são
fatais para o cidadão. No entanto, os autores ressaltam que existe uma divisão
tênue entre a necessidade e o abuso da força, uma vez que esse tipo de
prática deve ser utilizada como última possibilidade de atuação. Para
investigarem sobre o grau de letalidade da polícia de São Paulo, os autores
utilizaram os dados disponibilizados pela secretaria de segurança pública do
estado entre os anos de 2000 e 2010. Os parâmetros convencionados para
essa análise são a relação entre civis mortos e civis feridos em uma ação
policial; a relação entre civis e policiais mortos; e o percentual das mortes
provocadas pela polícia em relação ao total de homicídios dolosos. O resultado
da análise em conjunto desses três parâmetros demonstraram uma polícia
altamente perigosa, que mata mais que fere, com altíssimo grau de letalidade
em suas ações, utilizando força e violência de forma desproporcional. Há,
portanto, uma violência institucionalizada, tolerada, e direcionada a um público
específico. A polícia é necessária para o controle do estado e para que ela
exista faz-se necessário também a figura do delinquente.
Sem delinqüência, nada de polícia. O que é que torna a presença e controle policiais toleráveis pela população senão o medo do delinqüente? (...) Se aceitamos no meio de nós essas pessoas de uniforme, armadas, enquanto nós não temos o direito de assim estar, que nos pedem nossos documentos, que vêm rondar diante da soleira de nossa porta, como isso seria possível se não houvesse delinqüentes? E se não houvesse todos os dias nos jornais artigos nos quais nos relatam o quanto os delinqüentes são numerosos e perigosos? (FOUCAULT, 2010, p.168).
Hoje se sustenta a insegurança generalizada, que faz cobrar mais
endurecimento da prática policial, do sistema judiciário, aumento do número de
prisões e repressão. Para Wacquant (2007) o trabalho desqualificado e
precário tem como complemento institucional o “punho de ferro” do Estado
penal, que cria todo tipo de desordem causada pela sensação de insegurança
social e consequente restrição do estado do bem estar social. Dessa maneira,
a manutenção do trabalho desqualificado nas classes economicamente
desfavorecidas é também um sintoma do enrijecimento das práticas punitivas.
Nesse sentido, há de se considerar, que os policiais também enfrentam
condições precárias de trabalho, má remuneração e, muitas vezes, sobrecarga
de trabalho.
Existe uma divisão perversa que faz com que pessoas, não raro da
mesma classe social, como os “delinquentes” e os policiais, se tornem
inimigos, apesar de enfrentarem condições sociais e econômicas semelhantes.
Há na sociedade uma clara divisão moral entre o bom e mau cidadão, que
sustenta a submissão de pessoas a trabalhos precários “ao invés” de cometer
delitos. Foucault (2006) fala da moralização que incidiu sobre a população
desde o século XIX, quando a classe popular pôs as mãos na riqueza, nas
matérias primas, máquinas e instrumentos, e foi então imprescindível constituir
o povo como um sujeito moral, colocando os delinquentes como maus,
perigosos e carregados de vícios. Assim, tornam-se viáveis relações precárias
de trabalho, contanto que não caia nas malhas do sistema penal. A
contradição, porém, é que as condições em que trabalham os policiais no
Brasil também são precárias, a tal ponto de entenderem que os “direitos
humanos são para bandidos”.
Em decorrência de tal descaso, tem aumentado o número de
reinvindicações de políciais militares por melhores condições salariais e de
trabalho, algumas delas transformando-se em greves, como as ocorridas nos
estados do Rio de Janeiro e Bahia neste ano. Durante este período, pouco se
falou sobre o assunto e quase nada foi discutido sobre os direitos pelos quais
se manifestavam os grevistas, limitando-se o debate quase sempre sobre a
inconstitucionalidade do ato1. Outra questão é a PEC 300/082, uma das
maiores lutas dos policiais e bombeiros militares atualmente, tem ganhado
destaque nos últimos tempos, revelando o evidente descontentamento de tais
profissionais com as condições em que têm exercido suas funções.
A pesquisa “Segurança Pública e Direitos Humanos” abordou questões
como a falta de valorização do policial, falta de atenção psicossocial e à saúde,
falta de espaço para a discussão e reflexão sobre a atividade policial, critérios
de reconhecimento e observância dos direitos humanos precários, falta de
instrumentos adotados pelas academias que valorizem a auto-estima dos
alunos, dentre outros. Como foi ressaltado, um grande número de participantes
têm a percepção de que não são contemplados em seus direitos, muitas vezes
tentando assim justificar as eventuais violações aos Diretos Humanos por eles
cometidas.
A falta de estrutura e condições dignas de trabalho dos operadores de
segurança pública é questão que vinha sendo completamente negligenciada
até pouco tempo – é de 2010 a portaria do Ministério da Justiça que
reconheceu e instituiu diretrizes de Direitos Humanos dos Operadores de
Segurança Pública3 - e continua ainda obtendo pouca atenção. Apesar da
existência de tal documento, o mesmo não foi mencionado em momento algum
pelos participantes, apontando para possível desconhecimento do mesmo, e
foi possível perceber ao longo da pesquisa que a insatisfação dos operadores
1 O artigo 142 da Constituição estabelece que ao militar são proibidas a sindicalização e a greve. 2 Altera a redação do § 9º do art. 144 da Constituição Federal, estabelecendo que a remuneração dos Policiais Militares dos estados não poderá ser inferior à da Polícia Militar do Distrito Federal, aplicando-se também aos integrantes do Corpo de Bombeiros Militar e aos inativos. 3 Secretaria de Direitos Humanos – Portaria interministerial nº 2, de 15 de dezembro de 2010.
quanto às condições em que exercem suas funções é nítida e generalizada.
Foram frequentes apontamentos sobre questões como falta de assistência
social e psicológica, violências físicas e morais sofridas pelos profissionais
dentro da própria instituição, falta de estrutura física do ambiente de trabalho,
entre outros.
Cumpre consignar que a situação é ainda agravada pelos princípios
rígidos de disciplina e hierarquia que regem tais instituições, impossibilitando a
manifestação e questionamento por parte dos policiais diante de tais
circunstâncias. Esta estrutura intransigente reflete, inclusive, na manifestação
de autonomia dos operadores, restando os mesmos limitados ao exercício de
uma segurança pública tradicional e restrita à manutenção da ordem,
incompatíveis com os princípios de direitos humanos e polícia comunitária do
atual Estado Democrático de Direito.
A desvalorização destes profissionais tem influência direta na atuação
perante a sociedade. As Diretrizes Nacionais de Promoção e Defesa dos
Direitos Humanos dos Profissionais de Segurança Pública trazem orientações
no sentido de valorizar tais operadores em todos os aspectos
supramencionados. Uma das questões, a falta de assistência psicossocial, é
um grave problema enfrentado por estes profissionais, principalmente em
virtude da natureza das atividades por eles desenvolvidas. Neste sentido,
estabelece a referida portaria a seguinte orientação “Desenvolver programas
de acompanhamento e tratamento destinados aos profissionais de segurança
pública envolvidos em ações com resultado letal ou alto nível de estresse
(BRASIL, 2010, p. 11).” São comuns atividades desempenhadas por
profissionais de segurança pública em que o nível de stress é elevado e a
tensão psicológica é constante, principalmente quando atuam nas ruas,
lidando diretamente com situações de conflito. Desta forma, a preservação do
equilíbrio emocional destes operadores é imprescindível para a manutenção da
qualidade de vida e exercício profissional. Apesar disto, percebeu-se durante a
pesquisa, por meio de alguns depoimentos, que tal assistência é
extremamente precária e às vezes até inexistente, sendo constante o
desenvolvimento de problemas como alcoolismo, dependência química e
depressão entre estes profissionais.
Outro problema, e talvez o maior deles apontado pelos entrevistados,
são os constantes abusos e violações sofridos pelos profissionais dentro da
própria instituição. Sobre isto, uma das diretrizes estabelecidas pelo
documento já citado é “Erradicar todas as formas de punição envolvendo maus
tratos, tratamento cruel, desumano ou degradante contra os profissionais de
segurança pública, tanto no cotidiano funcional como em atividades de
formação e treinamento” (BRASIL, 2010, p. 13). A estrutura hierarquizada da
instituição militar por vezes dificulta a percepção do próprio policial como
sujeito de direitos, submetendo-o a condições de trabalho degradantes. Foram
comuns relatos de violência física e moral, que têm impacto direto na
valorização profissional e pessoal dos policiais. Pôde-se perceber que por
terem seus direitos violados, os policiais tendem a reproduzir o tratamento
desrespeitoso que recebem. Cria-se um ciclo no qual a transgressão de
direitos pessoais legitima a violação de direitos do outro, seja no âmbito interno
da instituição, seja na atuação dentro da comunidade civil, transformando a
figura do cidadão em figura de inimigo, aquele a quem os Direitos são
exclusivamente dirigidos, dando origem, inclusive, à repetida fala de que
“direitos humanos são para bandidos”. Neste sentido, questiona-se se é
razoável exigir destes profissionais uma atuação em nada condizente com o
tratamento que recebem de suas instituições e do Estado, ao mesmo tempo
em que a própria demanda do sistema penal, que seleciona sob quem atua,
permite que não haja consonância da atuação policial aos princípios dos
direitos humanos.
Percebe-se que esta é uma questão ainda pouco discutida pelos
operadores de Direitos Humanos. Há um obstáculo a ser superado, o sistema
penal atual não condiz com a demanda da sociedade, tanto pela falta de
estrutura política e física, quanto pela falta de preparo e valorização de seus
operadores. Deve-se discutir, ainda, se é possível uma polícia em consonância
com o respeito aos direitos humanos, ou se essa conscientização inviabilizaria
a existência da mesma, uma vez que pode-se considerar a polícia um dos
principais agentes da seletividade do sistema penal e, portanto, da
manutenção da desigualdade e criminalização da pobreza.
Referências:
ALAGIA. A; BATISTA. N; SLOKAR. A; ZAFFARONI. E. R. Direito Penal Brasileiro – I. Rio de Janeiro: Revan, 2006.
BRASIL. Diretrizes Nacionais de Promoção e Defesa dos Direitos
Humanos dos Profissionais de Segurança Pública. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/dhpol.pdf
BRASIL. Matriz Curricular Nacional. Disponível em:
http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJE9CFF814ITEMID414D534CB317480A9995C6D049ED9190PTBRNN.htm
BRASIL. Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário.
Disponível em: http://msmidia.profissional.ws/moretto/pdf/RelatorioCPISistemaPenitenciario.pdf
FOUCAULT, M. Ditos e Escritos IV- Estratégia, Poder-Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.
FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 2006. GOMES, L.F; LOCHE, A. Letalidade da ação policia: notas para
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ZAFFARONI, Eugênio. Em busca das penas perdidas. Rio de Janeiro:
Revan, 2001.
WACQUANT, L. As prisões da Miséria. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. WACQUANT, L. Punir os Pobres – A nova gestão da miséria nos
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