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DIREITOS HUMANOS E A PESSOA COM DEFICIÊNCIA: reflexões sobre a
garantia de acesso e permanência no Ensino Superior
André Luiz Alvarenga de Souza 1
Alexandra Ayach Anache 2
Carina Elisabeth Maciel ³ RESUMO:
Esse artigo trata do acesso e permanência das pessoas com deficiência no Ensino Superior,
considerando as contribuições da literatura especializada sobre direitos humanos e educação
inclusiva. A escrita utilizou-se dos pressupostos dos direitos humanos para analisar a situação
das pessoas com deficiência nas Instituições de Ensino Superior, sendo o ingresso e
permanência dessas pessoas, entendidos como direito básico a ser defendido pela sociedade e
garantido pelo Estado. Realizou-se uma pesquisa bibliografia sobre a temática dos direitos
humanos, pontuando contribuições desse tema para a defesa de uma escolarização inclusiva a
todos. Apresentam-se, nesse artigo, legislações educacionais que tratam da educação especial
e das diretrizes para a escolarização das pessoas com deficiência. Os dados do Censo da
Educação Superior (INEP, 2018) foram consultados e relacionados para esclarecer a situação
das pessoas com deficiência no ensino superior. Entre outras ponderações, esse artigo
considera que não é possível dissociar qualidade de inclusão quando se fala em educação, na
medida em que não se pode defender uma educação que negligencia as oportunidades e a
aprendizagem. Dentre outros autores, contribuíram para essa escrita Candau (2007),
Benevides (2015) e Padilha (2015) para discutir os direitos humanos no Brasil, especialmente
no que tange o direito a educação; Martins et al (2015) e Castanho e Freitas (2006) para
resgatar a evolução das leis e das políticas publicas do Ensino Superior. Jannuzzi (2006)
colabora na discussão sobre a relação entre o exercício de direitos básicos por parte das
pessoas com deficiência e as práticas inclusivas e democráticas no Ensino Superior.
Palavras-chave: Ensino Superior; Inclusão; Direitos Humanos.
1 INTRODUÇÃO
O acesso a Educação Superior é um desafio para toda a sociedade brasileira, pois se
apresenta como mais um aspecto dos desafios educacionais, sob a ótica da desigualdade social
e da negação de direitos básicos a que é submetida grande parte da população. Para refletir
sobre a situação da pessoa com deficiência, frente ao ingresso e a permanência na educação
superior, é necessário reconhecer tal condição como um direito básico e que, como outros
direitos humanos no Brasil, também é negligenciado e desrespeitado em diferentes instâncias
1 Doutorando em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS.
2 Orientadora Professora Doutora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS.
3 Co Orientadora Professora Doutora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS.
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e de diferentes formas. Apesar disso, pressupostos trazidos pelos direitos humanos oferecem
ferramentas para a garantia de direitos e o exercício da cidadania. A escolarização das pessoas
com deficiência, inclusive em nível superior, é garantida pelo Estado brasileiro por meio de
legislações. Esse artigo desenvolveu-se a partir de metodologia mista.
A pesquisa de métodos mistos é um projeto de pesquisa com suposições filosóficas e
também com métodos de investigação. Como uma metodologia, ela envolve
suposições filosóficas que guiam a direção da coleta e da análise e a mistura das
abordagens qualitativa e quantitativa em muitas fases do processo de pesquisa.
Como um método, ela se concentra em coletar, analisar e misturar dados
quantitativos e qualitativos em um único estudo ou uma serie de estudos.
(CRESWELL; CLARK, 2013, p. 22).
A estrutura desse artigo busca favorecer a compreensão do tema analisado por meio
dos seguintes tópicos: a inclusão de pessoas com deficiência e a relação deste processo com
os Direitos Humanos; em seguida destacamos e analisamos legislações destinadas as pessoas
com deficiência na educação superior e, finalmente, discutimos o acesso de pessoas com
deficiência na educação superior, destacando a importância da educação inclusiva.
2 A INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E OS DIREITOS HUMANOS
Nessa escrita, se assume direitos humanos como o direito à vida, condição primeira
sem a qual deixam de existir os outros direitos, e o reconhecimento da dignidade intrínseca ao
ser humano. Esses direitos independem da opção religiosa, da origem étnica, da orientação
sexual, do gênero ou de qualquer tipo de necessidades especiais.
No Brasil, as violações de direitos humanos afetam a maioria da população e
ocorrem na forma da miséria, da fome, da desigualdade social e da falta de acesso a serviços
fundamentais. Para parte da população brasileira, que vive em estado de vulnerabilidade
social, esses direitos são negados quando não é oferecido o acesso a saneamento básico, a
moradias dignas e a educação de qualidade, por exemplo. São essas pessoas, inclusive aquelas
com algum tipo de deficiência, vítimas do Estado que, embora tenha a obrigação de
resguardar seus direitos, se omitem dessa garantia. Assim, a observação aos direitos humanos
nas práticas sociais deve levar em conta questões bastante objetivas, da falta de acesso ao
básico, como: comida, saúde, educação, liberdade, bem como deve considerar aspectos mais
subjetivos, como a valorização das diferentes identidades, o repúdio a quaisquer formas de
discriminação e o respeito aos variados modos de vida (BORGES, 2017). Segundo Jannuzi
(2004), a luta pelos direitos humanos, inclusive destinado às pessoas com deficiência, tinham,
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por objetivo, a apreensão dos conhecimentos necessários o exercício da cidadania para todos e
que, além de considerar as especificidades das pessoas com deficiência, somente uma
sociedade justa poderia determinar uma escola que se organize para atender à todos:
[...] enquanto na perspectiva apenas centrada na educação se a considerava a
solucionadora de todos os problemas sociais, aqui se sabe que há o limite de uma
organização baseada na apropriação do lucro por alguns, que podem gozar de todos
os benefícios trazidos pelo progresso, aqui se defende o direito à socialização, à
distribuição, ao usufruto desses progressos para todos. A modificação desejada,
reivindicada, não é só da escola ou do sistema de ensino, mas sobretudo da
organização social injusta (JANNUZZI, 2004, p. 22).
A busca por melhores condições de acesso e de permanência das pessoas com
deficiência na educação básica e na educação superior deve estar sempre na pauta de
reivindicações e de toda a sociedade. Segundo Marx e Engels (1996), “[...] não é a
consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência” (p.37). É na busca
pela garantia dos direitos que se dará materialidade para as práticas sociais e educativas, na
ideia de que, as pessoas “[...] ao desenvolverem sua produção material e seu intercâmbio
material, transformam também, com essa sua realidade, seu pensar e os produtos de seu
pensar” (Idem, p.37). Muitas dessas recomendações foram inspiradas pela Declaração
Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) e as Declarações subsequentes, inclusive
interferindo na elaboração da legislação do Brasil.
A última Constituição Federal do Brasil, aprovada em 1988 (BRASIL, 1988) é um
marco jurídico na institucionalização dos direitos humanos, na medida em que tem entre seus
fundamentos a cidadania, a dignidade da pessoa humana, o pluralismo político, a democracia
e a laicidade do Estado. Como exemplo citamos o artigo 205 onde é afirmado “[...] que a
educação é direito de todos e dever do Estado e da família, e deve visar o desenvolvimento
pleno da pessoa, a qualificação para o exercício da cidadania e o preparo para o mundo do
trabalho”. Alguns autores complementam esse disposto apontando elementos importantes
para que esse disposto se concretize.
Candau (2007, p.84) destaca três dimensões a serem consideradas na educação para
os direitos humanos, indicando que devem permear os sistemas de ensino, inclusive nas IES
(Instituições de Ensino Superior), sendo estes:. a) A primeira [dimensão] é à construção do
sujeito de direito, que os reconhece pelo o que eles são, e não como favores ou benesses dos
Estados ou dos governos. b) A segunda dimensão diz respeito ao processo de empoderamento
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de atores sociais que historicamente são mais vulneráveis no acesso a esses direitos, como as
pessoas com deficiência. c) Finalmente, o último elemento trata dos processos de mudança, de
transformação para a construção de uma sociedade democrática e humana: reside na dimensão
do “educar para nunca mais”, a partir do resgate da memória histórica. Em consonância com
essa última dimensão, é bom ressaltar que a simples elaboração de um grupo de direitos a
serem garantidos a todos, e em todos os lugares, já constitui um feito extraordinário para a
humanidade.
A discriminação à pessoa com deficiência “é vista como desumana porque tira o
caráter de humanidade, de pertencimento a um grupo de pessoas, porque, coletivamente,
entendemos que é direito de todos à liberdade e a dignidade” (BORGES, 2017, p.34).
Considerar os direitos humanos, ao tratar da educação, leva em conta duas abordagens que
dialogam e se complementam: o direito à educação propriamente dita e os conceitos,
metodologias e práticas curriculares na busca da valorização das diferenças de várias ordens.
O primeiro pressuposto admite que o acesso irrestrito a educação é um direito político e que,
ao se garantir essa universalização da escolarização, se contribui para diminuir as
desigualdades existentes. Em ambos os pressupostos, a escolarização de pessoas com
deficiência é contemplada. Vale ressaltar que as mudanças na educação (e na sociedade) não
acontecem por força de lei, mas antes são legitimadas por essas normatizações.
Ao preconizar o direito de todos, os direitos humanos atingem, também, pessoas com
deficiência, entretanto, a materialização destes, carece de mais elementos para que os direitos
básicos sejam garantidos. No que se refere à educação, como direito básico, identificamos a
educação especial e a educação inclusiva como uma das possiblidades de garantia do acesso à
educação para pessoas com deficiência, inclusive na educação superior.
3 LEGISLAÇÃO SOBRE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR
A Constituição Cidadã, como é conhecida a Constituição Federal de 1988 (BRASIL,
1988), é fruto dos movimentos de redemocratização política do Brasil após o período de
Ditadura Militar (1964-1985), e procurou dar realce as conquistas sociais, como a
universalização da educação formal, o que contribui para as reformas no ensino nas décadas
seguintes (MARTINS et al, 2015). Em seu artigo 208, inciso III, entre as atribuições do
Estado, isto é, do Poder Público, o “[...] atendimento educacional especializado aos portadores
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de deficiência3, preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 1988), ressalta a
educação como um direito básico para esse grupo.
Segundo Castanho e Freitas (2006), essa lei, ao incorporar da Medicina a expressão
“portadores de deficiência” para tratar daquelas pessoas com alguma necessidade especial,
demonstra, através dessa terminologia, a concepção excludente da legislação brasileira na
época. Isso porque essa nomenclatura remete a ideia de que, a pessoa com deficiência, porta
algo indesejável, como uma doença, não sendo sua necessidade encarada como algo da sua
identidade, mas como algo externo a si e, portanto, indesejável. Em 2001, conforme Castanho
e Freitas (2006), o Conselho Nacional de Educação, buscando definir diretrizes para a
Educação Especial em sistemas de ensino, estabeleceu o direito de todas as pessoas com
necessidades educacionais especiais. Essas pessoas, segundo a Resolução CNE/CEB n.º 02,
de 11 de setembro de 2001, no seu artigo 5º, seriam:
l) Os educandos com dificuldades acentuadas de aprendizagem. Esses educandos
são aqueles que têm, no seio escolar, dificuldades específicas de aprendizagem, ou
‘limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das
atividades curriculares’. 2) Os educandos com dificuldades de comunicação e
sinalização. Estas são as ‘diferenciadas dos demais alunos’, o que demandaria a
utilização de linguagens e códigos aplicáveis. As crianças cegas de nascença, por
exemplo, se enquadrariam neste grupo. 3) Os educandos com facilidades de
aprendizagem. Os conselheiros observam que há alunos, que por sua acentuada
facilidade de assimilação de informações e conhecimentos não podem ser excluídos
da rede regular de ensino. Aqui, o valor está em avaliar que são especiais aqueles
que ‘dominam rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes” no meio escolar’. (
BRASIL, 2004, p.13)
Sob a influência de conceitos neoliberais (na década de 1990), o Governo Federal
buscou o estabelecimento de metas de desenvolvimento do país, que influenciaram as
políticas educacionais propostas na época. Sobre isso, nos alerta Martins et al (2015), que o
uso das diretrizes da educação para fins mercantis e empresariais “[...] é parte de um projeto
hegemônico, característico do neoliberalismo, impondo intensa mudança material e,
paralelamente, a reconstrução política e discurso-ideológica da sociedade” (p.996). Esses
mesmos autores defendem que, embora o discurso hegemônico do Estado e das instituições
fosse da defesa da igualdade, a prática se distanciava desse compromisso. Dessa forma, essa
3 O termo “portadores de deficiência” não é mais empregado, pois não se poder portar algo que é intrínseco ao
individuo. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela Assembleia Geral da
ONU, em 2016, recomenda o uso de “pessoa com deficiência”.
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educação mercantilista excluía as classes subalternas dos processos de participação da ordem
social.
Uma serie de documentos internacionais, elaborados e divulgados pela UNESCO na
década de 90 tiveram suas diretrizes incorporadas pela legislação educacional brasileira, como
a Declaração de educação para todos (ONU-UNESCO, 1990), que procurou instituir metas de
aprendizagem e de prevenção ao fracasso escolar, com a superação da evasão e do
analfabetismo. Quatro anos depois, a Declaração de Salamanca (ONU-UNESCO, 1994),
segundo Ferreira (2010) determinou o principio fundamental das escolas inclusivas, onde
todas as pessoas aprendam juntas, por meio de estratégias pedagógicas que considerem os
diferentes ritmos de aprendizagem, para garantir um bom nível de educação. Alem disso,
propôs que a educação de pessoas com deficiência compusesse os sistemas educacionais dos
países, recuperando diretrizes da Declaração de Direitos Humanos. Por influência desses
documentos, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996a)
incorporou a garantia da educação às pessoas com deficiência, reafirmando a necessidade de
ampliar o acesso dessa população ao ensino regular comum. A LDB, Nº 9394/96 atribui um
capítulo exclusivo para a Educação Especial, onde reformula a terminologia “portadores de
deficiência”, para “pessoas com necessidades educacionais especiais”, mais afinadas com os
pressupostos trazidos pelas diretrizes internacionais e pela literatura contemporânea sobre o
assunto.
Segundo Martins et al (2015), nesse mesmo ano, o Ministério da Educação
direcionou às entidades de Educação Superior o aviso circular Nº 277, (BRASIL, 1996b),
instruindo adequações em diferentes âmbitos da vida universitária, como por exemplo, a
previsão em edital dos recursos que poderão ser utilizados pelas pessoas com deficiência
durante o processo seletivo, bem como os critérios de correção das avaliações dessas pessoas
por parte das comissões de avaliação, de modo que o domínio do conhecimento seja aferido
por meio de formas compatíveis com as especificidades desses alunos.
O aviso circular indicado no parágrafo anterior instituiu o uso de salas especiais
durante o processo seletivo de ingresso, bancas especiais com especialistas de cada tipo de
deficiência, implantação de provas adaptadas, com recursos ópticos especiais para pessoas
com baixa visão ou impressas em braile, para os cegos, por exemplo. Além disso, determinou
a disponibilidade de interpretes em Libras e a flexibilização da correção das provas dos
candidatos surdos; a adaptação de espaços físicos e mobiliários para os deficientes físicos.
Todas essas considerações favorecem a participação das pessoas com deficiência nos
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processos seletivos para o ingresso na educação superior. Após o ingresso dessas pessoas em
seus respectivos cursos, é sugerido, por esse documento, que as IES realizem ações para a
disponibilização de serviços educacionais, infraestrutura e capacitação de recursos humanos
para atendimento das necessidades especiais de pessoas com deficiência. Complementando
esse aviso circular, a Lei no 10.098, de 2000 (BRASIL, 2000), estabeleceu normas de acesso
e uso de forma autônoma dos espaços por deficientes físicos, considerando, portanto, que fica
vedada as IES a presença de diferentes formas de barreira de acesso a essas pessoas, a saber:
II - barreiras: qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a
liberdade de movimento e a circulação com segurança das pessoas, classificadas em:
a) barreiras arquitetônicas urbanísticas: as existentes nas vias públicas e nos espaços
de uso público; b) barreiras arquitetônicas na edificação: as existentes no interior dos
edifícios públicos e privados; c) barreiras arquitetônicas nos transportes: as
existentes nos meios de transportes; d) barreiras nas comunicações: qualquer entrave
ou obstáculo que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de
mensagens por intermédio dos meios ou sistemas de comunicação, sejam ou não de
massa (BRASIL, 2000, p. 1).
Sobre esse nível de educação a Conferência Mundial sobre a Educação Superior
(Paris, 1998), reforça o compromisso desse nível de ensino com a inclusão e com a garantia
dos direitos humanos, estabelecendo, entre outros postulados a responsabilidade social:
[...] d) Responsabilidade social. A educação superior deve fazer prevalecer os
valores e os ideais de uma cultura de paz, formar cidadãos que participem
ativamente na sociedade [...] para consolidar, num contexto de justiça dos direitos
humanos, o desenvolvimento sustentável, a democracia e a paz. (ONU-UNESCO,
1998).
Em 2001 o Conselho Nacional de Educação (CNE) promulgou a resolução que
instituiu as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL,
2001), documento que, regulamentou os artigos da LDB/1996 sobre o tema (BRASIL,
1996a). Essa legislação instituiu a Educação Especial como uma “[...] modalidade de ensino
por meio do atendimento educacional especializado aos alunos com necessidades especiais na
rede pública desde a educação infantil até o ensino superior”. (Martins et al, 2015 p.989).
Outros eventos internacionais, entre os anos 2000-2010 demonstraram a urgência em se
adotar estratégias para ampliar o direito das pessoas com deficiência em capacitar-se e a
frequentar os diferentes níveis de escolaridade. Como exemplo, mencionamos a Convenção
de Guatemala (2001), que tratava da erradicação de todas as formas de discriminação, e a
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em Nova York (2006). Esse
último evento, salientou a dignidade das pessoas com deficiência, que não devem ser
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encaradas como objeto de caridade, mas como sujeitos de direitos. Além disso, procurou
impulsionar mudanças para a garantia de direitos das pessoas com deficiência, assim
resumido por Ferreira (p.65):
1. Respeito pela dignidade inerente e autonomia individual incluindo a liberdade
para fazer as próprias escolhas e independência das pessoas;/ 2. Não
discriminação;/3. Participação total e efetiva e inclusão na sociedade;/ 4. Respeito
pela diferença e aceitação das pessoas com deficiências como parte da diversidade
humana e da humanidade; / 5.. Igualdade de oportunidades;/6. Acessibilidade;/7.
Igualdade entre mulheres e homens;/8. Respeito pelas capacidades em
desenvolvimento das crianças com deficiência e respeito do direito das crianças com
deficiência de preservar suas identidades;
A existência dessas legislações, dentre outras que norteiam a Educação Especial no
Brasil e, embora de extrema importância e pertinência, não garantem que sejam resguardados
o direito a educação para as pessoas com deficiência. Percebe-se, ainda, a disparidade entre o
que determina as leis, portarias e diretrizes e a realidade nas instituições de educação superior.
Sobre isso, Moreira (2005) alerta que:
(...)estes aparatos legais, sem dúvida, são importantes e necessários para uma
educação inclusiva no ensino superior brasileiro, muito embora, por si só não
garantam a efetivação de políticas e programas inclusivos. Uma educação que prime
pela inclusão deve ter, necessariamente, investimentos em materiais pedagógicos,
em qualificação de professores, em infraestrutura adequada para ingresso, acesso e
permanência e estar atento a qualquer forma discriminatória. (p.43).
Assim, mesmo com a existência de legislações destinadas à garantia do acesso a
educação para pessoas com deficiência, vários são os desafios para que essa condição
aconteça para uma parcela maior dessa população.
4 PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR - O ACESSO E A
PERMANENCIA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR
A cada ano aumenta o número de alunos com deficiência matriculados nas
Instituições de Ensino Superior do país. Esse fato pode ser atribuído às políticas de inclusão
(MACIEL e ANACHE, 2017). Esse avanço pode ser visualizado no gráfico abaixo, que
demonstra o aumento do número de matriculas nas faculdades e universidades brasileiras, nos
últimos anos, por pessoas com deficiência:
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Gráfico 1: Expansão de matriculas de pessoas com deficiência na Educação Superior
Fonte: Censo da Educação Superior – INEP (2018)
Pela análise dos dados do Gráfico 1, percebe-se que ao longo do período entre 2011 e
2017 houve aumento do número de matrículas de pessoas com deficiência na Educação
Superior. No entanto, apenas 0,45% das matriculas desse nível de educação são de pessoas
com deficiência. Essa lacuna é facilmente percebida quando se compara a proporção da
população com e sem deficiência e a relação entre as matriculas na Educação Superior entre
esses dois segmentos da população.
Gráfico 2: Relação entre o total de pessoas com deficiência e o restante da população
Fonte: IBGE, 2010.
Em condições de acesso democrático, seria de esperar uma proporção mais próxima
entre o que ocorre na população brasileira entre deficientes e não deficientes. No entanto, se
verifica uma grande discrepância nessa relação, na medida em que, segundo o último Censo
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da Educação Superior, somente 0,45% dos alunos matriculados são pessoas com deficiência
(INEP, 2018). A desproporção entre estudantes do ensino médio e da educação superior fica
evidenciada no Gráfico 3:
Gráfico3: Relação entre pessoas com ensino superior e ensino médio, entre pessoas com e
sem deficiência
Fonte: Censo da Educação Superior – INEP (2018)
Embora os índices de evasão entre os dois grupos de pessoas (com e sem deficiência)
não sejam muito diferentes (respectivamente 27 e 21%), demonstram que o fenômeno, afeta,
de modo mais incisivo, as pessoas deficientes. (INEP-2016). Sobre os tipos de deficiências
apresentadas entre as pessoas matriculadas em 2017, constatamos a seguinte distribuição:
Gráfico 4: Tipos de deficiências entre os matriculados na educação superior
Fonte: Censo da Educação Superior – INEP.(2018)
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Embora as matrículas do contingente de estudantes com deficiência tenha aumentado
no Brasil, nos últimos anos, existe ainda uma demanda reprimida de pessoas com essas
especificidades longe desse nível de educação. Não obstante, por lei, as pessoas com
deficiência tenham políticas que favoreçam seu acesso à educação superior, permanecem
barreiras pedagógicas, de infraestrutura e arquitetônicas que interferem nesse processo e que
precisam ser superadas (FERREIRA; DUARTE, 2010). Segundo Rocha e Miranda (2009)
“[...] a construção de uma educação inclusiva requer uma reestruturação dos sistemas de
ensino que devem organizar-se para dar respostas às necessidades educacionais de todos os
alunos” ( p.202). Para isso, as autoras defendem práticas que oportunizem a inclusão social
de todos os estudantes, num processo onde as IES não sejam indiferentes as diferenças. As
autoras alertam para a necessidade de o Estado brasileiro realizar ações que repararem a
omissão em relação à educação de pessoas com deficiência, como maneira de minimizar o
prejuízo histórico desse contingente em razão do não acesso a escolarização, junto com outras
políticas que favoreçam a permanência desses estudantes:
[...] aspectos legislativos, como as normas apenas, não vão dar conta da demanda
para o setor, é preciso políticas públicas dirigidas com investimentos na qualificação
de professores, e recursos tecnológicos, além da assistência estudantil nas
universidades públicas em especial, para que se possa garantir a permanência desses
estudantes. (ROCHA; MIRANDA, 2009, p. 203).
Sobre as ações para acesso e permanência para os estudantes com deficiência na
educação superior, Cabral (2017), defende a adoção de um ambiente político, prático e teórico
que permita indicar caminhos para mudanças na organização universitária e na prática dos
profissionais que atuam nessas instituições. Além disso, esse autor destaca a importância da
formação continuada aos professores das IES, da adaptação curricular para contemplar as
especificidades dos estudantes e da produção de recursos pedagógicos que deem conta das
limitações dessas pessoas (impressões em braile, recursos audiovisuais adaptados,
computadores para a comunicação e a escrita, etc.). Entre os pontos comuns encontrados nos
estudos que pesquisou, esse autor pontuou:
[...] algumas ações que contribuir para a construção de uma cultura inclusiva no
contexto universitário, tais como: sensibilização da comunidade universitária;
pesquisas sobre concepções de estudantes, professores e técnicos acerca da inclusão;
atividades de ensino, pesquisa e extensão; criação de estágios supervisionados;
construção de instrumentos de triagem e avaliação para registro, atendimento e
acompanhamento dos acadêmicos que procuram o atendimento educacional
especializado; avaliação das necessidades educacionais especiais dos estudantes;
orientações ao corpo docente e funcionários de diferentes setores da instituição;
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diagnóstico institucional sobre as condições de acessibilidade; proposição e criação
de uma unidade institucional para garantir a efetivação das políticas de inclusão na
Universidade (p.381).
Castanho e Freitas (2006) defendem que não basta contar com o bom senso do
professor universitário para que este viabilize práticas inclusivas em aula. O investimento em
formação é imprescindível, de modo que este profissional possa desenvolver habilidades e
conhecimentos necessários para uma atuação segura frente ao seu alunado. Essa capacitação
deve instruí-lo de questões técnicas e instrumentais de manejo com os estudantes com
deficiência, mas também precisa proporcionar a reflexão sobre sua função social e da IES.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, acredita-se que no universo da educação superior, as ações com
estudantes com deficiência, necessita, além de políticas públicas, de ações compartilhadas
capazes de orientar os educadores na formação de sujeitos, bem como, a valorização das
diferenças em todos os espaços, fazendo valer a inclusão enquanto processo que reconhece e
respeita diferentes identidades e que aproveita essas diferenças para beneficiar a todos e a
todas, consiste em princípio fundamental (FREITAS, 2005). Desta forma, cabe às instituições
de educação superior, fortalecer políticas de inclusão buscando ampliar as possibilidades
pedagógicas e políticas, valorizando ações pautadas no respeito à diferença e considerando o
papel que as mesmas assumem ao longo da história.
A busca pela inclusão das pessoas com deficiência na Educação Superior é um tema
que não envolve somente esse grupo, mas toda a sociedade que se beneficia desse processo. O
direito à educação de qualidade é, respectivamente inclusiva para as pessoas com deficiência.
O direito à educação consiste em um dos direitos básicos, preconizados na Constituição
Federal de 1988, assim, a luta pelo acesso a esse direito consiste em avanço. O acesso de
pessoas com deficiência a educação superior tem avançado, mas ainda representa um processo
lento e moroso, que carece de estudos e de pesquisas, bem como de políticas para que se
efetive como uma educação inclusiva.
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6 REFERÊNCIAS
BENEVIDES, M. Cidadania e Direitos Humanos. Instituto de Assuntos Avançados da USP,
São Paulo, p.1-11, 2015. Trimestral.
BORGES, R. Nem só de mapas de faz a Geografia: os diferentes nas aulas de Geo. 2017.
172 p. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Geografia. Universidade 52
Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2017. Disponível em:
http://hdl.handle.net/10183/164639. Acesso em 27 jun 2019.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 25 jun.
2019.
______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional. Brasilia, 1996ª. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em Acesso em: 25 jun. 2019.
____. Aviso Circular nº. 277/MEC/GM, de 8 de maio de 1996. Brasília, 1996b. Dirigido aos
Reitores das IES, solicitando a execução adequada de uma política educacional dirigida
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