direitos fundamentais do consumidor

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REVISTA DA ESMESE, N 15, 2011 - DOUTRINA - 157

DIREITOS FUNDAMENTAIS DO CONSUMIDOR Marta Suzana Lopes Vasconcelos Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho e ps-graduada em Direito pela Universidade de Coimbra-Portugal. Juza de Direito do Tribunal de Justia do Estado de Sergipe. RESUMO: O presente artigo uma breve abordagem do direito do consumidor como direito fundamental. Para tanto, foi realizada uma anlise do contrato privado clssico, erigido sob o imprio dos princpios da autonomia da vontade e do pacta sunt servanda, contrastando com os novos paradigmas da funo social do contrato e da boa-f objetiva. Trata o contrato de consumo sob a forma de contrato de adeso, seara propcia das clusulas abusivas do direito do consumidor. Por m, h uma exposio dos meios de controle de tais clusulas no Brasil e em Portugal. PALAVRAS-CHAVE: Direito do consumidor; direitos fundamentais; contratos de adeso; clusulas abusivas; meios de controle. RESUMEN: El presente artigo es un breve abordaje del derecho del consumidor como derecho fundamental. Para tanto, fue realizado un anlisis del contrato privado clsico, erigido bajo el imperio de los principios de la autonoma de lavoluntad y del pacta sunt servanda, en contraste con los nuevos paradigmas de la funcin social del contrato y de la buena fe objetiva. Trata el contrato de consumo bajo la forma de contrato de adhesin, rea propicia de las clusulas abusivas del derecho del consumidor. Por n, hay una exposicin de los medios de control de tales clusulas en Brasil y en Portugal. PALABRAS-CLAVES: Derecho del consumidor; derechos fundamentales; contrato de adesin; clusulas abusivas; medios de control. SUMRIO: 1. Introduo; 2. Noo clssica do direito dos contratos; 2.1. Princpios dos contratos; 2.1.1 Princpio da obrigatoriedade dos contratos; 2.2.2. Princpio da relatividade subjetiva; 2.1.3 Princpio da funo social do contrato; 2.1.4 Princpio da boa-f contratual; 2.1.5 Princpio

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da equivalncia material; 3. Da transformao do direito dos contratos; 4. Contratos de adeso; 5. Clusulas abusivas; 6. Meios de controle; 7. Concluso. 1. INTRODUO Em todos os campos do saber, vivemos numa era denominada de psmodernidade. Nunca a cincia se desenvolveu tanto e com tanta rapidez como nos ltimos tempos. O sculo passado foi prodigioso em pesquisas em todos os ramos do conhecimento cient co, onde se destaca a rea da gentica, a descoberta do cdigo gentico, pesquisas com clulas-tronco, as quais tm contribudo para o tratamento de doenas at hoje incurveis. Na informtica viu-se o avanar de so sticados sistemas de software, alm da WEB, ou rede mundial de computadores, a qual tornou o mundo uma verdadeira aldeia global. O processo de globalizao quebrou paradigmas diminuindo diferenas econmicas, sociais e culturais entre os homens. No campo das relaes jurdicas no h diferena. O direito alargou suas fronteiras ocupando-se da proteo do meio ambiente e da natureza. Descobriu-se que sem a proteo da natureza, o homem no conseguir sobreviver na terra por muitos anos o que compromete as geraes futuras. O Protocolo de Kioto a demonstrao de que o planeta corre srios riscos se nada for feito pelos homens de responsabilidade e sensibilidade. Criouse tambm a ideia do direito penal contra o inimigo, na certeza de que os atentados terroristas esto a desa ar as ideias do garantismo penal, e dos direitos fundamentais do homem e do cidado. O direito de famlia passa tambm por profundas transformaes e o casamento tem sentido radicais transformaes com a construo de novos paradigmas sexuais. No campo das relaes sociais, desenvolveu-se a ideia de sociedades de consumo, onde a indstria produz produtos em srie para atingir as necessidades de uma sociedade cada dia mais numerosa e ansiosa por bens materiais. Da surgiu a ideia de sociedade de consumo e de bens em massa. Tais transformaes mudaram inexoravelmente as feies dos contratos privados, que outrora negociados particularmente, passaram em grande parte a serem massi cados, vale dizer, no mais discutidos parte parte. A sociedade moderna, em seu ritmo frentico, precisa ser ultra-rpida, padronizada, planejada para no perder tempo. Esta nova viso da sociedade

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gerou a gura do contrato de adeso, clusulas contratuais gerais, contratostipos, clusulas standards, todas modalidades de um mesmo fenmeno.1 2. NOO CLSSICA DO DIREITO DOS CONTRATOS Em tempos antigos a gura do contrato fora baseada na ideia de acordo de vontades entre duas ou mais pessoas com contedo patrimonial, visando adquirir, resguardar, modi car ou extinguir direitos.2 Por este entendimento o Estado no participa da formao inicial do ajuste, e apenas participa como mero garantidor da vontade emanada das partes, conforme a moderna teoria da Professora Cludia Lima Marques:A tutela jurdica limita-se a possibilitar a estruturao pelos indivduos destas relaes jurdicas prprias assegurando uma terica autonomia, igualdade e liberdade no momento de contratar, e desconsiderando por completo a situao econmica e social dos contraentes. Na concepo clssica, portanto, as regras contratuais deveriam compor um quadro de normas supletivas, meramente interpretativas, para permitir e assegurar a plena autonomia de vontade dos indivduos, assim como a liberdade contratual.3

Assim, pode-se a rmar que a teoria tradicional do contrato, portanto, est intimamente ligada concepo de liberdade contratual e ideia de autonomia da vontade que, por sua vez, assume papel decisivo paraO Professor Antnio Pinto Monteiro discorda deste entendimento a rmando que a frmula contrato de adeso mais ampla, podendo no coincidir com a expresso clusulas contratuais gerais. In, PINTO MONTEIRO, Antnio. O Novo regime jurdico dos contratos de adeso. Artigo publicado na Revista da Ordem dos Advogados. Ano 62.2002. p.116. Universidade de Coimbra-Portugal 2 Nos contratos ou negcios jurdicos bilaterais h duas ou mais declaraes de vontade, de contedo oposto, mas convergente, ajustando-se na sua comum pretenso de produzir resultado jurdico unitrio, embora com um signi cado para cada parte. H assim a oferta ou proposta e a aceitao, que se conciliam num consenso. In, MOTA PINTO, Carlos Alberto da. Teoria Geral do Direito Civil. 4 ed por Antonio Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto. Coimbra Editora, 2005. p.385. Universidade de Coimbra-Portugal 3 MARQUES, Cludia Lima. Contratos no cdigo de defesa do consumidor. v. I. 4 ed. rev., atual. e ampl. So Paulo: RT, 2002, p. 40.1

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validao do contrato na sua acepo clssica, posto que tida como fonte que o legitima. Neste sentido leciona a Professora Claudia Lima Marques:Para esta concepo, portanto, a vontade dos contraentes, declarada ou interna, o elemento principal do contrato. A vontade representa no s a gnesis, como tambm a legitimao do contrato e de seu poder vinculante e obrigatrio.4

O princpio da autonomia da vontade constitui-se na declarao manifestada das partes envolvidas em um negcio jurdico para xar os direitos e deveres que vo reger a relao contratual. Assim, ensina-nos o Professor Orlando Gomes:O princpio da autonomia da vontade particularizase no Direito Contratual na liberdade de contratar. Signi ca o poder dos indivduos de suscitar, mediante declarao de vontade, efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurdica.5

Deste modo, o princpio da autonomia da vontade xa suas bases na liberdade de contratar que possuem os indivduos e que expresso pelo poder dos sujeitos contratuais exercido no momento de determinar quais sero as condies, os efeitos, e os limites do instrumento contratual, ou seja, o poder exercido no momento de xao dos direitos e deveres do contrato nos limites determinados pela lei. Destarte a concepo clssica do contrato uma concepo individualista, liberal e voluntarista, em que a vontade tida como nica fonte legtima para a criao do contrato. o re exo da pacta sunt servanda pela qual o contrato faz lei entre as partes no importando quais consequncias adviriam do cumprimento destas obrigaes. Tais princpios sero explicados ainda neste trabalho. Depois de estabelecido o conceito clssico ou tradicional do contrato, mister se faz indagar da sua natureza jurdica, em outras palavras, o que se constitui tal instituto para o direito. O contrato um negcio jurdico, ou seja, um acontecimento humano4 5

MARQUES, Cludia Lima. op. cit., p.42 GOMES, Orlando. Contratos. 24 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 22.

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em que atendidos os elementos de existncia, realidade e e ccia, a vontade humana declarada para a produo de efeitos queridos pelas partes. Como negcio jurdico que o contrato deve ter os elementos de existncia, a saber: declarao de vontade com circunstncias negociais, agente, objeto e forma. A declarao de boa vontade deve ser livre e de boa-f. O agente deve ser capaz e legitimado, objeto lcito, possvel, determinado ou determinvel, forma prescrita ou no defesa em lei, sendo certo que tais quali caes se retiram do sistema positivado como um todo. No Cdigo Civil Brasileiro tais quali caes esto presentes em vrios artigos, notadamente no artigo 104 do Cdigo Civil de 2002. No contrato podem ser inseridas clusulas que disciplinem a sua e ccia, tendo plano de anlise cient ca do negcio jurdico, a saber: termos, condies, encargos, tambm chamados por parte da doutrina de elementos acidentais dos negcios jurdicos. 2.2. PRINCPIOS DO CONTRATO O contrato possui alguns princpios que merecem destaque neste breve estudo, apesar de reconhecer esta redatora que no sero o enfoque principal deste trabalho, mas que via de consequncia so as colunas do contrato em sua viso contratual. Como corolrio da liberdade individual, no campo negocial, erige-se a liberdade contratual ao patamar de princpio. Assim, entendo que nesta ideia, envolvem-se trs modalidades distintas de liberdade contratual. A primeira a prpria liberdade visto que ningum pode ser forado a contratar, pois isto importaria em um vcio de consentimento comprometedor da validade do negcio jurdico. A segunda a liberdade de escolha da parte contratada, ou seja, a liberdade de escolher a pessoa fsica ou coletiva com quem a parte vai contratar. A terceira modalidade de liberdade do contedo do contrato, ou seja, a liberdade para escolher o que se vai contratar. 2.2.1. PRINCPIO DA OBRIGATORIEDADE DO CONTRATO Desde os mais remotos tempos em que o homem se disps a celebrar acordos de vontades, vige o princpio da Pacta sunt servanda, vale dizer

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que o contrato faz Lei entre as partes. Tal princpio visa garantir um mnimo de segurana entre os contratantes, pois, ao disporem livremente de sua vontade e, consequentemente, de seu patrimnio, as partes estabelecem obrigaes que devem ser cumpridas sob pena de total subverso e negao do instituto do contrato. 2.2.2. PRINCPIO DA RELATIVIDADE SUBJETIVA Outrora, as disposies jurdicas dos contratos s interessavam s partes, no dizendo respeito a terceiros estranhos relao obrigacional. Modernamente, com o advento das normas protecionistas do consumidor, terceiros estranhos avenca podero intervir para a proteo da chamada parte hipossu ciente na relao contratual, isto , o consumidor. Neste sentido vale dizer que os representantes do Ministrio Pblico no Brasil, podero luz do Cdigo de Defesa do Consumidor, Lei 8087 de 11 de setembro de 1990, artigo 51, 4, ingressar com aes a m de que o Poder Judicirio possa declarar a nulidade de clusulas abusivas. Em Portugal tambm as Associaes de defesa do consumidor possuem legitimidade para ingressarem com aes judiciais em prol do consumidor. Alm dos princpios tradicionais do contrato, existem outros que foram agregados ao instituto do contrato como a funo social do contrato, a boaf objetiva e a equivalncia material. 2.2.3. PRINCPIO DA FUNO SOCIAL DO CONTRATO No que diz respeito ao princpio da funo social do contrato, penso que devo tecer algumas consideraes devido importncia que tem junto sociedade moderna que reclama solidariedade em todas as negociaes humanas. A viso tradicional do direito contratual, com forte no princpio da autonomia da vontade encontra srios limites, eis que a vontade no mais vigora ampla e livremente. Com efeito, o acordo de vontades continua sendo o elemento subjetivo essencial do contrato, pois esse negcio jurdico s se origina da declarao de vontade. A liberdade individual e a iniciativa pessoal continuam sendo a razo de ser dos contratos. Entretanto, a viso de solidariedade trazida pelo Estado Democrtico de Direito impe certa

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interveno estatal.6 Atravs da anlise do princpio da funo social do contrato, este deve ser obrigatoriamente interpretado de acordo com o contexto da sociedade. Assim, para melhor entendermos a funo social do contrato, temos que partirmos da relao do contrato com o seu meio social externo. O contrato deixou de ser somente coisa dos contratantes, e passou a interferir negativamente e positivamente em relao a terceiros. PRINCPIO DA BOA-F OBJETIVA O cdigo civil brasileiro, tardiamente, consagrou o princpio da boa-f objetiva, isto porque o vetusto cdigo de 1916, no tratava especi camente do assunto. Tal princpio j se encontrava presente no direito alemo, francs, italiano e portugus. Dispe o Cdigo Civil brasileiro no artigo 422 que: os contratantes so obrigados a guardar, assim na concluso do contrato, como na sua execuo, os princpios de probidade e da boa-f objetiva.2 A clusula geral de boa-f traz para os negcios jurdicos, e os contratos em espcie, dever das partes de se comportarem com a mais restrita lealdade, de agirem com probidade e de informarem ao outro contratante sobre todo o contedo do negcio.7 O princpio da boa-f conduz a uma maior segurana das relaes jurdicas, conforme ensinamento do Professor Orlando Gomes. O princpio da boa-f tem carter objetivo como bem ensinou o Professor da Universidade de Coimbra, Doutor MOTA PINTO, seno vejamos:Em muitos outros casos, porm, a lei recorre boa-f em sentido objectivo, sendo este o sentido em que inegvel, nos termos atuais, que os contratos, de acordo com a viso social do Estado Democrtico de Direito, ho de submeter-se ao intervencionismo estatal manejado com o propsito de superar o individualismo egostico e buscar a implantao de uma sociedade presidida pelo bem-estar e sob efetiva prevalncia da garantia jurdica dos direitos humanos. In, THEODORO JNIOR, Humberto. O contrato e sua funo social. Rio de Janeiro:Forense, 2004. p.06. 7 A boa f hoje um princpio fundamental da ordem jurdica, particularmente relevante no campo das relaes civis e, mesmo, de todo o direito privado. Exprime a preocupao da ordem jurdica de valores tico-jurdicos da comunidade, pelas particularidades da situao concreta e regular e por uma juridicidade social e materialmente fundada. A consagrao da boa corresponde, pois, superao de uma perspectiva positivista do direito, pela abertura a princpios e valores extra-legais e pela dimenso concreto-social e material do jurdico que per lha. MOTA PINTO. Op. Cit. P. 124. Universidade de Coimbra-Portugal6

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tal princpio revela, na actualidade,todo seu imenso potencial jurisgnico e traduz a dimenso de justia social e materialmente fundada de que falamos atrs. Em sentido objectivo, pois, a boa f constitui uma regra jurdica, um princpio normativo transpositivo e extra-legal para que o julgador remetido a partir de clusulas gerais. No contm ele prprio a soluo o critrio da soluo, carecendo para o efeito da mediao concretizadora do aplicador, mxime do juiz.8

3. DA TRANSFORMAO DO DIREITO DOS CONTRATOS O direito dos contratos evoluiu do individualismo contratual com forte na liberdade contratual e autonomia da vontade, onde o Estado s interferia para assegurar o seu cumprimento. A nova teoria contratual tem enxergado o direito das obrigaes sob o prisma Constituio. A constitucionalizao do direito civil atribui novos fundamentos liberdade contratual e autonomia da vontade as quais sofreram profundas modi caes. Destarte, a referida constitucionalizao do direito civil fez introduzir princpios como o da dignidade da pessoa humana, solidariedade social, igualdade de todos sem discriminao de qualquer natureza. Todos esses princpios esto includos na Constituio Brasileira de 1988, constantes dos artigos 170 e seguintes, que versam sobre princpios gerais da atividade econmica, assim como o artigo 1, so o re exo da transio do Estado liberal, responsvel pela doutrina clssica do contrato para o Estado social e a nova teoria contratual. Houve quem defendesse a morte do contrato, como o fez o autor Grant Gilmore na obra La morte del contrato.9 Entretanto, o contrato no morreuMOTA PINTO. Op. Cit. p125. Com as transformaes ocorridas na sociedade do sculo XX, acentuadamente nos perodos posteriores s guerras mundiais, tomou conta dos privatistas o ceticismo quanto sobrevivncia do contrato como negcio jurdico bilateral consubstanciado pelo acordo efetivo de vontades para a consecuo de m patrimonial determinado, chegando a falar-se em morte do contrato para signi car esse fenmeno de transformao. O contrato no morreu nem tende a desaparecer. A sociedade que mudou, tanto do ponto de vista social como do econmico e, conseqentemente, do jurdico. preciso que o direito no que alheio a essa mudana, aguardando esttico que a realidade social e econmica de hoje se adapte aos vetustos institutos com o per l que herdamos dos romanos, atualizado na fase codi caes do sculo XIX. In, Cdigo de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. 8 Ed. Editora Rio de janeiro:Forense Universitria, 2004. p. 503.8 9

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ele continua bem vivo, todavia, teve que se ajustar s mudanas ocorridas no seio da sociedade. Citando a Professora Ada Pelegrini Grinover in verbis: O novo regime contratual das relaes de consumo tem visvel compromisso com a modernidade, de modo a fazer com que as constataes e previses pessimistas sobre a morte do contrato no se concretizem.10 Alm das transformaes socioeconmicas que afetaram o contrato, merece destaque a prpria transformao do direito, que erigiu os princpios constitucionais como normas, o que deu grande elevo ao direito constitucional, sobretudo na escola alem, encabeada pelo Professor Robert Alexy.11 Este, por sua vez, preocupou-se em escalonar uma gama de direitosGRINOVER, Ada Pelegrini. Op. Cit. P. 503. Cf. Segundo a de nio bsica da teoria dos princpios, princpios so normas que permitem que algo seja realizado, da maneira mais completa possvel, tanto no que diz respeito possibilidade jurdica quanto possibilidade ftica. Princpios so, nesses termos, mandados de otimizao(Optimierungsgebote). Assim, eles podem ser satisfeitos em diferentes graus. A medida adequada de satisfao depende no apenas de possibilidades fticas, mas tambm de possibilidades jurdicas. Essas possibilidades so determinadas por regras e sobretudo por princpios. As colises dos direitos fundamentais acima mencionadas devem ser considerada segundo a teoria dos princpios, como uma coliso de princpios. O processo para a soluo de colises de princpios a ponderao. Princpios e ponderaes so dois lados do mesmo fenmeno. O primeiro refere-se ao aspecto normativo, o outro, ao aspecto metodolgico. Quem empreende ponderao no mbito jurdico pressupe que as normas entre as quais se faz uma ponderao so dotadas da estrutura de princpios e quem classi ca as normas como princpios acabam chegando ao processo de ponderao. A controvrsia em torno da teoria dos princpios apresenta-se, fundamentalmente, como uma controvrsia em torno da ponderao. Outra a dimenso do problema no campo das regras. Regras so normas que so aplicveis ou no aplicveis. Se uma regra est em vigor, determinante que se faa exatamente o que ela exige: nem mais e nem menos. O segundo caminho poderia ser trilhado se se considera a norma obtida mediante processo de coliso de forma restritiva. Assim, se poderia a rmar, no caso relativo declarao de que soldados so assassinos, que a assertiva no constitui manifestao de opinio. A manifestao dos paci stas no se enquadraria, assim, no mbito de proteo da liberdade de expresso. A coliso desapareceria. Todavia, como se poderia fundamentar ou explicar que uma declarao duvidosa no pudesse ser enquadrada ou considerada como manifestao de opinio. A letra e o sentido ou o objetivo dos direitos relacionados com a liberdade de expresso falam em favor desse enquadramento. O paci sta assume uma posio valorativa quanto pro sso do soldado e todos, especialmente os soldados, a entendem como tal. Poder-se-ia, no limite, a rmar que essa manifestao de opinio no seria uma manifestao de opinio protegida dos direitos fundamentais, porque se cuida de uma declarao injuriosa. Todavia, isso faz com que o problema da coliso retorne ao palco. A proteo da honra seria motivo su ciente para que no se reconhea uma de nitiva proteo dos direitos fundamentais. Isso, todavia, teria que ser construdo a partir de uma ponderao aberta e no mediante uma verso estrita do mbito de proteo. Isso se aplica a todas as tentativas de contornar as colises mediante a construo de um mbito de proteo restrito. A terceira opo da teoria das regras dos direitos fundamentais consiste na introduo de uma exceo livre de qualquer processo de ponderao dos direitos fundamentais. Suponha-se, nesse caso, a advertncia quanto aos danos produzidos pelo cigarro constante dos seus pacotes. Poder-se-ia dizer que a melhor soluo residiria na construo de uma exceo na liberdade do exerccio pro ssional que poderia ser formulada assim: todos tm o direito de exercer a sua pro sso, exceto no caso de advertncias quanto aos danos sade que devem constar nos pacotes de cigarros.10 11

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fundamentais, visando proteger o cidado, resguardando-o da fria do prprio Estado, bem como das relaes privadas. A chamada constitucionalizao do direito civil agregou novos fundamentos e contornos, modi cando a noo de autonomia da vontade no mbito dos contratos. A partir do vis constitucional, o direito das obrigaes passa a contemplar noes de justia social, pautadas no princpio da dignidade da pessoa humana. Assim, veri ca-se que a atual viso constitucional do direito civil baseada na funo social do contrato, em contraposio da viso clssica do contrato baseada na livre manifestao da vontade, na qual o Estado funcionava apenas como garantidor das regras livremente estipuladas nos contratos pelas partes. O Estado assume um papel de intervencionista da vida econmica e o fez estimulado pela necessidade de proteo social e garantia da estabilidade equilbrio da ordem econmica com a proteo da parte mais fraca no negcio jurdico. O Estado passa a orientar as relaes contratuais em favor do bem maior, que a tutela dos interesses coletivos, dos interesses sociais, em busca da justia social e do referido equilbrio entre as partes .Claro que isso uma concepo bizarra de uma exceo, uma vez que, se se constri tal exceo, qualquer direito estaria envolto em sucessivas excees. Por isso, a idia de exceo revela-se precria. A Constituio, todavia, no depende desse tipo de abordagem. A pergunta mais precisa se a referida exceo pode ser construda fora de qualquer processo de ponderao. A expresso literal da parte da formulao dos direitos fundamentais que assegura ao cidado o direito de livre exerccio pro ssional no fornece resposta a essa indagao. Isso se aplica tanto ao artigo 12, pargrafo 1, segundo perodo, da Lei fundamental alem, como, tambm, ao art. 5, XIII, da Constituio brasileira. Poder-se-ia pensar que o caso livre de qualquer ponderao se deixaria subsumir numa clusula restritiva. Nesse caso, deve se considerar apenas o art. 12, pargrafo 1, segundo perodo, da Lei Fundamental. Ali se a rma que o exerccio da pro sso pode ser regulado por lei ou com base em uma lei. Se se aplica essa formulao, ento se pode chegar concluso de que a obrigao para que se ponha a advertncia nos produtos de tabaco constitui uma regulao fundada numa lei. Estaria, assim, resolvido o problema da coliso? Teria a teoria das regras obtido um resultado satisfatrio? Ho que se analisar as conseqncias de um tal procedimento para reconhecer que esse no o caso. Doces, bolos, tortas, so, na opinio geral, menos saudveis para os dentes do que pes. Suponha-se que um partido de fanticos da sade obtenha a maioria no Parlamento. Ele probe os padeiros e outros de produzirem doces, bolos, tortas. ?Posteriormente, tambm, o po comum (po branco) tem sua produo proibida, permitindo-se, apenas, a produo de po preto. Se, dvida, tem-se uma interveno na liberdade pro ssional dos padeiros. No h dvida tambm de que se trata de uma restrio estabelecida mediante lei. Se esta fosse a nica justi cativa da restrio, perderia o direito fundamental qualquer fora em face do legislador. Os direitos fundamentais estariam esvaziados. A obrigao de se produzir apenas po preto seria compatvel com a Constituio. ALEXY,ROBERT. Coliso e ponderao como problema fundamental da dogmtica dos direitos fundamentais. Palestra proferida na Fundao Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro, em 10.12.98.

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Para promover esse equilbrio o intrprete do direito deve observar que a anlise cega de um ramo do direito poder conduzir a decises injustas, neste sentido o pensamento da Professora Cludia Lima Marques ao lecionar sobre o dilogo das fontes.12 Dessa forma a mudana do paradigma do Estado liberal para o Estado dirigindo as relaes contratuais limitou a autonomia da vontade e, por estarem profundamente ligados, limitou a liberdade de contratar e a pacta sunt servanda, pela qual o contrato fazia leis entre as partes no importando quais as consequncias resultantes do cumprimento das obrigaes. No Brasil a edio de um Cdigo de Defesa do Consumidor, atravs da Lei 8078/90, fez raiar uma nova luz sobre as relaes contratuais, dando nova regulamentao aos contratos em que se adquire bens e servios como destinatrio nal, inteligncia do artigo 2 do citado diploma. Sendo o consumidor tutelado pela lei de forma ampla, por ser considerado a parte hipossu ciente na relao contratual. Este o entendimento da Professora Teresa Negreiros, seno vejamos:Entre ns, a promulgao da Lei 8.078/90 (o chamado Cdigo de Defesa do Consumidor CDC) representa o marco da mudana de mentalidade relativamente ao direito contratual contemporneo, consubstanciando a direta incidncia da normativa constitucional (a comear pelo princpio de defesa do consumidor, previsto no art. 170,V, CF) sobre as relaes contratuais de consumo.13

A evoluo das teorias do direito constitucional promoveu uma normatizao dos princpios constitucionais. Desta forma, o textoO mtodo do dilogo das fontes vem sendo utilizado por Erick Jayme e Cludia Lima Marques. Segundo aquele autor, a pluralidade de matrias e de textos de lei faz surgir para o seu aplicador a necessidade de coordenao entre as leis no mesmo ordenamento, como exigncia para um sistema jurdico e ciente e justo (In JAYME, Erick. Direito Internacional Privado e Cultura Ps-Moderna. In Cadernos do Programa de Ps-Graduao em Direito PPGDir/UFRGS, 2003). Cludia Lima Marques, por sua vez, de ne: o dilogo das fontes uma sistemtica que permite a convivncia de leis com campos de aplicao diferentes, campos por vezes converge e, em geral diferentes, em um mesmo sistema jurdico, que parece ser agora um sistema (para sempre) plural, uido, mutvel e complexo. (In MARQUES, Cludia Lima. Dilogo entre o cdigo de defesa do consumidor e o novo cdigo civil: do dilogo das fontes no combate s clusulas abusivas. In Revista do Direito do Consumidor, 2003). 13 NEGREIROS, Tereza. Teoria do contrato: novos paradigmas. So Paulo: Renovar, 2002, p. 22.12

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constitucional passa a ser fonte suprema que deve direcionar todo o direto tanto pblico, quanto privado. Destarte, todo o ordenamento jurdico passa a ter na Constituio a sua fonte de inspirao e obedincia. Segundo o entendimento que defende a constitucionalizao do direito civil, toda a sua interpretao deve ser feita com base no contedo axiolgico da Constituio, sendo a cidadania o seu elemento propulsor. A vontade, na maioria dos contratos modernos, h de ser considerada a partir do exame em concreto das clusulas gerais do novo direito civilconstitucionalizado, sobretudo da boa-f objetiva, como regra geral de interpretao, alm dos novos princpios que vo nortear as relaes obrigacionais, quais sejam: princpio da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da solidariedade social, da funo social do contrato e princpio do equilbrio econmico. Diante da interpretao do direito civil atravs das normas previstas na Lei maior do Estado, teremos observado o que o Professor J.J. Gomes Canotilho descreveu como mxima efetividade das normas constitucionais, seno vejamos, in verbis:Este princpio, tambm designado por princpio da eficincia ou princpio da interpretao efectiva, pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser atribudo o sentido que maior e ccia lhe d. um princpio operativo em relao a todas e quaisquer normas constitucionais, embora a sua origem esteja ligada tese da actualidade das normas programticas ( oma), hoje sobretudo invocado no mbito dos direitos fundamentais (no caso de dvida deve preferir-se a interpretao que reconhea maior e ccia aos direitos fundamentais).14

Com efeito, cotejando-se o citado princpio da mxima efetividade constitucional, com o da fora normativa da Constituio, tem-se que na soluo dos problemas referentes interpretao dos contratos privados, deve-se ter prevalncia os pontos de vista da Constituio normativa a m14

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituio. 7 Edio. Almedina:Coimbra. P.1224. Universidade de Coimbra-Portugal

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de que os seus princpios sejam observados, para que seja obtida uma e ccia tima da lei fundamental. Assim ao lado dos princpios da autonomia da vontade, e da liberdade contratual, deve ter em vista os princpios constitucionais acima mencionados. Pelo princpio da fora normativa da Constituio, no esclio do j citado Professor J.J. Gomes Canotilho, entende-se:15Segundo o princpio da forma normativa da Constituio na soluo dos problemas jurdicosconstitucionais deve dar-se prevalncia aos pontos de vista que, tendo em conta os pressupostos da Constituio (normativa), contribuem para uma eficcia ptima da lei fundamental. Consequentemente, deve dar-se primazia s solues hermenuticas que, compreendendo a historicidade das estruturas constitucionais, possibilitam a actualizao normativa, garantindo, do mesmo p, a sua e ccia e permanncia.

Alis, o Professor Claus Wilhelm Canaris, lecionando sobre os direitos fundamentais e direito privado, citando o autor italiano Trabucchi rati ca o entendimento da constitucionalizao do direito privado, seno vejamos:16(...)Assim, por exemplo, o compatriota ingls Markesinis fala, mesmo, de uma constitutionalisation of private law, e tem aqui em vista uma tendncia que vai muito alm do crculo jurdico alemo. E encontrei este mesmo pensamento em Trabucchi, referindo-se ao Cdigo Civil italiano. O Tribunal suo, por sua vez, afirmou que pelo menos a e ccia indirecta em relao a terceiros, no sentido de imperativo de interpretao as normas de direito privado em conformidade com os direitos fundamentais, praticamente reconhecida por todos, e fez seu entendimento.

15 16

Idem, ibidem. Op. Cit. p1226. CANARIS, Claus Wilhelm. Direitos fundamentais e direitos privados. Editora Almedina:Coimbra.2006. p 20-21. Universidade de Coimbra-Portugal

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4 . B R EV E H I S T R I A D A P ROT E O L E G A L D O S CONSUMIDORES A partir das alteraes no cenrio econmico mundial, encabeado pela revoluo industrial, viu-se um crescente desequilbrio nas relaes de consumo, acentuado pela grande concentrao de capitais. O cdigo de Napoleo promulgado em 187l, no se reportou proteo legal dos consumidores, tendo em vista a existncia do contexto libera, j especi cado amide nos itens anteriores, fazia a insero das grandes corporaes e sociedades mercantis como principais agentes econmicos. Deste modo o direito do consumidor cava sem amparo no ordenamento jurdico espec co, sujeito ao direito dos contratos. No entanto, a acelerao nos negcios influenciada pela evoluo tecnolgica nos campos da comunicao e da informtica, modi cou a vida em sociedade, produzindo grandes transformaes, com a concentrao de capitais de empresas na produo e distribuio de bens de consumo, atravs de uma publicidade agressiva pondo ao conhecimento de toda a coletividade, nos centros de consumo. Considerando as alteraes econmicas, tornou-se necessrio o surgimento de legislaes especiais que contemplassem essa nova realidade. O Professor Mota Pinto a rmou que os contratos de consumo correspondem a uma manifestao jurdica da vida moderna (subttulo do conhecido estudo de Carlos Mota Pinto sobre o tema, publicado em 1973).17 Alguns pases criaram leis espec cas de proteo ao consumidor, como ocorreu em Portugal com o Decreto-Lei 446/85, alterado pelo Decreto-Lei 220/95 e a Lei 24/96 de 31 de junho. Outros pases como Brasil, Itlia, Franca j tm um Cdigo Espec co de Defesa do Consumidor. Em verdade podemos a rmar que a promulgao de tais cdigos de defesa dos consumidores, revela-nos a j mencionada ruptura na seara privada, mas a crise que abarca todo o sistema jurdico moderno, atravs de situaes de fato, para as quais o sistema jurdico no apresenta solues.1817

In, Contratos de adeso e clusulas contratuais gerais: problemas e solues. PINTO MONTEIRO, Antnio. Artigo publicado na Revista RTDC, REVISTRA Trimestral de Direito Civil. Ano 2, Vol. 7 de julho de setembro de 2001. Editora PADMA. Universidade de Coimbra-Portugal 18 Cf. (...) a desigualdade(entre consumidores e os grandes de detentores capitais) no encontra, nos sistemas jurdicos oriundos do liberalismo, resposta e ciente para a soluo de problemas que decorrem de crises de relacionamento e de lesionamento vrios que sofrem os consumidores, pois os Cdigos se estruturam com base em uma noo de paridade entre as partes, de cunho abstrato.

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Tanto no Brasil como em Portugal o direito do consumidor tem foro constitucional, ponto que ser mais tarde abordado. A proteo constitucional liga-se funo do Estado de intervir em situaes de desigualdade e desequilbrio social. Neste sentido, o ensinamento de Luiz Edson Fachin, citando Antonio Carlos E ng, seno vejamos:Eros Roberto Grau sustenta que se trata de um princpio constitucional impositivo (Canotilho), a cumprir dupla funo, como instrumento para a realizao do m de assegurar a todos existncia digna e objetivo particular a ser alcanado. No ltimo sentido, assume funo de diretriz (Dworkin) norma-objetivo dotada de carter constitucional conformador, justificando a reivindicao pela realizao de polticas pblicas. (destaque no original).19

Com efeito, a proteo constitucional dos direitos dos consumidores assegurou a existncia digna e objetiva de tais consumidores, devendo a lei infraconstitucional criar todos os mecanismos para a lei maior possa ter e ccia prtica, aplicando-se a gama in nita de relaes de consumo, que ordinariamente so formadas atravs dos contratos de consumo. 4. O CONTRATO DE ADESO Como j fora dito a sociedade moderna necessita de dinamicidade, planejamento, racionalidade e celeridade em suas relaes econmicas. A denominao contrato de adeso foi dada a essa tcnica de contratao por Saleilles, quando analisou a parte geral do BGB alemo.20Teceram-se sob o prisma patrimonial (...) e sob a gide da iniciativa privada como fator de propulso da economia.BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do consumidor. Rio de Janeiro. Forense Universitria, 1991.p. 10. 19 In, FACHIN, Luiz Edson . As relaes jurdicas entre o novo cdigo civil e o cdigo de defesa do consumidor: elementos para uma teoria crtica do direito do consumidor. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil. Coleo Comisses. Vol. I Repensando o Direito do Consumidor, p.31. 20 GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Cdigo de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8 Ed. Editora Rio de janeiro: Forense Universitria, 2004, p. 622. GOMES ORLANDO. Contratos. Rio de Janeiro:Forense, 1999.

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Outrossim, ope-se ao contrato de adeso o denominado contrato de comum acordo, ou seja, aquele elaborado mediante negociao de todas as clusulas pelas partes envolvidas no negcio jurdico, o chamado contrat de gr gr.21 O contrato de adeso no se constitui numa nova modalidade de contrato ou categoria autnoma, mas somente tcnica de formao do contrato, que pode ser aplicada a qualquer categoria ou tipo contratual, na busca da rapidez exigida pelas economias de mercado.22 Tal modo de contratao so tpicos da sociedade industrial moderna, de produo em massa, distribuio em cadeia. A mxima expresso jurdica desta nova realidade, denominam-se: Contratos de Adeso, ou Clusulas Gerais dos Contratos, Contratos standards, Contratos Padro. Sendo que os contratos de adeso diferem dos contratos comuns pelas suas especi cidades, pelo perigo ou risco para o contratado ou simplesmente para o aderente. Constituem em uma manifestao jurdica da moderna vida econmica, conforme estudo de Carlos Mota Pinto publicado em 1973.23 Como ensina o Professor Doutor Antnio Pinto Monteiro, os contratos de adeso, possuem todas essas denominaes:24Este interesse pelos contratos de adeso, pelas condies gerais dos contratos ou clusulas contratuais gerais, pelos contratos standard ou contrato em srie ( a terminologia variada e pode levantar problemas, como direi mais frente), este interesse da doutrina em analisar tais contratos ou modo de contratao e do legislador em xar o seu regime jurdico, dizia, corresponde grande importncia prtica de que se revestem, na actualidade.

As empresas celebram contratos onde no h uma prvia negociao com os consumidores, este simplesmente limitam-se a aderir ao contedoGRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Cdigo de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto.8 Ed. Editora Rio de janeiro: Forense Universitria, 2004, p. 623. 22 Ada Pellegrini e outros. Cdigo de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8 Ed. Editora Rio de janeiro: Forense Universitria, 2004, p. 623. 23 In, PINTO MONTEIRO, Antnio. O novo regime jurdico dos contratos de adeso/clusulas contratuais gerais. Revista da Ordem dos Advogados. Ano 62, 2002. p.113. 24 In, PINTO MONTEIRO, Antnio. O novo regime jurdico dos contratos de adeso/clusulas contratuais gerais. Revista da Ordem dos Advogados. Portugal. Ano 62, 2002. p.113.21

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material das clusulas no seu conjunto, sem qualquer espcie de discusso, ou modi cao. Tais contratos so redigidos previamente e de forma unilateral, para uma quantidade indeterminada de consumidores. Assim, correto a rmar que os contratos de adeso negam a autonomia da vontade, j que o aderente no discute, uma a uma, as clusulas que ir assinar.25 Nos contratos de adeso no h dilogo entre as parte, prevalecendo a vontade da parte econmica mais forte, a saber o empresrio, as grandes corporaes. Ainda citando o Professor Doutor Antnio Pinto Monteiro destacamos que tais contratos implicam em risco para os consumidores, eis que surgem em trs planos, a saber: na formao do consentimento, no da justia contratual das clusulas, e no dos modos de reao jurdica, particularmente no de ordem processual. Segundo o renomado autor, as caractersticas mais importantes do direito contratual contemporneo, diz respeito a um grande nmero de contratos que so celebrados sob a gide das clusulas previamente redigidas por uma das partes, sem que a outra possa alter-lo, da porque so chamados de contratos de adeso. Ressalta ainda o Professor as caractersticas da pr-disposio, a unilateralidade e a rigidez.26 A pr-disposio consiste na elaborao prvia de clusulas que iro integrar o contedo de todos os contratos a serem celebrados no futuro. A generalidade das clusulas est associada caracterstica da indeterminao, mediante a qual as clusulas so previamente redigidas para um nmero indeterminado de pessoas. Possuem, ainda, um carter de uniformidade a m de promover a elaborao de contratos que sigam o mesmo padro ou o mesmo tipo, ou standard.2725

Nesta toada, enseja a proteo contratual do consumidor, em especial, no tocante aos contratos de massa, ou seja, aqueles que se desenvolvem por adeso. Em virtude de sua extensa utilizao cotidiana, estes contratos por adeso negam o espao prprio da autonomia da vontade na seara contratual no havendo a possibilidade de discusso e individualizao contratual. In, FACHIN, Luiz Edson . As relaes jurdicas entre o novo cdigo civil e o cdigo de defesa do consumidor: elementos para uma teoria crtica do direito do consumidor. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil. Coleo Comisses. Vol. I Repensando o Direito do Consumidor, p.40. 26 Cf. PINTO MONTEIRO, Antnio. O novo regime jurdico dos contratos de adeso/clusulas contratuais gerais. Op. Cit. p. 115. Universidade de Coimbra-Portugal. 27 Dir-se- que a produo em massa, distribuio em cadeia, contratos em srie. So necessidades de racionalizao, planeamento, celeridade e e ccia que levam as empresas a recorrer a este modo de contratar, eliminando ou esvaziando consideravelmente as negociaes entre as partes. Mas se isto assim no plano dos interesses que visam satisfazer, a verdade que tais contratos apresentam

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Nesta formao de contratao presume-se a aceitao em bloco por parte do consumidor aderente, de uma srie de clusulas pr-elaboradas unilateralmente. Considerando as peculiaridades do contrato de adeso, o contratante deve dar conhecimento ao aderente do contedo das clusulas contratuais geria que faro parte do contrato. Tal comunicao deve ser feita de forma clara, com antecedncia a m de que o aderente tenha o conhecimento antecipado das citadas condies gerais que integraro o contrato. Nisto consiste o dever de informao, a m de que o aderente possa compreender as clusulas que compem o instrumento contratual e que sero fonte de obrigaes. O Professor Luiz Edson Fachin leciona que o princpio da informao consubstancia-se no princpio da veracidade, atravs do qual o fornecedor deve sempre prestar esclarecimentos sobre o produto ou servio oferecido, que exerce papel complementar ao denominado dever de informar.28 O dever de informao de forma adequada, clara, cristalina constitui segurana para a empresa, eis que em caso de dvida sero aplicados os brocardos jurdicos: in dbio pro consumidor e in dbio contra estipulatorem. Neste sentido a doutrina da Professora Doutora Cludia Lima Marques, no sentido de que a interpretao dos contratos de adeso deve ser feita no sentido mais favorvel ao consumidor, principalmente em casos de dvida ou lacuna do contrato. S desta forma estaramos assegurando a equidade e a justia contratual.29especi cidades vrias em face do contrato tradicional ou negociado, que o legislador pressups. Especi cidades essas que no podem deixar de ser tidas em conta e que consistem na incluso, no contrato de clusulas prvia e unilateralmente redigidas, que no foram negociadas, antes elaboradas por outrem, para um nmero mltiplo ou indeterminado de contratos a celebrar no futuro. In, Contratos de adeso e clusulas contratuais gerais: problemas e solues. PINTO MONTEIRO, Antnio. Artigo publicado na Revista RTDC, REVISTA Trimestral de Direito Civil. Ano 2, Vol. 7 de julho de setembro de 2001. Editora PADMA. Universidade de Coimbra-Portugal. 28 In, FACHIN, Luiz Edson. As relaes jurdicas entre o novo cdigo civil e o cdigo de defesa do consumidor: elementos para uma teoria crtica do direito do consumidor. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil. Coleo Comisses. Vol I Repensando o Direito do Consumidor, p.39. 29 O primeiro instrumento para assegurar a equidade, a justia contratual, mesmo em face dos mtodos de contratao em massa, a interpretao judicial do contrato em seu favor. Inspirado no art. 1370 do Cdigo Civil Italiano de 1942, o CDM, em seu art. 47, institui como princpio geral a interpretao pr-consumidor das clusulas contratuais. Relembre-se, porm, nesta quarta edio, que o art. 47 iluminado pelo princpio da boa-f, positivado no art. 4, III do CDC e a interpretao de todo o contrato de consumo deve (e ser sempre) conforme s imposies da boa-f objetiva. Segundo a regra tradicional do art. 85 do Cdigo Civil, nas declaraes de vontade dever-se-ia atender mais sua inteno que ao sentido literal de sua linguagem, portanto, sob o pretexto de procurar a

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Sobreleva-se destacar que a violao ao princpio da informao produzir consequncias severas para o empresrio, visto que a clusula ser excluda do contrato. No entanto, as demais clusulas sero mantidas, com recurso s normas supletivas aplicveis ao caso. O dever de informao deve ser exercido de forma completa, cuja redao deve ser su cientemente clara, de forma a impedir o aparecimento de clusulas que produzam reao de surpresa, motivo de ardil, fraude.30 Tais clusulas violam ainda o princpio da boa-f contratual. Este tambm o entendimento da Professora Doutora Ada Pelegrini Grinover, em comentrios feitos na exposio de motivos do segundo substitutivo ao projeto de lei que criou o Cdigo de Defesa do Consumidor brasileiro, seno vejamos:31Na exposio de motivos do segundo substitutivo do deputado Geraldo Alckmin Filho, assim escrevi: O Cdigo prev uma srie de comportamentos, contratuais ou no, que abusam da boa-f do consumidor, assim como de sua situao de inferioridade econmica ou tcnica. compreensvel, portanto, que tais prticas sejam consideradas ilcitas per se, independentemente da ocorrncia de dano para o consumidor. Para elas vige presuno absoluta de ilicitude. So prticas que aparecem tanto no mbito da contratao como tambm alheias a esta, seja atravs do armazenamento de informaes sobre o consumidor, seja mediante a

vontade real, interna do aderente ao contrato, a jurisprudncia brasileira foi evoluindo no sentido de interpretar cada vez mais positivamente para o consumidor as clusulas de adeso, principalmente em caso de dvida ou lacuna do contrato. In , Cludia Lima. Contratos no cdigo de defesa do consumidor. v. I. 4. ed. rev., atual. e ampl. So Paulo: RT. P.742/743. 30 Na norma do art. 46, 2, estipula o CDC um novo deve espec co do fornecedor, que, na sociedade de massa, normalmente o elaborador dos contratos oferecidos no mercado. A nalidade da norma assegurar a informao ao consumidor, ou, como estamso querendo frisar, a transparncia necessria nas relaes de consumo. Tenta, desta maneira, evitar que o fornecedor utilize a sua superioridade econmica e mesmo tcnica (departamentos jurdicos ou consultorias especializadas) para confundir o consumidor e por a ele obrigaes que se tivesse compreendido o sentido do texto, no teria assumido. Este dever de relao clara ser maior se o fornecedor desejar utilizar-se de mtodos de contratao em massa, como esclarece o art. 54, 3, do CDC. MARQUES, Cludia Lima. Contratos no cdigo de defesa do consumidor. v. I. 4 ed. rev., atual. e ampl. So Paulo: RT.p. 667. 31 In, GRINOVER, Ada Pelegrini e Outros. Cdigo de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Op. Cit. p.361.

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utilizao de procedimentos vexatrios de cobrana de suas dvidas.

No mais das vezes as partes no tm outra escolha, seno assinar um contrato onde no participaram da elaborao de suas clusulas, pois necessitam do produto ou do servio que est a contratar, visto ser fundamental para a sobrevivncia na vida moderna. Apenas a ttulo de argumentao, poderamos indagar se possvel vivermos numa grande cidade, sem possuir uma conta bancria, contrato de seguro de automvel, telefone celular, servios de gua, luz, internet? Pois bem. A resposta que se impe que no d para viver em um mundo globalizado sem o mnimo de bens de consumo, sem comprometer a qualidade de vida, de comunicao, de sobrevivncia. Poderia algum a rma que todos esses tipos de bens da vida so opcionais.Todavia, j distam tempos em que o homem saiu da caverna e foi ejetado para a vida em sociedade, onde a e cincia e celeridade so fundamentais. Em alguns casos os consumidores assinam o contrato mesmo tendo conhecimento das clusulas que por possurem contedo tcnico de grau elevado no permitem que o consumidor entenda o seu real signi cado. Necessitando do bem ou servio assina o contrato. Deste mesmo entendimento comunga o Professor Doutor Antnio Pinto Monteiro, catedrtico da disciplina direito contratual da Universidade de Coimbra-Portugal, destacando que o aderente concorda com as clusulas do contrato e o assina, muitas das vezes por falta de tempo ou preparao tcnica, por resignao, conformismo ou porque tem conscincia de que pouco ou nada lhe adianta ler o contedo do contrato, bem como no se interessa em conhecer as suas condies.32 5. CLUSULAS ABUSIVAS So as que notoriamente so desfavorveis parte mais fraca na relao contratual, o que torna invlido o contrato pela quebra do equilbrio entre as partes. Sempre que for veri cado este desequilbrio entre as partes o Tribunal poder reconhecer a abusividade de uma clusula pautada nos princpios daCf. PINTO MONTEIRO, Antnio. O novo regime jurdico dos contratos de adeso/clusulas contratuais gerais. Op. Cit. p. 122. Universidade de Coimbra-Portugal32

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boa-f e da observncia do sistema de proteo do consumidor. Os contratos de adeso so campo frtil para o desenvolvimento das clusulas abusivas, surgindo a necessidade da interveno judicial para tutelar uma das partes da relao contratual, normalmente o consumidor como a parte mais frgil, vulnervel do negcio jurdico.33 Sobreleva-se destacar que as clusulas abusivas violam o princpio da boa-f contratual na medida em que as partes no atentam para as regras da tica e da moral, no que pertine as virtudes da honestidade, da lealdade, da correo e probidade que devem reger todas as relaes jurdicas. Ora a funo das normas de proteo do consumidor estabelecer, na medida do possvel, o equilbrio contratual entre as partes, movido pelo princpio da funo social do contrato, j devidamente analisado em tpico anterior. A proteo do consumidor em Portugal est prevista na carta magna portuguesa em leis esparsas. O Decreto-Lei 446/85 de 25 de outubro, defende o consumidor contra as clusulas abusivas nos contratados de adeso, estipulando que todas as clusulas que violarem a proteo do consumidor, sero nulas. O referido Decreto-Lei dispe ainda de clusulas que elenca como proibidas de forma absoluta e de forma relativa. E ainda dispe que as clusulas gerais proibidas por disposio o citado diploma sero nulas, nos termos nele previstos. No que diz respeito s clusulas proibidas em contratos de adeso podemos a rmar que a legislao portuguesa seguiu o modelo alemo, na forma de controle atravs do mencionado Decreto-Lei 446/85. A nulidade pode ser absoluta sendo aquelas indicadas nos artigos 18 e 21 tratando-se de consumidores nais, ou apenas 18 tratando-se de33

A proteo do consumidor, o reequlibrio contratual vem a posteriori, quando o contrato j est perfeito formalmente, quando o consumidor j manifestou a sua vontade, livre e re etida, mas o resultado contratual ainda est inequitativo. As normas proibitrias de clusulas abusivas so normas de ordem pblica, normas imperativas, inafastveis pela vontade das partes. Estas normas do CDC aparecem como instrumento do direito para restabelecer o equilbrio, para restabelecer a fora da vontade, das expectativas legtimas, do consumidor, compensando, assim, sua vulnerabilidade ftica. Se no direito tradicional, representado pelo Cdigo Civil de 1916 e pelo Cdigo Comercial de 1850, j conhecamos normas de proteo da vontade, considerada a fonte criadora e, principalmente, limitadora da fora vinculativa dos contratos, passamos a aceitar no Brasil, com o advento do Cdigo de Defesa do Consumidor, a existncia de valores jurdicos superiores ao dogma da vontade, tais como a equidade contratual e a boa-f objetiva, os quais permitem ao Poder Judicirio um novo e efetivo controle do contedo dos contratos de consumo. In, MARQUES, Cludia Lima. Contratos no cdigo de defesa do consumidor. v. I. 4 ed. rev., atual. e ampl. So Paulo: RT.p. 766.

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empresrios. Ainda na esteira da proteo das clusulas contratuais gerais que faro parte dos contratos de adeso, tem-se as clusulas relativamente proibidas constantes dos artigos 19 a 22 para consumidores nais. Para empresrios a norma s previu o artigo 19. As clusulas relativamente proibidas permitem ao Tribunal a sua apreciao em cada caso concreto, segundo um modelo objetivo. Necessitam de declarao judicial. As clusulas absolutamente independentes no necessitam de declarao judicial porque so proibidas de pleno direito. 6. MEIOS DE CONTROLE O controle dos clusulas contratuais gerais que vo integrar os chamados contratos de adeso pode ser feito por duas maneiras. A primeira maneira atravs do controle preventivo exercido atravs da ao inibitria ou atravs das aes singulares. As primeiras podem ser intentadas pelo Ministrio Pblico, associaes de defesa do consumidor dotadas de representatividade, no mbito previsto na legislao respectiva, associaes sindicais, pro ssionais ou de interesses econmicos legalmente constitudas, atuando no mbito das suas atribuies. As segundas so intentadas pelos consumidores, individualmente, aps a celebrao dos contratos, com a consequente violao de seus direitos. Sobre a ao inibitria, v-se que o legislador portugus a consagrou atravs dos artigos 25 e seguintes do referido Decreto-Lei. Este tipo de controle ocorre sobre as clusulas contratuais gerais antes da celebrao do contrato concreto, efetivo. Atua em tese, ou seja, somente tem por objetivo o contedo das clusulas contratuais gerais e no sobre o contrato efetivo, celebrado entre as partes. A directiva 93/13/CEE, artigo 7 a rma que este controle existe para as clusulas redigidas de forma generalizada. O controle preventivo atua atravs da ao inibitria e s funciona perante as clusulas contratuais gerais. Se as clusulas tiverem os requisitos da predisponibilidade, uniformidade e rigidez, e no possurem os requisitos da generalidade e da indeterminao, no pode haver o citado controle preventivo. Essas clusulas esto presentes nos contratos de fornecimento de energia, gua, luz, telefone, transporte, seguros e bancrios. A empresa redige o contedo das clusulas contratuais gerais a m de que sejam utilizadas em futuros contratos de adeso de forma generalizada. Somente o Poder Judicirio poder declarar a proibio deste tipo de clusula atravs do controle

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inibitrio. Tal tipo de controle apresenta vantagens e desvantagens. As primeiras so que o Decreto-Lei 446/85 criou um largo espectro de entes legitimados para o exerccio da ao, conforme j mencionado. Isto implica em reais benefcios para os consumidores que no tero que perder tempo e dinheiro em disputas judiciais. Ademais, como sabido, poucos so os consumidores que conhecem os seus direitos previstos no Decreto-Lei e na Lei n 24/96 de 31 de julho. A desvantagem seria a falta de atribuio de efeitos vinculativos e erga omines citada ao. Quer isto dizer que o comando judicial proibitivo s vale para a empresa demandada que est usando clusulas gerais proibidas e no vale para outras empresas que estejam usando as mesmas clusulas e com idntico teor abusivo. 7. CONCLUSO Os direitos fundamentais dos consumidores esto previstos na Constituio Portuguesa no artigo 60, I. A citada norma fundamental de ne os direitos dos consumidores como direitos fundamentais. A reviso constitucional de 1997 passou a dispor que a proteo dos consumidores, constitui incumbncia prioritria do Estado, ou seja, o ente estatal tem o dever de garantir a defesa dos interesses e os direitos dos consumidores. O Professor Vieira Andrade, catedrtico da Universidade de Coimbra, a rma que foi a reviso de 1989 que consagrou os direitos dos consumidores no catlogo dos direitos fundamentais, a rmando ainda que: Os direitos dos consumidores tm, pois, de considerar-se, na ordem jurdica constitucional portuguesa, pelo menos como direitos formalmente fundamentais, includos no conjunto formal dos direitos mais importantes atribudos s pessoas. Prossegue o Professor Vieira Andrade que o fato de os direitos dos consumidores terem sido catalogados como direitos fundamentais no faz com que os mesmos sejam automaticamente transformados em direitos naturais, ou seja, como manifestao primria da dignidade da pessoa humana, vlidos em todos os tempos, para qualquer indivduo, por ser uma pessoa. Isto porque os direitos naturais so anteriores e superiores ao Estado. As Constituies no o criam, antes pelo contrrio, limitam-se ao seu reconhecimento formal. Tambm assevera ainda que os direitos dos consumidores no constituem

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direitos humanos, visto que esta categoria de direitos so direitos das pessoas reconhecidos na comunidade internacional. Os direitos dos consumidores no correspondem ao tipo originrio dos direitos fundamentais nascidos nos ns do sculo XVIII, com o Estado Absoluto, nem so expresso da cidadania democrtica. No tratam das liberdades e muito menos da vida poltica da sociedade organizada. So classi cados como direitos de terceira gerao, ou seja, direitos econmicos e sociais, os quais encontram-se presentes na sociedade de consumo e distribuio em massa de bens e servios, de elaborao de contratos em srie. Esta a razo pela qual os direitos dos consumidores foram alados ao patamar de direitos fundamentais, devido a necessidade de proteger as pessoas enquanto consumidoras de bens e servios, no contexto das relaes econmicas dentro de uma sociedade de distribuio em massa. Neste contexto, veri ca-se que a liberdade contratual no mais reina soberana como na poca do Estado Liberal como ocorreu at meados do sculo passado. Na sociedade ps-moderna, o consumidor precisa ser protegido porque representa um nmero a mais, representado por um cdigo de barras, nas relaes contratuais, segundo o ponto de vista das grandes empresas e conglomerados econmicos. Foi-se o tempo em que as partes se sentavam para discutir ponto por ponto do contrato a ser celebrado, onde cada clusula era discutida, e se aprovada, integraria o contrato futuro, por ser a negociao resultado da vontade bilateral. Hoje no h espao para a gura do contrato tradicional, fruto do acordo de vontade das partes. As clusulas so pr-formuladas de maneira unilateral e rgida, ou seja, so formuladas precisamente para integrarem um nmero indeterminado de contratos em srie. So as chamadas clusulas contratuais gerais, elaboradas pelas empresas, ou mesmo por terceiros, a mando desta ltima. Ao consumidor de bens e servios no resta outra alternativa a no ser aceitar as clusulas contratuais gerais unilateralmente escritas, pois, necessitam da maioria dos bens e servios que a vida moderna exige. Neste diapaso encontramos os contratos de fornecimento de gua, luz, telefone, internet, gs natural, seguros, bancrios e tantos outros. Tem-se que a parte hipossu ciente e vulnervel nestes contratos modernos o consumidor, parte facilmente ludibriada, pois, no tem outra alternativa de obter os bens da vida que deseja ou necessita seno pela aceitao in totum do contedo destes contratos. Ainda que a parte venha a discutir algumas questes, veri ca-se que no geral, ou seja, na parte essencial, o

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contrato in exvel. H uma necessidade premente na vida moderna de se obter os bens de consumo, pois, hoje no mais possvel viver sem um aparelho telemvel, ou sem os servios de internet, sob pena de car ilhado do mundo, em face da falta de comunicao. Neste contexto econmico-social surge a necessidade de tutelar o consumidor, por ser a parte vulnervel da relao contratual. Portugal possui uma tutela efetiva dos consumidores, concretizada atravs da Lei Fundamental, ou seja, a Constituio do Estado portugus, possuindo ainda, directivas da comunidade europeia, leis infraconstitucionais e decretos-leis. Esta proteo visa tutela de aspectos pessoais do direito do consumidor, visto tratar da proteo da vida, sade, segurana e qualidade de vida. O conceito de direito do consumidor portugus restringe o seu alcance para as relaes contratuais celebradas entre consumidores e pro ssionais, na aquisio de bens para uso no pro ssional. Reconhecem-se, atravs da legislao portuguesa, os direitos qualidade dos bens e servios consumidos, direito formao e informao, direito proteo da sade e da segurana, direito proteo dos interesses econmicos e direito reparao dos danos. BIBLIOGRAFIA ALEXY, Robert. Coliso e ponderao como problema fundamental da dogmtica dos direitos fundamentais. Palestra proferida na Fundao Rui Barbosa, Rio de Janeiro, em 10 dezembro de 1998. Cpia mimeo. BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do consumidor. Rio de Janeiro. Forense Universitria, 1991. CANARIS, Claus Wilhelm. Direitos fundamentais e direitos privados. Editora Almedina:Coimbra.2006. FACHIN, Luiz Edson fachin. As Relaes Jurdicas entre o novo Cdigo Civil e o Cdigo de Defesa do Consumidor: elementos para uma teoria crtica do Direito do Consumidor. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil. Coleo Comisses. Vol I Repensando o Direito do Consumidor. GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Cdigo de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8 Ed. Editora Rio de janeiro: Forense Universitria, 2004. GOMES ORLANDO. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1999. J.J. Gomes Canotilho. Direito constitucional e teoria da Constituio. 7 Edio. Aldemina:Coimbra.

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