direitos fundamentais

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  • Revista Mestrado em Direito Osasco, Ano 6, n.2, 2006, p. 139-176

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    Ensaios eEnsaios eEnsaios eEnsaios eEnsaios eComentriosComentriosComentriosComentriosComentrios

    O municpio e os direitosO municpio e os direitosO municpio e os direitosO municpio e os direitosO municpio e os direitosfundamentfundamentfundamentfundamentfundamentais: umaais: umaais: umaais: umaais: umaanlise dasanlise dasanlise dasanlise dasanlise dascompetnciascompetnciascompetnciascompetnciascompetnciasconstitucionais doconstitucionais doconstitucionais doconstitucionais doconstitucionais domunicpio em mamunicpio em mamunicpio em mamunicpio em mamunicpio em matria detria detria detria detria dedireitos fundamentdireitos fundamentdireitos fundamentdireitos fundamentdireitos fundamentaisaisaisaisais

    Anna Candida da Cunha Ferraz

    Sumrio1 Introduo. I Direitos Fundamentais naConstituio de 1988. 1 Positivaoconstitucional dos direitos humanos. 2 Asgeraes ou dimenses direitosfundamentais abrigadas na Constituio de1988. 3 Natureza e aplicabilidade dasnormas instituidoras de direitosfundamentais. II A positivao e aefetivao dos direitos fundamentais nosmunicpios. 1 Observaes preliminares. 2As competncias constitucionais legislativase os direitos de primeira gerao. 3 Ascompetncias constitucionais legislativas e osdireitos fundamentais sociais. 4 Ascompetncias materiais privativas dosMunicpios e os direitos fundamentais. 5 Ascompetncias municipais comuns e osdireitos fundamentais. 5.1 Observaesgerais. 5.2 O elenco de matrias do artigo23 da Constituio de 1988, que envolve aatuao dos Municpios com relao aosdireitos fundamentais. 6 As competnciasmunicipais e os direitos de terceira gerao.7 Outras competncias municipaisrelacionadas aos direitos fundamentais. 8Instrumentos de positivao, de efetivaoe de execuo de competncias municipaiscom vistas garantia do exerccio de direitosfundamentais. 8.1 Instrumentos normativos.8.2 O Poder de Polcia Municipal. 8.3Polticas Pblicas Municipais. 8.4 Convniose consrcios com outros entes pblicos. 8.5Aes afirmativas. 8.6 Recursos financeirose oramentrios. Concluses. Referncias.

    Recebimento do artigo: 30/09/2006Aprovado em: 10/10/2006

  • Revista Mestrado em Direito Osasco, Ano 6, n.2, 2006, p. 139-176

    Anna Candida da Cunha Ferraz

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    1 Introduo

    O Municpio o espao territorial e poltico mais significativo para o exerccio dacidadania. no Municpio (nas cidades) que as pessoas vivem, mantm relaes,desenvolvem suas potencialidades e virtualidades e demandam exercer, com efetividade,seus direitos fundamentais.

    O Municpio ente poltico que compe a Repblica Federativa do Brasil e estvinculado aos fundamentos do Estado Democrtico de Direito em que se constitui oPas, e aos objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil, estabelecidosnos artigos 1 e 3 da Constituio de 05 de outubro de 1988, que dispem verbis:

    Art. 1 A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unioindissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal,constitui-se em Estado Democrtico de Direito e tem comofundamentos:I a soberania;II a cidadania;III a dignidade da pessoa humana;IV os valores sociais do trabalho;V o pluralismo poltico.

    ResumoO texto, de incio, introduz breve exame sobrea positivao dos direitos humanosfundamentais na Constituio de 1988, asgeraes ou dimenses de direitos consagradasno texto constitucional e a natureza das normasconstitucionais instituidoras de direitos. Aps,o trabalho desenvolve uma anlise dascompetncias constitucionais municipaisreferentes aos direitos fundamentais deprimeira, segunda e terceira gerao, tomandocomo ponto de partida a repartio decompetncias estabelecida na Constituio de1988. Aborda, em seguida, sucintamente,alguns instrumentos que permitem a efetivaoe a realizao de direitos no mbito municipal.

    Palavras-chaveDireitos Fundamentais. CompetnciasMunicipais em matria de DireitosFundamentais. Instrumentos para efetivao deDireitos Fundamentais nos Municpios.

    AbstractThis essay begins with a brief examination of theinclusion of fundamental human rights in theConstitution of 1988, the generations or dimensionsof rights consecrated in the constitutional text andfinally, of the nature of the constitutional rules thatcreate rights. After that this essay develops an analysisof the referring constitutional municipal abilitiesabout human fundamental rights of first, second andthird generations, taking as starting point thedistribution of abilities established in the Constitutionof 1988. It also approaches, briefly, some instrumentsthat allow to the effectiveness and the accomplishmentof rights in the municipal level.

    Key wordsFundamental rights. Human rights. Municipalabilities concerning Fundamental Rights. Instrumentsfor effectiveness of Fundamental Rights in the locallevel.

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    O municpio e os direitos fundamentais

    141Pargrafo nico. Todo o poder emana do povo, que o exercepor meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termosdesta Constituio.Art.3. Constituem objetivos fundamentais da RepblicaFederativa do Brasil:I construir uma sociedade livre, justa e solidria;II garantir o desenvolvimento nacional;III - erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir asdesigualdades sociais e regionais;IV promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao.

    Os fundamentos e os objetivos fundamentais do Estado Democrtico de Direito eda Repblica Federativa do Brasil so vetores que orientam a atuao dos Municpiosem todos os setores afetos sua competncia, pelo que sua no observncia permite aincidncia de controles em suas varias modalidades: controles poltico, controle populare controle jurisdicional1, e, ainda, devem nortear a posio, a atuao e as atividadesdos Municpios no quadro institucional brasileiro.

    Neste estudo cuida-se de identificar as competncias constitucionais dos Municpiosno que concerne implementao e efetivao de direitos fundamentais que, comose v, constituem parte dos fundamentos e objetivos da Repblica Brasileira. Trata-sede uma abordagem de dimenso terica, que a partir do estabelecido na Constituiode 05 de outubro de 1988 buscar firmar um quadro geral concernente ao tema tendoem vista estabelecer alguns parmetros para um exame mais aprofundado dascompetncias constitucionais do Municpio em matria de Direitos HumanosFundamentais2.

    1 O tema controle da atuao municipal foge aos limites deste trabalho e dever, certamente, ensejarnovos textos. Para consulta sugerimos a leitura, dentre tantas, de algumas obras: MEIRELLES, HelyLopes. Direito municipal brasileiro. 11. ed. Atualizada por Clia Marisa Prendes e Mrcio SchneiderReis. So Paulo: Malheiros, 2000; STRECK, Lenio Luiz. Jurisdio e hermenutica constitucional(uma nova crtica do direito). Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2002; MEDAUAR, Odete. Controleda administrao pblica. So Paulo: TR, 1993; FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Polticaspblicas. A responsabilidade do administrador e o ministrio pblico. So Paulo: Max Limonad,2000; FREIRE JUNIOR, Amrico Bed. O controle judicial de polticas pblicas. So Paulo:Revista dos Tribunais, 2005; FERRAZ, Anna Candida da Cunha. Proteo jurisdicional da omissoinconstitucional dos poderes locais. Revista Mestrado em Direito, Osasco, ano 4, n. 4, 2004;FONTES, Telma Freitas. A interveno estadual no municpio. Mimeo. Dissertao (Mestrado)apresentada FADUSP/ So Paulo: 2001; FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Comentrios Constituio de 1988. So Paulo: Saraiva, 1990. v. 1.2 Este estudo busca traar um quadro terico das competncias municipais em matria de DireitosFundamentais como parte do Projeto em desenvolvimento no Mestrado Positivao e concretizaojurdica dos Direitos Humanos Fundamentais no Municpio de Osasco.

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    Anna Candida da Cunha Ferraz

    142 I Os direitos fundamentais na Constituio de 1988

    1 Positivao constitucional dos direitos humanos

    O ncleo essencial dos direitos humanos fundamentais est positivado naConstituio de 05 de outubro de 1988 no Ttulo II, artigos 5 a 17. Outros direitos oudesdobramentos dos direitos fundamentais vm consagrados ao longo do textoconstitucional, como, a exemplo, os direitos sociais relativos sade, educao e aomeio ambiente, que ocupam captulos ou sees prprias no Ttulo VII, da OrdemSocial, artigos 193 a 232.

    Neste ncleo fundamental, o Captulo I trata dos Direitos e Deveres Individuais eColetivos, inseridos no artigo 5 e seus 78 incisos e 4 pargrafos; o Captulo II cuida dosDireitos Sociais, individualizando os direitos-base no artigo 6, e dos direitos dostrabalhadores urbanos e rurais, disciplinados nos artigos 7 a 11. O Captulo III dispesobre a nacionalidade (artigo 12 e 13) e o Captulo IV abre espao para a disciplina dosPartidos Polticos (artigos 14 a 17).

    Para o que interessa ao exame do tema este estudo limita-se anlise dos CaptulosI e II e seus desdobramentos.

    2 As geraes ou dimenses de direitos fundamentais abrigadas naConstituio de 1988

    Registra Paulo Bonavides3:

    Em rigor, o lema revolucionrio do sculo XVIII, esculpidopelo gnio poltico francs, exprimiu em trs princpios cardeaistodo o contedo possvel dos direitos fundamentais,profetizando at mesmo a seqncia histrica de sua gradativainstitucionalizao: liberdade, igualdade e fraternidade.

    Com efeito, descoberta a frmula de generalizao euniversalidade, restava doravante seguir os caminhos queconsentissem inserir na ordem jurdica positiva de cadaordenamento jurdico os direitos e contedos materiais referentesqueles postulados. Os direitos fundamentais passaram na ordeminstitucional a manifestar-se em trs geraes sucessivas, quetraduzem sem dvida um processo cumulativo e qualitativo, oqual segundo tudo faz prever, tem por bssola uma novauniversalidade abstrata e, de certo modo, metafsica daquelesdireitos, contida no jusnaturalismo do sculo XVIII.

    3 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7. ed. So Paulo: Malheiros, 1997, p. 516-517.

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    O municpio e os direitos fundamentais

    143Aponta, assim, a doutrina a relao entre as geraes de direitos e os princpioslemas da Revoluo Francesa: libert, egalit e fraternit, aos quais correspondem os direitosde primeira, segunda e terceira gerao.

    A Constituio de 1988 consagra os direitos humanos fundamentais plastificandoeste lema.

    No Captulo I vm arrolados, basicamente, os chamados direitos de primeira geraoou dimenso.

    Os Direitos de 1 gerao pressupem os direitos de liberdade, definidos comopoderes de agir ou no agir, independentemente da ingerncia do Estado4 e quesintetizam os direitos-base da pessoa humana: direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, desdobrados nos incisos e pargrafos do artigo 5 que, comoas liberdades so poderes de agir reconhecidos e protegidos pela ordem jurdica.

    Direitos subjetivos, pois, oponveis ao Estado. Do Estado se espera, com relao atais direitos, apenas uma absteno, um no fazer.

    Todavia, lembra Ferreira Filho5 que

    ... claro que se o Estado deve, por um lado, abster-se deperturbar o exerccio desses direitos tem, por outro lado, a tarefade preventivamente evitar sejam eles desrespeitados, e, tambm,repressivamente restaur-los se violados, inclusive punindo osresponsveis por esta violao.

    Na mesma linha ensina Jorge Miranda6 que os direitos, liberdades e garantiasenglobam direitos de diferente contedo, de varivel estrutura e passveis de diversaconcretizao ou realizao. Englobam liberdades, direitos polticos, direitos irredutveisa liberdades e a direitos polticos e garantias. Tais direitos, registra, ainda, o autor, tmsua face negativa, exigindo do Estado absteno, mas tm tambm uma face positiva,exigindo do Estado que estabelea condies de segurana em que possam serexercidos, uma ordem objetiva a criar ou preservar, a ordem pblica em sentido estrito,ou mais amplamente, a ordem constitucional democrtica...7.

    No Captulo II, artigo 6 esto reconhecidos os direitos de segunda gerao oudimenso, ou seja, os direitos sociais, que se somam aos primeiros e que nascemabraados ao princpio da igualdade, do qual no se podem separar, pois faz-loequivaleria a desmembr-los da razo que os ampara e estimula8. So tambm direitosfundamentais, mas guardam, com relao ao papel do Estado para a sua positivao,

    4 FERREIRA FILHO. Direitos humanos fundamentais. So Paulo: Saraiva, 1993, p. 23.5 Idem, 1993, p. 30.6 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 2. ed. revista e actualizada. Coimbra: CoimbraEditora, 1993, p. 100. Tomo 4 Direitos Fundamentais.7 Idem, 1993, p. 101.8 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7. ed. So Paulo: Malheiros, 1997, p. 518.

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    Anna Candida da Cunha Ferraz

    144 realizao e proteo de seu exerccio um diferente posicionamento. que, no casodos direitos sociais, do Estado se espera uma atuao positiva para a efetivao e aconcretizao desses direitos. Em outras palavras, o sujeito passivo desses direitos oEstado e outras entidades pblicas e at privadas, inclusive a sociedade. o Estado oresponsvel pelo atendimento aos direitos sociais, o que se depreende claramente dotexto de 1988: dever do Estado propiciar a proteo sade (art. 198), educao(art. 205), ao lazer pelo desporto (art. 217), pelo turismo (art. 180) etc. O objeto dodireito social , tipicamente, uma contraprestao de um servio pblico. Assim, aexemplo, o servio escolar, quanto ao direito educao; o servio mdico-sanitrio-hospitalar, quanto ao direito sade etc.9.

    Anota tambm Jorge Miranda10 que para a tarefa da efetivao dos direitos sociaisso chamados o Estado e a sociedade. Os direitos sociais tm uma dimenso positiva,que configura um atuar do Estado, mas tem tambm uma dimenso negativa queimplica dizer que:

    As prestaes que lhe correspondem no podem ser impostass pessoas contra sua vontade, salvo quando envolvam deverese, mesmo aqui, com certos limites (v.g. tratamentos mdicos oufreqncia de escolas); quando a Constituio institua formasde participao, no pode ser impedido o seu desenvolvimento;e, mais do que isso, vedado ao poder pblico restringir oacesso aos direitos sociais constitucional ou legalmente garantidos,por meio de medidas arbitrrias.

    No tocante aos direitos de 3. dimenso, os chamados direitos de solidariedade oufraternidade, direitos que ainda no tem uma configurao definida nos ordenamentosjurdicos (direito paz, direito ao desenvolvimento, direito ao meio ambiente etc.) aConstituio de 1988 abriga, de modo expresso, o direito ao meio ambiente, sem dvidao nico positivado ou o mais elaborado direito de 3. gerao11. o que estampa oartigo 225:

    Art. 225. Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamenteequilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadiaqualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividadeo dever de defend-lo e preserv-lo para as presentes e futurasgeraes.1 Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao PoderPblico:

    9 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves, op. cit., p. 50.10 Op. cit., p. 10411 Ver aspectos sobre o nascimento, os documentos internacionais a respeito etc. em FERREIRAFILHO, Manoel Gonalves, op. cit., p. 62-64.

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    O municpio e os direitos fundamentais

    145I preservar e restaurar os processos ecolgicos essenciais eprover o manejo ecolgico das espcies e ecossistemas;...

    3 Natureza e aplicabilidade das normas constitucionais instituidoras dedireitos fundamentais

    A maior parte dos direitos individuais e coletivos de que trata o artigo 5 osdireitos de 1 dimenso est consignada em normas constitucionais auto-aplicveis,exeqveis por si mesmas ou preceptivas ou de eficcia plena, pelo que os direitos nelasconsagrados podem ser exercidos desde logo, imediatamente, como alis prev o 1do artigo 5 (As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tmaplicabilidade imediata)12. Isto significa dizer que no dependem de legislaoinfraconstitucional para serem exercidos.

    Todavia, algumas normas constitucionais inseridas no referido artigo se apresentamcomo normas de eficcia limitada ou incompleta, ou contida, para usar a classificaode normas consagradas por Jos Afonso da Silva13, ou por Manoel Gonalves FerreiraFilho14 pelo que, as primeiras dependem de legislao infraconstitucional especificandoos termos do seu exerccio (ex.: art. 5, inciso VI, parte final ou inciso XII, tambmparte final); as de eficcia contida so tambm normas que incidem e podem seraplicadas imediatamente, mas prevem meios ou conceitos que permitem manter suaeficcia contida em certos limites, dadas certas circunstncias15 ( o caso, exemplificando,da liberdade de reunio assegurada pelo inciso XVI, do artigo 5, como veremos adiante).

    As normas garantidoras dos direitos sociais, ao contrrio das que consagram osdireitos individuais e coletivos, so, em sua maior parte, normas programticas, consoanteregistram Jorge Miranda, j citado, ou Jos Afonso da Silva16 que aponta, com propriedade,a dificuldade para sua concretizao prtica ao mencionar:

    42. O problema que se coloca agudamente na doutrina recenteconsiste em buscar mecanismos constitucionais e fundamentais

    12 Para exame mais alongado do princpio da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitosfundamentais de que trata o artigo 5, 1, ver, entre outros: MIRANDA, Jorge. Manual de direitoconstitucional. 2. ed. revista e actualizada. Coimbra: Coimbra Editora, 1993. Tomo 4 DireitosFundamentais e FERRAZ, Anna Candida da Cunha. Aspectos sobre a positivao dos direitosfundamentais na Constituio de 1988. In: Obra coletiva: Direitos Fundamentais: fundamentao,positivao, concretizao. Coord. de Anna Candida da Cunha Ferraz e Eduardo Bittar, no prelo13 SILVA, Jos Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. revista, ampliada eatualizada. So Paulo: Malheiros, 1998.14 Comentrios Constituio brasileira de 1988. So Paulo: Saraiva, 1990, p. 86-87. v. 1.15 Aplicabilidade das normas constitucionais. Idem, ibidem, p. 82.16 Idem, ibidem, p. 140.

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    Anna Candida da Cunha Ferraz

    146 tericos para superar o carter abstrato e incompleto das normasdefinidoras de direitos sociais, ainda concebidas comoprogramticas, a fim de possibilitar sua concretizao prtica.

    Lembra, ainda, Jos Afonso da Silva17que as normas programticas

    I So normas que tm por objeto a disciplina de interesseseconmico-sociais, tais como: a realizao da justia social eexistncia digna; valorizao do trabalho; desenvolvimentoeconmico; represso ao abuso do poder econmico; assistnciasocial; interveno do Estado na ordem econmica; amparo famlia; combate ignorncia; estmulo cultura, cincia etecnologia.II So normas que no tiveram fora suficiente para sedesenvolver integralmente, sendo acolhidas, em princpio, comoprograma a ser realizado pelo Estado, por meio de leis ordinriasou de outras medidas.III So normas de eficcia reduzida, no sendo operantesrelativamente aos interesses que lhes constituem o objetoespecfico e essencial, mas produzem importantes efeitosjurdicos, como teremos oportunidade de demonstrar.

    Na Constituio brasileira, as normas que consagram o direito ao meio ambiente,estabelecidas principalmente no artigo 225, pargrafos e incisos, so tambm de eficcialimitada, dependendo sua efetivao de legislao, de medidas administrativas e depolticas pblicas.

    II A positivao e a efetivao dos direitos fundamentais nosmunicpios

    1 Observaes preliminares

    A repartio de competncia entre os entes polticos Unio, Estados e DistritoFederal pedra de toque dos Estados Federais, tem sua sede prpria na ConstituioFederal.

    A Constituio de 1988 cuida de modo minucioso da repartio de competnciasentre os entes polticos que compem nossa Federao. Na verdade, como diz FernandaDias Menezes de Almeida18: A Federao, a rigor, um grande sistema de repartiode competncias. E essa repartio de competncias que d substncia descentralizao em unidades autnomas.

    17 Idem, ibidem, p. 150-151.18 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes. Competncias na Constituio de 1988. 2. ed. So Paulo:Atlas, 2000, p. 29.

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    O municpio e os direitos fundamentais

    147As competncias dos entes federados esto inscritas nuclearmente nos artigos 20 a33, Captulos II, III, IV e V, do Ttulo III, que versam sobre a organizao do Estado.As competncias dos Municpios esto basicamente estabelecidas no artigo 30, mas sedesenvolvem tambm em outros dispositivos constitucionais. Isto significa dizer quepara se identificar, com preciso, quais so as competncias municipais se tornanecessria uma cuidadosa pesquisa ao longo de todo o texto constitucional. De outrolado, como h competncias municipais que decorrem de outras atribudas Unio eaos Estados, o conhecimento destas tambm se faz necessrio para se atingir umaadequada viso panormica de toda a competncia municipal.

    O objetivo desta parte do trabalho exatamente verificar quais as competnciasdos Municpios com vistas implementao, efetivao ou mesmo positivao dedireitos fundamentais; vale dizer competncias legislativas, administrativas, executivasetc., o que implica dizer que, num primeiro momento, se h de verificar a titularidadedo exerccio, particularmente legislativo, com relao aos direitos fundamentais.

    2 As competncias constitucionais legislativas e os direitosfundamentais de primeira gerao

    Como se viu, os direitos de primeira gerao, que supem, em primeiro lugar, aabsteno do Estado, mas que tambm admitem sua interveno positiva e protetiva,consagrados no artigo 5 da Constituio, esto imbricados particularmente em normasde eficcia plena e aplicao imediata (art. 5, 1), que independem para seu exerccioda intermediao do legislador ordinrio. No obstante se viu, tambm, que certospreceitos desse rol especial de normas podem demandar legislao infraconstitucional,seja para completar, de modo efetivo, a normatividade do direito nela inscrito (normaconstitucional de eficcia limitada ou incompleta), seja para, se necessrio, reduzir ombito de aplicao do direito (norma de eficcia contida).

    Ora, no h, no texto constitucional federal, normas especficas atribuindocompetncias legislativas no que respeita aos direitos fundamentais previstos no artigo5 aos entes polticos que compem a Federao brasileira: esta a primeira observaoque colhe fazer.

    No se encontra na Constituio, por exemplo, dentre os incisos do artigo 22, quedispem sobre a competncia privativa legislativa da Unio, ou do artigo 24, quedispem sobre a competncia legislativa concorrente da Unio e dos Estados, qualquerreferncia competncia para legislar sobre direitos fundamentais individuais oucoletivos. Ressalvem-se, neste ltimo, certas matrias relativas a direitos fundamentaisque se inserem na competncia concorrente da Unio, dos Estados e do Distrito Federaltais como: legislar sobre assistncia jurdica e defensoria pblica (inciso XIII); sobreproteo e integrao social das pessoas portadoras de deficincia (inciso XIV) e sobre

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    148 a organizao, garantias, direitos e deveres das policiais civis (inciso XVI), matrialigada ao direito segurana.

    No obstante a doutrina19 aponta, com razo, que pela natureza do contedo dasnormas inseridas no artigo 5, que integram o conjunto de normas materialmenteconstitucionais vlidas para o ordenamento global brasileiro, e por se tratar de atribuiorelativa aos princpios e aos objetivos do Estado Democrtico Brasileiro, a disciplinadessa matria h de estar reservada Unio enquanto representante do Estado globale soberano.

    Com efeito, tais normas constituem um ncleo constitucional normativo irredutvelat mesmo por emenda constitucional, conforme determina o artigo 60, IV daConstituio. Por conseqncia, leis regulamentadoras, complementares, restritivas ouexplicativas de direitos fundamentais, quando cabveis, so de competncia privativada Unio, ainda que no haja preceito expresso a esse respeito.

    o que se pode facilmente verificar compulsando os incisos constitucionais doartigo 5 e a legislao infraconstitucional pertinente. Assim, para exemplo, so federaisas leis que regulamentam ou disciplinam: direitos autorais (art. 5, IX, Lei n. 5.099, de1973, Lei n. 9069, de 12.02.1998 etc.); a parte final do inciso XII, no que este determina: inviolvel o sigilo de correspondncia, das comunicaes telegrficas de dados e dascomunicaes telefnicas, salvo, no ltimo caso, por ordem judicial, nas hipteses e naforma que a lei estabelecer para fins de investigao ou instruo processual penal(Lei n. 9.296, de 24/07/1996); ou a lei que disciplina a liberdade de reunio previstano inciso XVI do artigo 5 (Lei n. 1207/50 modificada pela Lei n. 9.071, de 3 de julhode 1974).

    No obstante, os Municpios podero, em certa medida, expedir normas locais relativasaos direitos fundamentais, fundados no exerccio do poder de polcia, que lhes inerente,e no uso de suas competncias constitucionais, genrica e suplementar, previstas noartigo 30, I e II, que estabelecem:

    Art. 30. Compete aos Municpios:I legislar sobre assuntos de interesse local;II suplementar a legislao federal e a estadual no que couber;...

    Em essncia, poder de polcia a atividade da Administrao queimpe limites ao exerccio de direitos e liberdades...Onde existeum ordenamento, este no pode deixar de adotar medidas paradisciplinar o exerccio de direitos fundamentais de indivduos egrupos.

    19 Cf. ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes, op. cit., 2000, p. 98; ver tambm ALMEIDA, Fernando DiasMenezes. Liberdade de reunio. So Paulo: Max Limonad, 2001, p. 127 e seguintes.

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    O municpio e os direitos fundamentais

    149ensina Odete Medauar20. Ou ainda, como diz Caio Tcito poder de polcia o conjuntode atribuies concedidas Administrao para disciplinar e restringir, em favor dointeresse pblico adequado, direitos e liberdades individuais21.

    O campo de atuao do poder de polcia bastante amplo, alcanando seu exercciotodos os entes polticos que desenvolvem funes de Administrao Pblica, como ocaso dos Municpios.

    De outro lado, para a identificao das competncias dos Municpios, o vetor sersempre o interesse local22. Por interesse local, a despeito de modificao redacionaldo texto constitucional, prevalece dominante a doutrina que entende que se trata a dopeculiar interesse do Municpio, vale dizer, no um interesse exclusivo, mas uminteresse predominante, permanecendo vlida, pois, a tradicional lio de SampaioDoria23.

    possvel, a partir dos incisos constitucionais relacionados no artigo 5, identificarinmeras possibilidades de atuao municipal com base nos fundamentos citados.

    Vejamos alguns exemplos.A inviolabilidade da liberdade de conscincia e de crena garantida no inciso VI

    do artigo 5 que assegura, tambm, o livre exerccio dos cultos religiosos e garante,na forma da lei, a proteo aos locais de culto e suas liturgias. H vrias leis federaisdisciplinando a matria: o Cdigo Penal (art. 208); leis gerais, como: a Lei n. 4.898/65,que reprime o abuso de autoridade (art. 3); a Lei n. 8.069/90 O Estatuto da Criana, art. 16, III; a Lei n. 10.335/01 que institui o Dia da Bblia etc.

    No cabe aos Municpios legislar sobre o exerccio dos cultos. No obstante,indiretamente, atuando seu poder de polcia ou mesmo invocando seu peculiar interesselocal os Municpios regulam aspectos relacionados com o exerccio de cultos como,por exemplo, legislando sobre os limites da poluio sonora eventualmente praticadapelos cultos ou tomando medidas administrativas que visem coibir o abuso da poluiosonora. No Municpio de So Paulo, v.g, h inclusive um Servio Pblico o PSIU quecuida do excesso da poluio sonora que perturba o sossego pblico que no raro solicitado com relao atuao dos cultos.

    Merece citao a seguinte ementa proferida em deciso do Tribunal de Justia doEstado de So Paulo:

    20 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 5. ed. revista e atual. So Paulo: Revista dosTribunais, 2001, p. 387.21 Apud MEDAUAR, Odete, idem, ibidem, p. 390.22 Cf. ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes, op. cit., p. 114.23 Idem, ibidem, p. 114.

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    Anna Candida da Cunha Ferraz

    150 DIREITO DE VIZINHANA Perturbao do sossego Verificao Templo religioso Nveis insuportveis de rudo Procedimento administrativo que foi confirmado pelas demaisprovas dos autos Liberdade de culto que deve ser exercida demodo civilizado Desobedincia legislao municipal aplicao do artigo 554 do Cdigo Civil Recurso no provido(Apelao Cvel n. 281.247 1 Ribeiro Preto 7. Cmarade Direito Privado Relator Sousa Lima 21.08.97 V.U.).

    Outro exemplo: A liberdade de locomoo assegurada no inciso XV que dispeespecificamente sobre a liberdade pessoal. Todavia ensina a doutrina que esta liberdadeenvolve, tambm, a liberdade de circulao por intermdio de veculos24 o que, porcerto nos leva legislao sobre trnsito, cuja competncia privativa da Unio (art.22, XI) e ao direito urbanstico, este de competncia legislativa concorrente entre aUnio, Estados e Distrito Federal, na forma disposta no artigo 24, inciso I.

    Tambm neste caso, a competncia legislativa privativa da Unio e a competnciaconcorrente da Unio, dos Estados e do Distrito Federal no excluem o exerccio decompetncia legislativa municipal, seja para dispor sobre assuntos de trnsito que digamrespeito ao seu peculiar interesse, seja no exerccio do poder de polcia, seja ainda noexerccio da competncia suplementar que lhe deferida pelo inciso II do artigo 30acima transcrito, sempre, claro, respeitadas as normas federais ou estaduais pertinentes.

    Assim, exemplificando, cabe ao Municpio estabelecer normas sobre estacionamentode veculos, sobre a chamada zona azul, sobre multas por estacionamento em localindevido, sobre a utilizao das vias pblicas etc.

    Ainda outro exemplo: A liberdade de reunio de que trata o inciso XVI do artigo 5,j mencionada, embora sequer faa referncia necessidade de lei regulamentadora,ensejou, na verdade, e sob vrios ngulos, a edio de leis federais: a Lei n. 1207/50(liberdade de reunio em geral), e suas manifestaes em outras reas, como por exemplo,a disciplina da liberdade de reunio no Cdigo Brasileiro de Trnsito, a disciplina doexerccio do direito em leis eleitorais etc.25.

    Tratando especificamente desse direito, Fernando Dias Menezes de Almeida26 aponta

    que a competncia da Unio no exclui a dos Municpios desuplementar a legislao federal no que couber, por exemplo,disciplinando o exerccio da liberdade de reunio que interfiracom o trnsito, respeitadas, evidente, as regras j estabelecidasna lei federal.

    E, mais frente, indica que o Municpio de So Paulo editou duas leis e os respectivosdecretos regulamentadores a esse respeito: a Lei n. 12.151, de 19 de julho de 1996, que

    24 Cf. ROBERT, Jacques. Liberts publiques. Paris: ditions Montchrestien, 1971, p. 282 e seguintes.25 Fernando Dias Menezes de Almeida, na obra citada Liberdade de Reunio, relaciona vrias leis federaisque disciplinam direta ou indiretamente a liberdade de reunio. Ver pginas 101 e segts.26 Idem, ibidem, p. 133.

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    151Dispe sobre o uso das vias pblicas do Municpio de So Paulo para o exerccio dodireito de manifestao atravs de passeatas ou outro tipo de concentrao popular ea Lei n. 12.153, de 29 de julho de 1996, que Disciplina a realizao de manifestaespblicas que prejudiquem a livre circulao dos veculos automotores na AvenidaPaulista, a primeira regulamentada pelo Decreto n. 36.329, de 22/08/1996 e a segundapelo Decreto n. 36.797, de 19/03/1997.

    O inciso XXII do artigo 5 garante o direito de propriedade e o inciso XXIII determinaque a propriedade atenda sua funo social, alm de estabelecer outras normas sobreesse direito nos incisos seguintes. Por outro lado, no artigo 30, o inciso VIII atribuicompetncia para o Municpio promover, no que couber, adequado ordenamentoterritorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupaodo solo urbano. Assim, embora a legislao sobre o direito de propriedade seja federal,cabe aos Municpios, sobre vrios aspectos, suplementar esta legislao cuidando desua competncia no exerccio das atribuies acima mencionadas ou ainda atuando noseu interesse local e no exerccio do poder de polcia.

    Mencione-se a esse respeito que regras sobre o direito de vizinhana, que na verdade,constitui o conjunto de regras que determinam o alcance, restries e limites do exercciodo direito de propriedade, respeitadas por bvio a legislao federal, podem serestabelecidas pelos municpios. Exemplo a esse respeito pode ser mencionado com oslimites estabelecidos s edificaes com relao aos imveis vizinhos. Alis, a esserespeito, sem discutir a questo da constitucionalidade ou inconstitucionalidade dotexto integral, o Estatuto da Cidade, Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, queregulamenta os artigos 182 e 183 da Constituio Federal estabelece uma srie decompetncias municipais, dentre as quais citamos:

    Art. 36. Lei municipal definir os empreendimentos e atividadesprivadas ou pblicos em rea urbana que dependero deelaborao de estudo prvio de impacto de vizinhana (EIV)para obter as licenas ou autorizaes de construo, ampliaoou funcionamento a cargo do Poder Pblico municipal.Art. 37. O EIV ser executado de forma a contemplar os efeitospositivos e negativos do empreendimento ou atividade quanto qualidade de vida da populao residente na rea e suasproximidades, incluindo a anlise, no mnimo, das seguintesquestes:I adensamento populacional;II equipamentos urbanos e comunitrios;III uso e ocupao do solo;IV valorizao imobiliria;V gerao de trfego e demanda por transporte pblico;VI ventilao e iluminao;VII paisagem urbana e patrimnio natural e cultural.

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    152 Pargrafo nico. Dar-se- publicidade aos documentosintegrantes do EIV, que ficaro disponveis para consulta, norgo competente do Poder Pblico municipal, por qualquerinteressado.

    Tambm com relao aos incisos XXXIII, XXXIV e LXXVII tm os Municpioscompetncias legislativas e administrativas para cumprir o mandamento constitucionale assegurar os direitos ali inscritos.

    Dispem citados incisos:

    XXXIII todos tm o direito de receber dos rgos pblicosinformaes de seu interesse particular, ou de interesse coletivoou geral, que sero prestadas no prazo da lei, sob pena deresponsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo sejaimprescindvel segurana da sociedade e do Estado;XXXIV so a todos assegurados, independentemente dopagamento de taxas:a) o direito de petio aos Poderes Pblicos em defesa de direitoou contra ilegalidade e abuso de poder;b) a obteno de certides em reparties pblicas, para defesade direitos e esclarecimento de situaes de interesse pessoal;LXXVII so gratuitas as aes de habeas corpus e habeas data e,na forma da lei, os atos necessrios ao exerccio da cidadania (n.g.).

    Os direitos assegurados nos incisos acima foram regulados pelas Leis federais, deabrangncia nacional, de n. 9.051/95 e n. 9.265/96, respectivamente.

    Tais leis se aplicam aos Municpios visto que cogitam de regulamentar direitosinseridos no rol dos direitos fundamentais. Todavia, os Municpios, usando de suacompetncia para legislar sobre assuntos de interesse local e para suplementar a legislaofederal, no que couber, podero editar leis, observada a legislao federal, regulamentandotal matria que, na verdade, se insere, tambm, no mbito das matrias administrativas,prprias de qualquer ente pblico.

    Embora no expressamente relacionado no artigo 5, cabe, ainda, mencionar comoexemplo de direito de primeira gerao o tratamento especial atribudo s pessoasportadoras de deficiente fsica ou de capacidade reduzida. No caso trata-se de direitoque, excepcionando o direito de igualdade formal, introduz a chamada discriminaopositiva ou inversa, pela qual se pretende atingir, com relao aos deficientes, a igualdadematerial. Vrios dispositivos constitucionais contemplam, de modo expresso, essetratamento excepcional. Assim os artigos 227, 2, 244.

    Para exemplo, registre-se que leis e decretos da Municipalidade de So Pauloestabelecem regras visando proteo desse direito. Dentre esses documentos citem-se, dentre outros, o Decreto n. 45122, de 12/08/2004 que consolida a regulamentaodas leis municipais n. 11.345/93, n. 11.424/92, n. 12.815/99 sobre a adequao dasedificaes acessibilidade...; a Lei n. 12.815, de 06/04/99, que dispe sobre acesso

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    153de pessoas portadoras de deficincia fsica a cinemas, teatros, casas de espetculos eestabelecimentos bar.

    Esses so apenas alguns exemplos para permitir visualizar a ocorrncia e a amplitudeda atuao dos municpios com relao aos direitos de primeira gerao, j que no possvel examinar, neste texto, exaustivamente, toda a abrangncia das disposies doartigo 5 e seus reflexos na legislao municipal.

    Finalmente, cumpre lembrar que o artigo 5, em seus pargrafos 2 e 3 (esteacrescentado pela Emenda Constitucional n. 45/2004) assegura outros direitos egarantias no expressos na Constituio e decorrentes do regime e dos princpios porela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Repblica Federativa do Brasilseja parte, sendo que os tratados e convenes internacionais sobre direitos humanosque forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por trsquintos dos votos dos respectivos membros, sero equivalentes s emendasconstitucionais.

    Em princpio, tal como ocorre com os direitos fundamentais expressos no artigo 5,a legislao implementadora desses direitos, chamados pela doutrina de direitosimplcitos27 expedida pela Unio. No obstante, na mesma linha das consideraestraadas, os Municpios podero no exerccio de suas competncias legislativasprivativas, relativas ao interesse local ou suplementar, e no exerccio do poder depolcia, positivar, implementar ou efetivar a realizao desses direitos no expressos notexto constitucional, no que couber. Veja-se, para exemplo, o Pacto de San Jos daCosta Rica (Conveno Americana de Direitos Humanos)28 e sua implementao noBrasil.

    3 As competncias constitucionais legislativas e os direitos sociais

    Os direitos sociais que, como se viu, constam de normas programticas ou de eficcialimitada, dependentes que so de legislao ulterior e de medidas administrativas, estoimbricados no artigo 6 da Constituio de 1988 e envolvem: o direito educao, aotrabalho, moradia, ao lazer, segurana, previdncia social, proteo maternidadee infncia, e assistncia aos desamparados.

    A competncia legislativa para legislar sobre alguns direitos sociais privativa daUnio e est inserida no rol das competncias de que trata o artigo 22: assim, compete

    27 Ver, a propsito, FERRAZ, Anna Candida da Cunha. Aspectos da positivao dos DireitosFundamentais na Constituio de 1988. op. cit., no prelo28 Para exame ver Direitos humanos Construo da liberdade e igualdade. So Paulo: Centro deEstudos da Procuradoria Geral do Estado, 1998, p. 327 e segts; MORAES, Alexandre de. Constituiodo Brasil interpretada e legislao constitucional. So Paulo: Atlas, 2002, p. 448-460.

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    154 Unio legislar sobre o direito do trabalho (inciso I); a seguridade social (XXXIII);diretrizes e bases da educao nacional (inciso XXXIV); a competncia legislativa sobreoutros direitos sociais concorrente entre a Unio, os Estados e o Distrito Federal,consoante estabelece o artigo 24: legislar sobre direito urbanstico (inciso I); educao,cultura, ensino e desporto (inciso IX); previdncia social, proteo e defesa da sade(inciso XII); proteo infncia e juventude (inciso XV). Outros direitos sociais vmdisciplinados ao longo da Constituio, no Ttulo da Ordem Social que cuida daseguridade social, da sade, da previdncia social, da educao, da cultura e do desporto,da famlia, da criana, do adolescente e do idoso, ou no Ttulo da Ordem Econmica eFinanceira, onde h a disciplina da Poltica Urbana para o que interessa, por ora, ressaltar.

    Com relao aos direitos sociais de competncia legislativa privativa da Unio ouconcorrente entre o Estado29, a Unio e o Distrito Federal, os Municpios somentepodero legislar invocando sua competncia suplementar e o interesse local, oueventualmente, o poder de polcia, sempre respeitando, por bvio a legislao federalou estadual pertinente.

    4 As competncias materiais privativas dos Municpios e os direitosfundamentais

    Os Municpios, na Constituio de 1988, alm de uma rea de competnciasprivativas no enumeradas, uma vez que podem legislar sobre os assuntos de interessecomum ou em carter suplementar legislao da Unio e dos Estados, como vimos(art. 30, I e II), tm, ainda, algumas competncias materiais exclusivas, tambm indicadasno artigo 30, incisos III a VIII.

    Jos Cretella Jnior30, discorrendo sobre as competncias materiais da Unio,estabelecidas no artigo 21 da Constituio Federal, define tais competncias como acapacidade genrica ou possibilidade de desempenhar servios federais, de editar atosadministrativos e atos polticos.

    Pode-se transportar essa noo para o mbito das competncias materiais conferidaspela Constituio aos Municpios. Convm registrar, contudo, que:

    29 A Constituio do Estado de So Paulo disciplina vrias competncias desta ordem. Para exemplo,ver artigos: 182 (normas sobre moradias populares, a cargo dos Estados e Municpios); 201 (consrciose convnios com as municipalidades para execuo de servios); 215, II (normas sobre saneamento),222 (municipalidade e servios de sade); 239 e 256 (normas sobre educao); 266 (normas sobredeficientes, esporte e lazer); 182 (normas sobre a proteo de crianas, adolescentes e idosos); 262(normas sobre intercmbio cultural e artstico com os Municpios); 279 (normas sobre o Poder Pblicoestadual e municipal relativas a preveno de deficincias aos pr-natais e deficientes) etc.30 Apud Fernanda Dias Menezes de Almeida, op. cit. 2. ed. 2000, p. 84.

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    155embora se cogite, na espcie, de exerccio de poder, deexecuo de atividade ou desempenho de encargo, ascompetncias materiais no excluem ao normativa precedente,emanada da prpria esfera de poder. Assim, a prestao, pelomunicpio, de servios pblicos de interesse local, inclusive o detransporte coletivo (art. 30, VI), demandar, com certeza,legislao municipal disciplinadora dessa atividade local31.

    Dos incisos inscritos no artigo 30 interessa ressaltar os de nmeros V, VI, VII, VIIIe IX, verbis:

    V organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessoou permisso, os servios pblicos de interesse local, includo ode transporte coletivo, que tem carter essencial;VI manter, com a cooperao tcnica e financeira da Unio edo Estado, programas de educao pr-escolar e de ensinofundamental;VII prestar, com a cooperao tcnica e financeira da Unio edo Estado, servios de atendimento sade da populao;VIII promover, no que couber, adequado ordenamentoterritorial, mediante planejamento e controle do uso, doparcelamento e da ocupao do solo urbano;IX promover a proteo do patrimnio histrico-cultural local,observadas a legislao e a ao fiscalizadora federal e estadual.

    Neste ponto cumpre lembrar que dentre as competncias materiais da Unio,estabelecidas no artigo 21, vrias tm relao com as competncias materiais municipais.

    Assim, estabelece o artigo 21 que compete Unio, dentre outras matrias: elaborare executar planos nacionais e regionais de ordenao do territrio e de desenvolvimentoeconmico e social (inciso IX); instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano,inclusive habitao, saneamento bsico e transportes urbanos (inciso XX); organizar,manter e executar a inspeo do trabalho (inciso XXIV).

    Destarte, as competncias materiais municipais ho de ser exercidas considerando,no que couber, as competncias materiais da Unio dispostas no artigo acima referido.

    De outro lado, como se v a partir do artigo 30 e incisos acima transcritos, dentre ascompetncias municipais materiais, de carter impositivo, h um rol de atividades,servios pblicos e programas. que devem ser atuados pelos Municpios e que dizemrespeito uns prestao de servios pblicos na rea de direitos sociais (VI, VII e IX) eoutros, que direta ou indiretamente, dizem respeito prestao de servios pblicos narea de direitos individuais e coletivos de primeira gerao (V, VIII).

    31 FERRAZ, Anna Candida da Cunha. Op. cit., 1989, p. 65.

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    156 Para Fernanda Dias Menezes de Almeida32, no artigo 30, a Constituio explicita,ela mesma, de modo no taxativo, certas competncias poltico-administrativas dosMunicpios. So as que constam dos incisos III, IV, V, e VIII. So dispositivos, registraa autora, que na verdade constituem corolrios necessrios da autonomia municipal,em alguns casos, e noutros, acrescente-se, so corolrios de competncias determinadasao longo do texto constitucional.

    No obstante, para o que interessa acentuar, trata-se de competncias materiais dosMunicpios que certamente envolvem o campo dos direitos sociais e individuais ecoletivos, como se disse acima e que merecem registro sob este aspecto. De outra sorte,tambm como afirmado, o exerccio dessas competncias pressupe atividade normativado Municpio, alm da atividade material e de polticas pblicas para a implementaoou a efetivao dos direitos de que cogitam.

    Ressalte-se, ainda, que as competncias materiais dos Municpios no se esgotamno artigo 30, j que outras disposies constitucionais cuidam dessas competnciasmunicipais. Sirvam de exemplo e a lembrana de Fernanda Dias Menezes de Almeida:

    o artigo 144, 8, em que se atribui aos Municpios competnciapara constiturem, a seu critrio, guardas municipais destinadas proteo de seus bens, servios e instalaes, e o artigo 182 emque se confere ao Municpio a execuo da poltica dedesenvolvimento urbano, colocando-se como instrumento bsicodessa poltica o plano diretor aprovado pela Cmara Municipale obrigatrio para cidades com mais de vinte mil habitantes.

    5 As competncias comuns dos municpios e os direitos fundamentais

    5.1 Observaes gerais

    Em trabalho anterior33 registrou-se a respeito das competncias comuns atribudas Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios:

    As competncias comuns esto arroladas no artigo 23 daConstituio Federal. Trata-se de uma listagem de atividadesque constituem deveres, obrigaes a serem cumpridas pelopoder pblico qualquer que seja o nvel e de preceitosindicativos e rumos a serem perseguidos, particularmente no

    32 Competncias na Constituio de 1988. 2. ed., cit. p. 117-118.33 FERRAZ, Anna Candida da Cunha. Unio, Estado e Municpio na nova Constituio: enfoquejurdico formal. In: A nova Constituio paulista perspectivas. So Paulo: Fundao Prefeito FariaLima CEPAM, Fundao do Desenvolvimento Administrativo FUNDAP, 1989. Organizao deAguinaldo Ribeiro da Cunha et al., p. 67; 65.

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    157desempenho de encargos de relevante matria social. Nota-se,no modo de enunciar essas competncias (zelar, cuidar,proteger) alm do tom imperativo, certo carter pedaggico.Cuida o texto constitucional de lembrar que cada esfera depoder tem deveres a cumprir para concretizar as atribuies eas competncias que o constituinte federal lhes confere.No se trata, a rigor, de modalidade de competncias que, apartir da Constituio de 1988, os entes polticos no Pas passarama deter. Sem risco de errar possvel demonstrar que os encargose atividades elencadas no artigo 23 so decorrncia necessriaou da respectiva capacidade de auto-organizao e auto-administrao ou das competncias gerais ou legislativas quelhes so conferidas. A novidade reside no fato de o textoconstitucional discriminar, de modo taxativo, aquilo que dantesse inferia implicitamente das normas constitucionais.O princpio que rege essa partilha de competncia o dacoordenao e cooperao entre as entidades pblicas sob agide da legislao federal.

    Observou-se, tambm34, que as atividades a serem exercidas no campo material dascompetncias comuns:

    somente podero ser executadas, na generalidade dos casos,fundamentadas em regulamentao normativa precedente,oriunda de mais de um nvel normativo de poder. Nessahiptese, ocorrer a chamada repartio vertical de competncias,o que significa dizer que a atividade poder ser exercida pelasdiferentes esferas polticas, porm estar sujeita a disciplinalegislativa hierarquizada e a regras gerais, impostas pelo podercentral. Exemplificando: cuidar da sade tarefa comum a todosos nveis de poder pblico (artigo 23, II). Todavia, o sistemaconstitucional normativo sobre a sade desdobra-se em vriasespcies: a) lei federal (competncia privativa da Unio sobreseguridade social (artigo 22, XXII); b) eventual lei delegada estadual(competncia delegada ao Estado, artigo 22, pargrafo nico);c) lei de princpios (normas gerais da Unio, competnciaconcorrente, artigo 24, XII); d) normas especficas do Estado(suplementares ou supletivas, competncia concorrente, artigo24, 2 e 3); e legislao suplementar do municpio (artigo 30, II).Importante, ainda, ressaltar que, no tocante s competnciascomuns, as tarefas e os encargos devero ser executadospreferencialmente de forma coordenada, pois cabe Unio,mediante lei complementar, fixar normas de cooperao entreos entes polticos, tendo em vista o equilbrio do desenvolvimentoe do bem estar nacional (artigo 23, pargrafo nico).

    34 Idem, ibidem, p. 65-66.

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    158 Como se v, as competncias rotuladas de comuns na Constituio socompetncias partilhadas pelos entes polticos de todos os nveis e tm o mesmo sentidode competncia concorrente segundo acentua Fernanda Dias Menezes de Almeida35

    que registra: o que o constituinte deseja exatamente que os Poderes Pblicos emgeral cooperem na execuo das tarefas e objetivos enunciados. E, como diz PauloLuiz Neto Lobo36: na competncia comum ocorre uma descentralizao de encargosde matrias de grande relevncia social, que no podem ser prejudicadas por questesde limites e espaos de competncia.

    5.2 O elenco de matrias do artigo 23 da Constituio de 1988, queenvolve a atuao do Municpio com relao aos direitos fundamentais

    no rol de competncias relacionadas no artigo 23 que ressalta, de modo maissignificativo, o exerccio de competncias municipais em matria de direitosfundamentais, particularmente com referncia aos direitos sociais. Envolve o elencodo artigo 23 competncias materiais de fazer, cuidar, proteger, promoverdireitos sociais relativos: sade, ao saneamento bsico, assistncia social, cultura, educao e cincia, moradia, alm de abranger, tambm, direitos de primeiragerao, tais como o combate s causas da pobreza e da marginalizao, a proteo daspessoas portadoras de deficincia e da segurana do trnsito.

    Assim, compete aos Municpios: cuidar da sade e assistncia pblica (inciso II) eda melhoria das condies de saneamento bsico e organizar o abastecimento alimentar combater a poluio em qualquer de suas formas, matrias ligadas diretamente proteo da sade pblica (incisos VIII e IX e VI); conservar o patrimnio pblico(inciso I), proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histrico, artstico ecultural, os monumentos, as paisagens naturais e os stios arqueolgicos (inciso III),impedir a evaso, a destruio e a descaracterizao de obras de arte e de outros bensde valor histrico, artstico ou cultural (inciso IV), matrias ligadas ao direito cultura,expressamente assegurado no inciso V que estabelece a competncia municipal deproporcionar os meios de acesso cultura; promover os meios de acesso educaoe cincia (inciso V), promover programas de construo de moradias e a melhoria dascondies habitacionais (inciso IX). Nos incisos II (cuidar da proteo e da garantia daspessoas portadoras de deficincia), X (combater as causas da pobreza e os fatores demarginalizao, promovendo a integrao social dos setores desfavorecidos) e XII(estabelecer e implantar poltica de educao para a segurana do trnsito) vm arroladasmatrias relacionadas com direitos de primeira gerao: direito igualdade, ao combatedas discriminaes, direito vida, direito de locomoo.

    35 Competncias na Constituio de 1988. 2. ed. 2000, p. 129.36 Apud ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes. Competncias, 2000, p. 130.

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    159Cabe registrar, ainda que brevemente, que neste artigo tambm se insere competnciapara proteger direito de terceira gerao (proteger o meio ambiente e combater a poluioem qualquer de suas formas inciso VI) que ser objeto de exame mais frente.

    A respeito do exerccio das competncias comuns, dois pontos devem ser realados,particularmente com vistas ao disposto no pargrafo nico do artigo 23 que estabelece:Lei complementar fixar as normas para a cooperao entre a Unio e os Estados, oDistrito Federal e os Municpios, tendo em vista o equilbrio do desenvolvimento e dobem estar nacional: o reconhecimento de competncias a entes polticos autnomos,inclusive para planejar suas atividades, torna inevitvel a ocorrncia de entrechoques,de contradies e de incoerncia entre os planos nacionais, os estaduais e os municipais,o que parece justificar um sistema integrado de planejamento, todavia difcil de alcanar37;de outro lado, as competncias municipais, no mais das vezes, esto limitadas pelascompetncias legislativas privativas da Unio e legislativas concorrentes da Unio edos Estados pelo que, os Municpios, para atuar suas competncias comuns que,diga-se de passagem, so impositivas devem observar as regras j existentes oriundasdos demais poderes. certo que a matria est inada de dificuldades, particularmentetendo presente que, em alguns casos, h de se levar em conta a autonomia municipal.

    Cabe, a propsito, transcrever afirmao de Fernanda Dias Menezes de Almeida38,com a qual estamos de acordo:

    certo que o exerccio das competncias materiais comunsdever ser presidido pelo ideal de colaborao entre as pessoaspoltico-administrativas. certo tambm que as normas que seeditarem com vistas a proporcionar a cooperao desejadaobrigaro tambm a Unio...Mas o fato que a lei complementar de que se espera a orientaosobre a forma concertada de atuao das entidades federativasno poder desatender as regras constitucionais de repartiode competncia que, estas sim, efetivamente mandam e limitama colaborao na espcie (FERREIRA FILHO, 1999, v. 1, 188)39.

    6 As competncias municipais e os direitos de terceira gerao

    A Constituio brasileira consagra, dentre os direitos de terceira dimenso, tosomente o direito ao meio ambiente que tambm o mais elaborado direito destacategoria de direitos, como se disse.

    37 Ver, a propsito, as consideraes de Jos Afonso da Silva, apud ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes.Competncias na Constituio de 1988. 2000, p. 94-95.38 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes, idem supra, p. 133.39 Veja-se citao acima de FERRAZ, Anna Candida da Cunha. Unio, Estado e municpio na novaConstituio, op. cit., p. 65.

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    160 A competncia para legislar sobre o meio ambiente aparece no rol das competnciasconcorrentes da Unio, dos Estados e do Distrito Federal; no que respeita scompetncias materiais comuns Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e Municpios,as competncias materiais executivas esto indicadas no artigo 23, incisos VI (protegero meio ambiente e combater a poluio em qualquer de suas formas); VII (preservar asflorestas, a fauna e a flora); XI (registrar, acompanhar e fiscalizar as concesses dedireitos de pesquisa e explorao de recursos hdricos e minerais em seus territrios); e,indiretamente, o inciso XII (estabelecer e implantar poltica de educao para seguranado trnsito). Alm dessas, h competncias legislativas da Unio, inseridas no artigo22, para legislar sobre matrias relacionadas, direta ou indiretamente, ao meio ambiente:inciso IV (guas, energia...); IX (diretrizes da poltica nacional de transportes); X (regimede portos, navegao lacustre, fluvial, martima, area e aeroespacial); XI (trnsito etransportes); XII (jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia); XXVI(atividades nucleares de qualquer natureza); XXVIII (defesa territorial, defesaaeroespacial, defesa martima, defesa civil e mobilizao nacional); XXIX (propagandacomercial). Tambm no rol de competncias materiais da Unio h matrias relacionadasdireta ou indiretamente com o meio ambiente: VI (autorizar e fiscalizar a produo e ocomrcio de material blico); IX (elaborar e executar planos nacionais e regionais deordenao do territrio e de desenvolvimento econmico e social); XII (explorar (a) osservios de radiodifuso sonora e de sons e imagens (b) os servios e instalaes deenergia eltrica e o aproveitamento energtico dos cursos de gua, em articulao comos Estados onde se situam os potenciais hidroenergticos, (c) a navegao area,aeroespacial e a infra-estrutura aeroporturia, (d) os servios de transporte ferrovirioe aquavirio entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham oslimites de Estado ou Territrio, (e) os servios de transporte rodovirio interestadual einternacional de passageiros, (f) os portos martimos, fluviais e lacustres); XVII (planejare promover a defesa permanente contra as calamidades pblicas, especialmente assecas e as inundaes); XIX (instituir sistema nacional de gerenciamento de recursoshdricos e definir critrios de outorga de direitos de uso); XX (instituir diretrizes para odesenvolvimento urbano, inclusive habitao, saneamento e transportes urbanos); XXI(estabelecer princpios e diretrizes para o sistema nacional de viao); XXII (executaros servios de polcia martima, aeroespacial e de fronteiras); XXIII (explorar os serviose instalaes nucleares de qualquer natureza...)40.

    O artigo 24, que disciplina as competncias concorrentes, dispe competir Unio, Estados e Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: florestas, caa, pesca,fauna, conservao da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteo do

    40 Jos Afonso da Silva menciona as competncias municipais com relao ao direito ambiental. Cf.Direito ambiental constitucional. 2. ed. So Paulo: Malheiros, 1995, p. 52-53.

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    161meio ambiente e controle da poluio (inciso VI); responsabilidade por dano ao meioambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artstico, esttico, histrico, tursticoe paisagstico (inciso VIII). Mais frente, j no Captulo VI da Ordem Social, desdobraa Constituio a disciplina sobre o meio ambiente ao dispor:

    Art. 225. Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamenteequilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadiaqualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividadeo dever de defend-lo e preserv-lo para as presentes e futurasgeraes.

    Nos pargrafos e incisos deste artigo, a Constituio estabelece as medidas que oPoder Pblico deve tomar para assegurar a efetividade desse direito.

    Dentre as disposies indicadas neste artigo, refletem-se, particularmente, nosMunicpios o disposto nos itens I, III, IV, V, VI do 1, e o 3 que determinam,respectivamente:

    1 Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao PoderPblico:I preservar e restaurar os processos ecolgicos essenciais eprover o manejo ecolgico das espcies e ecossistemas;III definir, em todas as unidades da Federao, espaosterritoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos,sendo a alterao e a supresso permitidas somente atravs delei, vedada qualquer utilizao que comprometa a integridadedos atributos que justifiquem sua proteo;IV exigir, na forma da lei, para instalao de obra ou atividadepotencialmente causadora de significativa degradao do meioambiente, estudo prvio de impacto ambiental, a que se darpublicidade;V controlar a produo, a comercializao e o emprego detcnicas, mtodos e substncias que comportem risco para avida, a qualidade de vida e o meio ambiente;VI promover a educao ambiental em todos os nveis deensino e a conscientizao pblica para a preservao do meioambiente;...3 As condutas e atividades consideradas lesivas ao meioambiente sujeitaro os infratores, pessoas fsicas ou jurdicas, asanes penais e administrativas, independentemente daobrigao de reparar os danos causados.

    Cabe citar, tambm, a propsito da competncia municipal sobre matriarelacionada com o meio ambiente o disposto no artigo 182, verbis:

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    162 Art. 182. A poltica de desenvolvimento urbano, executada peloPoder Pblico municipal, conforme diretrizes fixadas por lei,tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funessociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.1 O plano diretor, aprovado pela Cmara Municipal,obrigatrio para cidades com mais de vinte mil habitantes, oinstrumento bsico da poltica de desenvolvimento e de expansourbana....

    Ante tudo isto importa ressaltar que a legislao bsica sobre a matria ambiental elaborada pela Unio, a exemplo: Lei n. 9.985/00, que regulamenta o disposto no 1e incisos I, II, III e VII; Lei n. 9.605/98, que define os crimes ambientais e aresponsabilidade das pessoas fsicas e jurdicas de que trata o 3; Lei n. 9.966/00, quedispe sobre a preveno e o controle de certo tipo de poluio, regulamentando oinciso VI do art. 24 etc.

    Considerando, por outro lado, que as competncias sobre meio ambiente derivadasdo artigo 24 so concorrentes, tambm os Estados, em suas Constituies e medianteleis podem disciplinar a matria ambiental.

    Todavia num e noutro caso imperioso notar que se h de respeitar a competnciado Municpio para legislar sobre matria de interesse local, bem como para suplementara legislao federal e a estadual, no couber, vale dizer, naquilo que for interesse local.Isto significa dizer que nem a Unio, nem o Estado podem desrespeitar a autonomiamunicipal e as competncias privativas do Municpio que tm como vetor o interesselocal.

    A matria sobre a legislao ambiental por parte dos Municpios enseja polmica,ainda no de todo pacificada pela jurisprudncia de nossos tribunais. Todavia cumpreobservar que, alm das competncias decorrentes da legislao acima indicada, no querespeita s competncias comuns, tal como j registrado acima, caber ao Municpio,para executar as atividades atribudas pela Constituio, elaborar legislao local,observadas, no que couber, a legislao federal e estadual pertinentes.

    A esse propsito vale citar o longo elenco de hipteses em que os municpios socompetentes em matria ambiental, traados por Jos Augusto Delgado41, ao qual nosremetemos.

    41 Apud FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituio e a efetividade das normas ambientais. SoPaulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 64-66. O autor tambm indica uma srie de exemplos de leismunicipais sobre variada matria, inclusive, por exemplo, no que diz respeito pesca. Trata-se de obraque convm compulsar.

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    1637 Outras competncias municipais relacionadas aos direitosfundamentais

    As competncias municipais relacionadas com a positivao, a efetivao e arealizao dos direitos fundamentais no se esgotam no ncleo das competnciasconstitucionais municipais de que trata o artigo 30. Vrias, como se viu, esto inseridasem diferentes disposies constitucionais cuja relao, acima referida, tambm noesgota a matria.

    Outras competncias municipais relativas a direitos fundamentais encontram-seenunciadas ao longo do texto constitucional.

    Para exemplo, citem-se algumas, sem tambm se ter a pretenso de esgotar a matria.So competncias que, em sua maioria, envolvem a efetivao e a realizao de direitossociais, atribudas como poder-dever ao Estado ou ao Poder Pblico, genericamentemencionado no texto constitucional, sempre demandando, direta ou implicitamente, aatuao do Municpio como ente estatal Assim:

    Art. 196. A sade direito de todos e dever do Estado, garantidomediante polticas sociais e econmicas que visem reduo dorisco de doena e de outros agravos e ao acesso universal eigualitrio s aes e servios para sua promoo, proteo erecuperao.Art. 197. So de relevncia pblica as aes e servios de sade,cabendo ao Poder Pblico dispor, nos termos da lei, sobre suaregulamentao, fiscalizao e controle, devendo sua execuoser feita diretamente ou atravs de terceiros e, tambm, porpessoa fsica ou jurdica de direito privado.Art. 198 As aes e servios pblicos de sade integram umarede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema nico,organizado de acordo com as seguintes diretrizes:...2 A Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpiosaplicaro, anualmente, em aes e servios pblicos de saderecursos mnimos derivados da aplicao de percentuaiscalculados sobre:...III no caso dos Municpios e do Distrito Federal, o produtoda arrecadao dos impostos a que se refere o art. 156 e dosrecursos de que tratam os artigos 158 e 159, inciso I, alnea b e3...Art. 205. A educao, direito de todos e dever do Estado e dafamlia, ser promovida e incentivada com a colaborao dasociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seupreparo para o exerccio da cidadania e sua qualificao para otrabalho.

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    164 Art. 208. O dever do Estado com a educao ser efetivadomediante a garantia de:I ensino fundamental obrigatrio e gratuito, assegurada,inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele no tiveramacesso na idade prpria;...II atendimento educacional especializado aos portadores dedeficincia, preferencialmente na rede regular de ensino;III atendimento em creche e pr-escola s crianas de zero aseis anos de idade;...VII atendimento ao educando, no ensino fundamental, atravsde programas suplementares de material didtico-escolar,transporte, alimentao e assistncia sade;1 O acesso ao ensino obrigatrio e gratuito direito pblicosubjetivo.2 O no oferecimento do ensino obrigatrio pelo PoderPblico, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade daautoridade competente.3 Compete ao Poder Pblico recensear os educandos no ensinofundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais eresponsveis, pela freqncia escola.Art. 211. A Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpiosorganizaro em regime de colaborao seus sistemas de ensino....2 Os Municpios atuaro prioritariamente no ensinofundamental e na educao infantil....4 Na organizao de seus sistemas de ensino, os Estados e osMunicpios definiro formas de colaborao, de modo aassegurar a universalizao do ensino obrigatrio.Art. 212. A Unio aplicar, anualmente, nunca menos de dezoito,e os Estados, o Distrito Federal e os Municpios vinte e cincopor cento, no mnimo, da receita resultante de impostos,compreendida a proveniente de transferncias, na manutenoe desenvolvimento do ensino....3 A distribuio dos recursos pblicos assegurar prioridadeao atendimento das necessidades do ensino obrigatrio, nostermos do plano nacional de educao.4 Os programas suplementares de alimentao e assistncia sade previstos no art. 208, VII, sero financiados com recursosprovenientes de contribuies sociais e outros recursosoramentrios.5 O ensino fundamental obrigatrio ter como fonte adicionalde financiamento a contribuio do salrio-educao, recolhidapelas empresas, na forma da lei.

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    165Art. 215. O Estado garantir a todos o pleno exerccio dosdireitos culturais e acesso s fontes da cultura nacional, e apoiare incentivar a valorizao e a difuso das manifestaes culturais....3 A lei estabelecer o Plano Nacional de Cultura, de duraoplurianual, visando ao desenvolvimento cultural do Pas e integrao das aes do poder pblico que conduzem :...Art. 217. dever do Estado fomentar prticas desportivasformais e no-formais, como direito de cada um, observados:...II a destinao de recursos pblicos para a promooprioritria do desporto educacional e, em casos especficos, paraa do desporto de alto rendimento;III o tratamento diferenciado para o desporto profissional eo no profissional;IV a proteo e o incentivo s manifestaes desportivas decriao nacional....3 O Poder Pblico incentivar o lazer, como forma depromoo social.Art. 227. dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana, ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdadee a convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-los a salvode toda forma de negligncia, discriminao, explorao,violncia, crueldade e opresso.1 O Estado promover programas de assistncia integral sade da criana e do adolescente, admitida a participao deentidades no governamentais e obedecendo aos seguintespreceitos:I aplicao de percentual dos recursos pblicos destinados sade na assistncia materno-infantil;II criao de programas de preveno e atendimentoespecializado para os portadores de deficincia fsica, sensorialou mental, bem como de integrao social do adolescenteportador de deficincia, mediante o treinamento para o trabalhoe a convivncia, e a facilitao do acesso aos bens e servioscoletivos, com a eliminao de preconceitos e obstculosarquitetnicos;2 A lei dispor sobre normas de construo de logradouros edos edifcios de uso pblico e de fabricao de veculos detransporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado s pessoasportadoras de deficincia.3 O direito proteo especial abranger os seguintes aspectos:...

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    166 II garantia de direitos previdencirios e trabalhistas;III garantia de acesso do trabalhador adolescente escola;...VI estmulo de Poder Pblico, atravs de assistncia jurdica,incentivos fiscais e subsdios, nos termos da lei, ao acolhimento,sob a forma de guarda, de criana ou adolescente rfo ouabandonado;VII programas de preveno e atendimento especializado crianas e ao adolescente dependente de entorpecentes e drogasafins.Art. 230. A famlia, a sociedade e o Estado tm o dever deamparar as pessoas idosas, assegurando sua participao nacomunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar egarantindo-lhes o direito vida.1 Os programas de amparo aos idosos sero executadospreferencialmente em seus lares;2 Aos maiores de sessenta e cinco anos garantida a gratuidadedos transportes coletivos e urbanos.

    8 Instrumentos de positivao, de efetivao e de execuo decompetncias municipais com vistas garantia do exerccio de direitosfundamentais

    Vrios instrumentos podem servir positivao, implementao, realizao e fundamentao do exerccio das competncias dos Municpios visando efetivaodos direitos fundamentais, particularmente dos direitos sociais inseridos no artigo 23.

    Citem-se alguns, com a observao de que no esgotam o tema, extremamente ricosob este aspecto:

    a) Instrumentos normativosb) O poder de polcia municipalc) Polticas pblicas municipaisd) Convnios e consrcios com outros entes polticose) Aes afirmativasf) Recursos financeiros e oramentrios

    Analisemos, em rpidas passagens, citados instrumentos42:

    42 O exame desta matria, extremamente relevante para a percepo do tema da efetivao e realizaodos direitos fundamentais nos Municpios, feito aqui em apenas breves passagens j que devermerecer estudos mais aprofundados para embasarem, do ponto terico, o Projeto em desenvolvimentosobre a Efetivao e a concretizao dos Direitos fundamentais no Municpio de Osasco.

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    1678.1 Instrumentos normativos43

    A Lei Orgnica do Municpio o primeiro instrumento normativo via do qual osMunicpios positivam, em seu mbito de atuao, os direitos fundamentais de primeira,de segunda e de terceira gerao.

    Para exemplo, a Lei Orgnica do Municpio de So Paulo positiva e assegura direitosde primeira gerao ao estabelecer, no inciso VIII do artigo 2,

    a garantia de acesso, a todos, de modo justo e igual sem distinode origem, rao, sexo, orientao sexual, cor, idade, condioeconmica, religio, ou qualquer outra discriminao, aos bens eservios e condies de vida indispensveis a uma existnciadigna

    no inciso X a defesa e a preservao do territrio, dos recursos naturais e do meioambiente no Municpio; ao definir, no artigo 148, os objetivos da poltica urbana doMunicpio e ao fixar, no artigo 149 o que deve o Municpio fazer para cumprir seusobjetivos: veja-se, para exemplo, o que dispe o artigo 148:

    Art. 148 A poltica urbana do Municpio ter por objetivoordenar o pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade,propiciar a realizao da funo social da propriedade e garantiro bem-estar de seus habitantes, procurando assegurar:I o uso socialmente justo e ecologicamente equilibrado de seuterritrio;II o acesso de todos os seus cidados s condies adequadasde moradia, transporte pblico, saneamento bsico, infra-estrutura viria, sade, educao, cultura, esporte e lazer e soportunidades econmicas existentes no Municpio;III a segurana e a proteo do patrimnio paisagstico,arquitetnico, cultural e histrico;IV a preservao, a proteo, a recuperao do meio ambiente;V a qualidade esttica e referencial da paisagem natural eagregada pela ao humana.

    O meio ambiente disciplinado em Captulo especial (Captulo V, artigos 180 a190, inclusive com expressa referncia educao ambiental art. 181, IV). Tambma cultura merece tratamento especifico (artigos 191-199). A educao ocupa o TtuloVI (Da atividade social do Municpio), em seu Captulo I, artigos 200-211; a sade oCaptulo II, artigos 212 a 218; por igual a segurana do trabalho e sade do trabalhador,a promoo e a assistncia social, o esporte, lazer e recreao (Captulos III, IV e V).

    43 Neste ponto apenas sero examinados os instrumentos normativos intra-municipais j que,como se viu antes, a positivao de direitos fundamentais est imbricada na Constituio Federal e leisfederais e na Constituio do Estado e leis estaduais.

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    168 Assim, repita-se, a Lei Orgnica Municipal o primeiro documento, de mbito localmunicipal, de positivao dos direitos fundamentais afetos aos Municpios.

    Emendas Lei Orgnica, Leis (ordinrias ou de outra espcie, dependendo doprocesso legislativo adotado pelo Municpio) que dispem sobre os assuntos de interesselocal ou que suplementam leis federais ou estaduais, decretos e atos administrativos(Portarias, Resolues etc.) completam o quadro dos instrumentos normativosdestinados a positivar e possibilitar a efetivao do exerccio dos direitos fundamentaisno Municpio.

    A atividade legislativa municipal essencial para assegurar, definir, estabelecer edisciplinar, no que couber, o exerccio dos direitos fundamentais a serem desenvolvidosno territrio municipal e dentro do mbito de competncia dos Municpios,especialmente tendo-se em vista que o Poder Pblico somente pode atuar nos limitesda lei.

    De um modo geral, h grande variedade de leis versando sobre tal matria, o quedemanda rigorosa pesquisa local para se verificar at que ponto ou em que medida osMunicpios esto cumprindo ou adotando meios para cumprir e viabilizar, efetivamente,o poder-dever de proteger e assegurar o exerccio de direitos individuais que se encaixamnas suas competncias.

    8.2 O Poder de Polcia Municipal

    O poder de polcia um poder administrativo difundido na Administrao Pblica detodas as esferas de Poder Poltico.

    Consiste, como visto, na faculdade de que dispe a Administrao Pblica paracondicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, embenefcio da coletividade ou do prprio Estado44. Visa, sobretudo, a coibir abusos dodireito individual;

    tem por razo a necessidade de proteo do interesse social epor fundamento a supremacia geral que a Administrao Pblicaexerce, em seu territrio, sobre todas as pessoas, bens eatividades, supremacia que se revela nos mandamentosconstitucionais e nas normas de ordem pblica, que a cada passoopem condicionamentos e restries aos direitos fundamentaisem favor da coletividade, incumbindo ao Poder Pblico o seupoliciamento administrativo45.

    44 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 11. ed. Atualizada por Clia MarisaPrendes e Mrcio Schneider Reis. So Paulo: Malheiros, 2000, p. 393.45 Idem, ibidem, p. 395.

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    169Embora ampla a noo, cumpre sempre alertar para o fato de que o poder de policiaencontra limites, tambm estabelecidos na Constituio, no que diz respeito inviolabilidade e salvaguarda dos direitos fundamentais. O exerccio do poder depolcia estar sempre sujeito aos princpios da razoabilidade, da necessidade, daproporcionalidade, da ponderao de interesses etc.46 De outra sorte, o poder de polciapode visar, tambm, a proteo de direitos individuais, o que significa dizer que muitasvezes se restringe o exerccio de certos direitos para que as pessoas possam exerceroutros direitos. o caso, j mencionado, da liberdade de reunio que h de respeitar,por exemplo, a liberdade de locomoo ou de trnsito individual pelas vias pblicas. Aconciliao e a harmonizao, pois, entre os direitos fundamentais e os direitos dacoletividade regra de ouro para o exerccio do poder de polcia.

    Hely Lopes Meirelles47 indica os principais setores de atuao do poder de polciamunicipal, mencionando a polcia sanitria, a polcia das construes, a polcia dasguas, a polcia da atmosfera, a polcia das plantas e animais nocivos, a polcia doslogradouros pblicos (relativa segurana, higiene e moral, ao conforto e esttica e publicidade urbana), a polcia dos costumes, a polcia dos pesos e medidas e a polciadas atividades urbanas em geral.

    assim vasto o campo dentro do qual atua o Municpio tendo em vista o exercciode direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira gerao.

    O poder de polcia exercitado, em regra, mediante a edio de leis e regulamentosadministrativos dos rgos competentes na rea, com a utilizao das chamadaslimitaes administrativas e de uma fiscalizao subseqente48.

    8.3 Polticas pblicas municipais

    A noo de polticas pblicas est intimamente ligada noo do direito do cidados prestaes positivas do Estado, particularmente no que diz respeito aos direitossociais. E porque ligada aos direitos sociais est, tambm, umbilicalmente ligada aoprincpio da igualdade que informa os direitos sociais.

    Analisada a validade e a eficcia das normas constitucionais, avinculao e o dever do legislador e da administrao deimplement-las, os mecanismos sancionatrios previstos naprpria Constituio Federal, para que a legislao integradoraseja elaborada, no h dvidas de que a ordem constitucional

    46 Para exame consultar BRANCO, Luiz Carlos. Eqidade, proporcionalidade e razoabilidade.Doutrina e Jurisprudncia. So Paulo: RCS Editora, 200647 Idem, ibidem, p. 405 e segts.48 Idem, ibidem, p. 401 O Autor indica vrios exemplos da atuao dessas espcies de poder de polcia.Vejam-se, a propsito, as pginas 406, 412, 414 etc.

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    170 cria para o Estado obrigaes de implementao de medidas,visando o cumprimento dos referidos dispositivos consti-tucionais.

    E para o cidado surge o direito a prestaes positivas do Estado, que severifica atravs das polticas pblicas constitucionais49. (grifos do autor)

    Maria Garcia50 definindo polticas pblicas as conceitua como diretrizes, princpios,metas coletivas conscientes que direcionam a atividade do Estado, objetivando ointeresse pblico.

    Luisa Cristina Fonseca Frischeisen, resumindo o objeto de seu trabalho sobre otema51, registra:

    As polticas pblicas, objeto do presente trabalho, so aquelasvoltadas para a concretizao da ordem social, que visam realizao dos objetivos da Repblica, a partir da existncia deleis decorrentes dos ditames constitucionais. E para que as leistenham aplicabilidade, necessrio estabelecer a possibilidadede sancionar o administrador pelo seu no cumprimento.

    Ora, os Municpios, como visto, recebem da Constituio Federal vrios comandosdeterminantes das atividades que devem desenvolver a ttulo de polticas pblicas,segundo as noes adotadas. Essas normas e princpios constitucionais so desdobradosno prprio texto constitucional e complementados por leis federais, no exerccio decompetncias privativas e pela Constituio Estadual e leis estaduais, no exerccio decompetncias concorrentes sobre a matria em exame. Assim, ao Municpio cabe legislar,como tantas vezes repetido, em assuntos de interesse local ou suplementando a legislaofederal ou estadual pertinentes.

    As polticas pblicas constituem poderoso instrumento para a efetivao e arealizao, pelos Municpios, dos direitos fundamentais relativos educao (em seusaspectos particulares, inclusive a educao para o trnsito e a educao ambiental), sade (em seus aspectos preventivo e corretivo), cultura, ao lazer, moradia e habitao, alimentao escolar, ao meio ambiente. Alm de instrumento, as polticas pblicasconvertem-se em poder-dever da entidade municipal que, omissa, passvel inclusivede controle poltico, popular e jurisdicional.

    49 FRISCHEISEN, Luisa Cristina Fonseca. Polticas pblicas. A responsabilidade do administradore o ministrio pblico. So Paulo: Max Limonad, 2000, p. 55.50 Apud FRISCHEISEN. Polticas pblicas. 2000, p. 78.51 Idem, 2000, p. 80. Cita a autora uma srie de leis federais, basicamente voltadas para ordem social,implementadoras de polticas pblicas na forma dos ditames constitucionais (cf. p. 81-82)

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    1718.4 Convnios e consrcios com outros entes pblicos

    A Constituio de 1988, por fora da Emenda Constitucional que restabeleceuorientao anterior, em seu artigo 241, dispe:

    Art. 241. A Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpiosdisciplinaro por meio de lei os consrcios pblicos e osconvnios de cooperao entre os entes federados, autorizandoa gesto associada de servios pblicos, bem como a transfernciatotal ou parcial de encargos, servios, pessoal e bens essenciais continuidade dos servios transferidos.

    A propsito da execuo de matrias comuns, mediante convnio, entre os entesfederados, existente j na Emenda n. 1/69, Manoel Gonalves Ferreira Filho52 fez aseguinte observao:

    A emenda n. 1 tem o mrito de abrir terreno para a generalizaode uma prtica da qual se pode esperar a dinamizao eflexibilidade na administrao pblica. Consente que a Unio,os Estados e os Municpios, havendo interesse em comum,integrem parcialmente suas administraes, a fim de assegurar aexecuo de suas leis, servios ou decises. Tal autorizaopermitir que, com maior economia de recursos e funcionrios,seja aperfeioada a execuo de leis, servios e decises.

    A seu turno, Hely Lopes Meirelles53, na 21 edio do Direito Administrativo Brasileiro,de 1996, repete o que j em 1989 registrava:

    A ampliao das funes estatais, a complexidade e o custo dasobras pblicas vm abalando, dia a dia, os fundamentos daAdministrao clssica, exigindo novas formas e meios deprestao de servios pblicos afetos ao Estado.

    Evolumos cronologicamente, dos servios pblicos centralizados paraos servios delegados a particulares, destes, passamos aos serviosoutorgados a autarquias; daqui defletimos para os servios traspassadosa entidades paraestatais, e finalmente chegamos aos servios deinteresse recproco de entidades pblicas e organizaesparticulares realizados em mtua cooperao, sob a forma deconvnios e consrcios administrativos. E assim se faz porque,em muitos casos, j no basta a s modificao instrumental da

    52 Comentrios Constituio brasileira. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1983, p. 126.53 Direito administrativo brasileiro. 21. ed. Atualizada por Eurico de Andrade de Azevedo et al. SoPaulo: Malheiros, 1996, p. 357-358. Ver, tambm, MEDAUAR, Odete. Direito administrativomoderno. 5. ed. revista e atualizada. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 271 e segts.

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    Anna Candida da Cunha Ferraz

    172 prestao de servio na rea de responsabilidade de umaAdministrao. Necessrio se torna a sua ampliao territorial ea conjuno de recursos tcnicos e financeiros de outrosinteressados na sua realizao. Desse modo se conseguemservios de alto custo que jamais estariam ao alcance de umaAdministrao menos abastada. Da o surgimento dos convnios econsrcios administrativos, como solues para tais situaes. (grifosdo original).

    Assim, tambm por intermdio de convnios e consrcios a Administrao Pblicamunicipal pode se incumbir da prestao de servios relacionados com a efetivao dedireitos fundamentais, tanto designados constitucionalmente na sua rea de competnciacomo atribudos s outras esferas de Poder Pblico.

    8.5 Aes afirmativas

    Carmen Lcia Antunes Rocha54 classifica as aes afirmativas como a maisavanada tentativa de concretizao do princpio da igualdade.

    Afirma a autora:

    a definio jurdica objetiva e racional da desigualdade dosdesiguais, histrica e culturalmente discriminados, concebidacomo uma forma para se promover a igualdade daqueles queforam e so marginalizados por preconceitos encravados nacultura dominante na sociedade. Por esta desigualao positivapromove-se a igualdade jurdica efetiva; por ela afirma-se umafrmula jurdica para se provocar uma efetiva igualao social,poltica, econmica e segundo o Direito, tal como asseguradoformal e materialmente no sistema constitucional democrtico.A ao afirmativa , ento, uma forma jurdica para se superaro isolamento ou a diminuio social a que se acham sujeitas asminorias.

    Na verdade, as aes afirmativas podem levar correo de desigualdades, dandoao princpio da igualdade constitucionalmente assegurado dimenso material que superasua tradicional conceituao meramente formal.

    As correes das desigualdades as chamadas discriminaes positivas podemser empreendidas desde que no contrariem a Constituio, admitindo-se como critriospara discriminar os que a Constituio possa admitir como tais.

    Lembra bem Ferreira Filho quando pontifica:

    54 Apud GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ao afirmativa e princpio constitucional da igualdade.O direito como instrumento de transformao social. A experincia dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar,2001, p. 42.

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    O municpio e os direitos fundamentais

    173A igualdade perante a lei no exclui, em resumo, a desigualdadede tratamento em face da particularidade de situaes. Asdistines, porm, devem ser as rigorosas e estritamentenecessrias, racionalmente justificadas, jamais arbitrrias. E, comoexceo, tm de ser interpretadas restritivamente.Sem distines de qualquer natureza. Ao p da letra esta clusulaimpediria o tratamento diferenciado entre os que se desigualam.No este o significado do texto. Quer ele apenas dizer quedescabem entre os brasileiros e estrangeiros residentes no Pasdistines arbitrrias, desarrazoadas, inadequadas suafinalidade...

    possvel, pois, admitir-se a ao afirmativa para tratar de modo especial osdeficientes fsicos, como o faz a Constituio e como poder determinar a legislaoinfraconstitucional, ou para dar tratamento especial ao idoso e assim por diante.

    Em suma, os Municpios podero utilizar a discriminao positiva desde que odiscrimen adotado seja compatvel com o contedo do princpio da igualdade e osdemais princpios abrigados na Constituio, ou que no se cogite, ao revs, de umadiscriminao perversa.

    8.6 Recursos financeiros e oramentrios

    A atuao municipal no campo dos direitos fundamentais, como em todos os campossetoriais pertinentes, depende, por bvio de receitas oramentrias e financeiras.

    Vrios direitos tm, na Constituio Federal, previso expressa de r