direito romano
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Direito Romano - 1º Ano - 1º semestre
DIREITO ROMANO
Título I - Conceito de Direito Romano
O Direito Romano, como qualquer direito dum povo (direito actual ou direito
passado), é um conjunto de normas, ou regras de carácter social. E todos os povos,
possuíram e possuem as suas normas.
Capítulo I – Certos prolegómenos ao conceito de Direito Romano
1 - A necessidade da existência de normas sociais fundamenta-se em duas
razões: liberdade e sociabilidade.
O homem é simultaneamente, um ser livre e um ser sociável. Livre, pela sua
própria natureza; sociável, por uma inata necessidade de conviver.
A liberdade do homem reside fundamentalmente num poder de opção perante
duas ou mais atitudes dignas, para atingir um fim. O uso da liberdade concretiza-se,
pois, não tanto na indiferença perante várias situações elegíveis como no uso desse
poder – optar entre vários meios rectos para atingir uma determinada finalidade. Mas o
homem é «tão livre» que pode não só usar da liberdade, mas até abusar desse poder –
opção. Simplesmente, o abuso da liberdade, em rigor, já não é uma manifestação de
liberdade; não é liberdade; como o abuso dum direito já não é direito.
Portanto, na liberdade não consiste em «cada um fazer o que entender». Isso
seria arbitrariedade; abuso de liberdade: em última análise, libertinagem, destruição da
própria liberdade.
O Homem além de ser um Ser Livre, tem uma necessidade natural (inata) de
conviver, viver em sociedade, porque só pode existir bem, isto é, realizar-se, quando
harmoniza interioridade e vida social, bem próprio e bem comum, personalidade e
comunidade.
Para que da sua existência de seres livres em sociedade resulte uma convivência
pacífica, uma vivência ordenada, é preciso que haja regras que, por um lado, proíbam os
abusos da liberdade, limitem e até suspendam ( temporariamente) determinado uso, a
cada indivíduo. E por outro lado, a todos indiquem e garantam certos usos fundamentais
da liberdade. Daí a necessidade da existência de normas sociais, ou seja, regras de
qualquer modo atinentes ao comportamento ordenado dos homens vivendo em
societates.
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2 – As normas sociais podem ser de vária ordem: religiosas, morais, éticas, de
educação, de diplomacia, de etiqueta, entre outras, e até jurídicas.
As normas jurídicas são aquelas que eficazmente determinam e protegem o que
pertence a cada um, contribuindo dum modo especial para a coexistência pacífica entre
as pessoas.
Desobedecendo-se a uma norma ética, de etiqueta, etc., não há uma verdadeira
força para obrigar o indivíduo ao seu cumprimento; existe apenas uma sanção social,
uma reacção mais ou menos acentuada da comunidade contra esse faltoso.
Desobedecendo, porém, a uma norma jurídica, há meios coactivos próprios (geralmente
do Estado) para forçar a pessoa ao cumprimento dessa norma, e com todas as
consequências por não se ter verificado cumprimento voluntário.
Determinam e protegem o que pertence a cada um, pois as normas jurídicas são
ditadas pela Justiça, que é a virtude de atribuir a cada um o que é seu.
Contribuem dum modo especial para a convivência pacífica, pois, determinando
eficazmente o que é de cada um, nem permitem abusos de direito nem prejuízos para
ninguém. Há ordem. Há tranquilidade. Ora, a paz é precisamente a tranquilidade na
ordem. Daí que a paz tem de ser fundamentalmente uma obra de justiça.
Ao conjunto das normas jurídicas chama-se «direito» (ius).
Qual a necessidade da existência de normas jurídicas?
É da essência social do Homem «estar no mundo», o que implica estar entre
coisas e estar com pessoas. O Homem realiza-se, pois, pela convivência com as pessoas
e pelo domínio e uso das coisas. Ora, as normas que determinam o domínio e o uso das
coisas, no horizonte da intersubjectividade, são as normas jurídicas. Portanto, as normas
jurídicas são imprescindíveis ao Homem em sociedade, ou seja, pertencem à essência
social do Homem.
3 – As normas jurídicas distinguem-se de todas as outras normas sociais,
externamente, sobretudo pelo seu carácter coercitivo, pela sua força imperativa.
Impõem-se-nos coactivamente.
O direito (ius) é, fundamentalmente uma vis (força).
As normas jurídicas distinguem-se das outras normas sociais principalmente pela
sua característica interna, isto é, pelo seu conteúdo íntimo, pois é, da própria essência de
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qualquer norma jurídica, sempre, em tudo, a todos, preceituar - « honeste vivere,
alterum non laedere, suum cuique tribuere»:
não abusar dos seus poderes, isto é, exercer rectamente as suas faculdades ou
direitos ( honeste vivere );
não prejudicar ninguém ( alterum non laedere );
atribuir (ou só dar ou só entregar ou, dar e entregar) a cada um o que é seu
(suum cuique tribuere)
A uma norma jurídica, ao conjunto das normas jurídicas e aos preceitos
jurídicos, chama-se «direito» (ius).
Capítulo II - Análise da expressão «Direito Romano» ( «Ius Romanum»)
A) Ius (noção etimológica)
Os autores, quer filólogos, quer juristas, não estão de acordo quanto à sua
etimologia. Alguns consideram ius, uma palavra primitiva; na sua grande maioria,
julgam-na uma palavra derivada. Dentro deste segundo grupo, há ainda muitas
divergências.
Segundo recentes investigações, a palavra ius, etimologicamente, deve ser
primitiva; mas tem uma relação ôntica, proximamente com Iustitia , remotamente com
Iupiter. Daí que o Direito tem uma relação (de procedência) com a divindade ou com as
divindades.
B) Ius (noção real)
A respeito da definição de ius, quer filosófica, quer jurídica, observa Max
Mayer: «até agora não houve um jurista, num um filósofo do Direito que tenha acertado
a formular uma definição do Direito unanimemente aceite».
Na verdade, se não é impossível, é pelo menos extremamente difícil definir
Direito, visto tratar-se duma realidade altamente complexa.
Mas pode descrever-se, juridicamente, e deve descrever-se para termos uma
noção genérica, a partir da qual vamos para as noções específicas (direito normativo,
direito subjectivo, etc.), que então já se podem definir, visto tratar-se de realidades
delimitadas, pouco ou nada complexas.
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Em nosso entender, essa descrição jurídica seria: Ius (direito), é tudo aquilo que
tem especiais atinências com o iustum (o justo, o exacto, o devido). Este pode ser
tomado em diversas acepções. Há autores, que falam da enumeração de 26 acepções,
onde normalmente só se refere a duas. Nós no nosso estudo, entendemos, que devem ser
referidas 6 acepções de ius:
Em sentido normativo:
Ius, é a norma jurídica, o conjunto de normas jurídicas ou o ordenamento
jurídico, que determina o modo de ser ou de funcionar duma comunidade social, ou
ainda de princípios jurídicos. Direito em sentido normativo, hoje em dia, designa-se
por Direito Objectivo.
Em sentido subjectivo:Ius, é a situação jurídica, o poder ou a faculdade moral que alguém tem de
exigir de outrém, de fazer, de possuir ou simplesmente reter uma coisa. Possuir, reter,
fazer e exigir - principais faculdades do direito em sentido subjectivo.
Em sentido objectivo:
Ius, significa o devido, a própria causa justa, a justiça, ou seja, a realidade justa.
Significa o conteúdo de todas as normas jurídicas. É, pois, o objecto, o conteúdo ou
âmbito do direito normativo, mas sobretudo do direito subjectivo. Hoje em dia, Direito
Natural Justiça.
Em sentido locativo:
Ius, tem o significado de lugar onde se administra, pratica, realiza a justiça/direito.
Em sentido dogmático:
Ius, significa o estudo das normas jurídicas, o estudo do Direito em sentido normativo,
ou o saber jurídico, geralmente ciência jurídica.
Em sentido patrimonial:
Ius, tem a ver com o património de uma pessoa. Usa-se normalmente isto para reflectir
o património de uma pessoa que já morreu.
Capítulo III – Os três sentidos da expressão Direito Romano
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Como a expressão de «Direito Romano» é muito vaga, entendemos que pode e
deve ser tomada em três sentidos:
1. Em sentido rigoroso ( stricto sensu ):
Direito Romano, «stricto sensu», é o conjunto de normas jurídicas que
vigoraram em Roma e nos seus territórios, desde que Roma foi fundada (753 a.C.), até
à morte de Justiniano (565 d.C.). É o Ius Romanum propriamente dito.
Ocupa o longo período de cerca de 13 séculos - uns 7 séculos a.C. e 6 séculos
d.C.
Esse conjunto de normas jurídicas, na sua formação mais desenvolvida,
fundamentalmente, encontra-se hoje no chamado Corpus Iuris Civilis – famosa e
extraordinária compilação do Ius Romanum, ordenada pelo Imperador Justiniano no
século VI, a obra jurídica mais grandiosa de todos os tempos, e que é a fonte principal
para se conhecer o Direito Romano.
2. Em sentido amplo ( lato sensu ):
O Direito Romano, «lato sensu», é a tradição romanista: abrange o período de
14 séculos, mas sobretudo o período que vai desde o fenómeno da «recepção do direito
romano» , até aos nossos dias. É o mesmo Ius Romanum, enquanto vigente noutros
povos e territórios, embora com algumas alterações ou adaptações.
3. Em sentido muito amplo ( sensu latissimo):
O Direito Romano, «sensu latissimo» compreende o Ius Romanum (Direito
Romano, stricto sensu) como a tradição romanista (Direito Romano, lato sensu).
Capítulo IV – Ius Romanum (Direiro Romano, stricto sensu)
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O Direito Romano stricto sensu, não é todo igual, nesses 13 séculos da sua vida
(753 a.C. – 565 d.C.). Como é natural, nesse ciclo ininterrupto de vigência, o sistema
jurídico romano teve de sofrer alterações profundas, para corresponder às
transformações sociais dos tempos.
Na verdade, o Ius Romanum apresenta uma evolução completa: nasce, cresce,
atinge o apogeu, decai; retoma uma fase de certo esplendor, para depois, se codificar.
Forma um ciclo evolutivo perfeito.
Os romanistas, desde há muito, vêm estabelecendo uma certa periodização na
história do Ius Romanum. Para isso têm sido utilizados vários critérios: o critério
político, normativo e o jurídico (externo e interno).
Segundo o critério político, as fases do Ius Romanum são tantas quantos os
períodos da história política de Roma. Teve 4 épocas:
1ª Época: Época Monárquica (753 a.C. a 510 a.C.);
2ª Época: Época Republicana ( 510 a.C. a 27 a.C.);
3ª Época: Época Imperial ( 27 a.C. a 284 d.C.);
4ª Época: Época Absolutista ( 284 d.C. a 565 d.C.).
Este critério, não pode ser utilizado como critério-base, muito menos como
critério exclusivo, para fixar as várias épocas do Direito Romano, pois nem sempre e
nem só as transformações políticas de Roma influem na evolução do Ius Romanum.
Além disso, quando há influência, a evolução do Ius Romanum e a das instituições
políticas de Roma não são simultâneas; primeiro verifica-se a evolução das instituições
políticas e só mais tarde a do Ius Romanum. Todavia, este critério não deve ser
totalmente posto de parte, pois o Ius Romanum, sob certo aspecto, é uma manifestação
do poderio político de Roma. Por isso, deve ser utilizado, não só como critério
secundário para ajudar a estabelecer a periodização fundamental, mas até, por vezes,
como critério principal para se fazerem certas divisões ou subdivisões em determinada
época, período ou etapa.
Segundo o critério normativo, há tantas épocas do Ius Romanum quantos os
modos de formação das normas jurídicas (costume, lei, iurisprudentia, constituições
imperiais). Assim, teríamos:
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um Direito Romano Consuetudinário (753 a.C. a 450 a.C.);
um Direito Romano Legítimo (450 a.C. ao século I);
um Direito Romano Jurisprudencial (século I ao século II);
um Direito Romano Constitucional ou Direito Romano das Constituições
Imperiais (século II a 565).
Embora este critério tenha a sua importância, não deve ser usado como principal,
pois não nos indica duma forma directa, a evolução do direito privado de Roma, mas
sobretudo a evolução do (chamado) direito público de Roma.
Mas este critério pode ser utilizado para estabelecer ou caracterizar alguns
períodos ou etapas de certas épocas.
O critério jurídico atende à própria vida do Ius Romanum e às manifestações
dessa vida. Este por sua vez, pode ser interno ou externo.
O critério jurídico é externo, quando atende às manifestações de vida do Ius
Romanum, ou seja, se ele vigora só para os cives ou também para os non-cives, se é
local ou universal, se continua puro ou recebe influências estranhas, se permanece
romano ou é já mais oriental e helénico. Este fixa a periodização atendendo a certas
características do Ius Romanum. Segundo este critério, o Direito Romano dividir-se-ia
em 3 períodos históricos:
Período do Direito Romano nacional ou quiritário (753 a.C. a 242 a.C.);
Período do Direito Romano universal ou do ius gentium (242 a.C. a 395/476);
Período do Direito Romano Oriental ou Helénico (395/476 a 565).
O critério jurídico interno atende ao próprio valor do Ius Romanum, à
perfeição jurídica das suas instituições, numa palavra, à sua vida, examinando
atentamente como esse Ius nasce, cresce, atinge o apogeu e se codifica. Não se preocupa
com certas características ou manifestações dessa vida ultramilenária do Ius Romanum.
Adaptaremos como fundamental, este critério, pois só ele nos pode dar uma
visão propriamente jurídica do Ius Romanum.
Segundo, este critério, então, teremos as seguintes épocas históricas do Ius
Romanum:
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Época Arcaica (753 a.C. a 130 a.C.);
Época Clássica (130 a.C. a 230);
Época Pós-Clássica (230 a 530);
Época Justinianeia (530 a 565).
Época Arcaica ( 753 a.C. a 130 a.C.)
É o período de formação e do estado rudimentar das instituições jurídicas
romanas, sobre as quais, muitas vezes, somente podem formular-se hipóteses, devido à
escassez de documentos.
A principal característica é a imprecisão: não se vê ainda bem o limite do
jurídico, do religioso e do moral; estes três mundos formam como que um todo, um só
mundo; as instituições jurídicas surgem sem contornos bem definidos, como que num
estado embrionário.
Podemos subdividir esta época em 2 etapas. A primeira, vai desde o início de
242 a.C. (data da criação do pretor peregrino), é o período do ius civile exclusivo. O Ius
Romanum é, pois, um direito fechado, privativo dos cives. Só prevê a regulamentação
das relações entre os cives. Os non-cives, os estrangeiros, residentes em território
romano, movem-se nas suas relações privadas, fora da órbita do Ius Romanum que,
portanto, era então exclusivamente Ius Civile.
Na segunda, exigem do Ius Romanum a regulamentação das relações entre cives
e peregrini e entre os próprios peregrini. Com ele inicia-se a formação do ius gentium a
par do ius civile. Esta, vai de 242 a.C. até 130 a.C..
Época Clássica (130 a.C. a 230)
É o período de verdadeiro apogeu e culminação do ordenamento jurídico
romano. Por isso, a época clássica muito justamente é considerada modelo e cânon
comparativo para as épocas posteriores e etapa final da evolução jurídica precedente.
As principais características, são a exactidão e a precisão. A grandeza do
Direito Romano encontra-se nesta época. A casuística serve para estilizar o Direito
Romano. Os jurisconsultos romanos da época clássica tinham subtileza, mas não
especulação; sobretudo, eram dotados duma intuição jurídica penetrante. O Direito
Romano clássico é, pois, de artífices, mas não de especulativos. Sabiam, não apenas
interpretar e aplicar as normas aos casos concretos, mas sobretudo criar a norma
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adequada para um caso, especial e não previsto nas normas já existentes. Daí que a
ciência jurídica (iurisprudentia) da época clássica fosse permanentemente fecunda e
criadora.
A época clássica não é toda igual. A divisão desta época assenta em 3 etapas:
I – Época Pré-Clássica: (130 a.C. a 30 a.C.) É um período de intenso
desenvolvimento ascensional em direcção ao estado de grandeza do Ius Romanum
atingindo a época seguinte;
II – Época Clássica Central: (30 a.C. a 130) É o período de esplendor e de maios
perfeição do Direito Romano, surgindo, como figura central e representativa, não só
desta etapa mas de toda a época clássica, Iulianus.
III – Época Clássica Tardia: (130 a 230) É um período em que já se nota, por
vezes, o início de certa decadência, manifestada sobretudo na falta de génio criador. Por
isso, os jurisconsultos deste final da época clássica dedicam-se não já a obras de
comentário, mas às de compilação – repetir e coordenar o que os grandes mestres
disseram.
Época Pós-Clássica (230 a 530)
Esta época não tem individualidade própria: ou é referida à época anterior e daí
o chamar-se pós-clássica, ou à seguinte e daí também ser denominada por pré-
justinianeia. É uma época de franca decadência do Ius Romanum. É um novo mundo
jurídico.
Aquele génio intuitivo, subtil e criador dos juristas anteriores já não existe. Há
apenas uma reelaboração anónima dos textos anteriores, adaptando-os às novas
realidades, mas feita sem personalidade. As obras produzidas – trabalhos geralmente
preparados pelas escolas – são do tipo das compilações e do tipo dos resumos; e esses
resumos de obras clássicas, acompanhados por vezes de não pequenas alterações. Além
disso, surgem, como fenómeno original da época pós-clássica, as colecções, sobretudo
de leges, as codificações.
A característica geral desta época, é a confusão. Confusão de terminologia,
confusão de conceitos, confusão de instituições; e, por vezes, até confusão de textos.
Esta confusão verifica-se desde 230 a 395, e tanto no Ocidente como no Oriente.
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As características especiais desta época, dão-se tanto no Oriente, como no
Ocidente. No Ocidente, a partir de 395 a confusão foi mais acentuada, verificando-se,
geralmente, uma verdadeira corrupção do Direito Romano Clássico sob a acção de
vários factores, salientando-se talvez com maior importância a influência dos direitos
locais dos povos dos territórios dominados pelos romanos, e dos direitos dos povos
bárbaros que principiavam a invadir o Império. A esse Direito Romano pós-clássico
ocidental corrompido, chama-se Direito Romano Vulgar.
No Oriente, a partir de 395 essa confusão manifesta-se através de uma reacção
contra certas manifestações vulgaristas isoladas. Nisto consiste precisamente o
classicismo – uma tendência intelectual que pretende valorar e imitar o clássico e reagir
contra as suas deturpações. A par deste espírito classicista verifica-se um progresso do
Ius Romanum sob a influência da filosofia e direitos gregos. É a helenização do Ius
Romanum, a mecânica dos conceitos, aplicada no campo jurídico, faz realçar as
contradições ou ambiguidades textuais, apresenta as dúvidas surgidas na interpretação,
cita as opiniões contrárias, numa palavra, enfrenta a dificuldade para depois a superar,
apresentando a solutio do caso. É ainda devido à influência do helenismo que no Direito
Romano pós-clássico oriental se nota uma tendência para as Regulae Iuris, para as
Definitiones, para a generalização, etc.
Época Justinianeia (530 a 565)
O Ius Romanum, nesta época, chega ao termo da sua evolução, e codifica-se
para se perpetuar. Logo que Justiniano subiu ao poder, em Agosto de 527, sucedendo a
seu tio Justino I, manifestou imediatamente a sua grande aspiração de restaurar, através
das armas, da política e da legislação, a unidade do Império, dando à nova Roma (era
assim que chamava a Constantinopla) a glória da antiga, e, quanto possível, com todo o
saber clássico. Apenas no campo jurídico, como sabemos, conseguiu realizar o seu
plano: elaborar uma colecção de ius e de leges, que é, o tesouro mais precioso da
romanidade.
Uma das características do direito justinianeu é a generalização, porém a
característica principal é a actualização e compilação do Ius Romanum na forma
tendente a seguir o clássico ou, até mesmo, apresentando esse direito, todo como
clássico.
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Ius e Auctoritas
A razão de ser da conexão entre o Ius Romanum e Imperium radica na própria
noção-fundamento de ius. É uma vis. Uma força que necessita de uma auctoritas, não
tanto para subsistir, como para ser eficiente. E essa autoridade (esse prestígio, esse
«impor-se», esse «não poder desobedecer-se») tem de verificar-se, não só quando o ius
é criado por uma entidade pública, mas também quando é de criação dos próprios
juristas. Estes, além de ciência, precisam de autoridade social para que as suas doutrinas
se imponham e triunfem; esta autoridade social, tem de ser sustentada: aristocrática,
política, burocrática, académica, etc.
Ao princípio, os jurisconsultos romanos tinham autoridade social proveniente da
sua linhagem; era uma autoridade aristocrática. Depois, com Augusto, que chamou a
cargos importantes pessoas da classe média e lhes concedeu o ius publice respondendi,
possuíam autoridade social de carácter político. Adriano avançou mais um pouco:
concedeu aos jurisconsultos autoridade de carácter burocrático. É o triunfo do
funcionalismo sobre a aristocracia. Por último, surge o imperador, no Baixo-Império,
como fonte única das leis. Então já não há ius, mas unicamente leges. O Direito
identifica-se com a lei.
Título II - Direito e Política em Roma
A conexão de carácter privatístico, entre direito e política em Roma é, pois,
bastante clara a partir de Augusto, tornando-se evidente no Baixo-Império.
Mas ela também existe antes de Augusto, naquele período em que os
jurisconsultos tinham autoridade social proveniente unicamente da sua linhagem. A
iurisprudentia, fonte principal do ius, não era uma simples profissão, mas um ministério
(um «sacerdócio» muito elevado) reservado inicialmente aos pontífices e depois sempre
à realeza romana. Dar respostas, aconselhar, orientar a vida das pessoas (os clientes) nas
suas dificuldades sobretudo em casos de litígio, isso era próprio da aristocracia.
Portanto, certos nobres, criavam e exerciam influência profunda e segura sobre os seus
clientes. Estes, para recompensarem os grandes favores dos conselhos recebidos,
prestavam indefectivelmente o serviço de apoiar o seu jurisconsulto nas lutas eleitorais.
Então, os nobres iurisprudentes «adquiriam prestígio em todo o âmbito social, novas
relações, novos apoios políticos; e o seu saber jurídico produzia assim grandes
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vantagens políticas. Não era que o estudo do Direito habilitasse especialmente para a
carreira política, mas o prestígio social que derivava da actividade como prudente em
matéria de direito redundava numa grande influência política».
A conexão de carácter publicístico, entre Direito e Política em Roma é
reconhecida e afirmada por todos os autores. Política e Direito trabalham em uníssono
para cumprir uma missão de dimensão universal. A política romana, na sua
multiplicidade de atitudes é orientada não por efémeras ideologias mas por um
sentimento profundo e perene da perpetuidade e supremacia do Populus Romanus,
concebido como uma sólida e forte organização jurídica. A grande finalidade da política
romana, mesmo no meio de crises e de variadas forças centrífugas, é manter firme o
ordenamento jurídico.
Título III – As várias formas políticas em Roma
Capítulo I – O estado-cidade e o estado-território
Segundo os dados tradicionais acerca da sucessão das formas de governo na
história de Roma, verifica-se que houve uma monarquia, uma república, um principado
e um dominado (ou monarquia absoluta de tipo heleno-oriental).
As formas políticas originárias, em regra, são o estado-cidade ou o estado-
território.
Estado-cidade significa um agrupamento de homens livres, estabelecidos sobre
um pequeno território, todos dispostos a defendê-lo contra qualquer ingerência estranha
e sobretudo onde igualmente todos detêm uma parcela do poder.
Aqui, há 3 órgãos políticos fundamentais:
1. um ou vários chefes, vitalícios ou não
2. uma assembleia de nobres ou de homens experimentados na vida
3. uma assembleia do povo
Estado-território, é onde só um homem exerce o poder duma forma absoluta e
exclusiva.
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Capítulo II - Monarquia (753 a.C. a 510 a.C.)
Roma nasce, politicamente, como um estado-cidade (civitas), e assim continua,
até ao século III d.C., ou seja, até ao dominado.
Antes da civitas, Roma era composta por grupos políticos: a família, a gens, a
curia, e a tribus.
No regime monárquico de Roma, o poder político (soberania) está repartido por
3 órgãos: rei, senado, povo (comícios).
O Rei, é sumo sacerdote, chefe do exército, juiz supremo, numa palavra, o
director da civitas. O seu cargo é vitalício, mas não hereditário. No entanto, cada rei
podia, ao que julga e pelo menos de início, designar o sucessor. Todavia, este, em
qualquer hipótese, só era considerado rei, depois de investido pelo povo reunido no
comício das cúrias. Esta investidura, que era uma espécie de delegação do poder
(soberania), chamava-se lex curiata de imperio.
O Senado de início, ao que parece foi constituído pelos patres das gentes
fundadoras da civitas; mais tarde, pelos homens experimentados na vida – escolhidos só
entre os patrícios. Era uma assembleia aristocrática. Os plebeus, inicialmente, não
podiam fazer parte do senado. Depois, ainda no tempo da monarquia, foram admitidos
excepcionalmente alguns plebeus; em 312 a.C., pela Lex Ovinia, os plebeus alcançaram
entrada definitiva; eram designados por conscripti; daí, posteriormente, a fórmula
patres conscripti para designar o senado na sua totalidade.
O senado é uma das instituições políticas mais antigas de Roma. Foi criado
sobretudo para aconselhar o rei, formando assim, uma espécie de junta consultiva do rei.
A resposta do senado, dada às consultas que lhe eram feitas, chama-se
senatusconsultum.
Relativamente ao Povo, a sociedade romana, desde o início, era formada
essencialmente pelos patrícios (os aristocratas, a classe social elevada) e pelos plebeus
(a classe humilde). Os patrícios tinham todos direitos; os plebeus, não. Daí que, muito
cedo, principiasse a luta entre plebeus e patrícios. Os plebeus desejavam a equiparação
aos patrícios, já que eles, embora de classe inferior, desde sempre nunca foram
considerados estrangeiros, mas sim fazendo parte do povo romano. Os plebeus, sob
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certo aspecto, eram tão cidadãos como os patrícios; possuíam a condição de membros
da civitas na organização político-militar, que era feita por centuriae (companhia de
soldados) e tribus (divisão territorial de carácter predominantemente militar).
O povo, detentor duma parcela do poder político, exercia os seus direitos
manifestando a sua vontade em assembleias, denominadas comícios (comitia). Estes
celebravam-se, dum modo obrigatório, em determinados dias, e também sempre que a
entidade competente os convocasse. Os comícios mais antigos e mais importantes foram
os comícios das cúrias (comitia curiata). De início, só os patrícios faziam parte das
curiae; mas, bem cedo, os plebeus conseguiram também acesso. Das várias atribuições
que teriam os comitia curiata da época monárquica deve destacar-se a investidura do rei
no poder, por meio da lex curiata de imperio. É bastante duvidoso que já exercessem
funções legislativas.
Capítulo III - República (510 a.C. a 27 a.C.)
Simplesmente, a partir de 510 a.C., o poder supremo já não reside num único
chefe (o rei), mas, geralmente, em dois (os cônsules); estes exercem o cargo por um ano
e não por toda a vida; são eleitos pelo povo e não designados pelo antecessor ou pelo
senado.
A constituição republicana consta de 3grandes elementos: as magistraturas, o
senado e o povo. Representam assim e substituem, respectivamente, os elementos
monárquico, aristocrático e democrático.
Magistratura. Magistrados
A palavra latina magistratus tanto significa o cargo de governar (magistratura)
como pessoa que governa (magistrado). Na terminologia romana, «magistrado»
compreende todos os detentores de cargos políticos de consulado para baixo.
Inicialmente os magistrados são os verdadeiros detentores do imperium, que
anteriormente tinham os reis. O imperium é um poder absoluto, um poder de soberania;
os cidadãos não podem opor-se ao imperium.
As magistraturas importantes eram: a dos cônsules, a dos censores, a dos
pretores, a dos questores e a dos edis curúis. Estas magistraturas designavam-se
«magistraturas ordinárias».
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Poderes dos magistrados: «potestas», «imperium», e «iurisdictio»
A potestas era o poder de representar o Populus Romanus. Era comum a todos
os magistrados, mas cada um tinha esse poder, em maior ou menor grau, conforme as
suas atribuições, dentro das quais podia vincular, com a sua vontade, a vontade do povo
romano, criando assim direitos e obrigações para a civitas.
O imperium era o poder de soberania. Continhas as seguintes faculdades:
1. de comandar os exércitos;
2. de convocar o senado;
3. de convocar as assembleias populares;
4. de administrar a justiça.
O imperium não é como a potestas comum a todos os magistrados, mas própria
dos cônsules, dos pretores e do ditador.
A iurisdictio é o poder específico de administrar a justiça duma forma normal ou
corrente. Era o poder principal dos pretores. Competia igualmente ao edis curúis, porém
só para organizar os processos litigiosos referentes às matérias em que eles deveriam
superintender, e também aos questores, mas só para administrar a justiça em causas
criminais.
Como se verifica, o pretor era um magistrado que tinha os 3 poderes: potestas,
imperium e iurisdictio.
No aspecto jurídico, que essencialmente nos interessa, a magistratura mais
importante é a dos pretores, seguindo-se-lhe a dos edis curúis e a dos questores.
Pretor
A palavra praetor, a princípio, era uma designação genérica para indicar o chefe
de qualquer organização. Por isso, os cônsules, que são os magistrados mais antigos,
considerados os imediatos continuadores dos reis como detentores do poder supremo, de
início intitularam-se praetores, isto é, «chefes militares», visto os primeiros cônsules
terem sido os dirigentes da rebelião popular, formada sobretudo de patrícios, que
derrubou a monarquia.
Depois da criação da questura (cerca do ano 450 a.C.) e da censura (em 443
a.C.), a palavra praetor ainda conservou um certo carácter genérico, pois era comum de
qualquer magistrado (cônsul, questor ou censor).
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Direito Romano - 1º Ano - 1º semestre
Em 367 a.C., além dos edis curúis, pelas Leges Liciniae Sextiae foi criada a
magistratura dos pretores. Então, praetor deixa de ter carácter genérico para significar
apenas o magistrado especificamente encarregado de administrar a justiça de uma forma
normal ou corrente, nas causas civis. Presidia à 1ª fase do processo, «fase in iure», onde
era analisado o aspecto jurídico da causa. Na 2ª fase, chamada «apud iudicem», é que se
apreciava a questão de facto, sobretudo o problema da prova, e se dava a sentença; esta
fase desenrolava-se perante o index, que não era magistrado mas um particular, e
portanto distinto do pretor.
A «fase in iure», era importantíssima; decisiva para a vida do processo. Aí se
verificava um ius – dicere, uma afirmação solene da existência ou não existência de
direito (e para isso o pretor tinha iuris-dictio); e esse ius – dicere concretizava-se num
iudicare iubere dirigido ao juiz, isto é, numa ordem dada pelo pretor ao juiz para
proferir a sentença neste ou naquele sentido, conforme se provasse ou não determinado
facto.
Na 2ª fase do processo, não há ius – dicere, mas um simples iu-dicare, um
aplicar o direito, isto é, julgar, decidir conforme uma ordem jurídica já anteriormente
fixada.
De início só havia um pretor. A partir do ano 242 a.C., a administração da justiça
é distribuída por 2: o pretor urbano (praetor urbanus), encarregado de organizar, dentro
das normas do ius civile, os processos civis em que só interviessem cidadãos romanos; e
o pretor peregrino (praetor peregrinus), incumbido de organizar, mas dentro das normas
do ius gentium, os processos em que pelo menos uma das partes era um peregrino, quer
dizer, um non-civis.
Sempre que se fala de pretor, sem mais nada, entende-se o pretor urbano. Este é
que é, na verdade, a figura genial dentro do Ius Romanum, o protótipo do homem
preocupado e totalmente dominado pelo espírito de justiça, sempre com a ânsia e com o
escrúpulo de atribuir a cada um o que é seu (suum cuique tribuere). Historicamente e
logicamente, é o elemento de ponderação colocado entre o ius e a lex. O pretor era o
intérprete da lex, mas sobretudo o defensor do ius.
Senado
O senado é o segundo elemento da constituição republicana. É o órgão político
por excelência da República. É constituído pelas pessoas mais influentes da civitas, e
tinha um verdadeiro carácter aristocrático. Ali se encontravam reunidas a autoridade
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Direito Romano - 1º Ano - 1º semestre
(formada sobretudo por antigos magistrados), a riqueza e o saber técnico. O senado não
possuía o imperium mas tinha a auctoritas.
No aspecto jurídico, as suas decisões (senatusconsulta) tinham a forma de
conselho, mas, na prática, eram verdadeiras ordens. Porém, a atribuição mais
importante, dentro do campo jurídico, era ainda a da concessão da auctoritas patrum
para que as leis, depois de votadas e aprovadas nos comícios, tivessem validade. A
partir da Lex Publilia Philonis, de 339 a.C., essa aprovação do senado passa a ser
concedida antes de ser votada pelos comícios a proposta de lei.
Povo
O povo é o terceiro elemento da constituição política republicana. Reúne-se em
assembleias ou comícios, cujos poderes são essencialmente o de eleger certos
magistrados e o de votar, nos termos acima referidos, as leis propostas por aqueles
magistrados; além disso, em certas circunstâncias, os comícios funcionavam como
tribunal de última instância, quando tinha lugar a provocatio ad populum.
Na República, há 3 espécies de comícios:
comitia curiata, que entram em franca decadência;
comitia centuriata, que intervém na eleição dos cônsules, dos pretores, do
ditador e dos censores, e na votação das leis propostas por estes magistrados;
comitia tribuna, que elegiam alguns magistrados menores e que votavam
certas leis.
Capítulo IV - Principado (27 a.C. a fins do século III [284])
A constituição republicana, a certa altura, torna-se insuficiente para as novas
realidades; entra em crises sucessivas. Essas novas realidades são, principalmente:
1. o alargamento extraordinário do poder de Roma, que se estende por todo o
Mediterrâneo;
2. uma grave e profunda desmoralização da gente de Roma;
3. o aparecimento de novas classes sociais;
4. o antagonismo entre a velha nobreza e a nova aristocracia;
5. lutas de classes de vária ordem;
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Direito Romano - 1º Ano - 1º semestre
6. revolta dos escravos que pretendem liberdade.
O povo romano, vira-se confiante para Octávio, vendo nele o princeps civitatis,
o primeiro entre os cives, o mais indicado para restaurar a paz e a justiça, vencendo o
caos moral, político e económico dos últimos tempos. Octávio César Augusto aproveita-
se inteligentemente de todas as circunstâncias e afirma-se um político muito hábil
quando finge não querer nada, nenhumas honras, para consegui-las todas e todos os
poderes. Instaura uma nova forma constitucional – o principado. O que é o principado?
Ainda hoje não se sabe bem, e os autores continuam a discutir a natureza de vários
problemas do principado.
Princeps
A grande novidade trazida por esta reforma constitucional, instaurada no ano 27
a.C., é a criação do princeps. É a figura central da nova constituição política. Acumula
uma série de títulos (Augustus, Imperator, Pater Patrie) e de faculdades que lhe são
outorgadas pelos órgãos republicanos sobreviventes.
O princeps não é um magistratus. Encarna um novo órgão político, de carácter
permanente, investido de um imperium especial e da tribunicia potestas.
As antigas magistraturas republicanas, na aparência, mantêm-se, mas o seu
poder é quase irrelevante; estão subordinadas ao princeps e numa situação de
colaboração forçosa; os magistrados transformam-se em funcionários executivos,
nomeadamente os cônsules e os pretores.
Devido à morte de Augusto, ficava aberto o caminho para o despotismo e para o
absolutismo, para a monocracia, que vem a instaurar-se como forma constitucional em
284.
Senado
A princípio, ganha uma certa importância. As suas decisões (senatusconsulta),
durante um século, tem carácter legislativo. No final do principado, os senatusconsulta
são meros discursos do imperador.
Povo
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Direito Romano - 1º Ano - 1º semestre
Os comitia não foram abolidos; mas, pouco a pouco, deixam de funcionar, e vêm
a morrer por inactividade. As suas atribuições passam em parte para o senado, mas
sobretudo para um novo elemento, o Exército.
Verdadeiramente característico do principado é a criação dum corpo burocrático
de funcionários – oficiais da casa do princeps -, que hão-de chegar a fiscalizar tudo.
Estes funcionários dependem unicamente do imperador, respondem exclusivamente
perante ele e administram o Império segundo uma directriz burocrática.
Governadores das Províncias
Províncias significa, «cargo confiado a um magistrado», e especialmente
«administração dum território conquistado sobre o qual um magistrado exerce os seus
poderes». Mas, de início e em rigor, só os territórios sob o domínio de Roma situados
fora da Península Itálica e conquistados por um general é que tinham o nome de
«provìncias».
A princípio, o governo de todos esses territórios era confiado pelo senado a um
magistrado dotado de imperium, cônsul ou pretor. Mais tarde, Augusto havia de reservar
para si a nomeação directa dos governadores daquelas províncias que ainda requeriam
uma atenção especial de tipo militar, por não se encontrarem totalmente pacificadas.
As normas administrativas fundamentais de cada província, de início, eram
estabelecidas por uma lei, lex provinciae.
Os governadores das províncias, além de imperium, tinham iurisdictio;
publicavam igualmente o seu edictum. Em ordem à administração da justiça, a província
estava dividida em distritos que o governador visitava periodicamente.
Os governadores, ao aplicarem o Ius Romanum, não podiam aplicar um Direito
Romano clássico puro, mas tinham de adaptá-lo às várias condições especiais da
administração da justiça na província, sobretudo à circunstância de o processo Ter,
praticamente, só uma fase, em que, por conseguinte, o governador fazia de praetor e de
iudex. Os governadores tinham, pois, necessidade de «provincializar» o Ius Romanum.
O «direito provincial», em rigor, é pois o Direito Romano clássico adaptado às
províncias. Em sentido menos rigoroso, «direito provincial» é também a lex provinciae.
Capítulo V - Dominado (284 a 476)
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Direito Romano - 1º Ano - 1º semestre
Os cinquenta anos antes da subida de Diocleciano ao poder, verificada em 284,
caracterizam-se por:
1. lutas internas, por causa do problema da sucessão dos imperadores e ainda
por causa da exigência manifestada por várias províncias de quererem
equiparar-se a Roma;
2. falta de prestígio da autoridade pública;
3. conflitos entre o Império Romano e o Cristianismo;
4. crise económica;
5. infiltração dos bárbaros;
6. demasiada extensão do Império.
Diocleciano, soldado severo, enérgico e autoritário, sobe ao poder em 284,
aclamado imperador pelos seus companheiros de armas. Inaugura um novo regime
político, nos moldes do absolutismo à maneira oriental. Proclama-se dominus, senhor
único – daí o chamar-se a este período dominado ou império absoluto.
Além disso, intitula-se deus, com o respectivo direito a uma adoratio. O seu
poder não provém mais de uma lex curiata de imperio, mas de uma investidura divina.
O Cristianismo tenta destruir o mito da divindade do imperador.
Diocleciano procede a várias reformas: administrativa, económica, financeira e
política. Reconhece a impossibilidade de manter todo o Império sob um único comando.
O absolutismo trouxe consigo o separatismo...
Em 286, estabelece-se a 1ª divisão do Império, ficando Diocleciano no Oriente e
Maximiano no Ocidente. Constantino consegue outra vez a união do Império, mas por
pouco tempo. As divisões sucedem-se.
Em síntese, podemos indicar como factos principais da época do dominado:
1º a reforma político – administrativa de Diocleciano;
2º o reconhecimento do Cristianismo, a partir do tempo de Constantino, como
religião oficial, excepto no período de Juliano;
3º a tendência para dividir o Império entre dois imperadores, por se considerar
demasiadamente extenso;
4º as invasões dos povos bárbaros, por um lento processo de infiltração.
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Direito Romano - 1º Ano - 1º semestre
A penetração quase insensível dos bárbaros dentro das fronteiras do Império
criou, uma barbarização geral do Ocidente. Nestas, condições, dá-se a queda do Império
Romano do Ocidente, em 476.
O Império do Oriente, mais rico e sobretudo mais bem organizado, não
sucumbiu às invasões bárbaras. Chegou mesmo, no tempo de Justiniano (527 a 565), a
restaurar parte do velho Império Romano reconquistando várias regiões de Itália.
O Império Romano do Oriente veio a desaparecer em 1453, quando os turcos se
apoderaram de Constantinopla.
Título IV - Tradição Romanista (Direito Romano lato sensu)
Capítulo I – Estudo do Ius Romanum (séculos VI a XX)
Primeiro Período (séculos VI a XI)
No Oriente, o estudo do Ius Romanum ainda é feito com esplendor.
Depois da queda do Império do Ocidente (476) e mesmo depois da compilação
do Ius Romanum e da morte de Justiniano (565), o estudo de Direito Romano no
Oriente, continua a ser feito ainda com bastante eleação.
A literatura jurídica é abundante e variada. De início, além de obras de tradução,
escrevem-se comentários breves ao CIC, os escólios; depois surgem os trabalhos de
síntese, de reelaboração e de confronto de várias partes da compilação justinianeia; e
finalmente, aparecem obras autónomas, entre as quais devem sublinhar-se, a Écloga (séc
VIII), os Basílicos (direitos dos reis; séculos IX e X) e o Hexábilos (século XIV).
No Ocidente, dá-se a decadência quase total. Depois da queda do Império em
476 e desde o século VI ao século XI, o estudo do Direito Romano no Ocidente segundo
parece, entrou em profunda crise.
A opinião mais comum sustenta que o Direito Romano era ensinado, pelo menos
principalmente, nas escolas monásticas e nas catedrais ou episcopais, pois a Igreja, nos
seus primeiros séculos, juridicamente, vivia do Ius Romanum. E, mesmo nestas escolas
eclesiásticas, não era estudado como uma disciplina autónoma, mas como um simples
ramo da gramática ou da retórica e sem uma direcção científica.
É provável que, nestes 5 séculos ( séculos VI a XI), houvesse também uma outra
escola civil que ensinasse Direito Romano. Nestas circunstâncias, encontra-se
21
Direito Romano - 1º Ano - 1º semestre
principalmente a escola jurídica de Ravena. Ignora-se a sua origem, mas parece certo
que:
1. existiu;
2. no século VIII e princípios do século IX, alcançou até um certo brilho;
3. foi o instrumento ou meio transmissor para o Ocidente do saber jurídico do
Oriente;
4. nos meados do século IX, desaparece e toda a sua técnica jurídica passa,
então directamente para Bolonha.
Segundo Período (séculos XI a XX)
A razão fundamental da grande supervivência do Ius Romanum está no chamado
fenómeno da «recepção do Direito Romano».
A «recepção do Direito Romano» é a penetração das ideias, dos princípios e das
instituições, do espírito do Ius Romanum na vida jurídica da Europa.
Esse fenómeno verifica-se no Ocidente, e daí que só interesse este período nos
séculos XI a XX, da tradição romanista.
O renascimento do Ius Romanum começa nos fins do século XI com a chamada
Escola dos Glosadores.
1) Escola dos Glosadores, de Bolonha (séculos XII a XIII)
O fundador desta escola foi Irnério, professor de gramática e dialéctica em
Bolonha. Aplicou ao estudo do CIC; sobretudo à análise do Digesto ou Pandectas, o
método exegético, com breves comentários ou glosas (marginais ou interlineares) o que
deu designação à escola.
O principal valor da Escola dos glosadores está em ter descoberto e anunciado à
Europa, sobretudo através dos seus alunos, a importância do CIC.
Acúrsio é uma figura muito importante, por ter reunido os vários resultados
desta escola na chamada Glosa Ordinária ou «Magna Glosa de Acúrsio».
2) Escola dos Post-glosadores ou comentadores, de Perusa (séculos XIII a
XV)
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Direito Romano - 1º Ano - 1º semestre
Estes juristas empregam o método dialéctico ou escolástico e comentam já não
directamente o CIC, mas sim as glosas dos séculos XII e XIII, sobretudo a «Magna
Glosa de Acúrsio».
As escolas dos glosadores e dos post-glosadores formam o chamado sistema do
«mos italicus», em que a finalidade do estudo do Direito era essencialmente prática.
3) Escola Culta, de Bourges (séculos XVI a XVIII)
Esta escola, também denominada por jurisprudência humanista ou «mos
gallicus», foi fundada nos meados do século XVI, por Alciato e Víglio de Ayatta. Esta
escola é dominada pelo espírito do renascimento, e representa um oásis de historicismo
nos estudos de Direito Romano. Dedicam-se à descoberta de manuscritos do CIC, à sua
leitura, e portanto, a um estudo histórico – crítico do material das fontes jurídicas
romanas.
4) Escola do Direito Natural (séculos XVIII a XIX)
Esta escola, influenciada e enquadrada no movimento cultural do Iluminismo,
considera o direito como um produto da razão humana, igual para todos os povos,
comum para todos os tempos. Fundada por Hugo Grócio, esta escola racionalista abalou
os estudos do Direito Romano em toda a Europa, e favoreceu o movimento codificador
e então as legislações nacionais regiam contra a vigência do Direito Romano.
5) Escola Histórica Alemã (século XIX)
Embora tivesse precursores, o seu verdadeiro fundador é Savigny. Esta escola,
caldeada pelo romantismo, sustenta que o Direito não é um mero produto da razão, mas
a manifestação da consciência popular.
Em relação ao Direito Romano, a escola histórico - alemã tomou duas direcções
científicas distintas:
a) Histórico – Crítica : defendendo a necessidade absoluta de preparar boas
edições de textos. Neste aspecto, verifica-se uma continuação do humanismo
jurídico do século XVII.
b) Dogmático – Pandectística : adaptando cientificamente o ius privatum
romano às bem complexas, e por vezes bastante diversas relações privadas
modernas. Daí a designação desta orientação científica, de Pandectística.
23
Direito Romano - 1º Ano - 1º semestre
A pandectística entregou-se a um doutrinarismo jurídico, que ainda hoje
assombra pela sua agudeza e engenho. Da pandectistica nasceu o BGB.
Título V - Direito Romano (sensu latissimo)
O Direito Romano sensu latissimo compreende o Ius Romanum vigente em
Roma e no seu Império durante 13 séculos, assim como a tradição romanista que já
conta 14 séculos.
Essa tradição romanista (quer do Ocidente, quer do Oriente, e quer dos países
que tiveram a «recepção» quer dos outros países do resto do mundo que sentiram
simplesmente qualquer espécie de influência do Direito Romano), é formada
estruturalmente pelo direito do CIC. Esse direito, porém, foi adaptado às necessidades
dos tempos, modificado principalmente por elementos jurídicos canónicos, cientificado
segundo as directrizes das várias escolas.
Título VI - Fontes do Ius Civile
Fonte de direito romano é tudo aquilo onde nos «aparece» algo para o Ius
Romanum: ou produção, ou modos de formação, ou mero conhecimento.
Pode falar-se de «fontes do direito» em vários sentidos. Porém, na sequência de
Gaius referimos as:
1. Fontes existendi: são os órgãos produtores das normas jurídicas (o populus,
os comícios, o senado, os magistrados, o imperador e os iurisprudentes.
2. Fontes manifestandi: são os modos de produção ou formação das normas
jurídicas (o costume; a lei, num sentido muito amplo, compreendendo não só
as «leges sensu stricto» mas também as «leges sensu lato»; e sob certo
aspecto, a iurisprudentia enquanto não foi reconhecida como fazendo parte
das fontes existendi).
3. Fontes cognoscendi: são os textos onde se encontram as normas jurídicas
Capítulo I – Costume
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Direito Romano - 1º Ano - 1º semestre
O costume, na ordem do tempo e até certo ponto na da importância, é a primeira
fonte manifestandi. A sua fonte existendi é o populus.
Como todos os direitos primitivos, também o Ius Romanum principiou por ser
consuetudinário, ou seja, um direito cuja fonte única, de início, era o costume.
Segundo uma opinião bastante provável, o costume primitivo dos romanos é
diferente, no conceito, do costume actual, que, por sua vez, deverá ter surgido só nos
princípios da época pós-clássica.
Nas fontes jurídicas e nas fontes extra - jurídicas romanas, aparecem três
palavras para indicar, ora dum modo vago ora duma forma precisa ora quase
indistintamente, a ideia de costume: usus, mos (mos maiorum, mores maiorum) e
consuetudo.
A primeira palavra, usus, poucas vezes é empregada no sentido de verdadeira
fonte de direito. É muito mais frequente o seu emprego com o significado de «hábito de
agir, sem que isso constitua propriamente uma obrigação ou até um simples dever».
As fontes romanas, quer jurídicas, quer extra – jurídicas não são uniformes.
Tendo em consideração vários textos e aderindo à opinião bastante provável,
julgamos poder assentar estes pontos:
I - Consuetudo é uma palavra que surge na terminologia jurídica muito depois
da expressão de «mores maiorum», para traduzir a ideia de costume. Embora apareça
antes da época post-clássica (se é que não está interpolada nos textos clássicos onde se
encontra...), é destinada quase exclusivamente a designar o costume no sentido
moderno, isto é, «a observância constante e uniforme duma regra de conduta pelos
membros duma comunidade social, com a convicção da sua obrigatoriedade, quer dizer,
de que isso corresponde a uma necessidade jurídica».
II - Mores maiorum é uma expressão antiquíssima, a primeira usada para
exprimir a ideia de costume, e significa essencialmente «a tradição duma comprovada
moralidade». Este é o verdadeiro costume romano – uma tradição inveterada que se
impunha aos cidadãos como norma e como fonte de normas, nas suas relações
recíprocas, principalmente limitando o exercício de cada um sobre a superfície da terra
romana, quer dizer, uma regra distribuidora, o nómos dos gregos. Portanto, quando se
fala de mores maiorum, não se deve pensar num direito que nasce espontaneamente do
25
Direito Romano - 1º Ano - 1º semestre
tacitus consensus populi (isso só começa a verificar-se a partir da época pós – clássica),
visto que para os romanos os princípios novos (as novas regras, segundo novas
necessidades) derivaram dos antigos (mores maiorum); estavam ali contidos; bastava
descobri-los. Competia aos juristas revelar os mores maiorum. Desta forma, a primitiva
ciência do Direito emanava toda dos mores maiorum.
De início, Religião, Moral e Direito constituíam um todo único; daí que a
primitiva interpretatio (a revelação dos mores, isto é, descobrir o ius nos mores
maiorum) estivesse só a cargo dos antigos sacerdotes – pontífices. E como toda a
actividade da ciência jurídica se concretizava e reduzia à interpretatio e iurisprudentia
identificam-se.
Ora a interpretatio é designada, sempre, por ius non – scriptum. Portanto,
costuma (mores maiorum) não se identifica com o ius non – scriptum.
O Direito Romano sempre defendeu que a lei (lex) é uma das várias fontes de
direito, mas não a única e nem sequer a mais importante. A lex precisa sempre dum
correctivo. Até à época pós – clássica, esse correctivo foi desempenhado pelo ius
praetorium e sobretudo pela iurisprudentia. Na época pós – clássica, principalmente a
partir do Baixo – Império (284 – 476), a lex tornou-se oficialmente a única fonte de
direito. Surgiu logo em contraposição, como correctivo, a consuetudo.
Nas fontes pós – clássicas e justinianeias (e nas clássicas interpoladas),
descobrem-se algumas das características que a actual ciência jurídica formula a
respeito do costume, nomeadamente:
1) Observância geral;
2) Prática durante largo tempo;
3) Persuasão do seu carácter obrigatório;
4) Âmbito da sua eficácia;
Capítulo II - Lei
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Direito Romano - 1º Ano - 1º semestre
A lei (lex) é uma declaração solene com valor normativo, feita pelo populus
romanus que, reunido nos comitia, aprova a proposta que o magistrado (presidente)
apresenta e o Senado confirma. Subjaz à lex um acordo entre os 3 órgãos constitucionais
da res publica: o populus, que vota; o magistratus, que propõe; e o Senado, que dá a sua
auctoritas patrum.
A lex pode ser:
1. Rogata – é proposta pelo magistrado à assembleia comicial a que preside.
Depois de aprovada, deve ser referendada pelo Senado que lhe concede a
auctoritas patrum;
2. Data – é dada por um magistrado, no uso de faculdades delegadas pelos
comitia e contém normas de carácter administrativo. Com as leges datae
estabelece-se o regime municipal.
Estruturalmente, uma lex rogata é constituída pelas seguintes partes:
1. Praescriptio: é o prefácio, onde figuram o nome do magistrado proponente,
o lugar e a data da votação, o nome da curia, centuria ou tribus que abriu a
votação e do cidadão que primeiro votou;
2. Rogatio: é o texto da lex;
3. Sanctio: fixa os termos precisos para assegurar a eficácia. Segundo uma
classificação muito discutida, as leges dividem-se em:
a) perfectae: declaram nulos os actos contrários;
b) minus quam perfectae: impõem penas aos transgressores, mas não
invalidam os actos contrários;
c) imperfectae: não estabelecem nenhuma sanção. Ignoram-se os motivos
que terão determinado estas leges e os meios que, antes da criação do
pretor, as protegeram.
Esta distinção começou a decair, talvez por não haver uma diferença substancial
entre as leges que declaram nulos os actos contrários (perfectae) e as leges que o pretor
protege (imperfectae).
As leges rogatae são citadas pelo nomen adjectivado do magistrado proponente;
e, por vezes, junta-se o cognomen e o praenomen. Se a proposta parte de um cônsul,
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Direito Romano - 1º Ano - 1º semestre
figuram os nomes dos dois colegas adjectivados e unidos. E não raro surge uma
indicação sumária do seu conteúdo.
A actividade legislativa é escassa e quase sempre incidiu sobre matérias de
direito público. Com a queda do ordenamento republicano e a afirmação do poder do
princeps, entrou em decadência sendo gradualmente assumida pelo Senado; por isso, a
lex rogata foi substituída pelos senatusconsulta.
Entretanto, a noção de lex estende-se passando a compreender não só as antigas
leges rogatae, mas também os senatusconsulta, o edictum do pretor e as constitutiones
imperiais.
Capítulo III - Plebiscito
O plebiscito (plebiscitum) é uma deliberação da plebe que, reunida em
assembleia (concilium), aprova uma proposta do tribunus plebis. Na definição de Gaius,
«É o que a plebe ordena e constitui».
Inicialmente não teve carácter vinculativo. Posteriormente, a lex Valeria Horatia
de plebiscitis (do ano 449 a.C.) atribuiu força vinculativa entre os plebeus; e no ano 287
a.C., a lex Hortensia de plebiscitis estendeu-a aos patrícios ficando, portanto,
equiparado às leis comiciais.
Em geral, o plebiscitum distingue-se da lex rogata por somente conter um nome.
Capítulo IV - Senatusconsulto
Na definição de Gaius, o senatusconsulto «É o que o Senado ordena e constitui».
Durante muito tempo o Senado não exerceu a função legislativa, de que aliás
não dispunha constitucionalmente; por isso, a sua decisão constituía um mero parecer
dado a quem o consultava: senatus consultum.
No principiado, o poder legislativo deslocou-se dos comitia para o Senado,
embora, em rigor, se limitasse, na sua forçada colaboração com o princeps, a acolher as
suas propostas orais ou escritas.
Porém, nem todos os senatusconsulta são fontes do direito: o Senado
desempenha também funções judiciais e financeiras; por isso, só devemos considerar os
senatusconsulta que têm conteúdo normativo.
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Direito Romano - 1º Ano - 1º semestre
À medida que o poder do princeps se afirma, a aprovação das suas propostas
reduz-se a uma simples formalidade: o Senado aprova tudo o que o princeps propõe.
Justifica-se, assim, que os jurisconsultos romanos falem, por vezes de propostas orais do
imperador; e que, depois de Adriano, não haja notícias da sua actividade legislativa.
A estrutura dos senatusconsulta é semelhante à da lex: no praefatio, figuram os
nomes do magistrado que convocou o Senado e dos senadores que intervieram na
redacção, o lugar e a data; na relatio encontram-se os motivos, a proposta e a resolução.
Os senatusconsultum pode ser designado com base em critérios diferentes: pelo
conteúdo e pelos nomes adjectivados do magistrado proponente, do princeps ou da
pessoa que deu motivo à decisão do Senado.
Capítulo V - Constituição Imperial
A constituição (constitutio) imperial, é uma lex em que se manifesta a vontade
do imperador. Segundo Gaius «é aquilo que o imperador constitui por decreto ou edicto
ou epístola».
As constituições imperiais revestem as seguintes espécies:
1. Edicta: são disposições gerais do imperador no uso do seu ius edicendi;
2. Decreta : são as sentenças do imperador nos processos extra ordinem
julgados em primeira instância e em apelação. Vinculam no caso sub iudice,
mas foram aplicados a situações iguais e análogas;
3. Rescripta: são respostas a consultas jurídicas dirigidas por magistrados,
funcionários ou particulares;
4. Mandata: são instruções do imperador em matéria administrativa, sobretudo
aos governadores das províncias.
As constitutiones imperiais têm particular importância no desenvolvimento do
Direito Romano: contêm as bases de vários institutos e princípios que se afirmaram na
época justinianeia e passaram ao direito moderno.
Capítulo VI - Jurisprudência
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Direito Romano - 1º Ano - 1º semestre
A jurisprudência (iurisprudentia) é, em Roma, a ciência do Direito, cabendo-lhe
a função de revelar (interpretare), desenvolver e adaptar o direito às exigências de cada
momento; por isso, o ius civile e a interpretatio chegaram a confundir-se; e o iuris
prudens não é apenas o conhecedor, as sobretudo o criador do direito.
Assinalaram-se à iurisprudentia as seguintes funções:
1. respondere : resolver casos práticos, através de pareceres (responsa) dados a
particulares ou a magistrados. É a função mais importante.
2. Cavere: aconselhar os particulares sobre como deviam realizar os seus
negócios jurídicos (as palavras a proferir, as cláusulas a introduzir, etc.);
3. Agere: aconselhar os particulares em matéria processual (a fórmula a utilizar,
as palavras a proferir, os prazos a respeitar, etc.).
A partir do século IV, a iurisprudentia está em plena decadência: acentua-se a
confusão (de terminologia, de conceitos, de instituições e até de textos) que, no
Ocidente, produziu o Direito Romano Vulgar.
Título VII - A Lei das XII Tábuas
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