direito processual coletivo comum e jurisdiÇÃo...

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1 DIREITO PROCESSUAL COLETIVO COMUM E JURISDIÇÃO TRABALHISTA METAINDIVIDUAL E NORMATIVA: UMA SISTEMATIZAÇÃO DO “PROCESSO COLETIVO DO TRABALHO” APÓS O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) MARCUS DE OLIVEIRA KAUFMANN 1 1. O estado da arte do “processo coletivo” com o Novo Código de Processo Civil (NCPC) O Novo Código de Processo Civil (NCPC), editado pela Lei nº 13.105/2015, a despeito de seus enormes contributos à ciência processual – mormente em razão de seu declarado intento de proporcionar, à sociedade, o reconhecimento e a realização dos direitos ameaçados ou violados mediante um instrumental normativo organizado, orgânico, funcional, simples, razoável, expedito, a fim de que a pretensão de direito material deduzida por quem de direito deixe de ser uma ficção apropriada pelo tempo do processo –, continua sendo uma codificação de evidente cariz individualista. E essa constatação não pode representar nada além de uma lástima. Lástima pela perda, histórica, da chance de organização, inclusive dogmática, do processo coletivo e de pacificação na aplicação de vários de seus institutos. Com uma mão, e do ponto de vista do processo, clássico, individual, o NCPC talvez tenha construído instrumentos paradigmáticos para a melhor e mais célere resolução de conflitos, e que estão sendo colocados à prova neste momento. Com outra mão, não obstante, o NCPC apenas tangenciou o processo coletivo. 1 Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais (Direito do Trabalho) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Membro Efetivo e ex-Secretário do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior (IBDSCJ). Membro da Associação dos Advogados Trabalhistas do Distrito Federal (AAT/DF). Advogado. E-mail: [email protected]

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DIREITO PROCESSUAL COLETIVO COMUM E JURISDIÇÃO

TRABALHISTA METAINDIVIDUAL E NORMATIVA: UMA

SISTEMATIZAÇÃO DO “PROCESSO COLETIVO DO TRABALHO”

APÓS O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC)

MARCUS DE OLIVEIRA KAUFMANN1

1. O estado da arte do “processo coletivo” com o Novo Código de Processo

Civil (NCPC)

O Novo Código de Processo Civil (NCPC), editado pela Lei nº

13.105/2015, a despeito de seus enormes contributos à ciência processual –

mormente em razão de seu declarado intento de proporcionar, à sociedade, o

reconhecimento e a realização dos direitos ameaçados ou violados mediante um

instrumental normativo organizado, orgânico, funcional, simples, razoável,

expedito, a fim de que a pretensão de direito material deduzida por quem de

direito deixe de ser uma ficção apropriada pelo tempo do processo –, continua

sendo uma codificação de evidente cariz individualista. E essa constatação não

pode representar nada além de uma lástima. Lástima pela perda, histórica, da

chance de organização, inclusive dogmática, do processo coletivo e de pacificação

na aplicação de vários de seus institutos.

Com uma mão, e do ponto de vista do processo, clássico, individual,

o NCPC talvez tenha construído instrumentos paradigmáticos para a melhor e

mais célere resolução de conflitos, e que estão sendo colocados à prova neste

momento. Com outra mão, não obstante, o NCPC apenas tangenciou o processo

coletivo.

1 Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais (Direito do Trabalho) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Membro Efetivo e ex-Secretário do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior (IBDSCJ). Membro da Associação dos Advogados Trabalhistas do Distrito Federal (AAT/DF). Advogado. E-mail: [email protected]

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Em verdade, não há trato, no NCPC, do processo coletivo. Há

ausência de disciplina do processo coletivo, em uma atitude, do ponto de vista

normativo, minimamente surpreendente. A doutrina nacional e o que se

denominou, na legislação, de o microssistema de tutela processual coletiva

convivem com a discussão acerca dos limites e das perspectivas da jurisdição

coletiva e da tutela processual coletiva há, pelo menos, três décadas, algo, quiçá,

muito “novo” para o regramento em uma nova codificação processual.

No entanto, um tanto quanto contraditoriamente, o legislador adjetivo

resolveu, sem sequer uma década completa, regular e codificar, de forma original

e a partir da experiência da “lei dos recursos repetitivos” (Lei n° 11.672/2008), o

incidente de resolução de demandas repetitivas, sem que se tenha, no Brasil,

desenvolvido uma cultura ou uma tradição de abordagem ordeira do assunto,

legislativa ou jurisprudencial.

Essa postura pusilânime do legislador, e de sua nítida opção política,

não deixou de ser percebida pela doutrina de Hugo Nigro Mazzilli, que chega,

mesmo, a sustentar que o NCPC apenas fez algumas referências esparsas ao

processo coletivo, mantendo-se, em essência, individualista “pois as meras

referências ao processo coletivo e os poucos canhestros incidentes coletivos nele

contidos não são adequados nem suficientes para a disciplina do principal instituto

apto a regular o acesso à justiça”2.

Essas “referências esparsas” e “esses canhestros incidentes

coletivos” se referem, basicamente, (i) à remissão ao microssistema processual

coletivo pelo artigo 139, inciso X3, e à previsão de cientificação, por esse mesmo

artigo, do Ministério Público e da Defensoria Pública acerca de repetição de

demandas individuais para a eventual propositura de ação coletiva; (ii) à

suspensão dos processos individuais e coletivos, inclusive em fase de execução,

quando instaurado o incidente de resolução de demandas repetitivas (artigos 313,

2 O Processo Coletivo e o Código de Processo Civil de 2015. In: ZANETI JR., Hermes (coord.). Processo Coletivo. Salvador: JusPodivm, p. 185-213, 2016, p. 205. 3 “Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições neste Código, incumbindo-lhe: (...) X – quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas, oficiar o Ministério Público, a Defensoria Pública e, na medida do possível, outros legitimados a que se referem o art. 5° da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, e o art. 82 da Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990, para, se for o caso, promover a propositura da ação coletiva respectiva.”

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inciso IV4; 921, inciso I5; 928, inciso I6; 982, inciso I e §§ 1°, 2°, 3°, 4° e 5°7); (iii) à

intimação do Ministério Público para intervir em causas que envolvam litígios

coletivos pela posse de terra rural ou urbana (artigo 178, inciso III8), com

realização de audiência de mediação (artigo 565, caput9); (iv) à defesa de direitos

coletivos dos necessitados pela Defensoria Pública (artigo 18510)11; (v) à adoção

4 “Art. 313. Suspende-se o processo: (...) IV – pela admissão de incidente de resolução de demandas repetitivas;” 5 “Art. 921. Suspende-se a execução: I – nas hipóteses dos arts. 313 e 315, no que couber;” 6 “Art. 928. Para os fins deste Código, considere-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em: I – incidente de resolução de demandas repetitivas;” 7 “Art. 982. Admitido o incidente, o relator: I – suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região conforme o caso; (...) § 1° A suspensão será comunicada aos órgãos jurisdicionais competentes. § 2° Durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso. § 3° Visando à garantia da segurança jurídica, qualquer legitimado mencionado no art. 977, incisos II e III, poderá requerer, ao tribunal competente para conhecer do recurso extraordinário ou especial, a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado. § 4° Independentemente dos limites da competência territorial, a parte no processo em curso no qual se discuta a mesma questão objeto do incidente é legitimada para requerer a providência prevista no § 3° deste artigo. § 5° Cessa a suspensão a que se refere o inciso I do caput deste artigo se não for interposto recurso especial ou recurso extraordinário contra a decisão proferida no incidente.” 8 “Art. 178. O Ministério Público será intimado para, no prazo de 30 (trinta) dias, intervir como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou na Constituição Federal e nos processos que envolvam: (...) III – litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana;” 9 “Art. 565. No litígio coletivo pela posse de imóvel, quando o esbulho ou a turbação afirmado na petição inicial houver ocorrido há mais de ano e dia, o juiz, antes de apreciar o pedido de concessão da medida liminar, deverá designar audiência de mediação, a realizar-se em até 30 (trinta) dias, que observará o disposto nos §§ 2° e 4°.” 10 “Art. 185. A Defensoria Pública exercerá a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, em todos os graus, de forma integral e gratuita.” 11 A norma inscrita no artigo 185 do NCPC, por sinal, foi prestigiada, muito recentemente, pela decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) n° 3.943/DF, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, que afiançou a tese pela competência concorrente para o ajuizamento de ação civil pública em prol da Defensoria Pública, inclusive para a defesa de interesses e/ou direitos difusos: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA (ART. 5º, INC. II, DA LEI N. 7.347/1985, ALTERADO PELO ART. 2º DA LEI N. 11.448/2007). TUTELA DE INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS (COLETIVOS STRITO SENSU E DIFUSOS) E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DEFENSORIA PÚBLICA: INSTITUIÇÃO ESSENCIAL À FUNÇÃO JURISDICIONAL. ACESSO À JUSTIÇA. NECESSITADO: DEFINIÇÃO SEGUNDO PRINCÍPIOS HERMENÊUTICOS GARANTIDORES DA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO E DA MÁXIMA EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS: ART. 5º, INCS. XXXV, LXXIV, LXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE NORMA DE EXCLUSIVIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELO RECONHECIMENTO DA LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA

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da tese jurídica fixada em incidente de resolução de demandas repetitivas (artigo

985, inciso I e § 1°12) e em incidente de assunção de competência (artigo 988,

inciso IV13) – que, embora não suponha multiplicidade de processos com a mesma

questão como no caso do incidente de resolução de demandas repetitivas, supõe

debate sobre matéria de direito relevante e de grande alcance social –, com

previsão explícita para o cabimento de reclamação pela parte ou pelo Ministério

Público para garantir a observância de súmula ou dos acórdãos proferidos

naqueles incidentes coletivos; e (vi) à suspensão de todos os processos

pendentes de julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, pelo Superior Tribunal

de Justiça, pelos Tribunais Regionais Federais e pelos Tribunais de Justiça

(artigos 1.036, caput e § 1°; e 1.037, inciso II14), quando constatada, após a

verificação, se o caso, da repercussão geral da matéria constitucional, a

multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em

idêntica questão de direito, o que pode, por teleologia, também ser aplicado pelo

Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho.

Na mesma linha do NCPC, embora historicamente mais antiga, são

as determinações oriundas da Lei nº 13.015/2014, quando acrescentou, às bases

PÚBLICA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.” (STF, Pleno, ADIn n° 3.943/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 06/08/2015). 12 “Art. 985. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada: I – a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região; (...) § 1° Não observada a tese adotada no incidente, caberá reclamação.” 13 “Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: (...) IV – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência.” 14 “Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça. § 1° O presidente ou o vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal selecionará 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação, determinando a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou na região, conforme o caso.. (...) Art. 1.037. Selecionados os recursos, o relator, no tribunal superior, constatando a presença do pressuposto do caput do art. 1.036, proferirá decisão de afetação, na qual: (...) II – determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional;”

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legais, o artigo 896-C, §§ 3º e 4º15, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),

com a sua previsão original de incidente de resolução de recursos de revista

repetitivos, também versando a possibilidade de os recursos de revista

interpostos, no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho, e em casos idênticos

aos afetados como recursos de revista repetitivos, serem suspensos até o

pronunciamento definitivo do Tribunal Superior do Trabalho.

Aliado a essas meras referências ao processo coletivo, o NCPC,

afora não dispor de um mínimo capítulo para tratar da tutela coletiva, encampa a

decisão política de vetar o incidente de transformação da lide individual em

coletiva para a tutela, ao menos, de direitos coletivos difusos e de direitos

coletivos stricto sensu (artigo 333, caput e incisos I e II16).

Por fim, o NCPC atrapalhou o processo coletivo quando,

bruscamente, pretende interferir no sistema do opt in pela adoção, anômala para a

tradição processual coletiva brasileira conhecida desde o advento dos artigos 94 e

104 da Lei n° 8.078/1990 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor –

CPDC)17, de um sistema de opt out. Aquele sistema do opt in preconiza a

15 “Art. 896-C. Quando houver multiplicidade de recursos de revista fundados em idêntica questão de direito, a questão poderá ser afetada à SeçãoEspecializada em Dissídios Individuais ou ao Tribunal Pleno, por decisão da maioria simples de seus membros, mediante requerimento de um dos Ministros que compõem a Seção Especializada, considerando a relevância da matéria ou a existência de entendimentos divergentes entre os Ministros dessa Seção ou das Turmas do Tribunal. (...) § 3º O Presidente do Tribunal Superior do Trabalho oficiará os Presidentes dos Tribunais Regionais do Trabalho para que suspendam os recursos interpostos em casos idênticos aos afetados como recursos repetitivos, até o pronunciamento definitivo do Tribunal Superior do Trabalho. § 4º Caberá ao Presidente do Tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Tribunal Superior do Trabalho, ficando suspensos os demais recursos de revista até o pronunciamento definitivo do Tribunal Superior do Trabalho. § 5º O relator no Tribunal Superior do Trabalho poderá determinar a suspensão dos recursos de revista ou de embargos que tenham como objeto controvérsia idêntica à do recurso afetado como repetitivo.” 16 “Art. 333 (vetado). Atendidos os pressupostos da relevância social e da dificuldade de formação do litisconsórcio, o juiz, a requerimento do Ministério Público ou da Defensoria Pública, ouvido o autor, poderá converter em coletiva a ação individual que veicule pedido que: I – tenha alcance coletivo, em razão da tutela de bem jurídico difuso ou coletivo, assim entendidos aqueles definidos pelo art. 81, parágrafo único, incisos I e II, da Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e cuja ofensa afete, a um só tempo, as esferas jurídicas do indivíduo e da coletividade; II – tenha por objetivo a solução de conflito de interesse relativo a uma mesma relação jurídica plurilateral, cuja solução, por sua natureza ou por disposição de lei, deva ser necessariamente uniforme, assegurando-se tratamento isonômico para todos os membros do grupo.” 17 “Art. 94. Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo da ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor. Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que

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liberdade para o autor de ação individual, ao ser cientificado nos autos de sua

individual acerca da coletiva com objeto que englobe o seu pedido, de requerer a

suspensão de seu processo individual para optar pelos efeitos eventualmente

benéficos que pudessem advir da ação coletiva, sendo que, não procedendo a

coletiva, mantendo, o indivíduo, a liberdade de prosseguir com o processo

individual com todos os ônus do procedimento comum do processo de

conhecimento18.

Com o advento do artigo 1.037, § 9°19, do NCPC, parece que os

autores de ações individuais, ao invés de simplesmente optarem para não serem

incluídos no resultado da lide coletiva, terão que optar por serem excluídos do

processo coletivo se demonstrarem a distinção do seu caso, “algo extremamente

improvável de conseguir na nova sistemática processual, pois se seu caso

realmente fosse distinto, ele não precisaria pedir sua exclusão porque obviamente

ali não estaria incluído”20.

Em síntese, o NCPC tangenciou o processo coletivo, optando por

uma decisão política de mantê-lo infenso a uma codificação ordeira, e, quando o

tangenciou, atrapalhou a compreensão de institutos já arraigados na compreensão

da tradição brasileira.

2. As interseções entre o Direito Processual Coletivo Comum e o Direito

Processual do Trabalho: uma tentativa de sistematização útil para a

jurisdição trabalhista metaindividual e normativa

Certa ou errada a opção política de o NCPC não tratar do processo

coletivo, o certo é que essa mesma opção acabou por revelar, ainda mais, a

aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.” 18 Como se sabe, o NCPC, ao exterminar a tríade formada pelo processo de conhecimento, pelo processo de execução e pelo processo cautelar, previu, apenas, o processo de conhecimento “e do cumprimento de sentença” e o processo de execução. Na estrutura do processo de conhecimento, o NCPC dispõe apenas de dois procedimentos: o comum (artigos 318 a 512 do NCPC) e os especiais (artigos 539 a 770 do NCPC). Com isso, o NCPC acabou com o antigo procedimento sumário e extinguiu a expressão “procedimento ordinário”. 19 “§ 9° Demonstrando distinção entre a questão a ser decidida no processo e aquela a ser julgada no recurso especial ou extraordinário afetado, a parte poderá requerer o prosseguimento do seu processo.” 20 MAZZILLI, Hugo Nigro. O Processo Coletivo e o Código de Processo Civil de 2015. In: ZANETI JR., Hermes (coord.). Processo Coletivo, p. 210.

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origem e o berço constitucional da tutela processual coletiva, sustentando sua

preponderância normativa e científica em relação aos ramos do Direito

Processual, inclusive o Direito Processual do Trabalho.

A Constituição Federal possui, essencialmente, dois tipos de normas

jurídicas: as de índole material e as de índole processual. Quanto a essas últimas,

normas processuais, a tese revolucionária de Gregório Assagra de Almeida

permitiu a distinção, já construída pela doutrina, entre, de um lado, o chamado

Direito Constitucional Processual, formado pelo conjunto de normas e princípios

processuais essencialmente constitucionais, inscritos, por exemplo, no artigo 5°,

incisos XXXV e LIV, da Constituição Federal; e, de outro lado, o chamado Direito

Processual Constitucional, composto por normas e princípios que disciplinam a

organização jurisdicional, fixando regras sobre competência e estabelecendo

vários tipos específicos de tutelas jurisdicionais dedicadas a cada instrumental

jurídico (ações e medidas coletivas) de tutela coletiva21.

Ainda conforme a tese paradigmática, é dentro do Direito Processual

Constitucional, por normas formalmente constitucionais, embora materialmente

processuais, mas com dignidade constitucional, que se encontra a previsão

original da maioria das ações coletivas ou das ações que podem ser utilizadas

para a tutela de direitos coletivos, como a ação popular (artigo 5°, inciso LXXIII), a

ação civil pública (artigo 129, inciso III), o dissídio coletivo (artigo 114, § 2°), a

ação de impugnação de mandato eletivo (artigo 14, §§ 10 e 11), o mandado de

injunção (artigo 5°, inciso LXXI) e o mandado de segurança (artigo 5°, incisos LXIX

e LXX), sem desconsiderar o sistema de controle concentrado da

constitucionalidade das leis de que tratam os artigos 102, inciso I, alínea “a”; 103;

e 125, § 2°, da Constituição Federal22.

Por tal largueza do objeto material do Direito Processual

Constitucional é que Gregório Assagra de Almeida antevê uma divisão no objeto

de estudo.

Em um primeiro momento, o objeto do Direito Processual

Constitucional se ocuparia da resolução das lides coletivas decorrentes de

21 Direito Processual Coletivo Brasileiro: Um Novo Ramo do Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 5-6 e 34. 22 Ibidem, p. 138.

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conflitos coletivos que ocorrem no mundo fenomênico, no mundo real, do que

decorreria o surgimento de um Direito Processual Coletivo Comum para a tutela

de um direito coletivo subjetivo ou, em melhores termos, porque a tutela coletiva é

objetiva e não subjetiva propriamente dita, de um interesse coletivo objetivo

legítimo23 em testilha na concretude do mundo dos fatos.

Em um segundo momento, o Direito Processual Constitucional se

ocuparia do controle em abstrato da constitucionalidade das leis, do que

decorreria o surgimento de um Direito Processual Coletivo Especial para a tutela,

não de “direito coletivo subjetivo”, mas de direito coletivo objetivo ou,

simplesmente, de direito objetivo.

Assim é que, segundo a natureza da pretensão deduzida ou a ser

deduzida, não se sustentaria a summa divisio que divide o Direito Processual

entre o Direito Processual Civil, o Direito Processual Penal o Direito Processual

Militar, o Direito Processual Eleitoral e o Direito Processual do Trabalho24. Essas

partições do Direito Processual somente teriam legitimidade constitucional, por

tudo o quanto já exposto, se versassem, também, o Direito Processual Coletivo25,

Comum e Especial, ambos de envergadura constitucional, e que se coloca

paralelamente às demais estratificações do Direito Processual prioritariamente

versadas na legislação adjetiva infraconstitucional, como novo ramo do Direito

Processual.

Portanto, a despeito do NCPC, a matriz constitucional de normas

processuais constitucionais induz o surgimento de um ramo, autônomo, da ciência

processual, identificada no Direito Processual Coletivo e que, para os fins do

presente estudo, pode ser verificada no Direito Processual Coletivo Comum,

destinado à resolução dos conflitos coletivos que se passam no mundo

fenomênico, inclusive aqueles que se aperfeiçoam a partir das relações de

trabalho.

A ponte ou a relação de interseção existente, então, entre o Direito

Processual Coletivo Comum e o Direito Processual do Trabalho está na previsão

constitucional do procedimento do dissídio coletivo de trabalho, que daria azo,

23 Direito Processual Coletivo Brasileiro, p. 140. 24 Ibidem, p. 148. 25 Ibidem, p. 20.

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para muitos, à defesa da tese de que, paralelamente ao Direito Processual

Coletivo Comum, existiria um Direito Processual Coletivo do Trabalho ou de um

“Processo Coletivo do Trabalho”, independente, autônomo.

Pensa-se não poder ser assim. O dissídio coletivo é instrumento de

efetivação do Direito Processual Coletivo Comum26, especialíssimo, porque

ilustração do Direito Processual Constitucional, ainda que, diante do dissídio

coletivo de natureza econômica ou de interesse, sejam os Tribunais do Trabalho

competentes autorizados a estabelecer comandos normativos novos, abstratos,

por equidade e no exercício extraordinário do poder normativo da Justiça do

Trabalho, para uma eficácia ultra parte, para além dos sujeitos coletivos de

trabalho que encabeçam um conflito coletivo de trabalho concreto, surgido entre

uma categoria profissional e uma categoria econômica.

De mais a mais, além de ser partícipe, junto com outras tantas ações

e medidas judiciais com estatura constitucional, do Direito Processual Coletivo

Comum, originário do Direito Processual Constitucional, o dissídio coletivo do

trabalho representa um procedimento especial típico do Direito Processual do

Trabalho.

O CPC de 1973 se organizava em três processos distintos

(processos de conhecimento, de execução e cautelar), com uma série de ritos que

foram cedendo lugar, no NCPC e com os cortes efetuados no processo cautelar e

no rito sumário, à primazia da ordinariedade de rito, agora denominado “comum” e

que se coloca ao lado dos procedimentos especiais.

Paralelamente ao sistema do NCPC, a CLT, por sua vez, e por não

ser um código propriamente dito de normas adjetivas, quer porque contém normas

de direito material e de direito processual, quer porque sua organização, em

termos de complexidade, ultrapassa a das leis esparsas, mas não chega ao

patamar de a de uma codificação27, não se organizou, de maneira efetiva, para

tratar de forma sistêmica de seus rituais, como faz o NCPC, tanto é que deixa de

regrar um procedimento em razão de já o ser por lei esparsa.

26 Direito Processual Coletivo Brasileiro, pp. 312, 447. 27 TUPINAMBÁ, Carolina. O Processo do Trabalho: Seu Perfil, Sua Autonomia, Seus Procedimentos e Um Pouco de seu Charme. In: TUPINAMBÁ, Carolina (coord.). Procedimentos Especiais na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, p. 11-23, 2015 p. 15.

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Tendo, a CLT, como objeto do estudo para a ciência processual

trabalhista, acompanhada de algumas leis esparsas de índole processual, é

possível se enveredar em um empreendimento de identificação dos

procedimentos trabalhistas, do qual surgirá, para compor a base do Direito

Processual do Trabalho dogmaticamente entendido, o seguinte: (i) regrado dos

artigos 837 a 852 da CLT, tem-se o rito ainda tido e considerado como o

“ordinário” para os dissídios individuais de trabalho, o mais comum submetido à

Justiça do Trabalho; (ii) regrado pelo artigo 2° da Lei n° 5.584/1970, tem-se o rito

dito “sumário” ou “de alçada”, cuja tutela buscada é a que normalmente se busca

pelo procedimento ordinário; (iii) regrado nos artigos 852-A à 852-I da CLT, tem-se

o rito sumaríssimo, cuja tutela buscada também é a que normalmente se busca no

procedimento ordinário28; (iv) regrado nos artigos 494 a 496 da CLT, e com

passagem no artigo 821 da CLT, tem-se o rito especial dedicado ao inquérito para

a apuração de falta grave; (v) regrado nos artigos 856 a 871 da CLT, tem-se o rito

especial dedicado ao dissídio coletivo; e (vi) regrado no artigo 872 da CLT, tem-se

o rito especial dedicado à ação de cumprimento.

Ao contrário do NCPC, em que um procedimento dito comum se

coloca ao lado dos procedimentos especiais, na CLT não é possível traçar um

plano quanto a um procedimento comum que se estabelece ao lado dos

procedimentos especiais.

Em verdade, o processo do trabalho, orientado, precipuamente

(porque não se desconsidera o artigo 2° da Lei n° 5.584/1970), pela CLT,

apresenta três procedimentos específicos para o processo de conhecimento (o

ordinário, o sumário e o sumaríssimo) e três procedimentos especiais assim

valorados em razão do especial destaque a tutelas jurisdicionais específicas

passíveis de obtenção e entrega pela Justiça do Trabalho, relacionadas a causas

pontuais oriundas de relações coletivas de trabalho, da ação sindical e de normas

coletivas de trabalho: a do inquérito judicial para a apuração de falta grave, a do

dissídio coletivo e a da ação de cumprimento.

28 Em conformidade com o que é pontuado por Alexandre Agra Belmonte, os “procedimentos especiais não são, como o sumário e o sumaríssimo, abreviados em relação ao ordinário, que seguem todas as etapas processuais, com cognição exauriente. São apenas diferentes, a exemplo do Mandado de Segurança, em que não cabe realização de audiência. A decisão será sobre o alegado direito líquido e certo, comprovado

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Na contramão do NCPC, a CLT, portanto, não só toca o processo

coletivo, como o abraça a ponto de tê-lo, na forma do procedimento de dissídio

coletivo do trabalho, especialíssimo para os fins do Direito Processual Coletivo

Comum como um todo ao lado de tantas outras ações constitucionalmente

previstas, um seu procedimento especial. O mesmo pode ser tido, com nuances

diversas, para os procedimentos do inquérito para a apuração de falta grave e da

ação de cumprimento, originados de causas coletivas ou de imbricações com a

ação sindical.

Pela simples razão de ser, o dissídio coletivo de trabalho versado

como procedimento especial na CLT, integra o que se pode denominar de

“procedimento especial típico” do Direito Processual do Trabalho, ao lado, como

outros procedimentos especiais típicos, do inquérito para a apuração de falta

grave e da ação de cumprimento29.

A contrario sensu, portanto, “procedimentos especiais atípicos” para

o Direito Processual do Trabalho, ainda que úteis para os fins do Direito

Processual Coletivo Comum, são aqueles simplesmente não relacionados na CLT,

sujeitos a regras próprias quanto ao rito e quanto à diferenciação de tutelas

diferenciadas tais quais constantes nas leis esparsas de origem ou se

submetendo, em maior ou menor largueza, ao rito ordinário do processo do

trabalho enquanto se perfazem perante a Justiça do Trabalho.

Integram o rol de “procedimentos especiais atípicos” do Direito

Processual do Trabalho, na interação com o Direito Processual Coletivo Comum,

todos aqueles importantes instrumentos processuais de tutela coletiva, inclusive a

trabalhista ou oriunda das relações de trabalho ou objeto da competência da

Justiça do Trabalho, tais quais a ação civil pública, a ação civil coletiva, o

mediante prova documental.” (Inquérito para Apuração de Falta Grave. In: TUPINAMBÁ, Carolina (coord.). Procedimentos Especiais na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, p. 62-70, 2015, p. 64). 29 Ainda que sem adotar a mesma terminologia aqui aplicada, mas unindo o inquérito para a apuração de falta grave, o dissídio coletivo e a ação de cumprimento a um grupo denominado, simplesmente, de “procedimentos especiais trabalhistas”, posiciona-se SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. São Paulo: LTr, 2008, pp. 827, 833 e 858. Para as demais ações coletivas subsumíveis ao grupo dos procedimentos especiais atípicos do Direito Processual do Trabalho, terminologia que ora se adota, como as ações civis públicas, as ações civis coletivas, as ações anulatórias de normas convencionais e o mandado de segurança coletivo, de interesse do Direito Processual Coletivo Comum, Mauro Schiavi as agrupa sob a denominação de “ações civis admissíveis no processo do trabalho”, o que, segundo se pensa, não empresta destaque suficiente às tutelas diferenciadas que advém desses procedimentos atípicos, úteis para o Direito Processual do Trabalho para a efetivação da jurisdição trabalhista metaindividual e para, principalmente, o Direito Processual Coletivo Comum, de berço e estatura constitucional (Ob. cit., p. 863).

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mandado de segurança coletivo, a ação anulatória (de nulidade) de cláusula de

convenção ou de acordo coletivo de trabalho, que se colocam ao lado de outros

instrumentos processuais úteis à efetivação do ramo científico do Direito

Processual Coletivo Comum, como é o caso do mandado de injunção, da ação

popular, da ação de impugnação de mandato eletivo, da ação direta interventiva.

Os instrumentos processuais que compõem os procedimentos

especiais atípicos do Direito Processual do Trabalho (ação civil pública, ação civil

coletiva, mandado de segurança coletivo, ação anulatória de “cláusulas

convencionais”), além do dissídio coletivo de trabalho, procedimento especial

típico do Direito Processual do Trabalho, sempre foram, normalmente, pela

doutrina, unidos sob o mesmo epíteto de “processo coletivo do trabalho”, que deu

origem a uma certa confusão, ainda que minoritária, a respeito da autonomia de

um Direito Processual Coletivo do Trabalho, que se colocaria ao lado de um

Direito Processual Individual do Trabalho.

Ainda não se chegou, quer-se crer, a tanto, o que não constitui

demérito algum do ponto de vista científico. O que se costuma denominar de

“Processo Coletivo do Trabalho”30, entendendo-se como o arcabouço de

instrumentos pelo qual a jurisdição coletiva se efetiva, com a normatização e

disciplina de institutos típicos do Direito Processual Coletivo Comum, como a

relação jurídica processual, os pressupostos processuais, o procedimento

propriamente dito, a produção de provas, os provimentos judiciais possíveis, a

atividade das partes e do juiz, entre outros, nada mais representa do que uma das

facetas mediante as quais, pela via da jurisdição trabalhista normativa e

metaindividual, o Direito Processual Coletivo Comum se expressa.

Segundo Carlos Henrique Bezerra Leite, a jurisdição trabalhista

metaindividual31 constitui um dos sistemas que integram a jurisdição trabalhista

como um todo, mas vocacionada, especialmente, à tutela preventiva e reparatória

dos direitos ou interesses metaindividuais, que são os difusos, os coletivos stricto

sensu e os individuais homogêneos. Um outro sistema de exercício da jurisdição

30 Impulsionados, os operadores do Direito, pela doutrina, que tratava de estudar e explorar o “Processo Coletivo do Trabalho” com generoso destaque ao dissídio coletivo de trabalho e com menor destaque às “ações civis públicas trabalhistas” ou às ações coletivas “trabalhistas”. Nesse sentido, MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Processo Coletivo do Trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 243; e MELO, Raimundo Simão de. Processo Coletivo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2009, pp. 183 e 222.

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trabalhista se dá com a jurisdição trabalhista normativa32, voltada ao

processamento e ao julgamento dos dissídios coletivos de natureza econômica ou

de interesses a partir da construção constitucional do artigo 114, § 2º, para a

criação de normas trabalhistas aplicáveis às partes suscitante(s) e suscitada(s) do

conflito coletivo de trabalho, bem como aos partícipes das categorias econômica e

profissional. Por fim, o sistema da jurisdição trabalhista individual, destinada aos

clássicos dissídios individuais, inclusive plúrimos, submetidos à competência da

Justiça do Trabalho33.

O que se denomina de “Processo Coletivo do Trabalho”, pela leitura

aqui empreendida, e em outras palavras, é um instrumento da jurisdição

trabalhista metaindividual ou normativa, quer pela via do procedimento especial

típico do dissídio coletivo e, em certa medida, da ação de cumprimento também,

quer pela via dos procedimentos especiais atípicos de ações civis públicas, ações

civis coletivas, ações anulatórias de “cláusulas convencionais” e mandados de

segurança coletivos, para o serviço ao Direito Processual Coletivo Comum que se

sagrou, essa sim, como disciplina autônoma a partir da própria Constituição

Federal, independentemente de códigos, a partir das previsões em prol da tutela

de direitos e/ou interesses coletivos perseguida nos artigos 1º, instituidor da

consagração do Estado Democrático de Direito como um Estado de justiça

material e de transformação da realidade por intermédio de um instrumento

processual já previsto constitucionalmente para potencializar a tutela jurisdicional

dos direitos coletivos ou massificados; 5º, inciso XXXV, que catapultou, nesse

esquema, a uma enésima potência o princípio da inafastabilidade da jurisdição,

mormente a coletiva, sem restrições; e 129, inciso III, que, na doutrina de Gregório

Assagra de Almeida, consagrou o princípio da não taxatividade da ação coletiva

para a tutela irrestrita de direitos lesados ou ameaçados de lesão34, ainda que em

locus específico dedicado ao Ministério Público, mas com ampliação adequada a

todos os demais legitimados à ação coletiva lato sensu.

31 E daí a utilização da expressão no título deste estudo. 32 E daí, também, a utilização da palavra “normativa” no título deste estudo. 33 Direito Processual Coletivo do Trabalho: Na Perspectiva dos Direitos Humanos. São Paulo: LTr, 2015, pp. 75 e 76. 34 Direito Processual Coletivo Brasileiro, p. 270. No mesmo sentido, SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O Microssistema de Tutela Coletiva: Parceirização Trabalhista. São Paulo: LTr, 2012, p. 27.

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Por isso é que o tradicional processo coletivo do trabalho ainda

integra a disciplina do Direito Processual do Trabalho, servindo, inclusive, para

ilustrar a autonomia desse mesmo Direito Processual do Trabalho quando

colocado, sob luzes, o poder normativo da Justiça do Trabalho necessário ao

exercício da jurisdição trabalhista normativa para o processamento e o julgamento

de dissídios coletivos de natureza econômica ou de interesses35, dos quais trata o

artigo 114, § 2º, da Constituição Federal.

Pela via do processo coletivo do trabalho, o Direito Processual do

Trabalho contribui para a afirmação do Direito Processual Coletivo Comum, uma

sua disciplina irmã, de berço constitucional, com a qual compartilha, igualmente e

para um fim que se espraia em benefício das duas disciplinas, do procedimento

especial típico trabalhista, versado e regrado, ainda que não da forma completa

que se esperaria, originariamente pela CLT, do dissídio coletivo do trabalho em

um patamar diferenciado e, em outros patamares, dos procedimentos especiais

atípicos trabalhistas que não tem origem própria no Direito Processual do

Trabalho.

3. Os resultados oriundos da 1ª Reunião do Fórum Nacional de Processo do

Trabalho: os enunciados dedicados ao “Processo Coletivo do Trabalho”

Diante de toda a complexidade existente na compreensão sistêmica

do Direito Processual Coletivo Comum e de suas interseções com institutos e

procedimentos, mormente os especiais típicos, do Direito Processual do Trabalho

e a despeito de o NCPC se omitir no trato ou desconsiderar o trato, que se

subsumiu a meras tangentes, daquele Direito Processual Coletivo Comum por

uma opção política de difícil digestão, foi alvissareiro o anúncio, feito pela

Comissão Organizadora da 1ª Reunião do Fórum Nacional de Processo do

Trabalho, de que um dos grupos temáticos que se reuniria para debater os

impactos do NCPC no Direito Processual do Trabalho – bem como reiterar e

35 Ao discutir a autonomia científica do Direito Processual do Trabalho, por duas vezes Wagner D. Giglio se remete ou ao poder normativo da Justiça do Trabalho ou às sentenças normativas para a ilustração daquela autonomia, mormente quando arrola, como instituições próprias do Direito Processual do Trabalho, as decisões (sentenças) normativas e, como princípios próprios, além do protecionista, da despersonalização do

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ratificar a autonomia do Direito Processual do Trabalho, a fim de que não fosse

recortado e descaracterizado com interferências impensadas e

descontextualizadas da nova codificação civil individualista –, se concentraria no

debate sobre o “Processo Coletivo do Trabalho”.

Da reunião temática do “8º Grupo: Processo Coletivo do Trabalho”,

ocorrida, em Curitiba/PR, em 04 de março de 2016, em um dos auditórios

disponibilizados pela Universidade Positivo, no Campus da Praça Osório, Centro,

surgiram vários enunciados que, no dia 05 de março de 2016, submetidos à

Plenária ocorrida no auditório da Procuradoria Regional do Trabalho da Nona

Região, foram aprovados, em sua grande maioria, à unanimidade, com um

enunciado tendo sido aprovado por maioria qualificada, a atestar o acerto

deontológico dos integrantes e de todos os participantes daquele grupo temático

na hercúlea tarefa de montar um consenso em tema tão árido com uma

codificação, já acenando interseções com o processo do trabalho pela via do

artigo 15 do NCPC36 que, em período de vacatio legis, sequer havia sido colocada

à prova37.

Os enunciados aprovados do 8º grupo temático dedicado ao

Processo Coletivo do Trabalho, aqui já o entendendo como a reunião dos

procedimentos especiais típicos e atípicos trabalhistas que servem ao Direito

Processual Coletivo Comum, foram os seguintes:

“43) ART. 769 DA CLT. LACUNAS. PROCESSO COLETIVO DO

TRABALHO. Mesmo após o advento do NCPC, as lacunas do

processo coletivo do trabalho, típico ou atípico, são superadas pela

aplicação do chamado microssistema processual coletivo formado,

em sua fundação, pela Constituição Federal, Lei nº 7.347/1985 (Lei

da Ação Civil Pública – LACP: arts. 1º, IV; 19; e 21) e pela Lei nº

8.078/1990 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor – CPDC:

arts. 81 a 90).

empregador e da simplificação procedimental, a jurisdição normativa (Direito Processual do Trabalho. 14ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, pp. 67-68 e 71). 36 “Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.” 37 Considerando-se que o NCPC entrou em vigor em 18 de março de 2016.

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Resultado: aprovado por unanimidade.

44) CLT, ART. 769 E NCPC, ART.138. POSSIBILIDADE DE

INTERVENÇÃO DO AMICUS CURIAE NO PROCESSO

TRABALHISTA. O instituto da intervenção do amicus curiae, perante

a primeira e as instâncias superiores, contida no art. 138 do NCPC, é

compatível com o processo do trabalho, nas hipóteses específicas de

sua previsão.

Resultado: aprovado por maioria qualificada.

45) CLT, ART. 769 E ART. 94 DA LEI N. 8.078/90. Para otimizar o

acesso metaindividual ou transindividual à Justiça do Trabalho, os

demais juízos deverão ser notificados das decisões proferidas em

ações civis públicas e ações coletivas que produzam efeitos em

empresas com filiais em outras jurisdições distintas da competência

do juízo prolator da decisão. Essa notificação poderá ser realizada

por ofício enviado via meio eletrônico.

Resultado: aprovado por unanimidade.

46) ART. 769 DA CLT. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AÇÃO CIVIL

COLETIVA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTERVENTOR. No

cumprimento de sentença do processo coletivo o magistrado poderá

nomear interventor judicial para acompanhar o cumprimento das

obrigações de fazer, devendo este ser responsável pela prestação de

contas periódica à Justiça do Trabalho no lapso determinado em

sentença.

Resultado: aprovado por unanimidade.

47) ART. 765 DA CLT E ART. 301 DO NCPC. TUTELA CAUTELAR.

ARRESTO. DISSÍDIO COLETIVO DO TRABALHO. VIABILIDADE

EXCEPCIONAL. Em situações excepcionais, após justificação prévia

e em caráter incidental, é possível, diante do poder geral de cautela

inscrito no art. 765 da CLT e na parte final do art. 301 do NCPC, a

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concessão de tutela cautelar de arresto em sede de dissídio coletivo

de greve fundada no inadimplemento de obrigações fundamentais

pelo empregador ou quando fundada em comprovada

antissindicalidade patronal.

Resultado: aprovado por unanimidade.”

3.1. O enunciado de nº 4338: “ART. 769 DA CLT. LACUNAS. PROCESSO

COLETIVO DO TRABALHO. Mesmo após o advento do NCPC, as lacunas do

processo coletivo do trabalho, típico ou atípico, são superadas pela aplicação do

chamado microssistema processual coletivo formado, em sua fundação, pela

Constituição Federal, Lei nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública – LACP: arts.

1º, IV; 19; e 21) e pela Lei nº 8.078/1990 (Código de Proteção e Defesa do

Consumidor – CPDC: arts. 81 a 90)”

O enunciado de nº 43 tem o mérito de destacar a independência

normativa, no universo de uma era das recodificações, do “processo coletivo do

trabalho”, mas como partícipe, como já sublinhado alhures, do Direito Processual

Coletivo Comum, de envergadura constitucional e que encampa, no que se

denominou de o “microssistema processual coletivo”, as normas de superdireito

processual coletivo comum formadas pela Lei nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil

Pública – LACP) e pela Lei nº 8.078/1990 (Código de Proteção e Defesa do

Consumidor – CPDC)39. Na lição, mais uma vez, de Gregório Assagra de Almeida:

“Como diplomas processuais básicos, o CDC e a LACP estabelecem normas de superdireito processual coletivo comum. É o que se extrai principalmente no que tange à coisa julgada coletiva, prevista no CDC (art. 103); ao conceito tripartido de direitos e interesses coletivos, estabelecido pelo art. 81, parágrafo único, do CDC; à regra da não-taxatividade das hipóteses de admissibilidade de ação

38 Na linha do sequenciamento numérico disposto na página oficial do “Fórum Nacional de Processo do Trabalho” (www.forumtrabalhista.com.br). 39 “O elo entre as duas leis foi estabelecido pelos arts. 90, 110 e 117 do CDC, tendo este último acrescentado o art. 21 à Lei de Ação Civil Pública, em face do que a defesa de interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais é feita pela aplicação dos dispositivos tanto da Lei n. 7.347/1985 como da Lei n. 8.078/1990. Ambos os diplomas legais formam um microssistema próprio para a defesa dos interesses e direitos transindividuais (...), sendo a CLT aplicada de forma supletiva ou subsidiária, em tudo aquilo que não seja incompatível com aquela tutela.” (BARBOSA, Maria da Graça Bonança. Ação Coletiva Trabalhista: Novas Perspectivas. São Paulo: LTr, 2010, pp. 203 e 205).

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coletiva, prevista no art. 1º, IV, da LACP; ao princípio da ampla tutela jurisdicional coletiva, previsto no art. 83 do CDC – em decorrência do qual se admitem todos os tipos de ações e tutelas jurisdicionais compatíveis e necessárias para a proteção dos direitos coletivos. Aliás, o art. 21 da LACP deixa expresso que a LACP e o CDC constituem normas processuais básicas sobre o direito processual coletivo comum.”40

Tudo, frise-se por importante, independentemente do NCPC porque,

em relação ao NCPC, o Direito Processual Coletivo Comum, no qual se integra o

“Processo Coletivo do Trabalho”, o Direito Processual do Trabalho dedicado aos

conflitos coletivos de trabalho, se firma de forma autônoma, infenso à visão

individualista que ainda impregna o Direito Processual Civil codificado, a despeito

dos já referidos “incidentes coletivos”, que, em verdade, se fundam na

preponderância dos dissídios individuais, embora multiplicados.

3.2. O enunciado de nº 44: “ CLT, ART. 769 E NCPC, ART.138. POSSIBILIDADE

DE INTERVENÇÃO DO ‘AMICUS CURIAE’ NO PROCESSO TRABALHISTA. O

instituto da intervenção do ‘amicus curiae’, perante a primeira e as instâncias

superiores, contida no art. 138 do NCPC, é compatível com o processo do

trabalho, nas hipóteses específicas de sua previsão”

Ainda que se constitua um incidente “coletivo” de enorme importância

previsto no NCPC, não há, verdadeiramente, incompatibilidade da figura do

amicus curiae com o processo do trabalho, contextualizando, obviamente, a

adequação na compreensão do NCPC dando destaque muito mais à

multiplicidade de casos individuais repetidos como forma alternativa de,

“coletivamente” e por meio da dinastia dos precedentes judiciais, apaziguar os

conflitos de cima para baixo do que regular, de forma ordeira e mais sistêmica, o

processo coletivo propriamente dito de baixo para cima, talvez na suposição, o

NCPC, de que não houve, em nossa história, desenvolvimento suficiente do

processo coletivo para o fim de aplacar o crescente aumento de demandas

tramitando nos foros!

40 Direito Processual Coletivo Brasileiro, p. 584.

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Opção política por opção política, o fato é que a figura do amicus

curiae, para os processos coletivos especialmente, (i) supera os entraves

dogmáticos e pragmáticos que impediam a aceitação de indivíduos como

assistentes das partes legitimadas para figurar nos processos coletivos, até

porque amicus curiae não é parte; (ii) permite alguma oxigenação dos

superpoderes, quer do Judiciário, quer do Ministério Público do Trabalho, de

controle da adequação dos representantes do grupo que deduz a pretensão

coletiva; e (iii) contribui para uma maior participação, que é uma das vertentes do

NCPC, na construção do processo, ainda mais o coletivo, ensejando um

contraditório pela via de uma discussão multilateral41, obviamente dentro das

hipóteses específicas de sua previsão.

3.3. O enunciado de nº 45: “ CLT, ART. 769 E ART. 94 DA LEI N. 8.078/90. Para

otimizar o acesso metaindividual ou transindividual à Justiça do Trabalho, os

demais juízos deverão ser notificados das decisões proferidas em ações civis

públicas e ações coletivas que produzam efeitos em empresas com filiais em

outras jurisdições distintas da competência do juízo prolator da decisão. Essa

notificação poderá ser realizada por ofício enviado via meio eletrônico”

Uma visão pragmática do processo coletivo do trabalho e que serve

aos propósitos quer do disposto no artigo 94 do CPDC, segundo o qual, ajuizada a

ação coletiva para a tutela de direitos e interesses individuais homogêneos, serão

publicados os editais para que os eventuais interessados possam se habilitar

como litisconsortes do autor coletivo, quer do disposto nos artigos 103, §§ 1º, 2º e

3º; e 104 do CPDC, sobre os efeitos da coisa julgada coletiva nas eventuais ações

individuais em curso e nas suspensões efetivadas do trâmite de ações individuais,

dando publicidade de uma maneira pragmática e melhor do que a da publicação

de edital.

É de se alertar que, para processos coletivos, outros meios de

comunicação são possíveis, mas apenas a publicação do edital é obrigatória, em

uma deficiência enorme da norma de regência porque poucas pessoas possuem

41 VIOLIN, Jordão. O Contraditório no Processo Coletivo: Amicus Curiae e Princípio da Cooperação. In: ZANETI JR., Hermes (coord.). Processo Coletivo. Salvador: JusPodivm, p. 263-283, 2016, p. 275.

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conhecimento, na prática, de editais publicados e menos indivíduos, por

consequência, poderiam se movimentar, no esquema do artigo 104 do CPDC,

para, tendo conhecimento da demanda coletiva, providenciarem a útil suspensão

de seus processos individuais, evitando o desate trágico, hoje existente no âmbito

do processo do trabalho, de se ter que conviver, sem comunicação adequada,

com várias ações civis públicas e individuais versando a mesma questão

tramitando em diversos juízos, em instâncias diversas, comprometendo os

objetivos maiores da tutela coletiva.

Ainda que voltado a uma comunicação entre os juízos, o que se

espera, pelo enunciado aprovado, é que os juízos emprestem publicidade

adequada em seus territórios de competência para que, ainda que para processos

envolvendo empresas com filiais em várias jurisdições, os objetivos dos artigos 94

e, particularmente, 104 do CPDC sejam atingidos.

3.4. O enunciado de nº 46: “ ART. 769 DA CLT. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AÇÃO

CIVIL COLETIVA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTERVENTOR. No

cumprimento de sentença do processo coletivo o magistrado poderá nomear

interventor judicial para acompanhar o cumprimento das obrigações de fazer,

devendo este ser responsável pela prestação de contas periódica à Justiça do

Trabalho no lapso determinado em sentença.”

Outro enunciado aprovado de cariz pragmático, para a construção de

alternativas que sirvam aos propósitos dos processos coletivos e não tornem a

judicatura um terreno de gestão administrativa acerca do cumprimento de

obrigações de fazer que impeçam ou impactem a produtividade da unidade

jurisdicional. Quer por meio de interventor judicial, quer por meio de acordos ou

pontes construídas entre os sujeitos da relação jurídica processual, a

administração do cumprimento poderá ser melhor tratada fora das rédeas ou da

tutela jurisdicional, com base nos princípios da boa-fé objetiva e da cooperação

entre os agentes envolvidos. O enunciado contém proposta prospectiva que pode

ser explorada para além dos normativos e em prol da criatividade.

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3.5. O enunciado de nº 47: “ART. 765 DA CLT E ART. 301 DO NCPC. TUTELA

CAUTELAR. ARRESTO. DISSÍDIO COLETIVO DO TRABALHO. VIABILIDADE

EXCEPCIONAL. Em situações excepcionais, após justificação prévia e em caráter

incidental, é possível, diante do poder geral de cautela inscrito no art. 765 da CLT

e na parte final do art. 301 do NCPC, a concessão de tutela cautelar de arresto em

sede de dissídio coletivo de greve fundada no inadimplemento de obrigações

fundamentais pelo empregador ou quando fundada em comprovada

antissindicalidade patronal”

O Precedente Jurisprudencial nº 3 da Seção Especializada em

Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho (“OJ nº 3 da SDC/TST”)

dispõe que são incompatíveis com a natureza e a finalidade do dissídio coletivo as

pretensões de provimento judicial de arresto, apreensão ou depósito.

Uma das razões que embasam o entendimento do verbete é típica

da tradição doutrinária nacional, que, ao longo do tempo, fixou o entendimento de

que as medidas cautelares de arresto, depósito ou apreensão de bens seriam

próprias de dissídios individuais do trabalho, impassíveis de valoração na via da

ação coletiva propriamente dita, de procedimento especial típico do Direito

Processual do Trabalho, que é o dissídio coletivo do trabalho.

No entanto, mesmo em um ambiente de diminuição do papel do

poder normativo da Justiça do Trabalho projetado pelo artigo 114, § 2º, da

Constituição Federal, e com a tendência, originária da própria SDC/TST, de se

conceder, ao dissídio coletivo de trabalho, o título de ambiente processual

adequado para a solução de qualquer tipo de conflito coletivo de trabalho42, o que,

diga-se de passagem, mereceria revisão43, pela surpreendente implosão de toda

42 O alargamento na utilização do dissídio coletivo de trabalho, mormente o de natureza jurídica ou de direito, de forma ampla tem sido evidenciado para o debate sobre a ocorrência, ou não, de dispensas coletivas ou de demissões em massa, o que se originou, na SDC/TST, no paradigmático “Precedente Embraer” (RODC nº 30900-12.2009.5.15.000 – DEJT de 04/09/2009). Ainda que se possa bem criticar, no plano da dogmática, a admissão do dissídio coletivo de natureza jurídica para a discussão acerca da necessidade de prévia negociação coletiva para a efetivação de uma dispensa coletiva e para, em um conduta judicial mais arrojada, a partir daquela premissa, reconhecer direitos ou cominar obrigações de fazer e/ou de não fazer decorrentes da dispensa coletiva reconhecida e declarada no dissídio coletivo de natureza jurídica, o fato é que a SDC/TST tem entendido por alargar, mesmo, a compreensão acerca da vocação daquela espécie de dissídio coletivo, a fim de viabilizar o enfrentamento do fenômeno das dispensas coletivas diante dos indiscutíveis impactos sociais e econômicos decorrentes. 43 Nesse sentido, KAUFMANN, Marcus de Oliveira. Despedida Coletiva: Preocupações a Partir do “Precedente Embraer”. In: LEITE, Carlos Henrique Bezerra; COLNAGO, Lorena de Mello Rezende;

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uma construção que separou as tutelas jurisdicionais passíveis de obtenção em

cada tipo de dissídio coletivo (de natureza jurídica: declaratória; de natureza

econômica: constitutivo-dispositiva; e de greve: mista), não obstante o Direito

Processual Coletivo Comum dispor, para o “Processo Coletivo do Trabalho”, de

outras vias e alternativas processuais, até com maior amplitude para a dilação

probatória, para tutelas de urgências e para meios recursais, a jurisprudência da

SDC/TST passou a admitir, excepcionalmente no dissídio coletivo de greve, a

possibilidade de o movimento paredista assumir, ao contrário do conceito legal, a

qualificação de causa de mera interrupção do contrato individual de trabalho,

mormente em hipóteses extraordinárias motivadoras da greve, como as de falta de

negociação prévia para a dispensa coletiva, a de não cumprimento de cláusulas

contratuais relevantes e regras legais explícitas pela empresa (atrasos reiterados

de salários, más condições ambientais), quando se poderá admitir a mudança da

natureza jurídica diante da exceptio non adimpleti contractus44.

GUNTHER, Luiz Eduardo (coord.); COLNAGO, Lorena de Mello Rezende (org.). Execução Trabalhista: Uma Homenagem ao Professor Wagner Giglio. São Paulo: LTr, p. 212-228, 2015, p. 212-214; e KAUFMANN, Marcus de Oliveira. Procedimentos Especiais: Entre o Novo Código de Processo Civil (NCPC) e o Processo do Trabalho. In: DALLEGRAVE NETO, José Affonso; GOULART, Rodrigo Fortunato (coord.). Novo CPC e o Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, p. 315-325, 2016, pp. 320-323. 44 Nesse sentido, a jurisprudência recente: “3. POSSIBILIDADE JURÍDICA DE A SENTENÇA NORMATIVA ESTABELECER E DECIDIR CLÁUSULAS ECONÔMICAS EM DISSÍDIO DE GREVE SUSCITADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Havendo greve em andamento, torna-se possível a propositura de dissídio coletivo por qualquer das partes, empregador ou sindicato patronal e sindicato de trabalhadores, ou pelo Ministério Público do Trabalho (art. 114, § 3º, CF; art. 8º, Lei 7.783/89). A própria Constituição Federal regula os dissídios de greve em regra jurídica diversa, apartada (art. 114, § 3º), determinando à Justiça do Trabalho que decida o conflito. Na mesma direção está a Lei de Greve, com preceitos expressos e enfáticos sobre o papel da Justiça do Trabalho quanto a decidir o conflito coletivo em andamento (art. 7º, in fine; art. 8º, Lei 7.783/89). Se o cerne do conflito envolver questões de ordem econômica, essas devem ser resolvidas a fim de efetivamente solucionar o impasse gerado pela greve. Com efeito, é pacifico na jurisprudência desta Corte o entendimento de que, nos dissídios coletivos de greve, cabe ao Judiciário deliberar quanto à abusividade ou não do movimento, bem como em relação às demais questões e reivindicações apresentadas no curso da representação coletiva, independentemente de o dissídio coletivo ter sido ajuizado pelo MPT ou pelos próprios seres diretamente interessados. Diante dessas considerações, há necessidade de pacificação dos conflitos com a resolução de todas as questões que geraram a paralisação e demais reivindicações da categoria, mesmo que o Autor do dissídio tenha sido o Ministério Público do Trabalho, ente constitucionalmente legitimado para tanto. (...) 5. DESCONTO E COMPENSAÇÃO DOS DIAS DE PARALISAÇÃO. SOLUÇÃO INTERMEDIÁRIA. GREVE COM DURAÇÃO SUPERIOR A 30 DIAS. A regra geral no Direito brasileiro, segundo a jurisprudência dominante, é tratar a duração do movimento paredista como suspensão do contrato de trabalho (art. 7º, Lei 7.783/89). Isso significa que os dias parados, em princípio, não são pagos, não se computando para fins contratuais o mesmo período. Entretanto, caso se trate de greve em função do não cumprimento de cláusulas contratuais relevantes e regras legais pela empresa (não pagamento ou atrasos reiterados de salários, más condições ambientais, com risco à higidez dos obreiros, etc.), em que se pode falar na aplicação da regra contida na exceção do contrato não cumprido, a greve deixa de produzir o efeito da mera suspensão. Do mesmo modo, quando o direito constitucional de greve é exercido para tentar regulamentar a dispensa massiva. Nesses dois grandes casos, seria cabível enquadrar-se como

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Como o NCPC não elimina o poder geral de cautela, consagrando-o,

ainda que timidamente, na parte final do artigo 301, não parece ser razoável a

manutenção, em um novo cenário para as tutelas provisórias, mormente as de

natureza cautelar, da orientação da OJ nº 3 da SDC/TST45.

Para a garantia do devido processo legal próprio do Direito

Constitucional Processual e para que haja o comprometimento, na fase instrutória

do dissídio coletivo, à distribuição equitativa do ônus probatório, o enunciado

busca a que, particularmente o arresto, naquelas situações limítrofes de violações

a obrigações fundamentais atinentes à relação de trabalho verificadas na

jurisprudência recente da SDC/TST ou, já para além da jurisprudência, e em

defesa do princípio universal da liberdade sindical e de garantia à plena ação

coletiva46 – a fim de que não seja objeto de represálias ou retaliações que não

possam ser imediatamente contestadas pela coletividade obreira com o

instrumento máximo de irresignação, que é a greve –, se reconheça deva ser

explicitamente admitido o arresto em dissídios coletivos de greve, diante do novo

regramento às tutelas provisórias advindas com o NCPC, o que parcialmente

alteraria a orientação da OJ nº 3 da SDC/TST, ainda mais quando se sabe que

tutelas de urgência de natureza cautelar (como a da figura do protesto para

mera interrupção o período de duração do movimento paredista, descabendo o desconto salarial. Verifica-se que o caso dos autos não se amolda à hipótese de interrupção do contrato de trabalho, mas de suspensão contratual, não sendo devido, a princípio, o pagamento dos dias parados. Entretanto, esta Corte já se pronunciou no sentido de que é possível se adotar uma solução intermediária quando a greve perdurou por elevado número de dias, como é a hipótese em comento (35 dias de paralisação), a fim de evitar o comprometimento de largo período de salário dos trabalhadores. Assim, deve ser autorizada a compensação de 20 dias e o desconto de salários referentes a 15 dias de paralisação.” (TST, SDC, RODC nº 18400-20.2010.5.17.0000, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, DEJT de 06/02/2015). 45 Também nessa toada, MIESSA, Élisson. Impactos do Novo CPC nas Súmulas e Orientações Jurisprudenciais do TST. Salvador: JusPodivm, 2016, pp. 403-404. 46 Oscar Ermida Uriarte, é sempre bom recordar, leciona que o princípio da proteção é o princípio básico do Direito do Trabalho, que se exerce de duas maneiras: a primeira, pela via heterônoma, pelo Estado, pela lei, principalmente para os fins do Direito Individual do Trabalho; a segunda, pela via autônoma, pela proteção à ação sindical, especialmente a proteção à autonomia privada coletiva e à autotutela. Oscar Ermida Uriarte sustenta que a lei liberta o homem no plano das relações individuais do trabalho, enquanto a autonomia da ação coletiva é que liberta o homem no plano das relações coletivas do trabalho. A autonomia sindical, que garante a proteção à ação sindical, é que, no Direito Coletivo Material do Trabalho, faz valer o princípio protetivo do Direito do Trabalho (Primera Lectura de la Ley 17.940 de Protección de la Actividad Sindical. Derecho Laboral. Montevideo: Fundación de Cultura Universitaria, tomo XLIX, nº 221, enero-marzo: 237-259, 2006, p. 244). O enunciado aprovado, abeberando-se desses ensinamentos, consagra situações de revisão da OJ nº 3 da SDC/TST já previstas na jurisprudência, bem como as alarga para a tutela do que é mais caro à ação coletiva em momentos de greve (por vezes perceptíveis em dissídios coletivos de greve), com a criação, quase que automática, de momentos propícios à prática da antissindicalidade patronal: a garantia, livre, sem represálias que possam caracterizar práticas antissindicais, da ação coletiva como corolário da liberdade sindical coletiva.

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assegurar a data-base e a da concessão de efeito suspensivo a recurso ordinário

em dissídio coletivo) fazem parte do ritual formal e dogmático previsto para

dissídios coletivos.

4. Ainda após o NCPC: a Instrução Normativa nº 39/2016 do Tribunal Superior do

Trabalho e o Ato nº 168/2016 do Tribunal Superior do Trabalho

Ainda no que diz respeito ao “Processo Coletivo do Trabalho”, na

aurora da vigência do NCPC, e se já não bastassem os enunciados aprovados

pelo 8º grupo temático do Fórum Nacional do Processo do Trabalho, o Direito

Processual do Trabalho, reforçado por tudo o quanto acima já discutido, mesmo

após o advento do NCPC, passou ao largo das considerações do Tribunal

Superior do Trabalho na recém editada Instrução Normativa nº 39/2016 (aprovada

pela Resolução nº 203 de 15 de março de 2016 do Tribunal Pleno do Tribunal

Superior do Trabalho e publicada, no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, em

16 de março de 2016), que dispõe sobre as normas do NCPC aplicáveis e

inaplicáveis ao processo do trabalho, de forma não exaustiva.

Quer seja pela feição ainda individualista do NCPC, que tangenciou o

processo coletivo, quer pelo enquadramento constitucional e infraconstitucional

próprio (pelo microssistema de tutela coletiva comum) do Direito Processual

Coletivo Comum em suas interseções com o Direito Processual do Trabalho, a

Instrução Normativa nº 39/2016 do Tribunal Superior do Trabalho não conseguiu

adentrar alguma consideração mais próxima do universo coletivo, embora tenha

tratado do que se expôs no enunciado de nº 44 do Fórum quanto à aplicabilidade,

ao processo do trabalho, do disposto no artigo 138 e parágrafos do NCPC

relacionado à figura do amicus curiae.

No artigo 14 da Instrução Normativa nº 39/2016, o Tribunal Superior

do Trabalho tratou da aplicabilidade, ao processo do trabalho, de forma específica

e única para o procedimento especial típico do dissídio coletivo de natureza

econômica, do disposto no artigo 165 do NCPC47, para a criação, nos Tribunais do

47 “Art. 165. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.”

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Trabalho, de centros judiciários de solução consensual de conflitos para a

realização de audiências de conciliação e mediação de ordem a estimular, para

conflitos coletivos de trabalho, a autocomposição.

Agiu bem o Tribunal Superior do Trabalho, a despeito de o conteúdo

da norma do artigo 165 do NCPC não ser, de todo o modo, uma novidade diante

da prática rotineira de exercício de estímulo a soluções consensuais pelos

Tribunais do Trabalho quando das fases postulatória e instrutória de dissídios

coletivos de natureza econômica. O juízo de equidade próprio ao exercício da

jurisdição trabalhista normativa induz, necessariamente, a práticas destinadas à

solução autocompositiva e ao investimento nesse sentido por parte dos Tribunais

do Trabalho, muitos deles contando com assessorias econômicas que, com os

sujeitos coletivos de trabalho, discutem, meritoriamente, em sessões informais e

destacadas do viés jurisdicional, as circunstâncias todas que envolvem dado

dissídio coletivo, com trato qualificado de questões sociológicas e econômicas

subjacentes ao conflito coletivo.

O Tribunal Superior do Trabalho, de toda a sorte, e de forma

elogiável, destacou o essencial da prática forense dos dissídios coletivos, de

forma mais acentuada ou não em dados Tribunais Regionais do Trabalho, para

empreender uma ponte prospectiva, no âmbito do Direito Processual do Trabalho,

para com o NCPC, sem prejudicar o Direito Processual Coletivo Comum.

O artigo 14 da Instrução Normativa nº 39/2016 do Tribunal Superior

do Trabalho explica, e muito, a razão pela qual o Ministro Presidente resolveu, em

04 de abril de 2016, alguns dias depois portanto, editar o Ato nº 168/2016, que

dispõe sobre os pedidos de mediação e conciliação pré-processual de conflitos

coletivos de trabalho no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, firmando um

exemplo que pode ser seguido, facilmente, pelos Tribunais Regionais do Trabalho,

para a autocomposição tão útil em dissídios coletivos.

Baseada na prática exitosa do Ministro Ives Gandra da Silva Martins

Filho, essa novidade consistente na implementação de uma fase pré-processual

de dissídios coletivos se estabelece, de forma originária e corajosa, para além do

óbvio, para além dos dissídios coletivos de natureza econômica, uma vez que

também se aplica aos dissídios coletivos de natureza jurídica ou de direito e aos

dissídios coletivos de greve (artigo 2º do Ato nº 168/2016), incentivando-os a uma

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possível solução consensual em audiência de mediação e conciliação (artigo 5º e

parágrafos) para explorar, à exaustão, as possibilidades da base da atuação dos

sujeitos coletivos de trabalho, da função primordial dos sindicatos, enfim, da

negociação coletiva, agora incentivada de forma criativa de forma como os

Tribunais não saberiam, quiçá, incentivar se apenas adstritos ao disposto no artigo

114, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal.

Uma construção original, depois do NCPC, própria do Direito

Processual do Trabalho e que só pode engrandecer, ainda que como uma

prospecção de atuação judiciária não cômoda, o Direito Processual Coletivo

Comum.