direito processual civil brasileiro - vol 1 - 22ª edição

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Page 1: DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO - VOL 1 - 22ª edição
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO

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PLANO GERAL DA OBRA

Volume 1 — Teoria Geral do Processo a Auxiliares da Justiça

Volume 2 — Atos Processuais a Recursos e Processos nos Tribunais

Volume 3 — Processo de Execução a Procedimentos Especiais

OBRAS DO AUTOR:

Direito processual civil brasileiro, 3 v., SaraivaIntervenção de terceiros no processo civil, SaraivaTóxicos — prevenção e repressão, SaraivaExecução contra a Fazenda Pública, SaraivaHomologação de sentença estrangeira, SaraivaTutela constitucional das liberdades, SaraivaComentários ao Código de Proteção do Consumidor; arts. 101 a 104

(coord. Juarez de Oliveira), SaraivaComentários à Lei de Locação de Imóveis Urbanos; arts. 43 a 45 e 59 a

66 (coord. Juarez de Oliveira), SaraivaManual de processo penal, SaraivaA culpa e sua prova nos delitos de trânsito, SaraivaDos crimes da Lei de Licitações, SaraivaComentários ao procedimento sumário, ao agravo e à ação monitória,

SaraivaInterceptação telefônica, SaraivaQuestões de direito processual civil (para provas e concursos) —

processo de conhecimento, SaraivaO novo mandado de segurança — Comentários à Lei n. 12.016, de 7

de agosto de 2009

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Vicente Greco FilhoProfessor Associado de Direito Processual e Titular de Direito Penal da Faculdade de Direito da Univer-sidade de São Paulo. Professor Titular de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Univer-sidade Mackenzie. Professor Titular de Direito Proces sual Civil da Faculdade de Direito de Soroca-ba, Procurador de Justiça, aposentado, de São Paulo, e Advogado.

Direito ProcessualciVil Brasileiro

Volume 1(Teoria Geral do Processo

a

Auxiliares da Justiça)

22ª edição

2ª tiragem

2010

Direito Proc. Civil Brasil. - v. 1 - 001-020.indd 3 24/5/2011 11:43:45

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ISBN 978-85-02-02231-7 obra completaISBN 978-85-02-13615-1 volume 1

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Greco Filho, Vicente

Direito processual civil brasileiro, volume 1 : (teoria geral do processo a auxiliares da justiça) / Vicente Greco Filho. – 22. ed. – São Paulo : Saraiva, 2010.

Bibliografia.

1. Processo civil 2. Processo civil - Brasil I. Título.

09-13247 CDU-347.9(81)

Índices para catálogo sistemático:

1. Brasil : Direito processual civil 347.9(81)2. Brasil : Processo civil 347.9(81)

Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva.A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Diretor editorial Antonio Luiz de Toledo PintoDiretor de produção editorial Luiz Roberto CuriaEditor Jônatas Junqueira de MelloAssistente editorial Thiago Marcon de SouzaProdução editorial Ligia Alves

Clarissa Boraschi MariaPreparação de originais Maria Lúcia de Oliveira Godoy

Cíntia da Silva LeitãoArte e diagramação Cristina Aparecida Agudo de Freitas

Aldo Moutinho de AzevedoRevisão de provas Rita de Cássia Queiroz Gorgati

Wilson Ryoji ImotoServiços editoriais Carla Cristina Marques

Vinícius Asevedo VieiraProdução Gráfica Marli RampimImpressão Assahi GráficaAcabamento Assahi Gráfica

Data de fechamento da edição: 15-1-2010

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Índice sistemático

Prefácio ...................................................................................... 17Nota do Autor à 18ª edição ......................................................... 19

Introdução 1. Teoria geral do processo

Unidade essencial da jurisdição — Labor científico na iden-tificação dos princípios comuns e dos que são pró prios a cada um dos ramos do direito processual — A lógica do

direito proces sual ................................................................ 23

2. Uma visão política do processo

Da descrição histórica tradicional à concepção da dignidade do processo quando garantidor de direitos dos cida-

dãos em face do Estado ....................................................... 28

Capítulo 1Noções gerais 3. O direito e a realização de valores

Norma jurídica e sociedade — O direito e os conflitos de interesses — Classificação dos interesses — O direito e seus valores constitutivos — Atitudes de estudo sob que

se pode analisar a relação entre valores e direito................ 33

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4. O valor da pessoa humana como fundamento do direito

Direito e realização de valores — Concepção formal de Stammler — O valor da pessoa humana como valor supre-

mo do direito ....................................................................... 37

5. A evolução do pensamento filosófico e o processo como instrumento dos direitos subjetivos

5.1. A antiguidade greco-romana Sócrates, Platão e Aristóteles — O gênio jurídico ro- mano .......................................................................... 39

5.2. O cristianismo Valorização da pessoa humana — Santo Agostinho — Santo Tomás — Origem divina do poder ............ 41

5.3. A Magna Carta e as Constituições de Federico II di Svevia

Conteúdo histórico e principiológico ......................... 43

5.4. Do contratualismo às declarações de direitos Mudança da fonte do Poder: de Deus para a própria

sociedade — A efetivação das garantias nas primei- ras declarações de direitos ......................................... 46

5.5. Época contemporânea Incorporação das garantias nas Constituições moder-

nas e na Declaração Universal dos Direitos do Ho- mem ........................................................................... 47

5.6. Os direitos e garantias fundamentais na Constituição Federal brasileira

Classificação: direitos materiais, garantias formais e garantias instrumentais — Concepção de Hans

Kelsen ........................................................................ 48

6. Direito material e direito processual

Sistemas de efetivação de direitos: autotutela, auto com po-sição e jurisdição — Outra concepção: sistema do arbítrio do detentor do poder e sistema de garantias do processo — O processo e a criação do direito — Doutrina unitária

e dualista do ordenamento jurídico .................................... 50

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7. Atividade legislativa, administrativa e jurisdicional: seu relacionamento

Descrição — Nota característica da jurisdição — A proibi-ção da justiça pelas próprias mãos — Exceções — Juris-dição, processo e procedimento — Natureza jurídica do processo — Relacionamento entre poder administrativo e Judiciário: sistema do contencioso administrativo e da jurisdição única — Anulação e revogação do ato adminis-trativo — Judiciário e defesa da Constituição — Jurisdi-

ção contenciosa e voluntária ............................................... 55

8. O direito constitucional de ação e a tutela jurisdicional

Evolução histórica da oficialização da justiça — O direito de ação como garantia constitucional — Condições de exer-cício da ação: legitimidade para a causa, interesse proces-sual e possibilidade jurídica do pedido — Condições da ação e mérito — Obrigatoriedade da jurisdição e as for-

mas de tutela: de conhecimento, de execução e cautelar .... 62

9. As garantias constitucionais do processo

9.1. Garantias gerais Conceito — Garantias da magistratura — Proibição

de tribunais de exceção — O duplo grau de jurisdição — Exclusão do juiz impedido e suspeito — Sistema de apreciação da prova: persuasão racional — A publicidade — Crimes contra a distribuição da jus-

tiça ............................................................................ 66

9.2. A garantia da coisa julgada ..................................... 75

9.3. Os princípios constitucionais do processo penal A ampla defesa — Instrução contraditória — Siste-

ma acusatório — Clareza da acusação — Citação regular — Defesa técnica — A verdade real — Disci-plina da prisão em flagrante e da fiança — Nota de

culpa ......................................................................... 78

9.4. Os princípios constitucionais do processo civil Princípio da igualdade: o contraditório — Distribui-

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ção das faculdades processuais — Exceção às facul- dades do contraditório ................................................ 86

10. O direito processual civil Conceito e campo de atuação — Os diversos ramos do di-

reito processual — Conceito do direito processual civil — Aplicação por exclusão .................................................. 89

11. O Código de Processo Civil Notícia histórica do direito processual civil brasileiro: Orde-

nações — Regulamento n. 737, Legislações estaduais, Có- digo de 1939, Código vigente — Estrutura do Código ..... 91

12. Direito processual e organização judiciária Fontes legais do direito processual — Competência estadu-

al para a organização judiciária — Natureza das normas de organização judiciária — Seu conteúdo ........................ 93

Capítulo 2Da ação 13. Conceito Introdução: ação, jurisdição e processo — Evolução e com-

preensão do conceito — Plano constitucional, plano pro-cessual do direito de ação — Outros significados do ter-

mo “ação” ........................................................................... 99

14. Condições da ação

14.1. Legitimidade Conceito — Legitimação ordinária — Legitimação

extraordinária ou substituição processual — Tipos — Tratamento legal — Distinções em relação à re-presentação processual e à sucessão processual —

Investigação quanto à legitimidade: exemplo ......... 103

14.2. Interesse Conceito — Distinção entre interesse processual e

interesse material — Interesse necessidade, interes- se utilidade: exemplo ............................................... 107

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14.3. Possibilidade jurídica do pedido Conceito — Questões controvertidas: exclusões

expressas da ação, requisitos prévios à ação, possi-bilidade jurídica do pedido, fundamento jurídico do

pedido e mérito ........................................................ 110

14.4. Carência da ação Conceito — Carência e improcedência da ação —

Momentos de decretação da carência da ação — Consequências da decretação da carência ................ 114

15. Elementos da ação

Utilidade do instituto — Partes: conceito e qualificação; pedido: genérico e específico; causa de pedir: próxima e remota — Teorias da substanciação e individualização — Fundamento jurídico e fundamento legal — Aplicações

práticas no processo ........................................................... 116

16. Classificação das ações

Critérios processuais: tipo de provimento e tipo de proce-dimento — Ações de conhecimento: declaratórias, cons ti-tu ti vas e condenatórias; ações de execução; ação cautelar — Quanto ao procedimento: ordinárias, sumárias e espe-

ciais ..................................................................................... 120

Capítulo 3Das partes e dos procuradores 17. Da capacidade processual

Pressuposto processual relativo às partes — Capacidade de ser parte: conceito, entidades sem personalidade jurídica — Capacidade de estar em juízo: conceito, representação do incapaz, da pessoa jurídica nacional e da estrangeira, da União, Estados e Municípios, do espólio, das sociedades sem personalidade jurídica — Atividade processual das pessoas casadas — Curador especial e curador à lide —

Defeito de capacidade ......................................................... 131

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18. Dos deveres das partes e dos seus procuradores

18.1. Dos deveres Princípios éticos do processo — Deveres expressos — Ética na linguagem ............................................ 138

18.2. Da responsabilidade das partes por dano processual Dano decorrente do processo — Litigante de má-fé 140

18.3. Das despesas e das multas, dos honorários de ad-vogado

Princípio de sucumbência — Justiça gratuita — For-ma de pagamento — Honorários de advogado na atuação em causa própria — Fixação dos honorários — Sua natureza — Honorários na jurisdição vo-luntária e nos casos de desistência, reconheci mento ou acordo — Multa por culpa do ser ven tuário,

membro do Ministério Público ou do juiz .............. 141

19. Dos procuradores: o advogado

Capacidade postulatória — Advogado, estagiário, pro vi sio-na do — Procuração: poderes gerais e especiais — Atuação sem advogado — Atos privativos de advogado — Atua ção do estagiário e do provisionado — Sociedades de advo-gados — Poderes processuais do advogado no Código — Deveres estatutários do advogado — Direitos es ta tu-tários do advogado — Ratificação de atos praticados sem

advogado, renúncia do mandato .......................................... 146

20. Da substituição das partes e dos procuradores

Sucessão processual — Consequências da alienação da coi-sa ou direito litigioso — Sucessão a título universal:

consequências processuais ................................................. 149

21. Do litisconsórcio

21.1. Conceito Pluralidade de partes .............................................. 151

21.2. Classificações Critério quanto à posição processual, quanto ao tem- po e quanto à obrigatoriedade .................................. 151

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21.3. Litisconsórcio facultativo Casos: por comunhão de direitos ou obrigações, pelo

mesmo fundamento de fato ou de direito, por cone-xão e por afinidade de questões — Recusa ao litis-

consórcio facultativo ............................................... 152

21.4. Litisconsórcio necessário Definição legal — Litisconsórcio unitário — Falta

de identidade de conceito com o litisconsórcio ne- cessário .................................................................... 155

21.5. Da intervenção iussu iudicis Integração de litisconsortes necessários por ordem do juiz ..................................................................... 157

21.6. Da atividade dos litisconsortes Prejuízo ou benefício pela atividade do outro ........ 158

22. Da intervenção de terceiros

22.1. Ideias gerais Dificuldades do tema — Considerações históricas

— Casos de intervenção de terceiros — Princípio geral que regula a intervenção — Classificações ... 159

22.2. Da assistência Figura no Código de 1939 — Assistência simples

— Assistência litisconsorcial — Distinção em rela-ção à intervenção litisconsorcial — Procedimento de ingresso do assistente — Atuação do assistente — Imutabilidade da sentença em relação ao assis-tente: exceptio male gesti processus — Qualidade de parte do assistente em função do conceito do ter-

mo parte .................................................................. 161

22.3. Da oposição Conceito — Natureza — Momento — Procedi- mento ...................................................................... 168

22.4. Da nomeação à autoria Conceito — Alternativas decorrentes da nomeação

— Distinção em relação à denunciação da lide no caso do art. 70, II ................................................... 169

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22.5. Da denunciação da lide

Conceito — Procedimento — Alternativas decor-rentes da denunciação — Sentido da “obrigatorie-dade” da de nun cia ção — Consequências da falta de denunciação — Extensão das hipóteses da de nun-cia ção: interpretação restritiva — Hipótese do di-reito de regresso do Estado (CF, art. 37, § 6º) —

Con clusões .............................................................. 171

22.6. Do chamamento ao processo

Conceito — Hipóteses — Finalidade — Cabimen- to do chamamento no processo de execução .......... 182

22.7. Da intervenção especial da União ......................... 184

Capítulo 4Do Ministério Público

23. Conceito

Origem — Representação anômala do Estado .................... 189

24. Funções, posições e atividades no processo civil

Classificação tradicional: parte, auxiliar da parte e fiscal da lei — Classificação segundo a natureza do interesse públi-co defendido — Sistema do Código: atuação como parte, hipóteses; intervenção como fiscal da lei, hipóteses — In-terpretação do art. 82, III — Obrigatoriedade de interven-ção — Consequências da falta de intervenção — Res-

ponsabilidade civil do membro do Ministério Público ....... 189

25. Da organização do Ministério Público

Posição constitucional — Ministério Público Federal — Ministério Público dos Estados ........................................... 194

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Capítulo 5Da jurisdição e da competência

26. Jurisdição: conceito, atuação, princípios e limites

Conceito: poder, função e atividade — Princípios: inércia, indeclinabilidade, inevitabilidade, indelegabilidade — Ca-racterística essencial: substitutividade — Definitividade — Caráter nacional da jurisdição — Limitações à atuação da jurisdição: a) casos de atuação anômala de órgãos não jurisdicionais; b) imunidade diplomática; c) limites negati-vos da competência internacional; d) contencioso admi-

nistrativo; e) convenção de arbitragem................................ 201

27. Competência: conceito e critérios determinadores

Conceito — Critérios objetivos de determinação da com-petência; critério funcional: por graus de jurisdição, por

fases do processo, por objeto do juízo ............................... 204

28. Competência internacional

Conceito — Sistemas de regulamentação da competência internacional: latino, germânico, anglo-americano e suíço — Pressupostos prévios do entendimento da competência internacional — Elementos de conexão do Código vigente (art. 88): domicílio do réu; local do cumprimento da obri-gação; ato praticado ou fato ocorrido no Brasil — Empresa estrangeira com filial no Brasil — A competência do art. 88 é concorrente — Elementos de conexão do art. 89: ações relativas a imóvel situado no Brasil; inventário de

bens imóveis situados no Brasil .......................................... 208

29. Litispendência internacional

Conceito — Problemas — Pressupostos do problema — Ex-ceção ou objeção de litispendência internacional — So-lução teórica dos problemas — Prevalência do direito

internacional — Conclusões .............................................. 217

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30. Competência interna

30.1. Introdução Critérios doutrinários — Procedimento lógico para a determinação da competência .............................. 226

30.2. Competência funcional por graus de jurisdição Competência originária do Supremo Tribunal Fede-

ral — Competência originária no Superior Tribunal de Justiça — Competência originária nas Constitui-

ções estaduais e no Código de Processo Civil ........ 227

30.3. Competência das justiças especiais Justiças especiais: Justiça Militar, Justiça Eleitoral, Justiça do Trabalho ................................................. 230

30.4. Competência da Justiça Federal ........................... 231

30.5. Competência de foro ou territorial O foro comum: domicílio do réu — Do foro nas

causas em que a União for parte ou interveniente — Os foros especiais: da residência da mulher e do alimentando; da ação de anulação de títulos; da ação em que a pessoa jurídica for ré e das sociedades de fato; do local do cumprimento da obrigação; do local do ato ou fato nas ações de indenização — Foro facultativo nas ações de reparação de dano em razão de acidente de veículos — Foro da situação da

coisa: natureza, amplitude ....................................... 233

30.6. Competência de juízo: material, valor e distribuição Normas de organização judiciária — Natureza da

competência material de juízo — Juízos distritais — Juízes de investidura temporária .............................. 240

31. Das modificações da competência — competência abso-luta e relativa

Competência absoluta e relativa: conceito, casos — Modi-ficações da competência pela conexão e continência —

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Conceito e consequências da conexão e continência — Competência funcional para a ação acessória, reconvenção, declaratória incidental, ações de garantia e relativas ao terceiro interveniente — Prejudicial penal — Derrogação da competência por convenção das partes e por falta de exceção declinatória de foro — Vícios de competência ab-

soluta ................................................................................... 242

32. Dos meios de declaração da incompetência

Atribuição natural do juiz — Exceção de incompetência — Conflito de competência: natureza, espécies, procedi-

mento — Conflito de atribuições ........................................ 248

33. Da perpetuação da jurisdição

Conceito — Alterações de direito relevantes ...................... 251

Capítulo 6Do juiz

34. Investidura, garantias, organização da magistratura

Órgão judicial: conceito, composição subjetiva — Supremo Tribunal Federal — Superior Tribunal de Justiça — Juí-zes federais de primeiro grau — Magistratura dos Esta-dos: juízes de primeiro grau, tribunais, o quinto constitu-cional — Garantias da magistratura — Vitaliciedade: conceito; a perda do cargo — Inamovibilidade: conceito; remoção compulsória, disponibilidade — Irredutibilidade

de vencimentos, conceito, limitações .................................. 255

35. Poderes, deveres e responsabilidade do juiz

Poderes relativos à condução do processo — In de cli na bi li-da de da jurisdição — Mecanismos de integração do di-reito — Jurisdição de direito e jurisdição de equidade — Princípio da iniciativa da parte — Princípios relativos à prova: produção e persuasão racional na apreciação —

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Princípio da identidade da pessoa física do juiz: conceito, limites — Responsabilidade pessoal do juiz no caso de dolo, fraude ou retardamento doloso — Responsabilidade

do Estado por ato judicial .................................................. 258

36. Dos impedimentos e da suspeição

Imparcialidade: objetiva e subjetiva — Impedimento: casos, consequências — Suspeição: casos — Arguição do impe-dimento e suspeição — Extensão dos motivos de impedi-mento e suspeição ao Ministério Público, serventuários

da Justiça, peritos, assistentes técnicos e intérpretes .......... 266

Capítulo 7Dos auxiliares da justiça

37. Conceito

Auxiliares essenciais — Classificação dos auxiliares ........ 273

38. Dos serventuários e do oficial de justiça

Conceito — Atribuições ...................................................... 273

39. Do perito, depositário, administrador, intérprete e ou-tros

Conceito — Funções ........................................................... 275

Bibliografia ................................................................................ 277

Índice alfabético-remissivo ....................................................... 285

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Prefácio

(da 1ª edição, 1981)

São doze anos que leciono direito processual civil. Apesar de a vida profissional me haver imposto o estudo e a vivência prática de outros ramos do direito, mantenho-me fiel à paixão dos bancos da Velha Aca-demia, o direito processual civil, o qual, aliás, somente senti enrique-cido pelo que os demais ramos do direito, que modestamente tenho versado, trouxeram de ampliação de suas perspectivas e seu alcance.

Hoje é possível dizer, especialmente após a vigência do Código de 1973, que o direito processual brasileiro teve a felicidade de reunir, como adeptos e cultores, mestres do mais alto valor científico, que elevaram o conceito dessa disciplina ao respeito e admiração interna-cionais.

Tal circunstância, se, de um lado, empolga o estudioso, de outro, intimida o iniciante, especialmente aquele que a vida revelou não ser dotado do dom da profundidade de pesquisa e da erudição.

Todavia, animei-me a romper essa barreira porque entendo cabível, ainda, no Brasil, um trabalho intermediário, com certos objetivos, a seguir expostos.

As faculdades em geral (não excluo nenhum ramo do conhecimen-to) não têm conseguido formar cientistas e, quando muito, com dificul-dades, bons profissionais. A formação de cada um tem sido completa-da, necessariamente, por meio da leitura e estudo complementar, ou mesmo pelos cursos de especialização ou pós-graduação. Existe aí, porém, um hiato na bibliografia do Processo e, talvez, em outros ramos do direito: de um lado, encontramos os trabalhos em nível de cursos e, de outro, as monografias e tratados de grande profundidade. Os primeiros, pela sua finalidade específica, não enfrentam os grandes

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problemas da disciplina, mesmo no que se refere às suas repercussões práticas; os outros, quando não esparsos, são de difícil consulta.

Concluo, então, que seria útil, como disse, uma obra intermediária, que seja compreensível aos estudantes e que resolva os problemas objetivos dos profissionais; ou, se isto não for possível, mesmo porque é impossível a previsão de todas as hipóteses que possam gerar contro-vérsia, forneça um conjunto de princípios seguros e coerentes que municie o profissional de elementos para a sustentação de uma posição lógica e juridicamente fundamentada.

Para a consecução desses objetivos, que de antemão reconheço ousados e dificultosos, adotei os seguintes critérios na obra: em prin-cípio, é ela expositiva de uma posição teórica, com a respectiva funda-mentação, sem, contudo, o desenvolvimento da discussão sobre posições doutrinárias que, a despeito do interesse científico, não têm no direito processual brasileiro repercussão prática; além disso, formula ela hi-póteses de solução controvertida, fornecendo, quando possível, soluções juridicamente sustentáveis; finalmente, de modo sucinto, quando for o caso, apresenta as conclusões a que chegaram os tribunais, vistas sob um prisma crítico.

Não tenho a pretensão de alcançar com sucesso os resultados aci-ma propostos, esperando, apenas, que se a obra nada acrescentar ao direito processual, pelo menos não o macule.

Em qualquer hipótese, aguardo esperançado a compreensão e mesmo a indulgência dos mestres e estudiosos do processo, em especial de meus preceptores no direito processual, os Profs. Moacyr Amaral Santos, Alfredo Buzaid e Joaquim Canuto Mendes de Almeida, aos quais devo minha carreira universitária, pelo exemplo, en si na men tos e bondosa amizade, e a quem, respeitosamente, dedico esta obra.

São Paulo, 1981

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Nota do Autor à 18ª edição

Com a compreensão dos interessados no direito processual, o 1º volume de Direito processual civil brasileiro chega à 18ª edição em época de difícil e quase insuportável instabilidade legislativa. Se a ordem jurídica tem alguma qualidade, é a de trazer segurança às relações humanas, de modo que o comportamento das pessoas possa ser previs-to e previsível, daí decorrendo as consequências de eventual descum-primento da norma.

No que se refere especificamente ao direito processual, a situação é quase caótica. Desde 1992 desencadeou-se uma enxurrada de leis alterando o Código de Processo Civil — muitas vezes de maneira ata-balhoada e desconexa, como já tivemos oportunidade de dizer em es-tudos específicos —, quebrando o sistema do Diploma e provocando repercussões inusitadas.

Sabemos que a elaboração de um novo Código é praticamente impossível na atualidade, poderia ser um desastre. Porém, modificar um dispositivo mais de uma vez em período de dois ou três anos é inadmissível, atenta contra o bom senso que deve orientar a lei.

Não bastasse isso, modificações constitucionais também reper-cutem no processo, como a Emenda Constitucional n. 45, de 8 de de-zembro de 2004, que promoveu a Reforma do Judiciário e, entre outras modificações, alterou consideravelmente as regras de competência.

Esta edição, portanto, apesar do esforço por mostrar-se totalmente atualizada, certamente é não definitiva.

As remissões constantes às alterações legislativas vez ou outra di-ficultarão o trabalho dos leitores. Procuramos manter a fluência do texto, mas estudantes e profissionais por certo compreenderão que eventuais dúvidas são devidas ao caos legislativo em que estamos envolvidos.

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Introdução

1. Teoria geral do processo

Unidade essencial da jurisdição — Labor científico na identificação dos princípios comuns e dos que são próprios a cada um dos ramos do direito processual — A lógica do direito processual.

2. Uma visão política do processo

Da descrição histórica tradicional à concepção da dignidade do processo quando garantidor de direitos dos cidadãos em face do Estado.

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1. Teoria geral do processo

Modernamente o estudo do direito processual tem recebido uma inspiração unificadora. Após séculos de tratamento distinto, o direito processual civil e o direito processual penal passaram a receber trata-mento científico unificado em seus institutos fundamentais, por meio da busca dos pontos comuns da atividade jurisdicional. Igual aproxi-mação receberam o chamado direito processual do trabalho e os ramos especiais do direito processual, ou seja, o direito processual penal mi-litar e o direito processual eleitoral.

A compreensão unitária do direito processual resultou, especial-mente, da verificação de que o poder jurisdicional, como um dos po-deres do Estado, é único, e sua estruturação básica encontra-se no nível da Constituição Federal, de modo que resulta inevitável a conclusão de que há algo comum a toda atividade jurisdicional.

Feita essa constatação, compete ao estudioso do processo a identi-ficação do que é válido para todos os ramos do direito processual e do que é específico, apontando, pois, os princípios e normas plu ri va len tes e os monovalentes. Esse labor não é fácil, inclusive por razões his tóricas.

Na fase primitiva do direito dos povos, os atos ilícitos não recebiam qualificação específica civil ou penal e eram corrigidos ou reprimidos identicamente. Assim, no direito romano antigo o termo iniuria repre-sentava qualquer conduta contra o direito, sem preocupação de separar a violação civil ou penal. Por consequência, o direito processual acom-panhava essa indefinição, se é que se pode dizer que exista um direito processual, cuja autonomia somente muito mais tarde foi reconhecida. O processo era, portanto, um só.

As relações jurídicas, porém, foram ficando cada vez mais com-plexas, agrupando-se as normas jurídicas com princípios próprios, em sistemas próprios, tendo em vista a predominância dos interesses, a repercussão social dos fatos e a posição do Estado ou dos detentores do poder perante eles. A cristalização do direito em ramos prin ci pio lo-

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gi ca men te distintos separou, também, o processo, porquanto este, instrumental em relação às normas de direito material, submetia-se às exigências diferentes de cada um.

Poder-se-ia, então, argumentar que a reunificação do processo numa teoria geral seria um retrocesso, isto é, um retorno às origens do direito. Tal, porém, não ocorre. A situação, hoje, é completamente diferente. Após o reconhecimento de que o direito processual não é uma extensão ou prolongamento do direito material, mas uma ciência jurídica autôno-ma, exatamente a formulação de uma teoria geral realça essa autonomia e a sua dignidade por meio do reconhecimento de que, qualquer que seja o ramo do direito que se aplica no processo, há algo que não depende daquele e que, portanto, é exclusiva e puramente processo.

O isolamento desse campo de trabalho é a tarefa do cientista do di-reito, e ainda não se chegou a um resultado definitivo, mais pelas peculia-ridades do direito material aplicado do que em virtude das diferenças de princípios só de processo, se este pudesse ser considerado isoladamente.

A reaproximação dos ramos do direito processual e a formulação de uma teoria geral trouxeram benefícios, mas também algumas defor-mações que é preciso observar.

O direito processual civil, por razões que não vem ao caso agora discutir, apesar de muito interessantes, evoluiu cientificamente com maior rapidez que o direito processual penal, consagrando suas teo rias, plasmando seus institutos, merecendo, inclusive, maior destaque biblio-gráfico. Isso ocorreu, por exemplo, na formulação da teoria da ação, suas condições, os pressupostos processuais, os princípios da compe-tência, a coisa julgada etc.

A aproximação do processo civil ao processo penal enriqueceu este último, obrigando à meditação sobre temas anteriormente não cogitados, como as condições da ação penal, a natureza jurídica dos provimentos jurisdicionais penais, a coisa julgada penal etc. Todavia, nem sempre as conclusões foram proveitosas e adequadas. Em contra partida, o processo civil recebeu uma nova visão publicística que o auxilia a superar a ten-tadora subordinação de seus princípios ao direito privado que ordinaria-mente aplica. Por outro lado, há de se reconhecer que a teoria geral do processo civil foi desenvolvida a partir de um processo-modelo: o da ação condenatória simples de cobrança ou de indenização, entrando a teoria geral em crise diante de temas como os procedimentos especiais, a própria execução, o processo em que se aplicam direitos de ordem pública ou outros, cuja peculiaridade repercute no processo de modo a exigir reestudo de seus temas fundamentais, aparentemente consagrados.

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Assim, por exemplo, nos processos de acidentes do trabalho, em virtude do interesse público envolvido, diferentes são os poderes do juiz, que pode, inclusive, em determinados casos, julgar ultra petita, havendo quem entenda, também, não se aplicar, no caso, o princípio da proibição da reformatio in pejus na apelação quando necessário ajustar o julgamento, em favor do acidentado, ainda que este não tenha apelado.

Estas considerações pretendem, em suma, explicar as seguintes ideias:

1) No direito processual há uma parte comum a todos os ramos especiais do processo, que justifica a formulação de uma teoria geral.

2) É necessária a continuação do labor científico da doutrina para a precisa determinação dos verdadeiros princípios gerais do processo, evitando a extensão de ideias privativas de determinado ramo a outro.

3) É preciso reconhecer que o processo civil, como tratado tradi-cionalmente, ainda apresenta pontos críticos de solução insatisfatória, que o submetem aos interesses imediatos definidos no direito material, com prejuízo do equilíbrio das partes, da correta aplicação da ordem jurídica como um todo etc.

No que se refere ao sistema do direito processual, são inegáveis os benefícios trazidos pela teoria geral do processo, mas a sua formu-lação está incompleta, havendo muito o que fazer para se chegar a um abrangente conjunto de princípios omnivalentes, que informem o pro-cesso civil, o processo penal (comum e militar), o processo do trabalho e o processo eleitoral. Reduzindo o grau de generalidade, deve ser formulada uma teoria geral do processo civil, uma do processo penal e assim por diante, com princípios plurivalentes. Reduzindo ainda mais o âmbito, cada um dos sistemas pode comportar subsistemas em círcu-los concêntricos ou na forma de organograma em que a célula superior abrange e informa as a ela inferiores.

TEORIA GERAL DO PROCESSO

TGPCivil TGPPenal TGPTrabalho TGPEleitoral

E assim, desdobrando-se:

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TEORIA GERAL DO PROCESSO CIVIL

PCSingular PCColetivo PCJuizados

TEORIA GERAL DO PROCESSO PENAL

PPComum PPMilitar PPJuizados

TEORIA GERAL DO PROCESSO DO TRABALHO

PTSingular PTColetivo

Assim, num primeiro nível dentro do sistema geral do direito proces-sual, encontram-se os sistemas do direito processual civil, do direito pro-cessual penal, do direito processual do trabalho e do processo eleitoral.

Dentro do processo civil é possível distinguir, sem a menor dúvi-da, a existência de três sistemas com princípios próprios: o do proces-so civil comum singular, o do processo civil das ações coletivas e o do processo civil dos juizados especiais. Não é mais possível tentar enten-der ou resolver problemas das ações coletivas com os princípios do processo civil comum, que nasceu e foi idealizado a partir de um autor e um réu, como ocorria no processo romano da ordo judiciorum priva-torum. O processo civil brasileiro assim foi até a década de 1980, em que o litisconsórcio e a intervenção eram exceções, em que a legitimi-dade ordinária era da pessoa individualizada, e a extraordinária excep-cional; a litispendência e a coisa julgada exigiam a tríplice identidade e limitavam-se às partes. O advento da Lei n. 7.347/85 e do Código do Consumidor trouxe uma série de novos tratamentos para essas situações, as quais, contudo, continuaram a ser analisadas do ponto de vista do processo singular, que se mostrou inadequado para resolver questões como a da competência, da abrangência dos efeitos da sentença e mes-mo da coisa julgada nas ações de âmbito nacional, entre outras.

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Não se percebeu, pelo menos imediatamente, que estava sendo instituído um novo sistema processual, que deve ser construído sob a luz de seus princípios próprios. Não se exclui a existência em nível de maior generalidade, de uma teoria geral do processo civil, mas limita-da aos conceitos que possam ser aplicados a ambos os sistemas. Assim, por exemplo, já não se pode adotar um conceito comum de legitimida-de para agir: nas ações coletivas não se pode dizer que na legitimação ordinária alguém age em nome próprio sobre direito próprio e na ex-traordinária alguém age em nome próprio sobre direito de terceiro, uma vez que nesse sistema ordinária é a legitimação das associações.

Parece que, após a formulação classificatória do que seria perten-cente a uma teoria geral do processo civil e o que merece tratamento específico num ou noutro sistema, seria o caso de pensar em um Có-digo do Processo coletivo, com soluções próprias a seus objetivos.

O terceiro sistema a considerar é o dos juizados especiais, o qual, apesar de já ter nascido com autonomia um pouco maior, ainda se ressente de um atrelamento ao processo civil comum nem sempre co-erente com os princípios próprios.

Fenômeno idêntico ocorre com o processo penal, o do trabalho e o eleitoral, que constituem não procedimentos especiais do processo comum, mas sistemas com princípios próprios e que comportam tam-bém subsistemas.

Não é possível, agora, sequer ensaiar a identificação dos princí pios e seus diversos graus de generalidade, da Teoria Geral do Processo para os sistemas e subsistemas, mas fica o desafio que, tenho certeza, se enfrentado trará valiosa contribuição ao estudo do processo.

Convém, finalmente, lembrar que o direito processual civil, que em suma é o tema deste trabalho, apresenta um desenvolvimento lógi-co bastante rigoroso, de modo que todos os seus institutos reciproca-mente se implicam, não podendo o intérprete perder de vista essa cir-cunstância, que não é encontrada em outros ramos do direito que guardam compartimentos estanques, inclusive principiologicamente distintos. Assim, é nossa intenção dar essa visão unitária intrínseca, recorrendo sempre aos princípios gerais para o correto entendimento dos institutos do processo, mesmo em suas partes especiais.

E fundamental é o respeito aos princípios. Afinal, mais grave do que violar uma norma é violar um princípio, uma vez que atinge as bases do sistema, apesar de estarmos presenciando violações de prin-cípios nos casos concretos e na própria lei.

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2. Uma visão política do processo

É costume descrever a evolução do direito processual, destacan-do o esforço da doutrina em demonstrar sua autonomia em relação ao direito material. Aliás, o trabalho científico nesse sentido procurou, desde os tempos mais antigos, identificar o que havia de processual nos mecanismos de aplicação do direito primitivo.

Na verdade, porém, somente a evolução dos séculos separou as entidades, porque, afora os casos de aplicação do direito dentro de uma estrutura privada, como o período da ordo judiciorum privatorum ro-mano, em que ao Poder Estatal não interessavam as pretensões parti-culares em debate ou em conflito, normalmente a atividade de aplicação do direito confundia-se com a atividade administrativa do Poder Esta-tal, e era feita segundo o interesse dominante deste último. A história isto nos mostra: até a Idade Moderna havia duas atitudes dos juí zes, representantes sempre da Administração: se a lide não interferia nas coisas do Soberano, a justiça era concedida como vênia; se interferia, o juiz agia como seu agente.

Nesses termos, e com essa situação, é forçoso concluir que, ver-dadeiramente, o processo autêntico surgiu quando o Estado, proibindo a justiça privada, avocou para si a aplicação do direito como algo de interesse público em si mesmo e, além disso, estruturando o sistema de direitos e garantias individuais, interpôs os órgãos jurisdicionais entre a Administração e os direitos dos cidadãos, tornando-se, então, o Poder Judiciário um poder político, indispensável ao equilíbrio social e democrático, e o processo um instrumento dotado de garantias para assegurá-lo, como nos itens seguintes se exporá.

Parece, por conseguinte, importantíssima para a atual compreensão do processo essa visão política, destacando-se a função que exerce no sistema de garantia de direitos subjetivos públicos e privados, para depois estudar sua formulação técnica.

De início, essa diferente metodologia pode oferecer alguma difi-culdade de entendimento, mas depois, acredita-se, abrirá novos hori-zontes para a compreensão do direito processual vigente. No campo do processo penal, a conotação política dos institutos sempre foi mais presente, porque envolvido o direito em liberdade individual, e o que se deseja é transportar tal visão também para o processo civil, ou me-lhor, para o processo como um todo, libertando-o de vez dos interesses particulares envolvidos.

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Capítulo 1

Noções gerais

3. O direito e a realização de valores

Norma jurídica e sociedade — O direito e os conflitos de interesses — Classificação dos interesses — O direito e seus valores cons-titutivos — Atitudes de estudo sob que se pode analisar a relação entre valores e direito.

4. O valor da pessoa humana como fundamento do direito

Direito e realização de valores — Concepção formal de Stammler — O valor da pessoa humana como valor supremo do direito.

5. A evolução do pensamento filosófico e o processo como instru-mento dos direitos subjetivos

5.1. A antiguidade greco-romana

Sócrates, Platão e Aristóteles — O gênio jurídico romano.

5.2. O cristianismo

Valorização da pessoa humana — Santo Agostinho — Santo Tomás — Origem divina do poder.

5.3. A Magna Carta e as Constituições de Federico II di Svevia

Conteúdo histórico e principiológico.

5.4. Do contratualismo às declarações de direitos

Mudança da fonte do Poder: de Deus para a própria socie-dade — A efetivação das garantias nas primeiras declara-ções de direitos.

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5.5. Época Contemporânea

Incorporação das garantias nas Constituições modernas e na Declaração Universal dos Direitos do Homem.

5.6. Os direitos e garantias fundamentais na Constituição Fede-ral brasileira

Classificação: direitos materiais, garantias formais e garantias instrumentais — Concepção de Hans Kelsen.

6. Direito material e direito processual

Sistemas de efetivação de direitos: autotutela, autocomposição e jurisdição — Outra concepção: sistema do arbítrio do detentor do poder e sistema de garantias do processo — O processo e a cria-ção do direito — Doutrina unitária e dualista do ordenamento jurídico.

7. Atividade legislativa, administrativa e jurisdicional: seu rela-cionamento

Descrição — Nota característica da jurisdição — A proibição da justiça pelas próprias mãos — Exceções — Jurisdição, processo e procedimento — Natureza jurídica do processo — Relaciona-mento entre poder administrativo e Judiciário: sistema do con ten-cio so administrativo e da jurisdição única — Anulação e revoga-ção do ato administrativo — Judiciário e defesa da Constituição — Jurisdição contenciosa e voluntária.

8. O direito constitucional de ação e a tutela jurisdicional

Evolução histórica da oficialização da justiça — O direito de ação como garantia constitucional — Condições de exercício da ação: legitimidade para a causa, interesse processual e possibilidade jurídica do pedido — Condições da ação e mérito — Obri ga to rie-da de da jurisdição e as formas de tutela: de conhecimento, de execução e cautelar.

9. As garantias constitucionais do processo

9.1. Garantias gerais

Conceito — Garantias da magistratura — Proibição de tri-bunais de exceção — O duplo grau de jurisdição — Exclusão

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do juiz impedido e suspeito — Sistema de apreciação da prova: persuasão racional — A publicidade — Crimes contra a distribuição da justiça.

9.2. A garantia da coisa julgada

9.3. Os princípios constitucionais do processo penal

A ampla defesa — Instrução contraditória — Sistema acu sa-tó rio — Clareza da acusação — Citação regular — Defesa técnica — A verdade real — Disciplina da prisão em fla-grante e da fiança — Nota de culpa.

9.4. Os princípios constitucionais do processo civil

Princípio da igualdade: o contraditório — Distribuição das faculdades processuais — Exceção às faculdades do contra-ditório.

10. O direito processual civil

Conceito e campo de atuação — Os diversos ramos do direito pro-cessual — Conceito do direito processual civil — Aplicação por exclusão.

11. O Código de Processo Civil

Notícia histórica do direito processual civil brasileiro: Ordenações — Regulamento n. 737, Legislações estaduais, Código de 1939, Código vigente — Estrutura do Código.

12. Direito processual e organização judiciária

Fontes legais do direito processual — Competência estadual para a organização judiciária — Natureza das normas de organização judiciária — Seu conteúdo.

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3. O direito e a realização de valores

A história das civilizações tem demonstrado que a sociedade, em seus diversos graus de desenvolvimento, inclusive os mais primitivos, sempre esteve moldada segundo normas de conduta. Aliás, poder-se-ia estudar cada civilização do ponto de vista normativo, compreendendo suas características pelo conjunto de regras dentro do qual se desen-volveu a ação humana. Daí já se ter dito que a própria história se apresenta como um complexo de ordenamentos normativos que se sucedem, se contrapõem e se integram1.

O estudo das normas de conduta ensina, também, que, apesar de nascerem dos homens e para os homens, as regras sociais não podem ser dispensadas por eles, porque constituem condição essencial de convivência, desde que se pressuponha o relacionamento entre dois indivíduos, isto é, desde que o homem não esteja absolutamente só. Na sociedade, as normas se adaptam, se modificam, crescem ou diminuem em número aparente, mas jamais desaparecem.

Outra verdade histórica é a de que as regras de conduta, escritas ou costumeiras, jamais são tão numerosas a ponto de preverem todas as hipóteses de comportamento humano, mas o direito, como solução normativa, mesmo diante de fatos novos, apresenta definição para essas hipóteses, porque tem como característica a unidade e a totalidade. O direito, pois, é não apenas direito escrito ou previamente consagrado, mas também integral determinação da conduta humana, e, por isso mesmo, ontologicamente indivisível. Pode didaticamente dividir-se em ramos ou espécies, mas na essência é uno.

Investigando a raiz ou o porquê do complexo de normas de con-duta, existente enquanto existe sociedade, constata-se que tem ele por

1. Norberto Bobbio, Teoria della norma giuridica, Torino, G. Giappichelli, 1958, p. 5.

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finalidade a garantia da subsistência de certos valores, certos bens, considerados como necessários, úteis ou convenientes, e, portanto, merecedores de proteção.

O conteúdo da norma jurídica, portanto, é um valor que recebe tutela contra o descumprimento, por intermédio da parte da norma, chamada sanção. As sanções podem ser específicas ou compensató rias. São específicas quando o direito está capacitado a fazer ou dar o bem que voluntariamente não foi concretizado pelo indivíduo que descumpriu a regra jurídica; são compensatórias quando, diante da impossibilidade material ou moral de substituir o bem não alcançado voluntariamente, estabelecem compensação em favor do prejudicado.

O mecanismo de bens e valores tutelados pelas sanções existe porque ao homem interessa a apropriação desses bens, que não são ilimitados. Decorre daí a necessidade de sua regulamentação para a per ma nência harmônica da convivência social, porque a convivência so cial em si mesma também é considerada um bem, ou, pelo menos, é huma namente inevitável.

Explica Francesco Carnelutti2 que, se interesse é uma situação favorável à satisfação de uma necessidade; se as necessidades são ili-mitadas; se são, todavia, limitados os bens, isto é, a porção do mundo exterior apta a satisfazê-las, correlata à noção de interesse e de bens é a noção de conflito de interesses. Há conflito entre dois interesses quando a situação favorável para a satisfação de uma necessidade exclui a situação favorável para a satisfação de uma necessidade diversa.

Carnelutti vê, na base da ordem jurídica, o conflito de interesses a exigir a regulamentação das diversas expectativas humanas sobre o mesmo bem. Note-se, porém, que o termo “conflito” tem gerado inter-pretações divergentes na doutrina, levando a conclusões muitas vezes improfícuas. Com efeito, imaginar ou definir conflito de interesses como divergência concreta, luta, debate em ato é restringir demais a atuação do direito e, como veremos adiante, do processo, tornando inexplicáveis fenômenos como, por exemplo, o da jurisdição voluntária e o próprio processo penal.

Parece mais adequado, portanto, falar em “convergência de interes-ses” sobre os bens, sendo o direito o instrumento de regulamentação

2. Francesco Carnelutti, Sistema del diritto processuale civile, Padova, 1936, v. 7, p. 3.

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dessas convergências, consideradas pelas normas jurídicas como neces-sariamente existentes, gerando conflitos, reais ou hipotéticos, virtuais.

O direito, portanto, não existe somente para resolver os conflitos de pessoas ou entre pessoas, mas também para evitar que ocorram, prevenindo-os. Na verdade, pois, o conflito é de interesses, e não de pessoas. Por outro lado, é preciso observar que, diante da simples hi-pótese de conflito, o direito previamente limita ou define o que cabe a cada um, tratando-se o conflito de uma divergência entre a atuação dos sujeitos e a vontade da lei.

O direito, por conseguinte, não depende do conflito entre as pes-soas, mas existe exatamente para evitá-los, atribuindo a cada um a sua parcela de participação nos bens naturais e sociais. É importante lem-brar, também, que, ao regulamentar a satisfação dos interesses, o direi-to leva em consideração não só os interesses dos indivíduos A ou B, mas também os interesses coletivos e, ainda, os interesses que trans-cendem as necessidades individuais e são focalizados como imposições da sociedade, como pretensão de valores superiores à vontade indivi-dual, sobre os quais as pessoas não têm disponibilidade, con subs tan-ciados no termo “interesse público”, bem como, mo der na men te, “inte-resses ou direitos difusos”.

O interesse convergente sobre bens, portanto, pode ser:

a) individual, quando afeta uma pessoa;

b) coletivo, quando afeta um grupo de pessoas, representando a soma dos interesses individuais;

c) público, quando transcende, inclusive, a soma dos interesses individuais e afeta a sociedade como um todo, em seus objetivos bá-sicos.

O Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), classificou os direitos coletivos em individuais homogêneos, coletivos e difusos. Ainda que suas definições sejam essenciais para institutos como a ação civil pública, a legitimidade do Ministério Público e outros, não há necessidade neste momento de examiná-los, o que será feito ao se tratar da ação civil pública.

O direito disciplina todos esses interesses que se contrapõem, às vezes se superpõem, se contradizem, se interdizem, se interferem, se influenciam. O vórtice de interesses, ademais, se incrementa em vir-tude de conflitos entre suas diversas categorias. Assim, por exemplo,

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perante determinado fato, podem convergir um ou diversos interesses individuais, um interesse coletivo e, também, o interesse público. Cabe ao direito, portanto, sua disciplina, determinando, em cada caso, qual deve prevalecer, qual deve ser satisfeito. O critério de escolha decorre do valor que pretende o direito ver prevalecer.

Aliás, é impossível compreender o direito com abstração de seus valores constitutivos, como afirma Miguel Reale3, devendo-se, porém, evitar os dois extremos: o dos que pretendem, a todo transe, atingir um conceito de direito livre de qualquer nota axiológica, projetando a ideia de justiça fora do processo da juridicidade positiva (Stammler e Del Vecchio); e, de outro lado, o dos que identificam positividade jurídica e justiça, indivíduo e sociedade (Hegel, Gentile, Binding).

Não é possível, portanto, estabelecer um conceito puramente formal de direito, ou seja, o de um direito que exista independentemente de fundamento, só porque foi editado, e, também, é impossível, no extre-mo oposto, um direito que se confunda com a própria ideia de justiça absoluta.

O direito tem por fim a realização da justiça, que, ademais, o jus-tifica. Mas, em determinado momento histórico, pode a realidade concreta deixar de atender ao valor da justiça que deve ser concretiza-da pela realidade jurídica. Aliás, a justiça é também um conceito his-tórico, isto é, depende das circunstâncias socioculturais e, inclusive, da perspectiva subjetiva necessariamente condicionada de cada pessoa que analisa o direito positivo, em certa medida.

O direito pode ser analisado sob quatro atitudes relativamente aos valores:

1) A primeira refere-se à realidade jurídica, isto é, ao direito po-sitivo, aos valores, considerando o direito como fato cultural. É esta a atitude essencial da ciência do direito, que o examina como um dado, referindo-o, porém, ao valor que pretende realizar ou que deveria rea-lizar.

2) A segunda é a atitude valorativa, que considera o direito como um valor de cultura, analisando-lhe os pressupostos; é esta a atitude essencial da filosofia do direito.

3. Miguel Reale, Filosofia do direito. São Paulo, Saraiva, 1972, p. 615.

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3) A terceira é a atitude superadora dos valores, que considera o direito de forma transcendente; é a atitude da filosofia religiosa do direito.

4) Finalmente, a quarta é a do estudo do direito como um fato social, atitude não valorativa, que é própria da sociologia do direito4.

A atitude do jurista, portanto, diante do direito, é a primeira, en-carando-o como é, e não como deve ser. Os valores que o integram serão analisados como um de seus elementos, junto com a norma e o fato, referidos todos a um momento histórico-cultural. Não se abstrai-rá, portanto, da realidade positiva, porquanto o estudo da ideia do di-reito ou do direito ideal em si mesmo escapa, como vimos, do campo da ciência do direito.

Estas observações preliminares são importantes em virtude de duas tendências igualmente inadequadas que devem ser evitadas: a de tirar do direito positivo seu conteúdo ou referência axiológica ou a de des-prezar a realidade normativa ou fática, dando ao direito o conteúdo que deveria ter ou que gostaríamos que tivesse.

O perigo aumenta quando o direito define os direitos fundamentais individuais, também denominados liberdades públicas, matéria em que tem grande importância a concepção filosófica e moral do homem e da sociedade. Ela influirá na interpretação do direito positivo, mas não poderá, evidentemente, alterá-lo.

4. O valor da pessoa humana como fundamento do direito

O conteúdo valorativo do direito, como vimos, especialmente no que se refere aos direitos individuais, e dos direitos subjetivos em geral, é importantíssimo porque interfere, inclusive, na aceitação da existên-cia do direito natural ou de um direito inerente à pessoa humana.

Todas as consagrações constitucionais dos direitos individuais supõem a existência de alguns direitos básicos da pessoa humana, os quais pairam, inclusive, acima do Estado, porquanto este tem como um de seus fins principais a garantia desses direitos.

4. Gustav Radbruch, Filosofia do direito, São Paulo, Saraiva, p. 13.

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Tal concepção, porém, tem sido objeto de críticas tanto pelos po-sitivistas quanto pelos que sustentam o direito puramente formal. Os primeiros porque não admitem no direito nenhuma estimativa de valor, ou o direito natural, e os outros, porque afirmam não existir direitos fora ou acima do Estado ou da ordem jurídica estabelecida, já que os direitos individuais seriam apenas os garantidos por um or de na men to constitucional em dado momento histórico e em dado lugar. Ambas as posições, porém, são extremadas e unilaterais, portanto inaceitáveis.

O direito talvez cronologicamente coincida com o homem e a sociedade, mas não pode ser entendido senão em função da realização de valores, no centro dos quais se encontra o valor da pessoa humana. Aliás, toda ordem jurídica não teria sentido se não tivesse por fim ou conteúdo a realização desses valores. Logicamente, portanto, o valor da pessoa humana antecede o próprio direito positivo, con di cio na-o e dá-lhe razão de existir.

Mesmo os defensores do formalismo jurídico, como Stammler e Del Vecchio, não conseguiram concepção puramente formal da reali-dade jurídica, porquanto admitiram, como bases do direito, princípios ou máximas que, no fundo, são princípios éticos.

Stammler5, por exemplo, apesar de seu formalismo, acaba enun-ciando princípios de um direito justo, cedendo, pois, aos conceitos éticos, que são os seguintes:

1) Princípios de respeito:

a) uma vontade não deve nunca ficar à mercê do arbítrio do outro;

b) toda exigência jurídica deverá ser de tal forma que o obrigado seja visto como o próximo, isto é, como um semelhante.

2) Princípios de solidariedade:

a) um indivíduo juridicamente vinculado não deve nunca ser ex-cluído da comunidade pela arbitrariedade de outro;

b) todo poder de disposição outorgado pelo direito só poderá ex-cluir os demais de tal modo que, no excluído, se veja o próximo, um semelhante.

Stammler tenta ainda afirmar que os princípios do direito justo teriam apenas a significação de “pensamentos metódicos” que ajudem

5. Rudolf Stammler, Filosofía del derecho, Madrid, 1930, p. 257 e s.

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a escolher, dentre normas jurídicas concretas que se ofereçam como decisivas e que apareçam no curso histórico, a norma justa.

Todavia, é inegável que o critério é valorativo e suprajurídico, a demonstrar a existência de algo que o direito deve preservar e que se encontra acima da realidade jurídica histórica.

Esse valor supremo é o valor da pessoa humana, em função do qual todo o direito gravita e constitui sua própria razão de ser. Mesmo os chamados direitos sociais existem para a proteção do homem como indivíduo, e, ainda que aparentemente, em dado momento histórico, se abdique de prerrogativas individuais imediatas, o direito somente será justo se nessa abdicação se encontrar o propósito de preservação de bem jurídico-social mais amplo que venha a repercutir no homem como indivíduo.

A restrição de direitos individuais, portanto, tem sentido e conte-údo quando a prevalência da vontade de um indivíduo pode representar a destruição ou perigo de destruição de outras vontades individuais legítimas.

É certo que a concepção filosófica de determinada sociedade e, portanto, de determinado direito pode influir na maior ou menor dosa-gem de faculdades individuais, mesmo porque pode variar a própria concepção que se faça da pessoa humana, seu destino, suas necessida-des, sua essência espiritual ou material etc.

Daí, então, para fazermos obra jurídica, devemos analisar no atual sistema constitucional e processual brasileiro as garantias e direitos individuais como previstos no direito positivo, sem esquecer, porém, sua referência aos valores que tendem a realizar, os quais, por outro lado, não são estudados como realidades autônomas, porque, neste caso, a obra não seria mais jurídica, e sim filosófica.

5. A evolução do pensamento filosófico e o processo como instru-mento dos direitos subjetivos

5.1. A antiguidade greco-romana

Após as escolas de Heráclito, a eleática e a pitagórica, em que as leis humanas se confundiam com o princípio do Cosmo, coube aos sofistas, com o seu espírito crítico, trazer as indagações a respeito das leis humanas para o campo da vontade do homem, na forma em que se

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realiza na experiência. Deixou-se, então, a procura de um princípio universal e desenvolveu-se a análise do mundo das normas de conduta como ele se apresenta.

Sócrates, nascido na escola sofista, foi o mestre da razão. Com isto se afastou dos sofistas, porque via nas leis um fundamento racional, e não arbitrário. Erigiu como dogma racional a obediência às leis, ainda que injustas, porque o bom cidadão deve mesmo obedecer às leis e nunca induzir outros a desobedecerem aquelas necessárias para garan-tia do Estado, que é indispensável à convivência.

O homem em face do Estado já é visto como individualidade, mas a concepção de vida grega foi eminentemente política, intelectual e filosófica, de modo que não se indagou a respeito de direitos do homem como indivíduo contra o Estado, nem, por consequência, o mecanismo para sua efetivação.

Platão, discípulo de Sócrates e que ensinou em forma de diálogos, concebeu o mundo das ideias como a verdadeira realidade, do qual o mundo dos sentidos, imperfeito, seria mero reflexo. Após desenhar em A república o mundo ideal, em que governariam os sábios, reconhece, no diálogo As leis, as deficiências do mundo empírico. Revela, neste último, um grande respeito à personalidade humana, circunscrita, porém, sempre aos homens livres, ao passo que no primeiro predominara o Estado ideal. No diálogo O político, Platão concebe um governante também sujeito às leis do Estado, sujeição necessária para que o Esta-do não caia na anarquia.

Posteriormente, Aristóteles, pai da Lógica e expoente do pensa-mento grego, também fundamenta o direito em princípios éticos, em que o supremo bem é a felicidade decorrente da justiça, à qual dedicou estudo minucioso. Apesar de aceitar a escravidão, admite uma justiça entre o Estado e o indivíduo, chamada justiça distributiva, consagrada na fórmula: cada um deve receber honras e bens segundo seus méritos. O homem, ser político, só poderia viver dentro do Estado, mas neste seriam admitidas formas intermediárias como as famílias, tribos e al-deias. Preocupou-se, também, Aristóteles com a aplicação das leis, prevendo a equidade como instrumento corretivo da rigidez da justiça. Fez a distinção entre os poderes ou funções do Estado — Legislativo, Executivo e Judiciário.

A concepção filosófica grega, todavia, é evidente que historica-mente condicionada, não concebeu sistema de garantias dos indiví duos

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contra o Estado ou os governantes porque a violação da personalidade do cidadão merecia a reprovação da polis, por força de um julgamento ético e político, e não juridicamente institucionalizado.

Se o espírito grego foi filosófico, o gênio romano foi jurídico. Os juristas romanos tinham formação filosófica e conheciam os pensadores gregos, mas sua preocupação foi eminentemente prática. Reconheceram a possibilidade de divergência entre o justo e o lícito: nem tudo que é lícito é honesto, consagraram seus juristas. Conceberam três estratos de ordem jurídica: o jus naturale, racional e perpétuo, supe rior ao ar-bítrio humano; o jus gentium, inicialmente considerado o direito dos estrangeiros, mas posteriormente identificado como elemento comum dos diversos direitos positivos; e o jus civile, reservado aos cidadãos, formal e solene, regulador das relações individuais.

A superioridade e a racionalidade do jus naturale, que não admitia, por exemplo, a escravidão, não tinha a força de retirar a validade do jus gentium que a admitia. Como explica Del Vecchio, “o simples re-conhecimento de que o direito positivo é contrário ao direito natural não basta de per si para o abolir, mas determina uma tendência para a sua reforma ou modificação, também no momento da aplicação judicial da lei mediante a aequitas”6.

A preocupação romana, contudo, foi o relacionamento in terin di vi-dual, alcançando, como se sabe, o processo romano alto grau de evo-lução, ainda hoje admirado. Em suas três fases (a das ações da lei, o período formulário e o da cognitio extra ordinem), foi aprimorando a aplicação do direito, mas em nenhum momento o mecanismo judicial se estruturou no sentido de garantir a pessoa contra a vontade do im-perador.

5.2. O cristianismo

Inegavelmente, foi a doutrina cristã que mais valorizou a pessoa humana, definindo o homem como criado à imagem e semelhança de Deus. Por meio dessa concepção, estabelecendo um vínculo entre o indivíduo e a divindade, superou-se a concepção do Estado como úni-ca unidade perfeita, de forma que o homem-cidadão foi substituído pelo

6. Giorgio Del Vecchio, Lições de filosofia do direito, Coimbra, 1959, v. 1, p. 69.

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homem-pessoa. Imediatamente, sentiu-se tal influência na mitigação das penalidades atrozes, no respeito ao indivíduo como pessoa e em outros campos.

Todavia, atingindo Roma em pleno Império e assistindo sua deca-dência, teve de adaptar-se às condições da época, e atuou mais como fator suasório à consciência do soberano que como nova estrutura social, a partir do Imperador Constantino.

A primeira das grandes escolas cristãs, a Patrística, da qual Santo Agostinho é o maior representante, concebeu o Estado terreno como profundamente imperfeito e somente justificado como transição para o Estado divino, a Civitas Dei. O direito natural era, por outro lado, manifestação pura da vontade de Deus, à qual os direitos terrenos de-veriam submeter-se.

A segunda grande escola, a Escolástica, com Santo Tomás de Aquino, afasta-se da concepção pessimista da realidade humana, bus-cando, à semelhança de Aristóteles, no homem a natureza associativa e a potencialidade da constituição de um Estado justo e aceitável. Daí Santo Tomás prever três categorias de leis: a lex aeterna, decorrente da própria razão divina, perceptível por meio de suas manifestações; a lex naturalis, consistente nas regras determinadas pela participação da criatura racional na lei eterna, e, finalmente, a lex humana, consistente na aplicação da lex naturalis em casos concretos.

Para Santo Tomás, o Estado, como produto natural necessário, é uma imagem do reino divino, mas deve ser respeitado, inclusive quan-do, em determinado momento, a lex humana violar a lex naturalis. A insubmissão só será possível se aquela violar a lex aeterna. Por esse motivo, pode o Papa, representante do poder divino, punir o soberano, dispensando os súditos do dever de obediência quando o Estado con-trariar a Igreja. Essa concepção, que teve grande importância na Idade Média, somente atuou nas grandes violações dos chamados direitos humanos quando se colocou em jogo a própria integridade da Igreja ou o respeito a seus ditames. Não serviu, porém, para institucio nalizar os direitos da personalidade contra o Estado e os meios de sua defesa.

Outro aspecto importantíssimo da doutrina eclesiástica é o de que todo poder deriva de Deus, e nele devem ser estabelecidos seus limites ou formas de atuação, e, se se valorizou a pessoa humana, todavia não se instrumentalizou o mecanismo concreto de sua proteção.

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A supremacia da Igreja sobre o Estado, entretanto, entrou em discussão, especialmente em virtude dos pensadores ingleses, que, distantes do Papa, passaram a conceber os dois poderes, espiritual e temporal, como paralelos, e não o segundo como submetido ao primei-ro, o que determinou, posteriormente, a eclosão da reforma religiosa.

Concomitantemente, desenvolvia-se na Inglaterra e em outras do-minações europeias uma tradição de garantia do indivíduo, como vere-mos, que propiciou o surgimento da doutrina contratualista, a qual in-verteu a fonte e origem do poder, de Deus para os próprios homens.

5.3. A Magna Carta e as Constituições de Federico II di Svevia

A Magna Carta tem sido referida como o marco decisivo entre o sistema de arbítrio real e a nova era das garantias individuais. É preci-so, porém, analisá-la no que se refere ao seu conteúdo como documen-to histórico, condicionado às circunstâncias da época, e como docu-mento consagrador de um princípio modernamente acatado como in-dispensável pela civilização ocidental.

Como descreve André Maurois7, quando os barões obrigaram João Sem Terra, em 1215, a firmar a Carta, as modernas ideias de liberdade nem sequer tinham sido formadas. “Liberdades”, aliás, significavam “privilégios” para os barões, tais como o de não pagar ao rei taxas extraordinárias sem votação prévia deles próprios, o de escolher os próprios oficiais ou o de manter uma corte de justiça.

A ideia de direitos individuais, portanto, ainda não se formara no sentido que se tem hoje, de direitos iguais para todos e que contra todos podem ser contrapostos, por via de um poder estatal autônomo, o Ju-diciário. A Carta valeu, porém, por uma felicidade de redação, para que as gerações posteriores lessem o texto como fixador de princí pios mais gerais, de obediência à legalidade, da existência de direitos da comu-nidade que o próprio rei deve respeitar.

É certo, também, que mesmo antes da Magna Carta já a justiça era distribuída com certas garantias, como é certo, ademais, que mesmo posteriormente foi esquecida, como, por exemplo, sob os reis Tudor, e descumprida, apesar de jurada, como sob o reinado de Henrique III.

7. André Maurois, História da Inglaterra, Rio de Janeiro, Pongetti, 1959, p. 98 e s.

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Já no tempo de Henrique I, antes de João Sem Terra, este, no dia da coroação, outorgara uma carta que prometeu cumprir, e desenvolveu-se, então, a instituição do júri, composta de pessoas do local, convoca-das para apreciar a matéria de fato nos processos criminais, o que re-presentava garantia de justiça. O crime passou a ser considerado um atentado à paz real e foi avocado para as cortes oficiais, primitivamen-te presididas pelo sheriff e, posteriormente, pelos juízes vindos da Corte Real, assistidos pelos júris locais. Dada a seriedade do julgamen-to, particulares passaram a fazer uso do júri real para a solução de suas pendências, o que foi admitido mediante pagamento.

O júri, na verdade, representou enorme evolução em relação ao sistema das ordálias ou juízos divinos, pelo fogo ou pela água, já ina-dequados à consciência da época, de forma que todo indivíduo passou a preferir ser julgado por ele, porque composto de vizinhos que apre-ciavam a informação de testemunhas.

O júri, porém, é anterior à Magna Carta. Desde 1166, a cada ano, em data fixa, partiam juízes da corte, precedidos de um Writ (mandado) ao sheriff para que este convocasse determinado número de pessoas significativas na cidade, presidindo tais juízes essa assembleia e o júri nomeado pela assembleia entre os homens livres. Cabia ao júri, inclu-sive, a acusação dos suspeitos de crimes, passando posteriormente a função de acusador ao grande júri, mais numeroso, e a função de jul-gador sobre a verdade da acusação ao pequeno júri, aumentando as garantias dos acusados8.

Quando, em 1215, os barões, relembrando a Carta de Henrique I, enviaram a João Sem Terra a diffidatio e o obrigaram sob a força das armas a assinar a Magna Carta, tal situação não mudou, mesmo porque não era dirigida às garantias do homem da comunidade. Valeu como a definição de princípio da monarquia limitada, sem repercussão, porém, na época, às massas. Tanto que não foi traduzida para o inglês antes do século XVI, e sua vigência foi suspensa pelo Papa.

Modernamente, porém, a sensibilidade jurídica aprecia seus prin-cípios como fundamentais para as garantias do indivíduo.

Dentre eles se destacam o princípio do habeas corpus e o do júri, consagrados no seguinte texto: “Nenhum homem livre será encarcera-

8. A. Maurois, História, cit., p. 90.

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do ou exilado, ou de qualquer forma destituído, a não ser pelo jura-mento legal dos seus pares e por lei do país”. Do mesmo texto se extrai, também, a exigência do devido processo legal, due process of law, e a da legalidade. Viu-se, também, na Magna Carta o princípio da legali-dade dos tributos e o respeito aos direitos adquiridos.

No continente europeu, porém, no decorrer do século XIII, maior influência teve a concepção de Estado e de organização jurídica de Federico II de Svevia. Este soberano, partindo do reino da Sicília e projetando-se para a Itália, impôs, por meio das “Constituições de Melfi”, um conjunto de leis que todos eram obrigados a respeitar, in-dependentemente das condições sociais, da religião que praticavam e dos privilégios que os nobres ainda tinham.

As Constituições de Melfi consagravam os seguintes princípios mais importantes: 1) a justiça só poderia ser administrada por tribunais constituídos por magistrados escolhidos pelo rei, não se admitindo tribunais especiais para nobres e outros para cidadãos comuns; 2) a cidade não poderia eleger magistrados que não tinham sido aceitos pelo soberano, e os crimes, especialmente os de sangue, deveriam ser puni-dos com a morte, fosse o culpado nobre ou plebeu.

Essas disposições revelavam que Federico II desejava uma igual-dade jurídica entre os súditos, igualdade que somente poderia ser ga-rantida pelo soberano que exercia o poder, quer sobre os nobres, quer sobre os demais. Seu conteúdo, portanto, foi muito mais penetrante do que a Magna Carta, não só porque aquela era uma carta de privilégios dos nobres em face de João Sem Terra, mas, também, talvez até por causa disso, distante da comunidade como um todo.

Não se deseja afirmar que as Constituições de Melfi de Federico II de Svevia tenham produzido a consequência prática por elas preco-nizada no que se refere à igualdade jurídica, mas certamente desenca-dearam as tendências que eclodiram nos séculos XVII e XVIII, como adiante será exposto.

No plano efetivo, sem dúvida, as Constituições de Melfi foram mais significativas do que a Magna Carta, que ficou latente por vá rios sé culos9.

9. La Costituzione italiana, a cura di Renato Fabietti, Ed. Mursia, 1985, p. 17 e s.

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5.4. Do contratualismo às declarações de direitos

Firmada a Magna Carta, procurou João Sem Terra livrar-se dela, solicitando a suspensão de seu cumprimento ao Papa, e vários séculos se passaram antes que seus princípios fossem respeitados. Para que tal ocorresse, foi decisiva a influência do contratualismo. Marcílio de Pádua e Occam, nos séculos XIII e XIV, redefinem a origem do poder e da sociedade. Para eles, o Estado deriva da vontade dos homens, única substância de toda a vida social e histórica10.

Inicialmente, essa concepção teve por fim estabelecer reação con-tra o poder papal, mas, posteriormente, serviu de fundamento para a compreensão de que, se o Estado deriva da vontade contratual dos homens, estes, também por sua vontade, poderão reconstruí-lo em novas bases, com a garantia de liberdade contra o próprio Estado.

O campo estava preparado, portanto, para o surgimento da Reforma, cujo princípio fundamental foi a liberdade de consciência de Rousseau, do enciclopedismo e da Revolução Francesa. Nos Estados Unidos, decor-rente da experiência inglesa, estava preparado o espírito para as declara-ções de direitos de Virgínia, Nova Jersey e Carolina do Norte. A Revo-lução Francesa e a Independência Americana, por intermédio de declara-ções formais de direitos, consagravam, então, a experiência inglesa da Magna Carta e do Habeas Corpus Act de 1679, especialmente quanto à consciência de que direitos somente têm consistência se acompanhados dos instrumentos processuais para a sua proteção e efetivação.

Discorre Pontes de Miranda a respeito11:

“As liberdades têm que ser exercidas. Daí o tríplice problema: o da conceituação científica (enunciado); o da asseguração (e. g., inclusão na Declaração de Direitos); o das garantias. A felicidade dos ingle ses foi terem conseguido as três, de modo a completarem cedo a evolu ção política (1215-1679). E tê-las exigido antes dos outros povos euro peus, o que lhes permitiu desenvolverem-se mais, e com maior rapidez. A garantia do habeas corpus confirma o senso prático dos ingleses e ainda hoje é o melhor remédio da liberdade e o único suficiente”.

10. Cabral de Moncada, Filosofia do direito e do Estado, São Paulo, Saraiva, 1950, v. 1, p. 87.

11. Pontes de Miranda, História e prática do “habeas corpus”, Borsoi, 1962, p. 58.

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Da mesma época e de igual inspiração contratualista é o livro de Beccaria, Dos delitos e das penas, de 1764, verdadeiro repto contra a desumanidade das penas, mas na verdade mais do que isso, porque fixador do princípio da legalidade do direito penal e da limitação do arbítrio de qualquer autoridade, inclusive a judicial. Do Grande pe-queno livro, como o denominou Faustin Hélie, se extrai, na verdade, o grande ensinamento de que, além da previsão formal dos crimes e das penas, é essencial a existência de mecanismo controlador da autorida-de, isto é, de um processo cercado de garantias para que se efetive a justiça estabelecida previamente pela norma legal12.

5.5. Época Contemporânea

Das declarações formais de direitos, passou-se à sua incorporação nos textos constitucionais, inicialmente como preâmbulo e, às vezes, como capítulo autônomo.

Nossa primeira Constituição escrita, a Constituição imperial, já continha declaração de direitos e garantias, o que foi repetido e atua-lizado nas cartas posteriores.

Não cabe, aqui, discutir se as declarações de direitos pairam acima das leis e textos constitucionais ou se representam, apenas, um progra-ma político de determinado momento de evolução legal. O fato é que têm força na medida em que os textos constitucionais erigiram seus ditames como princípios informadores e de validade de toda ordem jurídica nacional, e valem na medida em que essa mesma ordem jurí-dica está preparada para torná-las efetivas.

Hoje, não há povo civilizado que negue uma carta de direitos e respectivo mecanismo de efetivação, o que, todavia, ainda não signifi-ca uma garantia de justiça concreta, porquanto esses direitos podem variar ao sabor do pensamento político ou filosófico informador de determinado Estado. Apesar de todas as declarações, da consagração das liberdades, da institucionalização das garantias, ainda assim passou e passa o mundo por vicissitudes nesse campo, em que os textos escri-tos ficam longe da realidade.

12. Basileu Garcia, Instituições de direito penal, São Paulo, Max Limonad, 1975, v. 1, p. 43 e s.

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Interessante exemplo dessa afirmação é a Constituição chinesa de 17 de janeiro de 1975, em que são garantidas todas as liberdades de palavra, de correspondência, de imprensa, de associação, as liberdades individuais, o habeas corpus e outras, mas que devem ser usadas para criar uma atmosfera política em que coexistam o “centralismo e a de-mocracia, a disciplina e a liberdade, a fim de favorecer a consolidação da liderança do partido e a ditadura do proletariado”.

Não foi em vão, portanto, após a II Guerra Mundial, a reiteração e atualização dos princípios pela Carta das Nações Unidas, na qual Recaséns Sichesl3 vê uma preocupação quase obsessiva com a proteção dos direitos e liberdades fundamentais do homem, reconsagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada solenemen-te na Assembléia Geral de 10 de dezembro de 1948.

A preocupação a respeito do tema, contudo, ainda não terminou, e, aliás, perdurará enquanto o homem for homem, tanto que se encontra em estudos na Secretaria-Geral da Organização das Nações Unidas proposta de declaração universal dos direitos processuais do homem, a fim de que, concretamente, sejam instrumentalizados os meios de efe-tivação dos direitos individuais. Dadas as peculiaridades processuais de cada país, acreditamos ser difícil a pormenorização excessiva prevista no projeto primitivo, o qual desce a detalhes como o sistema de recursos, a capacidade postulatória etc. Todavia, a preocupação é válida, e acre-ditamos viável e útil a formalização de princípios básicos do processo, único instrumento adequado à verdadeira efetivação dos direitos.

5.6. Os direitos e garantias fundamentais na Constituição Federal brasileira

Mantendo a tradição das cartas anteriores, a Constituição Federal destaca, em capítulo autônomo, os direitos e garantias individuais e co-letivos. A consagração no texto constitucional é importante, porque, dada a hierarquia das normas legais, faz com que tais disposições se sobrepo-nham, quer ao legislador ordinário, quer ao administrador público.

Poderemos classificar, sem preocupação de rigor científico, os direitos e garantias em três espécies:

13. Luis Recaséns Siches, Tratado general de filosofía del derecho, México, Porrúa, 1965, p. 554.

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1) direitos materiais;

2) garantias formais;

3) garantias instrumentais.

Antes de analisarmos essa classificação, convém lembrar que ex-cluímos, desde logo, por não pertencer a este trabalho, o tema relativo aos direitos políticos e aos direitos sociais, sua efetivação e exercí cio, bem como aos direitos relativos à estrutura do Estado, como, por exem-plo, o direito ao regime republicano. Limitamo-nos ao estudo dos direi-tos individuais e coletivos como relacionados no art. 5º da Consti tuição Federal e como ideia-base para se chegar ao direito processual.

Consideram-se direitos materiais aqueles diretamente outorgados pelo texto constitucional, o qual define, também, o seu conteúdo. Pode, eventualmente, certa delimitação ou regulamentação ser remetida à legislação ordinária, a qual, todavia, não poderá desvirtuar o direito constitucionalmente garantido.

Consideram-se garantias formais aquelas que, sem definir o conte-údo do direito, asseguram a ordem jurídica, os princípios da juridicida-de, evitando o arbítrio, balizando a distribuição dos direitos em geral.

Consideram-se garantias instrumentais ou processuais as disposi-ções que visam assegurar a efetividade dos direitos materiais e das garantias formais, cercando, por sua vez, sua aplicação de garantias.

Como exemplos de direitos materiais teríamos o da liberdade de consciência, o do sigilo de correspondência, o da livre manifestação do pensamento, o do livre exercício de qualquer trabalho e outros. Garan-tias formais são o princípio da legalidade (“Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”), o da isonomia ou igualdade (“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”). Garantias instrumentais ou processuais são as do processo, como a da ampla defesa, a instrução contraditória etc. Estas últimas são completadas pelas disposições que dão eficácia às decisões judiciais, como as que cominam pena de in-tervenção no Estado ou Município pelo descumprimento, e as ga rantias da magistratura. São também garantias instrumentais os pró prios meios de provocação da atividade judicial: habeas corpus, mandado de segu-rança, de injunção, habeas data etc.

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Difícil é, às vezes, distinguir o direito das garantias, e, dentro destas, as que sejam um direito em si mesmas e as que são instrumen-tos para sua efetivação. Todavia, a classificação tem apenas uma fina-lidade explicativa, desejando salientar que hoje devem estar in dis so cia-vel men te juntos os direitos, os meios de sua ins tru men ta li za ção e as garantias de eficiência desses meios.

Finalmente, é necessário referir, conforme define o próprio texto constitucional, que a especificação dos direitos e garantias expressos na Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota (art. 5º, § 2º).

O conjunto de direitos individuais forma o patrimônio jurídico do indivíduo, o qual é completado por todos os demais direitos subjetivos que a pessoa adquire dentro da ordem jurídica. Os direitos subjetivos constitucionais, também denominados de “liberdades públicas” servem de fundamento lógico e jurídico para os outros direitos considerados de hierarquia inferior. Isto não quer dizer, porém, que mesmo os direi-tos subjetivos não constitucionalmente garantidos possam ser violados. De forma indireta, o princípio da legalidade e o do respeito ao direito adquirido garantem a manutenção de todos os demais.

Hans Kelsen, o famoso filósofo da Teoria Pura do Direito, con-cebeu a ordem jurídica como uma pirâmide, em que as normas de hie rarquia superior justificam e fundamentam as normas de hierarquia inferior. Assim, no topo da pirâmide encontrar-se-ia a norma funda-mental, norma transcendental e garantidora da validade lógica de todas as demais. Em seguida, viriam as normas constitucionais, mais abaixo as normas nacionais, e assim por diante, até as normas parti-culares e os contratos. O direito de ação e o Judiciário, como instru-mentos de efetivação de todas as garantias e direitos, servem como que de estrutura para toda a pirâmide, a qual, como dissemos, não teria a menor consistência se não tivesse mecanismo eficiente de manutenção. Poderíamos, aliás, usando de uma alegoria, dizer que a garantia jurisdicional é a estrutura de ferro que sustenta a pirâmide das normas jurídicas.

6. Direito material e direito processual

Simultaneamente ao nascimento do direito, que tem por fim a solução justa dos conflitos ou convergências de interesses, surgem os

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mecanismos, previstos pelo próprio direito, de efetivação das soluções por ele dispostas.

Costuma-se dividir o sistema de efetivação de direitos em três fases distintas: a autotutela, a autocomposição e a jurisdição. Na pri-meira, em virtude da inexistência de um Estado suficientemente forte para superar as vontades individuais, os litígios eram solucionados pelas próprias forças, imperando a lei do mais forte. Na segunda, as partes abririam mão de seu interesse ou de parte dele, de forma que, por meio de concessões recíprocas, seria possível chegar à solução dos conflitos. Na terceira, própria de um estado de direito, o Estado man-teria órgãos distintos e independentes, desvinculados e livres da von-tade das partes, os quais, imparcialmente, deteriam o poder de dizer o direito e constranger o inconformado a submeter-se à vontade da lei.

Essas três fases, que podemos aceitar como logicamente existentes, não existiram em termos cronológicos, isto é, não são fases históricas propriamente ditas, mas princípios lógicos e de justiça que se digladia-ram em todos os momentos históricos e ainda hoje se di gla diam, pre-valecendo ora um, ora outro, em determinada época.

Com efeito, se estudarmos as sociedades mais primitivas, as so-ciedades tribais, já veremos a autoridade do chefe, do pater familias, do cacique etc., dizendo o direito e aplicando sanções. E, mesmo nas sociedades em que certos litígios eram resolvidos por meio do esforço físico, as liças eram supervisionadas pela autoridade e seu resultado garantido por estas. Por outro lado, a autocomposição jamais existiu como fase histórica, porque jamais o homem foi tão altruísta a ponto de erigir como regra a renúncia, a abdicação, a transigência. Isto, aliás, não aconteceu nem nas sociedades religiosas.

O que vemos, por conseguinte, é a existência de dois sistemas ou duas fases a respeito da efetivação do direito: um em que não são pre-viamente garantidos os direitos individuais, no sentido de que uma sentença justa não decorre do sistema, mas das contingências da força, da eventual bondade ou transigência do chefe; outro em que o sistema é cercado de garantias previamente estabelecidas, de modo que a apli-cação do direito se faça de maneira formalmente igual para todos, prevalecendo o império da lei, e não o da vontade individual. A lei prevalece, ainda que contra a vontade do detentor do poder, o qual também a ela se submete.

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No primeiro sistema, na verdade, a crise ou deficiência não era exatamente do mecanismo de aplicação ou efetivação do direito, mas do próprio direito, mutável segundo a vontade do chefe, contra o qual não era oponível direito individual. É importante observar, neste passo, que o grande problema do direito ou do processo não foi jamais o das relações entre indivíduos, mas especialmente o da relação entre o in-divíduo e os detentores do poder, ou o Estado. Entre dois indiví duos sempre foi possível a superposição de árbitro escolhido ou autoridade judicante, mas entre o próprio Estado e o indivíduo somente em época mais recente se institucionalizou a ideia da garantia dos direitos e o respectivo sistema para efetivá-la. Aliás, quando se exigiu a existência de direitos oponíveis contra o chefe, ou contra o Estado, imediatamen-te se exigiu o mecanismo processual para respeitá-los.

Direito material e processo, portanto, caminham juntos, de modo que este é instrumento daquele e, aliás, se dignifica na razão direta em que aquele se manifesta como buscando a estabilidade e a justiça.

Indaga-se, de fato, se o processo se insere no próprio mecanismo de criação do direito ou se a sentença simplesmente aplica o direito previamente estabelecido.

O problema da criação do direito mediante a sentença judicial se encontra no centro da metodologia jurídica, disse-o Philipp Heck14. Na verdade, o problema é bastante complexo, no campo da própria filoso-fia do direito.

O mesmo autor coloca o problema especialmente no campo das lacunas da lei, que devem ser supridas pelo juiz, apresentando três formas teóricas para solucioná-las:

1) as lacunas da lei poderiam ser superadas mediante a livre esti-mação do juiz, por meio da criação plenamente livre da norma jurídica para o caso concreto;

2) a segunda alternativa seria a da negativa de toda a pretensão não sustentada por um preceito legal expresso, de forma que os interesses nessas condições se considerariam interesses que o legislador não quis proteger;

3) a terceira seria a da complementação coerente da norma, isto é, o juiz estaria autorizado a completar ou suprimir as normas insuficien-

14. Philipp Heck, El problema de la creación del derecho, Barcelona, 1961.

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tes e dar às imprecisas a determinação de que carecem, não segundo as próprias valorações, mas de acordo com os ideais e interesses vitais que informam todo o sistema legal.

O problema, contudo, não se limita ao aspecto das lacunas da lei, mas a toda aplicação do direito, porquanto mesmo na aplicação da norma expressa, clara e precisa a contribuição pessoal do juiz deve ser analisada e apreciada para que possamos determinar qual o grau de participação da sentença na criação do direito.

Como sabemos, no que se refere às lacunas, nosso sistema jurídi-co é um sistema fechado, isto é, sem espaços ajurídicos, porque o próprio direito estabelece os mecanismos de integração; daí se dizer que a lei pode ter lacunas, mas não o direito. Dispõe o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil que serve de aplicação geral das normas jurídicas no direito brasileiro:

“Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

E o art. 126 do Código de Processo Civil:

“O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”15.

No que se refere à relação entre o direito e o processo propria-mente dito, como se sabe, a doutrina se divide em dois grandes ramos: os defensores da conceituação unitária e os da conceituação dualista do ordenamento jurídico. A primeira concebe o direito como nascendo no processo, isto é, o direito somente se concretiza com a ação indi-vidualizadora da sentença, dependendo sua própria existência da ati-vidade do juiz. A segunda separa as atividades judiciária e legislativa, de modo que, no plano legislativo, são produzidos preceitos que se aplicam automaticamente diante da ocorrência de um fato juridica-mente relevante, sendo que a função jurisdicional se limita a reconhe-

15. Sobre o art. 126 do Código de Processo Civil é interessante lembrar que a redação primitiva do Código dava a entender que o juiz poderia aplicar alternativamen-te as normas legais ou os outros mecanismos de integração, afastando, pois, a vincula-ção do juiz à lei. Tal redação, porém, que aliás contrariava toda a tradição jurídica brasileira a respeito, foi corrigida antes que o Código entrasse em vigor, pela Lei n. 5.925, de 1º de outubro de 1973.

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cer essa vontade concreta do ordenamento jurídico e propi ciar sua atuação prática.

A concepção unitária do direito teve origem na posição deWindscheid, na famosa polêmica que travou com Muther, e vai encon-trar seu embasamento filosófico em Kelsen, com repercussão em filó-sofos do direito atuais, como Recaséns Siches, que entende a sentença judicial estabelecendo a ponte entre a generalidade da norma e a par-ticularidade do caso concreto controvertido.

O fato, porém, e aqui está a concepção dualista, é que o direito existe independentemente da atividade do intérprete, seja o juiz, seja o particular, porque encontra, já, uma norma concreta consumada. A atividade judicial, portanto, apenas reconhece o direito já concretizado, e, ainda que a decisão se baseie em fatores sociológicos ou teleológicos, não houve mais que o reconhecimento de que o direito preceituava concretamente daquela maneira.

Como discorre Cândido Rangel Dinamarco, “não cabe ao intér-prete estabelecer um ainda inexistente contato entre o fato e a norma, nem dar a esta o significado que ditaram seus sentimentos pessoais. Quando ele intervém, já encontra uma realidade consumada (o fato em sua relação lógica com a hipótese da norma geral, o significado desta e, enfim, a norma concreta que ‘brotou’ do encontro do fato com a norma). E o seu dever é o de ser fiel a essa realidade, referindo-a sem distorções históricas (quanto ao fato) ou axiológicas (quanto ao valor expresso na norma). Daí resulta que há concretização da norma, isto é, a sua aplicação ao caso concreto, não só independentemente da isenção do intérprete, mas também independentemente da opinião dos próprios sujeitos da relação jurídica e do seu comportamento (controvérsias, satisfação voluntária etc.)”16.

Em decorrência disso e sob outro ângulo, entende-se que a senten-ça libera a coação estatal, uma vez reconhecida a norma regente do caso concreto; mas o direito, para sua existência, não depende da efe-tivação da coação. A característica do direito é a coercibilidade, isto é, a previsão da sanção, da coação como ameaça, e não a coercitividade

16. C. R. Dinamarco, Reflexões sobre direito e processo, Arquivo do Ministério da Justiça, 117:108. Sob o aspecto de filosofia do direito referido, v. Luis Recaséns Siches, Tratado general de filosofía del derecho, p. 315, e Miguel Reale, Filosofia do direito, Cap. XLIV.

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que vincularia a própria formação do direito à sua violação e à impo-sição e uso da força. O direito já é pronto e acabado quando nor ma ti vi-za uma conduta em relação à qual se comina uma sanção, vigente (existente logicamente na ordem jurídica) e eficaz (correspondente a um complexo social ou a relações intersubjetivas), e no momento em que ocorre o fato fundante de uma relação jurídica.

A concepção dualista tem repercussões práticas, como por exemplo o art. 512 do Código ou o prazo para a prescrição da sentença.

Conclui-se, portanto, e este dado é importantíssimo para a com-preensão do processo, que o próprio juiz está vinculado à lei e ao sistema de garantias, de forma que não se trata apenas da transposição de uma ditadura do rei para o Judiciário, mas da institucionalização de um sistema em que as garantias atuem contra todos, inclusive o juiz, que deverá manter-se fiel à norma de conduta preestabelecida.

7. Atividade legislativa, administrativa e jurisdicional: seu rela-cionamento

Três são as atividades fundamentais do Estado: a legislativa, a executiva ou administrativa e a jurisdicional.

Por intermédio da primeira são estabelecidas as normas gerais de conduta que, desde logo, passam concretamente a reger a atividade humana, distribuindo e definindo os direitos de cada um e os do próprio Estado. Esse conjunto de normas, seus mecanismos de integração, seus princípios, formam a ordem jurídica. Assim, a atividade legislativa consiste, basicamente, na elaboração de normas gerais de conduta, de previsão genérica de hipóteses com a respectiva consequência. De regra, a atividade legislativa concentra-se nos órgãos do Poder Le gis la ti vo, salvo as exceções de competência anômala para legislar, previstas na Constituição Federal.

O ramo do direito que regula a atividade legislativa é o próprio direito constitucional, por meio das normas de processo legislativo, que definem a iniciativa das leis, sua votação, sanção, promulgação, bem como seus diversos tipos.

A atividade legislativa se exerce, afora as normas constitucionais, pela elaboração de leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções, quando com força de lei (CF, art. 59).

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Dada sua generalidade, e mesmo forma de atuação, a atividade legislativa distingue-se, de maneira relativamente fácil, das atividades administrativa e jurisdicional. Já não é tão simples a separação entre atividade administrativa e jurisdicional, porque ambas têm por objeto a aplicação do direito e referem-se a hipóteses concretas. Aliás, como já se disse, houve época em que ambas se confundiam, cabendo, pois, maior reflexão para separá-las.

Entende-se, modernamente, em especial em virtude do en si na men-to do mestre Chiovenda, que a administração é uma atividade primária, espontânea, que aplica o direito por iniciativa própria, tendo em vista os interesses da própria administração. Já a atividade jurisdicional é atividade secundária, inerte, somente atua quando provocada e se subs-titui à atividade das partes, impedidas que estão de exercer seus direi-tos coativamente pelas próprias mãos. Esse caráter de subs ti tu ti vi da de constitui a nota distintiva da jurisdição.

Uma das conquistas no direito moderno e que se revela como verdadeira garantia do Estado de Direito é a da proibição da justiça privada ou da chamada “justiça pelas próprias mãos”.

Vimos que desde a época da Magna Carta já o Estado propiciava órgãos judicantes para que as partes deles se servissem para a efe ti-va ção da justiça. No próprio direito romano, da fase da ordo judiciorum privatorum, isto é, da justiça como atividade privada, antes da queda de Roma, evoluiu-se para a justiça estatal, a justiça pública.

A instituição definitiva, porém, da proibição da autotutela é dos tempos modernos, de forma que, atualmente, constitui crime a atuação pessoal, ainda que, objetivamente, o indivíduo tenha razão.

Estabelece, aliás, o art. 345 do Código Penal, que define o crime de “exercício arbitrário das próprias razões”: “Fazer justiça pelas pró-prias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite. Pena: detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência”.

É fácil de entender que, se fosse admitida a justiça privada, esta-ríamos no império da insegurança e do arbítrio. De fato, àquele que tem uma pretensão, quando atua concretamente para satisfazê-la, não importa a declaração da existência ou inexistência de seu direito, mas somente a submissão da vontade do outro à sua vontade.

O monopólio da justiça decorre dos princípios adotados pelo sis-tema constitucional brasileiro, sofrendo algumas exceções previstas em

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lei e que são justificadas pelas circunstâncias. A exceção mais ampla é a da autoexecutoriedade17 dos atos administrativos, sendo de outra parte comumente citadas a autorização para o desforço imediato no caso de esbulho da posse (CC, art. 1.210, § 1º), o direito de retenção de bens (CC, arts. 1.219 e 571, parágrafo único) e o direito de greve (CF, art. 9º).

Estes, e mais alguns especialíssimos, são os casos previstos em lei que excluem o crime do art. 345 do Código Penal.

No campo penal, por outro lado, em nenhuma hipótese se admite a autotutela. Mesmo a legítima defesa não é caso de autotutela. Age em legítima defesa quem repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem, usando moderadamente dos meios necessá rios. Quem detém o poder punitivo penal é sempre o Estado, daí não ser possível conceber, em hipótese alguma, que o indivíduo, ao repelir a agressão injusta, esteja exercendo esse poder punitivo. O direito admi-te a legítima defesa, consagrando a conduta secundum jus como uma forma de proteção especial da inviolabilidade dos direitos atacados por agressão injusta, mas não como substitutivo da atividade punitiva do Estado. Este, por sua vez, também, no direito penal, não pode exercer, jamais, a autotutela. Nenhuma pena pode ser aplicada sem o devido processo legal: nulla poena sine judicio. Somente ao Judiciário cabe a aplicação das sanções penais.

A proibição da autotutela, porém, no campo dos direitos civis, não quer dizer que o direito não encoraje a conciliação, a autocomposição, quando os direitos das partes são disponíveis, isto é, as partes têm capacidade e poder de transigir. Aliás, o Código de Processo Civil acentuou a figura da conciliação, da arbitragem (Lei n. 9.307/96), da transação etc., mas, ante a resistência das partes, a invasão do patri-mônio jurídico de outrem só se faz mediante ordem judicial, respeitado o devido pro cesso legal.

Exceção importante, como se disse, é a autoexecutoriedade dos atos administrativos, sem, todavia, exclusão da apreciação judicial do ato, a qual se faz a posteriori.

17. Consiste a autoexecutoriedade na faculdade que tem a Administração de tomar decisões unilaterais executórias e de concretizar diretamente o seu objeto, lançando mão da força pública contra o particular, independentemente de prévio pronunciamento ju-risdicional (v. José Cretella Jr., Tratado de direito administrativo, São Paulo, Forense, v. 2, p. 64).

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O direito estrutura-se, como da exposição histórica se depreende, de forma que, entre os direitos subjetivos e a vontade arbitrária de al-guém, se interpõe a atuação da jurisdição, o poder de dizer o direito, garantido dentro do Estado, mas que pode controlar a própria atividade dos administradores públicos.

A jurisdição atua por meio de um instrumento que é o processo, e aos interessados a ordem jurídica outorga o direito de ação, isto é, o direito de pleitear em juízo a prevenção ou a reparação das violações dos direitos.

Do processo distingue-se o procedimento, que é a forma pela qual se sucedem os atos processuais. O processo é algo mais profundo, uma verdadeira relação entre os sujeitos, e que foi explicado, em diversos momentos históricos, de forma diferente.

Para os doutrinadores franceses do século XVIII e por influência do contratualismo social, as partes se submeteriam contratualmente ao Estado e, por via indireta, ao processo. Todavia, tal doutrina tem apenas valor histórico, porquanto se reconhece que a vinculação das partes não é voluntária, mas cogente, e a natureza do vínculo é pública e não privada. No direito romano clássico talvez a doutrina contratualista do processo tivesse razão de ser, dado o conteúdo privatístico da jurisdição, que era precedida de um acordo pré-processual entre as partes, a actio e a litiscontestatio, formuladas numa fase chamada in iure.

Deve-se a Oscar von Bulow, numa obra sobre as exceções e pres-supostos processuais, publicada na Alemanha em 1868, a moderna concepção do processo. Na época, dava-se muita importância à aparên-cia externa dos atos processuais, tendo Bulow revelado que, subjacen-te à forma aparente, entre as partes e o juiz havia uma relação jurídica, de direito público, diferente da relação jurídica de direito material discutida, por força da qual o juiz assume a obrigação concreta de decidir e realizar o direito deduzido em juízo, e, de outro, as partes ficam obrigadas, perante ele, a prestar uma colaboração indispensável e a submeter-se aos resultados dessa atividade comum18.

A teoria da relação jurídica processual teve contestação apenas pela teoria do processo como situação jurídica, de Goldschmidt, mas ainda não foi superada, porque é a que melhor explica o fenômeno processual, daí ser quase universalmente aceita.

18. Cândido Rangel Dinamarco, Reflexões, cit., p. 93.

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No processo, aos sujeitos que dele participam são atribuídos po-deres, faculdades, deveres, sujeição e ônus, numa forma dinâmica, isto é, num suceder de atos que tendem para o ato-fim, a sentença, na qual o juiz aplica o direito.

O conjunto de normas e princípios que regula toda essa atividade é o direito processual. Este é autônomo em relação ao direito material que tem por fim realizar, mas é instrumental porque existe para essa finalidade.

Por outro lado, os efeitos da jurisdição projetam-se fora do pro-cesso, porquanto a sujeição das partes não se limita à aceitação da decisão dentro da relação processual, mas consagra a validade da sen-tença no mundo jurídico em geral.

Já se falou que, por esse motivo, haveria uma verdadeira ditadu-ra do Judiciário, Poder que teria, sempre, a última palavra. Contudo, desde que o Poder Judiciário também se submeta à lei e respeite o sistema de inter-relacionamento dos Poderes, não haverá ditadura ou prevalência de nenhum, e sim equilíbrio.

No relacionamento entre os poderes Executivo e Judiciário, há dois sistemas fundamentais:

No primeiro, chamado francês ou do “contencioso administrati-vo”, decorrente da ideia de separação absoluta de poderes, o Judici-ário não decide as questões em que o Estado é parte: o próprio Poder Executivo destaca órgãos, chamados de “contencioso administrativo”, que tem na cúpula o Conselho de Estado, para julgar tais questões, com força de definitividade.

No Brasil, adotou-se o sistema chamado anglo-saxão ou da juris-dição única, no qual o Poder Judiciário pode examinar os atos admi-nistrativos quanto à sua legalidade. Por outro lado, as decisões da ad-ministração podem sempre ser revistas, não tendo, jamais, a força da definitividade. Qualquer lesão ao direito individual, mesmo a causada pela administração pública, pode ser submetida à apreciação do Poder Judiciário. Todavia, não pode o poder jurisdicional apreciar a conveni-ência e oportunidade do ato administrativo (o mérito do ato adminis-trativo), aspectos cujo exame é privativo da própria administração (v. Limites da jurisdição, Cap. 5, item 26).

Distinguem-se, pois, a declaração de nulidade ou anulação do ato administrativo e a sua revogação.

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A declaração de nulidade e a revogação são formas de desfazer o ato administrativo. Na revogação o ato é válido e produziu efeitos; é desfeito por conveniência ou por cessação dos motivos que o justifica-ram; na anulação o ato é viciado, e, como tal, pode ser declarado pela administração ou pelo Judiciário.

As diferenças entre anulação e revogação são as seguintes:

ANULAÇÃO:

— o ato é viciado por falta de um de seus elementos (forma, com-petência, objeto lícito, motivo e fim);

— o ato se desfaz ex tunc — desde quando realizado;

— é sempre possível, ressalvados os efeitos de fato;

— pode-se proceder pela própria administração ou pelo Poder Judiciário;

— quando dentro da administração se faz ex officio ou por meio de provocação pelo interessado, por meio de recursos administrativos, hierárquicos ou impróprios.

REVOGAÇÃO:

— o ato é perfeito;

— deixa de produzir efeitos ex nunc, desde o momento em que é declarado revogado;

— é feita por conveniência;— é condicionada e só é possível se o ato não gerou direito ad-

quirido; é condicionada, também, à aceitação dos efeitos produzidos pelo ato válido;

— só é possível dentro da administração, e se faz ex officio ou por meio de provocação pelo interessado, mediante recursos administrativos, hierárquicos ou impróprios.

Respeitados esses limites, é de alcançar-se a harmonia dos poderes e, consequentemente, a garantia da ordem jurídica e dos direitos indi-viduais.

A tutela da legalidade pelo Judiciário, porém, vai mais longe, ou seja, é ele o verdadeiro guardião da própria Constituição. Aliás, para que haja realmente uma coexistência de poderes interdependentes e equilibrados, é necessário que se assegure o cumprimento das normas constitucionais em primeiro lugar, dando força a um poder da mesma dignidade que o Executivo e o Legislativo, o qual possa ter prerroga-

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tiva de, quando for o caso, declarar a inconstitucionalidade de leis de forma que não se consume a inconstitucionalidade lesiva aos direitos individuais. O Poder Judiciário, portanto, como diz Sanches Viamon-te19, é algo mais que a administração da justiça pura e simples; é o verdadeiro guardião da Constituição. Sem ele exercendo tal função, o princípio da legalidade que serve de fundamento à liberdade se torna-ria vazio.

No Brasil, o controle jurisdicional da constitucionalidade das leis e atos se exerce de duas maneiras: por ação direta, perante o Supremo Tribunal Federal, ao qual compete julgar originariamente sua represen-tação por inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou es-tadual; de forma incidental, no curso dos processos em que os interes-sados pedem a correção da lesão ao direito e arguem, como fundamen-to, a inconstitucionalidade de lei ou ato.

Em ambos os casos, a solução é a mesma: afastada a lei in cons ti-tu cio nal, prevalece o direito consagrado pela sentença.

Nestes termos, podemos dizer que o processo representa dupla garantia: ativa e passiva.

O processo é garantia ativa porque, diante de alguma ilegalidade, pode a parte dele utilizar-se para a reparação dessa ilegalidade. Nesse sentido existe a garantia do habeas corpus, contra a violação do direi-to de locomoção sem justa causa, o mandado de segurança, contra a violação do direito líquido e certo não amparado por habeas corpus, a garantia geral da ação, do recurso ao Judiciário, toda vez que houver lesão ou ameaça de lesão a direito individual etc.

O processo diz-se uma garantia passiva porque impede a justiça pelas próprias mãos, dando ao acusado a possibilidade de ampla defe-sa contra a pretensão punitiva do Estado, o qual não pode impor res-trições da liberdade sem o competente e devido processo legal. Ainda, é o processo garantia passiva quando impede a justiça privada, isto é, garante que a submissão ao direito de outrem não se fará por atividade deste, mas por atividade solicitada ao Judiciário, que examinará o ca-bimento e a legitimidade de tal pretensão.

No que se refere aos atos administrativos em geral, tendo em vis-ta a finalidade do bem comum, inverte-se o ônus de recorrer ao Judi-

19. Sanches Viamonte, Manual del derecho político, Argentina Ed., p. 212.

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ciário, de modo que primeiro a Administração Pública atua autoexecu-toriamente, cabendo à parte que se considerar lesada a iniciativa de pedir a correção do ato por meio de medida judicial, ou mesmo pedir, preventivamente, que não se concretize a violação do direito.

Entre particulares, porém, salvo em casos excepcionais de au totu tela, a submissão a uma pretensão jamais decorre de ato próprio da parte, mas de atuação do poder jurisdicional, após pedido formal do interessado, garantido o direito de defesa e as faculdades inerentes a ele.

A jurisdição atua, portanto, quando provocada pela parte que con-sidera ter sido lesada em seus direitos, seja por ação ou omissão de um particular, ou da Administração Pública. Neste caso, diz-se que a juris-dição é contenciosa, ou jurisdição propriamente dita.

A jurisdição atua, também, quando a ordem jurídica, dada a rele-vância de certos direitos, considerados indisponíveis, atribui ao Poder Judiciário a função de fiscalizar determinados negócios jurídicos pri-vados. Diz-se, então, que a jurisdição é voluntária ou graciosa, tradi-cionalmente definida como “a fiscalização do interesse público nos negócios jurídicos privados”.

A doutrina dominante não considera a jurisdição voluntária como verdadeira jurisdição, aproximando-a da atividade administrativa. Todavia, modernamente, por influência da definição de Carnelutti de lide virtual, alguns doutrinadores a consideram também função jurisdicional.

O fato é que a jurisdição voluntária, apesar de ter princípios pró-prios (isto é, os protagonistas não se chamam partes, mas interessados, a coisa julgada opera diferentemente etc.), está tratada em todos os Códigos de Processo como importante parte da atuação do Poder Judi-ciário. E, em última análise, quando fiscaliza os direitos indisponíveis nos negócios privados, está fazendo valer a legalidade, o interesse público e a manutenção dos bens especialmente protegidos pela ordem jurídica. No volume 3 volta-se ao tema.

8. O direito constitucional de ação e a tutela jurisdicional

No direito romano do período das legis actiones a composição dos litígios fazia-se entre o autor e o réu, os quais submetiam a questão ao magistrado privado. Com a evolução do Império Romano, mais tarde, a distribuição da justiça, com supervisão do pretor, tornou-se função oficial.

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No direito germânico bárbaro predominavam as ordálias, isto é, os juízos divinos, em que as pendências eram resolvidas perante a assembleia de cidadãos, na presença dela, mas por atuação do desforço pessoal.

De fato, a consagração da justiça pública, novamente, vamos en-contrar consignada como princípio na Magna Carta. O famoso Capítu-lo XXIX, além do esboço do habeas corpus, do julgamento pelos pares e do princípio da legalidade, também trouxe a ideia da justiça como função obrigatória do Estado e como direito dos cidadãos.

Antes da petição de 1215, ao rei era guardada a prerrogativa de conceder a coação estatal para a execução de devedores, por exemplo, somente mediante pagamento. Não se trata, como alguns querem inter-pretar, da existência das custas judiciais como hoje são entendidas. Era um verdadeiro pagamento para que o interessado pudesse ter os favores da coação oficial e que, no caso de recusa, determinava a não interven-ção da autoridade real. Diferente é a situação hoje, em que as custas são apenas taxas para atender às despesas do processo, e ainda de for-ma simbólica, e que não são impeditivas da administração da justiça, porque aos pobres é concedido o benefício da justiça gratuita, com isenção daqueles encargos.

Daí, então, ter sido consignado na Magna Carta que a justiça não deveria ser vendida, nem negada, e que deveria ser distribuída de forma correta. Como aconteceu com os outros princípios também previstos no mesmo documento, só vários séculos mais tarde vieram a efetivar-se.

Nos modernos sistemas processuais, inclusive o brasileiro, o direi-to de recorrer ao Judiciário para a correção das lesões aos direitos in-dividuais tornou-se garantia constitucional. Dispõe o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal:

“A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

A determinação constitucional dirige-se diretamente ao legislador ordinário e, consequentemente, a todos os atos, normativos ou não, que possam impedir o exercício do direito de ação.

Nesse dispositivo acha-se garantida a faculdade de pedir ao Judi-ciário a reparação da lesão de direito, praticada por particulares ou pelos próprios agentes do poder público, de tal forma que nem mesmo as leis processuais poderão estabelecer hipóteses que impeçam o exer-cício desse direito.

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O direito de pedir a prestação jurisdicional, porém, não é incondi-cional e genérico. Ele nasce quando a pessoa reúne certas condições, previstas na legislação processual e de direito material e que são: a legitimidade para a causa, o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido.

Consiste a legitimatio ad causam na pertinência subjetiva da ação, no dizer de Alfredo Buzaid20, isto é, no fato de estar, aquele que pede, autorizado a demandar sobre o objeto da demanda. Normalmente, tem legitimidade para a causa aquele que é titular ou sujeito da relação jurídica objeto do processo e sofreu a lesão de direito. Diz-se, então, nesse caso, que a legitimação é ordinária. Todavia, em casos espe ciais e expressos, a lei estabelece a possibilidade de alguém que não seja o titular da relação jurídica de direito material propor, em nome próprio, ações em defesa de direito de outrem, caso em que a legitimação se chama extraordinária, ou, também, substituição processual.

Interesse processual é a necessidade de recorrer ao Judiciário, utilizando a adequada forma legal. O interesse de demandar nasce com a ameaça à lesão, a qual, porém, deve ser determinada, concreta, e o perigo de lesão iminente. Essa tutela, denominada “preventiva”, já existia no habeas corpus, mandado de segurança e possessória e foi generalizada pela Constituição. Por outro lado, é preciso, também, que a parte interessada use do meio adequado previsto pela lei para a cor-reção da lesão, de modo que se pode dizer que o interesse só existe quando enquadrado na devida forma legal. O interesse processual, portanto, tem dois aspectos: é interesse-necessidade e interesse-adequa-ção. Às vezes a lei estabelece certos requisitos prévios para que, pos-teriormente, esteja o prejudicado apto a recorrer ao Judiciário, como, por exemplo, notificação prévia, prestação de caução etc., mas tais requisitos não poderiam ser de molde a dificultar exageradamente a propositura da ação, porque seriam, neste caso, inconstitucionais.

A possibilidade jurídica do pedido consiste na formulação de pre-tensão que, em tese, exista na ordem jurídica como possível, ou seja, que em tese a ordem jurídica brasileira preveja a providência pretendi-da pelo interessado. Não haveria possibilidade jurídica do pedido, por exemplo, se alguém, antes da Emenda Constitucional n. 9, plei teasse o

20. Alfredo Buzaid, Do agravo de petição na sistemática do Código de Processo Civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1945.

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divórcio ao Judiciário ou, hoje, pedisse a prisão por dívida fora dos casos de depositário infiel e dívida alimentar.

Essas condições não representam, ainda, o mérito do pedido, isto é, não definem se o autor tem, ou não, razão, mas, se estiver qualquer delas ausente, impedem que o juiz aprecie a pretensão. Faltando uma condição, o autor é carecedor da ação, mas não fica proibido de, pos-teriormente, propor a demanda quando ela estiver satisfeita.

O direito de pleitear a correção da lesão de direito, portanto, é um direito constitucionalmente garantido, condicionado, em cada caso concreto, à legitimidade, interesse e possibilidade jurídica do pedido.

De outra parte, não pode o Poder Judiciário recusar-se a exercer a função de dizer o direito. Preceitua o art. 126 do Código de Processo Civil, anteriormente referido:

“O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei”.

Por mais complexa que seja a relação jurídica e a norma legal que a define, é obrigado o juiz a apreciar o pedido, dizendo de sua proce-dência ou improcedência, desde que presentes as condições da ação e a regularidade formal do processo.

Verifica-se, em conclusão, que, mesmo não sendo o caso de habeas corpus ou mandado de segurança, ao prejudicado resta o direi-to de pedir a reparação da invasão ilegítima de seu patrimônio jurídico, por meio do direito de ação constitucionalmente garantido.

A tutela jurisdicional se concretiza de três formas, segundo o pe-dido, interesse da parte e as condições em que se encontra.

Será tutela jurisdicional de conhecimento quando o autor pede uma decisão ou sentença ao juiz sobre o mérito de sua pretensão, para que outrem, o réu, seja compelido a submeter-se à vontade da lei que teria violado. Neste caso, o processo desenvolve-se com a produção de pro-vas e alcança uma sentença de declaração, constituição (modificação de relações jurídicas) ou condenação.

A declaração e a constituição, por si mesmas, atendem os objetivos desejados pelo autor. Todavia, a condenação pode, ainda, encontrar no réu resistência para seu cumprimento. É preciso, portanto, que pros-siga a atuação da jurisdição, agora de forma diferente, para que con-cretamente se obtenha a efetivação do direito já declarado na sentença, sobre o qual se impôs a sanção civil condenatória.

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A tutela jurisdicional será, neste caso, ainda que desdobrando-se em continuidade ao conhecimento, de execução, ou de natureza execu-tiva, desenvolvendo-se o processo mediante atos concretos de invasão do patrimônio jurídico do réu para a satisfação da determinação conti-da na sentença, inclusive com a expropriação de bens do devedor para o pagamento do credor, se for o caso. A tutela se diz, aí, satisfativa.

Todavia, seja durante o processo de conhecimento, seja antes da concretização da execução, pode ocorrer que a demora venha a acarre-tar o perecimento do direito pleiteado pelo autor, que está exercendo seu direito de ação. Daí, então, prever o sistema processual outra forma de pedido e, consequentemente, de tutela jurisdicional, a tutela cautelar. Para evitar, portanto, o periculum in mora, existe o provimento caute-lar, que tem por fim, provisoriamente, garantir a permanência e inte-gridade do direito até que se concretize a sua execução.

9. As garantias constitucionais do processo

9.1. Garantias gerais

Observado que o processo é garantia ativa e passiva, cabe referir o sistema constitucional de garantias do próprio processo, que o torna instrumento de justiça e de efetivação de direitos. Não basta, eviden-temente, que se estabeleça a possibilidade do habeas corpus, do man-dado de segurança, da ação, do processo penal etc. Se não se derem ao processo garantias e ao Judiciário poderes, sua atuação será inócua ou impossível.

Preveem, então, os textos constitucionais, além do direito ao ha-beas corpus, ação, processo penal etc., que são os instrumentos de tutela, um conjunto de normas relativas ao processo, de modo a propi-ciar-lhe segurança e efetividade.

Algumas, na Constituição, são exclusivamente destinadas ao pro-cesso penal; outras atingem o próprio órgão jurisdicional; outras, ainda, abrangem a distribuição da justiça, civil e penal, em geral.

Nem todas estão expressas nos incisos do art. 5º da Constituição, permanecendo sob a égide da fórmula genérica do § 2º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados interna-cionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

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São garantias gerais:

1) As garantias da magistratura, previstas no art. 95 da Constitui-ção, que são a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídio, instituídas a fim de dar ao juiz condições de imparcialidade e isenção em face de pressões externas.

Consiste a vitaliciedade na garantia de permanência no cargo, o qual não será perdido salvo por sentença judiciária. Somente por processo judicial poderá ser decretada a perda do cargo, como por exemplo a sentença penal condenatória por crime comum ou ligado à função.

A inamovibilidade consiste na garantia de permanência do juiz no juízo ou vara em que está judicando, não podendo ser removido ou sequer promovido a não ser por requerimento próprio. Poderá, toda via, haver remoção compulsória ou disponibilidade por motivo de inte resse público, por determinação do próprio tribunal, pelo voto de dois terços de seus juízes efetivos, assegurando-se defesa ao juiz sujeito à remoção ou disponibilidade. Essa possibilidade não enfraquece a garantia porque a remoção decorre exclusivamente de ato do Poder Judi ciário, que não a procederá se efetivamente não houver interesse públi co. Ninguém melhor que o Judiciário saberá manter suas prerrogativas.

A terceira garantia é a irredutibilidade de subsídio (CF, art. 95, III, com redação da EC n. 19, de 4-6-1998), instituída a fim de que não se use tal via indireta para coagir o juiz a decidir em determinado sentido. A irredutibilidade, porém, não atinge a isenção dos impostos gerais, inclusive o de renda e os impostos extraordiná rios, como no caso de iminência de guerra externa. Seria proibido, porém, algum imposto dirigido somente à magistratura, ou que, direta ou indireta-mente, atingisse apenas os juízes.

2) Proíbe a Constituição Federal a criação de tribunais de exceção (art. 5º, XXXVII).

Não se deve confundir as justiças especiais com os chamados tribunais de exceção. As justiças especiais são as previstas na própria Constituição para o julgamento de determinadas causas, que são a Justiça Eleitoral, a Justiça do Trabalho e a Justiça Militar. A proibição dos juízes de exceção refere-se à eventual criação de órgãos específicos para a decisão civil ou penal de casos determinados, fora da estrutura do Poder Judiciário e, evidentemente, sem as garantias de investidura e de exercício. Os tribunais de exceção normalmente são instituídos em

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período revolucionário, para o julgamento de fatos políticos, e estão afastados pelo texto constitucional, que definiu quais os órgãos do Poder Judiciário e a competência básica das justiças especial e comum (arts. 92 e s.).

A criação de juízos de exceção viola, também, o princípio do juiz natural. A instituição do órgão jurisdicional deve ser anterior aos fatos, de forma que, quando ocorram, já seja possível indicar o tribunal que decidirá a questão. O juiz natural, ademais, por força do princípio da isonomia, não deve ser destacado para casos determinados, mas natu-ralmente ter a competência para todos os que ocorrerem nas mesmas condições na circunscrição de sua atuação.

Convém, finalmente, lembrar que podem as leis de organização judiciária criar varas especializadas para o julgamento de causas cíveis ou criminais de determinadas matérias, sem violação do princípio do juiz natural ou da proibição dos tribunais de exceção. As varas espe-cializadas se inserem na estrutura regular do Poder Judiciário, seus juízes têm as garantias de investidura e exercício e têm competência geral para todos os fatos posteriores sobre a matéria especificada. Não há, portanto, nesse caso qualquer inconstitucionalidade.

Um tipo de tribunal de exceção igualmente proibido é o chamado “foro privilegiado”, que seria algum juízo instituído para julgamento de processos cuja competência seria definida por razões per so na lís si-mas, como raça, religião, riqueza etc.

Esse juízo seria discriminatório e, portanto, incompatível com o sistema constitucional.

Não incidem na situação, porém, os casos de competência origi-nária dos tribunais determinados por prerrogativas de função. Certas autoridades são julgadas diretamente pelos tribunais superiores e de segundo grau, suprimido o primeiro grau. Essa supressão justifica-se em virtude da proteção especial que devem merecer certas funções públicas, cuja hierarquia corresponde, também, à hierarquia dos tribu-nais, daí a competência originária. No aspecto político a competência especial justifica-se porque os cargos públicos, eletivos ou não, são acessíveis a todos os brasileiros, de modo que a proteção a eles não é privilégio nem discriminação.

3) Ligado à proibição dos tribunais de exceção está o princípio do juiz natural (art. 5º, LIII): “Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.

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Tal regra significa que as regras de determinação de competência devem ser instituídas previamente aos fatos e de maneira geral e abs-trata de modo a impedir a interferência autoritária externa. Não se admite a escolha do magistrado para determinado caso, nem a exclusão ou afastamento do magistrado competente. Quando ocorre determinado fato as regras de competência já apontam o juízo adequado, utilizando-se, até, o sistema aleatório do sorteio (distribuição) para que não haja interferência na escolha. É certo que há situações de des lo ca ção da competência, como o caso do desaforamento, no procedimento do júri (CPP, art. 424), mas são especialíssimas e determinadas pelo interesse público e da justiça, sem prejuízo para o julgamento justo e, exatamen-te, para preservá-lo.

4) Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o de-vido processo legal (art. 5º, LIV). A garantia do due process of law é dupla. O processo, em primeiro lugar, é indispensável à aplicação de qualquer pena, conforme a regra nulla poena sine judicio, significando o devido processo como o processo necessário, valendo, também, a regra para qualquer restrição de direitos. Em segundo lugar o devido processo legal significa o adequado processo, ou seja, o processo que assegure a igualdade das partes, o contraditório e a ampla defesa. A regra é dirigida mais para o processo penal, mas também é aplicável ao processo civil no que concerne à perda de bens e outras restrições.

5) Completando e explicitando a garantia anterior, o inc. LV as-segura aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Consideram-se meios inerentes à ampla defe-sa: a) ter conhecimento claro da imputação; b) poder apresentar alega-ções contra a acusação; c) poder acompanhar a prova produzida e fazer contraprova; d) ter defesa técnica por advogado, cuja função, aliás, agora, é essencial à administração da justiça (CF, art. 133); e e) poder recorrer da decisão desfavorável.

Por sua vez, o contraditório é a técnica processual e procedimental que impõe a bilateralidade do processo. Todos os atos do processo devem ser realizados de modo que a parte contrária possa deles parti-cipar ou, pelo menos, possa impugná-los em contramanifestação. A Constituição não exige, nem jamais exigiu, que o contraditório fosse prévio ou concomitante ao ato. Há atos privativos de cada uma das partes, como há atos privativos do juiz, sem a participação das partes.

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Todavia, o que assegura o contraditório é a oportunidade de a eles se contrapor por meio de manifestação contrária que tenha eficácia práti-ca antes da decisão. Assim, por exemplo, é válida a prova pericial re-alizada na fase de inquérito policial, por determinação da autoridade policial, desde que, em juízo, possa ser impugnada e, se estiver errada, possa ser refeita. O contraditório, que é o instrumento técnico da ampla defesa, deve estar presente em todo o processo e não somente na ins-trução criminal, conforme dava a entender a redação defeituosa do texto constitucional anterior.

6) O inciso seguinte do art. 5º da Constituição proíbe a utilização, no processo, de provas obtidas por meios ilícitos. A regra é o resulta-do de opção do constituinte por uma das correntes doutriná rias que procurava equacionar o problema. Uma delas entendia que as provas teriam validade, ou não, independentemente da ilicitude da obtenção, devendo a ilicitude ser apurada e punida separadamente, sem, porém, contaminar a prova. A segunda corrente entende que a obtenção ilíci-ta da prova pode levar a sua ilicitude e consequente ina dmis si bi li da de, mas desde que o bem jurídico sacrificado com a ilicitude tenha sido um bem de maior valor que o bem obtido com a apresenta ção da pro-va. Finalmente o terceiro grupo de doutrinadores entende que a obten-ção ilícita sempre contamina a prova, impedindo sua apresentação e validade judicial. Em favor dessa terceira corrente militam os argu-mentos mais fortes, quais sejam: o que tem origem ilícita não pode tornar-se lícito posteriormente; as outras correntes doutrinárias pode-riam encorajar a ilicitude, correndo o interessado o risco de ser puni-do desde que o resultado da prova fosse válido; os Códigos Processu-ais já preveem os mecanismos adequados para a obtenção coativa da prova, como a condução coercitiva da testemunha, a exibição de do-cumento ou coisa, a busca e apreensão etc., não cabendo à parte fazer justiça pelas próprias mãos.

A jurisprudência anterior à nova Carta utilizava os argumentos da segunda corrente, sempre acentuando a gravidade da violação para afastar a validade da prova, como por exemplo a inadmissibilidade de confissão obtida por meio de tortura ou a gravação obtida com a inter-ceptação telefônica clandestina.

A Constituição, porém, optou pela adoção da terceira corrente, afirmando categoricamente a invalidade de prova obtida por meio ilí-cito. Creio, todavia, que o texto constitucional não pode ser interpre-

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tado de maneira radical. Haverá situações em que a importância do bem jurídico envolvido no processo e a ser alcançado com a obtenção irre-gular da prova levará os tribunais a aceitá-la. Lembre-se, por exemplo, uma prova obtida por meio ilícito mas que levaria à absolvição de um inocente. Tal prova teria de ser considerada porque a condenação de um inocente é a mais abominável das violências e não pode ser admi-tida ainda que se sacrifique algum outro preceito legal. A norma cons-titucional de inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos vale, portanto, como regra, mas certamente comportará exceções ditadas pela incidência de outros princípios, também constitucio nais, mais relevan-tes, em virtude do princípio interpretativo da compatibi lização das normas constitucionais.

7) O inc. LX do mesmo artigo assegura a publicidade dos atos processuais, admitido, contudo, o sigilo quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. A regra não era expressa no sistema anterior, mas já estava incorporada à cultura do processo brasileiro. Os Códigos sempre consignaram a publicidade como regra, admitindo, como o texto constitucional agora consigna, atos ou processos a serem desenvolvidos em segredo de justiça para a defesa da moralidade pú-blica e da intimidade das pessoas. A garantia da publicidade é uma garantia das outras garantias e, inclusive, da reta aplicação da lei. Nada melhor que a fiscalização da opinião pública para que a atuação judicial seja feita corretamente. A publicidade acaba atuando como obstativa de eventual arbitrariedade judicial.

A exigência da publicidade originou-se da reação liberal, da mes-ma época das declarações de direitos, contra os processos secretos, em que os juízes atuavam sem a censura do povo, em geral. Sua finalidade, portanto, foi a de impedir uma fiscalização perene de todos os cidadãos que poderiam presenciar a distribuição da justiça.

É fácil imaginar que o conteúdo da garantia mudou na atualidade e abrandou-se. Com a institucionalização e independência do Poder Judiciário e os outros mecanismos de proteção dos direitos de defesa, bem como o crescimento das cidades, a garantia diminuiu de impor-tância, gerando, aliás, a preocupação oposta, a dos males do strepitus processus.

Por esse motivo, quando a publicidade pode fazer mais mal do que bem, o processo corre em segredo de justiça. Estabelece, pois, o art. 792 do Código de Processo Penal que as audiências, sessões e atos proces-

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suais serão, em regra, públicos, podendo o juiz, todavia, determinar que se realizem a portas fechadas, no caso de a publicidade poder acarretar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem. No processo civil, o art. 155 relaciona os casos em que os processos correm em segredo de justiça, afirmando, porém, a regra da publicidade.

O conhecimento dos autos, por conseguinte, não pode ser subtraí do das partes e seus procuradores, permanecendo o princípio da publici-dade geral se não houver inconveniente para o interesse público.

8) Finalmente, dentro das garantias gerais explícitas do art. 5º, a Constituição consigna no inc. LXXIV a assistência jurídica gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Esta garantia é evidente-mente instrumental em relação às demais porque propicia a sua efeti-vação. O texto em vigor é melhor que o anterior, porque aquele só assegurava a assistência judiciária. O atual assegura mais, a assistência jurídica, abrangendo, portanto, a orientação independentemente de procedimento judicial. No processo civil, a garantia se consubstancia pela gratuidade de custas e pela prestação, pelo Estado, de orientação e defesa jurídica de direitos da defensoria pública ou outros órgãos gratuitos de apoio jurídico às pessoas. Na área penal a garantia se consubstancia na nomeação de advogado dativo a quem não tenha ou não possa ter defensor em processo penal.

9) Fora do capítulo próprio, mas também garantia básica da ad-ministração da justiça, está consignada no art. 93, IX, a garantia da fundamentação das decisões. A norma já era expressa em algumas outras Constituições, como a italiana e a norma fundamental portugue-sa. Tem ela por finalidade assegurar precipuamente duas coisas: a co-erência lógica da decisão, quer no plano fático, quer no plano jurídico, mas principalmente assegurar que a decisão tenha sido tomada com base em elementos contidos nos autos, os quais passaram pelo crivo do contraditório. Se o juiz pudesse decidir por convicção íntima, ficariam aniquilados os princípios do contraditório e da ampla defesa, entenden-do-se esta não só no processo penal, mas também no conflito de inte-resses civil. O júri decide por convicção íntima, o que só se justifica em virtude de sua soberania e da possibilidade de fazer um julgamen-to social, independentemente dos fatos e da legalidade. A defesa da pessoa contra um eventual erro condenatório é feita, no júri, pelo poder de o juiz não mandar o réu ao julgamento popular, com impronúncia e com absolvição sumária.

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Na Idade Média, o sistema de produção de provas e sua apreciação eram inquisitivos, não assegurando que a convicção do magistrado decorresse dos fatos efetivamente presenciados ou apurados. A distri-buição da justiça era, então, feita segundo a convicção íntima do juiz.

Por influência do direito canônico, que voltou às origens romanas, surgiu a ideia de que esse poder ilimitado era grave perigo para os direitos individuais. O processo canônico, então, era basicamente es-crito e documentado para que pudesse ser reapreciado por autoridades superiores.

As Ordenações legislativas do fim da Idade Média e começo da Idade Moderna passaram, também, a exigir documentação minuciosa das provas e a estabelecer peso legal ou valor fixo para cada uma. O juiz decidia segundo o resultado da aplicação dos critérios legais. Esse método chama-se o sistema da prova legal, tendo predominado, por exemplo, nas Ordenações do Reino de Portugal, que chegaram a vigo-rar no Brasil. Hoje existem apenas alguns casos de prova legal no processo civil e penal.

A apreciação da prova evoluiu, porém, para o sistema da persuasão racional, que consiste em o juiz poder apreciar livremente a prova, fundamentando sua decisão, porém, exclusivamente em material cons-tante dos autos. Por outro lado, toda sentença conterá um relatório do ocorrido no processo e uma fundamentação, dos quais deve logicamen-te decorrer a parte dispositiva ou conclusão.

O sistema da persuasão racional é evidente garantia de correta distribuição da justiça, e completa o conjunto de garantias constitucio-nais do processo, porque ficariam todas as demais enfraquecidas ou inócuas se pudesse o juiz decidir sem fundamentação.

Além dessas garantias gerais expressas na Constituição, outras, ainda, podem ser extraídas dos princípios que ela adota, conforme norma do art. 5º, § 2º. É importante citar:

1) A garantia do duplo grau de jurisdição. Não está prevista no rol do bastante citado art. 5º, mas decorre do sistema constitucional. A estrutura do Poder Judiciário é escalonada em graus de jurisdição, afirmando o texto constitucional em várias passagens a competência dos tribunais para julgar “em grau de recurso”, daí a natural consequên-cia de que, em princípio, as decisões não devem ser únicas.

A Constituição Federal prevê casos de competência originária dos tribunais, sem possibilidade de recurso, e vemos, por exemplo, no art.

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102, II, a referência ao recurso ordinário para causas decididas em única instância pelos tribunais, a admitir, portanto, a existência de ações propostas diretamente perante o segundo grau de jurisdição, com a supressão do primeiro. Para os tribunais estaduais a competência ori-ginária é definida nas respectivas Constituições.

O juiz único gera grave risco de decisão injusta, daí a necessidade do sistema recursal; mas também é indispensável a participação do juiz de primeiro grau, dada sua imediatidade ao fato e a possibilidade de melhor aferição da prova. O sistema ideal, portanto, é o da dupla apre-ciação, que, no Brasil, pode alcançar triplo ou quádruplo exame, con-forme a matéria, se surgir questão constitucional.

Chiovenda21, famoso mestre do direito processual, reconhece no duplo grau de jurisdição uma garantia para o cidadão em três aspectos: à medida que um julgamento reiterado torna, já por si, possível a cor-reção dos erros; porque dois julgamentos são confiados a juízes diver-sos que apreciarão independentemente a matéria; e uma vez que o se-gundo juiz se apresenta como mais autorizado que o primeiro.

2) A garantia do juiz imparcial. Completando o sistema de garan-tias gerais, dispõem os Códigos de Processo a respeito da exclusão do juiz impedido e suspeito.

No processo civil, é defeso ao juiz exercer suas funções no pro-cesso contencioso ou voluntário, nos casos do art. 134 do estatuto processual, no qual domina a ideia de afastar o juiz do julgamento de causa em que tenha interesse como parte, ou parente de parte ou pes-soas que nela intervenham como advogado ou órgão do Ministério Público. Igualmente, pode ser afastado o juiz suspeito (art. 135), que é aquele que, em virtude de vinculação pessoal com as partes ou com a causa, como por exemplo o amigo íntimo ou inimigo capital, não tem isenção de ânimo para decidir.

No processo penal, os casos de impedimento e suspeição, seme-lhantes aos do processo civil, estão previstos nos arts. 252 e 254 do Código de Processo Penal.

O tema dispensa maiores comentários, porque é evidente que a imparcialidade é garantia essencial, porquanto a distribuição da justiça

21. Giuseppe Chiovenda, Instituições do direito processual civil, São Paulo, Sarai-va, 1965.

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incorreria em grave risco se pudesse estar nas mãos de juiz pessoal mente interessado na causa. De um lado, haveria o prejuízo das partes, que poderiam ter uma sentença não conforme o direito, mas conforme o sentimento do magistrado, e, de outro, o prejuízo do interesse público na distribuição da justiça e na aplicação do direito.

Os casos de impedimento são mais graves e proíbem o juiz de exercer o poder jurisdicional para o caso concreto, podendo ensejar, inclusive, a ação rescisória ou o habeas corpus, porque o processo criminal se torna “manifestamente nulo”. Já a suspeição depende de reconhecimento pelo juiz ou de provocação da parte, que pode recusar o juiz mediante o procedimento da exceção de suspeição.

3) Finalizando, é necessário referir, como importante instrumento de efetivação das garantias do processo, a previsão, no Código Penal, de diversos crimes que atuam como normas de proteção da distribuição da justiça.

Além do crime de desobediência (art. 330) e outros ligados à Administração em geral, especialmente referem-se ao processo os cri-mes de falso testemunho ou falsa perícia (art. 342), o de corrupção de testemunha ou perito (art. 343), o de coação no curso do processo contra o juiz, parte ou perito (art. 344), o de fraude processual (art. 347), os de patrocínio infiel, simultâneo ou tergiversação (art. 355 e seu parágrafo único), o de sonegação de papel ou objeto de valor pro-batório (art. 356), o de exploração de prestígio (art. 357), o de vio lência ou fraude em arrematação judicial (art. 358) e o de desobediên cia à decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito (art. 359).

Apesar de merecerem atualização, os delitos previstos no Código Penal completam o quadro das garantias do processo, sancionando os que violam seus princípios básicos.

9.2. A garantia da coisa julgada

As normas processuais, quando estruturam o desenvolvimento da atividade das partes e do juiz, devem atender a bens jurídicos nem sempre conciliáveis. De um lado, deve ser estabelecido sistema proces-sual que garanta a efetivação do direito e da justiça da forma mais perfeita possível; de outro, deve ser garantida a estabilidade das relações jurídicas, a fim de que não se instaure a insegurança, terrivelmente prejudicial à convivência social.

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Para atender à finalidade da justiça, existe, no processo, o sistema de recursos, através dos quais pode o interessado pedir o reexame das decisões por diversos órgãos jurisdicionais. Para atender à necessidade de segurança e estabilidade, existe o fenômeno da coisa julgada. Após serem esgotados todos os recursos, a decisão judicial torna-se imutável, não podendo ser alterada ainda que, objetivamente, tenha concluído contrariamente ao direito.

Define-se coisa julgada como a imutabilidade dos efeitos da sen-tença. Conforme lapidarmente ensina Liebman22, a coisa julgada não é um novo efeito da sentença, mas uma qualidade dos efeitos que natu-ralmente já tinha, sendo essa qualidade a imutabilidade. Nos termos do art. 467 do Código de Processo Civil, “denomina-se coisa julgada ma-terial a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”.

Diz-se que há coisa julgada formal quanto à imutabilidade dos efeitos da sentença dentro do processo, por inexistência de outros meios processuais de revisão; diz-se que há coisa julgada material em virtude de a imutabilidade projetar-se também fora do processo, impe-dindo a repetição da demanda e o reexame da matéria mesmo em processo autônomo.

Verifica-se, pois, que a imutabilidade da sentença, além de ter um fundamento lógico e social, de exigência de estabilidade das relações jurídicas, também tem um sentido de garantia individual, tanto que a Constituição Federal a protege inclusive contra as eventuais alterações legislativas: “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (art. 5º, XXXVI).

Com efeito, aquele que detém a seu favor uma decisão judicial irrecorrível e, portanto, imutável, tem o direito de não voltar a ser de-mandado quanto àquele objeto, inexistindo possibilidade de nova atu-ação jurisdicional.

Se isso é importante no processo civil, ganha extraordinária rele-vância no processo penal. Quem foi definitivamente julgado por deter-minado fato delituoso não mais poderá sê-lo, ainda que surjam novas provas, consistindo a coisa julgada em fato impeditivo do processo e de eventual condenação.

22. Enrico Tullio Liebman, Manuale di diritto processuale civile, Milano, Giuffrè, 1957.

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Para a identificação das ações, é muito importante o fundamento jurídico do pedido que se apresenta diferentemente no processo civil e no processo penal. No primeiro, adotou-se o princípio da su bs tan-cia ção quanto ao fundamento jurídico da ação: o juiz decidirá sobre o fato descrito na inicial como fundamento da pretensão, não ficando, portanto, proibida a repetição do pedido se novo fato o justificar. No processo penal, porém, adotou-se o sistema da indivi duação, isto é, a descrição do fato feita na denúncia ou queixa tem por fim simplesmen-te individuá-lo (e, é lógico, possibilitar a defesa), mas a atuação da justiça penal não fica limitada a ele, existindo, no Código de Processo Penal, o mecanismo de adaptação da denúncia à realidade que poderá aparecer no curso da demanda (arts. 383 e 384). Em con tra par ti da, a coisa julgada atingirá não só o fato descrito na denúncia, mas o fato da natureza, o que verdadeiramente ocorreu, ainda que alguma de suas circunstâncias permaneça desconhecida pelo juiz. Assim, se alguém é processado por estupro e é absolvido, não poderá sê-lo, posteriormen-te, quanto ao mesmo fato, por sedução ou corrupção de menores.

A coisa julgada penal pode ser garantida, inclusive, através de habeas corpus, que anulará processo atentatório a ela. Nem mesmo lei nova poderá atingi-la, aliás, como dispõe o acima referido texto constitucional, adicionando-se, porém, que em matéria penal, se a nova lei beneficiar o réu, o novo benefício o atingirá retroativamente (art. 5º, XL).

No processo civil, a imutabilidade da sentença sofre uma exceção, pelo prazo de dois anos depois do trânsito em julgado, podendo ser alterada por meio de ação rescisória, mas somente nos casos expressa-mente previstos no art. 485 do Código de Processo Civil. Após esses dois anos, nem mesmo os graves fatos ali relacionados terão o condão de permitir o reexame da causa.

No processo penal, a coisa julgada em favor do réu é absoluta. A justiça pública em hipótese alguma poderá renovar a acusação se houver sentença absolutória ou de extinção da punibilidade. Em favor do réu, porém, para a correção do erro judiciário, existe o processo de Revisão Criminal, previsto nos arts. 621 e s. do Código de Processo Penal.

É interessante, finalmente, observar que a garantia constitucional da coisa julgada nasce do processo, através da imutabilidade dos efei-tos da sentença, mas se transforma, posteriormente, em verdadeira garantia de direito material, porque incorpora ao patrimônio jurídico

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de seu beneficiário o direito substancial definido na sentença. Essa garantia, aliás, atua até contra as inovações legislativas, que não pode-rão retroagir para modificar a situação consagrada por sentença transi-tada em julgado, como acima dissemos.

Mais que a coisa julgada, porém, a estabilidade da situação jurí-dica consolidada impede a revisão ou modificação de relações jurídi-cas. É assente na jurisprudência e doutrina que não existe a garantia da coisa julgada contra disposição da Constituição porque esta instau-ra uma nova ordem jurídica, que pode desconsiderar a ordem jurídica anterior. Aliás, a própria coisa julgada tem sua estabilidade garantida pela Constituição, que pode, portanto, afastá-la. Já a situação jurídica consolidada independe da Constituição porque está no patrimônio do indivíduo de maneira irreversível, dadas, aliás, as condicionantes fáti-cas. A estas situações consolidadas, a nova ordem constitucional não atinge. Disposição em contrário seria violadora dos princípios naturais da convivência23.

9.3. Os princípios constitucionais do processo penal

Apesar desta obra ser de processo civil, para a Teoria Geral do Processo convém referir as garantias do processo penal.

A Constituição da República preocupou-se mais em estabelecer garantias para o processo penal do que para o processo civil, tanto que, em relação a este último, além das garantias gerais, os princípios cons-titucionais são inferidos, de regra, mediante a interpretação do sistema e não por meio de textos expressos.

Talvez a solução constitucional se explique por dois motivos: o primeiro, em virtude da origem histórica das garantias individuais, basicamente instituídas como proteção contra o arbítrio penal; o segun-do, em virtude de estar diretamente envolvida no processo penal a li-berdade pessoal, em que o confronto Estado-particular é imediato e concreto, aí aparecendo decididamente a necessidade de garantias.

23. Fala-se, hoje, em flexibilização da coisa julgada para casos de sentenças civis de ilicitude flagrante ou grave defeito jurídico. Tal tese, porém, é incompatível com os princípios constitucionais, especialmente o relativo à estabilidade das relações jurídicas e à pacificação dos conflitos. A ordem jurídica pode absorver a impropriedade de uma sentença injusta pontual mas não pode viver e conviver com uma instabilidade perene e interminável.

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Inicialmente, lembramos que no processo penal incidem, eviden-temente, as garantias gerais tratadas acima, como as prerrogativas da magistratura, a proibição de tribunais de exceção, a do duplo grau de jurisdição, a da imparcialidade do juiz e a da motivação das sentenças. No processo penal, porém, tornam-se muito importantes como condição fundamental da correta aplicação da lei penal.

Para o desenvolvimento e estrutura do processo penal, a garantia mais importante e ao redor da qual todo o processo gravita é a da am-pla defesa, com os recursos a ela inerentes, sobre a qual convém insis-tir e ampliar.

Consiste a ampla defesa na oportunidade de o réu contraditar a acusação, através da previsão legal de termos processuais que possibi-litem a eficiência da defesa, como já se disse. Ampla defesa, porém, não significa oportunidades ou prazos ilimitados. Dentro do que a prática processual ensina, a lei estabelece os termos, os prazos e os recursos suficientes, de forma que a eficácia, ou não, da defesa depen-da da atividade do réu, e não das limitações legais. O réu é também obrigado a cumprir os prazos da lei, nada podendo arguir se os deixou transcorrer sem justo motivo.

A ampla defesa se traduz em algumas soluções técnicas dentro do processo, as quais, na verdade, tornam efetiva a garantia.

Entre elas podemos citar: a adoção do sistema acusatório, a apre-sentação formal da acusação, a citação regular, o contraditório, o prin-cípio da verdade real e o exercício de defesa técnica.

Consiste o sistema acusatório na separação orgânica entre o órgão acusador e o órgão julgador. Ele se contrapõe ao sistema in qui si ti vo, em que as funções acusatórias e judicantes se encontram englobadas na mesma pessoa, o juiz. No sistema acusatório, adotado pelo Código de Processo Penal brasileiro, exceto para o procedimento das contra-venções penais, estendido pela Lei n. 4.611/65 para delitos culposos, a ação penal pública é promovida pelo Ministério Público, e a ação penal privada pelo ofendido, de forma que pode o juiz manter-se equi-distante da acusação e da defesa, garantindo uma decisão imparcial. É fácil verificar como o sistema inquisitivo não convém à distribuição da justiça, em virtude do comprometimento do magistrado com a acusação que ele mesmo formulou.

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As exceções ao princípio acusatório acima aludidas, apesar de terem resistido ao crivo jurisdicional por mais de trinta anos, eram, na verdade, inconstitucionais, e no novo texto constitucional desaparecem totalmente.

A exclusividade da titularidade do Ministério Público para a ação penal pública (CF, art. 129, I) revogou o procedimento de ofício para as contravenções e também a Lei n. 4.611/65, de modo que no novo regime a ação penal nos crimes de ação penal pública será sempre iniciada por denúncia do Ministério Público, respeitando-se, portanto, o sistema acusatório. A Lei n. 4.611/65 foi expressamente revogada pela Lei n. 9.099/95.

O sistema acusatório, porém, não retira do juiz os poderes inqui-sitivos referentes à prova e perquirição da verdade. Neste caso, porém, a atuação inquisitiva não se faz predeterminadamente nem a favor da acusação, nem da defesa, nem compromete a imparcialidade. O que se repele é a inquisitividade na formulação da acusação, a qual deve ser privativa do Ministério Público ou do ofendido.

Outro requisito essencial à ampla defesa é a apresentação clara e completa da acusação, que deve ser formulada de modo que possa o réu contrapor-se a seus termos. É essencial, portanto, a descrição do fato delituoso em todas as suas circunstâncias. Uma descrição incom-pleta, dúbia ou que não seja de um fato típico penal gera a inépcia da denúncia e nulidade do processo, com a possibilidade de trancamento através de habeas corpus, se o juiz não rejeitar desde logo a inicial. Para que alguém possa preparar e realizar sua defesa é preciso que esteja claramente descrito o fato de que deve defender-se.

Ademais, deve essa acusação ser levada, em princípio, pessoal-mente ao réu, através da citação. De regra, portanto, a citação deve ser pessoal, admitindo-se a citação ficta, por editais, somente quando o réu não puder ser encontrado. Nulidade de citação também é nulidade absoluta e insanável, podendo ser declarada a qualquer tempo, inclusi-ve através de habeas corpus.

Após a citação, as leis atribuem prazos para a apresentação da defesa, à qual deve ser permitido: contrariar a acusação, requerer a produção de provas, recorrer quando houver inconformismo.

Essas faculdades podem ser resumidas no termo “contraditório”. O contraditório não se refere apenas à instrução, colheita de provas,

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mas à própria oportunidade de contrariar a acusação de modo, em tese, eficiente.

O contraditório pode ser definido como o meio ou instrumento técnico para a efetivação da ampla defesa, e consiste praticamente em: poder contrariar a acusação; poder requerer a produção de provas que devem, se pertinentes, obrigatoriamente ser produzidas; acompanhar a produção das provas, fazendo, no caso de testemunhas, as perguntas pertinentes que entender cabíveis; falar sempre depois da acusação; manifestar-se sempre em todos os atos e termos processuais aos quais deve estar presente; recorrer quando inconformado.

Essas providências de defesa estão previstas como faculdades na legislação processual e não precisam efetivar-se em todos os casos, podendo o réu deixar voluntariamente de exercer as que entender des-necessárias.

Para que o exercício da defesa, porém, seja criterioso e amplo, é essencial a presença da chamada “defesa técnica”, que deve ser efeti-vada por advogado. Além do que o próprio réu, pessoalmente, possa trazer a seu favor, deve ele, ainda que não queira, ser acompanhado de advogado, o qual deve ser intimado de todos os atos processuais. Seja o réu presente ou revel, queira ele ou não queira, deve ter advo-gado, o qual supervisionará a defesa, garantindo sua eficiência técnica. No caso de recusar-se o réu a constituir advogado, deverá o juiz nome-ar um para acompanhar sua defesa e responsabilizar-se por ela, fixan-do, posteriormente, a retribuição honorária, se puder o réu arcar com ela. No caso de ser pobre, o réu será defendido gratuitamente. Em outros sistemas processuais, como o inglês e o norte-americano, pode o acusado, mesmo sem ser advogado, assumir a própria defesa. No Brasil, porém, é indispensável a presença do profissional do direito, o qual garantirá o exercício de defesa tecnicamente eficiente.

Finalmente, é princípio do processo penal, que interfere na garan-tia da ampla defesa, a aferição, pelo juiz, da verdade real, e não apenas da que formalmente é apresentada pelas partes no processo. O poder inquisitivo do juiz na produção das provas permite-lhe ultrapassar a descrição dos fatos como aparecem no processo, para determinar a realização ex officio de provas que tendam à verificação da verdade real, do que ocorreu, efetivamente, no mundo da natureza.

Essa faculdade faz com que o juiz exerça, inclusive sobre a defesa, uma forma de fiscalização de sua eficiência, podendo destituir o advo-

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gado inerte ou determinar as provas para descoberta da verdade, ainda que sem requerimento do réu.

No processo penal, o conteúdo da sentença deve, o mais possível, aproximar-se da verdade da experiência real.

As faculdades acima descritas consubstanciam a chamada ampla defesa e o contraditório, os quais, como vimos, devem ser efetivados pelo réu e seu advogado, dentro dos limites do razoável e cabível em cada caso, sob pena de ser o réu considerado indefeso, o que determi-nará, também, a existência de nulidade. Aliás, a Súmula 523 do Supre-mo Tribunal Federal assim dispõe.

As garantias contidas no inc. LXI do art. 5º vinculam-se também ao processo penal, mas atuam já antes dele. “Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo...”. Esta regra eliminou a possibilidade de prisão administrativa decretada por autoridade administrativa, como, por exemplo, a do estrangeiro em processo de expulsão e a do funcio-nário público omisso em recolher aos cofres públicos os bens que tem sob sua guarda. Essas prisões deverão ser solicitadas e eventualmente decretadas pelo juiz, se se criar o processo adequado, que não existe até o momento. O art. 302 do Código de Processo Penal define que pode ser considerado em flagrante delito quem:

I — está cometendo a infração penal;

II — acaba de cometê-la;

III — é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer outra pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV — é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Fora dos casos de flagrância, a prisão só pode ser determinada, no caso de fato criminal, através da decretação da prisão preventiva, pelo juiz, nos casos também previstos na legislação processual penal, por interesse da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.

Como se observa, essa garantia não é somente do processo penal, mas do próprio direito de liberdade.

O mesmo ocorre com o direito de prestar fiança nos casos admi-tidos em lei (arts. 321 e s. do mesmo estatuto processual penal).

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O processo penal se interpõe, como anteriormente discorremos, entre a pretensão punitiva do Estado e o direito de liberdade do indi-víduo. A exclusividade da prisão por flagrância, ou por mandado, a prestação de fiança, bem como a comunicação de prisão ao juiz exercem também a tutela da liberdade, mas de forma ainda mais ampla que o próprio processo penal, que se limita à pretensão punitiva do Estado diante de um fato delituoso.

Estas outras garantias abstraem-se da indagação do motivo da pri-são. Qualquer que seja o fundamento da detenção, tutelam a liberdade originariamente, em paralelo à garantia do processo penal, que atua quando há pretensão de condenação. De qualquer forma, porém, elas também estão vinculadas ou têm analogia com o processo penal, mas deve ficar consignado que não dependem dele para sua efetivação.

O direito brasileiro consagrou, também, a figura da “nota de culpa”, que é a comunicação formal dos motivos da prisão em flagrante ao que acaba de ser preso, a fim de que possa, imediatamente, adotar as pro-vidências de verificação da legitimidade da prisão, através do habeas corpus. A nota de culpa, prevista no art. 306 do Código de Processo Penal, está expressamente consignada agora como direito no texto constitucional, garantida como instrumento necessário ao exercício do direito de liberdade.

Na mesma linha de entendimento, o novo texto constitucional foi minucioso na especificação de garantias nesse momento crítico de efetivação da prisão: a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada; o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; o preso tem direi-to à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interro-gatório policial; a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela auto-ridade judiciária; ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança (art. 5º, LXV e LXVI).

Além disso, o mesmo art. 5º consigna algumas normas que não seriam substancialmente constitucionais, mas que, pela Constituição, foram erigidas em princípios, dada a importância que o constituinte deu a essas disposições: 1) O civilmente identificado não será subme-

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tido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei (inc. LVIII). Esta regra tornou inaplicável a formulação anterior da Súmula 568 do Supremo Tribunal Federal, que dispunha exatamente o contrá-rio. A lei, porém, disciplina os casos em que, dentro de um critério adequado, ainda a identificação penal continue a ser exigível, a despei-to da existência da identificação civil. Certamente será mantida a identificação criminal no caso de haver dúvida quanto à integridade da identificação civil, como, por exemplo, no caso de dupla identidade24. 2) Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal (inc. LIX). A regra corresponde ao art. 29 do Código de Processo Penal, que consagra a denominada ação penal privada subsidiária. Dada a redação idêntica ao dispositivo do diploma processual, é inevitável que se mantenha a mesma interpretação até o momento, qual seja, a de que só é admissível a ação penal privada subsidiária no caso de inércia do órgão do Ministério Público. Se este, dentro do prazo legal, ou mesmo depois, mas antes da iniciativa do ofendido, em vez de denunciar, pede o arquivamento do inqué rito, não houve inércia, e, portanto, não é possível a ação penal privada subsidi-ária. A redação na regra constitucional, combinada com a exclusivida-de da ação penal pública para o órgão do Ministério Público, impede, definitivamente, a chamada ação penal popular, que permitiria ao ofen-dido ou, pior, a qualquer do povo propusesse a ação penal mesmo diante da manifestação contrária do Ministério Público. A ação penal popular, a despeito de dizerem alguns que seria mais democrática, ao contrário, traria o risco da vingança privada, da extorsão, da persegui-ção por parte do Judiciário, por meio de ações infundadas. Bem fez a Constituição em repeli-la. 3) Os incs. XLII e XLIII preconizam que a lei deverá considerar inafiançáveis a prática do racismo e da tortura, o crime de tráfico ilícito de entorpecentes, o terrorismo e os crimes de-finidos como hediondos. Esta ina fian ça bi li da de é cogente e independe da quantidade da pena, critério geral para que o Código de Processo Penal considere, ou não, o crime ina fian çá vel. Mas é necessário, antes de mais nada, que a lei defina o que sejam crimes hediondos, de tor-tura e de terrorismo, que são termos que não têm correspondência na tipicidade penal atual. O racismo, entendido como a discriminação em virtude de raça ou de cor, já está tipificado como infração penal pela

24. A lei regulamentadora da identificação criminal é a Lei n. 10.054, de 2000.

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Lei n. 7.437, de 1985*, e o tráfico de entorpecentes, pelas Leis n. 6.368, de 1976, e 10.409, de 11 de janeiro de 2002. Problema que o legislador e o intérprete deverão enfrentar é o de saber se a proibição de fiança atinge, também, nessas infrações, a liberdade provisória sem fiança, conforme prevista no Código de Processo Penal (art. 310, parágrafo único), hipótese em que o juiz pode colocar o réu em liberdade se, em situação análoga, ele, juiz, não decretaria a prisão preventiva. Essa forma de liberdade provisória aplica-se a qualquer infração penal, in-clusive as inafian çáveis. Se o constituinte proibiu a fiança é porque deseja, em relação a essas infrações, maior rigor na repressão e, em princípio, estaria proibindo qualquer liberdade provisória. Todavia, o próprio constituinte, em outro inciso, faz a distinção entre liberdade provisória com ou sem fiança (inc. LXVI), de modo que, se desejasse abranger as duas hipóteses com a proibição, teria a elas se referido expressamente. Por outro lado, a obrigatoriedade da prisão, mesmo em crimes mais graves, revelou-se no direito brasileiro como inadequada para a realização da justiça. Todos os estudiosos de processo sabem como era odiosa a figura da prisão preventiva obrigatória, hoje total-mente superada. Cremos que seria um retrocesso, incompatível com o sistema geral de garantias da pessoa, manter na prisão alguma pessoa em virtude de situação meramente formal, que seria a de flagrância. A despeito de inafiançáveis, portanto, esses crimes admitirão a liberdade provisória do art. 310, parágrafo único, do Có digo de Processo Penal, salvo norma legal expressa, e seria excessiva a lei que, para eles, vies-se impedir sua aplicação. A Lei n. 8.072/90 fez essa proibição. 4) O inc. LVII, ainda, consigna a regra de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal con de na tó ria. O preceito revoga em parte o Código de Processo Penal, que prevê o lan-çamento do nome do réu no rol dos culpados em virtude de sentença condenatória de primeiro grau, antes, portanto, do trânsito em julgado da decisão, e em virtude de decisão de pronúncia. Sob o aspecto prático, a regra constitucional traz implícita disposição sobre o ônus da prova, qual seja: presume-se a inocência do acusado até que, havendo provas, seja ele condenado por sentença definitiva transitada em julgado.

A despeito da longa enumeração, como já se disse anteriormente, o legislador constitucional não foi taxativo quanto aos direitos e garan-

* Ampliada pela Lei n. 9.459/97.

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tias. Há outras que permanecem implícitas e decorrem do sistema, sendo importante citar: 1) a revisibilidade perene do erro judiciário condenatório ou a imprescritibilidade da revisão criminal em favor do condenado. Ainda que morto o condenado, poderão seus sucessores promover ação de competência originária dos tribunais para obter a correção da condenação nula ou ponderavelmente injusta; 2) a regra de apreciação da prova in dubio pro reo. Na dúvida quanto à situação de fato, a conclusão deve ser absolutória, porque se fosse possível condenar sem provas suficientes isso equivaleria à condenação sem fundamentação e, portanto, a atuação arbitrária da justiça penal; 3) o princípio de que ninguém pode ser julgado duas vezes pelo mesmo fato, na forma desen-volvida no item sobre a coisa julgada (Cap. 1, item 9.2).

9.4. Os princípios constitucionais do processo civil

Salvo quanto às garantias gerais já comentadas, foi quase omisso o texto constitucional a respeito de garantias especiais do processo civil, aplicando-se a ele o conjunto daquelas garantias gerais e também o princípio da igualdade25.

A igualdade jurídica instituída no inc. I do art. 5º da Constituição impõe a igualdade de tratamento das partes em juízo, merecendo algu-mas observações.

O conceito de igualdade, porém, não é absoluto, porquanto dar tratamento igual a desiguais seria o mesmo que dar tratamento desigual a iguais. No mesmo sentido do conceito de justiça distributiva de Aristóteles e do princípio geral do direito vindo do direito romano, suum cuique tribuere, no processo civil, também repercute o mecanis-mo de compensações jurídicas em favor daqueles que merecem pro-teção especial.

Não viola, pois, o princípio da igualdade o tratamento diferencia do dado a menores e incapazes que têm a assistência do Ministério Públi-co, à Fazenda Pública, que tem o prazo em dobro para recorrer e em quádruplo para contestar, e o reexame obrigatório das sentenças que lhe forem desfavoráveis. Esses privilégios, porém, justificam-se: os

25. Sobre as garantias constitucionais do processo ver o excelente livro de Ada Pellegrini Grinover, Os princípios constitucionais e o Código de Processo Civil, São Paulo, Bushatsky, 1975.

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menores e incapazes, apesar de representados ou assistidos por seus pais ou representantes legais, estão em situação desfavorável em relação à parte contrária, porque não estão à testa de seus direitos, exigindo fiscalização inclusive sobre os que os representam; a Fazenda Pública tem dificuldades burocráticas na formulação de sua defesa, merecendo atenção especial, porque sua derrota pode prejudicar, eventualmente, toda a coletividade.

Existem, também, diferenças de tratamento processual quando a lei, seguindo a mesma orientação do direito material, atribui maior força, rapidez ou efetividade ao interesse do autor, ou, ao contrário, dá maiores faculdades à defesa. Todos os procedimentos especiais não são mais do que redistribuições das faculdades processuais em termos e prazos próprios, com o fim de melhor atender o direito material, favo-recendo, portanto, ora o autor, ora o réu.

Essa redistribuição, se coerente com o direito material, e se não violar a garantia básica do contraditório, é justificável e constitucional-mente válida. Ao réu, contudo, sempre deve ficar reservada a oportu-nidade de contestação e de promover os meios pertinentes à sua defesa; ao autor deve ser garantida a apreciação jurisdicional de sua pretensão; a ambos não deve ser permitido o direito absolutamente potestativo de submeter o outro à sua vontade sem apreciação judicial e oportunidade de oposição.

Às vezes, tem o legislador ordinário avançado um pouco na con-cessão ou restrição de faculdades processuais, gerando dúvidas quanto à constitucionalidade de certas normas. Como exemplo desse fenôme-no podemos citar a ação de busca e apreensão decorrente de alienação fiduciária, prevista no Decreto-lei n. 911, de 1º de outubro de 1969, e a execução de dívidas de financiamento de bens imóveis vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação, Lei n. 5.741, de 1º de dezembro de 1971. Nenhuma das leis, porém, sofreu a declaração de inconstitu-cionalidade pelos tribunais.

A efetividade do contraditório, portanto, não pode ser postergada. Autor e réu devem ser intimados de todos os atos do processo, de-vendo-lhes ser facultado pronunciamento sobre os documentos e provas produzidos pela parte contrária, bem como os recursos contra a decisão que tenha causado gravame. Neste passo, o novo Código de Processo Civil foi bastante pródigo, admitindo o recurso de agravo de instrumento contra todas as decisões no curso do processo.

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Interessante exceção às faculdades do contraditório no Código de Processo Civil é a proibição de a parte falar nos autos se for condena-da pela prática de atentado, que consiste em violar penhora, arresto, sequestro ou imissão na posse, prosseguir em obra embargada ou pra-ticar outra qualquer inovação ilegal no estado de fato no curso do processo. A proibição perdura até que a parte purgue o atentado, isto é, reponha a situação anterior (art. 881).

Em igual pena incidia o executado que praticasse atos atentatórios à dignidade da justiça, através de procedimento desleal, conforme re-lacionado no art. 600 do estatuto processual. Tal pena foi alterada para multa pela Lei n. 8.953/94.

Apesar de aparente violação do princípio do contraditório, parece-nos que a penalidade se justifica. Na verdade, só será punido quem praticar grave ato contra a administração da justiça, admitindo a lei que, por ato próprio de retratação, seja desfeito o mal, retomando a parte suas faculdades processuais. A aparente restrição, portanto, de-pende exclusivamente da parte, a ela se atribuindo a responsabilidade pela manutenção, e, se quiser, o levantamento da medida. Essa circuns-tância e, mais, a de que o processo não pode ser instrumento de abuso e deslealdades são suficientes para fundamentar a penalidade, que, a nosso ver, não é inconstitucional26.

Não são esses os únicos casos de aparente desequilíbrio entre as par-tes, justificados, porém, pelo relativismo da igualdade e do contraditório. Citamos, entre outros, os da executoriedade dos títulos extrajudiciais, a citação por editais, a presunção de veracidade dos fatos alegados na inicial no caso de revelia e a exigência de cauções processuais, como, por exem-plo, na rescisória, nas medidas cautelares em geral etc.

Não chegamos a considerá-los inconstitucionais, em virtude da justificativa da compensação por motivo de especial situação de di-reito material. O fato é que em nenhum momento se subtrai a aprecia ção jurisdicional ou o exercício regular do direito de defesa, dentro do logos de lo razonable, nas palavras de Recaséns Siches.

26. O Prof. Giovanne Verdi, em palestra proferida em São Paulo, sustentou a des-proporcionalidade dessa punição em face da regra violada. Não alterei, contudo, a po-sição sustentada no texto, já que o princípio básico da regra sancionadora, sem prejuí-zo de uma certa proporcionalidade, é o da eficácia, no meu ver alcançada na hipó tese. Bem compreende o fenômeno o direito anglo-americano, com o instituto do contempt of Court.

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A Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, acres-centou o inciso LXXVIII ao art. 5º, segundo o qual “a todos, no âm-bito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Desse modo, o texto constitucional traz a previsão do princípio da celeridade processual ou da prestação jurisdicional.

10. O direito processual civil

Temos focalizado os dois principais ramos do direito processual: o civil e o penal. Hoje, porém, é possível identificar, dado o seu grau de desenvolvimento, também, outros ramos, como o direito proces sual do trabalho, o direito processual penal militar e o direito processual elei-toral, que correspondem à atuação das jurisdições especiais do trabalho, penal militar e eleitoral. O primeiro e o último encontram no direito processual civil normas de aplicação subsidiária, em tudo aquilo que a legislação específica não dispuser de maneira diversa; o mesmo ocorre entre o direito processual penal militar e o direito processual penal.

Daí dizer-se que o direito processual civil e o direito processual penal são comuns em relação aos outros que são especiais, porque regem a atuação da jurisdição toda vez que não se aplicam as jurisdições especiais.

O conceito, portanto, do direito processual civil se obtém por ex-clusão, isto é, por eliminação das hipóteses de incidência dos demais ramos.

Pode-se, pois, conceituar o direito processual civil como o ramo do direito público que consiste no conjunto sistemático de normas e princípios que regula a atividade da jurisdição, o exercício da ação e o processo, em face de uma pretensão civil, entendida esta como toda aquela cuja decisão esteja fora da atuação da jurisdição penal, penal militar, do trabalho e eleitoral.

As definições ou conceitos por exclusão não são os melhores e mais precisos, mas, às vezes, o recurso a esse tipo de enunciado é inevitável ou, pelo menos, mais explicativo.

Decompondo-se o conceito acima formulado temos que:

a) O direito processual civil é um ramo do direito público, ou seja, regula uma atividade do poder público e relações jurídicas de direito

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público, ainda que o pedido da parte se refira a um direito privado. Como ramo do direito público, não estão seus institutos sujeitos à disponibilidade das partes; a jurisdição é sempre estatal e, portanto, pública. No caso de lides privadas, a disponibilidade sobre o direito subjetivo pode tornar inaplicável ou desnecessária a jurisdição, mas não há transação sobre ela e suas regras de atuação.

b) É um conjunto sistemático de normas e princípios: as normas legais constantes do Código e de leis especiais formam um sistema coerente e lógico, regido por princípios científicos, à luz dos quais devem aquelas ser interpretadas e aplicadas, admitindo-se, no caso de lacuna da lei processual, a aplicação da analogia, dos costumes e prin-cípios gerais do direito. Seu mecanismo interpretativo principal é o lógico-sistemático.

c) O objeto do direito processual civil é a atividade jurisdicio nal, o exercício do direito de ação e o processo. Esses são os três institutos fundamentais do direito processual, cuja disciplina constitui o conteúdo da norma processual em todos os seus aspectos e consequên cias. Dentre os ramos do direito, o direito processual é o mais lógico, isto é, o mais sistematicamente estruturado porque substancialmente unificado pelo objetivo único da correta aplicação do direito, podendo afirmar-se que no direito processual tudo é ou jurisdição ou ação ou processo.

d) O direito processual civil regula a aplicação do direito pela justiça civil, isto é, às lides não penais, não eleitorais, não trabalhistas, não sujeitas a qualquer das justiças especiais.

O campo de atuação do direito processual civil, por conseguinte, não se limita a regular a aplicação jurisdicional do direito civil, mas de inúmeros outros ramos do direito, como o direito comercial, tributário, administrativo, constitucional, financeiro etc., ou seja, toda a ordem jurídica adequada à solução das causas não relacionadas entre as de atribuição das justiças especiais ou da justiça penal.

Nos termos dos dispositivos constitucionais pertinentes, compete à Justiça Militar processar e julgar os crimes militares definidos em lei (CF, art. 124). Nos Estados, é possível a existência de uma Justiça Mi-litar para o julgamento, nos crimes militares, dos integrantes das polícias militares, como ocorre em São Paulo (CF, art. 125, §§ 3º e 4º).

Compete à Justiça Eleitoral o processamento das eleições, do alis-tamento do eleitor até a diplomação.

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Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios in-dividuais e coletivos entre empregados e empregadores e, mediante lei, outras controvérsias oriundas de relação de trabalho. Os acidentes do trabalho, porém, são de competência da Justiça ordinária ou comum.

Afora esses casos, e a matéria penal, as demais lides são julgadas segundo as normas e princípios do direito processual civil, inclusive as que se desenvolvem perante a Justiça Federal.

11. O Código de Processo Civil

No Brasil, na época colonial, em matéria processual, vigoraram, como não podia deixar de ser, as Ordenações do Reino, porque Brasil e Portugal formavam um Estado único. Mesmo com a independência, de imediato, continuaram a vigorar as mesmas Ordenações anteriores, que eram as Filipinas. Após algumas tentativas esparsas, com a edição do Código Comercial de 1850, foi baixado, no mesmo ano, o Regula-mento n. 737, que pode ser considerado o primeiro diploma processual brasileiro, aplicável às causas comerciais, continuando as cíveis a serem processadas nos termos das Ordenações e suas modificações posteriores, que alcançaram um número tão grande que se impôs uma consolidação, elaborada pelo Conselheiro Ribas, e que entrou em vigor em 1876.

Proclamada a República, o Regulamento n. 737 foi estendido às causas cíveis, mantendo-se as Ordenações com as modificações conso-lidadas nos casos de jurisdição voluntária e de diversos processos es-peciais. A primeira Constituição Republicana, inspirando-se na Confe-deração da América do Norte, atribuiu aos Estados a competência para organizar suas justiças e para legislar sobre direito processual. Enquan-to cada Estado não elaborava o seu próprio Código de Processo, foram mantidos em vigor o Regulamento n. 737 e as Ordenações na versão da Consolidação Ribas.

A Constituição Federal de 1934 voltou a atribuir a um poder úni-co, no caso a União, a competência para legislar sobre processo, en-contrando-se em vigor, à época, alguns Códigos estaduais editados até então, como o da Bahia (1915), Minas Gerais (1916), São Paulo (1930). Essa situação perdurou até 1939, quando foi promulgado, em 18 de setembro, pelo Decreto n. 1.608, o Código de Processo Civil unificado, que entrou em vigor em 1º de março de 1940. A época foi de grandes reformas legislativas, sendo de datas próximas o Código de Processo

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Penal, o Código Penal, a antiga Lei de Registros Públicos e outros diplomas significativos.

A partir de 1960, desencadeou-se novamente o afã de reforma legislativa, ficando incumbido o Prof. Alfredo Buzaid de elaborar um anteprojeto de Código de Processo Civil, apresentado em janeiro de 1964. Amplamente discutido pela ciência processualística brasileira, revisto e completado, o novo Código foi sancionado em 11 de janeiro de 1973, e entrou em vigor em 1º de janeiro de 1974. Antes de sua entrada em vigor, porém, sofreu retificações pela Lei n. 5.925, de 1º de outubro de 1973, de modo que em 1º de janeiro de 1974 houve concomitância da vigência do Código com as retificações.

Posteriormente, outros dispositivos foram sendo alterados, o que pode e deve ser acompanhado por meio das publicações adequadas.

Sob o aspecto técnico, o Código de 1973 é dos mais modernos e de melhor qualidade do mundo, inclusive segundo depoimento de emi-nentes processualistas estrangeiros, tendo causado, já, benéficas influ-ências na ciência do processo e na prática forense.

Lamenta-se, apenas, que a época em que vivemos seja de tal mu-tabilidade social e institucional que a ordem jurídica dificilmente con-segue manter-se estável e perdurar. Assim, hoje, fala-se, já, em reforma do Código, o que, porém, salvos pequenos retoques, além de prematu-ro, parece inadequado, porque não se pode imputar a ele os eventuais defeitos ou falhas da administração da Justiça ou da atuação do Poder Judiciário.

Uma das maiores críticas ao Código, logo que foi editado, foi a de que não conseguira ele a consolidação de toda a legislação proces-sual civil da época, de modo que passava a conviver, como ainda con-vive, com extensa e numerosa legislação especial. À primeira vista, a objeção parece procedente, mas o tempo demonstrou que, além de utópica, a total consolidação das normas processuais iria trazer para o bojo do diploma o germe de sua destruição, porque ele não resistiria às pressões de mudanças decorrentes das alterações da situação socio-econômica, as quais atingem mais os procedimentos especiais. Exemplo dessa situação é a instabilidade das normas sobre locação e despejo.

O Código Buzaid, como carinhosamente é também chamado em homenagem ao grande Mestre do direito processual, sobreviveu e, ainda que amanhã seja totalmente substituído por outro, deixará, como

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inegáveis conquistas, institutos e fórmulas do mais alto significado científico e prático, tais como o julgamento antecipado da lide, o poder cautelar geral do juiz, a denunciação da lide, o ônus da prova, a sim-plificação do sistema recursal, a classificação e distinção das causas de extinção do processo etc. Isto sem se falar do inegável impulso que imprimiu à ciência do processo, pelo novo alento que provocou na doutrina e na jurisprudência.

O Código vigente está dividido em cinco livros: Do processo de conhecimento; Do processo de execução; Do processo cautelar; Dos procedimentos especiais e Das disposições finais e transitórias. O mais longo é o primeiro, o que se justifica, inclusive, porque suas normas se aplicam aos demais quando não houver norma específica em contrário. Assim, na verdade, as disposições relativas ao processo de conheci-mento atuam, em grande parte, como normas gerais para todo proces-so (de conhecimento, de execução, cautelar e procedimentos especiais), o que causa certa dificuldade ao intérprete que precisa identificar os mandamentos verdadeiramente gerais e os próprios de cada tipo de processo, como oportunamente será discutido.

O Código, a partir de 1992, sofreu grande número de alterações no sentido de agilizar a prestação jurisdicional e aumentar sua efetivi-dade. Essas alterações abrangeram não somente aspectos procedi-mentais, mas também conceitos anteriormente aceitos e assentados, necessitando de uma nova visão de certos institutos processuais.

12. Direito processual e organização judiciária

Como foi amplamente comentado nos itens anteriores, o direito processual encontra sua fonte primeira no direito constitucional, que consagra seus princípios básicos, define a estrutura fundamental do Poder Judiciário e garante, como direito individual, o direito à ação e ao processo, no referido art. 5º, XXXV:

“A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

O direito processual, propriamente dito, está regulado em lei fe-deral, em virtude da competência da União para legislar sobre essa matéria, conforme dispõe o art. 22, I, da Constituição da República. É competência concorrente da União e dos Estados legislar sobre proce-dimentos em matéria processual (art. 24, XI), devendo entender-se

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“procedimentos em matéria processual” os procedimentos administra-tivos de apoio ao processo e não o “procedimento”, que é indissociável do direito processual.

Aos Estados compete legislar sobre Organização Judiciária, defi-nindo as circunscrições de atuação dos juízos, a distribuição de com-petência entre eles, quando houver mais de um em cada foro, o quadro judiciário e a carreira da magistratura estadual. Por força do preceito contido no art. 96, II, d, da Constituição Federal, cabe privativamente ao Tribunal de Justiça propor ao Poder Legislativo a alteração da orga-nização e da divisão judiciárias.

As normas de organização judiciária estão entre o direito adminis-trativo e o direito processual. São administrativas na medida em que estruturam órgãos públicos, não interferindo em direitos e ônus das partes; servem de apoio ao direito processual e estão a serviço deste.

Dispõe o art. 96 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar n. 35, de 14-3-1979) que a lei estadual dividirá o ter ritório do Estado em comarcas, podendo agrupá-las em circunscrição e dividi-las em distritos, estabelecendo, outrossim, no art. 97, que a cria ção, extinção e classificação de comarcas obedecerão a critérios uniformes, levando em conta a extensão territorial, o número de habitantes, o nú-mero de eleitores, a receita tributária e o movimento forense.

É necessário lembrar que, em relação às Justiças especiais e à Justiça Federal, a organização judiciária é disciplinada em lei federal própria para cada uma.

Antes da Emenda Constitucional n. 7, que deu nova redação ao art. 55, § 5º, da Constituição Federal de 1967, retirando dos Tribunais a competência para legislar sobre organização judiciária, o mencionado artigo fora regulamentado por uma Lei federal, a de n. 5.621, de 4 de novembro de 1970, a qual estabeleceu regras a serem obedecidas pelos Tribunais ao baixarem suas Resoluções. Essa lei, todavia, está hoje integralmente caduca em face do novo texto constitucional e da Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

Finalmente, é de referir-se que não estão incluídas na Organização Judiciária as normas relativas à disciplina do Ministério Público, nem são dessa natureza os Regimentos Internos dos Tribunais, que regulam, interna e administrativamente, o funcionamento de cada Tribunal, sem interferir em sua constituição nem nas faculdades e ônus processuais das partes.

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Era exceção o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que traz em seu bojo normas processuais, sendo, portanto, verdadeiro Direito Processual paralelo ou especial em relação aos Códigos de Processo Civil e Penal, em virtude de expresso mandamento constitu-cional, art. 119, § 3º, c (de 1967), o qual determinava que o Regimen-to Interno estabelecesse “o processo e o julgamento dos feitos de sua competência originária ou recursal”.

O Supremo Tribunal Federal perdeu essa competência anômala.

Parcialmente o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal foi substituído pela Lei n. 8.038/90, restando, porém, em vigor, na qualidade de lei federal, no que não se tratou nesse diploma, como por exemplo a homologação de sentença estrangeira, na atualidade de competência do Superior Tribunal de Justiça, mas que incorporou as normas anteriores do Supremo.

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Capítulo 2

Da ação

13. Conceito

Introdução: ação, jurisdição e processo — Evolução e compreensão do conceito — Plano constitucional, plano processual do direito de ação — Outros significados do termo “ação”.

14. Condições da ação

14.1. Legitimidade

Conceito — Legitimação ordinária — Legitimação extra-ordinária ou substituição processual — Tipos — Tratamen-to legal — Distinções em relação à representação proces-sual e à sucessão processual — Investigação quanto à le-gitimidade: exemplo.

14.2. Interesse

Conceito — Distinção entre interesse processual e interes-se material — Interesse necessidade, interesse utilidade: exemplo.

14.3. Possibilidade jurídica do pedido

Conceito — Questões controvertidas: exclusões expressas da ação, requisitos prévios à ação, possibilidade jurídica do pedido, fundamento jurídico do pedido e mérito.

14.4. Carência da ação

Conceito — Carência e improcedência da ação — Momen-tos de decretação da carência da ação — Consequências da decretação da carência.

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15. Elementos da ação

Utilidade do instituto — Partes: conceito e qualificação; pedido: genérico e específico; causa de pedir: próxima e remota — Teorias da substanciação e individualização — Fundamento jurídico e fundamento legal — Aplicações práticas no processo.

16. Classificação das ações

Critérios processuais: tipo de provimento e tipo de procedimento — Ações de conhecimento: declaratórias, constitutivas e con de na-tó rias; ações de execução; ação cautelar — Quanto ao procedi-mento: ordinárias, sumárias e especiais.

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13. Conceito

O direito processual, em sua lógica já referida, se assenta em três conceitos fundamentais que se relacionam e interagem: a ação, a juris-dição e o processo. Esses três elementos compõem todo o processo, de modo que se pode dizer que nada no direito processual está fora de um deles e de seguir seus princípios. O seu relacionamento é tão íntimo que não se pode sequer definir cada um deles sem referir o outro.

Há quem acrescente a esses elementos a defesa, de modo que terí-amos a ação, a defesa, a jurisdição e o processo. Acontece, porém, que a defesa já está integrada na ação, em virtude de sua bilateralidade. No processo contencioso não é possível falar em ação do ponto de vista do autor, aquele que provoca a atuação da jurisdição senão em face de alguém. Se aquele exerce o direito de pleitear perante o Judiciário, é inerente a esse direito o seu contraposto, o direito de defesa, que não é elemento distinto, mas o direito de ação do ponto de vista do réu, de modo que não há necessidade de destacá-lo como tal. Aliás, já se disse que quem tem direito é o réu, porque é ele que tem o direito de não ter seu patrimônio jurídico atingido a não ser por meio de ação por inter-médio do Judiciário. O autor, na verdade, tem ônus; o ônus de recorrer à atuação jurisdicional para fazer valer o direito que afirma.

Há, ainda, quem inverta a ordem: jurisdição, ação e processo. A questão não é apenas gramatical ou semântica. É ditada pela maior importância que se pode dar à jurisdição, ou seja, que o direito proces-sual deve ser tratado, estudado e aplicado a partir da jurisdição, o que envolve a opção política de ampliação dos poderes do juiz, com relação à prova e com relação ao intervencionismo estatal em face das partes. A essa empostação se denominou a publicização do processo civil.

Não se nega ou reduz a importância da jurisdição, mas está ela equilibrada pelo respeito à ação e ao processo e perante a esfera intan-

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gível das partes fundada na dignidade humana, que impede a sua inva-são indevida por outros particulares mas também pelo Estado, inclusi-ve e especialmente o Estado-Juiz.

Manteremos, portanto, a ordem tradicional, aliás também porque é a do Código.

Para chegar à concepção atual da ação, houve uma evolução do pensamento jurídico processual, que formulou teorias, dentre as quais se destacam as mais significativas e que poderiam assim ser agrupadas:

— teorias que entendem ser a ação um elemento do direito mate-rial, ou seja, o próprio direito material em exercício, confundindo-a, portanto, com a exigibilidade do direito. Daí a teoria, ou teorias, serem chamadas de teorias imanentistas do direito de ação. Essas ideias per-duraram até o começo do século XX;

— Chiovenda, porém, em trabalho sobre a ação declaratória nega-tiva, demonstrou a autonomia do direito de ação em face do direito material, com o argumento de que, se é possível obter um provimento que declare a inexistência de uma relação jurídica, é porque o direito de obtê-la é diferente do direito material discutido, autônomo, portan-to com relação a ele. Ficou mantida ainda certa dependência para com o direito material, definindo-se a ação como o direito de obter uma sentença favorável. Para Chiovenda a ação é mais que um direito, é um poder de obter do Estado uma decisão favorável. Tal dependência em relação ao direito material levou à denominação da teoria da ação como teoria da ação como direito autônomo concreto;

— evoluiu-se, então, para o conceito de que o direito de ação não está condicionado à procedência do pedido, existindo ainda que a sen-tença seja desfavorável, consistindo, pois, no direito de obter uma sentença de mérito, independente de ser, ou não, favorável. O direito de ação, porém, está relacionado com uma relação de direito material, sendo conexo a ela, mediante vínculos denominados condições da ação. Trata-se, pois, de um direito abstrato mas em face de determinada re-lação jurídica alegada. Essa teoria denomina-se teoria da ação como direito abstrato. A teoria da ação como direito abstrato é a quase una-nimemente adotada no Brasil e é a do Código, que, em mais de uma passagem, refere-se às condições da ação.

A doutrina, contudo, não parou aí. Fala-se em direito de ação como direito abstratíssimo, autônomo e independente de qualquer relação

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material, que equivaleria ao direito de recorrer incondicionadamente ao Judiciário. Trata-se, na verdade, do chamado direito constitucional de ação, que realmente é genérico e independe de qualquer condição, mas, ao se processualizar, a ação deve necessariamente relacionar-se a determinada pretensão material.

Então, a ação é o direito subjetivo público, autônomo e abstrato de pleitear ao Poder Judiciário decisão sobre uma pretensão, conexo a ela, para a atuação da jurisdição e por intermédio do processo.

Desde o momento em que o Estado instituiu a proibição da justiça privada, foi outorgado aos cidadãos o direito de recorrer1 a órgãos es-tatais para a solução de seus conflitos de interesses. Primitivamente, entendeu-se o direito de ação como um complemento do direito subje-tivo de cada um, mas a doutrina percebeu que aquele era independente deste, isto é, que o direito de ação existia independentemente da exis-tência do direito subjetivo. Aliás, Chiovenda demonstrou, em seu tra-balho sobre a ação declaratória negativa, que alguém poderia pleitear ao Judiciário a declaração de que não existe uma relação jurídica de direito material entre dois sujeitos, de modo que o direito de pleitear (direito de ação) é autônomo e independente do direito material ou relação jurídica material eventualmente existente entre as partes.

Além disso, ficou claro que o direito de ação não é dirigido contra o réu, mas sim contra o Estado, porque é o direito de obter dele uma decisão sobre determinado pedido. É verdade que com o pedido ao Judiciário, pretende o autor que os efeitos almejados se produzam contra alguém, o réu, mas o direito de agir se exerce perante o Estado-Juiz.

Em contrapartida, o direito de ação, no que concerne ao réu, tra-duz-se em direito de defesa, ou seja, o direito de somente se ver cons-trangido a algo após a decisão judicial, com a garantia de que a decisão só sobrevirá após ser ouvido e ter oportunidade de produzir prova e manifestar-se adequadamente. Por isso que se diz que o direito de ação é um direito subjetivo (de cada um) público, que se exerce contra o Estado, do qual se exige uma decisão sobre uma pretensão.

1. Há quem sustente ser a ação o poder de estimular o exercício da jurisdição (v. Cândido Rangel Dinamarco, A execução civil, p. 119 e s. e todos os aí citados). A di-ferença, porém, parece ser apenas terminológica, porque a ideia é a mesma.

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A pretensão é o bem jurídico que o autor deseja obter por meio da atuação jurisdicional. É também chamada pretensão de direito mate rial, porque o resultado pretendido deverá projetar-se nessa área. A preten-são, sim, é dirigida contra o réu, pois é contra ele que o autor deseja a produção dos efeitos da decisão, a fim de obter o que não está conse-guindo sem a intervenção jurisdicional.

O direito de ação é dividido em dois planos: o plano do direito constitucional e o plano processual, tendo o primeiro um maior grau de generalidade. Sob esse aspecto, o direito de ação é amplo, genéri-co e incondi cionado, salvo as restrições constantes da própria Consti-tuição Federal. Sua definição encontra-se no já referido art. 5º, XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Já o chamado direito processual de ação não é incondicionado e genérico, mas conexo a uma pretensão, com certos liames com ela. O direito de ação não existe para satisfazer a si mesmo, mas para fazer atuar toda a ordem jurídica, de modo que o seu exercício é condicio-nado a determinados requisitos, ligados à pretensão, chamados condi-ções da ação.

Convém esclarecer, contudo, que não há dois direitos de ação, um constitucional e um processual; o direito de ação é sempre processual, pois é por meio do processo que ele se exerce. O que existe é a garantia constitucional genérica do direito de ação, a fim de que a lei não obstrua o caminho ao Judiciário na correção das lesões de direitos, porém o seu exercício é sempre processual e conexo a uma pretensão.

Costuma-se, também, usar, como sinônimo de ação, apesar de sem precisão técnica, os termos “causa” e “demanda”, e até “processo”, ainda que este, em linguagem técnica, tenha um sentido bastante dife-rente.

14. Condições da ação

Os vínculos existentes entre o direito de ação e a pretensão, for-mando uma relação de instrumentalidade, levam-nos à conclusão de que o exercício da ação está sujeito à existência de três condições que são: legitimidade, interesse e possibilidade jurídica do pedido.

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14.1. Legitimidade

Refere-se às partes, sendo denominada, também, legitimação para agir ou, na expressão latina, legitimatio ad causam. A legitimidade, no dizer de Alfredo Buzaid, conforme já referido (Cap. 1, 8), é a pertinên-cia subjetiva da ação, isto é, a regularidade do poder de demandar de determinada pessoa sobre determinado objeto. A cada um de nós não é permitido propor ações sobre todas as lides que ocorrem no mundo. Em regra, somente podem demandar aqueles que forem sujeitos da relação jurídica de direito material trazida a juízo. Cada um deve propor as ações relativas aos seus direitos. Salvo casos excepcionais expressamente previstos em lei, quem está autorizado a agir é o sujeito da relação ju-rídica discutida. Assim, quem pode propor a ação de cobrança de um crédito é o credor, quem pode propor a ação de despejo é o locador, quem pode pleitear a reparação do dano é aquele que o sofreu.

A legitimação, para ser regular, deve verificar-se no polo ativo e no polo passivo da relação processual. O autor deve estar legitimado para agir em relação ao objeto da demanda e deve ele propô-la contra o outro polo da relação jurídica discutida, ou seja, o réu deve ser aque-le que, por força da ordem jurídica material, deve, adequadamente, suportar as consequências da demanda. Usando os exemplos acima referidos, o réu da ação de cobrança deve ser o devedor; da ação de despejo, o locatário; da ação de reparação de dano, o seu causador.

Como se disse, a regra geral é a de que está autorizado a demandar quem for o titular da relação jurídica, dizendo-se, então, que a legiti-mação é ordinária.

Há casos, porém, em que texto expresso de lei autoriza alguém que não seja o sujeito da relação jurídica de direito material a deman-dar. Nestes casos, diz-se que a legitimação é extraordinária.

A legitimação extraordinária foi denominada por Chiovenda “subs-tituição processual”, e ocorre quando alguém, em virtude de texto legal expresso, tem qualidade para litigar, em nome próprio, sobre direito alheio. Como diz Moacyr Amaral Santos2: quem litiga como autor ou réu é o substituto processual, fá-lo em nome próprio, na de fesa de di-reito de outrem, que é o substituído.

2. Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, v. 1, p. 349.

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São comumente citados como exemplos dessa figura: a qualidade do marido de demandar na defesa dos direitos relativos aos bens da mulher no regime dotal (CC de 1916, art. 289, III), que não mais exis-te no Código Civil de 2002, mas continua nos casos passados; a legi-timidade do gestor de negócios, que atua em nome próprio na defesa dos negócios do gerido (CC de 2002, art. 861); a possibilidade de qualquer credor propor a ação revocatória em benefício da massa fali-da, concorrentemente com o síndico, ou administrador judicial (Lei de Falências, art. 132).

A legitimação extraordinária pode ser exclusiva ou concorrente. É exclusiva quando a lei, atribuindo legitimidade a um terceiro, elimina a do sujeito da relação jurídica que seria o legitimado ordinário; é concor-rente quando a lei admite a ação proposta pelo terceiro e também pelo legitimado ordinário alternativamente ou ainda por mais de um legiti-mado, ordinário ou extraordinário. Diz, ainda, sob outro ângulo, que a legitimação extraordinária pode ser originária quando atribuída desde logo ou desde sempre ao terceiro e derivada, ulterior ou condicionada quando a legitimação surge a partir da inércia do legitimado ordinário.

Apesar de a origem do conceito de legitimação extraordinária ser a expressão substituição processual, as expressões não são sinônimas. Legitimação extraordinária é conceito mais amplo, de que substituição processual é espécie, como umas de suas hipóteses, a da legitimação extraordinária exclusiva e originária.

No Código de Processo Civil, a legitimidade como condição da ação é expressamente exigida no art. 3º: “Para propor ou contestar a ação é necessário ter interesse e legitimidade”, e ainda no art. 6º: “Nin-guém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”.

A redação do art. 3º tem sido criticada no que se refere ao réu. Com efeito, o texto poderia dar a entender que o réu, para defender seus direitos, deveria ser parte legítima, proibido, portanto, se não o fosse, apesar de citado. Não é essa, todavia, a correta interpretação do dispositivo, nem foi a intenção do legislador. Alguém, desde que cita-do, passa a ser réu, e ainda que não seja a parte legítima poderá con-testar, nem que seja só para alegar a sua condição de parte ilegítima, a impropriedade da demanda contra ele e a sua exclusão do feito, pedin-do ao juiz a decretação da carência da ação, porque proposta indevi-damente contra ele. O que o Código quer dizer é que a legitimidade é

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requisito que deve estar presente no polo ativo (autor) e no polo passi-vo (réu), e que o juiz não pode chegar a decidir o pedido senão em face e na presença de legítimos autor e réu.

Do art. 6º extraem-se as conclusões acima referidas quanto à legi-timação ordinária e extraordinária. Ninguém está autorizado a deman-dar sobre direito alheio; cada um deve demandar sobre os seus direitos ordinariamente; somente existindo lei expressa admite-se que alguém demande sobre direito alheio, excepcionalmente. Essa lei pode ser o próprio Código de Processo, conforme adiante se apontará em alguns casos especiais, ou a lei de direito material, como em algumas hipóte-ses constantes do Código Civil, Lei de Falências, Código de Proteção e Defesa do Consumidor etc.

A legitimação extraordinária, ou substituição processual, distingue-se da representação processual e da sucessão processual, tratada esta última no Código em Capítulo denominado “Da substituição das partes e dos procuradores” (arts. 41 a 45).

A substituição processual ocorre, como já se disse, quando a lei autoriza que alguém demande, em nome próprio, sobre direito alheio; já a representação processual verifica-se quando alguém (o repre-sentado) demanda por intermédio de outrem (o representante). Este atua em nome alheio sobre direito alheio e não é parte da ação; a parte é o representado. A representação resulta da lei, como, por exemplo, a dos pais que representam os filhos menores em juízo e fora dele, e do contrato, em virtude do mandato que se outorga por meio de procuração. A sucessão processual dá-se quando a parte vem a falecer, sendo suce-dida, então, por seu espólio ou seus herdeiros.

Na primeira figura, quem é parte e exerce toda a atividade proces-sual é o substituto, cabendo ao substituído, apenas, suportar os efeitos da demanda; na segunda, a parte é o representado, sofrendo ele também os resultados da ação, sendo que o representante exerce a atividade processual em nome dele; na sucessão, o desaparecimento da parte traz outra ao processo para que seja possível o seu prosseguimento.

Apesar de a legitimidade ser examinada no processo e ser uma condição do exercício da ação, a regra é a de que as normas definidoras da parte legítima estão no direito material, porque é ele que define as relações jurídicas entre os sujeitos de direito, determinando quais os respectivos titulares. Assim, somente a análise cuidadosa das relações

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jurídicas entre os sujeitos, a serem submetidas ao Judiciário, é que de-terminará a legitimatio ad causam. Essa análise, via de regra, é simples, desde que as relações jurídicas também apareçam claras e simples. To-davia, nem sempre é isso que acontece. Às vezes, as relações jurídicas são entrelaçadas ou complexas, ou, então, podem não estar plenamente definidas porque os fatos estão obscuramente conhecidos. Nestes casos, a errada qualificação das relações jurídicas pode levar a um erro de le-gitimidade, acabando por demandar quem não podia fazê-lo.

Por outro lado, é comum que o problema da legitimidade dependa de definição jurídica a ser provada junto com o mérito da causa, de modo que somente no final da causa se percebe o vício nos polos subjetivos da ação3. Outra hipótese que também pode ocorrer é a da dificuldade de enquadramento dos fatos à norma jurídica adequada, o que pode levar o intérprete (no caso, o advogado) a fazê-lo impropria mente.

Veja-se o seguinte exemplo: A, menor impúbere, é proprietário exclusivo de um imóvel que está locado. O pai, representante legal do menor, propõe, em nome deste, ação de despejo. A despeito de aparen-temente correta a propositura, a forma adotada apresenta um vício de legitimidade. Com efeito, nos termos do art. 1.689 do CC, o pai e a mãe são os administradores legais dos bens dos filhos que se achem sob o seu poder, e o usufruto dos bens do filho é inerente ao exercício do poder familiar. Ora, o pai, como usufrutuário legal, tem a posse dos bens dos filhos (ressalvadas as exceções previstas no próprio CC), de modo que a ação de despejo, objetivando a retomada da posse de um bem locado, deveria ser proposta pelo pai, em nome próprio, e não em nome do menor, ainda que representado por seu pai. Essa conclusão decorre da conceituação legal do usufruto, figura de direito real sobre coisa alheia, em que o usufrutuário tem a posse direta da coisa, seu uso, administração e percepção dos frutos (CC, art. 1.394). No caso, a menoridade não impõe apenas a representação legal, mas também

3. Segundo a teoria da asserção (prospetazione, na Itália), as condições da ação somente se examinam de plano a partir das afirmações do autor na inicial, de modo que, segundo essa teoria, a carência da ação somente poderia ser decretada desde logo pelo juiz ao despachar a inicial, sendo de mérito as questões que venham a ser examinadas posteriormente. Essa teoria, contudo, é mais adequada aos países que adotam a teoria da individualização quanto à causa de pedir, de modo que não vemos razão de adotá-la no Brasil em que predomina, quase que integralmente, a regra da substanciação quanto à causa de pedir. Mais adiante serão explicados esses conceitos.

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altera a legitimidade, porque determina diferentes direitos, do pai e do menor, sobre o bem4.

14.2. Interesse

O termo interesse pode ser empregado em duas acepções: como sinônimo de pretensão, qualificando-se, então, como interesse substan-cial ou de direito material, e para definir a relação de necessidade existente entre um pedido e a atuação do Judiciário, chamando-se, neste caso, interesse processual.

O interesse processual é, portanto, a necessidade de se recorrer ao Judiciário para a obtenção do resultado pretendido, independentemen-te da legitimidade ou legalidade da pretensão. Para verificar-se se o autor tem interesse processual para a ação deve-se responder afirmati-vamente à seguinte indagação: para obter o que pretende o autor ne-cessita da providência jurisdicional pleiteada?

Não se indaga, pois, ainda, se o pedido é legítimo ou ilegítimo, se é moral ou imoral. Basta que seja necessário, isto é, que o Autor não possa obter o mesmo resultado por outro meio extraprocessual. Falta rá o interesse processual se a via jurisdicional não for indispensável, como, por exemplo, se o mesmo resultado puder ser alcançado por meio de um negócio jurídico sem a participação do Judiciário.

De regra, o interesse processual nasce diante da resistência que alguém oferece à satisfação da pretensão de outrem, porque este não pode fazer justiça pelas próprias mãos. Essa resistência pode ser formal, declarada, ou simplesmente resultante da inércia de alguém que deixa de cumprir o que o outro acha que deveria. Há, ainda, interesse proces-sual quando a lei exige expressamente a intervenção do Judiciá rio, como, por exemplo, nas chamadas ações constitutivas necessá rias, em que a norma legal proíbe que as partes realizem certas modificações no mun-

4. A identificação do sujeito da relação jurídica que vai implicar a legitimação ordinária insere-se no chamado fenômeno da imputação, que consiste na operação ló-gico-jurídica de atribuir a alguém uma posição enquanto sujeito de determinada relação jurídica. A teoria da imputação, que se baseia na teoria dos modelos jurídicos, desen-volveu-se a partir da década de 1920, especialmente em virtude dos trabalhos de Karl Larenz e está sendo revivida no campo penal pela chamada teoria da “imputação obje-tiva”.

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do jurídico por meio de atos negociais privados, tornando obrigatória a decisão judicial. É o que ocorre, entre outros, nos casos de nulidade de casamento, que somente por via de ação pode ser decretada.

Não era de boa técnica, pois, o Código anterior que dizia que o interesse do autor deveria ser legítimo, econômico ou moral. O que é legítima, econômica ou moral é a pretensão de direito material. O in-teresse processual, na expressão singela, mas significativa, de Alfredo Buzaid: “não tem cheiro nem cor”, isto é, não recebe qualificação quanto ao seu conteúdo, que se esgota na necessidade de recorrer ao Judiciário, utilizando-se a forma legal adequada.

Como explica Liebman5, o interesse processual é secundário e instrumental em relação ao interesse substancial, que é primário, porque aquele se exercita para a tutela deste último. Por exemplo, o interesse primário ou material de quem se afirma credor é de obter o pagamen-to, surgindo o interesse de agir (processual) se o devedor não paga no vencimento. O interesse de agir surge da necessidade de obter do pro-cesso a proteção do interesse substancial; pressupõe, pois, a lesão desse interesse e a idoneidade do provimento pleiteado para pro tegê-lo e satisfazê-lo.

O interesse processual, portanto, é uma relação de necessidade e uma relação de adequação, porque é inútil a provocação da tutela ju-risdicional se ela, em tese, não for apta a produzir a correção da lesão arguida na inicial. Haverá, pois, falta de interesse processual se, des-crita determinada situação jurídica, a providência pleiteada não for adequada a essa situação6. Se alguém, por exemplo, foi esbulhado em sua posse, fará pedido inadequado, faltando-lhe interesse, se pleitear a declaração de que é proprietário. Nesse exemplo, o pedido só pode ser de devolução da posse, indevidamente esbulhada. Evidentemente, a existência de interesse não quer dizer, ainda, que o autor tem razão e que a demanda será julgada procedente. Este resultado dependerá de

5. Liebman, Manuale, cit., v. 1, p. 122.

6. A formulação do pedido adequado também está ligada à correta identificação do modelo jurídico que está em exame, porque além do modelo da relação jurídica e a respectiva distribuição de direitos e deveres entre os sujeitos, a ordem jurídica também prevê um modelo para o caso de descumprimento espontâneo da relação jurídica, que tem um certo grau de tipicidade, chamado de sanção. Ver, para maior aprofundamento do estudo dos modelos jurídicos, o trabalho de Misabel de Abreu Machado Derzi, Di-reito tributário, Direito penal e Tipo, Revista dos Tribunais, 1988.

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outra ordem de indagações, ou seja, de se saber se a situação descrita corresponde à verdade, e se a ordem jurídica protege a posição afirma-da pelo autor. Esta verificação consiste no mérito da demanda.

Questão que tem sido colocada é a de se saber se o interesse pro-cessual se esgota na necessidade pura de recorrer ao Judiciário ou se na necessidade inclui-se, também, a exigência de que o provimento jurisdicional pleiteado seja útil sob o aspecto prático, ou, em outras palavras, se pode o autor pedir uma atuação do Judiciário que não re-sulte, se positiva, em utilidade no mundo objetivo.

Pergunta-se, por exemplo, se tem interesse processual aquele que já é detentor de um título executivo, no caso de pleitear a condenação do réu a pagar a quantia já constante do referido título. Quem tem um título executivo pode, desde logo, propor sua execução, pedindo ao juiz atos materiais concretos de satisfação do crédito nele consagrado; se pedir a condenação do réu a pagar esse mesmo crédito não obterá, com tal decisão, posição jurídica mais vantajosa no plano prático. Sendo seu título extrajudicial, poderá obter, apenas, um grau maior de certeza, sem, contudo, repercussão objetiva. Na hipótese aventada, o autor tem interesse processual?

A resposta deve ser encontrada em face do art. 4º do Código de Processo Civil, que preceitua:

“O interesse do autor pode limitar-se à declaração:

I — da existência ou da inexistência de relação jurídica;

II — da autenticidade ou falsidade do documento.

Parágrafo único. É admissível a ação declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito”.

Tal dispositivo, que consagra a possibilidade da ação declaratória, sobre a qual adiante se discorrerá, em seu parágrafo único, faculta ao autor a escolha de um pedido declaratório (simples declaração da exis-tência ou inexistência de uma relação jurídica), ainda que a situação descrita lhe possibilite formular um pedido condenatório, isto é, que o juiz, declarando a existência de uma relação jurídica, imponha, também, ao réu a condenação de cumprir a obrigação resultante daquela decla-ração. De regra, desde logo, havendo possibilidade, pede-se a conde-nação, mas pode existir situação que recomende, por razões de ordem moral ou técnica, ou mesmo política, só se pedir a declaração, ainda que admissível o pedido de condenação.

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O parágrafo único do art. 4º pode ser interpretado de duas manei-ras: ou como uma simples explicação de uma faculdade genericamen-te permitida pelo sistema processual, ou como uma exceção do sistema, que exigiria, como regra geral, a utilidade do provimento pedido. Se se optar pela primeira hipótese, a conclusão seria de que o interesse processual independe da utilidade prática do provimento, admitindo-se, pois, na questão formulada, o pedido de condenação a pagar obrigação já constante de um título; se se entende correta a segunda interpretação (que o parágrafo único do art. 4º é uma exceção ao sistema geral), afora os casos previstos nesse expresso dispositivo, exige-se que o interesse do autor encerre, também, utilidade, de forma que o detentor de um título não teria interesse processual à condenação do réu a pagar o mesmo crédito.

A doutrina dominante é no sentido de que o Código exige, quanto ao interesse, também a utilidade, e que o parágrafo único do art. 4º existe exatamente porque é uma exceção a essa regra. Se o princípio geral do Código dispensasse a utilidade para a ocorrência de interesse, o dispositivo referido seria inútil e repetitivo, justificando-se, pois, em virtude de sua excepcionalidade, ou seja, porque o Código, em princí-pio, somente admite a provocação do Judiciário quando o autor tiver necessidade de obter o provimento jurisdicional e, também, quando esse provimento lhe puder trazer utilidade prática7.

Justifica-se, também, essa posição pela própria natureza da atuação da jurisdição, a qual somente deve ser provocada para a obtenção de bens jurídicos verdadeiros e que não podem ser obtidos no mundo dos negócios privados, por iniciativa exclusiva da parte, que deve ser sem-pre preferida, se possível, à via processual.

14.3. Possibilidade jurídica do pedido

A terceira condição da ação, a possibilidade jurídica do pedido, consiste na formulação de pretensão que, em tese, exista na ordem jurídica como possível, ou seja, que a ordem jurídica brasileira pre veja a providência pretendida pelo interessado. Era clássico o exemplo do requerimento do divórcio antes da Emenda Constitucional n. 9, que o permitiu, e da Lei n. 6.515, que o regulamentou.

7. Egas Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, v. 2, p. 517, com exposição precisa a respeito.

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O correto âmbito e conceito de possibilidade jurídica do pedido é bastante difícil e controvertido, conforme, aliás, reconhece Egas Moniz de Aragão8. Vários problemas aí se apresentam, entre os quais os se-guintes:

a) Seria caso de falta de possibilidade jurídica do pedido a hipó-tese em que a lei exige que o autor cumpra certo requisito prévio ao exercício da ação e ele não o fez?

b) Para se saber se o pedido é juridicamente possível deve-se in-dagar, também, se o fundamento invocado é possível?

c) A conclusão de que um pedido é juridicamente impossível não significa um adiantamento indevido da análise do mérito?

Antes de enfrentar essas questões, é preciso esclarecer o signifi-cado da condição da ação agora tratada, em face das teorias sobre o direito de ação, que podem ser reunidas em dois grupos: as teorias concretistas da ação e as teorias da ação como direito abstrato.

As primeiras subordinam o direito de ação à existência de um direito para o autor, como, por exemplo, a posição de Chiovenda, para o qual a existência da ação depende de uma vontade da lei em favor do autor. As teorias da ação como direito abstrato procuram desvincu-lar ao máximo o direito de ação do direito subjetivo invocado e da análise de o direito material ser favorável, ou não, bastando, para a existência da ação, que o pedido seja juridicamente possível, indepen-dentemente do prognóstico de sua procedência.

Mas quando o pedido é juridicamente possível, admitindo-se o conhecimento do mérito, e quando é juridicamente impossível, deven-do ser repetida a ação sem julgamento do mérito?

O problema não é meramente de discussão teórica ou acadêmica, porque se a decisão for de mérito, ocorrerá em relação a ela o fenô meno da coisa julgada material (arts. 467 e s., combinados com o art. 485 do CPC), que impedirá, posteriormente, a repetição da demanda; se a decisão for apenas relativa à condição da ação, admitir-se-á a renovação da demanda.

A solução, ou pelo menos um caminho, para essas dificuldades parece que se encontra na razão da existência da condição da ação

8. Egas Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, v. 2, p. 511.

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agora tratada. Sua finalidade prática está em que não é conveniente o desenvolvimento oneroso de uma causa quando desde logo se afigura inviável, em termos absolutos, o atendimento da pretensão porque a ordem jurídica não prevê providência igual à requerida, ou porque a ordem jurídica expressamente proíba a manifestação judicial sobre a questão. Destarte, quando o Código de Processo Civil estabelece que se considera inepta a petição inicial, devendo ser indeferida quando o pedido for juridicamente impossível (art. 295, parágrafo único, III), tem por objetivo prático evitar a atividade jurisdicional inútil, apesar de que pode ocorrer a hipótese de o pedido revelar-se impossível somente mais tarde, por exemplo, quando por ocasião da sentença final, caso em que, igualmente, deverá ser decretada a carência da ação, extinguindo-se o processo sem julgamento de mérito (art. 267, IV).

Tendo em vista esse objetivo prático, muitas vezes ditado por ra-zões de ordem pública ou de política legislativa, nega-se por antecipa-ção a atividade jurisdicional e, concomitantemente, a ação. Assim, em diversas hipóteses, expressamente, a ordem legal proíbe a manifestação judicial ou a considera incompatível com o sistema vigente. São exem-plos dessas hipóteses: o art. 3º da Emenda Constitucional n. 11, de 11 de outubro de 1978, à Constituição de 1967, que revogou os Atos Ins-titucionais e Complementares, ressalvando os efeitos dos atos pratica-dos com base neles, os quais ficam excluídos de apreciação judicial; o pedido de mandado de segurança normativo, porque tal ação só pode ter por objetivo a proteção de direito específico de alguém, ou de uma coletividade; o pedido de prisão por dívida que não seja alimentar ou o depositário infiel.

Observe-se que, nesses casos, e em outros tantos, não existe preo-cupação de se indicar se o pedido especificamente é impossível, ou se o pedido de tutela jurisdicional é impossível porque o fundamento in-vocado é impossível, ou, ainda, se o pedido é impossível porque deter-minada pessoa tem certas prerrogativas, como, por exemplo, a pessoa jurídica de direito público que não pode sofrer a execução patrimonial por meio de penhora9.

Nos casos em que, por expressa ou clara disposição legal, está ve-dada a tutela jurisdicional, não há preocupação de se definir se a proibi-

9. Cândido Rangel Dinamarco, A execução civil, cit., p. 138-9.

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ção decorre da impossibilidade jurídica do pedido, propriamente, ou da causa de pedir, ou de ambos, ou, ainda, de circunstâncias especiais liga-das às pessoas envolvidas ou aos bens que a ordem jurídica deseja pre-servar. As situações são, portanto, heterogêneas, não se podendo abstrair da causa de pedir para o conceito de possibilidade jurídica do pedido10.

Cabe observar que a rejeição da ação por falta de possibilidade jurídica deve limitar-se às hipóteses claramente vedadas, não sendo o caso de se impedir a ação quando o fundamento for injurídico, pois, se o direito não protege determinado interesse, isto significa que a ação deve ser julgada improcedente e não o autor carecedor da ação. Assim, por exemplo, se alguém pede o despejo, em contrato de locação resi-dencial, por motivo não elencado na Lei de Inquilinato e isto for, afinal, verificado, o juiz deverá julgar a ação improcedente e não o autor ca-recedor da ação. Isto porque o pedido era juridicamente possível (des-pejo) mas seu fundamento não está amparado pela lei.

Tal distinção é importantíssima em face das consequências da qualificação da sentença, como de mérito ou relativa às condições da ação, porquanto, no primeiro caso, ocorre o fenômeno da coisa julgada material, inexistente na segunda hipótese.

Resta, ainda, discutir o problema dos requisitos prévios especiais estabelecidos pela lei para a propositura da demanda. Não há dúvida de que eles condicionam o exercício da ação e, necessariamente, devem ser enquadrados como manifestações de uma das categorias acima re-feridas: ou são pertinentes à possibilidade jurídica do pedido, ou per-tinentes ao interesse processual. No Brasil, a doutrina mais abalizada prefere considerá-los como condicionantes da possibilidade jurídica do pedido, ou seja, o pedido não é juridicamente possível se não cumpri-da, previamente, a exigência legal11. É o que ocorre com a necessidade de notificação prévia para a propositura de certas ações, do depósito preparatório da ação etc.

Todavia, é perfeitamente sustentável que esses casos sejam de falta de interesse de agir. Com efeito, se a lei condiciona a atividade

10. Calmon de Passos, Em torno das condições da ação, Revista de Direito Pro-cessual Civil, n. 8.

11. Egas Moniz de Aragão, Comentários ao Código, cit., p. 461, Galeno Lacerda e outros.

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juris di cio nal a certa exigência prévia, está, também, declarando que o interesse processual somente será adequado se o autor cumprir tais encargos. Aliás, Liebman, na última edição do Manuale di diritto pro-cessuale civile, não mais enumera a possibilidade jurídica do pedido como condição da ação, ampliando, pois, o conceito de interesse pro-cessual, especialmente na forma de interesse adequação, considerando como de falta de interesse aquelas hipóteses em que a outra parte da doutrina classifica como de falta de possibilidade jurídica do pedido.

É de se reconhecer, porém, que, aqui, a discussão é mais acadê-mica, porquanto, seja falta de interesse, seja de possibilidade jurídica do pedido, a consequência é a mesma, ou seja, a carência da ação.

Resta responder à última pergunta acima formulada, qual seja, a indagação sobre se a possibilidade jurídica do pedido não é um adian-tamento indevido da análise do mérito.

Parece que não. A análise da possibilidade jurídica do pedido é prévia, e, em tese, não indaga ainda se o autor tem ou não razão. Ade-mais, não é admissível uma concepção tão abstrata do direito de ação que não admita qualquer liame com a pretensão, liame esse inevitável, pois o direito de ação é instrumental em relação ao direito material e, portanto, deve propiciar a sua atuação de modo prático e eficien te, recomendando-se que se impeça a atividade jurisdicional quando o exercício da ação não é adequado, seja por falta de legitimidade, de interesse ou de possibilidade jurídica do pedido. Aliás, se se admitir o contrário, a jurisdição estaria atuando inutilmente, e, até, de maneira deformada. É indispensável, pois, para o exercício do direito de ação que as partes sejam legítimas, que haja interesse processual e que o pedido seja juridicamente possível, sem que, com isso, se subordine o aludido direito ao direito subjetivo invocado.

14.4. Carência da ação

Como já se adiantou, ocorre a carência da ação, ou se diz que o autor é carecedor da ação, quando está ausente qualquer das condições da ação.

No sentido técnico processual isto quer dizer que o juiz declarou que falta legitimidade para agir, ativa (do autor) ou passiva (do réu), falta de interesse processual, ou falta de possibilidade jurídica, sem, contudo, decidir sobre o mérito, isto é, se a pretensão do autor era de ser acolhida, ou não.

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É diferente “carência da ação” de “improcedência da ação”: na primeira, como se disse, há declaração de falta de condição da ação, sem apreciação do mérito; na segunda, há pronunciamento sobre o mérito. O exame das condições da ação é logicamente antecedente da decisão sobre o mérito, de modo que, se negativo, é impeditivo da apreciação sobre a pretensão. Por outro lado, se o juiz enfrentou o mérito, implícita ou explicitamente, reconheceu a presença das três condições da ação.

No plano prático, a consequência processual da decretação da carência da ação é a de que a demanda pode ser, posteriormente, repe-tida ou renovada. Já, ao contrário, havendo decisão de mérito, a sen-tença torna-se imutável em virtude do fenômeno da coisa julgada, conceituada no art. 467 como a eficácia que torna imutável e indiscutí-vel a sentença não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.

O juiz pode decretar a carência da ação em três momentos:

1) ao despachar a inicial, quando for evidente, desde logo, a ile-gitimidade de parte, a falta de interesse processual ou a impossibilida-de jurídica do pedido (art. 295, II e III, e parágrafo único, III); neste caso o juiz deverá rejeitar, de plano, a petição inicial;

2) na fase de saneamento, isto é, após a resposta do réu, momento em que compete ao juiz examinar os pressupostos processuais, sobre os quais adiante se discorrerá, e as condições da ação, sendo que, na ausência de quaisquer destas últimas, deverá ele extinguir o processo, conforme preceitua o art. 329 combinado com o art. 267, VI;

3) no momento de proferir a sentença final, se a ausência de con-dição da ação somente se revelar nesse instante, após a colheita das provas.

Em qualquer momento, porém, a natureza da sentença será a mes-ma, isto é, ela determina a extinção do processo sem julgamento do mérito, de modo que, posteriormente, a ação poderá ser renovada.

Decretada a carência da ação, o autor, por consequência, supor-tará as custas do processo e pagará honorários de advogado, fixados pelo juiz na própria sentença extintiva do processo (art. 20), não po-dendo intentar novamente a ação sem pagar ou depositar em cartório as despesas e os honorários em que foi condenado (art. 28); nos casos 2 e 3 supra, porque no do 1 não houve atuação de advogado da parte contrária.

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15. Elementos da ação

Cada ação distingue-se das demais por certos elementos que a identificam. Por meio deles é possível distinguir uma da outra e, tam-bém, individualizar determinada demanda para compará-la a outra, veri ficando-se eventualmente se são idênticas. Tal ocorre quando todos os elementos identificadores coincidem, tanto que se pode dizer, com melhor precisão, que estamos diante da repetição da mesma demanda, em vez da expressão comum “demandas idênticas”. Como se vê, se todos os elementos coincidem, não há, na verdade, duas ações idênticas, mas apenas uma ação que se repete.

O problema da identificação das ações tem importância fundamen-tal para dois institutos: a litispendência e a coisa julgada. Ambas as figuras são impeditivas da repetição da demanda, ou porque a ação ainda está em andamento (litispendência), ou porque a ação já se en-cerrou definitivamente (coisa julgada). A jurisdição, quando provocada ou quando esgotada, atua apenas uma vez, resolvendo definitivamente a lide, sendo proibida a repetição da causa. Ocorrendo qualquer das hipóteses, litispendência ou coisa julgada, a demanda repetida deve ser julgada extinta sem se apreciar o mérito por que aqueles são fatos impeditivos do prosseguimento do processo (art. 267: “extingue-se o processo sem julgamento do mérito: V — quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada”).

São elementos identificadores da ação: as partes, o pedido e a causa de pedir.

As partes, autor e réu, constituem o sujeito ativo e o sujeito pas-sivo do processo. É quem pede e contra quem se pede o provimento jurisdicional. Para a identificação das partes não é suficiente a identi-ficação das pessoas presentes nos autos, porque é preciso verificar a qualidade com que alguém, de fato, esteja litigando. Assim, por exem-plo, uma mesma pessoa poderá litigar com qualidades diferentes: em nome próprio, no interesse próprio; em nome próprio, sobre direito alheio, como substituto processual; por intermédio de outrem, seu re-presentante. Em cada caso a situação da pessoa é diferente no plano jurídico, de modo que não existe, nessas hipóteses, identidade de parte. O termo “parte” tem, também, um sentido puramente processual; par-te é quem está no contraditório perante o juiz, ainda que não exerça o direito da ação, podendo ser mero interveniente ou participar de apenas

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um incidente processual, como por exemplo os licitantes na arremata-ção. Os dois conceitos, o de parte ligado ao exercício da ação e o de parte puramente ligado a atividade processual, não são excludentes, podendo ser utilizados para uma ou outra finalidade no processo, e o próprio Código não os utiliza univocamente (v. também Cap. 3, 22.2, sobre o conceito do termo “parte”).

O segundo elemento da ação é o pedido. O pedido, de acordo com a doutrina moderna, é o objeto litigioso da ação ou do processo, isto é, a matéria sobre a qual incidirá a atuação jurisdicional, com força decisória.

Para Carnelutti, o objeto da demanda é a lide, todavia, nem sempre a lide é trazida integralmente a juízo, ficando limitada pelo pedido, de forma que, na verdade, a apreciação do juiz se resume a este último. O pedido deve ser formulado claramente desde logo, na petição inicial e estabelecerá perfeitamente a limitação objetiva da sentença. A con-testação do réu não modifica nem determina esses limites, porque contestar é simplesmente resistir, opor-se. De regra, o pedido formula-do na inicial é imutável, podendo ser modificado pelo autor somente até a citação do réu e, após esta, apenas com o consentimento do de-mandado, sendo proibida alteração após o saneamento do processo (art. 264 e seu parágrafo único). Pode ocorrer, no curso do processo, em virtude de incidentes expressamente previstos no Código, a apresenta-ção de outras demandas que serão decididas em conjunto, havendo uma ampliação do objeto global do processo, mas, em verdade, cada ação, cumulativamente proposta, tem o seu objeto, da mesma forma que a ação primitiva mantém o seu próprio. É o que ocorre, por exemplo, na reconvenção (art. 315), na ação declaratória incidental (art. 5º), na oposição (art. 56) etc.12.

O pedido deve ser entendido em dois planos ou aspectos: sob um aspecto genérico consiste no tipo de provimento jurisdicional solicita-do, ou seja, de condenação, declaração ou constituição, cautelar ou de execução (chamado de pedido imediato); ou sob um aspecto específico consistente no bem jurídico pretendido (chamado de pedido mediato). Ambos identificam o pedido e, consequentemente, a ação. É possível

12. A respeito do objeto do processo, v., em especial, Karl H. Schwab, El objeto litigioso en el proceso civil, trad. Tomas Banzhaf, 1968.

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que apenas um dos aspectos seja diferente, o que já é suficiente para diferenciar as demandas, ainda que a hipótese seja difícil de ocorrer.

Finalmente, o terceiro elemento da ação é a causa de pedir ou, na expressão latina, causa petendi. Conforme ensina Liebman13, a causa da ação é o fato jurídico que o autor coloca como fundamento de sua demanda. É o fato do qual surge o direito que o autor pretende fazer valer ou a relação jurídica da qual aquele direito deriva, com todas as circunstâncias e indicações que sejam necessárias para identificar exa-tamente a ação que está sendo proposta e que variam segundo as di-versas categorias de direitos e de ações.

O Código de Processo Civil, em seu art. 282, III, estabelece como requisitos da petição inicial “o fato e os fundamentos jurídicos do pe-dido”. Isto quer dizer que, no direito processual brasileiro, a causa de pedir é constituída do elemento fático e da qualificação jurídica que deles decorre, abrangendo, portanto, a causa petendi próxima e a cau-sa petendi remota. A causa de pedir próxima são os fundamentos jurí-dicos que justificam o pedido, e a causa de pedir remota são os fatos constitutivos, tanto os fatos descritivos da relação jurídica quanto o fato contrário do réu e que justifica o interesse processual. Adotou, portan-to, o Código a teoria da substanciação quanto à causa de pedir, exigin-do a descrição dos fatos dos quais decorre a relação de direito para a propositura da ação; contrapõe-se à teoria da individualização, segun-do a qual bastaria a afirmação da relação jurídica fundamentadora do pedido para a caracterização da ação. Em outras palavras, pode-se dizer que, para a teoria da substanciação, os fatos constituem e fazem nascer a relação jurídica de que decorre o pedido; para a teoria da individua-lização, a relação jurídica causal é suficiente para tanto.

Nas ações fundadas em direito pessoal, não se discute a necessi-dade da apresentação e descrição da causa remota e da causa próxima; já nas ações fundadas em direito real, há divergência na doutrina, por-que os direitos reais, por sua própria natureza, dispensam a indagação quanto à sua origem. Assim, numa ação de cobrança de crédito, o autor deve apontar na inicial a relação jurídica crédito-débito, bem como descrever os fatos que geraram o referido vínculo; já numa ação reivin-dicatória, bastaria declaração do domínio, independentemente dos fatos

13. Manuale, cit., v. 1, p. 152.

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geradores do domínio (compra e venda, direito hereditário, usucapião). Todavia, nossa lei processual civil não faz essa distinção quanto ao tipo de direito que fundamenta a ação, portanto, para a perfeita obediência ao art. 282, III, a petição inicial somente estará completa se descrever também o modo ou título de aquisição da propriedade14.

É importante, também, lembrar que integra a causa petendi como indispensável, em qualquer caso, o fato praticado pelo réu que seja contrário ao direito afirmado pelo autor e que exatamente esclarece o interesse processual, a necessidade de recorrer ao Judiciário. Cada fato diferente possibilita uma nova ação, se perdurar a possível lesão do direito do autor. Por exemplo, cada fato que viole gravemente os deve-res conjugais possibilita uma ação diferente de separação judicial; todas terão o mesmo pedido ou objeto, mas a causa de pedir será diversa.

Convém, ainda, distinguir “fundamento jurídico”, que integra a causa petendi e cuja indicação é indispensável, de “fundamento legal”, que é a norma legal em que se apoia a pretensão, cuja referência não é exigida pelo Código, pois compete ao juiz formular o enquadramen-to legal da hipótese apresentada, segundo o princípio iura novit curia (o juiz conhece o direito).

Finalmente, é de observar-se que os elementos da ação são todos identificados em face da petição inicial, onde estão obrigatoriamente descritos (v. art. 282); não se indaga, no caso, se eles estão ou não provados, o que, na verdade, inicialmente, é irrelevante.

No processo civil, a confrontação entre duas ações, para verifica-ção de sua possível identidade, se faz entre as circunstâncias como descritas, não sendo cabível a indagação dos fatos como realmente aconteceram e se aconteceram. O descompasso entre os fatos descritos e os fatos reais pode levar à improcedência ou à carência da ação, mas a cada conjunto de outros fatos descritos pode corresponder uma ação diferente, ainda que todos ocorridos na mesma oportunidade, ou ainda que um seja verdadeiro e outro não, desde que cada um deles seja ju-ridicamente relevante para fundamentar o pedido. Não são consideradas como modificações da causa de pedir, nem ensejam demanda diferen-te, as circunstâncias de fato que, perante o direito material, não sejam

14. V. sobre o tema A causa petendi nas ações reivindicatórias, Revista de Direito Processual Civil, n. 6, J. I. Botelho de Mesquita.

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suficientes ou adequadas a justificar o pedido. Liebman15 cita o seguin-te exemplo: se alguém alega dolo como vício do consentimento, não há mudança da causa se, em momentos diversos, são referidas circuns-tâncias diferentes, as quais, todavia, concorrem todas como elementos integrantes da figura do dolo; haverá mudança, porém, se se alegar coação ou erro essencial.

É preciso, ainda, atentar para eventuais diferenças não essenciais nos elementos da ação que poderiam levar à falsa ideia de que são ações diferentes, afastando a litispendência e a coisa julgada. Por exemplo, duas ações populares, com autores diferentes mas o mesmo pedido e a mesma causa de pedir em sua essência, são ações idênticas, gerando litispendência e coisa julgada, ainda que, formal ou externamente, apresentem a não identidade de partes.

Os elementos identificadores da ação, além de indispensáveis às objeções de litispendência e coisa julgada, conforme acima aludido, aparecem em diversas aplicações práticas no curso do processo: a cau-sa de pedir ou o pedido fundamentam a conexão de causas (art. 103) e a continência (art. 104); a causa de pedir justifica, quando idêntica à de outra causa, o litisconsórcio voluntário (art. 46, III); o pedido deli-mita objetivamente a sentença, conforme preceitua o art. 460, caput (“É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”). É preciso alertar para o fato de que a parte, para fugir da identidade da ação, apresente como fato diferente algo que se distinga na aparência, de modo artificial, cabendo ao juiz coibir tal prática abusiva.

Os elementos identificadores da ação, além de indispensáveis às objeções de litispendência e coisa julgada, conforme acima aludido, aparecem em diversas aplicações práticas no curso do processo: a cau-sa de pedir ou o pedido fundamentam a conexão de causas (art. 103) e a continência (art. 104); a causa de pedir justifica, quando idêntica à de outra causa, o litisconsórcio voluntário (art. 46, III); o pedido deli-mita objetivamente a sentença, conforme preceitua o art. 460, caput (“É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”).

16. Classificação das ações

Em época anterior à formulação dos princípios científicos do di-reito processual, por influência do direito romano e seus intérpretes nos

15. Manuale, cit., v. 1, p. 153-4.

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primeiros séculos da era moderna, as ações eram classificadas segundo a natureza do direito material invocado ou pelo tipo de bem jurídico pretendido pela parte. Tradicionais, portanto, eram as classificações das ações em pessoais (fundadas em direito pessoal) e reais (fundadas em direito real), petitórias, possessórias etc.

Sob o aspecto processual, porém, somente podem ser aceitas as classificações que levem em consideração o tipo de provimento ju ris-di cio nal invocado ou o procedimento adotado.

Quanto ao tipo de provimento jurisdicional invocado, a doutrina anterior às profundas reformas introduzidas no processo civil brasilei-ro assim explicava: as ações são de conhecimento, de execução e cau-telares (v. Cap. 1, item 8). As ações de conhecimento, por sua vez, subdividem-se em ações declaratórias, constitutivas e condenatórias. Serão declaratórias quando o pedido for de uma decisão que simples-mente declare a existência ou inexistência de uma relação jurídica (ex., a declaração da inexistência de um débito); constitutivas, quando o pedido visar a criação, modificação ou extinção de relações jurídicas (ex., ação de separação judicial, antigo desquite); e condenatórias quan-do visam a imposição de uma sanção, ou seja, uma determinação co-gente, sob pena de execução ou cumprimento coativos. Observe-se que não existem ações pura e exclusivamente declaratórias, constitutivas ou condenatórias ou exclusivamente de conhecimento, de execução ou cautelar, porque pode haver pedido de provimento executivo em pro-cesso de conhecimento e no de execução ou cumprimento da sentença também há cognição, ainda que de profundidade e finalidade diferentes. O assunto será mais amplamente tratado por ocasião do estudo da sen-tença e natureza dos diversos provimentos jurisdicionais.

As reformas e a atual estrutura do Código, porém, desmontaram a linearidade ou a lógica da classificação tradicional. As principais modi-ficações que abalaram os conceitos foram principalmente as seguintes:

— Instituição, em caráter geral, da tutela antecipada e a posterior da fungibilidade com a cautelar (art. 273).

— Alteração do art. 461 e acréscimo do art. 461-A.

— Instituição do sistema de cumprimento da sentença em substi-tuição da execução como processo (Lei n. 11.232/2005).

— Adoção da possibilidade de julgamento antecipadíssimo de mérito (art. 285-A).

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É evidente que já não é possível continuar repetindo que as ações são de conhecimento, de execução e cautelares, uma vez que as cargas das sentenças já não podem ser identificadas tão separadamente como na classificação tradicional. Apesar de desde Pontes de Miranda afir-mar-se que as sentenças teriam múltiplas cargas, sendo uma delas a predominante, no momento essa realidade ficou ainda mais patente, a ponto de se poder dizer que, em princípio, não existe mais sentença de carga única ou mesmo em que uma delas tenha significativa pre-dominância.

Não é possível, pois, continuar classificando as ações e as senten-ças como de conhecimento, de execução e cautelares simploriamente. Esses elementos estão de tal forma integrados que, por exemplo, dizer que uma sentença é condenatória é dizer pouco ou quase nada.

Impõe-se, então, a seguinte classificação das ações:

AÇÕES

— De conhecimento declaratórias puras— De conhecimento executivas (conhecimento + força exe-

cutiva)DeclaratóriasConstitutivas

⎧⎨⎩

⎧⎪⎨⎪⎩

⎧⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎨⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎩

de obrigação de fazer e não fazerde entrega de coisade quantia

Condenatórias

— Executivas enquanto processo

Por título extrajudicial

Por título judicial

contra a Fazenda Públicade alimentosde sentença arbitralde sentença estrangeirade sentença penal condenatória

— Cautelares

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O primeiro tipo de ações é o daquelas em que o pedido se cinge, expressamente, à declaração da existência ou inexistência de relação jurídica e também às declaratórias de direito, como a ação direta de declaração de inconstitucionalidade. O destaque dessas ações justifica-se porque a nova redação do art. 475-N leva à conclusão de que há ações de pedido aparentemente declaratório mas que têm força ou efeito executivo. Como está no dispositivo, é título executivo judicial a “sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia”, expres-são que substituiu a tradicional “sentença condenatória proferida no processo civil”. “Reconhecer” a obrigação significa que declarar a sua existência é suficiente para dar à declaração a força ou efeito executivo, tendo em vista que esse reconhecimento constitui título executivo ou que a inexistência de efeitos decorra da natureza da declaração, daí decorre, então, que, pedido o reconhecimento da obrigação, encontra-se implícito o pedido condenatório, como também estão implícitos na sentença a força e o efeito condenatórios. Não se exclui, porém, a possibilidade de o autor pedir expressamente que a sentença se limite ao conteúdo declaratório, ou seja, com renúncia expressa do efeito executivo, daí a existência de dois tipos de ações: a declaratória pura e a declaratória executiva, que tem o pedido condenatório implícito, presumido. Ponto que parece inusitado, mas é efeito do sistema vigen-te, é o de que a ação declaratória negativa com efeito executivo tornou--se dúplice, inclusive quanto à executoriedade, ou seja, julgado impro-cedente o pedido de inexistência de relação jurídica significa o reco-nhecimento da relação jurídica ou do direito do réu, com força execu-tiva contra o autor. O mesmo poderá ocorrer com a reconvenção que adiante será estudada.

O segundo tipo de ações é o das ações de conhecimento executi-vas em que no pedido se encontra também o das providências execu-tivas decorrentes da procedência. O pedido principal será de declaração (no caso acima exposto), constituição ou condenação e o pedido su-cessivo (no sentido de consequente) é de natureza executiva, de cum-primento no disposto na sentença. Não há mais razão de excluir dessa natureza as antigas ações declaratórias e as constitutivas, porque, no caso das declaratórias, podem elas constituir título executivo — art. 475-N, I —, e no caso das constitutivas elas também se cumprem, como se cumprem de regra as condenatórias, ainda que com medidas diferentes. Como sustentamos em nosso Execução contra a Fazenda Pública (Saraiva, 1986), são medidas executivas em sentido amplo

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todas as providências para cumprimento da sentença, em execução indireta, propriamente dita enquanto processo ou compensatória.

As condenatórias, por sua vez, podem ser de obrigação de fazer ou não fazer (incluídas as chamadas mandamentais), de entrega de coisa e de quantia, todas com conteúdo executivo e que se cumprirão nos termos dos arts. 475-I e seguintes com as remissões constantes do Capítulo. Nesta categoria incluem-se as sentenças homologatórias de conciliação e transação e a que homologa acordo extrajudicial.

O terceiro tipo de ações é o das ações executivas enquanto proces-so, que são as execuções fundadas em título executivo extrajudicial e as por título judicial contra a Fazenda Pública, de alimentos, de senten-ça arbitral, de sentença estrangeira e de sentença penal condenatória.

Nas ações fundadas em título executivo extrajudicial há dois níveis de cognição: uma cognição superficial sobre a existência do título e seus eventuais vícios aparentes, que pode e deve ser feita de ofício, mas pode também ser provocada pelo devedor mediante a chamada exceção de pré-executividade; e uma plena e eventual, se houver a interposição de embargos.

Na fase executiva de cumprimento das sentenças das ações de conhecimento executivas haverá a cognição superficial e limitada even-tual se houver impugnação, cingindo-se às matérias do art. 475-L.

Finalmente, o quarto tipo de ação é a das cautelares. As medidas cautelares podem estar inseridas nas demais ações, mas podem também constituir processo se antecedentes à ação ou forem incidentais, se a medida não puder ser apreciada nos próprios autos da ação.

Quanto ao procedimento, por extensão ou figura de linguagem, podemos dizer que as ações são ordinárias, sumárias ou espe ciais, porque o procedimento é ordinário, sumário ou especial. A rigor, a classificação é do procedimento e não da ação, como também, a rigor, a classificação pelo provimento jurisdicional invocado é da sentença e não da ação, mas, tradicionalmente, se costuma agregar à denominação da ação o tipo de procedimento. Este, por sua vez, é determinado pela natureza do bem jurídico pretendido, da seguinte forma: o rol de pro-cedimentos especiais é taxativo, devendo constar expressamente do Código ou de lei especial. Se a lei não estabelecer pro cedimento espe-cial para determinado tipo de bem jurídico pretendido, verifica-se, então, se a hipótese se enquadra no procedimento sumário, conforme

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o rol do art. 275 (com redação das Leis n. 9.245, de 26-12-1995, 10.444, de 7-5-2002, e 12.122, de 15-12-2009); não havendo, aí, também, pre-visão para o tema versado, o procedimento é ordinário. É preciso ve-rificar também se a questão deve ser levada aos Juizados Especiais, estadual ou federal (Leis n. 9.099/95 e 10.259/2001), quando instalados.

No sistema do Código, os procedimentos especiais, previstos nos arts. 890 a 1.210, dividem-se em procedimentos especiais de jurisdição contenciosa e procedimentos especiais de jurisdição voluntária. Nesse passo, a classificação leva em consideração a natureza da atividade jurisdicional, se em face de uma lide ou conflito de interesses, ou se em face de negócios jurídicos privados que a lei determina sejam fis-calizados judicialmente em virtude da existência de um interesse pú-blico (v. Cap. 1, item 7, final).

Na linguagem forense, porém, ainda é comum a denominação das ações pelo bem jurídico pretendido, como, por exemplo: “ação ordiná-ria de indenização”, “ação ordinária de despejo”, “ação de despejo por falta de pagamento” (esta é de procedimento especial previsto na lei própria), “ação de rescisão contratual” etc.

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Capítulo 3

Das partes e dos procuradores

17. Da capacidade processual

Pressuposto processual relativo às partes — Capacidade de ser par-te: conceito, entidades sem personalidade jurídica — Capacidade de estar em juízo: conceito, representação do incapaz, da pessoa jurídica nacional e da estrangeira, da União, Estados e Municípios, do espólio, das sociedades sem personalidade jurídica — Ativida-de processual das pessoas casadas — Curador espe cial e curador à lide — Defeito de capacidade.

18. Dos deveres das partes e dos seus procuradores

18.1. Dos deveres

Princípios éticos do processo — Deveres expressos — Éti-ca na linguagem.

18.2. Da responsabilidade das partes por dano processual

Dano decorrente do processo — Litigante de má fé.

18.3. Das despesas e das multas, dos honorários de advogado

Princípio de sucumbência — Justiça gratuita — Forma de pagamento — Honorários de advogado na atuação em cau-sa própria — Fixação dos honorários — Sua natureza — Honorários na jurisdição voluntária e nos casos de desis-tência, reconhecimento ou acordo — Multa por culpa do serventuário, membro do Ministério Público ou do juiz.

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19. Dos procuradores: o advogado

Capacidade postulatória — Advogado, estagiário, provisionado — Procuração: poderes gerais e especiais — Atuação sem advogado — Atos privativos de advogado — Atuação do estagiário e do provisionado — Sociedades de advogados — Poderes processuais do advogado no Código — Deveres estatutários do advogado — Direitos estatutários do advogado — Ratificação de atos praticados sem advogado, renúncia do mandato.

20. Da substituição das partes e dos procuradores

Sucessão processual — Consequências da alienação da coisa ou direito litigioso — Sucessão a título universal: consequências processuais.

21. Do litisconsórcio

21.1. Conceito

Pluralidade de partes.

21.2. Classificações

Critério quanto à posição processual, quanto ao tempo e quanto à obrigatoriedade.

21.3. Litisconsórcio facultativo

Casos: por comunhão de direitos ou obrigações, pelo mes-mo fundamento de fato ou de direito, por conexão e por afinidade de questões — Recusa ao litisconsórcio faculta-tivo.

21.4. Litisconsórcio necessário

Definição legal — Litisconsórcio unitário — Falta de identidade de conceito com o litisconsórcio necessário.

21.5. Da intervenção iussu iudicis

Integração de litisconsortes necessários por ordem do juiz.

21.6. Da atividade dos litisconsortes

Prejuízo ou benefício pela atividade do outro.

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22. Da intervenção de terceiros

22.1. Ideias gerais

Dificuldades do tema — Considerações históricas — Casos de intervenção de terceiros — Princípio geral que regula a intervenção — Classificações.

22.2. Da assistência

Figura no Código de 1939 — Assistência simples — As-sistência litisconsorcial — Distinção em relação à inter-venção litisconsorcial — Procedimento de ingresso do assistente — Atuação do assistente — Imutabilidade da sentença em relação ao assistente: exceptio male gesti processus — Qualidade de parte do assistente em função do conceito do termo parte.

22.3. Da oposição

Conceito — Natureza — Momento — Procedimento.

22.4. Da nomeação à autoria

Conceito — Alternativas decorrentes da nomeação — Dis-tinção em relação à denunciação da lide no caso do art. 70, II.

22.5. Da denunciação da lide

Conceito — Procedimento — Alternativas decorrentes da denunciação — Sentido da “obrigatoriedade” da de nun-cia ção — Consequências da falta de denunciação — Ex-tensão das hipóteses da denunciação: interpretação res-tritiva — Hipótese do direito de regresso do Estado (CF, art. 37, § 6º) — Conclusões.

22.6. Do chamamento ao processo

Conceito — Hipóteses — Finalidade — Cabimento do chamamento no processo de execução.

22.7. Da intervenção especial da União

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17. Da capacidade processual

No capítulo anterior desenvolveu-se o tema Legitimidade das Partes, que constitui uma das condições da ação. Além desse aspecto, as partes podem ser examinadas como sujeitos do processo indepen-dentemente da indagação de sua legitimidade quanto à ação. Na ver-dade, dois conceitos podem ser atribuídos ao termo parte: o conceito de parte legítima, que é aquela que está autorizada em lei a demandar sobre o objeto da causa; e o conceito simplesmente processual de par-te, isto é, aquela que tem capacidade para litigar, sem se indagar, ainda, se tem legitimidade para tanto. (V. maiores considerações sobre o con-ceito do termo parte no item “Da assistência”, 22.2.)

O problema da capacidade processual está ligado aos pressupostos de constituição e desenvolvimento válido do processo, que é a relação jurídica entre autor, juiz e réu. Os pressupostos processuais devem estar presentes antes da indagação da legitimidade das partes e demais condições da ação, de modo que, se não existirem os pressupostos processuais, o processo é inválido, não se chegando sequer a apreciar a existência do direito de ação.

A capacidade processual é um pressuposto processual relativo às partes. Em relação ao juiz, os pressupostos processuais são a jurisdição e a competência, temas que adiante serão examinados. Além desses, há pressupostos processuais objetivos, como a inexistência de fato impe-ditivo do processo, entre os quais se incluem a litispendência, a coisa julgada, a existência de compromisso arbitral etc., a serem examinados na oportunidade própria.

No que concerne, especificamente, à capacidade processual, pode-se dizer que ela apresenta três aspectos, ou três exigências:

a) a capacidade de ser parte;b) a capacidade de estar em juízo;c) a capacidade postulatória.

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A primeira refere-se à chamada capacidade de direito, isto é, a condição de ser pessoa natural ou jurídica, porque toda pessoa é capaz de direitos. É capaz de ser parte quem tem capacidade de direitos e obrigações nos termos da lei civil. Todavia, em caráter excepcional, a lei dá capacidade de ser parte para certas entidades sem personalidade jurídica. São universalidades de direitos que, em virtude das peculiari-dades jurídicas de sua atuação, necessitam de capacidade processual. Nessa condição está, por exemplo, a massa falida, o espólio, a herança jacente ou vacante, as sociedades sem personalidade jurídica, a massa do insolvente, o condomínio, e algumas outras entidades previstas em lei. Nesses casos, tais entidades não têm personalidade jurídica, mas tem capacidade de ser parte, podendo figurar como autores ou como réus. A regra, porém, é a que para ser parte é preciso ser pessoa natu-ral ou jurídica. Mesmo sem previsão legal expressa, tem sido admitida a capacidade de ser parte de entidades que, sem personalidade jurídica, têm um conjunto de atribuições que, em relação a elas, somente as próprias entidades é que podem adotar medidas ou praticar atos, como, por exemplo, as Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais quan-to a seus atos privativos, e as Universidades quanto aos atos de ensino. As Assembleias, Câmaras e Universidades, mesmo sem personalidade jurídica e mesmo sem previsão legal podem ser parte quanto a seus atos privativos e serão representadas, as duas primeiras, pelos respectivos Presidentes, e as Universidades, pelo Reitor. Parte da doutrina denomi-nou as entidades sem personalidade jurídica mas com capacidade de ser parte de “quase pessoas”.

O segundo aspecto da capacidade refere-se à capacidade de estar em juízo, isto é, não basta que alguém seja pessoa, é necessário também que esteja no exercício de seus direitos. Esta capacidade, perante a lei civil, costuma ser chamada capacidade de fato. Assim, por exemplo, o menor é pessoa e, portanto, capaz de direitos, podendo ser parte, mas não tem ele capacidade de estar em juízo porque não está no exercício de seus direitos. A capacidade de estar em juízo equivale, portanto, à capacidade de exercício, nos termos da lei civil. Aqueles que, por aca-so, não estejam no exercício de seus direitos devem ser representados por via da representação legal.

Conforme o disposto no art. 7º do Código de Processo Civil, toda pessoa que se acha no exercício de seus direitos tem capacidade de estar em juízo. Em seguida, o art. 8º preceitua que os incapazes serão repre-sentados ou assistidos por seus pais, tutores ou curadores, na forma da lei civil. O dispositivo faz referência a dois institutos previstos no Códi-

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go Civil, a representação e a assistência do incapaz. Os absolutamente incapazes são representados; os relativamente incapazes são assistidos.

Além da representação dos incapazes, a mesma figura aparece no caso das pessoas jurídicas, ou daquelas entidades acima referidas que necessitam de alguém que manifeste por elas sua vontade. No caso das pessoas jurídicas, serão elas, de regra, representadas por aqueles que os estatutos da entidade assim dispuserem. De regra, serão os diretores da entidade ou o presidente, dependendo de disposição do respectivo esta-tuto constitutivo. Essas sociedades, bem como as funda ções, estarão em juízo por meio dessas pessoas, seus representantes legais. Para aquelas entidades que não têm personalidade jurídica, o Código de Processo enuncia os seus representantes legais no art. 12. A massa falida será representada pelo síndico, ou administrador judicial; a herança jacente ou vacante, por seu curador; o espólio, pelo inventariante; as sociedades sem personalidade jurídica, pela pessoa a quem couber a administração dos bens; o condomínio, pelo administrador ou pelo síndico.

Como já se referiu, as pessoas jurídicas regularmente constituídas são representadas por quem os respectivos estatutos designarem ou, não os designando, por presunção, por seus diretores. Todavia, para facili-tar a posição do autor, o Código dá capacidade de representação de pessoa jurídica estrangeira (art. 12, VIII) ao gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil. Isto significa que, a despeito de os estatutos estabelecerem que a pessoa jurídica estrangeira seja legalmente representada por algum diretor que se encontra no exterior, para facilitar a demanda no Brasil presume-se, em caráter absoluto, estar capacitado a representá-lo o gerente ou administrador da filial ou gerência aqui no Brasil. Esta disposição é completada pela regra do art. 88, parágrafo único, segun-do a qual competem à autoridade judiciária brasileira as ações em que o réu seja domiciliado no Brasil, reputando-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica que aqui tiver agência, filial ou sucursal. Nesta hipóte-se, o gerente da filial ou agência presume-se autorizado, em caráter absoluto, a receber citação inicial para o processo de conhecimento, de execução, cautelar e especial.

Ainda no art. 12, o Código esclarece que a União será representa-da por seus procuradores1, os chamados “Procuradores da República”,

1. A Constituição de 1988 criou a Advocacia-Geral da União, que substituiu a Procuradoria da República na representação judicial da União (art. 131).

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determinando, semelhantemente, que os Estados, o Distrito Federal e os Territórios sejam também representados em juízo, ativa e passiva-mente, pelos respectivos procuradores. O Município será representado pelo prefeito ou procurador, se este existir. Nem todos os Municípios brasileiros possuem procurador que possa receber citação; nesse caso, o prefeito é o representante legal do Município.

O § 1º do art. 12 estabelece uma limitação à capacidade proces sual do inventariante em relação ao espólio quando aquele for dativo. O inven-tariante será dativo quando não for herdeiro, companheiro sobrevivente ou meeiro, nos casos em que não seja possível a nomeação de inventariante interessado na herança como herdeiro, companheiro sobrevivente ou cônjuge meeiro. O inventariante dativo é pessoa livremente nomeada pelo juiz e, uma vez que não tem interesse econômico no inventário, o Códi-go de Processo Civil não lhe dá capacidade de representação plena do espólio, exigindo a citação de todos os herdeiros e sucessores do faleci-do para as ações em que o espólio for parte como autor ou como réu.

Observa-se, ainda, no § 2º do mesmo art. 12, que as sociedades sem personalidade jurídica, quando demandadas, não poderão opor a sua irregularidade de constituição como meio de defesa. Esta regra não é mais do que um princípio geral de direito de que ninguém pode ale-gar em defesa a própria torpeza, isto é, a própria irregularidade, deven-do arcar com as consequências da demanda.

No que concerne, ainda, à representação legal, deve observar-se que a jurisprudência tem entendido que as associações de classe não representam os seus associados. As associações de classe, quando le-galmente constituídas, têm personalidade jurídica e são representadas por seus diretores ou aqueles a quem os estatutos atribuírem essa fun-ção, mas não podem tais entidades estar em juízo em nome dos associa-dos, os quais, se for o caso, deverão propor as suas ações próprias2.

O mesmo não ocorre com a Ordem dos Advogados do Brasil, que, por força de disposição expressa do Estatuto da Ordem, representa em juízo e fora dele os interesses gerais da classe dos advogados e os indi-viduais relacionados com o exercício da profissão, podendo, portanto, requerer, por exemplo, mandado de segurança contra ato administrativo

2. A Constituição de 1988 (art. 5º, XXI) autorizou as associações a “representar” seus associados, mas não se trata de representação, e sim de substituição processual.

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que considera lesivo à coletividade dos advogados. Quanto aos sindica-tos, têm eles apenas a representação dos associados no caso de dissídios coletivos nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho, mas também não podem propor ações civis em nome da categoria de trabalhadores ou de empresários que representam apenas sob o ângulo trabalhista.

Ainda no item da capacidade processual e, especialmente, da ca-pacidade de estar em juízo, o Código prevê limitações à atividade processual de pessoas casadas. Em princípio, o cônjuge pode litigar independentemente do consentimento do outro, mas somente poderá fazê-lo com esse consentimento se as ações versarem sobre direitos reais imobiliários. Igualmente, ambos os cônjuges serão necessariamen-te citados para as ações que versem sobre direitos reais imobiliários, as resultantes de fatos que digam respeito a ambos ou de atos pratica-dos por eles; ações fundadas em dívidas contraídas pelo marido a bem da família, mas cuja execução tenha de recair sobre o produto do tra-balho da mulher ou os seus bens reservados, se houver, e as que tenham por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóveis de um ou de ambos os cônjuges (art. 10 e seus parágra-fos). Nas ações possessórias, a participação do cônjuge somente é in-dispensável nos casos de composse ou de ato por ambos praticado2A.

O dispositivo tem por finalidade a proteção dos bens da família e atua como complemento da lei civil. Segundo o Código Civil, os bens imóveis e os direitos reais somente podem ser transferidos ou onerados por ato cartorário se houver o consentimento do outro cônjuge. Ora, se para os atos negociais da vida civil há necessidade, no que concerne aos direitos reais, da presença de ambos os cônjuges, exceto no regime da separação absoluta, assim também para as ações relativas aos imóveis do casal ou de qualquer dos cônjuges há necessidade da presença de ambos ou de seu consentimento. Igualmente, tal exigência se faz em relação às ações que tenham por fundamento fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou ações que venham a repercutir em bens da esposa, ainda que o ato tenha sido praticado exclusivamente pelo marido.

As disposições do Código de Processo não são mais que a reper-cussão processual do Código Civil, em especial o art. 1.647 com as liberações do art. 1.642.

2A. A Lei n. 8.952/94, alterando o art. 10, esclareceu dúvida a respeito que havia nos tribunais.

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A exigência da presença de ambos os cônjuges, ou do consentimen-to de um deles, não quer dizer que a mulher casada ou o marido sejam processualmente incapazes. A norma é apenas protetiva dos direitos que repercutem na vida familiar, conforme disposição do Código Civil. Se o Código de Processo Civil não tivesse normas conforme as referidas, o Código Civil poderia ser burlado, porque, em juízo, o cônjuge de má fé poderia, conluiado com terceiro, vir a prejudicar o cônjuge que não fosse citado, não tomando, então, conhecimento da demanda.

Se o marido ou a mulher se recusarem a dar o consentimento para as ações necessárias sobre os bens imóveis ou direitos reais sobre imó-veis alheios, essa autorização do marido e a outorga da mulher poderão ser supridas judicialmente, desde que a recusa seja sem justo motivo ou lhe seja impossível dá-la. O Código de Processo Civil não prevê algum procedimento especial para esse suprimento de consentimento ou de outorga, aplicando-se, portanto, a regra geral do art. 1.103, que diz que toda vez que o Código não estabeleça procedimento especial para os processos de jurisdição voluntária aplicar-se-ão as disposições gerais do artigo referido até o art. 1.111.

A falta de autorização ou outorga, quando não for devidamente su-prida pelo juiz e desde que seja necessária nos termos do art. 10 do Có-digo, torna inválido o processo, devendo o juiz extingui-lo por falta de um pressuposto para o seu desenvolvimento. Esta extinção do processo tem por fundamento o art. 267, IV, que determina a extinção do processo sem julgamento do mérito quando se verificar a ausência de pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo.

Como já se disse, os incapazes devem estar legalmente represen-tados por seus pais, tutores ou curadores, conforme dispõe o Código Civil. Todavia, pode ocorrer que seja proposta determinada ação sem que essa representação esteja regular, bem como pode existir alguma hipótese trazida a um processo em que os interesses do incapaz são colidentes com os interesses do representante legal, pai, tutor ou cura-dor. Determina, então, nesses casos, o art. 9º, I, do Código de Proces-so que o juiz deve dar curador especial para a defesa do incapaz e dos seus interesses. Igualmente, para compensar o desequilíbrio da situação de certas pessoas, também deve o juiz nomear curador especial nos casos em que o réu esteja preso ou seja revel, na hipó tese de ter sido citado por edital ou com hora certa (art. 9º, II). Revel é aquele que desatendeu ao chamamento a juízo, isto é, à citação, deixando escoar

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o prazo legal para a contestação. Se a citação foi feita, pessoalmente, de modo que o oficial de justiça tenha efetivamente encontrado e cien-tificado o réu da ação proposta, as consequências da revelia serão so-fridas plenamente pelo demandado. Contudo, se a citação foi por editais ou com hora certa, formas chamadas de “citação ficta”, porque não há certeza absoluta de que a ação tenha chegado ao conhecimento do réu, a lei procura compensar a posição do revel dando-lhe um curador es-pecial para sua defesa (art. 9º, pará grafo único).

Faz-se a citação por edital quando o réu esteja em lugar incerto e não sabido ou em lugar inacessível, conforme dispõe o art. 231. Sendo inacessível o lugar, a notícia de citação do réu deverá ser divulgada pelo rádio, se houver emissora de radiodifusão (art. 23, § 2º). Faz-se a citação com hora certa quando o réu estiver se furtando à mesma, havendo suspeita de ocultação. O oficial de justiça, nesse caso, deverá então marcar hora para que o réu esteja presente para receber a citação, o que será feito mediante ciência de pessoa da família ou, em sua falta, qual-quer vizinho. Se no dia e hora marcados o réu não aparecer para receber a citação pessoal será tido como citado. Como se vê, em ambas as hi-póteses, edital e hora certa, não há garantia de que o réu tenha efetiva-mente tomado conhecimento da ação que lhe é proposta. Daí a compen-sação que o Código estabelece dando-lhe um curador para sua defesa.

O curador especial a que se refere o Código é também chamado curador à lide para distingui-lo do curador representante legal do inca-paz nos atos da vida civil.

Nas comarcas onde há um representante judicial oficial de incapa-zes ou de ausentes, a este competirá a função de curador especial. Em alguns Estados esta função é do Ministério Público que atua em nome próprio no interesse do réu, chamado processualmente ausente, poden-do em seu favor contestar a ação, alegando toda a matéria de fato ou de direito cabível. Nas comarcas onde não há esse representante o juiz deverá nomear pessoa idônea, advogado, para que exerça tais funções.

Se o réu, processualmente ausente, vier a ingressar no processo, porque de qualquer forma tomou ciência da demanda, o seu ingresso determinará a exclusão no feito do Ministério Público ou do curador nomeado, porque não haverá mais necessidade da defesa especial pre-vista no Código de Processo.

O defeito de capacidade processual ou mesmo a irregularidade da representação das partes não provoca a imediata extinção do processo

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porque o juiz deverá suspendê-lo, marcando prazo razoável para ser sanado o defeito. Se o vício for corrigido, o processo prosseguirá. To-davia, se no prazo assinalado a parte não providenciar a correção da irregularidade, o juiz decretará a nulidade do processo se a providência a ser realizada cabia ao autor; cabendo tal providência ao réu, será ele considerado revel; se a determinação do juiz era dirigida a um terceiro interveniente voluntário, este será excluído do processo; se dirigida a terceiro interveniente coacto, como na denunciação da lide, decretará sua revelia.

Além de todas essas disposições relativas à capacidade proces sual, é preciso lembrar que a lei civil admite também a figura da represen-tação voluntária, isto é, aquela que se faz mediante mandato, por meio do seu instrumento adequado, que é a procuração. A representação distingue-se do instituto acima tratado, chamado de substituição pro-cessual, pois nesta alguém atua em nome próprio no interesse ou sobre direito de terceiro; naquela alguém atua em nome do terceiro e sobre o direito deste.

O terceiro aspecto da capacidade processual, que é a capacidade postulatória, será tratado logo mais adiante sob o tema “Dos procura-dores das partes e do advogado”.

18. Dos deveres das partes e dos seus procuradores

18.1. Dos deveres

O Código de Processo Civil em vigor deu realce aos chamados princípios éticos do processo, destacando o dever da lealdade que deve imperar entre as partes.

O Código partiu da ideia de que as partes em conflito, além do interesse material da declaração de seus direitos, exercem também importante função de colaboração com a justiça no sentido da reta aplicação da ordem jurídica. Esses princípios éticos aparecem realçados em diversas passagens do Código, como, por exemplo, no rol dos de-veres, na definição do litigante de má fé, na responsabilidade por dano causado pelo processo, na enumeração dos atos atentatórios à dignida-de da justiça e outros.

Nos termos do art. 14 do Código de Processo, compete às partes e a todos que participam do processo: expor os fatos em juízo confor-

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me a verdade (I); proceder com lealdade e boa fé (II); não formular pretensões nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de funda-mento (III); não produzir provas nem praticar atos inúteis ou desneces-sários à declaração ou defesa do direito (IV); cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de pro-vimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final (V).

A Lei n. 10.358/2001 modificou o texto do caput do art. 14 e acrescentou-lhe o inciso V, já mencionado, e o parágrafo único, assim transcrito:

“Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo:

......................................................................................................

Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclu-sivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, poden-do o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais ca-bíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a 20% (vinte por cento) do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, con-tado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado”.

Todas essas normas podem ser reduzidas ao princípio básico de que todos devem colaborar com a administração da justiça, fazendo valer as suas razões, mas sem o emprego de subterfúgios ou atitudes antiéticas. Isto não quer dizer que a parte fique tolhida no exercício de todas as faculdades processuais; o que não pode é abusar do direito de exercê-las.

No direito brasileiro, tem sido pouco desenvolvido o tema da leal-dade processual; o Código quis, porém, destacá-la porque é impossível a separação do processo dos princípios de conduta moral. Além da enumeração do art. 14, o Código prevê outros deveres éticos da parte, como, por exemplo, comportar-se convenientemente em audiên cia (art. 445, II), não atentar contra a dignidade da justiça (art. 599, II), bem como tratar testemunhas com urbanidade (art. 416, § 1º) e tratar-se reciprocamente também com urbanidade (art. 446, III).

No que concerne à linguagem a ser utilizada no processo, proíbe o Código às partes e seus advogados o emprego de expressões injurio-

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sas nos escritos apresentados no processo, cabendo ao juiz, de ofício ou a requerimento do ofendido, mandar riscá-las. Se tais expressões forem proferidas em defesa oral, o juiz advertirá o advogado de que não as use sob pena de lhe ser cassada a palavra. Ainda aqui, é preciso repetir que não deseja o Código que o advogado fique cerceado no seu dever funcional de usar de todos os meios de que dispõe para a defesa de seu cliente, nem mesmo está proibida a discussão acalorada ou a declaração de certas verdades que às vezes necessitam ser ditas e podem parecer injuriosas. Como se sabe, o advogado tem imunidade penal quanto à alegação de fatos de que necessita para a discussão da causa, chamada jus conviciandi (CP, art. 142)3. Todavia, a calúnia ou a ofensa gratuita estão proibidas ainda que no acalorado debate da demanda.

18.2. Da responsabilidade das partes por dano processual

No sistema do Código anterior, em sua redação primitiva de 1939, os honorários de advogado estavam ligados à atividade judicial indevi-da; mais tarde adotou-se no Brasil o chamado princípio da sucumbên-cia, segundo o qual as partes respondem pelas despesas processuais, inclusive honorários de advogado, desde que percam a demanda, este-jam ou não usando abusivamente do meio jurisdicional. O Código vi-gente reiterou o princípio da sucumbência e separou as hipóteses de dano causadas pela má-fé. Assim, aquele que pleitear com dolo, isto é, com intenção de causar prejuízo, responde por perdas e danos em favor do prejudicado. As hipóteses em que o Código considera a parte liti-gante de má-fé estão relacionadas no art. 17 com a reda ção dada pela Lei n. 6.771/80 e pela Lei n. 9.668, de 23 de junho de 1998, que acres-centou mais um inciso (o VII), nos seguintes termos:

“Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que:I — deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou

fato incontroverso;II — alterar a verdade dos fatos;III — usar do processo para conseguir objetivo ilegal;IV — opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

3. Código Penal, art. 142: “Não constituem injúria ou difamação punível: I — a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador; II — ...”.

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V — proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;

VI — provocar incidentes manifestamente infundados;VII — interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório”.Além de algumas alterações redacionais em relação ao artigo pri-

mitivo, as modificações feitas pelas leis mais recentes foram no senti-do de suprimir o antigo inc. III, que considerava também ser litigante de má-fé aquele que omitisse intencionalmente fatos essenciais ao julgamento da causa, e acrescentar que se trata de litigância de má-fé a interposição de recurso com intuito manifestamente protelatório. Ora, a nova lei considerou, especialmente em virtude das regras do ônus da prova, que compete a cada parte trazer aos autos os fatos relevantes para defesa do seu direito, inexistindo, por conseguinte, má-fé se uma das partes deixa de indicar todos os fatos eventualmente relevantes ao julgamento da causa, ainda que intencionalmente.

O litigante de má-fé será responsabilizado por perdas e danos, de ofício ou a requerimento, indenizando a parte contrária dos prejuízos que esta sofrer, além dos honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou. Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé o juiz condenará cada um deles na proporção do seu respectivo interesse na causa ou condenará solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária. Verifica-se, pois, que não há necessidade de uma nova ação de indenização. Demonstrado o fato da má-fé, na própria senten-ça o juiz decidirá a respeito, impondo a condenação do responsável em quantia desde logo fixada, não superior a 20% sobre o valor da causa. Se o juiz, apesar de convencido da má-fé e do prejuízo, não tiver ele-mentos para declarar desde logo o valor da indenização, mandará li-quidá-la por arbitramento na execução que se seguir.

18.3. Das despesas e das multas, dos honorários de advogado

Uma justiça ideal deveria ser gratuita. A distribuição da justiça é uma das atividades essenciais do Estado e, como tal, da mesma forma que a segurança e a paz públicas, não deveria trazer ônus econômico para aqueles que dela necessitam. Todavia, inclusive por tradição his-tórica, a administração da justiça tem sido acompanhada do dever de pagamento das despesas processuais, entre as quais se inclui o das custas, que são taxas a serem pagas em virtude da movimentação do aparelho jurisdicional.

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Pela sistemática do Código de Processo, todas as despesas proces-suais, ao final, serão pagas pelo vencido, segundo o princípio da su-cumbência.

O Código, para disciplina do assunto, traz diversas disposições, inclusive quanto ao adiantamento das despesas até a decisão da causa. Em primeiro lugar, o Código libera do pagamento das custas os casos de justiça gratuita concedida àqueles que não tenham condições de prover as despesas do processo sem prejuízo do próprio sustento. Ali-ás, esse princípio está consagrado no art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal, que determina que será concedida assistência judiciária aos necessitados na forma da lei. A assistência judiciária e a isenção de custas e despesas processuais são reguladas pela Lei n. 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, com as suas modificações posteriores, que facilitaram a concessão do benefício.

Em geral, gozarão do referido favor os pobres no sentido jurídico do termo, isto é, aqueles cuja situação econômica não lhes permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado sem prejuízo do sustento próprio ou da família.

A assistência judiciária compreende as isenções das taxas, dos emo-lumentos e custas, das despesas com publicações, das indenizações de-vidas às testemunhas e também dos honorários de advogados e peritos, inclusive para exame do DNA (Lei n. 10.317/2001). A isenção pode ser temporária, isto é, para que a parte possa desenvolver os atos processuais independentemente de adiantamento, mas sem prejuízo do pagamento dos encargos ao final. Paralelamente à dispensa desses encargos, com-pete ao Estado manter advogados públicos para o atendimento dos ne-cessitados, o que é feito em alguns Estados pelos advogados ou procu-radores do Estado e, em outros, pelos chamados defensores públicos.

Nas comarcas onde não há representante oficial da administração para a advocacia dos necessitados, poderá ser nomeado qualquer advo-gado. Recentemente, a Ordem dos Advogados do Brasil considerou não ofender ao Código de Ética a recusa do advogado em patrocinar as causas de necessitados se o Estado não vem a ressarcir as despesas decorrentes de sua atividade, porque o dever de atendimento aos ne-cessitados é do poder público e não pode ser repassado ao advogado, pessoa natural privada.

Salvo, portanto, as disposições concernentes à justiça gratuita, cabe às partes prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no

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processo, antecipando-lhes o pagamento desde o início até a sentença final, e bem ainda, na execução, até a plena satisfação do direito de-clarado pela sentença.

A forma de pagamento das custas e o seu valor estão disciplinados nos Regimentos de Custas baixados por leis estaduais no caso da Jus-tiça Estadual e por leis federais no caso da Justiça Federal e Justiças especiais mantidas pela União.

O Código exige que o pagamento seja antecipado, mas não quer dizer que para cada ato deva existir um pagamento fracionado. Certos regimentos de custas estabelecem desde logo um pagamento por ocasião do ingresso da petição inicial e que já funciona como adiantamento das despesas ordinárias do processo, cabendo novos depósitos quando atos especiais exigirem também despesas especiais, como, por exemplo, o depósito de despesas de uma perícia.

Ao autor compete ir adiantando, desde logo, as despesas ordiná rias e aquelas cuja realização o juiz determinar de ofício ou a requerimen-to do Ministério Público. Tais despesas serão repostas, por oca sião da condenação, pelo vencido.

Conforme dispõe o art. 20, a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários de advogado. Essa verba honorária será devida também nos casos em que o advoga-do funcionar em causa própria, isto é, o advogado for também o autor ou o réu por interesse ou direito subjetivo próprio. Toda vez que o juiz decidir qualquer incidente ou recurso deverá condenar nas despesas o vencido, abrangendo elas não só as custas dos atos do processo como também a indenização de viagem, a diária de testemunha e a remune-ração do assistente técnico. Convém observar que o disposto no art. 20, § 2º, parece estar conflitante com o art. 33, que dispõe que cada parte pagará a remuneração do assistente técnico que houver indicado, e a do perito será paga pelo autor quando requerido por ambas as partes ou determinado pelo juiz.

Na verdade, a disposição que prevalece é a do art. 20, § 2º, enten-dendo-se que o art. 33 quer dizer que cada parte deve adiantar a remu-neração do assistente técnico, mas o pagamento final será feito pela parte vencida.

Os honorários de advogado serão fixados entre um mínimo de 10% e um máximo de 20% sobre o valor da condenação, observando-se como critérios o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do

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serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para os seus serviços. Nas causas de pe-queno valor e nas de valor inestimável, bem como naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante a apreciação equitativa do juiz, atendidos os elementos acima aludidos, o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e im-portância da causa etc.4.

Os honorários de advogado têm natureza indenizatória e são adi-tados à condenação ou, não havendo condenação, constituem condena-ção própria e autônoma. O seu valor, fixado pelo juiz, é absolutamen-te independente do eventual contrato de honorários que o advogado tenha com o seu cliente. Nos termos da Lei n. 8.906, de 4-7-1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil — OAB, art. 23, os honorários incluídos na condenação perten-cem ao advogado: “Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo reque-rer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor”. Esse dispositivo espancou polêmica que existia anteriormente na dou-trina e jurisprudência quanto a pertencerem os honorários da condena-ção à parte ou ao profissional. A partir da lei, não há mais dúvida quanto a ter o advogado direito autônomo, podendo executá-lo nos próprios autos da ação principal, se o desejar.

Se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão recípro-ca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles os ho-norários e as despesas, salvo se um dos litigantes for vencido em parte mínima do pedido, caso em que o outro responderá por inteiro pelas despesas e honorários.

Toda vez, portanto, que uma ação for procedente em parte have rá uma dedução ou compensação no pagamento e respectiva condenação em

4. Há evidente conflito entre o art. 20, § 4º, que fala em causas de valor inestimá-vel, e o art. 258, que determina: “A toda causa será atribuído um valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediato”. Somente é possível a conciliação dos dispo-sitivos desde que se reconheça, na verdade, a existência de causas de valor inestimável, às quais deve ser atribuído um valor simbólico, o qual, todavia, não será levado em consideração para a fixação de honorários. Assim, cumprem-se os dois dispositivos.

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despesas e honorários. Se forem diversos os autores ou diversos os réus, os vencidos responderão pelas despesas e honorários proporcionalmente.

Em se tratando de procedimento de jurisdição voluntária, conforme previsto nos arts. 1.103 e s., as despesas serão adiantadas pelo reque-rente, mas rateadas entre os interessados. Disposição semelhante vigo-ra nas ações divisórias em que não há litígio, devendo os interessados pagar as despesas proporcionalmente aos seus quinhões. Todavia, se, mesmo na jurisdição voluntária, houver controvérsia, deve arcar com as despesas quem resistiu indevidamente, não se aplicando a regra do rateio do art. 24 do Código.

Se o processo terminar por desistência ou reconhecimento do pe-dido, as despesas e honorários serão pagos pela parte que desistiu ou reconheceu, havendo proporcionalidade no caso de ser parcial a desis-tência ou o reconhecimento. Se houver acordo entre as partes, e desde que o acordo não disponha de maneira diversa, as despesas serão divi-didas por igual.

Na mesma seção do Capítulo II do Código estão estabelecidas sanções para aqueles que receberem custas indevidas ou excessivas, os quais estarão obrigados a restituí-las, além do pagamento de multa equivalente ao dobro do seu valor. Igualmente, os atos que devam ser repetidos por culpa dos serventuários da justiça, do Ministério Públi co ou do próprio juiz sem justo motivo, serão por esses órgãos pagos. Da mesma forma, as despesas dos atos manifestamente protelatórios, im-pertinentes ou supérfluos serão pagas pela parte que os houver promo-vido ou praticado quando impugnados pela outra. Esta última disposi-ção libera o vencido dos atos que inutilmente o vencedor praticou, desde que no tempo oportuno tenha feito a impugnação arguindo a irrelevância ou impertinência do ato.

O art. 32 dispõe sobre as despesas a que deu causa o assistente, figura prevista nos arts. 50 e 54 do Código, o qual será responsável pelas custas, em proporção à atividade que desenvolveu, se o assistido for o vencido.

Finalmente, o Código estabelece que as disposições referentes às custas e honorários são aplicáveis à reconvenção, à oposição, à ação declaratória incidental e aos procedimentos de jurisdição voluntária, no que couber, porque todas essas figuras são de verdadeiras ações e terão tratamento assemelhado às disposições gerais constantes da presente parte do Código.

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19. Dos procuradores: o advogado

Além da capacidade de ser parte e da capacidade de estar em juí-zo, alguém, para propor ação ou contestar, precisa estar representado em juízo por advogado legalmente habilitado. Isto é o que se chama capacidade postulatória, ou seja, a capacidade de pleitear corretamente perante o juiz.

Tem a referida condição o advogado legalmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil nos termos do Estatuto próprio, Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994, com as modificações posteriores.

É lícito à parte postular em causa própria, isto é, ela mesma subs-crevendo as petições e comparecendo em juízo desacompanhada de advogado, quando ela própria for advogado, ou seja, tiver habilitação legal. Além do advogado, tem capacidade postulatória o Ministério Público em virtude da investidura em suas funções e, segundo o esta-tuto respectivo, de forma limitada, o estagiário, que é estudante de direito em fase de aprendizado. A lei anterior previa a figura do pro vi-sio na do, que era uma pessoa autorizada a exercer a profissão, sem a devida habilitação em faculdade de direito, nas comarcas em que não advoguem mais de três profissionais, a fim de que essas comarcas não ficassem sem pessoas habilitadas ao exercício do procuratório judicial. A lei em vigor não mais prevê a hipótese.

O advogado para pleitear em nome de outrem precisa estar, além de regularmente inscrito na Ordem, munido do instrumento de man dato, que é a procuração. Todavia, poderá, em nome da parte, intentar a ação, independentemente do instrumento de mandato, a fim de evitar a de-cadência ou prescrição, bem como intervir no processo para praticar atos reputados urgentes. Nesses casos, o advogado se obrigará a exibir o instrumento de mandato no prazo de quinze dias, prorrogáveis até outros quinze por decisão do juiz. Posteriormente, os atos praticados sem o instrumento de mandato deverão ser ratificados sob pena de serem considerados inexistentes, respondendo o advogado pelas des-pesas e perdas e danos, se houver.

A procuração é, portanto, o instrumento que revela a representação em juízo. Poderá ela ser outorgada por instrumento público, particular ou eletrônico (Lei n. 11.419, de 19-12-2006), de forma sucinta, assi-nado pela parte, com firma reconhecida. Desde que conste da procura-ção a chamada cláusula ad judicia, o advogado está habilitado a prati-

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car todos os atos do processo, salvo receber a citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, receber, dar quitação, firmar com-promisso e substabelecer5. Estes atos especiais que importam em dis-ponibilidade sobre o direito e sobre a ação devem constar expressamen-te da procuração para que o advogado possa praticá-los em nome da parte, não se incluindo, portanto, na cláusula genérica ad judicia.

Se o advogado é também parte não há necessidade de se falar em procuração, podendo postular em causa própria, cabendo-lhe, porém, declarar na petição ou na contestação o endereço em que receberá a intimação, bem como comunicar ao escrivão do processo qualquer mu-dança de seu endereço. Se o advogado não cumprir o disposto acima, o juiz, antes de determinar a citação do réu, se ele for o autor, mandará que se supra a omissão no prazo de quarenta e oito horas, sob pena de in de fe ri mento da petição inicial. Se, por acaso, o advogado deixar de comunicar a mudança de endereço, as intimações enviadas em carta registrada para o endereço constante dos autos serão tidas como válidas, não podendo o advogado, posteriormente, alegar prejuízo e nulidade.

Como se viu, a regra é a de que a parte seja representada sempre por advogado, comportando, todavia, essa regra, algumas exceções. Apesar de o Estatuto da Advocacia em vigor não mais conter previsão de exceções, haverá situações em que a postulação sem advogado seja inevitável, sob pena de perecimento do direito ou impossibilidade ab-soluta de sua presença, como é o caso da impetração do habeas corpus, de mandado de segurança em extrema urgência ou também dos casos de jurisdição voluntária.

Ainda, tem-se admitido a dispensa da presença de advogado nos casos de habilitação de crédito em falência; nos pedidos de purgação da mora em despejo por falta de pagamento; nas ações de acidentes do trabalho; nos requerimentos de declaração da nacionalidade brasileira

5. O Código não se refere ao poder de substabelecer (transferir o mandato a outro advogado com ou sem reservas de poderes para si) como um dos poderes que deva estar expressamente atribuído na procuração. Todavia, substabelecer é dar nova pro curação, poder que a cláusula ad judicia não abrange porque se pressupõe que o mandato seja outorgado intuitu personae, pela confiança que a parte deposita no profissio-nal. Portanto, o poder de substabelecer deve estar expresso para que possa ser exercido. Aliás, a outorga de mandato (e, portanto, o substabelecimento) é ato negocial civil que o Código, tratando dos poderes processuais, não podia mesmo regular.

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e nos pedidos de alimentos (Lei de Acidente do Trabalho, art. 13, Lei n. 818/49, art. 6º, § 5º, e Lei de Alimentos, art. 2º).

A Constituição de 1988, em seu art. 133, considera o advogado essencial à administração da justiça. Isso, porém, não exclui as hipó-teses acima referidas, enquanto não houver assistência jurídica que possa atender plenamente a todos.

São atividades privativas da advocacia a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais, bem como as ativi-dades de consultoria, assessoria e direção jurídicas. O exercício da atividade de advocacia e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados — OAB, exercendo tal ativida-de os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fa zenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Con-sultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fun da cio nal.

O estagiário de advocacia, regularmente inscrito, pode praticar os atos de advocacia, na forma do Regulamento Geral (DJU, 16 nov. 1994, p. 31210), em conjunto com advogado e sob a responsabilidade deste.

O Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994, prevê, em seu art. 7º, os direitos dos advogados6.

O mesmo diploma dispõe sobre as sociedades de advogados, de-vendo, porém, as procurações ser outorgadas individualmente aos ad-vogados e indicar a sociedade de que façam parte.

O Estatuto em vigor não tem previsão de deveres para o advogado, mas com isso não se pode concluir que possa ele furtar-se ao compor-tamento ético atribuído às partes pelo Código de Processo Civil7.

O art. 40 do Código de Processo Civil dispõe sobre os poderes processuais do advogado, mas seu conteúdo encontra-se superado pelo art. 7º da Lei n. 8.906/94.

Convém, finalmente, observar que os atos praticados por pessoa não habilitada são atos nulos, mas podem ser ratificados se posterior-

6. Diversos dispositivos da lei estão suspensos por liminar em ação direta de inconstitucionalidade.

7. V., sobre a imunidade do advogado e eventuais excessos, nosso artigo “Imu-nidade do advogado: um equívoco?”, publicado no Boletim Informativo Saraiva, n. 2, out. 1994, ano 3.

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mente ingressar no processo um advogado legalmente inscrito8. Cabe, ainda, referir que o advogado poderá, a qualquer tempo, renunciar ao mandato que lhe foi outorgado, provando que notificou o mandante a fim de que lhe nomeie sucessor. Durante os dez dias seguintes à comu-nicação da renúncia ao juízo, o advogado continuará representando o mandante, desde que necessário para lhe evitar prejuízo. É o que se depreende do art. 45, com a alteração feita pela Lei n. 8.952/94.

20. Da substituição das partes e dos procuradores

Sob a denominação “Da substituição das partes e dos procurado-res”, o Código trata da sucessão no processo ou alteração subjetiva da demanda.

O instituto agora tratado não deve ser confundido com a substitui-ção processual, a qual refere-se ao problema da legitimidade das partes e, nesse ponto, foi acima desenvolvida.

A regra geral determinada pelo Código é a de que não se permite, no curso do processo, a substituição voluntária das partes, salvo nos casos previstos em lei. Proposta a demanda, conservam-se as partes até o seu final, ainda que haja alteração da titularidade do direito litigioso.

Conforme dispõe o art. 42 do Código de Processo Civil: “A alie-nação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes”.

Assim, autor e réu primitivos continuarão na demanda como tais; o adquirente ou o cessionário não poderá ingressar em juízo substituin-do o alienante ou o cedente, a não ser que a parte contrária consinta. É possível, portanto, nos termos do Código, a substituição, se houver concordância da parte contrária. Todavia, se a parte contrária não concordar com a substituição, no caso de alienação da coisa ou do direito litigioso, o adquirente ou o cessionário, que agora passou a ser o titular do direito discutido no processo, mas não pode assumir a posição de parte principal, pode intervir como assistente do alienante

8. Segundo a teoria geral do direito, ato nulo não se ratifica. Aliás, o Código (art. 37, parágrafo único) vai mais longe, reputando os atos não ratificados como “ine xis ten-tes”. É praxe processual, porém, falar-se em ratificação, terminologia que o Código adotou. Mais precisamente a figura seria a da reiteração ou aceitação dos atos anterior- mente praticados sob condição.

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ou cedente, que continua como autor ou como réu. Na verdade, nesta última circunstância, o alienante ou cedente que não é mais dono continua a litigar sobre direito alheio e em nome próprio, havendo, portanto, uma substituição processual em que o autor ou réu primitivos, que são o alienante ou o cedente, passam a ser substitutos processuais dos verdadeiros donos, adquirente ou cessionário, sem que haja a sucessão no processo.

A sentença proferida entre as partes originais estende os seus efeitos ao adquirente ou cessionário, atingindo-os, portanto.

A situação é diferente no caso de sucessão a título universal, de-corrente de morte. Ocorrendo a morte de qualquer das partes dar-se-á a substituição pelo seu espólio ou pelos seus sucessores após a regular suspensão do processo e habilitação dos herdeiros, conforme dispõe o art. 265 do Código de Processo Civil. O procedimento para a habilita-ção de herdeiros ou sucessores encontra-se regulado nos arts. 1.055 e s. do Código.

Pode ocorrer, por outro lado, que a parte revogue o mandato ou-torgado ao seu advogado, caso em que, no mesmo ato, deverá constituir outro profissional que assuma o patrocínio da causa. Se, ao contrário, for o advogado quem renunciar ao mandato que lhe foi outorgado, deverá notificar o mandante para que este nomeie outro profissional. Contudo, durante dez dias ficará preso ao processo, representando o mandante, desde que necessário para evitar-lhe prejuízo. Após esses dez dias, se a parte não constituir novo advogado em substituição, contra ela passam a correr os prazos, independentemente de intimação, porque descumpriu um ônus processual que lhe competia. Se, todavia, o advogado vier a falecer no curso da demanda, a regra aplicável é a do art. 265, § 2º, que assim preceitua:

“Art. 265. Suspende-se o processo:

I — pela morte...

§ 1º No caso de morte ou perda etc. ...

§ 2º No caso de morte do procurador de qualquer das partes, ain-da que iniciada a audiência de instrução e julgamento, o juiz marcará, a fim de que a parte constitua novo mandatário, o prazo de vinte (20) dias, findo o qual extinguirá o processo sem julgamento do mérito, se o autor não nomear novo mandatário, ou mandará prosseguir no pro-cesso à revelia do réu, tendo falecido o advogado deste”.

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21. Do litisconsórcio

O Capítulo V do Título II do Livro I do Código de Processo Civil trata de dois temas: Do litisconsórcio e da assistência.

No anteprojeto do Código, preparado pelo Prof. Alfredo Buzaid, o capítulo correspondente tratava do litisconsórcio e da oposição, ficando a assistência entre os casos de intervenção de terceiros. Na revisão final, porém, a assistência veio para o capítulo do litisconsórcio e a oposição foi catalogada como hipótese de intervenção de terceiros, como, aliás, ocorria no Código de 1939. Na verdade, a assistência é um típico caso de intervenção de terceiros, conforme adiante se dirá. Todavia, sua co-locação ao lado do litisconsórcio se justifica em virtude da atividade processual que pode desenvolver o assistente, em especial o assistente litisconsorcial, o qual é equiparado ao li tis con sorte.

Quanto à oposição, seguiu o Código a tradição brasileira de man-tê-la no capítulo da intervenção de terceiros, apesar das sérias dúvidas que podem ser colocadas a respeito de sua natureza como tal.

21.1. Conceito

Na maioria das demandas, o comum é que as partes litiguem iso-ladamente, isto é, a regra dos processos é a de que tenhamos um autor e um réu; todavia, circunstâncias várias podem levar à reunião, no polo ativo ou polo passivo, de mais de uma pessoa. Podem, assim, estar liti-gando conjuntamente vários autores contra um réu, ou um autor contra vários réus, ou ainda vários autores contra vários réus. Essa pluralidade de partes denomina-se litisconsórcio. O Código de Processo Civil ado-ta como regra a singularidade de partes e seu sistema está baseado nesse princípio, de modo que a pluralidade de partes ou a intervenção de terceiros devem ser interpretadas como exceções e, portanto, estrita-mente. Diferente é o regime das ações coletivas, mas como se disse no início deste volume, constituem elas um outro sistema, com princípios próprios, especialmente o da coletivização do processo do que decorrem inúmeras consequências ou reflexos, por exemplo na coisa julgada, na competência, nos efeitos da sentença, na execução etc.

21.2. Classificações

Podemos classificar o litisconsórcio segundo diferentes critérios apresentados a seguir.

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Quanto ao critério da posição processual, o litisconsórcio se diz ativo quando estão presentes vários autores, e passivo quando a plura-lidade é de réus. Denomina-se litisconsórcio misto quando litigarem, conjuntamente, mais de um autor e mais de um réu. Sob o critério cronológico, o litisconsórcio pode ser originário ou ulterior. Será ori-ginário quando existente desde o início do processo; será ulterior quando a pluralidade de sujeitos surge após a propositura da demanda e a citação do réu. Só é admissível litisconsórcio ulterior nos casos expressos em lei, como o que decorre do chamamento ao processo ou da denunciação da lide.

A classificação mais importante, porém, refere-se à facultativida-de ou obrigatoriedade da ocorrência do litisconsórcio, ou seja, de ser, ou não, indispensável a presença de mais de um sujeito no polo ativo ou no polo passivo da ação; sob esse ângulo, o litisconsórcio pode ser facultativo ou necessário.

No sistema do Código anterior havia dois tipos de litisconsórcio facultativo: o litisconsórcio facultativo próprio e o litisconsórcio facul-tativo impróprio, também chamado de irrecusável porque se proposto por uma das partes não podia ser recusado pela outra. Hoje, porém, não existe mais tal distinção; a facultatividade não apresenta graduações, desde que proposto e apresentado por uma das partes o litisconsórcio facultativo se instala independentemente da vontade da outra, em quais-quer dos casos previstos no Código de Processo Civil (art. 46).

Em qualquer hipótese, porém, é preciso sempre ter presente que o litisconsórcio é uma figura especial no processo, porque a regra é a da singularidade das partes, de modo que somente será possível o li-tígio conjunto quando a lei o permitir ou assim o determinar. É neces-sária sempre, portanto, a existência de permissivo legal que autorize o litígio conjunto.

21.3. Litisconsórcio facultativo

Dispõe o art. 46 do Código de Processo Civil sobre as hipóteses em que autor e réu podem litigar conjuntamente com outras pessoas:

“Art. 46. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando:

I — entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações re-lativamente à lide;

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II — os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamen-to de fato ou de direito;

III — entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir;

IV — ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito”.

Há comunhão de direitos ou de obrigações quando duas ou mais pessoas possuem o mesmo bem jurídico ou têm o dever da mesma prestação. Não se trata de direitos ou obrigações idênticos, iguais, posto que diversos, mas de um único direito com mais de um titular ou de uma única obrigação sobre a qual mais de uma pessoa seja de-vedora. É o que ocorre, por exemplo, com a figura da solidariedade, ativa ou passiva (CC, arts. 264 e s.); há solidariedade quando na mes-ma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado à dívida toda). Segundo a disciplina da lei civil, cada um dos credores solidários tem direito a exigir do devedor o cumprimento da prestação por inteiro, bem como o credor tem o direito a exigir e receber de um ou alguns dos devedores solidá-rios, parcial, ou totalmente, a dívida.

A despeito da comunhão de direitos ou de obrigações, pode, pois, não haver litisconsórcio, desde que um só credor pleiteie contra um só devedor, seja a solidariedade ativa ou passiva. Todavia, faculta o inc. I do art. 46 a demanda conjunta, também ativa ou passivamente. Se o devedor solidário for demandado sozinho poderá utilizar-se do chama-mento ao processo (art. 77, III) para convocar o codevedor e obter contra ele título executivo relativo à sua cota-parte, se pagar a dívida por inteiro (art. 80). O chamamento ao processo, no caso, determina um litisconsórcio ulterior.

O fundamento jurídico do pedido é constituído dos fatos e da qua-lificação jurídica que se extrai dos fatos, de ambos devendo decorrer o pedido (causa de pedir remota e próxima respectivamente). O litígio conjunto, nos termos do inc. II do artigo acima transcrito pode derivar de um ou de outro aspecto da causa de pedir: ou dos mesmos fatos duas pessoas extraem consequências jurídicas diferentes e desejam litigar conjuntamente, ou de fatos diferentes duas pessoas ex traem a mesma qualificação jurídica, também podendo litigar em li tis con sór cio. O pri-meiro caso seria a hipótese de pedidos de indenização de duas ou mais pessoas, em virtude de um mesmo acidente automobilístico, ainda que

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cada um alegue uma forma de conduta culposa diferente por parte do réu; o segundo, o caso de dois licitantes em uma concorrência que pleiteiam sua anulação judicialmente: um porque o edital contém cláusula ilegal que o prejudica e outro porque foi desclassificado indevidamente.

Ocorre a conexão entre duas causas quando lhes for comum o objeto (pedido) ou a causa de pedir (art. 103). Ora, se duas pessoas são titulares de ações que, se propostas separadamente, seriam conexas, poderão propô-las conjuntamente, desde que não sejam logicamente incompatíveis. Assim, da mesma causa de pedir ora podem resultar pedidos compatíveis, os quais, se de titulares diferentes, podem ser reunidos numa única demanda ou pedidos incompatíveis que seria absurdo imaginar propostos em ação conjunta. Ex.: A propõe contra B ação de indenização decorrente de múltipla colisão de automóveis, e C propõe ação semelhante, em virtude do mesmo acidente, contra D, que entende ser o culpado. Propostas separadamente as ações são conexas, podendo ser reunidas para julgamento conjunto, mas ninguém pensaria que A e C pudessem propô-las em litisconsórcio.

Finalmente, o permissivo do n. IV é o mais amplo e que, na verda-de, engloba todos os demais: basta para o litígio consorciado a afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito. O dispositivo justifica-se porque a identidade de um ponto de fato ou de direito pode levar a uma prova única ou a uma solução análoga para casos semelhan-tes, com economia processual e prevenção do perigo de decisões logica-mente conflitantes. Todavia, encerra ele um perigo para o qual a lei não previu solução expressa, como a hipótese de centenas de autores, com o fim de dificultar a defesa, com fundamento na mesma norma legal e alegando estarem em situação idêntica, pleitearem algo ao Judiciário, em geral contra a Administração, que, muitas vezes, sequer tem tempo de identificar a real situação de cada um. Além disso, no caso de ser ven-cedora a Fazenda Pública, a condenação dos autores nas custas e hono-rários pulveriza esses valores, tornando inexequível essa cobrança.

A Lei n. 8.952/94, acrescentando parágrafo único ao art. 46, in-troduziu a possibilidade legal de o juiz limitar o litisconsórcio faculta-tivo quanto ao número de litigantes, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa, trazendo para o corpo do Có-digo exatamente o que sustentávamos em termos doutrinários nas edições anteriores. Dissemos naquela oportunidade, o que vale, agora, em termos legais: “o sistema do Código repele o uso do processo para

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fins ilícitos ou, pelo menos, antiéticos. Entendo que se encontra entre os poderes do juiz, com fundamento em sua atribuição de assegurar às partes igualdade de tratamento, velar pela rápida solução do litígio e prevenir ou reprimir qualquer ato atentatório à dignidade da justiça (art. 125), como poder implícito, o de determinar o des mem bra men to do processo em quantos forem convenientes para se alcançar os princí pios acima referidos, desde que demonstrada a in via bi li da de do processa-mento conjunto ou o objetivo antiético. Negar tal poder ao juiz seria admitir a negação concreta da justiça”.

O pedido de limitação, obviamente feito pelo réu, interrompe o prazo para resposta, prazo que recomeça da intimação da decisão. Isso se a decisão for desfavorável, porque se for favorável ao des mem bra-men to de processos o prazo para contestar somente poderá voltar a correr depois da separação e de ser o réu intimado de que a separação encontra-se efetivada.

21.4. Litisconsórcio necessário

Define o Código no art. 47:

“Art. 47. Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da senten-ça dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.

Parágrafo único. O juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o processo”.

Conforme se depreende da leitura do texto legal, o Código definiu o litisconsórcio necessário como litisconsórcio unitário, isto é, aquele em que a sentença deve ser uniforme para todos. Todavia, em diversos dispositivos do Código, como, por exemplo, os referentes à presença da mulher nas ações relativas a imóveis ou que se fundem em direitos reais sobre imóveis, ou ainda nas ações de usucapião e nas ações divi-sórias, pode não existir a uniformidade no plano do direito material da sentença a ser proferida, sendo que no caso da mulher em relação aos bens exclusivos do outro cônjuge sua presença é meramente fiscaliza-dora, porque a esposa, no exemplo citado, não é titular do direito material discutido em juízo. Igualmente, na ação de usu ca pião, por exemplo, a ação pode ser julgada procedente em relação a alguns e não em relação a outros confrontantes.

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Conclui-se, portanto, que nem sempre o litisconsórcio necessário se funda na unitariedade, ocorrendo grande número de hipóteses legais em que se determina obrigatoriamente a presença de alguém em litis-consórcio, sem que exista a uniformidade referida pelo texto legal. Assim, vê-se que o litisconsórcio necessário nem sempre é unitário. Haverá, pois, litisconsórcio necessário toda vez que a lei, quaisquer que sejam os motivos que a levaram a assim dispor, estabelecer a presença obrigatória de alguém no processo sob pena de nulidade. O conceito de litisconsórcio necessário é, portanto, um conceito formal. Assim, haverá litisconsórcio necessário quando a lei o determinar, tornando obrigatória a presença de mais de uma pessoa no polo ativo ou no polo passivo da demanda. Todavia, o litisconsórcio será necessário se for, acaso, unitário, pois, se a relação jurídica for daquelas que devem ser decididas de maneira uniforme para todos os seus sujeitos, a presença de todos será obrigatória no processo. Veja-se, por exemplo, numa ação de anulação de casamento proposta pelo Ministério Público não é pos-sível que a ação seja procedente para um cônjuge e improcedente para o outro. Esta uniformidade, no plano do direito material, significa, no processo, o litisconsórcio necessário de ambos os cônjuges como réus na ação de anulação proposta pelo Ministério Público. Outros exemplos podem ser citados: a ação de anulação de contrato, em relação a todos os contratantes; a ação de petição de herança, em relação a todos os herdeiros etc. Resumidamente, pode-se dizer que o litisconsórcio é necessário em virtude da unitariedade ou por força de lei.

Há um caso, porém, em que mesmo no plano do direito material existindo uniformidade não ocorrerá o litisconsórcio necessário, é o caso de solidariedade ativa ou passiva. Nos termos da lei civil, o credor ou o devedor solidário pode exercer o seu direito ou vir a ser compe-lido em sua obrigação, isoladamente, independentemente dos demais credores ou devedores solidários. A decisão será sempre uniforme para todos os credores ou devedores solidários, mas a lei civil dispensa a presença de todos porque atribui legitimidade a qualquer um deles para estar sozinho em juízo9.

9. Código Civil, arts. 264 e s. Mereceria estudo mais profundo a situação proces-sual do credor ou devedor solidário em relação aos outros credores ou codevedores; haveria, talvez, uma substituição processual sui generis, em que alguém demanda em nome próprio sobre direito próprio, mas também de terceiro!

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Conclui-se, pois, que nem todo litisconsórcio necessário seja tam-bém unitário, e que, de regra, o litisconsórcio unitário é necessário, salvo o caso de solidariedade ou o de condomínio, nos termos da lei civil (CC, art. 1.314). Dispõe o artigo citado vigente:

“Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a in-divisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a res-pectiva parte ideal, ou gravá-la”.

21.5. Da intervenção “iussu iudicis”

Se, desde logo, não estiverem presentes todos aqueles que a lei determina, no caso de litisconsórcio necessário, compete ao juiz de-terminar ao autor que lhes promova a citação, sob pena de, não o fazendo, declarar extinto o processo sem julgamento de mérito. Este chamamento de pessoas determinado pelo juiz denomina-se interven-ção iussu iudicis, isto é, intervenção por ordem do juiz. Decorre ela da circunstância de que a ausência de litisconsórcio necessário gera nuli dade do processo, que seria inútil se prosseguisse. Dá-se, portan-to, o poder ao juiz para a integração da demanda a fim de evitar a aludida nulidade.

Nos termos em que dispõe o Código de Processo atual não há dúvidas de que a intervenção iussu iudicis só é possível no caso de litisconsórcio necessário, não sendo permitido ao juiz determinar a integração da lide por pessoas em virtude de razões de conveniência, como, por exemplo, de litisconsórcio facultativo. No Código italiano a situação é diferente porque é dado ao juiz o poder de analisar a oportunidade de determinar a citação de mais alguém para a deman-da (Codice de Procedure Civile, art. 107). No sistema brasileiro vi-gente, o juiz não tem escolha: ou determina que se promova a citação do litisconsórcio necessário ou estará diante de um processo inútil porque nulo. A falta de clareza do Código de 1939 levou à divergên-cia doutrinária sobre a possibilidade de convocação de pessoas por razões de oportunidade.

Hoje, porém, está patente que o poder de decretar a intervenção de alguém só existe, por força de lei, no caso de litisconsórcio neces-sário, o que não quebra o princípio da inércia do juiz, ou seja, o prin-cípio de que o juiz não deve proceder de ofício (ne procedat iudex ex

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officio)10, porque se o autor não promover a citação do litisconsorte necessário apontado pelo juiz, a consequência é a extinção do proces-so sem julgamento de mérito e não o procedimento de ofício.

21.6. Da atividade dos litisconsortes

O art. 48 do Código de Processo Civil regula as relações da ativi-dade dos litisconsortes reciprocamente:

“Art. 48. Salvo disposição em contrário, os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos; os atos e as omissões de um não prejudicarão nem beneficia-rão os outros”.

Mesmo litigando conjuntamente, cada um dos litisconsortes é con-siderado, em relação à parte contrária, como litigante distinto, de modo que as ações de um não prejudicarão nem beneficiarão as ações dos demais. Cada litisconsorte, para obter os resultados processuais que pre-tende, deve exercer suas atividades autonomamente, independentemente da atividade de seu companheiro de litígio. Em con tra par ti da, os interes-ses eventualmente opostos ou conflitantes do outro litisconsorte não contaminarão a sua atividade processual. Isto ocorre no plano jurídico; no plano fático, o prejuízo ou o benefício pode ocorrer. Por exemplo: se um litisconsorte confessa, tal confissão não se estende aos outros litis-consortes, os quais continuarão litigando sem que o juiz possa considerá-los também em situação de confissão. Todavia, por ocasião da sentença, e em virtude do princípio do livre convencimento do juiz, poderá ele levar em consideração, na análise da matéria, a confissão do litisconsor-te como elemento de prova, podendo advir daí um prejuízo de fato.

O que o Código quer expressar, porém, no artigo agora apontado, é que não existe benefício ou prejuízo jurídico na atuação de um litis-consorte, significando que a atividade de um não produz efeitos jurí-dicos na posição do outro. Há hipóteses, porém, em que é inevitável a interferência de interesses. Isto ocorre quando os interesses no plano do direito material forem inseparáveis ou indivisíveis, conforme prevê, por exemplo, o art. 509 do Código de Processo Civil, que dispõe:

10. No regime do Código anterior, v. Moacyr Lobo da Costa, A intervenção“iussu iudicis” no processo civil brasileiro, que sustentava, para o Brasil, a mesma solução do Código italiano, mas era vencido na maior parte da doutrina, que limitava a intervenção iussu iudicis aos casos de litisconsórcio necessário.

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“Art. 509. O recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses.

Parágrafo único. Havendo solidariedade passiva, o recurso inter-posto por um devedor aproveitará aos outros, quando as defesas opos-tas ao credor lhes forem comuns”.

Assim, numa ação em que são réus marido e mulher, em caso de imóvel comum, a apelação de um deles, se procedente, beneficiará também o outro, porque indivisível o objeto da demanda. Tal situa ção, aliás, é a que normalmente ocorre nos casos de litisconsórcio unitário; já que a sentença deve ser uniforme para todos, a apelação de um aca-ba aproveitando aos demais11.

22. Da intervenção de terceiros

22.1. Ideias gerais

Entre os temas da parte geral do direito processual civil, um dos que apresenta maiores dificuldades é o relativo à intervenção de tercei-ros, não só em razão da falta de bibliografia nacional, mas também em virtude da grande divergência existente na bibliografia estrangeira, a qual nem sempre é aplicável aos institutos nacionais12. Por outro lado, a in-tervenção de terceiros não apresenta uma sistematização ideal, porquan-to sob a mesma denominação encontram-se institutos de natureza diver-sa. Já se referiu, aliás, à hipótese da assistência, caso típico de interven-ção de terceiros, e que está fora do capítulo próprio do Código.

O problema da sistematização do assunto nasce da dificuldade de se conceituar parte e, consequentemente, terceiro. Diz, aliás, Luigi Monaccianni13 que a palavra parte não é usada em sentido unívoco pelo legislador, e cita Chiovenda, que diz que convém ter em conta não tanto a letra da norma legal que usa a palavra parte ou a palavra ter-ceiro, mas sim a razão da norma. Semelhante dificuldade encontra-se perante o direito brasileiro.

11. Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, v. 2, p. 64, expressamente exclui a aplicação do art. 48 no caso de litisconsórcio unitário.

12. V. nosso Intervenção de terceiros no processo civil, Saraiva, 1972.

13. Azione e legitimazione, p. 242.

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Algumas considerações históricas poderão ser de interesse: no direito Romano vigorava o princípio da singularidade do processo e da jurisdição decorrente da própria estrutura do processo civil romano, que se desenvolvia perante um magistrado privado. Nos dois primeiros períodos do processo romano (período das legis actiones e período formu lário) era difícil conceber que um terceiro pudesse vir a participar de um processo alheio. O princípio da singularidade abrandou-se, ape-nas, no terceiro período, chamado de cognitio extra ordinem, em que aumentaram as funções do Pretor na condução do processo, represen-tante oficial do império romano. No direito germânico, que vigorou no período da Idade Média, por ocasião da dominação dos bárbaros, o princípio adotado era o da universalidade, inverso, portanto, do sistema romano. A sentença era proferida perante todos em assembleia geral. Na verdade, as hipóteses de intervenção de terceiros são temperamen-tos do princípio da singularidade, os quais se justificam porque a sen-tença, desde que existe no mundo ju rídico, provoca implicações em relações jurídicas de pessoas que não são apenas as partes, isto é, não são exclusivamente autor e réu. Isto ocorre porque as relações jurídicas não existem isoladas no mundo do direito, elas se inter-relacionam e a sua complexidade determina, às vezes, influência recíproca.

O Código enumera, como casos de intervenção de terceiros, a oposição, a nomeação à autoria, a denunciação da lide e o chamamen-to ao processo. Além desses casos, evidentemente, também pertencem à categoria a assistência, prevista em outro capítulo junto do li tis con-sór cio, e o recurso de terceiro prejudicado. Não são, porém, da mesma espécie, apesar de, às vezes, citados pela doutrina, os embargos de terceiros e a intervenção de credores na execução. Os embargos de terceiros são ação autônoma, corretamente catalogada pelo Código como procedimento especial de jurisdição contenciosa, cujos efeitos poderão produzir resultados em outro processo, inexistindo a figura da inter-venção. No caso de credores na execução coletiva ou universal, cha-mada “execução por quantia certa contra devedor insolvente” ou insol-vência, todos os credores são autores da própria execução coletiva e, portanto, litisconsortes e não terceiros.

O princípio básico que informa a matéria é o de que a intervenção em processo alheio só é possível mediante expressa permissão legal, porque a regra continua a ser, no direito processual brasileiro do Có-digo, a da singularidade do processo e da jurisdição. A legitimação para intervir, portanto, decorre da lei e depende de previsão do Código. Isto

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quer dizer que não é possível o ingresso de um terceiro em processo alheio sem que se apoie em algum permissivo legal, não se admitindo, por conseguinte, figuras que não tenham base na norma jurídica ex-pressa. Na omissão da lei, subentende-se que a intervenção esteja proibida14. Em virtude da dificuldade de sistematização decorrente da heterogeneidade de hipóteses previstas em lei como intervenção de terceiros, difícil também se torna a conceituação geral do instituto. Todavia, num sentido bastante genérico é possível dizer que a interven-ção de terceiros ocorre quando alguém, devidamente autorizado em lei, ingressa em processo alheio, tornando complexa a relação jurídica processual. Exclui-se a hipótese de litisconsórcio ulterior, em que al-guém ingressa em processo alheio, mas para figurar como litisconsor-te, como parte primária, portanto.

Tradicionalmente, costuma-se classificar a intervenção de terceiros como intervenção espontânea e intervenção provocada, segundo a voluntariedade daquele que ingressa em processo alheio. Outra classi-ficação leva em consideração a posição do terceiro perante o objeto da causa. De acordo com este critério, a intervenção pode ser adesiva ou principal. Será adesiva, também chamada ad coadjuvandum, quando o terceiro ingressa e se coloca em posição auxiliar de parte, como ocor-re na assistência; e será principal quando o terceiro ingressa exercendo o direito de ação, pleiteando algo para si ao Judiciário, como acontece na oposição.

As hipóteses de intervenção sofrem restrições no procedimento sumário (art. 280 com redação dada pela Lei n. 10.444, de 7-5-2002) e nos Juizados Especiais.

22.2. Da assistência

A assistência, no dizer de Moacyr Amaral Santos e Moacyr Lobo da Costa, é a figura jurídica de intervenção de terceiros no processo que mais dúvidas e controvérsias tem suscitado no direito nacional e no estrangeiro.

14. Aplica-se o princípio interpretativo de que não se deve ampliar o que seja, na lei, excepcional. No sistema dos Juizados Especiais, regulados pela Lei n. 9.099/95, não se admite, expressamente, qualquer forma de intervenção de terceiro, ou de assistência, mas admite-se o litisconsórcio. Por extensão aplica-se a regra aos Juizados Especiais Federais (Lei n. 10.259, de 12-7-2001).

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Basta que lembremos o trabalho de Segni (L’intervento adesivo) com os novos conceitos do mesmo autor sobre a figura em Sull’inter vento adesivo. Se não bastassem as dúvidas e divergências da doutrina estran-geira, o laconismo e imprecisão do único artigo do Código de Processo Civil, de 1939, o art. 93, geraram no Brasil entendimentos variados.

Alguns admitiam que no conceito do art. 93 cabiam a assistência simples e a litisconsorcial, já que o termo “influir”, nele previsto, com-portava graus15. Outra corrente entendia ser o conceito brasileiro de assistência sui generis, possibilitando apenas a assistência li tis con sor-cial, com contornos próprios16.

O vigente Código de Processo Civil definiu as duas figuras da assistência nos arts. 50 e 54, nos seguintes termos: Assistência sim-ples — “Pendendo uma causa entre duas ou mais pessoas, o terceiro, que tiver interesse jurídico em que a sentença seja favorável a uma delas, poderá intervir no processo para assisti-la”; Assistência litis-consorcial — “Considera-se litisconsorte da parte principal o assis-tente, toda vez que a sentença houver de influir na relação jurídica entre ele e o adversário do assistido”.

Há assistência simples quando o terceiro, tendo interesse jurídico na decisão da causa, ingressa em processo pendente entre outras partes para auxiliar uma delas. Consiste o interesse jurídico em ter o terceiro relação jurídica dependente da relação jurídica discutida no processo.

Há assistência qualificada ou litisconsorcial quando o intervenien-te é titular da relação jurídica com o adversário do assistido, relação essa que a sentença atingirá com força de coisa julgada.

Diz Leo Rosenberg que há intervenção adesiva litisconsorcial quando, entre o interveniente aderente e a parte contrária, existe uma relação jurídica para a qual a sentença do processo principal produzirá efeito, seja porque o interveniente aderente pertence às pessoas para ou contra as quais a sentença produz efeitos de coisa julgada além das partes da controvérsia, ou é eficaz de outro modo (... por exemplo, para

15. Dispunha o referido art. 93 do Código de 1939: “Quando a sentença houver de influir na relação jurídica entre qualquer das partes e terceiro, este poderá intervir no processo como assistente, equiparado ao litisconsorte”.

16. Moacyr Lobo da Costa, Assistência, p. 99-100, com referências a outros au tores, inclusive.

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a execução forçada...), seja porque a sentença tem efeito cons ti tu tivo para todos e contra todos17.

Das duas formas de assistência, distingue-se a chamada intervenção litisconsorcial, que é uma forma de intervenção principal em que o interveniente exerce verdadeira ação, paralela a uma das partes e con-tra a outra. Neste caso, não há real intervenção de terceiro ou assistên-cia, mas ampliação da lide, caso em que a sentença abrangeria, também, o objeto da nova ação proposta.

Na assistência, porém, o interveniente não propõe nova demanda nem há ampliação do objeto do litígio em virtude de seu ingresso. No direito brasileiro não temos a figura da intervenção litisconsorcial voluntária18.

O Código, além de distinguir as duas formas de assistência, re gula o procedimento de ingresso com a possibilidade de as partes impug-narem o pedido, fórmula não prevista no sistema anterior, do diploma de 1939.

É explícito o Código, nos moldes do Código português, que o assistente, se o assistido for revel, pode assumir a causa como seu gestor de negócios (art. 52, parágrafo único). Se, todavia, houver con-fissão, desistência da ação ou transigência, nada pode o assistente fazer, pois, terminado o processo, cessa a intervenção do assistente.

A figura da gestão processual de negócios surge, portanto, da inércia da parte principal, em que se subentende, tacitamente, a auto-rização por parte do assistido para o prosseguimento da ação com o assistente, porque, se a desistência for expressa, cessa a intervenção.

A revelia do assistido, na verdade, ensejará uma forma de substi-tuição processual, segundo a qual o assistente, em nome próprio e movido por interesse próprio decorrente do prejuízo jurídico que a sentença lhe poderá causar, impulsionará a demanda em favor do as-sistido, porque a sentença a este atingirá em seus efeitos diretos. A

17. Tratado de derecho procesal civil, v. 1, p. 277.

18. É comum a confusão das duas figuras, a assistência litisconsorcial e a inter-venção litisconsorcial, especialmente em virtude da doutrina estrangeira, às vezes tra-zidas como argumento sem a devida adaptação. Não é admissível a intervenção litis-consorcial porque viola o princípio do juiz natural, porque permite ao interveniente a escolha do juiz.

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atuação processual do assistente, nesta hipótese, será a de verdadeiro litisconsorte, como se fora interveniente principal. Contudo, essa atua-ção não lhe retira definitivamente a qualidade de terceiro, embora exercendo precariamente a ação de outrem, porque nada impede o re-torno da parte principal à condução do processo, afastando-se o assis-tente novamente à condição de parte acessória ou auxiliar.

Finalmente, o estatuto processual limita os efeitos da coisa julga-da19 em relação ao assistente, admitindo a chamada exceptio male gesti processus, preceituando o art. 55 que, transitada em julgado a sentença, na causa em que interveio o assistente, este não poderá, em processo posterior, discutir a justiça da decisão, salvo se alegar e pro-var que, pelo estado em que recebera o processo, ou pelas declarações ou atos do assistido, fora impedido de produzir provas suscetíveis de influir na sentença, ou, ainda, de que o assistido, por dolo ou culpa, não se valeu.

Apesar de ter esse dispositivo recebido críticas, propugnando al-guns a total vinculação do assistente à coisa julgada, entendemos que o dispositivo está bem lançado. Se houvesse a impossibilidade absolu-ta de o assistente, em causa posterior, discutir a justiça da decisão, haveria, em consequência, a inutilização do instituto. Ninguém mais ingressaria como assistente, porque não iria correr o risco de, habili-tando-se no processo, ficar vinculado a uma transigência leviana, a uma confissão dolosa, ao desinteresse ou, até, à simulação do assistido. Por mais que se ampliem as faculdades processuais do assistente, sua par-ticipação será sempre acessória e secundária, de modo que as mesmas razões que autorizam seu ingresso devem permitir que em processo posterior em que for parte principal, em que a sentença o atingirá di-retamente, possa trazer aos autos as provas e elementos que, sem culpa, não pôde fazer valer no processo primitivo.

Ao assistente (na Nebenintervention do direito alemão), Rosen berg, Lent, Moacyr Amaral Santos, Moacyr Lobo da Costa, e outros, negam a qualidade de parte. Liebman, porém, a afirma.

19. A rigor, não se trata de “limitação dos efeitos da coisa julgada” porque para o terceiro, nos termos do art. 472, não existe a qualidade de imutabilidade da decisão. Todavia, como o terceiro participou de processo é costume falar em extensão dessa imutabilidade a ele, que fica impedido de discutir em outro processo a justiça da deci-são, com as ressalvas legais comentadas no texto.

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O problema, todavia, reside na conceituação do termo parte. Fixa-da, na doutrina, a autonomia do processo em face da relação de direito material controvertida, deixou de satisfazer o conceito civilista de que as partes em sentido processual seriam as mesmas pessoas titulares do direito substancial trazido a juízo. Passou-se, então, a adotar um con-ceito tipicamente processual de parte, tendo em vista o pedido de tute-la jurisdicional. Chiovenda definiu-a da seguinte forma: “Parte litigante é aquela que pede em seu próprio nome ou em cujo nome é pedida a atuação da vontade da lei, e aquela em face de quem essa atuação é pedida”. Schönke conceituou: “Parte son las personas por las cuales o contra las cuales se pide en nombre propio la tutela jurí dica”20.

Já em sentido diverso, Ugo Rocco adverte da impossibilidade de um conceito puramente formal de parte e define: “Parte es aquél que, estando legitimado para obrar o contradicir, gestiona en nombre propio la realización de una relación jurídica de que afirma ser titular, o bien de una relación jurídica que afirma ser titular otro sujeto, que puede comparecer o no comparecer en juicio”21.

Satta, após explicar que o ordenamento jurídico é um complexo de normas que regulam toda a vida em sociedade, e que a juridicidade de um ordenamento decorre da exigência absoluta de sua realização, esclarece que a ação é postulação da concretização do ordenamento jurídico a seu favor, em confronto com outro sujeito. Daí ser impossí-vel a cisão entre a parte e a ação e, pois, do interesse cujo reconheci-mento se postula. A parte, segundo o autor, não é mais que a sub je ti va-ção do interesse, e é por meio do interesse que se estabelece a relação entre a parte e o ordenamento. Portanto, somente se pode distinguir, como se costuma, a parte do processo da parte da relação que nele se faz valer, aceitando o equívoco, sobre o qual a distinção se funda, de um processo distinto da realidade que nele se concretiza, de um pro-cesso, poder-se-ia dizer, sem dimensões22.

Estas considerações levam-nos a encontrar duas concepções do termo “parte”, que não se confundem, porém, com os conceitos de

20. Instituições, v. 2, p. 234, e Derecho procesal civil, p. 85.

21. Ugo Rocco, Proceso civil, p. 372.

22. Salvatore Satta, Il concetto di parte, in Scritti giuridici in memoria di Cala-mandrei, v. 3, p. 696 e s.

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parte formal e parte material, a nosso ver improfícuos porque inaptos a resolver os problemas mais sérios do processo, como, por exemplo, o fenômeno da substituição processual e da representação.

Estamos com Satta na afirmação de que é impossível a dissociação do conceito de parte da ação. Mas o direito de ação, autônomo e abs-trato, também possui duas facetas ou dois significados: de início, a ação se conceitua como direito à tutela jurisdicional in genere e, depois, como o direito instrumentalmente conexo a uma situação perfeitamente deter-minada e individualizada; daí estar condicionado a certos requisitos.

Paralelamente, vemos dois sentidos na palavra “parte”: o primei-ro está absolutamente desvinculado de qualquer relação de direito material, revelando-se pelo simples fato de alguém ingressar no pro-cesso, e cuja condicionalidade se esgota no exame da capacidade de ser parte; o segundo vincula-se ao exercício da ação e envolve a le-gitimidade para agir.

Não se pode negar que houve processo e houve partes, quando a sentença final decreta a carência da ação por ilegitimidade de partes. O que se pode dizer é que não se encontrou a “justa parte”, sentido muitas vezes usado pelas normas legais. Mesmo não sendo ‘‘justa”, a parte (no primeiro sentido genérico) existiu, recebeu a prestação juris-dicional consubstanciada na declaração negativa de sua legitimidade para a ação e, além disso, suportará os encargos decorrentes do pro-cesso, isto é, as custas.

No sentido genérico, o termo “parte” se vincula à formação e re-quisitos do processo; em sentido restrito, ao direito processual de ação. Usamos a expressão “direito processual de ação” em conformidade com a doutrina tradicional que o distingue do direito constitucional de ação; mas o direito de ação é, na verdade, sempre processual porque sua realização se projeta sempre no processo, ainda que entendido como garantia constitucional genérica. O que ocorre é que o direito consti-tucional, vendo no direito processual de ação uma necessidade de ga-rantia individual, o incorpora e o protege, tornando-o direito impos-tergável de todo indivíduo (v. Cap. 1, item 8).

O sentido puramente processual de parte é o apresentado porLiebman, definindo-o como os sujeitos da relação, ou os sujeitos do contraditório instituído diante do juiz, ou, em outras palavras, os sujei-tos do processo, diversos do juiz, em relação aos quais este último deve pronunciar seu provimento.

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Esta concepção formal, que a nosso ver não é incompatível com a concepção de parte legítima, já que são dois aspectos da figura, igual-mente aceitáveis cada um em seu âmbito, contudo não nos é esclare-cedora na procura da definição de terceiro, porque basta o ingresso no processo, com a participação no contraditório, para a aquisição da qualidade indiscriminada de parte em sentido processual. Assim, neste sentido, o assistente é parte tanto quanto o são autor e réu, ou ainda, por exemplo, é parte o arrematante que vem a manifestar-se na execu-ção se houver alguma impugnação à arrematação. Este último partici-pará de um contraditório limitado, é certo, mas desenvolverá atividade processual e receberá um provimento jurisdicional.

Concluímos, pois, com Pedro Palmeira, que esclarece que “pelo fato de não se transformar num litisconsorte da parte assistida, não negamos ao assistente litisconsorcial a qualidade de parte, como não negamos essa qualidade a todo e qualquer interveniente. Intervindo voluntariamente no processo, deixa o assistente de ser terceiro e, não sendo terceiro, será forçosamente parte, sujeito aos efeitos da decisão que no processo for proferida, como de certo modo reconhecem os próprios processualistas alemães, que negam aquela qualidade ao as-sistente. Uma coisa, porém, é ser parte interveniente, outra é ser litis-consorte da parte em favor da qual se intervém”23.

Hoje, conforme acima referimos, os efeitos da coisa julgada sobre o assistente estão regulados em lei (art. 55), e, mesmo quando ocorre a assistência litisconsorcial, sua atividade “considera-se” equiparada à do litisconsorte, apesar de não exercer o direito de ação própria.

O Código de Processo, como acima já se aludiu, em situação de vantagem em relação ao Código anterior, previu um procedimento para a intervenção de terceiro como assistente (art. 51).

O terceiro que desejar ingressar como assistente deverá formular petição ao juiz. Este, recebendo a petição, dará vista às partes para se manifestarem no prazo de cinco dias. Se as partes não impugnarem o pedido de ingresso, verificada a existência de interesse jurídico, o assis-tente terá sua intervenção deferida. Se, no entanto, qualquer das partes alegar que ao assistente falta interesse jurídico para intervir a bem do assistido, o juiz determinará, sem suspensão do processo, o desentranha-

23. Da intervenção de terceiros, p. 62.

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mento da petição e da impugnação, a fim de serem autuadas em apen-so. Nesse apenso, o juiz poderá autorizar a produção de provas, deci-dindo, em seguida, dentro de cinco dias. Da decisão que autoriza, ou não, o ingresso do assistente, cabe recurso de agravo, na forma de agravo de instrumento, nos termos do art. 522 do Código.

22.3. Da oposição

A oposição é uma verdadeira ação em que alguém ingressa em processo alheio pretendendo, no todo ou em parte, a coisa ou o direito sobre o qual discutem autor e réu.

A oposição é uma ação, de regra, declaratória contra o autor pri-mitivo, e condenatória contra o réu. O opoente passa a ser autor de uma ação em que o autor e o réu originários são réus. Trata-se, pois, de uma ação prejudicial à demanda primitiva porque se a oposição for julgada procedente, quer dizer que a coisa ou o direito controvertido pertence ao opoente, prejudicando, assim, a ação original em que o autor plei-teava a mesma coisa ou direito. É a oposição uma figura que se clas-sifica como de intervenção voluntária principal, porque o opoente exerce o direito de ação própria. Na verdade, a oposição poderia ser proposta como ação autônoma, apesar de conexa à ação original. Exis-te, no entanto, a figura, em virtude da economia processual e do inte-resse de que não existam sentenças contraditórias, fenômeno que po-deria ocorrer se não existisse a possibilidade da oposição e as duas ações fossem propostas separadamente.

A oposição pode ser apresentada até a sentença, sendo que, após esse momento, o terceiro que se considerar com direito à coisa, ou ao direito controvertido da ação original, deve propor ação autônoma em separado. O opoente deverá apresentar o seu pedido, observando os requisitos exigidos para a propositura da ação (arts. 282 e 283). Como é uma verdadeira ação, a oposição será também distribuída e anotada no cartório distribuidor, mas será diretamente remetida ao juiz da cau-sa principal; isto é o que se chama distribuição por dependência. A anotação no distribuidor é indispensável porque a oposição pode tornar-se independente da ação e, aliás, atribuir um direito, afinal, ao opoen-te, tão importante quanto o direito discutido na ação original.

Os opostos, que são o autor e o réu primitivos, serão citados na pessoa de seus respectivos advogados para que contestem o pedido no prazo comum de quinze dias. Esse prazo é idêntico ao prazo para con-

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testar nas ações de procedimento ordinário. Se o processo primitivo estiver correndo à revelia do réu, este será citado na forma estabeleci-da no Título V, Cap. IV, Seção III, do Livro I do Código, isto é, deve-rá ser tentada, em primeiro lugar, a citação pessoal por mandado; se isso não for possível far-se-á a citação com hora certa ou por editais, conforme prevê a seção acima referida.

Dispõe, ainda, o art. 58 que se um dos opostos reconhecer a pro-cedência do pedido do opoente, a oposição continuará contra o outro. Essa regra não é mais do que uma explicação da que já existe em re-lação aos litisconsortes (art. 48), segundo a qual cada parte é conside-rada como litisconsorte distinto em relação à outra, de modo que os atos e as omissões de um não prejudicarão nem beneficiarão os demais. Aliás, os opostos são litisconsortes em face do opoente.

Se a oposição for oferecida antes da audiência, será ela apensada aos autos principais e correrá simultaneamente com a ação, devendo ambas ser julgadas na mesma sentença. E, ao julgá-la na mesma sen-tença, o juiz deverá conhecer da oposição em primeiro lugar, porque se esta for procedente, prejudicada estará a ação primitiva. Se, todavia, a oposição for oferecida depois de iniciada a audiência seguirá ela o procedimento ordinário e será julgada sem prejuízo da causa principal. O juiz poderá, todavia, sobrestar o andamento do processo, por prazo nunca superior a noventa dias, a fim de julgar a ação conjuntamente com a oposição. Com isso se obterá, além da economia processual, o desejo do Código de evitar sentenças possivelmente contraditórias.

22.4. Da nomeação à autoria

A nomeação à autoria é um procedimento para a correção do polo passivo da relação processual. Estabelece o Código no art. 62 que aquele que detiver a coisa em nome alheio, sendo-lhe demandada em nome próprio, deverá nomear à autoria o proprietário ou possuidor. Assim, se alguém é mero detentor de uma coisa, como, por exemplo, um administrador de um imóvel, se for demandado em relação a essa coisa, deverá declarar a sua condição de mero administrador e indicar o verdadeiro proprietário ou possuidor, para que contra estes a deman-da possa prosseguir. Esse dever está protegido no Código de Processo pela cominação de perdas e danos àquele que deveria proceder à no-meação e deixa de fazê-lo quando lhe competia, ou, ainda, se o fizer erradamente, nomeando pessoa diversa daquela em cujo nome detém a

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coisa demandada. Essas perdas e danos serão pleiteadas pelo autor que, afinal, foi declarado carecedor da ação, pela falsa indicação, para res-sarcimento das despesas que teve e da perda de tempo, que seria evi-tada se o demandado tivesse feito regularmente a nomeação.

Dessa maneira, citado alguém, que não é o proprietário ou pos-suidor, deverá ele requerer a nomeação destes no prazo para a defesa que, no procedimento ordinário, é de quinze dias. O juiz, ao deferir o pedido, deverá suspender o processo, mandando ouvir o autor no prazo de cinco dias para saber se este aceita a nomeação. No caso de o autor aceitar o nomeado como o verdadeiro réu, deverá, então, o juiz promo-ver-lhe a citação para que contra ele a ação pros siga. O autor, contudo, tem o direito de recusar a nomeação, porque pode identificar alguma manobra do citado que pode estar fazendo a nomeação fraudulentamen-te. Se o autor recusar a nomeação, esta ficará sem efeito e a ação prosseguirá contra o citado primitivamente. No caso de aceitar a no-meação, o autor deverá promover a citação do nomeado. Este último deverá declarar se reconhece, ou não, a qualidade que lhe é atribuída; reconhecendo, o processo contra ele correrá, livrando-se, assim, o no-meante. Por outro lado, se o nomeado, citado, negar a qualidade de proprietário ou possuidor, o processo continuará contra o nomeante.

Nos casos em que o autor recuse o nomeado, ou quando este negar a qualidade que lhe é atribuída, dar-se-á ao nomeante novo prazo para contestar. Presume-se aceita a nomeação, conforme dispõe o art. 68, se o autor nada requereu no prazo em que a esse respeito lhe competia manifestar-se, ou se o nomeado, citado, não comparecer ou, compare-cendo, não alegar expressamente a falta de aceitação.

O art. 63 determina, também, que o mandatário nomeie o mandan-te se alegar que agiu em nome e sob instruções deste último.

A crítica que pode ser feita ao instituto da nomeação à autoria é a de que, apesar de sua existência, não resolve ele o problema da legiti-midade passiva da ação, pois, mesmo no caso de nomeação aceita, continua o autor podendo correr o risco de vir a ser julgado carecedor da ação porque está propondo a ação contra a parte ilegítima, isto é, contra a pessoa errada. Contudo, essa circunstância é inevitável, pois não se poderia exigir que o juiz, numa fase em que não tenha cognição plena, decida, desde logo, em caráter definitivo, sobre a legitimidade da ação que envolve, muitas vezes, aspectos bastante complexos que exigem dilação probatória.

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Outro aspecto a ser observado é que o art. 62 se refere apenas ao dever daquele que é mero detentor, isto é, que detém a coisa em nome alheio, o qual deverá nomear à autoria o proprietário ou possuidor, e não se refere ao possuidor direto, que detém a coisa em nome próprio porque é possuidor, em relação aos direitos do possuidor indireto, que é o proprietário.

O relacionamento entre possuidor direto e possuidor indireto está definido no art. 70, II, como hipótese de denunciação da lide, porque pressupõe a lei a existência, entre ambos, de direitos a serem liquidados, circunstância admitida no caso da denunciação da lide (art. 76) e que não é prevista no instituto da nomeação à autoria. No Código anterior entendia-se que a nomeação à autoria também deveria ser feita pelo possuidor direto quando a demanda deveria ser proposta contra o pos-suidor indireto.

22.5. Da denunciação da lide

O instituto que agora vamos examinar tem suscitado algumas di-vergências muito sérias. Tal instituto é de configuração do Código de 1973, apesar de encontrar no Código anterior um antecedente denomi-nado “chamamento à autoria”, o qual, porém, correspondia apenas ao art. 70, I, atual. As hipóteses dos demais incisos do art. 70 não eram previstas no regime do Código de 1939.

Estabelece o art. 70 do Código de Processo Civil:

“Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:

I — ao alienante, na ação em que o terceiro reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção lhe resulta;

II — ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de obrigação ou direito, em casos como o do usufrutuário, do credor pignoratício, do locatário, o réu, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa demandada;

III — àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda”.

Ocorrendo a denunciação, o processo se amplia objetiva e subje-tivamente. Subjetivamente porque ingressa o denunciado, o qual pas-sará a demandar juntamente com o autor se o denunciante for o autor, e juntamente com o réu se o denunciante for o réu. Objetivamente,

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porque se insere uma demanda implícita do denunciante contra o de-nunciado, de indenização por perdas e danos.

Ordenada a citação do denunciado o processo permanece suspen-so, procedendo-se a sua efetivação no prazo de dez dias se o denun-ciado estiver na mesma comarca, e no prazo de trinta dias se residir em outra comarca ou estiver em lugar incerto e não sabido. Não se procedendo à citação no prazo marcado, a ação prosseguirá exclusiva-mente contra o denunciante, que não mais terá a oportunidade de trazer ao processo as pessoas enumeradas nos incisos do art. 70.

Processualmente falando, feita a denunciação pelo autor e compa-recendo o denunciado, este assume a posição de litisconsorte do de-nunciante e poderá aditar a petição inicial, procedendo-se, em seguida, à citação do réu.

Se, todavia, a denunciação for feita pelo réu no prazo que tem para resposta, poderá ocorrer uma das seguintes alternativas:

1) se o denunciado aceitar a denunciação e contestar o pedido, o processo prosseguirá entre o autor de um lado, e de outro, como litis-consortes passivos, o denunciante e o denunciado;

2) se o denunciado for revel porque não respondeu à citação em denunciação da lide, ou se o denunciado comparece apenas para negar a qualidade que lhe é atribuída, o denunciante deverá prosseguir na defesa, como réu, até o final; e

3) se o denunciado confessar os fatos alegados pelo autor, poderá o denunciante prosseguir na defesa.

Da mesma forma que em relação aos litisconsortes, a confissão de um não prejudica aos demais.

A finalidade precípua da denunciação é a de se liquidar na mesma sentença o direito que, por acaso, tenha o denunciante contra o denun-ciado, de modo que tal sentença possa valer como título executivo em favor do denunciante contra o denunciado. Tudo isso na hipótese de o denunciante perder a demanda, porque, se vencê-la, nada há a liquidar.

O Código prevê a denunciação da lide em três circunstâncias:

a) quando aquele que adquiriu um bem está sendo acionado em ação de reivindicação e corre o risco de perder o bem em virtude de algum motivo jurídico anterior à sua aquisição, caso em que deverá, então,

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chamar para acompanhar a demanda aquele de quem adquiriu a coisa para que possa obter o ressarcimento resultante da perda da coisa;

b) para os casos em que a posse esteja dividida em posse direta e posse indireta, a fim de que possuidor direto e possuidor indireto, juntos, estejam presentes na demanda contra algum terceiro que a pleiteie, a fim de que, no final, também se liquide a responsabilidade entre ambos; e

c) nos casos em que alguém, por lei ou pelo contrato, deva inde-nizar o prejuízo decorrente da perda da demanda em ação regressiva.

As grandes dificuldades do instituto encontram-se no verdadeiro sentido da obrigatoriedade prevista no art. 70 e na real extensão do inc. III.

Quanto à obrigatoriedade da denunciação, a interpretação grama-tical do texto mostra-nos que o adjetivo obrigatória rege as três hipó-teses legais. A simples intelecção verbal, porém, é insuficiente para esclarecer o problema. É conveniente um retrospecto histórico e do direito comparado.

No direito romano primitivo, não se tinha a noção de propriedade como direito absoluto. A mancipatio transmitia mais a obrigação de garantir do que verdadeiramente a propriedade, a qual vinha com o usucapião. Daí nessa época vislumbrar-se, apenas, a figura da laudatio auctoris abrangente da denunciação da lide e da atual nomea ção à autoria. Posteriormente, no direito romano clássico já se entendia a propriedade como direito, daí a distinção: denuntiatio litis nos casos de evicção e nominatio domini nos casos de posse em nome alheio24. De qualquer forma, ainda, a transmissão de propriedade encerrava a obrigação de garantir.

O mesmo era previsto no direito romano justinianeu e foi mantido no direito comum. Em qualquer hipótese, porém, a ação de garantia só era possível depois da condenação que decretava a perda da coisa.

Por influência do direito germânico, o direito francês, desde as Ordonnances de 1667 de Luiz XIV, acolheu a demande incidente en garantie para que o chamado respondesse, desde logo, pelas conse-quências da perda da demanda. Posteriormente, o direito italiano con-

24. V. Pugliese, Procedura civile romana, e Fernand de Vischer, Études de droit romain.

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sagrou a figura da chiamata in garanzia, que traz, no chamamento, a demanda implícita de responsabilidade. No direito francês, a demanda, apesar de incidental, é explícita. Ambos passaram a abrigar, porém, também ações de garantia pessoal e não apenas real.

No direito português das Ordenações o chamamento à autoria, por força de disposições de direito material, estava diretamente relacionado com a evicção e era indispensável para a responsabilização do garante.

No Código de Portugal, o texto do art. 325 é mais abran gen te: Chamamento à autoria:

“1. O réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indennizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo à autoria.

2. Se o não chamar, terá de provar, na acção de indenização, que na demanda anterior empregou todos os esforços para evitar a conde-nação”.

Note-se que o chamamento ficou facultativo.

O texto de 1961, como o do correspondente art. 330 do Código de 1939, também facultava o incidente ao réu que tivesse adquirido de terceiro, responsável pela evicção, a coisa cuja entrega lhe fosse pe dida.

O Decreto n. 47.690 suprimiu essa parte do n. 1 pela razão de o Código Civil já não falar em evicção.

No direito alemão a ZPO em tradução para o espanhol dispõe:

“§ 72. Toda parte de un proceso que, en el caso de resolverse éste en perjuicio de ella, crea que puede ejercitar una acción de garantía o de repetición contra un tercero, o que actúe cuidando del derecho de tercero, puede denunciar judicialmente al tercero la pendencia de la causa, hasta el momento de la resolución firme de la misma.

El tercero puede, a su vez, denunciar la causa a otra persona”.

Luiz Loreto25, perante o direito venezuelano, explica: “En tal su-puesto, viene a insertarse en el seño mismo del juicio principal una nueva relación procesal llamada juicio subordinado o de garantía y tambien, impropiamente, accesorio, a fin de que se tramiten en un si-multaneus processus, se decidan en una misma sentencia”.

25. Luiz Loreto, La cita de saneamiento y garantía, p. 7 e 11.

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A cita de saneamiento y garantía do direito venezuelano envolve uma ação condenatória contra o garantido em via incidente. A ação de regresso, porém, pode ser proposta em ação própria posteriormente nesse país.

Pela evolução histórica e direito comparado observa-se, então, que o instituto se ampliou, da hipótese de evicção, para todos os casos de garantia, eliminando-se também a penalidade da perda do direito de regresso pela falta de denunciação.

Esse abrandamento, porém, não decorre, como é evidente, do tratamento processual da denunciação da lide, mas do próprio concei-to de propriedade, suas garantias, seus efeitos. A subsistência, ou não, do direito de regresso, portanto, não é problema de direito proces sual, mas problema de direito material, devendo aí ser buscada a solução da dificuldade.

E, no direito brasileiro, ainda persiste o art. 456 do Código Civil, que estabelece:

“Para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o ad-quirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo” (grifo nosso).

Tal disposição, em pleno vigor, encontra ressonância no texto do art. 70, I, do Código de Processo Civil, que repete a condição:

“A denunciação da lide é obrigatória... a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção lhe resulta”.

Inegável, portanto, a manutenção da exigência da denunciação, único meio hábil para a liquidação da responsabilidade pela evicção.

A mesma solução também, como se vê, é adequada atualmente aos incs. II e III do referido art. 70. Seria excessivo admitir a grave penali-dade da perda de direito material, especialmente quando tal interpretação não encontra apoio na doutrina, direito comparado e história do instituto (como o fez Celso Agrícola Barbi). Note-se, também, que nos incs. II e III não aparece a condicionante “a fim de que possa exercer o direito”.

Mas pergunta-se: como interpretar, então, o termo obrigatória que também rege as hipóteses desses incisos?

A solução lógica é a mesma encontrada pelo texto expresso do Código português: “Se o não chamar, terá de provar, na ação de inde-

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nização, que na demanda anterior empregou todos os esforços para evitar a condenação”.

Tal disposição, aliás, nem precisaria ser expressa em lei, porquan-to deflui dos princípios. Quem não chamou o garante para amarrá-lo aos efeitos imutáveis da coisa julgada corre o risco de, na ação própria, receber exceções materiais relativas à sua atuação no primeiro pro cesso e, se agiu com culpa nessa demanda, sua negligência compensa o dever de indenizar, uma vez que o garante demonstre que poderia ter ganho a ação.

A denunciação da lide, portanto, é obrigatória, nos casos dos incs. II e III, a fim de que o denunciante, na mesma ação, obtenha o título executivo contra o denunciado (art. 76) e a fim de evitar que na even-tual ação autônoma de regresso se rediscuta o mérito da primeira ação, cuja sentença não encerra a força de coisa julgada contra aquele que, por não ter sido denunciado, não foi parte no feito.

Se essa conclusão parece relativamente clara, o mesmo não pode-mos dizer com o problema relativo ao âmbito das hipóteses de denun-ciação cabíveis no inc. III.

Com efeito, tem-se interpretado tal disposição de forma perigosa-mente extensiva, de modo a possibilitar o chamamento de todos aque-les contra os quais a parte possa ter direito de regresso. Essa interpre-tação, observe-se desde logo, não é desapoiada pelo texto da lei, onde encontramos expressões como “obrigado a indenizar, em ação regres-siva” (art. 70), “responsável pela indenização” (arts. 72 e 73) e “res-ponsabilidade por perdas e danos” (art. 76).

Todavia, repugnamos interpretação que possa levar ao exercício abusivo do instituto e, ademais, incompatível com os princípios que o informam.

A denunciação da lide tem por justificativa a economia processu-al, porquanto encerra, num mesmo processo, duas ações (a principal e a incidente, de garantia), e a própria exigência de justiça, porque evita sentenças contraditórias (p. ex., poderia ser procedente a primeira e improcedente a de regresso por motivo que, se levado à primeira, tam-bém a levaria à improcedência).

Por outro lado, é importante lembrar que o direito processual ado-tou o princípio, originário do direito romano, da singularidade da ju-risdição e da ação, isto é, os efeitos da sentença, de regra, só atingem

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as partes, o juiz não pode proceder de ofício e a legitimação e os casos de intervenção são de direito estrito, porque excepcionam os princí pios consagrados nos arts. 3º e 6º do Código de Processo Civil.

Ora, se estendermos a possibilidade de denunciação a todos os casos de possibilidade de direito de regresso violaríamos todos esses princípios, de aceitação pacífica no direito processual brasileiro, sem exceção.

De fato, se admitíssemos a denunciação ante a simples possibilida-de de direito de regresso, violaríamos a economia processual e a celeri-dade da justiça, porque num processo seriam citados inúmeros respon-sáveis ou pretensos responsáveis numa cadeia imensa e infindável, com suspensão do feito primitivo. Assim, p. ex., numa demanda de indeniza-ção por dano decorrente de acidente de veículo, poderia ser chamado o terceiro, que o réu afirma ter também concorrido para o acidente, a fá-brica que montou no carro peça defeituosa, a Prefeitura que não cuidou do calçamento, cabendo, também, à fábrica de automóvel chamar a fá-brica de peças e esta, por sua vez, o fornecedor do material. E isto tudo em prejuízo da vítima, o autor primitivo, que deseja a reparação do dano e a aplicação da justiça, mas que teria de aguardar anos até a citação final de todos. Violar-se-ia, também, como se vê, o princípio da singu-laridade da ação e da jurisdição, com verdadeira denegação de justiça.

Qual, porém, o critério que deve limitar a denunciação?

Parece-nos que a solução se encontra em admitir, apenas, a denun-ciação da lide nos casos de ação de garantia, não a admitindo para os casos de simples ação de regresso, isto é, a figura só será admissível quando, por força da lei ou do contrato, o denunciado for obrigado a garantir o resultado da demanda, ou seja, a perda da primeira ação, automaticamente, gera a responsabilidade do garante.

Em outras palavras, não é permitida, na denunciação, a intromissão de fundamento jurídico novo, ausente na demanda originária, que não seja responsabilidade direta decorrente da lei e do contrato.

Observe-se, também, que, por tradição histórica, uma das finali-dades da denunciação é a de que o denunciado venha a coadjuvar na defesa do denunciante e não litigar com ele, arguindo fato estranho à lide primitiva.

Pode, é certo, o denunciado negar a qualidade de garante ou alegar a inexistência do vínculo da garantia, mas não introduzir indagação sobre matéria de fato nova.

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Importantíssimo, ainda, é ressaltar que a garantia cabível na de-nun ciação é a garantia jurídica da relação e não a garantia quanto à qua lidade ou integridade do objeto físico da relação. Daí excluirmos a possibilidade de chamamento do fornecedor do material, do empreitei-ro que fez a obra etc.

No caso de seguro contratual, admitimos a denunciação, mas des-de que não haja, no contrato, cláusula de exclusão da garantia por risco extraordinário ou por culpa grave do segurado, porque, nestes casos, aduzir-se-ia, em detrimento do andamento do processo, questão nova estranha à demanda originária.

Pode ocorrer, todavia, que essas circunstâncias apenas sejam reve-ladas no momento em que, citado o denunciado, este comparece para contestar contra o denunciante. Neste caso, deverá o juiz extinguir o processo em relação à denunciação por incabível e determinar o pros-seguimento apenas contra o denunciante.

Aliás, o art. 75 do Código de Processo Civil revela que não deve haver litígio entre denunciante e denunciado, salvo quanto à negativa deste, da qualidade que lhe foi atribuída. Negada a qualidade de garan-te, competirá ao denunciante prosseguir na defesa até o final, devendo o juiz, na sentença, decidir inclusive quanto a essa qualidade, porque o condenará, se for o caso, em perdas e danos.

Note-se, pois, como seria verdadeiramente incompatível outra discussão que não a referente à simples qualidade de garante, porquan-to a lei prevê somente o problema do relacionamento entre denunciado e parte contrária e não uma lide com o denunciante.

Tal preocupação, na verdade, não é apenas do direito brasileiro atual. Outras legislações e outros doutrinadores, aos quais o Código brasileiro recorreu como fonte, já discutiram o problema. Assim, por exemplo, no direito italiano, do qual é lapidar a discussão travada pela Comissão da Assembléia Legislativa que examinou o Código e a sua própria exposição de motivos (v. Codice de procedura civile, Giuffrè, Andrea Lugo e Mario Berri).

José Alberto dos Reis26 examina diversas hipóteses de direito de regresso, mas no direito português a situação é diferente, porque lá,

26. José Alberto dos Reis, Intervenção de terceiros, Coimbra, 1948.

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em qualquer hipótese, a indenização será cobrada em ação própria subsequente.

No sistema da chiamata in garanzia a interpretação restritiva se impõe, ademais, em virtude de argumento de ordem técnica ou cientí-fica, a nosso ver muito forte.

O sistema italiano (que é o brasileiro) adotou a figura da demanda implícita na denunciação (diferente do sistema francês da demanda explícita incidental), daí não ser possível, em simples petição que de-nuncia a lide e pede a citação do denunciado, encerrar-se fundamento jurídico novo não contido na petição inicial primitiva. Se tal ocorresse, a denunciação, para esse efeito, seria inepta e violadora do princí pio do contraditório para o denunciado. Tal colocação se aplica integral-mente ao art. 37, § 6º, da Constituição Federal.

Ao prejudicado que demanda contra o Estado não interessam a culpa ou dolo do servidor, porque nossa Constituição adotou a teoria do risco administrativo quanto à responsabilidade civil da administração pública. Ora, porque não lhe interessam o dolo ou culpa do funcio nário, não servem de fundamento jurídico para a demanda de reparação do dano. Como, portanto, admitir que numa simples petição, que pede a citação, numa demanda implícita, se responsabilize o funcionário que tem o direito de responder segundo as regras do contraditório ao fun-damento jurídico que só agora aparece, o dolo ou a culpa?

Note-se, ainda, ad argumentandum, que no sistema francês, da demanda incidente explícita, talvez o novo fundamento fosse ad mis sí vel, mas parece-nos absolutamente incompatível com o sistema brasileiro e italiano da ação implícita. Caso contrário, teríamos jurisdição sem ação. Justifica-se a denunciação interpretada de forma res tritiva porque a demanda primitiva não se altera; é ela levada ao conhecimento do de-nunciado, o qual, portanto, contra o denunciante pode apenas alegar não ter a qualidade que lhe é imputada, de garante. Isso não ocorreria, é claro, se novo fundamento se adicionasse implicitamente na denunciação, porque teria de defender-se desse fundamento não declarado.

Especificamente no que se refere ao direito de regresso do Estado contra o funcionário, Hely Lopes Meirelles27 endossa nossa tese e ex-pressamente afirma não ser admissível o chamamento do agente cau-

27. Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo brasileiro, 1975, p. 601.

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sador do dano na ação de indenização que o particular intentar contra a administração para haver os prejuízos sofridos, uma vez que o fun-damento dessa causa é diverso do da ação regressiva.

Celso Agrícola Barbi28 também dá ao instituto interpretação res-tritiva, mas admite para a denunciação somente as hipóteses de garan-tia decorrentes da transmissão de direitos, excluindo, portanto, o caso de chamamento de seguradora quando a perda da demanda está cober-ta por contrato de seguro. Tal restrição, porém, não nos parece correta porque não apoiada no texto legal ou na natureza da figura. Historica-mente, é certo, a denunciação nasceu da transmissão da propriedade e da evicção, mas, como vimos, estendeu-se, posteriormente, a outras formas de garantia. Nossa interpretação restritiva tem outro fundamen-to: a natureza do instituto como foi acolhido no direito brasileiro, nos moldes da chiamata in garanzia do direito italiano29.

Adotando posição ampliativa encontram-se Aroldo Plínio Gonçal-ves e Cândido Rangel Dinamarco.

A jurisprudência tem assumido posição que parece de incerteza mas que capta realmente o espírito do que queremos sustentar: não se deve permitir a denunciação da lide que venha a dificultar a distribuição da Justiça e a decisão sobre a pretensão do autor, ou seja, a de que a denunciação da lide não pode se transformar em instrumento de dene-gação de Justiça e perturbação da prestação jurisdicional. Todavia, se feita a denunciação, ainda que para o fim de simples direito de regres-so e isso não causou o malefício ao processo e à distribuição da Justi-ça, não se vai inutilizar o que já está feito apenas por uma questão técnica, devendo ser preservados os atos processuais, mesmo porque não se decreta nulidade se não houver prejuízo. Ainda que originalmen-te inadequada, se a denunciação alcançou sua finalidade, qual seja a de resolver duas demandas de uma só vez, sem prejuízo para o autor e para o denunciado, não há razão para se decretar a invalidade ou nessa altura excluir o denunciado do feito, obrigando uma nova demanda que, em concreto, já está resolvida. A posição da jurisprudência, portanto,

28. Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, Foren-se, v. 1.

29. A jurisprudência, apesar de ainda não assentada definitivamente, pende no sentido de admitir a denunciação.

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merece ser prestigiada e atende à finalidade máxima do processo que é a da distribuição da Justiça.

Outro fato recentemente surgido em ação no foro de São Paulo merece observação: entre dois réus regularmente citados havia o vín-culo de garantia. Pergunta-se: seria admissível, entre eles, a de nun cia ção da lide?

A resposta deve ser positiva.Poder-se-ia objetar que, já estando citado, nada haveria a de-

nunciar.Acontece, porém, que, na forma como acima foi exposto, a denun-

ciação da lide traz implícita a demanda de garantia e o pedido de condenação na responsabilidade. Inevitável, portanto, o chamamento para a obtenção de sentença com força executiva contra o garante por-que senão teríamos condenação sem pedido. E, sendo o caso de evicção, tal denunciação, mesmo entre corréus, é indispensável sob pena de perda do direito de regresso. Tal situação ocorreria, por exemplo, se alguém tivesse vendido a outrem a metade ideal de um imóvel e este bem viesse a sofrer ação de reivindicação. Os titulares do domínio seriam corréus, mas o comprador da parte ideal teria de denunciar a lide ao alienante.

Concluindo, temos que:a) a falta de denunciação acarreta a perda do direito que da evicção

resulta, nos termos do art. 70, I, do Código de Processo Civil e art. 456 do Código Civil de 2002.

b) a falta de denunciação nos casos dos incs. II e III do art. 70 não acarreta a perda do direito de regresso ou de indenização, pela própria natureza do instituto e do direito de regresso;

c) a obrigatoriedade da denunciação, nos casos do art. 70, II e III, limita-se ao interesse da parte de obter, desde logo, o título executivo contra o responsável e ao de evitar o risco de, na ação posterior, per-der o direito de regresso por motivo que poderia ter sido oposto ao autor primitivo;

d) só é admissível a denunciação nos casos de garantia automati-camente decorrente da lei ou do contrato, ficando proibida a intromis-são de fundamento novo, não constante da ação originária;

e) a denunciação não pode transformar-se em instrumento de de-negação de justiça para o autor, alheio à relação de garantia;

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f) a denunciação da lide é ato autônomo que independe da vincu-lação, por outro motivo, das partes ao processo.

Nos termos do art. 73 do Código, uma vez feita a denunciação, o denunciado, por sua vez, intimará do litígio (entenda-se, fará a denun-ciação) a seu antecessor e assim sucessivamente, nos prazos da primei-ra denunciação. É o que se denomina “denunciações sucessivas”. A razão do dispositivo é permitir alcançar aquele que gerou o fundamen-to da perda da propriedade.

Tanto o art. 73 quanto o art. 70 dão a entender que a denunciação é feita pelo adquirente ao alienante, ou seja, o antecessor imediato. O art. 456 do Código Civil, porém, permitiu que o adquirente notifique do litígio (expressão tradicional e histórica da denunciação, mas que significa promover a denúncia com pedido de citação e integração do denunciado ao polo passivo da ação de garantia) o alienante imediato ou qualquer dos anteriores, o que significa que poderá saltar o imedia-to e escolher qualquer dos anteriores. O dispositivo altera em parte o Código processual e é salutar porque pode alcançar desde logo o cau-sador da evicção e permite responsabilizar quem seja solvente, visto que o antecessor imediato pode ser insolvente e não fazer a denuncia-ção ao seguinte.

O mesmo artigo do Código Civil, em seu parágrafo único, prevê que, se o alienante não atender à denunciação e for manifesta a evicção, o adquirente pode deixar de oferecer contestação ou de usar de recursos, o que facilita a solução tanto da demanda contra o adquirente, que perderá a propriedade, como da demanda implícita contra o alienante contida na denunciação.

O Código Civil trata da questão no capítulo dos contratos e se refere à garantia natural entre alienante e adquirente no plano da pro-priedade, o que, sem dúvida, se aplica ao inciso I do art. 70, mas é possível, em princípio, aplicar-se aos demais incisos, ou seja, direitos pessoais, se houver garantias sucessivas.

22.6. Do chamamento ao processo

A última figura de intervenção de terceiros é o chamamento ao processo, instituto que não era previsto no Código anterior. Na verdade, os casos de chamamento ao processo previstos no art. 77 são casos de litisconsórcio facultativo provocado pelo réu. A rigor, o instituto do

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chamamento ao processo revela uma pequena exceção ao princípio da “proibição do julgamento fora do pedido” (ne procedat iudex ex officio), isto é, ao princípio da iniciativa da parte, porque alguém, nas hipóteses legais, é convocado a participar do processo pelo réu e não pelo autor que havia proposto a demanda apenas contra um devedor. Os demais, convocados por via do chamamento ao processo, passam a integrar a lide por iniciativa do próprio réu, o que, de certa forma, significa uma alteração do princípio da singularidade do processo e da jurisdição. Todavia, o instituto se justifica porque a integração do processo por outros fiadores, pelo devedor principal, ou por outros devedores soli-dários, significa uma importante conquista em prol da economia pro-cessual, uma vez que, nos termos do disposto no art. 80, a sentença que julgar procedente a ação, condenando os devedores, valerá como título executivo em favor daquele que satisfizer a dívida, para exigi-la, por inteiro, do devedor principal ou de cada um dos codevedores a sua cota, na proporção que lhes tocar.

É admissível o chamamento ao processo:

1) do devedor na ação em que o fiador for réu;

2) dos outros fiadores quando para a ação for citado apenas um deles;

3) de todos os devedores solidários quando o credor exigir de um ou de alguns deles, parcial ou totalmente, a dívida comum.

Como já se disse, a finalidade do chamamento é a liquidação da responsabilidade recíproca dos devedores e, para que isso ocorra desde logo, na mesma sentença que o juiz condenou os réus, o réu primitivo deverá requerer no prazo para contestar, que é de quinze dias, a citação do chamado ou chamados. Enquanto se procede à citação, obedecendo-se aos prazos acima aludidos do art. 72 do Código de Processo para a denunciação da lide, o juiz suspenderá o processo.

Indagação que tem sido constantemente feita é a referente ao ca-bimento do chamamento ao processo na execução e o mesmo ocorrerá quanto ao cumprimento da sentença.

De regra, os dispositivos da parte geral do processo de conheci-mento aplicam-se à execução e ao cumprimento da sentença se ali não se dispuser de maneira diversa, ou se o instituto não for incompatível com o processo executivo (art. 598). Nesses termos, o Supremo Tribu-nal Federal admitiu o chamamento ao processo na execução por título

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extrajudicial, como, por exemplo, do avalista para o emitente de uma nota promissória. Todavia, decisões declaram que é razoável a inter-pretação em sentido contrário, ou seja, que o chamamento ao processo não se justifica quando se trata de título cambial desvinculado de quais-quer contratos30.

Nossa posição é a de que o chamamento ao processo é incabível na execução, e mais ainda no cumprimento da sentença, em virtude de sua própria razão de ser. A finalidade do chamamento ao processo é a de que o réu possa, desde logo, obter um título executivo contra o de-vedor principal, os outros fiadores ou os outros devedores solidários.

Na execução e também no cumprimento da sentença, como já existe o título, o pagamento por parte do avalista, fiador ou de um devedor so-lidário automaticamente lhe transfere a propriedade do título e a legitimi-dade imediata para a execução contra o devedor principal, ou o devedor solidário, pelo total ou na cota-parte que lhe cabe, conforme o caso.

Seria inútil, portanto, o chamamento ao processo na execução quando o título já existe, sendo desnecessário o procedimento de que estamos tratando.

No caso específico do fiador que seja executado, porque contra ele existe título executivo, sua atitude não será a do chamamento ao pro-cesso, mas a da alegação do benefício de ordem, previsto no art. 595 do Código, que dispõe que o fiador, quando executado, pode nomear à penhora bens livres e desembargados do devedor, ficando os bens do fiador sujeitos à execução somente se os do devedor forem insuficien-tes à satisfação do direito do credor.

O mesmo dispositivo, no parágrafo único, é categórico: o fiador que pagar a dívida poderá executar o afiançado nos autos do mesmo processo. Conclui-se, pois, que, se o fiador já tem essa faculdade na execução, não se lhe aplica o instituto do chamamento ao processo, típico do processo de conhecimento.

22.7. Da intervenção especial da União

Como acima se afirmou, os casos de intervenção de terceiros são de direito estrito, isto é, não comportam extensão analógica porque

30. RE 89.121-8-GO, DJU, 11 maio 1979, p. 3681, 1ª Turma, e outros.

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representam exceções ao princípio da singularidade da jurisdição. Por isso, no que concerne à intervenção da União em causas em que são partes empresas públicas ou sociedades de economia mista, a jurispru-dência vinha sendo adequadamente restritiva. Assim, por exemplo, o Acórdão consignado na Revista Trimestral de Jurisprudência do STF (v. 58, p. 705) estabeleceu que “o interesse da União, na demanda, para deslocar a competência da Justiça comum para a Justiça Federal, há de ser interesse real, interesse que faça com que a União direta-mente se beneficie ou seja condenada pelo julgado, e não o interesse adjuvandum tantum”.

Em outras palavras, a referida decisão, aliás acompanhada em diversas outras oportunidades pelos Tribunais, nada mais fez do que reconhecer que a intervenção, ainda que assistencial, deve ser justifi-cada por interesse jurídico e não meramente interesse de fato (v., supra, item 22.2. Da assistência).

Todavia, a Lei n. 6.825, de 22 de setembro de 1980, dispôs em seu art. 7º: “A União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autores ou réus, os partidos políticos, excetuadas as de competência da Justiça Eleitoral, e as sociedades de economia mista ou empresas pú-blicas com participação majoritária federal, bem assim os órgãos autô-nomos especiais e fundações criadas por lei federal”.

Esse artigo foi substituído pelo art. 2º da Lei n. 8.197/91, assim redigido: “A União poderá intervir nas causas em que figurarem como autoras ou rés as autarquias, as fundações, as sociedades de economia mista e as empresas públicas federais”. O dispositivo foi, por sua vez, substituído pelo art. 5º da Lei n. 9.469/97, que revogou a Lei n. 8.197/91, alterando apenas o termo “fundações” para “fundações públicas”.

O dispositivo, como se vê, desejou legitimar a intervenção da União de forma ampla e genérica, tendo em vista a qualidade das partes (so-ciedades de economia mista, empresas públicas, fundações cria das por lei federal), independentemente da qualificação do interesse que leva à intervenção.

Daí podermos concluir que, em virtude da legitimação estabeleci-da pelo texto legal, a intervenção da União pode ocorrer, nas hipóteses citadas, ainda que o interesse de intervir seja meramente de fato ou, ainda, apenas, para acompanhar o feito como observadora. Releva ressaltar, ainda, que fica afastada por incompatível com a nova siste-

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mática legal a jurisprudência anterior restritiva à intervenção da União nas causas em que são partes as pessoas jurídicas acima enunciadas, inclusive no concernente à deslocação do foro para a sede da Circuns-crição da Justiça Federal, fato que, agora, parece inconteste. A lei criou, por conseguinte, uma figura especial de intervenção, não enquadrável nas hipóteses capituladas como de intervenção de terceiros no Código de Processo Civil, que tem como pressuposto apenas a posição de au-tora ou ré uma das pessoas referidas na lei e a vontade da União. O interesse, no caso, se presume pela participação de capital majoritário federal nas empresas públicas ou sociedades de economia mista e pela criação no caso das fundações.

A exclusão dos partidos deveu-se à Constituição de 1988, que deu aos partidos políticos a natureza de pessoas jurídicas civis (art. 17, § 2º), não se justificando mais, portanto, a intervenção estatal.

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Capítulo 4

Do Ministério Público

23. Conceito

Origem — Representação anômala do Estado.

24. Funções, posições e atividades no processo civil

Classificação tradicional: parte, auxiliar da parte e fiscal da lei — Classificação segundo a natureza do interesse público defen-dido — Sistema do Código: atuação como parte, hipóteses; in-tervenção como fiscal da lei, hipóteses — Interpretação do art. 82, III — Obrigatoriedade de intervenção — Consequências da falta de intervenção — Responsabilidade civil do membro do Ministério Público.

25. Da organização do Ministério Público

Posição constitucional — Ministério Público Federal — Ministério Público dos Estados.

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23. Conceito

Costuma-se atribuir a origem do Ministério Público a uma ordon-nance francesa do início do século XIV, sendo que, nessa época, era a instituição destinada a defender os interesses do soberano. Paulatina-mente foi o Ministério Público libertando-se da representação do rei para passar a representar a sociedade e seus valores dominantes. Daí poder conceituar-se o Ministério Público como o órgão do Estado que exerce, junto ao Poder Judiciário, a tutela dos interesses sociais indis-poníveis.

Ainda hoje, anomalamente, os órgãos do Ministério Público exer-cem, em certos casos, funções de representação do Poder Executivo, isto é, das pessoas jurídicas de Direito Público. Tais funções, porém, deveriam ser reservadas aos advogados ou procuradores do Estado ou da União, de modo que o Ministério Público pudesse atuar em sua função específica, ou seja, exclusivamente como defensor do interesse público.

24. Funções, posições e atividades no processo civil

A atividade do Ministério Público se desenvolve tanto no proces-so civil quanto no processo penal. No processo penal o Ministério Público é o órgão que formula a acusação nos crimes de ação pública, e acompanha toda ação penal, em qualquer caso, fiscalizando a reta aplicação da lei, e, inclusive, as garantias do acusado. No processo civil o Ministério Público intervém na defesa de um interesse público, elemento, aliás, que caracteriza sempre a intervenção desse órgão no cível. Sua atividade tem sido comumente classificada em três tipos:

a) atividade como parte;

b) atividade como auxiliar da parte;

c) atividade como fiscal da lei.

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Essa divisão das formas de atuação do Ministério Público no pro-cesso civil merece críticas porque não define exatamente a razão da intervenção e a sua verdadeira posição processual.

Com efeito, todo aquele que está presente no contraditório peran-te o juiz é parte (v. Cap. 3, 22.2, conceito de parte). Portanto, dizer que o Ministério Público ora é parte ora é fiscal da lei não define uma verdadeira distinção de atividades, porque seja como autor ou como réu, seja como interveniente equidistante a autor e réu, o Ministério Público, desde que participante do contraditório, também é parte.

Modernamente, procura-se buscar a distinção da atividade do Mi-nistério Público no processo civil segundo a natureza do interesse pú-blico que determina essa mesma intervenção. É preciso destacar preli-minarmente que, no processo civil, a intervenção do Ministério Públi-co tem como pressuposto genérico necessário a existência, na lide, de um interesse público. Ora, esse interesse público pode estar definido como ligado ao autor, como ligado ao réu, ou pode estar indefinido. Assim, é possível classificar a atuação do Ministério Público no pro-cesso civil segundo o interesse público que ele defende, da seguinte forma: o Ministério Público intervém no processo civil em virtude e para defesa de um interesse público determinado, ou intervém na de-fesa de um interesse público indeterminado.

A determinação do interesse público está na lei, isto é, a lei civil prefixa o interesse social dominante em relação ao qual o Ministério Público deve pugnar. Às vezes a lei não estabelece em que posição dialética do processo esteja esse mesmo interesse público, cabendo ao órgão do Ministério Público interveniente a interpretação do interesse social dominante, para usar dos meios processuais para sua proteção.

O Código de Processo Civil ainda manteve a classificação tradi-cional quanto à intervenção do Ministério Público, isto é, como parte e como fiscal da lei.

Quando o Código de Processo Civil se refere à atuação do Minis-tério Público como parte, quer aludir às causas em que este esteja le-gitimado para agir ou para contestar. O Ministério Público somente tem legitimidade para agir, seja na posição de autor, seja na posição de réu, quando expressamente autorizado em lei. É a lei do direito material, de regra, que define as hipóteses de atuação do Ministério Público como autor, por exemplo, a Lei de Alimentos, que possibilita ao Ministério

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Público demandar em favor do menor que necessita de alimentos quan-do o representante legal do menor deixa de atuar1. Como réu, o Minis-tério Público, além de hipóteses previstas em leis de direito material, poderia atuar, por força do art. 9º do Código de Processo Civil, como curador à lide nos casos de réu revel, citado por edital ou hora certa. Em São Paulo essa não é mais atribuição do Ministério Público, caben-do à advocacia do Estado ou Defensoria Pública.

A atuação do Ministério Público como parte, no sentido do Código de Processo, isto é, atuando como autor ou réu, é de direito estrito, porque obedece ao mesmo preceito do art. 6º do Código, segundo o qual ninguém pode propor ação em nome próprio sobre direito alheio, salvo quando autorizado em lei. Assim, também, o Ministério Público somen-te poderá propor, em benefício de alguém, as ações previstas em lei.

O art. 129, III, da Constituição não alterou esse princípio, porque deve haver lei federal atributiva de legitimação.

Em termos de ações coletivas, o Ministério Público recebeu signi-ficativa ampliação de legitimidade pela Lei de Ação Civil (Lei n. 7.347/85), pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Lei de Impro-bidade Administrativa aumentando o grande número de ações em que o Ministério Público atua como parte no sentido de órgão agente, pro-vocador da atividade jurisdicional, hipóteses em que mantém certas prerrogativas ou privilégios tais como a isenção de depósitos de custas, o prazo em dobro para recorrer e os demais previstos no Código. Quan-to ao pagamento de honorários quando vencido é evidente que tendo personalidade jurídica o órgão do Ministério Público não pode ser condenado como tal, mas podem ser condenados o Estado ou a União, respectivamente no caso do Ministério Público Estadual e Federal, pessoas jurídicas de direito público a que pertencem, inclusive nas penalidades de litigância de má-fé.

Já as hipóteses de intervenção constantes do art. 82 do Código de Processo Civil são mais amplas, admitindo um número bem maior de casos. Dispõe o referido art. 82:

1. O próprio Código de Processo atribui legitimidade ao Ministério Público para propor a ação rescisória (art. 487, III), procedimentos de jurisdição voluntária (art. 1.104), para requerer o inventário (art. 988, VIII), e para suscitar o conflito de compe-tência (art. 116), que tem natureza de ação, conforme a doutrina moderna.

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“Compete ao Ministério Público intervir:

I — nas causas em que há interesses de incapazes;

II — nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e dispo-sições de última vontade;

III — nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas em que há interesse público evidencia-do pela natureza da lide ou qualidade da parte” (inc. III com redação dada pela Lei n. 9.415, de 23-12-1996).

O próprio Código de Processo Civil, em outras passagens, também se refere à intervenção do Ministério Público, como, por exemplo, no conflito de competência, na declaração de in cons ti tu cio na li da de, no procedimento de uniformização de jurisprudência, nos processos de jurisdição voluntária, na ação de usucapião etc.

Todas essas hipóteses previstas, quer no Código de Processo Civil, quer em leis especiais, entre as quais podem ser citadas a Lei de Man-dado de Segurança, a Lei de Alimentos, a Lei de Registros Públicos, a Lei de Falências etc., poderiam ser consideradas como integrantes do inc. III do art. 82, porque são casos em que há evidente interesse pú-blico, mas a lei quis, aí, ser expressa. Esse mesmo inciso tem suscita-do dúvidas quanto ao seu verdadeiro alcance.

Há quem entenda que interesse público significa, também, o inte-resse das pessoas jurídicas de direito público, a União, o Estado e o Município, de modo que deveria ocorrer a intervenção do Ministério Público toda vez que essas entidades figurassem como parte. Esta in-terpretação tem sido sustentada em alguns Estados. No Estado de São Paulo, porém, domina a interpretação de que interesse público não é necessariamente o interesse de pessoas jurídicas de direito público, porque estas podem também ter interesses patrimoniais que não chegam a configurar um verdadeiro interesse público, o qual existiria apenas quando estivesse em jogo algum bem social indisponível transcenden-te, isto é, acima dos interesses individualizados das partes (v. classifi-cação do interesse no Cap. 1, item 3). Esta última posição é adequada à própria natureza do Ministério Público, cuja legitimidade para inter-vir está fundamentada num interesse social indisponível. Assim, parece-nos que, fora dos casos expressos em lei, o Ministério Público deverá intervir apenas quando surgir algum interesse de ordem pública, isto é, concernente aos interesses básicos e fundamentais da sociedade.

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Estabelece o Código que o Ministério Público, ao exercer o direito de ação, está sujeito aos mesmos poderes e ônus que as partes. Tal dis-posição, porém, deve ser entendida em sentido relativo, porque o Minis-tério Público não está sujeito ao adiantamento das despesas processuais, nem à condenação nessas despesas se perder a demanda, ou, ainda, à condenação em honorários de advogado. Tem, também, o privilégio de prazo em dobro para recorrer e quádruplo para contestar (art. 188).

O art. 81 do Código de Processo Civil quer dizer, porém, que a posição processual do Ministério Público, nesse caso, é equiparada à das partes, devendo atuar como se fora autor ou réu, de modo que a oportunidade de pronunciamento se faça como normalmente ocorre entre partes civis comuns.

Como fiscal da lei, estabelece o art. 83 que o Ministério Público terá vista dos autos depois das partes, sendo intimado de todos os atos do processo, e também que poderá juntar documentos e certidões, produzir prova em audiência e requerer medidas ou diligências necessárias ao descobrimento da verdade. Poderá, também, ainda, o Ministério Público, como fiscal da lei, recorrer, como está consignado no art. 499, § 2º.

A falta de intervenção do Ministério Público, nos casos em que a lei a considera obrigatória, determina a nulidade do processo, conforme estabelece o art. 84. Assim, todas as vezes que a lei dispuser que o Ministério Público deve intervir, a falta de sua intimação acarretará, como se disse, a nulidade do processo.

No sistema do Código de Processo Civil brasileiro não há hipóteses de intervenção facultativa do Ministério Público. Já se pretendeu inter-pretar que seria facultativa a intervenção no caso do inc. III do art. 82, segundo norma análoga ou similar existente no direito italiano. Nosso Código, porém, não autoriza tal interpretação, porque não existe distin-ção entre as hipóteses do inc. II e do inc. III, e mesmo as do inc. I do art. 82. A hipótese do inc. III apresenta dificuldades, como já se disse, em virtude de sua generalidade. É possível imaginar casos em que haja dúvida sobre a existência do interesse público. A quem competiria de-finir a existência desse interesse assim qualificado? Temos duas alter-nativas: ou o órgão do Ministério Público quer intervir porque entende existir tal interesse e o juiz recusa essa intervenção, ou o Ministério Público entende que não é caso de intervir porque não existe o interes-se público e, ao contrário, o juiz entende que ele deva intervir.

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Na primeira alternativa, a solução é simples: o juiz, ao indeferir o ingresso do Ministério Público, está proferindo uma decisão que, nos termos do art. 522 do Código de Processo Civil, é recorrível mediante agravo, que deve ser interposto na forma de agravo de instrumento, cabendo ao Tribunal, afinal, decidir se o Ministério Público deve real-mente intervir, ou não. Se o Tribunal entende que há interesse público na causa, determinará a intervenção, anulando os atos praticados sem a presença do órgão do Ministério Público.

Já a segunda alternativa é um pouco mais complexa e pode ser re-solvida usando-se, por analogia, o art. 28 do Código de Processo Penal, que trata do arquivamento do inquérito policial quando requerido pelo promotor público e não haja concordância do juiz. Neste caso, o juiz, ao discordar do pedido de arquivamento, remeterá o inquérito ao procurador-geral da Justiça, que decidirá, em caráter final, se deve manter o arquiva-mento, ou se deve determinar a propositura da ação penal competente.

Assim, no Processo Civil, toda vez que o órgão do Ministério Público no primeiro grau de jurisdição se recusar a intervir, por enten-der que não haja interesse público, deve o juiz comunicar tal fato ao procurador-geral da Justiça, que avaliará a existência, ou não, desse interesse no processo, decidindo em caráter definitivo.

Finalizando o capítulo, o art. 85 dispõe ser civilmente responsável o órgão do Ministério Público quando no exercício de suas funções proceder com dolo ou fraude. Aqui, a responsabilidade é pes soal, isto é, do próprio funcionário que exerce a atividade pública, e não respon-sabilidade do Estado. Note-se que o dispositivo atribui responsabilida-de apenas quando o Ministério Público atua com dolo ou fraude, isto é, com má fé, consciente e com vontade de provocar prejuízo a tercei-ro. Não haveria, a contrario sensu, nenhuma responsabilidade na atu-ação ordinária e de boa fé do Ministério Público, ainda que a parte possa se considerar lesada pelo retardamento que eventualmente algu-ma providência requerida pelo Ministério Público determinar na causa. É indispensável que o órgão público tenha uma relativa imunidade para exercer corretamente suas funções.

25. Da organização do Ministério Público

No plano institucional, difícil tem sido a perfeita definição da posição do Ministério Público. Em nossa história constitucional, já

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esteve ele dentro do capítulo do Poder Judiciário, já esteve em capítu-lo autônomo e atualmente, na Constituição Federal, encontra-se no capítulo “Das Funções Essenciais à Justiça”.

Já houve quem sustentasse que o Ministério Público constitui um quarto Poder do Estado, ao lado do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, como órgão de promoção e fiscalização da aplicação da lei, independente dos demais poderes da República.

Sem preocupação de discutir esse tema, realmente de difícil qua-lificação, o fato é que o Ministério Público é um órgão político, ou seja, de garantia das instituições fundamentais da sociedade, quer no campo do direito público, quer no campo do direito privado, en contrando-se, sua atuação, acima dos interesses imediatos de determinado adminis-trador, legislador ou mesmo órgão judiciário. Sua atuação cinge-se exclusivamente à vontade da lei.

Em alguns países, a carreira do Ministério Público integra a magis-tratura, como uma de suas formas. No Brasil, sua estrutura é independen-te, apesar de padecer de alguns problemas que a seguir serão apontados.

Na União, o Ministério Público Federal, organizado por lei federal, atua junto aos juízes e tribunais federais (v. item da competência). O chefe do Ministério Público da União é o procurador-geral da Repú-blica, nomeado pelo Presidente da República dentre cidadãos maio res de 35 anos, integrantes da carreira, depois de aprovado pelo Senado (CF, art. 128, § 1º).

Os membros do Ministério Público da União, do Distrito Federal e dos Territórios ingressam nos cargos iniciais de carreira mediante concurso público de provas e títulos; após dois anos de exercício não poderão ser demitidos senão por sentença judiciária ou em virtude de processo administrativo em que se lhes faculte ampla defesa, nem re-movidos, a não ser por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público, pelo voto da maioria de seus membros, assegurada ampla defesa (art. 128, § 5º, I, a e b, com nova redação determinada pela EC n. 45, de 8-12-2004).

Ao lado do Ministério Público da União, a Constituição prevê a Advocacia-Geral da União, que a representa em juízo, cujas funções eram antes acumuladas pela Procuradoria-Geral da República.

Nos Estados, tradicionalmente, o Ministério Público organiza-se autonomamente, por lei estadual, separado orgânica e funcionalmente

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dos advogados ou procuradores do Estado, obedecidas normas gerais estabelecidas em lei federal.

Na maioria dos Estados, o ingresso na carreira do Ministério Pú-blico se dá no cargo de promotor de justiça substituto2, com promoção posterior para os cargos de titulares de comarcas classificadas, como na magistratura, por entrâncias, segundo o grau de complexidade e volume de serviço. Perante os Tribunais atuam os membros do Minis-tério Público de categoria mais elevada, de regra denominados pro-curadores da Justiça, em todos os processos em que o Ministério Pú-blico atuou em primeiro grau de jurisdição perante o juiz de direito, além de algumas hipóteses especiais como a uniformização da jurispru-dência (art. 478), a declaração de inconstitucionalidade (art. 480), o conflito de competências (art. 121) etc. em que sua participação é obri-gatória ainda que não tenha o Parquet razão de intervenção anterior.

2. Em alguns Estados existe a carreira dos defensores públicos, paralela à dos promotores, considerados nesses locais como pertencentes ao Ministério Público. A função de assistência judiciária, porém, não é própria do Ministério Público, devendo ser exercida pelos órgãos de advocacia do Estado.

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Capítulo 5

Da jurisdição e da competência

26. Jurisdição: conceito, atuação, princípios e limites

Conceito: poder, função e atividade — Princípios: inércia, indecli-nabilidade, inevitabilidade, indelegabilidade — Característica essencial: substitutividade — Definitividade — Caráter nacional da jurisdição — Limitações à atuação da jurisdição: a) casos de atuação anômala de órgãos não jurisdicionais; b) imunidade di-plomática; c) limites negativos da competência internacional; d) contencioso administrativo; e) convenção de arbitragem.

27. Competência: conceito e critérios determinadores

Conceito — Critérios objetivos de determinação da competência; critério funcional: por graus de jurisdição, por fases do processo, por objeto do juízo.

28. Competência internacional

Conceito — Sistemas de regulamentação da competência inter-nacional: latino, germânico, anglo-americano e suíço — Pressu-postos prévios do entendimento da competência internacional — Elementos de conexão do Código vigente (art. 88): domicílio do réu; local do cumprimento da obrigação; ato praticado ou fato ocorrido no Brasil — Empresa estrangeira com filial no Brasil — A competência do art. 88 é concorrente — Elementos de co-nexão do art. 89: ações relativas a imóvel situado no Brasil; in-ventário de bens imóveis situados no Brasil.

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29. Litispendência internacional

Conceito — Problemas — Pressupostos do problema — Exceção ou objeção de litispendência internacional — Solução teórica dos problemas — Prevalência do direito internacional — Conclusões.

30. Competência interna

30.1. Introdução

Critérios doutrinários — Procedimento lógico para a de-terminação da competência.

30.2. Competência funcional por graus de jurisdição

Competência originária do Supremo Tribunal Federal — Competência originária no Superior Tribunal de Justiça — Competência originária nas Constituições estaduais e no Código de Processo Civil.

30.3. Competência das justiças especiais

Justiças especiais: Justiça Militar, Justiça Eleitoral, Justiça do Trabalho.

30.4. Competência da Justiça Federal

30.5. Competência de foro ou territorial

O foro comum: domicílio do réu — Do foro nas causas em que a União for parte ou interveniente — Os foros espe-ciais: da residência da mulher e do alimentando; da ação de anulação de títulos; da ação em que a pessoa jurídica for ré e das sociedades de fato; do local do cumprimento da obrigação; do local do ato ou fato nas ações de indeni-zação — Foro facultativo nas ações de reparação de dano em razão de acidente de veículos — Foro da situação da coisa: natureza, amplitude.

30.6. Competência de juízo: material, valor e distribuição

Normas de organização judiciária — Natureza da compe-tência material de juízo — Juízos distritais — Juízes de investidura temporária.

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31. Das modificações da competência — competência absoluta e relativa

Competência absoluta e relativa: conceito, casos — Modificações da competência pela conexão e continência — Conceito e conse-quências da conexão e continência — Competência funcional para a ação acessória, reconvenção, declaratória incidental, ações de garantia e relativas ao terceiro interveniente — Prejudicial penal — Derrogação da competência por convenção das partes e por falta de exceção declinatória de foro — Vícios de competência absoluta.

32. Dos meios de declaração da incompetência

Atribuição natural do juiz — Exceção de incompetência — Con-flito de competência: natureza, espécies, procedimento — Confli-to de atribuições.

33. Da perpetuação da jurisdição

Conceito — Alterações de direito relevantes.

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26. Jurisdição: conceito, atuação, princípios e limites

Já se desenvolveu, de maneira genérica, o conceito de jurisdição, comparando-a com as demais atividades fundamentais do Estado, que são a atividade legislativa e a atividade administrativa (Cap. 1, item 7).

Resumidamente, poder-se-ia deixar como estabelecido que juris-dição é o poder, função e atividade de aplicar o direito a um fato con-creto, pelos órgãos públicos destinados a tal, obtendo-se a justa com-posição da lide. Este conceito engloba a definição de Chiovenda e a de Carnelutti, que tantas vezes foram consideradas como antagônicas, mas que na verdade se completam.

A jurisdição é, em primeiro lugar, um poder, porque atua cogen-temente como manifestação da potestade do Estado e o faz definiti-vamente em face das partes em conflito; é também uma função, porque cumpre a finalidade de fazer valer a ordem jurídica posta em dúvida em virtude de uma pretensão resistida; e, ainda, é uma ativi-dade, consistente numa série de atos e manifestações externas de declaração do direito e de concretização de obrigações consagradas num título.

A jurisdição atua por meio dos juízes de direito e tribunais regu-larmente investidos, devendo ser reservada tal denominação para essa atividade específica, afastando-se, como de sinonímia imperfeita, o uso do termo jurisdição para significar “circunscrição” ou “atribuição ad-ministrativa”, como quando inadequadamente se diz que a “saúde pú-blica está sob a jurisdição do Ministério da Saúde”. Jurisdição é ativi-dade do juiz, quando aplica o direito, em processo regular, median te a provocação de alguém que exerce o direito de ação.

Reiterando, também, o que já foi enunciado na parte de Teoria Geral, é oportuno lembrar que a jurisdição atua segundo alguns prin-cípios fundamentais:

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a) a inércia: a atividade jurisdicional se desenvolve quando provo-cada. É garantia da imparcialidade que o juiz não passe a atuar em favor de interesses materiais das partes, cabendo a cada pessoa que se consi-derar lesada recorrer a ele, que deverá, também, manter-se equidistante em relação àquele a quem se atribui a violação da norma jurídica;

b) a indeclinabilidade: o juiz não pode recusar-se a aplicar o di-reito, nem a lei pode excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão a direito individual;

c) a inevitabilidade: a atividade dos órgãos jurisdicionais é in con-tras tá vel, isto é, não é possível a oposição juridicamente válida de qualquer instituto para impedir que a jurisdição alcance os seus obje-tivos e produza seus efeitos;

d) a indelegabilidade: as atribuições do Judiciário somente podem ser exercidas, segundo a discriminação constitucional, pelos órgãos do respectivo poder, por meio de seus membros legalmente investidos, sendo proibida a abdicação dessas funções em favor de órgãos le gis la-ti vos ou executivos. A jurisdição apresenta, também, uma in de le ga bi li-da de interna, isto é, cada órgão tem suas funções, devendo exer cê-las segundo as normas de processo, na oportunidade correta, não se per-mitindo a atribuição de funções de um para outro órgão.

A característica essencial da jurisdição, segundo a doutrina consa-grada, é a substitutividade, porque o Estado, por uma atividade sua, substitui a atividade daqueles que estão em conflito na lide, os quais, aliás, estão proibidos de “fazer justiça com as próprias mãos”, tentan-do satisfazer pessoalmente pretensão, ainda que legítima.

Finalmente, o poder, a função e a atividade jurisdicional têm o caráter de definitividade, isto é, ao se encerrar o desenvolvimento legal do processo, a manifestação do juiz torna-se imutável, não admitindo revisão por outro poder. Já as decisões administrativas são sempre passíveis de revisão pelo Judiciário quanto à sua legalidade.

A jurisdição, e, consequentemente, a justiça, é uma só, e ela é na-cional, ou seja, é um dos poderes da Nação. A divisão em diversos órgãos, ou mesmo estruturas orgânicas especializadas, é meramente técnica e tem por fim dar a melhor solução às diferentes espécies de lides. Assim, costuma-se usar a denominação Justiça ou Jurisdição comum e Justiças ou Jurisdições especiais, mas a distinção entre elas é meramente de or-ganização e de competência e não essencial, pela natureza.

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A atuação da jurisdição, todavia, encontra algumas limitações, de ordem política e ordem técnica, que se podem enumerar:

a) os casos de atuação anômala de órgãos não jurisdicionais;

b) os casos de exclusão da jurisdição brasileira em virtude da imunidade diplomática;

c) os limites negativos de competência internacional;

d) os casos de contencioso administrativo;

e) a convenção de arbitragem.

A Constituição Federal prevê, como garantia do equilíbrio e har-monia dos poderes, que o Senado Federal tem jurisdição para o julga-mento do Presidente da República, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de responsabilidade. Nessas hipóteses, o julgamento é realizado por um órgão político, o Senado, estranho à estrutura do poder jurisdicional. Aqui há atuação da jurisdi-ção, mas por um órgão não judiciário.

Diferente é a situação dos agentes diplomáticos, que, principal-mente, por força das Convenções sobre Funcionários Diplomáticos de Havana, de 1928, e sobre Relações Diplomáticas de Viena, de 1961, estão imunes, em caráter geral, da atuação da jurisdição brasileira. Tais pessoas não estão submetidas ao Judiciário nacional, não podendo, portanto, ser réus. Esse privilégio decorre do relacionamento interna-cional do Brasil e outros países, e é uma forma de respeito à soberania alheia, do mesmo modo que nossos agentes, também, no exterior, estão excluídos da jurisdição estrangeira. A eventual solução contrária, isto é, a submissão de agentes diplomáticos estrangeiros à jurisdição nacio-nal poderia significar uma ofensa à soberania estrangeira, representada por seus agentes. O problema da competência internacio nal será adian-te referido, no Capítulo sobre a competência.

Quanto ao contencioso administrativo, já se disse anteriormente que o Brasil adota, no relacionamento entre Executivo e Judiciário, o sistema anglo-saxão, ou da jurisdição única, segundo o qual somente o Judiciário detém o poder jurisdicional, inclusive nas lides em que o Estado é parte.

A Constituição de 1988 não estabeleceu nenhuma exceção ao princípio da jurisdição única (art. 5º, XXXV), de modo que não pode ser criado nenhum contencioso administrativo, ficando superadas as indagações doutrinárias anteriores.

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Finalmente, como excludente da atividade jurisdicional, é de lem-brar-se a convenção de arbitragem, regulada na Lei n. 9.307/96, que substituiu os antigos compromisso e juízo arbitral previstos no Código Civil e no Código de Processo, hoje totalmente revogados nesse ponto. Por meio da convenção da arbitragem, que consiste na cláusula de arbitragem e no compromisso arbitral, as partes maiores e capazes podem, com relação a direitos patrimoniais disponíveis, subtrair o exame de questões da apreciação judicial, elegendo árbitros particula-res. Contudo, não há o afastamento pleno da atividade jurisdicional porque a validade da instituição da arbitragem e sua sentença podem ser questionadas perante o Poder Judiciário, como, também, determi-nados aspectos, se for necessária a execução forçada, que será sempre judicial (v. maiores detalhes no v. 3, Capítulo sobre os procedimentos especiais de leis extravagantes).

27. Competência: conceito e critérios determinadores

Após referir grande número de equívocos terminológicos entre jurisdição e competência, conclui Couture que “a competência é o poder da jurisdição para uma determinada parte do setor jurídico: aquele es-pecificamente destinado ao conhecimento de determinado órgão juris-dicional. Em tudo aquilo que não lhe foi atribuí do, um juiz, ainda que continuando a ter jurisdição, é incompetente”1. “As causas cíveis serão processadas e decididas, ou simplesmente decididas, pelos órgãos juris-dicionais, nos limites de sua competência”, dispõe o art. 86.

A competência, portanto, é o poder que tem um órgão jurisdicional de fazer atuar a jurisdição diante de um caso concreto. Decorre esse poder de uma delimitação prévia, constitucional e legal, estabelecida segundo critérios de especialização da justiça, distribuição territorial e divisão de serviço.

A exigência dessa distribuição decorre da evidente impossibili dade de um juiz único decidir toda a massa de lides existente no univer so e, também, da necessidade de que as lides sejam decididas pelo órgão jurisdicional adequado, mais apto a melhor resolvê-las.

A distribuição das lides para os diversos órgãos jurisdicionais, que também são muitos no plano horizontal e no plano vertical, se faz por

1. Fundamentos del derecho procesal civil, p. 29.

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etapas, segundo um processo de eliminação gradativa, utilizando o princípio da especialidade. Ou seja, o legislador (constitucional, de direito processual, e o da organização judiciária) utiliza um conjunto de critérios, dentre os indicados em seguida, para ir separando as lides ou grupos de lides, em etapas de competência legislativa de cada um, apontando os juízos ou Tribunais competentes em determinadas situa-ções, de modo que o que sobra é do juízo ou Tribunal de competência mais geral ou comum.

As diversas etapas são as seguintes:

1) definição da competência internacional, segundo as normas dos arts. 88 a 90 do Código de Processo Civil, isso porque se uma lide não tem nenhum elemento de conexão com o Brasil nenhum órgão jurisdi-cional brasileiro é competente para ela;

2) definição da competência originária dos Tribunais. Essa atribui-ção é direta e exclui qualquer outra, mesmo porque, se a Constituição quer ressalvar a competência de alguma justiça especial, o faz expres-samente. Essa definição está na Constituição da República e nas Cons-tituições estaduais, por delegação da primeira;

3) definição da competência das justiças especiais, constantes da Constituição e leis por ela indicadas;

4) não sendo nenhuma delas, nessa ordem, a competência é da justiça comum. Mas tem precedência a da Justiça Federal, que, apesar de ser comum, guarda um grau de especialidade em face da Justiça Estadual, que é a mais comum de todas. A competência da Justiça Federal encontra-se no art. 109 da Constituição;

5) não sendo da competência da Justiça Federal, a lide é de com-petência da Justiça Estadual, devendo definir-se, então, a competência de foro, ou territorial, cujos critérios de determinação estão no Código de Processo Civil;

6) determinado o foro ou comarca, se nesse foro houver mais de um juízo, a competência se determina pela distribuição, se no foro todos os juízos tiverem a mesma competência, ou pelos critérios esta-belecidos na Lei de Organização Judiciária de cada Estado.

Para a determinação da competência, em cada uma das etapas as normas legais utilizam-se de critérios ora extraídos da lide, ora extraí-dos das funções que o juiz exerce no processo. No primeiro caso, diz-se que a competência é objetiva, porque se determina por algum aspec-

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to da lide que, segundo Carnelutti, é o objeto do processo. No segundo caso, diz-se que a competência é funcional. Na verdade não é, a com-petência que é objetiva ou funcional. Os critérios é que o são.

Os critérios objetivos comumente usados pelas normas legais são:

1) a natureza da lide em face do direito material: de direito de família, de acidente do trabalho, de registros públicos etc.;

2) o domicílio do autor;

3) a qualidade da parte, a Fazenda Pública;

4) o local em que está situado o imóvel, nas ações a ele relativas;

5) o local em que ocorreu o fato ou foi praticado o ato;

6) o valor da causa; e diversos outros.

Esses elementos objetivos, ora isolados, ora combinados, inclusi-ve com os funcionais, apontam o juiz competente para a decisão de cada demanda. Como são eles estabelecidos previamente em lei, é possível, mesmo antes da propositura da ação, que se saiba qual o juízo que a decidirá, atendendo-se, pois, ao chamado princípio do “juiz natural”, isto é, aquele prévia e legalmente investido para a decisão de todas as causas que apresentam elementos iguais de fixação ou deter-minação da competência.

As normas legais utilizam-se, por vezes, de aspectos relativos às funções exercidas pelo juiz no processo para estabelecer a competência, que se denomina, então, competência funcional. Três são os tipos de competência funcional:

1) competência funcional por graus de jurisdição;

2) competência funcional por fases do processo; e

3) competência funcional por objeto do juízo.

Determina-se a competência funcional por graus de jurisdição quando a lei, em razão da natureza do processo ou do procedimento, distribui as causas entre órgãos judiciários que são escalonados em graus. De regra, as ações devem ser propostas no primeiro grau de jurisdição (juízos de direito ou varas), cabendo, de suas decisões, re-curso para um segundo grau, considerado hierarquicamente mais ele-vado porque colocado em posição de reexame dos atos do primeiro.

Às vezes, as normas legais atribuem competência diretamente a órgãos de segundo grau de jurisdição, como, por exemplo, os mandados

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de segurança contra atos de determinadas autoridades. Nesses casos, há supressão do primeiro grau, sendo o tribunal competente em caráter originário. Assim, a competência dos Tribunais se diz funcional, recur-sal ou originária, porque é determinada segundo o modo de ser do processo e não de circunstâncias da lide.

Fala-se em competência funcional por fases do processo, ou tam-bém pela relação com outro processo, quando a competência de um juiz se determina porque existe, ou existiu, um outro processo, ou por-que, numa etapa do procedimento, atuou certo órgão jurisdicional que se torna competente para praticar outro ato previamente estabelecido. São exemplos desse tipo de competência: a competência do juiz que concluiu a audiência e que deverá julgar a lide, nos termos e com as exceções do art. 132 do Código de Processo Civil; a competência do juiz da execução, que deve ser o mesmo da ação (art. 575, II); a com-petência do juiz da ação principal para as acessórias (art. 108) etc.

Finalmente, a competência funcional pode determinar-se pelo objeto do juízo, isto é, pelo tipo de julgamento que deveria ser profe-rido. O fenômeno ocorre quando numa única decisão atuam dois órgãos jurisdicionais, cada um competente para certa parte do julga mento. No processo penal, o exemplo clássico é o da sentença do Tribunal do Júri, em que os jurados decidem predominantemente sobre as questões de fato, respondendo os quesitos formulados sobre a materialidade do crime, a autoria, as circunstâncias excludentes de pena etc., e cabe ao juiz togado, Presidente, obedecendo à manifestação dos jurados, aplicar a pena, fixando-lhe o quantum. No processo civil, há casos de compe-tência funcional por objeto do juízo no procedimento de uniformização da jurisprudência (arts. 476 e s.) e no de declaração incidental de in-constitucionalidade (arts. 480 e s.), nos quais a Câma ra ou Turma do Tribunal, em que são suscitados qualquer desses incidentes, é compe-tente para a aplicação da lei ao caso concreto, mas a fixação da inter-pretação da lei ou sua declaração de in cons ti tu cio na li da de é de com-petência do Tribunal Pleno. O julgamento se des mem bra, cada órgão decide uma parte do objeto da decisão que, no final, é única.

É preciso lembrar que, em cada etapa, o legislador utiliza uma bateria de critérios, objetivos ou funcionais, e não está vinculado aos critérios utilizados pelo legislador da etapa anterior nem vincula o le-gislador da etapa seguinte, em virtude da autonomia de cada uma das esferas político-legislativas. Ainda, é necessário acentuar que, em cada

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etapa, há critérios que são especiais em relação a outros e, portanto, prevalecem, como por exemplo os do art. 100, I ou II, em face do foro geral do domicílio do réu do art. 94.

28. Competência internacional

O Poder jurisdicional, como um dos poderes do Estado, manifes-tação de soberania, é pleno e completo, mas não exclui a possibilidade de autolimitação, tornando-se aplicável somente a determinadas causas. Seria, em tese, possível uma disposição legal ou constitucional que estabelecesse competência para a autoridade judiciária brasileira co-nhecer de todas as lides ocorridas no universo.

Tal posição, contudo, além de ineficaz, seria, no dizer de Amílcar de Castro, “inútil ameaça ou vã exibição de força”2.

Daí cada Estado, segundo critérios de viabilidade (efetividade) e conveniência, estabelecer quais lides estarão sujeitas a seu poder juris-dicional, sendo esses critérios levados em consideração pelo legislador e não pelo juiz que já encontra a norma posta.

Não ocorre que a jurisdição mude de natureza, seja a causa exclu-sivamente composta de elementos nacionais ou estrangeiros ou de ambos, mas simplesmente que somente algumas interessem a nosso país julgar, em virtude dos critérios acima referidos, os quais se concretizam por meio da escolha, pela Lei, de elementos ou pontos de conexão que, presentes, determinam a competência do Poder Judiciário nacional.

Salvo alguns tratados internacionais que procuram unificar os crité-rios determinadores da competência internacional (Código Bustamante, arts. 318 e s., algumas Convenções de Haia), os quais, ratificados, in-corporam-se ao direito interno, cada país, como ato de soberania, deter-mina a própria competência internacional segundo elementos próprios.

2. Direito internacional privado, Rio de Janeiro, 1956, v. 2, p. 253. Caetano Morelli (Diritto processuale civile internazionale, Padova, 1954, p. 83-4) também re-conhece que, em tese, é possível conceber-se que um Estado exerça ilimitadamente a jurisdição. Miaja de la Muela (Les principes directeurs des règles de compétence terri-toriale des tribunaux internes en matière de litiges comportant un élément international, in Recueil des Cours, 1972, t. 1, v. 135, p. 52-3) apresenta diversos princípios materiais sobre a competência internacional. V. também Friedrich Lent, Diritto processuale civi-le tedesco, trad. Edoardo Ricci, Morano, 1962, p. 31 e s.

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Miguel de Angulo3 cita grande número de critérios possíveis, entre os quais, inclusive, a autonomia da vontade, tendo o Brasil, no Código de Processo Civil vigente, regulado a matéria nos arts. 88 e 89.

O Código de Processo Civil de 1939 não tratava especificamente do assunto, de forma que a doutrina, diante da falta de sistematização, procurava encontrar, nas regras de competência interna implícita, a competência internacional, disciplinada expressamente no art. 12 da Lei de Introdução ao Código Civil, que dispunha:

“É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação.

§ 1º Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil.

§ 2º A autoridade judiciária brasileira cumprirá, concedido o exe-quatur e segundo a forma estabelecida pela lei brasileira, as diligências deprecadas por autoridade estrangeira competente, observando a lei desta, quanto ao objeto das diligências”.

Como veremos adiante, esse artigo, salvo seu § 2º, foi tacitamen-te revogado pelos arts. 88 e 89 do Código de Processo Civil vigente.

Os Códigos processuais dos Estados, antes da unificação de 1939, eram omissos quanto à competência internacional, o que ocorria, tam-bém, no Regulamento n. 7374.

A introdução no novo Código foi correta por se tratar de matéria tipicamente processual, condicionante da competência interna.

Fragistas5 classifica os sistemas de regulamentação da competência internacional em quatro grandes grupos, desprezadas peculiaridades secundárias:

1) Sistema latino, que consiste na regulamentação específica da competência internacional, por meio de critérios próprios, que podem ser distintos dos critérios de determinação da competência interna.

3. Leciones de derecho procesal internacional, p. 13.

4. Cf. Cândido Rangel Dinamarco, Direito processual civil, Bushatsky, 1975, p. 104.

5. La compétence internationale en droit privé, in Recueil des Cours, 1961, v. 104, p. 165 e s.

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2) Sistema germânico, segundo o qual a competência judicial internacional decorre da soma de todas as competências territoriais internas.

3) Sistema anglo-americano, cuja característica primordial é a possibilidade de que seja exercido poder físico sobre o réu, isto é, haveria competência internacional quando fosse possível a citação ao demandado no território do Estado.

4) Sistema suíço, cuja característica principal é a proteção consti-tucional à pessoa que, sendo solvente, tenha domicílio na Suíça, tor-nando exclusiva a competência no caso de réu domiciliado no país.

Note-se, pois, que o sistema brasileiro seguiu o sistema latino, uma vez que estabelece normas especiais para a competência internacional, consubstanciadas nos já citados arts. 88 e 89 do Código de Processo Civil, de forma que, no raciocínio do juiz, a determinação de compe-tência realiza-se em duas operações lógicas: primeiramente, verifica-se se, presente um dos critérios dos arts. 88 e 89, o juiz brasileiro é inter-nacionalmente competente; depois, por força dos artigos seguintes, se tem competência interna6.

A rigor, as regras de competência internacional deveriam estar na Constituição, porque definem o âmbito de abrangência de um dos Po-deres do Estado e, portanto, da soberania nacional, mas nesse aspecto não há normas na Constituição da República.

Dispõem os arts. 88 e 89 do Código de Processo Civil, os quais, como dissemos, revogaram o art. 12 e seu § 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, já que regularam toda a matéria (restou em vigor o § 2º, porque não houve revogação expressa, nem tratamento novo que

6. Discorre Hélio Tornaghi (Comentários ao Código de Processo Civil, Revista dos Tribunais, 1976, v. 1, p. 303 e s.) que, por influência do direito romano que apli-cava aos cidadãos o jus civile e aos estrangeiros o jus gentium, as legislações usavam como critério para atuação da jurisdição a nacionalidade. Assim, ocorreu no Código Napoleão, no Código de Processo Civil italiano de 1865 e nos Códigos portugueses mais antigos, que distinguiam as hipóteses no caso de serem as partes nacionais ou estrangeiras. Tal critério foi superado e, no Brasil, desde o Império, firmou-se a igual-dade entre nacionais e estrangeiros.

Miaja de la Muela (Les principes, cit., p. 41) esclarece que a questão da compe-tência internacional apresenta certa semelhança com a do conflito de leis, mas não são idênticas.

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determinasse a revogação tácita quanto ao conteúdo de direito interna-cional privado):

“Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando:

I — o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver do mi-ciliado no Brasil;

II — no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;

III — a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil.

Parágrafo único. Para o fim do disposto no n. I, reputa-se do mi ci-lia da no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal.

Art. 89. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:

I — conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil;

II — proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional”.

Os elementos constantes dos arts. 88, I e II, e 89, I, já estavam contidos no art. 12 da Lei de Introdução ao Código Civil. Elementos novos são os do inc. III do art. 88 (fato ocorrido ou praticado no Bra-sil) e inc. II do art. 89 (inventário de bens situados no Brasil), os quais ampliaram a competência brasileira.

Antes de comentarmos os artigos reproduzidos, é necessário fazer algumas observações prévias:

a) o elemento determinador da competência internacional, de regra, coincide com o elemento que também determinará a competência ter-ritorial interna, mas tal coincidência não é necessária nem exclui outras disposições de competência territorial interna, como, por exemplo, a faculdade contida no parágrafo único do art. 100;

b) em virtude de novo tratamento legal, todas as disposições de competência interna pressupõem, necessariamente, pelo menos um dos fatores determinantes da competência internacional, afastando-se, por-tanto, definitivamente, a interpretação de que as regras dos arts. 91 e s. possam encerrar também disposições de competência internacional; inclusive, por exemplo, no art. 94, § 3º, para o qual chamamos a aten-ção (v. adiante item 30.4.);

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c) não se deve confundir, também, o elemento determinador da competência internacional com o elemento de conexão determinador da aplicação da lei, nacional ou estrangeira. A solução do conflito de leis é posterior, por ocasião da sentença, segundo as regras da Lei de Introdução ao Código Civil, pressuposta sempre a competência inter-nacional, determinada por elemento próprio que também pode não coincidir com o elemento de conexão usado pelo Direito Internacional Privado;

d) além dos casos dos arts. 88 e 89, é de se incluir como outro elemento determinador da competência internacional a vontade das partes, por meio da eleição de foro, porque o art. 111 pode, por ana-logia, aplicar-se também à competência internacional e a der ro ga bi li-da de voluntária da competência territorial é tradição do direito brasi-leiro, especialmente tratando-se de aumentar a competência do nosso poder jurisdicional7.

O art. 88, I, estabelece a primeira hipótese de incidência da com-petência internacional: ter o réu domicílio no Brasil, qualquer que seja sua nacionalidade.

Em virtude do próprio conceito de domicílio, não basta, para tan-to, a simples residência no Brasil. Exige-se a permanência com ânimo definitivo, segundo os conceitos de direito civil (CC, arts. 70 e s.).

Convém lembrar o disposto nos §§ 7º e 8º do art. 7º da Lei de Introdução ao Código Civil, que estabelecem o domicílio legal do cônjuge, filhos e tutelados ou curatelados por extensão do domicílio do marido, pai, tutor ou curador, salvo o caso de abandono, e o domicílio presumido da pessoa que não o tiver. Completam a qualificação do domicílio os arts. 70 e s. do Código Civil de 2002.

Recentes convenções internacionais sobre alimentos e proteção de menores têm usado a expressão “residência habitual”, em vez de domicílio, de forma a contornar o problema do domicílio legal do menor. Contudo, no direito brasileiro o problema está resolvido pela competência, determinada em virtude do local do cumprimento da obrigação (art. 88, II), como também pela libertação do domicílio

7. V. na vigência do Código anterior, quanto à eleição de foro, Arruda Alvim, Curso de direito processual civil, Revista dos Tribunais, 1971, p. 246 e s.

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legal no caso de abandono, presumido no caso de separação judicial, alimentos ou mesmo anulação de casamento, se o cônjuge varão, pai ou outro parente de que se pleiteia alimentos encontra-se domiciliado em local diferente8.

Finalmente, quanto ao inc. I, observa-se que nosso Código seguiu a tradição do direito brasileiro, implantada a partir da Lei de Introdução ao Código Civil de 1942, que atribuiu ao domicílio importância pre-ponderante, substituindo a nacionalidade, critério dominante nos países europeus e que fora o preferido por Clóvis Beviláqua na primeira Lei de Introdução como principal elemento de conexão.

A segunda hipótese de competência do art. 88, também já previs-ta anteriormente, incide alternativamente no caso de não ter o réu do-micílio no Brasil. Para a competência interna, o Código usou critério análogo (art. 100, IV, d).

Justifica-se tal disposição porque, devendo a obrigação ser cum-prida ou satisfeita no Brasil, nada mais certo do que ser nosso Judiciá-rio competente para o processo e julgamento da ação em que se exige seu cumprimento. Note-se, porém, que o dispositivo refere-se ao cum-primento da obrigação e não à produção de efeitos secundários ou meramente consequentes. Assim, por exemplo, se estabelecida a praça de pagamento como Londres, aí será o local do cumprimento da obri-gação, ainda que a execução possa estender-se a bens do réu situa dos no Brasil. Neste caso, o Brasil não teria competência internacional com fundamento no inc. II.

Há tendência, diga-se de passagem, para interpretação ampliativa dos textos, a fim de estender o âmbito das atribuições do poder juris-dicional nacional. Contudo, no direito, os termos têm sentido técnico e, portanto, devem ser entendidos como tal.

O inc. III do mesmo artigo veio cobrir uma lacuna e foi muito feliz em fazê-lo. As obrigações decorrentes de ato ilícito, especialmen-te, poderiam ficar fora da competência brasileira em virtude das regras dos incisos anteriores, em evidente prejuízo da vítima. Lembrando-se o fato de que o art. 94, § 3º, hoje, claramente, só se aplica à compe-

8. V. Convenções de Haia de 1956 e 1958 sobre a lei aplicável às obrigações alimentares para os filhos e sobre a execução e reconhecimento de sentenças sobre o mesmo tema.

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tência interna, indispensável é a norma agora contida no art. 88, III, que tem paralelo no art. 100, V.

O parágrafo único do mesmo art. 88, a fim de evitar prejuízo para o credor brasileiro, criou a ficção de autonomia da agência, filial ou sucursal, para o fim de determinar o domicílio no Brasil independen-temente do local em sua sede. Com o mesmo objetivo, deu o Código de Processo Civil, no art. 12, VIII, capacidade de representação legal ao gerente, representante ou administrador da filial, agência ou sucur-sal, aberta ou instalada no Brasil, de pessoa jurídica estrangeira.

Problema, contudo, que poderia ser levantado, é o da tormentosa dificuldade de definir-se o que seja “pessoa jurídica estrangeira”. A mens legis do Código, porém, afasta qualquer divergência doutrinária ou conceitual. A competência internacional ou a capacidade de repre-sentação existe desde que a sede seja no exterior, ainda que, por qual-quer motivo, se pudesse discutir se a sociedade é, ou não, brasileira.

O art. 88 do Código estabelece, conforme ensina a doutrina que repete, aliás, o já firmado perante o art. 12 da Lei de Introdução ao Código Civil, que as hipóteses previstas determinam competência não exclusiva, admitindo-se, portanto, competência de outros Estados sobre a mesma causa, em virtude dos seguintes argumentos:

1) A competência exclusiva foi reservada para o art. 89, conforme decorre da expressão “com exclusão de qualquer outra”, de modo que se desejasse o legislador estabelecer toda a competência como exclu-siva teria englobado todos os incisos num artigo único;

2) O art. 88 estabelece princípios ligados à competência territo rial tradicionalmente prorrogável, quer pela convenção das partes, quer pela conexão, quer pela existência de permissivo em favor da competência brasileira concomitantemente com outro em favor de compe tên cia es-trangeira (ex., fato ocorrido no Brasil, domicílio do réu no exterior);

3) O art. 88 tem sentido protetivo do réu domiciliado no Brasil, do prejudicado por ato ou fato ou do credor da obrigação, podendo, este, abdicar, se capaz, de tal benefício, salvo se houver intenção de fraude à lei, hipótese em que não se admitirá a competência estrangeira por ofender a ordem pública.

As hipóteses do art. 89, sim, são de competência exclusiva, impe-dindo a eficácia de qualquer decisão estrangeira a respeito. O conteúdo

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do inc. I já era previsto no § 1º do art. 12 da Lei de Introdução ao Código Civil9.

A situação do imóvel determina a competência exclusiva e deter-minará, também, a aplicação da lei nacional (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 8º). Aplica-se, pois, totalmente, a territorialidade.

O que é necessário observar, repetindo, aliás, a interpretação dada ao art. 136 do Código revogado, é que a vis atractiva do imóvel é tão grande que determina a competência brasileira, não só para as ações reais, mas também para as ações pessoais (obrigacionais) relativas a ele. Não há, portanto, necessidade de discussão sobre a natureza real ou pessoal da ação; basta que seja relativa a imóvel para que se fixe a competência nacional. Valem, portanto, toda a jurisprudência e a dou-trina explicativas da expressão “relativas a imóveis” do art. 136 do Código anterior para o entendimento do inc. I do art. 89 vigente10.

A grande novidade do artigo, porém, é a do inc. II que pôs fim à grande divergência doutrinária e jurisprudencial ou, pelo menos, à grande hesitação da doutrina. Aliás, o Supremo Tribunal Federal, logo antes da vigência do novo Código, optara por solução contrária à nes-te estabelecida, isto é, optara pela unidade do juízo do inventário e da lei de sucessão. Hoje, porém, a disciplina legal é clara: o imóvel situa-do no Brasil decreta a cisão do juízo do inventário, de forma que será perfeitamente possível (aliás indispensável) a ocorrência de dois inven-

9. Admitem que a competência do art. 88 seja concorrente e a do art. 89 exclu siva: Hélio Tornaghi, Comentários, cit., p. 307; Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Có-digo de Processo Civil, Forense, 1975, v. 2, p. 398-9. No regime do Código anterior, v. Agustinho Fernandes Dias da Silva, A competência judiciária no direito internacional privado brasileiro, Freitas Bastos, 1965, o qual fundamenta a competência concorrente na autonomia da vontade sob o aspecto processual, porém, a formulação de competên-cia internacional concorrente gera a conclusão de que nossa ordem jurídica aceita sentença estrangeira prolatada no exercício dessa competência se não exercida a dos juízes brasileiros. Giuseppe Franchi (Giurisdizione italiana e cosa giudicata, CEDAM, 1967, p. 142-6) propõe uma concepção mais internacionalista, como se as jurisdições de cada Estado fossem parte de uma jurisdição universal única, daí se concluindo que o defeito de competência internacional equivaleria a um de competência interna, não impedindo a eficácia da coisa julgada. Não é esse, porém, o sistema consagrado no art. 89; apesar da abertura dada pelo art. 88 instituindo a competência concorrente, longe estamos desse ideal de unidade universal.

10. Por todos, v. José Frederico Marques, Instituições de direito processual civil, v. 1, p. 366 e s.

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tários, um no exterior para os bens situados no exterior e outro no Brasil para os bens aqui situados. Afastadas, portanto, ficaram as inda-gações teóricas a respeito da unidade e universalidade do inventário, válidas apenas, agora, se todos os bens se situarem no Brasil. Por con-sequência, a territorialidade do inventário de bem imóvel situado no Brasil poderá provocar, também, cisão da lei aplicável à sucessão, porque o juiz brasileiro obedecerá ao art. 10 e seus parágrafos da Lei de Introdução, independentemente da lei de direito internacional pri-vado do juiz estrangeiro.

É importante, também, observar que o art. 89, II, não é regra de direito internacional privado, isto é, de aplicação da lei, mas regra de competência, daí não ter revogado o referido art. 10 da Lei de Intro-dução ao Código Civil. A territorialidade é do processo, não neces-sariamente da lei aplicável. Note-se, ainda, que o art. 96 do Código de Processo Civil, repetimos, é regra de competência interna e atua-rá, uma vez previamente presente a hipótese do art. 89, II, ou alguma do art. 88. Assim, se o de cujus não tiver nenhum bem no Brasil, ou não for o caso do art. 88, aqui não se realizará inventário por incom-petência da autoridade judiciária brasileira. Aliás, aqui está presente o prin cípio da efetividade ou viabilidade, porque de nada valeria mesmo sentença de partilha no Brasil que não conseguisse ser exe-cutada no exterior11.

Finalizando esta parte do presente capítulo, lembramos que o princípio da perpetuatio jurisdictionis, consignado no art. 87, também se aplica à competência internacional. Estabelece o art. 87 do Código de Processo Civil:

“Determina-se a competência no momento em que a ação é pro-posta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito

11. Foi o próprio Código, mediante expressa denominação dos capítulos, que impôs a interpretação de que, a partir do art. 91, as regras são de competência interna exclusivamente. Se o de cujus não tiver bens no Brasil, por analogia (e a lei proces sual o admite) podemos entender competente a autoridade judiciária brasileira se tin ha ele domicílio em nosso país, ou se aqui deve cumprir alguma disposição de última vontade, estendendo-se, portanto, o entendimento dos incs. I e II do art. 88. É preferível tal elaboração interpretativa à afirmação de que o art. 96 rege também a competência internacional, o que violaria o texto expresso e o espírito da lei que desejou a separação. Para a doutrina antes do Código, ver os excelentes artigos de Jacob Dolinger, O Estado de S. Paulo, de 27 de abril e 4 de maio de 1975.

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ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciá rio ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia”.

Tal disposição, portanto, manterá a competência da autoridade judiciária brasileira, no caso, por exemplo, de alteração do domicílio do réu para o exterior após a propositura da demanda.

29. Litispendência internacional

Há litispendência internacional quando em tribunais que exercem sua jurisdição em sistemas jurídicos internacionais diferentes corre a mesma ação.

Serpa Lopes12 coloca o problema da seguinte forma:

a) se é admissível a oposição de litispendência entre Tribunais de Estados diversos;

b) se a ação promovida perante a Justiça de outro Estado obsta a propositura de igual demanda perante a Justiça brasileira;

c) se, por outro lado, o fato da propositura de uma ação perante a Justiça brasileira justifica a recusa de homologação de uma sentença estrangeira proferida em idêntica demanda.

A questão é bastante controvertida.

A jurisprudência francesa e grande parte da doutrina não admi tem a exceção de litispendência internacional. Lerebours Pigeonnière13, por exemplo, manifesta-se claramente no sentido de que à França não pode ser alegada a exceção, porque não é possível uma regulamentação entre juízes nacionais e estrangeiros, já que fazem parte de or de na men tos autônomos.

Arminjon14, porém, após expor as várias correntes doutrinárias a respeito, conclui pela possibilidade de apresentação da exceção, a qual deve, contudo, obedecer a certos requisitos.

Vejamos os requisitos básicos para que ocorra o problema:

12. Comentários à Lei de Introdução ao Código Civil, v. 3, Freitas Bastos, 1959, p. 98.

13. Droit international privé, Dalloz, 1962, p. 489.

14. Précis de droit international privé, Dalloz, 1931, v. 3, p. 253 e s.

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1) para a ocorrência de litispendência, é preciso que o Tribunal junto ao qual a exceção poderia ser apresentada seja competente por suas regras de competência internacional, porque, se não o for, não será caso de litispendência, mas de julgar-se o Tribunal incompetente;

2) o Tribunal estrangeiro deve, também, ser competente, segundo suas regras de competência internacional e segundo as do país em que for oposta a exceção.

Em matéria de Direito convencional vigente para o Brasil, temos a respeito o art. 384 do Código Bustamante (Convenção de Havana promulgada pelo Dec. n. 18.871, de 13-8-1929) que preceitua:

“A litispendência, por motivo de pleito em outro Estado contratan-te, poderá ser alegada em matéria cível, quando a sentença proferida em um deles deva produzir no outro os efeitos de coisa julgada”.

No mesmo sentido, o art. 7º da Convenção de Haia de 25 de no-vembro de 1965, que trata da eleição de foro (não ratificada ainda por nosso país).

Na doutrina brasileira, Serpa Lopes admite-a15. Wilson de Souza Campos Batalha16, após afirmar que Pimenta Bueno sustentara o cabi-mento da exceção, repele tal posição, alegando que o juiz brasileiro só poderia apreciar o problema da prevenção ou da litispendência em processo instaurado no Brasil e a respeito do qual, segundo as leis brasileiras, teria competência; destarte não poderia abandonar a sua competência pelo fato de existir processo idêntico em país estrangeiro, sendo tal processo irrelevante para ele. Ressalva, apenas, o art. 394 do Código Bustamante para os países signatários.

Entre nós, discorreram mais demoradamente sobre o tema Geor-gette Nacarato Nazo17 e Arruda Alvim18. O problema tem dois aspectos:

15. Comentários à Lei de Introdução, cit., v. 3, p. 98 e s.

16. Direito internacional privado, Revista dos Tribunais, 1961, v. 2, p. 307.

17. A exceção de litispendência no juízo de delibação, Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos Jurídico-Econômico-Sociais da Instituição Toledo de Ensino, Max Limonad, n. 6, 1967.

18. Ensaio sobre a litispendência no direito processual civil, v. II, parte nona, A litispendência no direito processual civil internacional, Revista dos Tribunais, 1972, p. 407-35. Na edição comercial, a obra saiu publicada com o nome de Teoria geral do processo de conhecimento.

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o do processo no Brasil induzir litispendência em relação ao juízo de delibação de sentença estrangeira (art. 483) sobre lide idêntica no Bra-sil e o do processo no exterior impedir novo processo no Brasil.

Georgette Nacarato Nazo concluiu pela impossibilidade de alega-ção de litispendência internacional no juízo de delibação, admitindo, apenas, a de coisa julgada.

Arruda Alvim também afirma que nosso país não empresta rele-vância à litispendência internacional, apesar de admiti-la quando de-corra de tratado regularmente firmado.

Na vigência do Código de Processo Civil anterior, que era omisso a respeito, a conclusão da jurisprudência era essa (RT, 72:476): “A irrelevância da litispendência internacional, conquanto seja regra geral, comporta, entre nós, exceção. Diz ela respeito aos países da Bolívia, Chile, Costa Rica, Equador, Guatemala, Haiti, Honduras, Nicarágua, Panamá, Peru, República Dominicana, El Salvador e Venezuela. Tanto a litispendência nesses países terá relevância entre nós, como a exis-tente entre nós aí deverá ser respeitada. E isto porque tais países, como o Brasil, foram os que ratificaram a Convenção de Havana, onde se promulgou o Código Bustamante”19.

Os argumentos, todavia, dos que não aceitam a exceção ou objeção não são suficientes para convencer-nos teoricamente. Uma vez que uma sentença estrangeira seja homologável e, portanto, exequível no Brasil (arts. 215 e s. do Regimento Interno do STF, adotados pelo STJ, Tribunal agora competente para a homologação de sentença estrangeira, conforme alínea i do inciso I do art. 105 da CF, acrescentada pela EC n. 45, de 8-12-2004), por que não reconhecer a existência do processo em anda-mento que alcançaria o mesmo resultado? Se a jurisdição estrangeira, sob determinadas condições, é reconhecida como conclusiva a respeito de determinada causa, pela mesma razão reconhecida deve ser a existên-cia de lide pendente para os efeitos de alegação da exceção. Se a litis-pendência no direito interno tem por finalidade impedir o desgaste pro-

19. Sobre o direito comparado, v. a completa exposição de Arminjon, Précis, cit., p. 253 e s. Explica Arminjon que a jurisprudência inglesa, a alemã, a austríaca e a su-íça admitem a exceção de litispendência internacional em determinadas condições. A jurisprudência francesa, a belga, a holandesa, a italiana e a egípcia mantêm a posição contrária, sendo que a primeira somente admite a litispendência ou conexão em favor dos tribunais franceses.

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cessual desnecessário e também o escândalo de decisões contraditórias, os mesmos fundamentos valem para o direito internacional.

Não vemos, pois, como recusar doutrinariamente o cabimento da objeção, o mesmo acontecendo com a alegação de coisa julgada (v. Código Bustamante, art. 396). Acolhemos a doutrina de Arminjon e os requisitos que enumera, acrescentando o de que o processo estrangeiro deve, em tese, conduzir a sentença homologável nos termos do Código Bustamante, o qual vale, a nosso ver, mesmo para os países não signa-tários, como fundamento doutrinário.

Problema que poderia ser alegado é o de que, anteriormente, o art. 12 da Lei de Introdução ao Código Civil e hoje 88 do Código de Pro-cesso Civil estabelece, também, competência exclusiva dos Tribunais brasileiros, proibida ou inaceitável a competência decorrente de Tribunal estrangeiro, ou, ainda, que as regras que estabelecem sejam derrogadas pela vontade das partes. Adotada esta orientação, não ocorreria jamais o problema da litispendência, porque, uma vez competente a autoridade judiciária brasileira, excluída ficaria a competência de qualquer autori-dade estrangeira. Esta era a interpretação que se pretendia extrair do art. 15 da anterior Lei de Introdução ao Código Civil.

O art. 12 da lei atual, contudo, em seu § 1º, em redação dicotômi-ca em relação ao caput, estabeleceu que “só à autoridade judiciária brasileira compete reconhecer as ações relativas a imóveis situados no Brasil”. O restritivo “só” por interpretação a contrario sensu induz que a competência prevista no caput não é exclusiva. Idem em relação aos arts. 88 e 89 do Código de Processo Civil, quanto à expressão “com exclusão de qualquer outra”, inexistente no art. 88. Além disso, é prin-cípio de direito processual a prorrogabilidade do foro do domicílio nas ações não envolventes na ordem pública — é o ensinamento de Espí-nola e Espínola20. É também argumento para a tese da prorrogabi lidade da competência o princípio da efetividade, segundo o qual o juiz bra-sileiro deve, em tese e de maneira geral, julgar quando sua sentença tiver possibilidade de ser executada, pois caso contrário de nada adian-taria irrogar-se de competência inútil21. Ademais, os comentaristas dos

20. Eduardo Espínola e Espínola Filho, Tratado de direito civil brasileiro, Rio de Janeiro, 1962, v. 3, p. 1569.

21. Amílcar de Castro, Direito internacional privado, v. 2, p. 253.

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arts. 88 e 89 do Código de Processo Civil reconhecem ser as regras do art. 88 de competência concorrente e as do art. 89 exclusiva22.

Imagine-se, por exemplo, um estrangeiro domiciliado no Brasil que, acionado em seu país de origem, deseje apresentar reconvenção, em princípio só executável naquele Estado. Aceitaria ele a competência de seu país de origem, pois lá usaria dos meios processuais adequados, mas não poderia, no caso de perder a ação, ao homologar-se a senten-ça no Brasil, alegar incompetência internacional do Tribunal em que foi proferida. Da mesma forma, poderia ter interesse de alegar litispen-dência se outra ação idêntica fosse proposta no Brasil.

É claro que a aceitação da competência prorrogável, se não estiver estipulada em acordo prévio, deve defluir, sem sombra de dúvida, do processo, para que não se postergue o direito de o réu domiciliado no Brasil aqui ser acionado.

A Convenção de Haia, de 25 de novembro de 1965, regulou as condições e o âmbito dos acordos de eleição de foro, estabelecendo, em seu art. 7º, a possibilidade da exceção de litispendência no caso de outra ação ser proposta em Estado excluído por vontade das partes, em causas de natureza em que essa vontade pode atuar. A Convenção, apesar de não ratificada, vale como fonte doutrinária.

Todavia, ad argumentandum, mesmo que se adote a posição contrá-ria, isto é, a de que a competência ao art. 12 da Lei de Introdução ao Código Civil e, agora, 88 do Código de Processo Civil, é exclusiva, ain-da assim existiriam casos em que haveria o problema de li tis pen dên cia. Veja-se a hipótese de uma ação movida contra mais de um réu, dos quais um com domicílio no Brasil e outro no exterior. Sendo a ação indivisível, por exemplo, por litisconsórcio necessário, ambos os Estados, o Brasil e o estrangeiro, seriam competentes, de modo que a ação, iniciada no ex-terior, após a citação do réu com domicílio brasileiro, induziria litispen-dência em relação a outra even tual ação idêntica movida no Brasil.

Respondendo, pois, às questões formuladas por Serpa Lopes, te-mos, no plano teórico, que:

a) sim, seria possível a oposição de litispendência entre Tribunais de Estados diversos, existentes as condições previstas por Arminjon e a homologabilidade prevista no Código Bustamante;

22. V. nota 9 deste Capítulo.

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b) sim, a ação promovida perante a Justiça de outro Estado obsta a propositura de igual demanda perante a Justiça brasileira, verificados os requisitos do item anterior, sendo o remédio processual para evitar a duplicidade de ações a alegação (objeção) de litispendência em preli-minar de contestação (exceção de litispendência no Código anterior);

c) não necessariamente, sendo ações idênticas; se uma delas chegou ao fim e transitou em julgado no país de origem e está em vias de ser homologada, esta sim é que obstaria a propositura de ação no Brasil por força da coisa julgada, e não a propositura de ação inválida no Brasil é que iria obstar a homologação de sentença regularmente pro-ferida e transitada em julgado23.

No que se refere à jurisprudência, observamos que, em pesquisa realizada no Supremo Tribunal Federal, não há precedentes jurispru-denciais brasileiros a respeito de litispendência internacional. Esta a solução perante o Código de Processo Civil revogado.

Nova disposição legislativa, contudo, agitou o problema. O novo Código de Processo Civil, desejando colocar uma “pá de cal” no as-sunto e adotando a solução da jurisprudência francesa, dispôs:

“A ação intentada perante tribunal estrangeiro não induz li tis pen-dên cia, nem obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas” (art. 90).

Este dispositivo encerra o Capítulo da Competência Internacional, que revoga tacitamente o art. 12 atual da Lei de Introdução ao Código Civil, porque regulamenta inteiramente a matéria. Mas a proibição de exceção de litispendência, nos termos expressos em que foi posta, ao contrário de resolver definitivamente a divergência, vai certamente mais acirrá-la. Com efeito, apesar da disposição expressa, os artigos ante-riores (arts. 88 e 89, como vimos) mantêm a dicotomia entre a compe-tência simples e uma competência “com exclusão de qualquer outra”, admitindo, portanto, nos casos da primeira (art. 88) uma competência concorrente válida, por exemplo, por estipulação das partes e que po-deria gerar coisa julgada homologável no Brasil.

O preceito, a nosso ver, que teria por finalidade proteger a pessoa domiciliada no Brasil, pode, no dizer de Arminjon, ser faca de dois

23. A sustentação referente a esta última afirmação encontra-se mais adiante (no v. 2), no capítulo em que discorremos sobre a homologação da sentença estrangeira.

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gumes e, até, prejudicá-la como na hipótese, por exemplo, de ação movida no estrangeiro e que, por qualquer motivo, não teria êxito no mérito. O autor, então, viria “tentar a sorte” no Brasil, com idêntica demanda, sem que o réu, já acionado, pudesse alegar litispendência se aquela ainda estivesse em andamento.

Além disso, como ficamos diante do art. 394 do Código Bus ta man-te, que é lei para o Brasil?

A divergência suscitará o problema da concepção monista (Kelsen, Teoria pura do direito; norma fundamental) ou dualista (Triepel, An-zilotti, Cavaglieri) e o debate relativo à prevalência do direito interna-cional ou do direito interno.

O que se pode dizer desde logo (porquanto legem habemus) é que o novo Código de Processo Civil passou a valer para os países não sig-natários da Convenção de Havana, porque, em relação a estes, como expõe Oscar Tenório, “quando o Estado firma tratados e convenções, as-sume obrigações que estabelecem a responsabilidade internacional no caso de não cumprimento ou desrespeito deles. E, ainda, conforme Strupp, as normas de direito internacional não anulam o Direito interno ipso jure, mas dão origem a uma obrigação internacional segundo a qual o Estado deve incorporar o direito internacional ao direito interno, ocasionando responsabilidade internacional à falta de seu cumprimento”24.

Esta última observação decorre da adoção, pelo autor, da posição dualista (Anzilotti), mas o que podemos observar é que se o Estado, por sua vez, livremente obrigou-se perante outras soberanias, somente com manifestação perante essas soberanias é que poderá desobrigar-se (denúncia do Tratado ou Convenção). Enquanto isto não ocorrer, vale a norma internacional, existindo a norma interna como declaração de vontade de denunciar o direito convencional, que vigorará, porém, até que tal fato ocorra. Esta, aliás, a posição do Supremo Tribunal Federal a respeito.

Finalmente convém dizer que, a despeito do texto do art. 90 do Código de Processo Civil, as considerações doutrinárias acima ex pen-

24. Direito internacional privado, São Paulo, Freitas Bastos, 1970, v. 1, p. 75-6. Sobre a prevalência de tratado anterior sobre a lei posterior, v. Vicente Marotta Rangel, Os conflitos entre o direito interno e os tratados internacionais, Boletim da Sociedade Brasileira do Direito Internacional, 45-46:48.

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di das continuam válidas, podendo o novo texto legal gerar situações de injustiça. Por outro lado, a posição adotada não é coerente com nosso sistema de homologação de sentenças estrangeiras, que adotou o siste-ma de respeito ao mérito das sentenças de outros países.

Convém, pois, dar ao art. 90 do Código de Processo Civil inter-pretação estrita, como uma opção territorialista que pode ser, como vimos, inconveniente, mas que deve ser respeitada em seus termos devido à sua força de lei.

José Frederico Marques sustenta que, ainda que se trate de com-petência concorrente, não funciona a regra do ne bis in idem para im-pedir o conhecimento e processo de ação proposta no Brasil, quando outra idêntica esteja em curso no estrangeiro25.

Esta afirmação, aliás, decorre do texto expresso do art. 90. Conti-nua, todavia, o mesmo autor, afirmando que “não ocorrerá o mesmo em havendo coisa julgada”. Nessa hipótese, aplicar-se-á a proibição do ne bis in idem, cabendo, em consequência a arguição da exceptio rei judicatae26. A posição transcrita coincide com a nossa.

Interessante era a solução dada ao problema pelo Anteprojeto do Código de Processo Civil, do eminente mestre Alfredo Buzaid. Em seu art. 526, V e VI, impedia a homologação da sentença estrangeira quan-do contrariasse outra sentença proferida por juiz brasileiro ou quando pendesse, perante juiz brasileiro, ação idêntica proposta antes de passar em julgado a sentença estrangeira.

Note-se, pois, que o anteprojeto permitia a alegação de pendência de processo brasileiro, em favor deste e da sentença brasileira e contra a sentença estrangeira, impedindo a homologação desta última. Tal disposição, como se vê, era coerente com o art. 100, hoje art. 90. Por outro lado, a contrario sensu no inc. VI do referido art. 526, poder-se-ia interpretar que, se a sentença estrangeira houvesse transitado em julgado antes do início do processo brasileiro, junto a este poderia ser oposta a coisa julgada estrangeira, independentemente de homologação, e que esta seria procedente se a ação no Brasil se ini ciasse após o trânsito em julgado da decisão alienígena.

25. Manual de direito processual civil, Saraiva, 1974, v. 1, p. 185.

26. Idem, ibidem.

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Todavia, o texto final do Código vigente omitiu tais disposições, deixando para o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal o conteúdo e procedimento da homologação, sendo que tal Regimento nada dispõe sobre a litispendência ou coisa julgada, reproduzindo a Lei de Introdução ao Código Civil, nesse passo revogada.

Importante destacar que, atualmente, a competência para a homolo-gação de sentença estrangeira e concessão do exequatur às cartas roga-tórias é do Superior Tribunal de Justiça, conforme dispõe a alínea i do inciso I do art. 105 da CF, acrescentada pela EC n. 45, de 8-12-2004.

Conclui-se, portanto:

1) fora dos países signatários da Convenção de Havana, não é possível a alegação de litispendência internacional e nem mesmo de conexão em relação à causa correndo no estrangeiro, por força do art. 90 do Código de Processo Civil;

2) para os países signatários da Convenção, enquanto esta não for denunciada, permanece a possibilidade de alegação de litispendência, desde que não se trate de competência exclusiva brasileira e ambos os países sejam internacionalmente competentes;

3) no juízo de homologação de sentença estrangeira, é possível a alegação do art. 90 como impeditivo da homologação se o processo no Brasil teve início antes do trânsito em julgado da sentença estrangeira, porque esta não foi legitimamente editada por força do mesmo art. 90;

4) no juízo de homologação de sentença estrangeira, só é possível a alegação de coisa julgada no Brasil, impeditiva da homologação, se o processo no Brasil principiou antes do trânsito em julgado da senten-ça estrangeira;

5) nas hipóteses 3 e 4, se o processo no Brasil iniciou depois do trânsito em julgado da sentença estrangeira, esta pode ser homolo-gada27.

27. As conclusões 3, 4 e 5, conforme dissemos à nota 23 supra, dependem de fundamentação desenvolvida no capítulo que trata da natureza e efeitos da sentença estrangeira e sua homologação, oportunidade em que se voltará ao assunto. Como, porém, o tema específico do capítulo é a litispendência internacional, entendemos cabível adiantar

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30. Competência interna

30.1. Introdução

Depois de se saber que o juiz brasileiro é competente para a deci-são da causa, em virtude de algum dos elementos constantes dos arts. 88 e 89, é preciso estabelecer, entre todos os juízes brasileiros, quem deve decidir a causa. Para se chegar ao juiz competente, como se disse, adota-se um sistema de eliminação gradual de hipóteses, por meio de um processo lógico gradativo, até que seja apontado o juiz para a sua decisão. Muitas vezes, desde logo sabe-se qual é o juiz competente em razão de a lide trazer elementos muito claros e bem definidos. Todavia, mesmo nessas hipóteses, o referido processo lógico gradual se faz, mentalmente, pelo juiz e pelos advogados.

Chiovenda dividiu a competência de forma tripartida, como com-petência territorial ou de foro, competência material ou de juízo, e competência funcional. Essa divisão dos critérios determinadores da competência recebeu séria crítica de Carnelutti, o qual argumentou que a divisão pecava pela lógica, pois entre a competência territorial e a material não existe a mesma relação lógica que existe entre ambas e a funcional. Assim, preferia o segundo Mestre uma divisão bipartida conforme acima se expôs: de um lado, a competência se determina por critérios objetivos da lide, que se chama competência objetiva, e de outro, se determina por critérios ligados às atividades do juiz no pro-cesso, que se denomina competência funcional.

O Código de Processo Civil seguiu a orientação de Chiovenda estabelecendo que a competência é funcional, material ou territorial. Isto, porém, não é suficiente para esclarecer o problema, uma vez que encontramos normas de competência, inclusive fora do Código de Processo Civil, em nível de Constituição Federal, o que exige a análi-se de diversos diplomas legais para se chegar à conclusão de qual o juiz adequado, por força de lei, à decisão da lide.

tais afirmações, que representam uma conciliação dos princípios lógicos que informam o assunto e o texto expresso do art. 90, que, a nosso ver, deve ser interpretado estritamente. Ademais, os temas competência internacional, litispendência internacional e homologação de sentença estrangeira acham-se de tal forma relacionados, formando um sistema único, que é difícil, senão impossível, tratar de um sem firmar posição quanto aos outros.

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30.2. Competência funcional por graus de jurisdição

É necessário, em primeiro lugar, que se examine se não existe previsão constitucional que subtraia a causa dos juízes de primeiro grau e das justiças especiais atribuindo a competência diretamente a algum Tribunal. Essa competência atribuída diretamente ao Tribunal chama-se competência originária e, consequentemente, exclui a ordem normal dos processos, que é o ingresso em primeiro grau para subir, posterior-mente, em grau de recurso aos Tribunais superiores.

Dispõe a Constituição Federal:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I — processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; (Redação dada pela EC n. 3, de 17-3-1993.)

b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;

c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente; (Redação dada pela EC n. 23, de 2-9-1999.)

d) o habeas corpus, sendo paciente qualquer das pessoas refe ridas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e o habeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal;

e) o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território;

f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entida-des da administração indireta;

g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro;

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h) (Revogada pela EC n. 45, de 8-12-2004.)i) o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou

quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância; (Redação dada pela EC n. 22, de 18-3-1999.)

j) a revisão criminal e a ação rescisória de seus julgados;l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia

da autoridade de suas decisões;m) a execução de sentença nas causas de sua competência origi-

nária, facultada a delegação de atribuições para a prática de atos pro-cessuais;

n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados;

o) os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justi-ça e quaisquer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal;

p) o pedido de medida cautelar das ações diretas de in cons ti tu cio-na li da de;

q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma re gu la-men ta do ra for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal;

r) as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Con-selho Nacional do Ministério Público”. (Acrescentada pela EC n. 45, de 8-12-2004.)

“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:I — processar e julgar, originariamente:a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito

Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;

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b) os mandados de segurança e os habeas data contra ato de Mi-nistro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Ae-ronáutica ou do próprio Tribunal; (Redação dada pela EC n. 23, de 2-9-1999.)

c) os habeas corpus, quando o coator ou paciente for qualquer das pessoas mencionadas na alínea a, ou quando o coator for tribunal su-jeito à sua jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral; (Redação dada pela EC n. 23, de 2-9-1999.)

d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalva-do o disposto no art. 102, I, o, bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos;

e) as revisões criminais e as ações rescisórias de seus julgados;f) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia

da autoridade de suas decisões;g) os conflitos de atribuições entre autoridades administrativas e

judiciárias da União, ou entre autoridades judiciárias de um Estado e administrativas de outro ou do Distrito Federal, ou entre as deste e da União;

h) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma re gu la-men tadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justi-ça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal;

i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias”. (Acrescentada pela EC n. 45, de 8-12-2004.)

“Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:I — processar e julgar, originariamente:a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da

Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de res-ponsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressal-vada a competência da Justiça Eleitoral;

b) as revisões criminais e as ações rescisórias de julgados seus ou dos juízes federais da região;

c) os mandados de segurança e os habeas data contra ato do pró-prio Tribunal ou de juiz federal;

d) os habeas corpus, quando a autoridade coatora for juiz federal;e) os conflitos de competência entre juízes federais vinculados ao

Tribunal”.

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Finalmente, é preciso consultar as Constituições Estaduais para a verificação de possível competência originária de Tribunais Estaduais para determinadas causas, o que ocorre, por exemplo, com os mandados de segurança contra o governador e secretários de Estado. Além disso, o próprio Código de Processo prevê como processo de competência originária a ação rescisória de sentença, como uma decorrência dos dispositivos constitucionais acima transcritos.

30.3. Competência das justiças especiais

A segunda indagação que se faz a respeito de competência é a de se saber se o processo pertence à jurisdição das chamadas justiças espe-ciais, ou à jurisdição da chamada justiça comum ou ordinária. A solução dessa pergunta está na Constituição Federal e tem-se chamado a essa competência, apesar de tal denominação não ser totalmente perfeita, de competência de jurisdição ou competência por jurisdição. O sistema estabelecido é o de que a competência das justiças espe ciais prevalece sobre a competência geral da justiça comum, de modo que, se a hipóte-se está incluída num dispositivo constitucional de justiça especial, tal dispositivo se aplica, excluindo-se a justiça comum28. As justiças espe-ciais são: a Justiça Militar, a Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho.

A Justiça Militar só tem competência penal, cabendo-lhe o julga-mento dos crimes militares definidos em lei (Dec.-lei n. 1.001/69).

À Justiça Eleitoral cabe o julgamento de questões relativas ao processo eleitoral, do alistamento de eleitores até à diplomação, que é o último ato eleitoral. As questões posteriores, como, por exemplo, relativas à posse ou mandato, são da competência da justiça comum.

A competência da Justiça do Trabalho29 está assim definida na Constituição Federal, conforme alteração imposta pela EC n. 45, de 8 de dezembro de 2004:

28. É sempre o princípio de hermenêutica: lex specialis derrogat generalem.29. Súmula Vinculante 22 — “A Justiça do Trabalho é competente para processar

e julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de aci-dente de trabalho propostas por empregado contra empregador, inclusive aquelas que ainda não possuíam sentença de mérito em primeiro grau quando da promulgação da Emenda Constitucional n. 45/04.”

Súmula Vinculante 23 — “A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ação possessória ajuizada em decorrência do exercício do direito de greve pelos trabalhadores da iniciativa privada.”

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“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I — as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II — as ações que envolvam exercício do direito de greve;

III — as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;

IV — os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;

V — os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;

VI — as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

VII — as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;

VIII — a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das senten-ças que proferir;

IX — outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.

§ 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger ár-bitros.

§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.

§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito”.

30.4. Competência da Justiça Federal

Se a lide que se examina não se inclui nas situações acima previstas, será, então, de competência da justiça comum. Todavia, a justiça comum

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ainda está dividida em justiça comum federal e justiça comum estadual, sendo que a primeira precede a segunda para a fixação da competência.

Cabe à Justiça Federal, nos termos do art. 109 da Constituição:

“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I — as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assis-tentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

II — as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacio-nal e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País;

III — as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional;

IV — os crimes políticos e as infrações penais praticadas em de-trimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressal-vada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

V — os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

V-A — as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo; (Acrescentado pela EC n. 45, de 8-12-2004.)

VI — os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;

VII — os habeas corpus, em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição;

VIII — os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais;

IX — os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, res-salvada a competência da Justiça Militar;

X — os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangei-ro, a execução de carta rogatória, após o exequatur, e de sentença es-trangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização;

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XI — a disputa sobre direitos indígenas.

§ 1º As causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte.

§ 2º As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situa-da a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.

§ 3º Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comar-ca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.

§ 4º Na hipótese do parágrafo anterior, o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal, na área de jurisdição do juiz de primeiro grau.

§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cum-primento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de di-reitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal”. (§ 5º acrescentado pela EC n. 45, de 8-12-2004.)

Somente após a constatação de que o caso não está também rela-cionado como sendo da competência da justiça federal cai-se na com-petência comum geral da chamada justiça comum.

30.5. Competência de foro ou territorial

30.5.1. Do foro comum

Se a lide que nos interessa e que estivermos examinando não se incluir em nenhuma das hipóteses excepcionais referidas nos números anteriores, isto quer dizer que se trata de lide a ser decidida pela jus-tiça comum, e, primeiramente, pelos juízes de direito que formam o chamado primeiro grau de jurisdição. Todavia, os juízes de direito estão territorialmente distribuídos pelo Brasil inteiro em circunscrições territoriais chamadas comarcas.

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As regras sobre competência territorial ou de foro têm por fim determinar qual a comarca em que deve ser proposta a demanda, ou seja, qual o seu foro.

O foro comum, conforme disciplina o art. 94 do Código de Proces-so Civil, é o do domicílio do réu. Este é o primeiro critério para deter-minação da competência, o qual atua, porém, em caráter geral ou comum porque há foros especiais, como, por exemplo, o da situação da coisa (art. 95), o foro da residência da mulher, nas ações de separação judicial (art. 100), e outros, que prevalecem sobre aquele. Aqui também a regra é a mesma, a de aplicar-se o foro comum do domicílio do réu se a cau-sa não tiver algum outro elemento indicativo de foro especial.

Dispõe o art. 94 do Código de Processo Civil:

“Art. 94. A ação fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre bens móveis serão propostas, em regra, no foro do domicílio do réu.

§ 1º Tendo mais de um domicílio, o réu será demandado no foro de qualquer deles.

§ 2º Sendo incerto ou desconhecido o domicílio do réu, ele será demandado onde for encontrado ou no foro do domicílio do autor.

§ 3º Quando o réu não tiver domicílio nem residência no Brasil, a ação será proposta no foro do domicílio do autor. Se este também re-sidir fora do Brasil, a ação será proposta em qualquer foro.

§ 4º Havendo dois ou mais réus, com diferentes domicílios, serão demandados no foro de qualquer deles, à escolha do autor”.

A instituição do domicílio do réu como foro comum tem por fun-damento o motivo de que se pressupõe que nesse lugar o réu poderá mais facilmente defender-se, cabendo o ônus de deslocar-se, se for o caso, em princípio, ao autor. Como se verifica da leitura do artigo, o foro comum aplica-se para as ações que tenham por fundamento direi-to pessoal, bem como nas ações fundadas em direito real sobre bens móveis. Já as ações fundadas em direito real sobre bens imóveis têm foro especial, regulado no art. 95, chamado foro da situação da coisa.

O Código ao utilizar o termo domicílio fê-lo em sentido técnico; domicílio é a residência habitual com ânimo de permanência. O domi-cílio pode ser voluntário, que é aquele escolhido pela pessoa, e pode ser legal, isto é, expressamente indicado por disposição normativa de lei.

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O domicílio civil está regulado nos arts. 70 e seguintes do CC de 2002. Neste diploma, figurando como hipóteses de domicílio necessá-rio, temos: o dos incapazes, que têm por domicílio o do seu represen-tante ou assistente; o dos servidores públicos, que são domiciliados onde exercem permanentemente suas funções; o do militar, que está domiciliado no lugar onde servir, e, sendo da Marinha ou Aeronáutica, será a sede do comando a que se encontrar imediatamente subordinado; o do preso, no lugar onde cumpre a sentença; o dos marítimos, no lugar onde estiver matriculado o navio (parágrafo único do art. 76 do CC).

O domicílio voluntário é composto de dois elementos: um objetivo, que é a residência; e um subjetivo, que é o ânimo definitivo.

Para fins processuais, no caso de ter o réu mais de um domicílio, será ele demandado no foro de qualquer deles, e sendo incerto ou des-conhecido, a ação será proposta no foro do domicílio do autor. A este foro, domicílio do autor, costuma-se chamar de foro subsidiário ao foro comum, porque se aplica na falta ou incerteza, ou mesmo desconheci-mento do domicílio do réu, e também se este não tiver domicílio nem residência no Brasil.

No caso de dois ou mais serem os réus e terem eles domicílios diferentes, serão demandados no foro de qualquer um deles, à escolha do autor, suportando os demais o ônus do deslocamento para a produ-ção de sua defesa. Poder-se-ia alegar que os de fora ficariam prejudi-cados, mas o Código resolveu de maneira objetiva uma situação inevi-tável, qual seja, a de que uma ação deva ser proposta contra mais de um réu e tenham eles domicílios diferentes. Não se aplica a regra do art. 94, § 4º, se se tratar de duas ações que, por conexão, o autor este-ja propondo conjuntamente, utilizando-se da faculdade do litisconsórcio (art. 46, III). Neste caso, o réu de fora poderá alegar a violação do benefício do foro comum, pelo meio processual próprio, que é a ação declinatória do foro (art. 304), porque tal benefício prevalece sobre a facultatividade da demanda em litisconsórcio. Mesmo sendo ré pessoa jurídica, prevalece a faculdade de escolha atribuída ao autor.

Com referência ao § 3º do art. 94, ou seja, quando o réu não tiver domicílio nem residência no Brasil, e também quando o autor se en-contrar na mesma situação, é de se lembrar o que já foi dito em maté-ria de competência internacional, isto é, a regra do art. 94, § 3º, aplica-se no caso de existir algum elemento determinante da competência do

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Poder Judiciário brasileiro, conforme dispõem os incisos dos arts. 88 e 89, que é pressuposto de toda a competência interna. Só depois de se saber que a autoridade judiciária brasileira é competente, em virtude de um dos elementos dos arts. 88 e 89, é que se há de aplicar o dispos-to no § 3º do art. 94.

Os arts. 96 a 98 especificam o foro para determinados tipos de ações que apresentam algumas peculiaridades. Assim, estabelece o art. 96 que o foro do domicílio do autor da herança no Brasil é o compe-tente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de dispo sições de última vontade e todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro.

O autor da herança, na terminologia técnica do Código, é o fale-cido, e, como se vê, o dispositivo não é mais que um desdobramento do foro comum ou domicílio do réu. O artigo dispõe, em última análi-se, que o inventário, a partilha e as ações em que o espólio for réu terão como foro competente o do último domicílio do de cujus.

Se, todavia, o autor da herança não possuir domicílio certo, as ações acima aludidas deverão ser propostas no local da situação dos bens, e ainda, se o autor da herança não tinha domicílio certo e possuía bens em lugares diferentes, no lugar em que ocorreu o óbito.

Paralelamente, o art. 97 preceitua que as ações em que o ausente for réu correm no foro de seu último domicílio, que é também o com-petente para a arrecadação, o inventário, a partilha e o cumprimento de disposições testamentárias. A ausência, nesse passo, é equiparada, para fins processuais, à morte.

Nas ações em que o réu for incapaz o foro competente é o do domicílio de seu representante legal. Essa é uma das hipóteses de do-micílio legal, porquanto, nos termos da lei civil, o incapaz tem o do-micílio de seu representante, aí devendo ser propostas as ações cabíveis contra ele.

30.5.2. Do foro nas causas em que a União for parte

Se nas etapas de determinação da competência fixou-se a compe-tência da Justiça Federal, o art. 99 disciplina a competência de foro.

O art. 99 reproduz o tratamento constitucional das causas que devem ser julgadas pela Justiça Federal. O foro da capital do Estado

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ou do Território do domicílio da parte contrária é o competente para as causas em que a União for autora, ré ou interveniente, e para as causas em que o Território for autor, réu ou interveniente, respectivamente. Excetuam-se dessa disposição o processo de insolvência, previsto no Livro da Execução, como “Execução por Quantia Certa contra Devedor Insolvente” e os demais casos previstos em lei. Há, também, na atua-lidade, varas da Justiça Federal fora da capital, em São Paulo.

Os casos de insolvência devem ser processados e julgados no do-micílio do réu insolvente em juízo universal, que tem força atrativa das demais ações contra ele30.

Entre os casos em que a União se desloca para o domicílio do réu, encontra-se o das ações de execução fiscal, isto é, nas ações em que a União promove a execução de sua dívida ativa (CPC, art. 578).

O foro da capital do Estado ou do Território prevalece ainda que a ação tenha sido iniciada perante outro juiz e, posteriormente, ocorrer a intervenção da União ou do Território. Correndo o processo perante outro juiz, os autos serão remetidos ao juiz competente da capital do Estado ou Território, tanto que neles intervenha uma das entidades mencionadas no art. 99, parágrafo único.

Em se tratando de ação relativa a benefício previdenciário, contra a instituição de previdência social, será processada e julgada perante a Justiça Estadual da comarca do domicílio do segurado se esta não for sede de vara federal. O recurso, porém, será para o Tribunal Regional Federal da área. Essa regra não se aplica às ações de acidente do tra-balho, que são, conforme o inciso VI do art. 114 da CF, com nova re-dação determinada pela EC n. 45, de 8 de dezembro de 2004, da competência da Justiça do Trabalho, em primeiro e segundo grau, por força do inciso I do art. 109 da Constituição.

30.5.3. Dos foros especiais

O art. 100 apresenta uma série de disposições especiais que ex-cepcionam o foro comum, tendo em vista a necessidade de proteção de determinados interesses.

30. A Constituição Federal prevê norma semelhante para a falência, tendo o Có-digo ampliado por analogia, para a insolvência. As ações de acidente do trabalho tam-bém estão ressalvadas, sendo sempre da Justiça Estadual.

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Assim, é competente o foro da residência da mulher para a ação de separação dos cônjuges e a conversão desta em divórcio e para a anulação de casamento (art. 100, I). A finalidade do dispositivo é a proteção da mulher, que se pressupõe economicamente mais fraca, nas ações aí referidas, facilitando-lhe, então, a ação judicial, seja como autora, seja como ré.

A mesma razão informa o inc. II, que estabelece como competen-te o foro do domicílio ou da residência do alimentando para a ação em que se pedem alimentos. Aqui, também se pressupõe que o alimentan-do é a parte mais fraca economicamente, merecendo a facilidade de propor a ação em seu domicílio ou residência.

O Código prevê a alternativa domicílio/residência porque pode ocor-rer que o alimentando tenha por domicílio legal o domicílio do alimen-tante. Daí, então, a necessidade de se possibilitar que o autor, alimentan-do, se libere do domicílio legal e proponha a ação no local onde resida, que pode não coincidir com o domicílio em seu sentido jurídico.

O art. 100, III, esclarece que a ação de anulação de títulos extra-viados ou destruídos deve ser proposta no domicílio do devedor dos referidos títulos, a fim de que possa ele acompanhar melhor a even tual ação de anulação.

O inc. IV do mesmo artigo estabelece regras gerais para os casos em que for ré a pessoa jurídica. Em primeiro lugar, em princípio a ação de-verá ser proposta em sua sede. Todavia, se as obrigações forem contraídas por agência ou sucursal, nesse local onde se encontra a agência ou sucur-sal é que deverão ser propostas as ações relacionadas àquelas obrigações. A regra, como antes se disse, não prevalece se houver mais de um réu, com domicílios diferentes, aplicando-se, então, o § 4º do art. 94.

Tal dispositivo combina-se com o art. 12, § 3º, que presume auto-rizado o gerente da filial ou agência a receber citação inicial para o processo de conhecimento, de execução, cautelar e especial, caso se trate de pessoa jurídica estrangeira.

De maneira análoga, as sociedades de fato que não tenham perso-nalidade jurídica deverão ser demandadas no local onde exercem a sua atividade principal, podendo ser citadas na pessoa a quem cabe a ad-ministração de seus bens, lembrando-se, também, que essas sociedades sem personalidade jurídica, quando demandadas, não poderão opor a irregularidade de sua constituição como motivo de falha processual.

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A alínea d do mesmo inciso dá como competente o local do cum-primento da obrigação para as ações que têm por fim a sua exi gi bi li da-de. Pressupõe-se, aqui, que o local do cumprimento da obrigação é o mais adequado para a ação em que se lhe exige a efetivação.

Finalmente, o inc. V do mesmo art. 100 estabelece como compe-tente o foro do lugar do ato ou fato para a ação de reparação do dano do ato ou fato e para a ação em que for réu o administrador ou gestor de negócios alheios.

Significativa inovação do Código encontra-se no parágrafo único do art. 100: nas ações de reparação de dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos será competente o foro do autor ou do local do fato. A lei desejou facilitar a posição da vítima, possibilitando-lhe a propositura da ação em seu próprio domicílio, ou, por escolha, o do local do fato.

Essa competência, bem como aquelas instituídas em favor da mu-lher ou do alimentando, constituem casos de competência relativa, ou seja, as ações previstas nos dispositivos legais poderão também ser propostas, a critério do autor, no domicílio do réu, o qual não poderá alegar prejuízo porque ficou beneficiado pela escolha do autor. Este, por conseguinte, pode abrir mão do privilégio de propor a ação em seu próprio domicílio para propô-la no domicílio do réu, que, com isso, ficará beneficiado31.

O art. 101 da versão original do Código previa a competência para a homologação do laudo arbitral. Esse dispositivo, porém, foi expres-samente revogado pela Lei de Arbitragem, Lei n. 9.307/96, porque a sentença arbitral não mais depende de homologação judicial para ter eficácia, não mais vigorando os dispositivos do Código de Processo Civil a respeito (v. v. 3, Capítulo sobre os procedimentos especiais de leis extravagantes).

30.5.4. Do foro da situação da coisa

Nas ações fundadas em direito real sobre imóveis, que o Código também refere, no art. 10, § 1º, I, como ações que versem sobre direi-tos reais imobiliários, é competente o foro da situação da coisa, que

31. V. RT. 492:107: Revista de Processo. 41.379, ementa 32.

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prevalece sobre o foro geral do domicílio do réu e os outros das ações fundadas em direito pessoal.

Em princípio, essa competência é absoluta, prevalecendo sobre o foro comum e não admitindo estipulação das partes a respeito. É o que Liebman chama de competência territorial funcional, porque é ela instituída em razão das funções que o juiz exerce no processo, o qual estará mais bem habilitado a decidir as questões imobiliárias no local onde se encontra o imóvel. Trata-se de uma garantia dos próprios di-reitos reais, concentrando-se todas as ações relativas a eles no lugar onde o imóvel esteja situado, facilitando a terceiros que precisam de informações a respeito.

A disposição atualmente em vigor é menos ampla que a prevista no Código de 1939, segundo o qual era competente o foro da situação do imóvel para todas as ações a ele relativas, incluindo-se, portanto, as ações pessoais ou fundadas em direito pessoal desde que relativas a imóveis.

O texto atual limitou a competência do foro da situação da coisa para as ações fundadas em direito real sobre imóveis, o que abrange apenas os direitos catalogados como tais no direito civil, e ainda assim o autor pode optar pelo foro do domicílio ou o estabelecido em con-trato, chamado foro de eleição, se o litígio não recair sobre o direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova. Isto significa que, em relação a esses direitos, o foro da situação da coisa é absoluto, sendo que, em relação aos demais direitos reais, o autor pode optar pelo foro do domicílio do réu ou pelo foro de eleição se houver estipulação em contrato.

30.6. Competência de juízo: material, valor e distribuição

As regras que regem a competência em razão do valor e da maté-ria são as normas de organização judiciária próprias de cada Estado da Federação.

Uma comarca pode ter apenas um juízo, também chamado, na linguagem de organização judiciária, uma vara, que exerce toda a ati-vidade jurisdicional nesse foro. Todavia, em comarcas de maior movi-mento, especialmente nas capitais, as leis estaduais podem criar mais de um juízo ou vara, distribuindo, então, a competência ou em razão da matéria ou em razão do valor.

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É possível também que as varas tenham competência igual, atri-buindo-se os feitos ora a uma, ora a outra, pela distribuição alternada das causas.

A competência de juízo que tenha por fundamento a matéria é absoluta, em virtude da especialização de cada vara ou juízo. Assim, por exemplo, dentro da justiça civil é possível que a lei local estabele-ça varas especializadas de família, de sucessões, de registros públicos, de acidentes do trabalho, da Fazenda Estadual ou Municipal etc.

Em São Paulo, no Município da Capital e em outros, além das varas especializadas e varas cíveis comuns centrais, a lei de organização judiciária estabeleceu o sistema das varas distritais e Fóruns Regionais combinando critérios de valor, matéria e território. Não se trata de uma divisão de foro, porquanto todas estão na comarca da Capital, mas uma divisão de juízos, por critérios combinados, o que leva à conclusão de que a competência das varas distritais é absoluta e não territorial, ain-da que o critério prevalente seja o da territorialidade32.

O sistema de varas distritais foi aprovado como fator importante na descentralização e rapidez da justiça, de modo que hoje já se encon-tram quase verdadeiros foros distritais, com mais de uma vara em cada circunscrição.

Na circunscrição com mais de uma vara distrital, da mesma forma que ocorre em todas as comarcas com mais de uma vara sem compe-tência material definida, a competência se determina pela distribuição dos feitos escalonadamente pela ordem de entrada.

As leis de organização judiciária podem também estabelecer cate-gorias de juízes que não tenham as garantias plenas da magistratura para as causas de menor valor ou para determinadas matérias conside-radas menos relevantes. Esses juízes, chamados em alguns Estados juízes de investidura temporária ou juízes preparadores ou instrutores, não podem, por força do art. 92, processar e julgar o processo de in-solvência e as ações concernentes ao Estado e à capacidade da pessoa, e outras hipóteses previstas em lei especial como a desapro priação.

A competência desses juízes, que não têm investidura plena deve ser realmente limitada para não se burlar o princípio constitucional da autonomia e independência do Poder Judiciário.

32. Há decisões concluindo que a competência dos Fóruns Regionais é relativa.

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Além da distribuição das causas, pela matéria ou pelo valor, entre juízes diferentes de primeiro grau, também as leis estaduais de organi-zação judiciária fazem a distribuição das causas por diferentes tribunais. Nos Estados, além do Tribunal de Justiça, existiam os Tribunais de Alçada, com competência específica estabelecida na Lei Orgânica da Magistratura Nacional, extintos recentemente pela EC n. 45, de 8 de dezembro de 2004 (art. 4º).

A Constituição Federal preconiza (art. 98) a criação de:

“I — juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

II — justiça de paz, remunerada, composta de cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e compe-tência para, na forma da lei, celebrar casamentos, verificar, de ofício ou em face de impugnação apresentada, o processo de habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na legislação.

§ 1º Lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal”. (Anterior parágrafo único transformado em § 1º pela EC n. 45, de 8-12-2004.)

A criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais deu-se pela Lei n. 10.259/2001.

31. Das modificações da competência — competência absoluta e relativa

Diz-se que a competência é absoluta quando não pode ser modi-ficada pelas partes ou por fatos processuais como a conexão ou a continência. A competência absoluta pode ser reconhecida pelo juízo, de ofício, independentemente da arguição da parte, gerando, em senti-do contrário, se violada, a nulidade do processo.

A competência relativa refere-se aos casos em que é possível a sua prorrogação ou derrogação por meio de cláusula contratual firmada pelas partes, de inércia da parte, no caso do réu que deixa de opor a

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exceção, chamada declinatória de foro, ou por fatos processuais como a conexão ou a continência.

É absoluta a competência em razão da matéria, ou seja, em razão da natureza da lide submetida ao Judiciário, e a competência funcional; é relativa e, portanto, prorrogável ou derrogável, a competência de foro nos casos em que essa competência não seja territorial funcio nal, como no caso do art. 95, nas ações fundadas em direito real sobre imóveis.

Preceitua o art. 102 que a competência em razão do valor e do território poderá modificar-se pela conexão ou continência. É de se observar que a competência em razão do valor pode prorrogar-se para um juízo que seja competente para causas de maior valor que outro juízo, não se admitindo o inverso, isto é, um juízo competente para causas de menor valor pode ser derrogado em favor de um juízo com-petente para as causas de maior valor, não podendo ocorrer o inverso.

Os arts. 103 e 104 do Código definem os institutos da conexão e da continência. O tema é por demais difícil no direito processual, não encontrando solução pacífica na doutrina, de modo que preferiu o Có-digo definir os dois institutos a fim de que tais definições servissem de base à sistemática legal do uso das duas figuras. Todavia, apesar das duas definições legais, nem sempre o termo conexão aparece no Códi-go no sentido do art. 103. Assim, por exemplo, no capítulo referente ao litisconsórcio, o Código admite o litisconsórcio facultativo quando entre as causas haja conexão pelo objeto ou pela causa de pedir. Tem-se entendido que essa conexão do art. 46, III, é mais ampla que a co-nexão prevista no art. 103, pois exige, para que duas causas sejam consideradas conexas, que lhes sejam comuns o objeto ou a causa de pedir. Assim também no artigo referente à reconvenção (art. 315), aparece o termo “conexo” sem o rigor da definição do art. 103.

Nos termos do art. 315, o réu pode reconvir ao autor no mesmo processo, ou seja, propor outra ação contra o autor, no sentido inverso da ação principal, toda vez que a reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa. Não se aplica aqui o sentido exposto no art. 103, pois não há necessidade de identidade de objeto ou de causa de pedir para que se admita a reconvenção, bastando uma simples conexão, não em sentido técnico, com o fundamento da defesa. Para fins de prorrogação de competência, todavia, a definição do art. 103 deve ser respeitada.

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Cabe a dúvida, porém, se para o reconhecimento de duas ações co-nexas existe a necessidade de que a causa de pedir próxima seja idêntica à da outra ação e também à causa de pedir remota (v. Cap. 2, n. 15).

Uma interpretação mais liberal leva à conclusão de que basta a identidade da causa de pedir remota, isto é, dos fatos, para justificar a conexão que possibilita a reunião de duas causas. A identidade abso-luta da causa de pedir, englobando a causa de pedir próxima e a remo-ta, levaria quase sempre a uma inaplicabilidade do dispositivo.

Outro requisito para que atue a conexão como mecanismo de prorrogação e derrogação de competência é que as causas estejam ambas em andamento, pois não há verdadeiramente conexão entre duas causas estando uma delas extinta.

Costuma-se falar que entre a ação e a execução, porque esta deve ser proposta no juízo daquela, existe uma conexão sucessiva quando na forma de processo (v. classificação das ações — item 16). Todavia, nesse caso, o termo conexão não é usado no sentido técnico do art. 103; neste sentido tem por consequência ou dá fundamento à competência funcional e não à prorrogação ou derrogação de competência em razão do valor e do território como o previsto no art. 102. De qualquer ma-neira, a conexão sucessiva depende sempre de lei expressa.

Havendo conexão ou continência, o juiz pode, de ofício ou a re-querimento das partes, ordenar a reunião de ações propostas em sepa-rado, a fim de que sejam decididas simultaneamente. Verifica-se pela própria redação do dispositivo, que a conexão ou a continência não determinam obrigatoriamente a reunião dos processos, deixando o Código a faculdade para o juiz. A situação, porém, é diferente se correm em separado ações conexas, perante juízes que têm a mesma compe-tência territorial, considerando-se prevento aquele que despachou em primeiro lugar.

As hipóteses dos arts. 105 e 106 são diferentes. Aplica-se o art. 105, que deixa a faculdade ao juiz, quando as ações, ainda que conexas, forem propostas em foros diferentes, isto é, comarcas diversas. Aplica-se, por outro lado, o art. 106, quando se tratar de ações propostas num mesmo foro, apenas perante juízes diferentes, o que pode acontecer em ações propostas em separado na mesma comarca e que recebem distri-buições para varas diferentes.

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O tratamento desigual justifica-se porque não deseja o Código a denegação da justiça. A conexão tem por finalidade evitar, em tese, sentenças contraditórias quando as causas apresentam como elemento comum o objeto ou a causa de pedir, mas não leva a lei a solução do problema ao extremo de exigir que o juiz mande buscar processos que corram em foros diferentes. Assim, por exemplo, num acidente auto-mobilístico em que estão envolvidas várias vítimas, cada uma pode escolher, como já se viu no item anterior, o foro do domicílio próprio ou o foro do local do fato, ou ainda, o foro do domicílio do réu. Ora, seria uma forma de denegação de justiça que um determinado juiz avocasse as demais causas (em número, quiçá, elevado) para uma de-cisão conjunta, provocando retardamento excessivo. No entanto, se as ações já correm no mesmo foro não há prejuízo em que sejam reunidas, considerando-se prevento, isto é, com a competência fixada, aquele que despachou em primeiro lugar.

O art. 106, neste último aspecto, parece contraditório com o dis-posto no art. 219, caput, no qual consta que a citação válida torna prevento o juízo. O art. 106 considera prevento aquele que despacha em primeiro lugar, em momento, portanto, anterior à citação. Os dois dis-positivos podem ser conciliados se for entendido que o art. 106 dispõe sobre competência do juízo numa mesma comarca, e o art. 219 sobre competência de foro quando for o caso. É o que ocorre na hipótese do art. 107, isto é, se o imóvel se achar situado em mais de um Estado ou comarca, determinar-se-á o foro pela prevenção, estendendo-se a com-petência de um foro sobre a totalidade do imóvel. Aqui, a prevenção é determinada nos termos do art. 219, isto é, pela citação válida.

No caso referido é competente o foro onde ocorreu a primeira citação. Ressalte-se, ainda, que, mesmo nas hipóteses em que a conexão ou continência determinem a reunião de processos, não é obrigatória a decisão única, porque a lei não prevê tal consequência; quando a lei deseja a decisão única o diz expressamente, como, por exemplo, no art. 61, em relação à oposição; no art. 318, em relação à reconvenção; e no art. 76, no que concerne à denunciação da lide.

Os arts. 108 e 109 tratam de competência funcional, prevendo a competência para a ação acessória, que é atribuição do juiz da ação principal.

Mesmo quando o processo cautelar seja proposto antes da ação principal, deve-se fazer um prognóstico da competência da ação princi-

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pal para, indiretamente, definir-se a competência da ação acessória. Faz-se como que uma prefixação da competência da ação principal para, no juízo previsto como competente, ser proposta a ação cautelar preven-tiva anterior à ação principal. Se esta ação já se encontra em andamen-to, as funções do juiz nessa causa estendem-se ao processo acessório.

Também é funcionalmente competente o juiz da causa principal para julgar a reconvenção, que é a ação do réu contra o autor no mes-mo processo; a ação declaratória incidental, prevista nos arts. 5º, 325 e 470; as ações de garantia que estão inseridas na denunciação da lide; e outras que dizem respeito ao terceiro interveniente, como, por exem-plo, a oposição. Neste caso também a competência se diz funcional, porque as funções do juiz da causa principal estendem-se às funções para os processos relacionados no artigo.

O art. 110 inserido na mesma seção não trata nem de competência nem de modificação da competência; seu tema refere-se à chamada prejudicialidade penal, nos seguintes termos:

“Art. 110. Se o conhecimento da lide depender necessariamente da verificação da existência de fato delituoso, pode o juiz mandar sobres-tar no andamento do processo até que se pronuncie a justiça criminal.

Parágrafo único. Se a ação penal não for exercida dentro de 30 (trinta) dias, contados da intimação do despacho de sobrestamento, cessará o efeito deste, decidindo o juiz cível a questão prejudicial”.

A disposição do parágrafo único não quer dizer que o juiz cível passa a ter jurisdição penal, mas simplesmente que o juiz cível decidi-rá incidenter tantum a questão necessária à decisão da causa principal como seu pressuposto lógico33. O Código, neste artigo, prevê uma hi-pótese de suspensão do processo que não se encontra relacionada no art. 265, local onde sistematicamente se trata do tema.

O art. 111 trata da derrogação da competência por convenção das partes. A competência absoluta em razão da matéria e a competência fun-cional não podem ser derrogadas ou prorrogadas por vontade das partes.

As partes podem modificar a competência relativa em razão do valor para eleger um juízo competente para as causas de maior valor

33. A decisão incidenter tantum não fará coisa julgada e se torna indispensável para que se cumpra o preceito de que o juiz não pode negar-se a pronunciar sobre o pedido formulado pelo autor.

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ou em razão do território, escolhendo o foro, por meio de cláusula contratual, onde serão propostas as ações oriundas de direitos e obri-gações. O acordo só produzirá efeitos quando constar de contrato es-crito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico. O foro contratual obriga os herdeiros e sucessores das partes.

Uma outra maneira de modificar a competência relativa por von-tade das partes é deixar o réu de, no prazo legal da resposta, opor a chamada exceção declinatória de foro (art. 307), porquanto, dispõe o art. 114 que a competência se prorroga se o réu não opuser exceção declinatória de foro e de juízo no caso e prazos legais. Este artigo deve ser entendido em consonância com o art. 111, que admite a prorrogação ou derrogação apenas no caso de competência em razão do valor e do território, que são formas de competência relativa.

A competência absoluta material ou funcional não se prorroga, não dependendo de exceção para ser reconhecida.

A incompetência absoluta deve ser declarada de ofício pelo juiz, em qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de exceção. Pode, ainda, ser declarada de ofício a nulidade da cláusula de eleição de foro, se o contrato for de adesão, declinando o juiz a competência para o juízo de domicílio do réu (art. 112, parágrafo único, acrescen-tado pela Lei n. 11.280/2006). É nula, por exemplo, a cláusula de eleição de foro quando não se referir a direitos e obrigações disponíveis ou, ainda, quando for abusiva, considerando-se como tal aquela que cause excessiva onerosidade para uma das partes ou se o foro escolhi-do for absolutamente estranho ao contrato e às partes.

Mesmo após o trânsito em julgado da decisão, o vício de incom-petência absoluta possibilita a ação rescisória nos termos do art. 485, II. Não há falar em ação rescisória de sentença no caso de incompe-tência relativa porque o tema já se esgotou por ocasião do momento ritual adequado, que deve ter sido a exceção oposta obrigatoriamente junto com a contestação.

A arguição de incompetência absoluta, tecnicamente, é verdadeira objeção.

No Capítulo VI, Seção I, o art. 253, com a redação da Lei n. 10.358/2001, dispõe que será distribuída por dependência a causa que se relacionar com outra por conexão ou continência ou se tiver havido desistência de ação anterior.

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32. Dos meios de declaração da incompetência

A regra básica do sistema de declaração de incompetência é a de que, em primeiro lugar, o juiz é responsável pelo exame da própria competência, o que os alemães chamam de “competência da própria competência”. Esta regra vale para o exame da competência absoluta porque a competência relativa deve ser arguida pela parte, por meio de exceção, sob pena de considerar-se prorrogada (CPC, arts. 112, 114, 304 e 307), ou, em outras palavras, o juiz que originariamente não era competente, por falta de arguição por meio de exceção, passa a sê-lo. Isto significa que o juiz não pode conhecer de ofício a incompetência relativa que fica sujeita à exceção ritual a ser oposta pelo réu, salvo o caso de nulidade da cláusula de eleição de foro. Apesar de a compe-tência absoluta poder ser declarada de ofício, o réu tem o ônus de fazê-lo na contestação ou na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos, sob pena de responder integralmente pelas custas re-sultantes do retardamento.

No caso de incompetência relativa, sendo ela declarada na exceção, o juiz remeterá o processo ao juiz competente que prosseguirá na demanda.

Se for declarada a incompetência absoluta, de ofício ou por pro-vocação das partes, somente os atos decisórios, de qualquer natureza, serão nulos, remetendo-se também os autos ao juiz competente.

Além desses dois meios de declaração de incompetência, ou seja, a exceção para a incompetência relativa e o exame de ofício pelo juiz para a incompetência absoluta, ou a objeção do réu em preliminar de contestação, o Código prevê o chamado conflito de competência, que é uma verdadeira ação declaratória sobre a competência quando dois ou mais juízes se declaram competentes ou quando dois ou mais juízes se consideram incompetentes, ou ainda, quando entre dois ou mais juízes surge controvérsia acerca da reunião ou separação de processos.

O conflito de competência chama-se positivo quando dois ou mais juízes se declaram competentes para determinado processo, e se chama negativo quando dois ou mais juízes se declaram incompetentes. O conflito pode ser suscitado por qualquer das partes, pelo Ministério Público ou pelo juiz, e, como se trata de uma verdadeira ação de cla ra-tó ria sobre a competência, o juiz, no caso, torna-se autor da referida ação em situação bastante peculiar.

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O Ministério Público, além da possibilidade de suscitar o conflito nos processos em que intervém, considerando-se parte naqueles que suscitar, deverá ser ouvido em todos os conflitos de competência, ain-da que até esse momento não esteja intervindo por nenhuma das razões nos arts. 81 e 82 do Código de Processo Civil. O fundamento da par-ticipação do Ministério Público no conflito de competências é o de que nessa ação existe o interesse público, que transcende o interesse das partes, de fixação correta do juiz competente, quando dois ou mais juízes se declaram competentes ou dois ou mais juízes se declaram in-com pe ten tes para a decisão de determinada causa. Se o Ministério Pú-bli co não tiver razão outra de intervir nos termos dos arts. 81 e 82 do Código, após o conflito, cessa a sua intervenção.

As partes podem também suscitar o conflito, o qual, evidentemen-te, para ter seguimento deve ser acolhido pelo juiz, porque se a parte suscita o conflito e o juiz entende de maneira diferente, não haverá a dupla negativa de competência ou a dupla afirmação de competência de dois juízes. O conflito, para que ocorra, é sempre entre dois ou mais juízes, não havendo conflito, portanto, se algum deles concordar com o outro. A parte que intentou o conflito de modo infrutífero, porque o juiz frustrou-lhe o pedido ou porque aceitou a competência do outro, terá, apenas, ou a exceção declinatória de foro, se em tempo, ou o re-curso contra a decisão do juiz que aceitou a competência declarada pelo outro. Por outro lado, não poderá suscitar o conflito a parte que no processo ofereceu exceção de incompetência, porque a exceção já es-gotou a finalidade da parte, a qual, se inconformada com a decisão do juiz, deve recorrer ao Tribunal, sendo o agravo de instrumento o recur-so cabível em tais casos.

Em sentido contrário, se o conflito foi suscitado pelo Ministério Público ou pelo juiz e não pela parte, poderá ela, no prazo legal (art. 305), oferecer exceção declinatória do foro, uma vez que em relação a ela não se esgotou o meio processual de declaração de incompetência. O conflito, nos termos do art. 118, deve ser suscitado ao presidente do Tribunal por meio de ofício, quando pelo juiz, e por petição, quando pela parte ou pelo Ministério Público. O ofício e a petição serão ins-truídos com os documentos necessários à prova do conflito.

Após a distribuição, o relator mandará ouvir os juízes em conflito ou apenas o suscitado, se um juiz foi suscitante já tendo o outro apre-

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sentado suas razões. Dentro do prazo marcado pelo relator, caberá ao juiz, ou juízes, prestar as informações consistentes nas razões pelas quais entendem os juízes que são competentes ou que são incompeten-tes (art. 119). É possível ao relator determinar, quando o conflito for positivo, seja o processo sobrestado, designando um dos juízes para resolver, em caráter provisório, as medidas urgentes. No caso de o conflito ser negativo o processo já se encontra sobrestado, porque ne-nhum juiz quer assumir a competência para despachá-lo. Nesta hipó-tese, o relator também poderá designar um dos dois para resolver, em caráter provisório, as medidas que demandam urgência (art. 120).

Após o prazo das informações será ouvido, em cinco dias, o Mi-nistério Público, seguindo o conflito para a sessão de julgamento (art. 121). Ao decidir o conflito, o Tribunal, além de declarar qual o juiz competente, deverá pronunciar-se também sobre a validade dos atos do juiz incompetente, conforme preceitua o art. 122, que define como nulos, no caso de incompetência absoluta, os atos decisórios. Esta disposição supera a discussão sobre o que sejam “atos decisórios”, os quais serão definidos pelo Tribunal.

No caso de conflitos de competência entre turmas, seções, câmaras, Conselho Superior de Magistratura, juízes de segundo grau e Desem-bargadores, o Código atribui a competência para a sua disciplina ao regimento interno de cada tribunal.

Finalmente, encerra o capítulo a disposição que também atribui aos regimentos internos dos tribunais a disciplina do processo e jul-gamento do conflito de atribuições entre autoridade judiciária e auto-ridade administrativa (art. 124).

A rigor, o chamado conflito de atribuições entre autoridades judi-ciárias e autoridades administrativas não é um conflito de competências e nem mesmo um procedimento de determinação de competência. A natureza das funções jurisdicionais e administrativas, dada a sua hete-rogeneidade, torna impossível semelhante conflito; o que pode ocorrer é uma divergente interpretação de atribuições da autoridade judiciária e da autoridade administrativa, a ser resolvida originariamente pelo Tribunal, sem o conteúdo processual de um conflito de competência. Por tradição, porque tal dispositivo já constava do Código anterior, foi a figura mantida, apesar de praticamente em desuso, pois tais conflitos não têm ocorrido no plano do processo.

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33. Da perpetuação da jurisdição

Definida a competência de um juiz, a qual se determina no mo-mento em que a ação é proposta, permanece ela até o julgamento de-finitivo da causa. Este princípio é chamado “da perpetuação da juris-dição” — perpetuatio jurisdictionis, e tem por finalidade impedir que modificações, que é sempre possível que ocorram, depois de proposta a demanda, interfiram no juízo competente para sua decisão.

A disposição legal que consagra essa ideia (art. 87) tem por fim evitar que uma causa iniciada numa comarca e num juízo seja des lo ca-da para outro por razões de fato ou de direito ocorridas posteriormen-te. Uma vez proposta a demanda, a situação de fato e de direito a ser examinada para a determinação da competência é a desse momento, sendo irrelevantes as alterações do estado de fato ou de direito que ocorrem posteriormente. O processo desloca-se do juízo onde foi pro-posta a ação apenas se a modificação de direito, isto é, das normas legais, suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia, competências essas de natureza absoluta. Justifica-se a exceção porque em relação à competência ab-soluta prevalece o interesse público consistente na obri ga to rie dade do julgamento por determinado juízo.

O princípio da perpetuação da jurisdição não é mais do que um desdobramento do princípio do juiz natural e é salutar porque vincula a causa ao juízo em que foi legitimamente proposta; nem a alteração do domicílio do réu, nem a alteração da circunscrição territorial da comarca, nem a criação de novos juízos, salvo de competência material especializada, modificarão o poder de decidir a causa que tem o juiz originário.

A regra da perpetuação da jurisdição evita, outrossim, que altera-ções fraudulentas da situação resultem em deslocamento do foro ou do juízo em princípio competente.

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Capítulo 6

Do juiz

34. Investidura, garantias, organização da magistratura

Órgão judicial: conceito, composição subjetiva — Supremo Tribu-nal Federal — Superior Tribunal de Justiça — Juízes federais de primeiro grau — Magistratura dos Estados: juízes de primeiro grau, tribunais, o quinto constitucional — Garantias da magistra-tura — Vitaliciedade: conceito; a perda do cargo — Inamovibi-lidade: conceito; remoção compulsória, disponibilidade — Irre-dutibilidade de vencimentos, conceito, limitações.

35. Poderes, deveres e responsabilidade do juiz

Poderes relativos à condução do processo — Indeclinabilidade da jurisdição — Mecanismos de integração do direito — Jurisdição de direito e jurisdição de equidade — Princípio da iniciativa da parte — Princípios relativos à prova: produção e persuasão racio-nal na apreciação — Princípio da identidade da pessoa física do juiz: conceito, limites — Responsabilidade pessoal do juiz no caso de dolo, fraude ou retardamento doloso — Responsabilidade do Estado por ato judicial.

36. Dos impedimentos e da suspeição

Imparcialidade: objetiva e subjetiva — Impedimento: casos, conse-quências — Suspeição: casos — Arguição do impedimento e suspeição — Extensão dos motivos de impedimento e suspeição ao Ministério Público, serventuários da Justiça, peritos, assistentes técnicos e intérpretes.

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34. Investidura, garantias, organização da magistratura

Os órgãos judiciais, assim como os órgãos administrativos, com-põem-se de dois elementos: um objetivo, que é o conjunto de atribui-ções legais, e um elemento subjetivo, que é a pessoa que o compõe, que as exerce.

No que se refere ao órgão jurisdicional, expressão que muitas vezes pode ser substituída por juízo, há que se distinguir a competência, ou seja, as atribuições de decidir determinadas lides, e a pessoa do juiz, o qual deve estar legitimamente investido para que a atuação do órgão seja válida. Fala-se, então, em capacidade subjetiva do órgão jurisdi cional, referindo-se à regularidade da investidura quanto à pessoa do juiz.

Os órgãos jurisdicionais podem ser colegiados ou unipessoais. São colegiados o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Eleitorais, os Tribunais Militares, os Tribunais do Trabalho e os Tribunais Estaduais. Salvo estes últimos e as Auditorias Militares, a regra é a de que, em primei-ro grau de jurisdição, os juízos são unipessoais e em segundo grau os juízos são colegiados. Dentro dos colegiados é possível a subdivisão em cole giados menores, para melhor atuação da justiça e maior dinâ-mica do processo. Assim, o Supremo Tribunal Federal divide-se em Turmas, os Tribunais Estaduais dividem-se, dependendo da matéria a ser decidida, em câmaras, grupo de câmaras ou seções.

O Supremo Tribunal Federal, com sede na Capital e jurisdição em todo o território nacional, compõe-se de 11 ministros vitalí cios, no-meados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, dentre cidadãos maiores de 35 anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada. A forma de investidura nesse caso é composta: a nomeação é feita pelo Presidente da República com a

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aprovação do Senado Federal, obedecidas as exigências de ser a pessoa cidadão brasileiro, maior de 35 anos, de notável saber jurídico e repu-tação ilibada.

Nos termos do art. 12, § 3º, IV, da Constituição Federal, é privativo de brasileiro nato o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal.

O Supremo Tribunal Federal é o órgão máximo do Poder Judiciá rio brasileiro e tem por competência, em caráter originário, as ações de maior relevância nacional, como, por exemplo, os mandados de segu-rança contra o Presidente da República, as ações penais contra altas autoridades, o julgamento da ação direta de incons titucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade e, em grau de recurso, a fina-lidade de garantir a ordem constitucional.

O Superior Tribunal de Justiça tem por função processual principal a unificação da aplicação do direito federal. Será composto de, pelo menos, 33 ministros escolhidos na forma do art. 104, parágrafo único, da Constituição, com nova redação determinada pela EC n. 45, de 8 de dezembro de 2004.

Os Tribunais Regionais Federais são o segundo grau da Justiça Fe-deral, cuja competência foi apontada no Capítulo 5, itens 30.2 e 30.4.

Os cargos de juízes federais de primeiro grau são providos por nomeação dentre juízes federais substitutos, cuja investidura decorreu de concurso público, pelo Presidente do Tribunal Regional Federal, nos termos dos arts. 93, I, com nova redação determinada pela EC n. 45, de 8 de dezembro de 2004, e 96, I, c, da Constituição.

Cada Estado e o Distrito Federal constituem uma circunscrição judiciária, com sede na respectiva capital, e varas localizadas segundo o estabelecido em lei.

Na magistratura dos Estados, os juízes de direito serão nomeados após aprovação em concurso público de provas e títulos, com a parti-cipação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigin-do-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídi-ca, sendo essa nomeação escalonada em duas fases: a primeira nome-ação se dá para função de juiz substituto, o qual tem investidura limi-tada, não podendo exercer as funções plenas da magistratura. Após decorridos dois anos, o juiz substituto, se favorável sua atividade no período de estágio, será integrado na magistratura plena, adquirindo todas as garantias da carreira.

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Os Estados poderão instituir, mediante proposta do respectivo Tribunal de Justiça, juízes togados com investidura limitada no tempo e competência para o julgamento de causas de pequeno valor e crimes a que não seja cominada a pena de reclusão.

O Tribunal de Justiça de cada Estado constitui a segunda instância ou segundo grau de jurisdição das Justiças Estaduais. Os tribunais são compostos de 4/5 (quatro quintos) de juízes de carreira, promovidos por antiguidade e merecimento, al ter na da men te, e o outro 1/5 (um quinto) por advogados e membros do Ministério Público. Esta parcela do Tribunal, chamada de “quinto constitucional”, tem a finalidade de injetar no Tribunal pessoas de formações diferentes, extraídas do Mi-nistério Público e da advocacia, a fim de que não se agrave o problema da deformação profissional causado pelo exercício contínuo e longo de uma função pública.

Os magistrados gozam das garantias de vitaliciedade, ina mo vi bi li-da de e irredutibilidade de subsídio (CF, art. 95, I a III, sendo este úl-timo inciso alterado pela EC n. 19, de 4-6-1998). A vitaliciedade consiste na garantia da titularidade ao cargo, não podendo o juiz vita-lício perdê-lo a não ser por sentença judicial transitada em julgado.

O procedimento para a decretação da perda do cargo terá início por determinação do Tribunal a que pertença ou esteja subordinado o magistrado, de ofício ou mediante representação fundamentada do Poder Executivo ou Legislativo, do Ministério Público ou do Conselho Federal ou Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil.

Em qualquer hipótese, a instauração do processo preceder-se-á da defesa prévia do magistrado, no prazo de quinze dias, após o que, ve-rificada a apuração prévia das provas, instaurar-se-á o processo judicial de perda do cargo, em que é garantida ampla defesa. A perda poderá decorrer, também, de condenação penal em que seja esse um dos efei-tos da condenação.

A inamovibilidade consiste na garantia de não poder o juiz ser removido ou promovido senão com seu assentimento manifestado na forma da lei estadual, no caso de Justiça Estadual, ressalvada a hipó-tese de remoção compulsória por motivo de interesse público determi-nado pelo Tribunal ou pelo Conselho Nacional de Justiça, em decisão por voto da maioria de seus membros.

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Na mesma hipótese e com a mesma formalidade, o Tribunal po-derá determinar a disponibilidade de membro do próprio Tribunal ou de juiz de instância inferior, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.

O procedimento para a decretação da remoção ou da disponibili-dade é o mesmo que o da perda do cargo, previsto no art. 93, VIII, da CF, com redação determinada pela EC n. 45, de 8 de dezembro de 2004, em que é assegurada ampla defesa.

A irredutibilidade de subsídio consiste na garantia de não serem reduzidos por lei ou por qualquer outro meio indireto, cabendo, todavia, ao magistrado o pagamento dos impostos gerais, inclusive o de renda e os impostos extraordi nários.

A irredutibilidade de subsídio dos magistrados não impede os descontos fixados em lei, em base igual à estabelecida para os servi-dores públicos para fins previdenciários, isto é, para a formação de fundos de pensão e assistência médica.

As garantias da magistratura têm uma finalidade política e uma finalidade técnica. Sob o aspecto político garantem a independência e a dignidade da função jurisdicional em face dos outros poderes do Estado, Executivo e Legislativo. No tocante ao aspecto técnico garantem a imparcialidade do juiz no processo, de modo que não tenha ele receio de pressões advindas de outras autoridades ao decidir.

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional estabeleceu regras gerais referentes à disciplina judiciária, aos vencimentos, vantagens e direitos do magistrado, ao ingresso, promoção, remoção e acesso à magistratu-ra de carreira, bem como disposições relativas ao Tribunal Federal de Recursos, à Justiça do Trabalho, à Justiça dos Estados e a substituições nos tribunais. Ainda nesse diploma legal é referida a Justiça de Paz, que definitivamente tem competência somente para o processo de ha-bilitação e celebração do casamento, ficando, assim, proibida a atribui-ção ao juiz de paz, como ocorria anteriormente, de funções processuais de jurisdição.

35. Poderes, deveres e responsabilidade do juiz

O Código de Processo Civil, nos arts. 125 a 132, prevê os poderes e deveres processuais do juiz.

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O princípio que norteia o sistema do Código é o de que o juiz é o dominus processus, isto é, ao juiz compete a suprema condução do processo.

Se o autor é o dominus litis, isto é, o senhor da causa, o juiz é responsável pelo impulso do processo, sua direção, e garantia de que chegue a um termo rápido e seguro.

Ao juiz compete, em relação ao processo, especialmente, asse-gurar às partes igualdade de tratamento, velar pela rápida solução do litígio e prevenir ou reprimir qualquer ato atentatório à dignidade da justiça.

Entre as hipóteses que devem ser coibidas e reprimidas pelo juiz encontram-se, por exemplo: a do uso de expressões injuriosas pelas partes, a prática de atos como litigantes de má fé (art. 17), a perturba-ção da audiência, em relação à qual o juiz exerce o poder de polícia (art. 445) e, ainda, os atos do devedor considerados atentatórios à dig-nidade da justiça, como, por exemplo, a fraude à execução, a oposição maliciosa à execução, por meio de ardis e meios artificiosos, a resis-tência injustificada às ordens judiciais e a ocultação de seus bens à execução (arts. 599 e 600).

O juiz tem, ainda, o poder e o dever de impedir a colusão. (A colusão é o conluio entre as partes para obtenção de um fim ilícito.) É possível que autor e réu queiram servir-se do processo para praticar ato simulado, em desacordo com a lei. Neste caso, o juiz deverá, conven-cendo-se dessa circunstância, proferir sentença que obste aos objetivos das partes. A colusão pode ensejar até a ação rescisória de sentença, a ser proposta pelo Ministério Público se o processo já chegou ao final e a sentença já transitou em julgado (art. 485, III, última parte).

No curso do processo, porém, verificada a colusão, o juiz deverá impedir o resultado pretendido pelas partes por meio de uma decisão que frustre os seus objetivos ilícitos. Tal decisão do juiz poderá ser uma sentença diferente da sentença de procedência ou improcedência; será uma sentença extintiva do processo sem julgamento do mérito e que conterá também providências complementares e até punitivas visando obstar a intenção maliciosa das partes.

A Lei n. 8.952/94 acrescentou, ainda, a possibilidade de o juiz, a qualquer tempo, tentar conciliar as partes.

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O art. 126, que já foi referido no capítulo reservado à Teoria Geral, prevê o princípio da indeclinabilidade da jurisdição, segundo o qual o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obs-curidade da lei. Tal ideia decorre da própria natureza da jurisdição, que está obrigada a pronunciar-se diante de um pedido formulado por al-guém. Toda a ordem jurídica ficaria comprometida se em face de uma lide o juiz se abstivesse de decidir.

No julgamento da causa, o juiz está sujeito à legalidade, cabendo--lhe, em primeiro lugar, aplicar as normas legais; apenas no caso de lacuna da lei recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito, que são os chamados “mecanismos de integração” da ordem jurídica. O princípio aqui consagrado revela que o juiz também é escravo da lei, sendo sua função declarativa do que já consta na nor-ma legal; isto não quer dizer que sua função seja mecânica, estática ou inerte. A interpretação das normas jurídicas, segundo elementos teleológicos, sociológicos e sistemáticos é substancialmente dinâmica e criativa, mas a atividade do juiz é sempre reveladora e declaradora do direito que se encontra logicamente em situação antecedente à prolação da sentença. A atuação do juiz que aplica as normas legais costuma-se chamar “jurisdição de direito”, em con tra po si ção à cha-mada “jurisdição de equidade”. Neste caso, o juiz está liberado para decidir segundo princípios ou regras que elabora no próprio momento da decisão, orientado por razões de ordem moral ou social, não estan-do limitado à precisa regulamentação legal. Os casos em que o juiz decide por equidade são excepcionais no direito brasileiro e de vem estar previstos em lei.

É preciso, todavia, distinguir a “decisão por equidade”, em que o juiz atua criando a norma legal por expressa autorização da lei, da chamada equidade, que consiste no abrandamento dos rigores legais, por força de alguma interpretação sociológica ou teleológica, quando a norma jurídica previamente estabelecida pode produzir um resultado que ela mesma não desejou.

A equidade, como abrandamento das normas legais, pode encon-trar-se em qualquer julgamento e se insere nas próprias funções or-dinárias do juiz. Já a decisão por equidade, em face de autorização legal expressa, é diferente porque excepcional e nela o juiz exerce

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atividade criativa de individualização da norma. Pode ser citada como exemplo de julgamento por equidade a dispo sição contida no Códi-go de Processo Civil referente à jurisdição voluntária (art. 1.109). Dispõe o artigo que o juiz não é obrigado, na jurisdição voluntária, a observar o critério da legalidade estrita, podendo adotar, em cada caso, a solução que reputar mais conveniente ou oportuna.

O art. 128 do Código consagra o princípio da iniciativa da parte:

“O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte”.

Tal princípio, fundamental para a garantia da individualidade da jurisdição, que também significa respeito ao patrimônio jurídico dos indivíduos, tem como consequência a limitação objetiva da sentença ao pedido como foi formulado. Não poderá o juiz decidir extra ou ultra petita, respondendo, apenas, à iniciativa do autor. Mais adian-te, no capítulo da Sentença, o tema será desenvolvido com maior amplitude.

Os arts. 130 e 131 referem-se à atividade do juiz no que concerne à prova processual. Dispõe o art. 130 que caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento das partes, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protela-tórias. O artigo pode levar a uma interpretação inadequada se se enten-der que no processo civil o juiz tem poderes inquisitivos absolutos na investigação probatória; todavia, tal preceito deve ser interpretado em conciliação com o sistema do Código que é o sistema dispositivo, ou seja, o sistema de iniciativa da parte, inclusive no que concerne à pro-dução de provas. É ônus do autor produzir a prova que lhe interessa, nos termos do art. 333, o mesmo ocorrendo em relação ao réu. Na petição inicial deverá o autor requerer a produção das provas relevantes ao processo, e ao réu competirá igual ônus por ocasião da contestação. Como, então, entender o art. 130 que autoriza o juiz a determinar de ofício as provas necessárias à instrução do processo?

Como se disse, essa autorização deve ser interpretada coerente-mente com a sistemática do Código, em especial, com o princípio da igualdade das partes. Assim, conclui-se que não pode o juiz substituir

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a iniciativa probatória, que é própria de cada parte, sob pena de estar auxiliando essa parte e violando a igualdade de tratamento que elas merecem. A atividade probatória do juiz não pode substituir a ativi dade de iniciativa das partes. Para não inutilizar o dispositivo resta interpretar que o juiz, na verdade, poderá determinar provas, de ofício, nos procedimentos de interesse público, como, por exemplo, os de jurisdição voluntária, e nos demais processos, de maneira complemen-tar a alguma prova já requerida pela parte, quando a prova produzida foi insatisfatória para o seu convencimento. Isto ocorreria, por exemplo, após uma perícia requerida pela parte, no tempo e no local devido, e que fosse inconclusiva, podendo, pois, o juiz determinar de ofício nova perícia. Afora esses casos excepcionais, não pode o juiz tomar a ini-ciativa probatória, sob pena de violar o sistema da isonomia, e sob pena de comprometer-se com uma das partes extinguindo, com isso, o re-quisito essencial da imparcialidade.

A segunda parte do art. 130 é uma decorrência de poder do juiz de velar pela rápida solução do litígio. Deverá ele impedir que as par-tes exerçam a atividade probatória inutilmente ou com intenções pro-telatórias. Esses poderes, todavia, também devem ser empregados com a cautela de se evitar a interferência do juiz na livre discussão da cau-sa pelas partes, que não devem ter cerceadas as suas atividades essen-ciais na defesa de seus direitos.

O art. 131 consagra o sistema da persuasão racional na apreciação da prova. Este sistema encontra-se em posição intermediária em relação ao sistema da prova legal, num extremo, e ao sistema da livre ou ínti-ma convicção, em outro extremo.

Segundo o sistema da prova legal, o juiz seria obrigado a decidir de acordo com pesos probatórios previamente estabelecidos em lei, ficando vinculado a essas determinações legais. Tal sistema foi amplamente uti-lizado nas Ordenações do Reino, especialmente em matéria criminal.

De acordo com o sistema da convicção íntima, estaria o juiz auto-rizado a decidir livremente, independentemente de justificação ou fundamentação. No direito processual penal, decide por íntima convic-ção o júri que responde aos quesitos “sim” ou “não” sem qualquer explicação dos motivos que levaram os juízes leigos a decidir.

O sistema adotado pelo Código é intermediário porque admite a livre apreciação da prova, mas vincula essa apreciação aos fatos e cir-

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cunstâncias constantes dos autos, mesmo que não alegados pela parte, e, ademais, exige a indicação na sentença dos motivos racionais que formaram o convencimento do juiz. Daí o nome de sistema da persua-são racional. Esta fórmula de apreciação probatória apresenta a dupla vantagem de permitir que o juiz extraia as sutilezas dos meios proban-tes apresentados, com liberdade de interpretação, e, ao mesmo tempo, o obriga, justificando o seu convencimento, a apresentar uma solução lógica para o problema probatório, evitando, assim, o arbítrio ou uma solução potestativa.

Apesar da regra constante do Código consagrando o sistema da persuasão racional, em várias passagens o estatuto processual vincu-lou o convencimento do juiz a disposições legais expressas, ora limi-tando a livre apreciação, ora impondo uma conclusão à vista de de-terminadas circunstâncias probantes. Nesse sentido são os artigos referentes à admissibilidade da prova testemunhal (arts. 400 e 401) e os artigos referentes à fé dos documentos públicos (arts. 364 e 366) entre outros.

O art. 132 dispõe sobre o princípio da identidade da pessoa física do juiz:

“O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor.

Parágrafo único. Em qualquer hipótese, o juiz que proferir a sen-tença, se entender necessário, poderá mandar repetir as provas já pro-duzidas” (com redação da Lei n. 8.637, de 31-3-1993).

O princípio da identidade da pessoa física do juiz tem por finali-dade garantir a melhor apreciação da lide por aquele que colheu a prova oral. Seus fundamentos encontram-se nos princípios de concen-tração e oralidade do processo, que enunciam que melhor terá condições de decidir o juiz que pessoalmente fez a instrução. Tal princípio era mais rigoroso no sistema do Código de 1939, tendo sido, no Código vigente, abrandado para liberar o juiz que seja transferido, promovido ou aposentado.

No Código de 1939 somente a aposentadoria por invalidez é que liberava ou desvinculava o juiz do processo. O excessivo rigor do Có-digo revogado causava mal ao andamento dos processos, os quais fica-

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vam, muitas vezes, anos aguardando a decisão de um juiz que, por exemplo, fosse promovido para comarca distante.

A disposição legal vigente evita esse perigo liberando o juiz do feito. É necessário observar, porém, que a vinculação se dá entre a conclusão da prova oral em audiência e a decisão da causa. Não have-rá, pois, a referida vinculação nos processos em que não haja audiên cia, como, por exemplo, o processo de mandado de segurança ou naqueles em que o juiz julga antecipadamente a lide, porque a matéria é exclu-sivamente de direito, ou sendo de direito e de fato apresenta os fatos incontroversos ou provados já documentalmente.

Em sentido inverso, se o juiz já concluiu a instrução, cabendo-lhe apenas proferir sentença, não se aplica a liberação de promoção ou transferência, porque basta-lhe lançá-la nos autos. O que, no sistema do Código anterior, entravava o processo era a dificuldade de um juiz transferido marcar audiência de instrução em sua comarca ante rior. Ora, se o juiz já encerrou a instrução e está com os autos conclusos para a sentença, basta proferi-la, não havendo razão, pois, para se des vin cu lar do feito. Entendimento contrário propiciaria a retenção dos processos para se aguardar eventual transferência.

Observe-se que a situação do aposentado é diferente, ficando ele totalmente liberado em qualquer momento que ocorrer o jubilamento.

As hipóteses que admitem a desvinculação são a transferência, a promoção e a aposentadoria, figuras técnicas administrativas que não podem ser ampliadas por analogia ou semelhança porque a regra é a da identidade da pessoa física do juiz. Não ocorre, portanto, a libe-ração do magistrado se se tratar de juiz substituto em determinada vara que seja designado para responder por outra, uma vez que não acontece, nesta hipótese, nenhuma das situações de liberação previs-tas no Código de Processo. O juiz substituto deve concluir todos os processos cuja audiência encerrou. Além da regra de ordem técnica, isto é, que o juiz substituto não é transferido ou promovido quando designado para outra vara, há nessa interpretação uma razão de ordem prática, fundada na ideia de que o substituto deve, quando designado para determinada vara, liquidar todos os processos cuja instrução concluiu, inclusive para desencorajá-lo de adiar audiência para fugir à vinculação.

O problema da identidade da pessoa física do juiz é de competên-cia funcional e, portanto, de competência absoluta, de modo que a

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violação da regra do art. 132 resulta em nulidade da sentença; tanto na hipótese em que um juiz que está vinculado deixa de proferir sentença, quanto na hipótese do juiz que já está desvinculado e venha a proferir sentença. A nulidade poderá ser decretada pelo Tribunal por ocasião do recurso contra a sentença, devendo o processo retornar para que nova decisão seja proferida pelo juiz competente.

Finalmente, define o art. 133 a responsabilidade do juiz, prescre-vendo que: responderá o juiz por perdas e danos quando no exercício de suas funções proceder com dolo ou fraude, ou recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses de re-cusa, omissão ou retardamento, só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não atender o pedido dentro de dez dias.

A função do juiz é aplicar o direito, daí ser aparentemente antinô-mica a ideia de ilegalidade, mas do órgão pode destacar-se o elemento subjetivo que é a pessoa do juiz. Para garantia da atividade do órgão deve-se proteger a pessoa contra eventuais erros, ainda que culposos. Todavia, por outro lado, é preciso responsabilizar a pessoa do juiz que atue com dolo ou fraude.

Se o juiz pudesse ser responsabilizado pelo erro judiciário, ainda que com culpa, a justiça ficaria comprometida porque o magistrado restaria temeroso em decidir. Daí justificar-se a restrição da res pon sa-bi li za ção apenas no caso de dolo ou fraude e retardamento ou omissão devidamente constatados.

O Código define a responsabilidade do juiz em caráter pessoal, não regulando a eventual responsabilidade do Estado pelo erro judi-ciário. Na sistemática do Código de Processo Civil, o erro judiciário, em princípio, é imputável à parte que o provocou, a qual responde perante a outra pelos prejuízos que causou. Se o juiz agiu com dolo, isto é, violação consciente de um dever de ofício, ou com fraude, vio-lação de um dever de ofício com intenção de enganar, responderá em caráter pessoal, além ou concomitantemente com a parte, se houver conluio com alguma delas.

Diferente é a situação no Código de Processo Penal, em que a revisão criminal julgada procedente, reconhecendo o erro judiciário, leva ao interessado o direito a uma justa indenização pelos prejuízos

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sofridos. Na órbita penal é o Estado quem provoca a atividade ju ris di-cio nal, e, portanto, deve responsabilizar-se por perdas e danos se cau-sar prejuízo à parte. Na órbita civil, de regra, aquele que promove a ação será também responsável se lesar a parte contrária.

Em resumo, temos que a regra é a da exclusão da responsabilida-de do Estado por atos jurisdicionais civis. Todavia, tal responsabilida-de não está de todo eliminada quando a lesão decorre de circunstân cias ligadas à administração da justiça do Estado como um todo. Assim, por exemplo, se houver uma perda ou perecimento do direito por defeitos dos sistemas administrativos de apoio ao processo, o Estado é respon-sável por esses danos.

A responsabilidade por ato puro do juiz, todavia, é altamente con-trovertida. Em decisão de 14 de março de 1968, a Corte Constitucional italiana fixou que os artigos do Código de Processo Civil que regulam a responsabilidade do juiz não excluem a extensão da responsabilidade civil do Estado nos mesmos casos, em virtude de disposição estabele-cida na Constituição italiana semelhante ao nosso art. 37, § 6º, da Constituição Federal1.

Essa decisão, todavia, não é unanimemente aceita pela doutrina, inclusive no direito brasileiro em que a Constituição estabelece a res-ponsabilidade por atos de seus funcionários no caso de dolo ou culpa (art. 37, § 6º). Em primeiro lugar, o magistrado não é funcionário pú-blico em sentido estrito, não estando sua atividade política própria jurisdicional regulada no capítulo dos funcionários públicos, onde se encontra o dispositivo e, por outro lado, a Constituição admite o direi-to de regresso no caso de dolo ou culpa, sendo esta última incompatível com o sistema de aplicação do direito, o que nos leva a concluir que a responsabilidade do juiz e do próprio Estado está fora da sistemática do referido art. 37, § 6º, da Carta Magna.

36. Dos impedimentos e da suspeição

A imparcialidade do juiz é pressuposto de toda atividade ju ris di-cio nal. A imparcialidade pode ser examinada sob um aspecto objetivo

1. Rivista di Diritto Processuale, 24:123, 1969. A favor, Tulio Segri, Comentá rios dirigidos por Allorio, p. 649. Contra, Michelli, Corso di diritto processuale civile, 1959, v. 1, p. 163, e Ugo Rocco, Trattato di diritto processuale civile, 1957, v. 2, p. 29.

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e um aspecto subjetivo. No aspecto objetivo, a imparcialidade se traduz na equidistância prática do juiz no desenvolvimento do processo, dan-do às partes igualdade de tratamento.

Como consequências dessa imparcialidade objetiva existem, por exemplo, o princípio da iniciativa de partes, que proíbe ao juiz conhe-cer de questões de mérito não suscitadas porque, em caso contrário, estaria beneficiando a uma das partes, e o princípio de que em todos os momentos do processo as partes devem ter oportunidades processu-ais análogas. Todavia, para que se concretize a imparcialidade objetiva, é preciso que o juiz seja subjetivamente imparcial, isto é, que seja verdadeiramente um estranho à causa e às partes.

O juiz, que de qualquer modo esteja vinculado à causa, por ra-zões de ordem subjetiva, tem comprometida a sua imparcialidade e, portanto, não deve atuar no processo. As razões que comprometem, ou, pelo menos, colocam em risco a imparcialidade do juiz são as razões de impedimento e de suspeição, conforme relacionadas no Código. Os casos de impedimento são mais graves e têm como conse-quên cia a subtração do poder de decidir do juiz em relação a deter-minada causa.

Nos casos em que a lei considera o juiz impedido, está ele proibido de exercer sua função jurisdicional. A violação dos casos de impedimen-to acarreta a nulidade do processo, gerando a possibilidade da ação rescisória se, apesar da proibição legal, o juiz impedido proferiu senten-ça que se tornou definitiva com trânsito em julgado (art. 485, II).

Já os casos de suspeição não inibem o poder jurisdicional do juiz, suscitando apenas a dúvida quanto à imparcialidade, o que é suficien-te para afastá-lo do processo, mas não para tornar a sentença nula. A suspeição deve ser arguida e resolvida no curso do processo, tornan-do-se impossível a alegação após o trânsito em julgado da sentença. Os casos de impedimento do juiz estão relacionados no art. 134, que assim dispõe:

“Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:

I — de que for parte;

II — em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoi-mento como testemunha;

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III — que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão;

IV — quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consanguíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau;

V — quando cônjuge, parente, consanguíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau;

VI — quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa.

Parágrafo único. No caso do n. IV, o impedimento só se verifica quando o advogado já estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém, vedado ao advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimen-to do juiz”.

Como se vê, são circunstâncias objetivas que geram a presunção absoluta de que o juiz tem comprometida a equidistância subjetiva em relação às partes. Em todas as hipóteses legais, o juiz participou do processo ou está intimamente ligado à lide, o que gera a necessidade de seu afastamento do processo.

As hipóteses de suspeição encontram-se relacionadas no art. 135 do Código de Processo e também podem comprometer a imparcialida-de, por via de uma presunção estabelecida na lei. São hipóteses em que o juiz ou está psicologicamente vinculado às partes ou tem interesse na solução da causa de seu cônjuge ou de parentes deste em linha reta, ou na colateral até o terceiro grau. São casos de fundada suspeita de parcialidade do juiz:

a) ser ele amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;

b) alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu côn-juge ou parente destes, em linha reta ou colateral até o terceiro grau;

c) ser herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;

d) se receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo, acon-selhar algumas das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;

e) for interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.

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Além dessas hipóteses que podem levar a parte a impugnar a participação do juiz no processo, o juiz pode muitas vezes declarar-se suspeito por motivo íntimo cuja revelação seja impossível. Neste caso, o próprio juiz, sem declinar a razão da suspeição, afasta-se do pro-cesso porque não se julga em condições de decidir com isenção de ânimo.

É dever do juiz declarar-se impedido ou suspeito, afastando-se do processo se ocorrem as hipóteses dos arts. 134 e 135. Todavia, o juiz que deixa de se abster ou de se declarar suspeito poderá ser recusado por qualquer das partes. O meio processual para a formulação da recu-sa do juiz pela parte é a exceção, regulada nos arts. 304 e s. O direito de apresentar exceção pode ser exercido, em qualquer tempo ou grau de jurisdição, no prazo de quinze dias, contados do fato que ocasionou o impedimento ou a suspeição. Ao oferecer a exceção, a parte deverá especificar o motivo da recusa, podendo ser instruída com documentos em que o excipiente funda suas alegações, contendo, se for o caso, o rol de testemunhas. Despachando a petição, o juiz, se reconhecer o impedimento ou a suspeição, remeterá os autos ao seu substituto legal, afastando-se do processo. Em caso contrário, dentro de dez dias dará suas razões acompanhadas de documentos e rol de testemunhas, se houver, ordenando em seguida a remessa dos autos ao Tri bunal.

O Tribunal, se verificar que a exceção não tem fundamento legal, determinará o seu arquivamento. Caso contrário, julgando procedente a exceção, condenará o juiz nas custas, mandando remeter os autos ao seu substituto legal. Recebida a exceção e até que seja definitivamente julgada, o processo ficará suspenso.

Observe-se que nos casos de impedimento, mesmo sem ter sido oposta a exceção no prazo e segundo o procedimento legal, por se tratar de matéria de ordem pública o Tribunal poderá conhecê-la de ofício, anulando a sentença proferida por juiz impedido, devolvendo o processo para julgamento por outro juiz. Já em relação à suspeição, o rito procedimental da exceção é condicionante do exame da matéria2.

Os motivos de impedimento ou de suspeição aplicam-se também ao órgão do Ministério Público, todos eles, quando este não for parte, e, sendo parte, todos eles, salvo o inc. V, do art. 135, que considera o

2. Sobre a exceção de suspeição e seus efeitos, v. o 2º volume, Cap. 5, item 28.

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juiz suspeito se interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes. Evidentemente esse inciso é inaplicável se o Ministério Público for parte, porque como substituto processual ele demandará em favor do interesse de alguém e, portanto, não há, por isso, motivo de suspeição, porque a lei determina sua atuação nesse sentido.

Ademais, os mesmos motivos de impedimento ou suspeição apli-cam-se aos serventuários da justiça, perito e assistentes técnicos e ao intérprete. Para as testemunhas há disposição especial no Capítulo Da prova (art. 405).

A arguição de impedimento ou suspeição do Ministério Público, serventuário da justiça, perito e intérprete, deverá ser feita, mediante petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportuni-dade em que couber à parte falar nos autos. O juiz mandará processar o incidente em separado e sem suspensão da causa, ouvindo o arguido no prazo de cinco dias, facultando a prova, quando necessária, e em seguida julgando o pedido.

Nos tribunais, o relator do processo processa e julga o incidente. Neste último caso, bem como também na exceção de impedimentos ou suspeição arguidos contra o juiz, a doutrina entende que o juiz ou a pessoa arguida de impedida ou suspeita é parte, havendo, no caso, uma decisão declaratória da imparcialidade ou parcialidade do juiz ou dos órgãos relacionados no art. 138. Esta decisão refere-se à capacidade subjetiva desses órgãos de participação no processo.

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Capítulo 7

Dos auxiliares da justiça

37. Conceito

Auxiliares essenciais — Classificação dos auxiliares.

38. Dos serventuários e do oficial de justiça

Conceito — Atribuições.

39. Do perito, depositário, administrador, intérprete e outros

Conceito — Funções.

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1. Primeiras linhas de direito processual civil, v. 1, p. 117.

37. Conceito

A figura central do juízo é, evidentemente, o juiz; todavia, sua atuação depende de órgãos de apoio, em caráter permanente ou even-tual, para a prática de determinados atos.

São, pois, auxiliares do juízo todas as pessoas que são convocadas a colaborar com a justiça, ou por dever funcional permanente ou por eventualidade de determinada situação. Além de outros, cujas atribui-ções são determinadas pelas normas estaduais de organização judiciá ria, são auxiliares do juízo: o escrivão, o oficial de justiça, o perito, o de-positário, o administrador e o intérprete.

O juízo, em sua forma mais simples, conforme, aliás, lembra Chiovenda, necessariamente é constituído pelo juiz, pelo oficial de justiça e pelo escrivão. Moacyr Amaral Santos1 classifica os auxiliares da justiça em auxiliares propriamente ditos, auxiliares de encargo ju-dicial e auxiliares extravagantes. Os primeiros são aqueles que, perma-nentemente, por função pública atuam como órgãos de apoio ao juiz. Os segundos são aqueles que, mesmo mantendo sua condição de par-ticulares, são convocados a colaborar com a justiça, como, por exemplo, as testemunhas e os peritos. Os terceiros são os órgãos que ordinaria-mente não são judiciários ou jurisdicionais, mas que prestam serviços à administração da justiça ou à execução de suas decisões, como, por exemplo, os correios ou a imprensa.

38. Dos serventuários e do oficial de justiça

Órgão de apoio indispensável à administração da justiça é o es-crivão, que, na verdade, não se resume a uma pessoa só, mas a toda

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uma organização sob a responsabilidade de alguém que se denomina escrivão.

O cartório de justiça ou ofício de justiça é composto de muitos escreventes, auxiliares, e eventualmente um responsável em segundo grau chamado de oficial maior, todos englobados sob a responsabili-dade do escrivão. Na verdade, então, o que existe é uma escrivania e não uma pessoa.

A existência de um ofício de justiça de uma só pessoa, o escrivão, é excepcional para as comarcas de pequeno movimento.

Incumbe ao escrivão, nos termos do art. 141 do Código de Proces-so Civil:

“I — redigir, em forma legal, os ofícios, mandados, cartas pre ca-tó rias e mais atos que pertençam ao seu ofício;

II — executar as ordens judiciais, promovendo citações e intima-ções, bem como praticando todos os demais atos, que lhe forem atri-buídos pelas normas de organização judiciária;

III — comparecer às audiências, ou, não podendo fazê-lo, designar para substituí-lo escrevente juramentado, de preferência datilógrafo ou taquígrafo;

IV — ter, sob a sua guarda e responsabilidade, os autos, não per-mitindo que saiam de cartório, exceto:

a) quando tenham de subir à conclusão do juiz;

b) com vista aos procuradores, ao Ministério Público ou à Fazen-da Pública;

c) quando devam ser remetidos ao contador ou ao partidor;

d) quando, modificando-se a competência, forem transferidos a outro juízo;

V — dar, independentemente de despacho, certidão de qualquer ato ou termo do processo, observado o disposto no art. 155”.

Além do apoio relativo à prática dos atos internos é indispensável a existência, em cada juízo, de um oficial de justiça para a execução dos atos que tenham repercussão externa à sede do juízo. Conforme dispõe o art. 143, incumbe ao oficial de justiça:

“I — fazer pessoalmente as citações, prisões, penhoras, arrestos e mais diligências próprias de seu ofício, certificando no mandado o

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ocorrido, com menção do lugar, dia e hora. A diligência, sempre que possível, realizar-se-á na presença de duas testemunhas;

II — executar as ordens do juiz a que estiver subordinado;

III — entregar, em cartório, o mandado, logo depois de cumprido;

IV — estar presente às audiências e coadjuvar o juiz na manuten-ção da ordem.

V — efetuar avaliações”.

O escrivão e seus auxiliares e o oficial de justiça, como órgãos permanentes de apoio ao juízo, estão administrativamente subordinados ao juiz que exerce sobre eles correição permanente, isto é, fiscalização diuturna. Estão eles, portanto, sujeitos à responsabilidade administra-tiva pelas faltas que eventualmente cometerem e, além disso, são civil-mente responsáveis, em caráter pessoal, quando, sem justo motivo, se recusarem a cumprir, dentro do prazo, os atos que lhes impõe a lei, ou os que o juiz lhes atribuir na forma legal ou quando praticarem ato nulo com dolo ou culpa. Qualquer irregularidade praticada por escrivão ou oficial de justiça deve ser imediatamente comunicada ao juiz, que ado-tará as medidas cabíveis para a sua correção, com a punição do possí-vel responsável.

39. Do perito, depositário, administrador, intérprete e outros

É impossível conceber-se um juízo sem escrivão ou oficial de justiça, todavia, o bom funcionamento da máquina judiciária depende da existência de outros auxiliares que comumente aparecem como necessários para o desenvolvimento dos processos. Isto é o que ocorre com os peritos, depositários, administradores, intérpretes e outros. Essas funções podem ser exercidas ou por servidores permanentes da Justiça, nas comarcas de grande movimento, de acordo com a lei local de organização judiciária, ou por pessoas especialmente convocadas quando a causa o exigir.

O perito será nomeado ou convocado quando a prova do fato de-pender de conhecimento técnico ou científico, segundo o disposto no capítulo das provas, conforme se desenvolverá mais adiante. Como todos os auxiliares da justiça, o perito deve cumprir o seu dever no prazo que lhe marca a lei, não podendo recusar-se a exercer o encargo a não ser que tenha motivo legítimo.

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O perito, como órgão auxiliar da justiça, está sujeito a sanções penais, na hipótese de falsidade, e à sanção civil de reparação do dano que causar à parte por informações inverídicas, podendo, também, ficar inabilitado, por dois anos, a funcionar em outras perícias.

Ao depositário que pode, também, ser público ou particular, com-pete a guarda e conservação de bens penhorados, arrestados, seques-trados ou arrecadados, desde que a lei não preveja outra forma de guarda e depósito. Ao administrador é atribuído semelhante encargo quando é exigida gestão sobre os bens.

O intérprete será nomeado toda vez que o juiz considere necessário para analisar documento de entendimento duvidoso, redigido em língua estrangeira, verter em português as declarações das testemunhas que não conhecerem o idioma nacional, ou traduzir a linguagem mímica dos surdos-mudos que não puderem transmitir a sua vontade por escrito.

Os documentos, para serem juntados aos autos, se foram redigidos em língua estrangeira, deverão ser acompanhados de versão em verná-culo, firmada por tradutor juramentado. Essa tradução é pre via men te obtida e juntada com o documento. Todavia, o documento pode continu-ar com o entendimento duvidoso ou a prova ser oral, o que pode exigir a presença de um intérprete para o perfeito entendimento do juiz.

O intérprete, oficial ou não, também é obrigado a aceitar o encar-go, salvo motivo justo, aplicando-se-lhe as sanções civis e penais no caso de informações inverídicas.

Além desses auxiliares, expressamente referidos no Código, outras pessoas podem ser convocadas a colaborar com a justiça, o que se verá no decorrer da exposição de outros capítulos do Código, especialmen-te os referentes às provas.

Assim, nos termos da classificação acima aludida, de Moacyr Amaral Santos, são também auxiliares da justiça com o dever de cola-borar com o seu desenvolvimento as testemunhas, os assistentes técni-cos dos peritos, a força pública requisitada pelo juiz para cumprimen-to de suas determinações, os contadores e partidores que elaboram os cálculos necessários às causas e preparam os projetos de partilha, os cartórios distribuidores de feitos, o leiloeiro e outros.

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Índice alfabético-remissivo

(Os números referem-se às páginas.)

AÇÃO(ÕES) — carência: 114 e s. — classificação: 120 e s. — conceito: 99 — condições: 65 e 102 — garantia constitucional: 47, 63 e 66

ADVOGADO — 141 e s.

ARBITRAGEM — 203 e 231

ASSISTÊNCIA — conceito: 161 — litisconsorcial: 162 — procedimento de ingresso do assistente: 163 — simples: 162

ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA — 72 e 142

ATIVIDADE DO ESTADO — 55 e s. — administrativa, jurisdicional, legislativa, relacionamento e distinções: 55 e s.

ATO ADMINISTRATIVO — autoexecutoriedade: 62 — controle do Judiciário, revogação e anulação: 60

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AUTOCOMPOSIÇÃO — 51

AUTOEXECUTORIEDADE DO ATO ADMINISTRATIVO — 57

AUTOTUTELA — 51

AUXILIARES DA JUSTIÇA — conceito e classificação: 273 — depositário, perito, administrador e outros: 275 — dos serventuários e oficial de justiça: 275

CAPACIDADE PROCESSUAL — 127 e s. — aspectos: 131 — da pessoa casada: 135 — de entidades sem personalidade jurídica: 132 — defeito: 137

CARÊNCIA DA AÇÃO (v. Ação — condições) — 112 e s. — conceito: 114 — momentos da decretação: 115

CAUSA DE PEDIR — elemento da ação: 117

“CAUSA PETENDI” (v. Causa de pedir)

CHAMAMENTO AO PROCESSO — 182

CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES — 120

COISA JULGADA — 75 e s.

COLUSÃO — 259

COMPETÊNCIA — absoluta e relativa: 242 — conceito e critérios determinadores: 204 e s.

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— conflito: 248 — das justiças especiais: 230 — de foro ou territorial: 233 — de juízo: 247 — derrogação por vontade das partes: 246 — em razão do valor: 240 — internacional: 208 e s. — material: 240 — meios de declaração: 248 — modificações: 242 — para a ação acessória: 245

COMPETÊNCIA FUNCIONAL POR GRAUS DE JURISDIÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL — 227

COMPROMISSO ARBITRAL — 204

CONEXÃO — 242 e s.

CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES — 250

CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO — 59 e 203

CONTINÊNCIA — 242 e 243

CONTRADITÓRIO — 80, 87 e s.

CURADOR À LIDE (v. Curador especial)

CURADOR ESPECIAL — 136

CUSTAS — 141 e s.

DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE — 87

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DEFESA — ampla: 79 e 80 — garantia constitucional: 79 — técnica: 81

DENUNCIAÇÃO DA LIDE — 171 e s.

DIREITO E PROCESSO — 54

DIREITO MATERIAL E DIREITO PROCESSUAL — 50 e s.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL — conceito: 89 — e organização judiciária: 93

DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS — evolução histórica: 49 e s. — na Constituição Federal brasileira: 64 e s.

DIREITOS HUMANOS — 232 e 233

DISTRIBUIÇÃO — 240

ELEMENTOS DA AÇÃO — 116 e s.

ESTAGIÁRIO — 146

FORO COMUM — 233

FORO DA SITUAÇÃO DA COISA — 239

FORO DE ELEIÇÃO OU CONTRATUAL — 240

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FOROS ESPECIAIS — da mulher: 234 — da pessoa jurídica: 235 — da sociedade sem personalidade jurídica: 238 — do cumprimento da obrigação: 236 — do juízo arbitral: 239 — para a reparação de dano: 239

FUNDAMENTO JURÍDICO DO PEDIDO — 119

FUNDAMENTO LEGAL — 119

GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO — 66 e s.

HONORÁRIOS — do advogado: 141 e s.

IMPARCIALIDADE DO JUIZ — 258

IMPEDIMENTOS DO JUIZ — 267 e s.

INAMOVIBILIDADE — 257

INTERESSE PROCESSUAL — 64, 107 e s.

INTERESSE PÚBLICO — 189 e 192

INTERESSES — conflito: 34 e 35

INTERVENÇÃO — de terceiros: 159 e s. — especial da União: 184

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— iussu iudicis : 157 — litisconsorcial: 162

INVENTARIANTE — 133

IRREDUTIBILIDADE DE SUBSÍDIO — 67, 257 e 258

JUIZ — identidade da pessoa física: 263 — poderes e deveres: 267 e s. — responsabilidade: 265

JUÍZES DE INVESTIDURA TEMPORÁRIA — 241

JÚRI — origem histórica: 44

JURISDIÇÃO — conceito: 201 — contenciosa e voluntária: 62 — indeclinabilidade: 260 — princípios: 201 — sistemas de efetivação de direitos: 51

JURISDIÇÃO DE DIREITO E DE EQUIDADE — 260

JUSTIÇA DO TRABALHO — competência: 229

JUSTIÇA FEDERAL — 229 e s.

JUSTIÇAS ESPECIAIS — eleitoral: 229 — militar: 229 — trabalhista: 231

LACUNAS DA LEI — 52

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LEALDADE PROCESSUAL — 139

LEGITIMAÇÃO (v. Legitimidade)

“LEGITIMATIO AD CAUSAM” (v. Legitimidade)

LEGITIMIDADE — conceito: 64 e 103 — ordinária e extraordinária: 103 e s. — substituição processual: 103

LITISCONSÓRCIO — atividade dos litisconsortes: 158 — classificações: 151 — conceito: 151 e s. — facultativo: 152 — necessário: 155

LITISPENDÊNCIA — 217

LITISPENDÊNCIA INTERNACIONAL — 217 e s.

MAGISTRATURA — garantias, investidura e organização: 255 e s.

MINISTÉRIO PÚBLICO — conceito: 189 — funções e atividades: 189 e s. — impedimento e suspeição: 266

NOMEAÇÃO À AUTORIA — 169 e s.

OPOSIÇÃO — 168 e s.

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL — 256

ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA — 93 e s.

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PARTES — V., também, LEGITIMIDADE — capacidade: 131 e s. — conceito: 162 — deveres: 138 e s. — elemento da ação: 117 e s. — responsabilidade: 138

PEDIDO — elemento da ação: 117

PERPETUAÇÃO DA JURISDIÇÃO — 251

POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO — 64 — conceito, amplitude: 110 e s.

PREJUDICIALIDADE PENAL — 246

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS — 131

PREVENÇÃO — 245

PROCEDIMENTO — ordinário, sumário e especial: 124

PROCESSO — de conhecimento, execução e cautelar: 66 — a Magna Carta: 43/44 — antiguidade greco-romana: 39/41 — do contratualismo às declarações de direitos do homem: 46/48 — época contemporânea: 47/48 — o cristianismo: 41/42 — garantia ativa e passiva: 61 e s. — garantias constitucionais: 66 e s. — natureza: 58 — teoria geral: 23 e 27

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PROCESSO E PROCEDIMENTO — 58

PROCURAÇÃO — 146

PROVA — garantia constitucional: 77 — sistemas de apreciação: 73 e s., 262 e s.

PUBLICIDADE — como garantia: 71

QUINTO CONSTITUCIONAL — 257

RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL — 58

RELACIONAMENTO ENTRE PODER JUDICIÁRIO E PODER EXECUTIVO — 59 e 61

REPRESENTAÇÃO — V., também, CAPACIDADE PROCESSUAL — da pessoa jurídica estrangeira: 133 — de entidades sem personalidade jurídica: 132 — do espólio: 132 — dos incapazes: 132

REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL — distinção com substituição processual e sucessão processual: 105

SUBSTITUIÇÃO DAS PARTES E PROCURADORES — 149 e s.

SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL — V., também, LEGITIMIDADE — distinções com representação processual e sucessão processual: 105

SUCESSÃO PROCESSUAL — conceito: 149 — distinção entre representação processual e substituição processual: 101 e 102

SUCUMBÊNCIA — 140 e s.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA — 256

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL — 256

SUSPEIÇÃO — 266

TEORIA GERAL DO PROCESSO — evolução: 28

TERCEIROS — casos de intervenção: 160 e s.

TRIBUNAIS DE ALÇADA — extinção: 242

TUTELA JURISDICIONAL — de conhecimento, execução e cautelar: 65

VALOR — como critério de determinação da competência: 251 — como fundamento do direito: 37 — da pessoa humana e o direito: 37 — perspectivas de análise: 36

VARAS DISTRITAIS — 241

VITALICIEDADE — 257

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