direito penal

49
DIREITO PENAL Prof. Agudo

Upload: amandabuzzon

Post on 18-Jan-2016

24 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Direito Penal

DIREITO PENAL

Prof. Agudo

Page 2: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

DIREITO PENAL

LIVRO ADOTADO E QUE DEVE SER SEGUIDO PARA ESTUDOS:CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1 : parte geral – ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva,

2012. (ou edição mais atualizada)

ATENÇÃO: O material aqui postado serve apenas de base para seus estudos e não substitui o livro adotado. Questionamentos poderão ser feitos com base no livro adotado.

Bibliografia consultada e sugerida para ampliação dos estudos : BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal, parte geral: vol. 01 – 6. ed. rev.. e atual. – São Paulo :

Saraiva, 2008.BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal : parte geral, volume 1 – 4. Ed. rev. e atual. – São

Paulo : Saraiva, 2004.BRUNO, Aníbal. Direito Penal, parte geral, tomo 3º - Rio de Janeiro, Forense, 1978.JESUS, Damásio E. de. Direito Penal, volume 1 e volume 2 – 28. ed. rev. – São Paulo : Saraiva, 2005.MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal, volume I – 23. ed. – São Paulo : Atlas, 2005.MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código Penal Interpretado – São Paulo : Atlas, 1999.NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. – São Paulo: Saraiva, 1985-1987.SILVA, César Dario Mariano da. Manual de Direito Penal, volume I, parte geral, arts. 1º a 120. – 4ª ed. –

Rio de Janeiro: Forense, 2006.ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELLI, José Henrique. Da tentativa: Doutrina e Jurisprudência. 2ª

Edição: Editora Revista dos Tribunais.

1. CONCEITO DE DIREITO PENAL

Falar de Direito Penal é falar, de alguma forma, de violência. Das necessidades da vida em sociedade, surge o Direito, que visa garantir condições à coexistência

das pessoas dentro do grupo social. O fato que contraria a norma de Direito é um ilícito jurídico. Esse ilícito jurídico pode ter conseqüências meramente civis ou possibilitar a aplicação de sanções penais.

No primeiro caso, tem-se o ilícito civil, que acarretará uma reparação civil (Ex. acidente de trânsito sem vítima – aquele que deu causa ao acidente é obrigado a indenizar a outra parte), a nulidade do ato jurídico, multa fiscal ou a demissão do funcionário público, etc.

Quando as infrações aos direitos e interesses do indivíduo assumem determinadas proporções (ou seja, são mais graves), e os demais meios de controle social mostram-se insuficientes ou ineficazes, surge o Direito Penal, procurando resolver conflitos. Dessa forma, àquele que pratica um homicídio simples será aplicada pena de 06 a 20 anos de reclusão (artigo 121 “caput”).

Assim, o Direito Penal é um conjunto de normas jurídicas pelas quais o Estado proíbe determinadas condutas, sob ameaça de sanção penal.

Segundo Cézar Roberto Bitencourt, o Direito Penal é o conjunto de normas jurídicas que tem por objeto a determinação de infrações de natureza penal e suas sanções correspondentes, ou seja, o Direito Penal estabelece as infrações (crimes e contravenções) e também as sanções (penas e medidas de segurança).

Pode-se dizer que o Direito Penal é a defesa dos bens jurídicos fundamentais (vida, integridade física, honra, liberdade, patrimônio, costumes, etc).

O Direito Penal tem duas funções básicas: proteção dos bens jurídicos e manutenção da paz social. Bens jurídicos são os valores ou interesses do indivíduo ou da coletividade, reconhecidos pelo direito. Paz social é a ordem que deve reinar na vida comunitária.

O ordenamento jurídico brasileiro filia-se ao sistema romano-germânico, conhecido como civil Law, voltado para a criação de uma sociedade ideal. Sentido diverso, dá-se com os países da common law, do direito costumeiro, voltando-se mais à realidade do que ao ideal, deixando que a realidade crie eventualmente as leis.

Direito Penal ou Direito Criminal?As duas denominações mais freqüentes de nossa ciência são “direito penal” e “direito criminal”. A expressão “direito criminal” é mais abrangente porque enfatiza o crime, sem o qual evidentemente

não se pode falar em pena ou medida de segurança. Essa denominação foi utilizada pelo nosso primeiro Código de 1830, chamado de “Código Criminal”.

A expressão “direito penal” generalizou-se na maioria dos países, sendo adotada também no direito brasileiro (Código Penal). Segundo Eugênio Raúl Zaffaroni, “a principal forma de coerção penal continua sendo a pena” que é a única de suas manifestações, motivo pelo qual defende a denominação direito penal.

2

Page 3: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

1.1. Posição EnciclopédicaDeve-se situar o Direito Penal dentro da Enciclopédia Jurídica na divisão do Direito Público ou Privado.O Direito Público é aquele que atende de maneira prevalente ao interesse geral e estabelece as

relações entre o Estado e o indivíduo.Já o Direito Privado é aquele que atende principalmente o interesse do particular, do indivíduo.Dos conceitos acima, conclui-se que o Direito Penal é ramo do Direito Público. Por ser ramo do direito

público suas normas são indisponíveis, impondo-se a todos obrigatoriamente.

1.2. Direito Penal objetivo e Direito Penal subjetivoDenomina-se Direito Penal Objetivo a legislação penal em vigor, o conjunto de normas que regulam a

ação estatal, definindo os crimes e cominando sanções. Somente o Estado pode estabelecer e aplicar essas sanções.O Estado é o único e exclusivo titular do direito de punir (jus puniendi), que constitui o que se

denominada Direito Penal subjetivo. O Direito Penal subjetivo é limitado pelo próprio Direito Penal objetivo, que estabelece os seus limites.

Portanto, temos:Direito Penal Objetivo – legislador em vigor.Direito Penal Subjetivo – é o direito de punir (jus puniendi)

1.3. Direito Penal substantivo (material) e Direito Penal adjetivo (formal)Direito Penal substantivo (ou direito material) é o direito penal propriamente dito, constituído pelas

normas que definem princípios, condutas criminosas e as sanções correspondentes (Código Penal). É o conjunto das leis penais em vigor.

Direito Penal adjetivo (ou direito formal) é o Direito Processual, que tem a finalidade de determinar a forma como deve ser aplicado o direito penal.

2. SÍNTESE HISTÓRICA DO PENSAMENTO JURÍDICO-PENAL

2.1. Tempos PrimitivosEmbora a história do Direito Penal tenha surgido com o próprio homem, nos tempos primitivos, os

fenômenos maléficos eram tidos como resultantes das forças divinas. Criaram-se uma série de proibições (religiosas, sociais) que, não obedecidas, acarretavam castigo, a punição do infrator, gerando o que modernamente chamamos de “crime” e “pena”.

O castigo infligido era o sacrifício da própria vida do transgressor ou a oferenda por este de objetos valiosos (animais, peles, frutas) à divindade.

A pena, nos tempos primitivos, nada mais era do que a vingança, revide à agressão sofrida.

São as chamadas fases da vingança:1) Vingança Privada: cometido um crime, ocorria a reação da vítima ou de seus familiares. Surge a

Lei de Talião (Talião significa “castigo na medida da culpa”) que limita a reação à ofensa a um mal idêntico (sangue por sangue, olho por olho, dente por dente). Adota-se o Código de Hamurábi (Babilônia) e a Lei das XII Tábuas (Roma).

Posteriormente surge a composição, sistema pelo qual o ofensor se livrava do castigo com a compra de sua liberdade (pagamento em moeda, gado, etc).

2) Vingança Divina: é a influência da religião na vida dos povos antigos. O castigo, ou oferenda, por delegação divina era aplicado por sacerdotes que infligiam penas severas.

3) Vingança Pública: visando dar maior credibilidade ao Estado, as penas passaram a ser aplicadas pelo príncipe ou soberano, entretanto, ainda eram severas e cruéis.

2.2. Direito Penal Romano, germânico e canônico2.2.1 Direito Penal RomanoEm Roma, evoluindo-se das fases da vingança, direito e religião separam-se.Os delitos são divididos em crimina publica (mais graves) e delicta privata (menos graves). A pena

torna-se pública e a pena de morte praticamente é abolida, sendo substituída pelo exílio e deportação.Características principais do direito penal romano:a) caráter público e social do Direito Penal;b) surgimento do elemento subjetivo doloso;c) teoria da tentativa;d) consideração do concurso de pessoas, diferenciando autoria e participação.2.2.2. Direito Penal GermânicoO Direito Germânico primitivo não era composto de leis escritas, caracterizando-se como um Direito

consuetudinário.

3

Page 4: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

O Direito era concebido como uma ordem de paz e sua transgressão uma ruptura da paz, pública ou privada. A ruptura da paz por crime público autorizava matar o agressor. Quando se tratasse de crime privado, o transgressor era entregue à vítima e seus familiares para que exercessem o direito de vingança.

Só tardiamente o Direito Germânico adotou a pena de talião.

2.2.3. Direito CanônicoO Direito Penal Canônico ou da Igreja foi a influência do cristianismo na legislação penal. A crescente

influência da Igreja e o enfraquecimento do Estado, fizeram com que o Direito Canônico se desenvolvesse.A grande contribuição do Direito Canônico foi o surgimento da prisão moderna, visando a reforma do

delinqüente. Surgiram as palavras penitenciário e penitenciária, originadas de “penitência”.As penas ainda eram cruéis ou de morte e visava a intimidação.

2.2.4. Período HumanitárioÈ no decorrer do Iluminismo que se inicia o Período Humanitário do Direito Penal, movimento que

pregou a reforma das leis e da administração da justiça penal.Em 1764, Cesare Beccaria fez publicar a obra “Dos Delitos e das penas”, demonstrando a

necessidade de reforma das leis penais. Firmou em sua obra os postulados básicos do Direito Penal moderno:1. Os cidadãos, por viverem em sociedade, cedem apenas uma parcela de sua liberdade e direitos.

Por isso não se pode aplicar penas que atinjam direitos não cedidos, como a pena de morte.2. Só as leis podem fixar as penas.3. As leis devem ser conhecidas pelo povo e redigidas com clareza.4. Devem ser admitidas em juízo todas as provas, inclusive, a palavra do condenado.5. Não se deve permitir o testemunho secreto, a tortura para o interrogatório e os juízos de Deus,

que não levam à descoberta da verdade.6. A pena deve ser utilizada para recuperar o delinqüente e não para intimidar.

4. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PENAL BRASILEIRO

4.1. Período ColonialAntes do domínio português nossos silvícolas possuíam apenas regras consuetudinárias (usos e

costumes), transmitidas verbalmente e quase sempre dominadas pelo misticismo. Predominava o talião, a vingança privada e divina.

A partir do descobrimento passou a vigorar em nossas terras o Direito lusitano. Tais documentos, entretanto, não chegaram a ser eficazes.

O arbítrio dos donatários, na prática, é que estatuía o Direito a ser aplicado. Devido a isso, o crime era confundido com pecado punindo-se com a morte, via de regra. As penas cruéis, como o açoite e mutilações, visavam difundir do medo.

4.2. Período ImperialApós a independência elaborou-se o Código Criminal de 1830. O Código era de índole liberal, tentava

individualizar a pena, trazia atenuantes e agravantes e estabelecia julgamento especial a menores de 14 anos.Implementou-se a idéia de legítima defesa, estado de necessidade, concurso de pessoas e tentativa.

Impôs a imprescritibilidade dos delitos.O mais importante desse código é que o artigo 1º adotou o princípio da legalidade (para ocorrer

aplicação de pena é necessário lei que a determine).

4.3. Período RepublicanoCom o advento da República editou-se em 1890 o novo Código Penal. Como foi elaborado às pressas,

foi alvo de várias críticas, não faltando projetos no sentido de modificá-lo.A pena de morte foi abolida e as penas se tornaram muito mais brandas.Em 1937, durante o Estado Novo, apresentou-se um novo projeto de código criminal que entrou em

vigor em 1942 e está em vigor até hoje.

5. DIREITO PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

A Constituição Federal, em seu artigo 1º, caput, definiu o perfil político-constitucional do Brasil como o de um Estado Democrático de Direito. Dele decorrem todos os princípios fundamentais de nosso Estado.

Estado Democrático é muito mais do que Estado de Direito. Este último, assegura que todos são iguais porque a lei é igual para todos e nada mais, ou seja, todos estão submetidos ao império da lei.

Já o Estado Democrático de Direito vai mais além. Proclama não apenas uma igualdade formal entre todos os homens, mas pela imposição de metas e deveres quanto à construção de uma sociedade melhor.

4

Page 5: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

O Estado Democrático de Direito não apenas impõe a submissão de todos ao império da lei, mas estabelece que as leis devem possuir conteúdo e adequação social, descrevendo infrações que realmente colocam em perigo bens jurídicos fundamentais para a sociedade.

Portanto, do Estado Democrático de Direito partem princípios regradores dos mais diversos campos da atuação humana. Dentro desses princípios, há um de fundamental importância, o Princípio da Dignidade Humana (CF, art. 1º, III).

Podemos então, afirmar que do Estado Democrático de Direito parte o princípio da dignidade humana, orientando toda a formação do Direito Penal. Assim, todo tipo penal deve seguir o princípio básico, caso contrário, deverá ser extirpado do ordenamento jurídico.

Da dignidade humana, princípio genérico e reitor do Direito Penal, partem outros princípios mais específicos. Podemos citá-los: a) legalidade; b) intervenção mínima; c) fragmentariedade; d) humanidade; e) insignificância; f) ofensividade; g) proporcionalidade; h) alteridade; i) adequação social; j) confiança; l) imputação pessoal; m) personalidade e; n) responsabilidade subjetiva (culpabilidade).

Tais princípios têm a função de estabelecer limites à liberdade de seleção típica do legislador.

5.1. Princípios limitadores do poder punitivo e princípios do direito penalI- INTRODUÇÃOOs princípios gerais e constitucionais do Direito Penal são garantias do cidadão perante o

poder punitivo estatal e estão amparados pela Constituição Federal de 1988 (art. 5º).Esses princípios, hoje insertos, implícita ou explicitamente, em nossa Constituição, têm,

segundo Cezar Roberto Bittencourt, “a função de orientar o legislador ordinário para a adoção de um sistema de controle penal voltado para os direitos humanos, embasado em um Direito Penal da culpabilidade, um Direito Penal mínimo e garantista”.

Passamos a analisar os princípios citados, entretanto, é bom que se diga que referidos princípios variam de autor para autor, muitos, inclusive, citando alguns não mencionados por outros. Entretanto, como se afirmou acima, a função básica desses princípios é a garantia do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, elencado no artigo 1º, inciso III da Constituição da República Federativa do Brasil.

II- PRINCÍPIOSa) Princípio da Legalidade ou da reserva legalNa repressão aos delitos, o Estado age de maneira drástica, intervindo nos direitos mais

elementares das pessoas. Assim, necessário um princípio que controle o poder punitivo estatal. Esse princípio é o princípio da legalidade ou da reserva legal.

O princípio da legalidade ou da reserva legal constitui uma efetiva limitação do poder punitivo do Estado. Por tal princípio devemos entender que nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-a como crime e cominando-lhe a sanção correspondente.

A lei deve definir com precisão e de forma cristalina a conduta proibida.É o que estabelece o artigo 5º, inciso XXXIX da C.F.: “não haverá crime sem lei anterior que o

defina, nem pena sem prévia cominação legal”. A mesma redação vamos encontrar no primeiro artigo do Código Penal.Muitos doutrinadores dividem a Legalidade em dois subprincípios: Reserva Legal e

Anterioridade da Lei.

b) Princípio da Intervenção MínimaO princípio da legalidade impõe limites ao arbítrio judicial, mas não impede que o Estado –

observada a reserva legal – crie tipos penais iníquos e comine sanções cruéis e degradantes.O Princípio da Intervenção Mínima, orienta e limita o poder incriminador do Estado,

preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se para o restabelecimento da ordem forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais. Por isso o princípio da intervenção mínima.

Para o princípio da intervenção mínima, o direito penal somente deve intervir no último caso, ou seja, quando os demais ramos do ordenamento se revelarem insuficientes para a solução do conflito. O Direito Penal é a ultima ratio para a solução dos conflitos, devendo ser invocado apenas para situações de real gravidade. Tal princípio assenta-se no artigo 8º da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, que estabelece que a lei só deve prever as penas estritamente necessárias.

c) Princípio da fragmentariedadeNem todas as ações que lesionam bens jurídicos são proibidas pelo Direito Penal, como nem

todos os bens jurídicos são por ele protegidos. O Direito Penal limita-se a castigar as ações mais graves, decorrendo daí sua fragmentariedade, uma vez que se ocupa somente de uma parte dos bens jurídicos protegidos pela ordem jurídica.

d) Princípio da humanidadeSustenta que o poder punitivo do Estado não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade da

pessoa humana ou que lesionem os condenados.Esse princípio é o maior entrave para a adoção da pena capital e da prisão perpétua.

5

Page 6: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

A proscrição de penas cruéis, a proibição de tortura e maus-tratos nos interrogatórios policiais são conseqüências do princípio da humanidade. Temos na nossa constituição a proibição da pena de morte, da prisão perpétua, de trabalhos forçados, de banimento e das penas cruéis (art. 5º, XLVII).

e) Princípio da Insignificância (ou da bagatela)Esse princípio foi introduzido no sistema penal por Claus Roxin em 1964 e consiste no fato de

que o Direito Penal não deve preocupar-se com bagatelas, assim como não serão admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar qualquer bem jurídico. Se a finalidade do direito penal é tutelar um bem jurídico, sempre que a lesão for insignificante, não haverá adequação típica. Klaus Tiedemann chamou-o de princípio da bagatela.

Esse princípio não tem previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro, sendo considerado princípio auxiliar de determinação da tipicidade. No tipo penal somente estão descritos os comportamentos capazes de ofender o interesse tutelado pela norma. Por essa razão, os danos de nenhuma monta devem ser considerados atípicos.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reconhecido a tese da exclusão da tipicidade nos chamados delito de bagatela, aos quais se aplica o princípio da insignificância, dado que à lei não cabe preocupar-se com infrações de pouca monta, insuscetíveis de causar o mais ínfimo dano à coletividade.

Não se pode confundir delitos insignificantes ou de bagatela com crimes de menor potencial ofensivo previstos na Lei nº 9.099/95, pois nestes a gravidade é perceptível socialmente.

f) Princípio da Ofensividade ou princípio do fatoPara que se tipifique algum crime é indispensável que haja, pelo menos, um perigo concreto,

real e efetivo de dano a um bem jurídico protegido. Tal princípio não permite que o direito penal se ocupe das intenções e pensamentos das

pessoas, do seu modo de viver ou de pensar, das suas atitudes internas.A atuação repressiva do direito penal pressupõe que haja um efetivo e concreto ataque ao

interesse socialmente relevante. Há necessidade de um perigo real ao bem jurídico protegido.g) Princípio da proporcionalidadeO princípio da proporcionalidade é um princípio implícito, ou seja, não expresso em nosso

ordenamento jurídico. Assim, a doutrina e jurisprudência entendem que ele decorre do princípio da legalidade, pois a lei se presume proporcional, seja de qual natureza for, a exemplo de uma lei penal que determine uma sanção pelo descumprimento de um dever, caso em que, se esse descumprimento é muito grave, a sanção deverá também ser muito gravosa. Por outro lado, se houver descumprimento parcial da norma, a sanção deverá ser atenuada, como forma de cumprimento do princípio da proporcionalidade que preceitua a adequação entre os fins e os meios.

E, como o Estado Democrático de Direito é fundamentado na Lei, seja ela a Lei Constitucional, seja a infraconstitucional, podemos dizer que o princípio da proporcionalidade é conseqüência do Estado Democrático de Direito, extraindo-se dele. Só podemos falar em adequação entre meios e fins, ou seja, de proporcionalidade, quando há lei, quando o fato é fundamentado ou regulado por uma norma. Sem ela, não temos a garantia de que o operador do direito, assim como o cidadão, será adequado, razoável, sensato, e assim por diante. O Estado Democrático de Direito, fundamentado no ordenamento jurídico positivado é a garantia, portanto, da atuação proporcional dos indivíduos e da sociedade em geral.

A criação de tipos incriminadores pelo Direito Penal deve ser uma atividade compensadora para todos os membros da sociedade. Quando a criação do tipo não se revelar proveitosa para a sociedade, estará ferido o princípio da proporcionalidade, devendo a descrição legal ser expurgada do ordenamento jurídico.

Além disso, a pena deve guardar proporção com o mal infligido ao corpo social (Ex: comparar as penas dos artigos 121 e 273 do CP).

h) Princípio da alteridade ou transcendentalidadeProíbe a incriminação de atitude meramente subjetiva, que não ofenda nenhum bem jurídico.

Ninguém pode ser punido por ter feito mal só a si mesmo. Só pode ser castigado aquele comportamento que lesione direitos de outras pessoas e que não seja simplesmente imoral. Por essa razão, a autolesão não é crime. O fato típico pressupõe um comportamento que transcenda a esfera individual do autor e seja capaz de atingir o interesse do outro, ou seja, que o fato se dê em prejuízo de outrem. Também foi desenvolvido por Claus Roxin. O princípio da alteridade veda incursões do direito penal na esfera íntima do indivíduo, coibindo a incriminação do seu pensamento, ou de condutas moralmente censuráveis, mas incapazes de penetrar na esfera de outro.

i) Princípio da adequação socialTodo comportamento que, a despeito de ser considerado criminoso pela lei, não afrontar o

sentimento social de justiça (aquilo que a sociedade tem por justo) não pode ser considerado criminoso. Para esse princípio, o Direito Penal somente tipifica condutas que tenham certa relevância social.

Não se confunde esse princípio com o da insignificância. Na adequação social a conduta deixa de ser punida por não mais ser considerada injusta pela sociedade; na insignificância, a conduta é considerada injusta, mas de escassa lesividade.

j) Princípio da ConfiançaSegundo este princípio, todos devem esperar por parte das outras pessoas que estas sejam

responsáveis e ajam de acordo com as normas. A conduta normal, praticada pelo agente, confiando em que o outro também atuará de modo já previsto e esperado, será considerada atípica caso o terceiro quebre a expectativa e atue de

6

Page 7: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

modo inesperado, produzindo um dano. Por exemplo: nas intervenções cirúrgicas, o cirurgião tem de confiar na assistência correta que costuma receber de seus auxiliares, de maneira que, se a enfermeira lhe passar uma injeção com medicamento trocado e, em face disso, o paciente viera a falecer, não haverá conduta culposa por parte do médico, pois não foi sua ação que violou o dever objetivo de cuidado. Outro exemplo é do motorista na preferencial ao passar no cruzamento, na confiança de que o outro está cumprindo sua obrigação de parar. No caso de acidente, não terá agido com culpa.

l) Princípio da irretroatividade da lei penalHá uma regra dominante em termos de conflito de leis penais no tempo, a irretroatividade da

lei penal, sem a qual não haveria segurança e nem liberdade na sociedade.A despeito da regra acima, o princípio da irretroatividade vige somente em relação à lei mais

severa. Admite-se no direito intertemporal, a aplicação retroativa da lei mais favorável (art. 5º, XL, da C.F.). Assim, pode-se resumir a questão no seguinte princípio: a retroatividade da lei penal mais benigna. A lei nova que for mais favorável ao réu sempre retroage.

m) Princípio da igualdadeTodos são iguais perante a lei penal (CF. art. 5º “caput”), não podendo o delinqüente ser

discriminado em razão de cor, sexo, religião, raça, procedência, etnia, etc.n) Princípio da Imputação PessoalO direito penal não pune os inimputáveis.o) Princípio da PersonalidadeNinguém pode ser responsabilizado por fato cometido por outra pessoa.p) Princípio da Responsabilidade subjetiva (Culpabilidade)Ninguém pode ser punido sem agir com dolo ou culpa.

6. TEORIA DA LEI PENAL

6.1. Fontes do Direito PenalFonte é o lugar de onde o direito provém.Fontes do direito são todas as formas ou modalidades por meio das quais são criadas, modificadas ou

aperfeiçoadas as normas de um ordenamento jurídico.

Espécies de fontes do Direito Penal:a) Fonte de produção, material ou substancial: A União é a fonte de produção do Direito Penal.

O instrumento para materializar sua vontade é a lei.Estabelece o artigo 22, I da C.F. que compete à União legislar em matéria penal. Essa é a mais

autêntica fonte material de Direito Penal.b) Fonte formal, de cognição ou de conhecimento: refere-se ao modo pelo qual o Direito Penal

se exterioriza. As fontes formais se dividem em imediatas e mediatas:- Imediata : Fonte imediata é a lei. A lei é formada pelo preceito primário (descrição da conduta) e

pelo preceito secundário (sanção). A lei, no direito penal, não é proibitiva, mas descritiva. Ex: Artigo 121 do Código Penal: “Matar alguém”. Veja que a lei não diz que é proibido matar, apenas descreve a conduta.A lei penal pode ser classificada em duas espécies: leis incriminadoras (artigo 121 do CP) e leis não incriminadoras (artigo 25 do CP).Leis Incriminadoras são as que descrevem crimes e cominam penas.Leis não incriminadoras são as que não descrevem crimes nem cominam penas. As não incriminadoras podem ser permissivas e finais (complementares ou explicativas). Permissivas são as que tornam lícitas determinadas condutas (Ex: estado de necessidade – art. 24 do CP; legítima defesa – art. 25 do CP). Finais, complementares ou explicativas são as que esclarecem o conteúdo de outras normas e delimitam o âmbito de sua aplicação. (art. 4º - tempo do crime; 7º - extraterritorialidade; art. 63 - reincidência e art. 327 – funcionário público, todos do CP).

- Mediata : costumes, doutrina, jurisprudência e os princípios gerais de direito.a) Costumes: é o complexo de regras não escritas, consideradas obrigatórias e seguidas de modo

reiterado e uniforme pela coletividade. São espécies de costume, conforme nos explica André Franco Montoro em sua obra Introdução à

Ciência do Direito:- “Contra legem”: é o costume formado no sentido contrário à lei. O que pode ocorrer em dois casos:

no desuso da lei, quando o costume simplesmente suprime a lei, que fica letra morta e é bom que se diga que o costume não revoga lei penal, ou no costume ab-rogatório, que cria uma nova regra. Um exemplo de costume contra a legem é o jogo do bicho que continua a ser contravenção penal.

- “Secundum legem”: é o costume que encontra suporte legal, ou seja, a lei a ele se reporta expressamente e reconhece sua obrigatoriedade. Um exemplo é que o Código Civil (Art. 569, II)

7

Page 8: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

dispõe que o locatário é obrigado a pagar o aluguel nos prazos ajustados e, na sua falta, segundo o costume do lugar. O preceito consuetudinário, não contido na lei, é por ela reconhecido e admitido como eficácia obrigatória.

- “Praeter legem”: é o costume que intervém na falta ou na omissão da lei. Tem caráter supletivo. A lei deixa lacunas que são preenchidas pelo costume, apesar de não se referir a ele expressamente. Significa dizer que há expressões no Direito Penal que o costume é que ajuda a interpretá-los (honra, decoro, mulher honesta, ato obsceno, etc).Os costumes secundum legem e praeter legem são aceitos pacificamente pela doutrina, a legislação

e a jurisprudência. Já o costume contra legem não é aceito no direito penal.

b) Princípios Gerais do Direito: são premissas éticas extraídas da legislação e que suprem as lacunas e omissões da lei penal. Ex: a não punição da mãe que fura as orelhas da filha para colocar brinco (haveria lesões corporais). Podem ser considerados como a consciência ética de um povo.

Os princípios gerais do direito não podem ser fontes de incriminação de condutas. Porém, no campo das normas não incriminadoras, esses princípios podem ampliar as causas de exclusão da antijuridicidade ou da culpabilidade.

São empregados para suprir lacunas deixadas pelas normas penais não-incriminadoras, uma vez que só a lei pode criar crimes e impor penas.

Alguns doutrinadores citam ainda como fontes mediatas a doutrina e a jurisprudência, entretanto, a maioria entende que não são fontes mediatas do direito.

c) Doutrina: é o resultado da atividade intelectual dos doutrinadores. A doutrina, através de estudos e pesquisas elaboradas emite juízos de valor e apresenta sugestões procurando iluminar e facilitar o trabalho dos aplicadores da lei.

d) Jurisprudência: conjunto de decisões judiciais em um mesmo sentido prolatada de maneira uniforme e constante.

6.2. INTERPRETAÇÃO DA LEI PENALÉ a atividade que consiste em extrair da norma penal seu exato alcance e real significado. A ciência

que disciplina e orienta a interpretação das leis é chamada de hermenêutica jurídica. Toda lei, por mais clara que seja, deve ser interpretada.

A interpretação deve buscar a vontade da lei e não a vontade do legislador.

ESPÉCIES DE INTERPRETAÇÃO:a) Quanto ao sujeito que a faz: pode ser autêntica, doutrinária e judicial.

1. Interpretação autêntica ou legislativa: é aquela que procede do próprio legislador, ou seja, do próprio sujeito que elaborou o preceito interpretado. Exemplos são o conceito de causa (art. 13 do CP) e o conceito de funcionário público (art. 327 do CP).

A interpretação autêntica pode ser contextual ou posterior.- Contextual é a interpretação que o legislador faz no próprio texto da lei. Ex: conceito de funcionário

público constante no artigo 327 do CP; o que se deve entender por casa no art. 150, § 4º e 5º do CP.Devemos observar que os anteprojetos, projetos, debates parlamentares e a exposição de motivos

não são formas de interpretação autêntica. Aquelas revelam a intenção do legislador, esta última vale como interpretação doutrinária.

- Posterior é a realizada pelo sujeito da regra que se interpreta depois de editada a lei, com o fim de elidir incertezas ou obscuridades (Ex: Artigo 12 da Lei nº 10.826/03 – utilização da expressão “arma de fogo de uso permitido” e a posterior edição do Decreto nº 5.123/04 conceituando arma de fogo de uso permitido no artigo 10). Portanto, neste caso, a lei interpretativa surge depois da lei interpretada e tem eficácia retroativa (ex tunc), ainda que milite contra o réu. Só não abrange os casos definitivamente julgados.

2. Interpretação doutrinária: é aquela feita pelos doutrinadores, pelos estudiosos do direito, quando comentam as leis. A interpretação doutrinária não tem força obrigatória.

3. Interpretação judicial: é a que deriva dos órgãos judiciários (juízes e tribunais). Não tem força obrigatória, exceto se tiver efeito vinculante conforme art. 103-A da CF, nos casos de decisão do STF editando súmula com efeito vinculante. São exemplos de interpretação judicial as Súmulas do STF e do STJ.

b) Quanto aos meios ou métodos empregados: a interpretação pode ser gramatical (literal ou sintática) ou lógica (teleológica).

1. Interpretação gramatical, literal ou sintática: ao se interpretar as leis deve-se buscar o sentido das palavras. Entretanto, a simples análise gramatical não é suficiente, porque pode levar à conclusão que aberre o sistema, motivo pelo qual a necessidade da interpretação lógica.

8

Page 9: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

2. Interpretação lógica ou teleológica: é a que consiste na indagação da vontade ou intenção objetivada na lei. Busca-se a vontade da lei, o fim visado pela lei, atendendo-se aos seus fins sociais e à sua posição no ordenamento jurídico. A interpretação teleológica analisa os elementos históricos (a realidade do tempo em que houve a promulgação da lei), sistemáticos (coerência da lei interpretada e outros dispositivos legais) e o direito comparado (a interpretação dada pelo direito estrangeiro sobre uma lei semelhante à nacional).

c) Quanto ao resultado: o intérprete, após empregar os meios anteriormente estudados, chega à uma conclusão. Esta conclusão pode ser: declarativa, extensiva, restritiva ou ab-rogante (conforme classificação de Flávio Monteiro de Barros).

1. Interpretação declarativa: quando há perfeita correspondência entre a palavra da lei e a sua vontade. Ex: determina o artigo 141, III do CP, que nos crimes contra a honra as penas são aumentadas de um terço se o fato é cometido “na presença de várias pessoas”. Qual é esse mínimo: duas ou três? Deve-se entender que o mínimo é superior a duas, porque sempre que a lei se contenta com duas pessoas di-lo expressamente (art. 150, § 1º; 226, I, etc.).

2. Interpretação restritiva: quando a letra escrita da lei foi além de sua vontade (a lei disse mais do que queria e, por isso, deve-se restringir (interpretação restritiva) o seu significado. Ex: diz o art. 28, I e II do CP, que excluem a imputabilidade penal a emoção, a paixão ou a embriaguez voluntária ou culposa. O dispositivo deve ser interpretado restritivamente, no sentido de serem considerados esses estados quando não patológicos, pois de outra forma, haveria contradição com o artigo 26 caput. Se o estado for patológico aplica-se o artigo 26 e não o 28. Outro exemplo: No art. 332, do conceito de funcionário público deve ser excluído “juiz, jurado, órgão do Ministério Público, etc.”, referidos no crime de exploração de prestígio (art. 357 do CP).

3. Interpretação extensiva: a letra escrita da lei ficou aquém de sua vontade (a lei disse menos do que queria). Por isso, a interpretação deve ser extensiva, ampliando o seu significado. Ex: o artigo 235 incrimina a bigamia (esta abrange a poligamia); o artigo 130 incrimina a exposição a contágio de doença venérea, deve ser ampliado abrangendo também o próprio contágio.

6.3. ANALOGIA EM DIREITO PENALA analogia consiste em aplicar-se a uma hipótese não regulada por lei disposição relativa a um caso

semelhante. Na analogia, o fato não é regido por qualquer norma, e por esse motivo, aplica-se um caso análogo. Exemplo: o artigo 128, II do CP, dispõe que o aborto praticado por médico não é punido “se a

gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”. E se a gravidez resultar de atentado violento ao pudor? Em virtude da analogia, estende-se o benefício também à essa hipótese não prevista na lei.

A analogia é forma de auto-integração da lei para suprir lacunas porventura existentes.

6.3.1. Distinção entre Analogia, Interpretação Extensiva e Interpretação Analógica:Analogia: na analogia não há norma reguladora para a hipótese e aplica-se então, norma relativa a

um caso semelhante.

Interpretação extensiva: existe uma norma regulando a hipótese, de modo que não se aplica norma de caso análogo; contudo tal norma não menciona expressamente essa eficácia, devendo o intérprete ampliar o seu significado. Ex: o artigo 235 incrimina a bigamia (esta abrange a poligamia); o artigo 130 incrimina a exposição a contágio de doença venérea, deve ser ampliado abrangendo também o próprio contágio.

Interpretação analógica: após uma seqüência casuística (de um caso), segue-se uma formulação genérica, que deve ser interpretada de acordo com os casos anteriormente elencados. Ex: o artigo 171 do CP, ao definir o estelionato, fala em “qualquer outro meio fraudulento”, que quer dizer: qualquer meio semelhante ao “artifício” ou “ardil”. É a própria norma penal incriminadora que permite o emprego.

Qual a diferença entre analogia e interpretação analógica?A analogia é forma de auto-integração da lei. Não é vontade da lei abranger casos semelhantes.

Logo, aplica-se a uma hipótese não regulada por lei, disposição relativa a caso semelhante.Na interpretação analógica é o próprio dispositivo que determina se aplique analogicamente o

preceito. A própria lei define a fórmula casuística e menciona casos que devem ser compreendidos por semelhança.

6.3.1. Espécies de AnalogiaA analogia pode ser dividida em:- legal (ou legis): o caso é regido por um preceito legal semelhante;- jurídica (ou juris): o caso é regido por princípio extraído do ordenamento jurídico.- in bonan partem: a analogia é empregada em benefício do agente;- in malam partem: a analogia é empregada em prejuízo do agente.

9

Page 10: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

Observação Importante: Não se admite a aplicação da analogia para normas incriminadoras, uma vez que não se pode violar o princípio da reserva legal.

1. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

1.1. IntroduçãoDiz o Art. 1º do C.P.: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.”

Esse princípio foi reconhecido pela primeira vez em 1215, na Magna Carta, por imposição dos barões ingleses ao Rei João Sem-Terra. Previa que nenhum homem livre poderia ser submetido à pena não cominada em lei local.Cesare Beccaria, na obra Dos Delitos e das Penas, também preconiza que só as leis podem fixar as penas de cada delito e que o direito de fazer as leis penais é tarefa exclusiva do legislador.

O nullum crimen, nulla poena sine lege (não há crime e não há pena sem lei), também está previsto na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5.º, XXXIX e tem por finalidade servir como garantia política ao cidadão contra o arbítrio estatal (freio à pretensão punitiva estatal).

A doutrina majoritária o considera sinônimo do princípio da reserva legal. Discordamos desse posicionamento, pois entendemos que o princípio da legalidade compreende dois princípios distintos: o da reserva legal e o da anterioridade.

1.1.1. Princípio da reserva legalNão há crime sem lei que o defina, nem pena sem cominação legal. Somente a lei pode descrever crimes e

cominar penas.

Podemos estudar o princípio da reserva legal sob dois aspectos:a) Formal

Reserva absoluta da lei (Nullum crimen, nulla poena sine lege scripta): somente a lei no sentido estrito da palavra, emanada e aprovada pelo Poder Legislativo, por meio de procedimento adequado, poderá criar tipos e impor penas. A medida provisória, embora tenha força de lei, não é lei, pois não nasce no Poder Legislativo, logo, não pode veicular matéria penal. A Constituição Federal veda a adoção de medida provisória sobre matéria relativa a Direito Penal (artigo 62, § 1.º, inciso I, alínea “b”). Lei delegada também não pode abordar matéria penal, uma vez que o artigo 68, § 1.º, inciso II, da Constituição Federal, determina que não serão objeto de delegação as matérias referentes a direitos individuais.

Taxatividade (Nullum crimen, nulla poena sine lege certa): refere-se à necessidade da lei descrever o crime em todos os seus pormenores. A descrição da conduta criminosa deve ser detalhada e específica. A lei não pode conter expressões vagas e de sentido equívoco, uma vez que fórmulas excessivamente genéricas criam insegurança no meio social, pois dão ao juiz larga e perigosa margem de discricionariedade. Essa proibição, entretanto, não alcança os crimes culposos, pois seria impossível ao legislador pormenorizar todas as condutas humanas ensejadoras da composição típica. Por isso, os tipos culposos são denominados tipos abertos e excepcionam a regra da descrição pormenorizada (quase todos os tipos dolosos são fechados).

Vedação ao emprego da analogia (Nullum crimen, nulla poena sine lege stricta): o princípio da reserva legal proíbe o emprego da analogia em matéria de norma penal incriminadora. Essa é a analogia in malam partem. Não é vedado, entretanto, o uso da analogia in bonam partem, pois favorece o direito de liberdade, seja com a exclusão da criminalidade, seja pelo tratamento mais favorável ao réu. Exemplo de analogia in bonam partem: O Código Penal, no artigo 128, inciso II, não pune o aborto praticado por médico se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido do consentimento da gestante ou de seu representante, se incapaz. O médico, por analogia, também não deve ser punido se a gravidez resultar de atentado violento ao pudor. Observação: alguns doutrinadores entendem que esse exemplo se trata de interpretação extensiva.

b) Material O tipo penal exerce também uma função seletiva, pois é por meio dele que o legislador seleciona, entre todas as

condutas humanas, as mais perniciosas à sociedade. Em um tipo penal não podem constar condutas positivas que não representam qualquer ameaça à sociedade. Suponhamos, por exemplo, fosse criado o seguinte tipo penal: sorrir abertamente, em momentos de felicidade – pena de seis meses a um ano de detenção. Formalmente, estariam preenchidas todas as garantias do princípio da reserva legal. Esse tipo, entretanto, é inconstitucional, pois materialmente, a conduta incriminada não apresenta qualquer ameaça à sociedade. Nesses casos, o Poder Judiciário deve exercer controle de conteúdo do tipo penal, expurgando do ordenamento jurídico leis que descrevam como crimes fatos que não sejam materialmente nocivos à sociedade.

10

Page 11: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

1.1.2. Princípio da anterioridade (Nullum crimen, nulla poena sine lege praevia)Não há crime sem lei “anterior” que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. A lei que descreve um

crime deve ser anterior ao fato incriminado. A irretroatividade da lei é uma conseqüência lógica da anterioridade. A lei penal só poderá alcançar fatos anteriores para beneficiar o réu.

APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO E NO ESPAÇO

A lei não tem eficácia universal e permanente. Não vige em todo o mundo, nem é eterna.Determinada pelo Estado rege condutas dentro do espaço em que ele manifesta o seu poder. Assim, a lei penal

de um Estado restringe a sua eficácia até onde principia a soberania dos outros.

Assim, podemos estudar a eficácia da lei penal em relação:1) ao tempo;2) ao espaço;3) às funções exercidas por certas e determinadas pessoas.

DA EFICÁCIA DA LEI PENAL NO TEMPO

1. Nascimento e revogação da Lei PenalA lei penal, como todas, nasce, vive e morre, como diz Damásio E. de Jesus.A iniciativa do projeto da lei penal é comum ou concorrente, pois é deferida a qualquer comissão ou membro

(deputado ou senador) do Poder Legislativo (iniciativa parlamentar) e ao chefe do Poder Executivo (Presidente da República).

Terminada a fase introdutória com a apresentação do projeto de lei na Casa Legislativa competente, entra-se na fase constitutiva, quando então será realizada a deliberação parlamentar (discussão e votação em cada uma das Casas Legislativas) e a deliberação executiva (sanção ou veto).

A lei nos apresenta quatro momentos em expressões jurídicas:- A sanção é o ato pelo qual o Presidente aprova e confirma uma lei; - A promulgação lhe confere existência e proclama a sua executoriedade; - A publicação é o ato para torná-la conhecida de todos impondo sua obrigatoriedade. Com a publicação há

presunção absoluta de sua notoriedade. Ninguém mais pode alegar ignorância da lei.A lei é promulgada e publicada pelo Presidente da República no Diário Oficial do Executivo da União.Nem sempre, porém, a lei entra em vigor na data de sua publicação. Aliás, o silêncio acerca do início da

vigência significa que a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cincos dias depois de oficialmente publicada. Esse período é chamado de vacatio legis.

A lei permanece em vigor até que outra lei a revogue (princípio da continuidade das leis).A revogação é a perda da vigência da lei. Uma lei só pode ser revogada por outra lei. Toda lei pode ser

revogada. É proibida a edição de leis irrevogáveis.- A revogação que extingue a lei pode ser total ou parcial.A revogação compreende: a derrogação e a ab-rogação.

- Derrogação : quando cessa em parte a autoridade da lei (revogação parcial da lei);- Ab -rogação: quando extingue totalmente a lei (revogação total).

A revogação também pode ser:- Expressa: quando a lei expressamente, determina a cessação da vigência da norma anterior;- Tácita: quando o novo texto, embora de forma não expressa, é incompatível com o anterior.

A lei, entretanto, pode trazer em seu texto o término de sua vigência. É a lei de vigência temporária, constante do artigo 2º “caput”, da Lei de Introdução ao Código Civil.

Leis temporárias são aquelas que trazem preordenada a data da expiração de sua vigência.Leis excepcionais são as que, não mencionando expressamente o prazo de vigência, condicionam a sua eficácia

à duração das condições que a determinam (guerra, epidemia, etc).

2. Conflitos de Leis Penais no Tempo: Princípios que regem a matériaO direito intertemporal (ou os conflitos de leis penais no tempo) é o conjunto de princípios e de normas que

solucionam os conflitos de leis no tempo. Em regra, o conflito é solucionado pela máxima tempus regit actum, isto é, aplica-se a lei vigente ao tempo do crime. Se porém, a nova lei beneficiar o réu, impõe-se a sua retroatividade.

Desde que a lei entra em vigor, até que cesse a sua vigência, rege todos os fatos abrangidos pela sua destinação. Entre sua entrada em vigor e a cessação de sua vigência, situa-se a eficácia.

Pode ocorrer, porém, que um crime iniciado sob a vigência de uma lei tenha o seu momento consumativo sob o de outra. O sujeito pratica uma conduta sob a vigência de uma lei, que comina pena mais severa ou benéfica e durante a execução surja uma nova lei. Qual delas deve ser aplicada?

11

Page 12: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

Em decorrência do princípio da legalidade e da anterioridade, há uma regra que domina o conflito de leis penais no tempo.

É a IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL. Se não há crime sem lei anterior, claro que não pode retroagir para alcançar condutas que, antes de sua vigência, eram consideradas fatos lícitos.

Entretanto, o princípio da irretroatividade vige somente em relação à lei mais severa.

Temos assim, dois princípios que regem os conflitos de direito intertemporal:1º) o da IRRETROATIVIDADE DA LEI MAIS SEVERA;2º) o da RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENIGNA.

O artigo 5º, inciso XL da C.F. estabelece que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.

Exemplos:a) Um fato é praticado sob a vigência da lei “A”, contudo, no momento em que o juiz vai proferir o julgamento,

ela não mais está em vigor, tendo sido revogada pela lei “B”, mas benéfica para o agente. Qual deve ser aplicada? Deve ser aplicada a lei mais benéfica, que deverá retroagir para alcançar o fato cometido antes de sua entrada em vigor e, assim, beneficiar o agente.

Se a lei “A” fosse mais benéfica, a lei “B” não poderia retroagir e alcançar o fato cometido antes de sua entrada em vigor, por ser mais gravosa.

b) A lei “A” é revogada pela lei “B”. Após isso, um fato é praticado. A lei “B” é muito mais severa. Qual delas deve ser aplicada ao fato?

Não existe qualquer conflito intertemporal, pois somente uma lei pode ser aplicada. A única lei a ser aplicada é a lei “B”, pois a lei “A” já estava revogada.

O fenômeno jurídico pelo qual a lei regula todas as situações ocorridas durante seu período de vida, isto é, de vigência, denomina-se atividade. A atividade da lei é a regra. Quando a lei regula situações fora de seu período de vigência, ocorre a chamada extra-atividade, que é exceção.

Quando a lei regula situações passadas, ou seja, ocorridas antes do início de sua vigência, a extra-atividade denomina-se retroatividade.

Quando se aplica mesmo após a cessação de sua vigência, a extra-atividade será chamada ultra-atividade.

3. Hipóteses de Conflitos de Leis no TempoA lei penal que entra em conflito com a anterior pode apresentar as seguintes situações:a) a lei nova suprime normas incriminadoras anteriormente existentes (abolitio criminis);b) a lei nova incrimina fatos antes considerados lícitos (novatio legis incriminadora);c) a lei nova modifica o regime anterior, agravando a situação do sujeito (novatio legis in pejus);d) a lei nova modifica o regime anterior, beneficiando o sujeito (novatio legis in melius).

Para resolver essas situações o Código Penal elenca no seu artigo 2º:“Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a

execução e os efeitos penais da sentença condenatória.”“A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos

por sentença condenatória transitada em julgado.”

3.1. “Abolitio Criminis”Ocorre quando lei posterior deixa de considerar um fato como criminoso. Trata-se de lei posterior que revoga o

tipo penal incriminador, passando o fato a ser considerado atípico. Como o comportamento deixou de constituir infração penal, o Estado perde a pretensão de impor ao agente qualquer pena.

A abolitio criminis está prevista no artigo 2º “caput” do CP – “ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime”.

A abolitio criminis é fato extintivo da punibilidade do agente, conforme o artigo 107, III do CP. Por ela se fazem desaparecer o delito e todos os seus reflexos penais, permanecendo apenas os civis (ex: obrigação de reparar o dano – efeito civil).

Exemplos de abolitio criminis:a) “A” estava sendo processado pelo crime de Adultério (previsto no artigo 240 do CP). A Lei nº 11.106/05

deixou de considerar tal ação como criminosa, deve ser trancado;b) “B” estava sendo processado pelo crime de Sedução (previsto no artigo 217 do CP). A Lei nº 11.106/05

deixou de considerar tal ação como criminosa, deve ser trancado.

Consequências da abolitio criminis:

12

Page 13: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

- O inquérito policial ou o processo são imediatamente trancados e extintos, com a extinção da punibilidade;- Se já houve sentença condenatória, cessam os efeitos penais, principais (penas) e secundários (reincidência,

sursis, etc);- O condenado está cumprindo pena: deve ser decretada a extinção da punibilidade e ser solto.Não se confunde com anistia. A anistia não revoga a lei, só apaga fatos criminosos temporariamente. A abolitio

criminis extingue permanentemente os fatos criminosos. Possuem alguns características comuns, como serem causas extintivas de punibilidade.

3.2. “Novatio legis incriminadora”Ocorre quando um indiferente penal em face de lei antiga é considerado crime pela posterior. É a lei posterior

que cria um tipo incriminador, tornando típica conduta considerada irrelevante penal.A lei que incrimina novos fatos é irretroativa, uma vez que prejudica o sujeito.

3.3. “Novatio legis in mellius”É a lei posterior (novatio legis) que, de qualquer modo, traz um benefício para o agente no caso concreto. Se a

lei nova, é mais favorável ao sujeito, retroage. Aplica-se o princípio da retroatividade da lei mais benigna.Sobre o assunto trata o parágrafo único do artigo 2º do CP: “A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o

agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.” Exemplos:a) “A” pratica um crime sob a vigência da lei “X”, que comina pena de detenção. Após, passa a vigorar a lei “Y”,

cominando para o mesmo fato, pena de multa. A lei nova é menos rigorosa, deve retroagir.b) “A” pratica um crime sob a vigência da lei “X”, que comina pena de 02 a 04 anos de reclusão. Após, passa a

vigorar a lei “Y”, cominando para o mesmo fato, pena de 01 a 02 anos de reclusão. A lei nova é mais benéfica, deve retroagir.

3.4. “Novatio legis in pejus”É a lei posterior (novatio legis) que, de qualquer modo, venha a agravar a situação do agente no caso concreto.

Se a lei posterior, sem criar novas incriminações ou abolir outras precedentes, agrava a situação do sujeito, não retroage.

Há duas leis em conflito: a anterior, mais benigna, e a posterior, ma severa. Aplica-se a mais benéfica.Exemplos:a) “A” pratica um crime sob a vigência da lei “X”, que comina pena de multa. Entra em vigor a lei “Y”,

cominando pena privativa de liberdade (reclusão ou detenção). A lei posterior é mais severa e não pode retroagir.b) “A” confessa, espontaneamente, perante a autoridade, a autoria de um crime. Em seu favor milita

circunstância atenuante prevista no artigo 65, III, d. Surge, durante o processo, a lei “X”, suprimindo a referida circunstância. No caso, o sujeito, se condenado, deve ser favorecido pela atenuante.

Todos os casos acima elencados podem ser solucionados pela regra única: A LEI SÓ RETROAGE QUANDO BENEFICIAR O SUJEITO.

A competência para aplicar a lei mais benéfica é do juiz de primeiro grau encarregado de prolatar a sentença. Se o processo estiver em grau de recurso, o tribunal será o encarregado. Após o trânsito em julgado a competência é do juízo da execução (Súmula 611 do STF e art. 66, I da Lei de Execução Penal).

3.5. Combinação de leisSeria possível combinar leis para favorecer o sujeito?A questão é controvertida na doutrina, entretanto, a posição que tem prevalecido é de que não seria possível,

uma vez que, ao dividir a norma para aplicar somente a parte mais benéfica, estar-se-ia criando uma terceira regra (lex tertio), o que violaria a separação dos poderes.

Fernando Capez, Nélson Hungria, Aníbal Bruno e Heleno Cláudio Fragoso, entendem não ser possível.Damásio de Jesus, Frederico Marques e Basileu Garcia entendem ser possível a combinação de leis, entendendo

que o juiz não estaria criando uma nova lei, mas movimentando-se dentro do campo legal em sua missão de integração legítima. O Supremo Tribunal Federal entendeu ser possível a combinação de leis em apenas um julgado.

Exemplo: Uma lei previu para um crime pena de 01 a 06 anos de reclusão e multa de 50 a 100 vezes o salário mínimo vigente. A outra lei, previu para o mesmo crime, pena de reclusão de 03 a 15 anos e pagamento de 50 a 360 dias-multa. A jurisprudência admitiu a combinação de leis: quanto à reclusão, incide a lei antiga; quanto à multa, a nova.

3.6. Eficácia das Leis Penais Temporárias e Excepcionais. Ultra-atividade.Como já vimos:Leis temporárias são aquelas que trazem preordenada a data da expiração de sua vigência.

13

Page 14: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

Leis excepcionais são as que, não mencionando expressamente o prazo de vigência, condicionam a sua eficácia à duração das condições que a determinam. São aquelas promulgadas em casos de calamidade pública, guerras, revoluções, cataclismos, etc.

Tais leis são ultra-ativas, no sentido de continuarem a ser aplicadas aos fatos praticados durante a sua vigência mesmo depois de sua auto-revogação.

O artigo 3º do CP cuida dessa espécie de lei, determinando: “A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que

a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência”.Essas duas espécies são ultra-ativas, ainda que prejudiquem o agente, ou seja, aplicam-se aos fatos cometidos

durante o seu período de vigência, mesmo após sua auto-revogação (exemplo: num surto de febre amarela é criado um crime de omissão de notificação de febre amarela; caso alguém cometa o crime e logo em seguida o surto seja controlado, cessando a vigência da lei, o agente responderá pelo crime). Se não fosse assim, a lei perderia sua força coercitiva, uma vez que o agente, sabendo qual seria o término da vigência da lei, poderia, por exemplo, retardar o processo para que não fosse apenado pelo crime. Pode ocorrer, excepcionalmente, a retroatividade da lei posterior mais benéfica, desde que esta faça expressa menção à lei excepcional ou temporária revogada.

3.7. Norma Penal em BrancoNormas penais em branco são as de conteúdo incompleto, vago, lacunoso, que necessitam ser complementadas

por outras normas jurídicas, geralmente, de natureza extrapenal.Segundo Binding, “a norma penal em branco é um corpo errante em busca de sua alma”.Exemplos: O artigo 237 do CP é completado pelo artigo 1521, I a VII do Código Civil; o artigo 33 da Lei nº

11.343/06 é complementado por Portaria do Ministério da Saúde que elenca as substâncias entorpecentes; o artigo 2º, VI da Lei nº 1521/51 é complementado pelas tabelas oficiais de preços. Da mesma forma os artigos 268, 269 e 334, todos do Código Penal.

Portanto, é norma cujo preceito primário está incompleto (preceito primário é a parte do tipo que descreve o crime; o preceito secundário descreve a pena). Há duas espécies: norma penal em branco em sentido lato ou homogênea (ou imprópria): quando a norma é complementada

por uma lei. O tipo é complementado por uma mesma fonte formal. Exemplo: o artigo 237 do Código Penal é complementado pelo artigo 1521 do Código Civil; o art. 178 do CP que prevê crime de emissão irregular de warrant é regulado por leis comerciais, etc.

norma penal em branco em sentido estrito ou heterogênea: quando o complemento é ato infra-legal (portaria, regulamento etc.). Exemplos: o artigo 33 da Lei n. 11.343/06 é complementado por uma portaria do Ministério da Saúde que define as substâncias entorpecentes; o artigo 2.º, inciso VI, da Lei n. 1.521/51 é complementado por uma tabela oficial.

norma penal em branco ao avesso (Fernando Capez): são aquelas em que, embora o preceito primário esteja completo, e o conteúdo perfeitamente delimitado, o preceito secundário, isto é, a cominação da pena, fica a cargo de uma norma complementar.

Qual a conseqüência da modificação posterior do complemento da norma penal em branco? As posições são extremamente controvertidas na doutrina nacional e estrangeira.

1ª) Na opinião de Damásio de Jesus teríamos duas situações:a) quando o complemento da norma penal em branco também for lei, a revogação da lei retroagirá em

benefício do agente, tornando atípico o fato cometido. Exemplo: a modificação da lei, excluindo algum impedimento do rol do artigo 1521, repercute sobre a conduta do artigo 237 do CP, extinguindo a punibilidade do agente. Nesse caso, a alteração da lei complementadora (Código Civil), altera a própria estrutura da figura típica.

b) quando o complemento da norma penal em branco for ato normativo infralegal (portaria, por exemplo), sua supressão somente repercutirá sobre a conduta quando a norma complementar não tiver sido editada em uma situação temporária ou de excepcionalidade.

Exemplos:No caso da Lei nº 1521/51, artigo 2º, VI (venda de gêneros acima da tabela) será irrelevante a supressão do

tabelamento, o crime ainda existirá (isso porque foi editada em situação temporária)Já no caso do artigo 33, “caput” da Lei nº 11343/06, a exclusão da substância entorpecente da relação da

Portaria do Ministério da Saúde, torna o fato atípico (isso porque não foi editada em situação temporária ou de excepcionalidade).

2ª) Na opinião de Fernando Capez, ocorrendo modificação do complemento da norma penal em branco, para se saber se haverá ou não retroação, é imprescindível verificar se o complemento revogado tinha ou não caráter de temporariedade.

14

Page 15: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

Se tinha caráter de temporariedade, não se opera a retroatividade (artigo 2º, VI da Lei nº 1521/51). Se não tinha caráter de temporariedade, deve ocorrer a retroatividade (artigo 33 da Lei nº 11343/06).

3.8. TEMPO DO CRIMEMas afinal de contas, quando o crime reputa-se praticado? A determinação do tempo em que se reputa praticado o delito tem relevância jurídica não somente para fixar a

lei que o vai reger, mas também para fixar a imputabilidade do sujeito.Existem três teorias sobre o tempo (momento) do crime:

Teoria da atividade: considera-se praticado o crime no momento da conduta comissiva (ação) ou omissiva. Ex: Crime de Homicídio (artigo 121 CP) – haveria o crime com a conduta do agente, ou seja, no momento da ação ou omissão, mesmo que a morte ocorresse posteriormente.

Teoria do resultado: admite-se a prática do crime no momento da produção do resultado lesivo, sendo irrelevante o tempo da conduta. Ex: Crime de Homicídio (artigo 121 CP) – haveria o crime com o resultado (morte) e não no momento da ação ou omissão.

Teoria mista ou da ubiqüidade: considera-se praticado o crime tanto no momento da conduta quanto no momento do resultado. No caso do homicídio, o tempo do crime seria tanto o momento da ação ou omissão como do resultado (morte).

O Código Penal pátrio adotou a TEORIA DA ATIVIDADE:É o que estabelece o artigo art. 4º do CP.:“Art. 4º Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do

resultado.”Assim, a imputabilidade do agente deve ser aferida no momento em que o crime é praticado, pouco importando

a data em que o resultado venha a ocorrer. No caso do homicídio praticado por menor com 17 anos e 11 meses de idade, em que a vítima vem a falecer quando este já completou 18 anos, o tempo do crime é o da atividade, ou seja, da ação ou omissão, conseqüentemente, o agente responde como menor.

Como diz Damásio de Jesus, “é no momento da conduta que o sujeito manifesta a sua vontade, inobservando o preceito proibitivo”.

APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO ESPAÇO

A lei penal, em decorrência da soberania, vige em todo o território de um Estado. Como cada Estado possui sua própria soberania, surge o problema da delimitação espacial no âmbito de eficácia da legislação penal.

Entretanto, pode ocorrer, em certo casos, para um combate eficaz à criminalidade, a necessidade de os efeitos da lei ultrapassar os limites territoriais para regular fatos ocorridos além de sua soberania.

Existem cinco princípios a respeito dessa matéria:

a) Princípio da territorialidadeA lei penal só tem aplicação no território do Estado que a determinou, sem atender à nacionalidade do sujeito

do delito ou do titular do bem jurídico lesado. A lei brasileira adota essa diretriz como regra geral, ainda que de forma atenuada ou temperada –

territorialidade temperada (art. 5º caput do CP - “Aplica-se a lei brasileira, ......., ao crime cometido no território nacional”), uma vez que ressalva a validade de convenções, tratados e regras internacionais. O fundamento desse princípio é a soberania política do Estado.

b) Princípio da nacionalidadeSegundo este princípio, a lei penal do Estado é aplicável a seus cidadãos onde quer que se encontrem. Assim, se

um brasileiro praticar um crime no Uruguai, cairá o fato sob o império da lei penal em nosso país. O que importa é a nacionalidade do sujeito.

Esse princípio pode apresentar-se de duas formas: personalidade ativa – quando se considera apenas a nacionalidade do autor do delito (art. 7º, II, “b” do CP); personalidade passiva – nesta importa apenas se a vítima do delito é nacional (art. 7º, §3º do CP).

c) Princípio da Defesa (real ou de proteção)Leva em conta a nacionalidade do bem jurídico lesado pelo crime, independentemente do local de sua prática

ou da nacionalidade do sujeito ativo. Assim, aplica-se a lei brasileira a um fato criminoso cometido no estrangeiro, lesivo de interesse nacional, qualquer que fosse a nacionalidade do autor.

Está previsto no artigo 7º, I do CP: crimes contra a vida do presidente, contra o patrimônio da União, contra a Administração Pública, etc.

d) Princípio da justiça penal universal (ou cosmopolita)

15

Page 16: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

As leis penais devem ser aplicadas a todos os homens, onde quer que se encontrem. Este princípio é característico da cooperação penal internacional, porque permite a punição, por todos os Estados, de todos os crimes. Nossa legislação também o adotou como exceção no artigo 7º, II, a do CP (os crimes que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir).

e) Princípio da representaçãoA lei penal de determinado país é também aplicável aos delitos cometidos em aeronaves e embarcações

privadas, quando realizados no estrangeiro e aí não venham a ser julgados. Está previsto no artigo 7º, II, c (“ praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados”).

Princípios adotados no Código Penal:1º - territorialidade – art. 5º “caput” (regra geral);2º - real ou de proteção – art. 7º, I e §3º;3º - justiça universal – art. 7º, II, a;4º - nacionalidade ativa - art. 7º, II, b;5º - representação – art. 7º, II, c.

1. TerritorialidadeComo vimos, o artigo 5º, caput, do C.P. adotou o princípio da territorialidade. Entretanto, adotou o chamado

princípio da territorialidade temperada. Aplica-se a lei penal brasileira ao crime cometido no território nacional. Excepcionalmente a lei estrangeira é aplicável a delitos cometidos total ou parcialmente em território nacional, quando assim determinarem tratados e convenções internacionais.

Território é o espaço em que o Estado exerce a sua soberania.

O território se compõe das seguintes partes:a) solo ocupado pela corporação política;b) Rios, lagos, mares interiores, golfos e baías e portos;c) Mar territorial: é a faixa de mar exterior ao longo da costa, que se estende por 12 milhas marítimas de

largura;d) Zona contígua: compreende uma faixa que se estende das 12 às 24 milhas marítimas, na qual o Brasil

poderá tomar medidas de fiscalização;e) Espaço aéreo: Em relação ao espaço aéreo, o Brasil adotou a teoria da absoluta soberania do país

subjacente.f) Navios e aeronaves: quando públicos, consideram-se extensão do território nacional; quando privados,

também, desde que estejam em mar territorial brasileiro, alto-mar ou espaço aéreo correspondente a um ou outro, conforme o caso.

> Onde deve ser processado o marinheiro que, pertencendo a navio público, desce em porto de outro Estado e pratica um crime?

Se desceu a serviço do navio, fica sujeito à lei penal da bandeira que ostenta. Se desceu por motivo particular, fica sujeito à lei local.

> E se alguém, cometendo um crime em terra, abriga-se em navio público em porto estrangeiro?Se o delito é de natureza política, não está o comandante obrigado a devolvê-lo à terra; se é de natureza

comum, deve entregá-lo, mediante requisição do governo local.

2. ExtraterritorialidadeAs situações de extraterritorialidade da lei penal brasileira estão previstas no artigo 7º e constituem exceção ao

princípio geral da territorialidade.

As hipóteses são as seguintes:a) Extraterritorialidade incondicionada: aplica-se a lei brasileira sem qualquer condicionante (art. 7º, I), com

fundamento nos princípios de defesa (art. 7º, I, a, b e c, do CP) e da universalidade (art. 7º, I, d do CP). São exemplos: crime contra a vida do Presidente da República; contra o patrimônio ou a fé pública da União, Distrito Federal, Estado, Território, Município, etc; de genocídio quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil.

A importância dos bens jurídicos, justifica, em tese, essa incondicional aplicação da lei brasileira. Nesses crimes, o poder jurisdicional brasileiro é exercido independentemente da concordância do país onde o crime ocorreu.

b) Extraterritorialidade condicionada: aplica-se a lei brasileira quando satisfeitos certos requisitos (art. 7º, II e §§ 2º e 3º do CP). As hipóteses são:

- crimes que por tratado ou convenção o Brasil obrigou-se a reprimir; - praticados por brasileiros; - praticados em aeronaves ou em embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada,

16

Page 17: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados; - praticados por estrangeiros contra brasileiro fora do Brasil.

As condições para que haja a aplicação da lei brasileira estão elencadas no artigo 7º, § 2º e § 3º do Código Penal.

3. Lugar do CrimeA determinação do lugar em que o crime se considera praticado ( locus commissi delicti) é decisiva no tocante à

competência penal internacional.Vejamos o seguinte exemplo: na fronteira Brasil-Bolívia um cidadão brasileiro, que se encontra em território

nacional, atira em outro, em solo boliviano, vindo este a falecer. A quem cabe o jus puniendi (o direito de punir)?

Há três teorias a respeito do lugar do crime: Teoria da atividade : lugar do crime é o da ação ou omissão, é o local onde se realizou a conduta típica. No exemplo

acima o competente para conhecer o fato será o Brasil. Teoria do resultado : lugar do crime é aquele em que foi produzido o resultado. No exemplo acima o local

competente seria a Bolívia. Teoria da ubiqüidade : lugar do crime será tanto o lugar da conduta quanto o do resultado. No exemplo, tanto Brasil

como a Bolívia.

O artigo 6º do Código Penal estabelece que:“Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como

onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.”Observa-se pelo dispositivo que o Código Penal adotou a Teoria da Ubiqüidade, ou seja, lugar do crime

tanto pode ser o da ação ou omissão como também o do resultado.Entretanto, o Direito Penal pátrio adotou as três teorias.Nas infrações de competência dos Juizados Especiais Criminais, a Lei n. 9.099/95, em seu artigo 63, seguiu a

teoria da atividade, ou seja, o foro competente é o da ação ou omissão.Para os chamados “delitos plurilocais” (ação se dá em um lugar e o resultado em outro, dentro de um mesmo

país), foi adotada a T eoria do resultado (artigo 70 do Código de Processo Penal). Ex: Sujeito desfere tiro na vítima em Ribeirão Preto que vem a falecer em São Paulo (essa deveria ser a regra a ser adotada, entretanto, a jurisprudência não a tem seguido ao arrepio da lei).

Para os crimes de espaço máximo ou a distância (crimes executados em um país e consumados em outro) foi adotada a Teoria da ubiqüidade, ou seja, a competência para o julgamento do fato será de ambos os países.

Observação: No homicídio, quando a morte é produzida em local diverso daquele em que foi realizada a conduta, a jurisprudência entende que o foro competente é o da ação ou omissão, e não o do resultado. Essa posição é majoritária na jurisprudência e tem por fundamento a maior facilidade que as partes têm para produzir provas no local em que ocorreu a conduta. Ela é, contudo, contrária à letra expressa da lei, que dispõe ser competente o foro do local do resultado (artigo 70 do Código de Processo Penal).

4. A regra “NON BIS IN IDEM”“Non bis in idem”, de maneira ampla, significa não ser possível punir o indivíduo duas vezes pelo mesmo fato.Dispõe o art. 8º do CP que “a pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime,

quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas”.

Temos duas regras:1ª) a pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas;2ª) a pena cumprida no estrangeiro pelo mesmo crime é computada na imposta no Brasil, quando idênticas.

Assim, o fato de ter o sujeito cumprido a pena imposta pelo julgado estrangeiro, influi, no Brasil, de duas formas:

a) Se a pena já cumprida for diversa em qualidade da que a lei brasileira comina para o mesmo crime (multa no estrangeiro e privativa de liberdade no Brasil) – a pena concreta deve ser atenuada (atenuação obrigatória a critério do juiz).

b) Se a pena já cumprida for idêntica em qualidade da que a lei brasileira comina para o mesmo crime (privativa de liberdade em ambos os locais) - a pena concreta deve ser abatida (o abatimento deve ser feito pelo juiz).

5. Eficácia da Sentença Penal Estrangeira

17

Page 18: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

Nenhuma sentença de caráter criminal emanada de jurisdição estrangeira pode ter eficácia num Estado sem o seu consentimento, uma vez que o Direito Penal é essencialmente territorial.

O artigo 9º, ocupa-se com a eficácia da sentença penal estrangeira, estatuindo:“A sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas conseqüências,

pode ser homologada no Brasil para:I- obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis;II- sujeitá-lo a medida de segurança”

As sentenças absolutórias estrangeiras relativas a crimes ocorridos fora do Brasil, nos casos de extraterritorialidade condicionada, têm o efeito de impedir que o crime seja objeto de novo julgamento no Brasil.

Nos casos de extraterritorialidade incondicionada, as sentenças penais estrangeiras, sejam absolutórias, sejam condenatórias, não têm eficácia de coisa julgada, isto é, não têm o efeito de impedir que o crime seja objeto de um novo julgamento no Brasil.

No tocante às sentenças estrangeiras que têm por objeto crimes cometidos em território nacional, não podem ser executadas no Brasil, onde, aliás, não podem produzir nenhum efeito. É que aos crimes cometidos no Brasil, aplica-se a lei brasileira (art. 5º do CP).

A competência para a homologação de sentenças estrangeiras é do Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, “i” da CF).

Sem a homologação, a sentença estrangeira é ineficaz no Estado em que se pretende executá-la, motivo pelo qual sua natureza jurídica é de sentença de delibação de caráter integrante.

A homologação é obrigatória não apenas para a execução da pena imposta na sentença criminal condenatória estrangeira, mas também para “obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e outros efeitos civis”.

Homologada a sentença estrangeira, será remetida ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado em que resida o condenado. Em seguida, será remetida carta ao juiz do lugar da residência do condenado, para aplicação da pena ou da medida de segurança.

EFICÁCIA DA LEI PENAL EM RELAÇÃO A PESSOAS QUE EXERCEM DETERMINADAS FUNÇÕES PÚBLICAS

O princípio da territorialidade faz ressalvas aos tratados e convenções e regras de Direito internacional, dando origem às imunidades diplomáticas.

Há igualmente exceções, decorrentes de norma de Direito público interno, que originam as imunidades parlamentares.

As imunidades – diplomáticas e parlamentares – não estão vinculadas à pessoa autora de infrações penais, mas às funções eventualmente por ela exercidas, não violando assim, o preceito constitucional da igualdade de todos perante a lei.

1. Imunidade DiplomáticaO diplomata é dotado de inviolabilidade pessoal, pois não pode ser preso, nem submetido a qualquer

procedimento ou processo, sem autorização de seu país. As sedes diplomáticas não são consideras extensão do território do país, mas são dotadas de inviolabilidade, não podendo as autoridades e seus agentes nela penetrar sem o consentimento do diplomata, mesmo nas hipóteses legais.

A imunidade diplomática impõe limitação ao princípio temperado da territorialidade. Trata-se de privilégios outorgados aos representantes diplomáticos estrangeiros.

A imunidade se estende a todos os agentes diplomáticos e funcionários das organizações internacionais (ONU, OEA, etc), quando em serviço, incluindo seus familiares. Estão excluídos desse privilégio os empregados particulares dos agentes diplomáticos.

A natureza jurídica desse privilégio é questão controvertida. Alguns entendem constituir causa pessoal de exclusão de pena. Outros entendem tratar-se de causa de exclusão de jurisdição. Flávio Monteiro de Barros prefere este último posicionamento pois, segundo ele, os diplomatas não estão sujeitos a jurisdição penal dos juízos e tribunais brasileiros. Assim, não há exclusão do crime nem da pena, mas da competência jurisdicional dos juízos e tribunais brasileiros.

Estão abrangidos pela imunidade diplomática:- agentes diplomáticos (embaixador, secretários, pessoal técnico);- componentes da família dos agentes diplomáticos;- funcionários das organizações internacionais (ONU, OEA, etc.);- chefe de Estado estrangeiro que visita o país.

A lei não estende a imunidade aos agentes consulares, salvo em relação aos atos de ofício. Os cônsules e funcionários consulares só gozam de imunidade no tocante aos atos de ofício, razão pela qual a imunidade não se estende aos seus familiares. Portanto, os crimes comuns praticados pelos cônsules são punidos aqui no Brasil.

18

Page 19: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

Justifica-se essa diversidade de tratamento entre cônsules e diplomatas, porque o primeiro cuida de interesses privados, enquanto o segundo trata de assuntos de interesse do Estado. O diplomata representa o Estado de origem junto à soberania local, e para o trato bilateral dos assuntos de Estado, ao passo que o cônsul representa o Estado de origem para o fim de cuidar, no território onde atue, de interesses privados – os de seus compatriotas que ali se encontrem a qualquer título, e os de elementos locais que tencionem, por exemplo, visitar aquele país, de lá importar bens, ou para lá exportar.

Ressalte-se ainda que o beneficiário da imunidade não poderá renunciá-la. Todavia, admite-se a renúncia por parte do Estado acreditante (o Estado de origem).

2. Imunidades ParlamentaresPara que o Poder Legislativo possa exercer seu munus público com liberdade e independência, a Constituição

assegura-lhe algumas prerrogativas, dentre as quais se destacam as imunidades.A imunidade, por não ser um direito do parlamentar, mas do próprio Parlamento, é irrenunciável.A imunidade parlamentar é um privilégio, decorrente da função exercida. As imunidades parlamentares podem

ser de duas espécies:

a) Imunidade material (absoluta) –artigo 53 “caput” da CF– Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, em quaisquer de suas manifestações proferidas no exercício ou desempenho de suas funções. Essa imunidade abrange qualquer forma de manifestação, escrita ou falada, exigindo apenas que ocorra no exercício da função, dentro ou fora da casa respectiva.

Mais do que a liberdade de expressão do parlamentar, objetiva-se tutelar o livre exercício da atividade legislativa, bem como a independência e harmonia entre os poderes.

Não havendo nexo funcional ou mesmo qualquer interesse público em jogo, não se pode conceber a inviolabilidade. Se um deputado está assistindo a um jogo de futebol e comete opiniões negativas contra o adversário ou árbitro, não está acobertado pela imunidade material e responderá pelos atos que praticar.

O suplente não tem direito à imunidade, pois não está no exercício de suas funções.A imunidade material exclui a própria tipicidade.A imunidade é irrenunciável, mas não alcança o parlamentar que se licencia para ocupar outro cargo na

Administração Pública.

b) Imunidade Processual (formal) – denominada imunidade relativa ou processual, refere-se à prisão, ao processo, a prerrogativa de foro, isto é, refere-se ao processo e julgamento.

O artigo 53, §3º da CF, dispõe que recebida a denúncia contra senador ou deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o STF dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.

Assim, o controle legislativo deixou de ser prévio, passando a ser posterior: não existe mais a possibilidade de licença prévia. No que toca ao Presidente da República e ao Governador, continua vigente o dispositivo da licença prévia. Quanto aos Prefeitos, não há que se falar nem em imunidade processual, nem penal. Tem somente foro por prerrogativa de função perante os Tribunais de Justiça.

c) Imunidade prisional: de acordo com o que dispõe o art. 53, §2º da CF, desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Neste caso, os autos serão enviados dentro de 24 horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

Em crimes afiançáveis jamais o parlamentar pode ser preso. No caso de crimes inafiançáveis, somente é admissível a prisão em flagrante delito. Nenhuma outra modalidade de prisão cautelar (temporária, preventiva, decorrente de pronúncia) ou mesmo prisão civil (por alimentos, ex.) tem incidência.

d) Imunidade para servir como testemunha: o agente diplomático não é obrigado a prestar depoimento como testemunha; só é obrigado a depor sobre fatos relacionados como o exercício de suas funções.

Os deputados e senadores não são obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações (CF, art. 53, §6º).

Observação: Os deputados estaduais também devem gozar da imunidade parlamentar e das prerrogativas que lhes têm sido reconhecidas. Os vereadores possuem apenas a imunidade absoluta.

3. ExtradiçãoExtraditar significa entregar a outro país um indivíduo, que se encontra refugiado, para fins de ser julgado ou

cumprir a pena que lhe foi imposta. Em outras palavras, extradição é o ato pelo qual um Estado entrega um indivíduo acusado de fato delituoso ou já condenado como criminoso à justiça de outro Estado.

Em relação ao Estado que a solicita, a extradição é ativa; em relação ao que concede, passiva.

19

Page 20: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

Entre nós, regula a extradição passiva a Lei nº 6.815/80, que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil.A extradição poderá ser concedida quando o governo requerente se fundamentar em tratado ou quando

prometer ao Brasil a reciprocidade.O princípio geral de que todas as pessoas podem ser extraditas sofre exceções de ordem constitucional.Veda-se pela CF, a extradição de brasileiro nato em qualquer hipótese, enquanto o naturalizado só poderá ser

extraditado em decorrência de crime comum praticado antes da naturalização ou na hipótese de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins (art. 5º, LI da CF).

A legislação não impede a extradição de estrangeiro casado com brasileiro ou que tenha filho brasileiro que esteja sob sua guarda.

Não será concedida a extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião (art. 5º, LII, da CF). O fato de estar o estrangeiro cumprindo pena no Brasil, não impede sua extradição quando já decretada sua

expulsão do território nacional. Não haverá extradição se o fato pelo que se pede a extradição não for considerado crime no Brasil.Cabe ao STF julgar o pedido de extradição (art. 102, I, g da CF).

4. Deportação e ExpulsãoA deportação e a expulsão são medidas administrativas de polícia com a finalidade de obrigar o estrangeiro a

deixar o território nacional. A deportação consiste na saída compulsória do estrangeiro para o país de sua nacionalidade ou procedência. Verifica-se a deportação nos casos de entrada ou estada irregular de estrangeiro. O deportado pode reingressar

no país sob certas condições.Ocorre a expulsão quando o estrangeiro atentar contra a segurança nacional, a ordem pública e social, a

tranqüilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento o torne nocivo aos interesses nacionais. A expulsão não é pena, mas medida preventiva de polícia. Cabe ao Presidente da República decidir sobre a conveniência e a oportunidade da expulsão.

Contagem de prazo penal“Art. 10. O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário

comum.”

Os prazos podem ser de Direito Material ou de Direito Processual. Prazos de Direito Material (artigo 10 do Código Penal): Na sua contagem, computa-se o dia do começo como o

primeiro dia, qualquer que seja a fração. Exemplo: se o réu é condenado a dois meses e inicia o cumprimento da pena às 23h50min de 7 de outubro, o prazo terminará às 24 horas do dia 6 de dezembro. O prazo não se prorroga quando termina em domingo ou feriado (o sábado é considerado feriado), portanto, não se estende até o dia útil subseqüente. São prazos considerados fatais.

Prazos de Direito Processual (artigo 798, § 1.º, do Código de Processo Penal) : não se computa o dia do começo; o primeiro dia será o dia útil subseqüente à data do início (Súmula n. 310 do Supremo Tribunal Federal: “Quando a intimação tiver lugar na sexta-feira, ou a publicação com efeito de intimação for feita nesse dia, o prazo judicial terá início na segunda-feira imediata, salvo se não houver expediente, caso em que começará no primeiro dia útil que se seguir”); o prazo prorroga-se até o dia útil seguinte quando terminar em domingo ou feriado. São prazos sujeitos à suspensão e interrupção.

Tipos de PrazoTodo e qualquer prazo que acarretar a extinção da punibilidade será prazo de direito penal. São eles: prazo decadencial: é o período no qual o ofendido ou seu representante legal pode ingressar com a queixa

ou oferecer a representação. É prazo de Direito Penal, uma vez que acarreta a extinção da punibilidade. prazo prescricional: também é um prazo de Direito Penal, visto que acarreta a extinção da punibilidade. perempção: é uma sanção processual, ou seja, é a perda do direito de demandar do querelante decorrente

da sua inércia para dar andamento ao processo (artigo 60 do Código de Processo Penal). Exemplo: o prazo de 30 dias para dar andamento ao processo é considerado um prazo de Direito Penal, pois o seu decurso acarreta a extinção do processo e, conseqüentemente, a extinção da punibilidade.

TEORIA GERAL DO CRIME

1. INTRODUÇÃOO gênero infração penal, segundo a gravidade da sanção, pode ser dividido em dois sistemas:a) tricotômico: a infração penal se divide em crime, delito e contravenção (não adotado no Brasil)b) dicotômico: a infração penal se divide em crime ou delito e contravenção (adotado no Brasil)

20

Page 21: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

Segundo a doutrina, o termo “infração” é utilizado genericamente, englobando os “crimes” e as “contravenções”. Crime é sinônimo de delito. O Código Penal usa as expressões “infração”, “crime” e “contravenção”, sendo que aquela abrange estes. O Código de Processo Penal algumas vezes utiliza o termo “infração”, em sentido genérico, abrangendo os crimes (ou delitos) e as contravenções (exemplos: artigos 4.º, 70, 72 etc.) e outras vezes usa o termo “delitos” como sinônimo de “infração” (exemplos: artigos 301 e 302).

1.1. Crime e ContravençãoComo visto, crime e contravenção são espécies do gênero infração (critério dicotômico). Não há, contudo,

diferença entre crime (ou delito) e contravenção. O mesmo fato pode ser definido como crime ou contravenção, a critério do legislador. O fato que hoje é definido como contravenção pode no futuro vir a ser definido como crime. O critério mais eficiente para distinguir crime e contravenção é o de analisar a pena: se a pena for de prisão simples ou multa (ou ambas, alternativa ou cumulativamente) trata-se de contravenção; se a pena for de detenção ou reclusão trata-se de crime.

2. CONCEITO DE CRIMEA palavra “crime” comporta vários sentidos. Na linguagem dos teólogos, serve para designar o pecado. A idéia

de delito como sinônimo de pecado é puramente moral, refoge à órbita jurídica, devendo ser desconsiderada para nossos estudos.

O crime pode ser conceituado sob os seguintes aspectos:- material;- formal;- analítico.Desses três, predominam para nosso estudo dois conceitos: o formal e o material.

2.1. Conceito Material de Crime“É aquele que busca estabelecer a essência do conceito, isto é, o porquê de determinado fato ser considerado

criminoso e outro não. Sob esse enfoque, crime pode ser definido como todo fato humano que propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social”1.

2.2. Conceito Formal e Analítico de Crime“É aquele que busca, sob um prisma jurídico, estabelecer os elementos estruturais do crime. A finalidade deste

enfoque é propiciar a correta e mais justa decisão sobre a infração penal e seu autor, fazendo com que o julgador ou intérprete desenvolva o seu raciocínio em etapas. Sob esse ângulo, crime é todo fato típico e ilícito” 2. É a mera subsunção da conduta ao tipo legal, pouco importando o seu conteúdo.

O conceito põe em relevo os seus valores essenciais, variando as opiniões a respeito da composição dos elementos estruturais.

Para Basileu Garcia temos seguintes elementos: fato típico, ilicitude, culpabilidade e punibilidade. Para Francisco de Assis Toledo: fato típico, ilicitude e culpabilidade. Para Júlio Fabrini Mirabette: fato típico e ilicitude (Teoria Bipartida).

A posição mais adotada atualmente no Brasil é de que crime é um fato típico e antijurídico (ilícito). A culpabilidade constitui pressuposto da pena. Entretanto, há doutrinadores que ainda incluem a culpabilidade como seu elemento.

Apenas para conhecimento nesse momento, a tipicidadade é a adequação de uma conduta ao tipo penal. Ilicitude ou antijuridicidade é a contrariedade da conduta típica praticada e o ordenamento jurídico. Culpabilidade é o juízo de reprovação que recai sobre a conduta, é o juízo de censura sobre a conduta.

Apenas a título de conhecimento, temos ainda a chamada Teoria Sintomática do Crime. Essa teoria condiciona a existência do crime à periculosidade do agente. É patente o defeito dessa teoria pois ressalva em demasia a periculosidade, quando é sabido que a existência do crime independe da periculosidade do agente. É teoria não adotada.

3. ANÁLISE E CARACTERES DO CRIME SOB O ASPECTO FORMAL E ANALÍTICOO crime é um fato; um fato a que se agregam características. Para fins didáticos o crime é dividido em requisitos

ou características. O crime costuma ser estudado em etapas: fato típico, antijuridicidade (ilicitude) e culpabilidade. Como já foi dito, para a maioria da doutrina crime é fato típico e antijurídico (ilícito). Alguns doutrinadores, entretanto, entendem que crime é fato típico, antijurídico (ilícito) e culpável. Como podemos perceber, existem, entre as consagradas, duas teorias que estudam a estrutura do crime sob o

aspecto formal, de acordo com a concepção por elas adotada a respeito do conceito de conduta. A conduta é um dos

1 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 2.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. vol. 1.2 CAPEZ, Fernando.Op. cit.

21

Page 22: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

elementos do fato típico. Logo, cumpre observar que, a depender da teoria adotada, diferentes serão os requisitos de existência do crime.

3.1. Caracteres do CrimeConceituamos o crime como sendo o fato típico e antijurídico (ilícito). Para que haja crime, é preciso uma

conduta humana positiva ou negativa (ação ou omissão). Nem todo comportamento do homem, porém, constitui delito. Em face do princípio da reserva legal, somente aqueles comportamentos previstos na lei penal é que podem configurar o delito. Imaginemos a seguinte situação: A esfaqueia B, causando-lhe a morte. O artigo 121, caput, do Código Penal assim define o crime de homicídio simples: matar alguém. Assim, a conduta de A corresponde ao fato que a lei penal descreve como crime. Ocorreu nesse exemplo a subsunção do fato a uma norma penal incriminadora, ou seja, ocorreu o fato típico, primeiro requisito do crime.

Como vimos, crime é fato típico e antijurídico (ilícito) – Teoria Bipartida.Para que exista crime, além de ser típico o fato deve ser contrário ao direito: deve ser antijurídico (ou ilícito). Um

fato pode ser típico e lícito, quando, por exemplo, o agente age em legítima defesa. Se A mata B em legítima defesa comete um fato típico (matar alguém), mas lícito, pois a legítima defesa é uma das causas de exclusão da antijuridicidade. Logo, excluída a ilicitude, não há crime.

Quando alguém pratica um fato típico e ilícito deve ser punido. Mas, para que o infrator seja punido, este deve ser culpável. Assim, para que o agente seja punido é necessário que sobre ele incida um juízo de reprovação social. Esse juízo de reprovação social é pressuposto para aplicação da pena. Destarte, um sujeito pode praticar um crime, mas não ser culpável, como ocorre com o menor de 18 anos.

3.2. Das Teorias Clássica e Finalista Teoria clássica (Naturalista ou Causal)- Franz Von Liszt e Ernest Von Beling: O fato típico resulta da mera

comparação entre a conduta realizada e a descrição legal do crime, sem analisar qualquer aspecto de ordem subjetiva. Para esta teoria, crime é fato típico, antijurídico (ilícito) e culpável. Segundo seus adeptos, o dolo e a

culpa estão na culpabilidade, razão pela qual, ausente o dolo ou a culpa, ausente está o crime. Assume, portanto, concepção obrigatoriamente tripartida a respeito do conceito formal de crime.

Só interessava duas coisas: saber quem foi o causador do resultado e se tal resultado estava definido em lei como crime. Pouco importa que se tivesse a intenção de matar , nem culpa na morte.

۩ Característica: dolo e culpa na culpabilidade.

Teoria finalista (ou bipartida) – Hanz Welzel: os adeptos desta teoria conceituam crime como fato típico e antijurídico (ilícito), isto em sua acepção bipartida, coerente com a reforma penal operada no ano de 1984, uma vez que, para o Código Penal, a ausência de culpabilidade acarreta a isenção de pena (subsistindo o crime, em todos os seus elementos, como típico e ilícito). Para os finalistas, o dolo e a culpa estão na conduta do agente, sendo que a conduta integra o fato típico. A doutrina majoritária entende que o Código Penal adotou a teoria finalista da ação (conduta). Com efeito, crime é fato, e a culpabilidade recai sobre o sujeito e não sobre o fato, ou seja, não há fato culpável, mas sim sujeito culpável. É a teoria que adotamos.

Note-se que a grande diferença entre as duas teorias reside no fato de que para a teoria clássica o dolo e a culpa estão na culpabilidade, enquanto os finalistas consideram a conduta como sendo dolosa ou culposa.

Para o finalismo, ação é atividade psiquicamente dirigida. Para que a ação seja algo compreensível é necessário ver o propósito com que foi praticada, ou seja, é preciso verificar desde logo se a ação tinha ou não , como fim, a realização do fato típico. Portanto, seria necessário verificar a intenção e a finalidade do autor (aspectos subjetivos).

No Brasil essa teoria também é chamada de TEORIA BIPARTIDA. Foi adotada em nosso país pela primeira vez por René Ariel Dotti, mas sua idéia foi logo abraçada por penalistas famosos como Damásio E. de Jesus, Júlio F. Mirabette e Celso Delmanto.

Nosso Código adotou essa corrente, fundindo a vontade e a finalidade na conduta, como seus componentes essenciais. Em seu artigo 18, I e II, expressamente reconheceu que o crime ou é doloso ou culposo, desconhecendo crime não é doloso ou culposo. Prova da adoção dessa teoria no nosso Código Penal é que o legislador utilizou a expressão “é isento de pena” (p. ex., art. 26, caput) ou “só é punível” (p. ex., art. 22), ao passo que para as causas de exclusão da antijuridicidade adota a locução “não há crime” (p. ex., art. 23).

۩ Característica: dolo e culpa na ação e, em conseqüência, no tipo.

3.3. Fato Típico, Antijuridicidade e Culpabilidade

3.3.1. Fato típicoFato típico é a conduta (positiva ou negativa) que provoca um resultado (em regra) que se amolda

perfeitamente aos elementos constantes do modelo previsto na lei penal.

22

Page 23: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

O fato típico é composto dos seguintes elementos:1) conduta dolosa ou culposa; 2) resultado (salvo nos crimes de mera conduta);3) nexo de causalidade entre a conduta e o resultado (salvo nos crimes de mera conduta e formais);4) tipicidade (enquadramento do fato material a uma norma penal).

No exemplo citado no item anterior, “A esfaqueou B”, logo: A praticou a conduta esfaquear (conduta); B morreu (resultado); B morreu em conseqüência das lesões produzidas pelas facadas (nexo causal); todo esse acontecimento se enquadra no artigo 121 do Código Penal (tipicidade).

De observar que existe crime sem resultado (Art. 288 do CP- Quadrilha ou Bando) e, então, não há falar-se em resultado e nexo de causalidade material. No formal (possui resultado, mas este não é exigido para a consumação do crime – ex. Art. 353 do CP – Arrebatamento de Preso), não se exige a produção do resultado.

3.3.2. Antijuridicidade (Ilicitude)É a relação de contrariedade entre o fato e o ordenamento jurídico.“A conduta descrita em norma penal incriminadora será ilícita ou antijurídica quando não for expressamente

declarada lícita. Assim, o conceito de ilicitude de um fato típico é encontrado por exclusão: é antijurídico quando não declarado

lícito por causas de exclusão da antijuridicidade (CP, art. 23, ou normas permissivas encontradas em sua parte especial ou em leis especiais)”3.

Presente a causa de exclusão o fato é típico, mas não antijurídico e, em conseqüência, não há que se falar em crime, pois lhe falta um requisito genérico. Ex: Sujeito que mata outro em legítima defesa. Há uma causa de exclusão da ilicitude (legítima defesa prevista no art. 25 do CP), logo, o fato é típico, mas não antijurídico (ilícito).

3.3.3. CulpabilidadeÉ a reprovação da ordem jurídica, em face de estar ligado o homem a um fato típico e antijurídico. É reprovação

que recai sobre o sujeito. Por isso, não é requisito do crime, mas condição de imposição da pena.

4. PUNIBILIDADEA punibilidade também não é requisito do crime, mas sua conseqüência jurídica. Nada mais é que a possibilidade jurídica de se aplicar a sanção.Se alguém praticar um fato típico e ilícito, praticou um crime. Se o agente for culpável, deverá ser punido,

exceto se existir uma causa de extinção da punibilidade.As causas de extinção da punibilidade (art. 107 do CP), exceto a anistia e a abolitio criminis, não afetam os

requisitos do crime, mas somente excluem a possibilidade de aplicação da sanção.

5. REQUISITOS, ELEMENTARES E CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME

5.1. RequisitosSão requisitos do crime: 1º) o fato típico; e2º) a antijuridicidade (ilicitude). Faltando um deles, não há figura delituosa. Cada um desses requisitos se apresenta, de certa forma, em cada crime. Daí podemos falar em:a) Requisitos genéricos: são o fato típico e a antijuridicidade (ilicitude), uma vez que estão presentes em todos

os delitos.b) Requisitos específicos: são as elementares, isto é, as várias formas em que aqueles requisitos genéricos se

manifestam.Analisando-se o homicídio, por exemplo, são seus requisitos específicos os mesmos genéricos. “Artigo 121:

Matar alguém”.

5.2. CircunstânciasSão determinados dados agregados à figura típica fundamental. Têm a função de aumentar ou diminuir as

conseqüências jurídicas do crime. Em regra, aumenta ou diminui a pena.

Pergunta: Qual a diferença entre elementar e circunstância?Resposta: É preciso estabelecer qual a conseqüência da sua “retirada” do contexto do fato. Se excluído do

contexto, subsistir um comportamento lícito, trata-se de elementar. Se excluído do contexto, aumentar ou diminuir a pena, subsistindo o crime, trata-se de circunstância.

3 JESUS, Damásio de. Direito Penal: Parte Geral. 24.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. vol. 1.23

Page 24: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

Circunstância vem de “circum stare”, que significa estar ao redor. A falta de uma circunstância não faz com que desapareça o crime.

Ex: O crime de furto é descrito como o fato de alguém “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”. Temos os seus elementos. Faltando, por ex., o elemento “alheia”, sendo própria a coisa móvel, o fato é atípico, não constituindo crime. Logo, o elemento “alheia” é elementar do crime de furto.

Já no § 1º do artigo 155, diz o legislador que a pena é aumentada de um terço se o fato é praticado durante o “repouso noturno”. Este é uma circunstância do furto, e não seu elemento, pois pode ou não ocorrer. Mesmo não ocorrendo, subsiste o crime.

É de se observar ainda que o mesmo elemento pode ser considerado pela lei como elementar de determinado delito ou como circunstância de outro delito.

Ex: O dano à coisa alheia é elementar do crime de dano (art. 163) e circunstância no crime de furto (art. 155, § 4º, I).

A ausência de uma elementar pode produzir dois efeitos:1) atipicidade absoluta: ocorre quando, excluída a elementar, o sujeito não responde por infração alguma. Ex:

Processado o sujeito por prevaricação (Art. 319 CP), prova-se que ele não era funcionário público. Não responde pelo crime nem qualquer outra infração.

2) atipicidade relativa: ocorre quando, excluída a elementar, não subsiste o crime do qual se cuida, havendo a desclassificação para outro delito. Ex: Sujeito processado por crime de peculato (Art. 312 do CP), prova-se na instrução criminal que ele não era funcionário público ao tempo da prática da conduta. Desaparece o crime de peculato, subsistindo o de apropriação indébita (art. 168).

Pergunta: No crime de infanticídio, o elemento temporal durante ou logo após o parto é elementar ou circunstância?

Resposta: É elementar, pois a sua exclusão gera a desclassificação para o crime de homicídio (gera, neste caso, atipicidade relativa).

6. CRIME E ILÍCITO CIVILNão há diferença ontológica entre ilícito penal e ilícito civil. A diferença é legal e extrínseca, ou seja, somente se

atendendo à natureza da sanção é que podemos determinar se nos encontramos diante de um ou outro, pois o crime é sancionado com a pena e o ilícito civil gera sanções civis. O legislador, no momento da produção da norma, a depender da gravidade de um fato, estabelece se ele será ilícito penal ou civil.

7. CRIME E ILÍCITO ADMINISTRATIVOAqui cabe as mesmas considerações feitas no item anterior. Não há diferença ontológica entre ilícito penal e

administrativo. A diferença reside na gravidade da violação ao ordenamento jurídico. Essa diferença fica evidente quando analisamos a espécie de sanção: se for pena, trata-se de crime.

8. O CRIME NA TEORIA GERAL DO DIREITOO crime é um fato. Dentre os fatos, crime constitui um fato jurídico, pois produz efeitos jurídicos, não sendo,

assim, indiferente ao Direito. Como elemento jurídico, crime é uma ação (ou omissão) humana de efeitos jurídicos involuntários. Nesta categoria, corresponde ao ilícito penal.

9. SUJEITO ATIVO DO CRIMESujeito ativo é quem pratica a conduta descrita na norma penal incriminadora. É o autor, coautor ou partícipe do

crime.A lei usa de algumas terminologias para se referir ao sujeito ativo. No direito material, antes da prática da

infração penal usa-se a expressão “agente”. No inquérito policial é chamado “investigado” antes da conclusão sobre se é ou não o autor do crime, e de

“indiciado” após a autoridade concluir ser ele o autor do crime. No Juizado Especial Criminal o sujeito ativo é chamado de “autor”.Durante o processo é “réu”, “acusado” ou “denunciado”. Se já sofreu sentença condenatória é

“sentenciado”, “preso”, “condenado”, “recluso” ou “detento”. Sob o ponto de vista biopsíquico é “criminoso” ou “delinqüente”.

10. CAPACIDADE PENAL

10.1. ConceitoÉ o conjunto das condições exigidas para que um sujeito possa figurar numa relação processual, a fim de se

submeter à aplicação da lei penal.

24

Page 25: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

Não se confunde com a imputabilidade por se referir a momento anterior ao crime, enquanto a imputabilidade constitui momento contemporâneo ao delito. Assim, no caso de doença mental superveniente, por exemplo, o sujeito no momento do crime era imputável, mas perde a capacidade no momento em que está sendo processado (artigo 152 do Código de Processo Penal).

10.2. Da Capacidade Penal das Pessoas Jurídicas

Há algumas teorias que tentam explicar esse assunto. Duas prevalecem: 1) Teoria da ficção: a pessoa jurídica não tem consciência e vontade própria. É uma ficção legal. Assim, não

tem capacidade penal e não pode cometer crime, sendo responsáveis os seus dirigentes.2) Teoria da realidade (teoria organicista): vê na pessoa jurídica um ser real, um verdadeiro organismo, tendo

vontade própria. Assim, pode ela delinqüir.

Com a Constituição Federal de 1988, inovou-se no sentido de reconhecer a responsabilidade penal da pessoa jurídica. (artigos 173, § 5.º e 225, § 3.º). Tais dispositivos determinam que a legislação ordinária estabeleça a punição da pessoa jurídica nos atos cometidos contra a economia popular, a ordem econômica e financeira e o meio ambiente.

A lei ambiental (Lei n. 9.605/98) em seus arts. 3º, 21 a 24, prevê responsabilidade da pessoa jurídica. Logo, devemos reconhecer que a legislação brasileira admite a responsabilidade criminal da pessoa jurídica.

10.3. Da Capacidade Especial do Sujeito AtivoHá crimes que podem ser cometidos por qualquer pessoa. Outros, porém, exigem determinada posição jurídica

ou de fato do agente para sua configuração (exemplo: funcionário público). Estes últimos recebem denominação de crimes próprios.

O fenômeno da capacidade especial do sujeito ativo se reveste de relevante interesse na questão do concurso de agentes. Assim, embora sejam próprios os crimes de infanticídio e peculato, respondem por eles não somente a mãe ou o funcionário público, mas também o estranho que dele porventura participe (dispõe o artigo 30 do Código Penal que não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime).

Não se confundem os crimes próprios com os crimes de mão-própria, pois os primeiros podem ser cometidos por pessoa intermediária a mando do autor, enquanto os segundos não podem ser cometidos por intermédio de outrem. Exemplo de crime de mão-própria: crime de falso testemunho. Esse é o entendimento do Professor Damásio de Jesus. Há, todavia, entendimento minoritário divergente.

10.4. Da Capacidade Penal em Face das Normas PermissivasEm determinados casos de exclusão da pena ou do crime, a lei penal exige capacidade especial do agente.

Exemplos: só há aborto legal se praticado por médico (artigo 128 do Código Penal); o Artigo 142, III exclui a antijuridicidade da difamação e da injúria quando o ato consiste em conceito desfavorável emitido por funcionário público em apreciação ou informação que preste no cumprimento do dever de ofício.

Nas disposições citadas (normas permissivas), o legislador exige uma legitimação própria do agente: ser médico, funcionário público, etc. Assim, se um cidadão não médico pratica aborto sentimental, não pode invocar a hipótese prevista no artigo 128, II, pois lhe falta a qualidade pessoal requerida pela norma.

11. SUJEITO PASSIVO DO CRIME

11.1. ConceitoSujeito passivo é o titular do interesse, cuja ofensa constitui a essência do crime. Por isso, é preciso indagar qual

o interesse tutelado pela lei penal incriminadora.

Exemplos:- Artigo 121 – Homicídio – objeto tutelado (protegido pela lei) - a vida – Sujeito passivo – o homem;- Artigo 235 – Bigamia – objeto tutelado – casamento monogâmico – Sujeito passivo – o Estado, o cônjuge do

primeiro casamento e o contraente do segundo casamento de boa fé;- Artigo 319 – Prevaricação – objeto tutelado – Administração Pública – Sujeito passivo – Estado.

11.2. Espécies1) Sujeito passivo geral, constante ou formal: é o titular do mandamento proibitivo não observado pelo sujeito

ativo – é o Estado.2) Sujeito passivo eventual, particular, acidental ou material: é aquele que sofre a lesão do bem jurídico, do qual

é titular – pode ser o homem, o Estado, a pessoa jurídica e a coletividade. No crime de lesão corporal (art. 129) o sujeito passivo é o homem; na incitação ao crime (art. 286) é a coletividade ou o Estado.

Crimes vagos: são os crimes em que os sujeitos passivos são coletividades destituídas de personalidade jurídica, como a família, o público ou a sociedade.

25

Page 26: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

11.3. Questão do Incapaz, da Pessoa Jurídica, do Morto, do Feto, dos Animais e Coisas InanimadasTodo homem vivo pode ser sujeito passivo material de crime.Dessa forma, é inegável que o incapaz, titular de direitos, pode ser sujeito passivo de delito, tais como no

infanticídio – art. 123 (recém-nascido), homicídio – art. 121 (demente), abandono intelectual – art. 246 (menor em idade escolar) etc.

Quanto à pessoa jurídica, esta pode ser sujeito passivo material do delito, desde que a descrição típica não pressuponha uma pessoa física. Assim, pode ser vítima de furto, dano etc.

Dúvida surge quanto à possibilidade da pessoa jurídica ser sujeito passivo dos crimes contra a honra. Damásio de Jesus entende que a pessoa jurídica não pode ser vítima de calúnia quanto aos crimes comuns, podendo ser sujeito passivo da calúnia quando lhe imputarem a prática de um crime ambiental. Ainda, como não possui honra subjetiva, não pode ser vítima de injúria, podendo ser sujeito passivo da difamação por possuir honra objetiva (reputação, boa fama etc.). Essa questão será abordada quando do estudo dos crimes contra a honra.

O morto não pode ser sujeito passivo de delito, pois não é titular de direito, podendo ser objeto material do delito.

O artigo 138, § 2.º, do Código Penal dispõe ser punível a calúnia contra os mortos, pois a ofensa à memória dos mortos reflete nas pessoas de seus parentes, que são os sujeitos passivos.

O homem pode ser sujeito passivo mesmo antes de nascer, pois o feto tem direito à vida (artigos 124, 125 e 126, do Código Penal).

Os animais e coisas inanimadas não podem ser sujeitos passivos de delito, podendo ser objetos materiais (exemplo: crimes contra a fauna, Lei n. 9.605/98). Neste caso, os sujeitos passivos serão seus proprietários, e em certos casos a coletividade.

Pergunta: A pessoa pode ser ao mesmo tempo sujeito ativo e passivo do delito, em face de sua própria conduta?

Resposta: Não. O homem não pode cometer crime contra si mesmo.

A contravenção do artigo 62 da Lei das Contravenções Penais (embriaguez) dispõe: “Apresentar-se publicamente em estado de embriaguez, de modo que cause escândalo ou ponha em perigo a segurança própria ou alheia”. Pergunta: esse dispositivo é exceção à regra? Resposta: Não, essa regra não tem exceção. No caso da contravenção de embriaguez, o sujeito passivo é o Estado, pois ela se encontra no capítulo das infrações “relativas à Polícia de Costumes”.

11.4. Sujeito Passivo e Prejudicado pelo CrimeGeralmente, confundem-se na mesma pessoa, mas não necessariamente, como no crime de moeda falsa em

que o sujeito passivo é o Estado e o prejudicado é a pessoa a quem se entregou a moeda.“Prejudicado é, pois, qualquer pessoa a quem o crime haja causado um prejuízo, patrimonial ou não, tendo por

conseqüência direito ao ressarcimento, enquanto sujeito passivo é o titular do interesse jurídico violado, que também tem esse direito (salvo exceções).”4

12. OBJETO DO CRIMEÉ aquilo contra que se dirige a conduta humana.

Pode ser:a) Objeto jurídico: é o bem ou interesse tutelado pela norma penal. É o bem jurídico, que se constitui em tudo

o que é capaz de satisfazer as necessidades do homem, como a vida, a integridade física, a honra, etc.A Parte Especial do Código Penal, que se estende entre os arts. 121 a 359, divide-se em onze títulos, que, por

sua vez, se subdividem em capítulos. Cada título tutela um bem jurídico genérico, encontrando-se nos capítulos o bem jurídico específico.

O título I, que prevê os crimes contra a pessoa (arts. 121 a 154), tutela genericamente a pessoa. E, nos respectivos capítulos, passa à tutela de outros bens jurídicos específicos: vida (arts. 121 a 128), saúde (art. 129), vida e saúde (arts. 130 a 137), honra (arts. 138 a 145), liberdade individual (arts. 146 a 154).

b) Objeto material: é a pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta do sujeito ativo, como o homem vivo no homicídio, a coisa no furto, o documento na falsificação, etc.

Às vezes, o sujeito passivo coincide com o objeto material, como ocorre no homicídio.A ausência ou a impropriedade absoluta do objeto material faz surgir a figura do crime impossível ou quase-

crime (artigo 17 do Código Penal).Pode haver crime sem objeto material, como no caso do falso testemunho e no ato obsceno.

13. TÍTULO DO DELITO (nomen juris)É a denominação jurídica do crime.

4 JESUS, Damásio de. Op. cit.26

Page 27: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

Pode ser:a) Genérico: quando a incriminação se refere a um gênero de fatos, o qual recebe título particular. Exemplo:

crime contra a vida é o título genérico do fato de “matar alguém”.b) Específico: é o nomen juris advindo do título genérico, ou seja, “homicídio” é o título específico do título

genérico “crime contra vida”.

A importância do título do delito se justifica, uma vez que o artigo 30, in fine, do Código Penal, que trata da comunicabilidade das elementares de natureza subjetiva, só se aplica ao título do crime (figura típica fundamental), não incidindo sobre os tipos privilegiados e qualificados. Ex: A, funcionário público, em concurso com B, comerciante, praticam um peculato. Em face do art.30, os dois respondem por peculato (a elementar funcionário público, de caráter pessoal, é comunicável).

FATO TÍPICO

1. INTRODUÇÃOJá estudamos o conceito formal de crime: é o fato típico e antijurídico (ilícito).O fato típico é o primeiro requisito do crime. Consiste no fato que se amolda no conjunto de elementos

descritivos contidos na lei penal.

2. ELEMENTOS DO FATO TÍPICOO fato típico é composto dos seguintes elementos:

1. conduta dolosa ou culposa; 2. resultado (nos crimes materiais);3. nexo de causalidade entre a conduta e o resultado (nos crimes materiais);4. tipicidade (enquadramento do fato material a uma norma penal).

2.1. CondutaConduta é toda ação ou omissão humana, consciente e voluntária, voltada a uma finalidade.O direito pretende regular conduta humana, não podendo ser o delito outra coisa além de uma conduta

(Zaffaroni).O pensamento não existe para o Direito Penal, ou seja, uma pessoa não pode ser punida somente por pensar

em praticar um crime (cogitationis poenam nemo patitur). Se alguém, por exemplo, pensa em matar outrem, somente será punido se exteriorizar seu pensamento praticando a ação ou a omissão delitiva.

A ação é um comportamento positivo, é um fazer. A omissão é uma abstenção de movimento, é um não fazer. A conduta é, portanto, a exteriorização de um pensamento por meio de uma ação ou uma omissão.

A conduta não se confunde com o ato, sendo este (ato) momento daquela (conduta). Podem existir condutas ou fatos que se compõem de um único ato, havendo uma coincidência entre ato e fato (unissubsistentes). Em contrapartida, existem fatos ou condutas compostas de diversos atos (plurissubsistentes). Se um indivíduo mata outro com diversos golpes, há vários atos, mas uma só conduta.

Somente a pessoa física pode praticar fato típico, visto que este pressupõe vontade e somente os seres humanos possuem vontade. Quanto à pessoa jurídica, embora haja divergência, grande parte da doutrina sustenta que não poderá praticar o fato típico por não possuir vontade. Hoje, no entanto, em relação aos crimes ambientais (Lei n. 9.605/98, artigos 3.º e 21 a 24), a pessoa jurídica pode praticar fato típico, sendo possível ser responsabilizada criminalmente (já vimos anteriormente). Zaffaroni entende que a pessoa jurídica não pode cometer crimes por lhe faltar vontade em sentido psicológico, só encontrável no ser humano e jamais numa mera criação do direito.

Não haverá conduta sem vontade, ou seja teremos a chamada ausência de conduta. Segundo Zaffaroni a ausência de conduta pode ser:

a) Força física irresistível: aqueles em que uma força provoca os movimentos sem o controle da vontade e aqueles em que uma força impede a realização dos movimentos de conformidade com a vontade. Ex: não há lesões leves por parte de um sujeito que está sentado à borda de uma piscina e recebe um empurrão que o faz cair dentro d’água, causando lesão em um banhista; não há homicídio culposo por parte do condutor de um veículo a quem o acompanhante agarra as mãos, fazendo-o desviar o volante e provocando a morte de um pedestre.

Não se deve confundir a força física irresistível com os casos de coação do artigo 22 do C.P.

b) Involuntariedade: aqueles em que a pessoa se encontra em estado psíquico natural e em situação que implica uma incapacidade psíquica para a realização das ações. São os casos de inconsciência. Podemos citar que não há conduta nos casos de movimentos praticados durante o sonho ou sonambulismo, sob sugestão ou hipnose e em estado de inconsciência.

27

Page 28: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

Alguns doutrinadores ainda mencionam as seguintes hipóteses em que não haverá conduta:- no caso fortuito ou força maior que eliminam a vontade, inexistindo a conduta e, por conseqüência, o fato

típico (caso fortuito é aquilo que se mostra imprevisível, é o que chega sem ser esperado; força maior é um evento externo ao agente, tornando inevitável o acontecimento). Exemplo de caso fortuito: quando tento plantar uma árvore e detono um explosivo enterrado em manobras militares ou, quando bebo água e uma substância estranha nela contida me perturba a consciência.

- nos atos reflexos (causados por excitação de um nervo sensitivo) também não caracterizam a conduta, pois não há vontade;

► Formas da Conduta:São formas da conduta, a conduta comissiva (ação) e a conduta omissiva (omissão). Passaremos a analisá-las

melhor:

2.1.2. Conduta comissivaAção é o comportamento positivo, movimentação corpórea, facere.Segundo o Professor Damásio de Jesus, a ação é a que se manifesta por intermédio de um movimento corpóreo

tendente a uma finalidade.A maioria dos núcleos dos tipos se consubstancia em modos positivos de agir, como matar, apropriar-se,

destruir etc.

2.1.3. Conduta omissivaA omissão não é apenas um comportamento estático, de repouso corporal. Omissão é o não fazer aquilo que o

agente tinha o dever jurídico e a possibilidade de realizar.O agente pode omitir-se simplesmente não fazendo, ou seja, permanecendo inerte, ou então fazendo algo

diferente daquilo que tinha o dever jurídico de realizar. Assim, comete o delito de omissão de socorro tanto aquele que permanece inerte, estático, diante da vítima, como aquele que se afasta do local sem socorrê-la.

Existem duas teorias a respeito da omissão:a) Teoria naturalística da omissão: a omissão é um fazer, é perceptível no mundo natural como algo que

muda o estado das coisas, ou seja, quem se omite dá causa ao resultado. Caracteriza-se como verdadeira espécie de ação. Constitui, portanto, um “fazer”, ou seja, um comportamento positivo: quem se omite, faz alguma coisa. Esse é o erro em que incorre essa teoria.

b) Teoria normativa da omissão: quem se omite não faz nada e o nada não causa coisa alguma, não tem relevância causal. Excepcionalmente, porém, embora não tendo produzido o resultado, o omitente responderá por ele quando a lei lhe impuser o dever jurídico de agir. Por isso é chamada teoria normativa, pois, para que a omissão tenha relevância causal (por presunção legal), há necessidade de uma norma impondo, na hipótese concreta, o dever jurídico de agir.

2.1.4. Espécies de crimes omissivos

Existem duas espécies de crimes omissivos:- Crime omissivo próprio ou puro: a conduta negativa é descrita no preceito primário da lei penal. São aqueles em

que o autor pode ser qualquer pessoa que se encontre na situação típica. Nesse caso, o omitente responderá por sua própria conduta e não pelo resultado (exemplo: artigo 135 do Código Penal – omissão de socorro; artigo 269 do Código Penal – omissão de notificação de doença; veja ainda os artigos 246, 257, 305, etc.). Nesses crimes, a simples omissão é suficiente para a consumação, independente de qualquer resultado.

- Crime omissivo impróprio, espúrio, impuro, promíscuo ou comissivo por omissão: o agente tem o dever jurídico de agir para evitar o resultado e, podendo, não age. Assim, o agente não faz o que deveria ter feito. Há, portanto, a norma dizendo o que ele deveria fazer, passando a omissão a ter relevância causal. Como conseqüência, o omitente não responde só pela omissão como simples conduta, mas pelo resultado produzido, salvo se esse resultado não lhe puder ser atribuído por dolo ou culpa. São aqueles em que o autor só pode ser quem se encontra dentro de um determinado círculo (delicta própria).

Saliente-se que os crimes omissivos impróprios admitem a tentativa, ao passo que os omissivos próprios não. Outra distinção importante: os omissivos impróprios podem ser dolosos ou culposos; os omissivos próprios são sempre dolosos.

Nos termos do artigo 13, § 2.º, do Código Penal, são três as hipóteses de dever jurídico de agir:a) Dever legal: quando a lei impõe a obrigação de cuidado, proteção ou vigilância (exemplo: responderá por

homicídio o policial militar que assistir a um jovem sendo morto e, podendo evitar o resultado, nada faz).b) Dever do garantidor: hipótese do agente que, por lei, não tem nenhuma obrigação de cuidado, proteção ou

28

Page 29: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

vigilância, no entanto assume essa obrigação por meio de um contrato (exemplo: uma babá contratada para tomar conta de uma criança responderá pelo resultado caso aconteça algo com ela). O garantidor também pode advir da liberalidade, ou seja, alguém que assume livremente a obrigação, independentemente de contrato.

c) Ingerência dentro da norma: agente que, com seu comportamento anterior, criou o risco para a produção do resultado (exemplo: se alguém empurra um cardíaco na piscina, por brincadeira, deve socorrê-lo e impedir o resultado).

► Para Zaffaroni, os crimes comissivos (praticados por ação) são chamados de crimes ativos. Para o doutrinador argentino, os tipos ativos são aqueles que descrevem a conduta proibida, enquanto os tipos omissivos são os que descrevem a conduta devida, ficando, portanto, proibida toda conduta que não coincida com a conduta devida.

2.2. ResultadoPara grande parte da doutrina, não há diferença entre resultado e evento, entretanto, há quem entenda que

evento é qualquer acontecimento (exemplo: um raio provoca um incêndio) e resultado é a conseqüência de uma conduta humana juridicamente relevante.

Há duas espécies de resultado ou duas teorias sobre a natureza do resultado: 1º) resultado jurídico;2º) resultado naturalístico.

2.2.1. Resultado jurídicoÉ a conseqüência jurídica do crime, ou seja, é a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico protegido. Sob o aspecto jurídico, não há crime sem resultado, pois todo crime fere ou expõe a perigo um bem jurídico. A

maior parte da doutrina não aceita essa teoria, entretanto, é a que foi adotada pelo Código Penal, se analisarmos o artigo 18, I do Código Penal.

2.2.2. Resultado naturalísticoÉ a modificação que a conduta provoca no mundo natural, no mundo concreto (exemplo: antes do furto, a

vítima tinha posse do seu patrimônio). Nem todos os crimes possuem resultado naturalístico. De acordo com a existência ou não do resultado naturalístico, é possível classificar os crimes em três espécies:

a) Crimes materiais : são crimes que somente se consumam com a produção do resultado naturalístico, ou seja, o resultado naturalístico integra o próprio tipo penal (exemplos: homicídio – art. 121; furto – art. 155; seqüestro, etc.).

b) Crimes formais : são crimes em que a ocorrência do resultado naturalístico, apesar de admitida, não é relevante, pois se consumam antes e independentemente de sua produção. O crime formal aloja um tipo incongruente, pois, conforme dito, admite resultado naturalístico, mas não o exige para sua consumação (daí a incongruência). Nesses crimes, a produção do resultado naturalístico é considerada mero exaurimento, o que influenciará a fixação da pena (artigo 59). (exemplo de crime formal: extorsão mediante seqüestro – art. 158: nesse crime, o resultado naturalístico visado é a obtenção da vantagem econômica e conseqüente diminuição do patrimônio da vítima; no entanto, o crime se consuma no momento em que a vítima é seqüestrada, independentemente do recebimento ou não do resgate). Outros exemplos: arts. 159 e 357.

c) Crimes de mera conduta : o tipo não prevê a ocorrência de resultado naturalístico (exemplos: crime de desobediência – art. 330; violação de domicílio – art. 150).

2.3. Nexo Causal (Relação de Causalidade)É o elo que se estabelece entre a conduta e o resultado naturalístico. O nexo causal é uma relação ditada pelas

leis da física, da causa e efeito. Dizer que existe nexo causal é dizer que, por meio das leis da física, a conduta provocou o resultado.

Somente há nexo causal nos crimes materiais e comissivos (praticados por meio de ação).

2.3.1. Teoria da equivalência dos antecedentesO Código Penal adotou a teoria da equivalência dos antecedentes conhecida como teoria da conditio

sine qua non. Para essa teoria, tudo que tenha contribuído, de qualquer modo, para o resultado considera-se sua causa (artigo 13, caput, do Código Penal). A lei atribui relevância causal a todos os antecedentes do resultado, considerando que nenhum elemento de que depende a sua produção pode ser excluído da linha de desdobramento causal. Tudo que retirado da cadeia de causa e efeito provocar a exclusão do resultado considera-se sua causa.

Para se estabelecer se a conduta foi causa do resultado, basta aplicar o critério da eliminação hipotética que consiste em fingir que uma conduta não foi praticada. Se a eliminação da conduta fizer com que desapareça o resultado é porque a conduta causou o resultado. Se “apagando” a conduta e o resultado permanecer, significa que aquela não

29

Page 30: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

foi causa deste.Pergunta-se: Diante da teoria da equivalência dos antecedentes, não poderia haver uma responsabilização

muito ampla, na medida em que são alcançados todos os fatos anteriores ao crime? Os pais não responderiam pelos crimes praticados pelo filho? Afinal, sem os pais, não existiria o filho nem o

delito por ele praticado.Nessa linha de raciocínio, não se chegaria a um regressus ad infinitum?Resposta: Não. A teoria da equivalência dos antecedentes situa-se no plano exclusivamente físico, resultante da

aplicação da lei natural de causa e efeito. Assim, é claro que o pai e a mãe, do ponto de vista naturalístico, deram causa ao crime cometido pelo filho, pois se este não existisse, não teria realizado o delito. Não podem, entretanto, ser responsabilizados por essa conduta, ante a total ausência de voluntariedade, ou seja, se não agiram com dolo ou com culpa não existiu ação ou omissão típica. Conclui-se, então, que para o Direito Penal é insuficiente o nexo meramente causal-natural, sendo imprescindível para a existência do fato típico a presença do dolo ou da culpa (necessários para a tipicidade).

Como se vê, a teoria da conditio sine qua non não resolve a questão do nexo de causalidade, surgindo a teoria da imputação objetiva para solucionar o problema do regresso causal.

2.3.2. Teoria da Imputação ObjetivaA Teoria da Imputação Objetiva foi inicialmente desenvolvida por Karl Larenz em 1927. Na esfera penal foi

desenvolvida por Richard M. Honig em 1930. Modernamente, Claus Roxin, em 1962 retomou os estudos da aludida teoria.

Essa teoria, conforme já foi dito, surgiu para limitar o problema de nexo de causalidade entre a conduta e o resultado naturalístico.

Essa teoria tem o mérito de ser um novo filtro ao liame entre a conduta e o resultado. Assim, de acordo com essa teoria, não basta, para que se reconheça o nexo causal, o primeiro filtro da causalidade física, apurada pelo critério da eliminação hipotética, nem o segundo filtro consubstanciado no dolo ou culpa; urge ainda que o agente, com sua conduta, tenha criado, para o bem jurídico, um risco acima do permitido.

Para a teoria da imputação objetiva, um comportamento socialmente adequado, tolerado, permitido pelo ordenamento jurídico, jamais poderá ser causador de um resultado proibido, típico. Se, por exemplo, em uma luta de boxe (comportamento permitido) houver morte ou lesões graves, o fato será atípico. Não é necessário, nesse caso, questionar se houve dolo ou culpa, pois no plano objetivo a conduta é permitida.

Para a existência do nexo causal, na teoria da imputação objetiva, é necessário que a conduta do agente crie uma condição de risco relevante e juridicamente proibido. Não basta a pessoa contribuir casualmente para o resultado, deverá haver um risco excepcional, anormal. Não haverá imputação do resultado quando este não estiver dentro da linha de desdobramento normal, previsível da conduta, ou seja, quando refugir ao domínio causal do agente.

A imputação objetiva depende dos seguintes requisitos:a) de a conduta criar para o bem jurídico um risco socialmente inadequado, isto é, acima do permitido;b) de se atribuir a ocorrência do resultado a esse perigo criado pela conduta;c) que o resultado esteja compreendido no âmbito de alcance do tipo.

Citamos o exemplo dado pelo Professor Damásio de Jesus: suponha-se que um filho, para ficar com a herança do pai, induza-o a visitar, num dia de forte chuva, um monte que, por razões minerárias, sofre muitas descargas elétricas durante as tempestades. Imagine-se que, desavisado, o pai visita o monte e é atingido por um raio. Nesse exemplo, para a teoria da conditio sine qua non, o filho responderia pelo resultado, pois eliminando o induzimento, a vítima não iria ao monte e não encontraria a morte. Essa solução, entretanto, não é correta, pois o filho apenas criou para o pai um risco permitido, um risco normal para a sociedade. Convidar uma pessoa para um passeio não é proibido, mesmo que possa gerar algum risco para o convidado (risco normal, como ir a um parque de diversões, por exemplo). O filho, como se vê, não praticou ato executório de homicídio, pois apenas fez um convite, não tinha, no caso, domínio sobre o fato.

Em resumo, a imputação objetiva exclui a tipicidade da conduta quando o agente se comporta de acordo com o seu papel social, ou, mesmo não o fazendo, o resultado não se encontrar dentro da linha de desdobramento causal da conduta.

De acordo com a aludida teoria, exclui-se a imputação nas seguintes hipóteses:

a) se o agente tiver diminuído o risco para o bem jurídico: “A” afasta com um forte empurrão o revólver de “B”, fazendo com que atinja o ombro de “C”, mas impedindo que alcançasse sua cabeça para matá-lo. Embora o empurrão de “A” seja o nexo causal para a lesão do ombro de “C”, não lhe será imputada a lesão, porque sua conduta diminuiu o risco de uma lesão maior que seria a morte. Outro exemplo seria a intervenção cirúrgica para salvar a vida do doente.

30

Page 31: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

b) se o agente não tiver aumentado o risco para o bem jurídico: apesar de não ter diminuído o risco para o bem jurídico, também não responderá se não aumentou esse risco. O aumento só pode ser atribuído ao agente que tenha a capacidade de domínio do processo causal. Assim, o sobrinho que manda seu tio para uma viagem de avião, na esperança que este caia, não responde pela morte decorrente da queda casual do avião, não obstante o dolo de matar. Observe-se que estava absolutamente fora do seu domínio a ocorrência do resultado. Se porém, o agente tiver ciência de que no avião estará um terrorista que irá explodi-lo, responderá por homicídio, na condição de partícipe.

c) se o risco era permitido: entende-se por risco permitido aqueles perigos que resultam de condutas social e juridicamente toleradas, relacionadas às atividades exigidas pela vida social (ex: construção de edifícios, funcionamento de fábricas, tráfego rodoviário, ferroviário e aéreo, etc). Assim, o dono de uma fábrica, que fornece protetor auricular aos operários, não responde criminalmente pelas lesões auditivas advindas dos ruídos excessivos das máquinas.

d) se o risco não produzir o resultado típico: a melhor explicação aqui é um exemplo: “A” e “B” combinam um roubo. “A” permanece fora da residência da vítima, vigiando o local. “B” penetra na residência, rouba a vítima e aproveita para estuprá-la. “A” não responde pelo estupro, porque o desvio causal esperado foi provocado por “B”.

e) se o resultado, na forma como ocorrido, não se incluir no alcance do tipo: Exclui-se do alcance do tipo o resultado que é produzido: a) em razão do perigo assumido voluntariamente pela vítima; b) em razão de uma conduta realizada por um agente que estava obrigado a enfrentar o perigo. Exemplos: “A” convida “B” a participar de uma corrida noturna (pega) de automóveis. “B” acaba morrendo, em razão da colisão de seu automóvel com um caminhão. Os adeptos da teoria da imputação objetiva sustentam que “A” não deve responder pelo homicídio. Doutrinadores brasileiros entendem que “A” deve responder por homicídio culposo, nessa hipótese pois sua conduta deu causa à morte de “B”.

Aplicando a teoria da imputação objetiva no direito penal brasileiro diríamos que teríamos que aplicar três filtros para concluir pela existência do nexo causal. Assim, teríamos:

1º filtro: Teoria da Conditio sine qua non

Nexo Causal 2º filtro: causalidade psíquica (dolo ou culpa)

3º filtro: Teoria da imputação objetiva

2.3.4. Espécies de causasSão duas as espécies de causas:

a) Causas dependentes: são aquelas que se encontram dentro da linha normal de desdobramento causal da conduta. É causa decorrente logicamente da conduta, um encadeamento causal previsível e esperado. As causas dependentes jamais rompem o nexo causal (exemplo: disparo de arma de fogo, ferimento, rompimento de artérias, hemorragia interna e morte).A causa dependente, por óbvio, não exclui o nexo causal, ao contrário, integra-o como parte fundamental.

b) Causas independentes: são aquelas que se encontram fora da linha normal de desdobramento causal da conduta. Seu surgimento não é uma decorrência esperada, lógica, natural do fato anterior, mas, ao contrário, um fenômeno totalmente inusitado, imprevisível. A causa independente se destaca da conduta, ou seja, não se sabia que, ao praticar a conduta, haveria aquela causa. Exemplo: não é uma conseqüência normal de um simples susto a morte por parada cardíaca.As causas independentes podem ser absolutamente ou relativamente independentes.

2.3.5. Causas absolutamente independentesAlém de produzir sozinha o resultado, a causa absolutamente independente tem uma origem completamente

diversa da conduta, ou seja, ocorreria ainda que a conduta nunca tivesse sido praticada (exemplo: o agente planeja a morte da vítima; quando esta está passando, antes de o agente atirar, a vítima sofre um ataque cardíaco e vem a falecer; independentemente da conduta, o resultado aconteceria). Podem ser:

a) Preexistentes: atuam antes da conduta. Exemplo: o genro, com intenção de envenenar a sogra, ministra arsênico no jantar da vítima. Ao terminar o jantar, a vítima morre. Constata-se, então, que a causa da morte da vítima foi o envenenamento produzido pela nora no café da manhã. Observe-se que a morte não foi causada pela conduta do genro, pois o arsênico leva 16 horas para fazer efeito. Não há, portanto, nexo causal. Nesse caso, o genro responderá por tentativa de homicídio. b) Concomitantes: atuam ao mesmo tempo da conduta. Exemplo: durante o jantar, 4 assaltantes invadem a residência de uma pessoa que está sendo envenenada. Esta pessoa reage ao assalto e é assassinada. Não há nexo causal.c) Supervenientes: atuam após a conduta. Exemplo: após ser envenenada, mas ainda viva, desprende-se o

31

Page 32: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

lustre sobre a cabeça da vítima, matando-a ou, após o envenenamento, um maníaco a mata a facadas. Não há nexo causal.

Observe-se que, nos exemplos citados, as causas rompem totalmente o nexo causal, razão pela qual o agente só responderá pelos atos até então praticados. O problema é resolvido pelo “caput” do artigo 13; há exclusão da causalidade decorrente da conduta.

2.3.6. Causas relativamente independentesA causa relativamente independente produz por si só o resultado, contudo origina-se da conduta, ou seja, a

causa apareceu por conta da conduta e, inesperadamente, produziu o resultado. Podem ser:a) Preexistentes: atuam antes da conduta. Exemplo: o agente corta o braço da vítima, que é hemofílica, e

esta morre em decorrência da hemorragia. A hemofilia é causa preexistente ao resultado. Existe nexo causal, mas o autor deverá responder por lesão corporal, diante da ausência de dolo de matar (se o agente não sabia que a vítima era hemofílica).

b) Concomitantes: atuam ao mesmo tempo da conduta. Exemplo: o ladrão anuncia o assalto apontando um estilete para a vítima, que desmaia e morre de infarto. Há nexo causal, mas não houve dolo nem culpa em matar. Nesse caso o agente responderia por tentativa de roubo.

c) Supervenientes: atuam após a conduta. Exemplo: uma pessoa baleada no peito está sendo levada ao hospital, quando a ambulância que a transporta capota, fazendo com que a vítima morra em decorrência de ter sua cabeça esmagada. Outro exemplo: a morte da vítima ao descer do veículo em movimento, embora tivesse o motorista aberto a porta antes do ponto de desembarque.

As causas relativamente independentes não têm o condão de romper o nexo causal. No caso das causas preexistentes e concomitantes, como existe nexo causal, o agente responderá pelo resultado, a menos que não tenha concorrido para o mesmo com dolo ou culpa. Afinal, dizer que existe nexo causal não dispensa a presença do elemento psicológico (dolo) ou normativo (culpa) da conduta, sem os quais o fato será atípico.

Na hipótese, porém, das supervenientes, embora exista nexo causal físico-naturalístico, o Código Penal, por expressa disposição do artigo 13, § 1.°, excepcionando a regra geral, manda desconsiderá-lo, não respondendo o agente pelo resultado, mas somente por tentativa.

Assim, temos:

Absolutamente Preexistentes Artigo 13 “caput” do C.P.

Independentes Concomitantes Há exclusão do nexo de causalidade, o

Supervenientes agente só responde pelos atos praticados

Causas

Relativamente Preexistentes Artigo 13 “caput” do CP – o resultado é imputado ao agente.

Independentes Concomitantes Art. 13, §1º do CP. – O resultado não é imputado,

Supervenientes responde por tentativa.

2.3.7. Complicações cirúrgicas e infecção hospitalarNesses casos, a causa é dependente ou relativamente independente?Se a causa superveniente está na linha de desdobramento físico da ação, o resultado é atribuído ao agente.

Trata-se de causa dependente. Exemplos: parada cardiorrespiratória durante cirurgia para reparação de fratura decorrente de atropelamento; broncopneumonia em virtude de internação em decorrência de lesões sofridas pela vítima.

Ao autor é atribuído o resultado final, já que a segunda causa guarda relação com a primeira.

► Questão Interessante: Durante um assalto, a vítima assustada com a arma de fogo que lhe é apontada, morre de a ataque cardíaco. O assaltante responde pela morte?

Trata-se de causa concomitante à conduta, que produziu por si só o resultado, mas teve origem na ação empreendida pelo assaltante. Classifica-se como causa concomitante relativamente independente. Desse modo, não

32

Page 33: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

exclui o nexo causal. Como se trata de mero nexo físico, não basta para responsabilizá-lo penalmente. Somente se houver dolo ou culpa o assaltante responderá pelo resultado; caso contrário, a despeito da existência do nexo natural, não terá responsabilidade pelo evento.

Sendo caso de responsabilização pelo resultado, haverá concurso formal entre homicídio (culposo ou doloso) e roubo.

2.4. TipicidadeO tipo é o modelo descritivo da conduta contido na lei. Quando o fato praticado pelo agente se enquadra no

tipo, ocorre a tipicidade. Portanto, não se deve confundir o tipo com a tipicidade. O tipo é a fórmula que pertence à lei, enquanto a tipicidade é a característica que tem uma conduta de estar adequada a um tipo penal.

Segundo Damásio, tipicidade é a correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição de cada espécie de infração contida na lei penal incriminadora.

► A tipicidade apresenta-se sob dois aspectos: formal e material.Tipicidade formal é a previsão na norma da conduta humana. É o próprio artigo da lei. É a previsão na lei da

conduta proibida para a qual se estabelece sanção penal.Tipicidade material é a violação a um bem jurídico tutelado pela norma formalmente prevista em lei.

Segundo Maurach as funções do tipo penal são:1) limitação do poder punitivo do Estado (tipicidade formal);2) Limitar e fundamentar a sanção em face de um bem jurídico (tipicidade material).

► Princípios Correlatos com a Tipicidade- Aspecto formal:

a) Legalidade;b) Taxatividade;c) Determinação (o tipo penal formal deve definir o que deve ser considerado crime).

- Aspecto Materiala) Intervenção Mínima;b) Subsidiariedade (só se tutela um fato se os outros ramos do direito não forem suficientes para tutelá-lo);c) Fragmentariedade (na tutela de bens jurídicos o Direito Penal deve intervir apenas nos mais importantes);d) Ofensividade ou lesividade;e) Insignificância.

►► Tipicidade e AntijuridicidadeAs relações entre a tipicidade e a antijuridicidade não são consideradas pacíficas pela doutrina.

a) Teoria da ratio cognoscendi (teoria do tipo indiciário): para esta teoria a tipicidade é um indício ou presunção juris tantum (que admite prova em contrário) da antijuridicidade. É sustentada por Max Ernst Mayer. A tipicidade é a fumaça em relação à antijuridicidade. Esta é a teoria adotada, inclusive citada por Zaffaroni como a melhor posicionada.

b) Teoria da ratio essendi: para esta teoria a tipicidade é a ratio essendi (razão de ser) da antijuridicidade. Afirmada a tipicidade resultará afirmada a antijuridicidade.

2.4.1. Espécies de tipoa) Permissivos ou justificadores: são tipos penais que não descrevem fatos criminosos, mas hipóteses em

que estes podem ser praticados. São tipos que permitem a prática de condutas descritas como criminosas. São os que descrevem as causas de exclusão de ilicitude (Art. 23 do CP), também conhecidas como causas de justificação.

b) Incriminadoras: são os tipos que descrevem as condutas proibidas.

Diferença entre tipicidade e adequação típicaA tipicidade é a mera correspondência formal entre o fato humano e o que está descrito no tipo, enquanto a

adequação típica implica um exame mais aprofundado do que a simples correspondência objetiva. A adequação típica vai além, investigando se houve vontade, para só então efetuar o enquadramento.

► Adequação típicaÉ o enquadramento da conduta ao tipo legal.

Formas da adequação típica:a) adequação típica de subordinação imediata: ocorre quando há uma correspondência integral, direta e

perfeita entre a conduta e o tipo legal. Ex: João efetua um disparo de arma de fogo que mata a vítima Pedro.b) adequação típica de subordinação mediata, por extensão ou ampliada: ocorre quando o fato não se

enquadra imediatamente na norma penal incriminadora, necessitando do concurso de outra disposição. É o caso da

33

Page 34: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

tentativa (art. 14, II) e também da coautoria (art. 29)

► Espécies de Tipo:a) Tipo normal: só contém elementos objetivos (descritivos) – Ex: art. 121: “matar alguém”;b) Tipo anormal: além dos objetivos, contém elementos subjetivos e normativos – Ex: art. 219: “raptar mulher

honesta para fim libidinoso”;c) Tipo fundamental: é o que nos oferece a imagem mais simples de uma espécie de delito. É o tipo que se

localiza no caput do artigo e contém os elementos essenciais do crime. Ex: art. 121 “caput”.d) Tipo derivado: são os que se formam a partir do tipo fundamental, mediante o destaque de circunstâncias

que o agravam ou atenuam. Ex: art. 121, § 2º.e) Tipo fechado: é o que contém a definição pormenorizada da conduta criminosa. Ex: artigo 121.f) Tipo aberto: é o que não contém a definição completa do crime, devendo o magistrado complementar a

tipicidade através de um juízo valorativo. Exemplos: crimes culposos; ato obsceno (art. 233); rixa (art. 137), etc.g) Tipo simples: é o que contém uma única espécie de conduta criminosa, isto é, um único núcleo. Exemplos:

“matar” (art. 121); “subtrair” (art. 155), etc.h) Tipo misto: é o que possui dois ou mais núcleos. Ocorre nos chamados crimes de ação múltipla. Exemplos:

“Induzir, instigar ou auxiliar” (art. 122).i) Tipo congruente: é aquele em que há coincidência entre a vontade do agente e o fato descrito na norma

penal. É o que ocorre com os crimes materiais consumados.j) Tipo incongruente: é aquele em que não há coincidência entre a vontade do agente e o fato descrito na

norma penal. É o que ocorre na tentativa, nos crimes culposos e crimes preterdolosos e nos crimes formais.

Já vimos também que o tipo legal é composto de elementares e circunstâncias. Vejamos novamente para fixarmos conceitos de suma importância dentro do direito penal.

2.4.2. ElementaresElementar é todo componente essencial, imprescindível para a existência do tipo penal. Ausente a elementar, o

tipo penal desaparece (atipicidade absoluta) ou o tipo penal será outro (atipicidade relativa). Por serem essenciais, os elementos estão sempre no caput da norma incriminadora, por isso o caput é chamado

de tipo fundamental. Existem, no entanto, algumas figuras típicas descritas em parágrafos; essas figuras, chamadas de figuras equiparadas, são as únicas exceções.

2.4.3. CircunstânciasCircunstâncias são dados acessórios que ficam agregados ao tipo penal e cuja função é influenciar na fixação da

pena. A circunstância não é imprescindível para a existência do crime, podendo torná-lo mais grave ou menos grave.Ressalte-se que o crime será mais ou menos grave em decorrência da circunstância, entretanto será sempre o

mesmo crime (exemplo: furto durante o repouso noturno; trata-se de circunstância, tendo em vista que, sendo ou não durante o repouso noturno, ainda assim existirá o furto).

A circunstância não integra a essência do tipo penal, ou seja, se for retirado, o tipo não deixa de existir. As circunstâncias estão dispostas em parágrafos (exemplo: qualificadoras, privilégios etc.), não servindo para compor a essência do crime, mas sim para influir na pena.

2.4.4. Espécies de elementos (elementares)

São três as espécies de elementos:1) Elementos objetivos ou descritivos: são aqueles cujo significado depende de mera observação,

tornando desnecessária qualquer interpretação. Todos os núcleos (verbos) do tipo constituem elementos objetivos (exemplos: matar, falsificar etc.). São aqueles que independem de juízo de valor, existem concretamente no mundo (exemplos: mulher, coisa móvel, filho etc.). Se um tipo penal possui somente elementos objetivos, ele oferece segurança máxima ao cidadão, visto que, qualquer que seja o aplicador da lei, a interpretação será a mesma. É o chamado tipo normal, pois é normal o tipo penal que ofereça segurança máxima. Se referem à materialidade da infração penal, no que concerne à sua forma de execução, tempo, lugar, etc. Exemplos: “matar alguém” no artigo 121; “noite” e “repouso noturno” nos artigos 150, §1º e 155, §1º.; “lugar ermo” e “lugar público”, nos artigos 150, §1º e 233.

2) Elementos subjetivos: compõem-se da finalidade especial do agente exigida por alguns tipos. Determinados tipos não se satisfazem com a mera realização do verbo. Existirá um elemento de ordem subjetiva sempre que houver no tipo as expressões “com a finalidade de”, “para o fim de” etc. (exemplo: rapto com fim libidinoso – artigo 219 CP). O elemento subjetivo será sempre a finalidade especial que a lei exige. Não confundir o elemento subjetivo do tipo com o elemento subjetivo do injusto, que é a consciência do caráter inadequado do fato, a consciência da ilicitude (elemento da culpabilidade e não do tipo penal). Tipos que exigem finalidade especial são chamados tipos anormais. Ex: “com o fim de” (art. 131); “para si ou para outrem” (art. 157); “para fim libidinoso” (art. 219).

34

Page 35: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

3) Elementos normativos: são aqueles que dependem de interpretação para se extrair o significado, ou seja, é necessário um juízo de valor sobre o elemento (exemplo: mulher honesta). O que é mulher honesta? Observe-se que os elementos normativos trazem a possibilidade de interpretações equívocas, divergentes, oferecendo certo grau de insegurança, por isso são chamados de tipos anormais. Ex: “indevidamente” (arts. 151, §1º, II); “sem justa causa” (art. 153 caput); “sem autorização” (art. 282 caput); “dignidade” e “decoro” (art. 140, caput), etc.

Existem duas espécies de elementos normativos:1) elemento normativo jurídico: é aquele que depende de interpretação jurídica (exemplos: funcionário

público, documento etc.);2) elemento normativo extrajurídico ou moral: é aquele que depende de interpretação não jurídica

(exemplo: mulher “honesta”).

2.4.5. Tipicidade ConglobanteDe acordo com a essa teoria, criada pelo jurista argentino Eugênio Raul Zaffaroni, o fato típico pressupõe que

a conduta esteja proibida pelo ordenamento jurídico como um todo, globalmente considerado.O direito é um só e deve ser considerado como um todo, não importando sua esfera (a ordem é conglobante).O nome conglobante decorre da necessidade de que a conduta seja contrária ao ordenamento jurídico em geral

(conglobado) e não apenas ao ordenamento penal.A tipicidade penal (aquela que estudamos) consiste apenas no enquadramento formal da conduta no tipo, o que

seria insuficiente para a existência do fato típico conglobante. A tipicidade conglobante exige, além do enquadramento formal, a necessidade de que a conduta seja contrária ao ordenamento jurídico em geral (conglobado) e não apenas ao ordenamento penal.

Zaffaroni criou a seguinte fórmula para explicar a Tipicidade Conglobante:

TP = TF + TC onde TP é a tipicidade penal, TF é a tipicidade formal e TC é a tipicidade conglobante.

Ainda, dentro da tese de Zaffaroni, a TC (tipicidade conglobante) é composta pela antinormatividade e pela tipicidade material

Teríamos ► TC = antinormatividade + tipicidade material

Para a teoria da Tipicidade Conglobante, o fato será típico desde que preencha a tipicidade formal e a tipicidade conglobante que engloba os conceitos de antinormatividade e tipicidade material.

Haverá Antinormatividade com a comprovação de que a conduta legalmente típica está também proibida pela norma. Sempre que uma conduta não for fomentada (estimulada ou ordenada) pelo Estado ou pelo ordenamento jurídico surgirá a antinormatividade. Assim, por ser estimulada pelo Estado, não poderá ser considerada antinormativa.

Desta forma, as condutas praticadas em Estrito Cumprimento do Dever Legal não são antinormativas. Para Zaffaroni, o Estrito Cumprimento do Dever Legal não exclui a ilicitude mas sim exclui a tipicidade. Portanto, o Estrito Cumprimento do Dever Legal é causa de exclusão da tipicidade, o fato será atípico.

A partir do conceito de antinormatividade como elemento fundamental para que haja tipicidade conglobante e para que o fato seja típico, as hipóteses de Estrito Cumprimento do Dever Legal deixam de ser consideradas causas de exclusão da ilicitude e passam a ser causa de exclusão da tipicidade penal, o mesmo ocorrendo com certas hipóteses de Exercício Regular de Direito. Isso porque em alguns casos de Exercício Regular de Direito o Estado fomenta as ações das pessoas, como, por exemplo, quando estabelece que o pai dê educação ao seu filho e, conseqüentemente, permite o castigo.

Segundo Zaffaroni, antinormatividade é diferente de antijuridicidade. A antinormatividade se refere aquilo que é fomentado ou não pelo Estado, enquanto a antijuridicidade se refere a uma autorização (permissão) do Estado.

Assim, no artigo 23 do Código Penal, que estabelece as causas de exclusão da ilicitude teríamos:- Legítima defesa – autorização- Estado de necessidade – autorização- Exercício Regular de Direito – fomentação em alguns casos- Estrito Cumprimento do Dever Legal – fomentação

Zaffaroni transfere, desta forma, o Estrito Cumprimento do Dever Legal e o Exercício Regular do Direito para o fato típico, retirando-os da ilicitude. Entretanto, é preciso dizer que ele continua adotando o modelo clássico do finalismo separando a ilicitude e a tipicidade (ratio essendi).

Finalmente, dentro ainda da Tipicidade Conglobante, devemos analisar a Tipicidade Material.Tipicidade Material é a lesão ao bem jurídico tutelado. Assim, não podemos nos esquecer que dentro da

tipicidade material estão os princípios da Lesividade e da Insignificância.35

Page 36: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

Zaffaroni conclui que as lesões insignificantes são consideradas atípicas pois não formam a tipicidade penal. Se não houver lesividade ou se a lesão for insignificante, não há tipicidade material, não preenchendo a tipicidade conglobante e, conseqüentemente a tipicidade penal.

Para Fernando Capez, essa teoria cria confusão, pois desloca para o tipo causas como o exercício regular do direito e o estrito cumprimento do dever legal, que são hipóteses de condutas autorizadas pelo ordenamento.

CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES

A doutrina faz uma classificação dos crimes e é isso que iremos estudar nesse momento. Várias são as classificações existentes. Procuraremos mencionar as mais comuns:

Crime comum: pode ser praticado por qualquer pessoa (exemplo: homicídio – art. 121, furto – art. 155, estelionato – 171, etc.); Crime próprio: exige qualidade pessoal para o sujeito ativo, ou seja, só pode ser cometido por determinada categoria de pessoas. Exemplo: infanticídio – art. 123 – crime que só pode ser praticado pela mãe; Peculato, artigo 312 do CP, só pode ser cometido por funcionário público (categoria de pessoas). Admite coautoria e participação. Crime de mão-própria ou de atuação pessoal: só pode ser cometido pelo sujeito em pessoa (exemplo: crime de falso testemunho – art. 342 e prevaricação – art. 319). Os estranhos, nos crimes de mão própria, podem intervir como partícipes, mas não como autores. Não admite, portanto, coautoria nem autoria mediata. Crime de dano: só se consuma com a efetiva lesão do bem jurídico (exemplo: homicídio, furto, estelionato, etc); Crime de perigo: se consuma com a mera possibilidade de dano (exemplo: perigo de contágio venéreo – art. 130, rixa – art. 137, incêndio – art. 250 etc.).

O perigo pode ser:- presumido ou concreto;- individual ou comum (coletivo).Perigo Presumido (ou abstrato): é aquele que a lei presume, não precisando ser provado. Resulta da própria

ação ou omissão. Ex: o fato de deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, que se encontra ao desamparo, constitui crime de omissão de socorro (art. 135). O perigo aqui é presumido.

Perigo Concreto: é o que precisa ser provado. Ex: artigo 134 há a definição legal do crime de exposição ou abandono de recém-nascido. O perigo deve ser comprovado.

Perigo Individual: é o que expõe ao risco de dano o interesse de uma só pessoa ou limitado número de pessoas. Ex: art. 130 – perigo de contágio venéreo.

Perigo Comum: é o que expõe ao risco de dano interesses jurídicos de um número indeterminado de pessoas. Ex: art. 250 – incêndio.

Perigo atual é o que está ocorrendo, como o estado de necessidade (art. 24), a legítima defesa, etc.Perigo iminente é o que está prestes a ocorrer (art. 132 do CP).Perigo futuro é o que, embora não existindo no presente, pode advir em ocasião posterior

Crime material: o tipo menciona conduta e resultado naturalístico, cuja ocorrência é necessária para sua consumação (exemplo: homicídio, infanticídio, furto etc.); Crime formal: o tipo menciona conduta e resultado naturalístico, cuja ocorrência não é necessária para sua consumação (exemplo: calúnia, rapto etc.); Crime de mera conduta: o tipo só menciona a conduta (exemplo: violação de domicílio, desobediência etc.); Crime instantâneo: se consuma num dado momento ou instante, sem continuidade temporal (exemplo: homicídio em que a morte ocorre em momento certo; furto, etc); Crime permanente: a consumação, por vontade do agente, se prolonga no tempo (se protrai no tempo). A situação ilícita criada pelo agente se prolonga (exemplo: seqüestro, porte de drogas, extorsão mediante seqüestro); Crime instantâneo de efeitos permanentes: as conseqüências se prolongam no tempo, independentemente da vontade do agente (exemplo: homicídio, furto). A diferença entre o crime permanente e o instantâneo de efeitos permanentes reside em que no primeiro há a manutenção da conduta criminosa, por vontade do próprio agente, ao passo que no segundo perduram, independentemente da sua vontade. Crime a prazo: aquele em que a consumação depende de um determinado lapso de tempo (exemplo: artigo 148, § 1.º, inciso III ou artigo 129, § 1º, I); Crime comissivo: praticado mediante ação. O sujeito pratica uma ação, age. (exemplo: lesão corporal, homicídio); Crime omissivo: praticado mediante omissão ou mediante inação. (exemplo: omissão de socorro, artigo 135, 244, 246, 269); Crime omissivo próprio ou puro: a omissão é descrita no próprio tipo legal (exemplo: omissão de socorro); essa modalidade não admite a tentativa. Se perfaz com a simples abstenção da realização de um ato, independentemente do resultado posterior (arts. 135, 244, 246, 269, etc);

36

Page 37: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

Crime omissivo impróprio (ou comissivo por omissão): é aquele no qual o tipo descreve uma ação, mas a inércia do agente que tem o dever jurídico de evitar o resultado, permite a ocorrência do resultado naturalístico (exemplo: policial que assiste inerte o afogamento de uma criança; mãe que deixa de alimentar o filho, causando-lhe a morte). Essa modalidade admite a tentativa; Crimes de conduta mista: são aqueles em que há uma fase inicial positiva e uma omissão final. Ex: apropriação indébita de coisa achada – art. 169, § único, II). Crimes de concurso necessário: são os que exigem mais de um sujeito ativo para sua prática. Podem ser coletivos (ou plurissubjetivos) e bilaterais;

- Crime plurissubjetivo: o tipo exige a presença de vários agentes (Ex; art. 288 – quadrilha ou bando, rixa –artigo 137, associação para o tráfico de drogas);

- Crime bilateral: exige para a sua configuração mais de uma pessoa, mesmo que uma delas não seja culpável. Ex: bigamia. Crime unissubjetivo (monossubjetivo): praticado por uma só pessoa; Crimes de dupla subjetividade passiva: são crimes que tem dois sujeitos passivos. Ex: violação de correspondência (art. 151), em que são sujeitos passivos o remetente e o destinatário; Crime simples: é o que se enquadra num único tipo legal (exemplo: homicídio); Crime complexo: é a fusão de dois ou mais crimes em um tipo penal único (exemplo: latrocínio – roubo e homicídio; extorsão mediante seqüestro – extorsão e seqüestro). Crime monoofensivo: atinge apenas um bem jurídico (exemplo: homicídio – atinge o bem jurídico vida); Crime pluriofensivo: atinge mais de um bem jurídico (exemplo: latrocínio, que lesa a vida e o patrimônio); Crime de forma livre: admite vários meios de execução (exemplo: homicídio, lesão corporal, furto etc.); Crime de forma vinculada: o tipo especifica os meios pelos quais o crime pode ser praticado (exemplo: curandeirismo, artigo 284 e artigo 260 do CP); Crime principal: tem existência autônoma (exemplo: estupro); Crime acessório: pressupõe a existência de outro crime (exemplo: receptação – pressupõe a existência de crime de furto anteriormente; favorecimento pessoal – art. 348, que pressupõe a prática de crime anterior, etc.); Crime unissubsistente: a conduta exterioriza-se com um só ato executório, consumando-se: (exemplo: crimes cometidos verbalmente, tais como injúria, desacato, etc). Não admite a tentativa. Crime plurissubsistente: a conduta pode exteriorizar-se em mais de um ato executório (exemplo: crimes cometidos por escrito, como a injúria e outros, como o homicídio, lesão corporal etc.) Admite a tentativa; Crime independente: não está ligado a nenhum outro crime. O sujeito pratica um furto, dias depois um homicídio e, entre eles, não há qualquer circunstância em comum. São independentes; Crime conexo: está interligado com outra infração. Há um nexo entre as infrações. A conexão pode ser:

a) teleológica ou finalística: quando praticado para assegurar a execução de outro crime (Ex: o sujeito mata o marido para estuprar a esposa);

b) conseqüencial: praticado para assegurar a ocultação, impunidade ou vantagem de outro crime (Ex: o sujeito após furtar a residência, incendeia a casa para fazer desaparecer vestígios; o sujeito após praticar um crime de dano, mata a testemunha; sujeito após praticar estelionato, mata o parceiro para ficar com o dinheiro só para si);

c) ocasional: praticado em virtude da oportunidade surgida pela prática de outro crime (ex: o sujeito entra para estuprar a mulher, após o estupro, resolve furtar suas jóias). Crime à distância: conduta e resultado ocorrem em países diferentes (Ex: sujeito no Brasil mata a vítima que está no Paraguai). Aplica-se nesta hipótese a regra do artigo 6º do CP (teoria da ubiqüidade); Crime plurilocal: conduta e resultado ocorrem em comarcas diferentes, mas dentro do mesmo país. Ex: sujeito ferido em Barueri, morre em São Paulo, após socorrido. (aplica-se aqui o artigo 70 do Código de Processo Penal – teoria do resultado); Crime em trânsito: quando parte da conduta ocorre num país, sem lesar ou pôr em perigo bem jurídico de seus cidadãos (exemplo: carta de um argentino, na qual ofende um japonês, passa pelo correio brasileiro, antes de ser enviada ao Japão); Crimes condicionados e incondicionados: Condicionados são os têm a punibilidade condicionada a um fato exterior e posterior à consumação (Ex: brasileiro que pratica estelionato no exterior está sujeito a nossa lei penal após as condições do art. 7º, §2º, “b” e “c”); Incondicionados são os que não têm sua punibilidade condicionada (art. 7º, §1º). Crime de flagrante esperado: ocorre quando o indivíduo sabe que vai ser vítima de um delito e avisa a polícia, que apanha o sujeito. Aqui não há qualquer provocação (crime provocado). Não confundir flagrante esperado com flagrante provocado, nem com flagrante forjado e nem mesmo com flagrante prorrogado ou retardado; Crime falho: é a denominação que se dá à tentativa perfeita ou acabada, em que o sujeito faz tudo quanto está ao seu alcance para consumar o crime, mas o resultado não ocorre por circunstâncias alheias à sua vontade; Crimes vagos: são os que têm por sujeito passivo entidades sem personalidade jurídica, como a família, o público ou a sociedade. Ex: ato obsceno (art. 233); tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/06); Crimes de ação múltipla ou de conteúdo variado: são crimes em que o tipo faz referência a várias modalidades da ação. Ex: art. 122, em que os verbos do tipo são “induzir”, “instigar” ou “prestar auxílio”; artigo 33 da Lei nº 11.343/06 (tráfico de drogas); Crime habitual e profissional: Crime habitual é a reiteração da mesma conduta reprovável, de forma a constituir um estilo ou hábito de vida. Ex: curandeirismo (art. 284).

37

Page 38: Direito Penal

DIREITO PENAL – PARTE GERAL

- Crime profissional é aquele em que o agente pratica as ações com intenção de lucro. Ex: rufianismo (art. 230); Crime transeunte e não transeunte: Crime transeunte (delicta facti transeuntis) é o que não deixa vestígios (Ex: desacato, injúria). Crime não transeunte (delicta facti permanentis) é o que deixa vestígios (Ex: homicídio, lesão corporal); Crimes de tipo fechado e de tipo aberto: Delitos de tipo fechado são aqueles que apresentam a definição completa, como o homicídio. Crimes de tipo aberto são os que não apresentam a descrição típica completa, necessitando ser pesquisado pelo julgador no caso concreto. (Ex: delitos culposos; delitos que apresenta elementos normativos –“sem justa causa”, “indevidamente”, etc); Crime remetido: ocorre quando a sua definição se reporta a outros delitos, que passam a integrá-lo, como por exemplo, o art. 304 do CP e o art. 276 do CP; Delito de atentado ou de empreendimento: ocorre nos tipos legais que prevêem a punição da tentativa com a mesma pena do crime consumado. Ex: votar ou tentar votar duas vezes (art. 309 do Código Eleitoral); artigo 352 do CP (evadir-se ou tentar evadir-se o preso); Crime exaurido: é aquele em que o agente, mesmo após atingir o resultado consumativo, continua a agredir o bem jurídico. Ex: art. 317 – solicitar vantagem indevida. O recebimento dessa vantagem é mero exaurimento do crime. Crime gratuito: é aquele cometido sem qualquer motivo. Crime de ímpeto: é o cometido sem premeditação, em razão de uma explosão emocional repentina. Crime de opinião ou de palavra: é o cometido pelo abuso da exteriorização do pensamento. Pode ser escrito ou verbal. Exemplos são os crimes contra a honra, o desacato, etc. Crimes falimentares: são os crimes previstos na lei de falências. Aqueles cometidos no processo de falência. Se dividem em antefalimentares (antes da falência) ou pós-falimentares (após a decretação da falência). Crimes funcionais: são aqueles cometidos por funcionários públicos. Exigem assim, que o autor seja funcionário público. Crimes de responsabilidade: são infrações político-administrativas cuja prática acarreta a imposição de sanção política. São crimes de responsabilidade aqueles praticados pelo Presidente da República, Ministros de Estado, Governadores e prefeitos. Os crimes de responsabilidade estão na Lei nº 1079/50. Crimes hediondos: são os crimes previstos no art. 1º da Lei nº 8072/90, considerados crimes gravíssimos: latrocínio, extorsão qualificada pela morte, extorsão mediante seqüestro, estupro, atentado violento ao pudor, etc. Infração penal de menor potencial ofensivo: é aquela cuja pena abstrata não exceda dois anos, seja pena isolada, cumulada ou alternada com a multa.

38