direito não é moral nem moralismo! — conversa afiada
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Brasil
Direito no moral nem moralismo!
Moro, j ouviu falar em Palas Atena?
publicado 24/01/2016
In dubio, ela absolveu Orestes, que matou a me, Clintemestra!
O Conversa Afiadareproduz magnfica aula do professor Lenio Streck,
que visita esse blog, sempre com a argcia de Odisseu e a lana de
http://www.conversaafiada.com.br/http://www.conversaafiada.com.br/streck-explica-a-carta-dos-advogadoshttp://www.conversaafiada.com.br/brasil -
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Aquiles!
Making a murderer, Orestia e minha ode Constituio!
Por Lenio Luiz Streck
Caricatura Lenio Luiz Streck (nova) [Spacca]Esta coluna jurssica.
Ortodoxa. De quem acredita na Constituio. Simples assim! Convido-os
para essa travessia. Como Ulisses, em que as correntes que lhe amarram
so a sua prpria salvao!
Parcela considervel dos pindoramenses j conhece a srie americana
Making a Murderer (ver aqui). H vrios artigos, inclusive de juristas,
comentando o assunto. Tentarei fazer isso de outro modo. A histria:
Trata de um sujeito pobre Steven Avery detestado pelas
autoridades (por "boas" razes) que condenado por um crime que no
cometeu. 18 anos depois, inocentado pelo exame do DNA. Vira uma
celebridade: processa o Estado por 36 milhes, vira nome de legislaoetc. at que... preso por novo crime. preso de novo e s se quebra.
Make a murderer, Orestia e seu simbolismo
A srie constrangedoramente simblica, mormente se pensarmos na
justia penal de um pas perifrico como o nosso. A srie televisiva
chocou os estadunidenses. Ser que nos choca? Quantos desses Steven
https://en.wikipedia.org/wiki/Making_a_Murdererhttp://www.conjur.com.br/2016-jan-21/senso-incomum-making-murderer-oresteia-minha-ode-constituicao -
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Avery andam por nosso sistema carcerrio? De pronto, lembro de um
caso recente ocorrido no Rio Grande do Sul, em que o exame de DNA,
embora apontasse para um novo julgamento ou at mesmo da inocncia
(por excluso) do ru (preso), foi recusado pelo Tribunal de Justia
estadual (veja aqui) por maioria de votos. A desembargadora relatora
considerou procedente o pedido, uma vez que o exame de DNA
comprovou que fora encontrado sangue no local do crime e que esse
sangue no era do ru e, sim, de outro indivduo. Nenhum outro elemento
de prova tcnica incriminou o ru-revisante. S a palavra da vtima. Detodo modo, o que impressionou nos votos que negaram a reviso foi o
argumento de que o DNA no comprovou com certeza a excluso do
acusado (o exame no teria falado em percentuais). Mas, a pergunta :
no deveria ser o contrrio? No seria a condenao que exigiria prova
robusta e certa? A razo no estaria com a desembargadora relatora, que,
embora no convencida da inocncia do revisante, deu-lhe o benefcio da
dvida? Aqui, em vez da srie Making a murderer, poderia ser utilizada a
tragdia grega Orestia, em que surgiu pela primeira vez a aplicao do
in dubio pro reo, porque o resultado do julgamento apontou cinco votos a
favor da inocncia de Orestes (acusado de matar a me Clintemestra e o
seu amante, Egisto) e cinco votos pela sua condenao. Foi absolvido
pela juza Palas Atena com base no in dubio pro reo. Qual a moral da
histria nessa tragdia grega? Na verdade, duas: a primeira, na dvida,
voc absolve a segunda, o direito que institucionaliza o castigo. A
vingana privada foi banida.
http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/113187072/revisao-criminal-rvcr-70049748627-rs/inteiro-teor-113187084 -
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De como quase 300 anos de priso se transformam em 7 tipo
made in Pindorama
Mas poderamos tambm falar de outros casos. Por exemplo, nestes
tempos de delao premiada, a palavra do delator tem valido tanto
quanto a da vtima no caso do estupro da reviso criminal. Interessante
que, como se trata de acordos de delao, no h recurso. Uma pena de
13 anos se transforma em 1 ano (sem previso legal). Conforme
levantamento da Folha de S.Paulo, condenaes de 13 delatores somam
quase 300 anos, s que transformados em menos de sete anos. Bingo. Oproblema : qual o DNA das delaes? Como se questiona a
autenticidade de tudo o que foi feito, se no h recurso? Sim, porque o
delator fica satisfeito a acusao, idem. O juiz homologa. Como no
existe um Ombudsman para recorrer, a substancialidade da delao vai
para as calendas. Quase que uma questo de f. Veja-se como atua a
Justia: exige-se que a absolvio do ru em reviso criminal seja
baseada em certeza j nos casos das delaes, basta a palavra do delator,
com alguns resultados tipo-devolver dinheiro. O mais bizarro nas
delaes tem sido os casos de acareao. Cada delator mantm sua
verso. E da, algum perguntaria? E eu respondo: da que, se as
verses so conflitantes, impossvel que ambos falem a verdade. Logo,
um est mentindo. Consequentemente, se um est mentindo e a questo
est duvidosa a ponto de ter exigido a acareao (se a justia tivesse
certeza, no precisaria acarear!), ento porque h dvida. E, de novo,
vem baila a Orestia. Mais: Suponha-se que o prprio delator diga algo
em favor do delatado ou algo que no contra e a PF e o MPF no
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transcrevem exatamente esse pedao da fala (ler aqui)? Tal omisso
imaginemos que seja verdadeira a denncia da matria desse
pequeno detalhe proveniente de culpa transcrevendum, culpa
traduzindum, culpa esquecendum, ou culpa digitandum? Pergunta que
no quer ser esquecida: se o advogado reclama desse detalhe, ele
est apenas fazendo um jus esperniandum, como quiseram fazer crer
algumas autoridades ao comentar o manifesto dos 100 advogados?
Mistrio. Muito mistrio. Duros tempos, em que o advogado tem de
pedir desculpas por estar de costas, para os que entendem o anedotriopopular.
A incompatibilidade entre processo penal e consequencialismo
Voltando ao Making a murderer. O que est por trs dessa discusso toda
: os julgamentos criminais devem ser consequencialistas ou por
princpio? Algum pode ser condenado porque isso trar paz social ou
far bem alma da sociedade? Ou seja: algum pode ser condenado
por argumentos consequencialistas-utilitaristas? Por exemplo: na
hiptese de algum ser condenado tendo por base uma prova mal
havida (ilcita), esse julgamento vlido? Um consequencialista diria
que, se essa prova ilcita apontou o verdadeiro culpado, a condenao
deve ser mantida. J um no-consequencialista, que age por princpio,
dir que o ru deve ser absolvido, mesmo que isso desagrade ao clamor
pblico. Ah, mas ele merece. Ele mau. A condenao se deu por
boas razes, diriam muitos (a maioria). E eu insisto, andando na
contramo: Em uma democracia, o julgamento deve ser por princpio.
http://www.conjur.com.br/2016-jan-18/mpf-escondeu-depoimento-afasta-culpa-marcelo-odebrecht -
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Contra tudo e contra todos.
Eis os dilemas da aplicao da lei e da Constituio. H um filme
americano em que o sujeito absolvido porque a arma do crime foi
encontrada pela polcia na caamba do lixo. O assassino havia atirado a
arma no lixo. Os lixeiros pegaram o lixo e colocaram no caminho. A
polcia chegou e recolheu a arma. No tinham mandado judicial para
isso. O lixo, ainda no revirado, era ainda privado. Sem mandado, a
prova invlida. Terrvel no? Caricato? Pode ser. Mas nesses casostrgicos que se mede o valor das garantias. A Constituio quando as
estabelece, o faz contra as maiorias.
Ningum quer impunidade. Mas a punio nunca pode ser a qualquer
preo. O nosso democracimetro acende a luz amarela quando
procedemos de forma consequencialista... no Direito. No cotidiano, cada
qual pode ser consequencialista. Minhas atitudes cotidianas esto
baseadas na minha moral. S que, no mbito pblico, essas minhas
convices no devem importar quando se tratar da aplicao de algo que
ns convencionamos colocar na Constituio a partir de uma linguagem
pblica. E nossos argumentos morais no podero corrigir isso que j
est convencionado. O Direito um remdio para combater o crime. Mas
um remdio para que esse combate se d dentro de regras. Caso
contrrio, no precisaramos do direito. Simples assim.
Direito no moral e nem moralismo. Ou voltaremos s ordlias.
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Se muitos juristas no gostam que o Direito conceba garantias para os
culpados, como saberemos se, de fato, eles so culpados? Teremos que,
primeiro, saber se so. E para isso h regras. Caso contrrio, podemos
amarrar as mos do indiciado, amarrar-lhe uma pedra no pescoo e o
atirar na gua. Se flutuar, ser inocente. Se afundar, culpado. Bingo. Esse
o desejo da maioria. Ups. A que entra o direito. Bingussimo. Como
um remdio justamente... contra maiorias. No h direito sem processo.
Processo como o raio X do aeroporto. Todos devem passar por ele. Por
isso, Making a murderer pode ser uma importante lio. Condenarpessoas por boas razes ou com base em prova falada, pode ser
politicamente conveniente para a maioria. Mas pode nos custar caro mais
adiante.
Uma palavra final: Voc jurista e no gosta da Constituio? Que
pena.
As vtimas so importantes. Seria uma cretinice algum no se importar
com as vtimas. A corrupo deve ser combatida. Devemos diminuir as
taxas de impunidade. E as taxas de criminalidade. Elementar isso.
Entretanto, a democracia tem um custo. Um ato pode ser considerado
absolutamente injusto, imoral, etc. a partir da filosofia moral, da religio,
do senso comum. Voc quer fazer filosofia moral? V ler Michel
Sandel. Ou v estudar os filsofos morais. Que, entretanto, tambm
precisam, na hora H, do direito. Para viver em sociedade.
Por que estou escrevendo isso? Para dizer que, se voc pode achar as
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coisas injustas, etc..., h que se dar conta de que no direito isso se d de
modo diferente. No fosse assim, poderamos torturar pessoas para obter
a verdade de um processo (alis, o argumento da verdade real uma
espcie de tortura alis, usa-se como se quer quando no se quer, diz-se
que a prova intempestiva). Quem acha que a moral pode corrigir o
Direito, deve, antes, se perguntar: e quem vai corrigir a moral? Quem? E
qual a moral? A do intrprete? No seria melhor deixar essas coisas
para a lei e a Constituio?
No fcil ser jurista. No fcil ser coerente. Se o Direito vai contra o
que voc pensa e se a Constituio ruim porque d direitos aos
bandidos, ok... mas, ento, faa outra coisa. Tem tantas outras
profisses nas quais voc pode ser til. Usando um exemplo radical: no
faz muito, um juiz norte-americano escreveu para a Suprema Corte
dizendo que no podia aplicar determinada pena porque a considerava
injusta. Um juiz da Suprema Corte lhe respondeu: Pea demisso!
V fazer outra coisa. Desculpem pelo exemplo. Poderia usar um outro,
como: No aplicarei essa garantia a favor do ru porque eu sei que
ele no merece. Em um sistema de justia democrtico, uma Suprema
Corte lhe responderia: Pea demisso.
Post scriptum:li as notas dos juzes e procuradores e tambm os artigos
dos articulistas da Folha Josias de Souza e Mario Sergio Conti. No vou
discutir as notas. J com relao aos articulistas, que dizem que os
signatrios do manifesto nunca se preocuparam com os 240 mil presos
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pobres do pas e de que os signatrios teriam feito um manifesto para os
ricos, digo apenas que os dois, talvez por serem jornalistas, nunca leram
Jacinto Coutinho, Lenio Streck, Celso Antonio, para falar apenas destes.
H quantos anos berramos contra esse sistema? Quantos manifestos e
artigos subscrevi, dizendo que no Brasil la ley es como la serpiente solo
pica al descalzos. Fui o primeiro a propor a tese de que a
descriminalizao do crime de sonegao nos casos de pagamento antes
da sentena fossem estendidos ao furto e estelionato...(e l estava a frase
La ley es...). Nas minhas cerca de 700 conferncias no Brasil e nomundo, denuncio essas injustias ad nauseam. Josias e Conti deveriam
ler mais os juristas. O que o manifesto quer dizer algo que pode
surpreender aos jornalistas: at agora as vtimas do sistema penal em
Pindorama eram os pobres nega-se-lhes o direito historicamente (ah,
quanto j escrevi contra isso!) e agora esse brao longo do autoritarismo
se estende tambm aos ricos. Viva, diriam. Pois . Talvez esse seja o
modo tupiniquim de distribuir a justia. Bater em todos para firmar a
igualdade tambm na injustia. Antes em vez de dar garantias aos
pobres, tiremo-las dos ricos. Zeremos tudo. Afinal, os pobres nunca
tiveram mesmo. Bingo. Mas eu no compactuo.
A propsito, para avisar aos dois jornalistas: minha denncia de que os
tribunais da federao continuam (no sculo XXI, nas barbas dos
jornalistas e dos jornaleiros) invertendo o nus da prova nos crimes de
furto e trfico de entorpecentes... no teve resposta at agora (nem dos
tribunais e nem da imprensa). E a denncia de que no construmos uma
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