direito internacional público

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Direito Internacional Público Resumo António Albuquerque 2006/07 Universidade Lusófona Faculdade de Direito 1 Direito Internacional (DI) e historia É necessário compreendê-lo com base na sua história, a qual faz parte das sociedades humana e do Direito. Assim: - Em sentido latíssimo, a história do DI interpenetra-se com a do Estado. "Aos diferentes tipos de Estado correspondem diferentes tipos de DI, tal como, a cada época e área geográfica, com os seus Estados, está associado um sistema próprio de DI. Foi o moderno Estado de tipo europeu que deu origem a um sistema de DI à escala mundial. Quanto ao moderno DI distinga-se 2 períodos históricos: DI Clássico O mais longo decorre até à I Guerra Mundial, chamado DI Clássico, em que prevalecem as relações entre os Estados, únicos sujeitos de DI. Para além do costume, só existem Tratados de navegação, comércio, aliança e paz. Houve 3 fases ou subperíodos: a) Remonta aos tempos que precedem a paz de Vestefália (1648). Entre o final do século XV e 1648 (Vestefália) deram-se importantes acontecimentos históricos: a quebra do podo do imperador de Sacro-Império e do podo do Papa; o Renascimento; os Descobrimentos; a Reforma e a Contra-Reforma; guerras político-religiosas. A escola espanhola do DI (Francisco de Vitória, Domingo de Soto e Francisco Suarez) analisa problemáticas decorrentes dos Descobrimentos, como: delimitação da acção e das áreas de domínio das potências europeias em expansão (Tordesilhas), relações entre povos de diferentes continentes, questões sobre o regime jurídico do mar e da liberdade de navegação (mare clausum ou mare liberum). Porém, o grande nome do DI é HUGO GRÓCIO. São os Tratados de Vestefália que reconhecem o princípio da soberania como princípio da independência dos Estados europeus. Multiplicam-se as relações políticas e comerciais, surgem normas consuetudinárias sobre poderes dos Estados e limites territoriais, sobre representações diplomáticas, guerra,... Celebram-se também Tratados bilaterais. O DI vai-se, pois, fomentando nos vários Estados. São as Revoluções americana e francesa que vão determinar importantes alterações. b) 2ª Fase – até á Revolução francesa e aos finais do XVIII. Liberalismo burguês; nacionalismo romântico; apogeu da Europa. Os EUA, independentes, é o primeiro país, não europeu, a ser reconhecido como sujeito de DI. A Ver. Francesa preconiza: a soberania reside no povo e, como tal, o DI baseia-se nas relações entre os povos; estes são livres e iguais e têm todos o direito à autodeterminação. É uma perspectiva que cabe no âmbito jusracionalista. Estas ideias são também preconizadas por Kant, Benthan e Saint-Simon. Porém, a força dos nacionalismos acaba por vencer. c) Desde aí até à I Guerra Mundial. O Congresso de Viena mostra o triunfo dos monarcas, sendo também notória a necessidade de um equilíbrio por meio da diplomacia. Dá-se a Santa Aliança mas, na América, assiste-se à independência do Brasil e das colónias espanholas. O mesmo na Europa relativamente à Bélgica. Acresce as Revoluções liberais e a unificação da Alemanha e Itália.

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Direito Internacional Público Resumo

António Albuquerque 2006/07 Universidade Lusófona Faculdade de Direito

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Direito Internacional (DI) e historia

É necessário compreendê-lo com base na sua história, a qual faz parte das sociedades humana e do Direito. Assim:

- Em sentido latíssimo, a história do DI interpenetra-se com a do Estado.

"Aos diferentes tipos de Estado correspondem diferentes tipos de DI, tal como, a cada época e área geográfica, com os seus Estados, está associado um sistema próprio de DI.

Foi o moderno Estado de tipo europeu que deu origem a um sistema de DI à escala mundial.

Quanto ao moderno DI distinga-se 2 períodos históricos:

DI Clássico

O mais longo decorre até à I Guerra Mundial, chamado DI Clássico, em que prevalecem as relações entre os Estados, únicos sujeitos de DI. Para além do costume, só existem Tratados de navegação, comércio, aliança e paz.

Houve 3 fases ou subperíodos:

a) Remonta aos tempos que precedem a paz de Vestefália (1648). Entre o final do século XV e 1648 (Vestefália) deram-se importantes acontecimentos históricos: a quebra do podo do imperador de Sacro-Império e do podo do Papa; o Renascimento; os Descobrimentos; a Reforma e a Contra-Reforma; guerras político-religiosas.

A escola espanhola do DI (Francisco de Vitória, Domingo de Soto e Francisco Suarez) analisa problemáticas decorrentes dos Descobrimentos, como: delimitação da acção e das áreas de domínio das potências europeias em expansão (Tordesilhas), relações entre povos de diferentes continentes, questões sobre o regime jurídico do mar e da liberdade de navegação (mare clausum ou mare liberum). Porém, o grande nome do DI é HUGO GRÓCIO.

São os Tratados de Vestefália que reconhecem o princípio da soberania como princípio da independência dos Estados europeus. Multiplicam-se as relações políticas e comerciais, surgem normas consuetudinárias sobre poderes dos Estados e limites territoriais, sobre representações diplomáticas, guerra,... Celebram-se também Tratados bilaterais.

O DI vai-se, pois, fomentando nos vários Estados. São as Revoluções americana e francesa que vão determinar importantes alterações.

b) 2ª Fase – até á Revolução francesa e aos finais do XVIII. Liberalismo burguês; nacionalismo romântico; apogeu da Europa.

Os EUA, independentes, é o primeiro país, não europeu, a ser reconhecido como sujeito de DI. A Ver. Francesa preconiza: a soberania reside no povo e, como tal, o DI baseia-se nas relações entre os povos; estes são livres e iguais e têm todos o direito à autodeterminação. É uma perspectiva que cabe no âmbito jusracionalista. Estas ideias são também preconizadas por Kant, Benthan e Saint-Simon. Porém, a força dos nacionalismos acaba por vencer.

c) Desde aí até à I Guerra Mundial. O Congresso de Viena mostra o triunfo dos monarcas, sendo também notória a necessidade de um equilíbrio por meio da diplomacia. Dá-se a Santa Aliança mas, na América, assiste-se à independência do Brasil e das colónias espanholas. O mesmo na Europa relativamente à Bélgica. Acresce as Revoluções liberais e a unificação da Alemanha e Itália.

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Inicio XX - países como a Turquia, Japão, China e Libéria acedem à Comunidade de Estados e de países não europeus ou não cristãos. São criadas comissões internacionais do Reno e do Danúbio, bem como uniões administrativas internacionais (ex.: União Postal Universal). A Cruz Vermelha cria, por sua vez, um Direito humanitário de guerra. Refira-se ainda a tentativa de criação da arbitragem internacional e limitações inerentes aos modos beligerantes.

DI Contemporâneo

Desde a I Guerra Mundial (desde 1919) temos o 2° período, chamado DI Contemporâneo, em que os sujeitos de DI são, não só, os Estados mas também as Organizações Internacionais e os indivíduos, em determinadas condições. As Organizações Internacionais criam normas jurídicas que vinculam os Estados e os indivíduos e proliferam os tratados multilaterais.

O DI contemporâneo subdivide-se em 3 fases:

a) A 1ª fase decorre do Tratado de Versalles e estende-se até à II Guerra Mundial, 1939. Como nota, temos o malogro, pela Sociedade das Nações, da tentativa de institucionalização;

b) Pós II Guerra Mundial (1945) temos a 2ª fase. Como notas, temos a Guerra-fria e a Carta das Nações;

c) 3ª Fase: queda do Muro de Berlim (1989).

Como nota caracterizadora registe-se a reafirmação dos princípios da autodeterminação dos povos e das nacionalidades e o diluir dos Impérios. Na Europa Central surgem novos Estados e, fora deste continente, registam-se movimentos anticolonialistas.

Desta altura data a criação da Sociedade das Nações, 1ª organização de cunho político predominando, todavia, o escopo da segurança. Os Estados Europeus dominam nesta Sociedade das Nações, se bem que receptiva a Estados de outros continentes. Nos anos 30 diluiu-se face ao rearmamento alemão, à violência do Japão na China e da Itália na Etiópia, bem como à guerra civil espanhola (1936-39)

Emerge também a OIT (Organização Internacional do Trabalho) com importante função social, emanando, através da sua Assembleia, convenções e recomendações. Fazem-se Conferências sobre esta matéria. Os Estados são representados por delegados governamentais e representantes de organizações de trabalhadores. O objecto das convenções e das Conferências perspectivam o DI como Direito intergovernamental.

É ainda desta altura a criação do Tribunal Permanente de Justiça Internacional, 1ª instância jurisdicional para resolução de litígios jurídicos internacionais. Hoje, temos o Tribunal Internacional de Justiça.

Acresce a criação de: Protocolo para a Resolução Pacífica de Conflitos Internacional (1924); Acordos de Locamo sobre garantias mútuas e arbitragem (1925); Acto de Arbitragem (1928) Pacto Briand-Kellog sobre renúncia a actos bélicas (1928). Nenhum teve aplicação.

Tal como supra exposto, os anos 30 foram assaz turbulentos - evidentes sinais de nacionalismos e totalitarismos.

Pós 1945 (II Guerra Mundial) os países vencedores criaram a ONU com intervenção em actividades internacionais multilaterais - suas características:

a) Cooperação económica e social (direitos do H, paz e segurança internacional) (Artºs 33°ss.., 55°ss. Da Carta);

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b) Fomento do progresso politico com vista à autodeterminação e independência dos territórios não autónomos e sob tutela (Artºs 73°, 74°,75°);

c) Proibição da guerra (nºs 3, 4 e 5do Artº 2°, e Artº 51°) e podo coercivos da ONU para preservar paz e segurança;

d) Criação do Tribunal Internacional de Justiça. Conselho Económico e Social, Conselho de Segurança, Conselho de Tutela, Assembleia Geral.

Emergem outras Organizações de âmbito internacional: Organização Mundial de Saúde, UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura; FAO (Organização das Nações Unidas para a alimentação e a agricultura;...Juridicamente divergem da ONU mas estão-lhe vinculadas como organizações especializadas, por meio de acordos celebrados através do Conselho Económico e Social (Artºs 57º e 63º), a chamada “Família das Nações Unidas”.

Várias colónias de impérios marítimos europeus tornam-se politicamente independentes nas décadas seguintes, sob a égide da ONU. O DI teve que se adaptar a estas mutações visando a paz e justiça social internacional de um número cada vez maior de Estados independentes, em ruptura com os princípios e as normas imperialistas. Daí: a Convenção de Direitos do Mar (1982) a Carta dos Direitos e Deveres Económicos dos Estados (1974).

Características distintivas e institucionalização do DI

Características:

Sistema complexo e diferenciado de fontes e de sujeitos. Quanto a estes últimos, ao invés dos Direitos Internos em que os sujeitos são as pessoas singulares e colectivas de Direito Público e Direito Privado, no DI são os Estados soberanos os sujeitos. Se bem que juridicamente iguais sabemos que são desiguais em poderio, o que se traduz, na prática, em diferenças de facto e de Direito.

Em determinadas situações e com a observância de determinados pressupostos é que os cidadãos são também sujeitos de DI. Logo, no DI há um menor número de sujeitos;

Há normas que abrangem todos os Estados e Entidades afins e normas que só abrangem determinados sujeitos ou ainda determinados sujeitos em relações entre si;

• Predominam os actos jurídicos internacionais que decorrem da vontade funcional e normativa (não da vontade psicológica);

• Número reduzido de Tribunais internacionais;

• Releva a responsabilidade colectiva sobre a responsabilidade individual;

• Sanções não têm muitas vezes peso significativo.

Institucionalização:

Na comunidade internacional tem havido uma evolução - coexistem as relações entre os Estados e as diferentes Organizações internacionais.

Acresce a prevalência das obrigações inscritas na Carta das Nações Unidas sobre outras, a existência do Direito do Mar e a proliferação de Tratados multilaterais.

A Convenção de Viena de 1969 é uma codificação de textos reconhecendo formalmente a existência do "Jus cogens", isto é, normas imperativas de DI que prevalecem sobre Tratados.

A Comissão de DI das Nações Unidas codificou as normas de origem consuetudinária abrangendo

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os diferentes Estados de DI.

Âmbito do DI

Vários são os critérios para definir o DIP ou Direito das Gentes:

1° Critério – o DI regula as relações entre Estados.

Critica: para além dos Estados (e diga-se que nem todos participam na vida jurídica internacional), outras Entidades intervêm juridicamente a nível internacional – os sujeitos, empresas privadas, grupos de pessoas com reconhecimento a nível internacional, a Santa Sé e as Organizações Internacionais. Acresce que esta definição é redutora porque as normas de DI devem regular as situações inerentes a cada Estado, ao passo que este critério se prende unicamente com as relações entre Estados.

2º Critério – o DI regula as relações entre sujeito de DI (Estados e outros). Critério dos sujeitos.

Critica: depende do DI definir quem são esses sujeitos.

3° Critério – prende-se com o objecto das normas de DI. Assim, o DI refere-se às matérias internacionais, e não como o direito das relações entre os Estados e outros sujeitos.

Critica: suscita dúvidas interpretativas do n.º 7 do Artº 2° (são normas de DIP todas as normas que não implicassem com as normas internas do Estado. Se o forem não se trata de normas de DIP) da Carta das Nações Unidas.

4° Critério – prende-se com os processos de formação das normas, isto é, normas especificas de DI e não de Direito Interno.

Critica: ao invés do que sucede nos Estados com uma ordem jurídica centrada, no DI a ordem jurídica é descentralizada. No DI não há leis mas vigora o costume, os Tratados ou Convenções internacionais assente em matérias que extrapolam as situações específicas de cada Estado em particular. Há pois uma dinâmica inter-relacional que abarca não só pessoas singulares como também pessoas colectivas, sem fronteiras, pois, são comunidades jurídicas sem fronteiras estatais.

5° Critério – A ideia de uma comunidade internacional tendo o DI como expressão jurídica da existência da comunidade internacional, ou seja assim como o direito interno é a organização do Estados o DI é a organização da comunidade internacional

Critica: Dividida em três níveis. Primeiro, o DI surge a partir das soberanias estatais, dentro dos seus interesse ou vontades, ainda hoje continuando a manifestar o peso decisivo dos estados dentro da comunidade internacional (em termos das suas relações ou até das instituições). Segundo, existem várias comunidades internacionais quer de âmbito regional, quer sectorial. E, terceiro, o conceito de comunidade internacional pode subjazer uma visão ideológica ou metajurídica.

Ressalve-se que o DIP não é a única ordem normativa na vida internacional, há ainda a considerar as normas de cortesia e a moral em proporção maior que no direito interno.

Depois deve-se relevar que o DI compreende processos de formação específicos (tipicamente diferentes do Direito interno), de forma singular, onde se destaca o papel extenso do costume, pelo facto de não existir lei como acto normativo do DI.

Áreas do DI (O DI é uma OJ e não um ramo do Direito)

O DI está em conexão com a globalização ou mundialização. Considere-se também o Direito

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Comunitário Europeu. Fala-se mesmo em DI relativo a determinadas zonas geográficas a nível mundial porque em comum possuem determinadas características, tradições, problemas (DI Regional). Vide Artºs 52°, 53°, 54° da Carta das Nações Unidas.

Há quem distinga: DI Geral (que abarca normas de carácter geral e normas relativas a fontes, sujeitos, responsabilidade e matérias internacionais) e DI Especial que se divide em ramos (DI penal; Direitos do Homem, DI do Trabalho,...) ou sectores que lhes são transversais (DI humanitário, Direito dos Conflitos Internacionais).

Acresce que a doutrina mais enraizada e os textos jurídicos internacionais e internos (ex.: Artº 8° CRP) distinguem DI Geral ou comum (vinculando todos os sujeitos de DI) de DI Convencional (vinculando apenas certos sujeitos de DI). Hoje, fala-se sobretudo em Tratados multilaterais sobre as mais variadas matérias, no costume e nas decisões oriundas de Organizações de âmbito internacional de grande relevo (ONU, OMS, UNESCO;...).

Podemos pois considerar, a nível internacional, a coexistência de:

• Princípios do Direito das Gentes;

• Normas da Carta das NU que prevalecem sobre as de qualquer Convenção (103°);

• Normas das Convenções de Viena sobre aplicação, interpretação, validade e vigência de tratados;

• Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça;

Há quem vislumbre pois uma Constituição Internacional ou Mundial: todavia, não existe um poder constituinte que sustente, no momento, essa ideia.

O Fundamento do DI (é o mesmo do restante Direito, isto é, regular as relações entre indivíduos e sociedade)

Nos séculos XVII e XVIII negou-se carácter jurídico do DI (ex.: Hobbes, Hegel), mesmo depois das mutações decorrentes da Revolução francesa, que institucionalizou o Estado de Direito Democrático.

No século XIX: positivismo

• Hoje, aceita-se a validade do DI. Há necessidade de normas de DI que instaurem a paz, a harmonia e equilíbrio no mundo actual - o da globalização. Daqui decorrem várias teses, a saber:

a) Tese institucionalista (escola de Santi Romano) segundo a qual o DI é a OJ da comunidade internacional;

b) Tese jusnaturalista (Le Fur, André Gonçalves Pereira,...) que entende o DI baseado em valores suprapositivos, em princípios jurídicos transcendentes;

c) Tese normativista (escola de Kelsen) segundo a qual o DI assenta sempre numa norma, consuetudinária ou outra;

d) Tese solidarista (Scelle, Politis,...) influenciada pelo positivismo sociológico, que assenta na solidariedade entre os diferentes indivíduos e povos. Considera-se pois que as normas jurídicas decorrem, sem dúvida, de factores sociais.

Tal como há uma plural idade de sociedade, o mesmo acontece com os ordenamentos jurídicos subjacentes a diferentes fenómenos económicos, políticos, sociais e culturais. Visa-se a harmonia, a paz, segurança e equilíbrio entre eles. Ao princípio da igualdade subjaz à democratização.

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Releve-se que, enquanto a lei é fonte de Direito Interno, tal não acontece no DI em que as normas consuetudinárias têm especial importância. Há Tratados bilaterais e multilaterais, bem como decisões de organizações internacionais, há também o Tribunal Internacional de Justiça, o Tribunal Europeu, o Tribunal dos Direitos do Homem, entre vários outros.

Acresce que, apesar de, internacionalmente, não existir policia e exército permanente, na Carta das Nações Unidas estão estatuídas medidas de carácter coercivo e sanções no domínio militar.

Em suma, importa é criar um clima de cooperação (direitos do Homem, ambiente,...) na comunidade internacional Para tal, muito tem contribuído o movimento de codificação, a doutrina e a jurisprudência do Tribunal Internacional de Justiça.

O Artº 38º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça (conceito com pluralidade de sentidos: formal, material, documental, orgânico e sociológico)

São fontes formais de DI:

O costume, Os tratados, as decisões de organizações internacionais, a jurisprudência. São interdependentes, na norma delas emanadas são vistas de um ponto de vista sistemático.

Dispõe o Artº 38º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça:

O Tribunal, independentemente da faculdade de decidir "ex aequo et bono" (equidade), de acordo com o DI, aplica:

• Princípios gerais de D reconhecidos pelos Estados (fonte primaria);

• O costume internacional (fonte primaria);

• As Convenções internacionais, gerais ou especiais (fontes primarias);

• Decisões judiciais (fonte secundaria), sem prejuízo do disposto no Artº 59°;

• Doutrina (fonte secundaria).

Comentário critico a este Artº 38º:

A enumeração que faz das fontes de DI não é exaustiva mas exemplificativa, sendo necessário uma interpretação actual. Corroborando tal, refira-se a existência também de decisões das organizações internacionais, os actos jurídicas unilaterais dos Estados com repercussões nas relações entre os sujeitos de DI. Não há hierarquia de fontes.

Acresce criticar a alínea a) do nº 1 deste Artº 38º não há que distinguir entre Convenções internacionais, gerais e especiais; as regras convencionais não são "reconhecidas" mas "estabelecidas" pelas partes.

Define ainda o Artº o "costume" como "prova de uma prática geral aceite como de Direito" mas este não é uma "prova" mas sim o "sentido" ou orientação de uma prática. Acresce não sabermos se a prática é geral, constante ou universal.

Quanto aos princípios gerais internacionais, eles não são só reconhecidos pelos Estados civilizados mas por todos, incluindo organizações internacionais e outros sujeitos.

Quanto à faculdade conferida ao Tribunal, de decidir segundo juízo de equidade, tal não é fonte de Direito mas antes um modo de o aplicar, em termos de justiça, a casos concretos.

O Costume internacional

Tem papel importante no DI, talvez pela inexistência de uma autoridade reconhecida

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mundialmente. As normas consuetudinárias estão subordinadas ao 'jus cogens" mas têm o mesmo valor jurídico que as normas que derivam de Convenções.

O costume decorre das relações bilaterais ou multilaterais dos diferentes sujo de DI (indivíduos, Estados, Organizo internacionais). Disso é exemplo o direito ao veto por parte dos membros permanentes do Conselho de Segurança. Ainda hoje matérias como a imunidade dos Estados e a responsabilidade internacionais são reguladas internacionalmente quase só pelo costume.

Segundo a doutrina distingue-se "costume geral ou universal" de "costume particular". O primeiro obriga todos ou a maior parte dos Estados; o segundo obriga só um determinado continente ou certos Estados com características afins. A estes dois acresce o "costume local" respeitante a determinado espaço geográfico.

Releva acrescentar que o costume interno é constituído por um elemento material (o uso - Ex.: actos de execução de Tratados, actos políticos ou de governo dos Estados, actos diplomáticos" actos na esfera das organizações internacionais) e um elemento psicológico (a convicção de obrigatoriedade no que respeita à interpretação funcional e normativa da vontade dos sujeitos de DI. Esta resulta quer do "reconhecimento", quer do "protesto" ou ainda da "notificação”).

Actos ou decisões das organizações internacionais

Desde logo importa referir que os actos das organizações internacionais estão subordinados às regras orgânicas e formais, bem como às matérias dos Tratados constitutivos.

Os actos ou decisões de organizações internacionais podem ser de diferentes tipos:

a) Actos de eficácia externa ou actos de mera eficácia interna (ex.: regimentos da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança das Nações Unidas - vide Carta). Estes são fonte de Direitos internacionais;

b) Actos normativos e actos não normativos;

c) Actos administrativos (quanto à estrutura e funcionamento dos seus órgãos e serviços) políticos, actos jurisdicionais (ex.: decisões do Tribunais internacionais de Justiça no respeitante às Nações Unidas; Tribunal de Justiça e o Tribunal de 1ª Instância, relativamente às Comunidades Europeias);

d) Actos aplicáveis imediatamente (isto é: decisões preceptivas) ou actos não aplicáveis directamente (isto é: decisões programáticas ou directivas); as decisões podem ser as "recomendações" (ex.: as da Assembleia Geral das Nações Unidas – nº 2 do Artº 11°, Artº 13° da Carta) ou "pareceres" (ex.: do Tribunal internacional de Justiça).

Atenção! As constituições, estatutos e cartas de Organizações internacionais são fontes de DI sobre autonomia porque reconduzem-se a Tratados.

- Nações Unidas: dela emanam decisões gerais e abstractas, como as de afirmação e reafirmação de princípios ou regras de DI (ex.: respeitante a agressão ou a autodeterminação).

Decisões gerais e concretas são as do Conselho de Segurança sobre preservação da paz e segurança internacional (Artº 39°ss.) e da Assembleia Geral sobre matéria financeira (Artº 17° Carta).

Há também decisões normativas sobre os fundos marinhos (aprovadas pela Assembleia da Autoridade Mundial dos Fundos Marinhos), sobre a aviação civil internacional (emanados do Conselho da Organização de Aviação Civil Internacional (Artºs 54° e 90° do Tratado neste âmbito) e ainda regulamentos que a OMS adopta (21 ° desse Tratado).

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- Dos ORGÃOS DAS COMUNIDADES EUROPEIAS emanam as mais importantes decisões normativas geradoras de Direito Comunitário derivado. Vide 249º Tratado de Nice (2001).

- O princípio da legalidade é pois fundamento valorativo das normas emanadas pelas organizações internacionais, mas estas carecem de meios de garantia jurisdicionais.

Jurisprudência

Respeita a decisões de Tribunais judiciais, arbitrais e internacionais, incluindo os de DI pois estes aplicam directamente o DI e as suas decisões também relevam internacionalmente. Destas decisões judiciais de â interno pode decorrer costume.

Actos jurídicos unilaterais (como fontes de DI)

São os actos normativos das organizações internacionais, bem como as decisões de conteúdo geral e abstracto ou ainda as de conteúdo geral e concreto dos seus órgãos.

Distinga-se:

Actos jurídicos unilaterais autónomos ou principais (válidos e eficazes por si, produzindo efeitos directos e imediatos quanto a relações com outros sujeitos, e efeitos indirectos quando inerentes a práticas estaduais, contribuindo para o costume interno ou para a interpretação de normas, já existentes) a saber: o reconhecimento, a notificação, a promessa, o protesto e a renúncia)

De:

Actos jurídicos unilaterais não autónomos ou acessórios (actos que decorrem de outros actos, directa e imediatamente, a saber: a adesão. a ratificação, a aceitação, a assinatura, as reservas, a objecção e a revogação de reservas, a denúncia).

Actos jurídicos unilaterais autónomos ou principais:

• "Reconhecimento" - declaração unilateral de um Estado (ou outro sujeito), considerando-se determinante o facto ou situação em conformidade com as normas jurídicas;

• "Notificação" - declaração respeitante a determinado facto ou situação, presente ou futura, que é dada a conhecer a outro sujeito de DI;

• " Promessa" - declaração unilateral de vontade onde certo sujeito se compromete a agir ou a não agir de determinada maneira;

• " Protesto" – declaração segundo a qual determinado facto ou situação viola o DI;

• "Renúncia" – acto jurídico unilateral em que um determinado sujeito declara não exercer certo direito ou declarando que não pretende exercê-lo.

Em comum, os actos jurídicos autónomos principais têm as seguintes características:

# Decorrem de um só sujeito de DI;

# Mostram a capacidade internacional dos sujeitos e neles está consagrado o princípio da boa fé;

# Quando definitivos, são irrevogáveis;

# Não carecem de qualquer requisito formal: não é necessária, a observância da forma escrita nem registo pelo Secretário-Geral das Nações Unidas; contudo, podem ser alvo de registo. As formas são as mais diversificadas não carecendo de publicidade: discursos em conferências, por ex.: em conferências de imprensa; notas oficiosas, notas diplomáticas,...

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A codificação do DI

Últimas décadas: movimento de codificação que tende a substituir as normas consuetudinárias de DI mas só tem tido mais expressão no que concerne as Nações Unidas. São as chamadas Convenções ou Declarações.

Foi a Carta que levou a que a Assembleia Geral promovesse a codificação (13º/1/a) Para tal, data de 1947 a instituição da Comissão de DI, como órgão subsidiário. Este movimento de codificação do DI visa a participação de um cada vez maior número de Estados na formação das normas consuetudinárias (que passam a ser escritas), bem como a certeza e segurança jurídica, o rigor científico e técnico.

Acresce que os novos Estados soberanos ficam vinculados às normas consuetudinárias, assim como os Estados que não sejam parte nessas convenções de codificação se vinculam às normas preexistentes nelas contempladas doravante.

Ex.: de Convenções com que se tem ocupado a Comissão de DI:

# 1961,Convenção sobre as relações diplomáticas;

#1963, Convenção sobre as relações consulares;

#1969, Convenção sobre o Direitos dos Tratados;

# 1969, Convenção sobre missões diplomáticas;

# 1975, Convenção sobre a representação dos Estados em organizações internacionais de carácter universal;

#1986, Convenção sobre Tratados entre Estados e Organizações internacionais e sobre Tratados entre organizações internacionais;

#1997, Convenção sobre a utilização dos cursos de águas internacionais para fins diferentes da navegação.

Convenção de Viena – remete para a Carta das Nações Unidas as consequências da abertura das hostilidades para o Estado agressor (Artº 75°) e quanto ao resto é ela que regula o DI geral.

Guerra - pode gerar a cessação ou suspensão da vigência de determinar tratados, sobretudo os tratados bilaterais, Porém, determinam a constituição de outros (ex.: Convenção de Haia sobre Direito da Guerra, Convenções de Genebra sobre Direito Humanitário).

Tratados ou Convenções internacionais (Na OJ portuguesa as duas terminologias têm diferentes sentidos)

Noção - trata-se de um acordo de vontades cujas partes são sujo de DI, que agem como tal, e donde decorrem efeitos jurídicos internacionais relevantes, não só atinentes a essas mm relações interno como observáveis nas ordens internas desses mesmos sujeitos.

Note-se que os sujeitos de DI não têm necessariamente que ser Estados (vide 43°,63° Carta das Nações Unidas), isto é, podem também existir Tratados entre Estados e outros sujeitos de DI ou até entre sujeitos de DI que não são Estados.

Acresce que o acordo de vontades não tem que obedecer a forma escrita (o que não afecta nada o valor jurídico dos acordos nem a sua aplicação (3° da Convenção de Viena) e que, mesmo que seja, pode o consenso traduzir-se em troca de notas. Mas pode ainda ser necessária a aprovação (em Portugal assim acontece).

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Por último, refira-se que os tratados internacionais pressupõem liberdade de celebração e de estipulação das partes contraentes. Porém, vide "limites à liberdade Convencional"

Terminologia dos tratados

O termo geral na prática corrente e na doutrina é tratado, no entanto também se designando convenção.

Em Portugal os dois termos aplicam-se a amplitudes diversas.

Os tratados em especial ou sobre objecto especifico recebem designações particulares, assim:

# Carta, constituição ou estatuto - tratado que constitui uma organização internacional ou regula um órgão internacional (ex.: Carta das Nações Unidas, Constituição da OIM, estatuto do Conselho da Europa ou do Tribunal Internacional de Justiça.

Atenção: Carta também é empregue para designar documentos de natureza diferente do Tratado (Carta dos direitos e deveres dos Estados, Carta dos direitos fundamentais da UE).

# Concordata - tratado entre a Santa Sé e um Estado sobre a situação da Igreja Católica perante este (Concordata entre a Santa Sé e Portugal)

# Pacto - tratado de aliança militar (ex.: Pacto do Atlântico, Pacto de Varsóvia) ou tratado politíco muito importante (pacto da Sociedade das Nações, Pactos de direitos económicos, sociais e culturais e de direitos civis e políticos).

# Acta Geral ou Final - tratado conclusivo de uma conferência ou congresso internacional de Estados; porém, nem sempre tem natureza de tratado.

# Convenção técnica - tratado sobre matérias especializadas de carácter técnico, muitas vezes complementa outro;

# Protocolo adicional - tratado complementar ou que modifica outro em matérias políticas (ex.: protocolo adicional ao Pacto de Direitos Civis e Políticos)

# Declaração conjunta - (ex. tratado entre a China e Macau, 1987)

# "Modus vivendi" - acordo temporário ou provisório

# Compromisso - acordo que visa a solução arbitral de conflitos.

Tratados – diferentes classificações:

1ª Classificação (hoje, esta distinção é ténue, fluida)

• Tratados normativos – as normas são de carácter geral e abstracto ou geral e concreto.

• Tratados não normativos – são estipuladas prestações recíprocas e, com a sua realização, os tratados esgotam-se.

2ª Classificação que se prende com a estrutura interna, isto é, com o número de partes constantes dos tratados.

• Tratados bilaterais – entre 2 partes

• Tratados multilaterais – são gerais ou colectivos pois há uma pluralidade de partes (em princípio, entre Estados mas também podem ser outros os sujeitos de DI). Existe ainda a possibilidade de serem gerais ou restritos.

3ª Classificação que se prende sobretudo com um critério formal.

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• Tratados ou Convenções solenes – carecem de ratificação.

• Tratados ou Convenções não solenes ou simplificadas – só carecem de aprovação e, em determinados casos, só de assinatura. Neste âmbito, distinguem-se acordos em forma simplificada e acordos em forma ultra-simplificada (nestes últimos para haver vinculação basta a assinatura ou acto equivalente pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros).

4ª Classificação:

• Tratados abertos – (ex.: Tratados multilaterais gerais) carecem de assinatura e ratificação ou da adesão de sujeitos que não estiveram presentes na celebração ou na entrada em vigor do tratado.

• Tratados fechados – (ex.: tratados de delimitação de fronteiras, acordos entre as Nações Unidas e as organizações especializadas, concordatas).

5ª Classificação:

• Tratados institucionais – constituem Organizo Internacionais;

• Tratados não institucionais

6ª Classificação:

• Tratados exequíveis por si mesmos – só por si adquirem plena efectividade;

• Tratados não exequíveis – carecem de tratado ou lei de complementação (ex.: tratados sobre direitos económicos e sociais)

7ª Classificação:

• Tratados perpétuos – cuja duração é indefinida;

• Tratados temporários – a sua duração tem um termo (ex.: Tratado do Atlântico Norte, 1949)

8ª Classificação:

• Tratados principais

• Tratados acessórios – subsequentes aos Tratados principais, deles dependendo e concretizando-os (ex.: tratados de adesão a organizações internacionais, acordos ou convenções técnicas ou administrativas)

9ª Classificação:

• Tratados públicos – cujo conteúdo é revelado ou tornado possível

• Tratados secretos – cujo conteúdo é reservado a quem interveio na sua conclusão. Hoje, o DI não os reconhece porque não se harmonizam com o princípio da boa fé, podendo pôr em causa o princípio da igualdade e a paz internacional.

Limites à liberdade convencional

# Limites de Direito Interno - decorrem da Constituição de cada Estado pois os Estados não podem celebrar tratados que violem as suas normas constitucionais. O mesmo acontece relativamente aos actos unilaterais e aos que são praticados no seio das Organizações Internacionais. Portugal não pode violar, nos tratados em que é parte, os direitos fundamentais consagrados na CRP.

# Limites de Direito Internacional, a saber:

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a) Princípios de “Jus cogens”;

b) Que decorrem de:

1 - Tratados principais relativamente a tratados ou protocolos adicionais, acessórios ou de execução (30°/2 Convenção de Viena);

2 - Tratados que constituem organizações internacionais ou entidades afins;

3- Tratados que derivam de normas emanadas por organizações internacionais.

Acresce dizer que, de acordo com o 103° da Carta das Nações Unidas, as obrigações assumidas pela ONU nesta Carta prevalecem sobre as de qualquer outra convenção internacional. Acresce que, no âmbito do Direito Comunitário Europeu, há matérias sujeitas a uma concertação dos Estados com as Comunidades e outras são excluídas do “Jus tractuum” dos Estados Comunitários.

Regulamentação das formas de vinculação internacional dos Estados

Tem carácter misto porque consta de normas de Direito Interno e de normas de Direito Internacional porque o Direito da comunidade interno ainda não está completamente estruturado e institucionalizado e também porque o processo de conclusão dos tratados depende também do Direito Interno, daí as implicações políticas decorrentes dos diferentes regimes e sistemas de Governo.

Processo e formas de vinculação

Há lugar a negociação e nem sempre há aprovação ou ratificação (vide 11° Convenção de Viena: um Estado fica vinculado a um tratado pela assinatura, adesão, aceitação, aprovação, ratificação ou por outro meio convencionado). A vinculação não obedece pois a uma forma pré-determinação, sendo o próprio tratado que a estipula em concreto (12º/1/a); 13º/a); 14°/1/a); 15º/1/a). Mas refira-se que o Direito Constitucional de cada Estado pode determinar uma determinada forma de vinculação.

- Monarquias absolutas: concentração do poder político do rei nas várias fases do processo;

- Constitucionalismo: separação de poderes logo: interdependência dos diferentes órgãos na expressão da vontade dos Estados força das várias matérias e sistemas de Governo.

Relativamente à forma dos Estados Federais ou Estados unitários regionais, apesar de só o Estado aceder á vida jurídica internacional, sendo ele que aprova e ratifica os tratados, as Constituições podem estabelecer formas de participação das regiões autónomas ou dos Estados Federados em matérias de seus interesses.

A negociação e a assinatura

Negociação de um tratado - dela se ocupam as pessoas autorizadas, isto é, com plenos poderes para que os efeitos jurídicos se produzam, ou seus representantes (Chefe de Estado, Chefe de Governo, Ministro dos Negócios Estrangeiros, Chefe de missão diplomática (7°/1 Convenção de Viena) .

Consentimento dos Estados numa conferência internacional - necessária para que o texto do tratado produza efeitos nos diferentes Estados que participaram na sua elaboração. Carece de maioria de 2 terços dos Estados presentes e votantes, salvo se decidirem, pela mesma maioria, aplicar outra regra (9°/2).

Autenticação - 2° processo determinado pelo tratado ou acordado pelos Estados que participaram na sua elaboração. Na sua falta, por assinatura "ad referendum" ou rubrica do texto do tratado ou

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acta da conferência em que se deu a conclusão do tratado (10°).

Ressalve-se que a assinatura ou processo equivalente não obrigam os Estados, salvo nas convenções ultra-simplificadas. A consequência da assinatura é pois, depois de fixado o texto do tratado, os Estados partes ficarem adstritos, de harmonia com o princípio da boa fé, a abster-se de actos contrários ao objecto e fim dos tratados (18° Convenção de Viena). No 79° estabelece-se a rectificação de erros de textos ou das cópias autenticadas dos tratados.

A aprovação e a Ratificação

Aprovação - os tratados carecem de aprovação pelo órgão interno competente, salvo os tratados sob forma ultra-simplificada (161/i)); 197°/1/c) - CRP). Nos termos destes artigos, só a AR aprova Tratados e Acordos em forma simplificada sobre matérias de competência reservada à AR. Cabe ao Governo aprovar os restantes acordos em forma simplificada, podendo este submetê-los a aprovação pela AR. Acresce que a CRP exige uma deliberação em Conselho de Ministros (200/1/d) CRP) no que respeita a aprovação dos acordos pelo Governo. Há pois um tipo de fiscalização intra-orgânica.

Os actos de aprovação de Convenções interno tomam a forma de resolução ou de decreto:

Resolução - 166°/5 CRP, necessita de publicação, nos tratados aprovados pela AR e ainda nos Acordos aprovados pela AR, necessita de assinatura do Presidente (134°/b) 2ª parte);

Decreto - nos Acordos aprovados pelo Governo; Decreto simples (197°/2) assinado pelo PR (134°/b) in fine)

Três fases do Procedimento parlamentar de aprovação dos tratados e acordos (210º e ss do Regimento da AR):

a) Iniciativa - reservada ao Governo (208°/1 do Regimento)

b) Apreciação, pela comissão competente em razão da matéria ou outras comissões (208°r' Regimento), pelos órgãos das regiões autónomas (208º/3 Regimento) ou, caso a convenção seja de carácter militar, pelo Conselho Superior de Defesa Nacional. O prazo para emissão do parecer é de 30 dias.

c) Discussão e votação - discussão no plenário, na generalidade e na especialidade, e votação global (210° Regimento). Ao abrigo do 116°/3 CRP, para a aprovação é necessária maioria relativa.

Acresce que a demissão do Governo não afecta as propostas de resolução de aprovação de tratados internacionais.

Ratificação - é sempre acto livre, não obrigatório, salvo quando tenha havido referendo antes do Tratado, situação em que o PR é obrigado a ratificar na parte respeitante ao resultado favorável e terá de a recusar na parte que corresponde a resposta negativa e se a AR tiver aprovado esse mesmo tratado. Caso o PR não ratifique, deve, por mensagem, informar, em tempo útil, a AR. Esta pode deliberar de novo sobre o Tratado para efeito de confirmação ou de introdução de reservas ou modificações ou ainda de revogação de reservas formuladas anteriormente. Acresce que a ratificação toma a forma de carta de ratificação, correspondendo, no Direito Interno, a aviso de ratificação.

Seus efeitos:

a) Na monarquia absoluta os efeitos retroagiam no momento da assinatura. Quando os efeitos da ratificação se assinatura não tivera lugar pelo rei, só podia valer quando ele ratificasse. nos sistemas representativos, só produzem para o futuro.

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b) Referenda ministerial - é obrigatória. Assinatura - compete ao Governo (197°/1/b)

Em Portugal, há concertação, interdependência entre o PR e o Governo pois tal consta da CRP (182°; 111°/1) e também é pressuposto de actos no âmbito das relações interno (135°). O Primeiro-Ministro informa previamente o PR sobre política externa (201°/1/c). A AR não participa na negociação mas pode recomendar ao Governo a negociação de tratados em determinados moldes. O Ministro dos Negócios Estrangeiros é o responsável específico (mas não exclusivo!) pelas negociações que vinculem internacionalmente o Estado. A rubrica ou assinatura de Acordas interno são previamente aprovadas pelo Conselho de Ministros e dependem de mandato expresso.

Como o nosso país é um Estado unitário regional, os Governos das Regiões Autónomas participam, quanto aos assuntos que lhes digam respeito, na negociação dos tratados e acordos interno (227°/1). Podem mm elaborar protocolos de colaboração.

A título consultivo, nos termos dos 54°/5/d), 56°/2/a) CRP, as Comissões de Trabalhadores e as Associações Sindicais têm o direito de participar na elaboração de legislação de trabalho e nas Convenções da OIT.

Quanto à assinatura relativa do actos de aprovação dos Acordos em forma simplificada o PR pode recusar a assinatura porque:

1 - Pelo facto de o conteúdo desses acordos tender a ser semelhante ao dos decretos regulamentares, podendo estes últimos serem vetados pelo PR;

2 - Por, não existindo possibilidade de recusa da assinatura de decretos de aprovação de acordos, o Governo poder frustrar o veto exercido sobre decretos regulamentares, dado que as Convenções internas prevalecem sobre os actos de DI;

3 - Por o PR poder pedir fiscalização preventiva de acordos (278°/1) e poder também recusar por razões políticas;

4 - Por o PR poder opor-se a acordos em forma simplificada, dado que também o pode fazer relativamente a tratados solenes.

Publicação - Para vigorar na OJ Interna, é condição necessária (mas não suficiente!) que as Convenções internacionais já ratificadas ou aprovadas sejam publicadas (8°/2 CRP) no DR (119°/1/b) 1ª parte). Carecem do mesmo os avisos de ratificação e os restantes avisos relativos a Convenções internacionais (119°/1/b) 2ª parte). Acresce referir que os tratados e acordos só vigoram na OJ Interna se vigorarem desde logo na Ordem Internacional (8°/2 CRP).

Órgãos internos competentes

É a OJ interna de cada Estado que dispõe qual a forma (solene, simplificada, ultra-simplificada) que os Tratados têm. É também ela que determina os Órgãos que são competentes para a vinculação internacional do Estado bem como os respectivos actos. Como os Órgãos e actos decorrem do domínio político, as normas de Direito Interno que os regem são normas constitucionais (Constituição formal).

• Constituições de cada Estado:

1. De uma maneira geral, não divergem quanto à competência para a negociação e assinatura dos Tratados e dos Acordos em forma simplificada, cabendo aos Órgãos do podo executivo - PR, Governo, Gabinete, Directório ou Órgão equivalente). Quanto à ratificação, quando deve ser observada, é da competência do PR ou do Rei.

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2. Quanto à aprovação dos Tratados solenes, isto é, Tratados sujeitos a ratificação, grandes divergências que se prendem com as matérias de âmbito constitucional e com as competências legislativa e de aprovação dos Tratados. Em sistemas de Governo com concentração de poder é o Órgão que negoceia o mesmo que assina e aprova. Em sistemas de Governo onde não há concentração de poderes o Órgão que negoceia também assina mas é outro o Órgão k aprova, fiscalizando, desta forma, o 1 °.

3. Quanto à intervenção do Parlamento, ela diverge de Estado para Estado. Assim: exclusão de intervenção, ou tem mera competência consultiva, ou competência deliberativa em concorrência com outros Órgãos, ou existe divisão de competência com reserva ao Parlamento da aprovação de determinados Tratados, competência de aprovação do Parlamento com dependência de referendo ou ainda competência exclusiva do Parlamento. (D Comparado).

Violação das regras constitucionais sobre conclusão de tratados

Depois de muita controvérsia sobre as ratificações imperfeitas, o art. 46° Convenção de Viena determina que os Estados não podem alegar que a sua obrigação perante um tratado decorra de uma violação do seu direito interno, salvo se respeitar a uma regra do seu direito interno de importância fundamental. Por outro lado, que são fundamento valorativo dessas normas o princípio da boa fé e a certeza e segurança jurídica.

As Reservas

Noção de reserva: declaração unilateral e receptícia por parte do Estado que assina, ratifica e aceita ou aprova um Tratado, visando excluir ou alterar o efeito jurídico de certas normas do Tratado na sua aplicação a esse mesmo Estado (2°/1/d) Convenção de Viena). A reserva tem objecto e conteúdos determinados, o 1° em razão da disposição do tratado e o 2° em razão da matéria, pessoas ou território.

Regra: num Tratado bilateral, as partes obrigam-se ao cumprimento de todas as cláusulas. Só é possível vincularem-se a algumas e não à totalidade das cláusulas caso o Tratado assim permita ou as partes o consentirem (18° Convenção de Viena).

Excepção: nos Tratados multilaterais pode haver reservas se forem observados determinados requisitos e procedimentos, alterando-se pois, na especialidade (e não na generalidade) os termos em que as partes se vincularam.

Acresce que visa-se, contraditoriamente é certo, que a extensão das Convenções ou Tratados sejam válidos para o maior número possível de Estados e que as mesmas normas ou regras valham para todas as partes, sem lacunas nem excepções.

Acresce ainda que a emissão de reservas está sujeito a limites temporais, formais e materiais. Os primeiros prendem-se com a exigência da reserva ser formulado durante o período do processo de vinculação ao Tratado, isto é, aquando da assinatura, ratificação, aceitação ou aprovação do tratado ou aquando da adesão. Quanto aos limites formais, há necessidade de a reserva (assim como a sua aceitação expressa ou a objecção de aceitação) ser feita por escrito e comunicada aos outros Estados contraentes e ainda aos que tenham o direito de a ele aderirem (23°). Os limites materiais podem ser expressos (atinente à proibição de reservas pelo tratado ou apenas autorização de determinadas reservas) e tácitos (atinente à incompatibilidade da reserva com o objecto e o fim do Tratado) (19°/a) b)c) Convenção de Viena).

Produção de efeitos da reserva:

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a) Regra - 200/4/c) Convenção de Viena: para tal é necessário que pelo menos outro Estado contraente a aceite.

b) Excepções - 20°/2 quando resulte do número restrito de Estados, assim como do objecto e fim do tratado, é necessária a sua aplicação, na íntegra, por todas as partes para se vincularem ao tratado, isto é, a reserva tem de ser aceite por todas as partes;

- 20°/3 Quando um tratado é um acto constitutivo de uma Organização Internacional, a reserva tem de ser aceite pelo órgão competente dessa Organização, salvo se no tratado houver disposição diferente.

- 20°/5 A aceitação das reservas pode ser tácita, caso o Estado a ela não se tenha oposto nos 12 meses posteriores à sua notificação, nem quando deu o seu consentimento à vinculação pelo tratado, caso o tenha feito depois. Refira-se também que as reservas podem ser revogadas a todo o tempo, sem necessidade do consentimento do Estado que as não aceitara (22°/1); o nº 2 deste mesmo Artº acrescenta que a objecção também pode ser revogada, ao invés da aceitação.

Por último, diga-se que depende das normas constitucionais de cada Estado atinente à aprovação de tratados a competência para emitir, alterar e revogar reservas ou ainda para as aceitar ou objectar. Ex.: se um tratado se prende com a competência do Parlamento, só ele pode formular ou aprovar reservas.

Em suma: A vinculação dos Estados aos tratados, em face das reservas, faz-se nos seguintes termos:

1 - Os Estados que nem formularam reservas, nem objectaram à sua formulação devem cumprir integralmente o Tratado;

2 - Os Estados que formularam reservas e Os Estados que as aceitaram devem atentar nas modificações das regras que delas são objecto as relações entre Estados

3 - As relações entre os Estados que formularam objecções às reservas e os que formularam essas mesmas reservas depende da atitude que assumirem pois podem ter meramente formulado objecções ou ainda ter-se oposto à entrada em vigor do tratado estabelecido interpartes.

O depósito nos tratados multilaterais:

Vide 76º e 77º Convenção de Viena

Exemplos de depositários: um ou vários Estados que negociaram o tratado multilateral; uma Organizações Internacionais ou um funcionário administrativo seu. Deve ser imparcial e a sua função é de carácter internacional, tais como: guardar o texto original do tratado, fazer cópias autenticadas do tratado ou cópias noutra língua, guardar notificações e receber as assinaturas do tratado" informar as partes de todos os actos, comunicações e notificações, registar o tratado (80° Convenção de Viena) sob pena de não poder ser invocado.

Efeitos dos tratados perante terceiros

Prende-se com a relatividade, isto é, um tratado não produz nem direitos, nem deveres para um Estado que não seja parte, salvo se der o seu consentimento (34° Convenção de Viena). Subjaz pois o princípio da igualdade soberana dos Estados. Quanto aos deveres, o Estado terceiro tem que os aceitar expressamente por escrito (35°) e quanto aos direitos, presume-se dado o consentimento, salvo disposição em contrário (36°).

Após a constituição dos direitos e deveres, a sua alteração ou revogação decorre do

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consentimento das partes e do Estado terceiro.

Acresce que são tratados abertos os que determinam direitos a terceiros (ex.: direito de adesão, de se tornar parte supervenientemente).

# Eficácia externa dos tratados ou oponibilidade "erga omnes" - Todos os outros Estados têm o devo de respeitar os tratados concluídos por outros Estados. Neste âmbito, refira-se, por outro lado, o estabelecido no 38° Convenção em que uma norma de um tratado pode ser obrigatória para Estados terceiros como norma consuetudinária. A Carta das Nações Unidas deve ser observada pelos Estados que não são membros (cf. 2°/6; 103°).

Com base no princípio da boa fé, é necessário interpretar-se e aplicar-se as normas de tratados de forma uniforme nos Estados-membros.

Entrada em vigor dos tratados

Prende-se com as datas e modalidades estabelecidas nas suas disposições ou convencionadas pelos Estados aquando das negociações (24°/1 Convenção de Viena); na sua falta, entra em vigor com o consentimento de todos os Estados que o negociaram (24°/2). Os tratados multilaterais entram em vigor na data do depósito e da ratificação.

A vigência das normas de um tratado na Ordem Jurídica interna decorre da sua vigência na ordem internacional (8°/2 CRP).

Modificação dos tratados

Prende-se com os princípios, valores e interesses inerentes aos diferentes Ordenamentos jurídicos e as respectivas relações internacionais. Esta questão teve a sua origem muito antes da Convenção de Viena de 1969 mas foi sobretudo após a II Guerra Mundial que proliferaram os tratados multilaterais e se assistiu à criação de Organizações Internacionais.

Antes da II Guerra Mundial os tratados só podiam ser modificados se todos os Estados que o estabeleceram concordassem. Para evitar uma extrema rigidez neste âmbito, e dado que cada vez mais os tratados são multilaterais, admitiu-se a hipótese dessa mm modificação ser possível por maiorias agravadas e os Estados que não participassem na revisão dos tratados não ficam obrigados às cláusulas neles apostas. Porém, no DI actual existem tratados insusceptíveis de revisão num dado período de tempo (ex.: Organização do Tratado do Atlântico Norte, 1949 (12°)).

Vide Convenção de Viena: 39º, 1ª parte (necessidade de acordo entre as partes), 40°/1 daí as normas da Convenção terem carácter supletivo. Nos termos do 40° o procedimento de revisão dos tratados multilaterais é mais complexo que nos tratados bilaterais. Duas ou mais partes podem, quanto às relações entre si, modificar os tratados se determinados pressupostos forem observados.

Limites materiais de revisão

Há limites materiais de revisão implícitos aos Tratados constitutivos das Comunidades e da União Europeia pois não estão à livre disposição dos Estados que os estabeleceram. O mesmo se passa relativamente aos direitos fundamentais consagrados nas suas Constituições.

A Convenção de Direitos do Mar tem mesmo limites materiais de revisão expressos (155°/2 - é necessário preservar os fundos marinhos do alto mar como sendo património da humanidade e a ele subjaz o principio da sua utilização para fins pacíficos e o da existência de um regime internacional para aproveitamento equitativo em beneficio de todos os países).

Não há só limites materiais de revisão ao Tratado da União Europeia ou da Convenção de Direitos

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do Mar; o mesmo se pode dizer a respeito da Carta das Nações Unidas, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, do Estatuto do Conselho da Europa e, em geral, de todos os tratados constitutivos de Organizações Internacionais.

Os Estados-partes podem pôr fim à vigência dum tratado ou substituí-lo por outro. Porém, enquanto vigorar devem respeitar os seus princípios estruturantes, o seu objecto e fim e, porventura, os seus limites materiais de revisão só serão ultrapassados por um duplo procedimento de revisão.

Cessação de vigência

Causas e formas de cessação de vigência dos Tratados:

1. Cessação por vontade das partes:

- Abrogação (54°/b) Convenção de Viena)

- Celebração de tratado ulterior sobre a mesma matéria (59°)

2. Cessação por caducidade:

- Decurso do prazo de vigência do tratado (termo final)

- Execução do próprio tratado:

- Modificação essencial de determinadas circunstâncias ou cláusulas "rebus sic stantibus" (62°)

3. Impossibilidade superveniente de execução (61°)

A estas causas acrescem, quando em causa estão tratados bilaterais:

- Denúncia (56°): funda-se na vontade expressa, tácita ou conjectural das partes e é admitida ou não nos termos em concreto do tratado ou de acordo com a sua natureza. É necessário que esteja prevista no tratado; caso contrário, só é lícita se as partes tivessem admitido a sua possibilidade ou se o poder de denunciar adviesse da natureza do tratado. Acresce que a intenção de denunciar deve ser notificada com 12 meses de antecedência. Se se tratar de Tratados Multilaterais, a denúncia assume a forma de recesso, sendo necessário o consentimento de todas as partes que o estabeleceram.

Acresce que só se pode invocar a alteração de circunstâncias como motivo de termo do tratado ou para deixar de ser parte dele caso essas circunstâncias tenham sido essenciais para o consentimento e as mesmas gerem a transformação radical da natureza das obrigações estabelecidas no tratado (62°/1 Convenção de Viena). Por vezes, essa alteração das circunstâncias pode não justificar a desvinculação, mas antes a revisão do tratado.

- Inexecução do tratado por uma das partes ou "exceptio non adimpleti contractus"

(In) Validade dos tratados

O regime de invalidade dos tratados prende-se com a distinção entre violação de regras internas de competência, vícios de consentimento (erro, dolo, corrupção, coacção) ou na formação da vontade interna e desconformidade material.

Atenção! A Convenção de Viena regula as causas de invalidade (65°) e é coerente com a Carta das Nações Unidas. Só prevê o erro de facto e não o erro de Direito e só considera o erro essencial (48°). Quanto ao dolo vide 49°; à corrupção do representante do Estado (50°); à coacção exercida sobre o Estado por ameaça ou emprego da força (52°). A Convenção de Viena fala na solução de diferendos por meio do Tribunal Internacional de Justiça, da arbitragem e da conciliação (66°).

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As disposições de um tratado nulo não têm força jurídica (69°/1), podendo qualquer parte invocar a nulidade do mesmo. Mas os actos praticados de boa fé anteriores à invocação da nulidade não são afectados pela declaração da nulidade do tratado (69°/2/b)

Quatro Regras:

1. A validade de um tratado ou do consentimento dum Estado a ficar vinculado por um tratado só pode ser contestada por aplicação da Convenção de Viena (42º/1). A extinção, denúncia ou recesso ocorrem nos termos do próprio tratado (42°/2 Convenção de Viena).

2. A nulidade dum tratado (tal como a sua extinção, denúncia, suspensão ou recesso de uma das partes) caso decorram da aplicação da Convenção ou do estabelecido num tratado, não faz com que o dever do Estado de cumprir as obrigações estipuladas no tratado às quais está adstrito em virtude do DI independentemente do tratado (43º). Esta é uma regra de coordenação do DI convencional e do DI geral ou comum.

3. Uma causa de nulidade dum tratado (tal como a extinção, recesso ou suspensão de aplicação) só pode ser invocada em relação a todo o tratado (44°/2) mas se a causa da questão apenas respeitar a determinadas cláusulas, só será invocada sobre elas. Esta é uma regra de indivisibilidade.

4. Um Estado não pode alegar uma causa de nulidade de um tratado ou uma causa para lhe pôr termo ou para dele deixar de ser parte ou para o suspender quando, depois de tomar conhecimento dos factos, esse Estado tiver aceite expressamente considerar que o tratado era válido ou ainda quando, tendo em conta o seu comportamento, dever considerar-se como tendo aceite a validade do tratado (45°). Sempre que uma parte tenha aceite o tratado, não pode invocar a sua invalidade.

Formas dos tratados ou convenções perante o direito português

Perante o Direito Constitucional português há 2 formas de Tratados: (cf. 8º/2; 161º/i); 197°/1/b)c) e nº 2; 200º/1/d); 227°/1/t), 273º/2; 277º/2; 278º/1; 279/1/4)

1 - Tratados solenes

2 - Tratados em forma simplificada

No Ordenamento jurídico português, Convenções são qualquer tipo de tratado solene (que necessite de ratificação) e há ainda a considerar os Acordos internacionais em forma simplificada, que só necessitam de aprovação pela AR (8°/2CRP). São de excluir na OJ portuguesa os Acordos em forma ultra-simplificada mas é possível haver Acordos em forma de troca de notas, desde que aprovados ou até mesmo ratificados (só assim Portugal ficará vinculado - excepção feita a acordos no âmbito da autodeterminação de Timor).

Todos os Tratados necessitam de serem aprovados pela AR (161º/i) 1ª parte). Os Acordos são aprovados ou pela AR ou pelo Governo, salvo os que são sobre matérias reservadas à AR pelo Governo (161°/i); 197°/1). Acresce que o PR ratifica os Tratados; relativamente aos Acordos, o PR assina decretos ou resoluções de aprovação (134°/b), havendo fiscalização preventiva da constitucionalidade de tratados e acordos mas os efeitos são diferentes. Caso o Tribunal Constitucional observe a inconstitucionalidade do Tratado, o Tratado ainda pode ser ratificado se a AR o aprovar por maioria de 2/3 dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções (279°/4) mas o PR não poderá assinar o decreto ou a resolução de aprovação dum Acordo que seja objecto de aferição pelo Tribunal Constitucional (279°/1/2). Sendo assim, Portugal não poderá ser parte nele.

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Acresce ainda que só podem ser alvo de referendo as questões objecto de Tratado (115º/3), salvo questões relativas à paz e à rectificação de fronteiras. São as seguintes as características do regime do referendo:

a) As questões a decidir são objecto de tratado já negociado e assinado pelo Estado português que esteja para ser aprovado; também podem ser relativas a tratado futuro ou a tratado já vinculativo de Portugal;

b) Cada referendo incide sobre dada matéria. Três são o número máximo de questões formuladas com precisão, objectividade e clareza;

c) Através do referendo o povo apenas decide se o Parlamento deve ou não aprovar o tratado;

d) Os resultados do referendo vinculam o órgão competente, salvo se o número de votantes não for superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento, caso em que o referendo não produzirá qualquer efeito jurídico. O carácter vinculativo leva a que o PR não possa recusar a ratificação por discordância com o resultado do referendo;

e) Qualquer Tribunal que tenha que decidir num caso concreto deve recusar-se a aplicar qualquer norma que contenda a tais resultados.

O processo de referendo num sistema semi-presidencialista implica um relacionamento entre os órgãos políticos de soberania:

a) A iniciativa de referendo é da competência da AR e decorre da iniciativa de Deputados, grupos parlamentares e do Governo ou de cidadãos eleitores em número não inferior a 75000;

b) A aprovação pela AR de proposta sobre questão objecto de acto em formação gera a suspensão do respectivo processo;

c) As propostas de referendo tomam a forma de resolução, publicada no DR (166°/S; 119°/1/e) CRP);

d) O PR submete a fiscalização preventiva obrigatória da constitucional idade e da legalidade as propostas de referendo;

e) O PR interino não pode decidir a convocação de referendo (139°/1);

f) A convocação e a realização de referendo não podem datar entre a convocação e a realização de eleições gerais;

g) Caso haja estado de sítio ou de emergência não pode ser convocado referendo;

h) Na mm sessão legislativa não podem ser renovadas as propostas de referendo recusadas pelo PR ou cujas questões tiveram resultado negativo. Exceptua-se os casos de nova eleição da AR ou de demissão do Governo.

Distinção material, no âmbito do respeito pela boa fé e do cumprimento das obrigações assumidas, entre: (Esta distinção é só no Direito Interno, no âmbito do que a CRP impõe, e não no DI)

1 - Convenção ou Tratado solene

2 - Acordo em forma simplificada

Vide 161°/i) CRP sobre:

# Matérias de Tratado relativamente ao Governo no sentido de assegurar a intervenção do

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Parlamento nos Tratados internacionais para apreciação e aprovação. As matérias consagradas no 161° são necessariamente objecto de Tratado; as dos 164°, 165º são de reserva absoluta da AR.

Segundo a CRP, A AR tem competência internacional para, por lei ou Dec-Lei (112°/9) se transporem Directivas e até mesmo no âmbito regional (decreto legislativo regional - 112°/4/8). A AR pode pronunciar-se sobre matérias que são sujeitas a decisão por órgãos da UE e que se integrem na competência legislativa reservada da primeira (161°/n) e também em sede de reserva absoluta de compete legislativa sobre o regime de designação dos membros dos órgãos da UE, salvo da Comissão (164°/p). A AR pode ainda acompanhar os contingentes de militares portugueses no estrangeiro.

PR – ratifica e pede fiscalização preventiva antes da ratificação dos Tratados e antes da assinatura dos respectivos actos de aprovação, aquando de Acordos em forma simplificada.

# 164°/i) CRP sobre matérias da reserva de competência legislativa - a AR tem que intervir legislativamente, devendo preferir-se o Tratado sempre que em causa estejam opções políticas primárias. Sobre questões de interesse nacional deve haver referendo. Mas a iniciativa de celebração de um Tratado é do Governo. Acresce que, como o DI não conhece nem a figura da lei, nem a do regulamento. Mas diga-se que cabe à AR apreciar os actos do Governo.

Se, na ordem internacional, se pretender modificar ou ab-rogar um tratado, o Governo da Ordem Jurídica Interna deverá dar ao novo acto a forma de Tratado (e não de Acordo).

Se constar de Tratado ou Acordo interno uma norma considerada inconstitucional, cabe à AR ou ao Governo aprovar de novo a Convenção, introduzindo-lhe reservas ou então modificar as que foram formuladas anteriormente caso sejam inconstitucionais. O PR pode requerer novamente a apreciação preventiva. A AR pode, em 2ª deliberação, aprovar, por maioria de 2/3 dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, um Tratado em que constem normas inconstitucionais. O PR pode então ratificá-lo.

Os princípios gerais de DI

Para além dos Acordos e Tratados, o DI compreende normas e princípios (mais gerais que as mencionadas no Artº 38° do Estatuto do TIJ).

Ex.: Boa fé, "pacta sunt servanta", da responsabilidade,... Qualquer Tribunal tem que resolver qualquer caso, mesmo na falta ou deficiência do preceito.

O "jus cogens"

Direito cuja aplicação é obrigatória pela parte e não pode ser afastado pela vontade de particulares. O contrário: jus dispositivum.

De entre os princípios de DI geral ou comum, proliferam os princípios de "jus cogens", isto é, Direito imperativo, vinculativo. São princípios com força jurídica própria e função eminente dentre todos os outros princípios e normas. Só recentemente é que este tipo de princípios é proclamado em textos solenes, nacionais e internacionais e subjaz-lhes uma nova consciência do primado dos direitos das pessoas após a II Guerra Mundial. Dela emergiram necessidade de paz e segurança colectiva, a ideia de autodeterminação dos povos e o surgimento de novos Estados.

O "jus cogens" decorre da Carta das Nações Unidas, o acórdão do Tribunal de Nuremberga, as Convenções de Genebra, os Tratados de direito do homem, pareceres e acórdãos do Tribunal Internacional de Justiça, as Convenções de Viena, a Resolução nº 2625 da Assembleia Geral das Nações Unidas.

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A maioria da doutrina encara o "jus cogens" com cepticismo. A teoria do "jus cogens" (Direito vinculativo) não aceita a ideia do consentimento como essencial ao DI, pressupondo antes a hierarquia das normas. Como a sociedade internacional carece de aparelho legislativo não é fácil determinar que normas fazem parte de normas cogentes.

O "jus cogens" nas Convenções sobre Direitos dos Tratados:

As duas Convenções de Viena consagram formalmente um regime próprio do "jus cogens". Os preceitos essenciais são 53°, 64°, 71°. Consagra os princípios do livre consentimento, da boa fé e "pacta sunt servanda", da cooperação pacífica entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos, da igualdade e do direito dos povos de disporem de si próprios, da igualdade soberana e da independência dos Estados, da não ingerência nos assuntos internos, da proibição da ameaça e do emprego da força, do respeito universal e efectivo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais. O 52° estatui que é nulo o tratado concluído sob ameaça ou uso da força violando os princípios do DI contemplados na Carta das Nações Unidas (ex.: igualdade soberana dos Estados, boa fé, solução pacífica dos conflitos, proibição da ameaça e do uso da força, respeito da independência e da integridade territorial dos Estados, direitos fundamentais do Homem, dignidade da pessoa humana, igualdade de direitos dos homens e mulheres (também na DUDH) e das grandes e pequenas nações.

Características específicas do "jus cogens":

O "jus cogens" faz parte do Dl geral, pressupõe aceitação e reconhecimento pela comunidade internacional, logo é universal. O "jus cogens" tem força jurídica superior a qualquer outro princípio ou norma de Dl e opera "erga omnes". A violação do "jus cogens" envolve invalidade de norma contrária e é evolutivo e susceptível de transformação e de enriquecimento pelo aditamento de novas normas.

Determinação das normas de "jus cogens"

Como se exige que as normas sejam aceites e reconhecidas pela comunidade internacional é necessário atentar nas seguintes fontes:

a) Costume interno geral;

b) Os tratados multilaterais gerais;

c) As resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas;

d) A jurisprudência dos tribunais de protecção dos direitos do Homem e dos tribunais criminais internacionais.

A Interpretação em geral

Não se contrapõe a interpretação em Direito Interno à interpretação em DI, mas pode ser necessário uma adequação ou adaptação. Uma vez que é aceite a vigência do DI nas OJ internas, são aplicados os mesmos critérios de interpretação.

Outrora, a interpretação era mais historicista e subjectivista porque os sujeitos de DI eram poucos e a maior parte dos sistemas político-constitucionais eram de concentração de poderes ou havia uma certa homogeneidade económico-social. Hoje, é mais objectivista e actualista, tendo muita importância os elementos objectivos, teleológicos e sistemáticos porque são mais as entidades de DI, sendo em maior número os Tratados multilaterais. É pois esta orientação da interpretação do costume e das decisões de organizações internacionais.

Principio que perpassa todas as épocas é o da boa fé (pressuposto de confiança nas relações

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internacionais), significando:

a) A aceitação da força vinculativa das normas internacionais e o seu respeito com objectividade;

b) A realização dos fins nelas prescritos, visando o seu efeito razoável e útil;

c) A realização necessária entre os direitos e as obrigações que delas decorrem, sem interpretações unilaterais ou impostas pela força.

A Interpretação dos Tratados em especial

A Convenção de Viena acolhe o princípio da boa fé na interpretação dos Tratados. (31°/1, 1ª parte). Assim:

a) A interpretação não pode levar a um resultado manifestamente absurdo ou não razoável (32°/b);

b) A interpretação ser feita à margem de acordo entre as partes (31°/2/3/a);

c) Presume-se que os termos de um tratado têm o mesmo sentido em textos autênticos em diversas línguas (33°/3)

Princípio objectivista - um tratado deve ser interpretado com base no sentido comum atribuível aos seus termos no seu contexto e à luz dos seus objecto e fim (31°/1, 2ª parte). O contexto compreende o preâmbulo, texto e anexos, bem como qualquer acordo ou instrumento relacionado com o tratado celebrado entre todas as partes no momento da sua conclusão (31º/2). Para além da relevância do contexto, é de observar as regras de DI aplicável às relações entre as partes (31°/3/c); logo, o tratado deve ser sistematicamente interpretado segundo a perspectiva geral do DI e, desde logo, do “Jus cogens”. Os trabalhos preparatórios e as circunstâncias em que foi concluído o tratado são meios complementares de interpretação e só a eles se pode recorrer autonomamente quando existe um sentido obscuro ou ambíguo nos outros meios ou o seu resultado seja manifestamente absurdo ou não razoável (32°). Acresce dizer que quando da comparação dos textos autênticos em mais de uma língua resulte uma grande diferença de sentido, adopta-se o sentido que melhor os concilie, tendo em conta o objecto e o fim do tratado. Mas, quando se trate de tratados bilaterais ou multilaterais restritos um termo pode ser entendido em sentido particular quando se estabelecera ser essa a vontade das partes (31°/4). Por último: a consideração do objecto e fim importa critérios adequados de interpretação de certos tratados (ex.: tratados de criação de Organizações internacionais, de protecção dos direitos do Homem e de justiça penal internacional).

O princípio objectivista tem por base uma interpretação evolutiva. A sua actualização decorre da sua inserção adequada ao sistema, bem como de 2 elementos subjectivistas:

1º. Todo o acordo ulterior firmado entre as partes sobre a interpretação do tratado ou a aplicação das suas disposições (31°/3/a);

2º. E toda a prática ulterior na aplicação do tratado pela qual se estabeleça o acordo das partes em relação à interpretação do mesmo (31°/3/b). Quanto aos tratados constitutivos de Organizações Internacionais, há um papel importante de interpretação pelos próprios órgãos das Organizações.

Acresce ainda que decorre do princípio da igualdade jurídica entre os sujeitos de DI a igualdade das partes na interpretação dos tratados que as vinculem. A interpretação autêntica só pode operar por meio de novo tratado a isso destinado (31°/3/a) Convenção de Viena).

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Poderá existir interpretação conforme com a Constituição?

Segundo Jorge Miranda, a interpretação conforme a CRP de um preceito legal pode ir até onde for razoável para o salvar e pode descobrir-lhe um sentido que é o sentido necessário e possível. Mas tal já não ocorre relativamente à interpretação de normas de tratados, que deve ser feita segundo imperativos de harmonização com o princípio da boa fé nas relações internacionais. Se da interpretação conforme a CRP não resultar para as normas internacionais no plano interno um significado diverso do que goza no Direito das Gentes, poderá admitir-se. Se houver necessidade de escolher um de vários sentidos de um preceito de natureza convencional, sendo legitimados pelos critérios interpretativos da Ordem internacional, é escolhido o que mais se aproxime da CRP. Caso tal não seja possível, estamos perante uma inconstitucionalidade do Tratado.

A Integração de lacunas

As lacunas, em Dl, são mais significativas no âmbito de tratados internacionais ou mesmo da Carta da Nações Unidas. Só existe lacuna quando se conclui que determinada matéria está sujeita a regulamentação jurídica internacional e o preenchimento da lacuna faz-se por analogia e recurso aos princípios gerais de Direito.

A Aplicação do DI

Princípios acerca da aplicação de Tratados consagrados na Convenção de Viena:

• Principio da boa fé (26°);

• Principio da não invocabilidade de normas de Direito interno para justificar a não execução (27°);

• Principio da não retroactividade, salvo disposições em contrário (28°);

• Principio da aplicação das normas internacionais a todo o território dos Estados seus destinatários (29º);

• Principio da prevalência da norma nova relativamente à anterior sobre a mesma matéria (30° e 59°).

Sucessão de tratados quando um novo tratado concluído entre as mesmas partes visa expressamente substituir o que estava em vigor ou contém normas incompatíveis com as deste (30°/3; 59°/1 Convenção de Viena). Mas se as partes do 1º tratado não são as mesmas do 2º, é o tratado no qual os 2 Estados sejam partes que rege os seus direitos e obrigações recíprocas, seja ele o novo ou o antigo (300/4/b)). Quando está estabelecido num tratado que se subordina ao anterior ou posterior ou que não deve ser considerado incompatível com o outro tratado, as suas normas prevalecem sobre as do outro (30º/4/b)).

Princípio da relatividade ou da não-vinculação de terceiros Estados sem o seu consentimento - as regras valem não só para tratados como para as decisões de Organizações Internacionais e só obrigam os Estados-membros, excepto as decisões das Nações Unidas no que respeita a manutenção da paz e da segurança internacional (2°/6 da Carta).

Direito Internacional e Direito Interno - aspectos fundamentais – Dualismo e Monismo

É necessário distinguir três áreas, no que diz respeito à problemática das relações entre a Ordem Jurídica Internacional e a Ordem Jurídica interna.

A saber:

Uma primeira área prende-se com um problema essencialmente teórico ou doutrinal: é o das

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concepções respeitantes à estrutura do D. Internacional e a sua conjugação com o Direito Interno.

Divergências existem na doutrina: Monismo / Dualismo.

Segundo as concepções dualistas, defendida por autores que relevam a soberania do Estado, o DI e o Direito Interno são dois sistemas distintos, acentuando-se as diferenças entre Direito interno e DI: uma norma de um sistema não vale no interior de outro sistema, mas, tal não põe em causa a natureza de ordenamento jurídico do Direito das Gentes.

Segundo as correntes monistas existe uma unidade sistemática das normas de DI e das normas de Direito interno.

Ambos os sistemas se relacionam entre si. A natureza das normas é semelhante e normas que tenham as 2 origens podem regular as mesmas situações da vida, as mesmas relações, as mesmas matérias. Em abstracto, o monismo pode ser compreendido como primado de Direito interno ou como primado de DI.

Neste último ainda se distingue entre monismo radical e monismo moderado.

O monismo como primado de Direito interno é uma forma de negação do DI, aproximando-se de uma concepção que encara o DI como uma espécie de Direito estatal externo em que só há um universo jurídico comandado pelo Direito interno. Como tal, o fundamento da unidade do Direito interno encontra-se numa norma de Direito interno (hoje, é uma orientação ultrapassada).

O monismo como primado do DI refere a necessidade de integração das normas jurídicas internacionais e das normas jurídicas estatais num todo mais amplo postulando o pluralismo das Ordens Jurídicas, o seu reconhecimento recíproco, a sua comunicação, a identidade de todas no essencial. A unidade só resulta do próprio DI ou da influência dos seus princípios no Direito interno. As normas de DI prevalecem sobre as de Direito interno. A doutrina é a favor de um monismo moderado.

No monismo radical qualquer norma de Direito interno, mesmo de Direito constitucional, só é válida se respeitar as normas de DI, logo, é a norma de DI a fundamental de todo o universo jurídico.

Há também quem considere que a relação entre normas de Direito interno e normas de DI não se prende com a validade; a desconformidade entre lei interna e tratado não gera a invalidade da lei mas antes ineficácia ou responsabilidade interno dos Estados.

Há que distinguir entre Direito ordinário e Direito constitucional: a Constituição do Estado não tem que ser conforme com normas de DI; ao invés, ela regula o modo como as normas internacionais são recebidas na ordem interna.

As correntes monistas têm vindo a prevalecer, sobretudo o monismo como primado do DI pelos seguintes motivos:

a) o alargamento das matérias que são reguladas pelo DI;

b) o surgimento e a cada vez maior importância das organizações internacionais;

c) a importância do cidadão como sujeito de DI;

d) a emanação de normas internacionais aplicáveis na ordem interna (ex.: as que constam das Convenções da OlT, de Convenções de protecção dos direitos do homem e de regulamentos das Comunidades Europeias). É inegável a interligação sistemática das normas de DI e das normas de Direito interno.

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2 e 3 - ambas as áreas se prendem com problemas de interesse prático:

2 - esta segunda área prende-se com o modo de estabelecer a relação entre as normas de Direito das Gentes e as normas de Direito Interno. Prende-se com as formas e processos para dar relevância àquelas normas dentro da ordem interna e refere-se às técnicas possíveis de recepção, de incorporação, transformação e adaptação destas ou daquelas normas jurídicas internacionais na ordem interna do Estado; de recepção semi-plena das normas internacionais referentes a certas matérias. A recepção pode respeitar ao Direitos das Gentes ou a normas decorrentes de qualquer fonte ou abranger só normas de DI geral, convencional ou de Direito das Organizações Internacionais. Acresce que os sistemas de recepção traduzem visões monistas.

3 - Esta terceira área prende-se com as relações entre as normas de DI aplicáveis na ordem interna e as normas de Direito Interno quer sejam de Direito Constitucional ou de Direito ordinário.

É necessário atentar na tricotomia DI geral ou comum / DI convencional / Direito próprio ou derivado de Organizações internacionais.

Acresce a cumulação de princípios de DI com regras próprias de cada Ordem Jurídica interna.

A relação do DI comum com o Direito interno tende a ser uniforme e constante, visando o primado do bem comum universal. Porém, a relação do DI convencional e do Direito das organizações internacionais e de entidades afins com o Direito interno é diversificada não só por causa dos conteúdos e objectivos das normas internacionais mas também por causa das legítimas opções constitucionais dos vários Estados.

Sistemas de relevância do DI na ordem interna

Há dois sistemas que dão relevância às normas internacional na ordem interna de um Estado:

1 - Sistemas de transformação ou de execução: as normas internacionais só vigoram na ordem interna se forem convertidas em normas de Direito interno.

Há que sub distinguir: sistemas de transformação explícita (quando as normas internacionais têm de ser conteúdo de lei ou de outro acto normativo interno têm que ser por ele reproduzidas versus sistemas de transformação implícita (quando as normas internacionais também têm de ser objecto de acto interno para vigorarem internamente).

Acresce dizer que os sistemas de transformação traduzem visões dualistas.

Na Grã-Bretanha, a conclusão dos tratados cabe à Coroa mas como o Parlamento detém o poder legislativo é necessária uma lei para lhes dar execução na Ordem Jurídica Interna (sistema de transformação).

2 - Sistemas de recepção ou de recepção automática: as normas de Direito interno vigoram como tal, sendo interpretadas e integradas segundo critérios de DI. Os sistemas de recepção subdividem-se em: de recepção plena de qualquer norma internacional vinculativas do Estado, independentemente das matérias. Ex.: de consagração do sistema de recepção automática é o dos EUA onde os tratados têm de ser aprovados pelo Senado. Os juízes devem aplicar as regras dos tratados mesmo que as Constituições de cada Estado ou as suas leis disponham em contrário.

Também nas Constituições francesa, grega, espanhola, holandesa, brasileira se encontram cláusulas respeitantes aos tratados sobre direitos do homem. Na Alemanha, as opiniões divergem entre a recepção automática e a transformação implícita. Em Itália, a doutrina adopta um sistema de transformação.

Diferente da noção de "recepção" é a de EFEITO DIRECTO ou APLICABILIDADE DIRECTA, isto é a

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possibilidade de se invocar normas internacionais atributivas de direitos ou de reconhecimento de interesses legítimos ou de imposição de restrições nos tribunais de cada Ordem Jurídica interna, quer contra o Estado e entidades públicas (efeito directo vertical), quer a indivíduos (efeito directo horizontal). Quanto a tratados de protecção dos direitos do Homem, tende-se, universalmente, para a sua aplicação imediata.

Só as Constituições da Holanda e de Cabo-Verde é que prevêem expressamente a aplicabilidade imediata de decisões de organizações internacionais.

Relance de direito comparado

Só no século XX é que as Constituições se ocuparam das relações entre DI e Direito Interno, integrando cláusulas de recepção geral, plena ou semi-plena. Quando as Constituições nada consagram, são a doutrina e a jurisprudência que apresentam soluções.

Quanto ao DI geral ou comum não há grandes divergências observando-se a incorporação das normas, isto é, o princípio de recepção automática segundo o qual as regras consuetudinárias são aplicadas pelos tribunais como sendo de Direito vigente. Tal verificou-se nos países da Commonwealth e na Grã-Bretanha. Este princípio foi desde logo consagrado na Constituição alemã de Weimar, o mesmo sucede na Itália, França, Espanha, Bélgica, Grécia, Áustria…

Relevância do D. INTERNACIONAL na Ordem Jurídica PORTUGUESA

Houve 4 fases:

1 - Antes da Constituição de 1933 havia uma cláusula geral de recepção plena;

2 - Pós Constituição de 1933, em particular depois de 1957, houve divergências na doutrina: uns, defendiam uma cláusula geral de recepção plena; outros, diziam haver apenas cláusulas de recepção semi-plena; outros ainda, de cláusula geral de recepção plena; havia ainda quem defendesse a sua aplicabilidade genérica na ordem interna.

3 - Constituição de 1966 não contempla nenhuns tratados nem outras fontes específicas de DI. A revisão constitucional de 1971 dispôs expressamente sobre a importância das normas internacionais mas havia opiniões divergentes. Uns defendiam a recepção plena do DI comum ou convencional; outros defendiam a transformação implícita.

4 - A Constituição de 1976 já consagra um artigo ao DI comum (8°/1) e ao DI convencional (8°/2). Dada a revisão de 1982 consagra normas de órgãos de organizações internacionais (8°/3). Dada a revisão de 2004, consagra normas da DE (8°/4).

Hoje, é quase indiscutível a existência de uma cláusula Geral de recepção plena, sendo favorável a recepção automática.

Artº 8° CRP: consagra a recepção geral plena do DI convencional.

Artº 8°/1 CRP: DI comum (recepção automática), entendendo-se, por analogia ou interpretação extensiva, o costume local e regional.

Artº 8°/2 CRP: a vigência na Ordem Jurídica interna das normas que, constam de Convenções internacionais regularmente aprovadas ou ratificadas dependem da sua publicação oficial. Conjugar com 277°/2. Incluem-se neste artigo "os acordos sob forma de troca de notas que, em Portugal, estão sujeitas a aprovação”.

Artº 4º; 7°/6/7; 16°/1; 33°/3/4/5; 102°; 273°/2; 275°/5 põem os actos normativos de DI a par da lei como fontes de Direito interno (princípio da recepção plena). Estes artigos versam sobre: a

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integração europeia, o Tribunal Penal internacional, os direitos fundamentais, compromissos militares de âmbito internacional...

São o Parlamento e o Governo que têm competência para aprovar Convenções internacionais (161°/i); 197º/1/c) e também têm competência legislativa (161°/d) e 198º).

À AR cabe a resolução (166°/5) e ao Governo o Decreto e o Decreto simples (197°/2). Quanto à fiscalização da constitucionalidade, distinga-se entre actos legislativos e tratados (277°/2; 278°/1; 279°/4; 280°/3).

Normas emanadas dos órgãos competentes de Organizações Internacionais de que Portugal faz parte e que vigoram directamente na ordem interna:

Tal consta dos Tratados constitutivos (8°/3): a sua recepção é automática. Existem decisões normativas das Organizações internacionais directamente aplicáveis (ex.: resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas) nos termos definidos pelo Direito da União (8°/4).

Artº 288° CRP: limites materiais de revisão da CRP (ex.: princípio da independência nacional).

Artº 2.º CRP - respeito pelos princípios fundamentais do Estado de D. democrático.

Relações entre normas de DI e normas de Direito interno

São diferentes as opiniões:

a) Força jurídica supraconstitucional das normas internacionais;

b) Força jurídica constitucional dessas normas

c) Força jurídica infraconstitucional mas supra-legal;

d) Força jurídica igual à das normas legais;

e) Força jurídica infralegal.

Na CRP não há referência ao lugar que as normas de DI ocupam na Ordem Jurídica interna; porém, há que considerar: relações entre DI geral ou comum ou ainda convencional e normas constitucionais; relações entre Direito das Organizações internacionais e entidades afins e normas constitucionais e também relações entre DI e normas de lei ordinária.

Assim:

Normas de DI geral e normas constitucionais:

Artº 7°/1 CRP: consagra princípios de DI ou comum que correspondem a princípios do "jus cogens" respeito pelos direitos do homem, igualdade entre os Estados, direito dos povos à autodeterminação, não-ingerência nos assuntos internos dos outros Estados, cooperação com outros povos para a emancipação e progresso da humanidade, solução pacífica dos conflitos internacionais. São princípios de "jus cogens" e, como tal, sobrepõem-se às Constituições de cada Estado.

Estes princípios são também contemplados na Declaração Universal dos Direitos do Homem: principio da igualdade e da dignidade de todos os seres humanos, proibição da escravatura e da atribuição universal de personalidade jurídica. Os princípios referidos nesta Declaração e que não pertencem ao “Jus cogens" têm valor constitucional (16°/2)

16°/2 CRP: as normas constitucionais e legais sobre direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

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29°/2 CRP: estatui a punição, dentro dos limites da lei interna, de acção ou omissão que, no momento da sua prática, se considere criminosa de acordo com os princípios gerais de D. Internacional.

Estes princípios não podem ultrapassar os limites da lei (Direito ordinário).

Polémica doutrinária: Uns questionam se o sentido de determinadas normas ou princípios se impõem a todos os Estados pois posteriormente admite-se que a Constituição os infrinja. Outros defendem que o Dl geral é essencialmente “jus cogens”.

Outros ainda, defendem um princípio de harmonia da Constituição com o DI, sobretudo com os direitos do homem. Porém, a Convenção de Viena (53°, 64º) faz pensar "a contrario" que nem todas as normas de DI geral ou comum cabem no “jus cogens". Jorge Miranda acha que, se o “jus cogens" prevalece sobre a Constituição, tal faz com que os tribunais não apliquem normas constitucionais que lhe sejam contrárias. O Tribunal Constitucional também poderá julgar neste âmbito mas só por meio da fiscalização concreta.

Normas de DI convencional e normas constitucionais

Segundo J. Miranda, no direito português estabelece-se uma relação de subordinação entre as normas de tratados internacionais e a CRP.

As primeiras são sujeitas à fiscalização da constitucionalidade (204°,277°/2, 278°/1, 279°/4, 280°/3) no que concerne ao núcleo essencial da CRP, sendo de referir que o Tratado de Maastricht (1992) e o Tratado de Roma foram alvo de prévia revisão constitucional para serem aprovados.

Com base no princípio da boa-fé, é necessário interpretar-se e aplicar-se uniformemente o DI convencional nas ordens jurídicas internas dos Estados-membros.

Normas de Direito das Organizações internacionais e normas constitucionais

As normas de Direito das Organizações internacionais estão subordinadas às normas constitucionais.

Normas de Organizações internacionais e normas de DI geral ou comum ou ainda DI convencional

Se houver contradição entre elas, dá-se a primazia à norma de D. internacional geral ou à norma de tratado constitutivo da Organização ou de tratado de que faça parte.

Porém, prevalece a norma de Organização Internacional sobre a norma de tratado de seja parte apenas o Estado em que surja a questão.

Quer no 1°, quer no 2° caso, os tribunais portugueses, ao abrigo do princípio geral da fiscalização difusa, podem conhecer essa mesma incompatibilidade.

Normas de Direito Comunitário e normas constitucionais

Jorge Miranda refere que os actos normativos das Comunidades baseiam-se nas competências que os tratados institutivos atribuem aos respectivos órgãos. Como estes tratados são sujeitos a aprovação e ratificação pelos Estados-membros, de acordo com as suas Constituições e os seus princípios materiais. Assim, segundo este Professor, os actos derivados destes tratados não podem prevalecer sobre as Constituições dos Estados-membros. São necessárias soluções de equilíbrio entre as Constituições de cada Estado e o Direito Comunitário, havendo uma relação interactiva, uma cooperação e coordenação (e não hierarquicamente) entre as Ordens Jurídicas internas.

Porém, André G. Pereira e Fausto Quadros não pensam assim, dizendo que quando um Estado

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adere à UE aceita implicitamente as suas normas não sendo necessário que a Constituição refira. No entender destes, o Artº 8° prevalece sobre o Artº 277°/1 da CRP. Gomes Canotilho fala no primado das normas de tratados, e não das normas comunitárias em geral, sobre as normas constitucionais.

Porém, aponta um limite: as normas de tratados não podem subverter os princípios constitucionais materialmente irreversíveis.

Maria Luísa Duarte diz que as cláusulas de limitação da soberania levam à não necessidade de fiscalização da constitucionalidade das normas de Direito Comunitário, excepto tratando-se de garantia do núcleo essencial da CRP.

O Tribunal de Justiça tem atribuído especial importância às primeiras (primado do Direito Comunitário como consequência da recepção automática do Direito comunitário) porque:

a) Os Tratados europeus criaram uma Ordem Jurídica "a se", abarcando as Ordens Jurídicas dos Estados-membros;

b) As normas jurídicas da Comunidade aplicam-se imediatamente nos Estados-membros, vinculando os seus órgãos sem necessidade da mediação das leis internas;

c) Os Tratados europeus têm efeito directo e podem sempre ser invocados em tribunal;

d) As normas jurídicas comunitárias são "de per si" 'válidas, não dependendo tal das Ordens Jurídicas nacionais:

e) As normas comunitárias são uniformemente aplicadas em todos os Estados-membros;

f) Os Estados-membros não podem adoptar medidas unilaterais;

g) Não podem ser aplicadas normas dispostas pelos Estados ou normas constitucionais que sejam contrárias às normas comunitárias;

h) Tanto o Tribunal de Justiça como o Tribunal de 1.ª instância das Comunidades ou os Tribunais dos Estados-membros são órgãos que aplicam o Direito comunitário em matéria de Direito comunitário. Para uma maior garantia, o 1° interpreta essas normas, mediante o mecanismo de reenvio prejudicial a que os Tribunais nacionais estão obrigados.

Em sede de garantia, existe ainda a acção por incumprimento, a propor pela Comissão contra os Estados-membros. Com base no princípio da boa-fé, é necessário interpretar-se e aplicar-se uniformemente o Direito Comunitário nas Ordens Jurídicas internas dos Estados membros.

Normas de DI e normas de Direito ordinário

Quer as normas de DI geral ou comum, quer as normas de Organizações Internacionais ou de entidades afins, sobretudo as de Direito Comunitário, prevalecem sobre as normas de Direito ordinário português.

A maioria da doutrina também assim considera relativamente à relação entre DI convencional anterior e Direito ordinário posterior.

Motivos:

a) Princípio geral de Direito válido para qualquer Estado, segundo o qual quem se vincule perante outrem por meio de tratado não pode depois deixar de cumprir aquilo a que se obrigou;

b) É também válido para qualquer Estado a conveniência em harmonizar a ordem interna com a ordem internacional;

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c) Atenda-se ainda à recepção automática;

d) 8°/2: os tratados vigoram na ordem interna enquanto vincularem internacionalmente o Estado português;

e) Complementarmente, para alusão, no 119°/1, das convenções internacionais logo depois das leis constitucionais e antes dos actos legislativos. O mesmo no 280°/3 e também relativamente aos tratados solenes (278°/1).

Regime de inconstitucionalidade de normas internacionais

A inconstitucionalidade das normas convencionais e das emanadas de Organizo internacional decorre da sua desconformidade relativamente às normas constitucionais. Entende-se que a CRP rege os actos dos órgãos do poder nacionais, os quais, têm de estar conformes com ela. Incluem-se pois os actos de D. interno que correspondem a fases do processo de vinculação internacional do Estado (aprovação de tratados ou emissão de reservas) os quais podem ser inconstitucionais ou não.

Pelo contrário, os actos decorrentes do D. Internacional não são susceptíveis de inconstitucionalidade mas antes os conteúdos dos comportamentos que deles se desprendam. A existir um juízo de inconstitucionalidade de normas jurídicas Internacionais, limita-se à ordem jurídica interna do Estado que fiscaliza.

A CRP não trata da inconstitucionalidade material mas sim da inconstitucionalidade orgânica e formal - 277°/2 da CRP, a inconstitucionalidade orgânica e formal de tratados de D. internacional, regularmente ratificados não impede a aplicação das suas normas na ordem jurídica interna, desde que tais normas também sejam aplicadas na ordem jurídica da outra parte, salvo se tal inconstitucionalidade resultar de violação de uma disposição fundamental.

Nos termos do Artº 277°/2 são possíveis:

a) Incompetência absoluta, por aprovação de uma convenção por um órgão sem competência de aprovação de tratados Internacional (PR, Ministro, Assembleia Legislativa Regional);

b) Incompetência relativa, por aprovação pelo Governo, de qualquer tratado político constantes do 161º/i) CRP;

c) Aprovação de tratado sobre questão relativamente à qual tenha existido resultado negativo em referendo, antes do decurso dos prazos constitucionais (115°/10);

d) Inexistência da deliberação da AR, por falta de quórum ou de maioria de aprovação (116°/2/3).

O Artº 277°/2 não afecta a fiscalização preventiva da constitucionalidade de tratados mas afecta a fiscalização sucessiva.

Poucas foram até hoje as sentenças jurisdicionais em tribunais portugueses sobre normas de DI.

Vejamos alguns Acórdãos:

Acórdão N.º 32/88, 27 Janeiro - as resoluções e os decretos de aprovação de Convenções Internacionais não são actos normativos sujeitos a apreciação. Só os tratados e os acordos.

Acórdão N.º I66/88, 13 Julho - o Tribunal só considerou haver razões formais em matéria de defesa em acordos de Portugal e EUA.

Relativamente a normas de órgãos de Organizo Internacional e entidades afins de que Portugal

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seja parte só se fala em conformidade material com a CRP. Quanto a normas de DI convencional, só há inconstitucionalidade em caso de violação de princípios e direitos fundamentais.

Acresce haver recorribilidade das decisões que recusam a aplicação de normas inconstitucionais.

Artº 161/n) CRP - compete à AR pronunciar-se, nos termos da lei, sobre matérias pendentes de decisão em órgãos da União Europeia que incidam na esfera da sua competência legislativa reservada.

Se não se pronunciar, há inconstitucionalidade formal, mas antes inconstitucionalidade do procedimento da participação de Portugal na tomada de decisão da União. O Tribunal Constitucional pode dela conhecer mas a consequência é a irregularidade.

Acresce haver fiscalização da constitucionalidade de leis internas de transposição de Directivas comunitárias.

Regime da desconformidade de leis com normas internacionais

Quando se infringe os preceitos da Declaração Universal dos Direitos do Homem, existe inconstitucionalidade por causa da recepção operada pelo Artº 16°/2 CRP.

Quando há desconformidade entre leis e tratados, não existe inconstitucionalidade pois não há contradição entre normas que são inconstitucionais. O mesmo se diga quanto à contradição entre lei e Direito das Organizo internacionais ou entidades afins.

Ao abrigo do Artº 204°, os tribunais podem, por meio da fiscalização difusa, conhecer da contradição entre normas internas e normas convencionais ou normas de DI geral ou comum.

Pode mesmo haver recurso para o Tribunal Constitucional das decisões em que se recusa aplicar normas constantes de acto legislativo com o fundamento na sua contrariedade com uma Convenção Internacional ou quando a aplicam em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional.

Em caso de referendo, a fiscalização prévia necessária inclui a apreciação da conformidade com normas de DI (115°/8, 223°/2/f)).

Acresce que os tribunais portugueses podem conhecer da conformidade entre a lei estrangeira aplicável a feitos submetidos a julgamento e normas de D. Internacional, também são competentes para apreciarem e para não aplicarem a norma interna portuguesa em caso de infracção de norma de D Comunitário por lei interna.

Porém, não há lugar a recurso para o Tribunal Constitucional dessas decisões. A haver recurso será para um tribunal das Comunidades Europeias. Solução análoga deve ser adaptada para a desconformidade entre normas de Direito comunitário derivado e normas de Direito comunitário originário.

Consequências da desconformidade

a) a desconformidade entre norma legal e norma constitucional gera invalidade;

b) a desconformidade entre norma convencional e norma constitucional, entre norma legal e norma convencional ou entre norma legal e norma de Direito próprio de organizações Internacional ou entidade afim gera ineficácia jurídica.

71. A subjectividade internacional

I - A qualidades de sujeito de direito depende de cada ordenamento jurídico e a sua elaboração

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científica das premissas teóricas de que se parta.

No campo dos Direitos estatais, é o indivíduo, em todos eles hoje (até por força do art. 6.º da Declaração Universal enquanto princípio de jus cogens) sempre sujeito de direito, sempre pessoa.

E, embora se encontrem pessoas colectivas de variadíssimos tipos, elas assentam na sua extensão analógica.

Noutros ordenamentos, o quadro mostra-se muito diferente. No Direito Internacional sobrelevam o Estado e algumas, poucas, categorias de entes de natureza mais ou menos próxima ou afastada.

E, ao passo que em cada sistema jurídico interno se encontram milhares e milhões de pessoas singulares e colectivas, em Direito Internacional as actividades jurídicas básicas decorrem entre um número relativamente pequeno de sujeitos, Isto marca, de forma muito impressiva, a sua estrutura.

O individuo e algumas pessoas colectivas, também podem ser sujeitos de direito internacional, no entanto é aqui que se manifestam com mais nitidez as disputas doutrinais acerca da personalidade internacional.

� Para o pensamento positivista do século XIX, ela - personalidade internacional -identifica-se com a soberania;

� A escola realista francesa identificava os indivíduos.

Apesar de tudo a comunidade internacional continua a não englobar senão os estados e os outros entes e não os indivíduos, pelo menos por enquanto.

Por outro lado, ao passo que à ordem jurídica estatal corresponde, na maior parte das vezes, a personificação da própria comunidade política, a nível de ordem jurídica internacional tal não se verifica.

O estado é uma pessoa colectiva de direito interno, excepto no direito Inglês;

A comunidade Internacional não é sujeito de direito internacional, quando muito, a Organização das Nações Unidas e as Organizações especializadas a ela ligadas, poderão aparecer como seus sucedâneos.

II – Em termos abstractos e formais, diz-se sujeito de direito, quem é susceptível de direitos e deveres, quem pode entrar em relações jurídicas, quem pode ser destinatário directo de normas jurídicas.

Esta noção é válida também em direito internacional, a qual deve ser conformada com dois corolários.

1.º A possibilidade de actividades jurídico-internacionalmente relevantes e;

2.º A virtualidade de uma relação directa e imediata com outros sujeitos, agindo nessa qualidade, ou com centros institucionalizados da vida internacional.

A subjectividade não pode ser apercebida só de uma perspectiva estática - tem de ser vista de um prisma dinâmico, de interacção, movimento e comunicação. Se bem que não implique necessária interferência na criação de normas ou noutras opções que afectam a comunidade internacional, tem de se traduzir em actos que ultrapassem a esfera deste ou daquele Estado; tem de se traduzir em actos que não apenas estejam previstos em normas internacionais como adquiram uma imediata dimensão internacional; tem de se traduzir em actos, de conteúdo substantivo ou de conteúdo adjectivo, que ponham o seu agente em contacto com outras entidades de Direito das

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Gentes.

A protecção internacional dos direitos do homem revela-se elucidativa da distinção que assim propomos. Como melhor adiante se verá, por via dela, aos cidadãos de qualquer Estado são conferidos, através de normas internacionais, direitos que, acrescendo ou não aos contemplados por normas constitucionais, eles poderão invocar perante as autoridades internas. Porém, isso não equivale a transformá-los em sujeitos do Direito Internacional (até porque, então, todos ou quase todos os seres humanos nos nossos dias o seriam, por os respectivos Estados subscreverem tratados sobre direitos do homem). É preciso ainda que essas pessoas possam agir na vida

jurídica internacional.

Não basta a atribuição de direitos por regras de Direito das Gentes para que haja personalidade internacional do indivíduo. Tem ainda de ocorrer a possibilidade de acesso a instâncias internacionais para realização ou garantia desses direitos.

Não basta, a invocabilidade de normas internacionais, têm de existir também meios internacionais de defesa ao dispor das pessoa.

Coisa semelhante se passa na situação simétrica de responsabilidade criminal internacional. Também só quando uma pessoa singular responda penalmente por comportamento cominado como ilícito por uma norma internacional e perante um órgão internacional é que ela aparece como sujeito de Direito Internacional.

III - Há sujeitos de Direito interno que não são sujeitos de Direito Internacional (os indivíduos ou as pessoas colectivas, quando não sejam satisfeitos os requisitos acabados de indicar); e pode haver sujeitos de Direito Internacional que não sejam sujeitos de Direito Interno (a Grã-Bretanha ou a Cruz vermelha internacional).

Mas quando determinado ente é, simultaneamente, sujeito em ambos os sistemas, tem de se registar coincidência de substrato: é a mesma pessoa colectiva Estado a agir tanto no âmbito internacional quanto no âmbito interno, ou o mesmo individuo. O que variará será a capacidade.

Personalidade e capacidade internacional

I - Tal como em Direito interno, personalidade jurídica não se identifica com capacidade - quer dizer, com a medida de direitos que uma pessoa pode ter (capacidade de gozo) ou que pode exercer, directa e livremente (capacidade de exercício).

A outorga de personalidade jurídica a vários entes não envolve outorga de idêntica capacidade. E pode suceder que, sendo o mesmo ente sujeito de Direito interno e de Direito Internacional, possua diferentes graus de capacidade à face de uma e de outra ordem jurídica.

Na ordem interna, os indivíduos, as pessoas singulares têm capacidade genérica e as pessoas colectivas capacidade limitada segundo o princípio da especialidade .

Já na ordem internacional é o Estado, ou o Estado soberano, que beneficia de uma capacidade genérica, podendo ser titular de todos os direitos que essa ordem venha a prever, e todos os demais sujeitos se encontram submetidos a uma regra de especialidade ou de limitação.

II - À capacidade segue-se a responsabilidade. À maior ou menor capacidade de prática de actos jurídico-internacionais segue-se a sujeição às consequências negativas desses actos, quando ilícitos ou lesivos de direitos e interesses internacionalmente protegidos.

Atribuição da personalidade e reconhecimento

I - Cabe distinguir entre a atribuição em geral da personalidade jurídica e a atribuição em concreto

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a certo ente, entre a previsão de certa categoria de sujeitos de Direito Internacional e o reconhecimento a certo ente dessa qualidade, por subsunção na categoria.

Mais uma vez se deparam, porém, aqui as diferenças no confronto do Direito interno:

Neste, regime unitário - Direito Interno - (assente na lei), e em Direito Internacional, diversifica-ção de fontes de definição da personalidade;

Verificados os pressupostos legais, atribuição automática da personalidade em Direito interno, mas realce do fenómeno do reconhecimento em Direito Internacional.

II - O reconhecimento de Estado e de entidades afins desempenha um papel não despiciendo numa comunidade internacional relativamente fechada e desprovida de órgãos supremos. A sua importância terá diminuído com a institucionalização operada no nosso século, mas não desapareceu, por causa dos factores políticos dele incindíveis e por terem surgido novos sujeitos dele carecidos (os movimentos nacionais e de libertação).

Em vez de decisão autoritária de cima para baixo, são os sujeitos preexistentes que interferem no acesso a essa comunidade. Interferem em maior grau quando seja constitutivo o reconhecimento; e interferem ainda quando seja puramente declarativo, conforme iremos ver.

Só não há reconhecimento, pela natureza das coisas, no referente aos indivíduos e às organizações internacionais parauniversais.

Quadro dos sujeitos de Direito Internacional

I - O quadro classificatório dos sujeitos de Direito Internacional, embora pensado para a actualidade, não pode ignorar alguns sujeitos que existiram noutros momentos e que também foram tidos em conta por normas internacionais e pela doutrina. Não os pode ignorar até para compreender as tendências de evolução dominantes.

Assim:

a) Estados e sujeitos não estatais;

b) Sujeitos de base territorial a sujeitos sem base territorial;

c) Sujeitos originários de Direito Internacional e sujeitos não originários - sendo sujeitos originários (numa visão histórica) os Estados e a Santa Sé e não originários todos os outros sujeitos;

d) Sujeitos de fins gerais e sujeitos de fins não gerais - consoante visam ou não uma pluralidade não determinada de fins e sendo os primeiros os Estados e, eventualmente, entidades afins; e sujeitos de fins não gerais ou de fins especiais os outros sujeitos de Direito Internacional;

e) Sujeitos permanentes e sujeitos não permanentes - sendo sujeitos permanentes aqueles em que se verifica uma vocação de estabilidade, de duração sem limites, e sujeitos não permanentes aqueles que são apenas reconhecidos em função de certas circunstâncias mais ou menos transitórias e tendendo a serem substituídos a médio e a longo prazo por outros sujeitos (como sucede com os beligerantes, os movimentos nacionais, certos territórios sob regime internacional e algumas organizações constituídas em razão de certo tempo ou de certas circunstâncias);

f) Sujeitos de reconhecimento geral e sujeitos de reconhecimento restrito - consoante são reconhecidos ou têm vocação ao reconhecimento pela generalidade dos Estados ou somente o são por alguns (como a Ordem de Malta e os beligerantes) ;

g) Sujeitos de capacidade plena e sujeitos de capacidade não plena - consoante gozam ou não de

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todos os direitos de participação previstos em normas jurídico-internacionais (aqueles até agora apenas são os Estados, e não todos os Estados - apenas os Estados soberanos);

h) Sujeitos activos e sujeitos passivos - conforme lhes são atribuídos direitos e outras situações activas ou ficam apenas adstritos a deveres ou a outras situações passivas de Direito Internacional.

II - Tendo em conta todos estes critérios, os sujeitos de Direito Internacional poderão ser agrupados em quatro grandes categorias:

� Estados e entidades afins;

� organizações internacionais;

� instituições não estatais;

� indivíduos e pessoas colectivas privadas.

No Estado e nas entidades afins manifestam-se os elementos relacionais e, tantas vezes, "individualistas" ou exclusivistas de prossecução de objectivos próprios, que se pretendem gerais em toda uma sociedade humana, em confronto com os objectivos de outras sociedades.

Nas organizações internacionais aquilo que, pelo contrário, aparece com mais nitidez é o fenómeno da institucionalização da vida internacional. E pode dizer-se que há uma tensão dialéctica entre os Estados e as organizações internacionais;

No Estado, a tendência para a afirmação da soberania e para relações inorgânicas, bilaterais ou multilaterais;

Nas organizações internacionais - ainda que formadas essencialmente por Estados - a concepção de fins, de valores, de interesses que transcendem os Estados e que são comuns a toda a sociedade internacional ou a uma parte dela.

Nas instituições não estatais estamos diante de instituições de fins especiais, inconfundíveis com os interesses prosseguidos pelos Estados e com maior ou menor independência em relação a estes.

No indivíduo, finalmente, é a pessoa singular a tomar parte na vida internacional, a ultrapassar o quadro do Direito interno e a projectar-se ora em direitos, ora em deveres e outras adstrições efectiváveis perante instâncias internacionais. E também pessoas colectivas privadas podem vir a ser chamadas, em alguma medida, à subjectividade internacional.

III - Contudo, há subdistinções a fazer, diversas categorias de sujeitos a integrar nos grandes tipos. Daí o seguinte quadro, mais completo e preciso:

Estados e entidades afins

1) Estados

Estados soberanos

Estados com soberania reduzida ou limitada

1 - Estados protegidos

2 - Estados vassalos

3 - Estados exíguos

4 - Estados confederados

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5 - Estados ocupados e divididos

2) Entidades Pró-Estatais

1 - Rebeldes beligerantes

2 - Movimentos (nacionais e de libertação nacional)

3) Entidades Infra-Estatais

1 - Colónias autónomas e territórios análogos

2 - Mandatos

3 - Fideicomissos (territórios sob tutela)

4 - Territórios sob regime internacional especial

4) Entidades Supra-Estatais

Confederações

74-B. Instituições não estatais

Santa Sé, Ordem de Malta, Cruz Vermelha Internacional

74-C. Indivíduo e pessoas colectivas privadas

IV – Não são as mesmas as fontes normativas da personalidade jurídica internacional.

Assim, nomeadamente:

a) Quanto aos Estados e à Santa Sé, o Direito Internacional geral ou comum;

b) Quanto às organizações internacionais e quanto ao indivíduo e a entidades colectivas privadas, o Direito Internacional convencional;

c) Quanto a movimentos de libertação, decisões de organizações internacionais.

75. Os Estados

I – Classicamente, revelavam a existência de soberania três direitos dos Estados:

• O jus tractuum ou direito de celebrar tratados;

• O jus legationis ou de receber e enviar representantes diplomáticos;

• Jus belli ou de fazer guerra.

Agora, com a proibição da guerra pela Carta das Nações Unidas (art. 2.º, n.º 4), este último direito é interpretado como mero direito de legítima defesa, individual ou colectiva (art. 5.º da mesma Carta).

Em contrapartida, acrescenta-se um novo direito, o de reclamação ou de impugnação internacional, destinado à defesa dos interesses dos Estados perante os órgãos políticos e jurisdicionais de entidades internacionais, designadamente as de carácter político.

II – Ao lado dos Estados soberanos, a observação da actualidade e, sobretudo, do passado – porque, a despeito de tudo, algo se encaminhou no sentido da igualdade jurídica entre os Estados – mostra a existência de:

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1.º) Estados protegidos – Estados com a titularidade de direitos internacionais, mas só os podendo exercer através de outros Estados ditos protectores (a cuja supremacia territorial se encontram sujeitos).

2.º) Estados vassalos – Estados que, tendo aqueles mesmos direitos, estão adstritos a certas obrigações relativamente a outros, não podendo, nomeadamente, exercer alguns deles sem a sua autorização.

3.º) Estados exíguos – Estados que, pela exiguidade do seu povo ou do seu território, não possuem a plenitude da capacidade internacional e se encontram em situação especial perante os estados limítrofes ou vizinhos

4.º) Estados confederados – Estados que, por serem membros de uma confederação, ficam com a sua soberania limitada em certas matérias, ainda que se trate de uma limitação de soberania com a contrapartida, ao invés do que acontece nos outros casos, de participação na entidade que dela deriva.

5.º) Estados ocupados e Estados divididos – Estados em situação excepcional decorrente da guerra ou de outras vicissitudes e sujeitos a ocupação ou a formas específicas de limitação político-militar.

Enquanto nos Estados protegidos, nos Estados vassalos e, de certo modo, nos Estados confederados e nos Estados ocupados e divididos, como que se conserva intacta a capacidade internacional de gozo e só se restringe a capacidade de exercício, nos Estados exíguos é a capacidade de gozo que fica limitada, se bem que eles tenham capacidade para exercer os direitos de que são titulares.

III – Ao mesmo tempo, a experiência das federações de Estados mostra que pode haver Estados sem acesso à vida internacional: os Estados federados.

Estes Estados só conservam a soberania na ordem interna (em concorrência com a soberania dos Estados em que se integram), não já na ordem internacional.

E o mesmo acontece com os Estados membros de união real.

Uns e outros não possuem, ou só possuem muito residualmente, o jus tractuum e outros direitos internacionais (ou, se exercem alguns destes direitos, é por uma espécie de delegação ou autorização do poder central).

IV – Tomando a soberania como capacidade internacional plena, os Estados classificam-se em:

a) Soberanos (os que têm esse estatuto, sem que as restrições, cada vez mais numerosas, que lhe impõem as realidades do mundo contemporâneo os afectem qualitativamente, mas só quantitativamente);

b) Com soberania reduzida ou limitada (Estados protegidos, vassalos, exíguos, confederados, ocupados e divididos);

c) Não soberanos (os Estados federados e os Estados membros de uniões reais).

As entidades pró-estatais

I – As entidades pró-estatais abrangem os rebeldes beligerantes e os movimentos nacionais e de libertação nacional. São entidades transitórias, ao contrário do que acontece com os Estados, mas entidades que pretendem assumir, na sua totalidade ou quase totalidade, atribuições afins dos Estados (daí a designação que propomos).

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II – Quanto aos rebeldes beligerantes, trata-se da situação emergente em certos Estados, em que se verifica uma guerra civil ou assimilada e em que os rebeldes ocupam uma porção de território maior ou menor, lá exercem uma autoridade identificável com o poder estatal e conseguem manter essa autoridade durante um tempo mais ou menos prolongado.

Por princípio, nenhum Estado deve intervir noutro em que ocorra uma rebelião. Mas, quando a rebelião se estenda e prolongue, certas situações ou certos factores políticos, económicos e, por vezes, humanitários levam ao reconhecimento dos rebeldes como beligerantes por parte de algum ou alguns Estados, declaram estes ou não assumir uma posição de neutralidade entre os contendores. E daí podem advir até algumas vantagens para o próprio Governo legal, no domínio da responsabilidade internacional por actos cometidos em território em que não consiga exercer a sua autoridade.

Da condição dos rebeldes beligerantes deve distinguir-se a dos insurrectos, verificada em alguns países da América Latina e em que não se chega ao reconhecimento de uma personalidade internacional (conquanto possa haver regras próprias do Direito Internacional americano a seu respeito).

III – Ao passo que os beligerantes visam substituir um regime por outro regime, o movimento nacional ou de libertação nacional age em nome de uma nação ou de um povo, que pretende erigir em Estado. Os beligerantes exercem um poder efectivo sobre uma parte do território; não, necessariamente, o movimento nacional ou de libertação, obrigado a uma guerra de guerrilha e a um combate político nos grandes centros de decisão política mundial.

A despeito da proclamação do princípio das nacionalidades ou, mais enfaticamente, do da autodeterminação (Artºs. 1.º, 73.º e 76.º da Carta das Nações Unidas e Resolução n.º 1514-XV da

Assembleia Geral, de 15 de Dezembro de 1960), tal não implica a atribuição de personalidade jurídica aos povos não autónomos ou dependentes. São os movimentos nacionais ou de libertação que a podem invocar, através do exercício de alguns direitos reconhecidos interna-cionalmente.

IV – Caso particularíssimo de entidade pré-estatal é a Autoridade Nacional Palestiniana, decorrente de acordos celebrados em 1993 entre Israel e a Organização de Libertação da Palestina.

Embora tendente a evoluir para a formação de um Estado soberano, ela apenas goza de poderes de autonomia, e muito precários, sobre alguns, reduzidos e sem continuidade, Territórios da Palestina (faixa de Gaza e certas áreas da Cisjordânia).

As entidades infra-estatais

I – As entidades infra-estatais são (ou foram) comunidades de base territorial, em alguns casos dotadas de autonomia, que obtêm (ou obtiveram), por si ou através das entidades administrantes, um acesso mais ou menos limitado à vida Internacional. Incluem-se aqui as colónias autónomas, alguns dos "mandatos”, territórios sob tutela e os territórios internacionalizados.

II – As colónias autónomas traduzem formas específicas da administração colonial britânica. O seu estatuto mais avançado, foi o de domínio (que tiveram o Canadá, a Austrália, a Nova Zelândia, a África do Sul, a Terra Nova e a Irlanda, até ao Estatuto de Westminster de 1931).

Hoje restam alguns pequenos territórios dependentes da Grã-Bretanha, com estatuto análogo até certo ponto, como Jérsia (vestígio feudal), as Bermudas ou as Ilhas Caimão.

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III – Os "mandatos" ou territórios sob mandato eram territórios subtraídos à Alemanha e à Turquia, vencidas na Primeira Guerra Mundial. O Artº 22.º do Pacto da Sociedade das Nações considerava um dever, um mandato da comunidade internacional a promoção do bem-estar das suas populações.

Havia vários tipos de mandatos

Nos de tipo A (Síria, Líbano, Transjordânia, Iraque e Palestina), as populações deveriam ser associadas ao respectivo governo;

Nos mandatos de tipo B (Toga, Camarões, Tanganica, Ruanda-Urundi), aplicava-se um regime colonial limitado;

Nos mandatos de tipo C (Sudoeste Africano e ilhas do Pacífico) a administração era integrada na das potências mandatárias.

Apenas os mandatos de tipo A poderiam ter-se por sujeitos de Direito Internacional, numa situação semelhante à dos Estados sob protectorado.

IV – Após a Segunda Guerra Mundial os mandatos de tipo B e C, salvo o Sudoeste Africano (hoje, Namíbia) foram transformados em "fideicomissos" ou em territórios sob tutela; e o mesmo sucederia com a Somália italiana entre 1950 e 1960.

À face dos Artºs 75º e ss da Carta das Nações Unidas, estes territórios dir-se-iam sob autoridade conjunta da Organização e das potências administrantes. O objectivo essencial, a alcançar rapidamente, era o acesso à independência – como viria a suceder em todos os casos (ainda que, no Pacífico, sob a forma de Estados exíguos).

V – Os territórios sob regime internacional especial ou (como, por vezes, são chamados) territórios internacionalizados – devido a circunstâncias históricas duradouras ou meramente conjunturais – podem ter, por meio do Estado (ou dos Estados) com que possuam vínculos mais próximos ou por outras vias, um acesso, embora circunscrito, à vida internacional.

Situação indefinida tem sido a do Cosovo, desde 1999, apesar de juridicamente ser uma parte da Sérvia.

Mas, em especial, cite-se Timor Leste, que, depois das dramáticas vicissitudes ocorridas entre 1975 e 1999, particularmente as subsequentes ao referendo de 30 de Agosto deste último ano (em que o povo do território se pronunciou pela independência), recebeu uma "administração transitória", a cargo das Nações Unidas (UNTAET, na sigla inglesa), que se manteria até à proclamação como Estado soberano em 2002.

Ora, como o Representante Especial do Secretário-Geral e Administrador Transitório dispunha de jus tractuum, justificar-se-ia, como escreveu MIGUEL GALVÃO TELES, que se concebesse uma personalidade jurídica internacional de Timor Leste, enquanto sob administração das Nações Unidas, ainda que não oponível a estas, diferenciada não só do povo de Timor Leste, enquanto titular do direito à independência, como da personalidade jurídica em geral da Organização.

Diferente destes territórios ditos internacionalizados, com capacidade limitada, é a situação dos territórios internacionalizados sem capacidade jurídico-internacional: assim, a Antártida, o alto-mar, os fundos marinhos, o espaço extra-atmosférico.

Os poderes internacionais das regiões autónomas portuguesas

I – As regiões autónomas portuguesas gozam, constitucionalmente, de alguns poderes de incidência internacional, uns com a característica de poderes de prossecução por elas próprias de

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interesses regionais, outros com a natureza de poderes de participação.

São poderes de prossecução:

- Estabelecer cooperação com outras entidades regionais (Artº 227, n.º 1, alínea u), 1.ª parte da Constituição);

- Participar em organizações que tenham por objecto fomentar o diálogo e a cooperação inter-regional (Artº 227, n.º 1, alínea u), 2.ª parte);

- Participar no processo de construção europeia, mediante representação nas respectivas instituições regionais (Artº 227, n.º 1, alínea x), 1.ª parte);

São poderes de participação:

- Participar na definição das políticas respeitantes às águas territoriais, à zona económica exclusiva e aos fundos marinhos contíguos (Artº 227, n.º 1, alínea s);

- Participar nas negociações de tratados e acordos internacionais que directamente lhes digam respeito, bem como nos benefícios deles decorrentes Artº 227, n.º 1, alínea t);

- Pronunciar-se, por sua iniciativa ou sob consulta dos órgãos de soberania, em matérias de interesse específico, na definição das posições do Estado português no âmbito do processo de construção europeia Artº 227, n.º 1, alínea x);

- Participar nas delegações envolvidas em processos de decisão comunitária quando estejam em causa matérias do seu interesse específico Artº 227, n.º 1, alínea x), 2.ª parte.

II – Estes poderes, embora originais e significativos, não envolvem a transformação das regiões em sujeitos de Direito Internacional.

Na cooperação com regiões estrangeiras e na participação em organizações de cooperação inter-regional verifica-se, por certo, uma actuação externa dos órgãos de governo próprio das regiões. Todavia, é uma cooperação com entidades também desprovidas de personalidade jurídico-internacional e sempre "de acordo com as orientações definidas pelos órgãos de soberania com competência em matéria de política externa" [como acrescenta o Artº 227.º, n.º 1, alínea u), 3ª parte].

Quanto à representação em instituições regionais europeias, ela refere-se a um órgão, o Comité das Regiões, previsto nos tratados da União Europeia, sem poderes de decisão; e, de todo o modo, os representantes das regiões – tal como os representantes de municípios portugueses (que igualmente nele têm participado) – apenas aparecem como seus titulares enquanto representantes do Estado português.

Finalmente, quer na negociação dos tratados e acordos internacionais, quer nos processos de decisão comunitária, tudo se passa no interior da representação ou delegação de Portugal.

As entidades supra-estatais

As federações e as uniões reais são entidades supra-estatais que se erigem em novos Estados e, enquanto tais, assimiláveis a quaisquer outros Estados. Salvo uma ou outra excepção ou atenuação relativamente a Estados federados ou a membros de uniões reais – por reminiscências históricas ou por exigências políticas – a forma de Estado é indiferente para efeitos internacionais.

As confederações, pelo contrário, assumem particular relevo no Direito das Gentes e podem ter personalidade jurídico-internacional a par dos Estados confederados. Do pacto confederativo

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resulta uma identidade a se, com órgãos próprios (pelo menos, uma assembleia ou uma dieta confedera!), mas não emerge um novo poder político ou uma autoridade com competência genérica; e daí ainda uma capacidade de direitos sempre limitada ou condicionada.

As organizações internacionais

I – Organizações internacionais são instituições criadas por Estados e, algumas vezes, por outros sujeitos (como a Santa Sé e até outras organizações) destinadas a prosseguir, com permanência e meios próprios, fins a eles comuns.

Mutatis mutandis elas estão para os Estados como as pessoas colectivas de tipo associativo ou corporacional estão, em Direito interno, para os indivíduos. E, tal como estas, adquirem um grau maior ou menor de autonomia relativamente aos sujeitos que as constituem.

Nas confederações (e, mais ainda, nas associações ou uniões de Estados de Direito interno) há modificações estruturais da soberania, mas tudo reveste ainda um cunho particularista no contexto internacional. Nas organizações internacionais, domina uma ideia de solidariedade, mas uma solidariedade que conduz a fins tendencialmente de carácter geral ou não particularista, a fins que (pelo menos nas de âmbito para universal ou mundial) se assumem como inerentes à comunidade internacional – o que bem explica a dinâmica institucionalizadora (a que, mais de uma vez, se tem feito referência).

Se as organizações internacionais não são, por certo, órgãos da comunidade internacional (ou não o são ainda), apresentam-se já (importa repetir) como expressões de uma comunidade organizada e de um Direito das Gentes que vai ultrapassando o mero domínio das relações de reciprocidade a caminho de novos estádios de desenvolvimento.

II – Conhece-se a formação histórica das organizações internacionais:

1) Até 1919, havia apenas as chamadas uniões administrativas, como as Comissões do Reno e do Danúbio, as Uniões postal e Telegráfica Universais e o Secretariado Internacional de Pesos e Medidas;

2) Em 1919 formaram-se a Sociedade das Nações e a Organização Internacional do Trabalho;

3) A partir de 1945, domina a Organização das Nações Unidas, multiplicam-se quer organizações especializadas parauniversais, quer organizações regionais ou continentais e algumas organizações são dotadas de poderes de decisão imediata em matérias que aparecem nas esferas internas dos Estados.

III - As principais classificações de organizações internacionais são:

A) Quanto aos fins

- Plurais (Organização das Nações Unidas, Liga Árabe, Organização dos Estados Americanos, União Africana)

- Especiais

� Jurídico-políticas (Conselho da Europa)

� Económicas (o Fundo Monetário Internacional, a Organização Mundial do Comércio, etc.)

� Sociais (a Organização Internacional do Trabalho, a Organização Mundial de Saúde, a UNICEF)

� Culturais, científicas e técnicas (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência

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e a Cultura ou UNESCO, Agência Internacional de Energia Atómica)

� Militares (a Organização do Tratado do Atlântico Norte)

B) Quanto ao âmbito geográfico

• Para universais (a ONU e as organizações especializa das da sua "família")

• Regionais ou continentais

C) Quanto ao acesso

� Relativamente abertas (a ONU)

� Restritas, ora por razões geográficas (Organização dos Estados Americanos) ou de afinidades de outra natureza (Liga Árabe, Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), ora por razões político-ideológicas (o COMECON, enquanto existiu), ora por umas e outras (Conselho da Europa)

D) Quanto à duração

• - Perpétuas (quase todas)

• - Temporárias (a Organização do Tratado do Atlântico Norte)

E) Quanto aos poderes

� - De cooperação (quase todas)

� - De integração (as Comunidades Europeias até ao Tratado de Maastricht e, mais recentemente, a Comunidade das Caraíbas e o Mercosul, formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai).

IV – Um caso sui generis de organização internacional é a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, criada e regulada pelos Artºs 156º e seguintes da Convenção do Direito do Mar, à qual incumbe gerir, explorar e até distribuir os recursos a extrair dos fundos marinhos.

Outro ente sui generis é o Tribunal Penal Internacional.

As Comunidades Europeias e a União Europeia

I – As Comunidades Europeias – a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, a Comunidade Económica Europeia (hoje só Comunidade Europeia) e a Comunidade Europeia de Energia Atómica (remontando a primeira a 1952 e as outras duas a 1957) – são, indiscutivelmente, sujeitos de Direito Internacional.

Em 1992, o Tratado de Maastricht criou uma União Europeia e reviu os tratados institutivos das Comunidades. A ele se seguiriam em 1998 o Tratado de Amesterdão e em 2001 o Tratado de Nice; e, a partir de uma "convenção", em 2003, seria elaborado um projecto de "Constituição europeia".

"A União Europeia funda-se nas Comunidades Europeias, completadas pelas políticas e formas de cooperação instituídas pelo presente tratado" e tendo por missão "organizar, de forma coerente e solidária, as relações entre os Estados-membros e entre os respectivos povos" (Artº 1º do Tratado da União Europeia).

A União "dispõe de um quadro institucional único" (art. 3.º), competindo ao Conselho Europeu – que reúne os Chefes de Estado ou de Governo dos Estados-membros, bem como o Presidente da Comissão – dar-lhe "os impulsos necessários" ao seu desenvolvimento e definir as respectivas políticas gerais (art. 4.º). Exercem as atribuições e competências previstas nos tratados institutivos

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e modificativos das Comunidades e no Tratado da União (art. 5.º) o Parlamento Europeu, o Conse-lho, a Comissão, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas – os órgãos das três comunidades e comuns a elas desde 1965 (não obstante se manterem separadas as respectivas individualidades jurídicas).

Assinala-se, pois, um evidente entrosamento das Comunidades e da União, o qual, a curto ou a médio prazo, virá a integrar ou diluir as Comunidades na União como única entidade. Por agora, contudo, não é isso que acontece: a arquitectura institucional apresenta-se algo transitória e não se pode afirmar que a União seja já sujeito de Direito Internacional. A União Europeia parece ser mais um sistema de relações do que uma entidade a se.

II – Como quer que seja, a União Europeia será ainda uma organização internacional, se bem que de integração? Ou será já ou virá a ser uma federação?

Por agora aproxima-se mais de uma confederação – de uma confederação com notas inéditas no confronto das confederações clássicas, por conter elementos provenientes de outras estruturas. Se a soberania dos Estados surge diminuída ou reduzida pela expansão das atribuições comunitárias e das matérias de interesse comum, pela união monetária (ainda não total), pela convergência económico-financeira e pelo peso acrescido das decisões maioritárias, não fica substituída por um poder próprio da União. Os poderes desta derivam de um tratado internacional e só por outro tratado hão-de vir, eventualmente, a ser alargados ou modificados; a "cidadania europeia" é derivada da cidadania perante qualquer Estado-membro; não há um território da União; nem, apesar dos poderes sancionatórios de que goza, autoridades comunitárias de coerção.

Mais: o próprio projecto de "Constituição", apesar do nome e de conter avanços federalizantes, continua a atribuir prevalência, a nível político, aos elementos intergovernamentais sobre os puramente comunitários.

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

Os laços de Portugal e dos restantes países de língua portuguesa viriam a traduzir-se numa embrionária organização internacional: a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, objecto da Declaração Constitutiva de 17 de Junho de 1996, assinada por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. Timor-leste aderiria a seguir à proclamação de independência, em 2002.

A Comunidade é definida com o fórum multilateral privilegiado para o aprofundamento da amizade mútua, da concertação política-diplomática e da cooperação entre os seus membro (Artº 1º) e visa, entre outros objectivos, a materialização de projectos de promoção e difusão da língua portuguesa Artº 3.º, alínea c)]. São seus órgãos a Conferência dos Chefes de Estado e de Governo, o Conselho de Ministros (dos Negócios Estrangeiros e das Relações Exteriores), o Comité de Con-certação Permanente e ao Secretariado Executivo (Artºs. 7.º e Seg.).

É cedo para dizer se os oito Estados, dispersos por três continentes, estão dispostos a imprimir vitalidade e dinamismo à Comunidade. Os ainda não resolvidos graves problemas internos de alguns deles e a atracção por áreas geográficas limítrofes não permitem, por ora, conclusões muito optimistas.

As instituições não estatais

I – Como instituições não estatais que são sujeitos de Direito Internacional existem a Santa Sé, a Ordem de Malta e a Cruz Vermelha Internacional.

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Conquanto muito diferentes, têm de comum:

a) A sua formação independentemente de tratado;

b) A natureza não político-temporal dos seus fins (religiosos e espirituais a Santa Sé, assistenciais e espirituais a Ordem de Malta, humanitários a Cruz Vermelha Internacional);

c) A independência em relação aos Estados (algo atenuada quanto à Cruz Vermelha Internacional);

d) A sua base não territorial (mesmo no caso da Santa Sé, ela não se confunde com o Vaticano, apesar da relação funcional que com ele mantém);

e) O seu carácter comunitário e institucional.

II – A Santa Sé é a expressão jurídico-internacional da Igreja Católica. Membro fundador da comunidade internacional esteve ligado (através de uma espécie de união pessoal) até 1870 a um Estado, os Estados Pontifícios. Mas, quer antes, quer depois desta data, sempre se distinguiram as duas realidades. A Santa Sé continuou, pois, a ter personalidade jurídica internacional, universal-mente não contestada e expressamente declarada em concordatas e em numerosos outros textos.

A capacidade da Santa Sé traduz-se sobretudo no jus legationis e no jus tractuum, bem como na participação (por vezes, com estatuto de observador ou outro) em certas organizações internacionais e na resolução de conflitos.

Para garantia da sua independência, surge (desde 1929) o território do Vaticano, sobre o qual a Itália renuncia a exercer jurisdição e que, portanto, goza de uma imunidade de Direito Internacional.

Apesar de se chamar Estado, não pode ser considerado, em rigor, um verdadeiro Estado, por lhe faltarem as características e as condições de existência correspondentes; desde logo, está funcionalizado aos fins da Santa Sé, não prossegue fins próprios.

III – A Soberana Ordem de Malta é a sucessora ou a continuadora da Ordem de S. João de Jerusalém, vinda da Idade Média. Uma bula papal de 1446 reconheceu -lhe soberania; mas, transferida há muito a sua sede para Roma, hoje apenas desenvolve fins de assistência espiritual e social.

Só cerca de vinte Estados (entre os quais Portugal) e a Santa Sé a consideram sujeito de Direito Internacional, com o inerente estatuto diplomático. Embora com direito de legação e até de conclusão de tratados, pouco mais representa do que um resquício histórico.

IV – A Cruz Vermelha Internacional remonta a 1863 e tem desenvolvido, por si ou por meio de sociedades nacionais, uma acção decisiva em caso de guerras e de grandes calamidades. O Direito Humanitário resultou dessa acção.

A despeito de não ter sido criada por tratado e de as sociedades nacionais terem estatutos de Direito interno, a relevância jurídico-internacional da Cruz Vermelha Internacional aponta para a sua qualificação (através do Comité Internacional) como sujeito com capacidade limitada.

Na verdade, a Convenção de Genebra de 12 de Agosto de 1949 de protecção das vítimas de guerra confia ao Comité Internacional da Cruz Vermelha, em certas circunstâncias, as tarefas das potências protectoras; na Conferência Internacional estão representadas não só as sociedades nacionais mas também os Estados-partes na Convenção; e o Comité Internacional tem até celebrado tratados com Estados.

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V – Das instituições não estatais e, por maioria de razão, das organizações internacionais devem distinguir-se as chamadas organizações não governamentais, meras organizações privadas de âmbito internacional (ou não exclusivamente nacional) que colaboram na prossecução de fins de cooperação, promoção e desenvolvimento vizinhos dos daquelas instituições e organizações (distinguem-se das empresas multinacionais).

Há imensas – Comissão Internacional de Juristas, Pax Romana, Amnistia Internacional, Greenpeace, Associação Médica Internacional (AMI), associações científicas e culturais, de solidariedade social internacional, de juventude, etc. cada qual com os seus objectivos e regras particulares e cada qual com um papel mais ou menos interessante na comunicação entre os povos e no lançamento de uma sociedade civil internacional.

O art. 71 da Carta das Nações Unidas atribui-lhes funções consultivas junto do Conselho Económico e Social e a 24 de Abril de 1981 foi assinada uma “Convenção Europeia sobre o Reconhecimento da Personalidade Jurídica das Organizações Internacionais não Governamentais”. Mas trata-se de personalidade de direito privado, deixando o essencial do seu estatuto à legislação interna.

O indivíduo

I – O Direito Internacional nunca deixou de se ocupar dos indivíduos, das pessoas singulares, pelo menos quando inseridos em certas situações. Basta recordar a protecção diplomática, as imunidades diplomáticas, o estatuto dos Chefes de Estado e de Governo e dos Ministros dos Negócios Estrangeiros, o regime de cidadania e de estrangeiria, determinadas regras de Direito da Guerra e, mais recentemente e sobretudo, a protecção internacional dos direitos do homem.

Todavia, relevância jurídica não equivale a personalidade jurídica; tratamento do indivíduo enquanto tal ou enquanto investido de determinada função não significa, só por si, consideração como sujeito no sentido rigoroso do termo, a par de outros sujeitos. É preciso algo mais (independentemente dos debates teóricos sobre quais sejam, em última análise, os destinatários das normas de Direito das Gentes).

Insistindo no que já dissemos: não é por haver uma norma, mesmo objecto de incorporação automática na ordem interna, que estabeleça direitos e deveres, posições de vantagem ou de vinculação para o indivíduo que ele se torna sujeito de Direito Internacional.

Para que exista personalidade internacional do indivíduo tem de haver ainda a possibilidade de uma relação com outros sujeitos de Direito Internacional, nomeadamente com organizações internacionais.

Como se verifica, a questão prende-se quer com o conceito de personalidade internacional, quer com o sentido da relação entre ordem internacional e ordem interna. Mas tem de ser dilucidada à face dos dados (mutáveis) fornecidos pelo Direito positivo.

II – São, pois, as seguintes circunstâncias em que só à face do Direito Internacional convencional (pelo menos, por enquanto) – se justifica falar em subjectividade internacional do indivíduo:

a) Quando membro de minoria nacional, étnica, linguística ou religiosa ou de povo não autónomo a que seja conferido direito de petição perante qualquer organização internacional [assim o art. 87.º, alínea b), da Carta das Nações Unidas, embora hoje já caducado, no âmbito dos territórios sob tutela;

b) Quando cidadão de Estado que possa dirigir-se a órgão internacional invocando violação ou lesão de um seu direito por esse mesmo Estado (como sucede na Convenção Europeia e noutros

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instrumentos de protecção internacional dos direitos do homem);

c) Quando cidadão de qualquer dos Estados das Comunidades e da União Europeia enquanto titular do direito de petição perante órgãos comunitários e de direito de queixa perante o Provedor de Justiça europeu relativamente a acções ou omissões daqueles órgãos (Artºs. 21º, 194.º e 195.º do Tratado da Comunidade Europeia, na versão actual);

d) Quando titular de órgão de organização internacional (em nome próprio - como são o Secretário-Geral das Nações Unidas, os juízes dos tribunais internacionais ou os Comissários europeus - e não como representantes dos Estados);

e) Quando árbitro ou membro de tribunal arbitral internacional;

f) Quando funcionário internacional;

g) Quando arguido de crimes sujeitos à jurisdição de tribunais internacionais.

De fora fica a cooperação internacional para o combate à pirataria, ao tráfico de escravos, à prostituição, ao tráfico de droga e ao terrorismo, na medida em que sejam os ordenamentos internos a prever e qualificar os actos ilícitos e a puni-los através dos seus tribunais.

Pessoas colectivas privadas

Pessoas colectivas privadas sejam associações ou sociedades, também podem ter capacidade internacional limitada.

Assim:

- As organizações não governamentais enquanto dotadas do estatuto de observador junto do Conselho Económico e Social das Nações Unidas (art. 71 da Carta);

- Certas organizações humanitárias, com base nas Convenções de Genebra de 1949;

- As sociedades transnacionais que celebrem acordos sujeitos ao Direito Internacional, às quais nos referimos atrás;

- As organizações de trabalhadores e de empregadores ao apresentarem reclamações à Organização Internacional do Trabalho por não cumprimento de convenções internacionais de trabalho (art. 24.º da Constituição da Organização);

- As empresas internacionais comuns ou entes criados por acto de Direito Internacional ou sob a sua égide para a organização e a exploração de unidades económicas;

- Pessoas colectivas com sede em Estados-membros da União Europeia, quando apresentem petições ou queixas perante o Parlamento Europeu ou perante o Provedor de Justiça Europeu (Artºs. 194.º e 195.º do Tratado da Comunidade Europeia).

Direitos e deveres fundamentais dos Estados

O Direito Internacional tem procurado definir direitos e deveres fundamentais dos Estados em moldes não sem parecenças com a distinção que no Direito Constitucional se faz entre direitos, liberdades e garantias e direitos económicos, sociais e culturais ou, grosso modo, direitos negativos e direitos positivos.

Há, por um lado, princípios e regras atinentes à existência, à independência e à participação jurídico-internacional dos Estados; há, por outro lado, princípios e regras – principalmente de carácter programático – que estabelecem ou procuram estabelecer condições concretas dessa existência, do seu desenvolvimento e do seu acesso (ou do acesso dos seus cidadãos) ao progresso

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material e cultural.

No essencial, os primeiros princípios e regras constam da Carta das Nações Unidas e os outros da Carta de Direitos e Deveres Económicos dos Estados, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1974; e não custa verificar que muitos desses princípios se integram no jus cogens na acepção atrás mencionada.

Direitos e deveres políticos

I – Do Artº 2º da Carta das Nações Unidas constam verdadeiros direitos, liberdades e garantias dos Estados:

- O direito à igualdade jurídica (n.º 1);

- O direito à independência política (n.º 4);

- O direito à integridade territorial (n.º 4).

Como corolários destes direitos podem ser enunciados:

� O direito de definição das regras de atribuição da sua cidadania à luz de um princípio de relação efectiva;

� O direito exclusivo de execução autoritária das leis no seu território;

� O direito de aplicação de sanções aos infractores das suas leis;

� O direito de definição das formas de vinculação internacional por tratado;

� O direito de escolha de forma de organização política, económica e social interna (art. 1.º do capo II da Carta dos Direitos e Deveres Económicos dos Estados);

� O direito à presunção da regularidade dos seus actos e documentos com fé pública;

� O direito à imunidade internacional dos titulares dos seus órgãos e dos seus representantes diplomáticos;

� O direito de protecção diplomática dos seus cidadãos no estrangeiro;

� O direito de participar no reconhecimento de outros sujeitos de Direito Internacional.

II – Do mesmo passo, contém o Artº 2º um elenco de deveres do Estado:

- Dever de agir de boa fé nas relações internacionais (n.º 2);

- Dever de solução pacífica de conflitos (n.º 3);

- Dever de se abster do uso da força (n.º 4);

- Dever de respeitar a independência e a integridade territorial dos outros Estados (n.º 4);

- Dever de assistência às Nações Unidas, por parte dos seus membros, em qualquer acção que elas empreendam em conformidade com a Carta (n.º 5).

E outros deveres são:

- Dever de não assumir obrigações contrárias à Carta das Nações Unidas (art. 10º da Carta);

- Dever de respeitar as imunidades dos outros Estados, designadamente as diplomáticas;

- Dever de protecção das pessoas e dos bens dos estrangeiros no seu território.

III – O princípio da igualdade dos Estados é algo de homólogo do princípio da igualdade dos

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cidadãos perante a lei, que aparece em qualquer Constituição. Mas, enquanto que o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei não sofre nenhum limite (embora implique a consideração da diversidade de situações), já no concernente aos Estados existem restrições ou distorções no âmbito do Direito interno de certas organizações internacionais.

Basta recordar, no seio da própria Organização das Nações Unidas, o estatuto excepcional dos cinco Estados que são membros permanentes do Conselho de Segurança e gozam de direito de veto. E também se encontram diferenciações na Organização internacional do Trabalho e noutras organizações, bem como nas Comunidades Europeias.

Domínio reservado e intervenção

I – No Direito Internacional clássico, a soberania de cada Estado precisava apenas de ser garantida frente aos demais Estados. No Direito Internacional contemporâneo, precisa de ser garantida também frente às organizações parauniversais de fins políticos (até porque nestas os Estados mais poderosos têm posições dominantes).

Logo no Pacto da Sociedade das Nações houve consciência do problema. Daí o seu art. 15.º, n.º 8, em que se lia: "Se uma das partes (num conflito) pretender e o Conselho reconhecer que o conflito respeita a um assunto que o Direito Internacional devolve à competência exclusiva dessa parte, o Conselho certificá-Io-á em relatório, sem recomendar qualquer solução".

E hoje o Artº 2º, n.º 7, da Carta das Nações Unidas preceitua: "Nenhuma disposição da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervir em assuntos que dependem essencialmente da jurisdição interna de qualquer Estado, ou obrigará os membros a submeterem tais assuntos a uma solução nos termos da presente Carta; este princípio não prejudicará, porém, a aplicação das medidas coercitivas constantes do capítulo VII".

À letra, a Carta reforça a garantia dos Estados, porquanto, em vez de "competência exclusiva", fala em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição dos Estados; e parecem ser todos os órgãos das Nações Unidas, e não apenas um, a ter a sua intervenção limitada. Em contrapartida, deixa de se fazer referência ao Direito Internacional – embora se deva ter em conta o Artº 36, n.º 2 do Estatuto do tribunal Internacional de Justiça – estatuto e veda-se a invocação do princípio em caso de medidas tomadas para reagir a situações de ameaça à paz, ruptura da paz e agressão.

II – Tem sido uma questão recorrente a interpretação da figura, dita de domínio reservado dos Estados, tanto à face do Pacto como à face da Carta. Não se tem conseguido consenso sobre o que seja intervenção: se significa decisão – que, enquanto obrigatória, para os Estados, em princípio só poderia ser do Conselho de Segurança – ou se abrange qualquer tipo ou forma de acto das Nações Unidas ou no seu âmbito. Nem sobre o que sejam assuntos de jurisdição interna dos Estados: se seriam assuntos não submetidos a tratado internacional ou assuntos sem repercussões internacionais, designadamente.

A prática tem ultrapassado a disputa doutrinal num crescente alargamento das áreas e das matérias acerca das quais as Nações Unidas se pronunciam, ou formulam recomendações ou deliberações, ou aceitam debates nos seus órgãos com ou sem consequências jurídicas imediatas. E se, não raro, tem havido desvios e flutuações ao sabor das maiorias, não menos indiscutíveis se têm revelado os progressos alcançados no tocante ao princípio da autodeterminação e aos direitos do homem (o domínio reservado não pode prevalecer contra as suas violações sistemáticas, nem pode impedir, no limite, a "ingerência humanitária").

Apesar de tudo, no entanto, seria exagerado considerar o domínio reservado algo de contingente

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e ilusórios, porque não pode deixar de existir um conteúdo essencial, uma zona irredutível de livre condução da vida colectiva por cada Estado sem dependência das Nações Unidas. Tudo estará em encontrar um adequado equilíbrio (por difícil que seja numa época de crise ou de transformação mundial) entre as pretensões dos Estados e as da organização (O Direito Internacional pode restringira liberdade dos Estados em qualquer matéria, mas não pode suprimir totalmente a sua autonomia, na medida em que ele conserva o seu carácter especial, baseado na existência de organizações humanas que se governem por elas mesmas; O critério do domínio reservado assenta numa distinção entre a competência interna - nenhuma autoridade externa pode anular ou impedir o acto do poder estatal válido internamente e a responsabilidade internacional pelas consequências do exercício ultra vires da competência que a legislação interna declara existir).

Desigualdades de facto e direitos económicos dos Estados

I – Como se salientou logo no início deste curso, nota característica ineliminável da vida internacional é a existência de marcadas desigualdades de facto entre os Estados. A algumas dessas desigualdades têm procurado responder, para as reduzir, as Nações Unidas e as organizações especializadas e regionais através de diversas medidas.

Tal o sentido do novo Direito Internacional do mar, atento aos condicionalismos específicos desfavoráveis dos Estados sem litoral, dos Estados costeiros sem acesso a zonas económicas e dos Estados insulares. Tal o sentido do chamado Direito Internacional do desenvolvimento, o qual visa estabelecer tratamentos diferenciados dos vários Estados consoante as suas situações e, particularmente, atribuir aos mais pobres ou prejudicados por crises e cataclismos "vantagens compensadoras".

Esta distinção de regimes e esta diversa distribuição de benefícios não põem, só por si, em causa o conceito tradicional de soberania. Elas são paralelas mutatis mutandis às preocupações de igualdade social, efectiva ou real de que se fala em Direito interno relativamente aos cidadãos e aos grupos mais desfavorecidos; e assim como a protecção acrescida que se dê a certas categorias não diminui a igualdade fundamental entre todos os cidadãos, também regras internacionais específicas de certos Estados em pior situação não comprometem a sua soberania e a dos demais. Pelo contrário, são a concretização de uma igualdade efectiva ou a remoção das desigualdades de facto que podem dar inteiro sentido à igualdade jurídica formal.

II – Não sem ligação com esta ideia de igualdade efectiva entre os Estados, encontram-se alguns dos direitos enunciados na Carta dos Direitos e Deveres Económicos dos Estados:

- "Cada Estado tem e exerce livremente uma soberania plena e permanente sobre todas as suas riquezas, recursos naturais e actividades económicas" (art. 2.º do Cap. II), a qual abrange o direito de regulamentar os investimentos estrangeiros e as sociedades transnacionais e o direito de nacionalizar ou expropriar bens estrangeiros, mediante indemnização;

- "Cada Estado tem o direito de ter comércio internacional" (art. 4.º);

- "Todos os Estados têm o direito de se agrupar em organizações de produtores" (art. 5.º);

- "Todos os Estados têm o direito de participar nos benefícios do progresso e das inovações técnicas" (art. 13.º).

Enumeram-se simultaneamente deveres de cooperação (Artºs 12.º e 14.º e Seg.), de utilização pacífica dos oceanos e dos fundos marinhos (art. 29.º) e de preservação do ambiente (art. 30º).

O reconhecimento de Estado

I - Como se disse a seu tempo, em geral reconhecimento é o acto jurídico-internacional pelo qual

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um sujeito afirma que determinada situação é conforme com o Direito ou pelo qual afirma que se verificam os pressupostos exigidos por uma norma internacional para a produção de certos efeitos.

Mas o reconhecimento pode ter natureza constitutiva ou declarativa; e durante muitos anos foi controvertido o problema de saber se, no caso do Estado, o reconhecimento revestiria uma ou outra.

Segundo uma maneira de ver, somente a partir do reconhecimento é que o Estado existiria. O reconhecimento viria dar-lhe a qualidade do sujeito de Direito Internacional e, portanto, quaisquer eventos a ele anteriores seriam, em princípio, irrelevantes.

Ao invés, para os que defendem natureza declarativa, o Estado existiria desde que efectivamente se achassem reunidas as suas condições de existência; o reconhecimento limitar-se-ia a verificá-las, nada acrescentaria de novo e, consequentemente, teria efeitos retroactivos.

A concepção da natureza constitutiva do reconhecimento poderá ter feito carreira noutras épocas, com um número restrito de Estados, com o predomínio das relações bilaterais e pouco intensas e com uma comunidade internacional pouco institucionalizada.

Nos dias de hoje, porém, prevalece a tese da natureza declarativa do reconhecimento, por ser a que melhor traduz a realidade de uma vida jurídico-internacional muito mais desenvolvida e apertada, muito mais institucionalizada e em que avultam as relações multilaterais.

É assim quanto aos Estados (e sê-Io-ia também assim quanto às organizações para universais, se carecessem de reconhecimento).

Já o reconhecimento como beligerantes, de movimentos nacionais e de outras entidades, terá natureza constitutiva.

Torna-se aqui patente a diferença entre os Estados e os restantes sujeitos de Direito Internacional.

II - Entre vários pontos do regime jurídico do reconhecimento de Estado a referir indiquem-se os seguintes:

a) Na actual fase do Direito Internacional apenas é relevante o reconhecimento que outros Estados façam; não o que possam ou pretendam fazer outros sujeitos (a não ser, porventura, a Santa Sé);

b) Não há nunca um dever de reconhecimento; nenhum Estado pode ser

obrigado a reconhecer outro;

c) Se pode falar-se em direito de reconhecer ou não reconhecer (e não, propriamente, em poder funciona!), esse direito é um direito de exercício limitado ou condicionado. Pressupõe um mínimo de condições objectivas; não pode traduzir-se em intervenção nos assuntos internos de outro Estado; e, sobretudo, exige um comportamento de boa fé;

d) Por isso, e porque o acto de reconhecimento tem efeito declarativo, ele pressupõe, pelo menos, a efectividade do poder que se pretende de um novo Estado numa parte significativa do território que reivindica como seu. E, se tal não acontecer, o reconhecimento, porque prematuro, será ilícito;

e) Por maioria de razão, se o próprio Estado que faz o reconhecimento tiver contribuído ou

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estiver contribuindo, pela força ou por outro meio ilícito, para criar a situação (por exemplo, ocupando um território de outro Estado e aí tentando instaurar uma autoridade dele dependente), haverá grave violação do Direito Internacional. E, nestas hipóteses, os outros Estados têm mesmo a obrigação de não reconhecer;

f) O reconhecimento tanto pode ser expresso como tácito e pode ser feito por diversas formas. Uma destas vem a ser a posição favorável à admissão do novo Estado numa organização internacional (maxime a ONU) - o que não significa que seja esta a proceder ao reconhecimento; o que conta é a atitude dos Estados membros da organização, não a da organização em si mesma;

g) Pode haver reconhecimento colectivo;

h) Como os demais actos jurídicos unilaterais, o reconhecimento é irrevogável.

III - Muitas vezes, por detrás da questão do reconhecimento deste ou daquele Estado, o que realmente se discute é a questão do reconhecimento do regime político ou do Governo. Recordem-se os problemas suscitados acerca da Alemanha e da China após 1949, ou acerca de Angola e do Camboja após 1975, entre tantos exemplos que se poderia mencionar.

Quando as situações se prolongam por certo tempo e se consolidam diferentes efectividades territoriais, acaba, por vezes, por se admitir a existência de dois Estados: assim, na Alemanha de 1969 a 1990, ou, na prática, na China desde 1972. Dois Governos acabam por equivaler a dois Estados.

Em todas estas circunstâncias, os factores políticos sobrepõem-se aos factores estritamente jurídicos.

O reconhecimento de Governo

I - Quando se fala em reconhecimento de Governo, está em causa um conceito de Governo que não se assimila ao de Governo enquanto um dos órgãos do Estado - o órgão (ou um dos órgãos) do chamado Poder Executivo. Tão-pouco se trata de forma de governo ou de sistema de governo na acepção político-constitucional destes termos. Trata-se, sim, de um conceito próprio do Direito Internacional, atinente aos poderes e responsabilidades de condução das relações externas do Estado.

O problema sobrevém em concreto quando ocorre uma mudança de regime político e quando é necessário saber quem, doravante, vai exercer o jus tractuum, o jus legationis e os demais poderes de representação internacional do Estado.

II - O princípio essencial quer de Direito Constitucional, quer de Direito Internacional público, é o da continuidade do Estado. Este mantém-se e mantém os seus direitos e deveres perante os outros Estados e os demais sujeitos, independentemente da inelutável sucessão de governantes, seja qual for o modo como esta se opere. "Porma regiminis mutata non mutatur ipsa civitas."

Mas quem é que, em cada momento, é governante ou titular de órgão de representação internacional? Como identificá-lo ou qualificá-lo e em que tempo?

No domínio de uma mesma Constituição ou de um mesmo regime político, o problema não se põe. O reconhecimento de um Estado envolve a aceitação do seu direito fundamental a ter ou escolher este ou aquele regime político, sem interferências do exterior; e, estando esse regime a vigorar pacificamente, normalmente, novos governantes que surjam não têm de ser reconhecidos.

O problema não se põe também quando se verifica transição constitucional ou passagem de uma Constituição material a outra no respeito das regras da mesma Constituição formal (assim, no

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Brasil entre 1985 e 1988 ou em Cabo Verde entre 1990 e 1992) ou quando, depois de mudada a Constituição material por revolução, mais tarde se elabora uma nova Constituição formal (assim, em Portugal a 25 de Abril de 1976, quando entrou em vigor a actual Constituição, ou a 14 de Julho desse mesmo ano, quando entrou em funcionamento o novo sistema de órgãos de soberania).

Põe-se, sim, quando se dá uma revolução, uma mudança constitucional com ruptura ou solução de continuidade (assim, em Portugal a 25 de Abril de 1974). E põe-se, não porque um Estado estrangeiro tenha de se pronunciar sobre tal mudança ou sobre o carácter do novo regime, mas porque é preciso saber - por uma necessidade de segurança nas relações internacionais - quais as condições de que dispõe o novo poder para cumprir os compromissos internacionais do Estado.

III - Decorre daqui que o único critério de reconhecimento de Governo aceitável vem a ser o da efectividade, não o de um qualquer juízo sobre a natureza do regime em apreço ou sobre o sentido da nova Constituição.

Reconhecer um Governo não é reputá-lo, nem deixar de o reputar legítimo. É verificar se ele está ou não dotado das qualidades e, mais do que isso, dos meios idóneos para agir como tal. Mas não pode esperar-se que um Governo funcione em relação a um Governo estrangeiro em termos puramente certificativos ou notariais; há - mais uma vez - ponderações extrajurídicas inul-trapassáveis.

A história mostra como, ao longo dos tempos, se projectam neste campo concepções políticas ou de legitimidade: recordem-se a Santa Aliança e a sua doutrina de legitimidade monárquica ou as doutrinas de Tobar, Wilson e Romulo Bettencourt (na América) de legitimidade constitucional e democrática. No entanto, ao fim de mais ou menos tempo, triunfam razões de efectividade (até por causa das vanta gens políticas, económicas ou outras inerentes ao desenvolvimento de relações com o Estado cujo Governo tenha mudado).

IV - Logicamente, o reconhecimento de Governo tem natureza declarativa, não natureza constitutiva.

Em princípio, quaisquer actos praticados, antes e depois do reconhecimento, são juridicamente eficazes, vinculam o Estado e envolvem a sua responsabilidade.

V - Durante a Segunda Guerra Mundial, perante a iminência da ocupação por forças militares alemãs, os Governos de alguns Estados instalaram-se fora dos respectivos países e passaram a funcionar como Governos no exílio, sendo como tais reconhecidos pelas potências aliadas. O mesmo aconteceria em 1990-1991, com o Governo do Coveite, durante a ocupação iraquiana.

Foram situações transitórias e precárias, reconduzíveis às vicissitudes desses Estados e ligadas a um princípio de continuidade; nada têm que ver com a clássica figura do reconhecimento de Governo.

Representação

I - O Estado protegido como que atribuía ao Estado protector poderes gerais de representação nas relações internacionais e algo de parecido se verificava com os mandatos de tipo A da Sociedade das Nações, por força do Pacto.

Mas, para além dessas situações já ultrapassadas historicamente, o Direito Internacional tem conhecido e continua a conhecer outras que se subsumem em fenómeno análogo.

É o que se verifica quando um Estado solicita a outro que se encarregue da defesa dos seus interesses perante um terceiro com o qual não mantém relações diplomáticas (seja por se terem rompido, seja por não ter possibilidade de as estabelecer). Ou o que se dá quando um Estado

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exíguo solicita a um Estado limítrofe ou vizinho a realização de certas tarefas ou actividades jurídico-internacionais. E outras hipóteses são configuráveis.

Não é de excluir, de resto, que fenómenos representativos se produzam, analogamente, entre (ou com) sujeitos não estatais.

II - Embora, naturalmente, não possa assimilar-se à representação de Direito privado, a representação de Direito Internacional consiste, tal como ela, num processo de substituição de vontades com a imputação dos efeitos dos actos praticados pelo representante na esfera jurídica do representado. Tudo está na necessária conjugação dos interesses de ambos e do terceiro ou terceiros Estados que sejam partes desses actos.

O princípio da igualdade soberana joga então com os princípios básicos da autonomia da vontade e da boa fé. Daí que tenha de subsistir um vínculo entre Estado representado e Estado representante, um instrumento válido de habilitação ou mandato (independentemente da sua origem e da sua forma); que esse vínculo seja manifesto; e que seja possível distinguir, caso a caso, na actividade do representado, entre aquilo que corresponde à prossecução de um interesse seu e aquilo que traduz a prossecução de um interesse do Estado representado.

Não são, de excluir, porém, problemas de responsabilidade.

A sucessão de Estados

I - Diversas vicissitudes que atingem o Estado suscitam a problemática jurídica, extremamente complexa, a que se tem dado o nome de sucessão de Estados.

São elas:

a) Cessação da soberania ou da administração de um Estado relativamente a certo território - seja por incorporação dele no território de outro Estado ou por transferência de administração, seja por ele se tornar o território de um novo Estado;

b) Cessação da própria soberania do Estado - por anexação por outro Estado, por integração em Estado composto ou por fusão com outro ou outros Estados dando origem a um novo Estado.

Problemática que se tem posto ao longo da história e acompanhando o desenvolvimento do Direito das Gentes, a sucessão de Estados assumiu particularíssimo relevo no século XX e, sobretudo, nas últimas décadas, em todos os ontinentes, com a desagregação dos impérios marítimos26 e continentais.

Tudo consiste em saber quais as implicações da mudança de estatuto jurídico-político do território e da comunidade nele existente na condição das pessoas e dos bens e na condição da própria comunidade nas relações internacionais. Enquanto que a mudança de governantes, mesmo por ruptura, não tem aí nenhuma relevância (por o poder político ser o mesmo), a passagem da titularidade do poder de um para o outro Estado determina necessariamente efeitos jurídicos mais ou menos intensos.

E, subjacentemente a esta problemática, manifestam-se inelutáveis tensões: entre princípio da soberania e segurança jurídica, entre vontade de transformação e exigências de conservação, entre reivindicações de justiça social internacional e situações consolidadas. E, não raro, conflitos entre o Estado predecessor e o Estado sucessor.

II - Há alguns pontos firmes que correspondem a princípios de Direito Internacional geral ou comum:

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1.º) A mudança de soberania determina a mudança da cidadania ou nacionalidade (ou de condição jurídica análoga) dos habitantes do território - ainda que deva ser garantido um direito de opção individual, verificados certos pressupostos - e sempre com respeito pelo direito de qualquer pessoa de ter uma nacionalidade (art. 15.º da Declaração Universal);

2.º) As fronteiras em relação a territórios exteriores (de terceiros Estados) não sofrem alteração;

3.º) O Estado sucessor adquire, automaticamente e sem necessidade de compensação ou indemnização, a propriedade (ou o domínio) dos bens públicos sitos no território de titularidade do Estado predecessor;

4.º) O Estado sucessor é livre de modificar ou revogar as leis internas (naturalmente, não podendo, porém, as novas normas infringir o Direito Internacional) - embora, em geral, por razões de segurança jurídica, mantenha em vigor as normas preexistentes não contrárias aos princípios da nova ordem constitucional.

III - De especialíssimas importância e dificuldade são as questões pertinentes à sucessão quanto a tratados. O Estado que adquire poder sobre certo território fica vinculado aos tratados aí aplicáveis? E, se fica, em que termos?

A Convenção de Viena de 1978 procura enquadrar a matéria, com princípios de carácter geral e princípios reguladores de determinadas situações.

Princípios de carácter geral:

• Subsistência das obrigações enunciadas em qualquer tratado que decorram do Direito Internacional, independentemente do tratado (art. 5.º);

• Continuidade (portanto, necessária sucessão, por força do atrás citado princípio de Direito Internacional geral ou comum) de tratados territoriais, sejam tratados de delimitação de fronteiras, sejam tratados relativos ao uso de certo território ou a restrições ao seu uso (Artºs 1.º e 12.º);

• Possibilidade de, por tratado, se conceder a um Estado sucessor direito de opção quanto à sua eventual participação nesse tratado (Artº 4.º).

E, por outro lado, princípios adequados a diferentes situações:

� No caso de mudança de soberania sobre um território, cessação da vigência de tratados do Estado predecessor e extensão da vigência de tratados do Estado sucessor (Artº 15.º);

� Havendo formação de novo Estado por acesso à independência, não continuidade dos tratados antes vigentes (art. 16.º). Todavia, o novo Estado poderá aceder a tratados multilaterais, salvo se tal for incompatível com o seu objecto e fim ou, no caso de tratado restrito, se houver oposição de qualquer das partes (art. 17.º). E poderá, com o acordo da outra parte, expressa ou tacitamente, vir a considerar-se vinculado a um tratado bilateral (art. 24.º);

� Ocorrendo fusão de dois ou mais Estados dando origem a um novo Estado, continuidade dos tratados vigentes nos respectivos territórios e possibilidade, verificados certos pressupostos, da sua extensão à totalidade do território do novo Estado (art. 31. º);

� Na hipótese de desmembramento de um Estado em vários, continuidade dos tratados relativamente a cada Estado sucessor (art. 34.º).

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Por fim, no tocante a tratados constitutivos de organizações internacionais, dependência também das regras próprias destas sobre a admissão de novos membros (art. 4.º).

IV - Evento raro vem a ser a reversão: o Estado predecessor recupera território que havia cedido ao Estado sucessor e torna-se, por sua vez, sucessor deste.

Elementos do conceito

I - Do perfil há pouco traçado extraem-se, de imediato, os elementos identificadores de qualquer organização internacional.

O substrato ou elemento material é o agrupamento de Estados e, eventualmente, de outros sujeitos. O elemento formal é a personalidade jurídica internacional conferida, de forma expressa ou implícita, pelo tratado constitutivo (ao passo que, em Direito interno, a subjectividade das pessoas colectivas decorre da lei, e nunca da vontade das partes, em Direito Internacional a subjectividade das figuras homólogas repousa, por ora, no acordo entre aquelas, não parecendo ter-se ainda formado a seu respeito uma norma de Direito Internacional geral ou comum, salvo quanto às organizações parauniversais).

II - Mais descritivamente, as organizações internacionais podem ser analisa das como:

a) Agrupamentos de sujeitos de Direito Internacional;

b) Criados, ordinariamente, por tratado;

c) Para a prossecução de determinados fins internacionalmente relevantes;

d) Com duração mais ou menos longa;

e) Com órgãos próprios (distintos dos órgãos dos Estados);

f) Dotados de personalidade internacional;

g) E com capacidade correspondente aos seus fins.

Daqui procedem, na prática, individualização, permanência e autonomia, embora variáveis de organização para organização.

Actos institutivos

I - O tratado institutivo de qualquer organização internacional estabelece os seus fins e os meios adequados à sua prossecução, as relações com os membros e com outros sujeitos de Direito Internacional, o seu âmbito geográfico e o seu carácter aberto ou fechado, o sistema de órgãos e as respectivas competências e formas de agir.

A ordem jurídica de cada organização tem aí a sua origem e o seu fundamento (ou fundamento imediato, para lá da sujeição a princípios de Direito Internacional geral ou comum).

Nenhum acto interno da organização ou de qualquer Estado-membro pode ser praticado e nenhum tratado pode ser celebrado em contradição com as suas normas. E as consequências serão, no tocante à organização, a invalidade do acto - ainda que falte um contencioso de anulação (O Tribunal Internacional de Justiça não tem competência, por exemplo, para anular actos dos órgãos das Nações Unidas que infrinjam a respectiva Carta) e, no tocante ao Estado-membro, pelo menos a responsabilidade internacional.

II - O símile com uma Constituição estatal torna-se então muito atractivo (O tratado institutivo da Organização Internacional do Trabalho até se chama Constituição), embora não ao ponto de se revelar uma identidade de natureza, porquanto o tratado assenta, por seu turno, na vontade dos

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Estados e não em qualquer poder constituinte próprio da organização ou de um seu qualquer substrato sociológico. Tão-pouco caberia falar num poder constituinte da comunidade internacional (por todos os motivos e desde logo por causa da variedade de tipos de organizações), mesmo se se descobre aqui (como temos vindo a salientar) um fenómeno de ins-titucionalização progressiva.

Nem sequer nas Comunidades e na União Europeia, apesar de se ter ultrapassado o estádio de organização internacional, se justificaria (ou justificaria por ora) reconduzir os seus actos institutivos a Constituição.

III - A Convenção de Viena de Direito dos Tratados declara-se aplicável a todo o tratado constitutivo de uma organização internacional, sem prejuízo das regras próprias da organização (art. 5.º).

É ainda nesse enquadramento que têm de ser entendidos alguns aspectos singularizadores do seu regime, tais como:

a) Inadmissibilidade de reservas que afectem a estrutura e as condições de funcionamento da organização e, como já se sabe, atribuição do poder de aceitação dos demais aos órgãos da organização;

b) Interpretação do tratado à luz da sua função institucional e atribuição de poderes específicos de interpretação também aos órgãos da organização;

c) Execução do tratado pelos órgãos da organização;

d) Duração em princípio ilimitada, salvo prescrição de prazo de vigência;

e) Mesmo quando aberto a outros Estados, sujeição à condição de aceitação pela organização ou pelos Estados já membros;

f) Regime muito restritivo (quando não, ausência) de recesso;

g) Regime especial das modificações.

IV - Uma atenção à parte merece este último ponto.

Em primeiro lugar, as modificações dos tratados institutivos de organizações

internacionais tanto se fazem por via de conferências diplomáticas como a partir dos seus órgãos (geralmente as assembleias em que tomam assento todos os Estados-membros), mas sempre na base da vontade maioritária dos Estados-membros e sem prejuízo dos procedimentos constitucionais internos de aprovação e ratificação.

É o que se observa no caso das Nações Unidas (arts. lO8.º e lO9.º), podendo supor-se que as emendas através da Assembleia Geral corresponderiam mais a uma espécie de revisão parcial da Carta e as emendas a aprovar em Conferência Geral dos membros da Organização a uma espécie de revisão total (se é legítimo transpor para aqui conceitos de Direito Constitucional).

De resto, e em segundo lugar - no caso das Nações Unidas (e ainda mais importante, por reflectir a sua estrutura peculiar) - a entrada em vigor das alterações depende ainda, necessariamente, de ratificação por todos os Estados-membros do Conselho de Segurança (o que significa dar-lhes também aí um direito de veto); mas, por outro lado, uma vez ratificadas por esses Estados e por dois terços dos membros da Organização, essas alterações obrigam todos os demais Estados (Artºs. 108º, in fine, e 109º, n.º 2, in fine)

Em terceiro lugar, chega-se a exigir, por vezes, a participação positiva, em determinados termos,

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dos próprios órgãos das organizações a par ou antes da aprovação pelos Estados-membros. É o que sucede com o tratado da União Europeia (Artº 48.º do Tratado de Nice).

À margem dos procedimentos formalmente previstos, a prática também provoca alterações em tratados constitutivos de organizações internacionais - verdadeiras mutações tácitas (não sem paralelo com as que decorrem no interior das Constituições estatais) e qualifiquem-se ou não como costume nos termos atrás referidos.

Composição e estatuto dos membros

I - Ainda que sejam basicamente criadas e compostas por Estados, as organizações internacionais englobam por vezes diferentes sujeitos: entidades afins (v. g., territórios dependentes, territórios sob regime internacional especial), a Santa Sé, outras organizações.

Em algumas organizações, prevê-se (por causa de requisitos de acesso mais exigentes ou de factores políticos) a existência de membros associados e de observadores ao lado dos membros propriamente ditos. Apenas estes gozam da plenitude de direitos.

II - Sendo as organizações abertas (relativamente), há membros originários - partes nos respectivos tratados constitutivos - e membros admitidos.

A admissão depende sempre de requisitos processuais (por exemplo, maioria qualificada favorável no órgão competente) e, às vezes, de requisitos de fundo (de natureza geográfica, política, económica, etc., consoante os casos).

III - Cada membro tem direitos e deveres. Entre os primeiros sobressai o de participação na formação da vontade e, em geral, na vida interna da organização. Entre os segundos os de acatamento das decisões e o de contribuição financeira.

O princípio fundamental é o da igualdade, mas não sem excepções, como se sabe.

IV - O não-cumprimento dos deveres, quando assuma maior gravidade, pode justificar a suspensão ou a expulsão da organização.

Na falta de disposição expressa no tratado constitutivo da organização, é discutível que exista direito de recesso ou de saída voluntária, embora, no limite, possa utilizar-se a cláusula rehus sic stantibus - em nome até do princípio da soberania do Estado.

Exemplos: “Casos efectivamente verificados de recesso: o Japão, a Alemanha e a Itália, da Sociedade das Nações nos anos 30; os Estados Unidos, o Reino Unido e Singapura, da UNESCO nos anos 80; dubitativamente, a Indonésia, das Nações Unidas, em 1965.

Quanto à União Europeia, não admitindo recesso, salvo exercício do direito à autodeterminação dos povos”.

Quer a suspensão e a expulsão, quer o recesso pressupõem, por seu turno,

requisitos procedimentais e (ou) temporais.

Havendo expulsão ou recesso, se mais tarde o Estado pretender regressar à organização, terá de obedecer às mesmas regras que se impõem a novos membros; a readmissão é uma nova admissão.

Diferente da suspensão ou da expulsão, embora na prática com efeitos aproximados, vem a ser a recusa de credenciais de representantes do Estado.

Exemplo: Caso da África do Sul em várias Assembleias Gerais das Nações Unidas. E também foi por

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este meio que à China passou a corresponder a República Popular da China (Pequim), em vez da República da China (Taipé), em 1971.

V - Não há organizações formadas só por indivíduos, mas o indivíduo não está fora da estrutura das organizações internacionais.

Ele pode aí apresentar-se sob uma das seguintes feições (conforme já dissemos):

- Como representante de Estado-membro;

- Como titular de órgão político autónomo (Secretário-Geral das Nações Unidas, Comissário europeu);

- Como juiz (de qualquer dos tribunais internacionais inseridos na organização);

- Como funcionário e agente administrativo.

E ainda:

- Como peticionário, reclamante ou queixoso (como adiante se verá).

Personalidade e capacidade jurídica

I - Explícita ou implicitamente, directa ou indirectamente, o tratado constitutivo da organização confere-lhe personalidade jurídica, a qual vale quer em relação aos Estados-membros, quer em relação a terceiros Estados e a outros sujeitos de Direito Internacional.

O Tribunal Internacional de Justiça, no parecer de 1949 sobre os prejuízos sofridos ao serviço das Nações Unidas, sustentou de forma peremptória que os direitos e funções da Organização não poderiam explicar-se se ela não tivesse personalidade e capacidade no plano internacional. E esta doutrina é transponível para a generalidade das organizações internacionais.

II - Numa perspectiva monista das relações entre o Direito Internacional e o Direito interno, dificilmente se compreenderia que as organizações internacionais (assim como os demais sujeitos) não tivessem a sua personalidade reconhecida à face do Direito interno. São as mesmas pessoas num e noutro ordenamento, ainda que possam ser enquadradas de modo diferente.

Tal implicará que se acrescente às duas categorias de pessoas colectivas - de Direito público e de Direito privado - um terceiro termo, o das pessoas colectivas de Direito Internacional, englobando, aliás, não só as organizações internacionais mas também a Santa Sé e os próprios Estados estrangeiros (obviamente, elas nada têm que ver com as pessoas colectivas de Direito privado e tão-pouco se reconduzem às pessoas colectivas de Direito público, pois nem exercem poderes de autoridade na ordem interna do Estado, nem sobre elas se conceberiam quaisquer poderes de superintendência ou tutela do Governo).

Entre nós, o Artº 34.º do CC confirma, de certa sorte, o que se acaba de dizer, ao dispor assim: "A lei pessoal das pessoas colectivas internacionais é a designada na convenção que as criou ou nos respectivos estatutos e, na falta de designação, a do país onde estiver a sede principal". Pensado, porventura, pelo legislador para associações com sócios e actividades em mais de um país, este preceito vale objectivamente tanto para as organizações não governamentais como para as organizações internacionais verdadeiras e próprias.

III - À personalidade jurídica corresponde uma capacidade delimitada em razão dos fins de cada organização, de harmonia com um princípio de especialidade semelhante ao que rege as pessoas colectivas de Direito interno.

Sem embargo de um conteúdo variável, pode falar-se num conteúdo mínimo de direitos, ainda

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que com diversa intensidade de exercício, no qual cabem o direito de celebrar tratados com Estados-membros, com terceiros Estados e com outras organizações (v. g., quanto às Nações Unidas, os Artºs 43º, 57º e 63º da Carta) - tratados esses hoje objecto da Convenção de Viena de 1986 - o direito de legação (activa e passiva), o direito de reclamação ou impugnação internacio-nal e o direito de protecção dos seus agentes.

À capacidade de Direito interno se referem também em geral os instrumentos constitutivos: "A Organização gozará, no território de cada um dos seus membros, da capacidade jurídica necessária ao exercício das suas funções e à realização dos seus objectivos" (Artº 104º a Carta das Nações Unidas); "Em cada um dos Estados membros, a Comunidade possui a capacidade mais ampla reconhecida às pessoas colectivas pela legislação nacional, podendo, nomeadamente, adquirir ou alienar bens móveis e imóveis e estar em juízo" (Artº 282º do Tratado da CE).

IV - Para lá dos direitos ou poderes explicitamente declarados nos tratados constitutivos, deparam-se poderes implícitos das organizações internacionais - quer dizer, poderes que elas invocam para a prossecução dos seus objectivos, sejam faculdades abrangidas nos primeiros, sejam poderes conexos novos.

No âmbito da ONU, assim se explicará, em particular, o desenvolvimento das chamadas operações de paz, de que damos conta no próximo capítulo.

No âmbito das Comunidades Europeias, existe mesmo uma cláusula expressa de poderes implícitos: "Se uma acção da Comunidade for considerada necessária para atingir, no curso de funcionamento do mercado comum, um dos objectivos da Comunidade, sem que o presente tratado tenha previsto os poderes de acção necessários para o efeito, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão e após consulta do Parlamento Europeu, adoptará as disposições adequadas" (Artº 308º do Tratado da CE, hoje).

Limite a esta tendência expansiva é o princípio da subsidiariedade: "Nos domínios que não sejam das suas atribuições exclusivas, a Comunidade intervém apenas, de acordo com o princípio da subsidiariedade, se e na medida em que os objectivos da acção encarada não possam ser suficientemente realizados pelos Estados membros e possam, devido à dimensão e aos efeitos de acção previstos, ser alcançados melhor a nível comunitário" (Artº 5.º do Tratado da CE, hoje).

Numa teia de relações internacionais cada vez mais densa e complexa, nenhuma organização pode arrogar-se poderes que contendam com os poderes e direitos essenciais dos sujeitos que as integram nem, muito menos, com os poderes e direitos, explícitos e mesmo implícitos, de outras organizações. Eis uma imperiosa exigência de equilíbrio (que complementa o que dissemos acerca do domínio reservado dos Estados).

Os órgãos

I - Como quaisquer entidades colectivas, as organizações internacionais só podem agir através de órgãos, centros autónomos institucionalizados de formação da sua vontade. E como em quaisquer entidades, cada órgão compreende quatro elementos: a instituição, a competência, o titular e o cargo.

Nem por isso deixam de avultar peculiaridades irredutíveis.

II - A primeira dessas peculiaridades prende-se com os titulares.

Em concreto, no seu funcionamento, os órgãos aparecem sempre através de

Indivíduos. Todavia, nas organizações internacionais, os indivíduos estão aí, não enquanto tais, mas sim enquanto agentes, e menos frequentemente, enquanto titulares de órgãos dos Estados -

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porque são os Estados, e não os indivíduos, que compõem as organizações e que são, portanto, os verdadeiros titulares dos seus órgãos. Fenómeno análogo não é, aliás, desconhecido no Direito interno, público e privado (recordem-se só as federações e as associações de municípios ou certas sociedades comerciais).

São ainda poucos os órgãos com membros a título meramente individual: o Secretário-Geral das Nações Unidas, o Tribunal Internacional de Justiça, a Comissão e o Parlamento europeus, entre outros.

Caso especialíssimo já referido é o da Conferência Internacional do Trabalho, órgão da OIT, com representação tripartida, por cada Estado, do respectivo Governo, das organizações representativas de trabalhadores e das organizações representativas de empregadores.

III - Os titulares de órgãos a título individual têm um estatuto de independência perante os Estados (ou os respectivos Governos). Não os indivíduos representantes ou delegados dos Estados, pelo menos quando sejam simples agentes - agentes diplomáticos como quaisquer outros agentes de representação externa do Estado.

E, ao passo que, nos órgãos com titulares a título individual, o princípio é de igualdade entre todos, nos órgãos com titulares correspondentes a representantes dos Estados esse princípio pode ser derrogado quando se verifique alguma desigualdade entre os Estados.

Ali haverá necessariamente igualdade de voto, aqui poderá haver voto ponderado (assim, no Conselho das Comunidades Europeias, segundo o Artº 205.º do Tratado da CE).

A desigualdade entre os Estados pode manifestar-se, por outro lado, nos órgãos de composição restrita, quando certos Estados são sempre considerados seus membros, como acontece no Conselho de Segurança das Nações Unidas ou no Conselho de Administração do Banco Mundial.

IV - A competência é o conjunto de poderes funcionais conferido a um órgão para a realização das atribuições (ou de uma parte das atribuições) da entidade a que pertence. Tanto pode ser interna como externa.

Nas organizações internacionais, para cada grande diversidade de fins traduzida em diversidade de poderes externos dos respectivos órgãos, encontra-se uma relativa coincidência de poderes internos (poderes de auto-organização, de gestão do pessoal, financeiros).

Existindo mais de um órgão - como sucede praticamente sempre - haverá o tratado constitutivo da organização que distribuir as competências pelos vários órgãos, à luz dos objectivos institucionais adoptados. Relativamente ao jus tractuum, problema importante consiste em saber que órgão o exerce ou se se distinguem competências para a negociação e para a vinculação (à semelhança do que sucede com os Estados).

Também aqui (tal como em Direito público interno) não se evitam conflitos positivos e negativos e são invocados, com frequência, poderes implícitos ao lado dos poderes explícitos.

V - Há numerosas classificações dos órgãos:

a) Órgãos intergovernamentais e órgãos independentes;

b) Órgãos restritos (conselhos, comissões) e órgãos amplos (assembleias, conferências gerais, parlamentos);

c) Órgãos principais e órgãos auxiliares ou subsidiário;

d) Órgãos deliberativos e órgãos executivos.

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VI - Diferentes dos órgãos são os agentes internacionais. Estes não formam, nem exprimem a vontade da organização; limitam-se a colaborar na sua formação ou, o mais das vezes, a dar execução às decisões que dela derivam, sob as suas direcção e fiscalização.

Entre os agentes avultam os funcionários internacionais, as pessoas que têm uma relação permanente e em regime de exclusividade (em princípio), de carácter profissional, com a organização, nos termos de adequados estatutos jurídicos.

A autonomia das organizações internacionais

I - Sendo as organizações internacionais essencialmente agrupamentos de Estados, não admira que nelas prevaleçam os órgãos intergovernamentais. Mas, porque mesmo nestes órgãos se forma uma vontade colectiva, torna-se indispensável assegurar a autonomia das organizações frente a todos e a cada um dos Estados, seja num plano de decisões políticas, seja num plano de estrutura administrativa.

A autonomia reclama a independência dos órgãos com titulares individuais e a dependência exclusiva dos agentes dos órgãos competentes das organizações, sem interferência dos Estados de que são cidadãos (apesar de, na maior parte das organizações, se estipularem quotas em função de cidadania). Como se lê no art. 102.º da Carta das Nações Unidas: "No cumprimento dos seus deveres o Secretário-Geral e o pessoal dele dependente não solicitarão, nem aceitarão instruções de nenhum Governo, nem de nenhuma autoridade exterior à Organização".

Reclama também a autonomia uma base financeira satisfatória que, contudo, só pode conseguir-se com as contribuições dos Estados-membros.

II - Como garantia de autonomia gozam as organizações de privilégios e imunidades nos Estados em que levam a cabo as suas actividades, entre as quais isenções tributárias e imunidades diplomáticas dos funcionários e agentes.

Não tendo território seu, cada organização internacional tem de instalar a sua sede no território deste ou daquele Estado, com os inerentes problemas jurídicos e políticos. Quase sempre celebram-se tratados ou acordos de sede entre a organização e o Estado, para regular a situação.

Vicissitudes

I - Uma vez criada, uma organização internacional pode sofrer modificações: modificações subjectivas, pela entrada ou pela saída de membros; modificações objectivas, em consequência de tratados que alarguem ou restrinjam os fins ou que, de qualquer outra forma, alterem o tratado constitutivo.

E pode também a organização extinguir-se, por exaustão dos fins ou por qualquer circunstância superveniente. Foi o que sucedeu, por exemplo, com a Sociedade das Nações (extinta na prática com o início da Segunda Guerra Mundial) e, após 1989, com o Pacto de Varsóvia e o Come com (desaparecidos com a desagregação do bloco soviético).

II - À semelhança do que se dá com os Estados, pode ocorrer sucessão entre organizações internacionais: entre duas organizações já existentes (por desaparecimento ou transformação de uma) ou entre uma organização até então existente e que se dissolve e outra que surge de novo. Lembrem-se a sucessão da Sociedade das Nações pelas Nações Unidas e da Organização Europeia de Cooperação Económica (OECE) pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

Nestas hipóteses, podem levantar-se, nomeadamente, problemas quanto às atribuições e às competências dos órgãos, quanto aos bens e às dívidas e quanto aos funcionários da organização

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antecessora.

Claro está, uma coisa é a sucessão de organizações internacionais, outra a sucessão de Estados na mesma organização internacional.

A Sociedade das Nações

I - A Sociedade ou Liga das Nações, foi criada pelos vinte e seis primeiros artigos do Tratado de Versalles - os quais, por isso, constituíram o chamado Pacto da Sociedade das Nações - e extinta de facto em 1939, com o eclodir da Segunda Guerra Mundial, até se dissolver de direito em 1946.

Na sua origem estiveram, por um lado, a própria extensão e os horrores da Primeira Guerra Mundial e o surto de pacifismo jurídico que, como tantos outros conflitos, propiciou; e, por outro lado, um início de institucionalização das relações internacionais (apesar de a SDN parecer pouco ter ido além de uma associação contratual). Assim, a ideia de uma comunidade universal organizada, mera utopia desde Vestefália e Viena, pôde encontrar nela um começo de realização.

Mas, ligada à sorte de uma coligação bélica e nascida em época de profunda transição, a SDN apresentou-se logo sem estrutura jurídica nem capacidade política suficiente para responder às intenções do Presidente Wilson e dos seus outros inspiradores.

II - A SDN tinha membros originários e membros admitidos (art. 1.º). Aqueles eram, antes de mais, os países aliados (entre os quais Portugal). Podiam ser membros não só Estados, mas também (por causa do Império Britânico de então) colónias autónomas, os domínios.

Previam-se a expulsão (art. 16º, nº 4) e ainda, mediante aviso com dois anos de antecedência, o recesso ou a saída voluntária da Organização (art. 1º, nº 3).

III - Havia dois órgãos, a Assembleia e o Conselho, assistidos por um Secretariado Permanente (Artºs 2º e ss). A Assembleia, composta por representantes de todos os membros da SDN e todos com um voto, exercia competência genérica no âmbito das atribuições sociais. O Conselho, reduzido a alguns membros permanentes (as grandes potências) e a quatro (depois seis) membros não permanentes, tinha a seu cargo a segurança colectiva.

Nas deliberações tanto da Assembleia como do Conselho valia a regra da unanimidade (Artº 5º), embora com excepções (admissão de novos membros, eleição do Secretário-Geral, alterações do Pacto, questões processuais).

A par da SDN e previsto no Pacto (art. 14º), mas sem ser seu órgão, era instituído o Tribunal Permanente de Justiça Internacional.

IV - A acção da SDN, que tinha sede em Genebra, devia tender fundamentalmente à preservação da paz.

Para isso, o Pacto previa:

a) A redução dos armamentos ao mínimo compatível com a segurança nacional e o cumprimento das obrigações internacionais (art. 8.º);

b) O compromisso de todos os membros de respeitarem e manterem a integridade e a independência uns dos outros e o dever do Conselho de tomar as medidas necessárias em caso de ameaça à paz ou de agressão (art. 8.º);

c) A sujeição dos litígios internacionais a decisão arbitral, judicial ou da SDN, ficando proibida a guerra antes de expirado o prazo de três anos após a decisão e contra qualquer das partes que se conformasse com as conclusões do relatório do Conselho (ou da Assembleia), aprovado por

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unanimidade (salvas as partes em conflito) (Artºs 12.º e ss);

d) A previsão de medidas económicas, diplomáticas e militares por parte dos demais Estados contra qualquer Estado que ilicitamente fizesse a guerra (art. 16.º); e) o registo e a revisão dos tratados (art. 18º).

Os Estados não membros seriam convidados a submeter-se às obrigações que se impunham aos membros no tocante à solução de conflitos; e se o convite fosse aceite, aplicar-se-Ihes-iam os princípios do Pacto, com as adaptações necessárias (art. 17º).

Complementarmente, o Pacto estabelecia: o há pouco mencionado sistema de mandatos; um largo programa de acção social e humanitária por meio dos seus membros; e o princípio da coordenação, pela SDN, da actividade de todas as organizações internacionais especializadas. Ficava expressamente proclamada a prevalência do Pacto sobre quaisquer outros tratados (art. 20º).

V - A vida da SDN foi difícil, quer nos anos iniciais, de rescaldo da guerra, quer nos anos finais, em que assistiu impotente aos prelúdios de nova conflagração (ocupação da Manchúria pelo Japão e guerra contra a China, guerra da Itália contra a Abissínia, Guerra Civil de Espanha, anexação da Áustria, ocupações da Áustria, da Albânia e da Checoslováquia); e poucos e precários foram os êxitos que teve no domínio político.

Como causas intrínsecas de malogro apontam-se: o ter-se tratado de pouco mais do que de uma espécie de concerto diplomático de Estados soberanos; a falta de poderes vinculatórios e coercitivos do Conselho, simples órgão de mediação; a exclusão originária dos vencidos de 1918, a ausência dos Estados Unidos (que não ratificaram o Pacto) e o excessivo peso do bloco anglo-francês. E a isso acresceram a crise histórica geral, subsequente à Primeira Guerra Mundial, com repercussões psicológicas, políticas e económicas incalculáveis, e os movimentos nacionalistas e totalitários que a acompanharam e viriam a dominar nos anos 30.

Não obstante o idealismo dos que nela acreditaram (um nacionalismo democrático ou um internacionalismo liberal) e de uma obra efectiva no plano jurídico, a SDN era demasiado fraca para resistir a tais convulsões.

A Organização das Nações Unidas

I - Tal como a Sociedade das Nações, a Organização das Nações Unidas surgiu marca da por circunstâncias de guerra.

Os seus princípios foram pensados aquando da Carta do Atlântico (1941) e proclamados na Declaração das Nações Unidas (1942), em que acordaram os países aliados na luta contra o Eixo; o projecto de Carta (ou tratado constitutivo) foi sendo elaborado nas conferências de Dumbarton Oaks, Ialta e São Francisco, e na sua preparação tiveram papel determinante os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a URSS.

Aprovada em 26 de Junho de 1945, ainda antes de a Segunda Guerra Mundial acabar, a Carta entrou em vigor a 25 de Outubro de 1945. Só puderam ser membros originários os Estados signatários da Declaração das Nações Unidas ou presentes em São Francisco.

O contexto internacional era bem diferente do de vinte e cinco anos antes, com a emergência agora dos Estados Unidos e da União Soviética como potências dominantes, e viria a transformar-se ainda mais ao longo dos sessenta anos subsequentes.

Além de dotada de uma estrutura mais vasta e aperfeiçoada do que a da SDN, a ONU foi investida de poderes jurídicos que lhe permitem atingir todos os problemas mundiais. E, desde logo, como

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se sabe, a Carta foi concebida como o repositório dos grandes princípios das relações entre todos os Estados e tendo primazia sobre quaisquer outras obrigações internacionais (art. 103.º).

Ao traçarmos a evolução histórica do Direito Internacional no século XX, já apontámos as diferenças mais importantes entre as duas organizações.

II - Só os Estados podem ser membros das Nações Unidas, havendo a distinguir entre os membros originários (art. 3.º) e os admitidos - "Estados pacíficos que aceitam as obrigações da Carta e que, no juízo da Organização, são capazes de as cumprir e dispostos a cumpri-las" (art. 4.º, n.º 1). Portugal foi admitido em 1955. Mas, curiosamente, a Carta, em versão oficial (elaborada em conjunto pelos países de língua oficial portuguesa) só muito recentemente seria publicada entre nós; só o foi a 22 de Maio de 1991, por Aviso n.º 66/91 do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

A admissão compete à Assembleia Geral, precedendo recomendação do Conselho de Segurança (art. 4.º, n.º 1). E é esse também o processo relativo à suspensão e à expulsão, aplicáveis a membros que violem os princípios constantes da Carta (art. 5.º, n.º 6).

A Carta prevê também a privação de direito de voto de Estados que não cumpram as suas obrigações de contribuir para as despesas da Organização (Artºs 17.º, n.º 2, e 19.º). Não prevê o recesso e parece também não admitir, até à sua revisão, a suspensão ou a expulsão dos membros permanentes do Conselho de Segurança, por eles estarem nominalmente indicados na Carta (art. 23.º).

São os Estados, enquanto tais, através dos seus representantes diplomáticos, que integram os órgãos políticos deliberativos. E são os Estados que participam nos acordos relativos a forças armadas internacionais (Artº 43.º), nos acordos que criem instituições especializadas (Artºs 57.º e 59.º) ou que fixem a constituição ou o termo do regime de tutela (Artºs 77.º e 79.º).

III - São órgãos das Nações Unidas a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, o Conselho Económico e Social, o Conselho de Tutela, o Tribunal Internacional de Justiça e o Secretário-Geral. Houve também o Conselho de Tutela, com competência nos territórios sob tutela.

A Assembleia Geral é o órgão de participação de todos os Estados em pé de igualdade: e é, essencialmente, um local de debate, o grande forum da política mundial, além de um órgão de orientação da vida interna da Organização.

O Conselho de Segurança, como o nome indica, é o órgão político central de decisão, encarregado da manutenção da paz e da segurança internacionais. Composto por membros permanentes e membros não permanentes, patenteia a realidade incontornável das relações de força dentro do sistema de Estados.

O Conselho Económico e Social exerce especificamente as duas funções novas assumidas pela ONU no confronto da SDN: a promoção do progresso económico e social e a promoção dos direitos do homem. Tem composição exclusivamente electiva.

O Tribunal Internacional de Justiça é o herdeiro do Tribunal Permanente de Justiça Internacional. Integrado na estrutura da organização, o seu estatuto é declarado parte integrante da Carta e sujeito a revisão nos mesmos termos (Artº 69.º do estatuto).

Apesar de a Carta falar em secretariado, não é o secretariado - simples serviço ou conjunto de serviços - que deve ser considerado órgão das Nações Unidas. É, sim, o Secretário-Geral, enquanto investido de poderes próprios, como o de participação nas reuniões dos demais órgãos, excepto o Tribunal (Artº 98.º), o de chamar a atenção do Conselho de Segurança para qualquer

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assunto que possa ameaçar a paz e a segurança internacionais (Artº 99.º) e o de convocação da Assembleia Geral (Artº 20.º).

Junto destes órgãos - órgãos principais - pode haver órgãos subsidiários ou auxiliares (Artº 7.º), como, junto da Assembleia Geral, a Comissão de Direito Internacional, o Alto Comissário, para os Refugiados para os Direitos do Homem e o Conselho dos Direitos do Homem; assim como a Comissão de Estado-Maior (Artº 47º) e os tribunais criminais ad hoc para a ex-Jugoslávia e a Ruanda junto do Conselho de Segurança.

IV - A Carta contempla expressamente (Artº 57º) aquilo a que habitualmente se chama "família das Nações Unidas", constituída pelas agências, organizações ou instituições especializadas (OIT, UNESCO, FAO, etc.).

Elas são, em princípio, independentes das Nações Unidas; não são órgãos destas; cada uma tem personalidade jurídica própria, à luz do respectivo tratado constitutivo; os seus membros não têm de coincidir com os da ONU.

Mas essas organizações ficam ligadas à ONU, através de acordos celebrados pelo Conselho Económico e Social e aprovados pela Assembleia Geral (Artº 63.º, n.º 1) e prevêem-se formas de concertação ou colaboração (Artºs 63.º, n.º2, 64.º e 70.º).

V - A Carta das Nações Unidas foi até hoje modificada três vezes, em pontos importantes, embora parcelares:

- A emenda de 1963 (entrada em vigor em 1965) elevou de seis para dez os membros não permanentes do Conselho de Segurança e de dezoito para vinte e sete os membros do Conselho Económico e Social;

- A emenda de 1965 (entrada em vigor em 1968), consequência lógica da primeira, elevou de sete para nove o número de votos necessários no Conselho de Segurança para ser convocada uma conferência geral de revisão;

- A alteração de 1971 (entrada em vigor em 1973) duplicou o número de membros do Conselho Económico e Social, o qual passou a ser de cinquenta e quatro.

Não podem ser esquecidas, finalmente, as mutações tácitas entretanto produzidas, como as respeitantes à eficácia de certas resoluções da Assembleia Geral, ao veto no Conselho de Segurança e ao papel do Secretário-Geral e a alteração atípica, fora das regras da Carta, que consistiu na substituição da União Soviética pela Rússia como membro do Conselho de Segurança.

VI - Tema recorrente desde há muito é o da reforma da estrutura institucional e administrativa da organização, em especial do Conselho de Segurança (quanto à sua composição e ao direito de veto). Independentemente de outros factores, o sistema das emendas, com exigência de voto favorável dos membros permanentes (dos actuais membros permanentes) do Conselho, tem inviabilizado qualquer alteração.

A Assembleia Geral das Nações Unidas

I - A Assembleia Geral tem uma competência genérica e competências específicas. Grosso modo aquela corresponde às relações internacionais em geral, estas à vida interna da organização; e os actos praticados ao abrigo da primeira não revestem força jurídica vinculativa para os Estados (ainda que possam dar origem - como já têm dado - à formação de normas de Direito Internacional geral ou comum).

Assim, a Assembleia Geral pode discutir quaisquer questões ou assuntos que caibam nas

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finalidades das Nações Unidas (Artº 10.º), nomeadamente manutenção da paz e da segurança internacionais (Artº 11.º, nºs 2 e 3), desarmamento (Artº 11.º), solução pacífica de conflitos (art. 14.º), cooperação política, económica, social e cultural (art. 13.º, n.º 1) e codificação do Direito Internacional [Artº 13.º, n.º 1, alínea a), 2.ª parte. E para este efeito pode formular recomendações aos Estados ou ao Conselho de Segurança (Artºs 11,º, 13.º, n.º 1 e 14.º) ou promover estudos (art. 13.º, n.º 1).

Todavia, quando o Conselho de Segurança estiver a ocupar-se de qualquer conflito ou situação no exercício das suas funções, a Assembleia poderá discuti-lo, mas não poderá emitir nenhuma recomendação sobre esse conflito ou essa situação, a não ser que o próprio Conselho lho solicite (art. 12.º, n.º 1). Prevalece, nesta hipótese, a competência do Conselho.

São competências específicas exclusivas da Assembleia: a apreciação de relatórios do Conselho de Segurança (art. 15.º), a aprovação do orçamento da Organização (art. 17.º), a eleição dos membros não permanentes do Conselho de Segurança (art. 23.º) e dos membros do Conselho Económico e Social (art. 61,º), a aprovação de acordos com as organizações especializa das (art. 63.º), a autorização de pedidos de parecer ao Tribunal Internacional de Justiça (art. 96.º, n.º 2), a definição do regime dos funcionários da Organização (art. 101º) e a aprovação de emendas à Carta (art. 108.º).

Finalmente, são competências específicas, a exercer em conjunto com o Conselho de Segurança, a decisão sobre a admissão, a expulsão e a suspensão de Estados da Organização (Artºs 4.º, 5.º e 6.º), a designação do Secretário-Geral (art. 97.º), a decisão sobre as condições de acesso de Estados não membros a partes no Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça (art. 93.º, n.º 2) e a eleição dos juízes deste Tribunal (art. 4.º do estatuto).

II - Cada Estado tem na Assembleia Geral direito a um voto (art. 18.º, n.º 1). As deliberações sobre questões importantes são tomadas por dois terços dos membros presentes e votantes. Sobre as outras questões são tomadas por maioria dos presentes e votantes.

Questões importantes são aquelas que a própria Carta enuncia:

• Manutenção da paz e da segurança internacionais;

• Eleição dos membros não permanentes do Conselho de Segurança;

• Eleição dos membros do Conselho Económico e Social e do Conselho de Tutela;

• Admissão, de membros da Organização;

• Suspensão de membros da Organização;

• Expulsão de membros da Organização;

• Regime de tutela;

• Orçamento.

Bem como, ainda, aqueloutras que a Assembleia Geral - mas por maioria relativa - venha a determinar (art. 18.º).

III - A Assembleia funciona tanto qua tale como através de comissões especializadas (mas em que, ao contrário do que sucede nos Parlamentos, estão representados todos os membros da Assembleia - quer dizer, os Estados).

O Conselho de Segurança

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I - O Conselho de Segurança define-se pela sua competência específica: cabe-lhe a responsabilidade principal na manutenção da paz e da segurança internacionais (art. 24.º). E os membros das Nações Unidas ficam adstritos a aceitar e a aplicar as decisões do Conselho (art. 25.º).

Compõem-no hoje quinze membros, cinco permanentes - China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia - e dez não permanentes, escolhidos de dois em dois anos, sobretudo segundo um critério geográfico (art. 23.º).

O Conselho tem funcionamento permanente (art. 28.º).

II - As decisões (art. 27.º) sobre questões de processo são tomadas por maioria de novos membros.

Sobre questões não processuais, são tomadas por maioria de nove membros, incluindo (no texto da Carta) os membros permanentes ou (em resultado do costume atrás referido, que se veio a formar) sem que nenhum dos membros permanentes vote contra.

Mas um membro que seja parte num conflito, naturalmente, tem de se abster nas votações que lhe digam respeito (Artºs 27.º, n.º 3, 33.º e ss e 52.º, n.º 3).

III - A Carta consagra, portanto, o direito de veto (que hoje, significa, insista-se, voto contrário e não simples abstenção ou ausência) de qualquer dos membros permanentes do Conselho.

Este direito só não existe nos casos expressamente exceptuados pela Carta: quando, como se acaba de referir, um membro permanente esteja envolvido num conflito ou quando seja convocada uma conferência geral para revisão da Carta (art. 109.º, n.º 3). E ainda quando da eleição dos juízes do Tribunal Internacional de Justiça (art. 10.º do estatuto respectivo).

E trata-se, em rigor, de duplo veto, porque a qualificação de uma questão como processual ou não processual é considerada não processual e sujeita a veto.

Nem poderia deixar de ser de outro modo: apesar de a qualificação ser em si mesma, logicamente, uma questão prévia, no plano político só assim se garante a posição dos membros permanentes (senão, uma maioria de nove membros, em cada momento - a priori, até dispensando os cinco membros permanentes poderia declarar sempre uma questão como processual e, deste modo, frustrar o direito de veto).

E é nítida aqui a diferença no confronto da Assembleia Geral, fruto da diversa estrutura dos dois órgãos: como na Assembleia rege o princípio da igualdade de todos os Estados, a qualificação de uma questão como importante ou não importante depende de maioria; no Conselho, pelo contrário, como prevalece o princípio (por vezes, dito aristocrático) da supremacia dos membros permanentes, a qualificação de uma questão como processual ou não processual implica direito de veto.

O Conselho Económico e Social

I - O Conselho Económico e Social é composto por cinquenta e quatro Estados-membros, eleitos pela Assembleia Geral, por um período de três anos, com renovação anual de um terço (art. 6.º).

Cada membro tem um voto e as deliberações do Conselho são tomadas pela maioria dos membros presentes e votantes (art. 67.º).

Representantes das organizações especializadas podem participar, sem voto, nas reuniões do Conselho, assim como representantes do Conselho podem participar em reuniões de órgãos dessas instituições (art. 70.º).

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II - São múltiplas as tarefas cometidas ao Conselho para o exercício das suas competências:

- Realizar ou promover estudos e relatórios sobre questões internacionais nos domínios económicos, sociais e culturais (art. 62.º, n.º 1, 1.ª parte);

- Formular recomendações sobre estas questões à Assembleia Geral, aos Estados-membros da Organização e às instituições especializa das interessados (art. 62.º, n.º 1, 2.ª parte);

- Formular recomendações com vista a assegurar o respeito efectivo dos direitos e das liberdades fundamentais (art. 62.º, n.º 2);

- Preparar projectos de convenções, a submeter à Assembleia Geral (art. 62.º,n.º 3);

- Convocar conferências internacionais (art. 62.º, n.º 4);

- Celebrar acordos com as organizações especializadas (art. 63.º, n.º 1);

- Coordenar a actividade das organizações especializadas (art. 63.º, n.º 2);

- Receber relatórios regulares de organizações especializadas (art. 64.º, n.º 1, 1.ª parte);

- Receber relatórios dos Estados-membros acerca das medidas por eles adoptadas em execução de recomendações suas e da Assembleia Geral (art. 64.º, n.º 1, 2.ª parte);

- Comunicar à Assembleia Geral a sua apreciação desses relatórios (art. 64.º, n.º 2);

- Fornecer informações ao Conselho de Segurança e prestar-lhe a assistência que ele solicite (art. 65.º);

- Prestar, com autorização da Assembleia Geral, aos Estados-membros e às organizações especializa das os serviços que eles lhes solicitem (art. 66.º, n.º 2).

O Tribunal Internacional de Justiça

I - O Tribunal Internacional de Justiça não é o único órgão jurisdicional parauniversal; existem também o Tribunal Internacional de Direito do Mar (anexo VI da Convenção de Direito do Mar) e o Tribunal Penal Internacional. E os membros das Nações Unidas podem confiar a solução dos seus diferendos a outros tribunais, em virtude de acordos já vigentes ou que possam ser concluídos no futuro (art. 95.º da Carta). Nem por isso deixa de ser menos evidente a sua vocação de principal órgão jurisdicional da comunidade internacional.

O Tribunal tem dois tipos de competências: contenciosas e consultivas. Ao contrário do que acontece com os tribunais em geral, funciona quer como órgão de decisão de litígios quer como órgão que emite pareceres a pedido de outros órgãos ou organizações.

Compõem-no quinze juízes, eleitos por nove anos, pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança, por maioria absoluta em qualquer deste órgãos (arts. 3.º e segs. do estatuto); pretende-se a representação das grandes formas de civilização e dos principais sistemas jurídicos do mundo (art. 9.º). No exercício da competência contenciosa, poderão ainda fazer parte do Tribunal um ou dois juízes ad hoc designados pelas partes, quando o Tribunal não tiver juízes cidadãos desses países (art. 31º).

O Tribunal funciona, em regra, em plenário; mas pode também funcionar em uma ou mais câmaras (Artºs 25.º e ss).

Há um regulamento interno por ele aprovado (art. 30.º).

II - Os litígios são litígios entre Estados: apenas os Estados têm acesso ao Tribunal. Mas não

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apenas membros das Nações Unidas: além destes - ipso facto partes no estatuto - podem tornar-se partes no estatuto outros Estados nas condições a fixar, em cada caso, pela Assembleia Geral, precedendo recomendação do Conselho de Segurança (art. 93.º).

É outro sinal da universalidade que a ONU pretende atingir.

A jurisdição do Tribunal Internacional de Justiça (ao contrário da dos tribunais internos) é facultativa: ele só conhece dos litígios que as partes lhe submetam (art. 36.º, n.º1 do estatuto). Mas pode tornar-se obrigatória mediante declaração dirigida a esse fim: qualquer Estado parte no estatuto pode, a todo o tempo, reconhecer como obrigatória, em relação a qualquer outro Estado que aceite a mesma obrigação, a jurisdição do Tribunal (art. 36.º, n.º2). Nisto consiste a cláusula facultativa de jurisdição obrigatória.

Pode, no entanto, haver cláusulas de jurisdição obrigatória do Tribunal em tratados avulsos (à margem do estatuto), sobre quaisquer matérias.

Quando entender que a decisão de uma causa poderá comprometer um interesse seu de ordem jurídica, um Estado poderá solicitar ao Tribunal permissão para intervir nessa causa (art. 62º).

III - O processo consta de uma fase escrita e de uma fase oral (art. 43.º) e as audiências são públicas, salvo se o Tribunal decidir de outra maneira ou as partes solicitarem a não admissão do público (art. 46.º).

De acordo com os princípios gerais de Direito processual, admitem-se excepções preliminares (art. 79.º, n.º 5, do regulamento) e medidas provisórias (art. 41.º do estatuto).

As decisões são fundamentadas (art. 56.º) e definitivas e inapeláveis (art. 60.º). O pedido de revisão só pode basear-se na descoberta de facto susceptível de exercer influência decisiva, e que, no momento da sentença, era desconhecido do Tribunal e também da parte que requer a revisão, contanto que esse desconhecimento não seja devido a negligência (art. 61.º).

Se uma das partes num litígio deixar de cumprir as obrigações que lhe incumbem em virtude de sentença proferida pelo Tribunal, a outra terá o direito de recorrer ao Conselho de Segurança, que poderá, se o julgar necessário, fazer recomendações ou tomar outras medidas para o cumprimento da sentença (art. 94.º, n.º 2).

IV - A competência consultiva versa sobre qualquer questão jurídica e é exercida a pedido da Assembleia Geral ou do Conselho de Segurança (art. 96.º, n.º 1, da Carta) ou, precedendo autorização da Assembleia, a pedido de qualquer outro órgão das Nações Unidas ou de qualquer instituição especializada (art. 96.º, n.º 2). É uma competência interna da Organização ou circunscrita à "família das Nações Unidas".

A importância dos pareceres é muito grande e já se tem considerado que é mais através deles do que através de decisões de litígios que o Tribunal Internacional de Justiça vem contribuindo para o progresso do Direito das Gentes.

V - Ao Tribunal não compete apreciar a conformidade de decisões de qualquer outro órgão das Nações Unidas com a Carta. Pode, contudo, fazê-lo a título incidental no decurso de processos contenciosos ou consultivos.

VI - As duas Convenções de Viena sobre Direito dos Tratados atribuem ao Tribunal Internacional de Justiça uma função específica na interpretação e na aplicação dos seus preceitos relativos ao jus cogens [art. 66.º, alínea a), da Convenção de 1969, e art. 66.º, n.º 2, da Convenção de 1986].

No tocante a tratados entre Estados, nenhuma particularidade há a assinalar. Já não no tocante a

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tratados entre Estados e organizações internacionais ou a tratados entre organizações.

Com efeito, surgindo conflitos entre partes nestes segundos tratados, também se prevê a intervenção do Tribunal - mas sob a forma de parecer, a solicitar no respeito das regras gerais da Carta (pelos órgãos das Nações Unidas, ou de organizações da sua "família" ou pelos órgãos das Nações Unidas, a pedido de um Estado ou de outra organização).

Este parecer será aceite como decisivo (quer dizer, como vinculativo) por todas as partes envolvidas no conflito.