direito humano de acesso À Água pelos palestinos: o

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Gilberto Luciano dos Santos DIREITO HUMANO DE ACESSO À ÁGUA PELOS PALESTINOS: O PROBLEMA HÍDRICO NO CONFLITO ÁRABE- ISRAELENSE Dissertação submetida ao Curso de Pós-Graduação stricto sensu, Programa de Mestrado em Direito, área de concentração em Direito e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina, para a obtenção do Grau de Mestre em Direito. Orientadora: Prof. a Dr. a Cristiane Derani Florianópolis-SC 2018

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Gilberto Luciano dos Santos

DIREITO HUMANO DE ACESSO À ÁGUA PELOS PALESTINOS:

O PROBLEMA HÍDRICO NO CONFLITO ÁRABE-ISRAELENSE

Dissertação submetida ao Curso de Pós-Graduação stricto sensu, Programa de Mestrado em Direito, área de concentração em Direito e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina, para a obtenção do Grau de Mestre em Direito. Orientadora: Prof.a Dr.a Cristiane Derani

Florianópolis-SC

2018

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

Dos Santos, Gilberto Luciano DIREITO HUMANO DE ACESSO À ÁGUA PELOS PALESTINOS: O PROBLEMA HÍDRICO NO CONFLITO ÁRABE-ISRAELENSE /Gilberto Luciano Dos Santos ; orientador, CristianeDerani, 2018. 270 p.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal deSanta Catarina, Centro de Ciências Jurídicas,Programa de Pós-Graduação em Direito, Florianópolis,2018.

Inclui referências.

1. Direito. 2. Oriente Médio. 3. Conflito ÁrabeIsraelense. 4. Problema hídrico. I. Derani,Cristiane. II. Universidade Federal de SantaCatarina. Programa de Pós-Graduação em Direito. III.Título.

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Florianópolis, 29 de março de 2018.UFSC

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Este trabalho é dedicado a todos aqueles que, de uma forma ou de outra, são vítimas da opressão e da injustiça.

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AGRADECIMENTOS

A vida de um indivíduo é uma constante construção, e por ela

passa muita gente. Nesta caminhada de pesquisa e análise do tema abordado para esta dissertação, várias pessoas deixaram sua contribuição. Tentar apontar todos os nomes seria um grande risco, visto que cada pessoa que por aqui passou teria de ser devidamente homenageada por sua contribuição. Sou plenamente consciente de que este trabalho é fruto não apenas de um esforço pessoal, mas resultado da soma de contribuições deixadas por muitos amigos, colegas e familiares. A todos vocês o eterno agradecimento de uma pessoa que não sabe caminhar sozinha e sabe reconhecer o bem que lhe fazem.

De todas as formas, expresso meus sinceros agradecimentos a minha orientadora, doutora Cristiane Derani, pelo acompanhamento acadêmico sem o qual eu não teria chegado à conclusão e ao resultado deste trabalho.

Não poderia deixar de citar o saudoso professor, doutor e Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, um homem que me orientou não apenas como acadêmico, mas também como pessoa, contribuindo significativamente com meu amadurecimento diante da problemática árabe-israelense. Nossas conversas, nossos debates e seus incentivos permanecem em minha memória.

Destaco aqui as palavras do professor doutor Samuel da Silva Mattos em memória do professor Cancellier:

São dez e meia de uma manhã ainda enlutada, setenta e duas horas após a ocorrência de uma tragédia anunciada que ceifou a vida de um amigo. Tudo ocorreu em frações de segundos a vinte metros de onde escrevo. Reflexões que se seguem. Uma tragédia anunciada, o desdobramento do estado policialesco e de exceção aí alongando seus tentáculos. Um estado acima da Constituição, desrespeitando os princípios maiores da presunção de inocência, do contraditório e da ampla defesa, pressupostos constitucionais para a instauração do devido processo legal, no âmbito judicial ou administrativo. O que dizer

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do Estado Constitucional e Democrático de Direito? O que dizer do Reitor, que algemadas suas mãos e tornozelos acorrentando seus pés, colocado por detrás das grades, e despido de suas roupas e vestido com trajes de presidiário? Do Reitor que, nu, foi submetido à revista íntima e sem a menor complacência submetido aos vexames do encarceramento sem nada lhe perguntarem, encarcerado e sem processo? O que dizer do Reitor que, corpo em fragmentos, rumou para a eternidade? O que dizer do Reitor que partiu sem suas vestes de Reitor, o cadáver despedaçado que os familiares enlutados não puderam vesti-lo? O que dizer da morte brutal e prematura do Reitor, em início de seu mandato e reconhecido pela prática da conciliação, que fitava horizontes sem jamais deixar de morar as possibilidades da pacificação, lições que buscava cotidianamente na conexão que ordenava seu espírito na construção de uma sociedade justa, livre e solidária? Descansa em paz meu amigo! Descansa em paz enquanto sentimos que teu espírito permanece entre nós, teus amigos, aqui e em muitos lugares, e, entre aqueles que espedaçaram teu corpo, também estarás presente no tribunal implacável de suas consciências. Teu legado segue comigo, segue conosco; segue, também pragmática ou difusamente nos caminhos de nossa tão atormentada democracia e desta república com seus princípios nucleares nunca dantes tão menosprezados. Em tempos assim tão estranhos nos ensinas que há outros mundos possíveis. Que teu sacrifício seja causa eficiente para a construção de um mundo melhor, de vida digna para todos, sementes para refundação de um Estado

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realmente Constitucional e Democrático de Direito, e de Justiça!”1

Ao querido e formidável professor Cancellier, dedico minha eterna gratidão. Descanse em paz!

1 MATTOS, Samuel da Silva. Estado de Exceção: da república romana ao limiar do século XXI – aspectos destacados. In: BALTHAZAR, Ubaldo Cesar. MOTA, Sergio Ricardo Ferreira. PILATI, José Isaac (Org.). Direito, Políticas Públicas e Sociedade. Florianópolis: Insular, 2018.

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Não deve considerar-se válido algum tratado de paz que tenha sido celebrado com a reserva secreta sobre alguma causa de guerra no futuro. (Immanuel Kant, 1975)

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RESUMO O conflito árabe-israelense no Oriente Médio iniciou quando a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou a intenção de criar um Lar Judeu na Palestina. A partir desse evento, surgiram várias reivindicações de direitos tanto do lado judaico quanto árabe, as quais resultaram em sucessivas guerras até os dias atuais. Este trabalho analisa o conflito sob o enfoque hídrico − uma questão que exerce muita influência na vida cotidiana desses dois povos, em especial nos processos de paz, por meio das legislações internacionais a respeito do direito humano de acesso à água, confrontando-as com as leis israelenses com o objetivo de verificar se estas estão de acordo com os tratados internacionais e se tutelam os direitos dos árabes de usufruírem água em quantidade e qualidade adequadas a sua sobrevivência. Palavras-chave: Conflito Árabe-Israelense. Problemas hídricos. Direitos Humanos. Oriente Médio.

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ABSTRACT The Arab-Israeli conflict is a dispute taking place in the Middle East. It started when the United Nations declared its intention to create a Jewish Home in Palestine. From this event began to arise several claims of rights both from the Jewish side, as well as from the Arabic, resulting in successive wars. Various reasons are pointed out as the cause of wars between Arabs and Jews, be they religious, cultural or territorial reasons. This work analyzes the hydric approach, as it is one of the factors that exerts much influence in the dispute between these two peoples, as well as in all peace processes between Jews and Palestinians. This dissertation analyses the international legislation on the human right of access to water and verifies whether Israeli laws are in accordance with international treaties and whether they protect the Arabs' right to enjoy water in adequate quantities and of adequate quality. Keywords: Arab-Israeli conflict. Hydric problems. Human rights. Middle East.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Mapa do Oriente Médio ........................................... 77

Figura 2: Mapa da divisão territorial da Palestina ................... 79

Figura 3: Mapa dos rios Banias e Hasbani .............................. 85

Figura 4: Estreito de Tirã ........................................................ 90

Figura 5: Frentes de confrontos na Guerra dos Seis Dias ....... 91

Figura 6: Mapa dos territórios ocupados no pós-guerra .......... 99

Figura 7: Mapa dos aquíferos de Israel ................................. 104

Figura 8: Principais rios da Palestina .................................... 105

Figura 9: Mapa do Mar da Galileia ....................................... 107

Figura 10: Mapa de localização do Mar Morto ..................... 108

Figura 11: Yitzhak Rabin, Yasser Arafat e Bill Clinton, assinam

o Acordo de Oslo ................................................................... 125

Figura 12: Zonas dos Acordos de Oslo ................................. 131

Figura 13: Muro da separação ............................................... 159

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................... 23

1 A ÁGUA E SUAS IMPLICAÇÕES ................................................ 30 1.2 A SUBSTÂNCIA ÁGUA ..................................................... 30

1.3 O USO DA ÁGUA ............................................................... 37

1.4 A ESCASSEZ DE ÁGUA .................................................... 42

1.5 O DIREITO HUMANO À ÁGUA ....................................... 48

1.5.1 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais............................................................................................... 56

1.5.1.1 Comentário Geral n. 15 ............................................................ 60

1.5.1.2 Relatório do Relator Especial El Hadji Guissé ......................... 62

1.5.2 O Direito Humano de Acesso à Água para a ONU .................. 69

2 A GUERRA PELA ÁGUA .............................................................. 75 2.1 ESCASSEZ HÍDRICA .................................................................... 75

2.2 A GUERRA DOS SEIS DIAS ........................................................ 83

2.3 RESOLUÇÕES DA ONU REFERENTES À GUERRA DOS SEIS DIAS 94

2.4 CONTROLE HÍDRICO PÓS-GUERRA ........................................ 99

2.4.1 Aquíferos ................................................................................... 103

2.4.2 Rios ............................................................................................ 105

2.4.3 Rio Jordão ................................................................................. 106

2.4.4 Mar da Galileia ......................................................................... 106

2.4.5 Mar Morto ................................................................................ 107

2.5 REFLEXOS HÍDRICOS NA ECONOMIA .................................. 108

3 O SISTEMA JURÍDICO ISRAELENSE E OS DIREITOS HUMANOS DOS PALESTINOS DE ACESSO À ÁGUA............. 120 3.1 LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL ............................................ 120

3.1.1 Resolução 181............................................................................ 120

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3.1.2 Conferências de Paz de Haia .................................................... 121

3.1.3 Quarta Convenção de Genebra ............................................... 123

3.1.4 Os Acordos de Oslo ................................................................... 125

3.2 REGIMENTO INTERNO ISRAELENSE ..................................... 135

3.2.1 Lei da Água ................................................................................ 135

3.2.2 Ordens militares ........................................................................ 137

3.2.3 Comitê Conjunto da Água ........................................................ 138

3.2.4 Autoridade Palestiniana da Água ............................................ 142

3.3 DIREITOS HUMANOS DOS PALESTINOS DE ACESSO À ÁGUA...................................................................................................144

3.3.1 Assentamentos ........................................................................... 153

3.3.2 Muro da separação.................................................................... 155

3.3.3 Faixa de Gaza ............................................................................ 159

3.4 NEGOCIAÇÕES HÍDRICAS ........................................................ 163

CONCLUSÃO ....................................................................................

REFERÊNCIAS .................................................................................

ANEXO A − Resolução da Assembleia Geral da ONU...................

ANEXO B – Declaração Universal dos Direitos Humanos.............

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INTRODUÇÃO

A água é uma substância inerente à vida e sem ela nem homem, nem animais, nem plantas poderiam subsistir. Apesar de sua importância, os homens ainda não lhe dão o devido valor, ou seja, além de não a utilizarem de forma adequada, poluem rios e suas nascentes, ignorando os efeitos que esta conjectura produz no presente ou como afetará a todos no futuro.

Todas as civilizações do mundo dependeram desse recurso para seu desenvolvimento social, cultural, agrícola ou industrial. As antigas civilizações se desenvolveram à margem das águas. No Oriente Médio, o povo da Mesopotâmia se desenvolveu ao redor dos rios Tigre e Eufrates. Os antigos hebreus fixaram seu habitat nas terras que correm o rio Jordão. Os egípcios, por sua vez, construíram seu império à beira do rio Nilo, considerando esta fonte natural como presente dos Deuses.

Aponta-se que aproximadamente 70% do planeta terra esteja coberto de água, dos quais o maior volume é composto de água salgada e apenas uma porção de 2,5% consiste em água doce. Sabe-se que esse recurso natural doce provém de rios, poços, lagos, açudes, represas e que a maior quantidade está em aquíferos subterrâneos. Diante dessa realidade, constata-se que a quantidade de água que os seres vivos dispõem para consumo é mínima.

O que se observa é que os padrões de vida das sociedades vêm se modificando a cada dia. Essas mudanças estão exigindo mais quantidade de água, colocando em risco o uso sustentável dos recursos hídricos, bem como sua quantidade e qualidade. As nações têm empreendido esforços para o avanço de suas economias, o que não ocorrerá sem volumosas quantidades de água. Para se ter uma ideia da dimensão desse avanço, bem como o que é requerido para sua subsistência, destaca-se que a peça motriz do setor agrícola é a água, e que esta seara utiliza aproximadamente 70% da água doce disponível. Também a falta de tecnologia nesse domínio produz consideráveis desperdícios de água potável, causa impactos negativos sobre a vegetação e as matas ciliares, deixa o solo e os rios desprotegidos e gera poluição das águas, por exemplo, pela presença de agrotóxicos. Destaca-se

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ainda que as pastagens e o abastecimento para o gado demandam igualmente muita água disponível.

Nesse cenário de desperdício e escassez, a indústria também tem sido apontada como responsável pela má utilização da água, substância essencial para a manufatura da produção industrial, fazendo-se presente no processamento, na lavagem e no arrefecimento de maquinários. Ou seja, grandes grupos industriais como alimentício, de substâncias químicas e de refinação de petróleo, entre outros, consomem grande quantidade de água. Outro fenômeno que tem impactado a questão hídrica é o aquecimento global, que transtorna o clima e, consequentemente, afeta a natureza e gera a escassez do aludido recurso natural. Entende-se que diante do quadro de falta de água em que vive a sociedade moderna, são necessárias uma mudança de comportamento e uma tomada de consciência sobre sua utilização, caso contrário a humanidade estará colocando em risco sua própria subsistência. Pode-se afirmar que, se a forma de encarar os recursos hídricos não mudar, essa substância natural se tornará mais valiosa do que o próprio petróleo.

Outro quadro que demanda tomada de consciência e decisão diz respeito a nem todas as pessoas terem acesso adequado à água. Já em 2002, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) alertavam que o fornecimento de 20 litros diários por pessoa seria considerado adequado desde que as instalações dessa substância estivessem a menos de um quilometro da moradia do indivíduo. Levando esse registro em consideração, é certo afirmar que ter acesso à água é um direito de todos, um direito inerente à dignidade da pessoa humana, portanto, um direito humano.

O constitucionalismo moderno tutela os direitos de terceira geração, que são aqueles de solidariedade, também chamados de fraternidade, como o direito ao meio ambiente equilibrado, o direito a um nível de qualidade de vida saudável, o direito à autodeterminação dos povos, o direito ao progresso, à paz, entre outros diversos direitos difusos. Uma vez que esses direitos considerados essenciais à humanidade são positivados nas

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constituições dos Estados, passam à categoria de direitos fundamentais.

A forma de entender o direito de acesso à água vem evoluindo com o passar dos tempos. Há décadas não havia nada explícito nos documentos e tratados internacionais que dispusesse de forma explícita que esse recurso natural é um bem e direito de todos. No entanto, nas últimas décadas, começou a surgir uma preocupação com esse tema, e iniciativas foram empreendidas para que a água fosse encarada com a devida atenção como a Conferência de Mar del Plata, realizada na Argentina no ano de 1977, considerada o primeiro movimento multilateral abrangendo a aludida temática; e a Década Internacional da Água Potável e Saneamento, lançada em 1981 pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Muitos outros eventos ganharam destaque na comunidade internacional a partir dessas importantes iniciativas, entre elas destacam-se: o Terceiro Fórum Mundial da Água, realizado no Japão, em 2003; o Ano Internacional da Água Doce; a Conferência Internacional sobre a Água e o Meio Ambiente, realizada na Irlanda, em 1992; a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, em 1992; o Segundo Fórum Mundial da Água de Haia, realizado no ano de 2000; e a Conferência Internacional sobre a Água Doce de Bonn, na Alemanha, em 2001.

Como desdobramento desses movimentos, vários documentos passaram a ser produzidos para tratar da questão hídrica de forma mais explícita, como o Comentário Geral n. 15; o Direito à água, em 2002; o Relatório do Relator Especial El Hadji Guissé, de realização da Subcomissão de Promoção e Proteção dos Direitos Humanos, em 2004; o Relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos sobre o alcance e o conteúdo das obrigações pertinentes em matéria de direitos humanos relacionadas com o acesso equitativo à água potável e o saneamento, em 2004.

Apesar de sua importância, esses documentos permaneceram na esfera de recomendações, não dispondo de capacidade jurídica para converter esse recurso natural à categoria

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de direito humano. Fato que veio a ocorrer somente 28 de julho de 2010, quando a Assembleia Geral da ONU, por meio da Resolução A/RES/64/292, aprovada pelo voto de 122 nações, reconheceu o acesso à água de qualidade e a instalações sanitárias como direito humano essencial ao desfrute de uma vida digna.

Baseando-se no exposto, esta dissertação analisa a questão hídrica no âmbito do conflito árabe-israelense, disputa entre árabes e judeus que foi tomando forma a partir de 1880, data em que judeus europeus começaram a emigrar para a Palestina devido às perseguições na Europa. Nesse mesmo período, surge o movimento sionista que idealizou a autodeterminação do povo judeu, fundamentando que, se os judeus tivessem um Estado, este deveria ser na Palestina, por questões históricas e religiosas. A chegada dos primeiros imigrantes judeus na Palestina, em um primeiro momento, não resultou conflitos com os habitantes locais, pois estes não interpretavam os novos habitantes como ameaça.

Quando da Segunda Guerra Mundial, os judeus se encontravam espalhados pelo mundo e não tinham uma nação propriamente dita, contudo, conforme a Alemanha ia avançando nessa guerra, aplicava uma política de perseguição e extermínio dos judeus que culminou no holocausto de Hitler. A estimativa é que cerca de 6 milhões de judeus tenham morrido vítimas da perseguição nazista.

Em 1948, anos depois do término da Segunda Guerra Mundial, a Assembleia Geral da ONU votou a Resolução 181, que partilhou a Palestina em dois Estados, um judeu e outro árabe, e converteu Jerusalém em uma cidade internacional. O documento dispunha que 57% do território formaria o Estado judeu, enquanto os restantes 43%, o Estado árabe. Estes não aceitaram a partilha da ONU, iniciando a Primeira Guerra Árabe-Israelense naquele mesmo ano. Essa guerra resultou em vitória judaica não somente na esfera bélica mas também na seara territorial, haja vista ter aumentado a extensão do território judeu para 73%.

Em 1967, ocorreu a Guerra dos Seis Dias, conflito entre Israel e as nações árabes Egito, Síria e Jordânia que resultou mais uma vez em vitória israelense, consequentemente em novo aumento territorial do Estado judeu, que passou a dominar a

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península do Sinai, a Cisjordânia, as Colinas do Golã e a Faixa de Gaza. A última guerra árabe-israelense foi em 1973, a denominada Guerra do Yom Kipour (Dia do Perdão). Desde 1967, Estados Unidos, Rússia e outras nações têm realizado iniciativas que visam solucionar o conflito nessa região e promover uma paz duradoura entre árabes e judeus. Esses esforços convergiram para, em 1993, serem assinados os Acordos de Oslo, na Noruega, uma iniciativa bilateral entre os implicados que resultou no reconhecimento da existência do Estado de Israel, por parte dos palestinos, e a criação da Autoridade Nacional Palestina, um poder interino, embrião de um futuro governo para o Estado árabe.

A partir dessas informações, este trabalho centra-se em analisar o domínio israelense nos territórios ocupados e de que forma isso repercute na vida da população árabe da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, principalmente no que tange aos direitos humanos desse povo.

Utiliza-se como fundamentação teórica para abordar a água como um direito humano a Carta dos Direitos Humanos da ONU e relatórios desta organização internacional como o Comentário Geral 15, o Relatório do Relator Especial El Hadji Guissé e a Resolução A/RES/64/292. A fundamentação histórica sobre a Palestina foi construída a partir de textos de Ilan Papper, Rolf Reichert e Dan Smith.

Sobre a problemática entre árabes e judeus no Oriente Médio, estabeleceu-se como objetivo principal desta pesquisa verificar a questão hídrica no conflito árabe-israelense, ou seja, observar se o regime jurídico israelense aplicado à Cisjordânia e à Faixa de Gaza ajusta-se aos direitos humanos e ao direito humanitário vigentes no Direito Internacional e se tem sido um instrumento de tutela e garantia ao direito humano de acesso à água pelos palestinos. Especificamente, pretende-se explicar o direito humano à água potável essencial à vida e ao desenvolvimento do gênero humano a partir de documentos jurídicos da ONU; discutir o regime jurídico israelense, bem como sua atuação militar nos territórios ocupados; e verificar se as ordens militares do Estado de Israel impostas aos palestinos são limitadoras do acesso à água.

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Esta pesquisa se justifica pela importância da problemática da água como bem em disputa pelos povos árabes e judeus no Oriente Médio. Esse litígio se transformou em um obstáculo ao estabelecimento da paz naquele território, bem como possível limitador ao acesso a uma quantidade mínima e adequada de água potável pelos palestinos, sendo necessária uma verificação do regime jurídico excepcional aplicado por Israel à aludida região no que tange a tais limitações.

É fato que a disputa por água no Oriente Médio constitui uma ameaça à paz naquela região, sendo também necessário investir em uma análise da regulamentação civil e militar vigente na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, tendo em vista que árabes e judeus são regidos por diferentes leis que têm não apenas gerado discriminação entre os dois povos mas violado frontalmente tratados da ONU, como a Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Um estudo da situação hídrica na Palestina pode produzir soluções razoáveis e proporcionais ao estabelecimento da paz na região.

Na seara metodológica, sublinha-se que, entre os diversos direitos humanos existentes, optou-se por delimitar a pesquisa ao tema do direito ao acesso à água na Palestina. O método de abordagem utilizado nesta pesquisa foi o indutivo, que toma como específico a problemática judaico-palestina para substanciar uma questão mais ampla que é o conflito árabe-israelense, entendendo-se que ela é resultado de observações de casos concretos, ou seja, consiste na verificação de uma situação real que envolve a população palestina nos territórios ocupados por Israel.

O meio técnico utilizado nesta investigação foi o monográfico. Entretanto, é de suma importância destacar que, em se tratando do conflito na Palestina, o método Histórico se intercala ao monográfico em vários momentos, bem como o observacional não permanece inativo no todo, pela complexidade do tema em evidência. Além disso, a dissertação foi elaborada a partir de investigação em documentação indireta.

A estrutura do trabalho consta de uma parte introdutória, três capítulos e conclusão. No Capítulo 1, aborda-se a água tal como sua constituição molecular, usos e escassez. Discute-se o

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direito humano de acesso à água, apresentando uma breve evolução da temática, que abrange desde encontros internacionais até a confecção de documentos para a normatização da questão em pauta. No Capítulo 2, apresenta-se a água como uma substância que se converte em arma e objeto de guerra. Analisa-se a Guerra dos Seis Dias, que mudou a geopolítica da Palestina. Esta observação é realizada a partir da perspectiva hídrica, demonstrando que a disputa entre palestinos e judeus tem seu fator principal no acesso à água. Descreve-se como ficaram moldados a divisão e o domínio dos recursos naturais depois da Guerra da Água e como isso repercutiu na economia palestina e judaica. No Capítulo 3, verifica-se se o regime jurídico israelense aplicado à Cisjordânia e à Faixa de Gaza está de acordo com as normas internacionais, principalmente no que tange ao direito humano de acesso à água e ao direito humanitário. Aborda-se os óbices à tutela e às garantias desses direitos, dando-se ênfase à presença militar judaica, aos assentamentos judaicos e ao muro de separação na aludida região. Por fim, depois de levantar todas essas questões envolvendo a água no conflito árabe-israelense, em conclusão, sublinha-se a necessidade de uma cooperação conjunta da comunidade internacional para a resolução da problemática judaico-palestina, bem como de medidas de coibição para as violações do direito internacional, principalmente referentes ao direito humano de acesso à água na Palestina.

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1 A ÁGUA E SUAS IMPLICAÇÕES Nesta primeira parte do estudo, será abordado o tema

“água”, começando por sua descrição científica, sua composição. Posteriormente, será analisada a importância desse recurso, explicando-se de que maneira vem sendo utilizado; serão apresentadas as searas mais dependentes da água e explicitada como essa dependência repercute na natureza e na vida do ser humano.

No que se refere à regulamentação jurídica da água, será apresentada, ainda que de maneira breve, a forma como esse ordenamento vem sendo tratado. A posição da OMS e do UNICEF a respeito da quantia adequada e das condições ideais de oferta de água a que cada indivíduo tem direito também será discutida.

Entre as várias manifestações dos órgãos internacionais e os diferentes documentos escritos que indicam implicitamente que a água consiste em um direito humano, foram selecionados para a discussão deste estudo: o Comentário Geral n. 15, do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; o Argumento para uma Convenção Internacional da Água; Relatório do Relator Especial El Hadji Guissé; e o Relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direito Humanos.

Por fim, destaca-se a posição da ONU a respeito do reconhecimento da água como um direito humano, não mais simplesmente como uma interpretação extensiva de vários textos jurídicos internacionais, mas a partir de sua Resolução A/RES/64/292, que reconhece o direito de acesso à água como um direito humano inerente à dignidade da pessoa humana.

1.2 A SUBSTÂNCIA ÁGUA

O termo água é empregado para designar o estado líquido

da composição de hidrogênio mais oxigênio. Foi no ano de 1804 que o químico francês Joseph Louis Gay-Lussac e o naturalista alemão Alexander Von Humboldt classificaram essa substância por meio de documento científico como constituído de dois

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volumes de hidrogênio e um de oxigênio, representando-o pela fórmula H2O, ou seja, a molécula da água.2

A água no planeta Terra segue um curso que pode ser denominado de “ciclo hidrológico”. Esse fenômeno nada mais é do que a movimentação desse recurso por diferentes estados físicos − sólido, líquido e gasoso − que variam de um para outro conforme a quantidade de calor emanada pelo sol. Uma parte dessa substância hídrica que chega à superfície terrestre se evapora e o que permanece pode seguir percursos bem diferenciados. Um exemplo disso é a infiltração da água no solo, que possibilita seu consumo pelas plantas e a formação de lençóis freáticos, também conhecidos como águas subterrâneas. Um segundo exemplo de percurso que se destaca é seu escoamento pelas encostas dos morros, responsável pela formação dos sulcos e canais de drenagem que vão atingir lagos, córregos, rios e oceanos. Aponta-se também a formação de camadas de gelo em regiões frias, sem se esquecer que, por meio da transpiração dos seres vivos, boa parte da água absorvida pelo homem volta para a atmosfera.3

A Terra pode ser chamada o planeta da água, mas 97% dessa água está nos mares e nos oceanos. A maior parte da água está retida nos gelos da Antártida ou subterrada nas camadas profundas do subsolo, deixando disponível menos de 1% para consumo humano, em lagos e rios de água doce de acesso fácil. Ao contrário do petróleo ou da hulha, a água é um recurso infinitamente renovável. Ela segue um ciclo natural:

2 MINISTÉRIO DA SAÚDE (Brasil). Fundação Nacional de Saúde. Manual de controle da qualidade da água para técnicos que trabalham em ETAS. Brasília, DF: Funasa, 2017. p. 9. 3 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (Brasil). Águaμ manual de uso − vamos cuidar de nossas águas. Brasília, DF: Ministério do Meio Ambiente, 2006. p. 17.

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a água da chuva cai proveniente das nuvens, regressa ao mar salgado através das correntes dos rios de água doce, para voltar depois a evaporar-se e a formar nuvens. Este ciclo pode explicar o motivo pelo qual não se pode dizer que a água está a acabar, mas as reservas disponíveis são, de facto, limitadas. O sistema hidrológico do planeta Terra bombeia e transfere anualmente para o solo aproximadamente 44.000 quilómetros cúbicos de água, o equivalente a 6.900 metros cúbicos por cada habitante do planeta. Uma grande parte desta água não corresponde a caudais de cheias incontroláveis ou a água demasiado inacessível para poder ser utilizada pelo homem. Mesmo assim, o mundo dispõe de mais água do que 1.700 metros cúbicos por pessoa definidos pelos hidrologistas (embora seja arbitrário) convencionando-se como a quantidade mínima necessária para garantir a alimentação, manter as indústrias em funcionamento e conservar o meio ambiente.4

4 PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD). Relatório do Desenvolvimento Humano. Escassez de Água − riscos e vulnerabilidades associados. 2006. p. 135. Disponível em: <http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/library/relatorios-de-desenvolvimento-humano/relatorio-do-desenvolvimento-humano-20006.html>. Acesso em: 2 jan. 2017.

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Em se tratando dos seres vivos, observa-se que vários recursos são indispensáveis para sua sobrevivência, entre os quais se destaca a água. Substância essencial à vida na Terra, precisa ser encarada e tratada de forma especial, caso contrário pode ocasionar situações que coloquem em risco a existência do homem, dos animais e das plantas.

A água bem como o ar são os únicos recursos naturais que o homem não pode passar sem; ela é verdadeiramente indispensável para a sobrevivência humana. Água, fonte de vida, merece ser tratada da mesma forma que outros recursos naturais menos essenciais.5

O planeta Terra tem sua superfície coberta por uma quantidade considerável de água localizada em oceanos, rios, lagos, arroios, sangas, entre outros. Noventa e sete por cento dessa água é salgada e apenas 1% é doce, tornando o tema ainda mais importante e preocupante.6

Afirma-se, sem sombra de dúvida, que a água pode exercer várias funções e ser útil para uma pluralidade de aspectos na vida do homem. É utilizada na agricultura, na indústria, bem como para consumo direto, abrangendo esferas como a alimentação, a higiene pessoal, o saneamento básico.

Nos últimos tempos, a população mundial não apenas cresceu consideravelmente como passou a demandar mais água

5 L’eau est avec l’air la seule ressource naturelle dont l’homme ne puisse se passerν elle est véritablement indispensable à la survie de l’homme. L’eau, source de vie, mérite d’être traitée autrement que comme les autres ressources naturelles moins indispensables. (Tradução nossa). SMETS, Henri. Le Droit à l eau. Conseil Européen du Droit de L’environnement, 2002. Disponível em:<http://www.worldwatercouncil.org/fileadmin/wwc/Programs/Right_to_Water/Pdf_doct/eau_CEDE_20021.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2016. 6 VICTORINO, Célia Jurema Aito. Planeta Água Morrendo de Sede: uma visão analítica na metodologia do uso e abuso dos recursos hídricos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2017. p. 16.

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para suprir sua necessidade de consumo. Na contramão do crescimento populacional, observa-se que as fontes desse recurso têm diminuído de maneira substancial, gerando uma grande preocupação para o homem.7

Outro exemplo negativo desse crescimento populacional decorre não do aumento do número de instalação de fábricas em quase todos os países, mas do expressivo desperdício de água causado pelos processos fabris. Nas lavouras, o desperdício desse recurso e o descaso com o ecossistema agravam o quadro de escassez. Nas cidades, a urbanização avança sem planejamento e sem o devido cuidado com saneamento e ocupação territorial, comprometendo o abastecimento hídrico e colocando o meio ambiente sob pressão.

O problema está no aumento da população mundial. Só no século passado este aumento triplicou, o que ocasionou o aumento de fábricas, mais desperdício e mais irrigação nas lavouras. De acordo com o Banco Mundial, cerca de 80 países enfrentam hoje problemas de abastecimento. A situação mais crítica está na Ásia, onde 60% da população vive com apenas 32% da água doce disponível. O crescimento da população mundial e da produção, associado ao consumo insustentável, impõe pressões cada vez mais intensas sobre o meio ambiente. Torna-se necessário desenvolver estratégias para mitigar esses impactos, pois está prevista uma população superior a oito bilhões de pessoas para o ano de 2020: 65% em áreas litorâneas

7 JANUARIA, Ana Celeste; FRANÇA, Luís. Informação sobre os direitos humanos e o trabalho do Mosaiko. Mosaiko Informativo, Luanda, v. 14, p. 6, 2012.

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e 60% em cidades com mais de 2,5 milhões de pessoas.8

A preocupação com a água não é um fenômeno novo, está presente no dia a dia do homem desde milênios. Evidentemente, não com a mesma intensidade que nos dias atuais. Trata-se de um assunto que sempre esteve em pauta, seja na mesa de governantes, seja na de militantes, seja na do cidadão comum, com maior ou menor nível de preocupação. Povos mais antigos como os sumérios criaram códigos para regulamentar a questão. Os maias, por desconhecimento do trato desse recurso, que resultou seu fim, tiveram de deixar a cidade de Tical. No México, os maias cultuavam o deus da chuva e, nas épocas de estiagem, aumentavam sua adoração a tal entidade.

O homem sempre se preocupou com a água. Já há 4.000 anos a.C. as primeiras leis que se têm conhecimento eram códigos que regulavam o uso das águas, escritas pelos sumérios. Mas, nem todas as civilizações foram cuidadosas quanto a isso. Os Maias tiveram que abandonar a cidade de Tical, localizada em plena mata tropical, onde se encontram as ruínas da Pirâmide do Sol, porque não souberam armazenar corretamente a água, além de produzirem erosões cada vez maiores e grandes desmatamentos porque usavam madeira até nas estruturas internas das colunas de seus gigantescos templos. No México, na península de Yucatan, o deus da chuva, Chac, era reverenciado e, sempre que a água se tornava escassa, novos templos eram erguidos na esperança de que o

8 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, loc. cit.

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deus das águas salvasse os Maias das secas.9

É necessário sublinhar que o simples fato de o homem ter acesso à água não implica que sua vida não venha a ser afetada pela escassez hídrica, visto que não basta ter quantidade suficiente dela, é preciso que esteja em estado adequado ao consumo, isto é, que seja potável, esteja isenta de impurezas e tenha recebido o devido tratamento sanitário, caso contrário se torna um veículo transmissor de doenças. Destaca-se que aproximadamente 2 milhões de pessoas no mundo, entre elas uma quantidade considerável de crianças, morrem todos os anos por doenças e males causados por água contaminada. Apontam-se como moléstias dessa natureza a diarreia, a cólera, a disenteria, o tifo, a hepatite, a pólio, o tracoma, o parasitismo, entre outras.10

Muitas destas mortes podem ser prevenidas. Calcula-se que seria possível prevenir quase a metade dos milhões de disfunções que ocorrem todos os anos por causa da diarreia se houvesse um conhecimento básico da higiene. A escassez de água obriga as pessoas a consumir águas contaminadas portadoras de doenças. Em 2005, 500 milhões de pessoas viviam em países definidos como em situação crítica em relação à água ou à escassez desta. Estima-se que esse número aumente de 2.400 a 3.400 milhões, respectivamente para 2015, e

9 Ibid., p. 19. 10 NACIONES UNIDAS. El agua, fuente de vida. 2015. Disponível em: <http://www.un.org/waterforlifedecade/pdf/waterforlifebklt-s.pdf>. Acesso em: 23 out. 2016.

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que a África Setentrional e a Ásia Ocidental se encontrarão afetadas. 11

Evidencia-se ainda que a preocupação se estende para além do contexto da quantidade disponível de água no planeta, atentando-se também para a qualidade desse recurso. Assim, entende-se que o essencial para a vida humana é que à quantidade da água seja somada sua qualidade.

1.3 O USO DA ÁGUA

Em 2002, a OMS e o UNICEF lançaram uma publicação

que versa sobre o uso da água, especificando que um fornecimento adequado desse recurso corresponde aproximadamente a 20 litros diários por pessoa e que suas instalações devem estar a menos de um quilômetro da moradia do usuário.12 Em 2011, a OMS estipulou nova cifra que consistia de 50 a 100 litros diários.13

11 Muchas de esas muertes se pueden prevenir. Se calcula que podría prevenirse casi la mitad de los dos millones de defunciones que se producen todos los años a causa de la diarrea si se tuviera un conocimiento básico de la higiene. La escasez de agua obliga a las personas a consumir aguas contaminadas portadoras de enfermedades. En 2005, 500 millones de personas vivían en países definidos como en situación crítica en relación con el agua o con escasez de ésta. Se prevé que esta cifra aumente de 2.400 a 3.400 millones respectivamente para 2025, y que África septentrional y Asia occidental se verán especialmente afectadas. 12 Id. Agua para todos, agua para la vida. Informe de las Naciones Unidas sobre el desarrollo de los recursos hídricos en el mundo. 2003. p. 15. Disponível em: <http://www.un.org/esa/sustdev/sdissues/water/WWDR-spanish-129556s.pdf>. Acesso em: 22 dez. 2016. 13 KOUITTAB, Alexander. Thinking Strategically About Water: Future Scenarios for the Palestinian Water Sector. In: THE BIRZERT STRATEGIC STUDIES FORUM. Water in Palestine. Palestine: Birzeit University, p, 10. 2013. Disponível em: <http://ialiis.birzeit.edu/sites/default/files/Water%20in%20Palestine.pdf >. Acesso em: 5 jan. 2018.

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Sabe-se que a quantidade de água doce disponível na natureza é pequena e que a quantidade adequada para consumo chega a patamares menores de 1%. Outro fator comprometedor é o próprio uso que se faz desse recurso, visto que não consiste em uma utilização sustentável, sendo usado de muitas formas e com diversas finalidades.

O problema se agrava, quando a quantidade de água doce, de que também necessita a própria natureza, tem múltiplos usos, sendo utilizada, ao mesmo tempo, por todos os habitantes do planeta e muitas vezes de forma pouco sustentável. Só a agricultura consome 70% da água doce mundial. A irrigação sem tecnologia gera grandes desperdícios e, considerando- se a pecuária, os pastos e a água para os rebanhos, o consumo é ainda maior. Essas atividades, juntas, também geram outros impactos, como a remoção de grandes áreas de vegetação e das matas ciliares, que protegem os rios e o solo, e causam a poluição das águas pelo despejo dos agrotóxicos. Estaríamos em melhor situação, se houvesse bom uso e boa gestão dos recursos hídricos.14

Diante do exposto, vê-se a agricultura, consumidora de uma quantidade expressiva de água doce do planeta, como uma das grandes responsáveis pelo escasseamento de recursos hídricos, sendo necessário que essa seara disponha de um planejamento sustentável de manuseio desse recurso, em especial, de eliminação

14 VIEIRA, Andrée de Ridder. Água para vida, água para todos – livro das águas. Brasília, DF: WWF-Brasil, 2006. p. 9. (Cadernos de Educação Ambiental).

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de seu desperdício. Esse mesmo tratamento alcança o domínio da pecuária, que necessita de restruturação em seu mecanismo de funcionamento. A essas situações comprometedoras se somam outras, como desmatamentos, assoreamento15 de rios, degradação do solo, contaminação de bacias hidrográficas.

Pecuária fornecimento de água para os animais e na manutenção das pastagens. Falta de manutenção dos bebedouros dos animais, desperdício de água nos chuveiros para aliviar o calor, na lavagem dos estábulos, vazamentos nos encanamentos e redes de irrigação das pastagens, técnicas de irrigação que gastam muita água. Causando erosão nos pastos, assoreando os cursos d água, jogando lixo, restos de animais e fezes nos rios e córregos. Desmatando grandes áreas de vegetação.16

A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, devido à importância da água na produção de alimentos e em outras searas, tem empreendido uma revisão de

15 Assoreamento é o processo em que cursos d'água são afetados pelo acúmulo de sedimentos, o que resulta no excesso de material sobre o seu leito e dificulta a navegabilidade e o seu aproveitamento. Originalmente, esse é um processo natural, mas que é intensificado pelas ações humanas, sobretudo a partir da remoção da vegetação das margens dos rios. PENA, Rodolfo Alves. BRASIL ESCOLA, [2016]. Disponível em: <http://brasilescola.uol.com.br/geografia/assoreamento-rios.htm>. Acesso em: 29 dez. 2016. 16 VIEIRA, Andrée de Ridder. Água para vida, água para todos – livro das águas. Brasília, DF: WWF-Brasil, 2006. p. 10. (Cadernos de Educação Ambiental).

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todo seu programa referente aos recursos hídricos, para propor estratégias e soluções efetivas no combate à escassez de água.17

A indústria também se insere nesse cenário de escassez como umas das responsáveis pela má utilização da água, sublinhando-se que esse recurso é essencial para a manufatura fabril, fazendo-se presente no processamento, na lavagem e no arrefecimento de maquinários. Além disso, grandes grupos industriais como o alimentício, de substâncias químicas e de refino de petróleo respondem pela maior parte de seu consumo.18 Um dado interessante consiste que os maiores consumidores de água são os mais industrializados, as nações desenvolvidas, visto que seu avanço tecnológico exige maior quantidade dessa substância.19

É correto afirmar que é possível atingir um desenvolvimento industrial sem comprometer o abastecimento de água, tendo em vista avanços científicos no desenvolvimento de mecanismos que possam ajudar na preservação e limpeza da água. Seguindo essa linha de raciocínio, conclui-se que o agente inicialmente pernicioso pode se tornar um aliado desse recurso hídrico, e isso já é realidade em vários países onde foram aplicadas táticas que reduziram o desperdício de água, diminuindo também o impacto econômico nos setores envolvidos.

A indústria pode dar contribuições positivas; por exemplo: localizando as operações que utilizam muita água em regiões onde o seu suprimento seja suficiente, adotando técnicas conservacionistas tais como o uso de águas “cinzentas” nos processos que não exigem água de melhor qualidade,

17 VIEIRA, op. cit., p. 3. 18 SELBORNE. Lord. A ética do uso da água doce: um levantamento. Brasília, DF: Unesco, 2001. p. 35. (Cadernos Unesco Brasil: Série Meio Ambiente, v. 3). 19 NACIONES UNIDAS. El agua, fuente de vida. 2015. Disponível em: <http://www.un.org/waterforlifedecade/pdf/waterforlifebklt-s.pdf>. Acesso em: 09/04/2018

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e melhorando a qualidade da água esgotada após o uso. Só o recurso à reciclagem pode reduzir o consumo de muitas indústrias em 50% ou mais, com a vantagem adicional de diminuir a poluição resultante. A indústria pode promover o gerenciamento social da água, em cooperação com outras partes interessadas, com base no respeito recíproco pelas necessidades e valores de todos os interessados e iniciando um diálogo permanente sobre os temas relacionados com o recurso hídrico e o respectivo intercâmbio de informação.20

É necessário sublinhar que o fator desperdício compromete a disponibilidade dessa substância e, consequentemente, a vida do ser humano. Aludida conjectura é resultado do mau uso da água, da falta de educação sanitária e de orientação aos cidadãos, tanto no âmbito industrial quanto doméstico. Sabe-se também que há consideráveis perdas desse recurso natural como consequência de deficiências técnicas e administrativas nos serviços de abastecimento de água, nos vazamentos e rompimentos de redes, na falta de investimentos em programas de reutilização de água destinados à indústria e ao comércio.21

20 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, op. cit., p. 36. 21 FUNDAÇÃO S.O.S MATA ATLÂNTICA. Núcleo Pró-Tietê. Água: o ouro azul do planeta. Disponível em: <http://www.professorelian.com.br/downloads/Agua%20ouro%20azul%20power%20point.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2017. p. 9.

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1.4 A ESCASSEZ DE ÁGUA

O aumento da necessidade humana pela água, devido ao crescimento vegetativo e às crises globais que afetaram o planeta recentemente como mudança climática, problemas de energia, segurança alimentícia, recessão econômica, traz inevitável impacto sobre esse valioso recurso. Em várias partes do mundo se entende a água como uma substância escassa, apontando para o que se chamará de “crise da água”.

Em 2007, o Banco Mundial emitiu relatório sobre insuficiência de água descrevendo, para efeitos pedagógicos, três tipos: escassez do recurso físico, escassez organizacional e escassez de mecanismos de prestação de contas. A “organizacional” se refere a “levar água ao lugar adequado no momento certo”, enquanto a “prestação de contas” se refere à responsabilidade que os governos têm em prestar contas à sociedade, relacionando-a à falta de informação aos usuários por parte de seus provedores.

Em se tratando da modalidade de “escassez do recurso físico”, destacam-se:

a) escassez da disponibilidade de água de qualidade aceitável relativa à demanda exigida no simples caso de desabastecimento de água física;

b) escassez resultante da falta de infraestruturas adequadas, independentemente do nível dos recursos hídricos, consequência das limitações financeiras, técnicas ou de outra espécie;

c) escassez no acesso a serviços hídricos, resultado do fracasso das instituições (inclusive dos direitos legais) encarregadas de assegurar uma ministração de água confiável, segura e adequada para os usuários. Esse aspecto também reúne os elementos

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organizacionais e de prestação de contas propostos pelo Banco Mundial no ano de 2007.22

Diante dos estudos realizados a respeito do impacto que os fatores mencionados refletem sobre a água, surge um problema, uma preocupação no que tange à quantidade de água disponível para o consumo mundial daqui a 50 anos. Encontrar uma solução para essa questão não consiste em tarefa simples, em especial porque as circunstâncias que ameaçam essa substância parecem estar interligadas. Um exemplo disso é o desenvolvimento e o crescimento econômicos, principalmente nos mercados emergentes, nos quais há o aumento da adoção de dieta mais variada, que contenha carne e produtos laticínios, os quais exigem grandes recursos hídricos.23 Entende-se que diante da aludida conjectura, os centros urbanos desenvolvem um papel importante referente às exigências no consumo de água e ao combate a sua escassez.

Kobiyama (2000) definiu a urbanização como o conjunto de três ações: (1) retirada da vegetação e do solo, (2) revestimento do terreno com concreto e asfalto, e (3) rejeição de água (escoar a água da chuva o mais rápido possível). Na hidrologia, o grau de urbanização é avaliado através da taxa de áreas impermeabilizadas. Portanto, aparentemente a urbanização em excesso e sem controle apresenta efeitos hidrologicamente negativos. Assim, as áreas urbanas vêm frequentemente sofrendo inundações. Procurando um maior conforto, a população passou a viver em um meio

22 FAO INFORME SOBRE TEMAS HÍDRICOS. Afrontar la escassez de agua: un marco de acción para la agricultura y la seguridade alimentaria. Roma: Fiat Panis, 2013. p. 7, v. 38. 23 Ibid., p. 1.

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totalmente inorgânico, de concreto, no qual os rios se tornaram o lugar de destino da água pluvial (uma espécie de aterro sanitário para água). Dessa maneira, as cidades vêm abandonando os preciosos recursos hídricos, crescendo economicamente e demograficamente sem planejamento. A atitude de rejeitar a água da chuva agravou ainda mais o problema da falta e excesso da água. Ironicamente, quanto mais avança a drenagem urbana na cidade, mais frequentemente ocorrem racionamentos e inundações.24

A boa gestão da água nas cidades é uma tarefa complexa que demanda planejamento integrado para sua administração, tanto no que diz respeito às necessidades domésticas e às industriais, ao controle da contaminação, ao tratamento das águas residuais, ao gerenciamento das águas pluviais, à prevenção de inundações como ao uso sustentável dos recursos hídricos.25

Outro fator que tem se tornado pauta de discussão mundial é o aquecimento global, pelo fato de acarretar diversas consequências negativas sobre a vida na Terra, como contribuir com a escassez de água. Do mesmo modo, as variações no clima estão transformando a natureza, em especial os padrões hídricos, e gerando insegurança global em relação à disponibilidade e à qualidade da água potável para os seres vivos.26

A respeito desse tratamento, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)

24 CORSEUIL, Claudia Weber; MOTA, Aline de Almeida; KOBIYAMA, Masato. Recursos hídricos e saneamento. Curitiba: Organic Trading, 2008. p. 35. 25 NACIONES UNIDAS, op. cit., p. 15. 26 PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD), op. cit., p. 15.

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afirmou, em 2015, que a elevação da temperatura no globo terrestre e a maior variação nas precipitações resultarão em maiores níveis de evaporação e de transpiração da vegetação. Além disso, destaca que a elevação do nível do mar ameaça invadir os lençóis freáticos nas áreas costeiras, comprometendo-os com águas salgadas, ou seja, poluindo-os.

Outra consequência do aquecimento global é o aumento da quantidade de água na atmosfera, a qual, em excesso, pode levar ao aumento gradativo das chuvas, o que nem sempre significa mais disponibilidade de água doce, pois chuvas mais fortes geralmente levam a um movimento mais rápido da água da atmosfera de volta aos oceanos, comprometendo a capacidade de armazená-la e utilizá-la. Com o ar mais quente, a queda de neve é substituída por chuvas, aumentando as taxas de evaporação. Nos subtrópicos, a mudança climática provavelmente levará à redução das chuvas em regiões já secas e o efeito geral é uma intensificação do ciclo da água com inundações e secas mais extremas globalmente.27

O aquecimento da temperatura também pode afetar as águas subterrâneas, interferindo diretamente na redução da recarga dos aquíferos e indiretamente na redução da disponibilidade de água na superfície, provocando maiores períodos de estiagem. Isso, por sua vez, acaba incentivando a exploração das águas com perfurações de poços artesianos.28

De acordo com observações de sensoriamento remoto da missão satélite Gravity Recovery and Climate Experiment (GRACE), um terço dos maiores sistemas de águas subterrâneas do mundo já está em perigo.29 Essas mudanças se combinam para

27 THE GARDIAN, 2012. Disponível em: <https://www.theguardian.com/environment/2012/nov/30/climate-change-water>. Acesso em 11/04/2018. 28 NOSCHANG, Patrícia Grazziotin. Escassez hídrica no sistema jurídico internacional. 2015. 376 f. Tese (Doutorado em Direito e Relações Internacionais) – Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito, Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2015. 29 WATER RESOURCES RESEARCH. Quantifying renewable groundwater stress with GRACE. 2015. Disponível em:

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disponibilizar menos água para agricultura, geração de energia, cidades e ecossistemas ao redor do mundo.

A escassez de água já apresenta impacto em todos os continentes. Os hidrólogos normalmente avaliam a escassez analisando a equação população-água. Assim, uma área está passando por estresse hídrico quando o abastecimento anual de água cai abaixo de 1.700 m3 por pessoa. No momento em que o abastecimento anual de água cai abaixo de 1.000 m3 por pessoa, a população confronta-se com a escassez hídrica e, abaixo de 500 metros cúbicos, com a "escassez absoluta".30

Quando se observa a relação entre o uso de água e o aumento populacional, verifica-se que o uso da água cresceu com mais intensidade do que o dobro do aumento populacional do século passado. Segundo dados da UN Water, há um crescimento no número de regiões cujos serviços de água providos de maneira sustentável estão chegando no limite, sobretudo em regiões áridas.31

Atualmente, cerca de dois terços da população mundial vivem em áreas com escassez de água por pelo menos um mês por ano.32 Até 2025, estima-se que 1,8 bilhão de pessoas viverão em países ou regiões com escassez absoluta de água, e dois terços da população mundial poderão estar sob condições de estresse

<https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/2015WR017349>. Acesso em: 6 abr. 2018. 30 UNITED NATIONS DEPARTMENT OF ECONOMIC AND SOCIAL AFFIARS. Water scarcity. Disponível em: <http://www.un.org/waterforlifedecade/scarcity.shtml>. Acesso em: 7 abr. 2018. 31 UNITED NATIONS. Water ScarcityDisponível. Disponível em: <http://www.unwater.org/water-facts/scarcity/>. Acesso em: 6 abr. 2018. 32 SCIENCES ADVANCE. Four billion people facing severe water scarcity. 2016. Disponível em: <http://advances.sciencemag.org/content/2/2/e1500323/tab-figures-data>. Acesso em: 6 abr. 2018.

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hídrico.33 Também aponta-se que não existe uma escassez global de água como tal, porém regiões e países individualmente precisam enfrentar problemas críticos advindos do estresse hídrico34, e a água deve ser tratada como um recurso escasso, que necessita de gerenciamento em todo seu ciclo hidrológico.

Com uma gestão integrada dos recursos hídricos, os governos podem garantir a sustentabilidade da água e as necessidades de diferentes usuários, incluindo as do meio ambiente. À medida que a pessoas demandam cada vez mais suprimentos limitados, o custo e o esforço para construir ou até mesmo manter o acesso à água aumentarão, assim como aumentará a importância da questão da escassez de água para a estabilidade política e social de um país.35 Além de uma gestão integrada, a solução mais comum para o aumento da demanda desse recurso e uma maneira de garantir possíveis impactos da mudança climática será um grande investimento em economia hídrica e tecnologia de educação e pesquisa.

O investimento contínuo em educação e pesquisa será essencial para fornecer o conhecimento, as habilidades e a tecnologia necessários ao combate da escassez de água doce hoje e amanhã, e assim garantir a preservação das mais diferentes espécies, humanas ou não.

33 UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION. The 4th edition of the UN World Water Development Report (WWDR4). 2012. Disponível em: <http://www.unesco.org/new/en/natural-sciences/environment/water/wwap/wwdr/wwdr4-2012/>. Acesso em: 6 abr. 2018. 34 UNITED NATIONS. Water ScarcityDisponível. Disponível em: <http://www.unwater.org/water-facts/scarcity/>. Acesso em: 7 abr. 2018. 35 THE WATER PROJETC. Disponível em: <https://thewaterproject.org/water-scarcity/>. Acesso em: 11 abr. 2018.

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1.5 O DIREITO HUMANO À ÁGUA

São classificados como direitos humanos aqueles direitos

inerentes a todos os seres humanos, independentemente de sua raça, religião, sexo, nacionalidade, etnia, idioma ou qualquer outra condição, a saber: o direito à vida, à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, ao trabalho, à educação e uma série de outros direitos que integram esse corpo jurídico.

O Direito Internacional dos Direitos Humanos dispõe sobre as obrigações de cada Estado no que tange à atuação deste em promover e proteger os direitos humanos e as liberdades de grupos ou indivíduos. A Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, oficializou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento que resultou das experiências anteriores de conflitos armados.36

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi inspirada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão37, da Revolução Francesa de 1789. Menciona os direitos fundamentais de todo indivíduo, principalmente o direito à dignidade, que se origina com o nascimento do ser humano. A Declaração não tem força jurídica, servindo de orientação para as nações. O documento dispõe que todos os seres humanos têm

36 NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. O que são os direitos humanos. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/>. Acesso em: 10 jan. 2017. 37 A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi anunciada ao público em 26 de agosto de 1789, na França. "Ela está intimamente relacionada com a Revolução Francesa. Para ter uma ideia da importância que os revolucionários atribuíam ao tema dos direitos, basta constatar que os deputados passaram cerca de 10 dias reunidos na Assembleia Nacional francesa debatendo os artigos que compõem o texto da declaração”. COSTA, Renata. NOVA ESCOLA. Como surgiu a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão? 2016.

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direito à vida, à liberdade, à educação, à saúde, à habitação, à propriedade, à participação política, ao lazer.38

A Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas afirma que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos, dotados de razão e de consciência, e devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. A ONU adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos com o objetivo de evitar guerras, promover a paz mundial e de fortalecer os direitos humanitários. A Declaração Universal dos Direitos Humanos tem uma importância mundial, apesar de não obrigar juridicamente que todos os Estados a respeitem. Para a Assembleia Geral da ONU, a Declaração Universal dos Direitos Humanos tem como ideal ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que todos tenham sempre em mente a Declaração,

38 ALTMAN, Max. OPERAMUNDI. Hoje na História: 1948 - ONU adota a Declaração Universal dos Direitos Humanos. São Paulo, SP, 2010. Disponível em: <http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/8146/hoje+na+historia+1948++onu+adota+a+declaracao+universal+dos+direitos+humanos.shtml>. Acesso em: 10 jan. 2017

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para promover o respeito a esses direitos e liberdades. 39

O direito humano à água é um assunto importante, haja vista estar ligado diretamente à dignidade da pessoa humana. Em certo momento da história, acreditou-se que a água não necessitaria de reconhecimento explícito ou documental devido ao seu caráter fundamental à vida, o que, por sua vez, dispensaria considerações formais. No entanto, é pacífico que esse direito deva ser entendido como uma condição prévia necessária a outros direitos, os quais somente seriam possíveis de serem alcançados por meio do acesso equitativo de quantidade mínima de água potável.40

O direito humano à água também está relacionado com o direito à saúde e à moradia, visto que dependem do primeiro para sua efetivação, como dispõe o artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos Humanos quando esta afirma que todos têm direito a níveis de vida adequados para que tenham saúde e bem-estar garantidos.41

O artigo 8º da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento dispõe que os Estados devem adotar o que for necessário para garantir a igualdade de oportunidades para todos em relação ao acesso a recursos básicos como serviços de saúde, alimentação, moradia etc. Enquanto a Convenção dos Direitos da Criança versa sobre o acesso a serviços sanitários, o combate às doenças e a má nutrição, para que seja garantida a sobrevivência das crianças por meio da alimentação e da disponibilidade de água potável.42

39 SIGNIFICADOS. Significado de direitos humanos. [201-?]. Disponível

em: <https://www.significados.com.br/direitos-humanos/>. Acesso em:

26 dez. 2016.

40 HOYOS, Elena Isabel Patricia Valdés de; ARZATE, Enrique Uribe. El derecho humano al agua: una cuestión de interpretación o de reconocimiento. Cuestiones Constitucionales, México, v. 32, p. 5, 2016. 41 Ibid., p. 6. 42 HOYOS, op. cit., p. 7.

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Pode-se afirmar que, a partir de 1977, a visão e a percepção a respeito do direito humano à água mudaram bastante. Destaca-se, como exemplo, a Conferência de Mar del Plata43, realizada no ano mencionado, que marcou o começo de uma série de atividades globais sobre a água. Em 1981, a ONU lançou a campanha “Década Internacional da Água Potável e Saneamento”44, a qual promoveu, até 1990, uma ampliação

43 I Conferência das Nações Unidas sobre a Água que foi realizada em março de 1977, em Mar del Plata, Argentina. Esta Conferência foi o primeiro encontro especializado para tratar os problemas da água. O crescente consumo de água em dimensão planetária e a pressão exercida pelas instituições oficiais sobre os recursos hídricos em algumas áreas indicavam o surgimento de uma crise de água em médio prazo que só poderia ser atenuada mediante a adoção de programas de gerenciamento integrado desses recursos. O Plano de Ação de Mar del Plata, foi considerado o mais completo documento referencial sobre recursos hídricos, até a elaboração do capítulo específico sobre a água da Agenda 21. AMBIENTE BRASIL. Meio Século de Lutas: uma visão histórica da água. Disponível em: <http://ambientes.ambientebrasil.com.br/agua/artigos_agua_doce/meio_seculo_de_lutas%3A_uma_visao_historica_da_agua.html>. Acesso em: 10 jan. 2017. 44 No dia 10 de novembro de 1980, a Organização das Nações Unidas instituiu a Década da Água Potável, como campanha em prol de uma utilização mais responsável do precioso líquido. A meta era que, entre 1981 e 1990, o abastecimento de água melhorasse em todo o mundo e, sobretudo, que fossem contidos a poluição e o desperdício de água. Durante esse período, diversas instituições da ONU, inúmeros governos e ONGs investiram cerca de 300 bilhões de dólares na proteção da água. As verbas foram empregadas, por exemplo, para furar poços artesianos, construir instalações de dessalinização de água marítima, introduzir medidas mais eficientes de irrigação e conter o avanço das estepes em diversas partes do mundo. DW NOTÍCIAS MEDIATECA. 1980: ONU institui Década da Água Potável. [19-?] Disponível em: < https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/>. Acesso em: 12 jan. 2017.

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substancial no abastecimento dos serviços básicos para as povoações pobres. Ainda nesse sentido, sobre o direito humano à água, nos últimos 20 anos foram organizados vários eventos abordando o aludido tema e envolvendo de forma direta ou indireta a comunidade internacional. Um exemplo claro disso foi o Terceiro Fórum Mundial da Água45, no Japão, em 2003, que lançou a campanha “Ano Internacional da Água Doce”. Outro exemplo foi a Conferência Internacional sobre a Água e o Meio Ambiente46,

45 O III Fórum Mundial da Água ocorre concomitantemente em três cidades japonesas (Quioto, Shiga e Osaka) no período de 16 a 23 de março de 2003. O Fórum discute as ações tomadas pelos diferentes países para

implementar o manejo integrado dos recursos hídricos e busca soluções que permitam à comunidade internacional atingir os objetivos da Declaração do Milênio e da Cúpula Mundial de Desenvolvimento Sustentável, realizada em Joanesburgo, em setembro de 2002, de reduzir pela metade, até 2015, o número de pessoas sem acesso a água potável e a saneamento básico. AGÊNCIA BRASIL. Começa o Fórum Mundial da Água no Japão. 2003. Disponível em: <http://ambientes.ambientebrasil.com.br/agua/artigos_agua_doce/meio_seculo_de_lutas%3A_uma_visao_historica_da_agua.html>. Acesso em: 12 jan. 2017 46 Organizada pela ONU, como evento preparatório da Conferência Rio 92, pela primeira vez apontou que a situação dos recursos hídricos se aproximava de um estágio insustentável. O aproveitamento e a gestão dos recursos hídricos passaram a ser percebidos como um pacto político com o necessário comprometimento dos governos e da sociedade civil. O relatório "A Água e o Desenvolvimento Sustentável", conhecido como Declaração de Dublin, expressou de forma incisiva a relação entre a água, a pobreza, as doenças, o desenvolvimento sustentável e a produção agropecuária. Além disso, pela primeira vez, foram apontadas a importância de proteção contra desastres naturais, de conservação e de reaproveitamento, da proteção dos sistemas aquáticos e se admitiu a possibilidade de conflitos pela posse das bacias hidrográficas. MONITOR

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realizada em 1992, na Irlanda, que estabeleceu quatro princípios vigentes até o presente momento:

a) a água doce é um recurso finito e vulnerável, essencial para sustentar a vida, o desenvolvimento e o meio ambiente;

b) o aproveitamento e a gestão da água devem ser inspirados em uma proposta baseada na participação dos usuários, os planejadores e os responsáveis pelas decisões a todos os níveis;

c) a mulher desempenha um papel fundamental no abastecimento, na gestão e na proteção da água;

d) a água tem valor econômico em seus diversos usos em concorrência com seus destinatários, os quais devem reconhecê-la como bem econômico.47

É importante destacar ainda que a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), de 1992, foi o canal pelo qual se adotou a Agenda 2148, a qual

DIGITAL. Realizada em 1992, a Conferência Internacional sobre Água e Meio Ambiente. 2018. Disponível em: <https://monitordigital.com.br/realizada-em-1992-a-conferuncia-internacional-sobre-ugua-e-meio-ambiente>. Acesso em: 3 fev. 2018. 47 PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD), op. cit., p. 5. 48 A Organização das Nações Unidas (ONU) realizou, no Rio de Janeiro, em 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD). A CNUMAD é mais conhecida como Rio 92, referência à cidade que a abrigou, e também como “Cúpula da Terra” por ter mediado acordos entre os Chefes de Estado presentes. Cento e setenta e nove países participantes da Rio 92 acordaram e assinaram a Agenda 21 Global, um programa de ação baseado num documento de 40 capítulos, que constitui a mais abrangente tentativa já realizada de promover, em escala planetária, um novo padrão de desenvolvimento, denominado “desenvolvimento sustentável”. O termo “Agenda 21” foi usado no sentido de intenções, desejo de mudança para esse novo modelo de desenvolvimento para o século XXI. A Agenda 21 pode ser definida

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estabeleceu sete propostas de ação na seara da água doce, para motivar as populações mais pobres e conscientizá-las de que era necessário haver mudanças, e favoreceu a lenta evolução das práticas de gestão da água. O segundo Fórum Mundial da Água de Haia49, realizado no ano de 2000, junto com a Conferência Internacional sobre a Água Doce de Bonn, na Alemanha, em 2001, deram continuidade a essa movimentação.50

Em se tratando de produção bibliográfica disponível a respeito do direito humano à água, destacam-se quatro produções importantes, devido ao seu conteúdo e alcance conceitual, técnico

como um instrumento de planejamento para a construção de sociedades sustentáveis, em diferentes bases geográficas, que concilia métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (Brasil). Agenda 21 Global. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21/agenda-21-global>. Acesso em: 22 dez. 2016. 49 O Conselho Mundial da Água (World Water Council (WWC)) foi estabelecido em 1996, em resposta à crescente preocupação da comunidade internacional sobre questões relacionadas à água. O WWC é um “tanque de pensamento” que lida com tais questões, formado pela iniciativa de especialistas de água, comunidade acadêmica e organizações internacionais. O WWC concebeu os Fóruns Mundiais da Água como uma tentativa de aumentar a consciência sobre problemas de água no mais alto nível político e na sociedade em geral. Desde 1996, os Fóruns têm sido organizados conjuntamente entre o WWC e o respectivo país anfitrião. [...] O II Fórum aconteceu em Haia, Holanda, em março de 2000, durante o qual foi apresentada a “Visão Mundial da Água”. O principal tema do Fórum foi “Da Visão à Ação” e reuniu pessoas de todo o mundo, preocupadas com questões relacionadas à água. Paralelo ao Fórum, se realizou uma Conferência Ministerial, com a participação de 114 países. FERRERA, César. ECO21. IV Fórum Mundial da Água: ações locais para um desafio global. Disponível em: <http://www.eco21.com.br/textos/textos.asp?ID=1115>. Acesso em: 22 dez. 2016. 50 Ibid., p. 32.

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e político, que não apenas especifica o contexto atual como também aporta uma preocupação futura. Das quatro confecções jurídicas, três delas foram redigidas por organizações das Nações Unidas e a quarta por um conjunto de organizações não governamentais suíças que aborda as demandas da sociedade civil dos países desenvolvidos e daqueles que estão em desenvolvimento. Os documentos são:

a) Comentário Geral n. 15, O Direito a água. Comité dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais. Conselho Econômico e Social das Nações Unidas. 2002.

b) Relatório do Relator Especial El Hadji Guissé. Subcomissão de Promoção e Proteção dos Direitos Humanos. Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas. 2004. Relação entre o desfrute dos direitos econômicos, sociais e culturais e a promoção do exercício do direito a dispor de água potável e serviços de saneamento.

c) Relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos sobre o alcance e o conteúdo das obrigações pertinentes em matéria de direitos humanos relacionadas com o acesso equitativo à água potável e o saneamento que impõem os instrumentos internacionais de direitos humanos. Conselho de Direitos Humanos. 2007.

d) Argumentos para uma convenção internacional da água. 2004.51

É imperativo sublinhar que aludidos documentos estão diretamente conectados com o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, visto que foram elaborados pelo Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

51 PLAZA, Carlos. Derecho humano al agua. Zaragoza: Secretariado Alianza por el Agua; Fundación Ecología y Desarrollo, D. L., 2008. 160 p. (Monográficos Agua en Centroamérica; 4). 2008. p. 15.

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1.5.1 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais é um tratado multilateral que reconhece direitos econômicos, sociais e culturais estabelecendo mecanismos de proteção e garantias. Esse documento foi adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas na Resolução 2200A (XXI) no ano de 1966, entrando em vigor dez anos mais tarde. Os signatários comprometeram-se a empreender esforços para a concessão de direitos econômicos, sociais e culturais, além de direitos trabalhistas, educacionais, de saúde e de nível adequado de vida.52

O Pacto faz parte da Carta Internacional dos Direitos Humanos53, junto com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e com o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos

52 NAÇÕES UNIDAS. Direitos Humanos: o comitê dos direitos

econômicos, sociais e culturais. Revista I, Lisboa, n. 16, p. 7–8, 2004. 53 A Carta Internacional dos Direitos do Homem é constituída pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e seus dois Protocolos facultativos. NAÇÕES UNIDAS. Direitos Humanos: a Carta Internacional dos Direitos Humanos. Ficha informativa, Lisboa, Revista I, n. 2, p. 3, 2001. Disponível em <http://direitoshumanos.gddc.pt/pdf/Ficha_Informativa_2.pdf>. Acesso em: 26 dez. 2016.

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de 196654, é um documento supervisionado pelo Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas.55

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi dividido em cinco partes:

a) autodeterminação dos povos e livre disposição de seus recursos naturais e riquezas;

54 O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos foi adotado pela Resolução n. 2.200-A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 19 de dezembro de 1966. Logo, é um pacto de amplitude mundial. Entrou em vigor em 1976, quando foi atingido o número mínimo de adesões (35 Estados). [...] Na época em que se iniciou, no âmbito da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, a discussão para edição de um Pacto que reunisse todos os direitos da pessoa humana, idealizou-se dois modelos: um único que conjugasse as duas categorias de direito e outro que promovesse a separação de um lado, dos direitos civis e políticos e, de outro, dos direitos sociais, econômicos e culturais. A divergência que ocorria entre os países ocidentais e os países do bloco socialista era sobre a autoaplicabilidade dos direitos que viessem a ser reconhecidos. Os países ocidentais, cuja orientação acabou prevalecendo, entendiam que os direitos civis e políticos eram autoaplicáveis, enquanto que os direitos sociais, econômicos e culturais eram "programáticos", necessitando de uma implementação progressiva. A ONU continuou reafirmando, no entanto, a indivisibilidade e a unidade dos direitos humanos, pois os direitos civis e políticos só existiriam no plano nominal se não fossem os direitos sociais, econômicos e culturais, e vice-versa. Assim, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos é adotado no auge da Guerra Fria, reconhecendo, entretanto, um conjunto de direitos mais abrangente que a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos. LEITE, Antonio José Maffezoli; MAXIMIANO, Vitore André Zilio. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. [ano]. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/direitos/tratado5.htm>. Acesso em: 26 dez. 2016. 55 NAÇÕES UNIDAS. Direitos Humanos: o comitê dos direitos econômicos, sociais e culturais. Revista I, Lisboa, n. 16, p. 7–8, 2004.

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b) compromisso dos Estados de implementar os direitos previstos;

c) direitos propriamente ditos; d) mecanismo de supervisão por meio da

apresentação de relatórios ao ECOSOC; e) normas referentes à sua ratificação e entrada em

vigor.56

Para compreender o contexto do surgimento do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), é necessário retornar ao momento de nascimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos, marcado pelo advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que ora completa meio século de existência. A motivação de se elaborar um documento universal sobre direitos humanos acompanha aquela que inspirou a criação da própria Organização das Nações Unidas, bem sintetizado no preâmbulo da Declaração Universal de 1948, tendo em vista que "o desprezo e o desrespeito pelos direitos da pessoa resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que as pessoas gozem de liberdade de palavra, de crença e liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum. Aliado a isso, havia a necessidade de dar concreção aos

56 Ibid.

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direitos humanos e liberdades fundamentais referidos na Carta da ONU, uma vez que constitui propósito das Nações Unidas (art. 1º, 3) "Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.57

A Carta das Nações Unidas prevê em seu artigo 68 que o Conselho Econômico e Social (ECOSOC) é responsável pela criação de comissões que promovam os direitos humanos. A partir dessa responsabilidade, foi criada a Comissão de Direitos Humanos (CDH), em 1946. No mesmo ano, a Comissão foi efetivada pela Resolução E/RES/9 (II) do (ECOSOC), atribuindo à CDH a função de apresentar sugestões referentes às vias e aos mecanismos para que os direitos humanos e as liberdades fundamentais fossem efetivamente implementadas.58

O Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi criado no ano de 1985 e é composto de 18 membros considerados peritos em direitos humanos. Sua principal função se baseia em controlar a aplicação do Pacto pelos seus signatários. Procura dialogar com os Estados-membros e tenta determinar os meios pelos quais os dispositivos do Pacto serão implementados pelas nações.59

57 WEIS. Carlos. O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. [19-?]. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/direitos/tratado6.htm>. Acesso em: 1° mar. 2017. 58 Ibid. 59 NAÇÕES UNIDAS, op. cit., p. 32.

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O Comitê, no ano de 1988, começou a elaborar os Comentários Gerais sobre o conteúdo existente no Pacto com o escopo de que estes servissem de orientação para que os Estados signatários pudessem elaborar seus relatórios de forma mais adequada e eficaz, bem como proporcionasse mais clareza interpretativa a respeito das disposições do texto pactual. Também aponta as ineficiências presentes nos relatórios apresentados pelas nações que servem de jurisprudência, permitindo que o próprio Comitê firme entendimento unânime sobre determinada matéria.60

1.5.1.1 Comentário Geral n. 15

Documento elaborado pelo Comitê dos Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, o Comentário Geral n. 15, de 29 de novembro de 2002, dispõe que a água é um recurso natural limitado e um bem público fundamental para a vida e para a saúde, afirmando ainda que o direito humano à água é um requisito indispensável para que se possa viver com dignidade, e é condição prévia para a realização e o desfrute de outros direitos humanos. Listou também as categorias da vida que compreendem o direito humano a esse recurso hídrico, as quais se sublinham:

a) usos pessoais e domésticos; b) usos vinculados com a produção de alimentos; c) usos vinculados à garantia da saúde.

Os usos pessoais e domésticos são aqueles que foram classificados como prioridade máxima e compreendem:

a) consumo humano: água destinada a bebidas e a alimentos;

b) saneamento: evacuação de excrementos humanos, sendo a água necessária onde quer que se adotem meios para sua evacuação;

c) vazamento: lavação de roupa da família; d) produção de alimentos: higiene alimentícia e

preparação de alimentos;

60 NAÇÕES UNIDAS, op. cit., p. 38.

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e) higiene pessoal e doméstica.61

No Comentário Geral n. 15, o direito humano à água foi definido como o direito que todos têm de dispor de água suficiente, saudável, aceitável e acessível para o uso pessoal e doméstico e em quantidade adequada. Segundo esse documento, os Estados signatários do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais têm três tipos de obrigações:

a) respeitar o direito à água não negando ou limitando

o acesso das pessoas a esse recurso; b) proteger o direito à água, o que inclui, entre outras

coisas, a obrigatoriedade de adotar leis e outras medidas para impedir que terceiros neguem o acesso à água potável em condições de igualdade e contaminem ou explorem em forma não equitativa os recursos hídricos;

c) cumprir com o direito, que significa garantir que os Estados reconheçam suficientemente o direito à água no ordenamento político e jurídico nacional de preferência mediante aplicação, bem como adotar uma estratégia e um plano de ação nacional em matéria de recursos hídricos.62

Dessa forma, ficou disposto o estabelecimento das seguintes condições com efeito imediato:

a) garantir o acesso a uma quantidade mínima essencial de água que fosse suficiente e adequada para o uso pessoal e doméstico e capaz de prevenir doenças;

b) assegurar o direito de acesso à água e às instalações e aos serviços de água sobre uma base não discriminatória, em especial dos grupos vulneráveis ou marginalizados;

61 NAÇÕES UNIDAS, op. cit., p. 16. 62 NAÇÕES UNIDAS, op. cit., p. 17.

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c) garantir o acesso físico às instalações ou aos serviços de água que proporcionem um fornecimento suficiente e regular de água salubre, que tenham um número suficiente de saídas de água para evitar tempos de espera proibitivos, e que se encontrem a uma distância razoável do lar;

d) assegurar que não haja ameaça à segurança pessoal quando as pessoas tenham que obter a água;

e) assegurar uma distribuição equitativa de todas as instalações e serviços de água disponíveis;

f) adotar e aplicar uma estratégia e um plano de ação nacionais sobre a água para toda a população − a estratégia e o plano de ação deverão ser elaborados e periodicamente revisados por meio de um processo participativo e transparente, devendo prever métodos, como o estabelecimento de indicadores e níveis de referência que permitam seguir de perto os progressos realizados, prestando especial atenção a todos os grupos vulneráveis ou marginalizados;

g) vigiar o grau de realização, ou não realização, do direito à água;

h) adotar programas de água orientados a fins concretos e de relativo baixo custo para proteger os grupos vulneráveis e marginalizados;

i) adotar medidas para prevenir, tratar e controlar as doenças associadas à água, particularmente velando pelo acesso a serviços de saneamento adequados.63

1.5.1.2 Relatório do Relator Especial El Hadji Guissé

A Subcomissão de Prevenção de Discriminação e

Proteção das Minorias, por meio de sua Resolução 18, de 1997,

63 NAÇÕES UNIDAS, op. cit., p. 18.

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comissionou ao sr. El Hadji Guissé64 a confecção de um relatório no qual fosse analisado a promoção e o exercício do direito de dispor de água potável e saneamento básico, sendo, em 1998, nomeado como Relator Especial.65

O Relatório especifica com detalhes a relação entre a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais e a promoção do exercício do direito a dispor de água potável e de serviços de saneamento. Afirma que todos os povos, sem exceção, têm direito de dispor de água potável em quantidade e qualidade correspondente a suas necessidades básicas.

Reitera que o direito de aceder à água potável e aos serviços de saneamento faz parte do conjunto de direitos humanos reconhecidos internacionalmente e pode ser considerado um requisito indispensável para o exercício de outros direitos humanos. Dessa forma, entende que a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 reconheceu implicitamente no seu artigo 25 o direito de dispor de água potável e serviços de saneamento.66

Art. 25° 1. Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à

64 O Juiz El Hadji GUISSÉ é do Senegal e foi eleito por um mandato de 4 anos. No Senegal, tem exercido Direito desde 1970. Foi Presidente do Subcomité das Nações Unidas para a Descriminação e Protecção de Menoridades e Presidente do Tribunal de Última Instância de Dakar, Senegal. Quando foi eleito, era o Relator Especial, no domínio do usufruto dos direitos económicos, sociais e culturais e promoção do direito à água potável e saneamento, do Subcomité das Nações Unidas para a Promoção e Defesa dos Direitos Humanos. TRIBUNAL AFRICANO DOS JUIZES. Juiz El Hadji Guissé. Disponível em: <http://www.africancourtcoalition.org/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=14&Itemid=30&limitstart=10&lang=pt>. Acesso em: 1° mar. 2017. 65 NAÇÕES UNIDAS. Consejo Sócio Econômico. Derechos Economicos, Sociales y Culturales. 2004. Disponível em: <https://www.cetim.ch/legacy/es/documents/rap-2004-20-esp.pdf>. Acesso em: 1° mar. 2017. 66 NAÇÕES UNIDAS, loc. cit.

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sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade. 2. A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma proteção social.67

Desfrutar plenamente do direito ao desenvolvimento tem sido uma dificuldade em boa medida, considerando-se a desigualdade na distribuição de água e a falta de sistemas sustentáveis de saneamento. A relação entre o direito à água potável e outros direitos humanos reconhecidos internacionalmente é tão importante que afeta a paz e a segurança, haja vista que o fato de não se poder garantir água suficiente para todos tem gerado óbices ao pleno gozo dos direitos de acesso à água, bem como produzido conflitos internos e internacionais em algumas partes do planeta. Por essa razão, o Relatório em questão sugere que, no âmbito nacional, os Estados devam estabelecer um plano de ação e um programa que promovam a proteção do direito de dispor de água potável e serviços de saneamento, evitando qualquer medida que impeça o exercício desse direito.

67 DECLARAÇÃO Universal dos Direitos Humanos. 7 p. [1948]. Disponível em: <http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf>. Acesso em: 19 dez. 2016.

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O documento afirma que, para a efetividade do direito de dispor de água potável e de serviços de saneamento, é preciso superar o problema do financiamento, ou seja, que os Estados assumam grande parte dos gastos com esse setor mediante participação dos usuários. Os Estados devem desempenhar função ativa na determinação e na regulamentação das tarifas, para garantir o acesso à água e aos serviços de saneamento a preços acessíveis, estando baseados no princípio da não descriminação, pois se entende que o acesso de qualquer cidadão à água não deveria sofrer restrições em alguma parte e em algum momento. Outro entendimento do documento é que a cooperação internacional é essencial para enfrentar o déficit de financiamento relacionado com o abastecimento de água e com o saneamento básico.68

Nesse sentido, a privatização dos serviços de água tem apresentado relação direta com o direito a dispor de água potável. Em alguns lugares, em se tratando de plano nacional, ainda é preciso a concessão de permissões para o abastecimento privado de água e de serviços de saneamento. Caso em que os Estados deveriam estar seguros de contar com um eficiente processo de consultas com os interessados e garantir que se conceda às comunidades a oportunidade de dar sua opinião, para que não imponha simplesmente medidas conforme sua compreensão.

A gestão comunitária geralmente constitui o meio ideal para prestar serviços básicos e deve ser considerada sempre que seja possível. Em cenário favorável, os Estados deveriam oferecer às comunidades a oportunidade de administrar seus próprios serviços de água e saneamento e lhes prestar assistência a respeito do tema. A decisão sobre a privatização deveria também levar em conta a existência de organismo tecnicamente competente encarregado de regular os serviços de água e de saneamento, que também poderia participar do planejamento da concessão.69

Não são poucos os países em desenvolvimento cuja privatização do fornecimento de água durante a última década

68 PLAZA, op. cit., p. 20. 69 PLAZA, loc. cit.

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tenha contribuído bastante com a limitação de acesso a esse bem natural. A água se tornou mais cara e o sistema de gestão por exclusão agravou a pobreza em muitos países. Apesar das constituições de muitos países em desenvolvimento apontarem para o cumprimento de suas obrigações contraídas de instrumentos internacionais de direitos humanos, particularmente o de direito à água, o que vem ocorrendo é que os acordos de concessão e os acordos bilaterais de investimento têm se transformado em risco de redução da capacidade desses países de cumprirem tais obrigações em determinadas situações. Isso posto, entende-se ser importante que os usuários possam expressar sua opinião sobre a gestão do fornecimento de água potável em suas comunidades, tendo a oportunidade de serem ouvidos e de participarem das decisões sobre a privatização do fornecimento de água.70

Quando os serviços relacionados com a água, principalmente seu fornecimento, estão nas mãos do setor privado, o Estado deve acompanhar de perto, ou seja, regulá-los e estabelecer superintendência independente e autêntica participação pública. Deve ainda impor multas em caso de não cumprimento das normas estabelecidas, a fim de garantir que o acesso físico, em condições de igualdade e preço acessível a recursos de água saudável, seja suficiente.

Ressalta-se também a participação de companhias transnacionais no setor hídrico, fenômeno que tem causado acréscimo de preços nos serviços prestados enquanto a moeda local se desvaloriza. Nos contratos de concessão deveria ser especificado que os riscos de desvalorização não seriam assumidos pelos consumidores mais pobres. Um último ponto que se destaca é o controle sobre os serviços de água em zonas extensas, fato que aumenta substancialmente o poder do fornecedor privado para exigir uma renegociação do contrato. Portanto, os acordos de concessão deveriam incorporar instrumentos como fianças de cumprimento para garantir a observância do contrato na íntegra. 71

70 PLAZA, loc. cit. 71 PLAZA, loc. cit.

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1.5.1.3 Argumentos para uma Convenção Internacional da Água

O relatório em questão foi elaborado por Rosmarie Bär,

ecologista suíça, para Aliança Sul, que é uma coalizão de organizações não governamentais para o desenvolvimento. O conteúdo principal desse documento é a reivindicação de uma Convenção Internacional sobre a água que fosse formalizada no seio das Nações Unidas, com a finalidade de estabelecer a obrigatoriedade de uma política de água sustentável baseada no direito humano a esse recurso, ou seja, que o reconheça como um bem comum e que o salvaguarde como substância fundamental para as gerações futuras.

Entendeu-se que o estabelecimento de uma Convenção sobre a água não seria mais uma mera reivindicação jurídica, mas se constituiria uma exigência para a elaboração de instrumento jurídico vinculante aos Estados que implicasse a obrigatoriedade de cumprir os acordos assinados nessa seara. Entre os temas que deveriam ser abordados, estão:

a) O acesso à água é um direito humano ou somente uma necessidade básica?

b) A água é um bem público como o ar que respiramos, ou é uma mercadoria sujeita às leis do mercado?

c) Quem tem o poder de decidir o corte do fornecimento: a administração pública ou o mercado? Quem fixa o preço da água?72

O reconhecimento desse relatório pelo Comentário Geral n. 15 foi um avanço, apesar de permanecer em uma seara abstrata, não constituindo um documento vinculante. Para resolver esta celeuma, foi requerida uma Convenção da ONU, haja vista que, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Eco-92), e todos os temas debatidos − mudança climática, perda de biodiversidade, diminuição de terra fértil, contaminação e diminuição de recursos hídricos e

72 PLAZA, op. cit., p. 24.

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desflorestamento −, somente a questão hídrica não contém uma Convenção.73

Acredita-se que a existência da Convenção das Nações Unidas referente à água contribuiria para o reconhecimento dos Estados ao direito à água, por meio de legislação nacional, como é o caso do ordenamento internacional. Aludido documento teria a capacidade de reagrupar inúmeras organizações de direitos humanos de cooperação ao desenvolvimento e movimentos sociais na tarefa de implementar efetivamente o direito humano à água.74

1.5.1.4 Relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos

Esse instrumento foi elaborado em cumprimento à decisão

2/104 do Conselho de Direitos Humanos, de 27 de novembro de 2006, que tratava dos direitos humanos e do acesso à água. Nesse Relatório, houve uma solicitação ao Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos de que fosse efetuada cuidadosa pesquisa sobre o alcance e o conteúdo das obrigações relacionadas ao acesso equitativo à água potável e ao saneamento impostos pelos instrumentos internacionais de direitos humanos. Para que a pesquisa fosse realizada, foram reunidos vários documentos fornecidos por países interessados na investigação, bem como por organizações não governamentais, peritos e representantes de setores privados. Entre os pontos abordados, estavam:

a) acesso à água potável salubre e o saneamento como direito humano;

b) estratégia nacional sobre a água e o saneamento; c) prestação de serviços de água e saneamento pelo

setor privado; d) obrigações das autoridades locais; e) questão da interrupção do serviço e garantias do

devido processo;

73 PLAZA, loc. cit. 74 PLAZA, loc. cit.

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f) estabelecimento de prioridades entre os diversos usos da água;

g) obrigações de direitos humanos no contexto dos acordos de comércio e investimento.75

Esses pontos reiteram que o acesso à água potável é um direito humano por si só, ou, se tem origem em outros direitos humanos, não deveria prejudicar ou criar óbices para o reconhecimento de que esse acesso se trata, certamente, de um direito humano. A partir desse entendimento, estudos deveriam prosseguir de forma a esclarecer que o estabelecimento de uma estratégia nacional sobre direitos humanos faz parte das obrigações dos Estados tal qual uma estratégia nacional sobre o acesso à água potável e ao saneamento. Além disso, é preciso que sejam especificados os possíveis efeitos do fornecimento de água potável e de saneamento efetuados pelo setor privado, assim como é de suma importância que o Estado estude as medidas de regulamento que adotará a respeito do acesso à água potável e ao serviço de saneamento providos pela iniciativa privada.

Também é necessário que sejam esclarecidas as questões referentes às responsabilidades, às funções e às obrigações específicas das autoridades locais encarregadas da prestação de serviço de água e de saneamento. A essa modalidade soma-se a ideia de que o Estado continua sendo responsável, em virtude do direito internacional desse serviço. Portanto, o Estado deve seguir estudando suas obrigações específicas com as autoridades locais, visando ao enquadramento das obrigações de direitos humanos relativas ao tema.76

1.5.2 O Direito Humano de Acesso à Água para a ONU

É notório que, desde o ano de 1992, a grande maioria de

países vem empreendendo esforços e reformas no sentido de melhorar a gestão dos seus recursos hídricos. Muitas dessas

75 PLAZA, op. cit., p. 22 76 PLAZA, loc. cit.,

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mudanças produziram resultados expressivos para o desenvolvimento humano.77

Depois de mais de 15 anos de debates, em julho de 2010, a Assembleia Geral da ONU, por meio da Resolução A/RES/64/292 – aprovada pelo voto de 122 nações a favor, enquanto outras 41 se abstiveram – reconheceu o acesso à água de qualidade e a instalações sanitárias como direito humano, essencial para que o ser humano possa desfrutar de uma vida digna.78

Durante décadas, e na sequência da aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, tem-se afirmado que o artigo n.º 3 que contempla o “Direito à Vida” traz implicitamente a noção de Direito à Água. Contudo, um novo passo foi dado recentemente no sentido de dar força jurídica a essa afirmação. Uma Resolução 6/292 de julho de 2010 da Assembleia Geral das Nações Unidas reconhecia explicitamente o seguinte: “os direitos humanos integram o direito à água potável e ao saneamento”. Um ano depois o Conselho dos Direitos Humanos da Assembleia Geral das Nações Unidas (28 de setembro de 2011), retomando, a citada Resolução, deu um novo passo ao reconhecerμ “o direito à água e ao saneamento como

77 Rio + 20. Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. 2011. Disponível em: <http://www.rio20.gov.br/sobre_a_rio_mais_20.html> Acesso em: 10 mar. 2017. 78 DN GLOBO. ONU reconhece acesso à água potável como direito humano. 2010. Disponível em <http://www.dn.pt/globo/interior/onu-reconhece-acesso-a-agua-potavel-como-direito-humano-1629749.html>. Acesso em: 5 mar. 2017.

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juridicamente vinculativo do direito internacional”.79

O texto destaca que 884 milhões de pessoas no mundo não têm acesso a uma quantidade mínima de água potável de qualidade e que mais de 2,6 milhões não dispõem de instalações sanitárias básicas. Afirma que 2 milhões de pessoas, em sua maioria jovens crianças, morrem todos os anos em consequência de doenças produzidas por água imprópria para consumo e por ausência de instalações sanitárias. Ainda frisa as promessas realizadas pelos governantes de vários países no ano de 2000 no que tange à redução, pela metade, até 2015, da proporção de pessoas que não têm acesso à água potável e a instalações sanitárias.80

O texto pressiona os Estados e as organizações internacionais a fornecer uma ajuda financeira e tecnológica aos países em desenvolvimento para aumentar os esforços a fim de fornecer a todos uma água de qualidade, própria e acessível bem como instalações sanitárias.81

É importante sublinhar que o reconhecimento legal da ONU do acesso à água de qualidade e a instalações sanitárias como direito humano é um passo muito importante e implica uma longa caminhada para que o conteúdo disposto na aludida resolução se torne efetivo e, a partir disso, possa permitir que milhares de pessoas no planeta tenham uma vida mais digna. Sem dúvida, ter-se-á pela frente uma batalha árdua até que esse direito seja

79 JANUARIA, Ana Celeste; FRANÇA, Luís. Informação sobre os direitos humanos e o trabalho do mosaiko. Mosaiko Informativo, Luanda, v. 14, p. 32, 2012. 80 Ibid. 81 Ibid.

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positivado como fundamental pelas constituições dos Estados. De toda maneira, é necessário um início e se pode dizer que o primeiro passo foi dado.

É pertinente ainda frisar que, em setembro de 2015, a Assembleia Geral da ONU aprovou a nova Agenda para o Desenvolvimento Sustentável, composta de 17 objetivos e com validade a partir da aludida data até 2030. Esse documento é a continuação de uma série de eventos mundiais iniciados em 1990 e a aprovação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), nos quais 191 Estados se responsabilizaram em reduzir pobreza, fome, doenças, analfabetismo, degradação ambiental e descriminação contra as mulheres. Além disso, assumiram o compromisso de diminuir o número de pessoas sem acesso à água até 2015.82

Na nova Agenda para o Desenvolvimento Sustentável, o objetivo número 6 dispõe que se deve assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos.83

6.1 Até 2030, alcançar o acesso universal e equitativo à água potável e segura para todos. 6.2 Até 2030, alcançar o acesso a saneamento e higiene adequados e equitativos para todos, e acabar com a defecação a céu aberto, com especial atenção para as necessidades das mulheres e meninas e daqueles em situação de vulnerabilidade. 6.3 Até 2030, melhorar a qualidade da água, reduzindo a poluição, eliminando

82 NACIONES UNIDAS. El agua, fuente de vida. 2015. Disponível em: <http://www.un.org/waterforlifedecade/pdf/waterforlifebklt-s.pdf>. Acesso em: 9 abr. 2018. 83 AÇÂO EDUCATIVA, 2017. Disponível em: <http://acaoeducativa.org.br/wp-content/uploads/2017/02/implementa%C3%A7%C3%A3o_ODS_Brasil.pdf>. Acesso em: 9 abr. 2018.

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despejo e minimizando a liberação de produtos químicos e materiais perigosos, reduzindo à metade a proporção de águas residuais não tratadas e aumentando substancialmente a reciclagem e reutilização segura globalmente. 6.4 Até 2030, aumentar substancialmente a eficiência do uso da água em todos os setores e assegurar retiradas sustentáveis e o abastecimento de água doce para enfrentar a escassez de água, e reduzir substancialmente o número de pessoas que sofrem com a escassez de água. 6.5 Até 2030, implementar a gestão integrada dos recursos hídricos em todos os níveis, inclusive via cooperação transfronteiriça, conforme apropriado. 6.6 Até 2020, proteger e restaurar ecossistemas relacionados com a água, incluindo montanhas, florestas, zonas úmidas, rios, aquíferos e lagos. 6.a Até 2030, ampliar a cooperação internacional e o apoio à capacitação para os países em desenvolvimento em atividades e programas relacionados à água e saneamento, incluindo a coleta de água, a dessalinização, a eficiência no uso da água, o tratamento de efluentes, a reciclagem e as tecnologias de reuso. 6.b apoiar e fortalecer a participação das comunidades locais, para melhorar a gestão da água e do saneamento.84

84 NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. Água potável e Saneamento. 2017. Disponível em: <http://acaoeducativa.org.br/wp-

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É compreensível acreditar que há um grande desafio a ser alcançado e que vai depender sobretudo de cooperação mútua das nações.

No próximo Capítulo, será apresentada a questão da água no conflito árabe-israelense. Será possível identificar que a disputa entre os povos árabe e judeu se estende além de motivos culturais, religiosos ou territoriais. Observar-se-á que a água tem uma forte influência sobre o aludido litígio, a ponto de se converter em motivo de guerra.

content/uploads/2017/02/implementa%C3%A7%C3%A3o_ODS_Brasil.pdf>. Acesso em: 9 abr. 2018.

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2 A GUERRA PELA ÁGUA Este Capítulo objetiva demonstrar que a água, apesar de

ser uma substância abençoadora na vida da humanidade, pode se transformar em objeto de conflitos, tensões e até mesmo de confrontos armados.

A questão da água, como peça motriz no conflito árabe-israelense, ultrapassa a seara de conquista territorial, possuindo uma causa subliminar, ou seja, seu controle.

Será possível observar que a Guerra dos Seis Dias foi um confronto bélico de caráter hídrico e que, antes mesmo da criação do Estado de Israel, o movimento sionista já objetivava que o futuro Lar Judaico tivesse sob seu controle as águas localizadas nas Colinas de Golão e na Cisjordânia.

Neste estudo, será demonstrado como a disputa pela água mudou a geopolítica na Palestina, bem como modificou a distribuição hídrica entre judeus e palestinos, melhorando a economia estatal israelense em detrimento da economia árabe.

Para melhor compreensão, e visando tornar-se um material de apoio a futuras pesquisas nesta esfera, apresenta-se em detalhes de que maneira se constitui o conjunto hidrográfico em Israel e de que forma a hidrografia da região passou para controle israelense.

Observar-se-á que a ONU não esteve inerte em face da guerra invisível da água, e que suas resoluções são fruto de lutas e esforços em favor da manutenção da paz não somente na Palestina mas também no cenário internacional.

2.1 ESCASSEZ HÍDRICA

O Oriente Médio é um território no qual a escassez de água

é uma realidade permanente. Afirmar-se que a região possui apenas 1% de água renovável,85 consequentemente, os recursos

85 CAOUETTE, Geneviève. Que Le Vent emporte le Mythe: la Guerre de l Eau au Proche-Orient Ná pas eu lieu. 2006. 134 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Universidade de Quebec, Montreal.

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hídricos sempre estarão em pauta no que tange à política interna e externa dos países integrantes dessa região, principalmente os ribeirinhos. A necessidade de consumo desse recurso, somando-se a sua escassez, tem sido objeto de tensões e conflitos regionais.86

O Oriente Médio se encontra localizado em um espaço geográfico denominado por alguns estudiosos de “Zona de conflito hídrico”. Em 1979, dando força a esta designação, o então presidente egípcio, Sadat, afirmou que o único motivo que poderia levar este país novamente a uma guerra seria a água.87

2006. Disponível em: <http://www.archipel.uqam.ca/3464/1/M9586.pdf >. Acesso em: 3 jul. 2017. 86 HUSSEIN, Hussam. Adaptation to Climate Change in the Jordan River Valley: the Case of the Sharhabil Bin Hassneh Eco-Park. 2010. Dissertação – (Mestrado) Colégio da Europa. Warsaw, 2010. Disponível em: <http://ecopeaceme.org/uploads/Hussam_Hussein_MA_thesis.pdf>. Acesso em: 3 jul. 2017. 87 KHADER, Bichara. Colonialismo Hídrico em Oriente Medio. Papeles de Cuestiones Internacionales. Barcelona, 2007, n. 97. p. 53.

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Figura 1: Mapa do Oriente Médio88

Durante a 3ª Conferência Mundial sobre Água, realizada em março deste ano em Kyoto, o ex-presidente soviético Mikhail Gorbachev descreveu a história do conflito pela água em todo o mundo. Gorbachev disse que já houve 21 conflitos armados envolvendo água na história mundial recente. O líder destacou ainda que 18 destes embates ocorreram em Israel.89

É interessante observar que a Torah judaica 90 há 3 mil anos já registrava conflitos entre Isaque, filho de Abraão, e os

88BRASIL, ESCOLA. Criação dos Estados do Oriente Médio. Disponível em: <http://brasilescola.uol.com.br/geografia/criacao-dos-estados-oriente-medio.htm>. Acesso em: 21 dez. 2017. 89 BBC BRASIL, 2002. Palestinos e Israelenses Travam Guerra Silenciosa por Água. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/030616_palestinabg.shtml> Acesso em: 3 jul. 2017. 90 A Torah é o mais sagrado dos escritos para os judeus e também reconhecido por todos cristãos como o Pentateuco, os primeiros cinco livros da Bíblia. Inclui poesia, prosa, História, milagres e Lei numa cronologia narrativa que abrange milhares de anos. Com a exceção de poucas palavras em aramaico, a Torah foi escrita inteiramente em hebraico. Seu papel é central para as demais partes da Bíblia que pressupõem e se referem aos eventos que são narrados nela. A palavra, torah (do hebraico רה), significa “instrução”, “doutrina”, “apontamento” ou “lei”. Este último significado provém da tradução por judeus helênicos da palavra para ό ος= “lei” (Por exemplo, na Septuaginta, no Novo Testamento, no prólogo de Eclesiástico – Siraque – e nos escritos de Filon e Josefo). Esta tradução para grego leva à conclusão que a Torah é um Livro-da-Lei e assim desconsidera as partes de ensinamento e narração de eventos. Embora a palavra, torah normalmente se refira aos primeiros cinco livros da Bíblia (a Lei), às vezes também se refere às Escrituras Hebraicas todas (Antigo ou Novo Testamento pelos cristãos), ou a lei oral que na tradição rabínica inclui o Mixná (Mishná) e o Talmude, ou aos

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filisteus pelos poços de água da região. Na atualidade, uma das maiores tensões e conflitos no que tange à água encontra-se entre árabes e judeus na Palestina.91

Depois da Segunda Guerra Mundial, a ONU, em maio de 1948, votou a Resolução 181, a qual criava dois Estados na Palestina, um para os judeus e outro para os palestinos. Este documento foi aprovado por 33 votos,92 repartindo as terras como ilustra o mapa a seguir:

rolos usados na liturgia judaica onde se transcreve o texto hebraico dos primeiros cinco livros da Bíblia. Livraria Guimel. Descrição do Produto. Disponível em: <https://www.livrariaguimel.com.br/produto/torah-em-hebraico-e-portugues/>. Acesso em: 3 jul. 2017. 91 BEYTH, Michael. Research Gate. Water Crisis in Israel. 2006. p. 171. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/274355712>. Acesso em: 3 jul. 2017. 92 SHLAIM, Avi. The Iron Wall. London: Norton and Company, 2000. p. 27.

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Figura 2: Mapa da divisão territorial da Palestina93 A divisão territorial da Palestina feita pela ONU deixou

apenas uma parte do alto Jordão bem como uma pequena porção do baixo Jordão sob controle dos judeus, causando uma tensão entre os países ribeirinhos da região.94

93 PLANO DE PARTILHA. Disponível em: <https://plaidavenger.com/wp-content/uploads/2007/06/306px-1947partitionplan.png>. Acesso em: 3 jul. 2017. 94 CAOUETTE, Geneviève. Que Le Vent emporte le Mythe: la guerre de l eau au proche-orient ná pas eu lieu. 2006. 134 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Universidade de Quebec, Montreal, 2006. Disponível em: <http://www.archipel.uqam.ca/3464/1/M9586.pdf >. Acesso em: 3 jul. 2017.

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A maior quantidade de água da Palestina, atualmente sob controle israelense, se concentra fora das fronteiras estabelecidas pela ONU em 1948.95 Depois dessa divisão, Israel criou a Lei da Aliya96, que fez com que a população do país dobrasse em apenas 20 anos, consequentemente causando uma pressão sobre a questão hídrica.97

É interessante observar que, no primeiro Congresso Sionista realizado em 1897 na cidade de Basileia, na Suíça, muito antes da votação da Resolução 181 da ONU, a questão sobre os recursos hídricos já fora abordada, visto que o futuro Estado judeu necessitaria de um forte sistema de irrigação de terras.98 Ainda assim essa não teria sido a primeira vez que o mencionado movimento levantara tal preocupação, haja vista que essa problemática esteve presente em todos os projetos sionistas antes da criação do Estado de Israel, em 1948.99

Com a queda do Império Otomano na Primeira Guerra Mundial, a França e a Inglaterra ficaram com a posse de boa parte

95 CAOUETTE, Geneviève. Que Le Vent emporte le Mythe: la guerre de l eau au proche-orient ná pas eu lieu. 2006. 134 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Universidade de Quebec, Montreal, 2006. Disponível em: <http://www.archipel.uqam.ca/3464/1/M9586.pdf >. Acesso em: 3 jul. 2017. 96 Aliá (do hebraico ה ascender, subir) é o termo utilizado para designar עלO retorno de judeus para Israel. O termo aliá é também utilizado em referência à "subida" para leitura da Torá tanto física quanto espiritual, já que ele passa a ter uma ligação mais íntima e próxima a Terra de Israel e sofrer suas benéficas influências. Política Geral. Friends of Israel: Aliá, a Lei do Retorno. Disponível em: <http://politicageral1.blogspot.com.br/2009/05/alia-lei-do-retorno.html>. Acesso em: 3 jul. 2017. 97 CAOUETTE, Geneviève. Que Le Vent emporte le Mythe: la guerre de l eau au proche-orient ná pas eu lieu. 2006. 134 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Universidade de Quebec, Montreal, 2006. Disponível em: <http://www.archipel.uqam.ca/3464/1/M9586.pdf >. Acesso em: 3 jul. 2017. 98 Ibid. 99 KHADER, Bichara. Colonialismo Hídrico em Oriente Medio. Papeles de Cuestiones Internacionales. Barcelona, 2007, n. 97. p. 53.

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das terras do Oriente Médio, que até então estavam sob domínio dos turcos. As duas potências europeias assinaram o acordo de Sykes-Picot100. Este, por sua vez, ratificado em 1916, estabelecia que Líbano e Síria estariam sob mandato Francês, enquanto a Palestina e, posteriormente, a Transjordânia, sob mandato britânico. Esta divisão deixou a maior quantidade de água da região sob esfera de influência francesa. A partilha não agradou o movimento sionista, que realizou pressão sobre o governo britânico, resultando na Declaração Balfour, criada em 1917.101

100 Em 16 de maio de 1916 foi assinado o acordo secreto que decidia a divisão do Oriente Médio após a queda do Império Otomano, aliado da Alemanha na Grande Guerra Mundial de 1914.O acordo foi celebrado entre o diplomata francês François Georges Picot e militar e diplomata britânico Sir Mark Sykes, 6º Barão Sykes. Pelo acordo, a França ficava com a Síria e o Líbano, sudoeste da Turquia e norte do Iraque e a Inglaterra com a Palestina com sede em Haifa, a Jordânia e o Iraque central com sede em Bagdah e sul, com sede em Basra. O acordo previa também a adesão da Itália e da Rússia, contempladas a primeira com ilhas no mar Egeu e a segunda com a Armênia. Após a Revolução Soviética as pretensões da Rússia foram canceladas. mas Lenin tornou público o acordo até então secreto, o que provocou grande insatisfação das lideranças árabes, que esperavam o cumprimento de propostas assumidas pelo Coronel T. E. Lawrence (Lawrence da Arábia). GGN. O Jornal de Todos os Brasis. Os Cem Anos do Acordo Sykes-Picot. Disponível em: <https://jornalggn.com.br/noticia/os-cem-anos-do-acordo-sykes-picot-por-andre-araujo>. Acesso em: 3 jul. 2017. 101 CAOUETTE, Geneviève. Que Le Vent emporte le Mythe: la guerre de l eau au proche-orient ná pas eu lieu. 2006. 134 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Universidade de Quebec, Montreal, 2006. Disponível em: <http://www.archipel.uqam.ca/3464/1/M9586.pdf >. Acesso em: 3 jul. 2017.

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Depois de dois anos de Declaração Balfour102, Chaim Weizmann103 escreveu ao Primeiro Ministro Britânico, David Lloyd George, delineando o que entendia como o mínimo exigível de água para a criação do Lar Judeu. Era necessário que o alto Jordão e as águas do rio Yarmouk estivessem incluídos no futuro Estado104, visando ao desenvolvimento agrícola bem como à

102 Carta de ministro britânico a líder sionista - 1º sinal de apoio de uma potência ocidental à ideia de criar 'lar nacional para povo judeu na Palestina [...] A declaração do então ministro britânico de Relações Exteriores foi enviada a Walter Rothschild, um dos principais proponentes do Sionismo, movimento que defende a autodeterminação do povo judeu em sua "terra histórica" - que vai do Mediterrâneo até o lado oriental do Rio Jordão, uma área que passou a ser conhecida como Palestina. Ela diz que o governo britânico apoia "o estabelecimento de um lar nacional para o povo judeu na Palestina.” Ao mesmo tempo, a carta diz que nada deveria "prejudicar os direitos civis e religiosos de comunidades não-judias que já estavam ali" Notícias Terra. Declaração Balfour, as 67 palavras que há 100 anos mudaram a história do Oriente Médio. Disponível em: <https://www.terra.com.br/noticias/declaracao-balfour-as-67-palavras-que-ha-100-anos-mudaram-a-historia-do-oriente-medio,60a5ded37f892dc883c8cd828b23d09fgcdk0tr9.html>. Acesso em: 7 jul. 2017. 103 Pesquisador em Química, trabalhou desde 1903 na Inglaterra, onde, em 1917, como líder do movimento sionista, foi um dos redatores da Declaração Balfour, estabelecendo as bases que facilitariam a criação de um Estado judaico sob o mandato britânico na Palestina. Foi presidente da Organização Sionista Mundial de 1920 a 1931 e de 1935 a 1946 e, a partir de 1929, presidiu também à Agência Judaica. Participou na criação do Estado de Israel, do qual foi o primeiro presidente. UOL EDUCAÇÂO. Chaim Weizmann. Disponível em: <https://educacao.uol.com.br/biografias/chaim-weizmann.htm>. Acesso em: 7 jul. 2017. 104 O rio Jarmuque (Árabe: "nahr al-yarmuk"; hebreu: רמ nehar" ,נהר הhayarmukh"; grego: Hieromax) é um dos dois principais tributários do rio Jordão, na Jordânia. Deságua no Jordão logo ao sul do mar da Galiléia, formando a fronteira entre Israel e Jordânia no vale do Jordão e entre Síria e Jordânia na parte mais alta do seu curso. Forma o limite meridional das colinas de Golã. SENSAGENT. Rio Jarmuque. Disponível em:

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prosperidade em geral da futura pátria.105 O movimento sionista objetivava investir muito em agricultura para assegurar o suprimento alimentar da aludida nação. Para que esses planos pudessem ter efetividade, era necessário dispor de considerável quantidade de água.106

2.2 A GUERRA DOS SEIS DIAS

O Estado de Israel, como está situado em uma região na

qual há vasta extensão desértica, a partir de 1953, começou a empreender esforços para irrigar o deserto do Neguev,107 localizado no Sul do país. A irrigação em Israel é uma atividade

<http://dicionario.sensagent.com/rio%20jarmuque/pt-pt/>. Acesso em: 9 dez. 2017. 105 CAOUETTE, Geneviève. Que Le Vent emporte le Mythe: la guerre de l eau au proche-orient ná pas eu lieu. 2006. 134 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Universidade de Quebec, Montreal, 2006. Disponível em: <http://www.archipel.uqam.ca/3464/1/M9586.pdf >. Acesso em: 7 jul. 2017. 106 BRICHS. Ferran Izquierdo. Papers Revista de Sociologia. Barcelona, v. 46, p. 121−138, 1995. 107 O Neguev, compreendendo aproximadamente metade da superfície de Israel, é pouco habitado, e sua população é sustentada por uma economia agrícola e industrial. Mais ao sul, o Neguev torna-se uma zona árida, caracterizada por colinas e planícies de arenito baixo, com muitos desfiladeiros e vales, muitas vezes inundados pelas chuvas de inverno. Ainda mais ao sul, a região dá lugar a uma área de picos escarpados nus, crateras, e platôs rochosos, onde o clima é mais seco e as montanhas são mais altas. Três crateras erosivas, a maior delas com cerca de 5 milhas (8 km) de diâmetro e 21 milhas (35 km) de comprimento, cortam profundamente a crosta terrestre, exibindo várias cores e tipos de rochas. Na ponta do Neguev, perto de Eilat, no Mar Vermelho, elevações de granito cinza e vermelho são cortadas por penhascos secos e rochedos íngremes, com coloridas camadas de arenito que resplandecem à luz do sol. EMBAIXADA DE ISRAEL EM PORTUGAL. Terra: geografia e clima. Disponível em: <http://www.http://embassies.gov.il/Lisboa/AboutIsrael/Land/Pages/TERRA-Geografia-Clima.aspx>. Acesso em: 10 jul. 2017.

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que consome considerável parte do Produto Interno Bruto (PIB), visto que a exploração agrícola do deserto é uma das principais políticas de Estado.108

Para que a irrigação se tornasse possível nessa porção desértica da Palestina, os israelenses dependiam do rio Jordão109, principal rio da região, o qual, por sua vez, conta com três afluentes: Banias, que provém da Síria; Hazbani do território libanês; e Dan do norte israelense. Cinquenta por cento das águas do Jordão procedem do Banias e do Hazbani, e os outros 50% do Dan. Destaca-se que, devido à preocupação com a possível utilização das águas do Jordão por parte de Israel, e consequentemente à escassez de água que aludido empreendimento judeu poderia gerar em território sírio e jordaniano, a Liga Árabe se reuniu no Cairo, em 1964, para realizar duas conferências e assim debater sobre o assunto.110

108 SHLAIM, Avi. The Iron Wall. London: Norton and Company, 2000. p. 229. 109 É um rio pequeno, isto é, de curto percurso. Desde a sua cabeceira, nas proximidades do Monte Hermom, em linha reta, até o Mar Morto, mede apenas 200 km. Forma o seu curso com as três nascentes que vêm dos resultados das geleiras constantes do Hermom, alimenta o desaparecido Lago de Hula, o bíblico Merom, corre um pouco mais, entra no mar da Galileia e depois de 27 km dentro do lago, retoma o seu curso, serpenteia pelas profundezas de sua bacia e acaba desaparecendo no Mar Morto. Geografia e Geografia Bíblica. Disponível em: <http://ftwgeografia.blogspot.com.br/2010/10/hidrografia-rio-jordao-parte-i.html>. Acesso em: 10 jul. 2017. 110 SHLAIM, Avi. The Iron Wall. London: Norton and Company, 2000. p. 229.

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Figura 3: Mapa dos rios Banias e Hasbani111

O primeiro encontro foi realizado em janeiro de 1964, no Cairo, e o segundo, de 5 a 11 de setembro do mesmo ano, em Alexandria. Nas mencionadas datas foram decididos a criação da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e um programa para desviar os afluentes do rio Jordão que vinham da Síria e do

111 NEW WORLD ENCYCLOPEDIA. Jordan River. Disponível em: <http://www.newworldencyclopedia.org/entry/File:JordanRiver_en.svg>. Acesso em: 20 jul. 2017.

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Líbano, com escopo de comprometer os planos israelenses de utilização das águas do rio, pois entendia-se que uma incursão do Estado de Israel nas águas desse rio consistia em uma ameaça ao abastecimento de água na Síria e na Jordânia.112

A mútua intransigência ainda mais se agravou face ao problema das águas do Jordão. A Palestina e todos os países vizinhos são regiões com poucos recursos hidrográficos. Estes praticamente, limitam-se ao rio Jordão e às suas fronteiras, situadas em parte, em território sírio e libanês. Um projeto israelense de irrigar o deserto do Neguev incluía a construção de um canal a partir do Laho Hulal, na zona desmilitarizada. Tal projeto causou uma violenta reação por parte dos árabes, e sua discussão no Conselho de Segurança.113

Israel, ao tomar conhecimento dos projetos hídricos das autoridades sírias, encarou determinada decisão como uma ameaça para seu território nacional.114 Se esta ameaça já não fosse suficiente para comprometer a relação entre Israel e seus vizinhos, os judeus vinham afirmando que a Síria apoiava grupos guerrilheiros que lançavam ataques ao seu território a partir das

112 SHLAIM, Avi. The Iron Wall. London: Norton and Company, 2000. p. 230. 113 REICHERT, Rolf. História da Palestina. São Paulo: Herder, 1972. p. 302. 114 Ibid.

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Colinas de Golã115. Diante desse cenário, Israel passou a ameaçar atacar seu vizinho.116

O Líbano, ao chegar à conclusão que um confronto bélico com Israel não seria adequado para seu país, decidiu abandonar seus empreendimentos junto ao rio Hasbani. Entretanto, a Síria continuou seus trabalhos, resultando em incursões militares por parte dos sionistas em seu território. Aludidas agressões militares israelenses foram condenadas pela ONU quando esta reafirmou a Resolução 111, de 1956, alegando que houve violações ao armistício firmado entre Israel e seus vizinhos depois da Guerra de Independência.

[...] desde o ano de 1953, quando os israelis abandonaram seu primeiro plano de irrigação do Neguev, cedendo à pressão da ONU, o problema de um desvio dos afluentes do rio tinha ocupado os políticos do Oriente Médio. Já o primeiro dos projetos árabes, elaborado em 1959, quase provocara uma conflagração geral entre Israel e seus vizinhos. Entretanto Nasser recuara, declarando que ‘se não somos capazes de assegurar a proteção dos

115 Antes conhecidas como Colinas Sírias, são um planalto estratégico e uma região montanhosa situada no extremo sul das Montanhas Antilíbano, entre Israel, Líbano, Jordânia e Síria. A região é objeto de intensa disputa entre Síria e Israel, que controla a maior parte da área desde 1967. Geograficamente, as colinas são limitadas a oeste por uma escarpa de rocha que desce 500 m até o Mar da Galileia, em Israel, e o Rio Jordão, que forma a fronteira natural entre Israel, Jordânia e a Cisjordânia; ao sul, pelo Rio Jarmuque, na Jordânia; ao norte, pela fronteira internacional com o Líbano, e a leste, pelo planalto de Hauran, no sudoeste da Síria. Geografia. Colinas de Golã ou Montes Golã. Disponível em: <http://oseiasgeografo.blogspot.com.br/2010/10/colinas-de-gola-ou-montes-gola.html>. Acesso em: 20 jul. 2017. 116 AMDUR, Richard. Menachem Begin. São Paulo: Nova Cultural, 1988. p. 63.

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trabalhos, é preferível adiá-los para mais tarde’ os sírios censuraram-no, afirmando que o ‘Egito cometeu um crime nacional [...] os libaneses mais cautelosos desistiram de seus trabalhos no rio Hasbani, enquanto os sírios continuaram as obras, dando motivo aos israelis para destruir, repetidas vezes, o equipamento mecânico usado para a abertura do canal planejado. As incursões israelenses foram devidamente condenadas por resoluções do Conselho de Segurança que, por exemplo, a 9 de abril de 1962 [...] reafirma a sua resolução n. 111, de 19 de janeiro de 1956, que condenou a ação militar israelense pela violação do Acordo geral de armistício. [...] determina que os ataques israelenses de 16 e 17 de março de 1962 constituem uma flagrante violação desta resolução e intima Israel a abster-se escrupulosamente de tal ação, no futuro. Como as anteriores, a resolução tornou-se letra morta.117

Nos primeiros meses de 1967, a tensão na fronteira de Israel e Síria acentuou-se; e os sírios acusavam a ONU de apoiar os colonos judeus a cultivarem terras árabes na fronteira destes dois países. Alegando contínuos ataques às colônias judaicas, a força área israelense atacou a Síria. O Egito, apesar de seu pacto de união com esta, não interveio, recebendo acusações e protestos de seus aliados árabes.

117 REICHERT, Rolf. História da Palestina. São Paulo: Herder, 1972. p. 316, 317.

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Nasser, presidente do Egito, recebeu comunicados da Síria de que Israel se preparava para uma incursão mais violenta contra seu território. Nesta conjuntura, o presidente egípcio tomou três iniciativas: enviou tropas para a Península do Sinai, pediu a retirada das forças de paz da ONU instaladas nas fronteiras entre Israel e Egito e fechou o Estreito de Tirã à navegação israelense.118

A decisão de fechar novamente o Estreito de Tirã é tomada a 21 de maio. Em declaração à imprensa, no dia seguinte, Nasser anuncia o reinício do bloqueio do Estreito e de todas as águas territoriais egípcias no Golfo de Aqaba para os navios sob pavilhão israelense e outros que transportem material bélico para israel.119

118 Ibid., p. 317. 119 Idem.

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Figura 4: Estreito de Tirã120

120 SANFORD NEWS. Stanford Scientists Team with Israeli, Jordanian researchers to study Gulf of Aqaba. 2009. Disponível em: <https://news.stanford.edu/news/2009/august24/gulf-aqaba-project-082509.html>. Acesso em: 28 dez. 2017.

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Figura 5: Frentes de confrontos na Guerra dos Seis Dias121

121 FRENTES de confrontos na Guerra dos Seis Dias. 2017. Disponível em: <http://22592-presscdn.pagely.netdna-cdn.com/wp-

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É importante sublinhar que a Convenção de Genebra sobre

o mar territorial e a zona contígua, de 28 de outubro de 1958, dispõe em seu artigo 16, inciso 4, que não poderá ser suspensa a passagem inofensiva de navios estrangeiros nos estreitos usados pela navegação internacional que estabeleçam comunicação entre duas zonas do alto mar ou com mar territorial de um Estado estrangeiro.122 O Governo da República Árabe Unida123 afirmou que as águas do Estreito eram territoriais e que tinha o direito de exercer o controle sobre sua navegação. Por sua vez, o governo israelense contestou essa posição, alegando possuir o direito de passagem inofensiva pelo Estreito. Logo, considerou o bloqueio egípcio como causa belli.124

Sublinha-se que nesse período de Guerra Fria, Israel era aliado norte-americano, enquanto o Cairo recebia suporte da Rússia. Os Estados Unidos da América (UEA) requereram prudência e moderação por parte dos judeus, orientando-os a evitar qualquer incursão a respeito do bloqueio do Estreito de Tirã, pelo menos nas primeiras quarenta e oito horas. Moscou, por sua vez, enviou mensagem ao Cairo solicitando que não fosse realizada alguma incursão militar por parte de seu aliado. UEA e Rússia não estavam dispostos a um enfrentamento entre si por causa de seus aliados.125

content/uploads/2017/03/Events-Leading-to-Six-Day-W.jpg>. Acesso em: 28 dez. 2017. 122 GABINETE DE DOCUMENTAÇÃO E DIREITO COMPARADO. Decreto-Lei n. 44490. Convenção sobre a plataforma continental, aprovada na 1ª Conferência de Direito do Mar, realizada em Genebra em 1958, e assinados em 28 de outubro do mesmo ano. Disponível em: <http://www.gddc.pt/siii/docs/dl44490D.pdf>. Acesso em: 22 jul. 2017. 123 MAPNALL. República Árabe Unida. Disponível em: <http://www.mapnall.com/pt/Mapa-República-Árabe-Unida_248971.html>. Acesso em: 22 jul. 2017. 124 REICHERT, Rolf. História da Palestina. São Paulo: Herder, 1972. p. 327. 125 BARKER, A, J. La Guerra de los Seis Dias. Madri: San Martin, 1979. p. 12.

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No final das contas, as superpotências tinham-se decidido a ações paralelas. Uma intervenção dos russos ou dos americanos, em favor de um dos seus protegidos, levaria as duas potências a uma confrontação, por uma questão que para eles não era vital.126

Então os EUA propuseram que o problema do bloqueio das águas à navegação israelense fosse levado à Corte Internacional de Haia. Ao mesmo tempo, o Congresso de Israel aprovou um ataque, considerado preventivo, fundamentando-o em um motivo causa belli.127

Assim, no dia 5 de junho de 1967, Israel realizou um ataque aéreo em uma base egípcia localizada no Sinai, aniquilando quase toda a aviação do Egito que se encontrava estacionada no deserto e apoderando-se de Gaza e da Península do Sinai. E a Jordânia, que tinha acordos bélicos com o Egito, entrou na guerra, perdendo o domínio de Jerusalém Ocidental e da Cisjordânia, territórios controlados por ela desde 1948.128 No quinto dia de guerra, o governo israelense iniciou a captura das fontes do Rio Banias localizado nas Colinas do Golã 129, as quais, por sua vez, abastecem o Rio Jordão.130

126 Ibid., p. 12. 127 Idem. 128 VAÏSSE, Maurice. Les Relations Internacionales Depuis 1945: Armand Colin, 2008. p. 115. 129 SHLAIM, Avi. The Iron Wall. London: Norton and Company, 2000. p. 247. 130 ENCICLOPEADIA BRITANNICA. Disponível em: <https://www.britannica.com/place/Jordan-River>. Acesso em: 10 agosto. 2017.

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2.3 RESOLUÇÕES DA ONU REFERENTES À GUERRA DOS SEIS DIAS

Entre as resoluções mais significativas emitidas pela ONU

referentes ao conflito gerado pela água no Oriente Médio, destacam-se as seguintes: S/7935, 234, 235, 7951, 236, 237, 2253, 242.

Diante das agressões entre os beligerantes, o Conselho de Segurança da ONU se reuniu para realizar uma série de sessões urgentes das quais resultou, no dia 6 de junho de 1967, segundo dia de guerra, a Resolução S/7935. Este documento propunha um imediato cessar fogo por parte dos litigantes, entretanto nenhum dos países envolvidos o assinaram.

[...] decidiram votar a favor da Resolução S/7935, proposta pelo Presidente do Conselho de Segurança. Esta resolução, bastante cautelosa, convida os “Governos implicados” a tomarem urgentemente como “primeiro passo” todas as medidas para uma imediata cessação de fogo. Foi adotada, por unanimidade, no Conselho de Segurança, a 6 de junho. Inicialmente os árabes se recusaram a aceitar a resolução, porque não se considerara a questão de definir que parte fora a agressora, e porque não se exigira a retirada dos israelis das áreas conquistadas.131

Como a Resolução S/7935 ficou sem resposta, no dia 7 de junho, terceiro dia de combate, a ONU votou a Resolução 234, exigindo que as hostilidades cessassem até às 20h:00 do mesmo

131 REICHERT, Rolf. História da Palestina. São Paulo: Herder, 1972. p. 338.

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dia. A Jordânia foi a primeira a aceitar as exigências, seguida pelo Egito, no dia 8 de junho. Israel declarou que aceitaria o cessar-fogo desde que todos seus inimigos o aceitassem também. No entanto, os dois aludidos países árabes comunicaram à ONU que os sionistas continuavam ocupando o território, mesmo depois da entrada em vigor da mencionada Resolução.132

É importante sublinhar que até o dia 8 de junho de 1967, o que equivaleria ao quarto dia de guerra, a Síria ainda não havia aceitado o cessar-fogo. O fato de a Jordânia e o Egito se encontrarem fora da batalha permitiu que Israel concentrasse suas forças contra os sírios.133 Diante disso, no dia 9 de junho, o Conselho de Segurança votou a Resolução 235, exigindo que Israel e Síria cessassem as agressões.134

Em 10 de junho, a União Soviética propôs a Resolução 7951, condenando as agressões israelenses bem como o não cumprimento das Resoluções votadas anteriormente pelo Conselho de Segurança.135

No dia 11 de junho, o Conselho de Segurança votou a Resolução 236, condenando as agressões que ainda continuavam e exigindo um cessar fogo imediato.136 Israel e Síria, por fim, aceitaram o cessar-fogo, dando fim a chamada Guerra dos Seis Dias.137

Se o Conselho de Segurança não lograra aprovar uma resolução que

132 REICHERT, Rolf. História da Palestina. São Paulo: Herder, 1972. p. 339. 133 Ibid., p. 339. 134 UNITED NATIONS. Security Council. [1967]. Disponível em: <http://www.un.org/en/sc/documents/resolutions/1967.shtml>. Acesso em: 12 ago. 2017. 135 REICHERT, op. cit., p. 341. 136 UNITED NATIONS. Security Council. [1967]. Disponível em: <http://www.un.org/en/sc/documents/resolutions/1967.shtml>. Acesso em: 12 ago. 2017. 137 REICHERT, op. cit., p. 342.

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tratasse da pacificação da região, a Assembleia Geral da ONU não foi mais feliz. Uma proposta soviética que condenava vigorosamente as atividades agressivas de Israel não foi aprovada. O mesmo destino sofreu a resolução apresentada pela Iugoslávia que intimava Israel a retirar-se para trás das posições mantidas antes de 5 de junho; e também a resolução apresentada pelas delegações latino-americanas que exigia a retirada dos israelis, mas que fazia depender tal retirada de condições a serem negociadas entre os beligerantes, diretamente ou por meio de um Mediador da ONU, foi recusada.138

Em 14 de junho, o Conselho de Segurança votou a Resolução 237, afirmando que os implicados nos combates deveriam cumprir a Convenção de Genebra, de 12 de agosto de 1949, referente aos prisioneiros de guerra. E que Israel deveria garantir a segurança da população que se encontrava em zona de guerra, bem como permitir o retorno dos fugitivos a seus locais de origem.139

Em 4 de julho de 1967, a Assembleia Geral votou a Resolução 2253, que declarava ser nula a anexação de Jerusalém ao Estado judeu.140

Em 22 de novembro de 1967, o Conselho de Segurança votou a Resolução 242, exigindo que Israel deixasse os territórios

138 REICHERT, op. cit., p. 345. 139 UNITED NATIONS. Security Council. [1967]. Disponível em: <http://www.un.org/en/sc/documents/resolutions/1967.shtml>. Acesso em: 12 ago. de 2017 140 REICHERT, Rolf. História da Palestina. São Paulo: Herder, 1972. p. 346.

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ocupados na guerra, ou seja, Cisjordânia, Faixa de Gaza e Colinas do Golão.141

Das ulteriores discussões, resoluções, investigações e protestos produzidos no seio da ONU, o documento mais importante é a resolução do Conselho de Segurança, de 22 de novembro de 1967. A importância dessa resolução, apresentada pela Grã-Bretanha, resulta do fato de ser ela uma base possível para uma ação comum das grandes potências, a fim de chegarem a uma regulamentação pacífica geral. Verdadeira obra prima da ambiguidade britânica, esta resolução, que procura combinar as exigências de todas as partes em causa, foi adotada por unanimidade. Prevê, ao mesmo tempo, a evacuação dos territórios árabes ocupados por Israel, o fim do estado de beligerância, o estabelecimento de fronteiras seguras e reconhecidas por cada um dos Estados da região, a liberdade de navegação para todas as vias marítimas internacionais, e finalmente, uma solução justa para o problema dos refugiados.142

Constatou-se que o máximo que a ONU alcançou com suas Resoluções foi um cessar-fogo, e que a paz na região se fragilizou, visto que os armistícios de paz firmados depois da primeira guerra árabe-israelense em 1948−1949 foram revogados

141 UNITED NATIONS. Security Council. [1967]. Disponível em: <http://www.un.org/en/sc/documents/resolutions/1967.shtml>. Acesso em: 12 ago. 2017. 142 REICHERT, op. cit., p. 348.

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pela guerra, ou seja, as Resoluções das Nações Unidas permaneceram na esfera documental sem alcançar efetividade.143

No período pós-guerra, Israel vai ainda ignorar e desrespeitar as resoluções da ONU que condenam a ocupação dos territórios adquiridos na “Guerra dos Seis Dias”. Uma dessas resoluções é a número 242, que tentava a instituição da paz entre os Estados do Médio-Oriente, estabelecendo que Israel deveria retirar-se dos territórios ilegalmente ocupados na guerra e que deveria respeitar as suas fronteiras originais (CSNU: 1967). Atualmente a resolução da ONU continua a ser desrespeitada por Israel sem que esta organização tenha uma forte atuação no sentido de fazer cumprir a sua deliberação.144

Diante da tentativa da ONU de pacificar a guerra, percebe-se que as resoluções dessa organização resultam de esforços para preservar a paz, e não meramente documentos criados aleatoriamente.

143 REICHERT, Rolf. História da Palestina. São Paulo: Herder, 1972. p. 361. 144 SANTOS, Tânia Filipa Vargas. O Conflito Israelo-Arabe e os Problemas da Água: da escassez ao conflito. 2013. 87 f. Dissertação (Mestrado) – FEUC, Coimbra, 2013. Disponível em: <http://docplayer.com.br/6536808-O-conflito-israelo-arabe-e-os-problemas-da-agua-da-escassez-ao-conflito.html>. Acesso em: 20 ago. 2017.

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2.4 CONTROLE HÍDRICO PÓS-GUERRA

Depois do término da Guerra dos Seis Dias, como mencionado anteriormente, Israel passou a controlar a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e as Colinas do Golã. Os dois primeiros pedaços de terras não foram anexados ao território judeu, diferente da terceira porção.

Figura 6: Mapa dos territórios ocupados no pós-guerra145

145 MAXIEDUCA. A Guerra dos Seis Dias. Disponível em: <http://blog.maxieduca.com.br/guerra-seis-dias/>. Acesso em: 28 dez. 2017.

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Sublinha-se que as águas situadas nos territórios ocupados passaram a ser regidas pelas leis israelenses146, e que a única nascente do rio Jordão que não passou ao controle judeu ao findar a guerra foi o Hasbani, que procede do Líbano.147

Não obstante a sua curta duração, esta guerra provocou importantes danos na política e geografia do Médio-Oriente: Israel anexou os Montes Golã passando a controlar os afluentes de diversos rios, um deles o rio Jordão, extremamente importante para Israel; passou a dominar a península do Sinai (como já mencionado, importante para manter controle sobre os acessos ao Mediterrâneo e ao Mar Vermelho – estreito de Tiran e golfo de Aqaba); anexou a Cisjordânia e Faixa de Gaza (onde se encontram diversos aquíferos, importantes fornecedores de água a Israel) e garantiu controle sobre os recursos hídricos palestinianos. Deste modo, Israel vai colocar a Síria, Egito e Palestina numa situação de privação relativa, pois estes vêm-se privados dos recursos que controlavam

146 BROOKS, David; TROTTIER, Julie: confronting water in an Israel-Palestinian peace agreement. Journal of Hydrology, v. 382, p. 103-114, mar. 2010. p. 104. Disponível em: <http://www.un.org/en/sc/documents/resolutions/1967.shtml>. Acesso em: 20 ago. 2017. 147 SHIRSATH, Pritesh P. Water Crises, Israel. International Journal of History, Pune-India, v. 5, edição 1, p. 1−10, fev. 2015.

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anteriormente e aos quais acreditam voltar a ter direito.148

Ao término da Guerra dos Seis dias, Israel submeteu os territórios ocupados a um regime legislativo militar. A ordem militar n. 92 dispunha que todos os recursos hídricos dos novos territórios passavam a ser “recursos estratégicos sob controle militar”. Aludida ordem permitiu, a partir de então, que o Estado passasse a explorar esses recursos da forma que lhe interessasse, em detrimento da população palestina. Esta questão será abordada mais precisamente no próximo Capítulo.149

Evidencia-se que depois dessa guerra, Israel aumentou seu potencial hídrico em aproximadamente 50%, sendo constatado o controle de aproximadamente 80% dos aquíferos da região.150 O volume de água que passou para o controle de Israel pode ser considerado mais importante e significativo para o Estado judeu do que a própria conquista territorial em si, ou seja, a Faixa de Gaza, a Cisjordânia e as Colinas de Golã.151

A quantidade de água fornecida aos israelenses pela Resolução 181, que criou os dois Estados, permaneceu somente na

148 SANTOS, Tânia Filipa Vargas. O Conflito Israelo-Arabe e os Problemas da Água: da escassez ao conflito. 2013. 87 f. Dissertação (Mestrado) – FEUC, Coimbra, 2013. Disponível em: <http://docplayer.com.br/6536808-O-conflito-israelo-arabe-e-os-problemas-da-agua-da-escassez-ao-conflito.html>. Acesso em: 20 de agosto de 2017. 149 KHADER, Bichara. Colonialismo Hídrico em Oriente Medio. Papeles de Cuestiones Internacionales. Barcelona, 2007, n. 97. p. 62. 150 CAOUETTE, Geneviève. Que Le Vent emporte le Mythe: la guerre de l eau au proche-orient ná pas eu lieu. 2006. 134 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Universidade de Quebec, Montreal, 2006. Disponível em: <http://www.archipel.uqam.ca/3464/1/M9586.pdf >. Acesso em: 3 set. 2017. 151 BRICHS. Ferran Izquierdo. Papers. Revista de Sociologia. 1995. Barcelona, v. 46, 121-138.

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esfera gráfica, uma vez que a Guerra dos Seis Dias modificou completamente não somente a distribuição hidrográfica da região, mas toda a geopolítica de palestinos e sionistas.152

Para uma melhor compreensão dos efeitos e da influência da Guerra dos Seis Dias sobre a Palestina, serão demonstradas a constituição da geografia hídrica na região e as porções que passaram ao controle israelense e as que permaneceram sob responsabilidade da Autoridade Nacional Palestina.153

A hidrografia em Israel pode ser dividida em três massas de volumes de água: aquíferos, rios litorâneos e o rio Jordão. Há ainda 527 fontes e mais de 326 poços de irrigação utilizados pelos

152 CAOUETTE, Geneviève. Que Le Vent emporte le Mythe: la guerre de l eau au proche-orient ná pas eu lieu. 2006. 134 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Universidade de Quebec, Montreal, 2006. Disponível em: <http://www.archipel.uqam.ca/3464/1/M9586.pdf >. Acesso em: 1o set. 2017. 153A Autoridade Nacional Palestina (ANP) é uma organização concebida para ser um governo de transição até o estabelecimento do Estado palestino independente. Criada por meio do Acordo de Oslo (1993-95), firmado entre Israel e a Organização pela Libertação da Palestina (OLP), com mediação dos EUA, a ANP administra nominalmente partes da Cisjordânia e da faixa de Gaza. Pelo acordo, a ANP deveria existir até maio de 1999. No final desse período, o status final dos territórios da faixa de Gaza e da Cisjordânia, ocupados por Israel desde a Guerra dos Seis Dias (1967), já deveria estar resolvido. Porém, isso não aconteceu. Embora Israel tenha retirado seus colonos e forças militares da faixa de Gaza e quatro assentamentos da Cisjordânia em 2005, ainda controla os acessos, incluindo marítimo e aéreo, à faixa de Gaza. Mahmoud Abbas, do partido Fatah, atual presidente da Autoridade Nacional Palestina Mahmoud Abbas, do partido Fatah, atual presidente da Autoridade Nacional Palestina. O primeiro presidente da ANP − o líder palestino Yasser Arafat, morto em 2004, e o atual, Mahmoud Abbas, são do partido Fatah, que esteve à frente da causa palestina por quatro décadas. FOLHA DE SÃO PAULO. Mundo. Saiba mais sobre a Autoridade Nacional Palestina. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u105501.shtml>. Acesso em: 5 set. 2017.

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palestinos. Agrupam-se ainda dois lagos: Mar da Galileia e Mar Morto.154

2.4.1 Aquíferos

Existe dois aquíferos principais, o primeiro denominado

Aquífero da Montanha; o segundo, Aquífero Costeiro. Observa-se que o primeiro ainda se subdivide em aquíferos norte, leste e oeste, caracterizando-se em um sistema cársico155 com águas de alta qualidade localizado na Cisjordânia, como ilustrado pela Figura 7.156 Observa-se que todo esse aquífero se encontra atualmente sob controle militar israelense, mas, antes da Guerra dos Seis dias, estava sob posse da Jordânia.

154 BRICHS. Ferran Izquierdo. Papers Revista de Sociologia. Barcelona, v. 46, p. 121-138, 1995. 155 Tipo de relevo das zonas calcárias, modeladas pela erosão devido à dissolução do carbonato de cálcio pela água das chuvas carregadas de dióxido de carbono. Distingue-se um modelado cársico (ou cárstico) de superfície de um modelado cársico de profundidade. Entre as manifestações superficiais distinguem-se os lapiaz, superfícies cortadas por caneladuras mais ou menos largas, e as dolinas, depressões circulares cujo fundo é recoberto por argila vermelha. As manifestações do modelado cárstico profundo são principalmente as galerias que, erodidas pelas águas da rede hidrográfica subterrânea, dão origem a algares e grutas ornamentadas por estalactites e estalagmites. INFOPEDIA. Dicionários Porto Editora. Artigos de apoio. Disponível em: <https://www.infopedia.pt/$carsico>. Acesso em: 5 set. 2017. 156 BRICHS. Ferran Izquierdo. Papers Revista de Sociologia. Barcelona, v. 46, p. 121-138, 1995.

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2.4.2 Rios

Em se tratando de rios, vários deles nascem nos altiplanos da região, principalmente na Cisjordânia. Um exemplo disso é o rio Khalil Besor, o qual possui sua nascente na Cisjordânia e corre por Israel, atingindo o mar Mediterrâneo pela Faixa de Gaza. É relevante destacar que muitas dessas correntes de água são temporárias, enquanto outras são permanentes. Observa-se que algumas delas são bem exploradas pelas necessidades hídricas locais, enquanto outras se tornaram apenas esgotos. Esses rios, nos últimos anos, vêm obtendo valor ecológico bem como importância para o desenvolvimento urbano.158

Figura 8: Principais rios da Palestina159

158 BRICHS. Ferran Izquierdo. Papers. Revista de Sociologia. 1995. Barcelona, v. 46, p. 121-138. 159 GEOGRAFIA BÍBLICA. 2004. Disponível em: <https://image.slidesharecdn.com/geografiabblicarev-hlio-

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2.4.3 Rio Jordão

Este é o rio mais importante de Israel e tem sua nascente nas encostas do Monte Hermon, localizado na fronteira entre Líbano e Síria. O rio Jordão conta com três afluentes: Banias, que provém da Síria; Hazbani, do território libanês; e Dan, do norte israelense. Seu curso está dividido em Alto e Baixo Jordão, respectivamente. O alto Jordão desemboca no Mar da Galileia, enquanto o baixo encontra-se com o Mar Morto. Esta porção de água que se estende do Mar da Galileia até o Mar Morto é conhecida como vale do Jordão.160 A sua extensão possui 251 quilômetros, porém sua bacia é maior, abrangendo 18,500 km2, passando por Israel, Cisjordânia, Líbano e Síria, e a maior quantidade de água do rio se encontra nas Colinas de Golã, território atualmente anexado a Israel.161

2.4.4 Mar da Galileia

É uma lagoa que se encontra aproximadamente a 209 metros abaixo do nível do mar. Essa bacia hidrográfica se situa na Região Nordeste do país, banhando Israel, Síria e Líbano. É o único lago natural de água doce de Israel, sendo sua superfície de aproximadamente 164−166 km2, 20−21 quilômetros de comprimento e 12−13 quilômetros de largura, possuindo ainda 4 km3 de volume.162

110204112004-phpapp01/95/geografia-bblica-rev-hlio-2-728.jpg?cb=1296819397>. Acesso em: 5 set. 2017. 160 GEOENCICLOPEDIA. Río Jordán. Disponível em: <http://www.geoenciclopedia.com/rio-jordan/>. Acesso em: 5 set. 2017. 161 BRICHS. Ferran Izquierdo. Papers Revista de Sociologia. Barcelona, v. 46, p. 121-138, 1995. 162 Ibid., p. 121-138.

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Figura 9: Mapa do Mar da Galileia163

2.4.5 Mar Morto

O Mar Morto, também conhecido na região como lago

Asfaltite, é um lago de formato estreito e alongado. Ele tem aproximadamente 82 quilômetros de comprimento e 18 quilômetros de largura. Está situado na região interior da Palestina, uma parte quase desértica. As suas águas banham os Estados da Jordânia, Israel e Cisjordânia. Esse lago é alimentado pelo rio Jordão e encontra-se a 392 metros abaixo do nível do mar Mediterrâneo. Possui alta concentração de sal em suas águas, atingindo uma quantia de 300 gramas de sais para cada litro de água. Destaca-se que a cifra considerada normal seria de 30 gramas para cada litro de água. Não há vida aquática nele, e os peixes que

163 GEOGRAFIA BÍBLICA. Disponível em: <https://www.slideshare.net/hos67/geografia-bblica-rev-hlio-6813849>. Acesso em: 6 set. 2017.

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chegam por meio do rio Jordão morrem imediatamente, por isso recebe a denominação de Mar Morto.164

Figura 10: Mapa de localização do Mar Morto165

2.5 REFLEXOS HÍDRICOS NA ECONOMIA

Pode-se afirmar que a escassez de água, quando presente

em determinado território, produz vários tipos de efeitos. O que se observa na Palestina é que o impacto de tal fenômeno, somado à disputa por água entre árabes e judeus, além de produzir reflexos

164 SUA PESQUISA COM. Portal de Pesquisas Temáticas e Educacionais. Mar Morto. Disponível em: <https://suapesquisa.com/pesquisa/mar_morto.htm>. Acesso em: 10 set. 2017. 165 Disponível em: <https://sundaycooks.com/wp-content/uploads/2014/07/Screen-shot-2014-07-15-at-6.57.44-PM.jpg>. Acesso em: 10 set. 2017.

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armados, repercute na esfera socioeconômica da região, bem como na economia interna. Exemplos disso são o aumento do preço da água e os grandes gastos com a agricultura e alimentos.166

Como mencionado anteriormente, o movimento sionista, antes da criação do Estado de Israel, havia chegado à conclusão de que o futuro Lar Judaico na Palestina iria necessitar de água suficiente para seus empreendimentos de povoação, principalmente nas áreas desérticas. É relevante sublinhar que a maior quantidade e qualidade de água se encontrava nos aquíferos da região. A Guerra dos Seis Dias teria retirado Israel do período de insegurança hídrica e o levado a sua hegemonia de controle das fontes de água, mudando completamente a hidroestratégia governamental israelense. 167 Depois desse domínio, as autoridades israelenses puderam empreender e aplicar seus projetos hídricos com mais segurança, pois haveria efetividade dessas políticas. 168 Nesse ínterim, não se deve ignorar que a colonização da Cisjordânia por colonos judeus vinha aumentando consideravelmente, o que exigia que o governo de Israel buscasse novas estratégias hidropolíticas para responder a questão. A conquista realizada em 1967 deu aos sionistas as condições favoráveis para responder positivamente às demandas judaicas de necessidade de água. 169

No contexto econômico, a gestão da água em Israel é desempenhada por dois setores interligados, mas que administrativamente são diferentes. O primeiro deles é o sistema nacional, que abrange as fontes de água, junto com seus

166 HUSSEIN, Hussam. Adaptation to Climate Change in the Jordan River Valley: the Case of the Sharhabil Bin Hassneh Eco-Park. 2010. Dissertação – (Mestrado) Colégio da Europa. Warsaw, 2010. Disponível em: <http://ecopeaceme.org/uploads/Hussam_Hussein_MA_thesis.pdf>. Acesso em: 3 jul. 2017. 167 ZEITOUN, Mark. Power and Water in the Middle East. London: L.B Tauris, p. 67, 2008. 168 Ibid., p. 138, 2008. 169 Idem, p. 67, 2008.

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reservatórios; o transportador nacional, incluindo seu sistema de abastecimento; as plantas de dessalinização; e o sistema de reciclagem de efluentes170. Trata das questões de gestão sustentável dos recursos hídricos, do desenvolvimento de abastecimento de água, da dessalinização, da distribuição, do transporte, bem como da sua reciclagem. O segundo é o setor da água urbana, de administração municipal, no qual se encontram o abastecimento de água urbana, a remoção de esgoto e as instalações de tratamento.171 A companhia nacional de água em Israel, a Mekorot, é a maior empresa transportadora e distribuidora de água do país. A instituição possui uma planta de dessalinização de água do mar na cidade de Eilat, ao Sul do país, e diversas outras de menor tamanho espalhadas em outras localidades. Essa estatal foi criada em 1937 para fornecer água à baía de Haifa e ao Vale de Yizre'el. Depois da fundação do Estado de Israel, expandiu sua atividade para o resto da nação, edificando um grande sistema de abastecimento, o que inclui o transportador nacional do Mar da Galileia ao deserto do Negev.172

É importante destacar que, em 1959, o parlamento israelense aprovou a Lei da Água. Este documento dispõe que o dono da terra não é dono da água, dessa maneira, toda e qualquer fonte de recurso hídrico pertence ao Estado. Essa legislação, economicamente, regula o custo do abastecimento, bem como as tarifas que os cidadãos devem pagar pelo consumo de água potável.173 Destaca-se que o Ministério da Agricultura e

170 Efluentes são produtos líquidos e gasosos resultantes de diversas ações do homem. Em sua maioria, estão subdivididos em efluentes industriais e domésticos, porém existem outras divisões desses resíduos. INFOESCOLA. Efluentes. Navegando e aprendendo. Disponível em: <https://www.infoescola.com/ecologia/efluentes/>. Acesso em: 10 set. 2017. 171 KISLEV, Yoav. The Water Economy of Israel. Policy Program Paper. Jerusalem, 2011.15, 138, 2011. p. 73 172 Ibid., p. 73. 173 Ibid., p. 106.

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Infraestrutura Nacional e do Consumo de Água é o órgão responsável pela gestão e aplicação de aludida legislação.174

Estima-se que a Mekorot, principal responsável pelo abastecimento de água israelense, forneça 70% de água doce, enquanto o 30% restante seja fornecido por algumas associações privadas e outras municipais.175 Observa-se que mais da metade do consumo de água por parte dos palestinos é comprada diretamente da estatal Mekorot.176 Isso ocorre por que, na Cisjordânia, por exemplo, existe 40 poços municipais que estão sob domínio e gestão israelense. Estes poços não são suficientes para o abastecimento hídrico dos palestinos, consequentemente, essa população deve suprir essa insuficiência de abastecimento por meio da aludida estatal judaica.177 Um exemplo disso é que, em 2010, a Autoridade Palestina da Água comprou pouco mais de 55 milhões de metros cúbicos de água da empresa nacional israelense. Estes dados representam 36% de todo o abastecimento de água palestina utilizada na Cisjordânia no aludido ano.178 Os palestinos

174 SEMIDE. Systeme Euro-Mediterraneen d Information Sur Les Savoir-Faire dans le Domaine de L Eau. Local Water Supply Sanitation and Sewage-Israel. Disponível em: <https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=2&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwiLjv6shIDYAhXMH5AKHQRmDYQQFghAMAE&url=http%3A%2F%2Fwww.emwis.org%2Fdocuments%2Femwismainstudies%2Fstudiescountry%2FIsrael_Final.pdf%2Fdownload%2F1%2FIsrael%2520Final.pdf&usg=AOvVaw0nQxHQJshmz9A82HyCcrOZ>. Acesso em: 3 out. 2017. 175 Ibid. 176 LIFESOURCE. Our Right to Water: the human right to water in Palestinian. Disponível em: <https://canadians.org/sites/default/files/publications/RTW-Palestine-1.pdf>. Acesso em: 3 out. 2017. 177 UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. Desk Study on the Environment in the Occupied Palestinian territories. Disponível em: <https://postconflict.unep.ch/publications/INF-31-WebOPT.pdf>. Acesso em: 3 out. 2017. 178 KOUITTAB, Alexander. Thinking Strategically About Water: future scenarios for the Palestinian water sector. In: THE BIRZERT STRATEGIC STUDIES FORUM. Water in Palestine. Palestine: Birzeit

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alegam que a água comprada da Mekorot é muito cara, enquanto Israel afirma que vende o produto pelo custo de produção.179

Os assentamentos judaicos instalados nos territórios ocupados, além de sua ocupação ilegal, estariam consumindo mais quantidade de água do que toda a população palestina.180 Marwan Bishara afirma que a instalação dos assentamentos na Cisjordânia teria o objetivo de facilitar o controle dos recursos hídricos.181

[...] a política de assentamentos após 1967 tinha um objetivo preciso: assegurar a Israel o controle total sobre os recursos dos lençóis subterrâneos na Cisjordânia [...] os israelenses podem assim explorar mais de 500 milhões de metros cúbicos de água dos 600 milhões extraídos anualmente, o que significa uma economia de pelo menos US$ 1 bilhão por ano, e cobrir em média um terço de seu consumo.182

Na Faixa de Gaza, a situação não é diferente, visto que a municipalidade é responsável pela distribuição de água para todos os setores, os quais não consegue abastecer devido à falta de

University, p. 20. 2013. Disponível em: <http://ialiis.birzeit.edu/sites/default/files/Water%20in%20Palestine.pdf >. Acesso em: 3 out. 2017. 179 BURKART, Lauro. The Politicization of the Oslo Water Agreement. 2012. Dissertação (Mestrado em História Internacional e Política) − Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais, Genebra, Suíça, 2012. p. 37. Disponível em: <http://repository.graduateinstitute.ch/record/14958/usage >. Acesso em: 3 out. 2017. 180 KHADER, Bichara. Colonialismo Hídrico em Oriente Medio. Papeles de Cuestiones Internacionales. Barcelona, n. 97, p. 56, 2007. 181 BISHARA, Marwan. Palestina/Israel: A Paz ou o Apartheid. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003. p.135. 182 Ibid., p. 137.

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infraestrutura e à deterioração da rede de distribuição, tornando várias municipalidades dependentes da Mekorot israelense.

Sublinha-se que, no ano de 2000, a maioria dos tubos de abastecimento de água tanto da Cisjordânia quanto da Faixa de Gaza estava em péssimas condições. A escassez de água nos territórios ocupados se caracteriza em um dos principais impedimentos ao desenvolvimento econômico da população palestina.183 No próximo Capítulo, serão apresentados os motivos dessa limitação de água.

Os palestinos começaram recentemente a reutilizar as águas de esgoto como adicional de fonte de água. A quantidade total de águas residuais de usos domésticos e industriais em Gaza e Cisjordânia é estimada em cerca de 40 milhões de m3 por ano (WRAP, 1994). Na Cisjordânia, a maioria das águas residuais é utilizada para irrigação sem qualquer tipo de tratamento. Na área da cidade de Gaza, o esgoto de plantas de tratamento que não funcionam é descarregado em terras vizinhas. No futuro, as águas residuais tratadas devem ser consideradas como um recurso importante, particularmente para a agricultura e especialmente em Gaza. No entanto, a falta de coleta e tratamento adequados de sistemas de esgoto na maioria dos territórios palestinos limita severamente o potencial de desenvolvimento deste recurso vital. A falta de tratamento de

183 UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. Desk Study on the Environment in the Occupied Palestinian territories. Disponível em: <https://postconflict.unep.ch/publications/INF-31-WebOPT.pdf >. Acesso em: 3 out. de 2017.

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águas residuais também representa potencialmente graves riscos para o meio ambiente e saúde humana (WRAP, 1994).184

Observa-se que 70% da água disponível em Israel é

destinada à agricultura, enquanto o avanço industrial do país exige a grande parte do orçamento hídrico.185 Diante dessa realidade, Simon Perez teria declarado que, para Israel, a água é mais importante do que o território.186 A conquista de 1967 trouxe significativos avanços para o setor agrícola, haja vista a maior

184 Palestinians have recently begun to re-use wastewater as an additional water source. The total quantity of wastewater from domestic and industrial uses in Gaza and the West Bank is estimated to be roughly 40 million m3 per year (WRAP, 1994). In the West Bank, most of this wastewater is used for irrigation without any kind of treatment. In the Gaza City area, sewage from non-functioning treatment plants is discharged onto neighbouring land. In the future, treated wastewater should be considered as a major resource, particularly for agriculture and especially in Gaza. However, the lack of proper sewage collection and treatment systems in most of the Palestinian territories severely limits the potential for developing this vital resource. The lack of wastewater treatment also poses potentially serious risks to the environment and human health (WRAP, 1994). UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. Desk Study on the Environment in the Occupied Palestinian territories. Disponível em: https://postconflict.unep.ch/publications/INF-31-WebOPT.pdf >. p. 29. Acesso em: 3 out. de 2017. 185 CAOUETTE, Geneviève. Que Le Vent emporte le Mythe: la guerre de l eau au proche-orient ná pas eu lieu. 2006. 134 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Universidade de Quebec, Montreal, 2006. Disponível em: <http://www.archipel.uqam.ca/3464/1/M9586.pdf >. Acesso em: 3 jul. 2017. 186 KHADER, Bichara. Colonialismo Hídrico em Oriente Medio. Papeles de Cuestiones Internacionales. Barcelona, 2007, n. 97. p. 62.

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disponibilidade de água, pois esse setor exige expressiva massa hídrica para seu funcionamento. É relevante destacar que, desde 1948, o setor agrícola vinha sendo abertamente questionado pela população. 187 Um exemplo disso é dado pelo Banco Mundial ao afirmar que os palestinos utilizam menos de 1/5 do Aquífero da Montanha, enquanto Israel consta com um potencial de consumo de aproximadamente 50%. Entretanto, a Autoridade Nacional Palestina alega que o percentual de uso israelense atinje os 90%.188 O Ministério da Agricultura estaria aplicando a maior quantidade de água possível no meio rural, e com os menores custos. Esta política é apoiada pelo lobby agrícola que, por sua vez, recebe suporte do Partido Nacional Religioso.189

Para entender a complexidade dessa problemática é necessário sublinhar que, em 2002, um inquérito parlamentar realizado por Israel revelou que os comissários da água frequentemente são escolhidos por sua posição pró ou anti lobby agrícola, a partir do governo da ocasião. As autoridades têm sido resistentes em reduzir seu consumo às realidades hídricas da nação. Por outro lado, têm insistido no aumento de produção de água doce

187 ZEITOUN, Mark. Power and Water in the Middle East. London: L.B Tauris, 2008. p. 67. 188 KOUITTAB, Alexander. Thinking Strategically About Water: Future Scenarios for the Palestinian Water Sector. In: THE BIRZERT STRATEGIC STUDIES FORUM. Water in Palestine. Palestine: Birzeit University, p, 10. 2013. Disponível em: <http://ialiis.birzeit.edu/sites/default/files/Water%20in%20Palestine.pdf >. Acesso em: 7 out. 2017. 189 BURKART, Lauro. The Politicization of the Oslo Water Agreement. 2012. Dissertação (Mestrado em História Internacional e Política) − Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais, Genebra, Suíça, 2012. p. 47. Disponível em: <http://repository.graduateinstitute.ch/record/14958/usage >. Acesso em: 7 out. 2017.

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por meio do mecanismo da dessalinização.190 Estima-se que o consumo agrícola aumentou cinco vezes de 1948 a 1968. 191 Nesse contexto, o sistema de dessalinização das águas do Mediterrâneo só produz água potável, ou seja, uma porção pequena se comparada ao consumo exigido por Israel para sua agricultura e industrialização e ao seu alto custo, o que também acaba por elevar o preço da energia.192

Como a economia palestina está muito mais baseada na agricultura do que a israelense, este setor palestino exige maior quantidade de água para seu desenvolvimento, entretanto, o controle israelense desse recurso tem colocado obstáculo ao progresso palestino.193 A economia da Cisjordania e da Faixa de Gaza, diferente da judaica, não pode ser considerada normal, visto que se caracteriza por uma economia com uma série de restrições, barreiras e impedimentos, como será delineado no próximo Capítulo.194

A necessidade de água dos palestinos tem sido encarada muito mais a partir de uma perspectiva econômica do que jurídica, ou seja, representa um setor disposto a comprar água. Portanto, uma seara que se submete às exigências israelenses.

O discurso de fornecimento de água vem revestido de uma roupagem principiológica, uma vez que o governo afirma que esse

190 ZEITOUN, Mark. Power and Water in the Middle East. London: L.B Tauris, 2008. p. 73. 191 Ibid., p. 133. 192 BROOKS, David; TROTTIER, Julie: confronting water in an israel-palestinian peace agreement. Journal of Hydrology, v. 382, p. 103-114, mar. 2010. p. 104. Disponível em: <http://www.un.org/en/sc/documents/resolutions/1967.shtml>. Acesso em: 10 nov. 2017. 193 BROOKS, David; TROTTIER, Julie: Confronting Water in an Israel-Palestinian Peace Agreement. Journal of Hydrology, v. 382, p. 103-114, mar. 2010. p. 104. Disponível em: <http://www.un.org/en/sc/documents/resolutions/1967.shtml>. Acesso em: 10 nov. 2017. 194 SELBY, Jan. Water, Power and Politics in the Middle East: the other israeli-palestinian conflict. London: I. B Tauris, p. 41, 2008.

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repasse de água feito aos palestinos é realizado mediante o princípio da cooperação.195

De acordo com um relatório do Banco Mundial de 2009, estima-se que mais de 110 mil empregos poderiam ser criados na economia palestina, desde que esta dispussesse de mais água para o setor agrícola.196 A Autoridade Palestina afirma que, se obtivesse soberania sobre os recursos hídricos da Cisjordânia, poderia separar seus fatores de desenvolvimento socioeconômicos das restrições israelenses e fazer avançar esse setor.197

O Ministério das Finanças concorda que distribuir mais água doce para a Cisjordânia poderá ser benéfico para a economia, dado que as concessões israelenses podem ser medidas de forma econômica, pois equivaleria praticamente entre o custo de abastecimento da água perdida e o custo da água produzida para substituí-la. Como a economia israelense tem se transformado em uma economia pós-industrial, é possível dessalinizar a água do mar para consumo doméstico e permitir a concessão de água doce aos palestinos como parte de uma iniciativa de paz.198

Uma vez que as autoridades israelenses reconhecem que as necessidades palestinas aumentarão no futuro e que é preciso desenvolver um sistema adicional de suplemento de água para esta população, a resposta para tal impasse pode ser encontrada no setor de dessalinização das águas do mar. No entanto, não há

195 ZEITOUN, Mark. Power and Water in the Middle East. London: I.B Tauris, 2008. p. 141. 196 BROOKS, David; TROTTIER, Julie: confronting water in an israel-palestinian peace agreement. Journal of Hydrology, v. 382, p. 103-114, mar. 2010. p. 104. Disponível em: <http://www.un.org/en/sc/documents/resolutions/1967.shtml>. Acesso em: 10 nov. 2017. 197 BURKART, Lauro. The Politicization of the Oslo Water Agreement. 2012. Dissertação (Mestrado em História Internacional e Política) − Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais, Genebra, Suíça, 2012. p. 50. Disponível em: <http://ialiis.birzeit.edu/sites/default/files/Water%20in%20Palestine.pdf>. Acesso em 10 nov. 2017. 198 Ibid.

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unanimidade no assunto, visto que há divergência no que tange ao tipo de tecnologia que será utilizada e a quem realmente pagará por esse custo.199 É relevante sublinhar que há anos a população árabe palestina vem se tornando expressiva consumidora de água, fazendo com que essa dependência se torne um fator importante para o crescimento industrial de Israel.200

Destaca-se que, em 2017, autoridades israelenses e palestinas se reuniram para tentar dar andamento em um projeto hídrico denominado Projeto de Transposição de Água do Mar Vermelho ao Mar Morto, popularmente conhecido como Vermelho-Morto, para fornecimento de água doce e restauração dos níveis das águas do mar morto, que vem sofrendo evaporação. O projeto consiste na utilização de uma usina de dessalinização que seria construída na Jordânia e que possibilitaria a Israel vender mais 30 milhões de metros cúbicos de água doce para a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. O empreendimento pretende extrair águas do Mar Vermelho e processá-las na refinaria jordaniana, distribuindo essas águas nos aludidos territórios, respectivamente.201

O ministro de Cooperação Regional de Israel, Tzachi Hanegbi, afirmou que este seria um dos projetos mais ambiciosos da nação, em especial por que conta com a cooperação dos três implicados, sem a qual não seria possível sua efetivação. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou que trabalhar visando a alcançar um acordo de paz duradouro entre os israelenses e os palestinos é um de seus grandes objetivos.

199 Idem. 200 KOUITTAB, Alexander. Thinking Strategically About Water: Future Scenarios for the Palestinian Water Sector. In: THE BIRZERT STRATEGIC STUDIES FORUM. Water in Palestine. Palestine: Birzeit University, p. 20, 2013. Disponível em: <http://ialiis.birzeit.edu/sites/default/files/Water%20in%20Palestine.pdf >. Acesso em: 10 nov. 2017. 201 SHAREAMERICA. EUA negociam acordo hídrico entre Israel e a Autoridade Palestina. 2017. Disponível em: <https://share.america.gov/pt-br/eua-negociam-acordo-hidrico-entre-israel-e-autoridade-palestina/>. Acesso em: 10 nov. 2017.

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Nessas linhas foi possível constatar que a Guerra dos Seis Dias consistiu em uma guerra pela água. Seus efeitos foram evidenciados geopoliticamente no que tange à ocupação de território por Israel, tema que até a atualidade tem sido um entrave nos processos de paz.

Além do controle territorial, Israel passou a ter domínio de praticamente todos os afluentes do rio Jordão e os aquíferos com as maiores quantidades de água da região. Fato que indiscutivelmente melhorou a economia estatal, não somente pela exploração hídrica, mas também pela venda de abastecimento de água potável aos palestinos.

Constatou-se também que a ONU não esteve ausente desses acontecimentos, atuando na emissão de diversas resoluções que objetivaram a pacificação dos conflitos e das tensões.

No próximo Capítulo, será abordado o ordenamento jurídico aplicado por Israel nos territórios ocupados, verificando se está de acordo com a Quarta Convenção de Genebra e os Acordos de Oslo ou se vai de encontro ao direito humano dos palestinos de acesso à água.

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3 O SISTEMA JURÍDICO ISRAELENSE E OS DIREITOS HUMANOS DOS PALESTINOS DE ACESSO À ÁGUA

A proposta deste Capítulo é observar as normas jurídicas

israelenses aplicadas na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, para constatar se esse ordenamento tutela e garante à população palestina o direito humano de acesso à água. Como os territórios palestinos estão sob a normativa judaica, serão apresentadas as disposições internacionais que devem ser aplicadas em regiões conquistadas em conflito bélico. Posteriormente, esta normativa será confrontada com as normas jurídicas do Estado de Israel.

Serão observadas a Resolução 181 da ONU, as Conferências de Paz de Haia, a Quarta Convenção de Genebra, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e os Acordos de Oslo com as ordens militares judaicas e a Lei da Água, de 1959, estas aplicadas à Cisjordânia e à Faixa de Gaza, demonstrando de que maneira repercute seus efeitos na população dessa região.

Por fim, será feita uma abordagem do direito humano dos palestinos de acesso à água sob aspectos mais específicos como sua situação na Cisjordânia e em Gaza, individualmente, delineando de que forma os assentamentos judaicos e o muro de separação influenciam a efetividade desse direito.

3.1 LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL 3.1.1 Resolução 181

A Resolução 181 da Assembleia Geral da ONU, de 29 de

novembro de 1947, criou dois Estados na Palestina, um judeu e outro árabe. Entre suas diversas disposições, no que tange aos recursos hídricos, o Capítulo 4, d.2.(e), dispõe o acesso à água para os dois Estados e para a cidade de Jerusalém sem qualquer

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discriminação entre si.202 É importante destacar que, por meio desse documento, o Estado judeu seria possuidor somente de uma porção do alto Jordão e outra pequena do baixo Jordão. Esse rio deveria ser de uso comum dos dois mencionados Estados,203 entretanto, o que se evidencia na região conflituosa atualmente é que a conjuntura política e jurídica está distante do que preconiza a Resolução 181. 3.1.2 Conferências de Paz de Haia

Como a disputa hídrica entre judeus e árabes tem seu

ponto de concentração em territórios conquistados por Israel em confronto bélico, ou seja, na Guerra dos Seis Dias, é necessário recorrer às Conferências de Haia de 1899 e 1907, pela importância a respeito do que elas estabelecem sobre as restrições militares da potência ocupante, bem como sobre a utilização dos recursos naturais situados em território ocupado.204

202 GENERAL ASSEMBLY. Resolutions adopted by the General Assembly at its 2nd session. 1947. Disponível em: <http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/181(II)>. Acesso em: 25 nov. 2017. 203 CAOUETTE, Geneviève. Que Le Vent emporte le Mythe: la guerre de l eau au proche-orient ná pas eu lieu. 2006. 134 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) − Universidade de Quebec, Montreal, 2006. Disponível em: <http://www.archipel.uqam.ca/3464/1/M9586.pdf >. Acesso em: 25 nov. 2017. 204 As duas Conferências da Paz realizadas em Haia, respectivamente em 1899 e 1907, ficaram conhecidas pelo seu carácter inovador no campo da diplomacia e das relações internacionais. Foram conferências multilaterais que não lidaram com a organização da ordem internacional num qualquer cenário pós-guerra, mas antes tiveram como instigadores os movimentos pacifistas que se organizaram no âmbito da sociedade civil do século XIX, bem como uma reação às perdas humanas na guerra potenciados pela destrutividade das armas que a inovação tecnológica potenciou. Outras novidades nas duas Conferências foram a participação da sociedade civil através dos movimentos pacifistas, o carácter aberto das sessões, tendo a imprensa dado grande relevo às sessões, e a aplicação

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A Conferência de Paz de Haia foi realizada nos Países Baixos entre 18 de maio e 29 de julho de 1899. Além de limitar a atuação da nação ocupante, essa Conferência discorre sobre a maneira de o país invasor usufruir dos recursos naturais da nação sob seu poder. O artigo 43 desse documento estabelece que o poder ocupante deve respeitar a propriedade privada não a confiscando e acrescenta que o dominador deve tomar todas as medidas em seu poder para restaurar e garantir, na medida do possível, a ordem pública e a segurança, respeitando, a menos que absolutamente impedido, as leis vigentes no país.205

Do mesmo modo, o poder de ocupação deve adotar medidas para combater as ameaças à segurança de seu pessoal e à propriedade que esteja sob sua administração, o que significa que

do princípio igualitário de um voto por cada delegação. A Conferência de 1899 criou os precedentes a partir dos quais subsequentemente passaram a ser na prática diplomática das conferências multilaterais: um sistema de comissões para organizar os trabalhos e reportá-los ao plenário, uma comissão de redacção e um Acto Final. Apesar dos dois conflitos bélicos mundiais posteriores, as duas Conferências da Paz realizadas em Haia traduziram um esforço de diversos actores políticos para estabelecer mecanismos de resolução pacífica de conflitos e restringir as acções militares, com ênfase na criação de normas multilaterais capazes de regular as relações internacionais em tempos de guerra e paz. Esta experiência viria depois a ser desenvolvida no seio da Sociedade das Nações, com a criação de um “Tribunal Permanente de Justiça Internacional”, bem como mais tarde, após a II Guerra Mundial, a Carta das Nações Unidas viria a consagrar a existência do “Tribunal Internacional de Justiça” (art.92). INSTITUTO DIPLOMATICO. Ministério dos Negócios Estrangeiros. Conferência da Paz (1899 e 1907). Disponível em: <https://idi.mne.pt/pt/relacoesdiplomaticas/2-uncategorised/821-conferencia-da-paz-1899-e-1907.html>. Acesso em: 25 nov. 2017. 205 BURKART, Lauro. The politicization of the Oslo Water Agreement. 2012. f. Dissertação (Mestrado em História Internacional e Política) − Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais, Genebra, Suíça, 2012. p. 10. Disponível em: <http://repository.graduateinstitute.ch/record/14958/usage>. Acesso em: 25 nov. 2017.

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as necessidades militares não podem justificar o não atendimento às necessidades da população sob ocupação militar.206

Sublinha-se que o artigo 55 da Segunda Conferência de Paz de Haia, realizada em 1907, reza que o Estado ocupante será considerado apenas como administrador e usufrutuário de edifícios públicos, imóveis e propriedades agrícolas de seu domínio no Estado ocupado.207

Segundo inteligência das normas aludidas, o Estado israelense, como poder ocupante dos territórios palestinos, possui o dever de respeitar e aplicar essas normas internacionais em todas as áreas conquistadas em tempo de guerra e que estão sob sua posse.

3.1.3 Quarta Convenção de Genebra

A Quarta Convenção de Genebra, de 1949, documento

conjunto, é uma obra que resultou de encontros realizados na Suíça que tinham o objetivo comum de resguardar os direitos humanos em tempos de guerra. Entre outras disposições, proíbe o Estado ocupador de se aproveitar dos recursos naturais de um território sob sua ocupação.208 Destaca-se o disposto no artigo 55 da Convenção:

Tanto quanto lho permitam as suas possibilidades, a Potência ocupante tem o dever de assegurar o abastecimento da população em víveres e produtos médicos; deverá especialmente importar os alimentos, os abastecimentos médicos e outros

206 KOEK, Elisabeth. Water for one people: discriminatory acess and water apartheid in the OPT. Ramallah, Palestine: A Haq, 2013. p. 36. 207 Ibid., p. 37. 208 LIFESOURCE. Our right to water: the human right to water in palestinian. 2012. Disponível em: <https://canadians.org/sites/default/files/publications/RTW-Palestine-1.pdf>. Acesso em: 30 nov. 2017.

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artigos necessários, se os recursos do território ocupado forem insuficientes. A Potência não poderá requisitar víveres, artigos ou fornecimentos médicos que se encontrem no território ocupado, a não ser para uso das forças de ocupação e pessoal da administração, e deverá ter em consideração as necessidades da população civil. Sob reserva das estipulações de outras convenções internacionais, a Potência ocupante deverá tomar as disposições necessárias para que qualquer requisição seja indenizada pelo seu justo valor. As Potências protetoras poderão, em qualquer altura, verificar livremente o estado dos abastecimentos de víveres e medicamentos nos territórios ocupados, com reserva das restrições temporárias que forem consideradas necessárias por imperiosas exigências militares.209

A partir desse dispositivo, observa-se que a potência

ocupante, entre suas diversas responsabilidades, tem a tarefa de assegurar os elementos necessários para a sobrevivência da população ocupada, sendo possível entender que a água está incluída implicitamente nessa categoria. Corrobora com essa assertiva o artigo 53 da Quarta Convenção, segundo o qual o país dominante não deve destruir as propriedades, sejam públicas,

209 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Decreto n. 42.121, de 21 de agosto de 1957. [1957]. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1950-1959/decreto-42121-21-agosto-1957-457253-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 31 jan. 2018.

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sejam privadas, situadas no território ocupado a não ser por imperiosa necessidade militar, sob pena de cometer crime de guerra.210 Nesse diapasão, pode-se inferir que a destruição de cisternas de coleta de água da chuva, poços e encanações hídricas, como vem ocorrendo na Palestina, não estão sendo realizadas devido a necessidades indispensáveis do exercíto israelense.211 Esse tipo de conduta é tipificado como crime de guerra e pode ser levado à apreciação da Corte Internacional de Justiça de Haia.

3.1.4 Os Acordos de Oslo

Figura 11: Yitzhak Rabin, Yasser Arafat e Bill Clinton, assinam

o Acordo de Oslo212

210 KOEK, op. cit., p. 38. 211 Idem. 212 O INFORMANTE. Acordo de Oslo, 20 anos depois: muito ainda a se fazer. 2013. Disponível em: <http://codinomeinformante.blogspot.com.br/2013/09/acordo-de-oslo-20-anos-depois-muito.html>. Acesso em: 6 abr. 2018.

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Em se tratando de conflito pela água no Oriente Médio, os Acordos de Oslo são muito importantes, haja vista que foi a primeira vez que se estabeleceu um tratado entre judeus e palestinos no qual houve aceite bilateral a respeito da água, devendo as partes cooperarem entre si a respeito dos recursos hidrícos.213 É importante destacar que esses documentos ainda produzem efeitos entre Israel e a população palestina nos dias atuais e são reflexo direto da Conferência de Paz em Madri,214 que tentou pacificar e resolver a Primeira Intifada Palestina.215 Esse

213 SANTOS, Tânia Filipa Vargas. O conflito israelo-arabe e os problemas da água: da escassez ao conflito. 2013. 87 f. Dissertação (Mestrado) – FEUC, Coimbra, 2013. Disponível em: <http://docplayer.com.br/6536808-O-conflito-israelo-arabe-e-os-problemas-da-agua-da-escassez-ao-conflito.html>. Acesso em: 30 nov. 2017. 214 Desde a assinatura do tratado de paz entre Egipto e Israel (em 1979), várias iniciativas foram apresentadas por Israel e outros para promover o processo de paz no Médio Oriente. Essas tentativas acabaram por levar à convocação da Conferência de Paz de Madrid (em outubro de 1991), realizada sob os auspícios dos americanos e soviéticos, que reuniu representantes de Israel, Síria, Líbano, Jordânia e Palestina. Os processos formais foram seguidos por negociações bilaterais entre as partes e por conversas multilaterais sobre preocupações regionais. EMBAIXADA DE ISRAEL EM PORTUGAL. História: o processo de paz. Disponível em: <http://embassies.gov.il/Lisboa/AboutIsrael/history/Pages/HISTORIA-processo-paz.aspx>. Acesso em: 5 dez. 2017. 215 A palavra intifada em árabe tem um sentido de uma acção que faz agitar as coisas, que faz mexer. Ficou colada aos palestinianos em dezembro de 1987 quando após uma colisão de um camião israelita com duas carrinhas levando trabalhadores palestinianos morreram quatro palestinianos. Esta foi a “guerra das pedras”, quando muitos jovens palestinianos atacaram sobretudo forças ocupantes, militares israelitas – estes receberam a famosa ordem de Yitzhak Rabin para “partir os ossos” dos revoltosos (morreram mais de mil palestinianos na repressão). O movimento espontâneo contra a ocupação, que ganhou o apoio da liderança palestiniana, sobretudo da Fatah, a facção de Yasser Arafat, que queria conseguir um Estado palestiniano independente. A revolta ganhou alguma simpatia internacional e negociações de paz culminaram na assinatura dos Acordos de Oslo em 1993. GUIMARÃES, Maria João. Perguntas e

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levante, por um lado, tentou restabelecer a ordem social em Gaza e na Cisjordânia; por outro, levou a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) a querer a independência da Palestina, operando a resistência desde a cidade de Tunes, na Tunísia.

Do mesmo modo, os comitês populares foram entidades articuladas por diferentes facções que podem ser consideradas a espinha dorsal da revolta.216 Nesse cenário, a revolta palestina se intensificou, estendendo-se de Gaza à Cisjordânia e tornando-se um assunto muito discutido em Madri, mas que só atingiu seu escopo em Oslo, na Naruega, em 1993. 217

A Conferência de Madri realizada em outubro de 1991 teve como base a Resolução 242 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de 22 de novembro de 1967.218

A resolução encarna o princípio que tem guiado a maioria dos planos subsequentes: a troca de terra por paz. Ela pedia “a saída das Forças Armadas israelenses dos territórios ocupados no conflito daquele ano, como Jerusalém Oriental, a península do Sinai, Cisjordânia e as colinas de Golã, e o “respeito pela soberania, integridade

respostas. 2017. p. 2. Disponível em: <https://www.publico.pt/2017/12/08/mundo/perguntaserespostas/o-que-e-uma-intifada-1795255>. Acesso em: 5 dez. 2017. 216 BURKART, Lauro. The politicization of the Oslo Water Agreement. 2012. Dissertação (Mestrado em História Internacional e Política) − Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais, Genebra, Suíça, 2012. p. 10. Disponível em: <https://repository.graduateinstitute.ch/youraccount/login?action=9c05fe858bc9f9b14F978D98304942e0382cd1&amp;ln=en&amp;referer=https%3A%2F%2Frepository.graduateinstitute.ch%2Frecord%2F14958%2Ffiles%2F97667574_152303306_15992_16433_256639.pdf%3F>. Acesso em: 5 dez. 2017. 217 Ibid., p. 10. 218 BURKART, op. cit., p. 10.

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territorial e independência política de cada Estado na região e seu direito de viver em paz”. Mas a resolução é famosa por sua imprecisão ao pedir a retirada israelense de “territórios”. Israel argumentou que isso não significava necessariamente a retirada de todos os locais ocupados.219

Apesar dos esforços norte-americano e russo, as negociações entre judeus e árabes em Madri não avançaram. Do lado israelense, quem conduzia a situação era a ala da direita nacionalista, enquanto por parte dos palestinos havia uma forte influência do Hamas.220 Ressalta-se que a Primeira Intifada havia transformado a Faixa de Gaza e a Cisjordânia em um território ingovernável, e Israel tinha interesse em manter sua segurança nacional.221 Devido ao fracasso em Madri, Israel iniciou conversas diretas e secretas com a OLP em Oslo, em 1993. As negociações levaram israelenses e palestinos a assinar a Declaração de Princípios do Arranjo de Governo Interino (DOP), em 13 de setembro de 1993, em Washington. 222

219 BBC BRASIL. Histórico de acordos de paz para o Oriente Médio. 2010. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2010/09/100902_entenda_acordos_orientemedio_rc >. Acesso em: 7 dez. 2017. 220 BURKART, Lauro. The politicization of the Oslo Water Agreement. 2012. Dissertação (Mestrado em História Internacional e Política) − Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais, Genebra, Suíça, 2012. p. 10. Disponível em: <http://repository.graduateinstitute.ch/record/14958/usage>. Acesso em: 7 dez. 2017. 221 Ibid., p. 10. 221 LIFESOURCE. Our right to water: the human right to water in Palestinian. Ano. Disponível em: <https://canadians.org/sites/default/files/publications/RTW-Palestine-1.pdf>. Acesso em: 7 dez. 2017. 222 BURKART, op. cit., p, 10

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Após meses de intensos contactos discretos em Oslo entre negociadores de Israel e da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), uma Declaração de Princípios (DP) foi formulada, delineando determinações de autogoverno dos palestinianos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. A sua assinatura, em 13 de setembro de 1993, foi precedida por uma troca de cartas entre o presidente da OLP, Yasser Arafat, e o primeiro-ministro Yitzhak Rabin, em que a OLP renunciou ao uso do terrorismo, comprometeu-se a invalidar os artigos em sua aliança que negam o direito de existência de Israel, e comprometeu-se a uma resolução pacífica do conflito, que já durava décadas. Em resposta, Israel reconheceu a OLP como representante do povo palestiniano.223

Sublinha-se que os Acordos de Oslo ocorreram em etapas e que a primeira assinatura foi registrada no Cairo, em 1994. Ao concluir as negociações, os documentos consistiram em Oslo I, II e anexos I, II e III. Entretanto, para que se chegasse a uma possível ratificação, Israel estabeleceu certos critérios. O primeiro seria que os assentamentos judaicos e as zonas militares presentes na Cisjordânia e na Faixa de Gaza não estariam sob jurisdição da Autoridade Palestina, dispondo-se no artigo 2º do Anexo II que a gestão de água para as colônias e as zonas militares israelenses estariam fora do controle palestino, continuando a ser

223 EMBAIXADA DE ISRAEL EM PORTUGAL. História: o processo de paz. Ano. Disponível em: <http://embassies.gov.il/Lisboa/AboutIsrael/history/Pages/HISTORIA-processo-paz.aspx>. Acesso em: 7 dez. 2017.

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responsabilidade da empresa israelense de água nacional Mekorot.224 No que tange à utilização do Aquífero da Montanha, foi estabelecido que a quantidade de água consumida não seria diminuída, ou seja, permaneceria 80% de consumo israelense, e 20% palestino.225

Os Acordos de Oslo II firmados em 1995, formalmente intitulados "Acordo provisório sobre Cisjordânia e Faixa de Gaza”, estabeleceram três zonas territoriais na Cisjordânia, sendo elas: zona A, B e C, respectivamente. Na zona A, a Autoridade Palestina seria a responsável pela ordem pública e pela segurança interna. Na zona B, a Autoridade Palestina assumiria a responsabilidade pela ordem pública, enquanto Israel controlaria a segurança interna. No que tange à zona C, Israel manteria controle exclusivo sobre essa parte, além disso os judeus também manteriam controle exclusivo sobre fronteiras, segurança externa, Jerusalém e assentamentos.226

As zonas dos Acordos de Oslo ficaram divididas como ilustra a Figura 12.

224 KHADER, Bichara. Colonialismo hídrico em Oriente Medio. Papeles de Cuestiones Internacionales. Barcelona, n. 97, p. 60, 2007. 225 AMNESTY INTERNACIONAL. Troubled waters: palestinians denied fair access to water. London: Amnesty Internacional Publication, 2009. p. 20. 226 UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. Desk study on the environment in the occupied palestinian territories. Disponível em: <https://postconflict.unep.ch/publications/INF-31-WebOPT.pdf >. Acesso em: 7 dez. 2017.

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Figura 12: Zonas dos Acordos de Oslo227

O grupo Hamas228 bem como outras correntes de resistência palestina não aceitaram os termos de Oslo e iniciaram

227 CONEXÃO ISRAEL. O abc do conflito. Disponível em: <http://www.conexaoisrael.org/wp-content/uploads/2013/05/area-a-b-c1.jpg>. Acesso em: 3 out. 2017. 228 O Hamas é uma organização política, cultural e social firmada em bases populares e que possui uma ala militar separada para resistir a

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ataques suicidas contra Israel. Ainda, o governo israelense enfrentou a oposição de colonos israelenses e de outros setores da sociedade que entendiam os tratados como prejudiciais à nação.229

A questão da água ficou disposta no anexo III da Declaração de Princípios do acordo, e a cooperação árabe-israelense, em matéria de desenvolvimento regional, no anexo IV.230 O Pacto também estabeleceu o Comitê Conjunto da Água, com a quantidade de membros igual para ambos os lados. Este órgão teria a função de assegurar e regular a implementação da política hídrica e questões relacionadas com esgoto na Cisjordânia.231

Os principais itens relacionados à água, no Acordo, são os seguintes:

• Israel reconhece o direito a água dos palestinos na Cisjordânia. No entanto, estes serão discutidos em futuras negociações de status permanente.

• Ambos os lados reconhecem a necessidade de desenvolver instrumentos que possam promover água adicional para vários usos.

• Ambos os lados concordam em cooperar a respeito do gerenciamento de recursos de água e sistemas de esgoto na Cisjordânia durante o período intercalar.

presença israelense na Palestina. HROUB, Khaled. Hamas: um guia para iniciantes. Rio de Janeiro: Difel, 2006. 229 BBC BRASIL. Histórico de acordos de paz para o Oriente Médio. 2010. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2010/09/100902_entenda_acordos_orientemedio_rc >. Acesso em: 7 dez. 2017. 230 KHADER, Bichara. Colonialismo hídrico em Oriente Medio. Papeles de Cuestiones Internacionales. Barcelona, n. 97, p. 59, 2007. 231 EUROPEAN PARLIAMENT. Water in the israeli palestinian conflict. Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/BRIE/2016/573916/EPRS_BRI%282016%29573916_EN.pdf>. Acesso em: 7 dez. 2017.

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• Israel deve transferir poderes e responsabilidades para o lado palestino para o gerenciamento da rede de água e esgoto na Cisjordânia.

• Ambos os lados concordam que as necessidades futuras dos palestinos na Cisjordânia são estimadas entre 70-80 milhões de metros cúbicos de água por ano.

• Para implementar seus compromissos, os dois lados estabelecerão um Comitê Conjunto da Água.

• Os acordos existentes entre os dois lados sobre recursos hídricos, sistemas de água e esgoto na Faixa de Gaza permaneceriam inalterados.232

É importante destacar que as necessidades futuras dos palestinos estimadas em 70 a 80 milhões de metros cúbicos de água não incluíam o volume de água utilizado por eles na ratificação do documento. Essa cifra estaria estimada em 118 milhões de metros cúbicos por ano.233 Então, ficou determinado que, além da extração árabe de 20% anual de volume de água renovável do Aquífero da Montanha, os palestinos poderiam usufruir do Aquífero Costeiro segundo suas necessidades.234 No entanto, os Acordos de Oslo foram omissos no que se refere à partilha de água do Jordão, a qual os palestinos perderam acesso desde a Guerra dos Seis Dias.235

232 WATER AUTHORITY. State of Israel: the issue of water between Israel and the Palestinian. Disponível em: <http://siteresources.worldbank.org/INTWESTBANKGAZA/Resources/IsraelWaterAuthorityresponse.pdf>. Acesso em: 7 dez. 2017. 233 Ibid. 234 EUROPEAN PARLIAMENT. Water in the israeli palestinian conflict. Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/BRIE/2016/573916/EPRS_BRI%282016%29573916_EN.pdf >. Acesso em: 7 dez. 2017. 235 AMNESTY INTERNACIONAL. Troubled waters: palestinians denied fair access to water. Londres: Amnesty Internacional Publication, 2009. p. 20.

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A partir das normativas de Oslo, em 26 de abril de 1995, a Autoridade Palestiniana estabeleceu a Autoridade Palestiniana da Água236, cujas atribuições destacam-se:

• Alocar água para usos benéficos. • Emitir licenças e autorizações para uso dos

recursos hídricos. • Cobrar taxas fixas por emissão de licenças e

permissões conforme especificado na Lei da Água e regulamentos.

• Garantir a utilização ideal dos recursos hídricos para uso público.237

A Autoridade Palestiniana também conseguiu instituir na Cisjordânia o Departamento de Água da Cisjordânia, tendo este apenas a função de monitorar o nível de manuseio realizado pelos árabes em 13 poços de água que são operados em cooperação com a estatal Mekorot.238

Estudiosos argumentam que os Acordos de Oslo, no que tangue à água, somente passaram para a Autoridade Palestina sua gestão, enquanto Israel continuou com o controle hídrico dos recursos naturais.239 Não bastasse isso, os tratados serviram de

236 UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. Desk study on the environment in the occupied palestinian territories. Disponível em: https://postconflict.unep.ch/publications/INF-31-WebOPT.pdf >. Acesso em: 7 dez. 2017. 237 UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. Desk study on the environment in the occupied palestinian territories. Disponível em: <https://postconflict.unep.ch/publications/INF-31-WebOPT.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2017. 238 AMNESTY INTERNACIONAL. Troubled waters- palestinians denied fair access to water. Londres: Amnesty Internacional Publication, 2009. p. 19. 239 SELBY, Jan. Dependence, independence and interdependence in the palestinian water sector. In: THE BIRZERT STRATEGIC STUDIES FORUM. Water in Palestine. Palestine: Birzeit University, 2013. p. 53. Disponível em:

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base para a legitimação das ordens militares israelenses, fazendo com que a política vigente nos territórios ocupados permanecesse a mesma da conjectura anterior aos encontros na Noruega.240

3.2 REGIMENTO INTERNO ISRAELENSE

Logo depois da criação do Estado de Israel, uma nova portaria dispôs que as leis vigentes no novo território continuariam vigorando desde que não entrassem em choque com a própria existência da recente criada nação. Dessa forma, o ordenamento jurídico israelense ficou constituído de dispositivos otomanos, ingleses e religiosos judaicos. No entanto, a maior parte das normas provêm da jurisprudência e leis estatais elaboradas a partir de 1948. Pode-se dizer que esse arcabouço jurídico funciona como uma espécie de constituição, haja vista esta nação não possuir uma propriamente dita.241 3.2.1 Lei da Água

No ano de 1959, o governo israelense estabeleceu a Lei da Água242, segundo a qual todas as fontes desse recurso natural

<http://ialiis.birzeit.edu/sites/default/files/Water%20in%20Palestine.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2017. 240 LIFESOURCE. Our Right to Water: The human right to water in Palestinian. Disponível em: <https://canadians.org/sites/default/files/publications/RTW-Palestine-1.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2017 241 EMBAIXADA DE ISRAEL EM PORTUGAL. O Estado: Lei da terra. Disponível em: <http://embassies.gov.il/Lisboa/AboutIsrael/State/Pages/ESTADO-Leis.aspx>. Acesso em: 12 dez. 2017 242 ZUFFO, Antonio Carlos, ZUFFO Mônica Soares Resio. Gerenciamento de Recursos Hídricos. Conceitualização e conceitualização. Rio de Janeiro: 2016 Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=9K44DwAAQBAJ&pg=PT177&lpg=PT177&dq=Lei+da+Água+de+1959++israel&source=bl&ots=PG

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em âmbito nacional são de propriedade pública. Os direitos de propriedade não conferem direitos a quaisquer fontes de água que atravessem terrenos privados. Toda pessoa tem direito a usar água, desde que esse uso não cause a salinação ou o esgotamento dos recursos hídricos.243 Essa norma jurídica continua sendo a base para a política e a gestão da água no Estado de Israel.244

As disposições da Lei da Água foram originalmente executadas pelo Ministério da Agricultura, por meio da Comissão da Água e do Conselho de Água. Além de suas atribuições, esse Ministério tem competência para prescrever normas que visem à quantidade, à qualidade, ao preço, às condições de fornecimento e ao uso de água, e regras para sua utilização eficiente e econômica. Depois do estabelecimento do Ministério do Meio Ambiente, foi delegado a este a competência para promulgar regulamentos que protejam a qualidade da água e previnam sua poluição. 245

kmWtXKuD&sig=BCSTJZXG8B__HodLUNfKsNslptM&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwicx9SL8fPYAhVKHZAKHb5aCRIQ6AEITDAG#v=onepage&q&f=false >. Acesso em: 12 dez. 2017. 243 ISRAEL MINISTRY OF FOREIGN AFFAIRS. The Water Law of 1959. Disponível em: http://www.mfa.gov.il/mfa/pressroom/1998/pages/the%20water%20law%20of%201959.aspx>. Acesso em: 12 dez. 2017. 244 ZUFFO, Antonio Carlos, ZUFFO Mônica Soares Resio. Gerenciamento de Recursos Hídricos. Conceitualização e conceitualização. Rio de Janeiro: 2016 Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=9K44DwAAQBAJ&pg=PT177&lpg=PT177&dq=Lei+da+Água+de+1959++israel&source=bl&ots=PGkmWtXKuD&sig=BCSTJZXG8B__HodLUNfKsNslptM&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwicx9SL8fPYAhVKHZAKHb5aCRIQ6AEITDAG#v=onepage&q&f=false >. Acesso em: 12 dez. 2017. 245 Op. cit.

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3.2.2 Ordens militares

Depois da Guerra dos Seis Dias, Israel passou a governar os territórios conquistados na guerra sob o diapasão de ordens militares. Dentro do exército foi criado a chamada Administração Civil, que se encarregaria de dirigir os assuntos cíveis na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. E é esse departamento dentro do exército estatal que expede as normas regulamentadoras nas aludidas proporções de terra.246 É imperativo citar que essa Administração Civil em território ocupado é um dos regulamentos fixados nas Conferências da Paz de Haia.247

Com o término da Guerra dos Seis Dias, Israel expediu diversas ordens militares, como a de número 92, por meio da qual estabeleceu que as águas dos novos territórios conquistados eram recursos estratégicos sob controle militar248; e a de número 158, estabelecida em novembro de 1967, que dispõe que os palestinos não podem construir qualquer tipo de instalação hídrica sem obtenção de uma permissão militar.249 Essas permissões são concedidas raramente, mediante alegação de que é preciso melhorar o sistema de irrigação existente e não perfurar novos poços, e não atingem a estatal Mekorot.250A ordem de número 291,

246 UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. Desk Study on the Environment in the Occupied Palestinian territories. Disponível em: <https://postconflict.unep.ch/publications/INF-31-WebOPT.pdf >. Acesso em: 12 dez. 2017. 247 WERNECK, Pedro. Assentamentos judaicos são ilegais e violam a Convenção de Genebra, 2012. Disponível em: http://israelxxpalestina.blogspot.com.br/2012/04/assentamentos-judaicos-sao-ilegais-e.html>. Acesso em: 12 dez. 2017. 248 KHADER, Bichara. Colonialismo Hídrico em Oriente Medio. Papeles de Cuestiones Internacionales. Barcelona, 2007, n. 97. p. 62. 249 AMNESTY INTERNACIONAL. Troubled Waters: palestinians denied fair access to water. Amnesty Internacional Publication. London: [s.n.], 2009. p. 12. 250 Op. cit., p. 62.

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por sua vez, criada em dezembro de 1968, dispõe que são nulos os acordos referentes à terra e à água estabelecidos antes da administração israelense.251 As restrições militares têm afetado a agricultura palestina, consequentemente seu desenvolvimento econômico, por não permitirem que os palestinos acessem adequadamente a quantidade necessária de água para esse setor. Ao mesmo tempo, os colonos israelenses da Cisjordânia conseguem irrigar suas fazendas sem obstáculo algum. 252 Isso se dá justamente porque os judeus assentados nessa localidade são regidos pela Lei da Água, e não pelas ordens militares.

3.2.3 Comitê Conjunto da Água

O Anexo II, artigo 7º, dos Acordos de Oslo, que criou o

Comitê Conjunto da Água, instituiu esta entidade como um órgão permanente formado por número igual de membros para ambas as partes signatárias do tratado. Seu escopo é a implementação das disposições fixadas no pacto referente à política hídrica entre árabes e judeus.253 Especificamente, esse órgão tem a tarefa de assegurar que cada cidadão desfrutará de seu direito de acesso à água no âmbito do desenvolvimento sustentável dos recursos disponíveis. 254

251 AMNESTY INTERNACIONAL. Troubled Waters: palestinians denied fair access to water. Amnesty Internacional Publication. London: [s.n.], 2009. p. 12. 252 AMNESTY INTERNACIONAL. Troubled Waters: palestinians denied fair access to water. Amnesty Internacional Publication. London: [s.n.], 2009. p. 13. 253 URI, Shamir. Water Agreements Between Israel and its Neighbors. Disponível em: <http://ialiis.birzeit.edu/sites/default/files/Water%20in%20Palestine.pdf >. Acesso em: 12 dez. 2017. 254 UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. Desk Study on the Environment in the Occupied Palestinian territories. Disponível em: https://postconflict.unep.ch/publications/INF-31-WebOPT.pdf >. Acesso em: 12 dez. 2017.

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Observa-se que o artigo 40 do Anexo II dos Acordos de Oslo proíbe que seja realizado qualquer tipo de desenvolvimento de recursos e sistemas hídricos, incluindo o licenciamento e a perfuração de novos poços e a modificação ou a construção de nova infraestrutura de água e esgoto, sem aprovação prévia do Comitê Conjunto da Água.255

Diante do princípio da primazia da realidade, pode-se afirmar que o Comitê Conjunto da Água somente esporadicamente consegue aprovar qualquer tipo de projeto relacionado à água. Se essa situação não fosse suficiente, constata-se que apenas alguns dos projetos aprovados recebem a permissão de realmente serem implementados. Ressalta-se que o Banco Mundial informou, em abril de 2009, que apenas 50% dos projetos apresentados ao Comitê tinham sido aprovados, e apenas 1/3 implementados.256 Em sua defesa, o governo israelense afirma que os projetos não aprovados foram rejeitados por não estarem de acordo com o que deveria ser implementado a partir de Oslo, principalmente no que diz respeito à perfuração de novos poços palestinos nas bacias do norte e do oeste do Aquífero da Montanha.257 Referente aos projetos que receberam aprovação, mas que não foram efetivados por falta de implementação, o governo israelense alega que são as autoridades palestinas as que estão compromentendo o andamento

255 KOUITTAB, Alexander. Thinking Strategically About Water: future scenarios for the palestinian water sector. In: THE BIRZERT STRATEGIC STUDIES FORUM. Water in Palestine. Palestine: Birzeit University, p. 11. 2013. Disponível em: <http://ialiis.birzeit.edu/sites/default/files/Water%20in%20Palestine.pdf >. Acesso em: 12 dez. 2017. 256 LIFESOURCE. Our Right to Water: the human right to water in palestinian. Disponível em: <https://canadians.org/sites/default/files/publications/RTW-Palestine-1.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2017. 257 WATER AUTHORITY. State of Israel. The Issue of Water Between Israel and the Palestinian. Disponível em: <http://siteresources.worldbank.org/INTWESTBANKGAZA/Resources/IsraelWaterAuthorityresponse.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2017.

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dos projetos, uma vez que elas dependem de doadores e de capital estrangeiro para esses empreendimentos.258 Além do mais, as autoridades israelensenes são categóricas em afirmar que são cumpridoras das normativas fixadas no Pacto de Oslo259 e que são os palestinos que têm violado os acordos, por permitirem perfurações de novos poços e não tratarem as águas residuais.260

É certo afirmar que o que vem sendo constatado em território palestino é que, apesar do escopo de Oslo de que houvesse uma cooperação árabe-israelense com a criação do Comitê, este órgão somente decide sobre a gestão da água nas zonas A e B, não tendo poder de decisão sobre a zona C.261 Exemplo disso, como foi mencionado anteriormente, é que Israel, quando quer executar qualquer empreendimento hídrico dentro de seus assentamentos na Cisjordânia, não submete os projetos à apreciação do Comitê Conjunto da Água.262

258 BURKART, Lauro. The Politicization of the Oslo Water Agreement. 2012. Dissertação (Mestrado em História Internacional e Política) − Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais, Genebra, Suíça, 2012. p. 45. Disponível em: <http://repository.graduateinstitute.ch/record/14958/usage >. Acesso em: 12 dez. 2017. 259 SELBY, Jan. Dependence, Independence and Interdependence in the Palestinian Water Sector. In: THE BIRZERT STRATEGIC STUDIES FORUM. Water in Palestine. Palestine: Birzeit University, p. 54. 2013. Disponível em: <http://ialiis.birzeit.edu/sites/default/files/Water%20in%20Palestine.pdf >. Acesso em: 12 dez. 2017. 260 Op. cit., p. 45. 261 BROOKS, David; TROTTIER, Julie: confronting water in an israel-palestinian peace agreement. Journal of Hydrology, v. 382, p. 103-114, mar. 2010, p. 104. Disponível em: <http://www.un.org/en/sc/documents/resolutions/1967.shtml>. Acesso em: 12 dez. 2017. 262 KOUITTAB, Alexander. Thinking Strategically About Water: future scenarios for the palestinian water sector. In: THE BIRZERT STRATEGIC STUDIES FORUM. Water in Palestine. Palestine: Birzeit University, p. 12. 2013. Disponível em:

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Tal cenário indica que a discórdia é um elemento presente no seio do Comitê, que está longe do escopo de cooperação fixado por Oslo. O lado israelense acusa o organismo de não ser eficiente, pois não impede a poluição das águas compartilhadas por parte dos palestinos. 263 Já os palestinos afirmam que o Comitê Conjunto da Água é uma instituição discriminatória que os impede de desenvolver seu setor de água.264 Para acirrar ainda mais essa discórdia, Israel mantém um controle substancial do organismo, uma vez que seu governo tem poder de veto em todas as decisões tomadas pela aludida entidade.265

Desde que os acordos foram assinados, Israel alega que os palestinos estariam violando os Acordos de Oslo, pois perfuram poços sem a autorização do Comitê Conjunto da Água, principalmente na localidade da bacia do norte, calculando que aproximadamente 250 poços ilegais foram abertos, o que resulta em uma extração de 10 milhões de metros cúbicos anuais de extração de água sem permissão. As autoridades judaicas afirmam, com base nos Acordos, que o abastecimento futuro e permanente da população palestina seria fornecido pelo aquífero oriental e leste e que os poços que estão sendo perfurados nas áreas A e B prejudicam o abastecimento na parte norte do país.266

<http://ialiis.birzeit.edu/sites/default/files/Water%20in%20Palestine.pdf >. Acesso em: 12 dez. 2017. 263 BROOKS, David; TROTTIER, Julie: confronting water in an israel-palestinian peace agreement. Journal of Hydrology, v. 382, p. 103-114, mar. 2010, p. 104. Disponível em: <http://www.un.org/en/sc/documents/resolutions/1967.shtml>. Acesso em: 12 dez. 2017. 264 BURKART, Lauro. The Politicization of the Oslo Water Agreement. 2012. Dissertação (Mestrado em História Internacional e Política) − Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais, Genebra, Suíça, 2012. p. 37. Disponível em: <http://repository.graduateinstitute.ch/record/14958/usage >. Acesso em: 12 dez. 2017. 265 KOEK, Elisabeth. Water For One People: discriminatory acess and water apartheid in the OPT. Ramallah, Palestine: A Haq, 2013. p. 21. 266 WATER AUTHORITY. State of Israel. The Issue of Water Between Israel and the Palestinian. Disponível em:

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3.2.4 Autoridade Palestiniana da Água

A Autoridade Palestiniana da Água foi instituida em 1994 pelo Decreto Presidencial n. 90. A este documento foi anexado a Lei da Água, que definiu a estrutura institucional e o mandato da entidade. Com isso, iniciou a tentativa de separação do sistema de água sob controle israelense e do sistema sob responsabildiade da Autoridade Palestina, principalmente no que tange ao uso de água de encanamentos palestinos pelos assentamentos judaicos.267

A aludida entidade tem como objetivos: • Desenvolvimento e proteção dos recursos hídricos. • Uso mais eficiente do abastecimento de água. • Proteção dos recursos hídricos contra a poluição e

o esgotamento. • Promoção e aplicação dos Princípios envolvidos no

planejamento, na operação, no gerenciamento e no conhecimento dos recursos hídricos.

• Justiça na distribuição de serviços de água e saneamento.

• Preparação de políticas, estratégias e planos integrados para o setor de água.

• Supervisão e controle do desenvolvimento de sistemas de distribuição nacional e local.

• Desenvolvimento de regulamentos e legislação relacionada à justiça distributiva.

<http://siteresources.worldbank.org/INTWESTBANKGAZA/Resources/IsraelWaterAuthorityresponse.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2017. 267BURKART, Lauro. The Politicization of the Oslo Water Agreement. 2012. Dissertação (Mestrado em História Internacional e Política) − Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais, Genebra, Suíça, 2012. p. 37. Disponível em: <http://repository.graduateinstitute.ch/record/14958/usage >. Acesso em: 12 dez. 2017.

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• Gestão ativa dos princípios de boa governança no setor de água.

• Criação e desenvolvimento de instituições que trabalharão na gestão e na distribuição de água.

• Capacitação técnica e administrativa dos trabalhadores do setor aquático.

• Aplicação de conceitos de sustentabilidade financeira e promoção da participação do setor privado na gestão e na distribuição de água e saneamento.

• Investimento na construção institucional e alcance da excelência operacional para a autoridade da água.268

No que tange à gestão das águas residuais, a Autoridade Palestina da Água tem a responsabilidade sobre: legislação, planejamento de águas residuais, padrões de efluentes e manejo de lamas, áreas sem esgotos, águas residuais industriais, controle e monitoramento e drenagem de águas pluviais. Além disso, concede licenças e concessões para qualquer tipo de utilização de água ou uso final de águas residuais; supervisiona e monitora projetos individuais de água, bem como a preparação do Plano Nacional de Águas. Essas ações, entre outras, executadas pela Autoridade Palestina da Água precisam de aprovação do Comitê Conjunto da Água.269

De todas as maneiras, o que se observa é que essa entidade está engessada aos interesses israelenses, pois as aprovações e as licenças são deferidas segundo a vontade do governo de Israel, haja vista seu poder de veto nas decisões.

268 STATE OF PALESTINE. Water Authority. 2017. Disponível em: <http://www.pwa.ps/page.aspx?id=HdcdyCa2542132263aHdcdyC>. Acesso em: 12 dez. 2017. 269 UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. Desk study on the environment in the occupied palestinian territories. Disponível em: <https://postconflict.unep.ch/publications/INF-31-WebOPT.pdf >. Acesso em: 12 dez. 2017.

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3.3 DIREITOS HUMANOS DOS PALESTINOS DE ACESSO À ÁGUA

Neste tópico, será apresentada uma avaliação da restrição ao direito humano de acesso à água imposta aos palestinos pela presença judaica na Cisjordânia e na Faixa de Gaza depois da ocupação desses territórios na Guerra dos Seis Dias.

A respeito dos tratados internacionais que foram invocados no início deste Capítulo, ou seja, as Conferências de Haia e a Quarta Convenção de Genebra, é de suma importância destacar que o único documento considerado por Israel, e aplicado por sua Suprema Corte, tem sido as Conferências de Paz de Haia. E o governo israelense reconhece a autoridade dessas conferências por considerar que fazem parte do direito internacional consuetudinário, portanto parte integrante do corpo jurídico israelense, consequentemente vinculando à administração militar nos territórios palestinos.270

Israel alega não ser aplicador da Quarta Convenção de Genebra, apesar de ser um pacto contratual, porque a Jordânia e o Egito, devido à Guerra dos Seis Dias, perderam o poder de jurisdição sobre o território em disputa, de modo que a aplicação dessa Convenção estaria resguardando interesses desses dois países. No entanto, apesar dessa posição oficial ter sido adotada em 1971, Israel afirma que assegura as questões humanitárias da Convenção.

Reitera-se que o Conselho de Segurança da ONU considera a Quarta Convenção de Genebra como direito consuetudinário

270 BURKART, Lauro. The Politicization of the Oslo Water Agreement. 2012. Dissertação (Mestrado em História Internacional e Política) − Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais, Genebra, Suíça, 2012. p. 29. Disponível em: <http://repository.graduateinstitute.ch/record/14958/usage >. Acesso em: 5 jan. 2018.

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internacional, devendo este documento ser aplicado aos territórios ocupados por Israel na Cisjordânia e na Faixa de Gaza.271 Israel refere-se à Cisjordânia e à Faixa de Gaza como "territórios em disputa" ou “territórios administrados”, como dispõe a Segunda Conferência de Paz de Haia de 1907, e entende que essas terras não são territórios ocupados como descreve o direito internacional e o entendimento das Convenções de Genebra. Israel, além disso, afirma que não é responsável pelos direitos humanos dos palestinos, particularmente em áreas sob controle da Autoridade Nacional Palestina, mas a ONU e a Corte Internacional de Justiça (CIJ) discordam dessa posição.272

O Comitê de Direitos Humanos da ONU, por sua vez, entende que as obrigações dos signatários no âmbito do pacto se aplicam a todos os territórios e as populações sob seu controle efetivo. Afirma que, mesmo em uma situação de conflito ou ocupação armada, os direitos humanos essenciais devem ser respeitados e os direitos econômicos, sociais e culturais, como parte dos padrões mínimos de direitos humanos, são garantias do direito internacional consuetudinário, bem como estão dispostos pelo direito internacional humanitário.273 Como Israel nunca anexou a Cisjordânia e a Faixa de Gaza ao seu território, essas localidades são regidas pelas normas jurídicas militares, diferindo-se das Colinas de Golão, que foram anexadas ao mapa israelense, sendo os recursos hídricos deste território regulamentados pela Lei da Água de Israel.274 Apesar dos

271 Ibid., p. 19. 272 LIFESOURCE. Our Right to Water: the human right to water in palestinian. Disponível em: <https://canadians.org/sites/default/files/publications/RTW-Palestine-1.pdf>. Acesso em: 5 jan. 2018. 273 LIFESOURCE. Our Right to Water: the human right to water in Palestinian. Disponível em: <https://canadians.org/sites/default/files/publications/RTW-Palestine-1.pdf>. Acesso em: 5 jan. 2018. 274 BROOKS, David; TROTTIER, Julie: confronting water in an israel-palestinian peace agreement. Journal of Hydrology, v. 382, p. 103-114, mar., 2010. p. 104. Disponível em:

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territórios ocupados estarem sob regimento militar, os recursos hídricos estão sob jurisdição do Ministério da Agricultura Israelense275, ou seja, Israel controla o consumo de água proveniente da única fonte de água doce de que dispõem os moradores da Cisjordânia, o Aquífero da Montanha. Aos árabes só é permitido extrair 20% da massa hídrica dessa fonte. Como mencionado em momento anterior, essa restrição de consumo de água faz com que os palestinos tenham que comprar água de tanques de abastecimento israelense, quando poderiam ser geridas pela Autoridade Palestina se houvesse permissão.276

As restrições impostas pelo Estado de Israel aos árabes faz com que o direito humano de acesso à água se torne desigual na vida de um palestino se comparado a de um judeu. Há estimativas de que o consumo de água na Cisjordânia e na Faixa de Gaza encontre-se na linha de 70 litros por pessoa/dia, uma cifra abaixo do recomendado pela OMS, que estipula 100 litros per capita/dia. Em contrapartida, o consumo israelense atinge 300 litros por pessoa/dia em 2011.277 Calcula-se que, na zona rural, o consumo da população árabe não alcance o patamar dos 70 litros por dia que consome a população urbana, e há casos em que o acesso chega a cifras de 20 litros por dia.278 Em resposta a esses dados, fontes israelenses

<http://www.un.org/en/sc/documents/resolutions/1967.shtml>. Acesso em: 5 jan. 2018. 275 AMNESTY INTERNACIONAL. Troubled Waters: palestinians denied fair access to water. Amnesty Internacional Publication. London, [s.n.], 2009. p. 18. 276 Ibid., p. 9−10. 277 KOUITTAB, Alexander. Thinking strategically about water: future scenarios for the Palestinian water sector. In: THE BIRZERT STRATEGIC STUDIES FORUM. Water in Palestine. Palestine: Birzeit University, p. 10, 2013. Disponível em: <http://ialiis.birzeit.edu/sites/default/files/Water%20in%20Palestine.pdf >. Acesso em: 5 jan. 2018. 278 AMNESTY INTERNACIONAL. Troubled Waters: palestinians denied fair access to water. Amnesty Internacional Publication. London, [s.n.], 2009. p. 3.

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afirmam que sua administração responde às necessidades dos palestinos e ainda assim vem aumetando a quantidade de água fornecida, que tem alcançado estimativas maiores do que as que foram fixadas nos Acordos de Oslo.279

Segundo relatórios da Anistia Internacional280, no ano de 2009, Israel pressionou pastores paslestinos a abandonarem o vale do rio Jordão confiscando seus tanques artesanais de água, o que acabou privando não apenas os aldeões como seus gados do acesso à água. Outro exemplo ocorreu no vilarejo de Ras al-Ahmar, em junho de 2009, quando soldados israelenses derrubaram 18 casas e confiscaram os tanques artesanais de água dos aldeões, deixando aproximadamente 130 pessoas desabrigadas e sem acesso à água. Em janeiro de 2008, o exército de Israel demoliu nove cisternas de água da chuva no vilarejo de Beit Ula. Cada cisterna pertencia a uma família. Os reservatórios artesanais haviam sido construidos em 2006 como parte de um projeto rural financiado pela União Europeia.281 Observa-se que esses colonos palestinos do vale do Jordão utilizam tanques e cisternas de armazenamento de água porque não dispõem de água encanada.282 Sobre essa realidade,

279 WATER AUTHORITY. State of Israel. The Issue of Water Between Israel and the Palestinian. 2009. Disponível em: <http://siteresources.worldbank.org/INTWESTBANKGAZA/Resources/IsraelWaterAuthorityresponse.pdf>. Acesso em: 5 jan. 2018. 280 Anistia Internacional é uma Organização Não Governamental (ONG) que atua em mais de 150 países e possui mais de 2,2 milhões de membros e ativistas. O principal foco de atuação dessa organização é a luta pelo respeito aos direitos humanos, de forma que todas as pessoas, independentemente do país, possam desfrutar dos direitos estabelecidos na Declaração Internacional dos Direitos Humanos. Em 1997, a organização recebeu o Prêmio Nobel da Paz. BRASIL ESCOLA. Anistia Internacional. Disponível em: <http://brasilescola.uol.com.br/geografia/anistia-internacional.htm> acesso em: 5 jan. 2018. 281 AMNESTY INTERNACIONAL. Troubled Waters: palestinians denied fair access to water. Amnesty Internacional Publication. London. [s.n.], 2009. p. 40. 282 Ibid., p. 29.

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Catarina de Albuquerque aponta a necessidade de abordar essas demolições em um comunicado à imprensa pelo gabinete do Alto Comissariado para os direitos humanos.283

Esses beduínos, uma vez que são privados do direito humano de acesso à água, devido às restrições do regimento normativo israelense, devem pagar cerca de oito dólares americanos por litro de água, que são fornecidos por tanques móveis israelenses que percorrem a região. O preço fixado pelas unidades móveis é aproximadamente cinco vezes superior ao preço da água canalizada.284 Israel justifica sua conduta alegando que o vale do Jordão é uma zona estratégica militar.285 Segundo a Autoridade Nacional Palestina, Israel estaria utilizando a água como arma para evacuar vários beduínos da Cisjordânia286, descumprindo o que dispõe o artigo 43 da Segunda Conferência de Paz de Haia: a população sob poder de ocupação não deve ser retirada de suas terras.

De acordo com o direito internacional, Israel, como poder de ocupação nos territórios ocupados, tem responsabilidades bem definidas no

283 LIFESOURCE. Our right to water: the human right to water in Palestinian. Disponível em: <https://canadians.org/sites/default/files/publications/RTW-Palestine-1.pdf>. Acesso em: 5 jan. 2018. 284 UNITED NATIONS OFFICE FOR THE CORDINATION OF HUMANITARIAN AFFAIRS (OCHA). How Dispossession Happens: the takeover of palestinian water springs by israeli settlers. 2012. p. 12. Disponível em: <https://www.ochaopt.org/content/how-dispossession-happens-takeover-palestinian-water-springs-israeli-settlers-march-2012>. Acesso em: 5 jan. 2018. 285 KOEK, Elisabeth. Water For One People: discriminatory acess and water apartheid in the OPT. Ramallah, Palestine: A Haq, 2013. p. 18. 286 PALESTINIAN NATIONAL AUTHORITY. Palestinian water sector: status summary report. 2012. Disponível em: <https://reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/Water%2520summary%2520for%2520AHLC%2520report%2520FINAL.pdf>. Acesso em: 5 jan. 2018.

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que tange a respeitar o direito humano dos palestinos à água. Não deve apenas abster-se de tomar medidas que violem esse direito ou prejudicar a oportunidade da população palestina de realizar o exercício, mas também proteger a população palestina da interferência de terceiros em seu gozo do direito à água e deve deliberar, etapas concretas e específicas para garantir que esse direito seja cumprido e plenamente realizado.287

É importante destacar que as quantidades de 70-80 milhões de metros cúbicos anuais previstas pelos Acordos de Oslo II perderam seu objeto. As necessidades palestinas desde muito tempo superam esses volumes288, por isso, privá-los de maior quantidade de água consiste uma violação aos direitos humanos de acesso à água.

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, do qual Israel é signatário e tem o dever jurídico de

287 Under international law israel, as the occupying power in the OPT, has well defined responsibilities to respect the palestinians s human right to water. it must not only refrain from taking actions that violate this right or undermine the palestinian population s opportunity to realize the rght, but also protect the palestinian population from interference by third parties in their enjoyment of the right to water, and it must take deliberate, concrete and targeted steps to ensure that this right is fulfilled and fully realized. AMNESTY INTERNACIONAL. Troubled Waters: palestinians denied fair access to water. Amnesty Internacional Publication. London, [s.n.], 2009. p. 76. 288 BURKART, Lauro. The Politicization of the Oslo Water Agreement. 2012. Dissertação (Mestrado em História Internacional e Política) − Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais, Genebra, Suíça, 2012. p. 39. Disponível em: <http://repository.graduateinstitute.ch/record/14958/usage >. Acesso em: 12 dez. 2017.

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respeitá-lo, reconhece direitos econômicos, sociais e culturais estabelecendo mecanismos de proteção e garantias.289 Esse mesmo documento reconheceu, em seu artigo 11, que o direito à água é um elemento que constitui o direito a um adequado padrão de vida.290

§1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados-partes tomarão medida apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento.291

O Comitê das Nações Unidas sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, analisando a situação da Palestina, pontuou sua preocupação com a limitada distribuição e inadequado acesso à água enfrentado pela população palestina habitante da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. Esse órgão da ONU entende que a gestão, extração e distribuição desse recurso são desiguais nesses territórios. Somando-se a esse posicionamento, o Comitê da ONU

289 Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1967. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/direitos/tratado5.htm>. Acesso em: 26 dez. 2016. 290 AMNESTY INTERNACIONAL. Troubled Waters: Palestinians Denied Fair Access to Water. Amnesty Internacional Publication. London, [s.n.], 2009. p. 76. 291 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Casa Civil. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm>. Acesso em: 26 dez. 2016.

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para a Eliminação da Discriminação Racial também solicitou que Israel garanta a igualdade de acesso aos recursos hídricos para todos, sem qualquer discriminação.292

O Comitê de direitos humanos da ONU é claro que “as obrigações do Estado partem sob o pacto se aplicam a todos os territórios e populações sob o seu controle efetivo. O Comitê repete sua posição de que, mesmo em situações de conflito armado ou de ocupação, os direitos humanos fundamentais devem ser respeitados e que direitos econômicos, sociais e culturais, como parte de padrão mínimo de direitos humanos, são garantidos no âmbito do direito internacional consuetudinário e também são prescritos pelo direito internacional humanitário. Além disso, a aplicabilidade das normas de direito humanitário não impede por si só a aplicação do pacto ou a prestação de contas do Estado sob Artigo 2 (1) no que tange às ações de seus agentes.293

292 LIFESOURCE. Our right to water: the human right to water in Palestinian. Disponível em: <https://canadians.org/sites/default/files/publications/RTW-Palestine-1.pdf>. Acesso em: 26 dez. 2016. 293 The UN Human Rights Committee is clear that “State party’s obligations under the Covenant apply to all territories and populations under its effective control. The Committee repeats its position that even in a situation of armed conflict or occupation, fundamental human rights must be respected and that economic, social and cultural rights, as part of the minimum standards of human rights, are guaranteed under customary international law and are also prescribed by international humanitarian law. Moreover, the applicability of rules of humanitarian law does not by itself impede the application of the Covenant or the accountability of the

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A questão sobre o vale do rio Jordão se trata, portanto, de uma violação aos direitos humanos de acesso à água, sendo ainda mais problemática porque os Acordos de Oslo foram omissos no que se refere a esse rio e os palestinos perderam o total acesso a suas águas por estarem localizadas na Zona C.294

Antes da Guerra dos Seis Dias, a população palestina atingia a marca de consumo de 30 milhões de metros cúbicos de água anuais do aludido rio destinados à agricultura e à irrigação, precisamente. Em 2013, Israel dispunha de 650 milhões de metros cúbicos provenientes do rio Jordão.295 Essa escassez vivida pela população palestina é uma violação ao direito humano de acesso à água, e Israel tem consciência de que essa insuficiência hídrica é latente296 e a justifica como sendo resultado da má aplicação da irrigação realizada pelos árabes no solo, mesmo que essas terras não estejam sujeitas à irrigação, por não terem sido submetidas a esse procedimento no passado297; e das conexões clandestinas feitas pelos palestinos nas instalações da Mekorot, as quais estariam

State under Article 2 (1) for the actions of its agents.” LIFESOURCE. Our right to water: the human right to water in Palestinian. Disponível em: < https://canadians.org/sites/default/files/publications/RTW-Palestine-1.pdf>. Acesso em: 5 jan. 2018. 294 KOUITTAB, Alexander. Thinking strategically about water: future scenarios for the palestinian water sector. In: THE BIRZERT STRATEGIC STUDIES FORUM. Water in Palestine. Palestine: Birzeit University, 2013. p. 10. Disponível em: <http://ialiis.birzeit.edu/sites/default/files/Water%20in%20Palestine.pdf >. Acesso em: 5 jan. 2018. 295 Ibid., p, 10. 296 BURKART, Lauro. The Politicization of the Oslo Water Agreement. 2012. Dissertação (Mestrado em História Internacional e Política) − Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais, Genebra, Suíça, 2012. p. 39. Disponível em: <http://repository.graduateinstitute.ch/record/14958/usage >. Acesso em: 5 jan. 2018. 297 AMNESTY INTERNACIONAL. Troubled Waters: Palestinians Denied Fair Access to Water. Amnesty Internacional Publication. London, [s.n.], 2009. p. 22.

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obrigando o governo a gastar desnecessariamente para proteger essas tubulações de furtos.298Além disso, Israel alega que a escassez de água sofrida pelos palestinos se dá por fatores naturais como secas e mudanças climáticas.299 Diante do exposto, o que se observa na Palestina é uma série de violações ao direito humano de acesso à água, uma clara restrição de acesso a uma quantidade mínima e adequada de água para a sobrevivência dos palestinos. 3.3.1 Assentamentos

Depois da Guerra dos Seis Dias, Israel iniciou uma política de assentamento civil judeu em terras ocupadas em guerra seguindo o que preconiza os Acordos de Oslo, uma divisão em zonas. Assim, os assentamentos judaicos ficaram localizados na área C, que está sob controle total de Israel300 e seria a mais fértil da Cisjordânia e com os melhores pontos de extração de água.301

298 WATER AUTHORITY. State of Israel. The Issue of Water Between Israel and the Palestinian. 2012. Disponível em: <http://siteresources.worldbank.org/INTWESTBANKGAZA/Resources/IsraelWaterAuthorityresponse.pdf>. Acesso em: 5 jan. 2018. 299 KOUITTAB, Alexander. Thinking strategically about water: future scenarios for the palestinian water sector. In: THE BIRZERT STRATEGIC STUDIES FORUM. Water in Palestine. Palestine: Birzeit University, 2013. p. 13. Disponível em: <http://ialiis.birzeit.edu/sites/default/files/Water%20in%20Palestine.pdf >. Acesso em: 5 jan. 2018. 300 UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. Desk Study on the Environment in the Occupied Palestinian territories. Disponível em: <https://postconflict.unep.ch/publications/INF-31-WebOPT.pdf >. Acesso em: 5 jan. 2018. 301 KOUITTAB, Alexander. Thinking strategically about water: future scenarios for the palestinian water sector. In: THE BIRZERT STRATEGIC STUDIES FORUM. Water in Palestine. Palestine: Birzeit University, 2013. p. 23. Disponível em: <http://ialiis.birzeit.edu/sites/default/files/Water%20in%20Palestine.pdf >. Acesso em: 5 jan. 2018.

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Esses assentamentos na Cisjordânia foram conectados a vilas palestinas por extensos sistemas de encanamento. A expansão e a melhoria da infraestrutura do sistema de água israelense, somadas ao lento desenvolvimento da infraestrutura palestina, levou os árabes a uma dependência doméstica e agrícola do fornecimento de água realizado pela estatal.302

Estima-se que a população dos assentamentos, em 2009, era de aproximadamente de 450 mil habitantes303 e consumia muito mais quantidades de água do que o próprio povo palestino habitante da região304. Essa elevada taxa de consumação de água era necessária para garantir o cultivo e a exportação de uvas e flores para a Europa305. Sobre o consumo de água nos assentamentos, é válido observar que as ordens militares que restringem o acesso dos palestinos à água não afetam os colonos israelenses habitantes dos assentamentos, isso porque estes são regidos pelas leis civis judaicas. 306 Ou seja, na Cisjordânia há dois tipos de sistemas jurídicos operando, um para árabes e outro para judeus. 307 Dentro desse diapasão, Israel estaria criando um sistema discriminatório de preços, no qual os colonos judeus são

302 BURKART, Lauro. The politicization of the Oslo Water Agreement. 2012. Dissertação (Mestrado em História Internacional e Política) − Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais, Genebra, Suíça, 2012. p. 10. Disponível em: <http://repository.graduateinstitute.ch/record/14958/usage >. Acesso em: 5 jan. 2018. 303 AMNESTY INTERNACIONAL. Troubled Waters: Palestinians Denied Fair Access to Water. Amnesty Internacional Publication. London, [s.n.], 2009. p. 7. 304 Ibid, p. 4. 305 LIFESOURCE. Our right to water: the human right to water in Palestinian. Disponível em: <https://canadians.org/sites/default/files/publications/RTW-Palestine-1.pdf>. Acesso em: 5 jan. 2018. 306 Op. cit., p. 12. 307 UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. Desk study on the environment in the occupied palestinian territories. Disponível em: <https://postconflict.unep.ch/publications/INF-31-WebOPT.pdf>. Acesso em: 5 jan. 2018.

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beneficiados em detrimento da população palestina. Esse contexto tem levado o povo palestino a iniciativas de autodeterminação de seus recursos naturais.308 Essa autodeterminação, por sua vez, constitui um princípio essencial do direito internacional e sua aplicação é uma condição indispensável para a garantia e a efetividade dos direitos humanos individuais. Seguindo a inteligência desse princípio, entende-se que o direito à autodeterminação é o direito que as pessoas têm de determinar livremente, sem interferência estrangeira, seu status político e de trabalhar para seu desenvolvimento econômico, social e cultural, sendo dever de cada Estado respeitá-lo.309

O exposto indica que o direito humano dos palestinos de acesso à água é desigual quando comparado ao consumo dos judeus instalados nos assentamentos judaicos na Cisjordânia. Para agravar esse quadro, o governo israelense extrai quantidades abusivas de água dos Aquíferos da Montanha e do Costeiro, situados na Cisjordânia e em Gaza, respectivamente, o que compromete ainda mais o volume desse valioso recurso natural.310 3.3.2 Muro da separação

No ano de 2002, o governo israelense construiu um muro

de concreto que separou judeus e árabes. O paredão é composto de placas de concreto de 7 metros de altura, arame farpado, uma variedade de cercas de 50 a 100 metros, estradas de patrulha, valas

308 BURKART, Lauro. The politicization of the Oslo Water Agreement. 2012. Dissertação (Mestrado em História Internacional e Política) − Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais, Genebra, Suíça, 2012. p. 10. Disponível em: <http://repository.graduateinstitute.ch/record/14958/usage >. Acesso em: 5 jan. 2018. 309 KOEK, Elisabeth. Water for one people: discriminatory acess and water apartheid in the OPT. Ramallah, Palestine: A Haq, 2013, p. 42. 310 KHADER, Bichara. Colonialismo hídrico em Oriente Medio. Papeles de Cuestiones Internacionales. Barcelona, n. 97, p. 63, 2007.

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e tem o dobro da extensão do muro de Berlim, demolido em 1989.311

Esta barreira de mais de 700 quilómetros composta por concreto, tijolos, arame farpado e valas começou a ser construída em junho de 2002, quando o na altura primeiro-ministro israelita Ariel Sharon defendeu a criação de uma fronteira para travar a violência e os atentados frequentes na zona. O muro tem ainda zonas de areia e terra para detectar pegadas, torres de vigilância do exército e estradas asfaltadas para permitir a patrulha dos tanques. Há cerca de 70 portas controladas pelos militares e por onde passam todos os dias cerca de 50 mil pessoas que têm autorização para cruzar esta fronteira de concreto, segundo o New York Times.312

O muro atravessa poços, nascentes e cisternas que eram utilizadas pelos palestinos há mais de um século. Apesar de Israel alegar segurança nacional contra atentados terroristas, o objetivo dessa construção seria efetivar a posse de grande parte do potencial do Aquífero da Montanha313, haja vista que Israel já utiliza mais de

311 LIFESOURCE. Our right to water: the human right to water in palestinian. Disponível em: <https://canadians.org/sites/default/files/publications/RTW-Palestine-1.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2018. 312 DNMUNDO. O muro de Israel que Trump usa como exemplo. 2017. Disponível em: <https://www.dn.pt/mundo/interior/o-muro-de-israel-que-trumpusa-como-exemplo-5637578.html>. Acesso em: 10 jan. 2018. 313 Op. cit.

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80% das águas desse aquífero314. Ou seja, o muro é uma barreira que exclui a população palestina de áreas que renderiam mais 90 milhões de metros cúbicos por ano de água.315

Hoje Israel domina o Aquífero da montanha impedindo que os palestinos perfurem novos poços, impondo cotas aos poços palestinos existentes e perfurando muitos poços profundos do lado israelense da Linha Verde para seu uso.316

Em outubro de 2003, essa situação foi levada ao Conselho de Segurança, porém o projeto de resolução que trataria da questão foi vetado pelos Estados Unidos.317 Percorrendo outro caminho, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas levou a questão à Corte Internacional de Justiça, para que esta entidade emitisse um parecer consultivo sobre a existência da muralha. Em seu parecer, a Corte expressou preocupação sobre os efeitos que a

314 AMNESTY INTERNACIONAL. Troubled Waters: palestinians denied fair access to water. Amnesty Internacional Publication. London, [s.n.], 2009. p. 3. 315 LIFESOURCE. Our right to water: the human right to water in palestinian. Disponível em: <https://canadians.org/sites/default/files/publications/RTW-Palestine-1.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2018. 316 Today Israel dominates the Western Aquifer by preventing Palestinians from drilling new wells, imposing quotas on existing Palestinian wells and drilling many very deep wells on Israel’s side of the Green Line for Israeli use. LIFESOURCE. Our right to water: the human right to water in palestinian. Disponível em: <https://canadians.org/sites/default/files/publications/RTW-Palestine-1.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2018. 317 NASSER, Salem Hikmat. Os limites do direito internacional face à política. Disponível em: <http://132.248.9.34/hevila/CENAInternacional/2006/vol8/no1/5.pdf >. Acesso em: 10 jan. 2018.

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barreira causa aos poços agrícolas pertencentes aos moradores da parte leste do muro.318

Não são raras as vezes que aldeias palestinas, em particular as do vale do Jordão, se recusam a pagar suas contas de água como um ato de desobediência civil para protestar contra os poços ilegais israelenses que secaram seus poços.62 Mas essa conta não fica sem pagamento indefinidamente. Quando os conselhos locais palestinos não pagam pela água comprada da empresa israelense de água nacional Mekorot, Israel cobra o valor da Autoridade Palestina.319

Em se tratando do muro da separação, um dos fatores preocupantes sobre sua manutenção é que ele venha a ser reconhecido como fronteira internacional definitiva entre Israel e Palestina.320

318 EUROPEAN PARLIAMENT. Water in the Israeli Palestinian Conflict. Disponível em: http://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/BRIE/2016/573916/EPRS_BRI%282016%29573916_EN.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2018. 319 LIFESOURCE. Our right to water: the human right to water in palestinian. Disponível em: <https://canadians.org/sites/default/files/publications/RTW-Palestine-1.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2018. 320 Ibid.

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Figura 13: Muro da separação321

3.3.3 Faixa de Gaza

A Faixa de Gaza possui uma população de aproximadamente 1,6 milhão de habitantes. Esse território se encontra sob um bloqueio terrestre, aéreo e marítimo imposto pelas autoridades israelenses que o impede de importar qualquer alternativa hídrica. Os seus habitantes contam apenas com o Aquífero Costeiro como recurso natural, que atinge uma extração anual de água de aproximadamente 55 milhões de metros cúbicos. Segundo a Autoridade Nacional Palestina, a Faixa tem consumido três vezes mais do que a recarga anual sustentável. Consequentemente, com a queda do nível da água, está ocorrendo uma salinização das águas do áquifero por infiltração do mar mediterrâneo.322

321 Acervo pessoal do pesquisador. 322 KOUITTAB, Alexander. Thinking strategically about water: future scenarios for the palestinian water sector. In: THE BIRZERT STRATEGIC STUDIES FORUM. Water in Palestine. Palestine: Birzeit University, 2013. p. 10. Disponível em:

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Figura 14: Faixa de Gaza323

Nesta porção de terra, as restrições israelenses não são tão

estritas se comparadas as da Cisjordânia. Isso porque a gestão dessa fonte afeta em nada o consumo israelense.324 No entanto é necessário sublinhar que aproximadamente 90% dessas águas são poluídas, por conta de infiltrações provenientes das águas do mar e de esgotos.325

<http://ialiis.birzeit.edu/sites/default/files/Water%20in%20Palestine.pdf >. Acesso em: 10 jan. 2018. 323 FAIXA de Gaza. 2009. Disponível em: < https://tarrascao.wordpress.com/2009/01/04/faixa-de-gaza/>. Acesso em: 10 jan. 2018. 324 AMNESTY INTERNACIONAL. Troubled Waters: palestinians denied fair access to water. Amnesty Internacional Publication. London, [s.n.], 2009. p. 10. 325 Ibid., p. 11− 25.

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Em 2005, quando Israel retirou-se da Faixa de Gaza, o controle sobre o sistema de abastecimento foi transferido para os palestinos. A Autoridade Nacional Palestina assumiu então a responsabilidade pela gestão, pelo desenvolvimento e pela manutenção dos sistemas de abastecimento de água e esgotos.326 Além disso, devido à ordem militar 92, os cidadãos de Gaza foram e estão proibidos de estabelecer, montar e possuir instalações hídricas sem a permissão do exército.327

Na Faixa de Gaza, a água estaria sendo usada como forma de pressão política e econômica.328 O bloqueio econômico israelense estabelecido contra Gaza obsta a entrada de peças, materiais e energia que são essenciais ao funcionamento das redes de água doce e residuais, tornando-se um obstáculo ao desenvolvimento desses sistemas.329A situação se torna mais complicada todas as vezes que Israel aplica na região ação militar constituída de bombardeios, justificando essas operações como meio de exterminar grupos terroristas. Uma dessas operações, por exemplo, resultou na destruição de poços, encanamentos, instalações de esgotos, reservatórios de água e da principal estação de energia elétrica.330 Soma-se a esta conjectura que os habitantes de Gaza somente dispõem de água uma vez a cada três dias.331

326 WATER AUTHORITY. State of Israel. The Issue of Water Between Israel and the Palestinian. 2009. Disponível em: <http://siteresources.worldbank.org/INTWESTBANKGAZA/Resources/IsraelWaterAuthorityresponse.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2018. 327 KHADER, Bichara. Colonialismo Hídrico em Oriente Medio. Papeles de Cuestiones Internacionales, Barcelona, n. 97, p. 62, 2007. 328 AMNESTY INTERNACIONAL. Troubled Waters: palestinians denied fair access to water. Amnesty Internacional Publication. London, [s.n.], 2009. p. 27. 329 LIFESOURCE. Our right to water: the human right to water in palestinian. Disponível em: <https://canadians.org/sites/default/files/publications/RTW-Palestine-1.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2018 330 Ibid. 331 PALESTINE / L'eau Confisquée: quand l'eau devient une arme de la politique d'annexion par Israël Albertville. 2012. Exposição. Disponível

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Como solução paliativa, os palestinos iniciaram a reutilização das águas residuais como fonte adicional. Na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, por exemplo, a quantidade total de águas residuais provenientes dos setores doméstico e industrial atinge a margem de 40 milhões de metros cúbicos por ano. No entanto, a maior parte dessas águas residuais é utilizada na irrigação sem qualquer tipo de tratamento. 332

Em 2004, foi aprovado na Faixa de Gaza um projeto para tratamento das águas residuais, sendo este o único projeto de reaproveitamento hídrico da região que tem acesso a materiais por meio de cruzamentos com Israel.333A falta de tratamento de águas residuais também representa potencialmente grave risco para o meio ambiente e a saúde humana.334A meta é que esse projeto consiga tratar pelo menos a metade do sistema de esgoto de Gaza335, o que será muito importante para o setor agrícola.336 No momento, na Faixa de Gaza há três plantas de tratamento, mas elas não funcionam adequadamente, em consequência uma quantidade considerável de esgotos é descarregada no mar Mediterrâneo ou se infiltra no Aquífero Costeiro. 337

em: <https://www.evrypalestine.org/fichiers/expos/EvryPalestine_EXPO_Eau_Dec2012.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2018. 332 UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. Desk study on the environment in the occupied palestinian territories. Disponível em: <https://postconflict.unep.ch/publications/INF-31-WebOPT.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2018. 333 LIFESOURCE. Our right to water: the human right to water in palestinian. Disponível em: <https://canadians.org/sites/default/files/publications/RTW-Palestine-1.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2018. 334 Op. cit. 335 Ibid. 336 Idem. 337 SELBY, Jan. Dependence, Independence and Interdependence in the Palestinian Water Sector. In: THE BIRZERT STRATEGIC STUDIES FORUM. Water in Palestine. Palestine: Birzeit University, 2013. p. 51. Disponível em:

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3.4 NEGOCIAÇÕES HÍDRICAS

O rei Hussein, da Jordânia, afirma que a água tem se

tornado cada dia mais uma questão de segurança, seja ela nacional, seja regional. Para o monarca, a água no Oriente Médio é uma ameaça à paz, o que exige de toda a comunidade internacional cooperação na busca de uma solução justa e permanente para esse conflito.338

Nas tentativas de negociação de paz, Israel é resistente quando o assunto é diminuição do controle hídrico e apresenta oposição a discutir quotas na distribuição de água. Nesse contexto, renunciar a uma parcela do domínio da água levaria o governo israelense a ter de enfrentar o lobby agrícola judaico.339

Estudiosos apontam que nenhuma solução será viável ao conflito árabe-israelense ou nenhuma paz será durável enquanto houver falta de gestão e controle igualitário entre esses dois povos. A não regulamentação e a falta de solução para o problema ainda produzirá um apartheid da água.340

Como uma abertura a essa discussão, foi realizada a Segunda Conferência Internacional Árabe-Israelense sobre Água para a Vida no Oriente Médio, em Antalya, Turquia, em 2004. Estiveram presentes aproximadamente 200 especialistas em assuntos hídricos de 25 países, entre os quais estavam 120 israelenses e palestinos. Estes últimos chegaram à conclusão de

<http://ialiis.birzeit.edu/sites/default/files/Water%20in%20Palestine.pdf >. Acesso em: 10 jan. 2018. 338 BRICHS. Ferran Izquierdo. Papers. Revista de Sociologia, Barcelona, v. 46, p. 121−138, 1995. 339 Ibid., 121−138. 340 PALESTINE / L'eau Confisquée: quand l'eau devient une arme de la politique d'annexion par Israël Albertville. 2012. Exposição. Disponível em: <https://www.evrypalestine.org/fichiers/expos/EvryPalestine_EXPO_Eau_Dec2012.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2018.

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que a cooperação poderia melhorar a situação no território e que a questão da água poderia ser resolvida apesar do contexto atual.341

Infelizmente, a falta de acesso à água limpa, segura e adequada tem sido um problema constante na vida dos palestinos habitantes da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.342 Embora a água não deva ser utilizada como uma arma de guerra nem como forma de pressão política e econômica343, sob pena de constituir-se em crime de guerra, como menciona a Quarta Convenção de Genebra, é isso o que de fato vem acontecendo nesses territórios.

Ressalta-se que o Estado palestino aderiu em 2015 à Convenção sobre Proteção e Utilização dos Cursos de Água das Nações Unidas, e Israel é o único Estado da bacia da Jordânia que não retificou o documento. Ainda assim, analistas acreditam que a ampla participação dos países signatários fará com que esse documento venha a se tornar uma base para futuras negociações transfronteriças na região.344

341 BURKART, Lauro. The Politicization of the Oslo Water Agreement. 2012. Dissertação (Mestrado em História Internacional e Política) − Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais, Genebra, Suíça, 2012. p. 34. Disponível em: <http://repository.graduateinstitute.ch/record/14958/usage >. Acesso em: 5 jan. 2018. 342 AMNESTY INTERNACIONAL. Troubled Waters: palestinians denied fair access to water. Amnesty nternacional Publication. London, [s.n.], 2009. p. 3. 343 KOEK, Elisabeth. Water for one people: discriminatory acess and water apartheid in the OPT. Ramallah, Palestine: A Haq, 2013. p. 42.

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CONCLUSÃO Ao término desta leitura é possível compreender porque

uma pequena porção de terra situada no Oriente Médio é palco de severos desentendimentos entre dois povos, duas nações, convertendo a região em um território de incertezas e instabilidades. Um lugar sagrado para as três grandes religiões monoteístas do mundo, mas uma terra em que o sagrado e o ódio se misturam.

O conflito Árabe-Israelense é uma disputa entre árabes e judeus que ocorre na Palestina há décadas. Seu início se deu em 1948 quando a ONU, por meio da Resolução 181, partilhou o território palestino em dois Estados, um judeu e outro árabe. O litígio entre esses dois povos tem várias causas, e a principal delas não é de cunho religioso, tão pouco territorial, como constantemente se costuma visualizar nos meios de comunicação. A verdadeira peça motriz da desavença entre árabes e judeus está praticamente oculta aos olhos e entendimentos das nações, mas sua força delineou a geopolítica de uma região, cujo solo desértico faz com que a água naquela localidade se torne uma substância muito mais valiosa e disputada do que em outras regiões do planeta.

Este trabalho demonstrou que a mão invisível que movimenta as pedras no grande tabuleiro de xadrez judaico-palestino é a água. Cada movimento nesse “jogo” é estudado e calculado, sempre visando ao xeque-mate, ou seja, o domínio do controle hídrico.

O sonho de um Lar Judaico próspero na Palestina idealizado pelo movimento sionista desde o século XIX não seria possível sem o controle das nascentes do rio Jordão e a disponibilidade do volume hídrico situado no Aquífero da Montanha. Do mesmo modo, o projeto de retorno de milhares de judeus espalhados pelo mundo não se concretizaria sem a irrigação do deserto.

Com a Resolução 181 da ONU, a maior parte dos volumes de água do território partilhado ficou sob posse dos árabes, e essa distribuição gerou guerras. A presente dissertação demonstrou que a Guerra dos Seis Dias não foi uma disputa

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territorial, mas uma Guerra Hídrica, que visou a conquistar e a dominar as nascentes do rio Jordão e aquíferos na Cisjordânia e Gaza.

Os Acordos de Oslo de 1993, apesar de se tratar de um acordo de paz de iniciativa bilateral entre os dois aludidos povos, foi ratificado defendendo os interesses hídricos de Israel, em detrimento da população palestina. Esse tratado alterou em nada o status quo da água do período pós-guerra de 1967. Até a presente data, Israel continua com o controle de todas as fontes naturais de água da Palestina. De todas as maneiras, não se pode ignorar que esses acordos foram no mínimo o ponto de partida da busca por uma solução justa na disputa árabe-israelense.

Diante do exposto neste estudo, constata-se que o ordenamento jurídico israelense aplicado à Cisjordânia e à Faixa de Gaza não está de acordo com o direito internacional no que tange aos direitos humanos e ao direito humanitário. Israel afirma reconhecer a autoridade das Conferências de Paz de Haia de 1899 e 1907, porém, somente aplica aquilo que não entra em conflito com seus interesses hídricos. Além disso, por mais que os árabes invoquem a Quarta Convenção de Genebra, de 1949, na luta pela tutela e garantia de seu direito humano de acesso à água, as autoridades israelenses ignoram esse documento, afirmando que este tratado deve ser aplicado a territórios ocupados, pertencentes a uma jurisdição estrangeira. Entretanto Gaza e Cisjordânia seriam territórios administrados, não estando mais sob jurisdição egípcia e jordaniana, e as Colinas do Golã, conquistadas da Síria, sequer são discutidas por Israel, haja vista ser para os judeus um caso consumado, ou seja, estão inseridas no mapa do Estado israelense.

Entende-se que o Corpus Iure aplicado pelo governo de Israel à Cisjordânia e à Faixa de Gaza estão em desacordo com os compromissos assumidos por Israel ao assinar o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, notadamente no que tange à produção de escassez de recursos hídricos. As ordens militares israelenses, além de violarem acordos e tratados do direito internacional, restringem o direito humano de acesso à água da população palestina.

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Ficou aqui evidenciado que palestinos e judeus não dispõem da mesma quantidade de água, e que aludido ordenamento é discriminatório, violador da Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Posto que, no que tange à água, enquanto os palestinos da Cisjordânia são regidos pelas ordens militares, os judeus habitantes dos assentamentos são governados pela Lei da Água, de 1959.

Os assentamentos judaicos, além de estarem em desacordo com a Quarta Convenção de Genebra, foram instalados em lugares estratégicos como no Aquífero da Montanha, uma manobra realizada para garantir o controle hídrico dessa reserva subterrânea. Enquanto palestinos sofrem por causa das restrições hídricas, os judeus dos assentamentos têm seus quintais regados e ostentam piscinas.

Claramente, o muro da separação, construído por Israel em 2002 para separar árabes e judeus, é uma violação ao direito internacional, um instrumento discriminatório, atravessando poços, nascentes e cisternas que eram utilizadas pelos palestinos há mais de um século. Além disso, efetivou a posse de Israel sobre grande parte do potencial do Aquífero da Montanha. A muralha foi reprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas e Corte Internacional de Haia, porém, Israel ignora essas posições invocando soberania nacional.

As hipóteses desta pesquisa se confirmam, pois as normas e políticas aplicadas por Israel aos palestinos não se harmonizam aos direitos humanos e ao direito humanitário. Não tutelam nem garantem o direito humano de acesso à água pelos palestinos, mas restringem-no, bem como são um empecilho ao desenvolvimento social e econômico dos árabes.

Para que haja paz entre esses dois povos é preciso uma mudança na política israelense, caso contrário a Palestina permanecerá distante das “águas tranquilas” citadas pelo rei Davi em sua compilação de salmos. Não há paz sem distribuição equitativa de água.

As condutas estatais consideradas crimes de guerra pela Quarta Convenção de Genebra devem ser levadas à Corte Internacional de Haia e por esta apreciada, e todas as barreiras que

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impedem os palestinos de desfrutar do direito humano de acesso à água, como as ordens militares israelenses, o muro de separação e os assentamentos judaicos precisam ser eliminadas.

Do mesmo modo, os Acordos de Oslo devem ser efetivados em sua totalidade no que tange à autodeterminação do povo palestino e à soberania sobre os recursos naturais de seu território, bem como deve haver maior cooperação da comunidade internacional na busca de uma solução pacífica para o problema hídrico na Palestina, visando à paz duradoura na região.

Assim, desenvolver efetivos mecanismos de coerção para coibir os abusos de direito e as violações ao direito internacional é uma ação imprescindível no conflito árabe-israelense, caso contrário a população palestina continuará dispondo de quantidades insuficientes de água para uma vida digna e o direito internacional estará fadado a instituir, no Oriente Médio, meros documentos ratificados por seus signatários.

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ANEXO A − Resolução da Assembleia Geral da ONU

RESOLUÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL DA ONU Excertos da Resolução No. 181 de 28 de novembro de 1947 Concernente ao plano de partilha da Palestina, ao futuro governo da Palestina e à internacionalização de Jerusalém. A Assembléia Geral tendo se reunido em sessão especial a pedido da Potência mandatária para criar e instruir um comitê especial para preparar-se para o exame da questão do futuro governo da Palestina na Segunda sessão regular; Tendo constituído um Comitê Especial e o instruído a investigar todas as questões e tópicos relevantes para o problema da Palestina, e a preparar propostas para a solução do problema e Tendo recebido e examinado o relatório do Comitê Especial, recomenda ao Reino Unido, como potência mandatária para a Palestina, e todos os demais Membros das Nações Unidas a adoção e implementação, com vistas ao futuro governo da Palestina, do Plano de Partilha com a União Econômica apresentado abaixo: Plano de Partilha com união econômica Parte I - Constituição e governo futuros da Palestina A. Término do mandato Partilha e Independência 1. O mandato para a Palestina terminará até 1º de agosto de 1948. 2. As forças armadas da Potência mandatária se retirarão progressivamente da Palestina (...) até 1º de agosto de 1948. 3. Os Estados independentes judeu e árabe e o Regime Especial Internacional para a cidade de Jerusalém, estabelecidos na parte III deste plano, ganharão existência na Palestina em dois meses após a evacuação das forças armadas da Potência mandatária.

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Capítulo I: Lugares santos, prédios e sítios religiosos 1. Direitos vigentes a respeito dos lugares santos e prédios e sítios religiosos não serão negados nem dificultados. 2. Sempre que se tratar de lugares santos, a liberdade de acesso à visita e trânsito será garantida, de conformidade com os direitos vigentes a todos os residentes e cidadãos do outro Estado e da Cidade de Jerusalém, bem como aos estrangeiros, sem distinção de nacionalidade. Do mesmo a liberdade de culto será garantida, segundo os direitos vigentes, respeitadas as exigências de ordem pública e decoro. 3. Os lugares santos e os sítios e prédios religiosos serão preservados. Não será permitida qualquer ação que possa de algum modo afetar seu caráter sagrado. 4. Nenhuma taxa será cobrada concernente a qualquer lugar santo, prédio ou sítio religioso que estava isento de taxa na data da criação do Estado. 5. O governo da cidade de Jerusalém terá o direito de determinar se as disposições da constituição do Estado com relação aos lugares santos, prédio e sítios religiosos dentro das fronteiras do Estado e os direitos religiosos pertinentes estão sendo bem aplicados e respeitados, e de tomar decisões com base nos direitos vigentes em casos de disputas que possam surgir entre as diferentes comunidades religiosas sobre tais lugares. Capítulo II. Direitos religiosos e das minorias 1. Serão garantidos a todos a liberdade de consciência e o livre exercício de todas as formas de culto, sujeitos somente a exigência de ordem pública e dos costumes. 2. Nenhum tipo de discriminação será admitida entre os habitantes com base em raça, religião, língua ou sexo. 3. Todas as pessoas dentro da jurisdição do Estado serão protegidas de igual forma pelas leis. 4. O direito de família e o status pessoal das várias minorias e seus interesses religiosos, incluindo doações serão respeitados.

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5. O Estado garantirá educação primária e secundária adequada para as minorias árabe e judia, respectivamente, em sua própria língua e tradições culturais. O direito de cada comunidade manter suas próprias escolas para a educação de seus membros em sua própria língua, enquanto o acomoda aos requisitos educacionais de natureza geral como o Estado pode impor, não será negado nem dificultado 6. Nenhuma restrição será imposta ao livre uso, por qualquer cidadão do Estado, de qualquer língua em relações privadas, no comércio, na religião, na imprensa ou em publicações de qualquer espécie, ou em reuniões públicas. 7. Nenhuma apropriação de terra possuída por um árabe no Estado judeu (por um judeu no Estado árabe) será consentida exceto por propósitos públicos. Em todos os casos de apropriação será paga indenização total, a ser fixada pela Suprema Corte, antes da desapropriação. Parte III: A cidade de Jerusalém A. Regime Especial A cidade de Jerusalém será definida como um corpus separatum sob regime internacional especial e será administrada pelas Nações Unidas. O Conselho Curador será designado para desempenhar as funções da Autoridade Administrativa em nome das Nações Unidas. B. Fronteiras da cidade A cidade de Jerusalém incluirá a atual municipalidade de Jerusalém acrescida das vilas e cidades circunvizinhas, das quais a mais a leste será Abu Dis; a mais ao sul, Belém; Ein Karim (incluindo também a área construída de Motsa), a mais a oeste; e, a mais ao norte, Shu'fat. C. Estatuto da cidade O Conselho Tutelar elaborará e aprovará um detalhado Estatuto da Cidade que conterá inter alia a parte principal das seguintes medidas:

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1. Máquina governamental: A Autoridade Administrativa no desempenho de suas obrigações administrativas perseguirá os seguintes objetivos especiais: a. Proteger e preservar os interesses espirituais e religiosos ímpares localizados na cidade das três grandes fés monoteístas de todo o mundo, cristã, judia e muçulmana; para isto, a fim de garantir a ordem e a paz; b. Para incentivar a cooperação entre todos os habitantes da cidade em seu próprio interesse, bem como a fim de encorajar e apoiar o desenvolvimento pacífico das relações mútuas entre os dois povos palestinos e em todas a Terra Santa; para promover a segurança, o bem-estar e quaisquer medidas construtivas para o desenvolvimento de iniciativa dos residentes, tendo em vista as circunstâncias especiais e os costumes dos vários povos e comunidades. 2. Governador e equipe administrativa O Conselho Curador designará um Governador da Cidade de Jerusalém, o qual será responsável por ela. Ele será escolhido com base em qualificações especiais e sem preocupação com nacionalidade. Ele não será, porém, um cidadão de nenhum dos dois Estados da Palestina. O governador representará as Nações Unidas na cidade e exercerá em seu nome todos os poderes administrativos, incluindo a gerência dos negócios estrangeiros. 3. Autonomia local a. As unidades autônomas locais existentes no território da cidade (vilas, distritos, municipalidades) gozarão de largos poderes de governo e administração locais. b. O governador estudará e submeterá à consideração e decisão do Conselho Curador um plano para a criação de unidades urbanas especiais consistindo, respectivamente de seções judia e árabe da nova Jerusalém. As novas unidades urbanas continuarão a fazer parte da atual municipalidade de Jerusalém.

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4. Medidas de segurança a. A cidade de Jerusalém será desmilitarizada; sua neutralidade será declarada e preservada, e nenhuma organização, exercício ou atividade paramilitar será permitida dentro de suas fronteiras. b. Caso a administração da cidade de Jerusalém seja seriamente obstacularizada ou dificultada por falta de cooperação ou interferência de uma ou mais partes da população, o governador terá autoridade para tomar as medidas que forem necessárias para restaurar o funcionamento efetivo da administração. c. Para garantir a manutenção da lei e da ordem internas, especialmente para a proteção dos lugares santos e prédios e sítios religiosos da cidade, o governador organizará uma força policial especial de força adequada, cujos membros serão recrutados fora da Palestina. O governador terá poderes para gerir recursos orçamentários necessários para a manutenção desta força. 5. Organização legislativa Um conselho Legislativo, eleito pelos residentes adultos da cidade, independente de nacionalidade, com base no sufrágio universal e secreto e com a representação proporcional, terá poderes de legislar e criar impostos. Nenhuma medida legislativa, entretanto, conflitará com ou interferirá nas medidas que serão determinadas no Estatuto da cidade, nem prevalecerá sobre elas qualquer lei, regulamento ou ato oficial. O Estatuto capacitará o governador com o direito de vetar decretos inconsistentes com as medidas temporárias, no caso de o Conselho não aprovar a tempo um decreto considerado essencial para o funcionamento normal da administração. 6. Administração da Justiça O Estatuto cuidará da criação de um sistema judiciário independente, incluindo uma corte de apelação. Todos os habitantes da cidade estarão sujeitos a ela. 7. União econômica e sistema econômico A cidade de Jerusalém será incluída na União Econômica da Palestina e respeitará todas as cláusulas e acordos feitos com

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aquela entidade, bem como as decisões adotadas pela Junta Econômica Mista. 8. Liberdade de trânsito e de visita; controle dos residentes. Sujeita a considerações de segurança e de bem-estar econômico quando decididas pelo governador, em conformidade com as orientações do Conselho Curador, a liberdade para entrar nas fronteiras da cidade e de aí residir, será garantida para os residentes ou cidadãos dos Estados árabe e judeu. A imigração para a cidade e a residência dentro de suas fronteiras, para nacionais de outros Estados, serão controladas pelo governador com base nas orientações do Conselho Curador. 9. Relações com os Estados árabe e judeu. Representantes dos Estados árabe e judeu serão credenciados pelo governador da cidade e encarregados da proteção dos interesses de seus Estados, em conexão com a administração internacional da cidade. 10. Línguas oficiais. O árabe e o hebraico serão as línguas oficiais da cidade. Isto não impedirá a adoção de uma ou mais línguas extras de trabalho, caso seja necessário. 11. Cidadania. Todos os residentes se tornarão ipso facto cidadãos da cidade de Jerusalém, a menos que optem pela cidadania do Estado do qual eles têm sido cidadãos, se árabes ou judeus, tenham preenchido formulário de intenção para se tornarem cidadãos do Estado Árabe ou do Estado Judeu, respectivamente. 12. Liberdades do cidadão a. - Sujeitos somente a exigências de ordem pública e de razões morais, os habitantes da cidade terão assegurados os direitos humanos e liberdades fundamentais, incluindo liberdade de consciência, religião e culto, língua, educação, fala e imprensa, assembléia e associação.

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b.- Nenhuma discriminação de qualquer espécie será admitida entre os cidadãos com base em raça, religião, língua ou sexo. c.- Todas as pessoas dentro da cidade terão direito a igual proteção das leis. d.- A lei de família e o status pessoal das diversas pessoas e comunidades e de seus interesses religiosos serão respeitados. e.- Exceto quando solicitada por exigências de ordem pública e de bom governo, nenhuma medida será tomada que obstrua ou interfira na gestão de entidades religiosas ou caritativas de nenhum credo, nem que discrimine qualquer representante ou membro dessas entidades, com base em sua religião ou em sua nacionalidade. f.- A cidade garantirá educação primária e secundária adequada para as comunidades árabe e judia, respectivamente, em suas próprias línguas e de acordo com suas tradições culturais. O direito de cada comunidade de manter sus próprias escolas para a educação de seus membros em sua própria língua, desde que em conformidade com as exigências educacionais de natureza geral que a cidade possa impor, não será negado nem dificultado. Escolas de educação estrangeiras continuarão em atividade com base em seus direitos vigentes.

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ANEXO B – Declaração Universal dos Direitos Humanos

Declaração Universal dos Direitos Humanos

Adotada e proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948.

Preâmbulo

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e que o advento de um mundo em que mulheres e homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum,

Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão,

Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações,

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do ser humano, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,

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Considerando que os Países-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do ser humano e a observância desses direitos e liberdades,

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,

Agora portanto a Assembléia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade tendo sempre em mente esta Declaração, esforce-se, por meio do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Países-Membros quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

Artigo1 Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Artigo2 1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente,

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sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

Artigo3 Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo4 Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.

Artigo5 Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

Artigo6 Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.

Artigo7 Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo8 Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.

Artigo9 Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo10 Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e

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pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir seus direitos e deveres ou fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

Artigo11 1.Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. 2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte de que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

Artigo12 Ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

Artigo13 1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado. 2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio e a esse regressar.

Artigo14 1. Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países. 2. Esse direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas.

Artigo15 1. Todo ser humano tem direito a uma nacionalidade.

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2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.

Artigo16 1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução. 2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes. 3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.

Artigo17 1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

Artigo18 Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular.

Artigo19 Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Artigo20 1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica. 2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

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Artigo21 1. Todo ser humano tem o direito de tomar parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. 2. Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país. 3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; essa vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.

Artigo22 Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Artigo23 1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.

Artigo24 Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.

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Artigo25 1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.

Artigo26 1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do ser humano e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.

Artigo27 1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios. 2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja autor.

Artigo28 Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional

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em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.

Artigo29 1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível. 2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. 3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas.

Artigo30 Nenhuma disposição da presente Declaração poder ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.

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ANEXO C − Convenção de Genebra

Convenção de Genebra IV - 21 de outubro de 1950

Adotada a 12 de Agosto de 1949 pela Conferência Diplomática destinada a Elaborar as Convenções Internacionais para a Proteção das Vítimas da Guerra, que reuniu em Genebra de 21 de Abril a 12 de Agosto de 1949.Entrada em vigor na ordem internacional: 21 de Outubro de 1950. Os abaixo assinados, plenipotenciários dos Governos representados na Conferência diplomática que se reuniu em Genebra de 21 de Abril a 12 de Agosto de 1949, com o fim de elaborar uma Convenção para a proteção das pessoas civis em tempo de guerra, acordaram no que se segue:

TÍTULO I Disposições gerais

Artigo 1.º As Altas Partes contratantes comprometem-se a respeitar e a fazer respeitar a presente Convenção em todas as circunstâncias.

Artigo 2.º Além das disposições que devem entrar em vigor desde o tempo de paz, a presente Convenção será aplicada em caso de guerra declarada ou de qualquer outro conflito armado que possa surgir entre duas ou mais das Altas Partes contratantes, mesmo se o estado de guerra não for reconhecido por uma delas. A Convenção aplicar-se-á igualmente em todos os casos de ocupação total ou parcial do território de uma Alta Parte contratante, mesmo que esta ocupação não encontre qualquer resistência militar. Se uma das Potências em conflito não for parte na presente Convenção, as Potências que nela são partes manter-se-ão, no entanto, ligadas, pela referida Convenção, nas suas relações

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recíprocas. Além disso, elas ficarão ligadas por esta Convenção à referida Potência, se esta aceitar e aplicar as suas disposições.

Artigo 3.º No caso de conflito armado que não apresente um caráter internacional e que ocorra no território de uma das Altas Partes contratantes, cada uma das Partes no conflito será obrigada aplicar, pelo menos, as seguintes disposições: 1) As pessoas que não tomem parte diretamente nas hostilidades, incluindo os membros das forças armadas que tenham deposto as armas e as pessoas que tenham sido postas fora de combate por doença, ferimentos, detenção, ou por qualquer outra causa, serão, em todas as circunstâncias, tratadas com humanidade, sem nenhuma distinção de caráter desfavorável baseada na raça, cor, religião ou crença, sexo, nascimento ou fortuna, ou qualquer outro critério análogo. Para este efeito, são e manter-se-ão proibidas, em qualquer ocasião e lugar, relativamente às pessoas acima mencionadas:

a) As ofensas contra a vida e a integridade física, especialmente o homicídio sob todas as formas, mutilações, tratamentos cruéis, torturas e suplícios; b) A tomada de reféns; c) As ofensas à dignidade das pessoas, especialmente os tratamentos humilhantes e degradantes; d) As condenações proferidas e as execuções efetuada sem prévio julgamento, realizado por um tribunal regularmente constituído, que ofereça todas as garantias judiciais reconhecidas como indispensáveis pelos povos civilizados.

2) Os feridos e doentes serão recolhidos e tratados. Um organismo humanitário imparcial, como a Comissão Internacional da Cruz Vermelha, poderá oferecer os seus serviços às partes no conflito. As Partes no conflito esforçar-se-ão também por pôr em vigor, por meio de acordos especiais, todas ou parte das restantes disposições da presente Convenção.

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A aplicação das disposições precedentes não afetará o estatuto jurídico das Partes no conflito.

Artigo 4.º

São protegidas pela Convenção as pessoas que, num dado momento e de qualquer forma, se encontrem, em caso de conflito ou ocupação, em poder de uma Parte, no conflito ou de uma Potência ocupante de que não sejam súbditas. Os súbditos de um Estado que não esteja ligado pela Convenção não são protegidos por ela. Os súbditos de um Estado neutro que se encontrem no território de um Estado beligerante e os súbditos de um Estado co-beligerante não serão considerados como pessoas protegidas enquanto o Estado de que são súbditos tiver representação diplomática normal junto do Estado em poder do qual se encontrem. As disposições do título II têm, contudo, uma mais larga aplicação, como se define no artigo 13.º. As pessoas protegidas pela Convenção de Genebra para melhoras a situação dos feridos e doentes das forças armadas em campanha, de 12 de Agosto de 1949, ou pela de Genebra para melhorar a situação dos feridos, doentes e náufragos das forças armadas do mar, de 12 de Agosto de 1949, ou pela de Genebra relativa ao tratamento dos prisioneiros de guerra, de 12 de Agosto de 1949, não serão consideradas como pessoas protegidas no sentido da presente Convenção.

Artigo 5.º Se, no território de uma Parte no conflito, esta tiver fundamentadas razões para considerar que uma pessoa protegida pela presente Convenção é, individualmente, objeto de uma suspeita legítima de se entregar a uma atividade prejudicial à segurança ou se ficou averiguado que ela se entrega de fato a esta atividade, a referida pessoa não poderá prevalecer-se dos direitos e privilégios conferidos pela presente Convenção, os quais, se fossem usados em seu favor, poderiam ser prejudiciais à segurança do Estado. Se, num território ocupado, uma pessoa protegida pela Convenção for detida como espia ou sabotador, ou porque sobre ela recai uma legítima suspeita de se entregar a atividades prejudiciais à

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segurança da Potência ocupante, a referida pessoa poderá, nos casos de absoluta necessidade da segurança militar, ser privada dos direitos de comunicação previstos pela presente Convenção. Em cada um destes casos, as referidas pessoas serão, porém, tratadas com humanidade e, em caso de serem processadas, não serão privadas do direito a um processo imparcial e regular previsto pela atual Convenção. Voltarão, igualmente a beneficiar de todos os direitos e privilégios de uma pessoa protegida em conformidade com a presente Convenção, o mais cedo possível, mas sem prejuízo da segurança do Estado ou Potência ocupante, conforme o caso.

Artigo 6.º A presente Convenção aplicar-se-á desde o início de qualquer conflito ou ocupação mencionados no artigo 2.º. No território das Partes em conflito, a aplicação da Convenção cessará no fim de todas as operações militares. Em território ocupado, a aplicação da presente Convenção cessará um ano depois de terminadas todas as operações militares; contudo, a Potência ocupante ficará ligada, durante a ocupação - enquanto esta Potência exercer as funções de governo no território em questão -, pelas disposições dos seguintes artigos da presente Convenção: 1.º a 12.º, 27.º, 29.º a 34.º, 47.º, 49.º, 51.º, 52.º, 53.º, 59.º, 61.º a 77.º e 143.º. As pessoas protegidas, cuja libertação, repatriamento ou estabelecimento de residência se efetuem depois daquelas datas, continuarão entretanto a beneficiar da presente Convenção.

Artigo 7.º Além dos acordos expressamente previstos pelos artigos 11.º, 14.º, 15.º, 17.º, 36.º, 108.º, 109.º, 132.º e 133.º, as Altas Partes contratantes poderão concluir outros acordos especiais sobre todos os assuntos que lhes pareça conveniente regular particularmente. Nenhum acordo especial poderá causar prejuízo à situação das pessoas protegidas, tal como está estabelecido pela presente Convenção, nem restringir os direitos que esta lhes confere. As pessoas protegidas continuarão a beneficiar destes acordos pelo tempo em que a Convenção lhes for aplicável, salvo estipulações em contrário contidas expressamente nos referidos acordos ou em

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acordos posteriores ou ainda quando tenham sido tomadas medidas mais favoráveis a seu respeito ou uma ou outra das Partes em conflito.

Artigo 8.º As pessoas protegidas não poderão em caso algum renunciar parcial ou totalmente aos direitos que lhes são assegurados pela presente Convenção e pelos acordos especiais referidos no artigo precedente, caso estes existam.

Artigo 9.º A presente Convenção será aplicada com a cooperação e fiscalização das Potências protetoras encarregadas de salvaguardar os interesses das Partes no conflito. Para este efeito, as Potências protetoras poderão nomear, fora do seu pessoal diplomático ou consular, delegados entre os seus próprios súbditos ou entre os súbditos de outras Potências neutras. Estes delegados deverão ser submetidos à aprovação da Potência junto da qual exercerão a sua missão. As Partes no conflito facilitarão, o mais possível, a missão dos representantes ou delegados das Potências protetoras. Os representantes ou delegados das Potências protetoras não deverão, em caso algum, ultrapassar os limites da sua missão, tal como a estipula a presente Convenção. Deverão, principalmente, ter em consideração as necessidades imperiosas da segurança do Estado junto do qual exercem as suas funções.

Artigo 10.º As disposições da presente Convenção não constituem obstáculo às atividades humanitárias que a Comissão Internacional da Cruz Vermelha ou qualquer outra organização humanitária imparcial possam exercer para a proteção dos civis e para os socorros a prestar-lhes, sujeitas a acordo das respectivas Partes no conflito.

Artigo 11.º As Altas Partes contratantes poderão, em qualquer ocasião, acordar em confiar a um organismo internacional, que ofereça todas as garantias de imparcialidade e de eficácia, as missões que competem às Potências protetoras pela presente Convenção. Quando as pessoas protegidas pela presente Convenção não beneficiem ou deixem de beneficiar, qualquer que seja a razão, da

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atividade de uma Potência protetora ou de um organismo designado, em conformidade com o primeiro parágrafo, a Potência detentora deverá pedir, quer a um Estado neutro, quer a tal organismo, que assuma as funções atribuídas pela presente Convenção às Potências protetoras designadas pelas Partes no conflito. Se a proteção não puder ser assegurada deste modo, a Potência detentora pedirá ou aceitará, sob reserva das disposições deste artigo, a oferta dos serviços de uma organização humanitária, tal como a Comissão internacional da Cruz Vermelha, para assumir as funções humanitárias atribuídas às Potências protetoras pela presente Convenção. Qualquer Potência neutra ou organismo convidado pela Potência interessada ou que se ofereça para os fins acima designados deverá no exercício da sua atividade ter consciência da sua responsabilidade para com a Parte no conflito da qual dependem as pessoas protegidas pela presente Convenção e deverá fornecer garantias bastantes de capacidade para assumir as funções em questão e desempenhá-las com imparcialidade. Não poderão ser alteradas as disposições precedentes por acordo particular entre Potências das quais uma se encontre, mesmo temporariamente, perante a outra Potência ou seus aliados, limitadas na sua liberdade de negociar em conseqüência dos acontecimentos militares, especialmente no caso de uma ocupação da totalidade ou de uma parte importante do seu território. Sempre que na presente Convenção se faz alusão a uma Potência protetora, esta alusão designa igualmente os organismos que a substituem no espírito do presente artigo. As disposições deste artigo estender-se-ão e serão adaptadas aos casos dos súbditos de um Estado neutro que se encontrem num território ocupado ou no território de um Estado beligerante no qual o Estado de que são súbditos não tem representação diplomática normal.

Artigo 12.º Em todos os casos em que as Potências protetoras o julgarem útil no interesse das pessoas protegidas, especialmente quando houver desacordo entre as Partes no conflito sobre a aplicação ou interpretação das disposições da presente Convenção, as referidas

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Potências prestarão os seus bons ofícios com vista à resolução do desacordo. Para este efeito, cada uma das Potências protetoras poderá, a convite de uma parte ou por sua própria iniciativa, propor às Partes no conflito uma reunião dos seus representantes e, em particular, das autoridades responsáveis pela situação das pessoas protegidas, possivelmente num território neutro convenientemente escolhido. As Partes no conflito serão obrigadas a dar seguimento às propostas que lhes forem feitas neste sentido. As Potências protetoras poderão, se for necessário, submeter à aprovação das Partes no conflito uma personalidade pertencente a uma Potência neutra, ou uma personalidade delegada pela Comissão Internacional da Cruz Vermelha, que será convidada a tomar parte nessa reunião.

TÍTULO II proteção geral das populações contra determinadas

conseqüências da guerra Artigo 13.º

As disposições do título II têm em vista o conjunto das populações dos países no conflito, sem qualquer distinção desfavorável, particularmente de raça, nacionalidade, religião ou opiniões políticas, e destinam-se a aliviar os sofrimentos causados pela guerra.

Artigo 14.º Desde o tempo de paz, as Partes contratantes e, depois do início das hostilidades, as Partes no conflito, poderão estabelecer no seu próprio território e, se houver necessidade, nos territórios ocupados, zonas e localidades sanitárias e de segurança organizadas de modo a proteger dos efeitos da guerra os feridos e os doentes, os enfermos, os velhos, as crianças com menos de 15 anos, as mulheres grávidas e as mães de crianças com menos de 7anos. Desde o início de um conflito e no decorrer das hostilidades, as Partes interessadas poderão concluir entre si acordos para o reconhecimento das zonas e localidades que tiverem estabelecido. Poderão para este efeito pôr em execução as disposições previstas

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no projeto de acordo apenso à presente Convenção, introduzindo as alterações que eventualmente considerem necessárias. As Potências protetoras e a Comissão Internacional da Cruz Vermelha são convidadas a prestar os seus bons ofícios para facilitar o estabelecimento e o reconhecimento destas zonas e localidades sanitárias e de segurança.

Artigo 15.º Qualquer Parte no conflito poderá, quer diretamente, quer por intermédio de um Estado neutro ou de um organismo humanitário, propor à Parte contrária a criação, nas regiões onde se combate, de zonas neutras destinadas a proteger dos perigos dos combates, sem qualquer distinção, as seguintes pessoas:

a) Os feridos e os doentes, combatentes ou não combatentes; b) Os civis que não participam nas hostilidades e que não se dediquem a qualquer trabalho de natureza militar durante a sua permanência nestas zonas.

Logo que as Partes no conflito tiverem acordado sobre a situação geográfica, administração, abastecimentos e inspeção da zona neutra considerada, será estabelecido um acordo escrito e assinado pelos representantes das Partes no conflito. Este acordo fixará o início e a duração da neutralização da zona.

Artigo 16.º Os feridos e os doentes, bem como os enfermos e as mulheres grávidas, serão objeto de especial proteção e respeito. Até onde as exigências militares o permitirem, cada Parte no conflito facilitará as medidas tomadas para procurar os mortos ou feridos, auxiliar os náufragos e outras pessoas expostas a um perigo grave e a protegê-las contra a pilhagem e maus tratos.

Artigo 17.º As Partes no conflito esforçar-se-ão por concluir acordos locais para a evacuação, de uma zona sitiada ou cercada, dos feridos, doentes, enfermos, velhos, crianças e parturientes, e para a passagem dos ministros de todas as religiões, do pessoal e material sanitários com destino a esta zona.

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Artigo 18.º Os hospitais civis organizados para cuidar dos feridos, doentes, enfermos e parturientes não poderão, em qualquer circunstância, ser alvo de ataques; serão sempre respeitados e protegidos pelas Partes no conflito. Os Estados que são partes num conflito deverão entregar a todos os hospitais civis um documento atestando a sua qualidade de hospital civil e provando que os edifícios que ocupa, não são utilizados para outros fins que, em conformidade com o artigo 19.º, poderiam privá-los de proteção. Os hospitais civis serão assinalados, se para tal estiverem autorizados pelo Estado, por meio do emblema estipulado no artigo 38.º da Convenção de Genebra para melhorar a situação dos feridos e doentes das forças armadas em campanha, de 12 de Agosto de 1949. As Partes no conflito tomarão, tanto quanto as exigências militares o permitam, as medidas necessárias para tornar facilmente visíveis às forças inimigas, terrestres, aéreas e navais, os emblemas distintivos que assinalem os hospitais civis, a fim de afastar a possibilidade de qualquer ação agressiva. Em vista dos perigos que pode apresentar para os hospitais a proximidade de objetivos militares, recomenda-se que os mesmo fiquem tão afastadas quanto possível dos referidos objetivos.

Artigo 19.º A proteção concedida aos hospitais civis não poderá cessar, a não ser que os mesmos sejam utilizados para cometer, fora dos seus deveres humanitários, atos prejudiciais ao inimigo. Contudo, a proteção não cessará senão depois de intimação prévia fixando, em todos os casos oportunos, um prazo razoável e depois de a intimação não ter sido atendida. Não será considerado como ato hostil o fato de militares feridos ou doentes serem tratados nestes hospitais ou serem ali encontradas armas portáteis e munições tiradas aos mesmos e que não tenham ainda sido entregues no serviço competente.

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Artigo 20.º O pessoal normalmente e unicamente encarregado do funcionamento ou da administração dos hospitais civis, compreendendo o que é encarregado da procura, remoção, transporte e tratamento dos feridos e doentes civis, dos enfermos e das parturientes, será respeitado e protegido. Nos território ocupados e nas zonas de operações militares, este pessoal far-se-á reconhecer por meio de um bilhete de identidade, atestando a qualidade do titular, munido da sua fotografia com o selo em branco da autoridade responsável e, também, enquanto estiver ao serviço, por um braçal carimbado resistente à umidade, usado no braço esquerdo. Este braçal será entregue pelo Estado e provido do emblema estipulado no artigo 38.º da Convenção de Genebra para melhorar as condições dos feridos e doentes das forças armadas em campanha, de 12 de Agosto de 1949. O restante pessoal que estiver empregado no funcionamento ou na administração dos hospitais civis será respeitado e protegido e terá o direito de usar o braçal como se acha previsto e nas condições previstas neste artigo, durante o exercício destas funções. O seu bilhete de identidade indicará as missões que lhe estão atribuídas. A direção de cada hospital civil terá sempre à disposição das autoridades competentes, nacionais ou de ocupação, uma relação atualizada do seu pessoal.

Artigo 21.º Os transportes de feridos e doentes civis, de enfermos e parturientes efetuadas em terra por comboios de viaturas e comboios-hospitais, ou, por mar, em navios destinados a este fim, serão respeitados e protegidos da mesma maneira que os hospitais previstos no artigo 18.º e serão assinalados, com autorização do Estado, ostentando o emblema distintivo estipulado no artigo 38.º da Convenção de Genebra para melhorar a situação dos feridos e doentes das forças armadas em campanha, de 12 de Agosto de 1949.

Artigo 22.º As aeronaves exclusivamente empregadas para o transporte dos feridos e doentes civis, enfermos e parturientes, ou para o transporte do pessoal e material sanitários, não serão atacadas, mas

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serão respeitadas quando voarem a altitudes, horas e rotas especialmente estabelecidas entre todas as Partes no conflito interessadas. Poderão ser assinaladas pelo emblema distintivo previsto no artigo 38.º da Convenção de Genebra para melhorar a situação dos feridos e doentes das forças armadas em campanha, de 12 de Agosto de 1949. Salvo acordo em contrário, são interditos os vôos sobre o território inimigo ou por ele ocupado. Estas aeronaves obedecerão a qualquer ordem de aterragem. No caso de uma aterragem assim imposta, a aeronave e os seus ocupantes poderão continuar o seu vôo depois da inspeção eventual.

Artigo 23.º Cada Parte contratante concederá a livre passagem de todas as remessas de medicamentos, material sanitário e dos objetos necessários ao culto, destinados unicamente à população civil de um outra Parte contratante, mesmo inimiga. Autorizará igualmente a livre passagem de todas as remessas de víveres indispensáveis, vestuários e fortificantes destinados às crianças, com menos de 15 anos, mulheres grávidas e parturientes. A obrigação para uma Parte contratante de permitir livre passagem das remessas indicadas no parágrafo precedente está sujeita à condição de esta Parte ter a garantia de que não existem sérios motivos para recear que:

a) As remessas possam ser desviadas do seu destino, ou b) A inspeção possa não ser eficaz, ou c) O inimigo possa daí tirar uma manifesta vantagem para os seus esforços militares ou economia, substituindo estas remessas por mercadorias que deveria, de outra forma, fornecer ou produzir, ou libertando as matérias, produtos ou serviços que teria, por outro lado, de utilizar na produção de tais mercadorias.

A Potência que autoriza a passagem de remessas indicadas no primeiro parágrafo deste artigo pode pôr como condição para a sua

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autorização que a distribuição aos beneficiários seja feita sob a fiscalização local das Potências protetoras. Estas remessas deverão ser enviadas ao seu destino o mais rapidamente possível, e o Estado que autoriza a sua livre passagem terá o direito de fixar as condições técnicas mediante as quais ela será permitida.

Artigo 24.º As Partes no conflito tomarão as disposições necessárias para que as crianças com menos de 15 anos que fiquem órfãs ou separadas de suas famílias em conseqüência da guerra não sejam abandonadas a si próprias para que sejam facilitadas, em todas as circunstâncias, a sua manutenção, a prática da sua religião e a sua educação. Esta será, tanto quanto possível, confiada a pessoas da mesma tradição cultural. As Partes no conflito facilitarão o acolhimento destas crianças num país neutro durante a duração do conflito com o consentimento da Potência protetora, se a houver e se tiverem a garantia de que os princípios enunciados no primeiro parágrafo são respeitados. Além disso, esforçar-se-ão por tomar as medidas necessárias para que todas as crianças com menos de 12 anos possam ser identificadas, pelo uso de uma placa de identidade ou por qualquer outro meio.

Artigo 25.º Toda a pessoa que se encontre no território de uma Parte no conflito, ou num território ocupado por ela, poderá enviar aos membros de sua família, onde quer que se encontrem, notícias de caráter estritamente familiar e recebê-las. Esta correspondência será enviada ao seu destino rapidamente e sem demora injustificada. Se, devido a várias circunstâncias, a troca de correspondência familiar pela via postal ordinária se tornou difícil ou impossível, as Partes no conflito interessadas dirigir-se-ão a um intermediário neutro, como a agência central prevista no artigo 140.º, para resolver com ela sobre os meios de garantir a execução das suas obrigações nas melhores condições, especialmente com o concurso das sociedades nacionais da Cruz Vermelha (do Crescente Vermelho, do Leão e Sol Vermelhos).

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Se as Partes no conflito considerarem necessário restringir a correspondência familiar, poderão, quando muito, impor o emprego de fórmulas-modelo contendo vinte e cinco palavras livremente escolhidas e limitar o envio a uma só por mês.

Artigo 26.º Cada Parte no conflito facilitará as investigações feitas pelos membros das famílias dispersas pela guerra para retomarem contacto entre si e reunir-se, sendo possível. Favorecerá especialmente o trabalho dos organismos que se dedicam a esta missão, desde que os tenha autorizado e eles se conformem com as medidas de segurança que ela tenha adotado.

TÍTULO III Estatuto e tratamento das pessoas protegidas

SECÇÃO I Disposições comuns aos territórios das Partes no conflito e

aos territórios ocupados Artigo 27.º

As pessoas protegidas têm direito, em todas as circunstâncias, ao respeito da sua pessoa, da sua honra, dos seus direitos de família, das suas convicções e práticas religiosas, dos seus hábitos e costumes. Serão tratadas, sempre, com humanidade e protegidas especialmente contra todos os atos de violência ou de intimidação, contra os insultos e a curiosidade pública. As mulheres serão especialmente protegidas contra qualquer ataque à sua honra, e particularmente contra violação, prostituição forçadas ou qualquer forma de atentado ao seu pudor. Sem prejuízo das disposições relativas ao seu estado de saúde, idade e sexo, todas as pessoas protegidas serão tratadas pela Parte no conflito em poder de quem se encontrem com a mesma consideração, sem qualquer distinção desfavorável, especialmente de raça, religião ou opiniões políticas. Contudo, as Partes no conflito poderão tomar, a respeito das pessoas protegidas, as medidas de fiscalização ou de segurança que sejam necessárias devido à guerra.

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Artigo 28.º Nenhuma pessoa protegida poderá ser utilizada para colocar, pela sua presença, certos pontos ou certas regiões ao abrigo das operações militares. Artigo 29.º A Parte no conflito em cujo poder se encontrem pessoas protegidas é responsável pelo tratamento que lhes for aplicado pelos seus agentes, independentemente das responsabilidades individuais em que possam ter incorrido.

Artigo 30.º As pessoas protegidas terão todas as facilidades para se dirigir às Potências protetoras, à Comissão Internacional da Cruz Vermelha, sociedade nacional da Cruz Vermelha (do Crescente Vermelho, do Leão e Sol Vermelhos) do país onde se encontrem, bem como a qualquer organismo que lhes possa prestar auxílio. Estes diversos organismos receberão para este efeito, da parte das autoridades, todas as facilidades dentro dos limites estabelecidos pelas necessidades militares ou de segurança. Independentemente das visitas dos delegados das Potências protetoras e da Cruz Vermelha previstas no artigo 143.º, as Potências detentoras ou ocupantes facilitarão, na medida do possível, as visitas que desejarem fazer às pessoas protegidas e representantes de outras organizações cujo fim consista em dar a estas pessoas um auxílio espiritual ou material.

Artigo 31.º

Nenhuma coação de ordem física ou moral pode ser exercida contra as pessoas protegidas, especialmente para conseguir delas, ou de terceiros, informações.

Artigo 32.º As Altas Partes contratantes proíbem-se expressamente qualquer medida que possa causar sofrimentos físicos ou o extermínio das pessoas protegidas em seu poder. Esta proibição não tem em vista apenas o assassínio, a tortura, os castigos corporais, as mutilações e as experiências médicas ou científicas que não forem necessárias para o tratamento médico de uma pessoa protegida, mas também

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todas as outras brutalidades, quer sejam praticadas por agentes civis ou militares.

Artigo 33.º Nenhuma pessoa protegida pode ser castigada por uma infração que não tenha cometido pessoalmente. As penas coletivas, assim como todas as medidas de intimação ou de terrorismo, são proibidas. A pilhagem é proibida. As medidas de represália contra as pessoas protegidas e seus bens são proibidas.

Artigo 34.º É proibida a tomada de reféns.

TÍTULO III Estatuto e tratamento das pessoas protegidas

SECÇÃO II Estrangeiros no território de uma Parte no conflito

Artigo 35.º Toda a pessoa protegida que quiser abandonar o território no início ou durante o conflito terá o direito de o fazer, a não ser que a sua saída seja contrária aos interesses nacionais do Estado. Os pedidos de tais pessoas para abandonar o território serão decididos em conformidade com processos regularmente estabelecidos e a resolução será tomada o mais rapidamente possível. As pessoas autorizadas a abandonar o território poderão munir-se dos fundos necessários para a viagem e fazer-se acompanhar de uma quantidade razoável de artigos domésticos e objetos de uso pessoal. Se for recusada a qualquer pessoa autorização para abandonar o território, terá a mesma direito de conseguir que um tribunal apropriado ou uma junta administrativa competente, designada pela Potência detentora para o efeito, reconsidere esta recusa no mais curto prazo. A pedido, os representantes da Potência protetora poderão, a não ser que razões de segurança o impeçam ou que os interessados levantem objeções, obter informações sobre os motivos da recusa dos pedidos de autorização para saída do território e, o mais

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rapidamente possível, os nomes de todas as pessoas que se encontrem neste caso.

Artigo 36.º As saídas autorizadas nos termos do artigo antecedente serão efetuada em condições satisfatórias de segurança, higiene, salubridade e alimentação. Todas as despesas relacionadas, a partir da saída do território da Potência detentora, ficarão a cargo do país de destino ou, no caso de permanência num país neutro, a cargo da Potência cujos súbditos são os beneficiários. Os pormenores práticos destes deslocamentos serão, em caso de necessidade, estabelecidos por acordos especiais entre as Potências interessadas. As disposições precedentes não prejudicarão os acordos especiais que possam ser concluídos entre as Partes no conflito a propósito da troca e repartição dos seus súbditos em poder do inimigo.

Artigo 37.º As pessoas protegidas que se encontrem detidas preventivamente ou cumprindo uma sentença com perda de liberdade serão tratadas com humanidade durante a sua prisão. Logo que forem postas em liberdade, poderão pedir para abandonar o território, em conformidade com os artigos precedentes.

Artigo 38.º Excetuado as medidas especiais que possam ter sido tomadas em virtude da presente Convenção, especialmente nos artigos 27.º e 41.º, a situação das pessoas protegidas continuará a ser regulada, em princípio, pelas disposições relativas ao tratamento dos estrangeiros em tempo de paz. Em qualquer caso devem ser-lhes concedidos os seguintes direitos:

1) Poderão receber o socorro individual ou coletivo que lhes for remetido; 2) Receberão, se o seu estado de saúde o exigir, assistência médica e tratamentos hospitalares, nas mesmas condições que os súbditos do Estado interessado; 3) Ser-lhes-á permitida a prática da sua religião e assistência espiritual dos ministros do seu culto;

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4) Se residirem numa região particularmente exposta aos perigos da guerra, serão autorizados a deslocar-se nas mesmas condições que os súbditos do Estado interessado; 5) As crianças com menos de 15 anos, as mulheres grávidas e as mães de crianças com menos de 7 anos beneficiarão, nas mesmas condições que os súbditos do Estado interessado, de qualquer tratamento de preferência. Artigo 39.º

Às pessoas protegidas que tiverem pedido, em conseqüência da guerra, o seu emprego, ser-lhes-á dada oportunidade de encontrar trabalho remunerado e gozarão para este efeito, sujeitas a consideração de segurança e às disposições do artigo 40.º, das mesmas vantagens que os súbditos da Potência em cujo território eles se encontrem. Se uma Parte no conflito submete uma pessoa protegida a medidas de fiscalização que a coloquem na impossibilidade de prover à sua subsistência, especialmente quando esta pessoa não pode por motivos de segurança encontrar um trabalho remunerado em condições razoáveis, a referida Parte no conflito garantirá as suas necessidades e as das pessoas que estiverem a seu cargo. As pessoas protegidas poderão, em todos os casos, receber subsídios do seu país de origem, da Potência protetora ou das sociedades de beneficência mencionadas no artigo 30.º.

Artigo 40.º As pessoas protegidas só podem ser obrigadas a trabalhar nas mesmas condições em que o são os súbditos da Parte no conflito em cujo território elas se encontrem. Se as pessoas protegidas são de nacionalidade inimiga, não poderão ser obrigadas senão aos trabalhos que são normalmente necessários para garantir a alimentação, o alojamento, o vestuário, o transporte e a saúde de seres humanos e que não estejam diretamente relacionados com a condução das operações militares. Nos casos mencionados nos parágrafos precedentes, as pessoas protegida obrigadas ao trabalho beneficiarão das mesmas condições de trabalho e das mesmas medidas de proteção que os

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trabalhadores que os trabalhadores nacionais, em particular no que se refere a salários, duração de trabalho, equipamento, instrução prévia e a reparação por acidentes de trabalho e doenças profissionais. No caso de infração das disposições acima mencionadas, as pessoas protegidas serão autorizadas a exercer o seu direito de se queixar, em conformidade com o artigo 30.º.

Artigo 41.º Se a Potência em poder da qual se encontram as pessoas protegidas não considerar suficientes as medidas de fiscalização mencionadas na presente Convenção, não poderá recorrer a outras medidas de fiscalização mais severas do que as de residência fixada ou internamento, em conformidade com as disposições dos artigos 42.º e 43.º. Ao aplicar as disposições do segundo parágrafo do artigo 39.º, no caso de pessoas obrigadas a abandonar a sua residência habitual em virtude de uma decisão que as obriga a residência fixada noutro local, a Potência detentora regular-se-á tanto quanto possível pelas regras relativas ao tratamento dos internados, expostas na secção IV do título III desta Convenção. O internamento ou a colocação em residência obrigatória de pessoas protegidas não poderá ser ordenado senão quando a segurança da Potência em poder da qual estas pessoas se encontram o torne absolutamente necessário. Se uma pessoa pedir, por intermédio dos representantes da Potência protetora, ou seu internamento voluntário e se a sua situação o torna necessário, será realizado pela Potência em poder da qual se encontra.

Artigo 43.º Qualquer pessoa protegida que tenha sido internada ou à qual tenha sido fixada residência terá o direito de se dirigir a um tribunal ou a uma junta administrativa competente, designada pela Potência detentora para este efeito, a fim de que eles reconsiderem no mais curto prazo a decisão tomada a seu respeito. Se o internamento ou a situação de residência fixada se mantiverem, o tribunal ou a junta administrativa procederá periodicamente, e pelo menos duas vezes por ano, a um exame do caso desta pessoa, com o fim de modificar

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a seu favor a decisão inicial, se as circunstâncias o permitirem. A não ser que as pessoas protegidas interessadas se oponham, a Potência detentora levará, tão rapidamente quanto possível, ao conhecimento da Potência protetora, os nomes das pessoas protegidas que tiverem sido internadas ou sujeitas a residência fixada e os nomes das que tiverem sido libertadas do internamento ou da residência fixada. Sob a mesma reserva, as decisões dos tribunais ou das juntas administrativas mencionadas no primeiro parágrafo do presente artigo serão igualmente notificadas, tão rapidamente quanto possível, à Potência protetora.

Artigo 44.º Ao aplicar as medidas de fiscalização mencionadas na presente Convenção, a Potência detentora não tratará como estrangeiros inimigos, exclusivamente na base da sua subordinação jurídica a um Estado inimigo, os refugiados que não gozem de fato da proteção de qualquer Governo.

Artigo 45.º As pessoas protegidas não poderão ser transferidas para uma Potência que não seja parte na Convenção. Esta disposição não constituirá em caso algum obstáculo à repatriação das pessoas protegidas ou ao seu regresso ao país do seu domicílio depois de terminadas as hostilidades. As pessoas protegidas não poderão ser transferidas pela Potência detentora para uma Potência que seja parte na Convenção senão depois de a Potência detentora estar certa de que a Potência em questão tem boa vontade e capacidade para aplicar a Convenção. Quando as pessoas protegidas forem transferidas deste modo, a responsabilidade da aplicação da Convenção competirá à Potência que resolveu acolhê-las, enquanto lhe estiverem confiadas. Contudo, no caso de esta Potência não aplicar as disposições da Convenção em qualquer ponto importante, a Potência pela qual as pessoas protegidas foram transferidas deverá, depois de notificação da Potência protetora, tomar medidas eficazes para remediar a situação ou pedir que lhe sejam novamente enviadas as pessoas protegidas. Este pedido deverá ser satisfeito.

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Uma pessoa protegida não poderá ser, em caso algum, transferida para um país onde possa temer perseguições por motivo das suas opiniões políticas ou religiosas. As disposições deste artigo não constituem obstáculo à extradição, em virtude de tratados de extradição concluídos antes do início das hostilidades, de pessoas protegidas acusadas de crimes de direito comum.

Artigo 46.º No caso de não terem sido anuladas anteriormente, as medidas restritivas referentes a pessoas protegidas cessarão tão rapidamente quanto possível depois de terminadas as hostilidades. As medidas restritivas que afetem os seus bens cessarão tão cedo quanto possível depois de terminadas as hostilidades, em conformidade com a legislação da Potência detentora.

SECÇÃO III Territórios ocupados

Artigo 47.º As pessoas protegidas que se encontrem em território ocupado não serão privadas, em caso algum nem de qualquer modo, do benefício da presente Convenção, quer em virtude de qualquer mudança introduzida como conseqüência da ocupação nas instituições ou no Governo do referido território, quer por um acordo concluído entre as autoridades do território ocupado e a Potência ocupante, ou ainda por motivo de anexação por esta última de todo ou parte do território ocupado.

Artigo 48.º As pessoas protegidas não súbditas da Potência cujo território está ocupado poderão aproveitar-se do direito de deixar o território nas condições previstas no artigo 35.º, e as decisões serão tomadas em conformidade com as condições que a Potência ocupante deve estabelecer de harmonia com o referido artigo.

Artigo 49.º As transferências forçadas, em massa ou individuais, bem como as deportações de pessoas protegidas do território ocupado para o da Potência ocupante ou para o de qualquer outro país, ocupado ou não, são proibidas, qualquer que seja o motivo.

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Contudo, a Potência ocupante poderá proceder à evacuação total ou parcial de uma dada região ocupada, se a segurança da população ou imperiosas razões militares o exigirem. As evacuações não poderão abranger a deslocação de pessoas protegidas para fora dos limites do território ocupado, a não ser em caso de impossibilidade material. A população assim evacuada será reconduzida aos seus lares logo que as hostilidades tenham terminado neste sector. A Potência ocupante, ao realizar estas transferências ou evacuações, deverá providenciar, em toda a medida do possível, para que as pessoas protegidas sejam recebidas em instalações apropriadas, para que as deslocações sejam efetuada em condições satisfatórias de higiene, sanidade, segurança e alimentação e para que os membros de uma mesma família não sejam separados uns dos outros. A Potência protetora será informada das transferências e evacuações logo que elas se efetuem. A Potência ocupante não poderá reter as pessoas protegidas numa região particularmente exposta aos perigos da guerra, a não ser que a segurança da população ou imperiosas razões militares o exijam. A Potência ocupante não poderá proceder à deportação ou à transferência de uma parte da sua própria população civil para o território por ela ocupado.

Artigo 50.º A Potência ocupante facilitará, com a cooperação das autoridades nacionais e locais, o bom funcionamento das instituições consagradas aos cuidados e educação das crianças. Tomará todas as medidas necessárias para facilitar a identificação das crianças e o registro da sua filiação. Não poderá, em caso algum, mudar o seu estatuto pessoal, nem alistá-las nas formações ou organizações que lhes estejam subordinadas. Se as instituições locais forem inadequadas para o fim a que se destinam, a Potência ocupante deverá tomar disposições para assegurar a manutenção e a educação, se possível por pessoas da sua nacionalidade, língua e religião, das crianças que forem órfãs ou estiverem separadas de seus pais em conseqüência da guerra, e

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na ausência de um parente próximo ou de um amigo que as possa tomar a seu cargo. Uma secção especial da repartição criada em virtude das disposições do artigo 136.º será encarregada de tomar todas as medidas necessárias para identificar as crianças cuja identidade seja incerta. As indicações que se possuírem acerca de seus pais ou outros parentes próximos serão sempre registradas. A Potência ocupante não deverá pôr obstáculos à aplicação de medidas preferenciais que possam ter sido adotadas, antes da ocupação, em favor das crianças com idade inferior a 15 anos, mulheres grávidas e mães de crianças com menos de 7 anos, pelo que respeita à alimentação, cuidados médicos e proteção contra os efeitos da guerra.

Artigo 51.º A Potência ocupante não poderá obrigar as pessoas protegidas a servirem nas suas forças armadas ou auxiliares. Toda a pressão ou propaganda destinada a conseguir alistamentos voluntários é proibida. A Potência ocupante não poderá obrigar ao trabalho as pessoas protegidas, a não ser que tenham idade superior a 18 anos; e nesse caso apenas em trabalhos necessários às exigências do exército de ocupação ou nos serviços de utilidade pública, alimentação, habitação, vestuário, nos transportes ou na saúde da população do país ocupado. As pessoas protegidas não poderão ser compelidas a qualquer trabalho que as obrigue a tomar parte em operações militares. A Potência ocupante não poderá obrigar as pessoas protegidas a garantir pela força a segurança das instalações onde executem um trabalho obrigatório. O trabalho não será executado senão no interior do território ocupado onde estiverem as pessoas de que se trata. Cada pessoa requisitada será, na medida do possível, conservada no seu lugar habitual de trabalho. O trabalho será eqüitativamente remunerado e proporcionado às possibilidades físicas e intelectuais dos trabalhadores. A legislação em vigor no país ocupado referente às condições de trabalho e às medidas de proteção, especialmente no que respeita a salários, horas de trabalho, equipamento, instrução inicial e a reparações por acidentes de trabalho e doenças

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profissionais, será aplicável às pessoas protegidas submetidas aos trabalhos de que trata este artigo. Em caso algum as requisições de mão-de-obra poderão conduzir a uma mobilização de trabalhadores com organização de caráter militar ou semimilitar.

Artigo 52.º Nenhum contrato, acordo ou regulamento poderá atingir o direito de qualquer trabalhador, voluntário ou não, onde quer que se encontre, de se dirigir aos representantes da Potência protetora para pedir a sua intervenção. São proibidas todas as medidas tendentes a provocar o desemprego ou a restringir as possibilidades de trabalho dos trabalhadores de um país ocupado, com o fim de os induzir a trabalhar para a Potência ocupante.

Artigo 53.º É proibido à Potência ocupante destruir os bens móveis ou imóveis, pertencendo individual ou coletivamente a pessoas particulares, ao Estado ou a coletividade públicas, a organizações sociais ou cooperativas, a não ser que tais destruições sejam consideradas absolutamente necessárias para as operações militares.

Artigo 54.º A Potência ocupante não poderá modificar o estatuto dos funcionários ou dos magistrados do território ocupado ou tomar contra eles sanções ou quaisquer medidas coercivas ou de diferenciação no caso de deixarem de exercer as suas funções por razões de consciência. Esta última proibição não constitui obstáculo à aplicação do segundo parágrafo do artigo 51.º e não afeta o direito de a Potência ocupante afastar os funcionários públicos dos seus lugares.

Artigo 55.º Tanto quanto lho permitam as suas possibilidades, a Potência ocupante tem o dever de assegurar o abastecimento da população em víveres e produtos médicos; deverá especialmente importar os alimentos, os abastecimentos médicos e outros artigos necessários, se os recursos do território ocupado forem insuficientes. A Potência não poderá requisitar víveres, artigos ou fornecimentos médicos que se encontrem no território ocupado, a não ser para uso

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das forças de ocupação e pessoal da administração, e deverá ter em consideração as necessidades da população civil. Sob reserva das estipulações de outras convenções internacionais, a Potência ocupante deverá tomar as disposições necessárias para que qualquer requisição seja indenizada pelo seu justo valor. As Potências protetoras poderão, em qualquer altura, verificar livremente o estado dos abastecimentos de víveres e medicamentos nos territórios ocupados, com reserva das restrições temporárias que forem consideradas necessárias por imperiosas exigências militares.

Artigo 56.º Tanto quanto lhe permitam as suas possibilidades, a Potência ocupante tem o dever de garantir e manter, com o concurso das autoridades nacionais e locais os estabelecimentos e os serviços médicos e hospitalares, assim como a saúde e higiene públicas, no território ocupado, especialmente pela adoção e aplicando medidas profiláticas e preventivas necessárias para combater a propagação de doenças contagiosas e as epidemias. O pessoal médico de todas as categorias será autorizado a desempenhar a sua missão. Se novos hospitais forem criados em território ocupado e se os órgãos competentes do Estado ocupado não estiverem funcionando, as autoridades de ocupação procederão, se for necessário, ao reconhecimento previsto no artigo 18.º. Em circunstâncias análogas, as autoridades de ocupação deverão igualmente proceder ao reconhecimento do pessoal dos hospitais e das viaturas de transporte, em virtude das disposições dos artigos 20.º e 21.º. Ao adotar as medidas de saúde e higiene, assim como ao pô-las em vigor, a Potência ocupante terá em consideração as suscetibilidades morais e éticas da população do território ocupado.

Artigo 57.º A Potência ocupante não poderá requisitar os hospitais civis senão temporariamente e apenas em caso de urgente necessidade, para cuidar dos feridos e dos doentes militares, e com a condição de serem tomadas medidas convenientes em tempo oportuno para

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assegurar os cuidados e o tratamento das pessoas hospitalizadas e satisfazer as necessidades da população civil.

Artigo 58.º A Potência ocupante autorizará os ministros da religião a dar assistência espiritual aos membros das suas comunidades religiosas. Aceitará igualmente as remessas de livros e artigos necessários às necessidades religiosas e facilitará a sua distribuição no território ocupado.

Artigo 59.º Quando a população de um território ocupado ou uma parte desta for insuficientemente abastecida, a Potência ocupante aceitará as acções de socorro feitas em favor desta população e facilitá-las-á por todos os meios ao seu alcance. Estas acções, que poderão ser empreendidas pelos Estados ou por um organismo humanitário imparcial, como a Comissão Internacional da Cruz Vermelha, consistirão especialmente em remessas de víveres, produtos médicos e vestuário. Todos os Estados contratantes deverão autorizar a livre passagem das remessas e assegurar-lhes a proteção. Uma Potência que conceda livre passagem às remessas destinadas a um território ocupado por uma Parte adversa no conflito terá, no entanto, o direito de fiscalizar as remessas, de regulamentar a sua passagem de harmonia com os horários e itinerários prescritos e de conseguir da Potência protetora uma garantia bastante de que estas remessas são destinadas a socorrer a população necessitada e de que não são utilizadas em benefício da Potência ocupante.

Artigo 60.º As remessas de socorros não desobrigarão de qualquer forma a Potência ocupante das responsabilidades que lhe impõem os artigos 55.º, 56.º e 59.º. A Potência ocupante não poderá desviar as remessas de socorros do fim a que são destinadas, a não ser em casos de necessidade urgente, no interesse da população do território ocupado e com consentimento da Potência protetora.

Artigo 61.º A distribuição das remessas de socorros mencionadas nos artigos precedentes será feita com a cooperação e fiscalização da Potência

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protetora. Esta missão poderá igualmente ser delegada, por acordo entre a Potência ocupante a Potência protetora num Estado neutro, na Comissão Internacional da Cruz Vermelha ou em qualquer outro organismo humanitário imparcial. Não serão obrados quaisquer direitos, impostos ou taxas no território ocupado sobre estas remessas de socorro, a não ser que o seu recebimento seja necessário no interesse da economia do território. A Potência ocupante deverá facilitar a rápida distribuição destas remessas. Todas as Partes contratantes se esforçarão para permitirem o trânsito e o transporte gratuitos destas remessas de socorro destinadas aos território ocupados.

Artigo 62.º Sob reserva de imperiosas considerações de segurança, as pessoas protegidas que se encontrem em território ocupado poderão receber as remessas individuais de socorro que lhes forem dirigidas.

Artigo 63.º Sob reserva das medidas temporárias que vierem a ser impostas a título excepcional por imperiosas considerações de segurança da Potência ocupante:

a) As sociedades nacionais da Cruz Vermelha (do Crescente Vermelho, do Leão e Sol Vermelhos) reconhecidas poderão prosseguir as suas atividades em conformidade com os princípios da Cruz Vermelha, como estão definidos nas Conferências internacionais da Cruz Vermelha. As outras sociedades de socorro deverão poder continuar as suas atividades humanitárias em idênticas condições; b) A Potência ocupante não poderá exigir, em relação ao pessoal e à organização destas sociedades, nenhuma alteração que possa acarretar prejuízo para as atividades acima mencionadas.

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Os mesmos princípios serão aplicados à atividade e ao pessoal de organismos especiais com caráter não militar, já existentes ou que possam ver a ser criados com o fim de garantir as condições de vida da população civil pela manutenção dos serviços essenciais de utilidade pública, a distribuição de socorros e a organização de salvamento.

Artigo 64.º A legislação penal do território ocupado continuará em vigor, salvo na medida em que possa ser revogada ou suspensa pela Potência ocupante, se esta legislação constituir uma ameaça para a segurança desta Potência ou um obstáculo à aplicação da presente Convenção. Sob reserva desta última consideração e da necessidade de garantir a administração efetiva e da justiça, os tribunais do território ocupado continuarão a funcionar para todas as infrações previstas por esta legislação. A Potência ocupante poderá contudo submeter a população do território ocupado às disposições que são indispensáveis para lhe permitir desempenhar as suas obrigações derivadas da presente Convenção e garantir a administração regular do território, assim como a segurança quer da Potência ocupante, quer dos membros e dos bens das forças ou da administração da ocupação, assim como dos estabelecimentos e linhas de comunicação, assim como dos estabelecimentos e linhas de comunicação utilizadas por ela.

Artigo 65.º As disposições penais promulgadas pela Potência ocupante não entrarão em vigor senão depois de terem sido publicadas e levadas ao conhecimento da população, na sua própria língua. Estas disposições penais não podem ter efeito retroativo.

Artigo 66.º A Potência ocupante poderá, em caso de infração das disposições penais por ela promulgadas em virtude do segundo parágrafo do artigo 64.º, relegar os culpados aos seus tribunais militares, não políticos e regularmente constituídos, com a condição de os mesmos tribunais estarem situados no território ocupado. Os tribunais de recurso funcionarão de preferência no país ocupado.

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Artigo 67.º Os tribunais não poderão aplicar senão as disposições legais anteriores à infração e que estejam de harmonia com os principais gerais do direito, especialmente no que se refere ao princípio da proporcionalidade das penas. Deverão ter em consideração o fato de o acusado não ser um súbdito da Potência ocupante.

Artigo 68.º Quando uma pessoa protegida tiver cometido uma infração unicamente destinada a causar dano à Potência ocupante, mas que não constitua um atentado contra a vida ou integridade física dos membros das forças ou da administração da ocupação, nem crie um grave perigo coletivo e que não cause prejuízo importante nos bens das forças ou da administração da ocupação ou nas instalações utilizadas por elas, esta pessoa fica sujeita ao internamento ou simples prisão, ficando entendido que a duração deste internamento ou desta prisão será proporcional à infração cometida. Além disso, o internamento ou a prisão será para tais infrações a única medida privativa de liberdade que poderá ser tomada a respeito das pessoas protegidas. Os tribunais previstos no artigo 66.º da presente Convenção poderão livremente converter a pena de prisão numa pena de internamento pelo mesmo período. As disposições penais promulgadas pela Potência ocupante em conformidade com os artigos 64.º e 65.º não podem prever a pena de morte a respeito de pessoas protegidas, a não ser nos casos em que elas forem inculpadas de espionagem, de atos graves de sabotagem das instalações militares da Potência ocupante ou de infrações intencionais que tenham causado a morte de uma ou mais pessoas e desde que a legislação o território ocupado, em vigor antes do início da ocupação, preveja a pena de morte em tais casos. A pena de morte não poderá ser pronunciada contra uma pessoa protegida sem que a atenção do tribunal tenha sido especialmente chamada para o fato de o acusado não ser um súbdito da Potência ocupante, e nem estar ligado a esta por qualquer dever de fidelidade.

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Em qualquer caso, a pena de morte não poderá ser pronunciada contra uma pessoa protegida com idade inferior a 18 anos no momento da infração.

Artigo 69.º Em todos os casos, a duração da detenção preventiva será deduzida da pena total de prisão a que uma pessoa protegida acusada possa vir a ser condenada.

Artigo 70.º As pessoas protegidas não poderão ser presas, processadas ou condenadas pela Potência ocupante por atos cometidos ou por opiniões manifestadas antes da ocupação ou durante uma interrupção temporária desta, com exceção das infrações às leis e costumes da guerra. Os súbditos da Potência ocupante que, antes do início do conflito, tiverem procurado refúgio no território ocupado não poderão ser presos, processados, condenados ou deportados desse território, a não ser que infrações cometidas depois do início das hostilidades ou delitos de direito comum praticados antes do início das hostilidades, segundo a lei do Estado cujo território está ocupado, tivessem justificado a extradição em tempo de paz.

Artigo 71.º Os tribunais competentes da Potência ocupante não poderão pronunciar nenhuma sentença condenatória que não tenha sido precedida de um processo regular. Toda a pessoa acusada que for processada pela Potência ocupante será prontamente informada, por escrito, numa língua que perceba, acerca dos pormenores da acusação proferida contra si, e o seu processo será instruído o mais rapidamente possível. A Potência protetora será informada sobre cada processo intentado pela Potência ocupante contra as pessoas protegidas, quando as acusações poderem ocasionar uma condenação à morte ou uma pena de prisão por dois anos ou mais; a Potência protetora poderá, em qualquer ocasião, informar-se do estado do processo. Por outro lado, a Potência protetora terá o direito de obter, a seu pedido, todas as informações a respeito destes processos e de qualquer outra ação judicial intentada pela Potência ocupante contra as pessoas protegidas.

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A notificação à Potência protetora, como esta previsto no segundo parágrafo do presente artigo, deverá efetuar-se imediatamente, e chegar em qualquer caso à Potência protetora três semanas antes da data da primeira audiência. Se na abertura da audiência não se provar que as disposições deste artigo foram inteiramente cumpridas, o julgamento não poderá realizar-se. A notificação deverá compreender os seguintes elementos:

a) A identidade do réu; b) O local da residência ou de detenção; c) A designação da ou das acusações (com indicação das disposições penais que lhes serve, de base); d) Indicação do tribunal encarregado de proceder ao julgamento; e) Lugar e data da primeira audiência. Artigo 72.º

Todo o acusado terá o direito de produzir os elementos de prova necessários para a sua defesa e poderá especialmente apresentar testemunhas. Terá o direito de ser assistido por um defensor qualificado, à sua escolha, que poderá visitá-lo livremente e que terá as necessárias facilidades para preparar a sua defesa. Se o acusado não tiver escolhido defensor, a Potência protetora fornecer-lhe-á um. Se o acusado tiver que responder por uma acusação grave e não houver Potência protetora, a Potência ocupante deverá, sob reserva do consentimento do acusado, nomear um defensor. Todo o acusado será, a não ser que a isso renuncie livremente, assistido de um intérprete, não só durante a instrução do processo como no julgamento. Poderá em qualquer momento recusar o intérprete e pedir a sua substituição.

Artigo 73.º Todo o condenado terá o direito de utilizar as vias de recurso previstas pela legislação aplicada pelo tribunal. Será formalmente informado dos seus direitos de recurso, assim como dos prazos necessários para o interpor. O processo penal previsto na presente secção será aplicado, por analogia, aos recursos. Se a legislação aplicada pelo tribunal não

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prevê possibilidades de apelo, o condenado terá o direito de recorrer contra o julgamento e condenação para a autoridade competente da Potência ocupante.

Artigo 74.º Os representantes da Potência protetora terão o direito de assistir à audiência de qualquer tribunal que julgue uma pessoa protegida, a não ser que os debates, por medida excepcional, devam ser secretos, no interesse da segurança da Potência ocupante; esta avisará então a Potência protetora. Uma notificação contendo a indicação do local e a data do início do julgamento deverá ser enviada à Potência protetora. Todos os julgamentos realizados que impliquem a pena de morte ou a prisão por dois anos ou mais serão comunicados, com indicação dos motivos, o mais rapidamente possível, à Potência protetora; conterão uma menção da notificação efetuada em conformidade com o artigo 71.º e, no caso de julgamento implicando uma pena de prisão, o nome do local onde será cumprida. Os outros julgamentos serão registrados nas atas dos tribunais e poderão ser examinadas pelos representantes da Potência protetora. No caso de sentença de uma condenação à morte ou a pena de prisão por dois anos ou mais, os prazos para os recursos só começarão a ser contados a partir do momento em que a Potência protetora tiver recebido a comunicação do julgamento.

Artigo 75.º Em caso algum as pessoas condenadas à morte serão privadas do direito de pedir clemência. Não será executada nenhuma condenação à morte antes de expirado um prazo de pelo menos seis meses, a partir do momento em que a Potência protetora tiver recebido a comunicação do julgamento definitivo confirmando esta condenação à morte ou a decisão da recusa desta clemência. Este prazo de seis meses poderá ser reduzido em certos casos especiais, quando resulte de circunstâncias graves e críticas, que a segurança da Potência ocupante ou das suas forças armadas fique exposta a uma ameaça organizada; a Potência protetora receberá sempre a notificação desta redução de prazo e terá sempre a possibilidade de dirigir em devido tempo representações a respeito

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destas condenações à morte às autoridades de ocupação competentes.

Artigo 76.º As pessoas protegidas acusadas de delitos serão detidas no país ocupado e, se forem condenadas, deverão cumprir aí a sua pena. Serão separadas, se possível, dos outros presos e submetidas a um regime alimentar e higiênico adequado para as manter em bom estado de saúde que corresponda pelo menos ao regime dos estabelecimentos penitenciários do país ocupado. Receberão os cuidados médicos exigidos pelo seu estado de saúde. Serão igualmente autorizadas a receber a assistência espiritual que possam solicitar. As mulheres serão alojadas em locais separados e colocadas sob a vigilância imediata de mulheres. Ter-se-á em consideração o tratamento especial previsto para os menores. As pessoas protegidas detidas terão o direito de receber a visita dos delegados da Potência protetora e da Comissão Internacional da Cruz Vermelha, em conformidade com as disposições do artigo 143.º. Por outro lado, as pessoas protegidas terão o direito de receber pelo menos uma encomenda de socorro por mês.

Artigo 77.º As pessoas protegidas acusadas ou condenadas pelos tribunais no território ocupado serão entregues, no fim da ocupação, com o respectivo processo, às autoridades do território libertado.

Artigo 78.º Se a Potência ocupante julgar necessário, por razões imperiosas de segurança, tomar medidas de defesa a respeito de pessoas protegidas, poderá, quando muito, impor-lhes uma residência fixada ou proceder ao seu internamento. As decisões relativas à residência fixada ou ao internamento serão tomadas segundo um processo regular que deverá ser ordenado pela Potência ocupante, em conformidade com as disposições da presente Convenção. Este processo deve prever o direito de apelo dos interessados. Os apelos deverão ser resolvidos com a menor demora possível. Se as decisões forem confirmadas, serão objeto

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de uma revisão periódica, se possível semestral. por parte de um organismo competente instituído pela referida Potência. As pessoas protegidas sujeitas a residência fixada e obrigadas, por conseqüência, a abandonar o seu domicílio beneficiarão sem nenhuma restrição das disposições do artigo 29.º da presente Convenção.

SECÇÃO IV Regras relativas ao tratamento dos internados

CAPÍTULO I Disposições gerais

Artigo 79.º As Partes no conflito não poderão internar pessoas protegidas, a não ser em conformidade com as disposições dos artigos 41.º, 42.º, 43.º 68.º e 78.º.

Artigo 80.º Os internados conservarão a sua plena capacidade civil e exercerão os correspondentes direitos na medida compatível com o seu estatuto de internados.

Artigo 81.º As Partes no conflito que internarem pessoas protegidas ficarão obrigadas a prover gratuitamente à sua manutenção e a conceder-lhes também a assistência médica exigida pelo seu estado de saúde. Não será feita qualquer dedução nas subvenções, salários ou créditos dos interessados para indenização destas despesas. A Potência detentora deverá prover à manutenção das pessoas dependentes dos internados, se elas não dispuserem de meios bastantes de subsistência ou estiverem incapazes de ganhar a sua vida.

Artigo 82.º A Potência detentora agrupará na medida do possível os internados segundo a sua nacionalidade, língua e costumes. Os internados que forem súbditos do mesmo país não serão separados pelo simples fato de falarem línguas diferentes. Durante toda a duração do seu internamento, os membros da mesma família, e em especial os pais e seus filhos, ficarão reunidos no mesmo lugar de internamento, com exceção dos casos em que

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as necessidades de trabalho, razões de saúde, ou aplicação das disposições previstas no capítulo IX da presente secção, tornem necessária uma separação temporária. Os internados poderão pedir que os seus filhos, deixados em liberdade sem vigilância dos pais, sejam internados com eles. Na medida do possível, os membros internados da mesma família serão reunidos nos mesmos locais e alojados separadamente dos outros internados. Deverão ser-lhes igualmente concedidas as facilidades necessárias para poderem levar uma vidas de família.

CAPÍTULO II Lugares de internamento

Artigo 83.º A Potência detentora não poderá estabelecer lugares de internamento em regiões particularmente expostas aos perigos da guerra. A Potência detentora comunicará, por intermédio das Potências protetoras, às Potências inimigas todas as indicações úteis sobre a situação geográfica dos lugares de internamento. Sempre que as considerações militares o permitam, os campos de internamento serão assinalados pelas letras IC, colocadas de modo a serem vistas de dia distintamente do ar; todavia, as Potências interessadas poderão concordar com outro meio de sinalização. Nenhum outro local além do campo de internamento poderá ser sinalizado deste modo.

Artigo 84.º Os internados deverão ser alojados e administrados separadamente dos prisioneiros de guerra e das pessoas privadas de liberdade por outro motivo.

Artigo 85.º A Potência detentora tem o dever de tomar todas as medidas necessárias e possíveis para que as pessoas protegidas sejam, desde o início do seu internamento, alojadas em prédios ou acantonamentos que ofereçam todas as garantias de higiene e de salubridade e que assegurem uma proteção eficaz contra o rigor do clima e os efeitos da guerra. Em caso algum os lugares de internamento permanente serão situados em regiões doentias ou de clima pernicioso para os internados. Sempre que estiverem

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temporariamente internados numa região doentia, ou com clima prejudicial para a saúde, as pessoas protegidas deverão ser transferidas, tão rapidamente quanto as circunstâncias o permitam, para um lugar de internamento onde estes riscos não sejam de temer. As instalações deverão estar completamente protegidas da umidade, suficientemente aquecidas e iluminadas, especialmente desde o escurecer ao alvorecer. Os dormitórios deverão ser suficientemente espaçosos e bem ventilados, os internados disporão de leitos apropriados e cobertores em número suficiente, tendo-se em consideração o clima e a idade, o sexo e o estado de saúde dos internados. Os internados disporão durante o dia e noite de instalações sanitárias compatíveis com as exigências da higiene e mantidas em permanente estado de limpeza. Ser-lhes-á fornecida água e sabão em quantidade suficiente para a limpeza pessoal diária e para a lavagem da sua roupa; as instalações e as facilidades necessárias serão postas à sua disposição para este efeito. Também disporão de instalações de banhos de chuva ou de imersão. Será concedido o tempo necessário para os cuidados de higiene e trabalhos de limpeza. Sempre que seja necessário, a título de medida excepcional e temporária, alojar mulheres internadas que não pertençam a um grupo familiar no mesmo lugar de internamento que os homens, serão obrigatoriamente fornecidos dormitórios e instalações sanitárias separadas.

Artigo 86.º A Potência detentora porá à disposição dos internados, qualquer que seja o seu credo religioso, instalações apropriadas para o exercício dos seus cultos.

Artigo 87.º Se os internados não puderem dispor de outras facilidades análogas, serão instaladas cantinas em todos os lugares de internamento, a fim de terem a facilidade de adquirir, a preços que não deverão em caso algum exceder os do comércio local, os gêneros alimentícios e os artigos de uso corrente, incluindo o sabão e o tabaco, que são de natureza a aumentar o bem-estar e o seu conforto pessoais.

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Os lucros das cantinas serão creditados num fundo especial de assistência que será criado em cada lugar de internamento e administrado em proveito dos internados do respectivo lugar de internamento. A comissão de internados prevista no artigo 102.º terá o direito de fiscalizar a administração das cantinas e a gerência destes fundos. Quando da dissolução de um lugar de internamento, o saldo credor do fundo de assistência será transferido para o fundo de assistência de um outro lugar de internamento para os internados da mesma nacionalidade, ou, se não existir esse lugar, para o fundo central de assistência, que será administrado em benefício de todos os internados que continuem em poder da Potência detentora. No caso de libertação geral, estes benefícios serão conservados pela Potência detentora, salvo acordo em contrário estabelecido entre as Potências interessadas. Artigo 88.º Em todos os lugares de internamento expostos aos bombardeamentos aéreos e outros perigos de guerra serão instalados abrigos adequados e em número suficiente para assegurar a necessário proteção. Em caso de alerta, os internados poderão entrar nos abrigos o mais rapidamente possível, com exceção dos que participarem na proteção dos seus acantonamentos contra estes perigos. Qualquer medida de proteção que for tomada a favor da população ser-lhes-á igualmente aplicável. Deverão ser tomadas nos lugares de internamento as devidas precauções contra os perigos de incêndio.

CAPÍTULO III Alimentação e vestuário

Artigo 89.º A ração alimentar diária dos internados será suficiente, em quantidade, qualidade variedade, para lhes garantir um equilíbrio normal de saúde e evitar as perturbações por deficiência de nutrição; também serão consideradas as dietas usuais dos internados. Os internados receberão também os meios próprios para prepararem qualquer alimentação suplementar de que disponham.

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Ser-lhes-á fornecida suficiente água potável. será autorizado o uso do tabaco. Os trabalhadores receberão um suplementos de alimentação proporcional à natureza do trabalho que efetuem. As mulheres grávidas e parturientes e as crianças com menos de 15 anos receberão suplementos de alimentação de harmonia com as suas necessidades fisiológicas.

Artigo 90.º Serão dadas todas as facilidades aos internados para se proverem de vestuário, calçado e mudas de roupa interior na ocasião da sua prisão e para adquirirem outras mais tarde, se for necessário. Se os internados não possuírem roupas suficientes para o cima e se não puderem adquiri-las, a Potência detentora fornecê-las-á gratuitamente. Os vestuários que a Potência detentora fornecer aos internados e as marcas exteriores que poderá colocar sobre os seus fatos não deverão ser infamantes nem prestar-se ao ridículo. Os trabalhadores deverão receber vestuário de trabalho apropriado, incluindo roupas de proteção, sempre que a natureza do trabalho o exija.

CAPÍTULO IV Higiene e cuidados médicos

Artigo 91.º Cada lugar de internamento possuirá uma enfermaria adequada, colocada sob a direção de um médico competente, onde os internados receberão os cuidados de que poderão ter necessidade, assim como dietas apropriadas. serão reservadas enfermarias de isolamento para os doentes portadores de doenças contagiosas ou mentais. As parturientes e os internados atacados de doenças graves, ou cujo estado necessite de tratamento especial, uma intervenção cirúrgica ou hospitalização, deverão ser admitidas em qualquer estabelecimento qualificado para os tratar e onde receberão os cuidados, que não deverão ser inferiores aos dados à população em geral. Os internados serão tratados de preferência por pessoal médico da sua nacionalidade.

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Os internados não poderão ser impedidos de se apresentar ás autoridades médicas para serem examinados. As autoridades médicas da Potência detentora remeterão, a pedido, a cada internato tratado, uma declaração oficial indicando a natureza da sua doença ou dos seus ferimentos, a duração do tratamento e os cuidados recebidos. Um duplicado desta declaração será remetido à agência central prevista no artigo 140.º. O tratamento, incluindo o fornecimento de qualquer aparelho necessário para a manutenção dos internados em bom estado de saúde, especialmente as próteses dentárias e outras e os óculos, serão fornecidos gratuitamente ao internado.

Artigo 92.º As inspeções médicas dos internados serão realizadas pelo menos uma vez por mês. Terão como objetivo, em particular, a verificação do estado geral da saúde e nutrição e a limpeza, assim como a descoberta de doenças contagiosas, especialmente a tuberculose, as doenças venéreas e o paludismo. Aquelas inspeções incluirão especialmente a verificação do peso de cada internado e, pelo menos uma vez por ano, um exame radioscópico.

CAPÍTULO V Religião, atividades intelectuais e físicas

Artigo 93.º Será concedida aos internados toda a latitude para o exercício da sua religião, incluindo a comparecia aos ofícios do seu culto, com a condição de se conformarem com as medidas de disciplina corrente ordenadas pelas autoridades detentoras. Os internados que forem ministros de um culto serão autorizados a exercer livremente o seu ministérios entre os seus fiéis. Para este efeito, a Potência detentora providenciará para que sejam distribuídos de uma maneira imparcial pelos vários lugares de internamento onde se encontrem os internados que falem a mesma língua e pertençam à mesma religião. Se não forem em número suficiente, a Potência detentora conceder-lhe-á os meios necessários, entre outros os transportes, para se deslocarem de um lugar de internamento para outro e serão autorizados a visitar os internados que se encontrem nos hospitais. Os ministros da religião gozarão, para o cumprimento do seu ministério, da liberdade de

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correspondência com as autoridades religiosas do país de detenção e, na medida do possível, com as organizações religiosas internacionais da sua crença. Esta correspondência não será considerada como fazendo parte do contingente mencionado no artigo 107.º, mas será sujeita às disposições do artigo 112.º. Quando os internados não dispuserem da assistência de ministros do seu culto, ou se estes últimos forem em número insuficiente, a autoridade religiosa local da mesma religião poderá designar, de acordo com a Potência detentora, um ministro do mesmo culto do dos internados, ou então, no caso de isso ser impossível sob o ponto de vista confessional, um ministro de um culto semelhante ou um laico competente. Este último gozará das vantagens concedidas ao cargo que assumir. As pessoas assim nomeadas deverão conformar-se com todos os regulamentos estabelecidos pela Potência detentora, no interesse da disciplina e segurança.

Artigo 94.º A Potência detentora encorajará as atividades intelectuais, educativas, recreativas e desportivas dos internados, ainda que deixando-lhes a liberdade de tomar ou não parte nelas. Tomará todas as medidas possíveis para assegurar o seu exercício e porá, em especial, à sua disposição e locais apropriados. Serão concedidas aos internados todas as facilidades possíveis, a fim de lhes permitir continuarem os seus estudos ou ocuparem-se de novos assuntos. Será assegurada a instrução das crianças e dos adolescentes; eles poderão freqüentar as escolas, quer no lugar de internamento, quer fora dele. Os internados deverão ter a possibilidade de se dedicar a exercícios físicos, de participar em desportos e em jogos ao ar livre. Para o efeito, serão reservados suficientes espaços livres em todos os lugares de internamento. Serão reservados campos especiais para as crianças e adolescentes.

Artigo 95.º A Potência detentora não poderá empregar os internados como trabalhadores, a não ser que eles o desejem. São interditos em todos os casos: o emprego que, imposto a uma pessoa protegida não internada, constituiria uma infração dos artigos 40.º e 51.º da

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presente Convenção, bem como o emprego nos trabalhos com caráter degradante ou humilhante. Depois de um período de trabalho de seis semanas, os internados poderão desistir de trabalhar em qualquer momento, mediante um aviso prévio de oito dias. Estas disposições não constituem impedimento ao direito da Potência detentora de obrigar os internados médicos, dentistas ou outros membros do pessoal sanitário ao exercício da sua profissão em benefício dos seus co-internados; de utilizar os internados nos trabalhos administrativos e de manutenção do lugar de internamento; de encarregar estas pessoas dos trabalhos de cozinha ou de outros domésticos; ou ainda de empregá-los nos trabalhos destinados a proteger os internados contra os bombardeamentos aéreos ou outros perigos resultantes da guerra. Contudo, nenhum internado poderá ser compelido a desempenhar trabalhos para os quais um médico da administração o tenha considerado fisicamente incapaz. A Potência detentora assumirá a inteira responsabilidade de todas as condições de trabalho, dos cuidados médicos, do pagamento dos salários e da reparação dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais. As condições de trabalho, assim como a reparação dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, serão em conformidade com a legislação nacional e o costume; não serão em caso algum inferiores às aplicadas num trabalho da mesma natureza na mesma região. Os salários serão determinados de uma forma eqüitativa por acordo entre a Potência detentora, os internados e, se para tal houver lugar, os patrões que não sejam a Potência detentora, sendo dada a devida atenção à obrigação de a Potência detentora prover gratuitamente à manutenção do internado e conceder-lhe também assistência média de que necessite o seu estado de saúde. Os internados empregados permanentemente nos trabalhos mencionados no terceiro parágrafo receberão da Potência detentora um salário eqüitativo; as condições de trabalho e a reparação dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais não serão inferiores aos aplicados a um trabalho da mesma natureza na mesma região.

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Artigo 96.º Todo o destacamento de trabalho dependerá de um lugar de internamento. As autoridades competentes da Potência detentora e o comandante deste lugar de internamento serão responsáveis pela observância das disposições da presente Convenção nos destacamentos de trabalho. O comandante manterá em dia uma relação dos de tacamentos de trabalho, que lhe estejam subordinados e transmiti-la-á aos delegados da Potência protetora, da Comissão Internacional da Cruz Vermelha ou outras organizações humanitárias que visitem os lugares de internamento.

CAPÍTULO VI Propriedade privada e recursos financeiros

Artigo 97.º Os internados serão autorizados a conservar os seus objetos e artigos de uso pessoal. O dinheiro, cheques, títulos, etc., assim como os objetos de valor em seu poder, não poderão ser tirados, a não ser conforme as normas estabelecidas. Serão passados recibos pormenorizados aos interessados. O dinheiro deverá ser levado a crédito na conta de cada internado, como está previsto no artigo 98.º; não poderá ser convertido em qualquer outra moeda, a não ser que a legislação do território no qual o dono está internado assim o determine ou que o internado dê o seu consentimento. Os objetos que tenham sobretudo um valor pessoal ou sentimental não poderão ser tirados. Uma mulher internada não poderá ser revistada senão por outra mulher. Quando da sua libertação ou repatriamento, os internados receberão em dinheiro o saldo credor da conta aberta e escriturada em conformidade com o artigo 98.º, assim como todos os objetos, importâncias, cheques, títulos, etc., que lhes tiverem sido retiradas durante o internamento, com exceção dos objetos ou valores que a Potência detentora deva guardar em virtude da sua legislação em vigor. No caso de alguns bens pertencentes a um internado terem sido retidos por motivo desta legislação, o interessado receberá um recibo pormenorizado.

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Os documentos de família e os de identidade na posse dos internados não poderão ser tirados senão contra recibo. Os internados não deverão nunca estar sem os documentos de identidade. Se os não possuírem, receberão documentos especiais passados pelas autoridades detentoras, que lhes servirão como documentos de identidade até ao fim do internamento. Os internados poderão conservar consigo uma certa quantia em moeda ou sob a forma de cupões de compra, a fim de poderem fazer compras.

Artigo 98.º Todos os internados receberão regularmente abonos para poderem comprar gêneros alimentícios e artigos tais como tabaco e outros indispensáveis à higiene, etc. Estes abonos poderão tomar a forma de créditos ou de cupões de compra. Além disso, os internados poderão receber subsídios da Potência de que forem súbditos, das Potências protetoras, de qualquer organização que possa auxiliá-los ou de suas famílias, assim como os rendimentos dos seus bens, de harmonia com a legislação da Potência detentora. Os montante dos súbditos concedidos pela Potência de origem serão os mesmos para cada categoria de internados (enfermos, doentes, mulheres, grávidas, etc.) e não poderão ser fixados por esta Potência nem distribuídos pela Potência detentora na base de discriminações entre internados, que são proibidas pelo artigo 27.º da presente Convenção. A Potência detentora abrirá uma conta regular para cada internado, na qual serão creditados os subsídios mencionados no presente artigo, os salários ganhos pelo internado, assim como as remessas de dinheiro que lhe sejam feitas. Serão igualmente creditadas as importâncias que lhe sejam retiradas e que possam estar disponíveis em virtude da legislação em vigor no território onde o internado se encontra. Serão concedidas todas as facilidades compatíveis com a legislação em vigor no território interessado para enviar subsídios à sua família e às pessoas que dele dependam economicamente. Poderá levantar dessa conta as quantias necessárias para as suas despesas particulares, nos limites fixados pela Potência detentora. Ser-lhe-ão concedidas, em qualquer ocasião, facilidades razoáveis para

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consultar a sua conta ou para obter extratos dela. Esta conta será comunicada à Potência protetora, a pedido, e acompanhará o internado no caso da sua transferência.

CAPÍTULO VII Administração e disciplina

Artigo 99.º Todo o lugar de internamento será colocado sob a autoridade de um oficial ou funcionário responsável, escolhido nas forças militares regulares ou nos quadros da administração civil regular da Potência detentora. O oficial ou funcionário encarregado do lugar de internamento possuirá uma cópia da presente Convenção na língua oficial ou numa das línguas oficiais do seu país e será responsável pela sua aplicação. O pessoal de vigilância dos internados será instruído acerca das disposições da presente Convenção e das medidas administrativas adotadas para assegurar a sua aplicação. O texto da presente Convenção e os textos dos acordos especiais concluídos em conformidade com a presente Convenção serão afixados no interior do lugar de internamento, numa língua que os internados compreendam, ou estarão na posse da comissão de internados. Os regulamentos, ordens, avisos e publicações de qualquer natureza deverão ser comunicados aos internados e afixados no interior dos lugares de internamento, numa língua que eles compreendam. Todas as ordens e instruções dirigidas individualmente aos internados deverão igualmente ser dadas numa língua que eles compreendam.

Artigo 100.º A disciplina nos lugares de internamento deve ser compatível com os princípios de humanidade e não comportará em caso algum regulamentos que imponham aos internados fadigas físicas perigosas para a sua saúde ou troças que afetem o físico ou o moral. São proibidas a tatuagem ou a aposição de marcas ou sinais de identificação corporais.

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São particularmente proibidas as permanências debaixo de forma e chamadas muito demoradas, os exercícios físicos punitivos, os exercícios militares e as reduções de alimentação.

Artigo 101.º Os internados terão o direito de apresentar às autoridades em poder de quem se encontrem os pedidos referentes às condições de internamento a que estão sujeitos. Terão igualmente o direito de se dirigir, sem restrições, quer por intermédio da comissão de internados, quer diretamente, se o julgarem necessário, aos representantes da Potência protetora, para lhes indicar os pontos sobre os quais teriam queixas a formular a respeito das condições de internamento. Estes pedidos e queixas deverão ser transmitidos imediatamente e sem modificação. Mesmo que se reconheça que estas últimas não têm fundamento, não poderão dar lugar a qualquer punição. As comissões de internados poderão enviar aos representantes da Potência protetora relatórios periódicos sobre a situação nos lugares de internamento e necessidades dos internados.

Artigo 102.º Em cada lugar de internamento, os interessados elegerão livremente, todos os seis meses e em escrutínio secreto, os membros de uma comissão encarregada de os representar junto das autoridades da Potência detentora, das Potências protetoras, da Comissão Internacional da Cruz Vermelha e de qualquer outras organização que os auxilie. Os membros da comissão serão reelegíveis. Os internados eleitos assumirão os cargos depois de a sua eleição ter recebido a aprovação da autoridade detentora. Os motivos de recusa ou de destituição eventuais serão comunicados às Potências protetoras interessadas.

Artigo 103.º As comissões de internados deverão contribuir para o bem-estar físico, moral e intelectual dos internados. Em especial no caso de os internados decidirem organizar entre si um sistema de assistência mútua, esta organização será da competência das comissões, independentemente das missões

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especiais que lhes são confiadas por outras disposições da presente Convenção.

Artigo 104.º Os membros das comissões de internados não serão obrigados a realizar qualquer outro trabalho, se o desempenho das suas funções se tornar mais difícil por esse motivo. Os membros das comissões poderão designar entre os internados os auxiliares que lhes forem necessários. Ser-lhe-ão concedidas todas as facilidades materiais, e especialmente certas liberdades de movimentos necessárias para o desempenho das suas missões (visitas aos destacamentos de trabalho, recepção de abastecimentos, etc.). Serão do mesmo modo concedidas todas as facilidades aos membros das comissões para a sua correspondência postal e telegráfica com as autoridades detentoras, com as Potências protetoras, com a Comissão Internacional da Cruz Vermelha e seus delegados, assim como com os organismos que prestem auxílio aos internados. Os membros das comissões que se encontrem nos destacamentos gozarão das mesmas facilidades para a sua correspondência com a respectiva comissão do principal lugar de internamento. Esta correspondência não será limitada, nem considerada como fazendo parte do contingente mencionado no artigo 107.º. Nenhum membro da comissão poderá ser transferido sem passar o tempo razoavelmente necessário para pôr o seu sucessor ao corrente dos assuntos em curso.

CAPÍTULO VIII Relações com o exterior

Artigo 105.º Imediatamente a seguir ao internamento de pessoas protegidas, as Potências detentoras levarão ao conhecimento destas, da Potência da qual elas são súbditas e da respectiva Potência protetora, as medidas tomadas para a execução das disposições do presente capítulo. As Potências detentoras notificarão igualmente sobre qualquer modificação destas medidas.

Artigo 106.º A cada internado será facilitada, desde o seu internamento, ou o mais tardar uma semana após a sua chegada a um lugar de

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internamento, e também em caso de doença ou de transferência para outro lugar de internamento ou para um hospital, a remessa direta à sua família, por um lado, e à agência central prevista no artigo 140.º, por outro, de um cartão de internamento, se possível idêntico ao modelo anexo à presente Convenção, informando-se do seu internamento, endereço e estado de saúde. Os referidos cartões seguirão ao seu destino com toda a rapidez possível e não poderão ser de modo algum demorados.

Artigo 107.º Os internados serão autorizados a expedir e a receber cartas e bilhetes. Se a Potência detentora julgar necessário limitar o número de cartas e bilhetes expedidos por cada internado, este número não poderá ser inferior a duas cartas e quatro bilhetes por mês, estabelecidos tanto quanto possível conforme os modelos anexos à presente Convenção. Se tiverem de ser aplicadas limitações à correspondência dirigida aos internados, elas não poderão ser ordenadas senão pela Potência de que os internados forem súbditos, eventualmente a pedido da Potência detentora. Estas cartas e bilhetes deverão ser transportados com razoável rapidez e não poderão ser demorados nem retidos por motivos de disciplina. Os internados que estiverem muito tempo sem notícias das suas famílias ou que se encontrem na impossibilidade de as receber ou enviá-las por via postal ordinária, assim como os que estiverem separados dos seus por consideráveis distâncias, serão autorizados a expedir telegramas, contra pagamento de taxas telegráficas, na moeda que possuírem. Beneficiarão igualmente desta disposição nos casos de reconhecida urgência. Como regra geral, a correspondência dos internados será redigida na sua língua materna. As Partes no conflito poderão autorizar a correspondência noutras línguas.

Artigo 108.º Os internados serão autorizados a receber, por via postal ou por quaisquer outros meios, encomendas individuais ou coletavas contendo principalmente gêneros alimentícios, vestuário e medicamentos, assim como livros e objetos destinados a fazer face às suas necessidades em matéria de religião, estudo ou distração. Estas remessas não poderão, em caso algum, isentar a Potência

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detentora das obrigações que lhe são impostas em virtude da presente Convenção. No caso em que se torne necessário, por razões de ordem militar, limitar a quantidade destas remessas, a Potência protetora, a Comissão Internacional da Cruz Vermelha, ou qualquer outro organismo que preste assistência aos internados, que estejam encarregados de fazer estas remessas, deverão ser devidamente avisados. As modalidades relativas à expedição de remessas individuais ou coletivas serão objeto, se for necessário, de acordos especiais entre as Potências interessadas, que não poderão em caso algum demorar a recepção pelos internados das remessas de socorro. As encomendas de víveres ou de vestuário não conterão livros; os socorros médicos serão, em geral, enviados nas encomendas coletivas.

Artigo 109.º Na falta de acordos especiais entre as Partes no conflito referentes às condições de recepção, assim como à distribuição das remessas de socorros coletivos, será aplicado o regulamento respeitante às remessas coletivas que se encontra apenso à presente Convenção. Os acordos especiais acima previstos não poderão em caso algum restringir o direito de as comissões de internados tomarem posse das remessas de socorros coletivos destinados aos internados, procederem à sua distribuição e disporem delas em benefício dos destinatários. Estes acordos não poderão restringir os direitos que terão os representantes da Potência protetora, da Comissão Internacional da Cruz Vermelha ou de qualquer outro organismo que preste assistência aos internados, que sejam encarregados de enviar estas encomendas coletivas, de fiscalizar a distribuição aos destinatários.

Artigo 110.º Todas as remessas de socorro destinadas aos internados serão isentas de todos os direitos de importação, alfandegários e outros. Todas as remessas pelo correio, incluindo as encomendas postais de socorro e os envios de dinheiro, dirigidos de outros países aos internados ou expedidos por eles por via postal, que diretamente,

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quer por intermédio dos departamentos de informações previstos no artigo 140.º, serão isentas de todas as taxas postais, tanto nos países de origem e de destino como nos intermediários. Para este efeito, em particular, as isenções previstas na Convenção Postal Universal, em favor dos civis de nacionalidade inimiga presos nos campos ou nas prisões civis, serão extensivas às outras pessoas protegidas internadas sob o regime da presente Convenção. Os países não signatários dos acordos acima mencionados serão levados a conceder as isenções previstas nas mesmas condições. As despesas de transporte das remessas de socorro destinadas aos internados, que, por motivo do seu peso ou qualquer outra razão, não lhes possam ser enviadas pelo correio, ficarão a cargo da Potência detentora em todos os territórios que se achem sob a sua fiscalização. As outras Potências partes na Convenção suportarão as despesas de transporte nos seus respectivos territórios. As despesas resultantes do transporte destas remessas, que não forem abrangidas pelos parágrafos precedentes, serão por conta do remetente. As Altas Partes contratantes esforçar-se-ão por reduzir, tanto quanto possível, as taxas dos telegramas expedidos pelos internados ou dos que lhes forem endereçados.

Artigo 111.º Se as operações militares impedirem as Potências interessadas de desempenhar a obrigação que lhes incumbe de assegurar o transporte das remessas previstas nos artigos 106.º, 107.º, 108.º e 113.º, as Potências protetoras interessadas, a Comissão Internacional da Cruz Vermelha ou qualquer outro organismo devidamente aceite pelas Partes no conflito poderão tomar medidas para assegurar o transporte destas remessas com meios adequados (caminhos de ferro, caminhões, navios ou aviões, etc.). Para este efeito, as Altas Partes contratantes esforçar-se-ão por obter estes meios de transporte e permitir a circulação, em especial concedendo os necessários salvo-condutos. Estes meios de transporte poderão igualmente ser utilizados para conduzir:

a) A correspondência, as relações e os relatórios trocados entre a agência central de informações

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citada no artigo 140.º e os departamentos nacionais previstos no artigo 136.º; b) A correspondência e os relatórios respeitantes aos internados que as Potências protetoras, a Comissão Internacional da Cruz Vermelha ou qualquer outra organização que preste assistência aos internados troquem com os seus próprios delegados ou com as Partes no conflito.

Estas disposições não restringem de modo algum o direito de qualquer Parte no conflito organizar outros meios de transporte, se assim preferir, nem impede a concessão de salvo-condutos nas condições mutuamente acordadas para tais meios de transporte. As despesas resultantes do uso destes meios de transporte serão suportadas proporcionalmente à importâncias das remessas pelas Partes no conflito cujos súbditos beneficiem destes serviços.

Artigo 112.º A censura da correspondência dirigida aos internados ou expedida por eles deverá ser feita tão rapidamente quanto possível. A fiscalização das remessas destinadas aos internados não deverão efetuar-se de maneira que os gêneros que elas contenham fiquem sujeitos a deterioração. Serão feita na presença do destinatário ou de um companheiro seu representante. A entrega das remessas individuais ou coletivas aos internados não poderá ser demorada sob o pretexto de dificuldades de censura. Qualquer proibição de correspondência ordenada pelas Partes no conflito, por razões militares ou políticas, será apenas temporária e a sua duração deverá ser tão curta quanto possível.

Artigo 113.º As Potências detentoras concederão todas as facilidades razoáveis para a transmissão, por intermédio da Potência protetora ou da agência central prevista no artigo 140.º ou por outros meios necessários, de testamentos, procurações ou de quaisquer outros documentos destinados aos internados ou enviados por eles. Em todos os casos as Potências detentoras facilitarão aos internados a execução, autenticidade e devida forma legal destes documentos, autorizando-os em particular a consultar um advogado.

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Artigo 114.º A Potência detentora concederá aos internados todas as facilidades compatíveis com o regime de internamento e a legislação em vigor para que possam administrar os seus bens. Para este efeito, a referida Potência poderá autorizá-los a sair do lugar de internamento em casos urgentes e se as circunstâncias o permitirem.

Artigo 115.º Em todos os casos em que um o internado fizer parte de um processo em julgamento num tribunal, a Potência detentora deverá, a pedido do interessado, informar o tribunal da sua detenção e, dentro dos limites legais, providenciar para que sejam tomadas todas as medidas necessárias para evitar que sofra qualquer prejuízo por virtude do seu internamento, pelo que respeita à preparação e trâmites do seu processo ou à execução de qualquer sentença do tribunal.

Artigo 116.º Cada internado será autorizado a receber visitas, especialmente parentes próximos, com intervalos regulares e tão freqüentemente quanto possível. Em caso de urgência e na medida do possível, especialmente em caso de falecimento ou de doença grave de parentes, o internado será autorizado a visitar a sua família.

CAPÍTULO IX Sanções penais e disciplinares

Artigo 117.º Sob reserva das disposições do presente capítulo, a legislação em vigor no território onde eles se encontram continuará a aplicar-se aos internados que cometam infrações durante o internamento. Se as leis, regulamentos ou ordens gerais consideram puníveis os atos cometidos pelos internados, ao passo que os mesmos atos não o são quando cometidos por pessoas que não sejam internadas, estes atos terão como conseqüência simplesmente sanções disciplinares. Nenhum internado poderá ser punido mais de uma vez pela mesma falta ou acusação.

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Artigo 118.º Para fixar a pena, os tribunais ou autoridades tomarão em consideração, tanto quanto possível, o fato de o réu não ser um súbdito da Potência detentora. Terão a faculdade de atenuar a pena prevista para o delito atribuído ao internado e não serão obrigados, para este efeito, a aplicar a pena mínima prescrita. São proibidas as reclusões em edifícios sem luz solar e, de um modo geral, toda e qualquer forma de crueldade. Os internados punidos não poderão, depois de terem cumprido penas que lhes tenham sido impostas disciplinar ou judicialmente, ser tratados diferentemente dos outros internados. A duração da prisão preventiva cumprida por um internado será deduzida de qualquer pena disciplinar ou judicial que implique reclusão que lhe tiver sido imposta. As comissões de internados serão informadas de todos os processos judiciais instaurados contra os internados que elas representam, assim como dos seus resultados.

Artigo 119.º As penas disciplinares aplicáveis aos internados serão:

1) Uma multa, que não excederá 50 por cento do salário previsto no artigo 95.º, durante um período que não ultrapassará 30 dias; 2) A supressão de vantagens concedidas além do tratamento previsto pela presente Convenção; 3) Os trabalhos pesados, não excedendo duas horas por dia, realizados para a conservação do lugar de internamento; 4) A reclusão.

Em caso algum as penas disciplinares serão desumanas, brutais ou perigosas para a saúde dos internados. Será tida em consideração a sua idade, o sexo e o estado de saúde. A duração de uma mesma punição não excederá nunca um máximo de 30 dias consecutivos, mesmo no caso em que um internado tenha de responder disciplinarmente por diversas faltas, quando o seu caso for considerado, quer as faltas estejam ligadas ou não.

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Artigo 120.º Os internados evadidos, ou que tentem evadir-se, que tiverem sido recapturados, ficarão sujeitos apenas a sanções disciplinares por este ato, mesmo quando forem reincidentes. Não obstante o terceiro parágrafo do artigo 118.º, os internados punidos em conseqüência de fuga ou tentativa de fuga poderão ser submetidos a um regime de vigilância especial, com a condição de que este regime não afete o seu estado de saúde, que seja exercido num lugar de internamento e que não comporte a supressão de quaisquer garantias que lhes sejam concedidas pela presente Convenção. Os internados que tiverem cooperado numa evasão ou numa tentativa de evasão ficarão sujeitos somente a sanções disciplinares por esta acusação.

Artigo 121.º A evasão ou a tentativa de evasão, mesmo que haja reincidência, não será considerada como uma circunstância agravante nos casos em que um internado tiver de ser entregue aos tribunais por delitos cometidos durante a evasão. As Partes no conflito providenciarão para que as autoridades competentes usem de indulgência na apreciação da questão de saber se um delito cometido por um internado deve ser punido disciplinar ou judicialmente, especialmente com respeito a atos praticados em ligação com a evasão ou tentativa de evasão.

Artigo 122.º Os atos que constituam uma falta contra a disciplina deverão ser imediatamente investigados. Este princípio será aplicado, em particular, aos casos de evasão ou tentativa de evasão e o internado recapturado será enviado o mais rapidamente possível às autoridades competentes. No caso de faltas disciplinares, a prisão preventiva será reduzida ao mínimo possível para todos os internados e não excederá catorze dias. A sua duração será sempre deduzida da sentença de reclusão. As disposições dos artigos 124.º e 125.º serão aplicadas aos internados presos preventivamente por falta disciplinar.

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Artigo 123.º Sem prejuízo da competência dos tribunais e das autoridades superiores, as penas disciplinares não poderão ser pronunciadas senão pelo comandante do lugar de internamento ou por um oficial ou funcionário responsável em quem tiver delgado a sua competência disciplinar. Antes de ser pronunciada uma pena disciplinar, o internado acusado será informado com precisão dos delitos que lhe são imputados e autorizado a justificar a sua conduta e a defender-se. Ser-lhe-á permitido, em particular, apresentar testemunhas e recorrer, em caso de necessidade, aos serviços de um intérprete competente. A decisão será pronunciada na presença do acusado e de um membro da comissão de internados. O espaço de tempo entre a decisão disciplinar e a sua execução não excederá um mês. Quando um internado for punido com uma nova pena disciplinar, deverá decorrer um intervalo de três dias, pelo menos, entre a execução de cada uma das penas, desde que a duração de uma delas seja de dez dias ou mais. O comandante do lugar de internamento deverá ter um registro de penas disciplinares, que será posto à disposição dos representantes da Potência protetora.

Artigo 124.º Os internados em caso algum poderão ser transferidos para estabelecimentos penitenciários (prisões, penitenciárias, degredo, etc.) para ali cumprirem as penas disciplinares. Os locais onde devem ser cumpridas as penas disciplinares satisfarão aos requisitos de higiene e serão especialmente dotadas com leitos apropriados. Aos internados cumprindo pena serão dadas condições para se manterem em estado de asseio. As mulheres internadas cumprindo uma pena disciplinar serão presas em lugares diferentes dos homens e ficarão sob a vigilância de mulheres.

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Artigo 125.º Os internados punidos disciplinarmente terão a faculdade de fazer exercícios e permanecer ao ar livre pelo menos durante duas horas diariamente. Serão autorizados, a seu pedido, a apresentar-se à visita médica diária; receberão os cuidados que o seu estado de saúde exigir e, em caso de necessidade, serão evacuados para a enfermaria do lugar de internamento ou para um hospital. Serão autorizados a ler e a escrever, assim como a enviar e a receber cartas. Em contrapartida, as encomendas e remessas de dinheiro poderão não lhes ser entregues senão findo o cumprimento da pena; entretanto, serão confiadas à comissão de internados, que enviará à enfermaria os gêneros alteráveis que se encontrem nas encomendas. Nenhum internado punido disciplinarmente poderá ser privado do benefício das disposições dos artigos 107.º e 143.º da presente Convenção.

Artigo 126.º As disposições dos artigos 71.º e 76.º, inclusive, serão aplicadas, por analogia, aos processos instaurados contra os internados que se encontram no território nacional da Potência detentora.

CAPÍTULO X Transferência dos internados

Artigo 127.º A transferência dos internados excetuar-se-á sempre com humanidade. Será realizada, em regra, por caminho de ferro ou por outro meio de transporte e em condições pelo menos iguais àquelas de que beneficiam as tropas da Potência detentora nos seus deslocamentos. Se, excepcionalmente, as transferências tiverem de ser feitas pela via ordinária, só poderão ter lugar se o estado de saúde dos internados o permitir e não deverão em caso algum sujeitá-los a fadigas excessivas. A Potência detentora fornecerá aos internados, durante a transferência, água potável e alimentação em quantidade, qualidade e variedade suficientes para mantê-los com boa saúde, e também os vestuários, abrigos adequados e os cuidados médicos necessários. A Potência detentora tomará todas as precauções úteis

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para garantir a sua segurança durante a transferência e organizará, antes da sua partida, uma relação completa dos internados transferidos. Os internados doentes, feridos ou enfermos, assim como as parturientes, não serão transferidos se a viagem puder agravar o seu estado, a não ser que a sua segurança o exija imperiosamente. Se a zona de combate se aproximar de um lugar de internamento, os internados que se encontrem no referido lugar, não serão transferidos, a não ser que a sua transferência possa ser realizada em condições de segurança suficientes ou se eles correrem maior risco ficando no lugar do que sendo transferidos. A Potência detentora, ao decidir a transferência dos internados, deverá considerar os seus interesses, tendo principalmente em vista, não lhes aumentar as dificuldades do repatriamento ou do regresso aos seus domicílios.

Artigo 128.º No caso de transferência, os internados serão oficialmente avisados da partida e do seu novo endereço postal. Esta notificação será dada com bastante antecedência para que possam preparar as suas bagagens e prevenir as famílias. Serão autorizados a levar consigo os seus objetos de uso pessoal, a correspondência e as encomendas que lhes tiverem sido dirigidas. O peso destas bagagens poderá ser limitado, se as condições de transferência assim o exigirem, mas em caso algum a menos de 25 Kg por internado. A correspondência e as encomendas dirigidas para o seu antigo lugar de internamento ser-lhes-ão remetidas sem demora. O comandante do lugar de internamento tomará, de acordo com a comissão de internados, as medidas necessárias para assegurar a transferência dos bens coletivos dos internados e das bagagens que os internados não puderem levar consigo, em vista das restrições impostas em virtude do segundo parágrafo do presente artigo.

CAPÍTULO XI Falecimentos

Artigo 129.º Os internados poderão entregar os seus testamentos às autoridades responsáveis, que assegurarão a sua guarda. No caso de

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falecimento de um internado, o seu testamento será remetido sem demora à pessoa que ele tiver previamente indicado. Os falecimentos dos internados serão certificados em cada caso por um médico e será feito um boletim de falecimento, com a indicação das causas da morte e condições em que ela se deu. Será lavrada uma ata oficial de falecimento, devidamente registrada, de harmonia com as prescrições em vigor no território onde está situado o lugar de internamento, e uma cópia autêntica dessa ata será enviada sem demora à Potência protetora e à agência central referida no artigo 140.º

Artigo 130.º As autoridades detentoras providenciarão para que os internados que falecerem durante o internamento sejam enterrados honrosamente, se possível segundo os ritos da religião a que pertenciam, e que as suas sepulturas sejam respeitadas, convenientemente conservadas e assinaladas de modo a poderem ser sempre identificadas. Os internados falecidos serão enterrados individualmente, a não ser que circunstâncias imperiosas exijam a utilização de sepulturas coletivas. Os corpos só poderão ser cremados por razões imperativas de higiene, por causa da religião do falecido ou por sua expressa determinação. No caso de incineração, o fato será mencionado e os motivos explicados na ata de falecimento. As cinzas serão conservadas com cuidado pelas autoridades detentoras e enviadas o mais urgentemente possível aos parentes próximos, se as pedirem. Logo que as circunstâncias o permitirem e o mais tardar no fim das hostilidades, a Potência detentora remeterá, por intermédio dos departamentos de informações previstos no artigo 136.º, às Potências de quem os internados falecidos dependiam, as relações das sepulturas dos internados falecidos. Estas relações incluirão todos os pormenores necessários para a identificação dos internados falecidos, assim como a localização exata das suas sepulturas.

Artigo 131.º Todos os casos de morte ou de ferimento grave de um internado causados ou suspeitos de terem sido causados por uma sentinela,

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por outro internado ou por qualquer outra pessoa, assim como todos os falecimentos cuja causa seja desconhecida, serão imediatamente seguidos de um inquérito oficial, por parte da Potência detentora. Uma comunicação a este respeito será feita imediatamente à Potência protetora. Os depoimentos das testemunhas serão recolhidos e farão parte de um relatório a organizar com destino à referida Potência. Se o inquérito estabelecer a culpabilidade de uma ou mais pessoas, a Potência detentora tomará todas as medidas para assegurar a entrega do ou dos responsáveis aos tribunais.

CAPÍTULO XII Libertação, repatriamento e concessão de hospitalidade em

país neutro Artigo 132.º

Cada pessoa internada será libertada pela Potência detentora logo que as causas que motivaram o seu internamento tenham cessado. Além disso, as Partes no conflito esforçar-se-ão, durante o decorrer das hostilidades, por concluir acordos para a libertação, repatriamento, regresso ao local do domicílio ou concessão de hospitalidade em país neutro de certas categorias de internados, particularmente as crianças, as mulheres grávidas e mães com filhos de peito e de tenra idade, feridos e enfermos ou internados que tenham estado detidos por largo tempo.

Artigo 133.º O internamento cessará o mais cedo possível depois de terminadas as hostilidades. Contudo, os internados no território de uma Parte no conflito contra quem estejam pendentes processos penais por delitos que não estejam exclusivamente sujeitos a penalidades disciplinares poderão ficar detidos até à conclusão dos referidos processos e, se as circunstâncias o exigirem, até à expiação da pena. Idêntico procedimento terá aplicação aos internados que tiverem sido condenados anteriormente a uma pena com perda de liberdade. Por acordo entre a Potência detentora e as Potências interessadas, deverão ser criadas comissões, depois de terminadas as

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hostilidades ou a ocupação do território, para procurar os internados dispersos.

Artigo 134.º As Altas Partes contratantes esforçar-se-ão, no fim das hostilidades ou da ocupação, por assegurar o regresso de todos os internados à sua última residência ou facilitar o seu repatriamento.

Artigo 135.º A Potência detentora suportará as despesas de regresso dos internados libertados para os locais onde residiam no momento do seu internamento ou, se tiverem sido detidos durante a sua viagem no mar alto, as despesas necessárias para lhes permitir terminar a viagem ou o seu regresso ao ponto de partida. Se a Potência detentora recusar autorização para residir no seu território a um internado libertado que, anteriormente, ali tinha o seu domicílio permanente, ela pagará as despesas do seu repatriamento. Se, no entanto, o internado preferir regressar ao seu país sob sua própria responsabilidade, ou em obediência ao Governo de que é súbdito, a Potência detentora não é obrigada a pagar as despesas da viagem para além do seu território. A Potência detentora não terá de pagar a despesa de repatriamento de um internado que tenha sido internado a seu pedido. Se os internados forem transferidos em conformidade com o artigo 45.º, a Potência que os transferir e aquela que os receber acordarão sobre a parte das despesas que deverão ser suportadas por cada uma delas. As referidas disposições não deverão prejudicar os acordos especiais que possam ter sido concluídos entre as Partes no conflito a respeito da troca e repatriamento dos seus súbditos em mãos inimigas.

SECÇÃO V Departamentos e agência central de informações Artigo 136.º

Desde o início de um conflito e em todos os casos de ocupação cada uma das Partes no conflito estabelecerá um departamento oficial de informações a respeito das pessoas protegidas que se encontrem em seu poder.

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No mais curto prazo possível, cada uma das Partes no conflito enviará ao referido departamento informações sobre as medidas tomadas contra quaisquer pessoas protegidas que se encontrem reclusas há mais de duas semanas, com residência fixada ou internadas. Além disso, encarregará os seus diversos serviços interessados de fornecer rapidamente ao citado departamento as indicações referentes às alterações que se tenham dado com as pessoas protegidas, tais como transferências, liberdades, repatriamentos, evasões, hospitalizações, nascimentos e falecimentos.

Artigo 137.º Cada departamento nacional enviará imediatamente, pelos meios mais rápidos, as informações respeitantes às pessoas protegidas, às Potências de quem as mesmas forem súbditas, ou às Potências em cujo território tenham a sua residência, por intermédio das Potências protetoras e também através da agência central prevista no artigo 140.º Os departamentos responderão igualmente a todas as perguntas que lhes forem dirigidas a respeito de pessoas protegidas. Os departamentos de informações transmitirão as informações relativas a uma pessoa protegida, salvo no caso em que a sua transmissão possa causar prejuízo à pessoa interessada ou à sua família. Mesmo neste caso, as informações não poderão ser recusadas à agência central, que, tendo sido advertida das circunstâncias, tomará as precauções necessárias indicadas no artigo 140.º Todas as comunicações escritas feitas por um departamento serão autenticadas por uma assinatura ou por um selo.

Artigo 138.º As informações recebidas pelo departamento nacional e transmitidas por ele serão de natureza a permitir exatamente a pessoa protegida e avisar rapidamente a sua família. A informação a respeito de cada pessoa incluirá pelo mesmo o apelido, nome e prenome, o lugar e data de nascimento, a nacionalidade, última residência e sinais particulares, o primeiro nome do pai e o nome de solteira da mãe, a data, local e natureza das medidas tomadas a respeito da pessoa, o endereço para onde lhe pode ser remetida a

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correspondência, assim como o nome e a morada da pessoa que deve ser informada. Do mesmo modo, as informações respeitantes ao estado de saúde dos internados gravemente doentes ou feridos serão fornecidas regularmente e, se possível, semanalmente.

Artigo 139.º Cada departamento nacional de informações será também encarregado de recolher todos os objetos pessoais de valor deixados pelas pessoas protegidas mencionadas no artigo 136.º, especialmente no caso do seu repatriamento, libertação, evasão ou falecimento, e de os remeter diretamente aos interessados, e, se for necessário, por intermédio da agência central. Estes objetos serão enviados pelo departamento em volume selado, acompanhados por declarações estabelecendo com precisão a identidade das pessoas a quem os artigos pertenciam e também por um inventário completo do conteúdo do volume. A recepção e a remessa de todos os objetos de valor deste gênero serão lançadas pormenorizadamente nos registros.

Artigo 140.º Será criada num país neutro uma agência central de informações para pessoas protegidas, especialmente internadas. A Comissão Internacional da Cruz Vermelha proporá às Potências interessadas, se o julgar necessário, a organização desta agência, que poderá ser a mesma prevista no artigo 123.º da Convenção de Genebra relativa ao tratamento dos prisioneiros de guerra, de 12 de Agosto de 1949. A missão da agência consistirá em reunir todas as informações com o caráter previsto no artigo 136.º, que possa obter pelas vias oficiais ou particulares, e transmiti-las tão rapidamente quanto possível ao países de origem ou de residência dos interessados, salvo nos casos em que estas transmissões possam ser prejudiciais às pessoas a quem as mesmas informações interessam, ou à sua família. A agência receberá das Partes no conflito todas as facilidades razoáveis para efetuar estas transmissões. As Altas Partes contratantes, e em particular aquelas cujos súbditos beneficiem dos serviços da agência central, são convidadas a

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fornecer à referida agência o auxílio financeiro de que esta necessite. As precedentes disposições não deverão ser interpretadas como restringindo as atividades humanitárias da Comissão Internacional da Cruz Vermelha e das sociedades de socorro mencionadas no artigo 142.º

Artigo 141.º Os departamentos nacionais de informação e a agência central de informações gozarão de isenção de franquia postal para todo o correio, assim como das isenções previstas no artigo 110.º e, tanto quanto possível, da de taxas telegráficas ou pelo menos de importantes reduções das taxas.

TÍTULO IV Execução da Convenção

SECÇÃO I Disposições gerais

Artigo 142.º Sob reserva as medidas que as Potências detentoras possam considerar indispensáveis para garantir a sua segurança ou fazer face a qualquer outra necessidade razoável, os representantes de organizações religiosas, sociedades de socorros ou quaisquer outros organismos que auxiliem as pessoas protegidas receberão destas Potências, par si ou para os seus agentes oficiais, todas as facilidades para visitar as pessoas protegidas, distribuir socorro e material de qualquer proveniência destinado a fins educativos, recreativos ou religiosos ou para as auxiliar a organizar o seu tempo de descanso nos lugares de internamento. As sociedades ou organismos referidos poderão ser constituídos no território da Potência detentora ou em qualquer outro país e até poderão ter um caráter internacional. A Potência detentora cujos delegados estão autorizados a exercer a sua atividade no seu território e sob a sua fiscalização, com a condição, todavia, de que uma tal limitação não impedirá o fornecimento de um auxílio eficaz e suficiente a todas as pessoas protegidas.

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A situação especial da Comissão Internacional da Cruz Vermelha neste campo será sempre reconhecida e respeitada.

Artigo 143.º Os representantes ou delegados das Potências protetoras serão autorizados a visitar todos os lugares onde se encontrem pessoas protegidas, especialmente os lugares de internamento, de detenção e de trabalho. Terão acesso a todos os edifícios ocupados por pessoas protegidas e poderão entrevistá-las sem testemunhas, diretamente ou por intermédio de um intérprete. Estas visitas não poderão ser impedidas, a não ser por razões de imperiosas necessidades militares e somente a título excepcional e temporário. A duração e freqüência não poderão ser limitadas. Aos representantes e delegados das Potências protetoras será dada toda a liberdade para escolherem os lugares que pretendam visitar. A Potência detentora ou ocupante, a Potência protetora e, se para tal houver lugar, a Potência da origem das pessoas a visitar, poderão pôr-se de acordo para compatriotas dos internados sejam autorizados a tomar parte nas visitas. Os delegados da Comissão Internacional da Cruz Vermelha também beneficiarão das mesmas prerrogativas. A nomeação destes delegados será submetida à aprovação da Potência sob cuja autoridade estão colocados os territórios onde deverão exercer a sua atividade.

Artigo 144.º As Altas Partes contratantes obrigam-se a difundir o máximo possível, em tempo de paz e em tempo de guerra, o texto da presente Convenção nos seus respectivos países, e especialmente a incluir o seu estudo nos programas de instrução militar e, se possível, civil, de modo que os respectivos princípios sejam conhecidos de toda a população. As autoridades civis, militares, de polícia ou outras que, em tempo de guerra, devam assumir responsabilidades a respeito de pessoas protegidas deverão possuir o texto da Convenção e estar especialmente inteiradas a respeito das suas disposições.

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Artigo 145.º As Altas Partes contratantes transmitirão entre si, através do Conselho Federal Suíço e, durante as hostilidades, por intermédio das Potências protetoras, as traduções oficiais da presente Convenção, assim como as leis e regulamentos que poderão ser obrigadas a adotar para garantir a sua aplicação.

Artigo 146.º As Altas Partes contratantes obrigam-se a decretar a legislação necessária para fixar sanções penais adequadas a aplicar às pessoas que tenham cometido ou ordenado alguma das graves violações da presente Convenção definidas no artigo seguinte. Cada Alta Parte contratante terá a obrigação de procurar as pessoa acusadas de terem cometido ou de ordenado quaisquer infrações graves e entregá-las aos seus próprios tribunais, sem atender à nacionalidade. Poderá também, se o preferir e de harmonia com as determinações da sua própria legislação, enviá-las par julgamento a uma outra Parte contratante interessada, desde que esta Parte contratante tenha produzido contra as pessoas referidas suficientes provas de acusação. Cada Parte contratante tomará as medidas necessárias para fazer cessar todos os atos contrários às disposições da presente convenção que não sejam as violações graves definidas no artigo seguinte. Em todas as circunstâncias os réus beneficiarão de garantias de julgamento e de livre defesa, que não serão inferiores às que estão previstas no artigo 105.º e seguintes da Convenção de genebra relativa ao tratamento de prisioneiros de guerra, de 12 de Agosto de 1949.

Artigo 147.º Os delitos graves referidos no artigo precedente são aqueles que abrangem um ou outro dos seguintes atos, se forem cometidos contra pessoas ou bens protegidos pela presente Convenção: o homicídio voluntário, a tortura ou os tratamentos desumanos, incluindo as experiências biológicas, o propósito de causar intencionalmente grandes sofrimentos ou graves lesões no corpo ou à saúde, a deportação ou transferência ilegais, a reclusão ilegal, a obrigatoriedade de uma pessoa protegida servir as forças armadas

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de uma Potência inimiga ou o propósito de privá-la do seu direito de ser julgada regular e imparcialmente segundo as prescrições da presente convenção, a tomada de reféns, a destruição e apropriação de bens não justificáveis pelas necessidades militares e executadas em grande escala de modo ilícito e arbitrário.

Artigo 148.º Nenhuma Alta Parte contratante poderá escusar-se nem isentar uma outra Parte contratante das responsabilidades contraídas por si mesmo ou por outra Parte contratante por motivo dos delitos citados do artigo precedente.

Artigo 149.º A pedido de uma Parte no conflito, deverá ser aberto um inquérito, em condições a fixar entre as Partes interessadas, a respeito de toda a violação alegada da Convenção. Se não se conseguir acordo sobre o modo de realizar o inquérito, as Partes concordarão na escolha de um árbitro, que resolverá sobre o processo a seguir. Uma vez verificada a violação, as Partes no conflito acabarão com ela, reprimindo-a o mais rapidamente possível

SECÇÃO II Disposições finais

Artigo 150.º A presente Convenção está redigida em inglês e em francês. Os dois textos são igualmente autênticos. O Conselho Federal Suíço ordenará as traduções oficiais da Convenção nas línguas russa e espanhola.

Artigo 151.º A presente Convenção, que tem a data de hoje, poderá ser assinada até 12 de Fevereiro de 1950, em nome das Potências representadas na Conferência que se inaugurou em Genebra no dia 21 de Abril de 1949.

Artigo 152.º A presente Convenção será ratificada logo que seja possível e as ratificações serão depositadas em Berna. Será lavrada uma ata de depósito de cada ratificação, uma cópia da qual, devidamente autenticada, será remetida pelo Conselho

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Federal Suíço a todas as Potências em nome das quais a Convenção tenha sido assinada ou cuja adesão tenha sido notificada.

Artigo 153.º A presente Convenção entrará em vigor seis meses depois de terem sido depositados pelo menos dois instrumentos de ratificação. Ulteriormente, entrará em vigor para cada Alta Parte contratante seis meses depois do depósito do seu instrumento de ratificação.

Artigo 154.º Nas relações entre as Potências unidas pela Convenção da Haia respeitante às leis e costumes da guerra em terra, quer se trate da de 29 de Junho de 1899 ou da de 18 de Outubro de 1907, e que participem da presente Convenção, esta completará as secções II e III do regulamento apenso às sobreditas Convenções da Haia.

Artigo 155.º A partir da data da sua entrada em vigor, a presente Convenção estará aberta à adesão de qualquer Potência em nome da qual esta Convenção não tenha sido assinada.

Artigo 156.º As adesões serão notificadas por escrito ao Conselho Federal Suíço e produzirão os seus efeitos seis meses depois da data em que ali forem recebidas. O Conselho Federal Suíço comunicará as adesões a todas as Potências em nome das quais a Convenção tenha sido assinada ou a adesão notificada.

Artigo 157.º As situações previstas nos artigos 2.º e 3.º darão efeito imediato às ratificações depositadas e às adesões notificadas pelas Partes no conflito, antes ou depois do início das hostilidades ou da ocupação. O Conselho Federal Suíço comunicará pela via mais rápida as ratificações ou adesões recebidas das Partes no conflito.

Artigo 158.º Cada uma das Altas Partes contratantes terá a faculdade de denunciar a presente Convenção. A denúncia será notificada por escrito ao Conselho Federal Suíço. Este comunicará a notificação aos Governos de todas as Altas Partes contratantes.

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A denúncia produzirá os seus efeitos um ano depois da sua notificação ao Conselho Federal Suíço. Contudo, a denúncia notificada quando a Potência denunciante estiver envolvida num conflito não produzirá qualquer efeito senão depois de a paz ter sido concluída, e, em qualquer caso, enquanto as operações de libertação, repatriamento e instalação das pessoas protegidas pela presente Convenção não estiverem terminadas. A denúncia somente terá validade em relação à Potência denunciante. Não terá qualquer efeito sobre as obrigações que as Partes no conflito serão obrigadas a desempenhar em virtude dos princípios do direito das gentes, tais como resultam dos usos estabelecidos entre os povos civilizados, das leis de humanidade e das exigências da consciência pública.

Artigo 159.º O Conselho Federal Suíço fará registrar a presente Convenção no Secretariado das Nações Unidas. O Conselho Federal Suíço informará igualmente o Secretariado das Nações Unidas de todas as ratificações, adesões e denúncias que possa receber a respeito da presente Convenção. Em testemunho do que os abaixo assinados, tendo depositado os seus respectivos plenos poderes, assinaram a presente Convenção. Feita em Genebra de 12 de Agosto de 1949, nas línguas francesa e inglesa, devendo o original ser depositado nos arquivos da Confederação Suíça. O Conselho Federal Suíço enviará uma cópia autêntica da Convenção a cada um dos Estados signatários, assim como aos Estados que tiverem aderido à Convenção. (Seguem as assinaturas.)

ANEXO I Projeto de acordo relativo às zonas e localidades sanitárias e

de segurança Artigo 1.º

As zonas sanitárias e de segurança serão estritamente reservadas às pessoas mencionadas no artigo 23.º da Convenção de Genebra para melhorar a situação dos feridos e doentes das forças armadas em campanha, de 12 de Agosto de 1949, e no artigo 14.º da Convenção de Genebra relativa à proteção das pessoas civis em

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tempo de guerra, de 12 de Agosto de 1949, assim como do pessoal encarregado da organização e administração destas zonas e localidades e dos cuidados a dispensar às pessoas que aí se encontrarem concentradas. Contudo, as pessoas que tiverem o seu domicílio permanente dentro destas zonas terão o direito de nelas continuar.

Artigo 2.º As pessoas que se encontrem, seja a que título for, numa zona sanitária e de segurança, não deverão entregar-se a qualquer trabalho, dentro ou fora da zona, diretamente relacionado com as operações militares ou com a produção de material de guerra.

Artigo 3.º A Potência que criar uma zona sanitária e de segurança tomará as medidas convenientes para proibir o acesso de todas as pessoas que não tenham o direito de nela entrar ou permanecer.

Artigo 4.º As zonas sanitárias e de segurança deverão satisfazer às seguintes condições:

a) Representarem apenas uma pequena parte do território fiscalizado pela Potência que as criou; b) Serem fracamente povoadas em relação à sua possibilidade de alojamento; c) Serem afastadas e desprovidas de qualquer objetivo militar ou instalação industrial ou administrativa; d) Não estarem situadas em regiões que, segundo toda a probabilidade, possam vir a ter importância para a condução da guerra.

Artigo 5.º

As zonas sanitárias e de segurança ficarão submetidas às seguintes servidões:

a) As vias de comunicação e os meios de transporte que possuam não serão utilizados para os deslocamentos de pessoal ou material militar, mesmo só em trânsito; b) Em caso algum serão defendidas militarmente.

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Artigo 6.º As zonas sanitárias e de segurança serão assinaladas por listas oblíquas vermelhas sobre fundo branco, colocadas nos edifícios e na periferia. As zonas exclusivamente reservadas aos feridos e doentes poderão ser assinaladas por meio de distintivo da Cruz Vermelha (do Crescente Vermelho e Leão e Sol Vermelhos) sob um fundo branco. Poderão ser igualmente assinaladas de noite por meio de iluminação apropriada.

Artigo 7.º Desde o tempo de paz ou no início das hostilidades, cada Potência comunicará a todas as Potências contratantes uma relação das zonas sanitárias e de segurança estabelecidas nos territórios por ela fiscalizados. Também as informará de quaisquer novas zonas criadas durante as hostilidades. Logo que a Parte adversa tenha recebido a notificação acima mencionada, a zona será considerada regularmente constituída. Se, porém, a Parte adversa considerar que uma das condições do presente Acórdão não foi cumprida, poderá recusar-se a reconhecer a zona, comunicando a sua recusa à Parte da qual depende a zona, ou subordinar o seu reconhecimento ao estabelecimento da fiscalização prevista no artigo 8.º

Artigo 8.º Cada Potência que tiver reconhecido uma ou várias zonas sanitárias e de segurança criadas pela Parte adversa terá o direito de pedir que uma ou várias comissões especiais fiscalizes se as zonas cumprem as condições e obrigações estabelecidas no presente Acordo. Para este efeito, os membros das comissões especiais terão sempre livre acesso às diferentes zonas e poderão até residir ali permanentemente. Ser-lhes-ão concedidas todas as facilidades para que possam exercer a sua missão de fiscalização.

Artigo 9.º Se as comissões especiais verificarem quaisquer fatos que lhes pareçam contrários às determinações do presente Acordo, avisarão

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imediatamente a Potência da qual depende a zona e conceder-lhe-ão um prazo mínimo de cinco dias para os remediar, notificando de tal fato a Potência que reconheceu a zona. Expirado este prazo, se a Potência da qual depende a zona não deu seguimento ao aviso que lhe foi dirigido, a Parte adversa poderá declarar que deixa de estar ligada pelo presente Acordo no que respeita a esta zona.

Artigo 10.º A Potência que tiver criado uma ou várias zonas sanitárias e de segurança, bem como as Partes adversas às quais a sua existência tiver sido notificada, nomearão, ou farão nomear pelas Potências protetoras ou por outras Potências neutras, as pessoas que poderão fazer parte das comissões especiais mencionadas nos artigos 8.º e 9.º.

Artigo 11.º As zonas sanitárias e de segurança não poderão, em caso algum, ser atacadas. Serão sempre protegidas e respeitadas pelas Partes no conflito.

Artigo 12.º No caso de ocupação de um território, as zonas sanitárias e de segurança que nele se encontrem estabelecidas continuarão a ser respeitadas e utilizadas como tais. Contudo, a Potência ocupante poderá modificar a sua utilização, depois de tomar todas as medidas destinadas a garantir a segurança das pessoas aí recolhidas.

Artigo 13.º O presente Acordo aplicar-se-á igualmente às localidades que as Potências destinarem ao mesmo fim que as zonas sanitárias e de segurança.

ANEXO II Projeto de regulamento respeitante ao socorro coletivo

Artigo 1.º As comissões de internados serão autorizadas a distribuir as remessas de socorros coletivos de que estão encarregadas a todos os internados que dependerem administrativamente do seu lugar de

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internamento, incluindo os que se encontrem nos hospitais, nas prisões ou noutros estabelecimentos penitenciários.

Artigo 2.º

A distribuição de remessas de socorro coletivo será realizada em conformidade com as instruções dos doadores e em conformidade com o plano estabelecido pelas comissões de internados. A distribuição dos socorros médicos far-se-á, no entanto, de preferência de acordo com os chefes médicos, e estes poderão, nos hospitais e lazaretos, pôr de lado as referidas instruções, se as necessidades dos seus doentes o exigirem. Dentro dos moldes assim definidos, a distribuição será sempre feita de maneira eqüitativa.

Artigo 3.º Os membros das comissões de internados serão autorizados a ir às estações de caminho de ferro e outros locais de chegada das remessas de socorro próximos dos seus lugares de internamento, a fim de poderem verificar a quantidade e também a qualidade das mercadorias recebidas e elaborar relatórios pormenorizados a este respeito para os doadores.

Artigo 4.º Às comissões de internados serão dadas as facilidades necessárias para verificarem se a distribuição do socorro coletivo, em todas as subdivisões e anexos dos seus lugares de internamento, se realizaram de harmonia com as suas instruções.

Artigo 5.º As comissões de internados serão autorizadas a preencher ou a fazer preencher pelos membros das comissões de internados nos destacamentos de trabalho ou pelos médicos diretores de enfermarias e lazaretos os impressos ou questionários destinados aos doadores, referentes a socorros coletivos (distribuição, necessidades, quantidades, etc.). Estes impressos e questionários, devidamente preenchidos, serão enviados sem demora aos doadores.

Artigo 6.º A fim de assegurar a distribuição regular das remessas de socorro coletivo aos internados no seu lugar de internamento, e,

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eventualmente, fazer face às necessidades que provocaria a chegada de novos contingentes de internados, as comissões de internados serão autorizadas a constituir e manter reservas suficientes de socorro coletivo. Disporão, para este efeito, de armazéns adequados; cada armazém possuirá duas fechaduras, ficando as chaves de uma delas em poder da comissão de internados e as da outra na posse do comandante do lugar de internamento.

Artigo 7.º As Altas Partes contratantes e as Potências detentoras, em particular, autorizarão, na medida do possível e sob reserva de regulamentação relativa ao abastecimento da população, todas as aquisições que sejam feitas nos seus territórios para distribuição de socorro coletivo aos internados; facilitarão também a transferência de fundos e outras medidas financeiras, técnicas ou administrativas realizadas, tendo em vista estas aquisições.

Artigo 8.º As precedentes disposições não deverão prejudicar o

direito de os internados receberem socorro coletivo antes da sua chegada a um lugar de internamento ou no decorrer da sua transferência, nem a possibilidade de os representantes da Potência protetora, da Comissão Internacional da Cruz Vermelha ou de qualquer outro organismo humanitário que preste auxílio aos internados e seja encarregado da remessa deste socorro assegurarem a distribuição aos seus destinatários por quaisquer outros meios que julguem convenientes.