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DIR. ECONÔMICO DIREITO ECONÔMICO - Valorização do Trabalho - Livre Iniciativa - Dignidade da Pessoa Humana - Justiça Social - Busca do desenvolvimento econômico O art. 170 vai apresentar a ordem econômica, mas não esgota a matéria. Vamos estudar os princípios, sendo que alguns deles têm correspondência no art. 1º e no art. 3º da CF/88. Vejamos o art. 170: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:” A interpretação literal nos levaria a concluir que os princípios seriam estes elencados. No caput nós já extraímos esses pirncípios. Por coincidência ou não, o princípio da valorização do trabalho humano vem antes do que o princípio da livre iniciativa e, a rigor, nós vamos encontra-los no art. 1º da CF/88, incisos I e III. O art. 3º traz ainda, “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil” e no inciso II traz um princípio nitidamente de Direito Econômico, mas que não aparece no art. 170, “garantir o desenvolvimento nacional”. Nós mencionamos que na noção do direito econômica, a busca do desenvolvimento econômico é a palavra chave, tanto quanto à ordem econômica interna quanto à nova ordem econômica internacional. Vamos ver esses diversos princípios, como visto na aula passada, se conjugando através da ponderação de interesses. A princípio da livre iniciativa, que é um dos valores fundamentais do capitalismo, se subdivide em: liberdade de empreendimento, liberdade de organização e liberdade de contratação. Aqui nos até mencionamos o dirigismo contratual como um limitador da liberdade de contratação, que nada mais é do que um desdobramento do princípio da livre iniciativa. Pois bem, exatamente como esses princípios não são valores absolutos, nós vamos facilmente perceber, por ex., na livre iniciativa, mais especificamente na vertente liberdade de 1

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DIR. ECONÔMICO

DIREITO ECONÔMICO

- Valorização do Trabalho- Livre Iniciativa- Dignidade da Pessoa Humana- Justiça Social- Busca do desenvolvimento econômico

O art. 170 vai apresentar a ordem econômica, mas não esgota a matéria. Vamos estudar os princípios, sendo que alguns deles têm correspondência no art. 1º e no art. 3º da CF/88.

Vejamos o art. 170: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:”

A interpretação literal nos levaria a concluir que os princípios seriam estes elencados. No caput nós já extraímos esses pirncípios. Por coincidência ou não, o princípio da valorização do trabalho humano vem antes do que o princípio da livre iniciativa e, a rigor, nós vamos encontra-los no art. 1º da CF/88, incisos I e III. O art. 3º traz ainda, “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil” e no inciso II traz um princípio nitidamente de Direito Econômico, mas que não aparece no art. 170, “garantir o desenvolvimento nacional”.

Nós mencionamos que na noção do direito econômica, a busca do desenvolvimento econômico é a palavra chave, tanto quanto à ordem econômica interna quanto à nova ordem econômica internacional.

Vamos ver esses diversos princípios, como visto na aula passada, se conjugando através da ponderação de interesses.

A princípio da livre iniciativa, que é um dos valores fundamentais do capitalismo, se subdivide em: liberdade de empreendimento, liberdade de organização e liberdade de contratação. Aqui nos até mencionamos o dirigismo contratual como um limitador da liberdade de contratação, que nada mais é do que um desdobramento do princípio da livre iniciativa.

Pois bem, exatamente como esses princípios não são valores absolutos, nós vamos facilmente perceber, por ex., na livre iniciativa, mais especificamente na vertente liberdade de contratação, nós vamos ter contratação de matéria prima, contratação de mão-de-obra, contratação de produto final. De qualquer maneira a liberdade de iniciativa e de contratação

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vai se conjugar com o princípio da valorização do trabalho humano, que vai significar, portanto, a inserção dos direitos sociais. Vai funcionar como um limitador da livre iniciativa. A livre contratação não pode deixar de aplicar o princípio da valorização do trabalho humano.

Dignidade da pessoa humana, que nós mencionamos aqui, vai servir como norteador, no próprio caso da ponderação de interesses, embora não haja propriamente hierarquia entre os princípios, nós não temos como em abstrato, a priori, apontar o princípio que vai preponderar.

A justiça social também vai estar funcionando aí como um limitador do princípio da livre iniciativa. E também aqui a própria intervenção do Estado no domínio econômico não deixa ser um fator limitador do princípio da livre iniciativa, abandonando o caráter absoluto. A livre iniciativa do Estado Liberal Clássico não aceitaria, não poderia conviver com a intervenção do Estado no domínio econômico, mas atualmente o princípio está limitado pela intervenção estatal.

Não se perde da perspectiva a opção do legislador, a opção pelo tipo de economia, a opção ideológica, a questão da ideologia constitucionalmente adotada é no sentido de uma economia descentralizada, é o princípio da livre iniciativa mais a propriedade privada. A opção do legislador constituinte é no sentido de uma economia descentralizada. Não há uma norma expressa neste sentido, mas é o que se infere do princípio da livre iniciativa mais o princípio da propriedade privada, que são valores fundamentais do capitalismo, um capitalismo intervencionista porque a própria Constituição vai consagrar formas de intervenção do Estado na atividade econômica. Então é princípio da propriedade privada, que se conjuga com o princípio da função social, o exercício desse direito há que se pautar na função social.

Vejam que propriedade privada já aparece no art. 5º da CF/88, mas aqui adquire uma conotação econômica como um dos valores do capitalismo. Apenas quem tem a propriedade privada do capital é que vai ter a liberdade de empreender.

O inciso I trata da soberania nacional enquanto princípio constitucional econômico. Nós temos o conceito clássico de soberania, mas aqui nós vamos ter uma conotação de direito econômico. É da característica do direito econômico uma releitura dos institutos, uma nova metodologia de abordagem dos institutos. Aqui a inserção da soberania nacional entre os princípios constitucionais econômicos nos traz uma idéia de que é um compromisso do Estado, um objetivo do Estado romper com a dependência econômica em relação aos estados centrais, romper com a situação de colônia dependente da metrópole. Mas soberania nacional, por um lado, não significa isolamento econômico. As políticas protecionistas tendem a se ceder

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diante de uma economia globalizada, mas é importante fazermos menção aqui ao artigo 219 da CF/88 que consagra o “mercado interno como integrante do patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal”.

Nós vamos ver mais adiante como fica a questão da política econômica e a defesa do mercado interno diante da revogação do art. 171 (CF/88), que fazia entre o capital nacional e estrangeiro, como fica o regime do capital estrangeiro tendo que se conciliar a soberania nacional (art. 219) com o desenvolvimento econômico, porque a soberania nacional dá a idéia de isolamento, mas teremos que aplicar a teoria da ponderação de interesses.

É importante nós mencionarmos, em termos de soberania, o que dispõe o art. 4º, § único da CF/88, “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.”.

Vamos ver que a idéia de integração não se confunde com a idéia de comunidade. O Direito de integração não é a mesma coisa que direito comunitário. De qualquer maneira vamos voltar neste dispositivo mais à frente quando tratarmos de Mercosul, pois embora haja esse objetivo do § único do art.4º, para se alcançar verdadeiramente um comunidade econômica internacional é preciso a alteração de outros dispositivos porque é da característica do direito comunitário que as normas comunitárias tenham aplicação direta sem necessidade de ratificação, independentemente de “internalização”. Essa é uma norma programática que deve ser interpretada sistematicamente. A rigor não há como se alcançar esse objetivo se não houver uma reforma nesta parte relativa à vigência dos tratados internacionais, de qualquer maneira essa idéia de soberania nacional vai sofrer reformulações diante desse contexto de integração em comunidades regionais. A soberania que normalmente era intangível, vai cedendo a uma idéia de soberania divisível, onde o Estado pode abrir mão de parcela desta soberania, como é o caso dos estados integrantes da Comunidade Européia, da União Européia, na medida em que há a formação de órgãos supra-nacionais, com a delegação dos estados em prol destes órgãos.

Seguindo aqui, nós vamos ter no inciso IV o princípio da livre concorrência. Esta é a primeira vez que este princípio aparece expressamente na Constituição, mas seria um desdobramento do próprio princípio da livre iniciativa. Nós vimos que o direito econômico surge indissociado com a crise do capitalismo, com as imperfeições do capitalismo liberal, em que uma delas é a concentração econômica, que coloca em risco o

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princípio da livre iniciativa, é o efeito auto-destrutivo do capitalismo, então o Estado vai estar legitimado a intervir para assegurar essa liberdade de concorrência, reprimindo as concentrações econômicas. É o que vai estar expresso no § 4º do art. 173 da CF/88, “a lei reprimirá o abuso de poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.

Volto que o princípio da livre concorrência, a exemplo dos demais, não é um valor absoluto, então vamos conviver com o princípio da livre concorrência e algumas formações tidas como concentração econômica, fenômeno concentracionista convivendo com o princípio da livre concorrência. Estaremos anlisando como se admite por ex. a formação da AMBEV frente ao princípio da livre concorrência.

Na seqüência nós temos a defesa do consumidor, que certamente (...) como sujeito do direito econômico, mas é importante a gente perceber que, na verdade, o enfoque que vai ser dado ao consumidor, para fins de direito econômico (como já visto, este pressupõe um aspecto macroeconômica). O direito econômico não vai se ocupar propriamente da aplicação do Código de Defesa do Consumidor no que se refere às relações individuais pontuais, assume relevância para o direito econômico quando os consumidores figuram enquanto sujeitos de direito econômico, de forma agregada.

Quanto à defesa do meio ambiente, é a necessidade de preservação dos recursos naturais. E aqui vamos conjugar a defesa do meio ambiente com o princípio do desenvolvimento econômico. Nasce daí a idéia de desenvolvimento sustentável, que está na ordem econômica internacional.

Os incisos VII, VIII e IX são apontados pela doutrina são apontados como objetivos e não como princípios, mas que trazem valores, que seriam redução das desigualdades regionais e sociais, ou seja, a busca pelo desenvolvimento econômico, equilíbrio; busca do pleno emprego, que reforça o princípio da valorização do trabalho humano; tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país, esse tratamento favorecido, entenda-se, um tratamento diferenciado em virtude das diferenças entre as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país. Não é tratamento privilegiado, não é um privilégio, aplica-se aqui o princípio da isonomia, mas tendo em vista esse fenômeno concentracionista, ou seja, com a tendência de as grandes empresas absorverem as de pequeno porte, essa intervenção do Estado vai estar voltada para minimizar essa diferença sob o ponto de vista econômico.

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O § único do art. 170 traz ainda o seguinte enunciado: “é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”. É a consagração da livre iniciativa, mas sofre limitações, diversas limitações, então muitas vezes vai depender sim de autorização.

A rigor nós teríamos na seqüência o art. 171 revogado, mas a professora prefere ver primeiro as formas de intervenção do Estado no domínio econômico. Nós vimos a definição do Manoel Gonçalves Ferreira Filho de Constituição Econômica como aquela que define o tipo de economia, se é centralizada ou descentralizada. O 3º elemento, é a delimitação do campo, se seria própria da iniciativa privada ou se seria próprio do setor público, é até que ponto vai o limite de intervenção. O último elemento seriam os princípios.

Para a idéia de constituição econômica faltam as formas de intervenção do Estado no domínio econômico.

- DIRETA: O Estado assume a função de agente econômico- INDIRETA: Interfere na conduta dos agentes econômicos (art. 174)

A doutrina faz distinção entre intervenção e atuação. Atuação seria na esfera própria e intervenção seria na esfera de outrem. Mas isso para nós não serve muito pois quando o Estado atua de forma direta na atividade econômica significa que ele próprio assume a condição de agente econômico no sentido da exploração da atividade econômica produtiva, então nós poderíamos considerar isso como uma intervenção, ou seja, como o Estado atuando na esfera de outrem, seria da iniciativa privada, ora, mas se ele próprio está atuando ele é o agente. Fica a crítica. De novo é aquela idéia de que nós devemos avaliar as classificações úteis e as não úteis.

Quando ele atua de forma indireta, o Estado interfere no comportamento dos agentes econômicos, mas sem assumir essa qualidade de agente econômico, então aqui ele funciona na função de disciplinador, regulador, de fiscalizador, mas sem tomar parte ele próprio.

Ele pode fazer isso sob o regime concorrencial ou sob o regime de monopólio. Sob o regime concorrencial, ele vai estar atuando como agente econômico ao lado, paralelamente aos demais agentes econômicos, enquanto no regime de monopólio há a absorção de determinado setor da atividade econômica. Aqui nós vamos ter assentado nos art.s 173 e 177, respectivamente.

Dispõe o art. 173, “ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será

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permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definido em lei”. Consagra-se aqui o princípio da subsidiariedade, ou seja, a exploração da atividade econômica é própria da iniciativa privada e subsidiariamente o Estado pode atuar em seara que seria própria da iniciativa privada. Para a Professora, o princípio da subsidiariedade já existia desde a Ordem Econômica anterior, mas na verdade o art. 173 traça uma ruptura com aquela ideologia, a redação, na verdade, a contrario sensu, se a exploração de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, a contrario sensu, o que estiver fora desta previsão é proibida, é vedada. Na verdade, o art. 173 traz uma exceção, não uma regra, ou seja, a exploração vai se dar apenas em caráter excepcionalmente. A Carta Constitucional anterior falava em “caber à iniciativa privada preferencialmente”, então naquele momento havia quase que um compartilhamento da exploração da atividade econômica pelo setor público, o Estado teria uma faculdade de explorar a atividade. A redação atual é bem diferente e a atividade pelo Estado, via de regra, estaria vedada. É bem verdade que as exceções não estão bem definidas, pois “imperativos da segurança nacional e relevante interesse coletivo”, o que seria essas expressões vagas?? O Celso Antônio Bandeira de Mello chega a afirmar que esse dependeria de regulamentação, dependeria de uma lei que viesse disciplinar esses requisitos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo. Mas na verdade, o que nós temos aqui são conceitos jurídicos indeterminados e nós só vamos conseguir interpretar no caso concreto. Manoel Gonçalves diz que o legislador constituinte deveria deixar mais precisos objetivamente quais os requisitos para a intervenção direta do Estado sob o regime concorrencial, restaria ao legislador estabelecer em cada caso esses requisitos porque quando o Estado explora diretamente a atividade econômica, ele o faz necessariamente através das Sociedade de Economia Mista ou Empresas Públicas. Para o Estado explorar diretamente a atividade, ele tem que criar uma dessas duas entidades e nós sabemos que essas entidades dependem de autorização de lei. O ideal seria que o legislador, ao criar as entidades, estabelecesse quais são os motivos de segurança nacional e relevante interesse coletivo. Viria na exposição de motivos.

Até porque essa lei é que vai estabelecer a finalidade para a qual as entidade serão criadas. Nesse art. 173, ele vai pautar a criação dessas entidades para a exploração de atividade econômica, assim como ele vai servir para o movimento inverso, que seria o fundamento constitucional do processo de desestatização. O AMÉRICO LUÍS MARTINS DA SILVA chega ao ponto de afirmar que todas as participações societárias precisariam ser revistas à luz do art. 173, para que fosse verificado se realmente estão presentes os

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imperativos de segurança nacional e relevante interesse coletivo, sob pena de inconstitucionalidade. A Prof.ª Andréa não vai a este extremo por se tratarem de conceitos jurídicos indeterminados, então o art. 173 vai pautar o processo de desestatização, mas não ao ponto de rever todas as participações societárias do União.

Na seqüência vamos ver a intervenção direta do Estado sob o regime de monopólio. Primeiro detalhe é que estamos falando de atividade econômica, não se confunde com a prestação de serviço público. Essa expressão monopólio muitas vezes é utilizada em outra acepção, mas não há que se falar em monopólio de prestação serviço público e na verdade a situação de monopólio significa a subtração deliberada da iniciativa privada. Estamos falando aqui de um monopólio, é diferente do chamado monopólio de fato, como conseqüência do fenômeno concentracionista (monopólio de fato é o monopólio privado). O monopólio vai ser reprimido pelo Estado.

O art. 177 diz expressamente que “constituem monopólio da União: a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural (...)”. Se nós fizermos a leitura deste inciso, vamos perceber que são três as hipóteses de ocorrência de monopólio: petróleo, gás natural e minerais nucleares. São seis tratos: a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e de minerais nucleares e seus derivados. Pois bem, o § 1º do art. 177, com a redação dada EC n.º 9/95, permite uma abertura desse monopólio, é a seguinte a redação, “a União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei”, os incisos I a IV referem-se a petróleo e gás natural, então fica de fora dessa abertura do monopólio os minerais nucleares, agora o que significa essa possibilidade da União contratar? Nós não podemos perder de perspectiva que monopólio diz respeito à exploração direta pelo Estado, como agente econômico, da atividade econômica. Ora, sendo assim, essa contratação aí não significa contrato (inaudível) de prestação de serviço público, então é isso que vai justificar a afirmação de que o monopólio subsiste, pois poderia se pensar que se a União pode contratar com empresas estatais e até mesmo empresas privadas não haveria mais monopólio. Não é esta a interpretação que devemos fazer, na verdade o monopólio subsiste, o que ocorre é uma flexibilização deste monopólio, não apenas porque o § 1º tem que ser interpretado de acordo com o caput do art. 177, mas além disso, porque só faz sentido dizer que a União pode contratar a exploração desta atividade econômica se nós considerarmos a existência do monopólio, pois do contrário a atividade econômica (art. 174) é livre.

Ora, não haveria que se falar em contratação da exploração da atividade econômica diante de uma hipótese de monopólio porque do contrário caberia à iniciativa privada independentemente de contratação pela

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União, fica claro isso? Fala-se que o monopólio subsiste apenas com uma flexibilização, isso fica reforçado se levarmos em conta o próprio art. 20, quanto aos bens da União, os recursos minerais, recursos naturais de modo geral.

Agora quanto aos minerais nucleares o monopólio permanece hígido, e isso está reforçado pelo art. 21, XXIII, que compete à União “explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições”. No caso de utilização de radioisótopos (alínea b deste dispositivo) também seria possível.

Com relação a gás natural, o art. 25, § 2º no que se refere a gás canalizado, estabelece que cada um dos estados “explorará diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei”.

Concluindo, em relação aos minerais nucleares permanece o monopólio e em relação ao petróleo e gás natural ocorreu uma flexibilização do monopólio, e aí a ressalva lá do art. 173, segundo a doutrina, “ressalvados os casos previstos nesta Constituição (...)”, ou seja, ressalvados os casos, ressalvados os casos de monopólio, em que se dá a atividade econômica direta pelo Estado. Não que não fossem exigíveis os requisitos, os imperativos de segurança nacional e o relevante coletivo, mas por uma questão de presunção, o legislador constituinte já definiu as hipóteses de monopólio, então a doutrina vai apontar o monopólio como uma das ressalvas do artigo 173, a outra ressalva seria a prestação de serviço público, que nós vamos abordar.

A exploração indireta da atividade econômica pelo Estado, como já foi dito, significa o Estado atuando de forma a intervir, mas sem assumir a condição de agente econômico, portanto é a função reguladora que está associada à própria origem do direito econômico como resposta às imperfeições do capitalismo liberal, entre elas a falta de capacidade de auto-regulação, então o Estado vai intervir para regular a atividade econômica, é o art. 174, “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”. Ora, é importante lembrar que a intervenção indireta pelo Estado na atividade econômica, numa economia do tipo descentralizada tem por característica uma intervenção global. A questão do planejamento não poderia ser diferente do que está estabelecido, meramente indicativo, não vincula, sob pena de descaracterizar uma economia descentralizada para uma economia planificada. Em termos de planejamento nós não temos muita tradição, nossa experiência é até certo ponto negativa, nós assistimos tantos

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planos econômicos relâmpagos e mirabolantes que buscavam solucionar todos os problemas num passe de mágica. Não é esse é o planejamento que se estabelece.

Fiscalização e incentivo. Fiscalização vai ser uma forma de limitar a atividade econômica. Incentivo é uma “via de mão dupla”, pois pode ser alguma forma de isenção para fomentar determinada atividade econômica, ou uma forma de restringir a atividade pois no fundo se estará atingindo o objetivo de crescimento de um outro setor, então os tributos de caráter extrafiscal de modo geral vão servir de instrumento para essa forma incentivo. Se nós pegarmos por exemplo o aumento da alíquota de importação, significa uma restrição às importações, mas que vai servir de incentivo aos produtos nacionais.

A respeito disso, há uma questão que se coloca quanto à fixação de preços. A questão que se coloca com controvérsia na doutrina é quanto ao tabelamento de preços. Nós vamos ter a maior parte da doutrina considerando que o Estado tem legitimidade para efetuar o tabelamento de preços (Fábio Konder Comparato), que seria compatível com a Constituição este tabelamento, este congelamento, mas vamos ter também a posição do Manoel Gonçalves Ferreira Filho no sentido de que o tabelamento de preços viola o princípio da livre iniciativa, portanto a fixação de preços se dá no exercício da livre iniciativa, então o Manoel Gonçalves Ferreira Filho considera incompatível com esta livre iniciativa o tabelamento e ele utiliza como reforço de argumentação que a redação originária do art. 174 antes da promulgação a continha expressão “controle” ao invés de “incentivo”, então o Estado como agente normativo tinha as funções fiscalização, controle e planejamento, até que por obra do “Centrão” foi retirada a expressão controle e inserida a expressão “incentivo”, então ele diz que se fosse “controle pelo Estado” o tabelamento seria possível e a Constituição usaria a expressão controle, o que inocorreu, mas como fiscalização é uma coisa e controle é outra, essa fiscalização não pode ir ao ponto de impor um congelamento de preços. Daniel Sarmento vai analisar especificamente essa posição de Manoel Gonçalves, dizendo que, na verdade, Manoel Gonçalves Ferreira Filho está partindo da aplicação da teoria da ponderação de interesses mas do ponto de vista da restrição absoluta, quando na verdade nós temos que aplicar a ponderação de interesses relativa, sempre dependente do caso concreto, então não há como se afastar, a priori, o tabelamento de preços, mas vai depender, no caso concreto, analisar se houve a observância dos princípios já analisados. Ele chega a mencionar o caso das mensalidades escolares como precedente de se admitir o controle de preços por parte do Poder Público. Tem uma outra jurisprudência a respeito, mas que é anterior à CF/88, diz: “dispositivos constitucionais enunciadores da livre iniciativa privada não são vulnerados quando o Estado,

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também autorizado pela Carta Política, intervém no domínio da atividade econômica via tabelamento de preços”. Seria uma forma de intervenção indireta do Estado na atividade econômica, ok?

Dito isto, é importante estabelecer o seguinte, a redação do art. 173 com relação ao regime das estatais quanto à exploração da atividade econômica. O art. 173, no § 1º, até mesmo antes da redação dada pela emenda constitucional 19/98 já continha uma vinculação destas entidades, quando exploradoras da atividade econômica, ao regime próprio de direito privado, então a redação original do § 1º, “a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividades econômicas sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas”, esta é a redação anterior. Só para chamar para este aspecto, vinculação ao regime jurídico próprio das empresas privadas. Na verdade o § 1º do art. 173, na redação atual, também traz referência ao regime próprio das empresas privadas, mas nessa redação anterior, essas outras entidades já se tinham como subsidiárias das primeiras, pois tanto a sociedade de economia mista quanto empresa pública no âmbito da Administração, vamos ter a formação em autarquia que não tem a exploração econômica como objeto.

O § 1º, com a redação dispõe: “a lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias (...)”, então aqui a redação foi aprimorada. Continuando “(...) que explorem atividade econômica de produção de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: II – sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas” então precisamos situar a questão sob o seguinte aspecto, o art. 173 está se referindo a atividade econômica, enquanto que o art. 175 vai se referir à prestação de serviços públicos, “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. Então a primeira questão que devemos colocar aqui é a seguinte, há uma distinção entre atividade econômica e a prestação de serviço público? Em havendo esta distinção, qual é a repercussão que isso vai ter para o regime destas entidades, da sociedade de economia mista ou das empresas públicas?

Na verdade a doutrina vai situar da seguinte forma: de modo geral os autores vão considerar que há uma distinção sim, a MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO vai chamar a atenção desse aspecto, lamentando que o legislador não tenha definido de forma mais objetiva qual é esta distinção, nem o legislador, nem a doutrina ainda chegou à conclusão de qual seria a distinção, mas, primeiro, não se nega de que há distinção, caso contrário não faria sentido, por ex., que o legislador disciplinasse um no art. 173 e outro no art. 175.

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Então precisamos saber o que é serviço público. Se nós partirmos da definição do Direito Administrativo, vamos ter uma definição do serviço público sob o ponto de vista objetivo, ponto de vista subjetivo e um aspecto formal. Sob o ponto de vista subjetivo, definia-se o serviço público como aquele prestado pelo Poder Público, sob o ponto de vista objetivo, significa a classificação quanto ao objeto, diz respeito à atividade essencial prestado pelo Estado. E sob o ponto de vista formal? É o serviço que se submete ao regime jurídico de direito público, são os princípios da supremacia do interesse público, continuidade do serviço público, da modicidade da tarifa etc. Essa definição, aos poucos, deixou de ser suficiente, nós vamos perceber uma evolução do conceito de serviço público diante da evolução do próprio Estado. Então, sob o ponto de vista subjetivo, chegamos à conclusão de que esta definição estaria “furada” porque o Poder Público pode delegar, fazer concessões ou permissões, de tal modo que o particular também pode prestar serviço público e nem por isso fica descaracterizado o serviço como público, então sob o ponto de vista subjetivo essa definição não vai mais nos ajudar a distinguir serviço público de atividade econômica.

No aspecto objetivo, vamos ter a “petição de princípio”, definir através do próprio objeto a ser definido, em outras palavras, dizer que serviço público é atividade econômica essencial, se nós não sabemos o que seja atividade econômica essencial não nos leva muito adiante, até porque aqui nós poderíamos tirar como desdobramento desta definição a classificação entre serviço público típico e atípico, e a própria definição de atividade econômica essencial para o Estado vai depender do momento histórico do Estado. Num Estado Liberal Clássico o que seria essencial para a sociedade não seria o mesmo que seria essencial para o Estado do Bem Estar Sócia. Então também sob este aspecto não vamos avançar muito.

Resta apenas o aspecto relativo ao regime jurídico de direito público. Não resta dúvida de que o serviço público se dá sob a forma do regime jurídico de direito público, até aqui estava toda a doutrina assente, só que há uma dúvida que subsiste, como é que vai se saber que o regime a ser aplicado é o de direito público ou não, é o legislador que vai indicar quando haja o regime jurídico de direito público de forma a configurar a prestação de serviço público e não atividade econômica. Essa doutrina, na verdade, vai sofrer críticas pois não a partir do que diz o legislador que vamos extrair a essência das coisas, há uma inversão, não é porque amanhã ou depois o legislador diz que é de direito público que será. Até aqui a doutrina estava assente.1

1 A professora fez uma indicação bibliográfica: “Direito Administrativo Econômico” (Editora Malheiros), onde existem artigos e já vamos encontrar quem afirme ser possível a prestação de serviço público sobre o regime jurídico de direito privado. É uma posição mais inovadora, que serve para demonstrar que o conceito de serviço público está em mutação.

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Há uma 3ª posição (EROS ROBERTO GRAU) dizendo que não há grande diferença atividade econômica e prestação de serviço público, é muito sutil a distinção tendo em vista que ambos são espécies do gênero Atividade econômica, ou seja, Atividade econômica é gênero da qual são espécies a atividade econômica propriamente dita e a prestação de serviço público. O que vai distinguir aqui é que atividade econômica, até por sua origem, tem por objeto a especulação lucrativa, aí estaria uma diferença quanto à natureza das atividades, até porque sabemos que no serviço público vigora o princípio da modicidade das tarifas, não é alvo de especulação lucrativa, o próprio § 1º, do art. 173 nos ajuda nesta distinção porque ele se reporta à atividade econômica de produção ou comercialização de bens, então aqui seria propriamente quanto à natureza.

Quem define serviço público através do legislador, tanto se reporta ao legislador constituinte quanto ao infraconstitucional, então seria o exemplo do art. 21 da CF/88, “compete à União”, inciso XI, “explorar serviço de telecomunicações (...)”, inciso XII, “a”, “explorar serviços de radiodifusão sonora (...)”, inciso XII, “b”, “serviço de instalação elétrica (...)” etc. Seriam exemplos de serviços públicos que foram opção do legislador constitucional.

Pois bem, em qualquer das três posições vamos ter uma distinção entre atividade econômica e serviço público, de tal modo que isso vai repercutir neste regime jurídico, pois o § 1º, do art. 173 submete estas entidades, quando exploram atividade econômica, ao regime que é próprio das empresas privadas, enquanto que a prestação de serviço público sujeita-se ao regime de direito público.

A 1ª resposta, portanto, é que há, sim, distinção entre atividade econômica e prestação serviço público e em havendo esta distinção, vai repercutir no regime jurídico destas entidades. Em outras palavras, é dito pela doutrina (Eros Roberto Grau, Maria Sylvia Di Pietro) que o art. 173 trata da atividade econômica propriamente dita, da espécie e não do gênero e isso fica claro diante deste caráter de excepcionalidade do próprio artigo, não faria sentido referir-se ao serviço público que por definição é atribuição do Poder Público. O art. 173 está tratando da atividade econômica propriamente dita, diferentemente do art. 174, que nós acabamos de ver. Aqui a atividade econômica se refere ao gênero pois o Estado pode funcionar como regulador, fiscalizador, também da prestação do serviço público.

Então como é que fica a questão do regime jurídico? É o § 1º do art. 173. Celso Antonio Bandeira de Mello e José dos Santos Carvalho Filho, interpretando este dispositivo vão dizer que na verdade não houve equiparação pois aqui não está dito “prestação de serviço público”, até porque como regra de hermenêutica, o parágrafo tem que ser interpretado de acordo com o caput e no caput nós temos o caráter da excepcionalidade

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da exploração da atividade econômica, então mesmo diante da nova redação deste dispositivo, subsiste esta distinção doutrinária.

A questão aqui é como conciliar esse regime próprio das empresas privadas com a exigência de concurso público, a exigência de licitação do art. 37 da CF/88, a submissão ao controle pelo Tribunal de Contas (art. 71) da Adm. Direta e Indireta, sem fazer distinção entre essas entidades quando exploradoras de atividade econômica.

É importante não perdermos de perspectiva o seguinte, não confundam esta classificação de forma de intervenção direta e indireta com a Administração direta e indireta.

(...) diz respeito à atividade econômica propriamente dita, né, quando o Estado intervém de forma direta ele faz, necessariamente, através da sociedade de economia mista ou empresa pública.

O artigo 173 é que vai regular a atividade, a exploração direta da atividade econômica pelo Estado sob o regime concorrencial, e nós dissemos que aqui o legislador está se referindo à atividade econômica propriamente dita, ou seja, a espécie do gênero “atividade econômica” que engloba, ao lado dessa espécie a prestação de serviço público. Então, nós apresentamos três distinções, né, entre atividade econômica propriamente dita e prestação de serviço público. Uma, quanto à natureza, quanto à essência, e aí nós fizemos menção à posição do Eros Roberto Grau no sentido de que a atividade econômica propriamente dita se refere à matéria que apresenta potencial de especulação lucrativa, né, a matéria que representa a especulação lucrativa.

Vimos uma distinção que se baseia no regime, no sentido de que serviço público necessariamente se submete ao regime de direito público e, por fim, uma distinção a partir de serviço público positivado, a partir da opção do legislador de instituir, para determinadas atividades, esse regime jurídico que vai caracterizar serviço público, né, então serviço público é aquele segundo uma opção positiva, uma opção do legislador. Pois bem. Então, embora seja sutil essa distinção, até por que são ambos espécies de uma categoria mais genérica que seria a atividade econômica, nós percebemos que o artigo 173 se refere, então, à atividade econômica propriamente dita. E o art. 173 quer na redação originaria, quer na redação dada pela lei (ininteligível), vai vincular a exploração direta de atividade econômica propriamente dita por parte do Estado a um regime jurídico próprio

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das empresas privadas. É o art. 173, parágrafo primeiro, inciso II: a sujeição a um regime jurídico próprio das empresas privadas.

Então, nós havíamos feito dois questionamentos – o primeiro: há uma distinção entre atividade econômica propriamente dita e serviço público? Há. E em havendo, que isso repercute no que se refere ao regime jurídico de um e outro? Por esse quadro aqui a gente vê que o serviço publico se submete ao regime de direito publico e a atividade econômica a um regime jurídico privado. Mas isso não é uma verdade absoluta, ne, se nós fizemos menção, inclusive, que ainda há quem reconheça a categoria de serviço público com economia de direito privado.

E como é que fica essa afirmativa diante do que estabelece o artigo 37, por exemplo, que quando trata da administração não faz uma distinção quanto à exploração da atividade econômica ou a prestação de serviço público. Art. 37 se refere à administração pública direta ou indireta de fomento entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Então sujeita, inclusive, essas entidades que fazem parte da Administração ao regime la do art. 37, necessidade de concurso público, exigência de licitação, controle pelo Tribunal de Contas, então nós vamos ver que essa afirmativa do parágrafo primeiro, inc. II, do art. 173, na verdade, precisa de algum temperamento, pra gente compatibilizar lá com o artigo 37, dentre outros, no tratar da administração pública.

Quanto a isso, nós vamos ter o seguinte posicionamento: Lúcia Valle de Figueiredo vai posicionar, então, essa categoria de exploração direta da atividade econômica pelo Estado sujeita a um regime jurídico híbrido, ela vai dizer que não é nem regime de direito público nem regime de direito privado. Acontece que essa expressão “regime jurídico híbrido” não esclarece muito o que se aplica o regime jurídico público e que parte se aplica o regime jurídico privado, né, aliás, é, tem algumas situações, algumas zonas cinzentas no direito que os juristas se deparam e aí põem em categorias do tipo é, híbridas, categorias sui generis, que não sistematizam a questão.

A gente vai ter a posição do José dos Santos Carvalho Filho em que ele vai dizer: tudo bem, não se aplica integralmente nem o regime de direito público e nem integralmente o regime de direito privado. E quando da exploração da atividade econômica propriamente dita se aproxima mais do regime de direito privado, sem prejuízo lá do disposto no art . 37, em função dessas entidades servirem de instrumento ao Estado empresário. Então, na

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verdade, ele vai fazer uma distinção entre a atividade-fim e a atividade-meio. Defendendo, então, que, no que se refere à atividade-meio, não há dúvida, sujeita-se, aproxima-se mais do regime de direito publico. E no que se refere à atividade-fim, sempre que a submissão ao regime de direito público puder prejudicar a postura do Estado empresário, prevalece, vamos dizer assim, o regime de direito privado. Nessa mesma linha a posição de Celso Antonio Bandeira de Mello.

Celso Antonio Bandeira de Mello vai afirmar o seguinte: ora, o art. 173 traz implícito aí o princípio da subsidiariedade, e nós dissemos que mais do que subsidiária, a exploração direta da atividade econômica pelo Estado é excepcional, mas no art. 173 traz também aí implícito o princípio da igualdade, o Estado, ao explorar diretamente a atividade econômica, sob o regime concorrencial, ele está concorrendo, né, ele atua em paralelo à iniciativa privada. Então, o Estado não pode, pela sua só condição, né, assumir uma posição de empresário, a posição de status que ele poderá se valer de algum privilégio. Tanto que o parágrafo quarto do art. 173, aliás, perdão, o parágrafo segundo do art. 173 vai dispor que as empresas públicas ou sociedades de economia mista não poderão gozar dos privilégios fiscais não extensíveis, no caso, ao setor privado, né, então, não só privilégios fiscais; não poderá gozar de nenhum privilégio de qualquer natureza porque o Estado vai se despir da sua condição para atuar em igualdade com a iniciativa privada. Ora, se o Estado não pode se colocar em posição de privilégio em relação à iniciativa privada, também não vai poder se colocar de forma desigual, do ponto de vista desfavorável. Então é nessa linha que Celso Antonio Bandeira de Mello vai afirmar que em se tratando de atividade econômica parte-se do pressuposto que toda atividade requer uma desenvoltura, uma agilidade por parte do Estado, assim como por parte da iniciativa privada.

Então, em razão disso, toda vez que a submissão ao regime jurídico de direito público puder colocar o Estado em situação de desvantagem, fica derrogada a norma do artigo (...) até para que essa entidade possa alcançar a finalidade estabelecida na lei de criação. Nós sabemos que para criação de uma sociedade de economia ou empresa pública depende de autorização, que vai determinar a finalidade destas entidades. Ora, em determinadas situações submeter essas entidades ao regime jurídico de direito público pode frustrar essas finalidades estabelecidas na lei que autorizou a criação. Então ele vai especificar os momentos e hipóteses de contratação (...) que

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está sendo disputado a tapa no mercado. Jamais ia se submeter a concurso público. Então é a hipótese em que poderia haver uma dispensa de concurso público para assegurar essa finalidade. E também nas hipóteses de licitação, né, ele exclui aí, por exemplo, aquisição de mobiliário, por quê? Porque isso não traria nenhum empecilho, nenhum entrave para o Estado-empresário desenvolver essa atividade econômica propriamente dita. Então, na verdade, eles vão estar basicamente falando a mesma coisa, né, a posição do Celso Antonio Bandeira de Mello é bem semelhante à do José dos Santos Carvalho Filho no sentido de excepcionar em algumas situações o regime jurídico de Direito Público. Existe uma posição mais isolada na outra ponta que é a do José Edwaldo Tavares Borba, em que ele vai afirmar o seguinte: essa discussão toda, essa discussão de atividade econômica propriamente dita, serviço público, isso é um blá, blá, blá, por quê? Por que essas entidades, como mencionado na própria lei, são pessoas jurídicas de direito privado. Então ele vai afirmar o seguinte: independente do objeto, uma vez que o legislador faça a opção pela criação dessas entidades, por que são pessoas jurídicas de direito privado, se sujeitam ao regime de direito privado, ponto e acabou. Ou seja, ele vai conceber que sempre essas entidades estarão explorando a atividade econômica. Se o Estado, através do legislador, fez a opção por criar essas entidades, o que elas vão tratar são, necessariamente, atividades econômicas, pela própria natureza de pessoa jurídica de direito privado. Então, ele abstrai toda essa discussão para incluir essas categorias todas de exploração de atividade econômica propriamente dita.

Mas a gente sabe que, na realidade, existem sociedades de economia mista e empresas públicas que exploram atividades econômicas, assim como existem sociedades de economia mista e empresas públicas prestadoras de serviços. Então, é aquela crítica que se faz ao atribuir ao legislador a definição, né, a conceituação dos institutos, a natureza, já que o legislador assumiu essa figura, essa forma, empresa pública ou sociedade de economia mista, a atividade vai assumir a natureza de atividade econômica propriamente dita. Mas, de qualquer maneira, é uma posição que vale a pena a gente registrar.

Agora, o legislador da reforma, a Emenda 19, por um lado, poderia, digamos assim, contribuir para elucidar essas questões, né, isso tudo aqui é construção doutrinária, não há uma distinção expressa no texto, né, e o § 1º, com a redação dada pela Emenda 19, aperfeiçoou a redação de uma parte,

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quando a lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública e da sociedade de economia mista e suas subsidiárias, então aqui a expressão foi mais apropriada do que na redação anterior, que explore a atividade econômica de produção ou comercialização de bens. Nesse sentido, fica mais claro, esse divisor aqui – atividade econômica propriamente dita, então, é a atividade de produção e comercialização de bens. Só que incluiu aqui “ou prestação de serviços”, dispondo sobre, aí vai: a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inciso III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública.

Então, primeira ressalva: não é por que o dispositivo faz menção à prestação de serviços que ficou equiparada a atividade econômica propriamente dita ao serviço público. Então, não é isso, tanto Celso Antonio Bandeira de Mello, quanto José dos Santos Carvalho Filho comentando esse dispositivo já com a Emenda, com a redação da Emenda 19, vão afirmar o que? Não está dito aqui “prestação de serviço público”, então continua se referindo à atividade de direito público, ta? com as conseqüências legais. De qualquer maneira, o § tem de ser interpretado de acordo com o caput e o caput traz uma excepcionalidade: “ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”. A contrário senso, será proibida, será vedada. Então, esse caráter excepcional não convive com o conceito ou definição de serviço público, porque o Estado não presta serviço público em caráter excepcional. Então, na verdade, de qualquer maneira, nós vamos concluir que o dispositivo trata da atividade econômica propriamente dita.

Mas, o inciso III remete aos princípios da Administração Pública, né, tem toda aquela discussão doutrinária que permanece mesmo à luz da redação dada pela Emenda Constitucional.

E, pra complicar um pouquinho, a Emenda 19 também alterou a redação do art. 22, inciso XXVII: “compete privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as Administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI (...)”

Bom, para a administração direta autárquica e fundacional remete ao art. 37 e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, inciso III.

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Ora, como é que fica a posição das sociedades de economia mista e empresas públicas prestadoras de serviços? Elas não vão se incluir nem na primeira parte desse dispositivo, porque não são, não se incluem na categoria de Administração pública direta, autárquica nem fundacional, e não se incluem na parte final do dispositivo, porque remete ao art. 173 e o art. 173, como nós vimos, diz respeito à atividade econômica propriamente dita.

Então, uma primeira leitura desse dispositivo poderia levar crer a que então, para as empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços não haveriam de se submeter às normas gerais de licitação? Seria uma interpretação que chega ao absurdo, por quê? Ora, se para as sociedades de economia mista e empresas públicas, remetendo lá ao art. 173, exploradoras de atividade econômica, há de se sujeitar ao regime de licitação, com maior razão, no caso dessas entidades prestarem serviço público, porque é da natureza do serviço público a sujeição ao regime de direito público, né, então não faria sentido colocar de fora essas entidades. Então, ou nós podemos interpretar que aqui fica consagrada a posição do José Edwaldo Tavares Borba, ou então essas entidades realmente, né, vão ter formas de exploração da atividade econômica, ou então a gente tem que buscar uma outra interpretação sistemática, a rigor, esse dispositivo não anula com a norma do artigo 37, submetendo a Administração, como um todo, a um regime de licitação.

Agora, esse dispositivo, por outro lado, abre uma possibilidade do legislador infraconstitucional resolver esse impasse, o legislador constitucional perdeu essa oportunidade, na verdade a reforma administrativa introduzida pela Emenda 19 já poderia ter estabelecido de forma mais objetiva essas questões. Mas, de qualquer maneira, o que esse dispositivo aqui traz é a possibilidade de o legislador infraconstitucional tratar de normas gerais para a administração direta, autárquica e fundacional e para as sociedades de economia mista e empresas públicas prestadoras de serviço público de forma diferente das normas gerais para as sociedades de economia mista e empresas públicas prestadoras de atividade econômica. Agora, como o próprio dispositivo remete para o § 1º, inciso III, do art. 173, o que nós vamos perceber é o seguinte: o legislador infraconstitucional não pode, simplesmente abolir o regime jurídico público para essas entidades, porque o art. 173 remete para os princípios da Administração Pública, então, licitação, “observados os princípios da administração pública”.

Então, não poderia o legislador infraconstitucional simplesmente definir para as empresas públicas e sociedades de economia mista e suas

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subsidiárias não há que se sujeitar ao regime de licitações, haveria uma incompatibilidade com a Constituição. O que poderia é o legislador infraconstitucional absorver essa distinção, atividade fim e atividade meio, né, disciplinar de acordo com essa construção doutrinária.

Enquanto não regulamentado o art. 22, inc. XXVII, prevalece o disposto na 8.666, mas não faz distinção quanto às exploradoras de atividade econômica propriamente dita e as prestadoras de serviço público. Na prática, o que acontece, né, que que ocorre? Na prática essas entidades chamadas estatais “forçam a barra” para que as situações extremas sejam incluídas lá nas hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação. Forçam essa interpretação para tentar afastar a exigência de licitação, sob pena de frustrar essa finalidade. Agora, e como é que fica a jurisprudência em relação a essa matéria? Eu tinha deixado um material na xerox, há alguns acórdãos fazendo menção a esse regime, valendo lembrar o seguinte: o próprio art. 173 ele ressalva algumas situações, né? “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária (...)“.

E qual é o alcance dessa ressalva aqui do art. 173, quais são os casos ressalvados? Então, a gente vai encontrar na doutrina duas situações: uma, que essa ressalva diz respeito ao monopólio, por quê? Porque o monopólio (legal, art. 177 da Constituição), as situações do monopólio são hipóteses de exploração direta da atividade econômica propriamente dita, a concepção técnica do monopólio do art. 177 é quanto atividade econômica, embora a expressão vulgarmente acabe por ser utilizada, às vezes confundindo, fala-se em monopólio da prestação de serviço público, ou seja, não seria apropriada, não seria adequada a utilização dessa expressão.

Pois bem. O monopólio é uma hipótese de exploração direta da atividade econômica propriamente dita, então ficaria ressalvado lá do art. 173, na medida em que o próprio legislador constituinte já estabeleça e aí a maioria da doutrina vai, inclusive, considerar que o art. 177 traz um elenco taxativo, não poderia o legislador infraconstitucional estabelecer outras hipóteses de monopólio além das do art. 177. Essa posição é quase unânime, ressalvando aí a posição do Eros Roberto Grau que considera que é possível o legislador infraconstitucional estabelecer outros monopólios.

Pois bem. Ressalvados os casos, essa ressalva diz respeito ao monopólio, não que o monopólio estivesse dispensado desses requisitos, imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, mas porque ficam presumidos pela própria opção do legislador constituinte. E a outra ressalva? A outra ressalva seria com relação ao serviço público, se a

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gente considerar que o art. 173 trata do gênero “atividade econômica”. Então, se nós, na verdade são duas formas de dizer a mesma coisa, né? Ou a gente considera que o art. 173 trata da atividade econômica propriamente dita ou a gente considera que essa expressão poderia ser concebida como o gênero, e por isso a ressalva, percebem? Então, ressalvados os casos previstos nesta Constituição, seria o caso de serviço público, ou seja, de qualquer maneira, serviço público fica de fora lá da disciplina do art. 173, ok?

Então, a jurisprudência que eu ia fazer referência é mais de um acórdão que vai abordar a questão do regime jurídico, a maioria deles vai só fazer menção, transcrever o que o art. 173 já estabelece, então, a exploração pelo Estado da atividade econômica, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, reger-se-ão pelas normas aplicadas às empresas privadas. Nesse caso aqui, não elucida muito nem o que seja atividade econômica, e nem o temperamento que há de ser feito quanto a essa expressão lá do § 1º, inc. II. A outra, é no sentido de que o art. 173 submete ao direito privado não apenas a própria organização e funcionamento daquelas entidades, mas sua atividade empresarial, aqui a gente já pode perceber um pouco mais claro que se trata da atividade econômica propriamente dita e não da prestação de serviço público.

Tem um acórdão aqui, no caso na Xerox, traz, que apresenta Recurso Extraordinário n.º 172286, no que se refere à posição da Cia. Docas do Rio de Janeiro e vai afirmar que a norma do art. 173, § 1º, CF/88, aplica-se às entidades públicas que exercem atividade econômica em regime de concorrência, não tendo aplicação às sociedades de economia mista e empresas públicas que, embora exercendo atividade econômica, gozam de exclusividade. O dispositivo constitucional não alcança com maior razão a sociedade de economia mista federal que explora serviço público reservado à União. Então, aqui a gente percebe que fica claro que a ressalva abrange tanto a atividade explorada com exclusividade, no caso o monopólio, quanto a situação da prestação de serviço público.

E, por fim, vale fazer menção à decisão sobre uma ação da EBCT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, está lá no informativo n.º 213. É bem verdade que há uma situação peculiar quanto à legislação dos correios, mas a decisão é expressa em absorver essa distinção, no sentido de que, dispõe o art. 173, caput, que “ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”, esse parágrafo 1º reza que a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade

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econômica sujeitem-se ao regime de monopólio próprios de empresas privadas. “A Constituição em seu art. 173 cuida da exploração direta da atividade econômica pelo Estado, a respeito da matéria escreveu o constitucionalista Celso Ribeiro Bastos que por tais atividades deve-se entender toda função voltada à produção de bens e serviços, reservadas aquelas atividades que a própria CF/88 já reservou como próprias do Estado por via da definição como sendo serviço público, nos termos dos incisos XI e XII do art. 21. Então, aqui a gente percebe uma distinção quanto à natureza, entre atividade econômica como voltada à produção e comercialização de bens, enquanto que o serviço público estaria definido pelo próprio legislador, uma definição de serviço público positivado, reservada pelo legislador para a exploração própria pelo Estado. Ou então, quando forem reservadas a título de monopólio da União, tal circunstancia é que justifica a inserção da cláusula “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição”. Assim, a exploração da atividade econômica pela EBCT não importa a sujeição ao regime jurídico das empresas privadas, pois sua participação neste cenário está ressalvada pela primeira parte do art. 173, por se tratar de serviço publico mantido pela União, e aí conclui que, logo, são impenhoráveis os seus bens por pertencerem à atividade estatal mantenedora, né? Então ressalvada a legislação específica, esse é um precedente que pode se questionar, porque poderia se concluir em última análise que toda sociedade de economia mista ou empresa pública prestadora de serviço público teria seus bens considerados impenhoráveis, quando, na verdade, são pessoas jurídicas de direito privado. Mas, de qualquer maneira, serve pra exemplificar exatamente essa interpretação que a gente mencionou aqui, essa distinção entre atividade econômica e serviço público e, por conseguinte, o regime jurídico distinto, ok?

Agora, além dessa classificação aqui, eu queria mencionar pra gente encerrar essa primeira etapa, uma classificação que se assemelha e que, em algumas ocasiões, já se colocou nas questões de concurso público, então, só para que vocês tenham conhecimento. É uma classificação que o Eros Roberto Grau, por exemplo, vai apresentar. Das formas de intervenção do Estado na atividade econômica, ele vai colocar a intervenção por participação, por absorção, por indução, por direção.

Por participação o Estado participa, ele é partícipe. Então, ele assume a qualidade de agente econômico atuando ao lado da iniciativa privada. Por participação corresponde à exploração direta sobre regime concorrencial.

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Por absorção, ele absorve aquele encargo, aquela área . Então, corresponde à hipótese do monopólio.

Por indução e por direção, são situações que se incluem na forma de intervenção indireta, né, em que o Estado não assume a qualidade de agente econômico, mas interfere no comportamento dos agentes econômicos, art. 174, que a gente já analisou. Então, por indução ou por direção, é apenas quando, é, na verdade, por direção, nós vamos estar diante de normas cogentes, então, quando, por ex., o Estado aumenta a alíquota de uma determinada importação, é norma cogente, ele vai interferir no comportamento dos agentes econômicos, mas sem possibilidade, sem faculdade para o interessado.

E por indução, seriam normas expositivas, talvez uma hipótese de intervenção, caso o agente econômico se inclua em uma determinada situação, é essa a distinção que ele coloca, ok?

Bom, dito isso, vamos retornar um pouquinho, a gente analisou o art. 170, pulamos os arts. 171 e 172, para a gente terminar essa seqüência aí, agora a gente vai voltar para o art. 171 e o art. 172 para a gente poder analisar a questão do capital estrangeiro, o regime do capital estrangeiro ou o controle do capital estrangeiro.

Na verdade, aqui, algumas questões se colocam, a partir da revogação do art. 171. O art. 171 é trazia aquela distinção, aquela classificação entre capital, empresa brasileira estatal nacional, e empresa brasileira de capital estrangeiro. Então, subsiste na doutrina o questionamento acerca da possibilidade de um regime diferenciar qual o capital estrangeiro, uma vez revogado o art. 171. Pode o Estado controlar esse capital estrangeiro? Pode o Estado estabelecer, o legislador estabelecer normas diferenciadas para o capital estrangeiro, uma vez que a distinção concebida no art. 171 foi revogada?

Quanto ao capital estrangeiro, o que a gente percebe, cada vez mais, é que nós temos uma série de princípios constitucionais em jogo, uma série de valores que o Estado vai se deparar aí, vai quase que dramático equilíbrio entre esses valores por parte do Estado, por quê? Porque nós vamos ter o desenvolvimento econômico como, né, a pedra, a base de toda a ordem econômica constitucional e até mesmo internacional, também está voltada para o desenvolvimento econômico como uma das exigências do Estado, da qual ele não pode, né, se desvencilhar. E, muitas vezes, para alcançar esse desenvolvimento econômico, o Estado tem que adotar medidas para atrair o investidor estrangeiro. E, muitas vezes, o controle sobre esses investimentos

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fica, em algumas situações, difícil, por ex., a posição das multinacionais, o Estado muitas vezes fica aí entre a cruz e a espada, por quê? Se o Estado retira, né, subsídios, incentivos, ou sobrecarrega a tributação, a multinacional pode considerar: vamos procurar um lugar onde o meu lucro possa ser maior, então muitas vezes isso colocar em risco a busca pelo desenvolvimento.

A gente precisa, então, perceber, como é que se dá o investimento desse capital estrangeiro, quais as formas de investimento do capital estrangeiro. O capital pode ser investido diretamente ou indiretamente. Diretamente, seria a situação da multinacional, né, o investidor vem e se instala no território nacional para produzir, comercializar aqui os seus produtos. De forma indireta, através de financiamento a essas atividades, do capital em si ou através da transferência de tecnologia, concessão de marcas e patentes, ou através da importação, e muitas vezes a escolha pelo investidor da importação ou do investimento direto se dá a partir dessas condições, né, ora, quanto menor for a alíquota de importação, quanto maior forem os encargos sociais, os encargos tributários da produção em si, o investidor vai optar por essa via, por essa forma de investimento, e não essa, percebem?

Pois bem, sendo assim, nós precisamos analisar, então, quais são as formas, as hipóteses de controle, tendo em vista essas diversas formas de investimento. A própria questão aqui da importação, aumento de alíquota de importação, não seria, um efeito de controle desse capital estrangeiro? Sem dúvida, então a gente vai encontrar aqui, como forma de controle do Estado, e na verdade, esse controle nada mais é do que formas de intervenção do Estado no domínio econômico, a gente acabou de ver, né? Art. 174, então, ora, se o Estado pode intervir sobre a atividade econômica explorada segundo essa origem do capital, né, pelo capital nacional, por que não poderia explorar, intervir no que se refere ao capital estrangeiro, a despeito lá da revogação do art. 171, né?

Então a gente coloca aqui que a tributação vai ser um instrumento de controle, de intervenção do Estado sobre esse capital estrangeiro e, sobretudo aqui, os tributos de caráter extrafiscal. Além disso, além da tributação, o controle sobre o câmbio, política de câmbio, vai interferir, sem dúvida, sobretudo aqui, nessa forma de intervenção, vai repercutir no comércio exterior (desvalorização do real – influência no Mercosul), e aí vai fazer menção ao art. 22, inciso VII, “compete privativamente à União legislar sobre política de crédito, câmbio, seguros e transferência de

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valores”. Então, a política de câmbio também vai ser um instrumento de intervenção do Estado na esfera tributária.

A imposição, seria até o desdobramento da tributação, a imposição de barreiras alfandegárias, tarifárias ou não tarifárias. Tarifárias são os encargos da relação do comércio exterior, de natureza tributária. Não tarifárias, quaisquer outras restrições, né, então o estabelecimento de cotas de importação, a vedação da importação com relação a determinada mercadoria, são formas, então, aí, de controle, de intervenção.

E, finalmente, o controle, no sentido do registro desse capital. Há necessidade de registrar o capital em si, há uma exigência legal a esse respeito, do capital, das remessas para o exterior a título de remessa de lucros, repatriamento do capital do capital e dos reinvestimentos. Isso vai ficar regulamentado a partir do disposto no art. 172, que tem a seguinte redação: “a lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos do capital estrangeiro e incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros”. Ora, isso tá disciplinado na Lei 4131/62, art; 72, teve uma (...inaudível...). Há uma outra hipótese de controle (...)

(...) que seria a pura e simples restrição do acesso ao capital estrangeiro. Então, é a vedação, proibição de importação de determinado tipo de mercadoria ou a vedação ao acesso, aqui, ou seja, a forma de investimento direto. Eu vou colocar isso aqui que nós vamos voltar.

O Estado pode, simplesmente, restringir o acesso a determinadas áreas ou quanto a determinadas mercadorias. A Lei 4131 vai estabelecer, então, este registro que se dá junto ao Banco Central, por força da 4131. Então, art.1º: “consideram-se capitais estrangeiros para os efeitos desta lei, os bens, máquinas e equipamentos entrados no Brasil sem dispêndio inicial de divisas, destinado à produção de bens e serviços” – Então, forma de investimento aqui direto, a primeira parte se refere a investimento direto – “bem como os recursos financeiros ou monetários introduzidos no país para aplicação em atividades econômicas, desde que ambas as hipóteses pertençam a pessoas físicas ou jurídicas residentes e domiciliadas ou com sede no exterior”.

Art. 3º: “Fica instituído no Banco Central do Brasil um serviço especial de registro de capitais estrangeiros, qualquer que seja sua forma de ingresso no país, bem como de operações financeiras com o exterior, no qual serão registrados: a) os capitais estrangeiros que ingressem no país, sob a forma de investimento direto ou empréstimo, quer em moedas, quer em bens; b) as remessas feitas para o exterior, como retorno de capitais, ou

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reinvestimento desses capitais, lucros e dividendos, lucros e amortizações, bem como os royalties de pagamento de assistência técnica (forma de investimento transferência de tecnologia) ou por qualquer outro título que implique transferência de rendimentos para fora do país, ok? Reinvestimento de lucro de capital estrangeiro.

E a própria Lei 4131 vai trazer uma definição do que sejam esses reinvestimentos, é o art. 7º: “consideram-se reinvestimentos, para efeitos desta lei, os rendimentos auferidos por empresas estabelecidas no país e com domicílio no exterior e que forem reaplicados nas mesmas entidades ou em outro setor da economia”, ou seja, é aquela parcela que poderia ser remetida ao país de origem e que é reaplicada numa atividade no território nacional.

Durante algum tempo, houve uma opção do legislador de estipular cotas a respeito dessa remessa, limitar a remessa de lucros para o exterior. Mas isso sujeitava muito a fraudes, então cada vez mais a postura é no sentido de que essa forma de controle do capital se conjugue com a tributação, no sentido de que incide a tributação no lucro, na parcela, como forma, inclusive, de incentivar esse reinvestimento. Então fica muito claro que são medidas tomadas pelo Estado como forma de intervenção na atividade econômica, não é verdade? A gente vai ter, portanto, um posicionamento na doutrina a respeito dessa matéria, que se apresenta em três formas, três posições, duas extremadas e antagônicas entre si, e uma posição mais intermediária, a respeito da intervenção do controle sob o capital estrangeiro.

O Celso Ribeiro Bastos, e aí tem uma referência bibliográfica que não consta na apostila, que é o livro “Direito Constitucional Econômico”, alguma coisa, assim, mais recente. Então, o Celso Ribeiro Bastos vai dizer o seguinte: ora, o art. 171 foi revogado. Então, a gente não pode perder a perspectiva. E embora o art. 172 faça menção, aqui, que o legislador disciplinará, a lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, ele vai afirmar o seguinte: “mas não faz sentido, não poderia o legislador disciplinar esse capital estrangeiro se não com base no princípio da isonomia, a idéia do Celso Ribeiro Bastos vai ser no sentido de que, sendo assim, não há como o legislador infraconstitucional estabelecer tratamento diferenciado, em razão da origem do capital. Ora, mas a própria lei 4131, no art. 2º, já estabelecia a observância do princípio da isonomia, “ao capital estrangeiro se investido no país, será dispensado tratamento jurídico idêntico ao concedido ao capital nacional, em igualdade de condições, sendo vedadas quaisquer discriminações. É o princípio da igualdade, tratamento idêntico, sem qualquer discriminação, em igualdade de condições, mas o princípio da

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igualdade não fica atingido por conta de um tratamento diferenciado que a própria lei 4131, por ex., vai instituir, então, ao capital nacional, não se impõe o registro no Banco Central. Aqui nós vamos ter um tratamento diferenciado. O que a gente percebe é que o princípio da isonomia não representa tratamento idêntico, significa o tratamento igualitário na medida das condições, e certamente o capital estrangeiro não vai estar em igualdade, pelo menos não em todas as situações. E é aí que a gente vai encontrar a segunda posição, mediadora, vamos dizer assim, que é a do Denis Borges Barbosa. Vale fazer menção aí ao “Direito de Acesso ao capital estrangeiro” para quem se interessar em saber mais.

Denis Borges Barbosa vai afirmar o seguinte, não é porque foi revogado o art. 171 que o legislador infraconstitucional não possa conferir tratamento diferenciado em razão da origem desse capital. O que aconteceu foi apenas a desconstitucionalização da matéria, a matéria deixou de ser tratada em sede constitucional, mas não fica excluída, a priori, a possibilidade de o legislador infraconstitucional conferir tratamento diferenciado, e até mesmo instituir aquela mesma distinção, desde que observado esse princípio da isonomia, e ele vai elucidar esse princípio valendo-se das lições do Celso Antonio Bandeira de Mello no sentido de que, para que haja esse tratamento diferenciado, que ele não exclui a priori, ele admite em tese, mas o que vai autorizar, na prática, tratamento diferenciado é a observância de um nexo causal entre a situação concreta desigual e a medida dessa diferença. Não só pela diferença na origem do capital que fica permitida ou proibida, a priori, essa possibilidade do legislador disciplinar de forma diferenciada, desde que o legislador atenda a esse nexo lógico-causal, desde que atenda ao princípio da razoabilidade, e aí ele vai dar um exemplo que é o disposto na lei n.º 4728, no art. 22 fica estabelecido que em períodos de balanços de pagamento reconhecidos pelo Conselho Monetário Nacional, o Banco Central, ao adotar medidas de contenção de crédito, poderá limitar o recurso ao sistema financeiro do país nos casos em que tiverem acesso ao Mercado Financeiro Internacional.

Então vejam, é um tratamento diferenciado em razão de uma diferença plausível. A multinacional vai ter muito mais condições de acesso ao Mercado Financeiro Internacional do que a sua congênere nacional, então em razão dessa diferença de fato é que o legislador pode atribuir esse tratamento diferenciado. Então se ela está em posição favorável de obter recursos no Sistema Financeiro Internacional, vai ficar restrito o acesso ao Sistema Financeiro Nacional. Aqui haveria observância ao princípio da razoabilidade. E aí vale menção até ao art. 192, inciso III, “o sistema

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financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre: III - as condições para a participação do capital estrangeiro nas instituições a que se referem os incisos anteriores, tendo em vista, especialmente: a) os interesses nacionais; b) os acordos internacionais”. Aqui o art. 192, de novo fazendo referência ao interesse nacional. Não fica excluída, a priori, a possibilidade do legislador infraconstitucional estabelecer tratamento diferenciado, mas nem em todas as hipóteses será observado o princípio da razoabilidade. O Denis Borges Barbosa vai comentar ainda a lei 7232 e a lei 8248. A lei 7232 trazia exatamente trazia exatamente aquela distinção entre empresa brasileira de capital nacional e empresa brasileira de capital estrangeira e com uma série de formas de incentivo. Na verdade, ambas vão tratar da política nacional de informática e das medidas protetivas, por ex., o art. 13 estabelecendo medidas de incentivo às empresas nacionais para a realização de projetos de pesquisa, desenvolvimento, produção de bens etc.

A lei 8248 faz referência expressa à lei 7232 no sentido de que considera-se empresa brasileira de capital nacional a pessoa física constituída e com sede no Brasil, até aí é a definição de empresa brasileira, cujo controle efetivo esteja em caráter permanente e sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e residentes no país. Ora, é exatamente o que dispunha o art. 171, até porque essa lei é anterior à revogação do art. 171. O art. 3º inclusive fazia menção ao art. 171 ao conceder o seguinte benefício, os órgãos e entidades da Administração Pública Federal Direta ou indireta, assim como fundações constituídas pelo Poder Público e demais entidades sob controle direto ou indireto da União, darão preferência na aquisição de bens e serviços de informática, nos termos do art. 171, aos produzidos por empresa brasileira de capital nacional, então esse art. 3º vai ser analisado, bem, para o Celso Ribeiro Bastos está tudo revogado, mas para o Denis Borges Barbosa, vai considerar que essa preferência não se justifica à luz do princípio da razoabilidade, poderia o legislador excluir o acesso, mas essa é uma situação em que não estaria sendo observado o princípio da razoabilidade. Quando a gente faz referência a esse diploma a título de ilustração porque a lei 10176 alterou esse dispositivo, e o art. 3º passou a ter a seguinte redação, “(...) darão preferência na aquisição de produtos e serviços de informática, observada a seguinte ordem: os bens e serviços com tecnologia desenvolvida no país”. O legislador aqui aprimorou, inclusive para atender outros dispositivos constitucionais, como o art. 218, no sentido de que o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação

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tecnológica. A capacitação tecnológica aí como a medida que caracteriza o desenvolvimento.

Pois bem, mas de qualquer maneira vale fazer a menção ao fato de que a lei foi objeto de uma ADIn, depois vocês dêem uma olhada, é a ADIn 2399-3, não impugnado esse dispositivo aqui, mas o que eu quero dizer é que essa é uma situação que o próprio Denis Borges Barbosa considerou que não atende ao princípio da razoabilidade e que se repete na lei 8666/93.

A lei 8666 tem um dispositivo semelhante ao da 8248, é o art. 2º ou 3º, acho que é o §, depois vocês dêem uma olhada, a 8666 tem um dispositivo semelhante, como critério desempate nas hipóteses de licitação, um dos itens é exatamente a empresa brasileira de capital nacional teria preferência como critério de desempate. Também neste caso da 8666, o Denis Borges Barbosa considera que não foi atendido o princípio da razoabilidade.

A outra posição mais extremada é a do Eros Roberto Grau, ele vai afirmar o seguinte, seria constitucional, se não tivesse sido revogada, a 8248 e a 8666, ele considera válido pois ele vai reforçar a questão do interesse nacional, que vai aparecer no art. 192. Ele vai considerar o 170, I, quando trata da soberania nacional. Ele vai considerar o art. 202, que já analisamos e, sobretudo, o art. 219.

O art. 219 estabelece que o mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar população e autonomia tecnológica do país, nos termos de lei federal. O mercado interno integra o patrimônio nacional, e ele vai extrair daí o quê? A possibilidade de política protecionista desse mercado interno, a inserção do mercado interno como uma parte do patrimônio nacional só pode ser entendida como expressão dessa Soberania.

Então conjugando esses diversos princípios, esses diversos dispositivos, o Eros Roberto Grau vai considerar que o legislador pode sim em qualquer situação trazer um tratamento diferenciado a esse capital estrangeiro.

Nós temos uma posição mais extremada num sentido, de que nunca poderá o legislador estabelecer, o que seria uma contradição com o disposto no art. 172 e regulamentado pela lei 4131. Uma outra posição, no outro extremo, no sentido de que sempre poderá e essa posição intermediária. Agora, importantíssimo gente, é primeiro a gente separar isso aqui, todos eles vão considera que uma coisa é o Estado admitir o acesso desse capital estrangeiro e outra coisa é o tratamento que ele vai dar, uma vez admitido, então, para todos eles, nesse aspecto é unânime a doutrina em considerar

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que o Estado pode simplesmente vedar o acesso, por ex., transmissão de televisão, navegação de cabotagem (que já foi retirada), determinadas áreas de atuação podem simplesmente serem excluídas, por quê? Porque não há um direito subjetivo ao acesso, não há um direito por parte do investidor estrangeiro ao acesso, não há direito de acesso. Aqui nós também temos que incluir um outro princípio que é o princípio da livre iniciativa. Lógico, o princípio da livre iniciativa aplica-se também ao investidor estrangeiro, mas não há um direito subjetivo ao acesso.

(pergunta Inaudível)

(resposta) Não há direito subjetivo por conta desses princípios, da soberania, da própria legitimidade do Estado intervir na atividade econômica.

(pergunta de aluno) Não é expectativa de direito?

(resposta) não é nem expectativa de direito, não existem pré-requisitos estabelecidos, o Estado pode, no exercício de sua soberania, pura e simplesmente excluir o acesso do investidor estrangeiro a uma determinada área

Agora, uma vez admitido o ingresso desse capital é que nós vamos ter essa discussão doutrinária. Uma vez admitido o ingresso, para o Celso Ribeiro Bastos, esse acesso tem que ser tratado em igualdade de condições, ou, pode haver, a priori, não fica afastado esse tratamento diferenciado, desde que observado o princípio da razoabilidade e o foi no caso da lei 4728, já não foi no caso da 8666.

E, no outro extremo, a posição do Eros Roberto Grau, de que poderá haver tratamento diferenciado sim, independentemente de se ter que analisar essas questões por quê? Pois prevalecem outros princípios, é uma restrição ao princípio da isonomia.

Qual seria a posição melhor? Talvez a do Denis Borges Barbosa? Ah, só porque é o meio termo? Só por que intermediária? É, a meu ver, a posição mais adequada pois ele está dizendo, em última análise, que é a aplicação da teoria da ponderação de interesses. Nós temos uma série de princípios, uma série de valores constitucionais que precisam ser interpretados e conjugados, e nessa medida um poderá sofrer restrições, mas dependendo da análise do caso concreto para aplicar o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, ok? Alguma colocação? Então eu acho que eu já avancei um pouquinho. Nós continuamos na próxima aula!

(...) a nota de pé de página do livro do Luiz Oliveira Jungstedt, ele coloca como extinto após a promulgação da emenda e a revogação do art.

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171. Então cuidado! Primeiro porque não seria adequada a expressão “extinto”, quando muito existiria a incompatibilidade após a emenda, mas mesmo assim nós vamos ter 3 posições a respeito dessa interpretação. Vale lembrar a posição do Eros Roberto Grau, no sentido da compatibilidade deste dispositivo com a CF mesmo após a revogação do art. 171.

Pois bem, a aula vai ser destinada à questão das agências reguladoras, dentro de um contexto mais amplo que é o do Estado Regulador. Nós situamos dois pontos históricos, um do Estado Liberal Clássico e outro do Estado Intervencionista, acontece que a legitimidade para o Estado intervir na atividade econômica gerou, num primeiro momento, um excesso de estatização, no Brasil isso foi visto através da proliferação de estatais. Com a evolução do capitalismo, percebe-se uma necessidade de se rever o tamanho do Estado, então passa-se a um estágio que seria a idéia de um Estado Mínimo, é o que se prega num contexto de globalização. Acontece que, à luz da CF/88, a rigor, não há que se falar em “desintervenção”, essa Estado Mínimo está atrelado ideologicamente à questão do Neoliberalismo e da Globalização não significa, pelo menos no caso, não significa uma “desintervenção”. É bem verdade que o processo de desestatização aparece aqui quase que como inevitável, daí porque a questão da desestatização é colocada muito mais em termos da forma. Já que é inevitável, a questão é como conduzir esse processo de desestatização, mas que não significa um retorno à abstenção própria do Estado Liberal Clássico.

Então, de um lado nós percebemos esse movimento, então o que se coloca dentro deste contexto de globalização? Na verdade nós vamos ter que procurar aqui um Estado intermediário entre o Estado Liberal Clássico e o Estado Intervencionista. A pretexto de compor esse meio termo é que se inseriu a idéia do Estado Mínimo atrelado ao contexto da Globalização, só que globalização na verdade é um movimento das grandes empresas, a maioria com sede nos EUA, para submeter os Estados. E aí com todas as críticas que são feitas a esse fenômeno, sobretudo pela falta de compromisso com os direitos sociais, flexibilização dos direitos fundamentais, ora, esse contexto para nós vai significar aqui uma necessidade de compor esse meio termo entre o Estado Liberal Clássico e o Estado Intervencionista, seria então o estágio regulador. Cada vez mais o Estado se retira da linha de execução, da linha de produção, para assumir com maior relevância a função reguladora, a função disciplinadora como expressão do intervencionismo estatal. Então na verdade não é uma “desintervenção”, o Estado continua legitimado a intervir, a questão que se coloca é quanto à forma de intervenção, que tem que ser mais racional, mais eficiente, que no caso do Brasil significa romper com uma tradição de favoritismo, de paternalismo, de favorecimento a alguns setores da economia.

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Pois bem, essa função reguladora está atrelada à origem do Direito Econômico (falta de capacidade de se auto-regular).

O enfoque que vamos dar agora é quanto a essa função reguladora, que nada mais é do que o desdobramento da competência prevista lá no art. 174. Nós vimos que são formas de intervenção do Estado na atividade econômica, a exploração direta da atividade econômica, quer sobre o regime concorrencial, quer sobre o regime de monopólio e a intervenção indireta. Art. 174, “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento”, então a CF/88 fala em “regulador da atividade econômica”, atividade econômica no art. 174 vai aparecer como gênero, diferentemente do art. 173, que nós frisamos se tratar da atividade econômica propriamente dita. Então, com base nesta competência do art. 174, na verdade a função reguladora, disciplinadora e fiscalizadora alcança a atividade econômica como gênero e portanto os serviços públicos.

Essa função vai se desdobrar em uma função de disciplina propriamente e de fomento, é o art. 174, uma vez que planejamento não se insere exatamente em exploração da atividade econômica, seria uma competência à parte.

Então, disciplina, aqui nós vamos ter uma competência normativa, tanto as leis quanto os atos administrativos normativos que regulam, que disciplinam a atividade econômica quanto à questão do exercício do poder de polícia. Na verdade isso é uma classificação quanto às formas de intervenção do Estado na atividade econômica e quanto à função de fomento nós mencionamos aqui que seriam: incentivos fiscais; manipulação de alíquotas de tributos, especialmente aqueles com caráter extrafiscal; Financiamentos públicos (BNDES etc.). Seria o fomento como incentivo ou “desincentivo”, dependendo da área a que se destina a intervenção do Estado.

Agora, essa função reguladora, portanto, vai estar destacada aqui nesta forma de intervenção indireta, portanto, é da característica de um Estado descentralizado, que a intervenção, no que se refere à função reguladora disciplinadora se dar de forma indireta, portanto de forma global, porque do contrário seria a economia planificada, centralizada. Ora, essa figura do Estado regulador traz embutida aí a maior relevância para a função reguladora do Estado, daí porque nós vamos encontrar as agências reguladoras tão em voga, quase que num modismo, que vai estar associada com a globalização. A rigor, a função reguladora não surge enquanto a busca desse Estado Mínimo, desse Estado regulador enquanto meio termo entre o Estado de abstenção e o Estado intervencionista, a função reguladora antecede e não está atrelado nem ao processo de estatização e nem ao

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processo de desestatização, mas no nosso caso isso ficou conjugado por uma opção política, uma opção até mesmo político-legislativa, porque esse processo de desestatização foi deflagrado quase que concomitantemente com o surgimento de determinadas agências reguladoras, então as agências exerceram um papel importante no processo de desestatização, mas não que isso estivesse necessariamente atrelado.

Nós vamos ter inclusive uma classificação entre agências reguladoras e agências executivas, e vamos perceber que as agências reguladoras nada mais são do que entidades, órgãos da Administração Direta ou Indireta, encarregados da função disciplinadora para determinada área que lhe seja conferida em lei. Ora, partindo dessa definição, seriam exemplos de agências reguladoras o BANCO CENTRAL, COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CVM), CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL, COMISSÃO NACIONAL DE ENERGIA NUCLEAR (CNEN), entre vários outros exemplos. Daí podemos perceber que essa “agencificação” por um lado é um modismo que se insere nesse processo de globalização e por outro lado, a rigor, não tem grande novidade, a princípio, nós podemos apontar órgãos que exercem exatamente essa função, embora não assumam a denominação de AGÊNCIA. Ainda há muita coisa a se sedimentar, nós estamos dentro de um processo em que, a pretexto de inovar uma estrutura da administração, ainda traz alguns pontos de interrogação, algumas questões ainda não estão sedimentadas, principalmente pela falta de uma lei geral contendo preceitos gerais acerca da função reguladora fim e acerca da estrutura destas ditas agências reguladoras, o que vamos encontrar são leis esparsas que seguem mais ou menos o mesmo modelo. Que modelo é esse? Autarquias especiais ou autarquias sob regime especial. Ora, o que tem uma autarquia especial ou autarquia sob regime especial de diferente de uma autarquia comum? São especiais em comparação às autarquias comuns e em que são especiais? Alguns vão fazer menção, vão atrelar essa categoria de especial a uma figura que foi introduzida pela Reforma Administrativa, que seria o instituto do Contrato de Gestão, então precisamos perceber do que se trata esse chamado contrato de gestão, é o § 8º do art. 37 da CF/88, com a redação da EC n.º 19, que vai trazer essa referência, de qualquer maneira, o que se diz de modo geral é que elas têm maior autonomia em comparação com as autarquias comuns. Na verdade, mesmo com relação às autarquias comuns, não há que se falar em subordinação hierárquica, apenas um controle finalístico, quanto às finalidades estabelecidas em lei, mas esse controle se verifica tanto na forma de indicação dos dirigentes das autarquias quanto na forma da chamada recurso próprio (??? Não sei se essa expressão ???) ao chefe da pasta a que se vincula a autarquia.

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Essa maior autonomia que é dita quanto às agências, para muitos relaciona-se ao contrato de gestão e por isso é que muitas questões são controvertidas pois em quase todas essas leis vai haver referência ao contrato de gestão, mas esse contrato ainda não está disciplinado, ainda não há uma lei específica para os contratos de gestão.

Art. 37, § 8º, “A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos ou entidades da administração direta ou indireta poderá ser ampliada mediante contrato”, é o contrato de gestão, continuando, “a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto, a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre: I – o prazo de duração do contrato; II – os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidades dos dirigentes; III – a remuneração do pessoal”, é exatamente a hipótese de ampliar a autonomia mediante esse contrato, agora o § 8º do art. 37 faz menção a entidade da Adm. Direta e Indireta, então vejam que um pouco mais amplo, não se restringe à hipótese de autarquia, a Administração direta ou indireta para conferir maior autonomia. Essa idéia de maior autonomia, de independência das agências reguladoras na verdade está associada ao modelo em que se espelha a criação dessas novas agências, que seria o modelo norte-americano. Aqui sim, neste modelo norte-americano, nós vamos ter uma estrutura de independência e de autonomia, não só em relação ao Poder Executivo, mas também a outros poderes. O modelo norte-americano traz ínsito uma autonomia em relação ao Poder Legislativo, uma vez que as agências norte-americanas têm o poder de inovar, têm o poder legiferante e quanto ao controle jurisdicional, também se resume, até porque o sistema é totalmente diferente do nosso, mas de qualquer maneira essas agências se incluem numa categoria de “quase-judicial”. Aqui nós temos sim uma autonomia e independência que se quer transplantar para o nosso sistema, só que aí nós vamos ter que fazer certas adequações, essa idéia das agências atreladas ao regime especial que confere maior autonomia precisa ser respondida tendo em vista o nosso sistema, não há como simplesmente se importar o modelo norte-americano, logo, esta autonomia precisa ser analisada à luz do § 8º do art. 37, que prevê sim a criação da autonomia através de um contrato, acontece que esse § 8º do art. 37 da CF/88 precisa de regulamentação e não há exatamente uma definição em lei do que seja um contrato de gestão. Nós vamos encontrar uma referência na lei 9649, fazendo referência ao contrato de gestão no art. 51 e 52, art. 51, “o Poder Executivo poderá qualificar como agência executiva a autarquia ou fundação que tenha cumpridos os seguintes requisitos”, então a lei 9649, no art. 51 já delimita um pouco o alcance do § 8º do art. 37 porque no que se refere ao contrato de gestão (...) às autarquias e fundações, diferentemente do § 8º, que se direciona à Administração Direta e Indireta, pois bem, o Poder Executivo

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poderá qualificar como agência executiva a autarquia ou fundação desde que cumpra os seguintes requisitos: I – ter plano estratégico de reestruturação e de desenvolvimento institucional; II– ter celebrado contrato de gestão. Então, agência executiva, por definição legal, seria autarquia ou fundação que tenha plano estratégico de reestruturação + contrato de gestão.

Na verdade o contrato de gestão, assim como a própria agência executiva está inserida dentro de um contexto de modernização da Administração, dentro desta idéia do Estado Mínimo, de remodelamento do Estado. Buscando, portanto, alcançar o princípio da eficiência. Por que estamos falando isso tudo? Porque essas agências reguladoras criadas mais recentementes fazem referência ou explicitamente ao contrato de gestão ou a essa figura da agência executiva, por isso é que estamos tentando entender o contrato de gestão porque é imprescindível para a qualificação de agência executiva e em última análise para a caracterização destas agência, percebe? É bem verdade que vamos encontrar essa classificação de agências reguladoras um pouco distinta, o Marcos Juruena V. Souto vai fazer essa classificação de agência executiva voltada para a execução da política regulatória, enquanto que as agências reguladoras teriam a função de definir a própria política regulatória, então, em que pese essa referência, eu (professora Andréa Esmeraldo) parto de uma definição de agência executiva definida em lei, art. 51 da lei 9649, que no § 2º dispõe que o Poder Executivo editará medidas de organização administrativa específica para as agências executivas, buscando assegurar sua autonomia de gestão, bem como disponibilidade de recursos. E o art. 52 também faz menção a esse aspecto, aos planos estratégicos de reestruturação e desenvolvimento institucional definirão diretrizes políticas e medidas voltadas para a racionalização de estruturas e do quadro de servidores, a revisão dos processos de trabalho, desenvolvimento de recursos humanos e fortalecimento da entidade institucional da agência. O § 2º do art. 52 estabelece ainda que o “Poder Executivo definirá os critérios e procedimentos para a elaboração e acompanhamento dos contratos de gestão e planos estratégicos de reestruturação”, o que o § 2º do art. 52 fez? Delegou para o Poder Executivo a definição desse contrato de gestão, então o art. 51 faz menção a essa figura, que seria aquela constitucionalmente delineada no § 8º do art. 37, CF/88, mas não define esse contrato de gestão, mas delega o que seria próprio de lei. O que a doutrina vai criticar aqui é que não poderia um ato infra legal regulamentar um dispositivo constitucional.

Nós vamos encontrar na lei 9637 a definição de contrato de gestão, em seu art. 5º, “para os efeitos desta lei, entende-se por contrato de gestão o instrumento firmado entre o poder público e a entidade qualificada como Organização Social, com vistas à formação de parceria entre as partes para o fomento e execução de atividades relativas às áreas relacionadas no §

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1º, então essa lei aqui trata das organizações sociais, que em nada se confundem com aquelas entidades referidas no §8º do art. 37 (CF/88) e muito menos as referidas no 9641. As Organizações Sociais não são entidades da Administração. São organizações particulares que recebem incentivos, certos benefícios por parte do Poder Público, em termos de bens, recursos (inclusive recursos humanos) para o desenvolvimento, em parceria, das atividades referidas no art. 1º da lei 9637,“ o Poder Público poderá qualificar como Organizações Sociais, pessoas jurídicas de Direito Privado sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos em lei “ . Então são áreas específicas fomentadas pelo Poder Público através desta parceria, então, na verdade, a lei 9637, art. 6º, ainda acrescenta que “o contrato de gestão, elaborado de comum acordo entre o órgão ou entidade supervisora e a organização social, discriminará as atribuições, responsabilidades e obrigações do Poder Público e da organização social”. O que percebemos então? Essa figura “contrato de gestão” é utilizada para hipóteses absolutamente distintas e como nós não temos um disciplinamento em lei, esta figura ainda está um pouco nebulosa, tanto é assim que vamos ver uma crítica acirrada do Celso Antônio Bandeira de Mello quanto a esse instituto. O que percebemos aqui? O que haveria de comum? Em um e outro caso, na verdade essa figura estaria um pouco nebulosa, inclusive a referência a essas leis ficaria ainda não muito clara porque sobre a mesma expressão nós vamos encontrar duas figuras, o contrato de gestão que vem conferir maior autonomia e o contrato de gestão que institui as Organizações Sociais, eles têm em comum que em um e outro caso é o contrato que tem a característica instituidora, é o contrato que qualifica como tais as Organizações Sociais, é o contrato de gestão que qualifica como tais as agências executivas, elas têm esse caráter instituidor, e vão servir os contratos de gestão, como um instrumento de fiscalização dos objetivos a serem alcançados, notem que tanto a 9637 como a 9649 fazem referência a que o Poder Executivo irá qualificar como agência executiva ou irá qualificar como organização social e vai qualificar como? A partir do momento em que institua o contrato de gestão.

Há ainda uma referência ao contrato de gestão na lei complementar 101, lei de responsabilidade fiscal, no art. 47 que trata das empresas controladas pelo setor público, e ali neste art. diz que a empresa controlada pelo setor público que firmar contrato de gestão em que se estabeleçam objetivos e metas de desempenho, na forma da lei, disporá de autonomia gerencial, orçamentária e financeira”, então de novo há referência ao contrato de gestão. Ora, em nenhum destes diplomas, salvo a lei 9637/98, que não se aplica nem por analogia porque diz respeito às organizações

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sociais e não às agências reguladoras, nós não vamos encontrar a definição destes contratos de gestão.

E portanto, nós vamos encontrar apenas no plano infralegal essa referência, que são os decretos 2487 e 2488. Esses decretos dizem respeito a essa delegação do § 2º do art. 52 da lei n.º 9649, é aquela referência que diz que cabe ao Poder Executivo definir os critérios e procedimentos para a elaboração e acompanhamento do contrato de gestão. Ora, seria da competência legislativa regular a elaboração deste contrato, mas foi delegado ao Poder Executivo a elaboração deste contrato. No dec. 2487, art. 1º, § 1º, vamos ter a referência, caput, “as autarquias e fundações integrantes da Administração Pública Federal poderão, observadas as diretrizes do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, ser qualificadas como Agências Executivas“, então de novo inserido nesta idéia de reestruturação da organização administrativa. § 1º, “a qualificação de autarquia ou fundação como Agência Executiva poderá ser conferida mediante iniciativa do Ministério supervisor, com anuência do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, que verificará o cumprimento, pela entidade candidata à qualificação, dos seguintes requisitos: a) ter celebrado contrato de gestão com o respectivo Ministério supervisor; b) ter plano estratégico de reestruturação e de desenvolvimento institucional, voltado para a melhoria da qualidade da gestão e para a redução de custos, já concluído ou em andamento”.

E o art. 1º do decreto n.º 2488 (02.02.1998) é que vai fazer menção à criação desta autonomia, “As autarquias e as fundações integrantes da Administração Pública Federal, qualificadas como Agências Executivas, serão objeto de medidas específicas de organização administrativa, com a finalidade de ampliar a eficiência na utilização dos recursos públicos, melhorar o desempenho e a qualidade dos serviços prestados, assegurar maior autonomia de gestão orçamentária, financeira, operacional e de recursos humanos e eliminar fatores restritivos à sua atuação institucional”. Ora, o que vai ser dito é que não caberia ao ato administrativo normativo, portanto, a norma infralegal, regulamentar dispositivo da CF/88 e aí é que se faz menção à crítica do Celso Antônio Bandeira de Mello de que essa qualificação como agência executiva seria uma intitulação inconseqüente e mais do que isso, uma vez que não está definido em lei o contrato de gestão, e mais do que isso, com fins imprecisos, ele vai dizer que houve uma manobra do legislador para se beneficiar da ampliação das hipóteses de dispensa de licitação, então ele faz menção à lei n.º 9648, que alterando o art. 27 da 8666, que trata das hipóteses em que é dispensada a licitação, no inciso XXIV e no § único contêm referência a esses contratos de gestão ou às entidades que são criadas a partir do contrato de gestão. Então no inciso XXIV do art. 24 da 8666, com a redação da 9648,

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“para a celebração de contrato de prestação de serviço com as organizações sociais qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão”, então as atividades contempladas no contrato de gestão que dão ensejo à criação das organizações sociais ficariam dispensadas de licitação. E o § único, “Os percentuais referidos nos incisos I e II deste artigo, serão 20% (vinte por cento) para compras, obras e serviços contratados por sociedade de economia mista e empresa pública, bem assim por autarquia e fundação qualificadas, na forma da lei, como Agências Executivas”, então ampliou o limite. Ora, qualificadas, na forma da lei, que lei? A lei n.º 9649, que determina que para a qualificação como agência executiva é necessário o plano estratégico e o contrato de gestão. Então o que o Celso Antônio Bandeira de Mello vai estabelecer é que, na verdade, essa figura nebulosa do contrato de gestão trouxe na prática o que? Esse desvio em termos de aumento das hipóteses de dispensa de licitação, então ele considera que o contrato de gestão ou inexiste, enquanto não regulamentado o § 8º do art. 37 da CF/88, ou se existi seria inválido. Ora, em que pese a relevância dos argumentos do Celso Antônio Bandeira de Mello, essa é uma realidade inegável, a maioria dessas leis fazem referência expressa ao contrato de gestão, então o que podemos fazer? e faz o que com essa realidade que se coloca? Na verdade, nós temos que analisar as agências reguladoras até mesmo abstraindo dessa discussão toda do contrato de gestão. Além da posição do Celso Antônio Bandeira de Mello, que é mais radical, nós vamos encontrar outras críticas na doutrina quanto a essa figura, até porque a expressão contrato não seria nem um contrato administrativo quanto à sua definição jurídica porque na verdade se trata de um contrato da Administração com ela mesma, agora de qualquer maneira, é importante fazermos todo esse movimento para compreendermos a questão do contrato de gestão, que está inserida, no caso dessas agências reguladoras, para a gente entender essa classificação das agências executivas, então o que a gente percebe é que poderá haver uma agência que se qualifica como agência executiva que não seja agência reguladora e uma agência reguladora que não seja agência executiva, porque essa idéia de agência executiva está voltada para o remodelamento da Administração. Ex.: O INSS, que é uma autarquia federal, já passou por várias reestruturações, pode ser qualificado como agência executiva, mas nem por isso vai assumir a qualificação de agência reguladora porque o INSS não tem atribuições quanto a essa função, de competência normativa, seria uma autarquia meramente executiva, seria uma agência executiva que não seria agência reguladora, esse exemplo que já apontamos aqui (BACEN, CVM etc.) seriam agências reguladoras, mas sem assumir a característica de agência executiva, pode até vir a ser, desde que enquadrados aqui na definição legal.

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De qualquer maneira é importante fazer essa digreção para entender as agências porque essas agências especialmente têm uma característica híbrida, são ao mesmo tempo agências reguladoras, que é uma definição mais geral, qualquer órgão ou entidade da Administração encarregada da função, e são ao mesmo tempo agências executivas por força dessa qualificação legal. Agora, de qualquer maneira, abstraindo dessa imprecisão em torno do contrato de gestão, resta a gente analisar, ainda, em que termos possam ser colocadas as questões relativas à maior autonomia.

De qualquer maneira subsiste em toda essa discussão a questão da maior autonomia. A argumentação do Celso Antônio Bandeira de Mello é válida?? É !! para concluirmos que não se aplica essas hipóteses de dispensa de licitação introduzidas pela lei n.º 9648/98 enquanto não houver a lei regulando o § 8º do art. 37 (...) – troca de lado da fita

(...) subsiste a questão quanto à maior autonomia, então independentemente do contrato de gestão, cumpre a nós analisarmos em que essas autarquias possam ser consideradas especiais em relação com as autarquias comuns e essa classificação em autarquias especiais, na verdade, já se apresentava na doutrina bem antes da criação dessas agências, o HELY LOPES MEIRELLES já fazia menção em que as autarquias especiais são especiais em razão da maior autonomia conferida por lei do que para as autarquias comuns, em razão de fins específicos que devem alcançar, então se for assim que o próprio BACEN teria essa característica de maior autonomia.

Mas tem muita gente boa por aí pregando uma maior autonomia para as agências reguladoras que a rigor seria incompatível com o nosso sistema constitucional, então precisamos analisar que apenas com relação à ANATEL e à ANP há referência na própria Constituição, então apenas com relação a essas duas agências estará traçado um perfil constitucional, art. 21, inciso XI, nos seguintes termos, “compete à União: XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais”, então a menção aí ao órgão regulador, e o art. 177, § 2º, inciso III, “a lei a que se refere o § 1º disporá sobre: III - a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União”, nós não vamos encontrar menção com relação às outras agências, o que não invalida essas estruturas, na medida em que são apenas autarquias especiais, portanto inseridas dentro de um conceito da Administração.

Disso concluímos que não há como pura e simplesmente transportarmos o modelo norte-americano, de qualquer maneira, como essas

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leis trazem mais ou menos o mesmo modelo, precisamos analisar o que elas têm de comum, abstraindo a discussão acerca do contrato de gestão.

O primeiro aspecto importante da característica das agências associada à idéia de maior autonomia seria a questão da escolha de dirigentes e mais do que isso, a escolha dos dirigentes segue a forma prevista no art. 52 da CF/88, acontece que há previsão de certa estabilidade desses dirigentes após um prazo inicial, um prazo probatório, após esse prazo o dirigente passaria a gozar de estabilidade, ora, isso sim é uma inovação, é uma novidade em relação à característica das autarquias comuns, nós mencionamos o controle finalístico exatamente a partir de escolha e destituição dos dirigentes. Vamos pegar, por ex., a lei que institui a ANEEL faz menção no art. 1º à qualificação como autarquia sob regime especial, então é instituída a Agência Nacional de Energia Elétrica, autarquia sob regime especial vinculado ao Ministério das Minas e Energias, com sede e foro no DF. O art. 7º faz menção ao contrato de gestão, só para exemplificar, vai se referir exatamente ao contrato de gestão, então a Administração da ANEEL será objeto de contrato de gestão negociado e celebrado entre a diretoria e o Poder Executivo, e portanto ficaria qualificada como Agência executiva.

O art. 5º refere-se à escolha de dirigentes e ao prazo de duração do mandato, “o diretor e os demais diretores serão nomeados pelo Presidente da República para cumprir mandato de 4 anos, ressalvado o disposto no art. 29”, esse mandato vai variar entre 3 e 4 anos em cada uma destas agências. O § único estabelece que a nomeação dos membros da diretoria dependerá de prévia aprovação do Senado Federal, nos termos da alínea “f” do inc. III do art. 52, é esse dispositivo, “compete privativamente ao Senado Federal aprovar previamente por voto secreto, após argüição pública, a escolha de: III- os titulares de cargos públicos que a lei determinar”, em cada uma dessas leis vai haver referência a esse dispositivo constitucional, mas diferentemente do que ocorre no caso do presidente do BACEN, por ex., que são eleitos desta forma e podem ser destituídos, aqui há uma previsão para que esses dirigentes gozem de estabilidade, por ex., no caso da ANEEL, o art. 8º diz que a exoneração imotivada de dirigente da ANEEL somente poderá ocorrer nos 4 meses iniciais do mandato (...), a não ser em caso de condenação criminal, improbidade etc.

Esses cargos que classicamente seriam considerados de exoneração ad nutum, independente de motivação, findo esse prazo, a rigor, só poderá haver a exoneração por causas vinculadas, motivos explicitados: atos de improbidade, processo adm. disciplinar, condenação penal, descumprimento do contrato de gestão. Fora dessas hipóteses não poderia haver a destituição, por isso é que se configura essa estabilidade, é óbvio que durante o mandato.

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Então não é porque o dirigente tenha adotado medida que não seja do interesse do chefe da pasta a que esteja vinculada a agência que o diretor poderá ser exonerado. Aqui nós vislumbramos uma hipótese de inovação e aí vamos ter referência em cada uma das leis que tratam da criação das agências. Por ex., a ANATEL, a definição como autarquia especial está no art. 8º e a escolha dos conselheiros no art. 23, o art. 26 estabelecendo as hipóteses de perda de mandato.

A lei 9986 vai trazer referência a esses aspectos e seria a única lei que traz normas gerais para as agências reguladoras, consolidando de certa forma o que cada uma dessas leis esparsas já fazia referência. O art. 5º da lei n.º 9986/00 traz referência à forma de escolha e nomeação das agências, “o Presidente ou o Diretor-Geral ou o Diretor-Presidente (CD I) e os demais membros do Conselho Diretor ou da Diretoria (CD II) serão brasileiros, de reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de especialidade dos cargos para os quais serão nomeados, devendo ser escolhidos pelo Presidente da República e por ele nomeados, após aprovação pelo Senado Federal, nos termos da alínea f do inciso III do art. 52 da Constituição Federal.”, então um dos requisitos é exatamente a especialidade porque, pelo menos no âmbito federal, a idéia de especialização por setor para assegurar o conhecimento técnico.

O art. 6º estabelece que “O mandato dos Conselheiros e dos Diretores terá o prazo fixado na lei de criação de cada Agência”. O art. 8º estabelece a hipótese denominada de quarentena, “o ex-dirigente fica impedido para o exercício de atividades ou de prestar qualquer serviço no setor regulado pela respectiva agência, por um período de quatro meses, contados da exoneração ou do término do seu mandato”, e a idéia aí é de continuar remunerado neste período.

O § 4º do art. 8º estabelece ainda que “incorre na prática de advocacia administrativa, sujeitando-se às penas da lei, o ex-dirigente que violar o impedimento previsto neste artigo”2.

O art. 9º traz referência exatamente à questão da estabilidade, dispondo que “os Conselheiros e os Diretores somente perderão o mandato em caso de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar” e aí revogou o art. 8º que havíamos lido, substituindo por essas hipóteses.

E diz ainda o § único, que “A lei de criação da Agência poderá prever outras condições para a perda do mandato”, que em geral essa outra condição é exatamente o descumprimento do contrato de gestão, então, sem dúvida alguma, isso traz uma autonomia maior em relação a essas agências 2 No site do planalto, em consulta realizada em 25.11.2001, consta que este parágrafo foi revogado pela medida provisória nº 2.216-37, de 31.8.2001

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do que teria a chamada autarquia comum, cujos dirigentes podem ser exonerados ad nutum. Então aí podemos inserir um aspecto da maior autonomia. E uma outra característica é a questão da receita própria através da instituição de uma taxa de fiscalização ou taxa suplementar, portanto, tendo receita própria não depende de repasse por parte do Tesouro, por ex., no caso da ANEEL é o art. 12, seria uma taxa cobrada pelo exercício regular do poder de polícia, inclusive o STF já teve a oportunidade de reconhecer isso, sendo taxa cobrada pelo exercício regular do poder de polícia decorrente dessa competência. Por ex., no caso da ANS é o art. 17 da 9961 que traz a menção “Constituem receitas da ANS: I - o produto resultante da arrecadação da Taxa de Saúde Suplementar de que trata o art. 18”, vai aparecer ou sobre a expressão taxa de fiscalização ou taxa suplementar. Ora, após esses aspectos, o que percebemos? Que não existem tantas inovações nestas agências reguladoras pois essa maior autonomia apenas se coloca face ao Poder Executivo. No que se refere ao Poder Legislativo e ao Judiciário, essas agências são denominadas autarquias, submetendo-se ao princípio da legalidade, que se impõe ao Poder regulamentar para a Administração de um modo geral e no que se refere ao controle jurisdicional da mesma forma, visto que as decisões das agências são atos administrativos e, portanto, sujeitos ao controle jurisdicional dos atos administrativos.

O que se pode perceber em última análise é que o grande benefício que as agências poderiam trazer seria quanto à questão da autonomia técnica e não questões outras relacionadas a questões políticas subjacentes. As agências vão ter um papel de dirimir eventuais conflitos, e por possuir autonomia técnica, vão poder colocar-se numa posição eqüidistante entre os interesses do próprio governo, entre os interesses das concessionárias e do usuário, e por isso, as agências vão exercer esse papel de árbitro entre esses eventuais interessados, e na medida em que isso funciona, ocorrerá uma filtragem das ações que chegarão até o Judiciário.

E essa autonomia técnica é que trouxe ainda um diferencial no decorrer do processo de desestatização porque, no âmbito federal, no caso das agências estaduais há uma certa diferença, mas o que se coloca é quanto à transferência do poder concedente para as agências. São as agências que ficam encarregadas da outorga de concessões ou de permissões setorizadas, e portanto, da fiscalização, no exercício do poder de polícia, mas isso também permite uma certa mobilidade, que permitiram às agências que elas pudessem se situar mais próximas da realidade de cada setor, para os contratos que por sua própria natureza deveriam ser de longo prazo, as agências puderam acompanhar esses contratos.

Na verdade fez uma opção de agencificação como atrativo do processo de desestatização para o investidor estrangeiro. Neste sentido deve ser feita menção a um dispositivo da lei n.º 9961/00, que é o § único do art.

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1º, na verdade vamos encontrar uma referência do que seja essa maior autonomia, neste caso específico, “a natureza de autarquia especial conferida à ANS é caracterizada por autonomia administrativa, financeira, patrimonial e de gestão de recursos humanos, autonomia nas suas decisões técnicas e mandato fixo de seus dirigentes”. Podemos inferir desta parte final a definitividade desta decisão no âmbito da Administração, então não caberia a revisão, no âmbito do Poder Executivo, inclusive quanto ao chamado recurso impróprio. Em outras palavras, essa autonomia se coloca apenas e tão somente com relação ao Poder Executivo. E haveria alguns desdobramentos devido ao confronto dessa estabilidade de dirigentes com o disposto no art. 84, inciso II da CF/88, “compete privativamente ao Presidente da República exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal”

Então há ainda questões porque estaria suprimindo a competência constitucional. Vamos ver sobre isso na próxima aula duas decisões no âmbito do STF quanto às agências reguladoras

Agências Reguladoras(...) autarquia de regime especial e portanto elas têm maior

autonomia em comparação com as autarquias comuns, sendo o aspecto relevante a questão da maior autonomia.

E isso é caracterizado, de um lado, por se estabelecer um contrato de gestão, com todas aquelas discussões de um contrato de gestão, então abstraindo aquela discussão, e vamos ver ainda a questão de autonomia política-administrativa que decorre da estabilidade dos dirigentes. E uma autonomia financeira-orçamentária, por conta de uma receita própria, decorrente, sobretudo, da taxa de fiscalização ou taxa de complementação (..?..?..) , enfim cada uma daquelas leis que a gente já elencou, estabelece.

Agora, além disso, além da questão da maior autonomia, é importante a gente destacar em relação ao papel das agências reguladoras, o primeiro aspecto: é que no âmbito federal, sobretudo, nada impede que isso ocorra no âmbito estadual, mas não tem sido como ocorre, é a transferência do poder cedente, ou concedente, para as agências reguladoras, e por conseguinte do poder de polícia.

Por que que eu digo que isso não ocorre com relação às agências estaduais? O próprio MARCOS JURUENA VILLELA SOUTO chega a afirmar que isto não ocorre taxativamente. Eu digo que pode não ocorrer, porque no caso das agências estaduais, as que já existem, optou-se por uma característica multi-setorial, e então, no caso do Rio de Janeiro, no caso do Rio Grande do Sul, optou-se pela criação de uma agência que reúna os serviços públicos daquele estado. Então é uma característica multi-setorial que difere um pouco da característica das agências federais, que têm como norma

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principal, a questão de uma autonomia técnica em razão de uma especialidade. Então, as agências federais têm se pautado numa especialização mesmo, por setor, porque são agências setoriais diferentemente de alguns casos de agências estaduais, mas como eu falei, nada impede que o estado opte por transferir para as agências o poder cedente, o exemplo disso seria o caso da agência do Rio Grande do Sul, que a gente vai ter oportunidade de ver hoje, algumas decisões do Supremo Tribunal Federal, especificamente com relação à agência estadual do Rio Grande do Sul.

Decorrente dessa autonomia técnica, nós vamos extrair aqui o papel também, muito importante, o que seriam as funções destacadas, as funções principais das agências reguladoras, que é o papel de árbitro, de arbitragem dos conflitos que envolvam concessionárias, usuárias, enfim, a solução de conflitos naquele setor, que se pretenda uma solução com base no critério técnico desta especialização. É a questão de uma filtragem, até mesmo para (..?..?..) no Poder Judiciário

Há ainda uma questão relativa à fixação, que na verdade decorre daqui, né? a transferência do poder cedente para as agências importa em que elas fiquem encarregadas da outorga de concessões e permissões, da fiscalização como um exercício do poder de polícia, e também a fixação de tarifas. A fixação e, sobretudo, a questão do reajuste das tarifas.

Então, idealmente, se considera que as agências permaneceriam numa posição eqüidistante dos interesses do próprio governo, dos interesses das concessionárias e do interesse dos usuários. Então, neste aspecto, é que realmente que se defende a posição das agências reguladoras, exatamente por se colocarem de uma forma eqüidistante, e aí a gente coloca a questão política mesmo, idealmente as agências não sofreriam interferências da conjunção política, é porque, como já vimos, a questão da estabilidade dos dirigentes. Mas isso, idealmente. Na prática, a gente percebe que a própria questão do contrato de gestão da forma como vem sendo colocada pelo legislador, como a gente viu na aula passada, a falta de uma definição legal do contrato de gestão, em regulamentação ao §8o do art 37, que a gente percebe é que, na prática, as coisas têm tomado outro rumo, e se distanciando de certa forma, desse papel sublime, sob o ponto de vista teórico, das agências deveriam, poderiam absorver.

Então é preciso tomar muito cuidado com o discurso em torno da maior autonomia. Muitas pessoas têm focado só neste aspecto: “Ah! Então, tem que ter maior autonomia, maior autonomia, maior autonomia”. Sim, isto é uma característica das agências, até se agente pegar lá o modelo em que se

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espelhou o modelo brasileiro, que é o modelo norte-americano, e se pauta, sem dúvida alguma, na questão da independência quase que absoluta, em relação aos três poderes. No caso do nosso sistema, há restrições que precisam ser adequadas.

Então, é importante a gente enfocar isto aqui, com as limitações próprias do nosso sistema constitucional. Então esta autonomia, pelo que a gente infere destas duas vertentes que caracterizam maior autonomia, abstraída aí a questão relativa ao contrato de gestão, na verdade só vão conferir uma maior autonomia em relação ao Poder Executivo.

Então, a rigor, a rigor, uma grande vantagem em torno dessas agências reguladoras, porque são autarquias, fazem parte da Administração. Tem um regime especial? Tem, em razão destas duas peculiaridades. Fora isto, não há grande novidade, tanto que a gente ressaltou aqui uma classificação entre agências reguladoras e agências executivas e a rigor esta classificação aqui, não traz lá grande utilidades. Na verdade, a gente deu uma definição legal de agência executiva, em razão do contrato de gestão, sobretudo. Mas se a gente analisar a definição de agência reguladora propriamente dita, nós vimos que não há grande novidade, o próprio Banco Central estaria aqui nesta classificação.

Então é importante a gente desmistificar, porque o grande risco de se verificar, no caso dessas agências reguladoras, é o da má utilização. Então, a gente está estabelecendo, teoricamente, essa questão da solução dos conflitos, da própria questão do reajuste, a posição técnica e, portanto, eqüidistante, imparcial, sob o ponto de vista político, é o ideal, mas na prática como é que isso tem se dado? Então o grande risco é de se colocar, como a gente já está vendo, as agências reguladoras como a grande solução, a mágica, o grande remédio. Então, todos os setores que entram em crise acham que a solução é a criação de agência reguladora. Agora, criar uma agência reguladora significa aumentar a própria estrutura do Estado, sob o ponto de vista organizacional.

Então, por exemplo, quando a gente pega a lei que criou, a Lei n°.10.233/2001, até a própria colega chamou a atenção na aula passada, que cria as agências de transportes, o legislador optou por criar duas agências de transportes, qual a necessidade disso? Uma de transporte terrestre e outra de transporte aquaviário. Ora, isso significa um inchaço porque há de ter um quadro de servidores para compor essa agência.

Então, volto a dizer que o grande risco é o da má utilização, como outrora ocorreu em relação as estatais. Quando as estatais foram criadas era a grande novidade, era a solução para tudo, e o que aconteceu? Uma

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proliferação de estatais, sem muito critério, de uma forma desmedida e o inchaço do Estado.

Ora, esse fenômeno de agencificação, da criação de agências, está inserido no contexto maior, associado até mesmo à questão da globalização, do chamado de Estado Mínimo, e portanto, estaria na contra-mão do propósito, que é um propósito inclusive associado aí à questão da desestatização e, portanto, com o propósito de redimensionamento do Estado.

Então é preciso tomar cuidado ao se enfocar a questão de maior autonomia para justificar a criação de agências e mais agências que, teoricamente, teriam uma função, sem dúvida, de destaque, mas não que se possa se sobrepor aos demais poderes e aí essa autonomia fica limitada a uma autonomia em relação ao Poder Executivo e ainda assim com aspectos bem claros. Não é uma autonomia total, a questão que se coloca também em relação à autonomia em face do Poder Executivo é quanto à questão da definitividade das decisões tomadas no âmbito da agência, que não há dispositivo expresso nesse sentido nas leis relativas à matéria. A gente mencionou aqui a Lei da Agência Nacional de Saúde que prevê a autonomia nas decisões técnicas. O que se possa inferir aí a não possibilidade de se submeter um recurso chamado recurso impróprio, ao chefe do Ministério correlato, do Ministério a que a agência fica vinculada. A gente pode até inferir, mas não há uma norma expressa nesse sentido. Então, na verdade, as agências, por serem autarquias federais, que fazem parte da administração, têm que se nortear de forma harmônica com os demais órgãos ou entidades da Administração.

Então a gente vai hoje também ver, que é uma questão importante, a questão relativa à convivência das agências entre si e com relação aos outros órgãos, com relação ao Banco Central e com relação ao CADE, sobretudo.

Esse dispositivo da Lei da Agência Nacional de Saúde é o próprio art. 1°, parágrafo único da Lei nº 9.961, referindo-se à autonomia das decisões técnicas.

O outro papel que se colocou em relação às agências, é o de conduzir o processo de universalização dos serviços, como, por opção política, a criação sobretudo de certas agências estarem atreladas a um processo de desestatização, uma das justificativas e um dos objetivos desse processo de desestatização seria, realmente, a ampliação dos serviços, o que se denominou universalização dos serviços, alguns serviços considerados obsoletos, com a idéia de que o Estado não estava prestando adequadamente o serviço, daí a justificativa para a desestatização e portanto este objetivo de

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universalização iria requerer investimentos. Então, é importante a gente perceber o seguinte: a questão da receita destinada à esta universalização. Então, o fato da agência conduzir este processo de universalização, ou seja, uma das suas funções seria promover essa universalização, está relacionado com a questão do investimento que esses serviços exigiam, no sentido de melhor qualidade e de expansão da rede dos serviços prestados.

Ora, a posição das agências, em razão do conhecimento técnico e específico dos setores, permitia contratos de longo prazo, exatamente para que houvesse um investimento necessário, na medida que a agência estaria acompanhando o desenvolvimento tecnológico, para proceder às adequações do contrato na medida do necessário. Isso de certa forma, serviu como uma garantia das concessionárias.

E projetando-se aí, qual seria esse custo dessa universalização. Na verdade, houve a necessidade de se ampliar a receita para esses fundos. Por exemplo, no caso do setor de telecomunicações, no art. 50 da Lei que trata da ANATEL, que é a lei n.º 9.472, já previa um Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (FISTEL) que já havia sido criado pela Lei n.º 5.070 passar à administração exclusiva da agência. E aí, enfim, estabelecendo aí estas receitas.

Ora, isso não foi suficiente e o art. 81 da lei n.º 9.472 inclusive previa os recursos para atender a questão da universalização, “os recursos complementares destinados à conter a parcela do custo, exclusivamente, atribuível ao cumprimento das obrigações de universalização de prestadora de serviço de telecomunicações, que não possa ser recuperado com a exploração eficiente do serviço, poderão ser oriundos das seguintes fontes (...)”

Então, em princípio, essa extensão, essa ampliação, essa universalização dos serviços seria retribuído pelo próprio custo do serviço. Então, esse fundo vem atender o quê? Na prática, não se alcançou exclusivamente, através da exploração do serviço em si, esse equilíbrio. E ali, prevendo, inclusive, o orçamento da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, um fundo especificamente constituído para esta finalidade.

Só para registrar, eu queria mencionar a Lei n° 9.998/2000, que acabou instituindo, especificamente, o fundo de universalização dos serviços de telecomunicações. Então, fica instituído o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), tendo por finalidade propiciar recursos destinados a cobrir a parcela do custo exclusivamente atribuível ao cumprimento da obrigação de universalização de prestadora de serviço de

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telecomunicações, que não possa ser recuperado com a exploração eficiente do serviços, nos termos do art. 81, da 9.472.

Depois vocês dêem uma olhada porque isso vai ter algumas repercussões no âmbito do Direito Tributário.

(pergunta de aluno) quando a sra. fala em Universalização dos Serviços de acordo com as metas estabelecidas no contrato de cessão, e a sra. falou da ANATEL que havia estabelecido meta de ampliação da rede...

(professora interrompe a pergunta) mas aí a gente está falando até mesmo, não apenas da ampliação, mas sim da questão da eficiência. Estas metas estão atreladas também à qualidade do serviço prestado, em termos de desenvolvimento da tecnologia. Só que o ideal seria que estas metas pudessem ser cumpridas exclusivamente com a retribuição do serviço em si. Então, quando do processo de desestatização projetou-se que isso seria viável, mas na prática, não houve o retorno, vamos dizer assim, necessário. Então por isso é que se coloca a posição da agência, no que se refere a este conhecimento técnico, a essa autonomia técnica, podendo sinalizar neste sentido, por quê? Porque ela é especializada naquele setor. Em razão desse conhecimento técnico específico daquele setor, a agência pode estar sensível a estes aspectos. Então o contrato foi feito, forram estabelecidas regras? Sim, mas o serviço em si não está atendendo à idéia de equilíbrio, então foram instituídos fundos, especificamente, para a universalização, independente da questão do contrato em si, na verdade houve uma alteração em razão de situação concreta, por não se atingir aquele equilíbrio.

(pergunta de aluno) Não entendi muito bem, professora, então a obrigação que era da concessionária passou a ser da agência? Ela passa a contribuir com o que teria ser obrigação do...

(novamente a professora interrompe a pergunta) a agência, na verdade, ela vai servir como captadora desses recursos, vamos dizer assim, ela vai estar administrando estes recursos.

(pergunta de aluno) estes recursos vêm de onde?(resposta da professora) você vai ter na própria Lei n°. 9.998/00 a

composição dessa receita. Então, dotações designadas na lei orçamentária anual da União, créditos adicionais, 50% dos recursos a que se referem a Lei que instituiu o FUST inicialmente, com a redação dada pela lei n.º 9472, e você vai ter o preço a ser cobrado pela Agência Nacional de Telecomunicações como condição para transferência de concessão, permissão e autorização dos serviços de telecomunicações (o preço, talvez, nem seria o termo técnico adequado, eu nem quero entrar muito na seara do Direito Tributário sobre qual seria a natureza dessa exação), contribuição de 1% sobre a receita operacional bruta decorrente de prestação de serviço de

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telecomunicações nos regimes públicos e privados, instituído em imposto sobre circulação de mercadoria e alguns outros tributos.

Então, a cobrança de uma contribuição sobre a receita operacional bruta, daí você vai ter questionamentos no âmbito Direito Tributário, sobre a questão de sobreposição de contribuições sociais, por exemplo, doações, enfim, basicamente seria isso.

Então a agência é que vai ficar encarrega da administração desses recursos para repor o que seja exclusivamente decorrente da obrigação de universalização e que não possa ser cobrido pela prestação em si. Então é a agência que vai ter condições, sob o ponto de vista técnico, de avaliar essa questão.

(Pergunta inaudível de aluno)(resposta da professora) mas você tem uma parcela que vem do

orçamento, sem dúvida.(Pergunta inaudível de aluno) Então caberia ao Poder Público investir

nas empresas privatizadas?(resposta da professora) é estranho, mas é por aí. Na verdade você

está entendendo, pasmem!!! Por isso é que eu quero frisar aqui a questão do risco da má-utilização das agências, então foi feito um processo de desestatização...

(outro aluno interrompe a professora) em que não se previu os gastos dessa universalização, seria isso?

(resposta da professora) seria isso, não sei se a expressão seria essa, pois eu não sei até que ponto houve um erro técnico ou um erro político, então o que a gente está colocando aqui é que teoricamente é louvável se defender a maior autonomia das agências? Sim, sobre esse aspecto sim, mas, na prática, até que ponto a criação desse fundo não é para tapar o buraco decorrente de um mau processo de desestatização por questões que não foram técnicas? Realmente a questão é essa, “houve um furo aí!” porque o que se previa aí não se configurou na prática, mas aí eu deixo para vocês... (risos)

Dêem uma de qualquer forma nessa legislação e de novo, mencionando aí, chamar a atenção para o que na prática tem ocorrido, a própria questão dessa atribuição, alguns autores vão incluir dentre as funções das agências reguladoras, e eu colocaria também, uma função de fiscalizar, mas também uma função de regular. Só que quanto a isso é preciso tomar um certo cuidado porque a definição da política regulatória tem que estar estabelecida em lei. O que a gente percebe na prática é que existem portarias e mais portarias criando restrições a direitos, e aí como é que fica o princípio constitucional de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei? Essa função de regular precisa ser

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entendida sob certa medida porque essa autonomia não pode ir ao ponto de, no que se refere ao Poder Legislativo, extrapolar o princípio da legalidade. Não que a agência não tenha certa autonomia sob esse aspecto, vai ter na medida de uma certa discricionariedade técnica, senão nós estaríamos nos contradizendo, é importante a posição da agência porque ela está próxima de uma realidade específica e detém conhecimento técnico, em razão disso o legislador não teria como prever todas as situações, então sem dúvida que uma margem vai ficar à cargo das agências, mas está margem tem que estar estabelecida na própria lei, então a política regulatória, a rigor, tem que estar com os seus parâmetros definidos na lei e não em ato administrativa regulamentar . Então na prática a gente está percebendo que várias portarias e vários atos administrativos das agências reguladoras estão extrapolando o princípio da legalidade, e até mesmo por uma lacuna por parte do legislador, então é aquilo que eu estou frisando bastante, teoricamente é tudo muito bonito, mas da forma que o legislador tem conduzido deixam uma certa perplexidade tendo em vista o risco da má-utilização das agências reguladoras, de certa forma, é o mesmo que já acontecia com o Banco Central, a legislação para o sistema financeiro e para o Banco Central é muito lacunosa e permite ao Banco Central se “espalhar” um pouco mais. É o que está acontecendo com as agências, se os critérios estivessem mais claros na própria lei, objetivamente, ainda que ainda há uma margem para a agência. O limite tem que estar pré-estabelecido na própria lei, então cuidado que a questão da autonomia não pode se colocar em prejuízo do princípio da legalidade, então tanto em relação ao Poder Legislativo, como em relação ao Poder Judiciário, essa autonomia não se coloca para fins de caracterizar a autarquia como especial. Nós dissemos, são autarquias sob regime especial porque tem maior autonomia, mas essa maior autonomia só se coloca em relação ao Poder Executivo, nestes termos, por que? Porque a sistemática em relação a esses outros dois poderes, é o sistema constitucional vigente para a Administração como um todo, é importante não perder de perspectiva que essas agências são autarquias e portanto fazem parte da Administração, e portanto sujeitas ao princípio da legalidade e ao controle jurisdicional de seus atos, que são atos administrativos.

Dentre as funções, alguns vão colocar aqui uma função como de fomentar a competitividade, e realmente vamos encontrar menção, em algumas leis de agências reguladoras, uma atribuição com relação à defesa da concorrência, à repressão de práticas de concentração econômica. Nesse aspecto eu (Prof.ª Andréa Esmeraldo) queria mencionar a posição das agências em relação ao CADE.

Ah, me desculpem, só um outro aspecto que eu queria chamar a atenção dentro dessa linha do risco de má-utilização das agências, eu queria

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chamar atenção para a questão da composição dos quadros das agências. Em todas as leis que criaram as agências há a previsão para a contratação temporária. Ora, as vagas foram criadas e há a necessidade de um quadro de servidores para dar andamento a essa estrutura. Então considerou-se que não seria o caso de proceder de imediato a concurso público que seria mais demorado etc., então o legislador optou pela forma de contratação temporária que seria mais célere, então a título de exemplificação, em cada uma dessas leis se vocês tiverem a oportunidade de ler vão encontrar um dispositivo semelhante, por ex., no caso da Agência Nacional de Saúde, que é a lei 9961, o art. 28 vai estabelecer que, “nos termos do inciso IX do art. 37 da Constituição Federal, é a ANS autorizada a efetuar contratação temporária por prazo não excedente a trinta e seis meses, a contar de sua instalação”, então, por ex., na ANS, 36 meses da instalação da Agência, que seria o prazo razoável para se organizar e efetivar o concurso público. Acontece que a lei 9986, que a gente já se referiu na aula passada, acabou dilatando esse prazo, é o que está estabelecido no art. 26, “as Agências Reguladoras já instaladas poderão, em caráter excepcional, prorrogar os contratos de trabalho temporários em vigor, por prazo máximo de vinte e quatro meses além daqueles previstos na legislação vigente, a partir do vencimento de cada contrato de trabalho” , então não mais a partir da instalação, então vamos ter mais 24 meses da contratação, então o que seria em caráter excepcional, temporário, acaba que vem sendo perpetuado, então é bom chamar o seguinte, as agências são autarquias, fazem parte da Administração e essa contratação temporária se submete à regra geral para a Administração, que está regulada na lei 8.745, então essa contratação temporária está sujeita a um processo seletivo, está bem que mais simplificada que o concurso público, mas imprescindível um processo seletivo, mas na prática as agências estão contratando temporariamente, que está se perpetuando de certa forma, através de análise de currículo, de novo o risco das agências se tornarem o que outrora foram as estatais: cabide de emprego etc., então essa proposta tem que estar claramente inserida no processo de desestatização, que como nós já mencionamos, não significa desintervenção, mas sim uma intervenção mais racional, rompendo com uma tradição do Estado brasileiro, de favoritismo, de paternalismo para determinados setores. E a esse respeito eu queria mencionar uma decisão do STF que, embora não tenha sido tomada com relação às agências reguladoras trazem bem a questão, porque foi decidida com relação ao INPI e vocês vão ver que tem paralelo com a situação das agências reguladoras. Essa decisão está no informativo n.º 233 do STF, em que foi deferido pedido de liminar em ação direta ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores para suspender, até decisão final, a eficácia da alínea c do inciso VI do art. 2º da Lei 8.745/93, na redação dada pela Lei 9.849/99, que autoriza a contratação

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temporária de servidores para a atividade de análise e registro de marcas e patentes pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI, por doze meses, mediante análise do curriculum vitae. O Tribunal, à primeira vista, reconheceu a plausibilidade jurídica da tese de inconstitucionalidade por ofensa ao art. 37, IX da CF (“a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;”), uma vez que o cargo a ser preenchido consubstancia uma atividade pública permanente, a ser desempenhada por servidores públicos devidamente concursados (CF, art. 37, II), não se configurando, pois, como necessidade temporária de excepcional interesse público. Aplica-se, ipsi literis, às agências reguladoras, sobretudo se considerarmos esse papel de fiscalização e exercício do papel de polícia, só para registrar esse precedente.

Os outros precedentes que eu gostaria de mencionar, todos do STF, são 1º, quanto à questão da estabilidade dos dirigentes, o STF teve a oportunidade de apreciar essa matéria porque havia um aspecto que se colocou de eventual incompatibilidade com o art. 84, II da CF/88. Nós vimos que após aquele prazo inicial, que em geral é de 4 meses, dependendo de cada lei de cada uma das agências, mas findo aquele prazo inicial, o dirigente não pode ser destituído, senão por justa causa e, mais do que isso, hipóteses vinculadas, hipóteses taxativamente definidas como motivos para exoneração. Ora, mas classicamente é da natureza deste cargo a exoneração ad nutum, independente de motivação, então o que coloca é será que essa estabilidade não fere o art. 84, inciso II, que estabelece que compete privativamente ao Presidente da República exercer com o auxílio dos Ministros de Estado a direção superior da Administração Federal? Ora, são autarquias que fazem parte da Administração Federal e a impossibilidade de o presidente destituir um desses dirigentes poderia estar retirando esta competência constitucionalmente estabelecida ao Presidente da República e aos Ministros.

Então essa questão foi debatida no STF, não especificamente sobre as agências de âmbito federal, então esses precedentes que eu vou mencionar se referem à agência estadual de regulação de serviços públicos delegados do RS (AGERGS), mas que se aplicam também ao caso das agências federais porque a lei que criou a AGERGS segue o modelo estabelecido para as agências de âmbito federal, embora de caráter multi-setorial, é uma agência que se propõe a regular e fiscalizar os serviços públicos de um modo geral no estado do Rio Grande do Sul, mas há um dispositivo semelhante no que diz respeito à escolha dos dirigentes, então o informativo 144 do STF traz uma referência à questão da escolha prévia. Um detalhe que é diferente é que o dispositivo previa a autorização da Assembléia tanto para a escolha quanto para a sua destituição, então,

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“iniciado o julgamento de medida liminar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul (...)”, é interessante destacar que essa agência foi criada em um mandato e foi o governador do mandato subseqüente que impugnou, por isso é que tem várias referências à agência do RS, questões relativas à própria autonomia das agências, o que reforça o que a gente falou, se a agência efetivamente se coloca de forma eqüidistante, ela pode exercer muito bem esses papéis todos, muitas vezes aquele dirigente que foi escolhido por um determinado governo, ele vai exercer o mandato dele, com estabilidade, no período subseqüente, o que permitiria manter a atividade regulatória sob o ponto de vista técnico-coerente, independentemente de interferências políticas. Então prosseguindo, o Min. Sepúlveda Pertence votou “(...)votou no sentido do deferimento da medida liminar para suspender a eficácia do art. 8º da Lei 10.931/97 - tanto na redação que lhe deu o art. 1º da Lei estadual 11.292/98, assim como na sua redação original, uma vez que o dispositivo primitivo e o posterior são substancialmente idênticos -, que estabelece que o conselheiro da autarquia estadual referida só poderá ser destituído, no curso de seu mandato, mediante decisão da Assembléia Legislativa, por entender, à primeira vista, relevante a argüição de inconstitucionalidade, tendo em vista o disposto na Súmula 25 do STF”, então no caso da AGERGS era um pouquinho diferente porque dependia da aprovação da Assembléia tanto para a escolha quanto para a destituição. O curioso é que essa súmula 25 se refere à questão da demissibilidade independentemente de motivação, então a súmula 25 tem a seguinte redação, "a nomeação a termo3 não impede a livre demissão, pelo Presidente da República, de ocupante de cargo dirigente de autarquia”, ora, num primeiro momento poderíamos concluir que não seria o caso dessa estabilidade, mas não foi exatamente isso que o STF decidiu.

Prosseguindo, lá no art. 171 foi concluído o julgamento da medida liminar, não houve julgamento definitivo, mas de qualquer maneira a questão que se colocou foi a seguinte, “mas era o mesmo da lei estadual que previa a escolha mediante aprovação da Assembléia, era o mesmo que previa a destituição, então a declaração de inconstitucionalidade poderia importar num vazio, então não tem mais como escolher, nem como destituir”, foi dada uma interpretação conforme a Constituição, em que “o Tribunal, considerando que o vazio legislativo decorrente da suspensão desta norma, que é a única forma de demissão prevista na referida Lei, seria mais inconstitucional do que a própria norma impugnada, declarou, por maioria, que a suspensão cautelar do art. 8º se dava sem prejuízo das restrições à demissibilidade, pelo Governador do Estado, sem justo motivo, conseqüentes da investidura a termo dos conselheiros da AGERGS”, ou seja, sem prejuízo

3 É o caso quando há mandato para esses dirigentes

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das restrições à demissibilidade e, portanto, reconhecendo a questão da estabilidade, depois vocês dêem uma olhadinha nessa decisão4.

A outra decisão que eu queria fazer menção é a que foi tomada na ADIn, medida liminar n.º 2095, que eu acho que saiu em algum dos informativos, também com relação ao Rio Grande do Sul, que, por maioria conheceu da ação no que tange ao dispositivo da lei estadual e, por unanimidade, indeferiu a suspensão cautelar do dispositivo que continha as expressões “fixar”, “reajustar”, “revisar” e “homologar” as tarifas. Então vale igualmente para as agências em âmbito federal.

E, finalmente, a decisão tomada na ADIn n.º1948, também medida liminar, no que se refere a essa taxa de fiscalização com relação à agência do RS. Infelizmente não temos referência no âmbito federal, as referências são do RS, mas também se aplicam, então, “o tribunal, por maioria, inferiu

4 A ementa da decisão publicada no informativo do STF, n.º 171: “Concluído o julgamento de medida liminar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul contra os artigos 7º e 8º da Lei estadual 10.931/97, que criou a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul - AGERGS (v. Informativo 144). Por aparente ofensa ao princípio da separação dos Poderes (CF, art. 2º), o Tribunal deferiu o pedido de medida liminar para suspender, até decisão final da ação, a eficácia do art. 8º da Lei estadual 10.931/97 ("O conselheiro só poderá ser destituído, no curso de seu mandato, por decisão da Assembléia Legislativa."), na redação que lhe deu o art. 1º da Lei estadual 11.292/98, assim como na sua redação original. Ademais, o Tribunal, considerando que o vazio legislativo decorrente da suspensão desta norma, que é a única forma de demissão prevista na referida Lei, seria mais inconstitucional do que a própria norma impugnada, declarou, por maioria, que a suspensão cautelar do art. 8º se dava sem prejuízo das restrições à demissibilidade, pelo Governador do Estado, sem justo motivo, conseqüentes da investidura a termo dos conselheiros da AGERGS, conforme o art. 7º da Lei 10.931/97 - que condiciona a posse dos conselheiros à prévia aprovação de seus nomes pela Assembléia Legislativa, cujo pedido de suspensão liminar fora indeferido na assentada anterior -, e também sem prejuízo da superveniência de legislação válida. Vencido em parte o Min. Marco Aurélio, que se limitava à suspensão de eficácia do mencionado art. 8º, por entender que o STF estaria atuando como legislador positivo ao declarar que o conselheiro não seria demissível ad nutum, ou seja, que o seu afastamento só poderia ocorrer mediante justa motivação. (ADInMC 1.949-RS, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 18.11.99)

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medida cautelar com relação ao dispositivo da lei que previa taxa de serviços diversos”, reconhecendo aí a inconstitucionalidade.

Pois bem, para nós finalizarmos essa questão das agências, eu queria destacar o RELACIONAMENTORELACIONAMENTO DASDAS AGÊNCIASAGÊNCIAS COMCOM RELAÇÃORELAÇÃO AOAO CADECADE , que por enquanto é uma autarquia federal, com uma proposta de se tornar uma agência reguladora ou fazer parte da estrutura de uma agência e cuja atribuição nós vamos analisar detidamente e que está relacionada à tutela da defesa da concorrência, então o CADE é o órgão encarregado primordialmente da tutela da livre concorrência. Acontece que, 1º, há cada vez mais a necessidade de se estabelecer uma competitividade também no âmbito da prestação de serviços, embora em alguns setores não há como se estabelecer uma competitividade pois seria economicamente inviável, mas a noção de serviço público cuja precisão é tão difícil estabelecer, nós já tentamos isso aqui, ao mediar atividade econômica propriamente dita e prestação de serviço público, e o que a gente percebeu é que essa noção de serviço público está cada vez mais elástica, já se concebe inclusive a prestação de serviços públicos sob o regime privado. Ora, então cada vez mais tem se destacado dentro desta noção de serviço público a necessidade de se estabelecer a competitividade, isso de um lado. De outro lado, o CADE está encarregado da livre concorrência e a lei que estabelece as suas atribuições, que é a lei 8884, regulamenta o art. 173, § 4º, que, como nós vimos, diz respeito à atividade econômica propriamente dita, então impasse é, quem vai ficar encarregado de fomentar essa competitividade, no âmbito do serviço público, e até mesmo reprimir hipóteses de abuso de poder econômico, de concentração econômica? essa competitividade se justifica quanto à prestação do serviço em si e se justifica na medida em que a prestação de serviços públicos assume relevância no âmbito da economia, sob o ponto de vista macro, então as repercussões que isso traz para a economia.

Pois bem, então quem ficaria encarregado dessas atribuições relativas à defesa da concorrência? A gente vai ter sob um aspecto, definição em algumas das leis das agências, então, por ex., o caso da lei da ANEEL (lei n.º 9427) há um dispositivo expresso atribuindo ser da agência as atribuições relativas à defesa da concorrência, é o que está estabelecido no art. 3º, incisos VIII, IX, X e o § único, então compete à ANEEL, “VIII - estabelecer, com vistas a propiciar concorrência efetiva entre os agentes e a impedir a concentração econômica nos serviços e atividades de energia elétrica, restrições, limites ou condições para empresas, grupos empresariais e acionistas, quanto à obtenção e transferência de concessões, permissões e autorizações, à concentração societária e à realização de negócios entre si”5; 5 Inciso acrescentado pela Lei nº 9.648, de 27.05.98

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então tem por objetivo propiciar concorrência efetiva e impedir a concentração econômica. O inciso IX, “zelar pelo cumprimento da legislação de defesa da concorrência, monitorando e acompanhando as práticas de mercado dos agentes do setor de energia elétrica”6. Inciso X, “fixar as multas administrativas a serem impostas aos concessionários, permissionários e autorizados de instalações e serviços de energia elétrica (...)7”. Parágrafo único, “no exercício da competência prevista nos incisos VIII e IX, a ANEEL deverá articular-se com a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça”, a gente vai ver mais adiante, analisando a lei 8884, que ao lado do CADE, existem dois órgãos auxiliares: Secretaria de Direito Econômico e Secretaria de Acompanhamento Econômico. A Secretaria de Direito Econômico é auxiliar do CADE, mas desprovida de personalidade jurídica própria, faz parte da estrutura do Ministério da Justiça. Então vejam, esse parágrafo único não neutraliza a questão, por quê? Atribuição de repressão a atos de violação à concorrência é do CADE e não da Secretaria de Direito Econômico, então de qualquer maneira, o que a gente tem aqui é a lei da ANEEL estabelecendo como atribuição da própria agência propiciar a concorrência e coibir os atos de concentração econômica, que seriam atribuições exatamente do CADE, por força da lei n.º 8884.

Vamos ter no caso da ANATEL (lei 9472/97) um dispositivo no art. 19, inciso XIX. Também entre as atribuições da ANATEL está “exercer, relativamente às telecomunicações, as competências legais em matéria de controle, prevenção e repressão das infrações da ordem econômica (...)”. Ora, as infrações da ordem econômica estão tipificadas na lei 8884, cuja atribuição é dada ao CADE, e continuando, “(...) ressalvadas as pertencentes ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE”. Vejam, seria até uma contradição entre os próprios termos, pois atribui à ANATEL, ressalvada a competência do CADE, que é exatamente aquela atribuída à ANATEL, então o impasse continua.

A posição que nos parece mais adequada é da ANP, no art. 10, “quando, no exercício de suas atribuições, a ANP tomar conhecimento de fato que possa configurar indício de infração da ordem econômica, deverá comunicá-lo imediatamente ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica

6 Inciso acrescentado pela Lei nº 9.648, de 27.05.987 Inciso acrescentado pela Lei nº 9.648, de 27.05.98. Redação integral do inciso: “fixar as multas administrativas a serem impostas aos concessionários, permissionários e autorizados de instalações e serviços de energia elétrica, observado o limite, por infração, de 2% (dois por cento) do faturamento, ou do valor estimado da energia produzida nos casos de autoprodução e produção independente, correspondente aos últimos doze meses anteriores à lavratura do auto de infração ou estimados para um período de doze meses caso o infrator não esteja em operação ou esteja operando por um período inferior a doze meses”

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– CADE e à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, para que estes adotem as providências cabíveis, no âmbito da legislação pertinente”8

Parágrafo único, “Independentemente da comunicação prevista no caput deste artigo, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE notificará a ANP do teor da decisão que aplicar sanção por infração da ordem econômica cometida por empresas ou pessoas físicas (...)”9, então aqui haveria exatamente um intercâmbio, a agência notifica o CADE, a Secretaria de Direito Econômico, ao se deparar com indícios de infração da ordem econômico definidas na lei 8884, e em contrapartida o CADE comunica quando eventualmente tenha aplicado penalidades, então essa seria a convivência mais harmônica. No caso da ANEEL, que nós vimos inclusive a possibilidade de imposição de multa, ora a lei 8884 prevê, além de outras que nós vamos ver adiante, exatamente a aplicação de multa, então imagine se a ANEEL estabelece uma multa por prática de concentração econômica e o CADE também estabeleça uma multa por penalidade com base na 8884. Qual é a posição que se adota em relação a esse tema? Vale registrar a posição do MARCOS JURUENA VILLELA SOUTO10, no sentido de que a atribuição deve permanecer com as agências, por uma regra de regra hermenêutica, a norma especial afasta a norma geral. Ora a lei 8884 é norma geral, então deve prevalecer a atribuição às agências. Mas sob esse aspecto o que que é especial e o que é geral? Poderíamos considerar também que o que é especial é a defesa da concorrência, que é atribuição do CADE, a agência é que tem uma atribuição mais geral, nesse aspecto. Então o que ocorre na prática é, de novo, uma tentativa do legislador que gera uma certa uma certa preocupação, que é o risco de abuso por parte da agência. O que nós vemos com o CADE, que é uma autarquia federal, mas que antes de ser autarquia já existia no âmbito da Administração, é a lei 8884 que dá ao CADE o status de autarquia federal, mas ele já existe desde 1962, se não me engano, com uma estrutura toda sedimentada cujas decisões podem ser até criticadas, mas o que se percebe aqui é uma tentativa de enfraquecimento do CADE, é a posição das agências em detrimento do próprio CADE. Então nesse sentido, de lege ferenda seria ideal a postura adotada pela ANP, que permitiria a convivência harmônica entre esses órgãos, até porque todos eles, inclusive o CADE, são autarquias federais, fazem parte da Administração e devem, então, se pautar de forma harmônica dentro dessa estrutura maior que é a Administração.

8 Redação dada pela lei n.º 10202, de 20.02.20019 Parágrafo incluído pela lei n.º 10202, de 20.02.200110 Professor da EMERJ e da FGV; Procurador do Estado do Rio de Janeiro, integrante da banca de Direito Administrativo no concurso para a PGE

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Eu quero começar a tratar a um aspecto que, de certa forma, está correlato ao desse fenômeno de agencificação, que é a questão relativa à DESESTATIZAÇÃODESESTATIZAÇÃO .

Em termos de desestatização é importante mencionarmos novamente aquela evolução desde o Estado Liberal Clássico em que vigorava o princípio da abstenção do Estado na atividade econômica até o Estado Intervencionista, em que o Estado se legitimou a intervir no domínio econômico, na esfera da atividade econômica, portanto na esfera individual. Isso provocou num 1º momento um excesso de intervenção, como se fosse mesmo a idéia da evolução natural das coisas, fluxo e refluxo.

Pois bem, isso redundou no fenômeno da estatização, que não ocorreu apenas no âmbito brasileiro, de empresas serem encampadas, isso se deu também na Europa . O exemplo clássico aqui no Brasil é o da LIGHT, mas além dessas formas de encampação e de estatização, houve o que se denominou proliferação das estatais, então no auge do Estado Intervencionista, cujas formas seriam o Estado do Bem-Estar Social, o Estado providência, no nosso caso nós não atingimos essa forma, seria muito mais o Estado Assistencialista, em que ocorreu então essa proliferação de estatais.

Ora, num segundo momento há a necessidade de um redimensionamento desse Estado sob o ponto de vista ideológico e sob o ponto de vista financeiro. Sob o ponto de vista ideológico é o que se denominou de GLOBALIZAÇÃO, é a idéia do Estado Mínimo defendido por Margaret Tatcher e portanto tem a ver com a própria evolução do capitalismo sob o ponto de vista ideológico, e aí é importante fazermos menção ao que nós dissemos na 1ª aula, sobre a própria definição do Direito Econômico, nós chamamos atenção para um aspecto que é dito pelo Washington Pelluso, ele define o Direito Econômico como as normas jurídicas em matéria de economia segundo a ideologia constitucionalmente adotada, é importante registrarmos que esse aspecto na verdade significa a ideologia constitucionalmente adotada. Esse redimensionamento do Estado, portanto, vai dizer respeito tanto à atividade econômica propriamente dita, quanto à prestação de serviços públicos, embora com fundamentos constitucionais, fundamentos de validade diversos.

No caso da atividade econômica propriamente dita, isso vai estar expresso no art. 173, “ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo (...)”, a contrario sensu, não será permitida, será proibida, portanto é uma regra de vedação, é o princípio da subsidiaridade e mais do que isso, a excepcionalidade da exploração direta da atividade econômica pelo Estado. E o art. 173 rompe claramente com a ideologia constitucional anterior, o art. 170 tinha uma redação mais ou menos assim,

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“cabe, preferencialmente, à iniciativa privada a exploração da atividade econômica”, então o Estado tinha uma faculdade de compartilhar com a iniciativa privada, embora ela preferencialmente fosse atribuído à iniciativa privada, mas o Estado teria essa faculdade. Então vejam que a redação do art. 173 é muito clara no sentido de romper com essa ideologia do art. 17011, tanto é assim que o AMÉRICO LUÍS DA SILVA MARTINS chega a afirmar que a partir da CF/88, todas as participações societárias do Estado deveriam ser revistas sob pena de inconstitucionalidade. Eu não iria a esse extremo porque na verdade as exceções estabelecidas no art. 173 são expressões de certa forma vagas, que a doutrina tem criticado, nós já mencionamos isso aqui, imperativo de segurança nacional e relevante interesse coletivo são conceitos jurídicos indeterminados, então não importaria em, de imediato, considerar toda e qualquer participação do Estado inconstitucional, mas sim uma necessidade de rever se persiste. O que eu quero dizer é que o art. 173 vai servir tanto para a criação da sociedade de economia mista ou empresas públicas, que nós vimos aqui, que dentre as formas de intervenção do Estado na economia, a intervenção direta que é exatamente na forma de exploração direta da atividade econômica é feita sempre que necessariamente através de sociedade de economia mista ou empresa pública, cuja criação depende de criação em lei. Então a idéia é: a lei deveria, para a criação, conter a exposição de motivos que configurem imperativo de segurança nacional ou relevante interesse coletivo, então da mesma forma aqui, quando se fala em desestatização, é o mesmo art. 173 que serve de fundamento para a criação é o que vai servir para justificar o processo de desestatização. E quanto à prestação de serviços públicos, isso decorre do próprio artigo 37, quando inclui o princípio da eficiência, como a necessidade de redimensionamento, da organização do Estado, dessa estrutura da Administração. Isso do ponto de vista ideológico.

E do ponto de vista financeiro, nós temos aí a crise do Estado do Bem Estar Social, do Estado Providência, é a crise financeira, não há como bancar todas as despesas que aquele modelo de Estado se propunha a abarcar. Do ponto de vista financeiro, nós vamos ter que um dos objetivos da desestatização é exatamente a redução da dívida pública, por conta desse aspecto. Ora, o que significa então desestatização? É o movimento de redimensionamento do Estado e, portanto, significa o Estado se retirar daquelas atribuições indevidamente, ou excessivamente absorvidas por ele. Indevidamente quando não há imperativo de segurança nacional ou relevante interesse coletivo, por exemplo, ou excessivamente.

Então, desestatização seria o gênero, seriam várias formas de atuação do Estado imbuídas por essa idéia de desestatização. Nós vamos analisar duas modalidades: PRIVATIZAÇÕES e CONCESSÕES E

11 refere-se ao art. 170 da Constituição Federal de 1969

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PERMISSÕES. Privatizações no sentido da alienação mesmo, da transferência de direitos, de participações societárias nas estatais. Então, privatização diz respeito tanto à atividade econômica quanto à prestação de serviço público, que nós podemos ter uma estatal, por assim dizer, uma sociedade de economia mista ou uma empresa pública, tanto aquelas que exploram a atividade econômica propriamente dita, quanto aquelas que prestam serviços públicos. E por que nós vamos nos ater somente a essas duas modalidades? O MARCOS JURUENA VILLELA SOUTO, por ex., naquele livro “Desestatização – privatizações, concessões, permissões e terceirização”12. No entanto, o fenômeno da terceirização não é afeto exclusivamente à Administração e se nós quiséssemos incluir todas as hipóteses, até mesmo a venda de bens públicos, algo do gênero, estaria dentro desta noção de desestatização.

Nós vamos nos ater a essas duas hipóteses porque são as hipóteses tratadas no Plano Nacional de Desestatização, portanto são as hipóteses tratadas em lei, é a lei 9491/97, que traz expressamente essas modalidades. O que percebemos é o seguinte, privatização e desestatização são sinônimos? As pessoas usam indistintamente, mas a rigor privatização é um conceito mais restrito, mais específico e se trata de uma espécie, de uma modalidade de desestatização. A lei 9491/97 revogou a 8031. A 8031 foi uma conversão de uma série de medidas provisórias e com base na 8031 é que foi declarado o início do processo de desestatização. Muitos dos dispositivos são semelhantes e continuam na lei 9491, mas vale fazer menção a essas modalidades aqui referidas no art. 2º e art. 4º. O art. 2º estabelece que “poderão ser objeto de desestatização, nos termos desta Lei: I - empresas, inclusive instituições financeiras, controladas direta ou indiretamente pela União, instituídas por lei ou ato do Poder Executivo”, são as estatais propriamente. Inciso II, “empresas criadas pelo setor privado e que, por qualquer motivo, passaram ao controle direto ou indireto da União”, é aquela modalidade de encampação do período anterior. Inciso III, “serviços públicos objeto de concessão, permissão ou autorização”. § 1º do art. 2º, “Considera-se desestatização: a) a alienação, pela União, de direitos que lhe assegurem, diretamente ou através de outras controladas, preponderância nas deliberações sociais”, seria a privatização propriamente, e alínea “b”, “a transferência, para a iniciativa privada, da execução de serviços públicos explorados pela União, diretamente ou através de entidades controladas, bem como daqueles de sua responsabilidade”.

Então, exatamente as duas modalidades: privatizações e concessões/permissões como modalidades do processo de desestatização e

12 livro editado pela Ed. Lumen Juris, que está na 4ª edição (2001), na verdade o título é “Desestatização – Privatização, Concessões, Terceirizações e Regulação”

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que portanto abarcam tanto a atividade econômica propriamente dita quanto a prestação de serviços públicos. A atividade econômica propriamente dita para atender um comando sob o ponto de vista da ideologia constitucionalmente adotada, cujo fundamento de validade está no art. 173, e para a prestação de serviço público no art. 37.

De qualquer maneira, num ou noutro aspecto, a desestatização significa a retirada do Estado da via da execução, e portanto cada vez mais assume maior relevância a função reguladora, então o Estado se retira da execução tanto da exploração da atividade econômica, quanto da prestação de serviços, entregando à iniciativa privada, para priorizar a função reguladora, daí a importância das agências reguladoras, e aí que nós estabelecemos a idéia de que a desestatização não significa desintervenção sob o ponto de vista do retorno ao Estado Liberal Clássico, ao princípio da não-intervenção, jamais é possível alcançar aquela situação, por conta de uma legitimação do Estado para intervir, o cerne dessa questão é o redimensionamento dessa composição do Estado e portanto o meio termo entre o Estado intervencionista e o Estado Liberal Clássico seria a do Estado Regulador, volto a dizer que o fenômeno da desintervenção, a rigor, não está atrelado nem ao processo de desestatização, nem ao processo de estatização, apenas por uma questão de opção política, esse processo de desestatização, de certa forma esteve atrelado à criação de algumas agências específicas, como forma, e aí essas agências, sem dúvida desempenharam papel importante no processo de desestatização, mas muito mais como uma forma de dar maior segurança, maior credibilidade a esse processo de desestatização e portanto atrair os investimentos estrangeiros, mas não que estivesse intrinsecamente relacionado.

Na próxima aula nós continuamos.

(...) introdução sobre a desestatização, quanto aos fundamentos filosóficos, uma finalidade bem pragmática, no âmbito financeiro, quanto ao que refletimos desse processo. Então um fundamento filosófico e um mais pragmático que tem a ver com o aspecto financeiro.

Então nós vimos que, inclusive, um dos objetivos do processo de desestatização é a redução da dívida pública. Pois bem, as modalidades de desestatização são aquelas estabelecidas na Lei 9491, é o art. 2º, § 2º “considera-se desestatização, alienação no campo das privatizações é a transferência de direitos e titularidades”, portanto de participações societárias do Poder Público quanto as suas interdições. Portanto, atinge tanto a atividade econômica propriamente dita para dar cumprimento ao comando do art. ??? da CF/88.

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(Pergunta) - Qual é a lei?(Resposta) É a lei 9491/97.A lei 9491 vai estabelecer no seu art. 6º como se deflagra esse

processo de desestatização concretamente, na prática, então o art. 6º: “compete ao Conselho Nacional de Desestatização a recomendar para aprovação do Presidente da República meios de pagamentos e inclusão ou exclusão de empresas, serviços públicos e participações no Programa Nacional de Desestatização”. Então, a inclusão ou exclusão de empresas estatais, portanto, bens ou de serviços públicos ficaria a cargo do Presidente da República. Então, a primeira colocação que se fez sobre a desestatização foi a questão da necessidade de uma autorização legislativa. O art. 37 da Constituição/88 estabelece a necessidade de aprovação por lei para a criação dessas entidades, então é o art. 37, inciso XIX; art. 37, inciso XIX que estabelece que somente por lei específica poderá ser criada autarquia...”. Pois bem, depende de autorização por lei específica. Houve quem sustentasse que uma das implicações, uma das teses de impugnação foi no sentido de que no art. 6º na verdade importa numa delegação oblíqua de matéria que seria reserva de lei, estaria sendo delegada por vias transversas ao Presidente da República, ta? Portanto, isto estaria ofendendo a sistemática da Constituição. Mas, na verdade, o art. 37 estabelece essa exigência para a criação dessas entidades tanto as empresas públicas quanto as sociedades de economia mista, mas não estabelece, pelo menos expressamente, essa mesma exigência para o caso de extinção, e quando há essa alienação aqui nada mais há do que a própria extinção da entidade, pelo menos enquanto uma empresa pública ou enquanto uma sociedade de economia mista. Então, como o art. 36 não estabelece uma exigência para a extinção, predominou o entendimento de que, então o que acontece, é que o art. 6º já seria a autorização legislativa, o art. 6º e aí também na lei 8.081 havia um dispositivo semelhante, né? nesse mesmo sentido, delegando ao Presidente da República. Ora então o art. 6º da lei 9.491/91, a gente está analisando dispositivos específicos da 9491, ta?

Então, a interpretação que predominou no Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a lei 9.491 que substituiu 8.031, revogou a 8.031. E a 8031 no que tinha dispositivo semelhante já representa uma autorização legislativa ainda que genérica, ou seja, a rigor esse art. 6º autoriza a extinção de toda e qualquer empresa pública e sociedade de economia mista. Então, o ato do Presidente da República apenas estaria complementando, inclusive, segundo o juízo de conveniência e oportunidade, o melhor momento para incluir ou não essas entidades no Programa Nacional de Desestatização. Então, se art. 37 exige uma autorização legislativa específica e o faz apenas para a criação dessas entidades, essa autorização legislativa genérica contida no art. 6º da 9491 e na 8.031 em dispositivo

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semelhante já seriam suficientes. Em outras palavras, não haveria necessidade de uma lei para cada hipótese de desestatização. É bem verdade, que o art. 173, por exemplo, que vai trazer aquelas exceções à exploração direta da atividade econômica pelo Estado, quando necessário imperativo de segurança nacional ou relevante interesse coletivo conforme definido em lei. Nós fizemos menção que além de criação das entidades que fossem explorar diretamente atividade econômica deveria trazer quais são concretamente os fatos que indicam imperativo de segurança nacional ou relevante interesse coletivo, né? Então aqui da mesma forma haveria de se extrair, portanto, os motivos para a inclusão no processo de desestatização, ou seja, a falta de imperativo de segurança nacional ou relevante interesse coletivo, no caso da atividade econômica propriamente dita, ta? Então, seria aí interessante que o Presidente da República motivasse nestes termos. Mas o que foi dito pelo Supremo Tribunal Federal que bastaria a autorização legislativa genérica e isso vai estar na ADIN 562 e na 234, a 234 acho até que está no material aí de jurisprudência que a gente já tinha separado, a 234 inclusive se refere ao processo de desestatização no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, analisando os dispositivos da Constituição Estadual no sentido de atribuir a competência privativa à Assembléia Legislativa para autorizar a criação, inclusão ou extinção de Empresas Públicas ou Sociedades de Economia Mista. Aí o Supremo interpretou que não cabe excluir o Governador do Estado do processo para autorização legislativa destinada a alienar ações do Estado, em Sociedades de Economia Mista, interpretação do dispositivo da Constituição, então, assim para declarar parcialmente a inconstitucionalidade do art. 69 da Constituição Estadual quanto às interpretações que não sejam de considerar exigível autorização legislativa somente para acordo de alienação de ações do Estado ou de Sociedades de Economia Mista que visam apenas seu controle acionário.

ntão, cuidado que a interpretação é conforme a Constituição, ta? E ainda a ADIN, acho que a 586, todas no sentido que basta uma autorização legislativa genérica. Eu queria fazer menção ainda a uma jurisprudência no que se refere a autorização legislativa, mas ainda para o caso da criação, que está no informativo 90, no que se refere a criação de subsidiárias. Uma hipótese de subsidiária da Petrobrás, então, foi afastada a alegação de que seria necessária a autorização específica do Congresso Nacional para se instituir cada uma das subsidiárias de uma mesma entidade. Então, até mesmo no que se refere à interpretação do art. 37, e portanto, para a criação de uma entidade o Supremo deu uma interpretação temperando muito de forma flexível este dispositivo.

Pois bem, a outra questão que se coloca, em termos de controvérsias, a rigor, diz respeito mais à questão de uma privatização de uma Estatal cujo o objeto seja a prestação de serviço público, foi colocado,

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que em termo de questionamento, se seria possível essa alienação ou do contrário isto estaria ofendendo o art. 175 da Constituição. O art. 175 estabelece que “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. Então, houve quem entendesse que a rigor a privatização de uma estatal prestadora de serviço público não garantiria que após a privatização pudesse continuar, vamos dizer assim, pudesse continuar com aquela delegação, né, sob pena de ofensão do art. 175. A tese seria de que na verdade uma coisa seria a privatização e depois dessa alienação a empresa privatizada deveria participar do processo de licitação específico, ou seja, não estaria assegurada a exploração desse objeto da estatal sob pena de violação ao art. 175. Esse não foi o entendimento que predominou, sob vários aspectos o Marcos Juruena vai chamar atenção para o aspecto de que na verdade essa alienação, essa transferência de titulariedade seria indissociável do objeto da estatal, né. O objeto, a prestação, a atividade desenvolvida, no caso a atividade social, objeto social seria a prestação do serviço público. Ora, isso faz parte de quê? Isso faz parte do patrimônio que está sendo alienado, né. Até mesmo se a gente tomar por empréstimo um conceito de Fundo de Comércio, por exemplo, então seria indissociável da venda da alienação a outorga da concessão ou permissão, estaria à rigor embutido, seria, portanto, concomitante nessa alienação. Esse entendimento, como eu falei foi o que prevaleceu, inclusive, isso depois foi confirmado pelo próprio legislador é o ar é o art. 27 da Lei 9.074: “nos casos em que os serviços públicos prestados por pessoas jurídicas, sob controle direto ou indireto da União, para promover as privatizações simultaneamente com a outorga de uma concessão ou prorrogação da concessão existente a União poderá, inciso I, utilizar no processo licitatório a modalidade de leilão”. Então, ora se o leilão é uma das modalidades de licitação, não estaria ofendido de qualquer maneira o art. 175. Então, nada impede que essa licitação se dê de forma concomitante, né? sob pena inclusive de não atrair, interessados. Por que se eu tiver que participar de uma privatização depois disso participar de uma licitação, qual a vantagem de adquirir aquele patrimônio.

A própria lei 9491 vai fazer referência também a esse aspecto de que, a rigor, quando da privatização de uma estatal cujo objeto seja a prestação de serviço, a privatização em si deve se dar através de leilão que é a forma de assegurar o cumprimento do art. 175. Porque, na verdade, a licitação pretende garantir a publicidade, o acesso dos participantes e isso ficaria atingido dessa forma. Então, é § 4º do art. 2º agora a gente que voltou a fazer referência à 9491, “na hipótese do parágrafo anterior que se refere a transferência de execução de serviços públicos, a licitação para outorga ou transferência de concessão de serviço a ser desestatizado poderá ser

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realizado na modalidade de leilão”. E o art. 7º estabelece que “a desestatização dos serviços públicos efetivada mediante uma das modalidades previstas no art. 4º pressupõe a delegação pelo Poder Público de concessão ou permissão do serviço, objeto de exploração, observada a legislação aplicável ao serviço. Então é exatamente a idéia de que a concessão ou permissão se dá de forma concomitante com a privatização. E isso às vezes não fica muito claro porque as pessoas questionam: “Ah, então, não seria mais simples, pura e simplesmente fazer uma licitação para concessão, para outorga de concessão e permissão? isso se não houvesse já uma estatal prestando aquele serviço. Óbvio, né! Seria muito mais simples, sim. Mas o caso que aquele patrimônio da estatal que já prestava serviço, percebe! Então, é por essa razão que dá a alienação concomitante.

A respeito de concessões e permissões, vale lembrar, embora isso seja uma tema mais específico do direito administrativo, mas vale a gente fazer uma breve referência à questão da distinção de concessão e permissão. Tradicionalmente, concessão surge a partir de um contrato administrativo, portanto um acordo de vontades bilateral para transferência justamente da prestação de serviço público. Enquanto que a permissão classicamente decorre de ato unilateral, então é da característica da permissão a discricionariedade, portanto a precariedade, ao contrário, da concessão que geraria portanto um direito subjetivo, portanto, ato vinculado, a partir de um contrato administrativo ou de um acordo de vontades, enquanto que a permissão poderia ser para qualquer para fim, a característica de precariedade.

E o que se colocou a partir da Constituição de 88 seria um questionamento sobre se faria sentido permanecer essa distinção, na medida em que o art. 175 estabelece a exigência de licitação tanto para concessão quanto para permissão houve quem defendesse na doutrina que, na prática, embora o legislador tenha mantido a referência às duas expressões, na prática estariam equiparadas, seriam equivalentes a partir dessa exigência de licitação. Então, é uma idéia de que a permissão teria ficado contratualizada perdendo, portanto, o caráter de precariedade, essa é uma posição defendida pela Maria Sylvia Di Pietro. E ela vai colocar uma exceção em que a permissão manteria as suas características, a sua essência...é no que se refere na permissão de uso de bem público, porque aí não estaria incluído na exigência lá do art. 175 da Constituição. No entanto, esse, embora não seja unânime o entendimento, a controvérsia permanece na doutrina de direito administrativo, mas o entendimento majoritário defendido, por exemplo pelo Marcos Juruena, no sentido de que não, se fosse intenção do legislador equiparar não faria sentido manter as duas expressões. E por outro lado, a rigor, a permissão não decorre necessariamente de um contrato administrativo ainda que o legislador

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impropriamente faça menção a um contrato, quando muito, nós poderíamos conceber um contrato de adesão, mas que na verdade aqui seria um termo de permissão. Inclusive a lei da ANATEL que é a 9.472, não sei se é 9472 ou 9427, mas faz menção a termo de permissão e não contrato de permissão, né.? Está reforçando essa idéia defendida pelo Juruena, que aqui no caso da ANATEL o legislador poderia ter sido mais técnico quanto a essa expressão. E portanto, ficariam mantidas as características quanto à permissão, ok?

A outra questão que se coloca quanto à lei n.º 9491 é a respeito do controle por parte do Poder Público pós-privatização, haveria algum tipo de gerência por parte do Poder Público mesmo após a alienação? E aqui de novo a gente tem que lembrar dessa situação de estímulo, essa distinção de atividade econômica e serviço público, por mais sutil que seja, e a gente já desenvolveu isso aqui, na verdade para Direito Econômico é fundamental e volta e meia, em vários momentos a gente vai se deparar com esses aspectos. Quando nós vimos quanto a questão dos regimes das estatais e agora aqui, em termos de privatização, também, é importante a gente ficar atento a essa distinção por quê? Porque quando da privatização, da alienação de uma estatal exploradora de atividade econômica, em princípio, ocorrida a alienação encerra-se qualquer tipo de interferência de Poder Público, a não ser através da instituição das ações golden share , art. 8º da 9491. São as ações de classe especial, então, art. 8º “sempre que houver razões que justifique a União deverá, direta ou indireta, ação de classe especial do capital social da empresa ou instituição financeira ou diversa da desestatização que lhe confira poderes especial em determinadas matérias, as quais deverão ser caracterizadas em seus Estatutos Sociais”. Então, permaneceria o poder de deliberação, portanto um controle por parte do Poder Público. Agora foi questionada quanto à natureza dessas ações, se realmente poderia a lei 9491 estabelecer uma modalidade, que não estaria prevista no âmbito do direito societário, isso foi superado por Evandro Tavares Borba que apresentou um argumento no sentido de que na verdade seria uma hipótese de ações preferenciais, superada essa discussão das ações preferenciais já prevista no Direito Societário.

E quanto a prestação de serviço público, a rigor seria até inócuo estabelecimento dessas ações, né? Por quê? Esse controle a ser exercido pelo Poder Público decorre desse regime aqui, da característica própria quando da outorga de concessão ou permissão. Então, ainda que não seja estabelecida ação golden share haverá um controle mesmo pós-privatização por parte do Poder Público, no se refere a prestação de serviço público, não em função privatização, mas em razão do regime próprio para a concessão e permissão, percebe? então no mínimo vai ser desnecessário a instituição de ações desse tipo porque o controle permanece, inclusive pode haver a retomada, né? A concessão e a permissão nada mais é que a

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transferência da execução do serviço público, a rigor poderia até mesmo haver a retomada e nesse aspecto aqui a gente tem que fazer essa distinção, a privatização permaneceria hígida, vamos chamar assim, a alienação, a não ser que houvesse uma desapropriação ou algo parecido.

Quanto às formas de pagamentos, então o art. 6º, inciso I, como nós vimos, estabelece que é da competência do Conselho Nacional de Desestaztização recomendar para aprovação do Presidente da República meios de pagamento. Então, é o Presidente da República que define tanto a inclusão ou a exclusão da empresa no Programa de Desestatização, mas é ele também que estabelece os meios de pagamentos, que vão ter uma referência lá no art. 14, reforçando essa atribuição do Presidente da República, então, “fica o Presidente da República por recomendação do Conselho Nacional de Desestatização autorizado a definir os meios de pagamentos aceitos para aquisição de bens e direitos no âmbito do Programa Nacional de Desestatização atendidos os seguintes princípios: aquisição de moeda corrente, etc. e etc...e admissão de pagamento no âmbito do Programa Nacional de Desestatização de títulos e créditos líquidos e certos diretamente contra a União ou por entidades por ela controladas”, ou seja, aqui nós vamos inserir a situação das chamadas “moedas podres”, que são exatamente esses títulos da Dívida Pública vencidos e não honrados e em razão disso apresentam decréscimo em termos de valor de mercado, valor venal inferior ao valor de fato. Então, isso gerou muito problema, mas acabou prevalecendo o entendimento da admissão desses títulos. O Marcos Juruena vai apresentar um argumento, vamos dizer assim, extra-jurídico, ele coloca o seguinte, que admissibilidade das denominadas “moedas podres” traz maior credibilidade a esse processo de desestaztização. Então é importante que o Estado honre seus próprios compromissos, para efeito de credibilidade desse processo de desestatização. E o José Edwaldo Tavares Borba vai apresentar um outro argumento que é no sentido de que se um dos objetivos da desestatização, sobre esse aspecto aqui, é exatamente a redução da dívida pública esses títulos têm mais é que serem aceitos e esse entendimento prevaleceu, eu queria registrar uma jurisprudência que vai fazer menção, mas implicitamente admitindo e estabelecendo, inclusive, que aqui seria um ato discricionário do Presidente da República. E essa jurisprudência, por outro lado, estabelece, que não há para participante desse processo de privatização, nenhum direito subjetivo a utilização dessas “moedas podres”, então, o Mandado de Segurança 22493, se eu não me engano foi na hipótese da Light, em que a foi estabelecido um limite, uma quota para a utilização das chamadas “moedas podres” e então foi impugnado. O Supremo Tribunal Federal interpretou que dispõe o Presidente da República do poder discricionário, por recomendação do Conselho Nacional de Desestatização,

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para estabelecer os quantitativos em moeda corrente nacional e em títulos da dívida pública que poderão ser utilizados nos procedimentos licitatórios de venda de empresas estatais em processo de privatização.

Então, portanto no sentido de que não haveria o direito subjetivo, então reforça aquela interpretação do art. 6º, em que aqui há uma atribuição discricionária por parte do Poder Público tanto no que se refere à inclusão ou exclusão no processo de desestaztização quanto no que se refere à instituição da forma de pagamento. E aqui vai fazer referência também a título do capital estrangeiro que, embora não haja referência expressa no art. 14 também foi considerada admissível sob o mesmo raciocínio. Então, ainda que não estabelecida expressamente na lei os editais de desestatização acabaram consagrando isso.

Em termos de desestatização, por fim, eu queria fazer menção ao art. 4º, inciso I da lei n.º 9491, eu estou optando por apenas trazer para vocês os dispositivos mais controvertidos, mas vale aí a referência que vocês dêem uma lida depois na lei toda, é só para a gente poder avançar mais rapidamente, então o art. 4º estabelece o seguinte: “as desestatizações serão executadas mediante as seguintes modalidades operacionais: I – alienação de participação societária inclusive de controle acionário, preferencialmente mediante a pulverização de ações”. Então, aqui é a idéia de democratização desse processo de desestatização que também está embutido aqui, uma idéia de que não seria aconselhável a concentração econômica decorrente desse processo de desestatização. Mas como o legislador valeu-se da expressão “preferencialmente” surgiu um questionamento no sentido de que, “mas e se não for preferível, né?” e “Se numa dada situação concreta, não for interessante sob o ponto de vista estratégia, para alcançar os objetivos da desestatização?”. Então, por exemplo, quando o objeto da entidade a ser privatizada, enfim, requeira um investimento de grande lucro, a questão que se coloca é se houver, e se configurar após o processo de desestatização, e se eventualmente ficar configurado uma situação de monopólio de fato. É importante a gente registrar aqui a distinção entre o monopólio legal e monopólio autorizado que nada mais é que a subtração deliberada da iniciativa privada sobre um setor específico, em geral um setor de base da economia e em que são explorados exclusivamente pelo Estado, vamos dizer assim. Enquanto que o monopólio de fato não, é uma situação de concentração econômica. E aí não precisa ser, monopólio não precisa ser necessariamente, aquela idéia de um detendo toda uma parcela de um determinado mercado, nós vamos encontrar graus de concentração econômica. Mas de qualquer maneira, o monopólio de fato, e a gente vai começar a ver isso na aula de hoje, é objeto de tutela por parte do Direito Antitruste, né, a defesa da concorrência. Então, não é desejável essa

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situação. Mas se uma estatal que já vinha explorando com exclusividade, se no momento da privatização tem uma medida para tomar, no sentido de abertura do mercado pode ocorrer que após a desestatização persista essa situação. Então, a questão que se coloca aqui é como é que fica a atuação do CADE? O ideal é a pulverização de ações, ou então, como aconteceu no caso do setor de Telecomunicações, primeiro a abertura do mercado, então, telefonia celular banda A, banda B, então, uma abertura para aí sim ocorrer, finalmente, a privatização para evitar essa situação. Mas enquanto não estiver regularizado como é que fica a situação do CADE? Poderia o CADE impugnar esse processo de desestatização e eventualmente, anular esse processo de desestatização que redunde numa situação de concentração econômica? Ora, a gente vai analisar a estrutura do CADE, e o CADE nada mais é que uma autarquia federal, o CADE tem uma atribuição e papel fundamental em termos de implementação na política econômica seria no mínimo incoerente que um órgão que faz parte da administração pudesse destoar de vários outros órgãos envolvidos no processo de desestatização, né. Então o próprio Marcos Juruena citando um ex-conselheiro do CADE faz referência, que o ideal seria que o próprio legislador tivesse estabelecido, assim como fez com relação ao BNDES, o próprio Banco Central, que são órgãos que vão atuar no decorrer desse processo de desestatização. O ideal seria que também o CADE teria essa possibilidade de, enfim, fazer um exame prévio sobre o impacto da desestatização na concorrência. Ele até fala que o ideal era o CADE fazer uma relatório do impacto concorrencial semelhante de relatório de impacto ambiental, mas o fato é que na legislação relativa a desestatização não há essa previsão para o CADE opinar previamente ao processo de desestatização. Então, a rigor, o que vai acontecer é que o CADE não poderia anular. A gente vai ver mais adiante que existe uma coletânea de decisões do CADE, em que num dado momento o próprio CADE teve a oportunidade de decidir que a privatização só vale após a confirmação pelo CADE, mas essa seria uma visão econômica, porque ,a rigor, não essa previsão para participação do CADE. Então, a atuação do CADE se dá a posteriori, equivale dizer que a empresa privatizada vai estar sob a fiscalização do CADE. Até porque a gente vai ver que não é a concentração econômica em si que configura infração contra à ordem econômica. Tanto é assim, que o CADE já teve oportunidade, e tem autorização legislativa, tem previsão legal para atribuição, no sentido de aprovar atos de concentração econômica, vide exemplo o famoso caso da Ambev. Então, não é por que se verifica uma hipótese de concentração econômica pós-privatização ou não que o CADE necessariamente vai atuar de forma repressiva. Então o que vai acontecer é que se aquela empresa privatizada se mantém (inaudível)e incorrer em infração contra a ordem econômica, então, vai depender do comportamento da empresa pós privatizada e aí o CADE vai atuar como faria

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em qualquer empresa privada, ok! Então é isso gente com relação a desestatização, mas é importante registrar que o próprio CADE decidiu de forma diferente.

Eu quero, então, agora passar para análise do DDIREITOIREITO AANTITRUSTENTITRUSTE que é considerado um ramo genuinamente do Direito Econômico. O Direito Antitruste não vai se enquadrar nem na parte de Direito Administrativo, seria um ramo genuinamente do Direito Econômico que trata exatamente da defesa da concorrência. A defesa da concorrência, tendo em vista aquele momento de crise do capitalismo, que a gente já se referiu aqui na análise da própria origem do Direito Econômico, do conceito de Direito Econômico, nós vimos que o Direito Econômico surge a partir da legitimação do Estado para intervir na atividade econômica do domínio econômico. Portanto, intervir no que se refere aos valores fundamentais do capitalismo, livre iniciativa e propriedade privada, para fins de minimizar essa crise do capitalismo, a chamada imperfeição, as chamadas imperfeições detectadas. No capitalismo liberal a partir de crise 29, a partir das duas grandes guerras mundiais. Então, essas imperfeições seriam a falta de capacidade de autoregulação, então o Estado intervém para regular, já vimos aí a função reguladora do Estado e a outra imperfeição seria exatamente a concentração econômica. A concentração econômica foi vista, num primeiro momento como um efeito autodestrutivo do capitalismo liberal. Por que a concentração econômica coloca em risco o princípio da livre concorrência, portanto o princípio da livre iniciativa, um dos valores fundamentais do capitalismo. Então, havia a necessidade de uma resposta do Estado para essa situação sob pena de configurar esse efeito autodestrutivo no sentido mesmo, aqui essa concentração econômica no sentido desse despotismo econômico, da hegemonia econômica. Portanto, o Estado num primeiro momento intervém para reprimir essa concentração econômica, então, tem isso no Direito Norte-Americano, “Cherno.....” seria o primeiro diploma referente a tutela da concorrência, com essa característica repressiva. Acontece que esse fenômeno concentracionista, a rigor, vai, vamos dizer assim, vai apresentar outras causas, no decorrer, que têm a ver com a própria evolução do capitalismo. Então, se a concentração econômica num primeiro momento foi tida como maléfica, como destrutiva porque era o poder econômico pelo poder econômico, no decorrer da evolução do capitalismo essa evolução econômica vai apresentar outras causas. Então, agora, por exemplo, num contexto de globalização tem um conflito na hipótese de Direito Comunitário, por exemplo, a comunidade européia tem adotado medidas até mesmo para incentivar a concentração econômica como forma de fortalecimento, de autofortalecimento, para fazer face a uma competição, aumentar a sua condição de competitividade num mercado global, no mercado globalizado.

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Então, nesse exemplo que eu acabei de dar seria uma situação concentração econômica benéfica, ou seja, aos poucos o direito antitruste vai alterando essa sua característica inicial de tutela pura e simplesmente da concorrência. E portanto de tutela das estruturas do mercado para tutelar o comportamento dos agentes econômicos e assumir aqui também o caráter instrumental. Então, o direito antitruste vai cada vez mais afirmando um papel de instrumento na implementação da política econômica. É daí que se extrai uma classificação da concentração econômica em três níveis: reprimida, consentida, no sentido de tolerada, e estimulada. Concentração econômica reprimida seria a hipótese de abuso do poder econômico, é o art. 173, § 4º da Constituição: “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”. Então, esse dispositivo está regulamentado pela lei 8884, que vai trazer hipóteses de infração à ordem econômica e vão ser objeto de repressão com aplicação de penalidades previstas na 8884. Ora, mas nem toda concentração econômica vai ser objeto de repressão, vai depender do quê? De considerá-la benéfica ou maléfica. Porque o importante é a gente lembrar o seguinte, o que nós dissemos em relação aos princípios constitucionais de um modo geral, que não são valores absolutos. Então, também a concorrência não é o valor absoluto (fim do lado A)

(...) a autorização a cargo do CADE no sentido do art. 54 da 8884, “os atos sob qualquer forma manifestados que possam prejudicar a concorrência ou resultar na dominação de mercado relevante de bens e serviços deverão ser submetidos à apreciação do CADE”. No parágrafo primeiro “o CADE poderá autorizar esses atos” desde que configurados uma série de requisitos e um deles é exatamente a Economia Nacional, é o contexto da política econômica que vai permitir ao CADE aprovar um ato de concentração econômica, é a hipótese de concentração econômica consentida, ou até mesmo concentração econômica estimulada, como esse exemplo que eu dei no Direito Comunitário, ou um registro, no caso brasileiro propriamente, é quanto ao início do processo de industrialização em que havia legislação incentivando, portanto, havia um estímulo à concentração econômica. As empresas que optassem pela fusão ou incorporação recebiam benefícios financeiros, isenções tributárias e por quê? Exatamente para o fortalecimento da indústria embrionária. Então, é esse contexto da política econômica que vai mediar essa classificação aqui. Atualmente a gente não tem um exemplo completo, mas em tese seria admissível. Isso quanto ao fenômeno concentracionista de modo geral, eu fiz referência aqui às hipóteses de fusão e de incorporação que são as mais conhecidas, mais tradicionais, mas qualquer situação que possa configurar concentração econômica, então, do tipo grupo econômico, aglomerado,

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conglomerado, determinados contratos como joint venture, que possam configurar essa concentração econômica que vão objeto ora de repressão, ora de tolerância, e até mesmo de estímulo, dependendo de se considerar essa concentração benéfica ou maléfica. Portanto, concentração econômica por si só não configura necessariamente infração contra a ordem econômica, é importante desde de agora estabelecer isso.

Pois bem, é dito ainda com relação ao Direito Antitruste de uma característica que ao longo do tempo, mas atualmente, o Direito Antitruste é concebido como uma característica marcante da sua flexibilidade, flexibilidade esta que a Paula Forgioni tem uma referência aí na apostila, para quem pretenda fazer o concurso na área da Procuradoria da República seria de leitura bastante recomendada que é o livro “O Direito Antitruste Brasileiro”, não aliás esse é do Fábio Ulhôa, “Os fundamentos do Antitruste”, Paula Forgioni. Ela vai estabelecer como parâmetros dessa flexibilidade que ela denominou de válvulas de escape. Válvulas de escape, o que seriam? Primeiro a incorporação nas legislações de regras de tolerância. Então, regras de tolerância, os regimes do Direito Antitruste de um modo geral vão conceber regras de tolerância que podem se apresentar sob a forma de regra da razão, ( )com isso no Direito Norte-Americano, regra de isenção, no caso do Direito Tributário, algumas situações que ficam à parte da repressão, embora configurando concentração econômica ou um critério, uma regra de autorização, de aprovação que é exatamente o nosso caso lá do art. 54 da lei 8.884, que prevê a atribuição do CADE para aprovar, autorizar determinados atos de concentração, isso dá uma flexibilidade ao Direito Antitruste, essa tolerância.

A outra situação, o outro critério que ela estabelece seria a questão do jogo de interesses, ou seja, na ponderação, na verdade a concentração econômica vai ser tolerada desde que possa em contrapartida trazer algum aspecto positivo, desde de que possa ser considerada uma concentração econômica benéfica. Portanto, tende haver, trazer, ou melhor dizendo, trazer um benefício, em termos da política econômica, então aqui a gente vai estar falando em outras palavras da aplicação da Teoria da Ponderação dos Interesses, é exatamente porque a concorrência não é um valor absoluto é que vai poder sofrer restrição, é que vai poder sofrer restrição desde que no balizamento dos interesses em jogo haja um resultado benéfico, um resultado positivo em termos da política econômica, e isso vai estar de certa forma configurado lá nos requisitos do art. 54. A terceira e última válvula de escape, e ela não estabelece nada dessa seqüência, seria uma definição elástica de mercado relevante.

Mercado relevante é um conceito fundamental em termos de Direito Antitruste, é imprescindível a gente primeiro identificar qual é o mercado para qualquer tipo de análise em termos da concorrência. Então

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essa definição de mercado relevante vai ser fundamental, inclusive, para se analisar as hipóteses de infração contra a ordem econômica e tudo vai depender muito das características do mercado relevante. A própria autorização com base o art. 54 vai estar atrelada às características do mercado relevante. E porque é dito que essa é uma definição elástica? Porque mercado relevante não é um conselho, não é uma pré-formulação, não é um conceito pré-concebido, na verdade mercado relevante é uma noção que se extrai caso a caso, é uma noção casuística, em cada caso concreto é importante a gente perceber qual é o seguimento da atividade econômica que está sob análise. Então, portanto, mercado relevante é onde se travam as relações de concorrência e em que está inserido um determinado agente econômico cujo comportamento se quer analisar. Então, mercado relevante vai estar sempre atrelado, e aí é importante a gente estabelecer o seguinte que essa expressão relevante, mercado relevante não significa uma relevância do ponto de vista da repercussão na economia nacional, não, pode ocorrer do mercado relevante local, do mercado relevante pequeno. Então, expressão relevante aqui significa o mercado em causa, o mercado específico, é o segmento da economia que está sendo analisado, ok? Então, ora se mercado relevante é onde se travam as relações de concorrência cujo comportamento de um determinado agente econômico se quer analisar, esse conceito acaba se desdobrando em dois aspectos. Um que é sob o ponto de vista geográfico, quando fala em mercado relevante geográfico e também que fala do mercado relevante material, quer dizer é o mesmo mercado relevante que há de ser delimitado, é o mercado relevante do ponto de vista geográfico é o espaço físico, é o aspecto espacial mesmo, é até onde vai, qual é o limite desse mercado relevante? E sob ponto de vista material? Se refere ao produto em causa. Então, o espaço até onde ele vai, até onde o mercado relevante vai e com relação a que produto e aqui entenda-se bem ou serviço, o mercado relevante vai atingir um ou outro. Há ainda uma classificação com base em mercado relevante horizontal e mercado relevante vertical. Deixa eu só colocar aqui entre parênteses só para registrar porque eventualmente o CADE vai fazer menção essa expressões e, enfim, algumas vezes isso vai ser importante e outras nem tanto. Mercado relevante horizontal seria mercado relevante restrito a uma faixa, a uma zona, a uma etapa da cadeia de produção então nós vamos ter um mercado relevante com relação aos fornecedores de matéria-prima, por exemplo, o próprio art. 20 nos traz uma idéia quando faz menção ao parágrafo segundo ao mercado relevante como fornecedor, intermediário, adquirente, financiador de produtos e serviços de tecnologia. Então é uma etapa, tanto que o mercado relevante vertical se dá quando mais de uma etapa da cadeia de produção que esteja envolvida para configurar num caso concreto esse mercado relevante. Então é quando, por exemplo, o comportamento do fornecedor vai estar atingindo o mercado

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relevante subseqüente da cadeia de produção. Pois bem, então, o mercado relevante sobre o ponto de vista geográfico e material já que depende da análise do caso concreto é uma noção que vai ser extraída a partir de alguns fatores. Então alguns fatores econômicos envolvidos vão estar atuando aqui de modo a configurar o mercado relevante, quais são eles? Os hábitos do consumidor, vai ser fundamental qual o comportamento do consumidor. A qualidade e a necessidade do produto, eventual existência de barreiras alfandegárias, vai também interferir aqui, tanto barreiras tarifárias quanto barreiras não tarifárias qualquer restrição no comércio exterior, a questão dos custos envolvidos nas operações, inclusive o custo de transporte do produto e a existência de incentivos fiscais, incentivos por parte das autoridades. Esse é o elenco que a Paula Forgioni vai fazer menção, mas obviamente que não é um elenco taxativo, é meramente exemplificativo que nos traz fatores que vão estar se combinando para configurar o mercado relevante numa situação de caso concreto. Então, por exemplo, o hábito do consumidor vai ser fundamental, então vamos dar dois exemplos, um para a gente tentar identificar uma situação para delimitar sob o ponto de vista geográfico, outro para delimitar sob o ponto de vista material. Então imaginemos uma situação em que o consumidor em uma determinada localidade tem por hábito o consumo de bananas. Então na sua mesa, na sua alimentação é imprescindível que haja banana. No outro exemplo, numa outra localidade, o consumidor tem por hábito o consumo de frutas frescas de um modo geral, então pode ser banana, pêra, maça etc. Então vejam, no primeiro exemplo o mercado relevante é mais restrito do que no segundo exemplo, por quê? Porque a gente está querendo saber onde se travam as relações de concorrência. Agora o fornecedor de banana no primeiro exemplo, ele vai estar travando concorrência com quem? Só com fornecedor de banana, com outros fornecedores de bananas. Enquanto, que o no segundo exemplo aquele fornecedor de banana, produtor de banana vai estar concorrendo com produtor de maça, de pêra etc, percebem? Isso altera a característica do mercado relevante num outro exemplo, num menor, no primeiro exemplo um mercado relevante menor e num segundo exemplo num mercado relevante maior, por isso que ele é elástico. E aí a gente está falando sob o ponto de vista do produto em causa.

Pois bem, um exemplo ainda quanto aos hábitos do consumidor, e aqui é importante a gente sempre perceber o seguinte, qual é a disposição desse consumidor para se deslocar, de deslocamento para aquisição do produto? Então, vamos imaginar que uma determinada padaria produza um pão extremamente saboroso, atrai o consumidor. Então, um hábito do consumidor, simplesmente é um pão espetacular, magnífico.

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(Pergunta de aluna) Professora essa disposição não tem nada haver com logística não, né?

(Resposta da professora) Não é a questão, você pode até encontrar o aspecto logístico interferindo no mercado relevante. Sem dúvida, sem dúvida. Isso vai interferir no consumidor, né? Se ele está disponível para se deslocar ou não.

(Novamente aluna) Vai alterar o custo que está lá embaixo?(Professora) Por isso esses fatores estão se combinando entre

si. Então nesse exemplo que eu dei por mais saboroso que seja o pão numa padaria em Jacarepaguá, isso não vai fazer com que o consumidor de Bangu se desloque até lá para poder consumir porque aqui vai entrar a questão da qualidade, da necessidade do produto e aí a gente pode até lembrar aqui o aspecto da fungibilidade também, né. Ora por mais saboroso que, a gente está pesando aqui qualidade do produto, não se justifica até mesmo por conta do custo deste deslocamento seria inconcebível que um sujeito sair de Bangu para poder comprar um pão em Jacarepaguá, ou seja, não há um mercado relevante sob ponto de vista geográfico que englobe uma padaria de Jacarepaguá com uma padaria de Bangu. Então o mercado relevante seria nas imediações mesmo, ali em Jacarepaguá, dentro do mesmo bairro que configurasse um mercado relevante, mas ele não seria vasto a esse ponto. Agora um outro exemplo, então, em termos de qualidade, de necessidade do produto, mas voltado para o aspecto da fungibilidade. Mercado relevante de canetas esferográficas, ora o mercado em que está inserido a caneta Mont Blanc é um mercado relevante material que não se confunde com o mercado relevante de canetas do tipo de caneta Bic, porque não há esse aspecto de fungibilidade, da substituição porque não são do mesmo gênero, qualidade etc. Quem pretenda adquirir uma caneta Mont Blanc talvez, para presentear alguém não está disposto, então de novo o consumidor também direcionando o mercado relevante, não estaria disposto a adquirir uma caneta Bic em substituição à caneta Mont Blanc. Então é um fator que vai separar mercados relevantes distintos sob ponto de vista material. Agora, vejam bem, eu dei esse exemplo da padaria e eu queria dizer o seguinte, certamente o CADE, alguém poderia estar pensando, mas o CADE vai se ocupar de uma padaria lá em Jacarepaguá? Então, eu estou me valendo desses exemplos mais singelos para a gente poder raciocinar em torno dessa noção de mercado relevante. Agora, se por um lado nós dissemos que o mercado relevante é o mercado em causa, portanto não é o mercado relevante sob o ponto de vista da repercussão em termos da economia, a gente não pode perder de perspectiva um detalhe importante que a gente viu quando do próprio conceito do Direito Econômico que é o aspecto macro-econômico, portanto, macro-jurídico; isso é da característica do Direito Econômico, então aqui também vai estar presente. Esses são exemplos singelos para a gente poder raciocinar e

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perceber a noção de mercado relevante, mas não que todo mercado relevante vai dele se ocupar o CADE, percebe? Então, relevância aí, não é questão da relevância econômica, mas por outro lado a gente não pode perder a perspectiva o aspecto macro-econômico que também vai estar presente no Direito Antitruste.

Da existência de barreiras alfandegárias, óbvio, né? A diminuição da alíquota de importação interfere no mercado relevante e expande esse mercado relevante. Por quê? Porque importa no aumento de importações, portanto, a mercadoria importada vai estar concorrendo com um congênere nacional. E mercado relevante não é onde se trava as relações da concorrência se o produto tá concorrendo com produto nacional, ele faz parte desse mercado relevante, ok!

A questão do custo de transporte a gente já mencionou. A questão da concessão de incentivos, eu dei um exemplo aí que tem até haver com a questão da guerra fiscal dos Estados quererem atrair os clientes para suas regiões. Então, houve uma época em que, isso foi até noticiário de televisão, uma questão da diminuição das alíquotas de ICMS de veículos automotores no Estado de São Paulo, então, foi noticiado na televisão a situação do consumidor de Resende. O município faz parte do Estado do Rio de Janeiro, mas aquele incentivo concedido pelo Estado paulista fez com que o consumidor se deslocasse até o primeiro município de São Paulo. Porque aí, é lógico vão estar se combinados outros aspectos, né? a questão do produto em si, é um produto que economicamente justificaria esse deslocamento, é a questão do custo. Então, vejam se num primeiro momento as concessionárias de automóveis de Resende concorriam entre si, ou quando muito com de uma ou outra cidade vizinha a partir desse incentivo, elas passaram a concorrer com municípios mais distantes, com municípios do Estado de São Paulo. Por isso que esse conceito é elástico. Então o mercado relevante era um num dado momento e por um fator como esse, esse mercado relevante aumentou, se ampliou.

Então, a mesma hipótese naquela situação do aumento de imposto na alíquota de exportação, isso vai fazer com que o mercado relevante se expanda ou se reduza. E aqui é importante a gente chamar a atenção também, porque a gente vai inclusive visualizar determinadas situações de um mercado relevante fora do âmbito do território nacional, algumas situações do Mercosul a gente pode configurar mercado relevante, desse porte, um mercado relevante que pode ser bem pequeno ou como pode assumir proporções desse gênero, né. Então, perceberam? alguma dúvida até aqui? E como esse fatores vão estar se conjugando, se combinando

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continuamente essas características, o mercado relevante vai também se moldando. Então, por exemplo, quando o CADE vai analisar uma situação com base no art. 54, né, então, por exemplo no caso da Ambev, para que o CADE conclua pela aprovação ou não de uma situação de concentração econômica, né, de uma prática restritiva da livre concorrência, ele vai primeiro analisar a característica desse mercado relevante, porque em algumas situações, se esse mercado relevante está em expansão, em crescimento, a gente vai considerar aí uma concorrência em potencial. O CADE costuma usar uma expressão que é “vigor concorrencial”, o mercado relevante mantém o “vigor concorrencial” a despeito de uma concentração econômica. Então a gente vai perceber aqui é que de um lado a gente vai ter situação de concentração econômica, concentração econômica e por outro lado a questão da concorrência. Sempre, sempre e sempre diante de um mercado relevante em potencial, no caso concreto.

(Pergunta inaudível)(Resposta da professora) Poder aquisitivo. É aí você vai inserir

aqui na condição do consumidor, na disposição do consumidor, essa disposição também de poder econômico, ele tem capital para adquirir um produto X ou Y, é de qualquer maneira é a condição do consumidor. Aqui não seria hábito propriamente, a gente pode colocar de uma forma mais genérica. Qual é a posição do consumidor? Sem dúvida, sem dúvida, aí você vai ter o segmento da atividade econômica mais voltadas para determinadas classes econômicas. Mas aí de qualquer maneira vai estar inserido aqui, mas é o que eu falei também esse também não é um elenco taxativo. Então, por exemplo, a situação atual internacional vai estar repercutindo nos mercados relevantes, vários fatores econômicos que se combinam, que se conjugam diante de um caso concreto, para moldar esse mercado concreto. Então sempre a gente vai ter que primeiro visualizar até onde vai o mercado relevante e a que se refere, a que produto se refere esse mercado relevante, ok?

Bom, gente, se eu não me engano a gente parou na parte do direito antitruste, analisando o mercado relevante, não é isso? Chegamos a ver os tipo de infração à ordem econômica, não né?

Defesa da Concorrência

Nós fizemos uma introdução para afirmar que a defesa da concorrência, o direito antitruste surge em resposta a uma das imperfeições do capitalismo, que é exatamente a concentração econômica como um efeito autodestrutivo do capitalismo liberal, na medida em que a concentração

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econômica coloca em risco as bases, um dos valores fundamentais do capitalismo que seria a liberdade de iniciativa, só que paulatinamente o direito antitruste que num primeiro momento tutela a livre concorrência em si, vai assumindo um caráter instrumental para a implementação de políticas econômicas, políticas públicas. Vale dizer que essa concentração econômica, de acordo com a própria evolução do capitalismo, nem sempre vai ser considerada maléfica como nessa origem de modo a ser objeto de repressão.

Daí nós falarmos em:

a) concentração econômica reprimida;

b) concentração econômica consentida ou tolerada;

c) concentração econômica estimulada.

E por que? Porque liberdade de concorrência não é um valor absoluto, não é um fim em si mesmo. Então, tendo em vista determinadas circunstâncias, e desde que essa concentração traga algum benefício em termos da economia não necessariamente vai ser objeto de repressão.

Pois bem, o art. 173, § 4º da CF/88 vai trazer menção à concentração econômica reprimida, “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.Então vejam:

I) dominação dos mercados;

II) eliminação da concorrência;

III) aumento arbitrário dos lucros

Ora, para nós analisarmos cada um desses tipos, cada uma dessas infrações administrativas, nós temos que ter em mente exatamente aquela noção que nós vimos na aula passada, a noção de mercado relevante, que ao lado das regras de tolerância e da ponderação do jogo de interesse protegido vai exatamente configurar a flexibilidade que é da característica do direito administrativo.

Regras de tolerância do nosso caso vão ser as regras do art. 54 da lei n.º 8884, que prevê a possibilidade de autorizar, portanto tolerar... essas regras de tolerância nós nos referimos, né? Regra da razão of reason do direito norte-americano, regra de isenção e regras de autorização. Na verdade significa da incorporação às legislações antitrustes de ressalvas quanto à aplicação das normas repressivas. Mas para a gente compreender o art. 54 nós temos que analisar primeiro as infrações à ordem econômica. O

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art. 173, § 4º está regulamentado pela lei 8884, que no artigo 20 vai trazer menção a exatamente essas hopóteses.

O § 4º do art. 173 faz menção à expressão “que vise”, tenham cuidado, não significa o aspecto subjetivo no sentido da intenção do infrator, não! Na verdade essa expressão contida no § 4º do art. 173 nos dá a idéia de resultado a ser produzido. É a conduta no sentido de estar apta a produzir aqueles resultados, por isso é que se fala que contribuiu para a infração à ordem econômica tanto o dano potencial quanto o dano efetivo, ou seja, não necessariamente precisa-se atingir o resultado, desde que a conduta seja apta a produzi-los, e isso vai ficar muito claro no art. 20 da lei n.º 8884, que afasta exatamente o elemento subjetivo, traz muito evidente que se trata de responsabilidade objetiva, responsabilidade objetiva no sentido da responsabilidade independente de culpa, sem a análise de qualquer elemento subjetivo.

Detalhe que vale à pena ressaltar é que a responsabilidade civil no âmbito do direito civil está relacionada com condutas lícitas, mas tendo em vista a necessidade de socialização do dano, enquanto que aqui estamos diante de condutas ilícitas, de ilícitos administrativos, portanto entenda-se responsabilidade civil objetiva como responsabilidade sem culpa, o que aliás é comum diante de infrações administrativas, vide infrações de trânsito por ex., onde também não há que se perquirir o elemento objetivo. Então vamos à leitura do caput do art. 20 que deixa bem claro o que acabamos de afirmar, “constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados”, então ao invés do dano efetivo, é o dano potencial, que a conduta esteja apta a produzir esses resultados. Inciso I, “limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa”, então o inciso I do art. 20 corresponde a esse item do §4º do art. 173 da CF/88. Inciso II, “dominar mercado relevante de bens ou serviços”, dominação de mercado de mercado também está aqui13, né?. Inciso III, “aumentar arbitrariamente os lucros”, também corresponde a um item do §4º do art. 173 da CF/88. Mas o art. 20 traz ainda um inciso IV, “exercer de forma abusiva posição dominante”, então é o abuso de posição dominante.

Quem fizesse uma primeira leitura do art. 20 poderia questionar o seguinte: “ah, mas esse inciso não está incluído no § 4º do art. 173, então poderia o legislador infraconstitucional estabelecer uma hipótese para além do que está estabelecido no § 4º do art. 173?”. O que a gente vai perceber é 13 Refere-se ao § 4º do art. 173 da Constituição Federal

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que esse inciso não está aparentemente expresso no art. 173, mas a rigor, abuso de posição dominante acaba por se confundir com dominação de mercado, e por quê? Bom, dominação de mercado ou posição dominante está ligado à idéia do controle sobre o mercado relevante, é a possibilidade, é a posição do agente que lhe permite controlar os demais concorrentes, os demais agentes econômicos, interferir no comportamento desses agentes, de forma independente, de forma autônoma. Isso que caracteriza a dominação de mercado, ora, mas como o próprio direito antitruste vem paulatinamente abandonando a tutela, pura e simplesmente, da livre concorrência, o que a gente vai perceber é que, na verdade, o direito antitruste que num primeiro momento se ocupava com as estruturas do mercado, cada vez mais está voltado para o aspecto do comportamento do agente econômico. Então não é a posição dominante em si e por si que vai configurar infração contra a ordem econômica. A infração se caracteriza a partir do comportamento que esse agente, em posição dominante, possa adotar.

O § 2º do art. 20 inclusive traz uma definição sobre posição dominante: “ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de empresas controla parcela substancial do mercado relevante como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia”. Então posição dominante seria controle de parcela substancial do mercado relevante. Isso é posição dominante, nós ainda vamos ver a questão da abusividade. E quando é que isso vai acontecer? Para compreendermos essa questão do controle do mercado relevante é importante a gente analisar uma classificação que é muito bem descrita pelo João Bosco Leopoldino da Fonseca, que é a noção de concorrência perfeita. Então de um lado nós temos a idéia de concorrência perfeita, que se contrapõe de outro lado a uma noção de monopólio, a uma noção de concentração econômica em último grau, na verdade quando se fala em eliminação da concorrência não se leva em conta a idéia de monopólio como uma concentração integral de um determinado relevante, não é necessária uma concentração de 100% (cem por cento) do mercado relevante. Não é isso, é a eliminação da concorrência ainda que parcial desse mercado, pois bem, aqui nós teremos uma situação extrema de uma absorção do mercado relevante que se contrapõe à idéia de concorrência perfeita, então para João Bosco Leopoldino da Fonseca, a noção de concorrência perfeita está ligada de atomicidade e fluidez do mercado relevante. Atomicidade no sentido de se considerar cada componente, cada um dos agentes econômicos que compõe aquele mercado relevante, daquele segmento em causa, ele há de ser considerado um átomo, no sentido de que o seu comportamento não vai necessariamente interferir no conjunto de átomos que dinamicamente

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interagem naquele mercado relevante, então a idéia de fluidez é a idéia de mercado relevante dinâmico. Ora, na verdade, quando a gente percebe uma situação de concentração econômica, nós começamos a nos afastar dessa idéia de concorrência perfeita. A idéia de concorrência perfeita seria quase que utópica no sentido da colocação desse mercado tão aberto, tão fluido, composto por agentes econômicos na situação de átomos, sobretudo na medida em que essa concentração econômica vai sendo consentida pelas legislações, em alguns casos até estimulada, nós vamos conviver aqui com uma noção intermediária que seria a noção de concorrência imperfeita, em que nós vamos ter algum de concentração econômica, de qualquer maneira quando falamos em posição dominante e portanto nessa capacidade controle de parcela substancial do mercado relevante nós temos em visto o que, exatamente afastar-se dessa situação de concorrência perfeita, porque numa concorrência perfeita não se concebe que um dos agentes, se ele é apenas um átomo, como é que ele vai conseguir controlar os demais agentes econômicos daquele mercado, percebe? Então, em última análise, quando falamos em dominação do mercado e controle do mercado a gente está falando de algum grau de concentração econômica e, em última análise, em eliminação da concorrência, porque nós só vamos conceber alguém que possa dominar o mercado, ou seja, influir e interferir no comportamento dos demais agentes econômicos sem que em contrapartida sofra as pressões próprias do mercado quanto menor seja o grau de concorrência, de competitividade desse mercado, percebem? Não ficou claro?

Então vamos tentar explicar de uma outra forma. Controle de um mercado relevante significa que um determinado agente econômico ou grupo de agentes econômicos tem a capacidade de interferir no mercado relevante, por ex., ele alterou o preço da mercadoria dele e isso vai repercutir na esfera dos demais agentes, mas sem que ele sofra, em contrapartida, a interferência desses outros agentes, ele vai estar atuando de forma independente, de forma autônoma, independente da existência e do comportamento desses outros agentes econômicos, ele interfere sem que sofra interferência desses agentes, pressões do mercado, então, ora, ele só vai conseguir isso fora de uma noção de concorrência perfeita, se aqui ele é meramente um átomo, ele não vai conseguir interferir de forma independente, de forma autônoma. Então ele aumentou o preço dele e numa idéia de concorrência perfeita ele vai ter que reduzir porque o próprio mercado vai pressionar para isso.

A liberdade de concorrência significa a liberdade de ingressar, permanecer ou retirar-se do mercado relevante sem que isso traga efeitos a

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esse mesmo mercado. É a possibilidade de ingressar, permanecer ou sair desse mercado sem que isso cause efeitos para os demais agentes econômicos concorrentes, então, ora, se essa posição dominante, esse controle do mercado relevante significa a possibilidade do agente econômico interferir no comportamento dos demais sem sofrer, em contrapartida, essas pressões de uma situação de concorrência perfeita, de um mercado fluido, em outras palavras o que estamos falando que só vai haver posição dominante quanto menor for o grau de competitividade daquele mercado, quanto mais ele se afasta dessa noção de concorrência perfeita porque se o grau de competitividade for elevado, o agente não consegue assumir essa posição de controlar esse mercado, e aí vão prevalecer as regras de concorrência perfeita: atomicidade e fluidez. E é nesse sentido que a gente coloca que posição dominante e dominação de mercado se confundem enquanto controle do mercado relevante e além disso só configuram infração contra a ordem econômica portanto tendo em vista o aspecto da abusividade, então não é meramente a posição dominante e sim o comportamento que o agente em posição dominante passe a adotar. Então vamos dizer, o sujeito pode ter, inclusive essa posição dominante aqui é presumida, a partir de 20% do mercado relevante, essa parcela de 20% ou mais do mercado relevante, já é configurada a posição dominante, mas nem por isso vamos ter a hipótese de infração à ordem econômica, vai depender do comportamento daquele que está em posição dominante, em se configurar de forma abusiva.

Essa presunção está estabelecida no § 3º do art; 20, “A posição dominante a que se refere o parágrafo anterior é presumida quando a empresa ou grupo de empresas controla 20% (vinte por cento) de mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo CADE para setores específicos da economia”, por quê? Porque vai depender das características do mercado relevante, se é um mercado relevante mais amplo ou com uma concorrência em potencial, pode ser que 20% seja excessivo, ou do contrário, pode ser um mercado relevante mais contido em que 5% já configure essa situação de possibilitar que o agente econômico controle do mercado relevante. Ora, essa é uma presunção relativa no sentido de que a posição dominante por si só não configura infração contra a ordem econômica, então quem tem 20% ou mais do mercado relevante, de um lado vai necessariamente se submeter a uma fiscalização direcionada, então de qualquer maneira podemos mencionar aí que um dos efeitos da posição dominante está previsto no art. 14, inciso II, “compete à Secretaria de Direito Econômico acompanhar permanentemente as atividades e práticas comerciais de pessoas físicas ou jurídicas que detiverem posição dominante

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em mercado relevante de bens ou serviços, para prevenir infrações da ordem econômica etc.

Então quem tem acima de 20% está presumidamente em posição dominante, vai sofrer uma fiscalização por parte da Secretaria de Direito Econômico, mas só vai incorrer em infração se do seu comportamento pudermos inferir uma conduta abusiva. É o exercício do direito desviado de suas finalidades, dos fins sociais do direito, e visando um prejuízo de terceiro, então essa idéia de abusividade vai estar obrigatoriamente presente

(pergunta) O monopólio por si só já não representa essa infração?

(resposta) Não, vamos supor que uma pessoa resolve desenvolver atividade de sapateiro e é o único que explora economicamente, tem 100% do mercado relevante, podemos dizer que ele incorre em prática de infração contra a ordem econômica? Não, vai depender do comportamento dele., vai depender das características do mercado relevante. Vamos supor que o vizinho resolva desenvolver a mesma atividade, é o ingresso de um novo agente econômico. Dependendo do comportamento dele, aí sim poderemos caracterizar infração, vamos supor, por ex., que ele abaixe os preços dele, ele já tem o estoque, o outro está iniciando e está fazendo investimentos. Aí sim estaria configurada infração contra a ordem econômica porque ele está abusando da posição de dominância naquele mercado.

(pergunta inaudível)

(resposta) você precisa da ação, você precisa do ato, até para você (PROBLEMA NA FITA)

(...) Houve o comportamento do primeiro, mas não houve esse resultado – eliminação da concorrência – mas ainda assim está configurada a infração contra a ordem econômica, do tipo abuso de posição dominante.

Então quando se fala, a conduta que está apta a se produzir um determinado, qual seja, um desses. Ainda que efetivamente você não tenha um dano efetivo, ainda que efetivamente aquele resultado não tenha sido alcançado.

(pergunta inaudível)

(resposta) É, quanto ao resultado, quanto àquele efeito, dominação, eliminação ou aumento arbitrário. Agora, lembrando de qualquer forma, o efeito dominação de mercado, como a gente está dizendo, que se confunde com a noção de abuso de posição dominante, na verdade, o que a gente vai ter em conta, o que é essa abusividade, o que numa e em outra

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situação o efeito a ser potencialmente gerado é o da eliminação da concorrência.

Se a posição dominante só se concebe, quando o grau de competitividade for baixo, porque do contrário, o agente vai ser meramente um ato e ele vai estar sujeito às condições do mercado, ao invés dele próprio impor as regras do mercado, ao invés dele interferir de forma independente e autônoma no comportamento dos outros agentes. O que a gente está falando em última análise, é que o abuso de posição dominante que se confunde com a noção de dominação de mercado que em um e em outro caso a gente vai ter presente a idéia de abuso, na verdade se subsumem na situação eliminação da concorrência. Percebem isso? Porque em última análise o que está em risco é a concorrência, quanto maior for o grau de concorrência menor a chance de um agente alcançar essa posição de dominância.

Então, um e outro se subsumem aqui na hipótese de eliminação de concorrência. Mas, a recíproca não é verdadeira, nem toda infração do tipo eliminação da concorrência vai se configurar a partir de uma posição dominante ou de uma situação de dominação de mercado, que significa a mesma coisa. Então, a gente vai poder ter,por exemplo,uma situação em que determinados agentes econômicos que não estejam em posição dominante, nem mesmo somada a sua participação no mercado, podem entrar em acordo sobre o preço, por exemplo, para interferir no comportamento, para produzir efeito naquele mercado, no sentido de prejuízo aos demais agentes concorrentes daquele mercado. Então, eles não estão em posição dominante, nem mesmo somado a sua participação mas, estão incorrendo em prática do tipo eliminação do concorrência.

Um outro detalhe importante, quando a gente falou aqui de presunção relativa dessa posição dominante, toda presunção relativa admite prova em contrário, que provem o contrário do quê? Provem o contrário do exercício regular do direito, que é isso que se contrapõe à idéia de abusividade. Então, de um lado a gente tem o abuso do exercício do direito e do outro lado o exercício regular do direito. Então, aquele que está em posição dominante, poderá provar que está no exercício regular do direito. Então, por exemplo, o sujeito que desenvolva uma tecnologia mais avançada enfim, que consiga produzir um determinado bem de melhor qualidade do que o que vinha sendo colocado no mercado, e com isso ele atrai o consumidor, elimina alguns concorrentes, a gente está numa situação de eliminação da concorrência mas, isso poderia se configurar uma infração contra a ordem econômica? Certamente que não, porque falta caráter abusivo, ele está absorvendo aquele mercado eliminando alguns concorrentes

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mas no exercício regular do direito de livre iniciativa. Tanto é assim que o art.20 vai fazer uma ressalva expressa quanto a essa situação, então é o parágrafo 1º do art. 20. “a conquista de um mercado resultante de um processo natural fundado na maior (inaudível) do agente econômico em relação aos seus competidores não caracteriza o ilícito, exatamente porque falta o caráter de abusividade. Eu mencionei aqui que essa liberdade de concorrência, significa liberdade de ingressar, permanecer ou se retirar do mercado relevante, aí alguém pode se perguntar, mas a retirada do mercado relevante pode configurar a infração contra a ordem econômica? Mas, não seria o próprio da livre iniciativa o sujeito resolveu empreender uma determinada atividade econômica e depois ele desistiu. Vejam, de novo aqui, vai depender desse comportamento dele, se ele resolve simplesmente sair do mercado relevante é uma coisa, agora, se essa saída do mercado relevante, na verdade visa um desses efeitos, por exemplo, se ele se retira para gerar uma instabilidade no mercado relevante e daí um tempo ele se restabelece numa posição mais agressiva, evidentemente a gente vai estar configurando uma infração da ordem econômica. Então, até mesmo a retirada a gente vai ver as hipóteses do art.21, uma delas é exatamente, interromper ou reduzir em grande escala a produção sem justa causa comprovada. O art. .21 vai trazer algumas condutas exemplificativas de infrações da ordem econômica. Na verdade, as infrações à ordem econômica estão tipificadas no art.20. O art.21 vai trazer um elenco de situações que exemplificadamente podem estar incluídas no art. 20 e só serão infrações contra a ordem econômica na medida em que estejam caracterizadas, enquadradas lá no art.20. Então, o art. 21 tem que ser interpretado de forma conjugada com o art. 20, aliás expressamente é dito isso “as seguintes condutas, além de outras que nos dá a idéia de um elenco meramente exemplificativo, na medida em que configurem hipótese prevista no art.20 e seus incisos caracterizam infração da ordem econômica”. Então, só na medida em que se incluam também no art.20. E nem poderia ser de forma diferente, porque se a gente está falando de infração, de tipificação de infração administrativa até pelo princípio da reserva legal, tem destaque, tende haver prévia, previsão legal, então o art. 21 embora seja um elenco aberto, na verdade a tipificação deporta do próprio art. 20. Mas, vale a pena mencionar rapidamente alguns dos incisos, por exemplo, o inciso1 “fixar ou praticar em acordo com o concorrente sob qualquer forma preços e condições de venda de bens ou prestação de serviço”, é aquela idéia da conduta consertada, da conduta combinada que é exatamente o exemplo que eu mencionei, de uma situação do tipo infração de eliminação da concorrência que independe da posição que o agente econômico tenha sobre aquele mercado relevante, independente de uma

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posição dominante. Inciso IV, por exemplo, “limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado”, como estabilizar o ingresso de novos agentes. Inciso XIII, “recusar a venda de bens ou prestação de serviço dentro das condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais”, então, por exemplo, se essa recusa decorre do fato do sujeito estar com o nome dele inscrito num serviço de defesa de crédito, evidentemente não seria configurado uma infração contra a ordem econômica, falta o caráter da abusividade, isso se enquadraria nessa ressalva, dentro das condições normais de pagamento. Inciso XVIII, por exemplo, “vender injustificadamente mercadoria abaixo do preço de custo”, então cuidado com essas expressões que já caíram em provas de múltipla escolha, vender mercadoria abaixo do preço de custo, aí o candidato lembra que já leu isso na 8884, vai lá e marca a questão, mas não é, por quê? Vamos imaginar uma situação do estoque de natal que o sujeito imaginou vender X e vendeu aquém. Então, ele vai vender abaixo do preço de custo, para minimizar o prejuízo. Então, ele está vendendo abaixo do preço de custo justificadamente. Então, de novo, aqui faltaria o caráter de abusividade desse comportamento: venda abaixo do preço de custo. E aí, a situação de dumping, “importar quaisquer bem abaixo do preço de custo do país exportador”, inciso XIX. Inciso XXI, “cessar parcialmente ou totalmente as atividades da empresa, sem justa causa comprovada”, é aquele exemplo que eu mencionei, em que o sujeito se retira, mas na verdade se estabelece posteriormente para tirar algum proveito disso. Inciso XXIII “subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço ou subordinar a prestação de um serviço ou à utilização de um outro para a aquisição de um bem. É a chamada hipótese de venda casada que tem a previsão também no Código de Defesa do Consumidor. E o inciso XXIV “impor preços excessivos ou aumentar sem justa causa o preço do bem ou serviço”. Então, nesse item aqui, a gente se reporta ao inciso que ficou faltando lá no art. 20, que é do aumento arbitrário dos juros. A questão que se coloca é a seguinte: essa infração se configura de forma autônoma? ou do contrário, assim como abuso de posição dominante e dominação de mercado se subsumem na hipótese de eliminação da concorrência, se ele é um caso também aumento arbitrário do lucro estar vinculado à idéia de eliminação da concorrência? Afinal de contas, a gente está diante de um diploma legal que tem por objeto a tutela da livre concorrência. E o lucro, ao contrário, seria um atrativo à concorrência, em princípio não seria um fator de eliminação da concorrência. E nesse aspecto a gente vai ter divergências na doutrina. A Paula Forgione, por exemplo, ela vai considerar que o aumento arbitrário dos lucros pode sim se configurar como uma infração autônoma, independente de se perquirir qualquer aspecto

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relativo à livre concorrência. E isso vai ter relevância, vai repercutir nas atribuições do CADE, poderia o CADE autuar por uma infração do tipo aumento arbitrário dos lucros independente de qualquer questão da concorrência? Mas, se ele fizer isso, ele não vai estar, na verdade tutelando o consumidor? Então, o que a gente tem que ter em mente é o seguinte, que a legislação antitruste, especialmente a de 84, tutela de forma imediata e direta a livre concorrência, mas ninguém teria dúvida de que o consumidor está sendo tutelado, ainda que indireta, ainda que mediatamente. Quanto mais nós estivermos diante de uma situação de um mercado de concorrência, melhor vai ser para o consumidor, com certeza, vítima de abuso do poder econômico. Então, de um lado nós temos essa posição da Paula Forgione, ora legislação antitruste tutela de forma direta e imediata a livre concorrência e de forma mediata e indireta o consumidor, então nada impede que, isso no seu contexto, nada impede que num dispositivo isoladamente esteja a tutelar diretamente o consumidor. Então aqui, na verdade, estaria em causa muito mais a Defesa do Consumidor do que propriamente a Defesa da Concorrência. A posição do Fábio Ulhoa difere um pouco na medida em que ele afirma que o aumento arbitrário dos lucros só configura infração contra a ordem econômica se interferir nas estruturas do mercado. O próprio CADE não vai ter uma posição uniforme a esse respeito, nós vamos ter decisões e vale fazer menção à de coletânea das decisões do CADE, vale fazer menção à algumas decisões ora no sentido de que o CADE tenha atribuição sim para atuar na Defesa do Consumidor e, portanto coibindo o aumento arbitrário dos lucros, puro e simplesmente, independente de qualquer questão relativa à concorrência e em outras situações o CADE teve oportunidade de decidir diferente. Então, por exemplo, a matéria de reajuste abusivo de preços escapa à área de atuação dos Órgãos de Defesa da Concorrência, o aumento abusivo puro e simplesmente. E ainda, num outro sentido o CADE decidiu que a lei 8884 confere ao CADE competência para conhecer e julgar não apenas de matéria ligada à concorrência, assim tem o Conselho, competência para apreciar a eventual abusividade do aumento de preço públicos e tarifas de serviços públicos, reconhecendo aí o controle sobre o aumento abusivo de preços.

E uma outra decisão que eu queria fazer menção e que me parece mais acertada se a gente raciocinar o seguinte, para fechar essa controvérsia sobre o inciso III do art. 20, seria concebível o aumento arbitrário de lucros? Se o aumento do preço se dá em razão do aumento matéria-prima, por exemplo, numa situação de entresafra ou de prejuízo – fim do lado A

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(...) sustentar esse aumento, se isoladamente um determinado agente econômico resolve aumentar o preço para aumentar a sua margem de lucro, de duas uma, ou o mercado vai pressioná-lo para ele voltar atrás e aí ele é obrigado ao seu preço, ou ele consegue manter isso, então na verdade, muito dificilmente nós vamos conceber a hipótese de aumento arbitrário dos lucros, independente dessa posição de dominância, porque ele só vai conseguir sustentar isso se ele tiver uma posição dominante.

Então, a rigor, o aumento arbitrário dos lucros seria uma forma de abuso de posição dominante, porque se ele aumenta isoladamente e não está em posição dominante, o mercado vai fazer ele voltar atrás, necessariamente. Então tem duas decisões do CADE que eu gostaria de mencionar que vão mais nessa linha: não pode infringir a ordem econômica quem não disponha de poder econômico capaz de, por seu abuso, restringir ou limitar a livre concorrência no mercado relevante, porque do contrário ele não consegue manter esse preço elevado. E para a prática de aumento abusivo de preços faz-se mister que o agente ativo goze de poder no mercado relevante. Então vale registrar a controvérsia. No âmbito do próprio CADE nós temos decisões nos dois sentidos, mas de qualquer maneira, na prática, dificilmente vamos conseguir configurar essa infração se não segundo uma posição de dominância.

Com isso, a gente passa a analisar finalmente o art. 54, a gente vai dar um “pulinho” nos outros dispositivos e depois voltamos neles. Só uma coisa, nós vimos as infrações administrativas contra a ordem econômica, cuja penalidade vai estar estabelecida no art. 23, sobretudo a penalidade de multa. Mas o art. 24 traz ainda outras penalidades, que sem prejuízo da penalidade de multa, podem ser adotadas pelo CADE, então o art. 24 estabelece, um detalhe ainda mais, no § único do art. 23, vai ficar estabelecido que em caso de reincidência a pena será aplicada em dobro, é importante a gente registrar isso. O art. 24 traz outras penalidades, e tem a seguinte redação, “sem prejuízo das penas cominadas no artigo anterior (...)”, basicamente a pena de multa, “(...) quando assim o exigir a gravidade dos fatos ou o interesse público geral (...)”, e quem é que vai fazer esse juízo? O próprio CADE, a dosimetria da pena vai ser feita pelo CADE, que tem atribuições previstas no art. 7º, II, “compete ao plenário do CADE decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar as penalidades previstas em lei”, então o art. 24 traz que “sem prejuízo das penas cominadas no artigo anterior, quando assim o exigir a gravidade dos fatos ou o interesse público geral, poderão ser impostas as seguintes penas, isolada ou cumulativamente”, inciso I, “a publicação, em meia página e às expensas do

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infrator, em jornal indicado na decisão, de extrato da decisão condenatória, por dois dias seguidos, de uma a três semanas consecutivas”, isso se assim entender o CADE pela gravidade dos fatos. Inciso II, “a proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e participar de licitação”, inciso III, “a inscrição do infrator no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor”, e eu ainda queria chamar a atenção dos senhores para o inciso V, o CADE pode ainda impor “a cisão de sociedade, transferência de controle societário, venda de ativos, cessação parcial de atividade, ou qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica”, são penalidades extremas porque atingem o princípio da livre iniciativa no seu âmago. Então, ao mesmo tempo que a defesa da concorrência tem em vista a defesa da livre iniciativa mesmo, em alguma medida essa livre iniciativa vai sofrendo limitações, dentro daquela idéia de que, na verdade, por não ser um valor absoluto, é possível sim que haja esse tipo de restrição, e vale ainda fazer menção de que para o cumprimento dessas penalidades, muitas vezes será necessária a intervenção judicial, imposição de obrigação de fazer, então o art. 69 e seguintes da lei 8884 vão estabelecer a hipótese de intervenção judicial quando necessária para permitir a execução específica, nomeando o interventor.

Nós já vimos as hipóteses de infração à ordem econômica e as penalidades aplicadas, resta agora analisarmos aquela situação de tolerância, a regra de autorização e de aprovação que compete também ao CADE, é o que prevê o art. 54 basicamente, a gente vai encontrar referência também no art. 7º, inciso XII, “compete ao CADE apreciar os atos ou condutas, sob qualquer forma manifestados, sujeitos à aprovação nos termos do art. 54, fixando compromisso de desempenho, quando for o caso”, então vamos analisar primeiro o art. 54 e aí nós vamos fazer menção também ao compromisso de desempenho.

O art. 54 estabelece que “Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do CADE”, então dominação de mercado. Ora, são duas situações tipificadas como infração à ordem econômica, que deverão ser submetidas à apreciação do CADE, para quê? Para eventualmente serem aprovadas, por isso é que a gente fala da tolerância a determinadas práticas restritivas da concorrência, que em tese configuram infração contra a ordem econômica e por isso devem ser submetidas previamente à apreciação do CADE, inclusive há uma classificação da doutrina quanto aos procedimentos administrativos junto ao

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CADE nós vamos ter repressivos ou preventivos, que aqui deflagrados de ofício ou por provocação do interessado. O CADE vai ter uma atuação repressiva, no sentido de repreender as infrações à ordem econômica e uma atuação no sentido de prevenir a prática de infrações à ordem econômica. Então cuidado com essa expressão “preventiva”, pois na verdade significa uma atuação prévia, antes que se possa considerar determinada conduta como infração à ordem econômica, o interessado submete, previamente, então essa atuação significa uma atuação prévia, não confundir com medidas preventivas que podem ser tomadas no âmbito do processo repressivo (art. 52).

Mas é uma atuação no sentido do CADE ser chamado a apreciar previamente a prática do ato. Agora, nós vamos estar no limite entre o que configura infração contra a ordem econômica e o que vai ser tolerado. E o que vai ser tolerado na verdade vai ser considerada prática lícita e não ilícito administrativo. E chamo a atenção dos senhores para o seguinte aspecto, aumento arbitrário dos lucros em hipótese alguma pode ser tolerado, o próprio caput do art. 54 exclui a possibilidade de se tolerar o aumento arbitrário dos lucros, somente as outras que em tese constituem infração poderão ser submetidas e aprovadas pelo CADE. Então a aprovação pelo CADE se dá a partir da análise dos requisitos do art. 54 e parágrafos da lei 8884. § 1º, “O CADE poderá autorizar os atos a que se refere o caput, desde que atendam as seguintes condições: I - tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente, a) aumentar a produtividade; b) melhorar a qualidade de bens ou serviço; ou c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico” etc.

Então o que a gente está falando é exatamente daquela noção de concentração econômica consentida ou estimulada, desde que traga outros benefícios que possam compensar aquela prática restritiva da livre concorrência, a gente está falando da defesa da concorrência, mas como sabemos que não é um valor absoluto, estamos falando de tolerância de determinadas práticas que violam a livre concorrência sim, mas que são toleradas porque trazem outros benefícios que compensam essa restrição à livre concorrência, em outras palavras a gente está falando da aplicação do princípio da ponderação de interesses. Quais são esses outros benefícios? Aumento da produtividade, melhoria da qualidade dos bens, eficiência do desenvolvimento tecnológico. O § 2º vai trazer ainda “Também poderão ser considerados legítimos os atos previstos neste artigo, desde que atendidas pelo menos três das condições previstas nos incisos do parágrafo anterior, quando necessários por motivo preponderantes da economia nacional

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e do bem comum, e desde que não impliquem prejuízo ao consumidor ou usuário final”, então além desses benefícios elencados no §1º, o § 2º vai fazer menção a motivo preponderantes da economia nacional, então esses benefícios vão ser analisados tendo em vista a economia nacional, em outras palavras, tendo em vista a política econômica. Fica claro esse caráter instrumental do direito antitruste. É o direito antitruste como instrumento da política econômica, na medida em que determinadas práticas restritivas da concorrência vão ser toleradas sob a perspectiva de trazerem benefícios outros que compensem. E esse seria o fundamento para a aprovação do CADE. Vale registrar ainda que quando o art. 54 estabelece que esses atos deverão ser submetidos à apreciação do CADE, na verdade esse processo administrativo preventivo não será deflagrado de ofício, será necessariamente por provocação, é o interessado que deve provocar o CADE, o processo repressivo é que poderá ser de ofício ou por provocação e aí seria por provocação não daquele que está a praticar a conduta, mas de algum outro concorrente no mercado ou vítima da prática. O processo preventivo só será deflagrado por provocação do interessado, e será necessariamente deflagrado? O art. 54 estabelece que “deverão ser submetidos à apreciação do CADE”, será que nós temos aí um dever jurídico que corresponda a uma conseqüência? Nós vamos perceber que no § 5º do art. 54 há a previsão de uma conseqüência para aquele que não submeteu o ato que em tese constitui infração contra a ordem econômica à apreciação do CADE. Estabelece o § 5º, “A inobservância dos prazos de apresentação previstos no parágrafo anterior será punida com multa pecuniária (...)”, mas na verdade o que vamos ter aqui é muito mais um ônus para o interessado, no sentido de evitar um mal maior, evitar um prejuízo, por quê? Nós estamos dizendo os atos, as condutas previstas no art. 54, em tese configuram infração contra a ordem econômica, então, a rigor, o interessado tem o ônus de submeter ao CADE, por quê? Porque se ele obtém a aprovação do CADÊ ele fica ileso de um processo repressivo, de se sujeitar a uma apuração da conduta enquanto infração administrativa e da aplicação da penalidade, nesse sentido seria muito mais um ônus do que um dever, agora como são situações limites, né? Na dúvida é preferível que o interessado submeta ao CADE, e há um prazo, como estabelece o § 4º, “ss atos de que trata o caput deverão ser apresentados para exame, previamente ou no prazo máximo de quinze dias úteis de sua realização, mediante encaminhamento da respectiva documentação em três vias à SDE, que imediatamente enviará uma via ao Cade e outra à Seae”, a gente vai ver ainda essa estrutura administrativa.

Então podemos dizer que o § 5º, se combinado com o § 4º, significa que essa multa irá incidir em razão da não observância do prazo de 15 dias,

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mas não propriamente de se enquadrar no art. 54, pois se o interessado não se submete, mais adiante ele poderá sofrer um processo repressivo.

E como fica a eficácia desse ato? O § 4º estabelece uma tolerância de 15 dias úteis da realização doa to. Ele estará produzindo efeitos? O CADE poderá uma condição suspensiva desse ato, do contrário ele estará produzindo efeitos até que, e desde que, haja finalmente a aprovação por parte do CADE, então a aprovação pelo CADE configura uma condição resolutiva tácita, mas já poderá estar produzindo efeitos. É o que estabelece o § 7º combinado com o §9º, “A eficácia dos atos de que trata este artigo condiciona-se à sua aprovação, caso em que retroagirá à data de sua realização; não tendo sido apreciados pelo CADE no prazo estabelecido no parágrafo anterior, serão automaticamente considerados aprovados”, e o § 9º, “se os atos especificados neste artigo não forem realizados sob condição suspensiva ou deles já tiverem decorrido efeitos perante terceiros, inclusive de natureza fiscal, o Plenário do CADE, se concluir pela sua não aprovação, determinará as providências cabíveis no sentido de que sejam desconstituídos, total ou parcialmente, seja através de distrato, cisão de sociedade, venda de ativos, cessação parcial de atividades ou qualquer outro ato ou providência que elimine os efeitos nocivos à ordem econômica, independentemente da responsabilidade civil por perdas e danos eventualmente causados a terceiros”, então na verdade, em não aprovando o ato, ele irá regulamentar os efeitos produzidos pelo ato no decorrer do procedimento administrativo.

Afinal de contas, qual é o limite para a atuação do CADE, sobretudo essa atuação preventiva do art. 54, presentes esses requisitos dos benefícios que o ato poderá trazer é o quanto basta ao CADE para autorizar o ato que é restritivo da livre concorrência?Então quando questionamos sobre os limites da atuação do CADÊ, temos que ter em mente, primeiro, qual é a natureza dessa atribuição do CADE. O CADE teria discricionariedade nessa atuação e a esse respeito, nós sabemos que repercutiu em termos de limite da atuação do CADÊ por quê? Porque a revisão jurisdicional desse ato em sendo discricionário é um pouco mais limitado do que os atos vinculados. É importante a gente mencionar ainda a natureza do CADE, o art. 3º vai estabelecer que “o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), órgão judicante com jurisdição em todo o território nacional, criado pela Lei nº 4.137, de 10 de setembro de 1962, passa a se constituir em autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, com sede e foro no Distrito Federal, e atribuições previstas nesta lei”, então o CADE, a partir da lei 8884, se tornou autarquia federal, o CADE já existia antes, mas como um órgão

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dentro da estrutura do Min. da Justiça. Ora, se o CADE é uma autarquia federal, as suas decisões são atos administrativos, então cuidado com a expressões “órgão judicante, com jurisdição em todo o território nacional”, o CADE não é órgão do Poder Judiciária, é uma autarquia federal, portanto faz parte da Administração Pública, cuidado com questão de múltipla escolha a esse respeito, pois, a rigor, é uma autarquia federal e suas decisões não gozam de definitividade, não fazem coisa julgada, o legislador possivelmente se utilizou dessa expressão porque dentro da estrutura do CADE é estabelecido todo um procedimento administrativo formal à semelhança de um processo judicial, e o CADE se incluiu entre aqueles órgãos quase judiciais, à semelhança do Tribunal Marítimo, do Conselho de Contribuintes, seria mais nesse sentido a expressão utilizada pelo legislador, mas não que se possa afirmar da exclusão da revisão judicial dos atos administrativos do CADE.

Agora, essa revisão judicial passa pela análise quanto à discricionariedade da atuação do CADE, a gente vai ter o Fabio Ulhoa defendendo a seguinte posição, na verdade o CADE só uma atuação vinculada no que se refere a atribuição repressiva, no que se refere a apuração de infração contra a ordem econômica, onde o CADE não pode deixar de considerar infração aquelas situações elencadas como tais, nem pode incluir situações outras que não estejam tipificadas, mas tanto a dosimetria da pena quanto a atuação com base no art. 54 seriam discricionárias. Tudo bem, mas dificilmente a gente vai conceber que o CADE reconheça a existência de infração do tipo eliminação da concorrência, mas mesmo assim autorizar. Na verdade o CADE vai conduzir para a análise do mercado relevante, de forma a excluir aquela hipótese de infração à ordem econômica, em última análise o CADE vai estar chancelando aquela conduta, vai estar reconhecendo como uma conduta lícita, então essa posição do Fabio Ulhoa parece um pouco delicada.

Vale registrar, ainda, a posição do Marcos Juruena V. Souto, para quem essa atribuição do CADE com base no art. 54 se configura como uma hipótese de discricionariedade técnica no sentido de que, a rigor, discricionariedade não há, dentro da doutrina administrativista quando se fala em discricionariedade técnica significa situações em que o administrador, valendo-se da aplicação de conceitos técnicos chega a um resultado também técnico, então não haveria discricionariedade, não haveria margem de escolha, o resultado seria só um, ainda que valendo-se de conceitos técnicos, mas vejam, seria essa exatamente a situação do art. 54, a posição do Marcos Juruena seria louvável uma forma de limitação da atribuição do CADE, mas o

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que nós poderíamos afirmar é que se fosse assim não haveria decisão que não fosse unânime entre os conselheiros, na verdade, mercado relevante, posição dominante, dominação de mercado são conceitos técnicos, nesse sentido de que de sua aplicação se alcança um resultado técnico? Me parece que não, que na verdade são conceitos jurídicos indeterminados cuja determinação só pode ser feita diante de uma situação concreta, a própria definição de mercado relevante se dá de forma casuística, só diante do caso concreto, então haveria sim uma certa margem de discricionariedade da atuação do CADE, da delimitação no caso concreto daqueles conceitos jurídicos indeterminados. No final das contas, o que a gente vai ter é que por força do art. 46, estabelece que “a decisão do CADE, que em qualquer hipótese será fundamentada (...)”, essa questão acaba sendo neutralizada pela aplicação da Teoria dos Motivos Determinantes, se a decisão do CADE necessariamente será fundamentada, o motivo apontado se tornará vinculado. Aliás, a lei do procedimento administrativo no âmbito federal já prevê essa exigência de fundamentação das decisões, então de certa forma essa controvérsia da doutrina vai ficar um pouco neutralizada desde que o CADE cumpra essa exigência, agora, se de um lado, quanto à aprovação do ato há alguma controvérsia, é importante destacar que uma fez aplicado o ato, não há discricionariedade do CADE para revê-lo, então se fosse assim, isso causaria muita insegurança nas relações jurídicas, pois uma vez aprovado pelo CADE, a pessoa vai investir recursos e não poderia ficar à mercê do CADE rever o seu entendimento, mas o CADE poderá rever sim a decisão em decisões vinculadas, então o art. 55 vai estabelecer que “a aprovação de que trata o artigo anterior poderá ser revista pelo Cade, de ofício ou mediante provocação da SDE, se a decisão for baseada em informações falsas ou enganosas prestadas pelo interessado, se ocorrer o descumprimento de quaisquer das obrigações assumidas ou não forem alcançados os benefícios visados”, então vejam, são esses benefícios que eu falei, o CADE vai fazer uma análise do ato, de acordo com a perspectiva de um dado mercado relevante, mas ele vai fazer uma projeção e essas obrigações assumidas significam a decorrência da atribuição do CADE de condicionar a aprovação do ato, então o CADE pode exigir determinadas condições para a aprovação do ato, ex., o ato é aprovado desde que a empresa invista uma cifra “X” durante tanto tempo, o CADE pode impor essas condições e ele vai fazer isso através do compromisso de desempenho, esse compromisso de desempenho vai trazer essas condições e vai trazer expressos esses benefícios. Ora, mas se a gente está falando que é uma mera projeção, o CADE então supõe que aquelas práticas restritivas de livre concorrência, de acordo com as condições do mercado em que ela se insere vai redundar num aumento da oferta de

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empregos, por ex., se mais adiante isso não se concretizar, isso não se configurar, o ato poderá ser revisto, ou então se o CADE aprova desde que a empresa mantenha o seu quadro, para evitar desemprego e isso não se configura, ou seja, não é respeitada essa condição imposta pelo CADE, da mesma forma poderá haver a revisão desse ato.

Na próxima aula a gente continua analisando esse compromisso de desempenho, alguma dúvida?

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