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Page 1: DIREITO E CIÊNCIA DO COMPORTAMENTO: DISCUSSÕES E

DIREITO E ANÁLISE DO COMPORTAMENTO: EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS CONTRA O USO EXCLUSIVO DA COERÇÃO NO SISTEMA PENAL

Livia Silva Fetal1

SUMÁRIO: 1. A base das medidas legais – 2. Princípios básicos da Análise do Comportamento – 3. Coerção e seus efeitos – 4. A pena e suas funções – 5. Um outro caminho possível – 6. Considerações finais – Referências.

RESUMO: O presente artigo visa apresentar uma nova forma de análise do sistema jurídico penal brasileiro através de um diálogo entre o Direito e a Análise do Comportamento. Leis e medidas de controle da violência não possuem nenhum embasamento científico no momento de sua elaboração, sendo baseadas na crença de que a punição é um método eficaz de controle do comportamento. Pesquisas conduzidas pela Análise do Comportamento demonstram que tal crença é falsa, e que o controle coercitivo produz efeitos negativos como agressão, depressão, ansiedade. Palavras chaves: direito, análise do comportamento, coerção.

ABSTRACT: This article aims propose a new way of analysis of the Brazilian Legal Penal System through a dialogue between the Law and the Behavior Analysis. The laws and decisions about violence control are not grounded in scientific knowledge, being grounded on believe that the punishment is an efficient way to behavior control. Behavior Analysis researches shows that this believe is false, and that the coercitive control has aggression, depression, anxiety as results.

Key words: law, behavior analysis, coercion.

1. A base das medidas legais

Sempre que ocorre um crime que cause comoção pública, questões como

pena de morte, redução da maioridade penal e aumento no rigor das leis vêm à tona e

geram uma calorosa controvérsia na sociedade. Entretanto, as opiniões e medidas

propostas não são baseadas em evidências, mas sim em puros “achaismos”. Afinal,

baseado em que nossos magistrados e legisladores criam teorias, leis e medidas no

combate ao crime? Será que o endurecimento das leis funciona? Por que nossas cadeias,

que deveriam ressocializar os condenados pela justiça, malogram em seu intuito?

A nosso ver, o que ocorre é um total desconhecimento sobre uma análise

científica do comportamento humano. Todas as medidas e leis parecem ser formadas

com base em opiniões e observações assistemáticas, sem levar em conta o 1 Bacharelanda em Direito pela Universidade Salvador – UNIFACS.

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conhecimento produzido pela ciência. Ignora-se completamente todo arcabouço

científico na construção de projetos e leis sobre controle da violência, o que torna as

medidas tomadas pouco eficazes em sua proposta. Enfim, é um desperdício de tempo e

de dinheiro público. É difícil entender porque as áreas de conhecimento se encontram

tão isoladas nas universidades, uma não tomando conhecimento da outra, quando toda

nossa divisão do conhecimento por áreas é completamente arbitrária e com uma função

exclusivamente didática. Na natureza não existe divisão entre os fenômenos, sendo

todos interligados e fazendo parte de um grande sistema.

Mas onde o Direito se encaixa nisso tudo? O Direito, como forma de

controle social que é, define, através de normas jurídicas, comportamentos que podem

ou não ser praticados por este indivíduo. Ao violar uma dessas normas jurídicas, o

sujeito sofrerá pelo Estado, que possui o ‘’jus puniendi’’, uma sanção. Essa sanção

estatal pode acontecer de várias formas. Dependendo do bem jurídico que será tutelado,

haverá um subsistema jurídico para definir quais comportamentos, dentro desse sistema

social, serão considerados inaceitáveis e puníveis. Logo, o Direito lida diretamente com

o comportamento humano, avaliando-o e julgando-o. Entretanto, que tipo de avaliação e

julgamento podemos fazer sobre um fenômeno se pouco conhecemos dele? Qual a base

científica que juízes, advogados e legisladores possuem em sua formação sobre o

comportamento humano?

Nesse sentido, nosso objetivo é apresentar um modelo teórico pouco

conhecido na área do Direito, que é a Análise do Comportamento, e analisar como o

conhecimento produzido por essa ciência pode ser aproveitado dentro da área do

Direito.

2. Princípios básicos da Análise do Comportamento

A Análise do Comportamento é uma ciência desenvolvida a partir dos

pressupostos filosóficos do Behaviorismo Radical, em que a idéia central é: É possível

uma ciência do comportamento. Nessa perspectiva, está implícito que o

comportamento, como qualquer objeto de estudo científico, é ordenado, pode ser

explicado, pode ser previsto desde que se tenham os dados necessários, e pode ser

controlado. Chama-se a isso determinismo, a noção de que o comportamento é

determinado pela hereditariedade e pelo ambiente.

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A Análise do Comportamento descarta qualquer tentativa de explicar o

comportamento através de entidades internas abstratas como: impulso, pulsão, instinto,

desejo, vontade, ego, mente etc. Para tal ciência, isso são explicações mentalistas, ou

seja, não explicam nada. Perguntar a uma pessoa porque ela comprou uma camisa e a

resposta seja “Comprei porque quis” ou “Eu desejava essa camisa”, são exemplos de

explicações mentalistas. Falar que alguém agiu violentamente porque possui um traço

de personalidade agressivo é altamente redundante e também não explica nada. Primeiro

porque personalidade não é algo que se possui, ela é apenas uma classificação de um

padrão comportamental. Segundo, este tipo de explicação não esclarece porque o sujeito

é agressivo em algumas situações e não em outras.

Nessa perspectiva, a divisão entre mente e corpo não existe. O organismo é

único. A diferença entre fenômenos mentais e comportamentais está apenas na

acessibilidade aos comportamentos. Pensamentos, sentimentos e emoções são também

comportamentos que precisam ser explicados, e não causas comportamentais. A

diferença é que os eventos mentais são privados, em que somente o próprio indivíduo

tem acesso a eles.

Segundo Baum (2006), a noção de mente é problemática porque para uma

ciência do comportamento ela não é parte da natureza. Se um cirurgião abrir um crânio,

espera-se encontrar dentro dele um cérebro. O cérebro pode ser medido, manuseado,

pesado. Nada disso pode ser dito em relação a mente. No mínimo, um objeto de estudo

científico precisar ser localizável no tempo e no espaço. A mente não possui nenhuma

propriedade de um objeto natural.

Skinner (1990) propõe então, que o comportamento seja estudado através do

modelo causal de seleção por conseqüências. Segundo esse modelo, o comportamento

humano seria resultado de três processos de variação e seleção: 1. A seleção natural

(nível filogenético): responsável pela evolução e pelas características físicas da espécie,

e por comportamentos comuns a todos os seus membros; 2. O condicionamento

operante (nível ontogenético): variações no comportamento do indivíduo são

selecionadas por aspectos do ambiente que não são estáveis o suficiente para terem um

papel na evolução. No condicionamento operante o comportamento torna-se mais

provável de ocorrer por ser seguido por certos tipos de conseqüências ambientais; 3. A

cultura: os indivíduos aprendem a se comportar através dos comportamentos já

adquiridos por outros membros da espécie. Apresentar modelos, e ensinar são as

funções das culturas.

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Dessa forma, as causas do comportamento humano deveriam ser buscadas

em três histórias de variação e seleção: a história da espécie, a história do indivíduo e a

história da cultura.

Embora estejamos nos referindo o tempo todo ao comportamento, o que uma

ciência comportamental define como comportamento não é equivalente a definição do

senso comum. Geralmente as pessoas definem o comportamento como uma ação

mecânica. O falar, o correr, levantar um braço, escrever, etc. Entretanto, para a Análise

do Comportamento, essa definição representa apenas uma instância do comportamento.

Ele deve ser entendido como a inter-relação entre o organismo e o ambiente. Sendo

que, o ambiente não é somente o que é externo ao organismo, e sim o que se relaciona

ao comportamento. Nesse sentido, alterações neuroquímicas e fisiológicas, normas

sociais, grupos, são todos ambientes para o comportamento.

Quanto à classificação, os comportamentos podem ser classificados em dois

grandes grupos: 1. Comportamentos Respondentes: nos comportamentos respondentes

um evento ambiental antecedente elicia uma resposta todas as vezes em que é

apresentado. Respostas emocionais geradas pela punição como choro, medo, ansiedade

e raiva podem ser condicionadas e aparecerem em outras situações não punitivas. Por

exemplo, o comportamento de mentir, após ter sido exposto à conseqüências punitivas,

pode levar a criança a apresentar os comportamentos emocionais de medo ou ansiedade,

em uma situação em que ela precise se expressar verbalmente, mesmo que não esteja

mentindo; 2. Comportamentos Operantes: nos comportamentos operantes um evento

ambiental antecedente sinaliza a probabilidade de que o organismo, ao apresentar uma

determinada resposta, produza uma determinada conseqüência. Por exemplo, uma

criança ao parar de mexer no rádio porque recebeu um tapa do pai, aumenta a

probabilidade do pai de usar o tapa em outras situações em que ele queira cessar um

comportamento da criança (Skinner, 1999).

A Análise do Comportamento tem dado uma atenção maior aos

comportamentos operantes, já que esses comportamentos abrangem a maior parte do

repertório comportamental humano. A principal unidade de análise utilizada pela

Análise do Comportamento para lidar com o comportamento é a tríplice contingência:

SD (estímulo antecedente) R (resposta) SR (conseqüência)

A compreensão desta unidade de análise é dependente da distinção de seus

elementos constituintes. A resposta é o movimento ou a mudança observada em um

organismo individual (que pode ser privada ou pública), enquanto o SD e o SR são todos

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os eventos ambientais que não as respostas a serem analisadas, e que afetam a

probabilidade de emissão de respostas similares no futuro. Importante salientar que a

resposta não é o comportamento, é apenas uma instância deste. O comportamento é toda

tríplice contingência.

Fazendo uma distinção entre os eventos antecedentes e eventos

conseqüentes, vemos que a conseqüência de uma resposta é um evento produzido por

esta resposta e que pode aumentar ou diminuir a freqüência de respostas similares

àquela que a produziu. Eventos conseqüentes que aumentam a freqüência das respostas

que os produziram são chamados de reforçadores e eventos que diminuem a freqüência

das respostas que os produziram são chamados de punidores. Reforçadores e punidores

também alteram a probabilidade de ocorrência de respostas similares futuras na

presença dos antecedentes similares àqueles presentes quando uma resposta foi

conseqüenciada. Ou seja, os estímulos antecedentes sinalizam que se determinada

resposta for emitida ocorrerá o evento conseqüente. Os estímulos antecedentes, por sua

vez, podem ter ao menos uma de duas funções: (1) aumentar ou diminuir a

probabilidade de ocorrência de certas respostas, devido a uma história de pareamento

com a produção de conseqüências por respostas similares nessas situações; e (2)

estabelecer a efetividade das conseqüências (Skinner, 2002). Ex. Uma criança num

supermercado deseja um chocolate, mas a mãe diz que não vai dá. A criança começa a

fazer birra e a mãe acaba dando o chocolate. A mãe reforça o comportamento de birra

do filho, aumentando a probabilidade de que em situações similares (outros

supermercados, lanchonetes, lojas, etc) a criança emita comportamento de birra quando

não atendida em um pedido. Perceba que o comportamento da mãe de dar o item frente

a birra da criança também é reforçado pela retirada do estímulo aversivo (a birra).

Reforçadores e punidores são também subdivididos em positivos e

negativos. Um reforçador positivo significa que ao apresentar um estímulo a taxa do

comportamento aumentou, e o reforçador negativo significa que ao retirar um estímulo

a taxa do comportamento aumentou. A punição segue a mesma lógica. Punição positiva

é a queda na taxa do comportamento com a apresentação de um estímulo, e punição

negativa é a queda da taxa do comportamento com a retirada de um estímulo. Perceba

que positivo e negativo não significam um juízo de valor, mas somente dizem respeito,

respectivamente, a apresentação e retirada de um estímulo. No exemplo acima da birra

da criança, dizemos que a birra foi reforçada positivamente (a criança recebe o

chocolate, ou seja, um estímulo é apresentado), e o comportamento da mãe de dar o

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chocolate foi reforçado negativamente (ao dar o chocolate a criança para de fazer birra,

ou seja, um estímulo é retirado).

O que foi apresentado é apenas um resumo de alguns princípios da Análise

do Comportamento. Seria impossível abranger toda a complexidade e conhecimento

produzido por esta ciência em poucas páginas. Entretanto, o objetivo foi apenas situar o

leitor sobre como uma análise cientifica do comportamento lida com o tema.

3. Coerção e seus efeitos

Toda base do controle social sobre os comportamentos dos indivíduos jaz no

uso da coerção. A coerção é o uso da punição e do reforçamento negativo para

conseguir que os outros ajam como gostaríamos e a prática de recompensar pessoas

deixando-as escapar de nossas punições e ameaças (Sidman, 1995). Ou seja,

implantamos um regime de medo, onde tudo que eu faço é para escapar de uma

conseqüência ruim. Para Skinner (2002), o fato é que nossa cultura está impregnada da

presença do controle aversivo como modelo de controle do comportamento. Seja nas

relações interpessoais, nas instituições educacionais, governamentais, legais ou

religiosas, a sociedade exerce o controle sobre o indivíduo através da coerção.

Estudamos para não sermos reprovados pela escola, humilhados por professores ou

agredidos pelos pais; vamos à igreja e seguimos as doutrinas religiosas para não sermos

condenados ao inferno ou punidos pelo nosso meio social; obedecemos as leis para não

irmos para a cadeia ou sermos multados.

Ora, o que isso tem demais? A prática padrão em nossa sociedade há anos é

essa. O problema é que mesmo quando a coerção atinge seu objetivo, ela está fadada a

falhar. Podemos fazer as pessoas fazer o que queremos através da punição ou da ameaça

de punição, mas a longo prazo os efeitos da coerção são desastrosos. O que a Análise

do Comportamento vem demonstrando nas pesquisas é que, a longo prazo, a coerção

gera violência, depressão, ansiedade e comportamentos de subterfúgio nos indivíduos

(Patterson, Derbayshe & Ramsey, 1989; Webster-Stratton, 1991; Salvo, Silvares & Toni

2005; Bender & cols., 2007).

Segundo Sidman (1995) um sistema de justiça baseado apenas na punição

por transgredir a lei realmente mantém muitas pessoas no caminho certo e provê

satisfação para aqueles que buscam revanche sobre os transgressores. Entretanto, um

código penal coercitivo também gera, para muitos que estão sujeitos ao sistema,

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subterfúgio e desobediência e, para muitos que administram e fazem cumprir o sistema,

brutalidade.

Os radares rodoviários são grandes exemplos de comportamentos de

subterfúgio. Quando a pessoa localiza o radar na via, prontamente diminui a velocidade

do veículo para a permitida pela lei, voltando a velocidade proibida logo que o radar não

estiver mais presente. Na esfera familiar, o uso da punição está estritamente ligada a

aprendizagem da mentira pelas crianças. Pais que abusam da punição como forma de

controle, acabam ensinado a criança a mentir para evitar as punições, além de

desenvolverem comportamentos anti-sociais e agressividade (Webster-Strattom, 1998).

Bem, mas se o uso da coerção traz conseqüências tão negativas, por que

continuamos a usá-la? O problema é que ela funciona. O uso da coerção cessa de

imediato o comportamento do outro, e isso acaba fazendo com que esse mecanismo de

controle pareça eficaz. Entretanto, os efeitos negativos a longo prazo da coerção não são

percebidos como produtos de seu uso. Ou seja, quem geralmente utiliza essa forma de

controle é imediatamente recompensado (cessa o comportamento indesejado), e

somente os resultados retardados (agressão, ansiedade, depressão, comportamentos de

subterfúgio) são censuráveis.

Skinner (1971) e Sidman (1995) apontam que quanto maior o grau de

aversividade no ambiente, maior é a probabilidade de emissão de comportamentos

agressivos. Algumas evidências obtidas em estudos experimentais com animais

embasam tal hipótese. Azrin, (1970), Creer, (1975), Rashotte, Dove, & Looney, (1974),

Hynan, (1976) pesquisaram o efeito de ambientes aversivos, e verificaram que tais

ambientes desenvolviam comportamentos agressivos nos sujeitos. Além disso, estudos

correlacionais realizados com humanos encontraram que sujeitos expostos a ambientes

aversivos (fome, pobreza, estresse, abuso físico e psicológico) têm taxas elevadas de

comportamentos agressivos (Carpenter & Donohue, 2006; Guerra & cols., 1995;

Patterson, 1986; Straus & Stewart, 1995).

Nesse sentido, uma pessoa condenada pelo sistema judicial à cadeia, e

submetida há anos a um sistema penitenciário violento, bruto, coercitivo, tende a

desenvolver comportamentos criminosos mais elaborados, além de aumentar os

comportamentos violentos.

4. A pena e suas funções

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Toda a discussão até o momento foi para sinalizar que uma falta de

conhecimento científico sobre processos comportamentais conduz à utilização de

medidas equivocadas no controle do comportamento, sendo a coerção uma prática mais

comum. Como então se reflete nas nossas leis e legislação tais funções coercitivas?

No Brasil, pela leitura do artigo 59 do Código Penal, verificamos que a pena

possui o caráter retribuitivo e preventivo, sendo adotada, portanto, a teoria eclética (ou

unitária). Porém, tal retribuição não mais segue a linha do retribucionismo kantiano (ou

puro), que via a pena como retribuição moral, um ‘’imperativo categórico’’, bastando a

pena em si mesma. Para Kant, como assinala Santoro Filho (2000), a pena não pode ser

afastada em hipótese alguma, por ser uma retribuição ao mal praticado, pois caso não

seja aplicada, a sociedade seria partícipe do delito.

Esse posicionamento rígido não mais cabe, já que o juiz, segundo ainda o

artigo 59 do Código Penal, pode flexibilizar a pena e, indo além da leitura deste artigo,

utilizando-se dos princípios e garantias da Constituição Federal (v.g. dignidade da

pessoa humana, respeito à dignidade física e moral, igualdade), pode impor limites à

intervenção penal.

A retribuição atual ainda seria uma reprovação a um ato ofensivo a um bem

jurídico tutelado, porém de uma forma mais mitigada, havendo uma ‘’crescente

relativização dos modos de atuação dos sistemas penais contemporâneos (penas

alternativas, transação, descriminalização, despenalização)’’ (Queiroz, 2005).

O que queremos chamar a atenção é que a função retribuitiva preocupa-se

em punir o ato criminoso (retribuir o dano causado) de forma que não passe em branco

o delito cometido. O problema é que a preocupação em apenas ter que punir o sujeito,

desvia nossa percepção de aspectos mais relevantes como elaborar penas que evite a

reincidência do ato. Um sistema que consiste em apenas punir o sujeito, sem promover

o aprendizado de novos comportamentos, achando que isso é suficiente para a não

reincidência está condenado ao fracasso. O uso exclusivo da coerção como forma de

controle não é suficiente para eliminar comportamentos indesejados (Catania, 1999).

O caráter preventivo pode ser geral ou especial. A prevenção geral é, como

observa Santoro Filho (2000) seguindo o posicionamento de Feuerbach, “obtida pela

coação psicológica, consistente na cominação da pena para a conduta desvalorada

socialmente e na sua aplicação e execução para aquele que incorre na ação criminosa. A

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pena passa a possuir como maior função incutir nos membros da sociedade o medo do

castigo, a partir não somente da previsão legal da sanção para os tipos de crimes, como

também pelo exemplo conferido com a aplicação e execução desta sanção aos que

praticam tais condutas’’. Esta é a prevenção evidenciada, no momento da sentença,

conforme o artigo 59 do Código Penal.

A prevenção geral também é passível de severas críticas. Isso ocorre porque

para alcançar o fim desejado de intimidar certos comportamentos dos indivíduos, pode-

se criar um Estado do Terror, autoritário, que se utiliza da norma penal como ameaça,

incutindo medo aos membros da sociedade (Santoro Filho, 2000). Além disso, como

também já vimos, esse tipo de medida desenvolve comportamentos de subterfúgio. A

prevenção geral, conforme assinala Queiroz (2005), seguindo posicionamento de Mir

Puig, ‘’não estabelece limites ao poder punitivo do Estado admissíveis em um Estado

Democrático de Direito.’’

Porém, há ainda a prevenção especial, constante do artigo 10 da Lei de

Execuções Penais. Esta prevenção, que incide no momento da execução, tem por fim

evitar que o criminoso pratique novos crimes, seja recuperando-o e readaptando-o à

vida social ajustada, de acordo com as normas jurídicas, seja incutindo-lhe o medo de

novamente vir a sofrer a sanção penal ou ainda, na impossibilidade das duas primeiras

hipóteses, segregando-o da vida social (Queiroz, 2005).

Novamente caímos no problema de usar o medo como forma de controle.

Por mais que mude as medidas, ou os nomes dados às práticas, a coerção, o medo e a

agressão são uma constante na busca do controle do comportamento criminoso. Há uma

evidente dificuldade de se pensar formas de controle do comportamento que não sejam

pelo medo. Outro aspecto relevante da prevenção especial é sobre o segregamento. Não

podemos ensinar novos comportamentos a alguém apenas segregando-o.

Comportamento só se aprende através da interação. Apenas isolar o sujeito sem nenhum

plano de intervenção, deixará ao acaso as chances de reabilitação do condenado.

O que fica claro é que a pena no Brasil está longe de cumprir a sua função

ressocializadora. Nosso sistema prisional, além de oferecer aos presos um tratamento

cruel e desumano, sem nenhum planejamento ou condição de ressocialização, possui

suas diretrizes completamente baseadas em medidas coercitivas que não produzem os

resultados a que se destinam.

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5. Um outro caminho possível

Até o momento, nossa sociedade mudou o ambiente em apenas uma direção:

punir os comportamentos. Fomos incapazes de demonstrar as vantagens materiais da

honestidade e legalidade em relação à ilegalidade encoberta, decretando que a virtude

deve ser sua própria recompensa. Assim, apoiados por esse princípio da honestidade,

punimos qualquer pessoa que surpreendemos agindo com desonestidade. A tradição da

punição torna-se ainda mais fortemente marcada quando a sociedade torna a

transgressão mais custosa para os poucos que ela consegue detectar e acusar com êxito.

No caso da ressocialização dos criminosos, o primeiro passo para o

desenvolvimento de um sistema efetivo é a mudança do olhar sobre o tema. Sem a

compreensão das variáveis ambientais que influenciam o comportamento das pessoas, e

insistindo na noção do livre-arbítrio, estaremos retrocedendo em todo avanço na área

comportamental, e permitindo que a punição seja a única forma encontrada para o

combate ao crime. Devemos focar nossas avaliações nas relações do sujeito com seu

meio cultural, econômico e social. Skinner (1971) defende tal posição quando diz que

aumentando o sentido das responsabilidades pessoais não resolveremos problemas

como o crime. O ambiente é o responsável pelo comportamento, e é ele que deve sofrer

alterações, não qualquer atributo do indivíduo. De forma geral, os analistas do

comportamento explicam o desenvolvimento e a manutenção de comportamentos anti-

sociais através de processos de aprendizagem. Ou seja, a determinação do

comportamento se processa na relação da pessoa com o seu meio.

Sidman (1995) descreve um projeto posto em prática numa penitenciária nos

Estados Unidos por Cohen e Filipczak. O projeto proporcionou cursos para os

prisioneiros, começando com leitura básica, escrita, conversação, cálculo e memória, e

então prosseguiu para habilidades mais avançadas que empregavam esses pré-requisitos.

Os conteúdos e as seqüências dos cursos foram cuidadosamente programados. A

garantia de que cada curso preparava o aluno para o seguinte e a exigência de notas altas

para que eles pudessem avançar asseguraram o sucesso. Ninguém era forçado a fazer os

cursos, a punição não ocorria para quem preferisse a rotina usual da prisão, em vez de

participar.

Não era suficiente apenas proporcionar os cursos. Afinal, se os prisioneiros

nunca tinham experienciado os benefícios que as habilidades acadêmicas podem trazer,

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por que deveriam estar interessados em participar? Portanto, de início, foram

necessários reforçadores artificiais até que as novas habilidades dos alunos os

colocassem em contato com conseqüências mais naturais.

Para que os prisioneiros se engajassem, o projeto pagava-os para aprender.

Isto tornou possível àqueles que se engajaram no processo de aprendizagem a obtenção

de coisas que, do contrário, não estariam disponíveis de modo algum,

independentemente de como agissem na prisão. Notas altas no exame beneficiavam o

aprendiz com um espaço privativo. Embora a princípio escassamente mobiliado com

uma mesa, uma cadeira, uma prateleira de livros e uma lâmpada (artigos que tornavam

viável a continuidade do estudo), o espaço poderia ser posteriormente equipado através

de créditos por continuar mostrando aprendizados em seus cursos. Podiam juntar os

créditos como dinheiro para comprar objetos numa loja. O estoque da loja era feito sob

encomenda, de acordo com as preferências daqueles que estavam trabalhando pelos

créditos.

Pagar os estudantes por aprender simplesmente estabeleceu a escola como

um outro trabalho, que estava disponível para os detentos. Os créditos, a loja, o espaço

privativo e outros privilégios eram, na verdade, parte do programa escolar (o trabalho),

e eram desfrutados apenas durante as horas de escola (enquanto os prisioneiros estavam

no trabalho). O fato de que esses reforçadores que os participantes desfrutavam eram, na

realidade, pagamentos, provavelmente ajuda a compreender a relativa ausência de

ressentimento e hostilidade por parte dos prisioneiros que não participavam do

programa. Todos tinham sua oportunidade de trabalho. Ninguém era impedido de

participar. Os reforçadores estavam disponíveis para qualquer um que optasse por este

trabalho como parte de seus deveres na prisão.

As propriedades privativas criaram novos reforçadores. Enfeites de parede,

mobília, aparelhos de som e TV tornaram-se artigos pelos quais valia a pena trabalhar e

a aprendizagem continuou. As novas habilidades criavam o potencial para mais

reforçadores ainda: a loja tornava-os acessíveis; a habilidade de escrever cartas tornou

os artigos de papelaria e materiais de escrita em bens úteis; a habilidade para enfrentar

uma entrevista de trabalho tornou determinados tipos de roupas desejáveis para os

estudantes que em breve estariam completando suas penas; a habilidade de leitura gerou

um novo prazer e os livros tornaram-se bens desejáveis. Posteriormente, quando os

estudantes se tornaram capazes de comportamentos novos e mais complexos puderam

começar a usar seus créditos para comprar regalias que antes não podiam imaginar que

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alcançariam: chamadas telefônicas, visitas privativas de parentes e amigos, privacidade

e passeios externos supervisionados que iniciavam juntamente com os cursos. O valor

da aprendizagem, por si só, tornou-se evidente e os estudantes, por fim, passaram a

utilizar alguns de seus créditos para pagar os cursos que eles solicitavam (uma exigência

que teriam fora dali).

Quando estes estudantes partiram estavam aptos a fazer coisas que tornavam

novos reforçadores disponíveis: seu mundo havia se expandido. Obviamente, não havia

garantias de que as antigas contingências do ambiente familiar não assumiriam

novamente o controle, mas agora, pelo menos, eles tinham uma chance de fazer algo

diferente. As evidências indicam que muitos investiram em novas oportunidades que a

abordagem não-punitiva havia tornado possível. O retorno à prisão se reduziu.

O modelo de intervenção apresentado é apenas uma possibilidade da

aplicação prática dos princípios comportamentais. O importante é que novos modelos de

atuação sejam pensados, postos em prática e avaliados. Medidas adequadas na resolução

da criminalidade e na ressocialização, dependem desde mudanças socioeconômicas

tomadas pelo Estado até à reestruturação de todo nosso conhecimento sobre o

comportamento humano. Skinner (1971) chama a atenção que a física e a biologia, por

exemplo, possuem um grau considerável de desenvolvimento do conhecimento que não

se observa na área da ciência do comportamento humano. Enquanto realizamos enormes

progressos no controle do mundo físico e biológico, nossas práticas políticas,

educacionais e econômicas não melhoraram muito.

6. Considerações finais

Toda a exposição feita até o momento, teve por objetivo explorar dois

aspectos: 1 – um total desconhecimento dos princípios comportamentais descritos por

uma Ciência do Comportamento. 2 – a ineficácia de um sistema baseado apenas na

coerção como forma de controle comportamental.

Profissionais que lidam diretamente com o comportamento humano, e

principalmente, aqueles que o julgam e escrevem diretrizes de como as pessoas devem

se comportar, não podem descartar todo um arcabouço teórico e científico produzido

por uma área de conhecimento. É estranho que nos bacharelados de Direito sejam

comum o estudo de correntes não científicas da Psicologia como a Psicanálise sem,

entretanto, nada conhecer sobre uma corrente científica.

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Ao que tudo indica, nossa legislação e diretrizes penais no Direito, foram

construídas (e são mantidas) com base na tradição, status, poder ou autoridade das

agências controladoras, independentemente das alterações no ambiente (resultados) que

elas acarretam. Uma cultura que construa suas diretrizes com base em conhecimentos

tecnológicos aumenta o âmbito de ação e a eficácia do comportamento que altera o

ambiente na direção de garantir sobrevivência e a satisfação do indivíduo e da

sociedade.

Nesse sentido, defendemos uma maior interação entre o Direito e áreas em

que haja uma construção científica do conhecimento, descartando a tradição e a

autoridade como critérios de validade. O que deve selecionar se um conhecimento é

válido ou não, é a possibilidade de ação que ele permite, e os resultados derivados de

sua prática.

REFERÊNCIAS:

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