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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS FACULDADE MINEIRA DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO DIREITO DO TRABALHO UMA CONQUISTA DO TRABALHADOR JÚLIO CORRÊA DE MELO NETO Belo Horizonte 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS FACULDADE M INEIRA DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

DIREITO DO TRABALHO

UMA CONQUISTA DO TRABALHADOR

JÚLIO CORRÊA DE MELO NETO

Belo Horizonte 2008

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JÚLIO CORRÊA DE MELO NETO

DIREITO DO TRABALHO

UMA CONQUISTA DO TRABALHADOR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito do Trabalho.

Orientador: Prof. Doutor Maurício José Godinho Delgado

Belo Horizonte 2008

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FICHA CATALOGRÁFICAElaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Melo Neto, Júlio Corrêa deM528d Direito do trabalho : uma conquista do trabalhador / Júlio Corrêa de Melo Neto. Belo Horizonte, 2008. 154p.

Orientador: Maurício José Godinho Delgado Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito.

1. Direito do trabalho 2. Direito constitucional. 3. Democracia. 4. Bem-estar Social. 5. Liberalismo. I. Delgado, Maurício José Godinho. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 331.16

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Júlio Corrêa de Melo Neto

DIREITO DO TRABALHO: UMA CONQUISTA DO TRABALHADOR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, área de concentração Direito do Trabalho.

Belo Horizonte, 2008.

__________________________________________________________

Professor Doutor Maurício José Godinho Delgado (Orientador) – PUC MINAS

__________________________________________________________

Professor Doutor José Roberto Freire Pimenta – PUC MINAS

__________________________________________________________

Professora Doutora Lutiana Nacur Lorentz – FUMEC

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A Deus, a meus pais e a

minha irmã.

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AGRADECIMENTOS

O papel recebe o que nele colocamos. Nem sempre acolhe a folha, contudo, o que intimamente queremos. É que o espírito mergulha em um mar de palavras à busca das mais perfeitas e

significativas, aquelas que representem nossa voz, nosso semblante, nosso sentimento... Mas nada, nada, nada... Muitas vezes, não encontramos as palavras perfeitas. Outras tantas, não as encaixamos adequadamente. É o abismo momentâneo do inefável... E acontece, não raramente, quando queremos exprimir agradecimento a pessoas

importantes da nossa vida. Agradecer até é fácil! Mas, no papel, conspiram as palavras para nos ensinar que muito

há que só se faz com um olhar, um aperto de mãos, um sorriso, um abraço... É momento, pois, de, já com as escusas pela incompletude anunciada, agradecer a todos

que foram importantes. A Deus: tudo; A minha família, pela união; Aos meus pais e a minha irmã, pelo imenso amor; Aos professores do mestrado, pelos inestimáveis ensinamentos. A Maurício Godinho,

meu orientador, mente brilhante, mágico desbravador de horizontes. A José Roberto, defensor das causas justas, manancial de saber, professor inesquecível. A Márcio Túlio, exemplo de vida, sabedoria, simplicidade e candura. A Renault, arauto da igualdade e da criatividade.

Aos meus amigos, pelos incentivos e profícuos debates. Especialmente aos

companheiros Carolina, Cláudio, José Eduardo (Pepe), Sílvia e Thaís. Aos colegas e amigos do mestrado, pelo prazer e riqueza do convívio; Aos amigos e colegas do TRT da 3a Região, incansáveis operários da justiça social.

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RESUMO

Esta dissertação trata do Direito do Trabalho como uma conquista do trabalhador – meio potencialmente eficaz de distribuição de renda no sistema capitalista, instrumento de valorização do trabalho e do emprego. O objetivo é enaltecer, em um cenário contrário, o valor-trabalho-e-emprego, especialmente porque as grandes massas populacionais vivem do seu trabalho. Iniciou-se com o exame dos fenômenos que contribuíram para a formação e evolução históricas do Direito do Trabalho, tendo por ponto de partida as Revoluções Liberais, até chegar à Revolução Industrial, na qual a conjugação de fatores conduziu à emergência desse ramo do Direito. Nesse percurso histórico, analisou-se a formação de uma consciência de classe, a trabalhadora, que, como tal, uniu-se para enfrentar as condições subumanas a que era submetida. Examinou-se um movimento de ascensão e declínio do valor-trabalho-e-emprego, dividindo dois planos de luta: a luta para pôr o Direito ao lado da luta pelo Direito posto. Historicamente, o clímax do valor-trabalho-e-emprego e, pois, do Direito do Trabalho, foi identificado com o período de maior afirmação do Estado de Bem-Estar Social, cujas estruturas passaram a ser atacadas a partir do início da década de 1970, momento de revigoramento de uma ideologia liberalista que, por seu extremismo, aqui foi reputada ultraliberal. A partir desse ponto, o Direito do Trabalho foi colocado em dúvida, ganhando o epíteto, em grande monta, de inflexível, quando, então, procurou-se demonstrar que a sua efetivação é um imperativo de observância constitucional e democrática. Nessa linha de pensamento, sustentou-se que, em essência, o Direito do Trabalho, por meio da relação de emprego, continua adequado para responder a grandes questões sociais. Isso, mesmo na sociedade globalizada e diante do desenvolvimento tecnológico, das consideráveis mudanças na organização e gerenciamento empresários e, também, de uma concorrência recrudescida por um mercado quase sem fronteiras. Toda essa análise, inicialmente devotada a um plano mais genérico – a sociedade ocidental –, foi feita, também, levando em consideração a realidade brasileira, na qual o Direito do Trabalho se afigura, igualmente, essencial e adequado, apesar de constante incentivo ao seu descumprimento, por indutores públicos e privados, e dos mecanismos urdidos para esse fim. Foram abordados alguns potenciais instrumentos de generalização do Direito do Trabalho no Brasil, concluindo-se que os ataques, especialmente de índole ultraliberal, não se justificam sequer historicamente, de maneira que o Direito do Trabalho é uma conquista do trabalhador e pode, ainda, adequadamente, responder pela manutenção de um patamar mínimo civilizatório da pessoa humana.

Palavras-chave: Direito do Trabalho; constitucionalismo social; democracia; Estado de Bem-Estar Social; liberalismo; valor-trabalho-e-emprego.

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ABSTRACT

This dissertation deals with Labor Law as a conquest of the worker – means potentially effective of income distribution in the capitalist system, instrument of valorization of the work and the employment. The objective is to exalt, in an opposite scenery, the labor-value and employment, especially because the great masses of people live by their work. It started with the exam of the phenomena that contributed to the historical formation and evolution of Labor Law, having as starting point the Liberal Revolutions, up to the Industrial Revolution, moment in which the conjugation of factors led to the emergency of this branch of the Law. In this historical trajectory, it was examined the formation of a class consciousness, the working class, which, as such, united to face the subhuman conditions to which it was submitted. It was examined a movement of ascension and decline of the labor-value and employment, dividing two planes of fight: the fight to place Law at the side of placed Law. Historically, the climax of the labor-value and employment, and thus, Labor Law, was identified with the moment of greater affirmation of the Welfare State, whose structures started being attacked in the beginning of the 1970’s, moment of reinvigoration of a liberalist ideology, which, for its extremism, was reputed as ultraliberal here. From this point on, Labor Law was arraigned, gaining epithet, in great amount, of inflexible, when then, there was an attempt to show that its act of rendering effective is an imperative of constitutional and democratic observance. In this line of thought, it was sustained that, in essence, Labor Law, by means of employment relation, remains adequate to respond to major social questions. this, even in the globalized society and before the technological development and the remarkable changes in the organization and management of businesspeople, and also, of a recrudesced competition for a globalized market. This whole analysis, initially devoted to a more generic plane – the occidental society –, was also made taking into account the Brazilian reality, in which Labor Law figures, equally, essential and adequate, despite all the incentive to its disobedience, by public and private inductors, and the mechanisms disposed for this objective. Some potential instruments of generalization of Labor Law were approached in Brazil, coming to a final conclusion that the attacks, especially the ones of ultraliberal nature, are not even historically justified, so that Labor Law is a conquest of the worker and may, yet, adequately, respond to the maintenance of a minimum civilized level of the human person.

Key-words: Labour Law; Social constitutionalism, democracy, Welfare State; liberalism; value-work and employment.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................. 9

2 O DIREITO DO TRABALHO NA SOCIEDADE OCIDENTAL – F ORMAÇÃO, EVOLUÇÃO E FUNÇÕES ...................................................................................................................................................... 13

2.1 Formação do Direito do Trabalho ..................................................................................................13 2.1.1 Revoluções Liberais.................................................................................................................................... 15 2.1.2 Revolução Industrial .................................................................................................................................. 18 2.1.3 A questão social, a formação de uma consciência de classe e a contradição liberdade versus combate a

manifestações sociais ................................................................................................................................ 21 2.1.4 Direito do Trabalho: concessão do capital ou conquista dos trabalhadores? .......................................... 26 2.1.5 Considerações finais................................................................................................................................... 28 2.2 Ascensão e declínio do valor-trabalho-e-emprego ..........................................................................29 2.2.1 Ascensão do valor-trabalho-e-emprego ..................................................................................................... 31 2.2.1.1 Constitucionalização do Direito do Trabalho ...................................................................................... 32 2.2.1.2 O clímax do Direito do Trabalho: estado de bem-estar social ............................................................ 35 2.2.2 Declínio do valor-trabalho-e-emprego....................................................................................................... 39 2.2.3 Democracia e Direito do Trabalho............................................................................................................. 49 2.3 Funções do Direito do Trabalho .....................................................................................................52

3 DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL – FORMAÇÃO, EVOLUÇÃ O E VICISSITUDES................ 56 3.1 Formação e evolução do Direito do Trabalho no Brasil .................................................................56 3.1.1 Direito do Trabalho no Brasil: concessão do capital ou conquista do trabalhador?............................... 65 3.2 Ascensão e declínio do valor-trabalho-e-emprego no Brasil ..........................................................67 3.2.1 Ascensão do valor-trabalho-e-emprego ..................................................................................................... 67 3.2.1.1 Constitucionalização do Direito do Trabalho no Brasil ...................................................................... 69 3.2.1.2 Brasil e Estado de bem-estar social ....................................................................................................... 73 3.2.2 Declínio do valor-trabalho-e-emprego – vicissitudes ................................................................................ 74 3.3 Democracia e Direito do Trabalho no Brasil ..................................................................................78 3.4 Funções do Direito do Trabalho no Brasil ......................................................................................79 3.5 Considerações finais........................................................................................................................80

4 DESCUMPRIMENTO DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL – MECANISMOS E CONSEQÜÊNCIAS....................................................................................................................................... 82

4.1 A relação de emprego......................................................................................................................86 4.1.1 Parassubordinação versus subordinação estrutural ................................................................................. 89 4.2 Mecanismos de descumprimento ....................................................................................................95 4.2.1 Realidade brasileira.................................................................................................................................... 96 4.2.1.1 Terceirizações ilícitas ............................................................................................................................. 98 4.2.1.2 Cooperativas de prestação de serviços................................................................................................ 102 4.2.1.3 Trabalho temporário............................................................................................................................ 104 4.2.1.4 Trabalho voluntário .............................................................................................................................106 4.2.1.5 Estágio simulado................................................................................................................................... 108 4.2.1.6 Transporte rodoviário de cargas por conta de terceiros................................................................... 110 4.2.1.7 Pejotização ............................................................................................................................................ 112 4.2.1.8 Contrato de trabalhador rural por pequeno prazo ........................................................................... 114 4.2.1.9 A vulgarização da fórmula “não configura relação de emprego” .................................................... 118 4.3 Considerações finais......................................................................................................................119

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5 INSTRUMENTOS DE APLICAÇÃO GENERALIZADA DO DIREIT O DO TRABALHO NO BRASIL ........................................................................................................................................................ 122

5.1 O fortalecimento da democracia ...................................................................................................123 5.2 Atuação do Estado.........................................................................................................................125 5.3 Efetividade da jurisdição ..............................................................................................................126 5.3.1 A potencialidade das tutelas de urgência e das tutelas coletivas............................................................. 130 5.3.1.1 Esfera de atuação trabalhista .............................................................................................................. 133 5.3.2 Liberação de valores na execução provisória .......................................................................................... 138 5.4 Outros instrumentos......................................................................................................................140 5.5 Considerações finais......................................................................................................................141 6 CONCLUSÃO ..................................................................................................................................143

REFERÊNCIAS ................................................................................................................................................ 151

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1 INTRODUÇÃO

Desde as últimas três décadas do século passado, dissemina-se, com força inusitada,

constante e crescente, discurso de decrepitude do Direito do Trabalho. A matriz ideológica de

propagação dessa linha de pensamento é de índole neoliberal e enxerga no caráter imperativo

do grande estuário de normas trabalhistas o signo da inflexibilidade, o que dificultaria o

desenvolvimento ideal de uma economia de mercado, fundada no não-intervencionismo, na

segurança da propriedade privada e no contratualismo. Além de se voltar contra o Direito do

Trabalho, notadamente contra seus traços mais essenciais e que respondem pela proteção ao

trabalhador, o discurso neoliberal busca deslocar da centralidade social os valores trabalho e

emprego, amealhando vasto séquito de lideranças políticas1, eruditos e meios de comunicação,

com o que se forma quase um pensamento único. O Direito do Trabalho, nessa conjuntura,

seria velho, inflexível, um obstáculo ao desenvolvimento da economia.

Esse cenário aponta a pertinência da investigação sobre a verdade ou não desses

prognósticos. A pesquisa consistente em divisar a linha de pensamento predominante e em

submeter suas teses ao processo de cotejamento com a realidade contribuirá para intentar

resposta à fundamental indagação a respeito da existência ou não, na sociedade

contemporânea e em um futuro próximo, de espaço para a valorização do trabalho e do

emprego e para um Direito do Trabalho que mantenha as suas características históricas de

assegurar, quando menos, patamares mínimos de dignidade, refletindo conquistas do

trabalhador.

No capítulo 2 (Direito do Trabalho na sociedade ocidental – formação, evolução e

funções), serão examinadas as conjugações fenomênicas que forcejaram a formação do

Direito do Trabalho, optando-se, diante da cadeia histórica, por principiar a análise a partir

das Revoluções Liberais e, em seguida, incursionar no contexto da Revolução Industrial,

momento em que se assiste à interação de fatores que permite o despontar de uma consciência

de classe e uma série de lutas e reivindicações sociais.

Nessa linha de análise histórica, será abordada a natureza do movimento de formação

do Direito do Trabalho – se teve sentido ascendente, ou seja, se nasceu das lutas trabalhistas;

ou descendente, se brotou de cima para baixo, como uma concessão do capital.

1 Ilustrativamente: “Margaret Thatcher, na Inglaterra, 1979; Ronald Reagan, nos EUA, em 1980; Helmut Kohl, na Alemanha, em 1982” (DELGADO, Maurício, 2003, p.98).

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Ainda sob essa perspectiva histórica, será dedicado espaço ao estudo da sociedade do

trabalho, acompanhando a ascensão e o declínio do valor-trabalho-e-emprego2. Em seguida,

serão examinadas as funções do Direito do Trabalho, indagando-se sobre a sua pertinência, ou

seja, se o ramo juslaboral continua respondendo adequadamente à sua finalidade original e,

mais precisamente, se sua função central de melhoria das condições de pactuação da força de

trabalho remanesce válida e atual.

No exame da ascensão do valor-trabalho-e-emprego, optou-se por distinguir duas

frentes de evolução, de maneira que, primeiramente, acompanha-se o desenvolvimento da

normatização3 trabalhista até chegar ao seu ápice, que coincide com a constitucionalização do

Direito do Trabalho e o reconhecimento de que se trata de Direito fundamental, para, ato

seguinte, abordar o evolver do valor-trabalho-e-emprego sob o enfoque da concreção daqueles

direitos lançados solenemente em textos normativos, jornada que leva ao Estado de Bem-

Estar Social. A dicotomia utilizada tem em vista a identificação de duas espécies de lutas: a

luta para pôr o Direito; e a luta pelo Direito posto.4

A partir dos primeiros anos da década de 1970, aproveitando-se de um momento de

instabilidade do Estado de Bem-Estar Social, ganha impulso um discurso ultraliberal5 que, em

larga medida, responde pelo processo de indução à desvalorização do trabalho e do emprego.

2 A expressão valor-trabalho-e-emprego será adotada com a finalidade de agregar textualmente à já célebre construção valor-trabalho o instituto jurídico relação de emprego, destacando, assim, a significação juslaboral. Colima-se salientar a importância do emprego no mundo do trabalho. Tal preocupação prende-se ao fato de que a relação de emprego é o fundamental meio de conexão do trabalhador ao mercado de trabalho e o instrumento de atração do sistema jurídico protetivo trabalhista – o Direito do Trabalho. Afinal: “[...] engenho de incorporação econômica e de justiça social realizava-se em torno da relação empregatícia – a principal forma de conexão do indivíduo à economia capitalista – e de seu ramo jurídico regulador, o Direito do Trabalho (DELGADO, Maurício, 2006a, p.120). Não destoa Márcio Pochmann: “o emprego assalariado formal representa o que de melhor o capitalismo brasileiro tem constituído para a sua classe trabalhadora, pois vem acompanhado de um conjunto de normas de proteção social e trabalhista” (POCHMANN, 2001, p. 98). Realça-se, portanto, que, para a grande massa de trabalhadores, mais importante do que ter trabalho é ter trabalho protegido: é ter emprego. Esta realidade é focalizada, pois, pela fórmula valor-trabalho-e-emprego. Não se olvida que a construção valor-trabalho (há muito tempo adotada na economia – teoria do valor-trabalho –, especialmente por Adam Smith, David Ricardo e Karl Marx) traz, ínsita, também a idéia de emprego, mas se afigura relevante destacar a relação de emprego, posicioná-la na ribalta, trazê-la à luz. 3 Apesar de novo, o vocábulo normatização – proveniente de normatizar – funciona para os fins colimados no texto. 4 Matéria profundamente examinada por Márcio Túlio Viana no seu Direito de Resistência (1996, p.43-4). 5 A utilização do vocábulo neoliberalismo acabou se difundindo, mas, verdadeiramente, ultraliberalismo traduz melhor a vertente liberalista que se agigantou a partir do início da década de 1970. Mas, com razão, Reginaldo Melhado estranha o vocábulo neoliberalismo sugerindo paleoliberalismo e pontua: “Sem embargo, este trabalho terá realizado seus objetivos se, ao cabo das linhas que se seguem, for capaz de demonstrar que o novo ideário – para lembrarmos um termo empregado por Ferrajoli – não é mais que o paleoliberalismo refundido e alargado, no qual os trabalhadores se vêem submetidos – sem a necessária reação – a um poder mais recrudescido e totalitário que nunca” (2006, p.55). Maurício Godinho Delgado já observou: “O historiador e cientista político Francisco Fonseca prefere o termo ‘ultraliberalismo, em vez de neoliberal’, não só diante da vulgarização do segundo, como pelo fato de que ‘...a idéia de um ultraliberalismo revela-nos a radicalidade – no sentido de implementação de uma agenda bem determinada e em razão de seu modus operandi – com que os liberais do século XX atuaram visando a obtenção da hegemonia” (2006a, p.18).

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Engendra-se, então, com pujante generalização, uma absolutização ideológica, formatando-se

quase que um pensamento único, que ocupa a pauta de lideranças políticas, de camadas de

intelectuais e da grande mídia. Múltiplas linhas de ataque ao valor-trabalho-e-emprego são

desfechadas, valendo-se, ordinariamente, de argumentos de natureza tecnológica,

organizacional, mercadológica e cultural.6

Nessa circunstância de ataque generalizado e impulsionado em um momento de

incontrastável preponderância do capitalismo, assume papel elucidativo relevante confrontar o

pensamento desconstrutivista do valor-trabalho-e-emprego – e do Direito do Trabalho – com

o estágio de evolução sociojurídica conquistado pela sociedade ocidental, especialmente sob a

esfera de análise constitucional e democrática. Âmbito esse apropriado para se indagar, sob o

pressuposto do princípio da soberania popular – grande responsável pela consagração

constitucional de direitos sociais –, se é válido, adequado e legítimo o desmantelamento do

Estado Social, ou, de outra forma, se, considerado que o Estado Democrático de Direito é uma

evolução e, por isso, não prescinde de avanços anteriormente conquistados, seria aceitável a

sua desconstrução ou o estorvamento de sua emergência onde ainda não vicejou.

Mergulhando em direção às raízes teleológicas do Direito do Trabalho, serão

examinadas suas fundamentais funções, com destaque para a que responde pela melhoria das

condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica ao lado da civilizatória

e democrática7, e sua simbiôntica correlação.

Após analisar esse processo de evolução e declínio do valor-trabalho-e-emprego e

perscrutar a pertinência do Direito do Trabalho na contemporaneidade8, a linha de pesquisa

feita sobre a sociedade ocidental é transferida para a especificidade brasileira (capítulo 3:

Direito do Trabalho no Brasil – formação, evolução e vicissitudes), levando em consideração

suas peculiaridades, mas sem perder de vista seus traços comuns, para, ao fim, realizar as

mesmas indagações anteriormente feitas, mas, agora, em uma esfera mais específica. Isto é,

investiga-se se no Brasil o Direito do Trabalho também é uma conquista do trabalhador e, ato

seguinte, se permanece a funcionalidade de um sistema jurídico trabalhista protetivo na

ambiência social brasileira, tudo sob a ótica da preservação de condições dignas de

sobrevivência.

6 Campo de análise já percorrido por Maurício Godinho, na sua obra Capitalismo, Trabalho e Emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução (DELGADO, 2006a). 7 A classificação é de Maurício Godinho Delgado (2003, p. 60-2). 8 Importa, para a linha de pensamento aqui desenvolvida, esquadrinhar a adequação social do Direito do Trabalho, na contemporaneidade, focalizando a sua essência. Ou seja, investigando se permanece a sua funcionalidade de amenizar o desequilíbrio de poderes nas relações entre capital e trabalho, propiciando vida com dignidade.

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No capítulo 4, empreende-se abordagem sobre o descumprimento do Direito do

Trabalho no Brasil – mecanismos e conseqüências. Observa-se, nesse ponto, que o

descumprimento de normas não é uma realidade apenas brasileira, nem, muito menos, um

fenômeno que atinge exclusivamente o ramo juslaboral. Mas isso assume maior gravidade em

âmbito social que não passou, ainda, por um quadro intenso e contínuo de evolução de

instituições democráticas, nem desenvolveu devidamente uma rede de proteção social.

Focalizam-se, especialmente, mecanismos de descumprimento que atingem a própria relação

empregatícia, como as terceirizações ilícitas, as falsas cooperativas de prestação de serviços e

os estágios divorciados de sua finalidade de extensão acadêmico-profissional.

Cenário um tanto desfavorável é o que se apresenta na contemporaneidade, motivo

pelo qual, em larga medida, o pensamento desenvolvido nesta pesquisa segue contra

caudalosa correnteza de teses e prognósticos da desvalorização do trabalho e do emprego

canalizada no discurso da indeclinabilidade de um futuro com poucos postos de trabalho,

reservados, na maior parte, a uma parcela ínfima de pessoas altamente especializadas.

Sustenta-se, contudo, em sentido contrário, que o trabalho e o emprego não têm, ainda,

seus dias contados, seja porque, por ora, não se avista a proximidade dos seus prognósticos

fúnebres, seja porque, em última análise, as decisões quanto à criação de condições de

convivência digna devem alinhar-se à soberania popular. Assim, apesar da disseminação de

uma ideologia ultraliberal absolutizante, sustenta-se a necessidade de erguer barreiras para

não permitir o retrocesso social, manter fundamentais direitos conquistados, torná-los mais

efetivos e avançar. Por essa razão, no capítulo 5 (Instrumentos de aplicação generalizada do

Direito do Trabalho no Brasil), são sugeridos instrumentos para aplicação generalizada do

Direito do Trabalho, mediante fortalecimento da democracia, atuação do Estado no

desenvolvimento de uma rede de proteção social, efetividade da jurisdição e implementação

de variados outros meios, como o revigoramento sindical.

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2 O DIREITO DO TRABALHO NA SOCIEDADE OCIDENTAL – F ORMAÇÃO,

EVOLUÇÃO E FUNÇÕES

2.1 Formação do Direito do Trabalho

Direito do Trabalho é um ramo da ciência jurídica, autônomo em relação aos demais

porque impregnado de características próprias, ou, em outros termos, de regras, princípios e

institutos peculiares e harmônicos, girando em torno de uma finalidade precípua e especial.9-10

Assim, falar de formação do Direito do Trabalho é tratar dos fatos e fenômenos que

conduziram à emergência de um sistema normativo autônomo, novo na história do Direito.

Não basta, pois, pesquisar quando, na história da humanidade, houve uma ou outra

regulamentação do trabalho. Se, por exemplo, no Código de Hamurabi, havia alguma regra

disciplinando o trabalho humano11, apesar de instigante estudo, não interessa para os fins

desta pesquisa.12 O que se procura é identificar conexões fenomênicas estabelecidas de

maneira a criar condições propícias ao surgimento de um ramo autônomo do Direito,

realidade bem distinta da investigação de normas de regulação do trabalho despontadas

salpicadamente em diferentes épocas no curso da história.

9 Maurício Godinho, fazendo referência a Alfredo Rocco, observa que três requisitos são necessários para a obtenção do status de ramo jurídico (alcance de autonomia em face dos demais ramos), ou seja, campo temático vasto e específico; teorias próprias; e metodologia particular. Esclarece, ainda, que a esse grupo deve ser acrescida a existência de perspectivas e questionamentos peculiares, mas lembra que “há muito já não se questiona a óbvia existência de autonomia do Direito do Trabalho no contexto dos ramos e disciplinas componentes do universo do Direito e da ciência dirigida a seu estudo” (DELGADO, Maurício, 2003, p.67-8). 10 A finalidade (aqui imbricada à idéia de função) precípua e especial do Direito do Trabalho é a melhoria das condições de pactuação da força de trabalho (DELGADO, Maurício, 2003, p.60), o que pode ser identificado, também, sob enfoque mais genérico, com a proteção da dignidade da pessoa do trabalhador. 11 José César de Oliveira observa que Hamurabi “se ocupou [...] em regular a aprendizagem profissional (§§ 188-189), bem assim direitos e obrigações de classes especiais de trabalhadores, v. g., médicos (§§ 215-223), veterinários (§§ 224-225), barbeiros (§§ 226-227), pedreiros (§§ 228-233) e barqueiros (§§ 234-240), além de dispor sobre preços e salários (§§ 241-277) (BARROS, 1997, p.45). 12 Nesse sentido, Segadas Vianna ressalta que o “estudo de todos os fatos, de todos os atos jurídicos, de todas as classes de leis, que, direta ou indiretamente, se relacionassem com o trabalho” impediria deter-se “cuidadosamente no exame dos reais antecedentes, isto é, daqueles que, pela sua influência, verdadeiramente vieram a dar um sentido social e humano e finalmente jurídico à conceituação e valorização do trabalho” (SÜSSEKIND et al., 2002, p.35). Esse mesmo autor, ainda, observa, ao referir-se a elementos que disseram respeito ao trabalho e a soluções pontuais de problemas sociais, que nada “disso era, entretanto, realmente Direito do Trabalho porque a fermentação que daria razão de ser para seu aparecimento só começaria a ser sentida no final do século XVII, com a revolução política e a revolução industrial ou técnico-econômica” (p.35).

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14

Para empreender essa jornada, afigura-se útil a adoção de premissas metodológicas,

tomando emprestadas duas dispostas por Maurício Godinho (DELGADO, Maurício, 2003,

p.83): a) encontrar a categoria fundamental do fenômeno estudado (Qual a categoria central

do Direito do Trabalho?); e b) estar ciente de que os fenômenos sociais decorrem de

múltiplos fatores.13

Motivos vários conduzem a essa pesquisa dos fatos pretéritos, inserindo-se, mesmo,

em contexto de prática cultural sempre desenvolvida no ambiente social – antes da própria

escrita, a história já era, evidentemente, repassada e examinada. Alinham-se, pois, razões

múltiplas, gerais e específicas, como o próprio acumular na formação do cabedal cultural,

como confrontar passado e presente, ou tentar avistar o futuro com o fito de imunizar erros

outrora cometidos, ou para entender a origem das coisas, institutos, realizações do ser

humano, a exemplo da formação de um ramo jurídico.

Esse revisitar o passado é possível pelo legado do próprio passado (suas criações em

todas as esferas de produção cultural) e, portanto, com os riscos de se retirar conclusões

contaminadas pela ideologia dos autores de época. Mas os estorvos antevistos ao início da

viagem não detêm a jornada que se faz necessária. E, na busca que ora se empreende,

fundamentalmente, colima-se descrever os fatores que, jungidos, levaram à formação de um

ramo peculiar do Direito, com regras, princípios e institutos próprios, com uma vocação

especial: o Direito do Trabalho.

A pesquisa histórica é árdua. Envolve identificar fatos e fenômenos, suas causas e

conseqüências, em um encadeamento que nem sempre segue retilineamente. Não é regido

com harmonia orquestrada o desenvolvimento dos fenômenos, temporal e geograficamente. A

história não é linear, os acontecimentos não sucedem, enfileirados, em passos marcados em

todo lugar ao mesmo tempo. O recorte e exame que se fará ao deitar o olhar sobre o passado é

de fatos fundamentais para entender um período ou fenômeno determinados, mas nem sempre

coexistentes em toda parte. Ricardo Marcelo Fonseca adverte que “abordar o passado em

geral ou mesmo abordar historicamente um instituto em particular não é tarefa simples nem

isenta de conseqüências profundas” e observa que a “maneira como o resgate histórico é feito

acaba por atribuir um ou outro sentido tanto ao passado que se busca reconstituir quanto ao

presente que se busca explicar numa pesquisa” (2001, p.23). Voltar o olhar para a história, em

13 Maurício Godinho esclarece, ainda, que há uma terceira proposição de método, porque a pesquisa sobre um fenômeno não se esgota no exame de sua criação, impondo-se “incorporar as vicissitudes de sua reprodução social” (DELGADO, Maurício, 2003, p.83). Mas, neste momento, interessa-nos o nascimento mesmo do Direito do Trabalho, e daí a adoção apenas das duas proposições citadas no texto.

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uma verdadeira montagem de quebra-cabeça, procurando juntar peças que nem sempre se

encaixam perfeitamente – alinhar fatos em uma seqüência que se pretende lógica e adequada

ao seu tempo –, exige cautela, porque as impressões retiradas da análise de documentos

históricos ou do exame de obras então produzidas encontram-se, em maior ou menor

medida, impregnadas da visão particular de alguém e, igualmente, a leitura desses fatos e de

sua conjugação contextualizada apresenta-se impregnada da visão de quem lança o olhar

para o pretérito.14

Além disso, a superação de uma fase histórica não significa o total desprendimento de

seu legado: a fase posterior traz a anterior consigo, alterando o posicionamento das peças de

um xadrez histórico (jogo de multifários enxadristas).

É necessário, contudo, fixar um ponto de partida, escolher o elo fenomênico inicial de

exame da corrente do tempo – um posicionamento específico das peças do xadrez histórico.

Opta-se por principiar pelas Revoluções Liberais, seguindo à emergência da

Revolução Industrial, até se deparar com a questão social mais notável do século XVIII,

sob o enfoque do trabalho: as condições sociais a que foram submetidos os

trabalhadores. Sabe-se, contudo, que há sempre algo antes, porque a fase posterior

carrega a anterior.

Não se empreende, pois, o exame histórico como mera peça ornamental, mas fitando

confrontar realidades e necessidades pretéritas, presentes e, quiçá, futuras.

Após a caminhada pelo passado, não prescindindo da análise dos movimentos de

ascensão e declínio do valor-trabalho-e-emprego, concluir-se-á que persistem os fatores

socioeconômicos que impuseram a formação deste ramo da enciclopédia jurídica – o Direito

do Trabalho –, que a sua função essencial está presente na contemporaneidade e que

continuará necessária em um futuro próximo.

2.1.1 Revoluções Liberais

Em incisiva síntese, Segadas Vianna pontua que “a fermentação que daria razão de ser

para o seu aparecimento [do Direito do Trabalho] só começaria a ser sentida no final do

14 “Cada homem tem a sua maneira de ver; e o mesmo homem, em épocas distintas, vê diversamente os mesmos objetos”, conforme vaticina Cesare Beccaria, citado por Luiz Otávio Linhares Renault (In PIMENTA et al., 2004, p.74).

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século XVIII, com a revolução política e a revolução industrial ou técnico-econômica”

(SÜSSEKIND et al., 2002, p.35) e continua:

[...] Com aquela, o homem tornava-se livre, criava o “cidadão como categoria racional na ordenação política da sociedade”; na outra, transformava-se a liberdade em mera abstração, com a concentração das massas operárias sob o jugo do capital empregado nas grandes explorações com unidade de comando. Acentuava-se, rapidamente, a afirmação de Ripert de que “a experiência demonstra que a liberdade não basta para assegurar a igualdade15, pois os mais fortes depressa se tornam opressores” (p.35).

“As revoluções liberais significam, no plano político, o que a Revolução Industrial

significava no nível econômico-social e o que o iluminismo defendia em termos ideológicos”

(NASSIF, 2001, p.23).

A história não dá saltos e os fenômenos estão sujeitos a determinações várias, mas as

Revoluções Liberais, especialmente a Revolução Francesa, podem ser entendidas como um

marco, um símbolo do término de uma época para o nascimento de outra.16-17 O Estado

Absolutista se despede e o Estado Liberal de Direito exsurge. As características mais

sensíveis deste Estado são a limitação do poder, o não-intervencionismo18 (o bordão laissez-

faire, laissez-passer propaga-se), o individualismo e o reconhecimento de direitos fundamentais

de primeira dimensão, notadamente o direito à liberdade e à propriedade privada.

As Revoluções Liberais trouxeram consigo o apogeu da liberdade individual,

consagrando o novo regime liberdade de profissões, artes e ofícios19, especialmente liberdade

15 A igualdade assegurada pelas Revoluções Liberais não foi, de forma alguma, de cunho material, mas meramente formal, contraposta aos privilégios da Nobreza e do Clero. Tratou-se, pois, neste momento, do “todos são iguais perante a lei”. 16 Bobbio observa que os “testemunhos da época e os historiadores estão de acordo em considerar que esse ato [a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão] representou um daqueles momentos decisivos, pelo menos simbolicamente, que assinalam o fim de uma época e o início de outra, e, portanto, indicam uma virada na história do gênero humano (BOBBIO, 1992, p.85). Georges Lefebvre, citado por Bobbio, com objetividade escreveu que “Proclamando a liberdade, a igualdade e a soberania popular, a Declaração foi o atestado de óbito do Antigo Regime, destruído pela Revolução” (BOBBIO, 1992, p.85). 17 Anteriormente, a Constituição Americana, em 1787, já proclamara ideais liberais, mas, agora, com a Revolução Francesa, o tom era universalizante e suas conseqüências foram mais intensas, como exemplifica o próprio regicídio – a mensagem era mais incisiva; as monarquias européias estremeceram. Nesse sentido, Paulo Bonavides diz que “[...] pelas condições da época, foi a mais abstrata de todas as formulações solenes já feitas acerca da liberdade” e, Boutmy, citado por aquele autor, observa que foi “para ensinar o mundo que os franceses escreveram; foi para o proveito e comodidade de seus concidadãos que os americanos redigiram suas Declarações” (2003, p.562). 18 A força estatal seria movimentada, é claro, para assegurar a propriedade privada e a liberdade dos indivíduos, mas não deveria intervir nos contratos – a apologia à autonomia da vontade era um reflexo da liberdade individual –, nem muito menos na economia, mesmo porque leis naturais já se prestavam a esse mister, como defendia, neste último aspecto, Adam Smith. 19 O art. 7o da Lei Chapelier, de 1791, estabelecia que “[...] todo homem é livre para dedicar-se ao trabalho, profissão, arte ou ofício que achar conveniente...” (BARROS, 2006, p.57).

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para contratar. Eclodiu estrutura social fundada no individualismo, sob o enfoque econômico,

político e jurídico (BARROS, 2006, p.57).

Esse individualismo exacerbado e o enaltecimento da autonomia da vontade não

permitiam, contudo, alterar a realidade dos fatos, especialmente que a autonomia se relativiza

quando as forças das partes contratantes são extremamente díspares, de maneira que, mais

tarde, com o surgimento da Revolução Industrial e suas conseqüências no mundo do trabalho,

essas máximas do liberalismo irão lançar os trabalhadores em condições subumanas. Evaristo

de Moraes Filho, ao discorrer sobre a formação histórica do Direito do Trabalho, observa que,

para o liberalismo, os homens livres seriam ricos e prósperos, mas a realidade desmentia essa

“otimista filosofia” por um motivo: a desigualdade entre os contratantes (MORAES FILHO;

MORAES, 1995, p.75). Evaristo continua:

Isto seria verdadeiro entre seres iguais, de forças idênticas. Logo se desfez o esquema teórico, diante da desigualdade das vontades20 do credor e do devedor do negócio contratual. Como lembra Ripert, a diferença entre as necessidades é então a única causa de troca econômica. A igualdade que impera no contrato, porém, é puramente teórica. E conclui: “É uma igualdade civil, isto é, de condição jurídica, mas não uma igualdade de forças. O erro do liberalismo em sua própria doutrina é de dizer que todo o contrato se forma e se executa sob regime de liberdade. Se os dois contratantes não estão em igualdade de forças, o mais poderoso encontra no contrato uma vitória muito fácil” (p.75).

Segadas Vianna, não destoa:

Se o liberalismo, como afirma Aron, não é, por si só, gerador de desigualdade, é certo entretanto que, graças a ele, e à sua sombra, haviam sido cometidos os maiores abusos dos fortes contra os fracos, havia sido anulada a liberdade, e o próprio Estado, em vez de simples assistente dos acontecimentos, passara, sob o domínio do capitalismo, a ser um instrumento de opressão contra os menos favorecidos (SÜSSEKIND et al., 2002, p.38).

Feliz a síntese de Lacordaire, citado por Segadas Vianna: “Entre o forte e o fraco, entre o

rico e o pobre, é a liberdade que escraviza, é a lei que liberta” (SUSSEKIND et al., 2002, p.38).

O discurso de um laissez-faire sem peias é embebido de apologia à liberdade, mas

apenas sob o enfoque meramente formal, de maneira que, com a veia sarcástica, Huberman, à

guisa de conclusão interroga: “O que seria das históricas liberdades dos ingleses, se o

Parlamento lhes tomasse o direito de estourar de trabalhar?” (1959, p.184).

20 Entendemos, contudo, que as vontades, na formação do contrato de emprego, são, realmente, distintas – um colima a força de trabalho e o outro a retribuição pecuniária. Assim, o problema não reside na “vontade”, mas, notadamente, na ordinariamente grande “diferença de forças”.

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Os ingredientes políticos, econômicos, sociais e tecnológicos para o desencadeamento

da Revolução Industrial foram colocados na mesa: o Estado Absolutista cedera ao Estado

Liberal; o capitalismo evoluiu, acumulando mais riquezas e expandindo vertiginosamente; os

mercados e a produção aumentavam; as cidades cresciam (a população já vinha sendo expulsa

dos campos há muito tempo); os inventos despontavam, especialmente a máquina a vapor. Eis

o florescer da Revolução Industrial.

A transição do Estado Absolutista – cujas características não mais serviam à

burguesia, impulsionada por necessidade de crescimento e mudanças que não encontrariam

resposta rápida no Antigo Regime – para o Estado Liberal de Direito representou mudança tão

radical que justificou o reconhecimento de que se instaurou uma nova época. Essas mudanças,

por seu turno, impulsionaram o aparecimento de novos fatores sociais e a intensificação de

outros já existentes, conduzindo ao surgimento do fenômeno Revolução Industrial que, por

sua vez, desenvolveu ambiente propício à formação do Direito do Trabalho.

Um determinado encadeamento de fatos e fenômenos, contudo, como já acentuado,

normalmente, não ocorre de forma retilínea e em todas as sociedades ao mesmo tempo, mas a

análise de sua dinâmica permite verificar que constitui fator que contribui decisivamente para

o despontar de novos fatos e fenômenos, os quais, em uma cadeia de causa e efeito, como em

dominós enfileirados, fazem a história mover.

2.1.2 Revolução Industrial

A Revolução Industrial, ocorrida no século XVIII, significou o fenômeno de

transformação radical no processo de produção de bens, que foi otimizado pela inserção de

crescente mecanização – passou-se a combinar a força humana com a força da máquina

movida a vapor. Identificam-se, nesse momento, inovações tecnológicas que repercutiram no

processo produtivo e nas relações de trabalho. Alastrava-se com essas inovações a figura da

grande indústria, concentrando trabalhadores, lado a lado, em um mesmo sistema

produtivo e sujeitos a semelhantes condições de vida degradantes, o que incitou a

formação de uma consciência de classe.

Vários autores identificam a Revolução Industrial como o fenômeno que,

historicamente, congregou os elementos para a formação do Direito do Trabalho. A vitória de

ideais iluministas e a consagração de um Estado Liberal estão assentadas em um elo anterior

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na corrente do tempo, deitando determinantes que influíram diretamente no surgimento da

Revolução Industrial. Mas, a partir daí, despontam, efetivamente, todos os fatores necessários

para o aparecimento da questão social que demandaria a necessidade de regulação

especificada de uma relação de trabalho que se generalizava e se tornava preponderante – a

relação de emprego.21-22

Orlando Gomes e Gottschalk identificam o surgimento do Direito do Trabalho com a

Revolução Industrial:

A origem histórica do Direito do Trabalho está vinculada ao fenômeno conhecido sob a designação de “Revolução Industrial”. Se nos fosse dado situar no tempo um acontecimento marcante para assinalar o início desse processo revolucionário, indicaríamos a máquina a vapor descoberta por Thomas Newcomen, em 1712, logo empregada, com fins industriais, para bombear água das minas de carvão inglesas. Essa máquina era, evidentemente, grosseira, e, por volta da segunda metade do século XVIII, James Watt introduziu-lhe importantes aperfeiçoamentos (GOMES; GOTTSCHALK, 2001, p.1).

Segundo José Augusto Rodrigues Pinto:

O trabalho humano e suas repercussões sociais são tão velhos quanto os primeiros impulsos de civilizações oriundas do racionalismo. Todavia, a relação do trabalho humano prestado pessoalmente em proveito de outrem e retribuído como forma sistemática de utilização da energia produtiva só foi propiciada realmente pelo advento da chamada Revolução Industrial do início do século XVIII (2003, p.23).

A Revolução Industrial, em seguida às Revoluções Liberais, trouxe os ingredientes

para a formação de ambiente propício ao surgimento de uma questão social, entendida como

21 Já se disse que a história não segue retilineamente. A concentração de grande número de trabalhadores em fábricas e submetidos a um mesmo processo produtivo, antes mesmo da Revolução Industrial, chegou a ocorrer na própria Idade Média, a despeito de não se desenvolver com grande dimensão social, no sentido de sua generalização, e de não se utilizar intensamente mão-de-obra livre. Nesse sentido, Huberman relata: “Esse famoso Jack de Newbury era uma figura importante porque, ao contrário dos outros, que levavam matéria-prima para os artesãos trabalharem em suas casas, ergueu um edifício próprio, com mais de 200 teares, no qual cerca de 600 homens, mulheres e crianças trabalhavam. Isso ocorreu em princípios do século XVI (HUBERMAN, 1959, p.113). Segundo esse autor, foi o aludido Jack “o precursor do sistema de fábricas que surgiria três séculos mais tarde” (p.113). 22 Gerson Lacerda Pistori entende que “a História do Direito do Trabalho não pode se situar isoladamente, utilizando-se apenas dos paradigmas do período após a Revolução Industrial”. E acresce: “Toda a tradição da forma de tratamento dada pelas classes dominantes (econômica e política) das sociedades ocidentais pesa historicamente sobre a cultura nas relações do trabalho, assim como as formas de postura, subordinação e relacionamento perante a classe dominante daqueles que trabalham, quer pelo uso das mãos, quer pelo uso do intelecto, desde a Idade Média” (2007, p.125). Apesar do entendimento contrário de Pistori, a proposição metodológica que adotamos, ou seja, de encontrar a categoria essencial do fenômeno social estudado, leva à conclusão de que, na Baixa Idade Média, não havia, ainda, com intensidade e generalização no ambiente social, trabalho livre, nem pessoas vinculadas, nessa dimensão, mediante subordinação. As condições sociais necessárias para o aparecimento do Direito do Trabalho, assim, conjugaram-se (vários elementos, então, vinham sendo gestados anteriormente) na Revolução Industrial.

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grave problema criado pela vida em sociedade. A crise gerada pelas condições subumanas

de trabalho e pela precariedade de meios de sobrevivência dos trabalhadores gerou

irrompimento de manifestações variadas, como o ludismo, o cartismo, as greves e o mais

que se afigurasse como instrumento de luta e reivindicação. O insustentável se apresentou

no cenário social.

A exploração do homem pelo homem não é novidade histórica que tenha despontado

com o advento da Revolução Industrial. Há muito, formas variadas de exploração são

empreendidas, e os modos de produção baseados na escravatura ou na servidão as ilustram.

José César de Oliveira observa que a escravidão entre “os egípcios, os gregos e os romanos

atingiu proporções consideráveis, a ponto de afirmar G. Lewis que uma terça parte da

população de Atenas era constituída de escravos e que Roma edificou sua pujança à custa do

trabalho escravo” (BARROS, 1997, p.38). Na Idade Média, o servo era um acessório da terra;

já não era um escravo, mas, outrossim, sua liberdade era bem limitada.

Se a exploração não é inédita, o seu modus faciendi, com a Revolução Industrial,

alterou-se: a conexão do trabalhador ao sistema produtivo, agora, se daria mediante contrato,

em prestígio de uma formal autonomia da vontade.

Já não se poderia falar mais, com intensidade social digna de destaque, em regime

servil ou escravocrata. O trabalhador passou a ser conectado ao sistema produtivo mediante

vínculo contratual, não mais por tradições ou em virtude de submissão forçada, mas pela

autonomia da vontade. O trabalho era livre, apesar de subordinado (esta subordinação forma-

se, contudo, pela “autonomia da vontade”). Há tempos, os servos eram expulsos dos campos e

leis haviam quebrado monopólios de atividades, suplantando a ingerência dos mestres das

corporações de ofício. O sistema econômico, pois, alterou-se.23

Maurício Godinho, a esse respeito, com acuidade peculiar, observa que proposição

importante para o estudo de fenômenos sociais é a de encontrar a sua categoria fundamental e,

23 Hunt define o sistema econômico “segundo o modo de produção no qual se baseia” e esclarece que o “modo de produção é, por sua vez, definido pelas forças produtivas e pelas relações sociais de produção” (HUNT, 1981, p.25). Com este autor, ainda, temos que aquelas seriam a tecnologia produtiva, ou seja, “no estado atual do conhecimento técnico ou produtivo, nas especializações, técnicas organizacionais, etc., bem como nas ferramentas, implementos, máquinas e prédios usados na produção” (1981, p.25) e estas [as relações sociais de produção], as relações entre a classe que trabalha com a que se apropria do resultado do trabalho. “O desenvolvimento histórico das forças produtivas tem resultado numa capacidade sempre crescente de as sociedades produzirem excedentes sociais cada vez maiores. Dentro desta evolução histórica, cada sociedade tem sido dividida, de modo geral, em dois grupos separados. A maioria das pessoas, em cada sociedade, trabalha exaustivamente para produzir o necessário para sustentar o modo de produção, bem como o excedente social, enquanto uma pequena minoria se apropria deste excedente e o controla. [...] As classes sociais são diferenciadas entre si em função desse fato; as relações sociais de produção são definidas como relações entre estas duas classes” (1981, p.26). Volvendo ao que nos interessa, temos que com a Revolução Industrial as relações sociais de produção passaram a se formar mediante contrato, pressupondo, então, trabalho livre e manifestação da vontade.

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no caso do Direito do Trabalho, ela se concentra na relação de emprego, para a qual se

pressupõe trabalho livre (DELGADO, 2003, p.84).24

Antes da oferta generalizante de trabalho livre, não se constatam condições sociais

adequadas para o reconhecimento da relação de emprego como instrumento principal de

vinculação do trabalhador ao sistema produtivo.

O ambiente social se mostra fértil para gerar o Direito do Trabalho apenas quando a

sua categoria fundamental alastra-se, ou seja, quando se utiliza intensamente o trabalho livre

assalariado e subordinado. A esse elemento acresça-se a questão social surgida e suas

repercussões: consciência de classe, manifestações proletárias, amadurecimento de doutrinas

sociais, etc. Isso tudo, congregado, pressionou o reconhecimento de que a relação de emprego

exigia regulamentação própria, não bastando um sistema jurídico assentado na predominância

da autonomia da vontade – o Código Civil, reconhecidamente, não era suficiente e muito

menos adequado.

2.1.3 A questão social, a formação de uma consciência de classe e a contradição liberdade

versus combate a manifestações sociais

Ao lançar um olhar histórico mais distante, vê-se que os ideais da Revolução Francesa

contribuíram para a formação do Direito do Trabalho. Com efeito, rompidos os obstáculos de

um Estado Absolutista, com o apogeu do liberalismo econômico e político, repercutindo na

autonomia da vontade, na separação de poderes e na constitucionalização de direitos

individuais – especialmente os direitos de liberdade e de propriedade privada –, forjam-se os

elementos adequados para o desenvolvimento da Revolução Industrial (além, é claro, da

anterior acumulação de capitais).

Essa nova realidade socioeconômica e jurídica, juntamente com a constante busca do

lucro, agregada à existência de um exército reserva de mão-de-obra e de intensa capacidade

produtiva impulsionada pela Revolução Industrial, acaba gerando máxima exploração.

24 Trabalho livre está intimamente ligado ao surgimento (e o incremento, avanço) do capitalismo, sistema cuja característica principal é a obtenção de lucro, segundo Leo Huberman (1959). Este autor observa que “Uma vez iniciada uma indústria moderna, ela obtém seus lucros e acumula seu capital muito depressa. Mas de onde veio inicialmente o capital – antes de começar a indústria moderna? É uma pergunta importante, porque, sem a existência do capital acumulado, o capitalismo industrial, tal como o conhecemos, não teria sido possível. Nem teria sido possível sem a existência de uma classe trabalhadora livre e sem propriedades – gente que tinha de trabalhar para outros a fim de viver” (HUBERMAN, 1959, p. 157).

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Mas agora o trabalhador era livre, de maneira que, por mais que houvesse o combate a

suas manifestações, especialmente às de cunho coletivo, aclarava uma contradição do sistema,

porque o valor liberdade, seja no plano político ou no econômico, fora uma vitória do final do

século XVIII, de sorte que livre também deveria ser o trabalhador para exigir melhores

condições de vida. A classe operária continuava pobre, sem recursos e ocupando a mais baixa

camada social, mas, afinal, com todas as dificuldades, agora era livre, ainda que não fosse

uma liberdade plena. Por isso, podia (ou deveria poder) manifestar-se e reivindicar melhores

condições de vida, apesar de todo o embate daí advindo.

Os registros históricos apontam para a formação de um quadro de penúria e de

exploração máxima dos trabalhadores no período da Revolução Industrial. Em criativa

ilustração, Leo Huberman, ao tratar das condições de vida dos trabalhadores ingleses no início

da Revolução Industrial, oferece a seguinte figura:

Se um marciano tivesse caído naquela ocupada ilha Inglaterra teria considerado loucos os habitantes da Terra. Pois teria visto de um lado a grande massa do povo trabalhando duramente, voltando à noite para os miseráveis e doentios buracos onde moravam, que não serviam nem para porcos; de outro lado, algumas pessoas que nunca sujaram as mãos com o trabalho, não obstante faziam as leis que governavam as massas, e viviam como reis, cada qual num palácio individual (HUBERMAN, p.176).

Implementou-se, então, a utilização da mão-de-obra sem limites senão as próprias

forças humanas (afinal, individualismo, autonomia da vontade e não-intervencionismo eram

palavras de ordem em um Estado Liberal), chegando a 16 horas diárias de trabalho. Junto a

isso, adotava-se sistema produtivo desprovido de qualquer criatividade – o trabalhador

adaptava-se à velocidade da máquina, quase que a ela se fundia, e realizava movimentos

repetitivos em rígida disciplina.

Os trabalhadores dessa época, então, laboravam excessivamente, realizando atividades

repetitivas e sem condições de segurança, para receber um salário miserável25, rebaixado

constantemente pela lei da oferta e da procura26, até que a moléstia os lançasse à total penúria

(não havia sistema de seguridade social). A simplicidade da atividade, gerada pela ampla

inserção da máquina, permitia a substituição da mão-de-obra dos homens pelas chamadas

25 Essa realidade de exploração, em certa medida, ainda se verifica na contemporaneidade, especialmente em sociedades de menor desenvolvimento humano. Ocorre apenas que era mais generalizado o quadro de penúria e de abusos existente durante a Revolução Industrial. 26 Apregoavam os liberalistas: laissez-faire, laissez-passer.

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meias-forças – mulheres e crianças, mais dóceis e fáceis de subjugar –, o que propiciava ainda

maior achatamento de salários.

Eloqüente o relato, perante uma comissão do Parlamento, em 1816, na Inglaterra, de

um capataz de aprendizes em uma fábrica de tecidos, citado por Huberman (1959, p.179):

Eram aprendizes órfãos? – Todos aprendizes órfãos.

E com que idade eram admitidos? – Os que vinham de Londres tinham entre 7 e 11 anos. Os que vinham de Liverpool tinham 8 a 15 anos.

Até que idade eram aprendizes? – Até 21 anos.

Qual o horário de trabalho? – De 5 da manhã até 8 da noite.

Quinze horas diárias era um horário normal? – Sim.

Quando as fábricas paravam para reparos ou falta de algodão, tinham as crianças, posteriormente, de trabalhar mais para recuperar o tempo parado? – Sim.

As crianças ficavam de pé ou sentadas para trabalhar? – De pé.

Durante todo o tempo? – Sim.

Havia cadeiras na fábrica? – Não. Encontrei com freqüência crianças pelo chão, muito depois da hora em que deveriam estar dormindo.

Havia acidentes nas máquinas com as crianças? – Muito freqüentemente.

Huberman lembra-se ainda da surpresa de um senhor de escravos das Índias falando a

três industriais de Bradfor: “Sempre me considerei infeliz pelo fato de ser dono de escravos,

mas nunca, nas Índias Ocidentais, pensamos ser possível haver ser humano tão cruel que

exigisse de uma criança de 9 anos trabalhar 12 horas e meia por dia, e isso, como os senhores

reconhecem, como regra normal” (1959, p.180). Não nos parece fosse tomado o Senhor de

escravos por um sopro de sentimento altruístico; ele sabia que seus escravos não poderiam ser

sugados até a morte, afinal eram suas mercadorias. O Senhor patrão industrial encontrava-se

em leito mais confortável, porque o trabalhador, livre, caso não mais suportasse o labor,

exauridas as suas forças, certamente seria substituído por outro – mera troca, sem perda de bem.

Tudo, pois, entrelaçado, erige a consciência de classe. Retrato e conseqüência bem

apreendidos por Orlando Gomes e Gottschalk:

[...] A concentração do proletariado nos grandes centros industriais nascentes; a exploração de um capitalismo sem peias; a triunfante filosofia individualista da Revolução Francesa; os falsos postulados da liberdade de comércio, indústria e trabalho, refletidos no campo jurídico na falaz liberdade de contratar; o largo emprego das chamadas “meias forças”, isto é, o trabalho da mulher e do menor; a instituição das sociedades por ações, sociedades anônimas propiciando, a princípio, a reunião de grandes massas de capital necessário aos empreendimentos industriais, e seu posterior desdobramento em capitais monopolizadores (trust, cartéis, holdings), a idéia vigorante do não-intervencionismo estatal, por mais precárias que fossem as condições econômicas e sociais, tudo isso, gerando um estado de miséria sem precedentes para as classes proletárias, resultou no aparecimento, na história do

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movimento operário, de um fenômeno relevantíssimo: a formação de uma consciência de classe (2001, p.2).

Haveria de exsurgir uma consciência de classe. Afinal, os trabalhadores se

encontravam jogados em um mesmo fosso. Lado a lado, o mesmo azar: jornadas

escorchantes, rotina estressante, penúria generalizada, salários irrisórios, tudo em

contraposição ao luxo dos novos “aristocratas” burgueses. Em determinado ponto, a sujeição

humana transmuda-se em ira, em revolta, e a resistência se impõe, sob várias formas, desde a

quebra de máquinas (ludismo) à busca de direitos políticos (cartismo27), além, é claro, da

mais eficiente luta contra o patronato: a união concertada, especialmente em torno do

sindicato, e seu melhor instrumento – a greve.

Inicialmente, as greves são proibidas, até mesmo reputadas fatos criminosos, para, em

seguida, serem toleradas, mesmo porque movimento legítimo e que não decorre de outra

senão a imprescindível necessidade de solucionar problemas que atingem a própria

sobrevivência, irrompendo-se, portanto, naturalmente, como reflexos da insuportabilidade

humana. Por fim, as greves são aceitas como um direito.

“As agitações, as pregações da Igreja, a palavra dos estudiosos faziam compreender,

mesmo aos que, por interesses pessoais, se deviam opor às pretensões dos trabalhadores, que

estes tinham direito à vida e que ao Estado cabia velar por eles” (VIANNA, in SUSSEKIND

et al., 2002, p.42-3).

Aos poucos, os trabalhadores se armam de instrumentos mais eficazes de luta28, e seus

clamores alcançam pensadores, políticos e a própria Igreja Católica. Lentamente, leis surgem:

a princípio, normalmente visando a limitação do trabalho de menores e de mulheres e a

redução da jornada; depois, abrangendo mais variado feixe de regulação.

Essa evolução legislativa é captada por Maurício Godinho em quatro fases:

manifestações incipientes ou esparsas; sistematização e consolidação; institucionalização do

Direito do Trabalho; e crise e transição do Direito do Trabalho29-30.

27 O movimento cartista reivindicava, segundo Huberman (1959, p. 489): “1. sufrágio universal para os homens; 2. pagamento aos membros eleitos da Câmara dos Comuns (o que tornaria possível aos pobres se candidatarem ao posto); 3. parlamentos anuais; 4. Nenhuma restrição de propriedade para os candidatos; 5. Sufrágio secreto, para evitar intimidações; 6. Igualdade dos direitos eleitorais”. 28 Como visto, anteriormente, a ira do trabalhador se voltou contra a máquina. 29 Granizo e Rothvoos, autores espanhóis, por sua vez, identificam, considerando momentos históricos importantes para a formação do Direito do Trabalho, também, quatro fases: formação, intensificação, consolidação e autonomia. 30 Neste momento de pesquisa acerca da formação do direito do trabalho, interessam-nos, mais de perto, a 1a, a 2a e a 3a fase. Por essa razão, não se tecerá exame, neste ponto, acerca da 4a fase – crise e transição do Direito do Trabalho.

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No primeiro momento (manifestações incipientes e esparsas), encontra-se uma

normatização espaçada, assistemática, despontado pontualmente, sem uma seqüência e

harmonia que permitisse reconhecer o surgimento de um ramo autônomo do Direito. A

doutrina indica como marco inicial a lei denominada Moral and Heath act (Peel’s Act), de

1802, da Inglaterra, que vedou o trabalho de crianças em minas e reduziu a sua jornada. A

respeito dessa fase, Maurício Godinho esclarece que se “trata de um espectro estático de

regras jurídicas, sem a presença significativa de uma dinâmica de construção de normas com

forte indução operária” (DELGADO, 2003, p.94).

A segunda fase (sistematização e consolidação) tem por marco inicial o ano de 1848,

em razão do Manifesto Comunista e da Revolução, na França. Salienta-se, ainda, o

movimento cartista. Nesse período, os trabalhadores passam a atuar com maior concreção, de

forma mais organizada e, agora, munidos de reivindicações e instrumentos mais contundentes.

Maurício Godinho pontua que, em relação à Revolução de 1848, os trabalhadores urbanos

franceses “conseguem, no processo revolucionário, generalizar para o mundo do Direito uma

série de reivindicações que lhe são próprias, transformando-as em preceitos de ordem jurídica

ou instrumentos da sociedade política institucionalizada” (DELGADO, 2003, p.95). Nesse

lapso temporal até a Primeira Grande Guerra já se pode afirmar que despontara um novel

ramo do Direito: o Direito do Trabalho.

Identificado o nascimento do Direito do Trabalho, segue a fase de sua

institucionalização. A Constituição Mexicana de 1917, a Constituição de Weimar de 1919 e a

criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), pelo Tratado de Versalhes, são

marcos exponenciais dessa fase.

A quarta fase indicada (crise e transição do Direito do Trabalho) será apreciada em

item próprio (2.2.2 – Declínio do valor-trabalho-e-emprego), porque neste momento interessa

a formação do Direito do Trabalho, sob o enfoque do surgimento de uma consciência de

classe, e não a sua crise.

De todo modo, o nascimento da consciência de pertencimento a uma classe, em um

cenário de superexploração, gerou atuação mais unificada e concertada dos trabalhadores.

Isso, em ambiência de liberdades civis, apesar da intensa repressão inicialmente desfechada

contra as manifestações operárias, força o reconhecimento de que os trabalhadores tinham

direito de se manifestar, inclusive para reivindicar outros direitos – os de natureza trabalhista.

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2.1.4 Direito do Trabalho: concessão do capital ou conquista dos trabalhadores?

Desfeitos os nós para a evolução do capitalismo, com a suplantação do Estado

Absolutista e a vitória dos ideais iluministas, marcadas pelas Revoluções Liberais, e, pois,

como conseqüências, a limitação do poder do Estado, a garantia de direitos fundamentais de

primeira dimensão – especialmente o direito à liberdade e à propriedade privada – e o não-

intervencionismo, depara-se com a Revolução Industrial. Esta oferece os elementos restantes

para o surgimento de uma questão social: com intensidade e generalização dignas de destaque

emerge grave insustentabilidade à paz, motivada pela submissão dos trabalhadores a

condições subumanas; o reconhecimento de uma consciência de classe erige; identificados os

opositores, despontam as lutas de classe e as reivindicações operárias por melhores condições

de trabalho e de vida. Chega-se, então, à conclusão de que, se é possível indigitar um

fenômeno mais fundamental para a formação do Direito do Trabalho, esse é a atuação dos

trabalhadores, a sua luta, a sua insatisfação contra as condições a que foram submetidos. Esse

ramo da cultura jurídica adveio, portanto, de conquista, e não de mera concessão do sistema

capitalista.31 Arnaldo Süssekind é direto: “O Direito do Trabalho é um produto da reação

verificada no século XIX contra a exploração dos assalariados por empresários” (1999, p.05).

José Augusto Rodrigues Pinto é, igualmente, incisivo, ao dizer que o direito do trabalho é um

“direito de conquista, responsável pela formação de princípios, doutrina e normas resultantes,

na mais ampla visão de seu conteúdo, da pressão dos trabalhadores sobre os patrões por

melhores condições de vida, através da dignificação do trabalho” (2003, p.30).

“Ensina Ihering que o direito, em si mesmo, encerra uma contradição. É uma luta, mas

uma luta para a paz. A paz é o fim do direito. A luta é o meio de se obtê-lo” (VIANA, 1996, p.43).

Márcio Túlio Viana (1996, p. 43-4) distingue duas formas de resistência: a luta pelo

direito posto; e a luta para pôr o direito.

A realidade do Direito do Trabalho demonstra que ambas as lutas são, normalmente,

intensas, podendo, ainda, em nossa atual etapa histórica, acrescentar uma subdivisão da

primeira forma (luta pelo direito posto), na modalidade da luta para manter o direito posto, e

31 Tratando das condições dos trabalhadores, em seguida à Revolução Industrial, Jorge Luiz Souto Maior diz que “Essa situação provocou um acirramento da ‘luta de classes’, que pode ser identificada como a fonte material do direito do trabalho” (2000, p.58) e conclui que “o direito do trabalho surge [...] mais como fruto de uma luta de idéias do que de uma reação instintiva dos trabalhadores pela sobrevivência, podendo-se destacar, também, que o resultado dessa luta, ou seja, a regulação das relações de trabalho, em certa medida, foi uma conquista, mas, em outra, uma reação do próprio capital como tática de sobrevivência” (2000, p.60).

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não somente para aplicá-lo. Nesse momento, interessa-nos, contudo, apenas a luta para pôr o

Direito do Trabalho e, como afirmamos, houve luta mesmo.

Segadas Vianna, ao examinar a passagem do sistema das corporações de ofício,

notadamente pela sua proibição (Lei Chapelier, de 17.06.1791), para o sistema predominante

na Revolução Industrial, pontua:

A completa libertação do trabalhador teria de se fazer mais tarde como conseqüência da Revolução Industrial e da generalização do trabalho assalariado, numa nova luta, não mais contra o senhor da terra nem contra o mestre da corporação, e sim contra um poder muito maior, o patrão, o capitalista, amparado pelo Estado, na sua missão de mero fiscal da lei e aplicador da justiça (SÜSSEKIND, 2002, p.34).

A pesquisa histórica demonstra que os direitos dos mais fracos não advieram,

ordinariamente, de concessões; exsurgiram em contexto de relações de poder, de maneira que

o vocábulo concessão (que o Direito do Trabalho seria uma concessão do capitalismo) não

traduz adequadamente a realidade, porque, quando menos, a parcela de poder transferida o foi

pelo entrechoque de relações sociais, significando, mais precisamente, capitulação – recuo do

dos titulares do capital –, ou, sob o prisma do trabalhador, uma conquista. Não se está

afirmando com isso que houve uma subversão dos postos de poder, mas que, apesar de, em

grande medida, não terem ocorrido radicais mudanças quanto à ocupação privilegiada nas

estruturas sociais, avanços foram alcançados e parcelas de poder transferidas.

Direito, com efeito, no ambiente social, para ser posto e reconhecido pelos detentores

das maiores parcelas de poder, há de percorrer complexo processo de luta. Assim ocorreu para

a conquista de direitos civis e de direitos sociais, para a extensão dos direitos civis às

mulheres, para a própria libertação de colônias, tudo luta, e, quando bem-sucedida, representa

conquista.

Não se afigura, portanto, nessa conjuntura, que os direitos trabalhistas tenham sido

concedidos. A própria ameaça de um socialismo, captada pelos capitalistas e, até mesmo, pela

Igreja Católica (a Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, retrata essa preocupação), não

permite reconhecer que houve uma concessão de direitos, que, verdadeiramente, foram

arrancados por variados modos de pressão. O crescimento do pensamento socialista, como via

alternativa, também figura nessa contextura – instrumento de pressão.

A idéia de que os direitos trabalhistas foram concessão do capital apresenta um outro

fator preocupante: faz parecer que os trabalhadores não têm força para implementar mudanças

sociais, porque, afinal, nada conquistaram; receberam graciosamente direitos. O desvelamento

da realidade, com a identificação de uma verdadeira conquista, permite tratar o fenômeno

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como ele verdadeiramente se desenvolveu e, assim, enaltecer as forças dos trabalhadores,

além de conscientizá-los de seu poder de transformação social.

2.1.5 Considerações finais

Retomando a proposição de que os fenômenos sociais emergem de múltiplos fatores e

advertindo que a tentativa de estabelecer conexões fenomênicas – e, ato seguinte, identificar

suas correlações e conseqüências – sempre estará sujeita a armadilhas, pontua-se que o

Direito do Trabalho é fruto de multifários fenômenos.

Alguns foram eleitos nesta pesquisa, optando-se por dar partida histórica com as

Revoluções Liberais, arautos das mudanças políticas e econômicas que desembocaram em

quadro social propício à Revolução Industrial. Esta, por sua vez, trouxe os últimos

ingredientes para a emergência de uma questão social: as árduas condições de vida impostas

aos trabalhadores, com a conseqüente irresignação, primeiramente, direcionada às máquinas

(Ludismo), depois, mais orientada, conduzida mediante movimento de cunho político e

trabalhista, o Cartismo, juntamente com a agregação de forças em torno dos sindicatos,

explorando seu mais excelso instrumento, a greve. A tudo isso se alia o reconhecimento

paulatino da justiça da causa trabalhista, inclusive por diminuta parcela da elite pensante,

além de novas propostas de vida comunitária ofertadas pelo socialismo científico de Marx

e Engels.

Nesse turbilhão de fatos e fenômenos, interagindo, começam a despontar leis de cunho

trabalhista, até o reconhecimento de que havia uma matéria específica, com finalidade

igualmente específica, um traço de identidade, de ligação, de maneira que as normas deixam

de ser pontuais e esparsas para assumir uma feição concertada, constante e sistemática,

própria de um corpo organizado de normas. Assim, consolida-se e institucionaliza-se o

Direito do Trabalho.

Eis, pois, diversos fatores – e certamente não são todos32 – que conduziram à formação

do Direito do Trabalho, conquista eminente dos trabalhadores.

32 Apesar de não serem todos os fatores, afiguraram-se os mais relevantes para a formação do Direito do Trabalho.

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2.2 Ascensão e declínio do valor-trabalho-e-emprego

O processo de formação do Direito do Trabalho foi longo e árduo, emergindo esse

ramo jurídico após intensa luta, implementada pelos trabalhadores, mediante diversos

instrumentos de pressão social.

A luta não se resume, contudo, à conquista do direito. Essa é apenas uma batalha.

Posto o direito, consolidado e institucionalizado, segue nova luta: a pelo direito posto.33

Enquanto foi possível o embate razoável de forças sociais, o trabalho seguiu

amealhando valor – primeiramente, sob o enfoque de status jurídico (constitucionalismo social) e,

posteriormente, no plano da sua efetivação (implementação do Estado de Bem-Estar Social).

No início do século XX, havia grande efervescência sociopolítica: a Revolução Russa,

de 1917, apontava uma alternativa para o sistema capitalista; crises econômicas34 periódicas

demonstravam que a adoção exagerada de uma postura estatal não-intervencionista gerava

instabilidade no ambiente social (“laissez-faire, laissez-passer” não era uma fórmula mágica);

a lei da oferta e da procura não era adequada para regular o valor dos salários; duas grandes

guerras irromperam em pequeno intervalo histórico.

Era necessário e urgente reavaliar o sistema capitalista, aparar suas incongruências,

controlar sua autofagia, torná-lo menos desumano. Exsurge então uma proposta intermediária

entre os extremos liberalismo ou revolução: o Estado de Bem-Estar Social, implementado

com maior intensidade após a Segunda Grande Guerra, em ampla medida, com suporte nas

idéias de John Maynard Keynes. O Estado deveria intervir na economia para evitar as crises

econômicas cíclicas, para gerar empregos, para distribuir renda, enfim, para solucionar a

grave crise por que passava o capitalismo.

Assiste-se, então, à ascensão do valor-trabalho-e-emprego, primeiramente, no plano

normativo, chegando ao constitucionalismo social – em 1917, a Constituição do México

agasalha amplo feixe de direitos sociais trabalhistas; em 1919, foi a vez da Constituição de

Weimar; e daí por diante várias Constituições passam a contemplar direitos sociais. Não se

33 Tema desenvolvido na obra Direito de Resistência de Márcio Túlio Viana (1996, p. 43-4). 34 Hunt lembra que a “história do capitalismo é uma história de instabilidade econômica” (1981, p.426). E Observa que da última metade do século XIX às primeiras décadas do século XX as crises econômicas se intensificaram: “[...] Na primeira metade do século XIX, por exemplo, os Estados Unidos só tiveram duas crises econômicas graves (que começaram em 1819 e em 1837) e a Inglaterra teve quatro (que começaram em 1815, 1825, 1836 e 1847). Na última metade do século, as crises ficaram mais graves e aumentaram para cinco nos Estados Unidos (começando em 1857, 1866, 1873, 1882, 1890 e 1900). No século XX, a situação ficou pior. Depressões cada vez mais freqüentes infestaram o capitalismo, tendo culminado com a Grande Depressão dos anos 30” (HUNT, 1981, p.427-8).

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mostraram suficientes, contudo, as declarações formais de direitos – nem mesmo quando

alcançaram o status constitucional –, porque faltava, ainda, uma atuação efetiva do Estado

para tornar realidade sensível ao trabalhador o que os diplomas normativos apenas

declaravam solenemente.

A efetivação do Direito do Trabalho surge com intensidade após a Segunda Grande

Guerra, com a generalização do Estado de Bem-Estar Social na Europa Ocidental,

perdurando, sem ataques ultraliberalistas significativos, até a década de 1970. Tratou-se de

paradigma de estruturação socioeconômica bem-sucedido, a ponto de o historiador Eric

Hobsbawm atribuir a esse período o bordão de “Era de Ouro” (1995, p.253-281). O trabalho e

o emprego encontraram patamar de valorização inusitado na história.

Em alguns casos, o Estado de Bem-Estar Social cresceu demasiadamente, abrangendo

uma estrutura desproporcional, especialmente no que toca à seguridade e à assistência social.

Assim, despontou o discurso de que não era mais possível suportar o seu gigantismo,

especialmente com o surgimento da crise do início da década de 1970, denominada crise do

petróleo. Ocorre que, ao invés de se procederem aos necessários reajustes para a manutenção

desse Estado, mesmo porque se tratava de modelo que efetivamente gerava desenvolvimento

social inusitado, com baixíssimo desemprego (ainda assim, desemprego efêmero – o que se

pode denominar “desemprego zero”), viu-se aí a oportunidade ímpar para o seu rompimento e

implementação, mais uma vez, de ideais liberalistas, sob a roupagem do que se chama

neoliberalismo.

Essa linha ultraliberal entendeu rapidamente que o trabalho já não poderia ser

valorizado; esse primado haveria de ser combatido. Afinal, a única moeda de troca do

trabalhador deveria ser desvalorizada. Várias frentes de batalha liberalistas se instauram,

então, sob múltiplos disfarces, mas sempre retornando ao velho desiderato: a superexploração

do homem pelo homem.

Ocorre que a constitucionalização de direitos sociais, além de traduzir máxima

elevação jurídica de um valor, confere certa estabilização a um núcleo normativo. E o regime

político democrático encontra-se fundado no princípio da soberania popular, não bastando

para justificar ataques às conquistas sociais alcançadas, especialmente dirigidos à valorização

do trabalho e do emprego, a vontade de uma minoria titular do poder econômico de que o

sistema trabalhista protetivo seja flexibilizado ou, desvestindo o eufemismo, seja

precarizado. A blindagem contra as inconstâncias da economia de mercado deve ser feita,

justamente, por um sistema jurídico dotado de considerável estabilidade

(constitucionalismo social), e isso como legítima manifestação da soberania popular,

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direcionada à preservação da pessoa humana, de sua dignidade, de seu direito de desenvolver-

se, papel que pode ser, em certa medida, desempenhado pelo Direito do Trabalho, instrumento

de justiça social.35

2.2.1 Ascensão do valor-trabalho-e-emprego

No início do século XX, o trabalho já havia alcançado um patamar razoável de

valorização. Via-se que o trabalho era fonte de incorporação de valores36, um instrumento de

dignificação da pessoa37, de realização individual38, familiar e social. A própria Igreja

Católica, pela encíclica Rerum Novarum, defende que o trabalho deveria ser valorizado.

Constituições já tratavam de direitos do trabalho, salientando-se a mexicana, de 1917, e a de

Weimar, de 1919.

Mas o liberalismo econômico gerava crises periódicas com direta repercussão nas

condições de vida dos trabalhadores. Duas Grandes Guerras sucederam. Aqueles que lutavam no

front de batalha não iriam retornar a combates infindáveis, gerados por instabilidades

econômicas. Os trabalhadores que produziam as armas e tudo o que fosse necessário para a

guerra, por sua vez, adquiriam certo valor. Afinal, a batalha se ganhava ou se perdia pelas

suas mãos.

Junte-se a isso que uma alternativa ao capitalismo tornava-se concreta. A Revolução

Russa, de 1917, representava um ícone de preocupação para o Ocidente, as economias

centrais, fundadas em ortodoxia liberal. Era preciso intervir, atuar fortemente no mercado e na

sociedade, abandonar o bordão liberalista (não-intervencionista) laissez-faire, laissez-passer. As

35 Jorge Luiz Souto Maior aborda esse papel do Direito do Trabalho em seu livro, de significativo título: O Direito do Trabalho como Instrumento de Justiça Social (2000). 36 Adam Smith e David Ricardo assentaram suas teorias econômicas no reconhecimento de que o trabalho agregava valor; igualmente, Marx e Engels, ainda que com perspectivas e conclusões bem distantes dos dois primeiros. Hunt esclarece que o ponto de partida da teoria valor-trabalho de Adam Smith “é o reconhecimento de que, em todas as sociedades, o processo de produção pode ser reduzido a uma série de esforços humanos” e, citando as palavras de Smith “O trabalho era o primeiro preço, o dinheiro de compra inicial que era pago por todas as coisas. Não foi com o ouro nem com a prata, mas como o trabalho, que toda a riqueza do mundo foi inicialmente comprada” (HUNT, 1981, p.70). 37 Nesse sentido a doutrina social da Igreja, bem traduzida na Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII. 38 Antônio Joaquim Severino, citado por César Machado, afirma que “[...] trabalhar é condição imprescindível para que o indivíduo se humanize, para que seja um ser humano. O Trabalho é mediação ineludível da humanização dos indivíduos e, consequentemente, sua ausência ou a deturpação de suas condições constituem mediações de desumanização” (MACHADO JR., 1999, p. 27).

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vitórias políticas proletárias, mediante insurreição, estremeciam os capitalistas. Por esse

prisma, é possível traçar uma comparação entre a Revolução Francesa e a Revolução Russa,

ou seja, pelo enfoque de suas conseqüências: rei e czar foram atingidos diretamente, jogados

às mãos dos revoltosos. Tal foi a intensidade da sublevação social que essas Revoluções

geraram efeitos enormes além fronteiras dos Estados em que despontaram e, verdadeiramente,

contribuíram para a distribuição de poder no ambiente social. A concentração de poder nas

mãos da aristocracia e, posteriormente, da burguesia, ou, mais precisamente, do capitalista,

havia de esmaecer. Alguma transferência de poder se impunha.

Uma via encontrada para o combate ao “fantasma” socialista foi o gigantismo dos

Estados de extrema direita, como ilustram o fascismo italiano e o nazismo alemão. Os

extremos se chocam, contudo, e seus estilhaços voaram por toda a Europa na Segunda

Grande Guerra.

Uma via intermediária se fazia necessária: o capitalismo um pouco humanizado, com

preocupação social, distribuição de renda, intervenção na economia... Impunham-se reformas

para manutenção do sistema então vigente. Eis o Estado de Bem-Estar Social, no qual se pode

encontrar o auge dos direitos sociais, o Estado saindo da posição de inércia, sob o prisma de

atuação social, e atuando, oferecendo prestações. Hobsbawm, com precisão, denominou o

período então instaurado de “Era de Ouro” (1995, p.253-281).

De fato, considerando uma linha do tempo, visando sua utilidade expositiva, tem-se

que o Direito do Trabalho surgiu durante longo período de lutas, e isso significou o

reconhecimento de que o trabalho – especialmente o emprego – tinha valor. Passou-se à sua

positivação, chegando ao seio constitucional. Mas, neste momento, ainda, a efetividade não se

fazia sentir, porque a luta para pôr o Direito é apenas um primeiro estágio (VIANA, 1996, p.

43-4), que não prescinde da luta pelo direito posto. É precisamente no Estado de Bem-Estar

Social que, de forma mais intensa, os direitos sociais são efetivados. É o clímax da

valorização do Trabalho.

2.2.1.1 Constitucionalização do Direito do Trabalho

Sob o enfoque formal, ou seja, de inserção de enunciados normativos em textos legais, o

Direito do Trabalho encontra seu auge com a constitucionalização de direitos sociais e, em

especial, com o reconhecimento de sua fundamentalidade. Apesar de não suficiente, por si só,

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para surtir efeitos intensos na vida de cada trabalhador, esse fenômeno traduziu enorme passo

de desenvolvimento social.

A primeira Constituição a contemplar um quadro vasto de direitos dessa natureza foi a

mexicana.39 Segundo Fábio Konder Comparato, a sua “fonte ideológica [...] foi a doutrina

anarcossindicalista, difundida no último quartel do século XIX em toda a Europa, mas

principalmente na Rússia, na Espanha e na Itália” (2005, p.173). Comparato ressalta que:

A Carta Política mexicana de 1917 foi a primeira a atribuir aos direitos trabalhistas a qualidade de direitos fundamentais, juntamente com as liberdades e os direitos políticos (arts. 4o e 123). A importância desse precedente histórico deve ser salientada, pois na Europa a consciência de que os direitos humanos têm também uma dimensão social só veio a se afirmar após a grande guerra de 1914-1918 [...]. (2005, p.174)

Süssekind pontua que a “Constituição do México de 1917, esta sim, armou um quadro

significativo dos direitos sociais do trabalhador” (1999, p.11) e que:

O seu art. 123 contempla o campo de incidência das leis de proteção ao trabalho, a jornada de trabalho, o salário mínimo, a proteção ao salário, a participação nos lucros da empresa, a proteção especial ao trabalho das mulheres e dos menores, a garantia de emprego, a isonomia salarial, o direito sindical, o contrato coletivo de trabalho, a greve, a previdência social, a higiene e a segurança no trabalho e a proteção à família do trabalhador (1999, p.12).

Após a Constituição do México, no cenário internacional, em 1919, merece destaque o

Tratado de Versalhes, porque contemplou a questão social, reconhecendo a necessidade da

internacionalização do Direito do Trabalho, inclusive pela criação da Organização

Internacional do Trabalho (OIT), o que pode ser visto como um fenômeno indutor da

institucionalização e, outrossim, da constitucionalização do Direito do Trabalho.40

A Alemanha, derrotada na Primeira Grande Guerra do século XX, contemplou direitos

sociais na sua Constituição de 1919, denominada de Weimar, com grande repercussão em

39 Arnaldo Süssekind afirma que “a primeira Constituição a inserir no seu texto importantes direitos para o trabalhador foi a da Suíça, aprovada em 1874 e emendada em 1896” (1999, p.11). Süssekind observa, ainda, que a “Constituição francesa de 1848, de curtíssima vigência, aludiu ao direito do trabalho” e que a “Segunda Declaração dos Direitos do Homem (1793) [...] limitou o direito de propriedade e atribuiu à sociedade o dever de prover a subsistência de todos os seus membros, inclusive os inaptos para o trabalho e os indigentes; mas não cogitou dos direitos sociais específicos do Trabalhador” (1999, p.11). De todo modo, para esse autor foi a Constituição do México de 1917 que “armou um quadro significativo dos direitos sociais do trabalhador” (SÜSSEKIND, 1999, p.11). 40 Nesse sentido, Arnaldo Süssekind: “[...] a grande fonte das constituições aprovadas entre as duas grandes guerras foi o Tratado de Versailles, que enumerou os princípios fundamentais do Direito do Trabalho e instituiu a Organização Internacional do Trabalho (OIT) para realizar estudos e elaborar convenções (tratados multilaterais) e recomendações destinadas a universalizar a justiça social” (1999, p.12).

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outros Estados. Nesta Constituição foi inserido um capítulo sobre a ordem econômica e

social; previu-se a criação de conselhos de trabalhadores nas empresas, nos distritos e no

Reich e de conselho econômico nacional; além de assegurar a liberdade sindical e de colocar

o trabalho sob a proteção do Estado (SÜSSEKIND, 1999, p.12).

O constitucionalismo social foi fundamental para a mudança de paradigma de valores

na estrutura social. Ao lado das liberdades individuais, no mesmo espaço jurídico privilegiado

passaram a conviver os direitos sociais. A elevação destes direitos à categoria de

fundamentais assume uma significação de conquista, de demarcação histórica de avanço

social.41 A importância desse fenômeno, assim, é indiscutível. Não são suficientes, contudo,

as declarações normativas quando elas, efetivamente, com intensidade e persistência

temporal, não saem dos textos e interferem no ambiente social, tornando-se reais, visíveis,

palpáveis, sensíveis às pessoas.

Assim, no primeiro momento, os direitos sociais previstos nas Constituições, mediante

interpretações canhestras, foram tidos como programáticos, um mero programa a ser

desenvolvido algum dia, sem data marcada. Bonavides se refere a esse período, ao tratar dos

direitos de segunda geração (sociais, culturais, econômicos e coletivos ou de coletividades),

predicando-o de “baixa normatividade”. Observa que, de “juridicidade questionada nesta fase,

foram eles remetidos à chamada esfera programática, em virtude de não conterem para sua

concretização aquelas garantias habitualmente ministradas pelos instrumentos processuais de

proteção aos direitos da liberdade” (2003, p.564).

Fica, contudo, apesar do equívoco e da distorção, no primeiro momento, quanto à

eficácia dos direitos sociais (no sentido de que seriam apenas programáticos), a constatação

clara de que esses direitos merecem patamar constitucional e status de fundamentalidade, o

que, antes de mais nada e em grande medida, é decisão haurida do ambiente social, da

manifestação popular, porque o veio condutor de inserção em constituições democráticas é a

soberania popular. A sociedade alcançou mais um degrau de conquista trabalhista.

41 J. J. Gomes Canotilho, citado por José Luciano de Castilho Pereira, na obra coletiva Constitucionalismo Social, com propriedade assegura que “o processo de fundamentalização, constitucionalização e positivação dos direitos fundamentais colocou o indivíduo, a pessoa como centro da titularidade de direitos” (SILVA, Jane, 2003, p.53).

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2.2.1.2 O clímax do Direito do Trabalho: estado de bem-estar social

A longo prazo, estaremos todos mortos. Os economistas fixam para si próprios uma tarefa demasiado fácil e sobremaneira pouco útil se, nas estações de tempestade, só nos podem dizer que, quando a tempestade tiver passado, o oceano ficará novamente calmo (Keynes)

Longa é a caminhada de construção de direitos sociais. Os trabalhadores percorreram

árduos caminhos em suas conquistas trabalhistas. Diversos fatores interferiram durante essa

viagem histórica, conectando determinações econômicas, políticas e sociais, em profícua

promiscuidade fenomênica – verdadeira rede de interação, em que fatos se inter-relacionam,

engendrando novos fatos ou impulsionando os antigos.

Cresceu a sociedade, evoluiu a espécie humana, bem como suas instituições. Sob o

aspecto normativo de declarações formais, o Direito do Trabalho já havia alcançado destacado

patamar, encontrado abrigo privilegiado nas Constituições, que passaram a tratar de direitos

sociais (constitucionalismo social) inclusive com status de fundamentalidade. Mas restava

ainda maior impulso sobre a realidade para se tornarem mais sensíveis esses direitos.

Impunha-se que o Estado cumprisse deveres positivos – ou seja, que se desincumbisse de

realizar prestações sociais – e que atuasse para valorizar o trabalho e o emprego, quando

menos mediante combate ao desemprego.

A consolidação e a institucionalização do Direito do Trabalho, seguidas de políticas

públicas de previdência e assistência social, lançam sementes de uma nova etapa: o Estado de

Bem-Estar Social.

Após a Segunda Grande Guerra, mais uma vez, o capitalismo de feição ainda

eminentemente liberalista e individualista encontrava-se em xeque. A anterior degeneração de

alguns Estados europeus pela implementação de regimes fascistas mostrou-se desastrosa,

além de representar gravíssima afronta às liberdades individuais. A conformação do tabuleiro

histórico impunha aos enxadristas político-sociais movimentos precisos. Era necessário

combinar liberdade e igualdade.

John Maynard Keynes, fundamental idealizador da reforma do capitalismo,

examinando a economia, chega à conclusão de que o laissez-faire liberalista não se justifica

historicamente, porque as forças privadas não deixam despontar leis naturais. Esse economista

britânico não aceita o laissez-faire, considerando-o uma filosofia inteiramente indigna de

confiança e que pode ser julgada grandemente responsável pelas violentas perturbações no

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nível das atividades comerciais e pelo desemprego subseqüente. Ele comprova, ainda, que

toda oferta não gera sua procura, não valendo a teoria segundo a qual produção total

implicaria procura total e, assim, renda total, porque nem toda renda é revertida ao consumo – há

uma propensão ao consumo que tende a ser estável, pela própria capacidade de poupança.

Diante desse impasse, a distribuição de renda às parcelas alijadas do mercado de consumo

aqueceria a economia, mesmo porque elas não têm capacidade de poupança. Os ricos teriam

menor propensão para o consumo, porque seus ganhos geram acentuada poupança, sendo

importante, pois, distribuir mais igualitariamente a renda e a riqueza, o que se poderia realizar

mediante sistema de impostos progressivos, serviços sociais e investimentos diretos do Estado

(por exemplo, em obras públicas)42. Keynes propunha o investimento em bens de capitais

(construção de fábricas, pontes, etc.), com a redução de juros (taxas baixas incentivam

investimentos produtivos, porque o capitalista se sente atraído pelo maior retorno que pode

obter fora do mercado especulativo). Imprescindível, portanto, a atuação do Estado, seja no

controle da economia, seja na manutenção do pleno emprego.43-44

Mas, há de se indagar: o que tudo isso significa? No mínimo, valorização do trabalho e

do emprego, pela implementação de uma política de pleno emprego.

Independente de se concluir, ou não, que as medidas sugeridas por Keynes (em grande

monta implementadas) são, no todo, o retrato de uma lógica inabalável, fato é que se

demonstrou que não ocorre um equilíbrio natural pela chamada mão invisível do mercado e

que é imprescindível a intervenção do Estado na economia para evitar ou reduzir as crises

cíclicas do capitalismo, notadamente no que se refere ao desemprego.45

Já se acentuou que Hobsbawm, sob o enfoque histórico, nomeou a era implementada

após a Segunda Grande Guerra de “Era de Ouro”. E não sem razão, porque, sob o prisma de

42 Nesse contexto, assume destacada relevância a distribuição de renda pela implementação de direitos trabalhistas. Afinal, a grande massa de pessoas vive de seu trabalho e se vincula ao mercado de trabalho mediante relação de emprego. 43 Keynes – autor de obra cujo título já é bastante significativo: Teoria geral do emprego, do juro e da moeda – esclarecia que o nível de emprego está atrelado a variáveis estratégicas: propensão a consumir, taxa de juros e eficácia marginal do capital. 44 “A principal causa de uma depressão era, na opinião de todos os três pensadores [keynes, Marx e Hobson], a incapacidade de os capitalistas encontrar oportunidades de investimentos suficientes para compensar níveis cada vez mais altos de poupança gerados pelo crescimento econômico” (HUNT, 1981, p.441). Segundo Hunt, Keynes apresentava uma proposta realista para o problema: “O Governo poderia interferir, quando a poupança superasse o investimento, tomar emprestado o excesso de poupança e gastar o dinheiro em projetos socialmente úteis, que não aumentassem a capacidade produtiva da economia nem diminuíssem as oportunidades de investimento no futuro. Estes gastos do Governo aumentariam as injeções de recursos na corrente de gastos e criariam o equilíbrio a pleno emprego” (p.442). 45 De todo modo, a manutenção de altos níveis de emprego valoriza o trabalho e, por conseguinte, o Direito do Trabalho.

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implemento de direitos sociais, foi única, a ponto de o aludido autor dizer que as “décadas a

partir de 1973 seriam de novo uma era de crise” e que “A Era de Ouro perdeu o seu brilho.

Apesar disso, iniciara, na verdade realizara, a mais impressionante, rápida e profunda

revolução nos assuntos humanos de que a história tem registro” (1995, p.281).

Esta era traduziu momento de destacada eficácia dos direitos sociais e de valorização

do trabalho e do emprego. Houve inserção dos trabalhadores no mercado de consumo,

inclusive para a aquisição de bens duráveis e, até mesmo, de alguns artigos de luxo,

parcelados em várias prestações, é certo. Os salários subiram e o trabalhador já não tinha tanto

interesse pelas propostas socialistas, afinal sentia-se, de certo modo, integrado ao sistema.

Sem tecer análise acerca de qual seria a melhor via para o evolver social dentre

modelos extremos (por exemplo, entre capitalismo e socialismo), a verdade é que, partindo de

uma realidade capitalista, isto é, dentro desta perspectiva, a sua versão reformada, consoante

paradigma implementado após a Segunda Grande Guerra, permite melhor distribuição de

renda, inclusive mediante valorização do trabalho e do emprego.46 Segundo Maurício

Godinho e Lorena Vasconcelos:

O Estado de Bem-Estar Social (EBES) traduz uma das mais importantes conquistas da civilização ocidental. Agregando ideais de liberdade, democracia, valorização da pessoa humana e do trabalho, justiça social e bem-estar das populações envolvidas, o EBES é certamente a mais completa, abrangente e profunda síntese dos grandes avanços experimentados pela história social, política e econômica nos últimos trezentos anos. (DELGADO; PORTO, 2007, p.20).

A onda dessa Era de Ouro teve, contudo, o seu refluxo. O Estado de Bem-Estar

Social, na primeira crise de maior proporção (década de 1970), deveria ser abandonado,

diziam os neoliberalistas. A redução do Estado-Providência era bradada pelos economistas,

esquecendo-se, contudo, de que essa matriz de pensamento não torna menor o Estado, quando

visto sob o enfoque “Estado-Polícia”47, além de representar, historicamente, retrocesso

social – grande concentração de renda, disseminação da pobreza e instabilidade econômica,

notadamente implementadas pelo capital especulativo.

46 Disso já se avista a importância da categoria central do Direito do Trabalho, a relação de emprego, descortinando todo um sistema protetivo. 47 Cortantes as palavras de Wacquant: “A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um ‘mais Estado’ Policial e penitenciário o ‘menos Estado’ econômico e social que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, tanto do Primeiro como do Segundo Mundo. Ela reafirma a onipotência do Leviatã no domínio restrito da manutenção da ordem pública – simbolizada pela luta contra a delinqüência de rua – no momento em que este afirma-se e verifica-se incapaz de conter a decomposição do trabalho assalariado e de refrear a hipermobilidade do capital, as quais, capturando-a como tenazes, desestabilizam a sociedade inteira” (WACQUANT, 2001, p.7).

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Chega o momento em que o valor-trabalho-e-emprego perde fôlego. Várias teorias

despontam e líderes neoliberais assumem a direção de países importantes do capitalismo

central48, emergindo uma hegemonia do pensamento fundando na idéia de desconstrução

do valor-trabalho-e-emprego. Todas essas teorias, concertadas, em grande medida,

alinham-se contra o que de mais importante têm as massas populacionais: a valorização do

seu trabalho.

As bases do Estado de Bem-Estar Social, contudo, ainda não ruíram. Várias de suas

construções remanescem, conquanto tenham passado por adequações (como o próprio sistema

previdenciário, em virtude da maior expectativa de vida da população, em geral). Maurício

Godinho Delgado e Lorena Vasconcelos Porto, a respeito da disseminação de uma hegemonia

ultraliberal, colocada em contraposição ao Estado de Bem-Estar Social, pontuam:

Passados cerca de trinta anos do início desse recente processo hegemônico, percebe-se que tais críticas não foram capazes de desconstruir, nos principais países capitalistas, as bases e os princípios de montagem e operação do Estado de Bem-Estar Social (2007, p.20).

Se é verdade que o Estado não pode crescer, no que se refere ao acúmulo de funções e

à amplitude e intensidade de suas prestações, a ponto de se tornar ingovernável, é igualmente

verdade que o extremo oposto afigura-se insustentável: o excessivo distanciamento do Estado

das questões sociais é fonte de indução vertiginosa de concentração de renda e, por

conseguinte, de pauperização de vastas camadas populacionais.

O Estado de Bem-Estar Social, no que tem de essencial, ao distribuir renda mais

adequadamente, em especial por intermédio de prestações positivas e da valorização do

trabalho e do emprego, representa ainda uma via mais atrativa de convivência social do

que a propalada seara ultraliberalista. Ele configura, pois, historicamente, o clímax de

efetivação do Direito do Trabalho, porque, nesse modelo de Estado, além de os direitos

sociais ostentarem patamar constitucional e status fundamental, há prestações positivas e

atuação efetiva para a implementação de uma sociedade baseada na valorização do

trabalho e do emprego.

48 Ilustrativamente: “Margaret Thatcher, na Inglaterra, 1979; Ronald Reagan, nos EUA, em 1980; Helmut Kohl, na Alemanha, em 1982” (DELGADO, Maurício, 2003, p.98).

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2.2.2 Declínio do valor-trabalho-e-emprego

Até aqui, vimos uma paulatina, crescente e árdua caminhada de conquistas

trabalhistas, que foi enfocada sob o prisma da valorização do trabalho e do emprego, desde o

momento do despontar, ainda acanhado, de algumas normas de regulação do trabalho,

direcionadas às crianças e às mulheres, bem como à limitação de jornada49, à consolidação e

institucionalização de um novo ramo da ciência jurídica – o Direito do Trabalho. Vimos

também que a questão social ganhou ares constitucionais, com a precursora Constituição

Mexicana, de 1917, e a paradigmática Constituição de Weimar, de 1919, alastrando-se por

diversas outras Constituições – constitucionalismo social. O clímax da valorização do

trabalho e do emprego, contudo, apenas se fez sentir de forma generalizante com a

implementação, em sua vertente mais acabada e intensa, no Estado de Bem-Estar Social, após

a Segunda Grande Guerra. Eis o apogeu do valor-trabalho-e-emprego.

As bases do Estado de Bem-Estar Social foram fincadas, mas no último quartel do

século XX fluiu nova onda liberalista, ou, na melhor caracterização, ultraliberalista,

retornando o discurso de um Estado mínimo, não-intervencionista50, e de abertura ao mercado

internacional, especialmente ao mercado financeiro. Enfim, o discurso de que o Estado de

Bem-Estar Social não mais se sustentava. Várias linhas de ataque, então, exsurgiram, seja no

plano tecnológico, no organizacional, no mercadológico ou no cultural.51

A Terceira Revolução Industrial (linha de ataque tecnológico), especialmente sentida

na microeletrônica, na robótica, na microinformática e no acentuado desenvolvimento dos

meios de comunicação, teria dado a partida para o fim do emprego e do próprio trabalho.

Autores como Domenico De Masi52 e Jeremy Rifkin anunciaram teorias que, em larga

medida, acabavam justificando a desvalorização do trabalho e a desconstrução da sociedade

fundada nesse valor. Profissões inteiras desapareceriam. As máquinas ocupariam o espaço

humano, “tomando” postos de trabalho.

49 Manifestações incipientes ou esparsas (DELGADO, Maurício, 2003). 50 Não-intervencionista sob o enfoque social, porque, se examinada a esfera policial, o Estado fica gigantesco, pululam cadeias, penitenciárias e todo um aparato policialesco. O crescimento da miséria é tratado com cadeia pelo liberalismo – situação bem tratada por Loïc Wacquant, na obra As Prisões da Miséria (2001). 51 Essa realidade é desenvolvida por Maurício Godinho Delgado, em seu livro Capitalismo, Trabalho e Emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução (2006a). 52 É bem-vinda, contudo, a melhor distribuição do tempo livre e de riquezas, apregoada por Domenico de Masi, mas não significa que o trabalho já se despediu das estruturas sociais, nem que tenha desaparecido a sua importância.

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A verdade é que, ao fim da primeira década do século XXI, ainda não se verifica tenha

o trabalho seus dias contados, nem mesmo a relação de emprego.

O discurso desconstrutivista do trabalho e do emprego, assim, apresentou-se um tanto

precipitado. Ocorreu, é certo, o desaparecimento de certas atividades (ou uma tendência

ao seu desaparecimento, ou uma drástica redução de seus postos), mas surgiram outras.

Basta ter em vista toda a gama de trabalhadores que se ativam na indústria da

microinformática, na manutenção de redes de internet, ou para assegurar os céleres meios de

comunicação.

É importante refletir que muitos serviços disponibilizados pela nova tecnologia, na

verdade, acabam sendo impostos aos consumidores para que eles mesmos os realizem. Assim,

muito do que anteriormente era feito por um empregado, hoje foi transferido para o próprio

consumidor, como ilustra a atitude dos Bancos, que, cada vez mais, forçam os clientes a

utilizar home banking e caixas eletrônicos.53 Não se afigura razoável, contudo, que possa

parecer atrativo aos consumidores – ou à sua maior parte – realizar determinados serviços

que, normalmente, são feitos por empregados. O abastecimento de veículos por frentistas, por

exemplo, pode continuar dessa forma – não é agradável sujar a mão de gasolina ou diesel.54

Em muitos casos, a manutenção de um posto de trabalho, de um empregado, é mais

interessante para o consumidor (oferece-lhe maior comodidade e segurança), de maneira que

parte da substituição do homem pela máquina dá-se em prejuízo não só do trabalhador mas do

próprio consumidor. Significa dizer: a automação não é algo totalmente indeclinável, ou

faticamente irreversível, nem representa, em vastos casos, incremento de melhorias sequer

para o consumidor.

Existem medidas que, implementadas, podem coibir os efeitos maléficos da

automação, a exemplo de normas direcionadas a limitar a sua adoção, como a Lei 9.956, de

12 de janeiro de 2.000, que proíbe o funcionamento de bombas de auto-serviço nos postos de

abastecimento de combustíveis, e do fortalecimento da conscientização popular de que as

53 Muitos negócios jurídicos, por segurança, devem ser realizados junto ao caixa bancário, o trabalhador, e não perante uma máquina. Além disso, é interessante ter em consideração que a disponibilização de empregados pelas instituições bancárias é notoriamente insuficiente, bastando lembrar-se das grandes e recorrentes filas que se formam dentro das suas agências e postos de atendimento. Isso indica que existe um ponto de saturação dos serviços oferecidos por máquinas, sendo imprescindível, para o bom atendimento aos clientes, a manutenção de adequado quadro de empregados. 54 A esse respeito, no Brasil, publicou-se a Lei n. 9.956, de 12 de janeiro de 2.000, que proíbe o funcionamento de bombas de auto-serviço nos postos de abastecimento de combustíveis. O art. 1o estabelece: “Fica proibido o funcionamento de bombas de auto-serviço operadas pelo próprio consumidor nos postos de abastecimento de combustíveis, em todo o território nacional”. Assim, ainda de forma muito acanhada, deu-se força ao disposto no inc. XXVII do art. 7o da CR/88: “proteção em face da automação, na forma da lei”.

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empresas que mantêm postos de trabalho, além de potencialmente poderem prestar um serviço

de melhor qualidade55, geram bem-estar social.56

Nesse cenário, é necessário ter em mente que muito do desemprego que se atribuiu à

inserção de nova tecnologia deve ser, na verdade, mais corretamente creditado a uma piora do

serviço57 ou à transferência de uma atividade que era realizada por um empregado para o

próprio cliente.

Não é certo, igualmente, pensar que vários avanços tecnológicos apenas fazem

desaparecer postos de trabalho, porque o inverso também acontece, bastando lembrar a

explosão de consumo de computadores e de telefones celulares (e, neste caso, ainda, toda uma

gama de serviços correlacionados e prestados pelas operadoras) e em virtude da própria

generalização da internet. Um telefone celular na mão de um consumidor envolve atividade

industrial, comercial e de serviços. E a internet? Não permitiu vertiginoso incremento de

demanda por produtos e serviços, e isso não requer mais trabalhadores, especialmente

empregados? E os produtos comprados na web não precisam ser entregues por uma pessoa,

um trabalhador? A novel revolução tecnológica apresenta-se, pois, quanto à geração de

empregos, como uma via de mão dupla: suprime mas também cria empregos.

Os fenômenos sociais decorrem de múltiplos fatores. Portanto, em relação ao ataque

ultraliberal ao valor-trabalho-e-emprego com fundamento em um discurso tecnológico, o que

se pode afirmar, até agora, é certa precipitação do diagnóstico fúnebre.

A linha de ataque organizacional, consistente em reestruturação empresária, em

especial pela substituição de um modelo fordista/taylorista por um modelo toyotista,

outrossim, não acaba com o trabalho nem com o emprego. Não se avista, igualmente, o

porquê de se desvalorizar o trabalho pela implementação desses modelos.

Em verdade, não se adotou inteiramente o modelo horizontal de produção, havendo

ainda grandes parques industriais. A conjuntura do empreendimento, do mercado consumidor

e da localização dos insumos, dentre vários outros fatores, pode até indicar a adoção de um

55 É fundamental, dentro da esfera de análise aqui empreendida, ter em mente que o serviço automatizado nem sempre é melhor para o consumidor, existindo, é certo, um ponto de saturação. Assim, em diversas hipóteses, a presença de um ser humano, um trabalhador, é essencial para um melhor atendimento. 56 Atualmente, tem crescido o interesse empresário em criar uma imagem social, especialmente quanto ao respeito ao meio ambiente. O cumprimento de direitos trabalhistas e a manutenção de postos de trabalho deveria gerar o mesmo interesse. De toda forma, não exsurgindo este interesse, é viável a adoção de boicote aos produtos e serviços de empresas que abusam da automação e mantêm poucos postos de trabalho ou desrespeitam direitos trabalhistas. 57 As famigeradas filas nos Bancos atestam que há um déficit de empregados nessas instituições, em claro desrespeito aos clientes, que são submetidos a longas esperas até serem atendidos. Eis aqui, pois, um exemplo de serviço mal prestado em virtude de minguados quadros de empregados.

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modelo intermediário, nem tanto fordista ou toyotista. E o empregado multifuncional, próprio

da geração toyotista, comparativamente com o unifuncional fordista, é algo que não incomoda

o mundo do trabalho. Muito pelo contrário, pode contribuir para afastar, em certa medida, a

alienação gerada por exagerada ativação repetitiva, própria de um modelo taylorista levado à

máxima aplicação.

É certo, contudo, que esse modelo toyotista enfraquece a união dos trabalhadores e a

própria consciência de classe, mas a essa mudança de paradigma organizacional deve

acompanhar igual mudança de paradigma associativista.58 A terceirização e a subcontratação,

efeitos toyotistas, afrontam, em larga medida, o sistema jurídico trabalhista. Mas aí se impõe

o reconhecimento do vínculo de emprego diretamente com a empresa em cuja estrutura se

encontra inserido o trabalhador – vem à tona a subordinação estrutural, da qual se tratará em

outro ponto. De toda forma, a própria transferência de parte dos trabalhadores para outras

empresas, mediante terceirização, parece indicar que os postos de trabalho transmigraram, e

não desapareceram, e isso, no mínimo, coloca em dúvida a assertiva de que o toyotismo

apenas suprime postos de trabalho.

O front mercadológico, consistente na maior competitividade implementada pela

globalização, que gera direta pressão sobre o valor dos salários e o nível de empregos,

significa, de fato, séria investida do capital sobre o valor-trabalho-e-emprego. Mas aqui

interessa a atuação do Estado que, mediante políticas públicas, pode criar condições mais

apropriadas de inserção na economia global (DELGADO, Maurício, 2006a, p.54), inclusive,

dentre outras, fortalecendo o mercado interno – e para esse fim a generalização de direitos

trabalhistas, com o reconhecimento devido da relação de emprego à grande massa de

trabalhadores, funciona muito bem – e, em certa medida, reduzindo os impactos da

vulnerabilidade criada pelas inconstâncias da economia mundializada. De todo modo, direitos

sociais não podem prender-se às inconstâncias do mercado. Ao acirramento da concorrência

deve contrapor-se a implementação, em ambiente global, de direitos trabalhistas universais –

papel a ser mais desenvolvido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Por último, a via cultural de ataque a valores sociais é meio mais do que secular de

disseminação de ideologias. Na especificidade da desvalorização do trabalho e do emprego,

58 Vale dizer: é importante, mesmo diante das dificuldades impostas por um mundo globalizado em que atuam transnacionais com faturamentos colossais, que as entidades sindicais evoluam, engendrando técnicas de pressão social e reforçando antigas armas de combate trabalhista, como a greve e o boicote. Não se trata, contudo, de lançar, sozinhas, débeis entidades sindicais contra essas fortalezas empresariais, mas de incrementar o desenvolvimento das forças sociais, dentro de balizas claras de inafastabilidade de direitos trabalhistas indisponíveis, ou seja, estabelecendo-se limites à autonomia privada coletiva.

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essa linha de ataque tem se apresentado com tamanha intensidade e generalização que é

viável o reconhecimento de que se desenvolve sob o influxo de uma absolutização ideológica.

A grande massa de pessoas, no mundo inteiro, apenas tem o seu trabalho como

“moeda”59 de troca. Justamente por isso assume elevada gravidade a matriz cultural de sua

desvalorização, porque atinge projeção fundamental do ser humano, merecendo ser

desmascarada. Todos os dias, sem muita dificuldade, constata-se que as pessoas são

submetidas a intensa propaganda neoliberal e seu discurso de desvalorização do trabalho e do

emprego, elevando em consideração os índices econômicos e criando a impressão de que o

crescimento econômico é o fruto de todos os bens, justificando, até mesmo, a flexibilização

(precarização, na verdade) de direitos. Essa ideologia, como já acentuado, não é verdadeira e,

historicamente, tem aumentado a concentração de renda e a multiplicação da pobreza. Gera

desconfiança um discurso quase único, com pequeníssimo espaço para a contraposição de

idéias, mas é exatamente a esse quadro de marketing ideológico60 a que se assiste dia a dia.

Isso pode ser verificado por qualquer pessoa, bastando analisar (e disto suspeitar) que

fortemente se impõe quase um único pensamento, empurrado, como se incontrastável fosse,

por considerável gama de políticos, por eruditos e pela mídia. Aliás, em avantajado volume,

jornais, revistas, programas de televisão, enfim, a mídia em geral, quando se propõe a discutir

questões socioeconômicas, convoca61, ordinariamente, analistas que repetem discursos

formatados e que quase unanimemente concordam entre si, não havendo, pois, campo para o

debate ético e plural.

Ocorre que a construção de um pensamento único, centrado na valorização do

econômico e fundado no entendimento de que tudo o mais é uma conseqüência, gera mazelas

sociais, tira o foco da pessoa humana. Ou seja, mais precisamente, desvia o caminho do

desenvolvimento social. Essa linha de pensamento “pan-econômico” faz parecer que tudo

estará resolvido se o país tiver um grande crescimento econômico, quando a realidade não é

tão simples assim, porque há de se considerar a imprescindibilidade de se assegurar

sustentabilidade e desenvolvimento social: crescer sem destruir o planeta e, outrossim,

distribuindo os benefícios do sucesso econômico.

O ultraliberalismo, em sua campanha de massa, também cria seus índices e os divulga,

a todo volume, como exemplifica o índice das economias livres (Index Of Economic

59 Na verdade, como projeção do ser humano, o trabalho é muito mais do que uma “moeda”, a recorrência à expressão apenas é feita em razão de sua utilização generalizada, mas não com viés pejorativo. 60 A expressão é de Loïc Wacquant (2001). 61 A adoção do verbo convocar é adequada, porque assistimos a uma realidade de batalha ultraliberalista de absolutização ideológica.

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Freedom), anualmente publicado pelo Wall Street Journal e pela Fundação Heritage, há mais

de uma década, propagandeando que liberdade de mercado formaria equação que sempre

conduziria ao crescimento econômico, e isso geraria grande prosperidade. Pela formatação

desse índice, o país “desce” se há maior intervenção do Governo, corrupção e rigidez

trabalhista, dentre outras variáveis. Assaz artificial, essa propaganda não se sustenta pela

singela análise da colocação dos países, de uma forma aleatória e sem um sistema que possa

indicar que liberdade na economia signifique prosperidade econômica nem, muito menos,

desenvolvimento humano. Referido índice, ainda, mistura corrupção com liberdade na

economia, o que é inconsistente, porque a corrupção, de forma alguma, encontra-se imunizada

pelo mercado livre. Afora isso, não se afigura a razão de se reconhecer a apregoada liberdade

quando se tem em vista “economias livres” que, na verdade, são dominadas por monopólios e

cartéis. Depreende-se daí que “livres”, a rigor, não são os mercados, quando grande parte da

economia se centraliza nas mãos de poucos, realidade que desponta, em grande monta, no

cenário globalizante da economia de mercado. Segundo o Institute for Policy Studies, dentre

as cem maiores economias do mundo encontram-se 51 corporações e 49 países; a primeira

corporação, a General Motors, apresenta-se na 23a posição, ou seja, uma posição à frente da

Dinamarca, conforme dados de 1999.62

Como se afirmou, o “índice de economias livres” não demonstra, a contrário da

propaganda ultraliberal e apesar das incongruências de critérios jungidos (mesmo porque não

estão estritamente ligados a liberdade de mercado), uma correlação entre crescimento

econômico e grau de liberdade da economia, nem muito menos – e aqui é o ponto mais

fundamental – correspondência entre grau de liberdade da economia e desenvolvimento

social.

O problema em foco – a imposição de um pensamento único –, em grande medida,

forçadamente imposto à sociedade, com o desiderato de divulgar e incutir ideais para a

manutenção de um status quo da classe dominante, é amplamente analisado em variadas

áreas do conhecimento. A esse respeito, examinando a sociedade norte-americana, o

economista Ravi Batra denuncia que “conceituados eruditos” se vendem para a elite

econômica, urdindo teses que tornam os ricos mais ricos e os pobres mais pobres. De

forma incisiva, afirma:

Atualmente, os CEOs [a sigla CEO significa Chief Executive Officer] e os homens de negócios ricos são a elite dirigente no mundo ocidental, especialmente nos

62 Disponível em: <http://www.ips-dc.org/downloads/Top_200.pdf.>

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Estados Unidos. Suas doações financiam as eleições e até a educação, que eles estão constantemente dizendo ter de se adaptar às necessidades do mercado (isto é, moldar-se à tarefa de incutir suas opiniões). Não deveria ser nenhuma surpresa, portanto, que as teorias sustentadas pelos economistas racionalizem os interesses próprios das grandes empresas e dos ricos. Publicamente, é claro, tais teorias afirmam beneficiar a sociedade e o bem-estar o povo. Secretamente, porém, elas fazem exatamente o oposto: tornam mais pobres a grande massa do povo, enquanto deixam os ricos muito mais ricos (2007, p.117).

Essas denúncias – especialmente de aumento da pobreza, em razão da nova fase

ultraliberalista do capitalismo, sustentada, em relevante medida, pela disseminação cultural,

mediante formulação de um pensamento formatado – partem de variadas áreas, desde

sociólogos a juristas e até mesmo de economistas, como ilustra Ravi Batra, merecendo citação

também o sociólogo Loïc Wacquant que apresenta sua pujante acusação quanto à formação do

pensamento neoliberal, a que denomina marketing ideológico, indutor de trabalho assalariado

precário. Diz esse professor que há:

[...] longa cadeia de instituições, agentes e suportes discursivos (notas de consultores, relatórios de comissão, missões de funcionários, intercâmbios parlamentares, colóquios de especialistas, livros eruditos ou para o grande público, entrevistas coletivas, artigos de jornais e reportagens de tv etc.) por meio da qual o novo senso comum penal visando criminalizar a miséria – e, por esse viés, normatizar o trabalho assalariado precário – concebido nos Estados Unidos se internacionaliza, sob formas mais ou menos modificadas e irreconhecíveis, a exemplo da ideologia econômica e social fundada no individualismo e na mercantilização, da qual ele é a tradução e o complemento em matéria de justiça (WACQUANT, 2001, p.18-9).

No Brasil, a realidade não é distinta. Políticos, mídia, centros de produção do “saber”,

economistas e outros pastoreiam as massas ao campo da assimilação irrefletida e imposta de

um discurso que apregoa a “urgência” de uma reforma trabalhista, encobrindo, claramente, o

desiderato último de lançar o Direito do Trabalho à lei da oferta e da procura ou, em outros

termos, incentivando o crescimento da miséria e a acumulação de riquezas.

A desconstrução do valor-trabalho-e-emprego, por essas vias, rapidamente referidas,

não se mostra dotada de razões incontestáveis nem encontra sustentação histórica. Em

verdade, consiste, por ora, tão-só, em ataque à preciosa projeção humana e fonte de sustento

das massas populacionais, implementado por linha de pensamento carregada de considerável

coeficiente ideológico liberalista.

As teorias e ataques lançados contra a valorização do trabalho e do emprego acabam

ocultando uma tendência que não pode mais ser admitida nesta passada evolutiva da

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sociedade humana, ou seja, de submeter o salário e os direitos trabalhistas às inconstâncias da

economia de mercado e à lei da oferta e da procura.63

Esse discurso apocalíptico parece transferir para o trabalhador os problemas do

mundo, porque, afinal, não se qualificaria, não colheria as qualidades necessárias para se

inserir no mercado de trabalho, na sociedade informacional, conquanto o hipossuficiente

tenha pouca interferência nisso. Ou, então, parte-se para o discurso da inevitabilidade,

sustentando a indeclinabilidade de um futuro sem empregos, como se isso não fosse, em

última análise, resultado de decisões pessoais. Na mesma linha, para manutenção de um

mínimo das migalhas repartidas, aos trabalhadores restaria tão-só contentar-se com esse

quinhão, quando o correto seria oferecer a adequada parcela da riqueza das sociedades,

transferindo para o centro das discussões a pessoa humana, que em vasta monta vive do

trabalho.

Há outro ponto a ser considerado e que normalmente é esquecido: os arautos da

destruição dos postos de trabalho, muitas vezes, esquecem-se de que os trabalhadores

cumprem jornadas elastecidas muito além do padrão normal para compensar baixos salários e

muito cedo adentram ao mercado de trabalho64 – enquanto ainda deveriam dedicar-se aos

estudos –, ou o deixam muito tarde, porque os proventos de aposentadoria não são suficientes

à sobrevivência, ou ainda fixam-se em mais de um emprego.

Em suma, a realidade é complexa e não se afigura, nesse estágio, que seja possível

afiançar o término do trabalho nem do emprego. Existe, é verdade, o desaparecimento ou a

redução de alguns postos e profissões, mas, igualmente, o despontar de outros, com novas

demandas. O que se verifica mais nitidamente é o prestígio de uma nociva política e o

disseminar de uma cultura que incentivam o desemprego, que reduzem salários, que sugam enormes

jornadas dos trabalhadores (impossível negar a vastidão de trabalhadores que, corriqueiramente,

fazem horas extras) e que a eles impõem ingresso prematuro no mercado de trabalho e saída tardia.

63 O arautos da desconstrução da sociedade fundada no trabalho sustentam miríade de teorias inverídicas, como a necessidade de, primeiramente, implementar acumulação de riquezas, para, apenas depois, distribuí-la, como também a afirmação de que o crescimento se dá de cima para baixo, de maneira que o desenvolvimento da elite propiciaria efeitos positivos para as massas dos trabalhadores – Ravi Batra (2007) denomina esta diretriz, fortemente implementada nos EUA, no Governo Bush, de gotejamentismo. Não se olvide da surrada asserção de que a redução de direitos trabalhistas permitiria o desenvolvimento econômico e, assim, o incremento de empregos. Tudo, contudo, nada mais do que teses e teorias sem confirmação histórica ou, mais propriamente, construções urdidas apenas para sustentar um plano de acumulação de riquezas inusitada. Dispensam maiores esclarecimentos os exemplos recentes de países que levaram enorme parcela de sua população à pobreza após a adoção de ortodoxa cartilha neoliberal. Igualmente patentes e eloqüentes as constantes crises grandemente provocadas pelo liberalismo econômico levado aos extremos. 64 Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), em 2006, 5,1 milhões de crianças e adolescentes encontravam-se trabalhando.

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Essa triste realidade de desvalorização do trabalho e do emprego desrespeita o ser

humano e nada tem de estrutural – a construção do edifício social não necessita de

desemprego e precarização de direitos trabalhistas. Insere-se esse quadro, isso sim, em um

contexto ordenado de ataques ultraliberalistas, resultado de um capitalismo sem peias, indutor

de inusitada concentração de renda e insuflador da miséria, obra de alguns poucos abastados

titulares do poder econômico e político que atinge milhares de trabalhadores, violentando

constituições e regimes democráticos.

O discurso desconstrutivista lançado – para alguns, convenientemente – deixa de

enfrentar a indigitada “crise” das relações de trabalho, do emprego, e questões conexas, sob o

enfoque do constitucionalismo e, mais precisamente, da democracia, escondendo fundamental

ponto de solução de muitos males: a necessidade de distribuir renda em uma sociedade

capitalista que, mais do que nunca, marca-se pela excessiva acumulação.

A decisão política já foi tomada, contudo, há muito tempo: salário e direitos

trabalhistas não estão sujeitos à economia de mercado, à lei da oferta e da procura, pelo

simples fato de permitirem assegurar condições existenciais à pessoa humana. Enfático, nesse

ponto, Délio Maranhão, citado por César Machado Jr. (1999, p.28): “O salário não é apenas o

preço da força de trabalho: é o meio de subsistência de um ser humano, a quem a sociedade

não pode negar o direito a uma existência digna”.

Daí a decisão política essencial de imprimir status constitucional, em quase todo o

mundo; direitos sociais são fundamentais e, portanto, as normas que os contemplam não são

meramente programáticas. A contraposição ultraliberal a essa diretriz asseguradora de um

avanço social representa, na verdade, ataque à própria democracia e à ordem constitucional,

mera usurpação de poder, ainda que transvestida em falsa representação parlamentar.65

Mais especificamente, o próprio trabalho desenvolvido mediante relação de emprego

não se apresenta ameaçado. Por mais que se apregoe o fim do emprego ou o crescimento

das taxas de desemprego, a existência de novos modos de produção, a informalidade

vicejante, o teletrabalho, o trabalho em domicílio, enfim, práticas que, em tese, poderiam

enfraquecer a subordinação necessária à configuração da relação de emprego, se bem

observado o fenômeno, constatar-se-á que nos países de capitalismo central, ainda em

exuberante índice, a população economicamente ativa vincula-se ao mercado de trabalho

65 Ocorre, é certo, de o poder econômico eleger pretensos representantes do povo que rompem com suas bases, mas, nesse caso, considerado o enfoque sob prisma ontológico, há de se reconhecer que o exercício do mandato conspira contra a essência da democracia, mesmo representativa. Não se trata, por evidente, de negar o pluralismo político, mas de se acentuar a necessidade de maior vinculação às bases representadas.

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mediante essa clássica relação jurídica.66 Contrariamente, nos países em que ainda não se

alcançou destacado índice de desenvolvimento humano não se verifica uma vinculação ao

mercado de trabalho com enorme feixe de verdadeiros modelos não-empregatícios

(autônomos, servidores públicos e outros), mas uma insistência em não reconhecer a real

relação existente, ou seja, a empregatícia, que abriria a porta para todo um sistema

protetivo tão fundamental que, mesmo pautado por um patamar mínimo civilizatório

(DELGADO, 2006a, p.140-3), representa, comparativamente, ainda, o que de melhor

oferece o sistema jurídico mundial para as grandes massas de trabalhadores. Não é

possível obscurecer que, por mais complexos que sejam os estratagemas criados, em

essência, a empresa consiste na organização dos modos de produção, e isso não se realiza,

razoavelmente, sem subordinação. Não há razão, nesse passo, para se falar em

parassubordinação. Por ora, continua a desfilar em todo lugar, como já dito, a mais

elementar relação de emprego. Apenas ocorre que os processos produtivos, em certa

monta, modificaram-se, mas não fizeram, de forma alguma, desaparecer a subordinação.

Por conjectura, caso isso venha a acontecer, o caminho que se avista mais coerente é o de

atribuir direitos trabalhistas aos trabalhadores que mantenham contínua prestação de

serviços a um determinado tomador, assegurando-se, ainda assim, um patamar mínimo

civilizatório.

Por fim, há de se indagar o que fazer, se algum dia realmente as máquinas substituírem

quase todas as atividades humanas, restando pouquíssimos postos de trabalho nos modelos

hoje conhecidos. Aí não parece que seja o fim de uma sociedade que valoriza o trabalho.

Caberá, nessa conjectura, divisar formas evoluídas de conviver social, abrindo-se vias de

projeção humana, para o seu evolver contínuo, o que passa, certamente, em democracias,

pelo veio condutor primeiro de manifestação popular. Vale dizer, tocará às democracias

descortinar meios de sobrevivência digna. Diante desse quadro, a retribuição conferida às

grandes massas poderá decorrer da realização de trabalho mais prazeroso, ligado às artes e

aos esportes, por exemplo. Mas isso, por ora, é só conjectura. As palavras-chave, então,

66 Eloqüentes os dados apresentados por Maurício Godinho e Lorena Vasconcelos (2007, p.23), conforme Conferência Internacional do Trabalho, na sua 95a Reunião: “A importância fundamental do trabalho e, sobretudo, do emprego, para o desenvolvimento econômico e a maior igualdade e justiça social pode ser demonstrada estatisticamente. Conforme nos revelam dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), os países mais desenvolvidos econômica e socialmente do mundo – e que adotam o Estado de Bem-Estar Social – são aqueles que possuem o maior percentual da população economicamente ativa (PEA) na condição de ‘empregados’ e menor percentual nas categorias ‘empregadores e trabalhadores autônomos’ e ‘trabalhadores familiares não remunerados’. Basta confrontar, por exemplo, no que tange ao percentual de empregados na composição da PEA, os números da Noruega (92,5%), Suécia (90,4%), Dinamarca (91,2%), Alemanha (88,6%), Países-Baixos (88,9%) e Reino Unido (87,2%), com aqueles presentes na Grécia (60,2%), Turquia (50,9%), Tailândia (40,5%), Bangladesh (12,6%) e Etiópia (8,2%)”.

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nesta hipótese e mesmo antes dessa conjetura futurista, são democracia e trabalho,

pertinentes ao próximo item.

2.2.3 Democracia e Direito do Trabalho

O Direito do Trabalho formou-se em longo processo político e socioeconômico,

representando conquista do trabalhador e chegando ao ápice de consagração normativa

quando contemplado em Leis Fundamentais, como ilustraram as Cartas do México (1917) e

da Alemanha, de Weimar (1919). Essas conquistas exsurgiram de pressões estabelecidas em

relações de poder, com atuação de diversos fatores, internos e externos. O posicionamento das

peças do xadrez histórico encontrou-se mais favorável após a Segunda Grande Guerra,

seguindo-se à concreção altaneira dos direitos sociais e, portanto, do Direito do Trabalho, no

Estado de Bem-Estar Social.

Importa salientar neste momento que a consagração constitucional referida

adveio, em grande monta, de processo político promanado da vontade popular. Quase

todas as Constituições ocidentais prevêem amplo feixe de direitos sociais e constituem

Estados Democráticos de Direito, significando que nelas imperam variados valores

fundamentais que foram agregando-se ao seio protetivo constitucional em longa

caminhada histórica. Ou seja, as liberdades individuais, os direitos sociais e a soberania

popular encontram-se jungidos harmonicamente, em sistema, nas Constituições,

retratando o estágio de evolução sociojurídica contemporâneo e a interdependência

desses direitos – nutrem-se, completam-se, desenvolvem-se reciprocamente. Sua

simbiose abre caminhos de nítido evolver social. Como esses valores encontram-se

tutelados, não são peças ornamentais, sua concreção é direito, dever e obra de todos, e

qualquer alteração nesse quadro deve partir do veio condutor essencial democrático, a

soberania popular, ou será usurpação.

José Afonso da Silva observa que a democracia “revela um regime político em

que o poder repousa na vontade do povo” e, “sob esse aspecto, [ela] não é um mero

conceito político abstrato e estático, mas é um processo de afirmação do povo e de

garantia dos direitos fundamentais que o povo vai conquistando no correr da história”

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(SILVA, 2000, p.130). A concepção de Lincoln, citado por esse autor (2000, p.130), acerca da

democracia é simples mas essencial: “governo do povo, pelo povo e para o povo”.67

A essência do regime político democrático reside na soberania popular: o poder

promana do povo, para o seu bem é exercido. As leis, decorrentes de processos políticos bem-

sucedidos (DELGADO, 1993), não se divorciam dessa realidade, impregnadas desde a origem

desse veio condutor imprescindível no Estado Democrático de Direito – o povo se submete às

leis por ele consentidas. O estudo da formação histórica do Direito do Trabalho, vastas vezes

aludido nesta pesquisa, demonstra que esse ramo da ciência jurídica foi concebido, gestado e

teve seu parto pelas mãos dos trabalhadores. A participação popular foi decisiva, portanto,

antes mesmo da disseminação do regime político democrático. A expansão das democracias

após a Segunda Grande Guerra desencadeia processo de reconhecimento constitucional da

soberania popular, encontrando o gênio humano, após longas lutas, um meio menos

traumático de afirmação da vontade popular.

No jogo político, nas relações de poder, estratagemas despontam, contudo, para

esvaziar a soberania popular, exigindo o aperfeiçoamento constante da democracia, que se

forma em constante processo.

Diante desse contexto, tira-se a conclusão preliminar de que a formação do Estado

Democrático de Direito é o resultado de um processo político bem-sucedido. Para a sua

construção, porque ele não abandona o Estado Social, senão o incorpora, como um ciclo

anterior na evolução social (não-retrocesso social), não se prescinde de efetivação de direitos

sociais, prestações positivas do Estado, descabendo, nessa passada, falar-se em caráter

programático das normas que os consagram, mas em sua plena eficácia. É resultado da

soberania popular, em quase todo o Ocidente. Com José Afonso, temos que a democracia

deve incorporar como parte de seus objetivos a “educação, nível de cultura, desenvolvimento,

que envolva a melhoria de vida, aperfeiçoamento pessoal, enfim, tudo se amalgama com

direitos sociais, cuja realização cumpre ser garantida pelo regime democrático” (SILVA,

2000, p.132) e Claude Julien, citado pelo mesmo autor, acentua que a “democracia não pode

67 A fórmula conceitual pode ser estendida sob variados enfoques, José Afonso adota a seguinte: “democracia é um processo de convivência social em que o poder emana do povo, há de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo povo e em proveito do povo” (SILVA, 2000, p.130). E adverte, com assento em Bachrach, a existência de uma tendência de incorporar à teoria democrática princípios da teoria elitista, formando um elitismo democrático, fundado na concepção de governo de uma minoria democrática, renovada democraticamente e voltada para o interesse popular, mediante interação com as massas, que seriam incompetentes. José Afonso é incisivo a respeito dessa teoria: “Se seu governo [da sociedade] emana do povo, é democrático; se não, não o é” (SILVA, 2000, p. 132).

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resignar-se com os bidonvilles, os alojamentos insalubres, os salários miseráveis, as condições

de trabalho miseráveis” (p.132).

Nesse contexto, a absolutização ideológica construída por um ideário ultraliberalista,

defendendo a flexibilização (precarização) do Direito do Trabalho e, pois, a descentralização

do valor-trabalho-e-emprego, sequer tangenciando essas realidades políticas e jurídicas,

significa usurpação da soberania popular, um verdadeiro golpe silencioso. Quem sustenta a

precarização do Direito do Trabalho, em grande parte da sociedade ocidental, inclusive no

Brasil, está incentivando o descumprimento da Constituição.

Os rumos da sociedade, mesmo integrada em ambiência global, devem ser tomados

pelo povo, que não se reduz a uma minoria detentora de poder econômico e que se diz

canalizadora das anseios de uma pretensa massa de “incapazes” despossuídos (discurso de

elitismo democrático)68.

O Direito do Trabalho, conquista do trabalhador reafirmada nas Cartas democráticas,

não se encontra amarrado às inconstâncias do mercado, porque essa é uma decisão emanada

da soberania popular. Na atual configuração, os Estados ocidentais se desenvolvem mediante

o regime político democrático, sendo forçoso reconhecer que a democracia é um processo

constante de construção social, não descurando da própria evolução multifacetada do povo,

mediante o implemento de prestações positivas, pela realização de direitos sociais.69

Oportunas as ponderações de José Afonso a esse respeito, ainda que mais precisamente em

relação à Constituição Republicana Brasileira de 1988 (2000, p.132):

A Constituição estrutura um regime democrático consubstanciando esses objetivos de igualização por via dos direitos sociais e da universalização de prestações sociais (seguridade, saúde, previdência e assistência sociais, educação e cultura). A democratização dessas prestações, ou seja, a estrutura de modos democráticos (universalização e participação popular), constitui fundamento do Estado Democrático de Direito, instituído no art. 1o. Resta, evidentemente, esperar que essa normatividade constitucional se realize na prática.

68 Vide nota anterior. 69 Arion Sayão demonstra certo incômodo com a realidade do Direito do Trabalho, mas aceita a sua submissão aos fenômenos econômicos. Ilustrativo o seguinte texto desse autor: “Não é possível abolir a miséria por decreto. A questão – dizem uns – é econômica. Sim, claro que sim. O desenvolvimento econômico está na raiz da erradicação da miséria. Mas o argumento econômico não esgota a discussão do problema: desenvolvimento, sim, mas para quê? E para quem?” (ROMITA, 1998, p.35). E continua Arion: “Desenvolvimento econômico deve servir à causa da inclusão dos excluídos [...]. E aqui, pouco, ou quase nada, pode o direito fazer” (p.35). Mas o Direito pode contribuir para a redução da miséria mediante a indução de distribuição de renda estruturada em sistema normativo protetivo. Aliás essa é justamente uma das funções do Direito do Trabalho. E no Estado Democrático de Direito impera o princípio da soberania popular – modelo decorrente de um processo político bem-sucedido que acomoda liberdades individuais ao lado de direitos sociais no leito constitucional.

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Após examinado o processo de formação do Direito do Trabalho e enfocada a

ascensão e declínio do valor-trabalho-e-emprego, resta analisar as funções desse ramo do

direito, considerá-las no seu nascedouro e, outrossim, na contemporaneidade, para,

finalmente, intentar resposta a uma indagação: o Direito do Trabalho ainda apresenta sua

fundamental função no ambiente socioeconômico?

2.3 Funções do Direito do Trabalho

As funções do Direito do Trabalho serão abordadas tomando por base a classificação

apresentada por Maurício Godinho (DELGADO, 2003, p.60-2), por ser esclarecedora e por

perfilhar perspectivas distintas, na complexidade que o fenômeno exige.

Todo ramo da ciência jurídica nasce marcado por uma finalidade, ligada ao padrão

cultural, aos valores considerados importantes por determinada sociedade em certo período

histórico. Esses valores erigidos como bens sociais dignos de proteção e realização são colocados

sob o pálio do Direito. O seu caráter teleológico se revela, assim, pelos valores que deve tutelar.

Após toda a trajetória singrada para se aportar neste momento, insta formular uma

indagação fundamental e, de pronto, respondê-la: Qual é a função essencial do Direito do

Trabalho? Ela permanece hoje?

O Direito do Trabalho ostenta, nas primeiras passadas do século XXI, a mesma função

essencial que desempenhava já no século XIX: melhoria das condições de pactuação da força

de trabalho na ordem socioeconômica.70 Esse ramo erigiu do cenário socioeconômico e

político já com a marca dessa função central.

Outras funções podem ser alinhadas – modernizante e progressista, do ponto de vista

econômico e social, política conservadora, e civilizatória e democrática (DELGADO, 2003,

p.61-271).

70 Neste ponto, também, a classificação é de autoria de Maurício Godinho (DELGADO, 2003, p.60-2). 71 Amauri Mascaro (NASCIMENTO, 2002, p.63-4) apresenta, também, um rol de funções do Direito do Trabalho, com a seguinte classificação: tutelar; conservadora ou opressora do Estado; econômica; social; e coordenadora. Mascaro, citando Martín, Gutiérrez e Murcia, a respeito dos valores que o Direito do trabalho pretende realizar, diz: “O tema [...], nem sempre muito claro, refere-se aos objetivos ou propósitos do ordenamento trabalhista, tratando, portanto, de saber qual é o papel que desempenha na sociedade, e que é, para os mesmos autores, tuitivo no seu início, ou seja, a defesa da vida, da saúde, da integralidade física e de outros bens jurídicos do trabalhador, compensatório diante da desigualdade econômica do operário, construtivo do papel normativo pela atuação direta das associações sindicais na negociação coletiva, e uma finalidade produtiva de organização empresarial da força de trabalho para o desenvolvimento econômico” (NASCIMENTO, 2002, p. 63).

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Na contemporaneidade os valores protegidos na esfera trabalhista giram em torno de

duas primaciais funções: melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na

ordem socioeconômica; e civilizatória-democrática.

Maurício Godinho (DELGADO, 2003, p.61) observa que o Direito do Trabalho é

dotado de uma função modernizante e progressista, do ponto de vista tanto econômico como

social, porque a legislação trabalhista permite a generalização de um padrão normativo básico

no mercado de trabalho, traduzindo extensão de normas trabalhistas fundamentais às camadas

que vivem de sua força de trabalho, além de facilitar a própria estruturação empresária,

porque o balizamento jurídico em um mesmo ambiente social franqueia mais seguro projeto

de desenvolvimento da atividade econômica. Em outras palavras, a padronização de direitos,

permitida pela formação de um ramo jurídico com regras, princípios e institutos próprios e

generalizados, facilita a racionalização projetada do empreendimento sob o prisma laboral. Do

contrário, a multifária regulação poderia dificultar a própria estruturação empresária.

A função política conservadora atribuída ao Direito do Trabalho decorre do fato de,

em certa medida, conferir legitimidade política e cultural à relação de produção básica

capitalista. Mas essa função é acidental; não se alinha à dimensão teleológica essencial desse

ramo jurídico. Ocorre que o Direito do Trabalho nasce dentro do sistema capitalista e em

conjuntura que pode ser lida, dependendo do prisma, como estratégia de autopreservação.72 O

sistema capitalista surgiu antes mesmo da própria formação histórica do Direito do Trabalho,

de maneira que, basicamente, duas alternativas, para simplificar, desfilavam como vias mais

concretas de mudança das condições de grave desigualdade socioeconômica surgidas em

virtude de inexistência de um conjunto harmônico de normas de moderação: humanizar,

dentro do possível, o próprio capitalismo; ou optar pela via da revolução, especialmente pela

proposta socialista de tomada do poder pelos trabalhadores. Realidade socioeconômica e

política que, sem examinar a alternativa de convivência social mais adequada, demonstra que

o Direito do Trabalho, na verdade, nessa textura, deve ser visto, essencialmente, como

72 Afinal, nas últimas décadas do século XIX pululavam agitações sociais, crescia o “fantasma” socialista, o trabalhador encontrava meios mais efetivos de combater o empregador, especialmente mediante o associativismo. Todo esse quadro, já examinado em itens precedentes, conduziu à conquista de direitos trabalhistas, significando, é certo, a perda de parcela de poder de capitalistas, ainda que tenha ocorrido um recuo estratégico para a própria preservação do sistema. Isso, contudo, não afasta o fato de que houve melhoria nas condições de pactuação da força de trabalho. E Maurício Godinho bem observa que o “reconhecimento dessa função, entretanto, não invalida o diagnóstico de que a normatividade autônoma e heterônoma justrabalhista é que assegurou, ao longo dos dois últimos séculos, a elevação do padrão de gestão das relações empregatícias existentes e do próprio nível econômico conferido à retribuição paga aos trabalhadores por sua inserção no processo produtivo” (DELGADO, 2003, p.62).

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instrumento de distribuição de renda, de melhoria das condições sociais da classe despossuída

dos meios de produção, e não como essencial meio de ratificação do sistema capitalista.73

O Direito do Trabalho funciona, também, como instrumento civilizatório democrático

(função civilizatória e democrática), porque visa suprir necessidades sociais básicas e conferir

condições de desenvolvimento da civilização em padrões de vivência com dignidade. As

conquistas trabalhistas advieram de longas lutas, mediante as quais, passo a passo, foram

sendo incrementados direitos e moldando a figura própria de um ramo autêntico. Esse

processo de formação se deu em nítida luta para pôr o direito, em insistente e imprescindível

atuação dos trabalhadores para amealhar parcelas de poder na sociedade organizada. O clímax

desse processo, sob o aspecto normativo, foi o constitucionalismo social, e, em seguida, pela

implementação mais intensa no Estado de Bem-Estar Social, que inaugurou uma nova etapa

de canais democráticos de atuação social, nascidos, igualmente, dentro de um processo de luta

por parcelas de poder. Direito do Trabalho e participação social são, pois, realidades

indissociáveis. Assim, com a evolução sociopolítica e jurídica da humanidade, mediante a

expansão do regime democrático, os direitos trabalhistas, por decisão popular, são alçados ao

mais alto patamar normativo, encontrando o seio constitucional, e, aí postados, nutrem a

própria democracia, na sua constante e crescente evolução, contrária a qualquer idéia estática.

Cresce o povo pelo implemento de melhores condições de vida, avança a democracia pela

mais qualitativa participação, esmaecem teorias nefastas de um elitismo democrático74, de

maneira que democracia e Direito do Trabalho se interpenetram, nutrem-se mutuamente, em

crescente avanço qualitativo.

A mais importante função do Direito do Trabalho, porque essencial e originária, bem

como, em grande medida, indutora da anterior, é a melhoria das condições de pactuação da

força de trabalho na ordem socioeconômica.75 Essa função denuncia um clímax teleológico

desse ramo jurídico, a ponto de Maurício Godinho afirmar que sem “tal valor e direção

finalística, o Direito do Trabalho sequer se compreenderia, historicamente, e sequer justificar-

se-ia, socialmente, deixando, pois, de cumprir sua função principal na sociedade

73 Maurício Godinho Delgado é direito: “Porém o Direito do Trabalho não apenas serviu ao sistema econômico deflagrado com a Revolução Industrial, no século XVIII, na Inglaterra; na verdade, ele fixou controles para esse sistema, conferiu-lhe certa medida de civilidade, inclusive buscando eliminar as formas mais perversas de utilização da força de trabalho pela economia” (2003, p.82). 74 Ver item 2.2.3 – Democracia e Direito do Trabalho. 75 Quando se afirma que a mais importante função é a de melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica, não se pretende, com isso, reduzir o valor da função democratizante e civilizatória. Colima-se, isso sim, colocar em relevo que a função de melhorar as condições de vida dos trabalhadores foi a que originariamente despontou e que justifica histórica e socialmente a própria existência do Direito do Trabalho.

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contemporânea” (DELGADO, 2003, p.60). A diferença de poder político e de poder

econômico entre empregado e empregador, justifica a desigualdade jurídica implementada

pela adoção de um sistema protetivo. O breve perpassar histórico da formação do Direito do

Trabalho demonstra que a regulação da relação de emprego, imprimindo forte dirigismo

estatal, pela imposição de normas cogentes, tem o fito de salvaguardar a própria liberdade

humana, pela imprescindível amalgama da igualdade material. Sem as melhorias impostas

pelo Direito do Trabalho, ou, sob outro prisma, valorizada quase tão-só a autonomia da

vontade, como sucedera há mais de 150 anos, em loas liberalistas e individualistas,

emerge a vitória fácil do mais forte, o acirramento da pobreza do trabalhador e, nesse ciclo, a

miséria humana.

Ainda é cedo para declarar o armistício. Os embates entre trabalho e capital não

findaram. À frente de batalha de implementação de sistema de proteção jurídica, segue, ainda,

a relação de emprego, da qual, por mais que se afirme o contrário, não pode o capitalista

prescindir, porque, afinal, empresa é organização dos modos de produção, e essa organização

se dá mediante subordinação, mesmo que esse elemento fático-jurídico, hoje, não se

apresente, em todos os casos, sob as mesmas vestes, com presença física e comando

presencial intenso e constante.

À guisa de conclusão, então, afirma-se que o Direito do Trabalho, em sua função

central – melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem

socioeconômica – é tão atual hoje como há 150 anos, é imprescindível dentro de uma

sociedade capitalista e sem ele não se pode pensar, sem gravíssimo comprometimento, em

evolução democrática qualitativa, em crescimento social, em bem-estar da maior parcela da

sociedade, os trabalhadores.

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3 DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL – FORMAÇÃO, EVOLUÇÃ O E

VICISSITUDES

3.1 Formação e evolução do Direito do Trabalho no Brasil

As conquistas humanas geram, normalmente, seus efeitos para além do momento e do

local em que despontaram originariamente; são compartilhadas em variados ambientes

sociais, ainda que levem algum tempo para generalizar-se. Os direitos trabalhistas

conquistados pelos trabalhadores europeus não se detiveram diante de suas fronteiras76;

passaram a compor um cabedal jurídico-cultural da espécie humana, ainda que não se tenham

expandido em um mesmo momento para todas as sociedades; são vitórias que marcaram a

caminhada evolutiva do homem. Por essa razão, no Brasil, desde que se apresentaram fatores

propícios à implementação do sistema juslaboral, certas etapas já haviam sido percorridas,

reduzindo, no mínimo, processos de justificação – doutrina e legislação alienígena já haviam

trilhado longo caminho, os pilares dos ideais liberalistas já eram rebatidos pujantemente e a

história já retratava as possíveis conseqüências sociais, econômicas e políticas de um

capitalismo sem limites, do menoscabo à questão social.

Enquanto se adotou o sistema produtivo baseado fundamentalmente no trabalho

escravo, faltou elemento essencial para o desenvolvimento juslaboral. Abundante mão-de-

obra livre (não escrava, nem servil, portanto) é imprescindível para a formação e

desenvolvimento do Direito do Trabalho. Afinal, a porta de entrada para esse sistema

protetivo encontra-se na relação de emprego, que se funda na livre manifestação de vontade.77

Não houve, pois, antes da Lei Áurea, conjugação fenomênica favorável à formação do

Direito do Trabalho no Brasil. Apenas após 1888, com dimensão socialmente relevante, o

trabalho assalariado e subordinado começa a se disseminar, trazendo a necessidade de

76 Amauri Mascaro, a respeito do início da formação do Direito do Trabalho no Brasil, na República Velha, esclarece que “Há um traço fundamental que caracteriza a doutrina jurídica da época, o seu cunho marcadamente reivindicatório. As idéias ventiladas revelam a preocupação dos pensadores pela questão social e o desejo de ver, em nosso País, legislação adequada, a exemplo de outros povos. Nota-se, também, a forte influência que foi exercida pelo crescente movimento legislativo europeu sobre nossos doutrinadores [...]” (FERRARI; MARTINS FILHO; NASCIMENTO, 2002, p.165). 77 A manifestação de vontade do trabalhador é livre para a formação do contrato de emprego, mas ele não pode dispor de direitos imantados de cunho imperativo.

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regulação da relação correspondente. Esse marco histórico é salientado por Evaristo de

Moraes Filho:

Em se tratando de uma obra jurídica, de cunho didático, concordamos plenamente com Cesarino Júnior quando joga todas as possíveis manifestações legislativas sobre o trabalho, anteriores a 1888, no que denomina de período pré-histórico no Brasil. Esta data é, para o nosso assunto, a mais significativa possível, porque marca o fim do regime escravocrata entre nós e a virada brusca para a urbanização, o trabalho livre, o incremento da industrialização, com as conseqüências que daí se originam de formação do proletariado, constituição do movimento sindical e das agitações das idéias sociais [...] (MORAES FILHO; MORAES, 1995, p.100)

É essencial ter em vista que a categoria básica do Direito do Trabalho é a relação de

emprego, e ela pressupõe trabalho livre. Antes da abolição da escravatura, não se pode

afirmar que esse pressuposto existia em dimensão suficiente a justificar o aparecimento do

ramo juslaboral. A importância da mudança de rumo, pelo abandono do regime escravocrata,

é sintetizada por Maurício Godinho:

Embora a Lei Áurea não tenha, obviamente, qualquer caráter justrabalhista, ela pode ser tomada, em certo sentido, como o marco inicial de referência da História do Direito do Trabalho brasileiro. É que ela cumpriu papel relevante na reunião dos pressupostos à configuração desse novo ramo jurídico especializado. De fato, constituiu diploma que tanto eliminou da ordem sociojurídica relação de produção incompatível com o ramo justrabalhista (a escravidão), como, em conseqüência, estimulou a incorporação pela prática social da fórmula então revolucionária de utilização da força de trabalho: a relação de emprego. Nesse sentido, o mencionado diploma sintetiza um marco referencial mais significativo para a primeira fase do Direito do Trabalho no país do que qualquer outro diploma jurídico que se possa apontar nas quatro décadas que se seguiram a 1888 (DELGADO, 2003, p.106).

Os fenômenos sociais decorrem de múltiplos fatores e a formação do Direito do

Trabalho, inclusive no Brasil, não foge a essa regra. Assim, juntamente com a abolição do

regime escravista inicia-se o crescimento das cidades, incrementado também pela Primeira

Grande Guerra.78 Não tarda o despontar, jungidas às condições sociais adversas, de várias

greves no início do século XX.79 Em 1917 a Revolução Russa apontou a existência de uma

alternativa real ao sistema capitalista e, em 1919, criou-se, pelo Tratado de Versalhes, a

Organização Internacional do Trabalho.80 A questão social vai tomando corpo e os riscos de

78 Exemplificativamente, produtos que eram importados dos países envolvidos no conflito armado haveriam de ser desenvolvidos no Brasil, quando não encontrada outra fonte fornecedora. Isso demanda mão-de-obra. 79 Amauri Mascaro observa que, nos primeiros anos da República, as greves eram esporádicas, mas, no começo do século XX, acentuaram-se (FERRARI; MARTINS FILHO; NASCIMENTO, 2002, p.86). 80 Lembra Evaristo de Moraes Filho que o Brasil foi signatário do Tratado de Versalhes, o que aumentava de muito “as nossas responsabilidades perante aquele organismo” (MORAES FILHO; MORAES, 1995, p.105).

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uma irrefletida insistência em viver sob a égide de ideais individualistas e liberalistas já

permitiam avistar as possíveis conseqüências.81

Nesse quadro, é eminentemente do entrechoque de poderes de atores sociais que vai

nascendo o Direito do Trabalho brasileiro82, ligado à formação de uma consciência da força

proveniente da união, notadamente do associativismo. Assiste-se ao principiar de um processo

de emancipação83 social por parte da classe trabalhadora ou de assunção de parcelas de poder.

De forma incipiente e esparsa84, aos poucos, a questão social recebe a acolhida do

Estado, e leis são publicadas na República Velha, tratando, inicialmente, de trabalho de

menores, de mulheres e de redução da jornada. Exemplifica esse período o Decreto 1313, de

17 de janeiro de 1891, que estabeleceu providências para regularizar o trabalho dos menores

empregados nas fábricas da Capital Federal, instituindo a fiscalização permanente de todos os

estabelecimentos fabris em que trabalhassem menores, vedando o trabalho para aqueles com

menos de 12 anos, salvo a título de aprendizado, nas fábricas de tecidos, a partir dos 8 anos

completos, limitando a jornada dos menores do sexo feminino de 12 a 15 anos e os do sexo

masculino de 12 a 14 anos a 7 horas, não consecutivas, de modo que nunca excedesse de 4

horas o trabalho contínuo, e os do sexo masculino de 14 a 15 anos, até nove horas, nas

mesmas condições, proibindo o trabalho aos domingos e dias de festa nacional e das 6 horas

da tarde às 6 horas da manhã, aos menores de 15 anos. Referido Decreto tratou, ainda, dentre

outras matérias, da ventilação das oficinas e condições básicas de higiene, além de proibir

trabalho que expusesse o menor a risco de morte ou a esforço excessivo, como limpeza e

direção de máquinas em movimento, trabalho ao lado de volantes, rodas, engrenagens e

correias em ação, bem como o trabalho em depósito de carvão ou manipulando fumo,

petróleo, benzina, ácidos corrosivos, preparados de chumbo, sulfureto de carbono, fósforos,

81 Evaristo de Moraes observa que o Brasil foi signatário do Tratado de Versalhes, que durante a Primeira Grande Guerra havia sido expressivo o crescimento fabril brasileiro, incrementando, igualmente, o proletariado urbano e intensificando-se os movimentos grevistas e reivindicatórios, principalmente no Rio, São Paulo, Bahia e Recife, e, ainda, que os Partidos Socialista e Comunista foram fundados, respectivamente, em 1920 e 1922 (MORAES FILHO; MORAES, 1995, p.105). Fatores que se conjugaram e representaram, por certo, importante pressão social ou, quando menos, indicativo do desenvolvimento inicial de condições favoráveis ao irrompimento de crises e até de uma revolução. 82 Sem se esquecer, é claro, de que muito já fora herdado de lutas sociais na Europa ocidental. 83 Emancipação aqui considerada sob o enfoque da capacitação cultural e experiencial implementada pela consciência dos valores exsurgentes do associativismo e de outras formas de luta coletiva. 84 Maurício Godinho periodiza a evolução histórica do Direito do Trabalho no Brasil em três fases: de manifestações incipientes ou esparsas, de institucionalização do Direito do Trabalho e de Crise e transição do direito do trabalho, e esclarece que a “reflexão comparativa entre as duas primeiras fases do Direito do Trabalho no país evidencia que se passou, de um salto, da fase de manifestações incipientes e esparsas para a fase de sistematização, sem a essencial maturação político-jurídica propiciada pela fase da sistematização e consolidação (à diferença dos exemplos europeus mais significativos)” (DELGADO, 2003, p.112).

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nitroglicerina e pólvora, dentre outros.85 Cite-se, ainda, apenas exemplificativamente, a Lei

Elói Chaves, de 1923, que criou caixa de aposentadoria e pensões dos ferroviários e

estabilidade a partir de 10 anos de emprego, e o Decreto 16027, de 30 de abril de 1923, que

criou o Conselho Nacional do Trabalho, órgão consultivo dos poderes públicos em assuntos

referentes à organização do trabalho e da previdência social e destinado ao estudo respectivo,

abrangendo, dentre outros, dia normal de trabalho nas principais indústrias, sistemas de

remuneração do trabalho, contratos coletivos do trabalho, sistemas de conciliação e

arbitragem, especialmente para prevenir ou resolver as paredes, trabalho de menores, trabalho

de mulheres, aprendizagem e ensino técnico, acidentes do trabalho, seguros sociais, caixas de

aposentadorias e pensões de ferroviários, instituições de crédito popular e caixas de crédito

agrícola.

Em 1930, a República Velha derruiu. Vitoriosa a Revolução, ascende ao poder Getúlio

Vargas. O crescimento dos trabalhadores sofre certo abalo, sob o aspecto da formação e

consolidação de uma consciência de classe e da maturação de mecanismos de atuação social

em face do poder econômico, porque o Estado trouxe para si, quase na integralidade, a

questão social, retirando da sociedade civil o conflito e deixando pouco espaço para a atuação

dos protagonistas sociais da relação capital versus trabalho.86 Não se olvida a implementação

heterônoma de fundamentais direitos trabalhistas pela batuta do Estado, mas a preço, nesse

momento, de um paternalismo semi-incapacitante.87 Não à toa, Maurício Godinho

(DELGADO, 2003, p.113) afirma que no Brasil o Direito do Trabalho não passou pela fase de

sistematização e consolidação, saltando da fase de manifestações incipientes e esparsas para

a fase de institucionalização, em prejuízo de um processo de maturação político-jurídica.

Isso permite concluir que a classe trabalhadora teve sua evolução bastante refreada, enquanto

85 À luta para pôr o direito deve seguir a luta pelo direito posto. A paulatina regulamentação da relação de trabalho, apesar de significativa sob o ponto de vista de formação do Direito do Trabalho, não permite concluir que houve pronta aceitação social e cumprimento por parte dos empregadores. 86 A esse respeito, Amauri Mascaro observa que “[...] o Estado resolveu adotar uma política de substituição da ideologia dos conflitos pela filosofia da integração das classes trabalhistas e empresariais que, para esse fim, seriam organizadas pelo Estado sob a forma de categorias por ele delimitadas segundo um plano denominado enquadramento sindical” e acrescenta que, “seguindo essa linha, o Estado atribuiu aos sindicatos funções de colaboração com o Poder Público, a partir de um princípio de publicização dos sindicatos que, controlados pelo Estado, não atirassem em luta o capital e o trabalho” (FERRARI; MARTINS FILHO; NASCIMENTO, 2002, p. 88). 87 O Direito do Trabalho acabou institucionalizando-se mediante abundante processo heterônomo. Traduziu elevação do patamar civilizatório dos trabalhadores, mas não exsurgiu como dádiva de “pai dos pobres”, ou concessão Estatal, como se pretende, às vezes, sugerir. Emergiu, é certo, em um contexto de estudo e aferição de forças sociais e no momento em que agitações sociais, com aspirações revolucionárias, começavam a ganhar corpo, cujas conseqüências, como já apontava o exemplo russo, poderiam representar a mudança radical dos rumos políticos, econômicos e sociais do Estado brasileiro.

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corpo consciente de sua força e capacidade reivindicatória. A esse respeito, Maurício

Godinho observa:

Construindo-se essa institucionalização/oficialização ao longo de demorado período político centralizador e autoritário (de 1930 a 1945), o ramo justrabalhista veio a institucionalizar-se, conseqüentemente, sob uma matriz corporativa e intensamente autoritária. A evolução política brasileira não permitiu, desse modo, que o Direito do Trabalho passasse por uma fase de sistematização e consolidação, em que se digladiassem (e se maturassem) propostas de gerenciamento e solução de conflitos no próprio âmbito da sociedade civil, democratizando-se a matriz essencial do novo ramo jurídico. Afirmando-se uma intensa e longa ação autoritária oficial (pós-1930) sobre um segmento sociojurídico ainda sem uma estrutura e experiência largamente consolidadas (como o sistema anterior a 30), disso resultou um modelo fechado, centralizado e compacto, caracterizado ainda por incompatível capacidade de resistência e duração ao longo do tempo (DELGADO, 2003, p.113).

Para se ter noção acerca da amplitude da intervenção estatal, em 1931 foi publicado o

Decreto 19770 (Brasil, 1931), que condicionou a constituição de sindicatos, dentre outras, à

reunião de, pelo menos, 30 associados, com, no mínimo, dois terços de brasileiros; exercício

dos cargos de administração e de representação, confiado à maioria de brasileiros, com 10

anos, no mínimo, de residência no país, admitindo-se estrangeiros, em número nunca superior

a um terço, desde que tivesse residência efetiva no Brasil de, pelo menos, 20 anos88;

abstenção, no seio das organizações sindicais, de toda e qualquer propaganda de ideologias

sectárias, de caráter social, político ou religioso, bem como de candidaturas a cargos eletivos,

estranhos à natureza e finalidade das associações. O art. 2o desse Decreto exigia, para serem

reconhecidos pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e adquirirem personalidade

jurídica, que os sindicatos tivessem seus estatutos aprovados, além de atrelar, em seu

parágrafo segundo, a validade das alterações estatutárias à aprovação do Ministério referido.

O art. 4o estabelecia que os sindicatos, as federações e as confederações deveriam,

anualmente, enviar ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio relatório dos

acontecimentos sociais, constando, obrigatoriamente, as alterações do quadro dos sócios, o

estado financeiro da associação e modificações que porventura tivessem sido feitas nos

respectivos estatutos. O art. 10 dispunha que os instrumentos coletivos firmados em

negociação deveriam ser ratificados pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. O art.

12 inviabilizava a associação a sindicatos internacionais, sob pena de exclusão, sendo que,

quanto às organizações de classe, apenas poderiam federar-se com associações congêneres,

88 A preocupação quanto à participação dos estrangeiros decorre de seu maior grau de conscientização política. Muitos estrangeiros alinhavam reivindicações trabalhistas com pleitos políticos, porque ligados ao anarquismo, ao socialismo, e outras correntes de pensamento.

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fora do território nacional, após ouvido o Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio. O art.

15 determinava que tinha o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, junto aos

sindicatos, federações e confederações, delegados com a faculdade de assistirem às

assembléias gerais e a obrigação de, trimestralmente, examinarem a situação financeira dessas

organizações, comunicando ao Ministério, para os devidos fins, quaisquer irregularidades ou

infrações ao decreto. De se lembrar, por fim, o disposto no art. 16, que previa a aplicação de

penas pelo não cumprimento do Decreto, consistindo em multas e até no próprio fechamento

da entidade sindical, por seis meses, destituição da diretoria ou sua dissolução definitiva.

Apesar de o Estado ter buscado reduzir o conflito, especialmente entre capital e

trabalho, a partir de 1930, o que implicou, por certo, postura que repercutiu na esfera sindical,

mitigando o seu natural desenvolvimento, como instrumento de uma classe que persegue certa

emancipação social, foi a partir desse momento que o Direito do Trabalho, ainda que

centralizado no Estado (fonte heterônoma), expandiu-se no Brasil. O Estado passou a intervir

nas relações de trabalho, deixando a postura liberalista anteriormente adotada. Em 1930, cria-

se o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (Decreto 19433) e despontam várias leis,

agora, não mais de forma incipiente e esparsa, como ocorrera na República Velha, mas dentro

de uma política intervencionista e constante de regulação da relação de trabalho.

Em 1934, antes da publicação da Constituição, foi publicado o Decreto 24694,

dispondo sobre os sindicatos e afastando a unicidade sindical e outros excessos do anterior

Decreto 19770/31, mas manteve várias restrições, dentre as quais a obrigatoriedade de enviar

ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio relatório dos acontecimentos sociais, no qual

deveriam estar consignadas, obrigatoriamente, as alterações havidas no quadro dos sócios e os

fatos que, pela sua natureza, se prendessem a dispositivos do Decreto; a vedação à integração

em organizações internacionais, salvo autorização expressa do Ministro do Trabalho,

Indústria e Comércio; e a necessidade de pedido de reconhecimento perante o aludido

Ministério. No mesmo ano de 1934, foi publicada a Constituição, que, em seu art. 120,

estabeleceu que os sindicatos e as associações profissionais seriam reconhecidos de

conformidade com a lei.

Mais amplo esvaziamento do espaço de fomentação jurígena autônoma vem à tona a

partir de 1937, com o Estado Novo, grandemente influenciado por ideologia corporativista

que, na esfera trabalhista, traduziu a tomada pelo Estado do conflito social, notadamente pela

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interferência e intervenção nas entidades sindicais.89 O art. 138 da Carta de 1937 demonstra a

intervenção estatal nos sindicatos, preconizando que “[...] Somente, porém, o sindicato

regularmente reconhecido pelo Estado tem o direito de representação legal [...]”, além de

dispor, no seu art. 140, que “A economia da população será organizada em corporações, e

estas, como entidades representativas das forças do trabalho nacional, colocadas sob a

assistência e a proteção do Estado, são órgãos destes e exercem funções delegadas de Poder

Público.” Apesar disso, o art. 138 retrocitado iniciava-se declarando a liberdade de associação

profissional ou sindical (com efeito, tinha a seguinte redação: “A associação profissional ou

sindical é livre”), o que, conjugando os demais dispositivos, traduzia considerável

contradição, porquanto, em verdade, a liberdade era limitada, notadamente em razão da

necessidade de reconhecimento pelo Estado do sindicato. Na segunda parte do art. 139,

proibiu-se a greve e o lockout, práticas reputadas anti-sociais e nocivas ao trabalho e ao

capital, além de incompatíveis com “os superiores interesses da produção nacional”. O

Decreto-Lei 1402, de 5 de julho de 1939, aprofunda a restrição à liberdade sindical, ao

estabelecer, em seu art. 17: “Ocorrendo dissídio ou circunstância que perturbe o

funcionamento do sindicato, o Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio poderá nele

intervir, por intermédio de delegado com atribuições para administrar a associação e executar

ou propor as medidas necessárias para normalizar-lhe o funcionamento.” O art. 45 do referido

Decreto-Lei atribuía ao Ministro aludido poderes para, até mesmo, cassar a carta de

reconhecimento da associação sindical. Tratando desse período, Amauri Mascaro sintetiza:

Foi mantido, em 1939 o período intervencionista do Estado na organização sindical e a forte legislação restritiva que prejudicou a espontaneidade do modelo, através do enquadramento sindical, o imposto sindical, o sistema da unicidade sindical imposta por lei, o poder de intervenção do Ministério do Trabalho nas entidades sindicais, a determinação, pela lei, dos órgãos e números de diretores do sindicato, o controle orçamentário dos sindicatos pelo Ministério do Trabalho e as penalidades de suspensão e destituição dos direitos dos sindicalistas, inclusive a extinção de entidades sindicais mediante cassação da carta de reconhecimento, documento que habilitava o sindicato a ter existência legal (FERRARI; MARTINS FILHO; NASCIMENTO, 2002, p. 97-8).

89 A intervenção estatal se faz sentir em diverso espectro, desde a ligação dos sindicatos ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio ao reconhecimento de direitos previdenciários mediante filiação sindical. Amauri Mascaro esclarece que “Antes, os sindicatos eram pessoas jurídicas de direito privado. Depois, a sua publicização foi manifesta. Antes, os sindicatos eram livremente criados pelos interessados, com administração e estatutos próprios. Depois, sob a custódia do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, concebidos como órgãos de colaboração do governo e com estatutos padronizados, perderam a sua autonomia, dependendo do reconhecimento do Estado, que deles exigia a apresentação de relatórios da sua atividade” (FERRARI; MARTINS FILHO; NASCIMENTO, 2002, p.89).

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Em 1o de maio de 1943, foi publicada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),

mas, no campo da organização sindical, seguiu a mesma pisada já implementada e marcada

pelo dirigismo estatal. De todo modo, representou para o Direito Individual do Trabalho

grande avanço, não configurando, propriamente, apenas uma compilação e concentração de

leis esparsas, mas um verdadeiro código. A CLT, além de representar, no que toca ao direito

individual do trabalho, avanço para a classe trabalhadora, traduziu, igualmente, instrumento

de desenvolvimento econômico e social, estendendo para o ambiente social práticas legais

generalizadas que incentivam o incremento da atividade econômica. Cumpriu a CLT, desse

modo, uma das funções do Direito do Trabalho; na classificação de Maurício Godinho, a

função modernizante e progressista, do ponto de vista econômico e social, que desempenha o

“papel de generalizar ao conjunto do mercado de trabalho aquelas condutas e direitos

alcançados pelos trabalhadores nos segmentos mais avançados da economia, impondo [...]

condições mais modernas, ágeis e civilizadas de gestão da força de trabalho” (DELGADO,

2003, p.61), além das demais funções já tratadas no item 2.3.

A concepção corporativista de Estado, sob o enfoque político, intensificada em 1937,

cede à redemocratização, despontando a República populista, no período de 1946 a 1964,

estranhamente marcada, contudo, sob o prisma trabalhista, pela continuidade da matriz

autoritária-corporativa implementada por Getúlio Vargas. A propósito, Evaristo de Moraes,

citado por Amauri Mascaro (NASCIMENTO, 2002, p.100), manifesta o seu incômodo a

respeito da continuidade de um modelo corporativista: “E isso constitui um fato deveras

curioso: a sobrevivência de uma lei, promulgada para um regime corporativo fascistizante, em

pleno quadro democrático de uma nação”. Maurício Godinho (DELGADO, 2003, p.120-1)

pontua que o período de 1930 a 1945 foi centralizador e autoritário e que sua repercussão

sobre o Direito do Trabalho se estendeu até pelo menos a Constituição Republicana de 1988.

De todo modo, a Constituição de 1946 declarou a liberdade sindical e o direito de

greve (arts. 158 e 159), apesar de não tratar de questões importantes, como o próprio

enquadramento e financiamento dos sindicatos, de maneira que enormes traços corporativistas

remanesceram no plano infraconstitucional.

Com o golpe de Estado de 1964, permanece o sistema, em seus pilares fundamentais, e

se assiste a certo recrudescimento do combate aos meios autônomos de produção jurídica.

A retirada do Governo militar abre as portas para uma nova Constituição, e então o

Direito do Trabalho recebe inusitado prestígio sob a ótica jurídica na história brasileira, mas,

contraditoriamente, a Constituição Republicana de 1988 contemplou institutos de nítido traço

antagonista. Ao lado do reconhecimento de direitos sociais, notadamente o Direito do

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Trabalho, inclusive da garantia de vedação a interferência e intervenção em sindicatos, além

do reconhecimento dos efeitos jurígenos da negociação coletiva, mantém o financiamento

compulsório dos sindicatos e a sua unicidade, além da inserção da representação classista no

seio do Estado. Isso permite enorme distanciamento dos representantes sindicais de suas bases

representadas.

A Constituição de 1988 é a maior Carta de Direitos que o Brasil já teve. Ela enalteceu,

como nenhuma outra, os direitos sociais, com especial atenção ao Direito do Trabalho. Apesar

de, originariamente, ter apresentado contradições antidemocráticas, no que concerne ao

modelo de gestão trabalhista, porque previu o financiamento compulsório, a unicidade

sindical, a representação classista na Justiça do Trabalho e o seu poder normativo, traduz,

igualmente, vasto corpo de direitos fundamentais. Já no seu preâmbulo, esclarece-se que a

Assembléia Nacional Constituinte foi constituída para instituir um “Estado Democrático,

destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o

bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma

sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social [...]”. É obra

que realmente eleva os direitos sociais, instituindo, dentre outros fundamentos da República, a

dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, do que não se furta a ordem

econômica e social, em cujas bases fincou-se o primado do trabalho (incs. III e IV, art. 1o, e

arts. 170 e 193). Os direitos sociais receberam o tratamento de direitos fundamentais (título

II). Amplo rol de direitos trabalhistas é, igualmente, incrustado em seu texto, e assim recebe

proteção em face do legislador ordinário (art. 7o). O Direito Coletivo do Trabalho é

reverenciado, com o prestígio dos acordos e convenções coletivos, ao lado da vedação de

intervenção e interferência do Estado nos sindicatos, cuja liberdade e representação de suas

bases são reconhecidas em âmbito administrativo ou judicial, além de assegurar-se a garantia

de emprego ao representante sindical e o direito de greve (inc. XXVI, art. 7o, e arts. 8o e 9o)90.

Essa breve análise da formação e evolução do Direito do Trabalho no Brasil leva à

conclusão de que, comparativamente, sob o aspecto normativo, com a Constituição de 1988,

encontrou-se o clímax, apesar de certas contradições, conforme observado acima. Antes da

abolição da escravatura, não houve ambiente profícuo ao despontar desse ramo juslaboral, de

maneira que com a Lei Áurea identifica-se um marco importante para o principiar de leis

90 Citem-se também os arts. 10 e 11 da Constituição Republicana de 1988. O primeiro assegura a “participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação” e o segundo estabelece que “Nas empresas de mais de duzentos empregados, é assegurada a eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores”.

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reguladoras da relação de trabalho, o que sucede, em um primeiro momento, de forma

incipiente e esparsa, mas já com o contributo de vastas lutas implementadas por trabalhadores

dos países de capitalismo central. Segue, então, a fase de institucionalização do Direito do

Trabalho, saltando a importante fase de sistematização e consolidação, o que, essencialmente,

refreia o amadurecimento dos trabalhadores, especialmente quando se tem em vista a

formação de uma consciência firme de integração a uma classe, com interesses próprios e

capacidade de embate social experimentada. A Revolução de 1930 deu início à

institucionalização do Direito do Trabalho com a implementação de direitos básicos

fundamentais para a construção de uma sociedade. Mas, ao lado disso, representou duro golpe

ao desenvolvimento da classe trabalhadora, na sua formação reivindicatória e como corpo

coletivo, ao trazer o conflito social quase na integralidade para o seio do Estado de nítido

perfil corporativista. Essa matriz autoritária, em suas linhas fundamentais, permanece,

contudo, mesmo em períodos de democratização, chegando a 1988, marco, então, mais

importante da possibilidade de efetiva construção de uma sociedade iluminada pela

valorização do ser humano, sem prescindir de sua dimensão social.

3.1.1 Direito do Trabalho no Brasil: concessão do capital ou conquista do trabalhador?

Não raro, encontra-se em parte da doutrina a afirmação de que o Direito do Trabalho

surgiu no Brasil mediante processo de movimento descendente, ou, em outras palavras, de

cima para baixo, por concessão estatal.

Segadas Vianna afirma que no Brasil “não é o ‘movimento ascendente’ que vai gerar a

ação dos parlamentares, e sim o ‘movimento descendente’, que resulta de uma ação de cima

para baixo, do Governo para a coletividade”. Cita o México, a Inglaterra e a França como

exemplos de movimento ascendente, que se caracteriza por sua “coexistência com uma

história social marcada pela luta de classes, com trabalhadores fortemente apoiados por suas

organizações profissionais, com o espírito de classe bem nítido e com a existência de

indústrias ou atividades produtivas arregimentando grandes massas de trabalhadores”,

enquanto o descendente seria caracterizado pela inexistência de luta, falta de associações

profissionais de expressiva representatividade, grupos sociais inorgânicos e inexistência de

atividades econômicas que exijam massas proletárias densas (SÜSSEKIND et al., 2002, p.49-

50). Orlando Gomes e Elson Gottschalk comentam que já “se disse, não sem certa razão, que

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o nosso Direito do Trabalho tem sido uma dádiva da lei, uma criação de cima para baixo, em

sentido vertical” e asseveram que em “muitos casos tem sido assim mesmo”, mas ponderam

que “não se deve olvidar que em outros, mesmo antes da Revolução de 1930, o nosso

incipiente Direito do Trabalho conheceu sua fase de auto-afirmação, numa inequívoca

demonstração histórica de uma consciência de classe, que já se delineava, desde o início do

século” (2001, p.5-6).

Os exemplos de extremo, como os representados pela história de formação do Direito

do Trabalho na Inglaterra e na França, demonstram claro movimento ascendente de

construção normativa laboral, impulsionado por lutas trabalhistas, mas isso não significa que

em outras experiências, como a brasileira, tenha surgido o ramo juslaboral de certa dádiva

governamental, isto é, de um movimento descendente. Em última razão, a história tem

demonstrado que o movimento, a força motriz da construção normativa trabalhista, vem de

baixo para cima.

A história não retrata concessões dadivosas do capital ao trabalho e fatos isolados, sem

generalização, não impulsionam nem justificam fenômenos sociais. Houve, é certo, conforme

já tratado no capítulo antecedente, em muitas ocasiões, recuos estratégicos do capital após o

sopesar de forças sociais conjunturais. No embate dessas forças, os antagonistas estudam-se.

Quando se contrapõem empregadores e trabalhadores, historicamente, estes exigem melhoria

das condições de pactuação da força de trabalho, reivindicação que pode estar ligada a uma

situação de penúria máxima a desembocar em natural sublevação para a própria

sobrevivência, ou, até mesmo, jungida à conscientização do estágio de evolução social por

que passam os trabalhadores e seu anseio por participar dos avanços alcançados pela espécie

humana e apenas fruídos por poucos, vale dizer, de qualquer forma, colimam melhoria de suas

condições de vida e seu desenvolvimento pessoal. Quanto maior o distanciamento do Estado

das questões sociais, maior se torna o fosso entre pobres e ricos, porque o liberalismo conduz

a essa realidade. A penúria – assim como outros fatores – pode conduzir a movimentos mais

concertados de massas populares, até mesmo de cunho revolucionário, e isso gera um estudo

dos riscos por parte dos titulares do capital, aconselhando recuos91. Nesses casos, não se

pode dizer que tenham ocorrido concessões ou que os direitos nasceram de cima para baixo.

Houve, é certo, uma vitória da classe trabalhadora – ainda que seja de proporções

limitadas92 –, e, em essência, o movimento de formação normativa é ascendente.

91 O que se aplica ao Brasil mesmo a partir de 1930, conforme item 3.1. 92 A vitória da classe trabalhadora é reputada de “proporções limitadas” porque, criado o direito, segue a luta para a sua efetiva implementação. Além disso, não se pretende afirmar que tudo se resolva e a vida em sociedade

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Além disso, as conquistas hauridas pelos trabalhadores, nos Estados precursores dos

movimentos trabalhistas mais intensos, como a Inglaterra e a França, foram avanços que se

acrescentaram ao cabedal humano de evolução social. Mesmo que existam momentos de

recuos, no que toca à redução de patamares de direitos alcançados, e sociedades em que foi

mais tardio o surgimento do ramo juslaboral, já se encontra marcada na história da

humanidade a luta proletária para a criação do Direito do Trabalho, o que, outrossim,

configura um verdadeiro instrumento de reivindicação de natureza ascendente.

Em essência, o Direito do Trabalho do Brasil, nas suas funções básicas, não difere do

Direito do Trabalho dos Estados de capitalismo central. Dessa forma, as leis que aqui foram

despontando no caminhar de sua formação já traziam em seu espírito as lutas vividas pelos

trabalhadores do outro lado do Atlântico. O movimento é, então, ascendente. Tanto no velho

continente como no Brasil o Direito do Trabalho foi fruto de conquista dos trabalhadores.

Não se nega, é claro, tenha havido na história, seja na Europa ou na América, impulsos

altruísticos para a elaboração de legislação protetiva do trabalhador. Mas, como fator

socialmente relevante, especialmente sob o enfoque da sua intensidade e generalização, a luta

da classe trabalhadora deve ser indicada como o determinante fundamental.

3.2 Ascensão e declínio do valor-trabalho-e-emprego no Brasil

3.2.1 Ascensão do valor-trabalho-e-emprego

O Direito do Trabalho, desde o seu paulatino despontar pelas pressões e

indeclinabilidade de sua existência, para a construção de ambiente social propício ao

desenvolvimento humano, foi recebendo o reconhecimento de seu valor, mesmo porque a

sociedade funda-se em grande medida no trabalho. A relação de emprego, instrumento de

inserção do trabalhador no sistema produtivo, igualmente, colheu na caminhada histórica sua

valorização.

encontre um ponto de máxima evolução apenas pelo fato de o Direito do Trabalho ser uma conquista do trabalhador. O que se colima, portanto, é realçar a contraposição “conquista versus concessão”, isto é, que os trabalhadores não receberam graciosamente direitos, mas os conquistaram.

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Podem ser destacados, contudo, dois campos de evolução do Direito do Trabalho e,

correspondentemente, do valor-trabalho-e-emprego, com suas interpenetrações93: a evolução

sob o prisma das declarações formais lançadas em documentos normativos, centrada na luta

para pôr o direito; e a evolução da eficácia social da norma trabalhista, cujo foco se encontra

na luta pelo direito posto.

Ocorre que, normalmente, há grande luta social para que direitos sejam

reconhecidos. Em um primeiro momento, a generalização de enunciados normativos

mediante textos formais é importante94, pela própria formalidade e marco de certa

perenidade que se tenta imprimir, mas não significa a sua pronta aplicação. Aí segue a

necessidade de tonar reais, sensíveis ao meio social os direitos já formalmente

reconhecidos nos textos normativos. Significa dizer: urge que a força da norma projete-se

por além dos belos enunciados e entre na vida das pessoas. Tem-se nesse momento mais

uma luta, que é a luta para que o direito reconhecido seja efetivamente aplicado, seja

observado no ambiente social. Quando se trata de Direito do Trabalho, essas duas lutas

são normalmente recorrentes, e a luta mais violenta pelo direito posto tende a amainar-se

apenas em momentos de maior evolução democrática.

No Brasil, a evolução do Direito do Trabalho, pelo prisma normativo, segue a sua

institucionalização, a partir de 1930 – anteriormente havia apenas manifestações incipientes e

esparsas (DELGADO, 2003, p.106-9) –, culminando com a emergência da questão social na

Constituição de 1934 e, a partir daí, em todas as demais Constituições, merecendo realce, em

1943, o surgimento de um corpo normativo mais amplo, a Consolidação das Leis do Trabalho

e, finalmente, a Constituição de maior vastidão social, a de 5 de outubro de 1988. Sob esse

prisma, então, a maior elevação que se pode vislumbrar é o reconhecimento do status

constitucional ao direito social e, especificamente, ao Direito do Trabalho, o que mais se

acentua quando se lhe reconhece o caráter de fundamental e, pois, ao menos no plano teórico,

haure grande perenidade, imunizando-se em face do legislador ordinário e, mesmo, do

constituinte derivado.

Em seguida, há de se implementar, tornar real, o direito reconhecido nos textos

normativos, o que exige uma evolução social mais profunda e abrangente, envolve

93 Diz-se “interpenetrações” porque há intensa e constante comunicação de um com o outro campo, apesar de poderem destacar-se, para fins analíticos. 94 Além, é claro, de outras fontes normativas que não se encontram precisamente “presas” em textos escritos, como os próprios costumes.

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crescimento de democracia sólida e solapamento (ou arrefecimento) de ideais reacionários

impostos por forças faticamente oligárquicas.

A evolução do Direito do Trabalho será vista, a seguir, por ambos os primas.

3.2.1.1 Constitucionalização do Direito do Trabalho no Brasil

Sob o enfoque normativo, o Direito do Trabalho encontra seu ápice com o seu

acolhimento constitucional, especialmente sob o signo da fundamentalidade. Surgido o

Direito do Trabalho, primeiramente pelo influxo de leis infraconstitucionais, a sua elevação à

esfera constitucional representa, sob o aspecto normativo, uma evolução digna de louvores.95

O constitucionalismo social chegou ao Brasil apenas em 1934, com a promulgação da

Constituição de 16 de julho. As Constituições anteriores, ou seja, de 1824 e de 189196,

menoscabaram direitos sociais enquanto sistema articulado para implementação da liberdade

e igualdade materiais. Nestas houve referência à liberdade de profissão e ofício, mas isso não

configura preceito de ordem social, senão historicamente liberal mesmo. Aliás, a Lei

Chapelier97 já se destinava a esse fim, visando romper amarras impostas à economia de

mercado por corporações de ofício.98

A Constituição de 1934 inaugura, então, o constitucionalismo social no Brasil. A

liberdade formal abre espaço à sua materialização, fiando-se ao princípio da igualdade, valor

central erigido para o caminhar social novo na história do Brasil. Não mais se encontra sob o

manto da fundamentalidade tão-só a liberdade formal; aos direitos sociais também é reconhecida

essa marca. Experiências passadas demonstraram que o Estado abstencionista, limitado quase só à

proteção da liberdade, propriedade e vida, é fórmula de incitação de crises sociais, justificando a

assimilação e conjugação de novos princípios, centrados fundamentalmente na igualdade material.

95 Apesar de não traduzir este momento a consagração plena do Direito do Trabalho, porque, posta a norma, há, ainda, de ser cumprida, efetivada, trata-se de um importante estágio de afirmação de direitos – no mínimo, tem-se um repertório normativo cuja efetivação será buscada. 96 A Constituição de 1891 foi emendada, substituindo o n. 29 do seu art. 34 para atribuir ao Congresso competência para legislar sobre o trabalho. Mas isso não significa mudança de suas linhas básicas, fundada na primazia da liberdade formal e no individualismo, com nítida influência no constitucionalismo norte-americano. 97 O art. 7o da Lei Chapelier, de 1791, estabeleceu que “[...] todo homem é livre para dedicar-se ao trabalho, profissão, arte ou ofício que achar conveniente”. 98 Segadas Vianna cometa, ao se referir ao n. 24 do art. 72 da Constituição de 1891, que dispunha ser garantido o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual ou industrial, tratar-se de concepção da soberania da vontade individual (SÜSSEKIND et al., 2002, p.74).

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O Estado deveria agir, pois, para assegurar prestações.99-100 Considerável rol de direitos foi

previsto nesta Constituição, valendo citar, dentre outros, os seguintes (§1o do art. 121):

proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo,

nacionalidade ou estado civil; salário mínimo, capaz de satisfazer, conforme as condições de

cada região, às necessidades normais do trabalhador; trabalho diário não excedente de oito

horas, redutíveis, mas só prorrogáveis nos casos previstos em lei; proibição de trabalho a

menores de 14 anos; proibição de trabalho noturno a menores de 16 e em indústrias insalubres

a menores de 18 anos e a mulheres; repouso hebdomadário, de preferência aos domingos;

férias anuais remuneradas; indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa; assistência

médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta descanso antes e depois do

parto, sem prejuízo do salário e do emprego; instituição de previdência, mediante contribuição

igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da

maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte; regulamentação do exercício

de todas as profissões; e reconhecimento das convenções coletivas de trabalho. Estabeleceu,

ainda, no § 2º do art. 121, que “para o efeito deste artigo, não há distinção entre o trabalho

manual e o trabalho intelectual ou técnico, nem entre os profissionais respectivos”. Merece

registro que, no art. 122, instituiu-se a Justiça do Trabalho, para “dirimir questões entre

empregadores e empregados”, apesar de apenas ter sido efetivamente instalada em 1o de maio

de 1941 em todo o território nacional.101

Isso não significou, nesse momento, a pronta instauração efetiva de um Estado Social,

porque entre as declarações de direito e a sua vida no ambiente social há, ainda, certa

distância, mas traduziu considerável evolução, configurando principiar de suporte normativo e

solidificação de doutrina e ideal fundados na preeminência do valor social, ainda que

99 Paulo Bonavides, tratando desta última época, inaugurada com a Constituição de 16 de julho de 1934, afirma que se chega à fase na qual se insere uma nova corrente de princípios, “até então ignorados do direito constitucional positivo vigente no País” e que “consagravam um pensamento diferente em matéria de direitos fundamentais da pessoa humana, a saber, faziam ressaltar o aspecto social, sem dúvida grandemente descurado pelas Constituições precedentes” (BONAVIDES, 2003, p.366). 100 Segadas Vianna (SÜSSEKIND et al., 2002, p.75), ao tratar da Constituição de 1934, lembra da mensagem do Chefe da Nação ao membros da Assembléia Nacional Constituinte: “A complexidade dos problemas sociais e materiais inerentes à vida moderna alargou o poder de ação do Estado, obrigando-o a intervir mais diretamente, como órgão de coordenação e direção, nos diversos setores da atividade econômica e social. Quanto à maior ou menor a amplitude dessa intervenção, podem divergir as doutrinas; na realidade, porém, ela se apresenta como imposição iniludível diante da crescente preponderância dos interesses da coletividade sobre os interesses individuais. Todas as atividades humanas são forças sociais agindo negativa ou positivamente. O Estado, que é a sociedade organizada como poder, não lhes deve ficar indiferente, sob pena de falhar à sua finalidade. Impõe-se-lhe, contrariamente, discipliná-las e dirigi-las. Daí a sua intervenção no campo social e econômico, regulamentando as relações entre o trabalho e o capital, fiscalizando as indústrias e o comércio, desenvolvendo providências de diversa natureza para promover o bem comum”. 101 A integração ao Poder Judiciário apenas ocorreu, contudo, com a Constituição de 1946.

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inicialmente muito mais sob o prisma teórico. Paulo Bonavides, pondera que esse Estado

Social, “em razão de abalos ideológicos e pressões não menos graves de interesses

contraditórios ou hostis, conducentes a enfraquecer a eficácia e a juridicidade dos direitos

sociais na esfera objetiva das concretizações, tem permanecido na maior parte de seus

postulados constitucionais uma simples utopia”. Observa, ainda, que não “se deve porém

diminuir a importância que ele assumiu como força impulsora de modernização, trazendo às

instituições um sopro claramente renovador” (2003, p.368).

Passada evolutiva foi dada, portanto, com a publicação da Constituição de 1934, ainda

que tenha sido de efêmera vigência, à vista do golpe de Estado de 1937. Outorga-se, então, a

Constituição de 1937, que acentuou a intervenção do Estado na economia, tratando o trabalho

como dever social (art. 136). Previa que a todos é garantido o direito de subsistir mediante o

seu trabalho honesto e que este, como meio de subsistência do indivíduo, constitui um bem

que é dever do Estado proteger, assegurando-lhe condições favoráveis e meios de defesa.

Estabelecia, a exemplo da Constituição de 1934, amplo rol de direitos (art. 137), como:

repouso semanal aos domingos e, nos limites das exigências técnicas da empresa, aos feriados

civis e religiosos, de acordo com a tradição local; férias anuais remuneradas; indenização por

cessação das relações de trabalho a que o trabalhador não haja dado motivo; salário mínimo;

dia de trabalho de oito horas; o trabalho à noite com remuneração superior à do diurno;

proibição de trabalho a menores de catorze anos, de trabalho noturno a menores de dezesseis

e, em indústrias insalubres, a menores de dezoito anos e a mulheres; assistência médica e

higiênica ao trabalhador e à gestante, assegurado a esta, sem prejuízo do salário, um período

de repouso antes e depois do parto; e a instituição de seguros de velhice, de invalidez, de vida

e para os casos de acidentes do trabalho. Previu ainda a Constituição de 1937 a liberdade de

associação profissional ou sindical (art. 138), mas estabeleceu que somente o sindicato

regularmente reconhecido pelo Estado teria o direito de representação e de impor

contribuições, além de exercer funções delegadas de Poder Público. E, ainda, declarou a greve

e o lockout recursos anti-sociais, nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os

superiores interesses da produção nacional (art. 138).

A Constituição de 1946, na retomada dos rumos democráticos, reconhece o direito de

greve e mantém expressivo rol de direitos individuais do trabalho, além de integrar a Justiça

do Trabalho ao Poder Judiciário (foi inserida no capítulo IV do título I, que trata “Do Poder

Judiciário”).

Segue a Constituição de 1967 e a Emenda de 1969, estabelecendo, igualmente, um rol

de direitos sociais, mas fruto de um Estado ditatorial. Observa Carlos Henrique Bezerra Leite:

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“A Constituição de 1967, embora autoproclamando-se promulgada, foi imposta pela força

militar, razão pela qual pode ser classificada como Constituição semi-outorgada” (1997,

p.19). Nesta carta, proibiu-se a greve nos serviços públicos e em atividades essenciais.

A chamada Emenda Constitucional de 1969, outorgada por três ministros das Forças

Armadas, manteve os direitos sociais previstos na Carta de 1967, mas, igualmente, o AI-5 e,

portanto, o grave comprometimento às liberdades públicas, até mesmo com a suspensão da

garantia constitucional do habeas corpus.

Com a redemocratização do Brasil, após o Governo Militar, em 1987, forma-se a

Assembléia Constituinte. Vem à tona o debate acerca do direito social, que, com amplitude

inusitada na história brasileira, encontra-se acolhido pela Carta Magna de 1988,

essencialmente ao contemplar vasto rol de direitos trabalhistas. Ao lado desses avanços,

contudo, remanesceram institutos autoritário-corporativos, indigitando Maurício Godinho

(DELGADO, 2003, p.128-129) quatro mecanismos maculados com esse viés: contribuição

sindical obrigatória; representação corporativa no seio do Poder Judiciário; poder normativo

da Justiça do Trabalho; e unicidade e sistema de enquadramento sindical.102

De todo modo, com a publicação da Constituição Republicana de 1988 (CR/88)

assistiu-se, por certo, a um avanço democrático e social, sob o enfoque de declaração de

direitos. No seu preâmbulo, já se centraram os holofotes para o desfilar democrático e social:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.

Diversos artigos dão vida ao texto lançado no preâmbulo, demonstrando que os

desideratos ali anunciados, em boa medida, foram trilhados pelos constituintes. Os

representantes do povo – o povo brasileiro ali representado, portanto – resolveu constituir um

Estado Democrático – o princípio da soberania popular, então, é indeclinável – que assegura o

exercício dos direitos sociais, juntamente com direitos individuais103. O art. 1o já estabelece

102 A representação classista já foi afastada do seio do Poder Judiciário, pela Emenda Constitucional 24, de 9 de dezembro de 1999. Ao poder normativo da Justiça do Trabalho retirou-se um traço do antigo sistema autoritário e corporativo, exigindo-se, com a Emenda Constitucional 45, de 8 de dezembro de 2004, o comum acordo, para o ajuizamento do dissídio coletivo. 103 Não se adotou, portanto, uma democracia formal, mas substancial, de maneira que o Governo deve se inspirar no princípio da igualdade. A respeito dessa distinção, Norberto Bobbio observa: “[...] É inegável que

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que constituem fundamentos da República a dignidade da pessoa humana e os valores sociais

do trabalho, sendo que estes iluminam as ordens econômica e social, conforme arts. 170 e

193. O art. 6o segue a mesma trilha ao inserir dentre os direitos sociais o trabalho. Amplo rol

de direitos fundamentais do trabalho foram cravados no art. 7o104, não se descurando do

direito coletivo do trabalho, nos arts. 8o ao 11, como ilustra a vedação de interferência e

intervenção nas entidades sindicais, ao lado da liberdade de constituição, filiação e

desfiliação, além dos poderes de representação conferidos a essas entidades, seja na esfera

administrativa ou judicial.

A breve referência às várias Constituições publicadas ou outorgadas permite retirar

uma conclusão fundamental para o plano de análise aqui desejado: mesmo sem a efetiva

realização material do direito social e, especialmente, do Direito do Trabalho, desde 1934, as

Constituições brasileiras reconhecem a imprescindibilidade da questão social. O Direito do

Trabalho passa a ser considerado uma conquista da sociedade tão notável que alcança patamar

constitucional e status de fundamentalidade, conquista que incorpora patrimônio jurídico

fundamental para o desenvolvimento do ser humano e que não se concebe possa ser suprimida

sem grave ofensa à democracia substancial.105

3.2.1.2 Brasil e Estado de bem-estar social

O clímax de evolução do Direito do Trabalho sob o prisma da sua efetividade nos

países de capitalismo central ocorreu com o Estado de Bem-Estar Social, em grande monta,

implementado após a Segunda Grande Guerra. Houve tamanho avanço que o historiador Erick

Hobsbawm predicou esse período de “Era de Ouro” (1995, p.253-281). Esse modelo de

Estado sofre abalo, contudo, a partir da primeira crise do petróleo, no início da década de

historicamente ‘democracia’ teve dois significados prevalecentes, ao menos na origem, conforme se ponha em maior evidência o conjunto das regras cuja observância é necessária para que o poder político seja efetivamente distribuído entre a maior parte dos cidadãos, as assim chamadas regras do jogo, ou o ideal em que um governo democrático deveria se inspirar, que é o da igualdade” (BOBBIO, 2006). 104 Amplo e, frise-se, necessariamente amplo. Não seria o caso, nessa linha, de se afirmar que a Constituição de 1988, no aspecto, foi exagerada. A elevação de um direito ao patamar constitucional, além de significar a sua importância para determinado povo em certo contexto histórico-social, significa, coerentemente, a sua solidificação e defesa contra intempéries políticas. Não é só. A constitucionalização dos direitos sociais é uma conquista da humanidade, signo de avanço social para implementação de efetiva democracia e afirmação material da liberdade e da igualdade. 105 Atribuir destacado valor à igualdade ao lado da liberdade não parece seja tarefa inconcebível. Impõe, é certo, vigia continua da balança de valores para que a prevalência de uma não inviabilize a realização da outra.

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1970, abrindo ensanchas a ataques neoliberalistas. Nessas sociedades, a atuação do Estado na

economia, na previdência e assistência sociais, na saúde e educação públicas e na valorização

do trabalho e do emprego gerou marcas profundas, de tal maneira que, mesmo com esse novo

influxo liberalista, remanescem conquistas consideráveis.

No Brasil, a história é diferente. Não se assistiu, em momento algum, à implementação

de realidade próxima à ocorrida nos países de capitalismo central – vale dizer, não se

verificou, na sociedade brasileira, experiência efetiva de um Estado de Bem-Estar Social.

Houve, portanto, um grande descompasso entre a evolução normativa e a sua

verdadeira implementação social – a sua efetividade.

Não obstante, lançados os olhos para os comandos constitucionais, vê-se que é dever

de todo o povo brasileiro a construção de uma sociedade fraterna, fundada na valorização do

trabalho (inc. IV, art. 1o, CR/88). Verifica-se que se impõe o caminhar na trilha do bem-estar

social, mas, contrariamente, em desrespeito ao princípio da soberania popular, considerável

parcela da elite política e econômica, faticamente titular do poder, em maior medida, dita os

rumos do País para a senda da não-intervenção estatal e de um individualismo não

contemplado na Constituição, e o próprio Governo se distancia da sociedade civil e das

imposições de uma verdadeira democracia substancial.106

3.2.2 Declínio do valor-trabalho-e-emprego – vicissitudes

Como salientado anteriormente, a evolução normativa trabalhista não se fez

acompanhada ainda da correspondente repercussão social. A luta para pôr o direito encontra-

se mais avançada quando comparada com a luta pelo direito posto. A evolução legislativa, em

sentido lato, vinha apresentando resultados expressivos, bastando lançar o olhar para a metade

do século XIX e seguir até o último quartel do século XX que se avistará o principiar de

direitos trabalhistas, a sua contemplação em constituições, a sua elevação à qualidade de

fundamental e o reconhecimento de sua aplicabilidade imediata. Tudo no plano legal e

doutrinário. No Brasil não se experimentou, contudo, em dimensão digna de destaque,

106 A rigor, liberalismo e democracia não são incompatíveis, teoricamente. O que depende do modelo de democracia adotado. Mas, quando se constitui um Estado Democrático de Direito fundado em princípios sociais, e que coloca em destaque tanto a liberdade como a igualdade, há de se reconhecer a necessidade de que sejam realizadas prestações positivas e que haja, se necessário for, interferência para assegurar a valorização do trabalho e do emprego.

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eficácia social ampla do Direito do Trabalho, razão emblemática para os elevados desníveis

sociais, a grande concentração de renda e todo um plexo de problemas correlacionados, que

vão desde a baixa capacitação para a concorrência no mercado mundial aos altos índices de

violência urbana.

Assim, é possível afirmar que o Direito do Trabalho no Brasil evoluiu bastante,

quando se tem em vista declarações formais em documentos normativos, mas passa, há muito

tempo, acima de tudo, por uma crise de efetividade, que pode ser grandemente creditada ao

entorpecimento de parte da elite política e econômica, faticamente titular do poder, que se

mostrou descomprometida com ideais distributivos de construção social. Desde a década de

1990, assiste-se também à crise de justificação deste ramo jurídico, chegando ao Brasil o

discurso de desvalorização do trabalho e do emprego e, por conseqüência, de flexibilização do

Direito do Trabalho.

Os mesmos ataques ultraliberalistas desferidos nos países de capitalismo central

aportaram no Brasil na última década do século XX, retornando o discurso de um Estado

mínimo, não-intervencionista, de abertura ao mercado internacional, especialmente ao

mercado financeiro. Enfim, o Estado de Bem-Estar Social sequer havia sido implementado no

Brasil, uma nova Constituição abria clara senda social de observância obrigatória, e o discurso

ultraliberal vinha na contramão desses avanços. Aqui, como na Europa, várias linhas de

ataque neoliberal aos direitos trabalhistas exsurgiram, seja no plano tecnológico, no

organizacional, no mercadológico ou no cultural.107

Ocorre que as teorias e os ataques lançados contra a valorização do trabalho e do

emprego ocultam uma tendência que não pode ser admitida nesta passada evolutiva da

sociedade humana, ou seja, de submeter salário e direitos trabalhistas às inconstâncias

provocadas pela lei da oferta e da procura. Mas a decisão política já foi tomada e cravada na

Constituição de 1988: são fundamentos da República a dignidade da pessoa humana e a

valorização social do trabalho, do que não escapa sequer a ordem econômica (incs. III e IV do

art. 1o e art. 170). Salário e direitos trabalhistas não poderiam, mesmo, sujeitar-se à lei da

oferta e da procura porque estão ligados à condições existenciais da pessoa humana. Délio

Maranhão, citado por César Machado (1999, p.28), é enfático: “O salário não é apenas o

preço da força de trabalho: é o meio de subsistência de um ser humano, a quem a sociedade

não pode negar o direito a uma existência digna”. Daí a decisão política essencial de imprimir

status constitucional a esses direitos em quase todo o mundo civilizado. Direitos sociais são

107 Estes ataques ultraliberalistas foram abordados no item 2.2.2.

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fundamentais e as normas que os contemplam não enfeixam conteúdo meramente

programático.

A Constituição de 1988 criou um Estado Democrático de Direito fundado na

dignidade da pessoa humana e na valorização do trabalho, base da ordem econômica e

primado da ordem social. Logo, a contraposição ultraliberal a essa diretriz asseguradora de

um avanço social representa ataque à própria democracia e à ordem constitucional, usurpação

de poder, ainda que transvestida em falsa representação parlamentar.108 Paulo Bonavides, no

aspecto, afirma que o “grande problema do momento constitucional brasileiro é o de como

aplicar a Constituição” e acrescenta que “um clima anti-Constituição, ou seja, contrário ao

espírito da Constituição, se está formando nas cúpulas empresariais mais retrógradas, assim

como em regiões da liderança política, ameaçando minar os alicerces e desfigurar os valores

incorporados ao texto da nova Carta” (2003, p.381). No mesmo sentido, Maurício

Godinho Delgado:

[...] logo após o surgimento da Carta Magna de 1988, fortaleceu-se no país, no âmbito oficial e nos meios privados de formação de opinião pública, um pensamento estratégico direcionado à total desarticulação das normas estatais trabalhistas, com a direta e indireta redução dos direitos e garantias laborais. Ou seja, mal se iniciara a transição democrática do Direito do Trabalho (já guardando, em si mesma, inúmeras contradições), a ela se acoplava uma proposta de desarticulação radical desse ramo jurídico especializado. Nesse quadro, a maturação do processo democratizante comprometia-se em face do assédio da proposta extremada de pura e simples desarticulação de todo o ramo jurídico protetivo (2003, p.115).

Apesar desse clima de desarticulação constitucional e trabalhista, sob o enfoque fático

e considerando as estruturas jurídicas ainda existentes, é importante registrar, nessa passada,

que no Brasil o próprio trabalho desenvolvido mediante relação de emprego – e, portanto,

considerada a prestação de serviços de uma pessoa natural a outra, com pessoalidade, não-

eventualidade, onerosidade e subordinação – não se encontra com os dias contados109. Por

mais que se apregoe o fim do emprego ou o mero crescimento das taxas de desemprego, a

existência de novos modos de produção, a informalidade vicejante, enfim, práticas e

fenômenos que, em tese, poderiam enfraquecer a subordinação necessária à configuração

108 Ocorre, é certo, de o poder econômico eleger pretensos representantes do povo que rompem com suas bases e desconsideram princípios constitucionais de natureza social. Mas neste caso, há de se reconhecer que o exercício do mandato acaba conspirando contra a essência de uma democracia substancial. Não se trata, com isso, de negar o pluralismo político, mas de acentuar a necessidade de vinculação às bases representadas, de afirmação do princípio da soberania popular, e de respeito aos princípios constitucionais de caráter social. 109 A importância da relação de emprego como instrumento de abertura de todo um sistema jurídico protetivo – o trabalhista – será examinada no capítulo 4, no qual também serão abordados alguns mecanismos de descumprimento trabalhista que se direcionam a obscurecer essa relação jurídica.

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da relação de emprego, se bem observado o quadro, constatar-se-á que, na maior parte dos

países de capitalismo central, ainda em elevados índices, a população economicamente ativa

vincula-se ao mercado de trabalho mediante essa clássica relação jurídica.110 No aspecto,

não há razão para se entender que no Brasil a situação deva ser diferente, especialmente

porque a formalização dos verdadeiros vínculos empregatícios, quando menos, fomentará

o mercado interno, além de traduzir efetivo meio de distribuição de renda na sociedade

capitalista, sendo certo, por além de tudo, que essa é a diretriz determinada na Lei

Fundamental. Nos países em que ainda não se alcançou destacado índice de

desenvolvimento humano não se verifica uma vinculação ao mercado de trabalho com

enorme feixe de verdadeiros modelos não-empregatícios (autônomos, servidores públicos e

outros). Verifica-se, sim, uma insistência em não reconhecer a verdadeira relação existente,

ou seja, a empregatícia, que abriria a porta para todo um sistema protetivo tão fundamental e

que, mesmo pautado por um patamar mínimo civilizatório, representa, comparativamente,

ainda, o que de melhor oferece o sistema jurídico mundial para as grandes massas de

trabalhadores (DELGADO, 2006a, p.140-3). Não é possível, ademais, por mais complexos

que sejam os estratagemas criados, obscurecer que, em essência, a empresa consiste na

organização dos modos de produção, e isso não se realiza, razoavelmente, sem subordinação.

Não há motivo, nesse passo, para se falar em parassubordinação. Por ora, continua a desfilar,

em grande monta, a mais elementar relação de emprego. Apenas ocorre que os processos

produtivos modificaram-se, mas não fizeram, de forma alguma, desaparecer a

subordinação – nem nos países de capitalismo central, nem no Brasil.

De toda forma, como já feito no capítulo anterior, há de se indagar o que fazer, se

algum dia realmente as máquinas substituírem quase todas as atividades humanas, restando

pouquíssimos postos de trabalho nos modelos hoje conhecidos. Aí não parece que seja fim de

uma sociedade que valoriza o trabalho. Caberá, nessa conjectura, divisar formas evoluídas de

conviver social, abrindo-se vias de projeção humana, para o seu evolver contínuo, o que

passa, certamente, em democracias, pelo veio condutor primeiro de manifestação popular.

Vale dizer, tocará às democracias descortinar meios de sobrevivência digna. Diante desse

quadro, a retribuição conferida às grandes massas poderá decorrer da realização de

trabalho mais prazeroso, ligado às artes e aos esportes, por exemplo. Mas isso, por ora, é

só conjectura.

110 Vide nota n. 66.

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Assim, os mesmos fatores que conduziram nos países de capitalismo central ao

discurso de desvalorização do trabalho e do emprego – e, portanto, do Direito do

Trabalho –, no Brasil, notadamente, a partir dos anos de 1990, passaram a interferir e se

alastrar com nítido traço de uma absolutização ideológica, conduzida por um discurso

ultraliberalista.

Esse ataque ultraliberalista assume maior gravidade na sociedade brasileira, ambiência

na qual não se implementou um Estado de Bem-Estar Social, não se estruturou uma rede de

proteção social nos moldes dos países de capitalismo central nem se efetivou amplamente o

Direito do Trabalho.

O discurso neoliberal, que, na esfera trabalhista, desfecha violento ataque contra

direitos fundamentais do trabalho, é inadequado e incompatível, no seu perfil extremado, com

o modelo democrático adotado no Brasil – representa ofensa aos princípios constitucionais de

natureza social. De fato, o povo brasileiro já decidiu que a República é democrática e se funda

na valorização do trabalho humano, o que lança para a vala da inconstitucionalidade as

investidas legislativas ultraliberalistas que, pela via infraconstitucional, tentam desviar os

rumos escolhidos para o desenvolvimento do Estado.

3.3 Democracia e Direito do Trabalho no Brasil

Em 5 de outubro de 1988, pela publicação da Constituição Republicana, constituiu-se

um Estado Democrático de Direito, resultado do embate de forças sociais, mas, acima de

tudo, de um processo político bem-sucedido. Prestigiou-se a participação efetiva na tomada de

decisões importantes para a vida social, fincada na soberania popular, princípio regente da

democracia. Paralelamente, acentuou-se a submissão do Estado ao Direito.

O Estado Democrático de Direito não rompe, contudo, com o Estado Social; é, antes,

uma continuação sua, sob a égide da democracia, uma evolução que traz, ínsitos, os

avanços sociais.

Desponta, por certo, um novo Estado, no momento em que se publica novel

Constituição, mas não nasce acabado e estático, porque é construção que se deve empreender

continuamente. A realização de direitos sociais é obra que requer atuação constante e

diversificada. Igualmente, democracia se faz dia a dia.

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Interessante a completude, ao menos ideal, do Estado Democrático de Direito com

direitos sociais. Volvendo o olhar para a formação do constitucionalismo ocidental, vê-se que,

primeiramente, as Constituições a lume vieram ostentando a supremacia da liberdade

individual, o que levava a reconhecer direitos individuais, especialmente a propriedade, e,

basicamente, limitar o Poder, pela divisão das funções de Estado. Não tardou constatar-se que

a liberdade desacompanhada do princípio da igualdade não tem seu âmbito de efetividade

realizado na esfera social, tornando necessário reconhecer direitos sociais – o Estado deve

abandonar o posto de quase mero observador para transformar-se em agente transformador da

realidade social. Cabe-lhe fazer sensíveis prestações sociais. Falta, contudo, a priorização da

efetiva participação popular, que erige com as constituições democráticas, as quais carregam

as conquistas históricas precedentes. E aí, considerada a ótica teórica, a simbiose é

elevada, porque liberdade e igualdade se completam e direitos sociais permitem a busca

de igualdade material, o que, em contexto democrático, se dá sob vigilante, atuante e

constante interferência da sociedade civil. É certo, nesse contexto, que, assim, em um ato

seguinte, os direitos sociais permitem a formação de um cidadão mais cônscio de seus direitos

e deveres, e nessa intercorrelação a democracia se desenvolve em um verdadeiro processo de

retroalimentação recíproca – direitos sociais com democracia –, e forma-se um ciclo virtuoso.

3.4 Funções do Direito do Trabalho no Brasil

No capitulo anterior, observou-se que o Direito do Trabalho assume variadas funções,

classificadas por Maurício Godinho (DELGADO, 2003, p.60-2) em quatro: melhoria das

condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica; modernizante e

progressista, do ponto de vista econômico e social; política conservadora; e civilizatória e

democrática. Ponderou-se, ainda, a importância da primeira função indicada, que justifica a

própria existência histórica do Direito do Trabalho.

Todas as referidas funções encontram-se presentes na realidade brasileira, mas

destacada é a utilidade da primeira e da quarta, mesmo porque coexistem em enriquecedor

ciclo virtuoso.

O patente quadro de desigualdade social por que passa o País justifica e clama pela

efetiva implementação do Direito do Trabalho em nossa sociedade, não bastando, pois, a

declaração (apesar de retratar uma esfera evolutiva importantíssima) formal de direitos em

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textos normativos. Na sociedade capitalista, em que se prima pela obtenção do lucro, a

vinculação do trabalhador ao mercado de trabalho é feita mediante contrato de emprego,

instrumento que franqueia um considerável sistema protetivo, que pode traduzir um

patamar mínimo civilizatório (DELGADO, 2006a, p.140-3). Assim, a implementação

dessa função, ou seja, a melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na

ordem socioeconômica, é medida urgente para a melhor distribuição de renda na

sociedade brasileira. É, na verdade, função que sempre se fez necessária, restando, apenas,

tornar-se mais efetiva.

O discurso contrário, já tratado no item 2.2, não permite evolução social e não se

harmoniza aos ditames constitucionais, mesmo porque a ordem jurídica brasileira alçou a

posição altaneira o valor trabalho.

Realizados direitos sociais, por imposição democrática, ou seja, por aplicação do mais

caro princípio democrático, a soberania popular, há um efeito reflexo, porque robustece a

própria democracia, na medida em que se abrem melhores oportunidades de crescimento

pessoal à população brasileira, composta, em mais alta medida, de trabalhadores (poucos são

os que não vivem de seu trabalho), e assim sucessivamente, em nítido ciclo virtuoso:

democracia implementando direitos sociais e vice-versa. É dizer: em especial no Brasil o

Direito do Trabalho, juntamente com a implementação de toda uma carta de direitos sociais,

apresenta-se não apenas como instrumento de justiça social ou de melhoria das condições de

pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica, mas como pressuposto mesmo de

afirmação e desenvolvimento da própria democracia, concebida sob o prisma da participação

qualitativa e efetiva.

3.5 Considerações finais

O Direito do Trabalho no Brasil, assim como nas experiências européias, é fruto de um

movimento ascendente. Nasceu de lutas operárias, sem embargo de ter recebido já a herança

de um cabedal jurídico-cultural. Principiou com manifestações incipientes e esparsas, mas não

tardou em ser avocado pelo Estado, o que, pelo modo e rapidez de sua interposição, acabou

representando considerável estorvo ao natural evolver das forças sociais reivindicativas –

arrefeceu o desenvolvimento de mais sólida consciência de classe, isto é, o amadurecimento

da classe trabalhadora brasileira. O ápice da valorização do trabalho e emprego, sob o aspecto

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formal, encontra-se na constitucionalização dos direitos sociais e no reconhecimento de sua

fundamentalidade, especialmente do Direito do Trabalho, que foi constitucionalizado em

1934. A sociedade brasileira assiste a várias vicissitudes políticas, mas, de forma geral, todas

as Constituições posteriores à de 1934 também previram amplo rol de direitos trabalhistas,

chegando à de 1988, na qual se inseriu o mais amplo plexo de direitos sociais e a valorização

do trabalho e do emprego atingiu inédito prestígio, comparativamente com as outras

experiências históricas. O avanço legal, em sentido lato, não se fez acompanhado de igual

avanço social. Apesar de todo o reconhecimento normativo ao Direito do Trabalho, chegando

a sua fundamentalidade, ainda se assiste a uma crise de efetividade, de maneira que não se

implementaram no Brasil experiências sequer semelhantes às vivenciadas no capitalismo

central, na chamada “Era de Ouro”, em que vicejou o Estado de Bem-Estar Social

(HOBSBAWM, 1995, p.253-281).

De todo modo, as balizas normativas da Constituição de 1988 impõem um caminhar

sempre acompanhado da implementação de valores sociais, o que se encontra no âmago de

uma decisão política, porque fruto de sociedade democrática, devendo representar importante

imunização em face dos ataques ultraliberalistas que visam à desarticulação desse ramo

especial protetivo.

Apesar de existirem, ainda, contradições antidemocráticas na própria Constituição de

1988, ilustradas pelo financiamento compulsório e pela unicidade sindical, a efetivação das

suas normas já permitiria substancial avanço da sociedade brasileira e não significaria nada

mais do que a realização das diretrizes já estabelecidas pelo povo brasileiro.

Atual, pois, a primacial função do Direito do Trabalho. Imprescindível, ainda – e

notadamente no Brasil – o Direito do Trabalho, que não se divorciou, nessa passada histórica,

de sua relação jurídica central, a relação de emprego, instrumento de inserção do trabalhador

no mercado de trabalho, porque o empregador não pode prescindir da organização dos meios

de produção e não há como fazê-lo sem a clássica relação de emprego, sem o trabalho

subordinado, cujas nocivas fraudes serão examinadas a seguir.

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4 DESCUMPRIMENTO DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL – MECANISMOS

E CONSEQÜÊNCIAS

A resistência em cumprir normas não é recente nem um problema apenas brasileiro.

Não é, igualmente, uma realidade verificável só nas relações de trabalho, apesar de se

apresentar com grande intensidade nessa esfera, diretamente proporcional à evolução de cada

sociedade e com conseqüências altamente danosas para a verdadeira formação de um Estado

social e democrático, o que justifica a criação e manutenção de amplo sistema protetivo

juslaboral.

Desde as primeiras normas trabalhistas que foram surgindo na Europa, quando ainda

nem mesmo se avistava nitidamente a formação de um sistema jurídico harmônico, com

regras, princípios e institutos próprios, já havia um descompasso entre as normas existentes e

a realidade vivida. Há um considerável desencontro entre o Direito posto, enquanto realidade

abstrata e formal, e sua efetividade, sua eficácia social. Daí a distinção de duas espécies de

lutas111: a luta para pôr o Direito e, em seguida, a luta pelo Direito posto.112 Por essa razão, a

antiga e universal preocupação em instituir órgãos com atribuições específicas de fiscalização

do cumprimento de normas do trabalho, como ilustram a Recomendação 20 e a Convenção

81, ambas da Organização Internacional (OIT), estabelecendo esta o dever dos Estados a ela

vinculados de ter um sistema de inspeção de trabalho nos estabelecimentos industriais.113 No

Brasil, por exemplo, o Decreto 1313, já em janeiro de 1891, estabelecia providências para

regularizar o trabalho dos menores empregados nas fábricas da Capital Federal, instituindo a

fiscalização permanente de todos os estabelecimentos fabris em que trabalhassem menores.114

Esse quadro revela que não bastam para a implementação de normas trabalhistas

apenas a publicação de leis e a atuação do Judiciário para fazê-las cumprir. Exige-se, no atual

grau de evolução da espécie humana, na verdade, um amplo sistema protetivo trabalhista, que

vai além da mera declaração normativa, porque, há muito tempo, constatou-se a necessidade

111 Argutamente tratada por Márcio Túlio Viana no seu Direito de Resistência (1996, p.43-4) 112 Rudolf Von Ihering, na sua obra A Luta pelo Direito, afirma: “A vida do direito é luta, a luta dos povos, de governos, de classes, de indivíduos”, acrescendo que “Todo o direito do mundo foi assim conquistado, todo ordenamento jurídico que se lhe contrapôs teve de ser eliminado e todo direito, assim como o direito de um povo ou de um indivíduo, teve de ser conquistado com luta” (2004, p.27). 113 O Decreto 41.721/57 inseriu no sistema jurídico brasileiro esta convenção. 114 Já estabelecia a fiscalização, mas entre a declaração formal e a sua concreção há uma distância considerável.

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de combinar variados instrumentos e instituições para a efetivação desses direitos, ao lado da

própria resistência de grupos sociais concertados, como os sindicatos.

Essa dificuldade em obter um generalizado cumprimento das normas não é uma

realidade exclusivamente trabalhista, verificando-se também em relação a outros ramos

do Direito, como ilustra o Direito Tributário. Não é, por certo, apenas na seara trabalhista

que se disseminam historicamente práticas de descumprimento de normas. Sem um forte

aparato de atuação estatal e controle por diversos mecanismos, o sistema capitalista

mostra-se autofágico. Uma empresa é capaz de facilmente destruir outra se não houver um

aparato protetivo vedando concorrência desleal, se não houver proteção antidumping115 e

outros mecanismos. O capitalismo financeiro especulativo pode atacar um país e, do dia

para noite, deixá-lo em condições econômicas precárias. Comumente, empresas poluem o

meio ambiente, mesmo existindo legislações ambientais altamente protetivas e, hoje,

constatando-se que o aquecimento global está diretamente ligado à emissão de gases

poluentes.

Os exemplos de descumprimento de elementares direitos humanos pululam, são

corriqueiros e persistem mesmo quando se chega à beira do auto-extermínio do sistema social.

Disso já se extrai a conclusão de que os excessos do capitalismo podem, em larga medida,

destruir o próprio planeta.116 Tem-se, então, a clara visão de que a realidade trabalhista se

insere em um quadro maior de descumprimento de normas que visam à melhoria das

condições de vida das pessoas em geral117 e, pior do que isso, em um cenário de ataque

constante, intenso e focalizado, sob o influxo de um discurso ultraliberal, que apregoa

flexibilização, no intento de derrubar todas as barreiras à sua livre atuação, ainda que para

tanto seja preciso alargar, cada vez mais, a miséria mundial.

O discurso flexibilizatório-desregulamentador depara-se com uma realidade histórica,

ainda hoje verdadeira: não há como, razoavelmente, o trabalhador sobreviver com um mínimo

de dignidade sem um sistema protetivo.

115 Incisivo a esse respeito Márcio Túlio Viana: “Como um animal faminto, o sistema capitalista depende de porções crescentes de alimento. Seu verbo é ‘acumular’. Toda empresa quer crescer, dominar o vizinho, controlar o mercado. A concorrência parece buscar o monopólio (PIMENTA et al., 2004, p.157-8). 116 Centra-se a análise no capitalismo porque, afinal, sagrou-se hegemônico esse sistema. 117 Não significa, contudo, que seja de menor importância o desrespeito sistemático de normas trabalhistas. Muito pelo contrário, estorva o evolver de uma sociedade pautada por padrões de distribuição centrados na dignidade da pessoa humana, além de comprometer a generalização e intensificação de princípios democráticos. Democracia não pode conviver com gigantescas disparidades sociais. É difícil admitir, quando se parte da essência teórica da democracia, que em um Estado Democrático vicejem bolsões de pobreza ao lado de suntuosos palácios – o problema, na verdade, não são tanto os palácios, mas os bolsões de pobreza.

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Assim, a desproporcionalidade das forças dos agentes envolvidos na relação de

emprego torna necessária a organização dos trabalhadores em grupos maiores, como retratam

os sindicatos, a criação de instrumentos de pressão (a exemplo das greves), a instituição de

organismos administrativos (como as inspetorias do trabalho – no Brasil, as Delegacias

Regionais do Trabalho), além do próprio Judiciário para a aplicação de normas mais

elementares de sobrevivência da pessoa humana. Enfim, afigura-se necessária a

institucionalização de um sistema protetivo.

O grau de exigência de atuação desse sistema é inversamente proporcional ao

grau de evolução social, o que pode ser medido pelos índices de desenvolvimento

humano. Um critério coerente a ser adotado para o exame dessa assertiva é a verificação

da medida de conexão do trabalhador ao mercado de trabalho mediante relação de

emprego, porta de entrada para todo um plexo de normas protetivas. Muito significativa

nesse sentido a correlação feita por Maurício Godinho e Lorena Vasconcelos (2007,

p.23) por ocasião da análise de dados retirados da Conferência Internacional do

Trabalho, na sua 95a reunião:

A importância fundamental do trabalho e, sobretudo, do emprego, para o desenvolvimento econômico e a maior igualdade e justiça social pode ser demonstrada estatisticamente. Conforme nos revelam dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), os países mais desenvolvidos econômica e socialmente do mundo – e que adotam o Estado de Bem-Estar Social – são aqueles que possuem o maior percentual da população economicamente ativa (PEA) na condição de ‘empregados’ e menor percentual nas categorias ‘empregadores e trabalhadores autônomos’ e ‘trabalhadores familiares não remunerados’. Basta confrontar, por exemplo, no que tange ao percentual de empregados na composição da PEA, os números da Noruega (92,5%), Suécia (90,4%), Dinamarca (91,2%), Alemanha (88,6%), Países-Baixos (88,9%) e Reino Unido (87,2%), com aqueles presentes na Grécia (60,2%), Turquia (50,9%), Tailândia (40,5%), Bangladesh (12,6%) e Etiópia (8,2%).

Combinados os dados supracitados com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH),

constata-se que, normalmente, os países com alto IDH, igualmente, têm altos índices da

População Economicamente Ativa (PEA) conectada ao mercado de trabalho por relação de

emprego. A Noruega ostenta o 2o maior IDH, no Relatório de 2007/2008 de

Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas (ONU)118; a Suécia, o 6o; a

Dinamarca, o 14o; Alemanha, o 22o; Países-Baixos, o 9o; e Reino Unido, o 16o. Por

coerente, há correlação entre baixa vinculação ao mercado de trabalho mediante relação de

118 Disponível em: <http://www.pnud.org.br/arquivos/rdh/rdh20072008/hdr_20072008_pt_complete.pdf.>

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emprego e baixo IDH, de maneira que a Turquia encontra-se na 84a posição; a Tailândia na

78a; Bangladesh na 140a; e a Etiópia na 169a.

Quanto ao Brasil, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2006119

demonstra que 63,6% da população ocupada estava empregada, e nesse universo já baixo

apenas 33,8% de trabalhadores possuíam carteira assinada.120

Vê-se, dessa forma, que o desenvolvimento econômico e social encontra-se, em

grande medida, correlacionado com o reconhecimento de direitos trabalhistas. Os dados

confrontados demonstram que existe correlação entre conexão ao mercado de trabalho

mediante relação de emprego e altos índices de IDH, o que é sobremodo coerente, porque essa

relação é o primeiro passo para a aplicação de todo um sistema protetivo e, por conseguinte,

significa um mecanismo de distribuição de renda na sociedade capitalista.

A resistência em generalizar o Direito do Trabalho à massa de trabalhadores é

essencial fator que responde pelo descompasso entre o crescimento da economia e o

minguado desenvolvimento social, a exemplo do que retrata a incômoda posição do Brasil

como um dos países com pior distribuição de renda.121

Merece destaque que antes de 1930 no Brasil não havia sequer um sistema estruturado

de normas trabalhistas, mas, mesmo a partir desse marco, o Direito do Trabalho apenas se

dirigiu aos trabalhadores urbanos, deixando fora de sua proteção em torno de 70% da

população brasileira, conforme observa Maurício Godinho (2006a), considerando que o

primeiro censo que dividiu a população em urbana e rural foi de 1940, no qual se apontou a

taxa de urbanização de 31,1%. Quando os trabalhadores do campo foram contemplados por

uma legislação trabalhista (a Lei 4.214/63), pouco depois o País mergulhou em uma ditadura

militar, que desprestigiou o valor-trabalho-e-emprego, a começar pelo abalo democrático e

ataque à já pouco desenvolvida estrutura sindical.

De todo modo, além de políticas públicas que inviabilizaram a generalização de

normas de proteção trabalhista, o descumprimento do Direito do Trabalho ocorre pela adoção

de vários mecanismos, que maior gravidade assumem quando criam embaraços ao

reconhecimento da relação de emprego, porque, escolhida essa via, suprime-se, na prática,

119 Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2006.> 120 É importante observar que nesta pesquisa inserem-se militares e estatutários como empregados, o que, sob aspecto sociojurídico, é equivocado. Assim, retirando os 6,6% que eles representam, o percentual de empregados cai para 57%. 121 Conforme relatório de 2006 do PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o Brasil é o 10 mais desigual em universo de 126 países e territórios.

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vasto rol de direitos previstos para assegurar um patamar mínimo civilizatório – o que melhor

se oferece no sistema capitalista, como meio de distribuição de renda.122

O descumprimento de normas não é, portanto, uma realidade exclusiva da seara

trabalhista, nem brasileira. Mas em sociedades que não atingiram ainda elevado grau de

evolução humana seus efeitos são mais danosos, comprometendo a própria formação do

Estado social e de uma democracia efetiva, ou, em outros termos, prejudicando a afirmação

material do direito de cada pessoa de viver com dignidade e justificando a instituição e

manutenção de um amplo sistema juslaboral protetivo. Pontuada a importância da relação

jurídica empregatícia, como porta de entrada para aplicação desse sistema, cabe, neste

momento, examinar os seus elementos fático-jurídicos e, ato seguinte, os mecanismos

que são adotados para o seu obscurecimento, sabendo-se que muitos outros estratagemas

são forjados para obliterar direitos trabalhistas, mas limitando esta pesquisa a dedicar

especial atenção àqueles que atingem a relação de emprego.

4.1 A relação de emprego

No exame da formação do Direito do Trabalho, vimos que, considerada a proposição

metodológica de que todo fenômeno possui sua categoria central, a desse ramo jurídico

especializado é a relação de emprego, que, por sua vez, pressupõe trabalho livre.

No Brasil, a relação de emprego retira seus elementos dos arts. 2o e 3o da CLT, de

maneira que é possível identificar: trabalho prestado por uma pessoa natural a outra pessoa,

natural ou jurídica; pessoalidade; não-eventualidade; onerosidade; e subordinação.

Maurício Godinho Delgado (2003) assevera que esses elementos são fático-

jurídicos, esclarecendo que, antes de construção abstrata de veio jurídico, brotam da

própria realidade, e aí sim, ato seguinte, são captados pelo direito e, congregados,

recebem a significação especial de relação de emprego, com todo o plexo normativo que

lhe é destinado.

122 Márcio Pochmann observa que o incremento de vínculos informais e de ocupações não assalariadas está relacionado com o aumento da precarização das condições e relações de trabalho e acentua que “o emprego assalariado formal representa o que de melhor o capitalismo brasileiro tem constituído para a sua classe trabalhadora, pois vem acompanhado de um conjunto de normas de proteção social e trabalhista” (POCHMANN, 2001, p. 98).

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O trabalho, então, deve ser prestado por uma pessoa natural a outra, seja natural ou

jurídica, porque, consoante verificado no estudo da formação do Direito do Trabalho, esse

ramo jurídico exsurgiu, com suas regras, princípios e institutos devotados à proteção da

pessoa humana, do trabalhador, que recebe e necessita da proteção do Direito, que, por sua

vez, cria desigualdades para equilibrar a desarmonia de forças sociais.

É imprescindível, para a configuração da relação de que se trata, que a prestação de

serviços seja realizada por um trabalhador em específico, ou seja, a formação do vínculo leva

em consideração uma pessoa determinada, o obreiro com suas peculiaridades.

Emerge, pois, o seu caráter intuitu personae, quanto ao prestador de serviços, e daí o

elemento fático-jurídico pessoalidade.

Assim, a figura de um trabalhador determinado encontra-se ligada à prestação de

serviços, de maneira que se espera a sua atividade, e não a de outra pessoa por ele indicada123,

mesmo porque, no ato da sua contratação, influíram as suas qualificações e características próprias.

Em relação ao empregador, contudo, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)

adotou a teoria da despersonalização jurídica, de maneira que desponta como empregador a

própria empresa, sendo viável a alteração no pólo do contrato na sua figura, mantidos os

direitos e garantias do empregado (arts. 10 e 448 da CLT).

A não-eventualidade é o elemento fático-jurídico mais complexo da relação de

emprego, e não por outra razão e com o nítido fito de conferir mais segurança para a sua

identificação, Maurício Godinho (DELGADO, 2003, p.292-96) sugere a adoção de quatro

teorias: da descontinuidade; do evento; dos fins do empreendimento; e da fixação jurídica. O

elemento não-eventualidade, realmente, guarda algo de vago, impondo-se a busca de sua

identificação precisa pela conjugação das teorias referidas.

A teoria da descontinuidade preconiza que eventual é o trabalho fracionado no tempo,

prestado com distância temporal, ao passo que não-eventual, por raciocínio contrário, traduz o

serviço realizado sem lapso de continuidade, à exceção dos períodos legais de descanso. A

CLT, contudo, não adotou essa teoria, que, ao contrário, foi expressamente contemplada pela

Lei do Trabalho Doméstico (Lei 5.859/72), ao referir-se a serviço contínuo. Apesar disso, é

possível concluir que a continuidade na prestação de serviços é um plus, um acréscimo

123 Ressalvadas hipóteses de autorização por parte do empregador, que pode consentir com substituição a pedido do empregado. Mas aí a anuência inova o contrato, ainda que para uma situação efêmera que não surta mais efeitos posteriormente.

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quando comparada com a não-eventualidade, de maneira que, verificada aquela, esta se

encontra igualmente satisfeita.124

A teoria do evento tem por eventual o trabalho realizado em estrita vinculação com um

fato ou acontecimento específico, que exige a realização de certo serviço. Afastará a

configuração da eventualidade, contudo, a maior duração temporal do serviço necessário que

foi impulsionado pelo evento.

A terceira teoria, dos fins do empreendimento, propõe seja reputado eventual o

trabalhador que se ative em serviço não jungido aos fins normais da empresa. Assim, por

exemplo, consertar instalações hidráulicas do banheiro de um estabelecimento educacional

não condiz com o que de ordinariamente se realiza, não estando, pois, alinhado ao núcleo de

desenvolvimento dessa entidade.

Por último, a teoria da fixação jurídica sustenta que eventual é o trabalhador que não

se fixa a um tomador de serviços especificamente, ofertando, de forma ordinária e constante,

sua atividade no mercado de trabalho para quem dela precisar e sem a ninguém se vincular

mais perenemente.

Não é fácil, contudo, no dia-a-dia, se adotada uma única teoria, solucionar

situações fáticas mais fronteiriças, exsurgindo como útil método de pesquisa a

conjugação das teorias referidas. Na lição de Maurício Godinho (DELGADO, 2003,

p.295), é possível indicar critérios para a caracterização do trabalho de natureza

eventual:

a) descontinuidade da prestação do trabalho, entendida como a não permanência em uma organização com ânimo definitivo;

b) não fixação jurídica a uma única fonte de trabalho, com pluralidade variável de tomadores de serviços;

c) curta duração do trabalho prestado; d) natureza do trabalho tende a ser concernente a evento certo, determinado e episódico

no tocante à regular dinâmica do empreendimento tomador dos serviços; e) em conseqüência, a natureza do trabalho prestado tenderá a não corresponder,

também, ao padrão dos fins normais do empreendimento.

Avançando, o penúltimo elemento fático-jurídico da relação de emprego é a

onerosidade, tida sob o aspecto subjetivo, ou seja, o interesse do empregado. Esse é o

aspecto fundamental para a verificação desse elemento e, a despeito da sua índole

124 É justamente por não se exigir continuidade que se admite a relação de emprego, exemplificativamente, de garçons em bares ou restaurantes que apenas funcionam em finais de semana.

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subjetiva, pode, perfeitamente, ser examinado a partir de elementos objetivos125 e, inclusive,

presumido, porque, normalmente, as pessoas trabalham na busca de uma retribuição

pecuniária, necessária para a sua sobrevivência. De caso a caso, contudo, pode ser verificada a

existência do serviço prestado sem esse elemento, como exemplificam algumas atividades

gratuitas realizadas entre familiares ou, até mesmo, para fins altruísticos.

Por fim, subordinação é o elemento fático-jurídico que indica uma das obrigações a

que se dispõe o empregado ao firmar o contrato de emprego, ou seja, a sua obrigação

contratual de seguir as determinações do empregador quanto ao modo de realização do

serviço. Assim, pelo contrato de emprego estabelecido, quem dita o modo de prestação dos

serviços é o titular dos meios de produção (das forças produtivas), que figura no pólo da

relação jurídica como empregador. Aliás, a noção é próxima e harmônica à idéia de empresa,

vale dizer, de organização dos meios de produção.

A conjugação simultânea de todos os elementos fático-jurídicos examinados permite a

declaração da relação de emprego126, clássico instrumento de inserção do trabalhador no

mercado de trabalho e que traz consigo um conjunto de normas protetivas, ou seja,

funciona como porta de entrada para aplicação do Direito do Trabalho. Vastas, então, as

tentativas de burlar a aplicação dessa ordem jurídica, engendrando-se, por conseguinte,

considerável plexo de mecanismos para a consecução desse desiderato, quadro que será

abordado a seguir.

4.1.1 Parassubordinação versus subordinação estrutural

Após examinada, em linhas gerais, a relação de emprego, é importante tratar da

instigante e recorrente discussão que se instaura acerca de seu alegado anacronismo, ao menos

no modelo atual, para efeito de configurar relações que, segundo se sustenta, seriam novas no

cenário social.

125 Ainda que não tenha ocorrido o efetivo pagamento de salário, as situações fáticas da relação jurídica poderão indicar, claramente, que o serviço foi prestado com o fim de receber uma contraprestação. Em hipóteses corriqueiras de vínculo empregatício, como a de um professor ministrando aula em uma entidade educacional, presume-se, sem dificuldade e independentemente de verificação do pagamento de salário, a onerosidade. 126 Ressalvadas hipóteses de exceção, como a do estágio, que pode apresentar todos os referidos elementos fático-jurídicos mas, apesar disso, não configurar a relação de emprego, quando atendidas as finalidades de extensão acadêmico-profissional.

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Propostas várias são apresentadas para a solução desse propalado desajuste, muitas

vezes, com verdadeira motivação de preservar direitos, incluindo camadas rejeitadas por um

sistema protetivo que, segundo entendem, não mais abrangeria o novel universo das relações

de trabalho.

Em grande monta, essas propostas acabam representando, contudo, sério risco de

maior precarização, podendo atuar qual cavalo-de-tróia.

Insere-se, então, consoante pensamento que será adiante desenvolvido, no contexto de

instrumentos flexibilizatórios, a figura da parassubordinação, segundo a qual, pelo que se

apregoa, haveria coordenação no lugar de subordinação, afastando a relação de emprego,

apesar de realizar-se constante prestação de serviços a um determinado “tomador”.

Parassubordinado seria, portanto, em tese, o trabalhador que se encontraria entre o

autônomo e o subordinado, de maneira que – e é precisamente aqui que o discurso acaba

franqueando a precarização de forma velada – haveria padrões de retribuição e proteção para

o autônomo (o preço de seu serviço, por ele estabelecido juntamente com o tomador de

serviços, observadas normas mínimas do Direito Civil e outros ramos), para o subordinado (a

Constituição, a CLT e todo um corpo de normas, inseridas em realidade maior de um sistema

protetivo) e, por fim, para a figura do parassubordinado, ao qual se destinaria uma proteção

intermediária.127

Márcio Túlio Viana, no artigo “A Proteção Social do Trabalhador no Mundo

Globalizado”, inserido na obra coletiva “Direto do Trabalho – Evolução, Crise, Perspectivas”,

com precisão, identifica o processo de flexibilização e a figura da parassubordinação nesse

contexto:

O conceito de subordinação, que era unívoco e se ampliava sempre, alcançando um número crescente de pessoas, tende hoje a se partir em dois: de um lado, os realmente dependentes, aos quais se aplicariam as velhas garantias; de outro, os parassubordinados, para os quais se procuram soluções a meio caminho, como

127 É bem verdade que muitos defendem a parassubordinação visando à atribuição do mesmo patamar de direitos que ordinariamente são destinados aos empregados, o que merece encômios, apesar de não se enxergar, por ora, meios mais eficientes para atingir esses fins. Além disso, não se vislumbra um grande número de trabalhadores que se encontrariam dentro de uma zona fronteiriça, a justificar a preocupação que se manifesta. De sorte que o binômio autonomia/subordinação responde adequadamente a quase todos os casos e, na dúvida, deve prevalecer a subordinação, porque não pode existir dúvida quanto à autonomia. Ou seja, com o perdão da tautologia, ou é claramente autônomo ou não é e, sendo assim, tratar-se-á de um subordinado. Não existe quase-autônomo, nem quase-subordinado. Mas restaria, então, a indagação: Por que essa realidade há de ser assim, fundada em um binômio inflexível? Há de ser assim porque resolve bem quase todos os casos, porque foi estabelecido por lei esse padrão e, ademais, porque, desse modo, ainda, vê-se a concreção de um instrumento de efetivação de direitos, de distribuição de renda, que apenas não apresenta, na atualidade, com exuberância, os seus efeitos, porque se assiste a uma crise de efetividade, a um desequilíbrio social, ao descumprimento intenso e generalizado da legislação trabalhista, em grande monta oficialmente incentivado e tudo contextualizado em ideologia ultraliberalista.

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acontece com certo projeto de lei. Com isso, de forma inteligente, difunde-se a idéia de que está havendo mais proteção, quando, na verdade, quebra-se a marcha expansiva do Direito do Trabalho: os trabalhadores fronteiriços, que seriam tendencialmente considerados empregados, passam a constituir uma nova (sub) categoria jurídica (In PIMENTA coord., 2004).

Ocorre que, em geral, quando grande parte dos defensores da parassubordinação

procura conceituá-la acaba criando formulação que traduz verdadeira subordinação; ou seja,

apenas se refere à coordenação (ou colaboração coordenada e continuativa), quando,

verdadeiramente, se trata de subordinação – um eufemismo. Eis um exemplo: “Trabalhador

parassubordinado é a pessoa natural que presta serviços autônomos e não eventuais, embora

de forma coordenada, mediante remuneração e uso de estrutura empresarial do tomador dos

serviços, de quem depende economicamente, o que justifica tratamento assemelhado a de

empregado” (MANNRICH)128. Segundo Arion Sayão Romita, constitui trabalho

parassubordinado “uma modalidade de prestação de serviços intermediários entre o trabalho

autônomo e o subordinado”. Acrescenta que aquela figura contém “elementos de uma e de

outra dessas espécies de trabalho” e “seus traços característicos são a continuidade, a

coordenação e o caráter predominantemente pessoal da prestação” (2004, p.1296).

Nos conceitos supracitados vê-se que, em um primeiro momento, o parassubordinado

poderia ser um “autônomo” e, então, a matriz fundada no binômio autonomia/subordinação

não necessitaria de alteração. Mas, logo em seguida, constata-se que se trata, mesmo, de uma

figura um tanto enigmática ou até contraditória, porque seria um autônomo que se

submete à coordenação por parte do tomador de serviços (ou, alguns dizem, seria um

“colaborador”), e isso de forma não-eventual e utilizando-se da estrutura empresária. Nada

mais do que uma verdadeira subordinação, apenas se valendo, de forma eufemística, do

vocábulo coordenação ou colaboração, em substituição a subordinação, para indicar as

determinações empresárias. Vê-se, pois, a clássica subordinação, pelo menos em sua

essência e em vasta monta.

Curiosa, perigosa e sutil essa mais nova forma de precarização de direitos.129 Mais um

discurso que ganha cunho apologético da inevitabilidade da mudança dos métodos de gestão

128 Conceito que se encontra no artigo Autonomia, Parassubordinação e Subordinação: Os Diversos Níveis de Proteção do Trabalhador e do Teletrabalhador. Disponível em: <http://www4.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/FDir/Artigos/nelson_manrich.pdf.> 129 Repise-se que considerável linha de pensamento sustenta, é verdade, a parassubordinação como um instrumento de inserção social, demonstrando louvável intenção. Ocorre que, como vem sendo aqui desenvolvido, por ora, o que se verifica, realmente, é a existência de relação jurídica de emprego, e não grande monta de situações fronteiriças. Em grande parte, o que se diz serviço autônomo, quando examinado, nada mais é do que um verdadeiro vínculo empregatício, além de pulular relevante parcela de casos em que a carteira de trabalho simplesmente não é assinada – não se formaliza o vínculo, mas ele existe.

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trabalhista, encobrindo, apesar da tentativa dissimulante ou da atitude ingênua, uma onda

precarizante.

Assim, pela estratégica que se apresenta, em um primeiro momento, lançar-se-ia toda

uma gama de trabalhadores sob o signo da parassubordinação, com direitos menores,

diminutas proteções, conquanto sejam, na quase totalidade, verdadeiros subordinados (alguns

outros, por certo, são autônomos, mas aí nada que a velha dicotomia autonomia/subordinação

não resolva). Quadro que já representa quebra da Constituição Republicana de 1988 e,

igualmente, do princípio democrático da soberania popular, mas, ato seguinte – não precisa

haver dúvida quanto a isto – seguiria o discurso de que aos subordinados, em razão das

conjunturas do mercado mundial, deveriam ser assegurados apenas os direitos reservados aos

parassubordinados, e por aí iria o discurso precarizante já tão conhecido.

A história da humanidade muito já franqueou o forjar de ideologias absolutizantes,

meros instrumentos de entorpecimento da razão e ocultadores da manutenção de privilégios,

desigualdades, crueldades130, ganância e acumulação incontida de riquezas. Suspeito, então, o

fortalecimento de toda essa gama de mecanismos precarizantes logo a partir do momento em

que o capitalismo não encontra no cenário mundial contrapontos internos e externos.131

Justamente no momento em que o capitalismo encontra a sua apoteose, às bateladas,

despontam discursos flexibilizatórios, e a parassubordinação acaba se prestando, em grande

monta, a esse contexto.132

Não se pode esquecer de que, apesar do discurso contrário, verdadeiramente, não

existem tantos autônomos nem tantas novas profissões, ou métodos de gestão de mão-de-obra,

com peculiaridades e em montante significativo, comparativamente ao modelo padrão de

prestação de serviços – a relação de emprego. Há, com enorme desproporção, grande massa

130 Em relação à justificação da escravidão do negro, chegou-se a afirmar que ele não tinha alma. 131 Realidades socialistas encontram-se bastante limitadas. A própria China apresenta algo sui generis – o socialismo de mercado. Os sindicatos enfraquecidos. As manifestações sociais cada vez menos efetivas e sem intensidade e dimensão suficientes a gerar a ponderação no agir dos titulares do poder. Grave cenário de perspectivas promissoras para o avançar incontido de um sistema sem preocupações sociais mais intensas. 132 Acaba se prestando a isso, embora seja importante sempre realçar que, em certa medida, o discurso possa ter pretensões verdadeiramente inclusivas. O problema, como aqui sustentado, encontra-se, além de outros fatores, no fato de que não é possível desenvolver a empresa, a atividade econômica, sem organização dos modos de produção, e, pois, sem adentrar na esfera de autonomia do trabalhador, retirando-a, para que o serviço seja prestado segundo a formatação empresária, e não o contrário. Seria algo realmente insólito a disseminação, em montante socialmente relevante, de trabalho não gerido pelo titular da atividade econômica, porque dificilmente, mesmo com toda a reengenharia e tecnologia apregoada, o empresário tomaria as rédeas da empresa. Seria o caso de se indagar: Como seria possível o evolver da atividade econômica quando o trabalhador fosse o senhor (verdadeiro senhor) de seu tempo e do modus faciendi? Assim, afirma-se que a fórmula autonomia/subordinação responde, ainda, perfeitamente bem e, quanto a algumas situações fronteiriças, poucas é verdade, o caso há de ser examinado, não justificando, de forma alguma, o discurso apocalíptico da subordinação, porque ela, mesmo não se verificando, sempre, no molde oitocentista, ontologicamente se apresenta subordinação, especialmente quando contraposta à idéia de autonomia.

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de empregados, com todos os típicos elementos fático-jurídicos da relação de emprego.

Ocorre tão-só que nos países menos desenvolvidos é maior a resistência em reconhecer

essa relação e, portanto, a assunção de todo um sistema protetivo correspondente. Na

própria Itália, berço da parassubordinação, não há muito espaço para essa figura, uma vez

que, consoante dados hauridos de informe da Conferência Internacional do Trabalho, na

sua 95a Reunião, 72,9% da PEA, em 2002, vinculava-se ao mercado de trabalho por

relação de emprego.133

De todo modo, a adoção de uma medida que acaba, na prática, contribuindo para o

incremento de quadro flexibilizatório em certa parte do mundo não justifica o agravamento do

fosso social que no Brasil já se abriu. Coordenação (ou colaboração134), no caso em exame,

acabará significando, repita-se, nada mais do que mero embuste eufemístico para ocultar

verdadeira subordinação, talvez não com traços de um exemplo extremado, porque é possível

verificar, de caso a caso, coeficientes de controle sobre o modo de realização do serviço, ou

seja, desde o controle direto, intenso e diuturno, até o mais tênue, no sentido de menos

presente, mas com igual funcionalidade.

A parassubordinação, como se vem afirmando aqui, apesar de parecer idéia conduzida

com o desiderato de inclusão – e em alguns casos a intenção é essa –, acaba desembocando

em estuário que leva à precarização mais acentuada de direitos trabalhistas ou, quando menos,

reduz a realidade, reconhecendo a existência de mecanismos vários, cunhados para evitar a

incidência de um sistema protetivo, legitimando-os, conquanto, verdadeiramente, ainda exista,

em essência, a pura subordinação, contraposição fundamental para a falsa

parassubordinação.

Com freqüência, alteram-se métodos de produção (sem embargo de ainda existirem

muitos – mesmo porque necessários – dos métodos “antigos”, de feição taylorista/fordista),

mas a subordinação remanesce; apenas ocorre que já não se pode enxergá-la, sempre, na sua

máxima expressão padronizada em modelos do século passado ou antes, ou seja, do controle

presencial, com capataz ou imediato superior na ordem hierárquica. O fato de se ter assistido,

por muito tempo, à máxima expressão da subordinação sob esse enfoque não significa que se

possa desconsiderar que ela também existe (e sempre existiu) até mesmo em um estágio

menos intenso. Aliás, é o que ocorre com relação aos chamados “altos empregados” – os

133 http://www.ilo.org/public/spanish/standards/relm/ilc/ilc95/pdf/rep-v-1.pdf. 134 Esse vocábulo, também utilizado em substituição a subordinação, é ainda mais inapropriado quando comparado com coordenação. A idéia de colaboração está mais atrelada à cooperação, o que remete a duas outras idéias, vale dizer, ou de sociedade, ou de serviço sem fins lucrativos (ajuda, auxílio).

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comandos são mais tênues, e nem por isso se nega sejam empregados. De todo modo, insta ter

em vista que, atualmente, o controle do capital sobre o trabalho, especialmente sobre o seu

modo de realização, não perdeu a força; muito pelo contrário, os métodos são, muitas vezes,

mais eficientes.

Semelhante diagnóstico faz Reginaldo Melhado, com sua incisiva denúncia:

[...] Conscientemente ou não, inúmeros juristas apressaram-se em sustentar teorias propugnando um novo papel de coordenação de interesses supostamente recíprocos de parceiros sociais135, obliterando o antagonismo de classe subjacente à relação mercantil entre capital e trabalho. Com menor caráter tutelar, este ‘novo’ direito do trabalho tem por escopo organizar e disciplinar o mercado de trabalho, como instrumento de política econômica e organização da produção capitalista, com lastro em novas opções, categorias, instituições, princípios, conceitos, postulados, axiomas e premissas metodológicas e analíticas.

Preocupados em fundamentar cientificamente as transformações do capitalismo da era da mundialização, esses juristas repensam o âmago da construção teórica do direito do trabalho: o conceito de subordinação. Chega-se a articular um conceito de parassubordinação, com o fito de sustentar o esvaecimento do poder do capital sobre o trabalho, argumentando com: a) maior capacitação intelectual dos trabalhadores da era tecnológica e; b) as limitações do controle direto sobre o trabalho diante das novas formas jurídicas de prestação de serviços. (2006, p.165-6).

Com precisão, ainda, conclui Melhado: “Este discurso é falso”. Arremata que, em

“realidade as novas formas de organização da produção capitalista e os novos paradigmas do

trabalho marcam a passagem da subordinação convencional para a sujeição high-tech”,

observando que “novos standards de relações de trabalho não levarão a um enfraquecimento

do poder do capital sobre o trabalho, senão o contrário” (p.166).

Em essência, pois, a subordinação persiste, e isso ocorre porque é uma exigência da

natureza das coisas. O empresário não tem como desenvolver seu empreendimento sem a

organização dos meios de produção. Não é possível, ordinariamente, receber mão-de-obra

sem controle, acompanhamento e estabelecimento do modo de realização do serviço, de

maneira que, mesmo mais pautada pelo resultado, em suma, a subordinação é imprescindível

para a organização da produção.

Outra figura que desponta, mais coerente, contudo, do que a anterior, é a da

subordinação estrutural, que demarca com precisão a essência da subordinação própria da

relação de emprego.

Maurício Godinho Delgado nos oferece o conceito da subordinação estrutural:

135 Se é inadequada a utilização dos vocábulos coordenação ou colaboração e acaba ocultando uma verdadeira subordinação, a locução parceiro social é o retrato do paroxismo da inadequação.

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Estrutural é, pois, a subordinação que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento (2006b, p.667).

Sérgio Torres, citado por José Affonso Dallegrave Neto, sustenta que, em razão da

revolução tecnológica, tornar-se-ia necessário definir a subordinação “pela integração do

obreiro no processo produtivo empresarial”136 (2002, p.174).

A teoria da subordinação estrutural leva em consideração que – apesar de toda gama

de mudanças, seja pela reengenharia empresarial, pelo surgimento de “novos” modos de

trabalho, pela inusitada tecnologia, ou pela alteração do processo produtivo de taylorista para

toyotista – mesmo quando se pretende distanciar o trabalhador da primeira linha de comando,

ele se encontra estruturalmente subordinado à dinâmica produtiva, criada, gerida e totalmente

controlada pela empresa (ou, mais especificamente, pela empresa matriz e titular da atividade-

fim).

A subordinação, no que tem de essencial, mesmo na sua clássica formação, afigura-se,

ainda, atual e presente na enorme maioria dos casos, sendo o que se verifica dia a dia. Dessa

maneira, o prognóstico de sua decrepitude apresenta-se um tanto precipitado e não contribui para o

fortalecimento do Direito do Trabalho nem para o desenvolvimento de um Estado Social, muito

menos democrático. E, se for o caso, para as hipóteses que possam se inserir em um espaço marcado

por pouca clareza, na conjectura de que se tornem significativas no contexto sociojurídico, então,

será possível caminhar para reconhecer que tem lugar a subordinação estrutural ou outra figura que

demonstre a atualização do conceito, em uma louvável evolução jurídica.

4.2 Mecanismos de descumprimento

A configuração da relação de emprego, como examinado no item 4.1, exige a presença

concomitante de cinco pressupostos, ou seja: a prestação de serviços por uma pessoa natural a

outra pessoa, natural ou jurídica; pessoalidade; não-eventualidade; subordinação; e

onerosidade. Os mecanismos de descumprimento devotados a obscurecer relações

136 A revolução tecnológica, até o presente momento, não surtiu todo o efeito ordinariamente brandido. A subordinação jurídica, em essência, desfila em vasto canto. De toda forma, o repensar do conceito de subordinação pode ser feito, evoluindo, por exemplo, para vislumbrar que basta a inserção não-eventual na estrutura da empresa.

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empregatícias colimam dificultar o reconhecimento dessa realidade fática, normalmente,

urdindo estratagemas para encobrir ao menos um daqueles elementos.

Assim: a) para afastar a real prestação de serviços por uma pessoa natural, interpõe-se

uma pessoa jurídica, simulando avenças comerciais; b) para esconder a pessoalidade, falseia-

se uma relação em que esse elemento seria prescindível, quando, ordinariamente, figura

como pressuposto para o próprio desenvolvimento ordenado e seqüencial da atividade

econômica137; c) para homiziar a não-eventualidade, procura-se secionar a prestação de

serviços, mas, examinada com clareza a realidade, vê-se que ela se desenvolve bem

alinhada aos fins do empreendimento138; d) para encobrir a onerosidade, tenta-se conferir

traço altruístico ao serviço prestado, ou natureza não salarial a verdadeiras

contraprestações do trabalho; e e), para esconder a subordinação, forjam-se variados

pactos em que o trabalhador seria autônomo, mas no dia-a-dia a interferência do

empregador no modus faciendi da atividade obreira acaba sendo nítida, ainda que não tão

próxima como na clássica grande indústria.

Há, ainda, aquelas modalidades de mecanismos que não buscam obscurecer qualquer

dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego, porque a espécie de contrato utilizado

para a formalização da prestação de serviços já contempla todos os referidos elementos, mas

exige outros, como o contrato de estágio e o contrato de trabalho temporário, hipóteses em

que o descumprimento consiste justamente em desconsiderar os seus elementos especiais.

4.2.1 Realidade brasileira

A relação de emprego e seu correlato sistema protetivo, especialmente pelo estabelecimento

de um patamar mínimo civilizatório, que distribui renda na sociedade capitalista, representa, por isso

mesmo, signo de desenvolvimento, de maneira que é possível cunhar uma regra, decorrente da

137 Normalmente, o trabalhador deve ter ciência dos métodos de trabalho, do regulamento e da organização da empresa, etc., de sorte que não é simples a substituição de um obreiro por outro, salvo em atividades mais elementares e que não dependam de características pessoais. 138 Ou, na conjugação de teorias, sugerida por Maurício Godinho, para a verificação do trabalho eventual, poder-se-ia adotar o seguinte roteiro: “não fixação jurídica a uma única fonte de trabalho, com pluralidade variável de tomadores de serviços; curta duração do trabalho prestado; natureza do trabalho tende a ser concernente a evento certo, determinado e episódico no tocante à regular dinâmica do empreendimento tomador dos serviços; em conseqüência, a natureza do trabalho prestado tenderá a não corresponder, também, ao padrão dos fins normais do empreendimento” (DELGADO, 2003, p.295).

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experimentação, segundo a qual desenvolvimento social e conexão da população economicamente

ativa ao mercado de trabalho por intermédio de vínculo empregatício caminham lado a lado.139-140

O Brasil apresenta alguns índices emblemáticos, como a décima pior distribuição de

renda, segundo relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento 2006.141

Ilustrando esse quadro vê-se no Relatório de 2007/2008 da ONU que o País figura apenas na

70a posição em desenvolvimento humano.142 Não surpreende, portanto, que apenas uma

pequena parcela da população economicamente ativa vincule-se formalmente ao mercado de

trabalhado por meio de relação de emprego.143

Ocorre que, por outra mão, existe grande parcela de verdadeiras relações de emprego

que não é reconhecida na realidade brasileira. Eis aí a informalidade. Vínculos empregatícios

seguem, dia a dia, sem a sua formalização, repercutindo, assim, o baixo índice de

empregados, sob um aspecto meramente formal, ou seja, sem anotação da CTPS. Tal

realidade alastra-se no seio social em razão de motivos vários e, muitas vezes, decorrente de

simples resistência, sem a criação de qualquer estratagema para obscurecer a verdadeira

relação existente. Ou seja, opta-se por não anotar a carteira de trabalho, e com isso não

cumprir na inteireza os direitos correspondentes.144 Ou, por outra via, são combinados

mecanismos para frustrar o reconhecimento da relação de emprego.

Com isso, além das graves conseqüências sociais, a ilustrar a péssima distribuição de

renda, o pouco explorado mercado interno de consumo, a persistência da elevada violência urbana

e outras tantas, destaque-se, como observado alhures, o enfraquecimento da democracia.

Com efeito, o regime político democrático exige constante efetivação de direitos

sociais para que os cidadãos tenham condições de incrementar suas projeções pessoais,

adquirir consciência de sua inserção política e, assim, capacitar-se para melhor atuar nas

decisões importantes da vida coletiva, seja escolhendo, seja reivindicando; enfim,

diligenciando para que sua vontade, dentro de um pluralismo, não se dilua totalmente diante

139 No item 4, demonstrou-se, mediante cotejo de dados, que é normal países com alto índice de desenvolvimento humano apresentarem altos índices de inserção da sua população economicamente ativa vinculada ao mercado de trabalho mediante relação de emprego. 140 Essa correlação é profundamente analisada por Maurício Godinho Delgado na obra Capitalismo, Trabalho e Emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução (2006a) 141 Disponível em: <http://www.pnud.org.br/rdh/> 142 idem supra. 143 Segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2006, divulgada pelo IBGE, trabalhadores com carteira assinada apenas representaram 33,8% da População Economicamente Ativa (PEA) ocupada. 144 Não se perca de vista que o sistema jurídico, a rigor, prevê apenas um patamar básico de direitos, um patamar mínimo civilizatório, na expressão de Maurício Godinho (DELGADO, Maurício, 2003), e daí pela essencialidade, já se avista a gravidade de sua sonegação.

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do interesse dos pequenos grupos titulares de poder econômico. Já dito várias vezes, aqui se

repete que efetivação de direitos sociais e desenvolvimento democrático são realidades que se

nutrem reciprocamente, convivem em simbiose.

O respeito aos Direitos Trabalhistas, nessa linha, nada mais é do que o cumprimento

da própria Constituição Republicana, fruto de processo democrático. Assim, os mecanismos

de obscurecimento da relação de emprego, porque fecham as portas do sistema protetivo,

conspiram contra o Estado democrático e, quando ganham forma de enunciados normativos,

traduzem, apenas, usurpação inconstitucional, conduzida pela batuta de pretensos

“representantes” eleitos, cuja legitimidade, na atuação divorciada da base representada, resta

comprometida.

Necessário examinar, então, variados instrumentos que dificultam a aplicação

generalizada do Direito do Trabalho, ora implementados por amplo repertório de práticas de

simulação e fraudes variadas, ora desenvolvidos pelo próprio ímpeto legiferante, com origem

no Legislativo ou no Executivo, mas, sempre, de essencial matriz ultraliberal – por conseguinte,

normalmente precarizante –, provenha de onde for.145 Esta matéria será tratada a seguir.

4.2.1.1 Terceirizações ilícitas

É historicamente normal que o titular da atividade produtiva, o articulador dos modos

de produção, o interessado último no desenvolvimento de um empreendimento econômico,

detenha o controle das forças que se movem pelas relações sociais de produção. Segundo

Hunt, as forças produtivas são a tecnologia produtiva, que reside no “estado atual do

conhecimento técnico ou produtivo, [...] bem como nas ferramentas, implementos,

máquinas e prédios usados na produção” (1981, p.25), enquanto as relações sociais de

produção significam as relações entre a classe que trabalha com a que se apropria do

resultado do trabalho, tudo isso, pelo que se constata há alguns séculos, muito bem concertado

pelo capitalista, que se vale da relação de emprego para inserir o trabalhador no mercado

de trabalho.

145 É importante ressaltar esse aspecto, porque muitas propostas de lei que, bem analisadas, levam à clara precarização injustificável do Direito do Trabalho têm origem no que, antigamente, se costumava chamar esquerda.

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Atualmente, contudo, vê-se constante distanciamento entre o articulador último dos

modos de produção e o trabalhador, porque são inseridas outras empresas em uma cadeia de

relações comerciais. Em determinados casos, quando se examina mais profundamente, a

indigitada “empresa” intermediária nada mais é do que um mero empregado, não raro, sob a

falsa couraça de uma pessoa jurídica. Em outros casos, contudo, apresenta-se, de permeio,

verdadeiramente uma pessoa jurídica, mas a atividade nuclear e sem a qual não se pode

imaginar a existência da própria empresa, enquanto organizadora dos modos de produção,

encontra-se no início da cadeia, onde coincide o real empregador.

Para o trabalhador não interessa toda essa gama de aparato organizacional quando,

verdadeiramente, insere-se na estrutura produtiva, de maneira que, verificada a prestação de

serviços na atividade-fim, com o titular desta se deve formar o vínculo de emprego, sem

prejuízo da responsabilidade de todas as demais empresas intermediárias que, de alguma

forma, beneficiaram-se do trabalho recebido. O mesmo efeito ocorrerá quando, apesar de

terceirizada atividade-meio, a tomadora de serviços exigir pessoalidade e subordinação

do obreiro.

A terceirização no Brasil passou a se apresentar, primeiramente, sob diretriz estatal,

mediante o Decreto 200/67 e, depois, pela Lei 5645/70. No seguimento privado, apareceu,

primeiramente, a Lei 6019/74 (Lei do Trabalho Temporário), seguida da Lei 7102/83 (que

trata de vigilância armada). Tal processo acentuou-se, contudo, após 1970, abrangendo

hipóteses não tratadas na lei. Em 1986, a súmula 256 do Tribunal Superior do Trabalho (TST)

tratou, primeiramente, da matéria, sendo revisada em 1993, pela súmula 331.

Fixou-se, após estudo do tema, consideravelmente novo, que há dois tipos de

terceirização146: a lícita e a ilícita.

O exame da súmula 331 do TST divisa critério para a identificação dos dois grupos

aqui referidos, inserindo dentre as terceirizações lícitas as hipóteses de trabalho temporário

(Lei 6.019/74) e de serviços de conservação e limpeza, de vigilância patrimonial e pessoal

(Lei 7.102/83) e ligados à atividade-meio da empresa. Fora dessas hipóteses, será ilícita a

terceirização, e a formação do vínculo empregatício despontará. Relação de emprego,

igualmente, existirá sempre que, à exceção do trabalho temporário147, verificar-se a presença

146 Há outras classificações, como a terceirização para dentro da empresa e terceirização para fora da empresa; a primeira terceirização de serviços e a segunda, de atividades (DELGADO, Gabriela, 2003, p.120-1). 147 Isso porque a Lei do Trabalho Temporário, 6019/74, permite, ainda que de forma efêmera, a inserção do trabalhador na mais nuclear dinâmica empresarial, nas hipóteses de necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente da empresa tomadora e nos casos de acréscimo extraordinário de serviços da tomadora (art. 2o, Lei 6.019/74). Há outros requisitos para a validade dessa contratação, mas fogem à análise presente.

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da pessoalidade e da subordinação, mesmo em serviços de conservação e limpeza, vigilância

patrimonial e outros ligados à atividade-meio.

Certa dificuldade pode exsurgir, na prática, na identificação do grupo de atividades-

meio/atividades-fim. As atividades anteriormente descritas já ilustram o que se pode entender

por atividade-meio (conservação, limpeza e vigilância148). Ou seja, são todas aquelas que não

se alinham à estrutura fundamental de desenvolvimento do objeto social da empresa. Maurício

Godinho, a respeito das atividades-fim, diz que:

[...] podem ser conceituadas como as funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador de serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresário econômico. São, portanto, atividades nucleares e definitórias da essência empresária do tomador de serviços. (DELGADO, 2003, p.436)

Completa o autor esclarecendo que as atividades-meio, por seu turno, são “periféricas

à essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços” (p.437). De fato, não é razoável

pensar-se juridicamente em estabelecimento de ensino sem professores empregados, em

Bancos sem empregados escriturários e caixas bancários, em empresas de telefonia sem

empregados instaladores e reparadores de redes de telefonia. Gabriela Neves Delgado (2003),

no seu “Terceirização – Paradoxo do Direito do Trabalho Contemporâneo”, lembra que

“terceirização” não é mais neologismo, passando a constar do Dicionário Houaiss e neste vê-

se imbricada a idéia de atividade-meio:

Forma de organização estrutural que permite a uma empresa transferir a outra suas atividades-meio, proporcionando maior disponibilidade de recursos para sua atividade-fim, reduzindo a estrutura operacional, diminuindo custos, economizando recursos e desburocratizando a administração.

Dessa forma, sempre que se verificar a terceirização ilícita despontará relação de

emprego com o tomador dos serviços, verdadeiro empregador, ressalvando, contudo, a

terceirização, mesmo ilícita, levada a efeito pela Administração Pública, porque, neste caso, a

Constituição Republicana de 1988 prevê, expressamente, que o ingresso aos quadros públicos

pressupõe prévia aprovação em concurso público de provas, ou de provas e títulos, o que

reputa formalidade essencial que, desrespeitada, conduz à nulidade (inc. II e §2o do art. 37

da CR/88).

148 Tratando-se de empresa de conservação e limpeza ou empresa de vigilância, aí, por certo, a atividade-fim despontará.

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A terceirização ilícita é francamente prejudicial ao trabalhador e representa

considerável instrumento de descumprimento do Direito do Trabalho, na medida em que

dificulta a pronta formação do vínculo empregatício com o verdadeiro empregador,

produzindo efeitos negativos vários, que vão desde a desagregação da classe trabalhadora e a

prática de não extensão de benefícios até ao enfraquecimento ou total esvaziamento de

garantias à satisfação dos créditos trabalhistas (é patente a ordinária incapacidade financeira

de grande número de empresas terceirizantes). Mas mesmo terceirização em atividade-meio

pode apresentar conseqüências prejudiciais ao trabalhador149 e, também, em determinados

casos, tem se mostrado algo não tão interessante para o tomador de serviços.

Em relação ao trabalhador, o valor do salário pode dissipar-se no meio do caminho. A

empresa que se insere na relação jurídica triangular (na terceirização, há empresa prestadora

de serviços, trabalhador e empresa tomadora de serviços) colhe um quinhão dos benefícios

que seriam destinados ao trabalhador. Além disso, a terceirização vem atuando fortemente

como fonte de desagregação sindical, fazendo desaparecer o sentimento de classe e,

sobremodo, incentiva a competição entre o trabalhador da empresa terceirizante com o da

empresa cliente. Não é incomum, outrossim, o abrupto fechamento de empresas terceirizantes

sem o pagamento de parcelas trabalhistas elementares a seus trabalhadores, que, nesses casos,

vêem-se sujeitos apenas a buscar a satisfação junto à empresa cliente.

O debate civilizatório, sugerido por Maurício Godinho Delgado (2003, p.457-66),

então, deve passar a) pelo reconhecimento do salário eqüitativo ao empregado submetido ao

processo terceirizante, de maneira que receba o mesmo salário – e todas as demais verbas –

pago aos empregados exercentes da mesma função na entidade tomadora de serviços150; b)

pela responsabilização do tomador de serviços relativamente aos valores decorrentes da

terceirização; e c) pelo reconhecimento da representação sindical dos trabalhadores

terceirizados pela entidade sindical que representa os trabalhadores da empresa tomadora

de serviços.

Quanto à empresa cliente, alguns malefícios devem ser sublinhados, a despeito de,

estranhamente, apregoarem-se apenas benefícios. Primeiramente, grande volume de empresas

149 Na hipótese de frustração dos créditos trabalhistas, a empresa tomadora de serviços responderá pelo seu pagamento (inc. IV, súmula n. 331/TST), o que se aplica às terceirizações em atividade-meio. Mas na atividade-fim o próprio tomador de serviços é o empregador e, pois, avulta clara a sua responsabilidade, juntamente com a empresa terceirizante, esta por participar do ato ilícito. O que se pretende salientar nesse ponto é que a incapacidade financeira da empresa prestadora de serviços gerará, na prática, sonegação de parcelas trabalhistas, que se direcionam à própria sobrevivência, e a sua obtenção, então, exigirá percurso penoso, passando, normalmente, pelas vias judiciais. Daí a prejudicialidade, no aspecto, da terceirização para o trabalhador. 150 Aplicação, por analogia, da alínea “a” do art. 12 da Lei 6.019/74.

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terceirizantes fica insolvente e desativa irregularmente suas atividades, de maneira que a

empresa cliente, na prática e em certa medida151, haverá de arcar com as parcelas trabalhistas

sonegadas aos empregados daquela, e a manutenção de amplo e robusto corpo de advogados

destinados ao patrocínio dessas causas não afastará condenações e representará custos.

Alinha-se a esse malefício a falta de sentimento de inserção do trabalhador, o que pode gerar

um quadro de descomprometimento.152 Para citar mais um malefício, lembre-se da

necessidade de intenso e específico treinamento de alguns profissionais, e em não poucas

circunstâncias apenas a empresa cliente é mais capacitada para desenvolver essa atividade.

Por fim, à guisa de conclusão, com Maurício Godinho:

Faltam, principalmente, ao ramo justrabalhista e seus operadores os instrumentos analíticos necessários para suplantar a perplexidade e submeter o processo sociojurídico de terceirização às direções essenciais do Direito do Trabalho, de modo a não propiciar que ele se transforme na antítese dos princípios, institutos e regras que sempre foram a marca civilizatória e distintiva desse ramo jurídico no contexto da cultura ocidental (DELGADO, 2003, p.426-7).

Merece realce ainda que as falsas cooperativas de prestação de serviços acabam

funcionando como instrumento de descumprimento do Direito do Trabalho, por meio de

terceirizações ilícitas. O mesmo se pode afirmar em relação à utilização do trabalho

temporário, quando dissociada das hipóteses tratadas pela Lei 6019/74, mas, pelas suas

especificidades, a análise será destacada.

4.2.1.2 Cooperativas de prestação de serviços

O cooperativismo é forma de associação evoluída e que deve gerar bons frutos sociais.

Não pode, contudo, prestar-se à simulação, ocultando verdadeiras relações de emprego em

nítido desiderato precarizante.

151 Diz-se “em certa medida” porque sempre há empregados que não buscam a jurisdição para a efetivação de seus direitos, além de outros motivos, como a própria prescrição que pode ter corroído parte dos créditos trabalhistas. 152 Em determinadas realidades o efeito pode ser contrário. Ou seja, dependendo da situação, o trabalhador pode se sentir incentivado a prestar bons serviços, ante a chance de ser diretamente contratado, mas aí, em larga medida, assiste-se à terceirização em atividade-fim.

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Em 9 de dezembro de 1994, inseriu-se, por meio da Lei 8.949, um parágrafo único ao

art. 442 da CLT, o que funcionou como via indutora de um exacerbado movimento de criação

de cooperativas fraudulentas, que apareceram apenas para intermediar mão-de-obra.

Ocorre que o parágrafo único citado estabelece que “qualquer que seja o ramo de

atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus

associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela”. Isso não significa, porém,

que se admitiu o menoscabo de uma verdadeira relação empregatícia, ou seja, que, mesmo

presentes todos os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, o só fato de,

formalmente, vincular-se a uma cooperativa já seria suficiente para afastar todo um sistema

protetivo e inviabilizar a declaração do vínculo empregatício em face da cooperativa ou

de alguma empresa tomadora de seus serviços. Não se tratou disso. A Lei, na verdade,

apenas fomentou a desordem quando tratou do óbvio, ou seja, se a relação ocorre de

molde horizontal, sem subordinação, em verdadeiro espírito cooperativista, com a

afirmação dos seus princípios regentes, jamais se duvidou que não havia um vínculo

empregatício.

Realmente, a atividade legislativa, ao tratar do óbvio, isto é, dizer que uma verdadeira

relação cooperativista não permite a formação de relação de emprego, acabou incentivando

intenso movimento de criação de falsas cooperativas, realidade bem apreendida por Rodrigo

de Lacerda Carelli, ao observar que despertou a atuação da OIT, ao aprovar, na Conferência

Internacional do Trabalho de 2002, a Recomendação 193, segundo a qual aos Governos

nacionais cabe “garantir que cooperativas não sejam criadas para, ou direcionadas ao não

cumprimento das leis do trabalho ou usadas para estabelecer relações de emprego

disfarçadas”, sendo que, na alínea “b” de seu item 8.1, recomenda “lutar contra as

pseudocooperativas, que violam os direitos dos trabalhadores, velando para que a legislação

do trabalho se aplique em todas as empresas” (2004, p.55).

A relação cooperativa permite extrair dois princípios basilares, que se assentam na Lei

5.764/71. São eles: o princípio da dupla qualidade e o princípio da retribuição pessoal

diferenciada.

O princípio da dupla qualidade significa que a cooperativa tem finalidade de prestar

serviços ao seu filiado, que, então, ostenta a qualidade de cooperado e de cliente. Equivale

dizer que a cooperativa não pode funcionar apenas como uma intermediadora entre o

trabalhador e uma empresa tomadora de serviços. A leitura dos arts. 4o e 7o da Lei

5.764/70 demonstra que as cooperativas são constituídas para a prestação direta de serviços

aos associados.

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Nesse sentido, exemplos marcantes de verdadeiras cooperativas – e que demonstram a

distância a que se encontram das falsas cooperativas – são as de produtores rurais e artesãos,

que facilitam a captação, venda e distribuição de produtos, inclusive a formação de um preço

justo e competitivo, e as outras cooperativas de autônomos, como de motoristas de táxi, que

franqueiam maior e racional captação de clientes e diversos benefícios – convênios para

aquisição facilitada de combustível e peças de veículos, dentre outros.

O segundo princípio, da retribuição pessoal diferenciada, desenvolvido por Maurício

Godinho Delgado (2003), significa que a agregação de forças pelo cooperativismo deve

representar – e isso efetivamente sucederá em condições normais de desenvolvimento – um

plus para o trabalhador, um eficiente instrumento de maximização de seu potencial de

trabalho ou de acesso adequado, inclusive quanto às potencialidades de retribuição, ao

mercado de trabalho. É o que naturalmente exsurge da união de forças que dimana da atuação

concertada de trabalhadores. Maurício Godinho leciona:

O princípio da retribuição pessoal diferenciada é a diretriz jurídica que assegura ao cooperado um complexo de vantagens comparativas de natureza diversa muito superior ao patamar que obteria caso atuando destituído da proteção cooperativista. A ausência desse complexo faz malograrem tanto a noção como os objetivos do cooperativismo, eliminando os fundamentos sociais que justificaram o tratamento mais vantajoso que tais entidades sempre mereceram da ordem jurídica (DELGADO, 2003, p. 328)

Não fosse, portanto, o atabalhoamento legislativo ao tratar do óbvio, não se teria

assistido a um surto de falsas cooperativas. De todo modo, o parágrafo único do art. 442 da

CLT encontra-se inserido em um sistema normativo que baliza a sua interpretação, de

maneira que, sempre que se verificar a prestação de serviços de uma pessoa natural a outra,

natural ou jurídica, com pessoalidade, não-eventualidade, subordinação e onerosidade,

exsurgirá uma relação de emprego, e não vínculo cooperativo. Vale a realidade. Cede o

arcabouço formal estruturado para o descumprimento trabalhista.

4.2.1.3 Trabalho temporário

A terceirização, cujo surgimento e evolução foram objeto do item 4.2.1.1, pode

ocorrer por meio de um contrato de trabalho temporário, regulado pela Lei 6019/74, que,

como é comum quando se trata dessa figura, desenvolve uma relação triangular: empresa

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de trabalho temporário (terceirizante), necessariamente urbana; trabalhador temporário;

e empresa tomadora de serviços (cliente). A teor dessa lei, mesmo coexistentes todos os

elementos fático-jurídicos da relação de emprego diretamente com a empresa tomadora

de serviços, o vínculo empregatício apenas se forma com a empresa de trabalho

temporário. Rodrigo Carelli observa que o “trabalho temporário é a única forma de

intermediação de mão-de-obra subordinada permitida na legislação trabalhista pátria”

(2004, p.20).

Existem apenas duas hipóteses de cabimento do trabalho temporário regulado pela Lei

6019/74: para atender a) à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e

permanente; ou b) ao acréscimo extraordinário de serviços.

Contrato exceptivo na ordem jurídica, que afasta o reconhecimento do vínculo de

emprego diretamente com o tomador de serviços, mesmo presentes todos os elementos

fático-jurídicos da relação de emprego, deve preencher os requisitos formais

estabelecidos, ou seja: a) forma escrita, tanto do contrato entre a empresa de trabalho

temporário (terceirizante) e a empresa tomadora de serviços (cliente), quanto entre o

trabalhador temporário e aquela; b) o contrato entre as empresas deverá prever, ainda, o

motivo justificador da demanda de trabalho temporário, ou seja, se se trata de necessidade

transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou de acréscimo extraordinário

de serviços; e c) prazo máximo de três meses, ressalvada autorização conferida pelo órgão

local do Ministério do Trabalho.

Fora das hipóteses de pactuação ou desatendidos os requisitos legais, despontará a

relação de emprego diretamente com o tomador de serviços (a empresa cliente).

Tem ocorrido com alguma freqüência a utilização deturpada do contrato de trabalho

temporário, seja pela não observância das duas hipóteses de pactuação, seja pelo não

atendimento dos demais requisitos legais.

Não é incomum constatar-se, ainda, a utilização do contrato de trabalho temporário

como um antecedente à contratação do trabalhador pela empresa cliente, à guisa de

sucedâneo do contrato de experiência. Melhor esclarecendo, a empresa tomadora do

serviço (cliente), não raro, ao invés de se valer do contrato de experiência previsto na CLT

(alínea “c”, §2o, art. 443), sistemática e estruturalmente, acaba adotando o contrato de

trabalho temporário, sem se ater, pois, à observância das duas únicas hipóteses de

pactuação (necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou

acréscimo extraordinário de serviços). A contratação do trabalhador pela empresa cliente

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deve ser incentivada, mas não é válido substituir o contrato de experiência pelo contrato de

trabalho temporário.

Toda caminhada interpretativa bem-sucedida deve iniciar suas primeiras passadas na

seara constitucional. Guardada essa premissa, a partir da Constituição Republicana de 1988,

especialmente do inciso IV do art. 1o e dos arts. 170 e 193, extrai-se que a República

Federativa do Brasil se funda no valor social do trabalho, do que não escapa a ordem

econômica e tampouco a ordem social, o que, combinado com o inciso IV do art. 3o (que

estabelece o objetivo de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,

cor, idade e quaisquer formas de discriminação), juntamente com o inciso XXXII do art. 7o (que

é claro em estabelecer como direito dos trabalhadores urbanos e rurais a “proibição de distinção

entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos”), leva à

necessidade de se fazer a leitura mais isonômica da alínea “a” do art. 12 da Lei 6019/74, que

estabelece o salário eqüitativo, ou seja, “remuneração equivalente à percebida pelos empregados

da mesma categoria da empresa tomadora ou cliente”. Colocando a Lei 6019/74 nos trilhos de

compatibilidade com o sistema juslaboral, há de se assegurar a mesma retribuição ao trabalhador

temporário.153

4.2.1.4 Trabalho voluntário

A Lei 9608, de 18 de fevereiro de 1998, dispõe sobre o trabalho voluntário, mas a

identificação dessa espécie de trabalho nunca foi objeto de dificuldade. Ou seja, ou tinha

cunho benevolente, altruístico e, portanto, nem de longe, configuraria uma relação de

emprego, ou o serviço era realizado tendo em vista uma contraprestação. E, se presentes todos

os demais elementos fático-jurídicos, haveria uma relação e emprego.

O legislador, contudo, sentiu a necessidade de legislar, e veio a lume a lei referida,

estabelecendo que se considera serviço voluntário a atividade não remunerada prestada por

pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou a instituição privada de fins não

lucrativos que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de

153 O salário eqüitativo também se aplica ao empregado que esteja inserido em terceirização lícita não enquadrável nessa figura de trabalho temporário, o que se adota por analogia. Aliás, se o trabalhador temporário faz jus a esse direito, por maior razão há de ser estendido ao empregado submetido ao processo terceirizante mais duradouro, ainda que se trate de hipótese de terceirização reputada válida.

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assistência social, inclusive mutualidade (art. 1o, Lei 9608/98). Os objetivos indicados são

apenas exemplificativos. Como ilustra Maurício Godinho:

Trata-se, porém, de rol legal meramente exemplificativo. De fato, há inúmeras outras ações que as pessoas físicas concretizam na comunidade, em caráter habitual, sem qualquer intenção ou traço de onerosidade: ilustre-se com a atividade de militância política, própria à democracia, grande parte das vezes realizada como simples trabalho voluntário; ou se fale ainda das atividades religiosas, em especial cumpridas por leigos, que comumente se fazem nos moldes do labor voluntário (DELGADO, 2003, p.343)

De toda forma, o trabalho voluntário é marcado pela sua gratuidade, o que se extrai da

intenção do prestador de serviços. Normalmente, a situação fática será rica em apresentar

elementos que permitam inferir tratar-se ou não de um verdadeiro serviço voluntário. O

trabalho prestado por beatas em igrejas, ordinariamente, assume a feição graciosa. O mesmo

se diga da atividade, ainda que habitual (uma vez por semana, por exemplo), prestada por

pessoas da comunidade em asilos, creches ou institutos de tratamento de pessoas com

paralisia cerebral e situações assemelhadas.

O ressarcimento das despesas do trabalhador voluntário é possível e não descaracteriza

a natureza gratuita da prestação de serviços (art. 3o).

A Lei 10748, de outubro de 2003, acrescendo dispositivos à Lei 9608/98,

estabeleceu, contudo, que ficava autorizada ainda a concessão de auxílio financeiro ao

prestador de serviço voluntário. Então, o espírito altruístico, que sempre funcionou bem

nesse tipo de trabalho, comprometeu-se, abrindo-se a porteira para a precarização. Além

disso, esse “auxílio financeiro” (no valor de até R$150,00 e pelo período máximo de seis

meses - §1o do art. 3o) seria destinado apenas aos trabalhadores “voluntários” com idade

de 16 a 24 anos e desde que integrantes de família com renda mensal per capita de até

meio salário mínimo, significando, pois, que a voluntariedade, sustentada em ato de

graciosidade, intenção benemérita, restaria preterida, além de contribuir para a

precarização de condições mínimas retributivas sempre que presentes todos os

elementos fático-jurídicos de uma relação de emprego – e nessa hipótese de “auxílio

financeiro” a onerosidade exsurgiria. Ocorre que o problema da inserção do jovem no

mercado de trabalho não será resolvido com o estabelecimento de um patamar mais

mínimo ainda do que o já ofertado pelo Direito do Trabalho, quando se verifica a

existência de uma relação de emprego, nem significa, verdadeiramente, que o jovem,

pelo fato mesmo de ser jovem e sem experiência, não possa prestar um excelente serviço

e inserir-se adequadamente no sistema produtivo em relação que promova ambos os

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partícipes, tanto o trabalhador como o empregador. A Lei 10940/2004, por sua vez,

trouxe algumas alterações, valendo citar a mudança de redação quanto ao auxílio

financeiro que, segundo a Lei 10748, “seria pago’, passando, então para “poderá ser

pago”.

A Medida Provisória 411, de 28 de dezembro 2007, que dispõe, essencialmente, sobre

o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem), revogou, contudo, esses dispositivos

acrescidos pela Lei 10748/2003 e alterados pela Lei 10940/2004.

4.2.1.5 Estágio simulado

A legislação de regência do estágio (Lei 6494/77, regulamentada pelo Decreto

87497/82) permite que, com o fito de complementar e aperfeiçoar a formação acadêmico-

profissional do estudante, futuro trabalhador, mesmo em uma realidade em que se fazem

presentes todos os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, não dispare seus efeitos

mais importantes, ou seja, a aplicação ampla do sistema juslaboral, o que se dá com base na

finalidade de incentivar o desenvolvimento cultural do aluno, a complementariedade de suas

atividades teóricas combinadas com a prática.

Há de se esperar, portanto, efetiva realização dos fins da legislação que autoriza

essa prestação de serviços sem padrão de retribuição pecuniária ou limitado à uma

bolsa.154

Não é raro, contudo, deparar-se com quadro de desvio de observância adequada da

norma, a utilização do estágio como meio de precarização trabalhista. Em tais situações,

estudantes são assimilados pelo mercado de trabalho, com indiscutíveis vantagens econômicas

para quem o recebe (o concedente do estágio), mas com imensos prejuízos à complementação

acadêmico-profissional, o que sucede sempre que é menosprezada a finalidade da norma – e o

processo de interpretação deve envolver a pesquisa finalística.

Para assegurar os fins do estágio, a legislação de regência exige: a) que, no

mínimo155, três pessoas atuem, ou seja, o estudante, o concedente do estágio e a

154 Além disso, a concessão de seguro de acidentes pessoais em favor do estagiário é sempre necessária, bem como o preenchimento de requisitos formais, como o termo de compromisso e o acompanhamento pela instituição de ensino. 155 Diz-se “no mínimo” porque outras pessoas podem vir a participar, como os agentes de integração públicos ou privados (art. 7o, Decreto 87.497/82).

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instituição de ensino156; b) formalização de um termo de compromisso entre o estudante e a

parte concedente do estágio, com a intervenção obrigatória da instituição de ensino (art. 3o,

Lei 6.494/77157); c) acompanhamento da instituição de ensino; e d) a contratação de seguro de

acidentes pessoais em favor do estagiário (art. 4o, Lei 6494/77158).

A Lei 6494/77 prevê, ainda, uma bolsa, mas não é obrigatória, ao dispor, no seu art. 4o, que

“estagiário poderá receber bolsa, ou outra forma de contraprestação que venha a ser acordada”.

Cada participante do estágio tem suas atribuições, que se encontram alinhadas à

finalidade essencial dessa figura jurídica, que é a de permitir a complementação do estudo,

visando, pois, que as teorias apresentadas em sala de aula possam ser vivenciadas, colocadas

em prática. Mas não só o estagiário sai ganhando com um verdadeiro e adequado estágio; a parte

concedente do estágio recebe, potencialmente, o trabalho de uma pessoa – ordinariamente,

com algum grau de conhecimento teórico –, sem os encargos próprios de uma relação de

emprego. A instituição de ensino, por sua vez, acompanhando o estágio, estará atingindo a sua

finalidade, que é de educar, disseminar a cultura, não apenas conhecimentos desenvolvidos e

confinados internamente, mas, em grande medida, para serem utilizados na prática.

É importante salientar que a Medida Provisória 2164-41, de 2001, em um primeiro

momento, parecia ter desvinculado o estágio de uma estrita complementação acadêmica ao

abranger também estudantes de ensino médio, mesmo não profissionalizante. Mas, examinada

sistematicamente a legislação, chega-se à conclusão de que, mesmo quando se tratar de

estudante em ensino médio, a finalidade do estágio haverá de ser mantida: a complementação

estrita de conhecimentos teóricos com a atividade prática, evitando, assim, a mera

precarização e exploração por parte de empresas ou, mesmo, da Administração Pública. O

parágrafo 3o do art. 1o da Lei 6494/77 (incluído pela Lei 8859/94) é expresso a esse respeito:

“Os estágios devem propiciar a complementação do ensino e da aprendizagem e ser

planejados, executados, acompanhados e avaliados em conformidade com os currículos,

programas e calendários escolares”. Assim, sem planejamento que leve em consideração o

156 O estudante deverá estar cursando, ao menos, o ensino médio e a pessoa concedente, por exigência legal, há de ser jurídica, de Direito Público ou de Privado. A esse respeito, Maurício Godinho observa que as pessoas físicas estariam excluídas, mas “o objetivo da lei – ao fixar tal restrição – é apenas assegurar o real cumprimento de suas metas pedagógicas (supostamente mais bem atendidas por organizações mais complexas), e não instituir discriminação”, de maneira que, segundo o autor, as finalidades do estágio podem ser atendidas “com profissionais liberais que sejam notoriamente competentes e dinâmicos em suas áreas de especialização” (DELGADO, 2003, p.323). 157 A teor do §2o do art. 3o da Lei 6494/77, “Os estágios realizados sob a forma de ação comunitária estão isentos de celebração de termo de compromisso”. 158 A Lei 6494/77 conferiu ao concedente do estágio a obrigação de fornecer seguro de acidentes pessoais em favor do estagiário. O Decreto regulamentador, contudo, pretendeu alterar a Lei, ao transferir essa obrigação para a instituição de ensino (v. art. 8o, Decreto 87.497/82), o que, evidentemente, não é válido.

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currículo, os programas e calendários escolares, não será válido o estágio, porque, ainda

que possa, comparativamente, conferir uma pequena dificuldade quanto ao estudante de

ensino médio, é plenamente factível estabelecer uma ligação entre atividades práticas,

currículo e programas.

Desatendidos os requisitos legais, assiste-se, ordinariamente, ao expediente de

frustração da ordem trabalhista, porque, recorrentemente, utiliza-se desse contrato de estágio

sem a observância de suas finalidades – vale dizer, sem oferecer extensão acadêmico-

profissional, colocando o trabalhador (pretenso estagiário) em atividades totalmente

dissociadas de sua formação ou sem o seu acompanhamento, o que atrai a declaração da

relação de emprego.

4.2.1.6 Transporte rodoviário de cargas por conta de terceiros

A Lei 11442, publicada em 08.01.07, dispõe sobre o Transporte Rodoviário de Cargas

(TRC) realizado em vias públicas, por conta de terceiros e mediante remuneração, os

mecanismos de sua operação e a responsabilidade do transportador (art. 1o). Em seu art.

2o, estabelece que a atividade econômica referida no artigo antecedente é de natureza

comercial e será exercida por pessoa natural ou jurídica, dependendo da inscrição do

interessado em sua exploração no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de

Cargas (RNTR-C) da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), na categoria

de Transportador Autônomo de Cargas (TAC) ou de Empresa de Transporte Rodoviário

de Cargas (ETC).

Aludida Lei cria duas espécies de TAC: o TAC-agregado e o TAC-independente.

Aquele é o que coloca veículo de sua propriedade ou de sua posse, a ser dirigido por ele

próprio ou por preposto seu, a serviço do contratante, com exclusividade e mediante

remuneração certa (§1o, art. 4o), enquanto este, o TAC-independente, é o que presta serviços

de transporte de carga em caráter eventual e sem exclusividade, mediante frete ajustado a cada

viagem (§2o, art. 4o). Para concluir o que já se avistava da leitura dos artigos anteriores, no art.

5o consigna-se que as “relações decorrentes do contrato de transporte de cargas de que trata o

art. 4o desta Lei são sempre de natureza comercial, não ensejando, em nenhuma hipótese, a

caracterização de vínculo de emprego”.

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Apesar de nítido traço flexibilizatório dessa lei, que ilustra o descompromisso com a

formação de uma sociedade verdadeiramente democrática, uma vez que não torna real o princípio

da soberania popular, ao colimar o esvaziamento do conteúdo social da Constituição Republicana

de 1988, o legislador ordinário não chegou a afirmar que a atividade desenvolvida pelos

transportadores seria subordinada, mesmo porque na própria denominação já se adota o vocábulo

autônomo, isto é, TAC, como já registrado, é Transportador Autônomo de Cargas.

De toda forma, conclui-se que, após examinado o caso concreto, se verificado que o

trabalhador-transportador nada tem de autônomo, configurando verdadeiro subordinado,

desaparecerá a figura criada pela lei em exame.

O difícil será encontrar, na prática, uma pessoa que trabalhe com exclusividade para

outra mediante não-eventualidade e remuneração certa e que não acabe transformando-se em

um verdadeiro trabalhador subordinado – normalmente, a prática cotidiana conduz a isso –,

muito mais quando prestar serviços para uma Empresa de Transporte de Cargas (ETC).

A leitura do art. 5o da multicitada Lei, ao dispor que as “relações decorrentes do

contrato de transporte de cargas de que trata o art. 4o desta Lei são sempre de natureza

comercial, não ensejando, em nenhuma hipótese, a caracterização de vínculo de emprego”,

não pode ser compreendida no sentido de que, mesmo presentes todos os elementos fático-

jurídicos da relação de emprego, ainda assim estaria inviabilizada a formação da relação de

emprego, porque, como já dito, o transportador pessoa natural aqui examinado é um

autônomo, figura que rechaça a subordinação. O art. 5o referido, na verdade, é supérfluo.159

Ocorre que normas assim redigidas franqueiam caminho para o descumprimento do

sistema juslaboral porquanto permitem – ainda que por raciocínio equivocado – o

desenvolvimento de teses generalizantes no sentido de que o transportador autônomo de

cargas jamais poderia ser reconhecido empregado, bastando a formalização de um contrato

nesse sentido, ainda que divorciado da realidade.

Situação semelhante aconteceu por ocasião da Lei 8949/94 que, ao acrescer um

parágrafo único ao art. 442 da CLT dispondo que qualquer que fosse o ramo de atividade da

sociedade cooperativa não existiria vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem

entre estes e os tomadores de serviços daquela, funcionou como via indutora de um

exacerbado movimento de criação de falsas cooperativas, que figuram apenas como meras

159 Como supérfluo o parágrafo único do art. 442 da CLT e o parágrafo único do art. 1o da Lei 9608/98 (Lei do Trabalho Voluntário). A fórmula “não configura relação de emprego” não contribui para a implementação do Estado Social, para o crescimento da democracia, ou, sob outro ângulo, para do desenvolvimento humano do Brasil. Assim, acentue-se, tudo que não se enquadrar na fórmula da relação de emprego, cujos requisitos são

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intermediadoras de mão-de-obra. A Jurisprudência trabalhista afastou, sem demora, equivocadas

leituras desse dispositivo, pontuando, claramente que, verificados todos os elementos da relação

de emprego, afasta-se pretenso vínculo cooperativo160, o que também deverá suceder em

relação aos transportadores de cargas que forem, realmente, subordinados.

4.2.1.7 Pejotização

Essencialmente, o sistema juslaboral protege a pessoa humana. Portanto, a relação de

emprego exige para sua configuração que o serviço seja prestado por uma pessoa natural.

Disso promana considerável e recorrente estratagema urdido para afastar direitos trabalhistas:

a exigência de que seja constituída uma pessoa jurídica com a qual, formalmente, se

estabeleceria uma relação comercial, isto é, simula-se a existência de um negócio comercial

com uma pessoa jurídica, quando há clara relação empregatícia, com todos os seus elementos

fático-jurídicos, notadamente o serviço prestado por uma pessoa natural.

Esse é o fenômeno que ganhou o nome de “pejotização”, palavra nova que responde a

essa realidade de descumprimento trabalhista por um processo insólito de transformação: a

pessoa natural transmudar-se-ia em jurídica, as chamadas “PJs”. Sua disseminação já deve

despertar preocupação, porque chegou a ponto de não causar espanto o fato de, indagado um

trabalhador sobre a sua condição no mercado de trabalho, obter-se, como resposta, que, agora,

é um “PJ”.

hauridos dos arts. 2o e 3o da CLT, não será relação de emprego, não sendo, de forma alguma, necessário, ou útil, ou adequado, a vulgarização da fórmula “não configura relação de emprego”. 160 Nesse sentido: RELAÇÃO DE EMPREGO. COOPERATIVA. NORMAS COLETIVAS DA CATEGORIA. APLICABILIDADE. Restando superada a questão relativa ao fato de que o reclamante, em sua prestação de serviços como "filiado" a Cooperativa de Trabalho, na verdade, vivenciava o liame empregatício com a primeira ré, em face da presença dos pressupostos fático-jurídicos da pessoalidade, da não-eventualidade e da subordinação, impõe-se-lhe a extensão dos direitos pactuados pelos Sindicatos da categoria, mediante as negociações coletivas carreadas aos autos (TRT 3a Reg. – RO 00527-2005-028-03-00-6 – 5a T. – Rel. José Roberto Freire Pimenta – DJMG 17.12.2005); COOPERATIVISMO VERSUS RELAÇÃO DE EMPREGO - Conquanto o parágrafo único do artigo 442 da CLT estabeleça não haver vínculo de emprego entre a cooperativa e seus associados ou entre estes e os tomadores de serviços daquela, não se está diante de uma excludente legal absoluta, mas de simples presunção de ausência de vínculo de emprego, caso exista efetiva relação cooperativista envolvendo o trabalhador lato sensu. A lei favoreceu o cooperativismo, ao presumir a inexistência de vínculo empregatício, mas não lhe conferiu um instrumental para operar fraudes trabalhistas. Assim, se restar comprovado que o envoltório cooperativista não atende às finalidades e princípios inerentes ao cooperativismo (princípio da dupla qualidade e princípio da retribuição pessoal diferenciada, por exemplo), evidenciando, ao contrário, os elementos caracterizadores da relação de emprego, esta deverá ser reconhecida, afastando-se a simulação perpetrada. (TRT 3a Reg. – 1a T. – RO 00301-2007-055-03-00-0 RO – Rel. Maurício Godinho Delgado – DJMG 31.08.2007).

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Nessas simulações, verifica-se que o trabalho é prestado pessoalmente pelo próprio

trabalhador e, não raro, dentro do estabelecimento da empresa, com todos os demais

elementos fático-jurídicos da relação de emprego.

A força do conhecimento haurido da experiência permitiu a construção do princípio do

contrato realidade, porque, sem delongas, a pesquisa e o exame dos fatos desencadeados nas

relações entre empregados e empregadores ensinaram que o arcabouço formal estabelecido

para designar a espécie de figura que regularia referidas relações encontrava-se, em relevante

número de casos, assaz distante do que efetivamente se desenvolvia. Não era adequado,

porque não era justo ou – se preferir – não viabilizava a realização de importante valor na

convivência social, o valor-trabalho-e-emprego, a prevalência da forma sobre a realidade. Daí, com

muita propriedade, diante da constatação de falta de sintonia entre a uma e outra, a prevalência da

realidade pela aplicação do princípio do contrato realidade na esfera trabalhista.

Na pejotização, como em diversos outros casos em que se vislumbra a tentativa de

frustrar a aplicação do direito do trabalho, o princípio do contrato realidade encontra profícuo

terreno, arado pela diferença de forças das partes contrapostas na relação jurídica central do

Direito do Trabalho, o que impulsiona o trabalhador a anuir com condições prejudiciais, com

simulações ou fraudes juslaborais, para assegurar a sobrevivência pessoal e, muitas vezes,

familiar.161

Razão de sobejo, portanto, para, com incômoda recorrência, assistir-se à tentativa de

obscurecer verdadeiras relações empregatícias, isto é, relações em que se avistam todos os

seus elementos-fático jurídicos, mas que, por um ardil, formalmente, não se configurariam

empregatícias, ante a falsa vinculação entre duas pessoas jurídicas.

Partindo da premissa de que o Direito do Trabalho protege, essencialmente, a pessoa

do trabalhador162, preponderando a realidade, é possível afastar o embuste criado para o

161 Pode ser que, mesmo não deixando de ofender o sistema juslaboral, em casos isolados, de trabalhadores que ostentam um posicionamento extremamente destacado, que se lhe afigure, em alguma medida, interessante tornar-se um “PJ”, mas, seguramente, não o será para as grandes massas de trabalhadores. 162 Já se escreveu que o Direito do Trabalho não seria protetivo, que não seria papel da Lei proteger ninguém, mas regular a relação jurídica. Esse pensamento, todavia, não viceja, porque não leva em consideração que o Direito do Trabalho é fruto de conquista do trabalhador, e não concessão graciosa do capital, de maneira que foi a própria classe trabalhadora, mediante muita luta, que conseguiu cravar na história do patrimônio humano a necessidade de se assegurar um sistema que a proteja diante da disparidade de forças em que se vê em face do empregador. A visão do Direito do Trabalho, como um direito protetivo, não significa menosprezo à figura do trabalhador, que, sob essa perspectiva, não é reputado incapaz. Essa linha de pensamento de enfoque protetivo se pauta pelo reconhecimento da realidade – isto é, de forças díspares entre os protagonistas da relação de emprego – e seu enfrentamento por meio de secular função do Direito, ou seja, de desigualar desiguais, proteger, juridicamente, a parte mais fraca. Não se pode esquecer, portanto, nesse quadro, de que, antes de mais nada, o ramo juslaboral, como aqui se sustenta, foi conquistado, o que é essencial para a afirmação de que a proteção, pelo meio jurídico, repise-se, é conquista, e não concessão.

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reconhecimento da relação de emprego, e combater este instrumento de descumprimento do

Direito do Trabalho, a pejotização.163

4.2.1.8 Contrato de trabalhador rural por pequeno prazo

A Medida Provisória 410, de 28 de dezembro de 2007, acresceu o art. 14-A e

parágrafos à Lei 5889/73 (Lei do Trabalhador Rural), criando um contrato de trabalhador

rural por pequeno prazo (de até dois meses, no ano - §1o, art. 14-A, Lei 5889/73).

Não se vislumbra, contudo, a urgência de se adotar medida provisória para regular

essa matéria, de maneira que erige a sua inconstitucionalidade (caput do art. 62 da CR/88),

mesmo porque poderia, perfeitamente, aguardar-se regular processo legislativo, com as

discussões no Congresso Nacional. O Supremo Tribunal Federal (STF) a esse respeito tem

posição cautelosa, mas não omissa, preocupando-se com o equilíbrio dos Poderes.164 Assim, a

Corte Excelsa admite que existem limites ao poder de editar medidas provisórias, não sendo,

pois, absoluta a discricionariedade do Presidente da República quanto ao exame da urgência e

relevância, posicionamento bem retratado no seguinte trecho de decisão liminar do Min.

Moreira Alves (ADI 221/DF), citado por Alexandre de Moraes (2003, p.1143): “O

reconhecimento de imunidade jurisdicional, que pré-excluísse de apreciação judicial o exame

163 Nesse sentido a jurisprudência: RELAÇÃO EMPREGO – CONSTITUIÇÃO EMPRESA EMENTA: VÍNCULO EMPREGATÍCIO. CONSTITUIÇÃO DE PESSOA JURÍDICA. EMPREGADORA APARENTE. É consabido no Direito Processual do Trabalho que, quando se nega a existência de qualquer prestação de trabalho, a prova do vínculo de emprego incumbe exclusivamente ao autor, por ser fato constitutivo de seu direito. Lado outro, admitida a prestação pessoal de serviços, ainda que por intermédio de firma individual, ao réu incumbe a prova de ser o trabalho prestado autônomo, porquanto constitui fato impeditivo ao reconhecimento da relação empregatícia, presumindo-se, caso não se desonere do encargo processual, tratar-se, de fato, de relação de emprego. Assim, na hipótese de alegação de contratação de empregado, mediante pessoa jurídica por este constituída, por imposição da reclamada, não se afasta o reconhecimento do vínculo empregatício, quando não ficar demonstrado que o trabalhador exercia sua atividade com organização própria, liberdade de iniciativa e autodisciplina, ônus processual probatório da Reclamada. Portanto, in casu, verificado que a Reclamada não logrou êxito em comprovar a ausência dos pressupostos para a configuração da relação de emprego, mormente quanto ao fato de o trabalho ter-se desenvolvido de forma autônoma, sendo sua a exigência, impositiva, de constituição de pessoa jurídica pela reclamante para a prestação do serviço, que se dava nas dependências da reclamada, deve ser mantida a sentença primeva que reconheceu o vínculo de emprego, sobretudo quando o labor se dava em horário fixo e a obreira não se podia substituir por terceiros. (Processo 00607-2007-023-03-00-1 RO – TRT 3a Reg. – Oitava Turma – Rel. Márcio Ribeiro do Valle – DJMG 15.12.07 p. 31). 164 Nesse sentido, Alexandre de Moraes lembra de manifestação do Ministro Sepúlveda Pertence: “Daí, a meu ver, que tudo o que puder frustrar ou cercear o exercício da plena eficácia do controle legislativo sobre as medidas provisórias, haja de ser recusado por inconstitucionalidade, porque desfaz esse sutil equilíbrio dos Poderes, essencial a evitar que o uso e o abuso da medida provisória se transforme num verdadeiro instrumento de ditadura constitucional” (2003, p.1140).

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de tais pressupostos caso admitido fosse, implicaria consagrar, de modo inaceitável, em favor

do Presidente da República, uma ilimitada expansão de seu poder para editar medidas

provisórias, sem qualquer possibilidade de controle, o que se revelaria incompatível com o

nosso sistema constitucional”.

Não fosse a inobservância do requisito urgência para edição de medidas provisórias,

verifica-se inconstitucionalidade da MP 410 também pela ofensa a princípios basilares da

Constituição Republicana.

Ocorre que no caput do art. 14-A, introduzido na Lei 5889/73, dispõe que “O produtor

rural pessoa física poderá realizar contratação de trabalhador rural por pequeno prazo para o

exercício de atividades de natureza temporária” e seu §3o preconiza:

O contrato de trabalhador rural por pequeno prazo não necessita ser anotado na Carteira de Trabalho e Previdência Social ou em Livro ou Ficha de Registro de Empregados, mas, se não houver outro registro documental, é obrigatória a existência de contrato escrito com o fim específico de comprovação para a fiscalização trabalhista da situação do trabalhador (itálico acrescido).

Essa norma não afasta a existência do contrato de emprego, mas incentiva, a contrário

do que se propõe165, o descumprimento de direito trabalhista mais elementar, que é a própria

anotação da CTPS, pelo que transita na contramão do princípio da valorização do trabalho

humano, fundamento da República e base da própria ordem econômica (inc. IV, art. 1o e art.

170 da CR/88).

O Estado Democrático de Direito não prescinde de conquistas anteriores, de maneira

que carrega, ínsito, o Estado Social, e a Constituição Republicana de 1988 é clara nesse

sentido ao estabelecer que a Republica Federativa do Brasil tem como um dos seus

fundamentos a valorização social do trabalho (inc. IV, art. 1o), do que não escapa a ordem

econômica (art. 170), nem, por coerência, “a ordem social [que] tem como base o primado do

trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais” (art. 193). Em verdade, diversos outros

artigos demonstram, claramente, como os arts. 7o ao 11, que os direitos sociais são fundamentais.166

165 A exposição de motivos (EMI 00040 MF - MPS – MTE), no seu item 7, diz: “[...] estamos recomendando a criação de mecanismos que promovam e facilitem a formalização dos contratos de trabalho envolvendo esses trabalhadores assalariados rurais, em particular, os que trabalham em atividades de curta duração.” 166 É oportuno lembrar que, em reunião de juristas (Primeira Jornada de Direito Material e Processual), aprovaram-se proposições de interpretação, que não se confundem, evidentemente, com súmulas do TST, mas que indicam importante linha de pensamento de estudiosos do Direito Material e Processual do Trabalho. Dentre uma das proposições, a de n. 9, em seu item I, oferece a diretriz no sentido da impossibilidade de flexibilização de direitos sociais, nos seguintes termos: “Flexibilização de direitos sociais. Impossibilidade de desregulamentação dos direitos sociais fundamentais, por se tratar de normas contidas na cláusula de intangibilidade prevista no art. 60, §4o, inc. IV, da Constituição da República”.

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Quando há incentivo à informalidade167, em especial pela dificultação, na prática, do

reconhecimento de uma relação de emprego, contribui-se para a flexibilização do mais

elementar direito fundamental, porque o vínculo empregatício é a porta de entrada de todo um

sistema protetivo.

A MP 410, na verdade, ao tentar “desburocratizar” o contrato de emprego, mirou

errado, porque não há qualquer complicação em anotar uma CTPS nem muito menos em

expedi-la. Se não fosse assim, seria o caso de tomar medidas para corrigir eventual

dificuldade, e não simplesmente permitir, por lei, a sua não-anotação. É certo que não se

chegou a ponto de negar a existência nos contratos de trabalhador rural por pequeno prazo de

uma verdadeira relação de emprego, referindo-se a um registro documental e, na sua ausência,

à obrigatoriedade de contrato escrito com o fim específico de comprovação para a fiscalização

trabalhista da situação do trabalhador. Mas, então, reindaga-se: Por que não anotar a CTPS? É

mais simples e, no campo, mesmo quanto aos contratos de pequena duração, não “suja” a

carteira, porque é comum o obreiro trabalhar em atividades sazonais.

O que se avista, portanto, é grande incentivo ao descumprimento da legislação

trabalhista, não se justificando argumentos ordinariamente desenvolvidos no sentido de que o

trabalhador não deseja que sua CTPS seja anotada por pequenos períodos, porquanto,

verdadeiramente, no campo, a realidade, em grande medida, retrata contratos de pequena

duração, ou seja, isso já é normal e não deve gerar o preconceito de se reputar “suja” a

carteira, mas, ainda que assim não fosse, haveria de se trilhar a via da conscientização, e não

incitar, pela via legal, a não-anotação da CTPS, prática que, de todo modo, já se desenvolve,

gravosamente, sem esse incentivo. Não se olvide que o art. 25-A da Lei 8213/91 prevê uma

figura mais evoluída, ou seja, o consórcio de empregadores rurais, que poderia, perfeitamente,

ser desenvolvida.168

Destarte, afigura-se dissonante das diretrizes constitucionais incentivar a não-anotação

da CTPS, configurando inconstitucionalidade material, ao dispor a MP 410 que “O contrato

de trabalhador rural por pequeno prazo não necessita ser anotado na Carteira de Trabalho e

Previdência Social ou em Livro ou Ficha de Registro de Empregados”.

167 Repise-se, por fundamental, que a MP 410 acaba incentivando a não-anotação da CTPS, e com isso na prática, apesar de não prescindir de alguma formalização, acaba incitando o não-reconhecimento do vínculo de emprego. Ademais, a anotação da CTPS já virou um signo, uma “marca registrada da relação de emprego”, prestando-se, até mesmo, como documento de identificação. 168 Dispõe o art. 25-A da Lei 8.212/91, acrescentado pela Lei 10.256/2001: Equipara-se ao empregador rural pessoa física o consórcio simplificado de produtores rurais, formado pela união de produtores rurais pessoas físicas, que outorgar a um deles poderes para contratar, gerir e demitir trabalhadores para prestação de serviços, exclusivamente, aos seus integrantes, mediante documento registrado em cartório de títulos e documentos.

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Merece registro, ainda, que essa Medida Provisória dificultará a atividade de

fiscalização empreendida pelos auditores fiscais do trabalho. A regra de obrigatoriedade de

anotação da CTPS, justamente com a que veda a sua retenção, permite que a fiscalização, in

loco, verifique se houve ou não o cumprimento do dever elementar de formalizar uma relação

de emprego, bastando pedir a apresentação da CPTS aos trabalhadores – e observe que é

vedada a sua retenção pelo empregador. Agora, contudo, o empregador rural poderá se valer

de um “contrato de gaveta”, estrategicamente guardado para as ocasiões de fiscalização.

Não soa como bom sinal o fato de situações de informalidade – não-anotação da CTPS –

chegarem à lei (algo meio paradoxal: tentar formalizar a informalidade). O incentivo ao

descumprimento da lei, por mais que se diga o contrário, implementado pela MP 410, de

2007, é indicativo de que passadas mais largas são tomadas para o reconhecimento de uma

realidade de precarização, o que não conduz a um quadro de caminhada mais forte para o

evolver social.

Dessa maneira, a finalidade de incremento de arrecadação previdenciária – a Medida

Provisória 410 também sinalizou para esse fim –, igualmente, não parece que será atendida,

porque, se não é obrigatória a anotação da CTPS para os contratos de trabalhadores rurais de

pequena duração, não há razão para se acreditar que outro qualquer documento será

preenchido (salvo se apenas ficar estrategicamente preenchido, assinado e guardado em

gaveta para eventual fiscalização), nem mesmo a Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia

do Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social (GFIP).

Já foi dito, mas calha repetir, que a formalização do vínculo de emprego, mesmo no

campo, apresenta uma coincidência: nos países de maior índice desenvolvimento humano

(IDH) verifica-se maior vinculação da população ocupada ao mercado de trabalho

mediante o clássico vínculo de emprego, enquanto nos países de menor IDH ocorre

justamente o contrário.

No sistema capitalista, um dos mais vigorosos meios de distribuir renda consiste

justamente em assegurar um sistema jurídico de proteções mínimas. O Direito do Trabalho,

com todos os seus problemas, ainda é um interessante instrumento de distribuição de renda

nesse sistema, e a informalidade caminha na contramão.

Conclui-se, portanto, que a lei não deve trazer referências que, em grande medida,

possam incentivar a precarização de direitos trabalhistas, especialmente pela via mais grave

de não reconhecimento, na prática, de uma relação de emprego.

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4.2.1.9 A vulgarização da fórmula “não configura relação de emprego”

Grande parte da análise aqui desenvolvida tem apontado para uma utilização gravosa

da fórmula “não configura relação de emprego”, ou assemelhadas, com a qual a legislação

tem prestado um desserviço à construção de uma sociedade mais igualitária e democrática, à

afirmação de direitos sociais, de direitos trabalhistas, pela passada primeira do

reconhecimento da relação de emprego, porta de entrada para o sistema protetivo.

As grandes massas de trabalhadores se vinculam ao mercado de trabalho mediante

vínculo de emprego, mesmo na contemporaneidade. Acontece que todos os elementos da

relação de emprego (serviço prestado por uma pessoa natural a outra pessoa, com

pessoalidade e não eventualidade e mediante subordinação e onerosidade), como bem

observado por Maurício Godinho Delgado (2003), antes de mais nada, são fáticos, são

extraídos da vida, da realidade, e apenas após isso captados pelo direito (eis aqui a sua

dimensão jurídica), pelo que, com propriedade, denominados elementos fático-jurídicos. É

preciso ter em vista – e não obscurecer a realidade – que, em grande parte dos países, a

maioria das pessoas que ocupa a posição de empregadora, especialmente quando motivada

pelo lucro, não abrirá mão de comandar a prestação pessoal de serviços, não se despojará

do dever de subordinação a que está contratualmente sujeito o empregado, ainda que,

hoje, ela possa ser obtida por múltiplos meios. Não se esqueça, nessa perspectiva, de que

empresa, em essência, consiste justamente na organização dos modos de produção, no que

se insere a gestão das relações de produção, especialmente pela via empregatícia.

Dessa maneira, já ficou igualmente assentado que a nova tecnologia não afasta a

subordinação e que, em muitos casos, os métodos de controle se tornam até mais eficientes, e

o trabalhador bem o sente. Na mesma passada, a reengenharia ou o sistema toyotista não

atingiram, em essência, a subordinação. A grande leva de pessoas que, por vezes, figura fora

do que se entende por “empregado” em pesquisas que levam em conta a distribuição da

população economicamente ativa, a rigor, examinado o caso concreto, é formada de

empregados.

Por essa razão, além de danosa, esta postura legislativa é supérflua. A fórmula “não

configura relação de emprego” e assemelhadas, tantas vezes adotada pelo legislador, não

contribui para a implementação do Estado Social nem para o crescimento da democracia,

senão, em grande medida, para incentivar investidas simulatórias ou fraudatórias, imbuídas do

jargão formal “não configura relação de emprego”.

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Acentue-se, portanto, que tudo que não se enquadrar no modelo relação de emprego,

cujos requisitos são hauridos dos arts. 2o e 3o da CLT, não será, por evidente, relação de

emprego, e por isso é desnecessário vulgarizar, na legislação, a fórmula “não configura

relação de emprego”.

4.3 Considerações finais

A relação de emprego foi instrumento revolucionário de conexão do trabalhador ao

sistema produtivo capitalista, emergindo no lugar da servidão e escravidão. O seu traço

contratual permitiu considerável dinâmica empresária, mas, igualmente, pela apoteose do

liberalismo e da conseqüente autonomia da vontade, individualismo e não intervenção estatal,

desenvolveu-se gravíssimo quadro de crise social ante as condições subumanas a que foram

submetidos os trabalhadores.

Uma nova classe, então, despontava: a classe dos trabalhadores, que, aos poucos,

tomava ciência de sua existência e de sua força, quando concertada, unida e organizada,

na busca de melhoria das suas condições de vida, se necessário, pela própria via da

revolução.

Essa efervescência social leva a resultados diversos, emergindo, paulatinamente, uma

legislação trabalhista, ao lado de movimentos mais profundos, como a própria alternativa ao

sistema capitalista, pelo socialismo, realidade vivida com intensidade a partir da Revolução

Russa de 1917.

Insustentável desconsiderar a questão social, chega o momento em que o Direito do

Trabalho e outros direitos sociais exsurgem no ambiente social, de forma mais coerente,

sistematizada, solidificada, configurando, mesmo, conquista dos trabalhadores que se

insere em um cabedal jurídico-cultural da humanidade. A sua evolução é contínua, ainda

que haja retrocesso em um ou outro momento. Sob o enfoque normativo, declarações de

direitos sociais chegam às constituições. A do México de 1917 e a da Alemanha de 1919 bem

exemplificam.

Após a Primeira Grande Guerra, um novo repensar das imoderações de um

capitalismo sem peias surte algum efeito, ainda que insuficiente neste momento, mas que

desponta com algumas conseqüências, como a própria criação da Organização Internacional

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do Trabalho. Insuficiente, como dito, o sistema precisava de maiores ajustes, de maneira que

exsurge uma Segunda Grande Guerra, ao cabo do que, além da miséria humana, segue um

repensar mais profundo, aliado ao fato de que, neste momento, o socialismo se apresenta

como uma ameaça verdadeiramente mais intensa, real, próxima.

Emerge, então, a “Era de Ouro”, na expressão de Hobsbawm (1995, p.253-281), e os

enunciados normativos acolhidos em legislações e, até mesmo, em Leis Fundamentais

apresentam-se mais reais. O Estado de Bem-Estar Social atua, efetivamente, na economia e na

esfera social, permitindo clara distribuição de riquezas a ponto de o trabalhador já não mais

enxergar com a simpatia pretérita formas alternativas de viver social, muito menos pela

via da revolução.

Desaparecidos os contrapontos internos e externos, em um momento de crise do

Estado de Bem-Estar Social, não tardam os titulares do poder econômico brandir novamente o

bordão liberal. Eis o ultraliberalismo exigindo a abertura dos mercados, a redução do tamanho

do Estado, enfim, toda uma ortodoxia já conhecida de desregulamentação em favor do capital.

Os direitos então conquistados passam a sofrer toda a sorte (ou azar mesmo) de ataques,

valendo-se os arautos do discurso desconstrutivista do valor-trabalho-e-emprego de

argumentos tecnológicos, organizacionais, mercadológicos ou culturais, nada mais, contudo,

do que uma absolutização ideológica, discurso elitista em claro menoscabo ao regime político

democrático – um elitismo democrático.

Apesar de todos os ataques, a civilização alcançou evolução no caminhar histórico. É

titular de direitos, convive sob o princípio da soberania popular169, de maneira que, além

de não se verificar o eclipse do valor-trabalho-e-emprego, ainda que assim não fosse,

caberia ao povo divisar alternativas saudáveis de perpetuação da dignidade humana, não

sendo legítimo aceitar o apocalipse da existência da classe trabalhadora, que, então,

carente de qualquer valor, vez que apenas o trabalho lhe sobra, ficaria à mercê de

migalhas do sistema.

É nesse contexto, extremamente resumido, em que se procura tomar espaço a tentativa

(cada vez mais real) de flexibilizar ao máximo o direito do trabalho, atingindo o seu próprio

cerne, a relação de emprego, porta de entrada para todo um sistema jurídico protetivo,

conquista histórica do trabalhador.

169 A afirmação da soberania popular, princípio norte da democracia, é uma conquista da civilização, cabendo, é certo, evoluir, mas, ainda assim, repise-se, configura uma conquista.

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Descoberto, então, o falso discurso ultraliberal de desvalorização do trabalho e do

emprego, insta, ato seguinte, divisar algumas alternativas para a aplicação generalizada do

Direito do Trabalho na sociedade contemporânea, especialmente na brasileira, objeto de

estudo do próximo capítulo.

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5 INSTRUMENTOS DE APLICAÇÃO GENERALIZADA DO DIREIT O DO

TRABALHO NO BRASIL

Examinada a formação do Direito do Trabalho na sociedade ocidental,

especificamente no Brasil, constatou-se que esse ramo da ciência jurídica é fruto de luta e,

portanto, uma verdadeira conquista do trabalhador. Sua função precípua consiste na melhoria

das condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica, o que remanesce

atual e necessário para assegurar um patamar mínimo civilizatório. Maurício Godinho destaca

que “à medida que o contrato empregatício desponta como o principal veículo de conexão do

indivíduo com a economia, seu ramo jurídico regulador – o Direito do Trabalho – torna-se um

dos mais eficientes e genéricos mecanismos de realização de justiça social no sistema

capitalista” (2006a, p.122). Verificou-se, ainda, que a aplicação do sistema jurídico trabalhista

protetivo pressupõe, primeiramente, o reconhecimento de uma relação de emprego

(categoria central).

Neste momento, cabe investigar, então, instrumentos para a aplicação generalizada do

sistema protetivo juslaboral no Brasil sabendo-se de antemão que muitos outros além dos aqui

divisados existem.

Fincados esses limites, sob uma ótica mais geral, o fortalecimento da democracia

brasileira é o primeiro passo para a generalização do Direito do Trabalho, configurando,

mesmo, uma verdadeira missão da sociedade. Muitos outros passos estão ligados a esse,

mesmo porque há uma indissociável intercomunicação, especialmente entre a efetivação de

direitos sociais e o fortalecimento da democracia na formação de um ciclo virtuoso. Assim,

contribui nessa caminhada a efetividade da jurisdição, mediante a utilização de instrumentos

ágeis e mais generalizantes de tutela. O sistema protetivo trabalhista é composto de um

complexo feixe de normas, mas também de institutos e entidades, e estas estão alinhadas a um

propósito último que é a busca de condições dignas de existência para o trabalhador,

assumindo destacado papel os Sindicatos, as Delegacias Regionais do Trabalho e o Ministério

Público do Trabalho. A desproporcionalidade de forças dos agentes envolvidos nas relações

de emprego torna necessária a organização dos trabalhadores em grupos maiores (como

retratam os sindicatos), a criação de instrumentos de pressão (a exemplo das greves), a

instituição de organismos administrativos (como as inspetorias do trabalho – no Brasil, as

Delegacias Regionais do Trabalho), além do próprio Judiciário para a aplicação de normas

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mais elementares de sobrevivência da pessoa humana. Enfim, afigura-se necessária a

institucionalização de todo um sistema protetivo.

5.1 O fortalecimento da democracia

A democracia brasileira, representativa e com canais de manifestação direta da

vontade popular, está sujeita a muitas provações. Seu crescimento depende de um constante

embate de forças. A sociedade civil assistiu a muitos golpes de Estado, a Governos

ditatoriais, mesmo militares, e a uma inconstância política que não favoreceu o evolver de

uma consciência firme, constante e intensa de condução democrática, de soluções

pautadas e referenciadas na soberania popular. Até a presente quadra, assiste-se a um

grande elitismo democrático. Vale dizer, as elites econômica e política, incrustadas no

poder há muito tempo, acabam atuando como articuladoras dos principais rumos do

próprio Estado e fazem parecer que grande parte das medidas tomadas encontram-se

legitimadas pelo voto, mas sem se sentirem vinculadas aos verdadeiros interesses da

massa representada, que, segundo sustentam, não teria condições sequer de manifestar

coerentemente sua vontade.

Essa realidade conspira contra os ideais democráticos existentes na Constituição

Republicana de 1988. A democracia representativa se justifica, sim, em um País populoso e

de território quase continental, mas não significa que os representantes eleitos possam se

divorciar por completo da base representada, porque o fundamental princípio democrático se

esvai, a soberania popular não se realiza e, na prática, assiste-se a quase uma verdadeira

oligarquia fática, que se vale de múltiplos instrumentos para se estabelecer nos centros de

poder e guiar os rumos do Estado.

Já se afirmou, com suporte em José Afonso da Silva, que a democracia “revela um

regime político em que o poder repousa na vontade do povo” e, “sob esse aspecto, [ela] não é

um mero conceito político abstrato e estático, mas é um processo de afirmação do povo e de

garantia dos direitos fundamentais que o povo vai conquistando no correr da história”

(SILVA, 2000, p.130). A concepção de Lincoln, citado por esse autor (2000, p.130), acerca da

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democracia é simples mas essencial: “governo do povo, pelo povo e para o povo.170 Além

disso, a construção do Estado Democrático de Direito não prescinde da matriz essencial do

Estado Social, senão a incorpora como um ciclo anterior na evolução social (não-retrocesso

social), de maneira que efetivação de direitos sociais encontra-se como dever do Estado. Mais

uma vez, então, com José Afonso, temos que a democracia deve incorporar como parte de

seus objetivos a “educação, nível de cultura, desenvolvimento, que envolva a melhoria de

vida, aperfeiçoamento pessoal, enfim, tudo se amalgama com direitos sociais, cuja

realização cumpre ser garantida pelo regime democrático” (SILVA, 2000, p.132) e Claude

Julien, citado pelo mesmo autor, acentua que a “democracia não pode resignar-se com os

bidonvilles, os alojamentos insalubres, os salários miseráveis, as condições de trabalho

miseráveis” (p.132).

Nesse contexto de fortalecimento da democracia, é importante desenvolver idéias e

mecanismos tendentes à valorização dos sindicatos enquanto instrumentos destacados de

valorização do trabalho e do emprego, do sistema juslaboral e, igualmente, como centros de

afirmação de vontades populares na sociedade civil.

O associativismo e, especialmente, o fortalecimento sindical estão jungidos à

caminhada de formação do Direito do Trabalho, mesmo porque sem a união de forças dos

trabalhadores não seria possível enfrentar o empregador, pela patente desigualdade econômica

existente entre esses protagonistas sociais.

Ocorre que o capitalismo se desenvolveu mais que o associativismo ou que os

mecanismos de descentralização do poder, e as mudanças no mundo “pós-industrial” levaram

à desarticulação obreira. Alto desemprego, terceirização e modelo toyotisma de produção,

dentre tantos outros fatores, fizeram com que os sindicatos, cada vez mais, perdessem força

nesse cenário. No Brasil, ainda há de se acrescer que o sindicato, muito cedo, foi trazido para

dentro do Estado, pela criação de um modelo de gestão trabalhista grandemente

corporativista, a partir de 1930. Tal modelo, estranhamente, remanesceu mesmo em realidades

mais democráticas, como exemplifica a República Populista. Atualmente, o maior traço

corporativista encontra-se incrustado na própria Constituição, que prevê o financiamento

170 A fórmula conceitual pode ser estendida sob variados enfoques. José Afonso adota a seguinte: “democracia é um processo de convivência social em que o poder emana do povo, há de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo povo e em proveito do povo” (SILVA, 2000, p. 130). E adverte, com assento em Bachrach, a existência de uma tendência de incorporar à teoria democrática princípios da teoria elitista, formando uma elitismo democrático, fundado na concepção de governo de uma minoria democrática, renovada democraticamente e voltada para o interesse popular, mediante interação com as massas, que seriam incompetentes. José Afonso é incisivo a respeito dessa teoria: “Se seu governo [da sociedade] emana do povo, é democrático; se não, não o é” (SILVA, 2000, p. 132).

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compulsório dos sindicatos, além da sua unicidade. Essas figuras impedem o evolver

democrático e permitem considerável distanciamento entre os representantes sindicais e suas

bases de representação, além de não possibilitarem o desenvolvimento natural e coetâneo do

movimento associativista, com as características ditadas pelas necessidades locais.

Já houve, contudo, algum caminhar, considerando-se que a representação classista no

Judiciário Trabalhista, inicialmente prevista na Constituição de 1988, foi extirpada com a

Emenda Constitucional 24 de 1999, restando, agora, realizar mais um avanço, afastando,

ainda que de forma paulatina, a contribuição sindical obrigatória e a forçosa unicidade

sindical. Com isso, o distanciamento insuflado pelo sistema corporativo entre representantes

sindicais e bases representadas desaparecerá, e os sindicatos terão maior legitimidade e maior

atuação social, dinamizando o atendimento à multifária necessidade trabalhista, porque o

associativismo deve emergir de movimentos espontâneos, naturais e coerentes com as

realidades em que desponta, sem as peias de um imobilismo criado por sindicato único, com

suporte na lei.

Destarte, à guisa de conclusão, é possível afirmar que os rumos da sociedade, mesmo

integrada em ambiência global, devem ser tomados pelo povo, que não se confunde com uma

minoria detentora de poder econômico e canalizadora das aspirações de uma pretensa massa

de incapazes despossuídos (discurso de elitismo democrático). Urge o fortalecimento da

democracia brasileira, por várias vias, nas quais se inclui, com papel decisivo, a

implementação de direitos trabalhistas, pela própria transferência de parcelas de poder e,

mesmo, pelas melhores condições materiais de vida, formando-se, então, um cidadão mais

cônscio de seus deveres e direitos, mais apto, pois, a tornar-se verdadeiro partícipe da

formação da vontade condutora dos anseios da sociedade.

5.2 Atuação do Estado

Em 5 de outubro de 1988, o povo brasileiro constituiu um Estado Democrático de

Direito, que traz, ínsito, o Estado Social, fundado na valorização do trabalho humano, base da

ordem econômica e primado da ordem social, de maneira que não há outra senda a seguir

senão a da sua implementação.

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A intervenção estatal na economia e na esfera social é medida de realização da própria

Constituição e que se impõe, mesmo porque esse Estado já nasceu balizado com essas

prioridades sociais e democráticas.

Como as forças sociais são díspares, lei e Estado devem atuar para corrigir as

desigualdades e permitir certo desenvolvimento social fincado em princípios

distributivos, com prestações positivas para a melhoria de condições de vida das massas

populacionais.

Nesse momento de mundialização da economia, apregoa-se a pequena atuação efetiva

que poderia desempenhar os Estados. Mas esse discurso carrega uma absolutização

ideológica, porque, se é verdade, em certa medida, não o é totalmente, existindo campo para

que a soberania se manifeste, quando menos, para determinar os rumos essenciais das

políticas públicas. Em verdade, a história recente já ilustra que a adoção das medidas

ortodoxas ultraliberalistas levam os Estados a níveis de pobreza enormes em pequeno

espaço temporal.

Assim, ilustrativamente, a atuação do Estado, provendo prestações nas áreas da

educação, da saúde, do lazer, da geração de empregos, etc., é fator fundamental para a

aplicação generalizada do Direito do Trabalho, ainda que se veja esse quadro sob o enfoque

econômico, porque potencializa as forças do Estado, qualifica o trabalhador brasileiro e

incrementa o mercado interno, em nítido ciclo virtuoso. A atuação do Estado sobre a

taxa de juros é outro exemplo de intervenção estatal que contribuiu decisivamente para a

aplicação generalizada do Direito do Trabalho, porquanto desestimula o capital

especulativo e, ao mesmo tempo, confere certo sopro ao capital produtivo, gerando mais

empregos. A construção de obras públicas úteis para a população, igualmente, gera

empregos e incrementa o mercado interno. Enfim, muitas são as formas de atuação do

Estado. O que não se concebe seja admissível é a sua não-intervenção, em claro

retrocesso histórico, que já provou não funcionar. É dizer: quanto menos Estado-

Providência, mais Estado Polícia (WACQUANT, 2001).

5.3 Efetividade da jurisdição

Há direta correlação entre efetividade da jurisdição e eficácia do direito material, no

sentido de que quanto mais eficaz aquela, mais este se realiza e é cumprido espontaneamente.

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À medida que se confere maior efetividade à Jurisdição na prestação de tutela trabalhista,

maior é a aplicação generalizada do Direito do Trabalho.

No vernáculo, efetividade indica qualidade de efetivo, atividade real, resultado

verdadeiro, realidade, existência (FERREIRA, 1999). Em De Plácido e Silva, encontra-se:

“Derivado de efeitos, do latim effectivus, de efficere (executar, cumprir, satisfazer,

acabar), indica a qualidade ou o caráter de tudo o que se mostra efetivo ou que está em

atividade (2000, p.295). Sintetizando, então, efetividade traduz tudo aquilo que satisfaz

expectativas.

Jurisdição, por sua vez, é função, dever e poder do Estado de dizer qual é o comando

normativo aplicável e de realizá-lo no caso concreto, em tempo razoável.

Retirada do particular a autotutela, ao Estado cabe solucionar o conflito de interesses

que lhe é apresentado, com justiça e em tempo razoável. Não basta, contudo, ofertar o acesso

ao Judiciário ou prometer uma decisão sem perspectiva de quando ela exsurgirá ou se

implementará. Se a Constituição da República reconhece o direito a um provimento

jurisdicional (inc. XXXV, art. 5º), ele somente pode ser o efetivo, isto é, que satisfaça, no

plano dos fatos, o direito abstratamente previsto e sem delongas indevidas. Logo, outro

epíteto não pode ser agregado à jurisdição senão o de efetiva, de tal forma que ao

jurisdicionado é oferecida uma garantia constitucional de efetividade da jurisdição. Luiz

Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart são eloqüentes em afirmar que a tutela deve

ser efetiva:

O direito de acesso à justiça, atualmente, é reconhecido como o direito que deve garantir a tutela efetiva de todos os demais direitos. A importância que se dá ao direito de acesso à justiça decorre do fato de que a ausência de tutela jurisdicional efetiva implica a transformação dos direitos garantidos constitucionalmente em meras declarações políticas, de conteúdo e função mistificadores (2001, p.26).

As normas jurídicas dimanam de variadas fontes, exsurgindo, até mesmo, da atuação

de particulares, de coletividades a que a lei confere certa esfera de atuação normativa, como

exemplificam as negociações coletivas de trabalho, das quais erigem acordos e convenções

coletivos. Mas, independente do veio de que promanam, as normas devem produzir resultados

sensíveis no mundo, proibindo, impondo ou incentivando condutas. É de se esperar, em

grande monta, que sejam normalmente observadas, de preferência espontaneamente, e,

dessa forma, alcancem o fim a que se destinam e colham o predicativo de efetivas,

guardem eficácia social. Se não houver, contudo, observância espontânea, a sua

imposição, pela jurisdição, contribui para que, em um segundo estágio, obtenha-se a tão

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almejada observância espontânea, em níveis razoáveis e socialmente adequados. Vale

dizer, a imposição jurisdicional, de forma efetiva, incrementa a observância espontânea. Ou,

em outras palavras, observância imposta incentiva a observância espontânea, a efetividade

jurisdicional insufla eficácia social.

Assim, diante de certa resistência ao cumprimento espontâneo das normas, resta ao

titular do direito lesado acionar o aparato estatal disposto para a solução do conflito. Afora os

métodos alternativos de solução de conflitos, como a mediação e a arbitragem, o titular da

pretensão tem de buscar o Judiciário, nascendo, então, a importância de se examinar a

efetividade da jurisdição, que, neste prisma, não se limita a traduzir o poder, o dever e a

função de dizer o direito, mas, principalmente, de torná-lo efetivo, no plano dos fatos e em um

tempo razoável. A questão envolve acesso à justiça, merecendo realçar, no aspecto, a

contribuição de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, que observam:

[...] o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação [...]. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos (1988, p.11).

Repisa-se, pois, que eficácia social do direito material e efetividade jurisdicional se

relacionam em uma lógica de afirmação recíproca. Ou seja, quanto maior a efetividade da

jurisdição, maior a observância espontânea das normas e, por conseguinte, menos requestada

é a jurisdição, mais tempo e energia reservam-se às demandas levadas ao Judiciário.

Dentro do caos, suscitado pela abundante inobservância normativa, acena-se uma

saída, porque, mesmo em face do estrangulamento das vias jurisdicionais de solução de

conflitos, quanto mais célere, efetivo e justo o provimento jurisdicional – justo porque

restaura a ordem jurídica lesada, oferece ao titular do direito o que lhe é devido, da forma

mais célere possível –, menos interessante será descumprir a lei; não pesará positivamente na

balança dos litigantes contumazes. Diga-se, então, com esteio nos ensinamentos de José

Roberto Freire Pimenta, que a jurisdição deve ser tão efetiva que faça surgir a crença de que

não há outra alternativa melhor senão cumprir a ordem jurídica (PIMENTA et al., 2004). A

busca ao Judiciário há de representar séria “ameaça” de utilização de um aparato ágil de

solução de conflitos, que desestimule o descumprimento da norma.

Essas asserções não se extraem do vazio. Advêm, é certo, do âmago da Constituição

Republicana de 1988. Ao se assegurar o acesso à justiça (inc. XXXV, art. 5º), não se brandiu,

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à guisa de engodo, a existência de algo inócuo. Acesso à justiça é um plus em relação ao

acesso apenas à jurisdição, porque esta haverá de ser qualificada; ou seja, caminhar jungida ao

adjetivo efetiva e, por conseguinte, em tempo razoável171, para que, nesse sentido, também

seja justa. Guardadas essas premissas, ao operador do direito, no dia-a-dia, cabe tornar essa

garantia constitucional uma realidade, podendo, até mesmo, haurir do sistema – mesmo que

ainda não descobertos – meios de sua concretização. Ou, trilhando uma via mais fácil, poderá

conferir (ou retirar) força de meios já existentes, de técnicas já construídas, de instrumentos

processuais já instituídos.

O Direito do Trabalho tem assento constitucional e status de fundamentalidade de

segunda dimensão172, sendo imprescindível para a própria construção de um Estado

Democrático de Direito173, que ostente grande eficácia social – deixando em níveis mínimos o

descumprimento da norma. O alcance dessa meta de construção democrática exige, em

grande medida, a implementação de uma jurisdição efetiva, que ao direito material insufle

vida e robustez, criando no destinatário da norma a consciência de que a melhor

alternativa é cumpri-la.

Para o incremento de efetividade jurisdicional existem variados instrumentos, como

ilustram as tutelas de urgência, as cautelares e as antecipatórias, e a técnica de tutela coletiva.

Ao lado desses instrumentos, com igual importância, há de ser realçada a

imprescindibilidade de uma postura ativa para colher do sistema jurídico as suas inovações e,

até mesmo, descobrir mecanismos nele existentes – com o que, igualmente, presta-se tributo à

tutela jurisdicional efetiva. Muitos avanços alcançados pelo processo civil ilustram institutos

altamente benfazejos e que podem contribuir grandemente para a efetivação de direitos

fundamentais do trabalho, como exemplificam a possibilidade de liberação de dinheiro,

mesmo em fase de execução provisória, independentemente de caução (§2o, art 475-O, CPC),

e de imposição de multa, no caso de não-cumprimento, no prazo legal, da sentença

condenatória ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação (art. 475-J, CPC),

inovações trazidas pela Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2.005.

171 A necessidade de que a tutela jurisdicional fosse oferecida em tempo razoável já decorria da própria garantia de acesso à Justiça (inc. XXXV, art. 5o, CR/88), mas, ainda assim, o constituinte reforçou, com a Emenda Constitucional n. 45/2004, que o jurisdicionado tem direito a um processo em tempo razoável, ao acrescentar ao art. 5o o inciso LXXVIII: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. 172 Vide nota n. 166. 173 A democracia se realiza mediante profunda intervenção na organização substantiva da vida social. O processo, nesse quadro, atua como meio de efetivação de direitos fundamentais, oferecendo mecanismos adequados para evitar lesões ou recompor a normalidade jurídica abalada pelo descumprimento.

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Quão auspicioso, então, que o direito não pereça no transcurso do processo, ainda que

em seu tempo normal – o fisiológico174; que o titular do direito possa vê-lo satisfeito com

celeridade razoável, mesmo que provisoriamente; que a autotutela não acene para o

jurisdicionado como via de satisfação dos direitos; e que os descumpridores contumazes do

sistema jurídico refaçam seus cálculos, ante a reprimenda mais pronta do Estado-Juiz, pela

adoção de tutelas com dimensões mais alargadas, implementadas por entes com melhor

organização para a discussão em juízo.

5.3.1 A potencialidade das tutelas de urgência e das tutelas coletivas

Observou-se que a tutela deve ser efetiva, inclusive, haurindo do sistema jurídico os

meios necessários para tanto. Não se olvidou, ainda, que já existem meios poderosos de

efetivação de direitos, como, na pertinência do presente tema, as técnicas de tutela de urgência

e de tutela coletiva.

A sociedade de massas, pela sua agigantada dimensão, multiplica riscos e lesões à

coletividade. Não apenas atos de Governo deitam reflexos sociopolíticos de alargadas

proporções, como também a atuação de grandes corporações, entes de poderosa

capacidade econômica. Se, prevalentemente, a afirmação das liberdades individuais

colimou, em um primeiro momento, estabelecer proteção em face do Estado, permitindo uma

ótica de verticalidade de direitos fundamentais, hoje, sob o plano da horizontalidade, as liberdades

individuais – como também direitos sociais, coletivos e comunitários – merecem atenta proteção

em face de grandes corporações particulares. Nessa conjuntura, reiteradamente, direitos

fundamentais sofrem lesões. De pouca valia, então, a tradicional e tão utilizada técnica de defesa

de direitos de forma fragmentada, meramente individualizada, de traço anacrônico e

essencialmente liberalista e com fincas em cognição apenas exauriente.

Retornando, pois, ao veio comum deste item, no qual, em última análise, busca-se

ressaltar a potencialidade que pode ser extraída das tutelas de urgência e das tutelas

coletivas, é valioso o ensinamento de Luiz Guilherme Marinoni, que, na sua obra A

174 O próprio tempo fisiológico do processo pode causar enorme dano a quem tem direito. Pode, é verdade, até tornar inservível o provimento jurisdicional tardio. Muito mais nociva, então, a duração patológica do processo, justificando a correta utilização de cautelares, para, mais propriamente, assegurar o resultado útil de um processo, e da antecipação de tutela, para também melhor distribuir os ônus do tempo do processo.

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Antecipação da Tutela, diante de um cenário de anacronismo e ineficácia do tradicional

rito ordinário, sob a ótica da antecipação da tutela, proclama:

A tutela antecipatória constitui o único sinal de esperança em meio à crise que afeta a Justiça Civil. Trata-se de instrumento que, se corretamente usado, certamente contribuirá para a restauração da igualdade no procedimento. Embora Chiovenda houvesse anunciado, com absoluta clareza e invulgar elegância, que o processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tem o direito de obter, e, ainda, que o processo não deve prejudicar o autor que tem razão, a doutrina jamais compreendeu, porque não quis enxergar o que se passava na realidade da vida, que o tempo do processo não é um ônus do autor.

A técnica antecipatória, é bom que se diga, é uma técnica de distribuição do ônus do tempo do processo. A antecipação certamente eliminará uma das vantagens adicionais do réu contra o autor que não pode suportar, sem grave prejuízo, a lentidão da Justiça. (1999, p.17).

Munindo-se dessas premissas, especialmente considerando-se a necessidade de

utilizar técnicas potencializadas para a defesa de direitos, pode-se, adentrando-se na

casuística, vislumbrar a implementação de jurisdição efetiva, pela atuação de entes

legitimados para a tutela coletiva de direitos, como os sindicatos, as associações e o

Ministério Público.175

Assim, considere-se a hipótese de ajuizamento de uma Ação Civil Pública (ACP) em

face de dano ou risco de dano pela instalação de obra ou atividade potencialmente causadora

de significativa degradação do meio ambiente sem o estudo prévio de impacto ambiental. O

meio ambiente, depois de degradado, não se restaura facilmente e, em verdade, muitas vezes,

jamais se restabelece. Agregue-se a isso o fato de que há no sistema jurídico a possibilidade

de se postular a antecipação dos efeitos práticos de uma sentença que determine a cessação da

obra ou atividade potencialmente lesiva. Em esfera trabalhista, exemplifica-se com ACP em

que se colima tutela inibitória e antecipatória em razão de utilização de falsas cooperativas de

mão-de-obra ou por submissão de trabalhadores a atividade degradante ou de alto risco e sem

Equipamentos de Proteção Individual (EPI). Assim, a ilustração permite demonstrar a

relevância da utilização combinada da técnica de tutela coletiva com a tutela de urgência,

possibilitando-se, como neste caso de interesses difusos, projeção de efeitos para muito além

dos limites de uma demanda interindividual. Ademais o ente coletivo legitimado,

175 Diversos dispositivos conferem legitimidade a entes sociais para a tutela coletiva de direitos e interesses, podendo citar-se, exemplificativamente, na seara constitucional, o inc. LXX do art. 5º, que estabelece o mandado de segurança coletivo, o inc. III do art. 8º da CR/88 que confere legitimidade extraordinária aos sindicatos, na defesa da categoria, o art. 103, que descreve os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade e para a ação declaratória de constitucionalidade, o inc. III do art. 129, que confere legitimidade ao Ministério Público para promover a ação civil pública; e, no âmbito infraconstitucional, citem-se a própria normalização da ação civil pública, legitimando, além do Ministério Público, entes estatais e associações, inclusive sindicatos.

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ordinariamente, já se encontra estruturado para demandar com muito mais potencial de êxito

do que um simples particular.

A pertinência e a necessidade de utilização potencializada das tutelas chegam a ser de

incômoda evidência porquanto, como vem sendo realçado, a lesão em massa exige uma

técnica de enfrentamento apropriada: o caminho da tutela coletiva, pelos mais hábeis entes

legitimados. Incrementa-se a força dessa tutela com o auxílio de medidas de urgência,

franqueando-se, assim, mais equânime distribuição dos ônus do processo, porque o autor que

tem razão não pode (nem deve) esperar, ou porque, pela sua natureza, o bem cuja proteção se

colima não resiste ao transcurso do tempo.

O aparelhamento para o enfrentamento judicial é fundamental para o sucesso do pleito

e, portanto, para a defesa dos interesses e direitos em jogo, no contexto de litígio de

massas. Isso porque, dentre muitas outras razões que podem ser alinhadas, o indivíduo,

considerado apenas isoladamente, não detém, muitas vezes, suficiente informação nem

poder para defender sua pretensão em face de um grande produtor ou poluidor e,

especialmente, de seu empregador, muito menos quando se trata de grandes corporações.

Afora isso, a atuação atomizada, isolada, não desencorajaria o descumprimento em massa

de direitos.

Reafirme-se, então, mais uma vez, que, nesta conjuntura social, a técnica de defesa de

direitos assentada na tutela individual e com provimento jurisdicional apenas após longa e

exauriente cognição não satisfaz, porque a sociedade é de massa, a produção e a distribuição

são de massa e, outrossim, os danos são de massa, sem perder de vista que, cada vez mais, as

corporações se agigantam – muitas delas, hoje, figuram entre as maiores economias do

planeta.176 Esse tamanho potencial ofensivo exige a utilização de meios adequados para a

proteção de uma ordem jurídica razoavelmente saudável, seja evitando a ocorrência da lesão,

seja demovendo-a o mais rápido possível.

Rodolfo de Camargo Mancuso, na sua obra Interesses Difusos, indaga se o processo

está dotado dos instrumentos hábeis à tutela dos interesses difusos e responde acenando para

uma “adaptação criativa do arsenal processual existente às novas exigências surgidas com o

acesso à justiça dos interesses metaindividuais” (2004, p.268), acrescendo que:

[...] Em primeiro lugar, há necessidade atual – aqui e agora – de se outorgar tutela a esses interesses, de modo que não se afigura viável proceder, preliminarmente, a uma revisão global do processo civil, com eventual criação de institutos específicos,

176 segundo o Institute for Policy Studies, dentre as cem maiores economias do mundo encontram-se 51 corporações e 49 países. Disponível em: <http://www.ips-dc.org/downloads/Top_200.pdf>.

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para só então cuidar-se de concretizar praticamente a desejável tutela. Em segundo lugar, recepcionando o material já existente, sob uma interpretação menos rígida e mais progressista ou liberal, constata-se que ao menos alguns dos mais importantes institutos comportam essa adequação (2004, p.268).

Quando se fala em tutela coletiva, tem-se em vista, antes de tudo, uma técnica coletiva

de proteção jurídica, com repercussões mais amplas, notadamente pela natureza da pretensão

deduzida. Mas o específico meio coletivo utilizado cabe aos legitimados escolher, de caso a

caso, em atenção ao que se afigure mais adequado. Assim, podem ser utilizadas várias ações,

institutos e diplomas legais, como a ação civil pública, o mandado de segurança coletivo, o

mandado de injunção e a ação popular, entre outros.

Conclui-se, portanto, que as tutelas de urgência, conjugadas com a técnica de tutela

coletiva de direitos, pelas várias ações, institutos e diplomas ofertados, mas, também, pelos

que ainda haverão de ser hauridos do sistema constitucional, em prestígio do reconhecimento

normativo dos princípios, configuram robusto instrumental processual, que contribui para a

efetividade da jurisdição e aplicação generalizada do Direito do Trabalho.

5.3.1.1 Esfera de atuação trabalhista

Direitos trabalhistas consubstanciam direitos fundamentais de segunda dimensão,

agregam o patrimônio jurídico da pessoa humana177, com status constitucional178,

representando grupo normativo específico, com regras, princípios e institutos próprios. O

ramo juslaboral não vive, contudo, isolado no universo normativo: não só responde pela

proteção e realização de direitos sociais, como permite a concretização material das liberdades

individuais – direitos fundamentais de primeira dimensão –, que apenas representaram, em

primeiro momento, para as grandes massas populacionais, declarações formais, sem os

supostos fático-jurídicos para a sua implementação real, palpável, sensível na vida social.

177 Nesse contexto, é relevante ter em mira o princípio jurídico do não-retrocesso social e, com sua propagação no seio social, lutar pela manutenção das conquistas históricas da pessoa humana, sempre caminhando para a implementação da vida com dignidade, respeitando patamares elevados de democracia. 178 Citem-se as constituições Mexicana, de 1917, e Alemã de Weimar, de 1919. A consagração de direitos sociais, neste primeiro momento, não repercutiu verdadeiramente em sensíveis mudanças sociais, que apenas se implementaram, com maior generalização, após a Segunda Guerra Mundial, cujas Constituições, além de preconizarem direitos fundamentais de primeira e segunda geração, previram instrumentos eficazes para os direitos declarados, ou seja, as garantias constitucionais.

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Toda potencialidade das tutelas de urgência e coletivas, realçadas alhures, ganha

um clímax, uma nota de pertinência ímpar, quando se trata de efetivar direitos do trabalho,

porque, no âmbito das relações que lhe são próprias, em regra, exsurge, de um lado, o

empregador, titular dos modos de produção, e, de outro, o empregado, que acorre às filas

de emprego na busca de um posto que lhe assegure prover necessidades vitais básicas.

Significa dizer que também as necessidades de empregado e de empregador são bastante

distintas.

O ambiente laboral suscita, em intensidade peculiar, ofensa aos direitos dos

trabalhadores, por razões variadas, mas que remontam à desigualdade de poderes existente na

relação capital versus trabalho. Assim, o trabalhador, tangido pela necessidade de

sobrevivência, ordinariamente, não persegue seus direitos durante o contrato de emprego,

levando a Justiça do Trabalho a receber a alcunha de “justiça dos desempregados”.

Quando ocorre a dissolução do vínculo de emprego, o quadro não melhora muito.

De fato, o obreiro não estará mais jungido ao poder diretivo do empregador, mas, ainda,

remanescerá a sua imanente e indeclinável necessidade de sobrevivência, forçando-o,

mais uma vez, a prescindir de direitos, quando, muitas vezes, aceita acordos

prejudiciais, em virtude da impossibilidade de aguardar um provimento jurisdicional

definitivo e eficaz que lhe entregue o bem da vida. Nem se esqueça, neste quadrante, da

melhor estruturação empresária para enfrentar a demanda judicial e que, não raro, as

testemunhas indicadas pelo trabalhador continuam trabalhando para o empregador contra

quem se litiga.

É, então, justamente na esfera trabalhista que mais fértil terreno se encontra para a

implementação das tutelas de urgência e coletivas. O trabalhador, ordinariamente, não pode

esperar para a satisfação de necessidades vitais básicas, do que se extrai a relevância de bem

utilizar a técnica da tutela antecipada, inclusive em relação à obrigação pecuniária (§ 3º do art.

273 do CPC). As lesões trabalhistas em massa, normalmente, encontram correto, adequado e,

pois, eficaz enfrentamento quando se utiliza a técnica coletiva de combate, como é o caso de

existir meio ambiente do trabalho potencialmente lesivo à vida dos trabalhadores. Essa

técnica, aliás, é mais afinada à proteção de direitos durante a vigência do contrato de

emprego, afastando a participação direta do empregado na demanda pela legitimação

extraordinária.

Relativamente à técnica antecipatória, José Roberto Freire Pimenta, após observar que

o número de dissídios individuais cresce em direta proporção à incapacidade do Judiciário de

tornar o descumprimento da lei menos vantajoso, pontua:

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Para inverter o resultado dessa equação perversa, cumpre aos operadores do Direito, em geral, e aos magistrados trabalhistas, em particular, lançar mão, com firmeza e criatividade, dos instrumentos processuais hoje já disponíveis na lei processual civil, cuja aplicação subsidiária no âmbito trabalhista se dá com muito maior razão de ser, pela peculiaridade de seu objeto. Mais precisamente, o uso da tutela antecipatória dos efeitos da sentença de mérito, com o emprego de todos os meios de execução indireta autorizados pela lei (multas pecuniárias, uso de força policial e decisões judiciais de natureza mandamental, se necessário com a determinação de prisão em flagrante de quem as descumprir, etc.), terá a grande virtude de eliminar, em grande parte, as evidentes vantagens de que até hoje tem usufruído o devedor trabalhista (via de regra, a parte econômica e socialmente mais forte) quando deixa de cumprir suas obrigações legais, fazendo uso da via judicial para ganhar tempo e para forçar a parte hipossuficiente a transações visivelmente desvantajosas, nas fases de conhecimento e de execução (PIMENTA et al., 2004, p.392).

Os arts. 273 e 461 são responsáveis por uma verdadeira revolução no sistema do

Código de Processo Civil de 1973, impondo um redirecionamento ideológico, mudança de

rumo principiológico, afinamento à Constituição Democrática de 1988. Assim, o incontrastável

apogeu da segurança Jurídica passa a ceder espaço à efetividade da jurisdição.

Afirma-se, por conseguinte, que a tão defendida utilização da técnica antecipatória –

desde que, é claro, jungida à observância do sistema como um todo, conjugando-se princípios,

como o da ampla defesa e do contraditório – permite maior efetividade da jurisdição,

previne ilegalidades, mitiga atos protelatórios, reduz o interesse por conciliações

prejudiciais e, enfim, implementa eficácia ao Direito do Trabalho – aplicação mais

generalizada –, porque combate a síndrome de descumprimento, configurando verdadeiro

mecanismo de afirmação do princípio da isonomia na esfera processual, que deita

indiscutíveis reflexos na órbita material.

As cautelares, outrossim, que colimam preservar o resultado útil de um outro processo – a

sua efetividade –, têm igual relevo na esfera juslaboral, bastando lembrar-se dos inúmeros

casos em que a empresa “quebra”, cessa suas atividades irregularmente, e os sócios iniciam a

dilapidação do patrimônio, atraindo a pertinência do arresto, desde que presentes todos os

seus requisitos. Quando o empregador pretende desativar determinado estabelecimento no

qual há trabalho em condições periculosas ou insalubres, recorrente se apresenta a produção

antecipada de provas. Enfim, a multifária relação trabalhista é prenhe de situações a ensejar a

utilização das cautelares e, notadamente, com fincas no poder geral de cautela do julgador

(art. 798, CPC).

Muitas outras hipóteses poderiam ser alinhadas para aclarar a pertinência ímpar do

instituto da antecipação da tutela e das cautelares na seara trabalhista, mas as acima indicadas

já contribuem para a justificação da utilização desses potentes instrumentos.

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Resta, então, volver os olhos para a tutela coletiva, que quando utilizada em

conjugação com a tutela de urgência, prestigia sobremodo a efetividade da jurisdição,

robustece o direito material, demove o ânimo empresário em descumprir a legislação,

reafirma um patamar mínimo civilizatório, em atenção à dignidade do trabalhador, enaltece a

centralidade do trabalho e do emprego como meio de distribuição de renda na sociedade

capitalista e, enfim, deita reflexos sociais e jurídicos almejados.

A técnica de defesa coletiva apresenta-se ao sistema jurídico como meio hábil para a

proteção de direitos que, a depender do tradicional processo interindividual, ficariam

desguarnecidos. Na sociedade de massas, como já observado alhures, produz-se em massa,

contrata-se e dispensa-se em massa, padronizam-se procedimentos em quase todas as partes

do mundo, conglomerados industriais e financeiros movimentam fortunas maiores do que

alguns países e, neste contexto, o trabalhador, individualmente, em diversas situações, não

tem como eficazmente defender seus direitos, por razões várias, como a sua hipossuficiência,

a pequena dimensão do prejuízo sofrido, o desestímulo ao ajuizamento de uma demanda, pela

demora e outros inconvenientes que envolvem o processo, a falta de organização e

capacidade para enfrentar o adversário e outros múltiplos fatores que podem ser alinhados

em longa cadeia.

Na seara trabalhista, como já fora salientado, o problema se agrava, uma vez que o

empregado, ordinariamente, também não busca a proteção de seus direitos durante a vigência

do contrato de emprego, o que, com excelsa pertinência, seria corrigido pela técnica de defesa

coletiva, porquanto entidades mais capacitadas podem substituir o trabalhador, perseguindo a

afirmação e a efetivação de seus interesses e direitos, sem que o obreiro em nada intervenha,

senão quando de eventual liquidação da sentença condenatória. Com isso, oferta-se um

escudo ao trabalhador que, mesmo não propondo diretamente a ação, nem dela podendo

desistir, vê-se protegido.

Erige, então, a necessidade de atuação mais acentuada dos sindicatos, que detêm

legitimidade extraordinária de origem constitucional.179 Acresça-se que aos sindicatos

também se assegurou a impetração de mandado de segurança coletivo (“b”, inc. LXX, art.

5º, CR/88) e legitimidade para a propositura da ação civil pública (Lei 7.347/85), além, é

claro, de poder suscitar o dissídio coletivo – hoje, contudo, mitigado pela Emenda

179 O inc. III do art. 8º da CR/88 estabelece que “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”. O Tribunal Superior do Trabalho, afinado o seu entendimento à diretriz seguida pelo Supremo Tribunal Federal, cancelou, em 01.10.03, sua antiga súmula n. 310, que impunha seriíssima restrição à atuação sindical, porque não reconhecia que o supratranscrito dispositivo conferiria ao sindicato substituição processual.

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Constitucional 45/2004, que exige concordância das partes.180 No topo da organização

sindical, ostenta ainda, a confederação sindical a legitimidade para propor a ação direta de

inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade (inc. IX, art. 103,

CR/88). Mas, para tanto, há de se implementar um sistema de representação sindical dotado

de maior legitimidade.181

O Ministério Público do Trabalho, com destacada atuação no cenário nacional, na

implementação de diversos direitos trabalhistas, atuando, especialmente, em áreas críticas,

como no combate às fraudes nas relações de emprego, ao trabalho escravo (redução à

condição análoga à de escravo), à exploração de trabalho infantil, à discriminação –

notadamente de raça e de gênero –, entre outras, também poderia ampliar sua atuação, mas,

para tanto, haverá o Judiciário de acolher melhor a técnica de defesa coletiva. É bom lembrar

que a missão institucional do Parquet laboral é mais alargada do que parece destinar a Lei

Complementar 75/93, notadamente em seus arts. 83 e 84. Como observado em outro ponto,

primeiramente, do veio constitucional devem ser hauridos os meios adequados para se

implementar direitos e a efetividade da jurisdição, e nessa passada cabe ter em vista que, a

teor do art. 127 da CR/88, ao Ministério Publico cabe a defesa da ordem jurídica, do regime

democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Tudo isso, como vem sendo proclamado, tem em vista a efetividade da jurisdição e,

portanto, como instrumento de aplicação generalizada do Direito do Trabalho. Se a

Constituição da República assegura o acesso à justiça, há de se reconhecer que se trata de

acesso a uma ordem jurídica justa, que permite ao titular do direito lesado – sem se esquecer

dos direitos de ampla defesa, contraditório e isonomia – receber tutela jurisdicional que,

dentro do possível, restabeleça a ordem jurídica posta em desequilíbrio e que lhe restitua o

direito lesado, de forma eficaz e célere. Do contrário, admitindo-se, por mera conjectura, que

apenas se assegurou o acesso ao Judiciário sem o reconhecimento de meios processuais

adequados, para, algum dia, receber um provimento jurisdicional, então, a Lei Fundamental

traduziria um engodo, mas isso, por evidente, não sucedeu.

180 Com a Emenda Constitucional n. 45, estabeleceu-se, no §2º do art. 114: “Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.” 181 Mudanças de ordem constitucional que afastassem o financiamento compulsório e unicidade sindical contribuiriam para incremento de legitimidade.

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5.3.2 Liberação de valores na execução provisória

Há vários instrumentos e técnicas que podem ser alinhados para oferecer tutela

jurisdicional trabalhista efetiva e, portanto, contribuir para a aplicação generalizada do Direito

do Trabalho. Nesse sentido, as tutelas de urgência e a técnica de defesa coletiva de direitos em

Juízo foram examinadas. Agora, apenas para exemplificar a necessidade de atuação ativa,

especialmente visando ao acolhimento dos avanços processuais alcançados no Direito

Processual Civil, analisa-se a viabilidade de liberação de valores na execução provisória, com

base no §2o do art. 475-O do CPC.

Todos os jurisdicionados têm direito a uma tutela jurisdicional em tempo razoável. O

inciso LXXVIII do art. 5º da CR/88 é expresso: “a todos, no âmbito judicial e administrativo,

são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua

tramitação.”

De outra forma, aliás, não poderia ser, mesmo antes da publicação da Emenda

Constitucional 45/2004, que introduziu o inciso citado, porque, no inciso XXXV do

mesmo artigo da Lei Fundamental já se assegura às partes o acesso à jurisdição, ou

melhor, à tutela jurisdicional, que, lançada com status constitucional, apenas pode vir

acompanhada do predicativo de “efetiva”. E, pois, tutela efetiva há de ser adequada, justa

e célere.

De destacada importância, portanto, os ônus do tempo do processo, que, em verdade,

nem sempre devem ser suportados inteiramente apenas pelo reclamante. De fato, alijado do

bem da vida postulado, muitas vezes, o obreiro, e apenas ele, suporta toda a marcha

processual, a despeito de haver decisões e mais decisões confirmando o seu direito. Não é

razoável que, mesmo sem o trânsito em julgado, após várias confirmações do direito do

trabalhador, permaneça apenas ele a suportar os ônus do tempo do processo, justamente a

parte que, até então, obteve êxito em sua pretensão.

Por essas razões, há institutos que permitem imprimir considerável moderação a essa

realidade.

Com efeito, o §2º do art. 475-O permite a liberação de depósito em dinheiro ao

reclamante, independentemente de caução, quando presentes o estado de necessidade e a

natureza alimentar da verba, e desde que limitado a sessenta salários mínimos. Eis o teor do

referido dispositivo:

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A caução a que se refere o inciso III do caput deste artigo poderá ser dispensada:

I – quando, nos casos de crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito, até o limite de sessenta vezes o valor do salário-mínimo, o exeqüente demonstrar situação de necessidade.

Considerando-se que qualquer jornada hermenêutica bem-sucedida tem suas primeiras

passadas na seara constitucional, já se poderia, por isso só, afirmar a aplicação dessa norma ao

processo do trabalho, em prestígio à garantia constitucional de tutela efetiva e, portanto, de

um processo em tempo razoável.182 Mas, ainda que não fosse assim, o art. 769 da CLT,

preconiza a aplicação subsidiária quando houver omissão e compatibilidade, e exatamente

esse é o caso. De fato, trata-se de hipótese legal totalmente específica, não prevista pelo

Direito Processual do Trabalho, que apenas estabelece limitação genérica quanto a atos de

expropriação (art. 899, CLT183). Mas, frise-se, não disciplina este caso. Vale repetir: de estado

de necessidade, de verba alimentar e até sessenta vezes o salário-mínimo, de forma

concomitante.

Aliás, em situação, mutatis mutandis, semelhante, como exemplifica o “reexame

necessário”, a despeito de o Decreto 779/69 não excepcionar situações, pela alínea “a” do

inciso I da súmula 303/TST, restou pacificado que até sessenta salários-mínimos está

dispensado o reexame necessário, nos exatos termos do §2º do art. 475 do CPC. Com isso,

então, apenas se demonstra que avanços normativos que guardam especificidade, e por isso

não estão tratados pela CLT, podem, perfeitamente, ser implementados, como se trata do §2

do art. 475-O do CPC. Com isso presta-se homenagem à efetividade da jurisdição, bem como

à tutela jurisdicional em tempo razoável.

Muitas vezes, depara-se com hipóteses em que o pleito do reclamante já foi

reconhecido em primeira instância, em que se pronunciou sentença condenatória, que, por sua

vez, foi confirmada pela segunda instância, tendo ocorrido, ainda, a denegação de seguimento

ao recurso de revista, encontrando-se o processo apenas na pendência de julgamento do

agravo de instrumento, e, ainda, fica o trabalhador aguardando o trânsito em julgado para

182 Saliente-se que o inciso LXXVIII do art. 5º da CR/88, ao expressar a garantia de um processo em tempo razoável, lembra-se dos “meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. 183 Dispõe o art. 899 da CLT que é “[...] permitida a execução provisória até a penhora”. E, de fato, a expropriação encontra-se limitada, sendo possível, até mesmo, o julgamento de recursos relativamente a decisões proferidas durante a execução provisória, de modo a deixar o processo em fase mais adiantada quando ocorrer o trânsito em julgado, mas não é dado liberar valores, salvo, repise-se, se não ultrapassarem sessenta salários mínimos, porque, aí, entra em cena a norma específica do §2o do art. 475-O do CPC. Na verdade, essa limitação da Consolidação das Leis do Trabalho é genérica e convive perfeitamente com a norma que dimana do parágrafo 2o do art. 475-O, que é específica – e o parágrafo 2o do art. 2o da Lei de Introdução ao Código Civil estabelece que “A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”.

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receber direitos que foram sonegados há muito tempo. Esse quadro um pouco extremado –

mesmo porque logo após o início da execução provisória já é viável a liberação de valores –

demonstra o quão injustificado é aguardar mais para a satisfação, ainda que precária, do

crédito alimentar. Não há motivos para manter a pessoa cujo direito foi reconhecido alijada do

bem da vida, arcando, sozinha, com os ônus do tempo do processo.184

Eis, pois, destacado instrumento que se presta à efetividade da jurisdição, notadamente

a trabalhista, que tem por objeto, quase sempre, demandas envolvendo créditos de natureza

salarial, com o que, franqueando o olhar para fora do processo, avista-se mais um elemento

para a aplicação generalizada do Direito do Trabalho.

5.4 Outros instrumentos

A conjugação de variado plexo de instrumentos de aplicação do Direito do Trabalho é

essencial para a sua generalização na sociedade brasileira. Não por outra razão já se

observou que há um sistema protetivo devotado, ao menos no plano teórico, a esse

desiderato, porque não bastam atuações isoladas, muito menos em um Estado de vasta

população, de território continental e marcado, ainda, pela baixa efetivação de direitos

fundamentais.

O desenvolvimento da democracia, o fortalecimento dos sindicatos e a efetividade da

jurisdição contribuem decisivamente para alcançar esse fim. Mas, na riqueza dos fatores que

interferem nos fenômenos sociais, é possível citar diversos outros instrumentos e instituições

que, combinados, incrementam eficácia ao Direito do Trabalho, dentro do que se insere o

Ministério Público do Trabalho, não só com sua atuação processual – rapidamente

184 Cabe lembrar que, na 1a Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, foi aprovada a proposição de interpretação de n. 69, trazendo alvissareiros ventos para a aplicação mais generalizada da norma do art. 475-O do CPC – ainda que apenas no plano de entendimento dos juristas que participaram do evento. Eis o seu teor: “EXECUÇÃO PROVISÓRIA. APLICABILIDADE DO ART. 475-O DO CPC NO PROCESSO DO TRABALHO. I A expressão “...até a penhora...” constante da Consolidação das Leis do Trabalho, art. 899, é meramente referencial e não limita a execução provisória no âmbito do direito processual do trabalho, sendo plenamente aplicável o disposto no Código de Processo Civil, art. 475-O. II- Na execução provisória trabalhista é admissível a penhora de dinheiro, mesmo que indicados outros bens. Adequação do postulado da execução menos gravosa ao executado aos princípios da razoável duração do processo e da efetividade. III- É possível a liberação de valores em execução provisória, desde que verificada alguma das hipóteses do artigo 475-O, § 2º, do Código de Processo Civil, sempre que o recurso interposto esteja em contrariedade com Súmula ou Orientação Jurisprudencial, bem como na pendência de agravo de instrumento no TST.”

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examinada alhures –, mas também extraprocessual185, com o que pode contribuir

eficazmente para repelir macrolesões trabalhistas – os Termos de Ajustamento de Conduta

(TAC) bem retratam essa realidade. As Delegacias Regionais do Trabalho também

oferecem a sua importante participação, funcionando como um posto avançado de

fiscalização do cumprimento de normas elementares trabalhistas e na luta contra o

trabalho infantil e escravo, além de outras ofensas gravosas, como a utilização de

trabalhadores, sem anotação da CTPS, e até mesmo a contratação informal de imigrantes.

Fica, pois, o breve registro, mais referencial, da existência de multifários instrumentos

e atores cuja atuação concertada pode contribuir decisivamente para proporcionar a aplicação

generalizada do Direito do Trabalho. Ressalta-se a importância, para a conquista de resultados

mais sensíveis, do funcionamento de todo o sistema de proteção, sem tolerância aos

mecanismos de descumprimento e com atenção para evitar as armadilhas do discurso

unidirecional totalizante de índole ultraliberal.

5.5 Considerações finais

Não se pode afirmar que na história do Brasil assistiu-se a um período de aplicação

generalizada do Direito do Trabalho, apesar de, desde de 1934, receber acolhida

constitucional e, mais ainda, a despeito de a Constituição de 1988 apresentar vasto rol de

Direitos Fundamentais do Trabalho e de a República Federativa do Brasil, constituída Estado

Democrático de Direito, fundar-se na dignidade da pessoa humana e na valorização social do

trabalho (incs. III e IV, art. 1o, CR/88).

A realidade desfila, constantemente, de forma franqueada a todos, o quão distante da

vida se encontram essas normas. Comparando épocas pretéritas, já se caminhou bastante, mas

há muita estrada pela frente.

A aplicação generalizada do Direito do Trabalho pressupõe, portanto, antes de tudo, o

fortalecimento da democracia, especialmente pela intensa e qualificada participação popular,

em substituição a um elitismo democrático usurpador. Para tanto, mais educação, mais saúde,

mais emprego, mais efetivação de direitos sociais, dentre os quais, o Direito do Trabalho,

provocando uma alimentação recíproca, um ciclo virtuoso. Justamente porque tudo se insere

185 Neste sentido, a obra Métodos extrajudiciais de solução de conflitos trabalhistas, de Lutiana Nacur Lorentz.

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em uma complexa rede de intercomunicações é que se torna necessário o fortalecimento dos

sindicatos, a começar pela mudança de paradigma estrutural e de financiamento, ou seja,

superando-se a fase corporativa de financiamento compulsório e unicidade sindical,

colimando com isso o incremento de legitimidade e a aproximação das bases representadas. A

efetividade da jurisdição também oferece o seu contributo para a aplicação generalizada do

Direito do Trabalho, porque quanto mais efetiva a jurisdição, maior o cumprimento das leis,

tratando-se, ainda aqui, de imperativo de cumprimento constitucional, missão destinada,

eminentemente, aos juízes, que podem valer-se de amplo instrumental para a sua consecução.

Muitos outros instrumentos de aplicação generalizada do Direito do Trabalho existem,

de maneira que os aqui indicados apenas exemplificam um pequeno rol – contido no universo

do sistema jurídico protetivo – cuja dinâmica anuncia a importância e a necessidade de sua

atuação concertada para a construção de uma realidade maior, de uma democracia mais real e

efetiva, mais coerentemente alinhada à soberania popular, por respeito à pessoa humana, não

divorciada de sua dimensão enquanto trabalhadora.

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6 CONCLUSÃO

Motivou esta pesquisa a perplexidade causada pelo desfilar, diário, em quase toda

parte – entre políticos, eruditos e grande mídia –, de uma previsão fatídica: a morte da

sociedade do trabalho e, por conseqüência, a imprescindibilidade de reforma do Direito do

Trabalho, ramo da ciência jurídica que, segundo essa previsão, afigurar-se-ia decrépito,

inadequado, atrasado, descompassado e inflexível, incapaz, pois, de responder às novas

relações de produção, caduco demais para acompanhar a velocidade do mundo globalizado,

sobremodo rígido para amoldar-se a economia de mercado.

Apresentou-se, então, pertinente fazer o mergulho histórico (capítulo 2: Direito do

Trabalho na sociedade ocidental – formação, evolução e funções), na busca dos fenômenos

que conduziram, paulatinamente, à criação das condições necessárias à formação do Direito

do Trabalho, que principiou, ainda sem traço sistêmico, com manifestações incipientes, ao

que se seguiu uma fase de consolidação e, finalmente, a sua sistematização.

Antes, contudo, viu-se, pelas Revoluções Liberais, em especial, a Francesa, o desatar

de um nó que segurava o desenrolar do fio da próxima fase histórica fundamental para o

surgimento do Direito do Trabalho, porque nela conjugaram-se fenômenos que empurram os

trabalhadores a se verem como iguais (ou semelhantes), pertencentes a uma mesma realidade

e dificuldade. Esta fase foi a Revolução Industrial, terreno fértil para a consciência da classe

trabalhadora aflorar.

Nascida a consciência de classe, não tardou os iguais (ou semelhantes) unirem-se em

prol de um interesse comum: a luta por condições de vida melhores, mais dignas, mais

afeiçoadas às necessidades elementares de sobrevivência humana. Eis aí a luta de classes.

Rudolf Von Ihering já disse que todo o direito é fruto de luta. Márcio Túlio Viana não

descuidou de lembrar, em seu Direito de Resistência, que há duas espécies de luta: a luta para

pôr o Direito e a luta pelo Direito posto (1996, p.43-4).

Essa luta da classe dos trabalhadores, que procurava, em última análise e de forma

geral, a melhoria das condições de vida, diversificou-se. Alguns colimavam a revolução,

alteração radical da estrutura social, do próprio modo de produção capitalista, ou, até mesmo,

pugnando pela ausência de governo; outros buscavam apenas a reforma do sistema imperante,

amenizando a sua voracidade.

A conjugação de fatores impôs o repensar do sistema. Insurreições de trabalhadores

tornavam-se mais freqüentes, prolongadas e intensas, apesar de, a princípio, serem duramente

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repelidas, mediante proibição de greves, de sindicatos, de reuniões públicas e de vários atos

que pudessem representar risco à propriedade capitalista ou ao próprio capitalismo. Governos,

em certa medida, sentiam-se ameaçados... O clamor das massas passava a ser ouvido ou,

quando menos, incitava precauções. A dimensão da pobreza e a iniqüidade com que eram

tratados os trabalhadores – em grande leva, crianças e mulheres –, enquanto outros poucos,

neste momento chamados “burgueses”, viviam abastadamente e abocanhavam parcelas

gigantes da riqueza das nações, levou Huberman a declarar:

Se um marciano tivesse caído naquela ocupada ilha Inglaterra teria considerado loucos os habitantes da Terra. Pois teria visto de um lado a grande massa do povo trabalhando duramente, voltando à noite para os miseráveis e doentios buracos onde moravam, que não serviam nem para porcos; de outro lado, algumas pessoas que nunca sujaram as mãos com o trabalho, não obstante faziam as leis que governavam as massas, e viviam como reis, cada qual num palácio individual. (HUBERMAN, p.176)

Enfim, ante a insustentabilidade das condições desumanas propiciadas no momento da

Revolução Industrial, assiste-se ao paulatino alvorecer do Direito do Trabalho, de

manifestações esparsas e incipientes. As normas trabalhistas passaram a solidificar-se no seio

social, representando mais constante e amplo aparato normativo, até institucionalizar-se.

O Direito do Trabalho surgiu, essencialmente, da luta dos trabalhadores. Não foi, pois,

qualquer concessão graciosa que caiu sobre os braços obreiros.

O valor-trabalho-e-emprego ascendeu na sociedade capitalista, alcançando,

primeiramente, evolução legislativa, até cravar-se nas Constituições, a ponto de reconhecer-se

a fundamentalidade do Direito do Trabalho. Chegou-se a um estágio em que considerável

plexo de direitos já havia sido posto, lançado solenemente em textos formais.186 Ao lado dessa

luta para pôr o Direito, desenvolveu-se, então, a luta pelo Direito posto. Era preciso avançar,

tornar sensíveis, reais, concretizados, aqueles direitos declarados, e terreno fértil para esse fim

se abriu com o Estado de Bem-Estar Social, mesmo porque o capitalismo necessitava de

reformas para não soçobrar, principalmente diante de fortes ameaças internas e externas –

movimentos revolucionários cresciam e o socialismo já era uma realidade, especialmente no

Leste europeu.

Acomodou-se, então, o trabalhador beneficiado por essa realidade de bem-estar e não

quis mais participar de revoluções, mudanças sociais radicais, porque, afinal, chegara a um

186 Essa fase de produção normativa, de assentamento formal em textos legais de enunciados normativos, apesar de, em certa monta, ser menosprezada, é importantíssima, porque, reconhecido formalmente o Direito, um estágio já foi alcançado, de maneira que, se preciso for, seguirá a luta para a sua implementação.

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Estado de Bem-Estar Social. Podia repousar em sua poltrona, assistir a sua televisão, passear

com o seu carro, enfim, desfrutar dos benefícios do sistema – agora, não apenas como

trabalhador, mas também como um consumidor. Seu status modificara-se.

De fato, algumas décadas de prosperidade, sob o enfoque social, advieram após a

Segunda Grande Guerra: emprego em grande monta, salário para sustentar a família,

inserção no mercado consumidor. Benefícios do sistema eram vertidos. O cenário de

prosperidade levou o historiador Eric Hobsbawm (1995, p.253-281) a predicar esse

período de “Era de Ouro”.

Não durou muito, contudo, e a estrutura da sólida obra social construída – levantada

sob penosa luta – passou a sofrer abalos.

O espaço ocupado pelos trabalhadores era muito central. Na visão do capital, o

edifício social construído haveria de ruir, vir abaixo, esfacelar-se, transferindo-se o operariado

para regiões mais periféricas da sociedade. O trabalho e o emprego não poderiam ostentar

tamanho destaque. Na era pós-moderna, na realidade globalizante, as palavras de ordem

passam a ser automação, microeletrônica, microinformática, microestado, macroeconomia,

tudo saindo de uma linha de produção célere, automatizada, da fábrica chamada

ultraliberalismo que molda quase um único discurso (um pensamento unidirecional

totalizante) e o restante é velho, sucata, não merece papel de destaque.

Essa visão gera alguma perplexidade, especialmente pela apregoada indeclinabilidade

da transferência de centralidade de valores, porque, afinal, quase todos ainda são

trabalhadores e vivem justamente por ostentarem esse posicionamento, alguns em condições

melhores e outros nem tanto, mas quase todos, fundamentalmente, do trabalho retiram sua

sobrevivência. Ocorre que, segundo esse discurso, o trabalho ficou démodé e os trabalhadores,

pelo menos as grandes massas, não teriam muito o que fazer senão sentar e esperar,

contentando-se com uma chamada “lei da oferta e da procura” e com as sobras do sistema,

lançadas em períodos espaçados e em doses minguadas. Para uma outra parcela de

trabalhadores extremamente especializada, em número bem reduzido, é certo, o

posicionamento na estrutura social não é tão desanimador assim: o trabalho não é mais vedete,

mas o seu quinhão retributivo não é, igualmente, tão irrisório. É, na verdade, suficiente para

inserir-se até como consumidor, haurir os benefícios da nova tecnologia, da velocidade dos

transportes, fazer suas viagens por outros continentes, adquirir os mecanismos de

segurança que lhe ponham a salvo da violência propiciada pelas enormes massas de

meliantes, resistentes que não souberam – sustenta o discurso – evoluir, adquirir novos

conhecimentos, rebeldes que devem ser afastados do convívio social e para os quais há

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uma nova morada, porque, agora, no declínio do valor-trabalho-e-emprego, ela se chama

cadeia, presídio, penitenciária.187

Esse cenário de evolução de um discurso de desvalorização do trabalho e do emprego,

de redução do Estado, no seu aspecto social, e seu crescimento, na face penitencial, pode até

soar desolador, mesmo porque desenvolvem-se variadas linhas de ataque, seja tecnológica,

organizacional, mercadológica ou cultural188 – uma avalanche de pensamento e atos

ultraliberalistas que a todos atinge, dia a dia. Mas a luta, conforme ensina a história, há de

remanescer, agora, com esforço direcionado para a manutenção das conquistas levadas aos

textos legais, ao lado da luta para concretizá-las na vida das pessoas, porque o Direito do

Trabalho é uma conquista do trabalhador, elevada ao patamar de Direito Constitucional e

marcada pela fundamentalidade.

O ápice da conquista trabalhista vicejou nas décadas que seguiram à Segunda Grande

Guerra. A luta desta fase impregnou-se menos de cunho revolucionário e sangrento e mais de

crescimento democrático. Significa dizer que esses avanços, a partir da segunda metade

do século XX, foram conquistados, em razoável medida, por algum coeficiente

democrático189, e hoje as Constituições dos Estados Democráticos consagram esses regimes

políticos e outros tantos direitos sociais, de maneira que todo esse abalo ao fundamental

edifício social construído é ofensivo à ordem construída, representa golpe ao Estado

Constitucional e Democrático.

Em larga medida, o Direito do Trabalho, nascido na Europa ocidental, apresenta no

Brasil as mesmas funções. Em essência, seu nascimento ocorre em sentido ascendente; ou

seja, não foi fruto de concessão graciosa, conforme se concluiu no capítulo 3, “Direito do

Trabalho no Brasil – formação, evolução e vicissitudes. Ocorre que, justamente no Brasil,

como em outros Estados que não galgaram maior desenvolvimento humano, o Direito do

Trabalho tem a sua missão ainda por cumprir, porque não se generalizou às grandes massas

populacionais. Na especificidade brasileira, ao campo, sistematizado, somente chegou em

187 Cortantes as palavras de Wacquant: “A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um ‘mais Estado’ Policial e penitenciário o ‘menos Estado’ econômico e social que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, tanto do Primeiro como do Segundo Mundo. Ela reafirma a onipotência do Leviatã no domínio restrito da manutenção da ordem pública – simbolizada pela luta contra a delinqüência de rua – no momento em que este se afirma-se e verifica-se incapaz de conter a decomposição do trabalho assalariado e de refrear a hipermobilidade do capital, as quais, capturando-a como tenazes, desestabilizam a sociedade inteira” (WACQUANT, 2001, p.7). 188 Campo de análise já percorrido por Maurício Godinho, na sua obra Capitalismo, Trabalho e Emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução (DELGADO, 2006a). 189 Sem se esquecer, é claro, que, nesse momento, havia o risco de ampliação pelo mundo do socialismo e que o capitalismo, sem peias, desumanizado e desregulado, gerava perigosas crises cíclicas, justificando um repensar e recuar estratégicos, conferindo uma face um pouco humana ao sistema.

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1963 (Lei 4214/63 – Estatuto do Trabalhador Rural190), sendo certo que no meio urbano ou

rural não se disseminou ainda em medida que permita reconhecer sua generalização.191

Inserido na ordem global, o Brasil recebe as mesmas linhas ultraliberalistas de ataque.

Continuamente, a ideologia de um Estado mínimo, não-intervencionista em questões

sociais, a exaltação do contratualismo e do individualismo e a propalada inflexibilidade e

caducidade do Direito do Trabalho são divulgados por políticos, juristas, eruditos e a

mídia em geral.

Apesar desse avanço ultraliberal, constituiu-se no Brasil um Estado Democrático de

Direito que se funda na valorização do trabalho humano, base, até mesmo, da ordem

econômica. Tudo isso é obra de um processo político bem-sucedido, oriundo da soberania

popular, da afirmação democrática, incrustado sob o signo da fundamentalidade na

Constituição Republicana (inc. VI do art. 1o e arts. 170 e 193), de maneira que os referidos

ataques, nesse cenário, repise-se, nada mais são do que golpes à democracia, ao Estado

constitucional.

Tais razões permitem a conclusão de que no Brasil o Direito do Trabalho

remanesce com fundamental papel – em grande medida ainda por cumprir-se –,

especialmente de distribuição de renda no sistema capitalista, a partir de sua

generalização. Vale dizer, as suas funções essenciais continuam necessárias. Essas

considerações conclusivas foram expendidas no capítulo 3 (Direito do Trabalho no Brasil –

formação, evolução e vicissitudes).

Apesar de se tratar de conquista do trabalhador imantada pela fundamentalidade, o

ataque ultraliberalista não descansa e se volta, dentre várias frentes de batalha, contra a

relação de emprego (conforme observado no capítulo 4, Descumprimento do Direito do

Trabalho no Brasil – mecanismos e conseqüências), porta de entrada para todo um sistema

jurídico protetivo, que acaba sendo sonegada, na prática, a imensas parcelas de trabalhadores,

mesmo quando se verificam os seus elementos fático-jurídicos.

Muitos mecanismos, nesse cenário, são urdidos para obscurecer a relação de emprego.

Dentre os mais perigosos, salientou-se a parassubordinação, que, na presente conjuntura,

190 Em 1973, surgiu novo diploma de regulação do trabalho rural, a Lei n. 5889/73, revogando o Estatuto do Trabalhador rural. 191 As pesquisas que tratam da distribuição da população economicamente ativa demonstram que há grande parcela da população ocupada vinculada ao mercado de trabalho por relações não formalizadas (informalidade vicejante) e um percentual bem reduzido, quando comparado com a realidades das países de capitalismo central, de trabalhadores vinculados ao mercado de trabalho mediante vínculo de emprego, especialmente quando se leva em consideração os que têm carteira assinada – segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, em 2006, apenas 33,8% da População Economicamente Ativa (PEA) ocupada tem carteira assinada.

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apesar de se anunciar como instrumento de inclusão, acabará levando a um retrocesso social.

Enorme feixe de trabalhadores que são verdadeiramente empregados, pela força de um

discurso totalizante unidirecional, serão artificialmente colocados em uma zona cinzenta, a

despeito de, na prática, a quantidade de situações fronteiriças serem diminutas. Funciona,

ainda, a dicotomia autonomia/subordinação e, se necessário, bastará trilhar o caminho da

evolução do instituto, o que, de resto, há séculos é feito em outras áreas do direito. Se, de todo

modo, sentir-se a necessidade de buscar uma construção um pouco diferente, afigura-se mais

afinada às linhas centrais do Direito do Trabalho a de desenvolver propostas verdadeiramente

inclusivas, como a subordinação estrutural192, porque, afinal, essencialmente, o trabalhador

que se insere no sistema produtivo da empresa, de forma habitual e mediante salário, é,

realmente, um empregado – aqui, pois, talvez, nem mesmo se trataria propriamente de uma

proposta evolutiva do instituto, enquanto criação nova, mas, precisamente, da evolução do

pensamento acerca da subordinação.

Após assistir ao desfilar dos séculos, mirando, especialmente, a formação do Direito

do Trabalho, a sua evolução e consagração, chega-se à conclusão de esse ramo do Direito é

uma conquista do trabalhador e se apresenta ainda válido, útil, continuando, mesmo após

todas as mudanças socioeconômicas, impregnado de sua função mais notável, ou seja, de

melhoria das condições de vida das grandes massas populacionais, e com isso permite

distribuição de renda no sistema capitalista e propicia o crescimento da democracia.

Significa dizer: por mais que o mundo seja outro, nesse novo mundo, ainda, as grandes

massas vivem de seu trabalho e o trabalhador continua hipossuficiente quando

contraposto, sozinho, ao empregador, necessitando, pela própria natureza das coisas, de

proteção jurídica. E, mesmo que os critérios adotados possam variar, em alguma medida,

com as adequações que se fizerem necessárias, a linha central protetiva, os princípios

basilares desse ramo da ciência jurídica remanescem imprescindíveis, porque suas funções

centrais não mudaram.

O caminho a seguir, portanto, é da generalização do Direito do Trabalho (matéria

tratada no capítulo 5, Instrumentos de aplicação generalizada do Direito do Trabalho no

Brasil), não o contrário. Para essa obra, são imprescindíveis: o fortalecimento da

democracia, caminhando para uma maior correlação entre soberania popular e atuação

governamental, ou seja, participação popular mais efetiva, vinculativa e qualitativa; a

192 Maurício Godinho conceitua: “Estrutural é, pois, a subordinação que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento (DELGADO, Maurício, 2006b, p.667).

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atuação do Estado no meio social, mediante a construção e manutenção de uma rede de

proteção – na medida certa, é claro, e com utilização racionalizada dos recursos193 –,

atuando, igualmente, para a preservação de postos de trabalho, no combate direto e mais

efetivo – que somente o Estado pode fazer – ao desemprego; e a efetividade da jurisdição,

notadamente mediante atuação ativa de juízes, para responder prontamente às demandas

formuladas, com a máxima efetividade possível, além de colimar, sempre, barrar os

ataques desferidos contra a fundamentalidade do Direito do trabalho. Tudo isso alinhado a

variadas linhas de generalização do Direito do Trabalho, com a participação dos

multifários atores sociais, como os sindicatos, as Delegacias Regionais do Trabalho e o

Ministério Público do Trabalho.

O futuro não se encontra simplesmente posto; há muito ainda por construir, e novidade

alguma nisso reside. Ihering já afirmou que a “vida do direito é luta, a luta dos povos, de

governos, de classes, de indivíduos”. E Márcio Túlio completa a idéia aqui pretendida, porque

“não se trata apenas de saber qual futuro nos espera, mas o que o futuro espera de nós”

(PIMENTA et al., 2004, p.182).

A luta, agora, espera-se, não necessita seguir as vias da sublevação radical, da

revolução sangrenta, mas o caminho do fortalecimento das democracias, a efetivação do

princípio da soberania popular, com respeito ao pluralismo político, porque Estado

democrático não deve conviver com bolsões de pobreza.

Conjecturando que seja relevante colocar em destaque a necessidade de reforma do

Direito do Trabalho – realidade que, de todo, é da própria essência de qualquer direito, que

não nasce para permanecer estático, evoluindo, naturalmente, pelas próprias alterações sociais –,

nas linhas centrais, no que ele tem de mais essencial, não carece de mudança mas,

principalmente, clama por generalização. De fato, Direito não se confunde com um texto

estático incrustado em algum repertório legislativo, porque evolui, muitas vezes, mesmo sem

alterar o texto do enunciado normativo, recebendo, em vasta medida, as contribuições dessa

evolução, pela doutrina e jurisprudência, bem como pelos estudiosos em geral. Isso não

significa, contudo, que, para evoluir, há de negar suas origens, sua essência, e alterar sua

função mais notável de melhoria das condições de vida dos trabalhadores.

Colocada, nesses termos, a hipótese da necessidade de alguma mudança, no sentido de

melhor resposta à realidade, com Luiz Otávio Linhares Renault, há de se entender:

193 Não se está afirmando que o Estado deveria agigantar-se até tornar-se ingovernável, mas, na extremidade oposta, ou seja, da redução drástica do tamanho do Estado, encontra-se evidente omissão para a implementação de justiça social, o que, historicamente, induz miséria.

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Mesmo que se admita que alguns institutos do Direito do Trabalho estejam ultrapassados, seus princípios permanecem sólidos e aptos a proporcionar as mudanças exigidas pelo novo modelo econômico, desde que se insira o homem no centro da vida socioeconômico-cultural (RENAULT, 2004, p85).

Maurício Godinho retrata perfeitamente essa realidade:

Na verdade, parece clara ainda a necessidade histórica de um segmento jurídico com as características essenciais do Direito do Trabalho. Parece inquestionável, em suma, que a existência de um sistema desigual de criação, circulação e apropriação de bens e riquezas, com um meio social fundado na diferenciação econômica entre seus componentes (como o capitalismo), mas que convive com a liberdade formal dos indivíduos e com o reconhecimento jurídico-cultural de um patamar mínimo para a convivência na realidade social (aspectos acentuados com a democracia), não pode desprezar ramo jurídico tão incrustado no âmago das relações sociais, como o justrabalhista.

No fundo, o que despontara, no início, para alguns, como crise para a ruptura final do ramo trabalhista, tem-se afirmado, cada dia mais, como essencialmente uma transição para um Direito do Trabalho renovado (DELGADO, 2003, p.98/99).

Fica, pois, cravado, à guisa de conclusão derradeira, que ainda é válido o

reconhecimento de que o Direito do Trabalho é uma conquista do trabalhador, a quem cabe

renovar os esforços de seus antepassados, mantendo a luta pela sua preservação, como

instrumento de justiça social, se possível, trilhando o horizonte mais evoluído de emancipação

democrática.

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