direito do trabalho - alguns casos práticos resolvidos

9
Casos práticos resolvidos no dia 22 de Outubro de 2013 E preparação para Iº teste, dia 05 de Nov. 13 palovel.tls@ainaro_tlpt.com Paulo Martins Direito do Trabalho, Escola de Direito – Universidade do Minho – 4.º ano 2013/2014 1 Caso 1. Armanda foi admitida como camionista ao serviço da empresa de Berto, empresa sediada em Lisboa, e com sucursais na Mealhada e no Porto, em 2007/09/01. A sua atividade consistia em conduzir um camião que circulava entre Lisboa e a Mealhada. Em 2010/04/06, Armanda recebeu uma comunicação escrita da empresa de Berto na qual a respetiva direção a informava que, por razões de gestão, deveria passar a prestar os seus serviços apenas na Mealhada. Armanda reside em Lisboa e esta mudança implicará, para além de outras alterações na sua vida pessoal, uma impossibilidade de continuar a residir na mesma cidade onde estudam os seus dois filhos menores e onde trabalho o seu marido. Armanda pretende saber se pode legitimamente recusar-se a cumprir a ordem do empregador, e em que termos, sendo certo que, as partes estabeleceram um acordo onde constava a seguinte cláusula: “o empregador pode transferir o trabalhador, em qualquer momento e em quaisquer circunstâncias, para local de trabalho diferente do estabelecido”. 1. Se tivesse de informar juridicamente Armanda, que opinião lhe transmitiria? E, se tal acordo não existisse, mudaria, de algum modo, o seu parecer? Justifique. Antes de mais, importa referir que estamos perante um contrato de trabalho. A noção de contrato de trabalho resulta do artº1152CC e artº11 CT (é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestação a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas). Deste modo, atendendo ao artº11 CT, o contrato de trabalho contem três elementos que são: prestação de uma atividade (sendo esta uma atividade humana e licita desde que apta a corresponder a um interesse do credor), retribuição (contrapartida patrimonial da prestação da atividade prestada pelo trabalhador, nos termos do artº258.º no. 1 do CT) e subordinação jurídica( que decorre do facto de a prestação da atividade ser realizada no âmbito da organização, sobre autoridade e direção do empregador).

Upload: palovel

Post on 28-Nov-2014

8.867 views

Category:

Education


13 download

DESCRIPTION

Direito do Trabalho - alguns casos práticos resolvidos sobre o contrato do Trabalho, modalidades e flexibilidade no contrato de Trabalho. Foi publicado aqui por motivo de estudo privado. Quem quiser, pode tirar e desenvolva mais. Pois cada pessoa tem a sua perspectiva e conhecimento que não igual com os que as outras têm. Portanto, a publicação abre o caminho para quem quer sugerir algo sobre a resolução, poderia fazê-lo, ou, poderia fazer algumas críticas construtivas para podermos melhorar o nosso conhecimento e, relação a tal matéria. Saudação académica. P. Martins.

TRANSCRIPT

Page 1: Direito do Trabalho - alguns casos práticos resolvidos

Casos práticos resolvidos no dia 22 de Outubro de 2013 E preparação para Iº teste, dia 05 de Nov. 13

palovel.tls@ainaro_tlpt.com Paulo Martins Direito do Trabalho, Escola de Direito – Universidade do Minho – 4.º ano 2013/2014

1

Caso 1.

Armanda foi admitida como camionista ao serviço da empresa de Berto,

empresa sediada em Lisboa, e com sucursais na Mealhada e no Porto, em 2007/09/01.

A sua atividade consistia em conduzir um camião que circulava entre Lisboa e a

Mealhada.

Em 2010/04/06, Armanda recebeu uma comunicação escrita da empresa de

Berto na qual a respetiva direção a informava que, por razões de gestão, deveria

passar a prestar os seus serviços apenas na Mealhada. Armanda reside em Lisboa e

esta mudança implicará, para além de outras alterações na sua vida pessoal, uma

impossibilidade de continuar a residir na mesma cidade onde estudam os seus dois

filhos menores e onde trabalho o seu marido. Armanda pretende saber se pode

legitimamente recusar-se a cumprir a ordem do empregador, e em que termos, sendo

certo que, as partes estabeleceram um acordo onde constava a seguinte cláusula: “o

empregador pode transferir o trabalhador, em qualquer momento e em quaisquer

circunstâncias, para local de trabalho diferente do estabelecido”.

1. Se tivesse de informar juridicamente Armanda, que opinião lhe transmitiria? E, se

tal acordo não existisse, mudaria, de algum modo, o seu parecer? Justifique.

Antes de mais, importa referir que estamos perante um contrato de trabalho. A

noção de contrato de trabalho resulta do artº1152CC e artº11 CT (é aquele pelo qual

uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestação a sua atividade a

outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas). Deste

modo, atendendo ao artº11 CT, o contrato de trabalho contem três elementos que

são: prestação de uma atividade (sendo esta uma atividade humana e licita desde que

apta a corresponder a um interesse do credor), retribuição (contrapartida patrimonial

da prestação da atividade prestada pelo trabalhador, nos termos do artº258.º no. 1 do

CT) e subordinação jurídica( que decorre do facto de a prestação da atividade ser

realizada no âmbito da organização, sobre autoridade e direção do empregador).

Page 2: Direito do Trabalho - alguns casos práticos resolvidos

Casos práticos resolvidos no dia 22 de Outubro de 2013 E preparação para Iº teste, dia 05 de Nov. 13

palovel.tls@ainaro_tlpt.com Paulo Martins Direito do Trabalho, Escola de Direito – Universidade do Minho – 4.º ano 2013/2014

2

Posto isto, o problema em causa relaciona-se com o local de trabalho(193.º e

seguintes do CT). O local de trabalho é o local da execução da atividade, e é

importante quer para o trabalhador quer para o empregador. Para o trabalhador

porque é em função do local de trabalho que ele organiza e planifica a sua vida

profissional e pessoal. Para o empregador para ele combinar a mão de obra de

determinado trabalhador com os demais trabalhadores e com os restantes fatores

produtivos.

A determinação do local de trabalho cabe aos sujeitos do contrato, resultando

de acordo das partes, embora, em regra, tal contrato obtenha por mera adesão do

trabalhador, ou seja, é o empregador que estabelece as clausulas e o trabalhador

limita-se a aceitar, sendo então um contrato unilateral. No entanto, o local de trabalho

constitui um elemento essencial do contrato de trabalho (105º), e um dos elemento

concretizadores da prestação de trabalho, sendo certo que o local de trabalho pode

ter maior ou menor ampliação dependendo da atividade que o trabalhador vai

desempenhar.

Quanto ao local de trabalho, existe um principio, ou uma garantia,

fundamental, que se encontra consagrado no artº129n1 f), sendo ele o principio da

inamobilidade, ou da imodificabilidade unilateral do contrato de trabalho. Este veda ao

empregador, em principio, a transferência do trabalhador para outro local de trabalho.

Esta regra consta já do principio geral do artº406 CC. A lei consagra este principio da

inamobilidade em prole do principio da segurança e estabilidade no emprego nos

termos do artº53 CRP. Porem, esta garantia tem exceções, isto é, apos a definição do

local de trabalho no contrato o empregador não pode modificar unilateralmente, salvo

se existir acordo (quando existe uma clausula de mobilidade geográfica), ou por IRCT,

ou então nos casos previstos na lei, sendo que o artº194 por remissão do artº129n1 f

segunda parte concretiza as exceções previstas na lei, sendo elas a transferência

individual e a transferência coletiva, que podem ser temporárias ou definitivas. Na

transferência individual (artº194 n1 a)) há necessidade da empresa para deslocar um

trabalhador para outro estabelecimento. Na transferência coletiva há uma mudança

ou extinção total ou parcial do estabelecimento.

Page 3: Direito do Trabalho - alguns casos práticos resolvidos

Casos práticos resolvidos no dia 22 de Outubro de 2013 E preparação para Iº teste, dia 05 de Nov. 13

palovel.tls@ainaro_tlpt.com Paulo Martins Direito do Trabalho, Escola de Direito – Universidade do Minho – 4.º ano 2013/2014

3

No caso em concreto estamos perante uma transferência individual, sendo que

esta só é licita se obedecer aos requisitos do artº194n1 b), ou seja, tem de existir um

interesse objetivo da empresa, ligado a necessidades de carácter organizativo e de

funcionamento da empresa; e por outro lado não pode haver um prejuízo serio para o

trabalhador. Prejuízo serio é um conceito indeterminado que só é determinado

casuisticamente, sendo o conceito fundamental aqui a atender podendo estar

relacionado com motivos familiares, sociais, económicos, culturais, mas

fundamentalmente com a implicação que a transferência traz para a vida extra laboral

do trabalhador.

Quanto ao prejuízo serio, na doutrina há uma divisão quanto ao ónus da prova

do prejuízo serio, sendo que a jurisprudência adota a posição da doutrina maioritária.

Pela letra da lei, (194nº1b)) o ónus cabe ao empregador. E como defendem Catarina

carvalho e leal amado, é o empregador quem tem interesse na transferência, devendo

ser ele a provar.

Para a jurisprudência quem tem o ónus da prova de prejuízo serio é o

trabalhador, com o argumento de que é o trabalhador pois este conhece melhor a sua

situação e é ele que sabe se constitui ou não prejuízo serio, e por outro lado seria

difícil para o empregador, uma vez que teria de tomar conhecimento da vida privada

do trabalhador assim como se imiscuir na vida do mesmo.

Se o trabalhador provar o prejuízo serio e o empregador não aceita, o

trabalhador pode desobedecer legitimamente alegando que essa ordem viola os seus

DLG, ficando na mesma no local de trabalho (129º)

No caso, pergunta-se se Armanda pode recusar-se a cumprir a ordem do

empregador uma vez que existe um acordo de mobilidade geográfica. O acordo de

mobilidade geográfica é permitido pelo artº194 n2, sendo um acordo pelo qual o

empregador reserva a faculdade de no futuro transferir o trabalhador para outro local

de trabalho. Assim, o artº194n2 permite que por estipulação contratual seja alargado

ou restringido a faculdade de transferência do trabalhador, mas no entanto este

acordo tem de ter limites, como diz leal amado restringir não significa restringir nem

Page 4: Direito do Trabalho - alguns casos práticos resolvidos

Casos práticos resolvidos no dia 22 de Outubro de 2013 E preparação para Iº teste, dia 05 de Nov. 13

palovel.tls@ainaro_tlpt.com Paulo Martins Direito do Trabalho, Escola de Direito – Universidade do Minho – 4.º ano 2013/2014

4

alargar significa escancarar, pelo que tem de existir um mínimo de determinabilidade

do objeto do contrato, sempre exigíveis por força do artº280 CC, pois o trabalhador

tem que conhecer minimamente os limites geográficos da obrigação a que fica adstrito

caso contrario atenta sobre o principio da segurança no emprego do artº53 CRP. No

caso, este acordo não tem esta determinação, pelo que neste sentido a clausula não é

valida e Armanda não tem que a cumprir.

A outra questão colocada, quanto ao facto se não existisse tal acordo, o parecer

não mudava, uma vez que o acordo era invalido, e Armanda podia invocar a existência

de prejuízo serio. E deste modo teria duas opções, ou recusava-se a obedecer à ordem

de transferência, ou seja, desobedecer legitimamente e permanece no mesmo local de

trabalho; ou resolve o contrato, com direito a compensação. (195n5 e 366).

2. Independentemente da resposta à alínea anterior, suponha que a empresa de

Berto, abriu, em 24 de Junho deste ano, uma nova sucursal em Braga e o questiona se

pode, e em que termos, utilizar o regime da contratação a termo. Justifique,

desenvolvidamente, a resposta que daria ao empregador Berto.

Resolução:

Antes de mais, importa referir que estamos perante um contrato de trabalho. A

noção de contrato de trabalho resulta do artº1152CC e artº11 CT (é aquele pelo qual

uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a

outra/s pessoa/s, no âmbito de organização e sob a autoridade desta/s )). O contrato

de trabalho como um contrato quer dizer que é um negocio jurídico bilateral porque

existe duas declarações de vontades de conteúdo oposto mas convergentes. É um

contrato bilateral sinalagmático mas é imperfeito embora há prestação de trabalho e

contraprestação mas em alguns casos há retribuição sem prestação de nenhuma

atividade laboral, por exemplo o subsidio de ferias. É um negocio oneroso porque

exige vantagens e sacrifícios pelas ambas as partes, é um contrato de carater

obrigacional na medida em que não constitui um direito real uma vez que trata de um

Page 5: Direito do Trabalho - alguns casos práticos resolvidos

Casos práticos resolvidos no dia 22 de Outubro de 2013 E preparação para Iº teste, dia 05 de Nov. 13

palovel.tls@ainaro_tlpt.com Paulo Martins Direito do Trabalho, Escola de Direito – Universidade do Minho – 4.º ano 2013/2014

5

contrato de adesão. É um contrato duradouro cujo a execução se prolonga no tempo e

não é vitalício. É um contrato tendencialmente infungível pois a prestação também

tendencialmente pessoal, ou seja, de intuito personae, salvo na convenção em

contrario. E finalmente, não é um negocio fiduciário, ou seja, não pressupõe uma

relação de confiança entre as partes.

Deste modo, atendendo ao artº11 CT, o contrato de trabalho contem três

elementos essências, ou seja para que haver um contrato de trabalho é necessário que

estarem preenchidos, cumulativamente, três requisitos fundamentais que são: a

prestação de uma atividade (sendo esta uma atividade humana e licita desde que apta

a corresponder a um interesse do credor). A retribuição (contrapartida patrimonial da

prestação da atividade prestada pelo trabalhador, nos termos do artº258n1 CT). A

subordinação jurídica ( que decorre do facto de a prestação da atividade ser realizada

no âmbito da organização, sobre autoridade e direção do empregador). O contrato de

trabalho pode ser um contrato de trabalho a termo (a termo certo e incerto, art.139.º

a 149.º do CT), contrato de trabalho a tempo parcial art.150 e ss do CT, contrato de

trabalho intermitente, art.157.º e seguintes do CT, Comissão de trabalho, art.161.º e

seguintes do CT, teletrabalho art.165.º e seguintes do CT que este contrato tem

especificidade em relação aos outros na medida em que este poderia ser exercido fora

da empresa ou fora da secretária com recurso á tecnologia de informações e de

comunicações, contrato de trabalho temporário que consta no art.172.º e seguintes do

CT.

No caso em concreto Berto pretende saber se pode utilizar o regime da

contratação a termo, ou seja, estamos perante uma das modalidades de contrato de

trabalho, nomeadamente o contrato de trabalho a termo, isto é, um contrato de

trabalho sujeito a um prazo, podendo este ser certo (celebração desse negocio jurídico

fica na dependência de um evento duplamente certo, isto é, sabe-se que irá ocorrer e

a data que irá ocorrer) ou incerto (caracteriza-se por ser um evento certo quanto à sua

verificação, mas incerto quanto à data que o mesmo vai ocorrer, pelo que nesta

situação existe uma maior instabilidade e desde que não ultrapassa o limite nos

termos da lei – 148.º no. 4 do CT)

Page 6: Direito do Trabalho - alguns casos práticos resolvidos

Casos práticos resolvidos no dia 22 de Outubro de 2013 E preparação para Iº teste, dia 05 de Nov. 13

palovel.tls@ainaro_tlpt.com Paulo Martins Direito do Trabalho, Escola de Direito – Universidade do Minho – 4.º ano 2013/2014

6

Para a celebração de um contrato de trabalho a termo, a lei estabelece

requisitos materiais e formais que têm de estar preenchidos sob pena, de em principio,

poder haver recondução do contrato de trabalho a termo ao modelo típico de um

contrato de trabalho sem termo ou de duração indeterminada (artº147). Quanto aos

requisitos materiais, consta do artº140.º no. 1 que prevê uma clausula geral de

admissibilidade dos contratos de trabalho a termo, na medida em que diz que este só

pode ser celebrado para satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo

período estritamente necessário. O artº140n2 visa completar esta clausula através de

uma enumeração exemplificativa de situações que se consideram como necessidades

temporárias, sendo que as quatro primeiras alíneas deste artigo trata de contratos de

trabalho de interinidade, uma vez que se trata de casos de substituição.

Ao abrir um novo sucursal em Braga significa que o requisito material não se

encontram preenchidos. Mas, no entanto, estaria em causa o artº140.º no. 4 do CT

que alarga a possibilidade de contratar a termo certo, sendo neste caso, é relevante a

alínea a) , pois é a abertura de um novo estabelecimento. O artº140.º no. 3 afastava

desde logo a contratação a termo incerto.

Para alem dos requisitos materiais, que no caso estão preenchidos, importa

analisar os requisitos formais, que estão previstos no artº141.º. O contrato de

trabalho a termo está sujeito a forma escrita e deve conter os elementos previstos no

n1 do artº141, ou seja, deve ser de forma escrita, detalhada com a indicação do termo

estipulado e do respetivo motivo justificado. Sob pena de o contrato de trabalho a

termo se reconduzir a um contrato de trabalho típico (147).

Conclusão:

Apesar de não preencheu o requisito material previsto no número 1 do art.140

do CT como já tinha mencionado anteriormente, o Berto poderia, a luz do número 4 do

art.140 do CT, recorrer ao contrato de trabalho a termo certo e não pode ceder 2 anos.

A duração deste contrato a termo seria de dois anos nos termos do artº148.º no. 2 al.

b do CT). A luz do artigo artº344.º do CT o contrato de trabalho a termo certo caducará

no final do prazo estipulado que neste caso é de dois anos, sendo que aqui o

trabalhador teria direito a compensação (366º do CT).

Page 7: Direito do Trabalho - alguns casos práticos resolvidos

Casos práticos resolvidos no dia 22 de Outubro de 2013 E preparação para Iº teste, dia 05 de Nov. 13

palovel.tls@ainaro_tlpt.com Paulo Martins Direito do Trabalho, Escola de Direito – Universidade do Minho – 4.º ano 2013/2014

7

Caso 2.

Bernardino foi admitido como “empregado de escritório” numa empresa de

pesca pertencente a Carlos por força de um contrato de trabalho, em 30/11/2006

auferindo a partir de 2010 um vencimento mensal de 800 euros. Em 15/04/2010, foi

transmitida a Bernardino uma ordem no sentido de ir, durante alguns meses, para a

faina no mar.

Bernardino recusou-se a acatá-la, declarando que aceitaria qualquer outro

serviço, desde que compreendido no âmbito das suas funções profissionais, não

obstante preferir continuar a ser “empregado de escritório” pois era aquele que

sempre tinha

exercido e pelo qual auferia retribuição superior.

O empregador ainda lhe assegurou que a retribuição seria a mesma, e alegou as más

condições económicas que a empresa estava a atravessar, mas Bernardino continuou

a recusar.

Considera legítima a recusa de Bernardino?

Resolução:

No caso em análise, estamos perante um contrato de trabalho. A noção de

contrato de trabalho resulta do artº.1152.º CC e artº.11.º CT (é aquele pelo qual uma

pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou

outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas). Deste modo,

atendendo ao artº11 CT, o contrato de trabalho contem três elementos que são:

prestação de uma atividade (sendo esta uma atividade humana e licita desde que apta

a corresponder a um interesse do credor), retribuição (contrapartida patrimonial da

prestação da atividade prestada pelo trabalhador, nos termos do artº.258.ºno. 1 do

CT) e subordinação jurídica (que decorre do facto de a prestação da atividade ser

realizada no âmbito da organização, sobre autoridade e direção do empregador).

O problema do caso prende-se com a determinabilidade do objeto da atividade

contratada. Portanto, o que é a atividade contratada, qual é e como determiná-la. A

atividade contratada é a atividade a que o trabalhador se obriga quando celebra o

Page 8: Direito do Trabalho - alguns casos práticos resolvidos

Casos práticos resolvidos no dia 22 de Outubro de 2013 E preparação para Iº teste, dia 05 de Nov. 13

palovel.tls@ainaro_tlpt.com Paulo Martins Direito do Trabalho, Escola de Direito – Universidade do Minho – 4.º ano 2013/2014

8

contrato de trabalho e é determinada no momento de celebração do contrato de

trabalho através do mútuo acordo entre as partes, neste caso, o trabalhador e o

empregador.

((Antes do CT de 2003, recorria-se à categoria profissional como forma de

exprimir o objeto do contrato de trabalho. A categoria era então o que delimitava e

identificava as funções que um trabalhador podia ser obrigado a realizar. Mas o CT de

2003 introduziu uma mudança neste entendimento.)) Atualmente o artº.115.º do CT

consagra o principio da contratualidade do objeto segundo o qual cabe às partes

determinar, por acordo a atividade para o qual o trabalhador é contratado. Assim

sendo, as partes devem acordar um conjunto de tarefas ou serviços concretamente

definidos ou individualizados sob pena de nulidade por indeterminabilidade do objeto

nos termos do artº.280.º do CC. No artº.115.º no. 2 do CT a palavra chave é categoria

que é importante para delimitar o objeto do contrato, sendo que este artigo diz que

essa determinação pode ser feita por remissão para a categoria. A categoria assume-se

como um ponto de partida para avaliar o respetivo objeto contratual.

Deve-se ter em conta o artº129.º no.1 al. e) segundo o qual é proibido mudar o

trabalhador para categoria inferior, salvo nos casos previstos no CT, e assim o

artº119.º concretiza o artº.129.º no. 1 al. e do CT) dizendo que para haver mudança do

trabalhador para categoria inferior é necessário o preenchimento de requisitos.

Esta necessidade de flexibilidade, deve-se por uma, ao facto de uma rigidez

absoluta não permitir qualquer ajustamento do trabalho tendo em conta as

necessidades do funcionamento da empresa, ficando o empregador inviabilizado de

qualquer gestão racional do trabalho. Do lado do trabalhador, ele veria muito limitadas

ou mesmo excluídas as possibilidades de desenvolvimento pessoal, e de valorização

profissional, o que levaria a monótona e falta de estimulação. Assim surge a

polivalência funcional (118.º do CT), em que a categoria e funções afins ou

funcionalmente ligadas se inserem no objeto do contrato, e a mobilidade funcional

(120.º do CT), sendo que nesta já se extravasa o objeto do contrato de trabalho, pelo

que os requisitos são mais apertados.

Page 9: Direito do Trabalho - alguns casos práticos resolvidos

Casos práticos resolvidos no dia 22 de Outubro de 2013 E preparação para Iº teste, dia 05 de Nov. 13

palovel.tls@ainaro_tlpt.com Paulo Martins Direito do Trabalho, Escola de Direito – Universidade do Minho – 4.º ano 2013/2014

9

Deste modo a lei permite para a polivalência funcional nos termos do 118 que

sejam exigidas aos trabalhadores outras tarefas fora da categoria, ao dizer que a

atividade contratada compreende não só as funções correspondentes à atividade

como as funções que lhe seja afins ou funcionalmente ligadas desde que obedeça aos

requisitos do artigo, que são: ser funções afins ou funcionalmente ligadas (ou seja

exista uma proximidade quanto à natureza e características de trabalho); para as quais

o trabalhador tenha qualificação adequada; e que não impliquem a desvalorização

profissional. Quanto à mobilidade funcional no artº120.º do CT, que exige a

observância dos requisitos que constam neste artigo, nomeadamente: o interesse

objetivo da empresa o exija (estando ligado a situações ou ocorrências anómalas na

vida da empresa); tem de ser uma variação transitória ( que ano deve ultrapassar os

dois anos), não pode implicar uma modificação substancial da posição do trabalhador

nem uma diminuição da retribuição (sendo que a modificação substancial está

relacionada com a posição do trabalhador na empresa, com os conhecimentos e

qualificações do trabalhador); e a ordem tem de ser expressa e justificada pelo

empregador.

No caso em concreto, estamos perante uma situação de mobilidade funcional,

pois ir para a faina, não se enquadra no objeto contratual pelo que extravasa. Deste

modo, verificados os requisitos, até existe um interesse objetivo da empresa, o facto

de ser alguns meses pode indicar que está preenchido este requisitos, a retribuição

seria a mesma, mas porem, implica uma modificação substancial do trabalhador, pelo

que a recusa do Bernardino é legítima uma vez que o empregador viola o direito dele

assim como diz que os direitos dos trabalhadores são os deveres do empregador nos

termos do art.128.º no.1 al. e da última parte remete para art.328.º e artº.129.º al. e

do CT.