direito, democracia e internacionalização da constituição

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    Gustavo Ferreira SantosJoo Paulo Allain Teixeira

    Marcelo Labanca Corra de Arajo

    DIREITO, DEMOCRACIA E INTERNACIONALIZAO DA CONSTITUIO:Direito(s) em debate.

    Recife, 2016

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    CRDITOS

    Editora: APPODI

    Organizao: Gustavo Ferreira Santos

    Joo Paulo Allain Teixeira

    Marcelo Labanca Corra de Araujo

    Conselho editorial: Erivaldo Cavalcanti e Silva Filho (UEA)

    Gustavo Carneiro Leo (UNICAP)

    Ivone Fernandes Lixa (FURB)

    Maria Lcia Barbosa (UFPE)

    Raquel Fabiana Lopes Sparemberger (FURG / FMP)

    Design da capa: Ana Catarina Silva Lemos Paz

    Composio do miolo: Ana Catarina Silva Lemos Paz

    As opinies e posicionamentos contidos nesse livro no, necessiariamente, correpondem s opines e posicionamentos tomados pelos organizadores.

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    APRESENTAO

    O Congresso Publius evento anual realizado por professores da Universidade Catlica de Pernam-buco, com o objetivo de discutir temas pertinentes ao direito pblico, especificamente no que se refere aos vnculos que se estabelecem entre Constituio e Democracia. Na edio 2015 do Publius o tema escolhido como eixo norteador do evento Tutela Multinvel dos Direitos, apontando para a necessria percepo de que os direitos apresentam nveis distintos de proteo e promoo, tanto no plano interno como em planos normativos distintos, como acontece com o direito subnacional, o direito supranacional e o direito interna-cional.

    O evento teve durao de trs dias de debates com a participao de professores e pesquisadores con-vidados de vrias universidades do Brasil, Amrica Latina e Europa e envolvendo estudantes de graduao e ps-graduao stricto sensu de diversas universidades da regio.

    O livro que agora apresentamos fruto das reflexes que aconteceram nos grupos de trabalho do evento (Direitos Sociais e Judicializao das Polticas Pblicas; Justia Constitucional e Jurisdio Constitu-cional; (Des)Criminalizao de Direitos; Tutela dos Direitos Liberdade; Hermenutica, Universalidade e Multiculturalismo dos Direitos; Direitos de Nacionalidade e Estrangeiros; Os Novos Direitos; Dilogo entre Cortes e Proteo Multinvel; Constituies Subnacionais e Tutela de Direitos: Controle de Convencionali-dade). Para os diversos GTs o evento contou com cento e vinte trabalhos inscritos, resultando em sua confi-gurao final, sessenta e cinco trabalhos enviados para publicao aps os debates. Estes trabalhos integram o presente livro eletrnico, juntamente com os trabalhos de autores convidados, mantendo a mtrica e a obedincia aos temas propostos pelo evento.

    A todos, desejamos uma boa leitura. E que estes escritos possam servir como leituras seminais para a compreenso dos desafios que uma tutela multinivel de direitos fundamentais exige.

    Recife, julho de 2016.

    Gustavo Ferreira Santos

    Joo Paulo Allain Teixeira

    Marcelo Labanca Corra de Araujo

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    SUMRIO

    1. APRESENTAO

    2. A FUNO PUNITIVA NA RESPONSABILIZAO DO FORNECEDOR EM RELAO DE CONSUMO: DILOGO DO DIREITO BRASILEIRO COM O SISTEMA COMMON LAW, EM BREVES NOTAS E REFLEXES PARA UMA MAIOR PROTEO DO CONSUMIDOR

    Adriano Barreto Espndola Santos Aldo Csar Filgueiras Gaudncio 15

    3. JUDICIAL DO DIREITO SOB A TICA DA TEORIA ESTRUTURANTE DO DIREITO: IMPLICAES NO PRINCPIO DA SEGURANA JURDICA

    Alexandre Henrique Tavares Saldanha Victor Rafael Alves de Mattos 23

    4. DIREITOS AUTORAIS E LIBERDADE DE EXPRESSO NA INTERNET:NOVOS MODELOS PARA UMA NOVA CULTURA DE PARTICIPAO

    Alexandre Henrique Tavares Saldanha 31

    5. INFRAERO E A ADOO DO ORAMENTO SIGILOSO NO REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAO PBLICA (RDC):UMA ANLISE SOBRE A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO INSTITUTO

    Alcerlane Silva Lins Roberta Cruz da Silva 40

    6. COTAS RACIAIS: ANLISE CRTICA DO DISCURSO DE FUNDAMENTAO DO VOTO DE LEWANDOWSKI NA ADPF 186/DF

    Ana Caroline Alves Leito Virginia Colares 50

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    7. A PROTEO JUDICIAL DAS MINORIAS: A UNIO HOMOAFETIVA NO STF E NA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

    Ana Catarina Silva Lemos Paz Luiz Manoel da Silva Jnior Arthur Albuquerque de Andrade 60

    8. DIREITO AO PROTESTO E SUA TUTELA JUDICIAL: UM ESTUDO DE CASO SOBRE A OCUPAO DA RUA NETO CAMPELO PELO MOVIMENTO OCUPE ESTELITA

    Ana Paula da Silva Azevdo Letcia Malaquias Mendes Barbosa Vitria Caetano Dreyer Dinu 75

    9. QUEM TEM DIREITO LTIMA PALAVRA? O INSTITUTO DA REVISO JUDICIAL LUZ DAS TEORIAS DE DWORKIN, DAHL E WALDRON

    Ana Tereza Duarte Lima de Barros Mariana Cockles Teixeira 85

    10. A AUTONOMIA DAS ORDENS LOCAIS INDGENAS NA AMRICA LATINA SOB O PONTO DE VISTA DO TRANSCONSTITUCIONALISMO E DO NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANOArthur Albuquerque de Andrade Ana Catarina Silva Lemos Paz Luiz Manoel da Silva Jnior 91

    11. ESCRAVISMO CONTEMPORANEO E INTEGRAO ECONMICA: UM ESTUDO ACERCA DOS POSSVEIS IMPACTOS DA ADESO DA BOLVIA AO MERCOSUL

    Bruna de Oliveira Maciel Jaqueline Maria de Vasconcelos 98

    12. O PODER-DEVER DO ESTADO NA PROTEO DA CRIANA E DO ADOLESCENTE NO MBITO FAMILIAR LUZ DA CONSTITUIO FEDERAL DE 1988Bruna de Oliveira Maciel Jaqueline Maria de Vasconcelos 109

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    13. LIBERDADE RELIGIOSA: UMA ABORDAGEM DO PONTO VISTA DAS RELAES ENTRE OS MODELOS DE ESTADO E IGREJA E O CASO LAUTSI CONTRA ITALIA

    Camila Leite Vasconcelos 128

    14. A VEDAO CONSTITUCIONAL AO OLIGOPLIO MIDITICO E O DIREITO COMUNICAO: A NECESSIDADE DA SUPERAO DO DOMNIO ECONMICO DOS MEIOS DE COMUNICAO EM MASSA PARA SUA REGULAO DEMOCRTICA

    Camila Freire Monteiro de Arajo Izdia Carolina Rodrigues Monteiro 137

    15. REPENSANDO A AUTOTUTELA ADMINISTRATIVA: A (IM)POSSIBILIDADE DE INCIDNCIA DO ABATE-TETO SOBRE REMUNERAO, SUBSDIO OU PROVENTO DA APOSENTADORIA DE AGENTE PBLICO CUMULADOS COM BENEFCIO DE PENSO POR MORTE DO CNJUGE/COMPANHEIRO SERVIDOR DO ESTADO

    Carla Cristiane Ramos de Macdo Roberta Cruz da Silva 138

    16. TRANSEXUALIDADE E DIGNIDADE: OS DESAFIOS JURDICOS E SOCIAIS PARA A GARANTIA PLENA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

    Carlos Henrique Felix Dantas Raissa Lustosa Coelho Ramos 152

    17. PERSONALIDADE JURDICA DA PESSOA COM DEFICINCIA E TOMADA DE DECISO APOIADA: DESAFIOS E PROPOSTAS PARA UM EFETIVO ACESSO JUSTIA

    Carlos Henrique Felix Dantas Raissa Lustosa Coelho Ramos 159

    18. LEI MARIA DA PENHA: UMA ANLISE SOBRE A EXPANSO DO DIREITO PENAL NO MBITO DOS CONFLITOS DOMSTICOS

    Carolina Salazar lArme Queiroga de Medeiros Hallane Raissa dos Santos Cunha Tlio Vincius Andrade Souza 168

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    19. DILOGO INTERJUDICIAL: REALIDADE GLOBAL NO BRASIL E A EXIGNCIA DE NOVOS DIREITOS ATRAVS DO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS

    Caroline Alves Montenegro Renata Santa Cruz Coelho 178

    20. A CRISE CONTEMPORNEA DOS REFUGIADOS, DIREITOS HUMANOS E POLTICAS PBLICASDavid Cavalcante 185

    21. LEI MARIA DA PENHA: UMA ANLISE CRTICA DA OCORRNCIA DE PRISES PREVENTIVAS E DAS FORMAS DE RESOLUO DE CONFLITOS DOMSTICOS

    Dbora de Lima Ferreira Marlia Montenegro Pessoa de Mello 194

    22. O DIREITO PENAL SIMBLICO: DA PROMESSA DE PROTEO EFICCIA INVERTIDA UM OLHAR SOBRE A PROTEO VTIMA

    rica Babini Lapa do Amaral Machado Andrielly S. Gutierres Silva Willams Frana Silva 204

    23. ENTRE RETRIBUIO, NEUTRALIZAO, SOCIALIZAO E CONTROLE A REPRESENTAO DOS MAGISTRADOS SOBRE A FINALIDADE DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAO EM PERNAMBUCOrica Babini L. do Amaral Machado Maurilo Miranda Sobral Neto Vitria Caetano Dreyer Dinu 214

    24. DEMOCRACIA, EFETIVIDADE E DIREITOS SOCIAIS: UM OLHAR SOBRE OS CONSELHOS MUNICIPAIS DE EDUCAO E A CONSTRUO DE POLTICAS PBLICAS A PARTICIPAO COMO CONCRETIZAO DA CONSTITUIO FEDERAL.

    Erika Patrcia Ferreira dos Santos Isabel Cristina Souza Queiroz Marco Aurlio da Silva Freire 227

    25. REAO LEGISLATIVA FRENTE JURISDIO CONSTITUCIONAL NO BRASIL PS 88Eriverton Felipe de Souza 235

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    26. NEGOCIADO X LEGISLADO: O DIREITO DO TRABALHO EM PERIGO

    Fbio Tlio Barroso 246

    27. NOTAS SOBRE A AUTONOMIA SINDICAL BRASILEIRAFbio Tlio Barroso 253

    28. O DIREITO AO CONFLITO NOS CASOS DE VIOLNCIA DOMSTICA: POTENCIALIDADES E RISCOS

    Fernanda Fonseca Rosenblatt Joo Andr da Silva Neto Maria Jlia Poletine Advincula Pedro Henrique Ramos Coutinho dos Santos 259

    29. A DESCRIMINALIZAO DO USO PESSOAL DE DROGAS EM DEBATE NO STF: UM PASSO RUMO SUPERAO DA GUERRA S DROGAS?

    Fernanda Thayn Magalhes de Moraes Las Emanuella da Silva Lima Maria Eduarda Moreira de Medeiros 270

    30. O NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO E SEUS REFLEXOS PARA O PENSAMENTO JURDICO BRASILEIRO CONTEMPORNEOFernando Flvio Garcia da Rocha Joo Paulo Allain Teixeira 276

    31. AS TRANSFORMAES DO ENSINO JURDICO A PARTIR DA UTILIZAAO DAS NOVAS TECNOLOGIAS DA INFORMAOFernando Flvio Garcia da Rocha Paloma Mendes Saldanha 284

    32. A JUSTIA RESTAURATIVA COMO REAO AO ILUSRIO E ILEGTIMO DISCURSO PUNITIVO NA AMRICA LATINAFernando Borba de Castro Lenice Kelner Leonardo Idenio Soares 291

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    33. A DIGNIDADE DO TRABALHADOR NO COMBATE AO TRABALHO ANLOGO AO DE ESCRAVO AMEAAS E RISCOS VINDOS DO PODER LEGISLATIVO

    Flora Oliveira da Costa 303

    34. A COMPLEXIDADE DO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORNEO UM OLHAR LUHMANNIANO

    Flora Oliveira da Costa 310

    35. A FIGURA DA MULHER FRENTE POLTICA PROIBICIONISTA DO TRFICO DE DROGAS: UMA ANLISE SOCIO-CRIMINOLGICA

    Gabriela Parisi de Amorim Gisele Vicente Meneses do Vale Paloma dos Santos Silva 320

    36. A PROTEO MULTINIVEL E A EFETIVIDADE DA TUTELA JURDICA DOS DIREITOS HUMANOS ENQUANTO RESULTADO DO DILOGO ENTRE DIFERENTES CORTESGabriel Soares Ribeiro Lopes Maria Carolina Ori Veloso 327

    37. A PROSTITUIO UMA PRESTAO DE SERVIO OU A COMPRA DE UMA MERCADORIA?Gabrielle Costa Carvalho de Oliveira Larissa Brasileiro Malheiro Vanessa Alexsandra de Melo Pedroso 335

    38. LIBERDADE DE EXPRESSO E RADIOFUSO SOB A TICA DO SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEOGessyca Galdino de Souza Gustavo Ferreira Santos 339

    39. ATIVISMO JUDICIAL E O CONTROLE DA PROIBIO DE PROTEO DEFICIENTE A DIREITOS FUNDAMENTAIS: ANLISE DO PROCESSO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO 3, DO ARTIGO 20, DA LEI N 8.742/93 LEI ORGNICA DA ASSISTNCIA SOCIAL LOAS

    Glauco Salomo Leite Dyego Jos Holanda Pessoa Tatyana Paula Cabral De Melo Marcolino 349

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    40. O PROTAGONISMO JUDICIAL E A REFORMA POLTICA: ANLISE DO CASO SOBRE O FINANCIAMENTO PRIVADO DE CAMPANHAS ELEITORAIS

    Glauco Salomo Leite Mirella Luiza Monteiro Coimbra Pablo Diego Veras Medeiros 358

    41. ATIVISMO JUDICIAL CONTRAMAJORITRIO: O CASO DA DESCRIMINALIZAO DO PORTE DE DROGAS PARA USO PRPRIO.

    Glauco Salomo Leite Jos Raimundo Silva Neto Raphael Crespo Forne 368

    42. ASPECTOS E CONTROVRSIAS SOBRE A JUDICIALIZAO DA PRISO NO BRASIL: UMA ANLISE DA ADPF 347

    Glebson Weslley Bezerra da Silva Mariane Izabel Silva dos Santos Roberta Rayza Silva de Mendona 376

    43. POLTICAS PBLICAS, O DIREITO SOCIAL SADE E A EXTRAFISCALIDADE DA TRIBUTAO SOBRE O CIGARROIdalina Ceclia Fonseca da Cunha 384

    44. MOVIMENTOS SOCIAIS AGRRIOS: TEORIA DO ETIQUETAMENTO E CRIMINALIZAO

    Indira Capela Rodrigues Raquel Fabiana Lopes Sparemberger 390

    45. SOLUO DE VIA NICA: O punitivismo dos movimentos sociais e a imposio da pena pelo sistema de justia criminal

    Iricherlly Dayane da Costa Barbosa Joo Andr da Silva Neto Marlia Montenegro Pessoa de Mello 402

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    46. NEOCONSTITUCIONALISMO E NEOPROCESSUALISMO COMO INSTRUMENTOS PARA EFETIVAO DA JUSTIA E FORTALECIMENTO DO ESTADO DEMOCRTICO DE DIREITOJaqueline Maria de Vasconcelos Patrcia Freire de Paiva Carvalho 410

    47. JURISDIO E DESCONSTRUO: uma anlise procedimental da Arguio de Descuprimento Fundamental no constitucionalismo brasileiro a partir de Jacques Derrida.

    Joyce Batista do Nascimento Joo Paulo Allain Teixeira 416

    48. DIREITO MEMRIA, VERDADE E JUSTIA: A PERMANNCIA DAS VIOLAES AOS DIREITOS HUMANOS NA ATUALIDADe

    Julia Santa Cruz Gutman Renata Santa Cruz Coelho 431

    49. CARACTERSTICAS DOS SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: BREVE CONSIDERAES DIDTICAS SOBRE ASPECTOS CONCEITUAIS E PROCESSUAIS

    Luciano Jos Pinheiro Barros Raquel Alves Almeida Silva Ana Beatriz Oliveira de Souza 440

    50. CRISE, JURISDIO E DEMOCRACIALuciano Jos Pinheiro Barros Mateus Siqueira Pacheco 448

    51. DIREITOS CONSTITUCIONAIS E INTERNACIONAIS DOS REFUGIADOSMaria Alana Calado Capit Pedro Victor Montenegro de Albuquerque 457

    52. CRISE FEDERATIVA E FINANAS MUNICIPAIS: A PROBLEMTICA DA EFETIVAO DOS DIREITOS SOCIAIS

    Maria Raquel Firmino Ramos 463

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    53. AS MULHERES DIANTE DA LEI 11.343/2006: A CRIMINALIZAO DA VULNERABILIDADE SOCIAL.

    Marlia Montenegro Pessoa de Mello (orientadora) Juliana Gleymir Casanova da Silva 472

    54. A CONCRETIZAO DOS DIREITOS SOCIAIS NO BRASIL PS-88: A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA COMO INSTRUMENTOS DE EFETIVAO DE POLTICAS PBLICAS

    Marco Aurlio da Silva Freire Joo Paulo Rodrigues do Nascimento 480

    55. (IN)CONSTITUCIONALIDADE NA ADOO DO INSTITUTO DA CONTRATAO INTEGRADA NOS CONTRATOS DA INFRAEROMarta Rodrigues de Oliveira Roberta Cruz da Silva (orientadora) 489

    56. A EMERGNCIA DE DECLARAES SUBNACIONAIS DE DIREITOS NA ORDEM CONSTITUCIONAL AUSTRALIANA: O PAPEL DO PACTO FEDERATIVO NA FORMATAO DO REGIME DE PROTEO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E A ADOO DE UM CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE FRACO

    Mauro La-Salette Costa Lima de Arajo 500

    57. LIBERDADE RELIGIOSA X TRFICO DE DROGAS: O CASO DE RAS GERALDINHO

    Mateus Rafael de Sousa Nunes 507

    58. DIREITO AO ESQUECIMENTO E LIBERDADE DE IMPRENSA.Nara Fonseca de Santa Cruz Oliveira Camila Freire Monteiro de Arajo 514

    59. A POLTICA DE PRIVACIDADE DO GOOGLE E SUAS INFRAES AO CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E AO DIREITO CONSTITUCIONAL PRIVACIDADE: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA

    Paloma Mendes Saldanha 521

    60. DIREITOS POLTICOS E ESTRANGEIROSRafael Lima Rangel Vasconcelos 536

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    61. A FAMLIA BASEADA NO POLIAMOR EM CONSONNCIA COM O PRINCPIO DA LIBERDADESilvana Vieira da Silva 546

    62. A CRIMINALIZAO DO DIREITO LIBERDADE DE CTEDRA NO BRASIL: ANLISE DO PROJETO DE LEI N 1.411/2015 LUZ DA CONSTITUIO FEDERAL DE 1988.

    Synara Veras de Arajo 555

    63. BREVE ANLISE SOBRE O NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO AMERICANORenata Santa Cruz Coelho Caroline Alves Montenegro 561

    64. O ONTEM HOJE: SOBRE A TUTELA DOS DIREITOS LIBERDADE PRESENTE NA OBRA CINEMATOGRFICA TATUAGEM

    Synara Veras de Arajo 571

    65. ESTUDO IDEOLGICO SOBRE O MODELO PROCESSUAL COOPERATIVO DO NOVO CPCSteel Vasconcellos 581

    66. O DISCURSO DO DIO FRENTE S MANIFESTAES MINORITRIAS COMO HIPOTSE DE COLISO DOS DIREITOS FUNDAMENTAISTieta Tenrio de Andrade Bitu 591

    67. CONFLITOS INDGENAS E O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS (SIDH)Valdnia Brito Monteiro Brbara Raquel da Silva Fonseca 603

    68. A GARANTIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO PRESSUPOSTO PARA O COMBATE DO TRFICO DE SERES HUMANOSVanessa Alexsandra de Melo Pedroso Luize Ivila Santos da Rocha Larissa Gabrielle Silva de Andrade 612

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    69. CRIMINALIZAO DA PELE E DA CONDIO SOCIAL NA GUERRA S DROGASVictor de Goes Cavalcanti Pena Danyelle do Nascimento Rolim Medeiros Lopes 618

    70. A REGULAMENTAO BRASILEIRA DAS MIGRAES E O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADEVictor Scarpa de Albuquerque Maranho Thiago Oliveira Moreira 623

    71. PRISES PREVENTIVAS E PRESUNO DE INOCNCIA: UM DEBATE POSSVEL?

    Wictor Hugo Alves da Silva 633

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    DIREITO, DEMOCRACIA E INTERNACIONALIZAO DA CONSTITUIO:Direito(s) em debate.

    A FUNO PUNITIVA NA RESPONSABILIZAO DO FORNECEDOR EM RELAO DE CONSUMO:

    DILOGO DO DIREITO BRASILEIRO COM O SISTEMA COMMON LAW, EM BREVES NOTAS E REFLEXES PARA UMA MAIOR PROTEO DO CONSUMIDOR

    Adriano Barreto Espndola SantosMestre em Direito Civil pela Universidade de Coimbra - Portugal. Especialista em Direito Civil pela Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais - PUC Minas. Especialista em Direito Pblico Municipal pela Faculdade de Tecnologia Darcy Ribeiro. Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza. Advogado.

    Aldo Csar Filgueiras GaudncioMestre em Direito Civil pela Universidade de Coimbra Portugal. Ps-graduado em direito empresarial pela Universidade Estadual da Paraba (UEPB). Ps-graduado em direito dos contratos. Advogado.

    SUMRIO: Introduo; 1. A proteo do consumidor e sua reparao por eventuais danos como garantias constitucionais; 1.1. Da reparao por danos na sistemtica da responsabilidade civil do c-digo de defesa do consumidor; 2. Do dano moral ao social: um quadro de grave comprometimento da vida humana na relao de consumo; 3. O aparelhamento nocivo e sistemtico do dano eficiente; 4. O dilogo entre sistemas como forma de aplacar diferenas e fomentar ganhos sociais; Concluso; Referncias.

    INTRODUO

    Diante da permanente necessidade de cuidado ao consumidor, figura, por sua prpria condio, frgil na relao de consumo, desenvolver-se- este estudo com o intuito de, dentre tantas problemticas sobrevin-das, aplacar os enormes prejuzos de ordem moral, em especfico, sofrido pelos consumidores nestas ltimas dcadas.

    Numa luta at ento desigual, atendendo-se dignidade da pessoa humana, com a expresso de boa parte dos anseios sociais em nossa Constituio Federal de 1988 e, depois, em sede de cdigo de defesa do consumidor lei n. 8078/90 -, conseguiu-se estampar o direito reparao de danos - evidente que se fir-mou a grande avano para uma sociedade consumerista, carente de segurana jurdica.

    Mas, com as recorrentes constataes de leses aos consumidores, v-se que a estrutura jurdica brasileira ainda apresenta lacunas que oferecem espaos s prticas destrutivas operadas pelos lesantes, voltadas to somente racionalidade econmica.

    De modo que, com as experincias exitosas aliengenas, obtm-se, ento, base para adequar o modelo da funo punitiva da responsabilidade civil ao sistema brasileiro, servindo tal instrumento para se alcanar a funo social do mencionado instituto, como, tambm, travar, ou mesmo, de fato, eliminar o dano social.

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    DIREITO, DEMOCRACIA E INTERNACIONALIZAO DA CONSTITUIO:Direito(s) em debate.

    1. A PROTEO DO CONSUMIDOR E SUA REPARAO POR EVENTUAIS DANOS COMO GARANTIAS CONSTITUCIONAIS.

    A Constituio Federal de 1988 garante proteo aos consumidores imputando ao Estado uma obrigao de promoo de sua defesa. Aliado a isso, tero os consumidores a garantia da possiblidade de serem reparados por eventuais danos que venham a suportar nas no mercado de consumo.

    Especificamente, o legislador constitucional inseriu no texto do artigo 5, inciso X a reparabilidade por danos morais e materiais, quando garantiu a inviolabilidade dos direitos da personalidade. De sorte que, o que extramos que o instituto da responsabilidade civil se v presente no texto constitucional, agora como uma garantia da ordem jurdica estabelecida a partir de 1988 (MORAES, 2013).

    Ainda, como direito fundamental, a Constituio Federal de 1988 estabeleceu como a norma impe-rativa o disposto no artigo 5, inciso XXXII, que institui que o Estado promover na forma da lei a defesa do consumidor. Lei esta que deveria ser elaborada dentro de 120 dias a partir da promulgao da Constituio, conforme artigo 48 dos atos das disposies constitucionais transitrias, na mesma Constituio (MIRAGEM, 2002 - Conferir tambm (CAVALIERI FILHO, 2008); (DUQUE, 2009); (GRAU, 1993)).

    A insero do artigo 5, XXXII, entre os direitos fundamentais coloca os consumidores entre os ti-tulares de direitos constitucionais fundamentais, porque estes no mais se resumem aos direitos de defesa contra interferncia estatal na esfera jurdica particular (CANOTILHO, 1993). Atualmente, os direitos fun-damentais conferem tambm aos particulares direitos de proteo, direitos organizao e ao procedimento e direitos as prestaes sociais.

    Entendemos que o Estado tem o dever de proteger os direitos fundamentais e, assim, proteger um cidado perante o outro.

    Alm disto, o artigo 170, inciso V, da Constituio Federal de 1988, tornou a defesa do consumidor um princpio da ordem econmica constitucional. Estes dois dispositivos artigo 5, inciso XXXII, e artigo 170, inciso V legitimam todas as medidas de interveno estatal necessrias a assegurar a proteo prevista. A defesa dos consumidores pauta-se, em primeiro, nas razes econmicas derivadas das formas, segundo as quais se desenvolvem, em grande parte, ao atual trfico mercantil e, em segundo, por critrios que emanam da adaptao da tcnica constitucional ao estado de coisas que hoje vivemos imersos na chamada sociedade de consumo em massa1.

    O dispositivo constitucional ordena ao Estado Brasileiro o dever de promoo defesa do consumidor na forma de lei e no mera faculdade, pois se trata de um imperativo constitucional que ordena ao Estado em todas as esferas de poder (unio, estado e municpios) e na sua tripartio de poderes (executivo, legislativo e judicirio)2. Foi o constituinte originrio que instituiu um direito subjetivo pblico geral para todos os bra-sileiros como uma garantia fundamental. Outro imperativo ocorreu nos atos das disposies constitucionais transitrias, em seu artigo 48, que, por sua vez, deu prazo e nomeou a lei de defesa do consumidor como Cdigo de Defesa do Consumidor (CAVALIERI FILHO, 2008)3.

    Finalmente, a Lei n. 8078/90, Cdigo de Defesa do Consumidor Brasileiro, foi promulgada em 1990, e acarreta importantes mudanas que, no decorrer dos anos 90 e na primeira dcada do sculo XXI, tanto nos

    1 NUNES, 2012, p. 52: No que respeita s normas constitucionais que tratam da questo dos direitos e garantias do consu-midor, elas so vrias, algumas explcitas, outras implcitas. A rigor, como a figura do consumidor, em larga medida, equipara-se do cidado, todos os princpios e normas constitucionais de salvaguarda dos direitos do cidado so, tambm, simultaneamente extensivos ao consumidor pessoa fsica. Dessarte, por exemplo, os princpios fundamentais institudos no art. 5 da Constituio Federal so, no que forem compatveis com a figura do consumidor na relao de consumo, aplicveis como comando normativo constitucional.

    2 BENJAMIN, 2008, p. 68, que afirma: Se a Constituio Federal de 1988 manda o Estado-juiz, o Estado-executivo, e o Esta-do-legislativo proteger imperativamente o consumidor em suas relaes intrinsicamente desequilibradas com os fornecedores de produtos e servios, a CF/88 no definiu quem o consumidor logo temos que recorrer ao CDC, como base legal especial infra-constitucional para saber quando aplicar o CDC.

    3 Ver tambm ALMEIDA, 2003; NISHHIYAMA e DENSA, 2011, pp. 432 a 433, que afirmam: o princpio da proteo do con-sumidor norma constitucional; DUQUE, 2009.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/anos_90

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    DIREITO, DEMOCRACIA E INTERNACIONALIZAO DA CONSTITUIO:Direito(s) em debate.

    mecanismos de proteo, com o surgimento de novas associaes civis voltadas proteo dos consumidores, como rgos administrativos tambm com o mesmo escopo.

    Alm disso, imps importantes e gradativas mudanas s relaes de consumo, perceptvel na me-lhora na qualidade de fabricao dos produtos e na relao das empresas, de um modo geral, frente os con-sumidores4.

    1.1. DA REPARAO POR DANOS NA SISTEMTICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

    A lei n. 8.078/90 adotou uma sistemtica prpria para garantir a reparao dos danos oriundos das relaes de consumo. Assim, como se percebe claramente da citada lei, a responsabilizao dos fornecedores est dividia em duas partes, em primeiro, a responsabilizao decorrente dos acidentes de consumo ocorri-dos por defeitos nos produtos e servios, tratada entre os artigos 12 a 14, e, em segundo, a responsabilizao decorrente dos vcios nos produtos e servios, previstos nos artigos 18 a 20.

    A responsabilidade por fato do produto ou do servio identifica-se pela ocorrncia de defeito. O de-feito que emerge do produto ou servio disposto ao consumidor a consequncia de um dano provocado por uma falha no funcionamento regular destes5.

    Desse modo, o dano moral emerge imediatamente dos acidentes de consumo, haja vista que no h que se falar em acidente de consumo se no ocorrer o dano. Assim, a sistemtica aplicada pelo Cdigo de De-fesa do Consumidor atribui a quem idealizou e concebeu o produto ou o servio o dever de repara eventuais danos suportados pelos consumidores.

    Quando a responsabilidade se trata de vcio do produto ou do servio, regulada pelos artigos 18 e 19, vcio de qualidade e quantidade do produto, respectivamente, e artigo 20, vcio de qualidade do servio, a ocorrncia de dano seria em razo pela demora na reparao do vcio. Em outras palavras, havendo vcio no produto ou servio, h um prazo de 30 dias previsto na lei para resoluo da falha, e, em caso de alargamento deste perodo por retardo do fornecedor em repar-lo, caso haja dano, ento pode ser imputado ao fornece-dor o dever de pagar indenizao, que, repetimos, tem relao a danos gerados pela demora em sanar o vicio (NUNES, 2012).

    A sistemtica prevista na Lei n. 8078/90, apesar de pautada na diviso a partir do entre defeito e vcio, este menos gravoso, intrnseco ao bem ou servio, com formas de reparao previstas em lei havendo a possibilidade de a reparao ocorrer por danos morais e matrias -, e aquele, mais gravoso, e que se d pela ocorrncia de dano provocado pela exteriorizao vcio no bem ou servio.

    O consumidor possui um instrumento forte de reparao dos danos que vier a suportar no mercado, no entanto comum determinadas prticas abusivas ou perigosas, por vezes lesivas, serem recorrentes, o que quer nos mostrar que as indenizaes pagas talvez no sejam suficientes para alterar as mesmas prticas empresarias prejudiciais aos consumidores.

    2. DO DANO MORAL AO SOCIAL: UM QUADRO DE GRAVE COMPROMETIMENTO DA VIDA HUMANA NA RELAO DE CONSUMO.

    Numa perspectiva moderna, nota-se que as relaes de consumo tendem a oferecer sempre novas alternativas com o fito principal de promover os ganhos econmicos. E isso corresponde a fato natural, ine-xorvel aos avanos da sociedade, que precisa atender s suas necessidades, amparada, principalmente, pela celeridade e pelo desenvolvimento comum.

    4 Sobre relao de consumo Cfr. PASQUALOTTO, 2011; OLIVEIRA, 2002.

    5 Cfr. CAVALIERI FILHO, 2008, p. 265: (...) fato do produto um acontecimento externo, que ocorre no mundo exterior, que causa dano material ou moral ao consumidor (ou ambos), mas que decorre de um defeito do produto.

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    No h mal propriamente neste processo. A grande questo que se impe saber at que ponto as citadas relaes podem estar revestidas da licitude. Se se ultrapassar esta barreira, dos negcios justos, segu-ramente sobreviro enormes prejuzos aos consumidores, que se veem fracos perante o insuportvel peso do poder socioeconmico exercido pelos fornecedores lesantes.

    Ou seja, quanto mais lacunas se deixam escapar, mais fortes se tornam os lesantes e, por conseguinte, o controle de seus atos se vislumbra como demasiado frustrante, sobretudo para os consumidores, que, j prejudicados, no tm meios para buscar amparo legal.

    Fecha-se o seguinte cenrio: o consumidor, naturalmente, tem de resolver as questes do dia a dia, quais sejam levar o filho a escola, pagar as contas, ir ao mdico, dentre outros afazeres prioritrios, assim, v-se, no tem tempo para buscar amparo no poder judicirio, ainda mais sabendo que tal iniciativa pode no acabar como desejada, resultando tudo num grave transtorno moral.

    O dano moral, antes analisado sob a feio de um s ente, hoje, com tais problemticas de ordem consumerista, passa a compreender uma extenso muito maior, s vezes at de difcil avaliao e controle, o denominado dano social. Segundo o idealizador da teoria do dano social, Antonio Junqueira de Azevedo, o dano social aquele mal impelido em face de muitos indivduos, de uma parcela considervel da sociedade que se v achacada em seus elementos mais nsitos, como a moral, o bem-estar subjetivo, a paz e a seguran-a, por exemplo6.

    Nas palavras de Maria Celina Bodin de Moraes (MORAES, 2006, p. 246), o dano moral corresponde leso perpetrada em face da dignidade humana7. Pois bem, nada mais elucidativo que trazer baila tais palavras, as quais confirmam o grave mal do dano social. Como o prprio nome j assim o denota, diz res-peito a uma leso pratica dignidade de uma infinidade de pessoas, portanto, mais severa, que merece ser combatido de modo eficaz.

    O dano social subtrai a tranquilidade de toda populao8. Deixa-se a impresso que ao lesante per-mitido continuar tais atos, ao passo que o lesado se sente atnito e desorientado quanto aos seus direitos. Acaba, ento, a aceitar a situao porque no sabe ao certo como, se ou a quem, ao menos, deve recorrer.

    Para descrever melhor, o estado da populao se sintetiza em resignao. Aceitar passiva as adversi-dades exatamente o que espera o lesante, tendo como base, to somente, a sua racionalidade econmica, direcionada a compatibilizar, a seu modo, gastos e lucros, sujeitando os consumidores aos mais indignos tratamentos.

    O dano de esfera social vai implantando, velada e sutilmente, uma sensao progressiva de sujeio aos quadros atuais. Pensa-se: tudo est como deve ser, e pronto. No se projeta qualquer tipo de soluo, restando, especialmente ao mais hipossuficiente, a submisso, o que pode concorrer para o superendivida-mento.

    Para melhor confrontar ideias, cumpre apresentar a seguinte situao hipottica: acostumado a rea-lizar seus pagamentos por via bancria, atravs de dbito automtico, porque, ocupado, Joo no tem tempo para realizar tais atividades diretamente em agncias, fica surpreso com a cobrana de uma taxa de servio, quando, poca, ao perguntar ao gerente do banco, fora informado que nada seria acrescido a sua conta

    6 AZEVEDO, 2004, p. 376: Os danos sociais, por sua vez, so leses sociedade, no seu nvel de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimnio moral principalmente a respeito da segurana quanto por diminuio de sua qualidade de vida. Os danos sociais so causa, pois, de indenizao punitiva por dolo ou culpa grave, especialmente, repetimos, se atos que reduzem as con-dies coletivas de segurana, e de indenizao dissuasria, se atos em geral de pessoa jurdica, que trazem uma diminuio do ndice de qualidade de vida da populao.

    7 MORAES, 2006, p. 246: Sob esta perspectiva constitucionalizada, conceitua-se o dano moral como a leso dignidade da pessoa humana.

    8 AZEVEDO, 2004, p. 375: A segurana, nem preciso salientar, constitui um valor para qualquer sociedade. Quanto mais segurana, melhor a sociedade, quanto menos, pior. Logo, qualquer ato doloso ou gravemente culposo, em que o sujeito A lesa o sujeito B, especialmente em sua vida ou integridade fsica e psquica, alm dos danos patrimoniais ou morais causados vtima, causa tambm de um dano sociedade como um todo e, assim, o agente deve responder por isso. [...] A pena agora, entre aspas, porque no fundo, reposio sociedade -, visa restaurar o nvel social de tranqilidade diminuda pelo ato ilcito.

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    habitual. Aps realizar os clculos de quanto teria desembolsado em trs anos, reparou que os gastos ms a ms no impactavam tanto em seu oramento por isso no havia notado a situao velada -, mas que, ao final, isso correspondia importncia significativa, que poderia ser utilizado para cobrir outras obrigaes. Sentindo-se fragilizado ante o poderio do banco, mesmo questionando seu gerente, no obteve resposta posi-tiva, restando-lhe o amparo do poder judicirio, que, no se sabe quando, poder ter tais valores recuperados.

    Fatos como este supracitado repetem-se diuturnamente, sem controle prvio e apropriado, deixando o consumidor convencido que os esforos empregados para tal fim podem resultar em algo assaz desgastante. Tendo sua esfera existencial j fortemente atingida pelo ato em si, ainda pode se ver mais envolvido em razo das tentativas, digamos, estreis.

    3. O APARELHAMENTO NOCIVO E SISTEMTICO DO DANO EFICIENTE.

    Notrios, nos meios miditicos, os abusos cometidos por empresas de grande poder socioeconmico, como o caso de companhias areas, operadoras de telefones, dentre outras. Mais alarmante que isso sa-ber que os casos se repetem, que as mesmas empresas mantm suas atividades desvirtuadas porque no h controle eficaz9.

    O fato que, por no haver freios legais, acostumam-se a desempenhar suas atividades sem qualquer apego vida humana. dizer que as suas decises sero sempre orientadas pelos resultados econmicos. Se os ganhos compensam, descarta-se a condies psicofsicas dos indivduos envolvidos, podendo os lesantes, ento, submeterem-se s possveis aes judiciais quando algum lesado tiver disposio para tal -, e se for condenado, dever pagar o quantum arbitrado em juzo, de carter compensatrio.

    Vislumbrando as quantias de indenizao que porventura surjam, os lesantes tm segurana em sa-ber o patamar que ir interferir em seu oramento. Porque as indenizaes compensatrias so antecipada-mente cognoscveis, estes entes, alheios aos resultados que podem ser devastadores, raciocinam que o lucro compensa.

    nesse sentido que se opera o dano eficiente, na concepo de Csar Fiza (FIZA apud PIMEN-TA e LANA, 2010, p. 128)10. O agente lesante encontra campo lacunoso em legislao para aplicar o seu intento, sem se ater ao princpio jurdico mais importante, a dignidade da pessoa humana, insculpida no art. 1, inciso III, da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, norma que rege todo o ordenamento brasileiro.

    Por controlar todo o processo danoso, os custos das operaes etc., o lesante chega a tranquila con-cluso que os custos com a readequao do produto, em se tratando, por exemplo, do recall, seria muito mais dispendioso que manter a situao como est, sujeitando-se, se for a hiptese, s possveis indenizaes compensatrias, e se condenado for.

    Pela insignificncia, e ante o poderio econmico do lesante, na maioria das vezes estas mesmas empresas pressionam a realizao de acordos, e logo no incio, sem conferir o potencial lesivo do mrito da questo, j so encerrados inmeros casos. Restam, portanto, alguns poucos que, ao final, no conseguiro efetivamente exprimir os carteres dissuasivo, exemplar e punitivo, em face da conduta.

    9 FARIAS, ROSENVALD e NETTO, 2014, p. 411: [...] As estatsticas demonstram que o Poder Judicirio e, especialmente os juizados especiais, converteram-se em repositrios de demandas de responsabilidade civil. Assombra a reiterao de demandas contra os mesmos rus, pelas mesmas prticas reveladoras de um profundo descaso com os seus clientes e a sociedade. H uma subverso axiolgica, haja vista que a lgica puramente patrimonialista e individualista de uma racionalidade estritamente eco-nmica -, paira sobre situaes jurdicas existenciais e metaindividuais. A eventual reparao de danos ser um preo previamente conhecido e contabilizado pelo lesante.

    10 FIZA apud PIMENTA e LANA, 2010, p. 128: Fala-se, por fim, em dano eficiente e dano ineficiente. Ocorre dano eficiente, quando for mais compensador para o agente pagar eventuais indenizaes do que prevenir o dano. Se uma montadora verificar que uma srie de automveis foi produzida com defeito que pode causar danos aos consumidores, e se esta mesma empresa, aps alguns clculos, concluir ser prefervel pagar eventuais indenizaes pelos danos ocorridos, do que proceder a um recall, para concertar o defeito de todos os carros vendidos que forem apresentados, estaremos diante do dano eficiente.

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    Para melhor aclarar o tema, vale lembrar o emblemtico caso Pinto Case em que a Ford produziu car-ros em formato de pinto, como o prprio nome sugere, onde o arranjo e qualidade das peas no condiziam com a segurana desejada. Assim, em virtude de acidente no qual houve a morte do condutor, alm de graves leses nos passageiros, chegou-se ao poder judicirio dos EUA a questo, momento em que ficou constatada a m colocao do tanque de combustvel, assim como a fragilidade do material empregado, o que ocasionou o evento trgico.

    Comprovou-se, ademais, inclusive certificado pelo dono da empresa em audincia, que era do conhe-cimento da Ford o aludido problema, contudo, em razo da alterao do design do produto para a reformula-o, seria melhor se submeter s possveis indenizaes, se fosse o caso, pagando as quantias compensatrias.

    Consternado com a desconsiderao vida, o Tribunal da Califrnia determinou a condenao em indenizaes de carteres compensatrio e punitivo, esta muito mais acentuada, com o intuito de provo-car verdadeira represso ao comportamento praticado e aviso aos demais pretensos lesantes (LOURENO, 2008, p. 4 e 5).

    Logo, a lei no pode dispor de espaos que facilitem as citadas manobras. De tal modo que se impe o auxlio da anlise econmica do Direito para dirimir estas falhas, direcionando o estudo, a feitura, e a apli-cao da norma para eliminar do lesante a viso restrita da racionalidade econmica. Com isso, as atividades sero enformadas a atingirem a eficincia, sem, contudo, dar margem aos danos11.

    4. O DILOGO ENTRE SISTEMAS COMO FORMA DE APLACAR DIFERENAS E FOMENTAR GANHOS SOCIAIS.

    No sistema anglo-saxnico, o common law desenvolveu-se ferramenta a ensejar a responsabilizao do agente atravs de uma pena civil, os designados punitive damages. Tal instrumento, alm de vir acompa-nhado compensao do lesado, tem por fulcro a penalizao conduta lesiva e servir de exemplo para que os demais desistam de tal iniciativa.

    Mesmo diante de toda resistncia do sistema civil law em acolher tal instrumento, atendendo-se s reservas e adequaes pertinentes, frise-se: no h mais razo para o distanciamento entre sistemas, vez que o fim ser sempre a proteo humana, atravs do reconhecimento pleno da dignidade da pessoa humana. Alm disso, a funo punitiva da responsabilidade civil proporciona o verstil enlace social do instituto, que pode, ao mesmo tempo, servir de controle preventivo e pena civil.

    Reflexo dessa imprescindvel tutela social desponta cada dia mais, sobretudo no poder judicirio bra-sileiro, solues voltadas a desestimular tais condutas lesivas, ainda que as condenaes hodiernas, nem de perto, possam ser comparadas quelas aplicadas, mormente, nos EUA12.

    Por sua relevncia, expe-se o inteiro teor de trecho de recente deciso de primeiro grau de jurisdi-o, no Estado do Cear, por meio da qual o magistrado salienta o papel punitivo da indenizao pela respon-sabilidade civil, instrumento regulador da conduta social: Tambm, deve a indenizao servir de advertncia ao ofensor, evitando-se, dessa forma, a reincidncia, exteriorizando seu carter punitivo e preventivo, atravs da fixao de um valor razovel 13.

    11 PIMENTA, 2006, p. 169: O que pressupe a anlise econmica do Direito que a conduta legal ou ilegal de uma pessoa decidida a partir de seus interesses e dos incentivos que encontra para efetu-la ou no. Parte-se da premissa que os agentes su-jeitos de direito iro conduzir-se diante da legislao de forma a fazer a escolha que incorra em uma melhor relao quantitativa entre os custos e riscos envolvidos e os possveis benefcios (escolha baseada no critrio eficincia).

    12 MINAS GERAIS, 2011: No que se refere ao quantum indenizatrio referente ao dano moral, a despeito de no ser expres-samente adotada por nosso ordenamento jurdico a doutrina norte-americana do punitive damages, lugar comum na doutrina e na jurisprudncia que a indenizao deve levar em conta o dano, a capacidade econmica da vtima e do agente, bem como o vis pedaggico da indenizao, capaz de desestimular a reiterao da conduta social indesejada.

    13 (SENTENA, 2015, p. 332).

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    CONCLUSO

    H de se acolher o que de bom se construiu em tradio aliengena, como bem assevera Nelson Rosenvald (ROSENVALD, 2014, p. 165), porque os ganhos sociais sero sempre maiores que a precipitada inobservncia14.

    Guardadas as propores regionais e culturais, que devem ser respeitadas, a funo punitiva atende-r, inclusive, funo social da responsabilidade civil, maior contributo a ensejar que se evitem, preventiva-mente, a incidncia do dano, estando, pois, mais condizente com os ditames da clusula geral da dignidade da pessoa humana.

    Com a funo punitiva, o sujeito sentir-se- mais seguro, de que haver a resposta apropriada do po-der judicirio, alm disso, os demais entes de poderio econmico e social sabero o revs legal aposto s suas ms condutas. Concomitante a isso, tambm, observe-se: o pretenso lesante no ter como calcular possveis vantagens econmicas que existiriam se se sujeitasse, eventualmente, s condenaes judiciais, como no caso de indenizaes compensatrias, ao invs de conferir ao produto ou ao servio os ajustes necessrios segurana do consumidor, porque as indenizaes de carter punitivo no podem ser avaliadas de modo antecipado.

    Assim, ficam evidenciadas a eficincia e a segurana jurdica determinadas pela funo punitiva da responsabilidade civil, tendo em conta que o dano eficiente no mais poder se formar, desmontando, com isso, o arranjo perigoso inclinado a causar o dano social, grande mal da atualidade.

    REFERNCIAS

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    14 ROSENVALD, 2014, p. 165: As fronteiras foram rompidas. No h como preservar a intransponvel dicotomia entre a civil law (romanstica, codificada e identificada por um ordenamento legislativo) e a common law (no romanstica, no codificada e identificada em um ordenamento judicirio), tal como se fossem universos apartados. A nacionalidade do direito privado se revela um obstculo s relaes econmicas, cada vez mais intensas, entre cidados e empresas de pases e sistemas jurdicos diversos. Ademais, a pureza metodolgica ficou no passado. As naes da common law recorrem legislao, assim como os Estados filiados ao civil law concedem paulatina importncia construo do direito pelos tribunais e pelos costumes.

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    SENTENA de 1 Grau de Jurisdio. 27 Vara Cvel da Comarca de Fortaleza, Estado do Cear. Processo n: 0543433-35.2012.8.06.0001. Classe: Procedimento Ordinrio. Requerente: Anadir Espindola Barreto e outro. Requerido: Coelce Companhia Energtica do Ceara. Juiz de Direito Dr. Jose Cavalcante Junior. De-ciso datada de 14/09/2015 e publicada em 16/09/15, no Dirio da Justia, em pgina de n. 332.

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    JUDICIAL DO DIREITO SOB A TICA DA TEORIA ESTRUTURANTE DO DIREITO:

    IMPLICAES NO PRINCPIO DA SEGURANA JURDICA

    ALEXANDRE HENRIQUE TAVARES SALDANHAEspecialista, Mestre e Doutorando em Direito pela UFPE. Professor da Universidade Catlica de Pernambuco e das Faculdades Integradas Barros Melo. Advogado membro da comisso de propriedade intelectual da OAB/PE.

    VICTOR RAFAEL ALVES DE MATTOSAcadmico em Direito pela AESO Barros Melo.

    SUMRIO: Introduo; 1. Hermenutica filosfica; 2. Mller e a jurisprudncia hermenutica; 3. Pr-Compreenso; 4. Circularidade hermenutica; 5. Segurana jurdica e metdica. Concluso. Referncias.

    INTRODUO

    Esta pesquisa tem como objetivo analisar as estruturas motoras da hermenutica tratada por Mller e a Jurisprudncia Hermenutica para contrastar com o princpio da segurana jurdica. A pergunta norte-adora dessa pesquisa se este recente movimento hermenutico, baseado nas ideias de Heidegger e Gada-mer, oferece segurana jurdica. Esta pergunta, portanto, no pode ser compreendida como se estivssemos abordando uma proposta poltica, pois a hermenutica filosfica no prescreve elementos axiolgicos, mas, descritivos.

    Mller se insere no contexto ps-guerra e toma para si o desafio de indagar e romper1 com o positivis-mo jurdico, especialmente o kelseniano. Isso faz de Mller, necessariamente, um ps-positivista.

    A fonte primordial de Mller para desenvolver suas ideias foram bastante profundas, visto que a her-menutica filosfica em seu tempo estava em processo de transformao paradigmtica bastante elementar. Heidegger findou com a hermenutica ontolgica e Gadamer seguiu essa caracterstica. Em uma metfora simples, diz-se que a hermenutica sofreu uma mudana instrumental. O sujeito outrora utilizava de uma luneta, necessitava enxergar toda a mnima essncia daquele objeto para auferir uma verdade sobre este. Devido s frequentes falhas deste mtodo, a nova hermenutica utiliza espelhos em volta do objeto, pois no h mais dissociao pura entre sujeito e objeto no processo de compreenso.

    1. HERMENUTICA FILOSFICA.

    O termo hermenutica origina-se do deus grego Hermes. A este cabia a funo de mensageiro dos deuses, interpretando suas mensagens queles que no poderiam compreend-la. Como rotineiramente pontua Lnio Streck, nunca se soube o que os deuses realmente disseram, mas o que Hermes interpretou. Esta alegoria permite-nos concluir a atual funo da hermenutica contempornea. Sob a tica desta a on-tologia descartada para dar lugar ao analtico, a essncia apenas, ela prpria, uma palavra que ganha sentido num contexto lingustico (FERRAZ JR., 2015).

    1 Este rompimento no significa total abdicao das ideias contidas na obra Teoria Pura do Direito.

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    A hermenutica se restringia a tarefa de fornecer s cincias declaradamente interpretativas algu-mas indicaes metodolgicas, a fim de prevenir, do melhor modo possvel, a arbitrariedade no campo da interpretao (GRONDIN, 1999). Isto implica em dizer que em todo momento da histria em que fora ra-cionalizado metodologias interpretativas pode-se falar em hermenutica no seu sentido amplo.

    O carter usado na antiguidade at o sculo passado tinha a funo basilar de descobrir, pois acredita-va-se que havia um significado real e verdadeiro para os componentes da vida, fenmenos e textos. Juridica-mente estas ideias extremaram no positivismo clssico, onde a lei seria aplicada determinado caso atravs do mtodo dedutivo, sendo a interpretao normativa restrita ao uso de tcnicas interpretativas pr-estabe-lecidas a todo e qualquer processo decisrio.

    Hodiernamente o fator fulcral est centralizado na compreenso. Schleiermacher pode ser indicado como um daqueles que universalizaram a sistemtica elaborada por Lutero, buscando o entendimento do texto com a vinculao do significante para com o respectivo autor. Este encarava como arbritrria o acrsci-mo de contedos prprios ao texto pelo intrprete (GRONDIN, 2002 apud SCHROTH).

    H tambm a colaborao de Dilthey, com seu enfoque psicolgico, porm, apenas a partir de Heide-gger pode-se falar em compreenso hermenutica nos moldes desenvolvidos por Gadamer.

    O desenvolvimento de Gadamer, destacado repetidas vezes por Mller so as condies de possi-bilidade da compreenso. Para que esta ocorra faz-se necessrio haver a pr-compreenso. Isto porque o intrprete, no seu processo interpretativo, atrela-se a um fator orientador, cuja essencialidade histrica e contextual. Assim, cada interpretao ser uma aplicao do estado de conscincia do intrprete. Eis porque a compreenso gadamariana no um processo descritivo e reprodutivo, mas produtivo e criativo. A circula-ridade hermenutica se pauta no embate transcorrido entre o texto na sua tradio amparado de signos e a contribuio da conscincia trazida pelo intrprete. Portanto, o intrprete tem de saber que a interpretao de um texto sempre uma aplicao ao presente (GRONDIN, 2002 apud SCHROTH apud GADAMER).

    2. MLLER E A JURISPRUDNCIA HERMENUTICA.

    Classificar os movimentos contemporneos hermenuticos , alm de um rduo trabalho, impossvel sistematizar com exatido em diferentes grupos. Isto se d pelo fato de no haver escolas, mas movimentos convergentes em determinados aspectos e influncias. O autor utilizado como base terica desta pesquisa enquadra-se na chamada jurisprudncia hermenutica. O termo utilizado por Gustavo Just, em sua obra interpretando as teorias da interpretao. O motivo da sua escolha justificado. Jurisprudncia relacio-na-se com as teorias consagradas jurisprudncia dos conceitos e jurisprudncias dos valores. O termo seguinte denota o pensamento influente desta corrente, a filosofia hermenutica.

    A jurisprudncia hermenutica surge a partir de um contexto antiformalista trazida pelo ps-positi-vismo. Nesta esfera so levantadas as bandeiras da prxis decisria e sua axiologia em sentido epistemol-gico, demonstrando dessa forma um rompimento com as ideias centrais do positivismo. Aquele funda-se na ideia de que a norma e a realidade no podem ser estabelecidas em mundos paralelos. A norma no pode ser fundamentada e racionalizada pura e simplesmente atravs da subsuno, pois a realidade intervm no processo interpretativo.

    A partir desse novo paradigma que a jurisprudncia hermenutica se estabelece pelas suas razes da hermenutica filosfica de Gadamer. Noes como pr-compreenso, crculo hermenutico, so utiliza-das pelos tericos desse movimento. Apesar disso, esta corrente no promulga uma interpretao filosfica, mas pela prxis e com o uso da dogmtica.

    No se pode confundir o uso de determinados elementos da filosofia com uma abordagem filosfica. Este movimento visa a metodologia prtica da interpretao, sendo assim, o tratamento geral do direito, como encara Dworkin pela sua filosofia analtica, destoante com a JH.

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    Veremos mais adiante que um comportamento comum dos tericos da JH a separao herme-nutica em determinadas reas do direito. Mller, em sua teoria estruturante, evidencia sua canalizao na hermenutica constitucional (Mller, 2007). Para este, a universalizao da metodologia interpretativa um erro, visto que a natureza de um determinado diploma possui caractersticas e celeumas prprios.

    3. PR-COMPREENSO.

    A verificabilidade objetiva da deciso judicial se perfaz atravs de um caminho cuja base fulcral a racionalidade. A viso da JH sobre a determinabilidade dos elementos compositores dessa racionalidade est aportada em um copo estrutural denso mais significativo e concreto do que aspectos mais especficos e divergentes da metdica de cada um dos autores dessa escola2.

    A estrutura elementar da JH , em primeiro lugar, o esclarecimento das condies e do potencial de rendimento da objetividade jurdica (MLLER, 2011). O esclarecimento ocorre quando so expostos os fatores que participam da interpretao e concretizao normativa, que so mais de um. Porm, primeira-mente, iremos tratar da pr-compreenso.

    A filosofia de Heidegger se pautava, dentre diversos aspectos hermenuticos e fenomenolgicos, a pr-estrutura da compreenso. Segundo Jean Grodin, Heidegger buscou estudar aquilo que estava por de-trs da elocuo, logo, a pr-compreenso uma estrutura fundamental do seu pensamento. Pode-se en-tender esta que o Dasein se configura por uma interpretao que lhe peculiar e que se encontra antes de qualquer elocuo ou enunciado (GRODIN, 2003). Basicamente, a pr-compreenso est presente em todo agente ao se debruar sobre um objeto ao estuda-lo. Na cincia no diferente, especialmente nas ditas humanas e jurdicas.

    Tomando a pr-compreenso como elemento indissocivel de uma relao entre o sujeito e objeto sob a qual ideias pretritas e especficas de um agente dentro daquilo que se , aonde e quando , a JH adota como imprescindvel no apenas a aceitao desta impossibilidade dissociativa, mas a exposio em cada tentativa de compreenso (concretizao) normativa, o que Esser vai chamar de tomada de conscincia das condies fundamentais do seu trabalho (1970).

    O carter axiolgico da pr-compreenso no pode ser visto como uma contradio s ideias metdi-cas e racional da interpretao. Parte-se do princpio de que todo intrprete no pode dissociar seu ser dos conhecimentos e valores inerentes sua formao e viso de mundo. Como alude Gustavo Just:

    A conscincia metodolgica deixa patentes os fundamentos verdadeiramente decisivos da interpretao e os torna acessves crtica, enquanto a iluso da suficincia do mero silogismo dos mtodos compromete, na realidade, toda possvel autonomia jurdica da deciso relativamente s tentativas polticas e ideolgicas de usurpao instrumental da norma

    A conscincia dos elementos axiolgicos no entrega o direito poltica, pois, como enfatiza Esser, o que causa perigo ao direito o obscurecimento desse elemento. A partir do momento em que h a tomada de conscincia, pode-se exigir maior fundamentao racional do intrprete, levando consequentemente a um maior controle racional da deciso judicial. No h como falar em mtodo racional sem objetivar a reduo da subjetividade do intrprete, e a tomada de conscincia um dos primeiros passos para a compreenso do processo decisrio em seu aspecto psicolgico e factual. Como bem colocado pelo professor Andreas Krell o objetivo do mtodo reduzir a subjetividade do intrprete, possibilitar o seu autocontrole e direcionar o seu agir para caminhos previsveis (2014 apud SCHMITT GLAESER, 2004, p. 139 ss.; STRAUCH, 2001, p. 200 s.).

    2 Como j descrito neste artigo, a JH no considerada como uma escola de pensamento pela ausncia de aspectos formadores.

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    A dificuldade maior, como aponta Mller:

    comeam quando os preconceitos produtivos, que ensejam materialmente a compreenso, devem ser separados dos que impedem a compreenso corre-ta, a concretizao conforme a norma. Essa separao no pode se dar ante-riormente; ocorre na prpria compreenso. Assim a reflexo e racionalizao dos preconceitos tanto produtivos quanto destrutivos vistos do ngulo da norma se torna igualmente uma tarefa da teoria estruturante da norma.

    Sob esse argumento que Mller enfatiza o aspecto elucidativo e introducionista dos elementos da pr-compreenso na fundamentao do intrprete.

    4. CIRCULARIDADE HERMENUTICA.

    Como tratado anteriormente, a pr-compreenso compe a estrutura da racionalidade do intrprete. A conscincia da sua existncia um passo necessrio na formulao do pensamento da JH, entretanto, esta por si s no elimina por completo a indeterminao do direito.

    A doutrina formalista, sobretudo em seu raciocnio de codificao e positivismo3 no obteve xito ao aplicar medidas de exacerbao de um direito legislado, acreditando na ideia de que poderia complementar e determinar o direito previamente ao juiz. Kelsen, por sua vez, avanou nesta problemtica quando aludiu:

    A ideia de que possvel, atravs de uma interpretao simplesmente cog-noscitiva, obter Direito novo, o fundamento da chamada jurisprudncia dos conceitos, que repudiada pela Teoria Pura do Direito. A interpretao simplesmente cognoscitiva da cincia jurdica tambm , portanto, incapaz de colmatar as pretensas lacunas do Direito (2009).

    De fato, a jurisprudncia dos conceitos demonstrou exatamente como no h possibilidade de prever com exatido uma deciso jurdica. Faltou a Kelsen desenvolver o processo decisrio hermenutico.

    Assim, a proposta da JH se d em analisar a indeterminao do direito legislado que caminha ao di-reito aplicado. Busca-se a partir de agora superar o mero preenchimento e enrijecimento do direito legislado, pois, o entendimento da JH se pauta no fato de que, todo esse processo de aplicao4 deve ser pensado sob a circularidade hermenutica. Isso resulta em um estudo no mais linear e hierrquico, mas simultneo e dialtico.

    A medida que se examina os pressupostos e enfoque analtico da JH fica mais notrio sua influncia filosfica. Gadamer esboou a respeito da circularidade hermenutica que ocorre nos diversos campos cien-tficos, argumentando acerca da compreenso dialtica, formulada pela pergunta e resposta constante no processo interpretativo.

    O carter notico da hermenutica anterior a Heidegger est pautada em um processo linear da interpretao e pela busca ontolgica atravs do mtodo racional. Basicamente o positivismo cientfico5. O processo dialgico gadameriano opera sob uma perspectiva de questionamento entre o intrprete e o objeto para fins de compreenso. Compreender, para Gadamer, significa aplicar um sentido aos nossos questiona-mentos. Isso no significa que nossos questionamentos remetero uma compreenso objetiva e pura de um

    3 Aqui faz-se importante as recomendaes de Norberto Bobbio em no confundir positivismo com positivao. Aquele uma doutrina jurdica segundo a qual no existe outro direito seno o positivo (BOBBIO, 2006). Esta significa o direito descrito e posto, particular, temporal e mutvel.

    4 Nesse caso, a aplicao normativa chamada por F. Mller de concretizao.

    5 No confundir o positivismo cientfico com o jurdico. Apesar de alguns aspectos semelhantes, estes dois movimentos possuam diferenas significativas no apenas no seu objeto, mas em suas ideias tambm.

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    sentido, pois o ser (intrprete) o sujeito mediador entre o objeto e a compreenso. E como j mencionado no captulo anterior, o ser constitudo de uma pr-estrutura compreensiva substancial.

    Esses elementos sustentam uma posio contrria ao historicismo objetivo sob a tica aplicacionista. Em pocas diferentes comum a compreenso diversa das pretritas sobre um mesmo texto, visto que o processo dialgico e questionador remeter aos problemas presentes, ocasionando uma dependncia rgida entre o significado6 e o tempo em que o sujeito o atribui. Para os juristas importante uma argumentao neste sentido, ainda que o leitor discorde dessa posio. O argumento historicista causa diversas desconexes sociais entre o texto legal e a composio real dos fatos presentes. Se compreender questionar-se sobre um problema presente, a partir de um intrprete vivente neste presente, a sua compreenso no ser capaz de destoar do entendimento presente.

    O teor simultneo trazido por Gadamer revela-se como corolrio de uma compreenso formulada essencialmente no questionamento. Um enunciado elocutivo trar pressupostos materiais (contedo) insu-ficientes para uma compreenso participativa. Haver simultaneidade quando o agente pensar simultanea-mente nos pressupostos.

    A partir deste panorama torna-se mais clarificado as ideias da JH. Sob a tica do Direito no neces-srio nem recomendado seguir puramente o raciocnio de Gadamer, haja vista que esta fora feita dentro do mbito filosfico. Porm, sem a estrutura filosfica hermenutica no possvel compreender a JH.

    Esta, por sua vez, utilizou da circularidade e seus pressupostos para superar o entendimento kel-seniano de que norma e realidade residem em esferas intocveis. Ou seja, a JH no se preocupou apenas em conscientizar os pressupostos do raciocnio jurdico, mas em demonstrar que os dois lados jurdicos se entrelaam na sua esfera interpretativa. A norma e o fato so, assim, indissociveis, sendo necessrio para uma compreenso racional a influncia mtua da realidade e o texto normativo. A simultaneidade ocorre pela anlise mtua entre o norma e fato em contraponto a linearidade apresentada por Kelsen. Para ilustrar melhor, Kaufmann trouxe um exemplo dessa simultaneidade e pr-compreenso no direito penal:

    O cido clordrico no , nem nos termos estritos da letra da lei, nem segun-do o sentido possvel da palavra [..], uma arma. Por outro lado, o apuramento da matria de facto sem referncia a uma norma no conduz questo de saber se o cido clordrico uma arma. S se ser confrontado com esta questo, se se pr-compreender o acontecimento como um possvel caso de roubo qualificado. Se se pr-compreender o caso diferentemente, porven-tura como tentativa de homicdio, no importa saber se o cido clordrico uma tentativa de homicdio, no importa saber se o cido clordrico uma arma. Vemos que sem pr-compreenses razoveis nunca se chega aos pro-blemas jurdicos relevantes. Tambm fcil de identificar, aqui, o crculo do processo de compreenso: s quando eu sei o que roubo qualificado, posso entender o caso concreto como um caso de roubo qualificado; todavia, no posso saber o que roubo qualificado sem uma anlise correcta do caso concreto (2002).

    Como Gustavo Just bem coloca, esse raciocnio desmonta a ideia de que a norma possa ser determi-nada abstratamente, sendo toda interpretao aplicao. Seu sentido ser buscado a partir da soluo do caso concreto.

    6 importante que o leitor tenha sempre em mente a sinonmia entre sentido (compreenso) e aplicao na viso gadermaria-na. Uma aplicao do sentido o item finalizador do processo interpretativo.

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    5. SEGURANA JURDICA E METDICA.

    A segurana um fator almejado pelo ser humano sob um espectro global, dentre os quais inclui-se a modalidade judicial. A estrutura do Estado articulada sob o enfoque de defender e preservar a segurana dos que o constituem. Avanando para o Estado democrtico de direito este princpio, especialmente na sea-ra judicial, recebe espao ainda maior e efetivo. Um Estado sem insegurana jurdica flerta com o Estado de natureza, haja vista ser o poder judicirio a ultima ratio das solues de litgios pblicos e privados.

    Encontrar segurana dentro de um Estado para que seu povo possa prosseguir os atos da vida civil e profissional o caminho da civilidade. Por isto, acerta J. J. Calmon de Passos quando profere: civilizar-se colocar imune ao arbtrio e isto s possvel quando deixamos de nos submeter ao governo dos homens e passamos a obedecer a um conjunto de regras (1999). Nota-se o fator objetivo almejado pelo autor, isto , a vinculao do dever ao direito previamente determinado.

    Para fins desta pesquisa, trabalharemos essencialmente com a diviso estabelecida por Trcio Ferraz Jr, dividida em duas formas, sendo a funo-certeza a determinao permanente de efeitos que o ordena-mento jurdico atribui a um dado comportamento, de modo que o cidado saiba ou possa saber de antemo a consequncia de suas prprias aes, e funo-igualdade seria um atributo da segurana que diz respeito no ao seu contedo, mas ao destinatrio das normas (1981).

    Sob o contexto hermenutico da JH, quando se fala especialmente da circularidade hermenutica e sua dependncia recproca do caso prtico, resulta inevitvel cogitar a insegurana que esta conduta tender a gerar ainda mais com o fomento dessas ideias. Nesse aspecto no h homogeneidade entre os pensamentos de cada autor. Afinal, como almejar um sistema judicial previsvel?

    Um dos requisitos trazidos por Canotilho o da exigncia da clareza das leis, pois de uma lei obs-cura ou contraditria pode no ser possvel, atravs da interpretao, obter um sentido inequvoco, capaz de alicerar uma soluo jurdica para o problema concreto (1993). Esta uma viso primria de um consti-tucionalista. Mller adota a metdica como via racional e passvel de maior verificao objetiva da deciso.

    Como j exposto em captulos anteriores, a JH no acredita ser possvel a total previso normativa (da mesma forma que pensou Gadamer e Heidegger). Isso seria contrastante com a estrutura do seu pensamen-to. Todavia, como alertou Joo Maurcio Adeodato e o prprio Mller, na contemporaneidade no mais ca-bvel a pergunta maniquesta, respaldada em uma mera afirmao ou negao da previsibilidade. Atualmente discute-se o grau de racionalidade, assim como o grau de previsibilidade normativa.

    O tracejo da aplicao7 normativa desenvolvido pela metdica, motivada a direcionar o seu agir para caminhos previsveis (Krell, 2014 apud SCHMITT GLAESER, 2004; STRAUCH, 2001). Dessa forma, o intrprete deve revelar o mximo possvel seu processo interpretativo, demonstrando as etapas metodol-gicas que seguiu. Esse processo interpretativo, para ser vlido, dever demonstrar a vinculao da produo substancial decisria com a norma.

    A funo da metdica , em essncia, de demarcar um caminho verificvel do processo de aplicao para reduzir qualquer abuso decisrio, ocasionando no ferimento ao princpio da segurana jurdica. Um texto normativo no pode ser interpretado de inmeras formas, to somente contraditrias, por uma mesma corte, sob pena de violar a confiana do cidado8. Na viso de Andreas Kreel (2014), o problema desta inter-pretao difusa pela corte brasileira est na

    pr-compreenso individual, que naturalmente varia, sofre pouca orientao e consolidao por parte da doutrina jurdica nacional sobre os mtodos in-terpretativos, em que diferentes escolas se digladiam, sem causar, contudo, maiores efeitos em relao ao trabalho prtico da aplicao do Direito.

    7 Ou concretizao, a depender da nomenclatura utilizada pelo autor.

    8 Nomenclatura utilizada por Canotilho em seu curso de Direito Constitucional.

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    Esses argumentos demonstram que a interpretao no pode ser inteiramente racionalizada, visto que sempre haver fatores irracionalizveis. Porm, como j mencionado, importa saber o grau de racionali-dade possvel a ser aplicvel na metdica.

    Mller identifica tambm que a metdica no capaz de alcanar uma racionalidade universal e ab-soluta, mas, assim como os cnones da interpretao, sua limitao no deve significar uma postura radical de excluso, mas, de adot-lo conhecendo os limites do seu alcance e sua relatividade, pois, segundo o autor, as figuras de mtodo so indispensveis como momento da aplicao do direito, que estabilizam, racionali-zam e facilitam a verificabilidade (Mller, 2011).

    Dessa forma, todos os meios adotados pelo direito, tanto na linguagem quanto nos elementos mate-riais, este acmulo, quando utilizado para marcar as etapas em que o intrprete percorre seu raciocnio, indispensvel, pois o grau de racionalidade e verificabilidade tender a ser maior.

    CONCLUSO

    Conclui-se dessa pesquisa que a segurana jurdica pode ser saciada menos em termos hermticos que em graus nivelares. O estudo das estruturas fora imprescindvel para o estabelecimento do que se pretende aprofundar. Apesar da concretizao hermenutica lidar com a prxis jurdica, evitando confundir termos jurdicos com conceitos filosficos, a proposta de Mller est encalcada em uma seara filosfica por demais complexa. Como nosso propsito fora questionar, existiu a necessidade de conhecer e expor as caractersticas estruturais da JH.

    Dessa forma, pode-se defender que sim, existe segurana jurdica neste contexto hermenutica. En-tretanto, esta garantia no ocorrer de maneira automatizada, mas com demasiado esforo do intrprete e aqueles que cooperam na formao da deciso.

    REFERNCIAS

    ADEODATO, Joo Maurcio. tica e Retrica: Para uma teoria da dogmtica jurdica. 5. ed. So Paulo: Saraiva, 2012.

    BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurdico: Lies de Filosofia do Direito. So Paulo: cone, 2006.

    CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6 ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1993

    FERRAZ JR., Trcio Sampaio. Introduo ao estudo do direito: tcnica, deciso, dominao. 8. ed. So Paulo: Atlas, 2015.

    ________. Segurana jurdica e normas gerais tributrias. Revista de Direito Tributrio, ano V, n. 17-18, jul.-dez, 1981,

    GADAMER, Hans-Georg. Verdade e mtodo. Petrpolis, RJ : Vozes, 1997.

    GRONDIN, Jean. Introduo hermenutica filosfica. So Leopoldo, RS: Ed. UNISINO, 1999.

    JUST, Gustavo. Interpretando as teorias da interpretao. So Paulo: Saraiva, 2014.

    KAUFMANN, A.; HASSEMER, W. (ORG.). Introduo filosofia do direito e teoria do direito contemporneas. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2002.

    KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 8. ed. So Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009

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    KRELL, Andreas. Entre desdm terico e aprovao na prtica: Os mtodos clssicos de interpretao jur-dica. So Paulo: Revista Direito GV 10 (1), 2014.

    MLLER, Friedrich. Teoria Estruturante do Direito. 3. ed. So Paulo: Editora Revista Dos Tribunais, 2011.

    _________. O novo paradigma do direito: introduo teoria e metdica estruturantes. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

    PASSOS, J. J. Calmon de. Direito, poder, justia e processo: Julgando os que julgam. Rio de Janeiro: Meridio-nal, 1999

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    DIREITOS AUTORAIS E LIBERDADE DE EXPRESSO NA INTERNET:

    NOVOS MODELOS PARA UMA NOVA CULTURA DE PARTICIPAO

    ALEXANDRE HENRIQUE TAVARES SALDANHAEspecialista, Mestre e Doutorando em Direito pela UFPE. Professor da Universidade Catlica de Pernambuco e das Faculdades Integradas Barros Melo. Advogado membro da comisso de propriedade intelectual da OAB/PE.

    SUMRIO: Introduo; 1. Liberdade de expresso na Internet; 2 Direitos Autorais e limites cria-o de bens culturais; 3 Cibercultura e participao: novos modelos de Direitos Autorais para novas dimenses das liberdades de comunicao; Consideraes Finais; Referncias.

    INTRODUO

    As contemporneas tecnologias da informao provocaram, e continuam provocando, diversos im-pactos nos comportamentos sociais, na produo econmica, no sistema legal e em praticamente quaisquer setores do convvio humano. No que diz respeito ao Direito, so diversas tambm as consequncias do de-senvolvimento tecnolgico na forma como alguns direitos so interpretados, aplicados, e ainda na prpria criao de novos direitos para novos tempos. A cibercultura, expresso que faz referncia a este momento de relacionamento hiperdimensionado entre homem e tecnologias digitais, se caracteriza por novos hbitos, novos comportamentos, novas exigncias sociais etc. Da produzir tantos impactos no desenvolvimento do sistema jurdico.

    Nestes tempos de internet, compartilhamentos digitais e microprocessadores realmente micros, a produo e o acesso informao adquire uma nova proporo, pois os mecanismos e ambientes propcios a lanar e adquirir informaes, para comunicar e ser comunicado, so facilmente dispostos, encontrando-se disponveis em, por exemplo, qualquer aparelho moderno de telefones celulares que possam acessar a rede mundial de computadores e as redes sociais. Ou seja, com a devida incluso digital, todos podero acessar informaes antes restritas a alguns meios, ou podero produzir informaes, o que estaria anteriormente reservado a determinadas categorias profissionais e classes sociais.

    Com essa ampla possibilidade de comunicaes, a internet permite que cada um lance suas opinies, expresse suas opes artsticas, obtenha informaes de seu interesse e crie algo. Justamente nessa ltima possibilidade, a de criar algo que esteja afim, que podem residir problemas com limitaes impostas pelo prprio sistema. Na verdade, a liberdade de expresso proporcionada pelas prticas cibernticas recebe di-versos tipos de supresso, seja pelos direitos civis (danos morais e imagem, por exemplo), pelos direitos penais (a exemplo dos crimes contra a honra), pelos fundamentais previstos na constituio (como a privaci-dade) e outros. O problema que envolve o exerccio da criatividade em ambiente virtual reside nas questes de propriedade intelectual e adequao dos modelos legais de direitos autorais para tempos de cultura de compartilhamento, de convergncia, de participao etc.

    Este trabalho prope uma discusso sobre a supresso provocada pelos direitos autorais sobre a liber-dade de expresso proporcionada pelos mecanismos da internet. A hiptese trabalhada a de que o modelo tradicional de direitos autorais no adequado para novos comportamentos tpicos da cibercultura, princi-palmente aqueles que esto associados a liberdades fundamentais garantidas tanto em plano constitucional,

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    quanto em instrumentos de proteo a direitos humanos. O objetivo no defender uma extino de direitos autorais, mas sim uma adaptao destes a novos modelos, a novas culturas. O que possvel, pois j h ins-trumentos juridicamente permitidos que trabalham com novas tutelas da propriedade intelectual.

    1. LIBERDADE DE EXPRESSO NA INTERNET.

    Foge das pretenses de um trabalho desta dimenso conceituar objetivamente expresso to comple-xa como liberdade, mas necessrio frisar ao menos o carter ambguo da dimenso jurdica de liberdade, pois reflete um esquema de liberdades x no-liberdades. Esta palavra vem sendo usada para significar a va-lorao dada a aes, polticas, culturas ou instituies, considerando-as de importncia fundamental, ainda que seja um ato de obedincia ao direito positivo, ou a satisfao de interesses econmicos. (BOBBIO, 1986, p. 708).

    Por mais complexo que seja a expresso liberdade (do ponto de vista jurdico) reflete sempre um relacionamento entre condutas e tratamentos legais, uma interao entre pessoas e entre pessoas e institui-es. Reflete um esquema entre comportamentos permitidos (as liberdades) e os proibidos por lei (as no-li-berdades) e justamente este esquema que vai caracterizar a sociedade livre e a relao que existe entre liberdade e estado democrtico.

    Muitos crem ser a democracia uma sociedade livre. Todavia, as sociedades organizadas de estruturam mediante uma complexa rede de relaes parti-culares de liberdade e no-liberdade (nada existe parecido com a liberdade em geral. Os cidados de uma democracia podem ter a liberdade poltica de participar do processo poltico mediante eleies livres. Os eleitores, os par-tidos e os grupos de presso tm, portanto, o poder de limitar a liberdade dos candidatos que elegeram. A democracia exige que as liberdades civis sejam protegidas por direitos legalmente definidos e por deveres a eles correspon-dentes, que acabam implicando limitaes da liberdade. (BOBBIO, 1986, p. 710).

    Se por um lado as liberdades esto previstas tanto no rol de direitos fundamentais previstos em cons-tituies federais e nas declaraes internacionais de direitos humanos, elas vo encontrar limites em outros direitos ou outros valores tambm previstos no direito. nessa equao que encontram-se as dimenses da liberdade, ou em outros termos, nesse balano que sero encontrados as reais possibilidades de comporta-mentos livres.

    Contemporaneamente, possvel analisar as questes que envolvem liberdades tanto em perspectiva otimista quanto pessimista. possvel falar em declnio das liberdades diante de ameaas a elas vindas tanto de representantes do poder pblico quanto de grupos de interesses, por causa de questes como crescimento da violncia, desenvolvimento industrial, valorao das tecnologias e outros fatores. Em perspectiva oposta, a de evoluo, as liberdades vm sendo cada vez mais afirmadas e repetidas tanto em documentos jurdico de eficcia nacional quanto nos de alcance internacional, e estes ltimos no se resumem s declaraes universais. (RIVERO, 2006, p. 5).

    Sem entrar na discusso de perspectivas otimistas ou pessimistas, vale ressaltar que dentre os in-meros problemas que envolvem as liberdades, dentre elas h as que sofrem considerveis impactos da con-tempornea cibercultura e que requer enfrentamentos especficos para melhor tutela, qual seja, a liberdade de comunicao e expresso. Dentro do esquema anteriormente mencionado da relao entre liberdades e no-liberdades, necessrio analisar quais so os comportamentos de comunicao e expresso atualmente permitidos e quais no o so. Incluindo na anlise a questo de identificar se as no-permisses so compa-tveis com as exigncias sociais de tempos de sociedade de informao.

    Apesar de ser historicamente mais conhecida e de fazer parte, inclusive, do senso comum sobre o assunto das liberdades individuais, a liberdade de expresso no a nica liberdade associada livre mani-

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    festao do pensamento. O desenvolvimento histrico dos comportamentos sociais e das revolues tecnol-gicas fez serem identificadas outras liberdades, da hoje falar-se em liberdade de comunicao e liberdade de informao, alm da liberdade de criao. Falar em liberdade de expresso representa o direito que todos tm de livremente manifestar suas ideias, pensamentos, posies religiosas, ideolgicas etc., o que diferente da liberdade de comunicao, pois esta concede o direito de comunicar e ser comunicado, alm de divulgar e receber informaes. A liberdade de informao ento uma decorrncia da liberdade de comunicao, porm com nfase aos direitos fundamentais de informar algo, de se informar e de ser informado. (FARIAS, 2007, p. 172).

    Quanto liberdade de informao, a prpria declarao universal dos direitos humanos, em seu ar-tigo 19, j prev a liberdade de receber informaes por quaisquer meios e sem limitaes. A questo est em associar informao com exerccio de cidadania, com o direito de todos serem informados sobre o que est acontecendo na sociedade, sobre fatos relevantes e, principalmente sobre contedos que transcendam as esferas do pblico e do privado, e atinja o nvel de interesse geral. (FARIAS, 2007, p. 175). Uma vez infor-mados, os cidados tero condies de melhor participar da sociedade civil, de melhor interagir com o poder pblico e, de certa forma, melhor compreender as prprias caractersticas culturais de sua sociedade, alm de produzir cultura. E isto pode no interessar a quem detiver poder.

    Assim como qualquer modalidade das liberdades, a de informao est sob diversos perigos, seja por exerccio do poder pblico ou pelas prprias inter-relaes entre particulares. Especificamente as de expres-so e informao envolvem interesses econmicos, seja por causa do valor da informao, ou por causa dos direitos que esto em conexo com as formas de expresso, como a privacidade e os direitos autorais. A ques-to ento residiria em atingir um grau de equilbrio entre essas liberdades e os demais interesses envolvidos, ou supravalorizar uma coisa em detrimento de outra (valorizando a produo cultural ainda que diminuindo questes de direitos autorais, por exemplo). Esta hiptese representaria uma quebra de igualdade, mas se deixamos de lado o dogma da igualdade jurdica das vontades privadas e nos voltamos s realidades, a fre-qncia das situaes de dependncia que permitem a quem se encontra em posio de superioridade impor sua vontade ao inferior fica evidente. (RIVERO, 2006, p. 205).

    Se da prpria natureza das liberdades jurdicas conter contradies, criar dogmas, e se submeter a interesses e foras do poder pblico e de setores privados, no atual contexto da sociedade da informao, com sua intrnseca cibercultura, as liberdades de expresso encontram-se ainda mais repleta de problemas. Isto porque se o ambiente digital cria diversos mecanismos para se expressar e para exercer as liberdades de informao, diversas tambm so as barreiras legais e econmicas que, de forma explcita ou implcita, tolhem o exerccio destas liberdades fundamentais.

    A expresso cibercultura representa algo alm de formas de conexo entre comportamento humano e novas tecnologias, pois envolve aspiraes pela construo de novos laos sociais, no fundados em cir-cunstncias territoriais, ou em instituies e poderes, mas baseados em novos interesses coletivos de com-partilhamento, cooperao e processos abertos de informao e colaborao. (LVY, 1999, p. 132). No so as novas tecnologias com suas respectivas mquinas que criam a cibercultura, mas sim os usos humanos dessas e consequentes comportamentos que assim o fazem. O que o desenvolvimento tecnolgico permite o surgimento de novas exigncias sociais, novas formas de interao entre particulares e entre particulares com poderes pblicos.

    Com a rede mundial de computadores interligando pessoas e pessoas, e pessoas a informaes, cria--se um mecanismo hbil a permitir o surgimento de uma nova concepo de inteligncia coletiva e uma nova relao com a produo de conhecimentos. Atitudes como colaborar, compartilhar, cooperar ganham fora com os mecanismos digitais disponveis, em detrimento de lgicas privadas e individualistas como a sensa-o de ter, possuir, disponibilizar etc. Do ponto de vista ideal, se reconhece que o que melhor o ciberespao proporciona a possibilidade de reunir conhecimentos, criaes, idias de pessoas em diferentes locais e culturas, porm, esse acesso coletivo ao conhecimento representa mais uma fonte de novos problemas do que especificamente de solues. (LVY, 1999, p. 133).

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    Se por meio da internet qualquer pessoa, usando de blogs, websites e perfis em redes sociais, pode transmitir informaes e conhecimentos, pode se expressar com liberdade e pode interagir com a comunida-de virtual de forma no proporcionada em outros tempos, esta produo de manifestaes nunca esteve to vigiada e to valorada.

    Os instrumentos proporcionados pela internet permitem que algum explore uma declinao artsti-ca especfica sem que precise de intermedirios. Algum pode criar um blog, ou usar de seu perfil em rede social, para divulgar sua linha de confeces, seus utenslios, as obras de arte que realizou. Pessoas podem usar tambm das plataformas virtuais para expressar idias e opinies, ainda que no seja considerado al-gum que represente uma empresa de comunicao. Da, uma das questes a serem enfrentadas seria a que envolve limites a essas liberdades potencializadas pela cibercultura, ou, at mesmo se no h uma falsa sensao de que essas liberdades estejam to amplas assim.

    Da mesma forma que a rede vista como uma plataforma para expressar, para satisfazer exigncias de informao e para exercer liberdades, ela tambm cria um novo meio a ser explorado comercialmente por novas formas de fazer negcios e novos desafios ao desenvolvimento de economias. Na sociedade da informa-o, a explorao econmica se baseia tambm em comercializar bens imateriais e aqueles que representam os interesses econmicos privados vem na rede um excelente ambiente para fazer negcios, e sendo assim, as liberdades trazidas pela cibercultura podem sofrer grandes supresses por polticas de censura e por nor-mas legais de controle da propriedade intelectual, por exemplo. (KRETSCHMANN, 2011, p. 77).

    Situaes problemticas surgidas com a cibercultura exemplificam como a internet pode incomodar o exerccio tradicional de poder e a forma de pensar o direito. Casos como os grandes processos que envolvem de um lado sites que disponibilizam gratuitamente contedo artstico-cultural e de outro, representantes de grandes corporaes (napster, soulseek e o mais recente piratebay), bem como os casos que envolvem punies polticas queles responsveis pela divulgao no autorizada de informaes de utilidade pblica (Wikileaks e Julian Assange, ou Edward Snowden e o escndalo da espionagem) servem para mostrar que o tratamento dado s liberdades proporcionadas pela internet pode no estar to compatvel com os ideais da cibercultura.

    Ao mesmo tempo que a rede mundial de computadores oferece liberdades e satisfaz promessas de incluso democrtica, ela pode servir tambm para criar uma falsa sensao de liberdade, uma vez que possvel haver manipulaes quanto ao que disponibilizado na rede, controlando dados, informaes ou qualquer contedo a ser acessado. (KRETSCHMANN, 2011, p. 77).

    Um dos conflitos que caracteriza esta ambigidade da internet reside no exemplo que envolve li-berdade de expresso artstica e regras tradicionais de direitos da propriedade intelectual. Os instrumentos que surgem com o desenvolvimento das tecnologias da informao permitem que cada indivduo explore sua criatividade criando contedos at ento reprimidos por incapacidades tcnicas (ausncia de recursos, espaos, represso de mercado etc.), porm tais criaes se submetero s normas jurdicas de tutela da propriedade intelectual, que podem no terem se adequado cibercultura e terminar tolhendo a liberdade fundamental de participar de forma criativa da produo cultural. So pontos a serem examinados.

    2. DIREITOS AUTORAIS E LIMITES CRIAO DE BENS CULTURAIS.

    A proteo legal dada s criaes do esprito criativo humano requereu um tratamento especfico, mediante disciplina apropriada tutela jurdica da propriedade imaterial, pois ser proprietrio de uma gar-rafa no a mesma coisa de ser o responsvel pelo desenho dela ou pela marca do produto que est sendo consumido por meio dela. Assim, os direitos autorais surgem como essa disciplina cujo objeto as criaes e as manifestaes do intelecto.

    Ramo do Direito bastante complexo, rico de contradies e repleto de problemas contemporneos a serem enfrentados, principalmente por causa dos comportamentos associados mencionada cibercultura, os direitos autorais j comeam a apresentar sua complexidade a partir da prpria designao. H quem

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    DIREITO, DEMOCRACIA E INTERNACIONALIZAO DA CONSTITUIO:Direito(s) em debate.

    prefira usar a expresso propriedade intelectual como micro-sistema ao qual os direitos autorais esto liga-dos, e aqueles que vem diferenas entre as expresses, preferindo no necessariamente vincul-las. Seja por uma idia ou por outra (usando ou no usando a expresso propriedade), interessante frisar que a proteo oferecida pelos direitos autorais alcana no somente o aspecto patrimonial do produto cult