direito, complexidade e meio ambiente...o e-book que se apresenta, “direito, complexidade e meio...
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DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE olhares para a contemporaneidade
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
Organizadoras
Autores Alan Duarte
Alana Ramos Araujo
Ana Stela Vieira Mendes Cacircmara
Antocircnio Joseacute Andrade da Silva Juacutenior
Bruno Barros Carvalho
Carla Mariana Aires Oliveira
Carlos E Peralta
Diogo Felipe Sousa Barreira
Dominik Garcia Araujo Fontes
Doacuteris Evany Abreu Carvalho
Elisa Fiorini Beckhauser
Eulaacutelia Emilia Pinho Camurccedila
Filipe Esmeraldo Cabral de Melo Almeida
Francisco Helio da Silva Loiola
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
Janaina Vall
Joana Cordeiro Brandatildeo
Joatildeo Luis Nogueira Matias
Joseacute Rubens Morato Leite
Laeacutelia Eugecircnia Correcirca Aragatildeo
Leon Simotildees de Mello
Letiacutecia de Faacutetima Libeacuterio da Silva
Letiacutecia Queiroz Nascimento
Liliane de Freitas Leite
Liacutevia Brandatildeo Mota Cavalcanti
Manuella Campos Perdigatildeo e A Atalanio
Maria Ravelly Martins Soares Dias
Nayane Gonccedilalves dos Santos Duarte
Raphael de Saacute Machado
Raquel Lima Batista
Rebeca Gadelha Ferreira
Valeriana Augusta Broetto
Victor Nunes Barroso
1ordf ediccedilatildeo
Editora Mucuripe
Fortaleza
2020
2
Esta obra estaacute sob os direitos da Creative Commons 40
httpscreativecommonsorglicensesby-sa40deedpt_BR
Direito complexidade e meio ambiente olhares para a contemporaneidade
1ordf ediccedilatildeo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana (org)
Editora Mucuripe Conselho Editorial
Andreacute Parmo Folloni
Arno Dal Ri Junior
Daniela Leutchuk de Cademartori
Danielle Annoni
Denise Lucena Cavalcante
Germana de Oliveira Moraes
Gisele Cittadino
Hugo de Brito Machado Segundo
Joatildeo Luiacutes Nogueira Matias
Joatildeo Ricardo Catarino
Juarez Freitas
Marcelo Cattoni
Marciano Seabra de Godoi
Marcos Wachowicz
Maria Vital da Rocha
Martonio MontrsquoAlverne Barreto Lima
Paulo Caliendo
Roberto Alfonso Viciano Pastor
Capa
Jade Chaves Viana
Editoraccedilatildeo e Revisatildeo
Aacutelisson Joseacute Maia Melo
Dados internacionais de Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo
D597 Direito complexidade e meio ambiente olhares para a contempo-
raneidade Organizadoras Germana Parente Neiva Belchior e Iasna
Chaves Viana mdash 1 ed mdash Fortaleza Mucuripe 2020
Vaacuterios Autores
318 p 21 cm
ISBN-13 978-65-87966-06-9
1 Direito - Brasil 2 Direito ambiental - Brasil 3 Ensino juriacutedico ndash Brasil
I Belchior Germana Parente Neiva II Viana Iasna Chaves
CDD
34081
3
SUMAacuteRIO
PREFAacuteCIO 7
Joatildeo Luis Nogueira Matias
APRESENTACcedilAtildeO 10
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
HOMENAGEM A JANAINA VALL 16
EIXO TEMAacuteTICO 1
Pensamento Complexo Direito e Transdisciplinaridade
CAPIacuteTULO 1
ATIVISMO DIGITAL E LUTA AMBIENTAL
a influecircncia dos movimentos socioambientais em rede 20
Dominik Garcia Araujo Fontes
Eulaacutelia Emilia Pinho Camurccedila
Germana Parente Neiva Belchior
CAPIacuteTULO 2
AS CONTRATACcedilOtildeES PUacuteBLICAS DIRETAS E OS IMPACTOS Agrave ADMINISTRACcedilAtildeO
PUacuteBLICA
SARS-CoV-2 e as consequentes inovaccedilotildees legislativas federais no
ordenamento juriacutedico brasileiro nas linhas do pensamento complexo 33
Doacuteris Evany Abreu Carvalho
Iasna Chaves Viana
Rebeca Gadelha Ferreira
CAPIacuteTULO 3
DIREITO SISTEcircMICO
o modelo de constelaccedilatildeo de Bert Hellinger e a teoria da complexidade de
Edgar Morin ndash convergecircncias e significacircncias 54
Janaina Vall
CAPIacuteTULO 4
A INCLUSAtildeO SOCIAL E O PENSAMENTO COMPLEXO DENTRO DA POLIacuteTICA
NACIONAL DOS RESIacuteDUOS SOacuteLIDOS 68
Laeacutelia Eugecircnia Correcirca Aragatildeo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
4
CAPIacuteTULO 5
AS FUNCcedilOtildeES DA CIDADE
transdisciplinaridade e complexidade 82
Liacutevia Brandatildeo Mota Cavalcanti
CAPIacuteTULO 6
JUSTICcedilA RESTAURATIVA
um novo paradigma na soluccedilatildeo de conflitos 96
Raquel Lima Batista
EIXO TEMAacuteTICO 2
Complexidade Epistemologia e Direito Ambiental
CAPIacuteTULO 7
O IMPACTO AMBIENTAL DO BIG DATA
uma reflexatildeo criacutetica a partir de uma abordagem ecossistecircmica 109
Alan Duarte
Carla Mariana Aires Oliveira
CAPIacuteTULO 8
PARADIGMA DA COMPLEXIDADE COMO METODOLOGIA DO DIREITO
AMBIENTAL 125
Alana Ramos Araujo
CAPIacuteTULO 9
POR UM FUNDAMENTO ECOLOacuteGICO PARA O FENOcircMENO JURIacuteDICO 138
Ana Stela Vieira Mendes Cacircmara
CAPIacuteTULO 10
SUSTENTABILIDADE NO ANTROPOCENO
o pensamento complexo e a necessaacuteria reflexatildeo sobre o Estado ecoloacutegico
de Direito no contexto da COVID-19 149
Carlos E Peralta
CAPIacuteTULO 11
A RELACcedilAtildeO JURIacuteDICA AMBIENTAL CONTINUATIVA E A IMPRESCRITIBILIDADE DA
PRETENSAtildeO PELA REPARACcedilAtildeO CIVIL DE DANO AMBIENTAL
anaacutelise do Recurso Extraordinaacuterio nordm 654833 do STF ndash interpretaccedilotildees
epistemoloacutegicas sob o vieacutes da complexidade 167
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
5
CAPIacuteTULO 12
AVALIACcedilAtildeO DE IMPACTO AMBIENTAL NO BRASIL E NO AcircMBITO
INTERNACIONAL
similaridades e contribuiccedilotildees 182
Joana Cordeiro Brandatildeo
Liliane de Freitas Leite
CAPIacuteTULO 13
A INEFICIEcircNCIA DO DIREITO AMBIENTAL VIGENTE E A NECESSAacuteRIA RUPTURA
RUMO AO DIREITO ECOLOacuteGICO A PARTIR DA COMPLEXIDADE 192
Joseacute Rubens Morato Leite
Elisa Fiorini Beckhauser
Valeriana Augusta Broetto
CAPIacuteTULO 14
O PRINCIacutePIO DA PRECAUCcedilAtildeO AMBIENTAL COMO PARAcircMETRO AO EXERCIacuteCIO
DA ATIVIDADE ECONOcircMICA 206
Leon Simotildees de Mello
Joatildeo Luis Nogueira Matias
CAPIacuteTULO 15
REFLEXOtildeES SOBRE O GREENWASHING E SUAS LIMITACcedilOtildeES NO ORDENAMENTO
JURIacuteDICO BRASILEIRO Agrave LUZ DA COMPLEXIDADE 228
Manuella Campos Perdigatildeo e Andrade Atalanio
Letiacutecia Queiroz Nascimento
CAPIacuteTULO 16
AS IMPLICACcedilOtildeES JURIacuteDICAS ADVINDAS DA FORMACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA
MULTIESPEacuteCIE 240
Maria Ravelly Martins Soares Dias
CAPIacuteTULO 17
O MEIO AMBIENTE COMO CONCEITO JURIacuteDICO INDETERMINADO SOB A
OacutePTICA DO PENSAMENTO COMPLEXO 255
Victor Nunes Barroso
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
6
EIXO TEMAacuteTICO 3
Complexidade e Ensino Juriacutedico
CAPIacuteTULO 18
ENSINO JURIacuteDICO NO BRASIL
reflexotildees histoacutericas e a complexidade como possibilidade-necessidade de
superaccedilatildeo paradigmaacutetica 272
Antocircnio Joseacute Andrade da Silva Juacutenior
Filipe Esmeraldo Cabral de Melo Almeida
Raphael de Saacute Machado
CAPIacuteTULO 19
ENSINO JURIacuteDICO E NEUROPSICOLOGIA
uma discussatildeo sob a perspectiva da complexidade 283
Bruno Barros Carvalho
Diogo Felipe Sousa Barreira
CAPIacuteTULO 20
EDUCACcedilAtildeO REMOTA EM TEMPOS DE PANDEMIA E POacuteS-PANDEMIA
os desafios do ensino juriacutedico brasileiro 303
Francisco Helio da Silva Loiola
Letiacutecia de Faacutetima Libeacuterio da Silva
Nayane Gonccedilalves dos Santos Duarte
POSFAacuteCIO 317
Paulo Rogeacuterio Marques de Carvalho
7
PREFAacuteCIO
O e-Book que se apresenta ldquoDireito complexidade e meio ambiente
olhares para a contemporaneidaderdquo eacute expressatildeo das pesquisas desenvolvi-
das no Ecomplex grupo de pesquisa coordenado pela Professora Doutora
Germana Parente Neiva Belchior do Centro Universitaacuterio 7 de Setembro - UNI7
que completa 04 (quatro) anos de atividades
A obra diz muito sobre o dinamismo das atividades desenvolvidas no
Ecomplex a partir da provocaccedilatildeo de sua coordenadora pesquisadora dedi-
cada agraves temaacuteticas do Direito Ambiental e do Ensino Juriacutedico que muito tem
se destacado nas atividades de ensino pesquisa e extensatildeo no Curso de Mes-
trado em Direito e na graduaccedilatildeo do Curso de Direito da UNI7
O livro eacute organizado pela professora Germana juntamente com Iasna
Viana que eacute mestra em Direito pela UNI7 o que reforccedila o compromisso aca-
decircmico e a integraccedilatildeo realizada entre graduaccedilatildeo e o nosso Curso de Mes-
trado
Compotildee-se de textos de diversos autores do Brasil e do exterior profes-
sores consagrados jovens professores e estudantes membros do grupo e con-
vidados convocados amplamente por meio de edital
O livro se desenvolve em dois vetores baacutesicos o pensamento complexo
e a transdisciplinaridade que perpassam todos os textos evidenciando a sua
atualidade e importacircncia Os artigos satildeo distribuiacutedos entre os trecircs eixos temaacute-
ticos em que a obra se divide (i) Pensamento Complexo Direito e Transdisci-
plinaridade (ii) Complexidade Epistemologia e Direito Ambiental e (iii) Com-
plexidade e Ensino Juriacutedico
No primeiro eixo Pensamento Complexo Direito e Transdisciplinaridade
estatildeo dispostos 06 (seis) artigos
Dominik Garcia Araujo Fontes Eulaacutelia Emilia Pinho Camurccedila e Germana
Parente Neiva Belchior discorrem sobre Ativismo digital e luta ambiental a in-
fluecircncia dos movimentos socioambientais em rede A abordagem analisa a
perspectiva da luta ambiental no mundo digital
Na sequecircncia Doacuteris Evany Abreu Carvalho Iasna Chaves Viana e Re-
beca Gadelha Ferreira analisam as contrataccedilotildees puacuteblicas diretas e os impac-
tos agrave administraccedilatildeo puacuteblica SARS-CoV-2 e as consequentes inovaccedilotildees legis-
lativas federais no ordenamento juriacutedico brasileiro tema de grande atuali-
dade
Janaina Vall apresenta o artigo Direito sistecircmico o modelo de constela-
ccedilatildeo de Bert Hellinger e a Teoria da Complexidade de Edgar Morin - conver-
gecircncias e significacircncias sobre a praacutetica do direito ldquoterapecircuticordquo como forma
de inovar na resoluccedilatildeo de conflitos principalmente em sessotildees de concilia-
ccedilotildees e mediaccedilotildees na busca de impulsionar mudanccedilas nos paradigmas atu-
ais
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
8
Com a temaacutetica da inclusatildeo social e o pensamento complexo na Poliacute-
tica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos Laeacutelia Eugecircnia Correcirca Aragatildeo analisa as-
pectos da efetivaccedilatildeo da poliacutetica nacional dos resiacuteduos soacutelidos
Em perspectiva transdisciplinar Liacutevia Brandatildeo Mota Cavalcanti analisa
as funccedilotildees da cidade tema que ainda carece de maiores discussotildees acadecirc-
micas em prol da efetivaccedilatildeo do direito agrave cidade
Por fim Raquel Lima Batista analisa a justiccedila restaurativa como um novo
paradigma na soluccedilatildeo de conflitos
No segundo eixo Complexidade Epistemologia e Direito Ambiental o
maior deles constam 11 (onze) artigos
Alan Duarte e Carla Mariana Aires Oliveira exploram o impacto ambien-
tal do big data em abordagem criacutetica
A utilizaccedilatildeo do paradigma da complexidade como metodologia do Di-
reito Ambiental eacute a temaacutetica de Alana Ramos Araujo Em seguida Ana Stela
Vieira Mendes Cacircmara propotildee um fundamento ecoloacutegico para o fenocircmeno
juriacutedico
Carlos E Peralta reflete sobre o pensamento complexo e o estado eco-
loacutegico de direito no contexto da COVID-19 O pano de fundo eacute a sustentabi-
lidade no Antropoceno
A imprescritibilidade da pretensatildeo pela reparaccedilatildeo civil de dano ambi-
ental com anaacutelise do Recurso Extraordinaacuterio nordm 654833 do STF eacute a temaacutetica
de Germana Parente Neiva Belchior e Iasna Chaves Viana
Joana Cordeiro Brandatildeo e Liliane de Freitas Leite exploram o tema da
avaliaccedilatildeo de impacto ambiental em perspectiva brasileira e internacional
Joseacute Rubens Morato Leite Elisa Fiorini Beckhauser e Valeriana Augusta
Broetto analisam a ineficaacutecia do direito ambiental propondo por meio da
complexidade a virada para o direito ecoloacutegico
O princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental como paracircmetro ao exerciacutecio da
atividade econocircmica eacute abordado em autoria de Leon Simotildees de Mello e Joatildeo
Luis Nogueira Matias
Reflexotildees sobre o greenwashing agrave luz da complexidade eacute o tema de
Manuella Campos Perdigatildeo e Andrade Atalanio e Letiacutecia Queiroz Nasci-
mento
Jaacute Maria Ravelly Martins Soares Dias explora as implicaccedilotildees juriacutedicas ad-
vindas da formaccedilatildeo da famiacutelia multiespeacutecie Em seguida Victor Nunes Barroso
explora a temaacutetica do conceito juriacutedico de meio ambiente sob a oacuteptica do
pensamento complexo
O terceiro e uacuteltimo eixo denomina-se Complexidade e Ensino Juriacutedico
sendo composto por 03 (trecircs) artigos
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
9
Em abordagem histoacuterica Antocircnio Joseacute Andrade da Silva Juacutenior Filipe Es-
meraldo Cabral de Melo Almeida e Raphael de Saacute Machado propotildeem a su-
peraccedilatildeo dos paradigmas atuais do ensino juriacutedico
Jaacute Bruno Barros Carvalho e Diogo Felipe Sousa Barreira refletem sobre a
relaccedilatildeo entre ensino juriacutedico e neuropsicologia tema de grande impacto e
atualidade
Por fim Francisco Helio da Silva Loiola Letiacutecia de Faacutetima Libeacuterio da Silva
e Nayane Gonccedilalves dos Santos Duarte analisam os desafios do ensino juriacutedico
brasileiro com foco no ensino remoto em tempos de pandemia e poacutes-pande-
mia
Como se vecirc a qualidade e atualidade dos textos bem como a sua di-
versidade distribuiacuteda em trecircs eixos temaacuteticos bem definidos indicam a impor-
tacircncia da obra que resulta das atividades de pesquisa do Ecomplex Eviden-
ciam tambeacutem a maturidade cientiacutefica do grupo de pesquisa que jaacute rendeu
bons frutos acadecircmicos e tem potencial para render muito mais
Boa leitura a todos
Joatildeo Luis Nogueira Matias Coordenador do Curso de Mestrado em Direito da UNI7
10
APRESENTACcedilAtildeO
O grupo de estudos e pesquisa Ecomplex ndash Direito Complexidade e
Meio Ambiente surgiu do aprofundamento de ideias durante o doutoramento
de sua liacuteder Profa Dra Germana Parente Neiva Belchior na Universidade Fe-
deral de Santa Catarina (UFSC) e como inspiraccedilatildeo das pesquisas tambeacutem de-
senvolvidas no grupo coordenado por orientador o Prof Dr Joseacute Rubens Mo-
rato Leite no Grupo de Pesquisa Direito Ambiental na Sociedade de Risco
(GPDA) Apoacutes a conclusatildeo do Doutorado e com ingresso no Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Direito do Centro Universitaacuterio Sete de Setembro (UNI7) o
grupo foi criado e conta com a participaccedilatildeo de alunos da graduaccedilatildeo como
tambeacutem da poacutes-graduaccedilatildeo da UNI7 e de outras instituiccedilotildees estudantes do
Direito como de outras aacutereas caracterizando seu espiacuterito transdisciplinar
sendo cadastrado no CNPq
O grupo conta tambeacutem com o apoio acadecircmico e cientiacutefico da ex-
aluna do Mestrado da UNI7 Iasna Chaves Viana advogada professora e pes-
quisadora da aacuterea da complexidade e que em conjunto com a Profa Dra
Germana organizou a presente obra
Tendo iniciado suas atividades em 2016 o presente e-book intitulado Di-
reito complexidade e meio ambiente olhares para a contemporaneidade
simboliza o aniversaacuterio de 4 anos de atividades dedicadas a contribuir com a
construccedilatildeo da pesquisa e do estudo em Direito Complexidade e Meio Ambi-
ente propiciando agrave comunidade acadecircmica a formalizaccedilatildeo de projetos de
pesquisa o estiacutemulo agrave produccedilatildeo apresentaccedilatildeo e publicaccedilatildeo de trabalhos
acadecircmicos
A reflexatildeo sobre os diversos temas ligados a Direito Complexidade e
Meio Ambiente pautado na transdisciplinaridade e dividido nas trecircs linhas de
pesquisa oriundas da ementa de conteuacutedo programaacutetico do grupo visam a
estimular a publicaccedilatildeo de trabalhos e a participaccedilatildeo em eventos juriacutedicos
como tambeacutem fortalecer o intercacircmbio acadecircmico entre estudantes da gra-
duaccedilatildeo e da poacutes-graduaccedilatildeo e ainda incrementar o diaacutelogo com outras
aacutereas de saberes e com outras instituiccedilotildees
A obra encontra-se dividida em trecircs eixos temaacuteticos coincidentes com
as suas linhas de pesquisa e fazem parte dela 20 (vinte) trabalhos feitos com
muita dedicaccedilatildeo e esmero pelos autores abaixo relacionados
O primeiro eixo Pensamento Complexo Direito e Transdisciplinaridade
busca investigar acerca do pensamento complexo e suas consequecircncias
para o conhecimento cientiacutefico do Direito e o diaacutelogo de saberes Tem como
pergunta de partida Como e em que medida o pensamento complexo influ-
encia os saberes no Direito Neste eixo encontram-se os seguintes artigos e
seus autores
O primeiro intitulado Ativismo digital e luta ambiental a influecircncia dos
movimentos socioambientais em rede escrito em coautoria por Dominik Gar-
cia Araujo Fontes bacharel em Direito pela UNI7 Eulaacutelia Emilia Pinho Camurccedila
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
11
mestre e doutoranda em Direito pela UFC e professora da UNI7 e Germana
Parente Neiva Belchior doutora pela UFSC e professora da UNI7 traz um apro-
fundamento do estudo do ativismo ambiental na internet que por meio das
redes sociais possibilita reflexatildeo criacutetica sobre a temaacutetica ambiental pela di-
vulgaccedilatildeo de dados e informaccedilotildees e busca influenciar as forccedilas poliacuteticas em
seus processos de cumprimento criaccedilatildeo eou modificaccedilatildeo de leis
Na sequecircncia as autoras Doacuteris Evany Abreu Carvalho especialista em
processo civil pela Anhanguera-LFG Iasna Chaves Viana mestre em Direito
pela UNI7 e Rebeca Gadelha Ferreira mestre em Direito pela UFC desenvol-
veram a pesquisa As contrataccedilotildees puacuteblicas diretas e os impactos agrave adminis-
traccedilatildeo puacuteblica SARS-CoV-2 e as consequentes inovaccedilotildees legislativas federais
no ordenamento juriacutedico brasileiro com o objetivo de analisar como e em que
medida as legislaccedilotildees promulgadas no Brasil para enfrentamento da pande-
mia da COVID-19 que versam sobre as contrataccedilotildees diretas de obras serviccedilos
e compras bem como os pagamentos antecipados e os impactos para a Ad-
ministraccedilatildeo Puacuteblica podem ser analisados pelo vieacutes do pensamento com-
plexo quais impactos agrave legalidade de contrataccedilatildeo com empresas e quais as
implicaccedilotildees disto ao Eraacuterio
O terceiro artigo foi desenvolvido pela entatildeo graduanda em Direito
pela UNI7 Janaina Vall nossa homenageada na obra que ainda em vida
abordando a praacutetica do direito ldquoterapecircuticordquo no qual as partes envolvidas no
processo juriacutedico submetidas ao modelo sistecircmico passam de uma postura
litigante para uma posiccedilatildeo consensual em busca de soluccedilatildeo para ambos os
lados A pesquisa foi desenvolvida com o objetivo de identificar como o Direito
Sistecircmico encontra convergecircncias e significacircncias teoacutericas entre o modelo de
constelaccedilatildeo de Bert Hellinger e a Teoria da Complexidade de Edgar Morin
com o tiacutetulo Direito sistecircmico o modelo de constelaccedilatildeo de Bert Hellinger e a
Teoria da Complexidade de Edgar Morin - convergecircncias e significacircncias
A pesquisadora e mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela
UFC Laeacutelia Eugecircnia Correcirca Aragatildeo sob o tema A inclusatildeo social e o pensa-
mento complexo dentro da Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos discute so-
bre a proposta de inclusatildeo social contida na Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos
Soacutelidos a Lei 123052010 sob o vieacutes do pensamento complexo visto que refe-
rida lei propotildee uma visatildeo socioambiental sustentaacutevel e complexa de partici-
paccedilatildeo e destaque dosas catadoresas de materiais reciclaacuteveis como sujeitos
principais para a efetivaccedilatildeo da proteccedilatildeo do meio ambiente
O quinto trabalho publicado eacute de autoria da advogada e especialista
em Direito e Processo Administrativos pela UNIFOR Liacutevia Brandatildeo Mota Caval-
canti intitulado As funccedilotildees da cidade transdisciplinaridade e complexidade
tratando sobre como e em que medida o pensamento complexo pode con-
tribuir para a cumprimento de algumas das funccedilotildees da cidade compreendi-
das como os direitos agrave moradia ao labor ao transporte e ao lazer conforme
definido pela Carta Constitucional de 1988
A pesquisadora e especialista pela FGV UFRJ e UFC Raquel Lima Batista
traz pesquisa que busca investigar como e em que medida uma abordagem
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
12
mais sistecircmica pode oferecer soluccedilotildees mais profundas e duradouras para aju-
dar as partes na soluccedilatildeo de suas demandas evidenciando uma justiccedila que
busca restaurar com o tiacutetulo de Justiccedila restaurativa um novo paradigma na
soluccedilatildeo de conflitos
O segundo eixo de pesquisa Complexidade Epistemologia e Direito
Ambiental pretende investigar como o Direito Ambiental influencia a forma-
ccedilatildeo de uma nova epistemologia juriacutedica sob a oacuteptica do pensamento com-
plexo Tem como pergunta de partida Quais satildeo os fundamentos de uma
epistemologia juriacutedico-ambiental A presente seccedilatildeo da obra apresenta arti-
gos de vaacuterios autores tanto membros do grupo como convidados externos
que contribuem para a pesquisa de vanguarda do Direito Ambiental e da Te-
oria da Complexidade Satildeo eles
O pesquisador Alan Duarte e a mestre em Direito pela UFC Carla Mari-
ana Aires Oliveira analisam sob o tiacutetulo O impacto ambiental do Big Data uma
reflexatildeo criacutetica a partir de uma abordagem ecossistecircmica buscando investi-
gar como e em que medida os serviccedilos digitais fomentados pela economia
de dados ameaccedilam o meio ambiente ecologicamente equilibrado
O segundo trabalho apresentado nesta seccedilatildeo do e-book eacute de autoria
da professora e Doutora em Ciecircncias Juriacutedicas pela UFPB Alana Ramos Araujo
intitulado Paradigma da complexidade como metodologia do Direito Ambi-
ental que aborda o pensamento complexo com base em Morin como um
instrumento metodoloacutegico de desconstruccedilatildeo do modelo positivista e simplifi-
cador do Direito para lidar com a crise ambiental e com a tutela juriacutedica da
natureza com base em Leff como estrateacutegias de abordagem de conflitos am-
bientais
A professora e doutora em Direito pela UFC Ana Stela Vieira Mendes
Cacircmara desenvolve pesquisa intitulada Por um fundamento ecoloacutegico para
o fenocircmeno juriacutedico investigando bases para uma fundamentaccedilatildeo ecoloacute-
gica do fenocircmeno juriacutedico em face do conhecido passivo ambiental sem pre-
cedentes da contemporaneidade e da insuficiecircncia das respostas legislativas
juriacutedicas e poliacuteticas apresentadas para impedimento do movimento crescente
de degradaccedilatildeo da natureza
Carlos Peralta jurista e expoente do Direito Ambiental professor e poacutes-
doutor em Direito pela UFSC e pela UERJ sendo atualmente professor da Uni-
versidade da Costa Rica apresenta o artigo Sustentabilidade no Antropo-
ceno o pensamento complexo e a necessaacuteria reflexatildeo sobre o Estado Ecoloacute-
gico de Direito no contexto da COVID-19 fazendo reflexotildees sobre a relaccedilatildeo
existente entre a pandemia da COVID-19 e a teoria do Antropoceno pro-
pondo incentivar o debate sobre como pensar uma metamorfose civilizatoacuteria
a partir do conceito de Estado Ecoloacutegico de Direito capaz de entender e lidar
com a crise ecoloacutegica atualmente vivenciada
O capiacutetulo seguinte trata sobre A relaccedilatildeo juriacutedica ambiental continua-
tiva e a imprescritibilidade da pretensatildeo pela reparaccedilatildeo civil de dano ambi-
ental anaacutelise do Recurso Extraordinaacuterio nordm 654833 do STF ndash interpretaccedilotildees
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
13
epistemoloacutegicas sob o vieacutes da complexidade Nele as autoras Germana Pa-
rente Neiva Belchior e Iasna Chaves Viana coordenadoras do Ecomplex pro-
potildeem investigar a decisatildeo do STF no Recurso Extraordinaacuterio nordm 654833 do STF
avaliando como e que medida o entendimento da Corte se posiciona aberto
ao pensamento complexo e em especial agrave relaccedilatildeo juriacutedica ambiental con-
tinuativa
A pesquisa Avaliaccedilatildeo de impacto ambiental no Brasil e no acircmbito inter-
nacional similaridades e contribuiccedilotildees desenvolvida pela pesquisadora Jo-
ana Cordeiro Brandatildeo e por Liliane de Freitas Leite mestre em Direito pela
UNI7 em razatildeo da atual relevacircncia e repercussatildeo dos impactos ambientais
no mundo objetiva averiguar como e em que medida o estudo da avaliaccedilatildeo
de impacto ambiental no acircmbito internacional pode contribuir para a avalia-
ccedilatildeo de impacto ambiental no Brasil com base no paradigma da complexi-
dade
O Direito Ambiental conta com a grande contribuiccedilatildeo do renomado
Prof Dr Joseacute Rubens Morato Leite Doutor titular da UFSC membro da Acade-
mia de Direito Ambiental da IUCN e que brinda o Ecomplex com artigo intitu-
lado A ineficiecircncia do Direito Ambiental vigente e a necessaacuteria ruptura rumo
ao Direito Ecoloacutegico a partir da complexidade e escrito em coautoria com
suas orientandas da graduaccedilatildeo em Direito da UFSC e pesquisadoras Elisa Fio-
rini Beckhauser e Valeriana Augusta Broetto O artigo traz algumas considera-
ccedilotildees e observaccedilotildees acerca de uma ruptura necessaacuteria diante do paradigma
do Direito Ambiental tradicional que natildeo tem conseguido responder satisfa-
toriamente agrave tutela dos sistemas ecoloacutegicos impondo uma metamorfose pro-
tetiva da Natureza
Destaque-se ainda o artigo desenvolvido por Leon Simotildees de Mello
mestrando em Direito da UFC e Joatildeo Luis Nogueira Matias coordenador do
curso de Mestrado do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UNI7 com
o tiacutetulo O princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental como paracircmetro ao exerciacutecio da
atividade econocircmica temaacutetica essencial considerando o atual panorama de
incertezas cientiacuteficas e o aumento da percepccedilatildeo de risco da sociedade
quanto a vaacuterios aspectos da proteccedilatildeo da vida humana e do meio ambiente
O artigo Reflexotildees sobre o greenwashing e suas limitaccedilotildees no ordena-
mento juriacutedico brasileiro agrave luz da complexidade escrito pelas mestrandas da
UNI7 Manuella Campos Perdigatildeo e Andrade Atalanio e Letiacutecia Queiroz Nasci-
mento investiga sobre as limitaccedilotildees juriacutedicas impostas ao greenwashing no
ordenamento juriacutedico brasileiro agrave luz do pensamento complexo em face de
se tratar de questatildeo transdisciplinar e que afeta o meio ambiente a socie-
dade e o exerciacutecio da atividade empresarial
A professora e mestre em Direito pela UNI7 Maria Ravelly Martins Soares
Dias apresenta a pesquisa As implicaccedilotildees juriacutedicas advindas da formaccedilatildeo da
famiacutelia multiespeacutecie com foco na anaacutelise da natureza juriacutedica dos animais de
estimaccedilatildeo avaliando entraves e possibilidades de modificaccedilatildeo dentro do or-
denamento juriacutedico brasileiro
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
14
Como uacuteltimo artigo da segunda seccedilatildeo da obra tem-se a pesquisa rea-
lizada pelo mestrando Victor Nunes Barroso que o intitula O meio ambiente
como conceito juriacutedico indeterminado sob a oacuteptica do pensamento com-
plexo O texto tem como inquietaccedilatildeo preciacutepua a possibilidade de um con-
ceito juriacutedico indeterminado para o meio ambiente Busca sob o paradigma
do pensamento complexo averiguar o conceito juriacutedico de meio ambiente
que satisfaccedila as exigecircncias da sociedade contemporacircnea
O terceiro eixo de pesquisa Complexidade e Ensino Juriacutedico intenta in-
vestigar sobre a necessidade premente de transformaccedilotildees no ensino juriacutedico
em virtude do pensamento complexo Tem como pergunta de partida Qual
eacute a repercussatildeo do pensamento complexo no ensino juriacutedico e consequen-
temente na formaccedilatildeo de futuros profissionais do Direito Os trabalhos vincu-
lados a esta linha de pesquisa satildeo trecircs a seguir
Ensino juriacutedico no brasil reflexotildees histoacutericas e a complexidade como
possibilidade-necessidade de superaccedilatildeo paradigmaacutetica escrito em coauto-
ria pelos acadecircmicos em Direito pela UNIFOR Antocircnio Joseacute Andrade da Silva
Juacutenior e Filipe Esmeraldo Cabral de Melo Almeida e pelo graduando em Psi-
cologia pela UNIFOR Raphael de Saacute Machado propotildee uma anaacutelise das pro-
blemaacuteticas do ensino juriacutedico brasileiro decorrentes do paradigma simplifica-
dor discorrendo ainda acerca das bases filosoacuteficas e cientiacuteficas que emba-
sam a ciecircncia positivista como tambeacutem apresentando o pensamento com-
plexo como uma necessidade-possibilidade em prol de transformaccedilotildees signi-
ficativas no ensino em especial do Direito
Em capiacutetulo seguinte o artigo Ensino juriacutedico e neuropsicologia uma
discussatildeo sob a perspectiva da complexidade apresentado por Bruno Barros
Carvalho especialista em neuropsicologia pela UNICHRISTUS e Diogo Felipe
Sousa Barreira graduando em Direito pela URCA objetiva apresentar uma re-
laccedilatildeo entre a Neuropsicologia e o Ensino Juriacutedico analisando como as novas
descobertas da Neurociecircncia ligadas ao comportamento humano podem
contribuir para que a regulamentaccedilatildeo da sociedade consiga acompanhar
as novas demandas sociais
O uacuteltimo capiacutetulo desta terceira seccedilatildeo foi desenvolvido pelos alunos da
graduaccedilatildeo em Direito da UNI7 Francisco Helio da Silva Loiola e Letiacutecia de Faacute-
tima Libeacuterio da Silva e pela advogada e mestre em Direito pela UNI7 Nayane
Gonccedilalves dos Santos Duarte O tiacutetulo do artigo eacute Educaccedilatildeo remota em tem-
pos de pandemia e poacutes-pandemia os desafios do ensino juriacutedico brasileiro A
pesquisa aborda os desafios do ensino remoto emergencial durante a pande-
mia da COVID-19 e seus reflexos no campo da educaccedilatildeo
A obra pretende oportunizar o compartilhamento de experiecircncias e sa-
beres encontrar novos caminhos ou revisitar e atualizar institutos juriacutedicos para
a consolidaccedilatildeo de conhecimento alinhado agraves realidades enfrentadas pelos
construtores do Direito A elaboraccedilatildeo do conhecimento juriacutedico pela comple-
xidade passa pela compreensatildeo que o Direito natildeo eacute aacuterea isolada mas faz
parte da teia de saberes para anaacutelise e enfrentamento dos desafios atuais e
emergenciais da sociedade nas suas variadas vertentes
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
15
A diversidade na pesquisa e nos debates possibilita a ampliaccedilatildeo dos
horizontes e se torna fundamental para a abordagem dos temas atinentes agrave
Teoria da Complexidade ao estudo do Direito e ao ensino juriacutedico no Brasil
Agradecemos aos membros do grupo e aos demais convidados por
todo o empenho e interesse na elaboraccedilatildeo das pesquisas aqui referidas e rei-
teramos a alegria desse momento de construccedilatildeo conjunta do conhecimento
e dos saberes Somos seres natildeo apenas que pensam mas que tambeacutem sen-
tem Acreditamos que isso eacute fundamental na elaboraccedilatildeo dos saber acadecirc-
mico na relaccedilatildeo de ensino e aprendizagem e isso determina tudo o que pre-
tendemos seguir nesta grande jornada da qual somos todos passageiros
Registramos aqui nosso reconhecimento e gratidatildeo ao Centro Universi-
taacuterio 7 de Setembro em nome da Profa Dra Maria Vital da Rocha coorde-
nadora geral do curso de graduaccedilatildeo em Direito e do Prof Dr Joatildeo Luis No-
gueira Matias coordenador do curso de Mestrado em Direito por todo estiacute-
mulo agrave pesquisa desenvolvida pelo Ecomplex e pela publicaccedilatildeo deste e-
book
Deixamos um agradecimento especial ao pesquisador Alan Duarte por
todo o apoio e compromisso com as atividades do Ecomplex e com a realiza-
ccedilatildeo desta obra
Germana Parente Neiva Belchior Doutora em Direito Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSCSC) Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do
Cearaacute (UFCCE) Professora do Curso de Direito e do Programa de Poacutes-gradu-
accedilatildeo em Direito do Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Liacuteder do
Grupo de Pesquisa Ecomplex Direito Complexidade e Meio Ambiente da
UNI7CE cadastrado no CNPQ E-mail germana_belchioryahoocombr
Iasna Chaves Viana Mestre em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Especia-
lista em Direito Tributaacuterio pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributaacuterios (IBETSP)
Vice-liacuteder do Grupo de Pesquisa Ecomplex Direito Complexidade e Meio
Ambiente da UNI7CE Membro do Grupo de Pesquisa em Tributaccedilatildeo Ambi-
ental (UFCCE) ambos cadastrados no CNPQ
E-mail iasnavianayahoocombr
16
HOMENAGEM A JANAINA VALL
Somos um sopro ou somos um momento
A compreensatildeo da fugacidade da vida eacute ao mesmo tempo assusta-
dora e cativante Eacute aterrorizante em um primeiro olhar a ideia de que somos
seres tatildeo fraacutegeis e que podemos nos despedir desse mundo a qualquer mo-
mento Por outro lado essa mesma ideia de que somos plenamente mortais
desperta um amor agrave vida incomensuraacutevel intensifica cada dia e nos leva a
compreender que natildeo haacute razotildees para reclamar que a vida eacute um instante an-
tes leva-nos a vivecirc-la com mais intensidade e amor
A fugacidade da vida foi compreendida pela Janaina natildeo com terror
de deixar esta Terra mas como uma possibilidade de desfrutar do mundo o
que de melhor ele poderia oferecer e oferecer em troca todo amor que po-
deria dar Com uma leveza e tranquilidade tamanha que a fez viver cada dia
intensamente amando e ajudando o seu proacuteximo ensinando a todos noacutes a
complexidade da vida Convocando-nos a abraccedilar a vida com todos os seus
altos e baixos aprendendo a cada dia ressignificando os erros e abraccedilando
as incertezas
Edgar Morin autor cujas obras satildeo centrais neste grupo de pesquisa en-
sina-nos que a vida eacute repleta de ambiguidades e ambivalecircncias de perenes
paradoxos e que precisamos ter sensibilidade para as contradiccedilotildees para a
complexidade Abraccedilar a complexidade eacute abraccedilar a vida tal qual ela se nos
apresenta com todas as suas incertezas
Tivemos a oportunidade de conviver com a Janaina desde o iniacutecio das
atividades do grupo e com ela pudemos construir ideias e pesquisas que per-
maneceratildeo em nossa histoacuteria e iratildeo marcar nossa trajetoacuteria Ela participou
desde o primeiro semestre do grupo e foi uma das primeiras a se interessar e
aprofundar a pesquisa sobre direito sistecircmico sobre a teoria de Bert Hellinger
e sobre a teacutecnica das constelaccedilotildees familiares tendo inclusive feito curso de
formaccedilatildeo na aacuterea
Janaina como ela costumava dizer natildeo queria ficar soacute escrevendo
tambeacutem queria sentir E movida por esse sentimento deu a sua pesquisa vida
que tocou outras vidas e nesse processo engrandeceu ainda mais a pesqui-
sadora que era Ela atuava em causas humanitaacuterias e projetos voluntaacuterios
como o CVV o projeto olhares e fazeres sistecircmicos da vara de execuccedilotildees pe-
nais e medidas alternativas de Fortaleza aleacutem de outros que sempre procu-
rava participar Estava sempre publicando textos de opiniatildeo principalmente
voltados agrave questatildeo da construccedilatildeo do conhecimento juriacutedico focado no as-
pecto humano no qual devemos pensar sentir e agir com eacutetica Nos encon-
tros que tivemos Janaina difundia sempre essa ideia tatildeo importante para noacutes
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
17
e que inclusive coincide com as premissas que norteiam nossas linhas de pes-
quisa a construccedilatildeo do conhecimento alinhado ao sentimento tanto na ver-
tente do estudo do desenvolvimento do ensino juriacutedico como no desenvolvi-
mento das pesquisas sobre pensamento complexo e na linha sobre direito am-
biental na qual entendemos que o homem eacute parte do meio ambiente
Um dos seus uacuteltimos registros escritos se refere a mais uma de suas refle-
xotildees sobre a vida
DEUS nos coloca diante da possibilidade de fazer uma grande mu-
danccedila na vida mas Deus eacute o TEMPO agindo sobre noacutes preparando-
nos para o que estaacute logo adiante indireta ou diretamente A per-
gunta natildeo eacute ldquocomordquo mas ldquoquandordquo porque PASSADO PRESENTE e
FUTURO natildeo satildeo lineares mas circulares rdquo
Nesses quatro anos de existecircncia do grupo temos vaacuterios momentos re-
gistrados de efetiva participaccedilatildeo da Janaina com muita alegria sabedoria e
sensibilidade Sua ausecircncia fiacutesica nos deixaraacute muitas saudades mas suas ideias
e energia positiva continuaratildeo em nossas pesquisas nossas lembranccedilas e
nossa histoacuteria Como costumamos falar natildeo haacute uma pessoa que tenha pas-
sado pela vida da Janaina que natildeo tenha sido tocada ou inspirada por ela
Janaina eacute luz e essa luz continuaraacute acesa no coraccedilatildeo do grupo Ecom-
plex
O Ecomplex ainda muito consternado com a perda tatildeo repentina
dessa amiga a homenageia com os versos da muacutesica ldquoGostava tanto de
vocecircrdquo de Tim Maia
Nem sei porque vocecirc se foi
Quantas saudades eu senti
E de tristezas vou viver
E aquele adeus natildeo pude dar
Vocecirc marcou em minha vida
Viveu morreu na minha histoacuteria
Chego a ter medo do futuro
E da solidatildeo que em minha porta bate
E eu
Gostava tanto de vocecirc
Gostava tanto de vocecirc
Eu corro fujo desta sombra
Em sonhos vejo este passado
E na parede do meu quarto
Ainda estaacute o seu retrato
Quero ver pra natildeo lembrar
Pensei ateacute em me mudar
Lugar qualquer que natildeo exista
O pensamento em vocecirc
ldquo
ldquo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
18
E eu
Gostava tanto de vocecirc
Gostava tanto de vocecirc
Natildeo sei porque vocecirc se foi
Quantas saudades eu senti
E de tristezas vou viver
E aquele adeus natildeo pude dar
Vocecirc marcou em minha vida
Viveu morreu na minha histoacuteria
Chego a ter medo do futuro
E da solidatildeo que em minha porta bate
E eu
Gostavahellip
EIXO TEMAacuteTICO 1 Pensamento Complexo Direito e Transdisciplinaridade
20
ATIVISMO DIGITAL E LUTA AMBIENTAL
a influecircncia dos movimentos
socioambientais em rede
Dominik Garcia Araujo Fontes1
Eulaacutelia Emilia Pinho Camurccedila2
Germana Parente Neiva Belchior3
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 11 Ciberespaccedilo e as novas interaccedilotildees comu-
nicativas 12 Ativismo digital formas de organizaccedilatildeo ferramentas e
caracteriacutesticas 13 Ativismo ambiental em rede atuaccedilatildeo dificulda-
des e desafios Consideraccedilotildees Finais Referecircncias
INTRODUCcedilAtildeO
Foi com a expansatildeo da internet e a criaccedilatildeo das redes sociais que os
movimentos sociais ganharam espaccedilo e publicidade em um contexto global
Por meio do ativismo digital tambeacutem denominado de ciberativismo ou net-
ativismo esses movimentos emergem em causas muacuteltiplas buscando a cons-
truccedilatildeo de uma sociedade mais democraacutetica e justa
Com o surgimento da internet e o fenocircmeno da globalizaccedilatildeo as pessoas
passaram a estar interligadas organizando-se socialmente em rede Essa nova
forma de organizaccedilatildeo tem ocasionado movimentos profundos de construccedilatildeo
e reconstruccedilatildeo das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas nos niacuteveis local e global
Na comunicaccedilatildeo em rede a noccedilatildeo de espaccedilo geograacutefico foi sendo
reconfigurada transcendendo as fronteiras geograacuteficas expandindo pensa-
1 Mestre em Poliacuteticas Puacuteblicas e Gestatildeo da Educaccedilatildeo Superior pela Universidade Federal do
Cearaacute (UFCCE) Graduada em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE)
e em Letras pela Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Servidora teacutecnico-administrativa
e pesquisadora da Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE)
E-mail dominikfontesgmailcom
2 Mestre em Direito e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Gra-
duada em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFORCE) e em Comunicaccedilatildeo Social
pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Professora do Curso de Direito do Centro
Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) E-mail eulaliaemiliahotmailcom
3 Doutora em Direito Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSCSC) e
Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Professora
do Curso de Direito e do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Direito do Centro Universitaacuterio 7
de Setembro (UNI7CE) Liacuteder do Grupo de Pesquisa Ecomplex Direito Complexidade e
Meio Ambiente da UNI7CE cadastrado no CNPQ
E-mail germana_belchioryahoocombr
1
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
21
mentos opiniotildees e accedilotildees por todo o mundo Isso permitiu uma raacutepida comu-
nicaccedilatildeo sem que necessariamente houvesse a utilizaccedilatildeo dos canais de co-
municaccedilatildeo socializantes criados pelo Estado e pelas grandes empresas
A rapidez da internet associada agrave possibilidade de o usuaacuterio comum tor-
nar-se provedor de informaccedilotildees faz desse canal um importante meio de arti-
culaccedilatildeo a baixo custo oportunizando manifestaccedilotildees de diversas naturezas e
sem limitaccedilotildees de fronteiras geograacuteficas
As interaccedilotildees no mundo virtual tiveram um papel essencial apoacutes o surgi-
mento da pandemia nos uacuteltimos meses Com a medida mundial de isolamento
social adotada em quase todos os paiacuteses como forma eficiente de combater
a transmissatildeo do novo corona viacuterus (SARS-CoV-2) as pessoas foram levadas a
se comunicar muito mais virtualmente
Em decorrecircncia do aprimoramento constante da tecnologia associado
ao crescente aumento de pessoas com acesso agrave internet o ciberespaccedilo pas-
sou a ser um local de pluralidade de ideias crenccedilas e convicccedilotildees que satildeo
disseminadas em tempo real Por isso tem sido utilizado frequentemente por
movimentos sociais dentre eles o movimento ambiental
Com as novas tecnologias o movimento ambiental tradicional tornou-
se tambeacutem ciberativista e passou a interagir diretamente com seus apoiado-
res principalmente pelas redes sociais
Eacute nesse cenaacuterio que este trabalho se justifica pela relevacircncia de ressal-
tar o estudo do ativismo ambiental na internet por meio das redes sociais uma
vez que possibilitam a reflexatildeo criacutetica sobre a temaacutetica ambiental atraveacutes da
divulgaccedilatildeo de dados e informaccedilotildees buscando influenciar as forccedilas poliacuteticas
em seus processos de cumprimento criaccedilatildeo eou modificaccedilatildeo de leis
Diante desse contexto social emergiu a pergunta de partida deste tra-
balho Como e em que medida o ativismo digital ambiental eacute capaz de pro-
mover e propagar a proteccedilatildeo juriacutedica ambiental
Como objetivos especiacuteficos pretende-se conhecer o fenocircmeno do ci-
berativismo sua articulaccedilatildeo com o movimento ambiental e suas repercussotildees
e analisar este fenocircmeno a partir da atuaccedilatildeo de movimentos socioambien-
tais
Dessa forma o objetivo deste trabalho eacute o de investigar como o cibera-
tivismo ambiental contribuiu para a proteccedilatildeo juriacutedica do meio ambiente
Trata-se de uma pesquisa descritiva e exploratoacuteria Utilizou-se de pes-
quisa bibliograacutefica e documental para buscar o embasamento teoacuterico deste
trabalho
Neste artigo aborda-se o fenocircmeno do ciberativismo descrevendo seu
conceito suas formas de organizaccedilatildeo caracteriacutesticas e ferramentas Trata-se
ainda da inserccedilatildeo do ativismo ambiental na internet e nas redes sociais evi-
denciando suas estrateacutegias de atuaccedilatildeo no ciberespaccedilo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
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11 CIBERESPACcedilO E AS NOVAS INTERACcedilOtildeES COMUNICATIVAS
A palavra ldquociberespaccedilordquo foi inventada em 1984 por William Gibson em
seu romance ldquoNeuromanterdquo designando em tal obra o universo das redes
digitais O termo entatildeo foi imediatamente retomado por usuaacuterios e criadores
de redes digitais (LEVY 1999)
Leacutevy (1999 p 92) o define como sendo o ldquoespaccedilo de comunicaccedilatildeo
aberto pela interconexatildeo mundial dos computadores e das memoacuterias dos
computadoresrdquo Segundo o autor neste espaccedilo estariam compreendidos a
infraestrutura material da comunicaccedilatildeo digital o universo de informaccedilotildees
abrigadas por ele e os seres humanos que navegam e alimentam a rede
A comunicaccedilatildeo em rede transpocircs a barreira da distacircncia ultrapassando
quilocircmetros em segundos sendo possiacutevel tocar sentir ver ouvir e interagir com
elementos que estatildeo localizados haacute milhares de quilocircmetros A noccedilatildeo de es-
paccedilo geograacutefico foi sendo reconfigurada A divisatildeo do territoacuterio com limites
bem definidos a qual estaacutevamos familiarizados foi pulverizada pela comunica-
ccedilatildeo e a noccedilatildeo de territoacuterio vai evoluindo para uma comunidade global (RE-
CUERO 2000)
Aleacutem dessas transformaccedilotildees com o surgimento dos novos meios de co-
municaccedilatildeo as interaccedilotildees comunicativas deixaram de ser unidirecionais (emis-
sor e receptor) e passaram a compor um processo de comunicaccedilatildeo colabo-
rativa entre as diversas arquiteturas informativas (site blog comunidades vir-
tuais etc) os dispositivos de conexatildeo (smartphones tablets computadores
etc) os bancos de dados e as pessoas a esses conectadas (DI FELICE 2017
LEVY 1999)
A mudanccedila do modelo de fluxo comunicacional dos meios de comuni-
caccedilatildeo de massa que passou de massivo para poacutes-massivo foi proporcionada
pela liberaccedilatildeo do polo de emissatildeo desse fluxo a todos os participantes do
processo comunicativo Este antes era restrito agraves emissoras de raacutedio e TV em
que o fluxo da comunicaccedilatildeo era de ldquoum para todosrdquo natildeo permitindo o diaacute-
logo do veiacuteculo com a sua audiecircncia (LEVY 1999)
Fausto Neto (2008 p93) denominou esse periacuteodo como ldquosociedade dos
meiosrdquo Nela as miacutedias teriam ldquouma autonomia relativa face agrave existecircncia dos
demais camposrdquo Jaacute na sociedade de midiatizaccedilatildeo ldquoa cultura midiaacutetica se
converte na referecircncia sobre a qual a estrutura soacutecio-teacutecnica-discursiva se es-
tabelece ocorrendo um processo de afetaccedilatildeo de todas as praacuteticas sociais e
uma apropriaccedilatildeo pelos diversos campos sociais de forma distintardquo
Ainda segundo Fausto Neto (2008) a midiatizaccedilatildeo tem a capacidade
de desenvolver inuacutemeras possibilidades para criticar para apreender reflexi-
vamente os produtos e processos da induacutestria cultural para setores da socie-
dade agirem nas miacutedias e pelas miacutedias Seria uma forma de apropriaccedilatildeo que
provoca a intensificaccedilatildeo de tecnologias convertidas em meio
Esta mudanccedila na comunicaccedilatildeo daacute iniacutecio a um modelo mais participa-
tivo de cultura em que o puacuteblico natildeo eacute mais visto simplesmente como um
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
23
grupo de consumidores de mensagens preacute-constituiacutedas mas como pessoas
que estatildeo moldando compartilhando reconfigurando e ressignificando con-
teuacutedos de miacutedia de maneiras ateacute entatildeo inimaginaacuteveis (JENKINS FORD GREEN
2014)
Elas fazem isso como integrantes de comunidades mais amplas e de re-
des que lhes permitem propagar conteuacutedos que vatildeo muito aleacutem do espaccedilo
geograacutefico que ocupam havendo assim uma propagaccedilatildeo transnacional
(JENKINS FORD GREEN 2014)
Esse modelo de comunicaccedilatildeo poacutes-miacutedia de massas traz tambeacutem um
empoderamento midiaacutetico agrave medida em que as pessoas natildeo soacute estatildeo con-
sumindo como tambeacutem estatildeo se assumindo produtores de conteuacutedo perce-
bendo-se como uma personificaccedilatildeo da miacutedia (BENTES 2015)
Sites blogs redes sociais mapas colaborativos peticcedilotildees on-line plata-
formas e aplicativos baseados em geolocalizaccedilatildeo agregadores de conte-
uacutedo entre outras inuacutemeras possibilidades satildeo apropriaccedilotildees que formam um
sistema integrado de canais de participaccedilatildeo e de praacuteticas que permitem a
ampliaccedilatildeo do alcance dos conteuacutedos atraveacutes do espalhamento (JENKINS
FORD GREEN 2014)
Esses conteuacutedos adquirem significaccedilatildeo a partir de atividades que vatildeo
aleacutem da distribuiccedilatildeo impulsionados por praacuteticas colaborativas que espalham
a informaccedilatildeo sob diversos formatos (texto aacuteudio viacutedeo foto e transmissotildees ao
vivo) e que auxiliam a organizaccedilatildeo dos movimentos e a cobertura de atos
protestos e acontecimentos em torno de causas diversas (JENKINS FORD
GREEN 2014)
Nesse contexto o espaccedilo virtual constitui o centro dessa revoluccedilatildeo na
comunicaccedilatildeo mundial pelo fato de permitir com suas caracteriacutesticas peculi-
ares uma reconfiguraccedilatildeo do sistema de pensamento das pessoas e das suas
ideias de comunicaccedilatildeo que constituem a base da sociedade (RECUERO
2000)
Para Lemos (2015 p136) ldquoo ciberespaccedilo eacute um ambiente de circulaccedilatildeo
de discussotildees pluralistas reforccedilando competecircncias diferenciadas e aprovei-
tando o caldo de conhecimento que eacute gerado dos laccedilos comunitaacuterios po-
dendo potencializar a troca de competecircncias gerando a coletivizaccedilatildeo dos
saberesrdquo
Sebastiatildeo (2012) e Lemos (2003) afirmam que o ciberespaccedilo possui
grandes potencialidades para o ativismo uma vez que pode acolher vozes
diversas e grupos identificados com causas e comprometimentos diacutespares po-
dendo manifestar suas opiniotildees aspiraccedilotildees ideias etc sem se sujeitarem a
criteacuterios de seleccedilatildeo de conteuacutedos a serem divulgados
Para Castells (2001) esse novo espaccedilo de fluxo de informaccedilotildees incre-
mentaria natildeo soacute a participaccedilatildeo ativa dos cidadatildeos nas decisotildees como tam-
beacutem a expansatildeo dos processos democraacuteticos
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
24
Os movimentos ativistas se apropriaram desse espaccedilo e aprimoraram
sua atuaccedilatildeo acompanhando a evoluccedilatildeo tecnoloacutegica e as ferramentas que
tinham a sua disposiccedilatildeo Nesse novo territoacuterio de troca de saberes complexo
e sem fronteiras agrave medida que esses movimentos se multiplicaram foi possiacutevel
identificar a forma como se organizam as ferramentas utilizadas e suas carac-
teriacutesticas
12 ATIVISMO DIGITAL
formas de organizaccedilatildeo ferramentas e caracteriacutesticas
Os movimentos ativistas mundiais emergiram na rede na deacutecada de
1980 e possuem elementos comuns entre eles satildeo espontacircneos em sua ori-
gem simultaneamente globais e locais a princiacutepio satildeo paciacuteficos satildeo virais
recusam a delegaccedilatildeo da accedilatildeo satildeo apartidaacuterios e criticam partidos poliacuteticos
realizam propagaccedilatildeo da informaccedilatildeo satildeo conectados em redes de formas
muacuteltiplas sejam on-line ou off-line utilizam de forma intensiva as redes sociais
digitais especialmente Facebook e Twitter e diversificam as accedilotildees e os protes-
tos (DI FELICE 2014 CASTELLS 2013)
Dentre esses elementos ressalta-se cinco caracteriacutesticas que mostram
como as arquiteturas informativas estatildeo criando novas formas de conflituali-
dade 1) local de origem e dimensatildeo metageograacutefica 2) anonimato 3) re-
cusa de luta pelo poder 4) temporalidade e 5) dimensatildeo tecnoloacutegica e infor-
maacutetica da accedilatildeo (DI FELICE 2014 CASTELLS 2013)
Di Felice (2014 p41) afirma que o local de origem desses movimentos eacute
em e nas redes ganhando uma dupla espacialidade informativa e geograacute-
fica evidenciando que o papel das redes natildeo se restringe a difundir e ampliar
o consenso de um movimento mas ldquo[] de se constituir como um lugar prin-
cipal de sua gestaccedilatildeo de seu surgimento e de sua mudanccedila articulando um
diaacutelogo contiacutenuo on-line com as iniciativas e accedilotildees que se desenvolvem no
territoacuteriordquo
Para Castells (2013) apesar desses movimentos iniciarem nas redes soci-
ais eles soacute se tornam concretos ao ocuparem um espaccedilo urbano seja atraveacutes
de uma ocupaccedilatildeo permanente de praccedilas puacuteblicas por exemplo seja pela
persistecircncia das manifestaccedilotildees de rua Segundo o autor esse hiacutebrido de inter-
net e espaccedilo urbano daacute origem a um terceiro espaccedilo que ele denomina de
espaccedilo da autonomia
De acordo com a autonomia nesse novo espaccedilo pode ser exercida
como forccedila transformadora desafiando a ordem institucional disciplinar ao
reclamar o espaccedilo da cidade para seus cidadatildeos Para o autor o espaccedilo da
autonomia eacute retroalimentado pelos desafios do ativismo uma vez que sem au-
tonomia seriam apenas ativismos interrompidos (CASTELLS 2013)
A segunda caracteriacutestica estabelecida por Di Felice (2014) eacute o anoni-
mato Ele substitui a representatividade e a loacutegica hieraacuterquica do liacuteder pela
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
25
rede e pela participaccedilatildeo anocircnima Essa eacute a loacutegica da conflitualidade reticu-
lar isto eacute impede a centralizaccedilatildeo criando formas horizontais e colaborativas
nas quais as subjetividades se dissolvem
A horizontalidade das redes favorece a cooperaccedilatildeo e a solidariedade
ao mesmo tempo que reduz a necessidade de lideranccedila formal de um centro
de comando e de controle Eles natildeo necessitam de uma organizaccedilatildeo vertical
para passar informaccedilotildees ou instruccedilotildees e conseguem garantir as funccedilotildees de
coordenaccedilatildeo e tambeacutem de deliberaccedilatildeo (CASTELLS 2013)
Contrariando os dois autores Gerbaudo (2012) afirma que os movimen-
tos populares contemporacircneos natildeo satildeo sem lideranccedila Segundo o autor essa
forma de atuaccedilatildeo dos ativistas fez com que surgisse formas de lideranccedila com-
plexas que na maioria das vezes satildeo indiretas e ateacute mesmos invisiacuteveis mas que
possuem a mesma eficaacutecia na funccedilatildeo de atribuir a uma accedilatildeo coletiva certo
grau de coerecircncia e sentido de direccedilatildeo
O autor compara metaforicamente essa nova forma de lideranccedila a fi-
gura do coreoacutegrafo denominando-a de lideranccedila coreograacutefica Essa lide-
ranccedila seria a responsaacutevel por fazer a mediaccedilatildeo entre as plataformas on-line
e as reuniotildees fiacutesicas atraveacutes de mensagens reproduzidas nas redes sociais
como Facebook e Twitter Esse processo de mediaccedilatildeo e da montagem fiacutesica
do protesto seria para o autor a montagem da coreografia e o protesto em
si seria a coreografia ensaiada nas redes (GERBAUDO 2012)
Assim como os coreoacutegrafos convencionais no campo da danccedila esses
principais organizadores satildeo pouco vistos ou agraves vezes invisiacuteveis no palco Eles
satildeo liacutederes relutantes que aderindo agrave ideologia do horizontalismo natildeo que-
rem ser vistos como liacutederes em primeiro lugar mas cujo trabalho de definiccedilatildeo
de cenas e roteiros tem sido decisivo em trazer um grau de coerecircncia agrave parti-
cipaccedilatildeo espontacircnea e criativa das pessoas nos movimentos de protesto (GER-
BAUDO 2012)
De acordo com o autor influentes administradores do Facebook e Twit-
ter ativistas desempenharam um papel crucial na definiccedilatildeo do cenaacuterio para
as reuniotildees dos movimentos no espaccedilo puacuteblico construindo identificaccedilotildees co-
muns e acumulando ou desencadeando um impulso emocional em direccedilatildeo
agrave assembleia puacuteblica (GERBAUDO 2012)
Gerbaudo (2012 p140) tambeacutem questiona a horizontalidade de praacuteti-
cas organizacionais dos movimentos populares contemporacircneos uma vez que
acredita que embora seja verdade que as miacutedias sociais permitem a partici-
paccedilatildeo e comunicaccedilatildeo na realizaccedilatildeo desses movimentos que ganharam as
ruas no mundo esse recurso natildeo significa que todos os participantes tenham
o mesmo grau de influecircncia na accedilatildeo coletiva e nem tatildeo pouco que a hierar-
quia seja inexistente
O autor enfatiza ainda que o processo de mobilizaccedilatildeo sempre envolve
desigualdades e assimetrias em que haacute pessoas que se mobilizam e pessoas
que satildeo mobilizadas pessoas que lideram e outras que seguem os liacutederes
(GERBAUDO 2012)
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
26
A terceira caracteriacutestica eacute a recusa de luta pelo poder Esses movimen-
tos natildeo lutam para tomar o poder logo natildeo podem ser entendidos como mo-
vimentos revolucionaacuterios (DI FELICE 2014)
Pretendem transformar o Estado e natildeo se apoderar dele expressam sen-
timentos e estimulam o debate mas natildeo apoiam governos nem fundam par-
tidos O que propotildeem em sua praacutetica eacute uma nova utopia centralizada na cul-
tura da sociedade em rede mas materializada na mente das pessoas inspi-
rando seus sonhos guiando suas accedilotildees e induzindo suas reaccedilotildees ldquoa utopia
da autonomia do sujeito em relaccedilatildeo agraves instituiccedilotildees da sociedaderdquo (CASTELLS
2013 p 134)
Um quarto aspecto eacute o da temporalidade Satildeo movimentos temporaacute-
rios que natildeo aspiram a sua institucionalizaccedilatildeo ao contraacuterio de partidos e ins-
tituiccedilotildees poliacuteticas da modernidade como mencionado no paraacutegrafo anterior
(DI FELICE 2014)
Aleacutem de temporaacuterios satildeo virais natildeo apenas pelo caraacuteter viral da difusatildeo
das mensagens na rede mas em funccedilatildeo do efeito causado pelo surgimento
de movimentos por toda parte Ver e ouvir protestos em outros lugares
Segundo Castells (2013) inspira a mobilizaccedilatildeo uma vez que estimula a
esperanccedila em uma possibilidade de mudanccedila Essa capacidade viral natildeo
respeita os limites geograacuteficos e se propaga de um paiacutes para outro de uma
cidade para outra ou de uma regiatildeo para outra
Por fim a quinta e uacuteltima caracteriacutestica eacute formada pela dimensatildeo tec-
noloacutegica e informativa da accedilatildeo produzida por estas formas desenvolvendo
assim uma dimensatildeo informativa de participaccedilatildeo criando redes de circula-
ccedilatildeo de diferentes temaacuteticas que estatildeo redesenhando a forma de ativismo e
ateacute mesmo de democracia em todo o mundo (DI FELICE 2014)
Para Castells (2013 p 142) esses movimentos sociais em rede satildeo novos
tipos de movimentos democraacuteticos que estatildeo reinventando a democracia
buscando maneiras que ldquopossibilitem aos seres humanos administrar coletiva-
mente suas vidas de acordo com os princiacutepios amplamente compartilhados
em suas mentes e em geral negligenciados em suas experiecircncias diaacuteriasrdquo Dei-
xam como legado a afirmaccedilatildeo da possibilidade de se reaprender a conviver
numa ldquoverdadeira democraciardquo
Em busca dessa democracia e de uma participaccedilatildeo e engajamento
mais amplos na causa ambiental foi que os movimentos ambientais comeccedila-
ram a utilizar os caminhos da tecnologia a favor do meio ambiente
13 ATIVISMO AMBIENTAL EM REDE
atuaccedilatildeo dificuldades e desafios
O movimento ambiental emergiu em lugares em tempos e por motivos
diferentes natildeo teve um marco inicial que o definisse As questotildees ambientais
mais antigas eram questotildees locais e agrave medida em que as pessoas compreen-
diam os custos dos danos causados ao meio ambiente iam se articulando em
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
27
grupos que passaram a formar coalizotildees ateacute tornarem-se movimentos nacio-
nais multinacionais e atualmente globais (MCCORMICK 1992)
No entanto foi a partir da deacutecada de 1960 que se iniciou uma afirma-
ccedilatildeo do movimento ambientalista como ativista poliacutetico e social de modo a
pressionar as entidades oficiais internacionais no sentido de soluccedilotildees atraveacutes
do Estado e para aleacutem dele para os problemas que se apresentavam na
eacutepoca (MCCORMICK 1992)
Espalhados na sociedade civil organizada e com base na opiniatildeo puacute-
blica o movimento ambientalista foi se ampliando agrave medida que a ciecircncia
demonstrava o possiacutevel esgotamento das bases de preservaccedilatildeo do planeta
tanto fiacutesicas como bioloacutegicas e que a tecnologia impulsionava os meios de
comunicaccedilatildeo em massa de alcance global modificando no poacutes-guerra as
caracteriacutesticas da sociedade ocidental (CASTELLS 2006)
Nesse momento de luta pela preservaccedilatildeo ambiental surgiram as Orga-
nizaccedilotildees Natildeo governamentais (ONGs) que passaram a dar visibilidade a
causa ambiental nas discussotildees poliacuteticas internacionais ganhando de forma
gradual reconhecimento e prestiacutegio poliacutetico (MARONEZE et al 2013)
No Brasil o movimento ambientalista ganha contornos com a criaccedilatildeo
da Associaccedilatildeo Gauacutecha de Proteccedilatildeo ao Ambiente Natural (Agapan) fundada
em Porto Alegre pelo ativista Joseacute Lutzemberger em meados da deacutecada de
1970 com objetivos amplos de preservaccedilatildeo da natureza como forma de pre-
servaccedilatildeo da espeacutecie humana (COSTA 2012)
Tambeacutem a partir de 1970 as ONGs passaram a dar voz a causas ecoloacute-
gicas e a contribuir na conscientizaccedilatildeo da sociedade civil quanto a impor-
tacircncia da preservaccedilatildeo do meio ambiente mas ainda dependiam da visibili-
dade dos meios de comunicaccedilatildeo em massa para legitimar seus discursos so-
ciais (MARONEZE et al 2013 BARBALHO 2005)
Os movimentos sociais buscaram visibilidade por intermeacutedio da miacutedia
tradicional (raacutedio TV e jornal) da mesma forma que outros atores de causas
ambientais Entretanto depararam-se com fatores que dificultaram sua atua-
ccedilatildeo tais como ldquoaltos custos concessatildeo governamental verticalidade e cen-
tralizaccedilatildeo na transmissatildeo de informaccedilotildees dentre outrosrdquo (MARONEZE et al
2013 p 72)
O acesso crescente agraves miacutedias digitais possibilitou a ampliaccedilatildeo dessa vi-
sibilidade com uma raacutepida expansatildeo e uma maior atuaccedilatildeo dos movimentos
ambientais Eles ganharam espaccedilo no mundo virtual difundiram a luta por di-
reitos aumentaram o nuacutemero de apoiadores de suas causas e puderam atuar
nas causas ambientais que defendem (MARONEZE et al 2013)
Outras dificuldades entretanto emergiram para os ativistas ambientais
principalmente para aqueles que compunham as grandes ONGs ambientalis-
tas Dentre as principais estatildeo conflitos de ideias disputa entre as organiza-
ccedilotildees pelo protagonismo das iniciativas falta de adesatildeo significativa da soci-
edade a esses movimentos competiccedilatildeo entre elas por filiaccedilotildees e financia-
mento de fundaccedilotildeesempresas eou Estado esses financiamentos por sua vez
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
28
comprometem parte da autonomia dessas organizaccedilotildees e consequente-
mente promovem uma certa desmobilizaccedilatildeo falta de recursos para realizar
um monitoramento adequado de poliacuteticas puacuteblicas e distanciamento das ins-
tituiccedilotildees poliacuteticas em relaccedilatildeo aos interesses da populaccedilatildeo (BUENO 2016)
Para ilustrar a accedilatildeo desses movimentos seraacute apresentada de forma su-
cinta uma anaacutelise sobre a Campanha Desmatamento Zero protagonizada por
mais de 200 organizaccedilotildees da sociedade civil dentre elas o Greenpeace4 que
logrou ecircxito ao conseguir encaminhar ao Congresso Nacional o primeiro Pro-
jeto de Lei de iniciativa popular e de mateacuteria ambiental
Em agosto de 2011 com o projeto de modificaccedilatildeo da Lei 47711965 o
chamado Coacutedigo Florestal em pauta no Congresso Nacional iniciou-se uma
discussatildeo sobre o assunto por meio das redes sociais liderada pelo Comitecirc Bra-
sil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentaacutevel que contou
com uma coalizatildeo formada por mais de 200 organizaccedilotildees da sociedade civil
dentre elas o Greenpeace Essa foi a primeira accedilatildeo realizada para atrair a
atenccedilatildeo para o problema
Apesar disso o alinhamento entre as ONGs ambientalistas demorou a
ocorrer e em alguns momentos apresentou falhas que impediram um posici-
onamento unificado que fortaleceria o movimento (BUENO 2016)
Os envolvidos lanccedilaram uma campanha na rede social Twitter conhe-
cida como ldquoFloresta Faz a Diferenccedilardquo (florestafazadiferenccedila) que contou
com a participaccedilatildeo de celebridades e especialistas para explicar on-line por
meio de viacutedeos e fotos pontos polecircmicos do texto e alertar sobre os prejuiacutezos
que o projeto poderia trazer para o paiacutes tornando-se um dos assuntos mais
abordados nessa rede social em 2012
A campanha ganhou visibilidade mundial por meio das redes de com-
putadores e levantou discussotildees em torno da aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Flo-
restal brasileiro que dominaram as redes sociais mediante a criaccedilatildeo do movi-
mento lsquoVeta Dilmarsquo a fim de sensibilizar a entatildeo presidente da Repuacuteblica
para vetar o texto aprovado na Cacircmara dos Deputados Ao avanccedilar para o
senado o movimento passou a se denominar lsquoVeta tudo Dilmarsquo
A AVAAZ (2012)5 contribuiu por intermeacutedio da peticcedilatildeo on-line ldquoDilmarsquos
Wake up callrdquo Foi uma mobilizaccedilatildeo para que a ex-presidente Dilma Rousseff
4 O Greenpeace eacute uma organizaccedilatildeo natildeo governamental global e independente presente
em 55 paiacuteses de todos os continentes e que estaacute haacute 27 anos atuando no Brasil que possui
o apoio de mais de 48 milhotildees de seguidores distribuiacutedos nas redes sociais Facebook Twit-
ter e Instagram 13 milhotildees de ciberativistas aleacutem de 2990 voluntaacuterios atuantes na defesa
do meio ambiente e promoccedilatildeo da paz GREENPEACE BRASIL Relatoacuterio anual 2016 Dispo-
niacutevel em httpwwwgreenpeaceorgbrhubfsdocumentosrelatorio_anual_greenpe-
ace_2016pdf Acesso em 27 ago 2020
5 A AVAAZ eacute uma comunidade de mobilizaccedilatildeo on-line que leva a voz da sociedade civil
para os espaccedilos de tomada de decisatildeo em todo o mundo Opera em 15 liacutenguas por uma
equipe profissional em quatro continentes e voluntaacuterios de todo o planeta A AVAAZ se
mobiliza assinando peticcedilotildees financiando campanhas de anuacutencios enviando e-mails e te-
lefonando para governos organizando protestos e eventos nas ruas tudo isso para garantir
que os valores e visotildees da sociedade civil global informem as decisotildees governamentais
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
29
vetasse o Coacutedigo Florestal aprovado pelo congresso brasileiro que permitia
dentre outras coisas que madeireiros e fazendeiros cortassem grandes aacutereas
da Amazocircnia
Esta comunidade mobilizou o mundo todo por meio de peticcedilatildeo on-line
cujo objetivo era conseguir dois milhotildees e quinhentas mil assinaturas para se-
rem entregues a ex-presidente Dilma Rousseff como forma de pressatildeo popu-
lar Foram colhidas 1927738 (um milhatildeo novecentos e vinte sete mil e sete-
centos e trinta e oito) assinaturas encaminhadas a ex-presidente (AVAAZ
2012)
Apesar das peticcedilotildees on-line natildeo gerarem consequecircncias legais diretas
elas refletem a manifestaccedilatildeo popular em prol de uma causa pressionando
liacutederes e governantes mundiais a efetivarem as mudanccedilas almejadas
Em meio a esses movimentos o florestafazadiferenccedila conclamou as
pessoas agraves ruas para protestar contra a aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Florestal
Em meio agrave conflituosa votaccedilatildeo do Novo Coacutedigo Florestal Brasileiro o Green-
peace se utilizou do ciberespaccedilo para a divulgaccedilatildeo da campanha puacuteblica
Liga das Florestas6
A campanha consistiu no lanccedilamento de um projeto de lei popular pelo
desmatamento zero das matas ainda em 2012 propondo em linhas gerais a
proibiccedilatildeo do corte de floresta nativa em todo o Brasil Por meio dela mobili-
zou-se os internautas e seus seguidores para se conseguir as assinaturas neces-
saacuterias para a apresentaccedilatildeo do projeto de Lei pelo desmatamento zero
Mesmo com o apoio da internet somente em 2015 trecircs anos apoacutes o lan-
ccedilamento da campanha o Projeto de Lei de Iniciativa Popular pelo desmata-
mento zero recebeu as assinaturas de 1 do eleitorado brasileiro correspon-
dendo a 1milhatildeo e 400 mil assinaturas Assim pocircde ser apresentado na Cacirc-
mara dos Deputados sendo o primeiro Projeto de Lei de iniciativa popular e
de mateacuteria ambiental do paiacutes
A demora em conseguir as assinaturas sinaliza a falta de prioridade
dada pela sociedade brasileira aos temas ambientais Numa sociedade com
numerosos problemas sociais acarretados por uma crescente desigualdade
social os assuntos ambientais acabam se distanciando de suas prioridades
dificultando a sensibilizaccedilatildeo da opiniatildeo puacuteblica e consequentemente dos to-
madores de decisatildeo (BUENO 2016)
Em 2019 o MapBiomas7 publicou on-line o primeiro relatoacuterio anual deta-
lhado sobre o desmatamento no Brasil O relatoacuterio apontou perda de pelo
que afetam todos noacutes Disponiacutevel em httpssecureavaazorgpagepoabout Acesso
em 28 ago 2020
6 Disponiacutevel em httpwwwkanindeorgbrparticipe-da-campanha-do-greenpeace-liga-
das-florestas-desmatamento-zero Acesso em 28 ago2020
7 Eacute uma iniciativa do SEEGOC (Sistema de Estimativas de Emissotildees de Gases de Efeito Estufa
do Observatoacuterio do Clima) e eacute produzido por uma rede colaborativa de cocriadores for-
mado por ONGs universidades e empresas de tecnologia organizados por biomas e temas
transversais Disponiacutevel em httpsmapbiomasorg Acesso em 28 ago2020
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
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menos 12 milhatildeo de hectares de vegetaccedilatildeo nativa e ressaltou que 99 do
desmatamento no Brasil em 2019 foi ilegal sendo a Amazocircnia o Bioma com
mais aacuterea desmatada
O desmatamento na Amazocircnia voltou a crescer 34 no uacuteltimo ano de
acordo com dados de monitoramento por sateacutelite divulgados pelo Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)8 no comeccedilo de agosto de 2020
O aumento crescente do desmatamento no paiacutes se opotildee a uma seacuterie
de compromissos legais poliacuteticos e diplomaacuteticos assumidos pelo Brasil nos uacutelti-
mos anos Natildeo eacute objetivo deste artigo enumeraacute-los um a um mas a tiacutetulo de
exemplificaccedilatildeo cita-se aqui os compromissos assumidos pelo paiacutes na Conven-
ccedilatildeo Nacional do Clima das Naccedilotildees Unidas no Acordo de Paris ratificado em
2016 pelo Brasil cuja meta assumida foi a de zerar o desmatamento na Ama-
zocircnica ateacute 20309
Internamente o Plano Plurianual da Uniatildeo (PPA) aprovado pelo go-
verno federal em dezembro de 2019 tem como meta reduzir em 90 o des-
matamento e os incecircndios ilegais nos biomas do paiacutes ateacute 202310
Jaacute o Decreto 95782018 referente agrave Poliacutetica Nacional sobre Mudanccedila
do Clima (PNMC)11 determina uma reduccedilatildeo de 80 nos iacutendices anuais de
desmatamento somente na Amazocircnia legal em relaccedilatildeo agrave meacutedia verificada
no periacuteodo 1996-2005 fora os outros biomas
Apesar dos compromissos assumidos o grande aumento no nuacutemero de
desmatamentos sinaliza uma ineficiecircncia do Estado em honraacute-los O Projeto
de Lei de Iniciativa Popular pelo desmatamento zero ainda natildeo foi aprovado
Atualmente tramita como Sugestatildeo Legislativa (SUG) 62015 precisando ser
acatada pela Comissatildeo de Direitos Humanos e Legislaccedilatildeo Participativa (CDH)
para comeccedilar a tramitar como Projeto de Lei no Senado Desde fevereiro de
2019 o projeto se encontra com o relator Senador Paulo Renato Paim (PTRS)12
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As conexotildees expandidas entre diversos atores na internet transforma-
ram-na em um espaccedilo feacutertil para accedilotildees ciberativistas Os movimentos socio-
ambientais se adaptaram agraves raacutepidas mudanccedilas tecnoloacutegicas e passaram a
utilizaacute-las como aliadas na divulgaccedilatildeo de causas cada vez mais plurais
8 Disponiacutevel em httpwwwinpebr Acesso em 28 ago2020
9 Compromisso assumido pela ex-presidente Dilma Rousseff em seu discurso durante cerimocirc-
nia de assinatura do Acordo de Paris em Nova York Disponiacutevel em https
wwwmmagovbrimagesarquivosclimaconvencaoindcDiscurso_Dilma_Assinatura_
AcordoParispdf Acesso em 28 ago2020
10 Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2019-20222019leiAnexos
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11 Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2015-20182018Decreto
D9578htm Acesso em 29 ago 2020
12 SENADO FEDERAL Disponiacutevel em httpswww25senadolegbrwebatividadematerias-
materia123677 Acesso em 28 ago 2020
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
31
O movimento ambiental vem conseguindo atraveacutes da web e das redes
sociais dar voz e visibilidade agraves suas causas e agrave defesa do meio ambiente Para
tanto se utilizam de ferramentas diversificadas para informar mobilizar politizar
e unir diferentes atores em accedilotildees voltadas para a preservaccedilatildeo do planeta
seja a niacutevel local ou global
A partir dos teoacutericos trazidos para dialogar sobre o assunto e da anaacutelise
feita sobre a campanha do desmatamento infere-se que apesar das dificul-
dades e grandes desafios cada vez mais esses movimentos apresentam-se
organizados dominam as ferramentas disponiacuteveis na internet e as utilizam
para ganhar visibilidade e disseminar informaccedilotildees em busca de soluccedilotildees con-
cretas
Dessa forma contribuem positivamente para a proteccedilatildeo ambiental
atraveacutes da fiscalizaccedilatildeo das accedilotildees do Estado buscando garantir os diretos am-
bientais previstos na legislaccedilatildeo brasileira e nos acordos internacionais ratifica-
dos pelo paiacutes
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33
AS CONTRATACcedilOtildeES PUacuteBLICAS DIRETAS
E OS IMPACTOS Agrave
ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA
SARS-CoV-2 e as consequentes
inovaccedilotildees legislativas federais no
ordenamento juriacutedico brasileiro nas linhas
do pensamento complexo
Doacuteris Evany Abreu Carvalho1
Iasna Chaves Viana2
Rebeca Gadelha Ferreira3
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 21 Pandemia de inovaccedilotildees legislativas fede-
rais no ordenamento juriacutedico paacutetrio e o pensamento complexo
22 Das contrataccedilotildees diretas em momento de pandemia covid-19
ldquocheque em brancordquo ou nova perspectiva para atuaccedilatildeo da admi-
nistraccedilatildeo puacuteblica 23 Dos impactos ao eraacuterio em razatildeo das medidas
desburocratizadoras em tempos de pandemia Consideraccedilotildees fi-
nais Referecircncias
INTRODUCcedilAtildeO
Desde o final de fevereiro do ano de 2020 quando foi registrado e di-
vulgado o primeiro caso oficial no Paiacutes o Brasil assim como o resto do mundo
tem sido assolado pela pandemia de SARS-CoV-2 (ou COVID-19) o que cul-
minou em profundas mudanccedilas e inovaccedilotildees destacadamente em seu acircm-
bito legislativo
1 Graduada em Direito pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Poacutes-graduada em
Processo Civil pela Universidade Anhanguera-LFG Assessora Juriacutedica da Secretaria de Pla-
nejamento e Gestatildeo das Financcedilas de Crateuacutes atualmente cedida para o Governo do Es-
tado do Cearaacute para atuar na Assessoria Juriacutedica da Superintendecircncia de Obras Puacuteblicas
(SOPCE) E-mail dorisabreucaravalhogmailcom
2 Mestre em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Especialista em Direito
Tributaacuterio pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributaacuterios (IBETSP) Vice-liacuteder do Grupo de Pes-
quisa Ecomplex Direito Complexidade e Meio Ambiente da UNI7CE e Membro do Grupo
de Pesquisa em Tributaccedilatildeo Ambiental (UFCCE) ambos cadastrados no CNPQ Professora
e Advogada E-mail iasnavianayahoocombr
3 Mestre em Direito pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Graduanda em Pedago-
gia pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Teacutecnica Ministerial do MPCE
E-mail bekagadelhinhahotmailcom
2
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
34
Isto a fim de ampliar as possibilidades de a Administraccedilatildeo Puacuteblica en-
frentar o atual problema atendendo a exigecircncia de observacircncia ao princiacutepio
da legalidade estrita e da forma mais efetiva e eficiente possiacutevel durante tal
periacuteodo reconhecido como de absoluta excepcionalidade em acircmbito inter-
nacional pela Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) e no Brasil por meio
do Decreto Legislativo nordm 6 de 20 de marccedilo de 2020
Deve-se asseverar a distinccedilatildeo entre emergecircncia de sauacutede puacuteblica de
importacircncia internacional e estado de calamidade Aquela foi estabelecida
pela Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) a partir de 30 de janeiro de 2020
Enquanto o estado de calamidade puacuteblica foi estabelecido pelo Decreto Le-
gislativo nordm 62020 de 20 de marccedilo de 2020 fixando um prazo ateacute 31 de de-
zembro de 2020
Dentre as inovaccedilotildees de caraacuteter temporaacuterio vislumbra-se a Emenda
Constitucional nordm 1062020 bem como a Lei nordm 139792020 alterada pela Lei
nordm 14035 e a Medida Provisoacuteria nordm 9612020
Destaca-se desde jaacute uma distinccedilatildeo entre a Lei nordm 13979 e a MP nordm 961
quanto agrave aplicaccedilatildeo de paracircmetro para a vigecircncia dos institutos agravequela utiliza
o criteacuterio estabelecido internacionalmente ou seja emergecircncia de sauacutede puacute-
blica de importacircncia internacional4 esta por sua vez vale-se do Decreto Le-
gislativo nordm62020 ndash estado de calamidade puacuteblica
Apesar dessas medidas imbuiacuterem os atos dos gestores puacuteblicos de lega-
lidade estrita possibilitaraacute na mesma toada em razatildeo da tecircnue margem e
do contexto social proveniente da pandemia do COVID-19 em uma possiacutevel
violaccedilatildeo da probidade administrativa
Eis que nesse contexto de urgecircncia e de resposta efetiva da Adminis-
traccedilatildeo Puacuteblica para salvaguardar o direito fundamental agrave sauacutede surgem as
contrataccedilotildees diretas essenciais mas igualmente temeraacuterias uma vez que haacute
margem para que estas sejam firmadas com empresas que em outro con-
texto seriam inabilitadas de plano
Outrossim teraacute a Administraccedilatildeo Puacuteblica a possiblidade de realizar o pa-
gamento antecipado de licitaccedilotildees e dos contratos independentemente de
serem realizados com o fito de combater a pandemia ou natildeo
No entanto teraacute a Administraccedilatildeo Puacuteblica que cotejar a diminuta arre-
cadaccedilatildeo de receita com o aumento consideraacutevel natildeo apenas de despesa
de custeio mas de capital uma vez que diversas obras estatildeo sendo realiza-
das aleacutem da contrataccedilatildeo de serviccedilos e de compras
Durante o exerciacutecio financeiro da calamidade puacuteblica a determinaccedilatildeo
constitucional estabelecida no art 167 III ndash denominada pelos ensinos juriacutedicos
como ldquoRegra de Ourordquo ndash natildeo precisaraacute de observacircncia nos termos estabele-
4 Crucial destacar que o Ministro de Estado da Sauacutede poderaacute antecipar o teacutermino dessa
situaccedilatildeo emergencial mas natildeo poderaacute ampliar o prazo para aleacutem do que fora estipulado
pela OMS
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
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cidos pelo art 4ordm da Emenda Constitucional nordm 1062020 Contudo quais se-
ratildeo as consequecircncias dessa determinaccedilatildeo nas contas puacuteblicas principal-
mente se levarmos agrave lume a possibilidade de pagamento antecipado de lici-
taccedilotildees e dos contratos neste periacuteodo (art 2ordm caput da Medida Provisoacuteria nordm
9612020)
Logo sob uma anaacutelise criacutetica mas natildeo apartada da realidade a qual a
Administraccedilatildeo Puacuteblica encontra-se em sua atuaccedilatildeo e do preceito de que
deve resguardar a populaccedilatildeo em razatildeo do contrato social firmado haacute muito
sob pena de responsabilidade civil do Estado visa-se enfrentar sob o enfoque
do pensamento complexo as determinaccedilotildees exaradas nas legislaccedilotildees supra-
mencionadas que versam sobre as contrataccedilotildees diretas de obras serviccedilos e
compras bem como os pagamentos antecipados e os impactos para a Ad-
ministraccedilatildeo Puacuteblica principalmente no que tange agrave legalidade temeraacuteria de
contrataccedilatildeo com empresas que seriam rechaccediladas de plano em um con-
texto de normalidade aleacutem das implicaccedilotildees ao Eraacuterio uma vez que os efeitos
das medidas adotadas durante o periacuteodo de calamidade puacuteblica perpassaraacute
esse lapso temporal
Assim a pesquisa tem como pergunta de partida como e em que me-
dida as legislaccedilotildees supramencionadas que versam sobre as contrataccedilotildees di-
retas de obras serviccedilos e compras bem como os pagamentos antecipados e
os impactos para a Administraccedilatildeo Puacuteblica podem ser analisados pelo viacutees do
pensamento complexo e iratildeo impactar agrave legalidade de contrataccedilatildeo com
empresas que seriam rechaccediladas de plano em um contexto de normalidade
e quais as implicaccedilotildees disto ao Eraacuterio uma vez que os efeitos das medidas
adotadas durante o periacuteodo de calamidade puacuteblica perpassaraacute esse lapso
temporal
Percebe-se portanto que tendo em vista a notoriedade do assunto di-
ante do contexto social existente a presente pesquisa vai aleacutem do acircmbito de
discussatildeo acadecircmica tendo implicaccedilotildees praacuteticas tanto para a Administra-
ccedilatildeo Puacuteblica como para a sociedade brasileira uma vez que poderaacute resultar
em contrataccedilotildees que traratildeo consequecircncias negativas tanto sob a oacuteptica da
inefetividade da execuccedilatildeo do serviccedilo quanto ao impacto econocircmico ao
eraacuterio principalmente de curto e meacutedio prazo pois natildeo se trata apenas de
contratar e de fazer ou tampouco de pagar antecipado mas que as con-
tratadas cumpram as obrigaccedilotildees assumidas e a Administraccedilatildeo a posteriori
mantenha o patrimocircnio que estaacute sendo formado
Seraacute realizada a anaacutelise bibliograacutefica de obras nacionais e estrangeiras
acerca de conceitos que envolvem o tema focando em suas repercussotildees
juriacutedicas por meio da leitura de livros revistas artigos e publicaccedilotildees perioacutedicas
atinentes ao campo do Direito sobretudo no que tange ao pensamento com-
plexo as contrataccedilotildees diretas no contexto da pandemia SARS-CoV-2 e finan-
ccedilas puacuteblicas
Para tanto a presente pesquisa seraacute estruturada em trecircs toacutepicos
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
36
O primeiro toacutepico trataraacute das inovaccedilotildees legislativas federais no ordena-
mento juriacutedico paacutetrio e sua relaccedilatildeo com o pensamento complexo ressal-
tando-se em especial que a funccedilatildeo legiferante deve ter uma percepccedilatildeo do
todo para o fim de melhor desenvolver seus dispositivos de tal forma que as
medidas empreendidas no que tange agraves contrataccedilotildees diretas ainda que vi-
sem resguardar a atuaccedilatildeo dos gestores puacuteblicos embutindo-a de legalidade
em tempos de emergecircncia nacional decorrente da pandemia causada pelo
COVID-19 natildeo culminem em efeitos deleteacuterios agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica
No segundo toacutepico discutir-se-aacute sobre as contrataccedilotildees diretas propria-
mente ditas fazendo-se um paralelo entre a Lei nordm 139792020 e a Medida
Provisoacuteria nordm 9612020 cotejando igualmente esses diplomas com a Lei nordm
866693 Destacando-se que natildeo se justifica rechaccedilar totalmente a Lei de Li-
citaccedilotildees e Contratos para atender a demandas que podem seguir o rito
desta principalmente para serviccedilos de engenharia ndash Medida Provisoacuteria nordm
9612020ndash uma vez que a Lei nordm 139792020 versa sobre a possibilidade de
dispensa de licitaccedilatildeo sem estabelecer qualquer limite de valor fixando ape-
nas como limite a necessidade de ter que atender a demanda de enfrenta-
mento agrave pandemia
Enquanto isso a instituiccedilatildeo da Medida Provisoacuteria em comento transpa-
rece diferente do que dispotildee a Lei nordm 139792020 quanto agrave questatildeo da dis-
pensa de licitaccedilatildeo um ldquocheque em brancordquo para os gestores puacuteblicos pois
permite desnecessariamente uma ldquoadequaccedilatildeordquo de valores para dispensa
licitatoacuteria de obras e serviccedilos de engenharia o que traz a preocupaccedilatildeo
acerca dos efeitos que a antecipaccedilatildeo dos pagamentos possa causar agrave Ad-
ministraccedilatildeo Puacuteblica em sentido amplo ponto que atrai a discussatildeo acerca da
complexidade e os efeitos decorrente da atuaccedilatildeo humana sob a gestatildeo puacute-
blica
No terceiro e uacuteltimo toacutepico o ponto nodal da discussatildeo seraacute centrado
nos impactos ao eraacuterio em razatildeo das medidas ldquodesburacratizadorasrdquo em tem-
pos de pandemia Destaca-se neste ponto a Regra de Ouro e sua finalidade
no intuito de evitar o descontrole dos gastos puacuteblicos garantindo por conse-
quecircncia as geraccedilotildees futuras um controle orccedilamentaacuterio
Feitas essas consideraccedilotildees passa-se a exposiccedilatildeo da presente pesquisa
21 PANDEMIA DE INOVACcedilOtildeES LEGISLATIVAS FEDERAIS NO
ORDENAMENTO JURIacuteDICO PAacuteTRIO E O PENSAMENTO
COMPLEXO
Durante o Seacuteculo XVIII na Franccedila houve a instituiccedilatildeo de uma nova or-
dem e com ela o surgimento do Estado de Direito tendo o princiacutepio da lega-
lidade como mote norteador para a atuaccedilatildeo estatal uma vez que esta ape-
nas desenvolve-se com a devida observacircncia estabelecida por um sistema
de normas
Para a majoritaacuteria doutrina brasileira a Administraccedilatildeo Puacuteblica atuaraacute
conforme leciona Celso Antocircnio Bandeira de Mello em ldquoconformidade agrave lei
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
37
e sucessivamente agraves subsequentes normas que com base nela a Adminis-
traccedilatildeo expeccedila para regular mais estritamente sua proacutepria discriccedilatildeordquo (MELLO
2015 p 32) Tal raciociacutenio doutrinaacuterio encontra amparo Constitucional pois
dentre os vaacuterios princiacutepios que regem a Administraccedilatildeo Puacuteblica encontra-se o
em comento (art 37 caput)
Embora a moderna interpretaccedilatildeo constitucional abra margem como
bem salienta Gustavo Binembojm5 a uma atuaccedilatildeo natildeo mais restringida pela
legalidade estrita essa forma de atuar mesmo nessas circunstacircncias fica vin-
culada a existecircncia de pelo menos um regramento constitucional sobre o
caso ou uma ponderaccedilatildeo desse princiacutepio com outros estabelecidos constitu-
cionalmente sob pena de se incorrer em verdadeiro solipsismo da atuaccedilatildeo
puacuteblica o que iria de total encontro ao Estado Democraacutetico de Direito esta-
belecido pelo art 1ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
No entanto natildeo se deve confundir a necessidade de observacircncia de
preceitos normativos para a atuaccedilatildeo estatal brasileira com a necessidade de
regramentos excessivos O que se requer natildeo eacute quantidade e sim qualidade
Mas natildeo eacute o que ocorre A cada situaccedilatildeo de excepcionalidade vivenciada
no paiacutes acha-se a Administraccedilatildeo Puacuteblica de ldquomatildeos atadasrdquo para atuar seja
por conta de uma suposta falta normativa ou por excesso de formalismo da
existente culminando nessa perspectiva em uma enxurrada de novos regra-
mentos que causam confusatildeo na atuaccedilatildeo praacutetica dos gestores dos Procura-
dores consultivos e possibilitando implicaccedilotildees de ordem de improbidade ad-
ministrativa apuradas em um futuro controle dos Tribunais de Contas
Quando o assunto eacute a realizaccedilatildeo de obras contrataccedilatildeo de serviccedilos e
aquisiccedilatildeo de materiais a Lei de Licitaccedilotildees e Contratos com a Administraccedilatildeo
Puacuteblica ndash Lei nordm 86661993 ndash encontra-se em um limbo normativo que deteacutem
consideraacutevel rigor procedimental impossibilitando a atuaccedilatildeo mais ceacutelere e
efetiva daquela
Diante desse contexto nas Olimpiacuteadas e na Copa do Mundo fora cri-
ado o Regime Diferenciado de Contrataccedilotildees (RDC) visando um sistema mais
simplificado do que a Lei nordm 86661993 Mas que teve seu rol ampliado esta-
belecendo possibilidade de incidecircncia da lei para outras hipoacuteteses dentre
elas obras e serviccedilos de engenharia no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede
(SUS)
5 ldquoA ideia de juridicidade administrativa elaborado a partir da interpretaccedilatildeo dos princiacutepios
e regras constitucionais passa destarte a englobar o campo da legalidade administra-
tiva com um dos seus princiacutepios internos mas natildeo mais altaneiro e soberano como outrora
Isso significa que a atividade administrativa continua a realiza-se via de regra (i) segundo
a lei quando esta for constitucional (atividade secundum legem) (ii) mas pode encontrar
fundamento direto na Constituiccedilatildeo independente ou para aleacutem da lei (atividade praeter
legem) ou eventualmente (iii) legitimar-se perante o direito ainda que contra a lei poreacutem
com fulcro numa ponderaccedilatildeo de legalidade com outros princiacutepios constitucionais (ativi-
dade contra legem mas com fundamento numa otimizada aplicaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo)rdquo
(BINENBOJM 2008 p 37-38)
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
38
Haacute agora a excepcionalidade decorrente da pandemia do SARS-CoV-
2 (COVID-19) Com ela fora instituiacuteda uma alteraccedilatildeo Constitucional de vigecircn-
cia temporaacuteria versando dentre outros pontos sobre o procedimento simpli-
ficado de contrataccedilotildees (EC nordm 1062020 art 2ordm) para obras serviccedilos e com-
pras Vale ressaltar que essa exceccedilatildeo constitucional agraves regras licitatoacuterias por
meio desse mecanismo simplificado de contrataccedilatildeo natildeo afasta a competi-
ccedilatildeo e igualdade de condiccedilotildees a todos os concorrentes quando possiacutevel
Mas o procedimento em comento apenas deve ser aplicado para enfren-
tamento do contexto de calamidade puacuteblica outrossim seus efeitos sociais e
econocircmicos no seu periacuteodo de duraccedilatildeo
Nessa toada fora instituiacuteda a Lei nordm 139792020 com redaccedilatildeo alterada
pela Lei nordm 140352020 versando dentre outros assuntos sobre dispensa de
licitaccedilatildeo para aquisiccedilatildeo ou contrataccedilatildeo de bens serviccedilos inclusive de enge-
nharia e insumos para enfrentar diretamente o estado de calamidade puacute-
blica (art 4ordm) que vigoraraacute enquanto perdurar o estado de emergecircncia inter-
nacional culminado pela pandemia
No entanto o art 24 IV da Lei nordm 86661993 jaacute dispunha sobre uma
hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo que alberga a emergecircncia ou calamidade
puacuteblica vivenciada viabilizando a contrataccedilatildeo direta pela Administraccedilatildeo Puacute-
blica
Mas ainda existem algumas formalidades legais a serem observadas
em uma contrataccedilatildeo direta nos termos da Lei nordm 866693 menos riacutegidas frise-
se do que aquelas estabelecidas para um processo licitatoacuterio mas igual-
mente burocraacuteticas conforme estabelecido no art 26 desse diploma legal
Aleacutem dos entendimentos doutrinaacuterios e jurisprudenciais sobre essa hipoacutetese de
contrataccedilotildees emergenciais tiacutepicas
Segue dispondo ainda a Lei nordm139792020 que a contrataccedilatildeo direta
aleacutem de ser temporaacuteria (art 4ordm) haacute uma presunccedilatildeo legal (art 4ordm-B) de atendi-
mento das condiccedilotildees para dispensa de licitaccedilatildeo Cabendo inclusive excep-
cionalmente a possibilidade de contrataccedilatildeo com a uacutenica fornecedora de
bens ou prestadora de serviccedilo ainda que estas detenham sanccedilotildees de impe-
dimento ou de suspensatildeo de contratar com o Poder Puacuteblico (sect3ordm art 4ordm) Este
caso de contrataccedilatildeo direta ndash denominada atecnicamente pela lei em co-
mento de dispensa de licitaccedilatildeo ndash pode resultar em danos consideraacuteveis para
a Administraccedilatildeo Puacuteblica
A inexecuccedilatildeo contratual seja ela parcial ou integral culminaraacute dentre
outras sanccedilotildees em suspensatildeo temporaacuteria de participaccedilatildeo em licitaccedilatildeo e im-
pedimento de contratar com a Administraccedilatildeo ndash inteligecircncia da Lei nordm
866693 art87 III
Apesar da cizacircnia de entendimento quanto ao alcance dos efeitos da
suspensatildeo temporaacuteria entre o Superior Tribunal de Justiccedila (STJ) e o Tribunal de
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
39
Contas da Uniatildeo (TCU)6 vislumbra-se uma questatildeo muito maior e com impli-
caccedilotildees negativas para a eficiecircncia e eficaacutecia que se espera principalmente
para atender ao caos resultante da pandemia COVID-19 uma vez que tal
penalidade fora aplicada em razatildeo da inexecuccedilatildeo contratual parcial ou in-
tegral em um periacuteodo de ldquonormalidaderdquo
Constitui-se assim uma rede de efeitos e consequecircncias imprevisiacuteveis
dado fugir a legalidade que lhe eacute devida por lei A complexidade se insere
justamente no ponto obscuro em que natildeo se prevecirc os danos da natildeo obser-
vacircncia de um preceito fundamental agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica e dela se sol-
tando uma rede de efeitos a teia da aranha que pode ateacute dada a interpre-
taccedilatildeo sobrepujar direito fundamental previsto na Constituiccedilatildeo Federal
Como bem introduz Morin ldquoas ameaccedilas mais graves em que incorre a
humanidade estatildeo ligadas ao progresso cego e incontrolado do conheci-
mento (armas termonucleares manipulaccedilotildees de todo tipo desregramento
ecoloacutegico etc)rdquo (MORIN 2015 p 9) e na mesma linha de pensamento apre-
senta o paradigma da simplificaccedilatildeo segundo o qual uma hiperespecializa-
ccedilatildeo despedaccedilaria e fragmentaria o tecido complexo das realidades frag-
mentando-as e aleacutem disso fazendo crer que essas realidades fragmentadas
satildeo o real7 Eacute dizer ldquo[] antes de mais nada tomar consciecircncia da natureza e
das consequecircncias dos paradigmas que mutilam o conhecimento e desfigu-
ram o realrdquo (MORIN 2015 p 11)
Outra inovaccedilatildeo legislativa na seara das licitaccedilotildees puacuteblicas e dos con-
tratos encontra-se firmada na Medida Provisoacuteria nordm9612020 na qual fora es-
tabelecida uma adequaccedilatildeo nos limites de dispensa das licitaccedilotildees durante
esse periacuteodo pandemia aleacutem da ampliaccedilatildeo do uso do RDC ndash inteligecircncia do
art 2ordm caput e art 1ordm III
Versa a Exposiccedilatildeo de Motivos nordm 001442020 ME que mesmo natildeo se
aplicando apenas a contrataccedilotildees vinculadas a pandemia ndash o que difere da
Lei nordm139792020 ndash foi editada em razatildeo desta in verbis
2 A proposta visa estabelecer medidas voltadas para garantir a aqui-
siccedilatildeo de bens serviccedilos e insumos durante o estado de calamidade
puacuteblica reconhecido pelo Decreto Legislativo nordm 6 de 20 de marccedilo
de 2020 ou seja ateacute 31 de dezembro visando atender a situaccedilotildees
6 O Tribunal de Contas da Uniatildeo nos acoacuterdatildeos 2662019-P e 29622015-P exara o posiciona-
mento de que a penalidade aplicada no art 87 III da Lei nordm 866693 eacute destinada apenas
para a entidade contratante Enquanto o Superior Tribunal de Justiccedila AIRESP
201301345226 consolida o entendimento de que se trata de uma limitaccedilatildeo agrave Administra-
ccedilatildeo Puacuteblica como um todo
7 ldquoA uacutenica maneira de remediar essa disjunccedilatildeo foi uma outra simplificaccedilatildeo a reduccedilatildeo do
complexo ao simples (reduccedilatildeo do bioloacutegico ao fiacutesico do humano ao bioloacutegico) Uma hi-
perespecializaccedilatildeo devia aleacutem disso despedaccedilar e fragmentar o tecido complexo das
realidades e fazer crer que o corte arbitraacuterio operado no real era o proacuteprio real Ao mesmo
tempo o ideal do conhecimento cientiacutefico claacutessico era descobrir atraacutes da complexidade
aparente dos fenocircmenos uma Ordem perfeita legiferando uma maacutequina perpeacutetua (o cos-
mos) ela proacutepria feita de microelementos (os aacutetomos) reunidos de diferentes modos em
objetos e sistemasrdquo (MORIN 2015 p 12)
ldquo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
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regulares em que o gestor puacuteblico necessita se valer de regras dife-
renciadas para garantir a disponibilidade de bens ou serviccedilos indis-
pensaacuteveis ao atendimento do interesse puacuteblico o que demonstra sua
relevacircncia Inclusive seraacute exitoso para o enfrentamento da atual situ-
accedilatildeo de emergecircncia de sauacutede puacuteblica de importacircncia internacional
decorrente do coronaviacuterus (COVID-19) de que trata a Lei nordm 13979
de 2020 conforme seraacute demonstrado 3 Um dos grandes impactos
positivos da medida e de urgecircncia premente eacute evitar a paralisaccedilatildeo
das obras puacuteblicas no Paiacutes tendo em vista a quarentena vivenciada
para o enfrentamento da pandemia em que parte dos servidores e
colaboradores estaacute em trabalho remoto e portanto natildeo pode reali-
zar as licitaccedilotildees presenciais o que pode comprometer a efetiva en-
trega de poliacuteticas puacuteblicas agrave populaccedilatildeo - que nesse momento ne-
cessita da celeridade estatal para por exemplo construccedilotildees emer-
genciais de centros hospitalares (BRASIL EM nordm 001442020 ME on
line)
Neste diapasatildeo vislumbra-se inclusive a existecircncia de uma inconstitu-
cionalidade material da Medida Provisoacuteria nordm 9612020 uma vez que o art 2ordm
da Emenda Constitucional nordm 1062020 eacute claro em dispor que ldquo[] com o pro-
poacutesito exclusivo de enfrentamento do contexto da calamidade e de seus efei-
tos sociais e econocircmicos no seu periacuteodo de duraccedilatildeordquo (BRASIL EC nordm 1062020
on line)
Denota-se portanto uma falha haacute muito constatada ndash PL nordm 129295ndash
mas natildeo imposta efetivamente agrave lume apesar da relevacircncia dos questiona-
mentos e das implicaccedilotildees praacuteticas para a criaccedilatildeo da nova lei de licitaccedilotildees
Inovar legislativamente como uma medida de sanar ldquoviacutecios burocraacuteti-
cosrdquo da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos a fim de albergar a atuaccedilatildeo da Admi-
nistraccedilatildeo Puacuteblica em um momento de crise natildeo nos parece uma medida
acertada pois natildeo possibilita que o projeto seja bem elaborado e discutido
de maneira contumaz observando assim todos os seus efeitos de curto meacutedio
e longo prazo Mas igualmente esperar por anos para que seja finalizada a
PL nordm 129295 igualmente denota-se temeraacuterio
Por mais que se esteja em um momento iacutempar ndash seja em razatildeo da gra-
vidade e das proporccedilotildees incalculaacuteveis dessa pandemia ndash e que os instrumen-
tos venham a ser criados e aplicados a fim de salvaguardar a sauacutede puacuteblica
e por conseguinte a preservaccedilatildeo da vida natildeo se pode olvidar que conso-
ante os ensinamentos de Morin (2015 p 35) a complexidade8 sempre teria
8 Folloni (2016 p 38) afirma nessa linha que ldquo[] A dificuldade reside em ter que enfrentar
ao mesmo tempo um grande nuacutemero de fatores que se inter-relacionam em um todo or-
gacircnico Um todo organizado formado por um grande nuacutemero de fatores inter-relacionados
seria uma definiccedilatildeo embrionaacuteria de complexidade [] As teorias da complexidade explo-
ram o meio-termo no qual haacute agentes demais para serem examinados unitariamente in-
viabilizando o estudo de todas as accedilotildees e reaccedilotildees potenciais (possiacutevel nos modelos de
interaccedilatildeo bilateral) mas a qualidade dos agentes eacute importante demais para que sejam
todos tratados de forma homogecircnea pela pesquisa do comportamento meacutedio (possiacutevel
nos modelos de interaccedilatildeo entre agentes infinitos)rdquo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
41
uma relaccedilatildeo com o acaso a imprecisatildeo coincidindo com uma parte da in-
certeza mas a ela natildeo se reduzindo dependendo da lente pela qual se vecirc9
Sua scienza nuova preocupava-se com as incalculaacuteveis consequecircncias
afirmando nessa linha que o ldquo[] objeto natildeo deve ser adequado somente agrave
ciecircncia a ciecircncia deve tambeacutem ser adequada ao seu objetordquo (MORIN 2015
p 53)
Ter o todo em mente o que se caracteriza por uma visatildeo holiacutestica e
ecoloacutegica do todo uma visatildeo sistecircmica nos termos de Capra e Mattei (2018)
pois como afirma Morin (2015 p 58) ldquo[] natildeo eacute simplesmente a sociedade
que eacute complexa mas cada aacutetomo do mundo humanordquo em especial o ob-
jeto da presente pesquisa Justamente por trazer a incerteza e a necessidade
dialoacutegica dos saberes na constituiccedilatildeo de uma lei em tempos de emergecircncia
nacional
Como ensina Belchior (2019 p 57) a parte estaacute no todo assim como o
todo estaacute na parte sendo estes interdependentes em sua funcionalidade um
complementando o outro natildeo sendo possiacutevel sua dissociaccedilatildeo Veja-se
A parte estaacute no todo assim como o todo se encontra na parte ha-
vendo uma interdependecircncia de funcionalidade pois um locupleta
o outro natildeo haacute como dissociaacute-los Eacute esse o enunciado do princiacutepio
hologramaacutetico cujo conteuacutedo eacute de uma riqueza enorme Reco-
nhece assim a impossibilidade de isolar unidades simples na base do
universo fiacutesico conforme entendimento de Pascal
Nesse sentido a funccedilatildeo legiferante deve ter uma percepccedilatildeo do todo
e para tanto o tempo mostra-se essencial para o desenvolvimento dos seus
dispositivos Medidas desesperadas em tempos igualmente desesperados po-
dem delas advir consequecircncias incalculaacuteveis e muitas vezes de difiacutecil ou sem
recuperaccedilatildeo principalmente quando se tem a Administraccedilatildeo Puacuteblica no
cerne da querela o que leva ao legislador (dever) ter maior preocupaccedilatildeo por
se tratar a priori de bens e serviccedilos puacuteblicos Com efeito o pensamento com-
plexo segundo Belchior (2019 p 65) torna-se ldquo[] um caminho para fortale-
cer a democracia motivo pelo qual a gestatildeo puacuteblica tambeacutem precisa ser re-
formada []rdquo
9 Belchior (2019 p 57) citando Morin afirma que ldquo[] O todo tem qualidades ou proprieda-
des que natildeo satildeo encontradas nas partes se estas estiverem isoladas uma das outras e
certas qualidades ou propriedades das partes podem ser inibidas pelas restriccedilotildees proveni-
entes do todordquo (MORIN 2003 apud BELCHIOR 2019 p 55) Nessa linha a autora aponta a
questatildeo da articulaccedilatildeo das dualidades (no caso a certeza e a incerteza) afirmando ser
a uacuteltima uma presenccedila acoplada a vida Esse eacute o ponto que daacute vida ao princiacutepio sistecircmico
ou organizacional Finaliza destacando que ldquoA complexidade surge com dificuldade in-
certeza e natildeo como clareza e resposta Como se vecirc satildeo muitas trocas simbioses e cone-
xotildees desenvolvidas Aos poucos o que era distante passa a se aproximar religam-se sa-
beres partilham-se vivecircncias constitui-se a complexidaderdquo
ldquo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
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A contribuiccedilatildeo da teoria do Complexus na questatildeo em comento se
apresenta como uma alternativa para o enfrentamento das policrises nacio-
nais porque pensar de maneira linear faz com que os governos permaneccedilam
cegos diante de temas que satildeo verdadeiramente inter-relacionados
22 DAS CONTRATACcedilOtildeES DIRETAS EM MOMENTO DE PANDEMIA
COVID-19 ldquoCHEQUE EM BRANCOrdquo OU NOVA PERSPECTIVA
PARA ATUACcedilAtildeO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA
As contrataccedilotildees diretas foram nos uacuteltimos anos um gargalo de proble-
mas para a Administraccedilatildeo Puacuteblica brasileira em razatildeo de sua utilizaccedilatildeo de
maneira descomedida e por vezes desvirtuadas mesmo que imbuiacutedos os
atos de legalidade (arts 24 e 25 da Lei nordm 866693) e sendo aplicadas em
tempos de ldquonormalidaderdquo
Portanto houve muita jurisprudecircncia firmada tanto em tribunais jurisdi-
cionais quanto em tribunais de controle externo visando fixar alguns paracircme-
tros para a operacionalizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo dos gestores puacuteblicos
Eis que surge o contexto da pandemia COVID-19 e com ela a institui-
ccedilatildeo de um microssistema normativo juriacutedico de ldquoenfrentamentordquo ao caos pan-
decircmico principalmente voltado aos atos administrativos
Logo possibilitou-se aos gestores puacuteblicos aplicar a dispensa de licita-
ccedilatildeo em razatildeo do amparo constitucional temporaacuterio exarado pela EC nordm
1062020 para o processo simplificado de aquisiccedilatildeo ou de contrataccedilatildeo de
bens serviccedilos inclusive de engenharia e insumos Mas conforme jaacute fora ex-
planado a contrataccedilatildeo direta pode ser utilizada tanto para enfrentamento
da pandemia COVID-19 ou em razatildeo desse periacuteodo atiacutepico para toda a po-
pulaccedilatildeo
Contudo apenas criar sistemas juriacutedicos para salvaguardar a atuaccedilatildeo
dos gestores puacuteblicos sem observar uma atualizaccedilatildeo na operacionalizaccedilatildeo
intensifica uma advertecircncia haacute muito despontada pelos ensinos juriacutedicos que
consiste na celeuma entre reforma na administraccedilatildeo com reforma poliacutetica
Veja-se
Muitas tentativas de reforma falham porque a reforma na administra-
ccedilatildeo pode ser confundida com uma alteraccedilatildeo de poliacutetica Geral-
mente se conclui que a mudanccedila nas regras eacute suficiente para persu-
adir as pessoas a agir de forma diferente Os serviccedilos puacuteblicos estatildeo
muito acostumados a mudanccedilas de poliacuteticas no entanto usaratildeo ins-
tintivamente velhos instrumentos para lidar com essas situaccedilotildees Mu-
danccedilas na administraccedilatildeo envolvem mudanccedilas nesses instrumentos
uma tarefa muito mais difiacutecil desestabilizadora e de longa gestaccedilatildeo
se comparada com uma mudanccedila de poliacutetica por mais complexa
que seja (JENKINS 1998 p 212) (Grifou-se)
Logo depreende-se que a Lei nordm 866693 apenas seraacute aplicada sub-
sidiariamente a Lei nordm 139792020 ndash de acordo com o que preceitua o art 2ordm
sect2ordm da Lei de Introduccedilatildeo agraves Normas do Direito Brasileiro (LINDB) ndash ldquoquando natildeo
ldquo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
43
for tratado expressamente por aquela lei natildeo estiver em desconformidade
com o regime juriacutedico desta[] ou tiver natureza de regra geralrdquo (BRASIL Pa-
recer n 0000062020CNMLCCGUAGU on line)
No entanto como seria possiacutevel coadunar tais preceitos da Lei de Lici-
taccedilotildees e Contratos com a operacionalizaccedilatildeo ldquoburocraacuteticardquo dessa regra geral
levando-se em consideraccedilatildeo a contumaz jurisprudecircncia consolidada nos Tri-
bunais e na mesma toada viabilizar o atendimento ao binocircmio interesse puacute-
blico de proteccedilatildeo agrave sauacutede (necessidade) e a atuaccedilatildeo Estatal ceacutelere e efetiva
(possibilidade) em face ao problema da pandemia COVID-19
Deve-se ter em mente que a situaccedilatildeo em comento eacute iacutempar As hipoacutete-
ses elencadas pelo parecer conjunto CGUAGU sobre a aplicaccedilatildeo subsidiaria
da Lei nordm866693 natildeo deveriam ser sequer ventiladas uma vez que se natildeo se
encontra disposto no texto normativo natildeo foi intenccedilatildeo do legislador aplicaacute-lo
ao caso em tela Eacute o que se depreende na inaplicabilidade da dispensa de
licitaccedilatildeo agrave realizaccedilatildeo de contrataccedilatildeo e execuccedilatildeo de obras de engenharia
que natildeo se confunde com o serviccedilo de engenharia
Nesta senda versa a Exposiccedilatildeo de Motivos Interministerial nordm 192020
sobre a entatildeo MPV nordm 926202010 in verbis
Primeiramente a MPV modifica o art 4ordm da Lei nordm 13979 de 2020
para prever licitaccedilatildeo dispensaacutevel nas hipoacuteteses previstas no referido
artigo as quais passam a incluir explicitamente nos termos da MPV
a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos de engenharia para a situaccedilatildeo de
emergecircncia de sauacutede puacuteblica de importacircncia internacional decor-
rente do coronaviacuterus Segundo a EMI tal medida eacute necessaacuteria uma
vez que pode ser demandado ao SUS a construccedilatildeo ou modificaccedilatildeo
de estruturas fiacutesicas para atendimento da situaccedilatildeo emergencial de
sauacutede puacuteblica (BRASIL Sumaacuterio Executivo de MP on line)
Outro ponto se a Lei nordm 866693 tivesse alguma compatibilidade com
o regime juriacutedico da Lei nordm 139792020 esta natildeo precisaria ser criada Foi em
razatildeo da ldquoburocraciardquo existente na Lei de Licitaccedilotildees e Contratos ndash que preci-
sava ser mitigadandash que essa lei especiacutefica fora criada visando o rompimento
com os instrumentos entatildeo existentes
Por uacuteltimo mas natildeo menos importante as normas gerais igualmente
versadas na Lei de Licitaccedilotildees e Contratos satildeo apenas isto natildeo possuindo re-
levacircncia para a soluccedilatildeo do problema latente
Frise-se que natildeo se quer romper com a ordem normativa estabelecida
haacute muito pela LINDB No entanto a necessidade de celeridade de resposta
Estatal visando o natildeo colapso do sistema de sauacutede e salvaguardar o interesse
puacuteblico a esta sob pena de culminar em responsabilidade civil do Estado re-
quer a excepcionalidade de natildeo serem contempladas as disposiccedilotildees supra-
mencionadas
10 Convertida na Lei nordm 14035 de 11 de agosto de 2020
ldquo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
44
Outrossim as medidas empreendidas durante o periacuteodo de infestaccedilatildeo
proveniente da doenccedila H1N1 bem como a jurisprudecircncia firmada nesse con-
texto ndash por mais que tenha sido um problema de sauacutede relevante no Paiacutes ndash
natildeo podem ser compreendidas e tampouco estendidas para o atual pano-
rama da pandemia COVID-19
Dessa forma imaginar que as contrataccedilotildees diretas que ocorreram ou
estatildeo sendo realizadas durante o periacuteodo estabelecido pela Lei nordm
139792020 precisaratildeo de uma contrataccedilatildeo futura por licitaccedilatildeo uma vez
que se encontram revestidas de provisoriedade e natildeo merecem prosperar Tal
medida fora aplicada no entanto no periacuteodo de infestaccedilatildeo da doenccedila
H1N1
Superada essa questatildeo com a Lei nordm 139792020 passa-se a analisar as
disposiccedilotildees exaradas na MP nordm 9612020 quanto agrave adequaccedilatildeo de valores
para uma dispensa de licitaccedilatildeo
Ressalte-se incialmente os viacutecios de constitucionalidade material da
Medida Provisoacuteria nordm 9612020 por afronta agrave EC nordm 1062020 uma vez que
estabelece categoricamente em seu art 1ordm II a adequaccedilatildeo dos valores
para dispensa de licitaccedilatildeo elencados no art 24 I e II da Lei nordm 866693 para
ldquosituaccedilotildees regularesrdquo nos termos da Exposiccedilatildeo de Motivos da Emenda
A instituiccedilatildeo da Medida Provisoacuteria em comento transparece diferente
do que dispotildee a Lei nordm 139792020 quanto a questatildeo da dispensa de licita-
ccedilatildeo um ldquocheque em brancordquo para os gestores puacuteblicos pois permite desne-
cessariamente uma ldquoadequaccedilatildeordquo de valores para dispensa licitatoacuteria de
obras e serviccedilos de engenharia de R$ 3300000 (trinta e trecircs mil reais) para R$
10000000 (cem mil reais) e outros serviccedilos e compras de R$ 1760000 (dezes-
sete mil e seiscentos reais) para R$ 5000000 (cinquenta mil reais) natildeo relacio-
nados a solucionar a pandemia COVID-19 Principalmente se contemplada
com a possibilidade de antecipaccedilatildeo de pagamento
Apesar do caraacuteter de temporariedade os efeitos11 satildeo preocupantes e
por mais que a pandemia requeira medidas extraordinaacuterias ocasionadas
11 ldquoA perca do Nilo eacute um dos maiores peixes de aacutegua doce chegando a alcanccedilar quase
dois metros de comprimento e cerca de duzentos quilos de peso A perca eacute nativa da
Aacutefrica subsaariana e eacute encontrada natildeo apenas no Nilo mas tambeacutem nos rios Congo e
Niger aleacutem de outros assim como tambeacutem no Lago Chade e em outras grandes bacias
Por mais de meio seacuteculo poreacutem ela tambeacutem foi encontrada no Lago Victoria na Aacutefrica
Oriental onde natildeo eacute nativa e onde se tornaria posteriormente um dos exemplos mais co-
nhecidos das consequecircncias indesejadas da introduccedilatildeo de uma espeacutecie num ecossis-
tema [] Como superpredador de tamanho forccedila e voracidade extraordinaacuterios a perca
comeraacute praticamente qualquer coisa inclusive membros de sua proacutepria espeacutecie Sua lon-
gevidade eacute de dezesseis anos o que lhe confere um extraordinaacuterio potencial de destruiccedilatildeo
ininterrupta Sua introduccedilatildeo pelos humanos no Lago Victoria para exploraccedilatildeo comercial
levou ao desaparecimento da maioria das espeacutecies endecircmicas do lago e as consequecircn-
cias sociais e econocircmicas foram desastrosas Por exemplo as operaccedilotildees de pesca em
grande escala tipicamente feitas com a finalidade de exportaccedilatildeo privaram muitos mo-
radores locais de seu meio de vida tradicional no comeacutercio pesqueiro Pequenas cidades
agraves margens do lago surgiram para atender agraves necessidades dos pescadores e demais tra-
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
45
principalmente em razatildeo do isolamento social natildeo se justifica rechaccedilar total-
mente a Lei de Licitaccedilotildees e Contratos para atender a demandas que podem
seguir o rito desta principalmente para serviccedilos de engenharia uma vez que
a Lei nordm 139792020 versa sobre a possibilidade de dispensa de licitaccedilatildeo sem
estabelecer qualquer limite de valor fixando apenas como limite a necessi-
dade de ter que atender a demanda de enfrentamento agrave pandemia
Diante do exposto louvaacutevel eacute a inovaccedilatildeo legislativa implementada
pela Lei nordm 139792020 quanto agrave possibilidade de contrataccedilatildeo direta para
enfrentar a pandemia COVID-19 evitando o colapso no Paiacutes em seu sistema
de sauacutede puacuteblica
No entanto tal concepccedilatildeo natildeo deve ser aplicada para a Medida Pro-
visoacuteria nordm 9612020 Principalmente no que concerne aos ldquoajustamentosrdquo dos
importes para dispensa de licitaccedilotildees em obras e serviccedilos de engenharia e ou-
tros serviccedilos e compras pois natildeo visam salvaguardar o interesse puacuteblico de
proteccedilatildeo agrave sauacutede mas atender as situaccedilotildees corriqueiras da atuaccedilatildeo estatal
que poderiam ser dirimidas pela Lei nordm 866693
Eacute veemente a recessatildeo na economia do Paiacutes O preceito normativo da
MP nordm 9612020 sob o manto constitucional da urgecircncia e relevacircncia denota
a bem da verdade uma manobra legislativa para atender a interesses de
particulares em face da coletividade que padece com uma doenccedila extre-
mamente severa que teraacute impactos sociais e econocircmicos singulares
23 DOS IMPACTOS AO ERAacuteRIO EM RAZAtildeO DAS MEDIDAS
DESBUROCRATIZADORAS EM TEMPOS DE PANDEMIA
Eacute inegaacutevel que o microssistema normativo de enfrentamento da pande-
mia visa desburocratizar a atuaccedilatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica no que tange a
balhadores do setor da pesca mas esses lugares tecircm pouco a oferecer em termos de ser-
viccedilos baacutesicos como aacutegua ou eletricidade Os moradores que natildeo foram assimilados agrave nova
economia monetaacuteria local foram obrigados a abandonar suas casas em busca de traba-
lho Prostituiccedilatildeo AIDS e consumo abusivo de drogas por crianccedilas de rua natildeo pararam de
aumentar Aleacutem disso a perca do Nilo natildeo pode ser seca ao sol da maneira tradicional ndash
ao contraacuterio deve ser preservada pelo meio de defumaccedilatildeo o que tem provocado uma
grave falta de madeira para usar como combustiacutevel Eacute difiacutecil encontrar uma metaacutefora me-
lhor para o impacto do paradigma econocircmico e juriacutedico moderno sobre uma comunidade
local No mundo inteiro cada vez mais esse paradigma de extrativismo de curto prazo de
soberania do Estado e propriedade privada alimentada pelo dinheiro (ele proacuteprio uma
abstraccedilatildeo juriacutedica concentrada nas matildeos privadas de corporaccedilotildees bancaacuterias) vem pro-
duzindo enormes benefiacutecios a alguns poucos a custa do meio ambiente e das comunida-
des locais A propriedade estatal e capitalista mais especificamente a empresa transna-
cional moderna de modo muito semelhante ao que faz a perca do Nilo revela tendecircncias
canibalescas com diversos agentes comendo-se uns aos outros por meio de guerra ou
aquisiccedilatildeo de uma empresa por outra ou por um conglomerado [] a escassez de alimen-
tos as doenccedilas e o excesso de populaccedilatildeo quase sempre decorrente de incentivos econocirc-
micos de curto prazo ou outras accedilotildees humanas desempenharam um papel na criaccedilatildeo da
disparidade de renda e da degradaccedilatildeo ambientalrdquo (CAPRA MATTEI 2018 p 24-27)
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
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contrataccedilatildeo direta com as devidas ressalvas jaacute exaradas No entanto culmi-
naraacute em vaacuterios efeitos dentre eles ao eraacuterio com impactos negativos
De acordo com a Lei nordm 139792020 nas contrataccedilotildees diretas eacute possiacute-
vel que sejam firmadas pelo poder puacuteblico em valores superiores ao estabele-
cido no mercado em razatildeo das oscilaccedilotildees ocasionadas pela variaccedilatildeo de
preccedilos (art 4ordm-E sect3ordm) O que natildeo se confunde assevera-se desde jaacute com o
sobrepreccedilo que ocorre ldquoquando este satildeo orccedilados para a licitaccedilatildeo ou os pre-
ccedilos contratados satildeo expressivamente superiores aos preccedilos referenciais de
mercadordquo (art31 sect1ordm I da Lei nordm133032016)
Jaacute dispocircs haacute muito o Tribunal de Contas da Uniatildeo no Acoacuterdatildeo
20192010 ndash Plenaacuterio transcreve-se
92 alertar agrave Companhia Energeacutetica do Piauiacute - Cepisa que quando
da realizaccedilatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo nos termos do art 24 inciso
IV da Lei nordm 86661993 aleacutem da caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emer-
gencial ou calamitosa que justifique a dispensa deve-se trazer ele-
mentos aos autos do processo que demonstrem a compatibilidade
dos preccedilos contratados com aqueles vigentes no mercado ou com
os fixados por oacutergatildeo oficial competente ou ainda com os que cons-
tam em sistemas de registro de preccedilos bem como que foi consultado
o maior nuacutemero possiacutevel de fornecedores ou executantes em aten-
ccedilatildeo aos incisos II e III do paraacutegrafo uacutenico do art 26 dessa lei (BRASIL
Manual de compras diretas do TCU on line)
De acordo com o art 4ordm-E sect3ordm in fine da Lei nordm 139792020 versa cla-
ramente que haacute necessidade de justificativa nos autos sobre a necessidade
de contrataccedilatildeo
No entanto as externalidades negativas culminadas pela pandemia
podem gerar um dano imensuraacutevel as contas puacuteblicas e por conseguinte ge-
rar um ldquoefeito cascatardquo na economia com uma possiacutevel inflaccedilatildeo
Outrossim dispotildee a Lei nordm 139792020 excepcionalmente e mediante
justificativa que poderaacute a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar com empresas
que detenham irregularidades fiscais e trabalhistas ndash ressalvada a exigecircncia
relativa agrave Seguridade Social e ao trabalho de menores
Mas a Emenda Constitucional nordm 1062020 relativizou em seu art 3ordm
paraacutegrafo uacutenico que ldquodurante a vigecircncia da calamidade puacuteblica nacionalrdquo
natildeo seraacute observada a vedaccedilatildeo de empresas com deacutebitos perante a seguri-
dade social de contratar com o Poder Puacuteblico (art 195 sect3ordm da CRFB) Culmi-
nando portanto na inconstitucionalidade parcial daquele dispositivo e preju-
iacutezo ao Eraacuterio
O Parecer nordm 000122020CNMLCCGUAGU versa em uma de suas
conclusotildees que in verbis
[] ficam afastadas as exigecircncias de regularidade para com a Segu-
ridade Social como requisito de habilitaccedilatildeo eou contrataccedilatildeo em to-
ldquo
ldquo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
47
dos os contratos que tenham por objetivo o enfrentamento da cala-
midade e suas consequecircncias sociais e econocircmicas incluindo natildeo
soacute todos aqueles feitos com esteio na Lei nordm 1397920 bem como os
que fundamentados em outros diplomas (BRASIL Parecer nordm
000122020CNMLCCGUAGU on line)
Natildeo se coaduna com essa conclusatildeo extensiva exarada pois viabilizaraacute
a contrataccedilatildeo com empresas para situaccedilotildees que natildeo satildeo diretamente frise-
se para enfrentar a pandemia da COVID-19
Sendo uma extensatildeo temeraacuteria da interpretaccedilatildeo teleoloacutegica da
Emenda Constitucional nordm 1062020 uma vez que esta categoricamente
fora formulada para enfrentar a pandemia bem como as exceccedilotildees exaradas
satildeo vinculativas ao meacuterito das medidas tomadas
O momento requer o ingresso de receita e contenccedilatildeo de despesas
bem como natildeo haja uma desvirtuaccedilatildeo de interesses viabilizando o privado
em detrimento do puacuteblico com o enriquecimento iliacutecito de alguns
Natildeo se estar a dizer que ressalte-se natildeo deva ser aplicada a exceccedilatildeo
exarada no art 3ordm paraacutegrafo uacutenico mas tatildeo somente vaacutelida para a Lei nordm
139792020 natildeo sendo viaacutevel dispor para os casos estabelecidos pela MP nordm
9612020 principalmente pelo que seraacute versado a seguir
No entanto natildeo foram apenas essas medidas de ldquodesburocratizaccedilatildeordquo
que geraratildeo efeitos alarmantes ao eraacuterio
Nesse diapasatildeo vislumbra-se o preceito exarado pela Medida Provisoacute-
ria nordm 9612020 dispondo que as regras estabelecidas nesta se aplicam aos
contratos firmados no periacuteodo de calamidade puacuteblica fixado no Decreto Le-
gislativo nordm 62020 ldquoindependentemente do seu prazo ou de suas prorroga-
ccedilotildeesrdquo (art 2ordm par uacutenico)
A Medida Provisoacuteria eacute dotada de caraacuteter transitoacuterio e precaacuterio No en-
tanto haacute uma antinomia entre o caput do art 2ordm e seu paraacutegrafo uacutenico uma
vez que aquele traria uma limitaccedilatildeo de aplicaccedilatildeo para os atos especifica-
mente praticados durante a calamidade puacuteblica enquanto este transferiria a
referecircncia ao contrato Veja-se
Art 2ordm O disposto nesta Medida Provisoacuteria aplica-se aos atos realiza-
dos durante o estado de calamidade reconhecido pelo Decreto Le-
gislativo nordm 6 de 20 de marccedilo de 2020
Paraacutegrafo uacutenico O disposto nesta Medida Provisoacuteria aplica-se aos
contratos firmados no periacuteodo de que trata o caput independente-
mente do seu prazo ou do prazo de suas prorrogaccedilotildees (Grifou-se)
A aplicaccedilatildeo da Medida Provisoacuteria ocorre nos contratos firmados du-
rante a sua vigecircncia nos termos do Decreto Legislativo nordm 062020 Mas apoacutes
o prazo de vigecircncia da calamidade puacuteblica e em um contrato firmado du-
rante esse periacuteodo seria possiacutevel aplicaccedilatildeo da Medida Provisoacuteria
ldquo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
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O Decreto nordm 919117 em seu art 14 III ldquocrdquo dispotildee que os paraacutegrafos
de um artigo satildeo para estabelecer a complementaccedilatildeo do caput do artigo
ou para dispor sobre as exceccedilotildees Resta claro nos termos da LINDB que ldquona
interpretaccedilatildeo de normas sobre gestatildeo puacuteblica seratildeo considerados os obstaacute-
culos e as dificuldades reais do gestor e as exigecircncias das poliacuteticas puacuteblicas a
seu cargo sem prejuiacutezo dos direitos dos administradosrdquo (art 22 caput)
Interpretando portanto o paraacutegrafo uacutenico como uma exceccedilatildeo agrave reda-
ccedilatildeo do caput do art 2ordm constata-se que a aplicaccedilatildeo da Medida Provisoacuteria
ocorreraacute durante toda a vigecircncia contratual incluindo prorrogaccedilotildees aleacutem de
extensatildeo de seus efeitos aos instrumentos substitutivos (art 62 da Lei nordm
866693)
Haacute uma ultratividade das disposiccedilotildees exaradas pela MP nordm 9612020 No
entanto o que causa maiores consideraccedilotildees eacute que esta fora instituiacuteda para
contrataccedilotildees que natildeo visam resolver a questatildeo da pandemia mas tatildeo so-
mente em razatildeo da simples existecircncia dessa circunstacircncia atiacutepica estabele-
cendo inclusive uma adequaccedilatildeo dos limites de dispensa dos incisos I e II do
caput do art 24 da Lei nordm 866693 bem como instituindo o mecanismo de
antecipaccedilatildeo de pagamentos
Esse instituto do pagamento antecipado eacute possiacutevel nos termos do art
1ordm II da Medida Provisoacuteria como forma indispensaacutevel para obter o bem ou
assegurar a prestaccedilatildeo de serviccedilos ou caso propicie significativa economia de
recursos
Haacute portanto visiacutevel impacto financeiro ao eraacuterio levando-se em consi-
deraccedilatildeo a realizaccedilatildeo de algum equiliacutebrio econocircmico12 contratual futuro com
fulcro no art 65 II ldquodrdquo e sect6ordm da Lei nordm 866693 e os efeitos extensivos do art
2ordm paraacutegrafo uacutenico da Medida Provisoacuteria nordm 9612020
A Emenda Constitucional nordm 1062020 versa uma exceccedilatildeo a ldquoRegra de
Ourordquo da responsabilidade fiscal ndash proiacutebe que os ordenadores de despesas
realizem operaccedilotildees de creacutedito em importes superiores agraves despesas de capital
exceto se o Poder Legislativo dispuser em sentido contraacuterio para a abertura de
creacutedito suplementar ou especial com finalidade precisa (art 167 III CRFB88)
ndash veja-se
Art 4ordm Seraacute dispensada durante a integralidade do exerciacutecio finan-
ceiro em que vigore a calamidade puacuteblica nacional de que trata o
art 1ordm desta Emenda Constitucional a observacircncia do inciso III do
caput do art 167 da Constituiccedilatildeo Federal
12 ldquoEquiliacutebrio econocircmico ou equiliacutebrio financeiro do contrato administrativo [] eacute a correlaccedilatildeo
entre objeto do contrato e sua remuneraccedilatildeo originariamente prevista e fixada pelas par-
tes em nuacutemeros absolutos ou em escala moacutevel Essa correlaccedilatildeo deve ser conservada du-
rante toda a execuccedilatildeo do contrato mesmo que alteradas as claacuteusulas regulamentares da
prestaccedilatildeo ajustada a fim de que se mantenha a equaccedilatildeo financeira ou por outras pala-
vras o equiliacutebrio econocircmico-financeiro do contratordquo (MEIRELLES 1996 p 165)
ldquo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
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Paraacutegrafo uacutenico O Ministeacuterio da Economia publicaraacute a cada 30
(trinta) dias relatoacuterio com os valores e o custo das operaccedilotildees de creacute-
dito realizadas no periacuteodo de vigecircncia do estado de calamidade puacute-
blica nacional de que trata o art 1ordm desta Emenda Constitucional
(BRASIL Emenda Constitucional nordm 1062020 on line) (Grifou-se)
O intuito da ldquoRegra de Ourordquo eacute evitar o descontrole nas contas puacuteblicas
impossibilitando que os gestores puacuteblicos se endividem custeando despesas
presentes que natildeo beneficiaratildeo as geraccedilotildees futuras A complexidade estaacute
neste ponto segundo expotildee Folloni naquilo que natildeo pode ser controlado
Como o proacuteprio autor menciona ldquo[] se o complicado pode ser resolvido o
complexo natildeo se resolve administra-serdquo (FOLLONI 2016 p 36)
Mas diante da situaccedilatildeo de excepcionalidade provocada pela pande-
mia COVID-19 depreende-se que eacute crucial custear (ou administrar) as despe-
sas atuais desde que direcionadas ao enfrentamento daquela
Por isso pela interpretaccedilatildeo sistemaacutetica da Emenda Constitucional nordm
1062020 (art 1ordm cc art 3ordm) que visa atender apenas agraves necessidades de-
correntes da pandemia COVID-19 coerente eacute a exceccedilatildeo de inobservacircncia
do art 167 III da CRFB88
Crucial destacar no entanto que as contas puacuteblicas haacute muito natildeo es-
tatildeo em consonacircncia com equiliacutebrio financeiro Em 2018 eg estas tiveram um
deacuteficit primaacuterio de R$ 108 bilhotildees correspondente a 157 do Produto Interno
Bruto (PIB) (G1 on line) Conforme o Secretaacuterio do Tesouro Nacional Mansueto
Almeida em audiecircncia realizada no Senado Federal para acompanhar as
accedilotildees do governo de enfrentamento agrave COVID-19 a ldquoregra de ourordquo deve ser
descumprida ateacute 2023 (BRASIL Senado notiacutecias on line)
Mas se for aplicada a exceccedilatildeo exarada pela Emenda Constitucional
nordm 1062020 de que eacute viaacutevel a incidecircncia da inobservacircncia da ldquoRegra de
Ourordquo para as hipoacuteteses de contrataccedilotildees direta de obras serviccedilos de enge-
nharia outros serviccedilos e compras nos termos da Medida Provisoacuteria nordm
9612020 inclusive com a interpretaccedilatildeo do art 2ordm paraacutegrafo uacutenico desse di-
ploma os impactos seratildeo de monta severa podendo ser inclusive estabele-
cido a posteriori pelo Tribunal de Contas como um ato de improbidade ad-
ministrativa
Esse tipo de contrataccedilatildeo eacute considerado conforme o Manual do Tesouro
Nacional como operaccedilotildees de creacutedito que compotildeem a diacutevida fundada ou
consolidada ou seja geram compromissos de exigibilidade superior a doze
meses contraiacutedos dentre outras hipoacuteteses para o financiamento de obras e
serviccedilos puacuteblicos (art29 I da Lei Complementar Federal nordm1012000)
Se for compreendida uma interpretaccedilatildeo extensiva como a realizada no
Parecer nordm 000122020CNMLCCGUAGU possibilitando aplicar as exceccedilotildees
exaradas na Emenda Constitucional nordm1062020 para as inovaccedilotildees legislativas
firmadas apenas em razatildeo desse periacuteodo mas natildeo para enfrentar direta-
mente a calamidade puacuteblica as contrataccedilotildees diretas realizadas com fulcro
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
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na MP nordm 9612020 seratildeo beneficiadas principalmente no que tange a viabi-
lidade de antecipaccedilatildeo de pagamentos
Denota-se um silencioso agravamento portanto do deacuteficit primaacuterio
ainda mais se levarmos em consideraccedilatildeo que se trata de mera manobra le-
gislativa sob a alegativa de proteccedilatildeo de um interesse puacuteblico
Outrossim mesmo sem a conversatildeo em lei essa MP nordm 9612020 imbu-
iacuteda da discricionariedade puacuteblica de relevacircncia e urgecircncia albergada pela
Carta Maior ramificou seus efeitos nos contratos firmados durante esse periacute-
odo de sua vigecircncia podendo perpassar a proacutepria Emenda Constitucional nordm
1062020 culminando aos gestores puacuteblicos a observacircncia da regra constitu-
cional exarada no art 167 III da CRFB88
Efeitos esses que em sua imprecisatildeo podem afetar seriamente o Eraacuterio
Haacute de se impor limitaccedilatildeo ao alcance da MP nordm 9612020 tornando-a conso-
ante a legalidade que se exige e jaacute existe com a aplicaccedilatildeo da proacutepria Lei nordm
866693 que institui as regras baacutesicas para a contrataccedilatildeo com a Administra-
ccedilatildeo Puacuteblica conforme jaacute visto alhures
A atual situaccedilatildeo de pandemia pelo COVID-19 natildeo obstante se reco-
nheccedila sua emergecircncia natildeo eacute motivo suficiente para ultrapassar as disposi-
ccedilotildees legislativas impondo um regime de contrataccedilatildeo direta especiacutefica sem
estudos e anaacutelises precisas sobre a contrataccedilatildeo ao mesmo tempo em que tal
cenaacuterio traz em si efeitos imprecisos sobre aplicaccedilatildeo das normas e os efeitos
dela decorrentes
Por isso que diante da imprecisatildeo do contexto complexo em que se
insere deve-se agir com cautela a fim de proteger a Administraccedilatildeo Puacuteblica
de gastos exorbitantes ou o proacuteprio colapso do sistema de sauacutede em tempos
de pandemia
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Agrave guisa de conclusatildeo constata-se o que haacute muito eacute dito na seara aca-
decircmica o Paiacutes necessita de uma reforma na Administraccedilatildeo Puacuteblica principal-
mente no que concerne agraves licitaccedilotildees e aos contratos puacuteblicos permitindo um
diaacutelogo e uma anaacutelise mas natildeo perpeacutetuo como a PL nordm 129295
Esperar uma situaccedilatildeo de excepcionalidade para produzir legislaccedilotildees
sob a alegativa de uma suposta falta normativa ou por excesso de formalismo
da existente natildeo eacute aconselhaacutevel
A pandemia COVID-19 trouxe um alerta quanto a isto Foram criadas
uma Emenda Constitucional de efeitos temporaacuterios uma lei especiacutefica para
que os gestores puacuteblicos possam combater a pandemia e uma Medida Provi-
soacuteria que propotildee alteraccedilotildees nas legislaccedilotildees existentes no que concerne a lici-
taccedilotildees e regras de pagamento dos contratos apenas em razatildeo desse periacute-
odo de calamidade puacuteblica
Imbuiacutedas de legalidade e de suposta salvaguarda do interesse puacuteblico
essas inovaccedilotildees legislativas podem apresentar uma nova perspectiva no que
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
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tange agraves contrataccedilotildees diretas para a atuaccedilatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica
como a Lei nordm 139792020 mas na mesma toada podem ser um ldquocheque
em brancordquo para a atuaccedilatildeo do gestor puacuteblico principalmente no caso da
Medida Provisoacuteria nordm 9612020 vindo agrave lume apenas em razatildeo do periacuteodo e
natildeo para efetivamente enfrentaacute-lo
Reiteramos que a MP nordm 9612020 eacute dotada de inconstitucionalidade
material por violaccedilatildeo da proacutepria Emenda Constitucional nordm1062020 uma vez
que fora criada apenas em razatildeo do estado de calamidade puacuteblica esta-
belecido pelo Decreto Legislativo nordm 62020 Teraacute igualmente esse diploma
normativo consequecircncias severas nas contas puacuteblicas pois ldquoadequardquo valores
para as contrataccedilotildees diretas possibilita pagamentos antecipados e ainda eacute
dotada de uma ultratividade
A Emenda Constitucional nordm 1062020 por sua vez permite uma quebra
na Regra de Ouro durante o periacuteodo de emergecircncia de sauacutede puacuteblica de
importacircncia internacional Outrossim possibilita algumas excepcionalidades
como a observacircncia de regularidade perante a Previdecircncia Social permi-
tindo a contrataccedilatildeo com empresas que em um periacuteodo de normalidade natildeo
se cogitaria Administraccedilatildeo Puacuteblica
Concessotildees legislativas a fim de que a Administraccedilatildeo Puacuteblica tenha
como salvaguardar o direito fundamental agrave sauacutede natildeo podem implicar em
inobservacircncia dos impactos orccedilamentaacuterios Tampouco dispor que a situaccedilatildeo
de calamidade puacuteblica pode corroborar na inobservacircncia ou readequaccedilatildeo
de normas jaacute existentes e que facilmente podem atender a atuaccedilatildeo da Ad-
ministraccedilatildeo Puacuteblica
O descompasso entre receitas e despesas puacuteblicas durante esse periacute-
odo de pandemia agrava ainda mais a situaccedilatildeo fraacutegil que vem passando a
economia nacional As consequecircncias dessa pandemia legislativa e por con-
seguinte de contrataccedilotildees diretas seratildeo temeraacuterias
A pesquisa abrange temas da Economia Planejamento Sauacutede Direitos
Humanos Administraccedilatildeo Gestatildeo Poliacuteticas Puacuteblicas assuntos que envolvem
organizaccedilotildees do governo e que demandam o diaacutelogo entre instituiccedilotildees in-
clusive entre as vaacuterias esferas de governo O pensamento complexo busca
oferecer uma alternativa para se estabelecer um diaacutelogo inter extra instituci-
onal e transdisciplinar para uma melhor gestatildeo puacuteblica ante a complexidade
de poliacuteticas que envolvem interesses de todos
O pensamento complexo eacute rico e pode ser utilizado em vaacuterios ramos do
conhecimento Sua maior contribuiccedilatildeo estaacute em oferecer uma alternativa epis-
temoloacutegica para que o pesquisador e aplicador do Direito possa entender os
problemas atuais e emergentes do mundo juriacutedico e da vida A ciecircncia se
transformou o mundo mudou e pensar dentro de uma caixa natildeo tem sido a
uacutenica soluccedilatildeo para problemas cada vez mais sistecircmicos e interconectados A
pandemia colocou o mundo em cheque eacute preciso uma nova perspectiva de
atuaccedilatildeo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
52
REFEREcircNCIAS
BELCHIOR Germana Parente Neiva Belchior Fundamentos epistemoloacutegicos do Direito
Ambiental 2 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2019
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Editora Cultrix 2018
FOLLONI Andreacute Introduccedilatildeo agrave teoria da complexidade Curitiba Juruaacute 2016
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Bresser SPINK Peter K Reforma do Estado e administraccedilatildeo puacuteblica gerencial 2 ed
Rio de Janeiro FGV 1998
MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 11 ed atualizada por Eu-
rico de Andrade Azevedo Satildeo Paulo Malheiros 1996
MELLO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 32 ed Satildeo Paulo
Editora Malheiros 2015
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
53
MORIN Edgar Introduccedilatildeo ao pensamento complexo Traduccedilatildeo de Eliane Lisboa 5
ed Porto Alegre Sulina 2015
54
DIREITO SISTEcircMICO
o modelo de constelaccedilatildeo de
Bert Hellinger e a teoria da
complexidade de Edgar Morin ndash
convergecircncias e significacircncias
Janaina Vall1
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 31 O modelo de constelaccedilatildeo de Bert Hellin-
ger 32 A teoria da complexidade de Edgar Morin 33 Convergecircn-
cias e significacircncias para o direito sistecircmico Consideraccedilotildees finais
Referecircncias
INTRODUCcedilAtildeO
Diante das demandas da sociedade perante o sistema judiciaacuterio prin-
cipalmente relacionadas ao acuacutemulo cada vez maior de processos e agrave mo-
rosidade de suas soluccedilotildees eacute natural que se procurem abordagens que auxi-
liem na resoluccedilatildeo desses dois grandes problemas Afinal como diminuir a so-
brecarga do Judiciaacuterio e agilizar seus processos Dentre as estrateacutegias mais
estudadas e praticadas atualmente estatildeo a conciliaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo
O novo Coacutedigo de Processo Civil em seu artigo 3ordm privilegia a concilia-
ccedilatildeo a mediaccedilatildeo e outros meacutetodos de soluccedilatildeo consensual de conflitos Estes
devem ser estimulados por juiacutezes advogados defensores puacuteblicos e membros
do Ministeacuterio Puacuteblico inclusive no curso do processo judicial (BRASIL 2015)
A conciliaccedilatildeo eacute um mecanismo autocompositivo de soluccedilatildeo de confli-
tos e pode ser tanto extrajudicial (ocorre antes do processo judicial) como ju-
dicial (durante o processo judicial) Conta com a participaccedilatildeo de um terceiro
imparcial e capacitado que orientado pelo diaacutelogo entre as partes envolvi-
das escuta-as promove discussatildeo e se for o caso sugere soluccedilotildees compatiacute-
veis com o interesse de ambos Jaacute a mediaccedilatildeo tambeacutem eacute um mecanismo de
soluccedilatildeo de conflitos poreacutem sem o intuito de propor ou sugerir soluccedilotildees ape-
nas com a funccedilatildeo de facilitar a comunicaccedilatildeo entre as partes envolvidas iden-
tificando o conflito real e suas possiacuteveis soluccedilotildees
Eacute importante ressaltar que tanto a conciliaccedilatildeo como a mediaccedilatildeo natildeo
possuem como objetivo maior ldquodesafogarrdquo as vias judiciais ou seja diminuir o
nuacutemero de processos pois um excesso de conciliaccedilotildees eou mediaccedilotildees feitas
1 Graduanda em Direito pela UNI7CE Enfermeira e Doutora em Ciecircncias Meacutedicas pela UFC
CE Membro do Grupo de Pesquisa Ecomplex Direito Complexidade e Meio Ambiente da
UNI7CE cadastrado no CNPq E-mail janaina_vallyahoocombr
3
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
55
de maneira equivocada e errocircnea podem sobrecarregar ainda mais o sis-
tema judiciaacuterio Um acordo desigual ou parcial viola a dignidade do judiciaacuterio
criando contradiccedilatildeo filosoacutefica-existencial no que permite a finalidade princi-
pal dos profissionais do direito (SALES CHAVES 2014) Por si soacute podem ser inefi-
cazes visto que apenas reunir as partes envolvidas pode ser insuficiente na
soluccedilatildeo dos conflitos Essas estrateacutegias podem ateacute eliminar o processo judicial
mas podem natildeo resolver efetivamente os conflitos
Por isso tanto para a conciliaccedilatildeo como para a mediaccedilatildeo haacute necessi-
dade de capacitaccedilatildeo adequada do profissional dito conciliador ou media-
dor bem como uso de abordagens diferenciadas e de efetividade praacutetica O
direito sistecircmico propotildee justamente conciliar ateacute a total extinccedilatildeo do processo
com real soluccedilatildeo do conflito Muitas vezes doutrina e praacutetica percorrem tra-
jetoacuterias conflitantes poreacutem devem estar inter-relacionadas e interdependen-
tes jaacute que a teoria sem a praacutetica se torna esteacuteril
Neste contexto o objetivo desta pesquisa eacute identificar como o direito
sistecircmico encontra convergecircncias e significacircncias teoacutericas entre o modelo de
constelaccedilatildeo de Bert Hellinger e a teoria da complexidade de Edgar Morin
O direito sistecircmico toma espaccedilo cada vez maior na sociedade nas re-
laccedilotildees sociais poreacutem com mais ecircnfase na soluccedilatildeo de conflitos judiciais Estaacute
presente em mais de quinze tribunais em todo Brasil Em 2016 o Conselho Na-
cional de Justiccedila (CNJ) reconheceu a importacircncia e os benefiacutecios que a jus-
ticcedila vem tendo com a utilizaccedilatildeo da constelaccedilatildeo Observa-se que quando
pelo menos uma das partes participa de uma constelaccedilatildeo antes da audiecircn-
cia de mediaccedilatildeo haacute um crescente iacutendice de acordos nos processos (STORCH
2017) Em 2015 o Tribunal de Justiccedila de Goiaacutes (TJGO) ganhou o precircmio do CNJ
pelo desempenho de meacutetodos inovadores que contribuem para resoluccedilatildeo ou
pacificaccedilatildeo dos conflitos utilizando justamente a constelaccedilatildeo como ferra-
menta (ARAUacuteJO 2015)
A expressatildeo ldquodireito sistecircmicordquo surgiu a partir do direito sob uma oacutetica
baseada nas ordens superiores que regem as relaccedilotildees humanas tendo como
base a ciecircncia das constelaccedilotildees familiares de Bert Hellinger Apesar do termo
ldquoconstelaccedilatildeo familiarrdquo ser o mais utilizado e difundido no mundo opta-se
neste artigo por se utilizar o termo ldquoconstelaccedilatildeo sistecircmicardquo ou apenas ldquocons-
telaccedilatildeordquo visto que o proacuteprio criador do modelo tambeacutem o utiliza como sinocirc-
nimo A esposa de Bert inclusive Sophie Hellinger em palestra proferida no
Brasil em abril de 2017 sugere mudanccedila no termo para algo no sentido de
ldquoconstelaccedilatildeo mundialrdquo ou ldquoconstelaccedilatildeo da humanidaderdquo devido a sua
enorme abrangecircncia e amplitude
Apenas no capiacutetulo especiacutefico deste artigo sobre o modelo de Hellinger
voltar-se-aacute a usar o termo ldquoconstelaccedilatildeo familiarrdquo pois esse eacute o termo da ldquoes-
secircnciardquo deste modelo Tal opccedilatildeo foi adotada com o intuito de facilitar o en-
tendimento para os leitores jaacute que a expressatildeo ldquofamiliarrdquo pode restringir a
compreensatildeo no acircmbito familiar utilizado apenas em resoluccedilatildeo de conflitos
nas Varas de Famiacutelia quando na verdade a constelaccedilatildeo pode ser aplicada
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
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em qualquer aacuterea desde questotildees cotidianas de pequenos conflitos ateacute con-
flitos maiores trabalhados pelo direito em suas diversas aacutereas (administrativo
empresarial penal tributaacuterio entre outros)
A constelaccedilatildeo vai aleacutem de soluccedilatildeo de questotildees apenas pessoais (pro-
postas inicialmente por Bert Hellinger) porque o modelo pode abranger e ser
aplicado a todas as ciecircncias inclusive a ciecircncia juriacutedica visto que as pessoas
se guiam na praacutetica no caso concreto natildeo apenas pelo ordenamento juriacute-
dico positivado mas por suas relaccedilotildees pessoais familiares sociais profissionais
e espirituais
As partes envolvidas no processo juriacutedico quando confrontadas com a
verdade com o que estaacute oculto e ldquosegredosrdquo que antecedem a instalaccedilatildeo
do conflito passam de uma postura litigante para uma posiccedilatildeo consensual
O juiz passa entatildeo a atuar tambeacutem como conciliador e mediador proferindo
sentenccedilas pacificadoras
Haacute registros do grande ecircxito do direito sistecircmico na resoluccedilatildeo de confli-
tos em todo o mundo inclusive o Brasil vem aumentando muito os iacutendices de
conciliaccedilotildees com a utilizaccedilatildeo dos princiacutepios e teacutecnicas das constelaccedilotildees sis-
tecircmicas para a resoluccedilatildeo de conflitos na Justiccedila afirma Storch (2016) pioneiro
na aacuterea no Brasil que estuda a temaacutetica desde 2004 Storch eacute Juiz de Direito
do Estado da Bahia atualmente doutorando com a tese na temaacutetica ldquoDireito
Sistecircmico a resoluccedilatildeo de conflitos por meio da abordagem sistecircmica feno-
menoloacutegica das constelaccedilotildees familiaresrdquo Storch utiliza a forccedila do cargo de
Juiz em seus julgamentos e conduccedilatildeo de audiecircncias para auxiliar na busca
por soluccedilotildees que natildeo apenas ponham fim ao processo judicial mas que real-
mente resolvam os conflitos trazendo paz ao sistema (STORCH 2017)
O direito sistecircmico objetiva encontrar a verdadeira soluccedilatildeo para um
conflito e natildeo apenas para uma das partes mas para ambas pois abrange
todo o sistema envolvido no conflito Compreender como funciona esse sis-
tema e sua influecircncia sobre as partes envolvidas eacute uma das funccedilotildees do direito
sistecircmico Eacute a praacutetica do direito ldquoterapecircuticordquo A constelaccedilatildeo eacute intriacutenseca ao
conceito de direito sistecircmico
Muitos podem alegar que seria a uniatildeo da ciecircncia da psicologia com a
ciecircncia do direito e natildeo seria errado afirmar tal relaccedilatildeo No entanto para
atuar no direito sistecircmico haacute apenas o preacute-requisito de ser graduado em di-
reito mas natildeo em psicologia poreacutem com a formaccedilatildeo de constelador num
curso de no miacutenimo 96 horas (STORCH 2016) Devido aos excelentes resulta-
dos na praacutetica haacute consequente crescimento da demanda por esta formaccedilatildeo
e capacitaccedilatildeo para expansatildeo desse trabalho Aleacutem da formaccedilatildeo baacutesica
para constelador jaacute existe inclusive no Brasil a poacutes-graduaccedilatildeo em niacutevel de
especializaccedilatildeo (com carga horaacuteria de 384) reconhecida pelo Ministeacuterio da
Educaccedilatildeo e Cultura ndash MEC (STORCH 2017)
Para alcanccedilar o objetivo desta pesquisa a metodologia adotada foi
uma pesquisa teoacuterica descritiva mediante exploraccedilatildeo de fontes bibliograacuteficas
com as principais obras dos autores em estudo e um diaacutelogo entre seus con-
ceitos traccedilando convergecircncias e correlaccedilotildees com o direito sistecircmico
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
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Primeiramente seratildeo apresentados os princiacutepios do modelo da conste-
laccedilatildeo de Bert Hellinger e apoacutes seguir-se-aacute com a descriccedilatildeo da teoria da com-
plexidade de Edgar Morin Apoacutes mediante diaacutelogo entre as teorias seratildeo tra-
ccediladas as correlaccedilotildees entre elas e sua aplicaccedilatildeo na praacutetica juriacutedica
31 O MODELO DE CONSTELACcedilAtildeO DE BERT HELLINGER
A constelaccedilatildeo familiar foi criada por Bert Hellinger (ainda vivo hoje com
92 anos) Bert nasceu na Alemanha em 1925 formado em teologia e peda-
gogia e mediante uma formaccedilatildeo e experiecircncias em campos variados como
a psicanaacutelise e a anaacutelise transacional criou o modelo das constelaccedilotildees am-
plamente difundido no mundo
Constelaccedilatildeo eacute o coletivo de estrelas de um sistema por isso a palavra
originou o termo constelaccedilatildeo familiar onde o sujeito eacute o centro do sistema
social em que se insere e vivencia naquele momento especiacutefico da constela-
ccedilatildeo (HAUSNER 2007)
Sophie Hellinger afirma categoricamente que a constelaccedilatildeo familiar
natildeo eacute um meacutetodo mas um modelo (ou abordagem terapecircutica) visto que
todo meacutetodo descreve um uacutenico caminho em busca de um resultado e pode
ser reproduzido quantas vezes forem necessaacuterias A constelaccedilatildeo familiar eacute
uacutenica cada uma delas mesmo com as mesmas pessoas e os mesmos conflitos
envolvidos sempre seraacute uacutenica como um rio que passa e nunca se pode tomar
banho neste mesmo rio Sempre seraacute uma experiecircncia uacutenica e de impossiacutevel
repeticcedilatildeo (HELLINGER 2017)
Constelaccedilatildeo familiar eacute um modelo psicoteraacutepico que estuda as emo-
ccedilotildees e energias que consciente ou inconscientemente satildeo acumuladas por
todos os seres humanos e mediante uma abordagem sistecircmica gera com-
preensatildeo de todos os fatores envolvidos nos conflitos Eacute aplicado tanto para
auxiliar na identificaccedilatildeo do real problema em questatildeo como para direcionar
suas accedilotildees em direccedilatildeo agrave soluccedilatildeo deste problema mediante o movimento de
trazer agrave tona a consciecircncia da origem do conflito
Eacute preciso compreender a comunicaccedilatildeo interpessoal (seja verbal es-
crita corporal) principalmente no acircmbito familiar pois eacute a famiacutelia que estaacute
inserida na sociedade e natildeo apenas o indiviacuteduo Explicitar os ruiacutedos que inter-
ferem na comunicaccedilatildeo familiar eacute uma das funccedilotildees essenciais das constela-
ccedilotildees familiares (BASSOI 2016)
A maturidade do ser humano tanto fiacutesica como mentalmente nada
mais eacute do que uma coleccedilatildeo de experiecircncias armazenadas em cada uma das
ceacutelulas do corpo humano Segundo Sophie Hellinger quanto mais vivida a
pessoa mais experiecircncias ela possui e mais evoluiacuteda e complexa ela eacute (HEL-
LINGER 2017) O que faz a constelaccedilatildeo acontecer de maneira espontacircnea e
natildeo voluntaacuteria eacute justamente a interaccedilatildeo do vazio de uma pessoa com o vazio
da outra O corpo natildeo mente por isso as reaccedilotildees corporais numa constelaccedilatildeo
familiar podem ser as mais variadas mas as ceacutelulas trazem sempre agrave tona a
verdade
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
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Neste contexto ao viver em sociedade cada ser humano cria em torno
de si um campo onde se manifesta sua energia que direciona suas atitudes
Durante uma constelaccedilatildeo familiar eacute justamente essa energia que se manifesta
e os resultados seratildeo sempre uacutenicos e as opccedilotildees de resoluccedilatildeo de conflitos in-
finitas
Natildeo eacute objetivo deste artigo detalhar como se faz uma constelaccedilatildeo fa-
miliar Aos leitores que tenham interesse indica-se a leitura das referecircncias lis-
tadas ao final No entanto faz-se necessaacuteria uma breve exposiccedilatildeo acerca de
sua dinacircmica para entendimento de sua aplicaccedilatildeo no Direito
Uma constelaccedilatildeo familiar pode durar alguns minutos ou ateacute horas po-
reacutem o constelador possui competecircncia para conduzir a dinacircmica em tempo
disponiacutevel no momento Ela pode acontecer de inuacutemeras maneiras uma de-
las eacute iniciando com uma questatildeo a questatildeo central do conflito por exemplo
Muitas vezes a questatildeo ou o problema que a pessoa expotildee natildeo eacute dela mas
vem de seu sistema familiar Fatos como abusos sexuais mortes precoces
abortos suiciacutedios imigraccedilatildeo violecircncia domeacutestica segredos de famiacutelia tecircm
muito ldquopesordquo na dinacircmica da famiacutelia e possuem forccedila demasiada pois acon-
teceram em determinado tempo e podem influenciar na vida das pessoas
futura e eternamente
Todas essas informaccedilotildees podem natildeo ser reveladas previamente mas
apareceratildeo no decorrer da constelaccedilatildeo se estiverem relacionadas ao con-
flito atual ou natildeo visto que a proacutepria pessoa pode natildeo conhecer certos ele-
mentos determinantes para este conflito As proacuteprias pessoas envolvidas na
questatildeo podem ser consteladas ou representadas Se forem duas pessoas en-
volvidas por exemplo estas podem participar de constelaccedilotildees separadas ou
observam uma mesma constelaccedilatildeo com seus representantes Os envolvidos
na dinacircmica natildeo precisam necessariamente representar pessoas podem re-
presentar tambeacutem coisas ou o proacuteprio problema ou conflito Representantes
podem ser incluiacutedos ou excluiacutedos da constelaccedilatildeo conforme necessaacuterio As
pessoas na constelaccedilatildeo satildeo postas uma de frente agrave outra apenas olhando
uma nos olhos da outra sem falar Eacute preciso entrar numa constelaccedilatildeo sem
intenccedilatildeo sem medo sem pena sem julgamento e sem amor essas satildeo as
uacutenicas regras Os representantes se colocam agrave disposiccedilatildeo e vatildeo apenas deixar
que seu corpo ldquofaccedila o que quiserrdquo O corpo eacute apenas a ferramenta que re-
cebe as energias e se comunica de acordo com elas A soluccedilatildeo da constela-
ccedilatildeo estaacute no silecircncio e natildeo na fala Os representantes podem se mover sorrir
chorar Enfim fazer o que se aflorar no momento apoacutes estabelecida a cone-
xatildeo entre os representantes e o conflito O representante simplesmente se co-
loca agrave disposiccedilatildeo E mesmo apenas assistindo natildeo se pode fugir ao envolvi-
mento porque a energia ali gerada eacute muito forte (HAUSNER 2007)
Neste contexto eacute importante diferenciar constelaccedilatildeo familiar de psico-
drama Este uacuteltimo eacute uma teacutecnica usada pela psicologia em que os represen-
tantes conhecem previamente o conflito em questatildeo e tornam-se atores re-
presentando voluntaria e intencionalmente a situaccedilatildeo Na constelaccedilatildeo os
motivos podem nem ser expostos ningueacutem se conhece ou estaacute com intenccedilatildeo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
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de atuar como numa peccedila teatral Se algum dos representantes comeccedilar
atuar conscientemente com a intenccedilatildeo de ajudar de aproximar as partes ou
favorecer a viacutetima este representante eacute identificado pelo constelador como
coterapeuta e deve ser excluiacutedo imediatamente da constelaccedilatildeo O cotera-
peuta eacute identificado por exercer movimentos bruscos e raacutepidos e sempre com
intenccedilatildeo de conciliar ajudar uma das partes normalmente a viacutetima
As constelaccedilotildees familiares satildeo experiecircncias uacutenicas e infinitas A mesma
pessoa pode ser constelada inuacutemeras vezes pelo mesmo motivo (conflito) o
momento gera diferentes soluccedilotildees Inclusive o proacuteprio problema exposto
pode ser a soluccedilatildeo Ou seja tudo fica como estaacute Tambeacutem a maneira de se
fazer as perguntas durante a constelaccedilatildeo pode jaacute trazer respostas Perguntas
feitas de maneiras certas geram as respostas verdadeiras Da mesma maneira
afirmaccedilotildees podem ser impostas aos representantes numa constelaccedilatildeo
Apesar da estranheza para explicar o fenocircmeno desta experiecircncia de
participar de uma constelaccedilatildeo eacute necessaacuterio buscar ajuda na fiacutesica quacircntica
neste caso especificamente no direito quacircntico Todos os aacutetomos presentes
em qualquer moleacutecula possuem em seu redor um enorme espaccedilo vazio que
a teoria do direito quacircntico chama de ldquodistacircncia de equiliacutebriordquo entre cada
aacutetomo (TELLES JUacuteNIOR 2014) Jaacute a teoria sistecircmica chama este mesmo vazio
de ldquocampo de energiardquo da constelaccedilatildeo familiar Eacute justamente nesse enorme
vazio que tudo acontece nele satildeo armazenados os conhecimentos e experi-
ecircncias tanto individuais como coletivas ou seja o comportamento humano
encontra-se na maioria das vezes consciente ou inconscientemente origina-
se do vazio presente em cada ceacutelula uacutenica do corpo (mesmo com o mesmo
DNA cada ceacutelula eacute diferente da outra) e natildeo apenas armazenadas nas ceacute-
lulas mentais ou cerebrais
Eacute neste vazio que estaacute armazenada a energia que rege todos os atos
ativos e passivos da humanidade No vazio estatildeo as informaccedilotildees necessaacuterias
para compreender a existecircncia humana e seus conflitos bem como erros e
acertos O vazio atrai ou repele determinando a movimentaccedilatildeo dos seres hu-
manos como seres sociais As forccedilas atuantes nesse campo transformam a re-
laccedilatildeo juriacutedica levando ao processo de coesatildeo ou dispersatildeo Aleacutem disso du-
rante uma constelaccedilatildeo familiar estatildeo atuantes predominantemente os neurocirc-
nios chamados espelhos que buscam soluccedilotildees mediante gravaccedilatildeo de ima-
gens e natildeo de forma verbal ou escrita (LEAL-TOLEDO 2010)
O silecircncio faz as energias atuarem Embora a constelaccedilatildeo natildeo seja um
meacutetodo algumas regras devem ser respeitadas para que as energias atuem
livremente Aleacutem de iniciar uma constelaccedilatildeo sem intenccedilatildeo sem medo sem
pena sem julgamento e sem amor tambeacutem eacute necessaacuterio que todos os pre-
sentes estejam de pernas e braccedilos descruzados com celulares desligados
(natildeo apenas no modo silencioso ou modo aviatildeo) sem pessoas escrevendo ou
registrando o momento (com fotos ou viacutedeos)
As constelaccedilotildees familiares segundo o modelo de Hellinger permitem a
consciecircncia dos motivos que levaram agrave instalaccedilatildeo do conflito pontual e me-
diante a constelaccedilatildeo sistecircmica propotildeem soluccedilotildees baseadas nas ordens do
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Iasna Chaves Viana
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amor Segundo Hellinger (2007) as pessoas julgam que apenas amor bastante
eacute suficiente e que o amor tem o poder de superar tudo No entanto para que
o amor decirc certo eacute preciso algo mais eacute preciso o conhecimento e o reconhe-
cimento de uma ordem oculta deste amor
Eacute mediante as ordens do amor que se daacute a resoluccedilatildeo de conflitos e pro-
blemas Aqui entende-se amor natildeo restrito ao amor entre casais ou entre fa-
miliares e amigos mas o amor como princiacutepio da solidariedade presente na
humanidade e em cada indiviacuteduo mesmo que no momento latente ou es-
condido pelo oacutedio ou rancor
Eacute excluiacutedo aqui tambeacutem o chamado ldquoamor incondicionalrdquo que nada
tem a ver com as condiccedilotildees para amar Imposiccedilotildees para amar natildeo podem
existir quando se ama algo ou algueacutem A proacutepria composiccedilatildeo da palavra ldquoin-
condicional = sem condiccedilatildeordquo afirma isso sem impor qualquer condiccedilatildeo para
amar (OLIVEIRA 2017)
O amor inevitavelmente estaacute presente seja consciente ou inconscien-
temente Hellinger descreve como trecircs as ordens do amor (1) ordem de per-
tencimento (2) ordem de hierarquia e (3) Ordem de equiliacutebrio (HELLINGER TE-
NHOumlVEL 2007)
Estas leis foram descobertas por meio da aplicaccedilatildeo das constelaccedilotildees
familiares que o proacuteprio Bert Hellinger desenvolveu ao longo de sua vida Em
cada constelaccedilatildeo ele foi deduzindo um conhecimento sobre as leis ocultas
da vida Observava o fenocircmeno e dali deduzia algo que demonstrava en-
quanto uma ordem baacutesica da vida Nenhum trabalho foi extraiacutedo da teoria
para a praacutetica mas o contraacuterio da praacutetica para a teoria
A primeira ordem de pertencimento diz respeito ao fato de que natildeo
importa o que uma pessoa faccedila ela continuaraacute tendo o direito de pertencer
ao sistema familiar Natildeo significa que esteja isenta de puniccedilotildees morais e legais
mas simplesmente ela continuaraacute com o mesmo direito de pertencer agrave famiacutelia
agrave sociedade ao mundo independente de estar livre ou recluso ou de estar
presente fisicamente na famiacutelia atual ou natildeo
A segunda ordem da hierarquia ou ordem de chegada diz respeito a
quem chegou primeiro no ordenamento familiar ou seja sempre os mais ve-
lhos merecem ser olhados com muito respeito e cuidado pois eacute por meio deles
que a famiacutelia estaacute assim instalada e existe efetivamente Mesmo quando os
que chegaram primeiro cometeram erros ao querer modifica-los toda a dinacirc-
mica familiar fica comprometida e se perdem as forccedilas da vida
A terceira lei do equiliacutebrio sempre existe nas accedilotildees de dar e receber e
segue o mesmo raciociacutenio da ordem da hierarquia ou seja os pais datildeo mais
carinho aos filhos pois apenas os filhos precisam dos pais os pais natildeo precisam
dos filhos Eacute assim que a humanidade deveria pensar segundo Bert Hellinger
Ao incorporar essas trecircs leis do amor a humanidade soacute tende a encon-
trar um equiliacutebrio e como consequecircncia a paz mediante soluccedilatildeo da maioria
dos conflitos que emergem basicamente do ambiente familiar
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
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32 A TEORIA DA COMPLEXIDADE DE EDGAR MORIN
Edgar Morin (ainda vivo com 96 anos) eacute judeu nasceu na Franccedila em
1921 e eacute formado em direito histoacuteria e geografia com atuaccedilatildeo na antropolo-
gia sociologia e filosofia (MORIN MOIGNE 2000)
Ao contraacuterio do que uma grande maioria possa pensar o pensamento
complexo natildeo significa dificuldade mas apenas uma nova forma de enxergar
a realidade buscando justamente o simples ou seja complexidade nada mais
eacute do que aprender a pensar diferente e estar confortaacutevel e capaz para definir
o simples Eacute complexo tudo que natildeo pode se resumir numa palavra-chave o
que natildeo pode ser resumido a uma lei nem a uma ideia simples Trata-se de
uma palavra-problema e natildeo de uma palavra-soluccedilatildeo Eacute exercer um pensa-
mento capaz de lidar com o real de com ele dialogar e conversar A com-
plexidade surge onde o pensamento simplificador falha ela integra em si tudo
que potildee ordem clareza e precisatildeo no conhecimento (MORIN 2007)
A complexidade estaacute no centro da maioria de aparentes conhecimen-
tos dispersos e se desvinculou do sentido comum de complicado para trazer
em si a organizaccedilatildeo sistecircmica na qual o movimento de qualquer coisa ou
pessoa gera o movimento de tudo e de todos A complexidade estaacute no centro
da ldquoconstelaccedilatildeordquo e para que ela se revele faz-se necessaacuterio uma tomada de
consciecircncia para por ordem e clareza ao real revelar as leis que governam
o comportamento (MORIN 2011) Poreacutem essa consciecircncia pode gerar uma
nova ldquocegueirardquo ligada ao uso degradado da razatildeo e as ameaccedilas mais gra-
ves a que a humanidade estaacute sujeita estatildeo ligadas ao progresso cego e in-
controlado do conhecimento
Eacute preciso tomar consciecircncia das consequecircncias dos paradigmas que
mutilam o conhecimento e desfiguram o real Essa inteligecircncia cega destroacutei a
totalidade e isola as coisas e as pessoas do meio em que vivem ldquoOs proble-
mas humanos satildeo entregues natildeo soacute a este obscurantismo cientiacutefico que pro-
duz especialistas ignaros mas tambeacutem a doutrinas obtusas que pretendem
monopolizar sua cientificidaderdquo (MORIN 2006 p 13)
O pensamento complexo deve enfrentar o emaranhado a incerteza a
contradiccedilatildeo A ldquodoenccedilardquo da teoria estaacute no doutrinamento e no dogmatismo
que fecham a teoria nela mesma e a engessam Ao tomar consciecircncia dos
fatos chega-se agrave causa profunda de que o erro natildeo estaacute no erro de fato mas
no modo como se organiza o saber num sistema de ideias (MORIN 2013)
Ainda segundo Morin (2007) o ser humano deve ser prudente poreacutem
sem esterilizar sua vida e natildeo precisa renunciar aos laccedilos de amor Ainda se-
gundo o autor para sobreviver num mundo de aparecircncias como o mundo
atual eacute preciso resgatar a ldquoespumardquo de uma realidade mais profunda que
muitas vezes escapa ao tempo e ao espaccedilo e aos nossos proacuteprios sentidos e
entendimento O mundo de separaccedilatildeo e dispersatildeo eacute o mesmo mundo de
atraccedilatildeo reencontro e exaltaccedilatildeo Todos estatildeo imersos neste mundo de sofri-
mento e felicidade compondo o amor Amor este que eacute o aacutepice mais perfeito
da loucura e da sabedoria visto que amor sabedoria e loucura natildeo apenas
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
62
satildeo inseparaacuteveis mas se interpenetram mutuamente ldquoSe o amor expressa o
aacutepice supremo da sabedoria e da loucura eacute preciso assumir o amorrdquo (MORIN
2007 p 9) Ao fazer de tudo para desenvolver a racionalidade eacute em seu proacute-
prio desenvolvimento que esta racionalidade reconhece os limites da razatildeo e
efetua diaacutelogo com o irracionalizaacutevel
33 CONVERGEcircNCIAS E SIGNIFICAcircNCIAS PARA O DIREITO
SISTEcircMICO
Natildeo haacute registros de que Bert Hellinger e Edgar Morin tenham-se encon-
trado pessoalmente mesmo que ambos sejam ldquovizinhosrdquo europeus ainda vi-
vos hoje e com tantas similaridades em suas teorias No entanto curiosamente
os dois estiveram presentes em um workshop ocorrido em Satildeo Paulo em 2010
sobre a temaacutetica Ampliando olhares em sintonia com o todo a visatildeo sistecirc-
mica e as constelaccedilotildees organizacionais dando formas a novas realidadesrdquo
Ambos compotildeem o rol de teoacutericos mais polecircmicos do final do seacuteculo XX
e seacuteculo XXI juntamente com outras teorias que tambeacutem abordam questotildees
semelhantes como o Direito Quacircntico (citado previamente neste artigo) e a
antroposofia (pedagogia cada vez mais crescente e atuante em todo
mundo por meio das Escolas Waldorf)
Morin eacute o ldquogrande pensador amoroso da educaccedilatildeordquo e Hellinger eacute o
ldquogrande decifrador das ordens do amorrdquo Ambos com praticamente a mesma
idade com pensamentos tatildeo interpenetrantes e conectados com grandes
possibilidades de atuaccedilatildeo da ciecircncia do direito
Representaccedilotildees sistecircmicas como eacute o caso das constelaccedilotildees satildeo um
meacutetodo complexo e as duas teorias se complementam Poreacutem a complexi-
dade e a teoria sistecircmica trazem base cientiacutefica agrave praacutetica Segundo Luca
(2010) eacute preciso investir em outras tecnologias menos teoacutericasdoutrinaacuterias e
talvez ateacute menos ldquocientiacuteficasrdquo e mais fenomenoloacutegicas e transformadoras Eacute
preciso pensar diferente sair da ineacutercia partir dialeticamente da ldquociecircncia nor-
malrdquo rumo agrave ldquociecircncia extraordinaacuteriardquo visto que o conhecimento natildeo eacute estaacute-
tico estaacute em constante transformaccedilatildeo e natildeo eacute imune ao erro A inovaccedilatildeo eacute
necessaacuteria e mesmo incerta pretende explorar as possibilidades mais promis-
soras e menos previstas Eacute enxergar de outros acircngulos o paradigma da mani-
pulaccedilatildeo do Homem pelo proacuteprio Homem (MORIN 2005)
A complexidade estaacute no centro da constelaccedilatildeo a pessoa que estaacute
sendo constelada eacute o ser mais complexo naquele momento O direito sistecirc-
mico faz com que o profissional do direito tenha um olhar para aleacutem do que
aparece nos autos dos processos judiciais e compreenda esta complexidade
Qualquer conflito taacutecito por maior que seja eacute pontual ou seja apenas a
ponta do iceberg pois na maioria das vezes eacute provocado por causas mais
profundas
Entender a complexidade e a teoria sistecircmica sem o envolvimento de
questotildees espirituais eacute tarefa difiacutecil no entanto o caminho eacute pensar na espiritu-
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
63
alidade que difere de religiosidade Os proacuteprios teoacutericos aqui estudados con-
seguiram evoluir neste sentido visto que Morin eacute judeu e Hellinger formado em
teologia
Vale ressaltar que em geral haacute um fasciacutenio pelo papel de viacutetima e no
caso de conflito entre duas pessoas por exemplo as duas assumem o papel
de viacutetima e abandonar esse papel natildeo eacute tarefa nada faacutecil Por quecirc Jaacute que
toda viacutetima sofre Para muitos sofrer significa existir e ter atenccedilatildeo dos outros
O sofrimento recompensa e o sofredor toma uma melhor posiccedilatildeo uma posi-
ccedilatildeo de destaque de pertencimento especial agravequela situaccedilatildeo
O sofrimento leva agrave passividade fazendo com que cada um ldquoempurrerdquo
a responsabilidade de agir para o outro (KUTSCHERA SCHAumlFFLER 2017) Por
isso num processo de conciliaccedilatildeo ou mediaccedilatildeo cada uma das partes envol-
vidas vai agrave audiecircncia com expectativa de que o outro lhe ofereccedila uma solu-
ccedilatildeo nunca pensando em por si reformular uma soluccedilatildeo A constelaccedilatildeo fami-
liar na audiecircncia faz mudar esse estereoacutetipo e cada um assume suas respon-
sabilidades diante do conflito instalado
As trecircs principais convergecircncias entre as teorias estudas satildeo a tomada
de consciecircncia a teoria sistecircmica e o amor como fonte primordial para a re-
soluccedilatildeo de conflitos (com as ordens de pertencimento hierarquia e equiliacutebrio)
Todas essas abordagens se materializam durante a vivecircncia da constelaccedilatildeo
familiar
As constelaccedilotildees podem acontecer em qualquer lugar a qualquer
tempo No entanto um dos momentos mais oportunos para sua realizaccedilatildeo
dentro do acircmbito processual eacute antes da audiecircncia de conciliaccedilatildeo ou media-
ccedilatildeo por meio de vivecircncias coletivas As partes envolvidas satildeo convidadas
(nunca intimadas) a participar da constelaccedilatildeo e as questotildees ocultas vatildeo sur-
gindo haacute um processo progressivo de tomada de consciecircncia e cada um
passa a ver a situaccedilatildeo de maneira mais verdadeira ampliada e profunda Isso
porque neste momento natildeo apenas o conflito ou problema estaacute sendo enxer-
gado mas todo o sistema familiar de cada uma das partes envolvidas Cons-
telaccedilatildeo em salas separadas para cada parte ou junto com uma das partes
se voluntariando ou juntos com representantes para ambos apenas assistindo
Uma questatildeo chave no processo envolve a capacitaccedilatildeo adequada do
profissional do direito visto que todos inclusive ele deve entrar numa conste-
laccedilatildeo sem intenccedilatildeo sem medo sem pena sem julgamento e sem amor Para
um Juiz que tem o papel de julgar torna-se tarefa difiacutecil e praticamente im-
possiacutevel se natildeo houver uma formaccedilatildeo e preparaccedilatildeo competente Da mesma
maneira eacute preciso entrar numa constelaccedilatildeo sem amor para que ela o revele
durante o processo de maneira espontacircnea e natildeo preconcebida
Durante a audiecircncia o juiz conciliador ou mediador tambeacutem pode fa-
zer questionamentos aos envolvidos utilizando frases ou ldquopalavras-chaverdquo que
datildeo significado agravequela situaccedilatildeo de conflito propiciando tomada de consci-
ecircncia do emaranhamento envolvido na questatildeo permitindo que as partes
reconheccedilam sentimentos expostos visualizando a importacircncia de cada um e
possiacuteveis caminhos para que o conflito se desfaccedila ou se minimize (Figura 1)
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
64
Figura 1 - O direito sistecircmico e a resoluccedilatildeo de conflitos
Fonte elaborado pela proacutepria autora
Notas resoluccedilatildeo de conflitos mediante trecircs aspectos convergentes entre o Modelo de Cons-
telaccedilatildeo de Bert Hellinger e a Teoria da Complexidade de Edgar Morin - (1) a tomada de cons-
ciecircncia (2) a teoria sistecircmica ndash por meio da vivecircncia da constelaccedilatildeo familiar e (3) as ordens
do amor (pertencimento hierarquia e equiliacutebrio + ordenamento juriacutedico)
A constelaccedilatildeo mostra de maneira imparcial clara e inequiacutevoca o real
conflito o real problema ali posto independente do escrito nos autos do pro-
cesso Neste momento todos se envolvem para solucionar aquela demanda
facilitando a realizaccedilatildeo do firmamento de um real acordo durante a audiecircn-
cia que traga senatildeo a extinccedilatildeo do processo minimizantes aos agravos paz
equiliacutebrio e harmonia
A resoluccedilatildeo do conflito se daacute para aleacutem do olhar focado no ordena-
mento juriacutedico mas alia o ordenamento do amor conforme preveem tanto
Hellinger como Morin Eacute mediante as ordens do amor (de pertencimento de
hierarquia e equiliacutebrio) que se a resoluccedilatildeo de conflitos e problemas surge O
amor inevitavelmente estaacute presente seja consciente ou inconscientemente
Com o amor a soluccedilatildeo eacute alcanccedilada
O ordenamento juriacutedico impotildee agrave sociedade obrigaccedilotildees autorizaccedilotildees e proibi-ccedilotildees e isto implica necessariamente interaccedilotildees Obviamente tal ordenamento natildeo pode ser desconsiderado na resoluccedilatildeo dos conflitos Trata-se poreacutem apenas da fun-ccedilatildeo instrumental das sociedades humanas e deve estar aliado ao ordenamento do amor
As duas teorias aqui estudadas satildeo promissoras na ciecircncia do direito pois po-dem ser altamente eficazes na soluccedilatildeo de conflitos direcionando accedilotildees a fim de al-canccedilar uma inovaccedilatildeo de atuaccedilatildeo juriacutedica principalmente em sessotildees de conciliaccedilotildees e mediaccedilotildees
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
65
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Qualquer conflito taacutecito por maior que seja eacute pontual ou seja eacute ape-
nas a ponta do iceberg pois satildeo provocados por causas mais profundas que
os autos dos processos judiciais nem sempre satildeo capazes de refletir Assim
uma soluccedilatildeo simplista imposta por uma lei ou decisatildeo judicial pode trazer um
aliacutevio momentacircneo mas natildeo soluciona verdadeiramente o problema
Ainda que o sistema judiciaacuterio privilegie accedilotildees de conciliaccedilatildeo e media-
ccedilatildeo com o intuito de diminuir sua sobrecarga e morosidade se estas concilia-
ccedilotildees e mediaccedilotildees natildeo forem guiadas por meacutetodos modelos e abordagens
especiacuteficas e eficazes natildeo haveraacute uma efetiva resoluccedilatildeo da questatildeo ao con-
traacuterio seraacute uma inflaccedilatildeo maior ainda ao sistema
A eficaacutecia e continuaccedilatildeo do processo de soluccedilatildeo de conflitos na vida
cotidiana dependem da soma de conhecimentos e decisotildees natildeo soacute dos pro-
fissionais do Direito mas dos proacuteprios sujeitos da accedilatildeo judicial e seus familiares
inclusive pois mais do que um processo juriacutedico cuida-se de um fato social
Pode ser apreendida e aplicada por qualquer profissional do direito sejam
juiacutezes advogados promotores defensores desembargadores conciliadores
mediadores delegados
O conciliador e o mediador especificamente buscam nas teorias sub-
siacutedios para realizar esta tarefa da melhor maneira possiacutevel Observa-se que as
teorias aqui selecionadas se aplicam a esse processo em todas as suas etapas
Trata-se de uma soluccedilatildeo terapecircutica de real significacircncia para ambas
as partes que aleacutem de eliminarem a burocracia o desgaste e a onerosidade
judicial vislumbram alternativas para conviver em paz no ambiente familiar e
social O direito sistecircmico traz vantagens tanto para as partes envolvidas no
processo juriacutedico quanto para o profissional do direito que consegue trabalhar
sob menos pressatildeo estresse e com a consciecircncia natildeo apenas do ldquodever cum-
pridordquo da lei aplicada mas do sentido de pertencimento ao mundo juriacutedico
como transformador do sistema e da vida social Eacute a justiccedila restaurativa que
impulsiona mudanccedilas nos paradigmas atuais
Tecirc-las como base eacute essencial mas de maneira cautelosa natildeo como
doutrina pois estas cegam No direito haacute uma supervalorizaccedilatildeo das doutrinas
poreacutem perante a teoria sistecircmica e da complexidade muitas vezes a praacutetica
atrapalha a teoria Sim a praacutetica atrapalha a teoria e natildeo vice-versa pois
quando se aplica a constelaccedilatildeo ao direito o que se vecirc na praacutetica eacute uacutenico
impossiacutevel de reproduzir e dinacircmico portanto impossiacutevel de se doutrinar Ao
mesmo tempo a praacutetica pode contradizer a doutrina a cada constelaccedilatildeo o
que torna impossiacutevel a adoccedilatildeo de determinada doutrina pois esta eacute modifi-
cada a cada instante e natildeo haacute como por subsunccedilatildeo encaixar a realidade
na teoria e nem a teoria se adaptar a cada caso especiacutefico por mais seme-
lhantes que eles pareccedilam
Eacute preciso enxergar o ldquotodordquo poreacutem de maneira especiacutefica Mediante a
individualizaccedilatildeo consciente cada um entendendo seu papel no contexto fa-
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
66
miliar e social eacute que se efetivam dois dos princiacutepios mais importantes do Di-
reito o da socialidade e o da concretude Mediante uma visatildeo sistecircmica do
Direito encontra-se paz e equiliacutebrio para o sistema
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olhares para a contemporaneidade
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68
A INCLUSAtildeO SOCIAL E O PENSAMENTO
COMPLEXO DENTRO DA POLIacuteTICA
NACIONAL DOS RESIacuteDUOS SOacuteLIDOS
Laeacutelia Eugecircnia Correcirca Aragatildeo1
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 41 A inclusatildeo social e sua complexidade
42 O Pensamento Complexo e sua compreensatildeo dentro da Poliacutetica
Nacional de Resiacuteduos Soacutelidos 43 A complexidade na gestatildeo dos re-
siacuteduos soacutelidos Consideraccedilotildees finais Referecircncias
INTRODUCcedilAtildeO
O aumento na produccedilatildeo dos resiacuteduos soacutelidos configura um problema
de grande complexidade na atualidade pois quando natildeo dispostos de forma
adequada geram impactos negativos na seara ambiental econocircmica e so-
cial Cita-se como exemplo a contaminaccedilatildeo dos recursos naturais o au-
mento na quantidade de materiais com valor econocircmico transformados em
lixo e a exclusatildeo social e profissional dosas catadoresas de materiais reciclaacute-
veis
Diante desse cenaacuterio surge em agosto de 2010 a Lei 12305 - Poliacutetica
Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos como uma proposta para resolver os problemas
advindos dos resiacuteduos soacutelidos com uma abordagem de consumo consciente
reciclagem produccedilatildeo sustentaacutevel bem como mudanccedilas de haacutebitos gerando
benefiacutecios social ambiental e econocircmico Em razatildeo dessa legislaccedilatildeo osas
catadoresas de materiais reciclaacuteveis tornaram-se mais visiacuteveis para a socie-
dade moderna diante do seu papel desempenhado frente ao processo de
coleta operacionalizaccedilatildeo e reciclagem do lixo
A mencionada lei preocupou-se em proporcionar para osas catado-
resas de materiais reciclaacuteveis a inclusatildeo social e a emancipaccedilatildeo econocircmica
ou seja buscou-se resolver um problema social marcado pela pobreza desi-
gualdade e exclusatildeo atraveacutes da geraccedilatildeo de renda e da oferta de poliacuteticas
sociais Aduz os direitos sociais como a habitaccedilatildeo educaccedilatildeo alimentaccedilatildeo
e sauacutede estariam garantidos passando a ideia de que as pessoas que labo-
ram manuseando o lixo passem da execuccedilatildeo de um trabalho sem visibilidade
para um trabalho digno e organizado
Nesse vieacutes a proposta de inclusatildeo social contida na Poliacutetica Nacional
dos Resiacuteduos Soacutelidos necessita de uma anaacutelise dentro do pensamento com-
plexo haja vista que a referida lei tem uma visatildeo socioambiental sustentaacutevel
1 Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Cearaacute (UFC
CE) Especialista em Direito Urbaniacutestico e Ambiental pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica
de Minas Gerais (PUCMG) Pesquisadora do Grupo Ecomplex Direito Complexidade e
Meio Ambiente da UNI7CE E-mail laeliaaragaohotmailcom
4
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
69
e complexa trazendo a participaccedilatildeo e destaque dosas catadoresas de ma-
teriais reciclaacuteveis como sujeitos principais para a efetivaccedilatildeo da proteccedilatildeo am-
biental
Destaca-se que a intenccedilatildeo do artigo eacute proporcionar uma reflexatildeo
acerca do processo de inclusatildeo social contido na Poliacutetica Nacional dos Resiacute-
duos Soacutelidos tendo como fio condutor o pensamento complexo Assim questi-
ona-se como ocorre o processo de inclusatildeo social contido na PNRS sob a
perspectiva do pensamento complexo
Como hipoacutetese o processo de inclusatildeo social de acordo com o pensa-
mento complexo propotildee que haja uma rede de interaccedilotildees para que ocorra
com eficiecircncia a inclusatildeo social pois essa inclusatildeo em si natildeo se trata apenas
de um aspecto social a ser observado e sim de vaacuterios outros fatores que me-
recem ser alinhados de forma clara e efetiva
O artigo teve como base o meacutetodo hipoteacutetico-dedutivo iniciando com
uma inquietaccedilatildeo por meio de um problema passando pela formulaccedilatildeo de
uma hipoacutetese e posteriormente por um processo de inferecircncia dedutiva tes-
tando a previsatildeo da ocorrecircncia da hipoacutetese levantada
Diante do exposto o trabalho organiza-se em trecircs toacutepicos o primeiro
refere-se a anaacutelise complexa da inclusatildeo social presente na PNRS No segundo
toacutepico aborda-se a PNRS utilizando como fio condutor o pensamento com-
plexo e finalizando a discussatildeo o terceiro toacutepico examina a gestatildeo dos resiacute-
duos soacutelidos trazendo a participaccedilatildeo dosas catadoresas de materiais reci-
claacuteveis
41 A INCLUSAtildeO SOCIAL E SUA COMPLEXIDADE
A Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos em seu artigo 6ordm inciso III utiliza
como abordagem uma visatildeo sistecircmica na gestatildeo dos resiacuteduos soacutelidos Nesse
vieacutes percebe-se que essa visatildeo traz em sua estrutura o alinhamento das vari-
aacuteveis ambiental social cultural econocircmica tecnoloacutegica e de sauacutede puacuteblica
Sendo por sua vez considerado um princiacutepio dentro da PNRS
Essa visatildeo sistecircmica permite apreender que a gestatildeo dos resiacuteduos soacutelidos
natildeo pode ser feita dentro de uma perspectiva isolada em face das variantes
mencionadas no artigo 6ordm da PNRS Logo a visatildeo sistecircmica como princiacutepio e
natildeo como instrumento enseja sua compreensatildeo distante do paradigma que
impera soberano o das ciecircncias em que prevalece a linearidade e a supres-
satildeo como loacutegica fundamental delas
O entendimento sistecircmico requer uma compreensatildeo dentro de um con-
texto de forma a estabelecer a natureza das relaccedilotildees A principal caracteriacutes-
tica da disposiccedilatildeo dos organismos vivos eacute a natureza hieraacuterquica ou seja a
tendecircncia para formar estruturas de vaacuterios niacuteveis dentro de sistemas Cada um
dos sistemas forma um todo com relaccedilatildeo as suas partes e tambeacutem eacute parte de
um todo A existecircncia de diferentes niacuteveis de complexidade com diferentes
tipos de leis operando em cada niacutevel forma a concepccedilatildeo de complexidade
organizada (VASCONCELLOS 2010)
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
70
Dessa forma quando esse paradigma prevalece estabelece a separa-
ccedilatildeo entre sujeito e objeto assim como filosofia (como investigaccedilatildeo reflexiva)
e ciecircncia (investigaccedilatildeo objetiva) A consequecircncia dessa separaccedilatildeo ou dis-
junccedilatildeo eacute o culto do individualismo assim como o materialismo da ciecircncia gui-
ada pela teacutecnica e por dados quantitativos que formam as especialidades
(MORIN 2011)
Por consequecircncia a visatildeo sistecircmica incentiva um novo paradigma es-
trutural da sociedade a partir da qual as vertentes ambiental social cultural
econocircmica tecnoloacutegica e de sauacutede puacuteblica de acordo com a PNRS passam
a ser exploradas conjuntamente o que evidencia uma nova forma de perce-
ber a gestatildeo dos resiacuteduos como tambeacutem o processo de inclusatildeo dosas ca-
tadoresas
Nessa perspectiva a inclusatildeo social natildeo pode ser compreendida de
forma isolada pois o termo compreende ldquoem fazer parterdquo assim esse fazer
parte natildeo ocorre atraveacutes de partes isoladas A compreensatildeo natildeo pode ser
dissociada do pensamento complexo pois a realidade eacute feita de interaccedilotildees
e o nosso conhecimento eacute incapaz de perceber a complexidade dessas inte-
raccedilotildees ou seja o tecido que junta tudo Portanto o conhecimento torna-se
cada vez mais pertinente quando eacute possiacutevel encaixaacute-lo em um contexto mais
global (MORIN 2006)
Essa mudanccedila de paradigma gera uma perspectiva holiacutestica no acircm-
bito da legislaccedilatildeo e proporciona um novo enfoque multidisciplinar na gestatildeo
dos resiacuteduos soacutelidos os quais devem tambeacutem alcanccedilar as medidas de geren-
ciamento e a accedilatildeo dos agentes sociais Parte-se de uma compreensatildeo trans-
disciplinar no que tange a sistematicidade que a PNRS aborda em toda sua
estrutura como tambeacutem o enfoque aos agentes sociais natildeo somente as em-
presas e o poder puacuteblico mas sim osas catadoresas de materiais reciclaacuteveis
que desempenham uma funccedilatildeo relevante em toda essa estrutura gerencial
dos resiacuteduos
Alinhando a visatildeo sistecircmica ao pensamento complexo podemos inferir
que o pensamento complexo natildeo eacute uma receita pronta mas sim um desafio
de forma que fomente o pensar natildeo significa completude mas sim busca
mostrar que haacute incompletude do pensamento por conta da fragmentaccedilatildeo e
o objetivo primordial eacute superar essa falsa ideia de fragmentaccedilatildeo (MORIN
2002)
O pensamento complexo compreende o reconhecimento do inaca-
bado do incompleto a partir da percepccedilatildeo da inexistecircncia de saberes ab-
solutos e da constataccedilatildeo dos limites da razatildeo Na teoria da complexidade
todo sistema vivo gera relaccedilotildees complexas complementares recorrentes e
antagocircnicas
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
71
Corroborando com este entendimento Boeira (2012 p 250) destaca
que
[] princiacutepio sistecircmico ou organizacional liga o conhecimento das
partes ao conhecimento do todo A ideia sistecircmica eacute oposta agrave redu-
cionista (lsquoo todo eacute mais do que a soma das partesrsquo) A organizaccedilatildeo
do todo produz qualidades novas em relaccedilatildeo agraves partes consideradas
isoladamente as emergecircncias Mas o todo eacute tambeacutem menos do que
a soma das partes cujas qualidades satildeo inibidas pela organizaccedilatildeo
do todo
Dessa forma a ideia do pensamento complexo e de um novo para-
digma natildeo significa ignorar ou derrubar o pensamento formal e quantificador
presente na ciecircncia moderna mas sim ultrapassar a crenccedila que tal pensa-
mento instituiu que aquilo que natildeo eacute quantificaacutevel ou formalizaacutevel faz parte
do irreal ou seja natildeo existe na realidade social econocircmica ou cultural (MO-
RIN 2002)
O fundamento consiste em conseguir reunir dualidades sem que as uni-
dades sejam perdidas ou seja loacutegicas e princiacutepios coexistem sem que haja
anulaccedilatildeo de um sobre o outro mas sim complementariedade Nesse vieacutes a
ideia na Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos eacute promover esse alinhamento
entre os diversos setores com o objetivo de favorecer uma gestatildeo eficiente e
adequada
Por conseguinte natildeo haacute como isolar a inclusatildeo social pois ela necessita
da articulaccedilatildeo de outros setores sociais poliacuteticos e econocircmicos para que sua
atuaccedilatildeo seja efetiva Alinhando-se com o pensamento complexo de Morin
observa-se que o propoacutesito do pensamento complexo eacute sensibilizar para as
carecircncias do modelo fragmentado e compreender que um pensamento mu-
tilador conduz necessariamente agrave accedilotildees mutilantes (MORIN 2011)
Essa dualidade com a separaccedilatildeo do sujeito e objeto satildeo questionaacuteveis
visto que tambeacutem a consciecircncia de uma maneira incerta reflete o mundo
como o sujeito o faz assim pode-se considerar que o mundo reflete o sujeito
sendo impossiacutevel concebecirc-los separadamente Assim permitir que a anaacutelise
natildeo seja isolada do sujeitoobjeto promove uma compreensatildeo mais alargada
das relaccedilotildees sociais principalmente no que tange indiviacuteduo e sociedade (MO-
RIN 2011)
Pensar a complexidade neste contexto eacute uma realidade necessaacuteria
uma vez que o mundo e tudo o que o compotildeem eacute formado por estruturas
complexas que se interligam e se ressignificam constantemente A complexi-
dade eacute uma realidade que nos coloca diante do paradoxo do uno e do muacutel-
tiplo e ao mesmo tempo como uma forma de organizaccedilatildeo do pensamento
que considera as diferentes influecircncias recebidas como um sistema interli-
gado (MORIN 2011)
Um pensamento natildeo simplificado sugere a construccedilatildeo de pontos de
vista abertos que natildeo procurem uniformizar os fenocircmenos da realidade nem
igualar as suas causas favorecendo as condiccedilotildees para que uma ciecircncia que
ldquo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
72
aceita as incertezas e um conhecimento transdisciplinar possam nascer Nessa
compreensatildeo a complexidade se mostra relevante na acepccedilatildeo de que a
Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos natildeo pode ser percebida segmentada
Conforme destaca Belchior em sua anaacutelise (2017 p 52)
A complexidade soacute surge onde o pensamento simplificador falha
mas ela integra em si tudo o que potildee ordem clareza distinccedilatildeo pre-
cisatildeo no conhecimento Enquanto o pensamento simplificador desin-
tegra a complexidade do real o pensamento integra o maacuteximo pos-
siacutevel os modos simplificadores de pensar mas recusa as consequecircn-
cias mutiladoras redutoras unidimensionais e finalmente ofuscantes
de uma simplificaccedilatildeo que considera reflexo do que haacute de real
Nesse contexto o pensamento complexo emerge para nos dizer que o
processo de inclusatildeo social contido na Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos
natildeo deve ser visto de forma fragmentada Pode todavia ser compreendido
como uma maneira de conhecer o mundo dos sujeitos envolvidos no processo
de gestatildeo dos resiacuteduos permitindo despertar mecanismos de enlaces de siacuten-
teses e articulaccedilatildeo de saberes para que realmente esse processo inclusivo
seja alcanccedilaacutevel
42 O PENSAMENTO COMPLEXO E SUA COMPREENSAtildeO DENTRO
DA POLIacuteTICA NACIONAL DE RESIacuteDUOS SOacuteLIDOS
Em face da necessidade de se compreender essa visatildeo complexa con-
veacutem analisar os princiacutepios mais utilizados para se compreender a teoria da
complexidade Satildeo eles princiacutepio sistecircmico princiacutepio hologramaacutetico princiacutepio
do ciacuterculo retroativo princiacutepio do ciacuterculo recursivo princiacutepio da autoeco-orga-
nizaccedilatildeo princiacutepio dialoacutegico e princiacutepio da reintroduccedilatildeo do conhecimento em
si mesmo (BELCHIOR 2017)
Em face da temaacutetica deste artigo somente alguns princiacutepios seratildeo ana-
lisados como o princiacutepio sistecircmico que preleciona que a parte isolada deve
ser agregada ao todo Logo depreende-se que o todo tem particularidades
que natildeo satildeo percebidas nas partes isoladas assim como o contraacuterio pode
ocorrer impedindo uma compreensatildeo coerente do que seja o todo (MORIN
2003)
Nesse silogismo as explanaccedilotildees reducionistas natildeo favorecem o enten-
dimento dessa dinacircmica Agrave medida que se vive um mundo que passa por in-
tensas transformaccedilotildees a ideia de saber se altera como tambeacutem se modifica
a forma de ver o todo Assim natildeo se pode perceber os fatos e contextos iso-
lados ou seja o elo transformador do conhecimento passa por modificaccedilotildees
o tempo todo o que leva a inferir que apreende-se de inuacutemeras maneiras e
com variados meios
Outro princiacutepio que vale destacar eacute o dialoacutegico que pode ser enten-
dido que haacute uma relaccedilatildeo congruente entre a ordem e a desordem A ordem
e a desordem ao mesmo tempo em que suprimem uma a outra em certos
ldquo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
73
casos colaboram e produzem organizaccedilatildeo e complexidade Nesse sentido
o princiacutepio dialoacutegico permite preservar a dualidade no seio da unidade asso-
ciando dois termos ao mesmo tempo complementares e antagocircnicos Sendo
assim o princiacutepio dialoacutegico enfatiza as divergecircncias mas natildeo apenas acentua
oposiccedilotildees entre essas acentua igualmente as possibilidades de conciliaccedilotildees
provisoacuterias (MORIN 2003)
Trazendo esse princiacutepio para a Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos
observa-se que haacute uma relaccedilatildeo dialoacutegica entre osas catadoresas de mate-
riais reciclaacuteveis e o poder puacuteblico haja vista que aquelesas natildeo satildeo valoriza-
dosas e reconhecidosas pelo trabalho que realizam para a sociedade Ade-
mais ao mesmo tempo que essa relaccedilatildeo eacute antagocircnica ela se mostra com-
plementar pelo papel que ambos desempenham para o coletivo
O princiacutepio hologramaacutetico considera que a parte estaacute no todo mas
tambeacutem o todo estaacute na parte Essa noccedilatildeo ultrapassa o reducionismo que soacute
vecirc as partes e o holismo que soacute vecirc o todo Nesse princiacutepio o conhecimento
pode ser visto em rede em que tudo estaacute interligado fazendo parte de uma
grande teia de ideias (BELCHIOR 2017)
A ideia do saber em teia eacute transcendente apontando o conhecimento
como um territoacuterio autocircnomo passiacutevel de acasos e incertezas sujeito a dialeacute-
tica autonomiadependecircncia inerente agrave sociedade agrave cultura e ao indiviacuteduo
respeitando a complexidade que a perpassa Essa concepccedilatildeo nos leva a
pensar que processos emancipatoacuterios podem ser esboccedilados a partir da com-
preensatildeo de um saber que religa e natildeo isola suas muacuteltiplas manifestaccedilotildees
Dessa maneira adicionar essa nova forma de pensar pode significar se
abrir para o diferente e natildeo transformar o saber erudito especializado aca-
decircmico num saber dependente do desejo de prestiacutegio e de poder corrom-
pido pela vaidade quando esses natildeo se fazem acompanhar de uma reflexatildeo
sobre a condiccedilatildeo humana e suas complexidades O saber supotildee uma rearti-
culaccedilatildeo aliada agrave reflexividade (MORIN 2002)
Assim no que tange ao processo de inclusatildeo social inserido na Poliacutetica
Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos aduz que a partir da norma essa ideia do saber
inclusivo eacute um caminho linear supondo preceitos apenas atrelados a fatores
externos O que se percebe eacute uma dicotomia reducionista inclusiva natildeo con-
siderando por sua vez as especificidades e as subjetividades inerentes ao ser
humano que constituem sua realidade social cultural e econocircmica
Essa perspectiva reducionista traz o conhecimento fechado comparti-
mentalizado o que contribui para uma construccedilatildeo baseada em certezas Es-
quecendo-se por sua vez que o conhecimento necessita ser realimentado
permanentemente a fim de produzir emancipaccedilatildeo e liberdade sem negar
os perigos que a sua construccedilatildeo envolve Portanto haacute um dinamismo perma-
nente exigindo que haja uma autoanaacutelise quando se trata das responsabili-
dades sociais
Logo esse dinamismo ligado a teia do saber promove uma pluralidade
dialogal abrindo-se a enxergar o outro e as diferenccedilas que surgem ao longo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
74
do processo emancipatoacuterio Ressaltando que o pensamento transformador
reconhece a incompletude desse conhecimento havendo por sua vez uma
relaccedilatildeo entre a realidade exterior a ser conhecida e o sujeito inclusivo do co-
nhecimento (MORIN 2002)
Segundo a visatildeo reducionista o conhecimento pode ser decomposto
porque as partes que lhes satildeo complementares natildeo satildeo percebidas na sua
amplitude como importantes Esse pensamento simplificador ao recortar os
fenocircmenos parece negar a dinacircmica complexa e natildeo linear do processo que
envolve o saber Ademais o complexo eacute observado apenas pela lente da
simplificaccedilatildeo que reduz e distorce a problemaacutetica observada
Outro princiacutepio de extrema relevacircncia agrave compreensatildeo do pensamento
complexo eacute a autoeco-organizaccedilatildeo sendo compreendido como um princiacute-
pio que busca a autonomia e dependecircncia entre os seres vivos Eles se auto-
organizam bem como se produzem em uma relaccedilatildeo autocircnoma poreacutem haacute
uma dependecircncia de outros seres vivos e do ambiente que os cercam (BEL-
CHIOR 2017)
A compreensatildeo da complexidade demonstra a necessidade de mu-
danccedilas na mentalidade e nas atitudes perante ao que seja entendido como
auto-organizaccedilatildeo bem como as relaccedilotildees de ordem e desordem que ocor-
rem nos processos interativos e as novas formas de ordem que surgem no con-
texto social Por isso o que vale ressaltar eacute a perspectiva de uma visatildeo inte-
gralizadora do ser e para o ser
O conceito de ordem ultrapassa o antigo conceito de lei Na noccedilatildeo de
ordem existe natildeo soacute a ideia do determinismo pautado na estabilidade cons-
tacircncia regularidade repeticcedilatildeo mas tambeacutem a noccedilatildeo de estrutura e ainda
de singularidade Natildeo obstante fenocircmenos desordenados satildeo necessaacuterios
em certas condiccedilotildees em certos casos para a produccedilatildeo de fenocircmenos orga-
nizados que contribuem para o aumento da ordem (MORIN 2003)
Essa relaccedilatildeo entre ordemdesordem estabelece um equiliacutebrio ao que
deve ser percebido entre os seres vivos pertencentes a um bioma complexo
e interativo Ademais considera-se que o ser humano que surge da realidade
complexa eacute um ser pertencente a uma espeacutecie que necessita da ligaccedilatildeo
com a natureza com os outros seres humanos e consigo mesmo para se auto-
conhecer e se transformar num movimento de auto-eco-conhecimento
numa concepccedilatildeo de indiviacuteduo e natureza
A proposta eacute se desvincular de um conceito defasado sobre a ideia da
integralidade do ser humano de que esse possui verdades absolutas e doutri-
nas inquestionaacuteveis Assim compreende-se que a complexidade propotildee ba-
lanccedilar estruturas obsoletas proporcionando uma anaacutelise criacutetica das verdades
auto impostas principalmente no que se refere a questionar paradigmas soci-
ais cientiacuteficos e culturais
Assim a Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos promove uma coopera-
ccedilatildeo sistecircmica entre os envolvidos nesse processo de gestatildeo dos resiacuteduos soacuteli-
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
75
dos coadunando-se por sua vez com a teoria da complexidade pois a legis-
laccedilatildeo busca uma visatildeo sistecircmica de gestatildeo e manutenccedilatildeo dos resiacuteduos Logo
o sucesso da poliacutetica depende da efetividade da teia organizacional de todos
os envolvidos
43 A COMPLEXIDADE NA GESTAtildeO DOS RESIacuteDUOS SOacuteLIDOS
A Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos traz a gestatildeo como accedilotildees que
visam soluccedilotildees para os problemas advindos do consumo considerando por
sua vez as dimensotildees poliacutetica econocircmica ambiental cultural e social sob
uma premissa de desenvolvimento sustentaacutevel
Todavia ela traz um conceito complexo de governanccedila moderna sig-
nificando uma forma mais cooperativa de governo diferente do modelo hie-
raacuterquico antigo em que as autoridades estatais exerciam o poder soberano
sobre os grupos e cidadatildeos que constituiacuteam a sociedade civil Na governanccedila
moderna instituiccedilotildees estatais e natildeo estatais agentes puacuteblicos e privados de-
vem participar e cooperar frequentemente na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo
de poliacuteticas puacuteblicas A estrutura da governanccedila moderna natildeo eacute caracteri-
zada pela hierarquia mas pelos agentes envolvidos em uma rede de coope-
raccedilotildees (MAYNTZ 2001)
Apoacutes essa proposta de uma nova governanccedila osas catadoresas de
materiais reciclaacuteveis satildeo colocadosas dentro de um novo paradigma de in-
clusatildeo social de uma noccedilatildeo socioambiental Assim osas catadoresas de
materiais reciclaacuteveis junto com outros segmentos de tradiccedilatildeo socioambiental
estatildeo na fronteira da defesa dos direitos baseados num modelo de desenvol-
vimento integral (ANANIAS 2008)
Para isso necessita-se criar uma nova forma que pense os sujeitos sociais
como seres de muacuteltiplas possibilidades de conhecimento seres organizadores
e reintegradores As referecircncias estruturais satildeo condiccedilotildees essenciais de um
todo dividido em partes logo as partes necessitam do todo e o todo das par-
tes ou seja desestruturando o todo esse se auto-organiza (MORIN 1997)
A complexidade inserida na Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos trans-
potildee os empecilhos sobrepostos pela dura realidade econocircmico-social dosas
catadoresas de materiais reciclaacuteveis Destarte as vivecircncias do cotidiano com
suas subjetividades promovem relaccedilotildees como um todo e natildeo somente com
os processos isolados da gestatildeo dos resiacuteduos soacutelidos Dessa maneira essa nova
concepccedilatildeo promove um saber que engloba e se reproduz a partir da desor-
dem existente no mundo gerando uma nova forma de gerenciar os resiacuteduos
Agrave vista disso o caminho dosas catadoresas de materiais reciclaacuteveis
perpassa um reconhecimento da diferenccedila que se constroacutei na democracia
E se antes o ideal democraacutetico lutava contra a desigualdade social afir-
mando que todos eram semelhantes hoje se reconhece o contraacuterio somos
todos diferentes mas cada um a sua maneira esforccedilando-se para combinar
as experiecircncias de vida atividades teacutecnicas e econocircmicas comuns a todos
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
76
com a particularidade da identidade pessoal e coletiva de cada um (TOU-
RAINE 1998)
A complexidade corrobora uma perspectiva de que o outro seja enten-
dido natildeo somente como similar mas tambeacutem diferente e detentor de um di-
reito igual de ser reconhecido na sua diferenccedila Esse processo traz uma eman-
cipaccedilatildeo enquanto cidadatildeosatildes autoresas da sua proacutepria histoacuteria possibili-
tando uma inclusatildeo natildeo somente social mas cognitiva dentro de uma espiral
de possibilidades
Assim a teoria da complexidade eacute um combustiacutevel para se buscar um
novo olhar do mundo abrir a janela e olhar aleacutem relacionar o homem com o
ambiente em que vive em todos os seus elementos possiacuteveis ou seja conhe-
cer os traccedilos singulares histoacutericos e originais dos fenocircmenos que desejasse co-
nhecer sem relacionaacute-los somente agraves normas gerais (MORIN 2011)
A proposta da complexidade eacute o rompimento com as determinaccedilotildees
de um conhecimento homogeneizante no sentido de ser possiacutevel produzir
uma interaccedilatildeo com os vaacuterios processos de conhecimento favorecendo a au-
tonomia dos sujeitos e reforccedilando sua identidade cultural Nesses termos os
contornos de uma inclusatildeo social dosas catadoresas de materiais reciclaacuteveis
podem ser mais facilmente percebidos para que ocorra uma relaccedilatildeo dialoacute-
gica entre osas catadoresas o processo de reciclagem e a inclusatildeo social
(MORIN 1999)
A atuaccedilatildeo dosas catadoresas de materiais reciclaacuteveis apresenta-se
hoje como uma alternativa para lidar com a questatildeo dos resiacuteduos soacutelidos que
associa teacutecnica economia e inclusatildeo social No entanto o desafio estaacute em
promover uma visatildeo interdisciplinar pois apesar de essencial para o processo
de gestatildeo e gerenciamento dos resiacuteduos soacutelidos gerados enxergar na recicla-
gem uma soluccedilatildeo aos problemas ambientais e sociais do Brasil aleacutem de be-
neficiar apenas ao modelo capitalista vigente por referendar os padrotildees de
consumo atual e a organizaccedilatildeo social natildeo conduz a uma necessaacuteria racio-
nalidade ambiental que parte de uma visatildeo interdisciplinar de todos os agen-
tes envolvidos assim como de seus reflexos ao longo do tempo (MAGERA
2013)
Contudo em um contexto real osas catadoresas natildeo conseguem se
incluir no processo de responsabilidade compartilhada na reciclagem natildeo
por uma escolha mas em face do sistema atual estabelecido na gestatildeo dos
resiacuteduos soacutelidos que natildeo tem interesse em colocar estes trabalhadores como
participantes desse processo a julgar pela atuaccedilatildeo dos ldquoatravessadoresrdquo que
adquirem os materiais reciclados dos catadoresas a valores iacutenfimos e vendem
com margem de lucro muito maior para as empresas de reciclagem (HOLS-
TON 2013)
Surge assim a necessidade de viabilizar uma educaccedilatildeo ambiental para
que todos compreendam o seu papel no processo de gestatildeo dos resiacuteduos soacute-
lidos Ela eacute tambeacutem um elemento decisivo na transiccedilatildeo para um novo con-
ceito ecoloacutegico permitindo ultrapassar a crise atual atraveacutes da qual seja
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
77
transmitido um novo estilo de vida e que haja uma mudanccedila profunda e pro-
gressiva com escalas de valores e atitudes dominantes na sociedade atual
(GUERRA 2012)
[] a Poliacutetica Nacional de Resiacuteduos Soacutelidos que por seus mecanismos
como a logiacutestica reversa entre tantos outros inaugura um novo mo-
delo de gestatildeo e gerenciamento dos resiacuteduos soacutelidos que mais que
solucionar o problema da disposiccedilatildeo final adequada intenta educar
para o consumo incentivando e ateacute instruindo os consumidores a res-
peito das caracteriacutesticas e peculiaridades dos produtos e serviccedilos
capacitando-os para uma postura proativa de exerciacutecio dessa fa-
ceta da cidadania tornando-os cada vez mais conscientes (EFING
KALIL 2016 p 35)
O entendimento de educaccedilatildeo ambiental coaduna-se com uma pro-
posta transdisciplinar de um conhecimento natildeo linear construindo um arca-
bouccedilo favoraacutevel ao pensamento complexo A percepccedilatildeo eacute considerar uma
amplitude de visotildees para partilhar conhecimentos ligados as dimensotildees hu-
manas e ambientais buscando por sua vez uma relaccedilatildeo dialoacutegica entre
aprender e reaprender
Analisando sobre outra perspectiva Leff (2003) traz um conceito de
complexidade que ele denomina de complexidade ambiental a qual visa re-
conhecer que o aprendizado do mundo parte de cada ser humano em uma
relaccedilatildeo do mundo de cada indiviacuteduo e a natureza que o rodeia Assim para
o autor essa compreensatildeo parte do saber e da identidade de cada indiviacuteduo
ou seja esse processo parte de uma aprendizagem em que o indiviacuteduo
emerge da relaccedilatildeo entre o real e o simboacutelico
A complexidade ambiental extrapola o campo das relaccedilotildees de in-
terdisciplinaridade entre paradigmas cientiacuteficos para um diaacutelogo de
saberes que implica um diaacutelogo entre seres diferentes A complexi-
dade ambiental configura uma globalidade alternativa uma con-
fluecircncia e convivecircncia de mundos de vida em permanente processo
de diversificaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo (LEFF 2003 p 22)
Para compreender a complexidade ambiental eacute necessaacuteria a descons-
truccedilatildeo e reconstruccedilatildeo do pensamento ocidental A desconstruccedilatildeo remete a
compreensatildeo de suas origens e de suas causas para analisar os erros come-
tidos na histoacuteria que se firmaram em falsas certezas sobre o mundo a descobrir
e despertar o ser complexo (LEFF 2003)
A teoria da complexidade propotildee uma interaccedilatildeo ligada na diversi-
dade ou seja os sistemas vivos satildeo complexos e muacuteltiplos Dessa forma de-
senvolve-se uma rede que se interliga por meio de uma interdependecircncia dos
traccedilos sociais culturais e histoacutericos que dependem de uma revalorizaccedilatildeo das
especificidades buscando superar a mentalidade simplista de que o ser hu-
mano eacute o detentor do saber mais real e concreto
ldquo
ldquo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
78
Conforme destaca Capra (2018 p 148)
Para expandir a compreensatildeo sistecircmica da vida ateacute a esfera social
e em particular ateacute as leis humanas podemos postular um modelo
teoacuterico segundo o qual a vida tem uma unidade fundamental e os
diferentes sistemas vivos exibem padrotildees semelhantes de organiza-
ccedilatildeo A evoluccedilatildeo avanccedilou ao longo de bilhotildees de anos e ao fazecirc-lo
nunca deixou de usar os mesmos padrotildees Agrave medida que a vida evo-
lui esses padrotildees tendem a se tornar cada vez mais complexos mas
nunca deixam de ser variaccedilotildees dos mesmos temas baacutesicos O padratildeo
em rede em particular eacute um dos padrotildees baacutesicos de organizaccedilatildeo
em todos os sistemas vivos Em todos os niacuteveis os componentes e pro-
cessos dos sistemas vivos satildeo interligados em rede Portanto expandir
a concepccedilatildeo sistecircmica da vida agrave esfera social significa aplicar agrave re-
alidade social nosso conhecimento dos padrotildees e princiacutepios de orga-
nizaccedilatildeo baacutesicos da vida e especificamente nossa compreensatildeo
das redes vivas
Essa visatildeo sistecircmica promove uma educaccedilatildeo ligada agrave questatildeo ambien-
tal como forma de promover uma conscientizaccedilatildeo de todos os seres envolvi-
dos nessa teia chamada vida merece ser compreendida atraveacutes de uma au-
tonomia dos sujeitos como seres livres e pensantes Conforme destaca Morin
Precisa-se de uma reconstruccedilatildeo precisa-se das noccedilotildees de autono-
mia dependecircncia da noccedilatildeo de individualidade da noccedilatildeo de au-
toproduccedilatildeo da concepccedilatildeo de um elo recorrente onde estejam ao
mesmo tempo o produto e o produtor [] Precisamos portanto de
uma concepccedilatildeo complexa de sujeito (MORIN 2003 p 128)
Assim se faz mister destacar a justiccedila ambiental como pressuposto da
responsabilidade sendo entendida como o dever de respeitar e cuidar do
outro bem como a humanidade como um todo e a natureza em sentido am-
plo Eacute praticamente impossiacutevel separar os dois planos sem desfigurar a imagem
do homem Os interesses da humanidade coincidem com o resto da vida
logo a ideia eacute um dever para com a humanidade sem incorrer em um redu-
cionismo antropocecircntrico (JONAS 2006)
A justiccedila ambiental promove um novo paradigma acerca das questotildees
ambientais como tambeacutem a perspectiva multidisciplinar de se solucionar os
problemas advindos da sociedade atual Esse novo modelo busca uma cone-
xatildeo pautada no pensamento complexo em que a relaccedilatildeo dialoacutegica entre
ordem e desordem satildeo as chaves para se perceber a ligaccedilatildeo entre os seres
vivos
O estado transitoacuterio do conhecimento revela o princiacutepio de incomple-
tude e da incerteza que perpassam os saberes Segundo esse raciociacutenio a
competecircncia para a complexidade natildeo pode ser completa Eacute tarefa sempre
inconclusa uma qualidade que permite o autoconhecimento numa primeira
instacircncia para num momento posterior compreender os conhecimentos
(MORIN 2003b)
ldquo
ldquo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
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Para Morin o aprendizado eacute constante porque o ser humano eacute autocirc-
nomo em suas potencialidades cognitivas o meio social estaacute no seu interior
assim auto-organiza-se destacado pela sua autonomia e liga-se ao meio so-
cial pela abertura e pela troca que acompanham qualquer processo de com-
plexidade (MORIN 1990)
Ratifica-se portanto que a teoria da complexidade olha para muacuteltiplas
direccedilotildees capaz de gerar a transdisciplinaridade no sentido de permitir simul-
taneamente a unidade cientiacutefica e sua diferenciaccedilatildeo suas possibilidades
compreendendo as complexidades cognitivas que envolvem a organizaccedilatildeo
do saber (MORIN 1990)
O conhecimento enquanto atitude originaacuteria de sentido permite que
o ser humano aprimore as relaccedilotildees consigo mesmo situando-se no meio em
que vive Nesse processo complexo junto com o outro ser vivo ocorre um
compartilhamento ou oposiccedilatildeo a esse outro ser vivo que lhe eacute complementar
oa homemmulher se identifica compreendendo que sua parte completa o
todo
Morin (2000 p 79-80) por sua vez esclarece que
A histoacuteria humana foi e continua a ser uma aventura desconhecida
Grande conquista da inteligecircncia seria poder enfim se libertar da ilu-
satildeo de prever o destino humano O futuro permanece aberto [] O
progresso eacute certamente possiacutevel mas eacute incerto A isso acrescentam-
se todas as incertezas devido agrave velocidade e agrave aceleraccedilatildeo dos pro-
cessos complexos e aleatoacuterios de nossa era planetaacuteria
Por fim a anaacutelise do pensamento complexo inserido na Poliacutetica Nacional
dos Resiacuteduos Soacutelidos constitui uma interpretaccedilatildeo de alguns eixos dentre os
quais destacam-se o dinamismo na perspectiva de que o saber se encontra
em permanente evoluccedilatildeo sugestionando novas soluccedilotildees para os problemas
socioambientais a natildeo linearidade do conhecimento alinhada ao pensa-
mento reducionista a transdisciplinaridade do conhecimento que contempla
o significado das interdependecircncias e dos elos existentes entre os inuacutemeros
saberes que pontuam a nossa existecircncia enfocando a concepccedilatildeo de espe-
cializaccedilatildeo na oacuteptica do pensamento complexo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Em termos de conclusatildeo tenta-se expor a realidade em sua forma con-
traditoacuteria pode-se dizer que problematizar a reciclagem contribuiu para
apontar alguns limites acerca da inclusatildeo social presente na PNRS Pois
mesmo conferindo reconhecimento juriacutedico na inclusatildeo social presente na
PNRS esta carrega em si uma visatildeo bem fora da realidade vivenciada pelosas
catadoresas de materiais reciclaacuteveis
Dessa forma o pensamento complexo pode ser o ponto de partida ca-
paz de favorecer o entendimento dos processos culturais sociais e ambientais
enquanto conceito interligado que promove um diaacutelogo amplo com a socie-
dade e o estado Reconhecendo assim que somos seres interdependentes e
ldquo
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80
que estamos conectados a uma rede universal e complexa Logo compreen-
der que a gestatildeo dos resiacuteduos natildeo ocorre de forma isolada mas sim de forma
conjunta e articulada eacute o ponto inicial para a compreensatildeo do papel dosas
catadoresas de materiais reciclaacuteveis em toda essa estrutura laboral e mais
precisamente das mulheres que atuam nesse processo da cataccedilatildeo
Desta forma torna-se inegaacutevel a contribuiccedilatildeo dos catadoresas para a
sociedade atraveacutes de accedilotildees que minimizem o problema dos resiacuteduos colabo-
rando para a preservaccedilatildeo do meio ambiente e conservaccedilatildeo dos recursos na-
turais Haja vista que a atividade dosas catadoresas de materiais reciclaacuteveis
se relaciona com a proteccedilatildeo da natureza limpeza da cidade reciclagem
aleacutem de um componente social que eacute a geraccedilatildeo de renda e o sustento da
famiacutelia dessesas profissionais
A Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos pode ser compreendida como
um meio colaborativo reconstrutor conectivo entre o meio ambiente socie-
dade e os gestores A efetividade legislativa soacute parece realizaacutevel com a visibi-
lidade de saberes partilhados Logo o entendimento construiacutedo pela comple-
xidade pode afastar a ideia simplista e redutora de que os fenocircmenos ldquosatildeo
como satildeordquo numa tentativa mascarada de escamotear nossa interferecircncia e
nossa responsabilidade nas circunstacircncias histoacuterico-soacutecio-culturais
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olhares para a contemporaneidade
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2003b
MORIN Edgar O meacutetodo 4 as ideacuteias Porto Alegre Sulina 1999
82
AS FUNCcedilOtildeES DA CIDADE
transdisciplinaridade e complexidade
Liacutevia Brandatildeo Mota Cavalcanti1
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 51 A transdisciplinaridade das funccedilotildees da ci-
dade no ordenamento juriacutedico brasileiro 52 Delineando as funccedilotildees
da cidade 53 A complexidade das funccedilotildees da cidade Considera-
ccedilotildees finais Referecircncias
INTRODUCcedilAtildeO
O presente artigo apresenta como objeto a anaacutelise das funccedilotildees da ci-
dade e sua inserccedilatildeo nos estudos da transdisciplinaridade e do pensamento
complexo segundo os trabalhos do educador Edgar Morin Reflete-se sobre
como a transdisciplinaridade deve ser observada nas funccedilotildees urbaniacutesticas
aleacutem de o que satildeo estas e onde se encontram Por fim pondera-se sobre os
pressupostos da Teoria da Complexidade e sua contribuiccedilatildeo para a operaci-
onalizaccedilatildeo de tais funccedilotildees
A definiccedilatildeo do tema surge pelo interesse em compreender alguns dos
mecanismos que devem ser utilizados no momento de planejar os investimen-
tos puacuteblicos e suas execuccedilotildees pela Administraccedilatildeo Puacuteblica municipal - sob as
perspectivas do Direito Urbaniacutestico Administrativo e Ambiental ndash posterior-
mente usufruiacutedos pela populaccedilatildeo
A pesquisa possui a seguinte pergunta de partida como e em que me-
dida o pensamento complexo - este novo pensar e suas perspectivas consci-
entes das multidimensotildees jaacute conhecidas da sustentabilidade - contribui para
a cumprimento dos direitos agrave moradia ao labor ao transporte e ao lazer con-
forme definido pela Carta Constitucional de 1988 e tambeacutem compreendidos
como funccedilotildees da cidade
O meacutetodo hipoteacutetico dedutivo foi empregado para a realizaccedilatildeo deste
trabalho cientiacutefico por meio de pesquisa exploratoacuteria e revisatildeo de literatura
com anaacutelise criacutetica de doutrinas artigos relatoacuterio e carta
Os toacutepicos foram desenvolvidos de maneira a compreender a transdis-
ciplinaridade e a complexidade presentes nos conteuacutedos das funccedilotildees da ci-
dade pontuando o seu encaixe no ordenamento juriacutedico brasileiro Aleacutem
disso intentou-se reconhecer quais pressupostos da Teoria da Complexidade
podem ser agregados ao estudo destas funccedilotildees e de que forma dar-se-ia tal
aproveitamento
1 Especialista em Direito e Processo Administrativos pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR
CE) Bacharela em Direito pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Advogada E-
mail liviabrandaomotahotmailcom
5
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
83
Por fim espera-se atraveacutes deste trabalho contribuir para a observaccedilatildeo
da importacircncia do atendimento das funccedilotildees da cidade como garantidor de
direitos sociais baacutesicos nos ambientes urbanos sustentaacuteveis atraveacutes de um olhar
complexo
51 A TRANSDISCIPLINARIDADE DAS FUNCcedilOtildeES DA CIDADE NO
ORDENAMENTO JURIacuteDICO BRASILEIRO
A discussatildeo sobre o instituto das funccedilotildees da cidade jaacute nasceu sobre uma
perspectiva de muacuteltiplas vertentes pois teacutecnicos do urbanismo definiram seus
conceitos os quais passiacuteveis de utilizaccedilatildeo em poliacuteticas puacuteblicas implementadas
nos espaccedilos urbanos pelas gestotildees municipais estas se baseando no Direito
Administrativo Entrelaccedilado a tudo isso o Direito Ambiental possibilitou aos im-
perativos de sustentabilidade sua aplicaccedilatildeo quando fatores de anaacutelise do
cumprimento das funccedilotildees da cidade
A compreensatildeo da sincronicidade entre as diversas ciecircncias e mais pro-
fundamente entre as searas juriacutedicas permite analisar as problemaacuteticas como
inseridas em um todo onde cada soluccedilatildeo apresentada gera consequecircncias
de outras ordens Cabe portanto prestigiar de igual forma os Direitos Urbaniacutes-
tico Administrativo e Ambiental ao tratar de funccedilotildees dos espaccedilos urbanos
atentando-se de maneira conjunta agraves poliacuteticas implantadas e visando o me-
nor comprometimento possiacutevel do ambiente Logo as questotildees devem ser
analisadas permeando os diversos acircmbitos envolvidos de maneira a encon-
trar soluccedilotildees viaacuteveis oriundas de um pensar local e global
A inadequaccedilatildeo com efeito tem crescido constantemente entre
nossos saberes parcelados compartimentados entre disciplinas e en-
tre os problemas multidimensionais transnacionais globais planetaacute-
rios A divisatildeo das disciplinas nos torna incapazes de apreender a
complexidade da palavra complexus ldquoo que eacute tecido juntordquo O de-
safio da globalidade eacute um desafio da complexidade Na histoacuteria pla-
netaacuteria as interaccedilotildees e retroaccedilotildees entre os processos econocircmicos
poliacuteticos religiosos demograacuteficos cientiacuteficos teacutecnicos jaacute incontaacuteveis
estatildeo constantemente aumentando Ora uma das trageacutedias do
pensamento atual eacute que nossas universidades e escolas superiores
produzem eminentes especialistas cujo pensamento eacute muito compar-
timentado O economista enxerga apenas a dimensatildeo econocircmica
das coisas assim como o religioso e o demoacutegrafo nas suas respectivas
aacutereas e todos encontram dificuldade para entender as relaccedilotildees en-
tre duas dimensotildees A inteligecircncia que sabe apenas separar quebra
a complexidade do mundo em fragmentos isolados diminuindo as
chances de compreensatildeo e reflexatildeo (MORIN VIVERET 2013 p 8)
Os entes municipais conforme a organizaccedilatildeo poliacutetico-administrativa da
federaccedilatildeo brasileira encontram-se responsaacuteveis por mateacuterias de interesse lo-
cal sejam elas competecircncias legislativas ou administrativas Prevalece a com-
petecircncia municipal se os assuntos repercutem fortemente na sua esfera e no
ldquo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
84
interesse da populaccedilatildeo local pois natildeo haacute hierarquia entre as leis dos diferen-
tes entes apenas melhor adequaccedilatildeo advinda da reparticcedilatildeo de competecircn-
cias constitucional (FIGUEIREDO 2005 p 58)
Tais incumbecircncias municipais orientadas pelo artigo 30 da Constituiccedilatildeo
Federal de 19882 submetem-se diretamente agrave poliacutetica de desenvolvimento ur-
bano (CARMONA MENDES 2016 p 30)
Natildeo haacute como se traccedilar um desenvolvimento urbano segundo o artigo
182 da Carta Constitucional3 de acordo com as funccedilotildees sociais da cidade
sem atentar para o direito fundamental encartado pelo artigo 225 CF19884
Este define ser direito-dever da sociedade e da Administraccedilatildeo Puacuteblica zelar
pelo meio ambiente saudaacutevel incluiacutedo o ambiente urbano
O artigo 182 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 embasa o ordenamento
juriacutedico no tocante agrave propriedade urbana e define claramente a imperiosi-
dade do atendimento das funccedilotildees sociais O caput deste artigo evidencia a
orientaccedilatildeo pelo bem-estar da populaccedilatildeo esta sendo compreendida pelos
habitantes de hoje e por aqueles que em um futuro faratildeo da cidade o es-
paccedilo que abrigaraacute suas relaccedilotildees interpessoais laborais e culturais
Inadmitir portanto uma poliacutetica urbana voltada agraves demandas de um
ambiente saudaacutevel e acessiacutevel a todos contraria a reparticcedilatildeo de competecircn-
cias instituiacuteda pelo constituinte haja vista que os conglomerados urbanos
apresentam papel primordial de ofertar aos seus citadinos atuais e futuros
condiccedilotildees sustentaacuteveis para habitar laborar circular e recrear
As zonas urbanas promovem tais objetivos compreendidos como as
funccedilotildees da cidade Inicialmente pelo seu caraacuteter pro moradia pois todos al-
mejam minimamente um espaccedilo para se fixar Apoacutes pelo fato de que os aglo-
merados urbanos concentram mais serviccedilos e demandas e em consequecircn-
cia ofertam mais oportunidades de labor Nesse jogo de necessidades e so-
nhos aumentam os fluxos e as concentraccedilotildees de habitantes aleacutem das possi-
bilidades de realizaccedilatildeo de inuacutemeras atividades recreativas ao redor das ci-
dades exigindo proteccedilatildeo legal para a sua organizaccedilatildeo
No plano federal a proteccedilatildeo infraconstitucional inicia-se pelo Estatuto
da Cidade Lei 10257 de 2001 cuja normatizaccedilatildeo do atendimento agraves funccedilotildees
sociais urbanas perpassa necessariamente pela garantia do direito a cidades
2 Art 30 Compete aos Municiacutepios
I - legislar sobre assuntos de interesse local []
VIII - promover no que couber adequado ordenamento territorial mediante planeja-
mento e controle do uso do parcelamento e da ocupaccedilatildeo do solo urbano
3 Art 182 A poliacutetica de desenvolvimento urbano executada pelo Poder Puacuteblico municipal
conforme diretrizes gerais fixadas em lei tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento
das funccedilotildees sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes
4 Art 225 Todos tecircm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso
comum do povo e essencial agrave sadia qualidade de vida impondo-se ao Poder Puacuteblico e agrave
coletividade o dever de defendecirc-lo e preservaacute-lo para as presentes e futuras geraccedilotildees
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
85
sustentaacuteveis conforme expressatildeo dos incisos I V VIII e X do artigo 2ordm 5 Nas
palavras de Juliana Cavalcante dos Santos (2014 p 568) ldquoassume o citado
Estatuto caracteriacutesticas de lei geral de direito urbaniacutestico disciplinando de
forma ateacute mesmo casuiacutestica a poliacutetica urbana trazendo luz aos ideais de ci-
dades democraacuteticas sustentaacuteveis e planejadasrdquo
Desse modo o Estatuto confere eficaacutecia plena agraves normas constitucio-
nais de desenvolvimento urbano sustentaacutevel e maior aplicabilidade para que
tais diretivas pertenccedilam agrave realidade dos cidadatildeos nas suas comunidades
contribuindo para a seguranccedila o bem-estar e o equiliacutebrio ambiental (CAR-
MONA MENDES 2016 p 30)
A visatildeo de um conglomerado urbaniacutestico sustentaacutevel possibilitando o
equiliacutebrio entre as funccedilotildees sociais da cidade deriva de uma ordenaccedilatildeo esti-
pulada pelo proacuteprio Estatuto Tal ordem urbaniacutestica direciona a praacutetica dos
diferentes agentes que permeiam as cidades os quais devem observar as di-
retrizes do seu artigo 2ordm Quando atendidas tem-se concretizado o direito co-
letivo a uma cidade sustentaacutevel (SUNDFELD 2014 p 56)
A relevacircncia da legislaccedilatildeo na esfera municipal encontra-se na persecu-
ccedilatildeo de melhoramentos bastante singulares para o ente em questatildeo po-
dendo-se estudar e detalhar particularidades da cidade e formas de executar
tais melhorias Visando ao atendimento do interesse puacuteblico as LOMs satildeo ex-
celentes instrumentos de regulaccedilatildeo em consonacircncia com as normas nacio-
nais e federais em prol da efetivaccedilatildeo das funccedilotildees urbanas
Eacute da mais urgente necessidade que cada cidade estabeleccedila seu
programa promulgando leis que permitam sua realizaccedilatildeo () A lei
fixaraacute o ldquoestatuto do solordquo dotando cada funccedilatildeo-chave dos meios
de melhor se exprimir de se instalar nos terrenos mais favoraacuteveis e as
distacircncias mais proveitosas Ela deve prever tambeacutem a proteccedilatildeo e a
guarda das extensotildees que seratildeo ocupadas um dia Ela teraacute o direito
de autorizar ndash ou de proibir ndash ela favoreceraacute todas as iniciativas ade-
quadamente planejadas mas velaraacute para que elas se insiram no
5 Art 2o A poliacutetica urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funccedilotildees
sociais da cidade e da propriedade urbana mediante as seguintes diretrizes gerais
I ndash garantia do direito a cidades sustentaacuteveis entendido como o direito agrave terra urbana agrave
moradia ao saneamento ambiental agrave infra-estrutura urbana ao transporte e aos serviccedilos
puacuteblicos ao trabalho e ao lazer para as presentes e futuras geraccedilotildees []
V ndash oferta de equipamentos urbanos e comunitaacuterios transporte e serviccedilos puacuteblicos ade-
quados aos interesses e necessidades da populaccedilatildeo e agraves caracteriacutesticas locais []
VIII ndash adoccedilatildeo de padrotildees de produccedilatildeo e consumo de bens e serviccedilos e de expansatildeo ur-
bana compatiacuteveis com os limites da sustentabilidade ambiental social e econocircmica do
Municiacutepio e do territoacuterio sob sua aacuterea de influecircncia []
X ndash adequaccedilatildeo dos instrumentos de poliacutetica econocircmica tributaacuteria e financeira e dos gastos
puacuteblicos aos objetivos do desenvolvimento urbano de modo a privilegiar os investimentos
geradores de bem-estar geral e a fruiccedilatildeo dos bens pelos diferentes segmentos sociais (gri-
fos nossos)
ldquo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
86
plano geral e sejam sempre subordinadas aos interesses coletivos que
constituem o bem puacuteblico (LE CORBUSIER 1993 p 69)
Aleacutem da especificidade que tais normas podem e devem abordar o
ordenamento local constitui-se poderoso no tocante agrave inclusatildeo de agentes
externos agrave maacutequina estatal facilitadores de poliacuteticas puacuteblicas que atendam
agraves funccedilotildees urbanas Assim sendo considera-se o terceiro setor ou mesmo o
setor privado como capazes de contribuir com o desenvolvimento sustentaacutevel
das cidades
Para aleacutem disso existem outros aspectos que reforccedilam a importacircncia
do niacutevel local Nas cidades satildeo identificadas natildeo somente as neces-
sidades urgentes e as lacunas de desenvolvimento como tambeacutem
os atores locais tanto do setor privado como da sociedade civil que
podem ser incorporados pelos governos em accedilotildees que contribuam
com o alcance da Agenda 2030 () Ao realizar o planejamento eacute
fundamental que os municiacutepios estabeleccedilam objetivos que estejam
dentro de seu escopo de atuaccedilatildeo e que correspondam ao mandato
do governo local Ou seja eacute necessaacuterio fazer propostas que conside-
rem as necessidades com base em dados mas tambeacutem a governa-
bilidade para adequar a proposta agraves caracteriacutesticas do contexto so-
cial poliacutetico e econocircmico do municiacutepio (ONU-Habitat e Colab 2019
p 92)
No contexto municipal a partir da Lei Orgacircnica de Fortaleza percebe-
se o entrelaccedilamento entre todo o ordenamento juriacutedico no tocante agraves poliacuteti-
cas urbanas quando esta reproduz em seu artigo 190 inciso I as normas con-
tidas no artigo 2ordm inciso I do Estatuto da Cidade referentes agraves funccedilotildees urba-
nas
Por oacutebvio que o Estatuto em si natildeo acarreta os resultados persegui-
dos O estabelecimento e regulamentaccedilatildeo da poliacutetica urbana insti-
tuiacuteda pela Constituiccedilatildeo Federal longe de alcanccedilar seus desiacutegnios
pretende com as figuras e institutos do Estatuto fornecer instrumental
em niacutevel municipal para ordenaccedilatildeo do espaccedilo urbano visando agraves
funccedilotildees sociais mencionadas iluminadas pela dignidade da pessoa
humana (SANTOS 2014 p 570)
Jaacute o Plano Diretor Participativo do municiacutepio de Fortaleza ndash CE corres-
pondente agrave Lei Complementar municipal 62 de 2009 normatiza funccedilotildees urba-
nas quando insere poliacuteticas de mobilidade e de moradia como objetivos do
dispositivo e consequentemente poliacuteticas puacuteblicas municipais
Conforme o seu artigo 4ordm inciso XVI 6 tem-se que natildeo se infere apenas
como meta para nortear os serviccedilos ofertados pelo Poder puacuteblico mas tam-
beacutem preocupaccedilatildeo merecedora de uma poliacutetica de mobilidade discriminada
6 Art 4ordm Satildeo objetivos deste Plano Diretor [] XVI ndash promover a acessibilidade e a mobilidade
universal garantindo o acesso de todos os cidadatildeos a qualquer ponto do territoacuterio atraveacutes
da rede viaacuteria e do sistema de transporte coletivo
ldquo
ldquo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
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por todo um capiacutetulo da referida lei em conformidade com os artigos 35 e
seguintes
Por meio do estudo do instituto das funccedilotildees da cidade em ciecircncias e
esferas diferenciadas almeja-se a discussatildeo das problematizaccedilotildees comuns
aos espaccedilos urbanos sem intenccedilatildeo de esgotamento mas de ldquoabertura de
todas as disciplinas ao que as une e as ultrapassardquo (Carta da Transdisciplina-
ridade 1994 p 2)
Correlacionados os dispositivos supracitados surge a necessidade de
compreender as funccedilotildees da cidade de habitar trabalhar circular e recrear
as quais derivam tanto da preocupaccedilatildeo do legislador em oferecer uma poliacute-
tica urbana sustentaacutevel como da atenccedilatildeo agraves necessidades das pessoas que
vivem a cidade com as suas singularidades E neste contexto de aproveita-
mento e fusatildeo de conhecimentos de diferentes aacutereas cabe a reflexatildeo da
complexidade inerente as discussotildees das funccedilotildees da cidade
52 DELINEANDO AS FUNCcedilOtildeES DA CIDADE
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 trouxe no artigo 182 as funccedilotildees sociais
da cidade muito embora natildeo tenha se debruccedilado na identificaccedilatildeo das mes-
mas (GARCIAS BERNARDI 2008) cabendo a doutrina elucidar o tema Joseacute
Afonso da Silva (2011 p 819) afirma que
Com as normas dos arts 182 e 183 a Constituiccedilatildeo fundamenta a dou-
trina segundo a qual a propriedade urbana eacute formada e condicio-
nada pelo direito urbaniacutestico a fim de cumprir sua funccedilatildeo social es-
peciacutefica realizar as chamadas funccedilotildees urbaniacutesticas de propiciar ha-
bitaccedilatildeo (moradia) condiccedilotildees adequadas de trabalho recreaccedilatildeo e
de circulaccedilatildeo humana
Muito embora tais funccedilotildees da cidade natildeo estejam expressas no art 182
o direito ao trabalho agrave moradia ao transporte e ao lazer encontram-se pre-
vistos no art 6ordm da CF19887 como direitos sociais e como a base para a pro-
teccedilatildeo das funccedilotildees urbanas nas diferentes espeacutecies normativas anteriormente
apontadas
Coube ao Direito Urbaniacutestico organizar a poliacutetica de desenvolvimento
urbano baseando-se nos supracitados artigos constitucionais e adicionando
o caraacuteter de ordenaccedilatildeo tatildeo proacuteprio dos demais instrumentos reguladores das
cidades Em atenccedilatildeo a este conjunto de elementos normativos que configu-
ram a base do Direito Urbaniacutestico cabe ao gestor puacuteblico a execuccedilatildeo destas
normas em prol do interesse puacuteblico isto eacute o pleno desenvolvimento das fun-
ccedilotildees socias da cidade aliado agrave garantia do bem-estar de seus habitantes
A ligaccedilatildeo constitucional entre as noccedilotildees de ldquodireito urbaniacutesticordquo e de
ldquopoliacutetica urbanardquo (poliacutetica puacuteblica) jaacute eacute capaz de nos dizer algo sobre
7 Art 6ordm Satildeo direitos sociais a educaccedilatildeo a sauacutede a alimentaccedilatildeo o trabalho a moradia o
transporte o lazer a seguranccedila a previdecircncia social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave in-
facircncia a assistecircncia aos desamparados na forma desta Constituiccedilatildeo
ldquo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
88
o conteuacutedo desse direito que surge como o direito de uma ldquofunccedilatildeo
puacuteblicardquo chamada urbanismo pressupondo finalidades coletivas e
atuaccedilatildeo positiva do Poder Puacuteblico a quem cabe fixar e executar a
citada poliacutetica Pode-se entatildeo afirmar o caraacuteter publiciacutestico do di-
reito urbaniacutestico pois este ramo do Direito nasce justamente para
construir no tocante agrave gestatildeo dos bens privados um sistema decisoacute-
rio complexo em que o Estado exerce papel preponderante []
(SUNDFELD 2014 p 50)
Segundo Hely Lopes Meirelles (2008 p 525) a ciecircncia do Urbanismo en-
contra-se com o Direito produzindo orientaccedilotildees normativas que buscam efe-
tivar as quatro funccedilotildees urbanas quais sejam habitar laborar circular e re-
crear por coexistirem nas mais baacutesicas relaccedilotildees humanas no contexto das ci-
dades
As exigecircncias urbaniacutesticas desenvolveram-se de tal modo nas naccedilotildees
civilizadas e passaram a pedir soluccedilotildees juriacutedicas que se criou em nos-
sos dias o direito urbaniacutestico ramo do direito puacuteblico destinado ao
estudo e formulaccedilatildeo dos princiacutepios e normas que devem reger os es-
paccedilos habitaacuteveis no seu conjunto cidade-campo Na amplitude
desse conceito incluem-se todas as aacutereas em que o homem exerce
coletivamente qualquer de suas quatro funccedilotildees essenciais na comu-
nidade ndash habitaccedilatildeo trabalho circulaccedilatildeo e recreaccedilatildeo ndash excluiacutedas
somente as terras de exploraccedilatildeo agriacutecola pecuaacuteria ou extrativa que
natildeo afetem a vida urbana (MEIRELLES 2008 p 525) (grifos no original)
De maneira mais explicativa constatam-se os vaacuterios setores que se be-
neficiam diretamente da efetivaccedilatildeo das funccedilotildees da cidade comprovando
serem de suma importacircncia para o desenvolvimento urbano sem as quais
nem se consegue discutir crescimento e vida urbana
Analisando-se o texto constitucional pode-se muito bem considerar
que a rigor o objetivo de garantir o bem-estar dos habitantes da ci-dade ja esta contido no de desenvolvimento das func oes sociais da
cidade Desenvolver as func oes sociais de uma cidade representa
implementar uma serie de acoes e programas que tenham por alvo
a evolucao dos varios setores de que se compo e uma comunidade
dentre eles os pertinentes ao come rcio a industria a prestac ao de
servicos a assistencia me dica a educacao ao ensino ao transporte
a habitacao ao lazer e enfim todos os subsistemas que sirvam para
satisfazer as demandas coletivas e individuais (CARVALHO FILHO
2013 p 19)
Originaacuterias da Carta de Atenas de 1933 e resultado do IV Congresso In-
ternacional de Arquitetura Moderna as funccedilotildees urbaniacutesticas servem como cri-
teacuterios norteadores para os agentes propulsores de poliacuteticas puacuteblicas haja vista
que permitem aos administrados executar funccedilotildees baacutesicas relativas ao labor
agrave moradia agrave circulaccedilatildeo e ao lazer
Inicialmente resultado das discussotildees de teacutecnicos do Urbanismo com o
advento da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e a preocupaccedilatildeo do legislador em
ldquo
ldquo
ldquo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
89
atentar para o pleno desenvolvimento das funccedilotildees sociais da cidade a dou-
trina do Direito Urbaniacutestico resgatou tais funccedilotildees da Carta Originaacuteria de Ate-
nas identificando sua eficaacutecia para o ordenamento juriacutedico
Este manifesto ldquodefinia como elementos do urbanismo o sol o verde e
o espaccedilo e que por meio da organizaccedilatildeo das funccedilotildees-chave minus trabalhar ha-
bitar circular e recrear que seriam autocircnomas entre si minus dar-se-ia a organiza-
ccedilatildeo da sociedade na cidade contemporacircneardquo (KANASHIRO M 2004 p 34)
Longe de tornar utoacutepica a sistematizaccedilatildeo da cidade tais funccedilotildees apenas re-
presentam o mais baacutesico que se entende e se espera de um centro urbano
sem o qual se complica sobremaneira os laccedilos afetivos e econocircmicos dos ci-
tadinos
Com o estabelecimento das quatro funccedilotildees reconheceram-se direitos
e deveres dos administrados e da Administraccedilatildeo Puacuteblica de maneira a favo-
recer as relaccedilotildees pessoas-espaccedilos conforme a ordenaccedilatildeo proposta pelo Di-
reito Urbaniacutestico e a Ciecircncia do Urbanismo Enquanto a populaccedilatildeo tem o di-
reito a espaccedilos para moradia trabalho locomoccedilatildeo e recreaccedilatildeo bem como
o dever de manter saudaacuteveis estes ambientes cabe ao Poder Puacuteblico ofertar
tais espaccedilos e regulamentaacute-los
Viver na cidade obriga a que todos se sintam subordinados agraves suas
funccedilotildees ou seja um lugar onde residir os locais de trabalho e de es-
tudo os lugares de circulaccedilatildeo e os espaccedilos especiacuteficos da recrea-
ccedilatildeo Assim deveriacuteamos entender uma cidade dentro do conceito de
urbanismo (STUCCHI 2001 p 101)
Para os estudiosos do urbanismo diz-se que a Carta representa o con-
teuacutedo do Urbanismo Funcionalista aleacutem de atentar para o desenvolvimento
da cidade dentro de um planejamento regional e de submeter os interesses
da propriedade privada aos interesses coletivos (LE CORBUSIER 1993)
O funcionalismo ou racionalismo do documento reside no fato que se
estabeleceram as funccedilotildees sociais da cidade observando noccedilotildees de necessi-
dade do homem meacutedio conforme suas atividades cotidianas de modo a es-
tabelecer o mais adequado arranjo urbano (HUMBERT 2015 p 84)
As quatro funccedilotildees elementares encontram-se interligadas apresen-
tando como veacutertebra a jornada diaacuteria do homem meacutedio e considerando a
demanda numerosa da populaccedilatildeo de uma aacuterea urbanizada
O trabalho o ambiente de trabalho a induacutestria o comeacutercio e os ser-
viccedilos satildeo atividades fundamentais para a sustentabilidade econocirc-
mica de uma cidade De fato o trabalho sempre seraacute uma funccedilatildeo
primordial da vida urbana A habitaccedilatildeo eacute o principal refuacutegio do nuacute-
cleo familiar A existecircncia de preacutedios para a habitaccedilatildeo eacute uma das
carateriacutesticas primordiais do ambiente urbano desde tempos imemo-
riais () Outra funccedilatildeo urbaniacutestica essencial da cidade eacute o lazer Os
espaccedilos de recreaccedilatildeo do encontro do contato social entre os mo-
radores do ambiente urbano satildeo importantes para a realizaccedilatildeo in-
tegral do ser humano Satildeo geralmente nesses contatos que nascem
ldquo
ldquo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
90
os relacionamentos humanos em todas as esferas de sorte a intensi-
ficar os laccedilos familiares de solidariedade e o sentimento de unidade
de grupo A mobilidade consiste natildeo apenas em alcanccedilar pontos
distantes mas sobretudo alcanccedilar lugares especiacuteficos e atraentes
para a populaccedilatildeo uma vez que a rede urbana precisa unir lugares
() (PERCHE 2016 p 378)
Na visatildeo do arquiteto Le Corbusier (1993) as quatro funccedilotildees-chave ldquoco-
brem um domiacutenio imenso sendo o Urbanismo a consequecircncia de uma ma-
neira de pensar levada agrave vida puacuteblica por uma teacutecnica de accedilatildeordquo Tais funccedilotildees
encontram-se como objetivo inicial de uma vida digna em sociedade urbana
no entanto natildeo encerram as possibilidades de accedilotildees provenientes do Poder
Puacuteblico ou de necessidades da proacutepria populaccedilatildeo
Exemplificando a funccedilatildeo de habitar que natildeo mais deve ser compreen-
dida apenas como o direito agrave moradia mas tambeacutem um local para residir que
encontre vias adequadas de mobilidade urbana ao seu redor ndash apropriadas
para pedestres ciclistas pessoas com mobilidade reduzida veiacuteculos automo-
tores entre outros ndash contribuindo para o deslocamento ao trabalho e agraves ativi-
dades de lazer de seus moradores aleacutem de contar com condiccedilotildees sauacutedaacuteveis
do ambiente em que estaacute inserido e da possibilidade de instalaccedilatildeo de tecno-
logias futuras de rede e de serviccedilos
Inseridas no contexto atual de intensas e raacutepidas modificaccedilotildees dos es-
paccedilos pois na era da informaccedilatildeo as funccedilotildees da cidade constituem-se por-
tanto como indicativos de boas e eficientes poliacuteticas puacuteblicas as quais se de-
senvolvem e se tornam mais complexas gradativamente Neste sentido im-
porta refletir sobre a vinculaccedilatildeo do pensamento complexo agrave ciecircncia juriacutedica
em especial ao diaacutelogo dos Direitos Ambiental Administrativo e Urbaniacutestico
53 A COMPLEXIDADE DAS FUNCcedilOtildeES DA CIDADE
Como a dinacircmica da vida em sociedade constantemente modifica os
interesses (i)mediatos dos administrados e acompanha as evoluccedilotildees da tec-
nologia da ciecircncia e da sauacutede por exemplo infere-se consequentemente
alteraccedilotildees nos conceitos das funccedilotildees urbaniacutesticas As demandas socioeconocirc-
micas e ambientais se intensificaram de tal maneira que o conteuacutedo estabe-
lecido pela primeira Carta de Atenas natildeo foi sufuciente para abarcar as rela-
ccedilotildees miacutenimas do contexto urbano
Isto porque as relaccedilotildees neste cenaacuterio encontram-se mais complexas
tanto pela multiplicidade de participantes quanto pelas diferentes noccedilotildees de
suas necessidades O miacutenimo existencial resulta de incontaacuteveis variaacuteveis distin-
tas e catalizadas pelo periacuteodo histoacuterico atual Assim sendo e nas palavras de
Morin (1994 p 146) ldquoA complexidade parece negativa ou regressiva visto
que eacute a reintroduccedilatildeo da incerteza num conhecimento que tinha partido em
triunfo agrave conquista da certeza absolutardquo contudo deve ser encarada como
uma nova perspectiva para refletir sobre os mecanismos ateacute entatildeo utilizados
e seus desenvolvimentos
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
91
Sendo assim estabeleceu-se em 2003 a Nova Carta de Atenas tra-
zendo consigo novas funccedilotildees dos espaccedilos urbanos com o objetivo de melho-
ria da qualidade de vida e do bem estar social na urbe Valores ambientais
culturais e histoacutericos aleacutem de uma sociedade informatizada foram temas ca-
ros ao novo documento (KANASHIRO M 2004 p 35) sem distanciaacute-los das
quatro funccedilotildees inicialmente pensadas
Com exemplo toma-se a funccedilatildeo de circular que hoje se distancia da
compreensatildeo limitada agrave oferta de uma malha viaacuteria e de transportes puacuteblicos
que unam pontos atraentes para a populaccedilatildeo e agrega ciclofaixas sinaliza-
das e percursos acessiacuteveis para pedestres com as devidas seguranccedila e lim-
peza urbanas Em consequecircncia cria-se condiccedilotildees para uma cidade susten-
taacutevel objetivo jaacute encartado no Estatuto da Cidade
Ainda outras das funccedilotildees da cidade satildeo os movimentos racionais e
a acessibilidade que vinculam o planejamento a estrateacutegia de trans-
porte de forma integrada Com isto melhorando as interconexotildees o
transporte puacuteblico ampliando as ruas livres de carros e promovendo
a caminhada e o uso da bicicleta A cidade ecoloacutegica conceito da
nova Carta de Atenas 2003 com a sustentabilidade constituindo num
processo de planejamento conectado ao processo de participaccedilatildeo
social constituindo-se em princiacutepios do desenvolvimento sustentaacutevel
(GARCIAS BERNARDI 2008) (grifos nossos)
Ademais as funccedilotildees da cidade relacionam-se fortemente com o direito
a cidades sustentaacuteveis Sustentabilidade natildeo eacute mais sinocircnimo de atenccedilatildeo
apenas a demandas ambientais Juarez Freitas (2012 p 56) de maneira muito
exitosa conseguiu concatenar as distintas poreacutem complementares dimen-
sotildees da sustentabilidade caracterizando sua multidimensionalidade para
aleacutem do consagrado tripeacute social ambiental e econocircmico Afirma portanto
serem cinco as dimensotildees quais sejam ambiental social econocircmica eacutetica e
juriacutedico-poliacutetica
A compreensatildeo das dimensotildees de um instituto ou fenocircmeno segundo
Morin (1994 p 138) insere-se como mais um pressuposto do pensamento com-
plexo o qual natildeo exige o esgotamento dos saberes relacionados e sim a con-
sideraccedilatildeo de seus muacuteltiplos aspectos para entatildeo pensar em soluccedilotildees cabiacuteveis
Percebe-se destarte a iacutentima relaccedilatildeo entre as funccedilotildees da cidade as
dimensotildees da sustentabilidade e a realizaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que aten-
dam ao interesse puacuteblico primaacuterio natildeo se limitando agrave proteccedilatildeo de aacutereas ver-
des ou a medidas em prol do ambiente natural Discutir cidades sustentaacuteveis
abrange questotildees interligadas de habitaccedilatildeo labor tracircnsito e lazer tomadas
por estes cinco vieses da sustentabilidade em toda a sua complexidade
Estas dimensotildees tangenciam demandas relacionadas com os diferentes
espaccedilos nas cidades (dimensatildeo ambiental) as poliacuteticas puacuteblicas e os serviccedilos
postos ao alcance dos seus habitantes (dimensatildeo social) o direcionamento
dos valores dos cofres puacuteblicos para ordenar a cidade e endossar atividades
de maneira a atender as necessidades de seus habitantes (dimensatildeo econocirc-
ldquo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
92
mica) o direito-dever de oferecer agraves presentes e futuras geraccedilotildees uma ci-
dade amparada por essas poliacuteticas puacuteblicas coerentes (dimensatildeo eacutetica) e os
instrumentos processuais e administrativos agrave disposiccedilatildeo da sociedade para a
proteccedilatildeo dos direitos que envolvem uma cidade sustentaacutevel (dimensatildeo juriacute-
dico-poliacutetica) Isto chama-se desenvolvimento sustentaacutevel de uma cidade
Nessa perspectiva pode-se dizer tambeacutem que deve haver um equiliacute-
brio entre o desenvolvimento econocircmico e a proteccedilatildeo ambiental de
modo que haja o compromisso dos Municiacutepios e da populaccedilatildeo com
um meio ambiente ecologicamente equilibrado e que a ideia de
progresso e desenvolvimento somente faccedila sentido se houver con-
juntamente uma concepccedilatildeo eacutetica de sustentabilidade (DANTAS
ALBUQUERQUE 2017 p 255)
No tocante agrave dimensatildeo juriacutedico-poliacutetica da sustentabilidade cabe o re-
forccedilo da relevacircncia de um ordanamento juriacutedico que acolha as novas de-
mandas da comunidade e inclua instrumentos normativos os quais atendam
as necessidades atuais da cidade como eacute o caso da revisatildeo decenal obriga-
toacuteria do Plano Diretor em conformidade com o sect3ordm do artigo 40 do Estatuto
da Cidade
Entatildeo cumpre repetir o caraacuteter sustentaacutevel da cidade a partir da aten-
ccedilatildeo a todas as funccedilotildees do espaccedilo urbano reconhecidas nas distintas aacutereas
teacutecnicas que contribuem com o diaacutelogo de saberes sobre o tema por ser a
alternativa que melhor aproxima as necessidades dos cidadatildeos do papel ge-
renciador do Estado em especial do Poder Executivo municipal
A partir do arcabouccedilo normativo do ordenamento desde as leis nacio-
nais ateacute as LOMs bem como dos processos de negociaccedilatildeo com foco no bem
estar dos habitantes deriva o direito a cidades que atentem para as funccedilotildees
urbanas jaacute que ldquoA complexidade ambiental reclama a participaccedilatildeo de es-
pecialistas que trazem pontos de vista diferentes e complementares sobre um
problema e uma realidade ()rdquo (LEFF 2011 p 322)
A dificuldade em analisar os conflitos urbanos de maneira sistecircmica con-
tribui para soluccedilotildees fragmentadas de curto prazo e potenciais causadoras de
novos conflitos com relaccedilatildeo direta ao inicial prejudicando o pensar global e
a multiplicaccedilatildeo de novas perspectivas vantajosas ao ambiente
Eacute sensibilizar para as enormes carecircncias de nosso pensamento e
compreender que um pensamento mutilador conduz necessaria-
mente a accedilotildees mutilantes Eacute tomar consciecircncia da patologia con-
temporacircnea do pensamento () A patologia moderna da mente
estaacute na hipersimplificaccedilatildeo que natildeo deixa ver a complexidade do
real (MORIN 2007 p 15)
Entatildeo tais pressupostos ndash a aparente reduccedilatildeo inicial dos saberes o novo
pensar a consideraccedilatildeo das dimensotildees jaacute conhecidas do fenocircmeno e o surgi-
mento de perspectivas ndash somados ao entendimento de que complexidade
natildeo eacute conclusatildeo (MORIN 1994 p 137) e sim meacutetodo e instrumentos para o
ldquo
ldquo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
93
diaacutelogo dos conhecimentos permitem compreender as funccedilotildees da cidade
como aliadas do desenvolvimento urbano
O pensamento complexo beneficia o estudo e a aplicaccedilatildeo das funccedilotildees
urbaniacutesticas nas relaccedilotildees que permeiam as cidades por entender a diversi-
dade de agentes direitos e interesses envolvidos e permitir que a construccedilatildeo
de novas perspectivas e costumes se consolide em prol de ambientes saudaacute-
veis e equilibrados
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A compreensatildeo do espaccedilo urbano sustentaacutevel perpassa necessaria-
mente pelo atendimento das funccedilotildees da cidade quando executados melho-
ramentos urbanos ou poliacuteticas puacuteblicas E dada a velocidade com que as mu-
danccedilas ocorrem na era da informaccedilatildeo as necessidades da populaccedilatildeo se
modificam e se tornam mais complexas gradualmente dificultando compre-
ensotildees simplistas das relaccedilotildees humanas que envolvem os espaccedilos urbanos
Contudo infere-se aacuterdua ndash e por vezes infrutiacutefera ndash separaccedilatildeo do que
seria da ordem dos Direitos Urbaniacutestico Administrativo ou Ambiental no to-
cante a este instituto Talvez por tais funccedilotildees terem nascido em um movimento
de uma ciecircncia paralela ao Direito ou mesmo pelo compartilhamento de con-
ceitos e pela sua aplicaccedilatildeo em um campo no qual o Urbanismo e o Direito
frequentemente dialogam Este eacute um dos propoacutesitos do pensamento com-
plexo (re)tomar agraves problematizaccedilotildees sob a perspectiva da diversidade exis-
tente nos dilemas sociais
Assim sendo a transdisciplinaridade se encarrega de unir os saberes e
permite que se apliquem em prol do cumprimento dos direitos sociais de ha-
bitaccedilatildeo labor circulaccedilatildeo e recreaccedilatildeo mais do que setorizando os trabalhos
agregando os esforccedilos de especialidades diferenciadas
No tocante agrave complexidade das funccedilotildees urbaniacutesticas intimamente re-
lacionada com o perfil multidisciplinar do tema percebe-se a necessidade de
olhares sistecircmicos diante das problematizaccedilotildees enfrentadas afastando a
conservadora visatildeo linear e voltada agrave especificidade dos temas juriacutedicos os
quais comprovam-se cada vez mais interligados
Os pressupostos da Teoria da Complexidade de Edgar Morin (1994) con-
tribuem sobremaneira para a anaacutelise e a aplicaccedilatildeo das funccedilotildees da cidade
na medida em que convidam a populaccedilatildeo interessada e a Administraccedilatildeo
Puacuteblica ao novo pensar pautado nas dimensotildees ateacute entatildeo conhecidas do
instituto e ao surgimento de novas formas de interpretar e se comportar nos
ambientes urbanos
Logo operar as funccedilotildees da cidade com conceitos capazes de valorizar
o ambiente urbano em prol da dignidade das pessoas que compotildeem esse
sistema adveacutem do pensar de maneira local e global importando solucionar
questotildees sem desatentar aos resultados porventura danosos em outras aacutereas
e favorecendo a construccedilatildeo de cidades sustentaacuteveis
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
94
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96
JUSTICcedilA RESTAURATIVA
um novo paradigma na
soluccedilatildeo de conflitos
Raquel Lima Batista1
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 61 O que eacute a Justiccedila Restaurativa 62 Como
a Justiccedila Restaurativa pode facilitar o encontro de soluccedilotildees mais
saudaacuteveis para as partes 63 Desafios para a aplicaccedilatildeo da justiccedila
Restaurativa Consideraccedilotildees finais Referecircncias
INTRODUCcedilAtildeO
Os acontecimentos e a vida cotidiana poliacutetica e econocircmica demons-
tram o papel relevante do Judiciaacuterio como uma espeacutecie de poder modera-
dor ajudando e colaborando com sua atividade para a consolidaccedilatildeo da paz
e manutenccedilatildeo das relaccedilotildees
A Justiccedila Restaurativa vem sendo disseminada estabelecendo-se e fir-
mando seu objetivo ao introduzir uma nova perspectiva para a soluccedilatildeo de
conflitos priorizando a inovaccedilatildeo e a sensibilidade
Sua forma de atuaccedilatildeo busca ouvir as viacutetimas e suas queixas escutar os
ofensores e suas motivaccedilotildees promovendo a aproximaccedilatildeo de ambos os lados
suas famiacutelias e a comunidade em que vivem
Neste pilar a Justiccedila Restaurativa surge demonstrando sua importacircncia
e necessidade quando busca encontrar uma soluccedilatildeo adequada e satisfatoacuteria
para os conflitos sociais Este tem sido um grande desafio e a principal busca
para os construtores do Direito
Diante disso a presente pesquisa pretende investigar como e em que
medida uma abordagem mais sistecircmica buscando soluccedilotildees mais profundas
e duradouras pode ajudar as partes na soluccedilatildeo de suas demandas evidenci-
ando uma justiccedila que busca restaurar Dividindo-se em trecircs seccedilotildees o artigo
abordaraacute o que eacute a Justiccedila Restaurativa sua origem e seus limites na se-
gunda seccedilatildeo como a justiccedila restaurativa pode facilitar o encontro de solu-
ccedilotildees mais saudaacuteveis para as partes e a terceira por fim desafios para sua
aplicaccedilatildeo avaliando as suas potencialidades A metodologia utilizada eacute qua-
litativa teoacuterica descritiva bibliograacutefica e indutiva
1 Graduada em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Especialista de
Gestatildeo de Pessoas pela Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas (FGV) Especialista em Gestatildeo de Ne-
goacutecios pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJRJ) Especialista em Consultoria
Organizacional pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Graduada em Administra-
ccedilatildeo de Empresas pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE)
E-mail quelzyhotmailcom
6
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
97
61 O QUE Eacute A JUSTICcedilA RESTAURATIVA
Conforme publicaccedilatildeo do Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) os recen-
tes acontecimentos e a vida cotidiana poliacutetica e econocircmica demonstram o
papel relevante do Judiciaacuterio como uma espeacutecie de poder moderador aju-
dando e colaborando com sua atividade para a consolidaccedilatildeo da paz social
(BRASIL 2016 p 11)
Afirma o CNJ que a partir da chamada Era dos Direitos anunciada pelo
pensador italiano Norberto Bobbio o Judiciaacuterio vem sendo demandado cada
vez mais por pessoas comuns que buscam a concretizaccedilatildeo das promessas
da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 (BRASIL 2016 p 11) Bobbio (2004 p 51) en-
sina que
[] os direitos do homem satildeo direitos histoacutericos que emergem gradu-
almente das lutas que o homem trava por sua proacutepria emancipaccedilatildeo
e das transformaccedilotildees das condiccedilotildees de vida que essas lutas produ-
zem [] os direitos ditos humanos satildeo o produto natildeo da natureza
mas da civilizaccedilatildeo humana enquanto direitos histoacutericos eles satildeo mu-
taacuteveis ou seja suscetiacuteveis de transformaccedilatildeo e de ampliaccedilatildeo
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 previu os Direitos Fundamentais exer-
cendo funccedilotildees de defesa ou de liberdade funccedilatildeo de prestaccedilatildeo social fun-
ccedilatildeo de proteccedilatildeo perante terceiros e funccedilatildeo de natildeo discriminaccedilatildeo (CANOTI-
LHO 2003 p 407) Observados conforme arts 6ordm a 11 da CF88 se percebe a
existecircncia tanto de direitos a prestaccedilotildees quanto a concretizaccedilotildees dos direitos
de liberdade e igualdade segundo Silva (2016)
Segundo o CNJ a Justiccedila Restaurativa vem sendo disseminada estabe-
lecendo-se e firmando seu objetivo ao introduzir uma nova perspectiva para
a soluccedilatildeo de conflitos priorizando a inovaccedilatildeo e sensibilidade Sua forma de
atuaccedilatildeo busca ouvir as viacutetimas e suas queixas escutar os ofensores e suas mo-
tivaccedilotildees promovendo a aproximaccedilatildeo de ambos os lados suas famiacutelias e a
comunidade em que vivem Nessa esteira os juiacutezes brasileiros vecircm aprofun-
dando a relaccedilatildeo com a sociedade individualmente e por meio do CNJ (BRA-
SIL 2016 p 11)
O movimento que institucionaliza as teacutecnicas restaurativas teve origem
em 1974 no Canadaacute quando em uma experiecircncia um Juiz na proviacutencia de
Ontaacuterio determinou que dois jovens acusados de depredar vinte e duas pro-
priedades se encontrassem com suas viacutetimas resultando deste encontro um
acordo de reparaccedilatildeo dos danos causados segundo Oldoni Lippmann e Gi-
rardi (2018 p 25)
Apoacutes este acontecimento Oldoni Lippmann e Girardi (2018 p 25) citam
outros fatos relevantes Em 1994 na Aacutefrica do Sul foi utilizado o modelo deno-
minado Zwelethamba durante as eleiccedilotildees daquele ano e depois foi desen-
volvido e utilizado em outras ocasiotildees
Destacam ainda que a Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) passou
a aconselhar que os estados membros considerassem uma legislaccedilatildeo voltada
ldquo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
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para os interesses das viacutetimas fato constatado em 1990 quando da realizaccedilatildeo
da Conferecircncia Internacional na Itaacutelia sopesando o crescente interesse mun-
dial no assunto (OLDONI LIPPMANN e GIRARDI 2018 p 25)
A origem da Justiccedila Restaurativa e seu contorno para a resoluccedilatildeo de
conflitos ainda eacute muito questionada Segundo Nader (1994) existe um relativo
consenso que as concepccedilotildees para sua implementaccedilatildeo no acircmbito judiciaacuterio
apareceram em paiacuteses como os Estados Unidos Canadaacute e Nova Zelacircndia
juntando-se ao crescimento nas deacutecadas de 1970-1980 do que se convenci-
onou chamar de resoluccedilotildees alternativas de disputas ou estilos conciliatoacuterios
de disputas
No Brasil um resultado do movimento pela Justiccedila Restaurativa pode ser
visto na Constituiccedilatildeo Federal de 1998 art 98 inciso I quando possibilita ldquoa
conciliaccedilatildeo e a transaccedilatildeo em casos de infraccedilatildeo penal de menor potencial
ofensivordquo flexibilizando segundo Oldoni Lippmann e Girardi (2018 p 27) o
princiacutepio da obrigatoriedade da accedilatildeo penal
Posteriormente surgem novas aplicaccedilotildees positivadas como no Estatuto
da Crianccedila e do Adolescente (Lei nordm 80691990) que em seu artigo 126 re-
cepciona a possibilidade de remissatildeo podendo o processo ser excluiacutedo sus-
penso ou extinto desde que a composiccedilatildeo do dano seja aperfeiccediloada entre
os envolvidos de forma livre e consensual A Justiccedila Restaurativa assim eacute no-
toriamente impulsionada segundo Oldoni Lippmann e Girardi (2018 p 27)
A ideia de reparar e restaurar as relaccedilotildees sempre foi um costume co-
mum em eacutepocas remotas previsto nas praacuteticas encontradas em muitos docu-
mentos legais da antiguidade para exemplificar cabem o Coacutedigo de Ur-
Nammu (2112 aC) lei antiga utilizada no Oriente Meacutedio o primeiro a abordar
o assunto o Coacutedigo de Hamurabi (1772 aC) onde podem ser observadas
muitas sanccedilotildees centradas na reparaccedilatildeo e Lei das Doze Taacutebuas (450 aC) que
previa como sanccedilatildeo para o delito de furto o pagamento em dobro do valor
da coisa subtraiacuteda e no Direito Romano onde os crimes privados permitiam o
pagamento de uma quantia em pecuacutenia conforme observado por Oldoni
Lippmann e Girardi (2018 p14)
Conforme o CNJ
A Justiccedila Restaurativa integra oficialmente a agenda do Judiciaacuterio
desde agosto de 2014 ocasiatildeo em que o Conselho assinou um termo
de cooperaccedilatildeo com a Associaccedilatildeo dos Magistrados do Brasil (AMB)
e outras instituiccedilotildees visando agrave difusatildeo dessa modalidade de soluccedilatildeo
de conflitos em todo o paiacutes A contribuiccedilatildeo com o desenvolvimento
da Justiccedila Restaurativa foi uma das prioridades da gestatildeo do CNJ
para o biecircnio 2015-2016 passando a integrar o planejamento de
longo prazo do oacutergatildeo e condicionando a formulaccedilatildeo das metas na-
cionais da Estrateacutegia Nacional do Poder Judiciaacuterio 2015-2020 (BRASIL
2016 p 12)
ldquo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
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O resultado desse planejamento materializou-se na Resoluccedilatildeo n
2252016 aprovada pelo Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) na 232ordf Sessatildeo
Plenaacuteria
Seu texto foi elaborado considerando sugestotildees e recomendaccedilotildees da
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) e a experiecircncia acumulada por inuacute-
meros juiacutezes que jaacute abraccedilavam e adotavam essa praacutetica
Nos termos da referida Resoluccedilatildeo a Justiccedila Restaurativa constitui um
conjunto ordenado e sistemaacutetico de princiacutepios meacutetodos teacutecnicas e ativida-
des que objetivam colocar em destaque os fatores relacionais institucionais e
sociais motivadores de conflitos e violecircncias O texto estipula tambeacutem as atri-
buiccedilotildees de juiacutezes Tribunais e do proacuteprio Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ)
abrangendo a formaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo de especialistas bem assim o moni-
toramento e a avaliaccedilatildeo permanente dessa atividade conforme Oldoni
Lippmann e Girardi (2018 p 16)
O entendimento do que eacute a justiccedila restaurativa passa pela mudanccedila
do foco epistemoloacutegico ndash mudar as lentes Acompanhando esse entendi-
mento Pinto (2008 p 190) cita que o crime para a justiccedila restaurativa eacute uma
violaccedilatildeo nas relaccedilotildees entre o infrator a viacutetima e a comunidade cabendo agrave
esta identificar as necessidades e obrigaccedilotildees oriundas dessa violaccedilatildeo e do
trauma causado
Alude que cabe tambeacutem agrave Justiccedila Restaurativa oportunizar e encorajar
o diaacutelogo entre os envolvidos possibilitando um acordo como sujeitos centrais
do processo sendo a justiccedila avaliada segundo sua capacidade de fazer com
que as responsabilidades pelo cometimento do delito sejam assumidas as ne-
cessidades oriundas da ofensa sejam atendidas e um resultado individual e
socialmente terapecircutico seja alcanccedilado
O foco epistemoloacutegico da Justiccedila Restaurativa eacute voltar-se para a restau-
raccedilatildeo dos relacionamentos olhando para o futuro Rompe assim o paradigma
de simplesmente concentrar-se no passado no conflito e na culpa
Pinto (2008 p 190) continua esclarecendo que a justiccedila convencional
diz vocecirc fez isso e tem que ser castigado A justiccedila restaurativa rompe com
esse olhar e leva para o pensamento o que vocecirc pode fazer agora para res-
taurar isso
A Justiccedila Restaurativa eacute portanto um movimento que visa a institucio-
nalizar as teacutecnicas restaurativas pelo Poder Judiciaacuterio e segundo Santana
apresenta a ideia de uma reparaccedilatildeo individual e coletiva quando o trans-
gressor incorre na obrigaccedilatildeo de reparar a viacutetima e a comunidade fundamen-
tado ainda no reconhecimento do conflito objetivando a resoluccedilatildeo dele ou
a reconciliaccedilatildeo das partes (2010 p 10)
Segundo Bandeira (2019) cabe destacar que entre os princiacutepios que ori-
entam a Justiccedila Restaurativa estatildeo a reparaccedilatildeo dos danos atendimento agraves
necessidades de todos os envolvidos informalidade voluntariedade imparci-
alidade participaccedilatildeo confidencialidade celeridade e urbanidade
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
100
Compreendido o conceito que fundamenta o que eacute Justiccedila Restaura-
tiva e sua origem seraacute aprofundado no toacutepico seguinte como ela pode fa-
cilitar o entendimento entre as partes e o encontro de soluccedilotildees mais saudaacuteveis
e duradouras
62 COMO A JUSTICcedilA RESTAURATIVA PODE FACILITAR O
ENCONTRO DE SOLUCcedilOtildeES MAIS SAUDAacuteVEIS PARA AS PARTES
Nos tempos atuais encontrar uma soluccedilatildeo adequada e satisfatoacuteria
para os conflitos sociais tem sido o grande desafio e a busca principal do Di-
reito O Estado quando chamado a intervir finaliza a lide com o uso de uma
sentenccedila
Segundo Oldoni Lippmann e Girardi (2018 p 16) essa forma de atua-
ccedilatildeo utilizando uma sentenccedila apresenta duas inconsistecircncias a primeira que
o conflito pode ser solucionado e a segunda que essa soluccedilatildeo seja alcan-
ccedilada por um terceiro
Continuam os autores esclarecendo o porquecirc da inconsistecircncia
O motivo de pacificaccedilatildeo social deve ser acompanhado da transfor-
maccedilatildeo do conflito funccedilatildeo essa distribuiacuteda agraves partes envolvidas por
serem os uacutenicos capazes de saber o que motiva as diferenccedilas e qual
a melhor forma de compreendecirc-las e transformaacute-las em algo positivo
(OLDONI LIPPMANN GIRARDI 2018 p17)
Para Nietzsche o sentido da puniccedilatildeo eacute rebaixar algueacutem fazendo-o se
sentir socialmente inferior natildeo fazendo mais parte Ou seja a pena exerce
uma funccedilatildeo desagregadora quando natildeo traduz a vontade das partes natildeo
compreende a motivaccedilatildeo e aumenta a dor e sofrimento dos envolvidos (2009
p 74)
O conflito eacute algo normal nos relacionamentos humanos e funciona
como um atrator para a mudanccedila devendo ser visto como uma oportuni-
dade de crescimento bem como forma de aumentar a compreensatildeo da es-
trutura social de noacutes e dos outros
A correta compreensatildeo que fazemos parte de um todo eacute essencial para
o processo de transformaccedilatildeo das relaccedilotildees afetadas pelos conflitos Observar
o problema como uma oportunidade de abordar o mais amplo e compreen-
der os padrotildees que geraram a crise possibilita o entendimento daquele sis-
tema de relacionamentos gerando respeito Assim vem ganhando importacircn-
cia a Justiccedila Restaurativa conceituada como sendo a justiccedila que visa alcan-
ccedilar o equiliacutebrio bem como restaurar e pacificar as relaccedilotildees transformando-
as
Segundo o Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) por meio dessa meto-
dologia de escuta das partes suas queixas e motivaccedilotildees o magistrado antes
de solucionar unilateralmente um litiacutegio procura reconstruir as relaccedilotildees antes
estabelecidas alcanccedilar consensos entre as partes envolvidas e quando pos-
ldquo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
101
siacutevel recompor os danos emergentes As partes que aceitam participar do ex-
perimento com o uso da Justiccedila Restaurativa satildeo acompanhadas por profissi-
onais capacitados e especializados para tanto (2016 p 12)
Quanto agrave forma de proceder aberto o diaacutelogo entre as partes o ofen-
sor teraacute a oportunidade de falar sobre as razotildees que o levaram a praticar o
ato iliacutecito suas motivaccedilotildees e razotildees
Jaacute a viacutetima poderaacute revelar como foi afetada pela conduta da parte
contraacuteria suas afliccedilotildees e os prejuiacutezos que experimentou possibilitando a opor-
tunidade e esclarecendo os dois lados de forma aberta e clara os sentimen-
tos que nutrem um com relaccedilatildeo ao outro O procedimento busca que as par-
tes envolvidas em um conflito sempre que possiacutevel retomem a sua vida nor-
mal
Destaca-se a forma de atuaccedilatildeo da Justiccedila Restaurativa que supera a
ideia de puniccedilatildeo relacionando-se com o Direito Sistecircmico onde ambos utili-
zam a visatildeo sistecircmica para solucionar conflitos em que autor e viacutetima se apro-
ximam buscando restaurar as relaccedilotildees e os eventuais danos sofridos
As partes envolvidas no conflito necessitam da restauraccedilatildeo de suas re-
laccedilotildees e natildeo simplesmente de um acordo desta forma um meio seria alcan-
ccedilar um consenso sendo este o melhor caminho para que as partes possam
ressignificar o conflito e contribuir para a pacificaccedilatildeo social
Partindo de uma ldquoescuta ativardquo dos envolvidos busca-se fazer que estes
compreendam melhor as suas responsabilidades e contribuiccedilotildees apontando-
lhes caminhos para uma convivecircncia paciacutefica
Oportuno apresentar o triacircngulo dramaacutetico de Karpman citado por Ja-
lowitzki (2014) trazendo os trecircs papeacuteis especiacuteficos de comportamento que satildeo
algoz (acusador) viacutetima (agressor) e salvador (defensor) onde cada membro
da famiacutelia pode assumir um papel ou perpassar pelos demais em ciclos inter-
minaacuteveis reforccedilando os conflitos internos das famiacutelias
A Justiccedila Restaurativa que apresenta uma soluccedilatildeo sistecircmica para ser
adequada e amparar no atingimento de uma justiccedila que busca a cura pre-
cisaraacute necessariamente em casos de separaccedilatildeo conjugal para exemplificar
proteger os filhos de qualquer desordem existente entre os pais para que pos-
sam sentir a presenccedila harmocircnica do pai e da matildee em suas vidas
O juiz conforme o pensamento de Sami Storch (2011) por sua vez antes
de decidir deve sopesar essa realidade e ter em seu coraccedilatildeo as crianccedilas e
ambos os pais aleacutem de outras pessoas envolvidas sem julgamentos de qual-
quer tipo
Dr Sami Storch (2017) explana ainda que numa accedilatildeo de divoacutercio a
soluccedilatildeo juriacutedica concernente aos filhos menores pode ser meramente definir
qual dos pais permaneceraacute com a guarda como seraacute o regime de visitas e
qual seraacute o valor da pensatildeo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
102
Isto eacute o que habitualmente se define mas de nada adiantaraacute uma de-
cisatildeo judicial imposta se os pais permanecerem se agredindo Independente-
mente do valor da pensatildeo ou de quem seraacute o guardiatildeo os filhos cresceratildeo
como se eles mesmos fossem os alvos das agressotildees e ofensas de ambos os
pais (BATISTA 2019)
Uma ofensa e um insulto do pai contra a matildee ou da matildee contra o pai
satildeo sentidas pelos filhos como se estes fossem as viacutetimas dos ataques e dos
conflitos mesmo que natildeo se deem conta disso Isso porque sistemicamente
os filhos satildeo fortemente ligados e vinculados a ambos os pais por meio deles
receberam a vida
Por isso eacute que mesmo que o filho revele apresente uma rejeiccedilatildeo ao pai
toda essa rejeiccedilatildeo se volta contra ele mesmo inconscientemente Qualquer
insulto ofensa ou julgamento de um dos pais contra o outro alimenta essa di-
nacircmica no nuacutecleo familiar prejudicial sobretudo aos filhos O mesmo ocorre
quando o juiz toma para si a defesa de um dos pais contra o outro reforccedilando
o conflito interno na crianccedila
Assim adotando tal postura o julgador jaacute promoveraacute uma conciliaccedilatildeo
entre as partes (que constituem um soacute sistema) Caso se faccedila necessaacuteria uma
soluccedilatildeo imposta todos sentiratildeo que foram escutados compreendidos e con-
siderados no conflito
Vale destacar contudo que isso natildeo impede que o pai e a matildee deba-
tam as questotildees mandatoacuterias vinculadas agrave separaccedilatildeo judicialmente ou natildeo
desde que isso se decirc entre eles sem a implicaccedilatildeo dos filhos nem que o juiz
delibere as demandas que lhe forem postas
Essa forma de tratar simplesmente a questatildeo que as partes discutem
dentro do processo e entendendo demandas emocionais e demais conflitos
retira do processo essa carga extra que em grande parte dificulta o anda-
mento e o alcance de acordos deixando apenas o direito discutido
Nestes tempos de poacutes-modernidade cabe destacar tambeacutem sua apli-
caccedilatildeo no Direito Ambiental com a comunidade internacional lanccedilando um
novo olhar sobre as questotildees ambientais utilizando-se cada vez mais uma
construccedilatildeo consensuada entre as partes com a participaccedilatildeo de todos os
atores envolvidos de disposiccedilotildees e normas que dizem respeito a uma questatildeo
especiacutefica do meio ambiente de um pequeno vilarejo no interior do paiacutes ateacute
questotildees de interesse mundial conforme Rezende Neto (2014)
Compreendido como a Justiccedila Restaurativa pode facilitar o entendi-
mento entre as partes e o encontro de soluccedilotildees mais saudaacuteveis e duradouras
bem como sua origem seraacute aprofundado no proacuteximo toacutepico os desafios para
sua aplicaccedilatildeo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
103
63 DESAFIOS PARA A APLICACcedilAtildeO DA JUSTICcedilA RESTAURATIVA
A Justiccedila Restaurativa tem na forma de pensar sob uma loacutegica binaacuteria
simplista e reducionista da modernidade um grande desafio Esse modelo bi-
naacuterio tambeacutem privilegiou em nossa cultura o paradigma ganha-perde limi-
tando as opccedilotildees de soluccedilotildees admissiacuteveis para situaccedilotildees de conflito O litiacutegio
ou a competiccedilatildeo como maneiras de lidar com as diferenccedilas empobrece as
opccedilotildees impede a relaccedilatildeo entre os atores sociais e gera altos custos econocirc-
micos e relacionais (BATISTA 2019)
Necessaacuterio visualizar a crise na qual o ser humano estaacute inserido esten-
dendo-se por diversas aacutereas atuando de modo complexo e sistecircmico na rea-
lidade local regional nacional e global demonstrando a interdependecircncia
que existe entre os fatores e enfatizando essa crise de percepccedilatildeo vivida pela
civilizaccedilatildeo onde os problemas natildeo podem ser observados e entendidos de
modo isolado segundo um modelo cartesiano (CAPRA 2006 p 19)
Uma opccedilatildeo para essa crise vivenciada seria repensar a atuaccedilatildeo dos
construtores do Direito atuando com sensibilidade e afeto nos assuntos e nas
questotildees humanas tentando aproximar-se daquilo que estaacute oculto (poreacutem
operante) na alma das pessoas e por conseguinte no processo que se apre-
senta como demanda no Poder Judiciaacuterio (OLDONI LIPPMANN E GIRARDI
2018 p 66)
Um olhar para o sistema de origem das partes uma anaacutelise das suas
questotildees e a forma como seus membros foram e satildeo tratados deve ser consi-
derada na apreciaccedilatildeo dos conflitos atuais e comportamentos como meio de
buscar uma soluccedilatildeo mais pacifica melhorando a compreensatildeo do conflito e
a sua transformaccedilatildeo em algo positivo afirmam Oldoni Lippmann e Girardi
(2018 p 17)
Nesse contexto de diversidade surgem meacutetodos inovadores para a re-
soluccedilatildeo de conflitos que propiciam aos indiviacuteduos organizaccedilotildees e comunida-
des a administraccedilatildeo responsaacutevel de seus proacuteprios conflitos em busca de solu-
ccedilotildees
Os processos restaurativos podem incluir a mediaccedilatildeo a reuniatildeo familiar
ou comunitaacuteria e ciacuterculos decisoacuterios
Segundo Oldoni Lippmann e Girardi (2018 p 32)
Um acordo construiacutedo no processo restaurativo inclui respostas e pro-
gramas tais como reparaccedilatildeo objetivando atender as necessidades
individuais e coletivas e responsabilidades das partes bem como as-
sim promover a reintegraccedilatildeo da viacutetima e do ofensor
Segundo Pinto (2008 p 190) utilizando a mediaccedilatildeo se proporciona agraves
partes um ambiente mais adequado com a participaccedilatildeo de um mediador
para o diaacutelogo sobre as origens e consequecircncias do conflito e assim a cons-
truccedilatildeo de um acordo e um plano restaurativo
ldquo
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104
Vall e Belchior (2019 p 195) colocam que nas audiecircncias de mediaccedilatildeo
por meio de vivecircncias coletivas as partes satildeo convidadas a colocarem suas
questotildees individuais havendo um processo evolutivo e progressivo de tomada
de consciecircncia da questatildeo e do conflito entre e para as partes
Relatam que a praacutetica de um olhar sistecircmico mais amplo e inteiro pro-
porciona uma atuaccedilatildeo para aleacutem do que aparece relatado nos autos dos
processos judiciais possibilitando uma compreensatildeo do pensamento com-
plexo algo para aleacutem do ambiente Juriacutedico e da aderecircncia agraves leis simples-
mente (VALL BELCHIOR 2019 p 202)
Na forma de reuniatildeo comunitaacuteria e ciacuterculo decisoacuterio ocorreraacute um tra-
balho mais amplo reflexivo conversando sobre as origens e consequecircncias
do conflito construindo um acordo restaurativo coletivo e integrado com a
comunidade
Destaca-se que eacute dado agraves partes uma oportunidade de fala e de ex-
pressatildeo dos sentimentos e emoccedilotildees objetivando a restauraccedilatildeo das relaccedilotildees
sociais e dos danos causados
Tais procedimentos acarretam uma mudanccedila na lente e no olhar para
o conflito construindo acordos mais harmocircnicos alcanccedilando o resultado res-
taurativo suprindo as necessidades individuais e coletivas visando tambeacutem a
reintegraccedilatildeo social da viacutetima e do infrator
Contudo eacute importante observar como limite atual para a utilizaccedilatildeo da
Justiccedila Restaurativa o escasso oferecimento de formaccedilatildeo qualitativa aos
construtores do Direito responsaacuteveis por colocar em praacutetica esse novo formato
e seus procedimentos Oldoni Lippmann e Girardi (2018 p 37) colocam que
eacute necessaacuterio repensar o modelo que o Brasil quer adotar flexibilizando e am-
pliando o acesso agrave formaccedilatildeo
Na cartilha editada pelo Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) onde satildeo
destacados os dez passos importantes para a implantaccedilatildeo da Justiccedila Restau-
rativa eacute ressaltada a importacircncia da formaccedilatildeo do servidor supervisor do pro-
grama e de um grupo de facilitadores para a experiecircncia piloto de implanta-
ccedilatildeo entendendo-se que essa formaccedilatildeo facilita o sucesso da experiecircncia
(2020) Cabe neste momento a reflexatildeo da transdisciplinaridade de conhe-
cimentos que somados procuram estimular uma nova compreensatildeo da rea-
lidade e da complexidade envolvida no conflito
Esse conhecimento transdisciplinar e complexo encontra aderecircncia
com a praacutetica quando se aborda que a necessidade da aplicaccedilatildeo da Jus-
ticcedila Restaurativa natildeo visa extinguir ou excluir os procedimentos da Justiccedila tra-
dicional podendo ocorrer de forma concorrente ao procedimento convenci-
onal devendo ser analisado caso a caso e ser efetivamente utilizado o
acordo como reduccedilatildeo de pena ou com a aplicaccedilatildeo das circunstacircncias do
artigo 59 do Coacutedigo Penal aleacutem de outras alternativas conforme a reflexatildeo
pragmaacutetica de Lima (2019)
Para a praacutetica restaurativa faz-se necessaacuterio o preacutevio livre e espontacirc-
neo consentimento de todos os participantes que podem desistir a qualquer
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
105
momento ateacute a efetiva homologaccedilatildeo do acordo sendo resguardado o au-
xiacutelio de advogados ou defensores puacuteblicos quando aplicaacutevel continua Lima
(2019)
Para Winkelmann e Detoni (2012) na Justiccedila Restaurativa o crime natildeo
deve ser encarado como uma violaccedilatildeo da lei mas sim sobre um novo para-
digma como uma perturbaccedilatildeo das relaccedilotildees humanas entre pessoas que vi-
vem em conjunto numa sociedade implicando assim esta mudanccedila na re-
definiccedilatildeo do conceito de crime que deve ser visto como um ato de uma pes-
soa contra outra violador de uma relaccedilatildeo no seio de uma comunidade e
natildeo como um ato contra o Estado O foco eacute o comportamento anti-social e
o efeito nas relaccedilotildees comunitaacuterias
Cabe concluir este toacutepico com o que esclarece Belchior (2019) quanto
aborda que quanto mais integrador for o pensamento mais complexo e me-
lhor seraacute cuidando para natildeo se esbarrar na simplificaccedilatildeo pois a realidade
natildeo admite essas etapas Faz-se saudaacutevel o seu pensamento onde a mesma
cita que a completude jamais seraacute alcanccedilada a ideia dos diaacutelogos eacute abrir os
horizontes Assim eacute esse diaacutelogo da Justiccedila Restaurativa com o olhar tradicio-
nal e positivado do Direito com as vaacuterias fontes e os saberes inter e transdisci-
plinarmente sendo uma tentativa de aplicar a complexidade Justiccedila Restau-
rativa
Diante disso entendendo os desafios que precisam ser superados o
novo paradigma e a transdisciplinaridade da Justiccedila Restaurativa quando
aborda outros conceitos associados com a ciecircncia do Direito caminharemos
para a conclusatildeo deste trabalho
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A sociedade com sua dinacircmica atual e o modo como acontecem as
relaccedilotildees vem necessitando de uma resposta com um olhar mais humanizado
na atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio
Essa crise pautada no aumento da demanda em baixo niacutevel de res-
posta bem como um tempo longo necessaacuterio para que um processo alcance
sua conclusatildeo corroborou com a necessidade de repensar o Poder Judiciaacuterio
e de encontrar alternativas para a insuficiecircncia observada demonstrando
que onde os problemas natildeo podem ser observados e entendidos de modo
isolado
Assim com um foco epistemoloacutegico de reconstruccedilatildeo das relaccedilotildees e
olhando para o futuro das partes a Justiccedila Restaurativa se propotildee a descobrir
uma verdadeira soluccedilatildeo para o conflito compreender os elementos envolvi-
dos e as demandas das partes buscando descobrir essa soluccedilatildeo mais harmocirc-
nica considerando o todo envolvido
A justiccedila restaurativa tem essa incumbecircncia soluccedilotildees mais raacutepidas e
com maior congruecircncia com as expectativas das partes por soluccedilotildees mais
satisfatoacuterias
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
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Por lidar com uma loacutegica diferente da binaacuteria ganha-perde trazendo
para o cenaacuterio analisado a complexidade onde a imprevisibilidade e a diver-
sidade de soluccedilotildees e acordos estatildeo presentes nos fenocircmenos sociais observa-
se nos formatos citados no artigo a possibilidade de solucionar questotildees con-
flituosas de uma forma diferente das regras fixas e previamente definidas
Esse olhar sistecircmico mais amplo e inteiro para o conflito pode proporci-
onar uma melhor compreensatildeo das demandas e uma atuaccedilatildeo mais assertiva
gerando um futuro diferente para as partes envolvidas algo para aleacutem da
aderecircncia agraves leis simplesmente
Nesse contexto de diversidade surgem meacutetodos inovadores para a re-
soluccedilatildeo de conflitos que propiciam aos indiviacuteduos organizaccedilotildees e comunida-
des a administraccedilatildeo responsaacutevel de seus proacuteprios conflitos em busca de solu-
ccedilotildees Uma possibilidade de olhar com um novo paradigma diante das de-
mandas de conflitos e soluccedilotildees almejadas
Assim este artigo trouxe sem a pretensatildeo de exaurir o conceito de Jus-
ticcedila Restaurativa a mudanccedila de paradigma que este representa a comple-
xidade dessa forma de pensar o conflito e seu desafio e o quanto o caminho
eacute feacutertil para o desenvolvimento do mesmo condiccedilatildeo inerente agrave essecircncia da
Justiccedila Restaurativa
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EIXO TEMAacuteTICO 2 Complexidade Epistemologia e Direito Ambiental
109
O IMPACTO AMBIENTAL DO BIG DATA
uma reflexatildeo criacutetica a partir de uma
abordagem ecossistecircmica
Alan Duarte1
Carla Mariana Aires Oliveira2
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 71 A atual Sociedade da Informaccedilatildeo a era
do Big Data e a economia de dados 72 O aspecto fiacutesico do Big
Data e seu impacto ambiental 73 O Big Data e a proteccedilatildeo ambi-
ental na perspectiva ecossistecircmica algumas reflexotildees Considera-
ccedilotildees finais Referecircncias
INTRODUCcedilAtildeO
O desenvolvimento tecnoloacutegico redesenhou praticamente toda a ro-
tina da maioria das pessoas As tecnologias invadiram a vida cotidiana sem
todavia dar aos seus usuaacuterios tempo ou chances necessaacuterias para refletir
acerca do seu uso acerca das consequecircncias sistecircmicas individuais e coleti-
vas causadas por essa inovaccedilatildeo
O contexto de pandemia causado pela COVID-19 intensificou ainda
mais a incorporaccedilatildeo de inuacutemeras tecnologias no cotidiano Atividades antes
feitas presencialmente como aulas reuniotildees de negoacutecios e ateacute encontros in-
formais de amigos passaram a ser executadas remotamente mediante vide-
oconferecircncias em razatildeo da necessidade de isolamento social que a crise sa-
nitaacuteria causada pelo novo coronaviacuterus (SARS-Cov-2) exige
Nesse contexto ao contraacuterio do que o senso comum possa conceber
todas essas informaccedilotildees combustiacutevel dos serviccedilos digitais precisam ser man-
tidas e processadas por meios fiacutesicos concretos Ou seja os tais serviccedilos natildeo
satildeo providos por uma entidade abstrata e intangiacutevel fora do tempo e espaccedilo
mas por uma superestrutura de computadores mantidos em grandes salas e
ateacute em preacutedios inteiros chamados Centrais de Processamento de Dados (ou
Data Centers)
Contudo para que os data centers responsaacuteveis pelo armazenamento
de dados e pelo processamento de algoritmos inteligentes funcionem ade-
quadamente eacute necessaacuterio um gasto imenso de energia pois como maacutequinas
que satildeo precisam ser mantidas por fontes contiacutenuas de energia as quais satildeo
1 Graduando do Curso de Direito do Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Pesquisa-
dor do Grupo de Estudo e Pesquisa Ecomplex Direito Complexidade e Meio Ambiente da
UNI7CE E-mail duarttacademicgmailcom
2 Doutoranda em Direito e Mestra em Direito pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE)
Bolsista CAPESBRASIL Pesquisadora do Grupo de Estudo e Pesquisa Ecomplex Direito
Complexidade e Meio Ambiente da UNI7CE E-mail cmariaireshotmailcom
7
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
110
diretamente proporcionais ao poder de processamento e agrave capacidade de
armazenamento
Dessa forma haacute uma mitigaccedilatildeo da ideia perpetuada pelo senso co-
mum de que eacute preferiacutevel produzir e consumir informaccedilatildeo de forma digital pois
reduz o consumo de papel e por conseguinte o desmatamento com a con-
sequente reduccedilatildeo do prejuiacutezo ao meio ambiente
Entretanto a produccedilatildeo e o consumo de informaccedilatildeo por meio digital
impactam negativamente o meio ambiente seja pela liberaccedilatildeo de CO2 em
razatildeo do intenso gasto energeacutetico que demandam pelo uso de aacutegua para o
processo de resfriamento eou mesmo pela produccedilatildeo e pelo descarte dos
componentes eletrocircnicos Aleacutem disso como dito o armazenamento de dados
e o processamento de algoritmos requerem um consumo intenso de energia
Observa-se assim que a sucessiva utilizaccedilatildeo de tais ferramentas leva conse-
quentemente a um aumento da produccedilatildeo e da necessidade de energia as-
sim como uma maior demanda na exploraccedilatildeo dos recursos naturais
Se de um lado abandonou-se o consumo de produtos e serviccedilos com
impactos fiacutesicos concretos e proacuteximos agrave realidade dos consumidores de outro
a demanda cada vez mais crescente por serviccedilos digitais como os serviccedilos
de armazenamento em nuvem e as plataformas de streaming proporciona-
das pelas maiores empresas de tecnologia (Google Amazon Microsoft e Fa-
cebook para citar apenas algumas) geram imensos impactos principalmente
no meio ambiente mas que em razatildeo da distacircncia e da ausecircncia de meios
fiacutesicos proacuteximos aos consumidores satildeo negligenciados
De forma que em contraponto a todo esse progresso tecnoloacutegico vi-
vencia-se uma crise ecoloacutegica a partir do uso inconsequente dos recursos na-
turais assim como o risco de esgotamento Diante dessa situaccedilatildeo tem sur-
gido a niacutevel global diversas tentativas de mudar esta situaccedilatildeo tais como os
Objetivos do Desenvolvimento Sustentaacutevel (ODS) e o Pacto Ecoloacutegico Euro-
peu Por sua vez estes exemplos possuem uma estreita relaccedilatildeo da tecnologia
e o seu impacto no meio ambiente
Ante tais premissas o presente trabalho pretende-se a uma anaacutelise sob
uma oacuteptica ecossistecircmica dos impactos ambientais gerados pela economia
de dados por meio das estruturas fiacutesicas necessaacuterias para o adequado funci-
onamento desses serviccedilos digitais tendo como pergunta central como e em
que medida os serviccedilos digitais fomentados pela economia de dados amea-
ccedilam o meio ambiente ecologicamente equilibrado
Para tanto a metodologia utilizada seraacute de natureza qualitativa teoacute-
rica bibliograacutefica e explicativa Utilizar-se-aacute tambeacutem o meacutetodo sistecircmico e in-
dutivo na medida em que se adota uma oacuteptica ecossistecircmica e por analisar
o funcionamento das tecnologias associadas ao Big Data por meio de casos
especiacuteficos Seraacute ainda de natureza quantitativa em partes na medida em
que se analisa os dados referentes ao crescimento dos serviccedilos digitais no mer-
cado e o consumo energeacutetico dos data centers bem como as taxas de emis-
satildeo de calor e gases nocivos ao ambiente
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
111
O presente trabalho estaacute dividido em trecircs partes aleacutem da introduccedilatildeo e
conclusatildeo Em um primeiro momento seratildeo feitas algumas consideraccedilotildees
acerca do conceito de big data e algoritmos e como esses fatores desenca-
dearam uma mudanccedila significativa natildeo soacute no aspecto quantitativo mas
tambeacutem qualitativamente na economia e na sociedade
Em seguida analisar-se-aacute os aspectos fiacutesicos desses fenocircmenos pois
para operar eacute preciso que haja um suporte fiacutesico e concreto capaz de realizar
o processamento dos algoritmos e o armazenamento dos dados e qual a re-
percussatildeo ambiental desses suportes fiacutesicos
Por fim em um terceiro momento enfrenta-se a questatildeo central da pes-
quisa ao serem feitas algumas reflexotildees sob a perspectiva sistecircmica do de-
senvolvimento tecnoloacutegico associado ao conceito de Big Data sobretudo no
tocante ao aspecto fiacutesico e da proteccedilatildeo ambiental proporcionando uma
anaacutelise criacutetica desse desenvolvimento e como os Estados estatildeo agindo diante
de tal temaacutetica
71 A ATUAL SOCIEDADE DA INFORMACcedilAtildeO
a era do big data e a economia de dados
Big Data se tornou uma expressatildeo da moda A crescente produccedilatildeo de
dados eacute tida atualmente como o novo petroacuteleo isto eacute a nova fonte de ri-
queza (REGULATING 2017) Pessoas que trabalham com marketing se utili-
zam dos dados para alcanccedilarem os consumidores mais rentaacuteveis (DUHIGG
2012) os meacutedicos para realizarem diagnoacutesticos mais precisos e os farmacecircu-
ticos para desenvolverem novos medicamentos (MARTIN 2019) os agentes
financeiros se utilizam dessas tecnologias para operarem no Mercado Finan-
ceiro (AENLLE 2018) e em determinados casos juiacutezes se utilizam de algoritmos
para auxiliar na tomada de decisatildeo como do sistema VICTOR no Supremo
Tribunal Federal (MAIA FILHO JUNQUILHO 2018) e o COMPAS em grande parte
dos tribunais norte-americanos (MAYBIN 2016) Mas eacute preciso destacar desde
jaacute que o Big Data natildeo eacute a soluccedilatildeo de todos os males
Os dados por si soacute satildeo tatildeo inuacuteteis quanto o petroacuteleo em sua forma bruta
Eacute preciso que haja uma construccedilatildeo de informaccedilotildees e conhecimentos econo-
micamente valiosos a partir deles Eacute dizer haacute um processo para a construccedilatildeo
do conhecimento o qual se inicia com a coleta de dados brutos isto eacute siacutem-
bolos isolados que quando submetidos a um determinado processamento a
uma anaacutelise detalhada fornecem certas informaccedilotildees ou seja respostas para
certas questotildees Por fim a aplicaccedilatildeo desses dados e dessas informaccedilotildees em
alguns contextos resulta em um conhecimento (CHEN et al 2009) o qual por
sua vez eacute aplicado dentro de modelos de negoacutecios visando a obtenccedilatildeo de
lucros e uma melhor tomada de decisatildeo
Exemplificativamente a geraccedilatildeo de riqueza na atual sociedade da in-
formaccedilatildeo se daacute a partir de anaacutelises refinadas sobre a renda preferecircncias e
comportamentos de clientes (os dados) criando-se assim perfis pessoais (in-
formaccedilotildees) por meio dos quais as grandes empresas podem tomar decisotildees
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
112
mais acertadas relacionadas a estrateacutegias comerciais (conhecimentos) tais
como construccedilatildeo e lanccedilamento de produtos instalaccedilatildeo de pontos de atua-
ccedilatildeo ou investimentos (6 2005)
Dito isso eacute relevante dizer que a despeito de a informaccedilatildeo jaacute ser vista
como elemento extremamente valioso haacute pelo menos 60 anos algumas lacu-
nas dificultavam o processo de transformaccedilatildeo dos dados em conhecimento
uacutetil (MAYER-SCRHOumlNBERGER CUKIER 2013) tais como a obtenccedilatildeo e armaze-
namento dos dados (que em sua maioria eram analoacutegicos escassos e impre-
cisos) e o processamento desses dados em softwares Tais lacunas todavia
foram aos poucos preenchidas pelo desenvolvimento tecnoloacutegico
Assim graccedilas ao aumento do uso da Internet notadamente pelas redes
sociais os sistemas gerenciadores de banco de dados dispositivos de memoacute-
ria secundaacuteria com maior capacidade de armazenamento e menor custo
tem-se hoje uma quantidade imensa de dados disponiacuteveis (GOLDSCHMIDT
PASSOS 2005) Como destaca Marr (2018) satildeo gerados aproximadamente 25
quintilhotildees de bytes por dia e que essa quantidade tende a aumentar cada
vez mais ao longo dos anos
Nesse contexto de massiva produccedilatildeo de dados cunhou-se o termo Big
Data inicialmente concebido a partir de um vieacutes quantitativo sendo definido
em 3 Vs (Volume Variedade e Velocidade)3 (LANEY 2001) Como destacam
os autores Mayer-Schoumlnberger e Cukier (2013 p 4 traduccedilatildeo nossa) ldquomeio seacute-
culo depois de os computadores entrarem na sociedade os dados comeccedila-
ram a se acumular a ponto de algo novo e especial acontecerrdquo4
Todavia como dito anteriormente os dados per se natildeo satildeo valiosos Em
razatildeo disso a expressatildeo Big Data natildeo pode ser restringida apenas ao aspecto
quantitativo expresso pelos 3Vs antes deve ser compreendido como um
ecossistema possibilitado pelas novas tecnologias e inserido dentro de um
contexto social (LETOUZEacute 2015)
Sugere o cofundador da Data-Pop Alliance e pesquisador visitante no
MIT Emmanuel Letouzeacute (2015) uma conceituaccedilatildeo que abranja o vieacutes quanti-
tativo mas tambeacutem o aspecto qualitativo do Big Data qual seja 3 Cs (crumbs
capacities e communities) O primeiro ldquoCrdquo (crumbs) estaacute relacionado agraves ldquomi-
galhas de dadosrdquo deixadas pelos usuaacuterios em suas interaccedilotildees com o mundo
online e com os dispositivos conectados agrave rede O segundo ldquoCrdquo que se refere
agrave capacidade (capacities) e enfoca em questotildees para aleacutem dos dados pois
engloba teacutecnicas meacutetodos softwares e hardwares O terceiro ldquoCrdquo o qual ca-
racteriza o ecossistema do Big Data eacute de comunidades (communities) e diz
3 Um artigo publicado em 2001 por Doug Laney do Instituto Gartner estabelece os 3Vs do
Big Data O primeiro V relacionado ao Volume corresponde a imensidatildeo de dados pro-
duzidos e coletados O segundo que diz respeito agrave Variedade ou seja o meio pelo qual
tais dados satildeo coletados ocorre por variados meios e principalmente satildeo vaacuterios os forma-
tos desses dados Por fim o uacuteltimo V se relaciona com a Velocidade com que esses dados
satildeo transmitidos e coletados
4 Traduccedilatildeo livre de ldquoHalf a century after computers entered mainstream society the data
has begun to accumulate to the point where something new and special is taking placerdquo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
113
respeito ao movimento de atores que vatildeo desde instituiccedilotildees compostas por
equipes multidisciplinares ateacute indiviacuteduos comuns
Dentro dessa definiccedilatildeo o aspecto relevante para este trabalho reside
no segundo C o qual se refere agraves capacidades Como dito anteriormente os
dados natildeo satildeo valiosos se natildeo for possiacutevel a construccedilatildeo de informaccedilatildeo e co-
nhecimento uacutetil a partir deles e tal conversatildeo soacute eacute possiacutevel mediante uma
anaacutelise detalhada e acurada desses dados Assim em razatildeo da capacidade
de processamento dos seres humanos ser limitada a imensa quantidade de
dados disponiacuteveis somada agrave raacutepida velocidade com que eles satildeo produzidos
demanda a utilizaccedilatildeo de ferramentas computacionais para que se torne pos-
siacutevel e viaacutevel a extraccedilatildeo de conhecimento uacutetil desses dados e assim a to-
mada de decisatildeo em tempo haacutebil
Nesse sentido o processo conhecido como Descoberta de Conheci-
mento em Banco de Dados (Knowledge Discovery in Databases - KDD) supre
essa lacuna causada pela limitaccedilatildeo humana (FAYYAD PIATETSKY-SHAPIRO
SMYTH 1996) KDD nessa perspectiva eacute definido por Fayyad Piatetsky-Shapiro
e Smyth (1996) como o processo natildeo trivial de identificar nos dados padrotildees
vaacutelidos novos potencialmente uacuteteis e finalmente compreensiacuteveis5
O poder do Big Data em gerar riqueza caracterizando assim o que se
convencionou chamar de Economia de Dados fica mais evidente com o
exemplo da empresa de varejo norte-americana Target Essa empresa conse-
guiu ldquodescobrirrdquo que uma garota do colegial em Minnesota (EUA) estava graacute-
vida antes mesmo de seu proacuteprio pai que soacute ficou sabendo em virtude de
uma conversa com a filha apoacutes receber da varejista alguns anuacutencios e cu-
pons de desconto de berccedilos e de roupas de bebecirc6 (DUHIGG 2012) A partir
de um banco de dados construiacutedo por meio da coleta e compra de dados
sobre os clientes que utilizam o cartatildeo de creacutedito da companhia (crumbs)7 e
por intermeacutedio da utilizaccedilatildeo de algoritmos de aprendizado de maacutequina os
quais operam em supercomputadores e grandes data centers (centrais de
dados) (capacities) a empresa consegue decifrar padrotildees de consumo e
para aleacutem disso identificar os haacutebitos de cada cliente sendo capaz de dire-
cionar com precisatildeo certos produtos para os consumidores mais rentaacuteveis
5 Traduccedilatildeo livre de ldquoKDD is the nontrivial process of identifying valid novel potentially useful
and ultimately understandable patterns in datardquo
6 Apoacutes receber os anuacutencios e cupons o pai entrou em contato com a empresa furioso ldquoMi-
nha filha recebeu este e-mailrdquo ele disse ldquoEla ainda estaacute no coleacutegio e vocecircs estatildeo envi-
ando para ela cupons para roupas de bebecircs e berccedilos Vocecircs estatildeo tentando encorajaacute-
la a engravidarrdquo Traduccedilatildeo livre de ldquoMy daughter got this in the mailrdquo he said ldquoShersquos still
in high school and yoursquore sending her coupons for baby clothes and cribs Are you trying
to encourage her to get pregnantrdquo (DUHIGG 2013)
7 Segundo Pentland (2012) essas migalhas de dados estatildeo mais associados agrave localizaccedilatildeo do
celular (lugares onde se gasta tempo) ou do cartatildeo de creacutedito (coisas que se compra) das
pessoas do que com o que se publica nas redes sociais ou se pesquisa no Google ou seja
essas migalhas dizem respeito ao real comportamento das pessoas em vez de reproduzir
suas crenccedilas ou informaccedilotildees que se quer que os outros saibam
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
114
Aleacutem da Target a Netflix grande empresa de streaming apresenta um
curioso exemplo de como o Big Data auxilia as empresas na tomada de deci-
sotildees mais lucrativas A plataforma coleta armazena e analisa dados dos mi-
lhotildees de usuaacuterios da plataforma os quais de acordo com um artigo publi-
cado no GigaOm vatildeo desde a seleccedilatildeo do filme ou seacuterie que se quer assistir e
em qual dia da semana e o horaacuterio ateacute os dados de localizaccedilatildeo geograacutefica
passando pelas interaccedilotildees do usuaacuterio com a reproduccedilatildeo todas as vezes que
se pausa retrocede ou avanccedila aquele filme ou seacuterie escolhida (HARRIS 2012)
Assim em 2013 a plataforma lanccedilou uma de suas primeiras produccedilotildees
originais um drama poliacutetico protagonizado por Kevin Spacey e Robin Wright
(ldquoFrankrdquo e Claire Underwood respectivamente) e dirigido por David Fincher
que se tornou um dos maiores sucessos em todo o mundo E todo esse sucesso
jaacute era sabido pois a criaccedilatildeo da seacuterie foi orientada pelas anaacutelises de gostos e
preferecircncias do puacuteblico-alvo A plataforma de streaming ldquosaberdquo o que as pes-
soas gostam de assistir quais atores mais cativam e qual o roteiro que mais
agrada (CARR 2013)
A atual era do Big Data portanto possibilita uma maior disponibilizaccedilatildeo
de serviccedilos digitais personalizados e especiacuteficos permitindo o surgimento de
novos serviccedilos As empresas portanto visando a atender agraves expectativas de
seus clientes e com o objetivo de reduzir o risco inerente agrave atividade empresa-
rial aleacutem de dar mais celeridade aos seus processos incorporam tais sistemas
relacionados ao conceito de Big Data de modo a alterar o modelo por meio
do qual trabalham
Com isso fica claro que os dados quando natildeo submetidos ao proces-
samento adequado satildeo essencialmente inuacuteteis Portanto enquanto o petroacute-
leo eacute direcionado para as refinarias onde passaraacute por vaacuterios processos ateacute se
extrair dele os elementos valiosos como combustiacutevel plaacutestico e outros os da-
dos precisam ser submetidos ao equivalente digital das refinarias supercom-
putadores e data centers (HAMILTON 2017) Gary King professor da Universi-
dade de Harvard diversamente do que destacaram Mayer-Schoumlnberger e
Cukier salienta portanto que ldquo[] a revoluccedilatildeo natildeo eacute a respeito dos dados Eacute
a respeito das anaacutelises que agora podemos fazer e que nos permitem enten-
der o que aqueles dados dizemrdquo8 (KING 2016)
Assim constata-se que os dados satildeo tatildeo valiosos quanto for a capaci-
dade de extraccedilatildeo de conhecimento deles a verdadeira revoluccedilatildeo estaacute cen-
trada no poder de processamento e anaacutelise desses dados os quais operam
mediante estruturas fiacutesicas Quais as estruturas fiacutesicas necessaacuterias para que a
Netflix por exemplo seja capaz de coletar armazenar e processar inuacutemeros
dados brutos para formar um conhecimento uacutetil para o seu modelo de negoacute-
cios O que eacute necessaacuterio para que elas funcionam Quais os riscos ambientais
que essas estruturas por serem fiacutesicas apresentam Essas satildeo questotildees que
seratildeo enfrentadas no proacuteximo toacutepico deste trabalho
8 Original ldquo[] the revolution is not about the data Itrsquos about the analytics that we can come
up with and that we now have to be able to understand what these data sayrdquo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
115
72 O ASPECTO FIacuteSICO DO BIG DATA (SUPERCOMPUTADORES E
DATA CENTERS) E SEU IMPACTO AMBIENTAL
O processo de transformaccedilatildeo dos dados em conhecimento economi-
camente valioso demanda a utilizaccedilatildeo de supercomputadores e data cen-
ters seja para realizar o processamento adequado dos dados seja para dis-
ponibilizar esses serviccedilos ao puacuteblico por meio de uma raacutepida conexatildeo em
rede Uma vez que como visto no atual contexto social a disponibilizaccedilatildeo de
serviccedilos digitais de streaming por meio de plataformas como a Netflix e Ama-
zon aleacutem de conteuacutedo (viacutedeos fotos conferecircncias e lives) disponibilizado gra-
tuitamente por meio das redes sociais como Instagram Facebook YouTube
e Twitter a produccedilatildeo de dados cresce exponencialmente9 (SADLER 2017) a
demanda por data centers eacute de igual modo ascendente
A massiva produccedilatildeo de dados cabe destacar teve um crescimento
exponencial natildeo previsto devido a situaccedilatildeo de isolamento social exigida pela
crise sanitaacuteria decorrente da pandemia da COVID-19 a qual levou milhotildees de
pessoas a mudarem seus haacutebitos e a aumentarem a demanda por serviccedilos
tecnoloacutegicos Eacute dizer se em condiccedilotildees normais as previsotildees acerca do au-
mento da produccedilatildeo e processamento de dados jaacute era assustadoramente
alta com a crise sanitaacuteria decorrente do novo coronaviacuterus (SARS-CoV-2) esse
aumento tornou-se bem maior
As pessoas encontraram novos meios de se conectarem e de se diverti-
rem aumentando a exigecircncia por serviccedilos online de bate-papo por viacutedeo e
sistemas de streaming Embora o uso de aplicativos de mensagens de texto
instantacircneas jaacute seja bastante disseminado no mundo inteiro as pessoas du-
rante o isolamento social queriam ver umas agraves outras isto eacute as mensagens de
texto jaacute natildeo eram suficientes para proporcionar a conexatildeo pessoal exigida
(KOEZE POPPER 2020) Ou seja diante das exigecircncias de isolamento social
aplicativos como a Netflix Amazon Prime e YouTube passaram a ser cada vez
mais utilizados como forma de entretenimento
Aleacutem disso a dependecircncia de transportes puacuteblicos e privados para ir ao
trabalho faculdade ou escola deu lugar a serviccedilos que permitem trabalhar e
estudar de casa como o Zoom Google Classroom Microsoft Teams e Han-
gouts Meets (KOEZE POPPER 2020) Segundo o presidente executivo da star-
tup Eric Yuan a plataforma saltou de 10 milhotildees de usuaacuterios em dezembro de
2019 para 200 milhotildees em marccedilo de 2020 ou seja a demanda aumentou 19
vezes em apenas trecircs meses (COMOhellip 2020) Com o aumento da demanda
as empresas precisaram aperfeiccediloar seus processos ampliando as capacida-
des dos seus supercomputadores e data centers para satisfazer as exigecircncias
dos consumidores
9 Estima-se que ateacute 2003 a populaccedilatildeo mundial havia acumulado cerca de 5 exabytes (o
que equivale a cinco bilhotildees de gigabytes) de conteuacutedo digital Enquanto que em 2015
essa quantidade de dados passou a ser produzida a cada dois dias (cerca de 870 exabytes
por ano) Segundo Bernard Marr (2018) em 2018 a produccedilatildeo de dados diaacuteria era de 25
quintilhotildees de bytes (25 exabytes)
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
116
Esses data centers de acordo com Rong et al (2016) satildeo um conjunto
de computadores que armazenam grandes quantidades de dados que aten-
dem agraves necessidades diaacuterias de processamento de transaccedilotildees de diferentes
empresas Para atender a essas necessidades essa estrutura precisa ter todas
as instalaccedilotildees de suporte para fornecimento de energia e controle do meio
em que eacute instalada de modo que sejam mantidos os niacuteveis necessaacuterios de re-
siliecircncia e seguranccedila para fornecer os serviccedilos desejados (armazenamento
processamento e transporte de dados) (OROacute et al 2013) A partir disso per-
cebe-se que para aleacutem dos problemas mais oacutebvios suscitados por essas estru-
turas fiacutesicas como os descartes de resiacuteduos toacutexicos e ateacute radioativos (MARTIacute-
NEZ PORCELLI 2016) tem-se outros problemas decorrentes da alta demanda
por esses data centers
Tal estrutura computacional funciona ininterruptamente 24 horas por
dia durante 7 dias da semana ao longo de todo o ano consumindo uma
quantidade expressiva de energia (BEATY 2013) a qual pode ser atribuiacuteda
dentre outros agraves demandas de serviccedilos de Tecnologia da Informaccedilatildeo ilumi-
naccedilatildeo distribuiccedilatildeo de energia e principalmente aos equipamentos de refri-
geraccedilatildeo (AVGERINOU BERTOLDI CASTELLAZZI 2017)
Os sistemas de refrigeraccedilatildeo satildeo imprescindiacuteveis uma vez que a alta den-
sidade de calor gerada por esses equipamentos aliada a sua sensibilidade
teacutermica eacute uma combinaccedilatildeo volaacutetil e qualquer perda ou interrupccedilatildeo do con-
trole de temperatura e umidade ainda que por um curto periacuteodo de tempo
pode levar a danos no equipamento ou perda de dados o que por sua vez
implica em gastos substanciais mdash de milhares ou ateacute milhotildees de doacutelares por
cada minuto de inatividade (NI BAI 2017)
O setor de Tecnologia da Informaccedilatildeo (TI) no qual se inserem os data
centers segundo dados de 2017 consome aproximadamente 7 da eletrici-
dade global e agrave medida que o traacutefego anaacutelise e armazenamento de dados
aumenta o consumo de energia global demandado pelos data centers
pode chegar a 13 em 2030 (SADLER 2017) Estima-se que os data centers
em particular foram responsaacuteveis por em meacutedia 14 do consumo global de
eletricidade em 2011 o que equivale a meacutedia de consumo de 25000 casas
nos EUA (RONG et al 2016)
De toda a energia demandada em um data centers como apontam
Ni e Bai (2017) aproximadamente 40 eacute gasta no sistema de refrigeraccedilatildeo e
ainda conforme os autores mais da metade (60) desses sistemas de ar-con-
dicionado satildeo ineficientes ou seja demandam muita energia e resfriam
pouco o ambiente Aleacutem disso o fato de tais data centers funcionarem inces-
santemente independente da demanda mdash uma vez que os servidores preci-
sam estar prontos para qualquer eventual aumento na atividade que poderia
reduzir o desempenho ou travar suas operaccedilotildees mdash evidencia um preocu-
pante desperdiacutecio energeacutetico (GLANZ 2012)
Nesse sentido Glanz (2012) destaca que o uso ineficiente de energia eacute
cada vez mais fomentado por uma relaccedilatildeo simbioacutetica entre os usuaacuterios que
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
117
exigem uma resposta imediata aos clicks do mouse e as empresas que se natildeo
atenderem a essas expectativas colocam em risco todo o seu negoacutecio
Aleacutem disso estima-se que a pegada de carbono deixada pelo setor de
TI sobretudo em razatildeo dos data centers e da estrutura de rede utilizada eacute a
que mais cresce seja em decorrecircncia da queima de combustiacutevel foacutessil para
suprir as demandas energeacuteticas (WHITEHEAD et al 2014) seja pela utilizaccedilatildeo
de geradores que emitem escapes de diesel (GLANZ 2012)
Isso evidencia a crescente pegada de carbono que a utilizaccedilatildeo do Big
Data deixa a qual pode chegar a ser irreversiacutevel e gerar danos ambientais
profundos uma vez que o impacto ambiental nunca eacute toacutepico mas sistecircmico
haja vista a complexidade que o permeia Aleacutem disso tem-se a utilizaccedilatildeo de
tecnologias associadas ao Big Data como aspecto primordial do modelo de
desenvolvimento econocircmico atual Entretanto esse modelo tem desencade-
ado uma difusatildeo de riscos ambientais de modo que a crise ambiental eacute uma
caracteriacutestica central desse modelo (PERALTA 2019 p 151)
Sendo assim necessaacuterio se faz que as preocupaccedilotildees com o desenvolvi-
mento tecnoloacutegico sejam voltadas tambeacutem para os aspectos ambientais e
natildeo apenas uma anaacutelise do ponto de vista da vigilacircncia e proteccedilatildeo de dados
pessoais Nesse particular algumas reflexotildees sobre esse fenocircmeno precisam
ser feitas mas aleacutem disso precisam ser feitas a partir de uma perspectiva sis-
tecircmica Portanto o proacuteximo toacutepico aborda essa questatildeo especiacutefica e discute
como os Estados e atores privados estatildeo agindo em relaccedilatildeo a essa temaacutetica
73 A ERA DO BIG DATA E A PROTECcedilAtildeO AMBIENTAL NA
PERSPECTIVA ECOSSISTEcircMICA
algumas reflexotildees
As mudanccedilas climaacuteticas satildeo reconhecidas como um dos principais de-
safios que a humanidade enfrenta atualmente Assim na 21ordf Conferecircncia das
Partes (COP 21) adotou-se o Acordo de Paris com o fulcro de fortalecer a
resposta global agrave ameaccedila das mudanccedilas climaacuteticas cujo compromisso foi o
de limitar o aumento da temperatura a natildeo mais de 2ordm C em comparaccedilatildeo ao
periacuteodo anterior agrave revoluccedilatildeo industrial (MMA 2016)
Neste sentido a revoluccedilatildeo dos dados por meio do Big Data eacute defen-
dida como uma medida para que se alcance o desenvolvimento sustentaacutevel
Contudo este veiacuteculo atualmente eacute apoiado por tecnologias que colocam
em risco a sustentabilidade e o meio ambiente (LUCIVERO 2020 p 1013) tais
como a sua grande pegada de carbono contribuindo para a emergecircncia
ambiental que satildeo as mudanccedilas climaacuteticas As estimativas dos impactos am-
bientais10 atuais e futuros natildeo satildeo definitivas visto que ainda satildeo incertas e
10 Haacute impactos diretos e indiretos Os indiretos satildeo mais difiacuteceis de serem avaliados visto que
requerem aspectos comportamentais e sociais mais amplos a serem considerados na ava-
liaccedilatildeo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
118
incompletas (LUCIVERO 2020 p 1016) Nota-se assim um fenocircmeno com-
plexo no qual eacute preciso enfrentar as incertezas e as contradiccedilotildees
Assim a realidade dinacircmica e incerta da Sociedade Contemporacircnea
natildeo se coaduna com a insuficiecircncia dos padrotildees conservadores e simplistas
da sociedade na qual a visatildeo fragmentada prejudica a tentativa de com-
preensatildeo ampla para que seja possiacutevel o enfrentamento das complexidades
da Sociedade Contemporacircnea (WEYERMUumlLLER 2010 p 114) sendo a ligaccedilatildeo
dos Big data e das questotildees ambientais um exemplo disso Denota-se por-
tanto que a racionalidade desse modelo conservador que possui como pilar
do desenvolvimento o crescimento econocircmico natildeo integrou a vulnerabili-
dade e a capacidade de resiliecircncia da Natureza (PERALTA 2019 p150)
As questotildees ambientais tais como as mudanccedilas climaacuteticas satildeo essen-
cialmente transdisciplinares visto que se alastram a niacutevel global e necessitam
de um diaacutelogo de saberes entre as diversas aacutereas do conhecimento Ou seja
contrariamente a um pensamento fragmentado Contudo resta salientar que
a complexidade natildeo objetiva extinguir eou descartar o pensamento sim-
plista Ao contraacuterio a complexidade visa agregar assim como integrar onde
o pensamento simplista falha (BELCHIOR 2017 p 52)
Aleacutem disso no pensamento simplista a contradiccedilatildeo eou dualismo con-
figura a loacutegica do terceiro excluiacutedo Dessa forma configura-se a unificaccedilatildeo
do mundo e o pensamento unidimensional como uma forma de conheci-
mento domiacutenio e controle tendo por base as certezas de um determinado
mundo (LEFF 2010 p 21) Ou seja avanccedilo tecnoloacutegico ou meio ambiente (a
loacutegica do ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo)
Eacute criacutevel inferir que a sociedade contemporacircnea ou melhor o seacuteculo XXI
eacute amplamente influenciado pela crise ambiental que nada mais eacute do que a
crise do conhecimento visto que o ser humano passou a adotar um sistema
que utiliza os recursos naturais sem se preocupar com o seu esgotamento (BEL-
CHIOR 2017 p 66) Diante desse paradigma considera-se que o planeta natildeo
iria se modificar de forma substancial em que pese a exploraccedilatildeo predatoacuteria
da atividade teacutecnico-industrial e econocircmica do ser humano (PENA-VEGA
2003 p 23)
Outrossim se de um lado a revoluccedilatildeo dos dados possibilitada pelo Big
Data promove a coleta de dados que auxiliam no monitoramento e o al-
cance de poliacuteticas vinculadas ao Meio Ambiente tais como os ODS que fo-
ram anunciados na Agenda 2030 da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)
o rastreamento de queimadas desmatamento dentre outros
Diante disso verifica-se que o desenvolvimento tecnoloacutegico e a capa-
cidade de armazenamento de dados ampliam as ferramentas que contri-
buem para encontrar e alcanccedilar as soluccedilotildees de determinados problemas de
forma a contribuir nesse quesito a efetividade de um meio ambiente equili-
brado (MOLINARO LEAL 2018)
Por outro tem-se o impacto ambiental das infraestruturas do Big Data
Nesse prisma a realidade complexa e o contingente de risco e inseguranccedila
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
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dentro de uma visatildeo complexa exigem que as implicaccedilotildees eacuteticas dos impac-
tos ambientais das revoluccedilotildees de dados sejam levadas em consideraccedilatildeo
Essa complexidade demonstra a necessidade de um diaacutelogo entre os
diversos atores visto que as questotildees ambientais tecircm a capacidade de im-
pactar todo o planeta Nesse sentido o princiacutepio dialoacutegico do pensamento
complexo ldquopermite manter a dualidade no seio da unidade Ele associa dois
termos ao mesmo tempo complementares e antagocircnicosrdquo (MORIN 2011 p
74) Na temaacutetica do impacto dos data centers no meio ambiente natildeo haacute ven-
cedor eou perdedor mas uma gama de atores buscando soluccedilotildees dentro
do acircmbito da incerteza para tal problemaacutetica
Nesse contexto entre as medidas estaacute a poliacutetica de uma eficiecircncia
energeacutetica relacionada aos data centers Assim a promoccedilatildeo de uma econo-
mia de dados sustentaacutevel requer natildeo apenas a reduccedilatildeo dos custos de ener-
gia dos data centers mas tambeacutem a produccedilatildeo de menos desperdiacutecio ou me-
nos dados que necessitam de recursos para serem processados eou armaze-
nados (LUCIVERO 2020 p 1025)
Aleacutem disso algumas soluccedilotildees dentro da problemaacutetica do impacto am-
biental dos data centers utilizam ferramentas tecnoloacutegicas associadas ao con-
ceito de Big Data em especial algoritmos de Inteligecircncia Artificial de modo a
aumentar o grau de eficiecircncia dos data centers Um exemplo de medidas
nesse sentido eacute uma iniciativa da Google a qual estaacute utilizando redes neurais
artificiais11 para analisar como os grandes centros de processamento de da-
dos operam e a partir disso aprimorar sua operaccedilatildeo (METZ 2014) Aleacutem disso
o Facebook e a Apple possuem sistemas de produccedilatildeo de energia solar para
alimentar seus data centers (ISBERTO 2018) contribuindo para reduzir a pe-
gada de carbono deixada pela tecnologia Percebe-se assim a associaccedilatildeo
de termos aparentemente antagocircnicos possibilitando melhores soluccedilotildees
Em acircmbito internacional haacute uma demanda para uma melhoria da efi-
ciecircncia energeacutetica o que inclui primeiramente o ODS 7 da Agenda 203012
que de uma forma geral contempla um pensamento complexo visto que
todos os objetivos se complementam Neste sentido a eficiecircncia energeacutetica
se correlaciona com as mudanccedilas climaacuteticas (ODS 13) justiccedila ambiental den-
tre outros por exemplo
No que diz respeito propriamente aos data centers surgiu em meados
de 2008 o ldquoEU Code of Conduct on Data Centre Energy Efficiencyrdquo em res-
posta ao aumento do consumo em data centers e a necessidade de reduzir
as consequecircncias ambientais econocircmicas dentre outras questotildees Ademais
por volta de 2019 publicou-se a revisatildeo 1010 do Coacutedigo de Conduta que
11 Em poucas palavras redes neurais artificiais constituem um tipo de sistema computacional
inspirado nas propriedades baacutesicas dos neurocircnios bioloacutegicos Essencialmente essas redes
neurais satildeo algoritmos de computadores capazes de reconhecer padrotildees e tomar deci-
sotildees com base nesses padrotildees utilizando uma forma de processamento inspirada mas
natildeo igual nos neurocircnios bioloacutegicos
12 O ODS 7 - Agenda 2030 - elenca a necessidade de dobrar a taxa global de melhoria da
eficiecircncia energeacutetica ateacute 2030
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
120
reuniu cerca de 150 recomendaccedilotildees de melhores praacuteticas que tecircm o condatildeo
de identificar e implementar medidas de melhoria de eficiecircncia energeacutetica
dos data centers (AQUIM 2019)
Nessa medida dentro do contexto das alteraccedilotildees climaacuteticas e da de-
gradaccedilatildeo do meio ambiente adveio no acircmbito da Uniatildeo Europeia o Pacto
Ecoloacutegico Europeu (The European Green Deal) que tem o fulcro de implemen-
tar a Agenda 2030 da ONU e os ODS Assim o cerne do Pacto eacute impulsionar a
utilizaccedilatildeo eficiente dos recursos por meio da transiccedilatildeo para uma economia
circular assim como estabelecer um caminho para a neutralidade climaacutetica
da regiatildeo ateacute 2050 (COMMISSION EUROPEacuteENNE 2019) Percebe-se que este
instrumento pode ser difundido em outros Estados observando-se as particu-
laridades de cada local
Neste vieacutes nota-se uma emergecircncia ambiental e diversas tratativas
para a busca de soluccedilotildees para tal problemaacutetica entre elas as mudanccedilas cli-
maacuteticas Averiacutegua-se portanto que uma mudanccedila na forma de pensar no
que diz respeito ao pensamento complexo e a interdependecircncia de todos os
seres vivos eacute um caminho a ser seguido tanto em acircmbito nacional e interna-
cional assim como o diaacutelogo entre os diversos atores e saberes
Por fim eacute um caminho salutar a busca de alternativas tecnoloacutegicas mais
ecoloacutegicas e sustentaacuteveis para os data centers visto que a coleta de dados eacute
uma ferramenta importante para a consecuccedilatildeo da sustentabilidade
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Observou-se no presente trabalho que a sociedade contemporacircnea eacute
caracterizada como uma sociedade de informaccedilotildees onde a atual era do Big
data ndash definida natildeo apenas sob o aspecto quantitativo (3 Vs ndash Volume Variety
e Velocity) mas tambeacutem pela sua caracteriacutestica qualitativa como um ecos-
sistema socialmente integrado (3 Cs ndash crumbs capacities e communities) ndash fo-
menta uma crescente economia de dados com suas infraestruturas e investi-
mentos relacionados As empresas se utilizam cada vez mais desses serviccedilos
associados ao conceito de Big Data para mudar seus modelos de negoacutecios e
disponibilizar serviccedilos digitais proporcionando para os consumidores maiores
comodidades ao mesmo tempo em que reduzem os riscos inerentes agrave ativi-
dade empresarial pois a anaacutelise dos dados coletados possibilita a aquisiccedilatildeo
de conhecimento uacutetil como suporte para melhores tomada de decisotildees
Viu-se tambeacutem que os serviccedilos digitais fomentados e emergentes dessa
economia de dados opera sob um conjunto de aspectos loacutegicos e fiacutesicos (ca-
pacities) dentre os quais as estruturas fiacutesicas como os data centers possuem
especial destaque para o funcionamento adequado desse novo ecossistema
pautado em dados Viu-se tambeacutem que tais estruturas e supercomputadores
necessitam de ambientes controlados para funcionarem adequadamente o
que por sua vez demanda significativa quantidade de energia e emitem ga-
ses nocivos ao ambiente
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
121
Nessa perspectiva a pesquisa evidenciou que a revoluccedilatildeo de dados ndash
caracterizada mais pelo poder de anaacutelise da imensa gama de dados produ-
zida do que pela proacutepria quantidade desses dados ndash acarreta em grandes
impactos positivos e negativos no que diz respeito ao planeta e ao seu ecos-
sistema (onde o ser humano estaacute incluso) Dentre os aspectos positivos tem-se
que com uma enorme quantidade e possibilidade de coleta e anaacutelise de da-
dos tal ferramenta eacute essencial para o desenvolvimento econocircmico e social
bem como a anaacutelise de problemas e proposituras de soluccedilotildees para as ques-
totildees ambientais seja a niacutevel nacional como internacional
Contudo paralelamente percebeu-se que haacute impactos negativos indi-
retos e diretos no que tange agrave tecnologia atualmente associada ao conceito
de Big Data Dentre os impactos tem-se a pegada de carbono gerada prin-
cipalmente pelos data centers que induz para a emergecircncia das mudanccedilas
climaacuteticas Aleacutem disso como visto os supercomputadores que possibilitam a
coleta armazenamento e anaacutelise da imensa gama de dados produzidas hoje
em dia necessitam que as salas em que satildeo mantidos possuam baixa tempe-
ratura e resfriem constantemente os equipamentos (pois geram muito calor)
em razatildeo da volatilidade e sensibilidade teacutermica que essas estruturas possuem
do contraacuterio haveraacute perda de dados e perda substancial de recursos financei-
ros
Dessa forma a pesquisa demonstrou tambeacutem que ainda que digitais ndash
isto eacute os consumidores natildeo veem todos os suportes fiacutesicos e os gastos que
demandam por meio do qual operam ndash os serviccedilos proporcionados pela
atual era do Big Data apresenta seacuterios riscos ao meio ambiente os quais de-
vem ser enfrentados a partir de uma perspectiva ecossistecircmica
Neste sentido notou-se uma questatildeo complexa que natildeo pode ser resol-
vida de forma simplista mas sim por meio de uma interconexatildeo de diversos
saberes e fatores assim como de opiniotildees divergentes dos diversos atores (acircm-
bito internacional nacional) para que seja possiacutevel encontrar alternativas tec-
noloacutegicas que consigam vincular a proteccedilatildeo e a conservaccedilatildeo do meio ambi-
ente com os avanccedilos tecnoloacutegicos
Assim descartar de plano o uso da tecnologia natildeo se apresenta como
uma saiacuteda viaacutevel embora seja ela uma das causadoras de problemas ambi-
entais Como visto o desenvolvimento tecnoloacutegico proporciona meios para
mitigar os proacuteprios impactos evidenciando assim a complexidade do tema
Por fim pesquisas futuras sobre a forma de lidar com esse problema e
encontrar soluccedilotildees viaacuteveis precisam levar em conta a necessaacuteria abordagem
complexa e ecossistecircmica por meio do desenvolvimento de tecnologias que
sejam capazes de aperfeiccediloar a eficiecircncia dos data centers (como o projeto
da Google) e reduzir os niacuteveis de calor por vias sustentaacuteveis como pelo uso de
energias limpas como a energia solar (tal qual utilizada pelo Facebook e Ap-
ple) A resposta natildeo estaacute na exclusatildeo de um em prol de outro (desenvolvi-
mento tecnoloacutegico em prol do meio ambiente ou vice-versa) mas em uma
convergecircncia de diferentes saberes e atores
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
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PARADIGMA DA COMPLEXIDADE
COMO METODOLOGIA DO
DIREITO AMBIENTAL
Alana Ramos Araujo1
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 81 O pensamento complexo 82 Princiacutepios do
pensamento complexo 83 A complexidade ambiental e sua apli-
caccedilatildeo no campo do direito Consideraccedilotildees finais Referecircncias
INTRODUCcedilAtildeO
O pensamento cientiacutefico moderno particularmente o ocidental foi
construiacutedo agraves bases do pensamento cartesiano cujas caracteriacutesticas em siacuten-
tese satildeo anaacutelise reduccedilatildeo simplificaccedilatildeo e unidimensatildeo O esforccedilo da ciecircncia
positivista de matriz cartesiana se deu no sentido de separar as ciecircncias de
classificar o conhecimento em disciplinas autocircnomas de distanciar o sujeito
do objeto e de transportar os conceitos e instrumentos das ciecircncias naturais
para as ciecircncias sociais Muitas conquistas do seacuteculo XXI satildeo resultado da es-
pecializaccedilatildeo do conhecimento e do tratamento estatiacutestico e matemaacutetico dos
fenocircmenos existenciais Poreacutem ao lado destes ganhos a ciecircncia moderna
tambeacutem incorreu em erros que contribuiacuteram para o cenaacuterio de crise aos quais
variados aspectos da vida estatildeo imbricados
A ciecircncia vem percebendo isso desde o seacuteculo XX com Bertalanffy na
teoria dos sistemas na ciberneacutetica de segunda ordem de Heinz Von Foerster
no pensamento complexo de Edgar Morin na racionalidade ambiental de
Enrique Leff na criacutetica agrave racionalidade juriacutedica moderna com Adorno Mar-
cuse e Horkeimmer no reencontro do Direito com a moral de Dworkin com a
teoria sistecircmica de Luhmann para citar alguns que conduziram este itineraacuterio
de criacutetica agrave ciecircncia moderna e ao direito aos quais se somam como criacuteticos
da epistemologia e da ciecircncia moderna Popper Kuhn Lakatos Feyerabend
(MORIN 2005 p 175)
Estes novos rumos da ciecircncia apontados por tais estudiosos e criacuteticos o
cenaacuterio de crise ambiental a fragmentaccedilatildeo do conhecimento e o isolamento
cientiacutefico satildeo alguns dos fatores que demonstraram agrave sociedade a necessi-
dade de mudar as bases epistemoloacutegicas da ciecircncia da sociedade do di-
reito Este cenaacuterio cartesiano constitui o que se denomina de ldquointeligecircncia
cegardquo2 (MORIN 2005 traduccedilatildeo livre) a sociedade que mais avanccedilou no co-
nhecimento cientiacutefico eacute a que mais regrediu no intercacircmbio e nas interaccedilotildees
1 Doutora em Ciecircncias Juriacutedicas pela Universidade Federal da Paraiacuteba com doutorado san-
duiacuteche na Universiteacute de Limoges (UNILIM) Franccedila com bolsa CAPESPDSE Professora do
Magisteacuterio Superior E-mail araalanapbgmailcom
2 ldquointeligence aveuglerdquo
8
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
126
da complexidade do real eacute tambeacutem o que (LEFF 2006) denomina de desero-
tizaccedilatildeo do saber Para ele a sociedade do conhecimento se converteu na
sociedade do desconhecimento
Ante tal contexto problemaacutetico no campo do pensamento cientiacutefico e
da epistemologia ambiental este artigo trata de descrever brevemente o
pensamento complexo com base em Morin (2005) apontando a complexi-
dade ambiental como um instrumento metodoloacutegico de desconstruccedilatildeo do
modelo positivista e simplificador do direito para lidar com a crise ambiental e
com a tutela juriacutedica da natureza com base em Leff (2006) propondo uma
reconstruccedilatildeo do proacuteprio direito a partir do paradigma do pensamento com-
plexo e da complexidade ambiental como estrateacutegias de abordagem de
conflitos ambientais
81 O PENSAMENTO COMPLEXO
A elaboraccedilatildeo de um pensamento complexo de um lado cuida de des-
construir a racionalidade cientiacutefica simplificadora reducionista determinista
objetiva linear analiacutetica e disjuntiva de outro lado cuida de desconstruir a
racionalidade economicista baseada no crescimento econocircmico sem limites
na depleccedilatildeo dos recursos da natureza e no aniquilamento velado das culturas
locais por meio do discurso globalizante causando a morte entroacutepica do pla-
neta Desta forma complexo estaacute sendo adotado aqui como
Todo fenoacutemeno que potildee em jogo uma diferenccedila de niacuteveis e uma
circularidade entre esses diferentes niacuteveis Tomar em conta simulta-
nemante esses diferentes niacuteveis (por exemplo entre o objecto o am-
biente do objecto e o observador) e as relaccedilotildees de circularidade que
se estabelecem entre eles eacute proacuteprio da epistemologia da complexi-
dade da qual se pode dizer que se opotildee ponto por ponto ao mo-
delo cartesiano meacutetodo identitaacuterio e linear meacutetodo do laquosimplesraquo
(OST 1997 p 280-281)
Estes caminhos percorridos pela racionalidade moderna no modelo
acima citado se constituiacuteram atraveacutes de um pensamento uacutenico totalizador
hegemonizante que desconsiderou os contextos as relaccedilotildees as interaccedilotildees
entre situaccedilotildees pessoas e coisas nos vaacuterios campos do conhecimento dos
saberes e dos sentidos A criacutetica a este modelo iluminista foi o contexto em que
foi gestado o pensamento sistecircmico Das ciecircncias naturais agraves ciecircncias sociais
de Bertalanffy agrave Luhmann (FOLLONI 2016) o pensamento sistecircmico como
novo modo de observar e interagir no mundo fenomenal inaugurou um
marco no campo das ciecircncias construindo novas epistemes para as relaccedilotildees
no meio ambiente
Construiacuteda sobre bases cartesianas a racionalidade moderna edificou
seu pensamento de forma analiacutetica segundo a qual para se conhecer algo
um objeto eacute preciso reduzir esta coisa ou objeto agrave menor parte possiacutevel pois
o estudo desta parte por menor que seja eacute bastante e suficiente para com-
preender o comportamento desta e a partir disto eacute possiacutevel compreender o
ldquo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
127
comportamento do todo do qual a parte integra isto implica dizer que o pen-
samento analiacutetico cartesiano que fundou as bases do pensamento cientiacutefico
moderno significa isolar alguma coisa para poder entendecirc-la e entendendo-
a o todo poderaacute ser tambeacutem entendido (CAPRA 2007 p 41)
Ocorre que as insuficiecircncias deste pensamento ocasionaram significati-
vos impactos no mundo fenomenoloacutegico na relaccedilatildeo humanonatureza nos
sentidos existenciais nos vaacuterios campos da ciecircncia O direito por exemplo de
matriz positivista fortemente influenciada por este pensamento linear analiacute-
tico reducionista e simplificador se caracteriza por um esforccedilo de divisatildeo ateacute
partes que num futuro natildeo se pode imaginar como sucederaacute A estrutura mon-
tada por epistemologistas e metodologistas juriacutedicos tais como (KELSEN 2009)
revelam isso o direito positivo se divide em ramos em vaacuterias partes que cada
vez mais se compartimentalizam
O direito positivo eacute classicamente dividido em direito puacuteblico e direito
privado e estes satildeo subdivididos em outras disciplinas tais como direito consti-
tucional direito administrativo direito tributaacuterio direito penal direito empresa-
rial direito civil direito trabalhista e por aiacute vatildeo uma seacuterie de direitos que de-
monstram o esforccedilo da ciecircncia do direito para fracionar nas menores partes
quanto possiacutevel for o objeto de estudo do direito
O direito ambiental eacute um dos ramos do direito que sofre profunda in-
fluecircncia do pensamento cientiacutefico moderno reducionista simplificador e ana-
liacutetico pois a partir dele surgiram outras ldquoproviacutenciasrdquo (ANTUNES 2013 p 4) tais
como direito de aacuteguas direito do petroacuteleo direito da energia direito do mar
direito animal direito da biodiversidade e tantos outros fragmentos que foram
individualizados a partir do direito ambiental para estudo mais aprofundado e
setorializado de questotildees eminentemente ambientais Daqui a muito pouco
que sobraraacute para o direito ambiental
Esta forma de (cientificamente) conceber o mundo provocou reaccedilotildees
no sentido de novas teorias novas perspectivas e novas formas de enfrentar
estas questotildees tal como o pensamento sistecircmico Este eacute caracterizado pela
Percepccedilatildeo de que os sistemas natildeo podem ser entendidos pela anaacute-
lise Na abordagem sistecircmica as propriedades das partes podem ser
entendidas apenas a partir da organizaccedilatildeo do todo Em consequecircn-
cia disso o pensamento sistecircmico concentra-se natildeo em blocos de
construccedilatildeo baacutesicos mas em princiacutepios de organizaccedilatildeo baacutesicos O
pensamento sistecircmico eacute ldquocontextualrdquo o que eacute o oposto do pensa-
mento analiacutetico As caracteriacutesticas-chave do pensamento sistecircmico
[satildeo] () mudanccedila das partes para o todo () capacidade de des-
locar a proacutepria atenccedilatildeo de um lado para outro entre niacuteveis sistecircmicos
() parte eacute apenas um padratildeo numa teia inseparaacutevel de relaccedilotildees
() Na visatildeo sistecircmica compreendemos que os proacuteprios objetos satildeo
redes de relaccedilotildees embutidas em redes maiores Para o pensador sis-
tecircmico as relaccedilotildees satildeo fundamentais () Desse modo o pensa-
mento sistecircmico envolve uma mudanccedila da ciecircncia objetiva para a
ciecircncia ldquoepistecircmicardquo (CAPRA 2007 p 41-49) (grifos meus)
ldquo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
128
Esta forma sistecircmica de pensar concebe o todo como um conjunto es-
truturado e funcional ao qual as partes integrantes estatildeo interligadas for-
mando com o todo uma nova realidade diferente do que elas formam iso-
ladamente com funccedilotildees diferentes e com interaccedilotildees diferentes no meio em
que elas no todo estatildeo inseridas Eacute pensar o indiviacuteduo em relaccedilatildeo agrave socie-
dade O indiviacuteduo eacute ele mesmo um sistema que culturalmente considerado
junto com outros indiviacuteduos formam a sociedade que eacute o todo e cada indiviacute-
duo interage com esta sociedade e esta sociedade a seu turno provoca in-
teraccedilotildees com o indiviacuteduo que a compotildee Em termos juriacutedicos eacute pensar na
menor unidade do sistema na regra que por sua vez compotildee uma lei a qual
faz parte do proacuteprio sistema juriacutedico (FOLLONI 2016)
Este pensamento sistecircmico se compotildee de diferentes teorias de sistemas
que como dito vatildeo desde as ciecircncias naturais ateacute as ciecircncias sociais perpas-
sando por diferentes aacutereas da gnosiologia Dentro de tais teorias de sistemas
impende destacar o pensamento complexo que natildeo sendo parte do pensa-
mento sistecircmico claacutessico eacute uma teoria sistecircmica que avanccedila na questatildeo da
complexidade Eacute este pensamento complexo que importa para a racionali-
dade ambiental como um axioma que invoca uma mudanccedila paradigmaacutetica
na ciecircncia na economia no direito na poliacutetica na sociedade na cultura
para que se alcance a pretendida sustentabilidade Este pensamento com-
plexo tem bases na teoria da complexidade moriniana para quem
Numa primeira abordagem complexidade eacute um tecido de consti-
tuintes heterogecircneos inseparavelmente associados que se constroacutei
no paradoxo do uacutenico e do muacuteltiplo que vem do latim complexus
que significa aquilo que eacute tecido junto numa segunda abordagem
a complexidade significa efetivamente o tecido de eventos accedilotildees
interaccedilotildees retroaccedilotildees determinaccedilotildees e fortuitos que constituem o
mundo fenomenal3 (MORIN 2005 p 21 traduccedilatildeo livre)
Esta noccedilatildeo conceitual parte de um contexto em que ldquoa patologia mo-
derna do espiacuterito eacute a hiper-simplificaccedilatildeo que retira o sentido da complexidade
do realrdquo4 (MORIN 2005 p 23 traduccedilatildeo livre) cuja hiper-simplificaccedilatildeo eacute objeto
de uma das criacuteticas da RA agrave racionalidade moderna que vive uma perda de
sentidos
Este pensamento complexo se baseia nas categorias da ordem e da
desordem em dissonacircncia com a categoria de equiliacutebrio e ordem caracteriacutes-
ticos do pensamento linear Utilizando como metaacutefora para explicaccedilatildeo da
importacircncia da ordem e da desordem no pensamento complexo Morin trata
da explosatildeo que teria originado o planeta em que primeiro foi necessaacuterio ha-
ver uma situaccedilatildeo de completa desordem com calor intenso e explosatildeo de
3 ldquoAu premier abord la complexiteacute est un tissu (complexus ce qui est tisseacute ensemble) de
constituants heacuteteacuterogegravenes inseacuteparablement associeacutes elle pose le paradoxe de lrsquoun et de
multiple Au second abord la complexiteacute est effectivement le tissu drsquoeacuteveacutenements actions
interactions reacutetroactions deacuteterminations aeacuteas qui cinstituent notre monde pheacutenomeacutenalrdquo
4 ldquoLa pathologie moderne de lrsquoesprit est dans lrsquohyper-simplification que rend aveugle agrave la-
complexiteacute du reacuteelrdquo
ldquo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
129
gases para depois haver um resfriamento que possibilitou as primeiras formas
de vida ateacute chegar agrave organizaccedilatildeo ecossistecircmica que se configura hoje no
planeta (MORIN 2005 p 82-87)
82 PRINCIacutePIOS DO PENSAMENTO COMPLEXO
Para lidar com esta ordem e desordem o pensamento complexo conta
com trecircs princiacutepios orientadores de todo o processo sistecircmico complexo tais
como o princiacutepio dialoacutegico princiacutepio recursivo e princiacutepio hologramaacutetico
O princiacutepio dialoacutegico nos permite manter a dualidade contida numa
unidade Ele associa dois termos ao mesmo tempo complementares
e antagocircnicos [como eacute o caso da ordem e da desordem] () O se-
gundo princiacutepio eacute o da recursatildeo organizacional [segundo o qual] um
processo recursivo eacute um processo em que os produtos e os efeitos satildeo
ao mesmo tempo causas e produtores daquilo que lhes produz [por
exemplo] os indiviacuteduos produzem a sociedade que produz os indiviacute-
duos Noacutes somos ao mesmo tempo produtos e produtores A ideia
recursiva eacute portanto um ideia em ruptura com a ideia linear de
causaefeito de produtoprodutor de estruturasuperestrutura pois
tudo o que eacute produzido se torna aquilo que lhe produz num ciclo
auto-constitutivo auto-organizativo e auto-produtivo O terceiro prin-
ciacutepio eacute o princiacutepio hologramaacutetico [que diz que] natildeo somente a parte
estaacute contida no todo mas o todo estaacute contido na parte [tal como]
cada ceacutelula de nosso organismo conteacutem a totalidade da informaccedilatildeo
geneacutetica deste organismo5 (MORIN 2005 p 98-100 traduccedilatildeo livre)
Para aleacutem destes princiacutepios orientadores do pensamento complexo ou-
tros podem ser relacionados tais quais princiacutepio sistecircmico ou organizacional
princiacutepio do ciacuterculo retroativo princiacutepio da auto-eco-organizaccedilatildeo princiacutepio
da reintroduccedilatildeo do conhecimento em si mesmo O princiacutepio sistecircmico une o
conhecimento individualizado e o conhecimento complexo para que se co-
nheccedila o individual e o todo do ponto de vista do sistema da organizaccedilatildeo
pois a parte unida e interativa com o todo forma uma realidade nova e dife-
rente da realidade singular da parte e da realidade total do sistema enquanto
desvinculado da parte (BELCHIOR 2015 p 72)
Eacute o que acontece com a aacutegua que eacute formada pela junccedilatildeo de dois aacuteto-
mos de hidrogecircnio e um de oxigecircnio a realidade que se forma desta junccedilatildeo
5 ldquoLe principe dialogique nous permet de maintenir la dualiteacute au sein de lrsquouniteacute Il associe
deux termes agrave la fois compleacutementaires et antagonistes () Le deuxiegraveme principe ets celui
de reacutecursion organisationelle Un processus reacutecursif est un processus ougrave les produits et les
effets sont en mecircme temps causes et producteurs de ce qui les produit Autrement dit les
individus produisent la socieacuteteacute qui produit les individus Nous somme agrave la fois produit et pro-
ducteurs Lrsquoideacutee recursive est donc une ideacutee en rupture avec lrsquoideacutee lineacuteaire de causeeffet
de produitproducteur de esctructuresuperestructure pouisque tout ce qui est produit re-
vient sur ce qui le produit dans en cicle lui-mecircme auto-constitutif auto-organisateur et auto-
produrcteur Le troisiegraveme principe est le principe hologrammatique Non seulement la partie
est dans le tout mais le tout est dans la partie () chaque cellule de notre organisme con-
tient la totaliteacute de lrsquoinformation geacuteneacutetique de cet organismerdquo
ldquo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
130
forma uma realidade nova e diferente da que existia antes do encontro pois
os aacutetomos de hidrogecircnio e de oxigecircnio eram gases que juntos se transformam
em um liacutequido denominado de aacutegua (MORIN 2005 p 22) Aplicando este prin-
ciacutepio ao direito ambiental ldquopodemos dizer que a norma natildeo estaacute separada
do ordenamento e natildeo pode ser adequadamente compreendida sem a con-
sideraccedilatildeo desse niacutevel superior mas o proacuteprio ordenamento tambeacutem natildeo pode
ser compreendido em separado da realidade social na qual se integrardquo (FOL-
LONI 2016 cap 8)
O princiacutepio do ciacuterculo retroativo informa que ldquoas causas agem sobre os
efeitos e os efeitos agem sobre as causas em um equiliacutebrio dinacircmico que re-
gula o sistema e ao mesmo tempo organiza rupturas Esse equiliacutebrio ocorre a
partir de retroaccedilotildees (feedback) muacutetuosrdquo (BELCHIOR 2015 p 76) Eacute diferente
do princiacutepio recursivo pois neste os produtos de alguma coisa tambeacutem satildeo
produtores desta mesma coisa como eacute o caso do indiviacuteduo e da sociedade
no exemplo apontado por Morin acima citado No presente princiacutepio do ciacuter-
culo retroativo as causas geram efeitos que agem sobre as causas ainda que
natildeo haja relaccedilatildeo muacutetua e reciacuteproca de produtoprodutor crsquoest-agrave-dire ainda
que as causas natildeo produzam os efeitos e estes natildeo produzam as causas eles
interagem retroativamente em feedbacks muacutetuos
O princiacutepio da auto-eco-organizaccedilatildeo implica ldquoautonomia e dependecircn-
cia no qual os seres vivos satildeo auto-organizadores e se autoproduzem de
forma autocircnoma No entanto dependem de outros seres e do meio em que
vivemrdquo (BELCHIOR 2015 p 78) e tem valor hologramaacutetico no sentido de que
em tudo quanto o ser humano faz parte eacute parte integrante do seu proacuteprio
espiacuterito que eacute o que acontece com a sociedade e o indiviacuteduo pois desde a
infacircncia a sociedade se imprime no espiacuterito do indiviacuteduo por exemplo pela
educaccedilatildeo familiar pela educaccedilatildeo escolar e pela educaccedilatildeo universitaacuteria
(MORIN 2005 p 117) Eacute um princiacutepio que cuida de dar conta da influecircncia
que o meio exerce no proacuteprio espiacuterito do ser humano dando-lhe autonomia
em relaccedilatildeo ao meio mas constituindo relaccedilatildeo de interdependecircncia entre
ambos
O princiacutepio da reintroduccedilatildeo do conhecimento em si mesmo implica a
uma reestruturaccedilatildeo do ser humano ldquoquando busca renovar o sujeito e trazer
agrave tona a problemaacutetica cognitiva central Haacute um envolvimento da percepccedilatildeo
com a teoria cientiacutefica ocasiatildeo em que todo o conhecimento eacute uma tradu-
ccedilatildeo de um ceacuterebro inserido em uma cultura e em um determinado tempordquo
(BELCHIOR 2015 p 84)
Esta reintroduccedilatildeo do conhecimento em si mesmo lanccedila proposiccedilatildeo de
que o Si mesmo seja um campo de reflexatildeo de revisitaccedilatildeo de reconstruccedilatildeo
em busca de novos sentidos de novos significados de novos valores de nova
racionalidade de novos modos de fazer criar e viver em busca e em direccedilatildeo
do Outro particularmente do Outro Absoluto que eacute o proacuteprio meio em que
estaacute inserido Esta reintroduccedilatildeo do conhecimento em si mesmo problematiza
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
131
o lugar do conhecimento cientiacutefico e convida agrave articulaccedilatildeo deste conheci-
mento com os saberes que hoje estatildeo marginalizados na loacutegica da racionali-
dade formal-instrumental
O pensamento complexo assim conceituado como um tecido carac-
terizado como um sistema de ordem e desordem e orientado pelos princiacutepios
dialoacutegico recursivo hologramaacutetico retroativo sistecircmico auto-eco-organiza-
cional e da reintroduccedilatildeo do conhecimento em si mesmo debruccedilando-se so-
bre um objeto ndash os sistemas complexos tais como satildeo o meio ambiente e o
direito ndash se daacute em niacuteveis de complexidade e isto significa que
Frequentemente um sistema complexo eacute ele mesmo parte de um
sistema complexo maior e assim por diante Podemos entatildeo des-
crever o funcionamento de uma ceacutelula ou subir de niacutevel e tratar do
funcionamento de um tecido podemos atentar para uma pessoa
subir de niacutevel e estudar um grupo ou subir mais um niacutevel e estudar
uma organizaccedilatildeo social podemos nos preocupar com uma regra ju-
riacutedica subir de niacutevel para nos preocuparmos com toda a lei que a
conteacutem subir mais uma vez para nos voltarmos ao ordenamento
como um todo subir ainda mais para transcender o proacuteprio ordena-
mento e assim por diante () (FOLLONI 2016 cap 8)
Esta questatildeo dos niacuteveis de complexidade potildee acento na importacircncia
que cada parte tem para o todo sistecircmico e organizacional potildee relevo no
fato de que a proacutepria parte tambeacutem eacute um sistema permeado de complexi-
dade tal como eacute o meio ambiente como sendo o sistema maior da existecircncia
fenomenal que se interliga aos variados sistemas que o compotildee atraveacutes de
uma rede ou ldquoteiardquo (CAPRA 2007 p 33) cuja teia abriga o sistema juriacutedico6
o qual constitui um outro ou micro ou subsistema complexo Eacute na especifici-
dade do sistema ambiental cognominado de ldquocomplexidade ambientalrdquo em
termo leffiano e do sistema juriacutedico e da relaccedilatildeo entre estes que me ocupo
centralmente neste trabalho
Ante este aclaramento de como surge e de como se caracteriza o pen-
samento complexo fica mais cristalina a complexidade ambiental O pensa-
mento complexo eacute ponto de partida para se compreender que
A complexidade ambiental natildeo eacute a ecologizaccedilatildeo do mundo O pen-
samento complexo ultrapassa a visatildeo ciberneacutetica de uma realidade
que se estrutura e evolui atraveacutes de um conjunto de inter-relaccedilotildees e
retroalimentaccedilotildees como um processo de desenvolvimento que vai
da auto-organizaccedilatildeo da mateacuteria agrave ecologizaccedilatildeo do pensamento
(Morin 1977 1980 1986) A complexidade natildeo eacute soacute a incorporaccedilatildeo
da incerteza o caos e a possibilidade da natureza (Prigogine 1997)
[A complexidade ambiental em termos de saber ambiental] reco-
nhece as potencialidades do real incorpora valores e identidades no
6 Cujo termo em adotando um pensamento complexo eacute mais adequado do que ordena-
mento juriacutedico pois ordenamento traz ideia de ordem e eliminaccedilatildeo de desordem que
conforme visto satildeo categorias importantes do pensamento complexo
ldquo
ldquo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
132
saber e interioriza as condiccedilotildees da subjetividade e do ser na constru-
ccedilatildeo de uma racionalidade ambiental (LEFF 2006 p 293)
Fica assim claro que o pensamento complexo na compreensatildeo da
complexidade ambiental natildeo cuida exclusivamente de um tecido de intera-
ccedilotildees accedilotildees e eventos natildeo cinge sua construccedilatildeo na ideia da ordem e da
desordem como elementos constitutivos e organizativos do sistema complexo
natildeo se satisfaz com a principiologia da manutenccedilatildeo da dualidade na uni-
dade da recursividade entre produtoprodutorproduto na hologramatici-
dade entre partetodoparte como em um espelho na retroaccedilatildeo entre cau-
sas e efeitos na organizaccedilatildeo sistecircmica dos elementos que compotildee a com-
plexidade na reintroduccedilatildeo de conhecimentos em si por meio de novo modo
de pensar
A complexidade ambiental busca sair da ldquocomplexidade sistecircmica to-
talizante paralisante e autodestrutiva para reconstruir o mundo nas vias da
utopia da possibilidade da potencialidade do real das sinergias da natureza
da tecnologia e da cultura para restabelecer o viacutenculo entre o ser e o pensarrdquo
(LEFF 2010 p 18) A complexidade outrossim estaacute impelindo para o diaacutelogo
de saberes para a re-erotizaccedilatildeo da vida para a integraccedilatildeo das racionalida-
des para a poliacutetica da diferenccedila e da deferecircncia para a eacutetica da outridade
para o futuro que natildeo eacute preestabelecido mas que pode ser pensado da
abertura de Si mesmo para o Outro para a desobjetivaccedilatildeo do conhecimento
para a abertura intercultural para a ressignificaccedilatildeo da existecircncia para a re-
territorializaccedilatildeo e reapropriaccedilatildeo social da natureza
83 A COMPLEXIDADE AMBIENTAL E SUA APLICACcedilAtildeO NO CAMPO
DO DIREITO
A questatildeo ambiental eacute o sistema complexo por excelecircncia que soacute se
daraacute em pensamento complexo quando houver o diaacutelogo de saberes numa
dialeacutetica de pensamento utoacutepico que ldquoorienta uma revoluccedilatildeo permanente
no pensamento que mobiliza a sociedade para a construccedilatildeo de uma racio-
nalidade ambientalrdquo (LEFF 2010 p 33) Este eacute elemento de relevacircncia na
complexidade ambiental Mas que eacute afinal a complexidade ambiental Na
concepccedilatildeo de Leff eacute
Uma nova compreensatildeo do mundo incorporando o limite do conhe-
cimento e a incompletude do ser Implica saber que a incerteza o
caos e o risco satildeo ao mesmo tempo efeito da aplicaccedilatildeo do conhe-
cimento que pretendia anulaacute-los e condiccedilatildeo intriacutenseca do ser e do
saber A complexidade abre uma nova reflexatildeo sobre a natureza do
ser do saber e do conhecer sobre a hibridaccedilatildeo do conhecimento
na interdisciplinaridade e na transdisciplinaridade sobre o diaacutelogo de
saberes e a inserccedilatildeo da subjetividade dos valores e dos interesses na
tomada de decisotildees e nas estrateacutegias de apropriaccedilatildeo da natureza
Mas tambeacutem questiona as formas em que os valores permeiam o co-
nhecimento do mundo abrindo um espaccedilo para o encontro entre o
ldquo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
133
racional e o moral entre a racionalidade formal e a racionalidade
substantiva (LEFF 2010 p 22)
Esta noccedilatildeo conceitual de complexidade ambiental eacute um campo
aberto para refletir repensar a racionalidade do direito ambiental O projeto
juriacutedico moderno cunhou no direito uma racionalidade formal e instrumental
purificada de valores morais natildeo positivados (KELSEN 2009) A complexidade
ambiental como sendo um espaccedilo para o reencontro entre o racional e o
moral entre a racionalidade formal e a racionalidade substantiva eacute uma es-
trateacutegia do saber no poder que problematiza a separaccedilatildeo positivista que haacute
no direito das questotildees morais valorativas Eacute neste sentido que pugno por lan-
ccedilar novo olhar sobre o direito ambiental e sua conceituaccedilatildeo de meio ambi-
ente por meio das lentes da RA no ponto em que esta adotando uma episte-
mologia da complexidade ambiental entrecruza estas racionalidades ndash for-
mal e substantiva ndash na tentativa de alcanccedilar a sustentabilidade
A complexidade ambiental eacute um processo de diversas vias de comple-
xizaccedilatildeo do real e do conhecimento do ser e do saber do tempo e das iden-
tidades e das interpretaccedilotildees Estas vias de complexizaccedilatildeo seratildeo apresentadas
por meio da exposiccedilatildeo de trechos extraiacutedos de texto do proacuteprio autor para
em seguida fazer-se a reflexatildeo e os comentaacuterios pertinentes agrave colocaccedilatildeo des-
tas vias no contexto axiomaacutetico da elaboraccedilatildeo do pensamento complexo e
sua perspectiva em relaccedilatildeo ao direito
A primeira via de complexizaccedilatildeo eacute a complexidade do real que ldquoeacute o
entrelaccedilamento da ordem fiacutesica bioloacutegica e cultural a hibridaccedilatildeo entre a
economia a tecnologia a vida e o simboacutelicordquo (LEFF 2010 p 39) A segunda
via de complexizaccedilatildeo eacute a do conhecimento que implica a necessidade de
construir um pensamento holiacutestico que reintegre as ldquopartes fragmentadas do
conhecimento para a retotalizaccedilatildeo de um mundo globalizado os paradig-
mas interdisciplinares e a transdisciplinaridade do conhecimento surgem
como antiacutedoto para a divisatildeo do conhecimento gerado pela modernidaderdquo
(LEFF 2010 p 41)
A terceira via de complexizaccedilatildeo eacute a da produccedilatildeo a qual implica ldquointer-
nalizar suas lsquoexternalidadesrsquo natildeo econocircmicas () o reconhecimento do am-
biente como um potencial produtivo fundado na capacidade produtiva de
valores de uso naturais que geram os processos ecoloacutegicosrdquo (LEFF 2010 p 43
grifos do autor) A quarta via de complexizaccedilatildeo eacute a do tempo em que ldquoo
saber ambiental eacute entrecruzamento de tempos dos tempos coacutesmicos fiacutesicos
e bioloacutegicos mas tambeacutem dos tempos que configuram as concepccedilotildees e te-
orias sobre o mundo e as cosmovisotildees das diversas culturas atraveacutes da histoacute-
riardquo (LEFF 2010 p 46)
A quinta via de complexizaccedilatildeo eacute a das identidades que implica ldquodar
um salto fora da loacutegica formal para pensar um mundo conformado com uma
diversidade de identidades que constituem formas diferenciadas de ser e en-
tranham os sentidos coletivos dos povosrdquo (LEFF 2010 p 47) A sexta via de
complexizaccedilatildeo eacute a das interpretaccedilotildees na qual ldquoa hermenecircutica abre os ca-
minhos dos sentidos do discurso ambientalista O ambiente aparece assim
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
134
como um campo heterogecircneo e conflitivo no qual se confrontam saberes e
interesses diferenciados e se abrem as perspectivas do desenvolvimento sus-
tentaacutevel na diversidade culturalrdquo (LEFF 2010 p 51)
A seacutetima e uacuteltima via de complexizaccedilatildeo eacute a do ser que consiste na ldquocon-
fluecircncia de processos e de tempos que tem bloqueado a complexidade em
um pensamento uinidimensional (MARCUSE 1969) que rompeu a complexi-
dade ecossistecircmica e erodiu sua fertilidade que subjugou as identidades muacutel-
tiplas da raccedila humanardquo (LEFF 2010 p 54)
Estas vias de complexizaccedilatildeo constituem assim a construccedilatildeo conceitual
do proacuteprio pensamento complexo este natildeo se fixando numa teoria ou meto-
dologia compreensivas de sistemas complexos organizacionais recursivos re-
troativos auto-construtivos auto-eco-organizacionais e autodestrutivos cuida
de pensar o pensamento complexo como complexidade ambiental forjada
na ressignificaccedilatildeo do real do conhecimento da produccedilatildeo do tempo das
identidades das interpretaccedilotildees e do proacuteprio ser Eacute um pensamento de com-
plexidade ambiental em que por meio de novos significados os sistemas com-
plexos retornam agrave ordem simboacutelica aos sentidos aos valores e agrave uma princi-
piologia da sustentabilidade
Esta complexidade ambiental ndash ou este pensamento complexo ambi-
ental ndash se relaciona com o direito ambiental no tocante agrave racionalidade deste
que sendo marcadamente formal teacutecnica e instrumental ndash visto que produto
da racionalidade moderna iluminista ndash eacute provocado pela elaboraccedilatildeo do pen-
samento complexo para ressignificar a construccedilatildeo estruturaccedilatildeo e funciona-
mento das plataformas juriacutedicas que operacionalizam o sistema juriacutedico por
meio da consideraccedilatildeo de valores morais significaccedilotildees culturais identidades
eacutetica da outridade poliacutetica da diferenccedila diaacutelogo de saberes
Natildeo basta ao direito ambiental ser uma racionalidade que se daacute num
pensamento complexo cientiacutefico Ao direito ambiental insta reconstruir-se a si
mesmo entendendo que eacute parte de um sistema complexo maior que eacute o meio
ambiente que com ele interage dialeticamente no sentido de que as plata-
formas juriacutedicas superem as contradiccedilotildees desta dialeacutetica e integre justamente
as oposiccedilotildees aparentemente antagocircnicas mas possiacuteveis de gerenciar numa
poliacutetica (juriacutedica) da diferenccedila
Este pensamento complexo e esta complexidade ambiental problema-
tizam sobremaneira o fechamento operativo do direito colocando em evi-
decircncia inconsistecircncias como elaboraccedilatildeo normativa sem consideraccedilatildeo das
identidades locais das culturas dos interesses variados cujo resultado implica
uma norma geral e abstrata que padroniza e unifica comportamentos positi-
vos e negativos indo numa contramatildeo do caminho aberto pela complexi-
dade ambiental
Basta como exemplo observar as regras relativas agraves aacutereas de preserva-
ccedilatildeo permanente (APPs) ou unidades de conservaccedilatildeo (UC) que no direito am-
biental satildeo questotildees que suscitam em quantidade e qualidade conflitos dos
mais diversos pois a norma geral e abstrata in casu a Lei nordm 9985 de 18 de
julho de 2000 que regulamenta as UC e a Lei nordm 12651 de 25 de maio de 2012
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
135
que regulamenta as APPs natildeo conseguem de per si solucionar as contingecircn-
cias econocircmica social cultural eacutetica e ambiental que se fazem presentes nos
casos concretos O problema natildeo eacute soacute no campo da elaboraccedilatildeo legislativa
haacute tambeacutem as inconsistecircncias das interpretaccedilotildees jurisprudenciais que satildeo ou-
tro campo juriacutedico de enfrentamento das questotildees ambientais em casos con-
cretos
Estas consideraccedilotildees satildeo feitas aqui com o intuito de demonstrar desde
jaacute a problemaacutetica que a complexidade ambiental levanta em toda a racio-
nalidade moderna particularmente por causa dos fins do trabalho na racio-
nalidade juriacutedica deixando de logo claro o caminho que seraacute seguido para
refletir a aplicaccedilatildeo da racionalidade ambiental no direito ambiental por meio
do estudo de regras juriacutedicas e decisotildees judiciais
Esta eacute uma questatildeo que se potildee necessaacuteria tendo em vista que ldquoo con-
ceito de complexidade aparece estreitamente vinculado ao conceito de di-
reitordquo7 (CAacuteRCOVA 1998 p 75 traduccedilatildeo livre) eacute por isto que ldquoo direito mo-
derno requer identificaccedilatildeo do desafio de complexidade que se situa na ca-
pacidade do direito e de seus atores para fazer emergir a coerecircncia do sis-
tema juriacutedico a partir de elementos aparentemente diacutesparesrdquo8 (COLIN 2014
p 3 traduccedilatildeo livre) tais como satildeo os variados interesses sociais em jogo que
demandam do direito uma resposta
Ante esta exposiccedilatildeo do pensamento complexo da complexidade am-
biental e da complexidade e o direito estudar o direito por meio desta matriz
implica o estudo de regras estudo de leis estudo de decisotildees judiciais que
interpretam a lei e o estudo do sistema juriacutedico
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Trecircs construtos satildeo relevantes na mediaccedilatildeo para uma nova epistemo-
logia no direito ambiental complexidade interdisciplinaridade e saber ambi-
ental De tudo quanto disse ateacute aqui destaco a importacircncia de tratar as ques-
totildees ambientais a partir de uma perspectiva interdisciplinar tendo em vista a
complexidade que a temaacutetica ambiental encerra Para fazer face agrave crise de
civilizaccedilatildeo e agrave crise ambiental que tecircm bases no fracionamento do conheci-
mento e na degradaccedilatildeo ambiental desperta atenccedilatildeo o potencial contribu-
tivo dos povos tradicionais para remodelagem do conhecimento e da edu-
caccedilatildeo em busca da construccedilatildeo de uma educaccedilatildeo ambiental com visatildeo ho-
liacutestica capaz de reestabelecer a relaccedilatildeo humanonatureza atraveacutes da utiliza-
ccedilatildeo da interdisciplinaridade da transdisciplinaridade e do diaacutelogo de saberes
7 ldquoEl concepto de complejidad aparece estrechamente vinculado al concepto de dere-
chordquo
8 ldquoLe Droit moderne exige drsquoidentifier lrsquoenjeu de la complexiteacute qui reside dans la capacite
du Droit et de seacutes acteurs agrave faire eacutemerger la coheacuterence du systegraveme juridique agrave partir drsquoeacuteleacute-
ments apparemment disparatesrdquo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
136
como caminhos para a incorporaccedilatildeo da dimensatildeo ambiental no sistema edu-
cativo para compreender a perspectiva de que o meio ambiente eacute o resul-
tado de interaccedilotildees entre natureza economia sociedade e cultura
Nesse sentido a interdisciplinaridade como articulaccedilatildeo das ciecircncias
naturais e sociais e o diaacutelogo de saberes no congraccedilamento do conheci-
mento cientiacutefico com o saber e praacuteticas natildeo cientiacuteficas gera uma nova rela-
ccedilatildeo entre as praacuteticas tradicionais os saberes ambientais e as disciplinaridades
Assim a complexidade ambiental a interdisciplinaridade e o diaacutelogo de
saberes se colocam como estrateacutegias epistemoloacutegicas para enfrentar ideolo-
gias teoacutericas que desconsideram o processo histoacuterico da construccedilatildeo do co-
nhecimento e dos saberes para que sejam levados em conta os aspectos
histoacutericos socioloacutegicos econocircmicos culturais e naturais do processo de cons-
truccedilatildeo dos saberes cientiacutefico e natildeo-cientiacutefico de modo que seja erigido um
saber ambiental abalizado em condiccedilotildees interdisciplinares que gere articula-
ccedilotildees entre ciecircncia e a forma de adquirir o saber tradicional popular e local
tendo-se em vista a sociedade como um elemento integrante de um ecossis-
tema global
Nesta estrateacutegia epistemoloacutegica a interdisciplinaridade a transdiscipli-
naridade e o diaacutelogo de saberes se colocam como canais de soluccedilatildeo para
limitaccedilotildees da disciplinaridade de modo a albergar a atividade de recompo-
siccedilatildeo dos saberes fracionados tendo em vista que a inter a transdisciplina e
o saber ambiental congregam a relaccedilatildeo entre o conhecimento disciplinar e
o diaacutelogo de saberes no acircmbito da questatildeo ambiental
Estas estrateacutegias espistemoloacutegicas mais do que funcionar como meacutetodo
que inter-relaciona disciplinas dialogam com saberes a fim de criar um novo
conhecimento um novo objeto de investigaccedilatildeo Dessa maneira a inter a
transdisciplinaridade e o diaacutelogo de saberes atuam como um elemento em
favor da colaboraccedilatildeo entre ciecircncias e saberes ambientais cuja cooperaccedilatildeo
conduz agrave elaboraccedilatildeo desse novo conhecimento que tem como objetivo a
sustentabilidade
REFEREcircNCIAS
ANTUNES Paulo de Bessa Direito ambiental 15 ed Satildeo Paulo Atlas 2013
BELCHIOR Germana Parente Neiva Fundamentos epistemoloacutegicos do direito ambi-
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138
POR UM FUNDAMENTO ECOLOacuteGICO
PARA O FENOcircMENO JURIacuteDICO
Ana Stela Vieira Mendes Cacircmara1
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 91 As bases tradicionais da concepccedilatildeo do
direito jusnaturalismo e juspositivismo 92 Poacutes-positivismo e os funda-
mentos para uma concepccedilatildeo ecoloacutegica do fenocircmeno juriacutedico
Consideraccedilotildees finais Referecircncias
INTRODUCcedilAtildeO
O presente trabalho tem por objetivo identificar as bases para uma fun-
damentaccedilatildeo ecoloacutegica do fenocircmeno juriacutedico Justifica-se esta preocupaccedilatildeo
diante do conhecido passivo ambiental sem precedentes da contemporanei-
dade e da insuficiecircncia das respostas legislativas juriacutedicas e poliacuteticas dadas
ateacute o momento para coibir o movimento crescente de degradaccedilatildeo da natu-
reza
Para tanto divide-se o trabalho em duas partes Na primeira identifi-
cam-se brevemente as abordagens tradicionais do Direito quais sejam o(s)
jusnaturalismo(s) e o(s) positivismo(s) juriacutedico(s) para apoacutes descrever como a
crise do positivismo abre uma janela de oportunidade para a reaproximaccedilatildeo
do direito da moral e da eacutetica e em especial de trazer uma perspectiva
cada vez mais ecologicamente inclusiva para o Direito e assim tornar sua
aplicaccedilatildeo mais adequada para assegurar os diversos niacuteveis de realidades exis-
tenciais que o cercam e que possibilitam em uacuteltima instacircncia a existecircncia da
proacutepria vida
Para tanto se utiliza de abordagem qualitativa meacutetodo sistecircmico pes-
quisa bibliograacutefica e documental de natureza transdisciplinar
91 AS BASES TRADICIONAIS DA CONCEPCcedilAtildeO DO DIREITO
jusnaturalismo e juspositivismo
Desde os tempos muito antigos que se tem notiacutecias da reflexatildeo de cada
sociedade sobre os fundamentos da noccedilatildeo de justiccedila acompanhadas da
elaboraccedilatildeo de legislaccedilotildees e codificaccedilotildees escritas originando grosso modo
duas concepccedilotildees distintas acerca do direito que a estes fatos se relacionam
o direito natural e o direito positivo2
1 Doutora em Direito pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Professora do Centro
Universitaacuterio Christus (UNICHRISTUSCE) E-mail emaildastelagmailcom
2 ldquoBaacutesica e genericamente a noccedilatildeo de direito natural se refere a uma ordem juriacutedica ideal
[] Com frequecircncia poreacutem a referecircncia a este ldquodireito idealrdquo aparece como uma forma
de oposiccedilatildeo ao direito vigente ou ainda como uma exigecircncia concernente aos conteuacute-
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DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
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Durante mais de dezenove seacuteculos o jusnaturalismo teve uma expressi-
vidade teoacuterica preponderante As razotildees apontadas como primeiras e uacuteltimas
do direito foram neste iacutenterim as mais variadas
Identifica-se num primeiro momento na antiguidade claacutessica o que se
denominou jusnaturalismo cosmoloacutegico em que natildeo haacute uma ordem da parte
(poacutelis) separada de uma lei geral do cosmos (MONCADA 1995)
No medievo tem-se o surgimento do jusnaturalismo teoloacutegico para o
qual a vontade e a sabedoria divinas satildeo consideradas o criteacuterio absoluto da
justiccedila Esta concepccedilatildeo encontrou ressonacircncia no movimento reformista e
pode-se dizer que permanece viva ateacute a contemporaneidade sobretudo en-
tre os jesuiacutetas espanhoacuteis (SALDANHA 1974 p 48)3
A partir do humanismo e do iluminismo modernos desenvolve-se o ramo
do jusnaturalismo racional ou jusracionalismo que encontra na racionalidade
humana a resposta dos questionamentos sobre o fundamento do justo
Tal movimento foi tatildeo amplamente feacutertil e multifacetado que pode se
considerar que cada pensador inaugura uma vertente distinta de si ldquomar-
cando a temaacutetica juriacutedico-poliacutetica por um padratildeo expositivo tipicamente apri-
orista e dedutivistardquo (SALDANHA 1974 p 49)
O resultado da trajetoacuteria moderna de construccedilatildeo do direito natural per-
mite caracterizaacute-lo em linhas gerais como universal imutaacutevel racional e va-
loraacutevel aprioristicamente alcanccedilando uma grande influecircncia no espiacuterito euro-
peu De acordo com Nelson Saldanha (1974 p 49) ldquoo jusnaturalismo moderno
se generalizou assim como um ldquomomentordquo do proacuteprio espiacuterito europeu em
seu desenvolvimento como um elemento dentro do grande fenocircmeno da
ldquosecularizaccedilatildeordquo da mentalidade ocidental
O desenvolvimento desta teorizaccedilatildeo contudo natildeo estava isento de criacute-
ticas as quais foram se construindo a partir de diversas perspectivas e se con-
solidando mutuamente a ponto de se identificar a existecircncia de uma crise do
direito natural sobretudo por causa elementos seguintes
dos eacuteticos do direito vigente (positivo) Nas bases da questatildeo encontramos o tema das re-
laccedilotildees entre moral e direito a alusatildeo a um direito natural consiste geralmente em remeter
a algo amplamanete eacutetico (eou antropoloacutegico) os ldquofundamentosrdquo do direito Eacute tambeacutem
em relaccedilatildeo agraves estruturas do poder que se entendem as posiccedilotildees jusnaturalistas (sobretudo
no caso de se contraporem ao direito vigente) mesmo quando aparecem como exigecircn-
cias eacuteticas (SALDANHA 1998 p 170)
3 Quando adverte que o pensamento jusnaturalista de longe natildeo se resume ao de orienta-
ccedilatildeo teoloacutegica Arnaldo Vasconcelos chama a atenccedilatildeo para um aspecto importante rela-
tivamente agrave toleracircncia para com as ideias dessa natureza Pensamos que num cenaacuterio de
tantas manifestaccedilotildees recentes de intoleracircncia religiosa que se faz oportuno reproduzir as
palavras do autor nesse sentido ldquoDeve concluir-se que o pensamento teoloacutegico ndash a autecircn-
tica ciecircncia no Medievo e na Renascenccedila ndash tem tanto legitimidade teoacuterica para formular
suas versotildees do Direito Natural como qualquer outro de cunho filosoacutefico ou cientiacutefico
Mesmo porque tentar negar a dimensatildeo espiritual do homem na qual se insere sua religi-
osidade parece coisa tatildeo absurda como procurar fazecirc-lo relativamente a qualquer dos
outros elementos integrantes de sua naturezardquo (VASCONCELOS 2006 p 44)
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Iasna Chaves Viana
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Inicialmente haacute as questotildees levantadas pelo historicismo de Savigny
que o fizeram ser considerado um precursor do positivismo juriacutedico Embora se
reconheccedila que se trata de elaboraccedilotildees teoacutericas de resultados profunda-
mente distintos partem dos mesmos pressupostos as criacuteticas agrave imutabilidade
agrave racionalidade e agrave universalidade do direito sob a oacutetica naturalista a partir
da defesa de que a mola fundamental da histoacuteria seria a natildeo-razatildeo a paixatildeo
os impulsos que se manifestariam de maneira particular e portanto relativa
em cada sociedade (BOBBIO 2006)
Num segundo momento tem-se o fenocircmeno da codificaccedilatildeo do Direito
Civil Francecircs Embora este movimento tenha se iniciado sob a inspiraccedilatildeo do
iluminismo revolucionaacuterio que acreditava na atuaccedilatildeo plena e irretocaacutevel de
um legislador racional universal apto a clarificar o direito e solucionar os con-
flitos sociais a partir de uma codificaccedilatildeo simples breve e unitaacuteria o que ocor-
reu foi uma permanente tendecircncia de reaproximaccedilatildeo do direito tradicional
francecircs e da complexizaccedilatildeo das prescriccedilotildees normativas do Coacutedigo a ponto
de abandonar completamente a sua concepccedilatildeo inicial
Some-se isso agrave atuaccedilatildeo dos primeiros inteacuterpretes deste Coacutedigo que de-
terminaram equivocadamente o entendimento de que a alternativa para a
vedaccedilatildeo de abstenccedilatildeo de decisatildeo do juiz (non liquet) seria a adoccedilatildeo de dois
dogmas o da onipotecircncia do legislador e o da completitude do ordena-
mento juriacutedico Aiacute se originava a Escola da Exegese
Ademais a partir do contato com as criacuteticas do historicismo alematildeo ao
direito natural John Austin na esteia de outros pensadores que o precederam
como Hobbes e Bentham clama pela restriccedilatildeo do objeto da ciecircncia do di-
reito ao direito como ele eacute e natildeo como deveria ser identifica o direito como
sendo a norma de natureza imperativa posta pelo soberano e defende a pri-
mazia da lei (direito legislativo) sobre os costumes (BOBBIO 2006)
Erguem-se assim os principais pressupostos do positivismo juriacutedico que
segundo Bobbio (2006 p 26)
[] eacute uma concepccedilatildeo do direito que nasce quando ldquodireito positivordquo
e ldquodireito naturalrdquo natildeo satildeo mais considerados direito no mesmo sen-
tido mas o direito positivo passa a ser considerado como direito em
sentido proacuteprio Por obra do positivismo juriacutedico ocorre a reduccedilatildeo de
todo o direito a direito positivo e o direito natural eacute excluiacutedo da ca-
tegoria do direito [] A partir deste momento o acreacutescimo do adje-
tivo ldquopositivordquo ao termo ldquodireitordquo torna-se um pleonasmo mesmo por-
que se quisermos usar uma foacutermula sinteacutetica o positivismo juriacutedico eacute
aquela doutrina segundo a qual natildeo existe outro direito senatildeo o po-
sitivo
Aleacutem disso Bobbio (2006) esclarece que o positivismo juriacutedico desenvol-
veu-se ainda sob trecircs aspectos como um certo modo de abordar o direito ndash
em que se defende que a postura cientiacutefica deve emitir juiacutezos faacuteticos objeti-
vos e natildeo juiacutezos valorativos subjetivos sobre o direito como uma certa teoria
do direito ndash que busca sua definiccedilatildeo em torno do elemento coaccedilatildeo legiti-
mando a lei como fonte preeminente do direito elegendo a imperatividade
ldquo
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como caracteriacutestica de suas normas e a coerecircncia e a completude como
proacuteprias de seu ordenamento excluindo-se daiacute as lacunas aleacutem de adotar
uma interpretaccedilatildeo normativa mecanicista fazendo prevalecer o aspecto de-
clarativo sobre o produtivo ou criativo do direito e por fim como uma certa
ideologia do direito ndash em que se adota uma preferecircncia eacutetica a da obediecircn-
cia absoluta agraves leis natildeo segundo o seu criteacuterio de justiccedila mas sim de validade
Com o passar do tempo todas as expressotildees do positivismo descritas
acima admite o autor passam a ser alvos de diversas criacuteticas principalmente
em decorrecircncia da terceira abordagem Isso porque eacute dela que se evidencia
desde o princiacutepio um perigoso paradoxo embora se parta da premissa de
que a dimensatildeo de validade das leis eacute a que caracteriza o fenocircmeno juriacutedico
chega-se agrave constataccedilatildeo de que a opccedilatildeo em si por uma ordem juriacutedica em
vez da anarquia eacute fruto de uma escolha minimamente eacutetica e portanto de
uma irrenunciaacutevel preferecircncia valorativa ainda que ignorada ou proposital-
mente ocultada
Levando-se esta noccedilatildeo agraves uacuteltimas consequecircncias tem-se a acusaccedilatildeo
de que o positivismo enquanto ideologia produziu efeitos poliacuteticos e humani-
taacuterios desastrosos a partir do favorecimento ou da legitimaccedilatildeo de regimes
totalitaacuterios como o nazismo (BOBBIO 2006)
Eacute possiacutevel exemplificar do que se estaacute a falar com a narrativa de Hannah
Arendt sobre Otto Adolf Eichmann burocrata do terceiro Reich especialista
na logiacutestica de transporte de judeus para os campos de concentraccedilatildeo que
expressa na ocasiatildeo de seu julgamento em Jerusaleacutem a convicccedilatildeo de ter
realizado o que denominou naquela ocasiatildeo de ldquocrimes legalizados pelo Es-
tadordquo pelo simples dever de obediecircncia agraves ordens de seus superiores e agraves leis
de seu paiacutes surpreendentemente fundamentando-se na eacutetica kantiana do
dever pelo dever
Eacute o que daqui se desprende
As coisas eram como eram assim era a nova lei comum com base
nas ordens do Fuumlhrer qualquer coisa que Eichmann fazia era nessa
direccedilatildeo ou pelo menos assim acreditava na sua qualidade de fiel
cidadatildeo cumpridor da lei Tal como disse uma e outra vez para a
poliacutecia e para o tribunal ele fez o seu dever natildeo soacute obedeceu or-
dens mas tambeacutem obedeceu a lei [] Eichmann chegou a um ter-
riacutevel estado de confusatildeo mental e comeccedilou a exaltar as virtudes e a
denegrir os viacutecios alternativamente da obediecircncia cega da obe-
diecircncia cadaveacuterica Kadavergehorsam como ele mesmo denomi-
nava Durante o interrogatoacuterio policial quando Eichmann declarou
repentinamente e com grande ecircnfase que sempre havia vivido em
harmonia com os preceitos morais de Kant especialmente com a
definiccedilatildeo kantiana de dever deu um primeiro indiacutecio de que tinha
uma vaga noccedilatildeo de que naquele assunto havia algo mais do que a
simples questatildeo do soldado que segue as ordens claramente crimi-
nosas tanto em sua natureza quanto pela intenccedilatildeo com que satildeo da-
das Esta afirmaccedilatildeo foi simplesmente escandalosa e incompreensiacutevel
ldquo
Germana Parente Neiva Belchior
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uma vez que a filosofia moral de Kant estaacute intimamente ligada agrave ca-
pacidade humana para julgar que elimina em absoluto a obediecircn-
cia cega [] o Juiz Raveh impulsionado por curiosidade ou indigna-
ccedilatildeo com o fato de que Eichmann se atrevera a invocar Kant para
justificar seus crimes decidiu interrogaacute-lo sobre este ponto Para geral
surpresa Eichmann deu uma definiccedilatildeo aproximadamente correta do
imperativo categoacuterico [] O que Eichmann natildeo explicou aos seus
juiacutezes foi que naquele periacuteodo de crimes legalizados pelo Estado
como ele mesmo o denominava ele natildeo tinha se limitado a prescin-
dir da foacutermula kantiana por ter deixado de ser aplicaacutevel mas porque
a havia modificado do modo que dissera comporta-te como se o
princiacutepio de teus atos fossem os mesmos que os atos do legislador ou
o da lei comum Ou segundo a foacutermula do imperativo categoacuterico
do Terceiro Reichrdquo (ARENDT 1999 p 83-84)
Natildeo eacute de se surpreender portanto que a crise e o decliacutenio do positi-
vismo juriacutedico estejam intrinsecamente associados agrave derrota do nazi-fascismo
no segundo poacutes-guerra
Seria preciso proporcionar a recomposiccedilatildeo dos elementos eacuteticos morais
e juriacutedicos cingidos pelo recorte metodoloacutegico e ideoloacutegico de um conjunto
de posiccedilotildees genericamente abrigadas da tradiccedilatildeo juspositivista que findou
por produzir consequecircncias esdruacutexulas que limitaram a compreensatildeo da proacute-
pria realidade do fenocircmeno juriacutedico descontextualizando-a
Nesse sentido seria necessaacuterio encampar o fortalecimento da filosofia
do direito que tinha visto seu objeto reduzir-se ao da teoria do direito com a
finalidade de resgatar as necessaacuterias imbricaccedilotildees entre justiccedila validade e efi-
caacutecia de uma dada ordem juriacutedica e tambeacutem no cenaacuterio internacional
Assim lanccedila-se um grande desafio ao conhecimento juriacutedico Afinal
embora tenha se tornado insustentaacutevel o legado cientiacutefico do positivismo juriacute-
dico quanto aos aspectos estruturais e normativos do direito natildeo poderia ser
simplesmente desprezado por outro lado ao tempo em que se torna indis-
pensaacutevel refletir sobre o contexto social e a dimensatildeo do justo tambeacutem natildeo
se poderia apregoar um retorno ao jusnaturalismo nos mesmos moldes de ou-
trora (BARROSO 2001 p 31)
92 POacuteS-POSITIVISMO E OS FUNDAMENTOS PARA UMA
CONCEPCcedilAtildeO ECOLOacuteGICA DO FENOcircMENO JURIacuteDICO
A busca por uma nova siacutentese portanto entre estes elementos tem sido
o alvo dos jusfiloacutesofos e constitucionalistas contemporacircneos os quais tem pro-
tagonizado um debate ao mesmo tempo ldquoespecializado fragmentado diver-
sificado e fluidordquo apresentando-se nas vertentes institucionalista funcionalista
sistecircmica neoconstitucionalista entre outras (FARALLI 2006 p 2)
Segundo Luiacutes Roberto Barroso (2001 p 32) este ideaacuterio difuso ldquonatildeo surge
com o iacutempeto da desconstruccedilatildeo mas como uma superaccedilatildeo do conheci-
mento convencionalrdquo (grifou-se) e tem sido provisoacuteria e genericamente deno-
minado de poacutes-positivismo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
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Este cenaacuterio portanto de abertura do Direito aos valores eacute condiccedilatildeo
propiacutecia e indispensaacutevel para se pensar acerca de teorizaccedilatildeo de um Estado
Ecoloacutegico Bosselmann (1995 p 231) assim parte da impossibilidade de elimi-
nar ou ignorar a ideia do direito natural ndash seja ele embasado na ordem coacutes-
mica no universo em Deus nas leis da histoacuteria ou na razatildeo ndash a qual sempre
teve um lugar importante no direito e na histoacuteria das sociedades
Em verdade pensa-se que esta reflexatildeo acerca do valor ecoloacutegico
como base para o Estado se faz ainda mais oportuna em tempos de pluralismo
democraacutetico e de relativismo cultural diante do desafio de encontrar uma
ideologia ou uma grande narrativa capaz de unificar os mais diversos povos
sistemas de organizaccedilatildeo poliacutetica e social em busca de um objetivo comum4
qual seja o da sobrevivecircncia digna e sustentaacutevel das comunidades ao redor
do mundo
Para lidar com este desafio sem cair em anacronismos Bosselmann
busca um diaacutelogo com Ernst Bloch (1987) especialmente a partir da obra ldquoNa-
tural law and human dignityrdquo contribuiccedilatildeo natildeo convencional de um filoacutesofo
marxiano sobre o direito natural em que se elucidam alguns aspectos consi-
derados essenciais para uma rearticulaccedilatildeo do pensamento jusnaturalista
Primeiramente parte da percepccedilatildeo de que no decorrer da histoacuteria as
teorizaccedilotildees tradicionais do Direito Natural o conceberam como um conjunto
de princiacutepios invariaacuteveis universais e imutaacuteveis essencial agrave manutenccedilatildeo do
status quo por meio dos quais se invocaria uma noccedilatildeo de justiccedila
O proacuteprio lema da Revoluccedilatildeo Francesa constituiacutedo por valores conside-
rados nobres pelo autor foi alvo de distorccedilotildees que produziram o direito natural
burguecircs o qual legitimou uma seacuterie de injusticcedilas pelos termos de aceitaccedilatildeo
da propriedade5 em seu rol bem como pela reproduccedilatildeo de relaccedilotildees de
opressatildeo e exploraccedilatildeo de classes
4 Nesse sentido cf Leis (1998) e ldquoO meio ambiente por outro lado eacute global por natureza e
as funccedilotildees dos sistemas naturais da Terra satildeo sentidas em todos os lugares acima de qual-
quer identidade cultural O meio ambiente eacute o maior unificador da humanidade ao menos
no senso de uma preocupaccedilatildeo compartilhadardquo (BOSSELMANN 2015 p 21)
5 ldquoThings begin to change as soon as this sense of justice begins to reflect upon itself Soon it
becomes sufficiently penetrating to pose the problem of innate rights and to distinguish
these from an injustice that has been insituted by articles of law For example that a piece
of property is used and abandoned and one who is needy may take possession of it in this
matter the sense of justice does not go completely astray And it strays even less in the
judgement that a property owner who destroys coffee wheat or cotton in order to keep
prices high must himself be destroyed as a property ownerrdquo (BLOCH 1987 p 5) (ldquoAs coisas
comeccedilam a mudar assim que se passa a refletir sobre o senso de justiccedila Logo ele se torna
suficientemente penetrante para colocar o problema dos direitos inatos e distingui-lo das
injusticcedilas instituiacutedas por artigos de leis Por exemplo que um pedaccedilo de propriedade seja
usada e abandonada e algueacutem necessitado possa tomar posse dele neste caso o senso
de justiccedila natildeo estaacute completamente extraviado E se desvia ainda menos em um julga-
mento em que um proprietaacuterio que destruiu cafeacute trigo ou algodatildeo com a finalidade de
manter os preccedilos altos deve ele mesmo ser destruiacutedo enquanto proprietaacuterio Traduccedilatildeo li-
vre)
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
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Em contrapartida Bloch defende que a justiccedila jamais poderaacute ser efeti-
vada enquanto houver a exploraccedilatildeo do trabalho e a divisatildeo de classes E
nesse sentido a dignidade humana que deve ser embasada na liberdade
na igualdade e na solidariedade eacute a utopia (ser-ainda-natildeo) do Direito (MAS-
CARO 2008)
Ademais eacute interessante ressaltar ainda que justamente em virtude
desse horizonte a se realizar Bloch compreende o ser humano como incom-
pleto assim como tambeacutem a proacutepria natureza a que ele pertence o eacute de
modo que a transformaccedilatildeo das relaccedilotildees humanas natildeo pode se dar sem que
as proacuteprias relaccedilotildees com a natureza tambeacutem sofram modificaccedilotildees qualitati-
vas ndash nesse sentido estaacute-se a tratar de um pensador considerado precursor no
tratamento da questatildeo ecoloacutegica por parte dos filoacutesofos marxistas (MAS-
CARO 2008)
Portanto a partir de um novo paradigma epistemoloacutegico defende-se
que a conciliaccedilatildeo entre direito e moral deve ocorrer sobretudo a partir da
adoccedilatildeo de uma filosofia dos valores que leve em conta uma eacutetica cada vez
mais inclusiva e altruiacutesta que deve estar em permanente observaccedilatildeo e rea-
valiaccedilatildeo
Afinal natildeo se pode deixar de considerar que ldquotodo ato eacutetico [] eacute na
realidade um ato de religaccedilatildeo com o outro com os seus com a comuni-
dade com a humanidade e em uacuteltima instacircncia inserccedilatildeo na religaccedilatildeo coacutes-
micardquo (MORIN 1991 passim)
Nesse seguimento emerge com forccedila e legitimidade a percepccedilatildeo sis-
tecircmica do mundo
Encontramos na natureza aglomerados agregados de sistemas flu-
xos inorganizados de objectos organizados Mas o que eacute digno de
nota eacute o caraacutecter polissisteacutemico do universo organizado Este eacute uma
espantosa arquitectura de sistemas que se edificam uns sobre os ou-
tros uns entre os outros uns contra os outros implicando-se e imbri-
cando-se uns nos outros com um grande jogo de aglomerados plas-
mas fluidos de microssistemas circulando flutuando []aquilo a que
noacutes chamamos natureza [] eacute precisamente esta extraordinaacuteria soli-
dariedade de sistemas encadeados edificando-se uns sobre os ou-
tros pelos outros com os outros contra os outros [] satildeo os sistemas
de sistemas em rosaacuterios em cachos em poacutelipos em arbustos em ar-
quipeacutelagos Assim a vida eacute um sistema de sistemas natildeo soacute porque o
organismo eacute um sistema de oacutergatildeos que satildeo sistemas de moleacuteculas
que satildeo sistemas de aacutetomos mas tambeacutem porque o ser vivo eacute um
sistema individual que participa dum sistema de reproduccedilatildeo porque
um e outro participam dum ecossistema o qual participa da biosfera
[] (MORIN 1991 p 97)
Estes sistemas naturais satildeo autopoieacuteticos isto eacute operacionalmente fe-
chados autocircnomos e autorreferenciais no sentido de que sua loacutegica de au-
toproduccedilatildeo e reproduccedilatildeo se daacute de modo circular e reiterativo independen-
temente dos elementos que lhe satildeo externos
ldquo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
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Contudo como se percebe eles tambeacutem se relacionam inevitavel-
mente entre si e com o ambiente agrave sua volta isto eacute possiacutevel em virtude da
noccedilatildeo de acoplamento estrutural segundo a qual as interferecircncias externas
ocasionam uma mudanccedila estrutural no sistema mas natildeo tem o poder de de-
terminar a reaccedilatildeo do sistema vivo a qual eacute imprevisiacutevel e peculiar a cada
sistema o que faz com que possa se atribuir a perspectiva de historicidade e
natildeo determinabilidade a eles (MATURANA e VARELA 2001)
Diante da observaccedilatildeo de tamanha complexidade constitutiva nas mais
diversas formas de vida onde evidentemente se inclui o ser humano em seu
aspecto bioloacutegico alguns estudiosos comeccedilaram a investigar a viabilidade de
integraccedilatildeo de aspectos existenciais bioloacutegicos sociais e cognitivos esten-
dendo os princiacutepios da compreensatildeo sistecircmica agraves organizaccedilotildees sociais huma-
nas
Adverte-se que a extensatildeo destas teorias ao campo social natildeo ocorre
de maneira direta em virtude de que o comportamento humano em socie-
dade eacute permeado de suas particularidades oriundas do niacutevel de desenvolvi-
mento do pensamento da consciecircncia e da linguagem humanos Segundo
estes autores o ser humano possui duas dimensotildees de comportamento o fiacute-
sico governado pelas leis de causa e efeito e ainda o comportamento do
domiacutenio social que eacute ldquogovernado por regras geradas pelo sistema social que
satildeo muitas vezes codificadas em leirdquo (CAPRA e LUISI 2014 p 380)
Assim para validar a abordagem sistecircmica tradicional ndash integrada pela
triacuteade forma (organizaccedilatildeo) mateacuteria (estrutura) e processo (movimento) ndash pe-
rante os fenocircmenos sociais eacute necessaacuterio acrescentar um quarto elemento o
significado que ldquotorna evidente que o nosso mundo interior de conceitos e
ideias imagens e siacutembolos eacute uma dimensatildeo criacutetica da realidade socialrdquo (CA-
PRA e LUISI 2014 p 376)
Um dos autores que se dedicou a este desafio foi precisamente Niklas
Luhmann (2005) que identificou a comunicaccedilatildeo como caractere definidor
dos sistemas sociais De sua autorreprodutibilidade surgem os sistemas comuns
de significado crenccedilas explicaccedilotildees e valores a partir de que se estabelece
a fronteira do sistema e de onde se extrai um duplo efeito os contextos de
significados e as regras de comportamento (estruturas sociais)
A partir disso Luhmann (2005) identifica o Direito como um subsistema
social autopoieacutetico e portanto fechado autorreferencial e reflexivo o qual
ao tempo em que se ocupa da sua proacutepria autorreproduccedilatildeo e da sua adap-
taccedilatildeo ao meio tambeacutem o faz relativamente ao sistema social em geral par-
ticipando assim da construccedilatildeo daquela realidade
Diante deste raciociacutenio juntamente com Bosselmann (1995) entende-
se que as accedilotildees estatais no plano interno e internacional precisaratildeo mudar
radicalmente Trata-se assim de uma demanda indiscutiacutevel do direito positivo
Esta guinada de rumos em face tantas incertezas ecoloacutegicas que obs-
curecem a visatildeo do futuro torna pertinente uma analogia aos dizeres de Ed-
gar Morin sobre os desafios de se construir o meacutetodo do conhecimento ldquoaqui
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
146
temos que aceitar caminhar sem caminho Fazer o caminho no caminharrdquo
(MORIN 1991 p 23)
Todavia isso natildeo significa dizer que este percurso se faria por aventurei-
ros entregues agrave proacutepria sorte na verdade seria necessaacuterio estabelecer criteacute-
rios e objetivos a serem observados neste processo de ecologizaccedilatildeo do Es-
tado do direito e das poliacuteticas
Em primeiro lugar pensar em um Estado ecologicamente orientado im-
plica em uma necessaacuteria reflexatildeo sobre os valores fundamentais que devem
nortear a estruturaccedilatildeo da organizaccedilatildeo poliacutetico-social entre os quais a justiccedila
e a igualdade que satildeo sempre lembradas como seus vetores essenciais
Mas para aleacutem delas propotildee-se o resgate de outro importante ele-
mento de mesmo status dos anteriormente mencionados e sem o qual natildeo
seria possiacutevel pressupor a pretensatildeo de continuidade como decorrecircncia es-
perada da vontade de constituiccedilatildeo de uma sociedade poliacutetica trata-se da
defesa da sustentabilidade
Segundo documenta Bosselmann (2015) a noccedilatildeo de sustentabilidade
eacute bastante antiga e remonta agrave ideia de uma vida harmocircnica com o meio
preservando-se a dinamicidade dos ciclos naturais e em decorrecircncia disso
garantindo-se a sobrevivecircncia humana Em breves linhas pode-se dizer que
as discussotildees acerca do conteuacutedo da sustentabilidade baseiam-se no niacutevel
de seguranccedila que se atribui agrave necessidade de conservaccedilatildeo de recursos na-
turais
A sustentabilidade assumiria as vezes de um metaprinciacutepio que ldquofor-
nece orientaccedilotildees fundamentais para a interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas e
estabelece a referecircncia para a compreensatildeo da justiccedila dos direitos humanos
e da soberania do Estadordquo (BOSSELMANN 2015 p 64) o que demanda uma
ressignificaccedilatildeo da proacutepria ideia de justiccedila em direccedilatildeo a um novo patamar a
justiccedila ecoloacutegica a qual engloba os seguintes elementos erradicaccedilatildeo da po-
breza preocupaccedilatildeo com as geraccedilotildees futuras e reconhecimento do valor in-
triacutenseco dos natildeo humanos rumo agrave integridade ecoloacutegica a uma visatildeo natildeo
dicotocircmica e holiacutestica
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Eacute possiacutevel inferir de todo o exposto que para se chegar a uma concep-
ccedilatildeo ecoloacutegica do fenocircmeno juriacutedico eacute preciso ir aleacutem da ideia de que o Di-
reito se constitui em si mesmo como um sistema normativo ao qual cabe teacutec-
nica e exclusivamente a determinaccedilatildeo do que eacute legal e do que eacute ilegal
Eacute um imperativo racional inevitaacutevel para efeitos de uma necessaacuteria
adaptaccedilatildeo ao meio circundante a sua inserccedilatildeo em todo este arranjo orga-
nizacional e estrutural que vai do cosmo agraves micropartiacuteculas atocircmicas quando
da delimitaccedilatildeo e tratamento das condutas consideradas justas e adequadas
e tambeacutem aquilo que eacute inaceitaacutevel nas comunidades humanas por meio da
adoccedilatildeo da sustentabilidade como um metaprinciacutepio
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
147
Esta harmonizaccedilatildeo deve ser vislumbrada na relaccedilatildeo do Direito com os
outros subsistemas no acircmbito da escolha da poliacutetica legislativa mas tambeacutem
da unidade interna do ordenamento na aplicaccedilatildeo das normas postas para
que possa de fato fazer sentido
Caso isso natildeo ocorra o proacuteprio Direito poraacute em risco a sua capacidade
de operaccedilatildeo e de autorreproduccedilatildeo o que traraacute impactos para aleacutem das fron-
teiras do proacuteprio Direito
REFEREcircNCIAS
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149
SUSTENTABILIDADE NO ANTROPOCENO
o pensamento complexo e a
necessaacuteria reflexatildeo sobre o estado
ecoloacutegico de direito no contexto da
COVID-19
Carlos E Peralta1
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 101 A pandemia provocada pela COVID-19
como consequecircncia do Antropoceno 1011 Breves reflexotildees sobre
o Antropoceno 1012 A pandemia provocada pela COVID-19 Uma
crise sanitaacuteria dentro da crise civilizatoacuteria do Antropoceno 102 A
Metamorfose para o Estado Ecoloacutegico de Direito Um debate neces-
saacuterio 1021 Reflexotildees preliminares para pensar na ecologizaccedilatildeo do
Estado de Direito 1022 Paracircmetros indispensaacuteveis para a constru-
ccedilatildeo do Estado Ecoloacutegico de Direito 1023 Desafios para o Estado
Ecoloacutegico de Direito Consideraccedilotildees finais Referecircncias
INTRODUCcedilAtildeO
O nosso planeta estaacute caracterizado por uma complexa rede de cone-
xotildees ocultas na Natureza A complexidade ecoloacutegica eacute uma marca do meta-
bolismo da Terra que como explica Edgar Morin (2002 p 47) desorganiza-se
e reorganiza-se constantemente Ao longo da sua pequena histoacuteria socio-cul-
tural no planeta o ser humano buscou formas de adaptar-se ao seu entorno
natural para sobreviver Se fosse possiacutevel contar a histoacuteria da Terra em vinte e
quatro horas caberia afirmar que o ser humano moderno surgiu no uacuteltimo se-
gundo do dia No entanto a pesar desse curto lapso sobre a Terra atualmente
as evidecircncias cientificas alertam que o alto impacto da pegada ecoloacutegica
do Homo Sapiens detonou uma nova era geoloacutegica O Antropoceno Trata-se
de um conceito complexo multifocal que muito aleacutem de uma perspectiva
geoloacutegica comporta tambeacutem uma perspectiva cultural que apresenta um
viacuteeis histoacuterico socioloacutegico econocircmico eacutetico e filosoacutefico O Antropoceno exige
pensar novos paradigmas que permitam entender e dar resposta a problemas
e riscos ecoloacutegicos globais que identificam esse novo marco soacutecio-natural que
condiciona natildeo apenas o desenvolvimento do ser humano mas a proacutepria
vida no planeta Independente do reconhecimento oficial do Antropoceno ndash
pela Uniatildeo Internacional de Ciecircncias Geoloacutegicas ndash como era geoloacutegica eacute
1 Professor da Universidad de Costa Rica (UCR) Coordenador do Grupo de Pesquisa Dere-
cho y Sustentabilidad (GPDS) da UCR Pesquisador do Instituto de Investigaciones Juriacutedicas
da UCR Poacutes-doutor em Direito pela UFSC (PDJCNPq) Poacutes-doutor em Direito pela UERJ (Precirc-
mio Capes de Tese 2012) Doutor em Direito Puacuteblico pela UERJ
E-mail carlosperalta07gmailcom
10
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
150
certo que a complexidade do conceito identifica e caracteriza a Sociedade
de Risco contemporacircnea eacute soacute poderaacute ser analisada a partir de uma perspec-
tiva sistecircmica
Nesse contexto a atual pandemia provocada pelo viacuterus SARS-CoV-2
deveraacute ser entendida como uma caracteriacutestica e ao mesmo tempo como
uma consequecircncia do Antropoceno a pandemia coloca em evidecircncia a ne-
cessidade de analisar a estreita relaccedilatildeo existente entre Natureza e sociedade
com o objetivo de identificar as causas mediatas e natildeo apenas imediatas da
COVID-19 com a finalidade de encontrar respostas efetivas para um contexto
de risco que vai agravar-se nos proacuteximos anos se natildeo forem adotadas medi-
das ecoloacutegicas globais de forma articulada
Partindo desse breve marco de referecircncia o artigo enquadra-se dentro
de um projeto de pesquisa que estaacute sendo realizado no Instituto de Investiga-
ciones Juriacutedicas e no Grupo de Pesquisa Derecho y Sustentabilidad (GPDS) da
Universidad de Costa Rica (UCR) A pesquisa de caraacuteter qualitativo adota
como contexto de estudo o Antropoceno e tem um marco teoacuterico que na
sua base parte da reflexatildeo do pensamento de trecircs autores Edgar Morin Bo-
aventura de Sousa Santos e Ulrich Beck A partir dessa base teoacuterica o projeto
objetiva propor uma epistemologia e uma hermenecircutica que permita analisar
as perspectivas e os desafios do Estado Ecoloacutegico de Direito (EED) e consi-
dera dentre outros importantes referentes teoacutericos de vaacuterias aacutereas do conhe-
cimento como P Crutzen E Leff J Rockstrom EGudynas J R Morato Leite
T Fenstenseifer I Sarlet G Parente Neiva Belchior J Martiacutenez Alier J Eli da
Veiga A Giddens Tyler Miller Jr Fritjof Capra G Wedy I Sachs J Sachs G
Daly H Reeves e F Lenoir P H May P Singer L Peacuterez Bustamante T Jackson
R Abramovay S Latouche2
Cabe destacar que a pandemia provocada pela COVID-19 decla-
rada pela OMS em 11 de marccedilo de 2020 pelos seus efeitos globais e a sua
iacutentima relaccedilatildeo com a complexidade ecoloacutegica constituiu-se como uma nova
variaacutevel de anaacutelise para o desenvolvimento do trabalho de pesquisa que estaacute
sendo realizando na UCR
Nessa linha de pensamento a proposta do artigo seraacute colocar algumas
breves reflexotildees ainda preliminares sobre estreita relaccedilatildeo existente entre a
pandemia da COVID-19 e o Antropoceno e como a atual situaccedilatildeo global
exige incentivar um forte debate sobre a necessidade de pensar numa meta-
morfose civilizatoacuteria que deveraacute partir do surgimento de um Estado Ecoloacutegico
de Direito capaz de entender e lidar com a crise ecoloacutegica que marca o nosso
tempo
2 Neste trabalho por motivos de extensatildeo seratildeo utilizadas algumas dessas referecircncias teoacuteri-
cas
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
151
101 A PANDEMIA PROVOCADA PELA COVID-19 COMO
CONSEQUEcircNCIA DO ANTROPOCENO
1011 Breves reflexotildees sobre o Antropoceno
Paul J Crutzen ndash precircmio Nobel de Quiacutemica ndash e Eugene F Stoermer aler-
taram no Boletim ldquoInternational GeospherendashBiosphere Programme (IGBP)rdquo so-
bre existecircncia de uma nova era geoloacutegica que substituiria o Holoceno e que
chamaram de Antropoceno (2000)
Posteriormente Paul J Crutzen (2002) em artigo publicado na Revista
Nature ndash intitulado Geology of mankind ndash reafirmou formalmente que o im-
pacto dos seres humanos sobre a Terra teria desencadeado uma nova era
geoloacutegica o Antropoceno Em termos resumidos eacute possiacutevel afirmar que esse
novo periacuteodo geoloacutegico estaria marcado por uma sobrecarga ecoloacutegica
causada pelo modelo de desenvolvimento econocircmico da segunda moderni-
dade deixando uma profunda pegada ecoloacutegica na geologia da Terra Essa
nova era geoloacutegica ainda natildeo foi oficializada pela Unioacuten Internacional de Ci-
encias Geoloacutegicas Foi conformado o denominado Grupo de Trabalho sobre
o Antropoceno (AWG pelas suas siglas em inglecircs)3 para analisar as evidencias
cientiacuteficas que permitam comprovar ou natildeo o surgimento do Antropoceno
desde o ponto de vista geoloacutegico
Atualmente podemos considerar que o Antropoceno eacute mais que um
conceito geoloacutegico ndash em sentido estrito ndash alcanccedilando uma dimensatildeo cultural
ndash em sentido amplo ndash que questiona o modelo de desenvolvimento humano
e a sua relaccedilatildeo com a Natureza Sobre essa concepccedilatildeo cultural H Trischler
(2017 p 54) explica que
El debate cultural sobre el Antropoceno se interesa nada menos que
en las cuestiones maacutes centrales de nuestra sociedad iquestcoacutemo seraacute el
futuro iquestCoacutemo debemos hacer negocios trabajar y vivir iquestQueacute pa-
pel tendraacute la tecnologiacutea en esto iquestQueacute formas de produccioacuten y co-
municacioacuten del conocimiento son adecuadas para el Antropoceno
Por uacuteltimo iquestqueacute narrativas necesitamos para comprender mejor el
papel planetario de los seres humanos como actores que afectan a
todo el sistema de la Tierra Esto es lo que hace que la discusioacuten sea
tan fascinante y tan relevante para hoy y mantildeana
De forma sinteacutetica eacute possiacutevel afirmar que o Antropoceno eacute a era da
grande aceleraccedilatildeo provocada pelo homo faber Trata-se de uma eacutepoca
marcada por uma sociedade de alta entropia pautada pela ideia de cresci-
mento econocircmico continuo que desconsidera que a biosfera eacute um sistema
fechado com fronteiras de risco ecoloacutegico que devem ser respeitadas para
manter as condiccedilotildees de vida consolidadas no Holoceno por um periacuteodo de
aproximadamente doze mil anos A irresponsabilidade organizada (BECK
3 Cf httpquaternarystratigraphyorgworking-groupsanthropocene Acesso em 27
ago2020
ldquo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
152
2002) do Antropoceno provocou que pela primeira vez na histoacuteria do planeta
uma espeacutecie tem o futuro da biosfera em suas matildeos sendo capaz de provo-
car uma extinccedilatildeo de espeacutecies em massa A (ir)racionalidade do modelo de
desenvolvimento herdado da revoluccedilatildeo industrial natildeo considerou nem con-
sidera a vulnerabilidade e a capacidade de resiliecircncia da Natureza a crise
ecoloacutegica do Antropoceno eacute uma caracteriacutestica e ao mesmo tempo uma
consequecircncia dessa visatildeo de mundo e coloca a humanidade numa encruzi-
lhada no que diz respeito ao caminho que deveraacute ser adotado pela socie-
dade da segunda modernidade (BECK 2002) este momento reflexivo se de-
para com uma crise civilizatoacuteria marcada por profundas fronteiras invisiacuteveis
(geograacuteficas eacutetnicas religiosas econocircmicas etc) que identifica uma socie-
dade altamente desigual de alta entropia individualista reducionista dis-
tante da Natureza e que estaacute muito longe de ser planetaacuteria Paradoxalmente
em pouco tempo na transiccedilatildeo para o Antropoceno a polis humana que ini-
cialmente estava na Natureza aumentou transformou-se de forma irreflexiva
numa aldeia global e hoje eacute a Natureza que estaacute inserida nesse ambiente
artificial criado pelo Homo Sapiens O contexto do Antropoceno tem impor-
tantes consequecircncias eacuteticas juriacutedicas e poliacuteticas exigindo uma decisatildeo cole-
tiva que deveraacute ser politicamente debatida adotada e aplicada (GUDYNAS
2019) Eacute nesse cenaacuterio que devem ser feitas as reflexotildees sobre o Estado Ecoloacute-
gico de Direito como ponto de partida para uma metamorfose civilizatoacuteria
1012 A pandemia provocada pela COVID-19
uma crise sanitaacuteria dentro da crise civilizatoacuteria do
Antropoceno
Na linha de pensamento de Edgar Morin (2009) podemos afirmar que
no Antropoceno existe uma fragmentaccedilatildeo do conhecimento que impede en-
tender as conexotildees dos problemas globais o que Morin chamaria de ceguei-
ras do conhecimento provocadas pela perspectiva reducionista cartesiana
que encaixa o saber na verdade parcial das disciplinas
Nesse sentido para entender o que provocou o viacuterus SARS-CoV-2 que
originou a pandemia em 2020 eacute necessaacuteria uma analise a partir de um pen-
samento complexo que permita ir aleacutem das causas imediatas da pandemia
e visualizar a real dimensatildeo do problema que a humanidade estaacute enfren-
tando Em outras palavras a COVID-19 deveraacute ser analisada natildeo apenas
como uma doenccedila zoonoacutetica causadora de uma crise sanitaacuteria mas como
um risco ecoloacutegico global proacuteprio do Antropoceno
A crise da Sociedade de Risco do Antropoceno deveraacute ser compreen-
dida a partir de um novo paradigma epistemoloacutegico que seja capaz de inte-
grar as muacuteltiplas cosmovisotildees de mundo exigindo novas epistemologias do sul
(SANTOS 2019) fundamentadas no diaacutelogo da ciecircncia com os saberes cultu-
rais e orientadas por um pensamento inclusivo e holiacutestico ancorado numa
eacutetica da outridade numa sustentabilidade forte capaz de respeitar os limites
biofiacutesicos
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
153
Da pandemia da COVID-19 poderemos extrair muacuteltiplas liccedilotildees que per-
mitiram entender os desafios do Antropoceno Do primeiro semestre de pan-
demia podemos formular de forma preliminar duas liccedilotildees
(1) Primeira Liccedilatildeo Na linha de pensamento do E Morin (2020) a pri-
meira liccedilatildeo seria que ldquoo festival de incertezasrdquo provocado pela pandemia su-
potildee um enorme desafio para a complexidade Um dos desafios da complexi-
dade no Antropoceno seraacute ldquocomo confrontar selecionar organizar os conhe-
cimentos de forma adequada ao mesmo tempo religando-os e integrando
as incertezasrdquo O modelo de conhecimento da segunda modernidade como
explica E Morin (2020) adota um pensamento redutor e disjuntor que separa
o inseparaacutevel e reduz ldquoa um uacutenico elemento aquilo que eacute ao mesmo tempo
uno e diversordquo De maneira que na sociedade de risco do Antropoceno de-
veraacute ser adoptado um paradigma da complexidade que a partir dos princiacute-
pios sisteacutemico e hologramaacutetico (MORIN 2009) permita entender as conexotildees
de causa-efeito dos riscos ecoloacutegicos globais
(2) Segunda Liccedilatildeo A accedilatildeo antropogecircnica exige uma resposta global
imediata ou no futuro pandemias e outros riscos ecoloacutegicos seratildeo mais co-
muns e colocaram em xeque a sociedade e o espaccedilo ecoloacutegico operacional
seguro do planeta (ROCKSTROM 2009) No atual cenaacuterio para superar a pan-
demia natildeo podemos atacar apenas os sintomas identificados inicialmente a
partir de dezembro de 2019 Com cautela deveratildeo ser analisadas entendidas
e combatidas as causas que provocaram esses sintomas De maneira que a
segunda liccedilatildeo exige uma reflexatildeo sobre o Estado Ecoloacutegico de Direito como
pressuposto para a metamorfose civilizatoacuteria que exige o Antropoceno
Queiramos ou natildeo mesmo com os grandes avanccedilos tecnoloacutegico-cien-
tiacuteficos e com a interconexatildeo global existente ndash das comunicaccedilotildees e da eco-
nomia ndash a sociedade da segunda modernidade estaacute profundamente intrin-
cada numa rede de conexotildees profundas com o entorno natural que pretende
invisibilizar Todo impacto do ser humano na Natureza tem uma consequecircncia
que mesmo inicialmente imperceptiacutevel terminaraacute afetando o estilo de vida
do Homo Faber O princiacutepio do bucle retroativo (MORIN 2009) da complexi-
dade permite identificar como a degradaccedilatildeo do ambiente natural de caraacute-
ter sinergeacutetico retorna sobre o ambiente artificial humano na forma de riscos
ecoloacutegicos Mesmo que esses riscos prejudiquem inicialmente os menos favo-
recidos ndash racismo ecoloacutegico ndash teratildeo um efeito boomerang recaindo demo-
craticamente sobre toda a sociedade
Boaventura de Sousa Santos (2020) explica que a ideia de crise em tese
refere-se a uma situaccedilatildeo excepcional passageira e nesse sentido constitui
uma oportunidade para melhorar Nessa linha de pensamento afirma que
ldquoquando a crise eacute passageira ela deve ser explicada pelos fatores que a pro-
vocam Mas quando se torna permanente a crise transforma-se na causa
que explica todo o restordquo A atual pandemia natildeo eacute apenas uma crise passa-
geira e sim um problema instalado caracteriacutestico do Antropoceno A pande-
mia eacute o exemplo mais claro do caraacuteter sinergeacutetico dos complexos riscos eco-
loacutegicos do Antropoceno O viacuterus do SARS-CoV-2 surge num mercado uacutemido
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
154
na cidade de Wuhan ndash polo tecnoloacutegico capital de Hubei localizada na
China Central O pequeno viacuterus que surgiu na cidade de Wuhan ateacute entatildeo
pouco conhecida por boa parte da populaccedilatildeo do mundo ocidental em
pouco tempo pela interconexatildeo global que caracteriza a nossa acelerada
eacutepoca provocou uma convulsatildeo global que fez surgir uma tiacutemida consciecircn-
cia planetaacuteria sobre a fragilidade humana Explica Boaventura de Sousa San-
tos (2020 p 7) que ldquoA trageacutedia eacute que neste caso a melhor maneira de sermos
solidaacuterios uns com os outros eacute isolarmo-nos uns dos outros e nem sequer tocar-
mos Eacute uma estranha comunhatildeo de destinosrdquo Pergunta o socioacutelogo-juriacutedico
portuguecircs se acaso natildeo haveraacute outras formas possiacuteveis para essa comunhatildeo
A pandemia na verdade eacute a chegada imprevista de um evento que
era previsiacutevel considerando a forma distante e agressiva que ldquoanthroposrdquo se
relaciona com a Natureza Nesse sentido a pandemia teve vaacuterios ldquospoliersrdquo
ao longo do tempo por exemplo com o viacuterus do Ebola em 2012 e quando a
Malaacuteria matou mais de 400000 mil pessoas em 2016 a maioria delas na Aacutefrica
De forma que a pandemia era de certo modo previsiacutevel se o ser humano leva-
se a seacuterio a mudanccedila climaacutetica a perda da biodiversidade a erosatildeo do solo
a deforestaccedilatildeo o traacutefego de espeacutecies silvestres a seguranccedila alimentar a aci-
dificaccedilatildeo dos oceanos o derretimento dos polos a degradaccedilatildeo dos recursos
hiacutedricos a incapacidade das cidades de lidar com fenocircmenos naturais etc
Em outras palavras a pandemia era previsiacutevel considerando a toacutexica relaccedilatildeo
do ser humano com o seu entorno natural Sobre a questatildeo Edgar Morin (2020)
explica que ldquoA experiecircncia das irrupccedilotildees do inesperado na histoacuteria natildeo pene-
trou nas consciecircncias A chegada do imprevisiacutevel era previsiacutevel mas natildeo sua
natureza Daiacute a maacutexima permanente ldquoespero pelo inesperadordquo rdquo
De 2002 a 2020 vaacuterias doenccedilas zoonoacuteticas ascenderam o sinal de alerta
laranja na humanidade ndash SARS (2002) Gripe Aviaacuteria ndashH5N1(2004) Gripe Por-
cina ndashH1N1 (2009-2010) ndash ateacute chegar 2020 e deparar-nos com o SARS-CoV-2
pequeno viacuterus que causou um estado de alerta vermelho de alcance global
De maneia que natildeo podemos afirmar que a atual pandemia da COVID-19 eacute
uma crise isolada ou sem causas conhecidas Pelo contraacuterio eacute uma crise numa
engrenagem maior de crises conectadas trata-se de uma consequecircncia si-
lenciosa que ainda que inesperada era previsiacutevel considerando a irresponsa-
bilidade organizada (BECK 2002) que orienta o Antropoceno
Como afirma Morin a pandemia eacute uma crise dentro das crises jaacute insta-
ladas no Antropoceno A COVID-19 colocou em evidecircncia e agravou essas
crises de certo modo invisiacuteveis ou ignoradas ateacute entatildeo Como explica Morin
(2020) a pandemia eacute uma crise sanitaacuteria que movimentou uma engrenagem
de crises conectadas que pelo predomiacutenio do conhecimento reducionista
que impera na sociedade de risco sempre tinha sido ignorada ou vista como
um problema passiacutevel de ser corrigido Para o renomado socioacutelogo francecircs
essa ldquopolicrise ou mega crise se estende do existencial ao poliacutetico passando
pela economia do indiviacuteduo ao planetaacuterio passando por famiacutelias regiotildees Es-
tadosrdquo Trata-se explica ele da evidecircncia de uma crise planetaacuteria que mostra
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
155
a ligaccedilatildeo inseparaacutevel do homo sapiens ldquocom o destino bio-ecoloacutegico do pla-
neta Terra intensifica simultaneamente a crise da humanidade que natildeo
chega a se constituir enquanto humanidaderdquo (MORIN 2020)
De maneira que a crise sanitaacuteria da COVID-19 destacou e agravou di-
versas crises estreitamente ligadas dentre elas (1) A crise social marcada por
um mundo polarizado de enormes desigualdades O crescimento econocircmico
como siacutembolo de desenvolvimento eacute uma panaceia um mito propriedade de
uma pequena parcela da populaccedilatildeo mundial Como ter um mundo mais
equitativo com menos concentraccedilatildeo de riqueza (2) A crise existencial que
questiona as verdadeiras necessidades de uma sociedade alienada bombar-
deada por mensagens subliminais de consumo Seraacute necessaacuterio pensar em um
decrescimento sereno como proposto por autores como Serge Latouche e Tim
Jackson (dentre outros) (3) As crises nacionais provocadas por questotildees so-
bre discriminaccedilatildeo racial diferenccedilas religiosas xenofobia homofobia e poliacuteti-
cas internas que priorizam o crescimento econocircmico sobre a sustentabilidade
e a gestatildeo de riscos O modelo de Estado da segunda modernidade seraacute ca-
paz de lidar com os riscos globais do Antropoceno Ou seraacute necessaacuterio um
pacto cosmopolita esverdeado como proposto por U Beck (2002) (4) A crise
econocircmica ficou ainda mais visiacutevel no contexto da COVID-19 A pandemia
colocou em confinamento os dogmas da economia dos materiais e denun-
ciou a falaacutecia do crescimento econocircmico como sinocircnimo de bem-estar so-
cial altos iacutendices de desemprego trabalho informal deacuteficit fiscal e a crise da
previdecircncia satildeo noticia diaacuteria nos jornais (5) A crise intelectual que evidencia
como a segunda modernidade mesmo com os grandes avanccedilos tecnoloacutegi-
cos desconsidera a complexidade e privilegia o dualismo e o conhecimento
disjuntor disciplinaacuterio A complexidade do real estaacute permanentemente confi-
nada sendo incapaz de entender o limites planetaacuterios
No fundo toda essa engrenagem de crises circula sobre uma grande
crise A crise civilizatoacuteria do Antropoceno pautada por um paradigma simplifi-
cador que desconsidera a Natureza (seus limites suas conexotildees seu valor natildeo
quantificaacutevel em termos monetaacuterios) nos processos decisoacuterios da sociedade e
invisibiliza as desigualdades as diferenccedilas e as cosmovisotildees existentes na hu-
manidade Essa crise civilizatoacuteria eacute resultado de uma linguagem mecacircnica
binaacuteria que natildeo eacute capaz de identificar entender analisar e responder a par-
tir de um paradigma de complexidade os desafios provocados pela socie-
dade de risco
De modo que os riscos sanitaacuterios da pandemia natildeo satildeo apenas produto
de uma doenccedila zoonotica que alcanccedilou uma dimensatildeo global trata-se do
resultado de um processo irreflexivo que detonou o Antropoceno e contem-
pla fatores como (1) A degradaccedilatildeo ambiental ndash realizada de forma consci-
ente pelo mito do crescimento econocircmico (2) O conforto intelectual que
desconsidera a complexidade (3) Um direito ambiental fragmentado lento
e ancorado em artigos paradigmas (4) Uma (natildeo) governanccedila ambiental
internacional desarticulada orientada por uma sustentabilidade fraca e sem
capacidade de enforcment e (4) Uma poliacutetica orientada por interesses
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
156
econocircmicos de curto prazo que desconsideram os limites biofiacutesicos do Pla-
neta Em siacutentese a crise civilizatoacuteria eacute o resultado esperado de uma sociedade
em permanente confinamento incapaz de ser prospectiva solidaacuteria e empaacute-
tica No Antropoceno convenientemente prevalece o pensamento redutor
disjuntor que condena a sociedade a erros contiacutenuos de diagnoacutestico e pre-
venccedilatildeo (MORIN 2020)
Explica Morin (2020) que ldquoa livre concorrecircncia e o crescimento econocirc-
mico satildeo panaceias sociais () A loucura eufoacuterica do transhumanismo leva
ao paroxismo o mito da necessidade histoacuterica do progresso e do controle hu-
mano natildeo somente na natureza mas tambeacutem de seu destino ()
Seguindo a linha de pensamento do Boaventura de Sousa Santos (2011)
a crise civilizatoacuteria do Antropoceno poderia ser analisada a partir de uma so-
ciologia das ausecircncias e uma sociologia das emergecircncias Nesse sentido
mesmo sendo uma eacutepoca de alto grau de desenvolvimento econocircmico e
tecnoloacutegico eacute possiacutevel constatar que boa parte da humanidade foi e conti-
nua sendo ignorada e colonizada por grupos de poder hegemoacutenicos existem
confinamentos sociais constantes Ao mesmo tempo trata-se de uma eacutepoca
com um presente incompleto identificada por uma sociedade de alta entro-
pia sem uma visatildeo prospectiva que seja capaz de entender e respeitar os
limites da biosfera e a diversidade cultural
A quarentena da pandemia da COVID-19 como qualquer outra qua-
rentena eacute discriminatoacuteria ldquomais difiacutecil para uns grupos sociais do que para
outros e impossiacutevel para um vasto grupo de cuidadores cuja missatildeo eacute tornar
possiacutevel a quarentena ao conjunto da populaccedilatildeordquo (SOUSA 2020) Essa qua-
rentena analisada a partir de uma sociologia das ausecircncias deixou mais evi-
dente a crise ecoloacutegica do Antropoceno e a existecircncia de confinamentos eacutet-
nicos de longa data (1) Das mulheres ainda viacutetimas de um sistema patriarcal
machista (2) Dos trabalhadores precaacuterios informais ou de rua sem garantias
sociais (3) Das pessoas sem teto carentes de condiccedilotildees miacutenimas de digni-
dade (4) Dos moradores das periferias e das comunidades carentes que vi-
vem em espaccedilos sem condiccedilotildees urbanas com pouco acesso a agua sem
saneamento baacutesico com restriccedilotildees educativas e expostos agrave violecircncia e a
discriminaccedilatildeo (5) Dos internados em campos para refugiados para imigran-
tes indocumentados ou para deslocados internos grupos que vivem em cons-
tante confinamento e inseguranccedila e (6) Dos idosos que vivem em lares de
repouso lugares que na quarentena se transformaram em zonas de alto risco
(SANTOS 2020) Ainda cabe indicar que muitos desses grupos do Sul metafoacute-
rico (SANTOS 2011) vivem em condiccedilotildees de racismo ecoloacutegico Esse Sul na
concepccedilatildeo de Boaventura de Sousa Santos (2020) natildeo eacute um espaccedilo geograacute-
fico ele ldquoDesigna um espaccedilo-tempo poliacutetico social e culturalrdquo
Nesse contexto a pandemia da COVID-19 constata que a quarentena
sanitaacuteria eacute apenas uma dentro de outras quarentenas que perpetuam confi-
namentos de forma normal na sociedade de risco Ainda a quarentena da
pandemia permite visualizar o darwinismo social existente desde longa data
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
157
atualmente maior e que natildeo mata indiscriminadamente O efeito boome-
rang confina a espeacutecie humana e nesse sentido podemos afirmar que o viacuterus
SARS-CoV-2 pode contagiar a qualquer um no entanto o risco de vida e os
confinamentos satildeo marcados pela profunda desigualdade invisibilizada que
caracteriza a sociedade de risco Na pandemia muitos dos grupos do Sul me-
tafoacuterico deveratildeo decidir entre se expor ao viacuterus ou natildeo ter comida na mesa
Explica Boaventura de Sousa Santos (2020) que a ldquoquarentena natildeo soacute torna
mais visiacuteveis como reforccedila a injusticcedila a discriminaccedilatildeo a exclusatildeo social e o
sofrimento imerecido que elas provocamrdquo Trata-se da exposiccedilatildeo da vulnera-
bilidade dos grupos do Sul
Diante desse cenaacuterio exposto pela pandemia da COVID-19 respostas
efetivas satildeo necessaacuterias diante dos problemas ecoloacutegicos que causaram e
materializaram o SARS-CoV-2 No entanto como explica Boaventura de Sousa
Santos (2011) mesmo diante de perguntas fortes a nossa eacutepoca estaacute mar-
cada por respostas muito fracas fruto da falta de uma reflexatildeo criacutetica e de
um conformismo que parece ter por objetivo natildeo se incomodar com modificar
as estruturas hegemoacutenicas que entendem desenvolvimento como sinocircnimo
de crescimento econocircmico A situaccedilatildeo torna-se mais criacutetica considerando
que existe um descompasso entre a urgecircncia das medidas necessaacuterias para
combater problemas ecoloacutegicos ndashcomo a mudanccedila climaacutetica ndash e o lento pro-
cesso necessaacuterio para consolidar uma nova racionalidade ecoloacutegica
102 A METAMORFOSE PARA O ESTADO ECOLOacuteGICO DE DIREITO
um debate necessaacuterio
1021 Reflexotildees preliminares para pensar na ecologizaccedilatildeo
do Estado de Direito
Morin (2020) afirma que o atual confinamento deve favorecer o natildeo-
confinamento mental com a finalidade de evitar retomar o ciclo cronome-
trado egoiacutesta e consumista que natildeo integra o reloacutegio da Natureza nas deci-
sotildees e atividades cotidianas Esse modelo de vida acelerado orientado pela
ideia de crescimento econocircmico constante como sinocircnimo supeacuterfluo de bem-
estar e prosperidade perde de vista que desrespeitar a resiliecircncia dos ecos-
sistemas significa sentenciar os limites do desenvolvimento humano e princi-
palmente a estabilidade da Terra Na sociedade de risco que caracteriza o
Antropoceno podemos afirmar que na esteira do pensamento de Boaven-
tura de Sousa Santos (2011) existe uma relaccedilatildeo fantasmal uma atitude de
negaccedilatildeo caraterizada por um alto grau de progresso tecnoloacutegico uma forte
conectividade global ndash tanto econocircmica como das comunicaccedilotildees ndash mas
paradoxalmente existe uma incapacidade de entender as diferenccedilas que
identificam a espeacutecie humana e a complexa teia de conexotildees ecoloacutegicas
existentes no planeta O mundo tecno-econocircmico da sociedade de risco
estaacute de forma irresponsaacutevel pautado sobre uma obsolescecircncia programada
desenhada pelo mito do crescimento econocircmico Assim temos um mundo
fora de controle lotado ndash que privilegia o capital artificial ndash desumanizado ndash
com enormes confinamentos sociais ndash e que no curto prazo se natildeo tomar
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
158
medidas seraacute colocado em xeque pelas consequecircncias de desconsiderar os
limites biofiacutesicos do planeta
No contexto reducionista e disjuntor do Antropoceno debater sobre
uma metamorfose capaz de analisar as perspectivas para um Estado Ecoloacute-
gico de Direito exige uma abordagem sisteacutemica que contemple uma nova
visatildeo eacutetica educativa econocircmica geopoliacutetica juriacutedica dentre outros Um
novo paradigma que permita uma relaccedilatildeo de respeito e responsabilidade
para com a Natureza parece ser o grande desafio do cidadatildeo do seacuteculo XXI
Eacute necessaacuterio entender que a autonomia da sociedade da segunda moderni-
dade soacute seraacute possiacutevel respeitando os limites biofiacutesicos e reconhecendo a rela-
ccedilatildeo de dependecircncia do ser humano para com a Natureza A sociedade natildeo
estaacute nem nunca poderaacute estar fora do seu entorno natural
A metamorfose para o Estado Ecoloacutegico de Direito exige adotar um pa-
radigma de complexidade que permita fundamentar uma sustentabilidade
forte que oriente a accedilatildeo humana no Antropoceno
Para Winter na sustentabilidade forte
[] a biosfera torna-se de ldquofundamentalrdquo importacircncia A economia e
a sociedade satildeo parceiros mais fracos pois a biosfera pode existir
sem os humanos mas os humanos certamente natildeo podem existir sem
a biosfera Portanto humanos enquanto exploram a natureza de-
vem respeitar suas limitaccedilotildees uma necessidade que eles satildeo capa-
zes de preencher uma vez que possuem o potencial da razatildeo e en-
tatildeo os padrotildees alternativos de ponderaccedilatildeo do comportamento
(2009 p 4)
O nuacutecleo dessa perspectiva ecologizada parte da complexidade que
exige que o ser humano se enxergue como parte indissociaacutevel da Natureza
de forma que o impacto antropogecircnico deveraacute considerar os limites biofiacutesicos
respeitando a resiliecircncia dos processos ecoloacutegicos essenciais como fonte in-
dispensaacutevel para a vida e paro o pleno desenvolvimento humano A accedilatildeo
humana deveraacute ser realizada dentro do espaccedilo operacional seguro -fronteiras
de risco ecoloacutegico ndash que garante a estabilidade do planeta (ROCKSTROM
2009)
Esse novo paradigma objetiva alcanccedilar um estado de prosperidade
equitativo que considere aspectos de justiccedila ecoloacutegica distributiva de forma
que a ideia de desenvolvimento natildeo seja vista apenas como sinocircnimo de cres-
cimento econocircmico Cloacutevis Cavalcanti (2003 p 161) explica que ldquoA busca
da sustentabilidade resume-se agrave questatildeo de se atingir harmonia entre seres
humanos e a natureza ou de se conseguir uma sintonia com o lsquoreloacutegio da
naturezarsquo ()rdquo De modo que a nova racionalidade ecoloacutegica natildeo poderaacute
reduzir os fenocircmenos naturais agrave loacutegica do mercado a economia eacute apenas um
subsistema humano dentro do sistema fechado da Terra e consequente-
mente para poder funcionar deveraacute respeitar os limites planetaacuterios
ldquo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
159
O paradigma da complexidade exige entender a dinacircmica da Natu-
reza ndash seu caos e a sua organizaccedilatildeo ndash para adaptar a accedilatildeo humana Da com-
plexidade da Natureza podem ser identificados paracircmetros para orientar a
transiccedilatildeo da sociedade da segunda modernidade degradadora fundamen-
tada numa economia marrom ndash lineal utilitarista e desigual para uma socie-
dade que poderiacuteamos chamar da ldquoterceira modernidaderdquo sustentaacutevel com
uma economia esverdeada ndash circular solidaacuteria equitativa Essa nova socie-
dade deveraacute ser capaz de reconhecer o valor intriacutenseco da Natureza Na es-
teira do pensamento de Tyller Miller Jr (2008) da Natureza podem ser obser-
vadas algumas liccedilotildees dentre outras para orientar uma sociedade sustentaacutevel
(1) A complexidade da Natureza estaacute caracterizada por fortes conexotildees
Tudo na Natureza eacute interdependente De modo que uma sociedade sus-
tentaacutevel deveraacute estar pautada pelos princiacutepios da precauccedilatildeo e da pre-
venccedilatildeo entendendo que toda intervenccedilatildeo antropogecircnica no ambiente
natural teraacute efeitos colaterais inesperados Licenciamentos avaliaccedilotildees de
risco estudos de impacto ambiental sanccedilotildees e instrumentos econocircmicos
de gestatildeo ambiental devem estar fundamentados em criteacuterios estrita-
mente teacutecnicos ndash natildeo poliacuteticos nem econocircmicos ndash Evidentemente esse
contexto exige independecircncia funcional e orccedilamentaacuteria das instituiccedilotildees
ambientais Nesse marco os princiacutepios procedimentais ambientais satildeo fun-
damentais para garantir um debate e controle ambiental democraacutetico
Nesse sentido eacute curioso como numa eacutepoca de seacuterios problemas ecoloacutegi-
cos em momentos de crise econocircmica e sanitaacuteria ndash como a provocada
pela pandemia da COVID-19 ndash retrocessos na normativa ambiental e en-
fraquecimentos das instituiccedilotildees de proteccedilatildeo ambiental satildeo uma praacutetica
comum
(2) A Natureza funciona essencialmente a base de energias renovaacuteveis O
passo da primeira para a segunda modernidade foi pautado pela depen-
decircncia do desenvolvimento humano de energias foacutesseis No processo de
transiccedilatildeo para uma sociedade da terceira modernidade de baixa entro-
pia seraacute necessaacuterio um marco de incentivos econocircmicos e fiscais para ori-
entar a introduccedilatildeo de energias e tecnologias limpas Paralelamente seratildeo
necessaacuterios desincentivos para energias de impacto ecoloacutegico negativo
e ainda eliminar todo subsiacutedio para atividades com alta pegada ecoloacute-
gica
(3) A Natureza recicla nutrientes e resiacuteduos No Antropoceno ao contraacuterio da
Natureza existe uma praacutetica de consumo orientada pela obsolescecircncia
programada que consequentemente a sociedade da segunda moder-
nidade eacute altamente produtora de resiacuteduos de impacto sobre a resiliecircncia
da Natureza O Antropoceno eacute uma eacutepoca que promove o consumismo
irreflexivo ainda que desigual O EED deveraacute promover o consumo ecoloacute-
gico consciente ndash rechaccedilo reaproveitamento e reciclagem ndash desestimu-
lando estrateacutegias de obsolescecircncia programada Em palavras de Daly
(2005 p 96) ldquoUma economia sustentaacutevel requer uma lsquotransiccedilatildeo demograacute-
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Iasna Chaves Viana
160
ficarsquo natildeo apenas de pessoas mas tambeacutem de bens ndash as taxas de produ-
ccedilatildeo deveriam ser iguais agraves taxas de depreciaccedilatildeo em niacuteveis elevados ou
baixosrdquo
(4) A Natureza preserva a biodiversidade e os serviccedilos ecossistecircmicos Natildeo eacute
possiacutevel sustentar de forma indefinida o metabolismo de uma sociedade
que degrada o ambiente Deve repensar-se a forma de interagir com a
Natureza respeitando os limites biofiacutesicos aplicando criteacuterios de sustenta-
bilidade e de justiccedila distributiva Seraacute necessaacuteria a introduccedilatildeo de novos
paradigmas que permitam respeitar as diversas cosmovisotildees e adotar
uma perspectiva ecocecircntrica
(5) A Natureza controla o tamanho populacional e o uso dos recursos No An-
tropoceno a cidade virou o entorno ldquopoacutes-naturalrdquo por excelecircncia do ser
humano Esse ambiente artificial do anthropos foi construiacutedo sem respeitar
limites ou fronteiras biofiacutesicas e foi orientado por um crescimento desor-
ganizado uma cultura do desperdiccedilo a extraccedilatildeo de recursos naturais sem
criteacuterios de prevenccedilatildeo e uma distribuiccedilatildeo desigual do espaccedilo e da ri-
queza O metabolismo das polis a sua interaccedilatildeo e a sua estrutura deman-
dam muita energia recursos e ainda provoca racismos ecoloacutegicos O
EED exige repensar as cidades de forma que sejam transformadas em es-
paccedilos resilientes que respeitem a Natureza e que busquem uma equidade
social
Esses cinco paracircmetros natildeo satildeo taxativos apenas exemplos das liccedilotildees
que podemos extrair da Natureza para orientar uma sociedade mais susten-
taacutevel Junto com essas orientaccedilotildees o Antropoceno exige uma Ecoeacutetica capaz
de orientar uma cidadania ecoloacutegica solidaacuteria e responsaacutevel com um ldquooutrordquo
ndash soacutecio-diversidade biodiversidade ecossistemas Natureza Terra ndash que o du-
alismo redutor distanciou do nosso cotidiano estabelecendo uma diferenccedila
codificada Leite e Ayala explicam que essa cidadania deveraacute ser exercida
em termos planetaacuterios e transfronteiriccedilos Essa necessidade justifica-se natildeo
apenas pela integralidade do ambiente e dos interesses relacionados mas
tambeacutem pela globalidade da crise ecoloacutegica (LEITE AYALA 2004)
Nesse contexto a sustentabilidade ecoloacutegica a partir de um princiacutepio
sistecircmico aparece como um criteacuterio normativo para reconstruir a ordem eco-
nocircmica problematiza e questiona as formas de conhecimento os valores so-
ciais e as bases da produccedilatildeo Dentro dessa perspectiva os limites biofiacutesicos
que permitem o equiliacutebrio ecoloacutegico seratildeo pontos de partida para o desen-
volvimento humano (LEFF 2006 p 133-134)
O Professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Joseacute Ru-
bens Morato Leite (2008) explica que o Estado Ecoloacutegico eacute um conceito de
cunho teoacuterico abstrato que compreende elementos juriacutedicos sociais e poliacuteti-
cos que busca uma condiccedilatildeo ecoloacutegica capaz de favorecer a harmonia en-
tre ecossistemas e consequentemente garantir a plena satisfaccedilatildeo da digni-
dade em sentido amplo aleacutem da dimensatildeo humana
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
161
1022 Paracircmetros indispensaacuteveis para a construccedilatildeo do
Estado Ecoloacutegico de Direito
O debate sobre o Estado Ecoloacutegico de Direito vem crescendo desde
segunda deacutecada do seacuteculo XXI e deveraacute ganhar ainda mais forccedila no con-
texto Poacutes-COVID-19
Como antecedente relevante para as reflexotildees sobre o assunto eacute im-
portante destacar que em abril de 2016 no Rio de Janeiro foi organizado o
Primeiro Congresso Mundial de Direito Ambiental da UICN No evento foi ado-
tada a ldquoDeclaracioacuten Mundial acerca del Estado de Derecho en materia am-
bientalrdquo Nesse documento alertou-se que a inexistecircncia de um Estado Ecoloacute-
gico e a falta de efetividade dos direitos e obrigaccedilotildees legais ambientais po-
deria tornar arbitraacuterias subjetivas e imprevisiacuteveis a boa governanccedila a conser-
vaccedilatildeo e a proteccedilatildeo ambiental (UICN 2016)
A Declaraccedilatildeo da UICN (2016 p1) destaca que ldquola humanidad coexiste
con la naturaleza y que toda forma de vida depende de la integridad de la
biosfera y de la interdependencia de los sistemas ecoloacutegicosrdquo No apartado
segundo (II) satildeo reconhecidos treze princiacutepios ndash generais e emergentes ndash para
o EED Esses princiacutepios satildeo paracircmetros orientadores que em siacutentese determi-
nam
1 O reconhecimento intriacutenseco do valor da Natureza aleacutem de qualquer fi-
nalidade utilitarista Esse reconhecimento exige o dever de todos ndashEstado
entidades cidadatildeos ndash de proteger a Natureza respeitando os limites bi-
ofiacutesicos a sua capacidade de resiliecircncia e a evoluccedilatildeo dos processos eco-
loacutegicos
2 O direito humano a um ambiente ecologicamente equilibrado com uma
dimensatildeo intra e intergeracional
3 Consolidar o direito ambiental adotando uma responsabilidade pros-
pectiva capaz de estabelecer normas de proteccedilatildeo e restauraccedilatildeo que
permitam manter e melhorar a resiliecircncia dos ecossistemas Destaca-se a
funccedilatildeo ecoloacutegica da propriedade
4 Aplicar o Princiacutepio In Dubio Pro Natura nos diferentes processos de deci-
satildeo quando exista duvida sobre o risco ou perigo ambiental
5 O caraacuteter integrador pluralista multicultural e holiacutestico do EED promo-
vendo a igualdade de geacutenero a participaccedilatildeo de grupos minoritaacuterios e
vulneraacuteveis e o reconhecimento dos direitos dos povos indiacutegenas e tri-
bais
6 A importacircncia dos princiacutepios de proibiccedilatildeo de retrocesso e da progressivi-
dade para garantir e melhorar as normas juriacutedicas ambientais e o aceso
agrave justiccedila com apoio dos conhecimentos cientiacuteficos mais recentes
Da leitura dos princiacutepios dessa Declaraccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que o EED
deveraacute ter como fundamento a ideia de uma sustentabilidade forte que
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
162
tendo como base o equiliacutebrio ecoloacutegico seja capaz de criar normas com pa-
racircmetros claros fundamentadas no conhecimento cientiacutefico e orientadas
pelo uso equitativo e racional da Natureza respeitando o seu valor intriacutenseco
e os limites biofiacutesicos Uma nova racionalidade ambiental exige a legitimaccedilatildeo
de novos valores novos direitos e novos criteacuterios na tomada de decisotildees de-
mocraacuteticas que permitam novas poliacuteticas ambientais O desafio da sustenta-
bilidade ambiental forte eacute questionar a realidade hegemocircnica construiacuteda so-
bre uma racionalidade que desconsiderou os limites biofiacutesicos como pressu-
posto base do desenvolvimento humano
1023 Desafios para o Estado Ecoloacutegico de Direito
A complexidade ecoloacutegica exige uma poliacutetica no Antropoceno que es-
truture um EED fundamentado numa sustentabilidade forte Esse novo modelo
de Estado orientado por paracircmetros como os estabelecidos na Declaraccedilatildeo
da UICN2016 deveraacute superar uma seacuterie de desafios dentre eles
(1) A Alfabetizaccedilatildeo ecoloacutegica Uma nova racionalidade ecoloacutegica exige
como explica Edgar Morin que a humanidade seja vista de uma forma
mais holiacutestica O ser humano eacute indiviacuteduo espeacutecie coletivo e parte de uma
comunidade planetaacuteria A sustentabilidade como paradigma poacutes-mo-
derno deveraacute partir de um pensamento complexo construiacutedo a partir de
um processo comprometido de educaccedilatildeo ecoloacutegica Nesse contexto eacute
necessaacuteria a articulaccedilatildeo poliacutetica e juriacutedica para introduzir o componente
ecoloacutegico ao longo do processo educativo formando uma cidadania
ecoloacutegica na qual os indiviacuteduos enxerguem as suas accedilotildees privadas como
peccedilas que formam parte de um dominoacute maior e interdependente Assim
respeitar a Natureza deveraacute ter um incentivo eacutetico e natildeo apenas uma mo-
tivaccedilatildeo orientada por um sistema de mecanismos sancionatoacuterios ou de
caraacuteter econocircmico Essa cidadania deveraacute estar direcionada pela ideia
de responsabilidade natildeo reciacuteproca solidaacuteria com um outro normalmente
invisibilizado pelo atual modelo de desenvolvimento A alfabetizaccedilatildeo eco-
loacutegica permitiraacute o reconhecimento do valor intriacutenseco da Natureza e o re-
conhecimento de novos paradigmas Este primeiro desafio topa com a di-
ficuldade da urgecircncia de uma consciecircncia planetaacuteria ecoloacutegica diante
da crise civilizatoacuteria do Antropoceno e da lentidatildeo para consolidar esse
processo educativo
(2) O combate da corrupccedilatildeo e o fortalecimento da institucionalidade ambi-
ental Este segundo desafio se depara com o fenoacutemeno da irresponsabili-
dade organizada num sistema que adota discursos ambientais fracos e
que na praacutetica funciona amparado por uma hipertrofia normativa ambi-
ental pouco efetiva
(3) Incentivar novas tecnologias que permitam migrar de uma economia mar-
rom para uma economia verde (desmaterializada) Esse desafio exige por
exemplo refletir sobre os sistemas tributaacuterios que raras vezes satildeo orienta-
dos pelo princiacutepio do poluidor-pagador
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
163
(4) Reconhecimento e fortalecimento dos direitos da sustentabilidade direitos
da Natureza miacutenimo existencial ecoloacutegico direito de ter um clima estaacutevel
direito agrave agua e ao saneamento baacutesico direito agrave seguranccedila alimentar
direitos procedimentais ambientais ndash informaccedilatildeo participaccedilatildeo e acesso agrave
justiccedila ndash direito a cidades resilientes dentre outros Diante das possiacuteveis di-
ficuldades no legislativo para o reconhecimento expresso desses direitos
um dos possiacuteveis caminhos para superar esse desafio seraacute a litigacircncia eco-
loacutegica
(5) Considerando esses desafios o EED deveraacute ser projetado numa dimensatildeo
ecoloacutegica (FENSTEISEIFER 2008) capaz de permitir a efetividade dos direitos
da sustentabilidade incentivando o debate de novos paradigmas capa-
zes de garantir o respeito dos limites biofiacutesicos da Natureza e garantir a
sauacutede e a vida em sentido amplo Nesse sentido os direitos da sustentabi-
lidade satildeo paracircmetros requisitos sine qua non para a efetividade de todos
os direitos fundamentais A vida as liberdades a educaccedilatildeo a sauacutede o
trabalho o desenvolvimento e todos os outros direitos soacute satildeo possiacuteveis num
ambiente equilibrado
(6) Repensar os modelos de governanccedila para permitir a efetividade das nor-
mas ambientais O fortalecimento da Governanccedila Ecoloacutegica Global de-
veraacute estar acompanhado do protagonismo da sociedade civil na tomada
de decisotildees relevacircncia ecoloacutegica No acircmbito internacional os organismos
de governanccedila ambiental formam parte de estruturas do seacuteculo XX an-
coradas numa visatildeo herdada da primeira modernidade ndash simples lineal
industrial ndash fundamentada na sociedade dos Estados-Naccedilotildees Existem pro-
gramas e foros pouco articulados processos obsoletos para tomar deci-
sotildees e acordos globais sem financiamento e sem capacidade de enfor-
cement
A pandemia da COVID-19 deixou em evidecircncia a falta de articulaccedilatildeo
global e a incapacidade de adotar medidas de contingecircncia diante dos ris-
cos ecoloacutegicos do Antropoceno A complexidade ecoloacutegica os efeitos siner-
geacuteticos dos problemas ecoloacutegicos exigem repensar esse modelo de gover-
nanccedila com o objetivo de refletir sobre uma nova arquitetura institucional eco-
loacutegica global soacutelida e capaz de entender que o mundo atual do Antropo-
ceno eacute mais que a simples soma de paiacuteses O novo modelo de governanccedila
deveraacute contar com capacidade de articulaccedilatildeo recursos financeiros estaacuteveis
poder normativo e capacidade de enforcement
Dentro de essa linha de accedilotildees o Direito a partir de una perspectiva de
pensamento complexo deveraacute redefinir os seus esquemas tradicionais para
ser capaz de superar o oximoro do desenvolvimento sustentaacutevel que orienta
os seres humanos a degradar o ambiente para poder crescer economica-
mente A complexidade ecoloacutegica exige que o Direito permita e facilite o di-
aacutelogo transdisciplinar de forma que as orientaccedilotildees e decisotildees juriacutedicas te-
nham apoio de diversos saberes e adoptem uma visatildeo prospectiva pluralista
e com um caraacutecter mais preventivo que repressivo
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O Direito tem um papel fundamental na transiccedilatildeo para uma sociedade
sustentaacutevel por exemplo orientando uma mudanccedila radical nas poliacuteticas tri-
butarias adotando uma Reforma fiscal verde fundamentada na Teoria do
duplo dividendo que permita modificar a carga fiscal estruturada para favo-
recer uma economia marromndash que onera o trabalho e o capital ndash para una
tributaccedilatildeo extrafiscal que incentiva atividades ecologicamente corretas e au-
menta a carga tributaacuteria de bens e serviccedilos com maior impacto sobre a Na-
tureza (PERALTA 2014)
Sobre o tema Daly (2005 p 97) afirma que
Um governo preocupado com o uso mais eficiente de recursos natu-
rais mudaria o alvo de seus impostos Em vez de taxar a renda aufe-
rida por trabalhadores e empresas (o valor adicionado) tributaria o
fluxo produtivo (aquele ao qual eacute adicionado valor) de preferecircncia
no ponto em que os recursos satildeo apropriados da biosfera o ponto
de extraccedilatildeo da Natureza
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A pandemia da COVID-19 declarada pela OMS em marccedilo de 2020
mostra que no Antropoceno temos uma complexa engrenagem de crises que
exigem um olhar atento e sistecircmico A atual crise sanitaacuteria e econocircmica que
vive a sociedade de risco encontra sua causa imediata numa doenccedila zoonoacute-
tica originada na cidade de Wuhan na China No entanto o paradigma da
complexidade permite entender que essa crise tem causas mais profundas
originadas por um oximoro um modelo de desenvolvimento fundamentado
numa sustentabilidade fraca que entende crescimento econocircmico como si-
nocircnimo de bem-estar desconsiderando os limites biofiacutesicos
A visatildeo sistecircmica do problema exige atacar as causas da pandemia e
natildeo apenas os sintomas Uma possiacutevel vacina a ser aplicada em 2021 seraacute
uma resposta imediata para a crise global sanitaacuteria instalada pela COVID-19
mas apenas uma das medidas que deveratildeo ser adotadas A soluccedilatildeo seraacute mais
profunda e complexa e passa pelo compromisso do homo sapiens de adotar
um novo contrato social capaz de reestruturar o modelo de desenvolvimento
de forma que respeite os limites biofiacutesicos e permita adotar uma sustentabili-
dade ambiental forte equitativa e solidaacuteria Sem duacutevida esse novo compro-
misso exige adotar uma eacutetica ecoloacutegica que seja capaz de pensar em novos
paradigmas epistemoloacutegicos mais integradores
No contexto de confinamento como afirma Edgar Morin o desconfina-
mento mental eacute necessaacuterio e exige refletir sobre o processo de distanciamento
do ser humano com a Natureza e as consequecircncias da alienaccedilatildeo da socie-
dade do Antropoceno As liccedilotildees dos primeiros seis meses da pandemia satildeo um
convite para debater sobre a necessaacuteria metamorfose da sociedade Os pro-
blemas e riscos ecoloacutegicos que caracterizam o Antropoceno exigem um EED
que fundamentado em novos valores e orientado por um pensamento com-
plexo de sustentabilidade ecoloacutegica forte seja capaz de estabelecer uma
nova relaccedilatildeo do ser humano para com a Natureza relaccedilatildeo pautada pelo
ldquo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
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respeito dos limites biofiacutesicos do planeta e orientada pelo pluralismo os direi-
tos da sustentabilidade a solidariedade e o respeito pela diferenccedila Conse-
quentemente esse modelo deveraacute objetivar uma sociedade de baixa entro-
pia mais equitativa responsavelmente organizada para superar a crise civili-
zatoacuteria do nosso tempo
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A RELACcedilAtildeO JURIacuteDICA AMBIENTAL
CONTINUATIVA E A IMPRESCRITIBILIDADE
DA PRETENSAtildeO PELA REPARACcedilAtildeO CIVIL DE
DANO AMBIENTAL
anaacutelise do Recurso Extraordinaacuterio nordm
654833 do STF ndash interpretaccedilotildees
epistemoloacutegicas sob o vieacutes da
complexidade
Germana Parente Neiva Belchior1
Iasna Chaves Viana2
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 111 Do Estado de Direito Ambiental para o
Estado de Direito Ecoloacutegico rupturas necessaacuterias frente a crise eco-
loacutegica 112 O pensamento complexo como vieacutes epistemoloacutegico
para interpretaccedilatildeo dos danos ambientais pelo Direito 1121 Danos
ambientais e responsabilidade civil preventiva em mateacuteria ambien-
tal 1122 A relaccedilatildeo juriacutedica ambiental continuativa 113 A impres-
critibilidade da pretensatildeo civil de dano ambiental anaacutelise do RE nordm
654833 do STF Consideraccedilotildees finais Referecircncias
INTRODUCcedilAtildeO
Eacute comum a grande quantidade de conceitos juriacutedicos indeterminados
na legislaccedilatildeo ambiental a iniciar pelo proacuteprio conceito de meio ambiente
sendo o inteacuterprete e o aplicador cada vez mais demandado Apesar de sua
indeterminaccedilatildeo haacute sempre uma zona de certeza negativa (o que natildeo eacute) e
positiva (o que eacute) em que eacute possiacutevel o controle para afastar as interpretaccedilotildees
1 Doutora em Direito Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSCSC)
Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Professora
do Curso de Direito e do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Direito do Centro Universitaacuterio 7
de Setembro (UNI7CE) Liacuteder do Grupo de Pesquisa Ecomplex Direito Complexidade e
Meio Ambiente da UNI7CE cadastrado no CNPQ
E-mail germana_belchioryahoocombr
2 Mestre em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Especialista em Direito
Tributaacuterio pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributaacuterios (IBETSP) Vice-liacuteder do Grupo de Pes-
quisa Ecomplex Direito Complexidade e Meio Ambiente da UNI7CE e Membro do Grupo
de Pesquisa em Tributaccedilatildeo Ambiental (UFCCE) ambos cadastrados no CNPQ Professora
e Advogada E-mail iasnavianayahoocombr
11
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
168
e aplicaccedilotildees incorretas embora sempre permaneccedila uma zona de penumbra
de incerteza que eacute insindicaacutevel
O conhecimento cientiacutefico eacute progressivo mutante volaacutetil A racionali-
dade claacutessica eacute limitada agrave Ciecircncia do ldquohojerdquo Avanccedilos no entanto natildeo pa-
ram tendo em vista o desenvolvimento tecnoloacutegico e a ambiccedilatildeo humana
Notadamente o estudo da seguranccedila juriacutedica se faz alvo emergencial da
academia uma vez que se vincula diretamente agrave proacutepria razatildeo de ser do Di-
reito retratada como a busca do bem comum e da estabilidade das relaccedilotildees
sociais
Uma zona de incerteza e uma margem de indeterminaccedilatildeo no conte-
uacutedo das normas ambientais eacute algo natural e o cientista e aplicador do Direito
Ambiental devem estar conscientes disso a fim de refletir sobre mecanismos
de preenchimento destes conteuacutedos
Natildeo haacute como engessar o meio ambiente pois como sistema que o eacute
estaacute submetido aos princiacutepios da autoeco-organizaccedilatildeo e sistecircmico dando
azo agrave inseguranccedila Por outro lado a desordemordemorganizaccedilatildeo satildeo situ-
accedilotildees em que a proacutepria Fiacutesica e a Matemaacutetica explicam que decorrem simul-
taneamente Natildeo haacute seguranccedila sem inseguranccedila o proacuteprio sistema tem me-
canismos de se regular motivo pelo qual o estudo da relaccedilatildeo juriacutedica no Di-
reito Ambiental se mostra pertinente fortalecendo a ideia de sua continui-
dade
Considerando esse contexto reconhece-se que a jurisprudecircncia exerce
uma tarefa fundamental na solidificaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo de todas as peculiari-
dades que circundam o Direito Ambiental Nesse sentido o objetivo deste ar-
tigo eacute investigar a decisatildeo do STF no Recurso Extraordinaacuterio nordm 654833 do STF
avaliando como e que medida o entendimento da Corte se posiciona aberto
ao pensamento complexo e em especial agrave relaccedilatildeo juriacutedica ambiental con-
tinuativa
A pergunta que a pesquisa enfrenta eacute Como e em que medida a tese
da relaccedilatildeo juriacutedica ambiental continuativa pode ser utilizada como funda-
mento da decisatildeo do STF no RE nordm 654833 que reconheceu a imprescritibili-
dade da pretensatildeo civil de dano ambiental O trabalho utilizou pesquisa de
natureza qualitativa com fontes bibliograacuteficas e por meio do meacutetodo indutivo
e estudo de caso analisou caso do STF para analisar se a relaccedilatildeo juriacutedica con-
tinuativa como fundamento da imprescritibilidade do dano ambiental pode
ser extraiacuteda da argumentaccedilatildeo da decisatildeo da Corte
O trabalho estaacute dividido em trecircs partes aleacutem da introduccedilatildeo e das con-
sideraccedilotildees finais Em um primeiro momento seraacute analisada como se deu a
evoluccedilatildeo do Estado de Direito Ambiental para o Estado de Direito Ecoloacutegico
a partir de rupturas necessaacuterias frente a crise ecoloacutegica Em seguida apre-
senta-se o pensamento complexo como vieacutes epistemoloacutegico para interpreta-
ccedilatildeo dos danos ambientais pelo Direito evidenciando a questatildeo dos danos e
da responsabilidade civil preventiva bem como a relaccedilatildeo juriacutedica ambiental
continuativa Por fim o trabalho analisa o RE que tratou da imprescritibilidade
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
169
da pretensatildeo civil de dano ambiental sob o foco da relaccedilatildeo juriacutedica ambien-
tal continuativa
111 DO ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL PARA O ESTADO DE
DIREITO ECOLOacuteGICO
rupturas necessaacuterias frente a crise ecoloacutegica
Os recursos naturais foram utilizados pelo homem durante seacuteculos de
maneira ilimitada e utilitarista para fomentar o poder e a economia de na-
ccedilotildees notadamente focadas no pensamento desenvolvimentista de teor claacutes-
sico O homem explora a natureza sem se dar conta de que eacute parte dela
prejudicando o meio que o cerca e a si mesmo A concentraccedilatildeo da popula-
ccedilatildeo e a escalada de aglomeraccedilatildeo foram propiciando maior velocidade de
extraccedilatildeo dos recursos e fazendo com que o consumo dos insumos naturais
fosse cada vez mais acelerado A intervenccedilatildeo abusiva do homem desrespeita
os ciclos da natureza sem lhe dar tempo e condiccedilotildees para recomposiccedilatildeo
Nessa toada o crescimento das necessidades de mateacuterias-primas e de ener-
gia para atender agraves demandas de produccedilatildeo e de consumo crescentes com-
promete os limites fiacutesicos do Planeta pondo em risco o meio ambiente saudaacute-
vel e equilibrado
A crise ecoloacutegica deflagrada com o desenvolvimento da tecnociecircncia
do incremento industrial e das formas de organizaccedilatildeo e gestatildeo econocircmica
das sociedades gera conflitos com a qualidade de vida (LEITE AYALA 2020
p 9) e riscos Assim a sociedade atual caracterizada por Beck como socie-
dade de risco tem pilares trecircmulos devido aos perigos e riscos advindos do
desenvolvimento industrial e tecnoloacutegico (BECK 2011 p 13) Os riscos satildeo de
vaacuterias dimensotildees (sociais econocircmicos ambientais) satildeo transfronteiriccedilos e
marcados pela inseguranccedila e incerteza A pluralidade de riscos criada pela
sociedade eacute muitas vezes absorvida pela proacutepria natureza ou controlada por
alguns de seus mecanismos Para Beck eacute possiacutevel a identificaccedilatildeo do iniacutecio das
cataacutestrofes ambientais mas difiacutecil eacute determinar seu fim (BECK 1995 p 61)
As alteraccedilotildees fiacutesicas no entorno na natureza e no Planeta confirmam o
cenaacuterio apontado pela teoria da era do Antropoceno Referida teoria desen-
volvida pelo cientista Paul Crutzen afirma que o modo como o ser humano
passou a lidar com o meio ambiente ensejou alteraccedilotildees nos aspectos naturais
do Planeta inaugurando mais uma era geoloacutegica como resultado da interfe-
recircncia humana na dinacircmica da Terra a chamada Era do Homem ou Antro-
poceno um novo periacuteodo em que se evidencia a relaccedilatildeo de interdependecircn-
cia da natureza com a sociedade como geradora dos impactos ambientais
no clima na composiccedilatildeo atmosfeacuterica e no ritmo de extinccedilatildeo de espeacutecies
(CRUTZEN 2002 p 23)
Percebe-se que a crise ecoloacutegica atual eacute fruto de uma racionalidade
utilitarista da natureza e preocupada principalmente com o crescimento
econocircmico A ideia de que o meio ambiente eacute um instrumento agrave disposiccedilatildeo
do ser humano e dos interesses do mercado fundamenta um paradigma que
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
170
precisa ser reconstituiacutedo (LEFF 2006 p 129) Nesse tipo de concepccedilatildeo positi-
vista tecnicista estatildeo excluiacutedas as inquietaccedilotildees relacionadas ao sentido e ao
valor de tudo o que circunda a vida Os problemas como extinccedilatildeo de espeacute-
cies da flora e da fauna poluiccedilatildeo da aacutegua do solo e do ar e doenccedilas que
afetam a sauacutede satildeo consequecircncia de uma racionalidade claacutessica em que os
homens satildeo os senhores e possuidores da natureza A preservaccedilatildeo de um am-
biente sadio entretanto estaacute ligada agrave continuidade de vida na Terra vida em
todas as suas modalidades uma vez que os danos agrave natureza atingem a vida
humana da atual geraccedilatildeo e a de todos os seres vivos em caraacuteter intergeraci-
onal A natureza fala (AKATU on line) Um novo modelo de sociedade e de
Estado clama pela integraccedilatildeo das questotildees ecossistecircmicas em sua base
O Direito como instrumento indutor de mudanccedilas sociais por intermeacute-
dio de mecanismos proacuteprios tem criado em diversos paiacuteses normas de prote-
ccedilatildeo ambiental sob a influecircncia tambeacutem de muitos dos movimentos internaci-
onais ambientalistas e da doutrina ambiental estimulando a adoccedilatildeo de nor-
mas protetivas pelos Estados
Assim o direito constitucional brasileiro vigente foi constituiacutedo a partir de
um paradigma preponderantemente antropocecircntrico de proteccedilatildeo juriacutedica
do meio ambiente Essa perspectiva de anaacutelise das questotildees ambientais en-
tretanto tolera os danos Ela eacute operacionalizada atraveacutes do controle de litiacutegios
e de gestatildeo de juridicidade do dano consumado dentro de uma loacutegica de
apropriaccedilatildeo da natureza com uma base civilista e que natildeo respeita os valores
ecoloacutegicos Tem uma base legalista fortemente influenciada pelas forccedilas eco-
nocircmicas dominantes e uma base civilista que apesar de se fundamentar em
valores como o da dignidade da pessoa humana se volta a preceitos mera-
mente patrimonialistas Com tudo isso o Direito ambiental vigente natildeo tem
sido suficientemente apto para reverter o cenaacuterio de destruiccedilatildeo progressiva
da natureza Percebe-se a existecircncia de uma lacuna das normas ambientais
para a realidade refletindo verdadeira discrepacircncia entre o que estaacute posto e
o que tem sido efetivamente concretizado Eacute o estado teatral descrito por Ben-
jamin em que a lei por si soacute natildeo se resolve O Estado teatral apenas regulador
precisa ser um estado implementador (BENJAMIN 2010) O paradigma atual
eacute dicotocircmico e natildeo condiz com a concepccedilatildeo da ciecircncia contemporacircnea
que sobreleva os limites ecoloacutegicos em perspectiva global Natildeo haacute necessi-
dade de produccedilatildeo de mais normas mas sim de uma interpretaccedilatildeo mais inter-
conectada com as questotildees em prol do bem estar ambiental Haacute ainda ne-
cessidade de uma nova eacutetica global ecoloacutegica e que alcance outros seres
natildeo humanos (JONAS 2006)
De tal forma a ecologizaccedilatildeo do Direito se funda em uma preacute-compre-
ensatildeo da complexidade social e ecossistecircmica para a proteccedilatildeo da natureza
conhecendo os objetivos de uma sustentabilidade mais forte e proteccedilatildeo dos
serviccedilos ecoloacutegicos essenciais internalizando os custos das externalidades ne-
gativas em escala planetaacuteria O Direito Ecoloacutegico pressupotildee proteccedilatildeo dos va-
lores intriacutensecos da natureza respeitando o direito de todos os seres vivos fora
de uma abordagem do capital extremado e da loacutegica do hiperconsumo que
afeta vulneraacuteveis inclusive os proacuteprios seres humanos (LEITE AYALA 2020)
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
171
Patente a necessidade de construccedilatildeo de uma nova racionalidade tam-
beacutem juriacutedica que busque alinhar uma Epistemologia ambiental a partir da
complexidade ressalte-se sem a pretensatildeo de excluir o pensamento tradicio-
nal mas como forma de complementaacute-lo e contribuir de alguma forma para
o Direito Ecoloacutegico
112 O PENSAMENTO COMPLEXO COMO VIEacuteS EPISTEMOLOacuteGICO
PARA INTERPRETACcedilAtildeO DOS DANOS AMBIENTAIS PELO DIREITO
A crise ambiental revela a complexidade em seus limites pela sua ne-
gatividade pela alienaccedilatildeo e pela ldquoincerteza do mundo economizado que foi
arrastado por um processo incontrolaacutevel e insustentaacutevel de produccedilatildeordquo (LEFF
2010 p16)
Nessa ordem de ideias constata-se que os problemas do homem con-
temporacircneo necessitam de uma nova perspectiva harmonizadora com o
meio em que se vive Faz-se necessaacuterio repensar a realidade da crise ambien-
tal ante agraves incertezas da Poacutes-Modernidade e da Sociedade de Risco como
propotildee Edgar Morin por intermeacutedio dos princiacutepios por ele idealizados pela Te-
oria do Complexus Para o autor o Pensamento Complexo abrange princiacutepios
de disjunccedilatildeo de conjunccedilatildeo e de implicaccedilatildeo e dessa forma o conhecimento
passa a ser construiacutedo por intermeacutedio de loacutegicas de complementaccedilatildeo e ex-
clusatildeo gerando ordem e desordem reconhecendo ainda a relaccedilatildeo de in-
terdependecircncia entre causas e consequecircncias (PAacuteDUA MATALLO JR 2008
p 24)
A complexidade almeja o conhecimento multidimensional respeitando
as dimensotildees do objeto estudado articulando as informaccedilotildees com outras dis-
ciplinas com a consciecircncia de que nem tudo estaacute pronto e acabado Admi-
tindo a incerteza referida teoria se caracteriza por um processo de descons-
truccedilatildeo e reconstruccedilatildeo do pensamento como tentativa de compreensatildeo de
suas causas analisando os erros das certezas do mundo (LEFF 2010 p16) Pelo
fato de natildeo se propor agrave apresentaccedilatildeo de uma resposta absoluta propotildee a
articulaccedilatildeo o relacionamento e conexatildeo de fatores como um porvir
Vale registrar duas advertecircncias i) a ciecircncia por meio da complexidade
natildeo eacute substituiccedilatildeo da diferenccedila pelo holismo (FOLLONI 2013 p 335) nem cri-
accedilatildeo de um tipo de totalitarismo epistemoloacutegico (MORIN 2005 p 490) ii) o
pensamento complexo natildeo pretende eliminar o pensamento simplista (MO-
RIN 2011 p 6) este continuaraacute a existir e naquilo em que houver incomple-
tude a complexidade auxiliaraacute complementando
A complexidade aplicada agraves relaccedilotildees ecoloacutegicas permite uma anaacutelise
de que determinados fatos satildeo causa e consequecircncia de outros porque
existe uma cadeia infinita de relaccedilotildees envolvendo isso Assim a aplicaccedilatildeo da
complexidade para o estudo do Direito Ambiental pode contribuir para uma
nova racionalidade juriacutedica ambiental A discussatildeo em torno da ciecircncia da
poacutes-modernidade da Sociedade de Risco e da complexidade influenciam di-
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
172
retamente o Direito Ecoloacutegico e este sem duacutevida eacute ontologicamente com-
plexo (BELCHIOR 2017) O paradigma da complexidade eacute nesse sentido re-
levante por natildeo se contentar com a linearidade porque adota princiacutepios que
ligam o conhecimento das partes com o todo valorizam a retroalimentaccedilatildeo
entre causa e efeito e as relaccedilotildees das instituiccedilotildees com o ecossistema a que
pertencem3
O Direito ainda preso a determinados dogmas e instrumentos juriacutedicos
claacutessicos parece ficar a reboque dos riscos ambientais hodiernos natildeo conse-
guindo efetivamente equacionar o equiliacutebrio ambiental Uma nova forma de
encarar os riscos ambientais pode contribuir na construccedilatildeo de outras alterna-
tivas que diminuam as lacunas existentes
Muito pertinente o estudo do Direito Ecoloacutegico sob o vieacutes do Pensa-
mento Complexo significativamente concebido como alternativa de repen-
sar a realidade e rediscutir a ciecircncia e ainda rompendo com a dinacircmica
juriacutedica formal procurar ainda estabelecer um diaacutelogo de saberes entre o ins-
tituto da responsabilidade civil a relaccedilatildeo juriacutedica ambiental continuativa e a
questatildeo da imprescritibilidade da pretensatildeo civil dos danos ambientais
1121 Danos ambientais e responsabilidade civil preventiva
em mateacuteria ambiental
Institutos juriacutedicos inspirados em necessidades interindividuais satildeo aplica-
dos a questotildees ambientais que tecircm consequecircncias difusas Os danos ambien-
tais enfrentados na sociedade de risco do Antropoceno e o fenocircmeno da
ecologizaccedilatildeo do Direito justificam uma comunicaccedilatildeo ecoloacutegica juriacutedica mais
intensa agrave responsabilidade civil
A responsabilidade civil tradicional transportada do Direito claacutessico vis-
lumbra o dano concreto e natildeo considera os riscos e incertezas proacuteprios da
crise ecoloacutegica nem se preocupa com suas origens Benjamin levanta razotildees
para a reconfiguraccedilatildeo do instituto para a prevenccedilatildeo dos danos ambientais
i) o ambiente natildeo eacute mais um recurso inesgotaacutevel e infinito eacute agora conside-
rado criacutetico e escasso por isso valorizado ii) o Direito Puacuteblico apenas usando
3 Cabe registrar resumidamente os sete princiacutepiosdiretivas desenvolvidas por Edgar Morin
cuja leitura pode ser aprofundada em suas diversas obras i) princiacutepio sistecircmico ou organi-
zacional (eacute insuficiente conhecer o todo sem o conhecimento das partes e vice-versa) ii)
princiacutepio hologramaacutetico (cada parte conteacutem a totalidade da informaccedilatildeo do objeto que
representa) iii) princiacutepio do ciacuterculo retroativo (natildeo haacute causalidade linear entre as causas e
os efeitos as causas agem sobre os efeitos e estes naquelas) iv) princiacutepio do ciacuterculo recur-
sivo (o produto e o efeito satildeo os proacuteprios produtores e causadores daquilo que os produz)
v) princiacutepio da autonomiadependecircncia ou princiacutepio ecoorganizacional (cada organismo
organizaccedilatildeo possui dependecircncia com o meio do qual se alimenta e sua autonomia de-
pende disso) vi) princiacutepio dialoacutegico (ordem e desordem se complementam e se excluem
da mesma forma que a existecircncia dos opostos auxiliam na melhor compreensatildeo um do
outro Um precisa do outro para concorrerem e se complementarem) vii) princiacutepio da rein-
troduccedilatildeo do conhecimento (ao se deparar com a problemaacutetica de como conhecer o
homem deve se reestruturar renovando o sujeito que conhece)
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
173
dos mecanismos comando-controle natildeo consegue protegecirc-lo de forma sufi-
ciente iii) apesar dos instrumentais de prevenccedilatildeo e precauccedilatildeo danos sempre
ocorreram em razatildeo do exerciacutecio de atividades iv) natildeo aplicar o instituto tem
um caraacuteter contraditoacuterio porque exonera o poluidor v) a constitucionalizaccedilatildeo
do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o dever de pro-
teccedilatildeo imposto a todos (Puacuteblico e privado) vi) uma maior preocupaccedilatildeo com
a viacutetima nota caracteriacutestica do Estado do Bem-Estar Social (BENJAMIN 1998
p 8-9)
O Direito ecologizado possui uma dimensatildeo mais ecocecircntrica e sistecirc-
mica da proteccedilatildeo ambiental voltada agraves futuras geraccedilotildees Tem ainda uma vi-
satildeo da necessaacuteria interconectividade dos problemas ambientais trata da au-
torregulaccedilatildeo dos processos ecoloacutegicos essenciais que possui leis proacuteprias e in-
dependem da vontade humana Tais premissas fundamentam uma nova re-
formulaccedilatildeo da responsabilidade civil para danos ambientais Por tal motivo os
princiacutepios do Direito Ecoloacutegico propiciam fundamentaccedilatildeo robusta para a for-
maccedilatildeo de um novo paradigma de responsabilizaccedilatildeo civil Referidos princiacutepios
merecem maior aprofundamento e podem ser melhor desenvolvidos em pes-
quisa futura mas interessa no momento listaacute-los princiacutepio da solidariedade
princiacutepio da sustentabilidade princiacutepio da cooperaccedilatildeo internacional princiacute-
pio da prevenccedilatildeo princiacutepio da precauccedilatildeo princiacutepio in dubio pro natura prin-
ciacutepio da informaccedilatildeo princiacutepio da participaccedilatildeo princiacutepio da educaccedilatildeo ambi-
ental princiacutepio do poluidor-pagador e do usuaacuterio-pagador princiacutepio do pro-
tetor-recebedor princiacutepio da gestatildeo integrativa do risco ambiental princiacutepio
da funccedilatildeo socioambiental da propriedade princiacutepio do miacutenimo existencial
ecoloacutegico princiacutepio da proibiccedilatildeo do retrocesso ecoloacutegico
Vale ressaltar que o Programa das Naccedilotildees Unidas para o Meio Ambi-
ente ndash PNUMA ainda em seu primeiro relatoacuterio em 2019 ratificou a existecircncia
de uma gama de normas de proteccedilatildeo ambiental a niacutevel constitucional e in-
fraconstitucional entretanto fraca no que se refere a atitudes efetivas e posi-
tivas para a proteccedilatildeo ambiental em vaacuterios paiacuteses refletindo a ausecircncia de
mecanismos de interrelaccedilatildeo ausecircncia de uma visatildeo sistecircmica e de interco-
nexatildeo entre os setores afetados pelas questotildees ambientais falta de capaci-
dade institucional mais acesso agrave informaccedilatildeo e mais espaccedilo agrave participaccedilatildeo
para que estabeleccedilam mais engajamento dos cidadatildeos (UNEP 2019) Re-
forccedila-se a necessidade de estruturaccedilatildeo de um Estado de Direito com leis mais
adequadas e efetivas que sejam implementadas por instituiccedilotildees confiaacuteveis
mais bem informadas engajadas e interconectadas com uma cultura que pri-
orize o bem ecoloacutegico e valores sociais Tais instrumentos contribuem para a
nova estruturaccedilatildeo da responsabilizaccedilatildeo pelos danos causados ao meio am-
biente mais preventiva precaucional e ecologizada
A realidade da era geoloacutegica do Antropoceno os riscos e as incertezas
proacuteprios dos danos ecoloacutegicos e a necessidade de respeitar a integridade dos
sistemas terrestres confirmam um reinventar do sistema da responsabilizaccedilatildeo
civil Os danos ambientais da atualidade carecem de um sistema especial de
responsabilidade civil ambiental dispensando grau de certeza tatildeo elevado
quanto o exigiacutevel para os danos comuns (BAHIA 2012 p 273) Percebe-se a
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
174
necessidade de uma comunicaccedilatildeo do risco com o Direito a partir da inserccedilatildeo
do futuro na reflexibilidade dos processos de decisatildeo juriacutedica (CARVALHO
2017 p 130) porque a sistematizaccedilatildeo do Direito com foco no passado natildeo
tem sido suficiente para a efetiva defesa do meio ambiente
1122 A relaccedilatildeo juriacutedica ambiental continuativa
Eacute fato que alguns institutos juriacutedicos comportam uma zona cinzenta em
seus conceitos O Direito eacute uma ciecircncia presa agrave questatildeo da previsibilidade dos
fatos e de suas consequecircncias Entretanto quando a doutrina se depara
frente a definiccedilatildeo de meio ambiente se percebe de iniacutecio alguma inconsis-
tecircncia O bem ambiental eacute alvo de alguma indeterminaccedilatildeo e mutabilidade
proacuteprias que demandam do aplicador do Direito um maior esforccedilo herme-
necircutico para a efetivaccedilatildeo das exigecircncias da juridicidade ambiental
Uma interpretaccedilatildeo conjunta dos artigos 3ordm I da Lei nordm 693881 e do 225
da CF88 permitem a compreensatildeo de que o meio ambiente abrange a in-
teraccedilatildeo de tudo o que eacute essencial agrave vida sejam as combinaccedilotildees fiacutesica quiacute-
mica e bioloacutegica seja a relaccedilatildeo entre elementos bioacuteticos e abioacuteticos enfim
todos os fatores naturais ou artificiais mas que satildeo essenciais agrave vida em todas
as suas formas (VIANA 2019 p 104)
Constata-se que os textos legais visam agrave preservaccedilatildeo ao abrigo e agrave
conservaccedilatildeo de todas as modalidades de vida (aspecto teleoloacutegico) sendo
resguardado o equiliacutebrio ecossistecircmico (conjunto de condiccedilotildees leis influecircn-
cias e interaccedilotildees de ordem quiacutemica fiacutesica e bioloacutegica) (RODRIGUES 2016 p
60)
O caput do art 225 da CF88 garante a todos o direito ao meio ambi-
ente ecologicamente equilibrado sendo este um bem de uso comum do
povo Todos entretanto tambeacutem satildeo responsaacuteveis pela sua conservaccedilatildeo e
preservaccedilatildeo para as presentes e futuras geraccedilotildees Identifica-se um direito a
ser tutelado a seus titulares e de igual modo em dever a ser cumprido
O objeto do direito tutelado eacute o meio ambiente ecologicamente equili-
brado (macrobem) que se concretiza quando a funccedilatildeo ecoloacutegica de todos
os microbens (elementos bioacuteticos e abioacuteticos) estiver protegida (RODRIGUES
2016 p 60)
O direito ambiental se circunscreve agrave consciecircncia do risco de finitude e
ao comprometimento da heranccedila legada agraves futuras geraccedilotildees atrelados agrave
responsabilidade do homem atual que tem o dever de garantir a manuten-
ccedilatildeo do bem ambiental (MARIN LUNELLI 2019 p 117)
Os componentes ambientais entretanto natildeo existem apenas para ser-
vir ao homem As agressotildees ao equiliacutebrio ecoloacutegico tambeacutem o afetam pelo
que lhe incumbe o dever de preservar os elementos que compotildeem e intera-
gem para o equiliacutebrio do meio ambiente do qual se ressalte ele proacuteprio eacute
parte (VIANA 2019 p 105)
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
175
Sob tal perspectiva o meio ambiente ecologicamente equilibrado cuja
complexidade eacute um fator natural integra a vida em todas as suas modalida-
des sistemas fatores ligaccedilotildees e conexotildees O meio ambiente eacute um sistema e
deve ser visto como tal na medida em que a indeterminaccedilatildeo e a mutabili-
dade de suas influecircncias endoacutegenas e exoacutegenas fazem com que o meio am-
biente como objeto de uma relaccedilatildeo juriacutedica se vincule aos sujeitos continu-
amente (BELCHIOR 2019 p 199) A relaccedilatildeo juriacutedica ambiental eacute continuativa
porque ela se projeta no tempo sua atuaccedilatildeo se prolonga podendo ainda
se deparar frente a modificaccedilotildees em circunstacircncias de fato ou direito quando
de sua prolaccedilatildeo (BELCHIOR 2019 p 213)
O sistema juriacutedico brasileiro assegura a possibilidade de relaccedilotildees juriacutedi-
cas continuativas como eacute o caso das accedilotildees de alimentos e de relaccedilotildees juriacute-
dicas tributaacuterias e previdenciaacuterias que tecircm como objeto obrigaccedilotildees homogecirc-
neas de trato sucessivo Tais relaccedilotildees satildeo definidas como continuativas pois
se referem a situaccedilotildees que natildeo se resolvem de modo instantacircneo envolvendo
prestaccedilotildees perioacutedicas e que se perpetuam ao longo do tempo desde que as
circunstacircncias do momento permaneccedilam as mesmas e encontram-se previs-
tas no art 505 inciso I da Lei nordm 1310520154 que instituiu o atual Coacutedigo de
Processo Civil (VIANA 2019 p 105)
Entretanto a noccedilatildeo de que a relaccedilatildeo ambiental eacute continuativa impotildee
revisitaccedilatildeo da ideia claacutessica de coisa julgada Assim a decisatildeo proferida em
processo ambiental desde que enfrente o meacuterito (vale dizer o pedido dedu-
zido em juiacutezo) tem aptidatildeo para gerar coisa julgada natildeo apenas formal5 mas
tambeacutem material A coisa julgada material que aiacute se forma contudo estaacute su-
jeita agrave claacuteusula rebus sic stantibus ndash como ocorre por exemplo com as accedilotildees
de alimentos ou com aquelas que dispotildeem a respeito da guarda de crianccedilas
e adolescentes Importa dizer que a decisatildeo judicial eacute insusceptiacutevel de revisatildeo
enquanto permanecerem as circunstacircncias de fato que ensejaram a sua pro-
4 De acordo com o art 505 inciso I da Lei nordm 13105 ldquoArt 505 Nenhum juiz decidiraacute nova-
mente as questotildees jaacute decididas relativas agrave mesma lide salvo I ndash se tratando-se de relaccedilatildeo
juriacutedica continuativa sobreveio modificaccedilatildeo no estado de fato ou de direito caso em que
poderaacute a parte pedir a revisatildeo do que foi estatuiacutedo na sentenccedilardquo
5 Tem-se por coisa julgada formal a impossibilidade de revisatildeo nos mesmos autos da deci-
satildeo que colocou fim agrave relaccedilatildeo processual por jaacute natildeo haver a possibilidade da utilizaccedilatildeo
de qualquer recurso A noccedilatildeo eacute usualmente associada apenas agraves decisotildees que natildeo en-
frentam o meacuterito A visatildeo eacute parcialmente equivocada Toda decisatildeo que potildee fim agrave relaccedilatildeo
processual e que jaacute natildeo desafia recurso faz coisa julgada formal Aquelas nas quais natildeo
houve exame de meacuterito fazem coisa julgada apenas formal Jaacute nos casos de decisotildees de
meacuterito a coisa julgada produzida eacute tanto formal quanto material (vale dizer natildeo haacute possi-
bilidade de revisatildeo da decisatildeo proferida nem naqueles nem em outros autos ndash ressalvada
por evidente a hipoacutetese de accedilatildeo rescisoacuteria) A respeito dos conceitos referidos veja-se
DIDIER JUacuteNIOR Fredie BRAGA Paula Sarno OLIVEIRA Rafael Alexandria de Curso de Di-
reito Processual Civil teoria da prova direito probatoacuterio accedilotildees probatoacuterias decisatildeo pre-
cedente coisa julgada e antecipaccedilatildeo dos efeitos da tutela 10 ed Salvador Jus Podvm
2015 p 516-518
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
176
laccedilatildeo De outro giro havendo alteraccedilatildeo na situaccedilatildeo de fato eacute possiacutevel revi-
satildeo daquilo que se decidiu ainda que por accedilatildeo proacutepria assim como eacute o caso
de accedilotildees de revisatildeo de alimentos ou de guarda (VIANA 2019 p 106)
Nas demandas ambientais continuativas por sua natureza vale racio-
ciacutenio semelhante A alteraccedilatildeo da circunstacircncia de fato apta a ensejar revisi-
taccedilatildeo da decisatildeo materialmente transitada em julgado pode decorrer da
constataccedilatildeo de que consequecircncias da conduta ambientalmente indesejaacutevel
somente puderam ser detectadas muito depois do tracircnsito em julgado da
accedilatildeo que visou a coibi-las seja porque tais consequecircncias somente foram co-
nhecidas posteriormente seja porque somente evoluccedilotildees ulteriores de novos
aportes tecnoloacutegicos permitiram sua detecccedilatildeo Torna-se assim preponderante
o reexame da questatildeo jaacute decidida sob pena de frustrar a proteccedilatildeo ao meio
ambiente (VIANA 2019 p 107)
Vale frisar que natildeo se trata de falar em ldquorelativizaccedilatildeo da coisa julgadardquo
O desenvolvimento de tal raciociacutenio eacute de revisitaccedilatildeo da coisa julgada face a
instabilidade e a verossimilhanccedila proacuteprias do bem ambiental que natildeo permite
engessamento do feito em razatildeo de ponderaccedilotildees argumentativas (MARIN
LUNELLI 2019 p 117)
A noccedilatildeo de racionalismo estaacutetico empregado ao modo de produccedilatildeo
do Direito padronizado e repetidor com vistas agrave normatizaccedilatildeo das decisotildees e
diminuiccedilatildeo das demandas processuais natildeo se coaduna ao caraacuteter transtem-
poral transfronteiriccedilo transdisciplinar e imprevisiacutevel das funccedilotildees ecoloacutegicas
Fatos novos alteraccedilotildees das circunstacircncias constataccedilatildeo de consequecircncias
posteriores agrave prolaccedilatildeo da sentenccedila novos aportes tecnoloacutegicos para aferi-
ccedilatildeo de danos justificam a utilizaccedilatildeo da claacuteusula rebus sic stantibus para revisi-
taccedilatildeo da coisa julgada em processos que envolvam o meio ambiente
A relaccedilatildeo juriacutedica ambiental por seu caraacuteter continuativo natildeo se res-
tringe a um indiviacuteduo apenas mas sim a sociedade a coletividade como um
todo Ela tambeacutem natildeo se esvai a um territoacuterio ou a um lugar apenas mas a
regiotildees Ademais natildeo se pode restringi-la ao momento do dano suas conse-
quecircncias podem vir a ser prolatadas no tempo Justifica-se a discussatildeo sobre
importante assunto para a doutrina ambiental a imprescritibilidade da pre-
tensatildeo civil em mateacuteria de danos ao meio ambiente como foi o caso de re-
cente julgado da jurisprudecircncia brasileira
113 A IMPRESCRITIBILIDADE DA PRETENSAtildeO CIVIL DE DANO
AMBIENTAL
anaacutelise do RE nordm 654833 do STF
A jurisprudecircncia eacute fundamental na solidificaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo dos desa-
fios enfrentados pelo Direito ecologizado Diante da realidade das demandas
que lhes satildeo apresentadas eacute papel dos juiacutezes e dos tribunais nacionais realiza-
rem a praacutetica reconstrutiva de sentidos miacutenimos com o intuito de efetivaccedilatildeo
de estruturas juriacutedico-racionais de legitimaccedilatildeo de determinaccedilatildeo de argu-
mentaccedilatildeo e de fundamentaccedilatildeo De forma ousada e criativa juristas tecircm se
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
177
libertado das amarras cartesianas e tecircm passado a lidar com as demandas
ecoloacutegicas demonstrando certo aprofundamento na interpretaccedilatildeo pelo vieacutes
da complexidade
O caso especiacutefico do RE nordm 654833 trata de Accedilatildeo Civil Puacuteblica ajuizada
pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal (MPF) em face de pessoas fiacutesicas e juriacutedicas ob-
jetivando a reparaccedilatildeo de danos materiais morais e ambientais decorrentes
de invasotildees em aacuterea indiacutegena ocupada pela comunidade Ashaninka-Kampa
do Rio Amocircnia situada no Acre as quais ocorreram entre os anos de 1981 a
1987 com a finalidade de extrair ilegalmente madeira de elevado valor de
mercado (mogno cedro e cerejeira) A accedilatildeo contou com a participaccedilatildeo da
Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (Funai) no polo ativo da lide
Na sentenccedila de primeira instacircncia os reacuteus foram condenados ao paga-
mento de valores a tiacutetulo indenizatoacuterio em razatildeo de quatro motivos o prejuiacutezo
material causado pela ldquogarimpagemrdquo iliacutecita de madeira nas terras da referida
comunidade indiacutegena durante o periacuteodo de 1981 a 1982 no tocante agrave ma-
deira extraiacuteda entre 1985 e 1987 por conta de danos morais em favor da co-
munidade indiacutegena Ashaninka-Kampa os quais deveriam ser geridos pela Fu-
nai e sob a fiscalizaccedilatildeo do MPF e outro valor a ser repassado ao Fundo de
Defesa de Direitos Difusos para custear a recomposiccedilatildeo ambiental Niacutetida po-
reacutem a associaccedilatildeo linear do instituto da responsabilidade civil agrave indenizaccedilatildeo
em pecuacutenia Foram interpostos recursos de apelaccedilatildeo com alegaccedilatildeo de pres-
criccedilatildeo da reparaccedilatildeo civil pelos danos ambientais de fatos ocorridos haacute tanto
tempo (anos 80) mas que natildeo prosperaram face decisatildeo do Tribunal Regional
Federal
Em instacircncia seguinte apoacutes interposiccedilatildeo de REsp para o STJ foi reco-
nhecida a imprescritibilidade da reparaccedilatildeo civil do dano ambiental (REsp
1120117-AC Rel Min Eliana Calmon) Por conta desta decisatildeo eacute que foi in-
terposto o RE nordm 654833 onde se alega que os fatos ensejadores da ACP ajui-
zada pelo MPF satildeo anteriores agrave promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 de-
vendo ser desconsiderada a loacutegica da imprescritibilidade e aplicado o prazo
prescricional de cinco anos previsto na Lei da Accedilatildeo Popular Nesse sentido
requereu-se subsidiariamente o reconhecimento da imprescritibilidade ape-
nas da reparaccedilatildeo do dano ao meio ambiente por se tratar de direito funda-
mental indisponiacutevel afastando-se a tese quanto agraves verbas indenizatoacuterias de
natureza patrimonial e moral
O Ministro Alexandre de Moraes reconhecendo a repercussatildeo geral do
tema afirmou em seu voto que ldquoa repercussatildeo geral inserta na controveacutersia eacute
indiscutiacutevel seja sob o acircngulo juriacutedico econocircmico ou social devido ao seu
impacto na seara das relaccedilotildees juriacutedicas as quais tecircm por pano de fundo a
pretensatildeo agrave reparaccedilatildeo civil cuja causa de pedir derive de danos causados
ao meio ambienterdquo (STF on line)
O acoacuterdatildeo relativo ao julgamento em questatildeo eacute motivo de comemora-
ccedilatildeo para aqueles que lutam em prol do meio ambiente A alegaccedilatildeo de se-
guranccedila juriacutedica processual e constitucional fatos consumados que funda-
mentam o paradigma claacutessico de coisa julgada natildeo podem ser aplicados aos
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
178
casos de e responsabilizaccedilatildeo civil por danos ao meio ambiente Em face das
propriedades de irreversibilidade cumulatividade indivisibilidade ubiquidade
e reflexibilidade dos danos ambientais os criteacuterios de tempo e espaccedilo preci-
sam ser ponderados de forma diferenciada das demandas que envolvem os
danos tradicionais A tese discutida no julgado perpassa pela ponderaccedilatildeo en-
tre os princiacutepios da seguranccedila juriacutedica que beneficia o autor do dano ambi-
ental diante da ineacutercia do Poder Puacuteblico e os princiacutepios constitucionais de pro-
teccedilatildeo preservaccedilatildeo e reparaccedilatildeo do meio ambiente que beneficiam toda a
coletividade
As lesotildees tradicionais afetam as pessoas suas personalidades ou ainda
interesses e bens particulares Na anaacutelise dos danos ambientais as consequecircn-
cias recaem sobre interesses difusos ou bens da coletividade ou de uso co-
mum do povo As lesotildees tradicionais satildeo atuais e locais Jaacute as ambientais se
apresentam em outra perspectiva podem ser futuras eventuais ou ainda cu-
mulativas entre geraccedilotildees Podem vir a ser ainda geograficamente distintas
como tambeacutem transfronteiriccedilas
O meio ambiente caracteriza-se pela interdependecircncia de seus ele-
mentos Nessa senda a alteraccedilatildeo de um elemento pode comprometer todo
o equiliacutebrio do sistema e desencadear efeitos gradativos do todo
O meacutetodo epistemoloacutegico da complexidade como proposta para uma
nova racionalidade juriacutedica para o Direito Ambiental pretende estudar a rea-
lidade dos elementos do meio ambiente sem excluir as partes do todo e ana-
lisar o todo como um conjunto das partes considerando ainda suas interaccedilotildees
mediante causalidade muacuteltipla e interconectada
Os danos ambientais possuem caraacuteter fluido muitas de suas consequecircn-
cias iratildeo se refletir muito tempo depois ateacute porque o meio ambiente tem a
capacidade de saturar um pouco de seus efeitos nocivos Alegar que o
tempo passou e que o Direito natildeo alberga a responsabilizaccedilatildeo de determina-
das danosidades natildeo serve para a proteccedilatildeo ambiental e natildeo caracteriza
uma justificativa firme Ademais eventuais ganhos financeiros decorrentes da
atividade econocircmica por mais vultosos que sejam natildeo autorizam degrada-
ccedilatildeo ambiental A responsabilidade civil ambiental em face da complexidade
da vida moderna e da multiplicidade de fatos catastroacuteficos demanda que
aquele que danifica o meio ambiente assuma o dever juriacutedico de reparaacute-lo
integralmente com base em princiacutepios de justiccedila e de equidade pois o bem
ambiental eacute bem juriacutedico fundamental (PEREIRA SILVA 2020 p 78) Argumen-
tos desse jaez natildeo merecem guarida porque de fato os danos ambientais natildeo
satildeo facilmente mensurados como se faz com os objetos de mercado Analisaacute-
los sob o criteacuterio econocircmico generaliacutestico e comumente aplicado agraves outras
espeacutecies de danos eacute impossiacutevel
O RE nordm 654833 por tratar do tema 999 com repercussatildeo geral foi jul-
gado em seu meacuterito e firmou a seguinte tese Eacute imprescritiacutevel a pretensatildeo de
reparaccedilatildeo civil de dano ambiental
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
179
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
No acircmbito da Ciecircncia parece que a doutrina se mostra sensiacutevel aberta
e comprometida com a necessidade de um novo saber e com outra maneira
de pensar o Direito Ambiental A previsatildeo normativa e o embasamento dou-
trinaacuterio entretanto nem sempre satildeo suficientes pois a eficaacutecia social da
norma juriacutedica eacute condicionada muitas vezes aos aplicadores do Direito Am-
biental aqui incluindo os magistrados e os administradores puacuteblicos em geral
A atenccedilatildeo maior poreacutem eacute voltada para a jurisprudecircncia que pode (e deve)
exercer uma tarefa fundamental na solidificaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo de todas as
peculiaridades do Direito Ambiental
Eacute preciso estar aberto ao novo com responsabilidade do pesquisador
do Direito e em especial do Direito Ambiental cuja complexidade eacute um fator
natural jaacute impregnado ao seu objeto de estudo o meio ambiente equilibrado
o qual integra a vida em todas as suas maneiras sistemas fatores ligaccedilotildees e
conexotildees
O meio ambiente eacute um sistema eacute deve ser visto como tal A indetermi-
naccedilatildeo e mutabilidade de suas influecircncias endoacutegenas e exoacutegenas fazem com
que o meio ambiente como objeto da relaccedilatildeo juriacutedica se vincule aos sujeitos
continuadamente sendo portanto a relaccedilatildeo juriacutedica ambiental continua-
tiva
Percebe-se claramente que natildeo basta a mera importaccedilatildeo dos institutos
claacutessicos da responsabilidade civil ao Direito Ambiental Em virtude de todas
as caracteriacutesticas peculiares do dano ambiental desenvolvidas ao longo deste
trabalho admitir a sua prescritibilidade eacute ir agrave contramatildeo de toda a evoluccedilatildeo
teoacuterica e jurisprudencial do Direito Ambiental Eacute um retrocesso ao positivismo
juriacutedico duro e com miopia social Eacute tornar a responsabilidade civil por dano
ambiental um instrumento simboacutelico e inoacutecuo
Imprescritibilidade do direito agrave reparaccedilatildeo do dano ambiental todavia
estaacute diretamente relacionada agrave sua relaccedilatildeo juriacutedica Ao considerar que a re-
laccedilatildeo juriacutedica ambiental eacute continuativa eacute indiscutiacutevel que a ideia de prescri-
ccedilatildeo assume outra configuraccedilatildeo A norma juriacutedica processual traz uma hipoacute-
tese de incidecircncia com os conceitos orientadores para a relaccedilatildeo juriacutedica con-
tinuativa modificaccedilatildeo no estado de fato ou de direito Direito natildeo estaacute limi-
tado agrave norma norma tampouco estaacute limitada ao texto A dialoacutegica da com-
plexidade soacute veio a confirmar a elaboraccedilatildeo do sentido que a interpretaccedilatildeo
concede ao Direito
Modificando-se os fatos que datildeo ensejo agrave relaccedilatildeo continuativa abre-
se a possibilidade de propositura de outra accedilatildeo com elementos distintos
(nova causa de pedir e novo pedido) A coisa julgada natildeo pode impedir a
rediscussatildeo do tema por fatos supervenientes ao tracircnsito em julgado ateacute por-
que a eficaacutecia preclusiva soacute atinge aquilo que foi deduzido ou poderia ter sido
deduzido pela parte agrave eacutepoca
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
180
Como se vecirc o entendimento do STF estaacute em sintonia com o pensa-
mento complexo o que contribui para o amadurecimento da temaacutetica no
acircmbito da jurisprudecircncia brasileira
REFEREcircNCIAS
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182
AVALIACcedilAtildeO DE IMPACTO AMBIENTAL
NO BRASIL E NO AcircMBITO
INTERNACIONAL
similaridades e contribuiccedilotildees
Joana Cordeiro Brandatildeo1
Liliane de Freitas Leite2
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 121 Consideraccedilotildees gerais sobre avaliaccedilatildeo
de impacto ambiental (AIA) na legislaccedilatildeo brasileira 122 Avaliaccedilatildeo
de impacto ambiental no acircmbito internacional 123 A avaliaccedilatildeo de
impacto ambiental sob a oacuteptica da complexidade Consideraccedilotildees
finais Referecircncias
INTRODUCcedilAtildeO
Este trabalho pretende desenvolver a temaacutetica a respeito da avaliaccedilatildeo
de impacto ambiental explanando seu conceito origem legislaccedilatildeo aleacutem de
analisar de modo mais abrangente a expansatildeo no acircmbito internacional do
referido instrumento Destaca-se o estudo da avaliaccedilatildeo de impacto ambien-
tal sob a oacuteptica da complexidade Partindo-se do seguinte questionamento
como e em que medida o estudo da avaliaccedilatildeo de impacto ambiental no
acircmbito internacional pode contribuir para a avaliaccedilatildeo de impacto ambiental
no Brasil com base no paradigma da complexidade
Justifica-se o desenvolvimento do tema em razatildeo da atual relevacircncia e
repercussatildeo dos impactos ambientais no mundo Observada a busca para
tentar proteger o meio ambiente da degradaccedilatildeo ambiental e a importacircncia
da avaliaccedilatildeo de impacto ambiental para tentar prevenir e minimizar os danos
que o ser humano causa ao meio ambiente quando deve entatildeo preservaacute-lo
Importa tambeacutem a anaacutelise de como o processamento das avaliaccedilotildees de im-
pacto ambiental de outros paiacuteses podem contribuir para a melhor efetivaccedilatildeo
desta no sistema brasileiro ressaltando-se as diferenccedilas e semelhanccedilas entre
os paiacuteses
Para tanto utilizou-se a metodologia hipoteacutetico-dedutivo bem como as
pesquisas bibliograacutefica e teoacuterica na qual o primeiro toacutepico trata das conside-
1 Graduanda em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Membro do
grupo de pesquisa Ecomplex direito complexidade e meio ambiente da UNI7CE
E-mail joanacbrandao16gmailcom
2 Mestre em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Membro do grupo de
pesquisa Ecomplex direito complexidade e meio ambiente da UNI7CE
E-mail lilianefladvgmailcom
12
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
183
raccedilotildees gerais sobre avaliaccedilatildeo de impacto ambiental (AIA) na legislaccedilatildeo bra-
sileira o segundo sobre Avaliaccedilatildeo de impacto ambiental no acircmbito interna-
cional e o terceiro como a avaliaccedilatildeo de impacto ambiental sob a oacuteptica da
complexidade
121 CONSIDERACcedilOtildeES GERAIS SOBRE AVALIACcedilAtildeO DE IMPACTO
AMBIENTAL (AIA) NA LEGISLACcedilAtildeO BRASILEIRA
Segundo Bim (2018) os estudos ambientais ou avaliaccedilotildees de impacto
ambiental satildeo importantes mecanismos capazes de mensurar o impacto am-
biental e orientar o processo decisoacuterio ambiental Ressaltando-se que a finali-
dade desses estudos eacute analisar a viabilidade ambiental e a maneira de mino-
rar esse impacto
Ainda sobre impacto ambiental Silva (2010) explica que a degradaccedilatildeo
do meio ambiente ocorre consciente ou inconscientemente seja destruindo
os elementos que o integram seja com a contaminaccedilatildeo por meio de subs-
tacircncias que modifiquem a sua qualidade Portanto denomina-se impacto
essa accedilatildeo humana sobre o meio ambiente que pode alterar a sua estrutura e
sua qualidade profundamente ou natildeo
Assim entende-se como impacto ambiental toda accedilatildeo predatoacuteria que
promova alteraccedilotildees no meio ambiente Silva (2010) acentua que esse con-
ceito se baseia na ideia de poluiccedilatildeo mas outras causas devem ser conside-
radas como o corte de aacutervores escavaccedilotildees extraccedilatildeo de mineacuterios aterros
dentre outros Contudo a definiccedilatildeo especiacutefica de impacto ambiental estaacute na
Resoluccedilatildeo nordm 0011986 do CONAMA art 1ordm3 Destaca-se portanto a utilidade
dos estudos de impacto ambiental os quais possuem o objetivo de identificar
e avaliar as alteraccedilotildees que possam ocorrer para a implementaccedilatildeo do empre-
endimento Entende-se como sendo um meio de atuaccedilatildeo estatal preventiva
com o intuito de evitar danos ao meio ambiente
A AIA eacute um instrumento de prevenccedilatildeo que atua como mecanismo de
controle preacutevio das atividades lesivas ao meio ambiente (ANTUNES 2014)
Com isso evidencia-se a sua importacircncia para o direito do ambiente pois
materializa o princiacutepio da prevenccedilatildeo em um procedimento de avaliaccedilatildeo no
qual se consubstancia o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) Sendo assim
serve para avaliar qual o grau de impacto e poluiccedilatildeo ao meio ambiente que
aquele empreendimento puacuteblico ou privado iraacute ou poderaacute causar ainda
3 Artigo 1ordm - Para efeito desta Resoluccedilatildeo considera-se impacto ambiental qualquer altera-
ccedilatildeo das propriedades fiacutesicas quiacutemicas e bioloacutegicas do meio ambiente causada por qual-
quer forma de mateacuteria ou energia resultante das atividades humanas que direta ou indi-
retamente afetam
I - a sauacutede a seguranccedila e o bem-estar da populaccedilatildeo
II - as atividades sociais e econocircmicas
III - a biota
IV - as condiccedilotildees esteacuteticas e sanitaacuterias do meio ambiente
V - a qualidade dos recursos ambientais
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
184
quando o empreendimento se encontra na fase de projeto A AIA eacute uma fase
do procedimento para chegar agrave Declaraccedilatildeo de Impacto Ambiental (DIA) e
posteriormente para a licenccedila ambiental Apesar de ser uma fase a AIA eacute
requerida e deve ser realizada a menos que esteja previsto em lei sua natildeo
realizaccedilatildeo em determinados casos
Cumpre destacar que a AIA eacute um dos instrumentos da Poliacutetica Nacional
do Meio Ambiente4 Lei nordm 69381981 A referida lei destina-se a promover a
compatibilizaccedilatildeo entre o desenvolvimento econocircmico e a preservaccedilatildeo do
meio ambiente almejando-se o equiliacutebrio ecoloacutegico sendo este tambeacutem um
dos seus principais objetivos5
4 Art 9ordm - Satildeo instrumentos da Poliacutetica Nacional do Meio Ambiente
I - o estabelecimento de padrotildees de qualidade ambiental
II - o zoneamento ambiental
III - a avaliaccedilatildeo de impactos ambientais
IV - o licenciamento e a revisatildeo de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras
V - os incentivos agrave produccedilatildeo e instalaccedilatildeo de equipamentos e a criaccedilatildeo ou absorccedilatildeo de
tecnologia voltados para a melhoria da qualidade ambiental
VI - a criaccedilatildeo de reservas e estaccedilotildees ecoloacutegicas aacutereas de proteccedilatildeo ambiental e as de
relevante interesse ecoloacutegico pelo Poder Puacuteblico Federal Estadual e Municipal
VI - a criaccedilatildeo de espaccedilos territoriais especialmente protegidos pelo Poder Puacuteblico federal
estadual e municipal tais como aacutereas de proteccedilatildeo ambiental de relevante interesse eco-
loacutegico e reservas extrativistas
VII - o sistema nacional de informaccedilotildees sobre o meio ambiente
VIII - o Cadastro Teacutecnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental
IX - as penalidades disciplinares ou compensatoacuterias ao natildeo cumprimento das medidas ne-
cessaacuterias agrave preservaccedilatildeo ou correccedilatildeo da degradaccedilatildeo ambiental
X - a instituiccedilatildeo do Relatoacuterio de Qualidade do Meio Ambiente a ser divulgado anualmente
pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovaacuteveis - IBAMA
XI - a garantia da prestaccedilatildeo de informaccedilotildees relativas ao Meio Ambiente obrigando-se o
Poder Puacuteblico a produziacute-las quando inexistentes
XII - o Cadastro Teacutecnico Federal de atividades potencialmente poluidoras eou utilizadoras
dos recursos ambientais
XIII - instrumentos econocircmicos como concessatildeo florestal servidatildeo ambiental seguro am-
biental e outros
5 Art 4ordm - A Poliacutetica Nacional do Meio Ambiente visaraacute
I - agrave compatibilizaccedilatildeo do desenvolvimento econocircmico-social com a preservaccedilatildeo da qua-
lidade do meio ambiente e do equiliacutebrio ecoloacutegico
II - agrave definiccedilatildeo de aacutereas prioritaacuterias de accedilatildeo governamental relativa agrave qualidade e ao equi-
liacutebrio ecoloacutegico atendendo aos interesses da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal dos
Territoacuterios e dos Municiacutepios
III - ao estabelecimento de criteacuterios e padrotildees de qualidade ambiental e de normas relati-
vas ao uso e manejo de recursos ambientais
IV - ao desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias nacionais orientadas para o uso
racional de recursos ambientais
V - agrave difusatildeo de tecnologias de manejo do meio ambiente agrave divulgaccedilatildeo de dados e in-
formaccedilotildees ambientais e agrave formaccedilatildeo de uma consciecircncia puacuteblica sobre a necessidade de
preservaccedilatildeo da qualidade ambiental e do equiliacutebrio ecoloacutegico
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
185
A AIA eacute gecircnero no qual existem demais tipos que podem ser exemplifi-
cados no ordenamento juriacutedico brasileiro como o Estudo de Impacto Ambi-
ental (EIA) O Relatoacuterio Ambiental Preliminar (RAP) o Plano de Recuperaccedilatildeo
de Aacutereas Degradadas (PRAD) e o Plano de Controle Ambiental (PCA) (CO-
DONHO VIEGAS 2015)
Eacute na Lei nordm 69831981 que se encontram as diretrizes o conteuacutedo geral
os objetivos os fins os mecanismos os sistemas e os instrumentos da Poliacutetica
Nacional do Meio Ambiente (PNMA) Segundo Silva (2010) a institucionaliza-
ccedilatildeo da PMNA contribuiu para a promoccedilatildeo de um tratamento global e unitaacuterio
agrave defesa do meio ambiente no Brasil Assim eacute importante considerar que a
PNMA natildeo basta em si mesma faz-se necessaacuteria sua adequaccedilatildeo agraves poliacuteticas
governamentais e ao desenvolvimento sustentaacutevel pois a defesa do meio am-
biente e do equiliacutebrio ecoloacutegico impotildee restriccedilotildees aos meios de produccedilatildeo
Deve-se evitar uma utilizaccedilatildeo acelerada e desmedida dos recursos naturais
observando-se que haacute uma tensatildeo constante entre a preservaccedilatildeo do meio
ambiente e o interesse econocircmico
Com a PMNA houve a sistematizaccedilatildeo de conceitos centrais estruturou-
se oacutergatildeos e entidades destinados agrave proteccedilatildeo ambiental bem como enume-
rou-se instrumentos voltados ao atendimento dos objetivos por ela estabeleci-
dos podendo-se dizer essa legislaccedilatildeo inovou em diversos aspectos (CODO-
NHO VIEGAS 2015)
Compreende-se a PNMA como um marco para a proteccedilatildeo do meio
ambiente e para a promoccedilatildeo da sadia qualidade de vida das presentes e
futuras geraccedilotildees Para isso a referida lei abordou em seu texto definiccedilotildees de
terminologias importantes como inicialmente o conceito de meio ambiente
como sendo ldquoo conjunto de condiccedilotildees leis influecircncias e interaccedilotildees de ordem
fiacutesica quiacutemica e bioloacutegica que permite abriga e rege a vida em todas as suas
formasrdquo (art 3ordm I) Estabeleceu ainda conceitos relevantes para o ordena-
mento juriacutedico contemporacircneo em mateacuteria ambiental como os termos de-
gradaccedilatildeo da qualidade ambiental poluiccedilatildeo poluidor e recursos ambientais
(art3ordm)
Em relaccedilatildeo agrave responsabilidade com as futuras geraccedilotildees Belchior (2017)
assevera o quanto eacute necessaacuterio agrave sociedade admitir e se colocar como sujeito
ativo e passivo do direito-dever de proteccedilatildeo do meio ambiente de modo que
todos tecircm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e por con-
sequecircncia o dever de preservaacute-lo ressaltando-se que a percepccedilatildeo por parte
da sociedade da importacircncia da natureza levaria a uma diminuiccedilatildeo da de-
gradaccedilatildeo ambiental
VI - agrave preservaccedilatildeo e restauraccedilatildeo dos recursos ambientais com vistas agrave sua utilizaccedilatildeo raci-
onal e disponibilidade permanente concorrendo para a manutenccedilatildeo do equiliacutebrio ecoloacute-
gico propiacutecio agrave vida
VII - agrave imposiccedilatildeo ao poluidor e ao predador da obrigaccedilatildeo de recuperar eou indenizar os
danos causados e ao usuaacuterio da contribuiccedilatildeo pela utilizaccedilatildeo de recursos ambientais com
fins econocircmicos
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
186
Diante desse entendimento eacute possiacutevel perceber a relevacircncia da avali-
accedilatildeo de impacto ambiental de caraacuteter teacutecnico devendo atuar de maneira
preventiva aos danos e aos riscos potenciais que determinado empreendi-
mento possa causar ao meio ambiente podendo inclusive observar no acircm-
bito internacional subsiacutedios para a evoluccedilatildeo desse procedimento com a fina-
lidade de atender o objetivo principal que eacute de minimizar os efeitos dos im-
pactos ao meio ambiente
122 AVALIACcedilAtildeO DE IMPACTO AMBIENTAL NO AcircMBITO
INTERNACIONAL
Originariamente falou-se em AIA na Poliacutetica Nacional do Meio Ambi-
ente nos Estados Unidos da Ameacuterica A partir de entatildeo a percepccedilatildeo pela
necessidade dos paiacuteses de cuidar do meio ambiente se disseminou por vaacuterios
paiacuteses inclusive Portugal e Brasil
A legislaccedilatildeo americana foi pioneira pois criou esse instrumento de pla-
nejamento ambiental com a National Environmental Policy Act (NEPA) legis-
laccedilatildeo aprovada pelo Congresso em 1969 entrou em vigor em 1ordm de janeiro
de 1970 e passou a influenciar a elaboraccedilatildeo de normas nesse sentido em todo
o mundo A referida lei exige um maior detalhamento sobre o impacto ambi-
ental de iniciativas do governo federal americano (SANCHEZ 2013)
A primeira vez que se falou do AIA no Brasil foi na Lei de Zoneamento
Industrial Lei nordm 6803 de 2 de julho de 1980 no seu artigo 10 sect 3deg e posterior-
mente com a Lei nordm 6938 de 31 de agosto de 1981 em seu artigo 9 inciso III
A resoluccedilatildeo nordm 11986 do Conselho Nacional do Meio Ambiente ndash CONAMA
define o que eacute e as diretrizes e bases para uso e aplicaccedilatildeo da AIA como
procedimento e ainda traz no caput da resoluccedilatildeo a determinaccedilatildeo da AIA
como um instrumento da Poliacutetica Nacional do Meio Ambiente poreacutem foi com
a Resoluccedilatildeo ndeg 2371997 do CONAMA que realmente se efetivou a AIA Essa
uacuteltima estabelece por exemplo quais satildeo os melhores paracircmetros para a li-
cenccedila ambiental que eacute concedida por ocasiatildeo do licenciamento ambiental
A AIA surgiu em Portugal em 1987 com a primeira Lei de Bases do Ambi-
ente na qual em seu artigo 30deg previu que planos e projetos ou qualquer accedilatildeo
que afetasse o meio ambiente o territoacuterio ou a sauacutede e qualidade de vida
dos cidadatildeos teriam que ser elaborados com preacutevios Estudos de Impacto Am-
biental (EIA) Poreacutem soacute em 1990 a referida lei foi devidamente regulamentada
e depois de muitas alteraccedilotildees em 2013 foi que se legislou concretamente no
Decreto-lei 151-B de 2013 que trata do regime da avaliaccedilatildeo de impacto am-
biental RJAIA Conveacutem ainda considerar a Diretiva ndash 201192EU da Uniatildeo
Europeia na qual Portugal integra como estado-membro tendo que respeitar
e que definir suas proacuteprias leis momento em que surge a Diretiva AIA e a nova
Lei de Bases do Ambiente de 2014
Nessa mesma perspectiva ainda em Portugal a avaliaccedilatildeo se concre-
tiza pelo princiacutepio da prevenccedilatildeo adotado no NEPA como tambeacutem pelo o
princiacutepio da precauccedilatildeo Segundo Daniel Ayres Pimenta (2012) o princiacutepio da
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
187
prevenccedilatildeo destina-se a cuidar do dano que jaacute eacute esperado em contra partida
o princiacutepio da precauccedilatildeo relaciona-se ainda aos danos ainda natildeo conheci-
dos e futuros que tem uma possibilidade miacutenima de ocorrerem com isso jaacute se
visualizando com tanta antecipaccedilatildeo desenvolve um lastro maior de tempo
para a populaccedilatildeo ou profissionais da aacuterea se prepararem com mais certeza
e ter uma porcentagem miacutenima de danos
Nesse sentido as leis que regulamentam a AIA tanto no Brasil como em
Portugal fazem a previsatildeo de quais projetos deve ser requerida a avaliaccedilatildeo
ao contraacuterio da NEPA em que natildeo faz o mesmo demonstrando assim uma
evoluccedilatildeo das leis (VEIGA 2012) Aleacutem disso os princiacutepios da prevenccedilatildeo e da
precauccedilatildeo para o referido autor devem ser considerados separadamente e
independentes um do outro para que o jurista do ambiente possa resolver o
problema da forma mais adequada (PEREIRA 2002) Dessa maneira caso
ocorram os danos estes seratildeo menores no futuro do que se natildeo houvesse pro-
teccedilatildeo alguma sendo estes princiacutepios de destacada importacircncia por servirem
de base para a avaliaccedilatildeo de impacto ambiental
Em outro panorama na legislaccedilatildeo portuguesa a sua Constituiccedilatildeo esta-
belece em termos bem definidos como o procedimento da avaliaccedilatildeo deve
ocorrer para garantir o direito fundamental ao ambiente buscando assim a
atuaccedilatildeo dos governos e dos cidadatildeos para a efetivaccedilatildeo e proteccedilatildeo tambeacutem
dos direitos individuais e gerais da sociedade Ressalta-se a previsatildeo do artigo
666 da Constituiccedilatildeo ndeg2 b) e f) de modo que satildeo garantidos dois deveres do
Estado os quais consistem em assegurar e incentivar a participaccedilatildeo demo-
craacutetica da sociedade para a resoluccedilatildeo de problemaacuteticas de cunho nacional
e a proteccedilatildeo do meio ambiente (PEREIRA2002)
Nos Estados Unidos da Ameacuterica foi analisado pelos tribunais que quando
foi implementado a NEPA natildeo havia uma efetivaccedilatildeo forte poreacutem quando os
tribunais analisaram o impacto positivo de se exigir a avaliaccedilatildeo perceberam
a importacircncia dela e segundo Caldwell era necessaacuterio um checklist de criteacute-
rios para o planejamento ambiental (SAacuteNCHEZ 2013) Assim criou-se a seccedilatildeo
102(c) da lei do NEPA
Os paiacuteses desenvolvidos foram se atentar e analisar com mais afinco a
questatildeo do impacto ambiental e a importacircncia de sua avaliaccedilatildeo de modo
relativamente tardio entre 1975 e 1990 Haacute um lapso temporal de quando fo-
ram produzidas as leis como a NEPA e sua real aplicaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo como
eacute o caso da Alemanha que soacute efetivou sua lei UVP em 1990 por receio da
pressatildeo popular (SANCHEZ 2013) Contudo fazendo uma alusatildeo ao Brasil haacute
necessidade de um maior engajamento popular para junto ao Estado ter uma
6 Art 66 2 Para assegurar o direito ao ambiente no quadro de um desenvolvimento susten-
taacutevel incumbe ao Estado por meio de organismos proacuteprios e com o envolvimento e a
participaccedilatildeo dos cidadatildeos b) Ordenar e promover o ordenamento do territoacuterio tendo em
vista uma correta localizaccedilatildeo das atividades um equilibrado desenvolvimento socioeco-
noacutemico e a valorizaccedilatildeo da paisagem f) Promover a integraccedilatildeo de objetivos ambientais
nas vaacuterias poliacuteticas de acircmbito sectorial
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
188
melhor aplicaccedilatildeo da AIA levando em consideraccedilatildeo as diferentes culturas e
o sistema juriacutedica brasileiro
Cumpre observar a evoluccedilatildeo e disseminaccedilatildeo da AIA em outros paiacutes de-
senvolvidos quando foram lanccedilados suas primeiras leis Canadaacute em 1973 por
decisatildeo do Conselho de Ministros de estabelecer o procedimento de avalia-
ccedilatildeo e exame ambiental Austraacutelia em 1974 com a Lei de Proteccedilatildeo Ambiental
Franccedila 1976 com a Lei nordm 629 de proteccedilatildeo da Natureza Uniatildeo Europeia em
1985 com a Diretiva 85337EEC entre outros (SANCHEZ 2013) Por meio destes
dados pode-se inferir que houve uma evoluccedilatildeo ao longo dos anos Em rela-
ccedilatildeo ao Brasil especificamente existe a possibilidade de modificar e melhorar
assim como estes paiacuteses mudaram e continuam mudando pois haacute uma cons-
tante renovaccedilatildeo de conceitos e pensamentos
123 A AVALIACcedilAtildeO DE IMPACTO AMBIENTAL SOB A OacutePTICA DA
COMPLEXIDADE
A AIA no Brasil eacute um gecircnero como mencionado anteriormente no qual
estaacute inserido o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) que eacute necessaacuterio para ana-
lisar se o meio ambiente e outros fatores ao redor como a sauacutede dos seres
humanos e sociais vai ser alterado ou natildeo com a instalaccedilatildeo de grandes em-
preendimentos Aleacutem do EIA tambeacutem haacute o RIMA (Relatoacuterio de Impacto Ambi-
ental) que tem o escopo de tornar mais acessiacutevel para a populaccedilatildeo o con-
teuacutedo do EIA (PACHECO FILHO 2013) Na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o EIA
passou a ter mais forccedila em virtude do artigo 225 sect1deg IV que o eleva a condi-
ccedilatildeo de norma constitucional Poreacutem por natildeo ter definiccedilatildeo das palavras no
dispositivo ficou aberta a diversas interpretaccedilotildees da norma fazendo com que
o EIARIMA natildeo seja exigido em casos que o projeto natildeo demonstrar impactos
significativos ao meio ambiente Com isso o procedimento do RIMA vem de-
pois do EIA
Desta forma alerta-se para a questatildeo de existir essa abertura na Carta
Magna conforme o artigo referido acima pode haver determinadas situaccedilotildees
em que o poder puacuteblico se utilize da sua discricionariedade no ato administra-
tivo fazendo com que natildeo seja necessaacuteria a produccedilatildeo do EIA por natildeo aplicar
o artigo 2deg da Resoluccedilatildeo nordm 11986 do CONAMA Fato este que daacute margem a
uma inseguranccedila juriacutedica e ambiental pois extinguem-se as garantias que
aquele empreendimento ou obra natildeo vai degradar o meio ambiente de
modo irreversiacutevel Haacute ainda uma imprevisibilidade na dimensatildeo que envolve
o meio ambiente diante de toda influecircncia exercida pelo homem individual-
mente ou coletivamente e da troca existente nessa complexa relaccedilatildeo
Nesse sentido o paradigma da complexidade pode contribuir para uma
melhor compreensatildeo do Direito Ambiental Ressalta-se a condiccedilatildeo de insegu-
ranccedila que o meio ambiente pode promover no sistema juriacutedico observadas
as interrelaccedilotildees de circunstacircncias multifatoriais complexas e todas as suas in-
teraccedilotildees A complexidade permite percepccedilotildees diferenciadas das dimensotildees
do ser em que se sobressaem a incompletude e a incerteza Assim tal pensa-
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
189
mento inclusive subsidia a ideia de que o desenvolvimento natildeo deve ser per-
cebido apenas pelo vieacutes econocircmico pois deve-se buscar a melhoria da qua-
lidade de vida do planeta e o respeito ao direito das futuras geraccedilotildees ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado (LEITE 2020)
Para Morin (2015) a complexidade eacute uma agregaccedilatildeo de acontecimen-
tos accedilotildees interaccedilotildees retroaccedilotildees determinaccedilotildees e acasos que constituem o
mundo fenomecircnico A complexidade demonstra a relaccedilatildeo com o acaso que
coincide com uma parte de incerteza seja proveniente do entendimento hu-
mano ou dos fenocircmenos e estaacute ainda ligada a uma fusatildeo entre ordem e
desordem
A complexidade inerente agraves relaccedilotildees ecoloacutegicas permite a verificaccedilatildeo
da infinidade de relaccedilotildees nas quais os fatos satildeo causa e consequecircncia um
dos outros Assim quando se tem como paradigma a complexidade para es-
tudo do Direito Ambiental desenvolve-se uma nova racionalidade juriacutedica
ambiental pois o pensamento complexo natildeo se fundamenta apenas na inal-
terabilidade dos fatos na medida em que valoriza as interrelaccedilotildees a causali-
dade muacutetua e os princiacutepios que ligam a parte com o todo De modo que a
complexidade de aplica de maneira coerente no acircmbito da pesquisa em te-
mas transversais em que se insere o Direito Ambiental seara do Direito que
estaacute sujeita agraves incertezas e que necessita promover constantemente com di-
aacutelogo com os mais diferentes saberes (VIANA 2019)
O pensamento complexo assevera a ideia de que tudo o que aprende-
mos estaacute interligado e que de certo modo tudo se complementa Segundo
Marcelo Gleiser (2014) conhecimento eacute como uma ilha e ao redor dela o mar
quanto mais aprendemos mais vemos que natildeo sabemos de nada e mais que-
remos aprender Com isso a complexidade auxilia na busca de um melhor en-
tendimento do mundo como sociedade ressaltando o ser e natildeo o que que-
riacuteamos que fosse ou o que deveria ser Por conseguinte tentando melhorar o
mundo sem tantas pretensotildees de estabelecer uma ordem ou ideal formal e
engessado mas ao mesmo tempo com o intuito de proteger preservar e
mantecirc-lo para noacutes e as futuras geraccedilotildees um planeta saudaacutevel Assim o pensa-
mento complexo acentua uma quebra de paradigmas que repercute na vi-
satildeo de futuro sem deixar de considerar a importacircncia do que jaacute se foi deba-
tido no passado pois tudo se renova constantemente
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Pode-se concluir com a presente pesquisa que apesar das AIAacuteS em di-
ferentes paiacuteses serem muito semelhantes sua aplicaccedilatildeo eacute relativamente di-
vergente pois varia conforme a cultura e costumes de cada paiacutes Contudo
por meio do pensamento complexo possibilita-se uma visatildeo sistecircmica que
contribui para a quebra de paradigma e que pode ajudar com os exemplos
de outros paiacuteses na efetivaccedilatildeo e melhor aplicaccedilatildeo da AIA no Brasil para pre-
servar e assegurar um meio ambiente ecologicamente equilibrado
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
190
Diante disso esta pesquisa se propotildee a apresentar sua relevacircncia para
a sociedade entendendo que o mundo se renova constantemente aconte-
cem transformaccedilotildees inclusive em relaccedilatildeo ao modo como fazemos as coisas
entre elas o pensamento o conhecimento e os procedimentos Assim a com-
plexidade e o pensamento complexo podem colaborar para a aplicaccedilatildeo e
a efetivaccedilatildeo do AIA no Brasil sob outras perspectivas para novas soluccedilotildees
para os problemas
Cumpre ressaltar que natildeo se pode deixar de considerar a dificuldade
de se mensurar o impacto ambiental pois muitas vezes natildeo ocorre de maneira
isolada Constata-se assim a necessidade de se mitigar riscos quando se estaacute
diante muitas vezes de danos muito extensos que venham causar uma de-
gradaccedilatildeo irreversiacutevel ao meio ambiente De modo que para minimizar esta
degradaccedilatildeo tem-se a AIA como uma das formas de prevenccedilatildeo e preserva-
ccedilatildeo do meio ambiente
Sabe-se sobre a abrangecircncia da legislaccedilatildeo brasileira em mateacuteria ambi-
ental consegue abordar as mais diversas questotildees poreacutem haacute ainda o que
melhorar e evoluir necessitando-se desenvolver indagaccedilotildees ou debates dou-
trinaacuterios em que natildeo haacute crescimento Aleacutem disso ainda tem como objetivo
sua efetivaccedilatildeo e com fulcro na preservaccedilatildeo do meio ambiente constante-
mente influenciado pela accedilatildeo do homem Desse modo a avaliaccedilatildeo de im-
pacto ambiental o meio ambiente e a legislaccedilatildeo formam um elo que deve
ser mantido a fim de contribuir para a preservaccedilatildeo e manutenccedilatildeo um do
outro buscando-se a sustentabilidade e possibilitando-se o meio ambiente
ecologicamente equilibrado
Conclui-se em relaccedilatildeo agrave PNMA haacute a necessidade de se dialogar e de
se estaacute presente nas poliacuteticas puacuteblicas em defesa do meio ambiente Sabe-se
que para haver uma melhor efetivaccedilatildeo das AIAs por completo ainda se exi-
giraacute um certo tempo pois existe a interferecircncia de inuacutemeros fatores como a
seguranccedila juriacutedica o ideal de defesa do meio ambiente e a forma como os
procedimentos se desenvolvem atualmente em face do comportamento da
populaccedilatildeo em geral
Por fim a pergunta de partida revela a possiacutevel contribuiccedilatildeo e influecircncia
do respectivo procedimento no acircmbito internacional em relaccedilatildeo ao que jaacute
existe no Brasil ressaltando-se um conjunto de fatores no qual se deve incluir
o engajamento da sociedade do Estado e dos profissionais da aacuterea Pois para
que haja uma devida efetivaccedilatildeo se faz necessaacuterio uma atuaccedilatildeo em con-
junto de modo transdisciplinar e multilateral por diferentes setores da socie-
dade visando modificar o padratildeo de resoluccedilatildeo destas questotildees no Paiacutes
REFEREcircNCIAS
ANTUNES Tiago Pelos caminhos juriacutedicos do ambiente verdes textos I Lisboa Aafdl
2014
BELTRAtildeO Antocircnio FG Manual de Direito do Ambiente Satildeo Paulo Meacutetodo 2008
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
191
BELCHIOR Germana Parente Neiva Fundamentos epistemoloacutegicos do Direito Ambi-
ental Rio de Janeiro Lumen Juris 2017
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Ambiental Satildeo Paulo Saraiva 2015
GLEISER Marcelo A ilha do conhecimento os limites da ciecircncia e a busca por sentido
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LEITE Liliane de Freitas Licenciamento ambiental e controle social da atividade ad-
ministrativa ambiental 2020 112f Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Gra-
duaccedilatildeo em Direito do Centro Universitaacuterio 7 de Setembro ndash UNI7 Fortaleza 2020
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do procedimento de avaliaccedilatildeo de impacto ambiental adotado no Brasil Estados Uni-
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VIANA Iasna Chaves Riscos complexidade e responsabilidade civil ambiental Rio
de Janeiro Lumen Juris 2019
192
A INEFICIEcircNCIA DO DIREITO AMBIENTAL
VIGENTE E A NECESSAacuteRIA RUPTURA
RUMO AO DIREITO ECOLOacuteGICO A
PARTIR DA COMPLEXIDADE
Joseacute Rubens Morato Leite1
Elisa Fiorini Beckhauser2
Valeriana Augusta Broetto3
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 131 A ineficiecircncia do Direito Ambiental vi-
gente e a necessaacuteria ruptura rumo ao Direito Ecoloacutegico 132 O Di-
reito Ambiental da fragmentaccedilatildeo teoacuterica agrave ausecircncia de implemen-
taccedilatildeo 133 A ecologizaccedilatildeo do direito uma ruptura a partir da com-
plexidade 134 Litigacircncia climaacutetica uma orientaccedilatildeo ecologizada
do direito Consideraccedilotildees finais Referecircncias
INTRODUCcedilAtildeO
O Direito Ambiental brasileiro vigente revela-se falho fragmentado e
ineficiente e tem dado espaccedilo a muitos retrocessos ecoloacutegicos apesar de
certos avanccedilos normativos nos uacuteltimos anos principalmente nas searas consti-
tucional e jurisprudencial Na realidade verifica-se um Direito pouco sistecircmico
muito ligado agrave influecircncia econocircmica baseada na ideia de crescimento sem
limites e dentro de uma abordagem antropocecircntrica respaldado em uma
estrutura primordialmente interindividual e com uma operacionalidade fraca
de implementaccedilatildeo
A crise ecoloacutegica que ora se desenha especialmente marcada pela
mudanccedila climaacutetica tem deixado a falha desse Direito vigente mais perceptiacute-
vel e preocupante Com isso faz-se necessaacuteria a reinterpretaccedilatildeo e reestrutu-
raccedilatildeo de seus dispositivos instrumentos princiacutepios e objetivos em prol da sal-
1 Professor Doutor Titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) membro da
Academia de Direito Ambiental da IUCN Coordenador do Grupo de Pesquisa Direito Am-
biental e Ecologia Poliacutetica na Sociedade de Risco Pesquisador de Bolsa de Produtividade
do CNPq 1 C e Capes E-mail moratoleiteyahoocombr
2 Acadecircmica de graduaccedilatildeo em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
bolsista de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica (PIBICCNPq) integrante do Grupo de Pesquisa em Direito
Ambiental e Ecologia Poliacutetica na Sociedade de Risco
E-mail elisafbeckhauserhotmailcom
3 Acadecircmica de graduaccedilatildeo em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
bolsista de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica (PIBICCNPq) e integrante do Grupo de Pesquisa em Direito
Ambiental e Ecologia Poliacutetica na Sociedade de Risco
E-mail valerianabrttgmailcom
13
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
193
vaguarda do bem ambiental per se isto eacute este Direito requer uma metamor-
fose que proteja a Natureza em uma perspectiva holiacutestica sensiacutevel complexa
e natildeo utilitarista Para este caminho aponta a ecologizaccedilatildeo do Direito
Assim este artigo objetiva traccedilar algumas consideraccedilotildees e observaccedilotildees
acerca de uma ruptura que se impotildee diante do paradigma do direito ambi-
ental tradicional ao passo que natildeo tem conseguido responder satisfatoria-
mente agrave tutela dos sistemas ecoloacutegicos Para tanto divide-se o trabalho em
duas partes essenciais
A primeira delas descreve em breves linhas a construccedilatildeo e atuaccedilatildeo do
Direito Ambiental demonstrando as bases arraigadas de ineficiecircncia e as
comprovaccedilotildees histoacutericas de que sua atuaccedilatildeo natildeo tem sido suficiente para
resguardar da forma devida os recursos naturais a partir de uma visatildeo com-
plexa e sistecircmica A segunda expotildee os paracircmetros teoacutericos sobre os quais se
alicerccedila o Direito Ecoloacutegico suas principais diferenciaccedilotildees em relaccedilatildeo ao Di-
reito Ambiental vigente e a necessaacuteria ruptura de paradigma para a prote-
ccedilatildeo ecoloacutegica suficiente em termos normativo-formais teoacutericos e praacuteticos
Tambeacutem nesta uacuteltima parte adentra-se brevemente a noccedilatildeo de litigacircncia cli-
maacutetica que guarda estreita relaccedilatildeo com a necessidade de uma perspectiva
ecologizada do Direito frente agrave crise ecoloacutegica e a mudanccedila climaacutetica
131 A INEFICIEcircNCIA DO DIREITO AMBIENTAL VIGENTE E A
NECESSAacuteRIA RUPTURA RUMO AO DIREITO ECOLOacuteGICO
O Direito Ambiental brasileiro para aleacutem dos instrumentos do Direito In-
ternacional que compreende os diversos tratados disposiccedilotildees e acordos que
preveem a proteccedilatildeo do meio ambiente tem suas bases ancoradas na Cons-
tituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 que foi a primeira carta
magna brasileira a dedicar um capiacutetulo para o tema que se encontra dis-
posto no Art 225 e seus paraacutegrafos e incisos Tambeacutem encontra fundamento
na legislaccedilatildeo ordinaacuteria a exemplo da Lei n 6938 de 1981 que institui a Poliacutetica
Nacional do Meio Ambiente importante marco para a proteccedilatildeo ambiental
no paiacutes Juntas a Constituiccedilatildeo e as leis representam um conjunto de princiacute-
pios regras e valores relacionados ao resguardo da Natureza na condiccedilatildeo de
bem de uso comum (WEDY 2019)
A preocupaccedilatildeo com essa proteccedilatildeo nem sempre presente na histoacuteria
da humanidade surge na agenda nacional e internacional a partir do seacuteculo
XX mas apenas a partir das deacutecadas de 70 e 80 que a importacircncia da preser-
vaccedilatildeo ambiental recebeu impulso sobretudo com a Declaraccedilatildeo de Esto-
colmo com o relatoacuterio The Limits of Growth com a criaccedilatildeo do Programa das
Naccedilotildees Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e com os documentos e rela-
toacuterios que os seguiram como o Nosso Futuro Comum o Relatoacuterio Brundtland
a Declaraccedilatildeo do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 e mais
recentemente a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentaacutevel e o
Acordo de Paris (WEDY 2019)
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
194
Em acircmbito nacional a legislaccedilatildeo ambiental tambeacutem apresentou evo-
luccedilotildees gradativas da tutela do meio ambiente e vem se adequando agrave neces-
sidade de proteccedilatildeo do bem ambiental para as presentes e futuras geraccedilotildees
(WEDY 2019)
Ana Maria Nusdeo expotildee que a poliacutetica ambiental brasileira se apre-
senta atraveacutes de um processo de evoluccedilatildeo que pode ser dividido em quatro
etapas administraccedilatildeo de recursos naturais controle da poluiccedilatildeo industrial
planejamento territorial e gestatildeo integrada dos recursos naturais As trecircs pri-
meiras fases natildeo se substituiriam mas se sobreporiam ateacute o surgimento da
quarta fase que eacute marcada pela adoccedilatildeo da Lei nordm 69381981 antes mencio-
nada Nessa fase os problemas ambientais que possibilitaram a existecircncia das
etapas anteriores satildeo tratados de forma interligada e interdependente atra-
veacutes de uma perspectiva ecoloacutegica (NUSDEO 2018 p 140)
Natildeo obstante se aceite que o Direito Ambiental brasileiro se encontre
atualmente na fase de lsquogestatildeo integrada dos recursos naturaisrsquo questiona-se
a maneira como essa gestatildeo eacute percebida e realizada Isso porque as bases
desatualizadas fragmentadas ou sobremaneira incipientes que solidificaram
o Direito Ambiental natildeo satildeo suficientes para enfrentar a atual crise ecoloacutegica
e responder aos desafios complexos transfronteiriccedilos e sistecircmicos que se lan-
ccedilam frente agrave humanidade em termos natildeo apenas ambientais mas tambeacutem
sociais Um claro exemplo desses desafios que emergem com a crise ecoloacute-
gica e com a loacutegica da modernidade eacute a Pandemia de COVID-19
Isso porque o relatoacuterio do United Nations Environmental Programme
(UNEP) intitulado Frontiers 2016 emerging issues of environmental concern de-
monstra que zoonoses como eacute o caso da COVID-19 decorrerm majoritaria-
mente da relaccedilatildeo exploratoacuteria que os seres humanos mantem com a Natu-
reza O documento aponta assim que zoonoses guardam estreita relaccedilatildeo
com a degradaccedilatildeo ambiental (UNEP 2016 p 22)
Esse avanccedilo predatoacuterio contra os sistemas naturais origina suas bases na
maneira como os sistemas econocircmicos lidam com os bens naturais partindo
de um paradigma de possibilidade de crescimento infinito que encontra cor-
respondecircncia normativa em um sistema juriacutedico fragmentado e falho Isso tem
levado os ecossistemas agrave exaustatildeo e gerado a crise ecoloacutegica
Nesse sentido eacute urgente a ruptura do Direito Ambiental vigente rumo agrave
sua ecologizaccedilatildeo de modo que tanto o campo juriacutedico dedicado ao meio
ambiente seja capaz de endereccedilar a complexidade que proveacutem da relaccedilatildeo
entre seres humanos e Natureza assim como a estrutura do Direito como um
todo As proacuteximas linhas por isso se destinam agrave anaacutelise dessa ruptura seu fun-
damento e suas possibilidades
132 O DIREITO AMBIENTAL
da fragmentaccedilatildeo teoacuterica agrave insuficiente implementaccedilatildeo
O Direito Ambiental atualmente em voga na perspectiva do conheci-
mento juriacutedico tradicional tem como caracteriacutesticas essenciais a formalidade
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
195
e o legalismo aleacutem da subserviecircncia agraves forccedilas econocircmicas dominantes Por
conta disso essa versatildeo do ramo do Direito ora em debate tem falhado no
despertar criacutetico e reflexivo para a transformaccedilatildeo da realidade posta (BEL-
CHIOR 2019 p 193)
Haacute que se frisar poreacutem que muito se avanccedilou nesta aacuterea com a cons-
titucionalizaccedilatildeo da proteccedilatildeo ambiental dada a partir do advento da Consti-
tuiccedilatildeo Federal de 1988 Nela o meio ambiente eacute elevado a bem de uso co-
mum do povo e a direito fundamental ligado agrave sadia qualidade de vida A
partir deste momento o tema ganha centralidade e se torna dever de todos
principalmente do Estado preservar os processos ecoloacutegicos essenciais com
foco nas presentes e futuras geraccedilotildees
Contudo o paradigma cartesiano do conhecimento interconectado agrave
modernidade e agraves sociedades industriais ainda impera na loacutegica desta aacuterea
juriacutedica Disso decorrem modos de operaccedilatildeo lineares fragmentadas e limita-
das que se mostram incompatiacuteveis com a necessidade de enfrentamento dos
problemas atuais que em contrapartida possuem natureza complexa multi-
dimensional e transfronteiriccedila
Deste modo o pensamento tradicional do Direito restringiu seu objeto
apenas agrave norma juriacutedica o que apartou o Direito em termos teoacutericos da reali-
dade posta Por meio do paradigma moderno reducionista e dualista sepa-
rou-se a norma da sua esfera de implementaccedilatildeo praacutetica reduzindo-a ao texto
normativo (MUumlLLER apud BELCHIOR 2019 p 194)
A consagraccedilatildeo desta loacutegica em mateacuteria ambiental deu causa a uma
tutela estatal para o meio ambiente limitada a legislar sobre ele com o obje-
tivo de protegecirc-lo encontrando na lei um subterfuacutegio para mascarar a omis-
satildeo secular em relaccedilatildeo agrave natureza Agrave vista disso o Direito Ambiental vigente eacute
um sistema teoacuterico-dogmaacutetico alicerccedilado na forccedila regulatoacuteria do Estado que
tem no nascimento formal da norma a resoluccedilatildeo dos problemas ignorando a
necessidade e o dispecircndio de esforccedilos para a efetiva implementaccedilatildeo das leis
(BENJAMIN 2010 p 338)
Herman Benjamin (2010 p 342) explica que da promulgaccedilatildeo legislativa
natildeo decorre automaticamente a retificaccedilatildeo do problema que ela intui solu-
cionar vez que ldquohaacute um oceano entre a legislaccedilatildeo ambiental e a realizaccedilatildeo
dos seus objetivos primordiaisrdquo
Essa tendecircncia se confirmou em muitos ordenamentos juriacutedicos do
mundo Christina Voigt (2013 p xiv) explica que nas uacuteltimas deacutecadas se ex-
pandiu substancialmente a gama de legislaccedilotildees ambientais adotadas em niacute-
veis domeacutesticos regionais e internacionais poreacutem ainda que prescrevam
qualidade e padrotildees ambientais aos territoacuterios de vigecircncia essas iniciativas
natildeo representam necessariamente sucesso para suas pautas As leis ambien-
tais conduziram a avanccedilos modestos enquanto tendecircncias de destruiccedilatildeo e
degradaccedilatildeo do meio ambiente se mantiveram quase inalteradas ao que o
mundo natildeo foi capaz de caminhar pela trilha da sustentabilidade
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
196
Essa eacute uma das falhas centrais do Direito Ambiental claacutessico vez que
procede agrave atuaccedilatildeo legislativa para amortecer insatisfaccedilotildees sociais relativas
agraves suas pautas mas sem resolvecirc-la de fato Nesta linha a normatizaccedilatildeo sobre
a proteccedilatildeo ambiental se encontra apartada da concretizaccedilatildeo isto eacute da re-
gulaccedilatildeo na praacutetica resultando em uma ordem puacuteblica ambiental incom-
pleta caracteriacutestica do Estado teatral que ldquomanteacutem uma situaccedilatildeo de vaacutecuo
entre a lei e a implementaccedilatildeordquo uma vez que se caracteriza por um Poder
Puacuteblico que na letra da lei vocifera ldquomas [] amansa diante das dificuldades
da realidade poliacutetico-administrativa e de poderosos interesses econocircmicos
exatamente os maiores responsaacuteveis pela degradaccedilatildeo ambientalrdquo (BENJA-
MIN 2010 p 345)
Neste contexto a legislaccedilatildeo ocupa um status simboacutelico e conta com
uma implementaccedilatildeo deficitaacuteria relegando a um lugar de omissatildeo nova-
mente a prestaccedilatildeo social da lei em mateacuteria ambiental Isso torna extrema-
mente desafiadoras mesmo apoacutes deacutecadas de positivaccedilatildeo das normas a ma-
terializaccedilatildeo dos valores e objetivos ambientais e a consolidaccedilatildeo da legitimi-
dade do repertoacuterio legislativo ambiental (BENJAMIN 2010 p 341)
A crise ecoloacutegica corrobora com a teoria de ineficiecircncia e falta de am-
biccedilatildeo do Direito Ambiental vigente que natildeo eacute capaz de delimitar com cla-
reza a atividade humana prejudicial ao meio ambiente Aleacutem disso esta es-
fera do Direito natildeo eacute aplicada de maneira ideal conforme demonstra o Envi-
ronmental Rule of Law First Global Report elaborado pelo United Nations Envi-
ronmental Programme (UNEP) que deixa claro que globalmente a imple-
mentaccedilatildeo e a efetivaccedilatildeo de leis de caraacuteter ambiental estatildeo aqueacutem do que
seria esperado para o correto endereccedilamento dos desafios ambientais do seacute-
culo (UNEP 2019)
De acordo com o documento agraves leis faltam padrotildees claros e manda-
mentos necessaacuterios faltam contextualizaccedilatildeo e adequaccedilatildeo aos diferentes niacute-
veis a que se destinam e isso natildeo acontece apenas em naccedilotildees subdesenvol-
vidas ou em desenvolvimento mas constituem um desafio para todos os paiacute-
ses (UNEP 2019)
A superaccedilatildeo dessa compreensatildeo tradicional representa portanto pos-
sibilidade de se avanccedilar para um futuro menos impactado artificialmente e
comprometido no enfrentamento agrave mudanccedila climaacutetica aos desastres agrave inse-
guranccedila alimentar e agraves zoonoses com potencial pandecircmico ndash cenaacuterio ende-
reccedilado pelo Direito Ecoloacutegico
Isso jaacute vem sendo reconhecido na agenda ambiental internacional e
percepccedilotildees nesse sentido podem ser encontradas na Agenda 2030 para o
desenvolvimento sustentaacutevel que parte da compreensatildeo mais integrada dos
diversos problemas ambientais e sociais Ainda que careccedila de um objetivo
mais amplo que unifique a agenda seus objetivos trazem visatildeo ambiciosa que
pode direcionar uma accedilatildeo mais efetiva e eficaz no acircmbito de cada Estado
(ver VEIGA 2015 p 119-155) sendo possiacutevel visualizar um caminho para a su-
peraccedilatildeo da atual visatildeo fragmentada desatualizada e incapaz de responder
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
197
a fenocircmenos sistecircmicos Essa ruptura contudo ainda carece de um empurratildeo
para acontecer
Gerd Winter (2017 p 136) atribui a incapacidade do Direito Ambiental
de conter a crise tambeacutem aos niacutetidos problemas de aplicaccedilatildeo da norma juriacute-
dica impasses que orbitam em torno do crescimento econocircmico como forccedila
motriz a repetidamente ultrapassar a cobertura regulatoacuteria do Direito
Em sua versatildeo tradicional o Direito Ambiental tenta compatibilizar os
interesses ecoloacutegicos agrave infraestrutura aos processos e aos produtos do sistema
de produccedilatildeo fixando limites agraves liberdades do corpo social e da proacutepria eco-
nomia Contudo a loacutegica crescimentista desse sistema impotildee quantidades
gradativamente mais altas de unidades pois que esse aumento eacute o elemento
central do crescimento econocircmico que burla o sistema de regulaccedilatildeo juriacutedica
e tambeacutem se impotildee internamente a ele
Assim o Direito Ambiental falha pela aceitaccedilatildeo de violaccedilotildees juriacutedicas
pelo deslocamento dos problemas oriundos da degradaccedilatildeo ambiental de um
local ou regiatildeo para outra aleacutem da resistecircncia poliacutetica e econocircmica a novas
regulaccedilotildees (WINTER 2017 p 139) ou agrave efetividade das legislaccedilotildees jaacute positiva-
das
Assim Fernanda Cavedon-Capdeville (2018 p 193) observa que ocor-
reu a tecnicizaccedilatildeo do discurso juriacutedico-ambiental que se afastou das raiacutezes
sociais que remetem agraves necessidades dos mais vulneraacuteveis Instrumentalizou-
se por meio de uma linguagem especializada e apartada da compreensatildeo
imprescindiacutevel para o engajamento social nas pautas ambientais (CAVEDON-
CAPDEVILLE 2018 p 193)
Em virtude disso o Direito passou a atuar na condiccedilatildeo de uma institui-
ccedilatildeo social reguladora que opera para manter o status quo e que fomenta a
crise ecoloacutegica em curso Como posto hoje portanto o Direito natildeo possui uma
racionalidade voltada agrave criaccedilatildeo de soluccedilotildees pautadas na sustentabilidade
ecoloacutegica qualificada para conter os problemas complexos da atualidade
Considerando que o aparato juriacutedico-ambiental atual natildeo conseguiu
superar o paradigma economicista e antropocecircntrico configurado pela ope-
racionalidade caoacutetica na relaccedilatildeo humano-natureza (CAVEDON-CAPDEVILLE
2018 p 193) primordial repensar as bases do Direito para responder agrave crise
ecoloacutegica e evitar problemas decorrentes do modo predatoacuterio de lidar com
a natureza
A garantia da manutenccedilatildeo e restauraccedilatildeo da integridade dos sistemas
naturais soacute pode ser alcanccedilada por meio de um quadro juriacutedico que disponha
princiacutepios e materiais do Estado de Direito tambeacutem para a natureza Trilhando
este caminho de horizontalidade e cooperaccedilatildeo o Direito Ecoloacutegico repre-
senta uma importante face desta mudanccedila estrutural pois entende que o va-
lor da vida e a manutenccedilatildeo de processos ecoloacutegicos devem se sobrepor aos
interesses econocircmicos imediatos Sobre esta nova vertente do Direito e suas
contribuiccedilotildees para o futuro compartilhado e co-criado da humanidade com
o planeta aborda o toacutepico seguinte
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
198
133 ECOLOGIZACcedilAtildeO DO DIREITO
uma ruptura a partir da complexidade
A loacutegica instrumental-mecanicista e as falhas do direito ambiental vi-
gente lanccedilam luz sobre a necessidade de ressignificaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre
humanidade e meio ambiente buscando o conviacutevio com a natureza com a
produccedilatildeo da base material e natural da vida das organizaccedilotildees coletivas e
sociais (HOUTART 2016 p 32) de forma harmocircnica e em bases solidaacuterias e natildeo
hieraacuterquicas
Assim busca-se um modelo juriacutedico que consiga tutelar de maneira ple-
namente satisfatoacuteria as funcionalidades sociais e naturais na dimensatildeo das
demandas ecoloacutegicas o que exige reconhecer a atrofia do paradigma mo-
derno dominante e o rompimento com ele que ateacute entatildeo deu conta de res-
guardar apenas direitos individuais (LEITE SILVEIRA 2018 p 112)
A fim de oferecer alternativas e soluccedilotildees essas problemaacuteticas da opera-
cionalidade e da loacutegica do direito ambiental eacute preciso que o ordenamento
juriacutedico-normativo observe a sensibilidade ecoloacutegica de maneira sistecircmica
natildeo fragmentada e agrave luz da complexidade para que com paracircmetros plurais
regulem-se as questotildees atinentes agrave natureza (CANOTILHO 2008)
Por suas caracteriacutesticas inerentes o direito ambiental eacute uma aacuterea que
recebe feixes de influecircncia de muitos temas transversais e vertentes do conhe-
cimento dialogando com diferentes saberes Em uma perspectiva complexa
observa-se que o dano ambiental por exemplo natildeo estaacute limitado a fronteiras
geograacuteficas e que natildeo eacute apenas a tutela do elemento natural em si que im-
porta mas toda a imbricada rede de relaccedilotildees dos ecossistemas e de influecircn-
cias muacutetuas em constante transformaccedilatildeo e movimento na natureza (CAR-
NEIRO 2013 apud BELCHIOR 2019 p 218) O Direito nesse contexto natildeo pode
se comportar de forma estanque e apartada da realidade mas se abrir agraves
possibilidades e aos ramos do conhecimento
A ecologizaccedilatildeo do Direito eacute uma proposta de ruptura trilhada neste ca-
minho Na condiccedilatildeo de transiccedilatildeo de paradigma para se evoluir em termos de
proteccedilatildeo da socioambiental a vertente do direito ecoloacutegico expande seus
destinataacuterios para englobar a Natureza e todas as formas de vida como dig-
nas de proteccedilatildeo Estatal o que se restringia agrave presenccedila humana Essa proposta
ecologizada exige reformular o pensamento juriacutedico para que esse parta de
bases biocecircntricas e reconheccedila titularidade de direitos agrave Natureza que deixa
de ser um objeto instrumentalizaacutevel atraveacutes da lei
O quadro abaixo [quadro 1] explica que a partir do Direito Ecoloacutegico
a Natureza deve ser protegida pelo seu valor intriacutenseco e por ser a base natural
sem a qual nenhum ser vivo tem possibilidade de se desenvolver Nesta senda
os problemas ambientais satildeo analisados de forma natildeo fragmentada ou seja
satildeo tratados a partir da perspectiva da complexidade que eacute inerente agraves soci-
edades modernas e de acordo com a noccedilatildeo de interdependecircncia entre os
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
199
diferentes fatores e elementos componentes do meio ambiente humano e na-
tural Aleacutem disso a Natureza e os animais natildeo-humanos passam a ser sujeitos
de direitos assim como os seres humanos dignos de proteccedilatildeo per se
A acepccedilatildeo ecologizada do Direito coloca limites mais ambiciosos ao
crescimento econocircmico infinito que eacute insustentaacutevel dos pontos de vista sociais
e ecoloacutegicos a fim de que a economia se entenda inserida no meio natural e
respeite de maneira primordial os limites biofiacutesicos do planeta evitando-se a
acentuaccedilatildeo da crise ecoloacutegica que opera em pleno curso
Em suma incorporar a sustentabilidade no Direito significa manter as
estruturas sociais normativas poliacuteticas e principalmente econocircmicas dentro
dos limites dos sistemas ecoloacutegicos preservando a substacircncia dos sistemas na-
turais (LEITE SILVEIRA 2018 p 114)
Quadro 1 ndash Diferenccedilas entre o Direito Ambiental e o Direito Ecoloacutegico
DIREITO AMBIENTAL DIREITO ECOLOacuteGICO
Proteccedilatildeo
humano
Natureza
Possui bases de vertente utilitaacuteria
protegendo a natureza apenas
quando seres humanos sofrem
ameaccedilas ou violaccedilotildees de direi-
tos
A natureza deve ser protegida per se
sendo a casa de todas as espeacutecies e
um dever humano respeitar os limites
por ela impostos sujeito que se pro-
tege eacute um ser ecoloacutegico
Paradigma
Paradigma antropocecircntrico e
base de atuaccedilatildeo legislativa frag-
mentada
Paradigma biocecircntrico e proteccedilatildeo
sistecircmica da natureza considerando
a complexidade dos ecossistemas
Status
juriacutedico
Natureza estaacute na condiccedilatildeo de
objeto eacute um recurso a ser explo-
rado pelos interesses humanos
Reconhecimento de direitos intriacutense-
cos agrave natureza e aos animais natildeo hu-
manos outros seres (natildeo humanos) se
tornam sujeitos de direitos
Relaccedilatildeo aos
valores
econocircmicos
Pouca ambiccedilatildeo para impor limi-
tes suficientes e capazes de con-
ter a crise com preponderacircncia
dos valores econocircmicos e natildeo
da sustentabilidade
Limitaccedilatildeo clara e forte agrave loacutegica eco-
nocircmica crescimentista tomando por
base a capacidade de manutenccedilatildeo
e resiliecircncia dos sistemas ecoloacutegicos e
a sustentabilidade do planeta Fonte elaborado pelos autores com base em LEITE 2018
No mesmo sentido Ulrich Beck explica que as sociedades industriais or-
ganizadas em termos nacionais estatildeo se metamorfoseando em sociedades
de risco mundiais ainda desconhecidas vez que lidam com riscos produzidos
pelas atividades humanas mas que natildeo satildeo por elas controlados Assim ocor-
rem momentos de convulsatildeo que levam agrave alteraccedilatildeo dos modos de pensar e
agir das ordens social e poliacutetica criando modos ineacuteditos de viver e se relacio-
nar com a Terra (BECK 2017 p 55)
Assim novos horizontes sociais sinalizam para um panorama de accedilotildees
que potildee fim agrave separaccedilatildeo entre natureza e sociedade vez que a destruiccedilatildeo
do meio ambiente se traduz em conflitos econocircmicos sociais e poliacuteticos que
na atualidade tecircm alcance global
Do cenaacuterio que conjuga incerteza e riscos mundiais podem derivar os
ldquoefeitos secundaacuterios positivosrdquo com reformas nos modelos de pensamento
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
200
estilos de vida e consumo Reflexionando sobre o uso insustentaacutevel de recursos
naturais e sobre a violaccedilatildeo potencial da proacutepria existecircncia humana o mo-
mento de catastrofismo emancipatoacuterio pode render agrave humanidade novos ho-
rizontes normativos pautados nos bens comuns passando a uma abordagem
integrada de temas que antes eram tratados separadamente (BECK 2017 p
60)
No momento catastroacutefico em que o passado se reflete e condiciona o
futuro o que antes parecera imutaacutevel passa obrigatoriamente a operar de
maneira nova e por isso o Direito requer ideias alternativas que comuniquem
as trageacutedias e os riscos em termos globais (BECK 2017 p 158) O Direito deve
buscar um horizonte normativo para um mundo de inclusatildeo abandonando a
ideologia neoliberal que tantas vezes condiciona a legislaccedilatildeo ambiental a
fim de praticar novas formas de responsabilidade transnacional com pautas
fortes de justiccedila na agenda internacional e de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses
Dessa forma a ecologizaccedilatildeo do Direito significa essa ruptura necessaacuteria
para um Estado de Direito Ecoloacutegico em que os limites possibilidades e opor-
tunidades sejam ditados pelo entendimento complexo holiacutestico e sistecircmico
da vida Atraveacutes dessa abertura a economia angaria a posiccedilatildeo de uma parte
do meio ambiente e portanto eacute por ele limitada
Portanto a ecologizaccedilatildeo do Direito oferece subsiacutedios teoacutericos para re-
pensar coletivamente as bases poliacutetico-juriacutedicas de uma nova relaccedilatildeo da hu-
manidade com o meio ambiente no qual habita e do qual eacute uma parte inte-
grante Assim enfrentar as lacunas deixadas pelo Direito Ambiental requer tra-
tar a escassez inerente aos recursos naturais que satildeo limitados ainda que re-
novaacuteveis em alguns casos (ARAGAtildeO 2020)
Neste sentido deve-se corrigir a trajetoacuteria ambiental traccedilada ateacute aqui
a partir de uma metamorfose que se paute em um novo pensar juriacutedico mais
ecoloacutegico e integrativo consciente de sua funccedilatildeo de proteccedilatildeo da vida em
todas as suas formas e sobretudo de seu papel de proporcionar um desen-
volvimento verdadeiramente sustentaacutevel
O suporte epistemoloacutegico que alicerccedila as vertentes do Direito ecologi-
zado perpassa o viacutenculo entre a ecologia e o proacuteprio conceito de justiccedila As-
sim para a efetivaccedilatildeo das mudanccedilas legislativas e juriacutedicas propostas pelo
direito ecoloacutegico jaacute pontuadas acima eacute imprescindiacutevel adotar uma aborda-
gem da justiccedila que busque garantir dignidade e integralidade de todas as
formas de vida
A justiccedila ecoloacutegica reconhece a necessidade de uma transformaccedilatildeo
fundamental da poliacutetica da economia e da sociedade o que envolve tam-
beacutem Direito Nesse contexto toma-se por premissa fundante que pautas soci-
ais e ecoloacutegicas soacute podem ser plenamente concretizadas se buscarem solu-
ccedilotildees comuns vez que ambas guardam implicaccedilotildees necessaacuterias entre si
(CONCA DABELKO 2015 apud DAROS 2018 p 91) e eacute nesta direccedilatildeo que o
direito deve atuar
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
201
Parte-se do pressuposto de que as liberdades individuais como accedilotildees
exercidas em um contexto ecoloacutegico e social ao mesmo tempo que natildeo
afeta apenas o titular do direito que o pratica Assim embora a formalidade
das relaccedilotildees ocorra apenas entre os seres humanos as accedilotildees delas decorren-
tes natildeo se restringem necessariamente a esses indiviacuteduos mas afetam na re-
alidade faacutetica um espectro amplo de existecircncias o que justifica tutelar as in-
teraccedilotildees humanas com animais natildeo humanos e com todos os ecossistemas
naturais como uma questatildeo de justiccedila
Neste sentido observa-se uma das alteraccedilotildees paradigmaacuteticas arraiga-
das agrave justiccedila ecoloacutegica a abertura de subjetividade juriacutedica agrave natureza e aos
animais natildeo humanos O reconhecimento de direitos intriacutensecos considera
que esses seres possuem assim como a espeacutecie humana interesses de bem-
estar tornando-os destinataacuterios da justiccedila ainda que natildeo figurem como seus
agentes propriamente (DAROS 2018 p 93)
Nisso reside uma observaccedilatildeo fundamental as semelhanccedilas comparti-
lhadas entre os seres humanos e natureza natildeo humana superam as diferenccedilas
inerentes agraves suas condiccedilotildees tomando-se como exemplo a integridade dos
ecossistemas que representa para a dimensatildeo natildeo humana a mesma ideia
que a dignidade tem para os seres humanos Desse modo abarcar a natureza
natildeo humana no arcabouccedilo da justiccedila se justifica pelo respeito ao seu funcio-
namento e florescimento que satildeo elementos natildeo exclusivos da humanidade
e que podem ser aplicados a outros seres observando-se as linhas de similari-
dade vez que a natureza assim como os seres humanos tambeacutem pode de-
senvolver sua proacutepria autonomia resiliecircncia e autodireccedilatildeo (SCHLOSBERG
2007 p 133 apud DAROS 2018 p 94)
Com respaldo em um discurso aberto e no prisma da similaridade entre
os seres solidifica-se a construccedilatildeo de uma teoria inclusiva de justiccedila que pre-
serve habilidades e necessidades essenciais dos seres natildeo humanos bus-
cando a confluecircncia harmocircnica entre as necessidades humanas e as possibi-
lidades do entorno ecoloacutegico
No intuito de corrigir as injusticcedilas derivadas da interaccedilatildeo humana com
a natureza em muito permitidas pela epistemologia ambiental vigente e con-
siderando a muacutetua dependecircncia entre o agente social humano e a unidade
ecoloacutegica o Direito ecologizado identifica os problemas oriundos dos impac-
tos ecoloacutegicos e os coloca em destaque questionando o papel dos institutos
e instrumentos juriacutedicos para que possam atuar na sua correccedilatildeo
Incorporando valores eacuteticos da ecologia Bosselmann (2010 p 2427) ex-
plica que o Direito cria uma dimensatildeo maior de direitos e obrigaccedilotildees juriacutedicas
capaz de abarcar um sujeito amplo (toda pessoa) um objetivo amplo (os co-
muns) e um espaccedilo (global) e tempo (curto e longo) tambeacutem amplos De ma-
neira fundamental isso implica o rompimento com o antropocentrismo claacutes-
sico e a atuaccedilatildeo segundo um paradigma biocecircntrico que guie a ordem juriacute-
dica consoante bases horizontais igualitaacuterias e sistecircmicas
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
202
134 LITIGAcircNCIA CLIMAacuteTICA
uma orientaccedilatildeo ecologizada do direito
A perspectiva ecoloacutegica do Direito nos uacuteltimos anos tambeacutem tem se
espraiado para a jurisprudecircncia Gradativamente percebe-se que a socie-
dade civil busca assegurar seus direitos baacutesicos ligados ao meio ambiente ndash e
ao clima ndash por meio de demandas judiciais que envolvam as obrigaccedilotildees e
deveres dos Estados e de entes privados
Em termos conceituais a litigacircncia climaacutetica consiste em accedilotildees judiciais
e administrativas atinentes a pautas como gases de efeito estufa vulnerabili-
dades aos efeitos da mudanccedila climaacutetica reparaccedilatildeo de danos e gestatildeo de
riscos climaacuteticos Observando-se o cenaacuterio mundial os tribunais tecircm desem-
penhado um papel cada vez mais protagonista e visiacutevel nos debates sobre a
alteraccedilatildeo do clima enquanto as accedilotildees judiciais e medidas administrativas
que abordam esse assunto tambeacutem tecircm sido mais notoacuterias (SETZER CUNHA
FABBRI 2019 p 63)
A litigacircncia climaacutetica tem sido uma ferramenta de colaboraccedilatildeo para
transforar estrateacutegias institucionais para a proteccedilatildeo dos recursos naturais Isso
ocorre em razatildeo de estruturas normativas regulatoacuterias ainda deficitaacuterias na ga-
rantia de compromissos realmente rigorosos de proteccedilatildeo dos processos eco-
loacutegicos o que tambeacutem demonstra uma necessidade de ruptura da loacutegica na
qual o direito ainda se encontra imerso
Alguns casos paradigmaacuteticos satildeo utilizados como referecircncia para de-
monstrar uma interpretaccedilatildeo mais ecologizada do direito O Caso Urgenda
localizado na Holanda teve iniacutecio quando uma organizaccedilatildeo da sociedade
civil ingressou com uma accedilatildeo judicial contra o governo e elaborou pedido
principal que o Estado assumisse o dever de reduzir as emissotildees de gases de
efeito estufa em seu territoacuterio nos niacuteveis de 25 e a 40 em 2020 tomando por
base as taxas registradas em 1990 O pedido se respaldou em dados cientiacuteficos
e em obrigaccedilotildees juriacutedico-poliacuteticas assumidas legalmente pela Holanda (HO-
LANDA 2020 p 2)
Em 2019 o caso recebeu decisatildeo procedente para o petitoacuterio confec-
cionado determinando-se a reduccedilatildeo das emissotildees em pelo menos 25 tor-
nando Urgenda exitosa em seu intuito inicial A fundamentaccedilatildeo se alicerccedilou
em pareceres cientiacuteficos sobre o clima e tomou como premissa que o fato de
o Estado holandecircs natildeo alcanccedilar essa reduccedilatildeo coloca em risco a vida e o bem
estar da populaccedilatildeo (HOLANDA 2020 p 5-6)
A litigacircncia climaacutetica tambeacutem possui espaccedilo no continente sul-ameri-
cano Um grupo de jovens colombianos devidamente representados ingres-
sou com uma accedilatildeo para deter o desmatamento na Amazocircnia argumen-
tando os fortes impactos dessa atividade nas emissotildees de gases de efeito es-
tufa e na mudanccedila do clima Em siacutentese o petitoacuterio circundava a criaccedilatildeo de
um pacto intergeracional para a vida da floresta aleacutem de um plano de accedilatildeo
que reduzisse gradativamente a taxa de desflorestamento
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
203
A Corte Suprema Colombiana na trilha do que defende o Direito eco-
loacutegico afirmou a conexatildeo entre a natureza e os direitos fundamentais huma-
nos entendendo que a vulneraccedilatildeo do direito a um ambiente equilibrado
acarreta transgressotildees sobre outros direitos humanos ndash como vida sauacutede li-
berdade e dignidade humana ndash que estatildeo imbricados substancialmente ao
estado saudaacutevel dos ecossistemas naturais (COLOcircMBIA 2018 p 13)
Levando em conta a irreversibilidade do dano e a certeza cientiacutefica que
subsidia a hipoacutetese de aumento de emissatildeo dos gases de efeito estufa no caso
de desflorestamento da cobertura vegetal e sua correlaccedilatildeo disso com a mu-
danccedila do clima o Tribunal avanccedilou sobre os direitos ambientais das futuras
geraccedilotildees sedimentando sua argumentaccedilatildeo no dever eacutetico de solidariedade
e no valor intriacutenseco da natureza (COLOcircMBIA 2018 p 23)
O expressivo avanccedilo da resposta a essa demanda judicial reside no re-
conhecimento do bioma amazocircnico colombiano como sujeito de direitos do-
tado de titularidade de proteccedilatildeo agrave conservaccedilatildeo manutenccedilatildeo e restaura-
ccedilatildeo Isso se tornou estrateacutegia para frear o desmatamento e emissotildees de gases
de efeito estufa emoldurando o pacto pelas garantias fundamentais da flo-
resta
Esses dois exemplos e sobretudo o segundo elucidam a ideia fundante
da ecologizaccedilatildeo do direito fazer com que o direito relacionado ao meio am-
biente atue em uma dimensatildeo equilibrada de interesses na estrutura dos direi-
tos e promova conjuntamente o desenvolvimento humano e ecoloacutegico
Assim cabe ao direito se moldar a partir de uma racionalidade que en-
tenda as liberdades individuais como accedilotildees exercidas em um contexto eco-
loacutegico e social ao mesmo tempo que natildeo afeta apenas o titular do direito
que o pratica
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este artigo reflexionou acerca das ineficiecircncias histoacutericas arraigadas ao
Direito Ambiental vigente demonstrando um cenaacuterio de incapacidade de
concretizar a salvaguarda satisfatoacuteria dos ecossistemas naturais e populaccedilotildees
vulneraacuteveis Isto porque em sua versatildeo atual o Direito Ambiental se limita agrave
ediccedilatildeo formal-legislativa para resolver os problemas factiacuteveis da realidade
enquanto na praacutetica se manteacutem permissivo e subserviente aos interesses do
sistema econocircmico predatoacuterio
Essa situaccedilatildeo endossou a crise ecoloacutegica em curso que tem como
exemplo mais atual a pandemia de COVID-19 e estampa a necessidade de
alterar as bases de relacionalidade entre a humanidade e o meio que devem
ser revisitadas a fim de que se protejam os indiviacuteduos como sujeitos ecoloacutegicos
isto eacute como partes indissociaacuteveis de um sistema natural sejam eles de natu-
reza humana ou natildeo-humana
Em razatildeo disso imperativa a ruptura de paradigma rumo ao Direito Eco-
loacutegico que tem fundamentos juriacutedicos e valorativos mais abrangentes reco-
nhecendo subjetividade aos seres natildeo-humanos e considerando o caraacuteter
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
204
sistecircmico e a complexidade inerentes agrave Natureza de modo a colocar limites
claros e precisos agrave loacutegica crescimentista para balizar as atividades de acordo
com a sustentabilidade ecoloacutegica
As bases fundantes do conceito de justiccedila ecoloacutegica se correspondem
com a noccedilatildeo deste novo direito metamorfoseado rumo agrave ecologizaccedilatildeo Isto
porque reconhece subjetividade juriacutedica agrave natureza e aos animais natildeo huma-
nos buscando alinhar harmonicamente as necessidades humanas e as possi-
bilidades fiacutesicas do entorno ecoloacutegico a partir do paradigma biocecircntrico do
sistema juriacutedico que tutela a interdependecircncia o agente social humano e a
unidade ecoloacutegica
Assim eacute preciso corrigir a trajetoacuteria humana no meio ambiente de modo
a desenvolver uma nova epistemologia que em termos juriacutedicos seja mais ali-
nhada agrave ecologia e propicie o desenvolvimento saudaacutevel de todas as formas
de vida em conjunto vez que apenas em bases cooperativas e horizontais eacute
possiacutevel perpetuar a vida no planeta
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206
O PRINCIacutePIO DA PRECAUCcedilAtildeO
AMBIENTAL COMO PARAcircMETRO AO
EXERCIacuteCIO DA ATIVIDADE ECONOcircMICA
Leon Simotildees de Mello1
Joatildeo Luis Nogueira Matias2
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 141 O princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental e
sua importacircncia no contexto internacional atual 1411 Surgimento
no acircmbito internacional 1412 Conceito e abrangecircncia do princiacutepio
da precauccedilatildeo ambiental 1413 Disciplina do princiacutepio da precau-
ccedilatildeo ambiental no Brasil 142 A atividade econocircmica e sua proteccedilatildeo
constitucional 1421 O livre exerciacutecio da atividade econocircmica na
ordem constitucional 1422 Os riscos da atividade econocircmica e sua
mitigaccedilatildeo 143 A atividade econocircmica sob o prisma do princiacutepio da
precauccedilatildeo 1431 A proteccedilatildeo ambiental como preocupaccedilatildeo basi-
lar da ordem juriacutedica 1432 A precauccedilatildeo e o controle dos riscos am-
bientais da atividade econocircmica 1433 Anaacutelise de julgados do Su-
premo Tribunal Federal acerca do princiacutepio da precauccedilatildeo Conside-
raccedilotildees finais Referecircncias
INTRODUCcedilAtildeO
A partir da segunda metade do seacuteculo XX especialmente nas deacutecadas
de 1960 e 1970 o problema da proteccedilatildeo do meio ambiente e de seus recursos
naturais passou a ser pauta recorrente e importante nas reuniotildees e debates
de oacutergatildeos e entidades internacionais empreendendo-se desde entatildeo pro-
fundas discussotildees estudos e pesquisas multidisciplinares acerca do tema
A transiccedilatildeo para a conscientizaccedilatildeo acerca da necessidade de prote-
ccedilatildeo ao meio ambiente se deu no contexto das grandes mudanccedilas econocircmi-
cas e tecnoloacutegicos ocasionadas pela Revoluccedilatildeo Industrial ao longo dos uacutelti-
mos seacuteculos (TRENNEPOHL 2010 p 10) do que decorreu a atual era da pro-
duccedilatildeo e do consumo em massa em escala global Ademais as novas tecno-
logias e os novos processos produtivos propiciaram um maior controle do ser
humano sobre a mateacuteria inimaginaacutevel em outras eacutepocas fornecendo ao ho-
mem grandes meios de transformaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo do ambiente natural
Assim a referida preocupaccedilatildeo com proteccedilatildeo ambiental para as atuais
e futuras geraccedilotildees decorreu da compreensatildeo do homem de que os recursos
naturais natildeo satildeo inesgotaacuteveis bem como da percepccedilatildeo de que as atividades
1 Mestrando em Direito na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Cearaacute
E-mail leonmellobragalincolnadvbr
2 Professor Titular dos Programas de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC e da UNI7
E-mail joaomatiasuni7edubr
14
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
207
humanas poderiam trazer riscos agrave conservaccedilatildeo e agrave subsistecircncia do meio am-
biente em seus mais variados aspectos ndash como a fauna a flora e os biomas ndash
inclusive em relaccedilatildeo agrave proacutepria sobrevivecircncia do ser humano na Terra
Logo paralelamente ao surgimento de um imperativo global de pre-
venccedilatildeo aos danos ambientes derivados de atividades reconhecidamente no-
civas como confluecircncia da percepccedilatildeo acerca do grande e cada vez mais
vertiginoso desenvolvimento tecnoloacutegico e cientiacutefico da compreensatildeo da
existecircncia de graves riscos ao ambiente e aos seres humanos decorrentes das
atividades humanas e da assimilaccedilatildeo quanto agrave importacircncia da proteccedilatildeo ao
meio ambiente tem-se a formulaccedilatildeo do princiacutepio juriacutedico de precauccedilatildeo vol-
tado agrave necessidade de salvaguarda contra riscos graves e irreversiacuteveis decor-
rentes da atuaccedilatildeo humana como forma de proteccedilatildeo a situaccedilotildees em que a
incerteza cientiacutefica natildeo possibilita uma seguranccedila quanto aos potenciais da-
nos de um determinado curso de accedilatildeo
O decliacutenio da ideia de controle e de certeza da ciecircncia ocorrido nas
uacuteltimas deacutecadas em decorrecircncia da mudanccedila de paradigma da crenccedila ab-
soluta na ciecircncia para uma ldquociecircncia humanizadardquo (MORAES 2011 p 21) im-
pulsionou a relevacircncia e a necessidade de previsatildeo e aplicaccedilatildeo do princiacutepio
da precauccedilatildeo ambiental nos ordenamentos juriacutedicos das naccedilotildees assim como
no acircmbito dos tratados e convenccedilotildees internacionais considerando que os ris-
cos das atividades humanas atualmente satildeo de acircmbito global ultrapas-
sando quaisquer fronteiras poliacuteticas
Ao mesmo tempo as relaccedilotildees econocircmicas e sociais prevalentes no
mundo atual satildeo fundadas no modelo capitalista tendente agrave prevalecircncia de
interesses individuais e de curto prazo bem como tencionado a uma expan-
satildeo contiacutenua e ilimitada De outra sorte reconhece-se que o desenvolvimento
econocircmico eacute essencial para a maximizaccedilatildeo da riqueza e do bem-estar da
humanidade (PEIXOTO 2014 p 33)
A relevacircncia da anaacutelise do princiacutepio da precauccedilatildeo se mostra portanto
cada vez maior considerando o atual panorama de incertezas cientiacuteficas e o
aumento da percepccedilatildeo de risco da sociedade quanto a vaacuterios aspectos da
proteccedilatildeo da vida humana e do meio ambiente A importacircncia reside igual-
mente na necessidade de indagaccedilotildees quanto agrave conceituaccedilatildeo e agrave abran-
gecircncia do referido princiacutepio e a harmonia entre a precauccedilatildeo e o exerciacutecio da
atividade econocircmica pontos estes que seratildeo focados neste trabalho
Busca-se por via da anaacutelise bibliograacutefico de obras que enfoquem o prin-
ciacutepio da precauccedilatildeo ambiental eminentemente no acircmbito nacional respon-
der as principais perguntas acerca do tema qual o conteuacutedo de tal princiacutepio
e o que exatamente ele protege O princiacutepio foi previsto no ordenamento
juriacutedico brasileiro Este princiacutepio se coaduna com outro princiacutepio constitucional
paacutetrio o da livre iniciativa Qual a efetividade de tal princiacutepio no contexto do
Estado brasileiro
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
208
141 O PRINCIacutePIO DA PRECAUCcedilAtildeO AMBIENTAL E SUA
IMPORTAcircNCIA NO CONTEXTO INTERNACIONAL ATUAL
De forma a melhor analisar o princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental neces-
saacuterio se faz perquirir sobre o nuacutecleo do conceito de precauccedilatildeo e seu surgi-
mento no acircmbito da proteccedilatildeo ao meio ambiente bem como discutir sobre a
correta abrangecircncia do princiacutepio perquirindo sobre as concepccedilotildees de risco
ensejadoras da aplicaccedilatildeo da norma de precauccedilatildeo
Aleacutem disso a histoacuteria da internalizaccedilatildeo do princiacutepio no Brasil e o exame
dos dispositivos normativos que consubstanciam o princiacutepio da precauccedilatildeo na
legislaccedilatildeo paacutetria seratildeo importantes para se verificar o modo e a extensatildeo de
aplicaccedilatildeo no ordenamento nacional da referida norma principioloacutegica
1411 Surgimento no acircmbito internacional
O estudo do princiacutepio da precauccedilatildeo natildeo pode prescindir mesmo que
sumariamente de uma anaacutelise acerca da ideia de ldquoriscordquo que eacute base para a
incidecircncia da busca por precauccedilatildeo natildeo haacute o que se precaver sem a existecircn-
cia de um dado risco ou sem a sua percepccedilatildeo
A definiccedilatildeo etimoloacutegica de ldquoriscordquo perpasse pela origem italiana da pa-
lavra ldquo[] risicare ou rischiare que significa lsquoousarrsquo lsquoaventurar-sersquo []rdquo (MO-
RAES 2011 p 37) que remonta ao periacuteodo inicial das navegaccedilotildees mariacutetimas
na Renascenccedila sendo utilizada para designar um infortuacutenio advindo de ato
natural ou divino isto eacute independente da vontade humana (MORAES 2011
p 37) Uma situaccedilatildeo de risco ou a exposiccedilatildeo ao risco portanto exprime a
ideia de possibilidade ou probabilidade de desfecho desfavoraacutevel ao curso
de accedilatildeo ou omissatildeo tomado Em certa medida o conceito de ldquoriscordquo eacute iacutensito
agrave noccedilatildeo de tomada de decisatildeo jaacute que natildeo satildeo possiacuteveis a previsatildeo e o con-
trole pelo homem de todas as consequecircncias de suas accedilotildees
A percepccedilatildeo quanto aos riscos advindos do comportamento humano
natildeo eacute estanque modificando-se ao longo do tempo conforme a transforma-
ccedilatildeo da cosmovisatildeo do homem Desta forma para uma mesma situaccedilatildeo a
percepccedilatildeo de risco pode ser bastante distinta para pessoas de culturas ou
eacutepocas diferentes
Assim passou-se com o grande desenvolvimento tecnoloacutegico cientiacute-
fico e econocircmico dos uacuteltimos seacuteculos a uma percepccedilatildeo ldquohumanizadardquo e
ldquoglobalizadardquo dos riscos ndash em oposiccedilatildeo agrave anterior visatildeo ldquodivinizadardquo e ldquolocalrdquo
a compreensatildeo da potencialidade e da gravidade da accedilatildeo transformadora
do homem sobre a natureza e sobre as proacuteprias vidas humanas transforma na
modernidade a apreensatildeo dos riscos existente nas accedilotildees humanas
Estes novos riscos qualificados como modernos satildeo uma conse-
quumlecircncia da atividade tecnoloacutegica Beck menciona efeitos colate-
rais para referir-se aos efeitos secundaacuterios invisiacuteveis que vecircm com a
inovaccedilatildeo tecnoloacutegica aos quais eacute necessaacuterio adaptar-se O desen-
volvimento tecnoloacutegico principalmente aquele proporcionado pelo
ldquo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
209
modelo cientiacutefico ocidental estaacute na origem do desenvolvimento des-
ses novos riscos (BRUNET DELVENNE JORIS 2011 p 181)
Em sua obra Beck (2011 p 39) aduz que os ldquoriscosrdquo tecircm ldquo[] fundamen-
talmente que ver com antecipaccedilatildeo com destruiccedilotildees que ainda natildeo ocorre-
ram mas que satildeo iminentes e que justamente nesse sentido jaacute satildeo reais
hojerdquo Haacute entatildeo como produto da modernidade uma percepccedilatildeo de risco
da accedilatildeo humana inexistente nas eacutepocas anteriores do que decorre a origem
da construccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo
O embriatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental eacute identificado por
Sunstein (2005 p 16) na legislaccedilatildeo sueca de proteccedilatildeo ambiental de 1969 ao
passo que por volta do mesmo periacuteodo a Alemanha Ocidental sanciona
norma protetiva com base no mesmo princiacutepio
Apesar de sensata associaccedilatildeo da precauccedilatildeo com a prudecircncia aris-
toteacutelica entendemos ser o instituto na sua forma mais desenvolvida
criaccedilatildeo do direito ambiental alematildeo sendo trabalhada inicialmente
com ecircnfase na aacuterea da regulaccedilatildeo da emissatildeo de poluiccedilatildeo na Ale-
manha Ocidental sob a denominaccedilatildeo de Vorsorgeprinzip A medida
era empregada entatildeo visando coibir a accedilatildeo dos poluentes sobre a
cobertura arboacuterea do territoacuterio tedesco poreacutem tinha tambeacutem aplica-
ccedilatildeo em outras aacutereas do direito ambiental Sua positivaccedilatildeo naquele
paiacutes deu-se no iniacutecio dos anos oitenta do seacuteculo passado muito em-
bora o instituto jaacute houvesse sido gestado desde a deacutecada seguinte
(HARTMANN 2012 p 157)
Em decorrecircncia de sua importacircncia em face dos novos cenaacuterios de ris-
cos internacionais o princiacutepio da precauccedilatildeo passa a ser objeto de vaacuterios tra-
tados e convenccedilotildees internacionais a partir da deacutecada de 1980 Em 1982 a
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas emitiu a Carta Mundial da Natureza a qual
previu em seu item ldquoII10ardquo o princiacutepio da precauccedilatildeo (ORGANIZACcedilAtildeO DAS
NACcedilOtildeES UNIDAS 1982) Na Conferecircncia das Naccedilotildees Unidas sobre Meio Ambi-
ente e Desenvolvimento de 1992 foi aprovada a Declaraccedilatildeo do Rio de Ja-
neiro na qual em seu Princiacutepio 15 apresentou-se uma conceituaccedilatildeo do prin-
ciacutepio da precauccedilatildeo3
Apoacutes os referidos marcos histoacutericos dada a sua importacircncia o princiacutepio
da precauccedilatildeo foi previsto em diversos outros tratados e convenccedilotildees interna-
cionais sendo igualmente internalizado no ordenamento juriacutedico brasileiro
como seraacute visto em toacutepico pertinente abaixo
3 ldquoCom o fim de proteger o meio ambiente o princiacutepio da precauccedilatildeo deveraacute ser ampla-
mente observado pelos Estados de acordo com suas capacidades Quando houver ame-
accedila de danos graves ou irreversiacuteveis a ausecircncia de certeza cientiacutefica absoluta natildeo seraacute
utilizada como razatildeo para o adiamento de medidas economicamente viaacuteveis para pre-
venir a degradaccedilatildeo ambientalrdquo (MORAES 2011 p 91)
ldquo
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1412 Conceito e abrangecircncia do princiacutepio da precauccedilatildeo
ambiental
Em face das formulaccedilotildees do princiacutepio da precauccedilatildeo nos tratados e
convenccedilotildees internacionais realizadas no fim do uacuteltimo seacuteculo muitos estudio-
sos do tema se debruccedilaram sobre a verdadeira abrangecircncia de tal princiacutepio
investigando para tanto as noccedilotildees baacutesicas sobre as quais o princiacutepio de ba-
seia como quais os niacuteveis de risco incerteza cientiacutefica possibilidade e gravi-
dade de dano a ensejarem a aplicaccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo a uma
dada accedilatildeo
Haacute enorme relevacircncia neste ponto conceitual pois a depender da
compreensatildeo sobre a real dimensatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo concluir-se-
aacute por diferentes respostas normativas a diversas situaccedilotildees faacuteticas relevantes
Em introduccedilatildeo ao seu trabalho sobre o tema Sunstein (2005 p 14) com
base em sua anaacutelise das concepccedilotildees sobre o princiacutepio em tratados e prece-
dentes de cortes internacionais critica o que seria uma incoerecircncia na formu-
laccedilatildeo mais abrangente do princiacutepio da precauccedilatildeo (nomeada de ldquoconceito
forterdquo) que encerraria dentro da conceituaccedilatildeo principioloacutegica a impossibili-
dade de accedilatildeo em caso de simples probabilidade de dano ao meio ambiente
mesmo que diminuto ateacute que o agente comprove cientificamente a inexis-
tecircncia de qualquer risco em sua conduta
Desta forma impor a inaccedilatildeo sobre patamares em que inexiste a miacutenima
comprovaccedilatildeo de possibilidade de graves danos ao meio ambiente e que o
agente tenha que se desincumbir da carga probatoacuteria da certeza cientiacutefica
da inexistecircncia de riscos de sua accedilatildeo levaria a uma paralisaccedilatildeo de diversas
atividades humanas o que por sua vez traria vaacuterios outros riscos aos proacuteprios
bens juriacutedicos que o princiacutepio da precauccedilatildeo visa resguardar como a proteccedilatildeo
ao meio ambiente e ao ser humano (STEEL 2015 p 3) Visto por sua concep-
ccedilatildeo forte o princiacutepio natildeo seria um guia adequado para chegar ao objetivo
que ele se propotildee (SUNSTEIN 2005 p 14)
O ldquoconceito fracordquo eacute a proposiccedilatildeo de que o princiacutepio abrangeria o de-
ver de interferecircncia em situaccedilotildees em que existindo a possibilidade de graves
e irreparaacuteveis danos ao meio ambiente a ausecircncia de certeza cientiacutefica
quanto ao nexo entre os possiacuteveis danos e a accedilatildeo humana natildeo pode servir
de fundamento para a inaccedilatildeo quanto agrave proteccedilatildeo ambienta Desta forma
natildeo se exigiria a certeza cientiacutefica de inexistecircncia de risco para que o agente
pratique uma dada conduta considerando que o risco eacute inerente agrave accedilatildeo hu-
mana sendo utoacutepico se pensar em eliminaccedilatildeo total do risco da atividade
econocircmica (HAMMERSCHMIDT 2002 p 118)
A siacutentese que se faz das duas ideias acima eacute que o princiacutepio da precau-
ccedilatildeo deve ser concebido de forma a natildeo se modificarem os riscos a serem
precavidos com a aplicaccedilatildeo da referida norma por outros tipos de riscos de-
correntes de uma aplicaccedilatildeo estagnante do princiacutepio do que decorria graves
prejuiacutezos agrave sociedade sob a justificativa de mitigaccedilatildeo de virtuais danos que
poderiam natildeo se concretizar ou mesmo existir
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
211
Ao mesmo tempo o princiacutepio natildeo pode ser tomado de forma minora-
tiva pois como jaacute visto a capacidade danosa da atividade e dos produtos
desenvolvidos pelo homem torna imperativo o dever de salvaguardar o meio
ambiente e a coletividade contra riscos incertos sob pena de esvaziamento
do nuacutecleo do princiacutepio em detrimento da proteccedilatildeo objetivada Assim conclui
Moraes (2011 p 108) ldquo[] o princiacutepio da precauccedilatildeo teve origem e se desen-
volve em uma sociedade de risco que natildeo pode mais se utilizar de institutos e
pilares claacutessicos do direito tais como o da responsabilidade (a posteriori) do
danordquo
Sendo o princiacutepio abstrato por sua proacutepria natureza natildeo possuindo em
si resposta pronta para diversas situaccedilotildees praacuteticas importante seraacute o papel de
outro princiacutepio o da proporcionalidade para a satisfatoacuteria aplicaccedilatildeo da
norma de precauccedilatildeo perquirindo a correspondecircncia entre a intervenccedilatildeo na
atividade humana e a plausibilidade e gravidade do potencial dano (STEEL
2015 p 10)
1413 Disciplina do princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental no
Brasil
O princiacutepio da precauccedilatildeo eacute identificado pela primeira vez na legislaccedilatildeo
nacional na Lei nordm 6938 de 31 de agosto de 1981 que instituiu a Poliacutetica Naci-
onal do Meio Ambiente especificamente no artigo 9ordm inciso III em que se
prevecirc como instrumento de tal poliacutetica a avaliaccedilatildeo de impactos ambientais
Em decorrecircncia da referida lei foi publicada a Resoluccedilatildeo nordm 001 de 23 de
janeiro de 1986 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) regu-
lamentando a anaacutelise de impactos ambientais em seu artigo 6ordm inciso II sendo
este um importante instrumento na verificaccedilatildeo da potencialidade lesiva das
atividades econocircmicas (MALAQUIAS HALICKI VENERAL 2011 p 7)
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 225 sect 1ordm inciso IV prevecirc
a necessidade de estudo preacutevio de impacto ambiental para a instalaccedilatildeo de
obra ou atividade potencialmente geradoras de significativa degradaccedilatildeo ao
meio ambiente a que se daraacute publicidade consagrando assim em caraacuteter
constitucional o instrumento de anaacutelise de impacto ambiental previsto na lei
acima citada
Este instrumento elevado ao texto constitucional eacute tomado como co-
rolaacuterio do princiacutepio da precauccedilatildeo do que resultaria no reconhecimento pelo
constituinte originaacuterio do caraacuteter constitucional do princiacutepio da precauccedilatildeo
ambiental mesmo que de forma impliacutecita (HARTMANN 2012 p 158)
O princiacutepio tambeacutem eacute reconhecido em outros textos legais paacutetrios
como na Lei de Crimes Ambientais (Lei nordm 9605 de 12 de fevereiro de 1998)
em seu artigo 54 sect 3ordm que estabelece puniccedilatildeo do agente poluidor quando
este natildeo adotar as medidas de precauccedilatildeo exigidas pela autoridade compe-
tente em caso de exerciacutecio de atividade potencialmente causadora de
dano ambiental grave e irreversiacutevel
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
212
A Lei da Biosseguranccedila (Lei nordm 11105 de 24 de marccedilo de 2005) consa-
grou expressamente no ordenamento paacutetrio o princiacutepio da precauccedilatildeo am-
biental sendo este um importante marco legislativo quanto agrave mateacuteria
Verifica-se entatildeo a importacircncia instrumental do Estudo de Impacto
Ambiental no nosso ordenamento juriacutedico como forma de concretizaccedilatildeo
pela administraccedilatildeo puacuteblica do princiacutepio da precauccedilatildeo especialmente no
que tange agrave atividade econocircmica que somente poderaacute ser desenvolvida
em caso de atividades potencialmente danosas ao meio ambiente ou agrave sa-
uacutede puacuteblica em consonacircncia com as determinaccedilotildees dos oacutergatildeos puacuteblicos am-
bientais
Percebe-se que o princiacutepio da precauccedilatildeo natildeo foi conceituado de
forma detalhada ao contraacuterio as previsotildees do princiacutepio satildeo quando natildeo im-
pliacutecitas apenas sumaacuterias Desta forma seraacute importante a anaacutelise da atividade
judicial acerca do tema o que seraacute feito em momento oportuno
142 A ATIVIDADE ECONOcircMICA E SUA PROTECcedilAtildeO
CONSTITUCIONAL
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em diversos dispositivos dos quais o mais
eloquente eacute o artigo 170 disciplina a ordem econocircmica por meio da qual a
sociedade deve buscar os objetivos tambeacutem constitucionais de assegurar
uma existecircncia digna a todos conforme os ditames da justiccedila social
Para tanto a Constituiccedilatildeo estabelece proteccedilatildeo constitucional agraves liber-
dades que devem servir de base agrave tal ordem econocircmica como o direito agrave
propriedade privada a livre concorrecircncia e a liberdade de exerciacutecio de qual-
quer atividade econocircmica Por outro lado a proacutepria Constituiccedilatildeo estabelece
limites e condiccedilotildees para o exerciacutecio dos mencionados direitos ldquoeconocircmicosrdquo
sendo as normas de proteccedilatildeo ao meio ambiente um importante balizador de
tais atividades
1421 O livre exerciacutecio de atividade econocircmica na ordem
constitucional
A ordem econocircmica na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 como salientado
por Grau (2010 p 72-73) tem por base os primados do sistema capitalista ao
mesmo tempo que haacute o estabelecimento de mecanismos intervencionistas na
seara econocircmica As normas dos artigos 1ordm inciso IV e do 3ordm inciso II e III da
Constituiccedilatildeo afirmam os valores do trabalho e da livre iniciativa como funda-
mentos do Estado brasileiro bem como o desenvolvimento nacional e a erra-
dicaccedilatildeo da pobreza como objetivos fundamentais da Repuacuteblica
O artigo 170 da Constituiccedilatildeo com acima citado aduz que a ordem
econocircmica eacute fundada na valorizaccedilatildeo do trabalho e na livre iniciativa bus-
cando assegurar a todos uma existecircncia digna
Ademais deve-se delinear que a atividade econocircmica eacute definida de
forma indireta pelo artigo 173 sect 1ordm da Constituiccedilatildeo Federal que aduz ser esta
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
213
a atividade de produccedilatildeo ou comercializaccedilatildeo de bens e serviccedilos tal conceito
deve ser tomado de forma abrangente de forma a incidir aleacutem dos direitos
protetivos ao exerciacutecio de tais atividades os deveres juriacutedicos pertinentes a
estas
Verifica-se entatildeo uma clara proteccedilatildeo constitucional ao exerciacutecio da
atividade econocircmica como meio de consecuccedilatildeo de objetivos fundamentais
da Repuacuteblica estabelecidos pelo poder constituinte originaacuterio como o desen-
volvimento nacional e a digna existecircncia a todos com a erradicaccedilatildeo da po-
breza4
1422 Os riscos da atividade econocircmica e sua mitigaccedilatildeo
As liberdades econocircmicas sem limitaccedilotildees ou condicionantes para seu
exerciacutecio foram causas de diversos riscos sociais e ambientais concretizados
ou natildeo nos uacuteltimos seacuteculos especialmente durante o primado da ordem libe-
ral estabelecida como ordem predominante apoacutes revoluccedilotildees liberais do fim
do seacuteculo XVIII Diante das criacuteticas agrave ordem liberal e agraves suas consequecircncias
haacute a passagem ao paradigma do Estado Social havendo uma maior inter-
venccedilatildeo do Estado em diversos aspectos da sociedade (BONAVIDES 2004 p
35-37)
Dentro do desenvolvimento do paradigma do Estado Social eacute que se
verifica a nova funccedilatildeo interventiva do Estado na seara econocircmica ressal-
tando-se para os fins deste trabalho a proteccedilatildeo ambiental Portanto parale-
lamente agraves liberdades econocircmicas a Constituiccedilatildeo Federal condiciona o exer-
ciacutecio de tais atividades a objetivos e princiacutepios tambeacutem essenciais agrave socie-
dade como a proteccedilatildeo ao meio ambiente
Ao contraacuterio a Constituiccedilatildeo tambeacutem atribuiu agrave livre iniciativa o status
de fundamento constitucional garantindo a produccedilatildeo e circulaccedilatildeo
de riquezas O objetivo eacute um desenvolvimento sustentaacutevel limitando
o exerciacutecio da livre iniciativa para atingir o equiliacutebrio entre o desen-
volvimento e a sadia qualidade de vida
Sarlet e Fensterseifer (2013) esclarecem que os deveres fundamentais
implicam limites e restriccedilotildees sendo imprescindiacutevel a aplicaccedilatildeo do
princiacutepio da proporcionalidade Deve-se analisar os danos que a ati-
vidade iraacute causar em comparaccedilatildeo aos benefiacutecios agrave coletividade Re-
alizar uma ponderaccedilatildeo de princiacutepios
A livre iniciativa natildeo legitima o exerciacutecio da atividade econocircmica de
forma desenfreada sendo limitada pelo princiacutepio da preservaccedilatildeo do
meio ambiente Em contrapartida o dever de preservaccedilatildeo do meio
4 ldquoOs princiacutepios de estiacutemulo ao desenvolvimento econocircmico traduzidos pelo fortalecimento
e expansatildeo dos fatores da produccedilatildeo pelo aumento do niacutevel de emprego do desenvolvi-
mento da tecnologia e pelo aumento da quantidade e variedade de produtos no mer-
cado ndash com a elevaccedilatildeo do poder aquisitivo e do valor do investimento ndash estatildeo presentes
na Constituiccedilatildeo brasileira refletindo as bases normativas do desenvolvimento do Estado
brasileirordquo (DERANI 2008 p 224)
ldquo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
214
ambiente natildeo legitima uma preservaccedilatildeo radical cega (PEIXOTO
2014 p 29-30)
O princiacutepio da proteccedilatildeo ambiental em verdade
[] conforma a ordem econocircmica (mundo do ser) informando subs-
tancialmente os princiacutepios da garantia do desenvolvimento e do
pleno emprego Aleacutem de objetivo em si eacute instrumento necessaacuterio mdash
e indispensaacutevel mdash agrave realizaccedilatildeo do fim dessa ordem o de assegurar a
todos existecircncia digna Nutre tambeacutem ademais os ditames da jus-
ticcedila social Todos tecircm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado bem de uso comum do povo mdash diz o art 225 caput
(GRAU 2010 p 256)
Assim o desenvolvimento econocircmico e a proteccedilatildeo ambiental satildeo am-
bos objetivos da sociedade nacional que natildeo devem se excluir mutuamente
mas devem conviver em harmonia no bojo de nosso ordenamento juriacutedico
sendo muitas vezes tarefa tormentosa a avaliccedilatildeo precisa dos limites do acircm-
bito de cada princiacutepio constitucional em dado caso concreto
De toda forma a proteccedilatildeo ambiental em decorrecircncia da contiacutenua de-
gradaccedilatildeo do meio ambiente e da potencialidade lesiva das atividades eco-
nocircmicas deve ser tomada como princiacutepio norteador da atividade humana
especialmente quanto ao desenvolvimento econocircmico jaacute que a danificaccedilatildeo
contiacutenua ou mesmo a supressatildeo dos bens ambientais impossibilitaraacute o cum-
primento dos objetivos econocircmicos e sociais da naccedilatildeo natildeo haacute como se ter
uma existecircncia digna sem um ambiente minimamente protegido
Essa ideia eacute especialmente presente no princiacutepio da precauccedilatildeo jaacute que
este lida com a proteccedilatildeo a situaccedilotildees de incerteza cientiacutefica da atividade hu-
mana e de potencialidade de riscos graves e irreversiacuteveis ao meio ambiente
devendo-se complementar ao imperativo do livre exerciacutecio da atividade eco-
nocircmica o dever de necessaacuteria precauccedilatildeo ambiental
O alcance deste princiacutepio depende substancialmente da forma e da
extensatildeo da cautela econocircmica correspondente a sua realizaccedilatildeo
Especificamente naquilo concernente agraves disposiccedilotildees relativas ao
grau de exigecircncia para implementaccedilatildeo de melhor tecnologia e ao
tratamento corretivo da atividade inicialmente poluidora (DERANI
2008 p 152)
Deve-se ter o cuidado por outro lado de natildeo subordinar o direito ao
exerciacutecio da atividade econocircmica como preceito meramente secundaacuterio em
relaccedilatildeo agrave proteccedilatildeo ambiental do que poderia decorre aleacutem de asfixiamento
dos princiacutepios protetivos agrave livre iniciativa riscos e problemas de ordem social
a descambar em um grau elevado em risco agrave proacutepria proteccedilatildeo ambiental
O direito fundamental de proteccedilatildeo ao meio ambiente constitui um
verdadeiro limitador do direito de propriedade e da livre iniciativa
condicionando os agentes econocircmicos a realizarem comportamen-
tos positivos e negativos para exercerem sua atividade
ldquo
ldquo
ldquo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
215
Essa limitaccedilatildeo todavia demanda cautela Natildeo se pode dar uma in-
terpretaccedilatildeo irrestrita a esse direito impedindo a realizaccedilatildeo de qual-
quer atividade sob alegaccedilatildeo de dano ao meio ambiente A ativi-
dade econocircmica por via de regra eacute degradadora Uma interpreta-
ccedilatildeo radical do dever de preservar o meio ambiente acarretaria a
estagnaccedilatildeo do desenvolvimento econocircmico o que certamente natildeo
eacute a intenccedilatildeo do constituinte O direito ambiental brasileiro jamais teraacute
como finalidade frear o desenvolvimento econocircmico pois isso so-
mente ocasionaria maiores danos agrave natureza e a sociedade com o
aumento da miseacuteria (PEIXOTO 2014 p 29)
Cumpre analisar portanto na ordem juriacutedica paacutetria a aplicaccedilatildeo do
princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental em relaccedilatildeo ao exerciacutecio da atividade eco-
nocircmica
143 A ATIVIDADE ECONOcircMICA SOB O PRISMA DO PRINCIacutePIO DA
PRECAUCcedilAtildeO
O nuacutecleo da investigaccedilatildeo deste trabalho se assenta na intersecccedilatildeo en-
tre as duas proteccedilotildees constitucionais jaacute expostas acima isto eacute na inter-relaccedilatildeo
das normas juriacutedicas de defesa do meio ambiente via princiacutepio da precau-
ccedilatildeo e de salvaguarda ao livre exerciacutecio da atividade econocircmica
Os principais aspectos que subjazem a presente anaacutelise satildeo aqueles re-
ferentes agrave dimensatildeo protetiva no ordenamento paacutetrio dada aos dois bens
envolvidos na questatildeo agrave liberdade de accedilatildeo para fins de desenvolvimento
econocircmico da sociedade e ao meio ambiente em todas as suas perspectivas
tema este jaacute visto em parte ao longo deste trabalho Aleacutem da anaacutelise aprio-
riacutestica de proteccedilatildeo juriacutedica dos referidos bens importa verificar no plano da
concretude dos precedentes da Suprema Corte o modo de entendimento e
aplicaccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo em casos envolvendo o exerciacutecio da
atividade econocircmica
1431 A proteccedilatildeo ambiental como preocupaccedilatildeo basilar da
ordem juriacutedica
Natildeo resta duacutevida que a proteccedilatildeo ao meio ambiente eacute princiacutepio caro ao
ordenamento juriacutedico paacutetrio elevado por via do artigo 225 e demais disposi-
tivos a princiacutepio e objetivo constitucional inclusive sendo reconhecido como
um ldquodireito-deverrdquo fundamental (SARLET FENSTERSEIFER 2012 p 144-145)
Diante da importacircncia e urgecircncia da proteccedilatildeo ao meio ambiente
mesmo sob o prisma essencialmente antropocecircntrico ndash voltado agrave preservaccedilatildeo
para as futuras geraccedilatildeo e para o natildeo esgotamento dos recursos naturais utili-
zados pelo homem5 ndash encampa-se na literatura juriacutedica atual tal proteccedilatildeo
5 Do ponto de vista juriacutedico a natureza tem sido considerada ora como objeto ora como
sujeito Nestes uacuteltimos anos afirma Antocircnio Herman V Benjamin lsquovem ganhando forccedila a
tese de que um dos objetivos do Direito Ambiental eacute a proteccedilatildeo da biodiversidade (fauna
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
216
como dever basilar da ordem juriacutedica6 Haveria assim uma novo paradigma
juriacutedico-poliacutetico em sequecircncia ao Estado Social afigurando-se o Estado Soci-
oambiental de Direito incluindo-se os deveres ecoloacutegicos como fundamento
e objetivo do Estado (SARLET FENSTERSEIFER 2012 p 46)
Assim balizando-se a liberdade de empreender pela norma fundamen-
tal de proteccedilatildeo ambiental haacute que se considerar liacutecita apenas as atividades
exercidas em conformidade com o ordenamento protetivo ambiental
Como perfeitamente assevera o professor Grau inexiste proteccedilatildeo
constitucional agrave ordem econocircmica que sacrifique o meio ambiente
Desenvolvimento econocircmico do Estado brasileiro subentende um
aquecimento da atividade econocircmica dentro de uma poliacutetica de
uso sustentaacutevel dos recursos naturais objetivando um aumento de
qualidade de vida que natildeo se reduz a um aumento do poder de
consumo
Desenvolvimento econocircmico eacute garantia de um melhor niacutevel de vida
coordenada com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo de renda e de condiccedilotildees
de vida mais saudaacuteveis A medida de renda per capita natildeo se mostra
como o mais apropriado indicador do desenvolvimento econocircmico
compreendido pela ordem econocircmica constitucional O grau de de-
senvolvimento eacute aferido sobretudo pelas condiccedilotildees materiais de que
dispotildee uma populaccedilatildeo para o seu bem-estar (DERANI 2008 p 226)
Desta forma ao direito de exerciacutecio da atividade econocircmica incide o
especial e importante dever de proteccedilatildeo ao meio ambiente sendo que no
que tange especificamente ao princiacutepio da precauccedilatildeo ambiente os riscos de
atividades potencialmente lesivas devem ser gerenciados por mecanismos le-
gais e sociais a resguardarem o meio ambiente da ocorrecircncia de danos vi-
sando a adequar os riscos agrave seguranccedila da populaccedilatildeo em geral e do meio
ambiente conforme analisado no toacutepico seguinte
1432 A precauccedilatildeo e o controle dos riscos ambientais da
atividade econocircmica
Verifica-se atualmente que haacute um aumento da percepccedilatildeo dos riscos
da atividade econocircmica pela sociedade como consequecircncia do acolhi-
mento social do imperativo de proteccedilatildeo ambiental ndash e do reconhecimento
flora e ecossistemas) sob uma diferente perspectiva a natureza como titular de valor juriacute-
dico per se ou proacuteprio vale dizer exigindo por forccedila de profundos argumentos eacuteticos e
ecoloacutegicos proteccedilatildeo independentemente de sua utilidade econocircmico-sanitaacuteria direta
para o homem (SIRVINSKAS 2018 p 80)
6 ldquoNatildeo se pode conceber a vida -- com dignidade e sauacutede -- sem um ambiente natural
saudaacutevel e equilibrado A vida e a sauacutede humanas (ou como refere o caput do art 225 da
CF88 conjugando tais valores a sadia qualidade de vida) soacute estatildeo asseguradas no acircmbito
de determinados padrotildees ecoloacutegicos O ambiente estaacute presente nas questotildees mais vitais
e elementares da condiccedilatildeo humana aleacutem de ser essencial agrave sobrevivecircncia do ser humano
como espeacutecie naturalrdquo (SARLET FENSTERSEIFER 2012 p 41)
ldquo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
217
do proacuteprio princiacutepio da precauccedilatildeo bem como pela maior sofisticaccedilatildeo e rapi-
dez dos meios de comunicaccedilatildeo (MALAQUIAS HALICKI VENERAL 2011 p 11-
12)
Antes de examinar os mecanismos de atuaccedilatildeo do Estado brasileiro na
aplicaccedilatildeo do referido princiacutepio importante frisar as repercussotildees da proteccedilatildeo
ambiental no cenaacuterio mercadoloacutegico atual Verifica-se cada vez mais a in-
troduccedilatildeo de praacuteticas visando a maior transparecircncia e a utilizaccedilatildeo indicadores
socioambientais na gestatildeo de empresas especialmente nos maiores empre-
endimentos cujo impacto ambiental satildeo tomados como consideraacuteveis pela
sociedade
Ademais diversas empresas procuram fomentar a responsabilidade so-
cioambiental dos empreendimentos como forma de crescimento estrateacute-
gico7 conformando a atividade exercida com as preocupaccedilotildees envolvendo
o desenvolvimento sustentaacutevel indo aleacutem das imposiccedilotildees normativas (MO-
RAES 2011 p 97)
A preocupaccedilatildeo com a responsabilidade socioambiental e a utilizaccedilatildeo
dos referidos indicadores socioambientais satildeo medidas vistas muitas vezes
apenas como meio de publicidade e de melhor posicionamento de marca
natildeo sendo tomadas como instrumentos de real mudanccedila na proteccedilatildeo ambi-
ental e na gestatildeo dos riscos da atividade econocircmica todavia estudos apon-
tam que a preocupaccedilatildeo com a sustentabilidade pode gerar ganhos conside-
raacuteveis ao empreendimento aleacutem da mera publicidade (MALAQUIAS HALICKI
VENERAL 2011 p 12 e CARP Mihai et al 2019 p 17)8
No que pese a importacircncia da gestatildeo dos riscos da atividade econocirc-
mica pelo setor produtivo com base na pressatildeo social a atuaccedilatildeo estatal se
mostra essencial agrave aplicaccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo no ordenamento ju-
riacutedico paacutetrio a impedir abusos e praacuteticas extremamente danosas ao meio am-
biente que sob a justificativa da necessidade de desenvolvimento econocirc-
mico nacional ainda subsistem (CAPOBIANCO 2020)
O Estado se incumbe de concretizar o princiacutepio constitucional da pre-
cauccedilatildeo ambiental por via dos seus trecircs poderes cumprindo analisar a com-
petecircncia e a importacircncia de cada um deles na aplicaccedilatildeo do citado princiacute-
pio9
7 ldquoRessalvando que funccedilatildeo social da empresa e responsabilidade social natildeo satildeo termos si-
nocircnimos e expressam realidades diversas ter maior lucratividade pode ser um estiacutemulo a
que as empresas pratiquem condutas socialmente responsaacuteveis bem como praticar con-
dutas socialmente responsaacuteveis pode conferir maior lucratividade agraves empresas depen-
dendo do mercado em que atuamrdquo (MATIAS 2009 p 96)
8 Conferir tambeacutem a performance do Iacutendice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) ferra-
menta de anaacutelise de sustentabilidade das empresas listadas na B3 frente ao Iacutendice BO-
VESPA (INFOMONEY 2020)
9 ldquoE nesta linha vale ressaltar o entendimento de Freitas (2005 p 146) ao invocar que o
Estado brasileiro lsquoprecisa deixar de ser omisso na concretizaccedilatildeo da eficaacutecia direta e ime-
diata dos direitos fundamentaisrsquo Pois considerando que o meio ambiente eacute consagrado
como um direito fundamental inquestionaacutevel que o Estado tem o dever constitucional de
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
218
Ao Poder Executivo compete papel essencial considerando que a fun-
ccedilatildeo fiscalizatoacuteria realizada pelos oacutergatildeos e entidades vinculados ao Sistema
Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) eacute de suma importacircncia na anaacutelise de
risco dos empreendimentos econocircmicos sendo o Estudo de Impacto Ambien-
tal (EIA) uma ferramenta fundamental de controle de riscos e de precauccedilatildeo
conforme jaacute relatado acima a Lei nordm 69381981 instituiu a avaliaccedilatildeo de im-
pactos ambientais como um dos instrumentos da Poliacutetica Nacional do Meio
Ambiente a que foi seguida previsatildeo constitucional no mesmo sentido10
Assim todas as atividades potencialmente lesivas ao meio ambiente de-
vem passar por um estudo de impacto ambiental no qual se verificaraacute de
forma anterior ao exerciacutecio do empreendimento os riscos potenciais po-
dendo ser exigido pelo Estado a mitigaccedilatildeo de tais riscos por via de uma gama
de medidas a serem tomadas ou mesmo a supressatildeo total da atividade
Como bem observado por Trouwborst as medidas de implementa-
ccedilatildeo do princiacutepio satildeo inuacutemeras as accedilotildees mais tiacutepicas satildeo impedir a
utilizaccedilatildeo de substacircnciasprodutosatividades propor margens de
seguranccedila (p ex impedir a pesca segundo um determinado limite)
fomentar pesquisa (p ex atraveacutes da elaboraccedilatildeo de estudo preacutevio
de impacto ambiental) impor meacutetodos de produccedilatildeo mais limpos
dentre outras (MORAES 2011 p 147)
O papel governamental tambeacutem eacute significativo na formulaccedilatildeo e imple-
mentaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblica voltadas agrave gestatildeo e controle dos riscos da ati-
vidade econocircmica dentre as quais a ldquo[] implementaccedilatildeo de pesquisas no
campo ambiental melhoramento e desenvolvimento de lsquotecnologia ambien-
talrsquo construccedilatildeo de um sistema para observaccedilatildeo de mudanccedilas ecoloacutegicas
imposiccedilatildeo de objetivos de poliacutetica ambiental []rdquo (DERANI 2008 p 151) den-
tre outras medidas
A incumbecircncia do legislador infraconstitucional precisa da mesma
forma ser salientada considerando que o risco da accedilatildeo humana eacute preocu-
paccedilatildeo de toda a sociedade jaacute que os danos podem atingir a todos igual-
mente necessitando-se portanto em vaacuterias ocasiotildees de uma discussatildeo de-
mocraacutetica acerca da seleccedilatildeo de certos riscos11
prevenir os acidentes ambientais ou no miacutenimo reduzir a sua gravidaderdquo (ROCHA ROCHA
LOPES 2018 p 358)
10 ldquoO Princiacutepio da Precauccedilatildeo estaacute ligado aos princiacutepios da publicidade e da participaccedilatildeo
puacuteblica pois a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 aleacutem de exigir estudos sobre o impacto am-
biental determina que os mesmos devam ser publicados a fim de a sociedade tenha
acesso a tais pesquisas e sobre os riscos os quais possam ser gerados com a atividade a ser
implementadardquo (MALAQUIAS HALICKI VENERAL 2011 p 8) O estudo de impacto tambeacutem
eacute previsto na Declaraccedilatildeo do Rio de Janeiro de 1992 em seu Princiacutepio 17 denotando a
importacircncia de tal ferramenta
11 ldquoConsiderar o niacutevel de aceitaccedilatildeo do risco e sua relativizaccedilatildeo por cada grupo social eacute ta-
refa aacuterdua para quem pretende criar uma legislaccedilatildeo internacional homogecircnea Se em
cada paiacutes o risco de acidente nuclear ou de seguranccedila alimentar relacionada a organis-
mos geneticamente modificados eacute visto de forma distinta como equilibrar todas essas per-
ldquo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
219
O acircmbito de discussatildeo legislativo eacute meio indispensaacutevel para a necessaacute-
ria gestatildeo de riscos na sociedade contemporacircnea por ser o meio legiacutetimo e
democraacutetico de debate dos diversos atores que direta ou indiretamente po-
dem estar sujeitos aos riscos que dada atividade ou produto podem ensejar
permitindo-se igualmente o confronto e a avaliaccedilatildeo das pesquisas cientiacuteficas
voltadas agrave elucidaccedilatildeo da questatildeo (COELHO 2013 p 9) o que pode ocorrer
por meio de audiecircncias puacuteblicas pareceres esclarecimentos de especialistas
dentre outros
Demonstrando a importacircncia da funccedilatildeo legislativa do Estado na apli-
caccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo Coelho (2013 p 10-11) aduz que
Nesse entendimento a tutela ambiental exige um engajamento de
toda a coletividade em que esta responsabilidade deve ser compar-
tilhada por todos Nesse sentido o Estado deve promover as condi-
ccedilotildees democraacuteticas de participaccedilatildeo popular adequadas Por exem-
plo no aspecto Parlamentar ldquodeve imperar um sistema legislativo
que viabilize a coletividade a participar das decisotildees e obter infor-
maccedilotildees ambientais indispensaacuteveis para a tomada de consciecircncia e
emitir opiniotildees sobre o temardquo (AYALA LEITE 2004 p 42)
Do mesmo modo o Estado deve ser capaz de garantir e permitir infor-
maccedilotildees adequadas sobre o meio ambiente agrave cidadania De outro modo o
Poder Puacuteblico estaria a comprometer a proacutepria ideia de democracia ambien-
tal (CANOTILHO 1995 p 32) O que se pretende reforccedilar eacute que ldquoo meio ambi-
ente natildeo eacute propriedade do Poder Puacuteblico e exige uma maacutexima discussatildeo puacute-
blica e a garantia de amplos direitos aos interessadosrdquo (AYALA LEITE 2004 p
42)
A sociedade portanto pelos mecanismos democraacutetico-participativos
deve dispor de meios de assumir diminuir ou rechaccedilar certos riscos (HAM-
MERSCHMIDT 2002 p 105) por via de limitaccedilotildees legais especiacuteficas agrave atividade
econocircmica que sejam condizentes com os demais princiacutepios constitucionais
Como exemplo no ordenamento paacutetrio pode ser indicada a Lei nordm 11934 5
de maio de 2009 que dispotildee sobre limites agrave exposiccedilatildeo humana a campos
eleacutetricos magneacuteticos e eletromagneacuteticos
Haacute por fim que inquirir acerca do papel do Poder Judiciaacuterio na aplica-
ccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo Com a compreensatildeo e aceitaccedilatildeo da forccedila
normativa dos princiacutepios elevou-se a importacircncia do Poder Judiciaacuterio na reso-
luccedilatildeo das controveacutersias sociais por via de aplicaccedilatildeo direta dos dispositivos
cepccedilotildees em um uacutenico instrumento juriacutedico Conforme observa Niklas Luhmann eacute impor-
tante analisar a questatildeo de ldquoquemrdquo decide quando o risco deve ser levado ou natildeo em
consideraccedilatildeo Beck responderia que a seleccedilatildeo dos riscos deve ser feita democratica-
menterdquo (MORAES 2011 p 39-40)
ldquo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
220
principioloacutegicos o que se tornou comum (inclusive com criacuteticas ao uso inde-
vido da fundamentaccedilatildeo principioloacutegica) especialmente apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Constituiccedilatildeo Federa de 198812
O Judiciaacuterio tem a funccedilatildeo muitas vezes de dirimir conflitos decorrentes
dos riscos da atividade ambiental quando os outros poderes ainda natildeo se de-
bruccedilaram sobre a potencialidade lesiva de dada atividade ou produto o que
ocorre considerando o vertiginoso desenvolvimento dos meios tecnoloacutegicos e
cientiacuteficos utilizados pelos agentes econocircmicos para a produccedilatildeo ou presta-
ccedilatildeo de novos bens e serviccedilos
Ademais sujeitos ou grupos podem ser excluiacutedos do acircmbito de discus-
satildeo democraacutetico sendo sujeitos a imposiccedilotildees (ou omissotildees) legais que podem
afrontar o princiacutepio protetivo da precauccedilatildeo sendo importante a atribuiccedilatildeo
do Judiciaacuterio para garantir os direitos de todos13
Diante disso o Judiciaacuterio se confronta com a missatildeo de gerir nos casos
concretos os riscos de certas atividades econocircmicas verificando a aplicaccedilatildeo
dos mecanismos decorrentes do princiacutepio da precauccedilatildeo a que se devem ser-
vir o Poder Executivo e o Poder Legislativo por exemplo aferindo-se a existecircn-
cia de lei que disponha sobre a mateacuteria posta em juiacutezo ou analisando a ade-
quaccedilatildeo ou natildeo da atividade quanto aos procedimentos de licenciamento e
gestatildeo ambiental
Um dos princiacutepios norteadores da atividade do Judiciaacuterio na missatildeo
acima indicada eacute o princiacutepio da proporcionalidade (STEEL 2015 p 10) ferra-
menta necessaacuteria para a afericcedilatildeo no caso concreto de qual medida ade-
quada para atingir a finalidade juriacutedica pretendida do meio necessaacuterio para
cumprimento de tal fim ndash que propicie a natildeo supressatildeo de outro fim constitu-
cional vaacutelido ndash e do sopesamento final entre a medida a ser adotada e a
forma de cumprimento do fim proposto Em outras palavras ao Judiciaacuterio eacute
posta a anaacutelise de meios e fins no caso do princiacutepio da precauccedilatildeo deve ser
verificada a materialidade da potencialidade lesiva o grau de incerteza no
nexo existente entre a atividade e o potencial dano a efetividade de imposi-
ccedilotildees de medidas para contenccedilatildeo de risco e a possibilidade de realizaccedilatildeo de
outras atividades semelhantes que atinjam o fim econocircmico perquirido
Com base na importacircncia do bem juriacutedico protegido e da fundamen-
talidade da proteccedilatildeo ambiental a jurisprudecircncia paacutetria alberga a possibili-
12 Sarlet e Fensterseifer (2012 p 232) denotam o grande papel do Judiciaacuterio na proteccedilatildeo
ambiental pois ldquo[] o constante recurso ao Poder Judiciaacuterio a despeito da cada vez maior
difusatildeo de outras alternativas - com destaque para o Inqueacuterito Civil e o Termo de Ajusta-
mento de Conduta - tem atuado cada vez mais como um agente privilegiado na esfera
da proteccedilatildeo ambiental o que eacute bom ressalvar eacute legitimado constitucionalmente pela
garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional de qualquer lesatildeo ou ameaccedila de
lesatildeo a direitordquo
13 ldquoSe a cidadania deve estar comprometida com a discussatildeo ambiental e ao Judiciaacuterio eacute
assegurado o pleno acesso de todos os cidadatildeos invariavelmente uma seacuterie de questotildees
ambientais acabam se judicializandordquo (COELHO 2013 p 11)
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
221
dade de inversatildeo do ocircnus da prova em casos relacionados agrave proteccedilatildeo ambi-
ental inclusive na aplicaccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo reconhecendo a
adequaccedilatildeo do princiacutepio do in dubio pro natura impondo ldquo[] ao degradador
o encargo de provar sem sombra de duacutevida que a sua atividade questio-
nada natildeo eacute efetiva ou potencialmente degradadora da qualidade ambien-
tal uma vez que satildeo eles que pretendem alterar o status quo ambientalrdquo
(HAMMERSCHMIDT 2002 p 114)
Deve se ter em consideraccedilatildeo que as funccedilotildees do Estado satildeo comple-
mentares encarregadas de concretizar uma finalidade uacutenica isto eacute a da pro-
teccedilatildeo ambiental cada um dos Poderes possuindo a incumbecircncia de gerir de
acordo com seus mecanismos de atuaccedilatildeo os riscos da atividade econocircmica
ao meio ambiente buscando a harmonia na concretizaccedilatildeo dos objetivos da
Repuacuteblica qual seja uma existecircncia digna a todos o que passa pela neces-
sidade de um desenvolvimento sustentaacutevel
1433 Anaacutelise de julgados do Supremo Tribunal Federal
acerca do princiacutepio da precauccedilatildeo
O princiacutepio da precauccedilatildeo foi utilizado como fundamento de alguns pre-
cedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) ao longo dos uacuteltimos anos sendo
analisado dois deles que trataram do princiacutepio como razatildeo direta de decidir
Antes da anaacutelise de tais julgados eacute interessante verificar no precedente
ilustrativo abaixo indicado o posicionamento do STF quanto agrave concordacircncia
entre os princiacutepios de proteccedilatildeo ambiental e de livre iniciativa bem como do
papel da Corte Suprema em assegurar a concretizaccedilatildeo das normas principi-
oloacutegica14
Como se vecirc o STF ldquo[] sustentou que o princiacutepio da livre iniciativa natildeo
tem caraacuteter irrestrito imune agrave accedilatildeo fiscalizadora do Poder Puacuteblicordquo (PEIXOTO
2014 p 15) Desta forma evidencia-se a necessidade dos cumprimentos dos
pressupostos normativos de proteccedilatildeo ambiental pois condicionantes do re-
gular exerciacutecio da atividade econocircmica haacute a liberdade de iniciativa mas sob
14 ldquoA intervenccedilatildeo regulatoacuteria ou normativa do Estado encontra pleno suporte juriacutedico na proacute-
pria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica cujo art 174 autoriza o Poder Puacuteblico ndash enquanto agente
normativo e regulador da atividade empresarial ndash a exercer na forma da lei funccedilotildees de
controle na ordem econocircmica com o objetivo de reprimir o abuso do poder econocircmico
de cuja praacutetica sempre inaceitaacutevel resultem ou possam resultar a dominaccedilatildeo dos merca-
dos a eliminaccedilatildeo de concorrecircncia ou o aumento arbitraacuterio dos lucros (CF art 173 sect 4ordm) A
regulaccedilatildeo normativa pelo Estado das poliacuteticas de preccedilos traduz competecircncia constituci-
onalmente assegurada ao Poder Puacuteblico cuja atuaccedilatildeo regulatoacuteria eacute justificada e ditada
por evidentes razotildees de interesse puacuteblico especialmente por aquelas que visem a preser-
var os postulados da livre concorrecircncia a fomentar a justiccedila social e a promover a defesa
dos direitos e dos interesses do consumidor (CF art 170 caput e incisos IV e V) Esta Corte
no desempenho de suas altas funccedilotildees poliacutetico-juriacutedicas natildeo pode desconhecer e nem
permanecer insensiacutevel ante a exigecircncia de preservar a intangibilidade desses pressupostos
de ordem axioloacutegica que devem nortear e condicionar enquanto referenciais de com-
pulsoacuteria observacircncia a atividade estatal de regulamentaccedilatildeo e de controle das praacuteticas
econocircmicasrdquo (BRASIL STF ADI 319 1993 p 42 apud PEIXOTO 2014 p 15)
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
222
paracircmetros constitucionais e legais necessaacuterios agrave concretizaccedilatildeo de outros
bens juriacutedicos essenciais agrave sociedade
Em precedente de 2016 o STF analisou a constitucionalidade de dispo-
sitivos da Lei nordm 11934 de 5 de maio de 2009 jaacute citada em toacutepico acima que
estabeleceu paracircmetros miacutenimos de seguranccedila quanto agrave exposiccedilatildeo da po-
pulaccedilatildeo em geral a campos eleacutetricos magneacuteticos e eletromagneacuteticos gera-
dos por sistemas de energia eleacutetrica A Corte Suprema entendeu divergindo
e reformando a decisatildeo recorrida pela ausecircncia de fundamentos faacutetico-juriacute-
dicos que determinassem uma maior restriccedilatildeo quanto aos paracircmetros de se-
guranccedila jaacute estabelecidos pela referida lei15
Interessante notar que o julgado acima colacionado expotildee um con-
ceito de princiacutepio da precauccedilatildeo condizente com as ponderaccedilotildees feitas ao
longo desse trabalho inserindo em seu proacuteprio conceito os ditames do prin-
ciacutepio da proporcionalidade Ademais o STF prestigia igualmente a funccedilatildeo do
Poder Legislativo na gestatildeo dos riscos pela via democraacutetica ao mesmo tempo
em que reconhece que tal opccedilatildeo foi realizada dentro de criteacuterios cientiacuteficos
razoaacuteveis sendo a opccedilatildeo do legislador portanto constitucional
15 ldquoRecurso extraordinaacuterio Repercussatildeo geral reconhecida Direito Constitucional e Ambien-
tal Acoacuterdatildeo do tribunal de origem que aleacutem de impor normativa alieniacutegena desprezou
norma teacutecnica mundialmente aceita Conteuacutedo juriacutedico do princiacutepio da precauccedilatildeo Au-
secircncia por ora de fundamentos faacuteticos ou juriacutedicos a obrigar as concessionaacuterias de ener-
gia eleacutetrica a reduzir o campo eletromagneacutetico das linhas de transmissatildeo de energia eleacute-
trica abaixo do patamar legal Presunccedilatildeo de constitucionalidade natildeo elidida Recurso pro-
vido Accedilotildees civis puacuteblicas julgadas improcedentes 1 O assunto corresponde ao Tema nordm
479 da Gestatildeo por Temas da Repercussatildeo Geral do portal do STF na internet e trata agrave luz
dos arts 5ordm caput e inciso II e 225 da Constituiccedilatildeo Federal da possibilidade ou natildeo de
se impor a concessionaacuteria de serviccedilo puacuteblico de distribuiccedilatildeo de energia eleacutetrica por ob-
servacircncia ao princiacutepio da precauccedilatildeo a obrigaccedilatildeo de reduzir o campo eletromagneacutetico
de suas linhas de transmissatildeo de acordo com padrotildees internacionais de seguranccedila em
face de eventuais efeitos nocivos agrave sauacutede da populaccedilatildeo 2 O princiacutepio da precauccedilatildeo eacute
um criteacuterio de gestatildeo de risco a ser aplicado sempre que existirem incertezas cientiacuteficas
sobre a possibilidade de um produto evento ou serviccedilo desequilibrar o meio ambiente ou
atingir a sauacutede dos cidadatildeos o que exige que o estado analise os riscos avalie os custos
das medidas de prevenccedilatildeo e ao final execute as accedilotildees necessaacuterias as quais seratildeo de-
correntes de decisotildees universais natildeo discriminatoacuterias motivadas coerentes e proporcio-
nais 3 Natildeo haacute vedaccedilatildeo para o controle jurisdicional das poliacuteticas puacuteblicas sobre a aplica-
ccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo desde que a decisatildeo judicial natildeo se afaste da anaacutelise
formal dos limites desses paracircmetros e que privilegie a opccedilatildeo democraacutetica das escolhas
discricionaacuterias feitas pelo legislador e pela Administraccedilatildeo Puacuteblica 4 Por ora natildeo existem
fundamentos faacuteticos ou juriacutedicos a obrigar as concessionaacuterias de energia eleacutetrica a reduzir
o campo eletromagneacutetico das linhas de transmissatildeo de energia eleacutetrica abaixo do pata-
mar legal fixado 5 Por forccedila da repercussatildeo geral eacute fixada a seguinte tese no atual estaacute-
gio do conhecimento cientiacutefico que indica ser incerta a existecircncia de efeitos nocivos da
exposiccedilatildeo ocupacional e da populaccedilatildeo em geral a campos eleacutetricos magneacuteticos e ele-
tromagneacuteticos gerados por sistemas de energia eleacutetrica natildeo existem impedimentos por
ora a que sejam adotados os paracircmetros propostos pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
conforme estabelece a Lei nordm 119342009 6 Recurso extraordinaacuterio provido para o fim de
julgar improcedentes ambas as accedilotildees civis puacuteblicas sem a fixaccedilatildeo de verbas de sucum-
becircnciardquo (BRASIL 2016)
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
223
O uacuteltimo precedente analisado que segue abaixo ementado traduz
importante concepccedilatildeo do STF acerca da importacircncia do princiacutepio da pre-
cauccedilatildeo ambiental16
A Corte Suprema impotildee aos dispositivos legais questionados em sua
constitucionalidade uma interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo conside-
rando que a medida prevista pelo legislador mesmo que para uma finalidade
vaacutelida (a contenccedilatildeo de viroses transmitidas por mosquitos) natildeo pode ser apli-
caccedilatildeo sem que antes se verifique ndash por via de aprovaccedilatildeo das autoridades
sanitaacuterias e ambientais mediante a anaacutelise cientiacutefica da medida ndash a sua segu-
ranccedila para a sauacutede da populaccedilatildeo e para o meio ambiente
A anaacutelise preacutevia de impacto ambiental como demonstrando neste tra-
balho eacute um dos mecanismos previstos na Constituiccedilatildeo para assegurar a pro-
teccedilatildeo ambiental desta forma o natildeo suprimento desta necessidade pelo le-
gislador ordinaacuterio foi usado como fundamento pelo STF para realizar a inter-
pretaccedilatildeo dos dispositivos legais conforme as normas constitucionais impondo
a aplicaccedilatildeo do referido mecanismo
16 ldquoAccedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade Administrativo e ambiental Medidas de contenccedilatildeo
das doenccedilas causadas pelo aedes aegypti Artigo 1ordm sect3ordm inciso iv da lei n 13301 de 27
de junho de 2016 Permissatildeo da incorporaccedilatildeo de mecanismos de controle vetorial por meio
de dispersatildeo por aeronaves mediante aprovaccedilatildeo das autoridades sanitaacuterias e da compro-
vaccedilatildeo cientiacutefica da eficaacutecia da medida Possibilidade de insuficiecircncia da proteccedilatildeo agrave sa-
uacutede e ao meio ambiente Voto meacutedio Interpretaccedilatildeo conforme agrave Constituiccedilatildeo Artigos 225
sect1ordm incisos V e VII 6ordm e 196 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Inafastabilidade da aprovaccedilatildeo
preacutevia da autoridade sanitaacuteria e da autoridade ambiental competente Atendimento agraves
previsotildees constitucionais do direito agrave sauacutede ao meio ambiente equilibrado e aos princiacutepios
da precauccedilatildeo e da prevenccedilatildeo Procedecircncia parcial da accedilatildeo 1 Apesar de submeter a
incorporaccedilatildeo do mecanismo de dispersatildeo de substacircncias quiacutemicas por aeronaves para
combate ao mosquito transmissor do viacuterus da dengue do viacuterus chikungunya e do viacuterus da
zika agrave autorizaccedilatildeo da autoridade sanitaacuteria e agrave comprovaccedilatildeo de eficaacutecia da praacutetica no
combate ao mosquito o legislador assumiu a positivaccedilatildeo do instrumento sem a realizaccedilatildeo
preacutevia de estudos em obediecircncia ao princiacutepio da precauccedilatildeo o que pode levar agrave violaccedilatildeo
agrave sistemaacutetica de proteccedilatildeo ambiental contida no artigo 225 da Constituiccedilatildeo Federal 2 A
previsatildeo legal de medida sem a demonstraccedilatildeo preacutevia de sua eficaacutecia e seguranccedila pode
violar os princiacutepios da precauccedilatildeo e da prevenccedilatildeo se se mostrar insuficiente o instrumento
para a integral proteccedilatildeo ao meio ambiente equilibrado e ao direito de todos agrave proteccedilatildeo
da sauacutede 3 O papel do Poder Judiciaacuterio em temas que envolvem a necessidade de con-
senso miacutenimo da comunidade cientiacutefica a revelar a necessidade de transferecircncia do loacutecus
da decisatildeo definitiva para o campo teacutecnico revela-se no reconhecimento de que a lei se
ausentes os estudos preacutevios que atestariam a seguranccedila ambiental e sanitaacuteria pode con-
trariar os dispositivos constitucionais apontados pela Autora em sua exordial necessitando
assim de uma hermenecircutica constitucionalmente adequada a assegurar a proteccedilatildeo da
vida da sauacutede e do meio ambiente 4 Em atendimento aos princiacutepios da precauccedilatildeo e da
prevenccedilatildeo bem como do direito agrave proteccedilatildeo da sauacutede portanto confere-se interpreta-
ccedilatildeo conforme agrave Constituiccedilatildeo sem reduccedilatildeo de texto ao disposto no inciso IV do sect3ordm do
artigo 1ordm da Lei nordm 133012016 para fixar o sentido segundo o qual a aprovaccedilatildeo das auto-
ridades sanitaacuterias e ambientais competentes e a comprovaccedilatildeo cientiacutefica da eficaacutecia da
medida satildeo condiccedilotildees preacutevias e inafastaacuteveis agrave incorporaccedilatildeo de mecanismos de controle
vetorial por meio de dispersatildeo por aeronaves em atendimento ao disposto nos artigos 225
sect1ordm incisos V e VII 6ordm e 196 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica 5 Accedilatildeo direta de inconstitucio-
nalidade julgada parcialmente procedenterdquo (BRASIL 2019)
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
224
Por fim deve-se concluir que a jurisprudecircncia do STF especialmente nos
uacuteltimos anos vem reconhecendo a importacircncia e a necessidade de aplica-
ccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental para uma efetiva proteccedilatildeo ao
meio ambiente e para uma melhor gestatildeo dos riscos da atividade econocircmica
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A nova dinacircmica da sociedade atual oriunda do raacutepido e contiacutenuo de-
senvolvimento tecnoloacutegico poacutes-revoluccedilatildeo industrial fez surgir a percepccedilatildeo
dos graves e globais riscos decorrentes da atividade humana especialmente
no que tange agrave possibilidade de degradaccedilatildeo irreparaacutevel do meio ambiente
Esta preocupaccedilatildeo passou a ser pauta recorrente no acircmbito internacional a
partir da deacutecada de 1960 momento em que o direito ambiental ganhou
corpo e importacircncia e passou a ser tratado nos diversos ordenamentos juriacutedi-
cos nacionais
No Brasil a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 passou a prever diversas nor-
mas direcionadas agrave proteccedilatildeo ambiental bem como quanto ao regramento
da ordem econocircmica dispocircs a defesa do meio ambiente como paracircmetro a
ser seguido pela atividade econocircmica
Em torno da referida preocupaccedilatildeo foi formulado o princiacutepio da precau-
ccedilatildeo ambiental cujo conceito mais afinado com as normas internacionais o
ordenamento juriacutedico paacutetrio e a doutrina especializada pode ser resumido
como um paracircmetro de gestatildeo e controle de riscos aplicaacutevel sempre que
existirem ldquo[] incertezas cientiacuteficas sobre a possibilidade de um produto
evento ou serviccedilo desequilibrar o meio ambiente ou atingir a sauacutede dos cida-
datildeos []rdquo (BRASIL 2016) exigindo assim uma postura ativa dos poderes puacute-
blicos na avaliaccedilatildeo e supressatildeo de tais riscos
Os Poderes Executivo Legislativo e Judiciaacuterio mediante os seus meca-
nismos legais de atuaccedilatildeo passam a cumprir uma seacuterie de funccedilotildees para a con-
cretizaccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo dentre eles a fiscalizaccedilatildeo preacutevia de
impacto ambiental das atividades econocircmicas potencialmente lesivas e a im-
posiccedilatildeo de paracircmetros legais ao exerciacutecio de certas atividades ou circulaccedilatildeo
de certos produtos aleacutem do papel ativo dos tribunais na dirimiccedilatildeo de tensotildees
envolvendo a aplicaccedilatildeo dos princiacutepios da precauccedilatildeo e da livre iniciativa to-
mando como criteacuterio o princiacutepio da proporcionalidade
O direito ao livre exerciacutecio da atividade econocircmica diante do princiacutepio
da precauccedilatildeo ambiental sofre limitaccedilotildees e condicionamentos impostos pela
ordem juriacutedica considerando a potencialidade de graves e irreparaacuteveis danos
agrave sauacutede geral e ao meio ambiente visando agrave proteccedilatildeo de um bem juriacutedico
fundamental a uma digna existecircncia o meio ambiente ecologicamente equi-
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ental brasileiro sob a oacuteptica da complexidade 152 A caracteriza-
ccedilatildeo do greenwashing e o papel das empresas 153 As limitaccedilotildees ao
greenwashing no ordenamento juriacutedico brasileiro Consideraccedilotildees fi-
nais Referecircncias
INTRODUCcedilAtildeO
A construccedilatildeo do pensamento cientiacutefico eacute um processo permanente ba-
seado no modo de pensar A maneira claacutessica eacute por meio do pensamento
cartesiano suscitado por Reneacute Descartes o qual segmenta o conhecimento
como meio de viabilizar a compreensatildeo do todo a partir do estudo de partes
menores Entretanto em que pese agrave relevacircncia da concepccedilatildeo claacutessica do
pensamento cartesiano a sociedade passa por uma transiccedilatildeo de paradigma
na qual o pensamento linear daacute lugar ao pensamento complexo cuja funda-
mentaccedilatildeo eacute pautada na anaacutelise do todo a partir da teoria de Edgar Morin
Nessa perspectiva eacute possiacutevel identificar que o Direito Ambiental eacute um
ramo do Direito brasileiro que dialoga com o pensamento complexo posto
que ao tratar de proteccedilatildeo ambiental se percebe que ele natildeo tem fim em si
mesmo sendo necessaacuteria uma harmonia entre este e os demais ramos do di-
reito como o Direito Civil o Direito Empresarial e o Direito do Consumidor que
permeiam os temas juriacutedico-ambientais assim como de conceitos alheios aos
conteuacutedos exclusivamente juriacutedicos
Nesse contexto diante da interdependecircncia entre a complexidade e o
Direito Ambiental eacute necessaacuterio destacar a relevacircncia do papel da eacutetica para
guiar as normas acerca do tema sobretudo no que se refere agrave regulaccedilatildeo de
atividades das organizaccedilotildees empresariais e a relaccedilotildees destas com o consumi-
dor e com o meio ambiente A eacutetica ambiental conduz os comportamentos
1 Mestranda em Direito Privado pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Poacutes- Gra-
duanda em Direito Internacional- CEDIN Advogada
E-mail manuellaperdigaogmailcom
2 Mestranda em Direito Privado pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Especia-
lista em Direito e Processo de Famiacutelia e Sucessotildees pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR
CE) Advogada E-mail leticiaqnascimentogmailcom
15
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
229
sociais sendo igualmente responsaacutevel por embasar as atividades empresariais
e a postura que se espera com que os negoacutecios sejam regidos aleacutem de guiar
a ediccedilatildeo de normas para a regulaccedilatildeo pertinente
No que se refere agrave questatildeo ambiental e agrave relaccedilatildeo entre empresas e
meio ambiente haacute uma significativa movimentaccedilatildeo de valorizaccedilatildeo da sus-
tentabilidade ecoloacutegica e de proteccedilatildeo do meio ambiente que influenciam a
vida em sociedade e consequentemente alteram o acircmago empresarial As-
sim as empresas passam a repensar os seus modos de produccedilatildeo para se ade-
quar aos anseios sociais e garantir uma boa imagem no mercado e a obten-
ccedilatildeo do lucro utilizando-se da relevacircncia das pautas ambientalistas Ocorre
que haacute empresas que o fazem de forma falaciosa tentando transmitir para o
consumidor um comprometimento empresarial ambiental que natildeo condiz
com a realidade valendo-se da praacutetica de greenwashing
O presente trabalho parte da premissa de que o fenocircmeno do
greenwshing e suas limitaccedilotildees devem ser observados pelo paradigma do pen-
samento complexo posto que eacute uma questatildeo transdisciplinar e que afeta o
meio ambiente a sociedade e o exerciacutecio da atividade empresarial sendo
inibido pelo ordenamento juriacutedico brasileiro na perspectiva de aacutereas distintas
do Direito
Desta maneira o objetivo geral deste artigo eacute investigar quais as limita-
ccedilotildees juriacutedicas impostas ao greenwashing no ordenamento juriacutedico brasileiro agrave
luz do pensamento complexo Como objetivos especiacuteficos se busca analisar
aspectos do Direito Ambiental sob a oacuteptica da complexidade discorrer sobre
a caracterizaccedilatildeo do greenwashing e o papel das empresas bem como ave-
riguar as limitaccedilotildees a essa conduta no ordenamento juriacutedico brasileiro A hipoacute-
tese eacute que haacute inibiccedilatildeo juriacutedica agrave referida praacutetica natildeo somente em normas de
proteccedilatildeo ao meio ambiente como tambeacutem na regulaccedilatildeo da atividade em-
presarial e proteccedilatildeo ao consumidor aleacutem de jurisprudecircncia de tribunal supe-
rior
Em termos metodoloacutegicos adota-se uma abordagem dedutiva e a pes-
quisa eacute de teor qualitativo referenciada procedimentalmente de forma bibli-
ograacutefica por meio de livros perioacutedicos e jurisprudecircncia que tratam sobre di-
reito ambiental e complexidade
O presente trabalho seraacute dividido em trecircs toacutepicos Inicialmente seratildeo
apresentadas breves consideraccedilotildees acerca do Direito Ambiental brasileiro
sob a oacuteptica da complexidade No segundo toacutepico seraacute analisada a praacutetica
do greenwashing e o papel das empresas no Brasil Para finalmente ser ana-
lisada as limitaccedilotildees ao greenwashing no ordenamento juriacutedico brasileiro
151 CONSIDERACcedilOtildeES ACERCA DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO
SOB A OacutePTICA DA COMPLEXIDADE
Como meio de facilitar a organizaccedilatildeo das aacutereas do conhecimento e
possibilitar a sua compreensatildeo eacute comum haver a compartimentalizaccedilatildeo de
ideias em aacutereas e mateacuterias distintas que teoricamente satildeo aprendidas de
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
230
maneira segmentada Tal modo de estruturaccedilatildeo do pensamento pertence agrave
um raciociacutenio eminentemente cartesiano o qual se opotildee agrave loacutegica da com-
plexidade e fundamentou uma subdivisatildeo dentro do Direito solidificando a
base dos estudos que deram origem ao Direito Ambiental de onde se extrai a
proteccedilatildeo juriacutedica ao meio ambiente
O paradigma cartesiano segundo Behrens e Oliari tem como legiacutetimos
os fatos perfeitamente conhecidos sobre os quais natildeo se tem duacutevida de
modo a dividir e estudar a menor parte partindo destas para o entendimento
do todo Essa ideia comeccedila a ser questionada no iniacutecio do seacuteculo XX com o
surgimento do paradigma da complexidade que tem como foco a visatildeo do
ser complexo e integral questionando o processo fragmentado do conheci-
mento (2007 p 58 e ss)
Questiona-se entatildeo em que consiste a complexidade Em resposta ini-
cial agrave esta pergunta Morin afirma que ldquoagrave primeira vista eacute um fenocircmeno quan-
titativo a extrema quantidade de interaccedilotildees e de interferecircncias entre um nuacute-
mero muito grande de unidadesrdquo (1991 p 42)
No que refere agrave proteccedilatildeo juriacutedica ao meio ambiente especialmente di-
ante da crise ecoloacutegica contemporacircnea infere-se que esta natildeo deve ser ob-
servada de maneira simplista mas sim a partir de uma perspectiva complexa
Desta maneira entende-se que o Direito Ambiental por si soacute natildeo eacute capaz de
compreender e solucionar as demandas ambientais sem que sejam conside-
rados os aspectos sociais poliacuteticos econocircmicos cientiacuteficos e outros que per-
meiam os temas juriacutedico-ambientais mesmo porque a questatildeo ecoloacutegica ul-
trapassa limites territoriais e sociais de modo que deve ser analisada como um
todo sob a oacuteptica da complexidade
Remonta-se agraves ideias de Morin que ao tratar da complexidade asseve-
rou ldquoo todo eacute mais do que a soma das partes que o constituem que o todo
eacute entatildeo menor que a soma das partes que o todo eacute simultaneamente mais e
menos que a soma das partesrdquo (1991 p104) Eacute justamente a partir da consci-
ecircncia de que o todo eacute maior que a soma de todas as partes eacute que se percebe
a importacircncia da perspectiva complexa agrave anaacutelise das normas ambientais que
eacute parte de todo o sistema de proteccedilatildeo juriacutedica ao meio ambiente na qual
estaacute inserido sendo ao mesmo tempo tal arcabouccedilo legal pertencente ao
Direito Ambiental
Mitchell afirma que em sistemas complexos muitas partes simples estatildeo
irredutivelmente entrelaccediladas e o campo da complexidade eacute em si um en-
trelaccedilamento de muitos campos distintos (2009 p4) De modo semelhante se
tem o sistema de proteccedilatildeo juriacutedico-ambiental cujas diretrizes pertencem em
uma perspectiva simplista ao Direito Ambiental poreacutem sob o prisma da com-
plexidade as normas juriacutedicas de proteccedilatildeo ao meio ambiente tambeacutem com-
potildeem outras aacutereas do Direito o que caracteriza segundo Belchior a transdis-
ciplinaridade aspecto adequado agrave complexidade (2017 p217)
A Constituiccedilatildeo Federal brasileira dispotildee em seu artigo 225 que todos
tecircm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso co-
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
231
mum do povo e essencial agrave sadia qualidade de vida e impotildee ao Poder Puacute-
blico e agrave coletividade o dever de defendecirc-lo e preservaacute-lo para as geraccedilotildees
atuais e futuras (BRASIL 1988) A elevaccedilatildeo do direito ao meio ambiente ao
status de direito fundamental segundo os ditames do texto constitucional
trouxe implicaccedilotildees para a ordem juriacutedica brasileira (BELCHIOR 2017 p 92)
dentre as quais se considera a relevacircncia do referido valor orientador agraves de-
mais normas do ordenamento
Urge por oportuno destacar que o exerciacutecio da atividade privada eacute
baseado no objetivo do desenvolvimento nacional razatildeo pela qual eacute neces-
saacuteria a observacircncia ao artigo 170 da Constituiccedilatildeo Federal que trata da ordem
econocircmica assegurando o exerciacutecio agrave livre iniciativa (BRASIL 1988) Esta por
sua vez deve ser regida em observacircncia a determinados princiacutepios ressal-
tando-se dentre estes a defesa do consumidor e a defesa do meio ambiente
inclusive mediante tratamento diferenciado conforme impacto ambiental dos
produtos e serviccedilos em seus processos de elaboraccedilatildeo e prestaccedilatildeo
Nessa perspectiva eacute necessaacuterio ressaltar que as questotildees juriacutedico-ambi-
entais transitam em outras aacutereas dentro do proacuteprio Direito destacando-se a
sua relevacircncia para o Direito Empresarial Direito Civil e Direito do Consumidor
Natildeo se pode portanto desvincular a atividade empresarial (e normas que a
regulam) dos fundamentos que regem o Direito Ambiental que per se deve
ser observado sob o prisma do pensamento complexo Eacute nesse sentido que se
identifica a necessidade da adoccedilatildeo de uma perspectiva juriacutedico-ambiental
complexa rompendo-se com a loacutegica simplista que pode natildeo contribuir para
a efetivaccedilatildeo de garantias intriacutensecas agrave problemaacutetica ambiental
O paradigma da complexidade e a perspectiva de ldquoconsciecircncia cole-
tivardquo nas palavras de Mitchell (2009 p 3) no que se refere agrave proteccedilatildeo juriacutedica
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado constitui o alicerce necessaacuterio
ao entendimento de que organizaccedilotildees empresariais natildeo obstante sejam pau-
tadas na obtenccedilatildeo do lucro possuem determinadas regulaccedilotildees ligadas agraves
pautas ambientais agrave medida que pertencem a um ordenamento juriacutedico que
elevou agrave categoria de constitucional a defesa ao consumidor e ao meio am-
biente
A interdependecircncia entre as normas do ordenamento juriacutedico brasileiro
que regulam a atividade empresarial deve ser analisada a partir da eacutetica am-
biental Nesse sentido a eacutetica e a ecologia estatildeo alinhadas umbilicalmente
(BELCHIOR 2017 p 69) Portanto a proteccedilatildeo juriacutedica ao meio ambiente deve
sempre respeitar a eacutetica assim como todos os atos empresariais
Eacute nesse sentido que se torna pertinente a reflexatildeo acerca de praacuteticas
de mercado que fogem agrave loacutegica da eacutetica ambiental bem como sobre o pa-
pel das empresas que venham a desrespeitar os ditames legais de proteccedilatildeo
ambiental estendendo-se a outras aacutereas especialmente a proteccedilatildeo ao con-
sumidor conforme seraacute esclarecido no toacutepico a seguir
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
232
152 A CARACTERIZACcedilAtildeO DO GREENWASHING E O PAPEL DAS
EMPRESAS
Os princiacutepios eacuteticos conduzem os comportamentos sociais sendo igual-
mente responsaacuteveis por embasar as atividades empresariais e os processos de-
cisoacuterios destas organizaccedilotildees Do mesmo modo os aspectos eacuteticos represen-
tam os comportamentos pelos quais a sociedade espera com que os negoacute-
cios sejam regidos (CARROLL 1999) o que leva agraves empresas a ficarem atentas
natildeo apenas a questotildees associadas ao lucro mas tambeacutem responsabilidades
eacuteticas (ASHLEY 2005) Em outras palavras as expectativas sociais sobre a con-
duta de uma empresa para a consolidaccedilatildeo de uma imagem positiva perante
o puacuteblico estatildeo relacionadas com a eacutetica empresarial
Assim o desenvolvimento da atividade empresarial e o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado se relacionam e a sociedade passa a
se preocupar mais com a sustentabilidade ambiental (AKATU 2009 p 15) os
movimentos de valorizaccedilatildeo da sustentabilidade ecoloacutegica e a proteccedilatildeo do
meio ambiente passam a influenciar a vida em sociedade e consequente-
mente alterar a essecircncia empresarial Assim surgem novos modelos de ges-
tatildeo que satildeo adotados pelas empresas que aderiram ao novo paradigma so-
cial de conexatildeo com a ideia de proteccedilatildeo ambiental
Nessa perspectiva a empresa se preocupa com todo o ciclo do pro-
duto do iniacutecio ateacute a sua finalizaccedilatildeo Esse estaacutegio eacute marcado por uma anteci-
paccedilatildeo de problemas ambientais posteriores (DUARTE et al 2013 p 3) Por-
tanto haacute intenccedilatildeo de dirimir danos ambientais a fim de se concretizar o direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e gerar benefiacutecios para a so-
ciedade e para a empresa
Com o aumento da consciecircncia coletiva ambiental iniciou-se um pro-
cesso de consolidaccedilatildeo de uma nova espeacutecie de consumidores os quais satildeo
tidos como ecoloacutegicos e fazem com que a preocupaccedilatildeo com o meio ambi-
ente natildeo seja apenas um fato social mas a base para a consolidaccedilatildeo de um
marketing ecoloacutegico Eacute que o comportamento do consumidor ambiental-
mente consciente se torna gradativamente um novo paradigma de con-
sumo que exige das empresas uma nova postura de mercado preocupada
com questotildees ambientais que atenda aos anseios da sociedade composta
por esses consumidores (DIAS 2009 p 139)
As expectativas sociais ligadas a questotildees ambientais se transformaram
e a pauta de defesa ao meio ambiente cada vez mais eacute estimulada e ganha
adeptos que passam a ter uma reflexatildeo mais profunda sobre a questatildeo am-
biental alterando substancialmente o modo como as empresas se posicio-
nam no mercado Estas que enxergam na demanda ambiental uma oportu-
nidade de crescimento podem se utilizar de bandeiras relativas agrave proteccedilatildeo
dos direitos da natureza para vender seus produtos ou serviccedilos entretanto a
problemaacutetica se estabelece quando a questatildeo eacute tratada como um mero ar-
tifiacutecio de marketing ignorando-se as verdadeiras demandas ambientais
sendo a obtenccedilatildeo irrestrita do lucro o uacutenico objetivo
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
233
As atenccedilotildees da sociedade e das empresas voltadas para aspectos sus-
tentabilidade ambiental estatildeo cada vez mais interligadas de modo que se
espera haver uma adequaccedilatildeo entre as expectativas da sociedade e as ne-
cessidades das empresas Ocorre que estas perceberam que ao investir em
uma atividade de acordo com a agenda ambiental ou seja baseada na
sustentabilidade poderia gerar lucro e sobretudo beneficiar a imagem das
empresas situaccedilatildeo que segundo Esty e Wiston eacute chamada de ldquoecovanta-
gemrdquo (ESTY WINSTON 2008 p 347)
Quando ocorre a inadequaccedilatildeo entre tais expectativas o que ocorre eacute
que enquanto a sociedade valoriza a defesa do meio ambiente conforme
previsto na Constituiccedilatildeo Federal as empresas investem no marketing de ldquoselo
verderdquo Essas circunstacircncias na praacutetica natildeo geram mudanccedilas significativas
nos processos internos das empresas limitando-se tal ldquopreocupaccedilatildeordquo com a
crise ambiental a embalagens ecologicamente corretas enquanto o conte-
uacutedo natildeo condiz efetivamente com as informaccedilotildees prestadas Essa praacutetica im-
plica em uma falsa propaganda ambiental caracterizada como uma detur-
paccedilatildeo eacutetica posto que induz os consumidores a acreditarem em um compro-
metimento ambiental que eacute irreal ferindo os princiacutepios constitucionais da livre
iniciativa situaccedilatildeo que pode ser caracterizada como greenwashing
O fenocircmeno do greenwashing envolve a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees
inveriacutedicas por meio de propagandas verdes e promessas de ecoeficiecircncia
afrontando diretamente o consumidor e o proacuteprio meio ambiente posto que
haacute a comercializaccedilatildeo de um produto ou serviccedilo que natildeo eacute ecologicamente
sustentaacutevel embora se diga ser A disseminaccedilatildeo de desinformaccedilatildeo e manipu-
laccedilatildeo prejudica o consumidor para manter um falso modelo de defesa ambi-
ental sem haver preocupaccedilatildeo alguma com o meio ambiente induzindo a
sociedade ao consumo de marcas que apenas se preocupam em se benefi-
ciar com os lucros advindos de poliacuteticas ambientalistas (PAGOTTO 2013)
Haacute empresas que usam o mecanismo de dissimulaccedilatildeo para se destacar
no mercado por meio de uma imagem ldquoesverdeadardquo (LOVATO 2013 p 1)
Haacute entatildeo a praacutetica do greenwashing na qual se declara um falso compro-
misso ambiental ao passo que empresas se utilizam de informaccedilotildees deturpa-
das para iludir o consumidor Normalmente eacute feito por meio de propagandas
e marketing utilizando slogans ou frases vagas para aparentar um compro-
metimento com o meio ambiente (LOVATO 2013 p 4) Portanto tem por ob-
jetivo obter uma vantagem ambiental que natildeo condiz com a realidade
O termo ldquogreenwashingrdquo que se popularizou no iniacutecio dos anos 1990
descreve de forma pejorativa a promoccedilatildeo da imagem ambiental positiva e
ecologicamente responsaacutevel poreacutem falaciosa (PAGOTTO 2017) Dessa
forma utiliza-se de uma praacutetica antieacutetica aleacutem de realizar uma propaganda
enganosa agrave populaccedilatildeo contribuindo com a crise ambiental (SANTOS 2002)
A temaacutetica ganhou destaque ainda maior em 1992 quando o greenpeace
publicou o livro ldquoThe greenpeace book of greenwashingrdquo que tinha como ob-
jetivo expor grandes marcas que partilhavam dessa estrateacutegia
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
234
A empresa que natildeo modifica o seu modo de produccedilatildeo a favor do meio
ambiente e mesmo assim se utiliza do marketing verde como se sua empresa
compactuasse com questotildees ecoloacutegicas pratica o greenwashing Nesse con-
texto o consumidor eacute induzido a adquirir um determinado produto ou serviccedilo
confiando que haacute uma preocupaccedilatildeo com a proteccedilatildeo ambiental contudo a
empresa apenas visa se beneficiar com os lucros advindos de poliacuteticas ambi-
entalistas (PAGOTTO 2013) Notadamente essa praacutetica se tornou um grande
problema no mercado na medida em que as empresas se utilizam de propa-
ganda enganosa para ter lucros maiores (RIMMER 2016)
Nesse sentido a utilizaccedilatildeo do artificio gera apenas a promoccedilatildeo da ima-
gem da empresa sem haver a responsabilidade ecoloacutegica de modo que os
consumidores satildeo atraiacutedos pela promessa de compras conscientes O certifi-
cado verde qualifica o produto ou serviccedilo como um aliado fundamental para
a escolha do consumidor (CAVANAGH 1998) Nesse sentido a cooperaccedilatildeo
ambiental e a sustentabilidade empresarial natildeo satildeo atingidas
Eacute fato que toda instituiccedilatildeo possui uma funccedilatildeo interna e externa No caso
das empresas sua funccedilatildeo interna eacute a produccedilatildeo de bens e serviccedilos a fim de
gerar lucros Contudo as atividades empresariais natildeo tecircm um fim em si
mesmo O caraacuteter patrimonial eacute posto em segundo plano em funccedilatildeo da soci-
edade isso quer dizer que a empresa deve ser pautada natildeo apenas no lucro
mas tambeacutem ser tutelada em accedilotildees que beneficiem a coletividade (GON-
CcedilALVES et al 2018 p 112)
O meio ambiente passou a ser reflexo da forma que eacute gerida a econo-
mia e o consumo As empresas passaram a se apropriar de estrateacutegias ligadas
agrave gestatildeo ambiental comprometidas com princiacutepios da preservaccedilatildeo prote-
ccedilatildeo ao meio ambiente conservaccedilatildeo e precauccedilatildeo De fato com essas novas
teacutecnicas as empresas natildeo apenas protegem o meio ambiente mas obteacutem
lucro por se tratarem de uma vantagem competitiva de mercado (ALMEIDA
2003 p124 e 125)
Portanto sob a eacutegide evolucionista do crescimento empresarial a pre-
servaccedilatildeo ambiental deve ser sempre levada em consideraccedilatildeo A atividade
empresarial causa impactos ao planeta e com isso prejudica as presentes e
futuras geraccedilotildees Assim as corporaccedilotildees natildeo devem se valer apenas do mar-
keting verde por meio do greenwashing para objetivar o lucro A mudanccedila
deve ser genuiacutena e a preservaccedilatildeo ambiental deve estar diretamente atrelada
ao crescimento econocircmico em respeito aos anseios sociais e ao ordena-
mento juriacutedico paacutetrio (GONCcedilALVES et al 2018 p 112)
Com o objetivo de inibir o comportamento da empresa e de reforccedilar o
paradigma de proteccedilatildeo ao meio ambiente e ao consumidor previsto na
Constituiccedilatildeo Federal tornou-se necessaacuteria agrave regulamentaccedilatildeo acerca da ma-
teacuteria com o fito de inibir praacuteticas de greenwashing no paiacutes Para tanto a re-
gulamentaccedilatildeo tem por base os preceitos do ordenamento juriacutedico brasileiro
marcados pela transdisciplinaridade que envolve aspectos dos Direitos Ambi-
ental Empresarial Ciacutevel e do Consumidor partes do todo entendido como o
sistema proteccedilatildeo juriacutedico-ambiental tratado no toacutepico a seguir
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
235
153 AS LIMITACcedilOtildeES AO GREENWASHING NO ORDENAMENTO
JURIacuteDICO BRASILEIRO
Conforme jaacute esclarecido o fenocircmeno do greenwashing eacute praticado por
meio da publicidade Esta por sua vez eacute tida como o modo pelo qual a co-
municaccedilatildeo eacute realizada para chamar atenccedilatildeo e despertar o interesse do puacute-
blico cuja consequecircncia eacute adquirir aquele determinado produto (DINIZ 1999
p 15) Dessa forma eacute a maneira de levar conhecimento do produto para o
consumidor
No caso de ldquoprodutos verdesrdquo a publicidade eacute transmitida em razatildeo de
garantias ecoloacutegicas e proteccedilatildeo ao meio ambiente Assim estes satildeo adquiri-
dos com intenccedilotildees ambientalistas e que estejam de acordo com a moral e os
valores de quem os compra O ato de comprar eacute baseado na forma que o
produto eacute produzido e vendido ateacute chegar ao destinataacuterio final Sabendo
disso algumas empresas se valendo de teacutecnicas de comunicaccedilatildeo em massa
incorporam o discurso ldquoverderdquo mas sem efetivamente preservar e proteger a
natureza
No tocante agrave tutela juriacutedica no Brasil o greenwashing eacute considerado
uma praacutetica de publicidade enganosa sendo assegurado na esfera do Coacute-
digo de Defesa do Consumidor (Lei 807890) Nesse mesmo contexto haacute a
atuaccedilatildeo do Conselho Nacional de Autorregulamentaccedilatildeo Publicitaacuteria cuja
missatildeo eacute impedir que a publicidade enganosa ou abusiva gere constrangi-
mento ao consumidor ou a empresas aleacutem de defender a liberdade de ex-
pressatildeo comercial (CONAR 2017) A publicidade ambiental enganosa eacute uma
das vertentes do referido conselho sendo considerada a forma mais atuante
em defesa dessa praacutetica no Brasil (OLIVEIRA 2018)
O crescimento do uso de greenwashing em campanhas publicitaacuterias
acarretou uma regularizaccedilatildeo da situaccedilatildeo pelo Conselho Nacional de Autor-
regularizaccedilatildeo (CONAR) instituiccedilatildeo criada em 1980 que passou a incluir regras
publicitaacuterias que contenham referecircncia agrave sustentabilidade (MEacuteO 2017) O oacuter-
gatildeo fiscaliza se as propagandas publicitarias dos produtos e serviccedilos estatildeo de
acordo com a agenda ecoloacutegica
O CONAR possui determinados princiacutepios que norteiam a sua atuaccedilatildeo
e que fazem referecircncia a uma atividade de publicidade prevista no Coacutedigo
Brasileiro de Autorregulaccedilatildeo Publicitaria Dentre eles ressaltam-se trecircs o prin-
ciacutepio da honestidade princiacutepio da apresentaccedilatildeo verdadeira e o princiacutepio da
poluiccedilatildeo e ecologia O princiacutepio da honestidade estaacute previsto no artigo 23 e
diz que a propaganda natildeo pode abusar da confianccedila do consumidor e da
sua credulidade Em relaccedilatildeo ao princiacutepio da apresentaccedilatildeo verdadeira visto
no artigo 27 defende a necessidade de uma apresentaccedilatildeo condizente com
o produto ou seja os fatos e dados alegados devem ser comprobatoacuterios
Por fim o princiacutepio da poluiccedilatildeo e ecologia estaacute previsto no artigo 36 do
mesmo coacutedigo segundo o qual os anuacutencios de publicidade devem refletir a
sua preocupaccedilatildeo com a humanidade e proteccedilatildeo ao meio ambiente sendo
vedada a publicidade que estimule agrave poluiccedilatildeo e a depredaccedilatildeo da fauna
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
236
flora e demais recursos naturais (CONAR) Os princiacutepios mencionados refor-
ccedilam o entendimento de que o greenwashing eacute uma praacutetica antieacutetica que
deve ser desencorajada
Ademais o paraacutegrafo uacutenico do artigo 36 do referido coacutedigo faz ressalvas
que se complementam com a praacutetica de greenwashing como questiona-
mentos quanto a veracidade das informaccedilotildees ambientais exatidatildeo das infor-
maccedilotildees a fim de evitar informaccedilotildees geneacutericas pertinecircncia em relaccedilatildeo ao
processo de produccedilatildeo e seus anuacutencios e por fim a relevacircncia dos produtos e
os benefiacutecios ambientais (CONAR) sendo vedadas agrave vista disso campanhas
publicitarias que utilizem mecanismos ambientalistas infundados
Nessa mesma perspectiva o coacutedigo de autorregulaccedilatildeo tambeacutem des-
creve em seu anexo II mais precisamente no ponto ldquourdquo questotildees de apelo
sustentaacuteveis Para o oacutergatildeo a publicidade tem o papel natildeo apenas de distinguir
o produto mas contribuir para a formaccedilatildeo de valores humanos eacuteticos sociais
e responsaacuteveis (CONAR) estando de acordo com o paradigma de proteccedilatildeo
ambiental e defesa do meio ambiente Portanto eacute atribuiacuteda a necessidade da
veracidade dos fatos na qual as informaccedilotildees veiculadas devem ser verda-
deiras Eacute perceptiacutevel a forma que o CONAR se dedica para atuar no mercado
e proteger os consumidores contudo pela proacutepria caracteriacutestica do oacutergatildeo de
autorregulaccedilatildeo ainda haacute dificuldade de fiscalizaccedilatildeo sendo necessaacuteria uma
atuaccedilatildeo em conjunto com a sociedade para atingir progressos consideraacuteveis
(LOVATO 2013)
No Brasil o greenwashing eacute considerado uma praacutetica de propaganda
enganosa sendo inibida pelo artigo 37 do Coacutedigo de Defesa do Consumidor
Esse fato foi confirmado por meio de jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Fede-
ral (STF) na qual foi proposto o Mandado de Injunccedilatildeo ndeg 4766DF no dia 24 de
maio de 2012 oportunidade em que foi discutida uma suposta omissatildeo legis-
lativa sobre propagandas ambientais cujo objetivo era regulamentar uma lei
especifica que tratasse exclusivamente sobre greenwashing O impetrante
alegava que a propaganda enganosa ambiental natildeo encontrava proteccedilatildeo
no ordenamento juriacutedico paacutetrio contudo o presente remeacutedio natildeo foi acolhido
pelo tribunal que entendeu de forma monocraacutetica segundo o voto proferido
pelo Ministro Gilmar Mendes jaacute existir norma federal que assegure os direitos
de proteccedilatildeo agrave propaganda enganosa (BRASIL 2013)
Nesse contexto nas palavras do Ministro ldquoJaacute haacute norma federal que via-
bilize o exerciacutecio dos direitos de proteccedilatildeo agrave propaganda comercial seja ela
ambiental ou de qualquer outra naturezardquo A partir da perspectiva do Su-
premo Tribunal Federal natildeo haacute omissatildeo legislativa a ser sanada visto que o
tribunal entendeu pela generalidade da lei acerca da publicidade enganosa
a qual contempla ainda que indiretamente o greenwashing (BRASIL 2013)
De toda forma apesar do remeacutedio constitucional natildeo ter sido desenvol-
vido fica claro o posicionamento da Suprema Corte brasileira Em contra-
ponto a esse posicionamento eacute possiacutevel prever a existecircncia de casos em que
o greenwashing seraacute utilizado sem haver uma sanccedilatildeo especiacutefica para o caso
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
237
e consequentemente sem alterar a conduta empresarial posto que natildeo haacute
fiscalizaccedilatildeo adequada que impeccedila a referida praacutetica
A partir da anaacutelise do referido julgado eacute possiacutevel identificar mais uma
vez a transdisciplinaridade da proteccedilatildeo juriacutedico-ambiental dado que o resul-
tado do referido julgado possui raiacutezes na esfera da proteccedilatildeo ao consumidor
Logo identifica-se a complexidade do sistema de proteccedilatildeo juriacutedico-ambien-
tal havendo limitaccedilotildees ao greenwashing identificadas na Constituiccedilatildeo Fede-
ral de 1988 de maneira indireta a partir da anaacutelise da proteccedilatildeo ao meio am-
biente e ao consumidor bem como nas normas expedidas pelo CONAR e no
Coacutedigo de Defesa do Consumidor segundo o entendimento do STF
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O presente trabalho buscou realizar reflexotildees sobre o fenocircmeno do
greenwashing e investigar as suas limitaccedilotildees no ordenamento juriacutedico brasi-
leiro em sua complexidade No primeiro momento a oacuteptica complexa esta-
belecida por Morin foi o ponto de partida para uma investigaccedilatildeo da proteccedilatildeo
juriacutedica do meio ambiente em meio agrave crise ambiental contemporacircnea Isso
porque o Direito Ambiental natildeo eacute capaz por si soacute de solucionar todas as de-
mandas havendo influecircncia e limitaccedilotildees de demais aacutereas que podem regu-
lar sob diferentes perspectivas o greenwashing
Nesse contexto o pensamento complexo estaacute relacionado agrave consciecircn-
cia de que o todo eacute maior que a soma de todas as partes O Direito Ambiental
pode ser analisado com base no pensamento complexo uma vez que os mi-
crossistemas de proteccedilatildeo juriacutedica ao meio ambiente transitam em outras aacutereas
dentro do proacuteprio Direito destacando-se a sua relevacircncia para o Direito Em-
presarial o Direito Civil e Direito do Consumidor
Diante disso a proteccedilatildeo do meio ambiente eacute baseada em uma inter-
dependecircncia entre o pensamento complexo e o Direito Ambiental havendo
uma anaacutelise a partir da eacutetica ambiental para averiguar se as condutas em-
presariais estatildeo alinhadas com a proteccedilatildeo juriacutedica ao meio ambiente A eacutetica
ambiental eacute conduzida por preceitos os quais guiam os comportamentos so-
ciais das atividades empresariais e seus processos de produccedilatildeo
A partir do momento em que a sociedade compreende a importacircncia
da necessidade de uma proteccedilatildeo ambiental as empresas se moldam a esse
novo paradigma podendo obter vantagens associadas a essa mudanccedila de
modo que os lucros das empresas que estatildeo alinhadas com a agenda ambi-
entalista crescem a cada dia Ocorre que de fato existem organizaccedilotildees que
alteram seu jeito de pensar e produzir fazem mudanccedilas no seu modo de ges-
tatildeo enquanto outras visando apenas o lucro utilizam a pauta ambiental em
seus mercados exclusivamente para lucrar sem levar em consideraccedilatildeo a mu-
danccedila de paradigma social
Dessa forma o ordenamento juriacutedico brasileiro garante a proteccedilatildeo do
consumidor e do meio ambiente diante da praacutetica do greenwashing con-
forme identificado na decisatildeo do Mandando de Injunccedilatildeo impetrado perante
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
238
o Supremo Tribunal Federal que reconheceu o fenocircmeno do greenwashing
no Brasil entendendo que o Coacutedigo de Defesa do Consumidor eacute a via correta
para inibir a praacutetica haja vista a perspectiva legal da propaganda enganosa
Entende-se haver a preponderacircncia da transdisciplinaridade da prote-
ccedilatildeo juriacutedico-ambiental de modo que eacute possiacutevel identificar normas de limita-
ccedilatildeo de condutas ambientalmente abusivas e antieacuteticas na Constituiccedilatildeo Fe-
deral como tambeacutem em aacutereas distintas do Direito Haacute inclusive como eacute o
caso da anaacutelise da norma do CONAR e do referido julgado a proteccedilatildeo a
bens juriacutedicos distintos atingindo natildeo somente os direitos relacionados agrave pro-
teccedilatildeo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado conforme previsto
constitucionalmente como tambeacutem os direitos do consumidor caracteri-
zando-se a complexidade da mateacuteria
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AS IMPLICACcedilOtildeES JURIacuteDICAS
ADVINDAS DA FORMACcedilAtildeO DA
FAMIacuteLIA MULTIESPEacuteCIE
Maria Ravelly Martins Soares Dias1
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 161 A natureza juriacutedica dos animais de esti-
maccedilatildeo segundo o Coacutedigo Civil de 2002 162 O instituto da persona-
lidade juriacutedica e os animais de estimaccedilatildeo 163 Os animais de esti-
maccedilatildeo como ldquoterceiro gecircnerordquo e o meio termo como soluccedilatildeo apa-
rente Consideraccedilotildees finais Referecircncias
INTRODUCcedilAtildeO
Em decorrecircncia da claacuteusula aberta contida no art 226 da Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 onde estabelece que a famiacutelia eacute a base da sociedade vaacuterios
nuacutecleos familiares ganharam repercussatildeo Dentre muitos destaca-se a famiacutelia
multiespeacutecie agregando humanos e animais dentro de um mesmo agrupa-
mento familiar
Assim com a ideia de famiacutelias pluralizadas e inclusivas os animais de
estimaccedilatildeo ganharam importacircncia dentro dos nuacutecleos alcanccedilando a quali-
dade de membro da famiacutelia gerando por consequecircncia implicaccedilotildees no
mundo juriacutedico e no meio social fazendo surgir a necessidade de averiguar a
natureza juriacutedica do animal de estimaccedilatildeo dentro do ordenamento juriacutedico
brasileiro
Sob este aspecto o presente artigo tem como problema apurar os limi-
tes e possibilidades de modificaccedilatildeo do status juriacutedico do animal de estimaccedilatildeo
dentro do ordenamento juriacutedico brasileiro frente o atual enquadramento legal
que os classificam como bens moacuteveis na qualidade de semoventes
Mostra-se de extrema relevacircncia a temaacutetica diante da atual conjuntura
das famiacutelias que incluiacuteram os animais de estimaccedilatildeo como membros bem
como do nuacutemero de litiacutegios decorrentes das rupturas familiares que centrali-
zam a disputa do animal de estimaccedilatildeo como se filhos fossem
Desta forma tem-se como objetivo geral investigar a natureza juriacutedica
dos animais de estimaccedilatildeo traccedilando barreiras e possibilidades de modificaccedilatildeo
dentro do ordenamento juriacutedico brasileiro Como objetivos especiacuteficos frisa-se
em analisar a natureza juriacutedica dos animais de estimaccedilatildeo segundo o coacutedigo
civil de 2002 compreender o instituto da personalidade juriacutedica e aplicaccedilatildeo
1 Mestra em Relaccedilotildees Privadas e Desenvolvimento pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro
(UNI7CE) Professora Universitaacuteria na Faculdade Ieducare- FIED Professora Universitaacuteria na
Faculdade Alencarina- FAL Advogada E-mail ravellymartinsgmailcom
16
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
241
aos animais de estimaccedilatildeo e por fim examinar o animal de estimaccedilatildeo como
terceiro gecircnero
Para o alcance dos resultados pretendidos analisou-se natureza juriacutedica
dos animais de estimaccedilatildeo e as repercussotildees advindas de eventual modifica-
ccedilatildeo sendo utilizada a pesquisa bibliograacutefica qualitativa por intermeacutedio livros
artigos cientiacuteficos e documentos a partir da contribuiccedilatildeo de vaacuterios autores se-
lecionados bem como diante da singularidade e complexidade do objeto de
estudo permitindo assim anaacutelise e interpretaccedilatildeo ampla Em relaccedilatildeo ao meacute-
todo o que se encaixou foi o indutivo de modo que houve anaacutelise da situa-
ccedilatildeo individual para obtenccedilatildeo de conclusatildeo geneacuterica
Finalmente o trabalho foi desenvolvido por meio de trecircs toacutepicos onde
num primeiro momento foi estudada a natureza juriacutedica dos animais de esti-
maccedilatildeo e o coacutedigo civil de 2002 posteriormente o instituto da personalidade
juriacutedica e os animais de estimaccedilatildeo e por fim o animal como terceiro gecircnero
como soluccedilatildeo aparente
161 A NATUREZA JURIacuteDICA DOS ANIMAIS DE ESTIMACcedilAtildeO
SEGUNDO O COacuteDIGO CIVIL DE 2002
De maneira abrangente e universal pode-se asseverar que um bem re-
presenta tudo que proporcione contentamento ou prazer Pode-se ainda
afirmar que bem em outro sentido eacute o oposto de mal denota bondade ca-
ridade gentileza entre outros Fala-se ainda que o termo ldquobemrdquo indica posse
pertenccedila poderio e ateacute propriedade
Interessante lembrar a definiccedilatildeo de bem trazida por Caio Maacuterio da Silva
Pereira (2004) quando foca nas mais variadas acepccedilotildees que denotam o
termo ldquobemrdquo mas ressaltando que natildeo eacute todo bem que interessa agrave ordem
juriacutedica tomando por base o fato de a versatildeo do termo denotar as mais vari-
adas possibilidades
O Coacutedigo Civil de 2002 classificou os bens em trecircs categorias cada uma
com ramificaccedilotildees a fim de promover uma organizaccedilatildeo loacutegico-juriacutedica Satildeo
elas os bens considerados em si mesmos os bens reciprocamente considera-
dos e por fim os bens considerados em relaccedilatildeo ao sujeito ou seja se puacuteblico
ou privado Neste vieacutes tem-se por um criteacuterio loacutegico que o bem se diferenciaria
da qualidade de pessoa por em tese tratar de seres inanimados sem vida
ou seja objetos Muito embora seja sua maior caracteriacutestica nessa categoria
que os animais em geral foram inseridos inclusive os animais de estimaccedilatildeo
mesmo pertencentes a uma famiacutelia multiespeacutecie
Com origem no Direito Romano e difundida pelo ocidente os animais
foram inseridos num regime juriacutedico eminentemente privado onde foram po-
sicionalmente alocados no acircmbito das coisas (res) tendo como consequecircn-
cia juriacutedica o mesmo tratamento juriacutedico relativo aos objetos inanimados e agrave
propriedade privada (SILVESTRE LORENZONI HIBNER 2018)
Apesar de os animais possuiacuterem movimento proacuteprio e dentro de cada
espeacutecie tenha sua proacutepria organizaccedilatildeo a legislaccedilatildeo privada os encaixou
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
242
pura e simplesmente dentro da categoria de bens moacuteveis Assim segundo a
dicccedilatildeo do art 82 do Coacutedigo Civil de 2002 ldquosatildeo moacuteveis os bens suscetiacuteveis de
movimento proacuteprio ou de remoccedilatildeo por forccedila alheia sem alteraccedilatildeo da subs-
tacircncia ou da destinaccedilatildeo econocircmico-socialrdquo
Os animais em geral satildeo categorizados como bens semoventes sem
qualquer distinccedilatildeo ldquodizendo respeito aos bens que se deslocam de um lugar
para o outro sem perder sua substacircncia em razatildeo de sua proacutepria estruturardquo
(FARIAS ROSENVALD 2016 p 513)
Contemporaneamente em contrapartida os animais principalmente
os de estimaccedilatildeo ocupam um lugar significativo nos lares sendo distribuiacutedo
todo afeto possiacutevel na interaccedilatildeo humano-animal o que reflete na necessi-
dade de mudanccedila de paradigma Neste ponto interessante destacar que o
costume de ter em companhia os animais era privileacutegio somente das elites
aristocraacuteticas e clericais em meados do seacuteculo XVI Apontam alguns estudos
que o costume de levar o animal para dentro dos lares foi ocasionada pela
diminuiccedilatildeo do uso de animais como forccedila para o trabalho e despenderam
outras perspectivas que natildeo fosse somente a utilitaacuteria (THOMAS 2010)
Alguns ordenamentos juriacutedicos que inclusive influenciaram a codifica-
ccedilatildeo civilista do Brasil inovaram em sua legislaccedilatildeo a fim de alargar a natureza
juriacutedica dos animais e natildeo mais consideraacute-los como coisa Paiacuteses com Franccedila
Suiacuteccedila Alemanha Aacuteustria e Portugal atualmente consideram o animal de
companhia como seres sensiacuteveis ou seja perceptiacuteveis a sentimentos afas-
tando-os da categoria de bens ou objetos (COSTA FERREIRA 2018)
Portugal recentemente inovou quanto agrave mateacuteria quando trouxe em 3
(trecircs) de marccedilo de 2017 a Lei de nordm 8 (oito) com uma nova regulamentaccedilatildeo
Neste sentido por meio da citada Lei o ordenamento juriacutedico portuguecircs
trouxe um novo estatuto juriacutedico no que diz respeito aos animais reconhe-
cendo que tais seres satildeo dotados de sensibilidade afastando-os da categoria
das coisas enquanto objeto das relaccedilotildees juriacutedicas tanto que incluiacuteram tal mu-
danccedila na parte concernente agraves pessoas A revoluccedilatildeo do referido ordena-
mento foi grandiosa tanto que ateacute mesmo inseriu um subtiacutetulo denominado
Dos animais e sua localizaccedilatildeo vem logo apoacutes agrave parte referente agrave regulaccedilatildeo
das pessoas (DIAS 2018)
Interessante frisar a modificaccedilatildeo do Coacutedigo Civil austriacuteaco acerca da
natureza juriacutedica dos animais de companhia que ocorreu no ano de 1988
quando foi acrescentado o paraacutegrafo 285ordf dispondo expressamente que ldquoos
animais natildeo satildeo coisas eles satildeo protegidos por leis especiaisrdquo (SOUZA SOUZA
2018)
Por sua vez em 1990 o Coacutedigo Civil alematildeo procedeu agrave modificaccedilatildeo
onde na oportunidade incluiu o paraacutegrafo 90ordf Tal modificaccedilatildeo foi no sentido
de que aos animais de companhia deveriam ser aplicadas as normas vigentes
relativas agraves coisas no que for possiacutevel deixando a salvo qualquer disposiccedilatildeo
em contraacuterio (SOUZA SOUZA 2018)
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
243
Somente no ano de 2003 a Suiacuteccedila alterou sua legislaccedilatildeo no que pertine
ao assunto animais Ocorreu uma verdadeira ldquodescoisificaccedilatildeordquo dos animais
quando passou em seu art 641 inciso II a afirmar que os animais natildeo satildeo
coisas (SOUZA SOUZA 2018)
No mesmo seguimento veio a Franccedila por meio dos artigos 514 a 528 do
Coacutedigo Civil Na ocasiatildeo o coacutedigo francecircs afirmou serem os animais dotados
de sensibilidade mas ainda ponderou no sentido de reservaacute-los agrave legislaccedilatildeo
que os protege bem como que estatildeo submetidos ao regime de bens (SOUZA
SOUZA 2018)
O Brasil em sua codificaccedilatildeo privada continua por considerar os animais
de estimaccedilatildeo como coisas mais precisamente bens moacuteveis (art 82) sem nem
mesmo considerar uma possiacutevel senciecircncia conforme mencionado anterior-
mente Ao receberem tal tratamento submetem-se por exemplo a alguns
ditos juriacutedicos como por exemplo o princiacutepio da gravitaccedilatildeo juriacutedica ou seja
por serem mamiacuteferos passiacuteveis de reproduccedilatildeo produzem frutos seguindo a
maacutexima de que ldquoo acessoacuterio segue o principalrdquo (COSTA FERREIRA 2018)
Em contrapartida em sede constitucional haacute a observacircncia da prote-
ccedilatildeo animal quando da leitura do art 225 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 ao
afirmar o direito pertencente a todos de um meio ambiente ecologicamente
equilibrado sendo ainda um bem de uso comum do povo O artigo ainda
menciona o dever do poder puacuteblico e da coletividade de defender e preser-
var o meio ambiente para as presentes e futuras geraccedilotildees Na mesma linha
segue o paraacutegrafo 1ordm inciso VII do citado art 225 sobre a funccedilatildeo do Poder
Puacuteblico de proteger a fauna e a flora sendo vedadas praacuteticas que provo-
quem ou coloquem em risco sua funccedilatildeo ecoloacutegica bem como a extinccedilatildeo
das espeacutecies ou submetam os animais a crueldade
Tramita o Projeto de Lei nordm 67992013 de iniciativa do Deputado Federal
Ricardo Izar (PSDSP) no qual dispotildee que ldquoos animais natildeo humanos possuem
natureza juriacutedica sui generis e satildeo sujeitos de direitos despersonificados dos
quais devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violaccedilatildeo vedado
o seu tratamento como coisardquo
Segundo a justificativa apontada pelo autor do Projeto o interesse
maior eacute o de conferir um regime juriacutedico inovador de modo que afaste a per-
cepccedilatildeo utilitarista que sempre acompanhou os animais ou seja que o animal
sempre serviu para o homem e para seus interesses diferindo-os dos animais
humanos tatildeo somente no tocante agrave racionalidade e agrave comunicaccedilatildeo verbal
A proposta segue na tentativa de acrescentar dispositivo agrave Lei ndeg 9605
de 12 de fevereiro de 1998 A Lei em vigor trata em seu bojo sobre as sanccedilotildees
penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio
ambiente
Na mesma intenccedilatildeo segundo o proacuteprio texto do projeto (art4deg) deve-
se acrescentar o art 79-B agrave Lei ndeg 96051998 prevendo que o ldquodisposto no art
82 da Lei nordm 10406 de 10 de janeiro de 2002 (Coacutedigo Civil) natildeo se aplica aos
animais natildeo humanos que ficam sujeitos a direitos despersonificadosrdquo
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
244
No dia 7 de agosto de 2019 o Plenaacuterio do Senado aprovou o referido
Projeto de Lei considerando a senciecircncia dos animais natildeo humanos e sua na-
tureza sui generis como sujeitos de direitos natildeo personificados Por ter havido
modificaccedilatildeo ao texto o Senado remeteu a mateacuteria de volta agrave Cacircmara dos
Deputados para apreciaccedilatildeo estando atualmente na mesa do plenaacuterio com
requerimento de urgecircncia para apreciaccedilatildeo
Com a modificaccedilatildeo no texto original o projeto de Lei reconhece a na-
tureza juriacutedica sui generis tatildeo somente aos animais domeacutesticos e silvestres res-
saltando que deveraacute ser acrescentado um paraacutegrafo uacutenico ao art 82 do Coacute-
digo Civil dispondo que natildeo seratildeo portanto estes animais considerados
como objetos moacuteveis mais precisamente semoventes
Daniel Braga Lourenccedilo (2016) reconhece que de vaacuterios projetos este eacute
o que realmente assume um posicionamento claro em relaccedilatildeo aos animais
De forma expressa o projeto estabelece que os animais estariam numa posi-
ccedilatildeo sui generis afastando-os do acircmbito das coisas conferindo-lhes um novo
estatuto juriacutedico bem como seriam entes despersonificados ao mesmo
tempo que seriam sujeitos de direitos
No entanto afirma o referido autor que de nada serviraacute a redaccedilatildeo pro-
posta se natildeo forem claramente pontuados quais seriam os direitos subjetivos
os quais os animais poderiam titularizar O pesquisador ainda faz a seguinte
reflexatildeo ldquoa modificaccedilatildeo do estatuto dos animais nos paiacuteses europeus que jaacute
realizaram esta reforma significou efetivamente a atribuiccedilatildeo de novo sentido
para a animalidade ou estas sociedades continuam operando fundamental-
mente da mesma forma oprimindo os animaisrdquo (LOURENCcedilO 2016 p23)
Sob esta linha mesmo diante de um projeto de Lei inovador em relaccedilatildeo
agrave positivada legislaccedilatildeo privada haacute latente necessidade de se atribuir uma
nova categoria aos animais de estimaccedilatildeo Negar-lhes a condiccedilatildeo de seres
detentores de personalidade juriacutedica na medida em que passam a consi-
deraacute-los como sujeitos de direitos mas continuando como desprovidos de
qualquer personificaccedilatildeo natildeo mostra incidecircncia praacutetica relevante para a ne-
cessidade de desconsideraacute-los como coisas Portanto eacute essencial a anaacutelise do
instituto da personalidade juriacutedica e suas implicaccedilotildees frente aos animais de
estimaccedilatildeo o que seraacute visto a seguir
162 O INSTITUTO DA PERSONALIDADE JURIacuteDICA E OS ANIMAIS DE
ESTIMACcedilAtildeO
A legislaccedilatildeo paacutetria natildeo define o conceito de pessoa tatildeo somente
afirma que ldquotoda pessoa eacute capaz de direitos e obrigaccedilotildees na ordem civilrdquo
segundo dicccedilatildeo do art 1deg do Coacutedigo Civil de 2002 ou seja de pronto jaacute atribui
que para ter capacidade eacute necessaacuteria a condiccedilatildeo preacutevia de pessoa
Eacute assentado que os termos pessoa e sujeito de direito possuem acircnimos
equivalentes no sentido de afirmar que pessoa eacute todo aquele sujeito de di-
reitos (FARIAS ROSENVALD 2016 p169) Outrossim representa aquele que fi-
gura nas relaccedilotildees juriacutedicas seja no polo ativo seja no polo passivo bem como
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
245
eacute possuidor de uma gama de direitos protetivos Muito embora a ideia de que
pessoa venha a ser atrelada agrave figura humana este pensamento natildeo eacute abso-
luto visto que eacute atribuiacuteda a acepccedilatildeo de pessoa a entes morais ou seja natildeo
humanos a exemplo da pessoa juriacutedica Ser sujeito de direito (de direitos e
obrigaccedilotildees) eacute ser pessoa Pessoa e sujeito no plano juriacutedico satildeo conceitos
equivalentesrdquo (MORAES 2000 p 189)
A acepccedilatildeo do termo pessoa consegue abranger a um soacute tempo o que
eacute humano bem como alcanccedila o mundo juriacutedico quando cria uma figura fic-
tiacutecia natildeo humana em sua essecircncia natildeo obstante composta por figuras huma-
nas e ainda consegue por meio da Lei garantir-lhe personalidade juriacutedica
conforme apontam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2016)
Neste sentido segundo o conceito claacutessico da doutrina existem dois ti-
pos de pessoas a pessoa natural e a pessoa juriacutedica A primeira diz respeito agrave
pessoa fiacutesica o ser humano o homem A segunda toca um determinado agru-
pamento de pessoas naturais com objetivos em comum podendo ser tam-
beacutem denominada de pessoa moral ou pessoa coletiva Ressalte-se que am-
bas podem titularizar relaccedilotildees juriacutedicas e gozam de proteccedilatildeo sendo conside-
radas portanto como sujeitos de direito
Nessa linha a denominada capacidade vem sendo entendida como
extensatildeo da proacutepria personalidade juriacutedica esta atribuiacuteda a todo ser humano
(pessoa natural) nascida com vida tal qual dispotildee o art 2deg da Codificaccedilatildeo
privada quando aduz que a personalidade civil da pessoa comeccedila do nas-
cimento com vida Assim a capacidade juriacutedica eacute relacionada com a apti-
datildeo da pessoa natural (dotada de personalidade juriacutedica) em adquirir direitos
e assumir deveres pessoalmente ou natildeo Neste sentido na medida em que
surge a pessoa natural detentora da chamada personalidade juriacutedica surge
a capacidade juriacutedica para medir aquela tornando as pessoas plenamente
ou relativamente incapazes Desta forma a capacidade juriacutedica ou seja a
que mede a personalidade divide-se em duas capacidade de direito (gozo
ou aquisiccedilatildeo) e capacidade de fato (exerciacutecio)
A capacidade juriacutedica plena ou geral eacute atribuiacuteda a toda pessoa natural
que disponha a um soacute tempo da capacidade de direito e da capacidade
de fato condiccedilatildeo esta que favorece a possibilidade de ser titular de direitos
e assumir obrigaccedilotildees Importante pois ressaltar que a capacidade de direito
para alguns autores mistura-se com a ideia de personalidade sob a alega-
ccedilatildeo de que as duas satildeo conferidas a um soacute tempo agrave pessoa natural ou seja
aquele nascido com vida diante do fato da condiccedilatildeo de pessoa (FARIAS RO-
SENVALD 2016)
Segundo Gontijo e Fiuza (2014) a qualidade de pessoa eacute gecircnero po-
dendo se desdobrar em pessoa fiacutesica (natural) ou pessoa juriacutedica Cada tipo
de pessoa possui seus proacuteprios elementos e caracteriacutesticas coincidindo no
entanto em serem titulares de deveres e direitos e consequentemente pos-
suiacuterem a atribuiccedilatildeo de sujeitos de direito
A personalidade juriacutedica desdobra-se como valorativa enquanto a ca-
pacidade juriacutedica funciona como medida desse valor (personalidade) Assim
Germana Parente Neiva Belchior
Iasna Chaves Viana
246
o indiviacuteduo pode ser sujeito de direito ter personalidade juriacutedica e esta por
sua vez seraacute regulada conforme a sua capacidade se plena ou limitada daiacute
portanto natildeo conferir similitude entre personalidade e capacidade (GON-
TIJO FIUZA 2014)
Ser sujeito de direito eacute dizer que determinada pessoa eacute capaz eacute ser titu-
lar de um direito O ente portanto figura na relaccedilatildeo juriacutedica seja por si soacute ou
por meio de representaccedilatildeo ou assistecircncia a depender do caso Ter como
atributo o ser sujeito de direito significa possuir a denominada capacidade de
gozo relacionada com a subjetividade que permeia a condiccedilatildeo de pessoa
bem como de outros entes sem personalidade que de igual forma gozam
de direitos (GONTIJO FIUZA 2014)
Segundo Joaquim Ramalho (2019) os sujeitos de direito satildeo os entes ap-
tos a serem titulares de direitos e obrigaccedilotildees ou seja da possibilidade de figu-
rarem num dos poacutelos da relaccedilatildeo juriacutedica Abrindo desta forma a possibilidade
dos sujeitos de direito serem pessoas singulares ou coletivas Neste sentido eacute
proacutepria da condiccedilatildeo existencial de um sujeito a concepccedilatildeo de um direito sub-
jetivo ou seja diante de um direito pessoal eacute de fundamental importacircncia
algueacutem que figure como seu titular
Muito embora exista a noccedilatildeo de que para a existecircncia de um direito
subjetivo haja necessariamente um titular para o exerciacutecio dessa faculdade
figuram situaccedilotildees peculiares as quais natildeo contam com a presenccedila da condi-
ccedilatildeo de pessoa e consequentemente ausecircncia de personalidade mas
mesmo assim haacute a qualificaccedilatildeo como sujeito de direito sem personalidade
como por exemplo o nascituro Portanto a condiccedilatildeo de ser sujeito de direito
precede a de pessoa tanto que o proacuteprio Coacutedigo Civil atribui ao nascituro ou
seja agravequele concebido mas natildeo nascido aquela condiccedilatildeo sem necessari-
amente ser atribuiacuteda personalidade juriacutedica natildeo podendo ser desta forma
confundidos ou ser considerados similares o ser titular de direitos e a imputa-
ccedilatildeo de personalidade juriacutedica
A figura do nascituro como sujeito de direito sem personalidade vem
claramente afirmada nas tenazes do art 2ordm da legislaccedilatildeo civil quando eacute adu-
zido o seguinte a personalidade civil da pessoa comeccedila do nascimento com
vida mas a lei potildee a salvo desde a concepccedilatildeo os direitos do nascituro
Neste raciociacutenio usando como exemplo a condiccedilatildeo do nascituro tem-se
neste ser um sujeito de direito sem personalidade pois a proacutepria lei admite isso
em seu artigo segundo quando afirma os seus direitos desde a concepccedilatildeo
Num primeiro momento haacute a niacutetida intenccedilatildeo do legislador em natildeo con-
siderar o nascituro como pessoa tendo em vista que a personalidade inicia-
se com o nascimento com vida mas em contrapartida haacute garantia de direi-
tos ao natildeo nascido A doutrina ao retratar o assunto acima tenta explicar a
situaccedilatildeo por meio das teorias natalista condicionalista e concepcionista
A teoria natalista aduz a ausecircncia de personalidade do nascituro e res-
salta a existecircncia de expectativas de direito tomando por base a ideia de
que a personalidade civil soacute teraacute iniacutecio a partir do nascimento com vida natildeo
devendo ser reconhecidos ao nascituro direitos Assim soacute se admite falar em
DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE
olhares para a contemporaneidade
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tratamento juriacutedico para aquele nascido com vida Para tal considera-se nas-
cido com vida aquele retirado do corpo materno e mediante presenccedila de ar
nos pulmotildees por meio de procedimento meacutedico chamado docimasia pulmo-
nar (MARCcedilAL AMARAL 2018)
A teoria da personalidade condicionada sustenta que os direitos do nas-
cituro enfrentam uma condiccedilatildeo suspensiva na medida em que soacute deveraacute ser
considerado ente com personalidade o nascituro que venha a nascer com
vida excluindo no entanto a possibilidade de atribuiccedilatildeo de personalidade
agraves situaccedilotildees em que este mesmo natildeo venha a vingar natildeo lhe sendo atribuiacutedo
qualquer direito Ainda quanto a este ponto destaca-se que o nascituro se
enquadraria com uma pessoa virtual ou condicional pois sua personalidade
encontra-se condicionada ao nascimento com vida (FARIAS ROSENVALD
2016) Estando portanto mediante uma condiccedilatildeo aplicar-se-ia de igual ma-
neira ao embriatildeo concebido mediante fertilizaccedilatildeo in vitro ou seja uma vida
extrauterina Sua personalidade e consequente aquisiccedilatildeo de ser sujeito de di-
reito ficariam condicionadas ao nascimento com vida alcanccedilando direitos
patrimoniais e obrigacionais (DINIZ 2017)
Por fim a teoria concepcionista que considera a similitude entre capa-
cidade de direito e personalidade desconsidera a leitura fria da lei e propotildee
uma interpretaccedilatildeo mais abrangente no sentido de afirmar ser o nascituro pes-
soa desde sua concepccedilatildeo Encontra seu fundamento ao propagar que seria
o nascituro possuidor de personalidade juriacutedica com inspiraccedilatildeo no Direito
Francecircs o qual afirma que a aquisiccedilatildeo de personalidade juriacutedica eacute a partir da
concepccedilatildeo e que consequentemente jaacute haacute titularizaccedilatildeo de direitos (FARIAS
ROSENVALD 2016)
Desta forma mostra-se como corrente majoritaacuteria bem como adotada
pelo Coacutedigo Civil de 2002 a teoria natalista na medida em que o que deter-
mina a atribuiccedilatildeo da personalidade eacute o nascimento da pessoa natural Res-
salte-se que mesmo adotando tal teoria a lei coloca a salvo a situaccedilatildeo do
nascituro afirmando natildeo ser pessoa mas detentor de expectativa de direitos
Assim diante da literalidade do mencionado art 2ordm da codificaccedilatildeo pri-
vada a proacutepria legislaccedilatildeo reconhece a atribuiccedilatildeo de condiccedilatildeo de sujeito de
direito em separado da personalidade a exemplo do nascituro Desta forma
se a proacutepria legislaccedilatildeo afirma a possibilidade acima mencionada ou seja de
em determinadas situaccedilotildees atribuir direitos a entes desprovidos de personali-
dade os conceitos de capacidade de direito sujeito de direito e personali-
dade mostram-se distintos
Outrossim ainda cumpre lembrar que a legislaccedilatildeo na tentativa de
compensar a ausecircncia de capacidade plena criou os institutos da represen-
taccedilatildeo e da assistecircncia a partir da chamada teoria das incapacidades justa-
mente para natildeo desamparar civilmente as pessoas ou ateacute mesmo os entes
sem personalidade mas considerados como sujeitos de direitos
A premissa geral eacute de que as pessoas possuam plena capacidade para
praticar os atos da vida civil sendo a incapacidade mecanismo de exceccedilatildeo
visto que traz no rol dos arts 3deg e 4ordm do Coacutedigo Civil as circunstacircncias em que