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Page 1: DIREITO, COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE...O e-Book que se apresenta, “Direito, complexidade e meio ambiente: olhares para a contemporaneidade”, é expressão das pesquisas desenvolvi-das

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE olhares para a contemporaneidade

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

Organizadoras

Autores Alan Duarte

Alana Ramos Araujo

Ana Stela Vieira Mendes Cacircmara

Antocircnio Joseacute Andrade da Silva Juacutenior

Bruno Barros Carvalho

Carla Mariana Aires Oliveira

Carlos E Peralta

Diogo Felipe Sousa Barreira

Dominik Garcia Araujo Fontes

Doacuteris Evany Abreu Carvalho

Elisa Fiorini Beckhauser

Eulaacutelia Emilia Pinho Camurccedila

Filipe Esmeraldo Cabral de Melo Almeida

Francisco Helio da Silva Loiola

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

Janaina Vall

Joana Cordeiro Brandatildeo

Joatildeo Luis Nogueira Matias

Joseacute Rubens Morato Leite

Laeacutelia Eugecircnia Correcirca Aragatildeo

Leon Simotildees de Mello

Letiacutecia de Faacutetima Libeacuterio da Silva

Letiacutecia Queiroz Nascimento

Liliane de Freitas Leite

Liacutevia Brandatildeo Mota Cavalcanti

Manuella Campos Perdigatildeo e A Atalanio

Maria Ravelly Martins Soares Dias

Nayane Gonccedilalves dos Santos Duarte

Raphael de Saacute Machado

Raquel Lima Batista

Rebeca Gadelha Ferreira

Valeriana Augusta Broetto

Victor Nunes Barroso

1ordf ediccedilatildeo

Editora Mucuripe

Fortaleza

2020

2

Esta obra estaacute sob os direitos da Creative Commons 40

httpscreativecommonsorglicensesby-sa40deedpt_BR

Direito complexidade e meio ambiente olhares para a contemporaneidade

1ordf ediccedilatildeo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana (org)

Editora Mucuripe Conselho Editorial

Andreacute Parmo Folloni

Arno Dal Ri Junior

Daniela Leutchuk de Cademartori

Danielle Annoni

Denise Lucena Cavalcante

Germana de Oliveira Moraes

Gisele Cittadino

Hugo de Brito Machado Segundo

Joatildeo Luiacutes Nogueira Matias

Joatildeo Ricardo Catarino

Juarez Freitas

Marcelo Cattoni

Marciano Seabra de Godoi

Marcos Wachowicz

Maria Vital da Rocha

Martonio MontrsquoAlverne Barreto Lima

Paulo Caliendo

Roberto Alfonso Viciano Pastor

Capa

Jade Chaves Viana

Editoraccedilatildeo e Revisatildeo

Aacutelisson Joseacute Maia Melo

Dados internacionais de Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo

D597 Direito complexidade e meio ambiente olhares para a contempo-

raneidade Organizadoras Germana Parente Neiva Belchior e Iasna

Chaves Viana mdash 1 ed mdash Fortaleza Mucuripe 2020

Vaacuterios Autores

318 p 21 cm

ISBN-13 978-65-87966-06-9

1 Direito - Brasil 2 Direito ambiental - Brasil 3 Ensino juriacutedico ndash Brasil

I Belchior Germana Parente Neiva II Viana Iasna Chaves

CDD

34081

3

SUMAacuteRIO

PREFAacuteCIO 7

Joatildeo Luis Nogueira Matias

APRESENTACcedilAtildeO 10

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

HOMENAGEM A JANAINA VALL 16

EIXO TEMAacuteTICO 1

Pensamento Complexo Direito e Transdisciplinaridade

CAPIacuteTULO 1

ATIVISMO DIGITAL E LUTA AMBIENTAL

a influecircncia dos movimentos socioambientais em rede 20

Dominik Garcia Araujo Fontes

Eulaacutelia Emilia Pinho Camurccedila

Germana Parente Neiva Belchior

CAPIacuteTULO 2

AS CONTRATACcedilOtildeES PUacuteBLICAS DIRETAS E OS IMPACTOS Agrave ADMINISTRACcedilAtildeO

PUacuteBLICA

SARS-CoV-2 e as consequentes inovaccedilotildees legislativas federais no

ordenamento juriacutedico brasileiro nas linhas do pensamento complexo 33

Doacuteris Evany Abreu Carvalho

Iasna Chaves Viana

Rebeca Gadelha Ferreira

CAPIacuteTULO 3

DIREITO SISTEcircMICO

o modelo de constelaccedilatildeo de Bert Hellinger e a teoria da complexidade de

Edgar Morin ndash convergecircncias e significacircncias 54

Janaina Vall

CAPIacuteTULO 4

A INCLUSAtildeO SOCIAL E O PENSAMENTO COMPLEXO DENTRO DA POLIacuteTICA

NACIONAL DOS RESIacuteDUOS SOacuteLIDOS 68

Laeacutelia Eugecircnia Correcirca Aragatildeo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

4

CAPIacuteTULO 5

AS FUNCcedilOtildeES DA CIDADE

transdisciplinaridade e complexidade 82

Liacutevia Brandatildeo Mota Cavalcanti

CAPIacuteTULO 6

JUSTICcedilA RESTAURATIVA

um novo paradigma na soluccedilatildeo de conflitos 96

Raquel Lima Batista

EIXO TEMAacuteTICO 2

Complexidade Epistemologia e Direito Ambiental

CAPIacuteTULO 7

O IMPACTO AMBIENTAL DO BIG DATA

uma reflexatildeo criacutetica a partir de uma abordagem ecossistecircmica 109

Alan Duarte

Carla Mariana Aires Oliveira

CAPIacuteTULO 8

PARADIGMA DA COMPLEXIDADE COMO METODOLOGIA DO DIREITO

AMBIENTAL 125

Alana Ramos Araujo

CAPIacuteTULO 9

POR UM FUNDAMENTO ECOLOacuteGICO PARA O FENOcircMENO JURIacuteDICO 138

Ana Stela Vieira Mendes Cacircmara

CAPIacuteTULO 10

SUSTENTABILIDADE NO ANTROPOCENO

o pensamento complexo e a necessaacuteria reflexatildeo sobre o Estado ecoloacutegico

de Direito no contexto da COVID-19 149

Carlos E Peralta

CAPIacuteTULO 11

A RELACcedilAtildeO JURIacuteDICA AMBIENTAL CONTINUATIVA E A IMPRESCRITIBILIDADE DA

PRETENSAtildeO PELA REPARACcedilAtildeO CIVIL DE DANO AMBIENTAL

anaacutelise do Recurso Extraordinaacuterio nordm 654833 do STF ndash interpretaccedilotildees

epistemoloacutegicas sob o vieacutes da complexidade 167

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

5

CAPIacuteTULO 12

AVALIACcedilAtildeO DE IMPACTO AMBIENTAL NO BRASIL E NO AcircMBITO

INTERNACIONAL

similaridades e contribuiccedilotildees 182

Joana Cordeiro Brandatildeo

Liliane de Freitas Leite

CAPIacuteTULO 13

A INEFICIEcircNCIA DO DIREITO AMBIENTAL VIGENTE E A NECESSAacuteRIA RUPTURA

RUMO AO DIREITO ECOLOacuteGICO A PARTIR DA COMPLEXIDADE 192

Joseacute Rubens Morato Leite

Elisa Fiorini Beckhauser

Valeriana Augusta Broetto

CAPIacuteTULO 14

O PRINCIacutePIO DA PRECAUCcedilAtildeO AMBIENTAL COMO PARAcircMETRO AO EXERCIacuteCIO

DA ATIVIDADE ECONOcircMICA 206

Leon Simotildees de Mello

Joatildeo Luis Nogueira Matias

CAPIacuteTULO 15

REFLEXOtildeES SOBRE O GREENWASHING E SUAS LIMITACcedilOtildeES NO ORDENAMENTO

JURIacuteDICO BRASILEIRO Agrave LUZ DA COMPLEXIDADE 228

Manuella Campos Perdigatildeo e Andrade Atalanio

Letiacutecia Queiroz Nascimento

CAPIacuteTULO 16

AS IMPLICACcedilOtildeES JURIacuteDICAS ADVINDAS DA FORMACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA

MULTIESPEacuteCIE 240

Maria Ravelly Martins Soares Dias

CAPIacuteTULO 17

O MEIO AMBIENTE COMO CONCEITO JURIacuteDICO INDETERMINADO SOB A

OacutePTICA DO PENSAMENTO COMPLEXO 255

Victor Nunes Barroso

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

6

EIXO TEMAacuteTICO 3

Complexidade e Ensino Juriacutedico

CAPIacuteTULO 18

ENSINO JURIacuteDICO NO BRASIL

reflexotildees histoacutericas e a complexidade como possibilidade-necessidade de

superaccedilatildeo paradigmaacutetica 272

Antocircnio Joseacute Andrade da Silva Juacutenior

Filipe Esmeraldo Cabral de Melo Almeida

Raphael de Saacute Machado

CAPIacuteTULO 19

ENSINO JURIacuteDICO E NEUROPSICOLOGIA

uma discussatildeo sob a perspectiva da complexidade 283

Bruno Barros Carvalho

Diogo Felipe Sousa Barreira

CAPIacuteTULO 20

EDUCACcedilAtildeO REMOTA EM TEMPOS DE PANDEMIA E POacuteS-PANDEMIA

os desafios do ensino juriacutedico brasileiro 303

Francisco Helio da Silva Loiola

Letiacutecia de Faacutetima Libeacuterio da Silva

Nayane Gonccedilalves dos Santos Duarte

POSFAacuteCIO 317

Paulo Rogeacuterio Marques de Carvalho

7

PREFAacuteCIO

O e-Book que se apresenta ldquoDireito complexidade e meio ambiente

olhares para a contemporaneidaderdquo eacute expressatildeo das pesquisas desenvolvi-

das no Ecomplex grupo de pesquisa coordenado pela Professora Doutora

Germana Parente Neiva Belchior do Centro Universitaacuterio 7 de Setembro - UNI7

que completa 04 (quatro) anos de atividades

A obra diz muito sobre o dinamismo das atividades desenvolvidas no

Ecomplex a partir da provocaccedilatildeo de sua coordenadora pesquisadora dedi-

cada agraves temaacuteticas do Direito Ambiental e do Ensino Juriacutedico que muito tem

se destacado nas atividades de ensino pesquisa e extensatildeo no Curso de Mes-

trado em Direito e na graduaccedilatildeo do Curso de Direito da UNI7

O livro eacute organizado pela professora Germana juntamente com Iasna

Viana que eacute mestra em Direito pela UNI7 o que reforccedila o compromisso aca-

decircmico e a integraccedilatildeo realizada entre graduaccedilatildeo e o nosso Curso de Mes-

trado

Compotildee-se de textos de diversos autores do Brasil e do exterior profes-

sores consagrados jovens professores e estudantes membros do grupo e con-

vidados convocados amplamente por meio de edital

O livro se desenvolve em dois vetores baacutesicos o pensamento complexo

e a transdisciplinaridade que perpassam todos os textos evidenciando a sua

atualidade e importacircncia Os artigos satildeo distribuiacutedos entre os trecircs eixos temaacute-

ticos em que a obra se divide (i) Pensamento Complexo Direito e Transdisci-

plinaridade (ii) Complexidade Epistemologia e Direito Ambiental e (iii) Com-

plexidade e Ensino Juriacutedico

No primeiro eixo Pensamento Complexo Direito e Transdisciplinaridade

estatildeo dispostos 06 (seis) artigos

Dominik Garcia Araujo Fontes Eulaacutelia Emilia Pinho Camurccedila e Germana

Parente Neiva Belchior discorrem sobre Ativismo digital e luta ambiental a in-

fluecircncia dos movimentos socioambientais em rede A abordagem analisa a

perspectiva da luta ambiental no mundo digital

Na sequecircncia Doacuteris Evany Abreu Carvalho Iasna Chaves Viana e Re-

beca Gadelha Ferreira analisam as contrataccedilotildees puacuteblicas diretas e os impac-

tos agrave administraccedilatildeo puacuteblica SARS-CoV-2 e as consequentes inovaccedilotildees legis-

lativas federais no ordenamento juriacutedico brasileiro tema de grande atuali-

dade

Janaina Vall apresenta o artigo Direito sistecircmico o modelo de constela-

ccedilatildeo de Bert Hellinger e a Teoria da Complexidade de Edgar Morin - conver-

gecircncias e significacircncias sobre a praacutetica do direito ldquoterapecircuticordquo como forma

de inovar na resoluccedilatildeo de conflitos principalmente em sessotildees de concilia-

ccedilotildees e mediaccedilotildees na busca de impulsionar mudanccedilas nos paradigmas atu-

ais

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

8

Com a temaacutetica da inclusatildeo social e o pensamento complexo na Poliacute-

tica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos Laeacutelia Eugecircnia Correcirca Aragatildeo analisa as-

pectos da efetivaccedilatildeo da poliacutetica nacional dos resiacuteduos soacutelidos

Em perspectiva transdisciplinar Liacutevia Brandatildeo Mota Cavalcanti analisa

as funccedilotildees da cidade tema que ainda carece de maiores discussotildees acadecirc-

micas em prol da efetivaccedilatildeo do direito agrave cidade

Por fim Raquel Lima Batista analisa a justiccedila restaurativa como um novo

paradigma na soluccedilatildeo de conflitos

No segundo eixo Complexidade Epistemologia e Direito Ambiental o

maior deles constam 11 (onze) artigos

Alan Duarte e Carla Mariana Aires Oliveira exploram o impacto ambien-

tal do big data em abordagem criacutetica

A utilizaccedilatildeo do paradigma da complexidade como metodologia do Di-

reito Ambiental eacute a temaacutetica de Alana Ramos Araujo Em seguida Ana Stela

Vieira Mendes Cacircmara propotildee um fundamento ecoloacutegico para o fenocircmeno

juriacutedico

Carlos E Peralta reflete sobre o pensamento complexo e o estado eco-

loacutegico de direito no contexto da COVID-19 O pano de fundo eacute a sustentabi-

lidade no Antropoceno

A imprescritibilidade da pretensatildeo pela reparaccedilatildeo civil de dano ambi-

ental com anaacutelise do Recurso Extraordinaacuterio nordm 654833 do STF eacute a temaacutetica

de Germana Parente Neiva Belchior e Iasna Chaves Viana

Joana Cordeiro Brandatildeo e Liliane de Freitas Leite exploram o tema da

avaliaccedilatildeo de impacto ambiental em perspectiva brasileira e internacional

Joseacute Rubens Morato Leite Elisa Fiorini Beckhauser e Valeriana Augusta

Broetto analisam a ineficaacutecia do direito ambiental propondo por meio da

complexidade a virada para o direito ecoloacutegico

O princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental como paracircmetro ao exerciacutecio da

atividade econocircmica eacute abordado em autoria de Leon Simotildees de Mello e Joatildeo

Luis Nogueira Matias

Reflexotildees sobre o greenwashing agrave luz da complexidade eacute o tema de

Manuella Campos Perdigatildeo e Andrade Atalanio e Letiacutecia Queiroz Nasci-

mento

Jaacute Maria Ravelly Martins Soares Dias explora as implicaccedilotildees juriacutedicas ad-

vindas da formaccedilatildeo da famiacutelia multiespeacutecie Em seguida Victor Nunes Barroso

explora a temaacutetica do conceito juriacutedico de meio ambiente sob a oacuteptica do

pensamento complexo

O terceiro e uacuteltimo eixo denomina-se Complexidade e Ensino Juriacutedico

sendo composto por 03 (trecircs) artigos

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

9

Em abordagem histoacuterica Antocircnio Joseacute Andrade da Silva Juacutenior Filipe Es-

meraldo Cabral de Melo Almeida e Raphael de Saacute Machado propotildeem a su-

peraccedilatildeo dos paradigmas atuais do ensino juriacutedico

Jaacute Bruno Barros Carvalho e Diogo Felipe Sousa Barreira refletem sobre a

relaccedilatildeo entre ensino juriacutedico e neuropsicologia tema de grande impacto e

atualidade

Por fim Francisco Helio da Silva Loiola Letiacutecia de Faacutetima Libeacuterio da Silva

e Nayane Gonccedilalves dos Santos Duarte analisam os desafios do ensino juriacutedico

brasileiro com foco no ensino remoto em tempos de pandemia e poacutes-pande-

mia

Como se vecirc a qualidade e atualidade dos textos bem como a sua di-

versidade distribuiacuteda em trecircs eixos temaacuteticos bem definidos indicam a impor-

tacircncia da obra que resulta das atividades de pesquisa do Ecomplex Eviden-

ciam tambeacutem a maturidade cientiacutefica do grupo de pesquisa que jaacute rendeu

bons frutos acadecircmicos e tem potencial para render muito mais

Boa leitura a todos

Joatildeo Luis Nogueira Matias Coordenador do Curso de Mestrado em Direito da UNI7

10

APRESENTACcedilAtildeO

O grupo de estudos e pesquisa Ecomplex ndash Direito Complexidade e

Meio Ambiente surgiu do aprofundamento de ideias durante o doutoramento

de sua liacuteder Profa Dra Germana Parente Neiva Belchior na Universidade Fe-

deral de Santa Catarina (UFSC) e como inspiraccedilatildeo das pesquisas tambeacutem de-

senvolvidas no grupo coordenado por orientador o Prof Dr Joseacute Rubens Mo-

rato Leite no Grupo de Pesquisa Direito Ambiental na Sociedade de Risco

(GPDA) Apoacutes a conclusatildeo do Doutorado e com ingresso no Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Direito do Centro Universitaacuterio Sete de Setembro (UNI7) o

grupo foi criado e conta com a participaccedilatildeo de alunos da graduaccedilatildeo como

tambeacutem da poacutes-graduaccedilatildeo da UNI7 e de outras instituiccedilotildees estudantes do

Direito como de outras aacutereas caracterizando seu espiacuterito transdisciplinar

sendo cadastrado no CNPq

O grupo conta tambeacutem com o apoio acadecircmico e cientiacutefico da ex-

aluna do Mestrado da UNI7 Iasna Chaves Viana advogada professora e pes-

quisadora da aacuterea da complexidade e que em conjunto com a Profa Dra

Germana organizou a presente obra

Tendo iniciado suas atividades em 2016 o presente e-book intitulado Di-

reito complexidade e meio ambiente olhares para a contemporaneidade

simboliza o aniversaacuterio de 4 anos de atividades dedicadas a contribuir com a

construccedilatildeo da pesquisa e do estudo em Direito Complexidade e Meio Ambi-

ente propiciando agrave comunidade acadecircmica a formalizaccedilatildeo de projetos de

pesquisa o estiacutemulo agrave produccedilatildeo apresentaccedilatildeo e publicaccedilatildeo de trabalhos

acadecircmicos

A reflexatildeo sobre os diversos temas ligados a Direito Complexidade e

Meio Ambiente pautado na transdisciplinaridade e dividido nas trecircs linhas de

pesquisa oriundas da ementa de conteuacutedo programaacutetico do grupo visam a

estimular a publicaccedilatildeo de trabalhos e a participaccedilatildeo em eventos juriacutedicos

como tambeacutem fortalecer o intercacircmbio acadecircmico entre estudantes da gra-

duaccedilatildeo e da poacutes-graduaccedilatildeo e ainda incrementar o diaacutelogo com outras

aacutereas de saberes e com outras instituiccedilotildees

A obra encontra-se dividida em trecircs eixos temaacuteticos coincidentes com

as suas linhas de pesquisa e fazem parte dela 20 (vinte) trabalhos feitos com

muita dedicaccedilatildeo e esmero pelos autores abaixo relacionados

O primeiro eixo Pensamento Complexo Direito e Transdisciplinaridade

busca investigar acerca do pensamento complexo e suas consequecircncias

para o conhecimento cientiacutefico do Direito e o diaacutelogo de saberes Tem como

pergunta de partida Como e em que medida o pensamento complexo influ-

encia os saberes no Direito Neste eixo encontram-se os seguintes artigos e

seus autores

O primeiro intitulado Ativismo digital e luta ambiental a influecircncia dos

movimentos socioambientais em rede escrito em coautoria por Dominik Gar-

cia Araujo Fontes bacharel em Direito pela UNI7 Eulaacutelia Emilia Pinho Camurccedila

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

11

mestre e doutoranda em Direito pela UFC e professora da UNI7 e Germana

Parente Neiva Belchior doutora pela UFSC e professora da UNI7 traz um apro-

fundamento do estudo do ativismo ambiental na internet que por meio das

redes sociais possibilita reflexatildeo criacutetica sobre a temaacutetica ambiental pela di-

vulgaccedilatildeo de dados e informaccedilotildees e busca influenciar as forccedilas poliacuteticas em

seus processos de cumprimento criaccedilatildeo eou modificaccedilatildeo de leis

Na sequecircncia as autoras Doacuteris Evany Abreu Carvalho especialista em

processo civil pela Anhanguera-LFG Iasna Chaves Viana mestre em Direito

pela UNI7 e Rebeca Gadelha Ferreira mestre em Direito pela UFC desenvol-

veram a pesquisa As contrataccedilotildees puacuteblicas diretas e os impactos agrave adminis-

traccedilatildeo puacuteblica SARS-CoV-2 e as consequentes inovaccedilotildees legislativas federais

no ordenamento juriacutedico brasileiro com o objetivo de analisar como e em que

medida as legislaccedilotildees promulgadas no Brasil para enfrentamento da pande-

mia da COVID-19 que versam sobre as contrataccedilotildees diretas de obras serviccedilos

e compras bem como os pagamentos antecipados e os impactos para a Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica podem ser analisados pelo vieacutes do pensamento com-

plexo quais impactos agrave legalidade de contrataccedilatildeo com empresas e quais as

implicaccedilotildees disto ao Eraacuterio

O terceiro artigo foi desenvolvido pela entatildeo graduanda em Direito

pela UNI7 Janaina Vall nossa homenageada na obra que ainda em vida

abordando a praacutetica do direito ldquoterapecircuticordquo no qual as partes envolvidas no

processo juriacutedico submetidas ao modelo sistecircmico passam de uma postura

litigante para uma posiccedilatildeo consensual em busca de soluccedilatildeo para ambos os

lados A pesquisa foi desenvolvida com o objetivo de identificar como o Direito

Sistecircmico encontra convergecircncias e significacircncias teoacutericas entre o modelo de

constelaccedilatildeo de Bert Hellinger e a Teoria da Complexidade de Edgar Morin

com o tiacutetulo Direito sistecircmico o modelo de constelaccedilatildeo de Bert Hellinger e a

Teoria da Complexidade de Edgar Morin - convergecircncias e significacircncias

A pesquisadora e mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela

UFC Laeacutelia Eugecircnia Correcirca Aragatildeo sob o tema A inclusatildeo social e o pensa-

mento complexo dentro da Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos discute so-

bre a proposta de inclusatildeo social contida na Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos

Soacutelidos a Lei 123052010 sob o vieacutes do pensamento complexo visto que refe-

rida lei propotildee uma visatildeo socioambiental sustentaacutevel e complexa de partici-

paccedilatildeo e destaque dosas catadoresas de materiais reciclaacuteveis como sujeitos

principais para a efetivaccedilatildeo da proteccedilatildeo do meio ambiente

O quinto trabalho publicado eacute de autoria da advogada e especialista

em Direito e Processo Administrativos pela UNIFOR Liacutevia Brandatildeo Mota Caval-

canti intitulado As funccedilotildees da cidade transdisciplinaridade e complexidade

tratando sobre como e em que medida o pensamento complexo pode con-

tribuir para a cumprimento de algumas das funccedilotildees da cidade compreendi-

das como os direitos agrave moradia ao labor ao transporte e ao lazer conforme

definido pela Carta Constitucional de 1988

A pesquisadora e especialista pela FGV UFRJ e UFC Raquel Lima Batista

traz pesquisa que busca investigar como e em que medida uma abordagem

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

12

mais sistecircmica pode oferecer soluccedilotildees mais profundas e duradouras para aju-

dar as partes na soluccedilatildeo de suas demandas evidenciando uma justiccedila que

busca restaurar com o tiacutetulo de Justiccedila restaurativa um novo paradigma na

soluccedilatildeo de conflitos

O segundo eixo de pesquisa Complexidade Epistemologia e Direito

Ambiental pretende investigar como o Direito Ambiental influencia a forma-

ccedilatildeo de uma nova epistemologia juriacutedica sob a oacuteptica do pensamento com-

plexo Tem como pergunta de partida Quais satildeo os fundamentos de uma

epistemologia juriacutedico-ambiental A presente seccedilatildeo da obra apresenta arti-

gos de vaacuterios autores tanto membros do grupo como convidados externos

que contribuem para a pesquisa de vanguarda do Direito Ambiental e da Te-

oria da Complexidade Satildeo eles

O pesquisador Alan Duarte e a mestre em Direito pela UFC Carla Mari-

ana Aires Oliveira analisam sob o tiacutetulo O impacto ambiental do Big Data uma

reflexatildeo criacutetica a partir de uma abordagem ecossistecircmica buscando investi-

gar como e em que medida os serviccedilos digitais fomentados pela economia

de dados ameaccedilam o meio ambiente ecologicamente equilibrado

O segundo trabalho apresentado nesta seccedilatildeo do e-book eacute de autoria

da professora e Doutora em Ciecircncias Juriacutedicas pela UFPB Alana Ramos Araujo

intitulado Paradigma da complexidade como metodologia do Direito Ambi-

ental que aborda o pensamento complexo com base em Morin como um

instrumento metodoloacutegico de desconstruccedilatildeo do modelo positivista e simplifi-

cador do Direito para lidar com a crise ambiental e com a tutela juriacutedica da

natureza com base em Leff como estrateacutegias de abordagem de conflitos am-

bientais

A professora e doutora em Direito pela UFC Ana Stela Vieira Mendes

Cacircmara desenvolve pesquisa intitulada Por um fundamento ecoloacutegico para

o fenocircmeno juriacutedico investigando bases para uma fundamentaccedilatildeo ecoloacute-

gica do fenocircmeno juriacutedico em face do conhecido passivo ambiental sem pre-

cedentes da contemporaneidade e da insuficiecircncia das respostas legislativas

juriacutedicas e poliacuteticas apresentadas para impedimento do movimento crescente

de degradaccedilatildeo da natureza

Carlos Peralta jurista e expoente do Direito Ambiental professor e poacutes-

doutor em Direito pela UFSC e pela UERJ sendo atualmente professor da Uni-

versidade da Costa Rica apresenta o artigo Sustentabilidade no Antropo-

ceno o pensamento complexo e a necessaacuteria reflexatildeo sobre o Estado Ecoloacute-

gico de Direito no contexto da COVID-19 fazendo reflexotildees sobre a relaccedilatildeo

existente entre a pandemia da COVID-19 e a teoria do Antropoceno pro-

pondo incentivar o debate sobre como pensar uma metamorfose civilizatoacuteria

a partir do conceito de Estado Ecoloacutegico de Direito capaz de entender e lidar

com a crise ecoloacutegica atualmente vivenciada

O capiacutetulo seguinte trata sobre A relaccedilatildeo juriacutedica ambiental continua-

tiva e a imprescritibilidade da pretensatildeo pela reparaccedilatildeo civil de dano ambi-

ental anaacutelise do Recurso Extraordinaacuterio nordm 654833 do STF ndash interpretaccedilotildees

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

13

epistemoloacutegicas sob o vieacutes da complexidade Nele as autoras Germana Pa-

rente Neiva Belchior e Iasna Chaves Viana coordenadoras do Ecomplex pro-

potildeem investigar a decisatildeo do STF no Recurso Extraordinaacuterio nordm 654833 do STF

avaliando como e que medida o entendimento da Corte se posiciona aberto

ao pensamento complexo e em especial agrave relaccedilatildeo juriacutedica ambiental con-

tinuativa

A pesquisa Avaliaccedilatildeo de impacto ambiental no Brasil e no acircmbito inter-

nacional similaridades e contribuiccedilotildees desenvolvida pela pesquisadora Jo-

ana Cordeiro Brandatildeo e por Liliane de Freitas Leite mestre em Direito pela

UNI7 em razatildeo da atual relevacircncia e repercussatildeo dos impactos ambientais

no mundo objetiva averiguar como e em que medida o estudo da avaliaccedilatildeo

de impacto ambiental no acircmbito internacional pode contribuir para a avalia-

ccedilatildeo de impacto ambiental no Brasil com base no paradigma da complexi-

dade

O Direito Ambiental conta com a grande contribuiccedilatildeo do renomado

Prof Dr Joseacute Rubens Morato Leite Doutor titular da UFSC membro da Acade-

mia de Direito Ambiental da IUCN e que brinda o Ecomplex com artigo intitu-

lado A ineficiecircncia do Direito Ambiental vigente e a necessaacuteria ruptura rumo

ao Direito Ecoloacutegico a partir da complexidade e escrito em coautoria com

suas orientandas da graduaccedilatildeo em Direito da UFSC e pesquisadoras Elisa Fio-

rini Beckhauser e Valeriana Augusta Broetto O artigo traz algumas considera-

ccedilotildees e observaccedilotildees acerca de uma ruptura necessaacuteria diante do paradigma

do Direito Ambiental tradicional que natildeo tem conseguido responder satisfa-

toriamente agrave tutela dos sistemas ecoloacutegicos impondo uma metamorfose pro-

tetiva da Natureza

Destaque-se ainda o artigo desenvolvido por Leon Simotildees de Mello

mestrando em Direito da UFC e Joatildeo Luis Nogueira Matias coordenador do

curso de Mestrado do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UNI7 com

o tiacutetulo O princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental como paracircmetro ao exerciacutecio da

atividade econocircmica temaacutetica essencial considerando o atual panorama de

incertezas cientiacuteficas e o aumento da percepccedilatildeo de risco da sociedade

quanto a vaacuterios aspectos da proteccedilatildeo da vida humana e do meio ambiente

O artigo Reflexotildees sobre o greenwashing e suas limitaccedilotildees no ordena-

mento juriacutedico brasileiro agrave luz da complexidade escrito pelas mestrandas da

UNI7 Manuella Campos Perdigatildeo e Andrade Atalanio e Letiacutecia Queiroz Nasci-

mento investiga sobre as limitaccedilotildees juriacutedicas impostas ao greenwashing no

ordenamento juriacutedico brasileiro agrave luz do pensamento complexo em face de

se tratar de questatildeo transdisciplinar e que afeta o meio ambiente a socie-

dade e o exerciacutecio da atividade empresarial

A professora e mestre em Direito pela UNI7 Maria Ravelly Martins Soares

Dias apresenta a pesquisa As implicaccedilotildees juriacutedicas advindas da formaccedilatildeo da

famiacutelia multiespeacutecie com foco na anaacutelise da natureza juriacutedica dos animais de

estimaccedilatildeo avaliando entraves e possibilidades de modificaccedilatildeo dentro do or-

denamento juriacutedico brasileiro

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

14

Como uacuteltimo artigo da segunda seccedilatildeo da obra tem-se a pesquisa rea-

lizada pelo mestrando Victor Nunes Barroso que o intitula O meio ambiente

como conceito juriacutedico indeterminado sob a oacuteptica do pensamento com-

plexo O texto tem como inquietaccedilatildeo preciacutepua a possibilidade de um con-

ceito juriacutedico indeterminado para o meio ambiente Busca sob o paradigma

do pensamento complexo averiguar o conceito juriacutedico de meio ambiente

que satisfaccedila as exigecircncias da sociedade contemporacircnea

O terceiro eixo de pesquisa Complexidade e Ensino Juriacutedico intenta in-

vestigar sobre a necessidade premente de transformaccedilotildees no ensino juriacutedico

em virtude do pensamento complexo Tem como pergunta de partida Qual

eacute a repercussatildeo do pensamento complexo no ensino juriacutedico e consequen-

temente na formaccedilatildeo de futuros profissionais do Direito Os trabalhos vincu-

lados a esta linha de pesquisa satildeo trecircs a seguir

Ensino juriacutedico no brasil reflexotildees histoacutericas e a complexidade como

possibilidade-necessidade de superaccedilatildeo paradigmaacutetica escrito em coauto-

ria pelos acadecircmicos em Direito pela UNIFOR Antocircnio Joseacute Andrade da Silva

Juacutenior e Filipe Esmeraldo Cabral de Melo Almeida e pelo graduando em Psi-

cologia pela UNIFOR Raphael de Saacute Machado propotildee uma anaacutelise das pro-

blemaacuteticas do ensino juriacutedico brasileiro decorrentes do paradigma simplifica-

dor discorrendo ainda acerca das bases filosoacuteficas e cientiacuteficas que emba-

sam a ciecircncia positivista como tambeacutem apresentando o pensamento com-

plexo como uma necessidade-possibilidade em prol de transformaccedilotildees signi-

ficativas no ensino em especial do Direito

Em capiacutetulo seguinte o artigo Ensino juriacutedico e neuropsicologia uma

discussatildeo sob a perspectiva da complexidade apresentado por Bruno Barros

Carvalho especialista em neuropsicologia pela UNICHRISTUS e Diogo Felipe

Sousa Barreira graduando em Direito pela URCA objetiva apresentar uma re-

laccedilatildeo entre a Neuropsicologia e o Ensino Juriacutedico analisando como as novas

descobertas da Neurociecircncia ligadas ao comportamento humano podem

contribuir para que a regulamentaccedilatildeo da sociedade consiga acompanhar

as novas demandas sociais

O uacuteltimo capiacutetulo desta terceira seccedilatildeo foi desenvolvido pelos alunos da

graduaccedilatildeo em Direito da UNI7 Francisco Helio da Silva Loiola e Letiacutecia de Faacute-

tima Libeacuterio da Silva e pela advogada e mestre em Direito pela UNI7 Nayane

Gonccedilalves dos Santos Duarte O tiacutetulo do artigo eacute Educaccedilatildeo remota em tem-

pos de pandemia e poacutes-pandemia os desafios do ensino juriacutedico brasileiro A

pesquisa aborda os desafios do ensino remoto emergencial durante a pande-

mia da COVID-19 e seus reflexos no campo da educaccedilatildeo

A obra pretende oportunizar o compartilhamento de experiecircncias e sa-

beres encontrar novos caminhos ou revisitar e atualizar institutos juriacutedicos para

a consolidaccedilatildeo de conhecimento alinhado agraves realidades enfrentadas pelos

construtores do Direito A elaboraccedilatildeo do conhecimento juriacutedico pela comple-

xidade passa pela compreensatildeo que o Direito natildeo eacute aacuterea isolada mas faz

parte da teia de saberes para anaacutelise e enfrentamento dos desafios atuais e

emergenciais da sociedade nas suas variadas vertentes

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

15

A diversidade na pesquisa e nos debates possibilita a ampliaccedilatildeo dos

horizontes e se torna fundamental para a abordagem dos temas atinentes agrave

Teoria da Complexidade ao estudo do Direito e ao ensino juriacutedico no Brasil

Agradecemos aos membros do grupo e aos demais convidados por

todo o empenho e interesse na elaboraccedilatildeo das pesquisas aqui referidas e rei-

teramos a alegria desse momento de construccedilatildeo conjunta do conhecimento

e dos saberes Somos seres natildeo apenas que pensam mas que tambeacutem sen-

tem Acreditamos que isso eacute fundamental na elaboraccedilatildeo dos saber acadecirc-

mico na relaccedilatildeo de ensino e aprendizagem e isso determina tudo o que pre-

tendemos seguir nesta grande jornada da qual somos todos passageiros

Registramos aqui nosso reconhecimento e gratidatildeo ao Centro Universi-

taacuterio 7 de Setembro em nome da Profa Dra Maria Vital da Rocha coorde-

nadora geral do curso de graduaccedilatildeo em Direito e do Prof Dr Joatildeo Luis No-

gueira Matias coordenador do curso de Mestrado em Direito por todo estiacute-

mulo agrave pesquisa desenvolvida pelo Ecomplex e pela publicaccedilatildeo deste e-

book

Deixamos um agradecimento especial ao pesquisador Alan Duarte por

todo o apoio e compromisso com as atividades do Ecomplex e com a realiza-

ccedilatildeo desta obra

Germana Parente Neiva Belchior Doutora em Direito Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina

(UFSCSC) Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do

Cearaacute (UFCCE) Professora do Curso de Direito e do Programa de Poacutes-gradu-

accedilatildeo em Direito do Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Liacuteder do

Grupo de Pesquisa Ecomplex Direito Complexidade e Meio Ambiente da

UNI7CE cadastrado no CNPQ E-mail germana_belchioryahoocombr

Iasna Chaves Viana Mestre em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Especia-

lista em Direito Tributaacuterio pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributaacuterios (IBETSP)

Vice-liacuteder do Grupo de Pesquisa Ecomplex Direito Complexidade e Meio

Ambiente da UNI7CE Membro do Grupo de Pesquisa em Tributaccedilatildeo Ambi-

ental (UFCCE) ambos cadastrados no CNPQ

E-mail iasnavianayahoocombr

16

HOMENAGEM A JANAINA VALL

Somos um sopro ou somos um momento

A compreensatildeo da fugacidade da vida eacute ao mesmo tempo assusta-

dora e cativante Eacute aterrorizante em um primeiro olhar a ideia de que somos

seres tatildeo fraacutegeis e que podemos nos despedir desse mundo a qualquer mo-

mento Por outro lado essa mesma ideia de que somos plenamente mortais

desperta um amor agrave vida incomensuraacutevel intensifica cada dia e nos leva a

compreender que natildeo haacute razotildees para reclamar que a vida eacute um instante an-

tes leva-nos a vivecirc-la com mais intensidade e amor

A fugacidade da vida foi compreendida pela Janaina natildeo com terror

de deixar esta Terra mas como uma possibilidade de desfrutar do mundo o

que de melhor ele poderia oferecer e oferecer em troca todo amor que po-

deria dar Com uma leveza e tranquilidade tamanha que a fez viver cada dia

intensamente amando e ajudando o seu proacuteximo ensinando a todos noacutes a

complexidade da vida Convocando-nos a abraccedilar a vida com todos os seus

altos e baixos aprendendo a cada dia ressignificando os erros e abraccedilando

as incertezas

Edgar Morin autor cujas obras satildeo centrais neste grupo de pesquisa en-

sina-nos que a vida eacute repleta de ambiguidades e ambivalecircncias de perenes

paradoxos e que precisamos ter sensibilidade para as contradiccedilotildees para a

complexidade Abraccedilar a complexidade eacute abraccedilar a vida tal qual ela se nos

apresenta com todas as suas incertezas

Tivemos a oportunidade de conviver com a Janaina desde o iniacutecio das

atividades do grupo e com ela pudemos construir ideias e pesquisas que per-

maneceratildeo em nossa histoacuteria e iratildeo marcar nossa trajetoacuteria Ela participou

desde o primeiro semestre do grupo e foi uma das primeiras a se interessar e

aprofundar a pesquisa sobre direito sistecircmico sobre a teoria de Bert Hellinger

e sobre a teacutecnica das constelaccedilotildees familiares tendo inclusive feito curso de

formaccedilatildeo na aacuterea

Janaina como ela costumava dizer natildeo queria ficar soacute escrevendo

tambeacutem queria sentir E movida por esse sentimento deu a sua pesquisa vida

que tocou outras vidas e nesse processo engrandeceu ainda mais a pesqui-

sadora que era Ela atuava em causas humanitaacuterias e projetos voluntaacuterios

como o CVV o projeto olhares e fazeres sistecircmicos da vara de execuccedilotildees pe-

nais e medidas alternativas de Fortaleza aleacutem de outros que sempre procu-

rava participar Estava sempre publicando textos de opiniatildeo principalmente

voltados agrave questatildeo da construccedilatildeo do conhecimento juriacutedico focado no as-

pecto humano no qual devemos pensar sentir e agir com eacutetica Nos encon-

tros que tivemos Janaina difundia sempre essa ideia tatildeo importante para noacutes

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

17

e que inclusive coincide com as premissas que norteiam nossas linhas de pes-

quisa a construccedilatildeo do conhecimento alinhado ao sentimento tanto na ver-

tente do estudo do desenvolvimento do ensino juriacutedico como no desenvolvi-

mento das pesquisas sobre pensamento complexo e na linha sobre direito am-

biental na qual entendemos que o homem eacute parte do meio ambiente

Um dos seus uacuteltimos registros escritos se refere a mais uma de suas refle-

xotildees sobre a vida

DEUS nos coloca diante da possibilidade de fazer uma grande mu-

danccedila na vida mas Deus eacute o TEMPO agindo sobre noacutes preparando-

nos para o que estaacute logo adiante indireta ou diretamente A per-

gunta natildeo eacute ldquocomordquo mas ldquoquandordquo porque PASSADO PRESENTE e

FUTURO natildeo satildeo lineares mas circulares rdquo

Nesses quatro anos de existecircncia do grupo temos vaacuterios momentos re-

gistrados de efetiva participaccedilatildeo da Janaina com muita alegria sabedoria e

sensibilidade Sua ausecircncia fiacutesica nos deixaraacute muitas saudades mas suas ideias

e energia positiva continuaratildeo em nossas pesquisas nossas lembranccedilas e

nossa histoacuteria Como costumamos falar natildeo haacute uma pessoa que tenha pas-

sado pela vida da Janaina que natildeo tenha sido tocada ou inspirada por ela

Janaina eacute luz e essa luz continuaraacute acesa no coraccedilatildeo do grupo Ecom-

plex

O Ecomplex ainda muito consternado com a perda tatildeo repentina

dessa amiga a homenageia com os versos da muacutesica ldquoGostava tanto de

vocecircrdquo de Tim Maia

Nem sei porque vocecirc se foi

Quantas saudades eu senti

E de tristezas vou viver

E aquele adeus natildeo pude dar

Vocecirc marcou em minha vida

Viveu morreu na minha histoacuteria

Chego a ter medo do futuro

E da solidatildeo que em minha porta bate

E eu

Gostava tanto de vocecirc

Gostava tanto de vocecirc

Eu corro fujo desta sombra

Em sonhos vejo este passado

E na parede do meu quarto

Ainda estaacute o seu retrato

Quero ver pra natildeo lembrar

Pensei ateacute em me mudar

Lugar qualquer que natildeo exista

O pensamento em vocecirc

ldquo

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

18

E eu

Gostava tanto de vocecirc

Gostava tanto de vocecirc

Natildeo sei porque vocecirc se foi

Quantas saudades eu senti

E de tristezas vou viver

E aquele adeus natildeo pude dar

Vocecirc marcou em minha vida

Viveu morreu na minha histoacuteria

Chego a ter medo do futuro

E da solidatildeo que em minha porta bate

E eu

Gostavahellip

EIXO TEMAacuteTICO 1 Pensamento Complexo Direito e Transdisciplinaridade

20

ATIVISMO DIGITAL E LUTA AMBIENTAL

a influecircncia dos movimentos

socioambientais em rede

Dominik Garcia Araujo Fontes1

Eulaacutelia Emilia Pinho Camurccedila2

Germana Parente Neiva Belchior3

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 11 Ciberespaccedilo e as novas interaccedilotildees comu-

nicativas 12 Ativismo digital formas de organizaccedilatildeo ferramentas e

caracteriacutesticas 13 Ativismo ambiental em rede atuaccedilatildeo dificulda-

des e desafios Consideraccedilotildees Finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

Foi com a expansatildeo da internet e a criaccedilatildeo das redes sociais que os

movimentos sociais ganharam espaccedilo e publicidade em um contexto global

Por meio do ativismo digital tambeacutem denominado de ciberativismo ou net-

ativismo esses movimentos emergem em causas muacuteltiplas buscando a cons-

truccedilatildeo de uma sociedade mais democraacutetica e justa

Com o surgimento da internet e o fenocircmeno da globalizaccedilatildeo as pessoas

passaram a estar interligadas organizando-se socialmente em rede Essa nova

forma de organizaccedilatildeo tem ocasionado movimentos profundos de construccedilatildeo

e reconstruccedilatildeo das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas nos niacuteveis local e global

Na comunicaccedilatildeo em rede a noccedilatildeo de espaccedilo geograacutefico foi sendo

reconfigurada transcendendo as fronteiras geograacuteficas expandindo pensa-

1 Mestre em Poliacuteticas Puacuteblicas e Gestatildeo da Educaccedilatildeo Superior pela Universidade Federal do

Cearaacute (UFCCE) Graduada em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE)

e em Letras pela Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Servidora teacutecnico-administrativa

e pesquisadora da Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE)

E-mail dominikfontesgmailcom

2 Mestre em Direito e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Gra-

duada em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFORCE) e em Comunicaccedilatildeo Social

pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Professora do Curso de Direito do Centro

Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) E-mail eulaliaemiliahotmailcom

3 Doutora em Direito Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSCSC) e

Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Professora

do Curso de Direito e do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Direito do Centro Universitaacuterio 7

de Setembro (UNI7CE) Liacuteder do Grupo de Pesquisa Ecomplex Direito Complexidade e

Meio Ambiente da UNI7CE cadastrado no CNPQ

E-mail germana_belchioryahoocombr

1

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

21

mentos opiniotildees e accedilotildees por todo o mundo Isso permitiu uma raacutepida comu-

nicaccedilatildeo sem que necessariamente houvesse a utilizaccedilatildeo dos canais de co-

municaccedilatildeo socializantes criados pelo Estado e pelas grandes empresas

A rapidez da internet associada agrave possibilidade de o usuaacuterio comum tor-

nar-se provedor de informaccedilotildees faz desse canal um importante meio de arti-

culaccedilatildeo a baixo custo oportunizando manifestaccedilotildees de diversas naturezas e

sem limitaccedilotildees de fronteiras geograacuteficas

As interaccedilotildees no mundo virtual tiveram um papel essencial apoacutes o surgi-

mento da pandemia nos uacuteltimos meses Com a medida mundial de isolamento

social adotada em quase todos os paiacuteses como forma eficiente de combater

a transmissatildeo do novo corona viacuterus (SARS-CoV-2) as pessoas foram levadas a

se comunicar muito mais virtualmente

Em decorrecircncia do aprimoramento constante da tecnologia associado

ao crescente aumento de pessoas com acesso agrave internet o ciberespaccedilo pas-

sou a ser um local de pluralidade de ideias crenccedilas e convicccedilotildees que satildeo

disseminadas em tempo real Por isso tem sido utilizado frequentemente por

movimentos sociais dentre eles o movimento ambiental

Com as novas tecnologias o movimento ambiental tradicional tornou-

se tambeacutem ciberativista e passou a interagir diretamente com seus apoiado-

res principalmente pelas redes sociais

Eacute nesse cenaacuterio que este trabalho se justifica pela relevacircncia de ressal-

tar o estudo do ativismo ambiental na internet por meio das redes sociais uma

vez que possibilitam a reflexatildeo criacutetica sobre a temaacutetica ambiental atraveacutes da

divulgaccedilatildeo de dados e informaccedilotildees buscando influenciar as forccedilas poliacuteticas

em seus processos de cumprimento criaccedilatildeo eou modificaccedilatildeo de leis

Diante desse contexto social emergiu a pergunta de partida deste tra-

balho Como e em que medida o ativismo digital ambiental eacute capaz de pro-

mover e propagar a proteccedilatildeo juriacutedica ambiental

Como objetivos especiacuteficos pretende-se conhecer o fenocircmeno do ci-

berativismo sua articulaccedilatildeo com o movimento ambiental e suas repercussotildees

e analisar este fenocircmeno a partir da atuaccedilatildeo de movimentos socioambien-

tais

Dessa forma o objetivo deste trabalho eacute o de investigar como o cibera-

tivismo ambiental contribuiu para a proteccedilatildeo juriacutedica do meio ambiente

Trata-se de uma pesquisa descritiva e exploratoacuteria Utilizou-se de pes-

quisa bibliograacutefica e documental para buscar o embasamento teoacuterico deste

trabalho

Neste artigo aborda-se o fenocircmeno do ciberativismo descrevendo seu

conceito suas formas de organizaccedilatildeo caracteriacutesticas e ferramentas Trata-se

ainda da inserccedilatildeo do ativismo ambiental na internet e nas redes sociais evi-

denciando suas estrateacutegias de atuaccedilatildeo no ciberespaccedilo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

22

11 CIBERESPACcedilO E AS NOVAS INTERACcedilOtildeES COMUNICATIVAS

A palavra ldquociberespaccedilordquo foi inventada em 1984 por William Gibson em

seu romance ldquoNeuromanterdquo designando em tal obra o universo das redes

digitais O termo entatildeo foi imediatamente retomado por usuaacuterios e criadores

de redes digitais (LEVY 1999)

Leacutevy (1999 p 92) o define como sendo o ldquoespaccedilo de comunicaccedilatildeo

aberto pela interconexatildeo mundial dos computadores e das memoacuterias dos

computadoresrdquo Segundo o autor neste espaccedilo estariam compreendidos a

infraestrutura material da comunicaccedilatildeo digital o universo de informaccedilotildees

abrigadas por ele e os seres humanos que navegam e alimentam a rede

A comunicaccedilatildeo em rede transpocircs a barreira da distacircncia ultrapassando

quilocircmetros em segundos sendo possiacutevel tocar sentir ver ouvir e interagir com

elementos que estatildeo localizados haacute milhares de quilocircmetros A noccedilatildeo de es-

paccedilo geograacutefico foi sendo reconfigurada A divisatildeo do territoacuterio com limites

bem definidos a qual estaacutevamos familiarizados foi pulverizada pela comunica-

ccedilatildeo e a noccedilatildeo de territoacuterio vai evoluindo para uma comunidade global (RE-

CUERO 2000)

Aleacutem dessas transformaccedilotildees com o surgimento dos novos meios de co-

municaccedilatildeo as interaccedilotildees comunicativas deixaram de ser unidirecionais (emis-

sor e receptor) e passaram a compor um processo de comunicaccedilatildeo colabo-

rativa entre as diversas arquiteturas informativas (site blog comunidades vir-

tuais etc) os dispositivos de conexatildeo (smartphones tablets computadores

etc) os bancos de dados e as pessoas a esses conectadas (DI FELICE 2017

LEVY 1999)

A mudanccedila do modelo de fluxo comunicacional dos meios de comuni-

caccedilatildeo de massa que passou de massivo para poacutes-massivo foi proporcionada

pela liberaccedilatildeo do polo de emissatildeo desse fluxo a todos os participantes do

processo comunicativo Este antes era restrito agraves emissoras de raacutedio e TV em

que o fluxo da comunicaccedilatildeo era de ldquoum para todosrdquo natildeo permitindo o diaacute-

logo do veiacuteculo com a sua audiecircncia (LEVY 1999)

Fausto Neto (2008 p93) denominou esse periacuteodo como ldquosociedade dos

meiosrdquo Nela as miacutedias teriam ldquouma autonomia relativa face agrave existecircncia dos

demais camposrdquo Jaacute na sociedade de midiatizaccedilatildeo ldquoa cultura midiaacutetica se

converte na referecircncia sobre a qual a estrutura soacutecio-teacutecnica-discursiva se es-

tabelece ocorrendo um processo de afetaccedilatildeo de todas as praacuteticas sociais e

uma apropriaccedilatildeo pelos diversos campos sociais de forma distintardquo

Ainda segundo Fausto Neto (2008) a midiatizaccedilatildeo tem a capacidade

de desenvolver inuacutemeras possibilidades para criticar para apreender reflexi-

vamente os produtos e processos da induacutestria cultural para setores da socie-

dade agirem nas miacutedias e pelas miacutedias Seria uma forma de apropriaccedilatildeo que

provoca a intensificaccedilatildeo de tecnologias convertidas em meio

Esta mudanccedila na comunicaccedilatildeo daacute iniacutecio a um modelo mais participa-

tivo de cultura em que o puacuteblico natildeo eacute mais visto simplesmente como um

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

23

grupo de consumidores de mensagens preacute-constituiacutedas mas como pessoas

que estatildeo moldando compartilhando reconfigurando e ressignificando con-

teuacutedos de miacutedia de maneiras ateacute entatildeo inimaginaacuteveis (JENKINS FORD GREEN

2014)

Elas fazem isso como integrantes de comunidades mais amplas e de re-

des que lhes permitem propagar conteuacutedos que vatildeo muito aleacutem do espaccedilo

geograacutefico que ocupam havendo assim uma propagaccedilatildeo transnacional

(JENKINS FORD GREEN 2014)

Esse modelo de comunicaccedilatildeo poacutes-miacutedia de massas traz tambeacutem um

empoderamento midiaacutetico agrave medida em que as pessoas natildeo soacute estatildeo con-

sumindo como tambeacutem estatildeo se assumindo produtores de conteuacutedo perce-

bendo-se como uma personificaccedilatildeo da miacutedia (BENTES 2015)

Sites blogs redes sociais mapas colaborativos peticcedilotildees on-line plata-

formas e aplicativos baseados em geolocalizaccedilatildeo agregadores de conte-

uacutedo entre outras inuacutemeras possibilidades satildeo apropriaccedilotildees que formam um

sistema integrado de canais de participaccedilatildeo e de praacuteticas que permitem a

ampliaccedilatildeo do alcance dos conteuacutedos atraveacutes do espalhamento (JENKINS

FORD GREEN 2014)

Esses conteuacutedos adquirem significaccedilatildeo a partir de atividades que vatildeo

aleacutem da distribuiccedilatildeo impulsionados por praacuteticas colaborativas que espalham

a informaccedilatildeo sob diversos formatos (texto aacuteudio viacutedeo foto e transmissotildees ao

vivo) e que auxiliam a organizaccedilatildeo dos movimentos e a cobertura de atos

protestos e acontecimentos em torno de causas diversas (JENKINS FORD

GREEN 2014)

Nesse contexto o espaccedilo virtual constitui o centro dessa revoluccedilatildeo na

comunicaccedilatildeo mundial pelo fato de permitir com suas caracteriacutesticas peculi-

ares uma reconfiguraccedilatildeo do sistema de pensamento das pessoas e das suas

ideias de comunicaccedilatildeo que constituem a base da sociedade (RECUERO

2000)

Para Lemos (2015 p136) ldquoo ciberespaccedilo eacute um ambiente de circulaccedilatildeo

de discussotildees pluralistas reforccedilando competecircncias diferenciadas e aprovei-

tando o caldo de conhecimento que eacute gerado dos laccedilos comunitaacuterios po-

dendo potencializar a troca de competecircncias gerando a coletivizaccedilatildeo dos

saberesrdquo

Sebastiatildeo (2012) e Lemos (2003) afirmam que o ciberespaccedilo possui

grandes potencialidades para o ativismo uma vez que pode acolher vozes

diversas e grupos identificados com causas e comprometimentos diacutespares po-

dendo manifestar suas opiniotildees aspiraccedilotildees ideias etc sem se sujeitarem a

criteacuterios de seleccedilatildeo de conteuacutedos a serem divulgados

Para Castells (2001) esse novo espaccedilo de fluxo de informaccedilotildees incre-

mentaria natildeo soacute a participaccedilatildeo ativa dos cidadatildeos nas decisotildees como tam-

beacutem a expansatildeo dos processos democraacuteticos

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

24

Os movimentos ativistas se apropriaram desse espaccedilo e aprimoraram

sua atuaccedilatildeo acompanhando a evoluccedilatildeo tecnoloacutegica e as ferramentas que

tinham a sua disposiccedilatildeo Nesse novo territoacuterio de troca de saberes complexo

e sem fronteiras agrave medida que esses movimentos se multiplicaram foi possiacutevel

identificar a forma como se organizam as ferramentas utilizadas e suas carac-

teriacutesticas

12 ATIVISMO DIGITAL

formas de organizaccedilatildeo ferramentas e caracteriacutesticas

Os movimentos ativistas mundiais emergiram na rede na deacutecada de

1980 e possuem elementos comuns entre eles satildeo espontacircneos em sua ori-

gem simultaneamente globais e locais a princiacutepio satildeo paciacuteficos satildeo virais

recusam a delegaccedilatildeo da accedilatildeo satildeo apartidaacuterios e criticam partidos poliacuteticos

realizam propagaccedilatildeo da informaccedilatildeo satildeo conectados em redes de formas

muacuteltiplas sejam on-line ou off-line utilizam de forma intensiva as redes sociais

digitais especialmente Facebook e Twitter e diversificam as accedilotildees e os protes-

tos (DI FELICE 2014 CASTELLS 2013)

Dentre esses elementos ressalta-se cinco caracteriacutesticas que mostram

como as arquiteturas informativas estatildeo criando novas formas de conflituali-

dade 1) local de origem e dimensatildeo metageograacutefica 2) anonimato 3) re-

cusa de luta pelo poder 4) temporalidade e 5) dimensatildeo tecnoloacutegica e infor-

maacutetica da accedilatildeo (DI FELICE 2014 CASTELLS 2013)

Di Felice (2014 p41) afirma que o local de origem desses movimentos eacute

em e nas redes ganhando uma dupla espacialidade informativa e geograacute-

fica evidenciando que o papel das redes natildeo se restringe a difundir e ampliar

o consenso de um movimento mas ldquo[] de se constituir como um lugar prin-

cipal de sua gestaccedilatildeo de seu surgimento e de sua mudanccedila articulando um

diaacutelogo contiacutenuo on-line com as iniciativas e accedilotildees que se desenvolvem no

territoacuteriordquo

Para Castells (2013) apesar desses movimentos iniciarem nas redes soci-

ais eles soacute se tornam concretos ao ocuparem um espaccedilo urbano seja atraveacutes

de uma ocupaccedilatildeo permanente de praccedilas puacuteblicas por exemplo seja pela

persistecircncia das manifestaccedilotildees de rua Segundo o autor esse hiacutebrido de inter-

net e espaccedilo urbano daacute origem a um terceiro espaccedilo que ele denomina de

espaccedilo da autonomia

De acordo com a autonomia nesse novo espaccedilo pode ser exercida

como forccedila transformadora desafiando a ordem institucional disciplinar ao

reclamar o espaccedilo da cidade para seus cidadatildeos Para o autor o espaccedilo da

autonomia eacute retroalimentado pelos desafios do ativismo uma vez que sem au-

tonomia seriam apenas ativismos interrompidos (CASTELLS 2013)

A segunda caracteriacutestica estabelecida por Di Felice (2014) eacute o anoni-

mato Ele substitui a representatividade e a loacutegica hieraacuterquica do liacuteder pela

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

25

rede e pela participaccedilatildeo anocircnima Essa eacute a loacutegica da conflitualidade reticu-

lar isto eacute impede a centralizaccedilatildeo criando formas horizontais e colaborativas

nas quais as subjetividades se dissolvem

A horizontalidade das redes favorece a cooperaccedilatildeo e a solidariedade

ao mesmo tempo que reduz a necessidade de lideranccedila formal de um centro

de comando e de controle Eles natildeo necessitam de uma organizaccedilatildeo vertical

para passar informaccedilotildees ou instruccedilotildees e conseguem garantir as funccedilotildees de

coordenaccedilatildeo e tambeacutem de deliberaccedilatildeo (CASTELLS 2013)

Contrariando os dois autores Gerbaudo (2012) afirma que os movimen-

tos populares contemporacircneos natildeo satildeo sem lideranccedila Segundo o autor essa

forma de atuaccedilatildeo dos ativistas fez com que surgisse formas de lideranccedila com-

plexas que na maioria das vezes satildeo indiretas e ateacute mesmos invisiacuteveis mas que

possuem a mesma eficaacutecia na funccedilatildeo de atribuir a uma accedilatildeo coletiva certo

grau de coerecircncia e sentido de direccedilatildeo

O autor compara metaforicamente essa nova forma de lideranccedila a fi-

gura do coreoacutegrafo denominando-a de lideranccedila coreograacutefica Essa lide-

ranccedila seria a responsaacutevel por fazer a mediaccedilatildeo entre as plataformas on-line

e as reuniotildees fiacutesicas atraveacutes de mensagens reproduzidas nas redes sociais

como Facebook e Twitter Esse processo de mediaccedilatildeo e da montagem fiacutesica

do protesto seria para o autor a montagem da coreografia e o protesto em

si seria a coreografia ensaiada nas redes (GERBAUDO 2012)

Assim como os coreoacutegrafos convencionais no campo da danccedila esses

principais organizadores satildeo pouco vistos ou agraves vezes invisiacuteveis no palco Eles

satildeo liacutederes relutantes que aderindo agrave ideologia do horizontalismo natildeo que-

rem ser vistos como liacutederes em primeiro lugar mas cujo trabalho de definiccedilatildeo

de cenas e roteiros tem sido decisivo em trazer um grau de coerecircncia agrave parti-

cipaccedilatildeo espontacircnea e criativa das pessoas nos movimentos de protesto (GER-

BAUDO 2012)

De acordo com o autor influentes administradores do Facebook e Twit-

ter ativistas desempenharam um papel crucial na definiccedilatildeo do cenaacuterio para

as reuniotildees dos movimentos no espaccedilo puacuteblico construindo identificaccedilotildees co-

muns e acumulando ou desencadeando um impulso emocional em direccedilatildeo

agrave assembleia puacuteblica (GERBAUDO 2012)

Gerbaudo (2012 p140) tambeacutem questiona a horizontalidade de praacuteti-

cas organizacionais dos movimentos populares contemporacircneos uma vez que

acredita que embora seja verdade que as miacutedias sociais permitem a partici-

paccedilatildeo e comunicaccedilatildeo na realizaccedilatildeo desses movimentos que ganharam as

ruas no mundo esse recurso natildeo significa que todos os participantes tenham

o mesmo grau de influecircncia na accedilatildeo coletiva e nem tatildeo pouco que a hierar-

quia seja inexistente

O autor enfatiza ainda que o processo de mobilizaccedilatildeo sempre envolve

desigualdades e assimetrias em que haacute pessoas que se mobilizam e pessoas

que satildeo mobilizadas pessoas que lideram e outras que seguem os liacutederes

(GERBAUDO 2012)

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

26

A terceira caracteriacutestica eacute a recusa de luta pelo poder Esses movimen-

tos natildeo lutam para tomar o poder logo natildeo podem ser entendidos como mo-

vimentos revolucionaacuterios (DI FELICE 2014)

Pretendem transformar o Estado e natildeo se apoderar dele expressam sen-

timentos e estimulam o debate mas natildeo apoiam governos nem fundam par-

tidos O que propotildeem em sua praacutetica eacute uma nova utopia centralizada na cul-

tura da sociedade em rede mas materializada na mente das pessoas inspi-

rando seus sonhos guiando suas accedilotildees e induzindo suas reaccedilotildees ldquoa utopia

da autonomia do sujeito em relaccedilatildeo agraves instituiccedilotildees da sociedaderdquo (CASTELLS

2013 p 134)

Um quarto aspecto eacute o da temporalidade Satildeo movimentos temporaacute-

rios que natildeo aspiram a sua institucionalizaccedilatildeo ao contraacuterio de partidos e ins-

tituiccedilotildees poliacuteticas da modernidade como mencionado no paraacutegrafo anterior

(DI FELICE 2014)

Aleacutem de temporaacuterios satildeo virais natildeo apenas pelo caraacuteter viral da difusatildeo

das mensagens na rede mas em funccedilatildeo do efeito causado pelo surgimento

de movimentos por toda parte Ver e ouvir protestos em outros lugares

Segundo Castells (2013) inspira a mobilizaccedilatildeo uma vez que estimula a

esperanccedila em uma possibilidade de mudanccedila Essa capacidade viral natildeo

respeita os limites geograacuteficos e se propaga de um paiacutes para outro de uma

cidade para outra ou de uma regiatildeo para outra

Por fim a quinta e uacuteltima caracteriacutestica eacute formada pela dimensatildeo tec-

noloacutegica e informativa da accedilatildeo produzida por estas formas desenvolvendo

assim uma dimensatildeo informativa de participaccedilatildeo criando redes de circula-

ccedilatildeo de diferentes temaacuteticas que estatildeo redesenhando a forma de ativismo e

ateacute mesmo de democracia em todo o mundo (DI FELICE 2014)

Para Castells (2013 p 142) esses movimentos sociais em rede satildeo novos

tipos de movimentos democraacuteticos que estatildeo reinventando a democracia

buscando maneiras que ldquopossibilitem aos seres humanos administrar coletiva-

mente suas vidas de acordo com os princiacutepios amplamente compartilhados

em suas mentes e em geral negligenciados em suas experiecircncias diaacuteriasrdquo Dei-

xam como legado a afirmaccedilatildeo da possibilidade de se reaprender a conviver

numa ldquoverdadeira democraciardquo

Em busca dessa democracia e de uma participaccedilatildeo e engajamento

mais amplos na causa ambiental foi que os movimentos ambientais comeccedila-

ram a utilizar os caminhos da tecnologia a favor do meio ambiente

13 ATIVISMO AMBIENTAL EM REDE

atuaccedilatildeo dificuldades e desafios

O movimento ambiental emergiu em lugares em tempos e por motivos

diferentes natildeo teve um marco inicial que o definisse As questotildees ambientais

mais antigas eram questotildees locais e agrave medida em que as pessoas compreen-

diam os custos dos danos causados ao meio ambiente iam se articulando em

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

27

grupos que passaram a formar coalizotildees ateacute tornarem-se movimentos nacio-

nais multinacionais e atualmente globais (MCCORMICK 1992)

No entanto foi a partir da deacutecada de 1960 que se iniciou uma afirma-

ccedilatildeo do movimento ambientalista como ativista poliacutetico e social de modo a

pressionar as entidades oficiais internacionais no sentido de soluccedilotildees atraveacutes

do Estado e para aleacutem dele para os problemas que se apresentavam na

eacutepoca (MCCORMICK 1992)

Espalhados na sociedade civil organizada e com base na opiniatildeo puacute-

blica o movimento ambientalista foi se ampliando agrave medida que a ciecircncia

demonstrava o possiacutevel esgotamento das bases de preservaccedilatildeo do planeta

tanto fiacutesicas como bioloacutegicas e que a tecnologia impulsionava os meios de

comunicaccedilatildeo em massa de alcance global modificando no poacutes-guerra as

caracteriacutesticas da sociedade ocidental (CASTELLS 2006)

Nesse momento de luta pela preservaccedilatildeo ambiental surgiram as Orga-

nizaccedilotildees Natildeo governamentais (ONGs) que passaram a dar visibilidade a

causa ambiental nas discussotildees poliacuteticas internacionais ganhando de forma

gradual reconhecimento e prestiacutegio poliacutetico (MARONEZE et al 2013)

No Brasil o movimento ambientalista ganha contornos com a criaccedilatildeo

da Associaccedilatildeo Gauacutecha de Proteccedilatildeo ao Ambiente Natural (Agapan) fundada

em Porto Alegre pelo ativista Joseacute Lutzemberger em meados da deacutecada de

1970 com objetivos amplos de preservaccedilatildeo da natureza como forma de pre-

servaccedilatildeo da espeacutecie humana (COSTA 2012)

Tambeacutem a partir de 1970 as ONGs passaram a dar voz a causas ecoloacute-

gicas e a contribuir na conscientizaccedilatildeo da sociedade civil quanto a impor-

tacircncia da preservaccedilatildeo do meio ambiente mas ainda dependiam da visibili-

dade dos meios de comunicaccedilatildeo em massa para legitimar seus discursos so-

ciais (MARONEZE et al 2013 BARBALHO 2005)

Os movimentos sociais buscaram visibilidade por intermeacutedio da miacutedia

tradicional (raacutedio TV e jornal) da mesma forma que outros atores de causas

ambientais Entretanto depararam-se com fatores que dificultaram sua atua-

ccedilatildeo tais como ldquoaltos custos concessatildeo governamental verticalidade e cen-

tralizaccedilatildeo na transmissatildeo de informaccedilotildees dentre outrosrdquo (MARONEZE et al

2013 p 72)

O acesso crescente agraves miacutedias digitais possibilitou a ampliaccedilatildeo dessa vi-

sibilidade com uma raacutepida expansatildeo e uma maior atuaccedilatildeo dos movimentos

ambientais Eles ganharam espaccedilo no mundo virtual difundiram a luta por di-

reitos aumentaram o nuacutemero de apoiadores de suas causas e puderam atuar

nas causas ambientais que defendem (MARONEZE et al 2013)

Outras dificuldades entretanto emergiram para os ativistas ambientais

principalmente para aqueles que compunham as grandes ONGs ambientalis-

tas Dentre as principais estatildeo conflitos de ideias disputa entre as organiza-

ccedilotildees pelo protagonismo das iniciativas falta de adesatildeo significativa da soci-

edade a esses movimentos competiccedilatildeo entre elas por filiaccedilotildees e financia-

mento de fundaccedilotildeesempresas eou Estado esses financiamentos por sua vez

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

28

comprometem parte da autonomia dessas organizaccedilotildees e consequente-

mente promovem uma certa desmobilizaccedilatildeo falta de recursos para realizar

um monitoramento adequado de poliacuteticas puacuteblicas e distanciamento das ins-

tituiccedilotildees poliacuteticas em relaccedilatildeo aos interesses da populaccedilatildeo (BUENO 2016)

Para ilustrar a accedilatildeo desses movimentos seraacute apresentada de forma su-

cinta uma anaacutelise sobre a Campanha Desmatamento Zero protagonizada por

mais de 200 organizaccedilotildees da sociedade civil dentre elas o Greenpeace4 que

logrou ecircxito ao conseguir encaminhar ao Congresso Nacional o primeiro Pro-

jeto de Lei de iniciativa popular e de mateacuteria ambiental

Em agosto de 2011 com o projeto de modificaccedilatildeo da Lei 47711965 o

chamado Coacutedigo Florestal em pauta no Congresso Nacional iniciou-se uma

discussatildeo sobre o assunto por meio das redes sociais liderada pelo Comitecirc Bra-

sil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentaacutevel que contou

com uma coalizatildeo formada por mais de 200 organizaccedilotildees da sociedade civil

dentre elas o Greenpeace Essa foi a primeira accedilatildeo realizada para atrair a

atenccedilatildeo para o problema

Apesar disso o alinhamento entre as ONGs ambientalistas demorou a

ocorrer e em alguns momentos apresentou falhas que impediram um posici-

onamento unificado que fortaleceria o movimento (BUENO 2016)

Os envolvidos lanccedilaram uma campanha na rede social Twitter conhe-

cida como ldquoFloresta Faz a Diferenccedilardquo (florestafazadiferenccedila) que contou

com a participaccedilatildeo de celebridades e especialistas para explicar on-line por

meio de viacutedeos e fotos pontos polecircmicos do texto e alertar sobre os prejuiacutezos

que o projeto poderia trazer para o paiacutes tornando-se um dos assuntos mais

abordados nessa rede social em 2012

A campanha ganhou visibilidade mundial por meio das redes de com-

putadores e levantou discussotildees em torno da aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Flo-

restal brasileiro que dominaram as redes sociais mediante a criaccedilatildeo do movi-

mento lsquoVeta Dilmarsquo a fim de sensibilizar a entatildeo presidente da Repuacuteblica

para vetar o texto aprovado na Cacircmara dos Deputados Ao avanccedilar para o

senado o movimento passou a se denominar lsquoVeta tudo Dilmarsquo

A AVAAZ (2012)5 contribuiu por intermeacutedio da peticcedilatildeo on-line ldquoDilmarsquos

Wake up callrdquo Foi uma mobilizaccedilatildeo para que a ex-presidente Dilma Rousseff

4 O Greenpeace eacute uma organizaccedilatildeo natildeo governamental global e independente presente

em 55 paiacuteses de todos os continentes e que estaacute haacute 27 anos atuando no Brasil que possui

o apoio de mais de 48 milhotildees de seguidores distribuiacutedos nas redes sociais Facebook Twit-

ter e Instagram 13 milhotildees de ciberativistas aleacutem de 2990 voluntaacuterios atuantes na defesa

do meio ambiente e promoccedilatildeo da paz GREENPEACE BRASIL Relatoacuterio anual 2016 Dispo-

niacutevel em httpwwwgreenpeaceorgbrhubfsdocumentosrelatorio_anual_greenpe-

ace_2016pdf Acesso em 27 ago 2020

5 A AVAAZ eacute uma comunidade de mobilizaccedilatildeo on-line que leva a voz da sociedade civil

para os espaccedilos de tomada de decisatildeo em todo o mundo Opera em 15 liacutenguas por uma

equipe profissional em quatro continentes e voluntaacuterios de todo o planeta A AVAAZ se

mobiliza assinando peticcedilotildees financiando campanhas de anuacutencios enviando e-mails e te-

lefonando para governos organizando protestos e eventos nas ruas tudo isso para garantir

que os valores e visotildees da sociedade civil global informem as decisotildees governamentais

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

29

vetasse o Coacutedigo Florestal aprovado pelo congresso brasileiro que permitia

dentre outras coisas que madeireiros e fazendeiros cortassem grandes aacutereas

da Amazocircnia

Esta comunidade mobilizou o mundo todo por meio de peticcedilatildeo on-line

cujo objetivo era conseguir dois milhotildees e quinhentas mil assinaturas para se-

rem entregues a ex-presidente Dilma Rousseff como forma de pressatildeo popu-

lar Foram colhidas 1927738 (um milhatildeo novecentos e vinte sete mil e sete-

centos e trinta e oito) assinaturas encaminhadas a ex-presidente (AVAAZ

2012)

Apesar das peticcedilotildees on-line natildeo gerarem consequecircncias legais diretas

elas refletem a manifestaccedilatildeo popular em prol de uma causa pressionando

liacutederes e governantes mundiais a efetivarem as mudanccedilas almejadas

Em meio a esses movimentos o florestafazadiferenccedila conclamou as

pessoas agraves ruas para protestar contra a aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Florestal

Em meio agrave conflituosa votaccedilatildeo do Novo Coacutedigo Florestal Brasileiro o Green-

peace se utilizou do ciberespaccedilo para a divulgaccedilatildeo da campanha puacuteblica

Liga das Florestas6

A campanha consistiu no lanccedilamento de um projeto de lei popular pelo

desmatamento zero das matas ainda em 2012 propondo em linhas gerais a

proibiccedilatildeo do corte de floresta nativa em todo o Brasil Por meio dela mobili-

zou-se os internautas e seus seguidores para se conseguir as assinaturas neces-

saacuterias para a apresentaccedilatildeo do projeto de Lei pelo desmatamento zero

Mesmo com o apoio da internet somente em 2015 trecircs anos apoacutes o lan-

ccedilamento da campanha o Projeto de Lei de Iniciativa Popular pelo desmata-

mento zero recebeu as assinaturas de 1 do eleitorado brasileiro correspon-

dendo a 1milhatildeo e 400 mil assinaturas Assim pocircde ser apresentado na Cacirc-

mara dos Deputados sendo o primeiro Projeto de Lei de iniciativa popular e

de mateacuteria ambiental do paiacutes

A demora em conseguir as assinaturas sinaliza a falta de prioridade

dada pela sociedade brasileira aos temas ambientais Numa sociedade com

numerosos problemas sociais acarretados por uma crescente desigualdade

social os assuntos ambientais acabam se distanciando de suas prioridades

dificultando a sensibilizaccedilatildeo da opiniatildeo puacuteblica e consequentemente dos to-

madores de decisatildeo (BUENO 2016)

Em 2019 o MapBiomas7 publicou on-line o primeiro relatoacuterio anual deta-

lhado sobre o desmatamento no Brasil O relatoacuterio apontou perda de pelo

que afetam todos noacutes Disponiacutevel em httpssecureavaazorgpagepoabout Acesso

em 28 ago 2020

6 Disponiacutevel em httpwwwkanindeorgbrparticipe-da-campanha-do-greenpeace-liga-

das-florestas-desmatamento-zero Acesso em 28 ago2020

7 Eacute uma iniciativa do SEEGOC (Sistema de Estimativas de Emissotildees de Gases de Efeito Estufa

do Observatoacuterio do Clima) e eacute produzido por uma rede colaborativa de cocriadores for-

mado por ONGs universidades e empresas de tecnologia organizados por biomas e temas

transversais Disponiacutevel em httpsmapbiomasorg Acesso em 28 ago2020

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

30

menos 12 milhatildeo de hectares de vegetaccedilatildeo nativa e ressaltou que 99 do

desmatamento no Brasil em 2019 foi ilegal sendo a Amazocircnia o Bioma com

mais aacuterea desmatada

O desmatamento na Amazocircnia voltou a crescer 34 no uacuteltimo ano de

acordo com dados de monitoramento por sateacutelite divulgados pelo Instituto

Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)8 no comeccedilo de agosto de 2020

O aumento crescente do desmatamento no paiacutes se opotildee a uma seacuterie

de compromissos legais poliacuteticos e diplomaacuteticos assumidos pelo Brasil nos uacutelti-

mos anos Natildeo eacute objetivo deste artigo enumeraacute-los um a um mas a tiacutetulo de

exemplificaccedilatildeo cita-se aqui os compromissos assumidos pelo paiacutes na Conven-

ccedilatildeo Nacional do Clima das Naccedilotildees Unidas no Acordo de Paris ratificado em

2016 pelo Brasil cuja meta assumida foi a de zerar o desmatamento na Ama-

zocircnica ateacute 20309

Internamente o Plano Plurianual da Uniatildeo (PPA) aprovado pelo go-

verno federal em dezembro de 2019 tem como meta reduzir em 90 o des-

matamento e os incecircndios ilegais nos biomas do paiacutes ateacute 202310

Jaacute o Decreto 95782018 referente agrave Poliacutetica Nacional sobre Mudanccedila

do Clima (PNMC)11 determina uma reduccedilatildeo de 80 nos iacutendices anuais de

desmatamento somente na Amazocircnia legal em relaccedilatildeo agrave meacutedia verificada

no periacuteodo 1996-2005 fora os outros biomas

Apesar dos compromissos assumidos o grande aumento no nuacutemero de

desmatamentos sinaliza uma ineficiecircncia do Estado em honraacute-los O Projeto

de Lei de Iniciativa Popular pelo desmatamento zero ainda natildeo foi aprovado

Atualmente tramita como Sugestatildeo Legislativa (SUG) 62015 precisando ser

acatada pela Comissatildeo de Direitos Humanos e Legislaccedilatildeo Participativa (CDH)

para comeccedilar a tramitar como Projeto de Lei no Senado Desde fevereiro de

2019 o projeto se encontra com o relator Senador Paulo Renato Paim (PTRS)12

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As conexotildees expandidas entre diversos atores na internet transforma-

ram-na em um espaccedilo feacutertil para accedilotildees ciberativistas Os movimentos socio-

ambientais se adaptaram agraves raacutepidas mudanccedilas tecnoloacutegicas e passaram a

utilizaacute-las como aliadas na divulgaccedilatildeo de causas cada vez mais plurais

8 Disponiacutevel em httpwwwinpebr Acesso em 28 ago2020

9 Compromisso assumido pela ex-presidente Dilma Rousseff em seu discurso durante cerimocirc-

nia de assinatura do Acordo de Paris em Nova York Disponiacutevel em https

wwwmmagovbrimagesarquivosclimaconvencaoindcDiscurso_Dilma_Assinatura_

AcordoParispdf Acesso em 28 ago2020

10 Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2019-20222019leiAnexos

Anl13971pdf Acesso em 29 ago2020

11 Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2015-20182018Decreto

D9578htm Acesso em 29 ago 2020

12 SENADO FEDERAL Disponiacutevel em httpswww25senadolegbrwebatividadematerias-

materia123677 Acesso em 28 ago 2020

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

31

O movimento ambiental vem conseguindo atraveacutes da web e das redes

sociais dar voz e visibilidade agraves suas causas e agrave defesa do meio ambiente Para

tanto se utilizam de ferramentas diversificadas para informar mobilizar politizar

e unir diferentes atores em accedilotildees voltadas para a preservaccedilatildeo do planeta

seja a niacutevel local ou global

A partir dos teoacutericos trazidos para dialogar sobre o assunto e da anaacutelise

feita sobre a campanha do desmatamento infere-se que apesar das dificul-

dades e grandes desafios cada vez mais esses movimentos apresentam-se

organizados dominam as ferramentas disponiacuteveis na internet e as utilizam

para ganhar visibilidade e disseminar informaccedilotildees em busca de soluccedilotildees con-

cretas

Dessa forma contribuem positivamente para a proteccedilatildeo ambiental

atraveacutes da fiscalizaccedilatildeo das accedilotildees do Estado buscando garantir os diretos am-

bientais previstos na legislaccedilatildeo brasileira e nos acordos internacionais ratifica-

dos pelo paiacutes

REFEREcircNCIAS

BARBALHO Alexandre Comunicaccedilatildeo e cultura das minorias Satildeo Paulo Paulus 2005

BENTES Ivana Miacutedia-multidatildeo esteacuteticas da comunicaccedilatildeo e biopoliacuteticas 1 ed Rio de

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ano Toni Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentaacutevel) ndash Universidade Federal

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1048221091 Acesso em 24 ago 2020

CASTELLS Manuel Redes de indignaccedilatildeo e esperanccedila movimentos sociais na era da

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CASTELLS Manuel O Poder da Identidade Traduccedilatildeo Klauss Brandini Gerhar A Era da

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CASTELLS Manuel A sociedade em rede Traduccedilatildeo de Roneide Venacircncio Majer A

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Paulo Paulus 2017

DI FELICE Massimo Netativismo e accedilatildeo social na eacutepoca das redes In Sociotramas

estudos multitemaacuteticos sobre redes digitais Org Lucia Santaella Satildeo Paulo Estaccedilatildeo

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FAUSTO NETO Antonio Fragmentos de uma analiacutetica da midiatizaccedilatildeo Satildeo Paulo

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Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

32

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JENKINS Henry GREEN Joshua FORD Sam Cultura da conexatildeo criando valor e sig-

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LEVY Pierre Cibercultura Satildeo Paulo Ed 34 1999

MARONEZE Mariana Cunha SALLA Mariana Fenalti OLIVEIRA Rafael Santos de Am-

bientalismocom a atuaccedilatildeo do movimento ambientalista diante as novas miacutedias di-

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Poliacutetica e Direito na Ameacuterica Latina 3 Revista Eletrocircnica do Curso de Direito - UFSM

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MCCORMICK John Rumo ao Paraiacuteso a histoacuteria do movimento ambientalista Tradu-

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Durnaratilde 1992

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Revista Sociedade e Cultura v 15 n 1 2012 Disponiacutevel em httpwwwrevis-

tasufgbrindexphpfchfarticleview20673 Acesso em 24 ago 2020

33

AS CONTRATACcedilOtildeES PUacuteBLICAS DIRETAS

E OS IMPACTOS Agrave

ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA

SARS-CoV-2 e as consequentes

inovaccedilotildees legislativas federais no

ordenamento juriacutedico brasileiro nas linhas

do pensamento complexo

Doacuteris Evany Abreu Carvalho1

Iasna Chaves Viana2

Rebeca Gadelha Ferreira3

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 21 Pandemia de inovaccedilotildees legislativas fede-

rais no ordenamento juriacutedico paacutetrio e o pensamento complexo

22 Das contrataccedilotildees diretas em momento de pandemia covid-19

ldquocheque em brancordquo ou nova perspectiva para atuaccedilatildeo da admi-

nistraccedilatildeo puacuteblica 23 Dos impactos ao eraacuterio em razatildeo das medidas

desburocratizadoras em tempos de pandemia Consideraccedilotildees fi-

nais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

Desde o final de fevereiro do ano de 2020 quando foi registrado e di-

vulgado o primeiro caso oficial no Paiacutes o Brasil assim como o resto do mundo

tem sido assolado pela pandemia de SARS-CoV-2 (ou COVID-19) o que cul-

minou em profundas mudanccedilas e inovaccedilotildees destacadamente em seu acircm-

bito legislativo

1 Graduada em Direito pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Poacutes-graduada em

Processo Civil pela Universidade Anhanguera-LFG Assessora Juriacutedica da Secretaria de Pla-

nejamento e Gestatildeo das Financcedilas de Crateuacutes atualmente cedida para o Governo do Es-

tado do Cearaacute para atuar na Assessoria Juriacutedica da Superintendecircncia de Obras Puacuteblicas

(SOPCE) E-mail dorisabreucaravalhogmailcom

2 Mestre em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Especialista em Direito

Tributaacuterio pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributaacuterios (IBETSP) Vice-liacuteder do Grupo de Pes-

quisa Ecomplex Direito Complexidade e Meio Ambiente da UNI7CE e Membro do Grupo

de Pesquisa em Tributaccedilatildeo Ambiental (UFCCE) ambos cadastrados no CNPQ Professora

e Advogada E-mail iasnavianayahoocombr

3 Mestre em Direito pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Graduanda em Pedago-

gia pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Teacutecnica Ministerial do MPCE

E-mail bekagadelhinhahotmailcom

2

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

34

Isto a fim de ampliar as possibilidades de a Administraccedilatildeo Puacuteblica en-

frentar o atual problema atendendo a exigecircncia de observacircncia ao princiacutepio

da legalidade estrita e da forma mais efetiva e eficiente possiacutevel durante tal

periacuteodo reconhecido como de absoluta excepcionalidade em acircmbito inter-

nacional pela Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) e no Brasil por meio

do Decreto Legislativo nordm 6 de 20 de marccedilo de 2020

Deve-se asseverar a distinccedilatildeo entre emergecircncia de sauacutede puacuteblica de

importacircncia internacional e estado de calamidade Aquela foi estabelecida

pela Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) a partir de 30 de janeiro de 2020

Enquanto o estado de calamidade puacuteblica foi estabelecido pelo Decreto Le-

gislativo nordm 62020 de 20 de marccedilo de 2020 fixando um prazo ateacute 31 de de-

zembro de 2020

Dentre as inovaccedilotildees de caraacuteter temporaacuterio vislumbra-se a Emenda

Constitucional nordm 1062020 bem como a Lei nordm 139792020 alterada pela Lei

nordm 14035 e a Medida Provisoacuteria nordm 9612020

Destaca-se desde jaacute uma distinccedilatildeo entre a Lei nordm 13979 e a MP nordm 961

quanto agrave aplicaccedilatildeo de paracircmetro para a vigecircncia dos institutos agravequela utiliza

o criteacuterio estabelecido internacionalmente ou seja emergecircncia de sauacutede puacute-

blica de importacircncia internacional4 esta por sua vez vale-se do Decreto Le-

gislativo nordm62020 ndash estado de calamidade puacuteblica

Apesar dessas medidas imbuiacuterem os atos dos gestores puacuteblicos de lega-

lidade estrita possibilitaraacute na mesma toada em razatildeo da tecircnue margem e

do contexto social proveniente da pandemia do COVID-19 em uma possiacutevel

violaccedilatildeo da probidade administrativa

Eis que nesse contexto de urgecircncia e de resposta efetiva da Adminis-

traccedilatildeo Puacuteblica para salvaguardar o direito fundamental agrave sauacutede surgem as

contrataccedilotildees diretas essenciais mas igualmente temeraacuterias uma vez que haacute

margem para que estas sejam firmadas com empresas que em outro con-

texto seriam inabilitadas de plano

Outrossim teraacute a Administraccedilatildeo Puacuteblica a possiblidade de realizar o pa-

gamento antecipado de licitaccedilotildees e dos contratos independentemente de

serem realizados com o fito de combater a pandemia ou natildeo

No entanto teraacute a Administraccedilatildeo Puacuteblica que cotejar a diminuta arre-

cadaccedilatildeo de receita com o aumento consideraacutevel natildeo apenas de despesa

de custeio mas de capital uma vez que diversas obras estatildeo sendo realiza-

das aleacutem da contrataccedilatildeo de serviccedilos e de compras

Durante o exerciacutecio financeiro da calamidade puacuteblica a determinaccedilatildeo

constitucional estabelecida no art 167 III ndash denominada pelos ensinos juriacutedicos

como ldquoRegra de Ourordquo ndash natildeo precisaraacute de observacircncia nos termos estabele-

4 Crucial destacar que o Ministro de Estado da Sauacutede poderaacute antecipar o teacutermino dessa

situaccedilatildeo emergencial mas natildeo poderaacute ampliar o prazo para aleacutem do que fora estipulado

pela OMS

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

35

cidos pelo art 4ordm da Emenda Constitucional nordm 1062020 Contudo quais se-

ratildeo as consequecircncias dessa determinaccedilatildeo nas contas puacuteblicas principal-

mente se levarmos agrave lume a possibilidade de pagamento antecipado de lici-

taccedilotildees e dos contratos neste periacuteodo (art 2ordm caput da Medida Provisoacuteria nordm

9612020)

Logo sob uma anaacutelise criacutetica mas natildeo apartada da realidade a qual a

Administraccedilatildeo Puacuteblica encontra-se em sua atuaccedilatildeo e do preceito de que

deve resguardar a populaccedilatildeo em razatildeo do contrato social firmado haacute muito

sob pena de responsabilidade civil do Estado visa-se enfrentar sob o enfoque

do pensamento complexo as determinaccedilotildees exaradas nas legislaccedilotildees supra-

mencionadas que versam sobre as contrataccedilotildees diretas de obras serviccedilos e

compras bem como os pagamentos antecipados e os impactos para a Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica principalmente no que tange agrave legalidade temeraacuteria de

contrataccedilatildeo com empresas que seriam rechaccediladas de plano em um con-

texto de normalidade aleacutem das implicaccedilotildees ao Eraacuterio uma vez que os efeitos

das medidas adotadas durante o periacuteodo de calamidade puacuteblica perpassaraacute

esse lapso temporal

Assim a pesquisa tem como pergunta de partida como e em que me-

dida as legislaccedilotildees supramencionadas que versam sobre as contrataccedilotildees di-

retas de obras serviccedilos e compras bem como os pagamentos antecipados e

os impactos para a Administraccedilatildeo Puacuteblica podem ser analisados pelo viacutees do

pensamento complexo e iratildeo impactar agrave legalidade de contrataccedilatildeo com

empresas que seriam rechaccediladas de plano em um contexto de normalidade

e quais as implicaccedilotildees disto ao Eraacuterio uma vez que os efeitos das medidas

adotadas durante o periacuteodo de calamidade puacuteblica perpassaraacute esse lapso

temporal

Percebe-se portanto que tendo em vista a notoriedade do assunto di-

ante do contexto social existente a presente pesquisa vai aleacutem do acircmbito de

discussatildeo acadecircmica tendo implicaccedilotildees praacuteticas tanto para a Administra-

ccedilatildeo Puacuteblica como para a sociedade brasileira uma vez que poderaacute resultar

em contrataccedilotildees que traratildeo consequecircncias negativas tanto sob a oacuteptica da

inefetividade da execuccedilatildeo do serviccedilo quanto ao impacto econocircmico ao

eraacuterio principalmente de curto e meacutedio prazo pois natildeo se trata apenas de

contratar e de fazer ou tampouco de pagar antecipado mas que as con-

tratadas cumpram as obrigaccedilotildees assumidas e a Administraccedilatildeo a posteriori

mantenha o patrimocircnio que estaacute sendo formado

Seraacute realizada a anaacutelise bibliograacutefica de obras nacionais e estrangeiras

acerca de conceitos que envolvem o tema focando em suas repercussotildees

juriacutedicas por meio da leitura de livros revistas artigos e publicaccedilotildees perioacutedicas

atinentes ao campo do Direito sobretudo no que tange ao pensamento com-

plexo as contrataccedilotildees diretas no contexto da pandemia SARS-CoV-2 e finan-

ccedilas puacuteblicas

Para tanto a presente pesquisa seraacute estruturada em trecircs toacutepicos

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

36

O primeiro toacutepico trataraacute das inovaccedilotildees legislativas federais no ordena-

mento juriacutedico paacutetrio e sua relaccedilatildeo com o pensamento complexo ressal-

tando-se em especial que a funccedilatildeo legiferante deve ter uma percepccedilatildeo do

todo para o fim de melhor desenvolver seus dispositivos de tal forma que as

medidas empreendidas no que tange agraves contrataccedilotildees diretas ainda que vi-

sem resguardar a atuaccedilatildeo dos gestores puacuteblicos embutindo-a de legalidade

em tempos de emergecircncia nacional decorrente da pandemia causada pelo

COVID-19 natildeo culminem em efeitos deleteacuterios agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica

No segundo toacutepico discutir-se-aacute sobre as contrataccedilotildees diretas propria-

mente ditas fazendo-se um paralelo entre a Lei nordm 139792020 e a Medida

Provisoacuteria nordm 9612020 cotejando igualmente esses diplomas com a Lei nordm

866693 Destacando-se que natildeo se justifica rechaccedilar totalmente a Lei de Li-

citaccedilotildees e Contratos para atender a demandas que podem seguir o rito

desta principalmente para serviccedilos de engenharia ndash Medida Provisoacuteria nordm

9612020ndash uma vez que a Lei nordm 139792020 versa sobre a possibilidade de

dispensa de licitaccedilatildeo sem estabelecer qualquer limite de valor fixando ape-

nas como limite a necessidade de ter que atender a demanda de enfrenta-

mento agrave pandemia

Enquanto isso a instituiccedilatildeo da Medida Provisoacuteria em comento transpa-

rece diferente do que dispotildee a Lei nordm 139792020 quanto agrave questatildeo da dis-

pensa de licitaccedilatildeo um ldquocheque em brancordquo para os gestores puacuteblicos pois

permite desnecessariamente uma ldquoadequaccedilatildeordquo de valores para dispensa

licitatoacuteria de obras e serviccedilos de engenharia o que traz a preocupaccedilatildeo

acerca dos efeitos que a antecipaccedilatildeo dos pagamentos possa causar agrave Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica em sentido amplo ponto que atrai a discussatildeo acerca da

complexidade e os efeitos decorrente da atuaccedilatildeo humana sob a gestatildeo puacute-

blica

No terceiro e uacuteltimo toacutepico o ponto nodal da discussatildeo seraacute centrado

nos impactos ao eraacuterio em razatildeo das medidas ldquodesburacratizadorasrdquo em tem-

pos de pandemia Destaca-se neste ponto a Regra de Ouro e sua finalidade

no intuito de evitar o descontrole dos gastos puacuteblicos garantindo por conse-

quecircncia as geraccedilotildees futuras um controle orccedilamentaacuterio

Feitas essas consideraccedilotildees passa-se a exposiccedilatildeo da presente pesquisa

21 PANDEMIA DE INOVACcedilOtildeES LEGISLATIVAS FEDERAIS NO

ORDENAMENTO JURIacuteDICO PAacuteTRIO E O PENSAMENTO

COMPLEXO

Durante o Seacuteculo XVIII na Franccedila houve a instituiccedilatildeo de uma nova or-

dem e com ela o surgimento do Estado de Direito tendo o princiacutepio da lega-

lidade como mote norteador para a atuaccedilatildeo estatal uma vez que esta ape-

nas desenvolve-se com a devida observacircncia estabelecida por um sistema

de normas

Para a majoritaacuteria doutrina brasileira a Administraccedilatildeo Puacuteblica atuaraacute

conforme leciona Celso Antocircnio Bandeira de Mello em ldquoconformidade agrave lei

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

37

e sucessivamente agraves subsequentes normas que com base nela a Adminis-

traccedilatildeo expeccedila para regular mais estritamente sua proacutepria discriccedilatildeordquo (MELLO

2015 p 32) Tal raciociacutenio doutrinaacuterio encontra amparo Constitucional pois

dentre os vaacuterios princiacutepios que regem a Administraccedilatildeo Puacuteblica encontra-se o

em comento (art 37 caput)

Embora a moderna interpretaccedilatildeo constitucional abra margem como

bem salienta Gustavo Binembojm5 a uma atuaccedilatildeo natildeo mais restringida pela

legalidade estrita essa forma de atuar mesmo nessas circunstacircncias fica vin-

culada a existecircncia de pelo menos um regramento constitucional sobre o

caso ou uma ponderaccedilatildeo desse princiacutepio com outros estabelecidos constitu-

cionalmente sob pena de se incorrer em verdadeiro solipsismo da atuaccedilatildeo

puacuteblica o que iria de total encontro ao Estado Democraacutetico de Direito esta-

belecido pelo art 1ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988

No entanto natildeo se deve confundir a necessidade de observacircncia de

preceitos normativos para a atuaccedilatildeo estatal brasileira com a necessidade de

regramentos excessivos O que se requer natildeo eacute quantidade e sim qualidade

Mas natildeo eacute o que ocorre A cada situaccedilatildeo de excepcionalidade vivenciada

no paiacutes acha-se a Administraccedilatildeo Puacuteblica de ldquomatildeos atadasrdquo para atuar seja

por conta de uma suposta falta normativa ou por excesso de formalismo da

existente culminando nessa perspectiva em uma enxurrada de novos regra-

mentos que causam confusatildeo na atuaccedilatildeo praacutetica dos gestores dos Procura-

dores consultivos e possibilitando implicaccedilotildees de ordem de improbidade ad-

ministrativa apuradas em um futuro controle dos Tribunais de Contas

Quando o assunto eacute a realizaccedilatildeo de obras contrataccedilatildeo de serviccedilos e

aquisiccedilatildeo de materiais a Lei de Licitaccedilotildees e Contratos com a Administraccedilatildeo

Puacuteblica ndash Lei nordm 86661993 ndash encontra-se em um limbo normativo que deteacutem

consideraacutevel rigor procedimental impossibilitando a atuaccedilatildeo mais ceacutelere e

efetiva daquela

Diante desse contexto nas Olimpiacuteadas e na Copa do Mundo fora cri-

ado o Regime Diferenciado de Contrataccedilotildees (RDC) visando um sistema mais

simplificado do que a Lei nordm 86661993 Mas que teve seu rol ampliado esta-

belecendo possibilidade de incidecircncia da lei para outras hipoacuteteses dentre

elas obras e serviccedilos de engenharia no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede

(SUS)

5 ldquoA ideia de juridicidade administrativa elaborado a partir da interpretaccedilatildeo dos princiacutepios

e regras constitucionais passa destarte a englobar o campo da legalidade administra-

tiva com um dos seus princiacutepios internos mas natildeo mais altaneiro e soberano como outrora

Isso significa que a atividade administrativa continua a realiza-se via de regra (i) segundo

a lei quando esta for constitucional (atividade secundum legem) (ii) mas pode encontrar

fundamento direto na Constituiccedilatildeo independente ou para aleacutem da lei (atividade praeter

legem) ou eventualmente (iii) legitimar-se perante o direito ainda que contra a lei poreacutem

com fulcro numa ponderaccedilatildeo de legalidade com outros princiacutepios constitucionais (ativi-

dade contra legem mas com fundamento numa otimizada aplicaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo)rdquo

(BINENBOJM 2008 p 37-38)

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

38

Haacute agora a excepcionalidade decorrente da pandemia do SARS-CoV-

2 (COVID-19) Com ela fora instituiacuteda uma alteraccedilatildeo Constitucional de vigecircn-

cia temporaacuteria versando dentre outros pontos sobre o procedimento simpli-

ficado de contrataccedilotildees (EC nordm 1062020 art 2ordm) para obras serviccedilos e com-

pras Vale ressaltar que essa exceccedilatildeo constitucional agraves regras licitatoacuterias por

meio desse mecanismo simplificado de contrataccedilatildeo natildeo afasta a competi-

ccedilatildeo e igualdade de condiccedilotildees a todos os concorrentes quando possiacutevel

Mas o procedimento em comento apenas deve ser aplicado para enfren-

tamento do contexto de calamidade puacuteblica outrossim seus efeitos sociais e

econocircmicos no seu periacuteodo de duraccedilatildeo

Nessa toada fora instituiacuteda a Lei nordm 139792020 com redaccedilatildeo alterada

pela Lei nordm 140352020 versando dentre outros assuntos sobre dispensa de

licitaccedilatildeo para aquisiccedilatildeo ou contrataccedilatildeo de bens serviccedilos inclusive de enge-

nharia e insumos para enfrentar diretamente o estado de calamidade puacute-

blica (art 4ordm) que vigoraraacute enquanto perdurar o estado de emergecircncia inter-

nacional culminado pela pandemia

No entanto o art 24 IV da Lei nordm 86661993 jaacute dispunha sobre uma

hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo que alberga a emergecircncia ou calamidade

puacuteblica vivenciada viabilizando a contrataccedilatildeo direta pela Administraccedilatildeo Puacute-

blica

Mas ainda existem algumas formalidades legais a serem observadas

em uma contrataccedilatildeo direta nos termos da Lei nordm 866693 menos riacutegidas frise-

se do que aquelas estabelecidas para um processo licitatoacuterio mas igual-

mente burocraacuteticas conforme estabelecido no art 26 desse diploma legal

Aleacutem dos entendimentos doutrinaacuterios e jurisprudenciais sobre essa hipoacutetese de

contrataccedilotildees emergenciais tiacutepicas

Segue dispondo ainda a Lei nordm139792020 que a contrataccedilatildeo direta

aleacutem de ser temporaacuteria (art 4ordm) haacute uma presunccedilatildeo legal (art 4ordm-B) de atendi-

mento das condiccedilotildees para dispensa de licitaccedilatildeo Cabendo inclusive excep-

cionalmente a possibilidade de contrataccedilatildeo com a uacutenica fornecedora de

bens ou prestadora de serviccedilo ainda que estas detenham sanccedilotildees de impe-

dimento ou de suspensatildeo de contratar com o Poder Puacuteblico (sect3ordm art 4ordm) Este

caso de contrataccedilatildeo direta ndash denominada atecnicamente pela lei em co-

mento de dispensa de licitaccedilatildeo ndash pode resultar em danos consideraacuteveis para

a Administraccedilatildeo Puacuteblica

A inexecuccedilatildeo contratual seja ela parcial ou integral culminaraacute dentre

outras sanccedilotildees em suspensatildeo temporaacuteria de participaccedilatildeo em licitaccedilatildeo e im-

pedimento de contratar com a Administraccedilatildeo ndash inteligecircncia da Lei nordm

866693 art87 III

Apesar da cizacircnia de entendimento quanto ao alcance dos efeitos da

suspensatildeo temporaacuteria entre o Superior Tribunal de Justiccedila (STJ) e o Tribunal de

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

39

Contas da Uniatildeo (TCU)6 vislumbra-se uma questatildeo muito maior e com impli-

caccedilotildees negativas para a eficiecircncia e eficaacutecia que se espera principalmente

para atender ao caos resultante da pandemia COVID-19 uma vez que tal

penalidade fora aplicada em razatildeo da inexecuccedilatildeo contratual parcial ou in-

tegral em um periacuteodo de ldquonormalidaderdquo

Constitui-se assim uma rede de efeitos e consequecircncias imprevisiacuteveis

dado fugir a legalidade que lhe eacute devida por lei A complexidade se insere

justamente no ponto obscuro em que natildeo se prevecirc os danos da natildeo obser-

vacircncia de um preceito fundamental agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica e dela se sol-

tando uma rede de efeitos a teia da aranha que pode ateacute dada a interpre-

taccedilatildeo sobrepujar direito fundamental previsto na Constituiccedilatildeo Federal

Como bem introduz Morin ldquoas ameaccedilas mais graves em que incorre a

humanidade estatildeo ligadas ao progresso cego e incontrolado do conheci-

mento (armas termonucleares manipulaccedilotildees de todo tipo desregramento

ecoloacutegico etc)rdquo (MORIN 2015 p 9) e na mesma linha de pensamento apre-

senta o paradigma da simplificaccedilatildeo segundo o qual uma hiperespecializa-

ccedilatildeo despedaccedilaria e fragmentaria o tecido complexo das realidades frag-

mentando-as e aleacutem disso fazendo crer que essas realidades fragmentadas

satildeo o real7 Eacute dizer ldquo[] antes de mais nada tomar consciecircncia da natureza e

das consequecircncias dos paradigmas que mutilam o conhecimento e desfigu-

ram o realrdquo (MORIN 2015 p 11)

Outra inovaccedilatildeo legislativa na seara das licitaccedilotildees puacuteblicas e dos con-

tratos encontra-se firmada na Medida Provisoacuteria nordm9612020 na qual fora es-

tabelecida uma adequaccedilatildeo nos limites de dispensa das licitaccedilotildees durante

esse periacuteodo pandemia aleacutem da ampliaccedilatildeo do uso do RDC ndash inteligecircncia do

art 2ordm caput e art 1ordm III

Versa a Exposiccedilatildeo de Motivos nordm 001442020 ME que mesmo natildeo se

aplicando apenas a contrataccedilotildees vinculadas a pandemia ndash o que difere da

Lei nordm139792020 ndash foi editada em razatildeo desta in verbis

2 A proposta visa estabelecer medidas voltadas para garantir a aqui-

siccedilatildeo de bens serviccedilos e insumos durante o estado de calamidade

puacuteblica reconhecido pelo Decreto Legislativo nordm 6 de 20 de marccedilo

de 2020 ou seja ateacute 31 de dezembro visando atender a situaccedilotildees

6 O Tribunal de Contas da Uniatildeo nos acoacuterdatildeos 2662019-P e 29622015-P exara o posiciona-

mento de que a penalidade aplicada no art 87 III da Lei nordm 866693 eacute destinada apenas

para a entidade contratante Enquanto o Superior Tribunal de Justiccedila AIRESP

201301345226 consolida o entendimento de que se trata de uma limitaccedilatildeo agrave Administra-

ccedilatildeo Puacuteblica como um todo

7 ldquoA uacutenica maneira de remediar essa disjunccedilatildeo foi uma outra simplificaccedilatildeo a reduccedilatildeo do

complexo ao simples (reduccedilatildeo do bioloacutegico ao fiacutesico do humano ao bioloacutegico) Uma hi-

perespecializaccedilatildeo devia aleacutem disso despedaccedilar e fragmentar o tecido complexo das

realidades e fazer crer que o corte arbitraacuterio operado no real era o proacuteprio real Ao mesmo

tempo o ideal do conhecimento cientiacutefico claacutessico era descobrir atraacutes da complexidade

aparente dos fenocircmenos uma Ordem perfeita legiferando uma maacutequina perpeacutetua (o cos-

mos) ela proacutepria feita de microelementos (os aacutetomos) reunidos de diferentes modos em

objetos e sistemasrdquo (MORIN 2015 p 12)

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

40

regulares em que o gestor puacuteblico necessita se valer de regras dife-

renciadas para garantir a disponibilidade de bens ou serviccedilos indis-

pensaacuteveis ao atendimento do interesse puacuteblico o que demonstra sua

relevacircncia Inclusive seraacute exitoso para o enfrentamento da atual situ-

accedilatildeo de emergecircncia de sauacutede puacuteblica de importacircncia internacional

decorrente do coronaviacuterus (COVID-19) de que trata a Lei nordm 13979

de 2020 conforme seraacute demonstrado 3 Um dos grandes impactos

positivos da medida e de urgecircncia premente eacute evitar a paralisaccedilatildeo

das obras puacuteblicas no Paiacutes tendo em vista a quarentena vivenciada

para o enfrentamento da pandemia em que parte dos servidores e

colaboradores estaacute em trabalho remoto e portanto natildeo pode reali-

zar as licitaccedilotildees presenciais o que pode comprometer a efetiva en-

trega de poliacuteticas puacuteblicas agrave populaccedilatildeo - que nesse momento ne-

cessita da celeridade estatal para por exemplo construccedilotildees emer-

genciais de centros hospitalares (BRASIL EM nordm 001442020 ME on

line)

Neste diapasatildeo vislumbra-se inclusive a existecircncia de uma inconstitu-

cionalidade material da Medida Provisoacuteria nordm 9612020 uma vez que o art 2ordm

da Emenda Constitucional nordm 1062020 eacute claro em dispor que ldquo[] com o pro-

poacutesito exclusivo de enfrentamento do contexto da calamidade e de seus efei-

tos sociais e econocircmicos no seu periacuteodo de duraccedilatildeordquo (BRASIL EC nordm 1062020

on line)

Denota-se portanto uma falha haacute muito constatada ndash PL nordm 129295ndash

mas natildeo imposta efetivamente agrave lume apesar da relevacircncia dos questiona-

mentos e das implicaccedilotildees praacuteticas para a criaccedilatildeo da nova lei de licitaccedilotildees

Inovar legislativamente como uma medida de sanar ldquoviacutecios burocraacuteti-

cosrdquo da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos a fim de albergar a atuaccedilatildeo da Admi-

nistraccedilatildeo Puacuteblica em um momento de crise natildeo nos parece uma medida

acertada pois natildeo possibilita que o projeto seja bem elaborado e discutido

de maneira contumaz observando assim todos os seus efeitos de curto meacutedio

e longo prazo Mas igualmente esperar por anos para que seja finalizada a

PL nordm 129295 igualmente denota-se temeraacuterio

Por mais que se esteja em um momento iacutempar ndash seja em razatildeo da gra-

vidade e das proporccedilotildees incalculaacuteveis dessa pandemia ndash e que os instrumen-

tos venham a ser criados e aplicados a fim de salvaguardar a sauacutede puacuteblica

e por conseguinte a preservaccedilatildeo da vida natildeo se pode olvidar que conso-

ante os ensinamentos de Morin (2015 p 35) a complexidade8 sempre teria

8 Folloni (2016 p 38) afirma nessa linha que ldquo[] A dificuldade reside em ter que enfrentar

ao mesmo tempo um grande nuacutemero de fatores que se inter-relacionam em um todo or-

gacircnico Um todo organizado formado por um grande nuacutemero de fatores inter-relacionados

seria uma definiccedilatildeo embrionaacuteria de complexidade [] As teorias da complexidade explo-

ram o meio-termo no qual haacute agentes demais para serem examinados unitariamente in-

viabilizando o estudo de todas as accedilotildees e reaccedilotildees potenciais (possiacutevel nos modelos de

interaccedilatildeo bilateral) mas a qualidade dos agentes eacute importante demais para que sejam

todos tratados de forma homogecircnea pela pesquisa do comportamento meacutedio (possiacutevel

nos modelos de interaccedilatildeo entre agentes infinitos)rdquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

41

uma relaccedilatildeo com o acaso a imprecisatildeo coincidindo com uma parte da in-

certeza mas a ela natildeo se reduzindo dependendo da lente pela qual se vecirc9

Sua scienza nuova preocupava-se com as incalculaacuteveis consequecircncias

afirmando nessa linha que o ldquo[] objeto natildeo deve ser adequado somente agrave

ciecircncia a ciecircncia deve tambeacutem ser adequada ao seu objetordquo (MORIN 2015

p 53)

Ter o todo em mente o que se caracteriza por uma visatildeo holiacutestica e

ecoloacutegica do todo uma visatildeo sistecircmica nos termos de Capra e Mattei (2018)

pois como afirma Morin (2015 p 58) ldquo[] natildeo eacute simplesmente a sociedade

que eacute complexa mas cada aacutetomo do mundo humanordquo em especial o ob-

jeto da presente pesquisa Justamente por trazer a incerteza e a necessidade

dialoacutegica dos saberes na constituiccedilatildeo de uma lei em tempos de emergecircncia

nacional

Como ensina Belchior (2019 p 57) a parte estaacute no todo assim como o

todo estaacute na parte sendo estes interdependentes em sua funcionalidade um

complementando o outro natildeo sendo possiacutevel sua dissociaccedilatildeo Veja-se

A parte estaacute no todo assim como o todo se encontra na parte ha-

vendo uma interdependecircncia de funcionalidade pois um locupleta

o outro natildeo haacute como dissociaacute-los Eacute esse o enunciado do princiacutepio

hologramaacutetico cujo conteuacutedo eacute de uma riqueza enorme Reco-

nhece assim a impossibilidade de isolar unidades simples na base do

universo fiacutesico conforme entendimento de Pascal

Nesse sentido a funccedilatildeo legiferante deve ter uma percepccedilatildeo do todo

e para tanto o tempo mostra-se essencial para o desenvolvimento dos seus

dispositivos Medidas desesperadas em tempos igualmente desesperados po-

dem delas advir consequecircncias incalculaacuteveis e muitas vezes de difiacutecil ou sem

recuperaccedilatildeo principalmente quando se tem a Administraccedilatildeo Puacuteblica no

cerne da querela o que leva ao legislador (dever) ter maior preocupaccedilatildeo por

se tratar a priori de bens e serviccedilos puacuteblicos Com efeito o pensamento com-

plexo segundo Belchior (2019 p 65) torna-se ldquo[] um caminho para fortale-

cer a democracia motivo pelo qual a gestatildeo puacuteblica tambeacutem precisa ser re-

formada []rdquo

9 Belchior (2019 p 57) citando Morin afirma que ldquo[] O todo tem qualidades ou proprieda-

des que natildeo satildeo encontradas nas partes se estas estiverem isoladas uma das outras e

certas qualidades ou propriedades das partes podem ser inibidas pelas restriccedilotildees proveni-

entes do todordquo (MORIN 2003 apud BELCHIOR 2019 p 55) Nessa linha a autora aponta a

questatildeo da articulaccedilatildeo das dualidades (no caso a certeza e a incerteza) afirmando ser

a uacuteltima uma presenccedila acoplada a vida Esse eacute o ponto que daacute vida ao princiacutepio sistecircmico

ou organizacional Finaliza destacando que ldquoA complexidade surge com dificuldade in-

certeza e natildeo como clareza e resposta Como se vecirc satildeo muitas trocas simbioses e cone-

xotildees desenvolvidas Aos poucos o que era distante passa a se aproximar religam-se sa-

beres partilham-se vivecircncias constitui-se a complexidaderdquo

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

42

A contribuiccedilatildeo da teoria do Complexus na questatildeo em comento se

apresenta como uma alternativa para o enfrentamento das policrises nacio-

nais porque pensar de maneira linear faz com que os governos permaneccedilam

cegos diante de temas que satildeo verdadeiramente inter-relacionados

22 DAS CONTRATACcedilOtildeES DIRETAS EM MOMENTO DE PANDEMIA

COVID-19 ldquoCHEQUE EM BRANCOrdquo OU NOVA PERSPECTIVA

PARA ATUACcedilAtildeO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA

As contrataccedilotildees diretas foram nos uacuteltimos anos um gargalo de proble-

mas para a Administraccedilatildeo Puacuteblica brasileira em razatildeo de sua utilizaccedilatildeo de

maneira descomedida e por vezes desvirtuadas mesmo que imbuiacutedos os

atos de legalidade (arts 24 e 25 da Lei nordm 866693) e sendo aplicadas em

tempos de ldquonormalidaderdquo

Portanto houve muita jurisprudecircncia firmada tanto em tribunais jurisdi-

cionais quanto em tribunais de controle externo visando fixar alguns paracircme-

tros para a operacionalizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo dos gestores puacuteblicos

Eis que surge o contexto da pandemia COVID-19 e com ela a institui-

ccedilatildeo de um microssistema normativo juriacutedico de ldquoenfrentamentordquo ao caos pan-

decircmico principalmente voltado aos atos administrativos

Logo possibilitou-se aos gestores puacuteblicos aplicar a dispensa de licita-

ccedilatildeo em razatildeo do amparo constitucional temporaacuterio exarado pela EC nordm

1062020 para o processo simplificado de aquisiccedilatildeo ou de contrataccedilatildeo de

bens serviccedilos inclusive de engenharia e insumos Mas conforme jaacute fora ex-

planado a contrataccedilatildeo direta pode ser utilizada tanto para enfrentamento

da pandemia COVID-19 ou em razatildeo desse periacuteodo atiacutepico para toda a po-

pulaccedilatildeo

Contudo apenas criar sistemas juriacutedicos para salvaguardar a atuaccedilatildeo

dos gestores puacuteblicos sem observar uma atualizaccedilatildeo na operacionalizaccedilatildeo

intensifica uma advertecircncia haacute muito despontada pelos ensinos juriacutedicos que

consiste na celeuma entre reforma na administraccedilatildeo com reforma poliacutetica

Veja-se

Muitas tentativas de reforma falham porque a reforma na administra-

ccedilatildeo pode ser confundida com uma alteraccedilatildeo de poliacutetica Geral-

mente se conclui que a mudanccedila nas regras eacute suficiente para persu-

adir as pessoas a agir de forma diferente Os serviccedilos puacuteblicos estatildeo

muito acostumados a mudanccedilas de poliacuteticas no entanto usaratildeo ins-

tintivamente velhos instrumentos para lidar com essas situaccedilotildees Mu-

danccedilas na administraccedilatildeo envolvem mudanccedilas nesses instrumentos

uma tarefa muito mais difiacutecil desestabilizadora e de longa gestaccedilatildeo

se comparada com uma mudanccedila de poliacutetica por mais complexa

que seja (JENKINS 1998 p 212) (Grifou-se)

Logo depreende-se que a Lei nordm 866693 apenas seraacute aplicada sub-

sidiariamente a Lei nordm 139792020 ndash de acordo com o que preceitua o art 2ordm

sect2ordm da Lei de Introduccedilatildeo agraves Normas do Direito Brasileiro (LINDB) ndash ldquoquando natildeo

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

43

for tratado expressamente por aquela lei natildeo estiver em desconformidade

com o regime juriacutedico desta[] ou tiver natureza de regra geralrdquo (BRASIL Pa-

recer n 0000062020CNMLCCGUAGU on line)

No entanto como seria possiacutevel coadunar tais preceitos da Lei de Lici-

taccedilotildees e Contratos com a operacionalizaccedilatildeo ldquoburocraacuteticardquo dessa regra geral

levando-se em consideraccedilatildeo a contumaz jurisprudecircncia consolidada nos Tri-

bunais e na mesma toada viabilizar o atendimento ao binocircmio interesse puacute-

blico de proteccedilatildeo agrave sauacutede (necessidade) e a atuaccedilatildeo Estatal ceacutelere e efetiva

(possibilidade) em face ao problema da pandemia COVID-19

Deve-se ter em mente que a situaccedilatildeo em comento eacute iacutempar As hipoacutete-

ses elencadas pelo parecer conjunto CGUAGU sobre a aplicaccedilatildeo subsidiaria

da Lei nordm866693 natildeo deveriam ser sequer ventiladas uma vez que se natildeo se

encontra disposto no texto normativo natildeo foi intenccedilatildeo do legislador aplicaacute-lo

ao caso em tela Eacute o que se depreende na inaplicabilidade da dispensa de

licitaccedilatildeo agrave realizaccedilatildeo de contrataccedilatildeo e execuccedilatildeo de obras de engenharia

que natildeo se confunde com o serviccedilo de engenharia

Nesta senda versa a Exposiccedilatildeo de Motivos Interministerial nordm 192020

sobre a entatildeo MPV nordm 926202010 in verbis

Primeiramente a MPV modifica o art 4ordm da Lei nordm 13979 de 2020

para prever licitaccedilatildeo dispensaacutevel nas hipoacuteteses previstas no referido

artigo as quais passam a incluir explicitamente nos termos da MPV

a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos de engenharia para a situaccedilatildeo de

emergecircncia de sauacutede puacuteblica de importacircncia internacional decor-

rente do coronaviacuterus Segundo a EMI tal medida eacute necessaacuteria uma

vez que pode ser demandado ao SUS a construccedilatildeo ou modificaccedilatildeo

de estruturas fiacutesicas para atendimento da situaccedilatildeo emergencial de

sauacutede puacuteblica (BRASIL Sumaacuterio Executivo de MP on line)

Outro ponto se a Lei nordm 866693 tivesse alguma compatibilidade com

o regime juriacutedico da Lei nordm 139792020 esta natildeo precisaria ser criada Foi em

razatildeo da ldquoburocraciardquo existente na Lei de Licitaccedilotildees e Contratos ndash que preci-

sava ser mitigadandash que essa lei especiacutefica fora criada visando o rompimento

com os instrumentos entatildeo existentes

Por uacuteltimo mas natildeo menos importante as normas gerais igualmente

versadas na Lei de Licitaccedilotildees e Contratos satildeo apenas isto natildeo possuindo re-

levacircncia para a soluccedilatildeo do problema latente

Frise-se que natildeo se quer romper com a ordem normativa estabelecida

haacute muito pela LINDB No entanto a necessidade de celeridade de resposta

Estatal visando o natildeo colapso do sistema de sauacutede e salvaguardar o interesse

puacuteblico a esta sob pena de culminar em responsabilidade civil do Estado re-

quer a excepcionalidade de natildeo serem contempladas as disposiccedilotildees supra-

mencionadas

10 Convertida na Lei nordm 14035 de 11 de agosto de 2020

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

44

Outrossim as medidas empreendidas durante o periacuteodo de infestaccedilatildeo

proveniente da doenccedila H1N1 bem como a jurisprudecircncia firmada nesse con-

texto ndash por mais que tenha sido um problema de sauacutede relevante no Paiacutes ndash

natildeo podem ser compreendidas e tampouco estendidas para o atual pano-

rama da pandemia COVID-19

Dessa forma imaginar que as contrataccedilotildees diretas que ocorreram ou

estatildeo sendo realizadas durante o periacuteodo estabelecido pela Lei nordm

139792020 precisaratildeo de uma contrataccedilatildeo futura por licitaccedilatildeo uma vez

que se encontram revestidas de provisoriedade e natildeo merecem prosperar Tal

medida fora aplicada no entanto no periacuteodo de infestaccedilatildeo da doenccedila

H1N1

Superada essa questatildeo com a Lei nordm 139792020 passa-se a analisar as

disposiccedilotildees exaradas na MP nordm 9612020 quanto agrave adequaccedilatildeo de valores

para uma dispensa de licitaccedilatildeo

Ressalte-se incialmente os viacutecios de constitucionalidade material da

Medida Provisoacuteria nordm 9612020 por afronta agrave EC nordm 1062020 uma vez que

estabelece categoricamente em seu art 1ordm II a adequaccedilatildeo dos valores

para dispensa de licitaccedilatildeo elencados no art 24 I e II da Lei nordm 866693 para

ldquosituaccedilotildees regularesrdquo nos termos da Exposiccedilatildeo de Motivos da Emenda

A instituiccedilatildeo da Medida Provisoacuteria em comento transparece diferente

do que dispotildee a Lei nordm 139792020 quanto a questatildeo da dispensa de licita-

ccedilatildeo um ldquocheque em brancordquo para os gestores puacuteblicos pois permite desne-

cessariamente uma ldquoadequaccedilatildeordquo de valores para dispensa licitatoacuteria de

obras e serviccedilos de engenharia de R$ 3300000 (trinta e trecircs mil reais) para R$

10000000 (cem mil reais) e outros serviccedilos e compras de R$ 1760000 (dezes-

sete mil e seiscentos reais) para R$ 5000000 (cinquenta mil reais) natildeo relacio-

nados a solucionar a pandemia COVID-19 Principalmente se contemplada

com a possibilidade de antecipaccedilatildeo de pagamento

Apesar do caraacuteter de temporariedade os efeitos11 satildeo preocupantes e

por mais que a pandemia requeira medidas extraordinaacuterias ocasionadas

11 ldquoA perca do Nilo eacute um dos maiores peixes de aacutegua doce chegando a alcanccedilar quase

dois metros de comprimento e cerca de duzentos quilos de peso A perca eacute nativa da

Aacutefrica subsaariana e eacute encontrada natildeo apenas no Nilo mas tambeacutem nos rios Congo e

Niger aleacutem de outros assim como tambeacutem no Lago Chade e em outras grandes bacias

Por mais de meio seacuteculo poreacutem ela tambeacutem foi encontrada no Lago Victoria na Aacutefrica

Oriental onde natildeo eacute nativa e onde se tornaria posteriormente um dos exemplos mais co-

nhecidos das consequecircncias indesejadas da introduccedilatildeo de uma espeacutecie num ecossis-

tema [] Como superpredador de tamanho forccedila e voracidade extraordinaacuterios a perca

comeraacute praticamente qualquer coisa inclusive membros de sua proacutepria espeacutecie Sua lon-

gevidade eacute de dezesseis anos o que lhe confere um extraordinaacuterio potencial de destruiccedilatildeo

ininterrupta Sua introduccedilatildeo pelos humanos no Lago Victoria para exploraccedilatildeo comercial

levou ao desaparecimento da maioria das espeacutecies endecircmicas do lago e as consequecircn-

cias sociais e econocircmicas foram desastrosas Por exemplo as operaccedilotildees de pesca em

grande escala tipicamente feitas com a finalidade de exportaccedilatildeo privaram muitos mo-

radores locais de seu meio de vida tradicional no comeacutercio pesqueiro Pequenas cidades

agraves margens do lago surgiram para atender agraves necessidades dos pescadores e demais tra-

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

45

principalmente em razatildeo do isolamento social natildeo se justifica rechaccedilar total-

mente a Lei de Licitaccedilotildees e Contratos para atender a demandas que podem

seguir o rito desta principalmente para serviccedilos de engenharia uma vez que

a Lei nordm 139792020 versa sobre a possibilidade de dispensa de licitaccedilatildeo sem

estabelecer qualquer limite de valor fixando apenas como limite a necessi-

dade de ter que atender a demanda de enfrentamento agrave pandemia

Diante do exposto louvaacutevel eacute a inovaccedilatildeo legislativa implementada

pela Lei nordm 139792020 quanto agrave possibilidade de contrataccedilatildeo direta para

enfrentar a pandemia COVID-19 evitando o colapso no Paiacutes em seu sistema

de sauacutede puacuteblica

No entanto tal concepccedilatildeo natildeo deve ser aplicada para a Medida Pro-

visoacuteria nordm 9612020 Principalmente no que concerne aos ldquoajustamentosrdquo dos

importes para dispensa de licitaccedilotildees em obras e serviccedilos de engenharia e ou-

tros serviccedilos e compras pois natildeo visam salvaguardar o interesse puacuteblico de

proteccedilatildeo agrave sauacutede mas atender as situaccedilotildees corriqueiras da atuaccedilatildeo estatal

que poderiam ser dirimidas pela Lei nordm 866693

Eacute veemente a recessatildeo na economia do Paiacutes O preceito normativo da

MP nordm 9612020 sob o manto constitucional da urgecircncia e relevacircncia denota

a bem da verdade uma manobra legislativa para atender a interesses de

particulares em face da coletividade que padece com uma doenccedila extre-

mamente severa que teraacute impactos sociais e econocircmicos singulares

23 DOS IMPACTOS AO ERAacuteRIO EM RAZAtildeO DAS MEDIDAS

DESBUROCRATIZADORAS EM TEMPOS DE PANDEMIA

Eacute inegaacutevel que o microssistema normativo de enfrentamento da pande-

mia visa desburocratizar a atuaccedilatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica no que tange a

balhadores do setor da pesca mas esses lugares tecircm pouco a oferecer em termos de ser-

viccedilos baacutesicos como aacutegua ou eletricidade Os moradores que natildeo foram assimilados agrave nova

economia monetaacuteria local foram obrigados a abandonar suas casas em busca de traba-

lho Prostituiccedilatildeo AIDS e consumo abusivo de drogas por crianccedilas de rua natildeo pararam de

aumentar Aleacutem disso a perca do Nilo natildeo pode ser seca ao sol da maneira tradicional ndash

ao contraacuterio deve ser preservada pelo meio de defumaccedilatildeo o que tem provocado uma

grave falta de madeira para usar como combustiacutevel Eacute difiacutecil encontrar uma metaacutefora me-

lhor para o impacto do paradigma econocircmico e juriacutedico moderno sobre uma comunidade

local No mundo inteiro cada vez mais esse paradigma de extrativismo de curto prazo de

soberania do Estado e propriedade privada alimentada pelo dinheiro (ele proacuteprio uma

abstraccedilatildeo juriacutedica concentrada nas matildeos privadas de corporaccedilotildees bancaacuterias) vem pro-

duzindo enormes benefiacutecios a alguns poucos a custa do meio ambiente e das comunida-

des locais A propriedade estatal e capitalista mais especificamente a empresa transna-

cional moderna de modo muito semelhante ao que faz a perca do Nilo revela tendecircncias

canibalescas com diversos agentes comendo-se uns aos outros por meio de guerra ou

aquisiccedilatildeo de uma empresa por outra ou por um conglomerado [] a escassez de alimen-

tos as doenccedilas e o excesso de populaccedilatildeo quase sempre decorrente de incentivos econocirc-

micos de curto prazo ou outras accedilotildees humanas desempenharam um papel na criaccedilatildeo da

disparidade de renda e da degradaccedilatildeo ambientalrdquo (CAPRA MATTEI 2018 p 24-27)

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

46

contrataccedilatildeo direta com as devidas ressalvas jaacute exaradas No entanto culmi-

naraacute em vaacuterios efeitos dentre eles ao eraacuterio com impactos negativos

De acordo com a Lei nordm 139792020 nas contrataccedilotildees diretas eacute possiacute-

vel que sejam firmadas pelo poder puacuteblico em valores superiores ao estabele-

cido no mercado em razatildeo das oscilaccedilotildees ocasionadas pela variaccedilatildeo de

preccedilos (art 4ordm-E sect3ordm) O que natildeo se confunde assevera-se desde jaacute com o

sobrepreccedilo que ocorre ldquoquando este satildeo orccedilados para a licitaccedilatildeo ou os pre-

ccedilos contratados satildeo expressivamente superiores aos preccedilos referenciais de

mercadordquo (art31 sect1ordm I da Lei nordm133032016)

Jaacute dispocircs haacute muito o Tribunal de Contas da Uniatildeo no Acoacuterdatildeo

20192010 ndash Plenaacuterio transcreve-se

92 alertar agrave Companhia Energeacutetica do Piauiacute - Cepisa que quando

da realizaccedilatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo nos termos do art 24 inciso

IV da Lei nordm 86661993 aleacutem da caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emer-

gencial ou calamitosa que justifique a dispensa deve-se trazer ele-

mentos aos autos do processo que demonstrem a compatibilidade

dos preccedilos contratados com aqueles vigentes no mercado ou com

os fixados por oacutergatildeo oficial competente ou ainda com os que cons-

tam em sistemas de registro de preccedilos bem como que foi consultado

o maior nuacutemero possiacutevel de fornecedores ou executantes em aten-

ccedilatildeo aos incisos II e III do paraacutegrafo uacutenico do art 26 dessa lei (BRASIL

Manual de compras diretas do TCU on line)

De acordo com o art 4ordm-E sect3ordm in fine da Lei nordm 139792020 versa cla-

ramente que haacute necessidade de justificativa nos autos sobre a necessidade

de contrataccedilatildeo

No entanto as externalidades negativas culminadas pela pandemia

podem gerar um dano imensuraacutevel as contas puacuteblicas e por conseguinte ge-

rar um ldquoefeito cascatardquo na economia com uma possiacutevel inflaccedilatildeo

Outrossim dispotildee a Lei nordm 139792020 excepcionalmente e mediante

justificativa que poderaacute a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar com empresas

que detenham irregularidades fiscais e trabalhistas ndash ressalvada a exigecircncia

relativa agrave Seguridade Social e ao trabalho de menores

Mas a Emenda Constitucional nordm 1062020 relativizou em seu art 3ordm

paraacutegrafo uacutenico que ldquodurante a vigecircncia da calamidade puacuteblica nacionalrdquo

natildeo seraacute observada a vedaccedilatildeo de empresas com deacutebitos perante a seguri-

dade social de contratar com o Poder Puacuteblico (art 195 sect3ordm da CRFB) Culmi-

nando portanto na inconstitucionalidade parcial daquele dispositivo e preju-

iacutezo ao Eraacuterio

O Parecer nordm 000122020CNMLCCGUAGU versa em uma de suas

conclusotildees que in verbis

[] ficam afastadas as exigecircncias de regularidade para com a Segu-

ridade Social como requisito de habilitaccedilatildeo eou contrataccedilatildeo em to-

ldquo

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

47

dos os contratos que tenham por objetivo o enfrentamento da cala-

midade e suas consequecircncias sociais e econocircmicas incluindo natildeo

soacute todos aqueles feitos com esteio na Lei nordm 1397920 bem como os

que fundamentados em outros diplomas (BRASIL Parecer nordm

000122020CNMLCCGUAGU on line)

Natildeo se coaduna com essa conclusatildeo extensiva exarada pois viabilizaraacute

a contrataccedilatildeo com empresas para situaccedilotildees que natildeo satildeo diretamente frise-

se para enfrentar a pandemia da COVID-19

Sendo uma extensatildeo temeraacuteria da interpretaccedilatildeo teleoloacutegica da

Emenda Constitucional nordm 1062020 uma vez que esta categoricamente

fora formulada para enfrentar a pandemia bem como as exceccedilotildees exaradas

satildeo vinculativas ao meacuterito das medidas tomadas

O momento requer o ingresso de receita e contenccedilatildeo de despesas

bem como natildeo haja uma desvirtuaccedilatildeo de interesses viabilizando o privado

em detrimento do puacuteblico com o enriquecimento iliacutecito de alguns

Natildeo se estar a dizer que ressalte-se natildeo deva ser aplicada a exceccedilatildeo

exarada no art 3ordm paraacutegrafo uacutenico mas tatildeo somente vaacutelida para a Lei nordm

139792020 natildeo sendo viaacutevel dispor para os casos estabelecidos pela MP nordm

9612020 principalmente pelo que seraacute versado a seguir

No entanto natildeo foram apenas essas medidas de ldquodesburocratizaccedilatildeordquo

que geraratildeo efeitos alarmantes ao eraacuterio

Nesse diapasatildeo vislumbra-se o preceito exarado pela Medida Provisoacute-

ria nordm 9612020 dispondo que as regras estabelecidas nesta se aplicam aos

contratos firmados no periacuteodo de calamidade puacuteblica fixado no Decreto Le-

gislativo nordm 62020 ldquoindependentemente do seu prazo ou de suas prorroga-

ccedilotildeesrdquo (art 2ordm par uacutenico)

A Medida Provisoacuteria eacute dotada de caraacuteter transitoacuterio e precaacuterio No en-

tanto haacute uma antinomia entre o caput do art 2ordm e seu paraacutegrafo uacutenico uma

vez que aquele traria uma limitaccedilatildeo de aplicaccedilatildeo para os atos especifica-

mente praticados durante a calamidade puacuteblica enquanto este transferiria a

referecircncia ao contrato Veja-se

Art 2ordm O disposto nesta Medida Provisoacuteria aplica-se aos atos realiza-

dos durante o estado de calamidade reconhecido pelo Decreto Le-

gislativo nordm 6 de 20 de marccedilo de 2020

Paraacutegrafo uacutenico O disposto nesta Medida Provisoacuteria aplica-se aos

contratos firmados no periacuteodo de que trata o caput independente-

mente do seu prazo ou do prazo de suas prorrogaccedilotildees (Grifou-se)

A aplicaccedilatildeo da Medida Provisoacuteria ocorre nos contratos firmados du-

rante a sua vigecircncia nos termos do Decreto Legislativo nordm 062020 Mas apoacutes

o prazo de vigecircncia da calamidade puacuteblica e em um contrato firmado du-

rante esse periacuteodo seria possiacutevel aplicaccedilatildeo da Medida Provisoacuteria

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

48

O Decreto nordm 919117 em seu art 14 III ldquocrdquo dispotildee que os paraacutegrafos

de um artigo satildeo para estabelecer a complementaccedilatildeo do caput do artigo

ou para dispor sobre as exceccedilotildees Resta claro nos termos da LINDB que ldquona

interpretaccedilatildeo de normas sobre gestatildeo puacuteblica seratildeo considerados os obstaacute-

culos e as dificuldades reais do gestor e as exigecircncias das poliacuteticas puacuteblicas a

seu cargo sem prejuiacutezo dos direitos dos administradosrdquo (art 22 caput)

Interpretando portanto o paraacutegrafo uacutenico como uma exceccedilatildeo agrave reda-

ccedilatildeo do caput do art 2ordm constata-se que a aplicaccedilatildeo da Medida Provisoacuteria

ocorreraacute durante toda a vigecircncia contratual incluindo prorrogaccedilotildees aleacutem de

extensatildeo de seus efeitos aos instrumentos substitutivos (art 62 da Lei nordm

866693)

Haacute uma ultratividade das disposiccedilotildees exaradas pela MP nordm 9612020 No

entanto o que causa maiores consideraccedilotildees eacute que esta fora instituiacuteda para

contrataccedilotildees que natildeo visam resolver a questatildeo da pandemia mas tatildeo so-

mente em razatildeo da simples existecircncia dessa circunstacircncia atiacutepica estabele-

cendo inclusive uma adequaccedilatildeo dos limites de dispensa dos incisos I e II do

caput do art 24 da Lei nordm 866693 bem como instituindo o mecanismo de

antecipaccedilatildeo de pagamentos

Esse instituto do pagamento antecipado eacute possiacutevel nos termos do art

1ordm II da Medida Provisoacuteria como forma indispensaacutevel para obter o bem ou

assegurar a prestaccedilatildeo de serviccedilos ou caso propicie significativa economia de

recursos

Haacute portanto visiacutevel impacto financeiro ao eraacuterio levando-se em consi-

deraccedilatildeo a realizaccedilatildeo de algum equiliacutebrio econocircmico12 contratual futuro com

fulcro no art 65 II ldquodrdquo e sect6ordm da Lei nordm 866693 e os efeitos extensivos do art

2ordm paraacutegrafo uacutenico da Medida Provisoacuteria nordm 9612020

A Emenda Constitucional nordm 1062020 versa uma exceccedilatildeo a ldquoRegra de

Ourordquo da responsabilidade fiscal ndash proiacutebe que os ordenadores de despesas

realizem operaccedilotildees de creacutedito em importes superiores agraves despesas de capital

exceto se o Poder Legislativo dispuser em sentido contraacuterio para a abertura de

creacutedito suplementar ou especial com finalidade precisa (art 167 III CRFB88)

ndash veja-se

Art 4ordm Seraacute dispensada durante a integralidade do exerciacutecio finan-

ceiro em que vigore a calamidade puacuteblica nacional de que trata o

art 1ordm desta Emenda Constitucional a observacircncia do inciso III do

caput do art 167 da Constituiccedilatildeo Federal

12 ldquoEquiliacutebrio econocircmico ou equiliacutebrio financeiro do contrato administrativo [] eacute a correlaccedilatildeo

entre objeto do contrato e sua remuneraccedilatildeo originariamente prevista e fixada pelas par-

tes em nuacutemeros absolutos ou em escala moacutevel Essa correlaccedilatildeo deve ser conservada du-

rante toda a execuccedilatildeo do contrato mesmo que alteradas as claacuteusulas regulamentares da

prestaccedilatildeo ajustada a fim de que se mantenha a equaccedilatildeo financeira ou por outras pala-

vras o equiliacutebrio econocircmico-financeiro do contratordquo (MEIRELLES 1996 p 165)

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

49

Paraacutegrafo uacutenico O Ministeacuterio da Economia publicaraacute a cada 30

(trinta) dias relatoacuterio com os valores e o custo das operaccedilotildees de creacute-

dito realizadas no periacuteodo de vigecircncia do estado de calamidade puacute-

blica nacional de que trata o art 1ordm desta Emenda Constitucional

(BRASIL Emenda Constitucional nordm 1062020 on line) (Grifou-se)

O intuito da ldquoRegra de Ourordquo eacute evitar o descontrole nas contas puacuteblicas

impossibilitando que os gestores puacuteblicos se endividem custeando despesas

presentes que natildeo beneficiaratildeo as geraccedilotildees futuras A complexidade estaacute

neste ponto segundo expotildee Folloni naquilo que natildeo pode ser controlado

Como o proacuteprio autor menciona ldquo[] se o complicado pode ser resolvido o

complexo natildeo se resolve administra-serdquo (FOLLONI 2016 p 36)

Mas diante da situaccedilatildeo de excepcionalidade provocada pela pande-

mia COVID-19 depreende-se que eacute crucial custear (ou administrar) as despe-

sas atuais desde que direcionadas ao enfrentamento daquela

Por isso pela interpretaccedilatildeo sistemaacutetica da Emenda Constitucional nordm

1062020 (art 1ordm cc art 3ordm) que visa atender apenas agraves necessidades de-

correntes da pandemia COVID-19 coerente eacute a exceccedilatildeo de inobservacircncia

do art 167 III da CRFB88

Crucial destacar no entanto que as contas puacuteblicas haacute muito natildeo es-

tatildeo em consonacircncia com equiliacutebrio financeiro Em 2018 eg estas tiveram um

deacuteficit primaacuterio de R$ 108 bilhotildees correspondente a 157 do Produto Interno

Bruto (PIB) (G1 on line) Conforme o Secretaacuterio do Tesouro Nacional Mansueto

Almeida em audiecircncia realizada no Senado Federal para acompanhar as

accedilotildees do governo de enfrentamento agrave COVID-19 a ldquoregra de ourordquo deve ser

descumprida ateacute 2023 (BRASIL Senado notiacutecias on line)

Mas se for aplicada a exceccedilatildeo exarada pela Emenda Constitucional

nordm 1062020 de que eacute viaacutevel a incidecircncia da inobservacircncia da ldquoRegra de

Ourordquo para as hipoacuteteses de contrataccedilotildees direta de obras serviccedilos de enge-

nharia outros serviccedilos e compras nos termos da Medida Provisoacuteria nordm

9612020 inclusive com a interpretaccedilatildeo do art 2ordm paraacutegrafo uacutenico desse di-

ploma os impactos seratildeo de monta severa podendo ser inclusive estabele-

cido a posteriori pelo Tribunal de Contas como um ato de improbidade ad-

ministrativa

Esse tipo de contrataccedilatildeo eacute considerado conforme o Manual do Tesouro

Nacional como operaccedilotildees de creacutedito que compotildeem a diacutevida fundada ou

consolidada ou seja geram compromissos de exigibilidade superior a doze

meses contraiacutedos dentre outras hipoacuteteses para o financiamento de obras e

serviccedilos puacuteblicos (art29 I da Lei Complementar Federal nordm1012000)

Se for compreendida uma interpretaccedilatildeo extensiva como a realizada no

Parecer nordm 000122020CNMLCCGUAGU possibilitando aplicar as exceccedilotildees

exaradas na Emenda Constitucional nordm1062020 para as inovaccedilotildees legislativas

firmadas apenas em razatildeo desse periacuteodo mas natildeo para enfrentar direta-

mente a calamidade puacuteblica as contrataccedilotildees diretas realizadas com fulcro

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

50

na MP nordm 9612020 seratildeo beneficiadas principalmente no que tange a viabi-

lidade de antecipaccedilatildeo de pagamentos

Denota-se um silencioso agravamento portanto do deacuteficit primaacuterio

ainda mais se levarmos em consideraccedilatildeo que se trata de mera manobra le-

gislativa sob a alegativa de proteccedilatildeo de um interesse puacuteblico

Outrossim mesmo sem a conversatildeo em lei essa MP nordm 9612020 imbu-

iacuteda da discricionariedade puacuteblica de relevacircncia e urgecircncia albergada pela

Carta Maior ramificou seus efeitos nos contratos firmados durante esse periacute-

odo de sua vigecircncia podendo perpassar a proacutepria Emenda Constitucional nordm

1062020 culminando aos gestores puacuteblicos a observacircncia da regra constitu-

cional exarada no art 167 III da CRFB88

Efeitos esses que em sua imprecisatildeo podem afetar seriamente o Eraacuterio

Haacute de se impor limitaccedilatildeo ao alcance da MP nordm 9612020 tornando-a conso-

ante a legalidade que se exige e jaacute existe com a aplicaccedilatildeo da proacutepria Lei nordm

866693 que institui as regras baacutesicas para a contrataccedilatildeo com a Administra-

ccedilatildeo Puacuteblica conforme jaacute visto alhures

A atual situaccedilatildeo de pandemia pelo COVID-19 natildeo obstante se reco-

nheccedila sua emergecircncia natildeo eacute motivo suficiente para ultrapassar as disposi-

ccedilotildees legislativas impondo um regime de contrataccedilatildeo direta especiacutefica sem

estudos e anaacutelises precisas sobre a contrataccedilatildeo ao mesmo tempo em que tal

cenaacuterio traz em si efeitos imprecisos sobre aplicaccedilatildeo das normas e os efeitos

dela decorrentes

Por isso que diante da imprecisatildeo do contexto complexo em que se

insere deve-se agir com cautela a fim de proteger a Administraccedilatildeo Puacuteblica

de gastos exorbitantes ou o proacuteprio colapso do sistema de sauacutede em tempos

de pandemia

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Agrave guisa de conclusatildeo constata-se o que haacute muito eacute dito na seara aca-

decircmica o Paiacutes necessita de uma reforma na Administraccedilatildeo Puacuteblica principal-

mente no que concerne agraves licitaccedilotildees e aos contratos puacuteblicos permitindo um

diaacutelogo e uma anaacutelise mas natildeo perpeacutetuo como a PL nordm 129295

Esperar uma situaccedilatildeo de excepcionalidade para produzir legislaccedilotildees

sob a alegativa de uma suposta falta normativa ou por excesso de formalismo

da existente natildeo eacute aconselhaacutevel

A pandemia COVID-19 trouxe um alerta quanto a isto Foram criadas

uma Emenda Constitucional de efeitos temporaacuterios uma lei especiacutefica para

que os gestores puacuteblicos possam combater a pandemia e uma Medida Provi-

soacuteria que propotildee alteraccedilotildees nas legislaccedilotildees existentes no que concerne a lici-

taccedilotildees e regras de pagamento dos contratos apenas em razatildeo desse periacute-

odo de calamidade puacuteblica

Imbuiacutedas de legalidade e de suposta salvaguarda do interesse puacuteblico

essas inovaccedilotildees legislativas podem apresentar uma nova perspectiva no que

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

51

tange agraves contrataccedilotildees diretas para a atuaccedilatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica

como a Lei nordm 139792020 mas na mesma toada podem ser um ldquocheque

em brancordquo para a atuaccedilatildeo do gestor puacuteblico principalmente no caso da

Medida Provisoacuteria nordm 9612020 vindo agrave lume apenas em razatildeo do periacuteodo e

natildeo para efetivamente enfrentaacute-lo

Reiteramos que a MP nordm 9612020 eacute dotada de inconstitucionalidade

material por violaccedilatildeo da proacutepria Emenda Constitucional nordm1062020 uma vez

que fora criada apenas em razatildeo do estado de calamidade puacuteblica esta-

belecido pelo Decreto Legislativo nordm 62020 Teraacute igualmente esse diploma

normativo consequecircncias severas nas contas puacuteblicas pois ldquoadequardquo valores

para as contrataccedilotildees diretas possibilita pagamentos antecipados e ainda eacute

dotada de uma ultratividade

A Emenda Constitucional nordm 1062020 por sua vez permite uma quebra

na Regra de Ouro durante o periacuteodo de emergecircncia de sauacutede puacuteblica de

importacircncia internacional Outrossim possibilita algumas excepcionalidades

como a observacircncia de regularidade perante a Previdecircncia Social permi-

tindo a contrataccedilatildeo com empresas que em um periacuteodo de normalidade natildeo

se cogitaria Administraccedilatildeo Puacuteblica

Concessotildees legislativas a fim de que a Administraccedilatildeo Puacuteblica tenha

como salvaguardar o direito fundamental agrave sauacutede natildeo podem implicar em

inobservacircncia dos impactos orccedilamentaacuterios Tampouco dispor que a situaccedilatildeo

de calamidade puacuteblica pode corroborar na inobservacircncia ou readequaccedilatildeo

de normas jaacute existentes e que facilmente podem atender a atuaccedilatildeo da Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica

O descompasso entre receitas e despesas puacuteblicas durante esse periacute-

odo de pandemia agrava ainda mais a situaccedilatildeo fraacutegil que vem passando a

economia nacional As consequecircncias dessa pandemia legislativa e por con-

seguinte de contrataccedilotildees diretas seratildeo temeraacuterias

A pesquisa abrange temas da Economia Planejamento Sauacutede Direitos

Humanos Administraccedilatildeo Gestatildeo Poliacuteticas Puacuteblicas assuntos que envolvem

organizaccedilotildees do governo e que demandam o diaacutelogo entre instituiccedilotildees in-

clusive entre as vaacuterias esferas de governo O pensamento complexo busca

oferecer uma alternativa para se estabelecer um diaacutelogo inter extra instituci-

onal e transdisciplinar para uma melhor gestatildeo puacuteblica ante a complexidade

de poliacuteticas que envolvem interesses de todos

O pensamento complexo eacute rico e pode ser utilizado em vaacuterios ramos do

conhecimento Sua maior contribuiccedilatildeo estaacute em oferecer uma alternativa epis-

temoloacutegica para que o pesquisador e aplicador do Direito possa entender os

problemas atuais e emergentes do mundo juriacutedico e da vida A ciecircncia se

transformou o mundo mudou e pensar dentro de uma caixa natildeo tem sido a

uacutenica soluccedilatildeo para problemas cada vez mais sistecircmicos e interconectados A

pandemia colocou o mundo em cheque eacute preciso uma nova perspectiva de

atuaccedilatildeo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

52

REFEREcircNCIAS

BELCHIOR Germana Parente Neiva Belchior Fundamentos epistemoloacutegicos do Direito

Ambiental 2 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2019

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Editora Cultrix 2018

FOLLONI Andreacute Introduccedilatildeo agrave teoria da complexidade Curitiba Juruaacute 2016

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g1globocomeconomianoticia20190605entenda-o-que-e-a-regra-de-

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JENKINS Kate A Reforma do Serviccedilo Puacuteblico no Reino Unido In PEREIRA Luiz Carlos

Bresser SPINK Peter K Reforma do Estado e administraccedilatildeo puacuteblica gerencial 2 ed

Rio de Janeiro FGV 1998

MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 11 ed atualizada por Eu-

rico de Andrade Azevedo Satildeo Paulo Malheiros 1996

MELLO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 32 ed Satildeo Paulo

Editora Malheiros 2015

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

53

MORIN Edgar Introduccedilatildeo ao pensamento complexo Traduccedilatildeo de Eliane Lisboa 5

ed Porto Alegre Sulina 2015

54

DIREITO SISTEcircMICO

o modelo de constelaccedilatildeo de

Bert Hellinger e a teoria da

complexidade de Edgar Morin ndash

convergecircncias e significacircncias

Janaina Vall1

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 31 O modelo de constelaccedilatildeo de Bert Hellin-

ger 32 A teoria da complexidade de Edgar Morin 33 Convergecircn-

cias e significacircncias para o direito sistecircmico Consideraccedilotildees finais

Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

Diante das demandas da sociedade perante o sistema judiciaacuterio prin-

cipalmente relacionadas ao acuacutemulo cada vez maior de processos e agrave mo-

rosidade de suas soluccedilotildees eacute natural que se procurem abordagens que auxi-

liem na resoluccedilatildeo desses dois grandes problemas Afinal como diminuir a so-

brecarga do Judiciaacuterio e agilizar seus processos Dentre as estrateacutegias mais

estudadas e praticadas atualmente estatildeo a conciliaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo

O novo Coacutedigo de Processo Civil em seu artigo 3ordm privilegia a concilia-

ccedilatildeo a mediaccedilatildeo e outros meacutetodos de soluccedilatildeo consensual de conflitos Estes

devem ser estimulados por juiacutezes advogados defensores puacuteblicos e membros

do Ministeacuterio Puacuteblico inclusive no curso do processo judicial (BRASIL 2015)

A conciliaccedilatildeo eacute um mecanismo autocompositivo de soluccedilatildeo de confli-

tos e pode ser tanto extrajudicial (ocorre antes do processo judicial) como ju-

dicial (durante o processo judicial) Conta com a participaccedilatildeo de um terceiro

imparcial e capacitado que orientado pelo diaacutelogo entre as partes envolvi-

das escuta-as promove discussatildeo e se for o caso sugere soluccedilotildees compatiacute-

veis com o interesse de ambos Jaacute a mediaccedilatildeo tambeacutem eacute um mecanismo de

soluccedilatildeo de conflitos poreacutem sem o intuito de propor ou sugerir soluccedilotildees ape-

nas com a funccedilatildeo de facilitar a comunicaccedilatildeo entre as partes envolvidas iden-

tificando o conflito real e suas possiacuteveis soluccedilotildees

Eacute importante ressaltar que tanto a conciliaccedilatildeo como a mediaccedilatildeo natildeo

possuem como objetivo maior ldquodesafogarrdquo as vias judiciais ou seja diminuir o

nuacutemero de processos pois um excesso de conciliaccedilotildees eou mediaccedilotildees feitas

1 Graduanda em Direito pela UNI7CE Enfermeira e Doutora em Ciecircncias Meacutedicas pela UFC

CE Membro do Grupo de Pesquisa Ecomplex Direito Complexidade e Meio Ambiente da

UNI7CE cadastrado no CNPq E-mail janaina_vallyahoocombr

3

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

55

de maneira equivocada e errocircnea podem sobrecarregar ainda mais o sis-

tema judiciaacuterio Um acordo desigual ou parcial viola a dignidade do judiciaacuterio

criando contradiccedilatildeo filosoacutefica-existencial no que permite a finalidade princi-

pal dos profissionais do direito (SALES CHAVES 2014) Por si soacute podem ser inefi-

cazes visto que apenas reunir as partes envolvidas pode ser insuficiente na

soluccedilatildeo dos conflitos Essas estrateacutegias podem ateacute eliminar o processo judicial

mas podem natildeo resolver efetivamente os conflitos

Por isso tanto para a conciliaccedilatildeo como para a mediaccedilatildeo haacute necessi-

dade de capacitaccedilatildeo adequada do profissional dito conciliador ou media-

dor bem como uso de abordagens diferenciadas e de efetividade praacutetica O

direito sistecircmico propotildee justamente conciliar ateacute a total extinccedilatildeo do processo

com real soluccedilatildeo do conflito Muitas vezes doutrina e praacutetica percorrem tra-

jetoacuterias conflitantes poreacutem devem estar inter-relacionadas e interdependen-

tes jaacute que a teoria sem a praacutetica se torna esteacuteril

Neste contexto o objetivo desta pesquisa eacute identificar como o direito

sistecircmico encontra convergecircncias e significacircncias teoacutericas entre o modelo de

constelaccedilatildeo de Bert Hellinger e a teoria da complexidade de Edgar Morin

O direito sistecircmico toma espaccedilo cada vez maior na sociedade nas re-

laccedilotildees sociais poreacutem com mais ecircnfase na soluccedilatildeo de conflitos judiciais Estaacute

presente em mais de quinze tribunais em todo Brasil Em 2016 o Conselho Na-

cional de Justiccedila (CNJ) reconheceu a importacircncia e os benefiacutecios que a jus-

ticcedila vem tendo com a utilizaccedilatildeo da constelaccedilatildeo Observa-se que quando

pelo menos uma das partes participa de uma constelaccedilatildeo antes da audiecircn-

cia de mediaccedilatildeo haacute um crescente iacutendice de acordos nos processos (STORCH

2017) Em 2015 o Tribunal de Justiccedila de Goiaacutes (TJGO) ganhou o precircmio do CNJ

pelo desempenho de meacutetodos inovadores que contribuem para resoluccedilatildeo ou

pacificaccedilatildeo dos conflitos utilizando justamente a constelaccedilatildeo como ferra-

menta (ARAUacuteJO 2015)

A expressatildeo ldquodireito sistecircmicordquo surgiu a partir do direito sob uma oacutetica

baseada nas ordens superiores que regem as relaccedilotildees humanas tendo como

base a ciecircncia das constelaccedilotildees familiares de Bert Hellinger Apesar do termo

ldquoconstelaccedilatildeo familiarrdquo ser o mais utilizado e difundido no mundo opta-se

neste artigo por se utilizar o termo ldquoconstelaccedilatildeo sistecircmicardquo ou apenas ldquocons-

telaccedilatildeordquo visto que o proacuteprio criador do modelo tambeacutem o utiliza como sinocirc-

nimo A esposa de Bert inclusive Sophie Hellinger em palestra proferida no

Brasil em abril de 2017 sugere mudanccedila no termo para algo no sentido de

ldquoconstelaccedilatildeo mundialrdquo ou ldquoconstelaccedilatildeo da humanidaderdquo devido a sua

enorme abrangecircncia e amplitude

Apenas no capiacutetulo especiacutefico deste artigo sobre o modelo de Hellinger

voltar-se-aacute a usar o termo ldquoconstelaccedilatildeo familiarrdquo pois esse eacute o termo da ldquoes-

secircnciardquo deste modelo Tal opccedilatildeo foi adotada com o intuito de facilitar o en-

tendimento para os leitores jaacute que a expressatildeo ldquofamiliarrdquo pode restringir a

compreensatildeo no acircmbito familiar utilizado apenas em resoluccedilatildeo de conflitos

nas Varas de Famiacutelia quando na verdade a constelaccedilatildeo pode ser aplicada

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

56

em qualquer aacuterea desde questotildees cotidianas de pequenos conflitos ateacute con-

flitos maiores trabalhados pelo direito em suas diversas aacutereas (administrativo

empresarial penal tributaacuterio entre outros)

A constelaccedilatildeo vai aleacutem de soluccedilatildeo de questotildees apenas pessoais (pro-

postas inicialmente por Bert Hellinger) porque o modelo pode abranger e ser

aplicado a todas as ciecircncias inclusive a ciecircncia juriacutedica visto que as pessoas

se guiam na praacutetica no caso concreto natildeo apenas pelo ordenamento juriacute-

dico positivado mas por suas relaccedilotildees pessoais familiares sociais profissionais

e espirituais

As partes envolvidas no processo juriacutedico quando confrontadas com a

verdade com o que estaacute oculto e ldquosegredosrdquo que antecedem a instalaccedilatildeo

do conflito passam de uma postura litigante para uma posiccedilatildeo consensual

O juiz passa entatildeo a atuar tambeacutem como conciliador e mediador proferindo

sentenccedilas pacificadoras

Haacute registros do grande ecircxito do direito sistecircmico na resoluccedilatildeo de confli-

tos em todo o mundo inclusive o Brasil vem aumentando muito os iacutendices de

conciliaccedilotildees com a utilizaccedilatildeo dos princiacutepios e teacutecnicas das constelaccedilotildees sis-

tecircmicas para a resoluccedilatildeo de conflitos na Justiccedila afirma Storch (2016) pioneiro

na aacuterea no Brasil que estuda a temaacutetica desde 2004 Storch eacute Juiz de Direito

do Estado da Bahia atualmente doutorando com a tese na temaacutetica ldquoDireito

Sistecircmico a resoluccedilatildeo de conflitos por meio da abordagem sistecircmica feno-

menoloacutegica das constelaccedilotildees familiaresrdquo Storch utiliza a forccedila do cargo de

Juiz em seus julgamentos e conduccedilatildeo de audiecircncias para auxiliar na busca

por soluccedilotildees que natildeo apenas ponham fim ao processo judicial mas que real-

mente resolvam os conflitos trazendo paz ao sistema (STORCH 2017)

O direito sistecircmico objetiva encontrar a verdadeira soluccedilatildeo para um

conflito e natildeo apenas para uma das partes mas para ambas pois abrange

todo o sistema envolvido no conflito Compreender como funciona esse sis-

tema e sua influecircncia sobre as partes envolvidas eacute uma das funccedilotildees do direito

sistecircmico Eacute a praacutetica do direito ldquoterapecircuticordquo A constelaccedilatildeo eacute intriacutenseca ao

conceito de direito sistecircmico

Muitos podem alegar que seria a uniatildeo da ciecircncia da psicologia com a

ciecircncia do direito e natildeo seria errado afirmar tal relaccedilatildeo No entanto para

atuar no direito sistecircmico haacute apenas o preacute-requisito de ser graduado em di-

reito mas natildeo em psicologia poreacutem com a formaccedilatildeo de constelador num

curso de no miacutenimo 96 horas (STORCH 2016) Devido aos excelentes resulta-

dos na praacutetica haacute consequente crescimento da demanda por esta formaccedilatildeo

e capacitaccedilatildeo para expansatildeo desse trabalho Aleacutem da formaccedilatildeo baacutesica

para constelador jaacute existe inclusive no Brasil a poacutes-graduaccedilatildeo em niacutevel de

especializaccedilatildeo (com carga horaacuteria de 384) reconhecida pelo Ministeacuterio da

Educaccedilatildeo e Cultura ndash MEC (STORCH 2017)

Para alcanccedilar o objetivo desta pesquisa a metodologia adotada foi

uma pesquisa teoacuterica descritiva mediante exploraccedilatildeo de fontes bibliograacuteficas

com as principais obras dos autores em estudo e um diaacutelogo entre seus con-

ceitos traccedilando convergecircncias e correlaccedilotildees com o direito sistecircmico

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

57

Primeiramente seratildeo apresentados os princiacutepios do modelo da conste-

laccedilatildeo de Bert Hellinger e apoacutes seguir-se-aacute com a descriccedilatildeo da teoria da com-

plexidade de Edgar Morin Apoacutes mediante diaacutelogo entre as teorias seratildeo tra-

ccediladas as correlaccedilotildees entre elas e sua aplicaccedilatildeo na praacutetica juriacutedica

31 O MODELO DE CONSTELACcedilAtildeO DE BERT HELLINGER

A constelaccedilatildeo familiar foi criada por Bert Hellinger (ainda vivo hoje com

92 anos) Bert nasceu na Alemanha em 1925 formado em teologia e peda-

gogia e mediante uma formaccedilatildeo e experiecircncias em campos variados como

a psicanaacutelise e a anaacutelise transacional criou o modelo das constelaccedilotildees am-

plamente difundido no mundo

Constelaccedilatildeo eacute o coletivo de estrelas de um sistema por isso a palavra

originou o termo constelaccedilatildeo familiar onde o sujeito eacute o centro do sistema

social em que se insere e vivencia naquele momento especiacutefico da constela-

ccedilatildeo (HAUSNER 2007)

Sophie Hellinger afirma categoricamente que a constelaccedilatildeo familiar

natildeo eacute um meacutetodo mas um modelo (ou abordagem terapecircutica) visto que

todo meacutetodo descreve um uacutenico caminho em busca de um resultado e pode

ser reproduzido quantas vezes forem necessaacuterias A constelaccedilatildeo familiar eacute

uacutenica cada uma delas mesmo com as mesmas pessoas e os mesmos conflitos

envolvidos sempre seraacute uacutenica como um rio que passa e nunca se pode tomar

banho neste mesmo rio Sempre seraacute uma experiecircncia uacutenica e de impossiacutevel

repeticcedilatildeo (HELLINGER 2017)

Constelaccedilatildeo familiar eacute um modelo psicoteraacutepico que estuda as emo-

ccedilotildees e energias que consciente ou inconscientemente satildeo acumuladas por

todos os seres humanos e mediante uma abordagem sistecircmica gera com-

preensatildeo de todos os fatores envolvidos nos conflitos Eacute aplicado tanto para

auxiliar na identificaccedilatildeo do real problema em questatildeo como para direcionar

suas accedilotildees em direccedilatildeo agrave soluccedilatildeo deste problema mediante o movimento de

trazer agrave tona a consciecircncia da origem do conflito

Eacute preciso compreender a comunicaccedilatildeo interpessoal (seja verbal es-

crita corporal) principalmente no acircmbito familiar pois eacute a famiacutelia que estaacute

inserida na sociedade e natildeo apenas o indiviacuteduo Explicitar os ruiacutedos que inter-

ferem na comunicaccedilatildeo familiar eacute uma das funccedilotildees essenciais das constela-

ccedilotildees familiares (BASSOI 2016)

A maturidade do ser humano tanto fiacutesica como mentalmente nada

mais eacute do que uma coleccedilatildeo de experiecircncias armazenadas em cada uma das

ceacutelulas do corpo humano Segundo Sophie Hellinger quanto mais vivida a

pessoa mais experiecircncias ela possui e mais evoluiacuteda e complexa ela eacute (HEL-

LINGER 2017) O que faz a constelaccedilatildeo acontecer de maneira espontacircnea e

natildeo voluntaacuteria eacute justamente a interaccedilatildeo do vazio de uma pessoa com o vazio

da outra O corpo natildeo mente por isso as reaccedilotildees corporais numa constelaccedilatildeo

familiar podem ser as mais variadas mas as ceacutelulas trazem sempre agrave tona a

verdade

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

58

Neste contexto ao viver em sociedade cada ser humano cria em torno

de si um campo onde se manifesta sua energia que direciona suas atitudes

Durante uma constelaccedilatildeo familiar eacute justamente essa energia que se manifesta

e os resultados seratildeo sempre uacutenicos e as opccedilotildees de resoluccedilatildeo de conflitos in-

finitas

Natildeo eacute objetivo deste artigo detalhar como se faz uma constelaccedilatildeo fa-

miliar Aos leitores que tenham interesse indica-se a leitura das referecircncias lis-

tadas ao final No entanto faz-se necessaacuteria uma breve exposiccedilatildeo acerca de

sua dinacircmica para entendimento de sua aplicaccedilatildeo no Direito

Uma constelaccedilatildeo familiar pode durar alguns minutos ou ateacute horas po-

reacutem o constelador possui competecircncia para conduzir a dinacircmica em tempo

disponiacutevel no momento Ela pode acontecer de inuacutemeras maneiras uma de-

las eacute iniciando com uma questatildeo a questatildeo central do conflito por exemplo

Muitas vezes a questatildeo ou o problema que a pessoa expotildee natildeo eacute dela mas

vem de seu sistema familiar Fatos como abusos sexuais mortes precoces

abortos suiciacutedios imigraccedilatildeo violecircncia domeacutestica segredos de famiacutelia tecircm

muito ldquopesordquo na dinacircmica da famiacutelia e possuem forccedila demasiada pois acon-

teceram em determinado tempo e podem influenciar na vida das pessoas

futura e eternamente

Todas essas informaccedilotildees podem natildeo ser reveladas previamente mas

apareceratildeo no decorrer da constelaccedilatildeo se estiverem relacionadas ao con-

flito atual ou natildeo visto que a proacutepria pessoa pode natildeo conhecer certos ele-

mentos determinantes para este conflito As proacuteprias pessoas envolvidas na

questatildeo podem ser consteladas ou representadas Se forem duas pessoas en-

volvidas por exemplo estas podem participar de constelaccedilotildees separadas ou

observam uma mesma constelaccedilatildeo com seus representantes Os envolvidos

na dinacircmica natildeo precisam necessariamente representar pessoas podem re-

presentar tambeacutem coisas ou o proacuteprio problema ou conflito Representantes

podem ser incluiacutedos ou excluiacutedos da constelaccedilatildeo conforme necessaacuterio As

pessoas na constelaccedilatildeo satildeo postas uma de frente agrave outra apenas olhando

uma nos olhos da outra sem falar Eacute preciso entrar numa constelaccedilatildeo sem

intenccedilatildeo sem medo sem pena sem julgamento e sem amor essas satildeo as

uacutenicas regras Os representantes se colocam agrave disposiccedilatildeo e vatildeo apenas deixar

que seu corpo ldquofaccedila o que quiserrdquo O corpo eacute apenas a ferramenta que re-

cebe as energias e se comunica de acordo com elas A soluccedilatildeo da constela-

ccedilatildeo estaacute no silecircncio e natildeo na fala Os representantes podem se mover sorrir

chorar Enfim fazer o que se aflorar no momento apoacutes estabelecida a cone-

xatildeo entre os representantes e o conflito O representante simplesmente se co-

loca agrave disposiccedilatildeo E mesmo apenas assistindo natildeo se pode fugir ao envolvi-

mento porque a energia ali gerada eacute muito forte (HAUSNER 2007)

Neste contexto eacute importante diferenciar constelaccedilatildeo familiar de psico-

drama Este uacuteltimo eacute uma teacutecnica usada pela psicologia em que os represen-

tantes conhecem previamente o conflito em questatildeo e tornam-se atores re-

presentando voluntaria e intencionalmente a situaccedilatildeo Na constelaccedilatildeo os

motivos podem nem ser expostos ningueacutem se conhece ou estaacute com intenccedilatildeo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

59

de atuar como numa peccedila teatral Se algum dos representantes comeccedilar

atuar conscientemente com a intenccedilatildeo de ajudar de aproximar as partes ou

favorecer a viacutetima este representante eacute identificado pelo constelador como

coterapeuta e deve ser excluiacutedo imediatamente da constelaccedilatildeo O cotera-

peuta eacute identificado por exercer movimentos bruscos e raacutepidos e sempre com

intenccedilatildeo de conciliar ajudar uma das partes normalmente a viacutetima

As constelaccedilotildees familiares satildeo experiecircncias uacutenicas e infinitas A mesma

pessoa pode ser constelada inuacutemeras vezes pelo mesmo motivo (conflito) o

momento gera diferentes soluccedilotildees Inclusive o proacuteprio problema exposto

pode ser a soluccedilatildeo Ou seja tudo fica como estaacute Tambeacutem a maneira de se

fazer as perguntas durante a constelaccedilatildeo pode jaacute trazer respostas Perguntas

feitas de maneiras certas geram as respostas verdadeiras Da mesma maneira

afirmaccedilotildees podem ser impostas aos representantes numa constelaccedilatildeo

Apesar da estranheza para explicar o fenocircmeno desta experiecircncia de

participar de uma constelaccedilatildeo eacute necessaacuterio buscar ajuda na fiacutesica quacircntica

neste caso especificamente no direito quacircntico Todos os aacutetomos presentes

em qualquer moleacutecula possuem em seu redor um enorme espaccedilo vazio que

a teoria do direito quacircntico chama de ldquodistacircncia de equiliacutebriordquo entre cada

aacutetomo (TELLES JUacuteNIOR 2014) Jaacute a teoria sistecircmica chama este mesmo vazio

de ldquocampo de energiardquo da constelaccedilatildeo familiar Eacute justamente nesse enorme

vazio que tudo acontece nele satildeo armazenados os conhecimentos e experi-

ecircncias tanto individuais como coletivas ou seja o comportamento humano

encontra-se na maioria das vezes consciente ou inconscientemente origina-

se do vazio presente em cada ceacutelula uacutenica do corpo (mesmo com o mesmo

DNA cada ceacutelula eacute diferente da outra) e natildeo apenas armazenadas nas ceacute-

lulas mentais ou cerebrais

Eacute neste vazio que estaacute armazenada a energia que rege todos os atos

ativos e passivos da humanidade No vazio estatildeo as informaccedilotildees necessaacuterias

para compreender a existecircncia humana e seus conflitos bem como erros e

acertos O vazio atrai ou repele determinando a movimentaccedilatildeo dos seres hu-

manos como seres sociais As forccedilas atuantes nesse campo transformam a re-

laccedilatildeo juriacutedica levando ao processo de coesatildeo ou dispersatildeo Aleacutem disso du-

rante uma constelaccedilatildeo familiar estatildeo atuantes predominantemente os neurocirc-

nios chamados espelhos que buscam soluccedilotildees mediante gravaccedilatildeo de ima-

gens e natildeo de forma verbal ou escrita (LEAL-TOLEDO 2010)

O silecircncio faz as energias atuarem Embora a constelaccedilatildeo natildeo seja um

meacutetodo algumas regras devem ser respeitadas para que as energias atuem

livremente Aleacutem de iniciar uma constelaccedilatildeo sem intenccedilatildeo sem medo sem

pena sem julgamento e sem amor tambeacutem eacute necessaacuterio que todos os pre-

sentes estejam de pernas e braccedilos descruzados com celulares desligados

(natildeo apenas no modo silencioso ou modo aviatildeo) sem pessoas escrevendo ou

registrando o momento (com fotos ou viacutedeos)

As constelaccedilotildees familiares segundo o modelo de Hellinger permitem a

consciecircncia dos motivos que levaram agrave instalaccedilatildeo do conflito pontual e me-

diante a constelaccedilatildeo sistecircmica propotildeem soluccedilotildees baseadas nas ordens do

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

60

amor Segundo Hellinger (2007) as pessoas julgam que apenas amor bastante

eacute suficiente e que o amor tem o poder de superar tudo No entanto para que

o amor decirc certo eacute preciso algo mais eacute preciso o conhecimento e o reconhe-

cimento de uma ordem oculta deste amor

Eacute mediante as ordens do amor que se daacute a resoluccedilatildeo de conflitos e pro-

blemas Aqui entende-se amor natildeo restrito ao amor entre casais ou entre fa-

miliares e amigos mas o amor como princiacutepio da solidariedade presente na

humanidade e em cada indiviacuteduo mesmo que no momento latente ou es-

condido pelo oacutedio ou rancor

Eacute excluiacutedo aqui tambeacutem o chamado ldquoamor incondicionalrdquo que nada

tem a ver com as condiccedilotildees para amar Imposiccedilotildees para amar natildeo podem

existir quando se ama algo ou algueacutem A proacutepria composiccedilatildeo da palavra ldquoin-

condicional = sem condiccedilatildeordquo afirma isso sem impor qualquer condiccedilatildeo para

amar (OLIVEIRA 2017)

O amor inevitavelmente estaacute presente seja consciente ou inconscien-

temente Hellinger descreve como trecircs as ordens do amor (1) ordem de per-

tencimento (2) ordem de hierarquia e (3) Ordem de equiliacutebrio (HELLINGER TE-

NHOumlVEL 2007)

Estas leis foram descobertas por meio da aplicaccedilatildeo das constelaccedilotildees

familiares que o proacuteprio Bert Hellinger desenvolveu ao longo de sua vida Em

cada constelaccedilatildeo ele foi deduzindo um conhecimento sobre as leis ocultas

da vida Observava o fenocircmeno e dali deduzia algo que demonstrava en-

quanto uma ordem baacutesica da vida Nenhum trabalho foi extraiacutedo da teoria

para a praacutetica mas o contraacuterio da praacutetica para a teoria

A primeira ordem de pertencimento diz respeito ao fato de que natildeo

importa o que uma pessoa faccedila ela continuaraacute tendo o direito de pertencer

ao sistema familiar Natildeo significa que esteja isenta de puniccedilotildees morais e legais

mas simplesmente ela continuaraacute com o mesmo direito de pertencer agrave famiacutelia

agrave sociedade ao mundo independente de estar livre ou recluso ou de estar

presente fisicamente na famiacutelia atual ou natildeo

A segunda ordem da hierarquia ou ordem de chegada diz respeito a

quem chegou primeiro no ordenamento familiar ou seja sempre os mais ve-

lhos merecem ser olhados com muito respeito e cuidado pois eacute por meio deles

que a famiacutelia estaacute assim instalada e existe efetivamente Mesmo quando os

que chegaram primeiro cometeram erros ao querer modifica-los toda a dinacirc-

mica familiar fica comprometida e se perdem as forccedilas da vida

A terceira lei do equiliacutebrio sempre existe nas accedilotildees de dar e receber e

segue o mesmo raciociacutenio da ordem da hierarquia ou seja os pais datildeo mais

carinho aos filhos pois apenas os filhos precisam dos pais os pais natildeo precisam

dos filhos Eacute assim que a humanidade deveria pensar segundo Bert Hellinger

Ao incorporar essas trecircs leis do amor a humanidade soacute tende a encon-

trar um equiliacutebrio e como consequecircncia a paz mediante soluccedilatildeo da maioria

dos conflitos que emergem basicamente do ambiente familiar

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

61

32 A TEORIA DA COMPLEXIDADE DE EDGAR MORIN

Edgar Morin (ainda vivo com 96 anos) eacute judeu nasceu na Franccedila em

1921 e eacute formado em direito histoacuteria e geografia com atuaccedilatildeo na antropolo-

gia sociologia e filosofia (MORIN MOIGNE 2000)

Ao contraacuterio do que uma grande maioria possa pensar o pensamento

complexo natildeo significa dificuldade mas apenas uma nova forma de enxergar

a realidade buscando justamente o simples ou seja complexidade nada mais

eacute do que aprender a pensar diferente e estar confortaacutevel e capaz para definir

o simples Eacute complexo tudo que natildeo pode se resumir numa palavra-chave o

que natildeo pode ser resumido a uma lei nem a uma ideia simples Trata-se de

uma palavra-problema e natildeo de uma palavra-soluccedilatildeo Eacute exercer um pensa-

mento capaz de lidar com o real de com ele dialogar e conversar A com-

plexidade surge onde o pensamento simplificador falha ela integra em si tudo

que potildee ordem clareza e precisatildeo no conhecimento (MORIN 2007)

A complexidade estaacute no centro da maioria de aparentes conhecimen-

tos dispersos e se desvinculou do sentido comum de complicado para trazer

em si a organizaccedilatildeo sistecircmica na qual o movimento de qualquer coisa ou

pessoa gera o movimento de tudo e de todos A complexidade estaacute no centro

da ldquoconstelaccedilatildeordquo e para que ela se revele faz-se necessaacuterio uma tomada de

consciecircncia para por ordem e clareza ao real revelar as leis que governam

o comportamento (MORIN 2011) Poreacutem essa consciecircncia pode gerar uma

nova ldquocegueirardquo ligada ao uso degradado da razatildeo e as ameaccedilas mais gra-

ves a que a humanidade estaacute sujeita estatildeo ligadas ao progresso cego e in-

controlado do conhecimento

Eacute preciso tomar consciecircncia das consequecircncias dos paradigmas que

mutilam o conhecimento e desfiguram o real Essa inteligecircncia cega destroacutei a

totalidade e isola as coisas e as pessoas do meio em que vivem ldquoOs proble-

mas humanos satildeo entregues natildeo soacute a este obscurantismo cientiacutefico que pro-

duz especialistas ignaros mas tambeacutem a doutrinas obtusas que pretendem

monopolizar sua cientificidaderdquo (MORIN 2006 p 13)

O pensamento complexo deve enfrentar o emaranhado a incerteza a

contradiccedilatildeo A ldquodoenccedilardquo da teoria estaacute no doutrinamento e no dogmatismo

que fecham a teoria nela mesma e a engessam Ao tomar consciecircncia dos

fatos chega-se agrave causa profunda de que o erro natildeo estaacute no erro de fato mas

no modo como se organiza o saber num sistema de ideias (MORIN 2013)

Ainda segundo Morin (2007) o ser humano deve ser prudente poreacutem

sem esterilizar sua vida e natildeo precisa renunciar aos laccedilos de amor Ainda se-

gundo o autor para sobreviver num mundo de aparecircncias como o mundo

atual eacute preciso resgatar a ldquoespumardquo de uma realidade mais profunda que

muitas vezes escapa ao tempo e ao espaccedilo e aos nossos proacuteprios sentidos e

entendimento O mundo de separaccedilatildeo e dispersatildeo eacute o mesmo mundo de

atraccedilatildeo reencontro e exaltaccedilatildeo Todos estatildeo imersos neste mundo de sofri-

mento e felicidade compondo o amor Amor este que eacute o aacutepice mais perfeito

da loucura e da sabedoria visto que amor sabedoria e loucura natildeo apenas

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

62

satildeo inseparaacuteveis mas se interpenetram mutuamente ldquoSe o amor expressa o

aacutepice supremo da sabedoria e da loucura eacute preciso assumir o amorrdquo (MORIN

2007 p 9) Ao fazer de tudo para desenvolver a racionalidade eacute em seu proacute-

prio desenvolvimento que esta racionalidade reconhece os limites da razatildeo e

efetua diaacutelogo com o irracionalizaacutevel

33 CONVERGEcircNCIAS E SIGNIFICAcircNCIAS PARA O DIREITO

SISTEcircMICO

Natildeo haacute registros de que Bert Hellinger e Edgar Morin tenham-se encon-

trado pessoalmente mesmo que ambos sejam ldquovizinhosrdquo europeus ainda vi-

vos hoje e com tantas similaridades em suas teorias No entanto curiosamente

os dois estiveram presentes em um workshop ocorrido em Satildeo Paulo em 2010

sobre a temaacutetica Ampliando olhares em sintonia com o todo a visatildeo sistecirc-

mica e as constelaccedilotildees organizacionais dando formas a novas realidadesrdquo

Ambos compotildeem o rol de teoacutericos mais polecircmicos do final do seacuteculo XX

e seacuteculo XXI juntamente com outras teorias que tambeacutem abordam questotildees

semelhantes como o Direito Quacircntico (citado previamente neste artigo) e a

antroposofia (pedagogia cada vez mais crescente e atuante em todo

mundo por meio das Escolas Waldorf)

Morin eacute o ldquogrande pensador amoroso da educaccedilatildeordquo e Hellinger eacute o

ldquogrande decifrador das ordens do amorrdquo Ambos com praticamente a mesma

idade com pensamentos tatildeo interpenetrantes e conectados com grandes

possibilidades de atuaccedilatildeo da ciecircncia do direito

Representaccedilotildees sistecircmicas como eacute o caso das constelaccedilotildees satildeo um

meacutetodo complexo e as duas teorias se complementam Poreacutem a complexi-

dade e a teoria sistecircmica trazem base cientiacutefica agrave praacutetica Segundo Luca

(2010) eacute preciso investir em outras tecnologias menos teoacutericasdoutrinaacuterias e

talvez ateacute menos ldquocientiacuteficasrdquo e mais fenomenoloacutegicas e transformadoras Eacute

preciso pensar diferente sair da ineacutercia partir dialeticamente da ldquociecircncia nor-

malrdquo rumo agrave ldquociecircncia extraordinaacuteriardquo visto que o conhecimento natildeo eacute estaacute-

tico estaacute em constante transformaccedilatildeo e natildeo eacute imune ao erro A inovaccedilatildeo eacute

necessaacuteria e mesmo incerta pretende explorar as possibilidades mais promis-

soras e menos previstas Eacute enxergar de outros acircngulos o paradigma da mani-

pulaccedilatildeo do Homem pelo proacuteprio Homem (MORIN 2005)

A complexidade estaacute no centro da constelaccedilatildeo a pessoa que estaacute

sendo constelada eacute o ser mais complexo naquele momento O direito sistecirc-

mico faz com que o profissional do direito tenha um olhar para aleacutem do que

aparece nos autos dos processos judiciais e compreenda esta complexidade

Qualquer conflito taacutecito por maior que seja eacute pontual ou seja apenas a

ponta do iceberg pois na maioria das vezes eacute provocado por causas mais

profundas

Entender a complexidade e a teoria sistecircmica sem o envolvimento de

questotildees espirituais eacute tarefa difiacutecil no entanto o caminho eacute pensar na espiritu-

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

63

alidade que difere de religiosidade Os proacuteprios teoacutericos aqui estudados con-

seguiram evoluir neste sentido visto que Morin eacute judeu e Hellinger formado em

teologia

Vale ressaltar que em geral haacute um fasciacutenio pelo papel de viacutetima e no

caso de conflito entre duas pessoas por exemplo as duas assumem o papel

de viacutetima e abandonar esse papel natildeo eacute tarefa nada faacutecil Por quecirc Jaacute que

toda viacutetima sofre Para muitos sofrer significa existir e ter atenccedilatildeo dos outros

O sofrimento recompensa e o sofredor toma uma melhor posiccedilatildeo uma posi-

ccedilatildeo de destaque de pertencimento especial agravequela situaccedilatildeo

O sofrimento leva agrave passividade fazendo com que cada um ldquoempurrerdquo

a responsabilidade de agir para o outro (KUTSCHERA SCHAumlFFLER 2017) Por

isso num processo de conciliaccedilatildeo ou mediaccedilatildeo cada uma das partes envol-

vidas vai agrave audiecircncia com expectativa de que o outro lhe ofereccedila uma solu-

ccedilatildeo nunca pensando em por si reformular uma soluccedilatildeo A constelaccedilatildeo fami-

liar na audiecircncia faz mudar esse estereoacutetipo e cada um assume suas respon-

sabilidades diante do conflito instalado

As trecircs principais convergecircncias entre as teorias estudas satildeo a tomada

de consciecircncia a teoria sistecircmica e o amor como fonte primordial para a re-

soluccedilatildeo de conflitos (com as ordens de pertencimento hierarquia e equiliacutebrio)

Todas essas abordagens se materializam durante a vivecircncia da constelaccedilatildeo

familiar

As constelaccedilotildees podem acontecer em qualquer lugar a qualquer

tempo No entanto um dos momentos mais oportunos para sua realizaccedilatildeo

dentro do acircmbito processual eacute antes da audiecircncia de conciliaccedilatildeo ou media-

ccedilatildeo por meio de vivecircncias coletivas As partes envolvidas satildeo convidadas

(nunca intimadas) a participar da constelaccedilatildeo e as questotildees ocultas vatildeo sur-

gindo haacute um processo progressivo de tomada de consciecircncia e cada um

passa a ver a situaccedilatildeo de maneira mais verdadeira ampliada e profunda Isso

porque neste momento natildeo apenas o conflito ou problema estaacute sendo enxer-

gado mas todo o sistema familiar de cada uma das partes envolvidas Cons-

telaccedilatildeo em salas separadas para cada parte ou junto com uma das partes

se voluntariando ou juntos com representantes para ambos apenas assistindo

Uma questatildeo chave no processo envolve a capacitaccedilatildeo adequada do

profissional do direito visto que todos inclusive ele deve entrar numa conste-

laccedilatildeo sem intenccedilatildeo sem medo sem pena sem julgamento e sem amor Para

um Juiz que tem o papel de julgar torna-se tarefa difiacutecil e praticamente im-

possiacutevel se natildeo houver uma formaccedilatildeo e preparaccedilatildeo competente Da mesma

maneira eacute preciso entrar numa constelaccedilatildeo sem amor para que ela o revele

durante o processo de maneira espontacircnea e natildeo preconcebida

Durante a audiecircncia o juiz conciliador ou mediador tambeacutem pode fa-

zer questionamentos aos envolvidos utilizando frases ou ldquopalavras-chaverdquo que

datildeo significado agravequela situaccedilatildeo de conflito propiciando tomada de consci-

ecircncia do emaranhamento envolvido na questatildeo permitindo que as partes

reconheccedilam sentimentos expostos visualizando a importacircncia de cada um e

possiacuteveis caminhos para que o conflito se desfaccedila ou se minimize (Figura 1)

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

64

Figura 1 - O direito sistecircmico e a resoluccedilatildeo de conflitos

Fonte elaborado pela proacutepria autora

Notas resoluccedilatildeo de conflitos mediante trecircs aspectos convergentes entre o Modelo de Cons-

telaccedilatildeo de Bert Hellinger e a Teoria da Complexidade de Edgar Morin - (1) a tomada de cons-

ciecircncia (2) a teoria sistecircmica ndash por meio da vivecircncia da constelaccedilatildeo familiar e (3) as ordens

do amor (pertencimento hierarquia e equiliacutebrio + ordenamento juriacutedico)

A constelaccedilatildeo mostra de maneira imparcial clara e inequiacutevoca o real

conflito o real problema ali posto independente do escrito nos autos do pro-

cesso Neste momento todos se envolvem para solucionar aquela demanda

facilitando a realizaccedilatildeo do firmamento de um real acordo durante a audiecircn-

cia que traga senatildeo a extinccedilatildeo do processo minimizantes aos agravos paz

equiliacutebrio e harmonia

A resoluccedilatildeo do conflito se daacute para aleacutem do olhar focado no ordena-

mento juriacutedico mas alia o ordenamento do amor conforme preveem tanto

Hellinger como Morin Eacute mediante as ordens do amor (de pertencimento de

hierarquia e equiliacutebrio) que se a resoluccedilatildeo de conflitos e problemas surge O

amor inevitavelmente estaacute presente seja consciente ou inconscientemente

Com o amor a soluccedilatildeo eacute alcanccedilada

O ordenamento juriacutedico impotildee agrave sociedade obrigaccedilotildees autorizaccedilotildees e proibi-ccedilotildees e isto implica necessariamente interaccedilotildees Obviamente tal ordenamento natildeo pode ser desconsiderado na resoluccedilatildeo dos conflitos Trata-se poreacutem apenas da fun-ccedilatildeo instrumental das sociedades humanas e deve estar aliado ao ordenamento do amor

As duas teorias aqui estudadas satildeo promissoras na ciecircncia do direito pois po-dem ser altamente eficazes na soluccedilatildeo de conflitos direcionando accedilotildees a fim de al-canccedilar uma inovaccedilatildeo de atuaccedilatildeo juriacutedica principalmente em sessotildees de conciliaccedilotildees e mediaccedilotildees

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

65

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Qualquer conflito taacutecito por maior que seja eacute pontual ou seja eacute ape-

nas a ponta do iceberg pois satildeo provocados por causas mais profundas que

os autos dos processos judiciais nem sempre satildeo capazes de refletir Assim

uma soluccedilatildeo simplista imposta por uma lei ou decisatildeo judicial pode trazer um

aliacutevio momentacircneo mas natildeo soluciona verdadeiramente o problema

Ainda que o sistema judiciaacuterio privilegie accedilotildees de conciliaccedilatildeo e media-

ccedilatildeo com o intuito de diminuir sua sobrecarga e morosidade se estas concilia-

ccedilotildees e mediaccedilotildees natildeo forem guiadas por meacutetodos modelos e abordagens

especiacuteficas e eficazes natildeo haveraacute uma efetiva resoluccedilatildeo da questatildeo ao con-

traacuterio seraacute uma inflaccedilatildeo maior ainda ao sistema

A eficaacutecia e continuaccedilatildeo do processo de soluccedilatildeo de conflitos na vida

cotidiana dependem da soma de conhecimentos e decisotildees natildeo soacute dos pro-

fissionais do Direito mas dos proacuteprios sujeitos da accedilatildeo judicial e seus familiares

inclusive pois mais do que um processo juriacutedico cuida-se de um fato social

Pode ser apreendida e aplicada por qualquer profissional do direito sejam

juiacutezes advogados promotores defensores desembargadores conciliadores

mediadores delegados

O conciliador e o mediador especificamente buscam nas teorias sub-

siacutedios para realizar esta tarefa da melhor maneira possiacutevel Observa-se que as

teorias aqui selecionadas se aplicam a esse processo em todas as suas etapas

Trata-se de uma soluccedilatildeo terapecircutica de real significacircncia para ambas

as partes que aleacutem de eliminarem a burocracia o desgaste e a onerosidade

judicial vislumbram alternativas para conviver em paz no ambiente familiar e

social O direito sistecircmico traz vantagens tanto para as partes envolvidas no

processo juriacutedico quanto para o profissional do direito que consegue trabalhar

sob menos pressatildeo estresse e com a consciecircncia natildeo apenas do ldquodever cum-

pridordquo da lei aplicada mas do sentido de pertencimento ao mundo juriacutedico

como transformador do sistema e da vida social Eacute a justiccedila restaurativa que

impulsiona mudanccedilas nos paradigmas atuais

Tecirc-las como base eacute essencial mas de maneira cautelosa natildeo como

doutrina pois estas cegam No direito haacute uma supervalorizaccedilatildeo das doutrinas

poreacutem perante a teoria sistecircmica e da complexidade muitas vezes a praacutetica

atrapalha a teoria Sim a praacutetica atrapalha a teoria e natildeo vice-versa pois

quando se aplica a constelaccedilatildeo ao direito o que se vecirc na praacutetica eacute uacutenico

impossiacutevel de reproduzir e dinacircmico portanto impossiacutevel de se doutrinar Ao

mesmo tempo a praacutetica pode contradizer a doutrina a cada constelaccedilatildeo o

que torna impossiacutevel a adoccedilatildeo de determinada doutrina pois esta eacute modifi-

cada a cada instante e natildeo haacute como por subsunccedilatildeo encaixar a realidade

na teoria e nem a teoria se adaptar a cada caso especiacutefico por mais seme-

lhantes que eles pareccedilam

Eacute preciso enxergar o ldquotodordquo poreacutem de maneira especiacutefica Mediante a

individualizaccedilatildeo consciente cada um entendendo seu papel no contexto fa-

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

66

miliar e social eacute que se efetivam dois dos princiacutepios mais importantes do Di-

reito o da socialidade e o da concretude Mediante uma visatildeo sistecircmica do

Direito encontra-se paz e equiliacutebrio para o sistema

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DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

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68

A INCLUSAtildeO SOCIAL E O PENSAMENTO

COMPLEXO DENTRO DA POLIacuteTICA

NACIONAL DOS RESIacuteDUOS SOacuteLIDOS

Laeacutelia Eugecircnia Correcirca Aragatildeo1

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 41 A inclusatildeo social e sua complexidade

42 O Pensamento Complexo e sua compreensatildeo dentro da Poliacutetica

Nacional de Resiacuteduos Soacutelidos 43 A complexidade na gestatildeo dos re-

siacuteduos soacutelidos Consideraccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

O aumento na produccedilatildeo dos resiacuteduos soacutelidos configura um problema

de grande complexidade na atualidade pois quando natildeo dispostos de forma

adequada geram impactos negativos na seara ambiental econocircmica e so-

cial Cita-se como exemplo a contaminaccedilatildeo dos recursos naturais o au-

mento na quantidade de materiais com valor econocircmico transformados em

lixo e a exclusatildeo social e profissional dosas catadoresas de materiais reciclaacute-

veis

Diante desse cenaacuterio surge em agosto de 2010 a Lei 12305 - Poliacutetica

Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos como uma proposta para resolver os problemas

advindos dos resiacuteduos soacutelidos com uma abordagem de consumo consciente

reciclagem produccedilatildeo sustentaacutevel bem como mudanccedilas de haacutebitos gerando

benefiacutecios social ambiental e econocircmico Em razatildeo dessa legislaccedilatildeo osas

catadoresas de materiais reciclaacuteveis tornaram-se mais visiacuteveis para a socie-

dade moderna diante do seu papel desempenhado frente ao processo de

coleta operacionalizaccedilatildeo e reciclagem do lixo

A mencionada lei preocupou-se em proporcionar para osas catado-

resas de materiais reciclaacuteveis a inclusatildeo social e a emancipaccedilatildeo econocircmica

ou seja buscou-se resolver um problema social marcado pela pobreza desi-

gualdade e exclusatildeo atraveacutes da geraccedilatildeo de renda e da oferta de poliacuteticas

sociais Aduz os direitos sociais como a habitaccedilatildeo educaccedilatildeo alimentaccedilatildeo

e sauacutede estariam garantidos passando a ideia de que as pessoas que labo-

ram manuseando o lixo passem da execuccedilatildeo de um trabalho sem visibilidade

para um trabalho digno e organizado

Nesse vieacutes a proposta de inclusatildeo social contida na Poliacutetica Nacional

dos Resiacuteduos Soacutelidos necessita de uma anaacutelise dentro do pensamento com-

plexo haja vista que a referida lei tem uma visatildeo socioambiental sustentaacutevel

1 Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Cearaacute (UFC

CE) Especialista em Direito Urbaniacutestico e Ambiental pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica

de Minas Gerais (PUCMG) Pesquisadora do Grupo Ecomplex Direito Complexidade e

Meio Ambiente da UNI7CE E-mail laeliaaragaohotmailcom

4

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

69

e complexa trazendo a participaccedilatildeo e destaque dosas catadoresas de ma-

teriais reciclaacuteveis como sujeitos principais para a efetivaccedilatildeo da proteccedilatildeo am-

biental

Destaca-se que a intenccedilatildeo do artigo eacute proporcionar uma reflexatildeo

acerca do processo de inclusatildeo social contido na Poliacutetica Nacional dos Resiacute-

duos Soacutelidos tendo como fio condutor o pensamento complexo Assim questi-

ona-se como ocorre o processo de inclusatildeo social contido na PNRS sob a

perspectiva do pensamento complexo

Como hipoacutetese o processo de inclusatildeo social de acordo com o pensa-

mento complexo propotildee que haja uma rede de interaccedilotildees para que ocorra

com eficiecircncia a inclusatildeo social pois essa inclusatildeo em si natildeo se trata apenas

de um aspecto social a ser observado e sim de vaacuterios outros fatores que me-

recem ser alinhados de forma clara e efetiva

O artigo teve como base o meacutetodo hipoteacutetico-dedutivo iniciando com

uma inquietaccedilatildeo por meio de um problema passando pela formulaccedilatildeo de

uma hipoacutetese e posteriormente por um processo de inferecircncia dedutiva tes-

tando a previsatildeo da ocorrecircncia da hipoacutetese levantada

Diante do exposto o trabalho organiza-se em trecircs toacutepicos o primeiro

refere-se a anaacutelise complexa da inclusatildeo social presente na PNRS No segundo

toacutepico aborda-se a PNRS utilizando como fio condutor o pensamento com-

plexo e finalizando a discussatildeo o terceiro toacutepico examina a gestatildeo dos resiacute-

duos soacutelidos trazendo a participaccedilatildeo dosas catadoresas de materiais reci-

claacuteveis

41 A INCLUSAtildeO SOCIAL E SUA COMPLEXIDADE

A Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos em seu artigo 6ordm inciso III utiliza

como abordagem uma visatildeo sistecircmica na gestatildeo dos resiacuteduos soacutelidos Nesse

vieacutes percebe-se que essa visatildeo traz em sua estrutura o alinhamento das vari-

aacuteveis ambiental social cultural econocircmica tecnoloacutegica e de sauacutede puacuteblica

Sendo por sua vez considerado um princiacutepio dentro da PNRS

Essa visatildeo sistecircmica permite apreender que a gestatildeo dos resiacuteduos soacutelidos

natildeo pode ser feita dentro de uma perspectiva isolada em face das variantes

mencionadas no artigo 6ordm da PNRS Logo a visatildeo sistecircmica como princiacutepio e

natildeo como instrumento enseja sua compreensatildeo distante do paradigma que

impera soberano o das ciecircncias em que prevalece a linearidade e a supres-

satildeo como loacutegica fundamental delas

O entendimento sistecircmico requer uma compreensatildeo dentro de um con-

texto de forma a estabelecer a natureza das relaccedilotildees A principal caracteriacutes-

tica da disposiccedilatildeo dos organismos vivos eacute a natureza hieraacuterquica ou seja a

tendecircncia para formar estruturas de vaacuterios niacuteveis dentro de sistemas Cada um

dos sistemas forma um todo com relaccedilatildeo as suas partes e tambeacutem eacute parte de

um todo A existecircncia de diferentes niacuteveis de complexidade com diferentes

tipos de leis operando em cada niacutevel forma a concepccedilatildeo de complexidade

organizada (VASCONCELLOS 2010)

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

70

Dessa forma quando esse paradigma prevalece estabelece a separa-

ccedilatildeo entre sujeito e objeto assim como filosofia (como investigaccedilatildeo reflexiva)

e ciecircncia (investigaccedilatildeo objetiva) A consequecircncia dessa separaccedilatildeo ou dis-

junccedilatildeo eacute o culto do individualismo assim como o materialismo da ciecircncia gui-

ada pela teacutecnica e por dados quantitativos que formam as especialidades

(MORIN 2011)

Por consequecircncia a visatildeo sistecircmica incentiva um novo paradigma es-

trutural da sociedade a partir da qual as vertentes ambiental social cultural

econocircmica tecnoloacutegica e de sauacutede puacuteblica de acordo com a PNRS passam

a ser exploradas conjuntamente o que evidencia uma nova forma de perce-

ber a gestatildeo dos resiacuteduos como tambeacutem o processo de inclusatildeo dosas ca-

tadoresas

Nessa perspectiva a inclusatildeo social natildeo pode ser compreendida de

forma isolada pois o termo compreende ldquoem fazer parterdquo assim esse fazer

parte natildeo ocorre atraveacutes de partes isoladas A compreensatildeo natildeo pode ser

dissociada do pensamento complexo pois a realidade eacute feita de interaccedilotildees

e o nosso conhecimento eacute incapaz de perceber a complexidade dessas inte-

raccedilotildees ou seja o tecido que junta tudo Portanto o conhecimento torna-se

cada vez mais pertinente quando eacute possiacutevel encaixaacute-lo em um contexto mais

global (MORIN 2006)

Essa mudanccedila de paradigma gera uma perspectiva holiacutestica no acircm-

bito da legislaccedilatildeo e proporciona um novo enfoque multidisciplinar na gestatildeo

dos resiacuteduos soacutelidos os quais devem tambeacutem alcanccedilar as medidas de geren-

ciamento e a accedilatildeo dos agentes sociais Parte-se de uma compreensatildeo trans-

disciplinar no que tange a sistematicidade que a PNRS aborda em toda sua

estrutura como tambeacutem o enfoque aos agentes sociais natildeo somente as em-

presas e o poder puacuteblico mas sim osas catadoresas de materiais reciclaacuteveis

que desempenham uma funccedilatildeo relevante em toda essa estrutura gerencial

dos resiacuteduos

Alinhando a visatildeo sistecircmica ao pensamento complexo podemos inferir

que o pensamento complexo natildeo eacute uma receita pronta mas sim um desafio

de forma que fomente o pensar natildeo significa completude mas sim busca

mostrar que haacute incompletude do pensamento por conta da fragmentaccedilatildeo e

o objetivo primordial eacute superar essa falsa ideia de fragmentaccedilatildeo (MORIN

2002)

O pensamento complexo compreende o reconhecimento do inaca-

bado do incompleto a partir da percepccedilatildeo da inexistecircncia de saberes ab-

solutos e da constataccedilatildeo dos limites da razatildeo Na teoria da complexidade

todo sistema vivo gera relaccedilotildees complexas complementares recorrentes e

antagocircnicas

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

71

Corroborando com este entendimento Boeira (2012 p 250) destaca

que

[] princiacutepio sistecircmico ou organizacional liga o conhecimento das

partes ao conhecimento do todo A ideia sistecircmica eacute oposta agrave redu-

cionista (lsquoo todo eacute mais do que a soma das partesrsquo) A organizaccedilatildeo

do todo produz qualidades novas em relaccedilatildeo agraves partes consideradas

isoladamente as emergecircncias Mas o todo eacute tambeacutem menos do que

a soma das partes cujas qualidades satildeo inibidas pela organizaccedilatildeo

do todo

Dessa forma a ideia do pensamento complexo e de um novo para-

digma natildeo significa ignorar ou derrubar o pensamento formal e quantificador

presente na ciecircncia moderna mas sim ultrapassar a crenccedila que tal pensa-

mento instituiu que aquilo que natildeo eacute quantificaacutevel ou formalizaacutevel faz parte

do irreal ou seja natildeo existe na realidade social econocircmica ou cultural (MO-

RIN 2002)

O fundamento consiste em conseguir reunir dualidades sem que as uni-

dades sejam perdidas ou seja loacutegicas e princiacutepios coexistem sem que haja

anulaccedilatildeo de um sobre o outro mas sim complementariedade Nesse vieacutes a

ideia na Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos eacute promover esse alinhamento

entre os diversos setores com o objetivo de favorecer uma gestatildeo eficiente e

adequada

Por conseguinte natildeo haacute como isolar a inclusatildeo social pois ela necessita

da articulaccedilatildeo de outros setores sociais poliacuteticos e econocircmicos para que sua

atuaccedilatildeo seja efetiva Alinhando-se com o pensamento complexo de Morin

observa-se que o propoacutesito do pensamento complexo eacute sensibilizar para as

carecircncias do modelo fragmentado e compreender que um pensamento mu-

tilador conduz necessariamente agrave accedilotildees mutilantes (MORIN 2011)

Essa dualidade com a separaccedilatildeo do sujeito e objeto satildeo questionaacuteveis

visto que tambeacutem a consciecircncia de uma maneira incerta reflete o mundo

como o sujeito o faz assim pode-se considerar que o mundo reflete o sujeito

sendo impossiacutevel concebecirc-los separadamente Assim permitir que a anaacutelise

natildeo seja isolada do sujeitoobjeto promove uma compreensatildeo mais alargada

das relaccedilotildees sociais principalmente no que tange indiviacuteduo e sociedade (MO-

RIN 2011)

Pensar a complexidade neste contexto eacute uma realidade necessaacuteria

uma vez que o mundo e tudo o que o compotildeem eacute formado por estruturas

complexas que se interligam e se ressignificam constantemente A complexi-

dade eacute uma realidade que nos coloca diante do paradoxo do uno e do muacutel-

tiplo e ao mesmo tempo como uma forma de organizaccedilatildeo do pensamento

que considera as diferentes influecircncias recebidas como um sistema interli-

gado (MORIN 2011)

Um pensamento natildeo simplificado sugere a construccedilatildeo de pontos de

vista abertos que natildeo procurem uniformizar os fenocircmenos da realidade nem

igualar as suas causas favorecendo as condiccedilotildees para que uma ciecircncia que

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

72

aceita as incertezas e um conhecimento transdisciplinar possam nascer Nessa

compreensatildeo a complexidade se mostra relevante na acepccedilatildeo de que a

Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos natildeo pode ser percebida segmentada

Conforme destaca Belchior em sua anaacutelise (2017 p 52)

A complexidade soacute surge onde o pensamento simplificador falha

mas ela integra em si tudo o que potildee ordem clareza distinccedilatildeo pre-

cisatildeo no conhecimento Enquanto o pensamento simplificador desin-

tegra a complexidade do real o pensamento integra o maacuteximo pos-

siacutevel os modos simplificadores de pensar mas recusa as consequecircn-

cias mutiladoras redutoras unidimensionais e finalmente ofuscantes

de uma simplificaccedilatildeo que considera reflexo do que haacute de real

Nesse contexto o pensamento complexo emerge para nos dizer que o

processo de inclusatildeo social contido na Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos

natildeo deve ser visto de forma fragmentada Pode todavia ser compreendido

como uma maneira de conhecer o mundo dos sujeitos envolvidos no processo

de gestatildeo dos resiacuteduos permitindo despertar mecanismos de enlaces de siacuten-

teses e articulaccedilatildeo de saberes para que realmente esse processo inclusivo

seja alcanccedilaacutevel

42 O PENSAMENTO COMPLEXO E SUA COMPREENSAtildeO DENTRO

DA POLIacuteTICA NACIONAL DE RESIacuteDUOS SOacuteLIDOS

Em face da necessidade de se compreender essa visatildeo complexa con-

veacutem analisar os princiacutepios mais utilizados para se compreender a teoria da

complexidade Satildeo eles princiacutepio sistecircmico princiacutepio hologramaacutetico princiacutepio

do ciacuterculo retroativo princiacutepio do ciacuterculo recursivo princiacutepio da autoeco-orga-

nizaccedilatildeo princiacutepio dialoacutegico e princiacutepio da reintroduccedilatildeo do conhecimento em

si mesmo (BELCHIOR 2017)

Em face da temaacutetica deste artigo somente alguns princiacutepios seratildeo ana-

lisados como o princiacutepio sistecircmico que preleciona que a parte isolada deve

ser agregada ao todo Logo depreende-se que o todo tem particularidades

que natildeo satildeo percebidas nas partes isoladas assim como o contraacuterio pode

ocorrer impedindo uma compreensatildeo coerente do que seja o todo (MORIN

2003)

Nesse silogismo as explanaccedilotildees reducionistas natildeo favorecem o enten-

dimento dessa dinacircmica Agrave medida que se vive um mundo que passa por in-

tensas transformaccedilotildees a ideia de saber se altera como tambeacutem se modifica

a forma de ver o todo Assim natildeo se pode perceber os fatos e contextos iso-

lados ou seja o elo transformador do conhecimento passa por modificaccedilotildees

o tempo todo o que leva a inferir que apreende-se de inuacutemeras maneiras e

com variados meios

Outro princiacutepio que vale destacar eacute o dialoacutegico que pode ser enten-

dido que haacute uma relaccedilatildeo congruente entre a ordem e a desordem A ordem

e a desordem ao mesmo tempo em que suprimem uma a outra em certos

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

73

casos colaboram e produzem organizaccedilatildeo e complexidade Nesse sentido

o princiacutepio dialoacutegico permite preservar a dualidade no seio da unidade asso-

ciando dois termos ao mesmo tempo complementares e antagocircnicos Sendo

assim o princiacutepio dialoacutegico enfatiza as divergecircncias mas natildeo apenas acentua

oposiccedilotildees entre essas acentua igualmente as possibilidades de conciliaccedilotildees

provisoacuterias (MORIN 2003)

Trazendo esse princiacutepio para a Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos

observa-se que haacute uma relaccedilatildeo dialoacutegica entre osas catadoresas de mate-

riais reciclaacuteveis e o poder puacuteblico haja vista que aquelesas natildeo satildeo valoriza-

dosas e reconhecidosas pelo trabalho que realizam para a sociedade Ade-

mais ao mesmo tempo que essa relaccedilatildeo eacute antagocircnica ela se mostra com-

plementar pelo papel que ambos desempenham para o coletivo

O princiacutepio hologramaacutetico considera que a parte estaacute no todo mas

tambeacutem o todo estaacute na parte Essa noccedilatildeo ultrapassa o reducionismo que soacute

vecirc as partes e o holismo que soacute vecirc o todo Nesse princiacutepio o conhecimento

pode ser visto em rede em que tudo estaacute interligado fazendo parte de uma

grande teia de ideias (BELCHIOR 2017)

A ideia do saber em teia eacute transcendente apontando o conhecimento

como um territoacuterio autocircnomo passiacutevel de acasos e incertezas sujeito a dialeacute-

tica autonomiadependecircncia inerente agrave sociedade agrave cultura e ao indiviacuteduo

respeitando a complexidade que a perpassa Essa concepccedilatildeo nos leva a

pensar que processos emancipatoacuterios podem ser esboccedilados a partir da com-

preensatildeo de um saber que religa e natildeo isola suas muacuteltiplas manifestaccedilotildees

Dessa maneira adicionar essa nova forma de pensar pode significar se

abrir para o diferente e natildeo transformar o saber erudito especializado aca-

decircmico num saber dependente do desejo de prestiacutegio e de poder corrom-

pido pela vaidade quando esses natildeo se fazem acompanhar de uma reflexatildeo

sobre a condiccedilatildeo humana e suas complexidades O saber supotildee uma rearti-

culaccedilatildeo aliada agrave reflexividade (MORIN 2002)

Assim no que tange ao processo de inclusatildeo social inserido na Poliacutetica

Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos aduz que a partir da norma essa ideia do saber

inclusivo eacute um caminho linear supondo preceitos apenas atrelados a fatores

externos O que se percebe eacute uma dicotomia reducionista inclusiva natildeo con-

siderando por sua vez as especificidades e as subjetividades inerentes ao ser

humano que constituem sua realidade social cultural e econocircmica

Essa perspectiva reducionista traz o conhecimento fechado comparti-

mentalizado o que contribui para uma construccedilatildeo baseada em certezas Es-

quecendo-se por sua vez que o conhecimento necessita ser realimentado

permanentemente a fim de produzir emancipaccedilatildeo e liberdade sem negar

os perigos que a sua construccedilatildeo envolve Portanto haacute um dinamismo perma-

nente exigindo que haja uma autoanaacutelise quando se trata das responsabili-

dades sociais

Logo esse dinamismo ligado a teia do saber promove uma pluralidade

dialogal abrindo-se a enxergar o outro e as diferenccedilas que surgem ao longo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

74

do processo emancipatoacuterio Ressaltando que o pensamento transformador

reconhece a incompletude desse conhecimento havendo por sua vez uma

relaccedilatildeo entre a realidade exterior a ser conhecida e o sujeito inclusivo do co-

nhecimento (MORIN 2002)

Segundo a visatildeo reducionista o conhecimento pode ser decomposto

porque as partes que lhes satildeo complementares natildeo satildeo percebidas na sua

amplitude como importantes Esse pensamento simplificador ao recortar os

fenocircmenos parece negar a dinacircmica complexa e natildeo linear do processo que

envolve o saber Ademais o complexo eacute observado apenas pela lente da

simplificaccedilatildeo que reduz e distorce a problemaacutetica observada

Outro princiacutepio de extrema relevacircncia agrave compreensatildeo do pensamento

complexo eacute a autoeco-organizaccedilatildeo sendo compreendido como um princiacute-

pio que busca a autonomia e dependecircncia entre os seres vivos Eles se auto-

organizam bem como se produzem em uma relaccedilatildeo autocircnoma poreacutem haacute

uma dependecircncia de outros seres vivos e do ambiente que os cercam (BEL-

CHIOR 2017)

A compreensatildeo da complexidade demonstra a necessidade de mu-

danccedilas na mentalidade e nas atitudes perante ao que seja entendido como

auto-organizaccedilatildeo bem como as relaccedilotildees de ordem e desordem que ocor-

rem nos processos interativos e as novas formas de ordem que surgem no con-

texto social Por isso o que vale ressaltar eacute a perspectiva de uma visatildeo inte-

gralizadora do ser e para o ser

O conceito de ordem ultrapassa o antigo conceito de lei Na noccedilatildeo de

ordem existe natildeo soacute a ideia do determinismo pautado na estabilidade cons-

tacircncia regularidade repeticcedilatildeo mas tambeacutem a noccedilatildeo de estrutura e ainda

de singularidade Natildeo obstante fenocircmenos desordenados satildeo necessaacuterios

em certas condiccedilotildees em certos casos para a produccedilatildeo de fenocircmenos orga-

nizados que contribuem para o aumento da ordem (MORIN 2003)

Essa relaccedilatildeo entre ordemdesordem estabelece um equiliacutebrio ao que

deve ser percebido entre os seres vivos pertencentes a um bioma complexo

e interativo Ademais considera-se que o ser humano que surge da realidade

complexa eacute um ser pertencente a uma espeacutecie que necessita da ligaccedilatildeo

com a natureza com os outros seres humanos e consigo mesmo para se auto-

conhecer e se transformar num movimento de auto-eco-conhecimento

numa concepccedilatildeo de indiviacuteduo e natureza

A proposta eacute se desvincular de um conceito defasado sobre a ideia da

integralidade do ser humano de que esse possui verdades absolutas e doutri-

nas inquestionaacuteveis Assim compreende-se que a complexidade propotildee ba-

lanccedilar estruturas obsoletas proporcionando uma anaacutelise criacutetica das verdades

auto impostas principalmente no que se refere a questionar paradigmas soci-

ais cientiacuteficos e culturais

Assim a Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos promove uma coopera-

ccedilatildeo sistecircmica entre os envolvidos nesse processo de gestatildeo dos resiacuteduos soacuteli-

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

75

dos coadunando-se por sua vez com a teoria da complexidade pois a legis-

laccedilatildeo busca uma visatildeo sistecircmica de gestatildeo e manutenccedilatildeo dos resiacuteduos Logo

o sucesso da poliacutetica depende da efetividade da teia organizacional de todos

os envolvidos

43 A COMPLEXIDADE NA GESTAtildeO DOS RESIacuteDUOS SOacuteLIDOS

A Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos traz a gestatildeo como accedilotildees que

visam soluccedilotildees para os problemas advindos do consumo considerando por

sua vez as dimensotildees poliacutetica econocircmica ambiental cultural e social sob

uma premissa de desenvolvimento sustentaacutevel

Todavia ela traz um conceito complexo de governanccedila moderna sig-

nificando uma forma mais cooperativa de governo diferente do modelo hie-

raacuterquico antigo em que as autoridades estatais exerciam o poder soberano

sobre os grupos e cidadatildeos que constituiacuteam a sociedade civil Na governanccedila

moderna instituiccedilotildees estatais e natildeo estatais agentes puacuteblicos e privados de-

vem participar e cooperar frequentemente na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo

de poliacuteticas puacuteblicas A estrutura da governanccedila moderna natildeo eacute caracteri-

zada pela hierarquia mas pelos agentes envolvidos em uma rede de coope-

raccedilotildees (MAYNTZ 2001)

Apoacutes essa proposta de uma nova governanccedila osas catadoresas de

materiais reciclaacuteveis satildeo colocadosas dentro de um novo paradigma de in-

clusatildeo social de uma noccedilatildeo socioambiental Assim osas catadoresas de

materiais reciclaacuteveis junto com outros segmentos de tradiccedilatildeo socioambiental

estatildeo na fronteira da defesa dos direitos baseados num modelo de desenvol-

vimento integral (ANANIAS 2008)

Para isso necessita-se criar uma nova forma que pense os sujeitos sociais

como seres de muacuteltiplas possibilidades de conhecimento seres organizadores

e reintegradores As referecircncias estruturais satildeo condiccedilotildees essenciais de um

todo dividido em partes logo as partes necessitam do todo e o todo das par-

tes ou seja desestruturando o todo esse se auto-organiza (MORIN 1997)

A complexidade inserida na Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos trans-

potildee os empecilhos sobrepostos pela dura realidade econocircmico-social dosas

catadoresas de materiais reciclaacuteveis Destarte as vivecircncias do cotidiano com

suas subjetividades promovem relaccedilotildees como um todo e natildeo somente com

os processos isolados da gestatildeo dos resiacuteduos soacutelidos Dessa maneira essa nova

concepccedilatildeo promove um saber que engloba e se reproduz a partir da desor-

dem existente no mundo gerando uma nova forma de gerenciar os resiacuteduos

Agrave vista disso o caminho dosas catadoresas de materiais reciclaacuteveis

perpassa um reconhecimento da diferenccedila que se constroacutei na democracia

E se antes o ideal democraacutetico lutava contra a desigualdade social afir-

mando que todos eram semelhantes hoje se reconhece o contraacuterio somos

todos diferentes mas cada um a sua maneira esforccedilando-se para combinar

as experiecircncias de vida atividades teacutecnicas e econocircmicas comuns a todos

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

76

com a particularidade da identidade pessoal e coletiva de cada um (TOU-

RAINE 1998)

A complexidade corrobora uma perspectiva de que o outro seja enten-

dido natildeo somente como similar mas tambeacutem diferente e detentor de um di-

reito igual de ser reconhecido na sua diferenccedila Esse processo traz uma eman-

cipaccedilatildeo enquanto cidadatildeosatildes autoresas da sua proacutepria histoacuteria possibili-

tando uma inclusatildeo natildeo somente social mas cognitiva dentro de uma espiral

de possibilidades

Assim a teoria da complexidade eacute um combustiacutevel para se buscar um

novo olhar do mundo abrir a janela e olhar aleacutem relacionar o homem com o

ambiente em que vive em todos os seus elementos possiacuteveis ou seja conhe-

cer os traccedilos singulares histoacutericos e originais dos fenocircmenos que desejasse co-

nhecer sem relacionaacute-los somente agraves normas gerais (MORIN 2011)

A proposta da complexidade eacute o rompimento com as determinaccedilotildees

de um conhecimento homogeneizante no sentido de ser possiacutevel produzir

uma interaccedilatildeo com os vaacuterios processos de conhecimento favorecendo a au-

tonomia dos sujeitos e reforccedilando sua identidade cultural Nesses termos os

contornos de uma inclusatildeo social dosas catadoresas de materiais reciclaacuteveis

podem ser mais facilmente percebidos para que ocorra uma relaccedilatildeo dialoacute-

gica entre osas catadoresas o processo de reciclagem e a inclusatildeo social

(MORIN 1999)

A atuaccedilatildeo dosas catadoresas de materiais reciclaacuteveis apresenta-se

hoje como uma alternativa para lidar com a questatildeo dos resiacuteduos soacutelidos que

associa teacutecnica economia e inclusatildeo social No entanto o desafio estaacute em

promover uma visatildeo interdisciplinar pois apesar de essencial para o processo

de gestatildeo e gerenciamento dos resiacuteduos soacutelidos gerados enxergar na recicla-

gem uma soluccedilatildeo aos problemas ambientais e sociais do Brasil aleacutem de be-

neficiar apenas ao modelo capitalista vigente por referendar os padrotildees de

consumo atual e a organizaccedilatildeo social natildeo conduz a uma necessaacuteria racio-

nalidade ambiental que parte de uma visatildeo interdisciplinar de todos os agen-

tes envolvidos assim como de seus reflexos ao longo do tempo (MAGERA

2013)

Contudo em um contexto real osas catadoresas natildeo conseguem se

incluir no processo de responsabilidade compartilhada na reciclagem natildeo

por uma escolha mas em face do sistema atual estabelecido na gestatildeo dos

resiacuteduos soacutelidos que natildeo tem interesse em colocar estes trabalhadores como

participantes desse processo a julgar pela atuaccedilatildeo dos ldquoatravessadoresrdquo que

adquirem os materiais reciclados dos catadoresas a valores iacutenfimos e vendem

com margem de lucro muito maior para as empresas de reciclagem (HOLS-

TON 2013)

Surge assim a necessidade de viabilizar uma educaccedilatildeo ambiental para

que todos compreendam o seu papel no processo de gestatildeo dos resiacuteduos soacute-

lidos Ela eacute tambeacutem um elemento decisivo na transiccedilatildeo para um novo con-

ceito ecoloacutegico permitindo ultrapassar a crise atual atraveacutes da qual seja

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

77

transmitido um novo estilo de vida e que haja uma mudanccedila profunda e pro-

gressiva com escalas de valores e atitudes dominantes na sociedade atual

(GUERRA 2012)

[] a Poliacutetica Nacional de Resiacuteduos Soacutelidos que por seus mecanismos

como a logiacutestica reversa entre tantos outros inaugura um novo mo-

delo de gestatildeo e gerenciamento dos resiacuteduos soacutelidos que mais que

solucionar o problema da disposiccedilatildeo final adequada intenta educar

para o consumo incentivando e ateacute instruindo os consumidores a res-

peito das caracteriacutesticas e peculiaridades dos produtos e serviccedilos

capacitando-os para uma postura proativa de exerciacutecio dessa fa-

ceta da cidadania tornando-os cada vez mais conscientes (EFING

KALIL 2016 p 35)

O entendimento de educaccedilatildeo ambiental coaduna-se com uma pro-

posta transdisciplinar de um conhecimento natildeo linear construindo um arca-

bouccedilo favoraacutevel ao pensamento complexo A percepccedilatildeo eacute considerar uma

amplitude de visotildees para partilhar conhecimentos ligados as dimensotildees hu-

manas e ambientais buscando por sua vez uma relaccedilatildeo dialoacutegica entre

aprender e reaprender

Analisando sobre outra perspectiva Leff (2003) traz um conceito de

complexidade que ele denomina de complexidade ambiental a qual visa re-

conhecer que o aprendizado do mundo parte de cada ser humano em uma

relaccedilatildeo do mundo de cada indiviacuteduo e a natureza que o rodeia Assim para

o autor essa compreensatildeo parte do saber e da identidade de cada indiviacuteduo

ou seja esse processo parte de uma aprendizagem em que o indiviacuteduo

emerge da relaccedilatildeo entre o real e o simboacutelico

A complexidade ambiental extrapola o campo das relaccedilotildees de in-

terdisciplinaridade entre paradigmas cientiacuteficos para um diaacutelogo de

saberes que implica um diaacutelogo entre seres diferentes A complexi-

dade ambiental configura uma globalidade alternativa uma con-

fluecircncia e convivecircncia de mundos de vida em permanente processo

de diversificaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo (LEFF 2003 p 22)

Para compreender a complexidade ambiental eacute necessaacuteria a descons-

truccedilatildeo e reconstruccedilatildeo do pensamento ocidental A desconstruccedilatildeo remete a

compreensatildeo de suas origens e de suas causas para analisar os erros come-

tidos na histoacuteria que se firmaram em falsas certezas sobre o mundo a descobrir

e despertar o ser complexo (LEFF 2003)

A teoria da complexidade propotildee uma interaccedilatildeo ligada na diversi-

dade ou seja os sistemas vivos satildeo complexos e muacuteltiplos Dessa forma de-

senvolve-se uma rede que se interliga por meio de uma interdependecircncia dos

traccedilos sociais culturais e histoacutericos que dependem de uma revalorizaccedilatildeo das

especificidades buscando superar a mentalidade simplista de que o ser hu-

mano eacute o detentor do saber mais real e concreto

ldquo

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

78

Conforme destaca Capra (2018 p 148)

Para expandir a compreensatildeo sistecircmica da vida ateacute a esfera social

e em particular ateacute as leis humanas podemos postular um modelo

teoacuterico segundo o qual a vida tem uma unidade fundamental e os

diferentes sistemas vivos exibem padrotildees semelhantes de organiza-

ccedilatildeo A evoluccedilatildeo avanccedilou ao longo de bilhotildees de anos e ao fazecirc-lo

nunca deixou de usar os mesmos padrotildees Agrave medida que a vida evo-

lui esses padrotildees tendem a se tornar cada vez mais complexos mas

nunca deixam de ser variaccedilotildees dos mesmos temas baacutesicos O padratildeo

em rede em particular eacute um dos padrotildees baacutesicos de organizaccedilatildeo

em todos os sistemas vivos Em todos os niacuteveis os componentes e pro-

cessos dos sistemas vivos satildeo interligados em rede Portanto expandir

a concepccedilatildeo sistecircmica da vida agrave esfera social significa aplicar agrave re-

alidade social nosso conhecimento dos padrotildees e princiacutepios de orga-

nizaccedilatildeo baacutesicos da vida e especificamente nossa compreensatildeo

das redes vivas

Essa visatildeo sistecircmica promove uma educaccedilatildeo ligada agrave questatildeo ambien-

tal como forma de promover uma conscientizaccedilatildeo de todos os seres envolvi-

dos nessa teia chamada vida merece ser compreendida atraveacutes de uma au-

tonomia dos sujeitos como seres livres e pensantes Conforme destaca Morin

Precisa-se de uma reconstruccedilatildeo precisa-se das noccedilotildees de autono-

mia dependecircncia da noccedilatildeo de individualidade da noccedilatildeo de au-

toproduccedilatildeo da concepccedilatildeo de um elo recorrente onde estejam ao

mesmo tempo o produto e o produtor [] Precisamos portanto de

uma concepccedilatildeo complexa de sujeito (MORIN 2003 p 128)

Assim se faz mister destacar a justiccedila ambiental como pressuposto da

responsabilidade sendo entendida como o dever de respeitar e cuidar do

outro bem como a humanidade como um todo e a natureza em sentido am-

plo Eacute praticamente impossiacutevel separar os dois planos sem desfigurar a imagem

do homem Os interesses da humanidade coincidem com o resto da vida

logo a ideia eacute um dever para com a humanidade sem incorrer em um redu-

cionismo antropocecircntrico (JONAS 2006)

A justiccedila ambiental promove um novo paradigma acerca das questotildees

ambientais como tambeacutem a perspectiva multidisciplinar de se solucionar os

problemas advindos da sociedade atual Esse novo modelo busca uma cone-

xatildeo pautada no pensamento complexo em que a relaccedilatildeo dialoacutegica entre

ordem e desordem satildeo as chaves para se perceber a ligaccedilatildeo entre os seres

vivos

O estado transitoacuterio do conhecimento revela o princiacutepio de incomple-

tude e da incerteza que perpassam os saberes Segundo esse raciociacutenio a

competecircncia para a complexidade natildeo pode ser completa Eacute tarefa sempre

inconclusa uma qualidade que permite o autoconhecimento numa primeira

instacircncia para num momento posterior compreender os conhecimentos

(MORIN 2003b)

ldquo

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

79

Para Morin o aprendizado eacute constante porque o ser humano eacute autocirc-

nomo em suas potencialidades cognitivas o meio social estaacute no seu interior

assim auto-organiza-se destacado pela sua autonomia e liga-se ao meio so-

cial pela abertura e pela troca que acompanham qualquer processo de com-

plexidade (MORIN 1990)

Ratifica-se portanto que a teoria da complexidade olha para muacuteltiplas

direccedilotildees capaz de gerar a transdisciplinaridade no sentido de permitir simul-

taneamente a unidade cientiacutefica e sua diferenciaccedilatildeo suas possibilidades

compreendendo as complexidades cognitivas que envolvem a organizaccedilatildeo

do saber (MORIN 1990)

O conhecimento enquanto atitude originaacuteria de sentido permite que

o ser humano aprimore as relaccedilotildees consigo mesmo situando-se no meio em

que vive Nesse processo complexo junto com o outro ser vivo ocorre um

compartilhamento ou oposiccedilatildeo a esse outro ser vivo que lhe eacute complementar

oa homemmulher se identifica compreendendo que sua parte completa o

todo

Morin (2000 p 79-80) por sua vez esclarece que

A histoacuteria humana foi e continua a ser uma aventura desconhecida

Grande conquista da inteligecircncia seria poder enfim se libertar da ilu-

satildeo de prever o destino humano O futuro permanece aberto [] O

progresso eacute certamente possiacutevel mas eacute incerto A isso acrescentam-

se todas as incertezas devido agrave velocidade e agrave aceleraccedilatildeo dos pro-

cessos complexos e aleatoacuterios de nossa era planetaacuteria

Por fim a anaacutelise do pensamento complexo inserido na Poliacutetica Nacional

dos Resiacuteduos Soacutelidos constitui uma interpretaccedilatildeo de alguns eixos dentre os

quais destacam-se o dinamismo na perspectiva de que o saber se encontra

em permanente evoluccedilatildeo sugestionando novas soluccedilotildees para os problemas

socioambientais a natildeo linearidade do conhecimento alinhada ao pensa-

mento reducionista a transdisciplinaridade do conhecimento que contempla

o significado das interdependecircncias e dos elos existentes entre os inuacutemeros

saberes que pontuam a nossa existecircncia enfocando a concepccedilatildeo de espe-

cializaccedilatildeo na oacuteptica do pensamento complexo

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Em termos de conclusatildeo tenta-se expor a realidade em sua forma con-

traditoacuteria pode-se dizer que problematizar a reciclagem contribuiu para

apontar alguns limites acerca da inclusatildeo social presente na PNRS Pois

mesmo conferindo reconhecimento juriacutedico na inclusatildeo social presente na

PNRS esta carrega em si uma visatildeo bem fora da realidade vivenciada pelosas

catadoresas de materiais reciclaacuteveis

Dessa forma o pensamento complexo pode ser o ponto de partida ca-

paz de favorecer o entendimento dos processos culturais sociais e ambientais

enquanto conceito interligado que promove um diaacutelogo amplo com a socie-

dade e o estado Reconhecendo assim que somos seres interdependentes e

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

80

que estamos conectados a uma rede universal e complexa Logo compreen-

der que a gestatildeo dos resiacuteduos natildeo ocorre de forma isolada mas sim de forma

conjunta e articulada eacute o ponto inicial para a compreensatildeo do papel dosas

catadoresas de materiais reciclaacuteveis em toda essa estrutura laboral e mais

precisamente das mulheres que atuam nesse processo da cataccedilatildeo

Desta forma torna-se inegaacutevel a contribuiccedilatildeo dos catadoresas para a

sociedade atraveacutes de accedilotildees que minimizem o problema dos resiacuteduos colabo-

rando para a preservaccedilatildeo do meio ambiente e conservaccedilatildeo dos recursos na-

turais Haja vista que a atividade dosas catadoresas de materiais reciclaacuteveis

se relaciona com a proteccedilatildeo da natureza limpeza da cidade reciclagem

aleacutem de um componente social que eacute a geraccedilatildeo de renda e o sustento da

famiacutelia dessesas profissionais

A Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos pode ser compreendida como

um meio colaborativo reconstrutor conectivo entre o meio ambiente socie-

dade e os gestores A efetividade legislativa soacute parece realizaacutevel com a visibi-

lidade de saberes partilhados Logo o entendimento construiacutedo pela comple-

xidade pode afastar a ideia simplista e redutora de que os fenocircmenos ldquosatildeo

como satildeordquo numa tentativa mascarada de escamotear nossa interferecircncia e

nossa responsabilidade nas circunstacircncias histoacuterico-soacutecio-culturais

REFEREcircNCIAS

ANANIAS Patrus Catadores na cena urbana construccedilatildeo de poliacuteticas socioambien-

tais In KEMP Valeacuteria Heloisa CRIVELLARI Helena Maria Tarchi (Org) Catadores na

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com a natureza e a comunidade Satildeo Paulo Editora Cultrix 2008

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olhares para a contemporaneidade

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MORIN Edgar Ciecircncia com consciecircncia Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2003a

MORIN Edgar O meacutetodo 3 o conhecimento do conhecimento Porto Alegre Sulina

2003b

MORIN Edgar O meacutetodo 4 as ideacuteias Porto Alegre Sulina 1999

82

AS FUNCcedilOtildeES DA CIDADE

transdisciplinaridade e complexidade

Liacutevia Brandatildeo Mota Cavalcanti1

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 51 A transdisciplinaridade das funccedilotildees da ci-

dade no ordenamento juriacutedico brasileiro 52 Delineando as funccedilotildees

da cidade 53 A complexidade das funccedilotildees da cidade Considera-

ccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

O presente artigo apresenta como objeto a anaacutelise das funccedilotildees da ci-

dade e sua inserccedilatildeo nos estudos da transdisciplinaridade e do pensamento

complexo segundo os trabalhos do educador Edgar Morin Reflete-se sobre

como a transdisciplinaridade deve ser observada nas funccedilotildees urbaniacutesticas

aleacutem de o que satildeo estas e onde se encontram Por fim pondera-se sobre os

pressupostos da Teoria da Complexidade e sua contribuiccedilatildeo para a operaci-

onalizaccedilatildeo de tais funccedilotildees

A definiccedilatildeo do tema surge pelo interesse em compreender alguns dos

mecanismos que devem ser utilizados no momento de planejar os investimen-

tos puacuteblicos e suas execuccedilotildees pela Administraccedilatildeo Puacuteblica municipal - sob as

perspectivas do Direito Urbaniacutestico Administrativo e Ambiental ndash posterior-

mente usufruiacutedos pela populaccedilatildeo

A pesquisa possui a seguinte pergunta de partida como e em que me-

dida o pensamento complexo - este novo pensar e suas perspectivas consci-

entes das multidimensotildees jaacute conhecidas da sustentabilidade - contribui para

a cumprimento dos direitos agrave moradia ao labor ao transporte e ao lazer con-

forme definido pela Carta Constitucional de 1988 e tambeacutem compreendidos

como funccedilotildees da cidade

O meacutetodo hipoteacutetico dedutivo foi empregado para a realizaccedilatildeo deste

trabalho cientiacutefico por meio de pesquisa exploratoacuteria e revisatildeo de literatura

com anaacutelise criacutetica de doutrinas artigos relatoacuterio e carta

Os toacutepicos foram desenvolvidos de maneira a compreender a transdis-

ciplinaridade e a complexidade presentes nos conteuacutedos das funccedilotildees da ci-

dade pontuando o seu encaixe no ordenamento juriacutedico brasileiro Aleacutem

disso intentou-se reconhecer quais pressupostos da Teoria da Complexidade

podem ser agregados ao estudo destas funccedilotildees e de que forma dar-se-ia tal

aproveitamento

1 Especialista em Direito e Processo Administrativos pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR

CE) Bacharela em Direito pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Advogada E-

mail liviabrandaomotahotmailcom

5

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

83

Por fim espera-se atraveacutes deste trabalho contribuir para a observaccedilatildeo

da importacircncia do atendimento das funccedilotildees da cidade como garantidor de

direitos sociais baacutesicos nos ambientes urbanos sustentaacuteveis atraveacutes de um olhar

complexo

51 A TRANSDISCIPLINARIDADE DAS FUNCcedilOtildeES DA CIDADE NO

ORDENAMENTO JURIacuteDICO BRASILEIRO

A discussatildeo sobre o instituto das funccedilotildees da cidade jaacute nasceu sobre uma

perspectiva de muacuteltiplas vertentes pois teacutecnicos do urbanismo definiram seus

conceitos os quais passiacuteveis de utilizaccedilatildeo em poliacuteticas puacuteblicas implementadas

nos espaccedilos urbanos pelas gestotildees municipais estas se baseando no Direito

Administrativo Entrelaccedilado a tudo isso o Direito Ambiental possibilitou aos im-

perativos de sustentabilidade sua aplicaccedilatildeo quando fatores de anaacutelise do

cumprimento das funccedilotildees da cidade

A compreensatildeo da sincronicidade entre as diversas ciecircncias e mais pro-

fundamente entre as searas juriacutedicas permite analisar as problemaacuteticas como

inseridas em um todo onde cada soluccedilatildeo apresentada gera consequecircncias

de outras ordens Cabe portanto prestigiar de igual forma os Direitos Urbaniacutes-

tico Administrativo e Ambiental ao tratar de funccedilotildees dos espaccedilos urbanos

atentando-se de maneira conjunta agraves poliacuteticas implantadas e visando o me-

nor comprometimento possiacutevel do ambiente Logo as questotildees devem ser

analisadas permeando os diversos acircmbitos envolvidos de maneira a encon-

trar soluccedilotildees viaacuteveis oriundas de um pensar local e global

A inadequaccedilatildeo com efeito tem crescido constantemente entre

nossos saberes parcelados compartimentados entre disciplinas e en-

tre os problemas multidimensionais transnacionais globais planetaacute-

rios A divisatildeo das disciplinas nos torna incapazes de apreender a

complexidade da palavra complexus ldquoo que eacute tecido juntordquo O de-

safio da globalidade eacute um desafio da complexidade Na histoacuteria pla-

netaacuteria as interaccedilotildees e retroaccedilotildees entre os processos econocircmicos

poliacuteticos religiosos demograacuteficos cientiacuteficos teacutecnicos jaacute incontaacuteveis

estatildeo constantemente aumentando Ora uma das trageacutedias do

pensamento atual eacute que nossas universidades e escolas superiores

produzem eminentes especialistas cujo pensamento eacute muito compar-

timentado O economista enxerga apenas a dimensatildeo econocircmica

das coisas assim como o religioso e o demoacutegrafo nas suas respectivas

aacutereas e todos encontram dificuldade para entender as relaccedilotildees en-

tre duas dimensotildees A inteligecircncia que sabe apenas separar quebra

a complexidade do mundo em fragmentos isolados diminuindo as

chances de compreensatildeo e reflexatildeo (MORIN VIVERET 2013 p 8)

Os entes municipais conforme a organizaccedilatildeo poliacutetico-administrativa da

federaccedilatildeo brasileira encontram-se responsaacuteveis por mateacuterias de interesse lo-

cal sejam elas competecircncias legislativas ou administrativas Prevalece a com-

petecircncia municipal se os assuntos repercutem fortemente na sua esfera e no

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

84

interesse da populaccedilatildeo local pois natildeo haacute hierarquia entre as leis dos diferen-

tes entes apenas melhor adequaccedilatildeo advinda da reparticcedilatildeo de competecircn-

cias constitucional (FIGUEIREDO 2005 p 58)

Tais incumbecircncias municipais orientadas pelo artigo 30 da Constituiccedilatildeo

Federal de 19882 submetem-se diretamente agrave poliacutetica de desenvolvimento ur-

bano (CARMONA MENDES 2016 p 30)

Natildeo haacute como se traccedilar um desenvolvimento urbano segundo o artigo

182 da Carta Constitucional3 de acordo com as funccedilotildees sociais da cidade

sem atentar para o direito fundamental encartado pelo artigo 225 CF19884

Este define ser direito-dever da sociedade e da Administraccedilatildeo Puacuteblica zelar

pelo meio ambiente saudaacutevel incluiacutedo o ambiente urbano

O artigo 182 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 embasa o ordenamento

juriacutedico no tocante agrave propriedade urbana e define claramente a imperiosi-

dade do atendimento das funccedilotildees sociais O caput deste artigo evidencia a

orientaccedilatildeo pelo bem-estar da populaccedilatildeo esta sendo compreendida pelos

habitantes de hoje e por aqueles que em um futuro faratildeo da cidade o es-

paccedilo que abrigaraacute suas relaccedilotildees interpessoais laborais e culturais

Inadmitir portanto uma poliacutetica urbana voltada agraves demandas de um

ambiente saudaacutevel e acessiacutevel a todos contraria a reparticcedilatildeo de competecircn-

cias instituiacuteda pelo constituinte haja vista que os conglomerados urbanos

apresentam papel primordial de ofertar aos seus citadinos atuais e futuros

condiccedilotildees sustentaacuteveis para habitar laborar circular e recrear

As zonas urbanas promovem tais objetivos compreendidos como as

funccedilotildees da cidade Inicialmente pelo seu caraacuteter pro moradia pois todos al-

mejam minimamente um espaccedilo para se fixar Apoacutes pelo fato de que os aglo-

merados urbanos concentram mais serviccedilos e demandas e em consequecircn-

cia ofertam mais oportunidades de labor Nesse jogo de necessidades e so-

nhos aumentam os fluxos e as concentraccedilotildees de habitantes aleacutem das possi-

bilidades de realizaccedilatildeo de inuacutemeras atividades recreativas ao redor das ci-

dades exigindo proteccedilatildeo legal para a sua organizaccedilatildeo

No plano federal a proteccedilatildeo infraconstitucional inicia-se pelo Estatuto

da Cidade Lei 10257 de 2001 cuja normatizaccedilatildeo do atendimento agraves funccedilotildees

sociais urbanas perpassa necessariamente pela garantia do direito a cidades

2 Art 30 Compete aos Municiacutepios

I - legislar sobre assuntos de interesse local []

VIII - promover no que couber adequado ordenamento territorial mediante planeja-

mento e controle do uso do parcelamento e da ocupaccedilatildeo do solo urbano

3 Art 182 A poliacutetica de desenvolvimento urbano executada pelo Poder Puacuteblico municipal

conforme diretrizes gerais fixadas em lei tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento

das funccedilotildees sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes

4 Art 225 Todos tecircm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso

comum do povo e essencial agrave sadia qualidade de vida impondo-se ao Poder Puacuteblico e agrave

coletividade o dever de defendecirc-lo e preservaacute-lo para as presentes e futuras geraccedilotildees

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

85

sustentaacuteveis conforme expressatildeo dos incisos I V VIII e X do artigo 2ordm 5 Nas

palavras de Juliana Cavalcante dos Santos (2014 p 568) ldquoassume o citado

Estatuto caracteriacutesticas de lei geral de direito urbaniacutestico disciplinando de

forma ateacute mesmo casuiacutestica a poliacutetica urbana trazendo luz aos ideais de ci-

dades democraacuteticas sustentaacuteveis e planejadasrdquo

Desse modo o Estatuto confere eficaacutecia plena agraves normas constitucio-

nais de desenvolvimento urbano sustentaacutevel e maior aplicabilidade para que

tais diretivas pertenccedilam agrave realidade dos cidadatildeos nas suas comunidades

contribuindo para a seguranccedila o bem-estar e o equiliacutebrio ambiental (CAR-

MONA MENDES 2016 p 30)

A visatildeo de um conglomerado urbaniacutestico sustentaacutevel possibilitando o

equiliacutebrio entre as funccedilotildees sociais da cidade deriva de uma ordenaccedilatildeo esti-

pulada pelo proacuteprio Estatuto Tal ordem urbaniacutestica direciona a praacutetica dos

diferentes agentes que permeiam as cidades os quais devem observar as di-

retrizes do seu artigo 2ordm Quando atendidas tem-se concretizado o direito co-

letivo a uma cidade sustentaacutevel (SUNDFELD 2014 p 56)

A relevacircncia da legislaccedilatildeo na esfera municipal encontra-se na persecu-

ccedilatildeo de melhoramentos bastante singulares para o ente em questatildeo po-

dendo-se estudar e detalhar particularidades da cidade e formas de executar

tais melhorias Visando ao atendimento do interesse puacuteblico as LOMs satildeo ex-

celentes instrumentos de regulaccedilatildeo em consonacircncia com as normas nacio-

nais e federais em prol da efetivaccedilatildeo das funccedilotildees urbanas

Eacute da mais urgente necessidade que cada cidade estabeleccedila seu

programa promulgando leis que permitam sua realizaccedilatildeo () A lei

fixaraacute o ldquoestatuto do solordquo dotando cada funccedilatildeo-chave dos meios

de melhor se exprimir de se instalar nos terrenos mais favoraacuteveis e as

distacircncias mais proveitosas Ela deve prever tambeacutem a proteccedilatildeo e a

guarda das extensotildees que seratildeo ocupadas um dia Ela teraacute o direito

de autorizar ndash ou de proibir ndash ela favoreceraacute todas as iniciativas ade-

quadamente planejadas mas velaraacute para que elas se insiram no

5 Art 2o A poliacutetica urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funccedilotildees

sociais da cidade e da propriedade urbana mediante as seguintes diretrizes gerais

I ndash garantia do direito a cidades sustentaacuteveis entendido como o direito agrave terra urbana agrave

moradia ao saneamento ambiental agrave infra-estrutura urbana ao transporte e aos serviccedilos

puacuteblicos ao trabalho e ao lazer para as presentes e futuras geraccedilotildees []

V ndash oferta de equipamentos urbanos e comunitaacuterios transporte e serviccedilos puacuteblicos ade-

quados aos interesses e necessidades da populaccedilatildeo e agraves caracteriacutesticas locais []

VIII ndash adoccedilatildeo de padrotildees de produccedilatildeo e consumo de bens e serviccedilos e de expansatildeo ur-

bana compatiacuteveis com os limites da sustentabilidade ambiental social e econocircmica do

Municiacutepio e do territoacuterio sob sua aacuterea de influecircncia []

X ndash adequaccedilatildeo dos instrumentos de poliacutetica econocircmica tributaacuteria e financeira e dos gastos

puacuteblicos aos objetivos do desenvolvimento urbano de modo a privilegiar os investimentos

geradores de bem-estar geral e a fruiccedilatildeo dos bens pelos diferentes segmentos sociais (gri-

fos nossos)

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

86

plano geral e sejam sempre subordinadas aos interesses coletivos que

constituem o bem puacuteblico (LE CORBUSIER 1993 p 69)

Aleacutem da especificidade que tais normas podem e devem abordar o

ordenamento local constitui-se poderoso no tocante agrave inclusatildeo de agentes

externos agrave maacutequina estatal facilitadores de poliacuteticas puacuteblicas que atendam

agraves funccedilotildees urbanas Assim sendo considera-se o terceiro setor ou mesmo o

setor privado como capazes de contribuir com o desenvolvimento sustentaacutevel

das cidades

Para aleacutem disso existem outros aspectos que reforccedilam a importacircncia

do niacutevel local Nas cidades satildeo identificadas natildeo somente as neces-

sidades urgentes e as lacunas de desenvolvimento como tambeacutem

os atores locais tanto do setor privado como da sociedade civil que

podem ser incorporados pelos governos em accedilotildees que contribuam

com o alcance da Agenda 2030 () Ao realizar o planejamento eacute

fundamental que os municiacutepios estabeleccedilam objetivos que estejam

dentro de seu escopo de atuaccedilatildeo e que correspondam ao mandato

do governo local Ou seja eacute necessaacuterio fazer propostas que conside-

rem as necessidades com base em dados mas tambeacutem a governa-

bilidade para adequar a proposta agraves caracteriacutesticas do contexto so-

cial poliacutetico e econocircmico do municiacutepio (ONU-Habitat e Colab 2019

p 92)

No contexto municipal a partir da Lei Orgacircnica de Fortaleza percebe-

se o entrelaccedilamento entre todo o ordenamento juriacutedico no tocante agraves poliacuteti-

cas urbanas quando esta reproduz em seu artigo 190 inciso I as normas con-

tidas no artigo 2ordm inciso I do Estatuto da Cidade referentes agraves funccedilotildees urba-

nas

Por oacutebvio que o Estatuto em si natildeo acarreta os resultados persegui-

dos O estabelecimento e regulamentaccedilatildeo da poliacutetica urbana insti-

tuiacuteda pela Constituiccedilatildeo Federal longe de alcanccedilar seus desiacutegnios

pretende com as figuras e institutos do Estatuto fornecer instrumental

em niacutevel municipal para ordenaccedilatildeo do espaccedilo urbano visando agraves

funccedilotildees sociais mencionadas iluminadas pela dignidade da pessoa

humana (SANTOS 2014 p 570)

Jaacute o Plano Diretor Participativo do municiacutepio de Fortaleza ndash CE corres-

pondente agrave Lei Complementar municipal 62 de 2009 normatiza funccedilotildees urba-

nas quando insere poliacuteticas de mobilidade e de moradia como objetivos do

dispositivo e consequentemente poliacuteticas puacuteblicas municipais

Conforme o seu artigo 4ordm inciso XVI 6 tem-se que natildeo se infere apenas

como meta para nortear os serviccedilos ofertados pelo Poder puacuteblico mas tam-

beacutem preocupaccedilatildeo merecedora de uma poliacutetica de mobilidade discriminada

6 Art 4ordm Satildeo objetivos deste Plano Diretor [] XVI ndash promover a acessibilidade e a mobilidade

universal garantindo o acesso de todos os cidadatildeos a qualquer ponto do territoacuterio atraveacutes

da rede viaacuteria e do sistema de transporte coletivo

ldquo

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

87

por todo um capiacutetulo da referida lei em conformidade com os artigos 35 e

seguintes

Por meio do estudo do instituto das funccedilotildees da cidade em ciecircncias e

esferas diferenciadas almeja-se a discussatildeo das problematizaccedilotildees comuns

aos espaccedilos urbanos sem intenccedilatildeo de esgotamento mas de ldquoabertura de

todas as disciplinas ao que as une e as ultrapassardquo (Carta da Transdisciplina-

ridade 1994 p 2)

Correlacionados os dispositivos supracitados surge a necessidade de

compreender as funccedilotildees da cidade de habitar trabalhar circular e recrear

as quais derivam tanto da preocupaccedilatildeo do legislador em oferecer uma poliacute-

tica urbana sustentaacutevel como da atenccedilatildeo agraves necessidades das pessoas que

vivem a cidade com as suas singularidades E neste contexto de aproveita-

mento e fusatildeo de conhecimentos de diferentes aacutereas cabe a reflexatildeo da

complexidade inerente as discussotildees das funccedilotildees da cidade

52 DELINEANDO AS FUNCcedilOtildeES DA CIDADE

A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 trouxe no artigo 182 as funccedilotildees sociais

da cidade muito embora natildeo tenha se debruccedilado na identificaccedilatildeo das mes-

mas (GARCIAS BERNARDI 2008) cabendo a doutrina elucidar o tema Joseacute

Afonso da Silva (2011 p 819) afirma que

Com as normas dos arts 182 e 183 a Constituiccedilatildeo fundamenta a dou-

trina segundo a qual a propriedade urbana eacute formada e condicio-

nada pelo direito urbaniacutestico a fim de cumprir sua funccedilatildeo social es-

peciacutefica realizar as chamadas funccedilotildees urbaniacutesticas de propiciar ha-

bitaccedilatildeo (moradia) condiccedilotildees adequadas de trabalho recreaccedilatildeo e

de circulaccedilatildeo humana

Muito embora tais funccedilotildees da cidade natildeo estejam expressas no art 182

o direito ao trabalho agrave moradia ao transporte e ao lazer encontram-se pre-

vistos no art 6ordm da CF19887 como direitos sociais e como a base para a pro-

teccedilatildeo das funccedilotildees urbanas nas diferentes espeacutecies normativas anteriormente

apontadas

Coube ao Direito Urbaniacutestico organizar a poliacutetica de desenvolvimento

urbano baseando-se nos supracitados artigos constitucionais e adicionando

o caraacuteter de ordenaccedilatildeo tatildeo proacuteprio dos demais instrumentos reguladores das

cidades Em atenccedilatildeo a este conjunto de elementos normativos que configu-

ram a base do Direito Urbaniacutestico cabe ao gestor puacuteblico a execuccedilatildeo destas

normas em prol do interesse puacuteblico isto eacute o pleno desenvolvimento das fun-

ccedilotildees socias da cidade aliado agrave garantia do bem-estar de seus habitantes

A ligaccedilatildeo constitucional entre as noccedilotildees de ldquodireito urbaniacutesticordquo e de

ldquopoliacutetica urbanardquo (poliacutetica puacuteblica) jaacute eacute capaz de nos dizer algo sobre

7 Art 6ordm Satildeo direitos sociais a educaccedilatildeo a sauacutede a alimentaccedilatildeo o trabalho a moradia o

transporte o lazer a seguranccedila a previdecircncia social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave in-

facircncia a assistecircncia aos desamparados na forma desta Constituiccedilatildeo

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

88

o conteuacutedo desse direito que surge como o direito de uma ldquofunccedilatildeo

puacuteblicardquo chamada urbanismo pressupondo finalidades coletivas e

atuaccedilatildeo positiva do Poder Puacuteblico a quem cabe fixar e executar a

citada poliacutetica Pode-se entatildeo afirmar o caraacuteter publiciacutestico do di-

reito urbaniacutestico pois este ramo do Direito nasce justamente para

construir no tocante agrave gestatildeo dos bens privados um sistema decisoacute-

rio complexo em que o Estado exerce papel preponderante []

(SUNDFELD 2014 p 50)

Segundo Hely Lopes Meirelles (2008 p 525) a ciecircncia do Urbanismo en-

contra-se com o Direito produzindo orientaccedilotildees normativas que buscam efe-

tivar as quatro funccedilotildees urbanas quais sejam habitar laborar circular e re-

crear por coexistirem nas mais baacutesicas relaccedilotildees humanas no contexto das ci-

dades

As exigecircncias urbaniacutesticas desenvolveram-se de tal modo nas naccedilotildees

civilizadas e passaram a pedir soluccedilotildees juriacutedicas que se criou em nos-

sos dias o direito urbaniacutestico ramo do direito puacuteblico destinado ao

estudo e formulaccedilatildeo dos princiacutepios e normas que devem reger os es-

paccedilos habitaacuteveis no seu conjunto cidade-campo Na amplitude

desse conceito incluem-se todas as aacutereas em que o homem exerce

coletivamente qualquer de suas quatro funccedilotildees essenciais na comu-

nidade ndash habitaccedilatildeo trabalho circulaccedilatildeo e recreaccedilatildeo ndash excluiacutedas

somente as terras de exploraccedilatildeo agriacutecola pecuaacuteria ou extrativa que

natildeo afetem a vida urbana (MEIRELLES 2008 p 525) (grifos no original)

De maneira mais explicativa constatam-se os vaacuterios setores que se be-

neficiam diretamente da efetivaccedilatildeo das funccedilotildees da cidade comprovando

serem de suma importacircncia para o desenvolvimento urbano sem as quais

nem se consegue discutir crescimento e vida urbana

Analisando-se o texto constitucional pode-se muito bem considerar

que a rigor o objetivo de garantir o bem-estar dos habitantes da ci-dade ja esta contido no de desenvolvimento das func oes sociais da

cidade Desenvolver as func oes sociais de uma cidade representa

implementar uma serie de acoes e programas que tenham por alvo

a evolucao dos varios setores de que se compo e uma comunidade

dentre eles os pertinentes ao come rcio a industria a prestac ao de

servicos a assistencia me dica a educacao ao ensino ao transporte

a habitacao ao lazer e enfim todos os subsistemas que sirvam para

satisfazer as demandas coletivas e individuais (CARVALHO FILHO

2013 p 19)

Originaacuterias da Carta de Atenas de 1933 e resultado do IV Congresso In-

ternacional de Arquitetura Moderna as funccedilotildees urbaniacutesticas servem como cri-

teacuterios norteadores para os agentes propulsores de poliacuteticas puacuteblicas haja vista

que permitem aos administrados executar funccedilotildees baacutesicas relativas ao labor

agrave moradia agrave circulaccedilatildeo e ao lazer

Inicialmente resultado das discussotildees de teacutecnicos do Urbanismo com o

advento da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e a preocupaccedilatildeo do legislador em

ldquo

ldquo

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

89

atentar para o pleno desenvolvimento das funccedilotildees sociais da cidade a dou-

trina do Direito Urbaniacutestico resgatou tais funccedilotildees da Carta Originaacuteria de Ate-

nas identificando sua eficaacutecia para o ordenamento juriacutedico

Este manifesto ldquodefinia como elementos do urbanismo o sol o verde e

o espaccedilo e que por meio da organizaccedilatildeo das funccedilotildees-chave minus trabalhar ha-

bitar circular e recrear que seriam autocircnomas entre si minus dar-se-ia a organiza-

ccedilatildeo da sociedade na cidade contemporacircneardquo (KANASHIRO M 2004 p 34)

Longe de tornar utoacutepica a sistematizaccedilatildeo da cidade tais funccedilotildees apenas re-

presentam o mais baacutesico que se entende e se espera de um centro urbano

sem o qual se complica sobremaneira os laccedilos afetivos e econocircmicos dos ci-

tadinos

Com o estabelecimento das quatro funccedilotildees reconheceram-se direitos

e deveres dos administrados e da Administraccedilatildeo Puacuteblica de maneira a favo-

recer as relaccedilotildees pessoas-espaccedilos conforme a ordenaccedilatildeo proposta pelo Di-

reito Urbaniacutestico e a Ciecircncia do Urbanismo Enquanto a populaccedilatildeo tem o di-

reito a espaccedilos para moradia trabalho locomoccedilatildeo e recreaccedilatildeo bem como

o dever de manter saudaacuteveis estes ambientes cabe ao Poder Puacuteblico ofertar

tais espaccedilos e regulamentaacute-los

Viver na cidade obriga a que todos se sintam subordinados agraves suas

funccedilotildees ou seja um lugar onde residir os locais de trabalho e de es-

tudo os lugares de circulaccedilatildeo e os espaccedilos especiacuteficos da recrea-

ccedilatildeo Assim deveriacuteamos entender uma cidade dentro do conceito de

urbanismo (STUCCHI 2001 p 101)

Para os estudiosos do urbanismo diz-se que a Carta representa o con-

teuacutedo do Urbanismo Funcionalista aleacutem de atentar para o desenvolvimento

da cidade dentro de um planejamento regional e de submeter os interesses

da propriedade privada aos interesses coletivos (LE CORBUSIER 1993)

O funcionalismo ou racionalismo do documento reside no fato que se

estabeleceram as funccedilotildees sociais da cidade observando noccedilotildees de necessi-

dade do homem meacutedio conforme suas atividades cotidianas de modo a es-

tabelecer o mais adequado arranjo urbano (HUMBERT 2015 p 84)

As quatro funccedilotildees elementares encontram-se interligadas apresen-

tando como veacutertebra a jornada diaacuteria do homem meacutedio e considerando a

demanda numerosa da populaccedilatildeo de uma aacuterea urbanizada

O trabalho o ambiente de trabalho a induacutestria o comeacutercio e os ser-

viccedilos satildeo atividades fundamentais para a sustentabilidade econocirc-

mica de uma cidade De fato o trabalho sempre seraacute uma funccedilatildeo

primordial da vida urbana A habitaccedilatildeo eacute o principal refuacutegio do nuacute-

cleo familiar A existecircncia de preacutedios para a habitaccedilatildeo eacute uma das

carateriacutesticas primordiais do ambiente urbano desde tempos imemo-

riais () Outra funccedilatildeo urbaniacutestica essencial da cidade eacute o lazer Os

espaccedilos de recreaccedilatildeo do encontro do contato social entre os mo-

radores do ambiente urbano satildeo importantes para a realizaccedilatildeo in-

tegral do ser humano Satildeo geralmente nesses contatos que nascem

ldquo

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

90

os relacionamentos humanos em todas as esferas de sorte a intensi-

ficar os laccedilos familiares de solidariedade e o sentimento de unidade

de grupo A mobilidade consiste natildeo apenas em alcanccedilar pontos

distantes mas sobretudo alcanccedilar lugares especiacuteficos e atraentes

para a populaccedilatildeo uma vez que a rede urbana precisa unir lugares

() (PERCHE 2016 p 378)

Na visatildeo do arquiteto Le Corbusier (1993) as quatro funccedilotildees-chave ldquoco-

brem um domiacutenio imenso sendo o Urbanismo a consequecircncia de uma ma-

neira de pensar levada agrave vida puacuteblica por uma teacutecnica de accedilatildeordquo Tais funccedilotildees

encontram-se como objetivo inicial de uma vida digna em sociedade urbana

no entanto natildeo encerram as possibilidades de accedilotildees provenientes do Poder

Puacuteblico ou de necessidades da proacutepria populaccedilatildeo

Exemplificando a funccedilatildeo de habitar que natildeo mais deve ser compreen-

dida apenas como o direito agrave moradia mas tambeacutem um local para residir que

encontre vias adequadas de mobilidade urbana ao seu redor ndash apropriadas

para pedestres ciclistas pessoas com mobilidade reduzida veiacuteculos automo-

tores entre outros ndash contribuindo para o deslocamento ao trabalho e agraves ativi-

dades de lazer de seus moradores aleacutem de contar com condiccedilotildees sauacutedaacuteveis

do ambiente em que estaacute inserido e da possibilidade de instalaccedilatildeo de tecno-

logias futuras de rede e de serviccedilos

Inseridas no contexto atual de intensas e raacutepidas modificaccedilotildees dos es-

paccedilos pois na era da informaccedilatildeo as funccedilotildees da cidade constituem-se por-

tanto como indicativos de boas e eficientes poliacuteticas puacuteblicas as quais se de-

senvolvem e se tornam mais complexas gradativamente Neste sentido im-

porta refletir sobre a vinculaccedilatildeo do pensamento complexo agrave ciecircncia juriacutedica

em especial ao diaacutelogo dos Direitos Ambiental Administrativo e Urbaniacutestico

53 A COMPLEXIDADE DAS FUNCcedilOtildeES DA CIDADE

Como a dinacircmica da vida em sociedade constantemente modifica os

interesses (i)mediatos dos administrados e acompanha as evoluccedilotildees da tec-

nologia da ciecircncia e da sauacutede por exemplo infere-se consequentemente

alteraccedilotildees nos conceitos das funccedilotildees urbaniacutesticas As demandas socioeconocirc-

micas e ambientais se intensificaram de tal maneira que o conteuacutedo estabe-

lecido pela primeira Carta de Atenas natildeo foi sufuciente para abarcar as rela-

ccedilotildees miacutenimas do contexto urbano

Isto porque as relaccedilotildees neste cenaacuterio encontram-se mais complexas

tanto pela multiplicidade de participantes quanto pelas diferentes noccedilotildees de

suas necessidades O miacutenimo existencial resulta de incontaacuteveis variaacuteveis distin-

tas e catalizadas pelo periacuteodo histoacuterico atual Assim sendo e nas palavras de

Morin (1994 p 146) ldquoA complexidade parece negativa ou regressiva visto

que eacute a reintroduccedilatildeo da incerteza num conhecimento que tinha partido em

triunfo agrave conquista da certeza absolutardquo contudo deve ser encarada como

uma nova perspectiva para refletir sobre os mecanismos ateacute entatildeo utilizados

e seus desenvolvimentos

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

91

Sendo assim estabeleceu-se em 2003 a Nova Carta de Atenas tra-

zendo consigo novas funccedilotildees dos espaccedilos urbanos com o objetivo de melho-

ria da qualidade de vida e do bem estar social na urbe Valores ambientais

culturais e histoacutericos aleacutem de uma sociedade informatizada foram temas ca-

ros ao novo documento (KANASHIRO M 2004 p 35) sem distanciaacute-los das

quatro funccedilotildees inicialmente pensadas

Com exemplo toma-se a funccedilatildeo de circular que hoje se distancia da

compreensatildeo limitada agrave oferta de uma malha viaacuteria e de transportes puacuteblicos

que unam pontos atraentes para a populaccedilatildeo e agrega ciclofaixas sinaliza-

das e percursos acessiacuteveis para pedestres com as devidas seguranccedila e lim-

peza urbanas Em consequecircncia cria-se condiccedilotildees para uma cidade susten-

taacutevel objetivo jaacute encartado no Estatuto da Cidade

Ainda outras das funccedilotildees da cidade satildeo os movimentos racionais e

a acessibilidade que vinculam o planejamento a estrateacutegia de trans-

porte de forma integrada Com isto melhorando as interconexotildees o

transporte puacuteblico ampliando as ruas livres de carros e promovendo

a caminhada e o uso da bicicleta A cidade ecoloacutegica conceito da

nova Carta de Atenas 2003 com a sustentabilidade constituindo num

processo de planejamento conectado ao processo de participaccedilatildeo

social constituindo-se em princiacutepios do desenvolvimento sustentaacutevel

(GARCIAS BERNARDI 2008) (grifos nossos)

Ademais as funccedilotildees da cidade relacionam-se fortemente com o direito

a cidades sustentaacuteveis Sustentabilidade natildeo eacute mais sinocircnimo de atenccedilatildeo

apenas a demandas ambientais Juarez Freitas (2012 p 56) de maneira muito

exitosa conseguiu concatenar as distintas poreacutem complementares dimen-

sotildees da sustentabilidade caracterizando sua multidimensionalidade para

aleacutem do consagrado tripeacute social ambiental e econocircmico Afirma portanto

serem cinco as dimensotildees quais sejam ambiental social econocircmica eacutetica e

juriacutedico-poliacutetica

A compreensatildeo das dimensotildees de um instituto ou fenocircmeno segundo

Morin (1994 p 138) insere-se como mais um pressuposto do pensamento com-

plexo o qual natildeo exige o esgotamento dos saberes relacionados e sim a con-

sideraccedilatildeo de seus muacuteltiplos aspectos para entatildeo pensar em soluccedilotildees cabiacuteveis

Percebe-se destarte a iacutentima relaccedilatildeo entre as funccedilotildees da cidade as

dimensotildees da sustentabilidade e a realizaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que aten-

dam ao interesse puacuteblico primaacuterio natildeo se limitando agrave proteccedilatildeo de aacutereas ver-

des ou a medidas em prol do ambiente natural Discutir cidades sustentaacuteveis

abrange questotildees interligadas de habitaccedilatildeo labor tracircnsito e lazer tomadas

por estes cinco vieses da sustentabilidade em toda a sua complexidade

Estas dimensotildees tangenciam demandas relacionadas com os diferentes

espaccedilos nas cidades (dimensatildeo ambiental) as poliacuteticas puacuteblicas e os serviccedilos

postos ao alcance dos seus habitantes (dimensatildeo social) o direcionamento

dos valores dos cofres puacuteblicos para ordenar a cidade e endossar atividades

de maneira a atender as necessidades de seus habitantes (dimensatildeo econocirc-

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

92

mica) o direito-dever de oferecer agraves presentes e futuras geraccedilotildees uma ci-

dade amparada por essas poliacuteticas puacuteblicas coerentes (dimensatildeo eacutetica) e os

instrumentos processuais e administrativos agrave disposiccedilatildeo da sociedade para a

proteccedilatildeo dos direitos que envolvem uma cidade sustentaacutevel (dimensatildeo juriacute-

dico-poliacutetica) Isto chama-se desenvolvimento sustentaacutevel de uma cidade

Nessa perspectiva pode-se dizer tambeacutem que deve haver um equiliacute-

brio entre o desenvolvimento econocircmico e a proteccedilatildeo ambiental de

modo que haja o compromisso dos Municiacutepios e da populaccedilatildeo com

um meio ambiente ecologicamente equilibrado e que a ideia de

progresso e desenvolvimento somente faccedila sentido se houver con-

juntamente uma concepccedilatildeo eacutetica de sustentabilidade (DANTAS

ALBUQUERQUE 2017 p 255)

No tocante agrave dimensatildeo juriacutedico-poliacutetica da sustentabilidade cabe o re-

forccedilo da relevacircncia de um ordanamento juriacutedico que acolha as novas de-

mandas da comunidade e inclua instrumentos normativos os quais atendam

as necessidades atuais da cidade como eacute o caso da revisatildeo decenal obriga-

toacuteria do Plano Diretor em conformidade com o sect3ordm do artigo 40 do Estatuto

da Cidade

Entatildeo cumpre repetir o caraacuteter sustentaacutevel da cidade a partir da aten-

ccedilatildeo a todas as funccedilotildees do espaccedilo urbano reconhecidas nas distintas aacutereas

teacutecnicas que contribuem com o diaacutelogo de saberes sobre o tema por ser a

alternativa que melhor aproxima as necessidades dos cidadatildeos do papel ge-

renciador do Estado em especial do Poder Executivo municipal

A partir do arcabouccedilo normativo do ordenamento desde as leis nacio-

nais ateacute as LOMs bem como dos processos de negociaccedilatildeo com foco no bem

estar dos habitantes deriva o direito a cidades que atentem para as funccedilotildees

urbanas jaacute que ldquoA complexidade ambiental reclama a participaccedilatildeo de es-

pecialistas que trazem pontos de vista diferentes e complementares sobre um

problema e uma realidade ()rdquo (LEFF 2011 p 322)

A dificuldade em analisar os conflitos urbanos de maneira sistecircmica con-

tribui para soluccedilotildees fragmentadas de curto prazo e potenciais causadoras de

novos conflitos com relaccedilatildeo direta ao inicial prejudicando o pensar global e

a multiplicaccedilatildeo de novas perspectivas vantajosas ao ambiente

Eacute sensibilizar para as enormes carecircncias de nosso pensamento e

compreender que um pensamento mutilador conduz necessaria-

mente a accedilotildees mutilantes Eacute tomar consciecircncia da patologia con-

temporacircnea do pensamento () A patologia moderna da mente

estaacute na hipersimplificaccedilatildeo que natildeo deixa ver a complexidade do

real (MORIN 2007 p 15)

Entatildeo tais pressupostos ndash a aparente reduccedilatildeo inicial dos saberes o novo

pensar a consideraccedilatildeo das dimensotildees jaacute conhecidas do fenocircmeno e o surgi-

mento de perspectivas ndash somados ao entendimento de que complexidade

natildeo eacute conclusatildeo (MORIN 1994 p 137) e sim meacutetodo e instrumentos para o

ldquo

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

93

diaacutelogo dos conhecimentos permitem compreender as funccedilotildees da cidade

como aliadas do desenvolvimento urbano

O pensamento complexo beneficia o estudo e a aplicaccedilatildeo das funccedilotildees

urbaniacutesticas nas relaccedilotildees que permeiam as cidades por entender a diversi-

dade de agentes direitos e interesses envolvidos e permitir que a construccedilatildeo

de novas perspectivas e costumes se consolide em prol de ambientes saudaacute-

veis e equilibrados

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A compreensatildeo do espaccedilo urbano sustentaacutevel perpassa necessaria-

mente pelo atendimento das funccedilotildees da cidade quando executados melho-

ramentos urbanos ou poliacuteticas puacuteblicas E dada a velocidade com que as mu-

danccedilas ocorrem na era da informaccedilatildeo as necessidades da populaccedilatildeo se

modificam e se tornam mais complexas gradualmente dificultando compre-

ensotildees simplistas das relaccedilotildees humanas que envolvem os espaccedilos urbanos

Contudo infere-se aacuterdua ndash e por vezes infrutiacutefera ndash separaccedilatildeo do que

seria da ordem dos Direitos Urbaniacutestico Administrativo ou Ambiental no to-

cante a este instituto Talvez por tais funccedilotildees terem nascido em um movimento

de uma ciecircncia paralela ao Direito ou mesmo pelo compartilhamento de con-

ceitos e pela sua aplicaccedilatildeo em um campo no qual o Urbanismo e o Direito

frequentemente dialogam Este eacute um dos propoacutesitos do pensamento com-

plexo (re)tomar agraves problematizaccedilotildees sob a perspectiva da diversidade exis-

tente nos dilemas sociais

Assim sendo a transdisciplinaridade se encarrega de unir os saberes e

permite que se apliquem em prol do cumprimento dos direitos sociais de ha-

bitaccedilatildeo labor circulaccedilatildeo e recreaccedilatildeo mais do que setorizando os trabalhos

agregando os esforccedilos de especialidades diferenciadas

No tocante agrave complexidade das funccedilotildees urbaniacutesticas intimamente re-

lacionada com o perfil multidisciplinar do tema percebe-se a necessidade de

olhares sistecircmicos diante das problematizaccedilotildees enfrentadas afastando a

conservadora visatildeo linear e voltada agrave especificidade dos temas juriacutedicos os

quais comprovam-se cada vez mais interligados

Os pressupostos da Teoria da Complexidade de Edgar Morin (1994) con-

tribuem sobremaneira para a anaacutelise e a aplicaccedilatildeo das funccedilotildees da cidade

na medida em que convidam a populaccedilatildeo interessada e a Administraccedilatildeo

Puacuteblica ao novo pensar pautado nas dimensotildees ateacute entatildeo conhecidas do

instituto e ao surgimento de novas formas de interpretar e se comportar nos

ambientes urbanos

Logo operar as funccedilotildees da cidade com conceitos capazes de valorizar

o ambiente urbano em prol da dignidade das pessoas que compotildeem esse

sistema adveacutem do pensar de maneira local e global importando solucionar

questotildees sem desatentar aos resultados porventura danosos em outras aacutereas

e favorecendo a construccedilatildeo de cidades sustentaacuteveis

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

94

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olhares para a contemporaneidade

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96

JUSTICcedilA RESTAURATIVA

um novo paradigma na

soluccedilatildeo de conflitos

Raquel Lima Batista1

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 61 O que eacute a Justiccedila Restaurativa 62 Como

a Justiccedila Restaurativa pode facilitar o encontro de soluccedilotildees mais

saudaacuteveis para as partes 63 Desafios para a aplicaccedilatildeo da justiccedila

Restaurativa Consideraccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

Os acontecimentos e a vida cotidiana poliacutetica e econocircmica demons-

tram o papel relevante do Judiciaacuterio como uma espeacutecie de poder modera-

dor ajudando e colaborando com sua atividade para a consolidaccedilatildeo da paz

e manutenccedilatildeo das relaccedilotildees

A Justiccedila Restaurativa vem sendo disseminada estabelecendo-se e fir-

mando seu objetivo ao introduzir uma nova perspectiva para a soluccedilatildeo de

conflitos priorizando a inovaccedilatildeo e a sensibilidade

Sua forma de atuaccedilatildeo busca ouvir as viacutetimas e suas queixas escutar os

ofensores e suas motivaccedilotildees promovendo a aproximaccedilatildeo de ambos os lados

suas famiacutelias e a comunidade em que vivem

Neste pilar a Justiccedila Restaurativa surge demonstrando sua importacircncia

e necessidade quando busca encontrar uma soluccedilatildeo adequada e satisfatoacuteria

para os conflitos sociais Este tem sido um grande desafio e a principal busca

para os construtores do Direito

Diante disso a presente pesquisa pretende investigar como e em que

medida uma abordagem mais sistecircmica buscando soluccedilotildees mais profundas

e duradouras pode ajudar as partes na soluccedilatildeo de suas demandas evidenci-

ando uma justiccedila que busca restaurar Dividindo-se em trecircs seccedilotildees o artigo

abordaraacute o que eacute a Justiccedila Restaurativa sua origem e seus limites na se-

gunda seccedilatildeo como a justiccedila restaurativa pode facilitar o encontro de solu-

ccedilotildees mais saudaacuteveis para as partes e a terceira por fim desafios para sua

aplicaccedilatildeo avaliando as suas potencialidades A metodologia utilizada eacute qua-

litativa teoacuterica descritiva bibliograacutefica e indutiva

1 Graduada em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Especialista de

Gestatildeo de Pessoas pela Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas (FGV) Especialista em Gestatildeo de Ne-

goacutecios pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJRJ) Especialista em Consultoria

Organizacional pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Graduada em Administra-

ccedilatildeo de Empresas pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE)

E-mail quelzyhotmailcom

6

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

97

61 O QUE Eacute A JUSTICcedilA RESTAURATIVA

Conforme publicaccedilatildeo do Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) os recen-

tes acontecimentos e a vida cotidiana poliacutetica e econocircmica demonstram o

papel relevante do Judiciaacuterio como uma espeacutecie de poder moderador aju-

dando e colaborando com sua atividade para a consolidaccedilatildeo da paz social

(BRASIL 2016 p 11)

Afirma o CNJ que a partir da chamada Era dos Direitos anunciada pelo

pensador italiano Norberto Bobbio o Judiciaacuterio vem sendo demandado cada

vez mais por pessoas comuns que buscam a concretizaccedilatildeo das promessas

da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 (BRASIL 2016 p 11) Bobbio (2004 p 51) en-

sina que

[] os direitos do homem satildeo direitos histoacutericos que emergem gradu-

almente das lutas que o homem trava por sua proacutepria emancipaccedilatildeo

e das transformaccedilotildees das condiccedilotildees de vida que essas lutas produ-

zem [] os direitos ditos humanos satildeo o produto natildeo da natureza

mas da civilizaccedilatildeo humana enquanto direitos histoacutericos eles satildeo mu-

taacuteveis ou seja suscetiacuteveis de transformaccedilatildeo e de ampliaccedilatildeo

A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 previu os Direitos Fundamentais exer-

cendo funccedilotildees de defesa ou de liberdade funccedilatildeo de prestaccedilatildeo social fun-

ccedilatildeo de proteccedilatildeo perante terceiros e funccedilatildeo de natildeo discriminaccedilatildeo (CANOTI-

LHO 2003 p 407) Observados conforme arts 6ordm a 11 da CF88 se percebe a

existecircncia tanto de direitos a prestaccedilotildees quanto a concretizaccedilotildees dos direitos

de liberdade e igualdade segundo Silva (2016)

Segundo o CNJ a Justiccedila Restaurativa vem sendo disseminada estabe-

lecendo-se e firmando seu objetivo ao introduzir uma nova perspectiva para

a soluccedilatildeo de conflitos priorizando a inovaccedilatildeo e sensibilidade Sua forma de

atuaccedilatildeo busca ouvir as viacutetimas e suas queixas escutar os ofensores e suas mo-

tivaccedilotildees promovendo a aproximaccedilatildeo de ambos os lados suas famiacutelias e a

comunidade em que vivem Nessa esteira os juiacutezes brasileiros vecircm aprofun-

dando a relaccedilatildeo com a sociedade individualmente e por meio do CNJ (BRA-

SIL 2016 p 11)

O movimento que institucionaliza as teacutecnicas restaurativas teve origem

em 1974 no Canadaacute quando em uma experiecircncia um Juiz na proviacutencia de

Ontaacuterio determinou que dois jovens acusados de depredar vinte e duas pro-

priedades se encontrassem com suas viacutetimas resultando deste encontro um

acordo de reparaccedilatildeo dos danos causados segundo Oldoni Lippmann e Gi-

rardi (2018 p 25)

Apoacutes este acontecimento Oldoni Lippmann e Girardi (2018 p 25) citam

outros fatos relevantes Em 1994 na Aacutefrica do Sul foi utilizado o modelo deno-

minado Zwelethamba durante as eleiccedilotildees daquele ano e depois foi desen-

volvido e utilizado em outras ocasiotildees

Destacam ainda que a Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) passou

a aconselhar que os estados membros considerassem uma legislaccedilatildeo voltada

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

98

para os interesses das viacutetimas fato constatado em 1990 quando da realizaccedilatildeo

da Conferecircncia Internacional na Itaacutelia sopesando o crescente interesse mun-

dial no assunto (OLDONI LIPPMANN e GIRARDI 2018 p 25)

A origem da Justiccedila Restaurativa e seu contorno para a resoluccedilatildeo de

conflitos ainda eacute muito questionada Segundo Nader (1994) existe um relativo

consenso que as concepccedilotildees para sua implementaccedilatildeo no acircmbito judiciaacuterio

apareceram em paiacuteses como os Estados Unidos Canadaacute e Nova Zelacircndia

juntando-se ao crescimento nas deacutecadas de 1970-1980 do que se convenci-

onou chamar de resoluccedilotildees alternativas de disputas ou estilos conciliatoacuterios

de disputas

No Brasil um resultado do movimento pela Justiccedila Restaurativa pode ser

visto na Constituiccedilatildeo Federal de 1998 art 98 inciso I quando possibilita ldquoa

conciliaccedilatildeo e a transaccedilatildeo em casos de infraccedilatildeo penal de menor potencial

ofensivordquo flexibilizando segundo Oldoni Lippmann e Girardi (2018 p 27) o

princiacutepio da obrigatoriedade da accedilatildeo penal

Posteriormente surgem novas aplicaccedilotildees positivadas como no Estatuto

da Crianccedila e do Adolescente (Lei nordm 80691990) que em seu artigo 126 re-

cepciona a possibilidade de remissatildeo podendo o processo ser excluiacutedo sus-

penso ou extinto desde que a composiccedilatildeo do dano seja aperfeiccediloada entre

os envolvidos de forma livre e consensual A Justiccedila Restaurativa assim eacute no-

toriamente impulsionada segundo Oldoni Lippmann e Girardi (2018 p 27)

A ideia de reparar e restaurar as relaccedilotildees sempre foi um costume co-

mum em eacutepocas remotas previsto nas praacuteticas encontradas em muitos docu-

mentos legais da antiguidade para exemplificar cabem o Coacutedigo de Ur-

Nammu (2112 aC) lei antiga utilizada no Oriente Meacutedio o primeiro a abordar

o assunto o Coacutedigo de Hamurabi (1772 aC) onde podem ser observadas

muitas sanccedilotildees centradas na reparaccedilatildeo e Lei das Doze Taacutebuas (450 aC) que

previa como sanccedilatildeo para o delito de furto o pagamento em dobro do valor

da coisa subtraiacuteda e no Direito Romano onde os crimes privados permitiam o

pagamento de uma quantia em pecuacutenia conforme observado por Oldoni

Lippmann e Girardi (2018 p14)

Conforme o CNJ

A Justiccedila Restaurativa integra oficialmente a agenda do Judiciaacuterio

desde agosto de 2014 ocasiatildeo em que o Conselho assinou um termo

de cooperaccedilatildeo com a Associaccedilatildeo dos Magistrados do Brasil (AMB)

e outras instituiccedilotildees visando agrave difusatildeo dessa modalidade de soluccedilatildeo

de conflitos em todo o paiacutes A contribuiccedilatildeo com o desenvolvimento

da Justiccedila Restaurativa foi uma das prioridades da gestatildeo do CNJ

para o biecircnio 2015-2016 passando a integrar o planejamento de

longo prazo do oacutergatildeo e condicionando a formulaccedilatildeo das metas na-

cionais da Estrateacutegia Nacional do Poder Judiciaacuterio 2015-2020 (BRASIL

2016 p 12)

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

99

O resultado desse planejamento materializou-se na Resoluccedilatildeo n

2252016 aprovada pelo Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) na 232ordf Sessatildeo

Plenaacuteria

Seu texto foi elaborado considerando sugestotildees e recomendaccedilotildees da

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) e a experiecircncia acumulada por inuacute-

meros juiacutezes que jaacute abraccedilavam e adotavam essa praacutetica

Nos termos da referida Resoluccedilatildeo a Justiccedila Restaurativa constitui um

conjunto ordenado e sistemaacutetico de princiacutepios meacutetodos teacutecnicas e ativida-

des que objetivam colocar em destaque os fatores relacionais institucionais e

sociais motivadores de conflitos e violecircncias O texto estipula tambeacutem as atri-

buiccedilotildees de juiacutezes Tribunais e do proacuteprio Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ)

abrangendo a formaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo de especialistas bem assim o moni-

toramento e a avaliaccedilatildeo permanente dessa atividade conforme Oldoni

Lippmann e Girardi (2018 p 16)

O entendimento do que eacute a justiccedila restaurativa passa pela mudanccedila

do foco epistemoloacutegico ndash mudar as lentes Acompanhando esse entendi-

mento Pinto (2008 p 190) cita que o crime para a justiccedila restaurativa eacute uma

violaccedilatildeo nas relaccedilotildees entre o infrator a viacutetima e a comunidade cabendo agrave

esta identificar as necessidades e obrigaccedilotildees oriundas dessa violaccedilatildeo e do

trauma causado

Alude que cabe tambeacutem agrave Justiccedila Restaurativa oportunizar e encorajar

o diaacutelogo entre os envolvidos possibilitando um acordo como sujeitos centrais

do processo sendo a justiccedila avaliada segundo sua capacidade de fazer com

que as responsabilidades pelo cometimento do delito sejam assumidas as ne-

cessidades oriundas da ofensa sejam atendidas e um resultado individual e

socialmente terapecircutico seja alcanccedilado

O foco epistemoloacutegico da Justiccedila Restaurativa eacute voltar-se para a restau-

raccedilatildeo dos relacionamentos olhando para o futuro Rompe assim o paradigma

de simplesmente concentrar-se no passado no conflito e na culpa

Pinto (2008 p 190) continua esclarecendo que a justiccedila convencional

diz vocecirc fez isso e tem que ser castigado A justiccedila restaurativa rompe com

esse olhar e leva para o pensamento o que vocecirc pode fazer agora para res-

taurar isso

A Justiccedila Restaurativa eacute portanto um movimento que visa a institucio-

nalizar as teacutecnicas restaurativas pelo Poder Judiciaacuterio e segundo Santana

apresenta a ideia de uma reparaccedilatildeo individual e coletiva quando o trans-

gressor incorre na obrigaccedilatildeo de reparar a viacutetima e a comunidade fundamen-

tado ainda no reconhecimento do conflito objetivando a resoluccedilatildeo dele ou

a reconciliaccedilatildeo das partes (2010 p 10)

Segundo Bandeira (2019) cabe destacar que entre os princiacutepios que ori-

entam a Justiccedila Restaurativa estatildeo a reparaccedilatildeo dos danos atendimento agraves

necessidades de todos os envolvidos informalidade voluntariedade imparci-

alidade participaccedilatildeo confidencialidade celeridade e urbanidade

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

100

Compreendido o conceito que fundamenta o que eacute Justiccedila Restaura-

tiva e sua origem seraacute aprofundado no toacutepico seguinte como ela pode fa-

cilitar o entendimento entre as partes e o encontro de soluccedilotildees mais saudaacuteveis

e duradouras

62 COMO A JUSTICcedilA RESTAURATIVA PODE FACILITAR O

ENCONTRO DE SOLUCcedilOtildeES MAIS SAUDAacuteVEIS PARA AS PARTES

Nos tempos atuais encontrar uma soluccedilatildeo adequada e satisfatoacuteria

para os conflitos sociais tem sido o grande desafio e a busca principal do Di-

reito O Estado quando chamado a intervir finaliza a lide com o uso de uma

sentenccedila

Segundo Oldoni Lippmann e Girardi (2018 p 16) essa forma de atua-

ccedilatildeo utilizando uma sentenccedila apresenta duas inconsistecircncias a primeira que

o conflito pode ser solucionado e a segunda que essa soluccedilatildeo seja alcan-

ccedilada por um terceiro

Continuam os autores esclarecendo o porquecirc da inconsistecircncia

O motivo de pacificaccedilatildeo social deve ser acompanhado da transfor-

maccedilatildeo do conflito funccedilatildeo essa distribuiacuteda agraves partes envolvidas por

serem os uacutenicos capazes de saber o que motiva as diferenccedilas e qual

a melhor forma de compreendecirc-las e transformaacute-las em algo positivo

(OLDONI LIPPMANN GIRARDI 2018 p17)

Para Nietzsche o sentido da puniccedilatildeo eacute rebaixar algueacutem fazendo-o se

sentir socialmente inferior natildeo fazendo mais parte Ou seja a pena exerce

uma funccedilatildeo desagregadora quando natildeo traduz a vontade das partes natildeo

compreende a motivaccedilatildeo e aumenta a dor e sofrimento dos envolvidos (2009

p 74)

O conflito eacute algo normal nos relacionamentos humanos e funciona

como um atrator para a mudanccedila devendo ser visto como uma oportuni-

dade de crescimento bem como forma de aumentar a compreensatildeo da es-

trutura social de noacutes e dos outros

A correta compreensatildeo que fazemos parte de um todo eacute essencial para

o processo de transformaccedilatildeo das relaccedilotildees afetadas pelos conflitos Observar

o problema como uma oportunidade de abordar o mais amplo e compreen-

der os padrotildees que geraram a crise possibilita o entendimento daquele sis-

tema de relacionamentos gerando respeito Assim vem ganhando importacircn-

cia a Justiccedila Restaurativa conceituada como sendo a justiccedila que visa alcan-

ccedilar o equiliacutebrio bem como restaurar e pacificar as relaccedilotildees transformando-

as

Segundo o Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) por meio dessa meto-

dologia de escuta das partes suas queixas e motivaccedilotildees o magistrado antes

de solucionar unilateralmente um litiacutegio procura reconstruir as relaccedilotildees antes

estabelecidas alcanccedilar consensos entre as partes envolvidas e quando pos-

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

101

siacutevel recompor os danos emergentes As partes que aceitam participar do ex-

perimento com o uso da Justiccedila Restaurativa satildeo acompanhadas por profissi-

onais capacitados e especializados para tanto (2016 p 12)

Quanto agrave forma de proceder aberto o diaacutelogo entre as partes o ofen-

sor teraacute a oportunidade de falar sobre as razotildees que o levaram a praticar o

ato iliacutecito suas motivaccedilotildees e razotildees

Jaacute a viacutetima poderaacute revelar como foi afetada pela conduta da parte

contraacuteria suas afliccedilotildees e os prejuiacutezos que experimentou possibilitando a opor-

tunidade e esclarecendo os dois lados de forma aberta e clara os sentimen-

tos que nutrem um com relaccedilatildeo ao outro O procedimento busca que as par-

tes envolvidas em um conflito sempre que possiacutevel retomem a sua vida nor-

mal

Destaca-se a forma de atuaccedilatildeo da Justiccedila Restaurativa que supera a

ideia de puniccedilatildeo relacionando-se com o Direito Sistecircmico onde ambos utili-

zam a visatildeo sistecircmica para solucionar conflitos em que autor e viacutetima se apro-

ximam buscando restaurar as relaccedilotildees e os eventuais danos sofridos

As partes envolvidas no conflito necessitam da restauraccedilatildeo de suas re-

laccedilotildees e natildeo simplesmente de um acordo desta forma um meio seria alcan-

ccedilar um consenso sendo este o melhor caminho para que as partes possam

ressignificar o conflito e contribuir para a pacificaccedilatildeo social

Partindo de uma ldquoescuta ativardquo dos envolvidos busca-se fazer que estes

compreendam melhor as suas responsabilidades e contribuiccedilotildees apontando-

lhes caminhos para uma convivecircncia paciacutefica

Oportuno apresentar o triacircngulo dramaacutetico de Karpman citado por Ja-

lowitzki (2014) trazendo os trecircs papeacuteis especiacuteficos de comportamento que satildeo

algoz (acusador) viacutetima (agressor) e salvador (defensor) onde cada membro

da famiacutelia pode assumir um papel ou perpassar pelos demais em ciclos inter-

minaacuteveis reforccedilando os conflitos internos das famiacutelias

A Justiccedila Restaurativa que apresenta uma soluccedilatildeo sistecircmica para ser

adequada e amparar no atingimento de uma justiccedila que busca a cura pre-

cisaraacute necessariamente em casos de separaccedilatildeo conjugal para exemplificar

proteger os filhos de qualquer desordem existente entre os pais para que pos-

sam sentir a presenccedila harmocircnica do pai e da matildee em suas vidas

O juiz conforme o pensamento de Sami Storch (2011) por sua vez antes

de decidir deve sopesar essa realidade e ter em seu coraccedilatildeo as crianccedilas e

ambos os pais aleacutem de outras pessoas envolvidas sem julgamentos de qual-

quer tipo

Dr Sami Storch (2017) explana ainda que numa accedilatildeo de divoacutercio a

soluccedilatildeo juriacutedica concernente aos filhos menores pode ser meramente definir

qual dos pais permaneceraacute com a guarda como seraacute o regime de visitas e

qual seraacute o valor da pensatildeo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

102

Isto eacute o que habitualmente se define mas de nada adiantaraacute uma de-

cisatildeo judicial imposta se os pais permanecerem se agredindo Independente-

mente do valor da pensatildeo ou de quem seraacute o guardiatildeo os filhos cresceratildeo

como se eles mesmos fossem os alvos das agressotildees e ofensas de ambos os

pais (BATISTA 2019)

Uma ofensa e um insulto do pai contra a matildee ou da matildee contra o pai

satildeo sentidas pelos filhos como se estes fossem as viacutetimas dos ataques e dos

conflitos mesmo que natildeo se deem conta disso Isso porque sistemicamente

os filhos satildeo fortemente ligados e vinculados a ambos os pais por meio deles

receberam a vida

Por isso eacute que mesmo que o filho revele apresente uma rejeiccedilatildeo ao pai

toda essa rejeiccedilatildeo se volta contra ele mesmo inconscientemente Qualquer

insulto ofensa ou julgamento de um dos pais contra o outro alimenta essa di-

nacircmica no nuacutecleo familiar prejudicial sobretudo aos filhos O mesmo ocorre

quando o juiz toma para si a defesa de um dos pais contra o outro reforccedilando

o conflito interno na crianccedila

Assim adotando tal postura o julgador jaacute promoveraacute uma conciliaccedilatildeo

entre as partes (que constituem um soacute sistema) Caso se faccedila necessaacuteria uma

soluccedilatildeo imposta todos sentiratildeo que foram escutados compreendidos e con-

siderados no conflito

Vale destacar contudo que isso natildeo impede que o pai e a matildee deba-

tam as questotildees mandatoacuterias vinculadas agrave separaccedilatildeo judicialmente ou natildeo

desde que isso se decirc entre eles sem a implicaccedilatildeo dos filhos nem que o juiz

delibere as demandas que lhe forem postas

Essa forma de tratar simplesmente a questatildeo que as partes discutem

dentro do processo e entendendo demandas emocionais e demais conflitos

retira do processo essa carga extra que em grande parte dificulta o anda-

mento e o alcance de acordos deixando apenas o direito discutido

Nestes tempos de poacutes-modernidade cabe destacar tambeacutem sua apli-

caccedilatildeo no Direito Ambiental com a comunidade internacional lanccedilando um

novo olhar sobre as questotildees ambientais utilizando-se cada vez mais uma

construccedilatildeo consensuada entre as partes com a participaccedilatildeo de todos os

atores envolvidos de disposiccedilotildees e normas que dizem respeito a uma questatildeo

especiacutefica do meio ambiente de um pequeno vilarejo no interior do paiacutes ateacute

questotildees de interesse mundial conforme Rezende Neto (2014)

Compreendido como a Justiccedila Restaurativa pode facilitar o entendi-

mento entre as partes e o encontro de soluccedilotildees mais saudaacuteveis e duradouras

bem como sua origem seraacute aprofundado no proacuteximo toacutepico os desafios para

sua aplicaccedilatildeo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

103

63 DESAFIOS PARA A APLICACcedilAtildeO DA JUSTICcedilA RESTAURATIVA

A Justiccedila Restaurativa tem na forma de pensar sob uma loacutegica binaacuteria

simplista e reducionista da modernidade um grande desafio Esse modelo bi-

naacuterio tambeacutem privilegiou em nossa cultura o paradigma ganha-perde limi-

tando as opccedilotildees de soluccedilotildees admissiacuteveis para situaccedilotildees de conflito O litiacutegio

ou a competiccedilatildeo como maneiras de lidar com as diferenccedilas empobrece as

opccedilotildees impede a relaccedilatildeo entre os atores sociais e gera altos custos econocirc-

micos e relacionais (BATISTA 2019)

Necessaacuterio visualizar a crise na qual o ser humano estaacute inserido esten-

dendo-se por diversas aacutereas atuando de modo complexo e sistecircmico na rea-

lidade local regional nacional e global demonstrando a interdependecircncia

que existe entre os fatores e enfatizando essa crise de percepccedilatildeo vivida pela

civilizaccedilatildeo onde os problemas natildeo podem ser observados e entendidos de

modo isolado segundo um modelo cartesiano (CAPRA 2006 p 19)

Uma opccedilatildeo para essa crise vivenciada seria repensar a atuaccedilatildeo dos

construtores do Direito atuando com sensibilidade e afeto nos assuntos e nas

questotildees humanas tentando aproximar-se daquilo que estaacute oculto (poreacutem

operante) na alma das pessoas e por conseguinte no processo que se apre-

senta como demanda no Poder Judiciaacuterio (OLDONI LIPPMANN E GIRARDI

2018 p 66)

Um olhar para o sistema de origem das partes uma anaacutelise das suas

questotildees e a forma como seus membros foram e satildeo tratados deve ser consi-

derada na apreciaccedilatildeo dos conflitos atuais e comportamentos como meio de

buscar uma soluccedilatildeo mais pacifica melhorando a compreensatildeo do conflito e

a sua transformaccedilatildeo em algo positivo afirmam Oldoni Lippmann e Girardi

(2018 p 17)

Nesse contexto de diversidade surgem meacutetodos inovadores para a re-

soluccedilatildeo de conflitos que propiciam aos indiviacuteduos organizaccedilotildees e comunida-

des a administraccedilatildeo responsaacutevel de seus proacuteprios conflitos em busca de solu-

ccedilotildees

Os processos restaurativos podem incluir a mediaccedilatildeo a reuniatildeo familiar

ou comunitaacuteria e ciacuterculos decisoacuterios

Segundo Oldoni Lippmann e Girardi (2018 p 32)

Um acordo construiacutedo no processo restaurativo inclui respostas e pro-

gramas tais como reparaccedilatildeo objetivando atender as necessidades

individuais e coletivas e responsabilidades das partes bem como as-

sim promover a reintegraccedilatildeo da viacutetima e do ofensor

Segundo Pinto (2008 p 190) utilizando a mediaccedilatildeo se proporciona agraves

partes um ambiente mais adequado com a participaccedilatildeo de um mediador

para o diaacutelogo sobre as origens e consequecircncias do conflito e assim a cons-

truccedilatildeo de um acordo e um plano restaurativo

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

104

Vall e Belchior (2019 p 195) colocam que nas audiecircncias de mediaccedilatildeo

por meio de vivecircncias coletivas as partes satildeo convidadas a colocarem suas

questotildees individuais havendo um processo evolutivo e progressivo de tomada

de consciecircncia da questatildeo e do conflito entre e para as partes

Relatam que a praacutetica de um olhar sistecircmico mais amplo e inteiro pro-

porciona uma atuaccedilatildeo para aleacutem do que aparece relatado nos autos dos

processos judiciais possibilitando uma compreensatildeo do pensamento com-

plexo algo para aleacutem do ambiente Juriacutedico e da aderecircncia agraves leis simples-

mente (VALL BELCHIOR 2019 p 202)

Na forma de reuniatildeo comunitaacuteria e ciacuterculo decisoacuterio ocorreraacute um tra-

balho mais amplo reflexivo conversando sobre as origens e consequecircncias

do conflito construindo um acordo restaurativo coletivo e integrado com a

comunidade

Destaca-se que eacute dado agraves partes uma oportunidade de fala e de ex-

pressatildeo dos sentimentos e emoccedilotildees objetivando a restauraccedilatildeo das relaccedilotildees

sociais e dos danos causados

Tais procedimentos acarretam uma mudanccedila na lente e no olhar para

o conflito construindo acordos mais harmocircnicos alcanccedilando o resultado res-

taurativo suprindo as necessidades individuais e coletivas visando tambeacutem a

reintegraccedilatildeo social da viacutetima e do infrator

Contudo eacute importante observar como limite atual para a utilizaccedilatildeo da

Justiccedila Restaurativa o escasso oferecimento de formaccedilatildeo qualitativa aos

construtores do Direito responsaacuteveis por colocar em praacutetica esse novo formato

e seus procedimentos Oldoni Lippmann e Girardi (2018 p 37) colocam que

eacute necessaacuterio repensar o modelo que o Brasil quer adotar flexibilizando e am-

pliando o acesso agrave formaccedilatildeo

Na cartilha editada pelo Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) onde satildeo

destacados os dez passos importantes para a implantaccedilatildeo da Justiccedila Restau-

rativa eacute ressaltada a importacircncia da formaccedilatildeo do servidor supervisor do pro-

grama e de um grupo de facilitadores para a experiecircncia piloto de implanta-

ccedilatildeo entendendo-se que essa formaccedilatildeo facilita o sucesso da experiecircncia

(2020) Cabe neste momento a reflexatildeo da transdisciplinaridade de conhe-

cimentos que somados procuram estimular uma nova compreensatildeo da rea-

lidade e da complexidade envolvida no conflito

Esse conhecimento transdisciplinar e complexo encontra aderecircncia

com a praacutetica quando se aborda que a necessidade da aplicaccedilatildeo da Jus-

ticcedila Restaurativa natildeo visa extinguir ou excluir os procedimentos da Justiccedila tra-

dicional podendo ocorrer de forma concorrente ao procedimento convenci-

onal devendo ser analisado caso a caso e ser efetivamente utilizado o

acordo como reduccedilatildeo de pena ou com a aplicaccedilatildeo das circunstacircncias do

artigo 59 do Coacutedigo Penal aleacutem de outras alternativas conforme a reflexatildeo

pragmaacutetica de Lima (2019)

Para a praacutetica restaurativa faz-se necessaacuterio o preacutevio livre e espontacirc-

neo consentimento de todos os participantes que podem desistir a qualquer

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

105

momento ateacute a efetiva homologaccedilatildeo do acordo sendo resguardado o au-

xiacutelio de advogados ou defensores puacuteblicos quando aplicaacutevel continua Lima

(2019)

Para Winkelmann e Detoni (2012) na Justiccedila Restaurativa o crime natildeo

deve ser encarado como uma violaccedilatildeo da lei mas sim sobre um novo para-

digma como uma perturbaccedilatildeo das relaccedilotildees humanas entre pessoas que vi-

vem em conjunto numa sociedade implicando assim esta mudanccedila na re-

definiccedilatildeo do conceito de crime que deve ser visto como um ato de uma pes-

soa contra outra violador de uma relaccedilatildeo no seio de uma comunidade e

natildeo como um ato contra o Estado O foco eacute o comportamento anti-social e

o efeito nas relaccedilotildees comunitaacuterias

Cabe concluir este toacutepico com o que esclarece Belchior (2019) quanto

aborda que quanto mais integrador for o pensamento mais complexo e me-

lhor seraacute cuidando para natildeo se esbarrar na simplificaccedilatildeo pois a realidade

natildeo admite essas etapas Faz-se saudaacutevel o seu pensamento onde a mesma

cita que a completude jamais seraacute alcanccedilada a ideia dos diaacutelogos eacute abrir os

horizontes Assim eacute esse diaacutelogo da Justiccedila Restaurativa com o olhar tradicio-

nal e positivado do Direito com as vaacuterias fontes e os saberes inter e transdisci-

plinarmente sendo uma tentativa de aplicar a complexidade Justiccedila Restau-

rativa

Diante disso entendendo os desafios que precisam ser superados o

novo paradigma e a transdisciplinaridade da Justiccedila Restaurativa quando

aborda outros conceitos associados com a ciecircncia do Direito caminharemos

para a conclusatildeo deste trabalho

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A sociedade com sua dinacircmica atual e o modo como acontecem as

relaccedilotildees vem necessitando de uma resposta com um olhar mais humanizado

na atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio

Essa crise pautada no aumento da demanda em baixo niacutevel de res-

posta bem como um tempo longo necessaacuterio para que um processo alcance

sua conclusatildeo corroborou com a necessidade de repensar o Poder Judiciaacuterio

e de encontrar alternativas para a insuficiecircncia observada demonstrando

que onde os problemas natildeo podem ser observados e entendidos de modo

isolado

Assim com um foco epistemoloacutegico de reconstruccedilatildeo das relaccedilotildees e

olhando para o futuro das partes a Justiccedila Restaurativa se propotildee a descobrir

uma verdadeira soluccedilatildeo para o conflito compreender os elementos envolvi-

dos e as demandas das partes buscando descobrir essa soluccedilatildeo mais harmocirc-

nica considerando o todo envolvido

A justiccedila restaurativa tem essa incumbecircncia soluccedilotildees mais raacutepidas e

com maior congruecircncia com as expectativas das partes por soluccedilotildees mais

satisfatoacuterias

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

106

Por lidar com uma loacutegica diferente da binaacuteria ganha-perde trazendo

para o cenaacuterio analisado a complexidade onde a imprevisibilidade e a diver-

sidade de soluccedilotildees e acordos estatildeo presentes nos fenocircmenos sociais observa-

se nos formatos citados no artigo a possibilidade de solucionar questotildees con-

flituosas de uma forma diferente das regras fixas e previamente definidas

Esse olhar sistecircmico mais amplo e inteiro para o conflito pode proporci-

onar uma melhor compreensatildeo das demandas e uma atuaccedilatildeo mais assertiva

gerando um futuro diferente para as partes envolvidas algo para aleacutem da

aderecircncia agraves leis simplesmente

Nesse contexto de diversidade surgem meacutetodos inovadores para a re-

soluccedilatildeo de conflitos que propiciam aos indiviacuteduos organizaccedilotildees e comunida-

des a administraccedilatildeo responsaacutevel de seus proacuteprios conflitos em busca de solu-

ccedilotildees Uma possibilidade de olhar com um novo paradigma diante das de-

mandas de conflitos e soluccedilotildees almejadas

Assim este artigo trouxe sem a pretensatildeo de exaurir o conceito de Jus-

ticcedila Restaurativa a mudanccedila de paradigma que este representa a comple-

xidade dessa forma de pensar o conflito e seu desafio e o quanto o caminho

eacute feacutertil para o desenvolvimento do mesmo condiccedilatildeo inerente agrave essecircncia da

Justiccedila Restaurativa

REFEREcircNCIAS

BATISTA Raquel Lima Direito sistecircmico e as leis do amor as constelaccedilotildees familiares

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olhares para a contemporaneidade

107

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e aplicabilidade do Direito Sistecircmico Data da publicaccedilatildeo 22 set2017 Disponiacutevel em

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de-pratica-de-constelaccediloes-na-justica-e-aplicabilidade-do-direito-sistemico

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de Jacqueline Valpassos Satildeo Paulo Golden Books 2009

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Direito Sistecircmico aplicaccedilatildeo das leis sistecircmicas de Bert Hellinger ao Direito de Famiacutelia

e ao Direito Penal 2 ed Joinville Manuscritos 2018

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ginalmente publicado na Revista IOB de Direito Penal e Processo Penal Porto Alegre

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Constelaccedilotildees Sistecircmicas relato de experiecircncia de uma Vara de execuccedilatildeo penal da

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da cultura de paz 1 ed Joinville Manuscritos 2019

WINKELMANN Alexandre Gama DETONI Flavia Fernanda Garcia Justiccedila

Restaurativa Principais fundamentos e criacuteticas Disponiacutevel em jan 2012 https

juscombrartigos20775justica-restaurativa Acessado em 10 set 2020

EIXO TEMAacuteTICO 2 Complexidade Epistemologia e Direito Ambiental

109

O IMPACTO AMBIENTAL DO BIG DATA

uma reflexatildeo criacutetica a partir de uma

abordagem ecossistecircmica

Alan Duarte1

Carla Mariana Aires Oliveira2

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 71 A atual Sociedade da Informaccedilatildeo a era

do Big Data e a economia de dados 72 O aspecto fiacutesico do Big

Data e seu impacto ambiental 73 O Big Data e a proteccedilatildeo ambi-

ental na perspectiva ecossistecircmica algumas reflexotildees Considera-

ccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

O desenvolvimento tecnoloacutegico redesenhou praticamente toda a ro-

tina da maioria das pessoas As tecnologias invadiram a vida cotidiana sem

todavia dar aos seus usuaacuterios tempo ou chances necessaacuterias para refletir

acerca do seu uso acerca das consequecircncias sistecircmicas individuais e coleti-

vas causadas por essa inovaccedilatildeo

O contexto de pandemia causado pela COVID-19 intensificou ainda

mais a incorporaccedilatildeo de inuacutemeras tecnologias no cotidiano Atividades antes

feitas presencialmente como aulas reuniotildees de negoacutecios e ateacute encontros in-

formais de amigos passaram a ser executadas remotamente mediante vide-

oconferecircncias em razatildeo da necessidade de isolamento social que a crise sa-

nitaacuteria causada pelo novo coronaviacuterus (SARS-Cov-2) exige

Nesse contexto ao contraacuterio do que o senso comum possa conceber

todas essas informaccedilotildees combustiacutevel dos serviccedilos digitais precisam ser man-

tidas e processadas por meios fiacutesicos concretos Ou seja os tais serviccedilos natildeo

satildeo providos por uma entidade abstrata e intangiacutevel fora do tempo e espaccedilo

mas por uma superestrutura de computadores mantidos em grandes salas e

ateacute em preacutedios inteiros chamados Centrais de Processamento de Dados (ou

Data Centers)

Contudo para que os data centers responsaacuteveis pelo armazenamento

de dados e pelo processamento de algoritmos inteligentes funcionem ade-

quadamente eacute necessaacuterio um gasto imenso de energia pois como maacutequinas

que satildeo precisam ser mantidas por fontes contiacutenuas de energia as quais satildeo

1 Graduando do Curso de Direito do Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Pesquisa-

dor do Grupo de Estudo e Pesquisa Ecomplex Direito Complexidade e Meio Ambiente da

UNI7CE E-mail duarttacademicgmailcom

2 Doutoranda em Direito e Mestra em Direito pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE)

Bolsista CAPESBRASIL Pesquisadora do Grupo de Estudo e Pesquisa Ecomplex Direito

Complexidade e Meio Ambiente da UNI7CE E-mail cmariaireshotmailcom

7

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

110

diretamente proporcionais ao poder de processamento e agrave capacidade de

armazenamento

Dessa forma haacute uma mitigaccedilatildeo da ideia perpetuada pelo senso co-

mum de que eacute preferiacutevel produzir e consumir informaccedilatildeo de forma digital pois

reduz o consumo de papel e por conseguinte o desmatamento com a con-

sequente reduccedilatildeo do prejuiacutezo ao meio ambiente

Entretanto a produccedilatildeo e o consumo de informaccedilatildeo por meio digital

impactam negativamente o meio ambiente seja pela liberaccedilatildeo de CO2 em

razatildeo do intenso gasto energeacutetico que demandam pelo uso de aacutegua para o

processo de resfriamento eou mesmo pela produccedilatildeo e pelo descarte dos

componentes eletrocircnicos Aleacutem disso como dito o armazenamento de dados

e o processamento de algoritmos requerem um consumo intenso de energia

Observa-se assim que a sucessiva utilizaccedilatildeo de tais ferramentas leva conse-

quentemente a um aumento da produccedilatildeo e da necessidade de energia as-

sim como uma maior demanda na exploraccedilatildeo dos recursos naturais

Se de um lado abandonou-se o consumo de produtos e serviccedilos com

impactos fiacutesicos concretos e proacuteximos agrave realidade dos consumidores de outro

a demanda cada vez mais crescente por serviccedilos digitais como os serviccedilos

de armazenamento em nuvem e as plataformas de streaming proporciona-

das pelas maiores empresas de tecnologia (Google Amazon Microsoft e Fa-

cebook para citar apenas algumas) geram imensos impactos principalmente

no meio ambiente mas que em razatildeo da distacircncia e da ausecircncia de meios

fiacutesicos proacuteximos aos consumidores satildeo negligenciados

De forma que em contraponto a todo esse progresso tecnoloacutegico vi-

vencia-se uma crise ecoloacutegica a partir do uso inconsequente dos recursos na-

turais assim como o risco de esgotamento Diante dessa situaccedilatildeo tem sur-

gido a niacutevel global diversas tentativas de mudar esta situaccedilatildeo tais como os

Objetivos do Desenvolvimento Sustentaacutevel (ODS) e o Pacto Ecoloacutegico Euro-

peu Por sua vez estes exemplos possuem uma estreita relaccedilatildeo da tecnologia

e o seu impacto no meio ambiente

Ante tais premissas o presente trabalho pretende-se a uma anaacutelise sob

uma oacuteptica ecossistecircmica dos impactos ambientais gerados pela economia

de dados por meio das estruturas fiacutesicas necessaacuterias para o adequado funci-

onamento desses serviccedilos digitais tendo como pergunta central como e em

que medida os serviccedilos digitais fomentados pela economia de dados amea-

ccedilam o meio ambiente ecologicamente equilibrado

Para tanto a metodologia utilizada seraacute de natureza qualitativa teoacute-

rica bibliograacutefica e explicativa Utilizar-se-aacute tambeacutem o meacutetodo sistecircmico e in-

dutivo na medida em que se adota uma oacuteptica ecossistecircmica e por analisar

o funcionamento das tecnologias associadas ao Big Data por meio de casos

especiacuteficos Seraacute ainda de natureza quantitativa em partes na medida em

que se analisa os dados referentes ao crescimento dos serviccedilos digitais no mer-

cado e o consumo energeacutetico dos data centers bem como as taxas de emis-

satildeo de calor e gases nocivos ao ambiente

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

111

O presente trabalho estaacute dividido em trecircs partes aleacutem da introduccedilatildeo e

conclusatildeo Em um primeiro momento seratildeo feitas algumas consideraccedilotildees

acerca do conceito de big data e algoritmos e como esses fatores desenca-

dearam uma mudanccedila significativa natildeo soacute no aspecto quantitativo mas

tambeacutem qualitativamente na economia e na sociedade

Em seguida analisar-se-aacute os aspectos fiacutesicos desses fenocircmenos pois

para operar eacute preciso que haja um suporte fiacutesico e concreto capaz de realizar

o processamento dos algoritmos e o armazenamento dos dados e qual a re-

percussatildeo ambiental desses suportes fiacutesicos

Por fim em um terceiro momento enfrenta-se a questatildeo central da pes-

quisa ao serem feitas algumas reflexotildees sob a perspectiva sistecircmica do de-

senvolvimento tecnoloacutegico associado ao conceito de Big Data sobretudo no

tocante ao aspecto fiacutesico e da proteccedilatildeo ambiental proporcionando uma

anaacutelise criacutetica desse desenvolvimento e como os Estados estatildeo agindo diante

de tal temaacutetica

71 A ATUAL SOCIEDADE DA INFORMACcedilAtildeO

a era do big data e a economia de dados

Big Data se tornou uma expressatildeo da moda A crescente produccedilatildeo de

dados eacute tida atualmente como o novo petroacuteleo isto eacute a nova fonte de ri-

queza (REGULATING 2017) Pessoas que trabalham com marketing se utili-

zam dos dados para alcanccedilarem os consumidores mais rentaacuteveis (DUHIGG

2012) os meacutedicos para realizarem diagnoacutesticos mais precisos e os farmacecircu-

ticos para desenvolverem novos medicamentos (MARTIN 2019) os agentes

financeiros se utilizam dessas tecnologias para operarem no Mercado Finan-

ceiro (AENLLE 2018) e em determinados casos juiacutezes se utilizam de algoritmos

para auxiliar na tomada de decisatildeo como do sistema VICTOR no Supremo

Tribunal Federal (MAIA FILHO JUNQUILHO 2018) e o COMPAS em grande parte

dos tribunais norte-americanos (MAYBIN 2016) Mas eacute preciso destacar desde

jaacute que o Big Data natildeo eacute a soluccedilatildeo de todos os males

Os dados por si soacute satildeo tatildeo inuacuteteis quanto o petroacuteleo em sua forma bruta

Eacute preciso que haja uma construccedilatildeo de informaccedilotildees e conhecimentos econo-

micamente valiosos a partir deles Eacute dizer haacute um processo para a construccedilatildeo

do conhecimento o qual se inicia com a coleta de dados brutos isto eacute siacutem-

bolos isolados que quando submetidos a um determinado processamento a

uma anaacutelise detalhada fornecem certas informaccedilotildees ou seja respostas para

certas questotildees Por fim a aplicaccedilatildeo desses dados e dessas informaccedilotildees em

alguns contextos resulta em um conhecimento (CHEN et al 2009) o qual por

sua vez eacute aplicado dentro de modelos de negoacutecios visando a obtenccedilatildeo de

lucros e uma melhor tomada de decisatildeo

Exemplificativamente a geraccedilatildeo de riqueza na atual sociedade da in-

formaccedilatildeo se daacute a partir de anaacutelises refinadas sobre a renda preferecircncias e

comportamentos de clientes (os dados) criando-se assim perfis pessoais (in-

formaccedilotildees) por meio dos quais as grandes empresas podem tomar decisotildees

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

112

mais acertadas relacionadas a estrateacutegias comerciais (conhecimentos) tais

como construccedilatildeo e lanccedilamento de produtos instalaccedilatildeo de pontos de atua-

ccedilatildeo ou investimentos (6 2005)

Dito isso eacute relevante dizer que a despeito de a informaccedilatildeo jaacute ser vista

como elemento extremamente valioso haacute pelo menos 60 anos algumas lacu-

nas dificultavam o processo de transformaccedilatildeo dos dados em conhecimento

uacutetil (MAYER-SCRHOumlNBERGER CUKIER 2013) tais como a obtenccedilatildeo e armaze-

namento dos dados (que em sua maioria eram analoacutegicos escassos e impre-

cisos) e o processamento desses dados em softwares Tais lacunas todavia

foram aos poucos preenchidas pelo desenvolvimento tecnoloacutegico

Assim graccedilas ao aumento do uso da Internet notadamente pelas redes

sociais os sistemas gerenciadores de banco de dados dispositivos de memoacute-

ria secundaacuteria com maior capacidade de armazenamento e menor custo

tem-se hoje uma quantidade imensa de dados disponiacuteveis (GOLDSCHMIDT

PASSOS 2005) Como destaca Marr (2018) satildeo gerados aproximadamente 25

quintilhotildees de bytes por dia e que essa quantidade tende a aumentar cada

vez mais ao longo dos anos

Nesse contexto de massiva produccedilatildeo de dados cunhou-se o termo Big

Data inicialmente concebido a partir de um vieacutes quantitativo sendo definido

em 3 Vs (Volume Variedade e Velocidade)3 (LANEY 2001) Como destacam

os autores Mayer-Schoumlnberger e Cukier (2013 p 4 traduccedilatildeo nossa) ldquomeio seacute-

culo depois de os computadores entrarem na sociedade os dados comeccedila-

ram a se acumular a ponto de algo novo e especial acontecerrdquo4

Todavia como dito anteriormente os dados per se natildeo satildeo valiosos Em

razatildeo disso a expressatildeo Big Data natildeo pode ser restringida apenas ao aspecto

quantitativo expresso pelos 3Vs antes deve ser compreendido como um

ecossistema possibilitado pelas novas tecnologias e inserido dentro de um

contexto social (LETOUZEacute 2015)

Sugere o cofundador da Data-Pop Alliance e pesquisador visitante no

MIT Emmanuel Letouzeacute (2015) uma conceituaccedilatildeo que abranja o vieacutes quanti-

tativo mas tambeacutem o aspecto qualitativo do Big Data qual seja 3 Cs (crumbs

capacities e communities) O primeiro ldquoCrdquo (crumbs) estaacute relacionado agraves ldquomi-

galhas de dadosrdquo deixadas pelos usuaacuterios em suas interaccedilotildees com o mundo

online e com os dispositivos conectados agrave rede O segundo ldquoCrdquo que se refere

agrave capacidade (capacities) e enfoca em questotildees para aleacutem dos dados pois

engloba teacutecnicas meacutetodos softwares e hardwares O terceiro ldquoCrdquo o qual ca-

racteriza o ecossistema do Big Data eacute de comunidades (communities) e diz

3 Um artigo publicado em 2001 por Doug Laney do Instituto Gartner estabelece os 3Vs do

Big Data O primeiro V relacionado ao Volume corresponde a imensidatildeo de dados pro-

duzidos e coletados O segundo que diz respeito agrave Variedade ou seja o meio pelo qual

tais dados satildeo coletados ocorre por variados meios e principalmente satildeo vaacuterios os forma-

tos desses dados Por fim o uacuteltimo V se relaciona com a Velocidade com que esses dados

satildeo transmitidos e coletados

4 Traduccedilatildeo livre de ldquoHalf a century after computers entered mainstream society the data

has begun to accumulate to the point where something new and special is taking placerdquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

113

respeito ao movimento de atores que vatildeo desde instituiccedilotildees compostas por

equipes multidisciplinares ateacute indiviacuteduos comuns

Dentro dessa definiccedilatildeo o aspecto relevante para este trabalho reside

no segundo C o qual se refere agraves capacidades Como dito anteriormente os

dados natildeo satildeo valiosos se natildeo for possiacutevel a construccedilatildeo de informaccedilatildeo e co-

nhecimento uacutetil a partir deles e tal conversatildeo soacute eacute possiacutevel mediante uma

anaacutelise detalhada e acurada desses dados Assim em razatildeo da capacidade

de processamento dos seres humanos ser limitada a imensa quantidade de

dados disponiacuteveis somada agrave raacutepida velocidade com que eles satildeo produzidos

demanda a utilizaccedilatildeo de ferramentas computacionais para que se torne pos-

siacutevel e viaacutevel a extraccedilatildeo de conhecimento uacutetil desses dados e assim a to-

mada de decisatildeo em tempo haacutebil

Nesse sentido o processo conhecido como Descoberta de Conheci-

mento em Banco de Dados (Knowledge Discovery in Databases - KDD) supre

essa lacuna causada pela limitaccedilatildeo humana (FAYYAD PIATETSKY-SHAPIRO

SMYTH 1996) KDD nessa perspectiva eacute definido por Fayyad Piatetsky-Shapiro

e Smyth (1996) como o processo natildeo trivial de identificar nos dados padrotildees

vaacutelidos novos potencialmente uacuteteis e finalmente compreensiacuteveis5

O poder do Big Data em gerar riqueza caracterizando assim o que se

convencionou chamar de Economia de Dados fica mais evidente com o

exemplo da empresa de varejo norte-americana Target Essa empresa conse-

guiu ldquodescobrirrdquo que uma garota do colegial em Minnesota (EUA) estava graacute-

vida antes mesmo de seu proacuteprio pai que soacute ficou sabendo em virtude de

uma conversa com a filha apoacutes receber da varejista alguns anuacutencios e cu-

pons de desconto de berccedilos e de roupas de bebecirc6 (DUHIGG 2012) A partir

de um banco de dados construiacutedo por meio da coleta e compra de dados

sobre os clientes que utilizam o cartatildeo de creacutedito da companhia (crumbs)7 e

por intermeacutedio da utilizaccedilatildeo de algoritmos de aprendizado de maacutequina os

quais operam em supercomputadores e grandes data centers (centrais de

dados) (capacities) a empresa consegue decifrar padrotildees de consumo e

para aleacutem disso identificar os haacutebitos de cada cliente sendo capaz de dire-

cionar com precisatildeo certos produtos para os consumidores mais rentaacuteveis

5 Traduccedilatildeo livre de ldquoKDD is the nontrivial process of identifying valid novel potentially useful

and ultimately understandable patterns in datardquo

6 Apoacutes receber os anuacutencios e cupons o pai entrou em contato com a empresa furioso ldquoMi-

nha filha recebeu este e-mailrdquo ele disse ldquoEla ainda estaacute no coleacutegio e vocecircs estatildeo envi-

ando para ela cupons para roupas de bebecircs e berccedilos Vocecircs estatildeo tentando encorajaacute-

la a engravidarrdquo Traduccedilatildeo livre de ldquoMy daughter got this in the mailrdquo he said ldquoShersquos still

in high school and yoursquore sending her coupons for baby clothes and cribs Are you trying

to encourage her to get pregnantrdquo (DUHIGG 2013)

7 Segundo Pentland (2012) essas migalhas de dados estatildeo mais associados agrave localizaccedilatildeo do

celular (lugares onde se gasta tempo) ou do cartatildeo de creacutedito (coisas que se compra) das

pessoas do que com o que se publica nas redes sociais ou se pesquisa no Google ou seja

essas migalhas dizem respeito ao real comportamento das pessoas em vez de reproduzir

suas crenccedilas ou informaccedilotildees que se quer que os outros saibam

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

114

Aleacutem da Target a Netflix grande empresa de streaming apresenta um

curioso exemplo de como o Big Data auxilia as empresas na tomada de deci-

sotildees mais lucrativas A plataforma coleta armazena e analisa dados dos mi-

lhotildees de usuaacuterios da plataforma os quais de acordo com um artigo publi-

cado no GigaOm vatildeo desde a seleccedilatildeo do filme ou seacuterie que se quer assistir e

em qual dia da semana e o horaacuterio ateacute os dados de localizaccedilatildeo geograacutefica

passando pelas interaccedilotildees do usuaacuterio com a reproduccedilatildeo todas as vezes que

se pausa retrocede ou avanccedila aquele filme ou seacuterie escolhida (HARRIS 2012)

Assim em 2013 a plataforma lanccedilou uma de suas primeiras produccedilotildees

originais um drama poliacutetico protagonizado por Kevin Spacey e Robin Wright

(ldquoFrankrdquo e Claire Underwood respectivamente) e dirigido por David Fincher

que se tornou um dos maiores sucessos em todo o mundo E todo esse sucesso

jaacute era sabido pois a criaccedilatildeo da seacuterie foi orientada pelas anaacutelises de gostos e

preferecircncias do puacuteblico-alvo A plataforma de streaming ldquosaberdquo o que as pes-

soas gostam de assistir quais atores mais cativam e qual o roteiro que mais

agrada (CARR 2013)

A atual era do Big Data portanto possibilita uma maior disponibilizaccedilatildeo

de serviccedilos digitais personalizados e especiacuteficos permitindo o surgimento de

novos serviccedilos As empresas portanto visando a atender agraves expectativas de

seus clientes e com o objetivo de reduzir o risco inerente agrave atividade empresa-

rial aleacutem de dar mais celeridade aos seus processos incorporam tais sistemas

relacionados ao conceito de Big Data de modo a alterar o modelo por meio

do qual trabalham

Com isso fica claro que os dados quando natildeo submetidos ao proces-

samento adequado satildeo essencialmente inuacuteteis Portanto enquanto o petroacute-

leo eacute direcionado para as refinarias onde passaraacute por vaacuterios processos ateacute se

extrair dele os elementos valiosos como combustiacutevel plaacutestico e outros os da-

dos precisam ser submetidos ao equivalente digital das refinarias supercom-

putadores e data centers (HAMILTON 2017) Gary King professor da Universi-

dade de Harvard diversamente do que destacaram Mayer-Schoumlnberger e

Cukier salienta portanto que ldquo[] a revoluccedilatildeo natildeo eacute a respeito dos dados Eacute

a respeito das anaacutelises que agora podemos fazer e que nos permitem enten-

der o que aqueles dados dizemrdquo8 (KING 2016)

Assim constata-se que os dados satildeo tatildeo valiosos quanto for a capaci-

dade de extraccedilatildeo de conhecimento deles a verdadeira revoluccedilatildeo estaacute cen-

trada no poder de processamento e anaacutelise desses dados os quais operam

mediante estruturas fiacutesicas Quais as estruturas fiacutesicas necessaacuterias para que a

Netflix por exemplo seja capaz de coletar armazenar e processar inuacutemeros

dados brutos para formar um conhecimento uacutetil para o seu modelo de negoacute-

cios O que eacute necessaacuterio para que elas funcionam Quais os riscos ambientais

que essas estruturas por serem fiacutesicas apresentam Essas satildeo questotildees que

seratildeo enfrentadas no proacuteximo toacutepico deste trabalho

8 Original ldquo[] the revolution is not about the data Itrsquos about the analytics that we can come

up with and that we now have to be able to understand what these data sayrdquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

115

72 O ASPECTO FIacuteSICO DO BIG DATA (SUPERCOMPUTADORES E

DATA CENTERS) E SEU IMPACTO AMBIENTAL

O processo de transformaccedilatildeo dos dados em conhecimento economi-

camente valioso demanda a utilizaccedilatildeo de supercomputadores e data cen-

ters seja para realizar o processamento adequado dos dados seja para dis-

ponibilizar esses serviccedilos ao puacuteblico por meio de uma raacutepida conexatildeo em

rede Uma vez que como visto no atual contexto social a disponibilizaccedilatildeo de

serviccedilos digitais de streaming por meio de plataformas como a Netflix e Ama-

zon aleacutem de conteuacutedo (viacutedeos fotos conferecircncias e lives) disponibilizado gra-

tuitamente por meio das redes sociais como Instagram Facebook YouTube

e Twitter a produccedilatildeo de dados cresce exponencialmente9 (SADLER 2017) a

demanda por data centers eacute de igual modo ascendente

A massiva produccedilatildeo de dados cabe destacar teve um crescimento

exponencial natildeo previsto devido a situaccedilatildeo de isolamento social exigida pela

crise sanitaacuteria decorrente da pandemia da COVID-19 a qual levou milhotildees de

pessoas a mudarem seus haacutebitos e a aumentarem a demanda por serviccedilos

tecnoloacutegicos Eacute dizer se em condiccedilotildees normais as previsotildees acerca do au-

mento da produccedilatildeo e processamento de dados jaacute era assustadoramente

alta com a crise sanitaacuteria decorrente do novo coronaviacuterus (SARS-CoV-2) esse

aumento tornou-se bem maior

As pessoas encontraram novos meios de se conectarem e de se diverti-

rem aumentando a exigecircncia por serviccedilos online de bate-papo por viacutedeo e

sistemas de streaming Embora o uso de aplicativos de mensagens de texto

instantacircneas jaacute seja bastante disseminado no mundo inteiro as pessoas du-

rante o isolamento social queriam ver umas agraves outras isto eacute as mensagens de

texto jaacute natildeo eram suficientes para proporcionar a conexatildeo pessoal exigida

(KOEZE POPPER 2020) Ou seja diante das exigecircncias de isolamento social

aplicativos como a Netflix Amazon Prime e YouTube passaram a ser cada vez

mais utilizados como forma de entretenimento

Aleacutem disso a dependecircncia de transportes puacuteblicos e privados para ir ao

trabalho faculdade ou escola deu lugar a serviccedilos que permitem trabalhar e

estudar de casa como o Zoom Google Classroom Microsoft Teams e Han-

gouts Meets (KOEZE POPPER 2020) Segundo o presidente executivo da star-

tup Eric Yuan a plataforma saltou de 10 milhotildees de usuaacuterios em dezembro de

2019 para 200 milhotildees em marccedilo de 2020 ou seja a demanda aumentou 19

vezes em apenas trecircs meses (COMOhellip 2020) Com o aumento da demanda

as empresas precisaram aperfeiccediloar seus processos ampliando as capacida-

des dos seus supercomputadores e data centers para satisfazer as exigecircncias

dos consumidores

9 Estima-se que ateacute 2003 a populaccedilatildeo mundial havia acumulado cerca de 5 exabytes (o

que equivale a cinco bilhotildees de gigabytes) de conteuacutedo digital Enquanto que em 2015

essa quantidade de dados passou a ser produzida a cada dois dias (cerca de 870 exabytes

por ano) Segundo Bernard Marr (2018) em 2018 a produccedilatildeo de dados diaacuteria era de 25

quintilhotildees de bytes (25 exabytes)

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

116

Esses data centers de acordo com Rong et al (2016) satildeo um conjunto

de computadores que armazenam grandes quantidades de dados que aten-

dem agraves necessidades diaacuterias de processamento de transaccedilotildees de diferentes

empresas Para atender a essas necessidades essa estrutura precisa ter todas

as instalaccedilotildees de suporte para fornecimento de energia e controle do meio

em que eacute instalada de modo que sejam mantidos os niacuteveis necessaacuterios de re-

siliecircncia e seguranccedila para fornecer os serviccedilos desejados (armazenamento

processamento e transporte de dados) (OROacute et al 2013) A partir disso per-

cebe-se que para aleacutem dos problemas mais oacutebvios suscitados por essas estru-

turas fiacutesicas como os descartes de resiacuteduos toacutexicos e ateacute radioativos (MARTIacute-

NEZ PORCELLI 2016) tem-se outros problemas decorrentes da alta demanda

por esses data centers

Tal estrutura computacional funciona ininterruptamente 24 horas por

dia durante 7 dias da semana ao longo de todo o ano consumindo uma

quantidade expressiva de energia (BEATY 2013) a qual pode ser atribuiacuteda

dentre outros agraves demandas de serviccedilos de Tecnologia da Informaccedilatildeo ilumi-

naccedilatildeo distribuiccedilatildeo de energia e principalmente aos equipamentos de refri-

geraccedilatildeo (AVGERINOU BERTOLDI CASTELLAZZI 2017)

Os sistemas de refrigeraccedilatildeo satildeo imprescindiacuteveis uma vez que a alta den-

sidade de calor gerada por esses equipamentos aliada a sua sensibilidade

teacutermica eacute uma combinaccedilatildeo volaacutetil e qualquer perda ou interrupccedilatildeo do con-

trole de temperatura e umidade ainda que por um curto periacuteodo de tempo

pode levar a danos no equipamento ou perda de dados o que por sua vez

implica em gastos substanciais mdash de milhares ou ateacute milhotildees de doacutelares por

cada minuto de inatividade (NI BAI 2017)

O setor de Tecnologia da Informaccedilatildeo (TI) no qual se inserem os data

centers segundo dados de 2017 consome aproximadamente 7 da eletrici-

dade global e agrave medida que o traacutefego anaacutelise e armazenamento de dados

aumenta o consumo de energia global demandado pelos data centers

pode chegar a 13 em 2030 (SADLER 2017) Estima-se que os data centers

em particular foram responsaacuteveis por em meacutedia 14 do consumo global de

eletricidade em 2011 o que equivale a meacutedia de consumo de 25000 casas

nos EUA (RONG et al 2016)

De toda a energia demandada em um data centers como apontam

Ni e Bai (2017) aproximadamente 40 eacute gasta no sistema de refrigeraccedilatildeo e

ainda conforme os autores mais da metade (60) desses sistemas de ar-con-

dicionado satildeo ineficientes ou seja demandam muita energia e resfriam

pouco o ambiente Aleacutem disso o fato de tais data centers funcionarem inces-

santemente independente da demanda mdash uma vez que os servidores preci-

sam estar prontos para qualquer eventual aumento na atividade que poderia

reduzir o desempenho ou travar suas operaccedilotildees mdash evidencia um preocu-

pante desperdiacutecio energeacutetico (GLANZ 2012)

Nesse sentido Glanz (2012) destaca que o uso ineficiente de energia eacute

cada vez mais fomentado por uma relaccedilatildeo simbioacutetica entre os usuaacuterios que

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

117

exigem uma resposta imediata aos clicks do mouse e as empresas que se natildeo

atenderem a essas expectativas colocam em risco todo o seu negoacutecio

Aleacutem disso estima-se que a pegada de carbono deixada pelo setor de

TI sobretudo em razatildeo dos data centers e da estrutura de rede utilizada eacute a

que mais cresce seja em decorrecircncia da queima de combustiacutevel foacutessil para

suprir as demandas energeacuteticas (WHITEHEAD et al 2014) seja pela utilizaccedilatildeo

de geradores que emitem escapes de diesel (GLANZ 2012)

Isso evidencia a crescente pegada de carbono que a utilizaccedilatildeo do Big

Data deixa a qual pode chegar a ser irreversiacutevel e gerar danos ambientais

profundos uma vez que o impacto ambiental nunca eacute toacutepico mas sistecircmico

haja vista a complexidade que o permeia Aleacutem disso tem-se a utilizaccedilatildeo de

tecnologias associadas ao Big Data como aspecto primordial do modelo de

desenvolvimento econocircmico atual Entretanto esse modelo tem desencade-

ado uma difusatildeo de riscos ambientais de modo que a crise ambiental eacute uma

caracteriacutestica central desse modelo (PERALTA 2019 p 151)

Sendo assim necessaacuterio se faz que as preocupaccedilotildees com o desenvolvi-

mento tecnoloacutegico sejam voltadas tambeacutem para os aspectos ambientais e

natildeo apenas uma anaacutelise do ponto de vista da vigilacircncia e proteccedilatildeo de dados

pessoais Nesse particular algumas reflexotildees sobre esse fenocircmeno precisam

ser feitas mas aleacutem disso precisam ser feitas a partir de uma perspectiva sis-

tecircmica Portanto o proacuteximo toacutepico aborda essa questatildeo especiacutefica e discute

como os Estados e atores privados estatildeo agindo em relaccedilatildeo a essa temaacutetica

73 A ERA DO BIG DATA E A PROTECcedilAtildeO AMBIENTAL NA

PERSPECTIVA ECOSSISTEcircMICA

algumas reflexotildees

As mudanccedilas climaacuteticas satildeo reconhecidas como um dos principais de-

safios que a humanidade enfrenta atualmente Assim na 21ordf Conferecircncia das

Partes (COP 21) adotou-se o Acordo de Paris com o fulcro de fortalecer a

resposta global agrave ameaccedila das mudanccedilas climaacuteticas cujo compromisso foi o

de limitar o aumento da temperatura a natildeo mais de 2ordm C em comparaccedilatildeo ao

periacuteodo anterior agrave revoluccedilatildeo industrial (MMA 2016)

Neste sentido a revoluccedilatildeo dos dados por meio do Big Data eacute defen-

dida como uma medida para que se alcance o desenvolvimento sustentaacutevel

Contudo este veiacuteculo atualmente eacute apoiado por tecnologias que colocam

em risco a sustentabilidade e o meio ambiente (LUCIVERO 2020 p 1013) tais

como a sua grande pegada de carbono contribuindo para a emergecircncia

ambiental que satildeo as mudanccedilas climaacuteticas As estimativas dos impactos am-

bientais10 atuais e futuros natildeo satildeo definitivas visto que ainda satildeo incertas e

10 Haacute impactos diretos e indiretos Os indiretos satildeo mais difiacuteceis de serem avaliados visto que

requerem aspectos comportamentais e sociais mais amplos a serem considerados na ava-

liaccedilatildeo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

118

incompletas (LUCIVERO 2020 p 1016) Nota-se assim um fenocircmeno com-

plexo no qual eacute preciso enfrentar as incertezas e as contradiccedilotildees

Assim a realidade dinacircmica e incerta da Sociedade Contemporacircnea

natildeo se coaduna com a insuficiecircncia dos padrotildees conservadores e simplistas

da sociedade na qual a visatildeo fragmentada prejudica a tentativa de com-

preensatildeo ampla para que seja possiacutevel o enfrentamento das complexidades

da Sociedade Contemporacircnea (WEYERMUumlLLER 2010 p 114) sendo a ligaccedilatildeo

dos Big data e das questotildees ambientais um exemplo disso Denota-se por-

tanto que a racionalidade desse modelo conservador que possui como pilar

do desenvolvimento o crescimento econocircmico natildeo integrou a vulnerabili-

dade e a capacidade de resiliecircncia da Natureza (PERALTA 2019 p150)

As questotildees ambientais tais como as mudanccedilas climaacuteticas satildeo essen-

cialmente transdisciplinares visto que se alastram a niacutevel global e necessitam

de um diaacutelogo de saberes entre as diversas aacutereas do conhecimento Ou seja

contrariamente a um pensamento fragmentado Contudo resta salientar que

a complexidade natildeo objetiva extinguir eou descartar o pensamento sim-

plista Ao contraacuterio a complexidade visa agregar assim como integrar onde

o pensamento simplista falha (BELCHIOR 2017 p 52)

Aleacutem disso no pensamento simplista a contradiccedilatildeo eou dualismo con-

figura a loacutegica do terceiro excluiacutedo Dessa forma configura-se a unificaccedilatildeo

do mundo e o pensamento unidimensional como uma forma de conheci-

mento domiacutenio e controle tendo por base as certezas de um determinado

mundo (LEFF 2010 p 21) Ou seja avanccedilo tecnoloacutegico ou meio ambiente (a

loacutegica do ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo)

Eacute criacutevel inferir que a sociedade contemporacircnea ou melhor o seacuteculo XXI

eacute amplamente influenciado pela crise ambiental que nada mais eacute do que a

crise do conhecimento visto que o ser humano passou a adotar um sistema

que utiliza os recursos naturais sem se preocupar com o seu esgotamento (BEL-

CHIOR 2017 p 66) Diante desse paradigma considera-se que o planeta natildeo

iria se modificar de forma substancial em que pese a exploraccedilatildeo predatoacuteria

da atividade teacutecnico-industrial e econocircmica do ser humano (PENA-VEGA

2003 p 23)

Outrossim se de um lado a revoluccedilatildeo dos dados possibilitada pelo Big

Data promove a coleta de dados que auxiliam no monitoramento e o al-

cance de poliacuteticas vinculadas ao Meio Ambiente tais como os ODS que fo-

ram anunciados na Agenda 2030 da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)

o rastreamento de queimadas desmatamento dentre outros

Diante disso verifica-se que o desenvolvimento tecnoloacutegico e a capa-

cidade de armazenamento de dados ampliam as ferramentas que contri-

buem para encontrar e alcanccedilar as soluccedilotildees de determinados problemas de

forma a contribuir nesse quesito a efetividade de um meio ambiente equili-

brado (MOLINARO LEAL 2018)

Por outro tem-se o impacto ambiental das infraestruturas do Big Data

Nesse prisma a realidade complexa e o contingente de risco e inseguranccedila

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

119

dentro de uma visatildeo complexa exigem que as implicaccedilotildees eacuteticas dos impac-

tos ambientais das revoluccedilotildees de dados sejam levadas em consideraccedilatildeo

Essa complexidade demonstra a necessidade de um diaacutelogo entre os

diversos atores visto que as questotildees ambientais tecircm a capacidade de im-

pactar todo o planeta Nesse sentido o princiacutepio dialoacutegico do pensamento

complexo ldquopermite manter a dualidade no seio da unidade Ele associa dois

termos ao mesmo tempo complementares e antagocircnicosrdquo (MORIN 2011 p

74) Na temaacutetica do impacto dos data centers no meio ambiente natildeo haacute ven-

cedor eou perdedor mas uma gama de atores buscando soluccedilotildees dentro

do acircmbito da incerteza para tal problemaacutetica

Nesse contexto entre as medidas estaacute a poliacutetica de uma eficiecircncia

energeacutetica relacionada aos data centers Assim a promoccedilatildeo de uma econo-

mia de dados sustentaacutevel requer natildeo apenas a reduccedilatildeo dos custos de ener-

gia dos data centers mas tambeacutem a produccedilatildeo de menos desperdiacutecio ou me-

nos dados que necessitam de recursos para serem processados eou armaze-

nados (LUCIVERO 2020 p 1025)

Aleacutem disso algumas soluccedilotildees dentro da problemaacutetica do impacto am-

biental dos data centers utilizam ferramentas tecnoloacutegicas associadas ao con-

ceito de Big Data em especial algoritmos de Inteligecircncia Artificial de modo a

aumentar o grau de eficiecircncia dos data centers Um exemplo de medidas

nesse sentido eacute uma iniciativa da Google a qual estaacute utilizando redes neurais

artificiais11 para analisar como os grandes centros de processamento de da-

dos operam e a partir disso aprimorar sua operaccedilatildeo (METZ 2014) Aleacutem disso

o Facebook e a Apple possuem sistemas de produccedilatildeo de energia solar para

alimentar seus data centers (ISBERTO 2018) contribuindo para reduzir a pe-

gada de carbono deixada pela tecnologia Percebe-se assim a associaccedilatildeo

de termos aparentemente antagocircnicos possibilitando melhores soluccedilotildees

Em acircmbito internacional haacute uma demanda para uma melhoria da efi-

ciecircncia energeacutetica o que inclui primeiramente o ODS 7 da Agenda 203012

que de uma forma geral contempla um pensamento complexo visto que

todos os objetivos se complementam Neste sentido a eficiecircncia energeacutetica

se correlaciona com as mudanccedilas climaacuteticas (ODS 13) justiccedila ambiental den-

tre outros por exemplo

No que diz respeito propriamente aos data centers surgiu em meados

de 2008 o ldquoEU Code of Conduct on Data Centre Energy Efficiencyrdquo em res-

posta ao aumento do consumo em data centers e a necessidade de reduzir

as consequecircncias ambientais econocircmicas dentre outras questotildees Ademais

por volta de 2019 publicou-se a revisatildeo 1010 do Coacutedigo de Conduta que

11 Em poucas palavras redes neurais artificiais constituem um tipo de sistema computacional

inspirado nas propriedades baacutesicas dos neurocircnios bioloacutegicos Essencialmente essas redes

neurais satildeo algoritmos de computadores capazes de reconhecer padrotildees e tomar deci-

sotildees com base nesses padrotildees utilizando uma forma de processamento inspirada mas

natildeo igual nos neurocircnios bioloacutegicos

12 O ODS 7 - Agenda 2030 - elenca a necessidade de dobrar a taxa global de melhoria da

eficiecircncia energeacutetica ateacute 2030

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

120

reuniu cerca de 150 recomendaccedilotildees de melhores praacuteticas que tecircm o condatildeo

de identificar e implementar medidas de melhoria de eficiecircncia energeacutetica

dos data centers (AQUIM 2019)

Nessa medida dentro do contexto das alteraccedilotildees climaacuteticas e da de-

gradaccedilatildeo do meio ambiente adveio no acircmbito da Uniatildeo Europeia o Pacto

Ecoloacutegico Europeu (The European Green Deal) que tem o fulcro de implemen-

tar a Agenda 2030 da ONU e os ODS Assim o cerne do Pacto eacute impulsionar a

utilizaccedilatildeo eficiente dos recursos por meio da transiccedilatildeo para uma economia

circular assim como estabelecer um caminho para a neutralidade climaacutetica

da regiatildeo ateacute 2050 (COMMISSION EUROPEacuteENNE 2019) Percebe-se que este

instrumento pode ser difundido em outros Estados observando-se as particu-

laridades de cada local

Neste vieacutes nota-se uma emergecircncia ambiental e diversas tratativas

para a busca de soluccedilotildees para tal problemaacutetica entre elas as mudanccedilas cli-

maacuteticas Averiacutegua-se portanto que uma mudanccedila na forma de pensar no

que diz respeito ao pensamento complexo e a interdependecircncia de todos os

seres vivos eacute um caminho a ser seguido tanto em acircmbito nacional e interna-

cional assim como o diaacutelogo entre os diversos atores e saberes

Por fim eacute um caminho salutar a busca de alternativas tecnoloacutegicas mais

ecoloacutegicas e sustentaacuteveis para os data centers visto que a coleta de dados eacute

uma ferramenta importante para a consecuccedilatildeo da sustentabilidade

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Observou-se no presente trabalho que a sociedade contemporacircnea eacute

caracterizada como uma sociedade de informaccedilotildees onde a atual era do Big

data ndash definida natildeo apenas sob o aspecto quantitativo (3 Vs ndash Volume Variety

e Velocity) mas tambeacutem pela sua caracteriacutestica qualitativa como um ecos-

sistema socialmente integrado (3 Cs ndash crumbs capacities e communities) ndash fo-

menta uma crescente economia de dados com suas infraestruturas e investi-

mentos relacionados As empresas se utilizam cada vez mais desses serviccedilos

associados ao conceito de Big Data para mudar seus modelos de negoacutecios e

disponibilizar serviccedilos digitais proporcionando para os consumidores maiores

comodidades ao mesmo tempo em que reduzem os riscos inerentes agrave ativi-

dade empresarial pois a anaacutelise dos dados coletados possibilita a aquisiccedilatildeo

de conhecimento uacutetil como suporte para melhores tomada de decisotildees

Viu-se tambeacutem que os serviccedilos digitais fomentados e emergentes dessa

economia de dados opera sob um conjunto de aspectos loacutegicos e fiacutesicos (ca-

pacities) dentre os quais as estruturas fiacutesicas como os data centers possuem

especial destaque para o funcionamento adequado desse novo ecossistema

pautado em dados Viu-se tambeacutem que tais estruturas e supercomputadores

necessitam de ambientes controlados para funcionarem adequadamente o

que por sua vez demanda significativa quantidade de energia e emitem ga-

ses nocivos ao ambiente

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

121

Nessa perspectiva a pesquisa evidenciou que a revoluccedilatildeo de dados ndash

caracterizada mais pelo poder de anaacutelise da imensa gama de dados produ-

zida do que pela proacutepria quantidade desses dados ndash acarreta em grandes

impactos positivos e negativos no que diz respeito ao planeta e ao seu ecos-

sistema (onde o ser humano estaacute incluso) Dentre os aspectos positivos tem-se

que com uma enorme quantidade e possibilidade de coleta e anaacutelise de da-

dos tal ferramenta eacute essencial para o desenvolvimento econocircmico e social

bem como a anaacutelise de problemas e proposituras de soluccedilotildees para as ques-

totildees ambientais seja a niacutevel nacional como internacional

Contudo paralelamente percebeu-se que haacute impactos negativos indi-

retos e diretos no que tange agrave tecnologia atualmente associada ao conceito

de Big Data Dentre os impactos tem-se a pegada de carbono gerada prin-

cipalmente pelos data centers que induz para a emergecircncia das mudanccedilas

climaacuteticas Aleacutem disso como visto os supercomputadores que possibilitam a

coleta armazenamento e anaacutelise da imensa gama de dados produzidas hoje

em dia necessitam que as salas em que satildeo mantidos possuam baixa tempe-

ratura e resfriem constantemente os equipamentos (pois geram muito calor)

em razatildeo da volatilidade e sensibilidade teacutermica que essas estruturas possuem

do contraacuterio haveraacute perda de dados e perda substancial de recursos financei-

ros

Dessa forma a pesquisa demonstrou tambeacutem que ainda que digitais ndash

isto eacute os consumidores natildeo veem todos os suportes fiacutesicos e os gastos que

demandam por meio do qual operam ndash os serviccedilos proporcionados pela

atual era do Big Data apresenta seacuterios riscos ao meio ambiente os quais de-

vem ser enfrentados a partir de uma perspectiva ecossistecircmica

Neste sentido notou-se uma questatildeo complexa que natildeo pode ser resol-

vida de forma simplista mas sim por meio de uma interconexatildeo de diversos

saberes e fatores assim como de opiniotildees divergentes dos diversos atores (acircm-

bito internacional nacional) para que seja possiacutevel encontrar alternativas tec-

noloacutegicas que consigam vincular a proteccedilatildeo e a conservaccedilatildeo do meio ambi-

ente com os avanccedilos tecnoloacutegicos

Assim descartar de plano o uso da tecnologia natildeo se apresenta como

uma saiacuteda viaacutevel embora seja ela uma das causadoras de problemas ambi-

entais Como visto o desenvolvimento tecnoloacutegico proporciona meios para

mitigar os proacuteprios impactos evidenciando assim a complexidade do tema

Por fim pesquisas futuras sobre a forma de lidar com esse problema e

encontrar soluccedilotildees viaacuteveis precisam levar em conta a necessaacuteria abordagem

complexa e ecossistecircmica por meio do desenvolvimento de tecnologias que

sejam capazes de aperfeiccediloar a eficiecircncia dos data centers (como o projeto

da Google) e reduzir os niacuteveis de calor por vias sustentaacuteveis como pelo uso de

energias limpas como a energia solar (tal qual utilizada pelo Facebook e Ap-

ple) A resposta natildeo estaacute na exclusatildeo de um em prol de outro (desenvolvi-

mento tecnoloacutegico em prol do meio ambiente ou vice-versa) mas em uma

convergecircncia de diferentes saberes e atores

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

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PARADIGMA DA COMPLEXIDADE

COMO METODOLOGIA DO

DIREITO AMBIENTAL

Alana Ramos Araujo1

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 81 O pensamento complexo 82 Princiacutepios do

pensamento complexo 83 A complexidade ambiental e sua apli-

caccedilatildeo no campo do direito Consideraccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

O pensamento cientiacutefico moderno particularmente o ocidental foi

construiacutedo agraves bases do pensamento cartesiano cujas caracteriacutesticas em siacuten-

tese satildeo anaacutelise reduccedilatildeo simplificaccedilatildeo e unidimensatildeo O esforccedilo da ciecircncia

positivista de matriz cartesiana se deu no sentido de separar as ciecircncias de

classificar o conhecimento em disciplinas autocircnomas de distanciar o sujeito

do objeto e de transportar os conceitos e instrumentos das ciecircncias naturais

para as ciecircncias sociais Muitas conquistas do seacuteculo XXI satildeo resultado da es-

pecializaccedilatildeo do conhecimento e do tratamento estatiacutestico e matemaacutetico dos

fenocircmenos existenciais Poreacutem ao lado destes ganhos a ciecircncia moderna

tambeacutem incorreu em erros que contribuiacuteram para o cenaacuterio de crise aos quais

variados aspectos da vida estatildeo imbricados

A ciecircncia vem percebendo isso desde o seacuteculo XX com Bertalanffy na

teoria dos sistemas na ciberneacutetica de segunda ordem de Heinz Von Foerster

no pensamento complexo de Edgar Morin na racionalidade ambiental de

Enrique Leff na criacutetica agrave racionalidade juriacutedica moderna com Adorno Mar-

cuse e Horkeimmer no reencontro do Direito com a moral de Dworkin com a

teoria sistecircmica de Luhmann para citar alguns que conduziram este itineraacuterio

de criacutetica agrave ciecircncia moderna e ao direito aos quais se somam como criacuteticos

da epistemologia e da ciecircncia moderna Popper Kuhn Lakatos Feyerabend

(MORIN 2005 p 175)

Estes novos rumos da ciecircncia apontados por tais estudiosos e criacuteticos o

cenaacuterio de crise ambiental a fragmentaccedilatildeo do conhecimento e o isolamento

cientiacutefico satildeo alguns dos fatores que demonstraram agrave sociedade a necessi-

dade de mudar as bases epistemoloacutegicas da ciecircncia da sociedade do di-

reito Este cenaacuterio cartesiano constitui o que se denomina de ldquointeligecircncia

cegardquo2 (MORIN 2005 traduccedilatildeo livre) a sociedade que mais avanccedilou no co-

nhecimento cientiacutefico eacute a que mais regrediu no intercacircmbio e nas interaccedilotildees

1 Doutora em Ciecircncias Juriacutedicas pela Universidade Federal da Paraiacuteba com doutorado san-

duiacuteche na Universiteacute de Limoges (UNILIM) Franccedila com bolsa CAPESPDSE Professora do

Magisteacuterio Superior E-mail araalanapbgmailcom

2 ldquointeligence aveuglerdquo

8

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

126

da complexidade do real eacute tambeacutem o que (LEFF 2006) denomina de desero-

tizaccedilatildeo do saber Para ele a sociedade do conhecimento se converteu na

sociedade do desconhecimento

Ante tal contexto problemaacutetico no campo do pensamento cientiacutefico e

da epistemologia ambiental este artigo trata de descrever brevemente o

pensamento complexo com base em Morin (2005) apontando a complexi-

dade ambiental como um instrumento metodoloacutegico de desconstruccedilatildeo do

modelo positivista e simplificador do direito para lidar com a crise ambiental e

com a tutela juriacutedica da natureza com base em Leff (2006) propondo uma

reconstruccedilatildeo do proacuteprio direito a partir do paradigma do pensamento com-

plexo e da complexidade ambiental como estrateacutegias de abordagem de

conflitos ambientais

81 O PENSAMENTO COMPLEXO

A elaboraccedilatildeo de um pensamento complexo de um lado cuida de des-

construir a racionalidade cientiacutefica simplificadora reducionista determinista

objetiva linear analiacutetica e disjuntiva de outro lado cuida de desconstruir a

racionalidade economicista baseada no crescimento econocircmico sem limites

na depleccedilatildeo dos recursos da natureza e no aniquilamento velado das culturas

locais por meio do discurso globalizante causando a morte entroacutepica do pla-

neta Desta forma complexo estaacute sendo adotado aqui como

Todo fenoacutemeno que potildee em jogo uma diferenccedila de niacuteveis e uma

circularidade entre esses diferentes niacuteveis Tomar em conta simulta-

nemante esses diferentes niacuteveis (por exemplo entre o objecto o am-

biente do objecto e o observador) e as relaccedilotildees de circularidade que

se estabelecem entre eles eacute proacuteprio da epistemologia da complexi-

dade da qual se pode dizer que se opotildee ponto por ponto ao mo-

delo cartesiano meacutetodo identitaacuterio e linear meacutetodo do laquosimplesraquo

(OST 1997 p 280-281)

Estes caminhos percorridos pela racionalidade moderna no modelo

acima citado se constituiacuteram atraveacutes de um pensamento uacutenico totalizador

hegemonizante que desconsiderou os contextos as relaccedilotildees as interaccedilotildees

entre situaccedilotildees pessoas e coisas nos vaacuterios campos do conhecimento dos

saberes e dos sentidos A criacutetica a este modelo iluminista foi o contexto em que

foi gestado o pensamento sistecircmico Das ciecircncias naturais agraves ciecircncias sociais

de Bertalanffy agrave Luhmann (FOLLONI 2016) o pensamento sistecircmico como

novo modo de observar e interagir no mundo fenomenal inaugurou um

marco no campo das ciecircncias construindo novas epistemes para as relaccedilotildees

no meio ambiente

Construiacuteda sobre bases cartesianas a racionalidade moderna edificou

seu pensamento de forma analiacutetica segundo a qual para se conhecer algo

um objeto eacute preciso reduzir esta coisa ou objeto agrave menor parte possiacutevel pois

o estudo desta parte por menor que seja eacute bastante e suficiente para com-

preender o comportamento desta e a partir disto eacute possiacutevel compreender o

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

127

comportamento do todo do qual a parte integra isto implica dizer que o pen-

samento analiacutetico cartesiano que fundou as bases do pensamento cientiacutefico

moderno significa isolar alguma coisa para poder entendecirc-la e entendendo-

a o todo poderaacute ser tambeacutem entendido (CAPRA 2007 p 41)

Ocorre que as insuficiecircncias deste pensamento ocasionaram significati-

vos impactos no mundo fenomenoloacutegico na relaccedilatildeo humanonatureza nos

sentidos existenciais nos vaacuterios campos da ciecircncia O direito por exemplo de

matriz positivista fortemente influenciada por este pensamento linear analiacute-

tico reducionista e simplificador se caracteriza por um esforccedilo de divisatildeo ateacute

partes que num futuro natildeo se pode imaginar como sucederaacute A estrutura mon-

tada por epistemologistas e metodologistas juriacutedicos tais como (KELSEN 2009)

revelam isso o direito positivo se divide em ramos em vaacuterias partes que cada

vez mais se compartimentalizam

O direito positivo eacute classicamente dividido em direito puacuteblico e direito

privado e estes satildeo subdivididos em outras disciplinas tais como direito consti-

tucional direito administrativo direito tributaacuterio direito penal direito empresa-

rial direito civil direito trabalhista e por aiacute vatildeo uma seacuterie de direitos que de-

monstram o esforccedilo da ciecircncia do direito para fracionar nas menores partes

quanto possiacutevel for o objeto de estudo do direito

O direito ambiental eacute um dos ramos do direito que sofre profunda in-

fluecircncia do pensamento cientiacutefico moderno reducionista simplificador e ana-

liacutetico pois a partir dele surgiram outras ldquoproviacutenciasrdquo (ANTUNES 2013 p 4) tais

como direito de aacuteguas direito do petroacuteleo direito da energia direito do mar

direito animal direito da biodiversidade e tantos outros fragmentos que foram

individualizados a partir do direito ambiental para estudo mais aprofundado e

setorializado de questotildees eminentemente ambientais Daqui a muito pouco

que sobraraacute para o direito ambiental

Esta forma de (cientificamente) conceber o mundo provocou reaccedilotildees

no sentido de novas teorias novas perspectivas e novas formas de enfrentar

estas questotildees tal como o pensamento sistecircmico Este eacute caracterizado pela

Percepccedilatildeo de que os sistemas natildeo podem ser entendidos pela anaacute-

lise Na abordagem sistecircmica as propriedades das partes podem ser

entendidas apenas a partir da organizaccedilatildeo do todo Em consequecircn-

cia disso o pensamento sistecircmico concentra-se natildeo em blocos de

construccedilatildeo baacutesicos mas em princiacutepios de organizaccedilatildeo baacutesicos O

pensamento sistecircmico eacute ldquocontextualrdquo o que eacute o oposto do pensa-

mento analiacutetico As caracteriacutesticas-chave do pensamento sistecircmico

[satildeo] () mudanccedila das partes para o todo () capacidade de des-

locar a proacutepria atenccedilatildeo de um lado para outro entre niacuteveis sistecircmicos

() parte eacute apenas um padratildeo numa teia inseparaacutevel de relaccedilotildees

() Na visatildeo sistecircmica compreendemos que os proacuteprios objetos satildeo

redes de relaccedilotildees embutidas em redes maiores Para o pensador sis-

tecircmico as relaccedilotildees satildeo fundamentais () Desse modo o pensa-

mento sistecircmico envolve uma mudanccedila da ciecircncia objetiva para a

ciecircncia ldquoepistecircmicardquo (CAPRA 2007 p 41-49) (grifos meus)

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

128

Esta forma sistecircmica de pensar concebe o todo como um conjunto es-

truturado e funcional ao qual as partes integrantes estatildeo interligadas for-

mando com o todo uma nova realidade diferente do que elas formam iso-

ladamente com funccedilotildees diferentes e com interaccedilotildees diferentes no meio em

que elas no todo estatildeo inseridas Eacute pensar o indiviacuteduo em relaccedilatildeo agrave socie-

dade O indiviacuteduo eacute ele mesmo um sistema que culturalmente considerado

junto com outros indiviacuteduos formam a sociedade que eacute o todo e cada indiviacute-

duo interage com esta sociedade e esta sociedade a seu turno provoca in-

teraccedilotildees com o indiviacuteduo que a compotildee Em termos juriacutedicos eacute pensar na

menor unidade do sistema na regra que por sua vez compotildee uma lei a qual

faz parte do proacuteprio sistema juriacutedico (FOLLONI 2016)

Este pensamento sistecircmico se compotildee de diferentes teorias de sistemas

que como dito vatildeo desde as ciecircncias naturais ateacute as ciecircncias sociais perpas-

sando por diferentes aacutereas da gnosiologia Dentro de tais teorias de sistemas

impende destacar o pensamento complexo que natildeo sendo parte do pensa-

mento sistecircmico claacutessico eacute uma teoria sistecircmica que avanccedila na questatildeo da

complexidade Eacute este pensamento complexo que importa para a racionali-

dade ambiental como um axioma que invoca uma mudanccedila paradigmaacutetica

na ciecircncia na economia no direito na poliacutetica na sociedade na cultura

para que se alcance a pretendida sustentabilidade Este pensamento com-

plexo tem bases na teoria da complexidade moriniana para quem

Numa primeira abordagem complexidade eacute um tecido de consti-

tuintes heterogecircneos inseparavelmente associados que se constroacutei

no paradoxo do uacutenico e do muacuteltiplo que vem do latim complexus

que significa aquilo que eacute tecido junto numa segunda abordagem

a complexidade significa efetivamente o tecido de eventos accedilotildees

interaccedilotildees retroaccedilotildees determinaccedilotildees e fortuitos que constituem o

mundo fenomenal3 (MORIN 2005 p 21 traduccedilatildeo livre)

Esta noccedilatildeo conceitual parte de um contexto em que ldquoa patologia mo-

derna do espiacuterito eacute a hiper-simplificaccedilatildeo que retira o sentido da complexidade

do realrdquo4 (MORIN 2005 p 23 traduccedilatildeo livre) cuja hiper-simplificaccedilatildeo eacute objeto

de uma das criacuteticas da RA agrave racionalidade moderna que vive uma perda de

sentidos

Este pensamento complexo se baseia nas categorias da ordem e da

desordem em dissonacircncia com a categoria de equiliacutebrio e ordem caracteriacutes-

ticos do pensamento linear Utilizando como metaacutefora para explicaccedilatildeo da

importacircncia da ordem e da desordem no pensamento complexo Morin trata

da explosatildeo que teria originado o planeta em que primeiro foi necessaacuterio ha-

ver uma situaccedilatildeo de completa desordem com calor intenso e explosatildeo de

3 ldquoAu premier abord la complexiteacute est un tissu (complexus ce qui est tisseacute ensemble) de

constituants heacuteteacuterogegravenes inseacuteparablement associeacutes elle pose le paradoxe de lrsquoun et de

multiple Au second abord la complexiteacute est effectivement le tissu drsquoeacuteveacutenements actions

interactions reacutetroactions deacuteterminations aeacuteas qui cinstituent notre monde pheacutenomeacutenalrdquo

4 ldquoLa pathologie moderne de lrsquoesprit est dans lrsquohyper-simplification que rend aveugle agrave la-

complexiteacute du reacuteelrdquo

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

129

gases para depois haver um resfriamento que possibilitou as primeiras formas

de vida ateacute chegar agrave organizaccedilatildeo ecossistecircmica que se configura hoje no

planeta (MORIN 2005 p 82-87)

82 PRINCIacutePIOS DO PENSAMENTO COMPLEXO

Para lidar com esta ordem e desordem o pensamento complexo conta

com trecircs princiacutepios orientadores de todo o processo sistecircmico complexo tais

como o princiacutepio dialoacutegico princiacutepio recursivo e princiacutepio hologramaacutetico

O princiacutepio dialoacutegico nos permite manter a dualidade contida numa

unidade Ele associa dois termos ao mesmo tempo complementares

e antagocircnicos [como eacute o caso da ordem e da desordem] () O se-

gundo princiacutepio eacute o da recursatildeo organizacional [segundo o qual] um

processo recursivo eacute um processo em que os produtos e os efeitos satildeo

ao mesmo tempo causas e produtores daquilo que lhes produz [por

exemplo] os indiviacuteduos produzem a sociedade que produz os indiviacute-

duos Noacutes somos ao mesmo tempo produtos e produtores A ideia

recursiva eacute portanto um ideia em ruptura com a ideia linear de

causaefeito de produtoprodutor de estruturasuperestrutura pois

tudo o que eacute produzido se torna aquilo que lhe produz num ciclo

auto-constitutivo auto-organizativo e auto-produtivo O terceiro prin-

ciacutepio eacute o princiacutepio hologramaacutetico [que diz que] natildeo somente a parte

estaacute contida no todo mas o todo estaacute contido na parte [tal como]

cada ceacutelula de nosso organismo conteacutem a totalidade da informaccedilatildeo

geneacutetica deste organismo5 (MORIN 2005 p 98-100 traduccedilatildeo livre)

Para aleacutem destes princiacutepios orientadores do pensamento complexo ou-

tros podem ser relacionados tais quais princiacutepio sistecircmico ou organizacional

princiacutepio do ciacuterculo retroativo princiacutepio da auto-eco-organizaccedilatildeo princiacutepio

da reintroduccedilatildeo do conhecimento em si mesmo O princiacutepio sistecircmico une o

conhecimento individualizado e o conhecimento complexo para que se co-

nheccedila o individual e o todo do ponto de vista do sistema da organizaccedilatildeo

pois a parte unida e interativa com o todo forma uma realidade nova e dife-

rente da realidade singular da parte e da realidade total do sistema enquanto

desvinculado da parte (BELCHIOR 2015 p 72)

Eacute o que acontece com a aacutegua que eacute formada pela junccedilatildeo de dois aacuteto-

mos de hidrogecircnio e um de oxigecircnio a realidade que se forma desta junccedilatildeo

5 ldquoLe principe dialogique nous permet de maintenir la dualiteacute au sein de lrsquouniteacute Il associe

deux termes agrave la fois compleacutementaires et antagonistes () Le deuxiegraveme principe ets celui

de reacutecursion organisationelle Un processus reacutecursif est un processus ougrave les produits et les

effets sont en mecircme temps causes et producteurs de ce qui les produit Autrement dit les

individus produisent la socieacuteteacute qui produit les individus Nous somme agrave la fois produit et pro-

ducteurs Lrsquoideacutee recursive est donc une ideacutee en rupture avec lrsquoideacutee lineacuteaire de causeeffet

de produitproducteur de esctructuresuperestructure pouisque tout ce qui est produit re-

vient sur ce qui le produit dans en cicle lui-mecircme auto-constitutif auto-organisateur et auto-

produrcteur Le troisiegraveme principe est le principe hologrammatique Non seulement la partie

est dans le tout mais le tout est dans la partie () chaque cellule de notre organisme con-

tient la totaliteacute de lrsquoinformation geacuteneacutetique de cet organismerdquo

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

130

forma uma realidade nova e diferente da que existia antes do encontro pois

os aacutetomos de hidrogecircnio e de oxigecircnio eram gases que juntos se transformam

em um liacutequido denominado de aacutegua (MORIN 2005 p 22) Aplicando este prin-

ciacutepio ao direito ambiental ldquopodemos dizer que a norma natildeo estaacute separada

do ordenamento e natildeo pode ser adequadamente compreendida sem a con-

sideraccedilatildeo desse niacutevel superior mas o proacuteprio ordenamento tambeacutem natildeo pode

ser compreendido em separado da realidade social na qual se integrardquo (FOL-

LONI 2016 cap 8)

O princiacutepio do ciacuterculo retroativo informa que ldquoas causas agem sobre os

efeitos e os efeitos agem sobre as causas em um equiliacutebrio dinacircmico que re-

gula o sistema e ao mesmo tempo organiza rupturas Esse equiliacutebrio ocorre a

partir de retroaccedilotildees (feedback) muacutetuosrdquo (BELCHIOR 2015 p 76) Eacute diferente

do princiacutepio recursivo pois neste os produtos de alguma coisa tambeacutem satildeo

produtores desta mesma coisa como eacute o caso do indiviacuteduo e da sociedade

no exemplo apontado por Morin acima citado No presente princiacutepio do ciacuter-

culo retroativo as causas geram efeitos que agem sobre as causas ainda que

natildeo haja relaccedilatildeo muacutetua e reciacuteproca de produtoprodutor crsquoest-agrave-dire ainda

que as causas natildeo produzam os efeitos e estes natildeo produzam as causas eles

interagem retroativamente em feedbacks muacutetuos

O princiacutepio da auto-eco-organizaccedilatildeo implica ldquoautonomia e dependecircn-

cia no qual os seres vivos satildeo auto-organizadores e se autoproduzem de

forma autocircnoma No entanto dependem de outros seres e do meio em que

vivemrdquo (BELCHIOR 2015 p 78) e tem valor hologramaacutetico no sentido de que

em tudo quanto o ser humano faz parte eacute parte integrante do seu proacuteprio

espiacuterito que eacute o que acontece com a sociedade e o indiviacuteduo pois desde a

infacircncia a sociedade se imprime no espiacuterito do indiviacuteduo por exemplo pela

educaccedilatildeo familiar pela educaccedilatildeo escolar e pela educaccedilatildeo universitaacuteria

(MORIN 2005 p 117) Eacute um princiacutepio que cuida de dar conta da influecircncia

que o meio exerce no proacuteprio espiacuterito do ser humano dando-lhe autonomia

em relaccedilatildeo ao meio mas constituindo relaccedilatildeo de interdependecircncia entre

ambos

O princiacutepio da reintroduccedilatildeo do conhecimento em si mesmo implica a

uma reestruturaccedilatildeo do ser humano ldquoquando busca renovar o sujeito e trazer

agrave tona a problemaacutetica cognitiva central Haacute um envolvimento da percepccedilatildeo

com a teoria cientiacutefica ocasiatildeo em que todo o conhecimento eacute uma tradu-

ccedilatildeo de um ceacuterebro inserido em uma cultura e em um determinado tempordquo

(BELCHIOR 2015 p 84)

Esta reintroduccedilatildeo do conhecimento em si mesmo lanccedila proposiccedilatildeo de

que o Si mesmo seja um campo de reflexatildeo de revisitaccedilatildeo de reconstruccedilatildeo

em busca de novos sentidos de novos significados de novos valores de nova

racionalidade de novos modos de fazer criar e viver em busca e em direccedilatildeo

do Outro particularmente do Outro Absoluto que eacute o proacuteprio meio em que

estaacute inserido Esta reintroduccedilatildeo do conhecimento em si mesmo problematiza

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

131

o lugar do conhecimento cientiacutefico e convida agrave articulaccedilatildeo deste conheci-

mento com os saberes que hoje estatildeo marginalizados na loacutegica da racionali-

dade formal-instrumental

O pensamento complexo assim conceituado como um tecido carac-

terizado como um sistema de ordem e desordem e orientado pelos princiacutepios

dialoacutegico recursivo hologramaacutetico retroativo sistecircmico auto-eco-organiza-

cional e da reintroduccedilatildeo do conhecimento em si mesmo debruccedilando-se so-

bre um objeto ndash os sistemas complexos tais como satildeo o meio ambiente e o

direito ndash se daacute em niacuteveis de complexidade e isto significa que

Frequentemente um sistema complexo eacute ele mesmo parte de um

sistema complexo maior e assim por diante Podemos entatildeo des-

crever o funcionamento de uma ceacutelula ou subir de niacutevel e tratar do

funcionamento de um tecido podemos atentar para uma pessoa

subir de niacutevel e estudar um grupo ou subir mais um niacutevel e estudar

uma organizaccedilatildeo social podemos nos preocupar com uma regra ju-

riacutedica subir de niacutevel para nos preocuparmos com toda a lei que a

conteacutem subir mais uma vez para nos voltarmos ao ordenamento

como um todo subir ainda mais para transcender o proacuteprio ordena-

mento e assim por diante () (FOLLONI 2016 cap 8)

Esta questatildeo dos niacuteveis de complexidade potildee acento na importacircncia

que cada parte tem para o todo sistecircmico e organizacional potildee relevo no

fato de que a proacutepria parte tambeacutem eacute um sistema permeado de complexi-

dade tal como eacute o meio ambiente como sendo o sistema maior da existecircncia

fenomenal que se interliga aos variados sistemas que o compotildee atraveacutes de

uma rede ou ldquoteiardquo (CAPRA 2007 p 33) cuja teia abriga o sistema juriacutedico6

o qual constitui um outro ou micro ou subsistema complexo Eacute na especifici-

dade do sistema ambiental cognominado de ldquocomplexidade ambientalrdquo em

termo leffiano e do sistema juriacutedico e da relaccedilatildeo entre estes que me ocupo

centralmente neste trabalho

Ante este aclaramento de como surge e de como se caracteriza o pen-

samento complexo fica mais cristalina a complexidade ambiental O pensa-

mento complexo eacute ponto de partida para se compreender que

A complexidade ambiental natildeo eacute a ecologizaccedilatildeo do mundo O pen-

samento complexo ultrapassa a visatildeo ciberneacutetica de uma realidade

que se estrutura e evolui atraveacutes de um conjunto de inter-relaccedilotildees e

retroalimentaccedilotildees como um processo de desenvolvimento que vai

da auto-organizaccedilatildeo da mateacuteria agrave ecologizaccedilatildeo do pensamento

(Morin 1977 1980 1986) A complexidade natildeo eacute soacute a incorporaccedilatildeo

da incerteza o caos e a possibilidade da natureza (Prigogine 1997)

[A complexidade ambiental em termos de saber ambiental] reco-

nhece as potencialidades do real incorpora valores e identidades no

6 Cujo termo em adotando um pensamento complexo eacute mais adequado do que ordena-

mento juriacutedico pois ordenamento traz ideia de ordem e eliminaccedilatildeo de desordem que

conforme visto satildeo categorias importantes do pensamento complexo

ldquo

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

132

saber e interioriza as condiccedilotildees da subjetividade e do ser na constru-

ccedilatildeo de uma racionalidade ambiental (LEFF 2006 p 293)

Fica assim claro que o pensamento complexo na compreensatildeo da

complexidade ambiental natildeo cuida exclusivamente de um tecido de intera-

ccedilotildees accedilotildees e eventos natildeo cinge sua construccedilatildeo na ideia da ordem e da

desordem como elementos constitutivos e organizativos do sistema complexo

natildeo se satisfaz com a principiologia da manutenccedilatildeo da dualidade na uni-

dade da recursividade entre produtoprodutorproduto na hologramatici-

dade entre partetodoparte como em um espelho na retroaccedilatildeo entre cau-

sas e efeitos na organizaccedilatildeo sistecircmica dos elementos que compotildee a com-

plexidade na reintroduccedilatildeo de conhecimentos em si por meio de novo modo

de pensar

A complexidade ambiental busca sair da ldquocomplexidade sistecircmica to-

talizante paralisante e autodestrutiva para reconstruir o mundo nas vias da

utopia da possibilidade da potencialidade do real das sinergias da natureza

da tecnologia e da cultura para restabelecer o viacutenculo entre o ser e o pensarrdquo

(LEFF 2010 p 18) A complexidade outrossim estaacute impelindo para o diaacutelogo

de saberes para a re-erotizaccedilatildeo da vida para a integraccedilatildeo das racionalida-

des para a poliacutetica da diferenccedila e da deferecircncia para a eacutetica da outridade

para o futuro que natildeo eacute preestabelecido mas que pode ser pensado da

abertura de Si mesmo para o Outro para a desobjetivaccedilatildeo do conhecimento

para a abertura intercultural para a ressignificaccedilatildeo da existecircncia para a re-

territorializaccedilatildeo e reapropriaccedilatildeo social da natureza

83 A COMPLEXIDADE AMBIENTAL E SUA APLICACcedilAtildeO NO CAMPO

DO DIREITO

A questatildeo ambiental eacute o sistema complexo por excelecircncia que soacute se

daraacute em pensamento complexo quando houver o diaacutelogo de saberes numa

dialeacutetica de pensamento utoacutepico que ldquoorienta uma revoluccedilatildeo permanente

no pensamento que mobiliza a sociedade para a construccedilatildeo de uma racio-

nalidade ambientalrdquo (LEFF 2010 p 33) Este eacute elemento de relevacircncia na

complexidade ambiental Mas que eacute afinal a complexidade ambiental Na

concepccedilatildeo de Leff eacute

Uma nova compreensatildeo do mundo incorporando o limite do conhe-

cimento e a incompletude do ser Implica saber que a incerteza o

caos e o risco satildeo ao mesmo tempo efeito da aplicaccedilatildeo do conhe-

cimento que pretendia anulaacute-los e condiccedilatildeo intriacutenseca do ser e do

saber A complexidade abre uma nova reflexatildeo sobre a natureza do

ser do saber e do conhecer sobre a hibridaccedilatildeo do conhecimento

na interdisciplinaridade e na transdisciplinaridade sobre o diaacutelogo de

saberes e a inserccedilatildeo da subjetividade dos valores e dos interesses na

tomada de decisotildees e nas estrateacutegias de apropriaccedilatildeo da natureza

Mas tambeacutem questiona as formas em que os valores permeiam o co-

nhecimento do mundo abrindo um espaccedilo para o encontro entre o

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

133

racional e o moral entre a racionalidade formal e a racionalidade

substantiva (LEFF 2010 p 22)

Esta noccedilatildeo conceitual de complexidade ambiental eacute um campo

aberto para refletir repensar a racionalidade do direito ambiental O projeto

juriacutedico moderno cunhou no direito uma racionalidade formal e instrumental

purificada de valores morais natildeo positivados (KELSEN 2009) A complexidade

ambiental como sendo um espaccedilo para o reencontro entre o racional e o

moral entre a racionalidade formal e a racionalidade substantiva eacute uma es-

trateacutegia do saber no poder que problematiza a separaccedilatildeo positivista que haacute

no direito das questotildees morais valorativas Eacute neste sentido que pugno por lan-

ccedilar novo olhar sobre o direito ambiental e sua conceituaccedilatildeo de meio ambi-

ente por meio das lentes da RA no ponto em que esta adotando uma episte-

mologia da complexidade ambiental entrecruza estas racionalidades ndash for-

mal e substantiva ndash na tentativa de alcanccedilar a sustentabilidade

A complexidade ambiental eacute um processo de diversas vias de comple-

xizaccedilatildeo do real e do conhecimento do ser e do saber do tempo e das iden-

tidades e das interpretaccedilotildees Estas vias de complexizaccedilatildeo seratildeo apresentadas

por meio da exposiccedilatildeo de trechos extraiacutedos de texto do proacuteprio autor para

em seguida fazer-se a reflexatildeo e os comentaacuterios pertinentes agrave colocaccedilatildeo des-

tas vias no contexto axiomaacutetico da elaboraccedilatildeo do pensamento complexo e

sua perspectiva em relaccedilatildeo ao direito

A primeira via de complexizaccedilatildeo eacute a complexidade do real que ldquoeacute o

entrelaccedilamento da ordem fiacutesica bioloacutegica e cultural a hibridaccedilatildeo entre a

economia a tecnologia a vida e o simboacutelicordquo (LEFF 2010 p 39) A segunda

via de complexizaccedilatildeo eacute a do conhecimento que implica a necessidade de

construir um pensamento holiacutestico que reintegre as ldquopartes fragmentadas do

conhecimento para a retotalizaccedilatildeo de um mundo globalizado os paradig-

mas interdisciplinares e a transdisciplinaridade do conhecimento surgem

como antiacutedoto para a divisatildeo do conhecimento gerado pela modernidaderdquo

(LEFF 2010 p 41)

A terceira via de complexizaccedilatildeo eacute a da produccedilatildeo a qual implica ldquointer-

nalizar suas lsquoexternalidadesrsquo natildeo econocircmicas () o reconhecimento do am-

biente como um potencial produtivo fundado na capacidade produtiva de

valores de uso naturais que geram os processos ecoloacutegicosrdquo (LEFF 2010 p 43

grifos do autor) A quarta via de complexizaccedilatildeo eacute a do tempo em que ldquoo

saber ambiental eacute entrecruzamento de tempos dos tempos coacutesmicos fiacutesicos

e bioloacutegicos mas tambeacutem dos tempos que configuram as concepccedilotildees e te-

orias sobre o mundo e as cosmovisotildees das diversas culturas atraveacutes da histoacute-

riardquo (LEFF 2010 p 46)

A quinta via de complexizaccedilatildeo eacute a das identidades que implica ldquodar

um salto fora da loacutegica formal para pensar um mundo conformado com uma

diversidade de identidades que constituem formas diferenciadas de ser e en-

tranham os sentidos coletivos dos povosrdquo (LEFF 2010 p 47) A sexta via de

complexizaccedilatildeo eacute a das interpretaccedilotildees na qual ldquoa hermenecircutica abre os ca-

minhos dos sentidos do discurso ambientalista O ambiente aparece assim

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

134

como um campo heterogecircneo e conflitivo no qual se confrontam saberes e

interesses diferenciados e se abrem as perspectivas do desenvolvimento sus-

tentaacutevel na diversidade culturalrdquo (LEFF 2010 p 51)

A seacutetima e uacuteltima via de complexizaccedilatildeo eacute a do ser que consiste na ldquocon-

fluecircncia de processos e de tempos que tem bloqueado a complexidade em

um pensamento uinidimensional (MARCUSE 1969) que rompeu a complexi-

dade ecossistecircmica e erodiu sua fertilidade que subjugou as identidades muacutel-

tiplas da raccedila humanardquo (LEFF 2010 p 54)

Estas vias de complexizaccedilatildeo constituem assim a construccedilatildeo conceitual

do proacuteprio pensamento complexo este natildeo se fixando numa teoria ou meto-

dologia compreensivas de sistemas complexos organizacionais recursivos re-

troativos auto-construtivos auto-eco-organizacionais e autodestrutivos cuida

de pensar o pensamento complexo como complexidade ambiental forjada

na ressignificaccedilatildeo do real do conhecimento da produccedilatildeo do tempo das

identidades das interpretaccedilotildees e do proacuteprio ser Eacute um pensamento de com-

plexidade ambiental em que por meio de novos significados os sistemas com-

plexos retornam agrave ordem simboacutelica aos sentidos aos valores e agrave uma princi-

piologia da sustentabilidade

Esta complexidade ambiental ndash ou este pensamento complexo ambi-

ental ndash se relaciona com o direito ambiental no tocante agrave racionalidade deste

que sendo marcadamente formal teacutecnica e instrumental ndash visto que produto

da racionalidade moderna iluminista ndash eacute provocado pela elaboraccedilatildeo do pen-

samento complexo para ressignificar a construccedilatildeo estruturaccedilatildeo e funciona-

mento das plataformas juriacutedicas que operacionalizam o sistema juriacutedico por

meio da consideraccedilatildeo de valores morais significaccedilotildees culturais identidades

eacutetica da outridade poliacutetica da diferenccedila diaacutelogo de saberes

Natildeo basta ao direito ambiental ser uma racionalidade que se daacute num

pensamento complexo cientiacutefico Ao direito ambiental insta reconstruir-se a si

mesmo entendendo que eacute parte de um sistema complexo maior que eacute o meio

ambiente que com ele interage dialeticamente no sentido de que as plata-

formas juriacutedicas superem as contradiccedilotildees desta dialeacutetica e integre justamente

as oposiccedilotildees aparentemente antagocircnicas mas possiacuteveis de gerenciar numa

poliacutetica (juriacutedica) da diferenccedila

Este pensamento complexo e esta complexidade ambiental problema-

tizam sobremaneira o fechamento operativo do direito colocando em evi-

decircncia inconsistecircncias como elaboraccedilatildeo normativa sem consideraccedilatildeo das

identidades locais das culturas dos interesses variados cujo resultado implica

uma norma geral e abstrata que padroniza e unifica comportamentos positi-

vos e negativos indo numa contramatildeo do caminho aberto pela complexi-

dade ambiental

Basta como exemplo observar as regras relativas agraves aacutereas de preserva-

ccedilatildeo permanente (APPs) ou unidades de conservaccedilatildeo (UC) que no direito am-

biental satildeo questotildees que suscitam em quantidade e qualidade conflitos dos

mais diversos pois a norma geral e abstrata in casu a Lei nordm 9985 de 18 de

julho de 2000 que regulamenta as UC e a Lei nordm 12651 de 25 de maio de 2012

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

135

que regulamenta as APPs natildeo conseguem de per si solucionar as contingecircn-

cias econocircmica social cultural eacutetica e ambiental que se fazem presentes nos

casos concretos O problema natildeo eacute soacute no campo da elaboraccedilatildeo legislativa

haacute tambeacutem as inconsistecircncias das interpretaccedilotildees jurisprudenciais que satildeo ou-

tro campo juriacutedico de enfrentamento das questotildees ambientais em casos con-

cretos

Estas consideraccedilotildees satildeo feitas aqui com o intuito de demonstrar desde

jaacute a problemaacutetica que a complexidade ambiental levanta em toda a racio-

nalidade moderna particularmente por causa dos fins do trabalho na racio-

nalidade juriacutedica deixando de logo claro o caminho que seraacute seguido para

refletir a aplicaccedilatildeo da racionalidade ambiental no direito ambiental por meio

do estudo de regras juriacutedicas e decisotildees judiciais

Esta eacute uma questatildeo que se potildee necessaacuteria tendo em vista que ldquoo con-

ceito de complexidade aparece estreitamente vinculado ao conceito de di-

reitordquo7 (CAacuteRCOVA 1998 p 75 traduccedilatildeo livre) eacute por isto que ldquoo direito mo-

derno requer identificaccedilatildeo do desafio de complexidade que se situa na ca-

pacidade do direito e de seus atores para fazer emergir a coerecircncia do sis-

tema juriacutedico a partir de elementos aparentemente diacutesparesrdquo8 (COLIN 2014

p 3 traduccedilatildeo livre) tais como satildeo os variados interesses sociais em jogo que

demandam do direito uma resposta

Ante esta exposiccedilatildeo do pensamento complexo da complexidade am-

biental e da complexidade e o direito estudar o direito por meio desta matriz

implica o estudo de regras estudo de leis estudo de decisotildees judiciais que

interpretam a lei e o estudo do sistema juriacutedico

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Trecircs construtos satildeo relevantes na mediaccedilatildeo para uma nova epistemo-

logia no direito ambiental complexidade interdisciplinaridade e saber ambi-

ental De tudo quanto disse ateacute aqui destaco a importacircncia de tratar as ques-

totildees ambientais a partir de uma perspectiva interdisciplinar tendo em vista a

complexidade que a temaacutetica ambiental encerra Para fazer face agrave crise de

civilizaccedilatildeo e agrave crise ambiental que tecircm bases no fracionamento do conheci-

mento e na degradaccedilatildeo ambiental desperta atenccedilatildeo o potencial contribu-

tivo dos povos tradicionais para remodelagem do conhecimento e da edu-

caccedilatildeo em busca da construccedilatildeo de uma educaccedilatildeo ambiental com visatildeo ho-

liacutestica capaz de reestabelecer a relaccedilatildeo humanonatureza atraveacutes da utiliza-

ccedilatildeo da interdisciplinaridade da transdisciplinaridade e do diaacutelogo de saberes

7 ldquoEl concepto de complejidad aparece estrechamente vinculado al concepto de dere-

chordquo

8 ldquoLe Droit moderne exige drsquoidentifier lrsquoenjeu de la complexiteacute qui reside dans la capacite

du Droit et de seacutes acteurs agrave faire eacutemerger la coheacuterence du systegraveme juridique agrave partir drsquoeacuteleacute-

ments apparemment disparatesrdquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

136

como caminhos para a incorporaccedilatildeo da dimensatildeo ambiental no sistema edu-

cativo para compreender a perspectiva de que o meio ambiente eacute o resul-

tado de interaccedilotildees entre natureza economia sociedade e cultura

Nesse sentido a interdisciplinaridade como articulaccedilatildeo das ciecircncias

naturais e sociais e o diaacutelogo de saberes no congraccedilamento do conheci-

mento cientiacutefico com o saber e praacuteticas natildeo cientiacuteficas gera uma nova rela-

ccedilatildeo entre as praacuteticas tradicionais os saberes ambientais e as disciplinaridades

Assim a complexidade ambiental a interdisciplinaridade e o diaacutelogo de

saberes se colocam como estrateacutegias epistemoloacutegicas para enfrentar ideolo-

gias teoacutericas que desconsideram o processo histoacuterico da construccedilatildeo do co-

nhecimento e dos saberes para que sejam levados em conta os aspectos

histoacutericos socioloacutegicos econocircmicos culturais e naturais do processo de cons-

truccedilatildeo dos saberes cientiacutefico e natildeo-cientiacutefico de modo que seja erigido um

saber ambiental abalizado em condiccedilotildees interdisciplinares que gere articula-

ccedilotildees entre ciecircncia e a forma de adquirir o saber tradicional popular e local

tendo-se em vista a sociedade como um elemento integrante de um ecossis-

tema global

Nesta estrateacutegia epistemoloacutegica a interdisciplinaridade a transdiscipli-

naridade e o diaacutelogo de saberes se colocam como canais de soluccedilatildeo para

limitaccedilotildees da disciplinaridade de modo a albergar a atividade de recompo-

siccedilatildeo dos saberes fracionados tendo em vista que a inter a transdisciplina e

o saber ambiental congregam a relaccedilatildeo entre o conhecimento disciplinar e

o diaacutelogo de saberes no acircmbito da questatildeo ambiental

Estas estrateacutegias espistemoloacutegicas mais do que funcionar como meacutetodo

que inter-relaciona disciplinas dialogam com saberes a fim de criar um novo

conhecimento um novo objeto de investigaccedilatildeo Dessa maneira a inter a

transdisciplinaridade e o diaacutelogo de saberes atuam como um elemento em

favor da colaboraccedilatildeo entre ciecircncias e saberes ambientais cuja cooperaccedilatildeo

conduz agrave elaboraccedilatildeo desse novo conhecimento que tem como objetivo a

sustentabilidade

REFEREcircNCIAS

ANTUNES Paulo de Bessa Direito ambiental 15 ed Satildeo Paulo Atlas 2013

BELCHIOR Germana Parente Neiva Fundamentos epistemoloacutegicos do direito ambi-

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olhares para a contemporaneidade

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OST Franccedilois A natureza agrave margem da lei Lisboa Instituto Piaget 1997

138

POR UM FUNDAMENTO ECOLOacuteGICO

PARA O FENOcircMENO JURIacuteDICO

Ana Stela Vieira Mendes Cacircmara1

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 91 As bases tradicionais da concepccedilatildeo do

direito jusnaturalismo e juspositivismo 92 Poacutes-positivismo e os funda-

mentos para uma concepccedilatildeo ecoloacutegica do fenocircmeno juriacutedico

Consideraccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

O presente trabalho tem por objetivo identificar as bases para uma fun-

damentaccedilatildeo ecoloacutegica do fenocircmeno juriacutedico Justifica-se esta preocupaccedilatildeo

diante do conhecido passivo ambiental sem precedentes da contemporanei-

dade e da insuficiecircncia das respostas legislativas juriacutedicas e poliacuteticas dadas

ateacute o momento para coibir o movimento crescente de degradaccedilatildeo da natu-

reza

Para tanto divide-se o trabalho em duas partes Na primeira identifi-

cam-se brevemente as abordagens tradicionais do Direito quais sejam o(s)

jusnaturalismo(s) e o(s) positivismo(s) juriacutedico(s) para apoacutes descrever como a

crise do positivismo abre uma janela de oportunidade para a reaproximaccedilatildeo

do direito da moral e da eacutetica e em especial de trazer uma perspectiva

cada vez mais ecologicamente inclusiva para o Direito e assim tornar sua

aplicaccedilatildeo mais adequada para assegurar os diversos niacuteveis de realidades exis-

tenciais que o cercam e que possibilitam em uacuteltima instacircncia a existecircncia da

proacutepria vida

Para tanto se utiliza de abordagem qualitativa meacutetodo sistecircmico pes-

quisa bibliograacutefica e documental de natureza transdisciplinar

91 AS BASES TRADICIONAIS DA CONCEPCcedilAtildeO DO DIREITO

jusnaturalismo e juspositivismo

Desde os tempos muito antigos que se tem notiacutecias da reflexatildeo de cada

sociedade sobre os fundamentos da noccedilatildeo de justiccedila acompanhadas da

elaboraccedilatildeo de legislaccedilotildees e codificaccedilotildees escritas originando grosso modo

duas concepccedilotildees distintas acerca do direito que a estes fatos se relacionam

o direito natural e o direito positivo2

1 Doutora em Direito pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Professora do Centro

Universitaacuterio Christus (UNICHRISTUSCE) E-mail emaildastelagmailcom

2 ldquoBaacutesica e genericamente a noccedilatildeo de direito natural se refere a uma ordem juriacutedica ideal

[] Com frequecircncia poreacutem a referecircncia a este ldquodireito idealrdquo aparece como uma forma

de oposiccedilatildeo ao direito vigente ou ainda como uma exigecircncia concernente aos conteuacute-

9

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

139

Durante mais de dezenove seacuteculos o jusnaturalismo teve uma expressi-

vidade teoacuterica preponderante As razotildees apontadas como primeiras e uacuteltimas

do direito foram neste iacutenterim as mais variadas

Identifica-se num primeiro momento na antiguidade claacutessica o que se

denominou jusnaturalismo cosmoloacutegico em que natildeo haacute uma ordem da parte

(poacutelis) separada de uma lei geral do cosmos (MONCADA 1995)

No medievo tem-se o surgimento do jusnaturalismo teoloacutegico para o

qual a vontade e a sabedoria divinas satildeo consideradas o criteacuterio absoluto da

justiccedila Esta concepccedilatildeo encontrou ressonacircncia no movimento reformista e

pode-se dizer que permanece viva ateacute a contemporaneidade sobretudo en-

tre os jesuiacutetas espanhoacuteis (SALDANHA 1974 p 48)3

A partir do humanismo e do iluminismo modernos desenvolve-se o ramo

do jusnaturalismo racional ou jusracionalismo que encontra na racionalidade

humana a resposta dos questionamentos sobre o fundamento do justo

Tal movimento foi tatildeo amplamente feacutertil e multifacetado que pode se

considerar que cada pensador inaugura uma vertente distinta de si ldquomar-

cando a temaacutetica juriacutedico-poliacutetica por um padratildeo expositivo tipicamente apri-

orista e dedutivistardquo (SALDANHA 1974 p 49)

O resultado da trajetoacuteria moderna de construccedilatildeo do direito natural per-

mite caracterizaacute-lo em linhas gerais como universal imutaacutevel racional e va-

loraacutevel aprioristicamente alcanccedilando uma grande influecircncia no espiacuterito euro-

peu De acordo com Nelson Saldanha (1974 p 49) ldquoo jusnaturalismo moderno

se generalizou assim como um ldquomomentordquo do proacuteprio espiacuterito europeu em

seu desenvolvimento como um elemento dentro do grande fenocircmeno da

ldquosecularizaccedilatildeordquo da mentalidade ocidental

O desenvolvimento desta teorizaccedilatildeo contudo natildeo estava isento de criacute-

ticas as quais foram se construindo a partir de diversas perspectivas e se con-

solidando mutuamente a ponto de se identificar a existecircncia de uma crise do

direito natural sobretudo por causa elementos seguintes

dos eacuteticos do direito vigente (positivo) Nas bases da questatildeo encontramos o tema das re-

laccedilotildees entre moral e direito a alusatildeo a um direito natural consiste geralmente em remeter

a algo amplamanete eacutetico (eou antropoloacutegico) os ldquofundamentosrdquo do direito Eacute tambeacutem

em relaccedilatildeo agraves estruturas do poder que se entendem as posiccedilotildees jusnaturalistas (sobretudo

no caso de se contraporem ao direito vigente) mesmo quando aparecem como exigecircn-

cias eacuteticas (SALDANHA 1998 p 170)

3 Quando adverte que o pensamento jusnaturalista de longe natildeo se resume ao de orienta-

ccedilatildeo teoloacutegica Arnaldo Vasconcelos chama a atenccedilatildeo para um aspecto importante rela-

tivamente agrave toleracircncia para com as ideias dessa natureza Pensamos que num cenaacuterio de

tantas manifestaccedilotildees recentes de intoleracircncia religiosa que se faz oportuno reproduzir as

palavras do autor nesse sentido ldquoDeve concluir-se que o pensamento teoloacutegico ndash a autecircn-

tica ciecircncia no Medievo e na Renascenccedila ndash tem tanto legitimidade teoacuterica para formular

suas versotildees do Direito Natural como qualquer outro de cunho filosoacutefico ou cientiacutefico

Mesmo porque tentar negar a dimensatildeo espiritual do homem na qual se insere sua religi-

osidade parece coisa tatildeo absurda como procurar fazecirc-lo relativamente a qualquer dos

outros elementos integrantes de sua naturezardquo (VASCONCELOS 2006 p 44)

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

140

Inicialmente haacute as questotildees levantadas pelo historicismo de Savigny

que o fizeram ser considerado um precursor do positivismo juriacutedico Embora se

reconheccedila que se trata de elaboraccedilotildees teoacutericas de resultados profunda-

mente distintos partem dos mesmos pressupostos as criacuteticas agrave imutabilidade

agrave racionalidade e agrave universalidade do direito sob a oacutetica naturalista a partir

da defesa de que a mola fundamental da histoacuteria seria a natildeo-razatildeo a paixatildeo

os impulsos que se manifestariam de maneira particular e portanto relativa

em cada sociedade (BOBBIO 2006)

Num segundo momento tem-se o fenocircmeno da codificaccedilatildeo do Direito

Civil Francecircs Embora este movimento tenha se iniciado sob a inspiraccedilatildeo do

iluminismo revolucionaacuterio que acreditava na atuaccedilatildeo plena e irretocaacutevel de

um legislador racional universal apto a clarificar o direito e solucionar os con-

flitos sociais a partir de uma codificaccedilatildeo simples breve e unitaacuteria o que ocor-

reu foi uma permanente tendecircncia de reaproximaccedilatildeo do direito tradicional

francecircs e da complexizaccedilatildeo das prescriccedilotildees normativas do Coacutedigo a ponto

de abandonar completamente a sua concepccedilatildeo inicial

Some-se isso agrave atuaccedilatildeo dos primeiros inteacuterpretes deste Coacutedigo que de-

terminaram equivocadamente o entendimento de que a alternativa para a

vedaccedilatildeo de abstenccedilatildeo de decisatildeo do juiz (non liquet) seria a adoccedilatildeo de dois

dogmas o da onipotecircncia do legislador e o da completitude do ordena-

mento juriacutedico Aiacute se originava a Escola da Exegese

Ademais a partir do contato com as criacuteticas do historicismo alematildeo ao

direito natural John Austin na esteia de outros pensadores que o precederam

como Hobbes e Bentham clama pela restriccedilatildeo do objeto da ciecircncia do di-

reito ao direito como ele eacute e natildeo como deveria ser identifica o direito como

sendo a norma de natureza imperativa posta pelo soberano e defende a pri-

mazia da lei (direito legislativo) sobre os costumes (BOBBIO 2006)

Erguem-se assim os principais pressupostos do positivismo juriacutedico que

segundo Bobbio (2006 p 26)

[] eacute uma concepccedilatildeo do direito que nasce quando ldquodireito positivordquo

e ldquodireito naturalrdquo natildeo satildeo mais considerados direito no mesmo sen-

tido mas o direito positivo passa a ser considerado como direito em

sentido proacuteprio Por obra do positivismo juriacutedico ocorre a reduccedilatildeo de

todo o direito a direito positivo e o direito natural eacute excluiacutedo da ca-

tegoria do direito [] A partir deste momento o acreacutescimo do adje-

tivo ldquopositivordquo ao termo ldquodireitordquo torna-se um pleonasmo mesmo por-

que se quisermos usar uma foacutermula sinteacutetica o positivismo juriacutedico eacute

aquela doutrina segundo a qual natildeo existe outro direito senatildeo o po-

sitivo

Aleacutem disso Bobbio (2006) esclarece que o positivismo juriacutedico desenvol-

veu-se ainda sob trecircs aspectos como um certo modo de abordar o direito ndash

em que se defende que a postura cientiacutefica deve emitir juiacutezos faacuteticos objeti-

vos e natildeo juiacutezos valorativos subjetivos sobre o direito como uma certa teoria

do direito ndash que busca sua definiccedilatildeo em torno do elemento coaccedilatildeo legiti-

mando a lei como fonte preeminente do direito elegendo a imperatividade

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

141

como caracteriacutestica de suas normas e a coerecircncia e a completude como

proacuteprias de seu ordenamento excluindo-se daiacute as lacunas aleacutem de adotar

uma interpretaccedilatildeo normativa mecanicista fazendo prevalecer o aspecto de-

clarativo sobre o produtivo ou criativo do direito e por fim como uma certa

ideologia do direito ndash em que se adota uma preferecircncia eacutetica a da obediecircn-

cia absoluta agraves leis natildeo segundo o seu criteacuterio de justiccedila mas sim de validade

Com o passar do tempo todas as expressotildees do positivismo descritas

acima admite o autor passam a ser alvos de diversas criacuteticas principalmente

em decorrecircncia da terceira abordagem Isso porque eacute dela que se evidencia

desde o princiacutepio um perigoso paradoxo embora se parta da premissa de

que a dimensatildeo de validade das leis eacute a que caracteriza o fenocircmeno juriacutedico

chega-se agrave constataccedilatildeo de que a opccedilatildeo em si por uma ordem juriacutedica em

vez da anarquia eacute fruto de uma escolha minimamente eacutetica e portanto de

uma irrenunciaacutevel preferecircncia valorativa ainda que ignorada ou proposital-

mente ocultada

Levando-se esta noccedilatildeo agraves uacuteltimas consequecircncias tem-se a acusaccedilatildeo

de que o positivismo enquanto ideologia produziu efeitos poliacuteticos e humani-

taacuterios desastrosos a partir do favorecimento ou da legitimaccedilatildeo de regimes

totalitaacuterios como o nazismo (BOBBIO 2006)

Eacute possiacutevel exemplificar do que se estaacute a falar com a narrativa de Hannah

Arendt sobre Otto Adolf Eichmann burocrata do terceiro Reich especialista

na logiacutestica de transporte de judeus para os campos de concentraccedilatildeo que

expressa na ocasiatildeo de seu julgamento em Jerusaleacutem a convicccedilatildeo de ter

realizado o que denominou naquela ocasiatildeo de ldquocrimes legalizados pelo Es-

tadordquo pelo simples dever de obediecircncia agraves ordens de seus superiores e agraves leis

de seu paiacutes surpreendentemente fundamentando-se na eacutetica kantiana do

dever pelo dever

Eacute o que daqui se desprende

As coisas eram como eram assim era a nova lei comum com base

nas ordens do Fuumlhrer qualquer coisa que Eichmann fazia era nessa

direccedilatildeo ou pelo menos assim acreditava na sua qualidade de fiel

cidadatildeo cumpridor da lei Tal como disse uma e outra vez para a

poliacutecia e para o tribunal ele fez o seu dever natildeo soacute obedeceu or-

dens mas tambeacutem obedeceu a lei [] Eichmann chegou a um ter-

riacutevel estado de confusatildeo mental e comeccedilou a exaltar as virtudes e a

denegrir os viacutecios alternativamente da obediecircncia cega da obe-

diecircncia cadaveacuterica Kadavergehorsam como ele mesmo denomi-

nava Durante o interrogatoacuterio policial quando Eichmann declarou

repentinamente e com grande ecircnfase que sempre havia vivido em

harmonia com os preceitos morais de Kant especialmente com a

definiccedilatildeo kantiana de dever deu um primeiro indiacutecio de que tinha

uma vaga noccedilatildeo de que naquele assunto havia algo mais do que a

simples questatildeo do soldado que segue as ordens claramente crimi-

nosas tanto em sua natureza quanto pela intenccedilatildeo com que satildeo da-

das Esta afirmaccedilatildeo foi simplesmente escandalosa e incompreensiacutevel

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

142

uma vez que a filosofia moral de Kant estaacute intimamente ligada agrave ca-

pacidade humana para julgar que elimina em absoluto a obediecircn-

cia cega [] o Juiz Raveh impulsionado por curiosidade ou indigna-

ccedilatildeo com o fato de que Eichmann se atrevera a invocar Kant para

justificar seus crimes decidiu interrogaacute-lo sobre este ponto Para geral

surpresa Eichmann deu uma definiccedilatildeo aproximadamente correta do

imperativo categoacuterico [] O que Eichmann natildeo explicou aos seus

juiacutezes foi que naquele periacuteodo de crimes legalizados pelo Estado

como ele mesmo o denominava ele natildeo tinha se limitado a prescin-

dir da foacutermula kantiana por ter deixado de ser aplicaacutevel mas porque

a havia modificado do modo que dissera comporta-te como se o

princiacutepio de teus atos fossem os mesmos que os atos do legislador ou

o da lei comum Ou segundo a foacutermula do imperativo categoacuterico

do Terceiro Reichrdquo (ARENDT 1999 p 83-84)

Natildeo eacute de se surpreender portanto que a crise e o decliacutenio do positi-

vismo juriacutedico estejam intrinsecamente associados agrave derrota do nazi-fascismo

no segundo poacutes-guerra

Seria preciso proporcionar a recomposiccedilatildeo dos elementos eacuteticos morais

e juriacutedicos cingidos pelo recorte metodoloacutegico e ideoloacutegico de um conjunto

de posiccedilotildees genericamente abrigadas da tradiccedilatildeo juspositivista que findou

por produzir consequecircncias esdruacutexulas que limitaram a compreensatildeo da proacute-

pria realidade do fenocircmeno juriacutedico descontextualizando-a

Nesse sentido seria necessaacuterio encampar o fortalecimento da filosofia

do direito que tinha visto seu objeto reduzir-se ao da teoria do direito com a

finalidade de resgatar as necessaacuterias imbricaccedilotildees entre justiccedila validade e efi-

caacutecia de uma dada ordem juriacutedica e tambeacutem no cenaacuterio internacional

Assim lanccedila-se um grande desafio ao conhecimento juriacutedico Afinal

embora tenha se tornado insustentaacutevel o legado cientiacutefico do positivismo juriacute-

dico quanto aos aspectos estruturais e normativos do direito natildeo poderia ser

simplesmente desprezado por outro lado ao tempo em que se torna indis-

pensaacutevel refletir sobre o contexto social e a dimensatildeo do justo tambeacutem natildeo

se poderia apregoar um retorno ao jusnaturalismo nos mesmos moldes de ou-

trora (BARROSO 2001 p 31)

92 POacuteS-POSITIVISMO E OS FUNDAMENTOS PARA UMA

CONCEPCcedilAtildeO ECOLOacuteGICA DO FENOcircMENO JURIacuteDICO

A busca por uma nova siacutentese portanto entre estes elementos tem sido

o alvo dos jusfiloacutesofos e constitucionalistas contemporacircneos os quais tem pro-

tagonizado um debate ao mesmo tempo ldquoespecializado fragmentado diver-

sificado e fluidordquo apresentando-se nas vertentes institucionalista funcionalista

sistecircmica neoconstitucionalista entre outras (FARALLI 2006 p 2)

Segundo Luiacutes Roberto Barroso (2001 p 32) este ideaacuterio difuso ldquonatildeo surge

com o iacutempeto da desconstruccedilatildeo mas como uma superaccedilatildeo do conheci-

mento convencionalrdquo (grifou-se) e tem sido provisoacuteria e genericamente deno-

minado de poacutes-positivismo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

143

Este cenaacuterio portanto de abertura do Direito aos valores eacute condiccedilatildeo

propiacutecia e indispensaacutevel para se pensar acerca de teorizaccedilatildeo de um Estado

Ecoloacutegico Bosselmann (1995 p 231) assim parte da impossibilidade de elimi-

nar ou ignorar a ideia do direito natural ndash seja ele embasado na ordem coacutes-

mica no universo em Deus nas leis da histoacuteria ou na razatildeo ndash a qual sempre

teve um lugar importante no direito e na histoacuteria das sociedades

Em verdade pensa-se que esta reflexatildeo acerca do valor ecoloacutegico

como base para o Estado se faz ainda mais oportuna em tempos de pluralismo

democraacutetico e de relativismo cultural diante do desafio de encontrar uma

ideologia ou uma grande narrativa capaz de unificar os mais diversos povos

sistemas de organizaccedilatildeo poliacutetica e social em busca de um objetivo comum4

qual seja o da sobrevivecircncia digna e sustentaacutevel das comunidades ao redor

do mundo

Para lidar com este desafio sem cair em anacronismos Bosselmann

busca um diaacutelogo com Ernst Bloch (1987) especialmente a partir da obra ldquoNa-

tural law and human dignityrdquo contribuiccedilatildeo natildeo convencional de um filoacutesofo

marxiano sobre o direito natural em que se elucidam alguns aspectos consi-

derados essenciais para uma rearticulaccedilatildeo do pensamento jusnaturalista

Primeiramente parte da percepccedilatildeo de que no decorrer da histoacuteria as

teorizaccedilotildees tradicionais do Direito Natural o conceberam como um conjunto

de princiacutepios invariaacuteveis universais e imutaacuteveis essencial agrave manutenccedilatildeo do

status quo por meio dos quais se invocaria uma noccedilatildeo de justiccedila

O proacuteprio lema da Revoluccedilatildeo Francesa constituiacutedo por valores conside-

rados nobres pelo autor foi alvo de distorccedilotildees que produziram o direito natural

burguecircs o qual legitimou uma seacuterie de injusticcedilas pelos termos de aceitaccedilatildeo

da propriedade5 em seu rol bem como pela reproduccedilatildeo de relaccedilotildees de

opressatildeo e exploraccedilatildeo de classes

4 Nesse sentido cf Leis (1998) e ldquoO meio ambiente por outro lado eacute global por natureza e

as funccedilotildees dos sistemas naturais da Terra satildeo sentidas em todos os lugares acima de qual-

quer identidade cultural O meio ambiente eacute o maior unificador da humanidade ao menos

no senso de uma preocupaccedilatildeo compartilhadardquo (BOSSELMANN 2015 p 21)

5 ldquoThings begin to change as soon as this sense of justice begins to reflect upon itself Soon it

becomes sufficiently penetrating to pose the problem of innate rights and to distinguish

these from an injustice that has been insituted by articles of law For example that a piece

of property is used and abandoned and one who is needy may take possession of it in this

matter the sense of justice does not go completely astray And it strays even less in the

judgement that a property owner who destroys coffee wheat or cotton in order to keep

prices high must himself be destroyed as a property ownerrdquo (BLOCH 1987 p 5) (ldquoAs coisas

comeccedilam a mudar assim que se passa a refletir sobre o senso de justiccedila Logo ele se torna

suficientemente penetrante para colocar o problema dos direitos inatos e distingui-lo das

injusticcedilas instituiacutedas por artigos de leis Por exemplo que um pedaccedilo de propriedade seja

usada e abandonada e algueacutem necessitado possa tomar posse dele neste caso o senso

de justiccedila natildeo estaacute completamente extraviado E se desvia ainda menos em um julga-

mento em que um proprietaacuterio que destruiu cafeacute trigo ou algodatildeo com a finalidade de

manter os preccedilos altos deve ele mesmo ser destruiacutedo enquanto proprietaacuterio Traduccedilatildeo li-

vre)

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

144

Em contrapartida Bloch defende que a justiccedila jamais poderaacute ser efeti-

vada enquanto houver a exploraccedilatildeo do trabalho e a divisatildeo de classes E

nesse sentido a dignidade humana que deve ser embasada na liberdade

na igualdade e na solidariedade eacute a utopia (ser-ainda-natildeo) do Direito (MAS-

CARO 2008)

Ademais eacute interessante ressaltar ainda que justamente em virtude

desse horizonte a se realizar Bloch compreende o ser humano como incom-

pleto assim como tambeacutem a proacutepria natureza a que ele pertence o eacute de

modo que a transformaccedilatildeo das relaccedilotildees humanas natildeo pode se dar sem que

as proacuteprias relaccedilotildees com a natureza tambeacutem sofram modificaccedilotildees qualitati-

vas ndash nesse sentido estaacute-se a tratar de um pensador considerado precursor no

tratamento da questatildeo ecoloacutegica por parte dos filoacutesofos marxistas (MAS-

CARO 2008)

Portanto a partir de um novo paradigma epistemoloacutegico defende-se

que a conciliaccedilatildeo entre direito e moral deve ocorrer sobretudo a partir da

adoccedilatildeo de uma filosofia dos valores que leve em conta uma eacutetica cada vez

mais inclusiva e altruiacutesta que deve estar em permanente observaccedilatildeo e rea-

valiaccedilatildeo

Afinal natildeo se pode deixar de considerar que ldquotodo ato eacutetico [] eacute na

realidade um ato de religaccedilatildeo com o outro com os seus com a comuni-

dade com a humanidade e em uacuteltima instacircncia inserccedilatildeo na religaccedilatildeo coacutes-

micardquo (MORIN 1991 passim)

Nesse seguimento emerge com forccedila e legitimidade a percepccedilatildeo sis-

tecircmica do mundo

Encontramos na natureza aglomerados agregados de sistemas flu-

xos inorganizados de objectos organizados Mas o que eacute digno de

nota eacute o caraacutecter polissisteacutemico do universo organizado Este eacute uma

espantosa arquitectura de sistemas que se edificam uns sobre os ou-

tros uns entre os outros uns contra os outros implicando-se e imbri-

cando-se uns nos outros com um grande jogo de aglomerados plas-

mas fluidos de microssistemas circulando flutuando []aquilo a que

noacutes chamamos natureza [] eacute precisamente esta extraordinaacuteria soli-

dariedade de sistemas encadeados edificando-se uns sobre os ou-

tros pelos outros com os outros contra os outros [] satildeo os sistemas

de sistemas em rosaacuterios em cachos em poacutelipos em arbustos em ar-

quipeacutelagos Assim a vida eacute um sistema de sistemas natildeo soacute porque o

organismo eacute um sistema de oacutergatildeos que satildeo sistemas de moleacuteculas

que satildeo sistemas de aacutetomos mas tambeacutem porque o ser vivo eacute um

sistema individual que participa dum sistema de reproduccedilatildeo porque

um e outro participam dum ecossistema o qual participa da biosfera

[] (MORIN 1991 p 97)

Estes sistemas naturais satildeo autopoieacuteticos isto eacute operacionalmente fe-

chados autocircnomos e autorreferenciais no sentido de que sua loacutegica de au-

toproduccedilatildeo e reproduccedilatildeo se daacute de modo circular e reiterativo independen-

temente dos elementos que lhe satildeo externos

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

145

Contudo como se percebe eles tambeacutem se relacionam inevitavel-

mente entre si e com o ambiente agrave sua volta isto eacute possiacutevel em virtude da

noccedilatildeo de acoplamento estrutural segundo a qual as interferecircncias externas

ocasionam uma mudanccedila estrutural no sistema mas natildeo tem o poder de de-

terminar a reaccedilatildeo do sistema vivo a qual eacute imprevisiacutevel e peculiar a cada

sistema o que faz com que possa se atribuir a perspectiva de historicidade e

natildeo determinabilidade a eles (MATURANA e VARELA 2001)

Diante da observaccedilatildeo de tamanha complexidade constitutiva nas mais

diversas formas de vida onde evidentemente se inclui o ser humano em seu

aspecto bioloacutegico alguns estudiosos comeccedilaram a investigar a viabilidade de

integraccedilatildeo de aspectos existenciais bioloacutegicos sociais e cognitivos esten-

dendo os princiacutepios da compreensatildeo sistecircmica agraves organizaccedilotildees sociais huma-

nas

Adverte-se que a extensatildeo destas teorias ao campo social natildeo ocorre

de maneira direta em virtude de que o comportamento humano em socie-

dade eacute permeado de suas particularidades oriundas do niacutevel de desenvolvi-

mento do pensamento da consciecircncia e da linguagem humanos Segundo

estes autores o ser humano possui duas dimensotildees de comportamento o fiacute-

sico governado pelas leis de causa e efeito e ainda o comportamento do

domiacutenio social que eacute ldquogovernado por regras geradas pelo sistema social que

satildeo muitas vezes codificadas em leirdquo (CAPRA e LUISI 2014 p 380)

Assim para validar a abordagem sistecircmica tradicional ndash integrada pela

triacuteade forma (organizaccedilatildeo) mateacuteria (estrutura) e processo (movimento) ndash pe-

rante os fenocircmenos sociais eacute necessaacuterio acrescentar um quarto elemento o

significado que ldquotorna evidente que o nosso mundo interior de conceitos e

ideias imagens e siacutembolos eacute uma dimensatildeo criacutetica da realidade socialrdquo (CA-

PRA e LUISI 2014 p 376)

Um dos autores que se dedicou a este desafio foi precisamente Niklas

Luhmann (2005) que identificou a comunicaccedilatildeo como caractere definidor

dos sistemas sociais De sua autorreprodutibilidade surgem os sistemas comuns

de significado crenccedilas explicaccedilotildees e valores a partir de que se estabelece

a fronteira do sistema e de onde se extrai um duplo efeito os contextos de

significados e as regras de comportamento (estruturas sociais)

A partir disso Luhmann (2005) identifica o Direito como um subsistema

social autopoieacutetico e portanto fechado autorreferencial e reflexivo o qual

ao tempo em que se ocupa da sua proacutepria autorreproduccedilatildeo e da sua adap-

taccedilatildeo ao meio tambeacutem o faz relativamente ao sistema social em geral par-

ticipando assim da construccedilatildeo daquela realidade

Diante deste raciociacutenio juntamente com Bosselmann (1995) entende-

se que as accedilotildees estatais no plano interno e internacional precisaratildeo mudar

radicalmente Trata-se assim de uma demanda indiscutiacutevel do direito positivo

Esta guinada de rumos em face tantas incertezas ecoloacutegicas que obs-

curecem a visatildeo do futuro torna pertinente uma analogia aos dizeres de Ed-

gar Morin sobre os desafios de se construir o meacutetodo do conhecimento ldquoaqui

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

146

temos que aceitar caminhar sem caminho Fazer o caminho no caminharrdquo

(MORIN 1991 p 23)

Todavia isso natildeo significa dizer que este percurso se faria por aventurei-

ros entregues agrave proacutepria sorte na verdade seria necessaacuterio estabelecer criteacute-

rios e objetivos a serem observados neste processo de ecologizaccedilatildeo do Es-

tado do direito e das poliacuteticas

Em primeiro lugar pensar em um Estado ecologicamente orientado im-

plica em uma necessaacuteria reflexatildeo sobre os valores fundamentais que devem

nortear a estruturaccedilatildeo da organizaccedilatildeo poliacutetico-social entre os quais a justiccedila

e a igualdade que satildeo sempre lembradas como seus vetores essenciais

Mas para aleacutem delas propotildee-se o resgate de outro importante ele-

mento de mesmo status dos anteriormente mencionados e sem o qual natildeo

seria possiacutevel pressupor a pretensatildeo de continuidade como decorrecircncia es-

perada da vontade de constituiccedilatildeo de uma sociedade poliacutetica trata-se da

defesa da sustentabilidade

Segundo documenta Bosselmann (2015) a noccedilatildeo de sustentabilidade

eacute bastante antiga e remonta agrave ideia de uma vida harmocircnica com o meio

preservando-se a dinamicidade dos ciclos naturais e em decorrecircncia disso

garantindo-se a sobrevivecircncia humana Em breves linhas pode-se dizer que

as discussotildees acerca do conteuacutedo da sustentabilidade baseiam-se no niacutevel

de seguranccedila que se atribui agrave necessidade de conservaccedilatildeo de recursos na-

turais

A sustentabilidade assumiria as vezes de um metaprinciacutepio que ldquofor-

nece orientaccedilotildees fundamentais para a interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas e

estabelece a referecircncia para a compreensatildeo da justiccedila dos direitos humanos

e da soberania do Estadordquo (BOSSELMANN 2015 p 64) o que demanda uma

ressignificaccedilatildeo da proacutepria ideia de justiccedila em direccedilatildeo a um novo patamar a

justiccedila ecoloacutegica a qual engloba os seguintes elementos erradicaccedilatildeo da po-

breza preocupaccedilatildeo com as geraccedilotildees futuras e reconhecimento do valor in-

triacutenseco dos natildeo humanos rumo agrave integridade ecoloacutegica a uma visatildeo natildeo

dicotocircmica e holiacutestica

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Eacute possiacutevel inferir de todo o exposto que para se chegar a uma concep-

ccedilatildeo ecoloacutegica do fenocircmeno juriacutedico eacute preciso ir aleacutem da ideia de que o Di-

reito se constitui em si mesmo como um sistema normativo ao qual cabe teacutec-

nica e exclusivamente a determinaccedilatildeo do que eacute legal e do que eacute ilegal

Eacute um imperativo racional inevitaacutevel para efeitos de uma necessaacuteria

adaptaccedilatildeo ao meio circundante a sua inserccedilatildeo em todo este arranjo orga-

nizacional e estrutural que vai do cosmo agraves micropartiacuteculas atocircmicas quando

da delimitaccedilatildeo e tratamento das condutas consideradas justas e adequadas

e tambeacutem aquilo que eacute inaceitaacutevel nas comunidades humanas por meio da

adoccedilatildeo da sustentabilidade como um metaprinciacutepio

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

147

Esta harmonizaccedilatildeo deve ser vislumbrada na relaccedilatildeo do Direito com os

outros subsistemas no acircmbito da escolha da poliacutetica legislativa mas tambeacutem

da unidade interna do ordenamento na aplicaccedilatildeo das normas postas para

que possa de fato fazer sentido

Caso isso natildeo ocorra o proacuteprio Direito poraacute em risco a sua capacidade

de operaccedilatildeo e de autorreproduccedilatildeo o que traraacute impactos para aleacutem das fron-

teiras do proacuteprio Direito

REFEREcircNCIAS

ARENDT Hannah Eichmann en Jerusaleacuten Um estuacutedio sobre la banalidad del mal Bar-

celona Lumen 1999

BARROSO Luiacutes Roberto Fundamentos teoacutericos e filosoacuteficos do novo Direito Constituci-

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BOSSELMANN Klaus O princiacutepio da sustentabilidade transformando direito e gover-

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BOSSELMANN Klaus When two worlds collide Society and Ecology Auckland RSVP

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e suas implicaccedilotildees filosoacuteficas poliacuteticas sociais e econocircmicas Satildeo Paulo Cultrix 2014

FARALLI Carla A filosofia contemporacircnea do Direito Satildeo Paulo Martins Fontes 2006

LEIS Hector Ricardo Ambientalismo um projeto realista-utoacutepico para a poliacutetica mun-

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para as Ciecircncias Sociais 2 ed Florianoacutepolis EdUFSC 1998

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MASCARO Alysson Leandro Utopia e Direito Ernst Bloch e a ontologia juriacutedica da uto-

pia Satildeo Paulo Quartier Latin 2008

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SALDANHA Nelson Nogueira Velha e Nova Ciecircncia do Direito (e outros estudos de

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Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

148

VASCONCELOS Arnaldo Direito Humanismo e Democracia 2ed Satildeo Paulo Malhei-

ros 2006

149

SUSTENTABILIDADE NO ANTROPOCENO

o pensamento complexo e a

necessaacuteria reflexatildeo sobre o estado

ecoloacutegico de direito no contexto da

COVID-19

Carlos E Peralta1

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 101 A pandemia provocada pela COVID-19

como consequecircncia do Antropoceno 1011 Breves reflexotildees sobre

o Antropoceno 1012 A pandemia provocada pela COVID-19 Uma

crise sanitaacuteria dentro da crise civilizatoacuteria do Antropoceno 102 A

Metamorfose para o Estado Ecoloacutegico de Direito Um debate neces-

saacuterio 1021 Reflexotildees preliminares para pensar na ecologizaccedilatildeo do

Estado de Direito 1022 Paracircmetros indispensaacuteveis para a constru-

ccedilatildeo do Estado Ecoloacutegico de Direito 1023 Desafios para o Estado

Ecoloacutegico de Direito Consideraccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

O nosso planeta estaacute caracterizado por uma complexa rede de cone-

xotildees ocultas na Natureza A complexidade ecoloacutegica eacute uma marca do meta-

bolismo da Terra que como explica Edgar Morin (2002 p 47) desorganiza-se

e reorganiza-se constantemente Ao longo da sua pequena histoacuteria socio-cul-

tural no planeta o ser humano buscou formas de adaptar-se ao seu entorno

natural para sobreviver Se fosse possiacutevel contar a histoacuteria da Terra em vinte e

quatro horas caberia afirmar que o ser humano moderno surgiu no uacuteltimo se-

gundo do dia No entanto a pesar desse curto lapso sobre a Terra atualmente

as evidecircncias cientificas alertam que o alto impacto da pegada ecoloacutegica

do Homo Sapiens detonou uma nova era geoloacutegica O Antropoceno Trata-se

de um conceito complexo multifocal que muito aleacutem de uma perspectiva

geoloacutegica comporta tambeacutem uma perspectiva cultural que apresenta um

viacuteeis histoacuterico socioloacutegico econocircmico eacutetico e filosoacutefico O Antropoceno exige

pensar novos paradigmas que permitam entender e dar resposta a problemas

e riscos ecoloacutegicos globais que identificam esse novo marco soacutecio-natural que

condiciona natildeo apenas o desenvolvimento do ser humano mas a proacutepria

vida no planeta Independente do reconhecimento oficial do Antropoceno ndash

pela Uniatildeo Internacional de Ciecircncias Geoloacutegicas ndash como era geoloacutegica eacute

1 Professor da Universidad de Costa Rica (UCR) Coordenador do Grupo de Pesquisa Dere-

cho y Sustentabilidad (GPDS) da UCR Pesquisador do Instituto de Investigaciones Juriacutedicas

da UCR Poacutes-doutor em Direito pela UFSC (PDJCNPq) Poacutes-doutor em Direito pela UERJ (Precirc-

mio Capes de Tese 2012) Doutor em Direito Puacuteblico pela UERJ

E-mail carlosperalta07gmailcom

10

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

150

certo que a complexidade do conceito identifica e caracteriza a Sociedade

de Risco contemporacircnea eacute soacute poderaacute ser analisada a partir de uma perspec-

tiva sistecircmica

Nesse contexto a atual pandemia provocada pelo viacuterus SARS-CoV-2

deveraacute ser entendida como uma caracteriacutestica e ao mesmo tempo como

uma consequecircncia do Antropoceno a pandemia coloca em evidecircncia a ne-

cessidade de analisar a estreita relaccedilatildeo existente entre Natureza e sociedade

com o objetivo de identificar as causas mediatas e natildeo apenas imediatas da

COVID-19 com a finalidade de encontrar respostas efetivas para um contexto

de risco que vai agravar-se nos proacuteximos anos se natildeo forem adotadas medi-

das ecoloacutegicas globais de forma articulada

Partindo desse breve marco de referecircncia o artigo enquadra-se dentro

de um projeto de pesquisa que estaacute sendo realizado no Instituto de Investiga-

ciones Juriacutedicas e no Grupo de Pesquisa Derecho y Sustentabilidad (GPDS) da

Universidad de Costa Rica (UCR) A pesquisa de caraacuteter qualitativo adota

como contexto de estudo o Antropoceno e tem um marco teoacuterico que na

sua base parte da reflexatildeo do pensamento de trecircs autores Edgar Morin Bo-

aventura de Sousa Santos e Ulrich Beck A partir dessa base teoacuterica o projeto

objetiva propor uma epistemologia e uma hermenecircutica que permita analisar

as perspectivas e os desafios do Estado Ecoloacutegico de Direito (EED) e consi-

dera dentre outros importantes referentes teoacutericos de vaacuterias aacutereas do conhe-

cimento como P Crutzen E Leff J Rockstrom EGudynas J R Morato Leite

T Fenstenseifer I Sarlet G Parente Neiva Belchior J Martiacutenez Alier J Eli da

Veiga A Giddens Tyler Miller Jr Fritjof Capra G Wedy I Sachs J Sachs G

Daly H Reeves e F Lenoir P H May P Singer L Peacuterez Bustamante T Jackson

R Abramovay S Latouche2

Cabe destacar que a pandemia provocada pela COVID-19 decla-

rada pela OMS em 11 de marccedilo de 2020 pelos seus efeitos globais e a sua

iacutentima relaccedilatildeo com a complexidade ecoloacutegica constituiu-se como uma nova

variaacutevel de anaacutelise para o desenvolvimento do trabalho de pesquisa que estaacute

sendo realizando na UCR

Nessa linha de pensamento a proposta do artigo seraacute colocar algumas

breves reflexotildees ainda preliminares sobre estreita relaccedilatildeo existente entre a

pandemia da COVID-19 e o Antropoceno e como a atual situaccedilatildeo global

exige incentivar um forte debate sobre a necessidade de pensar numa meta-

morfose civilizatoacuteria que deveraacute partir do surgimento de um Estado Ecoloacutegico

de Direito capaz de entender e lidar com a crise ecoloacutegica que marca o nosso

tempo

2 Neste trabalho por motivos de extensatildeo seratildeo utilizadas algumas dessas referecircncias teoacuteri-

cas

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

151

101 A PANDEMIA PROVOCADA PELA COVID-19 COMO

CONSEQUEcircNCIA DO ANTROPOCENO

1011 Breves reflexotildees sobre o Antropoceno

Paul J Crutzen ndash precircmio Nobel de Quiacutemica ndash e Eugene F Stoermer aler-

taram no Boletim ldquoInternational GeospherendashBiosphere Programme (IGBP)rdquo so-

bre existecircncia de uma nova era geoloacutegica que substituiria o Holoceno e que

chamaram de Antropoceno (2000)

Posteriormente Paul J Crutzen (2002) em artigo publicado na Revista

Nature ndash intitulado Geology of mankind ndash reafirmou formalmente que o im-

pacto dos seres humanos sobre a Terra teria desencadeado uma nova era

geoloacutegica o Antropoceno Em termos resumidos eacute possiacutevel afirmar que esse

novo periacuteodo geoloacutegico estaria marcado por uma sobrecarga ecoloacutegica

causada pelo modelo de desenvolvimento econocircmico da segunda moderni-

dade deixando uma profunda pegada ecoloacutegica na geologia da Terra Essa

nova era geoloacutegica ainda natildeo foi oficializada pela Unioacuten Internacional de Ci-

encias Geoloacutegicas Foi conformado o denominado Grupo de Trabalho sobre

o Antropoceno (AWG pelas suas siglas em inglecircs)3 para analisar as evidencias

cientiacuteficas que permitam comprovar ou natildeo o surgimento do Antropoceno

desde o ponto de vista geoloacutegico

Atualmente podemos considerar que o Antropoceno eacute mais que um

conceito geoloacutegico ndash em sentido estrito ndash alcanccedilando uma dimensatildeo cultural

ndash em sentido amplo ndash que questiona o modelo de desenvolvimento humano

e a sua relaccedilatildeo com a Natureza Sobre essa concepccedilatildeo cultural H Trischler

(2017 p 54) explica que

El debate cultural sobre el Antropoceno se interesa nada menos que

en las cuestiones maacutes centrales de nuestra sociedad iquestcoacutemo seraacute el

futuro iquestCoacutemo debemos hacer negocios trabajar y vivir iquestQueacute pa-

pel tendraacute la tecnologiacutea en esto iquestQueacute formas de produccioacuten y co-

municacioacuten del conocimiento son adecuadas para el Antropoceno

Por uacuteltimo iquestqueacute narrativas necesitamos para comprender mejor el

papel planetario de los seres humanos como actores que afectan a

todo el sistema de la Tierra Esto es lo que hace que la discusioacuten sea

tan fascinante y tan relevante para hoy y mantildeana

De forma sinteacutetica eacute possiacutevel afirmar que o Antropoceno eacute a era da

grande aceleraccedilatildeo provocada pelo homo faber Trata-se de uma eacutepoca

marcada por uma sociedade de alta entropia pautada pela ideia de cresci-

mento econocircmico continuo que desconsidera que a biosfera eacute um sistema

fechado com fronteiras de risco ecoloacutegico que devem ser respeitadas para

manter as condiccedilotildees de vida consolidadas no Holoceno por um periacuteodo de

aproximadamente doze mil anos A irresponsabilidade organizada (BECK

3 Cf httpquaternarystratigraphyorgworking-groupsanthropocene Acesso em 27

ago2020

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

152

2002) do Antropoceno provocou que pela primeira vez na histoacuteria do planeta

uma espeacutecie tem o futuro da biosfera em suas matildeos sendo capaz de provo-

car uma extinccedilatildeo de espeacutecies em massa A (ir)racionalidade do modelo de

desenvolvimento herdado da revoluccedilatildeo industrial natildeo considerou nem con-

sidera a vulnerabilidade e a capacidade de resiliecircncia da Natureza a crise

ecoloacutegica do Antropoceno eacute uma caracteriacutestica e ao mesmo tempo uma

consequecircncia dessa visatildeo de mundo e coloca a humanidade numa encruzi-

lhada no que diz respeito ao caminho que deveraacute ser adotado pela socie-

dade da segunda modernidade (BECK 2002) este momento reflexivo se de-

para com uma crise civilizatoacuteria marcada por profundas fronteiras invisiacuteveis

(geograacuteficas eacutetnicas religiosas econocircmicas etc) que identifica uma socie-

dade altamente desigual de alta entropia individualista reducionista dis-

tante da Natureza e que estaacute muito longe de ser planetaacuteria Paradoxalmente

em pouco tempo na transiccedilatildeo para o Antropoceno a polis humana que ini-

cialmente estava na Natureza aumentou transformou-se de forma irreflexiva

numa aldeia global e hoje eacute a Natureza que estaacute inserida nesse ambiente

artificial criado pelo Homo Sapiens O contexto do Antropoceno tem impor-

tantes consequecircncias eacuteticas juriacutedicas e poliacuteticas exigindo uma decisatildeo cole-

tiva que deveraacute ser politicamente debatida adotada e aplicada (GUDYNAS

2019) Eacute nesse cenaacuterio que devem ser feitas as reflexotildees sobre o Estado Ecoloacute-

gico de Direito como ponto de partida para uma metamorfose civilizatoacuteria

1012 A pandemia provocada pela COVID-19

uma crise sanitaacuteria dentro da crise civilizatoacuteria do

Antropoceno

Na linha de pensamento de Edgar Morin (2009) podemos afirmar que

no Antropoceno existe uma fragmentaccedilatildeo do conhecimento que impede en-

tender as conexotildees dos problemas globais o que Morin chamaria de ceguei-

ras do conhecimento provocadas pela perspectiva reducionista cartesiana

que encaixa o saber na verdade parcial das disciplinas

Nesse sentido para entender o que provocou o viacuterus SARS-CoV-2 que

originou a pandemia em 2020 eacute necessaacuteria uma analise a partir de um pen-

samento complexo que permita ir aleacutem das causas imediatas da pandemia

e visualizar a real dimensatildeo do problema que a humanidade estaacute enfren-

tando Em outras palavras a COVID-19 deveraacute ser analisada natildeo apenas

como uma doenccedila zoonoacutetica causadora de uma crise sanitaacuteria mas como

um risco ecoloacutegico global proacuteprio do Antropoceno

A crise da Sociedade de Risco do Antropoceno deveraacute ser compreen-

dida a partir de um novo paradigma epistemoloacutegico que seja capaz de inte-

grar as muacuteltiplas cosmovisotildees de mundo exigindo novas epistemologias do sul

(SANTOS 2019) fundamentadas no diaacutelogo da ciecircncia com os saberes cultu-

rais e orientadas por um pensamento inclusivo e holiacutestico ancorado numa

eacutetica da outridade numa sustentabilidade forte capaz de respeitar os limites

biofiacutesicos

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

153

Da pandemia da COVID-19 poderemos extrair muacuteltiplas liccedilotildees que per-

mitiram entender os desafios do Antropoceno Do primeiro semestre de pan-

demia podemos formular de forma preliminar duas liccedilotildees

(1) Primeira Liccedilatildeo Na linha de pensamento do E Morin (2020) a pri-

meira liccedilatildeo seria que ldquoo festival de incertezasrdquo provocado pela pandemia su-

potildee um enorme desafio para a complexidade Um dos desafios da complexi-

dade no Antropoceno seraacute ldquocomo confrontar selecionar organizar os conhe-

cimentos de forma adequada ao mesmo tempo religando-os e integrando

as incertezasrdquo O modelo de conhecimento da segunda modernidade como

explica E Morin (2020) adota um pensamento redutor e disjuntor que separa

o inseparaacutevel e reduz ldquoa um uacutenico elemento aquilo que eacute ao mesmo tempo

uno e diversordquo De maneira que na sociedade de risco do Antropoceno de-

veraacute ser adoptado um paradigma da complexidade que a partir dos princiacute-

pios sisteacutemico e hologramaacutetico (MORIN 2009) permita entender as conexotildees

de causa-efeito dos riscos ecoloacutegicos globais

(2) Segunda Liccedilatildeo A accedilatildeo antropogecircnica exige uma resposta global

imediata ou no futuro pandemias e outros riscos ecoloacutegicos seratildeo mais co-

muns e colocaram em xeque a sociedade e o espaccedilo ecoloacutegico operacional

seguro do planeta (ROCKSTROM 2009) No atual cenaacuterio para superar a pan-

demia natildeo podemos atacar apenas os sintomas identificados inicialmente a

partir de dezembro de 2019 Com cautela deveratildeo ser analisadas entendidas

e combatidas as causas que provocaram esses sintomas De maneira que a

segunda liccedilatildeo exige uma reflexatildeo sobre o Estado Ecoloacutegico de Direito como

pressuposto para a metamorfose civilizatoacuteria que exige o Antropoceno

Queiramos ou natildeo mesmo com os grandes avanccedilos tecnoloacutegico-cien-

tiacuteficos e com a interconexatildeo global existente ndash das comunicaccedilotildees e da eco-

nomia ndash a sociedade da segunda modernidade estaacute profundamente intrin-

cada numa rede de conexotildees profundas com o entorno natural que pretende

invisibilizar Todo impacto do ser humano na Natureza tem uma consequecircncia

que mesmo inicialmente imperceptiacutevel terminaraacute afetando o estilo de vida

do Homo Faber O princiacutepio do bucle retroativo (MORIN 2009) da complexi-

dade permite identificar como a degradaccedilatildeo do ambiente natural de caraacute-

ter sinergeacutetico retorna sobre o ambiente artificial humano na forma de riscos

ecoloacutegicos Mesmo que esses riscos prejudiquem inicialmente os menos favo-

recidos ndash racismo ecoloacutegico ndash teratildeo um efeito boomerang recaindo demo-

craticamente sobre toda a sociedade

Boaventura de Sousa Santos (2020) explica que a ideia de crise em tese

refere-se a uma situaccedilatildeo excepcional passageira e nesse sentido constitui

uma oportunidade para melhorar Nessa linha de pensamento afirma que

ldquoquando a crise eacute passageira ela deve ser explicada pelos fatores que a pro-

vocam Mas quando se torna permanente a crise transforma-se na causa

que explica todo o restordquo A atual pandemia natildeo eacute apenas uma crise passa-

geira e sim um problema instalado caracteriacutestico do Antropoceno A pande-

mia eacute o exemplo mais claro do caraacuteter sinergeacutetico dos complexos riscos eco-

loacutegicos do Antropoceno O viacuterus do SARS-CoV-2 surge num mercado uacutemido

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

154

na cidade de Wuhan ndash polo tecnoloacutegico capital de Hubei localizada na

China Central O pequeno viacuterus que surgiu na cidade de Wuhan ateacute entatildeo

pouco conhecida por boa parte da populaccedilatildeo do mundo ocidental em

pouco tempo pela interconexatildeo global que caracteriza a nossa acelerada

eacutepoca provocou uma convulsatildeo global que fez surgir uma tiacutemida consciecircn-

cia planetaacuteria sobre a fragilidade humana Explica Boaventura de Sousa San-

tos (2020 p 7) que ldquoA trageacutedia eacute que neste caso a melhor maneira de sermos

solidaacuterios uns com os outros eacute isolarmo-nos uns dos outros e nem sequer tocar-

mos Eacute uma estranha comunhatildeo de destinosrdquo Pergunta o socioacutelogo-juriacutedico

portuguecircs se acaso natildeo haveraacute outras formas possiacuteveis para essa comunhatildeo

A pandemia na verdade eacute a chegada imprevista de um evento que

era previsiacutevel considerando a forma distante e agressiva que ldquoanthroposrdquo se

relaciona com a Natureza Nesse sentido a pandemia teve vaacuterios ldquospoliersrdquo

ao longo do tempo por exemplo com o viacuterus do Ebola em 2012 e quando a

Malaacuteria matou mais de 400000 mil pessoas em 2016 a maioria delas na Aacutefrica

De forma que a pandemia era de certo modo previsiacutevel se o ser humano leva-

se a seacuterio a mudanccedila climaacutetica a perda da biodiversidade a erosatildeo do solo

a deforestaccedilatildeo o traacutefego de espeacutecies silvestres a seguranccedila alimentar a aci-

dificaccedilatildeo dos oceanos o derretimento dos polos a degradaccedilatildeo dos recursos

hiacutedricos a incapacidade das cidades de lidar com fenocircmenos naturais etc

Em outras palavras a pandemia era previsiacutevel considerando a toacutexica relaccedilatildeo

do ser humano com o seu entorno natural Sobre a questatildeo Edgar Morin (2020)

explica que ldquoA experiecircncia das irrupccedilotildees do inesperado na histoacuteria natildeo pene-

trou nas consciecircncias A chegada do imprevisiacutevel era previsiacutevel mas natildeo sua

natureza Daiacute a maacutexima permanente ldquoespero pelo inesperadordquo rdquo

De 2002 a 2020 vaacuterias doenccedilas zoonoacuteticas ascenderam o sinal de alerta

laranja na humanidade ndash SARS (2002) Gripe Aviaacuteria ndashH5N1(2004) Gripe Por-

cina ndashH1N1 (2009-2010) ndash ateacute chegar 2020 e deparar-nos com o SARS-CoV-2

pequeno viacuterus que causou um estado de alerta vermelho de alcance global

De maneia que natildeo podemos afirmar que a atual pandemia da COVID-19 eacute

uma crise isolada ou sem causas conhecidas Pelo contraacuterio eacute uma crise numa

engrenagem maior de crises conectadas trata-se de uma consequecircncia si-

lenciosa que ainda que inesperada era previsiacutevel considerando a irresponsa-

bilidade organizada (BECK 2002) que orienta o Antropoceno

Como afirma Morin a pandemia eacute uma crise dentro das crises jaacute insta-

ladas no Antropoceno A COVID-19 colocou em evidecircncia e agravou essas

crises de certo modo invisiacuteveis ou ignoradas ateacute entatildeo Como explica Morin

(2020) a pandemia eacute uma crise sanitaacuteria que movimentou uma engrenagem

de crises conectadas que pelo predomiacutenio do conhecimento reducionista

que impera na sociedade de risco sempre tinha sido ignorada ou vista como

um problema passiacutevel de ser corrigido Para o renomado socioacutelogo francecircs

essa ldquopolicrise ou mega crise se estende do existencial ao poliacutetico passando

pela economia do indiviacuteduo ao planetaacuterio passando por famiacutelias regiotildees Es-

tadosrdquo Trata-se explica ele da evidecircncia de uma crise planetaacuteria que mostra

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

155

a ligaccedilatildeo inseparaacutevel do homo sapiens ldquocom o destino bio-ecoloacutegico do pla-

neta Terra intensifica simultaneamente a crise da humanidade que natildeo

chega a se constituir enquanto humanidaderdquo (MORIN 2020)

De maneira que a crise sanitaacuteria da COVID-19 destacou e agravou di-

versas crises estreitamente ligadas dentre elas (1) A crise social marcada por

um mundo polarizado de enormes desigualdades O crescimento econocircmico

como siacutembolo de desenvolvimento eacute uma panaceia um mito propriedade de

uma pequena parcela da populaccedilatildeo mundial Como ter um mundo mais

equitativo com menos concentraccedilatildeo de riqueza (2) A crise existencial que

questiona as verdadeiras necessidades de uma sociedade alienada bombar-

deada por mensagens subliminais de consumo Seraacute necessaacuterio pensar em um

decrescimento sereno como proposto por autores como Serge Latouche e Tim

Jackson (dentre outros) (3) As crises nacionais provocadas por questotildees so-

bre discriminaccedilatildeo racial diferenccedilas religiosas xenofobia homofobia e poliacuteti-

cas internas que priorizam o crescimento econocircmico sobre a sustentabilidade

e a gestatildeo de riscos O modelo de Estado da segunda modernidade seraacute ca-

paz de lidar com os riscos globais do Antropoceno Ou seraacute necessaacuterio um

pacto cosmopolita esverdeado como proposto por U Beck (2002) (4) A crise

econocircmica ficou ainda mais visiacutevel no contexto da COVID-19 A pandemia

colocou em confinamento os dogmas da economia dos materiais e denun-

ciou a falaacutecia do crescimento econocircmico como sinocircnimo de bem-estar so-

cial altos iacutendices de desemprego trabalho informal deacuteficit fiscal e a crise da

previdecircncia satildeo noticia diaacuteria nos jornais (5) A crise intelectual que evidencia

como a segunda modernidade mesmo com os grandes avanccedilos tecnoloacutegi-

cos desconsidera a complexidade e privilegia o dualismo e o conhecimento

disjuntor disciplinaacuterio A complexidade do real estaacute permanentemente confi-

nada sendo incapaz de entender o limites planetaacuterios

No fundo toda essa engrenagem de crises circula sobre uma grande

crise A crise civilizatoacuteria do Antropoceno pautada por um paradigma simplifi-

cador que desconsidera a Natureza (seus limites suas conexotildees seu valor natildeo

quantificaacutevel em termos monetaacuterios) nos processos decisoacuterios da sociedade e

invisibiliza as desigualdades as diferenccedilas e as cosmovisotildees existentes na hu-

manidade Essa crise civilizatoacuteria eacute resultado de uma linguagem mecacircnica

binaacuteria que natildeo eacute capaz de identificar entender analisar e responder a par-

tir de um paradigma de complexidade os desafios provocados pela socie-

dade de risco

De modo que os riscos sanitaacuterios da pandemia natildeo satildeo apenas produto

de uma doenccedila zoonotica que alcanccedilou uma dimensatildeo global trata-se do

resultado de um processo irreflexivo que detonou o Antropoceno e contem-

pla fatores como (1) A degradaccedilatildeo ambiental ndash realizada de forma consci-

ente pelo mito do crescimento econocircmico (2) O conforto intelectual que

desconsidera a complexidade (3) Um direito ambiental fragmentado lento

e ancorado em artigos paradigmas (4) Uma (natildeo) governanccedila ambiental

internacional desarticulada orientada por uma sustentabilidade fraca e sem

capacidade de enforcment e (4) Uma poliacutetica orientada por interesses

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

156

econocircmicos de curto prazo que desconsideram os limites biofiacutesicos do Pla-

neta Em siacutentese a crise civilizatoacuteria eacute o resultado esperado de uma sociedade

em permanente confinamento incapaz de ser prospectiva solidaacuteria e empaacute-

tica No Antropoceno convenientemente prevalece o pensamento redutor

disjuntor que condena a sociedade a erros contiacutenuos de diagnoacutestico e pre-

venccedilatildeo (MORIN 2020)

Explica Morin (2020) que ldquoa livre concorrecircncia e o crescimento econocirc-

mico satildeo panaceias sociais () A loucura eufoacuterica do transhumanismo leva

ao paroxismo o mito da necessidade histoacuterica do progresso e do controle hu-

mano natildeo somente na natureza mas tambeacutem de seu destino ()

Seguindo a linha de pensamento do Boaventura de Sousa Santos (2011)

a crise civilizatoacuteria do Antropoceno poderia ser analisada a partir de uma so-

ciologia das ausecircncias e uma sociologia das emergecircncias Nesse sentido

mesmo sendo uma eacutepoca de alto grau de desenvolvimento econocircmico e

tecnoloacutegico eacute possiacutevel constatar que boa parte da humanidade foi e conti-

nua sendo ignorada e colonizada por grupos de poder hegemoacutenicos existem

confinamentos sociais constantes Ao mesmo tempo trata-se de uma eacutepoca

com um presente incompleto identificada por uma sociedade de alta entro-

pia sem uma visatildeo prospectiva que seja capaz de entender e respeitar os

limites da biosfera e a diversidade cultural

A quarentena da pandemia da COVID-19 como qualquer outra qua-

rentena eacute discriminatoacuteria ldquomais difiacutecil para uns grupos sociais do que para

outros e impossiacutevel para um vasto grupo de cuidadores cuja missatildeo eacute tornar

possiacutevel a quarentena ao conjunto da populaccedilatildeordquo (SOUSA 2020) Essa qua-

rentena analisada a partir de uma sociologia das ausecircncias deixou mais evi-

dente a crise ecoloacutegica do Antropoceno e a existecircncia de confinamentos eacutet-

nicos de longa data (1) Das mulheres ainda viacutetimas de um sistema patriarcal

machista (2) Dos trabalhadores precaacuterios informais ou de rua sem garantias

sociais (3) Das pessoas sem teto carentes de condiccedilotildees miacutenimas de digni-

dade (4) Dos moradores das periferias e das comunidades carentes que vi-

vem em espaccedilos sem condiccedilotildees urbanas com pouco acesso a agua sem

saneamento baacutesico com restriccedilotildees educativas e expostos agrave violecircncia e a

discriminaccedilatildeo (5) Dos internados em campos para refugiados para imigran-

tes indocumentados ou para deslocados internos grupos que vivem em cons-

tante confinamento e inseguranccedila e (6) Dos idosos que vivem em lares de

repouso lugares que na quarentena se transformaram em zonas de alto risco

(SANTOS 2020) Ainda cabe indicar que muitos desses grupos do Sul metafoacute-

rico (SANTOS 2011) vivem em condiccedilotildees de racismo ecoloacutegico Esse Sul na

concepccedilatildeo de Boaventura de Sousa Santos (2020) natildeo eacute um espaccedilo geograacute-

fico ele ldquoDesigna um espaccedilo-tempo poliacutetico social e culturalrdquo

Nesse contexto a pandemia da COVID-19 constata que a quarentena

sanitaacuteria eacute apenas uma dentro de outras quarentenas que perpetuam confi-

namentos de forma normal na sociedade de risco Ainda a quarentena da

pandemia permite visualizar o darwinismo social existente desde longa data

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

157

atualmente maior e que natildeo mata indiscriminadamente O efeito boome-

rang confina a espeacutecie humana e nesse sentido podemos afirmar que o viacuterus

SARS-CoV-2 pode contagiar a qualquer um no entanto o risco de vida e os

confinamentos satildeo marcados pela profunda desigualdade invisibilizada que

caracteriza a sociedade de risco Na pandemia muitos dos grupos do Sul me-

tafoacuterico deveratildeo decidir entre se expor ao viacuterus ou natildeo ter comida na mesa

Explica Boaventura de Sousa Santos (2020) que a ldquoquarentena natildeo soacute torna

mais visiacuteveis como reforccedila a injusticcedila a discriminaccedilatildeo a exclusatildeo social e o

sofrimento imerecido que elas provocamrdquo Trata-se da exposiccedilatildeo da vulnera-

bilidade dos grupos do Sul

Diante desse cenaacuterio exposto pela pandemia da COVID-19 respostas

efetivas satildeo necessaacuterias diante dos problemas ecoloacutegicos que causaram e

materializaram o SARS-CoV-2 No entanto como explica Boaventura de Sousa

Santos (2011) mesmo diante de perguntas fortes a nossa eacutepoca estaacute mar-

cada por respostas muito fracas fruto da falta de uma reflexatildeo criacutetica e de

um conformismo que parece ter por objetivo natildeo se incomodar com modificar

as estruturas hegemoacutenicas que entendem desenvolvimento como sinocircnimo

de crescimento econocircmico A situaccedilatildeo torna-se mais criacutetica considerando

que existe um descompasso entre a urgecircncia das medidas necessaacuterias para

combater problemas ecoloacutegicos ndashcomo a mudanccedila climaacutetica ndash e o lento pro-

cesso necessaacuterio para consolidar uma nova racionalidade ecoloacutegica

102 A METAMORFOSE PARA O ESTADO ECOLOacuteGICO DE DIREITO

um debate necessaacuterio

1021 Reflexotildees preliminares para pensar na ecologizaccedilatildeo

do Estado de Direito

Morin (2020) afirma que o atual confinamento deve favorecer o natildeo-

confinamento mental com a finalidade de evitar retomar o ciclo cronome-

trado egoiacutesta e consumista que natildeo integra o reloacutegio da Natureza nas deci-

sotildees e atividades cotidianas Esse modelo de vida acelerado orientado pela

ideia de crescimento econocircmico constante como sinocircnimo supeacuterfluo de bem-

estar e prosperidade perde de vista que desrespeitar a resiliecircncia dos ecos-

sistemas significa sentenciar os limites do desenvolvimento humano e princi-

palmente a estabilidade da Terra Na sociedade de risco que caracteriza o

Antropoceno podemos afirmar que na esteira do pensamento de Boaven-

tura de Sousa Santos (2011) existe uma relaccedilatildeo fantasmal uma atitude de

negaccedilatildeo caraterizada por um alto grau de progresso tecnoloacutegico uma forte

conectividade global ndash tanto econocircmica como das comunicaccedilotildees ndash mas

paradoxalmente existe uma incapacidade de entender as diferenccedilas que

identificam a espeacutecie humana e a complexa teia de conexotildees ecoloacutegicas

existentes no planeta O mundo tecno-econocircmico da sociedade de risco

estaacute de forma irresponsaacutevel pautado sobre uma obsolescecircncia programada

desenhada pelo mito do crescimento econocircmico Assim temos um mundo

fora de controle lotado ndash que privilegia o capital artificial ndash desumanizado ndash

com enormes confinamentos sociais ndash e que no curto prazo se natildeo tomar

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

158

medidas seraacute colocado em xeque pelas consequecircncias de desconsiderar os

limites biofiacutesicos do planeta

No contexto reducionista e disjuntor do Antropoceno debater sobre

uma metamorfose capaz de analisar as perspectivas para um Estado Ecoloacute-

gico de Direito exige uma abordagem sisteacutemica que contemple uma nova

visatildeo eacutetica educativa econocircmica geopoliacutetica juriacutedica dentre outros Um

novo paradigma que permita uma relaccedilatildeo de respeito e responsabilidade

para com a Natureza parece ser o grande desafio do cidadatildeo do seacuteculo XXI

Eacute necessaacuterio entender que a autonomia da sociedade da segunda moderni-

dade soacute seraacute possiacutevel respeitando os limites biofiacutesicos e reconhecendo a rela-

ccedilatildeo de dependecircncia do ser humano para com a Natureza A sociedade natildeo

estaacute nem nunca poderaacute estar fora do seu entorno natural

A metamorfose para o Estado Ecoloacutegico de Direito exige adotar um pa-

radigma de complexidade que permita fundamentar uma sustentabilidade

forte que oriente a accedilatildeo humana no Antropoceno

Para Winter na sustentabilidade forte

[] a biosfera torna-se de ldquofundamentalrdquo importacircncia A economia e

a sociedade satildeo parceiros mais fracos pois a biosfera pode existir

sem os humanos mas os humanos certamente natildeo podem existir sem

a biosfera Portanto humanos enquanto exploram a natureza de-

vem respeitar suas limitaccedilotildees uma necessidade que eles satildeo capa-

zes de preencher uma vez que possuem o potencial da razatildeo e en-

tatildeo os padrotildees alternativos de ponderaccedilatildeo do comportamento

(2009 p 4)

O nuacutecleo dessa perspectiva ecologizada parte da complexidade que

exige que o ser humano se enxergue como parte indissociaacutevel da Natureza

de forma que o impacto antropogecircnico deveraacute considerar os limites biofiacutesicos

respeitando a resiliecircncia dos processos ecoloacutegicos essenciais como fonte in-

dispensaacutevel para a vida e paro o pleno desenvolvimento humano A accedilatildeo

humana deveraacute ser realizada dentro do espaccedilo operacional seguro -fronteiras

de risco ecoloacutegico ndash que garante a estabilidade do planeta (ROCKSTROM

2009)

Esse novo paradigma objetiva alcanccedilar um estado de prosperidade

equitativo que considere aspectos de justiccedila ecoloacutegica distributiva de forma

que a ideia de desenvolvimento natildeo seja vista apenas como sinocircnimo de cres-

cimento econocircmico Cloacutevis Cavalcanti (2003 p 161) explica que ldquoA busca

da sustentabilidade resume-se agrave questatildeo de se atingir harmonia entre seres

humanos e a natureza ou de se conseguir uma sintonia com o lsquoreloacutegio da

naturezarsquo ()rdquo De modo que a nova racionalidade ecoloacutegica natildeo poderaacute

reduzir os fenocircmenos naturais agrave loacutegica do mercado a economia eacute apenas um

subsistema humano dentro do sistema fechado da Terra e consequente-

mente para poder funcionar deveraacute respeitar os limites planetaacuterios

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

159

O paradigma da complexidade exige entender a dinacircmica da Natu-

reza ndash seu caos e a sua organizaccedilatildeo ndash para adaptar a accedilatildeo humana Da com-

plexidade da Natureza podem ser identificados paracircmetros para orientar a

transiccedilatildeo da sociedade da segunda modernidade degradadora fundamen-

tada numa economia marrom ndash lineal utilitarista e desigual para uma socie-

dade que poderiacuteamos chamar da ldquoterceira modernidaderdquo sustentaacutevel com

uma economia esverdeada ndash circular solidaacuteria equitativa Essa nova socie-

dade deveraacute ser capaz de reconhecer o valor intriacutenseco da Natureza Na es-

teira do pensamento de Tyller Miller Jr (2008) da Natureza podem ser obser-

vadas algumas liccedilotildees dentre outras para orientar uma sociedade sustentaacutevel

(1) A complexidade da Natureza estaacute caracterizada por fortes conexotildees

Tudo na Natureza eacute interdependente De modo que uma sociedade sus-

tentaacutevel deveraacute estar pautada pelos princiacutepios da precauccedilatildeo e da pre-

venccedilatildeo entendendo que toda intervenccedilatildeo antropogecircnica no ambiente

natural teraacute efeitos colaterais inesperados Licenciamentos avaliaccedilotildees de

risco estudos de impacto ambiental sanccedilotildees e instrumentos econocircmicos

de gestatildeo ambiental devem estar fundamentados em criteacuterios estrita-

mente teacutecnicos ndash natildeo poliacuteticos nem econocircmicos ndash Evidentemente esse

contexto exige independecircncia funcional e orccedilamentaacuteria das instituiccedilotildees

ambientais Nesse marco os princiacutepios procedimentais ambientais satildeo fun-

damentais para garantir um debate e controle ambiental democraacutetico

Nesse sentido eacute curioso como numa eacutepoca de seacuterios problemas ecoloacutegi-

cos em momentos de crise econocircmica e sanitaacuteria ndash como a provocada

pela pandemia da COVID-19 ndash retrocessos na normativa ambiental e en-

fraquecimentos das instituiccedilotildees de proteccedilatildeo ambiental satildeo uma praacutetica

comum

(2) A Natureza funciona essencialmente a base de energias renovaacuteveis O

passo da primeira para a segunda modernidade foi pautado pela depen-

decircncia do desenvolvimento humano de energias foacutesseis No processo de

transiccedilatildeo para uma sociedade da terceira modernidade de baixa entro-

pia seraacute necessaacuterio um marco de incentivos econocircmicos e fiscais para ori-

entar a introduccedilatildeo de energias e tecnologias limpas Paralelamente seratildeo

necessaacuterios desincentivos para energias de impacto ecoloacutegico negativo

e ainda eliminar todo subsiacutedio para atividades com alta pegada ecoloacute-

gica

(3) A Natureza recicla nutrientes e resiacuteduos No Antropoceno ao contraacuterio da

Natureza existe uma praacutetica de consumo orientada pela obsolescecircncia

programada que consequentemente a sociedade da segunda moder-

nidade eacute altamente produtora de resiacuteduos de impacto sobre a resiliecircncia

da Natureza O Antropoceno eacute uma eacutepoca que promove o consumismo

irreflexivo ainda que desigual O EED deveraacute promover o consumo ecoloacute-

gico consciente ndash rechaccedilo reaproveitamento e reciclagem ndash desestimu-

lando estrateacutegias de obsolescecircncia programada Em palavras de Daly

(2005 p 96) ldquoUma economia sustentaacutevel requer uma lsquotransiccedilatildeo demograacute-

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

160

ficarsquo natildeo apenas de pessoas mas tambeacutem de bens ndash as taxas de produ-

ccedilatildeo deveriam ser iguais agraves taxas de depreciaccedilatildeo em niacuteveis elevados ou

baixosrdquo

(4) A Natureza preserva a biodiversidade e os serviccedilos ecossistecircmicos Natildeo eacute

possiacutevel sustentar de forma indefinida o metabolismo de uma sociedade

que degrada o ambiente Deve repensar-se a forma de interagir com a

Natureza respeitando os limites biofiacutesicos aplicando criteacuterios de sustenta-

bilidade e de justiccedila distributiva Seraacute necessaacuteria a introduccedilatildeo de novos

paradigmas que permitam respeitar as diversas cosmovisotildees e adotar

uma perspectiva ecocecircntrica

(5) A Natureza controla o tamanho populacional e o uso dos recursos No An-

tropoceno a cidade virou o entorno ldquopoacutes-naturalrdquo por excelecircncia do ser

humano Esse ambiente artificial do anthropos foi construiacutedo sem respeitar

limites ou fronteiras biofiacutesicas e foi orientado por um crescimento desor-

ganizado uma cultura do desperdiccedilo a extraccedilatildeo de recursos naturais sem

criteacuterios de prevenccedilatildeo e uma distribuiccedilatildeo desigual do espaccedilo e da ri-

queza O metabolismo das polis a sua interaccedilatildeo e a sua estrutura deman-

dam muita energia recursos e ainda provoca racismos ecoloacutegicos O

EED exige repensar as cidades de forma que sejam transformadas em es-

paccedilos resilientes que respeitem a Natureza e que busquem uma equidade

social

Esses cinco paracircmetros natildeo satildeo taxativos apenas exemplos das liccedilotildees

que podemos extrair da Natureza para orientar uma sociedade mais susten-

taacutevel Junto com essas orientaccedilotildees o Antropoceno exige uma Ecoeacutetica capaz

de orientar uma cidadania ecoloacutegica solidaacuteria e responsaacutevel com um ldquooutrordquo

ndash soacutecio-diversidade biodiversidade ecossistemas Natureza Terra ndash que o du-

alismo redutor distanciou do nosso cotidiano estabelecendo uma diferenccedila

codificada Leite e Ayala explicam que essa cidadania deveraacute ser exercida

em termos planetaacuterios e transfronteiriccedilos Essa necessidade justifica-se natildeo

apenas pela integralidade do ambiente e dos interesses relacionados mas

tambeacutem pela globalidade da crise ecoloacutegica (LEITE AYALA 2004)

Nesse contexto a sustentabilidade ecoloacutegica a partir de um princiacutepio

sistecircmico aparece como um criteacuterio normativo para reconstruir a ordem eco-

nocircmica problematiza e questiona as formas de conhecimento os valores so-

ciais e as bases da produccedilatildeo Dentro dessa perspectiva os limites biofiacutesicos

que permitem o equiliacutebrio ecoloacutegico seratildeo pontos de partida para o desen-

volvimento humano (LEFF 2006 p 133-134)

O Professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Joseacute Ru-

bens Morato Leite (2008) explica que o Estado Ecoloacutegico eacute um conceito de

cunho teoacuterico abstrato que compreende elementos juriacutedicos sociais e poliacuteti-

cos que busca uma condiccedilatildeo ecoloacutegica capaz de favorecer a harmonia en-

tre ecossistemas e consequentemente garantir a plena satisfaccedilatildeo da digni-

dade em sentido amplo aleacutem da dimensatildeo humana

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

161

1022 Paracircmetros indispensaacuteveis para a construccedilatildeo do

Estado Ecoloacutegico de Direito

O debate sobre o Estado Ecoloacutegico de Direito vem crescendo desde

segunda deacutecada do seacuteculo XXI e deveraacute ganhar ainda mais forccedila no con-

texto Poacutes-COVID-19

Como antecedente relevante para as reflexotildees sobre o assunto eacute im-

portante destacar que em abril de 2016 no Rio de Janeiro foi organizado o

Primeiro Congresso Mundial de Direito Ambiental da UICN No evento foi ado-

tada a ldquoDeclaracioacuten Mundial acerca del Estado de Derecho en materia am-

bientalrdquo Nesse documento alertou-se que a inexistecircncia de um Estado Ecoloacute-

gico e a falta de efetividade dos direitos e obrigaccedilotildees legais ambientais po-

deria tornar arbitraacuterias subjetivas e imprevisiacuteveis a boa governanccedila a conser-

vaccedilatildeo e a proteccedilatildeo ambiental (UICN 2016)

A Declaraccedilatildeo da UICN (2016 p1) destaca que ldquola humanidad coexiste

con la naturaleza y que toda forma de vida depende de la integridad de la

biosfera y de la interdependencia de los sistemas ecoloacutegicosrdquo No apartado

segundo (II) satildeo reconhecidos treze princiacutepios ndash generais e emergentes ndash para

o EED Esses princiacutepios satildeo paracircmetros orientadores que em siacutentese determi-

nam

1 O reconhecimento intriacutenseco do valor da Natureza aleacutem de qualquer fi-

nalidade utilitarista Esse reconhecimento exige o dever de todos ndashEstado

entidades cidadatildeos ndash de proteger a Natureza respeitando os limites bi-

ofiacutesicos a sua capacidade de resiliecircncia e a evoluccedilatildeo dos processos eco-

loacutegicos

2 O direito humano a um ambiente ecologicamente equilibrado com uma

dimensatildeo intra e intergeracional

3 Consolidar o direito ambiental adotando uma responsabilidade pros-

pectiva capaz de estabelecer normas de proteccedilatildeo e restauraccedilatildeo que

permitam manter e melhorar a resiliecircncia dos ecossistemas Destaca-se a

funccedilatildeo ecoloacutegica da propriedade

4 Aplicar o Princiacutepio In Dubio Pro Natura nos diferentes processos de deci-

satildeo quando exista duvida sobre o risco ou perigo ambiental

5 O caraacuteter integrador pluralista multicultural e holiacutestico do EED promo-

vendo a igualdade de geacutenero a participaccedilatildeo de grupos minoritaacuterios e

vulneraacuteveis e o reconhecimento dos direitos dos povos indiacutegenas e tri-

bais

6 A importacircncia dos princiacutepios de proibiccedilatildeo de retrocesso e da progressivi-

dade para garantir e melhorar as normas juriacutedicas ambientais e o aceso

agrave justiccedila com apoio dos conhecimentos cientiacuteficos mais recentes

Da leitura dos princiacutepios dessa Declaraccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que o EED

deveraacute ter como fundamento a ideia de uma sustentabilidade forte que

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

162

tendo como base o equiliacutebrio ecoloacutegico seja capaz de criar normas com pa-

racircmetros claros fundamentadas no conhecimento cientiacutefico e orientadas

pelo uso equitativo e racional da Natureza respeitando o seu valor intriacutenseco

e os limites biofiacutesicos Uma nova racionalidade ambiental exige a legitimaccedilatildeo

de novos valores novos direitos e novos criteacuterios na tomada de decisotildees de-

mocraacuteticas que permitam novas poliacuteticas ambientais O desafio da sustenta-

bilidade ambiental forte eacute questionar a realidade hegemocircnica construiacuteda so-

bre uma racionalidade que desconsiderou os limites biofiacutesicos como pressu-

posto base do desenvolvimento humano

1023 Desafios para o Estado Ecoloacutegico de Direito

A complexidade ecoloacutegica exige uma poliacutetica no Antropoceno que es-

truture um EED fundamentado numa sustentabilidade forte Esse novo modelo

de Estado orientado por paracircmetros como os estabelecidos na Declaraccedilatildeo

da UICN2016 deveraacute superar uma seacuterie de desafios dentre eles

(1) A Alfabetizaccedilatildeo ecoloacutegica Uma nova racionalidade ecoloacutegica exige

como explica Edgar Morin que a humanidade seja vista de uma forma

mais holiacutestica O ser humano eacute indiviacuteduo espeacutecie coletivo e parte de uma

comunidade planetaacuteria A sustentabilidade como paradigma poacutes-mo-

derno deveraacute partir de um pensamento complexo construiacutedo a partir de

um processo comprometido de educaccedilatildeo ecoloacutegica Nesse contexto eacute

necessaacuteria a articulaccedilatildeo poliacutetica e juriacutedica para introduzir o componente

ecoloacutegico ao longo do processo educativo formando uma cidadania

ecoloacutegica na qual os indiviacuteduos enxerguem as suas accedilotildees privadas como

peccedilas que formam parte de um dominoacute maior e interdependente Assim

respeitar a Natureza deveraacute ter um incentivo eacutetico e natildeo apenas uma mo-

tivaccedilatildeo orientada por um sistema de mecanismos sancionatoacuterios ou de

caraacuteter econocircmico Essa cidadania deveraacute estar direcionada pela ideia

de responsabilidade natildeo reciacuteproca solidaacuteria com um outro normalmente

invisibilizado pelo atual modelo de desenvolvimento A alfabetizaccedilatildeo eco-

loacutegica permitiraacute o reconhecimento do valor intriacutenseco da Natureza e o re-

conhecimento de novos paradigmas Este primeiro desafio topa com a di-

ficuldade da urgecircncia de uma consciecircncia planetaacuteria ecoloacutegica diante

da crise civilizatoacuteria do Antropoceno e da lentidatildeo para consolidar esse

processo educativo

(2) O combate da corrupccedilatildeo e o fortalecimento da institucionalidade ambi-

ental Este segundo desafio se depara com o fenoacutemeno da irresponsabili-

dade organizada num sistema que adota discursos ambientais fracos e

que na praacutetica funciona amparado por uma hipertrofia normativa ambi-

ental pouco efetiva

(3) Incentivar novas tecnologias que permitam migrar de uma economia mar-

rom para uma economia verde (desmaterializada) Esse desafio exige por

exemplo refletir sobre os sistemas tributaacuterios que raras vezes satildeo orienta-

dos pelo princiacutepio do poluidor-pagador

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

163

(4) Reconhecimento e fortalecimento dos direitos da sustentabilidade direitos

da Natureza miacutenimo existencial ecoloacutegico direito de ter um clima estaacutevel

direito agrave agua e ao saneamento baacutesico direito agrave seguranccedila alimentar

direitos procedimentais ambientais ndash informaccedilatildeo participaccedilatildeo e acesso agrave

justiccedila ndash direito a cidades resilientes dentre outros Diante das possiacuteveis di-

ficuldades no legislativo para o reconhecimento expresso desses direitos

um dos possiacuteveis caminhos para superar esse desafio seraacute a litigacircncia eco-

loacutegica

(5) Considerando esses desafios o EED deveraacute ser projetado numa dimensatildeo

ecoloacutegica (FENSTEISEIFER 2008) capaz de permitir a efetividade dos direitos

da sustentabilidade incentivando o debate de novos paradigmas capa-

zes de garantir o respeito dos limites biofiacutesicos da Natureza e garantir a

sauacutede e a vida em sentido amplo Nesse sentido os direitos da sustentabi-

lidade satildeo paracircmetros requisitos sine qua non para a efetividade de todos

os direitos fundamentais A vida as liberdades a educaccedilatildeo a sauacutede o

trabalho o desenvolvimento e todos os outros direitos soacute satildeo possiacuteveis num

ambiente equilibrado

(6) Repensar os modelos de governanccedila para permitir a efetividade das nor-

mas ambientais O fortalecimento da Governanccedila Ecoloacutegica Global de-

veraacute estar acompanhado do protagonismo da sociedade civil na tomada

de decisotildees relevacircncia ecoloacutegica No acircmbito internacional os organismos

de governanccedila ambiental formam parte de estruturas do seacuteculo XX an-

coradas numa visatildeo herdada da primeira modernidade ndash simples lineal

industrial ndash fundamentada na sociedade dos Estados-Naccedilotildees Existem pro-

gramas e foros pouco articulados processos obsoletos para tomar deci-

sotildees e acordos globais sem financiamento e sem capacidade de enfor-

cement

A pandemia da COVID-19 deixou em evidecircncia a falta de articulaccedilatildeo

global e a incapacidade de adotar medidas de contingecircncia diante dos ris-

cos ecoloacutegicos do Antropoceno A complexidade ecoloacutegica os efeitos siner-

geacuteticos dos problemas ecoloacutegicos exigem repensar esse modelo de gover-

nanccedila com o objetivo de refletir sobre uma nova arquitetura institucional eco-

loacutegica global soacutelida e capaz de entender que o mundo atual do Antropo-

ceno eacute mais que a simples soma de paiacuteses O novo modelo de governanccedila

deveraacute contar com capacidade de articulaccedilatildeo recursos financeiros estaacuteveis

poder normativo e capacidade de enforcement

Dentro de essa linha de accedilotildees o Direito a partir de una perspectiva de

pensamento complexo deveraacute redefinir os seus esquemas tradicionais para

ser capaz de superar o oximoro do desenvolvimento sustentaacutevel que orienta

os seres humanos a degradar o ambiente para poder crescer economica-

mente A complexidade ecoloacutegica exige que o Direito permita e facilite o di-

aacutelogo transdisciplinar de forma que as orientaccedilotildees e decisotildees juriacutedicas te-

nham apoio de diversos saberes e adoptem uma visatildeo prospectiva pluralista

e com um caraacutecter mais preventivo que repressivo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

164

O Direito tem um papel fundamental na transiccedilatildeo para uma sociedade

sustentaacutevel por exemplo orientando uma mudanccedila radical nas poliacuteticas tri-

butarias adotando uma Reforma fiscal verde fundamentada na Teoria do

duplo dividendo que permita modificar a carga fiscal estruturada para favo-

recer uma economia marromndash que onera o trabalho e o capital ndash para una

tributaccedilatildeo extrafiscal que incentiva atividades ecologicamente corretas e au-

menta a carga tributaacuteria de bens e serviccedilos com maior impacto sobre a Na-

tureza (PERALTA 2014)

Sobre o tema Daly (2005 p 97) afirma que

Um governo preocupado com o uso mais eficiente de recursos natu-

rais mudaria o alvo de seus impostos Em vez de taxar a renda aufe-

rida por trabalhadores e empresas (o valor adicionado) tributaria o

fluxo produtivo (aquele ao qual eacute adicionado valor) de preferecircncia

no ponto em que os recursos satildeo apropriados da biosfera o ponto

de extraccedilatildeo da Natureza

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A pandemia da COVID-19 declarada pela OMS em marccedilo de 2020

mostra que no Antropoceno temos uma complexa engrenagem de crises que

exigem um olhar atento e sistecircmico A atual crise sanitaacuteria e econocircmica que

vive a sociedade de risco encontra sua causa imediata numa doenccedila zoonoacute-

tica originada na cidade de Wuhan na China No entanto o paradigma da

complexidade permite entender que essa crise tem causas mais profundas

originadas por um oximoro um modelo de desenvolvimento fundamentado

numa sustentabilidade fraca que entende crescimento econocircmico como si-

nocircnimo de bem-estar desconsiderando os limites biofiacutesicos

A visatildeo sistecircmica do problema exige atacar as causas da pandemia e

natildeo apenas os sintomas Uma possiacutevel vacina a ser aplicada em 2021 seraacute

uma resposta imediata para a crise global sanitaacuteria instalada pela COVID-19

mas apenas uma das medidas que deveratildeo ser adotadas A soluccedilatildeo seraacute mais

profunda e complexa e passa pelo compromisso do homo sapiens de adotar

um novo contrato social capaz de reestruturar o modelo de desenvolvimento

de forma que respeite os limites biofiacutesicos e permita adotar uma sustentabili-

dade ambiental forte equitativa e solidaacuteria Sem duacutevida esse novo compro-

misso exige adotar uma eacutetica ecoloacutegica que seja capaz de pensar em novos

paradigmas epistemoloacutegicos mais integradores

No contexto de confinamento como afirma Edgar Morin o desconfina-

mento mental eacute necessaacuterio e exige refletir sobre o processo de distanciamento

do ser humano com a Natureza e as consequecircncias da alienaccedilatildeo da socie-

dade do Antropoceno As liccedilotildees dos primeiros seis meses da pandemia satildeo um

convite para debater sobre a necessaacuteria metamorfose da sociedade Os pro-

blemas e riscos ecoloacutegicos que caracterizam o Antropoceno exigem um EED

que fundamentado em novos valores e orientado por um pensamento com-

plexo de sustentabilidade ecoloacutegica forte seja capaz de estabelecer uma

nova relaccedilatildeo do ser humano para com a Natureza relaccedilatildeo pautada pelo

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

165

respeito dos limites biofiacutesicos do planeta e orientada pelo pluralismo os direi-

tos da sustentabilidade a solidariedade e o respeito pela diferenccedila Conse-

quentemente esse modelo deveraacute objetivar uma sociedade de baixa entro-

pia mais equitativa responsavelmente organizada para superar a crise civili-

zatoacuteria do nosso tempo

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167

A RELACcedilAtildeO JURIacuteDICA AMBIENTAL

CONTINUATIVA E A IMPRESCRITIBILIDADE

DA PRETENSAtildeO PELA REPARACcedilAtildeO CIVIL DE

DANO AMBIENTAL

anaacutelise do Recurso Extraordinaacuterio nordm

654833 do STF ndash interpretaccedilotildees

epistemoloacutegicas sob o vieacutes da

complexidade

Germana Parente Neiva Belchior1

Iasna Chaves Viana2

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 111 Do Estado de Direito Ambiental para o

Estado de Direito Ecoloacutegico rupturas necessaacuterias frente a crise eco-

loacutegica 112 O pensamento complexo como vieacutes epistemoloacutegico

para interpretaccedilatildeo dos danos ambientais pelo Direito 1121 Danos

ambientais e responsabilidade civil preventiva em mateacuteria ambien-

tal 1122 A relaccedilatildeo juriacutedica ambiental continuativa 113 A impres-

critibilidade da pretensatildeo civil de dano ambiental anaacutelise do RE nordm

654833 do STF Consideraccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

Eacute comum a grande quantidade de conceitos juriacutedicos indeterminados

na legislaccedilatildeo ambiental a iniciar pelo proacuteprio conceito de meio ambiente

sendo o inteacuterprete e o aplicador cada vez mais demandado Apesar de sua

indeterminaccedilatildeo haacute sempre uma zona de certeza negativa (o que natildeo eacute) e

positiva (o que eacute) em que eacute possiacutevel o controle para afastar as interpretaccedilotildees

1 Doutora em Direito Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSCSC)

Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Professora

do Curso de Direito e do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Direito do Centro Universitaacuterio 7

de Setembro (UNI7CE) Liacuteder do Grupo de Pesquisa Ecomplex Direito Complexidade e

Meio Ambiente da UNI7CE cadastrado no CNPQ

E-mail germana_belchioryahoocombr

2 Mestre em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Especialista em Direito

Tributaacuterio pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributaacuterios (IBETSP) Vice-liacuteder do Grupo de Pes-

quisa Ecomplex Direito Complexidade e Meio Ambiente da UNI7CE e Membro do Grupo

de Pesquisa em Tributaccedilatildeo Ambiental (UFCCE) ambos cadastrados no CNPQ Professora

e Advogada E-mail iasnavianayahoocombr

11

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

168

e aplicaccedilotildees incorretas embora sempre permaneccedila uma zona de penumbra

de incerteza que eacute insindicaacutevel

O conhecimento cientiacutefico eacute progressivo mutante volaacutetil A racionali-

dade claacutessica eacute limitada agrave Ciecircncia do ldquohojerdquo Avanccedilos no entanto natildeo pa-

ram tendo em vista o desenvolvimento tecnoloacutegico e a ambiccedilatildeo humana

Notadamente o estudo da seguranccedila juriacutedica se faz alvo emergencial da

academia uma vez que se vincula diretamente agrave proacutepria razatildeo de ser do Di-

reito retratada como a busca do bem comum e da estabilidade das relaccedilotildees

sociais

Uma zona de incerteza e uma margem de indeterminaccedilatildeo no conte-

uacutedo das normas ambientais eacute algo natural e o cientista e aplicador do Direito

Ambiental devem estar conscientes disso a fim de refletir sobre mecanismos

de preenchimento destes conteuacutedos

Natildeo haacute como engessar o meio ambiente pois como sistema que o eacute

estaacute submetido aos princiacutepios da autoeco-organizaccedilatildeo e sistecircmico dando

azo agrave inseguranccedila Por outro lado a desordemordemorganizaccedilatildeo satildeo situ-

accedilotildees em que a proacutepria Fiacutesica e a Matemaacutetica explicam que decorrem simul-

taneamente Natildeo haacute seguranccedila sem inseguranccedila o proacuteprio sistema tem me-

canismos de se regular motivo pelo qual o estudo da relaccedilatildeo juriacutedica no Di-

reito Ambiental se mostra pertinente fortalecendo a ideia de sua continui-

dade

Considerando esse contexto reconhece-se que a jurisprudecircncia exerce

uma tarefa fundamental na solidificaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo de todas as peculiari-

dades que circundam o Direito Ambiental Nesse sentido o objetivo deste ar-

tigo eacute investigar a decisatildeo do STF no Recurso Extraordinaacuterio nordm 654833 do STF

avaliando como e que medida o entendimento da Corte se posiciona aberto

ao pensamento complexo e em especial agrave relaccedilatildeo juriacutedica ambiental con-

tinuativa

A pergunta que a pesquisa enfrenta eacute Como e em que medida a tese

da relaccedilatildeo juriacutedica ambiental continuativa pode ser utilizada como funda-

mento da decisatildeo do STF no RE nordm 654833 que reconheceu a imprescritibili-

dade da pretensatildeo civil de dano ambiental O trabalho utilizou pesquisa de

natureza qualitativa com fontes bibliograacuteficas e por meio do meacutetodo indutivo

e estudo de caso analisou caso do STF para analisar se a relaccedilatildeo juriacutedica con-

tinuativa como fundamento da imprescritibilidade do dano ambiental pode

ser extraiacuteda da argumentaccedilatildeo da decisatildeo da Corte

O trabalho estaacute dividido em trecircs partes aleacutem da introduccedilatildeo e das con-

sideraccedilotildees finais Em um primeiro momento seraacute analisada como se deu a

evoluccedilatildeo do Estado de Direito Ambiental para o Estado de Direito Ecoloacutegico

a partir de rupturas necessaacuterias frente a crise ecoloacutegica Em seguida apre-

senta-se o pensamento complexo como vieacutes epistemoloacutegico para interpreta-

ccedilatildeo dos danos ambientais pelo Direito evidenciando a questatildeo dos danos e

da responsabilidade civil preventiva bem como a relaccedilatildeo juriacutedica ambiental

continuativa Por fim o trabalho analisa o RE que tratou da imprescritibilidade

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

169

da pretensatildeo civil de dano ambiental sob o foco da relaccedilatildeo juriacutedica ambien-

tal continuativa

111 DO ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL PARA O ESTADO DE

DIREITO ECOLOacuteGICO

rupturas necessaacuterias frente a crise ecoloacutegica

Os recursos naturais foram utilizados pelo homem durante seacuteculos de

maneira ilimitada e utilitarista para fomentar o poder e a economia de na-

ccedilotildees notadamente focadas no pensamento desenvolvimentista de teor claacutes-

sico O homem explora a natureza sem se dar conta de que eacute parte dela

prejudicando o meio que o cerca e a si mesmo A concentraccedilatildeo da popula-

ccedilatildeo e a escalada de aglomeraccedilatildeo foram propiciando maior velocidade de

extraccedilatildeo dos recursos e fazendo com que o consumo dos insumos naturais

fosse cada vez mais acelerado A intervenccedilatildeo abusiva do homem desrespeita

os ciclos da natureza sem lhe dar tempo e condiccedilotildees para recomposiccedilatildeo

Nessa toada o crescimento das necessidades de mateacuterias-primas e de ener-

gia para atender agraves demandas de produccedilatildeo e de consumo crescentes com-

promete os limites fiacutesicos do Planeta pondo em risco o meio ambiente saudaacute-

vel e equilibrado

A crise ecoloacutegica deflagrada com o desenvolvimento da tecnociecircncia

do incremento industrial e das formas de organizaccedilatildeo e gestatildeo econocircmica

das sociedades gera conflitos com a qualidade de vida (LEITE AYALA 2020

p 9) e riscos Assim a sociedade atual caracterizada por Beck como socie-

dade de risco tem pilares trecircmulos devido aos perigos e riscos advindos do

desenvolvimento industrial e tecnoloacutegico (BECK 2011 p 13) Os riscos satildeo de

vaacuterias dimensotildees (sociais econocircmicos ambientais) satildeo transfronteiriccedilos e

marcados pela inseguranccedila e incerteza A pluralidade de riscos criada pela

sociedade eacute muitas vezes absorvida pela proacutepria natureza ou controlada por

alguns de seus mecanismos Para Beck eacute possiacutevel a identificaccedilatildeo do iniacutecio das

cataacutestrofes ambientais mas difiacutecil eacute determinar seu fim (BECK 1995 p 61)

As alteraccedilotildees fiacutesicas no entorno na natureza e no Planeta confirmam o

cenaacuterio apontado pela teoria da era do Antropoceno Referida teoria desen-

volvida pelo cientista Paul Crutzen afirma que o modo como o ser humano

passou a lidar com o meio ambiente ensejou alteraccedilotildees nos aspectos naturais

do Planeta inaugurando mais uma era geoloacutegica como resultado da interfe-

recircncia humana na dinacircmica da Terra a chamada Era do Homem ou Antro-

poceno um novo periacuteodo em que se evidencia a relaccedilatildeo de interdependecircn-

cia da natureza com a sociedade como geradora dos impactos ambientais

no clima na composiccedilatildeo atmosfeacuterica e no ritmo de extinccedilatildeo de espeacutecies

(CRUTZEN 2002 p 23)

Percebe-se que a crise ecoloacutegica atual eacute fruto de uma racionalidade

utilitarista da natureza e preocupada principalmente com o crescimento

econocircmico A ideia de que o meio ambiente eacute um instrumento agrave disposiccedilatildeo

do ser humano e dos interesses do mercado fundamenta um paradigma que

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

170

precisa ser reconstituiacutedo (LEFF 2006 p 129) Nesse tipo de concepccedilatildeo positi-

vista tecnicista estatildeo excluiacutedas as inquietaccedilotildees relacionadas ao sentido e ao

valor de tudo o que circunda a vida Os problemas como extinccedilatildeo de espeacute-

cies da flora e da fauna poluiccedilatildeo da aacutegua do solo e do ar e doenccedilas que

afetam a sauacutede satildeo consequecircncia de uma racionalidade claacutessica em que os

homens satildeo os senhores e possuidores da natureza A preservaccedilatildeo de um am-

biente sadio entretanto estaacute ligada agrave continuidade de vida na Terra vida em

todas as suas modalidades uma vez que os danos agrave natureza atingem a vida

humana da atual geraccedilatildeo e a de todos os seres vivos em caraacuteter intergeraci-

onal A natureza fala (AKATU on line) Um novo modelo de sociedade e de

Estado clama pela integraccedilatildeo das questotildees ecossistecircmicas em sua base

O Direito como instrumento indutor de mudanccedilas sociais por intermeacute-

dio de mecanismos proacuteprios tem criado em diversos paiacuteses normas de prote-

ccedilatildeo ambiental sob a influecircncia tambeacutem de muitos dos movimentos internaci-

onais ambientalistas e da doutrina ambiental estimulando a adoccedilatildeo de nor-

mas protetivas pelos Estados

Assim o direito constitucional brasileiro vigente foi constituiacutedo a partir de

um paradigma preponderantemente antropocecircntrico de proteccedilatildeo juriacutedica

do meio ambiente Essa perspectiva de anaacutelise das questotildees ambientais en-

tretanto tolera os danos Ela eacute operacionalizada atraveacutes do controle de litiacutegios

e de gestatildeo de juridicidade do dano consumado dentro de uma loacutegica de

apropriaccedilatildeo da natureza com uma base civilista e que natildeo respeita os valores

ecoloacutegicos Tem uma base legalista fortemente influenciada pelas forccedilas eco-

nocircmicas dominantes e uma base civilista que apesar de se fundamentar em

valores como o da dignidade da pessoa humana se volta a preceitos mera-

mente patrimonialistas Com tudo isso o Direito ambiental vigente natildeo tem

sido suficientemente apto para reverter o cenaacuterio de destruiccedilatildeo progressiva

da natureza Percebe-se a existecircncia de uma lacuna das normas ambientais

para a realidade refletindo verdadeira discrepacircncia entre o que estaacute posto e

o que tem sido efetivamente concretizado Eacute o estado teatral descrito por Ben-

jamin em que a lei por si soacute natildeo se resolve O Estado teatral apenas regulador

precisa ser um estado implementador (BENJAMIN 2010) O paradigma atual

eacute dicotocircmico e natildeo condiz com a concepccedilatildeo da ciecircncia contemporacircnea

que sobreleva os limites ecoloacutegicos em perspectiva global Natildeo haacute necessi-

dade de produccedilatildeo de mais normas mas sim de uma interpretaccedilatildeo mais inter-

conectada com as questotildees em prol do bem estar ambiental Haacute ainda ne-

cessidade de uma nova eacutetica global ecoloacutegica e que alcance outros seres

natildeo humanos (JONAS 2006)

De tal forma a ecologizaccedilatildeo do Direito se funda em uma preacute-compre-

ensatildeo da complexidade social e ecossistecircmica para a proteccedilatildeo da natureza

conhecendo os objetivos de uma sustentabilidade mais forte e proteccedilatildeo dos

serviccedilos ecoloacutegicos essenciais internalizando os custos das externalidades ne-

gativas em escala planetaacuteria O Direito Ecoloacutegico pressupotildee proteccedilatildeo dos va-

lores intriacutensecos da natureza respeitando o direito de todos os seres vivos fora

de uma abordagem do capital extremado e da loacutegica do hiperconsumo que

afeta vulneraacuteveis inclusive os proacuteprios seres humanos (LEITE AYALA 2020)

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

171

Patente a necessidade de construccedilatildeo de uma nova racionalidade tam-

beacutem juriacutedica que busque alinhar uma Epistemologia ambiental a partir da

complexidade ressalte-se sem a pretensatildeo de excluir o pensamento tradicio-

nal mas como forma de complementaacute-lo e contribuir de alguma forma para

o Direito Ecoloacutegico

112 O PENSAMENTO COMPLEXO COMO VIEacuteS EPISTEMOLOacuteGICO

PARA INTERPRETACcedilAtildeO DOS DANOS AMBIENTAIS PELO DIREITO

A crise ambiental revela a complexidade em seus limites pela sua ne-

gatividade pela alienaccedilatildeo e pela ldquoincerteza do mundo economizado que foi

arrastado por um processo incontrolaacutevel e insustentaacutevel de produccedilatildeordquo (LEFF

2010 p16)

Nessa ordem de ideias constata-se que os problemas do homem con-

temporacircneo necessitam de uma nova perspectiva harmonizadora com o

meio em que se vive Faz-se necessaacuterio repensar a realidade da crise ambien-

tal ante agraves incertezas da Poacutes-Modernidade e da Sociedade de Risco como

propotildee Edgar Morin por intermeacutedio dos princiacutepios por ele idealizados pela Te-

oria do Complexus Para o autor o Pensamento Complexo abrange princiacutepios

de disjunccedilatildeo de conjunccedilatildeo e de implicaccedilatildeo e dessa forma o conhecimento

passa a ser construiacutedo por intermeacutedio de loacutegicas de complementaccedilatildeo e ex-

clusatildeo gerando ordem e desordem reconhecendo ainda a relaccedilatildeo de in-

terdependecircncia entre causas e consequecircncias (PAacuteDUA MATALLO JR 2008

p 24)

A complexidade almeja o conhecimento multidimensional respeitando

as dimensotildees do objeto estudado articulando as informaccedilotildees com outras dis-

ciplinas com a consciecircncia de que nem tudo estaacute pronto e acabado Admi-

tindo a incerteza referida teoria se caracteriza por um processo de descons-

truccedilatildeo e reconstruccedilatildeo do pensamento como tentativa de compreensatildeo de

suas causas analisando os erros das certezas do mundo (LEFF 2010 p16) Pelo

fato de natildeo se propor agrave apresentaccedilatildeo de uma resposta absoluta propotildee a

articulaccedilatildeo o relacionamento e conexatildeo de fatores como um porvir

Vale registrar duas advertecircncias i) a ciecircncia por meio da complexidade

natildeo eacute substituiccedilatildeo da diferenccedila pelo holismo (FOLLONI 2013 p 335) nem cri-

accedilatildeo de um tipo de totalitarismo epistemoloacutegico (MORIN 2005 p 490) ii) o

pensamento complexo natildeo pretende eliminar o pensamento simplista (MO-

RIN 2011 p 6) este continuaraacute a existir e naquilo em que houver incomple-

tude a complexidade auxiliaraacute complementando

A complexidade aplicada agraves relaccedilotildees ecoloacutegicas permite uma anaacutelise

de que determinados fatos satildeo causa e consequecircncia de outros porque

existe uma cadeia infinita de relaccedilotildees envolvendo isso Assim a aplicaccedilatildeo da

complexidade para o estudo do Direito Ambiental pode contribuir para uma

nova racionalidade juriacutedica ambiental A discussatildeo em torno da ciecircncia da

poacutes-modernidade da Sociedade de Risco e da complexidade influenciam di-

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

172

retamente o Direito Ecoloacutegico e este sem duacutevida eacute ontologicamente com-

plexo (BELCHIOR 2017) O paradigma da complexidade eacute nesse sentido re-

levante por natildeo se contentar com a linearidade porque adota princiacutepios que

ligam o conhecimento das partes com o todo valorizam a retroalimentaccedilatildeo

entre causa e efeito e as relaccedilotildees das instituiccedilotildees com o ecossistema a que

pertencem3

O Direito ainda preso a determinados dogmas e instrumentos juriacutedicos

claacutessicos parece ficar a reboque dos riscos ambientais hodiernos natildeo conse-

guindo efetivamente equacionar o equiliacutebrio ambiental Uma nova forma de

encarar os riscos ambientais pode contribuir na construccedilatildeo de outras alterna-

tivas que diminuam as lacunas existentes

Muito pertinente o estudo do Direito Ecoloacutegico sob o vieacutes do Pensa-

mento Complexo significativamente concebido como alternativa de repen-

sar a realidade e rediscutir a ciecircncia e ainda rompendo com a dinacircmica

juriacutedica formal procurar ainda estabelecer um diaacutelogo de saberes entre o ins-

tituto da responsabilidade civil a relaccedilatildeo juriacutedica ambiental continuativa e a

questatildeo da imprescritibilidade da pretensatildeo civil dos danos ambientais

1121 Danos ambientais e responsabilidade civil preventiva

em mateacuteria ambiental

Institutos juriacutedicos inspirados em necessidades interindividuais satildeo aplica-

dos a questotildees ambientais que tecircm consequecircncias difusas Os danos ambien-

tais enfrentados na sociedade de risco do Antropoceno e o fenocircmeno da

ecologizaccedilatildeo do Direito justificam uma comunicaccedilatildeo ecoloacutegica juriacutedica mais

intensa agrave responsabilidade civil

A responsabilidade civil tradicional transportada do Direito claacutessico vis-

lumbra o dano concreto e natildeo considera os riscos e incertezas proacuteprios da

crise ecoloacutegica nem se preocupa com suas origens Benjamin levanta razotildees

para a reconfiguraccedilatildeo do instituto para a prevenccedilatildeo dos danos ambientais

i) o ambiente natildeo eacute mais um recurso inesgotaacutevel e infinito eacute agora conside-

rado criacutetico e escasso por isso valorizado ii) o Direito Puacuteblico apenas usando

3 Cabe registrar resumidamente os sete princiacutepiosdiretivas desenvolvidas por Edgar Morin

cuja leitura pode ser aprofundada em suas diversas obras i) princiacutepio sistecircmico ou organi-

zacional (eacute insuficiente conhecer o todo sem o conhecimento das partes e vice-versa) ii)

princiacutepio hologramaacutetico (cada parte conteacutem a totalidade da informaccedilatildeo do objeto que

representa) iii) princiacutepio do ciacuterculo retroativo (natildeo haacute causalidade linear entre as causas e

os efeitos as causas agem sobre os efeitos e estes naquelas) iv) princiacutepio do ciacuterculo recur-

sivo (o produto e o efeito satildeo os proacuteprios produtores e causadores daquilo que os produz)

v) princiacutepio da autonomiadependecircncia ou princiacutepio ecoorganizacional (cada organismo

organizaccedilatildeo possui dependecircncia com o meio do qual se alimenta e sua autonomia de-

pende disso) vi) princiacutepio dialoacutegico (ordem e desordem se complementam e se excluem

da mesma forma que a existecircncia dos opostos auxiliam na melhor compreensatildeo um do

outro Um precisa do outro para concorrerem e se complementarem) vii) princiacutepio da rein-

troduccedilatildeo do conhecimento (ao se deparar com a problemaacutetica de como conhecer o

homem deve se reestruturar renovando o sujeito que conhece)

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

173

dos mecanismos comando-controle natildeo consegue protegecirc-lo de forma sufi-

ciente iii) apesar dos instrumentais de prevenccedilatildeo e precauccedilatildeo danos sempre

ocorreram em razatildeo do exerciacutecio de atividades iv) natildeo aplicar o instituto tem

um caraacuteter contraditoacuterio porque exonera o poluidor v) a constitucionalizaccedilatildeo

do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o dever de pro-

teccedilatildeo imposto a todos (Puacuteblico e privado) vi) uma maior preocupaccedilatildeo com

a viacutetima nota caracteriacutestica do Estado do Bem-Estar Social (BENJAMIN 1998

p 8-9)

O Direito ecologizado possui uma dimensatildeo mais ecocecircntrica e sistecirc-

mica da proteccedilatildeo ambiental voltada agraves futuras geraccedilotildees Tem ainda uma vi-

satildeo da necessaacuteria interconectividade dos problemas ambientais trata da au-

torregulaccedilatildeo dos processos ecoloacutegicos essenciais que possui leis proacuteprias e in-

dependem da vontade humana Tais premissas fundamentam uma nova re-

formulaccedilatildeo da responsabilidade civil para danos ambientais Por tal motivo os

princiacutepios do Direito Ecoloacutegico propiciam fundamentaccedilatildeo robusta para a for-

maccedilatildeo de um novo paradigma de responsabilizaccedilatildeo civil Referidos princiacutepios

merecem maior aprofundamento e podem ser melhor desenvolvidos em pes-

quisa futura mas interessa no momento listaacute-los princiacutepio da solidariedade

princiacutepio da sustentabilidade princiacutepio da cooperaccedilatildeo internacional princiacute-

pio da prevenccedilatildeo princiacutepio da precauccedilatildeo princiacutepio in dubio pro natura prin-

ciacutepio da informaccedilatildeo princiacutepio da participaccedilatildeo princiacutepio da educaccedilatildeo ambi-

ental princiacutepio do poluidor-pagador e do usuaacuterio-pagador princiacutepio do pro-

tetor-recebedor princiacutepio da gestatildeo integrativa do risco ambiental princiacutepio

da funccedilatildeo socioambiental da propriedade princiacutepio do miacutenimo existencial

ecoloacutegico princiacutepio da proibiccedilatildeo do retrocesso ecoloacutegico

Vale ressaltar que o Programa das Naccedilotildees Unidas para o Meio Ambi-

ente ndash PNUMA ainda em seu primeiro relatoacuterio em 2019 ratificou a existecircncia

de uma gama de normas de proteccedilatildeo ambiental a niacutevel constitucional e in-

fraconstitucional entretanto fraca no que se refere a atitudes efetivas e posi-

tivas para a proteccedilatildeo ambiental em vaacuterios paiacuteses refletindo a ausecircncia de

mecanismos de interrelaccedilatildeo ausecircncia de uma visatildeo sistecircmica e de interco-

nexatildeo entre os setores afetados pelas questotildees ambientais falta de capaci-

dade institucional mais acesso agrave informaccedilatildeo e mais espaccedilo agrave participaccedilatildeo

para que estabeleccedilam mais engajamento dos cidadatildeos (UNEP 2019) Re-

forccedila-se a necessidade de estruturaccedilatildeo de um Estado de Direito com leis mais

adequadas e efetivas que sejam implementadas por instituiccedilotildees confiaacuteveis

mais bem informadas engajadas e interconectadas com uma cultura que pri-

orize o bem ecoloacutegico e valores sociais Tais instrumentos contribuem para a

nova estruturaccedilatildeo da responsabilizaccedilatildeo pelos danos causados ao meio am-

biente mais preventiva precaucional e ecologizada

A realidade da era geoloacutegica do Antropoceno os riscos e as incertezas

proacuteprios dos danos ecoloacutegicos e a necessidade de respeitar a integridade dos

sistemas terrestres confirmam um reinventar do sistema da responsabilizaccedilatildeo

civil Os danos ambientais da atualidade carecem de um sistema especial de

responsabilidade civil ambiental dispensando grau de certeza tatildeo elevado

quanto o exigiacutevel para os danos comuns (BAHIA 2012 p 273) Percebe-se a

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

174

necessidade de uma comunicaccedilatildeo do risco com o Direito a partir da inserccedilatildeo

do futuro na reflexibilidade dos processos de decisatildeo juriacutedica (CARVALHO

2017 p 130) porque a sistematizaccedilatildeo do Direito com foco no passado natildeo

tem sido suficiente para a efetiva defesa do meio ambiente

1122 A relaccedilatildeo juriacutedica ambiental continuativa

Eacute fato que alguns institutos juriacutedicos comportam uma zona cinzenta em

seus conceitos O Direito eacute uma ciecircncia presa agrave questatildeo da previsibilidade dos

fatos e de suas consequecircncias Entretanto quando a doutrina se depara

frente a definiccedilatildeo de meio ambiente se percebe de iniacutecio alguma inconsis-

tecircncia O bem ambiental eacute alvo de alguma indeterminaccedilatildeo e mutabilidade

proacuteprias que demandam do aplicador do Direito um maior esforccedilo herme-

necircutico para a efetivaccedilatildeo das exigecircncias da juridicidade ambiental

Uma interpretaccedilatildeo conjunta dos artigos 3ordm I da Lei nordm 693881 e do 225

da CF88 permitem a compreensatildeo de que o meio ambiente abrange a in-

teraccedilatildeo de tudo o que eacute essencial agrave vida sejam as combinaccedilotildees fiacutesica quiacute-

mica e bioloacutegica seja a relaccedilatildeo entre elementos bioacuteticos e abioacuteticos enfim

todos os fatores naturais ou artificiais mas que satildeo essenciais agrave vida em todas

as suas formas (VIANA 2019 p 104)

Constata-se que os textos legais visam agrave preservaccedilatildeo ao abrigo e agrave

conservaccedilatildeo de todas as modalidades de vida (aspecto teleoloacutegico) sendo

resguardado o equiliacutebrio ecossistecircmico (conjunto de condiccedilotildees leis influecircn-

cias e interaccedilotildees de ordem quiacutemica fiacutesica e bioloacutegica) (RODRIGUES 2016 p

60)

O caput do art 225 da CF88 garante a todos o direito ao meio ambi-

ente ecologicamente equilibrado sendo este um bem de uso comum do

povo Todos entretanto tambeacutem satildeo responsaacuteveis pela sua conservaccedilatildeo e

preservaccedilatildeo para as presentes e futuras geraccedilotildees Identifica-se um direito a

ser tutelado a seus titulares e de igual modo em dever a ser cumprido

O objeto do direito tutelado eacute o meio ambiente ecologicamente equili-

brado (macrobem) que se concretiza quando a funccedilatildeo ecoloacutegica de todos

os microbens (elementos bioacuteticos e abioacuteticos) estiver protegida (RODRIGUES

2016 p 60)

O direito ambiental se circunscreve agrave consciecircncia do risco de finitude e

ao comprometimento da heranccedila legada agraves futuras geraccedilotildees atrelados agrave

responsabilidade do homem atual que tem o dever de garantir a manuten-

ccedilatildeo do bem ambiental (MARIN LUNELLI 2019 p 117)

Os componentes ambientais entretanto natildeo existem apenas para ser-

vir ao homem As agressotildees ao equiliacutebrio ecoloacutegico tambeacutem o afetam pelo

que lhe incumbe o dever de preservar os elementos que compotildeem e intera-

gem para o equiliacutebrio do meio ambiente do qual se ressalte ele proacuteprio eacute

parte (VIANA 2019 p 105)

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

175

Sob tal perspectiva o meio ambiente ecologicamente equilibrado cuja

complexidade eacute um fator natural integra a vida em todas as suas modalida-

des sistemas fatores ligaccedilotildees e conexotildees O meio ambiente eacute um sistema e

deve ser visto como tal na medida em que a indeterminaccedilatildeo e a mutabili-

dade de suas influecircncias endoacutegenas e exoacutegenas fazem com que o meio am-

biente como objeto de uma relaccedilatildeo juriacutedica se vincule aos sujeitos continu-

amente (BELCHIOR 2019 p 199) A relaccedilatildeo juriacutedica ambiental eacute continuativa

porque ela se projeta no tempo sua atuaccedilatildeo se prolonga podendo ainda

se deparar frente a modificaccedilotildees em circunstacircncias de fato ou direito quando

de sua prolaccedilatildeo (BELCHIOR 2019 p 213)

O sistema juriacutedico brasileiro assegura a possibilidade de relaccedilotildees juriacutedi-

cas continuativas como eacute o caso das accedilotildees de alimentos e de relaccedilotildees juriacute-

dicas tributaacuterias e previdenciaacuterias que tecircm como objeto obrigaccedilotildees homogecirc-

neas de trato sucessivo Tais relaccedilotildees satildeo definidas como continuativas pois

se referem a situaccedilotildees que natildeo se resolvem de modo instantacircneo envolvendo

prestaccedilotildees perioacutedicas e que se perpetuam ao longo do tempo desde que as

circunstacircncias do momento permaneccedilam as mesmas e encontram-se previs-

tas no art 505 inciso I da Lei nordm 1310520154 que instituiu o atual Coacutedigo de

Processo Civil (VIANA 2019 p 105)

Entretanto a noccedilatildeo de que a relaccedilatildeo ambiental eacute continuativa impotildee

revisitaccedilatildeo da ideia claacutessica de coisa julgada Assim a decisatildeo proferida em

processo ambiental desde que enfrente o meacuterito (vale dizer o pedido dedu-

zido em juiacutezo) tem aptidatildeo para gerar coisa julgada natildeo apenas formal5 mas

tambeacutem material A coisa julgada material que aiacute se forma contudo estaacute su-

jeita agrave claacuteusula rebus sic stantibus ndash como ocorre por exemplo com as accedilotildees

de alimentos ou com aquelas que dispotildeem a respeito da guarda de crianccedilas

e adolescentes Importa dizer que a decisatildeo judicial eacute insusceptiacutevel de revisatildeo

enquanto permanecerem as circunstacircncias de fato que ensejaram a sua pro-

4 De acordo com o art 505 inciso I da Lei nordm 13105 ldquoArt 505 Nenhum juiz decidiraacute nova-

mente as questotildees jaacute decididas relativas agrave mesma lide salvo I ndash se tratando-se de relaccedilatildeo

juriacutedica continuativa sobreveio modificaccedilatildeo no estado de fato ou de direito caso em que

poderaacute a parte pedir a revisatildeo do que foi estatuiacutedo na sentenccedilardquo

5 Tem-se por coisa julgada formal a impossibilidade de revisatildeo nos mesmos autos da deci-

satildeo que colocou fim agrave relaccedilatildeo processual por jaacute natildeo haver a possibilidade da utilizaccedilatildeo

de qualquer recurso A noccedilatildeo eacute usualmente associada apenas agraves decisotildees que natildeo en-

frentam o meacuterito A visatildeo eacute parcialmente equivocada Toda decisatildeo que potildee fim agrave relaccedilatildeo

processual e que jaacute natildeo desafia recurso faz coisa julgada formal Aquelas nas quais natildeo

houve exame de meacuterito fazem coisa julgada apenas formal Jaacute nos casos de decisotildees de

meacuterito a coisa julgada produzida eacute tanto formal quanto material (vale dizer natildeo haacute possi-

bilidade de revisatildeo da decisatildeo proferida nem naqueles nem em outros autos ndash ressalvada

por evidente a hipoacutetese de accedilatildeo rescisoacuteria) A respeito dos conceitos referidos veja-se

DIDIER JUacuteNIOR Fredie BRAGA Paula Sarno OLIVEIRA Rafael Alexandria de Curso de Di-

reito Processual Civil teoria da prova direito probatoacuterio accedilotildees probatoacuterias decisatildeo pre-

cedente coisa julgada e antecipaccedilatildeo dos efeitos da tutela 10 ed Salvador Jus Podvm

2015 p 516-518

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

176

laccedilatildeo De outro giro havendo alteraccedilatildeo na situaccedilatildeo de fato eacute possiacutevel revi-

satildeo daquilo que se decidiu ainda que por accedilatildeo proacutepria assim como eacute o caso

de accedilotildees de revisatildeo de alimentos ou de guarda (VIANA 2019 p 106)

Nas demandas ambientais continuativas por sua natureza vale racio-

ciacutenio semelhante A alteraccedilatildeo da circunstacircncia de fato apta a ensejar revisi-

taccedilatildeo da decisatildeo materialmente transitada em julgado pode decorrer da

constataccedilatildeo de que consequecircncias da conduta ambientalmente indesejaacutevel

somente puderam ser detectadas muito depois do tracircnsito em julgado da

accedilatildeo que visou a coibi-las seja porque tais consequecircncias somente foram co-

nhecidas posteriormente seja porque somente evoluccedilotildees ulteriores de novos

aportes tecnoloacutegicos permitiram sua detecccedilatildeo Torna-se assim preponderante

o reexame da questatildeo jaacute decidida sob pena de frustrar a proteccedilatildeo ao meio

ambiente (VIANA 2019 p 107)

Vale frisar que natildeo se trata de falar em ldquorelativizaccedilatildeo da coisa julgadardquo

O desenvolvimento de tal raciociacutenio eacute de revisitaccedilatildeo da coisa julgada face a

instabilidade e a verossimilhanccedila proacuteprias do bem ambiental que natildeo permite

engessamento do feito em razatildeo de ponderaccedilotildees argumentativas (MARIN

LUNELLI 2019 p 117)

A noccedilatildeo de racionalismo estaacutetico empregado ao modo de produccedilatildeo

do Direito padronizado e repetidor com vistas agrave normatizaccedilatildeo das decisotildees e

diminuiccedilatildeo das demandas processuais natildeo se coaduna ao caraacuteter transtem-

poral transfronteiriccedilo transdisciplinar e imprevisiacutevel das funccedilotildees ecoloacutegicas

Fatos novos alteraccedilotildees das circunstacircncias constataccedilatildeo de consequecircncias

posteriores agrave prolaccedilatildeo da sentenccedila novos aportes tecnoloacutegicos para aferi-

ccedilatildeo de danos justificam a utilizaccedilatildeo da claacuteusula rebus sic stantibus para revisi-

taccedilatildeo da coisa julgada em processos que envolvam o meio ambiente

A relaccedilatildeo juriacutedica ambiental por seu caraacuteter continuativo natildeo se res-

tringe a um indiviacuteduo apenas mas sim a sociedade a coletividade como um

todo Ela tambeacutem natildeo se esvai a um territoacuterio ou a um lugar apenas mas a

regiotildees Ademais natildeo se pode restringi-la ao momento do dano suas conse-

quecircncias podem vir a ser prolatadas no tempo Justifica-se a discussatildeo sobre

importante assunto para a doutrina ambiental a imprescritibilidade da pre-

tensatildeo civil em mateacuteria de danos ao meio ambiente como foi o caso de re-

cente julgado da jurisprudecircncia brasileira

113 A IMPRESCRITIBILIDADE DA PRETENSAtildeO CIVIL DE DANO

AMBIENTAL

anaacutelise do RE nordm 654833 do STF

A jurisprudecircncia eacute fundamental na solidificaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo dos desa-

fios enfrentados pelo Direito ecologizado Diante da realidade das demandas

que lhes satildeo apresentadas eacute papel dos juiacutezes e dos tribunais nacionais realiza-

rem a praacutetica reconstrutiva de sentidos miacutenimos com o intuito de efetivaccedilatildeo

de estruturas juriacutedico-racionais de legitimaccedilatildeo de determinaccedilatildeo de argu-

mentaccedilatildeo e de fundamentaccedilatildeo De forma ousada e criativa juristas tecircm se

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

177

libertado das amarras cartesianas e tecircm passado a lidar com as demandas

ecoloacutegicas demonstrando certo aprofundamento na interpretaccedilatildeo pelo vieacutes

da complexidade

O caso especiacutefico do RE nordm 654833 trata de Accedilatildeo Civil Puacuteblica ajuizada

pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal (MPF) em face de pessoas fiacutesicas e juriacutedicas ob-

jetivando a reparaccedilatildeo de danos materiais morais e ambientais decorrentes

de invasotildees em aacuterea indiacutegena ocupada pela comunidade Ashaninka-Kampa

do Rio Amocircnia situada no Acre as quais ocorreram entre os anos de 1981 a

1987 com a finalidade de extrair ilegalmente madeira de elevado valor de

mercado (mogno cedro e cerejeira) A accedilatildeo contou com a participaccedilatildeo da

Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (Funai) no polo ativo da lide

Na sentenccedila de primeira instacircncia os reacuteus foram condenados ao paga-

mento de valores a tiacutetulo indenizatoacuterio em razatildeo de quatro motivos o prejuiacutezo

material causado pela ldquogarimpagemrdquo iliacutecita de madeira nas terras da referida

comunidade indiacutegena durante o periacuteodo de 1981 a 1982 no tocante agrave ma-

deira extraiacuteda entre 1985 e 1987 por conta de danos morais em favor da co-

munidade indiacutegena Ashaninka-Kampa os quais deveriam ser geridos pela Fu-

nai e sob a fiscalizaccedilatildeo do MPF e outro valor a ser repassado ao Fundo de

Defesa de Direitos Difusos para custear a recomposiccedilatildeo ambiental Niacutetida po-

reacutem a associaccedilatildeo linear do instituto da responsabilidade civil agrave indenizaccedilatildeo

em pecuacutenia Foram interpostos recursos de apelaccedilatildeo com alegaccedilatildeo de pres-

criccedilatildeo da reparaccedilatildeo civil pelos danos ambientais de fatos ocorridos haacute tanto

tempo (anos 80) mas que natildeo prosperaram face decisatildeo do Tribunal Regional

Federal

Em instacircncia seguinte apoacutes interposiccedilatildeo de REsp para o STJ foi reco-

nhecida a imprescritibilidade da reparaccedilatildeo civil do dano ambiental (REsp

1120117-AC Rel Min Eliana Calmon) Por conta desta decisatildeo eacute que foi in-

terposto o RE nordm 654833 onde se alega que os fatos ensejadores da ACP ajui-

zada pelo MPF satildeo anteriores agrave promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 de-

vendo ser desconsiderada a loacutegica da imprescritibilidade e aplicado o prazo

prescricional de cinco anos previsto na Lei da Accedilatildeo Popular Nesse sentido

requereu-se subsidiariamente o reconhecimento da imprescritibilidade ape-

nas da reparaccedilatildeo do dano ao meio ambiente por se tratar de direito funda-

mental indisponiacutevel afastando-se a tese quanto agraves verbas indenizatoacuterias de

natureza patrimonial e moral

O Ministro Alexandre de Moraes reconhecendo a repercussatildeo geral do

tema afirmou em seu voto que ldquoa repercussatildeo geral inserta na controveacutersia eacute

indiscutiacutevel seja sob o acircngulo juriacutedico econocircmico ou social devido ao seu

impacto na seara das relaccedilotildees juriacutedicas as quais tecircm por pano de fundo a

pretensatildeo agrave reparaccedilatildeo civil cuja causa de pedir derive de danos causados

ao meio ambienterdquo (STF on line)

O acoacuterdatildeo relativo ao julgamento em questatildeo eacute motivo de comemora-

ccedilatildeo para aqueles que lutam em prol do meio ambiente A alegaccedilatildeo de se-

guranccedila juriacutedica processual e constitucional fatos consumados que funda-

mentam o paradigma claacutessico de coisa julgada natildeo podem ser aplicados aos

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

178

casos de e responsabilizaccedilatildeo civil por danos ao meio ambiente Em face das

propriedades de irreversibilidade cumulatividade indivisibilidade ubiquidade

e reflexibilidade dos danos ambientais os criteacuterios de tempo e espaccedilo preci-

sam ser ponderados de forma diferenciada das demandas que envolvem os

danos tradicionais A tese discutida no julgado perpassa pela ponderaccedilatildeo en-

tre os princiacutepios da seguranccedila juriacutedica que beneficia o autor do dano ambi-

ental diante da ineacutercia do Poder Puacuteblico e os princiacutepios constitucionais de pro-

teccedilatildeo preservaccedilatildeo e reparaccedilatildeo do meio ambiente que beneficiam toda a

coletividade

As lesotildees tradicionais afetam as pessoas suas personalidades ou ainda

interesses e bens particulares Na anaacutelise dos danos ambientais as consequecircn-

cias recaem sobre interesses difusos ou bens da coletividade ou de uso co-

mum do povo As lesotildees tradicionais satildeo atuais e locais Jaacute as ambientais se

apresentam em outra perspectiva podem ser futuras eventuais ou ainda cu-

mulativas entre geraccedilotildees Podem vir a ser ainda geograficamente distintas

como tambeacutem transfronteiriccedilas

O meio ambiente caracteriza-se pela interdependecircncia de seus ele-

mentos Nessa senda a alteraccedilatildeo de um elemento pode comprometer todo

o equiliacutebrio do sistema e desencadear efeitos gradativos do todo

O meacutetodo epistemoloacutegico da complexidade como proposta para uma

nova racionalidade juriacutedica para o Direito Ambiental pretende estudar a rea-

lidade dos elementos do meio ambiente sem excluir as partes do todo e ana-

lisar o todo como um conjunto das partes considerando ainda suas interaccedilotildees

mediante causalidade muacuteltipla e interconectada

Os danos ambientais possuem caraacuteter fluido muitas de suas consequecircn-

cias iratildeo se refletir muito tempo depois ateacute porque o meio ambiente tem a

capacidade de saturar um pouco de seus efeitos nocivos Alegar que o

tempo passou e que o Direito natildeo alberga a responsabilizaccedilatildeo de determina-

das danosidades natildeo serve para a proteccedilatildeo ambiental e natildeo caracteriza

uma justificativa firme Ademais eventuais ganhos financeiros decorrentes da

atividade econocircmica por mais vultosos que sejam natildeo autorizam degrada-

ccedilatildeo ambiental A responsabilidade civil ambiental em face da complexidade

da vida moderna e da multiplicidade de fatos catastroacuteficos demanda que

aquele que danifica o meio ambiente assuma o dever juriacutedico de reparaacute-lo

integralmente com base em princiacutepios de justiccedila e de equidade pois o bem

ambiental eacute bem juriacutedico fundamental (PEREIRA SILVA 2020 p 78) Argumen-

tos desse jaez natildeo merecem guarida porque de fato os danos ambientais natildeo

satildeo facilmente mensurados como se faz com os objetos de mercado Analisaacute-

los sob o criteacuterio econocircmico generaliacutestico e comumente aplicado agraves outras

espeacutecies de danos eacute impossiacutevel

O RE nordm 654833 por tratar do tema 999 com repercussatildeo geral foi jul-

gado em seu meacuterito e firmou a seguinte tese Eacute imprescritiacutevel a pretensatildeo de

reparaccedilatildeo civil de dano ambiental

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

179

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

No acircmbito da Ciecircncia parece que a doutrina se mostra sensiacutevel aberta

e comprometida com a necessidade de um novo saber e com outra maneira

de pensar o Direito Ambiental A previsatildeo normativa e o embasamento dou-

trinaacuterio entretanto nem sempre satildeo suficientes pois a eficaacutecia social da

norma juriacutedica eacute condicionada muitas vezes aos aplicadores do Direito Am-

biental aqui incluindo os magistrados e os administradores puacuteblicos em geral

A atenccedilatildeo maior poreacutem eacute voltada para a jurisprudecircncia que pode (e deve)

exercer uma tarefa fundamental na solidificaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo de todas as

peculiaridades do Direito Ambiental

Eacute preciso estar aberto ao novo com responsabilidade do pesquisador

do Direito e em especial do Direito Ambiental cuja complexidade eacute um fator

natural jaacute impregnado ao seu objeto de estudo o meio ambiente equilibrado

o qual integra a vida em todas as suas maneiras sistemas fatores ligaccedilotildees e

conexotildees

O meio ambiente eacute um sistema eacute deve ser visto como tal A indetermi-

naccedilatildeo e mutabilidade de suas influecircncias endoacutegenas e exoacutegenas fazem com

que o meio ambiente como objeto da relaccedilatildeo juriacutedica se vincule aos sujeitos

continuadamente sendo portanto a relaccedilatildeo juriacutedica ambiental continua-

tiva

Percebe-se claramente que natildeo basta a mera importaccedilatildeo dos institutos

claacutessicos da responsabilidade civil ao Direito Ambiental Em virtude de todas

as caracteriacutesticas peculiares do dano ambiental desenvolvidas ao longo deste

trabalho admitir a sua prescritibilidade eacute ir agrave contramatildeo de toda a evoluccedilatildeo

teoacuterica e jurisprudencial do Direito Ambiental Eacute um retrocesso ao positivismo

juriacutedico duro e com miopia social Eacute tornar a responsabilidade civil por dano

ambiental um instrumento simboacutelico e inoacutecuo

Imprescritibilidade do direito agrave reparaccedilatildeo do dano ambiental todavia

estaacute diretamente relacionada agrave sua relaccedilatildeo juriacutedica Ao considerar que a re-

laccedilatildeo juriacutedica ambiental eacute continuativa eacute indiscutiacutevel que a ideia de prescri-

ccedilatildeo assume outra configuraccedilatildeo A norma juriacutedica processual traz uma hipoacute-

tese de incidecircncia com os conceitos orientadores para a relaccedilatildeo juriacutedica con-

tinuativa modificaccedilatildeo no estado de fato ou de direito Direito natildeo estaacute limi-

tado agrave norma norma tampouco estaacute limitada ao texto A dialoacutegica da com-

plexidade soacute veio a confirmar a elaboraccedilatildeo do sentido que a interpretaccedilatildeo

concede ao Direito

Modificando-se os fatos que datildeo ensejo agrave relaccedilatildeo continuativa abre-

se a possibilidade de propositura de outra accedilatildeo com elementos distintos

(nova causa de pedir e novo pedido) A coisa julgada natildeo pode impedir a

rediscussatildeo do tema por fatos supervenientes ao tracircnsito em julgado ateacute por-

que a eficaacutecia preclusiva soacute atinge aquilo que foi deduzido ou poderia ter sido

deduzido pela parte agrave eacutepoca

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

180

Como se vecirc o entendimento do STF estaacute em sintonia com o pensa-

mento complexo o que contribui para o amadurecimento da temaacutetica no

acircmbito da jurisprudecircncia brasileira

REFEREcircNCIAS

BAHIA Carolina de Medeiros Nexo de causalidade em face do risco e do dano ao

meio ambiente elementos para um novo tratamento da causalidade no sistema bra-

sileiro de responsabilidade civil ambiental Tese apresentada ao Programa de Douto-

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DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

181

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182

AVALIACcedilAtildeO DE IMPACTO AMBIENTAL

NO BRASIL E NO AcircMBITO

INTERNACIONAL

similaridades e contribuiccedilotildees

Joana Cordeiro Brandatildeo1

Liliane de Freitas Leite2

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 121 Consideraccedilotildees gerais sobre avaliaccedilatildeo

de impacto ambiental (AIA) na legislaccedilatildeo brasileira 122 Avaliaccedilatildeo

de impacto ambiental no acircmbito internacional 123 A avaliaccedilatildeo de

impacto ambiental sob a oacuteptica da complexidade Consideraccedilotildees

finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

Este trabalho pretende desenvolver a temaacutetica a respeito da avaliaccedilatildeo

de impacto ambiental explanando seu conceito origem legislaccedilatildeo aleacutem de

analisar de modo mais abrangente a expansatildeo no acircmbito internacional do

referido instrumento Destaca-se o estudo da avaliaccedilatildeo de impacto ambien-

tal sob a oacuteptica da complexidade Partindo-se do seguinte questionamento

como e em que medida o estudo da avaliaccedilatildeo de impacto ambiental no

acircmbito internacional pode contribuir para a avaliaccedilatildeo de impacto ambiental

no Brasil com base no paradigma da complexidade

Justifica-se o desenvolvimento do tema em razatildeo da atual relevacircncia e

repercussatildeo dos impactos ambientais no mundo Observada a busca para

tentar proteger o meio ambiente da degradaccedilatildeo ambiental e a importacircncia

da avaliaccedilatildeo de impacto ambiental para tentar prevenir e minimizar os danos

que o ser humano causa ao meio ambiente quando deve entatildeo preservaacute-lo

Importa tambeacutem a anaacutelise de como o processamento das avaliaccedilotildees de im-

pacto ambiental de outros paiacuteses podem contribuir para a melhor efetivaccedilatildeo

desta no sistema brasileiro ressaltando-se as diferenccedilas e semelhanccedilas entre

os paiacuteses

Para tanto utilizou-se a metodologia hipoteacutetico-dedutivo bem como as

pesquisas bibliograacutefica e teoacuterica na qual o primeiro toacutepico trata das conside-

1 Graduanda em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Membro do

grupo de pesquisa Ecomplex direito complexidade e meio ambiente da UNI7CE

E-mail joanacbrandao16gmailcom

2 Mestre em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Membro do grupo de

pesquisa Ecomplex direito complexidade e meio ambiente da UNI7CE

E-mail lilianefladvgmailcom

12

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

183

raccedilotildees gerais sobre avaliaccedilatildeo de impacto ambiental (AIA) na legislaccedilatildeo bra-

sileira o segundo sobre Avaliaccedilatildeo de impacto ambiental no acircmbito interna-

cional e o terceiro como a avaliaccedilatildeo de impacto ambiental sob a oacuteptica da

complexidade

121 CONSIDERACcedilOtildeES GERAIS SOBRE AVALIACcedilAtildeO DE IMPACTO

AMBIENTAL (AIA) NA LEGISLACcedilAtildeO BRASILEIRA

Segundo Bim (2018) os estudos ambientais ou avaliaccedilotildees de impacto

ambiental satildeo importantes mecanismos capazes de mensurar o impacto am-

biental e orientar o processo decisoacuterio ambiental Ressaltando-se que a finali-

dade desses estudos eacute analisar a viabilidade ambiental e a maneira de mino-

rar esse impacto

Ainda sobre impacto ambiental Silva (2010) explica que a degradaccedilatildeo

do meio ambiente ocorre consciente ou inconscientemente seja destruindo

os elementos que o integram seja com a contaminaccedilatildeo por meio de subs-

tacircncias que modifiquem a sua qualidade Portanto denomina-se impacto

essa accedilatildeo humana sobre o meio ambiente que pode alterar a sua estrutura e

sua qualidade profundamente ou natildeo

Assim entende-se como impacto ambiental toda accedilatildeo predatoacuteria que

promova alteraccedilotildees no meio ambiente Silva (2010) acentua que esse con-

ceito se baseia na ideia de poluiccedilatildeo mas outras causas devem ser conside-

radas como o corte de aacutervores escavaccedilotildees extraccedilatildeo de mineacuterios aterros

dentre outros Contudo a definiccedilatildeo especiacutefica de impacto ambiental estaacute na

Resoluccedilatildeo nordm 0011986 do CONAMA art 1ordm3 Destaca-se portanto a utilidade

dos estudos de impacto ambiental os quais possuem o objetivo de identificar

e avaliar as alteraccedilotildees que possam ocorrer para a implementaccedilatildeo do empre-

endimento Entende-se como sendo um meio de atuaccedilatildeo estatal preventiva

com o intuito de evitar danos ao meio ambiente

A AIA eacute um instrumento de prevenccedilatildeo que atua como mecanismo de

controle preacutevio das atividades lesivas ao meio ambiente (ANTUNES 2014)

Com isso evidencia-se a sua importacircncia para o direito do ambiente pois

materializa o princiacutepio da prevenccedilatildeo em um procedimento de avaliaccedilatildeo no

qual se consubstancia o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) Sendo assim

serve para avaliar qual o grau de impacto e poluiccedilatildeo ao meio ambiente que

aquele empreendimento puacuteblico ou privado iraacute ou poderaacute causar ainda

3 Artigo 1ordm - Para efeito desta Resoluccedilatildeo considera-se impacto ambiental qualquer altera-

ccedilatildeo das propriedades fiacutesicas quiacutemicas e bioloacutegicas do meio ambiente causada por qual-

quer forma de mateacuteria ou energia resultante das atividades humanas que direta ou indi-

retamente afetam

I - a sauacutede a seguranccedila e o bem-estar da populaccedilatildeo

II - as atividades sociais e econocircmicas

III - a biota

IV - as condiccedilotildees esteacuteticas e sanitaacuterias do meio ambiente

V - a qualidade dos recursos ambientais

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

184

quando o empreendimento se encontra na fase de projeto A AIA eacute uma fase

do procedimento para chegar agrave Declaraccedilatildeo de Impacto Ambiental (DIA) e

posteriormente para a licenccedila ambiental Apesar de ser uma fase a AIA eacute

requerida e deve ser realizada a menos que esteja previsto em lei sua natildeo

realizaccedilatildeo em determinados casos

Cumpre destacar que a AIA eacute um dos instrumentos da Poliacutetica Nacional

do Meio Ambiente4 Lei nordm 69381981 A referida lei destina-se a promover a

compatibilizaccedilatildeo entre o desenvolvimento econocircmico e a preservaccedilatildeo do

meio ambiente almejando-se o equiliacutebrio ecoloacutegico sendo este tambeacutem um

dos seus principais objetivos5

4 Art 9ordm - Satildeo instrumentos da Poliacutetica Nacional do Meio Ambiente

I - o estabelecimento de padrotildees de qualidade ambiental

II - o zoneamento ambiental

III - a avaliaccedilatildeo de impactos ambientais

IV - o licenciamento e a revisatildeo de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras

V - os incentivos agrave produccedilatildeo e instalaccedilatildeo de equipamentos e a criaccedilatildeo ou absorccedilatildeo de

tecnologia voltados para a melhoria da qualidade ambiental

VI - a criaccedilatildeo de reservas e estaccedilotildees ecoloacutegicas aacutereas de proteccedilatildeo ambiental e as de

relevante interesse ecoloacutegico pelo Poder Puacuteblico Federal Estadual e Municipal

VI - a criaccedilatildeo de espaccedilos territoriais especialmente protegidos pelo Poder Puacuteblico federal

estadual e municipal tais como aacutereas de proteccedilatildeo ambiental de relevante interesse eco-

loacutegico e reservas extrativistas

VII - o sistema nacional de informaccedilotildees sobre o meio ambiente

VIII - o Cadastro Teacutecnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental

IX - as penalidades disciplinares ou compensatoacuterias ao natildeo cumprimento das medidas ne-

cessaacuterias agrave preservaccedilatildeo ou correccedilatildeo da degradaccedilatildeo ambiental

X - a instituiccedilatildeo do Relatoacuterio de Qualidade do Meio Ambiente a ser divulgado anualmente

pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovaacuteveis - IBAMA

XI - a garantia da prestaccedilatildeo de informaccedilotildees relativas ao Meio Ambiente obrigando-se o

Poder Puacuteblico a produziacute-las quando inexistentes

XII - o Cadastro Teacutecnico Federal de atividades potencialmente poluidoras eou utilizadoras

dos recursos ambientais

XIII - instrumentos econocircmicos como concessatildeo florestal servidatildeo ambiental seguro am-

biental e outros

5 Art 4ordm - A Poliacutetica Nacional do Meio Ambiente visaraacute

I - agrave compatibilizaccedilatildeo do desenvolvimento econocircmico-social com a preservaccedilatildeo da qua-

lidade do meio ambiente e do equiliacutebrio ecoloacutegico

II - agrave definiccedilatildeo de aacutereas prioritaacuterias de accedilatildeo governamental relativa agrave qualidade e ao equi-

liacutebrio ecoloacutegico atendendo aos interesses da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal dos

Territoacuterios e dos Municiacutepios

III - ao estabelecimento de criteacuterios e padrotildees de qualidade ambiental e de normas relati-

vas ao uso e manejo de recursos ambientais

IV - ao desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias nacionais orientadas para o uso

racional de recursos ambientais

V - agrave difusatildeo de tecnologias de manejo do meio ambiente agrave divulgaccedilatildeo de dados e in-

formaccedilotildees ambientais e agrave formaccedilatildeo de uma consciecircncia puacuteblica sobre a necessidade de

preservaccedilatildeo da qualidade ambiental e do equiliacutebrio ecoloacutegico

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

185

A AIA eacute gecircnero no qual existem demais tipos que podem ser exemplifi-

cados no ordenamento juriacutedico brasileiro como o Estudo de Impacto Ambi-

ental (EIA) O Relatoacuterio Ambiental Preliminar (RAP) o Plano de Recuperaccedilatildeo

de Aacutereas Degradadas (PRAD) e o Plano de Controle Ambiental (PCA) (CO-

DONHO VIEGAS 2015)

Eacute na Lei nordm 69831981 que se encontram as diretrizes o conteuacutedo geral

os objetivos os fins os mecanismos os sistemas e os instrumentos da Poliacutetica

Nacional do Meio Ambiente (PNMA) Segundo Silva (2010) a institucionaliza-

ccedilatildeo da PMNA contribuiu para a promoccedilatildeo de um tratamento global e unitaacuterio

agrave defesa do meio ambiente no Brasil Assim eacute importante considerar que a

PNMA natildeo basta em si mesma faz-se necessaacuteria sua adequaccedilatildeo agraves poliacuteticas

governamentais e ao desenvolvimento sustentaacutevel pois a defesa do meio am-

biente e do equiliacutebrio ecoloacutegico impotildee restriccedilotildees aos meios de produccedilatildeo

Deve-se evitar uma utilizaccedilatildeo acelerada e desmedida dos recursos naturais

observando-se que haacute uma tensatildeo constante entre a preservaccedilatildeo do meio

ambiente e o interesse econocircmico

Com a PMNA houve a sistematizaccedilatildeo de conceitos centrais estruturou-

se oacutergatildeos e entidades destinados agrave proteccedilatildeo ambiental bem como enume-

rou-se instrumentos voltados ao atendimento dos objetivos por ela estabeleci-

dos podendo-se dizer essa legislaccedilatildeo inovou em diversos aspectos (CODO-

NHO VIEGAS 2015)

Compreende-se a PNMA como um marco para a proteccedilatildeo do meio

ambiente e para a promoccedilatildeo da sadia qualidade de vida das presentes e

futuras geraccedilotildees Para isso a referida lei abordou em seu texto definiccedilotildees de

terminologias importantes como inicialmente o conceito de meio ambiente

como sendo ldquoo conjunto de condiccedilotildees leis influecircncias e interaccedilotildees de ordem

fiacutesica quiacutemica e bioloacutegica que permite abriga e rege a vida em todas as suas

formasrdquo (art 3ordm I) Estabeleceu ainda conceitos relevantes para o ordena-

mento juriacutedico contemporacircneo em mateacuteria ambiental como os termos de-

gradaccedilatildeo da qualidade ambiental poluiccedilatildeo poluidor e recursos ambientais

(art3ordm)

Em relaccedilatildeo agrave responsabilidade com as futuras geraccedilotildees Belchior (2017)

assevera o quanto eacute necessaacuterio agrave sociedade admitir e se colocar como sujeito

ativo e passivo do direito-dever de proteccedilatildeo do meio ambiente de modo que

todos tecircm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e por con-

sequecircncia o dever de preservaacute-lo ressaltando-se que a percepccedilatildeo por parte

da sociedade da importacircncia da natureza levaria a uma diminuiccedilatildeo da de-

gradaccedilatildeo ambiental

VI - agrave preservaccedilatildeo e restauraccedilatildeo dos recursos ambientais com vistas agrave sua utilizaccedilatildeo raci-

onal e disponibilidade permanente concorrendo para a manutenccedilatildeo do equiliacutebrio ecoloacute-

gico propiacutecio agrave vida

VII - agrave imposiccedilatildeo ao poluidor e ao predador da obrigaccedilatildeo de recuperar eou indenizar os

danos causados e ao usuaacuterio da contribuiccedilatildeo pela utilizaccedilatildeo de recursos ambientais com

fins econocircmicos

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

186

Diante desse entendimento eacute possiacutevel perceber a relevacircncia da avali-

accedilatildeo de impacto ambiental de caraacuteter teacutecnico devendo atuar de maneira

preventiva aos danos e aos riscos potenciais que determinado empreendi-

mento possa causar ao meio ambiente podendo inclusive observar no acircm-

bito internacional subsiacutedios para a evoluccedilatildeo desse procedimento com a fina-

lidade de atender o objetivo principal que eacute de minimizar os efeitos dos im-

pactos ao meio ambiente

122 AVALIACcedilAtildeO DE IMPACTO AMBIENTAL NO AcircMBITO

INTERNACIONAL

Originariamente falou-se em AIA na Poliacutetica Nacional do Meio Ambi-

ente nos Estados Unidos da Ameacuterica A partir de entatildeo a percepccedilatildeo pela

necessidade dos paiacuteses de cuidar do meio ambiente se disseminou por vaacuterios

paiacuteses inclusive Portugal e Brasil

A legislaccedilatildeo americana foi pioneira pois criou esse instrumento de pla-

nejamento ambiental com a National Environmental Policy Act (NEPA) legis-

laccedilatildeo aprovada pelo Congresso em 1969 entrou em vigor em 1ordm de janeiro

de 1970 e passou a influenciar a elaboraccedilatildeo de normas nesse sentido em todo

o mundo A referida lei exige um maior detalhamento sobre o impacto ambi-

ental de iniciativas do governo federal americano (SANCHEZ 2013)

A primeira vez que se falou do AIA no Brasil foi na Lei de Zoneamento

Industrial Lei nordm 6803 de 2 de julho de 1980 no seu artigo 10 sect 3deg e posterior-

mente com a Lei nordm 6938 de 31 de agosto de 1981 em seu artigo 9 inciso III

A resoluccedilatildeo nordm 11986 do Conselho Nacional do Meio Ambiente ndash CONAMA

define o que eacute e as diretrizes e bases para uso e aplicaccedilatildeo da AIA como

procedimento e ainda traz no caput da resoluccedilatildeo a determinaccedilatildeo da AIA

como um instrumento da Poliacutetica Nacional do Meio Ambiente poreacutem foi com

a Resoluccedilatildeo ndeg 2371997 do CONAMA que realmente se efetivou a AIA Essa

uacuteltima estabelece por exemplo quais satildeo os melhores paracircmetros para a li-

cenccedila ambiental que eacute concedida por ocasiatildeo do licenciamento ambiental

A AIA surgiu em Portugal em 1987 com a primeira Lei de Bases do Ambi-

ente na qual em seu artigo 30deg previu que planos e projetos ou qualquer accedilatildeo

que afetasse o meio ambiente o territoacuterio ou a sauacutede e qualidade de vida

dos cidadatildeos teriam que ser elaborados com preacutevios Estudos de Impacto Am-

biental (EIA) Poreacutem soacute em 1990 a referida lei foi devidamente regulamentada

e depois de muitas alteraccedilotildees em 2013 foi que se legislou concretamente no

Decreto-lei 151-B de 2013 que trata do regime da avaliaccedilatildeo de impacto am-

biental RJAIA Conveacutem ainda considerar a Diretiva ndash 201192EU da Uniatildeo

Europeia na qual Portugal integra como estado-membro tendo que respeitar

e que definir suas proacuteprias leis momento em que surge a Diretiva AIA e a nova

Lei de Bases do Ambiente de 2014

Nessa mesma perspectiva ainda em Portugal a avaliaccedilatildeo se concre-

tiza pelo princiacutepio da prevenccedilatildeo adotado no NEPA como tambeacutem pelo o

princiacutepio da precauccedilatildeo Segundo Daniel Ayres Pimenta (2012) o princiacutepio da

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

187

prevenccedilatildeo destina-se a cuidar do dano que jaacute eacute esperado em contra partida

o princiacutepio da precauccedilatildeo relaciona-se ainda aos danos ainda natildeo conheci-

dos e futuros que tem uma possibilidade miacutenima de ocorrerem com isso jaacute se

visualizando com tanta antecipaccedilatildeo desenvolve um lastro maior de tempo

para a populaccedilatildeo ou profissionais da aacuterea se prepararem com mais certeza

e ter uma porcentagem miacutenima de danos

Nesse sentido as leis que regulamentam a AIA tanto no Brasil como em

Portugal fazem a previsatildeo de quais projetos deve ser requerida a avaliaccedilatildeo

ao contraacuterio da NEPA em que natildeo faz o mesmo demonstrando assim uma

evoluccedilatildeo das leis (VEIGA 2012) Aleacutem disso os princiacutepios da prevenccedilatildeo e da

precauccedilatildeo para o referido autor devem ser considerados separadamente e

independentes um do outro para que o jurista do ambiente possa resolver o

problema da forma mais adequada (PEREIRA 2002) Dessa maneira caso

ocorram os danos estes seratildeo menores no futuro do que se natildeo houvesse pro-

teccedilatildeo alguma sendo estes princiacutepios de destacada importacircncia por servirem

de base para a avaliaccedilatildeo de impacto ambiental

Em outro panorama na legislaccedilatildeo portuguesa a sua Constituiccedilatildeo esta-

belece em termos bem definidos como o procedimento da avaliaccedilatildeo deve

ocorrer para garantir o direito fundamental ao ambiente buscando assim a

atuaccedilatildeo dos governos e dos cidadatildeos para a efetivaccedilatildeo e proteccedilatildeo tambeacutem

dos direitos individuais e gerais da sociedade Ressalta-se a previsatildeo do artigo

666 da Constituiccedilatildeo ndeg2 b) e f) de modo que satildeo garantidos dois deveres do

Estado os quais consistem em assegurar e incentivar a participaccedilatildeo demo-

craacutetica da sociedade para a resoluccedilatildeo de problemaacuteticas de cunho nacional

e a proteccedilatildeo do meio ambiente (PEREIRA2002)

Nos Estados Unidos da Ameacuterica foi analisado pelos tribunais que quando

foi implementado a NEPA natildeo havia uma efetivaccedilatildeo forte poreacutem quando os

tribunais analisaram o impacto positivo de se exigir a avaliaccedilatildeo perceberam

a importacircncia dela e segundo Caldwell era necessaacuterio um checklist de criteacute-

rios para o planejamento ambiental (SAacuteNCHEZ 2013) Assim criou-se a seccedilatildeo

102(c) da lei do NEPA

Os paiacuteses desenvolvidos foram se atentar e analisar com mais afinco a

questatildeo do impacto ambiental e a importacircncia de sua avaliaccedilatildeo de modo

relativamente tardio entre 1975 e 1990 Haacute um lapso temporal de quando fo-

ram produzidas as leis como a NEPA e sua real aplicaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo como

eacute o caso da Alemanha que soacute efetivou sua lei UVP em 1990 por receio da

pressatildeo popular (SANCHEZ 2013) Contudo fazendo uma alusatildeo ao Brasil haacute

necessidade de um maior engajamento popular para junto ao Estado ter uma

6 Art 66 2 Para assegurar o direito ao ambiente no quadro de um desenvolvimento susten-

taacutevel incumbe ao Estado por meio de organismos proacuteprios e com o envolvimento e a

participaccedilatildeo dos cidadatildeos b) Ordenar e promover o ordenamento do territoacuterio tendo em

vista uma correta localizaccedilatildeo das atividades um equilibrado desenvolvimento socioeco-

noacutemico e a valorizaccedilatildeo da paisagem f) Promover a integraccedilatildeo de objetivos ambientais

nas vaacuterias poliacuteticas de acircmbito sectorial

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

188

melhor aplicaccedilatildeo da AIA levando em consideraccedilatildeo as diferentes culturas e

o sistema juriacutedica brasileiro

Cumpre observar a evoluccedilatildeo e disseminaccedilatildeo da AIA em outros paiacutes de-

senvolvidos quando foram lanccedilados suas primeiras leis Canadaacute em 1973 por

decisatildeo do Conselho de Ministros de estabelecer o procedimento de avalia-

ccedilatildeo e exame ambiental Austraacutelia em 1974 com a Lei de Proteccedilatildeo Ambiental

Franccedila 1976 com a Lei nordm 629 de proteccedilatildeo da Natureza Uniatildeo Europeia em

1985 com a Diretiva 85337EEC entre outros (SANCHEZ 2013) Por meio destes

dados pode-se inferir que houve uma evoluccedilatildeo ao longo dos anos Em rela-

ccedilatildeo ao Brasil especificamente existe a possibilidade de modificar e melhorar

assim como estes paiacuteses mudaram e continuam mudando pois haacute uma cons-

tante renovaccedilatildeo de conceitos e pensamentos

123 A AVALIACcedilAtildeO DE IMPACTO AMBIENTAL SOB A OacutePTICA DA

COMPLEXIDADE

A AIA no Brasil eacute um gecircnero como mencionado anteriormente no qual

estaacute inserido o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) que eacute necessaacuterio para ana-

lisar se o meio ambiente e outros fatores ao redor como a sauacutede dos seres

humanos e sociais vai ser alterado ou natildeo com a instalaccedilatildeo de grandes em-

preendimentos Aleacutem do EIA tambeacutem haacute o RIMA (Relatoacuterio de Impacto Ambi-

ental) que tem o escopo de tornar mais acessiacutevel para a populaccedilatildeo o con-

teuacutedo do EIA (PACHECO FILHO 2013) Na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o EIA

passou a ter mais forccedila em virtude do artigo 225 sect1deg IV que o eleva a condi-

ccedilatildeo de norma constitucional Poreacutem por natildeo ter definiccedilatildeo das palavras no

dispositivo ficou aberta a diversas interpretaccedilotildees da norma fazendo com que

o EIARIMA natildeo seja exigido em casos que o projeto natildeo demonstrar impactos

significativos ao meio ambiente Com isso o procedimento do RIMA vem de-

pois do EIA

Desta forma alerta-se para a questatildeo de existir essa abertura na Carta

Magna conforme o artigo referido acima pode haver determinadas situaccedilotildees

em que o poder puacuteblico se utilize da sua discricionariedade no ato administra-

tivo fazendo com que natildeo seja necessaacuteria a produccedilatildeo do EIA por natildeo aplicar

o artigo 2deg da Resoluccedilatildeo nordm 11986 do CONAMA Fato este que daacute margem a

uma inseguranccedila juriacutedica e ambiental pois extinguem-se as garantias que

aquele empreendimento ou obra natildeo vai degradar o meio ambiente de

modo irreversiacutevel Haacute ainda uma imprevisibilidade na dimensatildeo que envolve

o meio ambiente diante de toda influecircncia exercida pelo homem individual-

mente ou coletivamente e da troca existente nessa complexa relaccedilatildeo

Nesse sentido o paradigma da complexidade pode contribuir para uma

melhor compreensatildeo do Direito Ambiental Ressalta-se a condiccedilatildeo de insegu-

ranccedila que o meio ambiente pode promover no sistema juriacutedico observadas

as interrelaccedilotildees de circunstacircncias multifatoriais complexas e todas as suas in-

teraccedilotildees A complexidade permite percepccedilotildees diferenciadas das dimensotildees

do ser em que se sobressaem a incompletude e a incerteza Assim tal pensa-

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

189

mento inclusive subsidia a ideia de que o desenvolvimento natildeo deve ser per-

cebido apenas pelo vieacutes econocircmico pois deve-se buscar a melhoria da qua-

lidade de vida do planeta e o respeito ao direito das futuras geraccedilotildees ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado (LEITE 2020)

Para Morin (2015) a complexidade eacute uma agregaccedilatildeo de acontecimen-

tos accedilotildees interaccedilotildees retroaccedilotildees determinaccedilotildees e acasos que constituem o

mundo fenomecircnico A complexidade demonstra a relaccedilatildeo com o acaso que

coincide com uma parte de incerteza seja proveniente do entendimento hu-

mano ou dos fenocircmenos e estaacute ainda ligada a uma fusatildeo entre ordem e

desordem

A complexidade inerente agraves relaccedilotildees ecoloacutegicas permite a verificaccedilatildeo

da infinidade de relaccedilotildees nas quais os fatos satildeo causa e consequecircncia um

dos outros Assim quando se tem como paradigma a complexidade para es-

tudo do Direito Ambiental desenvolve-se uma nova racionalidade juriacutedica

ambiental pois o pensamento complexo natildeo se fundamenta apenas na inal-

terabilidade dos fatos na medida em que valoriza as interrelaccedilotildees a causali-

dade muacutetua e os princiacutepios que ligam a parte com o todo De modo que a

complexidade de aplica de maneira coerente no acircmbito da pesquisa em te-

mas transversais em que se insere o Direito Ambiental seara do Direito que

estaacute sujeita agraves incertezas e que necessita promover constantemente com di-

aacutelogo com os mais diferentes saberes (VIANA 2019)

O pensamento complexo assevera a ideia de que tudo o que aprende-

mos estaacute interligado e que de certo modo tudo se complementa Segundo

Marcelo Gleiser (2014) conhecimento eacute como uma ilha e ao redor dela o mar

quanto mais aprendemos mais vemos que natildeo sabemos de nada e mais que-

remos aprender Com isso a complexidade auxilia na busca de um melhor en-

tendimento do mundo como sociedade ressaltando o ser e natildeo o que que-

riacuteamos que fosse ou o que deveria ser Por conseguinte tentando melhorar o

mundo sem tantas pretensotildees de estabelecer uma ordem ou ideal formal e

engessado mas ao mesmo tempo com o intuito de proteger preservar e

mantecirc-lo para noacutes e as futuras geraccedilotildees um planeta saudaacutevel Assim o pensa-

mento complexo acentua uma quebra de paradigmas que repercute na vi-

satildeo de futuro sem deixar de considerar a importacircncia do que jaacute se foi deba-

tido no passado pois tudo se renova constantemente

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Pode-se concluir com a presente pesquisa que apesar das AIAacuteS em di-

ferentes paiacuteses serem muito semelhantes sua aplicaccedilatildeo eacute relativamente di-

vergente pois varia conforme a cultura e costumes de cada paiacutes Contudo

por meio do pensamento complexo possibilita-se uma visatildeo sistecircmica que

contribui para a quebra de paradigma e que pode ajudar com os exemplos

de outros paiacuteses na efetivaccedilatildeo e melhor aplicaccedilatildeo da AIA no Brasil para pre-

servar e assegurar um meio ambiente ecologicamente equilibrado

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

190

Diante disso esta pesquisa se propotildee a apresentar sua relevacircncia para

a sociedade entendendo que o mundo se renova constantemente aconte-

cem transformaccedilotildees inclusive em relaccedilatildeo ao modo como fazemos as coisas

entre elas o pensamento o conhecimento e os procedimentos Assim a com-

plexidade e o pensamento complexo podem colaborar para a aplicaccedilatildeo e

a efetivaccedilatildeo do AIA no Brasil sob outras perspectivas para novas soluccedilotildees

para os problemas

Cumpre ressaltar que natildeo se pode deixar de considerar a dificuldade

de se mensurar o impacto ambiental pois muitas vezes natildeo ocorre de maneira

isolada Constata-se assim a necessidade de se mitigar riscos quando se estaacute

diante muitas vezes de danos muito extensos que venham causar uma de-

gradaccedilatildeo irreversiacutevel ao meio ambiente De modo que para minimizar esta

degradaccedilatildeo tem-se a AIA como uma das formas de prevenccedilatildeo e preserva-

ccedilatildeo do meio ambiente

Sabe-se sobre a abrangecircncia da legislaccedilatildeo brasileira em mateacuteria ambi-

ental consegue abordar as mais diversas questotildees poreacutem haacute ainda o que

melhorar e evoluir necessitando-se desenvolver indagaccedilotildees ou debates dou-

trinaacuterios em que natildeo haacute crescimento Aleacutem disso ainda tem como objetivo

sua efetivaccedilatildeo e com fulcro na preservaccedilatildeo do meio ambiente constante-

mente influenciado pela accedilatildeo do homem Desse modo a avaliaccedilatildeo de im-

pacto ambiental o meio ambiente e a legislaccedilatildeo formam um elo que deve

ser mantido a fim de contribuir para a preservaccedilatildeo e manutenccedilatildeo um do

outro buscando-se a sustentabilidade e possibilitando-se o meio ambiente

ecologicamente equilibrado

Conclui-se em relaccedilatildeo agrave PNMA haacute a necessidade de se dialogar e de

se estaacute presente nas poliacuteticas puacuteblicas em defesa do meio ambiente Sabe-se

que para haver uma melhor efetivaccedilatildeo das AIAs por completo ainda se exi-

giraacute um certo tempo pois existe a interferecircncia de inuacutemeros fatores como a

seguranccedila juriacutedica o ideal de defesa do meio ambiente e a forma como os

procedimentos se desenvolvem atualmente em face do comportamento da

populaccedilatildeo em geral

Por fim a pergunta de partida revela a possiacutevel contribuiccedilatildeo e influecircncia

do respectivo procedimento no acircmbito internacional em relaccedilatildeo ao que jaacute

existe no Brasil ressaltando-se um conjunto de fatores no qual se deve incluir

o engajamento da sociedade do Estado e dos profissionais da aacuterea Pois para

que haja uma devida efetivaccedilatildeo se faz necessaacuterio uma atuaccedilatildeo em con-

junto de modo transdisciplinar e multilateral por diferentes setores da socie-

dade visando modificar o padratildeo de resoluccedilatildeo destas questotildees no Paiacutes

REFEREcircNCIAS

ANTUNES Tiago Pelos caminhos juriacutedicos do ambiente verdes textos I Lisboa Aafdl

2014

BELTRAtildeO Antocircnio FG Manual de Direito do Ambiente Satildeo Paulo Meacutetodo 2008

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

191

BELCHIOR Germana Parente Neiva Fundamentos epistemoloacutegicos do Direito Ambi-

ental Rio de Janeiro Lumen Juris 2017

CODONHO Maria Leonor Paes Cavalcante VIEGAS Thaiacutes Emiacutelia de Sousa A Poliacutetica

Nacional do Meio Ambiente In LEITE Joseacute Rubens Morato (coord) Manual de Direito

Ambiental Satildeo Paulo Saraiva 2015

GLEISER Marcelo A ilha do conhecimento os limites da ciecircncia e a busca por sentido

Rio de Janeiro Record 2014

LEITE Liliane de Freitas Licenciamento ambiental e controle social da atividade ad-

ministrativa ambiental 2020 112f Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Gra-

duaccedilatildeo em Direito do Centro Universitaacuterio 7 de Setembro ndash UNI7 Fortaleza 2020

MORIN Edgar Introduccedilatildeo ao pensamento complexo Porto Alegre Sulina 2015

PACHECO FILHO Celso Antonio Curso de direito ambiental brasileiro Satildeo Paulo Sa-

raiva 2013

PEREIRA Vasco da Silva Verde cor noccedilotildees introdutoacuterias do direito do ambiente Lis-

boa Almedina 2002

SAacuteNCHEZ Luis Enrique Avaliaccedilatildeo de impacto ambiental conceitos e meacutetodos Satildeo

Paulo Oficina de Textos 2013

SILVA Joseacute Afonso da Silva Direito Ambiental Constitucional 8 ed Satildeo Paulo

Malheiros 2010

VEIGA Daniel Pimenta Ayres Da Europa agraves ameacutericas Uma breve anaacutelise comparativa

do procedimento de avaliaccedilatildeo de impacto ambiental adotado no Brasil Estados Uni-

dos da Ameacuterica e Portugal 2012 Disponiacutevel em httpswwwcidpptrevistasridb

2012032012_03_1667_1718pdf Acesso em 21 de maio de 2020

VIANA Iasna Chaves Riscos complexidade e responsabilidade civil ambiental Rio

de Janeiro Lumen Juris 2019

192

A INEFICIEcircNCIA DO DIREITO AMBIENTAL

VIGENTE E A NECESSAacuteRIA RUPTURA

RUMO AO DIREITO ECOLOacuteGICO A

PARTIR DA COMPLEXIDADE

Joseacute Rubens Morato Leite1

Elisa Fiorini Beckhauser2

Valeriana Augusta Broetto3

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 131 A ineficiecircncia do Direito Ambiental vi-

gente e a necessaacuteria ruptura rumo ao Direito Ecoloacutegico 132 O Di-

reito Ambiental da fragmentaccedilatildeo teoacuterica agrave ausecircncia de implemen-

taccedilatildeo 133 A ecologizaccedilatildeo do direito uma ruptura a partir da com-

plexidade 134 Litigacircncia climaacutetica uma orientaccedilatildeo ecologizada

do direito Consideraccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

O Direito Ambiental brasileiro vigente revela-se falho fragmentado e

ineficiente e tem dado espaccedilo a muitos retrocessos ecoloacutegicos apesar de

certos avanccedilos normativos nos uacuteltimos anos principalmente nas searas consti-

tucional e jurisprudencial Na realidade verifica-se um Direito pouco sistecircmico

muito ligado agrave influecircncia econocircmica baseada na ideia de crescimento sem

limites e dentro de uma abordagem antropocecircntrica respaldado em uma

estrutura primordialmente interindividual e com uma operacionalidade fraca

de implementaccedilatildeo

A crise ecoloacutegica que ora se desenha especialmente marcada pela

mudanccedila climaacutetica tem deixado a falha desse Direito vigente mais perceptiacute-

vel e preocupante Com isso faz-se necessaacuteria a reinterpretaccedilatildeo e reestrutu-

raccedilatildeo de seus dispositivos instrumentos princiacutepios e objetivos em prol da sal-

1 Professor Doutor Titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) membro da

Academia de Direito Ambiental da IUCN Coordenador do Grupo de Pesquisa Direito Am-

biental e Ecologia Poliacutetica na Sociedade de Risco Pesquisador de Bolsa de Produtividade

do CNPq 1 C e Capes E-mail moratoleiteyahoocombr

2 Acadecircmica de graduaccedilatildeo em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

bolsista de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica (PIBICCNPq) integrante do Grupo de Pesquisa em Direito

Ambiental e Ecologia Poliacutetica na Sociedade de Risco

E-mail elisafbeckhauserhotmailcom

3 Acadecircmica de graduaccedilatildeo em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

bolsista de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica (PIBICCNPq) e integrante do Grupo de Pesquisa em Direito

Ambiental e Ecologia Poliacutetica na Sociedade de Risco

E-mail valerianabrttgmailcom

13

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

193

vaguarda do bem ambiental per se isto eacute este Direito requer uma metamor-

fose que proteja a Natureza em uma perspectiva holiacutestica sensiacutevel complexa

e natildeo utilitarista Para este caminho aponta a ecologizaccedilatildeo do Direito

Assim este artigo objetiva traccedilar algumas consideraccedilotildees e observaccedilotildees

acerca de uma ruptura que se impotildee diante do paradigma do direito ambi-

ental tradicional ao passo que natildeo tem conseguido responder satisfatoria-

mente agrave tutela dos sistemas ecoloacutegicos Para tanto divide-se o trabalho em

duas partes essenciais

A primeira delas descreve em breves linhas a construccedilatildeo e atuaccedilatildeo do

Direito Ambiental demonstrando as bases arraigadas de ineficiecircncia e as

comprovaccedilotildees histoacutericas de que sua atuaccedilatildeo natildeo tem sido suficiente para

resguardar da forma devida os recursos naturais a partir de uma visatildeo com-

plexa e sistecircmica A segunda expotildee os paracircmetros teoacutericos sobre os quais se

alicerccedila o Direito Ecoloacutegico suas principais diferenciaccedilotildees em relaccedilatildeo ao Di-

reito Ambiental vigente e a necessaacuteria ruptura de paradigma para a prote-

ccedilatildeo ecoloacutegica suficiente em termos normativo-formais teoacutericos e praacuteticos

Tambeacutem nesta uacuteltima parte adentra-se brevemente a noccedilatildeo de litigacircncia cli-

maacutetica que guarda estreita relaccedilatildeo com a necessidade de uma perspectiva

ecologizada do Direito frente agrave crise ecoloacutegica e a mudanccedila climaacutetica

131 A INEFICIEcircNCIA DO DIREITO AMBIENTAL VIGENTE E A

NECESSAacuteRIA RUPTURA RUMO AO DIREITO ECOLOacuteGICO

O Direito Ambiental brasileiro para aleacutem dos instrumentos do Direito In-

ternacional que compreende os diversos tratados disposiccedilotildees e acordos que

preveem a proteccedilatildeo do meio ambiente tem suas bases ancoradas na Cons-

tituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 que foi a primeira carta

magna brasileira a dedicar um capiacutetulo para o tema que se encontra dis-

posto no Art 225 e seus paraacutegrafos e incisos Tambeacutem encontra fundamento

na legislaccedilatildeo ordinaacuteria a exemplo da Lei n 6938 de 1981 que institui a Poliacutetica

Nacional do Meio Ambiente importante marco para a proteccedilatildeo ambiental

no paiacutes Juntas a Constituiccedilatildeo e as leis representam um conjunto de princiacute-

pios regras e valores relacionados ao resguardo da Natureza na condiccedilatildeo de

bem de uso comum (WEDY 2019)

A preocupaccedilatildeo com essa proteccedilatildeo nem sempre presente na histoacuteria

da humanidade surge na agenda nacional e internacional a partir do seacuteculo

XX mas apenas a partir das deacutecadas de 70 e 80 que a importacircncia da preser-

vaccedilatildeo ambiental recebeu impulso sobretudo com a Declaraccedilatildeo de Esto-

colmo com o relatoacuterio The Limits of Growth com a criaccedilatildeo do Programa das

Naccedilotildees Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e com os documentos e rela-

toacuterios que os seguiram como o Nosso Futuro Comum o Relatoacuterio Brundtland

a Declaraccedilatildeo do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 e mais

recentemente a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentaacutevel e o

Acordo de Paris (WEDY 2019)

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

194

Em acircmbito nacional a legislaccedilatildeo ambiental tambeacutem apresentou evo-

luccedilotildees gradativas da tutela do meio ambiente e vem se adequando agrave neces-

sidade de proteccedilatildeo do bem ambiental para as presentes e futuras geraccedilotildees

(WEDY 2019)

Ana Maria Nusdeo expotildee que a poliacutetica ambiental brasileira se apre-

senta atraveacutes de um processo de evoluccedilatildeo que pode ser dividido em quatro

etapas administraccedilatildeo de recursos naturais controle da poluiccedilatildeo industrial

planejamento territorial e gestatildeo integrada dos recursos naturais As trecircs pri-

meiras fases natildeo se substituiriam mas se sobreporiam ateacute o surgimento da

quarta fase que eacute marcada pela adoccedilatildeo da Lei nordm 69381981 antes mencio-

nada Nessa fase os problemas ambientais que possibilitaram a existecircncia das

etapas anteriores satildeo tratados de forma interligada e interdependente atra-

veacutes de uma perspectiva ecoloacutegica (NUSDEO 2018 p 140)

Natildeo obstante se aceite que o Direito Ambiental brasileiro se encontre

atualmente na fase de lsquogestatildeo integrada dos recursos naturaisrsquo questiona-se

a maneira como essa gestatildeo eacute percebida e realizada Isso porque as bases

desatualizadas fragmentadas ou sobremaneira incipientes que solidificaram

o Direito Ambiental natildeo satildeo suficientes para enfrentar a atual crise ecoloacutegica

e responder aos desafios complexos transfronteiriccedilos e sistecircmicos que se lan-

ccedilam frente agrave humanidade em termos natildeo apenas ambientais mas tambeacutem

sociais Um claro exemplo desses desafios que emergem com a crise ecoloacute-

gica e com a loacutegica da modernidade eacute a Pandemia de COVID-19

Isso porque o relatoacuterio do United Nations Environmental Programme

(UNEP) intitulado Frontiers 2016 emerging issues of environmental concern de-

monstra que zoonoses como eacute o caso da COVID-19 decorrerm majoritaria-

mente da relaccedilatildeo exploratoacuteria que os seres humanos mantem com a Natu-

reza O documento aponta assim que zoonoses guardam estreita relaccedilatildeo

com a degradaccedilatildeo ambiental (UNEP 2016 p 22)

Esse avanccedilo predatoacuterio contra os sistemas naturais origina suas bases na

maneira como os sistemas econocircmicos lidam com os bens naturais partindo

de um paradigma de possibilidade de crescimento infinito que encontra cor-

respondecircncia normativa em um sistema juriacutedico fragmentado e falho Isso tem

levado os ecossistemas agrave exaustatildeo e gerado a crise ecoloacutegica

Nesse sentido eacute urgente a ruptura do Direito Ambiental vigente rumo agrave

sua ecologizaccedilatildeo de modo que tanto o campo juriacutedico dedicado ao meio

ambiente seja capaz de endereccedilar a complexidade que proveacutem da relaccedilatildeo

entre seres humanos e Natureza assim como a estrutura do Direito como um

todo As proacuteximas linhas por isso se destinam agrave anaacutelise dessa ruptura seu fun-

damento e suas possibilidades

132 O DIREITO AMBIENTAL

da fragmentaccedilatildeo teoacuterica agrave insuficiente implementaccedilatildeo

O Direito Ambiental atualmente em voga na perspectiva do conheci-

mento juriacutedico tradicional tem como caracteriacutesticas essenciais a formalidade

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

195

e o legalismo aleacutem da subserviecircncia agraves forccedilas econocircmicas dominantes Por

conta disso essa versatildeo do ramo do Direito ora em debate tem falhado no

despertar criacutetico e reflexivo para a transformaccedilatildeo da realidade posta (BEL-

CHIOR 2019 p 193)

Haacute que se frisar poreacutem que muito se avanccedilou nesta aacuterea com a cons-

titucionalizaccedilatildeo da proteccedilatildeo ambiental dada a partir do advento da Consti-

tuiccedilatildeo Federal de 1988 Nela o meio ambiente eacute elevado a bem de uso co-

mum do povo e a direito fundamental ligado agrave sadia qualidade de vida A

partir deste momento o tema ganha centralidade e se torna dever de todos

principalmente do Estado preservar os processos ecoloacutegicos essenciais com

foco nas presentes e futuras geraccedilotildees

Contudo o paradigma cartesiano do conhecimento interconectado agrave

modernidade e agraves sociedades industriais ainda impera na loacutegica desta aacuterea

juriacutedica Disso decorrem modos de operaccedilatildeo lineares fragmentadas e limita-

das que se mostram incompatiacuteveis com a necessidade de enfrentamento dos

problemas atuais que em contrapartida possuem natureza complexa multi-

dimensional e transfronteiriccedila

Deste modo o pensamento tradicional do Direito restringiu seu objeto

apenas agrave norma juriacutedica o que apartou o Direito em termos teoacutericos da reali-

dade posta Por meio do paradigma moderno reducionista e dualista sepa-

rou-se a norma da sua esfera de implementaccedilatildeo praacutetica reduzindo-a ao texto

normativo (MUumlLLER apud BELCHIOR 2019 p 194)

A consagraccedilatildeo desta loacutegica em mateacuteria ambiental deu causa a uma

tutela estatal para o meio ambiente limitada a legislar sobre ele com o obje-

tivo de protegecirc-lo encontrando na lei um subterfuacutegio para mascarar a omis-

satildeo secular em relaccedilatildeo agrave natureza Agrave vista disso o Direito Ambiental vigente eacute

um sistema teoacuterico-dogmaacutetico alicerccedilado na forccedila regulatoacuteria do Estado que

tem no nascimento formal da norma a resoluccedilatildeo dos problemas ignorando a

necessidade e o dispecircndio de esforccedilos para a efetiva implementaccedilatildeo das leis

(BENJAMIN 2010 p 338)

Herman Benjamin (2010 p 342) explica que da promulgaccedilatildeo legislativa

natildeo decorre automaticamente a retificaccedilatildeo do problema que ela intui solu-

cionar vez que ldquohaacute um oceano entre a legislaccedilatildeo ambiental e a realizaccedilatildeo

dos seus objetivos primordiaisrdquo

Essa tendecircncia se confirmou em muitos ordenamentos juriacutedicos do

mundo Christina Voigt (2013 p xiv) explica que nas uacuteltimas deacutecadas se ex-

pandiu substancialmente a gama de legislaccedilotildees ambientais adotadas em niacute-

veis domeacutesticos regionais e internacionais poreacutem ainda que prescrevam

qualidade e padrotildees ambientais aos territoacuterios de vigecircncia essas iniciativas

natildeo representam necessariamente sucesso para suas pautas As leis ambien-

tais conduziram a avanccedilos modestos enquanto tendecircncias de destruiccedilatildeo e

degradaccedilatildeo do meio ambiente se mantiveram quase inalteradas ao que o

mundo natildeo foi capaz de caminhar pela trilha da sustentabilidade

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

196

Essa eacute uma das falhas centrais do Direito Ambiental claacutessico vez que

procede agrave atuaccedilatildeo legislativa para amortecer insatisfaccedilotildees sociais relativas

agraves suas pautas mas sem resolvecirc-la de fato Nesta linha a normatizaccedilatildeo sobre

a proteccedilatildeo ambiental se encontra apartada da concretizaccedilatildeo isto eacute da re-

gulaccedilatildeo na praacutetica resultando em uma ordem puacuteblica ambiental incom-

pleta caracteriacutestica do Estado teatral que ldquomanteacutem uma situaccedilatildeo de vaacutecuo

entre a lei e a implementaccedilatildeordquo uma vez que se caracteriza por um Poder

Puacuteblico que na letra da lei vocifera ldquomas [] amansa diante das dificuldades

da realidade poliacutetico-administrativa e de poderosos interesses econocircmicos

exatamente os maiores responsaacuteveis pela degradaccedilatildeo ambientalrdquo (BENJA-

MIN 2010 p 345)

Neste contexto a legislaccedilatildeo ocupa um status simboacutelico e conta com

uma implementaccedilatildeo deficitaacuteria relegando a um lugar de omissatildeo nova-

mente a prestaccedilatildeo social da lei em mateacuteria ambiental Isso torna extrema-

mente desafiadoras mesmo apoacutes deacutecadas de positivaccedilatildeo das normas a ma-

terializaccedilatildeo dos valores e objetivos ambientais e a consolidaccedilatildeo da legitimi-

dade do repertoacuterio legislativo ambiental (BENJAMIN 2010 p 341)

A crise ecoloacutegica corrobora com a teoria de ineficiecircncia e falta de am-

biccedilatildeo do Direito Ambiental vigente que natildeo eacute capaz de delimitar com cla-

reza a atividade humana prejudicial ao meio ambiente Aleacutem disso esta es-

fera do Direito natildeo eacute aplicada de maneira ideal conforme demonstra o Envi-

ronmental Rule of Law First Global Report elaborado pelo United Nations Envi-

ronmental Programme (UNEP) que deixa claro que globalmente a imple-

mentaccedilatildeo e a efetivaccedilatildeo de leis de caraacuteter ambiental estatildeo aqueacutem do que

seria esperado para o correto endereccedilamento dos desafios ambientais do seacute-

culo (UNEP 2019)

De acordo com o documento agraves leis faltam padrotildees claros e manda-

mentos necessaacuterios faltam contextualizaccedilatildeo e adequaccedilatildeo aos diferentes niacute-

veis a que se destinam e isso natildeo acontece apenas em naccedilotildees subdesenvol-

vidas ou em desenvolvimento mas constituem um desafio para todos os paiacute-

ses (UNEP 2019)

A superaccedilatildeo dessa compreensatildeo tradicional representa portanto pos-

sibilidade de se avanccedilar para um futuro menos impactado artificialmente e

comprometido no enfrentamento agrave mudanccedila climaacutetica aos desastres agrave inse-

guranccedila alimentar e agraves zoonoses com potencial pandecircmico ndash cenaacuterio ende-

reccedilado pelo Direito Ecoloacutegico

Isso jaacute vem sendo reconhecido na agenda ambiental internacional e

percepccedilotildees nesse sentido podem ser encontradas na Agenda 2030 para o

desenvolvimento sustentaacutevel que parte da compreensatildeo mais integrada dos

diversos problemas ambientais e sociais Ainda que careccedila de um objetivo

mais amplo que unifique a agenda seus objetivos trazem visatildeo ambiciosa que

pode direcionar uma accedilatildeo mais efetiva e eficaz no acircmbito de cada Estado

(ver VEIGA 2015 p 119-155) sendo possiacutevel visualizar um caminho para a su-

peraccedilatildeo da atual visatildeo fragmentada desatualizada e incapaz de responder

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

197

a fenocircmenos sistecircmicos Essa ruptura contudo ainda carece de um empurratildeo

para acontecer

Gerd Winter (2017 p 136) atribui a incapacidade do Direito Ambiental

de conter a crise tambeacutem aos niacutetidos problemas de aplicaccedilatildeo da norma juriacute-

dica impasses que orbitam em torno do crescimento econocircmico como forccedila

motriz a repetidamente ultrapassar a cobertura regulatoacuteria do Direito

Em sua versatildeo tradicional o Direito Ambiental tenta compatibilizar os

interesses ecoloacutegicos agrave infraestrutura aos processos e aos produtos do sistema

de produccedilatildeo fixando limites agraves liberdades do corpo social e da proacutepria eco-

nomia Contudo a loacutegica crescimentista desse sistema impotildee quantidades

gradativamente mais altas de unidades pois que esse aumento eacute o elemento

central do crescimento econocircmico que burla o sistema de regulaccedilatildeo juriacutedica

e tambeacutem se impotildee internamente a ele

Assim o Direito Ambiental falha pela aceitaccedilatildeo de violaccedilotildees juriacutedicas

pelo deslocamento dos problemas oriundos da degradaccedilatildeo ambiental de um

local ou regiatildeo para outra aleacutem da resistecircncia poliacutetica e econocircmica a novas

regulaccedilotildees (WINTER 2017 p 139) ou agrave efetividade das legislaccedilotildees jaacute positiva-

das

Assim Fernanda Cavedon-Capdeville (2018 p 193) observa que ocor-

reu a tecnicizaccedilatildeo do discurso juriacutedico-ambiental que se afastou das raiacutezes

sociais que remetem agraves necessidades dos mais vulneraacuteveis Instrumentalizou-

se por meio de uma linguagem especializada e apartada da compreensatildeo

imprescindiacutevel para o engajamento social nas pautas ambientais (CAVEDON-

CAPDEVILLE 2018 p 193)

Em virtude disso o Direito passou a atuar na condiccedilatildeo de uma institui-

ccedilatildeo social reguladora que opera para manter o status quo e que fomenta a

crise ecoloacutegica em curso Como posto hoje portanto o Direito natildeo possui uma

racionalidade voltada agrave criaccedilatildeo de soluccedilotildees pautadas na sustentabilidade

ecoloacutegica qualificada para conter os problemas complexos da atualidade

Considerando que o aparato juriacutedico-ambiental atual natildeo conseguiu

superar o paradigma economicista e antropocecircntrico configurado pela ope-

racionalidade caoacutetica na relaccedilatildeo humano-natureza (CAVEDON-CAPDEVILLE

2018 p 193) primordial repensar as bases do Direito para responder agrave crise

ecoloacutegica e evitar problemas decorrentes do modo predatoacuterio de lidar com

a natureza

A garantia da manutenccedilatildeo e restauraccedilatildeo da integridade dos sistemas

naturais soacute pode ser alcanccedilada por meio de um quadro juriacutedico que disponha

princiacutepios e materiais do Estado de Direito tambeacutem para a natureza Trilhando

este caminho de horizontalidade e cooperaccedilatildeo o Direito Ecoloacutegico repre-

senta uma importante face desta mudanccedila estrutural pois entende que o va-

lor da vida e a manutenccedilatildeo de processos ecoloacutegicos devem se sobrepor aos

interesses econocircmicos imediatos Sobre esta nova vertente do Direito e suas

contribuiccedilotildees para o futuro compartilhado e co-criado da humanidade com

o planeta aborda o toacutepico seguinte

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

198

133 ECOLOGIZACcedilAtildeO DO DIREITO

uma ruptura a partir da complexidade

A loacutegica instrumental-mecanicista e as falhas do direito ambiental vi-

gente lanccedilam luz sobre a necessidade de ressignificaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre

humanidade e meio ambiente buscando o conviacutevio com a natureza com a

produccedilatildeo da base material e natural da vida das organizaccedilotildees coletivas e

sociais (HOUTART 2016 p 32) de forma harmocircnica e em bases solidaacuterias e natildeo

hieraacuterquicas

Assim busca-se um modelo juriacutedico que consiga tutelar de maneira ple-

namente satisfatoacuteria as funcionalidades sociais e naturais na dimensatildeo das

demandas ecoloacutegicas o que exige reconhecer a atrofia do paradigma mo-

derno dominante e o rompimento com ele que ateacute entatildeo deu conta de res-

guardar apenas direitos individuais (LEITE SILVEIRA 2018 p 112)

A fim de oferecer alternativas e soluccedilotildees essas problemaacuteticas da opera-

cionalidade e da loacutegica do direito ambiental eacute preciso que o ordenamento

juriacutedico-normativo observe a sensibilidade ecoloacutegica de maneira sistecircmica

natildeo fragmentada e agrave luz da complexidade para que com paracircmetros plurais

regulem-se as questotildees atinentes agrave natureza (CANOTILHO 2008)

Por suas caracteriacutesticas inerentes o direito ambiental eacute uma aacuterea que

recebe feixes de influecircncia de muitos temas transversais e vertentes do conhe-

cimento dialogando com diferentes saberes Em uma perspectiva complexa

observa-se que o dano ambiental por exemplo natildeo estaacute limitado a fronteiras

geograacuteficas e que natildeo eacute apenas a tutela do elemento natural em si que im-

porta mas toda a imbricada rede de relaccedilotildees dos ecossistemas e de influecircn-

cias muacutetuas em constante transformaccedilatildeo e movimento na natureza (CAR-

NEIRO 2013 apud BELCHIOR 2019 p 218) O Direito nesse contexto natildeo pode

se comportar de forma estanque e apartada da realidade mas se abrir agraves

possibilidades e aos ramos do conhecimento

A ecologizaccedilatildeo do Direito eacute uma proposta de ruptura trilhada neste ca-

minho Na condiccedilatildeo de transiccedilatildeo de paradigma para se evoluir em termos de

proteccedilatildeo da socioambiental a vertente do direito ecoloacutegico expande seus

destinataacuterios para englobar a Natureza e todas as formas de vida como dig-

nas de proteccedilatildeo Estatal o que se restringia agrave presenccedila humana Essa proposta

ecologizada exige reformular o pensamento juriacutedico para que esse parta de

bases biocecircntricas e reconheccedila titularidade de direitos agrave Natureza que deixa

de ser um objeto instrumentalizaacutevel atraveacutes da lei

O quadro abaixo [quadro 1] explica que a partir do Direito Ecoloacutegico

a Natureza deve ser protegida pelo seu valor intriacutenseco e por ser a base natural

sem a qual nenhum ser vivo tem possibilidade de se desenvolver Nesta senda

os problemas ambientais satildeo analisados de forma natildeo fragmentada ou seja

satildeo tratados a partir da perspectiva da complexidade que eacute inerente agraves soci-

edades modernas e de acordo com a noccedilatildeo de interdependecircncia entre os

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

199

diferentes fatores e elementos componentes do meio ambiente humano e na-

tural Aleacutem disso a Natureza e os animais natildeo-humanos passam a ser sujeitos

de direitos assim como os seres humanos dignos de proteccedilatildeo per se

A acepccedilatildeo ecologizada do Direito coloca limites mais ambiciosos ao

crescimento econocircmico infinito que eacute insustentaacutevel dos pontos de vista sociais

e ecoloacutegicos a fim de que a economia se entenda inserida no meio natural e

respeite de maneira primordial os limites biofiacutesicos do planeta evitando-se a

acentuaccedilatildeo da crise ecoloacutegica que opera em pleno curso

Em suma incorporar a sustentabilidade no Direito significa manter as

estruturas sociais normativas poliacuteticas e principalmente econocircmicas dentro

dos limites dos sistemas ecoloacutegicos preservando a substacircncia dos sistemas na-

turais (LEITE SILVEIRA 2018 p 114)

Quadro 1 ndash Diferenccedilas entre o Direito Ambiental e o Direito Ecoloacutegico

DIREITO AMBIENTAL DIREITO ECOLOacuteGICO

Proteccedilatildeo

humano

Natureza

Possui bases de vertente utilitaacuteria

protegendo a natureza apenas

quando seres humanos sofrem

ameaccedilas ou violaccedilotildees de direi-

tos

A natureza deve ser protegida per se

sendo a casa de todas as espeacutecies e

um dever humano respeitar os limites

por ela impostos sujeito que se pro-

tege eacute um ser ecoloacutegico

Paradigma

Paradigma antropocecircntrico e

base de atuaccedilatildeo legislativa frag-

mentada

Paradigma biocecircntrico e proteccedilatildeo

sistecircmica da natureza considerando

a complexidade dos ecossistemas

Status

juriacutedico

Natureza estaacute na condiccedilatildeo de

objeto eacute um recurso a ser explo-

rado pelos interesses humanos

Reconhecimento de direitos intriacutense-

cos agrave natureza e aos animais natildeo hu-

manos outros seres (natildeo humanos) se

tornam sujeitos de direitos

Relaccedilatildeo aos

valores

econocircmicos

Pouca ambiccedilatildeo para impor limi-

tes suficientes e capazes de con-

ter a crise com preponderacircncia

dos valores econocircmicos e natildeo

da sustentabilidade

Limitaccedilatildeo clara e forte agrave loacutegica eco-

nocircmica crescimentista tomando por

base a capacidade de manutenccedilatildeo

e resiliecircncia dos sistemas ecoloacutegicos e

a sustentabilidade do planeta Fonte elaborado pelos autores com base em LEITE 2018

No mesmo sentido Ulrich Beck explica que as sociedades industriais or-

ganizadas em termos nacionais estatildeo se metamorfoseando em sociedades

de risco mundiais ainda desconhecidas vez que lidam com riscos produzidos

pelas atividades humanas mas que natildeo satildeo por elas controlados Assim ocor-

rem momentos de convulsatildeo que levam agrave alteraccedilatildeo dos modos de pensar e

agir das ordens social e poliacutetica criando modos ineacuteditos de viver e se relacio-

nar com a Terra (BECK 2017 p 55)

Assim novos horizontes sociais sinalizam para um panorama de accedilotildees

que potildee fim agrave separaccedilatildeo entre natureza e sociedade vez que a destruiccedilatildeo

do meio ambiente se traduz em conflitos econocircmicos sociais e poliacuteticos que

na atualidade tecircm alcance global

Do cenaacuterio que conjuga incerteza e riscos mundiais podem derivar os

ldquoefeitos secundaacuterios positivosrdquo com reformas nos modelos de pensamento

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

200

estilos de vida e consumo Reflexionando sobre o uso insustentaacutevel de recursos

naturais e sobre a violaccedilatildeo potencial da proacutepria existecircncia humana o mo-

mento de catastrofismo emancipatoacuterio pode render agrave humanidade novos ho-

rizontes normativos pautados nos bens comuns passando a uma abordagem

integrada de temas que antes eram tratados separadamente (BECK 2017 p

60)

No momento catastroacutefico em que o passado se reflete e condiciona o

futuro o que antes parecera imutaacutevel passa obrigatoriamente a operar de

maneira nova e por isso o Direito requer ideias alternativas que comuniquem

as trageacutedias e os riscos em termos globais (BECK 2017 p 158) O Direito deve

buscar um horizonte normativo para um mundo de inclusatildeo abandonando a

ideologia neoliberal que tantas vezes condiciona a legislaccedilatildeo ambiental a

fim de praticar novas formas de responsabilidade transnacional com pautas

fortes de justiccedila na agenda internacional e de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses

Dessa forma a ecologizaccedilatildeo do Direito significa essa ruptura necessaacuteria

para um Estado de Direito Ecoloacutegico em que os limites possibilidades e opor-

tunidades sejam ditados pelo entendimento complexo holiacutestico e sistecircmico

da vida Atraveacutes dessa abertura a economia angaria a posiccedilatildeo de uma parte

do meio ambiente e portanto eacute por ele limitada

Portanto a ecologizaccedilatildeo do Direito oferece subsiacutedios teoacutericos para re-

pensar coletivamente as bases poliacutetico-juriacutedicas de uma nova relaccedilatildeo da hu-

manidade com o meio ambiente no qual habita e do qual eacute uma parte inte-

grante Assim enfrentar as lacunas deixadas pelo Direito Ambiental requer tra-

tar a escassez inerente aos recursos naturais que satildeo limitados ainda que re-

novaacuteveis em alguns casos (ARAGAtildeO 2020)

Neste sentido deve-se corrigir a trajetoacuteria ambiental traccedilada ateacute aqui

a partir de uma metamorfose que se paute em um novo pensar juriacutedico mais

ecoloacutegico e integrativo consciente de sua funccedilatildeo de proteccedilatildeo da vida em

todas as suas formas e sobretudo de seu papel de proporcionar um desen-

volvimento verdadeiramente sustentaacutevel

O suporte epistemoloacutegico que alicerccedila as vertentes do Direito ecologi-

zado perpassa o viacutenculo entre a ecologia e o proacuteprio conceito de justiccedila As-

sim para a efetivaccedilatildeo das mudanccedilas legislativas e juriacutedicas propostas pelo

direito ecoloacutegico jaacute pontuadas acima eacute imprescindiacutevel adotar uma aborda-

gem da justiccedila que busque garantir dignidade e integralidade de todas as

formas de vida

A justiccedila ecoloacutegica reconhece a necessidade de uma transformaccedilatildeo

fundamental da poliacutetica da economia e da sociedade o que envolve tam-

beacutem Direito Nesse contexto toma-se por premissa fundante que pautas soci-

ais e ecoloacutegicas soacute podem ser plenamente concretizadas se buscarem solu-

ccedilotildees comuns vez que ambas guardam implicaccedilotildees necessaacuterias entre si

(CONCA DABELKO 2015 apud DAROS 2018 p 91) e eacute nesta direccedilatildeo que o

direito deve atuar

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

201

Parte-se do pressuposto de que as liberdades individuais como accedilotildees

exercidas em um contexto ecoloacutegico e social ao mesmo tempo que natildeo

afeta apenas o titular do direito que o pratica Assim embora a formalidade

das relaccedilotildees ocorra apenas entre os seres humanos as accedilotildees delas decorren-

tes natildeo se restringem necessariamente a esses indiviacuteduos mas afetam na re-

alidade faacutetica um espectro amplo de existecircncias o que justifica tutelar as in-

teraccedilotildees humanas com animais natildeo humanos e com todos os ecossistemas

naturais como uma questatildeo de justiccedila

Neste sentido observa-se uma das alteraccedilotildees paradigmaacuteticas arraiga-

das agrave justiccedila ecoloacutegica a abertura de subjetividade juriacutedica agrave natureza e aos

animais natildeo humanos O reconhecimento de direitos intriacutensecos considera

que esses seres possuem assim como a espeacutecie humana interesses de bem-

estar tornando-os destinataacuterios da justiccedila ainda que natildeo figurem como seus

agentes propriamente (DAROS 2018 p 93)

Nisso reside uma observaccedilatildeo fundamental as semelhanccedilas comparti-

lhadas entre os seres humanos e natureza natildeo humana superam as diferenccedilas

inerentes agraves suas condiccedilotildees tomando-se como exemplo a integridade dos

ecossistemas que representa para a dimensatildeo natildeo humana a mesma ideia

que a dignidade tem para os seres humanos Desse modo abarcar a natureza

natildeo humana no arcabouccedilo da justiccedila se justifica pelo respeito ao seu funcio-

namento e florescimento que satildeo elementos natildeo exclusivos da humanidade

e que podem ser aplicados a outros seres observando-se as linhas de similari-

dade vez que a natureza assim como os seres humanos tambeacutem pode de-

senvolver sua proacutepria autonomia resiliecircncia e autodireccedilatildeo (SCHLOSBERG

2007 p 133 apud DAROS 2018 p 94)

Com respaldo em um discurso aberto e no prisma da similaridade entre

os seres solidifica-se a construccedilatildeo de uma teoria inclusiva de justiccedila que pre-

serve habilidades e necessidades essenciais dos seres natildeo humanos bus-

cando a confluecircncia harmocircnica entre as necessidades humanas e as possibi-

lidades do entorno ecoloacutegico

No intuito de corrigir as injusticcedilas derivadas da interaccedilatildeo humana com

a natureza em muito permitidas pela epistemologia ambiental vigente e con-

siderando a muacutetua dependecircncia entre o agente social humano e a unidade

ecoloacutegica o Direito ecologizado identifica os problemas oriundos dos impac-

tos ecoloacutegicos e os coloca em destaque questionando o papel dos institutos

e instrumentos juriacutedicos para que possam atuar na sua correccedilatildeo

Incorporando valores eacuteticos da ecologia Bosselmann (2010 p 2427) ex-

plica que o Direito cria uma dimensatildeo maior de direitos e obrigaccedilotildees juriacutedicas

capaz de abarcar um sujeito amplo (toda pessoa) um objetivo amplo (os co-

muns) e um espaccedilo (global) e tempo (curto e longo) tambeacutem amplos De ma-

neira fundamental isso implica o rompimento com o antropocentrismo claacutes-

sico e a atuaccedilatildeo segundo um paradigma biocecircntrico que guie a ordem juriacute-

dica consoante bases horizontais igualitaacuterias e sistecircmicas

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

202

134 LITIGAcircNCIA CLIMAacuteTICA

uma orientaccedilatildeo ecologizada do direito

A perspectiva ecoloacutegica do Direito nos uacuteltimos anos tambeacutem tem se

espraiado para a jurisprudecircncia Gradativamente percebe-se que a socie-

dade civil busca assegurar seus direitos baacutesicos ligados ao meio ambiente ndash e

ao clima ndash por meio de demandas judiciais que envolvam as obrigaccedilotildees e

deveres dos Estados e de entes privados

Em termos conceituais a litigacircncia climaacutetica consiste em accedilotildees judiciais

e administrativas atinentes a pautas como gases de efeito estufa vulnerabili-

dades aos efeitos da mudanccedila climaacutetica reparaccedilatildeo de danos e gestatildeo de

riscos climaacuteticos Observando-se o cenaacuterio mundial os tribunais tecircm desem-

penhado um papel cada vez mais protagonista e visiacutevel nos debates sobre a

alteraccedilatildeo do clima enquanto as accedilotildees judiciais e medidas administrativas

que abordam esse assunto tambeacutem tecircm sido mais notoacuterias (SETZER CUNHA

FABBRI 2019 p 63)

A litigacircncia climaacutetica tem sido uma ferramenta de colaboraccedilatildeo para

transforar estrateacutegias institucionais para a proteccedilatildeo dos recursos naturais Isso

ocorre em razatildeo de estruturas normativas regulatoacuterias ainda deficitaacuterias na ga-

rantia de compromissos realmente rigorosos de proteccedilatildeo dos processos eco-

loacutegicos o que tambeacutem demonstra uma necessidade de ruptura da loacutegica na

qual o direito ainda se encontra imerso

Alguns casos paradigmaacuteticos satildeo utilizados como referecircncia para de-

monstrar uma interpretaccedilatildeo mais ecologizada do direito O Caso Urgenda

localizado na Holanda teve iniacutecio quando uma organizaccedilatildeo da sociedade

civil ingressou com uma accedilatildeo judicial contra o governo e elaborou pedido

principal que o Estado assumisse o dever de reduzir as emissotildees de gases de

efeito estufa em seu territoacuterio nos niacuteveis de 25 e a 40 em 2020 tomando por

base as taxas registradas em 1990 O pedido se respaldou em dados cientiacuteficos

e em obrigaccedilotildees juriacutedico-poliacuteticas assumidas legalmente pela Holanda (HO-

LANDA 2020 p 2)

Em 2019 o caso recebeu decisatildeo procedente para o petitoacuterio confec-

cionado determinando-se a reduccedilatildeo das emissotildees em pelo menos 25 tor-

nando Urgenda exitosa em seu intuito inicial A fundamentaccedilatildeo se alicerccedilou

em pareceres cientiacuteficos sobre o clima e tomou como premissa que o fato de

o Estado holandecircs natildeo alcanccedilar essa reduccedilatildeo coloca em risco a vida e o bem

estar da populaccedilatildeo (HOLANDA 2020 p 5-6)

A litigacircncia climaacutetica tambeacutem possui espaccedilo no continente sul-ameri-

cano Um grupo de jovens colombianos devidamente representados ingres-

sou com uma accedilatildeo para deter o desmatamento na Amazocircnia argumen-

tando os fortes impactos dessa atividade nas emissotildees de gases de efeito es-

tufa e na mudanccedila do clima Em siacutentese o petitoacuterio circundava a criaccedilatildeo de

um pacto intergeracional para a vida da floresta aleacutem de um plano de accedilatildeo

que reduzisse gradativamente a taxa de desflorestamento

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

203

A Corte Suprema Colombiana na trilha do que defende o Direito eco-

loacutegico afirmou a conexatildeo entre a natureza e os direitos fundamentais huma-

nos entendendo que a vulneraccedilatildeo do direito a um ambiente equilibrado

acarreta transgressotildees sobre outros direitos humanos ndash como vida sauacutede li-

berdade e dignidade humana ndash que estatildeo imbricados substancialmente ao

estado saudaacutevel dos ecossistemas naturais (COLOcircMBIA 2018 p 13)

Levando em conta a irreversibilidade do dano e a certeza cientiacutefica que

subsidia a hipoacutetese de aumento de emissatildeo dos gases de efeito estufa no caso

de desflorestamento da cobertura vegetal e sua correlaccedilatildeo disso com a mu-

danccedila do clima o Tribunal avanccedilou sobre os direitos ambientais das futuras

geraccedilotildees sedimentando sua argumentaccedilatildeo no dever eacutetico de solidariedade

e no valor intriacutenseco da natureza (COLOcircMBIA 2018 p 23)

O expressivo avanccedilo da resposta a essa demanda judicial reside no re-

conhecimento do bioma amazocircnico colombiano como sujeito de direitos do-

tado de titularidade de proteccedilatildeo agrave conservaccedilatildeo manutenccedilatildeo e restaura-

ccedilatildeo Isso se tornou estrateacutegia para frear o desmatamento e emissotildees de gases

de efeito estufa emoldurando o pacto pelas garantias fundamentais da flo-

resta

Esses dois exemplos e sobretudo o segundo elucidam a ideia fundante

da ecologizaccedilatildeo do direito fazer com que o direito relacionado ao meio am-

biente atue em uma dimensatildeo equilibrada de interesses na estrutura dos direi-

tos e promova conjuntamente o desenvolvimento humano e ecoloacutegico

Assim cabe ao direito se moldar a partir de uma racionalidade que en-

tenda as liberdades individuais como accedilotildees exercidas em um contexto eco-

loacutegico e social ao mesmo tempo que natildeo afeta apenas o titular do direito

que o pratica

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este artigo reflexionou acerca das ineficiecircncias histoacutericas arraigadas ao

Direito Ambiental vigente demonstrando um cenaacuterio de incapacidade de

concretizar a salvaguarda satisfatoacuteria dos ecossistemas naturais e populaccedilotildees

vulneraacuteveis Isto porque em sua versatildeo atual o Direito Ambiental se limita agrave

ediccedilatildeo formal-legislativa para resolver os problemas factiacuteveis da realidade

enquanto na praacutetica se manteacutem permissivo e subserviente aos interesses do

sistema econocircmico predatoacuterio

Essa situaccedilatildeo endossou a crise ecoloacutegica em curso que tem como

exemplo mais atual a pandemia de COVID-19 e estampa a necessidade de

alterar as bases de relacionalidade entre a humanidade e o meio que devem

ser revisitadas a fim de que se protejam os indiviacuteduos como sujeitos ecoloacutegicos

isto eacute como partes indissociaacuteveis de um sistema natural sejam eles de natu-

reza humana ou natildeo-humana

Em razatildeo disso imperativa a ruptura de paradigma rumo ao Direito Eco-

loacutegico que tem fundamentos juriacutedicos e valorativos mais abrangentes reco-

nhecendo subjetividade aos seres natildeo-humanos e considerando o caraacuteter

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

204

sistecircmico e a complexidade inerentes agrave Natureza de modo a colocar limites

claros e precisos agrave loacutegica crescimentista para balizar as atividades de acordo

com a sustentabilidade ecoloacutegica

As bases fundantes do conceito de justiccedila ecoloacutegica se correspondem

com a noccedilatildeo deste novo direito metamorfoseado rumo agrave ecologizaccedilatildeo Isto

porque reconhece subjetividade juriacutedica agrave natureza e aos animais natildeo huma-

nos buscando alinhar harmonicamente as necessidades humanas e as possi-

bilidades fiacutesicas do entorno ecoloacutegico a partir do paradigma biocecircntrico do

sistema juriacutedico que tutela a interdependecircncia o agente social humano e a

unidade ecoloacutegica

Assim eacute preciso corrigir a trajetoacuteria humana no meio ambiente de modo

a desenvolver uma nova epistemologia que em termos juriacutedicos seja mais ali-

nhada agrave ecologia e propicie o desenvolvimento saudaacutevel de todas as formas

de vida em conjunto vez que apenas em bases cooperativas e horizontais eacute

possiacutevel perpetuar a vida no planeta

REFEREcircNCIAS

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Julgado em 5 abr 2018

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

205

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206

O PRINCIacutePIO DA PRECAUCcedilAtildeO

AMBIENTAL COMO PARAcircMETRO AO

EXERCIacuteCIO DA ATIVIDADE ECONOcircMICA

Leon Simotildees de Mello1

Joatildeo Luis Nogueira Matias2

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 141 O princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental e

sua importacircncia no contexto internacional atual 1411 Surgimento

no acircmbito internacional 1412 Conceito e abrangecircncia do princiacutepio

da precauccedilatildeo ambiental 1413 Disciplina do princiacutepio da precau-

ccedilatildeo ambiental no Brasil 142 A atividade econocircmica e sua proteccedilatildeo

constitucional 1421 O livre exerciacutecio da atividade econocircmica na

ordem constitucional 1422 Os riscos da atividade econocircmica e sua

mitigaccedilatildeo 143 A atividade econocircmica sob o prisma do princiacutepio da

precauccedilatildeo 1431 A proteccedilatildeo ambiental como preocupaccedilatildeo basi-

lar da ordem juriacutedica 1432 A precauccedilatildeo e o controle dos riscos am-

bientais da atividade econocircmica 1433 Anaacutelise de julgados do Su-

premo Tribunal Federal acerca do princiacutepio da precauccedilatildeo Conside-

raccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

A partir da segunda metade do seacuteculo XX especialmente nas deacutecadas

de 1960 e 1970 o problema da proteccedilatildeo do meio ambiente e de seus recursos

naturais passou a ser pauta recorrente e importante nas reuniotildees e debates

de oacutergatildeos e entidades internacionais empreendendo-se desde entatildeo pro-

fundas discussotildees estudos e pesquisas multidisciplinares acerca do tema

A transiccedilatildeo para a conscientizaccedilatildeo acerca da necessidade de prote-

ccedilatildeo ao meio ambiente se deu no contexto das grandes mudanccedilas econocircmi-

cas e tecnoloacutegicos ocasionadas pela Revoluccedilatildeo Industrial ao longo dos uacutelti-

mos seacuteculos (TRENNEPOHL 2010 p 10) do que decorreu a atual era da pro-

duccedilatildeo e do consumo em massa em escala global Ademais as novas tecno-

logias e os novos processos produtivos propiciaram um maior controle do ser

humano sobre a mateacuteria inimaginaacutevel em outras eacutepocas fornecendo ao ho-

mem grandes meios de transformaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo do ambiente natural

Assim a referida preocupaccedilatildeo com proteccedilatildeo ambiental para as atuais

e futuras geraccedilotildees decorreu da compreensatildeo do homem de que os recursos

naturais natildeo satildeo inesgotaacuteveis bem como da percepccedilatildeo de que as atividades

1 Mestrando em Direito na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Cearaacute

E-mail leonmellobragalincolnadvbr

2 Professor Titular dos Programas de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC e da UNI7

E-mail joaomatiasuni7edubr

14

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

207

humanas poderiam trazer riscos agrave conservaccedilatildeo e agrave subsistecircncia do meio am-

biente em seus mais variados aspectos ndash como a fauna a flora e os biomas ndash

inclusive em relaccedilatildeo agrave proacutepria sobrevivecircncia do ser humano na Terra

Logo paralelamente ao surgimento de um imperativo global de pre-

venccedilatildeo aos danos ambientes derivados de atividades reconhecidamente no-

civas como confluecircncia da percepccedilatildeo acerca do grande e cada vez mais

vertiginoso desenvolvimento tecnoloacutegico e cientiacutefico da compreensatildeo da

existecircncia de graves riscos ao ambiente e aos seres humanos decorrentes das

atividades humanas e da assimilaccedilatildeo quanto agrave importacircncia da proteccedilatildeo ao

meio ambiente tem-se a formulaccedilatildeo do princiacutepio juriacutedico de precauccedilatildeo vol-

tado agrave necessidade de salvaguarda contra riscos graves e irreversiacuteveis decor-

rentes da atuaccedilatildeo humana como forma de proteccedilatildeo a situaccedilotildees em que a

incerteza cientiacutefica natildeo possibilita uma seguranccedila quanto aos potenciais da-

nos de um determinado curso de accedilatildeo

O decliacutenio da ideia de controle e de certeza da ciecircncia ocorrido nas

uacuteltimas deacutecadas em decorrecircncia da mudanccedila de paradigma da crenccedila ab-

soluta na ciecircncia para uma ldquociecircncia humanizadardquo (MORAES 2011 p 21) im-

pulsionou a relevacircncia e a necessidade de previsatildeo e aplicaccedilatildeo do princiacutepio

da precauccedilatildeo ambiental nos ordenamentos juriacutedicos das naccedilotildees assim como

no acircmbito dos tratados e convenccedilotildees internacionais considerando que os ris-

cos das atividades humanas atualmente satildeo de acircmbito global ultrapas-

sando quaisquer fronteiras poliacuteticas

Ao mesmo tempo as relaccedilotildees econocircmicas e sociais prevalentes no

mundo atual satildeo fundadas no modelo capitalista tendente agrave prevalecircncia de

interesses individuais e de curto prazo bem como tencionado a uma expan-

satildeo contiacutenua e ilimitada De outra sorte reconhece-se que o desenvolvimento

econocircmico eacute essencial para a maximizaccedilatildeo da riqueza e do bem-estar da

humanidade (PEIXOTO 2014 p 33)

A relevacircncia da anaacutelise do princiacutepio da precauccedilatildeo se mostra portanto

cada vez maior considerando o atual panorama de incertezas cientiacuteficas e o

aumento da percepccedilatildeo de risco da sociedade quanto a vaacuterios aspectos da

proteccedilatildeo da vida humana e do meio ambiente A importacircncia reside igual-

mente na necessidade de indagaccedilotildees quanto agrave conceituaccedilatildeo e agrave abran-

gecircncia do referido princiacutepio e a harmonia entre a precauccedilatildeo e o exerciacutecio da

atividade econocircmica pontos estes que seratildeo focados neste trabalho

Busca-se por via da anaacutelise bibliograacutefico de obras que enfoquem o prin-

ciacutepio da precauccedilatildeo ambiental eminentemente no acircmbito nacional respon-

der as principais perguntas acerca do tema qual o conteuacutedo de tal princiacutepio

e o que exatamente ele protege O princiacutepio foi previsto no ordenamento

juriacutedico brasileiro Este princiacutepio se coaduna com outro princiacutepio constitucional

paacutetrio o da livre iniciativa Qual a efetividade de tal princiacutepio no contexto do

Estado brasileiro

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

208

141 O PRINCIacutePIO DA PRECAUCcedilAtildeO AMBIENTAL E SUA

IMPORTAcircNCIA NO CONTEXTO INTERNACIONAL ATUAL

De forma a melhor analisar o princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental neces-

saacuterio se faz perquirir sobre o nuacutecleo do conceito de precauccedilatildeo e seu surgi-

mento no acircmbito da proteccedilatildeo ao meio ambiente bem como discutir sobre a

correta abrangecircncia do princiacutepio perquirindo sobre as concepccedilotildees de risco

ensejadoras da aplicaccedilatildeo da norma de precauccedilatildeo

Aleacutem disso a histoacuteria da internalizaccedilatildeo do princiacutepio no Brasil e o exame

dos dispositivos normativos que consubstanciam o princiacutepio da precauccedilatildeo na

legislaccedilatildeo paacutetria seratildeo importantes para se verificar o modo e a extensatildeo de

aplicaccedilatildeo no ordenamento nacional da referida norma principioloacutegica

1411 Surgimento no acircmbito internacional

O estudo do princiacutepio da precauccedilatildeo natildeo pode prescindir mesmo que

sumariamente de uma anaacutelise acerca da ideia de ldquoriscordquo que eacute base para a

incidecircncia da busca por precauccedilatildeo natildeo haacute o que se precaver sem a existecircn-

cia de um dado risco ou sem a sua percepccedilatildeo

A definiccedilatildeo etimoloacutegica de ldquoriscordquo perpasse pela origem italiana da pa-

lavra ldquo[] risicare ou rischiare que significa lsquoousarrsquo lsquoaventurar-sersquo []rdquo (MO-

RAES 2011 p 37) que remonta ao periacuteodo inicial das navegaccedilotildees mariacutetimas

na Renascenccedila sendo utilizada para designar um infortuacutenio advindo de ato

natural ou divino isto eacute independente da vontade humana (MORAES 2011

p 37) Uma situaccedilatildeo de risco ou a exposiccedilatildeo ao risco portanto exprime a

ideia de possibilidade ou probabilidade de desfecho desfavoraacutevel ao curso

de accedilatildeo ou omissatildeo tomado Em certa medida o conceito de ldquoriscordquo eacute iacutensito

agrave noccedilatildeo de tomada de decisatildeo jaacute que natildeo satildeo possiacuteveis a previsatildeo e o con-

trole pelo homem de todas as consequecircncias de suas accedilotildees

A percepccedilatildeo quanto aos riscos advindos do comportamento humano

natildeo eacute estanque modificando-se ao longo do tempo conforme a transforma-

ccedilatildeo da cosmovisatildeo do homem Desta forma para uma mesma situaccedilatildeo a

percepccedilatildeo de risco pode ser bastante distinta para pessoas de culturas ou

eacutepocas diferentes

Assim passou-se com o grande desenvolvimento tecnoloacutegico cientiacute-

fico e econocircmico dos uacuteltimos seacuteculos a uma percepccedilatildeo ldquohumanizadardquo e

ldquoglobalizadardquo dos riscos ndash em oposiccedilatildeo agrave anterior visatildeo ldquodivinizadardquo e ldquolocalrdquo

a compreensatildeo da potencialidade e da gravidade da accedilatildeo transformadora

do homem sobre a natureza e sobre as proacuteprias vidas humanas transforma na

modernidade a apreensatildeo dos riscos existente nas accedilotildees humanas

Estes novos riscos qualificados como modernos satildeo uma conse-

quumlecircncia da atividade tecnoloacutegica Beck menciona efeitos colate-

rais para referir-se aos efeitos secundaacuterios invisiacuteveis que vecircm com a

inovaccedilatildeo tecnoloacutegica aos quais eacute necessaacuterio adaptar-se O desen-

volvimento tecnoloacutegico principalmente aquele proporcionado pelo

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

209

modelo cientiacutefico ocidental estaacute na origem do desenvolvimento des-

ses novos riscos (BRUNET DELVENNE JORIS 2011 p 181)

Em sua obra Beck (2011 p 39) aduz que os ldquoriscosrdquo tecircm ldquo[] fundamen-

talmente que ver com antecipaccedilatildeo com destruiccedilotildees que ainda natildeo ocorre-

ram mas que satildeo iminentes e que justamente nesse sentido jaacute satildeo reais

hojerdquo Haacute entatildeo como produto da modernidade uma percepccedilatildeo de risco

da accedilatildeo humana inexistente nas eacutepocas anteriores do que decorre a origem

da construccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo

O embriatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental eacute identificado por

Sunstein (2005 p 16) na legislaccedilatildeo sueca de proteccedilatildeo ambiental de 1969 ao

passo que por volta do mesmo periacuteodo a Alemanha Ocidental sanciona

norma protetiva com base no mesmo princiacutepio

Apesar de sensata associaccedilatildeo da precauccedilatildeo com a prudecircncia aris-

toteacutelica entendemos ser o instituto na sua forma mais desenvolvida

criaccedilatildeo do direito ambiental alematildeo sendo trabalhada inicialmente

com ecircnfase na aacuterea da regulaccedilatildeo da emissatildeo de poluiccedilatildeo na Ale-

manha Ocidental sob a denominaccedilatildeo de Vorsorgeprinzip A medida

era empregada entatildeo visando coibir a accedilatildeo dos poluentes sobre a

cobertura arboacuterea do territoacuterio tedesco poreacutem tinha tambeacutem aplica-

ccedilatildeo em outras aacutereas do direito ambiental Sua positivaccedilatildeo naquele

paiacutes deu-se no iniacutecio dos anos oitenta do seacuteculo passado muito em-

bora o instituto jaacute houvesse sido gestado desde a deacutecada seguinte

(HARTMANN 2012 p 157)

Em decorrecircncia de sua importacircncia em face dos novos cenaacuterios de ris-

cos internacionais o princiacutepio da precauccedilatildeo passa a ser objeto de vaacuterios tra-

tados e convenccedilotildees internacionais a partir da deacutecada de 1980 Em 1982 a

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas emitiu a Carta Mundial da Natureza a qual

previu em seu item ldquoII10ardquo o princiacutepio da precauccedilatildeo (ORGANIZACcedilAtildeO DAS

NACcedilOtildeES UNIDAS 1982) Na Conferecircncia das Naccedilotildees Unidas sobre Meio Ambi-

ente e Desenvolvimento de 1992 foi aprovada a Declaraccedilatildeo do Rio de Ja-

neiro na qual em seu Princiacutepio 15 apresentou-se uma conceituaccedilatildeo do prin-

ciacutepio da precauccedilatildeo3

Apoacutes os referidos marcos histoacutericos dada a sua importacircncia o princiacutepio

da precauccedilatildeo foi previsto em diversos outros tratados e convenccedilotildees interna-

cionais sendo igualmente internalizado no ordenamento juriacutedico brasileiro

como seraacute visto em toacutepico pertinente abaixo

3 ldquoCom o fim de proteger o meio ambiente o princiacutepio da precauccedilatildeo deveraacute ser ampla-

mente observado pelos Estados de acordo com suas capacidades Quando houver ame-

accedila de danos graves ou irreversiacuteveis a ausecircncia de certeza cientiacutefica absoluta natildeo seraacute

utilizada como razatildeo para o adiamento de medidas economicamente viaacuteveis para pre-

venir a degradaccedilatildeo ambientalrdquo (MORAES 2011 p 91)

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

210

1412 Conceito e abrangecircncia do princiacutepio da precauccedilatildeo

ambiental

Em face das formulaccedilotildees do princiacutepio da precauccedilatildeo nos tratados e

convenccedilotildees internacionais realizadas no fim do uacuteltimo seacuteculo muitos estudio-

sos do tema se debruccedilaram sobre a verdadeira abrangecircncia de tal princiacutepio

investigando para tanto as noccedilotildees baacutesicas sobre as quais o princiacutepio de ba-

seia como quais os niacuteveis de risco incerteza cientiacutefica possibilidade e gravi-

dade de dano a ensejarem a aplicaccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo a uma

dada accedilatildeo

Haacute enorme relevacircncia neste ponto conceitual pois a depender da

compreensatildeo sobre a real dimensatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo concluir-se-

aacute por diferentes respostas normativas a diversas situaccedilotildees faacuteticas relevantes

Em introduccedilatildeo ao seu trabalho sobre o tema Sunstein (2005 p 14) com

base em sua anaacutelise das concepccedilotildees sobre o princiacutepio em tratados e prece-

dentes de cortes internacionais critica o que seria uma incoerecircncia na formu-

laccedilatildeo mais abrangente do princiacutepio da precauccedilatildeo (nomeada de ldquoconceito

forterdquo) que encerraria dentro da conceituaccedilatildeo principioloacutegica a impossibili-

dade de accedilatildeo em caso de simples probabilidade de dano ao meio ambiente

mesmo que diminuto ateacute que o agente comprove cientificamente a inexis-

tecircncia de qualquer risco em sua conduta

Desta forma impor a inaccedilatildeo sobre patamares em que inexiste a miacutenima

comprovaccedilatildeo de possibilidade de graves danos ao meio ambiente e que o

agente tenha que se desincumbir da carga probatoacuteria da certeza cientiacutefica

da inexistecircncia de riscos de sua accedilatildeo levaria a uma paralisaccedilatildeo de diversas

atividades humanas o que por sua vez traria vaacuterios outros riscos aos proacuteprios

bens juriacutedicos que o princiacutepio da precauccedilatildeo visa resguardar como a proteccedilatildeo

ao meio ambiente e ao ser humano (STEEL 2015 p 3) Visto por sua concep-

ccedilatildeo forte o princiacutepio natildeo seria um guia adequado para chegar ao objetivo

que ele se propotildee (SUNSTEIN 2005 p 14)

O ldquoconceito fracordquo eacute a proposiccedilatildeo de que o princiacutepio abrangeria o de-

ver de interferecircncia em situaccedilotildees em que existindo a possibilidade de graves

e irreparaacuteveis danos ao meio ambiente a ausecircncia de certeza cientiacutefica

quanto ao nexo entre os possiacuteveis danos e a accedilatildeo humana natildeo pode servir

de fundamento para a inaccedilatildeo quanto agrave proteccedilatildeo ambienta Desta forma

natildeo se exigiria a certeza cientiacutefica de inexistecircncia de risco para que o agente

pratique uma dada conduta considerando que o risco eacute inerente agrave accedilatildeo hu-

mana sendo utoacutepico se pensar em eliminaccedilatildeo total do risco da atividade

econocircmica (HAMMERSCHMIDT 2002 p 118)

A siacutentese que se faz das duas ideias acima eacute que o princiacutepio da precau-

ccedilatildeo deve ser concebido de forma a natildeo se modificarem os riscos a serem

precavidos com a aplicaccedilatildeo da referida norma por outros tipos de riscos de-

correntes de uma aplicaccedilatildeo estagnante do princiacutepio do que decorria graves

prejuiacutezos agrave sociedade sob a justificativa de mitigaccedilatildeo de virtuais danos que

poderiam natildeo se concretizar ou mesmo existir

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

211

Ao mesmo tempo o princiacutepio natildeo pode ser tomado de forma minora-

tiva pois como jaacute visto a capacidade danosa da atividade e dos produtos

desenvolvidos pelo homem torna imperativo o dever de salvaguardar o meio

ambiente e a coletividade contra riscos incertos sob pena de esvaziamento

do nuacutecleo do princiacutepio em detrimento da proteccedilatildeo objetivada Assim conclui

Moraes (2011 p 108) ldquo[] o princiacutepio da precauccedilatildeo teve origem e se desen-

volve em uma sociedade de risco que natildeo pode mais se utilizar de institutos e

pilares claacutessicos do direito tais como o da responsabilidade (a posteriori) do

danordquo

Sendo o princiacutepio abstrato por sua proacutepria natureza natildeo possuindo em

si resposta pronta para diversas situaccedilotildees praacuteticas importante seraacute o papel de

outro princiacutepio o da proporcionalidade para a satisfatoacuteria aplicaccedilatildeo da

norma de precauccedilatildeo perquirindo a correspondecircncia entre a intervenccedilatildeo na

atividade humana e a plausibilidade e gravidade do potencial dano (STEEL

2015 p 10)

1413 Disciplina do princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental no

Brasil

O princiacutepio da precauccedilatildeo eacute identificado pela primeira vez na legislaccedilatildeo

nacional na Lei nordm 6938 de 31 de agosto de 1981 que instituiu a Poliacutetica Naci-

onal do Meio Ambiente especificamente no artigo 9ordm inciso III em que se

prevecirc como instrumento de tal poliacutetica a avaliaccedilatildeo de impactos ambientais

Em decorrecircncia da referida lei foi publicada a Resoluccedilatildeo nordm 001 de 23 de

janeiro de 1986 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) regu-

lamentando a anaacutelise de impactos ambientais em seu artigo 6ordm inciso II sendo

este um importante instrumento na verificaccedilatildeo da potencialidade lesiva das

atividades econocircmicas (MALAQUIAS HALICKI VENERAL 2011 p 7)

A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 225 sect 1ordm inciso IV prevecirc

a necessidade de estudo preacutevio de impacto ambiental para a instalaccedilatildeo de

obra ou atividade potencialmente geradoras de significativa degradaccedilatildeo ao

meio ambiente a que se daraacute publicidade consagrando assim em caraacuteter

constitucional o instrumento de anaacutelise de impacto ambiental previsto na lei

acima citada

Este instrumento elevado ao texto constitucional eacute tomado como co-

rolaacuterio do princiacutepio da precauccedilatildeo do que resultaria no reconhecimento pelo

constituinte originaacuterio do caraacuteter constitucional do princiacutepio da precauccedilatildeo

ambiental mesmo que de forma impliacutecita (HARTMANN 2012 p 158)

O princiacutepio tambeacutem eacute reconhecido em outros textos legais paacutetrios

como na Lei de Crimes Ambientais (Lei nordm 9605 de 12 de fevereiro de 1998)

em seu artigo 54 sect 3ordm que estabelece puniccedilatildeo do agente poluidor quando

este natildeo adotar as medidas de precauccedilatildeo exigidas pela autoridade compe-

tente em caso de exerciacutecio de atividade potencialmente causadora de

dano ambiental grave e irreversiacutevel

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

212

A Lei da Biosseguranccedila (Lei nordm 11105 de 24 de marccedilo de 2005) consa-

grou expressamente no ordenamento paacutetrio o princiacutepio da precauccedilatildeo am-

biental sendo este um importante marco legislativo quanto agrave mateacuteria

Verifica-se entatildeo a importacircncia instrumental do Estudo de Impacto

Ambiental no nosso ordenamento juriacutedico como forma de concretizaccedilatildeo

pela administraccedilatildeo puacuteblica do princiacutepio da precauccedilatildeo especialmente no

que tange agrave atividade econocircmica que somente poderaacute ser desenvolvida

em caso de atividades potencialmente danosas ao meio ambiente ou agrave sa-

uacutede puacuteblica em consonacircncia com as determinaccedilotildees dos oacutergatildeos puacuteblicos am-

bientais

Percebe-se que o princiacutepio da precauccedilatildeo natildeo foi conceituado de

forma detalhada ao contraacuterio as previsotildees do princiacutepio satildeo quando natildeo im-

pliacutecitas apenas sumaacuterias Desta forma seraacute importante a anaacutelise da atividade

judicial acerca do tema o que seraacute feito em momento oportuno

142 A ATIVIDADE ECONOcircMICA E SUA PROTECcedilAtildeO

CONSTITUCIONAL

A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em diversos dispositivos dos quais o mais

eloquente eacute o artigo 170 disciplina a ordem econocircmica por meio da qual a

sociedade deve buscar os objetivos tambeacutem constitucionais de assegurar

uma existecircncia digna a todos conforme os ditames da justiccedila social

Para tanto a Constituiccedilatildeo estabelece proteccedilatildeo constitucional agraves liber-

dades que devem servir de base agrave tal ordem econocircmica como o direito agrave

propriedade privada a livre concorrecircncia e a liberdade de exerciacutecio de qual-

quer atividade econocircmica Por outro lado a proacutepria Constituiccedilatildeo estabelece

limites e condiccedilotildees para o exerciacutecio dos mencionados direitos ldquoeconocircmicosrdquo

sendo as normas de proteccedilatildeo ao meio ambiente um importante balizador de

tais atividades

1421 O livre exerciacutecio de atividade econocircmica na ordem

constitucional

A ordem econocircmica na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 como salientado

por Grau (2010 p 72-73) tem por base os primados do sistema capitalista ao

mesmo tempo que haacute o estabelecimento de mecanismos intervencionistas na

seara econocircmica As normas dos artigos 1ordm inciso IV e do 3ordm inciso II e III da

Constituiccedilatildeo afirmam os valores do trabalho e da livre iniciativa como funda-

mentos do Estado brasileiro bem como o desenvolvimento nacional e a erra-

dicaccedilatildeo da pobreza como objetivos fundamentais da Repuacuteblica

O artigo 170 da Constituiccedilatildeo com acima citado aduz que a ordem

econocircmica eacute fundada na valorizaccedilatildeo do trabalho e na livre iniciativa bus-

cando assegurar a todos uma existecircncia digna

Ademais deve-se delinear que a atividade econocircmica eacute definida de

forma indireta pelo artigo 173 sect 1ordm da Constituiccedilatildeo Federal que aduz ser esta

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

213

a atividade de produccedilatildeo ou comercializaccedilatildeo de bens e serviccedilos tal conceito

deve ser tomado de forma abrangente de forma a incidir aleacutem dos direitos

protetivos ao exerciacutecio de tais atividades os deveres juriacutedicos pertinentes a

estas

Verifica-se entatildeo uma clara proteccedilatildeo constitucional ao exerciacutecio da

atividade econocircmica como meio de consecuccedilatildeo de objetivos fundamentais

da Repuacuteblica estabelecidos pelo poder constituinte originaacuterio como o desen-

volvimento nacional e a digna existecircncia a todos com a erradicaccedilatildeo da po-

breza4

1422 Os riscos da atividade econocircmica e sua mitigaccedilatildeo

As liberdades econocircmicas sem limitaccedilotildees ou condicionantes para seu

exerciacutecio foram causas de diversos riscos sociais e ambientais concretizados

ou natildeo nos uacuteltimos seacuteculos especialmente durante o primado da ordem libe-

ral estabelecida como ordem predominante apoacutes revoluccedilotildees liberais do fim

do seacuteculo XVIII Diante das criacuteticas agrave ordem liberal e agraves suas consequecircncias

haacute a passagem ao paradigma do Estado Social havendo uma maior inter-

venccedilatildeo do Estado em diversos aspectos da sociedade (BONAVIDES 2004 p

35-37)

Dentro do desenvolvimento do paradigma do Estado Social eacute que se

verifica a nova funccedilatildeo interventiva do Estado na seara econocircmica ressal-

tando-se para os fins deste trabalho a proteccedilatildeo ambiental Portanto parale-

lamente agraves liberdades econocircmicas a Constituiccedilatildeo Federal condiciona o exer-

ciacutecio de tais atividades a objetivos e princiacutepios tambeacutem essenciais agrave socie-

dade como a proteccedilatildeo ao meio ambiente

Ao contraacuterio a Constituiccedilatildeo tambeacutem atribuiu agrave livre iniciativa o status

de fundamento constitucional garantindo a produccedilatildeo e circulaccedilatildeo

de riquezas O objetivo eacute um desenvolvimento sustentaacutevel limitando

o exerciacutecio da livre iniciativa para atingir o equiliacutebrio entre o desen-

volvimento e a sadia qualidade de vida

Sarlet e Fensterseifer (2013) esclarecem que os deveres fundamentais

implicam limites e restriccedilotildees sendo imprescindiacutevel a aplicaccedilatildeo do

princiacutepio da proporcionalidade Deve-se analisar os danos que a ati-

vidade iraacute causar em comparaccedilatildeo aos benefiacutecios agrave coletividade Re-

alizar uma ponderaccedilatildeo de princiacutepios

A livre iniciativa natildeo legitima o exerciacutecio da atividade econocircmica de

forma desenfreada sendo limitada pelo princiacutepio da preservaccedilatildeo do

meio ambiente Em contrapartida o dever de preservaccedilatildeo do meio

4 ldquoOs princiacutepios de estiacutemulo ao desenvolvimento econocircmico traduzidos pelo fortalecimento

e expansatildeo dos fatores da produccedilatildeo pelo aumento do niacutevel de emprego do desenvolvi-

mento da tecnologia e pelo aumento da quantidade e variedade de produtos no mer-

cado ndash com a elevaccedilatildeo do poder aquisitivo e do valor do investimento ndash estatildeo presentes

na Constituiccedilatildeo brasileira refletindo as bases normativas do desenvolvimento do Estado

brasileirordquo (DERANI 2008 p 224)

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

214

ambiente natildeo legitima uma preservaccedilatildeo radical cega (PEIXOTO

2014 p 29-30)

O princiacutepio da proteccedilatildeo ambiental em verdade

[] conforma a ordem econocircmica (mundo do ser) informando subs-

tancialmente os princiacutepios da garantia do desenvolvimento e do

pleno emprego Aleacutem de objetivo em si eacute instrumento necessaacuterio mdash

e indispensaacutevel mdash agrave realizaccedilatildeo do fim dessa ordem o de assegurar a

todos existecircncia digna Nutre tambeacutem ademais os ditames da jus-

ticcedila social Todos tecircm direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado bem de uso comum do povo mdash diz o art 225 caput

(GRAU 2010 p 256)

Assim o desenvolvimento econocircmico e a proteccedilatildeo ambiental satildeo am-

bos objetivos da sociedade nacional que natildeo devem se excluir mutuamente

mas devem conviver em harmonia no bojo de nosso ordenamento juriacutedico

sendo muitas vezes tarefa tormentosa a avaliccedilatildeo precisa dos limites do acircm-

bito de cada princiacutepio constitucional em dado caso concreto

De toda forma a proteccedilatildeo ambiental em decorrecircncia da contiacutenua de-

gradaccedilatildeo do meio ambiente e da potencialidade lesiva das atividades eco-

nocircmicas deve ser tomada como princiacutepio norteador da atividade humana

especialmente quanto ao desenvolvimento econocircmico jaacute que a danificaccedilatildeo

contiacutenua ou mesmo a supressatildeo dos bens ambientais impossibilitaraacute o cum-

primento dos objetivos econocircmicos e sociais da naccedilatildeo natildeo haacute como se ter

uma existecircncia digna sem um ambiente minimamente protegido

Essa ideia eacute especialmente presente no princiacutepio da precauccedilatildeo jaacute que

este lida com a proteccedilatildeo a situaccedilotildees de incerteza cientiacutefica da atividade hu-

mana e de potencialidade de riscos graves e irreversiacuteveis ao meio ambiente

devendo-se complementar ao imperativo do livre exerciacutecio da atividade eco-

nocircmica o dever de necessaacuteria precauccedilatildeo ambiental

O alcance deste princiacutepio depende substancialmente da forma e da

extensatildeo da cautela econocircmica correspondente a sua realizaccedilatildeo

Especificamente naquilo concernente agraves disposiccedilotildees relativas ao

grau de exigecircncia para implementaccedilatildeo de melhor tecnologia e ao

tratamento corretivo da atividade inicialmente poluidora (DERANI

2008 p 152)

Deve-se ter o cuidado por outro lado de natildeo subordinar o direito ao

exerciacutecio da atividade econocircmica como preceito meramente secundaacuterio em

relaccedilatildeo agrave proteccedilatildeo ambiental do que poderia decorre aleacutem de asfixiamento

dos princiacutepios protetivos agrave livre iniciativa riscos e problemas de ordem social

a descambar em um grau elevado em risco agrave proacutepria proteccedilatildeo ambiental

O direito fundamental de proteccedilatildeo ao meio ambiente constitui um

verdadeiro limitador do direito de propriedade e da livre iniciativa

condicionando os agentes econocircmicos a realizarem comportamen-

tos positivos e negativos para exercerem sua atividade

ldquo

ldquo

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

215

Essa limitaccedilatildeo todavia demanda cautela Natildeo se pode dar uma in-

terpretaccedilatildeo irrestrita a esse direito impedindo a realizaccedilatildeo de qual-

quer atividade sob alegaccedilatildeo de dano ao meio ambiente A ativi-

dade econocircmica por via de regra eacute degradadora Uma interpreta-

ccedilatildeo radical do dever de preservar o meio ambiente acarretaria a

estagnaccedilatildeo do desenvolvimento econocircmico o que certamente natildeo

eacute a intenccedilatildeo do constituinte O direito ambiental brasileiro jamais teraacute

como finalidade frear o desenvolvimento econocircmico pois isso so-

mente ocasionaria maiores danos agrave natureza e a sociedade com o

aumento da miseacuteria (PEIXOTO 2014 p 29)

Cumpre analisar portanto na ordem juriacutedica paacutetria a aplicaccedilatildeo do

princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental em relaccedilatildeo ao exerciacutecio da atividade eco-

nocircmica

143 A ATIVIDADE ECONOcircMICA SOB O PRISMA DO PRINCIacutePIO DA

PRECAUCcedilAtildeO

O nuacutecleo da investigaccedilatildeo deste trabalho se assenta na intersecccedilatildeo en-

tre as duas proteccedilotildees constitucionais jaacute expostas acima isto eacute na inter-relaccedilatildeo

das normas juriacutedicas de defesa do meio ambiente via princiacutepio da precau-

ccedilatildeo e de salvaguarda ao livre exerciacutecio da atividade econocircmica

Os principais aspectos que subjazem a presente anaacutelise satildeo aqueles re-

ferentes agrave dimensatildeo protetiva no ordenamento paacutetrio dada aos dois bens

envolvidos na questatildeo agrave liberdade de accedilatildeo para fins de desenvolvimento

econocircmico da sociedade e ao meio ambiente em todas as suas perspectivas

tema este jaacute visto em parte ao longo deste trabalho Aleacutem da anaacutelise aprio-

riacutestica de proteccedilatildeo juriacutedica dos referidos bens importa verificar no plano da

concretude dos precedentes da Suprema Corte o modo de entendimento e

aplicaccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo em casos envolvendo o exerciacutecio da

atividade econocircmica

1431 A proteccedilatildeo ambiental como preocupaccedilatildeo basilar da

ordem juriacutedica

Natildeo resta duacutevida que a proteccedilatildeo ao meio ambiente eacute princiacutepio caro ao

ordenamento juriacutedico paacutetrio elevado por via do artigo 225 e demais disposi-

tivos a princiacutepio e objetivo constitucional inclusive sendo reconhecido como

um ldquodireito-deverrdquo fundamental (SARLET FENSTERSEIFER 2012 p 144-145)

Diante da importacircncia e urgecircncia da proteccedilatildeo ao meio ambiente

mesmo sob o prisma essencialmente antropocecircntrico ndash voltado agrave preservaccedilatildeo

para as futuras geraccedilatildeo e para o natildeo esgotamento dos recursos naturais utili-

zados pelo homem5 ndash encampa-se na literatura juriacutedica atual tal proteccedilatildeo

5 Do ponto de vista juriacutedico a natureza tem sido considerada ora como objeto ora como

sujeito Nestes uacuteltimos anos afirma Antocircnio Herman V Benjamin lsquovem ganhando forccedila a

tese de que um dos objetivos do Direito Ambiental eacute a proteccedilatildeo da biodiversidade (fauna

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

216

como dever basilar da ordem juriacutedica6 Haveria assim uma novo paradigma

juriacutedico-poliacutetico em sequecircncia ao Estado Social afigurando-se o Estado Soci-

oambiental de Direito incluindo-se os deveres ecoloacutegicos como fundamento

e objetivo do Estado (SARLET FENSTERSEIFER 2012 p 46)

Assim balizando-se a liberdade de empreender pela norma fundamen-

tal de proteccedilatildeo ambiental haacute que se considerar liacutecita apenas as atividades

exercidas em conformidade com o ordenamento protetivo ambiental

Como perfeitamente assevera o professor Grau inexiste proteccedilatildeo

constitucional agrave ordem econocircmica que sacrifique o meio ambiente

Desenvolvimento econocircmico do Estado brasileiro subentende um

aquecimento da atividade econocircmica dentro de uma poliacutetica de

uso sustentaacutevel dos recursos naturais objetivando um aumento de

qualidade de vida que natildeo se reduz a um aumento do poder de

consumo

Desenvolvimento econocircmico eacute garantia de um melhor niacutevel de vida

coordenada com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo de renda e de condiccedilotildees

de vida mais saudaacuteveis A medida de renda per capita natildeo se mostra

como o mais apropriado indicador do desenvolvimento econocircmico

compreendido pela ordem econocircmica constitucional O grau de de-

senvolvimento eacute aferido sobretudo pelas condiccedilotildees materiais de que

dispotildee uma populaccedilatildeo para o seu bem-estar (DERANI 2008 p 226)

Desta forma ao direito de exerciacutecio da atividade econocircmica incide o

especial e importante dever de proteccedilatildeo ao meio ambiente sendo que no

que tange especificamente ao princiacutepio da precauccedilatildeo ambiente os riscos de

atividades potencialmente lesivas devem ser gerenciados por mecanismos le-

gais e sociais a resguardarem o meio ambiente da ocorrecircncia de danos vi-

sando a adequar os riscos agrave seguranccedila da populaccedilatildeo em geral e do meio

ambiente conforme analisado no toacutepico seguinte

1432 A precauccedilatildeo e o controle dos riscos ambientais da

atividade econocircmica

Verifica-se atualmente que haacute um aumento da percepccedilatildeo dos riscos

da atividade econocircmica pela sociedade como consequecircncia do acolhi-

mento social do imperativo de proteccedilatildeo ambiental ndash e do reconhecimento

flora e ecossistemas) sob uma diferente perspectiva a natureza como titular de valor juriacute-

dico per se ou proacuteprio vale dizer exigindo por forccedila de profundos argumentos eacuteticos e

ecoloacutegicos proteccedilatildeo independentemente de sua utilidade econocircmico-sanitaacuteria direta

para o homem (SIRVINSKAS 2018 p 80)

6 ldquoNatildeo se pode conceber a vida -- com dignidade e sauacutede -- sem um ambiente natural

saudaacutevel e equilibrado A vida e a sauacutede humanas (ou como refere o caput do art 225 da

CF88 conjugando tais valores a sadia qualidade de vida) soacute estatildeo asseguradas no acircmbito

de determinados padrotildees ecoloacutegicos O ambiente estaacute presente nas questotildees mais vitais

e elementares da condiccedilatildeo humana aleacutem de ser essencial agrave sobrevivecircncia do ser humano

como espeacutecie naturalrdquo (SARLET FENSTERSEIFER 2012 p 41)

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

217

do proacuteprio princiacutepio da precauccedilatildeo bem como pela maior sofisticaccedilatildeo e rapi-

dez dos meios de comunicaccedilatildeo (MALAQUIAS HALICKI VENERAL 2011 p 11-

12)

Antes de examinar os mecanismos de atuaccedilatildeo do Estado brasileiro na

aplicaccedilatildeo do referido princiacutepio importante frisar as repercussotildees da proteccedilatildeo

ambiental no cenaacuterio mercadoloacutegico atual Verifica-se cada vez mais a in-

troduccedilatildeo de praacuteticas visando a maior transparecircncia e a utilizaccedilatildeo indicadores

socioambientais na gestatildeo de empresas especialmente nos maiores empre-

endimentos cujo impacto ambiental satildeo tomados como consideraacuteveis pela

sociedade

Ademais diversas empresas procuram fomentar a responsabilidade so-

cioambiental dos empreendimentos como forma de crescimento estrateacute-

gico7 conformando a atividade exercida com as preocupaccedilotildees envolvendo

o desenvolvimento sustentaacutevel indo aleacutem das imposiccedilotildees normativas (MO-

RAES 2011 p 97)

A preocupaccedilatildeo com a responsabilidade socioambiental e a utilizaccedilatildeo

dos referidos indicadores socioambientais satildeo medidas vistas muitas vezes

apenas como meio de publicidade e de melhor posicionamento de marca

natildeo sendo tomadas como instrumentos de real mudanccedila na proteccedilatildeo ambi-

ental e na gestatildeo dos riscos da atividade econocircmica todavia estudos apon-

tam que a preocupaccedilatildeo com a sustentabilidade pode gerar ganhos conside-

raacuteveis ao empreendimento aleacutem da mera publicidade (MALAQUIAS HALICKI

VENERAL 2011 p 12 e CARP Mihai et al 2019 p 17)8

No que pese a importacircncia da gestatildeo dos riscos da atividade econocirc-

mica pelo setor produtivo com base na pressatildeo social a atuaccedilatildeo estatal se

mostra essencial agrave aplicaccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo no ordenamento ju-

riacutedico paacutetrio a impedir abusos e praacuteticas extremamente danosas ao meio am-

biente que sob a justificativa da necessidade de desenvolvimento econocirc-

mico nacional ainda subsistem (CAPOBIANCO 2020)

O Estado se incumbe de concretizar o princiacutepio constitucional da pre-

cauccedilatildeo ambiental por via dos seus trecircs poderes cumprindo analisar a com-

petecircncia e a importacircncia de cada um deles na aplicaccedilatildeo do citado princiacute-

pio9

7 ldquoRessalvando que funccedilatildeo social da empresa e responsabilidade social natildeo satildeo termos si-

nocircnimos e expressam realidades diversas ter maior lucratividade pode ser um estiacutemulo a

que as empresas pratiquem condutas socialmente responsaacuteveis bem como praticar con-

dutas socialmente responsaacuteveis pode conferir maior lucratividade agraves empresas depen-

dendo do mercado em que atuamrdquo (MATIAS 2009 p 96)

8 Conferir tambeacutem a performance do Iacutendice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) ferra-

menta de anaacutelise de sustentabilidade das empresas listadas na B3 frente ao Iacutendice BO-

VESPA (INFOMONEY 2020)

9 ldquoE nesta linha vale ressaltar o entendimento de Freitas (2005 p 146) ao invocar que o

Estado brasileiro lsquoprecisa deixar de ser omisso na concretizaccedilatildeo da eficaacutecia direta e ime-

diata dos direitos fundamentaisrsquo Pois considerando que o meio ambiente eacute consagrado

como um direito fundamental inquestionaacutevel que o Estado tem o dever constitucional de

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

218

Ao Poder Executivo compete papel essencial considerando que a fun-

ccedilatildeo fiscalizatoacuteria realizada pelos oacutergatildeos e entidades vinculados ao Sistema

Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) eacute de suma importacircncia na anaacutelise de

risco dos empreendimentos econocircmicos sendo o Estudo de Impacto Ambien-

tal (EIA) uma ferramenta fundamental de controle de riscos e de precauccedilatildeo

conforme jaacute relatado acima a Lei nordm 69381981 instituiu a avaliaccedilatildeo de im-

pactos ambientais como um dos instrumentos da Poliacutetica Nacional do Meio

Ambiente a que foi seguida previsatildeo constitucional no mesmo sentido10

Assim todas as atividades potencialmente lesivas ao meio ambiente de-

vem passar por um estudo de impacto ambiental no qual se verificaraacute de

forma anterior ao exerciacutecio do empreendimento os riscos potenciais po-

dendo ser exigido pelo Estado a mitigaccedilatildeo de tais riscos por via de uma gama

de medidas a serem tomadas ou mesmo a supressatildeo total da atividade

Como bem observado por Trouwborst as medidas de implementa-

ccedilatildeo do princiacutepio satildeo inuacutemeras as accedilotildees mais tiacutepicas satildeo impedir a

utilizaccedilatildeo de substacircnciasprodutosatividades propor margens de

seguranccedila (p ex impedir a pesca segundo um determinado limite)

fomentar pesquisa (p ex atraveacutes da elaboraccedilatildeo de estudo preacutevio

de impacto ambiental) impor meacutetodos de produccedilatildeo mais limpos

dentre outras (MORAES 2011 p 147)

O papel governamental tambeacutem eacute significativo na formulaccedilatildeo e imple-

mentaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblica voltadas agrave gestatildeo e controle dos riscos da ati-

vidade econocircmica dentre as quais a ldquo[] implementaccedilatildeo de pesquisas no

campo ambiental melhoramento e desenvolvimento de lsquotecnologia ambien-

talrsquo construccedilatildeo de um sistema para observaccedilatildeo de mudanccedilas ecoloacutegicas

imposiccedilatildeo de objetivos de poliacutetica ambiental []rdquo (DERANI 2008 p 151) den-

tre outras medidas

A incumbecircncia do legislador infraconstitucional precisa da mesma

forma ser salientada considerando que o risco da accedilatildeo humana eacute preocu-

paccedilatildeo de toda a sociedade jaacute que os danos podem atingir a todos igual-

mente necessitando-se portanto em vaacuterias ocasiotildees de uma discussatildeo de-

mocraacutetica acerca da seleccedilatildeo de certos riscos11

prevenir os acidentes ambientais ou no miacutenimo reduzir a sua gravidaderdquo (ROCHA ROCHA

LOPES 2018 p 358)

10 ldquoO Princiacutepio da Precauccedilatildeo estaacute ligado aos princiacutepios da publicidade e da participaccedilatildeo

puacuteblica pois a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 aleacutem de exigir estudos sobre o impacto am-

biental determina que os mesmos devam ser publicados a fim de a sociedade tenha

acesso a tais pesquisas e sobre os riscos os quais possam ser gerados com a atividade a ser

implementadardquo (MALAQUIAS HALICKI VENERAL 2011 p 8) O estudo de impacto tambeacutem

eacute previsto na Declaraccedilatildeo do Rio de Janeiro de 1992 em seu Princiacutepio 17 denotando a

importacircncia de tal ferramenta

11 ldquoConsiderar o niacutevel de aceitaccedilatildeo do risco e sua relativizaccedilatildeo por cada grupo social eacute ta-

refa aacuterdua para quem pretende criar uma legislaccedilatildeo internacional homogecircnea Se em

cada paiacutes o risco de acidente nuclear ou de seguranccedila alimentar relacionada a organis-

mos geneticamente modificados eacute visto de forma distinta como equilibrar todas essas per-

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

219

O acircmbito de discussatildeo legislativo eacute meio indispensaacutevel para a necessaacute-

ria gestatildeo de riscos na sociedade contemporacircnea por ser o meio legiacutetimo e

democraacutetico de debate dos diversos atores que direta ou indiretamente po-

dem estar sujeitos aos riscos que dada atividade ou produto podem ensejar

permitindo-se igualmente o confronto e a avaliaccedilatildeo das pesquisas cientiacuteficas

voltadas agrave elucidaccedilatildeo da questatildeo (COELHO 2013 p 9) o que pode ocorrer

por meio de audiecircncias puacuteblicas pareceres esclarecimentos de especialistas

dentre outros

Demonstrando a importacircncia da funccedilatildeo legislativa do Estado na apli-

caccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo Coelho (2013 p 10-11) aduz que

Nesse entendimento a tutela ambiental exige um engajamento de

toda a coletividade em que esta responsabilidade deve ser compar-

tilhada por todos Nesse sentido o Estado deve promover as condi-

ccedilotildees democraacuteticas de participaccedilatildeo popular adequadas Por exem-

plo no aspecto Parlamentar ldquodeve imperar um sistema legislativo

que viabilize a coletividade a participar das decisotildees e obter infor-

maccedilotildees ambientais indispensaacuteveis para a tomada de consciecircncia e

emitir opiniotildees sobre o temardquo (AYALA LEITE 2004 p 42)

Do mesmo modo o Estado deve ser capaz de garantir e permitir infor-

maccedilotildees adequadas sobre o meio ambiente agrave cidadania De outro modo o

Poder Puacuteblico estaria a comprometer a proacutepria ideia de democracia ambien-

tal (CANOTILHO 1995 p 32) O que se pretende reforccedilar eacute que ldquoo meio ambi-

ente natildeo eacute propriedade do Poder Puacuteblico e exige uma maacutexima discussatildeo puacute-

blica e a garantia de amplos direitos aos interessadosrdquo (AYALA LEITE 2004 p

42)

A sociedade portanto pelos mecanismos democraacutetico-participativos

deve dispor de meios de assumir diminuir ou rechaccedilar certos riscos (HAM-

MERSCHMIDT 2002 p 105) por via de limitaccedilotildees legais especiacuteficas agrave atividade

econocircmica que sejam condizentes com os demais princiacutepios constitucionais

Como exemplo no ordenamento paacutetrio pode ser indicada a Lei nordm 11934 5

de maio de 2009 que dispotildee sobre limites agrave exposiccedilatildeo humana a campos

eleacutetricos magneacuteticos e eletromagneacuteticos

Haacute por fim que inquirir acerca do papel do Poder Judiciaacuterio na aplica-

ccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo Com a compreensatildeo e aceitaccedilatildeo da forccedila

normativa dos princiacutepios elevou-se a importacircncia do Poder Judiciaacuterio na reso-

luccedilatildeo das controveacutersias sociais por via de aplicaccedilatildeo direta dos dispositivos

cepccedilotildees em um uacutenico instrumento juriacutedico Conforme observa Niklas Luhmann eacute impor-

tante analisar a questatildeo de ldquoquemrdquo decide quando o risco deve ser levado ou natildeo em

consideraccedilatildeo Beck responderia que a seleccedilatildeo dos riscos deve ser feita democratica-

menterdquo (MORAES 2011 p 39-40)

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

220

principioloacutegicos o que se tornou comum (inclusive com criacuteticas ao uso inde-

vido da fundamentaccedilatildeo principioloacutegica) especialmente apoacutes a promulgaccedilatildeo

da Constituiccedilatildeo Federa de 198812

O Judiciaacuterio tem a funccedilatildeo muitas vezes de dirimir conflitos decorrentes

dos riscos da atividade ambiental quando os outros poderes ainda natildeo se de-

bruccedilaram sobre a potencialidade lesiva de dada atividade ou produto o que

ocorre considerando o vertiginoso desenvolvimento dos meios tecnoloacutegicos e

cientiacuteficos utilizados pelos agentes econocircmicos para a produccedilatildeo ou presta-

ccedilatildeo de novos bens e serviccedilos

Ademais sujeitos ou grupos podem ser excluiacutedos do acircmbito de discus-

satildeo democraacutetico sendo sujeitos a imposiccedilotildees (ou omissotildees) legais que podem

afrontar o princiacutepio protetivo da precauccedilatildeo sendo importante a atribuiccedilatildeo

do Judiciaacuterio para garantir os direitos de todos13

Diante disso o Judiciaacuterio se confronta com a missatildeo de gerir nos casos

concretos os riscos de certas atividades econocircmicas verificando a aplicaccedilatildeo

dos mecanismos decorrentes do princiacutepio da precauccedilatildeo a que se devem ser-

vir o Poder Executivo e o Poder Legislativo por exemplo aferindo-se a existecircn-

cia de lei que disponha sobre a mateacuteria posta em juiacutezo ou analisando a ade-

quaccedilatildeo ou natildeo da atividade quanto aos procedimentos de licenciamento e

gestatildeo ambiental

Um dos princiacutepios norteadores da atividade do Judiciaacuterio na missatildeo

acima indicada eacute o princiacutepio da proporcionalidade (STEEL 2015 p 10) ferra-

menta necessaacuteria para a afericcedilatildeo no caso concreto de qual medida ade-

quada para atingir a finalidade juriacutedica pretendida do meio necessaacuterio para

cumprimento de tal fim ndash que propicie a natildeo supressatildeo de outro fim constitu-

cional vaacutelido ndash e do sopesamento final entre a medida a ser adotada e a

forma de cumprimento do fim proposto Em outras palavras ao Judiciaacuterio eacute

posta a anaacutelise de meios e fins no caso do princiacutepio da precauccedilatildeo deve ser

verificada a materialidade da potencialidade lesiva o grau de incerteza no

nexo existente entre a atividade e o potencial dano a efetividade de imposi-

ccedilotildees de medidas para contenccedilatildeo de risco e a possibilidade de realizaccedilatildeo de

outras atividades semelhantes que atinjam o fim econocircmico perquirido

Com base na importacircncia do bem juriacutedico protegido e da fundamen-

talidade da proteccedilatildeo ambiental a jurisprudecircncia paacutetria alberga a possibili-

12 Sarlet e Fensterseifer (2012 p 232) denotam o grande papel do Judiciaacuterio na proteccedilatildeo

ambiental pois ldquo[] o constante recurso ao Poder Judiciaacuterio a despeito da cada vez maior

difusatildeo de outras alternativas - com destaque para o Inqueacuterito Civil e o Termo de Ajusta-

mento de Conduta - tem atuado cada vez mais como um agente privilegiado na esfera

da proteccedilatildeo ambiental o que eacute bom ressalvar eacute legitimado constitucionalmente pela

garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional de qualquer lesatildeo ou ameaccedila de

lesatildeo a direitordquo

13 ldquoSe a cidadania deve estar comprometida com a discussatildeo ambiental e ao Judiciaacuterio eacute

assegurado o pleno acesso de todos os cidadatildeos invariavelmente uma seacuterie de questotildees

ambientais acabam se judicializandordquo (COELHO 2013 p 11)

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

221

dade de inversatildeo do ocircnus da prova em casos relacionados agrave proteccedilatildeo ambi-

ental inclusive na aplicaccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo reconhecendo a

adequaccedilatildeo do princiacutepio do in dubio pro natura impondo ldquo[] ao degradador

o encargo de provar sem sombra de duacutevida que a sua atividade questio-

nada natildeo eacute efetiva ou potencialmente degradadora da qualidade ambien-

tal uma vez que satildeo eles que pretendem alterar o status quo ambientalrdquo

(HAMMERSCHMIDT 2002 p 114)

Deve se ter em consideraccedilatildeo que as funccedilotildees do Estado satildeo comple-

mentares encarregadas de concretizar uma finalidade uacutenica isto eacute a da pro-

teccedilatildeo ambiental cada um dos Poderes possuindo a incumbecircncia de gerir de

acordo com seus mecanismos de atuaccedilatildeo os riscos da atividade econocircmica

ao meio ambiente buscando a harmonia na concretizaccedilatildeo dos objetivos da

Repuacuteblica qual seja uma existecircncia digna a todos o que passa pela neces-

sidade de um desenvolvimento sustentaacutevel

1433 Anaacutelise de julgados do Supremo Tribunal Federal

acerca do princiacutepio da precauccedilatildeo

O princiacutepio da precauccedilatildeo foi utilizado como fundamento de alguns pre-

cedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) ao longo dos uacuteltimos anos sendo

analisado dois deles que trataram do princiacutepio como razatildeo direta de decidir

Antes da anaacutelise de tais julgados eacute interessante verificar no precedente

ilustrativo abaixo indicado o posicionamento do STF quanto agrave concordacircncia

entre os princiacutepios de proteccedilatildeo ambiental e de livre iniciativa bem como do

papel da Corte Suprema em assegurar a concretizaccedilatildeo das normas principi-

oloacutegica14

Como se vecirc o STF ldquo[] sustentou que o princiacutepio da livre iniciativa natildeo

tem caraacuteter irrestrito imune agrave accedilatildeo fiscalizadora do Poder Puacuteblicordquo (PEIXOTO

2014 p 15) Desta forma evidencia-se a necessidade dos cumprimentos dos

pressupostos normativos de proteccedilatildeo ambiental pois condicionantes do re-

gular exerciacutecio da atividade econocircmica haacute a liberdade de iniciativa mas sob

14 ldquoA intervenccedilatildeo regulatoacuteria ou normativa do Estado encontra pleno suporte juriacutedico na proacute-

pria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica cujo art 174 autoriza o Poder Puacuteblico ndash enquanto agente

normativo e regulador da atividade empresarial ndash a exercer na forma da lei funccedilotildees de

controle na ordem econocircmica com o objetivo de reprimir o abuso do poder econocircmico

de cuja praacutetica sempre inaceitaacutevel resultem ou possam resultar a dominaccedilatildeo dos merca-

dos a eliminaccedilatildeo de concorrecircncia ou o aumento arbitraacuterio dos lucros (CF art 173 sect 4ordm) A

regulaccedilatildeo normativa pelo Estado das poliacuteticas de preccedilos traduz competecircncia constituci-

onalmente assegurada ao Poder Puacuteblico cuja atuaccedilatildeo regulatoacuteria eacute justificada e ditada

por evidentes razotildees de interesse puacuteblico especialmente por aquelas que visem a preser-

var os postulados da livre concorrecircncia a fomentar a justiccedila social e a promover a defesa

dos direitos e dos interesses do consumidor (CF art 170 caput e incisos IV e V) Esta Corte

no desempenho de suas altas funccedilotildees poliacutetico-juriacutedicas natildeo pode desconhecer e nem

permanecer insensiacutevel ante a exigecircncia de preservar a intangibilidade desses pressupostos

de ordem axioloacutegica que devem nortear e condicionar enquanto referenciais de com-

pulsoacuteria observacircncia a atividade estatal de regulamentaccedilatildeo e de controle das praacuteticas

econocircmicasrdquo (BRASIL STF ADI 319 1993 p 42 apud PEIXOTO 2014 p 15)

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

222

paracircmetros constitucionais e legais necessaacuterios agrave concretizaccedilatildeo de outros

bens juriacutedicos essenciais agrave sociedade

Em precedente de 2016 o STF analisou a constitucionalidade de dispo-

sitivos da Lei nordm 11934 de 5 de maio de 2009 jaacute citada em toacutepico acima que

estabeleceu paracircmetros miacutenimos de seguranccedila quanto agrave exposiccedilatildeo da po-

pulaccedilatildeo em geral a campos eleacutetricos magneacuteticos e eletromagneacuteticos gera-

dos por sistemas de energia eleacutetrica A Corte Suprema entendeu divergindo

e reformando a decisatildeo recorrida pela ausecircncia de fundamentos faacutetico-juriacute-

dicos que determinassem uma maior restriccedilatildeo quanto aos paracircmetros de se-

guranccedila jaacute estabelecidos pela referida lei15

Interessante notar que o julgado acima colacionado expotildee um con-

ceito de princiacutepio da precauccedilatildeo condizente com as ponderaccedilotildees feitas ao

longo desse trabalho inserindo em seu proacuteprio conceito os ditames do prin-

ciacutepio da proporcionalidade Ademais o STF prestigia igualmente a funccedilatildeo do

Poder Legislativo na gestatildeo dos riscos pela via democraacutetica ao mesmo tempo

em que reconhece que tal opccedilatildeo foi realizada dentro de criteacuterios cientiacuteficos

razoaacuteveis sendo a opccedilatildeo do legislador portanto constitucional

15 ldquoRecurso extraordinaacuterio Repercussatildeo geral reconhecida Direito Constitucional e Ambien-

tal Acoacuterdatildeo do tribunal de origem que aleacutem de impor normativa alieniacutegena desprezou

norma teacutecnica mundialmente aceita Conteuacutedo juriacutedico do princiacutepio da precauccedilatildeo Au-

secircncia por ora de fundamentos faacuteticos ou juriacutedicos a obrigar as concessionaacuterias de ener-

gia eleacutetrica a reduzir o campo eletromagneacutetico das linhas de transmissatildeo de energia eleacute-

trica abaixo do patamar legal Presunccedilatildeo de constitucionalidade natildeo elidida Recurso pro-

vido Accedilotildees civis puacuteblicas julgadas improcedentes 1 O assunto corresponde ao Tema nordm

479 da Gestatildeo por Temas da Repercussatildeo Geral do portal do STF na internet e trata agrave luz

dos arts 5ordm caput e inciso II e 225 da Constituiccedilatildeo Federal da possibilidade ou natildeo de

se impor a concessionaacuteria de serviccedilo puacuteblico de distribuiccedilatildeo de energia eleacutetrica por ob-

servacircncia ao princiacutepio da precauccedilatildeo a obrigaccedilatildeo de reduzir o campo eletromagneacutetico

de suas linhas de transmissatildeo de acordo com padrotildees internacionais de seguranccedila em

face de eventuais efeitos nocivos agrave sauacutede da populaccedilatildeo 2 O princiacutepio da precauccedilatildeo eacute

um criteacuterio de gestatildeo de risco a ser aplicado sempre que existirem incertezas cientiacuteficas

sobre a possibilidade de um produto evento ou serviccedilo desequilibrar o meio ambiente ou

atingir a sauacutede dos cidadatildeos o que exige que o estado analise os riscos avalie os custos

das medidas de prevenccedilatildeo e ao final execute as accedilotildees necessaacuterias as quais seratildeo de-

correntes de decisotildees universais natildeo discriminatoacuterias motivadas coerentes e proporcio-

nais 3 Natildeo haacute vedaccedilatildeo para o controle jurisdicional das poliacuteticas puacuteblicas sobre a aplica-

ccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo desde que a decisatildeo judicial natildeo se afaste da anaacutelise

formal dos limites desses paracircmetros e que privilegie a opccedilatildeo democraacutetica das escolhas

discricionaacuterias feitas pelo legislador e pela Administraccedilatildeo Puacuteblica 4 Por ora natildeo existem

fundamentos faacuteticos ou juriacutedicos a obrigar as concessionaacuterias de energia eleacutetrica a reduzir

o campo eletromagneacutetico das linhas de transmissatildeo de energia eleacutetrica abaixo do pata-

mar legal fixado 5 Por forccedila da repercussatildeo geral eacute fixada a seguinte tese no atual estaacute-

gio do conhecimento cientiacutefico que indica ser incerta a existecircncia de efeitos nocivos da

exposiccedilatildeo ocupacional e da populaccedilatildeo em geral a campos eleacutetricos magneacuteticos e ele-

tromagneacuteticos gerados por sistemas de energia eleacutetrica natildeo existem impedimentos por

ora a que sejam adotados os paracircmetros propostos pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede

conforme estabelece a Lei nordm 119342009 6 Recurso extraordinaacuterio provido para o fim de

julgar improcedentes ambas as accedilotildees civis puacuteblicas sem a fixaccedilatildeo de verbas de sucum-

becircnciardquo (BRASIL 2016)

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

223

O uacuteltimo precedente analisado que segue abaixo ementado traduz

importante concepccedilatildeo do STF acerca da importacircncia do princiacutepio da pre-

cauccedilatildeo ambiental16

A Corte Suprema impotildee aos dispositivos legais questionados em sua

constitucionalidade uma interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo conside-

rando que a medida prevista pelo legislador mesmo que para uma finalidade

vaacutelida (a contenccedilatildeo de viroses transmitidas por mosquitos) natildeo pode ser apli-

caccedilatildeo sem que antes se verifique ndash por via de aprovaccedilatildeo das autoridades

sanitaacuterias e ambientais mediante a anaacutelise cientiacutefica da medida ndash a sua segu-

ranccedila para a sauacutede da populaccedilatildeo e para o meio ambiente

A anaacutelise preacutevia de impacto ambiental como demonstrando neste tra-

balho eacute um dos mecanismos previstos na Constituiccedilatildeo para assegurar a pro-

teccedilatildeo ambiental desta forma o natildeo suprimento desta necessidade pelo le-

gislador ordinaacuterio foi usado como fundamento pelo STF para realizar a inter-

pretaccedilatildeo dos dispositivos legais conforme as normas constitucionais impondo

a aplicaccedilatildeo do referido mecanismo

16 ldquoAccedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade Administrativo e ambiental Medidas de contenccedilatildeo

das doenccedilas causadas pelo aedes aegypti Artigo 1ordm sect3ordm inciso iv da lei n 13301 de 27

de junho de 2016 Permissatildeo da incorporaccedilatildeo de mecanismos de controle vetorial por meio

de dispersatildeo por aeronaves mediante aprovaccedilatildeo das autoridades sanitaacuterias e da compro-

vaccedilatildeo cientiacutefica da eficaacutecia da medida Possibilidade de insuficiecircncia da proteccedilatildeo agrave sa-

uacutede e ao meio ambiente Voto meacutedio Interpretaccedilatildeo conforme agrave Constituiccedilatildeo Artigos 225

sect1ordm incisos V e VII 6ordm e 196 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Inafastabilidade da aprovaccedilatildeo

preacutevia da autoridade sanitaacuteria e da autoridade ambiental competente Atendimento agraves

previsotildees constitucionais do direito agrave sauacutede ao meio ambiente equilibrado e aos princiacutepios

da precauccedilatildeo e da prevenccedilatildeo Procedecircncia parcial da accedilatildeo 1 Apesar de submeter a

incorporaccedilatildeo do mecanismo de dispersatildeo de substacircncias quiacutemicas por aeronaves para

combate ao mosquito transmissor do viacuterus da dengue do viacuterus chikungunya e do viacuterus da

zika agrave autorizaccedilatildeo da autoridade sanitaacuteria e agrave comprovaccedilatildeo de eficaacutecia da praacutetica no

combate ao mosquito o legislador assumiu a positivaccedilatildeo do instrumento sem a realizaccedilatildeo

preacutevia de estudos em obediecircncia ao princiacutepio da precauccedilatildeo o que pode levar agrave violaccedilatildeo

agrave sistemaacutetica de proteccedilatildeo ambiental contida no artigo 225 da Constituiccedilatildeo Federal 2 A

previsatildeo legal de medida sem a demonstraccedilatildeo preacutevia de sua eficaacutecia e seguranccedila pode

violar os princiacutepios da precauccedilatildeo e da prevenccedilatildeo se se mostrar insuficiente o instrumento

para a integral proteccedilatildeo ao meio ambiente equilibrado e ao direito de todos agrave proteccedilatildeo

da sauacutede 3 O papel do Poder Judiciaacuterio em temas que envolvem a necessidade de con-

senso miacutenimo da comunidade cientiacutefica a revelar a necessidade de transferecircncia do loacutecus

da decisatildeo definitiva para o campo teacutecnico revela-se no reconhecimento de que a lei se

ausentes os estudos preacutevios que atestariam a seguranccedila ambiental e sanitaacuteria pode con-

trariar os dispositivos constitucionais apontados pela Autora em sua exordial necessitando

assim de uma hermenecircutica constitucionalmente adequada a assegurar a proteccedilatildeo da

vida da sauacutede e do meio ambiente 4 Em atendimento aos princiacutepios da precauccedilatildeo e da

prevenccedilatildeo bem como do direito agrave proteccedilatildeo da sauacutede portanto confere-se interpreta-

ccedilatildeo conforme agrave Constituiccedilatildeo sem reduccedilatildeo de texto ao disposto no inciso IV do sect3ordm do

artigo 1ordm da Lei nordm 133012016 para fixar o sentido segundo o qual a aprovaccedilatildeo das auto-

ridades sanitaacuterias e ambientais competentes e a comprovaccedilatildeo cientiacutefica da eficaacutecia da

medida satildeo condiccedilotildees preacutevias e inafastaacuteveis agrave incorporaccedilatildeo de mecanismos de controle

vetorial por meio de dispersatildeo por aeronaves em atendimento ao disposto nos artigos 225

sect1ordm incisos V e VII 6ordm e 196 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica 5 Accedilatildeo direta de inconstitucio-

nalidade julgada parcialmente procedenterdquo (BRASIL 2019)

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

224

Por fim deve-se concluir que a jurisprudecircncia do STF especialmente nos

uacuteltimos anos vem reconhecendo a importacircncia e a necessidade de aplica-

ccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental para uma efetiva proteccedilatildeo ao

meio ambiente e para uma melhor gestatildeo dos riscos da atividade econocircmica

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A nova dinacircmica da sociedade atual oriunda do raacutepido e contiacutenuo de-

senvolvimento tecnoloacutegico poacutes-revoluccedilatildeo industrial fez surgir a percepccedilatildeo

dos graves e globais riscos decorrentes da atividade humana especialmente

no que tange agrave possibilidade de degradaccedilatildeo irreparaacutevel do meio ambiente

Esta preocupaccedilatildeo passou a ser pauta recorrente no acircmbito internacional a

partir da deacutecada de 1960 momento em que o direito ambiental ganhou

corpo e importacircncia e passou a ser tratado nos diversos ordenamentos juriacutedi-

cos nacionais

No Brasil a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 passou a prever diversas nor-

mas direcionadas agrave proteccedilatildeo ambiental bem como quanto ao regramento

da ordem econocircmica dispocircs a defesa do meio ambiente como paracircmetro a

ser seguido pela atividade econocircmica

Em torno da referida preocupaccedilatildeo foi formulado o princiacutepio da precau-

ccedilatildeo ambiental cujo conceito mais afinado com as normas internacionais o

ordenamento juriacutedico paacutetrio e a doutrina especializada pode ser resumido

como um paracircmetro de gestatildeo e controle de riscos aplicaacutevel sempre que

existirem ldquo[] incertezas cientiacuteficas sobre a possibilidade de um produto

evento ou serviccedilo desequilibrar o meio ambiente ou atingir a sauacutede dos cida-

datildeos []rdquo (BRASIL 2016) exigindo assim uma postura ativa dos poderes puacute-

blicos na avaliaccedilatildeo e supressatildeo de tais riscos

Os Poderes Executivo Legislativo e Judiciaacuterio mediante os seus meca-

nismos legais de atuaccedilatildeo passam a cumprir uma seacuterie de funccedilotildees para a con-

cretizaccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo dentre eles a fiscalizaccedilatildeo preacutevia de

impacto ambiental das atividades econocircmicas potencialmente lesivas e a im-

posiccedilatildeo de paracircmetros legais ao exerciacutecio de certas atividades ou circulaccedilatildeo

de certos produtos aleacutem do papel ativo dos tribunais na dirimiccedilatildeo de tensotildees

envolvendo a aplicaccedilatildeo dos princiacutepios da precauccedilatildeo e da livre iniciativa to-

mando como criteacuterio o princiacutepio da proporcionalidade

O direito ao livre exerciacutecio da atividade econocircmica diante do princiacutepio

da precauccedilatildeo ambiental sofre limitaccedilotildees e condicionamentos impostos pela

ordem juriacutedica considerando a potencialidade de graves e irreparaacuteveis danos

agrave sauacutede geral e ao meio ambiente visando agrave proteccedilatildeo de um bem juriacutedico

fundamental a uma digna existecircncia o meio ambiente ecologicamente equi-

librado

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REFLEXOtildeES SOBRE O GREENWASHING E

SUAS LIMITACcedilOtildeES NO ORDENAMENTO

JURIacuteDICO BRASILEIRO Agrave LUZ DA

COMPLEXIDADE

Manuella Campos Perdigatildeo e Andrade Atalanio1

Letiacutecia Queiroz Nascimento2

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 151 Consideraccedilotildees acerca do Direito Ambi-

ental brasileiro sob a oacuteptica da complexidade 152 A caracteriza-

ccedilatildeo do greenwashing e o papel das empresas 153 As limitaccedilotildees ao

greenwashing no ordenamento juriacutedico brasileiro Consideraccedilotildees fi-

nais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

A construccedilatildeo do pensamento cientiacutefico eacute um processo permanente ba-

seado no modo de pensar A maneira claacutessica eacute por meio do pensamento

cartesiano suscitado por Reneacute Descartes o qual segmenta o conhecimento

como meio de viabilizar a compreensatildeo do todo a partir do estudo de partes

menores Entretanto em que pese agrave relevacircncia da concepccedilatildeo claacutessica do

pensamento cartesiano a sociedade passa por uma transiccedilatildeo de paradigma

na qual o pensamento linear daacute lugar ao pensamento complexo cuja funda-

mentaccedilatildeo eacute pautada na anaacutelise do todo a partir da teoria de Edgar Morin

Nessa perspectiva eacute possiacutevel identificar que o Direito Ambiental eacute um

ramo do Direito brasileiro que dialoga com o pensamento complexo posto

que ao tratar de proteccedilatildeo ambiental se percebe que ele natildeo tem fim em si

mesmo sendo necessaacuteria uma harmonia entre este e os demais ramos do di-

reito como o Direito Civil o Direito Empresarial e o Direito do Consumidor que

permeiam os temas juriacutedico-ambientais assim como de conceitos alheios aos

conteuacutedos exclusivamente juriacutedicos

Nesse contexto diante da interdependecircncia entre a complexidade e o

Direito Ambiental eacute necessaacuterio destacar a relevacircncia do papel da eacutetica para

guiar as normas acerca do tema sobretudo no que se refere agrave regulaccedilatildeo de

atividades das organizaccedilotildees empresariais e a relaccedilotildees destas com o consumi-

dor e com o meio ambiente A eacutetica ambiental conduz os comportamentos

1 Mestranda em Direito Privado pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Poacutes- Gra-

duanda em Direito Internacional- CEDIN Advogada

E-mail manuellaperdigaogmailcom

2 Mestranda em Direito Privado pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Especia-

lista em Direito e Processo de Famiacutelia e Sucessotildees pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR

CE) Advogada E-mail leticiaqnascimentogmailcom

15

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

229

sociais sendo igualmente responsaacutevel por embasar as atividades empresariais

e a postura que se espera com que os negoacutecios sejam regidos aleacutem de guiar

a ediccedilatildeo de normas para a regulaccedilatildeo pertinente

No que se refere agrave questatildeo ambiental e agrave relaccedilatildeo entre empresas e

meio ambiente haacute uma significativa movimentaccedilatildeo de valorizaccedilatildeo da sus-

tentabilidade ecoloacutegica e de proteccedilatildeo do meio ambiente que influenciam a

vida em sociedade e consequentemente alteram o acircmago empresarial As-

sim as empresas passam a repensar os seus modos de produccedilatildeo para se ade-

quar aos anseios sociais e garantir uma boa imagem no mercado e a obten-

ccedilatildeo do lucro utilizando-se da relevacircncia das pautas ambientalistas Ocorre

que haacute empresas que o fazem de forma falaciosa tentando transmitir para o

consumidor um comprometimento empresarial ambiental que natildeo condiz

com a realidade valendo-se da praacutetica de greenwashing

O presente trabalho parte da premissa de que o fenocircmeno do

greenwshing e suas limitaccedilotildees devem ser observados pelo paradigma do pen-

samento complexo posto que eacute uma questatildeo transdisciplinar e que afeta o

meio ambiente a sociedade e o exerciacutecio da atividade empresarial sendo

inibido pelo ordenamento juriacutedico brasileiro na perspectiva de aacutereas distintas

do Direito

Desta maneira o objetivo geral deste artigo eacute investigar quais as limita-

ccedilotildees juriacutedicas impostas ao greenwashing no ordenamento juriacutedico brasileiro agrave

luz do pensamento complexo Como objetivos especiacuteficos se busca analisar

aspectos do Direito Ambiental sob a oacuteptica da complexidade discorrer sobre

a caracterizaccedilatildeo do greenwashing e o papel das empresas bem como ave-

riguar as limitaccedilotildees a essa conduta no ordenamento juriacutedico brasileiro A hipoacute-

tese eacute que haacute inibiccedilatildeo juriacutedica agrave referida praacutetica natildeo somente em normas de

proteccedilatildeo ao meio ambiente como tambeacutem na regulaccedilatildeo da atividade em-

presarial e proteccedilatildeo ao consumidor aleacutem de jurisprudecircncia de tribunal supe-

rior

Em termos metodoloacutegicos adota-se uma abordagem dedutiva e a pes-

quisa eacute de teor qualitativo referenciada procedimentalmente de forma bibli-

ograacutefica por meio de livros perioacutedicos e jurisprudecircncia que tratam sobre di-

reito ambiental e complexidade

O presente trabalho seraacute dividido em trecircs toacutepicos Inicialmente seratildeo

apresentadas breves consideraccedilotildees acerca do Direito Ambiental brasileiro

sob a oacuteptica da complexidade No segundo toacutepico seraacute analisada a praacutetica

do greenwashing e o papel das empresas no Brasil Para finalmente ser ana-

lisada as limitaccedilotildees ao greenwashing no ordenamento juriacutedico brasileiro

151 CONSIDERACcedilOtildeES ACERCA DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO

SOB A OacutePTICA DA COMPLEXIDADE

Como meio de facilitar a organizaccedilatildeo das aacutereas do conhecimento e

possibilitar a sua compreensatildeo eacute comum haver a compartimentalizaccedilatildeo de

ideias em aacutereas e mateacuterias distintas que teoricamente satildeo aprendidas de

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

230

maneira segmentada Tal modo de estruturaccedilatildeo do pensamento pertence agrave

um raciociacutenio eminentemente cartesiano o qual se opotildee agrave loacutegica da com-

plexidade e fundamentou uma subdivisatildeo dentro do Direito solidificando a

base dos estudos que deram origem ao Direito Ambiental de onde se extrai a

proteccedilatildeo juriacutedica ao meio ambiente

O paradigma cartesiano segundo Behrens e Oliari tem como legiacutetimos

os fatos perfeitamente conhecidos sobre os quais natildeo se tem duacutevida de

modo a dividir e estudar a menor parte partindo destas para o entendimento

do todo Essa ideia comeccedila a ser questionada no iniacutecio do seacuteculo XX com o

surgimento do paradigma da complexidade que tem como foco a visatildeo do

ser complexo e integral questionando o processo fragmentado do conheci-

mento (2007 p 58 e ss)

Questiona-se entatildeo em que consiste a complexidade Em resposta ini-

cial agrave esta pergunta Morin afirma que ldquoagrave primeira vista eacute um fenocircmeno quan-

titativo a extrema quantidade de interaccedilotildees e de interferecircncias entre um nuacute-

mero muito grande de unidadesrdquo (1991 p 42)

No que refere agrave proteccedilatildeo juriacutedica ao meio ambiente especialmente di-

ante da crise ecoloacutegica contemporacircnea infere-se que esta natildeo deve ser ob-

servada de maneira simplista mas sim a partir de uma perspectiva complexa

Desta maneira entende-se que o Direito Ambiental por si soacute natildeo eacute capaz de

compreender e solucionar as demandas ambientais sem que sejam conside-

rados os aspectos sociais poliacuteticos econocircmicos cientiacuteficos e outros que per-

meiam os temas juriacutedico-ambientais mesmo porque a questatildeo ecoloacutegica ul-

trapassa limites territoriais e sociais de modo que deve ser analisada como um

todo sob a oacuteptica da complexidade

Remonta-se agraves ideias de Morin que ao tratar da complexidade asseve-

rou ldquoo todo eacute mais do que a soma das partes que o constituem que o todo

eacute entatildeo menor que a soma das partes que o todo eacute simultaneamente mais e

menos que a soma das partesrdquo (1991 p104) Eacute justamente a partir da consci-

ecircncia de que o todo eacute maior que a soma de todas as partes eacute que se percebe

a importacircncia da perspectiva complexa agrave anaacutelise das normas ambientais que

eacute parte de todo o sistema de proteccedilatildeo juriacutedica ao meio ambiente na qual

estaacute inserido sendo ao mesmo tempo tal arcabouccedilo legal pertencente ao

Direito Ambiental

Mitchell afirma que em sistemas complexos muitas partes simples estatildeo

irredutivelmente entrelaccediladas e o campo da complexidade eacute em si um en-

trelaccedilamento de muitos campos distintos (2009 p4) De modo semelhante se

tem o sistema de proteccedilatildeo juriacutedico-ambiental cujas diretrizes pertencem em

uma perspectiva simplista ao Direito Ambiental poreacutem sob o prisma da com-

plexidade as normas juriacutedicas de proteccedilatildeo ao meio ambiente tambeacutem com-

potildeem outras aacutereas do Direito o que caracteriza segundo Belchior a transdis-

ciplinaridade aspecto adequado agrave complexidade (2017 p217)

A Constituiccedilatildeo Federal brasileira dispotildee em seu artigo 225 que todos

tecircm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso co-

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

231

mum do povo e essencial agrave sadia qualidade de vida e impotildee ao Poder Puacute-

blico e agrave coletividade o dever de defendecirc-lo e preservaacute-lo para as geraccedilotildees

atuais e futuras (BRASIL 1988) A elevaccedilatildeo do direito ao meio ambiente ao

status de direito fundamental segundo os ditames do texto constitucional

trouxe implicaccedilotildees para a ordem juriacutedica brasileira (BELCHIOR 2017 p 92)

dentre as quais se considera a relevacircncia do referido valor orientador agraves de-

mais normas do ordenamento

Urge por oportuno destacar que o exerciacutecio da atividade privada eacute

baseado no objetivo do desenvolvimento nacional razatildeo pela qual eacute neces-

saacuteria a observacircncia ao artigo 170 da Constituiccedilatildeo Federal que trata da ordem

econocircmica assegurando o exerciacutecio agrave livre iniciativa (BRASIL 1988) Esta por

sua vez deve ser regida em observacircncia a determinados princiacutepios ressal-

tando-se dentre estes a defesa do consumidor e a defesa do meio ambiente

inclusive mediante tratamento diferenciado conforme impacto ambiental dos

produtos e serviccedilos em seus processos de elaboraccedilatildeo e prestaccedilatildeo

Nessa perspectiva eacute necessaacuterio ressaltar que as questotildees juriacutedico-ambi-

entais transitam em outras aacutereas dentro do proacuteprio Direito destacando-se a

sua relevacircncia para o Direito Empresarial Direito Civil e Direito do Consumidor

Natildeo se pode portanto desvincular a atividade empresarial (e normas que a

regulam) dos fundamentos que regem o Direito Ambiental que per se deve

ser observado sob o prisma do pensamento complexo Eacute nesse sentido que se

identifica a necessidade da adoccedilatildeo de uma perspectiva juriacutedico-ambiental

complexa rompendo-se com a loacutegica simplista que pode natildeo contribuir para

a efetivaccedilatildeo de garantias intriacutensecas agrave problemaacutetica ambiental

O paradigma da complexidade e a perspectiva de ldquoconsciecircncia cole-

tivardquo nas palavras de Mitchell (2009 p 3) no que se refere agrave proteccedilatildeo juriacutedica

ao meio ambiente ecologicamente equilibrado constitui o alicerce necessaacuterio

ao entendimento de que organizaccedilotildees empresariais natildeo obstante sejam pau-

tadas na obtenccedilatildeo do lucro possuem determinadas regulaccedilotildees ligadas agraves

pautas ambientais agrave medida que pertencem a um ordenamento juriacutedico que

elevou agrave categoria de constitucional a defesa ao consumidor e ao meio am-

biente

A interdependecircncia entre as normas do ordenamento juriacutedico brasileiro

que regulam a atividade empresarial deve ser analisada a partir da eacutetica am-

biental Nesse sentido a eacutetica e a ecologia estatildeo alinhadas umbilicalmente

(BELCHIOR 2017 p 69) Portanto a proteccedilatildeo juriacutedica ao meio ambiente deve

sempre respeitar a eacutetica assim como todos os atos empresariais

Eacute nesse sentido que se torna pertinente a reflexatildeo acerca de praacuteticas

de mercado que fogem agrave loacutegica da eacutetica ambiental bem como sobre o pa-

pel das empresas que venham a desrespeitar os ditames legais de proteccedilatildeo

ambiental estendendo-se a outras aacutereas especialmente a proteccedilatildeo ao con-

sumidor conforme seraacute esclarecido no toacutepico a seguir

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

232

152 A CARACTERIZACcedilAtildeO DO GREENWASHING E O PAPEL DAS

EMPRESAS

Os princiacutepios eacuteticos conduzem os comportamentos sociais sendo igual-

mente responsaacuteveis por embasar as atividades empresariais e os processos de-

cisoacuterios destas organizaccedilotildees Do mesmo modo os aspectos eacuteticos represen-

tam os comportamentos pelos quais a sociedade espera com que os negoacute-

cios sejam regidos (CARROLL 1999) o que leva agraves empresas a ficarem atentas

natildeo apenas a questotildees associadas ao lucro mas tambeacutem responsabilidades

eacuteticas (ASHLEY 2005) Em outras palavras as expectativas sociais sobre a con-

duta de uma empresa para a consolidaccedilatildeo de uma imagem positiva perante

o puacuteblico estatildeo relacionadas com a eacutetica empresarial

Assim o desenvolvimento da atividade empresarial e o direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado se relacionam e a sociedade passa a

se preocupar mais com a sustentabilidade ambiental (AKATU 2009 p 15) os

movimentos de valorizaccedilatildeo da sustentabilidade ecoloacutegica e a proteccedilatildeo do

meio ambiente passam a influenciar a vida em sociedade e consequente-

mente alterar a essecircncia empresarial Assim surgem novos modelos de ges-

tatildeo que satildeo adotados pelas empresas que aderiram ao novo paradigma so-

cial de conexatildeo com a ideia de proteccedilatildeo ambiental

Nessa perspectiva a empresa se preocupa com todo o ciclo do pro-

duto do iniacutecio ateacute a sua finalizaccedilatildeo Esse estaacutegio eacute marcado por uma anteci-

paccedilatildeo de problemas ambientais posteriores (DUARTE et al 2013 p 3) Por-

tanto haacute intenccedilatildeo de dirimir danos ambientais a fim de se concretizar o direito

ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e gerar benefiacutecios para a so-

ciedade e para a empresa

Com o aumento da consciecircncia coletiva ambiental iniciou-se um pro-

cesso de consolidaccedilatildeo de uma nova espeacutecie de consumidores os quais satildeo

tidos como ecoloacutegicos e fazem com que a preocupaccedilatildeo com o meio ambi-

ente natildeo seja apenas um fato social mas a base para a consolidaccedilatildeo de um

marketing ecoloacutegico Eacute que o comportamento do consumidor ambiental-

mente consciente se torna gradativamente um novo paradigma de con-

sumo que exige das empresas uma nova postura de mercado preocupada

com questotildees ambientais que atenda aos anseios da sociedade composta

por esses consumidores (DIAS 2009 p 139)

As expectativas sociais ligadas a questotildees ambientais se transformaram

e a pauta de defesa ao meio ambiente cada vez mais eacute estimulada e ganha

adeptos que passam a ter uma reflexatildeo mais profunda sobre a questatildeo am-

biental alterando substancialmente o modo como as empresas se posicio-

nam no mercado Estas que enxergam na demanda ambiental uma oportu-

nidade de crescimento podem se utilizar de bandeiras relativas agrave proteccedilatildeo

dos direitos da natureza para vender seus produtos ou serviccedilos entretanto a

problemaacutetica se estabelece quando a questatildeo eacute tratada como um mero ar-

tifiacutecio de marketing ignorando-se as verdadeiras demandas ambientais

sendo a obtenccedilatildeo irrestrita do lucro o uacutenico objetivo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

233

As atenccedilotildees da sociedade e das empresas voltadas para aspectos sus-

tentabilidade ambiental estatildeo cada vez mais interligadas de modo que se

espera haver uma adequaccedilatildeo entre as expectativas da sociedade e as ne-

cessidades das empresas Ocorre que estas perceberam que ao investir em

uma atividade de acordo com a agenda ambiental ou seja baseada na

sustentabilidade poderia gerar lucro e sobretudo beneficiar a imagem das

empresas situaccedilatildeo que segundo Esty e Wiston eacute chamada de ldquoecovanta-

gemrdquo (ESTY WINSTON 2008 p 347)

Quando ocorre a inadequaccedilatildeo entre tais expectativas o que ocorre eacute

que enquanto a sociedade valoriza a defesa do meio ambiente conforme

previsto na Constituiccedilatildeo Federal as empresas investem no marketing de ldquoselo

verderdquo Essas circunstacircncias na praacutetica natildeo geram mudanccedilas significativas

nos processos internos das empresas limitando-se tal ldquopreocupaccedilatildeordquo com a

crise ambiental a embalagens ecologicamente corretas enquanto o conte-

uacutedo natildeo condiz efetivamente com as informaccedilotildees prestadas Essa praacutetica im-

plica em uma falsa propaganda ambiental caracterizada como uma detur-

paccedilatildeo eacutetica posto que induz os consumidores a acreditarem em um compro-

metimento ambiental que eacute irreal ferindo os princiacutepios constitucionais da livre

iniciativa situaccedilatildeo que pode ser caracterizada como greenwashing

O fenocircmeno do greenwashing envolve a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees

inveriacutedicas por meio de propagandas verdes e promessas de ecoeficiecircncia

afrontando diretamente o consumidor e o proacuteprio meio ambiente posto que

haacute a comercializaccedilatildeo de um produto ou serviccedilo que natildeo eacute ecologicamente

sustentaacutevel embora se diga ser A disseminaccedilatildeo de desinformaccedilatildeo e manipu-

laccedilatildeo prejudica o consumidor para manter um falso modelo de defesa ambi-

ental sem haver preocupaccedilatildeo alguma com o meio ambiente induzindo a

sociedade ao consumo de marcas que apenas se preocupam em se benefi-

ciar com os lucros advindos de poliacuteticas ambientalistas (PAGOTTO 2013)

Haacute empresas que usam o mecanismo de dissimulaccedilatildeo para se destacar

no mercado por meio de uma imagem ldquoesverdeadardquo (LOVATO 2013 p 1)

Haacute entatildeo a praacutetica do greenwashing na qual se declara um falso compro-

misso ambiental ao passo que empresas se utilizam de informaccedilotildees deturpa-

das para iludir o consumidor Normalmente eacute feito por meio de propagandas

e marketing utilizando slogans ou frases vagas para aparentar um compro-

metimento com o meio ambiente (LOVATO 2013 p 4) Portanto tem por ob-

jetivo obter uma vantagem ambiental que natildeo condiz com a realidade

O termo ldquogreenwashingrdquo que se popularizou no iniacutecio dos anos 1990

descreve de forma pejorativa a promoccedilatildeo da imagem ambiental positiva e

ecologicamente responsaacutevel poreacutem falaciosa (PAGOTTO 2017) Dessa

forma utiliza-se de uma praacutetica antieacutetica aleacutem de realizar uma propaganda

enganosa agrave populaccedilatildeo contribuindo com a crise ambiental (SANTOS 2002)

A temaacutetica ganhou destaque ainda maior em 1992 quando o greenpeace

publicou o livro ldquoThe greenpeace book of greenwashingrdquo que tinha como ob-

jetivo expor grandes marcas que partilhavam dessa estrateacutegia

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

234

A empresa que natildeo modifica o seu modo de produccedilatildeo a favor do meio

ambiente e mesmo assim se utiliza do marketing verde como se sua empresa

compactuasse com questotildees ecoloacutegicas pratica o greenwashing Nesse con-

texto o consumidor eacute induzido a adquirir um determinado produto ou serviccedilo

confiando que haacute uma preocupaccedilatildeo com a proteccedilatildeo ambiental contudo a

empresa apenas visa se beneficiar com os lucros advindos de poliacuteticas ambi-

entalistas (PAGOTTO 2013) Notadamente essa praacutetica se tornou um grande

problema no mercado na medida em que as empresas se utilizam de propa-

ganda enganosa para ter lucros maiores (RIMMER 2016)

Nesse sentido a utilizaccedilatildeo do artificio gera apenas a promoccedilatildeo da ima-

gem da empresa sem haver a responsabilidade ecoloacutegica de modo que os

consumidores satildeo atraiacutedos pela promessa de compras conscientes O certifi-

cado verde qualifica o produto ou serviccedilo como um aliado fundamental para

a escolha do consumidor (CAVANAGH 1998) Nesse sentido a cooperaccedilatildeo

ambiental e a sustentabilidade empresarial natildeo satildeo atingidas

Eacute fato que toda instituiccedilatildeo possui uma funccedilatildeo interna e externa No caso

das empresas sua funccedilatildeo interna eacute a produccedilatildeo de bens e serviccedilos a fim de

gerar lucros Contudo as atividades empresariais natildeo tecircm um fim em si

mesmo O caraacuteter patrimonial eacute posto em segundo plano em funccedilatildeo da soci-

edade isso quer dizer que a empresa deve ser pautada natildeo apenas no lucro

mas tambeacutem ser tutelada em accedilotildees que beneficiem a coletividade (GON-

CcedilALVES et al 2018 p 112)

O meio ambiente passou a ser reflexo da forma que eacute gerida a econo-

mia e o consumo As empresas passaram a se apropriar de estrateacutegias ligadas

agrave gestatildeo ambiental comprometidas com princiacutepios da preservaccedilatildeo prote-

ccedilatildeo ao meio ambiente conservaccedilatildeo e precauccedilatildeo De fato com essas novas

teacutecnicas as empresas natildeo apenas protegem o meio ambiente mas obteacutem

lucro por se tratarem de uma vantagem competitiva de mercado (ALMEIDA

2003 p124 e 125)

Portanto sob a eacutegide evolucionista do crescimento empresarial a pre-

servaccedilatildeo ambiental deve ser sempre levada em consideraccedilatildeo A atividade

empresarial causa impactos ao planeta e com isso prejudica as presentes e

futuras geraccedilotildees Assim as corporaccedilotildees natildeo devem se valer apenas do mar-

keting verde por meio do greenwashing para objetivar o lucro A mudanccedila

deve ser genuiacutena e a preservaccedilatildeo ambiental deve estar diretamente atrelada

ao crescimento econocircmico em respeito aos anseios sociais e ao ordena-

mento juriacutedico paacutetrio (GONCcedilALVES et al 2018 p 112)

Com o objetivo de inibir o comportamento da empresa e de reforccedilar o

paradigma de proteccedilatildeo ao meio ambiente e ao consumidor previsto na

Constituiccedilatildeo Federal tornou-se necessaacuteria agrave regulamentaccedilatildeo acerca da ma-

teacuteria com o fito de inibir praacuteticas de greenwashing no paiacutes Para tanto a re-

gulamentaccedilatildeo tem por base os preceitos do ordenamento juriacutedico brasileiro

marcados pela transdisciplinaridade que envolve aspectos dos Direitos Ambi-

ental Empresarial Ciacutevel e do Consumidor partes do todo entendido como o

sistema proteccedilatildeo juriacutedico-ambiental tratado no toacutepico a seguir

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

235

153 AS LIMITACcedilOtildeES AO GREENWASHING NO ORDENAMENTO

JURIacuteDICO BRASILEIRO

Conforme jaacute esclarecido o fenocircmeno do greenwashing eacute praticado por

meio da publicidade Esta por sua vez eacute tida como o modo pelo qual a co-

municaccedilatildeo eacute realizada para chamar atenccedilatildeo e despertar o interesse do puacute-

blico cuja consequecircncia eacute adquirir aquele determinado produto (DINIZ 1999

p 15) Dessa forma eacute a maneira de levar conhecimento do produto para o

consumidor

No caso de ldquoprodutos verdesrdquo a publicidade eacute transmitida em razatildeo de

garantias ecoloacutegicas e proteccedilatildeo ao meio ambiente Assim estes satildeo adquiri-

dos com intenccedilotildees ambientalistas e que estejam de acordo com a moral e os

valores de quem os compra O ato de comprar eacute baseado na forma que o

produto eacute produzido e vendido ateacute chegar ao destinataacuterio final Sabendo

disso algumas empresas se valendo de teacutecnicas de comunicaccedilatildeo em massa

incorporam o discurso ldquoverderdquo mas sem efetivamente preservar e proteger a

natureza

No tocante agrave tutela juriacutedica no Brasil o greenwashing eacute considerado

uma praacutetica de publicidade enganosa sendo assegurado na esfera do Coacute-

digo de Defesa do Consumidor (Lei 807890) Nesse mesmo contexto haacute a

atuaccedilatildeo do Conselho Nacional de Autorregulamentaccedilatildeo Publicitaacuteria cuja

missatildeo eacute impedir que a publicidade enganosa ou abusiva gere constrangi-

mento ao consumidor ou a empresas aleacutem de defender a liberdade de ex-

pressatildeo comercial (CONAR 2017) A publicidade ambiental enganosa eacute uma

das vertentes do referido conselho sendo considerada a forma mais atuante

em defesa dessa praacutetica no Brasil (OLIVEIRA 2018)

O crescimento do uso de greenwashing em campanhas publicitaacuterias

acarretou uma regularizaccedilatildeo da situaccedilatildeo pelo Conselho Nacional de Autor-

regularizaccedilatildeo (CONAR) instituiccedilatildeo criada em 1980 que passou a incluir regras

publicitaacuterias que contenham referecircncia agrave sustentabilidade (MEacuteO 2017) O oacuter-

gatildeo fiscaliza se as propagandas publicitarias dos produtos e serviccedilos estatildeo de

acordo com a agenda ecoloacutegica

O CONAR possui determinados princiacutepios que norteiam a sua atuaccedilatildeo

e que fazem referecircncia a uma atividade de publicidade prevista no Coacutedigo

Brasileiro de Autorregulaccedilatildeo Publicitaria Dentre eles ressaltam-se trecircs o prin-

ciacutepio da honestidade princiacutepio da apresentaccedilatildeo verdadeira e o princiacutepio da

poluiccedilatildeo e ecologia O princiacutepio da honestidade estaacute previsto no artigo 23 e

diz que a propaganda natildeo pode abusar da confianccedila do consumidor e da

sua credulidade Em relaccedilatildeo ao princiacutepio da apresentaccedilatildeo verdadeira visto

no artigo 27 defende a necessidade de uma apresentaccedilatildeo condizente com

o produto ou seja os fatos e dados alegados devem ser comprobatoacuterios

Por fim o princiacutepio da poluiccedilatildeo e ecologia estaacute previsto no artigo 36 do

mesmo coacutedigo segundo o qual os anuacutencios de publicidade devem refletir a

sua preocupaccedilatildeo com a humanidade e proteccedilatildeo ao meio ambiente sendo

vedada a publicidade que estimule agrave poluiccedilatildeo e a depredaccedilatildeo da fauna

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

236

flora e demais recursos naturais (CONAR) Os princiacutepios mencionados refor-

ccedilam o entendimento de que o greenwashing eacute uma praacutetica antieacutetica que

deve ser desencorajada

Ademais o paraacutegrafo uacutenico do artigo 36 do referido coacutedigo faz ressalvas

que se complementam com a praacutetica de greenwashing como questiona-

mentos quanto a veracidade das informaccedilotildees ambientais exatidatildeo das infor-

maccedilotildees a fim de evitar informaccedilotildees geneacutericas pertinecircncia em relaccedilatildeo ao

processo de produccedilatildeo e seus anuacutencios e por fim a relevacircncia dos produtos e

os benefiacutecios ambientais (CONAR) sendo vedadas agrave vista disso campanhas

publicitarias que utilizem mecanismos ambientalistas infundados

Nessa mesma perspectiva o coacutedigo de autorregulaccedilatildeo tambeacutem des-

creve em seu anexo II mais precisamente no ponto ldquourdquo questotildees de apelo

sustentaacuteveis Para o oacutergatildeo a publicidade tem o papel natildeo apenas de distinguir

o produto mas contribuir para a formaccedilatildeo de valores humanos eacuteticos sociais

e responsaacuteveis (CONAR) estando de acordo com o paradigma de proteccedilatildeo

ambiental e defesa do meio ambiente Portanto eacute atribuiacuteda a necessidade da

veracidade dos fatos na qual as informaccedilotildees veiculadas devem ser verda-

deiras Eacute perceptiacutevel a forma que o CONAR se dedica para atuar no mercado

e proteger os consumidores contudo pela proacutepria caracteriacutestica do oacutergatildeo de

autorregulaccedilatildeo ainda haacute dificuldade de fiscalizaccedilatildeo sendo necessaacuteria uma

atuaccedilatildeo em conjunto com a sociedade para atingir progressos consideraacuteveis

(LOVATO 2013)

No Brasil o greenwashing eacute considerado uma praacutetica de propaganda

enganosa sendo inibida pelo artigo 37 do Coacutedigo de Defesa do Consumidor

Esse fato foi confirmado por meio de jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Fede-

ral (STF) na qual foi proposto o Mandado de Injunccedilatildeo ndeg 4766DF no dia 24 de

maio de 2012 oportunidade em que foi discutida uma suposta omissatildeo legis-

lativa sobre propagandas ambientais cujo objetivo era regulamentar uma lei

especifica que tratasse exclusivamente sobre greenwashing O impetrante

alegava que a propaganda enganosa ambiental natildeo encontrava proteccedilatildeo

no ordenamento juriacutedico paacutetrio contudo o presente remeacutedio natildeo foi acolhido

pelo tribunal que entendeu de forma monocraacutetica segundo o voto proferido

pelo Ministro Gilmar Mendes jaacute existir norma federal que assegure os direitos

de proteccedilatildeo agrave propaganda enganosa (BRASIL 2013)

Nesse contexto nas palavras do Ministro ldquoJaacute haacute norma federal que via-

bilize o exerciacutecio dos direitos de proteccedilatildeo agrave propaganda comercial seja ela

ambiental ou de qualquer outra naturezardquo A partir da perspectiva do Su-

premo Tribunal Federal natildeo haacute omissatildeo legislativa a ser sanada visto que o

tribunal entendeu pela generalidade da lei acerca da publicidade enganosa

a qual contempla ainda que indiretamente o greenwashing (BRASIL 2013)

De toda forma apesar do remeacutedio constitucional natildeo ter sido desenvol-

vido fica claro o posicionamento da Suprema Corte brasileira Em contra-

ponto a esse posicionamento eacute possiacutevel prever a existecircncia de casos em que

o greenwashing seraacute utilizado sem haver uma sanccedilatildeo especiacutefica para o caso

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

237

e consequentemente sem alterar a conduta empresarial posto que natildeo haacute

fiscalizaccedilatildeo adequada que impeccedila a referida praacutetica

A partir da anaacutelise do referido julgado eacute possiacutevel identificar mais uma

vez a transdisciplinaridade da proteccedilatildeo juriacutedico-ambiental dado que o resul-

tado do referido julgado possui raiacutezes na esfera da proteccedilatildeo ao consumidor

Logo identifica-se a complexidade do sistema de proteccedilatildeo juriacutedico-ambien-

tal havendo limitaccedilotildees ao greenwashing identificadas na Constituiccedilatildeo Fede-

ral de 1988 de maneira indireta a partir da anaacutelise da proteccedilatildeo ao meio am-

biente e ao consumidor bem como nas normas expedidas pelo CONAR e no

Coacutedigo de Defesa do Consumidor segundo o entendimento do STF

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O presente trabalho buscou realizar reflexotildees sobre o fenocircmeno do

greenwashing e investigar as suas limitaccedilotildees no ordenamento juriacutedico brasi-

leiro em sua complexidade No primeiro momento a oacuteptica complexa esta-

belecida por Morin foi o ponto de partida para uma investigaccedilatildeo da proteccedilatildeo

juriacutedica do meio ambiente em meio agrave crise ambiental contemporacircnea Isso

porque o Direito Ambiental natildeo eacute capaz por si soacute de solucionar todas as de-

mandas havendo influecircncia e limitaccedilotildees de demais aacutereas que podem regu-

lar sob diferentes perspectivas o greenwashing

Nesse contexto o pensamento complexo estaacute relacionado agrave consciecircn-

cia de que o todo eacute maior que a soma de todas as partes O Direito Ambiental

pode ser analisado com base no pensamento complexo uma vez que os mi-

crossistemas de proteccedilatildeo juriacutedica ao meio ambiente transitam em outras aacutereas

dentro do proacuteprio Direito destacando-se a sua relevacircncia para o Direito Em-

presarial o Direito Civil e Direito do Consumidor

Diante disso a proteccedilatildeo do meio ambiente eacute baseada em uma inter-

dependecircncia entre o pensamento complexo e o Direito Ambiental havendo

uma anaacutelise a partir da eacutetica ambiental para averiguar se as condutas em-

presariais estatildeo alinhadas com a proteccedilatildeo juriacutedica ao meio ambiente A eacutetica

ambiental eacute conduzida por preceitos os quais guiam os comportamentos so-

ciais das atividades empresariais e seus processos de produccedilatildeo

A partir do momento em que a sociedade compreende a importacircncia

da necessidade de uma proteccedilatildeo ambiental as empresas se moldam a esse

novo paradigma podendo obter vantagens associadas a essa mudanccedila de

modo que os lucros das empresas que estatildeo alinhadas com a agenda ambi-

entalista crescem a cada dia Ocorre que de fato existem organizaccedilotildees que

alteram seu jeito de pensar e produzir fazem mudanccedilas no seu modo de ges-

tatildeo enquanto outras visando apenas o lucro utilizam a pauta ambiental em

seus mercados exclusivamente para lucrar sem levar em consideraccedilatildeo a mu-

danccedila de paradigma social

Dessa forma o ordenamento juriacutedico brasileiro garante a proteccedilatildeo do

consumidor e do meio ambiente diante da praacutetica do greenwashing con-

forme identificado na decisatildeo do Mandando de Injunccedilatildeo impetrado perante

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

238

o Supremo Tribunal Federal que reconheceu o fenocircmeno do greenwashing

no Brasil entendendo que o Coacutedigo de Defesa do Consumidor eacute a via correta

para inibir a praacutetica haja vista a perspectiva legal da propaganda enganosa

Entende-se haver a preponderacircncia da transdisciplinaridade da prote-

ccedilatildeo juriacutedico-ambiental de modo que eacute possiacutevel identificar normas de limita-

ccedilatildeo de condutas ambientalmente abusivas e antieacuteticas na Constituiccedilatildeo Fe-

deral como tambeacutem em aacutereas distintas do Direito Haacute inclusive como eacute o

caso da anaacutelise da norma do CONAR e do referido julgado a proteccedilatildeo a

bens juriacutedicos distintos atingindo natildeo somente os direitos relacionados agrave pro-

teccedilatildeo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado conforme previsto

constitucionalmente como tambeacutem os direitos do consumidor caracteri-

zando-se a complexidade da mateacuteria

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240

AS IMPLICACcedilOtildeES JURIacuteDICAS

ADVINDAS DA FORMACcedilAtildeO DA

FAMIacuteLIA MULTIESPEacuteCIE

Maria Ravelly Martins Soares Dias1

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 161 A natureza juriacutedica dos animais de esti-

maccedilatildeo segundo o Coacutedigo Civil de 2002 162 O instituto da persona-

lidade juriacutedica e os animais de estimaccedilatildeo 163 Os animais de esti-

maccedilatildeo como ldquoterceiro gecircnerordquo e o meio termo como soluccedilatildeo apa-

rente Consideraccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

Em decorrecircncia da claacuteusula aberta contida no art 226 da Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 onde estabelece que a famiacutelia eacute a base da sociedade vaacuterios

nuacutecleos familiares ganharam repercussatildeo Dentre muitos destaca-se a famiacutelia

multiespeacutecie agregando humanos e animais dentro de um mesmo agrupa-

mento familiar

Assim com a ideia de famiacutelias pluralizadas e inclusivas os animais de

estimaccedilatildeo ganharam importacircncia dentro dos nuacutecleos alcanccedilando a quali-

dade de membro da famiacutelia gerando por consequecircncia implicaccedilotildees no

mundo juriacutedico e no meio social fazendo surgir a necessidade de averiguar a

natureza juriacutedica do animal de estimaccedilatildeo dentro do ordenamento juriacutedico

brasileiro

Sob este aspecto o presente artigo tem como problema apurar os limi-

tes e possibilidades de modificaccedilatildeo do status juriacutedico do animal de estimaccedilatildeo

dentro do ordenamento juriacutedico brasileiro frente o atual enquadramento legal

que os classificam como bens moacuteveis na qualidade de semoventes

Mostra-se de extrema relevacircncia a temaacutetica diante da atual conjuntura

das famiacutelias que incluiacuteram os animais de estimaccedilatildeo como membros bem

como do nuacutemero de litiacutegios decorrentes das rupturas familiares que centrali-

zam a disputa do animal de estimaccedilatildeo como se filhos fossem

Desta forma tem-se como objetivo geral investigar a natureza juriacutedica

dos animais de estimaccedilatildeo traccedilando barreiras e possibilidades de modificaccedilatildeo

dentro do ordenamento juriacutedico brasileiro Como objetivos especiacuteficos frisa-se

em analisar a natureza juriacutedica dos animais de estimaccedilatildeo segundo o coacutedigo

civil de 2002 compreender o instituto da personalidade juriacutedica e aplicaccedilatildeo

1 Mestra em Relaccedilotildees Privadas e Desenvolvimento pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro

(UNI7CE) Professora Universitaacuteria na Faculdade Ieducare- FIED Professora Universitaacuteria na

Faculdade Alencarina- FAL Advogada E-mail ravellymartinsgmailcom

16

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

241

aos animais de estimaccedilatildeo e por fim examinar o animal de estimaccedilatildeo como

terceiro gecircnero

Para o alcance dos resultados pretendidos analisou-se natureza juriacutedica

dos animais de estimaccedilatildeo e as repercussotildees advindas de eventual modifica-

ccedilatildeo sendo utilizada a pesquisa bibliograacutefica qualitativa por intermeacutedio livros

artigos cientiacuteficos e documentos a partir da contribuiccedilatildeo de vaacuterios autores se-

lecionados bem como diante da singularidade e complexidade do objeto de

estudo permitindo assim anaacutelise e interpretaccedilatildeo ampla Em relaccedilatildeo ao meacute-

todo o que se encaixou foi o indutivo de modo que houve anaacutelise da situa-

ccedilatildeo individual para obtenccedilatildeo de conclusatildeo geneacuterica

Finalmente o trabalho foi desenvolvido por meio de trecircs toacutepicos onde

num primeiro momento foi estudada a natureza juriacutedica dos animais de esti-

maccedilatildeo e o coacutedigo civil de 2002 posteriormente o instituto da personalidade

juriacutedica e os animais de estimaccedilatildeo e por fim o animal como terceiro gecircnero

como soluccedilatildeo aparente

161 A NATUREZA JURIacuteDICA DOS ANIMAIS DE ESTIMACcedilAtildeO

SEGUNDO O COacuteDIGO CIVIL DE 2002

De maneira abrangente e universal pode-se asseverar que um bem re-

presenta tudo que proporcione contentamento ou prazer Pode-se ainda

afirmar que bem em outro sentido eacute o oposto de mal denota bondade ca-

ridade gentileza entre outros Fala-se ainda que o termo ldquobemrdquo indica posse

pertenccedila poderio e ateacute propriedade

Interessante lembrar a definiccedilatildeo de bem trazida por Caio Maacuterio da Silva

Pereira (2004) quando foca nas mais variadas acepccedilotildees que denotam o

termo ldquobemrdquo mas ressaltando que natildeo eacute todo bem que interessa agrave ordem

juriacutedica tomando por base o fato de a versatildeo do termo denotar as mais vari-

adas possibilidades

O Coacutedigo Civil de 2002 classificou os bens em trecircs categorias cada uma

com ramificaccedilotildees a fim de promover uma organizaccedilatildeo loacutegico-juriacutedica Satildeo

elas os bens considerados em si mesmos os bens reciprocamente considera-

dos e por fim os bens considerados em relaccedilatildeo ao sujeito ou seja se puacuteblico

ou privado Neste vieacutes tem-se por um criteacuterio loacutegico que o bem se diferenciaria

da qualidade de pessoa por em tese tratar de seres inanimados sem vida

ou seja objetos Muito embora seja sua maior caracteriacutestica nessa categoria

que os animais em geral foram inseridos inclusive os animais de estimaccedilatildeo

mesmo pertencentes a uma famiacutelia multiespeacutecie

Com origem no Direito Romano e difundida pelo ocidente os animais

foram inseridos num regime juriacutedico eminentemente privado onde foram po-

sicionalmente alocados no acircmbito das coisas (res) tendo como consequecircn-

cia juriacutedica o mesmo tratamento juriacutedico relativo aos objetos inanimados e agrave

propriedade privada (SILVESTRE LORENZONI HIBNER 2018)

Apesar de os animais possuiacuterem movimento proacuteprio e dentro de cada

espeacutecie tenha sua proacutepria organizaccedilatildeo a legislaccedilatildeo privada os encaixou

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

242

pura e simplesmente dentro da categoria de bens moacuteveis Assim segundo a

dicccedilatildeo do art 82 do Coacutedigo Civil de 2002 ldquosatildeo moacuteveis os bens suscetiacuteveis de

movimento proacuteprio ou de remoccedilatildeo por forccedila alheia sem alteraccedilatildeo da subs-

tacircncia ou da destinaccedilatildeo econocircmico-socialrdquo

Os animais em geral satildeo categorizados como bens semoventes sem

qualquer distinccedilatildeo ldquodizendo respeito aos bens que se deslocam de um lugar

para o outro sem perder sua substacircncia em razatildeo de sua proacutepria estruturardquo

(FARIAS ROSENVALD 2016 p 513)

Contemporaneamente em contrapartida os animais principalmente

os de estimaccedilatildeo ocupam um lugar significativo nos lares sendo distribuiacutedo

todo afeto possiacutevel na interaccedilatildeo humano-animal o que reflete na necessi-

dade de mudanccedila de paradigma Neste ponto interessante destacar que o

costume de ter em companhia os animais era privileacutegio somente das elites

aristocraacuteticas e clericais em meados do seacuteculo XVI Apontam alguns estudos

que o costume de levar o animal para dentro dos lares foi ocasionada pela

diminuiccedilatildeo do uso de animais como forccedila para o trabalho e despenderam

outras perspectivas que natildeo fosse somente a utilitaacuteria (THOMAS 2010)

Alguns ordenamentos juriacutedicos que inclusive influenciaram a codifica-

ccedilatildeo civilista do Brasil inovaram em sua legislaccedilatildeo a fim de alargar a natureza

juriacutedica dos animais e natildeo mais consideraacute-los como coisa Paiacuteses com Franccedila

Suiacuteccedila Alemanha Aacuteustria e Portugal atualmente consideram o animal de

companhia como seres sensiacuteveis ou seja perceptiacuteveis a sentimentos afas-

tando-os da categoria de bens ou objetos (COSTA FERREIRA 2018)

Portugal recentemente inovou quanto agrave mateacuteria quando trouxe em 3

(trecircs) de marccedilo de 2017 a Lei de nordm 8 (oito) com uma nova regulamentaccedilatildeo

Neste sentido por meio da citada Lei o ordenamento juriacutedico portuguecircs

trouxe um novo estatuto juriacutedico no que diz respeito aos animais reconhe-

cendo que tais seres satildeo dotados de sensibilidade afastando-os da categoria

das coisas enquanto objeto das relaccedilotildees juriacutedicas tanto que incluiacuteram tal mu-

danccedila na parte concernente agraves pessoas A revoluccedilatildeo do referido ordena-

mento foi grandiosa tanto que ateacute mesmo inseriu um subtiacutetulo denominado

Dos animais e sua localizaccedilatildeo vem logo apoacutes agrave parte referente agrave regulaccedilatildeo

das pessoas (DIAS 2018)

Interessante frisar a modificaccedilatildeo do Coacutedigo Civil austriacuteaco acerca da

natureza juriacutedica dos animais de companhia que ocorreu no ano de 1988

quando foi acrescentado o paraacutegrafo 285ordf dispondo expressamente que ldquoos

animais natildeo satildeo coisas eles satildeo protegidos por leis especiaisrdquo (SOUZA SOUZA

2018)

Por sua vez em 1990 o Coacutedigo Civil alematildeo procedeu agrave modificaccedilatildeo

onde na oportunidade incluiu o paraacutegrafo 90ordf Tal modificaccedilatildeo foi no sentido

de que aos animais de companhia deveriam ser aplicadas as normas vigentes

relativas agraves coisas no que for possiacutevel deixando a salvo qualquer disposiccedilatildeo

em contraacuterio (SOUZA SOUZA 2018)

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

243

Somente no ano de 2003 a Suiacuteccedila alterou sua legislaccedilatildeo no que pertine

ao assunto animais Ocorreu uma verdadeira ldquodescoisificaccedilatildeordquo dos animais

quando passou em seu art 641 inciso II a afirmar que os animais natildeo satildeo

coisas (SOUZA SOUZA 2018)

No mesmo seguimento veio a Franccedila por meio dos artigos 514 a 528 do

Coacutedigo Civil Na ocasiatildeo o coacutedigo francecircs afirmou serem os animais dotados

de sensibilidade mas ainda ponderou no sentido de reservaacute-los agrave legislaccedilatildeo

que os protege bem como que estatildeo submetidos ao regime de bens (SOUZA

SOUZA 2018)

O Brasil em sua codificaccedilatildeo privada continua por considerar os animais

de estimaccedilatildeo como coisas mais precisamente bens moacuteveis (art 82) sem nem

mesmo considerar uma possiacutevel senciecircncia conforme mencionado anterior-

mente Ao receberem tal tratamento submetem-se por exemplo a alguns

ditos juriacutedicos como por exemplo o princiacutepio da gravitaccedilatildeo juriacutedica ou seja

por serem mamiacuteferos passiacuteveis de reproduccedilatildeo produzem frutos seguindo a

maacutexima de que ldquoo acessoacuterio segue o principalrdquo (COSTA FERREIRA 2018)

Em contrapartida em sede constitucional haacute a observacircncia da prote-

ccedilatildeo animal quando da leitura do art 225 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 ao

afirmar o direito pertencente a todos de um meio ambiente ecologicamente

equilibrado sendo ainda um bem de uso comum do povo O artigo ainda

menciona o dever do poder puacuteblico e da coletividade de defender e preser-

var o meio ambiente para as presentes e futuras geraccedilotildees Na mesma linha

segue o paraacutegrafo 1ordm inciso VII do citado art 225 sobre a funccedilatildeo do Poder

Puacuteblico de proteger a fauna e a flora sendo vedadas praacuteticas que provo-

quem ou coloquem em risco sua funccedilatildeo ecoloacutegica bem como a extinccedilatildeo

das espeacutecies ou submetam os animais a crueldade

Tramita o Projeto de Lei nordm 67992013 de iniciativa do Deputado Federal

Ricardo Izar (PSDSP) no qual dispotildee que ldquoos animais natildeo humanos possuem

natureza juriacutedica sui generis e satildeo sujeitos de direitos despersonificados dos

quais devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violaccedilatildeo vedado

o seu tratamento como coisardquo

Segundo a justificativa apontada pelo autor do Projeto o interesse

maior eacute o de conferir um regime juriacutedico inovador de modo que afaste a per-

cepccedilatildeo utilitarista que sempre acompanhou os animais ou seja que o animal

sempre serviu para o homem e para seus interesses diferindo-os dos animais

humanos tatildeo somente no tocante agrave racionalidade e agrave comunicaccedilatildeo verbal

A proposta segue na tentativa de acrescentar dispositivo agrave Lei ndeg 9605

de 12 de fevereiro de 1998 A Lei em vigor trata em seu bojo sobre as sanccedilotildees

penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio

ambiente

Na mesma intenccedilatildeo segundo o proacuteprio texto do projeto (art4deg) deve-

se acrescentar o art 79-B agrave Lei ndeg 96051998 prevendo que o ldquodisposto no art

82 da Lei nordm 10406 de 10 de janeiro de 2002 (Coacutedigo Civil) natildeo se aplica aos

animais natildeo humanos que ficam sujeitos a direitos despersonificadosrdquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

244

No dia 7 de agosto de 2019 o Plenaacuterio do Senado aprovou o referido

Projeto de Lei considerando a senciecircncia dos animais natildeo humanos e sua na-

tureza sui generis como sujeitos de direitos natildeo personificados Por ter havido

modificaccedilatildeo ao texto o Senado remeteu a mateacuteria de volta agrave Cacircmara dos

Deputados para apreciaccedilatildeo estando atualmente na mesa do plenaacuterio com

requerimento de urgecircncia para apreciaccedilatildeo

Com a modificaccedilatildeo no texto original o projeto de Lei reconhece a na-

tureza juriacutedica sui generis tatildeo somente aos animais domeacutesticos e silvestres res-

saltando que deveraacute ser acrescentado um paraacutegrafo uacutenico ao art 82 do Coacute-

digo Civil dispondo que natildeo seratildeo portanto estes animais considerados

como objetos moacuteveis mais precisamente semoventes

Daniel Braga Lourenccedilo (2016) reconhece que de vaacuterios projetos este eacute

o que realmente assume um posicionamento claro em relaccedilatildeo aos animais

De forma expressa o projeto estabelece que os animais estariam numa posi-

ccedilatildeo sui generis afastando-os do acircmbito das coisas conferindo-lhes um novo

estatuto juriacutedico bem como seriam entes despersonificados ao mesmo

tempo que seriam sujeitos de direitos

No entanto afirma o referido autor que de nada serviraacute a redaccedilatildeo pro-

posta se natildeo forem claramente pontuados quais seriam os direitos subjetivos

os quais os animais poderiam titularizar O pesquisador ainda faz a seguinte

reflexatildeo ldquoa modificaccedilatildeo do estatuto dos animais nos paiacuteses europeus que jaacute

realizaram esta reforma significou efetivamente a atribuiccedilatildeo de novo sentido

para a animalidade ou estas sociedades continuam operando fundamental-

mente da mesma forma oprimindo os animaisrdquo (LOURENCcedilO 2016 p23)

Sob esta linha mesmo diante de um projeto de Lei inovador em relaccedilatildeo

agrave positivada legislaccedilatildeo privada haacute latente necessidade de se atribuir uma

nova categoria aos animais de estimaccedilatildeo Negar-lhes a condiccedilatildeo de seres

detentores de personalidade juriacutedica na medida em que passam a consi-

deraacute-los como sujeitos de direitos mas continuando como desprovidos de

qualquer personificaccedilatildeo natildeo mostra incidecircncia praacutetica relevante para a ne-

cessidade de desconsideraacute-los como coisas Portanto eacute essencial a anaacutelise do

instituto da personalidade juriacutedica e suas implicaccedilotildees frente aos animais de

estimaccedilatildeo o que seraacute visto a seguir

162 O INSTITUTO DA PERSONALIDADE JURIacuteDICA E OS ANIMAIS DE

ESTIMACcedilAtildeO

A legislaccedilatildeo paacutetria natildeo define o conceito de pessoa tatildeo somente

afirma que ldquotoda pessoa eacute capaz de direitos e obrigaccedilotildees na ordem civilrdquo

segundo dicccedilatildeo do art 1deg do Coacutedigo Civil de 2002 ou seja de pronto jaacute atribui

que para ter capacidade eacute necessaacuteria a condiccedilatildeo preacutevia de pessoa

Eacute assentado que os termos pessoa e sujeito de direito possuem acircnimos

equivalentes no sentido de afirmar que pessoa eacute todo aquele sujeito de di-

reitos (FARIAS ROSENVALD 2016 p169) Outrossim representa aquele que fi-

gura nas relaccedilotildees juriacutedicas seja no polo ativo seja no polo passivo bem como

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

245

eacute possuidor de uma gama de direitos protetivos Muito embora a ideia de que

pessoa venha a ser atrelada agrave figura humana este pensamento natildeo eacute abso-

luto visto que eacute atribuiacuteda a acepccedilatildeo de pessoa a entes morais ou seja natildeo

humanos a exemplo da pessoa juriacutedica Ser sujeito de direito (de direitos e

obrigaccedilotildees) eacute ser pessoa Pessoa e sujeito no plano juriacutedico satildeo conceitos

equivalentesrdquo (MORAES 2000 p 189)

A acepccedilatildeo do termo pessoa consegue abranger a um soacute tempo o que

eacute humano bem como alcanccedila o mundo juriacutedico quando cria uma figura fic-

tiacutecia natildeo humana em sua essecircncia natildeo obstante composta por figuras huma-

nas e ainda consegue por meio da Lei garantir-lhe personalidade juriacutedica

conforme apontam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2016)

Neste sentido segundo o conceito claacutessico da doutrina existem dois ti-

pos de pessoas a pessoa natural e a pessoa juriacutedica A primeira diz respeito agrave

pessoa fiacutesica o ser humano o homem A segunda toca um determinado agru-

pamento de pessoas naturais com objetivos em comum podendo ser tam-

beacutem denominada de pessoa moral ou pessoa coletiva Ressalte-se que am-

bas podem titularizar relaccedilotildees juriacutedicas e gozam de proteccedilatildeo sendo conside-

radas portanto como sujeitos de direito

Nessa linha a denominada capacidade vem sendo entendida como

extensatildeo da proacutepria personalidade juriacutedica esta atribuiacuteda a todo ser humano

(pessoa natural) nascida com vida tal qual dispotildee o art 2deg da Codificaccedilatildeo

privada quando aduz que a personalidade civil da pessoa comeccedila do nas-

cimento com vida Assim a capacidade juriacutedica eacute relacionada com a apti-

datildeo da pessoa natural (dotada de personalidade juriacutedica) em adquirir direitos

e assumir deveres pessoalmente ou natildeo Neste sentido na medida em que

surge a pessoa natural detentora da chamada personalidade juriacutedica surge

a capacidade juriacutedica para medir aquela tornando as pessoas plenamente

ou relativamente incapazes Desta forma a capacidade juriacutedica ou seja a

que mede a personalidade divide-se em duas capacidade de direito (gozo

ou aquisiccedilatildeo) e capacidade de fato (exerciacutecio)

A capacidade juriacutedica plena ou geral eacute atribuiacuteda a toda pessoa natural

que disponha a um soacute tempo da capacidade de direito e da capacidade

de fato condiccedilatildeo esta que favorece a possibilidade de ser titular de direitos

e assumir obrigaccedilotildees Importante pois ressaltar que a capacidade de direito

para alguns autores mistura-se com a ideia de personalidade sob a alega-

ccedilatildeo de que as duas satildeo conferidas a um soacute tempo agrave pessoa natural ou seja

aquele nascido com vida diante do fato da condiccedilatildeo de pessoa (FARIAS RO-

SENVALD 2016)

Segundo Gontijo e Fiuza (2014) a qualidade de pessoa eacute gecircnero po-

dendo se desdobrar em pessoa fiacutesica (natural) ou pessoa juriacutedica Cada tipo

de pessoa possui seus proacuteprios elementos e caracteriacutesticas coincidindo no

entanto em serem titulares de deveres e direitos e consequentemente pos-

suiacuterem a atribuiccedilatildeo de sujeitos de direito

A personalidade juriacutedica desdobra-se como valorativa enquanto a ca-

pacidade juriacutedica funciona como medida desse valor (personalidade) Assim

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

246

o indiviacuteduo pode ser sujeito de direito ter personalidade juriacutedica e esta por

sua vez seraacute regulada conforme a sua capacidade se plena ou limitada daiacute

portanto natildeo conferir similitude entre personalidade e capacidade (GON-

TIJO FIUZA 2014)

Ser sujeito de direito eacute dizer que determinada pessoa eacute capaz eacute ser titu-

lar de um direito O ente portanto figura na relaccedilatildeo juriacutedica seja por si soacute ou

por meio de representaccedilatildeo ou assistecircncia a depender do caso Ter como

atributo o ser sujeito de direito significa possuir a denominada capacidade de

gozo relacionada com a subjetividade que permeia a condiccedilatildeo de pessoa

bem como de outros entes sem personalidade que de igual forma gozam

de direitos (GONTIJO FIUZA 2014)

Segundo Joaquim Ramalho (2019) os sujeitos de direito satildeo os entes ap-

tos a serem titulares de direitos e obrigaccedilotildees ou seja da possibilidade de figu-

rarem num dos poacutelos da relaccedilatildeo juriacutedica Abrindo desta forma a possibilidade

dos sujeitos de direito serem pessoas singulares ou coletivas Neste sentido eacute

proacutepria da condiccedilatildeo existencial de um sujeito a concepccedilatildeo de um direito sub-

jetivo ou seja diante de um direito pessoal eacute de fundamental importacircncia

algueacutem que figure como seu titular

Muito embora exista a noccedilatildeo de que para a existecircncia de um direito

subjetivo haja necessariamente um titular para o exerciacutecio dessa faculdade

figuram situaccedilotildees peculiares as quais natildeo contam com a presenccedila da condi-

ccedilatildeo de pessoa e consequentemente ausecircncia de personalidade mas

mesmo assim haacute a qualificaccedilatildeo como sujeito de direito sem personalidade

como por exemplo o nascituro Portanto a condiccedilatildeo de ser sujeito de direito

precede a de pessoa tanto que o proacuteprio Coacutedigo Civil atribui ao nascituro ou

seja agravequele concebido mas natildeo nascido aquela condiccedilatildeo sem necessari-

amente ser atribuiacuteda personalidade juriacutedica natildeo podendo ser desta forma

confundidos ou ser considerados similares o ser titular de direitos e a imputa-

ccedilatildeo de personalidade juriacutedica

A figura do nascituro como sujeito de direito sem personalidade vem

claramente afirmada nas tenazes do art 2ordm da legislaccedilatildeo civil quando eacute adu-

zido o seguinte a personalidade civil da pessoa comeccedila do nascimento com

vida mas a lei potildee a salvo desde a concepccedilatildeo os direitos do nascituro

Neste raciociacutenio usando como exemplo a condiccedilatildeo do nascituro tem-se

neste ser um sujeito de direito sem personalidade pois a proacutepria lei admite isso

em seu artigo segundo quando afirma os seus direitos desde a concepccedilatildeo

Num primeiro momento haacute a niacutetida intenccedilatildeo do legislador em natildeo con-

siderar o nascituro como pessoa tendo em vista que a personalidade inicia-

se com o nascimento com vida mas em contrapartida haacute garantia de direi-

tos ao natildeo nascido A doutrina ao retratar o assunto acima tenta explicar a

situaccedilatildeo por meio das teorias natalista condicionalista e concepcionista

A teoria natalista aduz a ausecircncia de personalidade do nascituro e res-

salta a existecircncia de expectativas de direito tomando por base a ideia de

que a personalidade civil soacute teraacute iniacutecio a partir do nascimento com vida natildeo

devendo ser reconhecidos ao nascituro direitos Assim soacute se admite falar em

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

247

tratamento juriacutedico para aquele nascido com vida Para tal considera-se nas-

cido com vida aquele retirado do corpo materno e mediante presenccedila de ar

nos pulmotildees por meio de procedimento meacutedico chamado docimasia pulmo-

nar (MARCcedilAL AMARAL 2018)

A teoria da personalidade condicionada sustenta que os direitos do nas-

cituro enfrentam uma condiccedilatildeo suspensiva na medida em que soacute deveraacute ser

considerado ente com personalidade o nascituro que venha a nascer com

vida excluindo no entanto a possibilidade de atribuiccedilatildeo de personalidade

agraves situaccedilotildees em que este mesmo natildeo venha a vingar natildeo lhe sendo atribuiacutedo

qualquer direito Ainda quanto a este ponto destaca-se que o nascituro se

enquadraria com uma pessoa virtual ou condicional pois sua personalidade

encontra-se condicionada ao nascimento com vida (FARIAS ROSENVALD

2016) Estando portanto mediante uma condiccedilatildeo aplicar-se-ia de igual ma-

neira ao embriatildeo concebido mediante fertilizaccedilatildeo in vitro ou seja uma vida

extrauterina Sua personalidade e consequente aquisiccedilatildeo de ser sujeito de di-

reito ficariam condicionadas ao nascimento com vida alcanccedilando direitos

patrimoniais e obrigacionais (DINIZ 2017)

Por fim a teoria concepcionista que considera a similitude entre capa-

cidade de direito e personalidade desconsidera a leitura fria da lei e propotildee

uma interpretaccedilatildeo mais abrangente no sentido de afirmar ser o nascituro pes-

soa desde sua concepccedilatildeo Encontra seu fundamento ao propagar que seria

o nascituro possuidor de personalidade juriacutedica com inspiraccedilatildeo no Direito

Francecircs o qual afirma que a aquisiccedilatildeo de personalidade juriacutedica eacute a partir da

concepccedilatildeo e que consequentemente jaacute haacute titularizaccedilatildeo de direitos (FARIAS

ROSENVALD 2016)

Desta forma mostra-se como corrente majoritaacuteria bem como adotada

pelo Coacutedigo Civil de 2002 a teoria natalista na medida em que o que deter-

mina a atribuiccedilatildeo da personalidade eacute o nascimento da pessoa natural Res-

salte-se que mesmo adotando tal teoria a lei coloca a salvo a situaccedilatildeo do

nascituro afirmando natildeo ser pessoa mas detentor de expectativa de direitos

Assim diante da literalidade do mencionado art 2ordm da codificaccedilatildeo pri-

vada a proacutepria legislaccedilatildeo reconhece a atribuiccedilatildeo de condiccedilatildeo de sujeito de

direito em separado da personalidade a exemplo do nascituro Desta forma

se a proacutepria legislaccedilatildeo afirma a possibilidade acima mencionada ou seja de

em determinadas situaccedilotildees atribuir direitos a entes desprovidos de personali-

dade os conceitos de capacidade de direito sujeito de direito e personali-

dade mostram-se distintos

Outrossim ainda cumpre lembrar que a legislaccedilatildeo na tentativa de

compensar a ausecircncia de capacidade plena criou os institutos da represen-

taccedilatildeo e da assistecircncia a partir da chamada teoria das incapacidades justa-

mente para natildeo desamparar civilmente as pessoas ou ateacute mesmo os entes

sem personalidade mas considerados como sujeitos de direitos

A premissa geral eacute de que as pessoas possuam plena capacidade para

praticar os atos da vida civil sendo a incapacidade mecanismo de exceccedilatildeo

visto que traz no rol dos arts 3deg e 4ordm do Coacutedigo Civil as circunstacircncias em que

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

248

a incapacidade seraacute plena ou limitada Nesse raciociacutenio a codificaccedilatildeo civil

elenca o rol de absolutamente incapazes e relativamente incapazes nas pre-

missas de seus artigos 3ordm e 4ordm A primeira situaccedilatildeo refere-se agrave necessidade de

representaccedilatildeo e a segunda assistecircncia justamente por tal rol comportar a

incapacidade para praticar os atos da vida civil

Muito embora natildeo haja previsatildeo da situaccedilatildeo do nascituro nos artigos

acima mencionados ressalte-se existir a previsatildeo dos chamados alimentos

graviacutedicos (Lei nordm 11804 de 5 de novembro de 2008) justamente para prote-

ger o nascituro ente sem personalidade mas sujeito de direito A referida lei

de forma sinteacutetica cuida da possibilidade de pleitear alimentos em face do

suposto pai para cobrir as despesas proacuteprias da gravidez decorrentes da con-

cepccedilatildeo em benefiacutecio preciacutepuo do nascituro

A capacidade de direito revela-se como a possibilidade de ter direitos

Tome-se por base o fato de existirem sujeitos de direito que natildeo satildeo pessoas e

que possuem capacidade juriacutedica como espoacutelio massa falida condomiacutenio e

heranccedila jacente A capacidade portanto iraacute refletir de modo gradual uns

com maior e outros em menor necessidade na oacuterbita juriacutedica (GORDILHO

SILVA 2012)

Para os animais natildeo humanos deve ser atribuiacuteda uma espeacutecie de per-

sonalidade juriacutedica miacutenima como bem assevera Carla de Abreu Medeiros

(2017 p 121)

Para falar sobre o direito subjetivo dos animais deve-se pensar na

personalidade juriacutedica miacutenima a qual se assemelha ao que seria o

miacutenimo do direito natural ou seja agravequilo a que todos os seres (huma-

nos ou natildeo) tecircm interesse como o direito agrave vida e agrave integridade fiacutesica

por exemplo Por conseguinte sua tutela deve se dar da mesma

forma como ocorrecom os incapazes Ou seja deveraacute ser nomeado

um tutor ou representante legal para que esteem nome dos animais

defenda seus interesses como a uma vida digna sem sofrimento

Outrossim ainda aduz a referida autora sobre a consciecircncia de dife-

renccedila existente entre humanos e animais mas que tais distinccedilotildees devem im-

pulsionar outras diferenccedilas nos seus direitos na medida de suas desigualda-

des ressaltando ainda que de acordo com o princiacutepio da igualdade deve

haver consideraccedilatildeo de interesses entre todos os seres negros ou brancos ho-

mens ou mulheres humanos ou natildeo humanos (MEDEIROS 2017)

Haacute autores como Heron Santana e Tagore Trajano (2012) que afirmam

que a personalidade juriacutedica perfaz um atributo criado e imputado aos ho-

mens e a outras entidades somente para atender necessidades de traacutefego

social tendo em vista que a regra juriacutedica incide sobre fatos Noutras palavras

ser somente como uma criaccedilatildeo fictiacutecia a fim de promover maior mobilidade

frente as demandas da sociedades diante de fatos preexistentes

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

249

Importante apontar as palavras de Vitor Frederico Kumpel (2018 p757)

quando assim dispotildee

Com efeito da proteccedilatildeo juriacutedica jaacute conferida aos animais natildeo de-

corre que estes possam gozar na ordem juriacutedica brasileira de uma

tutela tatildeo alargada que os considere como membros efetivos da fa-

miacutelia para fins juriacutedicos Se se passar a admitir essa situaccedilatildeo a ponto

de o animal ser tido como equiparado agraves pessoas poder-se-ia ateacute

mesmo pensar no casamento entre pessoas e animais Isso por ab-

surdo que pareccedila estaacute de certo modo alinhado a um tempo no qual

se coisificam as pessoas e se personalizam coisas

Parece mais adequado o pensamento por meio do qual se atribui per-

sonalidade juriacutedica miacutenima aos animais natildeo humanos desta forma seria efe-

tivamente garantida uma proteccedilatildeo agrave vida e agrave integridade fiacutesica no sentido

de ser-lhes concedida tal condiccedilatildeo em razatildeo de sua clara sensibilidade aos

sentimentos e sensaccedilotildees bem como em virtude do novo sentido que ocupam

perante a sociedade pois enquanto o animal natildeo humano for percebido em

prol do animal humano sua qualificaccedilatildeo continuaraacute como de simples coisa

perante o direito

Permeia perante alguns posicionamentos doutrinaacuterios a possibilidade de

ser imposta aos animais a natureza sui generis ou seja nem ser coisa muito

menos pessoa Tal abordagem seraacute retratada no proacuteximo toacutepico

163 OS ANIMAIS DE ESTIMACcedilAtildeO COMO ldquoTERCEIRO GEcircNEROrdquo E O

MEIO TERMO COMO SOLUCcedilAtildeO APARENTE

Quando se fala em animais de estimaccedilatildeo e mais precisamente se deve

ou natildeo ser atribuiacuteda personalidade juriacutedica cria-se verdadeira batalha doutri-

naacuteria e jurisprudencial por extremistas de ambos os lados diante da diferenci-

accedilatildeo entre coisa e pessoa estabelecida pelo Coacutedigo Civil de 2002 Assim

abordar-se-aacute neste toacutepico a possibilidade de reconhecer os animais de esti-

maccedilatildeo como pertencentes a uma terceira categoria diferente de coisa e

pessoa

Sob este aspecto vecircm surgindo alguns questionamentos acerca de

qual posiccedilatildeo juriacutedica deveriam os animais ocupar Sobre o assunto alguns es-

tudiosos propotildeem como soluccedilatildeo a criaccedilatildeo de categoria intermediaacuteria natildeo

ficando os animais como coisas tendo em vista serem seres dotados de sensi-

bilidade e sentimentos mas tambeacutem natildeo ocupando a categoria de humanos

visto que o animal natildeo humano natildeo eacute composto pela pessoa natural ou fiacutesica

Seguindo a categoria intermediaacuteria ou terceiro gecircnero a proposta eacute

encabeccedilada por Eduardo Rabenhorst e Franccedilois Ost e segundo os referidos

autores natildeo haacute a necessidade de encaixar ou ampliar as categorias existen-

tes ou seja coisa ou pessoa mas sim normatizar um estatuto especial relativo

aos animais dentro do ordenamento juriacutedico (SILVA GORDILHO 2012) Desta

forma ao criar um estatuto juriacutedico proacuteprio e categorizar os animais como um

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

250

terceiro gecircnero aniquilaria a alternativa de atribuir direitos subjetivos afas-

tando portanto a possibilidade de os mesmos serem sujeitos de direito bem

como de possuiacuterem personalidade juriacutedica miacutenima

Daniel Lourenccedilo (2016) enfrenta os entendimentos de Eduardo Rabe-

nhorst e Franccedilois Ost ao afirmar que tal teoria implicaria num regresso pois se

baseia em mais uma imputaccedilatildeo de deveres aos animais humanos e a uma

natildeo concessatildeo de um valor intriacutenseco aos animais natildeo humanos sustentando

ainda que teorias como a de entes despersonalizados e da personalidade

dariam uma soluccedilatildeo mais adequada agrave situaccedilatildeo dos animais do que a pro-

posta de um terceiro gecircnero

A verdade eacute que os animais humanos tendem a praticar o especismo

ou seja consideram-se superiores em relaccedilatildeo aos outros seres vivos exer-

cendo domiacutenio sobre tudo aquilo que habita a terra principalmente os ani-

mais O texto constitucional promove proteccedilatildeo a todos sem distinccedilatildeo aqueles

que possuem vida especialmente quando se utiliza da expressatildeo ldquotodos tecircm

direitordquo (MORAIS COSTA 2018)

Neste sentido os animais em geral tendo em vista as vaacuterias formas de

vida possuem seus interesses e necessidades independentemente da espeacute-

cie mas diante de uma organizaccedilatildeo visivelmente antropocecircntrica haacute uma

distinccedilatildeo discrepante entre animais e humanos na medida em que aos pri-

meiros nada se tem ou a miacutenima proteccedilatildeo que haacute mostra-se simboacutelica e aos

segundos a concessatildeo de todos os direitos inclusive o de apropriar-se dos

primeiros A criaccedilatildeo de uma nova categoria assemelha-se agrave criaccedilatildeo de uma

nova espeacutecie na medida em que haacute concessatildeo de direitos a uns e a outros

natildeo recaindo novamente nas raiacutezes do especismo e natildeo protegendo efetiva-

mente os animais (SILVA GORDILHO 2012)

O grande ponto ao tratar sobre a condiccedilatildeo ou natildeo de sujeito de direito

eacute verificar que se deve falar em dignidade para com os seres vivos em geral

admitindo que aqueles que possuem vida bem como possuem sentimentos

satildeo titulares de direitos Criar uma nova categorizaccedilatildeo juriacutedica ainda poderia

influenciar de forma negativa o trabalho jurisdicional pois recairiam os juiacutezes

no fardo da estrita legalidade diante da ausecircncia de uma perspectiva moral

e de valor intriacutenseco existente em relaccedilatildeo aos animais

A perspectiva antropocecircntrica natildeo atribui valor agrave natureza em geral

muito menos aos animais A utilizaccedilatildeo dos recursos ambientais eacute visivelmente

voltada para a satisfaccedilatildeo e aparato humano por esta razatildeo toda tutela juriacute-

dica existente tem o objetivo claro e evidente de servir aos humanos con-

forme a utilidade que os animais tenham Assim havendo hierarquia entre os

seres haacute o fortalecimento do especismo (SILVESTRE LORENZONI HIBNER 2018)

Desta feita a opccedilatildeo pela criaccedilatildeo de status juriacutedico novo nomeado de

terceiro gecircnero natildeo se mostra como a melhor opccedilatildeo praacutetica e efetiva na in-

teraccedilatildeo humano-animal Haveria nesse vieacutes a criaccedilatildeo de uma espeacutecie de

personalidade especial ou tiacutepica estranha agrave proacutepria condiccedilatildeo do animal e

que natildeo agregaria valor intriacutenseco Consequentemente ter-se-ia a quebra do

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

251

binocircmio pessoacoisa existente e acarretaria numa extrema modificaccedilatildeo e

uma perda praacutetica tornando-se soacute mais um estatuto juriacutedico sem eficaacutecia

Por isto mostra-se como melhor soluccedilatildeo o reconhecimento dos animais

de estimaccedilatildeo como sujeitos de direitos e lhes ser atribuiacuteda uma personalidade

juriacutedica miacutenima tendo em vista a nova conjuntura social que os considera

como membros da famiacutelia e ateacute mesmo como filhos

A melhor maneira para chegar ateacute esta conclusatildeo eacute fazer a aplicaccedilatildeo

do pensamento complexo ao Direito de modo a aplicar agrave norma juriacutedica a

realidade afastando assim a loacutegica claacutessica

Neste vieacutes deve-se abrir espaccedilo para aplicaccedilatildeo da complexidade

como possibilidade de saberes inclusivos e iguais apartando ao mesmo

tempo ideias de categorizaccedilatildeo e fragmentaccedilatildeo das coisas Como tal a situ-

accedilatildeo de atribuir personalidade juriacutedica aos animais causa incertezas e desa-

cordos mas tais sentimentos satildeo proacuteprios da sociedade e de acontecimentos

que fogem ao tradicional ou ao jaacute preacute-estabelecido Promover a ligaccedilatildeo entre

todos os seres eacute o caminho para se buscar soluccedilotildees como a de deixar de

considerar aos animais como meros objetos

Pensar de maneira categoacuterica e hieraacuterquica dentro de fontes de sabe-

res tradicionais acaba por limitar o Direito gerando desta forma uma falsa

sensaccedilatildeo de racionalidade e exclusatildeo de fenocircmenos

Interessante neste ponto destacar que quando se fala em complexi-

dade vigoram a incompletude e a incerteza merecendo destaque as pala-

vras de Germana Belchior (2015 p 101) sobre o assunto quando aduz que ldquoO

pensamento complexo eacute tambeacutem animado por uma tensatildeo permanente en-

tre a aspiraccedilatildeo por um saber fragmentado natildeo compartimentado natildeo redu-

tor e o reconhecimento inacabado e da incompletude de qualquer conheci-

mentordquo

O reconhecimento de que os animais satildeo seres sencientes aliado ao

fato de abandonar o especismo agrega valor moral aos animais dentro de

suas necessidades e do anseio social afastando portanto qualquer hierar-

quia entre espeacutecies e adaptando a legislaccedilatildeo aos reais anseios de animais

humanos e natildeo humanos evitando ainda a criaccedilatildeo de normas pouco ou

ate mesmo inutilizaacuteveis dentro do ordenamento

A soluccedilatildeo mais adequada parece ser a do reconhecimento dos animais

de estimaccedilatildeo como sujeitos de direito na ordem juriacutedica Ao serem colocados

neste patamar abrir-se-ia desta forma a possibilidade de concessatildeo de per-

sonalidade juriacutedica miacutenima Sendo detentores de uma personalidade juriacutedica

estariam aptos a figurarem nas relaccedilotildees juriacutedicas no entanto seu exerciacutecio

seria fomentado pelo representante ou tutor do animal na medida em que

sanaria a ausecircncia da plena capacidade

Ao identificar os animais natildeo humanos como seres dotados de sensibili-

dade como sujeitos de uma vida e reconhecer sua dignidade os coloca num

mesmo patamar protecionista em relaccedilatildeo aos humanos podendo desta

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

252

forma consideraacute-los como membros de uma famiacutelia carecedores de prote-

ccedilatildeo estatal efetiva

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Eacute certo que a liberdade e autonomia reinam no acircmbito das relaccedilotildees

privadas principalmente no tocante a formaccedilatildeo das famiacutelias A Carta Magna

de 1988 reconhece a famiacutelia como ceacutelula matildee da sociedade devendo qual-

quer que seja sua composiccedilatildeo ser protegida pelo Estado Daiacute entatildeo falar em

proteccedilatildeo das famiacutelias multiespeacutecie e consequentemente dos animais de es-

timaccedilatildeo enquanto membros

Frente o atual coacutedigo civil de 2002 o animal de estimaccedilatildeo continua

sendo considerado como bem moacutevel ou seja semovente natildeo sendo consi-

derado como sujeito de direito e que mesmo existindo propostas de alteraccedilatildeo

legislativa no tocante a mateacuteria natildeo se mostraria suficiente para efetivar pro-

teccedilatildeo juriacutedica adequada aos animais de estimaccedilatildeo se natildeo forem exatamente

pontuados de quais direitos seriam detentores

Ao analisar o instituto da personalidade juriacutedica e sua aplicaccedilatildeo aos ani-

mais de estimaccedilatildeo vislumbra-se pela possibilidade Considerando o animal

de estimaccedilatildeo enquanto sujeito de direito e eventual atribuiccedilatildeo de personali-

dade juriacutedica miacutenima ter-se-ia de maneira mais eficiente a garantia de prote-

ccedilatildeo agrave vida e agrave integridade frente a clara sensibilidade de que satildeo dotados

Deve-se ter mente portanto que a proteccedilatildeo ao animal de estimaccedilatildeo deve

ser a mesma dedicada aos humanos pois ambos satildeo sujeitos de uma vida

A criaccedilatildeo de uma nova categoria como o terceiro gecircnero para en-

quadramento dos animais natildeo seria a via mais adequada para garantir a pro-

teccedilatildeo invocada pois claramente geraria mais uma classificaccedilatildeo que igual-

mente seria excludente e especista frente outras situaccedilotildees que podem ser so-

lucionadas a partir da igual consideraccedilatildeo de interesses entre espeacutecies

Por fim tem-se que a modificaccedilatildeo do status juriacutedico dos animais de es-

timaccedilatildeo mostra-se necessaacuteria enquanto sujeito de direito e detentores de per-

sonalidade juriacutedica miacutenima natildeo soacute para enquadraacute-los como membros de de-

terminada famiacutelia mas sim por serem seres sencientes e sujeitos de uma vida

e desta maneira natildeo podem ser inferiorizados unicamente por natildeo serem se-

res humanos

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255

O MEIO AMBIENTE COMO CONCEITO

JURIacuteDICO INDETERMINADO SOB A

OacutePTICA DO PENSAMENTO COMPLEXO

Victor Nunes Barroso1

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 171 Consideraccedilotildees sobre a complexidade

ambiental e a dificuldade de conceituaccedilatildeo do meio ambiente 172

Conceito legal de meio ambiente 173 O meio ambiente como con-

ceito juriacutedico indeterminado agrave luz do pensamento complexo Consi-

deraccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

A questatildeo ambiental mais do que nunca se mostra de urgente apreci-

accedilatildeo sob pena de cada vez mais e em um futuro mais proacuteximo tornar o pla-

neta Terra inoacutespito para que as geraccedilotildees vindouras possam nele dignamente

viverem A grave crise ambiental que de haacute muito se vecirc exige uma nova

abordagem na relaccedilatildeo do homem com o ambiente uma conduta responsaacute-

vel e respeitosa para com os recursos naturais nas suas mais variadas espeacutecies

e organismos

A perene busca na tentativa de bem se enfrentar a questatildeo ambiental

traz consigo necessariamente uma alteraccedilatildeo no comportamento do ser hu-

mano Uma consciecircncia ambiental uma nova cultura na relaccedilatildeo do homem

com meio ambiente eacute imprescindiacutevel para se viabilizar as condiccedilotildees de vida

para as geraccedilotildees vindouras

Natildeo basta a luta por uma melhor gestatildeo e por um uso racional dos re-

cursos naturais uma profunda mudanccedila nas mentalidades se impotildee com

consequentes comportamentos voluntaacuterios de preservaccedilatildeo A consciecircncia e

a accedilatildeo no sentido de que o meio ambiente deve ser tratado como algo cons-

tante Uma eacutetica ambiental entendida como a relaccedilatildeo dos seres humanos

com os demais seres vivos se mostra cada vez mais necessaacuteria Um trata-

mento e um respeito eacutetico conferido agrave natureza satildeo imprescindiacuteveis mudam-

se os conceitos os olhares alteram-se os comportamentos

O Direito pois natildeo poderia ficar distante de tatildeo relevante problema

que afeta a todos os seres vivos Todavia necessaacuterio se faz sempre na busca

de uma racional e efetiva proteccedilatildeo juriacutedica e sobretudo para natildeo se ficar a

mercecirc de modismos e ondas casuiacutesticas rigor epistemoloacutegico no objeto a ser

estudado na definiccedilatildeo do problema a ser enfrentado

1 Mestrando em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Juiz de Direito

E-mail vcnbarrosoyahoocombr

17

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

256

Contudo mesmo com o advento da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 que

ao dispensar um capiacutetulo para a proteccedilatildeo do meio ambiente o Capiacutetulo VI

do Tiacutetulo VIII com o artigo 225 seus paraacutegrafos e incisos que deu um passo

importantiacutessimo para a conscientizaccedilatildeo juriacutedica ambiental muita discussatildeo

ainda existe em torno do conceito juriacutedico de meio ambiente problema que

interessa natildeo somente agrave academia vez que as atitudes a serem tomadas em

todas esferas tecircm iacutentima relaccedilatildeo com o conceito adotado

O problema de partida a ensejar este artigo revela-se na seguinte in-

dagaccedilatildeo qual o conceito juriacutedico de meio ambiente que satisfaccedila as exigecircn-

cias da sociedade contemporacircnea tomando-se como paradigma o pensa-

mento complexo O objetivo geral da pesquisa eacute investigar a possibilidade de

um conceito juriacutedico indeterminado para o meio ambiente

A pesquisa eacute fundamentalmente bibliograacutefica teoacuterico descritiva dos

conceitos e qualitativa O meacutetodo adotado eacute o dedutivo A dialeacutetica se mos-

tra imprescindiacutevel afinal a realidade estaacute sempre em movimento

No presente estudo seraacute abordada no toacutepico primeiro a dificuldade de

se bem definir meio ambiente ante a sua multidimensionalidade e complexi-

dade aleacutem de sua classificaccedilatildeo como de uso comum do povo

No segundo toacutepico seraacute analisado o conceito legal de meio ambiente

tanto constitucional quanto na legislaccedilatildeo ordinaacuteria com os princiacutepios de Di-

reito Ambiental e a sua importacircncia para uma devida e efetiva proteccedilatildeo juriacute-

dica

No terceiro item seraacute feita uma tentativa de contribuir com o conceito

de meio ambiente abrangente integral totalizante O conceito juriacutedico inde-

terminado natildeo como lacuna ou incompletude do texto legal mas como insti-

tuto importante em uma sociedade complexa e em constante transforma-

ccedilatildeo

171 CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE A COMPLEXIDADE AMBIENTAL E A

DIFICULDADE DE CONCEITUACcedilAtildeO DO MEIO AMBIENTE

Em uma eacutepoca de profundas transformaccedilotildees a chamada sociedade

poacutes-moderna com as suas ambiguidades e crescimento desordenado onde

tudo se torna efecircmero e descartaacutevel a qual trouxe consigo grandes mudan-

ccedilas nas relaccedilotildees interpessoais sociais poliacuteticas e ambientais dentre outras

bem como riscos inimaginaacuteveis decorrentes de novas tecnologias do con-

sumo sem freios de uma exploraccedilatildeo que beira a insanidade por entender que

os recursos naturais utilizados satildeo infinitos uma grave crise ambiental inevita-

velmente se instalou e cada vez se torna mais visiacutevel a ensejar mudanccedilas de

comportamento Ost (1995 p 8 - 9) natildeo deixa duacutevida

Eis a crise ecoloacutegica a desflorestaccedilatildeo e destruiccedilatildeo sistemaacutetica das

espeacutecies animais sem duacutevida mas antes de mais e sobretudo a

crise da nossa representaccedilatildeo da natureza a crise da nossa relaccedilatildeo

com a natureza [] esta crise eacute simultaneamente a crise do viacutenculo e

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

257

a crise do limite uma crise de paradigma sem duacutevida Crise do viacuten-

culo jaacute natildeo conseguimos discernir o que nos liga ao animal ao que

tem vida agrave natureza crise do limite jaacute natildeo conseguimos discernir o

de que deles nos distingue

A crise ambiental que soacute natildeo eacute vista por quem natildeo quer ou pior ainda

por quem tem interesses natildeo explicitamente revelados se mostra mais a cada

dia com a maacute distribuiccedilatildeo dos recursos hiacutedricos e a contaminaccedilatildeo da jaacute es-

cassa aacutegua doce com a devastaccedilatildeo da flora e da fauna com a poluiccedilatildeo e

o aquecimento global enfim com todos esses males que levou o planeta agrave

beira de uma cataacutestrofe A presente eacutepoca por muitos designada de poacutesmo-

dernidade e a geraccedilatildeo que nela estaacute inserida eacute a responsaacutevel pela quali-

dade do meio ambiente das geraccedilotildees que viratildeo

A poacutes-modernidade de acordo com Bittar (2005 p 107-108) eacute um es-

tado reflexivo da sociedade ante suas proacuteprias mazelas especialmente con-

siderada a condiccedilatildeo de superaccedilatildeo do modelo moderno de organizaccedilatildeo da

vida e da sociedade Mais do que um estado de coisas ela eacute um condiccedilatildeo

de amadurecimento social poliacutetico econocircmico e cultural que haveraacute de

alargar-se durante muito tempo ateacute a sua consolidaccedilatildeo As pretensas certezas

que se tinha na modernidade datildeo vez a natildeo linearidade a exigir um novo

paradigma

As mudanccedilas e os riscos criaram um largo abismo entre os problemas

que efetivamente ocorrem por um lado e as instituiccedilotildees por outro vez que

criadas para funcionarem em ambiente diverso com expectativas que natildeo

mais se perfazem O mundo estaacute mudando e para muitas pessoas que insis-

tem em vecirc-lo com os olhos voltados para o que passou com as mesmas cer-

tezas e com o mesmo paradigma da simplicidade estaacute cada vez mais incom-

preensiacutevel

A poacutes-modernidade com suas rupturas na ciecircncia e a quebra de valo-

res influenciou todas as aacutereas do conhecimento da histoacuteria agrave astronomia a

inseguranccedila e a incerteza se espalharam por todos os ramos do conheci-

mento inclusive o Direito A chamada estrita racionalidade juriacutedica de causas

e consequecircncias de silogismos e mera aplicaccedilatildeo da lei jaacute natildeo satisfazem se

eacute que algum dia satisfizeram apesar de orgulhosos operadores do Direito

ainda se acharem possuidores de soluccedilotildees para diversos problemas que se

quer se datildeo ao esforccedilo de tentar compreendecirc-los na sua inteireza Belchior

(2017 p 48) atesta

Eacute preciso romper o imaginaacuterio juriacutedico formal e encaixotado da Epis-

temologia Juriacutedica sendo o diaacutelogo de saberes um caminho possiacutevel

(e nunca a soluccedilatildeo) para uma nova racionalidade juriacutedica que bus-

que alinhar uma epistemologia ambiental com suporte na complexi-

dade na esperanccedila de poder contribuir de alguma maneira como

Direito Ambiental Ateacute porque na haacute avanccedilos sem falhas []

A necessidade do Direito sair do interior do arcabouccedilo formal que o

manteacutem isolado ainda se revela mais evidente no Direito Ambiental com seus

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

258

problemas transdisciplinares conexos e globais e caso insista em permanecer

encaixotado se esvaziaraacute pela sua pouca utilidade Viana (2019 p 9-10) des-

taca a necessidade de se utilizar um meacutetodo amplo totalizante para propi-

ciar uma melhor compreensatildeo da profundidade do Direito Ambiental e su-

gere o pensamento complexo para repensar a realidade levando em consi-

deraccedilatildeo aspectos das incertezas cientiacuteficas da poacutes-modernidade e da proacute-

pria loacutegica ambiental

O Direito Ambiental e notadamente por ser objeto deste trabalho o

meio ambiente dever ser analisado e estudado pois em suas muacuteltiplas di-

mensotildees a exigir mais do que um pensamento linear de causa e efeito O

pensamento sistemaacutetico linear cartesiano se caracteriza por ser simplifica-

dor que compartimentaliza e reduz o problema o conhecimento eacute compre-

endido de forma mecacircnica disjuntiva e reducionista separando o que estaacute

ligado tornando unidimensional o que de fato eacute multidimensional

Com os questionamentos dos paradigmas tradicionais da ciecircncia o mo-

delo linear cartesiano eacute confrontado com o modelo sistecircmico natildeo linear A

simplicidade daacute lugar agrave complexidade que se revela por sistemas amplos re-

des ecossistemas a objetividade cede agrave instabilidade desordem evoluccedilatildeo

imprevisibilidade e a objetividade agrave intersubjetividade inclusatildeo do observa-

dor autorreferecircncia

A forma sistemaacutetica de pensar natildeo mais satisfazendo vai cedendo ao

pensamento sistecircmico complexo O paradigma simplificador privilegia a or-

dem no universo desconsiderando e afastando a desordem Tal ordem eacute pre-

tendida com a reduccedilatildeo da realidade a uma lei a um princiacutepio natildeo conside-

rando as vaacuterias dimensotildees dos sujeitos e dos objetos

Vasconcelos sintetiza (2018 p 147)

Porque pensar sistemicamente eacute pensar a complexidade a instabili-

dade e a intersubjetividade ou porque os pressupostos da complexi-

dade da instabilidade e da intersubjetividade constituem em con-

junto uma visatildeo de mundo sistecircmica De fato natildeo satildeo mais do que

duas formulaccedilotildees da mesma resposta

O paradigma do pensamento complexo que tem como um dos expo-

entes o francecircs Edgar Morin vem contribuindo para o desenvolvimento de um

arcabouccedilo teoacuterico arrimado em uma visatildeo planetaacuteria do mundo uma visatildeo

ecoloacutegica em que as accedilotildees e omissotildees humanas tecircm grande relevacircncia na

questatildeo ambiental quer seja local quer seja global

Morin (2005) afirma que pretende sensibilizar para as enormes carecircncias

do nosso pensamento e que um pensamento mutilador conduz necessaria-

mente a accedilotildees mutilantes Pretende nos alertar sobre a patologia contempo-

racircnea do pensamento uma cegueira que faz parte da nossa barbaacuterie desta-

cando que precisamos compreender que continuamos na era da barbaacuterie

das ideias e que estamos ainda na preacute-histoacuteria do espiacuterito humano

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

259

O grande desafio do pensamento complexo natildeo eacute como no pensa-

mento simples a busca pela completude mas o poder de estabelecer uma

articulaccedilatildeo entre os mais diversos campos de pesquisas e disciplinas Morin

(2011 p 17) faz uma interessante distinccedilatildeo entre cultura humaniacutestica e cultura

cientiacutefica

A cultura humaniacutestica eacute uma cultura geneacuterica que pela via da filo-

sofia do ensaio do romance alimenta a inteligecircncia geral enfrenta

as grandes interrogaccedilotildees humanas estimula a reflexatildeo sobre o saber

e favorece a integraccedilatildeo pessoal dos conhecimentos A cultura cien-

tiacutefica bem diferente por natureza separa as aacutereas do conhecimento

acarreta admiraacuteveis descobertas teorias gerais mas natildeo uma refle-

xatildeo sobre o destino humano e sobre o futuro da proacutepria ciecircncia

Para se atingir tal objetivo pode-se dizer que o pensamento complexo

possui sete princiacutepios principais o princiacutepio sistecircmico o hologramaacutetico o prin-

ciacutepio do ciacuterculo retroativo do ciacuterculo recursivo da autoeco-organizaccedilatildeo o

princiacutepio dialoacutegico e o da reintroduccedilatildeo do conhecimento em si mesmo

O princiacutepio sistecircmico ou organizacional une o conhecimento das partes

ao conhecimento do todo o individual ao complexo juntando-os A ideia do

pensamento sistecircmico em oposiccedilatildeo ao pensamento simplista eacute no sentido

de que o todo eacute mais que a soma das partes

O princiacutepio hologramaacutetico revelando aparente paradoxo salienta que

natildeo somente a parte estaacute no todo mas tambeacutem o todo se acha na parte

Existe uma complementaccedilatildeo entre eles natildeo sendo possiacutevel separaacute-los Eacute o

que ocorre com os indiviacuteduos que satildeo partes que compotildeem a sociedade

mas que teriam presente em si mesmos a proacutepria sociedade por meio da

linguagem das normas e da cultura

No princiacutepio do ciacuterculo (anel) retroativo a causa age sobre o efeito e o

mesmo efeito sobre a causa Haacute assim um rompimento tanto com a causali-

dade como com a loacutegica linear a exigir reforccedilando a ideia de probabilidade

uma nova noccedilatildeo de causalidade

O princiacutepio do ciacuterculo (anel) recursivo superando a noccedilatildeo de organiza-

ccedilatildeo com a de autoproduccedilatildeo e auto-organizaccedilatildeo segundo o qual os produ-

tos e seus efeitos satildeo os causadores e produtores daquilo que os produz que-

brando a noccedilatildeo de linearidade entre causas e efeitos produtos que satildeo ge-

rados por produtores tudo o que eacute produzido volta sobre o que o produziu

considerando-se que haacute ciacuterculo gerador de modo que os produtos e efeitos

de um sistema satildeo tambeacutem componentes do sistema que os produz assu-

mindo a posiccedilatildeo de produtores e causadores

Para o princiacutepio da autoeco-organizaccedilatildeo ou autonomia e dependecircn-

cia os seres vivos (princiacutepio sempre aplicaacutevel aos seres humanos) satildeo auto-

organizadores e se produzem incessantemente todavia dependem do meio

ambiente e de outros seres seja qual for a organizaccedilatildeo ela necessita se man-

ter aberta ao sistema em que se acha Essa dependecircncia revela-se na neces-

sidade de se extrair energia organizaccedilatildeo e informaccedilatildeo do proacuteprio meio A

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

260

autonomia eacute inseparaacutevel da dependecircncia vale dizer para se manterem au-

tocircnomos os seres vivos necessitam de elementos estranhos a eles tais como o

ar a aacutegua enfim natildeo haacute autonomia sem dependecircncia para com o meio

ambiente

O princiacutepio dialoacutegico pode ser entendido como uma proposta de inclu-

satildeo natildeo de exclusatildeo Faz um paralelo entre a ordem a desordem e a orga-

nizaccedilatildeo vez que satildeo interligados Preconiza a uniatildeo de noccedilotildees diversas no

momento de pensar os processos de organizaccedilatildeo produccedilatildeo e criaccedilatildeo em

meio agrave complexidade humana de tal forma que as loacutegicas envolvidas for-

mem uma unidade complexa ainda que antagocircnicas A dialoacutegica permite

assumir racionalmente a associaccedilatildeo de noccedilotildees contraditoacuterias para concebe

um mesmo fenocircmeno complexo Noacutes mesmos somos seres separados e autocirc-

nomos fazendo parte de duas continuidades inseparaacuteveis a espeacutecie e a so-

ciedade Quando se considera a espeacutecie ou a sociedade o indiviacuteduo desa-

parece quando se considera o indiviacuteduo a espeacutecie e a sociedade desapa-

recem O pensamento complexo assume dialogicamente os dois termos que

tendem a se excluir (MORIN 2005)

O princiacutepio da reintroduccedilatildeo do conhecimento em si mesmo produz a

restauraccedilatildeo do sujeito e coloca luzes sobre a problemaacutetica cognitiva central

O referido princiacutepio tem o seu fundamento no novo na inquietaccedilatildeo na ousa-

dia Eacute a constataccedilatildeo de que o pensamento complexo natildeo eacute uma foacutermula

maacutegica e natildeo iraacute resolver os problemas mas que na verdade eacute um ponto de

partida e nunca seraacute um meacutetodo pronto eacute um questionamento em si mesmo

(BELCHIOR 2017 p 65)

Longe de ser uma utopia o pensamento complexo eacute uma nova ma-

neira de se pensar problemas juntando coisas pessoas e situaccedilotildees para que

de sua interaccedilatildeo surjam novas ideias Apresenta-se pois com uma alterna-

tiva para a sociedade contemporacircnea inclusive para o Direito Ambiental

Natildeo se pode mais admitir reducionismos sob pena de consequecircncias

catastroacuteficas sobretudo para as futuras geraccedilotildees O pensamento complexo

apesar de natildeo ser totalizador e admitindo a incompletude e a incerteza as-

pira agrave transdisciplinaridade ao conhecimento multidimensional ao diaacutelogo

transversal entre as especialidades e eacute definido pelos relacionamentos e pelos

processos

Pode-se dizer que uma visatildeo planetaacuteria do mundo eacute um dos pilares do

pensamento complexo que natildeo mais dividindo as disciplinas busca relaci-

onaacute-las Uma visatildeo planetaacuteria passa necessariamente por uma visatildeo ecoloacute-

gica na qual as accedilotildees e omissotildees humanas interferem local e globalmente

nas condiccedilotildees ambientais O pensamento complexo mostra que os seres vivos

soacute podem ser entendidos dentro de um contexto maior em que o todo eacute mais

que a soma das partes

Um pensamento totalizante eacute imprescindiacutevel para se tentar definir meio

ambiente que ao contraacuterio do que parece natildeo eacute tarefa faacutecil As dificuldades

satildeo muitas e de logo vecirc-se que a referida expressatildeo eacute composta de dois ter-

mos que exigem adequada interpretaccedilatildeo para que se possa devidamente

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

261

compreendecirc-las De acordo com os ensinamentos de Silva (2004 p 20) o

conceito de meio ambiente deve ser globalizante e abranger toda a natu-

reza tanto artificial quanto natural bem como os bens culturais compreen-

dendo portanto o solo o ar a aacutegua a flora e o patrimocircnio artiacutestico turiacutestico

paisagiacutestico e arquitetocircnico

Tatildeo somente para fins didaacuteticos e organizacionais pode-se dividir o

meio ambiente em natural artificial cultural e do trabalho O meio ambiente

natural ou fiacutesico eacute onde se daacute a interelaccedilatildeo entre todas as espeacutecies e o es-

paccedilo que ocupam o meio ambiente artificial eacute o espaccedilo construiacutedo resul-

tado de transformaccedilotildees para adequaacute-lo agraves necessidades humanas sendo

constituiacutedo pelos edifiacutecios urbanos que satildeo os espaccedilos puacuteblicos fechados e

pelos equipamentos comunitaacuterios que satildeo os espaccedilos puacuteblicos abertos como

as ruas as praccedilas e as aacutereas verdes o meio ambiente cultural eacute integrado pelo

patrimocircnio artiacutestico histoacuterico arqueoloacutegico paisagiacutestico turiacutestico destaque-se

que mesmo artificial diferencia-se dele pelo fato de ter adquirido um valor

especial constitui-se tanto de bens de natureza material como os lugares

objetos e documentos de importacircncia para a cultura quanto imaterial a

exemplo dos idiomas das danccedilas dos cultos religiosos e dos costumes de uma

maneira geral O art 220 VIII da Constituiccedilatildeo Federal refere-se ao meio am-

biente do trabalho como um conjunto de fatores que estatildeo presentes no am-

biente de trabalho do indiviacuteduo Esses fatores podem ser de ordem fiacutesica ou

natildeo e natildeo se exige interligaccedilatildeo entre eles

A Constituiccedilatildeo Federal desta feita deveraacute sempre privilegiar uma efe-

tiva proteccedilatildeo ambiental vez que natildeo se limitou a cuidar do meio ambiente

natural (art 225 caput e sect 1ordm) fazendo expressas referecircncias ao meio ambi-

ente cultural (art 215 e 216) ao meio ambiente artificial (arts 21 XX 182) e ao

meio ambiente do trabalho (art 200 VIII)

A busca por um conceito juriacutedico de meio ambiente que englobe todos

os aspectos ateacute aqui exposto eacute tarefa aacuterdua e que de haacute muito vem sendo

perseguido como seraacute a seguir examinado

172 CONCEITO LEGAL DE MEIO AMBIENTE

A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 consagrou o meio ambiente como um

bem juridicamente tutelado ao dispor no seu art 225 ldquotodos tecircm direito ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e

essencial agrave sadia qualidade de vida impondo-se ao Poder Puacuteblico e agrave coleti-

vidade o dever de defendecirc-lo e preservaacute-lo para as presentes e futuras gera-

ccedilotildeesrdquo A Constituiccedilatildeo assim de acordo com Sampaio (2016 p 8485) estaria

inserida no chamado terceiro ciclo das Cartas ambientais

Um terceiro ciclo das Constituiccedilotildees ecoloacutegicas (ou ambientais) consagra-

dor de um ldquoconstitucionalismo verde profundordquo estaria a definir-se

com a proclamaccedilatildeo de ldquodireitos ambientais poacutes-humanosrdquo ou ldquodirei-

tos ambientais stricto sensordquo O prenuacutencio estaria nas referecircncias de

um ldquodireito da naturezardquo nas Constituiccedilotildees de alguns paiacuteses todavia

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

262

radicalizado por uma guinada ecocecircntrica no final da primeira deacute-

cada do seacuteculo atual Nessa nova fase haveria um vero ldquodireito da

naturezardquo superador do mero ldquodireito agrave naturezardquo atribuindo-se titu-

laridade ou mesmo subjetividade ora agrave ldquocomunidade da Terrardquo agrave

ldquoGaiardquo em sua inteireza ora a seres natildeo humanos animais especial-

mente

Antes de se chegar ao importantiacutessimo art 225 da CF outros textos le-

gislativos fizeram referecircncia ao meio ambiente na tentativa de adequada-

mente conceituaacute-lo Sirvinskas (2013 p 78-81) ao expor sobre a proteccedilatildeo juriacute-

dica do meio ambiente no Brasil em relaccedilatildeo agrave sua histoacuteria faz uma divisatildeo

em trecircs partes iniciando com o descobrimento do Brasil em 1500 ateacute a che-

gada da famiacutelia real em 1808 periacuteodo em que foram editadas normas isoladas

de proteccedilatildeo aos recursos naturais indicando como principais normas desse

periacuteodo o Regimento de 1605 que protegia o pau-brasil como propriedade

real o Alvaraacute de 1675 que proibia a sesmaria em terras litoracircneas onde hou-

vesse madeira a Carta Reacutegia de 1797 que protegia as florestas matas e aacutervo-

res localizadas nas proximidades dos rios nascentes e encostas declaradas

como de propriedades da coroa e o Regimento de Cortes de Madeiras de

1799 que estabelecia regras para a derrubada de aacutervores

O segundo periacuteodo tem iniacutecio logo apoacutes a chegada da famiacutelia real e se

estende ateacute a promulgaccedilatildeo da Lei da Poliacutetica Nacional do Meio Ambiente

(1981) esta fase caracteriza-se por uma grande e desenfreada exploraccedilatildeo

ambiental e eventuais questotildees juriacutedicas eram resolvidas com base nas regras

do Coacutedigo Civil vigente aacute eacutepoca As principais normas editadas nesse periacuteodo

foram Lei nordm 6011850 Lei de Terras do Brasil que disciplinava a ocupaccedilatildeo do

solo e previa sanccedilotildees para as atividades predatoacuterias Decreto nordm 88431911

que criou a primeira reserva florestal do Brasil no hoje Estado do Acre Lei nordm

30711916 Coacutedigo Civil que previa normas de natureza ecoloacutegica mas de

cunho eminentemente privadas

Decreto nordm 237931934 Coacutedigo Florestal que estabelecia limites ao di-

reito de propriedade Decreto nordm 246431934 Coacutedigo de Aacuteguas que regula-

mentava o uso e a captaccedilatildeo da aacutegua Decreto-lei nordm 7341938 que dispunha

sobre o Coacutedigo de pesca Decreto nordm 19851940 Coacutedigo de Minas Lei nordm

45041964 e o Estatuto da Terra Lei nordm 47711965 Pode-se dizer para fins

de marco histoacuterico que a Declaraccedilatildeo de Estocolmo sobre o meio ambiente

humano de 1972 eacute uma referecircncia para o estudo do Direito Ambiental ao

afirmar princiacutepios para a novel disciplina inaugurando uma agenda voltada

para o meio ambiente e fazendo com que bons olhos se voltassem para ques-

totildees ecoloacutegicas Apoacutes a referida Conferecircncia de Estocolmo o Brasil passa a

recepcionar normas de direito internacional sobre a mateacuteria

A terceira fase tem iniacutecio com a criaccedilatildeo da Lei da Poliacutetica Nacional do

Meio Ambiente Lei nordm 69381981 Destaque-se a importacircncia da referida lei

vez que daacute iniacutecio a um novo periacuteodo em que se busca a proteccedilatildeo total do

meio ambiente por intermeacutedio de um sistema ecoloacutegico integrado Aqui satildeo

editas a Lei nordm 73471985 que dispotildee sobre a Accedilatildeo Civil Puacuteblica a Lei nordm

96051998 que dispotildee sobre as sanccedilotildees penais e administrativas derivadas de

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

263

condutas e atividades lesivas ao meio ambiente a Lei nordm 102572001 Estatuto

da Cidade e sobretudo a Constituiccedilatildeo Federal de 1988

O conceito legal de meio ambiente estaacute previsto no art 3ordm I da Lei nordm

69381981 que dispotildee sobre a Poliacutetica Nacional do Meio Ambiente e diz que

meio ambiente ldquoeacute o conjunto de condiccedilotildees leis influecircncias e interaccedilotildees de

ordem fiacutesica quiacutemica e bioloacutegica que permite abriga e rege a vida em todas

as suas formasrdquo Sem esforccedilo se vecirc que o citado conceito cuida tatildeo somente

do chamado meio ambiente natural natildeo protegendo os demais bens juriacutedi-

cos que se acham sob a eacutegide da expressatildeo meio ambiente deixando de

fora assim aspectos culturais ecoloacutegicos poliacuteticos e econocircmicos Sirvinskas

(2013 p 125) estabelece

Para melhor compreender o significado de meio ambiente eacute neces-

saacuterio considerar os aspectos poliacuteticos eacuteticos econocircmicos sociais

ecoloacutegicos culturais etc Devemos assim avaliar todas as condutas

e atividades diaacuterias desenvolvidas pelo homem Ao tomarmos uma

decisatildeo devemos sempre analisar os impactos ambientais a curto

meacutedio e longo prazos bem como a sua relevacircncia econocircmica so-

cial e principalmente ecoloacutegica Haacute a necessidade de uma visatildeo

global da questatildeo ambiental e das suas alternativas e soluccedilotildees

O conceito legal de meio ambiente pois jaacute natildeo eacute satisfatoacuterio vez que

superado pela proacutepria norma constitucional A nossa atual Carta Constitucio-

nal foi a primeira a tratar do meio ambiente anteriormente a ela leis esparsas

cuidavam do tema sem a maior garantia e efetividade de norma constitucio-

nal A partir da Constituiccedilatildeo o meio ambiente passou a ser um bem juridica-

mente tutelado de uso comum do povo e essencial agrave sadia qualidade de

vida A dificuldade de precisamente se definir meio ambiente por ser objeto

de estudo de diversos ramos do conhecimento eacute muito grande como diz Pa-

dilha (2010 p 195)

O meio ambiente eacute por si soacute uma temaacutetica multidimensional que

apresenta inuacutemeras dimensotildees tais como a DIMENSAtildeO ECOLOacuteGICA

a DIMENSAtildeO HUMANA a DIMENSAtildeO ECONOcircMICA a DIMENSAtildeO

EacuteTICA fatores estes que do ponto de vista juriacutedico ocasionam pontos

de tensatildeo na aplicaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo das normas ambientais mas

que devem ser compreendidas harmonicamente para o alcance da

correta abrangecircncia e plena realizaccedilatildeo e eficaacutecia do objeto do Di-

reito Constitucional Ambiental

Eacute no art 225 que se encontra o cerne da proteccedilatildeo do meio ambiente

na Constituiccedilatildeo Federal Milareacute (2015 p 175-176) em arguta observaccedilatildeo ao

referido art 225 destaca que se criou um direito fundamental ao meio ambi-

ente ecologicamente equilibrado e como direito fundamental eacute indisponiacutevel

Ressalta que a indisponibilidade vem acentuada pelo fato de que a preser-

vaccedilatildeo do meio ambiente deve ser feita natildeo somente no interesse dos presen-

tes mas igualmente das geraccedilotildees futuras dever que natildeo eacute tatildeo somente mo-

ral mas tambeacutem juriacutedico e de natureza constitucional E que o meio ambiente

como entidade autocircnoma eacute considerado bem de uso comum do povo ou

ldquo

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

264

seja natildeo pertence a indiviacuteduos isoladamente considerados mas a toda a so-

ciedade E mais eacute tambeacutem essencial agrave sadia qualidade de vida intrinseca-

mente ligado agrave dignidade da pessoa humana na medida em que uma vida

digna pressupotildee uma vida saudaacutevel oriunda de um meio ambiente equili-

brado Destaca ainda que se criou para o Poder Puacuteblico um dever constitu-

cional geral e positivo representados por verdadeiras obrigaccedilotildees de fazer O

Poder Puacuteblico natildeo atua porque quer mas porque assim lhe eacute determinado

pelo legislador maior saindo da sua esfera de conveniecircncia e oportunidade

para ingressar em um campo estritamente delimitado o da imposiccedilatildeo onde

soacute cabe um uacutenico comportamento defender e proteger o meio ambiente

Aleacutem do art 225 a Constituiccedilatildeo ainda traz explicitamente outras nor-

mas de garantia do meio ambiente que se acham nos arts 7ordm XXII 91 sect1ordm III

170 VI 186 II 200 VIII 216 V 220 sect3ordm II e 231 sect1ordm E de forma impliacutecita nos

arts 20 III IV V VI VII IX X 21 XIX XX XXIII XXIV XXV 22 IV XII XXVI 23 III IV

24 II VII 26 1 30 IX 196 e 200 Todas as normas quer sejam constitucionais ou

natildeo soacute podem ser devidamente interpretadas e aplicadas tendo como base

os princiacutepios inerentes ao Direito Ambiental que como leciona Belchior (2017

p 128) os princiacutepios estruturantes surgem da imperiosa necessidade de se

constituir o nuacutecleo essencial do Direito Ambiental que visa aleacutem da funda-

mentaccedilatildeo teoacuterica e a declaraccedilatildeo de valores a implementaccedilatildeo de seus pos-

tulados Os princiacutepios do Direito Ambiental podem ser classificados em princiacute-

pio da solidariedade da sustentabilidade da cooperaccedilatildeo internacional da

prevenccedilatildeo da precauccedilatildeo do in dubio pro natura da informaccedilatildeo e da parti-

cipaccedilatildeo da educaccedilatildeo ambiental da responsabilidade do poluidor-paga-

dor e do usuaacuterio-pagador do protetor-recebedor da gestatildeo integrativa do

risco ambiental da funccedilatildeo socioambiental da propriedade do miacutenimo exis-

tencial ecoloacutegico e da proibiccedilatildeo de retrocesso ecoloacutegico

O princiacutepio da solidariedade revela-se no dever da presente geraccedilatildeo

com as geraccedilotildees futuras em preservar o meio ambiente e adotar condutas

sustentaacuteveis O da sustentabilidade surge da ideia de um desenvolvimento

econocircmico sem esquecer a preservaccedilatildeo ambiental envolvendo discussotildees

sobre o direito o meio ambiente e a economia O da cooperaccedilatildeo internacio-

nal exige uma cooperaccedilatildeo entre os Estados para que ocorra a efetiva preser-

vaccedilatildeo do meio ambiente com coordenaccedilatildeo e integraccedilatildeo

Jaacute o princiacutepio da precauccedilatildeo um dos mais discutidos do Direito Ambien-

tal visa proteger os riscos em abstrato com uma gestatildeo racional do risco re-

metendo agrave incerteza e ao risco de uma atividade que por possuir grande pro-

babilidade de lesatildeo ambiental incentiva agrave efetivaccedilatildeo de uma conduta dili-

gente e cautelosa em benefiacutecio do meio ambiente (VIANA 2019 p 71-72) O

da prevenccedilatildeo eacute muito proacuteximo ao da precauccedilatildeo mas com ele natildeo se con-

funde vez que cuida dos impactos ambientais jaacute conhecidos com identifica-

ccedilatildeo dos impactos futuros provaacuteveis (ANTUNES 2015 p 48) O do In dubio pro

natura por muitos abordado de forma conjunta com o da precauccedilatildeo signi-

fica que tem que ser dada atenccedilatildeo especial ao meio ambiente sempre que

a informaccedilatildeo for insuficiente e na duacutevida mesmo sem a possibilidade de se

eliminar o risco pende-se para a proteccedilatildeo ambiental

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

265

Os princiacutepios da informaccedilatildeo e da participaccedilatildeo umbilicalmente ligados

o primeiro significa que a sociedade deve ter acesso agrave informaccedilatildeo ambiental

em todas as suas esferas enquanto o segundo como consequecircncia do pri-

meiro que soacute o cidadatildeo bem informado tem condiccedilatildeo de participar das de-

cisotildees ecoloacutegicas O da educaccedilatildeo ambiental como um meio de transformar

as condutas e as relaccedilotildees das pessoas como o meio ambiente Da responsa-

bilidade implica na sanccedilatildeo do responsaacutevel pelo descumprimento do ordena-

mento que pode ser penal civil e administrativo

A seu turno o do poluidor-pagador e o do usuaacuterio-pagador partem da

ideia de que os recursos satildeo escassos e que o ocircnus deve ser dirigido direta-

mente a quem utiliza os referidos recursos Agrave sua vez o do protetor-recebedor

no intuito de provocar mudanccedilas no comportamento dos agentes econocircmi-

cos reforccedila a ideia em torno de instrumentos que estimulam boas condutas

A gestatildeo integrativa do risco ambiental exprime-se na necessidade de

integraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas ante a complexidade da questatildeo ambien-

tal A funccedilatildeo socioambiental da propriedade natildeo eacute uma simples limitaccedilatildeo ao

direito de propriedade mas uma reconfiguraccedilatildeo do proacuteprio direito na medida

em que impotildee ao proprietaacuterio obrigaccedilotildees subordinando o exerciacutecio do direito

de propriedade a interesses outros que natildeo do chamado dono

O princiacutepio do miacutenimo existencial ecoloacutegico exige do Estado agrave imple-

mentaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para que garanta condiccedilotildees miacutenimas de so-

brevivecircncia para todos o miacutenino existencial para se viver dignidade E o da

proibiccedilatildeo de retrocesso ecoloacutegico busca proteger os titulares dos direitos da

atuaccedilatildeo do legislador principalmente deste natildeo poder elaborar normas que

venham a retroceder em mateacuteria ambiental O ordenamento juriacutedico brasi-

leiro para conferir efetividade e proteger a integridade do direito fundamen-

tal ao meio ambiente ecologicamente equilibrado visando com tais objeti-

vos neutralizar o surgimento de conflitos intergeracionais impotildee ao Poder Puacute-

blico dentre outras medidas essenciais a proibiccedilatildeo de retrocesso ambiental

vale dizer o Estado natildeo pode piorar as condiccedilotildees ambientais quer sejam nor-

mativas ou faacuteticas O Estado eacute obrigado a promover constantes melhoras na

tutela ambiental sendo-lhe vedado retroceder

Os princiacutepios estruturantes como muito rapidamente demonstrado ofe-

recem meios que datildeo suporte e base para a interpretaccedilatildeo de normas bem

como orientaccedilatildeo para os formuladores de poliacuteticas puacuteblicas Os princiacutepios do

Direito Ambiental infelizmente natildeo tecircm sido respeitados de forma satisfatoacuteria

tanto no Poder Executivo e Legislativo quanto no Poder Judiciaacuterio

O meio ambiente ecologicamente equilibrado se apresenta como um

direitodever fundamental Conforme ensina Belchior (2017 p 91-100) alguns

bens merecem ser tutelados pelo Direito cuja titularidade natildeo pertence a um

indiviacuteduo isoladamente ou a um grupo de pessoas determinado chamados

de transindividuais vinculados ao princiacutepio da solidariedade Os direitos de ti-

tularidade coletiva nomeados pela doutrina como direitos fundamentais de

terceira geraccedilatildeo consagram o princiacutepio da solidariedade englobando tam-

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

266

beacutem o meio ambiente ecologicamente equilibrado uma saudaacutevel quali-

dade de vida progresso autodeterminaccedilatildeo dos povos e outros direitos difu-

sos O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

bem como em relaccedilatildeo a todos os direitos fundamentais satildeo portadores de

um conteuacutedo essencial oriundo de sua natureza principioloacutegica que repre-

senta a proacutepria justiccedila essecircncia do Direito

No tocante aos deveres fundamentais estes satildeo referentes agrave defesa do

proacuteprio meio ambiente considerados autonomamente e desvinculados de

qualquer posiccedilatildeo juriacutedica subjetiva que necessite ser satisfeita vez que repre-

sentam deveres para com a proacutepria comunidade

Interessante inovaccedilatildeo trazida pela Constituiccedilatildeo em mateacuteria de bem puacute-

blico ao conceituar o meio ambiente como bem de uso comum do povo e

essencial agrave sadia qualidade de vida O meio ambiente assim como as praccedilas

os rios e os mares seria uma espeacutecie de bem puacuteblico Fiorillo (2001 p 52-53) diz

que a Constituiccedilatildeo ao reconhecer a existecircncia de um bem que se estrutura

como sendo de uso comum do povo e essencial agrave sadia qualidade de vida

configurou uma nova realidade juriacutedica disciplinando um bem que natildeo eacute puacute-

blico nem privado podendo ser desfrutado por qualquer pessoa dentro dos

limites constitucionais mas que importe assegurar agraves proacuteximas geraccedilotildees as

mesmas condiccedilotildees que as presentes desfrutam Dentro desse contexto

emerge com nitidez a ideia de que o meio ambiente constitui patrimocircnio puacute-

blico a ser necessariamente assegurado e protegido pelos organismos sociais

e pelas instituiccedilotildees estatais qualificando-se como encargo irrenunciaacutevel que

se impotildee sempre em benefiacutecio das presentes e das futuras geraccedilotildees

Ante os vaacuterios aspectos que compotildeem o conceito de meio ambiente

possuindo assim um caraacuteter globalizante complexo vez que engloba natildeo so-

mente todos os fatores isoladamente envolvidos mas o todo aleacutem da soma

das partes enorme a dificuldade de um conceito fechado que satisfaccedila as

inuacutemeras e crescentes questotildees ambientais mormente em uma sociedade na

qual danos imprevisiacuteveis no sistema ecoloacutegico levaraacute agrave escassez de recursos

devidos Impotildee-se dessa forma a adoccedilatildeo de normas de conteuacutedo aberto

173 O MEIO AMBIENTE COMO CONCEITO JURIacuteDICO

INDETERMINADO Agrave LUZ DO PENSAMENTO COMPLEXO

Eacute obrigaccedilatildeo de quem procura fazer ciecircncia a definiccedilatildeo precisa do ob-

jeto pesquisado notadamente no Direito em que as palavras satildeo as ferramen-

tas com as quais se revestem todos os atos que o revelam em suas mais varia-

das expressotildees Lopes (2004 p 30) bem salienta a necessidade de se definir o

que se pretende estudar sob pena de logo de iniacutecio tomar por base pressu-

postos insuficientes

Jaacute que uma definiccedilatildeo por ser uma maneira de usar certo termo e de

atribuir-lhe significado e como esta significaccedilatildeo eacute dada intersubjeti-

vamente pode-se dizer que a significaccedilatildeo eacute objetiva embora pro-

duzida por sujeitos Assim definiccedilotildees do direito criadas pelos juristas

aleacutem de natildeo serem simples lendas tecircm objetividade caracteriacutesticas

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DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

267

das instituiccedilotildees sociais Dizer que o discurso juriacutedico constitui a reali-

dade social e o proacuteprio direito natildeo eacute uma declaraccedilatildeo de fantasma-

goria ou irrealidade do juriacutedico Trata-se afirmar que o direito per-

tence agrave classe dos fatos institucionais Assim na esfera do direito natildeo

se trata de fatos brutos ndash como uma montanha ndash mas ainda assim de

fatos reais embora existam apenas na relaccedilatildeo dos sujeitos entre si e

dos sujeitos com as coisas pela mediaccedilatildeo da linguagem Trata-se

portanto de fatos que dependem de sentidos As normas e institui-

ccedilotildees juriacutedicas tampouco satildeo ideias como os objetos ideais da mate-

maacutetica e da loacutegica Seu modo de existecircncia natildeo eacute o dos triacircngulos e

das retas Elas existem na praacutetica ou seja nas accedilotildees dos sujeitos que

as tomam como sentidos para a sua accedilatildeo

As normas juriacutedicas satildeo compostas normalmente de duas partes a pri-

meira seria a hipoacutetese da norma o fato-tipo onde satildeo descritos os fatos que

devem ocorrer para que a Lei possa incidir e a segunda seria o seu manda-

mento no qual satildeo definidos as consequecircncias caso ocorra o natildeo cumpri-

mento do estatuiacutedo Todavia em muitos casos os fatos e mesmo as normas

supostamente aplicaacuteveis natildeo se apresentam de forma clara e de singela apli-

caccedilatildeo o que exige do inteacuterprete maior esforccedilo hermenecircutico bem como res-

ponsabilidade e comprometimento

A aplicaccedilatildeo das normas de Direito Ambiental estaacute atrelada como natildeo

poderia deixar de ser a compreensatildeo que se tem do que cuida o meio am-

biente qual o seu objeto Em uma concepccedilatildeo ampla diz-se que meio ambi-

ente engloba tanto os bens naturais quanto os culturais Uma acepccedilatildeo mais

restrita reduziria o meio ambiente aos recursos naturais renovaacuteveis e natildeo re-

novaacuteveis e conforme Gomes (2010 p 18-19)

Uma terceira opccedilatildeo eacute aquela que envereda por identificar o ambi-

ente como um conceito indeterminado do tipo descritivo em virtude

da heterogeneidade dos seus componentes e da intensa inter-rela-

ccedilatildeo que nele se gera entre factores em constante mudanccedila O am-

biente seria uma realidade aberta camaleocircnica cujos contornos se

afeririam de acordo com os dados ndash cientiacuteficos culturais econocircmicos

ndash de cada eacutepoca Abertura e relatividade caracterizariam assim o

objecto juriacutedico indeterminado ambiente

O surgimento quase que diaacuterio de novas relaccedilotildees de riscos e o evi-

dente descompasso entre a sociedade poacutes-moderna e o tempo do Direito e

da produccedilatildeo legislativa cada vez mais impotildee normas de conteuacutedo aberto

sobretudo em mateacuterias juriacutedicas nas quais o dano pode se tornar irreversiacutevel

De acordo com Krell (2013 p 87) os ordenamentos juriacutedicos dos paiacuteses oci-

dentais satildeo orientados por posiccedilotildees juriacutedicas individuais e tendo como base

uma visatildeo de mundo mecanicista e reducionista com pensamentos lineares

e com esperanccedila de clareza e previsibilidade dos acontecimentos referentes

agrave natureza Todavia destaca que nos tempos atuais os processos naturais

operam de forma complexa e dinacircmica Termos como irreversibilidade insta-

bilidade natildeo linearidade e causasefeitos sineacutergicos revelam o tamanho do

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Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

268

hiato que se abriu em relaccedilatildeo ao pensamento juriacutedico tradicional Novos insti-

tutos deveratildeo ser criados e mais os jaacute existentes vistos sob novo olhar tudo

sob pena de inadequaccedilatildeo para uma imprescindiacutevel proteccedilatildeo sobremaneira

quando se cuida de meio ambiente Krell (2013 p 87) expotildee

Uma das diversas mudanccedilas necessaacuterias para adequar os sistemas

juriacutedicos agraves exigecircncias de uma proteccedilatildeo ambiental mais eficiente eacute

a ediccedilatildeo de normas de conteuacutedo mais aberto fixando metas e ob-

jetivos o que torna as consequecircncias juriacutedicas menos inequiacutevocas e

mais flexiacuteveis em relaccedilatildeo agraves circunstacircncias da situaccedilatildeo concreta

O meio ambiente objeto maior de estudo do Direito Ambiental exige

conceituaccedilatildeo ampla a ser preenchida de acordo com o caso concreto e na

medida em que novas situaccedilotildees forem ocorrendo caso assim natildeo seja corre-

se grande e possiacutevel risco do direito se tornar ainda mais uma ciecircncia que gra-

dualmente perderaacute sua utilidade Pardo (2009) ensina

El derecho ha de ser consciente de sus cometidos y tambieacuten de los

medios procedimientos e meacutetodos que le son propios y que no son

los de la ciencia Ha de reamarse asiacute ajustando en lo posible su ins-

trumentario para afrontar ese reto de mantener su caracteriacutestica fun-

cioacuten decisoria en los escenarios y entornos marcados por la incerti-

dumbre cientiacutefica

Conceito juriacutedico indeterminado natildeo significa ainda afronta agrave segu-

ranccedila juriacutedica vez que esta deve ser analisada dentro do contexto no qual o

Direito e os fatos estatildeo inseridos aleacutem de eventualmente soacute se revelar como

resultado final das expectativas ante as complexidades existentes e a interpre-

taccedilatildeo realizada A sentenccedila judicial ganha nova configuraccedilatildeo natildeo eacute mais

um ato meramente silogiacutestico A norma eacute fruto do conhecimento proveniente

da atividade interpretativa do jurista Diante da hermenecircutica filosoacutefica a in-

terpretaccedilatildeo e a ciecircncia juriacutedica satildeo algo mais que a utilizaccedilatildeo de um meacutetodo

seguro preacutedefinido do mesmo modo que a aplicaccedilatildeo do direito eacute sempre

algo mais que a simples subsunccedilatildeo de um enunciado legislativo ao caso con-

creto (ABBOUD CARNIO OLIVEIRA 2019 p 458)

O Direito estaacute a sofrer profundas transformaccedilotildees sobretudo nas uacuteltimas

deacutecadas com a preponderacircncia dos princiacutepios com o reconhecimento de

novos direitos e a inserccedilatildeo de novos valores enfim vivenciam-se mudanccedilas

de paradigmas modernidade e poacutes-modernidade positivismo e poacutes-positi-

vismo pensamento simplista e Pensamento Complexo

Os princiacutepios do Pensamento Complexo apresentam estreita relaccedilatildeo

com os princiacutepios estruturantes do Direito Ambiental dentre eles pode-se citar

o princiacutepio da solidariedade que se irradia em um processo de dialoacutegica bem

como o princiacutepio da sustentabilidade que vincula os seres humanos com todos

os seres vivos da atual e futura geraccedilatildeo

O meio ambiente caso se pretenda defini-lo com conceitos exatos en-

gessados tornaraacute o Direito Ambiental jaacute que eacute o principal objeto de estudo

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ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

269

deste cada vez mais distante de contribuir para a preservaccedilatildeo de todos os

organismos vivos que habitam o planeta Terra

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Nesta breve pesquisa procurou-se investigar partindo-se da insuficiecircn-

cia de um pensamento linear e da consequente necessidade de um pensar

complexo o meio ambiente como conceito juriacutedico indeterminado

Preservar o meio ambiente eacute valor fundamental da sociedade contem-

poracircnea Eacute de suma importacircncia assim que se busque dentro da teacutecnica

juriacutedica os institutos que melhor ferramentas ofereccedilam para a efetiva preser-

vaccedilatildeo do meio ambiente A crise ecoloacutegica demanda atitudes que revelem

um novo papel do Estado e do Direito sempre na perseguiccedilatildeo de caminhos

e alternativas para superaacute-la

O Pensamento Complexo na sua visatildeo de um todo indissociaacutevel vai de

encontro agrave causalidade e pugna pela abordagem dos fenocircmenos como um

todo A irredutibilidade revelasse ainda mais urgente na questatildeo ambiental a

exigir do Direito uma maacutexima proteccedilatildeo arrimada natildeo em conceitos duros mas

sim que se amoldem agraves constantes e crescentes necessidades

O conceito juriacutedico indeterminado natildeo pode ser confundido com

norma em branco e nem com maacute teacutecnica legislativa mas sim como opccedilatildeo

do legislador para criar um espaccedilo positivo de incidecircncia da norma

Apesar dos inegaacuteveis avanccedilos trazidos pela Constituiccedilatildeo Federal de

1988 esta natildeo pode continuar a ser lida com os mesmos olhos de quando da

sua promulgaccedilatildeo deve-se por as lentes do pensamento complexo e da crise

ambiental Uma nova realidade se impotildee e ao pesquisador eacute dada a obriga-

ccedilatildeo de construir um arcabouccedilo teoacuterico para compreendecirc-la e enfrentaacute-la

REFEREcircNCIAS

ABBOUD Georges CARNIO Henrique Garbellini OLIVEIRA Rafael Tomaz de Introdu-

ccedilatildeo ao direito Teoria Filosofia e Sociologia do Direito Satildeo Paulo Revista dos Tribunais

2019

ANTUNES Paulo de Bessa Direito ambiental Satildeo Paulo Atlas 2015

BELCHIOR Germana Parente Neiva Fundamentos epistemoloacutegicos do direito ambi-

ental

Rio de Janeiro Lumen Juris 2017

BELCHIOR Germana Parente Neiva Hermenecircutica juriacutedica ambiental Satildeo Paulo Sa-

raiva 2011

BITTAR Eduardo C B O direito na poacutes-modernidade Rio de Janeiro Forense

Universitaacuteria 2005

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Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

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FIORILLO Celso Antonio Pacheco Curso de direito ambiental brasileiro Satildeo Paulo

Saraiva 2013

GOMES Carla Amado Direito ambiental o ambiente como objeto e os objetos do

direito do ambiente Curitiba Juruaacute 2010

KRELL Andreas J Discricionariedade administrativa e conceitos legais indetermina-

dos limites do controle judicial no acircmbito dos interesses difusos Porto Alegre Livraria

do advogado 2013

LOPES Joseacute Reinaldo de Lima As palavras e a lei direito ordem e justiccedila na histoacuteria

do pensamento juriacutedico moderno Satildeo Paulo Ed 34Edesp 2004

MILAREacute Eacutedis Direito do ambiente Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2015

MORIN Edgar Introduccedilatildeo ao pensamento complexo Porto Alegre Sulinas 2005 MO-

RIN Edgar A cabeccedila bem feita repensar a reforma reformar o pensamento Rio de

Janeiro Bertrand Brasil 2011

OST Franccedilois A natureza agrave margem da lei Lisboa Instituto Piaget 1995

PADILHA Norma Sueli Fundamentos constitucionais do direito ambiental brasileiro

Rio de Janeiro Elsevier 2010

PARDO Joseacute Esteve El desconcierto del Leviataacuten poliacutetica y derecho ante las incerti-

dumbres de la ciecircncia Madrid Marcial Pons 2009

SAMPAIO Joseacute Adeacutercio Leite Os ciclos do constitucionalismo ecoloacutegico Revista Juriacute-

dica da UNI7 Fortaleza v 13 n 2 p 83-101 dez 2016

SILVA Joseacute Afonso da Direito ambiental constitucional Satildeo Paulo Malheiros 2004

SIRVINSKAS Luiacutes Paulo Manual de direito ambiental Satildeo Paulo Saraiva 2013 VAS-

CONCELOS Maria Joseacute Esteves de Pensamento Sistecircmico O Novo Paradigma da

Ciecircncia Campinas SP Papirus 2018

VIANA Iasna Chaves Riscos complexidade e a responsabilidade civil ambiental Rio

de Janeiro Lumen Juris 2019

EIXO TEMAacuteTICO 3 Complexidade e Ensino Juriacutedico

272

ENSINO JURIacuteDICO NO BRASIL

reflexotildees histoacutericas e a complexidade

como possibilidade-necessidade de

superaccedilatildeo paradigmaacutetica

Antocircnio Joseacute Andrade da Silva Juacutenior1

Filipe Esmeraldo Cabral de Melo Almeida2

Raphael de Saacute Machado3

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 181 Paradigma simplificador 182 Meacutetodo

cartesiano educaccedilatildeo e pensamento moriniano 1821 A necessi-

dade de reparadigmatizaccedilatildeo do cartesianismo diante do pensa-

mento complexo 183 A complexidade e a superaccedilatildeo do princiacutepio

da disjunccedilatildeo 184 A complexidade e a sua (re)inserccedilatildeo no debate

cientiacutefico 1841 A (natildeo) incorporaccedilatildeo do pensamento complexo na

educaccedilatildeo 185 Ensino juriacutedico no Brasil 1851 Periacuteodo colonial

1852 Periacuteodo imperial e republicano 186 A ciecircncia do Direito di-

ante das transformaccedilotildees emergentes do seacuteculo XXI 1861 A com-

plexidade como possibilidade de reparadigmatizaccedilatildeo do ensino ju-

riacutedico Consideraccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

As limitaccedilotildees histoacutericas epistemoloacutegicas filosoacuteficas e cientificas que per-

meiam a educaccedilatildeo em especial a juriacutedica no Brasil provocam um ensino em

completo descompasso com as exigecircncias do mundo contemporacircneo Nesse

sentido a teoria da complexidade desenvolvida por Edgar Morin coloca-se

como possiacutevel e necessaacuteria para que haja a superaccedilatildeo dessa defasagem no

processo educacional

Dito isto eacute central constatar que tal insuficiecircncia natildeo se limita ao ensino

pelo contraacuterio eacute geral multifacetada Logo eacute urgente que ocorra uma repa-

radgmatizaccedilatildeo ou seja que a forma de pensar totalizante em conformidade

com Fritjof Capra seja substituiacuteda por um novo ainda em construccedilatildeo

Tal substituiccedilatildeo paradigmaacutetica dar-se-aacute pela possiacutevel recepccedilatildeo do pen-

samento complexo no debate cientiacutefico o qual estaacute assentado em princiacutepios

1 Graduando em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFORCE)

E-mail antoniojoseapjoutlookcom

2 Graduando em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFORCE)

E-mail filipe_cabral_almeidahotmailcom

3 Graduando em Psicologia pela Universidade de Fortaleza (UNIFORCE)

E-mail raphaelpsic08gmailcom

18

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

273

filosoacuteficos e epistemoloacutegicos do seacuteculo XVII (racionalismo cartesiano) tais

quais a disjunccedilatildeo a certeza e a natildeo contradiccedilatildeo O entendimento dos pro-

blemas resultantes dessa estrutura de meacutetodo cientiacutefico de ensino juriacutedico

perpassa tambeacutem pelas questotildees histoacutericas e poliacuteticas do paiacutes

Acerca dessas questotildees determinantes na educaccedilatildeo juriacutedica do Brasil

destaca-se o fato de que os cursos juriacutedicos sempre foram utilizados como

forma de manutenccedilatildeo da ordem social vigente ou seja eacute praacutetica recorrente

na estrutura organizacional brasileira o emparelhamento do ensino No atual

cenaacuterio diante das inovaccedilotildees proporcionadas pela inserccedilatildeo da tecnologia

a urgecircncia eacute por profissionais criacuteticos tolerantes para que saibam lidar com a

pluralidade de fatores presentes na sociedade contemporacircnea

O presente trabalho tem como objetivo geral elucidar as problemaacuteticas

do ensino juriacutedico brasileiro decorrentes do paradigma simplificador Como

objetivos especiacuteficos analisar as bases filosoacuteficas e cientiacuteficas que embasam

a ciecircncia positivista como tambeacutem apresentar o pensamento complexo

como uma necessidade-possibilidade em prol de transformaccedilotildees significati-

vas no ensino em especial do Direito

Por conseguinte a hipoacutetese trazida agrave luz fora a de que as ideias de Morin

podem ser beneacuteficas para o ambiente acadecircmico tanto na perspectiva da

aprendizagem quanto na compreensatildeo do estudante acerca da sua profis-

satildeo e suas aacutereas de atuaccedilatildeo Desse modo objetiva-se sintetizar o questiona-

mento central da proposta Como e em que medida a educaccedilatildeo juriacutedica

brasileira pode superar suas limitaccedilotildees histoacutericas sociais e epistemoloacutegicas a

partir do pensamento complexo

A metodologia utilizada dar-se-aacute por meio de pesquisa bibliograacutefica de

natureza teoacuterica e qualitativa direcionada agraves diversas e pertinentes produ-

ccedilotildees acadecircmicas relacionadas ao pensamento complexo e ao ensino juriacute-

dico no Brasil

Outrossim o artigo foi estruturado da seguinte forma no primeiro mo-

mento introduccedilatildeo de conceitos basilares para a compreensatildeo das premissas

cientiacuteficas modernas tal qual o racionalismo de Reneacute Descartes Em segundo

momento coloca-se em tela as criacuteticas de Edgar Morin agrave ciecircncia moderna

No mais eleva-se a proposta moriniana de superaccedilatildeo do paradigma mo-

derno e as consequecircncias da natildeo superaccedilatildeo na educaccedilatildeo Por fim fez-se

uma retrospectiva histoacuterica do ensino juriacutedico no Brasil desde a Colocircnia ateacute a

Repuacuteblica a fim de contextualizar o atual cenaacuterio da Ciecircncia do Direito no

paiacutes

181 PARADIGMA SIMPLIFICADOR

A partir de meados do seacuteculo XVII as hipoacuteteses ocidentais sobre como

a relaccedilatildeo homem-mundo eacute organizada fundamentada em leis que pressu-

potildeem o controle racional do homem sobre o Mundo e sobre si mesmo satildeo

permeadas pelo paradigma simplificador

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

274

Esse paradigma trabalha com a ideia de uma total coerecircncia concor-

dacircncia entre a capacidade humana da razatildeo e a realidade que o mesmo

habita desconsiderando o lado sensiacutevel e subjetivo da Humanidade Capra

(1996 p 17) afirma que um ldquoparadigma significa a totalidade de pensamen-

tos percepccedilotildees e valores que formam uma determinada visatildeo de realidade

uma visatildeo que eacute a base do modo como uma sociedade se organizardquo

Mais especificamente tal paradigma eacute fundamentado pelo raciona-

lismo corrente filosoacutefica que Descartes fundou e trouxe consigo um meacutetodo

o cartesiano no qual qualquer problema do homem poderia ser resolvido

atraveacutes da maior decomposiccedilatildeo possiacutevel do mesmo em distintas partes che-

gando a um grau de simplicidade que faria a soluccedilatildeo do problema o mais

evidente possiacutevel

Nesta perspectiva para que a verdade fosse alcanccedilada e que o todo

fosse inteligiacutevel seria necessaacuterio a especializaccedilatildeo a divisatildeo e distribuiccedilatildeo dos

afazeres com essa finalidade (DESCARTES 2017) Ademais este processo para

conceber a verdade eacute denominado ldquodeduccedilatildeordquo isto eacute a compreensatildeo de

uma questatildeo especiacutefica particular se daacute a partir de um ponto geral

182 MEacuteTODO CARTESIANO EDUCACcedilAtildeO E O PENSAMENTO

MORINIANO

O meacutetodo cartesiano proporcionou agrave Educaccedilatildeo e ao ensino contribui-

ccedilotildees mas tambeacutem trouxe obstaacuteculos que seriam debatidos mais agrave frente no-

tadamente no seacuteculo XX Questionava-se agrave eacutepoca se ainda era possiacutevel pen-

sar segundo esse paradigma Edgar Morin filoacutesofo antropoacutelogo e socioacutelogo

francecircs eacute um dos expoentes da criacutetica agrave superespecializaccedilatildeo do conheci-

mento e da burocratizaccedilatildeo excessiva no meio acadecircmico-cientiacutefico

O cerne do pensamento moriniano eacute pensar o conhecimento como

uma teia um tecido complexo Etimologicamente complexo deriva do termo

em latim complexus que significa compreender abarcar Logo natildeo se trata

do que eacute complicado hermeacutetico mas sim compreendido como um con-

junto

1821 A necessidade-possiblidade de reparadigmatizaccedilatildeo

do cartesianismo diante do pensamento complexo

Morin (1996) diz que para que haja uma reparadigmatizaccedilatildeo do co-

nhecimento eacute preciso levar em conta novas ideias condizentes com a poacutes-

modernidade Satildeo elas a incerteza ao inveacutes das concepccedilotildees cartesianas de

verdade e evidecircncia a multiplicidade em contraponto agrave linearidade consti-

tutiva da fragmentaccedilatildeo dos saberes e a dialogia natildeo mais a dualidade

O saber humano se ramifica em infinitas disciplinas que por meio da

institucionalizaccedilatildeo delas mesmas se fecham diante das outras aacutereas e de pos-

siacuteveis diaacutelogos para garantirem seu status quo A religiosidade o conheci-

mento sensiacutevel-artiacutestico e a tradiccedilatildeo popular mesmo que sejam experiecircncias

importantes para o entendimento da proacutepria humanidade satildeo postas como

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

275

impassiacuteveis de compreensatildeo visto que a mateacuteria do mundo e os seres vivos

que nele habitam existem enquanto maacutequinas governadas por leis matemaacute-

ticas exatas e indissoluacuteveis (CAPRA 1996)

Assim a ciecircncia moderna assegurando suas bases na heranccedila meto-

doloacutegica do racionalismo cartesiano continua a pensar a natureza como ob-

jeto-fonte de recursos na qual a relaccedilatildeo de apropriaccedilatildeo eacute necessaacuteria e fun-

damental para o fazer cientiacutefico Desse modo Morin eacute visto como pioneiro ao

incluir na sua teoria criacuteticas agraves novas condiccedilotildees fragilizadas do mundo natural

advindas das atividades industriais e capitalistas que negavam a importacircncia

do cuidado ao meio ambiente

Outro problema que Morin (2005 p17) apresenta eacute a confusatildeo entre o

fazer cientiacutefico do mundo natural e o fazer cientiacutefico do mundo dos homens

na sua organizaccedilatildeo ambiental social e psicoloacutegica O francecircs aduz que

[] eacute um movimento de duas frentes aparentemente divergentes

antagocircnicas mas a meu ver inseparaacuteveis trata-se eacute verdade de

reintegrar o homem entre os seres naturais para distingui-lo neste

meio mas natildeo para reduzi-lo a este meio

Enfim a complexidade eleva-se como uma proposta de superaccedilatildeo fi-

losoacutefica cientiacutefica e epistemoloacutegica do paradigma simplificador Nesse sen-

tido eacute central que a expliquemos minunciosamente isto eacute desde de sua con-

cepccedilatildeo ateacute sua proposta e necessidade-possibilidade de inserccedilatildeo no meio

cientiacutefico e educacional

183 A COMPLEXIDADE E A SUPERACcedilAtildeO DO PRINCIacutePIO DA

DISJUNCcedilAtildeO

No presente trabalho ldquocomplexidaderdquo eacute compreendida em conformi-

dade com Morin natildeo como um instrumento a ser colocado no lugar do pa-

radigma da simplificaccedilatildeo mas como algo por necessidade inacabado

Desse modo o pensamento complexo ldquodeve provar sua legitimidade porque

a palavra complexidade natildeo tem por traacutes de si uma nobre heranccedila filosoacutefica

cientiacutefica ou epistemoloacutegicardquo (MORIN 2005)

A referida legitimidade dar-se-aacute pela necessidade-possibilidade de su-

perar o ldquoprinciacutepio da disjunccedilatildeordquo o qual inviabiliza a comunicaccedilatildeo entre filo-

sofia (sujeito pensante) e ciecircncia (coisa) A necessidade de superaccedilatildeo revela-

se uma vez que segundo Morin (2005 p 5)

Tal disjunccedilatildeo rareando as comunicaccedilotildees entre o conhecimento ci-

entiacutefico e a reflexatildeo filosoacutefica devia finalmente privar a ciecircncia de

qualquer possibilidade de ela conhecer a si proacutepria de refletir sobre

si proacutepria e mesmo de se conceber cientificamente

Ademais a disjunccedilatildeo natildeo se limitou em separar ciecircncia e filosofia ndash o

que jaacute eacute bastante limitante ndash foi aleacutem ao separar os proacuteprios conhecimentos

cientiacuteficos em trecircs grandes aacutereas biologia fiacutesica e sociedade

ldquo

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

276

Nesse iacutenterim a complexidade apresenta-se como uma proposta que

aparenta ser paradoxal ou seja ao passo que almeja o conhecimento multi-

facetado reconhece que o conhecer total eacute impossiacutevel esta eacute a principal

diferenccedila entre o pensamento complexo e o cartesiano (MORIN 2005)

Com isso mediante a proposta de conceber o conhecimento multifa-

cetado ldquocomplexidaderdquo soacute pode ser compreendida como algo que reco-

nhece a convivecircncia entre opostos (uno e muacuteltiplo) e que estaacute no mundo fe-

nomecircnico no mundo dos acontecimentos da interaccedilatildeo Em contrapartida

o paradigma da simplificaccedilatildeo exclui a incerteza inerente aos acontecimentos

mundanais e natildeo concebe a convivecircncia entre os contraditoacuterios

184 A COMPLEXIDADE E A SUA (RE)INSERCcedilAtildeO NO DEBATE

CIENTIFIacuteCO

A complexidade ressurge na ciecircncia pelo mesmo caminho que a expul-

sou o desenvolvimento da ciecircncia fiacutesica a qual busca determinar a ordem

geral do mundo do cosmos e sua composiccedilatildeo atocircmica (MORIN 2005)

Mediante o desenvolvimento da fiacutesica verificou-se que o universo fiacutesico

eacute completamente ldquohemorraacutegicordquo em conformidade com o segundo princiacute-

pio da termodinacircmica - a entropia de um sistema isolado termodinamica-

mente tende a aumentar com o tempo ateacute que alcanccedila um valor maacuteximo

Em resumo um sistema tende com o passar do tempo agrave organizaccedilatildeo e agrave

destruiccedilatildeo simultaneamente

Aleacutem disso a partiacutecula considerada antes como sinocircnimo de simplici-

dade ganha uma complexidade ateacute entatildeo incogitaacutevel Assim Morin leci-

ona ldquoo cosmos natildeo eacute uma maacutequina perfeita mas um processo em vias de

desintegraccedilatildeo e de organizaccedilatildeo ao mesmo tempordquo (MORIN 2005 p14) Ou

seja a compreensatildeo cientiacutefica em especial a das ciecircncias do homem fun-

dada nos conhecimentos da fiacutesica deve estar em compasso com o desenvol-

vimento desta

1841 A (natildeo) incorporaccedilatildeo do pensamento complexo na

educaccedilatildeo

Outrossim os objetivos da recepccedilatildeo do pensamento complexo pela ci-

ecircncia satildeo dois 1) que a realidade antropossocial seja compreendida simulta-

neamente tanto na esfera individual quanto na social e 2) que os avanccedilos

cientiacuteficos natildeo nos levem agrave outra hecatombe planetaacuteria semelhante agrave do seacute-

culo XX (bomba atocircmica aquecimento global morte em massa de judeus)

Sobre isto Morin (2005 p 13) afirma que

A incapacidade de conceber a complexidade da realidade antro-

possocial em sua microdimensatildeo (o ser individual) e em sua macro-

dimensatildeo (o conjunto da humanidade planetaacuteria) conduz a infinitas

trageacutedias e nos conduz agrave trageacutedia suprema

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

277

Em face da educaccedilatildeo a ldquotrageacutedia supremardquo enunciada por Morin re-

vela-se naquilo que o proacuteprio conceitua por ldquointeligecircncia cegardquo Nesse sen-

tido inteligecircncia cega eacute a utilizaccedilatildeo descabida da razatildeo eacute o uso sem criteacuterio

da loacutegica cientiacutefica e aleacutem disso o completo desconhecimento do que eacute o

fazer cientiacutefico (MORIN 2005)

Tratando-se do elo entre o pensamento complexo e o ensino (em espe-

cial o juriacutedico) eacute fulcral elucidar que eacute errocircneo o pensamento de que a com-

plexidade seraacute recepcionada por um plano educacional Quer dizer o pen-

samento complexo pressupotildee-se incompleto Incompleto no sentido de que

eacute pretencioso criar um plano educacional em eterno compasso com a reali-

dade mundanal fenomecircnica

Para mais verifica-se historicamente que aleacutem das criacuteticas acerca do

paradigma cartesiano natildeo serem acolhidas por aqueles responsaacuteveis pela es-

truturaccedilatildeo do ensino brasileiro este fora constituiacutedo como instrumento para

manutenccedilatildeo de um determinado status quo

185 O ENSINO JURIacuteDICO NO BRASIL

Os problemas histoacutericos institucionais epistemoloacutegicos e pedagoacutegicos

existentes no atual cenaacuterio do ensino juriacutedico no Brasil satildeo sem duacutevidas reflexo

dos fatores socioculturais e histoacutericos que influenciaram esse ensino desde o

seu surgimento no paiacutes Aqui destacam-se o Brasil Colonial Impeacuterio e Repuacute-

blica onde a noccedilatildeo de ensino natildeo soacute juriacutedico varia de acordo com as insti-

tuiccedilotildees de controle social de cada periacuteodo

Nesse sentido afirmando a importacircncia desse processo histoacuterico Bastos

(1997 p 35) aduz que

Em outra dimensatildeo a histoacuteria dos cursos juriacutedicos traduz e retrata o

desenvolvimento e a consolidaccedilatildeo curricular dos direitos civis e de

cidadania no Brasil eacute a consciecircncia juriacutedico-curricular que consolida

e firma os propoacutesitos essenciais da cidadania brasileira Por isto estu-

dar a evoluccedilatildeo do ensino juriacutedico eacute estudar a histoacuteria da cidadania e

das instituiccedilotildees juriacutedico-poliacuteticas brasileiras instituiccedilotildees que os cursos

juriacutedicos conservam e consolidam e contribuem para a sua mudanccedila

que representa os nossos interesses as nossas ilusotildees e as nossas ex-

pectativas democraacuteticas

1851 Periacuteodo Colonial

No periacuteodo colonial natildeo se pode dizer que havia um ensino juriacutedico for-

malmente institucionalizado e materialmente empregado no meio social visto

que o direito exercido nesse lapso temporal adveio de escolas europeias En-

tretanto a educaccedilatildeo em geral foi peccedila fundamental no sistema poliacutetico que

fora implementado pela Coroa Portuguesa no Brasil isto eacute pelo Estado Colo-

nial o qual era totalmente submisso aos comandos dos portugueses emba-

sando ainda mais a inexistecircncia de um ensino juriacutedico propriamente dito

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

278

De acordo com Martins (2012 p 37)

A educaccedilatildeo colonial teve minimamente duas faces uma baseou-

se na educaccedilatildeo religiosa que visava agrave catequizaccedilatildeo dos povos ori-

ginaacuterios e africanos e a outra se voltou para a formaccedilatildeo profissional

dos filhos da elite europeia

Em relaccedilatildeo agrave Ameacuterica Espanhola situada nesse mesmo periacuteodo o Brasil

apresentava expressivo atraso no que tange agrave existecircncia de um ensino supe-

rior e para aleacutem disso de um ensino em niacutevel universitaacuterio Tal diferenccedila entre

os paiacuteses ibeacutericos deu-se em razatildeo de os espanhoacuteis visarem a uma europeiza-

ccedilatildeo da colocircnia por meio da estrutura organizacional que aleacutem de optar pela

dominaccedilatildeo das classes inferiores ali presentes ldquoacabou por implantar um

enorme instrumento assimilatoacuterio e repressivo que ia desde a catequese em

massa ateacute a criaccedilatildeo de universidadesrdquo (RIBEIRO 2016)

Destaca-se que no periacuteodo das grandes navegaccedilotildees ndash seacuteculo XV ndash a

Espanha jaacute contava com doze universidades enquanto Portugal detinha ape-

nas a Universidade de Coimbra Em meados do seacuteculo XVI respectivamente

a Espanha contabilizava trinta e duas universidades e Portugal apenas duas

(ROSSATO 1988)

1852 Periacuteodos Imperial e Republicano

Em meados do seacuteculo XIX em decorrecircncia da eclosatildeo do liberalismo

nos paiacuteses ocidentais mais precisamente com a independecircncia do Brasil em

1822 o sistema colonial foi substituiacutedo pelo Impeacuterio Muito embora a estrutura

poliacutetica tenha permanecido vinculada aos interesses de Portugal as influecircn-

cias da doutrina liberal foram determinantes nas transformaccedilotildees sociais e prin-

cipalmente nas educacionais no que tange ao ensino juriacutedico

Assim a independecircncia de um paiacutes de uma naccedilatildeo presume um Direito

constituiacutedo e institucionalizado baseado nas premissas liberais emancipatoacute-

rias A exemplo disso a Constituiccedilatildeo de 1824 urge em seu texto a necessidade

de implementaccedilatildeo do ensino superior universitaacuterio no paiacutes e com isso os pri-

meiros cursos juriacutedicos emergem no Brasil Poreacutem sabe-se que o acesso ao en-

sino era delimitado por uma seacuterie de restriccedilotildees assumindo vieacutes poliacutetico em prol

da manutenccedilatildeo do Impeacuterio como elucida Rodrigues (1993 p 13)

A criaccedilatildeo dos cursos juriacutedicos no Brasil foi uma opccedilatildeo poliacutetica e tinha

funccedilotildees baacutesicas a) sistematizar a ideologia poliacutetico-juriacutedica do libera-

lismo com a finalidade de promover a integraccedilatildeo ideoloacutegica do es-

tado nacional projetado pelas elites b) a formaccedilatildeo da burocracia

encarregada de operacionalizar esta ideologia para a gestatildeo do

estado nacional

Desse modo a perpetuaccedilatildeo do modelo de ensino juriacutedico tecnicista

formalista reducionista distante da realidade social eacute determinante para en-

tendermos os problemas e as perspectivas do direito atual Mesmo diante das

transformaccedilotildees sociopoliacuteticas resultantes do republicanismo ndash instaurado no

ldquo

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

279

Brasil desde 1889 ndash tais caracteriacutesticas persistem enraizadas na formaccedilatildeo do

jurista do seacuteculo XXI

Assim verifica-se historicamente que o ensino juriacutedico no Brasil serve

como instrumento de conservaccedilatildeo da estrutura econocircmica social e poliacutetica

do paiacutes No atual cenaacuterio diante da multiplicidade de fatores existentes

pode-se constatar a natildeo evoluccedilatildeo isto eacute a manutenccedilatildeo do conteuacutedo e da

forma do ensino juriacutedico e em decorrecircncia disso a natildeo adaptaccedilatildeo do direito

aos anseios da sociedade moderna

186 A CIEcircNCIA DO DIREITO DIANTE DAS TRANSFORMACcedilOtildeES

EMERGENTES DO SEacuteCULO XXI

Atualmente diante de uma sociedade em transformaccedilatildeo constante eacute

consenso formado o fato de que o Direito deve acompanhar os anseios soci-

ais econocircmicos e culturais Apesar das inovaccedilotildees tecnoloacutegicas teoacutericas e

praacuteticas do mundo moderno o ensino juriacutedico permaneceu estagnado leci-

onado de forma tecnicista dogmaacutetica e amplamente influenciada pela dou-

trina positivista

O positivismo emerge em meados do seacuteculo XVIII e mostra-se hegemocirc-

nico ateacute o seacuteculo XX deixando impactos severos na forma de fazer e produzir

o saber cientiacutefico e consequentemente juriacutedico Isto eacute o passado recente do

ensino juriacutedico eacute permeado pela prevalecircncia do tecnicismo da neutralidade

e hoje natildeo consegue abarcar a multiplicidade de fatores da sociedade atual

A teoria que em soma ao positivismo constitui a dicotomia central do

direito contemporacircneo eacute a naturalista Os paradigmas que se apresentam satildeo

limitados e natildeo elucidam os entraves histoacutericos pedagoacutegicos e estruturais exis-

tentes na ciecircncia juriacutedica Como assevera Rodrigues (2000 p 14-15)

O positivismo reduz a validade do Direito agrave sua positividade O jusna-

turalismo coloca a validade do Direito em paracircmetros transcenden-

tais Ambos dessa forma se preocupam com a validade seja formal

ou ideal desvinculando-se da sociedade e esquecendo-se da eficaacute-

cia Esse aspecto fundamental porque ligado agrave legitimidade e natildeo

agrave legalidade eacute deixado de lado [] O grande problema dessas te-

orias positivistas e jusnaturalistas em todos os seus matizes eacute que

atraveacutes de seus meacutetodos estaacuteticos tentam apreender um objeto di-

nacircmico A realidade social da qual o Direito faz parte eacute dinacircmica e

somente pode ser conhecida ndash se eacute que se pode conhececirc-la ndash atra-

veacutes de meacutetodos tambeacutem dinacircmicos que acompanhem as evolu-

ccedilotildees involuccedilotildees e contradiccedilotildees existentes na dialeacutetica social

Determinadas influecircncias histoacutericas como o conservadorismo exacer-

bado atrelado ao emparelhamento do Direito como instrumento essencial agrave

manutenccedilatildeo da ordem social e os problemas de metodologia de aprendi-

zagem e de ensino datildeo razotildees aos obstaacuteculos jaacute destacados Nesse sentido

Bittar (2006 p 31) aduz que ldquoas teacutecnicas pedagoacutegicas devem se orientar no

sentido de uma geral recuperaccedilatildeo da capacidade de sentir e de pensarrdquo

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

280

A forma reducionista de pensar o direito se mostra ultrapassada em face

das raacutepidas e constantes mudanccedilas observaacuteveis no meio social Isto eacute na vi-

satildeo de Morin (2005 p 20) a mudanccedila de perspectiva eacute essencial pois

Significa dizer que a perspectiva aqui eacute transdisciplinar Transdiscipli-

nar significa hoje indisciplinar Toda uma enorme instituiccedilatildeo burocraacute-

tica ndash a ciecircncia ndash todo um corpo de princiacutepios resiste ao miacutenimo

questionamento rejeita com violecircncia e desprezo como ldquonatildeo cientiacute-

ficordquo tudo o que natildeo corresponde ao modelo

Nesse sentido a desburocratizaccedilatildeo eacute crucial para o desenvolvimento

natildeo soacute do ensino juriacutedico mas do Direito como um todo o qual eacute ldquoamplo

aberto sempre emergente e baseado em matrizes basilares ligadas a direitos

fundamentais humanos e sociaisrdquo (MAROCCO 2011)

Em suma torna-se expliacutecita a necessidade de superaccedilatildeo do paradigma

simplificador o qual influencia as diretrizes do ensino juriacutedico desde o princiacutepio

Para Morin a complexidade eacute justamente uma possibilidade em face das pro-

blemaacuteticas destacadas acerca do cenaacuterio juriacutedico no Brasil e da notoacuteria insu-

ficiecircncia do cartesianismo

1861 A complexidade como possibilidade de

reparadigmatizaccedilatildeo do ensino juriacutedico

Evidencia-se no cenaacuterio juriacutedico a prevalecircncia do positivismo desde o

ensino da teoria ateacute a praacutetica Quer dizer o fenocircmeno juriacutedico eacute compreen-

dido enquanto norma positivada a qual deve ser aplicada de forma neutra

avalorativa Em contrapartida Rodriguez (2000 p 15) diz que

Eacute necessaacuterio mudar o paradigma dominante na ciecircncia do Direito

pois soacute assim poder-se-aacute alterar efetivamente o seu ensino que eacute ao

mesmo tempo reprodutor e realimentador dos saberes por ela pro-

duzidos Alterar a ciecircncia juriacutedica significa deixar de lado a atual es-

trutura de produccedilatildeo de saberes e substituiacute-la por outra Para isso eacute

necessaacuteria a mudanccedila do meacutetodo de abordagem utilizado no ato

cognoscente pois apenas dessa forma poder-se-aacute produzir um novo

objeto de conhecimento

Nesse sentido para que a superaccedilatildeo do positivismo seja possiacutevel torna-

se necessaacuterio reconfigurar o ensino juriacutedico e a proacutepria Ciecircncia do Direito O

ponto central da reforma no ensino dar-se-aacute pela modificaccedilatildeo do meacutetodo

incorporado ao processo de conhecimento Ou seja a superaccedilatildeo do positi-

vismo (enquanto paradigma da ciecircncia do Direito) e do ensino (enquanto

processo de conhecimento) ocorre por intermeacutedio da transformaccedilatildeo do que

o autor mencionado define por ldquomeacutetodo de abordagem utilizado no ato cog-

noscenterdquo

Como visto Morin (2005 p 49) natildeo incita uma transformaccedilatildeo do ensino

como pretexto para elencar a teoria da complexidade como uacutenica a ser uti-

lizada mas sim quer com ela transcender a ideia fixa imutaacutevel que ainda

ldquo

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

281

persiste apesar da muacuteltipla fluida e incerta contemporaneidade O francecircs

disserta que

Vamos tentar aqui um discurso multidimensional natildeo totalitaacuterio teoacute-

rico mas natildeo doutrinaacuterio (a doutrina eacute a teoria fechada autossufici-

ente portanto insuficiente) aberto para a incerteza e a superaccedilatildeo

natildeo idealidealista sabendo que a coisa jamais seraacute totalmente fe-

chada no conceito o mundo jamais aprisionado no discurso

Portanto a reparadigmatizaccedilatildeo do ensino juriacutedico se faz por meio da

abertura de novos caminhos na proacutepria ciecircncia possibilitando assim a (re)li-

gaccedilatildeo entre filosofia e ciecircncia e desta em suas mais variadas aacutereas Em re-

sumo reformular o ensino eacute um processo interdependente da reformulaccedilatildeo

da ciecircncia no caso ensino e ciecircncia juriacutedica

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A partir das reflexotildees feitas e da bibliografia analisada pode-se concluir

que o paradigma da simplificaccedilatildeo (cartesiano) concebido no seacuteculo XVII o

qual se apresenta como ponto de partida eleva-se como insuficiente Tal in-

suficiecircncia evidenciou-se em meados do seacuteculo XX mediante criacuteticas de natu-

reza filosoacutefica epistemoloacutegica e cientiacutefica feitas agravequele paradigma

Nesse sentido a visatildeo-de-mundo cartesiana concebe o homem como

detentor da razatildeo e que por este fator deve o homem mudar o ambiente

natural para adequaacute-lo agraves demandas humanas Assim todas as incompreen-

sotildees incertezas e contradiccedilotildees da realidade mundanal satildeo excluiacutedas do de-

bate cientiacutefico

Em contrapartida o pensamento complexo abarca as incertezas e as-

sume ser impossiacutevel o conhecer total Ou seja ao passo que assume a impos-

sibilidade do conhecimento total a complexidade almeja a compreensatildeo

multifacetada da realidade fenomecircnica Desta forma o pensar complexo eacute

entendido como possibilidade-necessidade para a superaccedilatildeo paradigmaacute-

tica

A necessaacuteria e possiacutevel superaccedilatildeo do pensamento simplificador dar-se

por dois principais fatores 1) que o princiacutepio da disjunccedilatildeo impossibilita em uacutel-

tima anaacutelise a ciecircncia conceber-se cientificamente e 2) o fato de que as

insuficiecircncias do cartesianismo se natildeo superadas conduzirem a humanidade

a uma trageacutedia planetaacuteria

Pelo exposto verifica-se que os descompassos do paradigma simplifica-

dor tambeacutem provocam consequecircncias no ensino em especial o juriacutedico Este

ensino no Brasil eacute envolvido por traccedilos que buscam historicamente a manu-

tenccedilatildeo de uma determinada ordem poliacutetica e para que isso seja possiacutevel o

ensino juriacutedico distancia-se da realidade antropossocial brasileira

Por fim eacute necessaacuterio reiterar que o presente trabalho possui insuficiecircn-

cias e carecircncias que poderatildeo ser supridas por novas investigaccedilotildees de cunho

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

282

cientiacutefico Isso posto as possibilidades de aplicaccedilatildeo da teoria da complexi-

dade ainda natildeo abrangeram a sua maacutexima potencialidade seja na ciecircncia

na filosofia ou na educaccedilatildeo Dessa maneira compreender as ressalvas por

parte do corpo pedagoacutegico e docente do pensamento moriniano eacute tambeacutem

compreender a proacutepria dificuldade de superaccedilatildeo paradigmaacutetica no ensino

juriacutedico brasileiro

REFEREcircNCIAS

BASTOS Aureacutelio Wander O Ensino Juriacutedico no Brasil e as suas personalidades histoacutericas

- Uma recuperaccedilatildeo de seu passado para reconhecer seu futuro In Ensino Juriacutedico

OAB 170 anos de Cursos Juriacutedicos do Brasil Conselho Federal da Ordem dos Advo-

gados do Brasil Brasiacutelia 1997

BITTAR Eduardo C B Curso de eacutetica juriacutedica eacutetica geral e profissional 5 ed rev Satildeo

Paulo Saraiva 2008

CAPRA Fritjof A teia da vida 11 ed Satildeo Paulo Cultrix 1996

DESCARTES Reneacute Discurso do meacutetodo Ed Especial Trad Joatildeo Cruz Costa Rio de

Janeiro Nova fronteira 2017

FARIA J C Da fundaccedilatildeo das Universidades ao ensino na Colocircnia Rio de Janeiro Ed

Nacional 1952

FERREIRA Joseacute Acircngelo A compreensatildeo do sujeito bolsista em relaccedilatildeo ao programa

Universidade Para Todos - PROUNI agrave luz do pensamento complexo 2012 256 f Tese

(Doutorado) - Curso de Poacutes Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Universidade Nove de Julho -

Uninove Satildeo Paulo 2012

MAROCCO Andreacutea de Almeida Leite Ensino juriacutedico no Brasil desafios agrave formaccedilatildeo

do profissional do direito no seacuteculo XXI 2012 160 f Tese (Doutorado) - Curso de Poacutes

Graduaccedilatildeo em Direito Centro de Ciecircncias Juriacutedicas Universidade Federal de Santa

Catarina Florianoacutepolis 2011

MARTINS Decircnis Valeacuterio A histoacuteria da educaccedilatildeo superior na Ameacuterica Latina e o desafio

integracionista da Universidade Federal da Integraccedilatildeo Latino-Americana (UNILA)

Cascavel PR UNIOESTE 2012

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Europa-Ameacuterica 1996

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RIBEIRO Darcy Configuraccedilotildees histoacuterico-culturais dos povos americanos 2ed Satildeo

Paulo Global 2016

RODRIGUES Horaacutecio Wanderlei Ensino juriacutedico e direito alternativo Satildeo Paulo Editora

Acadecircmica 1993

RODRIGUES Horaacutecio Wanderlei Ensino juriacutedico para que (m) Florianoacutepolis Funda-

ccedilatildeo Bioteux 2000

SAMPAIO H Evoluccedilatildeo do ensino superior brasileiro (1808-1990) Documento de Tra-

balho 891 Nuacutecleo de Pesquisa sobre Ensino Superior da Universidade de Satildeo Paulo

1991

WOLKER A C Histoacuteria do direito no Brasil - Rio de Janeiro Forense 2003

283

ENSINO JURIacuteDICO E NEUROPSICOLOGIA

uma discussatildeo sob a perspectiva da

complexidade

Bruno Barros Carvalho1

Diogo Felipe Sousa Barreira2

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 191 A fragilidade da ciecircncia disciplinar

192 Consideraccedilotildees em torno do pensamento complexo 193 Ensino

juriacutedico da linearidade agrave complexidade 1931 Ensino juriacutedico no

mundo 1932 Ensino juriacutedico no Brasil 194 Ensino juriacutedico e Neuropsi-

cologia uma perspectiva complexa Consideraccedilotildees finais Referecircn-

cias

INTRODUCcedilAtildeO

A evoluccedilatildeo da espeacutecie humana atingiu no seacuteculo XXI niacuteveis inimaginaacute-

veis com um desenvolvimento bioloacutegico e social que o permitiu prosperar e

tornar-se o animal mais complexo do planeta Tal pensamento segundo

Yuval recebeu a influecircncia de trecircs fatores chamados de revoluccedilotildees Para ele

ldquoa Revoluccedilatildeo Cognitiva deu iniacutecio agrave histoacuteria haacute cerca de 70 mil anos A Revo-

luccedilatildeo Agriacutecola a acelerou por volta de 12 mil anos atraacutes A Revoluccedilatildeo Cientiacute-

fica que comeccedilou haacute apenas 500 anos pode muito bem colocar o fim agrave his-

toacuteria e dar iniacutecio a algo completamente diferenterdquo (HARARI 2017) o que pode

ser para os dias atuais uma nova Revoluccedilatildeo a Informacional

Para esse desenvolvimento da espeacutecie ocorrer foi primordial o agrupa-

mento dos seres e a formaccedilatildeo das sociedades O homem aprendeu a sobre-

viver na natureza aprendeu a modificaacute-la agora precisa aprender a conviver

em sociedade esse eacute talvez o maior desafio da humanidade hoje O filme

Os Deuses Devem Estar Loucos (1980) retrata de forma cocircmica essa situaccedilatildeo

ao ironizar que o homem modificou tanto a natureza que agora ele passa

anos em escolas e universidades para aprender a conviver em sociedade

Eacute justamente nessa necessidade que surgem as diversas ciecircncias sociais

como o Direito No entanto a legislaccedilatildeo reguladora de comportamentos jaacute

cometeu inuacutemeros erros por desconhecimentos tomando como verdades ab-

solutas ideias predominantes agrave eacutepoca

1 Graduado em Direito e poacutes-graduado em Neuropsicologia pelo Centro Universitaacuterio Chris-

tus (UNICHRISTUSCE) Advogado E-mail brunobbchotmailcom

2 Graduando em Direito pela Universidade Regional do Cariri (URCACE)

E-mail diogofelipesbgmailcom

19

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

284

A norma juriacutedica tende a se basear em fatos cientiacuteficos como na aacuterea

penal cujo pai da Criminologia Cesare Lombroso por exemplo provou cien-

tificamente que caracteriacutesticas fiacutesicas de uma pessoa seriam determinantes

no potencial criminoso (LOMBROSO 2013) O cientista imputava indiacutecios de

um potencial criminoso a partir de traccedilos faciais aspectos associados agrave raccedila

negra Obviamente seus estudos contribuiacuteram para a evoluccedilatildeo da ciecircncia

penal mas a ignoracircncia da eacutepoca o fez cometer aos olhos do seacuteculo XXI

erros grosseiros

Essa caracteriacutestica natildeo eacute exclusiva do Direito a proacutepria Neurociecircncia jaacute

sofreu horrores desse viacutecio O Precircmio Nobel em 1906 reverenciou Golgi e Cajal

por mostrarem agrave Medicina a estrutura dos neurocircnios (GRANT 1999) No en-

tanto apesar de dividirem o precircmio eles possuiacuteam teorias diferentes e consi-

deravam-se inimigos cientiacuteficos

As descobertas deles dividiram a comunidade cientiacutefica ao provar que

a estrutura neuronal natildeo era una mas sim que havia uma lacuna entre um e

outro O grande questionamento agrave eacutepoca foi como eacute feita a comunicaccedilatildeo

neuronal por via quiacutemica ou eleacutetrica Para surpresa atual a maioria defendia

o impulso eleacutetrico pois estavam cansados das novidades quiacutemicas e a energia

eleacutetrica era novidade agrave eacutepoca (KEAN 2014)

A capacidade de repassar conhecimento contribuiu para o desenvol-

vimento da intelectualidade humana as percepccedilotildees de aacutereas e naturezas

diferentes pode classificar o conhecimento em ciecircncias o que seraacute alvo deste

artigo em seu primeiro capiacutetulo

O presente trabalho tem por objetivo apresentar uma relaccedilatildeo da Neu-

ropsicologia com o Ensino Juriacutedico e como as novas descobertas da Neuroci-

ecircncia ligadas ao comportamento humano podem contribuir para que a re-

gulamentaccedilatildeo da sociedade seja de forma a acompanhar as novas deman-

das sociais

A Neuropsicologia eacute a ciecircncia que estuda o comportamento humano

e suas disfunccedilotildees por meio do desenvolvimento neuroloacutegico enquanto o Di-

reito eacute a ciecircncia que regula por meio de preceitos normativos a conduta

humana

Nessa perspectiva as duas aacutereas do conhecimento possuem pontos de

interseccedilatildeo jaacute que ambas tecircm sua origem no comportamento humano uma

compreende o como e o porquecirc da conduta e a outra regula Vale salientar

que a Neuropsicologia surgiu da necessidade de investigar disfunccedilotildees neuro-

loacutegicas cujas consequecircncias implicam em comportamentos disfuncionais Na

mesma proporccedilatildeo o Direito brotou da indigecircncia de normatizar o conviacutevio do

homem em sociedade para a manutenccedilatildeo da ordem ele se faz necessaacuterio

no controle de condutas inadequadas do ser humano

Dessa forma natildeo eacute percebido na aacuterea do Direito uma abordagem neu-

ropsicoloacutegica da conduta humana que precisa ser aprimorada fato esse mar-

cado pela ausecircncia de ligaccedilatildeo com a aacuterea seja na graduaccedilatildeo ou na forma-

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

285

ccedilatildeo juriacutedica dos profissionais devendo-se isto ao nuacutemero insatisfatoacuterio de pes-

quisas relacionadas ao tema Assim faz-se mister o debate sobre essa temaacute-

tica a fim de fomentar o diaacutelogo e a consequente geraccedilatildeo de novas interpre-

taccedilotildees acerca da norma juriacutedica pautada em uma nova percepccedilatildeo herme-

necircutica

Para isso a metodologia do trabalho trata-se de uma pesquisa biblio-

graacutefica realizada de julho de 2020 a setembro de 2020 Foram consultadas as

bases de dados eletrocircnicos Scielo Pubmed e Bireme utilizando-se na busca

os seguintes descritores neuropsicologia direito ensino juriacutedico complexi-

dade conduta humana norma lei comportamento Considerou-se como cri-

teacuterios de inclusatildeo serem artigos publicados nos idiomas portuguecircs inglecircs es-

panhol francecircs nos uacuteltimos dez anos e com texto completo disponiacutevel online

Tambeacutem foram utilizados como fonte de dados livros artigos e perioacutedicos re-

lacionados agrave temaacutetica

No primeiro capiacutetulo seraacute abordado a fragilidade da ciecircncia disciplinar

que evoluiu fragmentando o conhecimento e a natureza Jaacute no segundo se-

ratildeo feitas consideraccedilotildees em torno do pensamento complexo que serviratildeo de

base para um elo entre o Ensino Juriacutedico e a Neuropsicologia Logo apoacutes no

terceiro momento analisaraacute a historicidade do ensino juriacutedico no mundo e no

brasil com o intuito de buscar pontos de conexatildeo com a Neuropsicologia

para enfim no uacuteltimo capiacutetulo abordar a simbiose dessas duas ciecircncias

191 A FRAGILIDADE DA CIEcircNCIA DISCIPLINAR

A ciecircncia como conhecemos eacute uma ramificaccedilatildeo da Filosofia Esta eacute a

precursora do pensamento humano ganha destaque na Greacutecia Antiga prin-

cipalmente com Aristoacuteteles natildeo por ser o filoacutesofo de maior expressividade

mas sim por ter suas ideias difundidas em anotaccedilotildees por seus alunos

A Filosofia vem com o surgimento das cidades e a busca para explicar

a origem da vida e do universo Ela evoluiu e passou a analisar diversas aacutereas

a partir daiacute tem-se o aparecimento da Botacircnica da Meteorologia da Ciecircncia

Poliacutetica da Matemaacutetica entre outras Contudo a Greacutecia Antiga sofreu diver-

sas invasotildees e materiais que armazenavam fontes de conhecimento foram

perdidos Com as Cruzadas no seacuteculo XIV parte desse acervo foi recuperado

e difundido pela Europa

O Renascimento marca a criaccedilatildeo do meacutetodo cientiacutefico tendo Galileu

Newton Bacon e Descartes como referecircncia Esse periacuteodo cria um distancia-

mento entre Filosofia e Ciecircncia pois esta deixa de ter um meacutetodo de contem-

placcedilatildeo para um de comprovaccedilatildeo Jaacute aquela era baseada em teorias que eacute

ldquoconhecimento abstrato que se limita agrave exposiccedilatildeo de caraacuteter meramente es-

peculativo voltado para a contemplaccedilatildeo da realidade em oposiccedilatildeo agrave praacute-

tica e ao saber teacutecnicordquo (MICHAELIS 2020)

Em seu embrionaacuterio a Filosofia falava de todos os assuntos entretanto

Kant delimita as atuaccedilotildees dela ao abordar que deveria se ater a somente trecircs

deles o que eacute o belo (KANT 2012) o que conhecer significa (KANT 2001) e

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

286

como devemos agir (KANT 2008) pois as demais ciecircncias jaacute se apropriaram

dos outros conhecimentos

As ciecircncias tornaram-se especiacuteficas sendo agrupadas por categorias

semelhantes ao ser dividida em exatas bioloacutegicas e sociais Durkheim acredi-

tava que as ciecircncias sociais deveriam se basear nas exatas para serem com-

provadas o meacutetodo de avaliccedilatildeo deveria ser similar (DURKHEIM 2004) Para

atestar tal afirmaccedilatildeo produz obra com o intuito de provar uma relaccedilatildeo exata

para o suiciacutedio na qual apresenta variantes de idade localidade sexuali-

dade emprego clima diversos fatores transformados em dados estatiacutesticos

para prever um possiacutevel suicida Em sua anaacutelise por exemplo homem desem-

pregado solteiro sem filho jovem residente em regiatildeo de clima frio protes-

tante tem um potencial suicida (DURKHEIM 2000) Essa percepccedilatildeo leva em

consideraccedilatildeo dados sobre pessoas que cometeram o suiciacutedio natildeo analisa fa-

tores emocionais nem comportamentais

Nessa mesma perspectiva Comte categoriza uma hierarquia cientiacutefica

utiliza como criteacuterio as condiccedilotildees variaacuteveis e grau de complexidade da ciecircn-

cia Trata a exatas como inferior logo acima as bioloacutegicas e no topo as sociais

(COMTE 1978) Anos depois passa a classificar uma nova categoria a moral

Essa atualizaccedilatildeo dele mostra a percepccedilatildeo de que o estudo da mente hu-

mana tem um valor superior as demais aacutereas pelo seu grau de complexidade

Caso estivesse vivo certamente consideraria a Neuropsicologia uma aacuterea re-

levante para o Direito

De fato a ciecircncia ganhou forccedila com o surgimento de universidades e

mais pesquisadores pensadores escritores que difundiam a ideia de conhe-

cimentos especiacuteficos A Revoluccedilatildeo Industrial intensificou essa marca em que

modelos como o taylorismo e o fordismo o trabalhador sabe cada vez menos

sobre a faacutebrica e cada vez mais sobre sua funccedilatildeo teacutecnica

Isso cria a Escola Nova cuja metodologia possui um vieacutes positivista ao

afirmar que a pedagogia deve ensinar funccedilotildees teacutecnicas para o mercado de

trabalho portanto deve-se aprender somente o que iraacute utilizar no labor (DE-

WEY 2003)

A partir desse momento haacute um avanccedilo na evoluccedilatildeo disciplinar das ci-

ecircncias universidades e escolas modificam suas grades livros tornam-se mais

especiacuteficos e profissionais mais qualificados em uma uacutenica aacuterea As ciecircncias

deixam de interagir como se o conhecimento e a natureza fossem cataloga-

dos em categorias e classes

O conceito de gaiolas epistemoloacutegicas de DrsquoAmbrosio retrata bem os

prejuiacutezos em disciplinar as ciecircncias Para ele a disciplina eacute como uma gaiola

em que o paacutessaro conhece tudo sobre o interior de sua dela mas sequer tem

a capacidade de saber qual sua cor por fora Como proposta para sanar tal

limitaccedilatildeo cognitiva abre-se para o conceito de interdisciplinar coloca-se vaacute-

rios paacutessaros em um viveiro o espaccedilo eacute maior e haacute mais interaccedilatildeo contudo

ainda haacute o engaiolamento (DrsquoAMBROSIO 2007)

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

287

No Brasil por exemplo o aluno entra em uma gaiola de Matemaacutetica por

uma hora pula para outra de Quiacutemica para em seguida ir a uma de Geogra-

fia e assim passa toda sua vida escolar engaiolado em meacutetodos e padrotildees

ordenados por categorias gecircneros espeacutecies (DrsquoAMBROSIO 2007)

Como soluccedilatildeo surge o conceito de transdisciplinaridade que ldquoeacute meta-

foricamente o abandono das grades epistemoloacutegicas que limitam o

voarpensar O grande objetivo da transdisciplinaridade na escola eacute permitir

criatividade plenardquo (DrsquoAMBROSIO 2007p19)

A ciecircncia evoluiu construindo teorias a partir de convicccedilotildees possiacuteveis de

se provar de se constatar de se enumerar de apresentar fatos e dados a

convencer a comunidade Ela se tornou uma fonte de formaccedilatildeo de verdades

Eacute nesse ponto que se percebe a fragilidade dela para os dias atuais A forma-

ccedilatildeo de certezas por parte de experiecircncias individuais impostas a toda comu-

nidade eacute detentora de um risco imensuraacutevel

A teoria do Cisne Negro criada por Nassim Taleb retrata bem essa falha

cuja essecircncia eacute evidenciar fatos que mudaram o curso da ciecircncia por des-

considerar o desconhecido O autor cita o aparecimento de um cisne negro

haacute mais de 500 anos que ateacute entatildeo era uma espeacutecie desconhecida Na Eu-

ropa apenas se conheciam cisnes brancos e por nunca ter sido visto um de

coloraccedilatildeo diferente a ciecircncia deduziu que todo cisne era branco Essa cer-

teza soacute foi concretizada porque levou-se em consideraccedilatildeo apenas os fatos

conhecidos desprezando-se os possiacuteveis desconhecidos Para Taleb a ciecircncia

despreza o desconhecido e por isso comumente eacute surpreendida por um fato

novo Eis o porquecirc de sua fragilidade

Essa caracteriacutestica dogmaacutetica cartesiana da ciecircncia dificulta anaacutelises

mais complexas e tanto interdisciplinar quanto transdisciplinar baseia-se em

certezas e natildeo abre espaccedilo para imprevisibilidades por isso a teoria da com-

plexidade eacute tatildeo importante para a ciecircncia e o Ensino Juriacutedico

192 CONSIDERACcedilOtildeES EM TORNO DO PENSAMENTO COMPLEXO

Uma alternativa para suprir a fragilidade da ciecircncia disciplinar eacute a sua

superaccedilatildeo para uma transdisciplinar cujo intermeacutedio pode ser efetivado pelo

pensamento complexo Unir ciecircncias tatildeo independentes eacute um desfio para a

modernidade daiacute o porquecirc de se compreender mais a relaccedilatildeo entre Direito

e Neuropsicologia

A Neuropsicologia eacute uma temaacutetica complexa uma vez que aborda

questotildees crucias do comportamento humano a partir de fundamentos oriun-

dos das neurociecircncias tanto no acircmbito da sauacutede mental como das disfun-

ccedilotildees de ordem neuroloacutegica e suas consequentes implicaccedilotildees na conduta hu-

mana

Por ser uma aacuterea do conhecimento iminentemente interdisciplinar

conta-se com a contribuiccedilatildeo de diversos profissionais de aacutereas da sauacutede e

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

288

educaccedilatildeo como a Medicina Psicologia Farmacologia Terapia Ocupacio-

nal Fonoaudiologia Fisioterapia Pedagogia entre outras dando-se desta-

que neste artigo agrave inclusatildeo do Direito

Dentro desse contexto eacute necessaacuterio discutir a transformaccedilatildeo do pensa-

mento linear defendido no paradigma cartesiano e moderno para a com-

plexidade forma de pensar exigida no emergente paradigma da poacutes-moder-

nidade

A Revoluccedilatildeo Industrial do seacuteculo XVIII foi o embriatildeo do que se chama

hoje de sociedade de risco (BECK 1998)3 potencializada pelo desenvolvi-

mento tecno-cientiacutefico e caracterizada pelo incremento na incerteza quanto

agraves consequecircncias das atividades e tecnologias empregadas no processo eco-

nocircmico (ROCHA 2009)

A modernidade por assim dizer eacute mais uma das consequecircncias gera-

das pelo Iluminismo momento histoacuterico marcado pela Revoluccedilatildeo Francesa

acontecimento que causou transformaccedilotildees irreversiacuteveis agrave sociedade Pro-

clama-se a partir de entatildeo de forma mais incisiva o racionalismo o antropo-

centrismo claacutessico e o universalismo

Ilustra Touraine que esse periacuteodo remonta agrave concepccedilatildeo claacutessica da mo-

dernidade identificando-a com a racionalizaccedilatildeo O autor francecircs sugere

uma redefiniccedilatildeo da modernidade como a relaccedilatildeo entre a razatildeo e o sujeito

carregada de tensotildees assim como racionalizaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo ciecircncia e

liberdade (TOURAINE 1997)

A forma de pensar na modernidade eacute linear mediante antagonismos

como entre feio e o belo o falso e o verdadeiro o sim e o natildeo o simples e o

composto como ocorre no pensamento dialeacutetico (CIRNE-LIMA 2005)4 De

acordo com Hegel a afirmaccedilatildeo de algo da realidade se reveste como tese

No entanto haveraacute uma antiacutetese que mais do que negar enriquece a reali-

dade transformando-se em siacutentese (HEGEL 2001) Desta feita o pensamento

dialeacutetico e cartesiano proacuteprio do paradigma moderno acompanhou e influ-

enciou o ensino das Universidades

A primeira premissa do pensamento cartesiano eacute nunca aceitar algo

como verdadeiro ateacute analisar todas as possibilidades a fim de que natildeo exista

motivo para duvidar da alegaccedilatildeo O segundo passo eacute dividir os problemas e

analisaacute-los cuidadosamente com o intuito de melhor resolvecirc-los Em um ter-

ceiro momento devem-se reger os pensamentos comeccedilando do mais sim-

ples ou mais faacutecil de resolver para pouco a pouco chegar ao conhecimento

3 A teoria da sociedade de risco foi inicialmente fundamentada pelo socioacutelogo alematildeo Ul-

rick Beck com a publicaccedilatildeo da obra ldquoLa sociedad del riesgordquo em meados da deacutecada de

80 Segundo Beck a sociedade de risco ldquodesigna uma fase no desenvolvimento da socie-

dade moderna em que os riscos sociais poliacuteticos econocircmicos e individuais tendem cada

vez mais a escapar das instituiccedilotildees para o controle e a proteccedilatildeo da sociedade industrialrdquo

4 Sobre o tema eacute mister observar que ldquoAristoacuteteles dizia criticando Platatildeo que a Dialeacutetica

natildeo era o meacutetodo da Filosofia e sim tatildeo-somente um exerciacutecio intelectual para aguccedilar a

menterdquo A Dialeacutetica se mostra falha como filosofia por natildeo ter o caraacuteter cientiacutefico pois seus

pressupostos natildeo satildeo bem fundamentados apenas levados agrave ideia de um Absoluto

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

289

do mais difiacutecil Por uacuteltimo para garantir a veracidade do pesquisado criam-se

enumeraccedilotildees completas e revisotildees gerais para se ter a certeza de que nada

foi omitido (DESCARTES 2009)

Essas duas formas de pensar marcaram o pensamento moderno que

criou paradigmas cientiacuteficos ou seja modelos de pensamento que predomi-

naram durante um longo periacuteodo e serviram de norteadores para pesquisas

cuja soluccedilatildeo era limitada assim como o meacutetodo

Eacute exatamente desse fracasso que se considera ter nascido o atual mo-

mento da poacutes- -modernidade marcada por uma sociedade poacutes-industrial de

consumo assim como pelo risco e o excessivo individualismo do homem (GID-

DENS 1991)

Notadamente a sociedade poacutes-moderna produz riscos que podem ser

controlados e outros que escapam ou neutralizam os mecanismos de controle

tiacutepicos da sociedade industrial A sociedade de risco revela-se portanto

como um modelo teoacuterico que marca a crise da modernidade emergindo de

um periacuteodo poacutes-moderno na medida em que as ameaccedilas produzidas ao

longo da sociedade industrial comeccedilam a tomar forma (BELCHIOR 2011)

Caracteriza-se ademais a poacutes-modernidade pela liquidez dos concei-

tos Diz-se liacutequido aquilo que natildeo eacute soacutelido isto eacute o que natildeo se enquadra em

formas riacutegidas Ao contraacuterio trata-se de conceitos maleaacuteveis flexiacuteveis fluidos

Essa nova realidade reflete diretamente na vida do homem que sofre diante

da crise de valores da falta de referecircncia relatado por Bauman (1998)

Os pensadores da poacutes-modernidade como Popper que apresentam

teses para uma pesquisa entendem que ldquoo conhecimento natildeo comeccedila de

percepccedilotildees ou observaccedilotildees ou de coleccedilatildeo de fatos ou nuacutemeros poreacutem co-

meccedila mais propriamente de problemasrdquo (POPPER 2004)

Nesse sentido afirma que a ignoracircncia do homem eacute ilimitada e que o

conhecimento e a ignoracircncia natildeo satildeo contraacuterios como defendia Hegel

Ocorre que quanto mais se conhece mais caminhos surgem Ao se deparar

com um problema e achar uma soluccedilatildeo adequada natildeo significa o fim de um

ciclo pois a cada nova soluccedilatildeo haacute novos problemas surgindo a necessidade

de novas soluccedilotildees (POPPER 2004)

A complexidade tambeacutem se encontra no contexto poacutes-moderno cuja

origem deriva do latim complexus como uma ldquoaccedilatildeo de abraccedilar de rodar

abraccedilo aperto amplexo ligaccedilatildeo encadeamentordquo (CUNHA 2001) Eacute por-

tanto ldquogrupo ou conjunto de coisas fatos ou circunstacircncias que tecircm qualquer

ligaccedilatildeo ou nexo entre sirdquo (CUNHA 2001)

O pensar seraacute por intermeacutedio de uma complexidade na qual a percep-

ccedilatildeo e a descriccedilatildeo dos contextos em que o objeto de anaacutelise estaacute inserido

produziratildeo conhecimento que ajude a descrever muito mais que apenas pres-

crever Assim um comportamento mesmo ciente da interpretaccedilatildeo teleoloacute-

gica optaraacute pela racionalidade criacutetica pois ao utilizar um meio para alcan-

ccedilar um fim sabe que a finalidade pode ser transformada e sugere outro meio

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

290

Dessa maneira propotildee uma accedilatildeo humana ecoloacutegica em que eacute sabido

que todo ato encadearaacute em efeitos de consequecircncias natildeo previstas e algu-

mas vezes indesejados outras ateacute impiedosos Algumas dessas accedilotildees podem

ser revistas para mudar a finalidade do ato e evitar consequecircncias danosas

por um raciociacutenio criacutetico (MORIN 2000)

Falar em complexidade pode soar como um retrocesso ao pensa-

mento pois ela reintroduz a ideia da incerteza em um momento em que a

ciecircncia traz a loacutegica da certeza absoluta conquista realizada apoacutes grandes

revoluccedilotildees cientiacuteficas para abordar temas de forma cientiacutefica (MORIN 1986)

Contudo eacute preciso findar o absoluto pois o aspecto positivo e progressista da

complexidade eacute ter como ponto de partida um pensamento multidimensional

(MORIN 2000)

A forma de pensar complexo foi tolhida pelo sistema educativo ado-

tado que remota ao modelo do seacuteculo XIX Com o desenvolvimento da indus-

trializaccedilatildeo e a necessidade de se investir em conhecimentos especiacuteficos o

mundo passou a compreender que o homem deve capacitar-se em apenas

uma aacuterea O trabalhador deixou de conhecer todo o processo de produccedilatildeo

e se especializou em apenas uma parte

O sistema de ensino atendeu agrave demanda poliacutetico-econocircmica e profissi-

onalizou seus alunos em conhecedores de uma soacute aacuterea Houve a necessidade

de desaprender o sistema complexo para aprender os elementos que o cons-

tituem sem a percepccedilatildeo do todo

O fato eacute que a educaccedilatildeo do seacuteculo XXI natildeo acompanhou as mudan-

ccedilas e permanece no passado educa-se para uma simplificaccedilatildeo e comparti-

mentalizaccedilatildeo dos conhecimentos de forma individualizada

O erro e a ilusatildeo assombram o ser humano desde a origem do homem

racional seu passado eacute marcado por erros e ilusotildees Haacute um conflito do ser com

o dever ser do que se pode ser com o que se quer ser a busca por uma uto-

pia a realizaccedilatildeo de um sonho o imaginar o imaginaacuterio o visualizar o impossiacute-

vel e nessa tentativa incansaacutevel de elaboraccedilatildeo de falsas concepccedilotildees sobre

si eacute que o homem natildeo consegue fugir do erro

Pensar uma educaccedilatildeo baseada na complexidade eacute visualizar um co-

nhecimento ameaccedilado pelo erro e pela ilusatildeo Portanto deve-se pensar em

um novo sistema educacional uma nova ciecircncia desenvolver o conheci-

mento cientiacutefico pautado em uma ordem complexa Ainda sobre o tema ma-

nifesta-se Morin

O desenvolvimento do conhecimento cientiacutefico eacute poderoso meio de

detecccedilatildeo dos erros e de luta contra ilusotildees Entretanto os paradig-

mas que controlam a ciecircncia podem desenvolver ilusotildees e nenhuma

teoria cientiacutefica estaacute imune para sempre contra o erro Aleacutem disso o

conhecimento cientiacutefico natildeo pode tratar sozinho dos problemas epis-

temoloacutegicos filosoacuteficos e eacuteticos (MORIN 2003)

Trabalhar com a ideia de uma verdade absoluta ou pautada em para-

digmas com o objetivo de elaborar um conhecimento cientiacutefico eacute criar falsas

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

291

conclusotildees sobre a pesquisa pois o meio utilizado para o fim limita o senso

criacutetico e as possibilidades de conclusotildees do pesquisador Portanto ldquoa educa-

ccedilatildeo deve-se dedicar por conseguinte agrave identificaccedilatildeo da origem de erros

ilusotildees e cegueirasrdquo (MORIN 2003)

O pensamento complexo segundo Edgar Morin pode ser apresentado

por sete princiacutepios basilares agrave sua formaccedilatildeo (MORIN MOIGNE 2000)

O primeiro eacute o princiacutepio sistecircmico ou organizacional que une o conheci-

mento individualizado ao conhecimento complexo eacute a junccedilatildeo da parte ao

todo Sua fundamentaccedilatildeo maior eacute baseada na ideia de que eacute insuficiente

conhecer o todo sem conhecer a parte e que de nada vale conhecer a parte

sem conhecer o todo

Eacute nesse ponto que se percebe a importacircncia dentro do ensino juriacutedico

de se aprofundar nos conhecimentos da Neuropsicologia pois natildeo eacute possiacutevel

regular a conduta humana sem conhececirc-la

Como princiacutepio segundo tem-se o hologramaacutetico ao se defender que

assim como a parte estaacute no todo o todo se encontra na parte havendo uma

interdependecircncia de funcionalidade pois um locupleta o outro natildeo haacute como

dissociaacute-los

O corpo humano natildeo eacute soacute mateacuteria haacute mente e consciecircncia tambeacutem

o material e o imaterial dissociaacute-los eacute reduzir o ser e ao fazecirc-lo a chances de

erros aumentam O Direito eacute positivo uma ciecircncia social com caracteriacutesticas

de exata A Neuropsicologia eacute subjetiva flexiacutevel e mutaacutevel por isso natildeo pode

ser dissociada do ensino juriacutedico

O terceiro eacute o princiacutepio do ciacuterculo retroativo que rompe com o pensa-

mento da causalidade linear em que a causa age sobre o efeito e este sobre

aquele Eacute o conhecimento de um processo autorregulador ou seja um sis-

tema complexo e ciacuteclico em que haacute uma manutenccedilatildeo automaacutetica adapta-

tiva Nele agrave medida que o operador do direito conhece mais sobre o com-

portamento humano mais preparado estaacute para regulaacute-lo quanto mais efici-

ente sua regulamentaccedilatildeo menos equiacutevocos teremos por atraso normativo

O princiacutepio do ciacuterculo recursivo apresenta-se como o quarto sustentado

por Morin Afirma o socioacutelogo que por meio deste desprende-se da ideia de

regulagem para a de auto- -organizaccedilatildeo Aqui eacute um sistema em que o pro-

duto e o efeito satildeo os proacuteprios produtores e causadores daquilo que os produz

Percebe-se mais uma vez o quanto a regulamentaccedilatildeo da conduta humana

natildeo pode ser feita sem entendecirc-la antes

O quinto eacute o princiacutepio da autoeco-organizaccedilatildeo autonomia e depen-

decircncia os seres vivos satildeo auto-organizadores e se autoproduzem de forma

autocircnoma No entanto dependem de outros seres e do meio em que vivem

Segundo o autor a relaccedilatildeo com o meio ambiente eacute de autonomia e de de-

pendecircncia estando inserido na ideia de um direitodever ao meio ambiente

equilibrado pois ao mesmo tempo em que ele eacute de todos natildeo pertence a

ningueacutem Os seres vivos compotildeem-no mas precisam dele para existir

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

292

O sexto (e penuacuteltimo) eacute o princiacutepio dialoacutegico que realiza um paralelo

entre a ordem a desordem e a organizaccedilatildeo A ordem e a desordem (MORIN

KERN 1995)5 satildeo princiacutepios interligados desde a origem do universo Tudo

nasce de uma desordem para entatildeo ingressar em um processo de ordem

para finalmente organizar-se Haacute uma associaccedilatildeo das accedilotildees contraditoacuterias

na busca de um fenocircmeno complexo

A conduta humana eacute por vezes imprevisiacutevel outras totalmente previsiacute-

vel O Ensino Juriacutedico gosta de ordem a Neuropsicologia parte da desordem

Uma ciecircncia milenar ordenada e outra que natildeo possui um seacuteculo sequer or-

ganizando sua desordem Uma velha ciecircncia com uma nova Combinaccedilatildeo

perfeita de troca de experiecircncias sobre o conhecimento social e humano

Por fim o seacutetimo trata do princiacutepio da reintroduccedilatildeo do conhecimento

em si mesmo fazendo uma reestruturaccedilatildeo do homem quando busca renovar

o sujeito e trazer agrave tona a problemaacutetica cognitiva central Haacute um envolvimento

da percepccedilatildeo com a teoria cientiacutefica ocasiatildeo em que todo o conhecimento

eacute uma traduccedilatildeo de um ceacuterebro inserido em uma cultura e em um determi-

nado tempo

As ciecircncias tornaram-se disciplinares fragmentaram o conhecimento e

a natureza o encontro da Neuropsicologia com o Ensino Juriacutedico eacute uma opor-

tunidade de liberaacute-lo das gaiolas disciplinares de reconectaacute-lo com a essecircn-

cia humana para que se renove e una novamente o conhecimento

Como se vecirc os referidos princiacutepios regem segundo a liccedilatildeo de Morin a

loacutegica do pensamento complexo que transcende as variadas formas do pen-

sar e quebra paradigmas cientiacuteficos Elimina as certezas pelas incertezas ha-

vendo uma marcha entre esta e aquela Existe uma linha tecircnue entre o ele-

mentar e o global entre o separaacutevel e o inseparaacutevel

Portanto pensar complexo eacute abandonar o pensamento linear pautado

no paradigma moderno e nas certezas cientiacuteficas passando a entender o

mundo sob uma visatildeo global natildeo uniforme e liacutequido eacute perceber que natildeo se

pode afirmar nada com certeza e que o pensamento cientiacutefico deve estar

sempre acessiacutevel a novas perspectivas

Incluir os novos conhecimentos da Neuropsicologia ao ensino juriacutedico eacute

considerar o desconhecido questionar as verdades enraizadas nos dispositi-

vos normativos unificar o conhecimento e transcender a Ciecircncia do Direito

Por esse motivo compreender sua historicidade contribuiraacute para entender

quais pontos de conexatildeo com a Neuropsicologia

5 Para Morin ldquotoda transformaccedilatildeo eacute desorganizadorareorganizadora Ela decompotildee anti-

gas estruturas para constituir novasrdquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

293

193 ENSINO JURIacuteDICO

DA LINEARIDADE Agrave COMPLEXIDADE

Uma vez discutidas as caracteriacutesticas gerais acerca da complexidade

resta analisar como essa nova forma de pensar influenciou (e influecircncia) o en-

sino juriacutedico no mundo e particularmente no Brasil

1931 Ensino juriacutedico no mundo

A Universidade surge no seacuteculo XII no periacuteodo da Idade Meacutedia e cria

uma identificaccedilatildeo com a sociedade e a cultura da eacutepoca passando a repre-

sentar em pouco tempo o pensamento medieval aristoteacutelico-tomista Essa vi-

satildeo complementar entre o grego e o medieval aderiu a produccedilatildeo de certezas

para o mundo e que a partir o papel do cientista seria comtemplar a ordem

tanto coacutesmica quanto divina A partir disso questionamentos e duacutevidas pas-

saram a ser barradas e contornadas pelos pensadores da eacutepoca

Antes de terminada a Era Medieval essa instituiccedilatildeo passa por uma crise

e entra em decadecircncia por causa de um congelamento de pensamentos

valores e ideais tradicionais da eacutepoca que natildeo se adaptaram ao novo espiacuterito

trazido pelo Renascimento e pelo Humanismo nos seacuteculos XVI e XVII que trou-

xeram duacutevidas e incertezas para questionamentos gregos e medievais (SUCU-

PIRA 1972)

No seacuteculo XVIII o pensamento Iluminista prevalece e propotildee a extinccedilatildeo

das universidades com o argumento de que eram resquiacutecios de uma obsoleta

cultura medieval e sugere a criaccedilatildeo de escolas especializadas com capaci-

taccedilatildeo profissional e acadecircmica voltadas agrave pesquisa e ao desenvolvimento

de uma cultura elevada Essa ideia foi abraccedilada pela Revoluccedilatildeo Francesa e

pelas posteriores mudanccedilas no Ensino Superior realizadas por Napoleatildeo (SU-

CUPIRA 1972)

Hoje vaacuterios paiacuteses adotam o sistema educacional de ensino superior tra-

zido pelos iluministas mesmo reconhecendo o importante valor das Universi-

dades na formaccedilatildeo do saber

No seacuteculo XIX na Alemanha a universidade desperta para a realidade

intelectual e passa a ser o grande centro de pesquisa cientiacutefica Contudo

continua a ser seletiva social e intelectual uma vez que eacute endereccedilada ape-

nas a um grupo da elite

Pouco depois na Franccedila as universidades buscaram a formaccedilatildeo de

profissionais que formassem a elite da sociedade como meacutedicos juristas e pro-

fessores

Referido seacuteculo eacute marcado tambeacutem pela industrializaccedilatildeo nas palavras

de Sucupira

Em 1862 o Morril Act ao instituir os Land Grant Golleges lanccedila as ba-

ses da universidade moderna de massas destinada tambeacutem ao trei-

namento de agricultores mecacircnicos comerciantes que constituem ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

294

na linguagem da lei as classes industriais enfim toda uma gama va-

riada de teacutecnicos exigidos pelo raacutepido desenvolvimento industrial Era

a primeira tentativa de se dar formaccedilatildeo universitaacuteria aos mais diver-

sos tipos de profissotildees (SUCUPIRA 1972)

Desde entatildeo as Universidades agregam novos valores e buscam ade-

quar-se agrave realidade proposta pela sociedade Passam a dar formaccedilatildeo teacutec-

nica cientiacutefica e humana para que se possa atender a uma demanda de um

mundo globalizado e ateacute mesmo complexo

1932 Ensino juriacutedico no Brasil

Dentro do contexto brasileiro eacute importante destacar que a criaccedilatildeo de

uma universidade no Brasil natildeo seguiu os padrotildees da Ameacuterica Latina pois du-

rante o seacuteculo XVI os espanhoacuteis criaram as instituiccedilotildees em suas colocircnias na

Ameacuterica contudo eram de cunho religioso Soacute foi possiacutevel implementar uma

instituiccedilatildeo de Ensino Superior no Brasil no iniacutecio do seacuteculo XIX que era voltada

apenas para a elite portuguesa residente na colocircnia poder se graduar sem

ter que se deslocar a Portugal (SOARES 2002)

Na Colocircnia o ensino formal era feito pelos jesuiacutetas cuja dedicaccedilatildeo era

dada agrave cristianizaccedilatildeo dos iacutendios e dos escravos mas abraccedilava o clero para

que pudesse ter uma formaccedilatildeo baacutesica para enfrentar a seleccedilatildeo para a Uni-

versidade de Coimbra uma vez que no Brasil natildeo havia Universidade No en-

tanto era de suma importacircncia para a elite o tiacutetulo de doutor aleacutem do acesso

ao conhecimento para continuar no topo da piracircmide societaacuteria

Para Teixeira esta foi a primeira universidade brasileira haja vista que

nela eram ofertados os cursos de Teologia Direito Canocircnico Direito Civil Me-

dicina e Filosofia Os alunos brasileiros que estudavam em Portugal eram con-

siderados portugueses nascidos no Brasil e podiam ateacute se tornar professores da

Universidade (TEIXEIRA 1989)

O ano de 1808 marca a vinda da Famiacutelia Real ao Brasil A viagem se deu

por receio da realeza com as invasotildees napoleocircnicas a Portugal por isso ten-

taram se firmar em sua colocircnia O porto seguro firmou-se em Salvador que

sediou os cursos de Cirurgia Anatomia e Obstetriacutecia Contudo com a mu-

danccedila de sede da Coroa Portuguesa para o Rio de Janeiro formou-se a Es-

cola de Cirurgia Academias Militares e a Escola de Belas Artes

Desde a colonizaccedilatildeo do paiacutes a educaccedilatildeo religiosa foi largamente utili-

zada como difusora do ensino da religiatildeo e da cultura local por meio do

acordo de padroado feito com a metroacutepole portuguesa Com a queda da

Monarquia em 1889 e a mudanccedila da Constituiccedilatildeo Republicana uma parcela

da Igreja perde o seu poder com o final do acordo do padroado

No seacuteculo XX a fundaccedilatildeo do partido comunista brasileiro em 1922

marca um surgimento da ideologia de Karl Marx em terras brasileiras Mesmo

seguindo as diretrizes internacionais do partido os comunistas locais chega-

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

295

ram agrave conclusatildeo de que o Estado brasileiro natildeo precisaria ser superado na-

quele momento e que o governo deveria investir em educaccedilatildeo para diminuir

conflitos de classe e fortalecer as minorias

Aleacutem disso no mesmo seacuteculo adeptos da Pedagogia Normal de John

Dewey ganham adeptos no Brasil e passam a difundir as suas ideias Simpati-

zantes como Aniacutesio Teixeira acreditavam que a funccedilatildeo da educaccedilatildeo era ex-

clusivamente teacutecnica para preparar os jovens para o mercado de trabalho

Com representantes dessas trecircs ideologias pedagoacutegicas religiosa co-

munista e teacutecnica em 1930 eacute fundado o Ministeacuterio da Educaccedilatildeo com a pre-

missa de difundir o ensino e acabar com os grandes iacutendices de analfabetismo

nacional A educaccedilatildeo brasileira funda-se orientada por essas diretrizes edu-

cacionais que representavam o contexto social poliacutetico e econocircmico da

eacutepoca

Em 1822 o Brasil ganha sua independecircncia e em 1827 satildeo criados dois

cursos de Direito um em Olinda e outro em Satildeo Paulo Medicina Direito e Po-

liteacutecnica as primeiras faculdades brasileiras eram localizadas em cidades de

referecircncia e eram independentes umas das outras no entanto mantinham a

caracteriacutestica elitista (SOARES 2002)

O advento do Curso de Direito no Brasil possibilitou o surgimento de uma

elite pensante em um periacuteodo bacharelista pois o tiacutetulo de doutor impressio-

nava a populaccedilatildeo carente de educaccedilatildeo

O contexto era de exclusatildeo social de um pensamento conservador que

excluiacutea o exerciacutecio da cidadania do povo brasileiro sem que ele pudesse con-

tribuir para o desenvolvimento poliacutetico e juriacutedico do paiacutes Contudo nesse periacute-

odo foi desenvolvida a primeira Carta Poliacutetica a Constituiccedilatildeo do Impeacuterio tra-

balho realizado pelos bachareacuteis da eacutepoca

O Brasil teve grandes juristas que contribuiacuteram significativamente para o

desenvolvimento do pensamento juriacutedico Por influecircncia alematilde surge um pen-

samento evolucionista e histoacuterico-socioloacutegico (GONZAacuteLEZ et al 2011)6

Como se vecirc o ensino juriacutedico eacute uma arma transformadora que depende

do ideal que o norteia por isso eacute de fundamental importacircncia para a socie-

dade e para o desenvolvimento do Estado A forma de pensamento adotada

influencia o ensino juriacutedico

Se hoje haacute uma transformaccedilatildeo para a complexidade como discutido

anteriormente por conseguinte o ensino juriacutedico tambeacutem deve ser complexo

E quando se trata de conduta humana a complexidade se faz ainda mais

6 Nesse sentido afirma Gonzalez ldquoEsse movimento culturalista inaugurado por Tobias Bar-

reto e enriquecido pela contribuiccedilatildeo de toda uma geraccedilatildeo de juristas como Siacutelvio Romero

Vitoriano Palhares Martins Junior Artur Orlando e Clovis Bevilacqua entre outros represen-

tou um marco significativo para a histoacuteria do Direito brasileiro por constituir-se num primeiro

movimento genuinamente nacional de criaccedilatildeo de novas concepccedilotildees do pensamento

juriacutedico-filosoacutefico ao mesmo tempo em que combatia ideacuteias e instituiccedilotildees retroacutegradas e

conservadoras como a escravidatildeo e a monarquia desencadeando lutas em defesa de

direitos individuais de liberdades puacuteblicas e da causa abolicionista e republicanardquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

296

evidente e emergencial por isso torna-se tatildeo importante a contribuiccedilatildeo da

Neuropsicologia ao passo que mudanccedilas sociais satildeo cada vez mais constan-

tes e por gerarem tendecircncias influenciam na accedilatildeo humana eis um dos mo-

tivos basilares que conectam essas duas ciecircncias

194 ENSINO JURIacuteDICO E NEUROPSICOLOGIA

UMA PERSPECTIVA COMPLEXA

Eacute crescente no Brasil os estudos em Neuropsicologia com diversos pro-

fissionais buscando estabelecer novos conhecimentos teoacutericos e praacuteticos

quanto a sua abordagem no mercado nacional No entanto haacute uma intensa

discussatildeo a respeito dos profissionais que podem atuar na aacuterea e os meacutetodos

de avaliaccedilatildeo neuropsicoloacutegica que satildeo regidos pela Resoluccedilatildeo do Conselho

Federal de Psicologia - CFP Brasil 022003

A Neuropsicologia faz parte das Neurociecircncias e vem ganhando cada

vez mais destaque sendo uma aacuterea de atuaccedilatildeo no estudo e na compreen-

satildeo do ceacuterebro e das funccedilotildees cognitivas na perspectiva de caraacuteter bioloacutegico

(RODRIGUES 1993)

A partir dessa concepccedilatildeo pode ser entendida como uma ciecircncia que

analisa de forma neurocientiacutefica e psicoloacutegica a conduta humana com des-

taque aos processos mentais e o funcionamento cerebral no qual se repousa

em uma perspectiva interdisciplinar e por esse motivo necessita de uma

abordagem multiprofissional (SERON 1982)

A abordagem da Neuropsicologia vai aleacutem pela caracteriacutestica de sua

origem ao tomar como base para a anaacutelise neuropsicoloacutegica as expressotildees

comportamentais emocionais e sociais do ser humano quando haacute alguma

modificaccedilatildeo de ordem neuroloacutegica que altere essas funccedilotildees ou seja as dis-

funccedilotildees cerebrais (LEZAK 1995)

A origem da Neuropsicologia se deu com as pesquisas de trecircs profissio-

nais Andreacute Ombredane psicoacutelogo Theacuteophile Alajouanine neurologista e

Marguerite Duran uma linguista eles trouxeram o formato ao qual se utiliza

hoje que emana de 1932 No entanto o termo foi utilizado primariamente em

1913 por William Osler neurologista (HAASE et al 2012) Foi desenvolvida pelo

russo Alexander Luria psicoacutelogo com o livro ldquoA Construccedilatildeo da Menterdquo no

qual se dedicou aos aspectos neuropsicoloacutegicos do ser humano (LURIA 1992)

Nesse sentir a Neuropsicologia eacute uma aacuterea das neurociecircncias que re-

cebe a contribuiccedilatildeo de diversas aacutereas do conhecimento como a Psicologia

Neurologia Psiquiatria e outras aacutereas da Medicina Linguiacutestica Psicolinguiacutes-

tica Neurolinguiacutestica Fonoaudiologia Terapia Ocupacional Fisioterapia Far-

macologia Biologia Educaccedilatildeo entre outras

Sendo assim faz-se mister uma simbiose entre o Direito e a Neuropsico-

logia jaacute que ldquoo profissional em neuropsicologia portanto realiza uma revisatildeo

dos conhecimentos seleciona- -os e utiliza-os em funccedilatildeo de seu objetivo

compreender a relaccedilatildeo entre ceacuterebro e funccedilotildees mentaiscognitivasrdquo (HAASE

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

297

et al 2012) Nesse sentido uma parte da Neuropsicologia avalia de forma neu-

rocientiacutefica o comportamento humano enquanto o Direito regula a conduta

humana

Dessa forma ldquoa neuropsicologia eacute um campo do conhecimento inte-

ressado em estabelecer as relaccedilotildees existentes entre o funcionamento do sis-

tema nervoso central (SNC) por um lado e as funccedilotildees cognitivas e o compor-

tamento por outro tanto nas condiccedilotildees normais quanto patoloacutegicasrdquo (FUEN-

TES et al 2014) o que demonstra a relaccedilatildeo complexa entre as duas aacutereas do

conhecimento

A neuropsicologia supera conceitos antigos e passa a conceber a

mente humana como uma atividade complexa (DAMASCENO 2007) e por-

tanto compreende-se como um pensamento multidimensional Assim ldquoo co-

nhecimento dos distuacuterbios provocados por lesotildees do ceacuterebro possibilita o le-

vantamento de hipoacuteteses sobre o funcionamento do ceacuterebro normalrdquo (GIL

2014) o que concede ao profissional do Direito o acesso a um conhecimento

diferenciado sobre o comportamento humano

Como nos diz Serafim Saffi e Rigonatti (2010) a neuropsicologia pode

atraveacutes dos seus instrumentos de avaliaccedilatildeo colaborar no entendimento da

conduta humana seja delituosa ou natildeo considerando-se a participaccedilatildeo das

esferas bioloacutegica psiacutequica e sociocultural como moduladores do comporta-

mento A partir dessa diretriz podemos destacar a potencial contribuiccedilatildeo que

pode ser disponibilizada agrave aacuterea do Direito pela Neuropsicologia tanto no en-

tendimento dos processos cognitivos que subsidiam a conduta do indiviacuteduo

como na investigaccedilatildeo decorrente de processos judiciais

A compreensatildeo de que o comportamento humano eacute regido pelo ceacutere-

bro requer uma anaacutelise mais detalhada sobre o assunto ao criar editar ela-

borar e interpretar normas de controle da accedilatildeo humana Eacute interessante per-

ceber por exemplo que alteraccedilotildees no enceacutefalo principalmente na regiatildeo

do lobo frontal satildeo mais predominantes em criminosos do que em natildeo-crimi-

nosos e ainda mais elevado ao se comparar os criminosos violentos com os

natildeo- violentos (VOLAVKA 1998) Isso seria passiacutevel de questionar princiacutepios do

Coacutedigo Penal sobre a ressocializaccedilatildeo do apenado Apenas avaliaccedilotildees psico-

loacutegicas satildeo suficientes para a averiguaccedilatildeo da possibilidade de retorno agrave vida

em sociedade

Casos de repercussatildeo nacional no Brasil como Fernandinho Beira-mar

narco-traficante condenado por diversos crimes Champinha condenado

por sequestrar e torturar um casal crime marcado com requintes de cruel-

dade cometidos ainda enquanto menor de idade Alexandre Nardoni con-

denado por matar a proacutepria filha Suzane Von Richthofen condenada pelo

assassinato dos pais nos alerta sobre a eficiecircncia de ressocializaccedilatildeo

Casos envolvendo crimes hediondos possuem uma conexatildeo com a psi-

cologia pois eacute uma aacuterea que fascina muitas pessoas e eacute alvo de vaacuterias pro-

duccedilotildees cinematograacuteficas mas existem outras aacutereas que ainda satildeo pouco ex-

ploradas como o surgimento de novas ferramentas sociais

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

298

Novas plataformas geradoras de conteuacutedo como redes sociais e strea-

mings criam conteuacutedos cuja produccedilatildeo possui objetivo claro prender a aten-

ccedilatildeo do espectador Para isso grandes produtoras incorporam em seu quadro

de funcionaacuterios profissionais da aacuterea da sauacutede mental como Neurologistas e

Psicoacutelogos com o intuito de averiguar se o produto que seraacute lanccedilado iraacute atrair

o puacuteblico

Um exemplo disso estaacute nas produccedilotildees infantis os desenhos satildeo feitos

com caracteriacutesticas fiacutesicas audiovisuais linguiacutesticas de modo a encantar a cri-

anccedila para um comportamento mais consumista A induacutestria vale-se do conhe-

cimento da mente humana para lucrar (ABRIN 2020) mas pode deixar danos

na sociedade como crianccedilas com comportamentos compulsivos

Essa questatildeo natildeo eacute nenhuma novidade em nossa sociedade o ganha-

dor do Nobel de economia Herbert Simon alertou o mundo sobre os avanccedilos

informacionais ainda em 1977 que ldquoo que a informaccedilatildeo consome eacute a aten-

ccedilatildeo de quem a recebe Eis o porquecirc a riqueza de informaccedilotildees cria a pobreza

de atenccedilatildeordquo (GOLEMAN 2014 p17)

Percebe-se portanto que a induacutestria estaacute bem amparada pelos novos

conhecimentos da neurociecircncia sobre o comportamento humano e se bene-

ficia disso mas infelizmente a legislaccedilatildeo natildeo acompanha essa evoluccedilatildeo

econocircmica e social o que permite que se ganhe dinheiro ao custo da sauacutede

mental das crianccedilas A legislaccedilatildeo brasileira eacute bem protetora delas no entanto

natildeo consegue blindaacute-la dos viacutedeos do YouTube e do Instagram por exemplo

que criam conteuacutedos especiacuteficos para esse puacuteblico e faturam milhotildees

A Resoluccedilatildeo nordm 5 do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo instituiu diretrizes

para a graduaccedilatildeo em Direito no qual evidencia que o Ensino Juriacutedico deveraacute

estar atento agraves mudanccedilas socias econocircmicas e poliacuteticas para uma melhor

preparaccedilatildeo do operador do direito e deveraacute se utilizar da transdisciplinari-

dade para alcanccedilar tal objetivo

Evidencia-se dessa forma o quanto a Neuropsicologia tem a contribuir

com o Ensino Juriacutedico agrave medida que existem condutas danosas ao ser hu-

mano inclusive agravequeles mais protegidos pela legislaccedilatildeo a crianccedila cuja accedilatildeo

natildeo eacute estudada pesquisada na aacuterea juriacutedica quanto mais normatizada Exis-

tem vaacuterios tipos de dano o fiacutesico o moral e o psicoloacutegico este eacute mais perce-

bido em relacionamentos na Lei Maria da Penha ou em casos de Alienaccedilatildeo

Parental por exemplo mas onde se enquadram os danos causados por pla-

taformas de redes socias e streamings que criam conteuacutedos com objetivos

claros de lucro deixando danos comportamentais graves

No entanto esta eacute tatildeo somente uma das possibilidades de estudo e

aprofundamento da relaccedilatildeo entre a Neuropsicologia e o Ensino Juriacutedico po-

dendo-se estender a aplicaccedilatildeo da neuropsicologia muito aleacutem da vara crimi-

nal englobando igualmente a vara ciacutevel e a trabalhista

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

299

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O Direito remonta ao princiacutepio da uniatildeo humana ganha grande desta-

que na Greacutecia Antiga no entanto Universidades surgem no periacuteodo medieval

e evoluem de acordo com o pensamento de sua eacutepoca assim passa pelo

Renascimento Iluminismo ateacute que somente no seacuteculo XIX chega ao Brasil

como forma de elitizar uma parte dos portugueses vindos para colonizar

Eacute notoacuterio que o Brasil eacute atrasado educacionalmente como se percebe

pela idade de suas universidades comparada agraves da Europa por exemplo As-

sim a Neuropsicologia surge de um neurologista de um psicoacutelogo e de uma

linguista no entanto no Brasil eacute atividade exclusiva dos psicoacutelogos e recente-

mente dos fonoaudioacutelogos Contudo sua origem eacute interdisciplinar e multipro-

fissional

O Direito foi criado para regular a conduta do ser humano em socie-

dade para que houvesse respeito e harmonia mas a grande dificuldade da

ciecircncia eacute como regular comportamentos de pessoas diferentes com gostos

valores e culturas variadas Como criar regras gerais para pessoas diferentes

Dessa dificuldade nasce a necessidade de uma anaacutelise complexa sobre a cri-

accedilatildeo elaboraccedilatildeo positivaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo de normas

No mesmo sentido a Neuropsicologia tem vaacuterios objetivos mas o princi-

pal eacute analisar o comportamento humano nos seus fundamentos neuroloacutegicos

assim como estudar as disfunccedilotildees cerebrais contribuindo para esclarecer o

funcionamento normal do ceacuterebro Destarte faz-se necessaacuteria a contribuiccedilatildeo

de diversos profissionais para cooperar e compreender mais sobre a comple-

xidade do ceacuterebro humano e sua implicaccedilatildeo na accedilatildeo

A Teoria da Complexidade de Morin eacute fundamental para um olhar mais

amplo sobre o Ensino Juriacutedico e a Neuropsicologia bem como relevante para

a uniatildeo das duas ciecircncias

O Direito Penal jaacute se beneficiou muitas vezes dos conhecimentos da neu-

ropsicologia em anaacutelises de casos de repercussatildeo nacional e de visibilidade

midiaacutetica pois atrai a atenccedilatildeo do puacuteblico entatildeo a curiosidade sobre o perfil

dos assassinos trouxe interesse no estudo da mente humana Contudo essa eacute

apenas uma aacuterea do ensino juriacutedico existem carecircncias nas demais que natildeo

receacutem tal visibilidade ou atraccedilatildeo das pessoas

Exemplo disso eacute o crescimento de plataformas em redes sociais e strea-

mings que investem em pesquisas sobre o comportamento humano para criar

produtos mais vendaacuteveis mesmo que isso signifique trazer prejuiacutezos cognitivos

agrave populaccedilatildeo em especial agraves crianccedilas

Como o Ensino Juriacutedico natildeo estaacute abraccedilado com a Neuropsicologia mas

a induacutestria estaacute a batalha fica desigual Produtos satildeo criados comportamen-

tos satildeo moldados problemas cognitivos satildeo criados e natildeo haacute nenhum tipo de

regulamentaccedilatildeo para esse segmento Eacute importante um acompanhamento

desses casos pelos operadores do direito pois disfunccedilotildees neuroloacutegicas em ex-

cesso na populaccedilatildeo teratildeo efeitos sociais econocircmicos e poliacuteticos Dentre eles

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

300

eacute possiacutevel aumento no suiciacutedio em casos de depressatildeo e ansiedade o que

atrapalha nas funccedilotildees estudantis laborativas econocircmicas e sociais nos cus-

tos da sauacutede puacuteblica em divoacutercios e relaccedilotildees parentais mais conflituosas no

deacuteficit previdenciaacuterio entre outros fatores

A relaccedilatildeo do crescimento de disfunccedilotildees neuroloacutegicas em decorrecircncia

de influecircncia do mundo da induacutestria pode ser bem danosa agrave sociedade o

que requer mais atenccedilatildeo e mais investimento em pesquisas para por meio de

uma transdisciplinaridade e da complexidade interligar os conhecimentos da

Neuropsicologia com o Ensino Juriacutedico

Dessa forma torna-se evidente a necessidade de estudos e pesquisas

pelo profissional do Direito no campo da Neuropsicologia jaacute que ela pode

disponibilizar informaccedilotildees que esclarecem e auxiliam na compreensatildeo do

comportamento humano

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Letiacutecia de Faacutetima Libeacuterio da Silva2

Nayane Gonccedilalves dos Santos Duarte 3

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 201 Os reflexos da pandemia do covid-19 na

educaccedilatildeo 202 Ensino juriacutedico remoto emergencial 203 Os desafios

do ensino juriacutedico na utilizaccedilatildeo da educaccedilatildeo remota Considera-

ccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

O presente artigo versaraacute sobre a educaccedilatildeo remota em tempos de

pandemia como a doenccedila se alastrou na sociedade e como a populaccedilatildeo

se adaptou para essa nova realidade demonstrando assim de que forma

seraacute continuado em uma poacutes-pandemia de modo que seratildeo considerados os

possiacuteveis desafios enfrentados pelo ensino juriacutedico brasileiro

A pesquisa eacute importante para solucionar problemas advindos da inevi-

taacutevel propagaccedilatildeo do viacuterus no mundo sendo importante destacar que a hu-

manidade percorre uma das maiores crises da histoacuteria Ora trata-se de uma

doenccedila infecciosa tambeacutem chamada de SARS-CoV-2 causada pelo corona-

viacuterus que tem assolado aos seres humanos

1 Graduando em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7) Monitor de herme-

necircutica juriacutedica Integrante do grupo de pesquisa Ecomplex Direito Complexidade e Meio

Ambiente da UNI7 Graduado em eletroteacutecnica sendo operador de subestaccedilotildees em sis-

tema de redes energizadas com ecircnfase em sistemas eleacutetricos de potecircncia (Metrofor)

E-mail helio227hotmailcom

2 Graduanda em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7) Integrante do grupo

de pesquisa Ecomplex Direito Complexidade e Meio Ambiente da UNI7

E-mail leticialiberiohotmailcom

3 Mestranda em Direito Constitucional com ecircnfase nas relaccedilotildees privados pela UNI7 Especi-

alista em Direito Constitucional Especialista em Direito e Processo trabalhista Graduada

em Direito pela Universidade de Fortaleza (2012) Juiacuteza leiga de 2017 a 2019 - Tribunal de

Justiccedila do Estado do Cearaacute Conciliadora e mediadora judicial - CNJ Advogada Inte-

grante do Grupo de Pesquisa Ecomplex Direito Complexidade e Meio Ambiente da UNI7

E-mail advnayanehotmailcom

20

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

304

Assim o que se busca no presente artigo eacute indagar quais os desafios do

ensino remoto emergencial durante a pandemia do COVID-19 e seus reflexos

no campo da educaccedilatildeo

O trabalho estaacute dividido em trecircs partes aleacutem da introduccedilatildeo e conclu-

satildeo No primeiro toacutepico seratildeo pontuados os reflexos da pandemia do COVID-

19 na educaccedilatildeo brasileira seu contexto histoacuterico de surgimento principais ca-

racteriacutesticas da enfermidade como se alastrou e possiacuteveis prevenccedilotildees implan-

tadas pelo poder publicam para conter a doenccedila

Por segundo seratildeo abordadas as necessidades de aprofundamento ci-

entiacutefico sobre a moleacutestia os impactos desafios e perspectivas do ensino juriacute-

dico brasileiro diante a crise sanitaacuteria sendo necessaacuterio compreender as mu-

danccedilas nesta vertente de educaccedilatildeo bem como diferenciar o ensino remoto

emergencial (ERE) do ensino a distacircncia (EAD)

Em terceiro momento evidencia-se portanto que o ensino juriacutedico jaacute

caminhava com prazo para modificaccedilotildees de categorias presenciais para dis-

tacircncia com um novo sistema de ensino do seacuteculo tecnoloacutegico o Ministeacuterio da

Educaccedilatildeo (MEC) por Eg delimitou que 2020 seria o periacuteodo limite para ade-

quaccedilatildeo total das faculdades nos moldes estabelecidos pela norma Entre-

tanto em marccedilo do mesmo ano a pandemia do COVID-19 veio antecipar as

mudanccedilas

No tocante agrave metodologia a pesquisa foi realizada de natureza quali-

tativa teoacuterica bibliograacutefica descritiva e explicativa de material bibliograacutefico

e documental por meacutetodo indutivo permitindo que se analise o objeto para

tirar conclusotildees gerais ou universais bem como meacutetodo histoacuterico

201 OS REFLEXOS DA PANDEMIA DO COVID-19 NA EDUCACcedilAtildeO

Em meados de dezembro de 2019 precisamente na China foi consta-

tado o primeiro caso de COVID-19 Desde entatildeo o viacuterus tem se espalhado

pelo mundo alastrando-se ao patamar de uma pandemia mundial Segundo

Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) constatou que em 30 de janeiro de

2020 o surto da doenccedila causada pelo novo coronaviacuterus (COVID-19) constitui

uma Emergecircncia de Sauacutede Puacuteblica de Importacircncia (OPAS 2020) Confir-

mando-se assim a tese da existecircncia de uma pandemia global

Apoacutes a confirmaccedilatildeo do surgimento do novo COVID-19 na China vaacuterios

ataques xenofoacutebicos de diversos paiacuteses voltaram-se contra eles na justificativa

de que os chineses possuem mau haacutebito alimentar eg sopa de morcego

carne de cachorro insetos de todos os tipos entre outros

Infelizmente foi inevitaacutevel a propagaccedilatildeo do viacuterus no mundo globali-

zado A humanidade atravessa uma das maiores crises da histoacuteria Trata-se de

uma doenccedila infecciosa tambeacutem chamada de SARS-CoV-2 causada pelo co-

ronaviacuterus que tem assolado os seres humanos

Dentre os sintomas podem ser citados cansaccedilo dificuldade para respi-

rar perda de olfato alteraccedilatildeo de paladar naacuteusea vocircmitos (BRASIL 2020)

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

305

Dito isso seguindo a base da inexistecircncia de uma vacina contra a doenccedila e

o elevado nuacutemero de mortes no Brasil e no mundo a medida mais adequada

pelos cientistas pesquisadores e profissionais da sauacutede para conter a pande-

mia foi o isolamento social (OMS 2020)

O fato eacute que esta doenccedila infecciosa natildeo reconhece fronteiras e assola

viacutetimas em escala global ameaccedilando natildeo apenas grupos ou regiotildees isoladas

do planeta mas toda a humanidade As pessoas sobreviventes devem apren-

der a conviver com as adversidades que surgem em tempos de crise

Como bem aponta o socioacutelogo Edgar Morin (2020) ldquoA chegada do Co-

rona viacuterus nos lembra que a incerteza permanece um elemento inexpugnaacutevel

da condiccedilatildeo humana Todo o seguro social em que vocecirc pode se inscrever

nunca poderaacute garantir que vocecirc natildeo ficaraacute doente ou seraacute feliz em sua casardquo

Assim deve-se enfrentar vaacuterios desafios devido agraves incertezas que o COVID-19

evidenciou em relaccedilatildeo agrave sociedade e a todas as verdades dos seres huma-

nos

Pode-se assim dizer que a pandemia eacute uma divisora de aacuteguas nas ma-

neiras como as pessoas se relacionam trabalham e estudam A crise sanitaacuteria

interrompe a vida afeta o trabalho e a educaccedilatildeo (IPEA 2020)

Assim Jonathan Haidt (2020) cita a conexatildeo que as pessoas necessitam

ter em relaccedilatildeo ao amor

Assim como as plantas precisam de sol aacutegua e bom solo para pros-

perar as pessoas precisam de amor trabalho e conexatildeo com algo

maior Vale a pena se esforccedilar para obter as relaccedilotildees certas entre

vocecirc e os outros entre vocecirc e seu trabalho e entre vocecirc e algo maior

que vocecirc Se vocecirc acertar esses relacionamentos um senso de pro-

poacutesito e significado surgiraacute

O mundo encontra-se em revoluccedilatildeo tecnoloacutegica no seacuteculo XXI poreacutem

com o avanccedilo da pandemia esse desenvolvimento se alastrou de forma ines-

peraacutevel Deste modo os cenaacuterios dos mais diversos setores tiveram que se

adaptar agrave tecnologia

Dito isso surge entatildeo a necessidade de mudanccedilas no cotidiano da po-

pulaccedilatildeo mundial de se adaptarem a uma vida mais virtual jaacute que existe a

impossibilidade de rotinas presenciais Nesse sentido as aulas presenciais de

cursos de graduaccedilatildeo em Direito passaram a ser produzidas e efetivadas por

ensino remoto como bem demonstrado Eucidio Pimenta (2020 p 262)

As instituiccedilotildees privadas como os grupos Kroton Estaacutecio e Unip bem

como Universidades tradicionais representadas pelas Pontifiacutecias Uni-

versidades Catoacutelicas de todo o paiacutes definiram retorno agraves aulas medi-

ado por tecnologias desde o mecircs de marccedilo A maioria das institui-

ccedilotildees investigadas buscaram implementar educaccedilatildeo remota de ma-

neira a diferenciar-se da modalidade EaD

ldquo

ldquo

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306

A humanidade enfrenta com a pandemia uma crise mundial Diante da

instabilidade das instituiccedilotildees e governos recorreram a medidas de emergecircn-

cia com objetivo de minimizar os impactos ocasionados na sauacutede e renda das

pessoas As medidas como auxiacutelio emergencial contratos individuais de tra-

balho uso de equipamentos de proteccedilatildeo individuais (EPI) assim como uso de

maacutescaras aacutelcool e gel satildeo meios alternativos para enfrentamento desta crise

mundial Esta emergecircncia natildeo afeta apenas a sauacutede e o trabalho mas tam-

beacutem impossibilita agraves pessoas terem acesso agrave educaccedilatildeo na medida em que

natildeo podem ir agraves entidades de ensino em razatildeo de evitar contaminaccedilatildeo viral

Por esse motivo surge em cenaacuterio pandecircmico a substituiccedilatildeo das aulas

presenciais com a possibilidade de se ter acesso agrave educaccedilatildeo mesmo em

tempos difiacuteceis por meio do ensino remoto emergencial Esta modalidade de

aprendizagem brota como medida alternativa para dar continuidade a rotina

das pessoas estudarem viverem e aprenderem sofrendo o menos possiacutevel di-

ante desta realidade tatildeo desafiadora Tendo em vista a atual situaccedilatildeo per-

cebe-se que a educaccedilatildeo tambeacutem foi afetada natildeo podendo se excluir deste

cenaacuterio o ensino juriacutedico brasileiro que passa a ser adaptado em contexto

pandecircmico ou seja as aulas anteriormente presenciais passaram a ser em

ambientes online de aprendizagem o ensino remoto emergencial

202 ENSINO JURIacuteDICO REMOTO EMERGENCIAL

Apoacutes breves consideraccedilotildees em toacutepico anterior sobre o COVID-19 existe

a necessidade de entendimento sobre os impactos desafios e perspectivas

do ensino juriacutedico brasileiro diante a crise sanitaacuteria sendo necessaacuterio compre-

ender as mudanccedilas no ensino canarinho especialmente em tempos pandecirc-

micos

Neste sentido eacute de fundamental importacircncia perceber a natureza histoacute-

rica dessas mudanccedilas sua dinacircmica e como se reestrutura o ensino juriacutedico

brasileiro em tempos de crise

Deve-se recorrer agrave histoacuteria educacional brasileira para compreender as

transformaccedilotildees da sociedade especialmente no que se refere ao caraacuteter

evolutivo das modalidades educacionais Neste sentido haveraacute breve men-

ccedilatildeo aos acontecimentos histoacutericos com a finalidade de obter o fio condutor

deste processo transformador que vivecircncia o ensino no Brasil Natildeo tendo por-

tanto a intenccedilatildeo de fazer um apanhado descritivo profundo por natildeo ser ob-

jetivo o esgotamento da temaacutetica exposta

O ensino a distacircncia ficou registrado no Brasil em meados do seacuteculo XX

Tendo como seu primeiro marco histoacuterico o registro de oferta de profissionali-

zaccedilatildeo por correspondecircncia para datilografia no Jornal do Brasil no espaccedilo

do noticiaacuterio dedicado aos classificados (MAIA MATTAR 2007)

Com as mudanccedilas no cenaacuterio educacional brasileiro surge em 1947 a

nova Universidade do ar tendo como objetivo ofertar cursos radiofocircnicos vol-

tados para aacuterea comercial Jaacute na deacutecada de setenta cria-se o sistema nacio-

nal de tele educaccedilatildeo de forma bem instrutiva Em 1989 os cursos ofertados

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

307

pela Universidade de Brasiacutelia transformam-se no centro de educaccedilatildeo aberta

continuada a distacircncia (ALVES 2011)

No iniacutecio da deacutecada de oitenta o Senac participou de uma seacuterie de

programas radiofocircnicos que ficou denominada ldquoAbrindo caminhosrdquo com in-

tuito final de orientar os profissionais fundamentalmente os de serviccedilos e co-

meacutercios Nesse sentido histoacuterico natildeo pode deixar de ser citado que em 1992

foi criada a Universidade aberta de Brasiacutelia e em seguida surge o Centro Na-

cional de Educaccedilatildeo a Distacircncia (ALVES 2011)

Assim em 1995 aparece a TV escola programa televisivo fundado pelo

Ministeacuterio da Educaccedilatildeo por sua secretaacuteria educacional Com avanccedilo de par-

ceria nos anos 2000 passa a existir a rede de educaccedilatildeo a distacircncia (UniRede)

consoacutercio educacional de autuaccedilatildeo Em 2002 eacute fundado o CEDERJ (Centro

de Ciecircncias de Educaccedilatildeo Superior no Rio de Janeiro) seguindo para criaccedilatildeo

de diversos programas para formaccedilatildeo inicial e continuada de docentes da

rede puacuteblica de ensino em 2004 por intermeacutedio do ensino a distacircncia auxili-

ada pelo Ministeacuterio Educacional Brasileiro (ALVES 2011)

Deste modo a autora Lucineia Alves (2011) acrescenta que em meados

de 2008 a lei criada em Satildeo Paulo sobre a permissatildeo de o ensino meacutedio ser agrave

distacircncia citava a carga horaacuteria de 20 natildeo presencial

Eacute importante salientar que o Ministeacuterio Da Educaccedilatildeo neste processo de

crescente demanda em ensino a distacircncia promoveu e promove a pesquisa

de modo a incentivar praacuteticas pedagoacutegicas inovadoras possibilitadas por re-

cursos tecnoloacutegicos Por fim enfatiza-se o canal TV cultura e o telecurso 2000

como instrumentos inovadores nesta modalidade de ensino a distacircncia por

meio de recurso televisivo dando acesso ao saber e socializando de maneira

mais democraacutetica o ensino agrave sociedade (ALVES 2011)

Diante desta breve exposiccedilatildeo histoacuterica da modalidade de ensino a dis-

tacircncia no Brasil trata-se pois de compreender o significado do que vem a ser

o ensino a distacircncia Eacute preciso dizer que embora haja diversas conceituaccedilotildees

a depender da percepccedilatildeo de cada autor recorre-se ao conceito utilizado

pelo decreto ndeg 5622 de 19 de dezembro (BRASIL 2005)

Art 1deg para fins deste decreto caracteriza-se a educaccedilatildeo a distacircncia

como modalidade educacional na qual a mediaccedilatildeo didaacutetico-peda-

goacutegica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utili-

zaccedilatildeo de meios e tecnologias de informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com

estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em

lugares ou tempos diversos

Como se percebe a caracterizaccedilatildeo eacute de suma importacircncia de modo

que expotildee com clareza o uso de tecnologias nas relaccedilotildees ensino-aprendiza-

gem permitindo assim um entendimento histoacuterico de constante modificaccedilatildeo

no qual atravessa o ensino a distacircncia devendo-se adequar cada vez mais a

uma sociedade informacional e tecnoloacutegica

Portanto a educaccedilatildeo no Brasil eacute impactada por mudanccedilas que reper-

cutem na forma de ensinar e aprender em razatildeo de tecnologias inovadoras

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

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frutos do desenvolvimento cientiacutefico que nos faz viver novas experiecircncias de

aprendizagem

Nesse sentido de evoluccedilatildeo tecnoloacutegica os autores Dirceu Siqueira e Da-

nilo Nunes (2018 p3) citam ldquoUma vez que haacute um crescimento em ritmo es-

trondoso acerca do uso da Internet e de outras tecnologias como os smar-

tphones e tablets surgiram uma seacuterie de novos conceitos o marketing digital

o ciberespaccedilo os crimes virtuais dentre outrosrdquo Observa-se o quadro atual

de estudantes e profissionais em inserirem-se mais nessa seara

Assim eacute de fundamental importacircncia o surgimento de novas modalida-

des educacionais tendo em vista as circunstacircncias excepcionais da crise sa-

nitaacuteria atual impulsionando e acelerando a aplicaccedilatildeo do ensino remoto

emergencial Torna-se interessante notar que em tempos criacuteticos esta maneira

de aprender isto eacute esta forma de saber feita a partir do uso de recursos tec-

noloacutegicos tem crescido cada vez mais

No dizer de Preti (1996 p 18)

A crescente demanda por educaccedilatildeo devida natildeo somente agrave expan-

satildeo populacional como sobretudo as lutas das classes trabalhadoras

por acesso agrave educaccedilatildeo ao saber socialmente produzido concomi-

tantemente com a evoluccedilatildeo dos conhecimentos cientiacuteficos e tecno-

loacutegicos estaacute exigindo mudanccedilas em niacutevel da funccedilatildeo e da estrutura

da escola da Universidade

Eacute faacutetico que a sociabilidade humana tem vivenciado profundas trans-

formaccedilotildees na maneira de viver e de relacionar-se tendo como fundamentos

o desenvolvimento tecnoloacutegico embasado pelo acuacutemulo do saber cientiacutefico

(CASTELLS 2003)

A implicaccedilatildeo praacutetica deste entendimento eacute uma reordenaccedilatildeo da or-

ganizaccedilatildeo social vigente em rede modificadora da maneira de viver e edu-

car as pessoas Nota-se que em ambientes de aprendizagem temos uma

aproximaccedilatildeo de linguagens de experiecircncia e saberes distintos isto eacute o que

precisamente gera uma profusatildeo riquiacutessima de cultura e saberes compartilha-

dos a partir da conectividade em redes virtuais de aprendizagem (FRANCO

1997)

O momento histoacuterico pressupotildee um caminhar de ressignificaccedilotildees cons-

truindo novas habilidades na forma de pensar educar e se relacionar a partir

de rupturas com as formas de aprendizagem anteriores eg maneiras meacuteto-

dos e teacutecnicas de ensino Isto significa uma revoluccedilatildeo do ensino e da apren-

dizagem embasadas pela experiecircncia vivenciadas por momentos histoacutericos

de crise

Dada a complexidade da temaacutetica e os desafios juriacutedicos impostos eacute

preciso que diferenciar o ensino remoto emergencial (ERE) do ensino a distacircn-

cia (EAD) Eacute indispensaacutevel perceber que a primeira modalidade estaacute sendo

aplicada em tempos difiacuteceis mediante mudanccedila temporaacuteria e eventual No

que tange a educaccedilatildeo os estudantes impedidos estatildeo de participarem das

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

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aulas presenciais devido ao agravamento de contaminaccedilotildees que potildeem em

risco a sauacutede das pessoas

Como bem demonstrado as instituiccedilotildees e governos devem adotar me-

didas minimizadoras que auxiliem a populaccedilatildeo ao enfrentamento desta crise

Diante desta realidade desafiadora faz se necessaacuterio trilharmos caminhos que

nos permitam reduzir os impactos contornar as circunstacircncias criacuteticas e supe-

rar os desafios pandecircmicos propostos em tempos de crise

Eacute tempo de oportunizar estrateacutegias que impulsionam a aprendizagem e

potencialize o saber Eacute neste criacutetico momento notaacutevel que surge o ensino re-

moto emergencial como meio alternativo e instrumento educacional intera-

tivo que permite continuar a educaccedilatildeo

Essa modalidade de ensino remoto emergencial somente eacute possiacutevel em

razatildeo do desenvolvimento tecnoloacutegico educacional atraveacutes de ferramentas

de aprendizagem por meio de plataformas digitais via web que buscam inte-

raccedilatildeo em tempo real e faz com que natildeo seja uma mera transferecircncia de co-

nhecimento do professor para o aluno mas que seja uma construtiva apren-

dizagem dando ciecircncia especialmente ao aluno do seu papel enquanto su-

jeito na construccedilatildeo deste conhecimento

No dizer de Belloni (1999 p 102)

O processo educativo centrado no aluno significa natildeo apenas a in-

troduccedilatildeo de novas tecnologias na sala de aula mas principalmente

uma reorganizaccedilatildeo de todo o processo de ensino de modo a pro-

mover o desenvolvimento das capacidades de autoaprendizagem

Essa verdadeira revoluccedilatildeo implica um conhecimento seguro da cli-

entela suas caracteriacutesticas socioculturais suas necessidades e ex-

pectativas com relaccedilatildeo aquilo que a educaccedilatildeo pode lhe oferecer

Percebe-se entatildeo que a influecircncia muacutetua entre professor e aluno em

ambiente virtual de aprendizagem (AVA) eacute feita de modo indireto no espaccedilo

virtual a distacircncia e forma descontiacutenua de outro lado em relaccedilatildeo ao tempo

seria comunicaccedilatildeo diferida e natildeo simultacircnea (BELLONI 1999)

A construccedilatildeo destes novos espaccedilos de ensino exige novas maneiras de

diaacutelogo de forma que de modo que paulatinamente substituem-se textos im-

pressos por slides com mais dinamismo sendo fruto da inovaccedilatildeo em ambiente

novo de aprendizagem (LEVY 1998)

Observa-se que eacute perceptiacutevel e notoacuterio a educaccedilatildeo brasileira em rela-

ccedilatildeo agraves mudanccedilas natildeo soacute no ambiente de aprendizagem como tambeacutem no

papel que assumem os sujeitos durante o processo de construccedilatildeo do saber

Em suma eacute notoacuterio que a crise sanitaacuteria acelerou a aprendizagem em ambi-

entes online

Em ambiente virtual de aprendizagem (AVA) temos um professor tutor

que orientaraacute o aluno na busca do conhecimento Eacute inegaacutevel que exista uma

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

310

inovaccedilatildeo nas ferramentas facilitadoras da aprendizagem uma vez que se uti-

liza de plataformas ou aplicativos educacionais que possibilitem a interaccedilatildeo

social entre os sujeitos do processo do ensino-aprendizagem

Nota-se que por se tratar de uma realidade nova e natildeo planejada en-

frentam-se desafios inovadores como acesso agrave internet para interagir em am-

biente de aprendizagem aleacutem da dificuldade de se manter estudando uma

vez que as aulas satildeo feitas em ambientes domiciliares ou seja em atmosferas

natildeo planejadas pois natildeo se consegue concentraccedilatildeo atenccedilatildeo e disciplina

Os reflexos destes impactos satildeo notoacuterios no campo do Direito e eviden-

ciados no trabalho do jurista que migra para o sistema laboral remoto Escritoacute-

rios de advocacia estagiaacuterios de direito e tribunais permitem a manutenccedilatildeo

do acesso agrave justiccedila quando asseguram suas atividades laborais em casa

Portanto os profissionais do direito oportunizam o acesso agrave justiccedila agrave po-

pulaccedilatildeo apesar de vivenciar momentos de incertezas e imprevisibilidades

cujo motivo eacute a crise na sauacutede Esta rede construiacuteda para manter o acesso agrave

justiccedila eacute possiacutevel em razatildeo da realizaccedilatildeo de audiecircncias feitas por videocon-

ferecircncias plataformas digitais interativas como hangout Google meets

Eacute preciso salientar ainda que esses instrumentos tecnoloacutegicos possibili-

tam a interaccedilatildeo social entre os construtores da conjuntura juriacutedica e a socie-

dade especialmente em tempos pandecircmicos da atualidade Natildeo se pode

pensar em aplicar o Direito sem um canal de diaacutelogo aberto entre os atores

do corpo social Assim com base nesse canal eacute possiacutevel em razatildeo dos avanccedilos

da tecnologia mas especificadamente na internet plataformas e aplicativos

digitais Nisso percebe-se que esses desafios que surgem mediante uma vi-

vecircncia de incertezas requerem novas habilidades e novos saberes A reali-

dade desafiadora produz uma capacidade de reaprender cuja finalidade eacute

de superar a crise nos tempos difiacuteceis

Assim nesse nuacutecleo de incertezas Carvalho e Arauacutejo (2020 p16) ponde-

ram

Natildeo podemos negar que este eacute tambeacutem um momento de desenvol-

vimento humano epistemoloacutegico que comeccedila com uma leitura bas-

tante simples da realidade perpassando para uma leitura de uma

atualidade complexa em que a accedilatildeo de um indiviacuteduo causa conse-

quecircncias no todo mudando profundamente uma realidade que im-

potildee fronteiras e que estaacute transformando a convivecircncia social mun-

dial a olhos vistos

O cenaacuterio de novas aprendizagens e duacutevidas impulsiona a capacidade

de se reinventar de maneira criativa e inovadora revolucionando a relaccedilatildeo

ensino aprendizagem e Direito tanto do aluno quanto do professor bem como

do jurista Nesse sentido o contexto de desafios na educaccedilatildeo juriacutedica seraacute

trabalhado no toacutepico seguinte

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

311

203 OS DESAFIOS DO ENSINO JURIacuteDICO NA UTILIZACcedilAtildeO DA

EDUCACcedilAtildeO REMOTA

As faculdades juriacutedicas e suas problemaacuteticas vecircm sendo objeto de es-

tudo de vaacuterios pesquisadores Acontece porque haacute fragmentos poliacuteticos

econocircmicos sociais culturais ao longo da conjuntura histoacuterica (MARROCCO

2011 p 17) Atenta-se a isso pois antes mesmo de um cenaacuterio de pandemia

as dificuldades do ensino juriacutedico jaacute existiam e eram preocupantes

Para mitigaccedilatildeo desses imbroacuteglios houve uma elaboraccedilatildeo de novas di-

retrizes pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo em um documento denominado Resolu-

ccedilatildeo ndeg 5 de 17 de dezembro de 2018 Sintetizando essa legislaccedilatildeo norteia e

nivela o ensino juriacutedico no paiacutes inserindo dentre vaacuterias inovaccedilotildees o incentivo

agrave pesquisa e adoccedilatildeo de metodologias ativas pelos professores em um prazo

de dois anos a partir da publicaccedilatildeo normativa

Observa-se portanto que 2020 seria o ano limite para adequaccedilatildeo total

das faculdades nos moldes estabelecidos pela norma Entretanto em marccedilo

do mesmo periacuteodo a pandemia do COVID-19 alcanccedilou terras tupiniquins e

provocou um colapso no sistema educacional dificultando a implementaccedilatildeo

e trazendo novas problemaacuteticas agrave educaccedilatildeo juriacutedica Para tanto o Ministeacuterio

da Educaccedilatildeo dispocircs na Portaria nordm 343 uma autorizaccedilatildeo para substituiccedilatildeo das

aulas presenciais por digitais enquanto durasse o estado pandecircmico

Contudo por ser uma situaccedilatildeo natildeo habitual a enumeraccedilatildeo de impas-

ses para completa efetivaccedilatildeo desse sistema deixou alunos docentes e as proacute-

prias instituiccedilotildees de ensino com um enorme aperto Por maior disposiccedilatildeo de

recursos financeiros e organizaccedilatildeo educacional alinhada as faculdades par-

ticulares foram as primeiras com um plano de contingecircncia no cenaacuterio de

surto viral Em uma pesquisa publicada pela Associaccedilatildeo Brasileira de Mante-

nedoras do Ensino Superior (ABMES 2018) revelou que apenas 22 das facul-

dades particulares natildeo continuaram suas atividades em plataformas que per-

mitem o ensino remoto

Dentro da perspectiva puacuteblica a situaccedilatildeo estaacute em um contexto total-

mente desproporcional visto que poucas universidades deram sequecircncia ao

ensino porque optar pela alternativa remota desconsidera fatores sociais e

econocircmicos No portal do MEC sobre a situaccedilatildeo das aulas nas universidades

federais ateacute o momento do acesso para esta pesquisa 45 das 69 faculdades

estavam com as aulas suspensas totalizando 682067 discentes sem continui-

dade semestral

Natildeo fazendo distinccedilatildeo das duas redes de ensino ofertadas no paiacutes con-

siderando que essas abraccedilam estudantes dos mais diversos niacuteveis socioeconocirc-

micos as dificuldades convergem em pontos comuns Um dos grandes pro-

blemas estaacute no acesso agrave internet pelos acadecircmicos

Na uacuteltima Pesquisa Nacional de Amostra de Domiciacutelio Contiacutenua (PNDA

Contiacutenua) realizada pelo IBGE no ano de 2018 revela que apesar do cresci-

mento em relaccedilatildeo ao ano anterior um a cada quatro brasileiros natildeo possuem

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

312

conexatildeo da rede universal de computadores totalizando 46 milhotildees de cida-

datildeos

Eacute faacutecil notar que essa questatildeo atinge os estudantes universitaacuterios os quais

natildeo tecircm conforto financeiro para desfrutar do privileacutegio virtual abundante

Natildeo haacute recepccedilatildeo de ensino quando a ferramenta principal eacute defeituosa To-

davia haacute outros impasses corolaacuterios desse Eacute necessaacuterio um computador ou

no miacutenimo um dispositivo similar para acessar as plataformas oferecidas pelas

instituiccedilotildees de ensino Muitos discentes natildeo encontram a disponibilidade desse

material e ao acontecer deparam-se dividindo o instrumento com outros

membros do nuacutecleo familiar Os programas de comunicaccedilatildeo para aconteci-

mento das preleccedilotildees remotas tambeacutem levam tempo para habituaccedilatildeo e cau-

sam confusatildeo no iniacutecio da adaptaccedilatildeo

Ademais o ambiente domeacutestico difere de maneira excessivamente dis-

crepante do escolar Apesar do aprendizado domiciliar permitir aperfeiccediloa-

mento e momentos mistos de sentimentos natildeo substitui o modo de aprender

dentro da conjuntura educacional profissional (BURGESS 2020) Lar remete agrave

sensaccedilatildeo de descanso e natildeo eacute preparado para contextos como este As dis-

traccedilotildees satildeo as mais atrativas e dispersivas durante as aulas online A falta de

uma mesa e cadeira apropriadas com o barulho excessivo atrapalham na

produtividade do aluno Outrossim interferecircncia constante dos familiares e da

rotina de casa natildeo regrada interferem no processo educacional Todavia

essa problemaacutetica natildeo eacute enfrentada apenas pelos docentes em isolamento

social o cenaacuterio educacional tem outros personagens

As instituiccedilotildees de ensino e os professores tambeacutem sofrem suas particula-

ridades atribulativas Aleacutem dos supracitados estorvos traduzir a pedagogia

presencial para a remota atendendo as diretrizes da Resoluccedilatildeo CNECES ndeg

5 natildeo eacute tarefa faacutecil Inovar em tatildeo pouco tempo metodologias ativas online

requer habilidade e criatividade Contudo as atuais ferramentas tecnoloacutegicas

disponiacuteveis no mercado dispotildeem de um acervo grande para ajudar nessa ta-

refa A Microsoft empresa que desenvolveu a plataforma Teams em seu proacute-

prio site explana um tutorial de como utilizaacute-la no ambiente escolar Existem

possibilidades de montar equipes de classes aulas ao vivo com gravaccedilatildeo

para assistir apoacutes atribuiccedilatildeo de notas e tarefas aleacutem da sala de conversaccedilatildeo

com o professor dando proximidade na relaccedilatildeo docente-discente

Confirma-se portanto a primeira dicotomia processual contraditoacuteria na

sociedade durante uma crise do filoacutesofo Edgar Morin a estimulaccedilatildeo da ima-

ginaccedilatildeo e criatividade em busca de novas soluccedilotildees (MORIN 2020 traduccedilatildeo

nossa) Os seres humanos satildeo desafiados de forma constante ao longo da his-

toacuteria mundial permitindo consequentemente a reinvenccedilatildeo no modo de vi-

vecircncia em sociedade Com isso novos horizontes satildeo abertos para um cenaacute-

rio poacutes-pandemia os benefiacutecios das plataformas remotas no Ensino online

Natildeo existem obstaacuteculos para promover um ensino qualificado mesmo de ma-

neira a distacircncia trazendo por fim uma dilataccedilatildeo na usabilidade desse mo-

delo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

313

A educaccedilatildeo brasileira dava sinais de uma bifurcaccedilatildeo para o presencial

e agrave distacircncia O MEC dilatou as horas possiacuteveis do EaD para ateacute 40 por meio

da Portaria nordm 2117 de 2019 possibilitando mais ainda a inserccedilatildeo dessa mo-

dalidade na grade curricular Ateacute um certo momento havia resistecircncia de to-

dos aqueles que formam a cultura educacional entretanto o modo emer-

gencial derrubou barreiras e constatou a possibilidade de ensino qualificado

inovaccedilatildeo e aproximaccedilatildeo dos laccedilos entre discentes docentes e IES provando

por fim uma tendecircncia de utilizaccedilatildeo larga desse novo modelo

Em um momento de incerteza foi possiacutevel sair do pensamento recluso

sobre utilizaccedilatildeo das ferramentas online para uma abertura do conceito de

manutenccedilatildeo dos laccedilos rotineiros de amor amizade comunhatildeo e solidarie-

dade Os dispositivos utilizados neste periacuteodo satildeo a prova de que o ensino car-

tesiano deve cada vez mais ser deixado de lado para dar espaccedilo agraves novas

ideias e metodologias Ao refletir sobre o pensamento de Morin no qual con-

testa que natildeo se pode reformar a instituiccedilatildeo se anteriormente as mentes natildeo

forem reformadas mas soacute se pode reformar as mentes se a instituiccedilatildeo for pre-

viamente reformada (MORIN 2000) nota-se que com todas as inseguranccedilas

a pandemia do COVID-19 trouxe inovaccedilotildees incontestaacuteveis para educaccedilatildeo

juriacutedica que seratildeo perpetuadas nos anos porvindouros como marca positiva

de um momento sombrio O corpo social educacional juriacutedico teraacute a mentali-

dade reestruturada em seu modo de transmitir e receber o ensino contribu-

indo para uma melhora significante no Direito e na formaccedilatildeo dos atuais e fu-

turos juristas

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Percebe-se diante deste cenaacuterio histoacuterico vivenciado no final do ano

ateacute o momento mudou a dinacircmica de vivecircncia dos seres humanos SARS-CoV-

2 deu seus primeiros indiacutecios na cidade de Wuhan na China e logo alastrou-se

para o mundo causando uma crise sanitaacuteria sem precedentes Como medida

efetiva para mitigar os impactos do viacuterus a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

(OMS) recomendou o isolamento social Assim os modos de trabalho e estu-

dos foram adaptados para a nova conjuntura

Portanto o ensino remoto foi a modalidade adotada pelas instituiccedilotildees

de educaccedilatildeo ao redor do globo terrestre como alternativa para suprimir e

continuar com as atividades educacionais sem prejuiacutezo para aqueles que as

compotildeem

Entretanto haacute necessidade de distinguir o modelo adotado pelas IES

durante o periacuteodo de calamidade e o ofertado como forma alternativa para

o modelo presencial Essa primeira estaacute interligada ao meacutetodo usado em tem-

pos difiacuteceis e feridas no mundo sendo eventual Por outro lado a uacuteltima cate-

goria eacute associada ao ambiente virtual projetado com plano didaacutetico para as

necessidades do programa de ensino podendo ser utilizado durante todo o

curso pelo indiviacuteduo que opta por essa pedagogia

Contudo ocorreram diversas dificuldades na implementaccedilatildeo do sis-

tema ERE Na busca de encontrar uma plataforma digital com fornecimento

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

314

de conteuacutedo online para comportar a quantidade significativa de alunos

adaptar o planejamento de aula no iniacutecio do ano letivo para uma nova vivecircn-

cia dar aos alunos que natildeo tecircm condiccedilotildees de manter suas atividades por

escassez de recursos foi necessaacuteria a criatividade inclusiva das redes que ofer-

tam ensino juriacutedico

Aleacutem disso inserir as exigecircncias da resoluccedilatildeo CNECES nordm 52018 com

intuito de implementar as mudanccedilas do protocolo requereu criatividade dis-

posiccedilatildeo e motivaccedilatildeo dos docentes e instituiccedilotildees de ensino

Agrave luz dessas consideraccedilotildees apesar das dificuldades e inseguranccedilas en-

frentadas pelos alunos professores e IES todos foram estimulados a buscarem

soluccedilotildees criativas para continuar a vida acadecircmica na maneira mais contun-

dente possiacutevel Assim as ferramentas tecnoloacutegicas foram essenciais nesse tra-

balho aacuterduo de manutenccedilatildeo das relaccedilotildees educacionais As premissas do

pensamento complexo propotildeem ainda uma alternativa para os desafios ad-

vindos das incertezas do momento pandecircmico adaptando o ensino cartesi-

ano aos poucos para dar espaccedilo a uma reforma nas instituiccedilotildees de educa-

ccedilatildeo juriacutedica

O grande saldo positivo destas circunstacircncias tatildeo desabituais e entriste-

cedoras satildeo os novos horizontes explanados pela possibilidade tecnoloacutegica

de reunir pessoas por mais diversas que sejam seus status A modalidade de

acompanhamento remoto seminaacuterios online reuniotildees virtuais e dentre outras

inuacutemeras perspectivas trazem acalento nos tempos sombrios e provam a ca-

pacidade do ser humano de adaptar-se agraves esferas com adversidades rein-

ventando-se e superando obstaacuteculos para dar continuidade ao que real-

mente importa vida A modalidade de ensino remota eacute aprendizagem inova-

dora pois permite com que haja uma sociabilidade interativa por meios digi-

tais suavizando os impactos atraveacutes da transferecircncia de saberes e experien-

cias vivenciadas em tempos em que subsistimos ao isolamento social tatildeo ne-

cessaacuterio para se evitar contaminaccedilatildeo em tempos sombrios

Por fim ressalta-se a importacircncia de se olhar com as lentes da comple-

xidade para que se possa perceber a dinacircmica nas mudanccedilas na maneira de

se relacionar e transferir saberes em tempos pandecircmicos pois a mudanccedila

natildeo eacute simplesmente na modalidade de se educar as famiacutelias brasileiras em

tempos de crise mas fundamentalmente a mudanccedila de mentalidade dos su-

jeitos envolvidos no processo educacional que requer mudanccedila de habilida-

des inovadoras melhor dizendo uma mudanccedila na maneira de transferir sabe-

res na sociabilidade humana poacutes pandemia

REFEREcircNCIAS

ABMES- Associaccedilatildeo Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior Resoluccedilatildeo RESO-

LUCcedilAtildeO Nordm 5 de 17 de dezembro de 2018 Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais

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olhares para a contemporaneidade

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praacuteticas e poliacuteticas puacuteblicas Porvir 2020 Disponiacutevel em httpsporvirorgensino-re-

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puacuteblica de importacircncia internacional por surto de novo coronaviacuterus Brasiacutelia (DF)

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tentampview=articleampid=6100oms-declara-emergencia-de-saude-publica-des-impor-

tancia-internacional-em-relacao-a-novo-coronavirusampItemid=812 Aceso em 30

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PRETI O Educaccedilatildeo a distacircncia uma praacutetica educativa mediadora e mediatizada

Cuiabaacute NEADIEUFMT 1996

RODRIGUES Horaacutecio Wanderlei Cursos de Direito no Brasil Diretrizes Curriculares e

Projeto Pedagoacutegico 2 ed Florianoacutepolis Habitus 2020

SIQUEIRA Dirceu Pereira NUNES Danilo Henrique Conflitos digitais cidadania e res-

ponsabilidade civil no acircmbito das lides ciberneacuteticas Revista Juriacutedica da FA7 v 15 n

2 p 127-138 18 nov 2018 Disponivel em httpsperiodicosuni7edubrindexphp

revistajuridicaarticleview810 Acesso em12 set2020

317

POSFAacuteCIO

Acreditava-se que no mundo soacute existiam cisnes brancos Ateacute que em

1967 avistaram pela primeira vez um cisne negro na Austraacutelia Partindo desse

fato Nassim Taleb divulga sua conhecida ldquoteoria do cisne negrordquo O autor se

pergunta por que natildeo conhecemos os fenocircmenos antes que eles ocorram

Assim apresenta a hipoacutetese de que noacutes evitamos o que eacute desconhecido e

limitamo-nos a aprender conteuacutedos especiacuteficos em vez de buscar a sapiecircncia

em diversas aacutereas do conhecimento O pensamento complexo reconhece o

mundo em muacuteltiplas camadas em que o todo eacute bem maior do que a soma

das partes

Acabamos de ler um livro lanccedilado no periacuteodo da pandemia de 2020

esse cisne negro que nos convida a buscar repertoacuterio para repensar estruturas

de vida e de mundo A pandemia parece um exemplo concreto e vivenci-

ado para a ldquoteoria do caosrdquo e suas provocaccedilotildees sobre as conexotildees e sensibi-

lidades dos sistemas Adaptando a proposta de Edward Lorenz era como se

o bater das asas de uma borboleta na China causasse tempos depois um

tornado no mundo e nas suas variaacuteveis de complexidade e incertezas Isso

reconhece que pequenas mudanccedilas inicialmente inofensivas e imprevisiacuteveis

podem causar rupturas de paradigmas

Natildeo eacute meu interesse concluir uma obra tatildeo vasta e plural Escrevo as

linhas finais desse livro instigado com as provocaccedilotildees que ele me trouxe

Quando vejo o resultado de um esforccedilo coletivo na busca de compreensatildeo

do mundo acredito ainda mais na potecircncia da Educaccedilatildeo Trabalhar com

Educaccedilatildeo eacute uma aposta no poder do conhecimento que eacute nas palavras de

Peter Burke a instacircncia de um organismo que estabeleccedila sua relaccedilatildeo com o

mundo O mundo eacute o ponto de partida e de chegada para todos aqueles

que trabalham com conhecimento Conhecer o mundo eacute acessar a sua com-

plexidade do mundo e de si Esse livro coordenado pelas competentes pro-

fessoras e pesquisadoras Germana Parente Neiva Belchior e Iasna Chaves Vi-

ana eacute um convite para um encontro com a complexidade do mundo atraveacutes

do conhecimento

A obra mergulhou no abismo do pensamento complexo buscando des-

vendaacute-lo em vaacuterios campos epistemoloacutegicos dos conhecimentos Da cidade

agraves redes da famiacutelia ao Estado do ambiente ao ensino as trajetoacuterias foram

muacuteltiplas Mas todos os textos convergem para o reconhecimento de que uma

leitura de mundo natildeo eacute feita apenas pelos recortes cientiacuteficos que o investi-

gam mas tambeacutem pela observaccedilatildeo atenta ao fluxo de interaccedilotildees dinacircmicas

das partes

O livro foi inspirado na busca da transdisciplinaridade como caminho

para alcanccedilar os melhores resultados sobre investigaccedilotildees cientiacuteficas Trata-se

de um meacutetodo que vai na contramatildeo da tradiccedilatildeo de uma praacutetica cientiacutefica

atomista fragmentada e identificada agrave divisatildeo teacutecnica de trabalho dos mo-

delos taylorista e fordista Os textos reconhecem as divisotildees e estratificaccedilotildees

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

318

internas dos diversos objetos de anaacutelise mas apontam o caraacuteter transfronteiriccedilo

das suas investigaccedilotildees

O uso de vias transdisciplinares envolve um desafio metodoloacutegico per-

manente O que se pretende e esse livro traz vaacuterios exemplos disso eacute reco-

nhecer que os coacutedigos juriacutedicos natildeo decifram seus institutos por completo As-

sim verifica-se a riqueza de textos que apostam na hipoacutetese de que o saber

dogmaacutetico eacute oxigenado quando posto em contato com outros modos de

apreensatildeo de conhecimento Essa tendecircncia natildeo eacute proacutepria do Direito Os es-

tudos de biologia de Karl Ludwig von Bertalanffy por exemplo jaacute nos sinaliza-

vam que o organismo eacute um todo maior do que a parte Os estudos antropoloacute-

gicos da psicologia de Max Wertheimer jaacute questionavam a sobreterminaccedilatildeo

das partes pelo todo no nosso processo de autoconhecimento O pensa-

mento de Edgar Morin em criacutetica reconhecida ao modelo de educaccedilatildeo tra-

dicional sustenta a fuga agraves investigaccedilotildees fragmentadas da realidade De

todo modo essa visatildeo holiacutestica de compreensatildeo sobre o conhecimento eacute re-

forccedilada com os desafios impostos pela ciberneacutetica e pontos cegos de leituras

sobre a inteligecircncia artificial O terreno eacute feacutertil

Textos que reconhecem a importacircncia do pensamento complexo satildeo

bem-vindos a quem trabalha com Educaccedilatildeo em especial nesse tempo em

que a Educaccedilatildeo Juriacutedica sinaliza suas carecircncias para o Seacuteculo XXI Trabalhar

a percepccedilatildeo de um mundo complexo na sala de aula eacute tambeacutem dialogar

com os acervos particulares dos alunos O professor natildeo pode ser apresentado

como detentor de verdades absolutas e castrador das potencialidades criati-

vas dos estudantes Todo aluno possui seu horizonte empiacuterico de informaccedilotildees

e eacute sob esse horizonte que o professor deve atuar

Esse trabalho eacute resultado de uma valiosa proposta pedagoacutegica do pro-

jeto Ecomplex coordenado pela Profa Dra Germana Parente Neiva Belchior

no Curso de Direito do Centro Universitaacuterio 7 de Setembro em Fortaleza Um

dos grandes trunfos desse trabalho eacute o envolvimento dos alunos em atividade

de pesquisa e em projetos de conhecimento Trata-se de uma accedilatildeo estimu-

lante de transpor o mundo construiacutedo de ideias na sala de aula a um projeto

de pesquisa proacuteprio com objetivos e metodologia bem definidos mas sem

blindar os pesquisadores das sensibilidades provocadas pelo pensamento da

complexidade Assim os alunos colocam-se no poacutelo ativo da produccedilatildeo de

conhecimento responsabilizando-se pelos seus atos e alcanccedilando (ou natildeo)

os objetivos predefinidos pelos sistemas de organizaccedilatildeo e direccedilatildeo de situa-

ccedilotildees de aprendizagem Esse encontro de horizontes entre professores e alu-

nos concretizado nesta obra apresenta como resultado um dispositivo didaacute-

tico e natildeo um sistema arbitraacuterio (e por conseguinte falho) de Educaccedilatildeo

Os textos desse livro avistaram os cisnes dos caminhos E me convidaram

a ficar atento aos labirintos do mundo a partir das perguntas e pontos fora da

curva avistados durante a caminhada

Paulo Rogeacuterio Marques de Carvalho Doutor em Ciecircncias Juriacutedico-Poliacuteticas pela Universidade de Lisboa

Professor do Curso de Direito da UNI7

  • PREFAacuteCIO
    • Joatildeo Luis Nogueira Matias
      • APRESENTACcedilAtildeO
        • Germana Parente Neiva Belchior
        • Iasna Chaves Viana
          • HOMENAGEM A JANAINA VALL
          • EIXO TEMAacuteTICO 1 Pensamento Complexo Direito e Transdisciplinaridade
          • 1 ATIVISMO DIGITAL E LUTA AMBIENTAL a influecircncia dos movimentos socioambientais em rede
            • Dominik Garcia Araujo Fontes
            • Eulaacutelia Emilia Pinho Camurccedila
            • Germana Parente Neiva Belchior
              • INTRODUCcedilAtildeO
              • 11 CIBERESPACcedilO E AS NOVAS INTERACcedilOtildeES COMUNICATIVAS
              • 12 ATIVISMO DIGITAL formas de organizaccedilatildeo ferramentas e caracteriacutesticas
              • 13 ATIVISMO AMBIENTAL EM REDE atuaccedilatildeo dificuldades e desafios
              • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
              • REFEREcircNCIAS
                  • 2 AS CONTRATACcedilOtildeES PUacuteBLICAS DIRETAS E OS IMPACTOS Agrave ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA SARS-CoV-2 e as consequentes inovaccedilotildees legislativas federais no ordenamento juriacutedico brasileiro nas linhas do pensamento complexo
                    • Doacuteris Evany Abreu Carvalho
                    • Iasna Chaves Viana
                    • Rebeca Gadelha Ferreira
                      • INTRODUCcedilAtildeO
                      • 21 PANDEMIA DE INOVACcedilOtildeES LEGISLATIVAS FEDERAIS NO ORDENAMENTO JURIacuteDICO PAacuteTRIO E O PENSAMENTO COMPLEXO
                      • 22 DAS CONTRATACcedilOtildeES DIRETAS EM MOMENTO DE PANDEMIA COVID-19 ldquoCHEQUE EM BRANCOrdquo OU NOVA PERSPECTIVA PARA ATUACcedilAtildeO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA
                      • 23 DOS IMPACTOS AO ERAacuteRIO EM RAZAtildeO DAS MEDIDAS DESBUROCRATIZADORAS EM TEMPOS DE PANDEMIA
                      • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                      • REFEREcircNCIAS
                          • 3 DIREITO SISTEcircMICO o modelo de constelaccedilatildeo de Bert Hellinger e a teoria da complexidade de Edgar Morin ndash convergecircncias e significacircncias
                            • Janaina Vall
                              • INTRODUCcedilAtildeO
                              • 31 O MODELO DE CONSTELACcedilAtildeO DE BERT HELLINGER
                              • 32 A TEORIA DA COMPLEXIDADE DE EDGAR MORIN
                              • 33 CONVERGEcircNCIAS E SIGNIFICAcircNCIAS PARA O DIREITO SISTEcircMICO
                              • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                              • REFEREcircNCIAS
                                  • 4 A INCLUSAtildeO SOCIAL E O PENSAMENTO COMPLEXO DENTRO DA POLIacuteTICA NACIONAL DOS RESIacuteDUOS SOacuteLIDOS
                                    • Laeacutelia Eugecircnia Correcirca Aragatildeo
                                      • INTRODUCcedilAtildeO
                                      • 41 A INCLUSAtildeO SOCIAL E SUA COMPLEXIDADE
                                      • 42 O PENSAMENTO COMPLEXO E SUA COMPREENSAtildeO DENTRO DA POLIacuteTICA NACIONAL DE RESIacuteDUOS SOacuteLIDOS
                                      • 43 A COMPLEXIDADE NA GESTAtildeO DOS RESIacuteDUOS SOacuteLIDOS
                                      • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                      • REFEREcircNCIAS
                                          • 5 AS FUNCcedilOtildeES DA CIDADE transdisciplinaridade e complexidade
                                            • Liacutevia Brandatildeo Mota Cavalcanti
                                              • INTRODUCcedilAtildeO
                                              • 51 A TRANSDISCIPLINARIDADE DAS FUNCcedilOtildeES DA CIDADE NO ORDENAMENTO JURIacuteDICO BRASILEIRO
                                              • 52 DELINEANDO AS FUNCcedilOtildeES DA CIDADE
                                              • 53 A COMPLEXIDADE DAS FUNCcedilOtildeES DA CIDADE
                                              • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                              • REFEREcircNCIAS
                                                  • 6 JUSTICcedilA RESTAURATIVA um novo paradigma na soluccedilatildeo de conflitos
                                                    • Raquel Lima Batista
                                                      • INTRODUCcedilAtildeO
                                                      • 61 O QUE Eacute A JUSTICcedilA RESTAURATIVA
                                                      • 62 COMO A JUSTICcedilA RESTAURATIVA PODE FACILITAR O ENCONTRO DE SOLUCcedilOtildeES MAIS SAUDAacuteVEIS PARA AS PARTES
                                                      • 63 DESAFIOS PARA A APLICACcedilAtildeO DA JUSTICcedilA RESTAURATIVA
                                                      • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                      • REFEREcircNCIAS
                                                          • EIXO TEMAacuteTICO 2 Complexidade Epistemologia e Direito Ambiental
                                                          • 7 O IMPACTO AMBIENTAL DO BIG DATA uma reflexatildeo criacutetica a partir de uma abordagem ecossistecircmica
                                                            • Alan Duarte
                                                            • Carla Mariana Aires Oliveira
                                                              • INTRODUCcedilAtildeO
                                                              • 71 A ATUAL SOCIEDADE DA INFORMACcedilAtildeO a era do big data e a economia de dados
                                                              • 72 O ASPECTO FIacuteSICO DO BIG DATA (SUPERCOMPUTADORES E DATA CENTERS) E SEU IMPACTO AMBIENTAL
                                                              • 73 A ERA DO BIG DATA E A PROTECcedilAtildeO AMBIENTAL NA PERSPECTIVA ECOSSISTEcircMICA algumas reflexotildees
                                                              • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                              • REFEREcircNCIAS
                                                                  • 8 PARADIGMA DA COMPLEXIDADE COMO METODOLOGIA DO DIREITO AMBIENTAL
                                                                    • Alana Ramos Araujo
                                                                      • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                      • 81 O PENSAMENTO COMPLEXO
                                                                      • 82 PRINCIacutePIOS DO PENSAMENTO COMPLEXO
                                                                      • 83 A COMPLEXIDADE AMBIENTAL E SUA APLICACcedilAtildeO NO CAMPO DO DIREITO
                                                                      • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                      • REFEREcircNCIAS
                                                                          • 9 POR UM FUNDAMENTO ECOLOacuteGICO PARA O FENOcircMENO JURIacuteDICO
                                                                            • Ana Stela Vieira Mendes Cacircmara
                                                                              • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                              • 91 AS BASES TRADICIONAIS DA CONCEPCcedilAtildeO DO DIREITO jusnaturalismo e juspositivismo
                                                                              • 92 POacuteS-POSITIVISMO E OS FUNDAMENTOS PARA UMA CONCEPCcedilAtildeO ECOLOacuteGICA DO FENOcircMENO JURIacuteDICO
                                                                              • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                              • REFEREcircNCIAS
                                                                                  • 10 SUSTENTABILIDADE NO ANTROPOCENO o pensamento complexo e a necessaacuteria reflexatildeo sobre o estado ecoloacutegico de direito no contexto da COVID-19
                                                                                    • Carlos E Peralta
                                                                                      • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                                      • 101 A PANDEMIA PROVOCADA PELA COVID-19 COMO CONSEQUEcircNCIA DO ANTROPOCENO
                                                                                        • 1011 Breves reflexotildees sobre o Antropoceno
                                                                                        • 1012 A pandemia provocada pela COVID-19 uma crise sanitaacuteria dentro da crise civilizatoacuteria do Antropoceno
                                                                                          • 102 A METAMORFOSE PARA O ESTADO ECOLOacuteGICO DE DIREITO um debate necessaacuterio
                                                                                            • 1021 Reflexotildees preliminares para pensar na ecologizaccedilatildeo do Estado de Direito
                                                                                            • 1022 Paracircmetros indispensaacuteveis para a construccedilatildeo do Estado Ecoloacutegico de Direito
                                                                                            • 1023 Desafios para o Estado Ecoloacutegico de Direito
                                                                                              • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                                              • REFEREcircNCIAS
                                                                                                  • 11 A RELACcedilAtildeO JURIacuteDICA AMBIENTAL CONTINUATIVA E A IMPRESCRITIBILIDADE DA PRETENSAtildeO PELA REPARACcedilAtildeO CIVIL DE DANO AMBIENTAL anaacutelise do Recurso Extraordinaacuterio nordm 654833 do STF ndash interpretaccedilotildees epistemoloacutegicas sob o vieacutes da complexidade
                                                                                                    • Germana Parente Neiva Belchior
                                                                                                    • Iasna Chaves Viana
                                                                                                      • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                                                      • 111 DO ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL PARA O ESTADO DE DIREITO ECOLOacuteGICO rupturas necessaacuterias frente a crise ecoloacutegica
                                                                                                      • 112 O PENSAMENTO COMPLEXO COMO VIEacuteS EPISTEMOLOacuteGICO PARA INTERPRETACcedilAtildeO DOS DANOS AMBIENTAIS PELO DIREITO
                                                                                                        • 1121 Danos ambientais e responsabilidade civil preventiva em mateacuteria ambiental
                                                                                                        • 1122 A relaccedilatildeo juriacutedica ambiental continuativa
                                                                                                          • 113 A IMPRESCRITIBILIDADE DA PRETENSAtildeO CIVIL DE DANO AMBIENTAL anaacutelise do RE nordm 654833 do STF
                                                                                                          • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                                                          • REFEREcircNCIAS
                                                                                                              • 12 AVALIACcedilAtildeO DE IMPACTO AMBIENTAL NO BRASIL E NO AcircMBITO INTERNACIONAL similaridades e contribuiccedilotildees
                                                                                                                • Joana Cordeiro Brandatildeo
                                                                                                                • Liliane de Freitas Leite
                                                                                                                  • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                                                                  • 121 CONSIDERACcedilOtildeES GERAIS SOBRE AVALIACcedilAtildeO DE IMPACTO AMBIENTAL (AIA) NA LEGISLACcedilAtildeO BRASILEIRA
                                                                                                                  • 122 AVALIACcedilAtildeO DE IMPACTO AMBIENTAL NO AcircMBITO INTERNACIONAL
                                                                                                                  • 123 A AVALIACcedilAtildeO DE IMPACTO AMBIENTAL SOB A OacutePTICA DA COMPLEXIDADE
                                                                                                                  • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                                                                  • REFEREcircNCIAS
                                                                                                                      • 13 A INEFICIEcircNCIA DO DIREITO AMBIENTAL VIGENTE E A NECESSAacuteRIA RUPTURA RUMO AO DIREITO ECOLOacuteGICO A PARTIR DA COMPLEXIDADE
                                                                                                                        • Joseacute Rubens Morato Leite
                                                                                                                        • Elisa Fiorini Beckhauser
                                                                                                                        • Valeriana Augusta Broetto
                                                                                                                          • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                                                                          • 131 A INEFICIEcircNCIA DO DIREITO AMBIENTAL VIGENTE E A NECESSAacuteRIA RUPTURA RUMO AO DIREITO ECOLOacuteGICO
                                                                                                                          • 132 O DIREITO AMBIENTAL da fragmentaccedilatildeo teoacuterica agrave insuficiente implementaccedilatildeo
                                                                                                                          • 133 ECOLOGIZACcedilAtildeO DO DIREITO uma ruptura a partir da complexidade
                                                                                                                          • 134 LITIGAcircNCIA CLIMAacuteTICA uma orientaccedilatildeo ecologizada do direito
                                                                                                                          • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                                                                          • REFEREcircNCIAS
                                                                                                                              • 14 O PRINCIacutePIO DA PRECAUCcedilAtildeO AMBIENTAL COMO PARAcircMETRO AO EXERCIacuteCIO DA ATIVIDADE ECONOcircMICA
                                                                                                                                • Leon Simotildees de Mello
                                                                                                                                • Joatildeo Luis Nogueira Matias
                                                                                                                                  • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                                                                                  • 141 O PRINCIacutePIO DA PRECAUCcedilAtildeO AMBIENTAL E SUA IMPORTAcircNCIA NO CONTEXTO INTERNACIONAL ATUAL
                                                                                                                                    • 1411 Surgimento no acircmbito internacional
                                                                                                                                    • 1412 Conceito e abrangecircncia do princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental
                                                                                                                                    • 1413 Disciplina do princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental no Brasil
                                                                                                                                      • 142 A ATIVIDADE ECONOcircMICA E SUA PROTECcedilAtildeO CONSTITUCIONAL
                                                                                                                                        • 1421 O livre exerciacutecio de atividade econocircmica na ordem constitucional
                                                                                                                                        • 1422 Os riscos da atividade econocircmica e sua mitigaccedilatildeo
                                                                                                                                          • 143 A ATIVIDADE ECONOcircMICA SOB O PRISMA DO PRINCIacutePIO DA PRECAUCcedilAtildeO
                                                                                                                                            • 1431 A proteccedilatildeo ambiental como preocupaccedilatildeo basilar da ordem juriacutedica
                                                                                                                                            • 1432 A precauccedilatildeo e o controle dos riscos ambientais da atividade econocircmica
                                                                                                                                            • 1433 Anaacutelise de julgados do Supremo Tribunal Federal acerca do princiacutepio da precauccedilatildeo
                                                                                                                                              • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                                                                                              • REFEREcircNCIAS
                                                                                                                                                  • 15 REFLEXOtildeES SOBRE O GREENWASHING E SUAS LIMITACcedilOtildeES NO ORDENAMENTO JURIacuteDICO BRASILEIRO Agrave LUZ DA COMPLEXIDADE
                                                                                                                                                    • Manuella Campos Perdigatildeo e Andrade Atalanio
                                                                                                                                                    • Letiacutecia Queiroz Nascimento
                                                                                                                                                      • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                                                                                                      • 151 CONSIDERACcedilOtildeES ACERCA DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO SOB A OacutePTICA DA COMPLEXIDADE
                                                                                                                                                      • 152 A CARACTERIZACcedilAtildeO DO GREENWASHING E O PAPEL DAS EMPRESAS
                                                                                                                                                      • 153 AS LIMITACcedilOtildeES AO GREENWASHING NO ORDENAMENTO JURIacuteDICO BRASILEIRO
                                                                                                                                                      • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                                                                                                      • REFEREcircNCIAS
                                                                                                                                                          • 16 AS IMPLICACcedilOtildeES JURIacuteDICAS ADVINDAS DA FORMACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA MULTIESPEacuteCIE
                                                                                                                                                            • Maria Ravelly Martins Soares Dias
                                                                                                                                                              • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                                                                                                              • 161 A NATUREZA JURIacuteDICA DOS ANIMAIS DE ESTIMACcedilAtildeO SEGUNDO O COacuteDIGO CIVIL DE 2002
                                                                                                                                                              • 162 O INSTITUTO DA PERSONALIDADE JURIacuteDICA E OS ANIMAIS DE ESTIMACcedilAtildeO
                                                                                                                                                              • 163 OS ANIMAIS DE ESTIMACcedilAtildeO COMO ldquoTERCEIRO GEcircNEROrdquo E O MEIO TERMO COMO SOLUCcedilAtildeO APARENTE
                                                                                                                                                              • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                                                                                                              • REFEREcircNCIAS
                                                                                                                                                                  • 17 O MEIO AMBIENTE COMO CONCEITO JURIacuteDICO INDETERMINADO SOB A OacutePTICA DO PENSAMENTO COMPLEXO
                                                                                                                                                                    • Victor Nunes Barroso
                                                                                                                                                                      • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                                                                                                                      • 171 CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE A COMPLEXIDADE AMBIENTAL E A DIFICULDADE DE CONCEITUACcedilAtildeO DO MEIO AMBIENTE
                                                                                                                                                                      • 172 CONCEITO LEGAL DE MEIO AMBIENTE
                                                                                                                                                                      • 173 O MEIO AMBIENTE COMO CONCEITO JURIacuteDICO INDETERMINADO Agrave LUZ DO PENSAMENTO COMPLEXO
                                                                                                                                                                      • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                                                                                                                      • REFEREcircNCIAS
                                                                                                                                                                          • EIXO TEMAacuteTICO 3 Complexidade e Ensino Juriacutedico
                                                                                                                                                                          • 18 ENSINO JURIacuteDICO NO BRASIL reflexotildees histoacutericas e a complexidade como possibilidade-necessidade de superaccedilatildeo paradigmaacutetica
                                                                                                                                                                            • Antocircnio Joseacute Andrade da Silva Juacutenior
                                                                                                                                                                            • Filipe Esmeraldo Cabral de Melo Almeida
                                                                                                                                                                            • Raphael de Saacute Machado
                                                                                                                                                                              • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                                                                                                                              • 181 PARADIGMA SIMPLIFICADOR
                                                                                                                                                                              • 182 MEacuteTODO CARTESIANO EDUCACcedilAtildeO E O PENSAMENTO MORINIANO
                                                                                                                                                                                • 1821 A necessidade-possiblidade de reparadigmatizaccedilatildeo do cartesianismo diante do pensamento complexo
                                                                                                                                                                                  • 183 A COMPLEXIDADE E A SUPERACcedilAtildeO DO PRINCIacutePIO DA DISJUNCcedilAtildeO
                                                                                                                                                                                  • 184 A COMPLEXIDADE E A SUA (RE)INSERCcedilAtildeO NO DEBATE CIENTIFIacuteCO
                                                                                                                                                                                    • 1841 A (natildeo) incorporaccedilatildeo do pensamento complexo na educaccedilatildeo
                                                                                                                                                                                      • 185 O ENSINO JURIacuteDICO NO BRASIL
                                                                                                                                                                                        • 1851 Periacuteodo Colonial
                                                                                                                                                                                        • 1852 Periacuteodos Imperial e Republicano
                                                                                                                                                                                          • 186 A CIEcircNCIA DO DIREITO DIANTE DAS TRANSFORMACcedilOtildeES EMERGENTES DO SEacuteCULO XXI
                                                                                                                                                                                            • 1861 A complexidade como possibilidade de reparadigmatizaccedilatildeo do ensino juriacutedico
                                                                                                                                                                                              • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                                                                                                                                              • REFEREcircNCIAS
                                                                                                                                                                                                  • 19 ENSINO JURIacuteDICO E NEUROPSICOLOGIA uma discussatildeo sob a perspectiva da complexidade
                                                                                                                                                                                                    • Bruno Barros Carvalho
                                                                                                                                                                                                    • Diogo Felipe Sousa Barreira
                                                                                                                                                                                                      • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                                                                                                                                                      • 191 A FRAGILIDADE DA CIEcircNCIA DISCIPLINAR
                                                                                                                                                                                                      • 192 CONSIDERACcedilOtildeES EM TORNO DO PENSAMENTO COMPLEXO
                                                                                                                                                                                                      • 193 ENSINO JURIacuteDICO DA LINEARIDADE Agrave COMPLEXIDADE
                                                                                                                                                                                                        • 1931 Ensino juriacutedico no mundo
                                                                                                                                                                                                        • 1932 Ensino juriacutedico no Brasil
                                                                                                                                                                                                          • 194 ENSINO JURIacuteDICO E NEUROPSICOLOGIA UMA PERSPECTIVA COMPLEXA
                                                                                                                                                                                                          • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                                                                                                                                                          • REFEREcircNCIAS
                                                                                                                                                                                                              • 20 EDUCACcedilAtildeO REMOTA EM TEMPOS DE PANDEMIA E POacuteS-PANDEMIA os desafios do ensino juriacutedico brasileiro
                                                                                                                                                                                                                • Francisco Helio da Silva Loiola
                                                                                                                                                                                                                • Letiacutecia de Faacutetima Libeacuterio da Silva
                                                                                                                                                                                                                • Nayane Gonccedilalves dos Santos Duarte
                                                                                                                                                                                                                  • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                                                                                                                                                                  • 201 OS REFLEXOS DA PANDEMIA DO COVID-19 NA EDUCACcedilAtildeO
                                                                                                                                                                                                                  • 202 ENSINO JURIacuteDICO REMOTO EMERGENCIAL
                                                                                                                                                                                                                  • 203 OS DESAFIOS DO ENSINO JURIacuteDICO NA UTILIZACcedilAtildeO DA EDUCACcedilAtildeO REMOTA
                                                                                                                                                                                                                  • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                                                                                                                                                                  • REFEREcircNCIAS
                                                                                                                                                                                                                      • POSFAacuteCIO
                                                                                                                                                                                                                        • Paulo Rogeacuterio Marques de Carvalho
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2

Esta obra estaacute sob os direitos da Creative Commons 40

httpscreativecommonsorglicensesby-sa40deedpt_BR

Direito complexidade e meio ambiente olhares para a contemporaneidade

1ordf ediccedilatildeo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana (org)

Editora Mucuripe Conselho Editorial

Andreacute Parmo Folloni

Arno Dal Ri Junior

Daniela Leutchuk de Cademartori

Danielle Annoni

Denise Lucena Cavalcante

Germana de Oliveira Moraes

Gisele Cittadino

Hugo de Brito Machado Segundo

Joatildeo Luiacutes Nogueira Matias

Joatildeo Ricardo Catarino

Juarez Freitas

Marcelo Cattoni

Marciano Seabra de Godoi

Marcos Wachowicz

Maria Vital da Rocha

Martonio MontrsquoAlverne Barreto Lima

Paulo Caliendo

Roberto Alfonso Viciano Pastor

Capa

Jade Chaves Viana

Editoraccedilatildeo e Revisatildeo

Aacutelisson Joseacute Maia Melo

Dados internacionais de Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo

D597 Direito complexidade e meio ambiente olhares para a contempo-

raneidade Organizadoras Germana Parente Neiva Belchior e Iasna

Chaves Viana mdash 1 ed mdash Fortaleza Mucuripe 2020

Vaacuterios Autores

318 p 21 cm

ISBN-13 978-65-87966-06-9

1 Direito - Brasil 2 Direito ambiental - Brasil 3 Ensino juriacutedico ndash Brasil

I Belchior Germana Parente Neiva II Viana Iasna Chaves

CDD

34081

3

SUMAacuteRIO

PREFAacuteCIO 7

Joatildeo Luis Nogueira Matias

APRESENTACcedilAtildeO 10

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

HOMENAGEM A JANAINA VALL 16

EIXO TEMAacuteTICO 1

Pensamento Complexo Direito e Transdisciplinaridade

CAPIacuteTULO 1

ATIVISMO DIGITAL E LUTA AMBIENTAL

a influecircncia dos movimentos socioambientais em rede 20

Dominik Garcia Araujo Fontes

Eulaacutelia Emilia Pinho Camurccedila

Germana Parente Neiva Belchior

CAPIacuteTULO 2

AS CONTRATACcedilOtildeES PUacuteBLICAS DIRETAS E OS IMPACTOS Agrave ADMINISTRACcedilAtildeO

PUacuteBLICA

SARS-CoV-2 e as consequentes inovaccedilotildees legislativas federais no

ordenamento juriacutedico brasileiro nas linhas do pensamento complexo 33

Doacuteris Evany Abreu Carvalho

Iasna Chaves Viana

Rebeca Gadelha Ferreira

CAPIacuteTULO 3

DIREITO SISTEcircMICO

o modelo de constelaccedilatildeo de Bert Hellinger e a teoria da complexidade de

Edgar Morin ndash convergecircncias e significacircncias 54

Janaina Vall

CAPIacuteTULO 4

A INCLUSAtildeO SOCIAL E O PENSAMENTO COMPLEXO DENTRO DA POLIacuteTICA

NACIONAL DOS RESIacuteDUOS SOacuteLIDOS 68

Laeacutelia Eugecircnia Correcirca Aragatildeo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

4

CAPIacuteTULO 5

AS FUNCcedilOtildeES DA CIDADE

transdisciplinaridade e complexidade 82

Liacutevia Brandatildeo Mota Cavalcanti

CAPIacuteTULO 6

JUSTICcedilA RESTAURATIVA

um novo paradigma na soluccedilatildeo de conflitos 96

Raquel Lima Batista

EIXO TEMAacuteTICO 2

Complexidade Epistemologia e Direito Ambiental

CAPIacuteTULO 7

O IMPACTO AMBIENTAL DO BIG DATA

uma reflexatildeo criacutetica a partir de uma abordagem ecossistecircmica 109

Alan Duarte

Carla Mariana Aires Oliveira

CAPIacuteTULO 8

PARADIGMA DA COMPLEXIDADE COMO METODOLOGIA DO DIREITO

AMBIENTAL 125

Alana Ramos Araujo

CAPIacuteTULO 9

POR UM FUNDAMENTO ECOLOacuteGICO PARA O FENOcircMENO JURIacuteDICO 138

Ana Stela Vieira Mendes Cacircmara

CAPIacuteTULO 10

SUSTENTABILIDADE NO ANTROPOCENO

o pensamento complexo e a necessaacuteria reflexatildeo sobre o Estado ecoloacutegico

de Direito no contexto da COVID-19 149

Carlos E Peralta

CAPIacuteTULO 11

A RELACcedilAtildeO JURIacuteDICA AMBIENTAL CONTINUATIVA E A IMPRESCRITIBILIDADE DA

PRETENSAtildeO PELA REPARACcedilAtildeO CIVIL DE DANO AMBIENTAL

anaacutelise do Recurso Extraordinaacuterio nordm 654833 do STF ndash interpretaccedilotildees

epistemoloacutegicas sob o vieacutes da complexidade 167

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

5

CAPIacuteTULO 12

AVALIACcedilAtildeO DE IMPACTO AMBIENTAL NO BRASIL E NO AcircMBITO

INTERNACIONAL

similaridades e contribuiccedilotildees 182

Joana Cordeiro Brandatildeo

Liliane de Freitas Leite

CAPIacuteTULO 13

A INEFICIEcircNCIA DO DIREITO AMBIENTAL VIGENTE E A NECESSAacuteRIA RUPTURA

RUMO AO DIREITO ECOLOacuteGICO A PARTIR DA COMPLEXIDADE 192

Joseacute Rubens Morato Leite

Elisa Fiorini Beckhauser

Valeriana Augusta Broetto

CAPIacuteTULO 14

O PRINCIacutePIO DA PRECAUCcedilAtildeO AMBIENTAL COMO PARAcircMETRO AO EXERCIacuteCIO

DA ATIVIDADE ECONOcircMICA 206

Leon Simotildees de Mello

Joatildeo Luis Nogueira Matias

CAPIacuteTULO 15

REFLEXOtildeES SOBRE O GREENWASHING E SUAS LIMITACcedilOtildeES NO ORDENAMENTO

JURIacuteDICO BRASILEIRO Agrave LUZ DA COMPLEXIDADE 228

Manuella Campos Perdigatildeo e Andrade Atalanio

Letiacutecia Queiroz Nascimento

CAPIacuteTULO 16

AS IMPLICACcedilOtildeES JURIacuteDICAS ADVINDAS DA FORMACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA

MULTIESPEacuteCIE 240

Maria Ravelly Martins Soares Dias

CAPIacuteTULO 17

O MEIO AMBIENTE COMO CONCEITO JURIacuteDICO INDETERMINADO SOB A

OacutePTICA DO PENSAMENTO COMPLEXO 255

Victor Nunes Barroso

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

6

EIXO TEMAacuteTICO 3

Complexidade e Ensino Juriacutedico

CAPIacuteTULO 18

ENSINO JURIacuteDICO NO BRASIL

reflexotildees histoacutericas e a complexidade como possibilidade-necessidade de

superaccedilatildeo paradigmaacutetica 272

Antocircnio Joseacute Andrade da Silva Juacutenior

Filipe Esmeraldo Cabral de Melo Almeida

Raphael de Saacute Machado

CAPIacuteTULO 19

ENSINO JURIacuteDICO E NEUROPSICOLOGIA

uma discussatildeo sob a perspectiva da complexidade 283

Bruno Barros Carvalho

Diogo Felipe Sousa Barreira

CAPIacuteTULO 20

EDUCACcedilAtildeO REMOTA EM TEMPOS DE PANDEMIA E POacuteS-PANDEMIA

os desafios do ensino juriacutedico brasileiro 303

Francisco Helio da Silva Loiola

Letiacutecia de Faacutetima Libeacuterio da Silva

Nayane Gonccedilalves dos Santos Duarte

POSFAacuteCIO 317

Paulo Rogeacuterio Marques de Carvalho

7

PREFAacuteCIO

O e-Book que se apresenta ldquoDireito complexidade e meio ambiente

olhares para a contemporaneidaderdquo eacute expressatildeo das pesquisas desenvolvi-

das no Ecomplex grupo de pesquisa coordenado pela Professora Doutora

Germana Parente Neiva Belchior do Centro Universitaacuterio 7 de Setembro - UNI7

que completa 04 (quatro) anos de atividades

A obra diz muito sobre o dinamismo das atividades desenvolvidas no

Ecomplex a partir da provocaccedilatildeo de sua coordenadora pesquisadora dedi-

cada agraves temaacuteticas do Direito Ambiental e do Ensino Juriacutedico que muito tem

se destacado nas atividades de ensino pesquisa e extensatildeo no Curso de Mes-

trado em Direito e na graduaccedilatildeo do Curso de Direito da UNI7

O livro eacute organizado pela professora Germana juntamente com Iasna

Viana que eacute mestra em Direito pela UNI7 o que reforccedila o compromisso aca-

decircmico e a integraccedilatildeo realizada entre graduaccedilatildeo e o nosso Curso de Mes-

trado

Compotildee-se de textos de diversos autores do Brasil e do exterior profes-

sores consagrados jovens professores e estudantes membros do grupo e con-

vidados convocados amplamente por meio de edital

O livro se desenvolve em dois vetores baacutesicos o pensamento complexo

e a transdisciplinaridade que perpassam todos os textos evidenciando a sua

atualidade e importacircncia Os artigos satildeo distribuiacutedos entre os trecircs eixos temaacute-

ticos em que a obra se divide (i) Pensamento Complexo Direito e Transdisci-

plinaridade (ii) Complexidade Epistemologia e Direito Ambiental e (iii) Com-

plexidade e Ensino Juriacutedico

No primeiro eixo Pensamento Complexo Direito e Transdisciplinaridade

estatildeo dispostos 06 (seis) artigos

Dominik Garcia Araujo Fontes Eulaacutelia Emilia Pinho Camurccedila e Germana

Parente Neiva Belchior discorrem sobre Ativismo digital e luta ambiental a in-

fluecircncia dos movimentos socioambientais em rede A abordagem analisa a

perspectiva da luta ambiental no mundo digital

Na sequecircncia Doacuteris Evany Abreu Carvalho Iasna Chaves Viana e Re-

beca Gadelha Ferreira analisam as contrataccedilotildees puacuteblicas diretas e os impac-

tos agrave administraccedilatildeo puacuteblica SARS-CoV-2 e as consequentes inovaccedilotildees legis-

lativas federais no ordenamento juriacutedico brasileiro tema de grande atuali-

dade

Janaina Vall apresenta o artigo Direito sistecircmico o modelo de constela-

ccedilatildeo de Bert Hellinger e a Teoria da Complexidade de Edgar Morin - conver-

gecircncias e significacircncias sobre a praacutetica do direito ldquoterapecircuticordquo como forma

de inovar na resoluccedilatildeo de conflitos principalmente em sessotildees de concilia-

ccedilotildees e mediaccedilotildees na busca de impulsionar mudanccedilas nos paradigmas atu-

ais

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

8

Com a temaacutetica da inclusatildeo social e o pensamento complexo na Poliacute-

tica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos Laeacutelia Eugecircnia Correcirca Aragatildeo analisa as-

pectos da efetivaccedilatildeo da poliacutetica nacional dos resiacuteduos soacutelidos

Em perspectiva transdisciplinar Liacutevia Brandatildeo Mota Cavalcanti analisa

as funccedilotildees da cidade tema que ainda carece de maiores discussotildees acadecirc-

micas em prol da efetivaccedilatildeo do direito agrave cidade

Por fim Raquel Lima Batista analisa a justiccedila restaurativa como um novo

paradigma na soluccedilatildeo de conflitos

No segundo eixo Complexidade Epistemologia e Direito Ambiental o

maior deles constam 11 (onze) artigos

Alan Duarte e Carla Mariana Aires Oliveira exploram o impacto ambien-

tal do big data em abordagem criacutetica

A utilizaccedilatildeo do paradigma da complexidade como metodologia do Di-

reito Ambiental eacute a temaacutetica de Alana Ramos Araujo Em seguida Ana Stela

Vieira Mendes Cacircmara propotildee um fundamento ecoloacutegico para o fenocircmeno

juriacutedico

Carlos E Peralta reflete sobre o pensamento complexo e o estado eco-

loacutegico de direito no contexto da COVID-19 O pano de fundo eacute a sustentabi-

lidade no Antropoceno

A imprescritibilidade da pretensatildeo pela reparaccedilatildeo civil de dano ambi-

ental com anaacutelise do Recurso Extraordinaacuterio nordm 654833 do STF eacute a temaacutetica

de Germana Parente Neiva Belchior e Iasna Chaves Viana

Joana Cordeiro Brandatildeo e Liliane de Freitas Leite exploram o tema da

avaliaccedilatildeo de impacto ambiental em perspectiva brasileira e internacional

Joseacute Rubens Morato Leite Elisa Fiorini Beckhauser e Valeriana Augusta

Broetto analisam a ineficaacutecia do direito ambiental propondo por meio da

complexidade a virada para o direito ecoloacutegico

O princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental como paracircmetro ao exerciacutecio da

atividade econocircmica eacute abordado em autoria de Leon Simotildees de Mello e Joatildeo

Luis Nogueira Matias

Reflexotildees sobre o greenwashing agrave luz da complexidade eacute o tema de

Manuella Campos Perdigatildeo e Andrade Atalanio e Letiacutecia Queiroz Nasci-

mento

Jaacute Maria Ravelly Martins Soares Dias explora as implicaccedilotildees juriacutedicas ad-

vindas da formaccedilatildeo da famiacutelia multiespeacutecie Em seguida Victor Nunes Barroso

explora a temaacutetica do conceito juriacutedico de meio ambiente sob a oacuteptica do

pensamento complexo

O terceiro e uacuteltimo eixo denomina-se Complexidade e Ensino Juriacutedico

sendo composto por 03 (trecircs) artigos

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

9

Em abordagem histoacuterica Antocircnio Joseacute Andrade da Silva Juacutenior Filipe Es-

meraldo Cabral de Melo Almeida e Raphael de Saacute Machado propotildeem a su-

peraccedilatildeo dos paradigmas atuais do ensino juriacutedico

Jaacute Bruno Barros Carvalho e Diogo Felipe Sousa Barreira refletem sobre a

relaccedilatildeo entre ensino juriacutedico e neuropsicologia tema de grande impacto e

atualidade

Por fim Francisco Helio da Silva Loiola Letiacutecia de Faacutetima Libeacuterio da Silva

e Nayane Gonccedilalves dos Santos Duarte analisam os desafios do ensino juriacutedico

brasileiro com foco no ensino remoto em tempos de pandemia e poacutes-pande-

mia

Como se vecirc a qualidade e atualidade dos textos bem como a sua di-

versidade distribuiacuteda em trecircs eixos temaacuteticos bem definidos indicam a impor-

tacircncia da obra que resulta das atividades de pesquisa do Ecomplex Eviden-

ciam tambeacutem a maturidade cientiacutefica do grupo de pesquisa que jaacute rendeu

bons frutos acadecircmicos e tem potencial para render muito mais

Boa leitura a todos

Joatildeo Luis Nogueira Matias Coordenador do Curso de Mestrado em Direito da UNI7

10

APRESENTACcedilAtildeO

O grupo de estudos e pesquisa Ecomplex ndash Direito Complexidade e

Meio Ambiente surgiu do aprofundamento de ideias durante o doutoramento

de sua liacuteder Profa Dra Germana Parente Neiva Belchior na Universidade Fe-

deral de Santa Catarina (UFSC) e como inspiraccedilatildeo das pesquisas tambeacutem de-

senvolvidas no grupo coordenado por orientador o Prof Dr Joseacute Rubens Mo-

rato Leite no Grupo de Pesquisa Direito Ambiental na Sociedade de Risco

(GPDA) Apoacutes a conclusatildeo do Doutorado e com ingresso no Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Direito do Centro Universitaacuterio Sete de Setembro (UNI7) o

grupo foi criado e conta com a participaccedilatildeo de alunos da graduaccedilatildeo como

tambeacutem da poacutes-graduaccedilatildeo da UNI7 e de outras instituiccedilotildees estudantes do

Direito como de outras aacutereas caracterizando seu espiacuterito transdisciplinar

sendo cadastrado no CNPq

O grupo conta tambeacutem com o apoio acadecircmico e cientiacutefico da ex-

aluna do Mestrado da UNI7 Iasna Chaves Viana advogada professora e pes-

quisadora da aacuterea da complexidade e que em conjunto com a Profa Dra

Germana organizou a presente obra

Tendo iniciado suas atividades em 2016 o presente e-book intitulado Di-

reito complexidade e meio ambiente olhares para a contemporaneidade

simboliza o aniversaacuterio de 4 anos de atividades dedicadas a contribuir com a

construccedilatildeo da pesquisa e do estudo em Direito Complexidade e Meio Ambi-

ente propiciando agrave comunidade acadecircmica a formalizaccedilatildeo de projetos de

pesquisa o estiacutemulo agrave produccedilatildeo apresentaccedilatildeo e publicaccedilatildeo de trabalhos

acadecircmicos

A reflexatildeo sobre os diversos temas ligados a Direito Complexidade e

Meio Ambiente pautado na transdisciplinaridade e dividido nas trecircs linhas de

pesquisa oriundas da ementa de conteuacutedo programaacutetico do grupo visam a

estimular a publicaccedilatildeo de trabalhos e a participaccedilatildeo em eventos juriacutedicos

como tambeacutem fortalecer o intercacircmbio acadecircmico entre estudantes da gra-

duaccedilatildeo e da poacutes-graduaccedilatildeo e ainda incrementar o diaacutelogo com outras

aacutereas de saberes e com outras instituiccedilotildees

A obra encontra-se dividida em trecircs eixos temaacuteticos coincidentes com

as suas linhas de pesquisa e fazem parte dela 20 (vinte) trabalhos feitos com

muita dedicaccedilatildeo e esmero pelos autores abaixo relacionados

O primeiro eixo Pensamento Complexo Direito e Transdisciplinaridade

busca investigar acerca do pensamento complexo e suas consequecircncias

para o conhecimento cientiacutefico do Direito e o diaacutelogo de saberes Tem como

pergunta de partida Como e em que medida o pensamento complexo influ-

encia os saberes no Direito Neste eixo encontram-se os seguintes artigos e

seus autores

O primeiro intitulado Ativismo digital e luta ambiental a influecircncia dos

movimentos socioambientais em rede escrito em coautoria por Dominik Gar-

cia Araujo Fontes bacharel em Direito pela UNI7 Eulaacutelia Emilia Pinho Camurccedila

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

11

mestre e doutoranda em Direito pela UFC e professora da UNI7 e Germana

Parente Neiva Belchior doutora pela UFSC e professora da UNI7 traz um apro-

fundamento do estudo do ativismo ambiental na internet que por meio das

redes sociais possibilita reflexatildeo criacutetica sobre a temaacutetica ambiental pela di-

vulgaccedilatildeo de dados e informaccedilotildees e busca influenciar as forccedilas poliacuteticas em

seus processos de cumprimento criaccedilatildeo eou modificaccedilatildeo de leis

Na sequecircncia as autoras Doacuteris Evany Abreu Carvalho especialista em

processo civil pela Anhanguera-LFG Iasna Chaves Viana mestre em Direito

pela UNI7 e Rebeca Gadelha Ferreira mestre em Direito pela UFC desenvol-

veram a pesquisa As contrataccedilotildees puacuteblicas diretas e os impactos agrave adminis-

traccedilatildeo puacuteblica SARS-CoV-2 e as consequentes inovaccedilotildees legislativas federais

no ordenamento juriacutedico brasileiro com o objetivo de analisar como e em que

medida as legislaccedilotildees promulgadas no Brasil para enfrentamento da pande-

mia da COVID-19 que versam sobre as contrataccedilotildees diretas de obras serviccedilos

e compras bem como os pagamentos antecipados e os impactos para a Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica podem ser analisados pelo vieacutes do pensamento com-

plexo quais impactos agrave legalidade de contrataccedilatildeo com empresas e quais as

implicaccedilotildees disto ao Eraacuterio

O terceiro artigo foi desenvolvido pela entatildeo graduanda em Direito

pela UNI7 Janaina Vall nossa homenageada na obra que ainda em vida

abordando a praacutetica do direito ldquoterapecircuticordquo no qual as partes envolvidas no

processo juriacutedico submetidas ao modelo sistecircmico passam de uma postura

litigante para uma posiccedilatildeo consensual em busca de soluccedilatildeo para ambos os

lados A pesquisa foi desenvolvida com o objetivo de identificar como o Direito

Sistecircmico encontra convergecircncias e significacircncias teoacutericas entre o modelo de

constelaccedilatildeo de Bert Hellinger e a Teoria da Complexidade de Edgar Morin

com o tiacutetulo Direito sistecircmico o modelo de constelaccedilatildeo de Bert Hellinger e a

Teoria da Complexidade de Edgar Morin - convergecircncias e significacircncias

A pesquisadora e mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela

UFC Laeacutelia Eugecircnia Correcirca Aragatildeo sob o tema A inclusatildeo social e o pensa-

mento complexo dentro da Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos discute so-

bre a proposta de inclusatildeo social contida na Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos

Soacutelidos a Lei 123052010 sob o vieacutes do pensamento complexo visto que refe-

rida lei propotildee uma visatildeo socioambiental sustentaacutevel e complexa de partici-

paccedilatildeo e destaque dosas catadoresas de materiais reciclaacuteveis como sujeitos

principais para a efetivaccedilatildeo da proteccedilatildeo do meio ambiente

O quinto trabalho publicado eacute de autoria da advogada e especialista

em Direito e Processo Administrativos pela UNIFOR Liacutevia Brandatildeo Mota Caval-

canti intitulado As funccedilotildees da cidade transdisciplinaridade e complexidade

tratando sobre como e em que medida o pensamento complexo pode con-

tribuir para a cumprimento de algumas das funccedilotildees da cidade compreendi-

das como os direitos agrave moradia ao labor ao transporte e ao lazer conforme

definido pela Carta Constitucional de 1988

A pesquisadora e especialista pela FGV UFRJ e UFC Raquel Lima Batista

traz pesquisa que busca investigar como e em que medida uma abordagem

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

12

mais sistecircmica pode oferecer soluccedilotildees mais profundas e duradouras para aju-

dar as partes na soluccedilatildeo de suas demandas evidenciando uma justiccedila que

busca restaurar com o tiacutetulo de Justiccedila restaurativa um novo paradigma na

soluccedilatildeo de conflitos

O segundo eixo de pesquisa Complexidade Epistemologia e Direito

Ambiental pretende investigar como o Direito Ambiental influencia a forma-

ccedilatildeo de uma nova epistemologia juriacutedica sob a oacuteptica do pensamento com-

plexo Tem como pergunta de partida Quais satildeo os fundamentos de uma

epistemologia juriacutedico-ambiental A presente seccedilatildeo da obra apresenta arti-

gos de vaacuterios autores tanto membros do grupo como convidados externos

que contribuem para a pesquisa de vanguarda do Direito Ambiental e da Te-

oria da Complexidade Satildeo eles

O pesquisador Alan Duarte e a mestre em Direito pela UFC Carla Mari-

ana Aires Oliveira analisam sob o tiacutetulo O impacto ambiental do Big Data uma

reflexatildeo criacutetica a partir de uma abordagem ecossistecircmica buscando investi-

gar como e em que medida os serviccedilos digitais fomentados pela economia

de dados ameaccedilam o meio ambiente ecologicamente equilibrado

O segundo trabalho apresentado nesta seccedilatildeo do e-book eacute de autoria

da professora e Doutora em Ciecircncias Juriacutedicas pela UFPB Alana Ramos Araujo

intitulado Paradigma da complexidade como metodologia do Direito Ambi-

ental que aborda o pensamento complexo com base em Morin como um

instrumento metodoloacutegico de desconstruccedilatildeo do modelo positivista e simplifi-

cador do Direito para lidar com a crise ambiental e com a tutela juriacutedica da

natureza com base em Leff como estrateacutegias de abordagem de conflitos am-

bientais

A professora e doutora em Direito pela UFC Ana Stela Vieira Mendes

Cacircmara desenvolve pesquisa intitulada Por um fundamento ecoloacutegico para

o fenocircmeno juriacutedico investigando bases para uma fundamentaccedilatildeo ecoloacute-

gica do fenocircmeno juriacutedico em face do conhecido passivo ambiental sem pre-

cedentes da contemporaneidade e da insuficiecircncia das respostas legislativas

juriacutedicas e poliacuteticas apresentadas para impedimento do movimento crescente

de degradaccedilatildeo da natureza

Carlos Peralta jurista e expoente do Direito Ambiental professor e poacutes-

doutor em Direito pela UFSC e pela UERJ sendo atualmente professor da Uni-

versidade da Costa Rica apresenta o artigo Sustentabilidade no Antropo-

ceno o pensamento complexo e a necessaacuteria reflexatildeo sobre o Estado Ecoloacute-

gico de Direito no contexto da COVID-19 fazendo reflexotildees sobre a relaccedilatildeo

existente entre a pandemia da COVID-19 e a teoria do Antropoceno pro-

pondo incentivar o debate sobre como pensar uma metamorfose civilizatoacuteria

a partir do conceito de Estado Ecoloacutegico de Direito capaz de entender e lidar

com a crise ecoloacutegica atualmente vivenciada

O capiacutetulo seguinte trata sobre A relaccedilatildeo juriacutedica ambiental continua-

tiva e a imprescritibilidade da pretensatildeo pela reparaccedilatildeo civil de dano ambi-

ental anaacutelise do Recurso Extraordinaacuterio nordm 654833 do STF ndash interpretaccedilotildees

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

13

epistemoloacutegicas sob o vieacutes da complexidade Nele as autoras Germana Pa-

rente Neiva Belchior e Iasna Chaves Viana coordenadoras do Ecomplex pro-

potildeem investigar a decisatildeo do STF no Recurso Extraordinaacuterio nordm 654833 do STF

avaliando como e que medida o entendimento da Corte se posiciona aberto

ao pensamento complexo e em especial agrave relaccedilatildeo juriacutedica ambiental con-

tinuativa

A pesquisa Avaliaccedilatildeo de impacto ambiental no Brasil e no acircmbito inter-

nacional similaridades e contribuiccedilotildees desenvolvida pela pesquisadora Jo-

ana Cordeiro Brandatildeo e por Liliane de Freitas Leite mestre em Direito pela

UNI7 em razatildeo da atual relevacircncia e repercussatildeo dos impactos ambientais

no mundo objetiva averiguar como e em que medida o estudo da avaliaccedilatildeo

de impacto ambiental no acircmbito internacional pode contribuir para a avalia-

ccedilatildeo de impacto ambiental no Brasil com base no paradigma da complexi-

dade

O Direito Ambiental conta com a grande contribuiccedilatildeo do renomado

Prof Dr Joseacute Rubens Morato Leite Doutor titular da UFSC membro da Acade-

mia de Direito Ambiental da IUCN e que brinda o Ecomplex com artigo intitu-

lado A ineficiecircncia do Direito Ambiental vigente e a necessaacuteria ruptura rumo

ao Direito Ecoloacutegico a partir da complexidade e escrito em coautoria com

suas orientandas da graduaccedilatildeo em Direito da UFSC e pesquisadoras Elisa Fio-

rini Beckhauser e Valeriana Augusta Broetto O artigo traz algumas considera-

ccedilotildees e observaccedilotildees acerca de uma ruptura necessaacuteria diante do paradigma

do Direito Ambiental tradicional que natildeo tem conseguido responder satisfa-

toriamente agrave tutela dos sistemas ecoloacutegicos impondo uma metamorfose pro-

tetiva da Natureza

Destaque-se ainda o artigo desenvolvido por Leon Simotildees de Mello

mestrando em Direito da UFC e Joatildeo Luis Nogueira Matias coordenador do

curso de Mestrado do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UNI7 com

o tiacutetulo O princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental como paracircmetro ao exerciacutecio da

atividade econocircmica temaacutetica essencial considerando o atual panorama de

incertezas cientiacuteficas e o aumento da percepccedilatildeo de risco da sociedade

quanto a vaacuterios aspectos da proteccedilatildeo da vida humana e do meio ambiente

O artigo Reflexotildees sobre o greenwashing e suas limitaccedilotildees no ordena-

mento juriacutedico brasileiro agrave luz da complexidade escrito pelas mestrandas da

UNI7 Manuella Campos Perdigatildeo e Andrade Atalanio e Letiacutecia Queiroz Nasci-

mento investiga sobre as limitaccedilotildees juriacutedicas impostas ao greenwashing no

ordenamento juriacutedico brasileiro agrave luz do pensamento complexo em face de

se tratar de questatildeo transdisciplinar e que afeta o meio ambiente a socie-

dade e o exerciacutecio da atividade empresarial

A professora e mestre em Direito pela UNI7 Maria Ravelly Martins Soares

Dias apresenta a pesquisa As implicaccedilotildees juriacutedicas advindas da formaccedilatildeo da

famiacutelia multiespeacutecie com foco na anaacutelise da natureza juriacutedica dos animais de

estimaccedilatildeo avaliando entraves e possibilidades de modificaccedilatildeo dentro do or-

denamento juriacutedico brasileiro

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

14

Como uacuteltimo artigo da segunda seccedilatildeo da obra tem-se a pesquisa rea-

lizada pelo mestrando Victor Nunes Barroso que o intitula O meio ambiente

como conceito juriacutedico indeterminado sob a oacuteptica do pensamento com-

plexo O texto tem como inquietaccedilatildeo preciacutepua a possibilidade de um con-

ceito juriacutedico indeterminado para o meio ambiente Busca sob o paradigma

do pensamento complexo averiguar o conceito juriacutedico de meio ambiente

que satisfaccedila as exigecircncias da sociedade contemporacircnea

O terceiro eixo de pesquisa Complexidade e Ensino Juriacutedico intenta in-

vestigar sobre a necessidade premente de transformaccedilotildees no ensino juriacutedico

em virtude do pensamento complexo Tem como pergunta de partida Qual

eacute a repercussatildeo do pensamento complexo no ensino juriacutedico e consequen-

temente na formaccedilatildeo de futuros profissionais do Direito Os trabalhos vincu-

lados a esta linha de pesquisa satildeo trecircs a seguir

Ensino juriacutedico no brasil reflexotildees histoacutericas e a complexidade como

possibilidade-necessidade de superaccedilatildeo paradigmaacutetica escrito em coauto-

ria pelos acadecircmicos em Direito pela UNIFOR Antocircnio Joseacute Andrade da Silva

Juacutenior e Filipe Esmeraldo Cabral de Melo Almeida e pelo graduando em Psi-

cologia pela UNIFOR Raphael de Saacute Machado propotildee uma anaacutelise das pro-

blemaacuteticas do ensino juriacutedico brasileiro decorrentes do paradigma simplifica-

dor discorrendo ainda acerca das bases filosoacuteficas e cientiacuteficas que emba-

sam a ciecircncia positivista como tambeacutem apresentando o pensamento com-

plexo como uma necessidade-possibilidade em prol de transformaccedilotildees signi-

ficativas no ensino em especial do Direito

Em capiacutetulo seguinte o artigo Ensino juriacutedico e neuropsicologia uma

discussatildeo sob a perspectiva da complexidade apresentado por Bruno Barros

Carvalho especialista em neuropsicologia pela UNICHRISTUS e Diogo Felipe

Sousa Barreira graduando em Direito pela URCA objetiva apresentar uma re-

laccedilatildeo entre a Neuropsicologia e o Ensino Juriacutedico analisando como as novas

descobertas da Neurociecircncia ligadas ao comportamento humano podem

contribuir para que a regulamentaccedilatildeo da sociedade consiga acompanhar

as novas demandas sociais

O uacuteltimo capiacutetulo desta terceira seccedilatildeo foi desenvolvido pelos alunos da

graduaccedilatildeo em Direito da UNI7 Francisco Helio da Silva Loiola e Letiacutecia de Faacute-

tima Libeacuterio da Silva e pela advogada e mestre em Direito pela UNI7 Nayane

Gonccedilalves dos Santos Duarte O tiacutetulo do artigo eacute Educaccedilatildeo remota em tem-

pos de pandemia e poacutes-pandemia os desafios do ensino juriacutedico brasileiro A

pesquisa aborda os desafios do ensino remoto emergencial durante a pande-

mia da COVID-19 e seus reflexos no campo da educaccedilatildeo

A obra pretende oportunizar o compartilhamento de experiecircncias e sa-

beres encontrar novos caminhos ou revisitar e atualizar institutos juriacutedicos para

a consolidaccedilatildeo de conhecimento alinhado agraves realidades enfrentadas pelos

construtores do Direito A elaboraccedilatildeo do conhecimento juriacutedico pela comple-

xidade passa pela compreensatildeo que o Direito natildeo eacute aacuterea isolada mas faz

parte da teia de saberes para anaacutelise e enfrentamento dos desafios atuais e

emergenciais da sociedade nas suas variadas vertentes

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

15

A diversidade na pesquisa e nos debates possibilita a ampliaccedilatildeo dos

horizontes e se torna fundamental para a abordagem dos temas atinentes agrave

Teoria da Complexidade ao estudo do Direito e ao ensino juriacutedico no Brasil

Agradecemos aos membros do grupo e aos demais convidados por

todo o empenho e interesse na elaboraccedilatildeo das pesquisas aqui referidas e rei-

teramos a alegria desse momento de construccedilatildeo conjunta do conhecimento

e dos saberes Somos seres natildeo apenas que pensam mas que tambeacutem sen-

tem Acreditamos que isso eacute fundamental na elaboraccedilatildeo dos saber acadecirc-

mico na relaccedilatildeo de ensino e aprendizagem e isso determina tudo o que pre-

tendemos seguir nesta grande jornada da qual somos todos passageiros

Registramos aqui nosso reconhecimento e gratidatildeo ao Centro Universi-

taacuterio 7 de Setembro em nome da Profa Dra Maria Vital da Rocha coorde-

nadora geral do curso de graduaccedilatildeo em Direito e do Prof Dr Joatildeo Luis No-

gueira Matias coordenador do curso de Mestrado em Direito por todo estiacute-

mulo agrave pesquisa desenvolvida pelo Ecomplex e pela publicaccedilatildeo deste e-

book

Deixamos um agradecimento especial ao pesquisador Alan Duarte por

todo o apoio e compromisso com as atividades do Ecomplex e com a realiza-

ccedilatildeo desta obra

Germana Parente Neiva Belchior Doutora em Direito Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina

(UFSCSC) Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do

Cearaacute (UFCCE) Professora do Curso de Direito e do Programa de Poacutes-gradu-

accedilatildeo em Direito do Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Liacuteder do

Grupo de Pesquisa Ecomplex Direito Complexidade e Meio Ambiente da

UNI7CE cadastrado no CNPQ E-mail germana_belchioryahoocombr

Iasna Chaves Viana Mestre em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Especia-

lista em Direito Tributaacuterio pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributaacuterios (IBETSP)

Vice-liacuteder do Grupo de Pesquisa Ecomplex Direito Complexidade e Meio

Ambiente da UNI7CE Membro do Grupo de Pesquisa em Tributaccedilatildeo Ambi-

ental (UFCCE) ambos cadastrados no CNPQ

E-mail iasnavianayahoocombr

16

HOMENAGEM A JANAINA VALL

Somos um sopro ou somos um momento

A compreensatildeo da fugacidade da vida eacute ao mesmo tempo assusta-

dora e cativante Eacute aterrorizante em um primeiro olhar a ideia de que somos

seres tatildeo fraacutegeis e que podemos nos despedir desse mundo a qualquer mo-

mento Por outro lado essa mesma ideia de que somos plenamente mortais

desperta um amor agrave vida incomensuraacutevel intensifica cada dia e nos leva a

compreender que natildeo haacute razotildees para reclamar que a vida eacute um instante an-

tes leva-nos a vivecirc-la com mais intensidade e amor

A fugacidade da vida foi compreendida pela Janaina natildeo com terror

de deixar esta Terra mas como uma possibilidade de desfrutar do mundo o

que de melhor ele poderia oferecer e oferecer em troca todo amor que po-

deria dar Com uma leveza e tranquilidade tamanha que a fez viver cada dia

intensamente amando e ajudando o seu proacuteximo ensinando a todos noacutes a

complexidade da vida Convocando-nos a abraccedilar a vida com todos os seus

altos e baixos aprendendo a cada dia ressignificando os erros e abraccedilando

as incertezas

Edgar Morin autor cujas obras satildeo centrais neste grupo de pesquisa en-

sina-nos que a vida eacute repleta de ambiguidades e ambivalecircncias de perenes

paradoxos e que precisamos ter sensibilidade para as contradiccedilotildees para a

complexidade Abraccedilar a complexidade eacute abraccedilar a vida tal qual ela se nos

apresenta com todas as suas incertezas

Tivemos a oportunidade de conviver com a Janaina desde o iniacutecio das

atividades do grupo e com ela pudemos construir ideias e pesquisas que per-

maneceratildeo em nossa histoacuteria e iratildeo marcar nossa trajetoacuteria Ela participou

desde o primeiro semestre do grupo e foi uma das primeiras a se interessar e

aprofundar a pesquisa sobre direito sistecircmico sobre a teoria de Bert Hellinger

e sobre a teacutecnica das constelaccedilotildees familiares tendo inclusive feito curso de

formaccedilatildeo na aacuterea

Janaina como ela costumava dizer natildeo queria ficar soacute escrevendo

tambeacutem queria sentir E movida por esse sentimento deu a sua pesquisa vida

que tocou outras vidas e nesse processo engrandeceu ainda mais a pesqui-

sadora que era Ela atuava em causas humanitaacuterias e projetos voluntaacuterios

como o CVV o projeto olhares e fazeres sistecircmicos da vara de execuccedilotildees pe-

nais e medidas alternativas de Fortaleza aleacutem de outros que sempre procu-

rava participar Estava sempre publicando textos de opiniatildeo principalmente

voltados agrave questatildeo da construccedilatildeo do conhecimento juriacutedico focado no as-

pecto humano no qual devemos pensar sentir e agir com eacutetica Nos encon-

tros que tivemos Janaina difundia sempre essa ideia tatildeo importante para noacutes

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

17

e que inclusive coincide com as premissas que norteiam nossas linhas de pes-

quisa a construccedilatildeo do conhecimento alinhado ao sentimento tanto na ver-

tente do estudo do desenvolvimento do ensino juriacutedico como no desenvolvi-

mento das pesquisas sobre pensamento complexo e na linha sobre direito am-

biental na qual entendemos que o homem eacute parte do meio ambiente

Um dos seus uacuteltimos registros escritos se refere a mais uma de suas refle-

xotildees sobre a vida

DEUS nos coloca diante da possibilidade de fazer uma grande mu-

danccedila na vida mas Deus eacute o TEMPO agindo sobre noacutes preparando-

nos para o que estaacute logo adiante indireta ou diretamente A per-

gunta natildeo eacute ldquocomordquo mas ldquoquandordquo porque PASSADO PRESENTE e

FUTURO natildeo satildeo lineares mas circulares rdquo

Nesses quatro anos de existecircncia do grupo temos vaacuterios momentos re-

gistrados de efetiva participaccedilatildeo da Janaina com muita alegria sabedoria e

sensibilidade Sua ausecircncia fiacutesica nos deixaraacute muitas saudades mas suas ideias

e energia positiva continuaratildeo em nossas pesquisas nossas lembranccedilas e

nossa histoacuteria Como costumamos falar natildeo haacute uma pessoa que tenha pas-

sado pela vida da Janaina que natildeo tenha sido tocada ou inspirada por ela

Janaina eacute luz e essa luz continuaraacute acesa no coraccedilatildeo do grupo Ecom-

plex

O Ecomplex ainda muito consternado com a perda tatildeo repentina

dessa amiga a homenageia com os versos da muacutesica ldquoGostava tanto de

vocecircrdquo de Tim Maia

Nem sei porque vocecirc se foi

Quantas saudades eu senti

E de tristezas vou viver

E aquele adeus natildeo pude dar

Vocecirc marcou em minha vida

Viveu morreu na minha histoacuteria

Chego a ter medo do futuro

E da solidatildeo que em minha porta bate

E eu

Gostava tanto de vocecirc

Gostava tanto de vocecirc

Eu corro fujo desta sombra

Em sonhos vejo este passado

E na parede do meu quarto

Ainda estaacute o seu retrato

Quero ver pra natildeo lembrar

Pensei ateacute em me mudar

Lugar qualquer que natildeo exista

O pensamento em vocecirc

ldquo

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

18

E eu

Gostava tanto de vocecirc

Gostava tanto de vocecirc

Natildeo sei porque vocecirc se foi

Quantas saudades eu senti

E de tristezas vou viver

E aquele adeus natildeo pude dar

Vocecirc marcou em minha vida

Viveu morreu na minha histoacuteria

Chego a ter medo do futuro

E da solidatildeo que em minha porta bate

E eu

Gostavahellip

EIXO TEMAacuteTICO 1 Pensamento Complexo Direito e Transdisciplinaridade

20

ATIVISMO DIGITAL E LUTA AMBIENTAL

a influecircncia dos movimentos

socioambientais em rede

Dominik Garcia Araujo Fontes1

Eulaacutelia Emilia Pinho Camurccedila2

Germana Parente Neiva Belchior3

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 11 Ciberespaccedilo e as novas interaccedilotildees comu-

nicativas 12 Ativismo digital formas de organizaccedilatildeo ferramentas e

caracteriacutesticas 13 Ativismo ambiental em rede atuaccedilatildeo dificulda-

des e desafios Consideraccedilotildees Finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

Foi com a expansatildeo da internet e a criaccedilatildeo das redes sociais que os

movimentos sociais ganharam espaccedilo e publicidade em um contexto global

Por meio do ativismo digital tambeacutem denominado de ciberativismo ou net-

ativismo esses movimentos emergem em causas muacuteltiplas buscando a cons-

truccedilatildeo de uma sociedade mais democraacutetica e justa

Com o surgimento da internet e o fenocircmeno da globalizaccedilatildeo as pessoas

passaram a estar interligadas organizando-se socialmente em rede Essa nova

forma de organizaccedilatildeo tem ocasionado movimentos profundos de construccedilatildeo

e reconstruccedilatildeo das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas nos niacuteveis local e global

Na comunicaccedilatildeo em rede a noccedilatildeo de espaccedilo geograacutefico foi sendo

reconfigurada transcendendo as fronteiras geograacuteficas expandindo pensa-

1 Mestre em Poliacuteticas Puacuteblicas e Gestatildeo da Educaccedilatildeo Superior pela Universidade Federal do

Cearaacute (UFCCE) Graduada em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE)

e em Letras pela Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Servidora teacutecnico-administrativa

e pesquisadora da Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE)

E-mail dominikfontesgmailcom

2 Mestre em Direito e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Gra-

duada em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFORCE) e em Comunicaccedilatildeo Social

pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Professora do Curso de Direito do Centro

Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) E-mail eulaliaemiliahotmailcom

3 Doutora em Direito Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSCSC) e

Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Professora

do Curso de Direito e do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Direito do Centro Universitaacuterio 7

de Setembro (UNI7CE) Liacuteder do Grupo de Pesquisa Ecomplex Direito Complexidade e

Meio Ambiente da UNI7CE cadastrado no CNPQ

E-mail germana_belchioryahoocombr

1

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

21

mentos opiniotildees e accedilotildees por todo o mundo Isso permitiu uma raacutepida comu-

nicaccedilatildeo sem que necessariamente houvesse a utilizaccedilatildeo dos canais de co-

municaccedilatildeo socializantes criados pelo Estado e pelas grandes empresas

A rapidez da internet associada agrave possibilidade de o usuaacuterio comum tor-

nar-se provedor de informaccedilotildees faz desse canal um importante meio de arti-

culaccedilatildeo a baixo custo oportunizando manifestaccedilotildees de diversas naturezas e

sem limitaccedilotildees de fronteiras geograacuteficas

As interaccedilotildees no mundo virtual tiveram um papel essencial apoacutes o surgi-

mento da pandemia nos uacuteltimos meses Com a medida mundial de isolamento

social adotada em quase todos os paiacuteses como forma eficiente de combater

a transmissatildeo do novo corona viacuterus (SARS-CoV-2) as pessoas foram levadas a

se comunicar muito mais virtualmente

Em decorrecircncia do aprimoramento constante da tecnologia associado

ao crescente aumento de pessoas com acesso agrave internet o ciberespaccedilo pas-

sou a ser um local de pluralidade de ideias crenccedilas e convicccedilotildees que satildeo

disseminadas em tempo real Por isso tem sido utilizado frequentemente por

movimentos sociais dentre eles o movimento ambiental

Com as novas tecnologias o movimento ambiental tradicional tornou-

se tambeacutem ciberativista e passou a interagir diretamente com seus apoiado-

res principalmente pelas redes sociais

Eacute nesse cenaacuterio que este trabalho se justifica pela relevacircncia de ressal-

tar o estudo do ativismo ambiental na internet por meio das redes sociais uma

vez que possibilitam a reflexatildeo criacutetica sobre a temaacutetica ambiental atraveacutes da

divulgaccedilatildeo de dados e informaccedilotildees buscando influenciar as forccedilas poliacuteticas

em seus processos de cumprimento criaccedilatildeo eou modificaccedilatildeo de leis

Diante desse contexto social emergiu a pergunta de partida deste tra-

balho Como e em que medida o ativismo digital ambiental eacute capaz de pro-

mover e propagar a proteccedilatildeo juriacutedica ambiental

Como objetivos especiacuteficos pretende-se conhecer o fenocircmeno do ci-

berativismo sua articulaccedilatildeo com o movimento ambiental e suas repercussotildees

e analisar este fenocircmeno a partir da atuaccedilatildeo de movimentos socioambien-

tais

Dessa forma o objetivo deste trabalho eacute o de investigar como o cibera-

tivismo ambiental contribuiu para a proteccedilatildeo juriacutedica do meio ambiente

Trata-se de uma pesquisa descritiva e exploratoacuteria Utilizou-se de pes-

quisa bibliograacutefica e documental para buscar o embasamento teoacuterico deste

trabalho

Neste artigo aborda-se o fenocircmeno do ciberativismo descrevendo seu

conceito suas formas de organizaccedilatildeo caracteriacutesticas e ferramentas Trata-se

ainda da inserccedilatildeo do ativismo ambiental na internet e nas redes sociais evi-

denciando suas estrateacutegias de atuaccedilatildeo no ciberespaccedilo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

22

11 CIBERESPACcedilO E AS NOVAS INTERACcedilOtildeES COMUNICATIVAS

A palavra ldquociberespaccedilordquo foi inventada em 1984 por William Gibson em

seu romance ldquoNeuromanterdquo designando em tal obra o universo das redes

digitais O termo entatildeo foi imediatamente retomado por usuaacuterios e criadores

de redes digitais (LEVY 1999)

Leacutevy (1999 p 92) o define como sendo o ldquoespaccedilo de comunicaccedilatildeo

aberto pela interconexatildeo mundial dos computadores e das memoacuterias dos

computadoresrdquo Segundo o autor neste espaccedilo estariam compreendidos a

infraestrutura material da comunicaccedilatildeo digital o universo de informaccedilotildees

abrigadas por ele e os seres humanos que navegam e alimentam a rede

A comunicaccedilatildeo em rede transpocircs a barreira da distacircncia ultrapassando

quilocircmetros em segundos sendo possiacutevel tocar sentir ver ouvir e interagir com

elementos que estatildeo localizados haacute milhares de quilocircmetros A noccedilatildeo de es-

paccedilo geograacutefico foi sendo reconfigurada A divisatildeo do territoacuterio com limites

bem definidos a qual estaacutevamos familiarizados foi pulverizada pela comunica-

ccedilatildeo e a noccedilatildeo de territoacuterio vai evoluindo para uma comunidade global (RE-

CUERO 2000)

Aleacutem dessas transformaccedilotildees com o surgimento dos novos meios de co-

municaccedilatildeo as interaccedilotildees comunicativas deixaram de ser unidirecionais (emis-

sor e receptor) e passaram a compor um processo de comunicaccedilatildeo colabo-

rativa entre as diversas arquiteturas informativas (site blog comunidades vir-

tuais etc) os dispositivos de conexatildeo (smartphones tablets computadores

etc) os bancos de dados e as pessoas a esses conectadas (DI FELICE 2017

LEVY 1999)

A mudanccedila do modelo de fluxo comunicacional dos meios de comuni-

caccedilatildeo de massa que passou de massivo para poacutes-massivo foi proporcionada

pela liberaccedilatildeo do polo de emissatildeo desse fluxo a todos os participantes do

processo comunicativo Este antes era restrito agraves emissoras de raacutedio e TV em

que o fluxo da comunicaccedilatildeo era de ldquoum para todosrdquo natildeo permitindo o diaacute-

logo do veiacuteculo com a sua audiecircncia (LEVY 1999)

Fausto Neto (2008 p93) denominou esse periacuteodo como ldquosociedade dos

meiosrdquo Nela as miacutedias teriam ldquouma autonomia relativa face agrave existecircncia dos

demais camposrdquo Jaacute na sociedade de midiatizaccedilatildeo ldquoa cultura midiaacutetica se

converte na referecircncia sobre a qual a estrutura soacutecio-teacutecnica-discursiva se es-

tabelece ocorrendo um processo de afetaccedilatildeo de todas as praacuteticas sociais e

uma apropriaccedilatildeo pelos diversos campos sociais de forma distintardquo

Ainda segundo Fausto Neto (2008) a midiatizaccedilatildeo tem a capacidade

de desenvolver inuacutemeras possibilidades para criticar para apreender reflexi-

vamente os produtos e processos da induacutestria cultural para setores da socie-

dade agirem nas miacutedias e pelas miacutedias Seria uma forma de apropriaccedilatildeo que

provoca a intensificaccedilatildeo de tecnologias convertidas em meio

Esta mudanccedila na comunicaccedilatildeo daacute iniacutecio a um modelo mais participa-

tivo de cultura em que o puacuteblico natildeo eacute mais visto simplesmente como um

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

23

grupo de consumidores de mensagens preacute-constituiacutedas mas como pessoas

que estatildeo moldando compartilhando reconfigurando e ressignificando con-

teuacutedos de miacutedia de maneiras ateacute entatildeo inimaginaacuteveis (JENKINS FORD GREEN

2014)

Elas fazem isso como integrantes de comunidades mais amplas e de re-

des que lhes permitem propagar conteuacutedos que vatildeo muito aleacutem do espaccedilo

geograacutefico que ocupam havendo assim uma propagaccedilatildeo transnacional

(JENKINS FORD GREEN 2014)

Esse modelo de comunicaccedilatildeo poacutes-miacutedia de massas traz tambeacutem um

empoderamento midiaacutetico agrave medida em que as pessoas natildeo soacute estatildeo con-

sumindo como tambeacutem estatildeo se assumindo produtores de conteuacutedo perce-

bendo-se como uma personificaccedilatildeo da miacutedia (BENTES 2015)

Sites blogs redes sociais mapas colaborativos peticcedilotildees on-line plata-

formas e aplicativos baseados em geolocalizaccedilatildeo agregadores de conte-

uacutedo entre outras inuacutemeras possibilidades satildeo apropriaccedilotildees que formam um

sistema integrado de canais de participaccedilatildeo e de praacuteticas que permitem a

ampliaccedilatildeo do alcance dos conteuacutedos atraveacutes do espalhamento (JENKINS

FORD GREEN 2014)

Esses conteuacutedos adquirem significaccedilatildeo a partir de atividades que vatildeo

aleacutem da distribuiccedilatildeo impulsionados por praacuteticas colaborativas que espalham

a informaccedilatildeo sob diversos formatos (texto aacuteudio viacutedeo foto e transmissotildees ao

vivo) e que auxiliam a organizaccedilatildeo dos movimentos e a cobertura de atos

protestos e acontecimentos em torno de causas diversas (JENKINS FORD

GREEN 2014)

Nesse contexto o espaccedilo virtual constitui o centro dessa revoluccedilatildeo na

comunicaccedilatildeo mundial pelo fato de permitir com suas caracteriacutesticas peculi-

ares uma reconfiguraccedilatildeo do sistema de pensamento das pessoas e das suas

ideias de comunicaccedilatildeo que constituem a base da sociedade (RECUERO

2000)

Para Lemos (2015 p136) ldquoo ciberespaccedilo eacute um ambiente de circulaccedilatildeo

de discussotildees pluralistas reforccedilando competecircncias diferenciadas e aprovei-

tando o caldo de conhecimento que eacute gerado dos laccedilos comunitaacuterios po-

dendo potencializar a troca de competecircncias gerando a coletivizaccedilatildeo dos

saberesrdquo

Sebastiatildeo (2012) e Lemos (2003) afirmam que o ciberespaccedilo possui

grandes potencialidades para o ativismo uma vez que pode acolher vozes

diversas e grupos identificados com causas e comprometimentos diacutespares po-

dendo manifestar suas opiniotildees aspiraccedilotildees ideias etc sem se sujeitarem a

criteacuterios de seleccedilatildeo de conteuacutedos a serem divulgados

Para Castells (2001) esse novo espaccedilo de fluxo de informaccedilotildees incre-

mentaria natildeo soacute a participaccedilatildeo ativa dos cidadatildeos nas decisotildees como tam-

beacutem a expansatildeo dos processos democraacuteticos

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

24

Os movimentos ativistas se apropriaram desse espaccedilo e aprimoraram

sua atuaccedilatildeo acompanhando a evoluccedilatildeo tecnoloacutegica e as ferramentas que

tinham a sua disposiccedilatildeo Nesse novo territoacuterio de troca de saberes complexo

e sem fronteiras agrave medida que esses movimentos se multiplicaram foi possiacutevel

identificar a forma como se organizam as ferramentas utilizadas e suas carac-

teriacutesticas

12 ATIVISMO DIGITAL

formas de organizaccedilatildeo ferramentas e caracteriacutesticas

Os movimentos ativistas mundiais emergiram na rede na deacutecada de

1980 e possuem elementos comuns entre eles satildeo espontacircneos em sua ori-

gem simultaneamente globais e locais a princiacutepio satildeo paciacuteficos satildeo virais

recusam a delegaccedilatildeo da accedilatildeo satildeo apartidaacuterios e criticam partidos poliacuteticos

realizam propagaccedilatildeo da informaccedilatildeo satildeo conectados em redes de formas

muacuteltiplas sejam on-line ou off-line utilizam de forma intensiva as redes sociais

digitais especialmente Facebook e Twitter e diversificam as accedilotildees e os protes-

tos (DI FELICE 2014 CASTELLS 2013)

Dentre esses elementos ressalta-se cinco caracteriacutesticas que mostram

como as arquiteturas informativas estatildeo criando novas formas de conflituali-

dade 1) local de origem e dimensatildeo metageograacutefica 2) anonimato 3) re-

cusa de luta pelo poder 4) temporalidade e 5) dimensatildeo tecnoloacutegica e infor-

maacutetica da accedilatildeo (DI FELICE 2014 CASTELLS 2013)

Di Felice (2014 p41) afirma que o local de origem desses movimentos eacute

em e nas redes ganhando uma dupla espacialidade informativa e geograacute-

fica evidenciando que o papel das redes natildeo se restringe a difundir e ampliar

o consenso de um movimento mas ldquo[] de se constituir como um lugar prin-

cipal de sua gestaccedilatildeo de seu surgimento e de sua mudanccedila articulando um

diaacutelogo contiacutenuo on-line com as iniciativas e accedilotildees que se desenvolvem no

territoacuteriordquo

Para Castells (2013) apesar desses movimentos iniciarem nas redes soci-

ais eles soacute se tornam concretos ao ocuparem um espaccedilo urbano seja atraveacutes

de uma ocupaccedilatildeo permanente de praccedilas puacuteblicas por exemplo seja pela

persistecircncia das manifestaccedilotildees de rua Segundo o autor esse hiacutebrido de inter-

net e espaccedilo urbano daacute origem a um terceiro espaccedilo que ele denomina de

espaccedilo da autonomia

De acordo com a autonomia nesse novo espaccedilo pode ser exercida

como forccedila transformadora desafiando a ordem institucional disciplinar ao

reclamar o espaccedilo da cidade para seus cidadatildeos Para o autor o espaccedilo da

autonomia eacute retroalimentado pelos desafios do ativismo uma vez que sem au-

tonomia seriam apenas ativismos interrompidos (CASTELLS 2013)

A segunda caracteriacutestica estabelecida por Di Felice (2014) eacute o anoni-

mato Ele substitui a representatividade e a loacutegica hieraacuterquica do liacuteder pela

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

25

rede e pela participaccedilatildeo anocircnima Essa eacute a loacutegica da conflitualidade reticu-

lar isto eacute impede a centralizaccedilatildeo criando formas horizontais e colaborativas

nas quais as subjetividades se dissolvem

A horizontalidade das redes favorece a cooperaccedilatildeo e a solidariedade

ao mesmo tempo que reduz a necessidade de lideranccedila formal de um centro

de comando e de controle Eles natildeo necessitam de uma organizaccedilatildeo vertical

para passar informaccedilotildees ou instruccedilotildees e conseguem garantir as funccedilotildees de

coordenaccedilatildeo e tambeacutem de deliberaccedilatildeo (CASTELLS 2013)

Contrariando os dois autores Gerbaudo (2012) afirma que os movimen-

tos populares contemporacircneos natildeo satildeo sem lideranccedila Segundo o autor essa

forma de atuaccedilatildeo dos ativistas fez com que surgisse formas de lideranccedila com-

plexas que na maioria das vezes satildeo indiretas e ateacute mesmos invisiacuteveis mas que

possuem a mesma eficaacutecia na funccedilatildeo de atribuir a uma accedilatildeo coletiva certo

grau de coerecircncia e sentido de direccedilatildeo

O autor compara metaforicamente essa nova forma de lideranccedila a fi-

gura do coreoacutegrafo denominando-a de lideranccedila coreograacutefica Essa lide-

ranccedila seria a responsaacutevel por fazer a mediaccedilatildeo entre as plataformas on-line

e as reuniotildees fiacutesicas atraveacutes de mensagens reproduzidas nas redes sociais

como Facebook e Twitter Esse processo de mediaccedilatildeo e da montagem fiacutesica

do protesto seria para o autor a montagem da coreografia e o protesto em

si seria a coreografia ensaiada nas redes (GERBAUDO 2012)

Assim como os coreoacutegrafos convencionais no campo da danccedila esses

principais organizadores satildeo pouco vistos ou agraves vezes invisiacuteveis no palco Eles

satildeo liacutederes relutantes que aderindo agrave ideologia do horizontalismo natildeo que-

rem ser vistos como liacutederes em primeiro lugar mas cujo trabalho de definiccedilatildeo

de cenas e roteiros tem sido decisivo em trazer um grau de coerecircncia agrave parti-

cipaccedilatildeo espontacircnea e criativa das pessoas nos movimentos de protesto (GER-

BAUDO 2012)

De acordo com o autor influentes administradores do Facebook e Twit-

ter ativistas desempenharam um papel crucial na definiccedilatildeo do cenaacuterio para

as reuniotildees dos movimentos no espaccedilo puacuteblico construindo identificaccedilotildees co-

muns e acumulando ou desencadeando um impulso emocional em direccedilatildeo

agrave assembleia puacuteblica (GERBAUDO 2012)

Gerbaudo (2012 p140) tambeacutem questiona a horizontalidade de praacuteti-

cas organizacionais dos movimentos populares contemporacircneos uma vez que

acredita que embora seja verdade que as miacutedias sociais permitem a partici-

paccedilatildeo e comunicaccedilatildeo na realizaccedilatildeo desses movimentos que ganharam as

ruas no mundo esse recurso natildeo significa que todos os participantes tenham

o mesmo grau de influecircncia na accedilatildeo coletiva e nem tatildeo pouco que a hierar-

quia seja inexistente

O autor enfatiza ainda que o processo de mobilizaccedilatildeo sempre envolve

desigualdades e assimetrias em que haacute pessoas que se mobilizam e pessoas

que satildeo mobilizadas pessoas que lideram e outras que seguem os liacutederes

(GERBAUDO 2012)

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

26

A terceira caracteriacutestica eacute a recusa de luta pelo poder Esses movimen-

tos natildeo lutam para tomar o poder logo natildeo podem ser entendidos como mo-

vimentos revolucionaacuterios (DI FELICE 2014)

Pretendem transformar o Estado e natildeo se apoderar dele expressam sen-

timentos e estimulam o debate mas natildeo apoiam governos nem fundam par-

tidos O que propotildeem em sua praacutetica eacute uma nova utopia centralizada na cul-

tura da sociedade em rede mas materializada na mente das pessoas inspi-

rando seus sonhos guiando suas accedilotildees e induzindo suas reaccedilotildees ldquoa utopia

da autonomia do sujeito em relaccedilatildeo agraves instituiccedilotildees da sociedaderdquo (CASTELLS

2013 p 134)

Um quarto aspecto eacute o da temporalidade Satildeo movimentos temporaacute-

rios que natildeo aspiram a sua institucionalizaccedilatildeo ao contraacuterio de partidos e ins-

tituiccedilotildees poliacuteticas da modernidade como mencionado no paraacutegrafo anterior

(DI FELICE 2014)

Aleacutem de temporaacuterios satildeo virais natildeo apenas pelo caraacuteter viral da difusatildeo

das mensagens na rede mas em funccedilatildeo do efeito causado pelo surgimento

de movimentos por toda parte Ver e ouvir protestos em outros lugares

Segundo Castells (2013) inspira a mobilizaccedilatildeo uma vez que estimula a

esperanccedila em uma possibilidade de mudanccedila Essa capacidade viral natildeo

respeita os limites geograacuteficos e se propaga de um paiacutes para outro de uma

cidade para outra ou de uma regiatildeo para outra

Por fim a quinta e uacuteltima caracteriacutestica eacute formada pela dimensatildeo tec-

noloacutegica e informativa da accedilatildeo produzida por estas formas desenvolvendo

assim uma dimensatildeo informativa de participaccedilatildeo criando redes de circula-

ccedilatildeo de diferentes temaacuteticas que estatildeo redesenhando a forma de ativismo e

ateacute mesmo de democracia em todo o mundo (DI FELICE 2014)

Para Castells (2013 p 142) esses movimentos sociais em rede satildeo novos

tipos de movimentos democraacuteticos que estatildeo reinventando a democracia

buscando maneiras que ldquopossibilitem aos seres humanos administrar coletiva-

mente suas vidas de acordo com os princiacutepios amplamente compartilhados

em suas mentes e em geral negligenciados em suas experiecircncias diaacuteriasrdquo Dei-

xam como legado a afirmaccedilatildeo da possibilidade de se reaprender a conviver

numa ldquoverdadeira democraciardquo

Em busca dessa democracia e de uma participaccedilatildeo e engajamento

mais amplos na causa ambiental foi que os movimentos ambientais comeccedila-

ram a utilizar os caminhos da tecnologia a favor do meio ambiente

13 ATIVISMO AMBIENTAL EM REDE

atuaccedilatildeo dificuldades e desafios

O movimento ambiental emergiu em lugares em tempos e por motivos

diferentes natildeo teve um marco inicial que o definisse As questotildees ambientais

mais antigas eram questotildees locais e agrave medida em que as pessoas compreen-

diam os custos dos danos causados ao meio ambiente iam se articulando em

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

27

grupos que passaram a formar coalizotildees ateacute tornarem-se movimentos nacio-

nais multinacionais e atualmente globais (MCCORMICK 1992)

No entanto foi a partir da deacutecada de 1960 que se iniciou uma afirma-

ccedilatildeo do movimento ambientalista como ativista poliacutetico e social de modo a

pressionar as entidades oficiais internacionais no sentido de soluccedilotildees atraveacutes

do Estado e para aleacutem dele para os problemas que se apresentavam na

eacutepoca (MCCORMICK 1992)

Espalhados na sociedade civil organizada e com base na opiniatildeo puacute-

blica o movimento ambientalista foi se ampliando agrave medida que a ciecircncia

demonstrava o possiacutevel esgotamento das bases de preservaccedilatildeo do planeta

tanto fiacutesicas como bioloacutegicas e que a tecnologia impulsionava os meios de

comunicaccedilatildeo em massa de alcance global modificando no poacutes-guerra as

caracteriacutesticas da sociedade ocidental (CASTELLS 2006)

Nesse momento de luta pela preservaccedilatildeo ambiental surgiram as Orga-

nizaccedilotildees Natildeo governamentais (ONGs) que passaram a dar visibilidade a

causa ambiental nas discussotildees poliacuteticas internacionais ganhando de forma

gradual reconhecimento e prestiacutegio poliacutetico (MARONEZE et al 2013)

No Brasil o movimento ambientalista ganha contornos com a criaccedilatildeo

da Associaccedilatildeo Gauacutecha de Proteccedilatildeo ao Ambiente Natural (Agapan) fundada

em Porto Alegre pelo ativista Joseacute Lutzemberger em meados da deacutecada de

1970 com objetivos amplos de preservaccedilatildeo da natureza como forma de pre-

servaccedilatildeo da espeacutecie humana (COSTA 2012)

Tambeacutem a partir de 1970 as ONGs passaram a dar voz a causas ecoloacute-

gicas e a contribuir na conscientizaccedilatildeo da sociedade civil quanto a impor-

tacircncia da preservaccedilatildeo do meio ambiente mas ainda dependiam da visibili-

dade dos meios de comunicaccedilatildeo em massa para legitimar seus discursos so-

ciais (MARONEZE et al 2013 BARBALHO 2005)

Os movimentos sociais buscaram visibilidade por intermeacutedio da miacutedia

tradicional (raacutedio TV e jornal) da mesma forma que outros atores de causas

ambientais Entretanto depararam-se com fatores que dificultaram sua atua-

ccedilatildeo tais como ldquoaltos custos concessatildeo governamental verticalidade e cen-

tralizaccedilatildeo na transmissatildeo de informaccedilotildees dentre outrosrdquo (MARONEZE et al

2013 p 72)

O acesso crescente agraves miacutedias digitais possibilitou a ampliaccedilatildeo dessa vi-

sibilidade com uma raacutepida expansatildeo e uma maior atuaccedilatildeo dos movimentos

ambientais Eles ganharam espaccedilo no mundo virtual difundiram a luta por di-

reitos aumentaram o nuacutemero de apoiadores de suas causas e puderam atuar

nas causas ambientais que defendem (MARONEZE et al 2013)

Outras dificuldades entretanto emergiram para os ativistas ambientais

principalmente para aqueles que compunham as grandes ONGs ambientalis-

tas Dentre as principais estatildeo conflitos de ideias disputa entre as organiza-

ccedilotildees pelo protagonismo das iniciativas falta de adesatildeo significativa da soci-

edade a esses movimentos competiccedilatildeo entre elas por filiaccedilotildees e financia-

mento de fundaccedilotildeesempresas eou Estado esses financiamentos por sua vez

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

28

comprometem parte da autonomia dessas organizaccedilotildees e consequente-

mente promovem uma certa desmobilizaccedilatildeo falta de recursos para realizar

um monitoramento adequado de poliacuteticas puacuteblicas e distanciamento das ins-

tituiccedilotildees poliacuteticas em relaccedilatildeo aos interesses da populaccedilatildeo (BUENO 2016)

Para ilustrar a accedilatildeo desses movimentos seraacute apresentada de forma su-

cinta uma anaacutelise sobre a Campanha Desmatamento Zero protagonizada por

mais de 200 organizaccedilotildees da sociedade civil dentre elas o Greenpeace4 que

logrou ecircxito ao conseguir encaminhar ao Congresso Nacional o primeiro Pro-

jeto de Lei de iniciativa popular e de mateacuteria ambiental

Em agosto de 2011 com o projeto de modificaccedilatildeo da Lei 47711965 o

chamado Coacutedigo Florestal em pauta no Congresso Nacional iniciou-se uma

discussatildeo sobre o assunto por meio das redes sociais liderada pelo Comitecirc Bra-

sil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentaacutevel que contou

com uma coalizatildeo formada por mais de 200 organizaccedilotildees da sociedade civil

dentre elas o Greenpeace Essa foi a primeira accedilatildeo realizada para atrair a

atenccedilatildeo para o problema

Apesar disso o alinhamento entre as ONGs ambientalistas demorou a

ocorrer e em alguns momentos apresentou falhas que impediram um posici-

onamento unificado que fortaleceria o movimento (BUENO 2016)

Os envolvidos lanccedilaram uma campanha na rede social Twitter conhe-

cida como ldquoFloresta Faz a Diferenccedilardquo (florestafazadiferenccedila) que contou

com a participaccedilatildeo de celebridades e especialistas para explicar on-line por

meio de viacutedeos e fotos pontos polecircmicos do texto e alertar sobre os prejuiacutezos

que o projeto poderia trazer para o paiacutes tornando-se um dos assuntos mais

abordados nessa rede social em 2012

A campanha ganhou visibilidade mundial por meio das redes de com-

putadores e levantou discussotildees em torno da aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Flo-

restal brasileiro que dominaram as redes sociais mediante a criaccedilatildeo do movi-

mento lsquoVeta Dilmarsquo a fim de sensibilizar a entatildeo presidente da Repuacuteblica

para vetar o texto aprovado na Cacircmara dos Deputados Ao avanccedilar para o

senado o movimento passou a se denominar lsquoVeta tudo Dilmarsquo

A AVAAZ (2012)5 contribuiu por intermeacutedio da peticcedilatildeo on-line ldquoDilmarsquos

Wake up callrdquo Foi uma mobilizaccedilatildeo para que a ex-presidente Dilma Rousseff

4 O Greenpeace eacute uma organizaccedilatildeo natildeo governamental global e independente presente

em 55 paiacuteses de todos os continentes e que estaacute haacute 27 anos atuando no Brasil que possui

o apoio de mais de 48 milhotildees de seguidores distribuiacutedos nas redes sociais Facebook Twit-

ter e Instagram 13 milhotildees de ciberativistas aleacutem de 2990 voluntaacuterios atuantes na defesa

do meio ambiente e promoccedilatildeo da paz GREENPEACE BRASIL Relatoacuterio anual 2016 Dispo-

niacutevel em httpwwwgreenpeaceorgbrhubfsdocumentosrelatorio_anual_greenpe-

ace_2016pdf Acesso em 27 ago 2020

5 A AVAAZ eacute uma comunidade de mobilizaccedilatildeo on-line que leva a voz da sociedade civil

para os espaccedilos de tomada de decisatildeo em todo o mundo Opera em 15 liacutenguas por uma

equipe profissional em quatro continentes e voluntaacuterios de todo o planeta A AVAAZ se

mobiliza assinando peticcedilotildees financiando campanhas de anuacutencios enviando e-mails e te-

lefonando para governos organizando protestos e eventos nas ruas tudo isso para garantir

que os valores e visotildees da sociedade civil global informem as decisotildees governamentais

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

29

vetasse o Coacutedigo Florestal aprovado pelo congresso brasileiro que permitia

dentre outras coisas que madeireiros e fazendeiros cortassem grandes aacutereas

da Amazocircnia

Esta comunidade mobilizou o mundo todo por meio de peticcedilatildeo on-line

cujo objetivo era conseguir dois milhotildees e quinhentas mil assinaturas para se-

rem entregues a ex-presidente Dilma Rousseff como forma de pressatildeo popu-

lar Foram colhidas 1927738 (um milhatildeo novecentos e vinte sete mil e sete-

centos e trinta e oito) assinaturas encaminhadas a ex-presidente (AVAAZ

2012)

Apesar das peticcedilotildees on-line natildeo gerarem consequecircncias legais diretas

elas refletem a manifestaccedilatildeo popular em prol de uma causa pressionando

liacutederes e governantes mundiais a efetivarem as mudanccedilas almejadas

Em meio a esses movimentos o florestafazadiferenccedila conclamou as

pessoas agraves ruas para protestar contra a aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Florestal

Em meio agrave conflituosa votaccedilatildeo do Novo Coacutedigo Florestal Brasileiro o Green-

peace se utilizou do ciberespaccedilo para a divulgaccedilatildeo da campanha puacuteblica

Liga das Florestas6

A campanha consistiu no lanccedilamento de um projeto de lei popular pelo

desmatamento zero das matas ainda em 2012 propondo em linhas gerais a

proibiccedilatildeo do corte de floresta nativa em todo o Brasil Por meio dela mobili-

zou-se os internautas e seus seguidores para se conseguir as assinaturas neces-

saacuterias para a apresentaccedilatildeo do projeto de Lei pelo desmatamento zero

Mesmo com o apoio da internet somente em 2015 trecircs anos apoacutes o lan-

ccedilamento da campanha o Projeto de Lei de Iniciativa Popular pelo desmata-

mento zero recebeu as assinaturas de 1 do eleitorado brasileiro correspon-

dendo a 1milhatildeo e 400 mil assinaturas Assim pocircde ser apresentado na Cacirc-

mara dos Deputados sendo o primeiro Projeto de Lei de iniciativa popular e

de mateacuteria ambiental do paiacutes

A demora em conseguir as assinaturas sinaliza a falta de prioridade

dada pela sociedade brasileira aos temas ambientais Numa sociedade com

numerosos problemas sociais acarretados por uma crescente desigualdade

social os assuntos ambientais acabam se distanciando de suas prioridades

dificultando a sensibilizaccedilatildeo da opiniatildeo puacuteblica e consequentemente dos to-

madores de decisatildeo (BUENO 2016)

Em 2019 o MapBiomas7 publicou on-line o primeiro relatoacuterio anual deta-

lhado sobre o desmatamento no Brasil O relatoacuterio apontou perda de pelo

que afetam todos noacutes Disponiacutevel em httpssecureavaazorgpagepoabout Acesso

em 28 ago 2020

6 Disponiacutevel em httpwwwkanindeorgbrparticipe-da-campanha-do-greenpeace-liga-

das-florestas-desmatamento-zero Acesso em 28 ago2020

7 Eacute uma iniciativa do SEEGOC (Sistema de Estimativas de Emissotildees de Gases de Efeito Estufa

do Observatoacuterio do Clima) e eacute produzido por uma rede colaborativa de cocriadores for-

mado por ONGs universidades e empresas de tecnologia organizados por biomas e temas

transversais Disponiacutevel em httpsmapbiomasorg Acesso em 28 ago2020

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

30

menos 12 milhatildeo de hectares de vegetaccedilatildeo nativa e ressaltou que 99 do

desmatamento no Brasil em 2019 foi ilegal sendo a Amazocircnia o Bioma com

mais aacuterea desmatada

O desmatamento na Amazocircnia voltou a crescer 34 no uacuteltimo ano de

acordo com dados de monitoramento por sateacutelite divulgados pelo Instituto

Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)8 no comeccedilo de agosto de 2020

O aumento crescente do desmatamento no paiacutes se opotildee a uma seacuterie

de compromissos legais poliacuteticos e diplomaacuteticos assumidos pelo Brasil nos uacutelti-

mos anos Natildeo eacute objetivo deste artigo enumeraacute-los um a um mas a tiacutetulo de

exemplificaccedilatildeo cita-se aqui os compromissos assumidos pelo paiacutes na Conven-

ccedilatildeo Nacional do Clima das Naccedilotildees Unidas no Acordo de Paris ratificado em

2016 pelo Brasil cuja meta assumida foi a de zerar o desmatamento na Ama-

zocircnica ateacute 20309

Internamente o Plano Plurianual da Uniatildeo (PPA) aprovado pelo go-

verno federal em dezembro de 2019 tem como meta reduzir em 90 o des-

matamento e os incecircndios ilegais nos biomas do paiacutes ateacute 202310

Jaacute o Decreto 95782018 referente agrave Poliacutetica Nacional sobre Mudanccedila

do Clima (PNMC)11 determina uma reduccedilatildeo de 80 nos iacutendices anuais de

desmatamento somente na Amazocircnia legal em relaccedilatildeo agrave meacutedia verificada

no periacuteodo 1996-2005 fora os outros biomas

Apesar dos compromissos assumidos o grande aumento no nuacutemero de

desmatamentos sinaliza uma ineficiecircncia do Estado em honraacute-los O Projeto

de Lei de Iniciativa Popular pelo desmatamento zero ainda natildeo foi aprovado

Atualmente tramita como Sugestatildeo Legislativa (SUG) 62015 precisando ser

acatada pela Comissatildeo de Direitos Humanos e Legislaccedilatildeo Participativa (CDH)

para comeccedilar a tramitar como Projeto de Lei no Senado Desde fevereiro de

2019 o projeto se encontra com o relator Senador Paulo Renato Paim (PTRS)12

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As conexotildees expandidas entre diversos atores na internet transforma-

ram-na em um espaccedilo feacutertil para accedilotildees ciberativistas Os movimentos socio-

ambientais se adaptaram agraves raacutepidas mudanccedilas tecnoloacutegicas e passaram a

utilizaacute-las como aliadas na divulgaccedilatildeo de causas cada vez mais plurais

8 Disponiacutevel em httpwwwinpebr Acesso em 28 ago2020

9 Compromisso assumido pela ex-presidente Dilma Rousseff em seu discurso durante cerimocirc-

nia de assinatura do Acordo de Paris em Nova York Disponiacutevel em https

wwwmmagovbrimagesarquivosclimaconvencaoindcDiscurso_Dilma_Assinatura_

AcordoParispdf Acesso em 28 ago2020

10 Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2019-20222019leiAnexos

Anl13971pdf Acesso em 29 ago2020

11 Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2015-20182018Decreto

D9578htm Acesso em 29 ago 2020

12 SENADO FEDERAL Disponiacutevel em httpswww25senadolegbrwebatividadematerias-

materia123677 Acesso em 28 ago 2020

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

31

O movimento ambiental vem conseguindo atraveacutes da web e das redes

sociais dar voz e visibilidade agraves suas causas e agrave defesa do meio ambiente Para

tanto se utilizam de ferramentas diversificadas para informar mobilizar politizar

e unir diferentes atores em accedilotildees voltadas para a preservaccedilatildeo do planeta

seja a niacutevel local ou global

A partir dos teoacutericos trazidos para dialogar sobre o assunto e da anaacutelise

feita sobre a campanha do desmatamento infere-se que apesar das dificul-

dades e grandes desafios cada vez mais esses movimentos apresentam-se

organizados dominam as ferramentas disponiacuteveis na internet e as utilizam

para ganhar visibilidade e disseminar informaccedilotildees em busca de soluccedilotildees con-

cretas

Dessa forma contribuem positivamente para a proteccedilatildeo ambiental

atraveacutes da fiscalizaccedilatildeo das accedilotildees do Estado buscando garantir os diretos am-

bientais previstos na legislaccedilatildeo brasileira e nos acordos internacionais ratifica-

dos pelo paiacutes

REFEREcircNCIAS

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DI FELICE Massimo Netativismo e accedilatildeo social na eacutepoca das redes In Sociotramas

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FAUSTO NETO Antonio Fragmentos de uma analiacutetica da midiatizaccedilatildeo Satildeo Paulo

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Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

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33

AS CONTRATACcedilOtildeES PUacuteBLICAS DIRETAS

E OS IMPACTOS Agrave

ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA

SARS-CoV-2 e as consequentes

inovaccedilotildees legislativas federais no

ordenamento juriacutedico brasileiro nas linhas

do pensamento complexo

Doacuteris Evany Abreu Carvalho1

Iasna Chaves Viana2

Rebeca Gadelha Ferreira3

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 21 Pandemia de inovaccedilotildees legislativas fede-

rais no ordenamento juriacutedico paacutetrio e o pensamento complexo

22 Das contrataccedilotildees diretas em momento de pandemia covid-19

ldquocheque em brancordquo ou nova perspectiva para atuaccedilatildeo da admi-

nistraccedilatildeo puacuteblica 23 Dos impactos ao eraacuterio em razatildeo das medidas

desburocratizadoras em tempos de pandemia Consideraccedilotildees fi-

nais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

Desde o final de fevereiro do ano de 2020 quando foi registrado e di-

vulgado o primeiro caso oficial no Paiacutes o Brasil assim como o resto do mundo

tem sido assolado pela pandemia de SARS-CoV-2 (ou COVID-19) o que cul-

minou em profundas mudanccedilas e inovaccedilotildees destacadamente em seu acircm-

bito legislativo

1 Graduada em Direito pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Poacutes-graduada em

Processo Civil pela Universidade Anhanguera-LFG Assessora Juriacutedica da Secretaria de Pla-

nejamento e Gestatildeo das Financcedilas de Crateuacutes atualmente cedida para o Governo do Es-

tado do Cearaacute para atuar na Assessoria Juriacutedica da Superintendecircncia de Obras Puacuteblicas

(SOPCE) E-mail dorisabreucaravalhogmailcom

2 Mestre em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Especialista em Direito

Tributaacuterio pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributaacuterios (IBETSP) Vice-liacuteder do Grupo de Pes-

quisa Ecomplex Direito Complexidade e Meio Ambiente da UNI7CE e Membro do Grupo

de Pesquisa em Tributaccedilatildeo Ambiental (UFCCE) ambos cadastrados no CNPQ Professora

e Advogada E-mail iasnavianayahoocombr

3 Mestre em Direito pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Graduanda em Pedago-

gia pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Teacutecnica Ministerial do MPCE

E-mail bekagadelhinhahotmailcom

2

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

34

Isto a fim de ampliar as possibilidades de a Administraccedilatildeo Puacuteblica en-

frentar o atual problema atendendo a exigecircncia de observacircncia ao princiacutepio

da legalidade estrita e da forma mais efetiva e eficiente possiacutevel durante tal

periacuteodo reconhecido como de absoluta excepcionalidade em acircmbito inter-

nacional pela Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) e no Brasil por meio

do Decreto Legislativo nordm 6 de 20 de marccedilo de 2020

Deve-se asseverar a distinccedilatildeo entre emergecircncia de sauacutede puacuteblica de

importacircncia internacional e estado de calamidade Aquela foi estabelecida

pela Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) a partir de 30 de janeiro de 2020

Enquanto o estado de calamidade puacuteblica foi estabelecido pelo Decreto Le-

gislativo nordm 62020 de 20 de marccedilo de 2020 fixando um prazo ateacute 31 de de-

zembro de 2020

Dentre as inovaccedilotildees de caraacuteter temporaacuterio vislumbra-se a Emenda

Constitucional nordm 1062020 bem como a Lei nordm 139792020 alterada pela Lei

nordm 14035 e a Medida Provisoacuteria nordm 9612020

Destaca-se desde jaacute uma distinccedilatildeo entre a Lei nordm 13979 e a MP nordm 961

quanto agrave aplicaccedilatildeo de paracircmetro para a vigecircncia dos institutos agravequela utiliza

o criteacuterio estabelecido internacionalmente ou seja emergecircncia de sauacutede puacute-

blica de importacircncia internacional4 esta por sua vez vale-se do Decreto Le-

gislativo nordm62020 ndash estado de calamidade puacuteblica

Apesar dessas medidas imbuiacuterem os atos dos gestores puacuteblicos de lega-

lidade estrita possibilitaraacute na mesma toada em razatildeo da tecircnue margem e

do contexto social proveniente da pandemia do COVID-19 em uma possiacutevel

violaccedilatildeo da probidade administrativa

Eis que nesse contexto de urgecircncia e de resposta efetiva da Adminis-

traccedilatildeo Puacuteblica para salvaguardar o direito fundamental agrave sauacutede surgem as

contrataccedilotildees diretas essenciais mas igualmente temeraacuterias uma vez que haacute

margem para que estas sejam firmadas com empresas que em outro con-

texto seriam inabilitadas de plano

Outrossim teraacute a Administraccedilatildeo Puacuteblica a possiblidade de realizar o pa-

gamento antecipado de licitaccedilotildees e dos contratos independentemente de

serem realizados com o fito de combater a pandemia ou natildeo

No entanto teraacute a Administraccedilatildeo Puacuteblica que cotejar a diminuta arre-

cadaccedilatildeo de receita com o aumento consideraacutevel natildeo apenas de despesa

de custeio mas de capital uma vez que diversas obras estatildeo sendo realiza-

das aleacutem da contrataccedilatildeo de serviccedilos e de compras

Durante o exerciacutecio financeiro da calamidade puacuteblica a determinaccedilatildeo

constitucional estabelecida no art 167 III ndash denominada pelos ensinos juriacutedicos

como ldquoRegra de Ourordquo ndash natildeo precisaraacute de observacircncia nos termos estabele-

4 Crucial destacar que o Ministro de Estado da Sauacutede poderaacute antecipar o teacutermino dessa

situaccedilatildeo emergencial mas natildeo poderaacute ampliar o prazo para aleacutem do que fora estipulado

pela OMS

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

35

cidos pelo art 4ordm da Emenda Constitucional nordm 1062020 Contudo quais se-

ratildeo as consequecircncias dessa determinaccedilatildeo nas contas puacuteblicas principal-

mente se levarmos agrave lume a possibilidade de pagamento antecipado de lici-

taccedilotildees e dos contratos neste periacuteodo (art 2ordm caput da Medida Provisoacuteria nordm

9612020)

Logo sob uma anaacutelise criacutetica mas natildeo apartada da realidade a qual a

Administraccedilatildeo Puacuteblica encontra-se em sua atuaccedilatildeo e do preceito de que

deve resguardar a populaccedilatildeo em razatildeo do contrato social firmado haacute muito

sob pena de responsabilidade civil do Estado visa-se enfrentar sob o enfoque

do pensamento complexo as determinaccedilotildees exaradas nas legislaccedilotildees supra-

mencionadas que versam sobre as contrataccedilotildees diretas de obras serviccedilos e

compras bem como os pagamentos antecipados e os impactos para a Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica principalmente no que tange agrave legalidade temeraacuteria de

contrataccedilatildeo com empresas que seriam rechaccediladas de plano em um con-

texto de normalidade aleacutem das implicaccedilotildees ao Eraacuterio uma vez que os efeitos

das medidas adotadas durante o periacuteodo de calamidade puacuteblica perpassaraacute

esse lapso temporal

Assim a pesquisa tem como pergunta de partida como e em que me-

dida as legislaccedilotildees supramencionadas que versam sobre as contrataccedilotildees di-

retas de obras serviccedilos e compras bem como os pagamentos antecipados e

os impactos para a Administraccedilatildeo Puacuteblica podem ser analisados pelo viacutees do

pensamento complexo e iratildeo impactar agrave legalidade de contrataccedilatildeo com

empresas que seriam rechaccediladas de plano em um contexto de normalidade

e quais as implicaccedilotildees disto ao Eraacuterio uma vez que os efeitos das medidas

adotadas durante o periacuteodo de calamidade puacuteblica perpassaraacute esse lapso

temporal

Percebe-se portanto que tendo em vista a notoriedade do assunto di-

ante do contexto social existente a presente pesquisa vai aleacutem do acircmbito de

discussatildeo acadecircmica tendo implicaccedilotildees praacuteticas tanto para a Administra-

ccedilatildeo Puacuteblica como para a sociedade brasileira uma vez que poderaacute resultar

em contrataccedilotildees que traratildeo consequecircncias negativas tanto sob a oacuteptica da

inefetividade da execuccedilatildeo do serviccedilo quanto ao impacto econocircmico ao

eraacuterio principalmente de curto e meacutedio prazo pois natildeo se trata apenas de

contratar e de fazer ou tampouco de pagar antecipado mas que as con-

tratadas cumpram as obrigaccedilotildees assumidas e a Administraccedilatildeo a posteriori

mantenha o patrimocircnio que estaacute sendo formado

Seraacute realizada a anaacutelise bibliograacutefica de obras nacionais e estrangeiras

acerca de conceitos que envolvem o tema focando em suas repercussotildees

juriacutedicas por meio da leitura de livros revistas artigos e publicaccedilotildees perioacutedicas

atinentes ao campo do Direito sobretudo no que tange ao pensamento com-

plexo as contrataccedilotildees diretas no contexto da pandemia SARS-CoV-2 e finan-

ccedilas puacuteblicas

Para tanto a presente pesquisa seraacute estruturada em trecircs toacutepicos

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

36

O primeiro toacutepico trataraacute das inovaccedilotildees legislativas federais no ordena-

mento juriacutedico paacutetrio e sua relaccedilatildeo com o pensamento complexo ressal-

tando-se em especial que a funccedilatildeo legiferante deve ter uma percepccedilatildeo do

todo para o fim de melhor desenvolver seus dispositivos de tal forma que as

medidas empreendidas no que tange agraves contrataccedilotildees diretas ainda que vi-

sem resguardar a atuaccedilatildeo dos gestores puacuteblicos embutindo-a de legalidade

em tempos de emergecircncia nacional decorrente da pandemia causada pelo

COVID-19 natildeo culminem em efeitos deleteacuterios agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica

No segundo toacutepico discutir-se-aacute sobre as contrataccedilotildees diretas propria-

mente ditas fazendo-se um paralelo entre a Lei nordm 139792020 e a Medida

Provisoacuteria nordm 9612020 cotejando igualmente esses diplomas com a Lei nordm

866693 Destacando-se que natildeo se justifica rechaccedilar totalmente a Lei de Li-

citaccedilotildees e Contratos para atender a demandas que podem seguir o rito

desta principalmente para serviccedilos de engenharia ndash Medida Provisoacuteria nordm

9612020ndash uma vez que a Lei nordm 139792020 versa sobre a possibilidade de

dispensa de licitaccedilatildeo sem estabelecer qualquer limite de valor fixando ape-

nas como limite a necessidade de ter que atender a demanda de enfrenta-

mento agrave pandemia

Enquanto isso a instituiccedilatildeo da Medida Provisoacuteria em comento transpa-

rece diferente do que dispotildee a Lei nordm 139792020 quanto agrave questatildeo da dis-

pensa de licitaccedilatildeo um ldquocheque em brancordquo para os gestores puacuteblicos pois

permite desnecessariamente uma ldquoadequaccedilatildeordquo de valores para dispensa

licitatoacuteria de obras e serviccedilos de engenharia o que traz a preocupaccedilatildeo

acerca dos efeitos que a antecipaccedilatildeo dos pagamentos possa causar agrave Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica em sentido amplo ponto que atrai a discussatildeo acerca da

complexidade e os efeitos decorrente da atuaccedilatildeo humana sob a gestatildeo puacute-

blica

No terceiro e uacuteltimo toacutepico o ponto nodal da discussatildeo seraacute centrado

nos impactos ao eraacuterio em razatildeo das medidas ldquodesburacratizadorasrdquo em tem-

pos de pandemia Destaca-se neste ponto a Regra de Ouro e sua finalidade

no intuito de evitar o descontrole dos gastos puacuteblicos garantindo por conse-

quecircncia as geraccedilotildees futuras um controle orccedilamentaacuterio

Feitas essas consideraccedilotildees passa-se a exposiccedilatildeo da presente pesquisa

21 PANDEMIA DE INOVACcedilOtildeES LEGISLATIVAS FEDERAIS NO

ORDENAMENTO JURIacuteDICO PAacuteTRIO E O PENSAMENTO

COMPLEXO

Durante o Seacuteculo XVIII na Franccedila houve a instituiccedilatildeo de uma nova or-

dem e com ela o surgimento do Estado de Direito tendo o princiacutepio da lega-

lidade como mote norteador para a atuaccedilatildeo estatal uma vez que esta ape-

nas desenvolve-se com a devida observacircncia estabelecida por um sistema

de normas

Para a majoritaacuteria doutrina brasileira a Administraccedilatildeo Puacuteblica atuaraacute

conforme leciona Celso Antocircnio Bandeira de Mello em ldquoconformidade agrave lei

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

37

e sucessivamente agraves subsequentes normas que com base nela a Adminis-

traccedilatildeo expeccedila para regular mais estritamente sua proacutepria discriccedilatildeordquo (MELLO

2015 p 32) Tal raciociacutenio doutrinaacuterio encontra amparo Constitucional pois

dentre os vaacuterios princiacutepios que regem a Administraccedilatildeo Puacuteblica encontra-se o

em comento (art 37 caput)

Embora a moderna interpretaccedilatildeo constitucional abra margem como

bem salienta Gustavo Binembojm5 a uma atuaccedilatildeo natildeo mais restringida pela

legalidade estrita essa forma de atuar mesmo nessas circunstacircncias fica vin-

culada a existecircncia de pelo menos um regramento constitucional sobre o

caso ou uma ponderaccedilatildeo desse princiacutepio com outros estabelecidos constitu-

cionalmente sob pena de se incorrer em verdadeiro solipsismo da atuaccedilatildeo

puacuteblica o que iria de total encontro ao Estado Democraacutetico de Direito esta-

belecido pelo art 1ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988

No entanto natildeo se deve confundir a necessidade de observacircncia de

preceitos normativos para a atuaccedilatildeo estatal brasileira com a necessidade de

regramentos excessivos O que se requer natildeo eacute quantidade e sim qualidade

Mas natildeo eacute o que ocorre A cada situaccedilatildeo de excepcionalidade vivenciada

no paiacutes acha-se a Administraccedilatildeo Puacuteblica de ldquomatildeos atadasrdquo para atuar seja

por conta de uma suposta falta normativa ou por excesso de formalismo da

existente culminando nessa perspectiva em uma enxurrada de novos regra-

mentos que causam confusatildeo na atuaccedilatildeo praacutetica dos gestores dos Procura-

dores consultivos e possibilitando implicaccedilotildees de ordem de improbidade ad-

ministrativa apuradas em um futuro controle dos Tribunais de Contas

Quando o assunto eacute a realizaccedilatildeo de obras contrataccedilatildeo de serviccedilos e

aquisiccedilatildeo de materiais a Lei de Licitaccedilotildees e Contratos com a Administraccedilatildeo

Puacuteblica ndash Lei nordm 86661993 ndash encontra-se em um limbo normativo que deteacutem

consideraacutevel rigor procedimental impossibilitando a atuaccedilatildeo mais ceacutelere e

efetiva daquela

Diante desse contexto nas Olimpiacuteadas e na Copa do Mundo fora cri-

ado o Regime Diferenciado de Contrataccedilotildees (RDC) visando um sistema mais

simplificado do que a Lei nordm 86661993 Mas que teve seu rol ampliado esta-

belecendo possibilidade de incidecircncia da lei para outras hipoacuteteses dentre

elas obras e serviccedilos de engenharia no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede

(SUS)

5 ldquoA ideia de juridicidade administrativa elaborado a partir da interpretaccedilatildeo dos princiacutepios

e regras constitucionais passa destarte a englobar o campo da legalidade administra-

tiva com um dos seus princiacutepios internos mas natildeo mais altaneiro e soberano como outrora

Isso significa que a atividade administrativa continua a realiza-se via de regra (i) segundo

a lei quando esta for constitucional (atividade secundum legem) (ii) mas pode encontrar

fundamento direto na Constituiccedilatildeo independente ou para aleacutem da lei (atividade praeter

legem) ou eventualmente (iii) legitimar-se perante o direito ainda que contra a lei poreacutem

com fulcro numa ponderaccedilatildeo de legalidade com outros princiacutepios constitucionais (ativi-

dade contra legem mas com fundamento numa otimizada aplicaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo)rdquo

(BINENBOJM 2008 p 37-38)

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

38

Haacute agora a excepcionalidade decorrente da pandemia do SARS-CoV-

2 (COVID-19) Com ela fora instituiacuteda uma alteraccedilatildeo Constitucional de vigecircn-

cia temporaacuteria versando dentre outros pontos sobre o procedimento simpli-

ficado de contrataccedilotildees (EC nordm 1062020 art 2ordm) para obras serviccedilos e com-

pras Vale ressaltar que essa exceccedilatildeo constitucional agraves regras licitatoacuterias por

meio desse mecanismo simplificado de contrataccedilatildeo natildeo afasta a competi-

ccedilatildeo e igualdade de condiccedilotildees a todos os concorrentes quando possiacutevel

Mas o procedimento em comento apenas deve ser aplicado para enfren-

tamento do contexto de calamidade puacuteblica outrossim seus efeitos sociais e

econocircmicos no seu periacuteodo de duraccedilatildeo

Nessa toada fora instituiacuteda a Lei nordm 139792020 com redaccedilatildeo alterada

pela Lei nordm 140352020 versando dentre outros assuntos sobre dispensa de

licitaccedilatildeo para aquisiccedilatildeo ou contrataccedilatildeo de bens serviccedilos inclusive de enge-

nharia e insumos para enfrentar diretamente o estado de calamidade puacute-

blica (art 4ordm) que vigoraraacute enquanto perdurar o estado de emergecircncia inter-

nacional culminado pela pandemia

No entanto o art 24 IV da Lei nordm 86661993 jaacute dispunha sobre uma

hipoacutetese de dispensa de licitaccedilatildeo que alberga a emergecircncia ou calamidade

puacuteblica vivenciada viabilizando a contrataccedilatildeo direta pela Administraccedilatildeo Puacute-

blica

Mas ainda existem algumas formalidades legais a serem observadas

em uma contrataccedilatildeo direta nos termos da Lei nordm 866693 menos riacutegidas frise-

se do que aquelas estabelecidas para um processo licitatoacuterio mas igual-

mente burocraacuteticas conforme estabelecido no art 26 desse diploma legal

Aleacutem dos entendimentos doutrinaacuterios e jurisprudenciais sobre essa hipoacutetese de

contrataccedilotildees emergenciais tiacutepicas

Segue dispondo ainda a Lei nordm139792020 que a contrataccedilatildeo direta

aleacutem de ser temporaacuteria (art 4ordm) haacute uma presunccedilatildeo legal (art 4ordm-B) de atendi-

mento das condiccedilotildees para dispensa de licitaccedilatildeo Cabendo inclusive excep-

cionalmente a possibilidade de contrataccedilatildeo com a uacutenica fornecedora de

bens ou prestadora de serviccedilo ainda que estas detenham sanccedilotildees de impe-

dimento ou de suspensatildeo de contratar com o Poder Puacuteblico (sect3ordm art 4ordm) Este

caso de contrataccedilatildeo direta ndash denominada atecnicamente pela lei em co-

mento de dispensa de licitaccedilatildeo ndash pode resultar em danos consideraacuteveis para

a Administraccedilatildeo Puacuteblica

A inexecuccedilatildeo contratual seja ela parcial ou integral culminaraacute dentre

outras sanccedilotildees em suspensatildeo temporaacuteria de participaccedilatildeo em licitaccedilatildeo e im-

pedimento de contratar com a Administraccedilatildeo ndash inteligecircncia da Lei nordm

866693 art87 III

Apesar da cizacircnia de entendimento quanto ao alcance dos efeitos da

suspensatildeo temporaacuteria entre o Superior Tribunal de Justiccedila (STJ) e o Tribunal de

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

39

Contas da Uniatildeo (TCU)6 vislumbra-se uma questatildeo muito maior e com impli-

caccedilotildees negativas para a eficiecircncia e eficaacutecia que se espera principalmente

para atender ao caos resultante da pandemia COVID-19 uma vez que tal

penalidade fora aplicada em razatildeo da inexecuccedilatildeo contratual parcial ou in-

tegral em um periacuteodo de ldquonormalidaderdquo

Constitui-se assim uma rede de efeitos e consequecircncias imprevisiacuteveis

dado fugir a legalidade que lhe eacute devida por lei A complexidade se insere

justamente no ponto obscuro em que natildeo se prevecirc os danos da natildeo obser-

vacircncia de um preceito fundamental agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica e dela se sol-

tando uma rede de efeitos a teia da aranha que pode ateacute dada a interpre-

taccedilatildeo sobrepujar direito fundamental previsto na Constituiccedilatildeo Federal

Como bem introduz Morin ldquoas ameaccedilas mais graves em que incorre a

humanidade estatildeo ligadas ao progresso cego e incontrolado do conheci-

mento (armas termonucleares manipulaccedilotildees de todo tipo desregramento

ecoloacutegico etc)rdquo (MORIN 2015 p 9) e na mesma linha de pensamento apre-

senta o paradigma da simplificaccedilatildeo segundo o qual uma hiperespecializa-

ccedilatildeo despedaccedilaria e fragmentaria o tecido complexo das realidades frag-

mentando-as e aleacutem disso fazendo crer que essas realidades fragmentadas

satildeo o real7 Eacute dizer ldquo[] antes de mais nada tomar consciecircncia da natureza e

das consequecircncias dos paradigmas que mutilam o conhecimento e desfigu-

ram o realrdquo (MORIN 2015 p 11)

Outra inovaccedilatildeo legislativa na seara das licitaccedilotildees puacuteblicas e dos con-

tratos encontra-se firmada na Medida Provisoacuteria nordm9612020 na qual fora es-

tabelecida uma adequaccedilatildeo nos limites de dispensa das licitaccedilotildees durante

esse periacuteodo pandemia aleacutem da ampliaccedilatildeo do uso do RDC ndash inteligecircncia do

art 2ordm caput e art 1ordm III

Versa a Exposiccedilatildeo de Motivos nordm 001442020 ME que mesmo natildeo se

aplicando apenas a contrataccedilotildees vinculadas a pandemia ndash o que difere da

Lei nordm139792020 ndash foi editada em razatildeo desta in verbis

2 A proposta visa estabelecer medidas voltadas para garantir a aqui-

siccedilatildeo de bens serviccedilos e insumos durante o estado de calamidade

puacuteblica reconhecido pelo Decreto Legislativo nordm 6 de 20 de marccedilo

de 2020 ou seja ateacute 31 de dezembro visando atender a situaccedilotildees

6 O Tribunal de Contas da Uniatildeo nos acoacuterdatildeos 2662019-P e 29622015-P exara o posiciona-

mento de que a penalidade aplicada no art 87 III da Lei nordm 866693 eacute destinada apenas

para a entidade contratante Enquanto o Superior Tribunal de Justiccedila AIRESP

201301345226 consolida o entendimento de que se trata de uma limitaccedilatildeo agrave Administra-

ccedilatildeo Puacuteblica como um todo

7 ldquoA uacutenica maneira de remediar essa disjunccedilatildeo foi uma outra simplificaccedilatildeo a reduccedilatildeo do

complexo ao simples (reduccedilatildeo do bioloacutegico ao fiacutesico do humano ao bioloacutegico) Uma hi-

perespecializaccedilatildeo devia aleacutem disso despedaccedilar e fragmentar o tecido complexo das

realidades e fazer crer que o corte arbitraacuterio operado no real era o proacuteprio real Ao mesmo

tempo o ideal do conhecimento cientiacutefico claacutessico era descobrir atraacutes da complexidade

aparente dos fenocircmenos uma Ordem perfeita legiferando uma maacutequina perpeacutetua (o cos-

mos) ela proacutepria feita de microelementos (os aacutetomos) reunidos de diferentes modos em

objetos e sistemasrdquo (MORIN 2015 p 12)

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

40

regulares em que o gestor puacuteblico necessita se valer de regras dife-

renciadas para garantir a disponibilidade de bens ou serviccedilos indis-

pensaacuteveis ao atendimento do interesse puacuteblico o que demonstra sua

relevacircncia Inclusive seraacute exitoso para o enfrentamento da atual situ-

accedilatildeo de emergecircncia de sauacutede puacuteblica de importacircncia internacional

decorrente do coronaviacuterus (COVID-19) de que trata a Lei nordm 13979

de 2020 conforme seraacute demonstrado 3 Um dos grandes impactos

positivos da medida e de urgecircncia premente eacute evitar a paralisaccedilatildeo

das obras puacuteblicas no Paiacutes tendo em vista a quarentena vivenciada

para o enfrentamento da pandemia em que parte dos servidores e

colaboradores estaacute em trabalho remoto e portanto natildeo pode reali-

zar as licitaccedilotildees presenciais o que pode comprometer a efetiva en-

trega de poliacuteticas puacuteblicas agrave populaccedilatildeo - que nesse momento ne-

cessita da celeridade estatal para por exemplo construccedilotildees emer-

genciais de centros hospitalares (BRASIL EM nordm 001442020 ME on

line)

Neste diapasatildeo vislumbra-se inclusive a existecircncia de uma inconstitu-

cionalidade material da Medida Provisoacuteria nordm 9612020 uma vez que o art 2ordm

da Emenda Constitucional nordm 1062020 eacute claro em dispor que ldquo[] com o pro-

poacutesito exclusivo de enfrentamento do contexto da calamidade e de seus efei-

tos sociais e econocircmicos no seu periacuteodo de duraccedilatildeordquo (BRASIL EC nordm 1062020

on line)

Denota-se portanto uma falha haacute muito constatada ndash PL nordm 129295ndash

mas natildeo imposta efetivamente agrave lume apesar da relevacircncia dos questiona-

mentos e das implicaccedilotildees praacuteticas para a criaccedilatildeo da nova lei de licitaccedilotildees

Inovar legislativamente como uma medida de sanar ldquoviacutecios burocraacuteti-

cosrdquo da Lei de Licitaccedilotildees e Contratos a fim de albergar a atuaccedilatildeo da Admi-

nistraccedilatildeo Puacuteblica em um momento de crise natildeo nos parece uma medida

acertada pois natildeo possibilita que o projeto seja bem elaborado e discutido

de maneira contumaz observando assim todos os seus efeitos de curto meacutedio

e longo prazo Mas igualmente esperar por anos para que seja finalizada a

PL nordm 129295 igualmente denota-se temeraacuterio

Por mais que se esteja em um momento iacutempar ndash seja em razatildeo da gra-

vidade e das proporccedilotildees incalculaacuteveis dessa pandemia ndash e que os instrumen-

tos venham a ser criados e aplicados a fim de salvaguardar a sauacutede puacuteblica

e por conseguinte a preservaccedilatildeo da vida natildeo se pode olvidar que conso-

ante os ensinamentos de Morin (2015 p 35) a complexidade8 sempre teria

8 Folloni (2016 p 38) afirma nessa linha que ldquo[] A dificuldade reside em ter que enfrentar

ao mesmo tempo um grande nuacutemero de fatores que se inter-relacionam em um todo or-

gacircnico Um todo organizado formado por um grande nuacutemero de fatores inter-relacionados

seria uma definiccedilatildeo embrionaacuteria de complexidade [] As teorias da complexidade explo-

ram o meio-termo no qual haacute agentes demais para serem examinados unitariamente in-

viabilizando o estudo de todas as accedilotildees e reaccedilotildees potenciais (possiacutevel nos modelos de

interaccedilatildeo bilateral) mas a qualidade dos agentes eacute importante demais para que sejam

todos tratados de forma homogecircnea pela pesquisa do comportamento meacutedio (possiacutevel

nos modelos de interaccedilatildeo entre agentes infinitos)rdquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

41

uma relaccedilatildeo com o acaso a imprecisatildeo coincidindo com uma parte da in-

certeza mas a ela natildeo se reduzindo dependendo da lente pela qual se vecirc9

Sua scienza nuova preocupava-se com as incalculaacuteveis consequecircncias

afirmando nessa linha que o ldquo[] objeto natildeo deve ser adequado somente agrave

ciecircncia a ciecircncia deve tambeacutem ser adequada ao seu objetordquo (MORIN 2015

p 53)

Ter o todo em mente o que se caracteriza por uma visatildeo holiacutestica e

ecoloacutegica do todo uma visatildeo sistecircmica nos termos de Capra e Mattei (2018)

pois como afirma Morin (2015 p 58) ldquo[] natildeo eacute simplesmente a sociedade

que eacute complexa mas cada aacutetomo do mundo humanordquo em especial o ob-

jeto da presente pesquisa Justamente por trazer a incerteza e a necessidade

dialoacutegica dos saberes na constituiccedilatildeo de uma lei em tempos de emergecircncia

nacional

Como ensina Belchior (2019 p 57) a parte estaacute no todo assim como o

todo estaacute na parte sendo estes interdependentes em sua funcionalidade um

complementando o outro natildeo sendo possiacutevel sua dissociaccedilatildeo Veja-se

A parte estaacute no todo assim como o todo se encontra na parte ha-

vendo uma interdependecircncia de funcionalidade pois um locupleta

o outro natildeo haacute como dissociaacute-los Eacute esse o enunciado do princiacutepio

hologramaacutetico cujo conteuacutedo eacute de uma riqueza enorme Reco-

nhece assim a impossibilidade de isolar unidades simples na base do

universo fiacutesico conforme entendimento de Pascal

Nesse sentido a funccedilatildeo legiferante deve ter uma percepccedilatildeo do todo

e para tanto o tempo mostra-se essencial para o desenvolvimento dos seus

dispositivos Medidas desesperadas em tempos igualmente desesperados po-

dem delas advir consequecircncias incalculaacuteveis e muitas vezes de difiacutecil ou sem

recuperaccedilatildeo principalmente quando se tem a Administraccedilatildeo Puacuteblica no

cerne da querela o que leva ao legislador (dever) ter maior preocupaccedilatildeo por

se tratar a priori de bens e serviccedilos puacuteblicos Com efeito o pensamento com-

plexo segundo Belchior (2019 p 65) torna-se ldquo[] um caminho para fortale-

cer a democracia motivo pelo qual a gestatildeo puacuteblica tambeacutem precisa ser re-

formada []rdquo

9 Belchior (2019 p 57) citando Morin afirma que ldquo[] O todo tem qualidades ou proprieda-

des que natildeo satildeo encontradas nas partes se estas estiverem isoladas uma das outras e

certas qualidades ou propriedades das partes podem ser inibidas pelas restriccedilotildees proveni-

entes do todordquo (MORIN 2003 apud BELCHIOR 2019 p 55) Nessa linha a autora aponta a

questatildeo da articulaccedilatildeo das dualidades (no caso a certeza e a incerteza) afirmando ser

a uacuteltima uma presenccedila acoplada a vida Esse eacute o ponto que daacute vida ao princiacutepio sistecircmico

ou organizacional Finaliza destacando que ldquoA complexidade surge com dificuldade in-

certeza e natildeo como clareza e resposta Como se vecirc satildeo muitas trocas simbioses e cone-

xotildees desenvolvidas Aos poucos o que era distante passa a se aproximar religam-se sa-

beres partilham-se vivecircncias constitui-se a complexidaderdquo

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

42

A contribuiccedilatildeo da teoria do Complexus na questatildeo em comento se

apresenta como uma alternativa para o enfrentamento das policrises nacio-

nais porque pensar de maneira linear faz com que os governos permaneccedilam

cegos diante de temas que satildeo verdadeiramente inter-relacionados

22 DAS CONTRATACcedilOtildeES DIRETAS EM MOMENTO DE PANDEMIA

COVID-19 ldquoCHEQUE EM BRANCOrdquo OU NOVA PERSPECTIVA

PARA ATUACcedilAtildeO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA

As contrataccedilotildees diretas foram nos uacuteltimos anos um gargalo de proble-

mas para a Administraccedilatildeo Puacuteblica brasileira em razatildeo de sua utilizaccedilatildeo de

maneira descomedida e por vezes desvirtuadas mesmo que imbuiacutedos os

atos de legalidade (arts 24 e 25 da Lei nordm 866693) e sendo aplicadas em

tempos de ldquonormalidaderdquo

Portanto houve muita jurisprudecircncia firmada tanto em tribunais jurisdi-

cionais quanto em tribunais de controle externo visando fixar alguns paracircme-

tros para a operacionalizaccedilatildeo da atuaccedilatildeo dos gestores puacuteblicos

Eis que surge o contexto da pandemia COVID-19 e com ela a institui-

ccedilatildeo de um microssistema normativo juriacutedico de ldquoenfrentamentordquo ao caos pan-

decircmico principalmente voltado aos atos administrativos

Logo possibilitou-se aos gestores puacuteblicos aplicar a dispensa de licita-

ccedilatildeo em razatildeo do amparo constitucional temporaacuterio exarado pela EC nordm

1062020 para o processo simplificado de aquisiccedilatildeo ou de contrataccedilatildeo de

bens serviccedilos inclusive de engenharia e insumos Mas conforme jaacute fora ex-

planado a contrataccedilatildeo direta pode ser utilizada tanto para enfrentamento

da pandemia COVID-19 ou em razatildeo desse periacuteodo atiacutepico para toda a po-

pulaccedilatildeo

Contudo apenas criar sistemas juriacutedicos para salvaguardar a atuaccedilatildeo

dos gestores puacuteblicos sem observar uma atualizaccedilatildeo na operacionalizaccedilatildeo

intensifica uma advertecircncia haacute muito despontada pelos ensinos juriacutedicos que

consiste na celeuma entre reforma na administraccedilatildeo com reforma poliacutetica

Veja-se

Muitas tentativas de reforma falham porque a reforma na administra-

ccedilatildeo pode ser confundida com uma alteraccedilatildeo de poliacutetica Geral-

mente se conclui que a mudanccedila nas regras eacute suficiente para persu-

adir as pessoas a agir de forma diferente Os serviccedilos puacuteblicos estatildeo

muito acostumados a mudanccedilas de poliacuteticas no entanto usaratildeo ins-

tintivamente velhos instrumentos para lidar com essas situaccedilotildees Mu-

danccedilas na administraccedilatildeo envolvem mudanccedilas nesses instrumentos

uma tarefa muito mais difiacutecil desestabilizadora e de longa gestaccedilatildeo

se comparada com uma mudanccedila de poliacutetica por mais complexa

que seja (JENKINS 1998 p 212) (Grifou-se)

Logo depreende-se que a Lei nordm 866693 apenas seraacute aplicada sub-

sidiariamente a Lei nordm 139792020 ndash de acordo com o que preceitua o art 2ordm

sect2ordm da Lei de Introduccedilatildeo agraves Normas do Direito Brasileiro (LINDB) ndash ldquoquando natildeo

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

43

for tratado expressamente por aquela lei natildeo estiver em desconformidade

com o regime juriacutedico desta[] ou tiver natureza de regra geralrdquo (BRASIL Pa-

recer n 0000062020CNMLCCGUAGU on line)

No entanto como seria possiacutevel coadunar tais preceitos da Lei de Lici-

taccedilotildees e Contratos com a operacionalizaccedilatildeo ldquoburocraacuteticardquo dessa regra geral

levando-se em consideraccedilatildeo a contumaz jurisprudecircncia consolidada nos Tri-

bunais e na mesma toada viabilizar o atendimento ao binocircmio interesse puacute-

blico de proteccedilatildeo agrave sauacutede (necessidade) e a atuaccedilatildeo Estatal ceacutelere e efetiva

(possibilidade) em face ao problema da pandemia COVID-19

Deve-se ter em mente que a situaccedilatildeo em comento eacute iacutempar As hipoacutete-

ses elencadas pelo parecer conjunto CGUAGU sobre a aplicaccedilatildeo subsidiaria

da Lei nordm866693 natildeo deveriam ser sequer ventiladas uma vez que se natildeo se

encontra disposto no texto normativo natildeo foi intenccedilatildeo do legislador aplicaacute-lo

ao caso em tela Eacute o que se depreende na inaplicabilidade da dispensa de

licitaccedilatildeo agrave realizaccedilatildeo de contrataccedilatildeo e execuccedilatildeo de obras de engenharia

que natildeo se confunde com o serviccedilo de engenharia

Nesta senda versa a Exposiccedilatildeo de Motivos Interministerial nordm 192020

sobre a entatildeo MPV nordm 926202010 in verbis

Primeiramente a MPV modifica o art 4ordm da Lei nordm 13979 de 2020

para prever licitaccedilatildeo dispensaacutevel nas hipoacuteteses previstas no referido

artigo as quais passam a incluir explicitamente nos termos da MPV

a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos de engenharia para a situaccedilatildeo de

emergecircncia de sauacutede puacuteblica de importacircncia internacional decor-

rente do coronaviacuterus Segundo a EMI tal medida eacute necessaacuteria uma

vez que pode ser demandado ao SUS a construccedilatildeo ou modificaccedilatildeo

de estruturas fiacutesicas para atendimento da situaccedilatildeo emergencial de

sauacutede puacuteblica (BRASIL Sumaacuterio Executivo de MP on line)

Outro ponto se a Lei nordm 866693 tivesse alguma compatibilidade com

o regime juriacutedico da Lei nordm 139792020 esta natildeo precisaria ser criada Foi em

razatildeo da ldquoburocraciardquo existente na Lei de Licitaccedilotildees e Contratos ndash que preci-

sava ser mitigadandash que essa lei especiacutefica fora criada visando o rompimento

com os instrumentos entatildeo existentes

Por uacuteltimo mas natildeo menos importante as normas gerais igualmente

versadas na Lei de Licitaccedilotildees e Contratos satildeo apenas isto natildeo possuindo re-

levacircncia para a soluccedilatildeo do problema latente

Frise-se que natildeo se quer romper com a ordem normativa estabelecida

haacute muito pela LINDB No entanto a necessidade de celeridade de resposta

Estatal visando o natildeo colapso do sistema de sauacutede e salvaguardar o interesse

puacuteblico a esta sob pena de culminar em responsabilidade civil do Estado re-

quer a excepcionalidade de natildeo serem contempladas as disposiccedilotildees supra-

mencionadas

10 Convertida na Lei nordm 14035 de 11 de agosto de 2020

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

44

Outrossim as medidas empreendidas durante o periacuteodo de infestaccedilatildeo

proveniente da doenccedila H1N1 bem como a jurisprudecircncia firmada nesse con-

texto ndash por mais que tenha sido um problema de sauacutede relevante no Paiacutes ndash

natildeo podem ser compreendidas e tampouco estendidas para o atual pano-

rama da pandemia COVID-19

Dessa forma imaginar que as contrataccedilotildees diretas que ocorreram ou

estatildeo sendo realizadas durante o periacuteodo estabelecido pela Lei nordm

139792020 precisaratildeo de uma contrataccedilatildeo futura por licitaccedilatildeo uma vez

que se encontram revestidas de provisoriedade e natildeo merecem prosperar Tal

medida fora aplicada no entanto no periacuteodo de infestaccedilatildeo da doenccedila

H1N1

Superada essa questatildeo com a Lei nordm 139792020 passa-se a analisar as

disposiccedilotildees exaradas na MP nordm 9612020 quanto agrave adequaccedilatildeo de valores

para uma dispensa de licitaccedilatildeo

Ressalte-se incialmente os viacutecios de constitucionalidade material da

Medida Provisoacuteria nordm 9612020 por afronta agrave EC nordm 1062020 uma vez que

estabelece categoricamente em seu art 1ordm II a adequaccedilatildeo dos valores

para dispensa de licitaccedilatildeo elencados no art 24 I e II da Lei nordm 866693 para

ldquosituaccedilotildees regularesrdquo nos termos da Exposiccedilatildeo de Motivos da Emenda

A instituiccedilatildeo da Medida Provisoacuteria em comento transparece diferente

do que dispotildee a Lei nordm 139792020 quanto a questatildeo da dispensa de licita-

ccedilatildeo um ldquocheque em brancordquo para os gestores puacuteblicos pois permite desne-

cessariamente uma ldquoadequaccedilatildeordquo de valores para dispensa licitatoacuteria de

obras e serviccedilos de engenharia de R$ 3300000 (trinta e trecircs mil reais) para R$

10000000 (cem mil reais) e outros serviccedilos e compras de R$ 1760000 (dezes-

sete mil e seiscentos reais) para R$ 5000000 (cinquenta mil reais) natildeo relacio-

nados a solucionar a pandemia COVID-19 Principalmente se contemplada

com a possibilidade de antecipaccedilatildeo de pagamento

Apesar do caraacuteter de temporariedade os efeitos11 satildeo preocupantes e

por mais que a pandemia requeira medidas extraordinaacuterias ocasionadas

11 ldquoA perca do Nilo eacute um dos maiores peixes de aacutegua doce chegando a alcanccedilar quase

dois metros de comprimento e cerca de duzentos quilos de peso A perca eacute nativa da

Aacutefrica subsaariana e eacute encontrada natildeo apenas no Nilo mas tambeacutem nos rios Congo e

Niger aleacutem de outros assim como tambeacutem no Lago Chade e em outras grandes bacias

Por mais de meio seacuteculo poreacutem ela tambeacutem foi encontrada no Lago Victoria na Aacutefrica

Oriental onde natildeo eacute nativa e onde se tornaria posteriormente um dos exemplos mais co-

nhecidos das consequecircncias indesejadas da introduccedilatildeo de uma espeacutecie num ecossis-

tema [] Como superpredador de tamanho forccedila e voracidade extraordinaacuterios a perca

comeraacute praticamente qualquer coisa inclusive membros de sua proacutepria espeacutecie Sua lon-

gevidade eacute de dezesseis anos o que lhe confere um extraordinaacuterio potencial de destruiccedilatildeo

ininterrupta Sua introduccedilatildeo pelos humanos no Lago Victoria para exploraccedilatildeo comercial

levou ao desaparecimento da maioria das espeacutecies endecircmicas do lago e as consequecircn-

cias sociais e econocircmicas foram desastrosas Por exemplo as operaccedilotildees de pesca em

grande escala tipicamente feitas com a finalidade de exportaccedilatildeo privaram muitos mo-

radores locais de seu meio de vida tradicional no comeacutercio pesqueiro Pequenas cidades

agraves margens do lago surgiram para atender agraves necessidades dos pescadores e demais tra-

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

45

principalmente em razatildeo do isolamento social natildeo se justifica rechaccedilar total-

mente a Lei de Licitaccedilotildees e Contratos para atender a demandas que podem

seguir o rito desta principalmente para serviccedilos de engenharia uma vez que

a Lei nordm 139792020 versa sobre a possibilidade de dispensa de licitaccedilatildeo sem

estabelecer qualquer limite de valor fixando apenas como limite a necessi-

dade de ter que atender a demanda de enfrentamento agrave pandemia

Diante do exposto louvaacutevel eacute a inovaccedilatildeo legislativa implementada

pela Lei nordm 139792020 quanto agrave possibilidade de contrataccedilatildeo direta para

enfrentar a pandemia COVID-19 evitando o colapso no Paiacutes em seu sistema

de sauacutede puacuteblica

No entanto tal concepccedilatildeo natildeo deve ser aplicada para a Medida Pro-

visoacuteria nordm 9612020 Principalmente no que concerne aos ldquoajustamentosrdquo dos

importes para dispensa de licitaccedilotildees em obras e serviccedilos de engenharia e ou-

tros serviccedilos e compras pois natildeo visam salvaguardar o interesse puacuteblico de

proteccedilatildeo agrave sauacutede mas atender as situaccedilotildees corriqueiras da atuaccedilatildeo estatal

que poderiam ser dirimidas pela Lei nordm 866693

Eacute veemente a recessatildeo na economia do Paiacutes O preceito normativo da

MP nordm 9612020 sob o manto constitucional da urgecircncia e relevacircncia denota

a bem da verdade uma manobra legislativa para atender a interesses de

particulares em face da coletividade que padece com uma doenccedila extre-

mamente severa que teraacute impactos sociais e econocircmicos singulares

23 DOS IMPACTOS AO ERAacuteRIO EM RAZAtildeO DAS MEDIDAS

DESBUROCRATIZADORAS EM TEMPOS DE PANDEMIA

Eacute inegaacutevel que o microssistema normativo de enfrentamento da pande-

mia visa desburocratizar a atuaccedilatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica no que tange a

balhadores do setor da pesca mas esses lugares tecircm pouco a oferecer em termos de ser-

viccedilos baacutesicos como aacutegua ou eletricidade Os moradores que natildeo foram assimilados agrave nova

economia monetaacuteria local foram obrigados a abandonar suas casas em busca de traba-

lho Prostituiccedilatildeo AIDS e consumo abusivo de drogas por crianccedilas de rua natildeo pararam de

aumentar Aleacutem disso a perca do Nilo natildeo pode ser seca ao sol da maneira tradicional ndash

ao contraacuterio deve ser preservada pelo meio de defumaccedilatildeo o que tem provocado uma

grave falta de madeira para usar como combustiacutevel Eacute difiacutecil encontrar uma metaacutefora me-

lhor para o impacto do paradigma econocircmico e juriacutedico moderno sobre uma comunidade

local No mundo inteiro cada vez mais esse paradigma de extrativismo de curto prazo de

soberania do Estado e propriedade privada alimentada pelo dinheiro (ele proacuteprio uma

abstraccedilatildeo juriacutedica concentrada nas matildeos privadas de corporaccedilotildees bancaacuterias) vem pro-

duzindo enormes benefiacutecios a alguns poucos a custa do meio ambiente e das comunida-

des locais A propriedade estatal e capitalista mais especificamente a empresa transna-

cional moderna de modo muito semelhante ao que faz a perca do Nilo revela tendecircncias

canibalescas com diversos agentes comendo-se uns aos outros por meio de guerra ou

aquisiccedilatildeo de uma empresa por outra ou por um conglomerado [] a escassez de alimen-

tos as doenccedilas e o excesso de populaccedilatildeo quase sempre decorrente de incentivos econocirc-

micos de curto prazo ou outras accedilotildees humanas desempenharam um papel na criaccedilatildeo da

disparidade de renda e da degradaccedilatildeo ambientalrdquo (CAPRA MATTEI 2018 p 24-27)

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

46

contrataccedilatildeo direta com as devidas ressalvas jaacute exaradas No entanto culmi-

naraacute em vaacuterios efeitos dentre eles ao eraacuterio com impactos negativos

De acordo com a Lei nordm 139792020 nas contrataccedilotildees diretas eacute possiacute-

vel que sejam firmadas pelo poder puacuteblico em valores superiores ao estabele-

cido no mercado em razatildeo das oscilaccedilotildees ocasionadas pela variaccedilatildeo de

preccedilos (art 4ordm-E sect3ordm) O que natildeo se confunde assevera-se desde jaacute com o

sobrepreccedilo que ocorre ldquoquando este satildeo orccedilados para a licitaccedilatildeo ou os pre-

ccedilos contratados satildeo expressivamente superiores aos preccedilos referenciais de

mercadordquo (art31 sect1ordm I da Lei nordm133032016)

Jaacute dispocircs haacute muito o Tribunal de Contas da Uniatildeo no Acoacuterdatildeo

20192010 ndash Plenaacuterio transcreve-se

92 alertar agrave Companhia Energeacutetica do Piauiacute - Cepisa que quando

da realizaccedilatildeo de dispensa de licitaccedilatildeo nos termos do art 24 inciso

IV da Lei nordm 86661993 aleacutem da caracterizaccedilatildeo da situaccedilatildeo emer-

gencial ou calamitosa que justifique a dispensa deve-se trazer ele-

mentos aos autos do processo que demonstrem a compatibilidade

dos preccedilos contratados com aqueles vigentes no mercado ou com

os fixados por oacutergatildeo oficial competente ou ainda com os que cons-

tam em sistemas de registro de preccedilos bem como que foi consultado

o maior nuacutemero possiacutevel de fornecedores ou executantes em aten-

ccedilatildeo aos incisos II e III do paraacutegrafo uacutenico do art 26 dessa lei (BRASIL

Manual de compras diretas do TCU on line)

De acordo com o art 4ordm-E sect3ordm in fine da Lei nordm 139792020 versa cla-

ramente que haacute necessidade de justificativa nos autos sobre a necessidade

de contrataccedilatildeo

No entanto as externalidades negativas culminadas pela pandemia

podem gerar um dano imensuraacutevel as contas puacuteblicas e por conseguinte ge-

rar um ldquoefeito cascatardquo na economia com uma possiacutevel inflaccedilatildeo

Outrossim dispotildee a Lei nordm 139792020 excepcionalmente e mediante

justificativa que poderaacute a Administraccedilatildeo Puacuteblica contratar com empresas

que detenham irregularidades fiscais e trabalhistas ndash ressalvada a exigecircncia

relativa agrave Seguridade Social e ao trabalho de menores

Mas a Emenda Constitucional nordm 1062020 relativizou em seu art 3ordm

paraacutegrafo uacutenico que ldquodurante a vigecircncia da calamidade puacuteblica nacionalrdquo

natildeo seraacute observada a vedaccedilatildeo de empresas com deacutebitos perante a seguri-

dade social de contratar com o Poder Puacuteblico (art 195 sect3ordm da CRFB) Culmi-

nando portanto na inconstitucionalidade parcial daquele dispositivo e preju-

iacutezo ao Eraacuterio

O Parecer nordm 000122020CNMLCCGUAGU versa em uma de suas

conclusotildees que in verbis

[] ficam afastadas as exigecircncias de regularidade para com a Segu-

ridade Social como requisito de habilitaccedilatildeo eou contrataccedilatildeo em to-

ldquo

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

47

dos os contratos que tenham por objetivo o enfrentamento da cala-

midade e suas consequecircncias sociais e econocircmicas incluindo natildeo

soacute todos aqueles feitos com esteio na Lei nordm 1397920 bem como os

que fundamentados em outros diplomas (BRASIL Parecer nordm

000122020CNMLCCGUAGU on line)

Natildeo se coaduna com essa conclusatildeo extensiva exarada pois viabilizaraacute

a contrataccedilatildeo com empresas para situaccedilotildees que natildeo satildeo diretamente frise-

se para enfrentar a pandemia da COVID-19

Sendo uma extensatildeo temeraacuteria da interpretaccedilatildeo teleoloacutegica da

Emenda Constitucional nordm 1062020 uma vez que esta categoricamente

fora formulada para enfrentar a pandemia bem como as exceccedilotildees exaradas

satildeo vinculativas ao meacuterito das medidas tomadas

O momento requer o ingresso de receita e contenccedilatildeo de despesas

bem como natildeo haja uma desvirtuaccedilatildeo de interesses viabilizando o privado

em detrimento do puacuteblico com o enriquecimento iliacutecito de alguns

Natildeo se estar a dizer que ressalte-se natildeo deva ser aplicada a exceccedilatildeo

exarada no art 3ordm paraacutegrafo uacutenico mas tatildeo somente vaacutelida para a Lei nordm

139792020 natildeo sendo viaacutevel dispor para os casos estabelecidos pela MP nordm

9612020 principalmente pelo que seraacute versado a seguir

No entanto natildeo foram apenas essas medidas de ldquodesburocratizaccedilatildeordquo

que geraratildeo efeitos alarmantes ao eraacuterio

Nesse diapasatildeo vislumbra-se o preceito exarado pela Medida Provisoacute-

ria nordm 9612020 dispondo que as regras estabelecidas nesta se aplicam aos

contratos firmados no periacuteodo de calamidade puacuteblica fixado no Decreto Le-

gislativo nordm 62020 ldquoindependentemente do seu prazo ou de suas prorroga-

ccedilotildeesrdquo (art 2ordm par uacutenico)

A Medida Provisoacuteria eacute dotada de caraacuteter transitoacuterio e precaacuterio No en-

tanto haacute uma antinomia entre o caput do art 2ordm e seu paraacutegrafo uacutenico uma

vez que aquele traria uma limitaccedilatildeo de aplicaccedilatildeo para os atos especifica-

mente praticados durante a calamidade puacuteblica enquanto este transferiria a

referecircncia ao contrato Veja-se

Art 2ordm O disposto nesta Medida Provisoacuteria aplica-se aos atos realiza-

dos durante o estado de calamidade reconhecido pelo Decreto Le-

gislativo nordm 6 de 20 de marccedilo de 2020

Paraacutegrafo uacutenico O disposto nesta Medida Provisoacuteria aplica-se aos

contratos firmados no periacuteodo de que trata o caput independente-

mente do seu prazo ou do prazo de suas prorrogaccedilotildees (Grifou-se)

A aplicaccedilatildeo da Medida Provisoacuteria ocorre nos contratos firmados du-

rante a sua vigecircncia nos termos do Decreto Legislativo nordm 062020 Mas apoacutes

o prazo de vigecircncia da calamidade puacuteblica e em um contrato firmado du-

rante esse periacuteodo seria possiacutevel aplicaccedilatildeo da Medida Provisoacuteria

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

48

O Decreto nordm 919117 em seu art 14 III ldquocrdquo dispotildee que os paraacutegrafos

de um artigo satildeo para estabelecer a complementaccedilatildeo do caput do artigo

ou para dispor sobre as exceccedilotildees Resta claro nos termos da LINDB que ldquona

interpretaccedilatildeo de normas sobre gestatildeo puacuteblica seratildeo considerados os obstaacute-

culos e as dificuldades reais do gestor e as exigecircncias das poliacuteticas puacuteblicas a

seu cargo sem prejuiacutezo dos direitos dos administradosrdquo (art 22 caput)

Interpretando portanto o paraacutegrafo uacutenico como uma exceccedilatildeo agrave reda-

ccedilatildeo do caput do art 2ordm constata-se que a aplicaccedilatildeo da Medida Provisoacuteria

ocorreraacute durante toda a vigecircncia contratual incluindo prorrogaccedilotildees aleacutem de

extensatildeo de seus efeitos aos instrumentos substitutivos (art 62 da Lei nordm

866693)

Haacute uma ultratividade das disposiccedilotildees exaradas pela MP nordm 9612020 No

entanto o que causa maiores consideraccedilotildees eacute que esta fora instituiacuteda para

contrataccedilotildees que natildeo visam resolver a questatildeo da pandemia mas tatildeo so-

mente em razatildeo da simples existecircncia dessa circunstacircncia atiacutepica estabele-

cendo inclusive uma adequaccedilatildeo dos limites de dispensa dos incisos I e II do

caput do art 24 da Lei nordm 866693 bem como instituindo o mecanismo de

antecipaccedilatildeo de pagamentos

Esse instituto do pagamento antecipado eacute possiacutevel nos termos do art

1ordm II da Medida Provisoacuteria como forma indispensaacutevel para obter o bem ou

assegurar a prestaccedilatildeo de serviccedilos ou caso propicie significativa economia de

recursos

Haacute portanto visiacutevel impacto financeiro ao eraacuterio levando-se em consi-

deraccedilatildeo a realizaccedilatildeo de algum equiliacutebrio econocircmico12 contratual futuro com

fulcro no art 65 II ldquodrdquo e sect6ordm da Lei nordm 866693 e os efeitos extensivos do art

2ordm paraacutegrafo uacutenico da Medida Provisoacuteria nordm 9612020

A Emenda Constitucional nordm 1062020 versa uma exceccedilatildeo a ldquoRegra de

Ourordquo da responsabilidade fiscal ndash proiacutebe que os ordenadores de despesas

realizem operaccedilotildees de creacutedito em importes superiores agraves despesas de capital

exceto se o Poder Legislativo dispuser em sentido contraacuterio para a abertura de

creacutedito suplementar ou especial com finalidade precisa (art 167 III CRFB88)

ndash veja-se

Art 4ordm Seraacute dispensada durante a integralidade do exerciacutecio finan-

ceiro em que vigore a calamidade puacuteblica nacional de que trata o

art 1ordm desta Emenda Constitucional a observacircncia do inciso III do

caput do art 167 da Constituiccedilatildeo Federal

12 ldquoEquiliacutebrio econocircmico ou equiliacutebrio financeiro do contrato administrativo [] eacute a correlaccedilatildeo

entre objeto do contrato e sua remuneraccedilatildeo originariamente prevista e fixada pelas par-

tes em nuacutemeros absolutos ou em escala moacutevel Essa correlaccedilatildeo deve ser conservada du-

rante toda a execuccedilatildeo do contrato mesmo que alteradas as claacuteusulas regulamentares da

prestaccedilatildeo ajustada a fim de que se mantenha a equaccedilatildeo financeira ou por outras pala-

vras o equiliacutebrio econocircmico-financeiro do contratordquo (MEIRELLES 1996 p 165)

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

49

Paraacutegrafo uacutenico O Ministeacuterio da Economia publicaraacute a cada 30

(trinta) dias relatoacuterio com os valores e o custo das operaccedilotildees de creacute-

dito realizadas no periacuteodo de vigecircncia do estado de calamidade puacute-

blica nacional de que trata o art 1ordm desta Emenda Constitucional

(BRASIL Emenda Constitucional nordm 1062020 on line) (Grifou-se)

O intuito da ldquoRegra de Ourordquo eacute evitar o descontrole nas contas puacuteblicas

impossibilitando que os gestores puacuteblicos se endividem custeando despesas

presentes que natildeo beneficiaratildeo as geraccedilotildees futuras A complexidade estaacute

neste ponto segundo expotildee Folloni naquilo que natildeo pode ser controlado

Como o proacuteprio autor menciona ldquo[] se o complicado pode ser resolvido o

complexo natildeo se resolve administra-serdquo (FOLLONI 2016 p 36)

Mas diante da situaccedilatildeo de excepcionalidade provocada pela pande-

mia COVID-19 depreende-se que eacute crucial custear (ou administrar) as despe-

sas atuais desde que direcionadas ao enfrentamento daquela

Por isso pela interpretaccedilatildeo sistemaacutetica da Emenda Constitucional nordm

1062020 (art 1ordm cc art 3ordm) que visa atender apenas agraves necessidades de-

correntes da pandemia COVID-19 coerente eacute a exceccedilatildeo de inobservacircncia

do art 167 III da CRFB88

Crucial destacar no entanto que as contas puacuteblicas haacute muito natildeo es-

tatildeo em consonacircncia com equiliacutebrio financeiro Em 2018 eg estas tiveram um

deacuteficit primaacuterio de R$ 108 bilhotildees correspondente a 157 do Produto Interno

Bruto (PIB) (G1 on line) Conforme o Secretaacuterio do Tesouro Nacional Mansueto

Almeida em audiecircncia realizada no Senado Federal para acompanhar as

accedilotildees do governo de enfrentamento agrave COVID-19 a ldquoregra de ourordquo deve ser

descumprida ateacute 2023 (BRASIL Senado notiacutecias on line)

Mas se for aplicada a exceccedilatildeo exarada pela Emenda Constitucional

nordm 1062020 de que eacute viaacutevel a incidecircncia da inobservacircncia da ldquoRegra de

Ourordquo para as hipoacuteteses de contrataccedilotildees direta de obras serviccedilos de enge-

nharia outros serviccedilos e compras nos termos da Medida Provisoacuteria nordm

9612020 inclusive com a interpretaccedilatildeo do art 2ordm paraacutegrafo uacutenico desse di-

ploma os impactos seratildeo de monta severa podendo ser inclusive estabele-

cido a posteriori pelo Tribunal de Contas como um ato de improbidade ad-

ministrativa

Esse tipo de contrataccedilatildeo eacute considerado conforme o Manual do Tesouro

Nacional como operaccedilotildees de creacutedito que compotildeem a diacutevida fundada ou

consolidada ou seja geram compromissos de exigibilidade superior a doze

meses contraiacutedos dentre outras hipoacuteteses para o financiamento de obras e

serviccedilos puacuteblicos (art29 I da Lei Complementar Federal nordm1012000)

Se for compreendida uma interpretaccedilatildeo extensiva como a realizada no

Parecer nordm 000122020CNMLCCGUAGU possibilitando aplicar as exceccedilotildees

exaradas na Emenda Constitucional nordm1062020 para as inovaccedilotildees legislativas

firmadas apenas em razatildeo desse periacuteodo mas natildeo para enfrentar direta-

mente a calamidade puacuteblica as contrataccedilotildees diretas realizadas com fulcro

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

50

na MP nordm 9612020 seratildeo beneficiadas principalmente no que tange a viabi-

lidade de antecipaccedilatildeo de pagamentos

Denota-se um silencioso agravamento portanto do deacuteficit primaacuterio

ainda mais se levarmos em consideraccedilatildeo que se trata de mera manobra le-

gislativa sob a alegativa de proteccedilatildeo de um interesse puacuteblico

Outrossim mesmo sem a conversatildeo em lei essa MP nordm 9612020 imbu-

iacuteda da discricionariedade puacuteblica de relevacircncia e urgecircncia albergada pela

Carta Maior ramificou seus efeitos nos contratos firmados durante esse periacute-

odo de sua vigecircncia podendo perpassar a proacutepria Emenda Constitucional nordm

1062020 culminando aos gestores puacuteblicos a observacircncia da regra constitu-

cional exarada no art 167 III da CRFB88

Efeitos esses que em sua imprecisatildeo podem afetar seriamente o Eraacuterio

Haacute de se impor limitaccedilatildeo ao alcance da MP nordm 9612020 tornando-a conso-

ante a legalidade que se exige e jaacute existe com a aplicaccedilatildeo da proacutepria Lei nordm

866693 que institui as regras baacutesicas para a contrataccedilatildeo com a Administra-

ccedilatildeo Puacuteblica conforme jaacute visto alhures

A atual situaccedilatildeo de pandemia pelo COVID-19 natildeo obstante se reco-

nheccedila sua emergecircncia natildeo eacute motivo suficiente para ultrapassar as disposi-

ccedilotildees legislativas impondo um regime de contrataccedilatildeo direta especiacutefica sem

estudos e anaacutelises precisas sobre a contrataccedilatildeo ao mesmo tempo em que tal

cenaacuterio traz em si efeitos imprecisos sobre aplicaccedilatildeo das normas e os efeitos

dela decorrentes

Por isso que diante da imprecisatildeo do contexto complexo em que se

insere deve-se agir com cautela a fim de proteger a Administraccedilatildeo Puacuteblica

de gastos exorbitantes ou o proacuteprio colapso do sistema de sauacutede em tempos

de pandemia

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Agrave guisa de conclusatildeo constata-se o que haacute muito eacute dito na seara aca-

decircmica o Paiacutes necessita de uma reforma na Administraccedilatildeo Puacuteblica principal-

mente no que concerne agraves licitaccedilotildees e aos contratos puacuteblicos permitindo um

diaacutelogo e uma anaacutelise mas natildeo perpeacutetuo como a PL nordm 129295

Esperar uma situaccedilatildeo de excepcionalidade para produzir legislaccedilotildees

sob a alegativa de uma suposta falta normativa ou por excesso de formalismo

da existente natildeo eacute aconselhaacutevel

A pandemia COVID-19 trouxe um alerta quanto a isto Foram criadas

uma Emenda Constitucional de efeitos temporaacuterios uma lei especiacutefica para

que os gestores puacuteblicos possam combater a pandemia e uma Medida Provi-

soacuteria que propotildee alteraccedilotildees nas legislaccedilotildees existentes no que concerne a lici-

taccedilotildees e regras de pagamento dos contratos apenas em razatildeo desse periacute-

odo de calamidade puacuteblica

Imbuiacutedas de legalidade e de suposta salvaguarda do interesse puacuteblico

essas inovaccedilotildees legislativas podem apresentar uma nova perspectiva no que

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

51

tange agraves contrataccedilotildees diretas para a atuaccedilatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica

como a Lei nordm 139792020 mas na mesma toada podem ser um ldquocheque

em brancordquo para a atuaccedilatildeo do gestor puacuteblico principalmente no caso da

Medida Provisoacuteria nordm 9612020 vindo agrave lume apenas em razatildeo do periacuteodo e

natildeo para efetivamente enfrentaacute-lo

Reiteramos que a MP nordm 9612020 eacute dotada de inconstitucionalidade

material por violaccedilatildeo da proacutepria Emenda Constitucional nordm1062020 uma vez

que fora criada apenas em razatildeo do estado de calamidade puacuteblica esta-

belecido pelo Decreto Legislativo nordm 62020 Teraacute igualmente esse diploma

normativo consequecircncias severas nas contas puacuteblicas pois ldquoadequardquo valores

para as contrataccedilotildees diretas possibilita pagamentos antecipados e ainda eacute

dotada de uma ultratividade

A Emenda Constitucional nordm 1062020 por sua vez permite uma quebra

na Regra de Ouro durante o periacuteodo de emergecircncia de sauacutede puacuteblica de

importacircncia internacional Outrossim possibilita algumas excepcionalidades

como a observacircncia de regularidade perante a Previdecircncia Social permi-

tindo a contrataccedilatildeo com empresas que em um periacuteodo de normalidade natildeo

se cogitaria Administraccedilatildeo Puacuteblica

Concessotildees legislativas a fim de que a Administraccedilatildeo Puacuteblica tenha

como salvaguardar o direito fundamental agrave sauacutede natildeo podem implicar em

inobservacircncia dos impactos orccedilamentaacuterios Tampouco dispor que a situaccedilatildeo

de calamidade puacuteblica pode corroborar na inobservacircncia ou readequaccedilatildeo

de normas jaacute existentes e que facilmente podem atender a atuaccedilatildeo da Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica

O descompasso entre receitas e despesas puacuteblicas durante esse periacute-

odo de pandemia agrava ainda mais a situaccedilatildeo fraacutegil que vem passando a

economia nacional As consequecircncias dessa pandemia legislativa e por con-

seguinte de contrataccedilotildees diretas seratildeo temeraacuterias

A pesquisa abrange temas da Economia Planejamento Sauacutede Direitos

Humanos Administraccedilatildeo Gestatildeo Poliacuteticas Puacuteblicas assuntos que envolvem

organizaccedilotildees do governo e que demandam o diaacutelogo entre instituiccedilotildees in-

clusive entre as vaacuterias esferas de governo O pensamento complexo busca

oferecer uma alternativa para se estabelecer um diaacutelogo inter extra instituci-

onal e transdisciplinar para uma melhor gestatildeo puacuteblica ante a complexidade

de poliacuteticas que envolvem interesses de todos

O pensamento complexo eacute rico e pode ser utilizado em vaacuterios ramos do

conhecimento Sua maior contribuiccedilatildeo estaacute em oferecer uma alternativa epis-

temoloacutegica para que o pesquisador e aplicador do Direito possa entender os

problemas atuais e emergentes do mundo juriacutedico e da vida A ciecircncia se

transformou o mundo mudou e pensar dentro de uma caixa natildeo tem sido a

uacutenica soluccedilatildeo para problemas cada vez mais sistecircmicos e interconectados A

pandemia colocou o mundo em cheque eacute preciso uma nova perspectiva de

atuaccedilatildeo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

52

REFEREcircNCIAS

BELCHIOR Germana Parente Neiva Belchior Fundamentos epistemoloacutegicos do Direito

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BINENBOJM Gustavo Uma teoria do direito administrativo direitos fundamentais de-

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Editora Cultrix 2018

FOLLONI Andreacute Introduccedilatildeo agrave teoria da complexidade Curitiba Juruaacute 2016

G1 ECONOMIA Entenda o que eacute a Regra de Ouro Disponiacutevel em https

g1globocomeconomianoticia20190605entenda-o-que-e-a-regra-de-

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JENKINS Kate A Reforma do Serviccedilo Puacuteblico no Reino Unido In PEREIRA Luiz Carlos

Bresser SPINK Peter K Reforma do Estado e administraccedilatildeo puacuteblica gerencial 2 ed

Rio de Janeiro FGV 1998

MEIRELLES Hely Lopes Licitaccedilatildeo e Contrato Administrativo 11 ed atualizada por Eu-

rico de Andrade Azevedo Satildeo Paulo Malheiros 1996

MELLO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de direito administrativo 32 ed Satildeo Paulo

Editora Malheiros 2015

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

53

MORIN Edgar Introduccedilatildeo ao pensamento complexo Traduccedilatildeo de Eliane Lisboa 5

ed Porto Alegre Sulina 2015

54

DIREITO SISTEcircMICO

o modelo de constelaccedilatildeo de

Bert Hellinger e a teoria da

complexidade de Edgar Morin ndash

convergecircncias e significacircncias

Janaina Vall1

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 31 O modelo de constelaccedilatildeo de Bert Hellin-

ger 32 A teoria da complexidade de Edgar Morin 33 Convergecircn-

cias e significacircncias para o direito sistecircmico Consideraccedilotildees finais

Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

Diante das demandas da sociedade perante o sistema judiciaacuterio prin-

cipalmente relacionadas ao acuacutemulo cada vez maior de processos e agrave mo-

rosidade de suas soluccedilotildees eacute natural que se procurem abordagens que auxi-

liem na resoluccedilatildeo desses dois grandes problemas Afinal como diminuir a so-

brecarga do Judiciaacuterio e agilizar seus processos Dentre as estrateacutegias mais

estudadas e praticadas atualmente estatildeo a conciliaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo

O novo Coacutedigo de Processo Civil em seu artigo 3ordm privilegia a concilia-

ccedilatildeo a mediaccedilatildeo e outros meacutetodos de soluccedilatildeo consensual de conflitos Estes

devem ser estimulados por juiacutezes advogados defensores puacuteblicos e membros

do Ministeacuterio Puacuteblico inclusive no curso do processo judicial (BRASIL 2015)

A conciliaccedilatildeo eacute um mecanismo autocompositivo de soluccedilatildeo de confli-

tos e pode ser tanto extrajudicial (ocorre antes do processo judicial) como ju-

dicial (durante o processo judicial) Conta com a participaccedilatildeo de um terceiro

imparcial e capacitado que orientado pelo diaacutelogo entre as partes envolvi-

das escuta-as promove discussatildeo e se for o caso sugere soluccedilotildees compatiacute-

veis com o interesse de ambos Jaacute a mediaccedilatildeo tambeacutem eacute um mecanismo de

soluccedilatildeo de conflitos poreacutem sem o intuito de propor ou sugerir soluccedilotildees ape-

nas com a funccedilatildeo de facilitar a comunicaccedilatildeo entre as partes envolvidas iden-

tificando o conflito real e suas possiacuteveis soluccedilotildees

Eacute importante ressaltar que tanto a conciliaccedilatildeo como a mediaccedilatildeo natildeo

possuem como objetivo maior ldquodesafogarrdquo as vias judiciais ou seja diminuir o

nuacutemero de processos pois um excesso de conciliaccedilotildees eou mediaccedilotildees feitas

1 Graduanda em Direito pela UNI7CE Enfermeira e Doutora em Ciecircncias Meacutedicas pela UFC

CE Membro do Grupo de Pesquisa Ecomplex Direito Complexidade e Meio Ambiente da

UNI7CE cadastrado no CNPq E-mail janaina_vallyahoocombr

3

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

55

de maneira equivocada e errocircnea podem sobrecarregar ainda mais o sis-

tema judiciaacuterio Um acordo desigual ou parcial viola a dignidade do judiciaacuterio

criando contradiccedilatildeo filosoacutefica-existencial no que permite a finalidade princi-

pal dos profissionais do direito (SALES CHAVES 2014) Por si soacute podem ser inefi-

cazes visto que apenas reunir as partes envolvidas pode ser insuficiente na

soluccedilatildeo dos conflitos Essas estrateacutegias podem ateacute eliminar o processo judicial

mas podem natildeo resolver efetivamente os conflitos

Por isso tanto para a conciliaccedilatildeo como para a mediaccedilatildeo haacute necessi-

dade de capacitaccedilatildeo adequada do profissional dito conciliador ou media-

dor bem como uso de abordagens diferenciadas e de efetividade praacutetica O

direito sistecircmico propotildee justamente conciliar ateacute a total extinccedilatildeo do processo

com real soluccedilatildeo do conflito Muitas vezes doutrina e praacutetica percorrem tra-

jetoacuterias conflitantes poreacutem devem estar inter-relacionadas e interdependen-

tes jaacute que a teoria sem a praacutetica se torna esteacuteril

Neste contexto o objetivo desta pesquisa eacute identificar como o direito

sistecircmico encontra convergecircncias e significacircncias teoacutericas entre o modelo de

constelaccedilatildeo de Bert Hellinger e a teoria da complexidade de Edgar Morin

O direito sistecircmico toma espaccedilo cada vez maior na sociedade nas re-

laccedilotildees sociais poreacutem com mais ecircnfase na soluccedilatildeo de conflitos judiciais Estaacute

presente em mais de quinze tribunais em todo Brasil Em 2016 o Conselho Na-

cional de Justiccedila (CNJ) reconheceu a importacircncia e os benefiacutecios que a jus-

ticcedila vem tendo com a utilizaccedilatildeo da constelaccedilatildeo Observa-se que quando

pelo menos uma das partes participa de uma constelaccedilatildeo antes da audiecircn-

cia de mediaccedilatildeo haacute um crescente iacutendice de acordos nos processos (STORCH

2017) Em 2015 o Tribunal de Justiccedila de Goiaacutes (TJGO) ganhou o precircmio do CNJ

pelo desempenho de meacutetodos inovadores que contribuem para resoluccedilatildeo ou

pacificaccedilatildeo dos conflitos utilizando justamente a constelaccedilatildeo como ferra-

menta (ARAUacuteJO 2015)

A expressatildeo ldquodireito sistecircmicordquo surgiu a partir do direito sob uma oacutetica

baseada nas ordens superiores que regem as relaccedilotildees humanas tendo como

base a ciecircncia das constelaccedilotildees familiares de Bert Hellinger Apesar do termo

ldquoconstelaccedilatildeo familiarrdquo ser o mais utilizado e difundido no mundo opta-se

neste artigo por se utilizar o termo ldquoconstelaccedilatildeo sistecircmicardquo ou apenas ldquocons-

telaccedilatildeordquo visto que o proacuteprio criador do modelo tambeacutem o utiliza como sinocirc-

nimo A esposa de Bert inclusive Sophie Hellinger em palestra proferida no

Brasil em abril de 2017 sugere mudanccedila no termo para algo no sentido de

ldquoconstelaccedilatildeo mundialrdquo ou ldquoconstelaccedilatildeo da humanidaderdquo devido a sua

enorme abrangecircncia e amplitude

Apenas no capiacutetulo especiacutefico deste artigo sobre o modelo de Hellinger

voltar-se-aacute a usar o termo ldquoconstelaccedilatildeo familiarrdquo pois esse eacute o termo da ldquoes-

secircnciardquo deste modelo Tal opccedilatildeo foi adotada com o intuito de facilitar o en-

tendimento para os leitores jaacute que a expressatildeo ldquofamiliarrdquo pode restringir a

compreensatildeo no acircmbito familiar utilizado apenas em resoluccedilatildeo de conflitos

nas Varas de Famiacutelia quando na verdade a constelaccedilatildeo pode ser aplicada

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

56

em qualquer aacuterea desde questotildees cotidianas de pequenos conflitos ateacute con-

flitos maiores trabalhados pelo direito em suas diversas aacutereas (administrativo

empresarial penal tributaacuterio entre outros)

A constelaccedilatildeo vai aleacutem de soluccedilatildeo de questotildees apenas pessoais (pro-

postas inicialmente por Bert Hellinger) porque o modelo pode abranger e ser

aplicado a todas as ciecircncias inclusive a ciecircncia juriacutedica visto que as pessoas

se guiam na praacutetica no caso concreto natildeo apenas pelo ordenamento juriacute-

dico positivado mas por suas relaccedilotildees pessoais familiares sociais profissionais

e espirituais

As partes envolvidas no processo juriacutedico quando confrontadas com a

verdade com o que estaacute oculto e ldquosegredosrdquo que antecedem a instalaccedilatildeo

do conflito passam de uma postura litigante para uma posiccedilatildeo consensual

O juiz passa entatildeo a atuar tambeacutem como conciliador e mediador proferindo

sentenccedilas pacificadoras

Haacute registros do grande ecircxito do direito sistecircmico na resoluccedilatildeo de confli-

tos em todo o mundo inclusive o Brasil vem aumentando muito os iacutendices de

conciliaccedilotildees com a utilizaccedilatildeo dos princiacutepios e teacutecnicas das constelaccedilotildees sis-

tecircmicas para a resoluccedilatildeo de conflitos na Justiccedila afirma Storch (2016) pioneiro

na aacuterea no Brasil que estuda a temaacutetica desde 2004 Storch eacute Juiz de Direito

do Estado da Bahia atualmente doutorando com a tese na temaacutetica ldquoDireito

Sistecircmico a resoluccedilatildeo de conflitos por meio da abordagem sistecircmica feno-

menoloacutegica das constelaccedilotildees familiaresrdquo Storch utiliza a forccedila do cargo de

Juiz em seus julgamentos e conduccedilatildeo de audiecircncias para auxiliar na busca

por soluccedilotildees que natildeo apenas ponham fim ao processo judicial mas que real-

mente resolvam os conflitos trazendo paz ao sistema (STORCH 2017)

O direito sistecircmico objetiva encontrar a verdadeira soluccedilatildeo para um

conflito e natildeo apenas para uma das partes mas para ambas pois abrange

todo o sistema envolvido no conflito Compreender como funciona esse sis-

tema e sua influecircncia sobre as partes envolvidas eacute uma das funccedilotildees do direito

sistecircmico Eacute a praacutetica do direito ldquoterapecircuticordquo A constelaccedilatildeo eacute intriacutenseca ao

conceito de direito sistecircmico

Muitos podem alegar que seria a uniatildeo da ciecircncia da psicologia com a

ciecircncia do direito e natildeo seria errado afirmar tal relaccedilatildeo No entanto para

atuar no direito sistecircmico haacute apenas o preacute-requisito de ser graduado em di-

reito mas natildeo em psicologia poreacutem com a formaccedilatildeo de constelador num

curso de no miacutenimo 96 horas (STORCH 2016) Devido aos excelentes resulta-

dos na praacutetica haacute consequente crescimento da demanda por esta formaccedilatildeo

e capacitaccedilatildeo para expansatildeo desse trabalho Aleacutem da formaccedilatildeo baacutesica

para constelador jaacute existe inclusive no Brasil a poacutes-graduaccedilatildeo em niacutevel de

especializaccedilatildeo (com carga horaacuteria de 384) reconhecida pelo Ministeacuterio da

Educaccedilatildeo e Cultura ndash MEC (STORCH 2017)

Para alcanccedilar o objetivo desta pesquisa a metodologia adotada foi

uma pesquisa teoacuterica descritiva mediante exploraccedilatildeo de fontes bibliograacuteficas

com as principais obras dos autores em estudo e um diaacutelogo entre seus con-

ceitos traccedilando convergecircncias e correlaccedilotildees com o direito sistecircmico

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

57

Primeiramente seratildeo apresentados os princiacutepios do modelo da conste-

laccedilatildeo de Bert Hellinger e apoacutes seguir-se-aacute com a descriccedilatildeo da teoria da com-

plexidade de Edgar Morin Apoacutes mediante diaacutelogo entre as teorias seratildeo tra-

ccediladas as correlaccedilotildees entre elas e sua aplicaccedilatildeo na praacutetica juriacutedica

31 O MODELO DE CONSTELACcedilAtildeO DE BERT HELLINGER

A constelaccedilatildeo familiar foi criada por Bert Hellinger (ainda vivo hoje com

92 anos) Bert nasceu na Alemanha em 1925 formado em teologia e peda-

gogia e mediante uma formaccedilatildeo e experiecircncias em campos variados como

a psicanaacutelise e a anaacutelise transacional criou o modelo das constelaccedilotildees am-

plamente difundido no mundo

Constelaccedilatildeo eacute o coletivo de estrelas de um sistema por isso a palavra

originou o termo constelaccedilatildeo familiar onde o sujeito eacute o centro do sistema

social em que se insere e vivencia naquele momento especiacutefico da constela-

ccedilatildeo (HAUSNER 2007)

Sophie Hellinger afirma categoricamente que a constelaccedilatildeo familiar

natildeo eacute um meacutetodo mas um modelo (ou abordagem terapecircutica) visto que

todo meacutetodo descreve um uacutenico caminho em busca de um resultado e pode

ser reproduzido quantas vezes forem necessaacuterias A constelaccedilatildeo familiar eacute

uacutenica cada uma delas mesmo com as mesmas pessoas e os mesmos conflitos

envolvidos sempre seraacute uacutenica como um rio que passa e nunca se pode tomar

banho neste mesmo rio Sempre seraacute uma experiecircncia uacutenica e de impossiacutevel

repeticcedilatildeo (HELLINGER 2017)

Constelaccedilatildeo familiar eacute um modelo psicoteraacutepico que estuda as emo-

ccedilotildees e energias que consciente ou inconscientemente satildeo acumuladas por

todos os seres humanos e mediante uma abordagem sistecircmica gera com-

preensatildeo de todos os fatores envolvidos nos conflitos Eacute aplicado tanto para

auxiliar na identificaccedilatildeo do real problema em questatildeo como para direcionar

suas accedilotildees em direccedilatildeo agrave soluccedilatildeo deste problema mediante o movimento de

trazer agrave tona a consciecircncia da origem do conflito

Eacute preciso compreender a comunicaccedilatildeo interpessoal (seja verbal es-

crita corporal) principalmente no acircmbito familiar pois eacute a famiacutelia que estaacute

inserida na sociedade e natildeo apenas o indiviacuteduo Explicitar os ruiacutedos que inter-

ferem na comunicaccedilatildeo familiar eacute uma das funccedilotildees essenciais das constela-

ccedilotildees familiares (BASSOI 2016)

A maturidade do ser humano tanto fiacutesica como mentalmente nada

mais eacute do que uma coleccedilatildeo de experiecircncias armazenadas em cada uma das

ceacutelulas do corpo humano Segundo Sophie Hellinger quanto mais vivida a

pessoa mais experiecircncias ela possui e mais evoluiacuteda e complexa ela eacute (HEL-

LINGER 2017) O que faz a constelaccedilatildeo acontecer de maneira espontacircnea e

natildeo voluntaacuteria eacute justamente a interaccedilatildeo do vazio de uma pessoa com o vazio

da outra O corpo natildeo mente por isso as reaccedilotildees corporais numa constelaccedilatildeo

familiar podem ser as mais variadas mas as ceacutelulas trazem sempre agrave tona a

verdade

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

58

Neste contexto ao viver em sociedade cada ser humano cria em torno

de si um campo onde se manifesta sua energia que direciona suas atitudes

Durante uma constelaccedilatildeo familiar eacute justamente essa energia que se manifesta

e os resultados seratildeo sempre uacutenicos e as opccedilotildees de resoluccedilatildeo de conflitos in-

finitas

Natildeo eacute objetivo deste artigo detalhar como se faz uma constelaccedilatildeo fa-

miliar Aos leitores que tenham interesse indica-se a leitura das referecircncias lis-

tadas ao final No entanto faz-se necessaacuteria uma breve exposiccedilatildeo acerca de

sua dinacircmica para entendimento de sua aplicaccedilatildeo no Direito

Uma constelaccedilatildeo familiar pode durar alguns minutos ou ateacute horas po-

reacutem o constelador possui competecircncia para conduzir a dinacircmica em tempo

disponiacutevel no momento Ela pode acontecer de inuacutemeras maneiras uma de-

las eacute iniciando com uma questatildeo a questatildeo central do conflito por exemplo

Muitas vezes a questatildeo ou o problema que a pessoa expotildee natildeo eacute dela mas

vem de seu sistema familiar Fatos como abusos sexuais mortes precoces

abortos suiciacutedios imigraccedilatildeo violecircncia domeacutestica segredos de famiacutelia tecircm

muito ldquopesordquo na dinacircmica da famiacutelia e possuem forccedila demasiada pois acon-

teceram em determinado tempo e podem influenciar na vida das pessoas

futura e eternamente

Todas essas informaccedilotildees podem natildeo ser reveladas previamente mas

apareceratildeo no decorrer da constelaccedilatildeo se estiverem relacionadas ao con-

flito atual ou natildeo visto que a proacutepria pessoa pode natildeo conhecer certos ele-

mentos determinantes para este conflito As proacuteprias pessoas envolvidas na

questatildeo podem ser consteladas ou representadas Se forem duas pessoas en-

volvidas por exemplo estas podem participar de constelaccedilotildees separadas ou

observam uma mesma constelaccedilatildeo com seus representantes Os envolvidos

na dinacircmica natildeo precisam necessariamente representar pessoas podem re-

presentar tambeacutem coisas ou o proacuteprio problema ou conflito Representantes

podem ser incluiacutedos ou excluiacutedos da constelaccedilatildeo conforme necessaacuterio As

pessoas na constelaccedilatildeo satildeo postas uma de frente agrave outra apenas olhando

uma nos olhos da outra sem falar Eacute preciso entrar numa constelaccedilatildeo sem

intenccedilatildeo sem medo sem pena sem julgamento e sem amor essas satildeo as

uacutenicas regras Os representantes se colocam agrave disposiccedilatildeo e vatildeo apenas deixar

que seu corpo ldquofaccedila o que quiserrdquo O corpo eacute apenas a ferramenta que re-

cebe as energias e se comunica de acordo com elas A soluccedilatildeo da constela-

ccedilatildeo estaacute no silecircncio e natildeo na fala Os representantes podem se mover sorrir

chorar Enfim fazer o que se aflorar no momento apoacutes estabelecida a cone-

xatildeo entre os representantes e o conflito O representante simplesmente se co-

loca agrave disposiccedilatildeo E mesmo apenas assistindo natildeo se pode fugir ao envolvi-

mento porque a energia ali gerada eacute muito forte (HAUSNER 2007)

Neste contexto eacute importante diferenciar constelaccedilatildeo familiar de psico-

drama Este uacuteltimo eacute uma teacutecnica usada pela psicologia em que os represen-

tantes conhecem previamente o conflito em questatildeo e tornam-se atores re-

presentando voluntaria e intencionalmente a situaccedilatildeo Na constelaccedilatildeo os

motivos podem nem ser expostos ningueacutem se conhece ou estaacute com intenccedilatildeo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

59

de atuar como numa peccedila teatral Se algum dos representantes comeccedilar

atuar conscientemente com a intenccedilatildeo de ajudar de aproximar as partes ou

favorecer a viacutetima este representante eacute identificado pelo constelador como

coterapeuta e deve ser excluiacutedo imediatamente da constelaccedilatildeo O cotera-

peuta eacute identificado por exercer movimentos bruscos e raacutepidos e sempre com

intenccedilatildeo de conciliar ajudar uma das partes normalmente a viacutetima

As constelaccedilotildees familiares satildeo experiecircncias uacutenicas e infinitas A mesma

pessoa pode ser constelada inuacutemeras vezes pelo mesmo motivo (conflito) o

momento gera diferentes soluccedilotildees Inclusive o proacuteprio problema exposto

pode ser a soluccedilatildeo Ou seja tudo fica como estaacute Tambeacutem a maneira de se

fazer as perguntas durante a constelaccedilatildeo pode jaacute trazer respostas Perguntas

feitas de maneiras certas geram as respostas verdadeiras Da mesma maneira

afirmaccedilotildees podem ser impostas aos representantes numa constelaccedilatildeo

Apesar da estranheza para explicar o fenocircmeno desta experiecircncia de

participar de uma constelaccedilatildeo eacute necessaacuterio buscar ajuda na fiacutesica quacircntica

neste caso especificamente no direito quacircntico Todos os aacutetomos presentes

em qualquer moleacutecula possuem em seu redor um enorme espaccedilo vazio que

a teoria do direito quacircntico chama de ldquodistacircncia de equiliacutebriordquo entre cada

aacutetomo (TELLES JUacuteNIOR 2014) Jaacute a teoria sistecircmica chama este mesmo vazio

de ldquocampo de energiardquo da constelaccedilatildeo familiar Eacute justamente nesse enorme

vazio que tudo acontece nele satildeo armazenados os conhecimentos e experi-

ecircncias tanto individuais como coletivas ou seja o comportamento humano

encontra-se na maioria das vezes consciente ou inconscientemente origina-

se do vazio presente em cada ceacutelula uacutenica do corpo (mesmo com o mesmo

DNA cada ceacutelula eacute diferente da outra) e natildeo apenas armazenadas nas ceacute-

lulas mentais ou cerebrais

Eacute neste vazio que estaacute armazenada a energia que rege todos os atos

ativos e passivos da humanidade No vazio estatildeo as informaccedilotildees necessaacuterias

para compreender a existecircncia humana e seus conflitos bem como erros e

acertos O vazio atrai ou repele determinando a movimentaccedilatildeo dos seres hu-

manos como seres sociais As forccedilas atuantes nesse campo transformam a re-

laccedilatildeo juriacutedica levando ao processo de coesatildeo ou dispersatildeo Aleacutem disso du-

rante uma constelaccedilatildeo familiar estatildeo atuantes predominantemente os neurocirc-

nios chamados espelhos que buscam soluccedilotildees mediante gravaccedilatildeo de ima-

gens e natildeo de forma verbal ou escrita (LEAL-TOLEDO 2010)

O silecircncio faz as energias atuarem Embora a constelaccedilatildeo natildeo seja um

meacutetodo algumas regras devem ser respeitadas para que as energias atuem

livremente Aleacutem de iniciar uma constelaccedilatildeo sem intenccedilatildeo sem medo sem

pena sem julgamento e sem amor tambeacutem eacute necessaacuterio que todos os pre-

sentes estejam de pernas e braccedilos descruzados com celulares desligados

(natildeo apenas no modo silencioso ou modo aviatildeo) sem pessoas escrevendo ou

registrando o momento (com fotos ou viacutedeos)

As constelaccedilotildees familiares segundo o modelo de Hellinger permitem a

consciecircncia dos motivos que levaram agrave instalaccedilatildeo do conflito pontual e me-

diante a constelaccedilatildeo sistecircmica propotildeem soluccedilotildees baseadas nas ordens do

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

60

amor Segundo Hellinger (2007) as pessoas julgam que apenas amor bastante

eacute suficiente e que o amor tem o poder de superar tudo No entanto para que

o amor decirc certo eacute preciso algo mais eacute preciso o conhecimento e o reconhe-

cimento de uma ordem oculta deste amor

Eacute mediante as ordens do amor que se daacute a resoluccedilatildeo de conflitos e pro-

blemas Aqui entende-se amor natildeo restrito ao amor entre casais ou entre fa-

miliares e amigos mas o amor como princiacutepio da solidariedade presente na

humanidade e em cada indiviacuteduo mesmo que no momento latente ou es-

condido pelo oacutedio ou rancor

Eacute excluiacutedo aqui tambeacutem o chamado ldquoamor incondicionalrdquo que nada

tem a ver com as condiccedilotildees para amar Imposiccedilotildees para amar natildeo podem

existir quando se ama algo ou algueacutem A proacutepria composiccedilatildeo da palavra ldquoin-

condicional = sem condiccedilatildeordquo afirma isso sem impor qualquer condiccedilatildeo para

amar (OLIVEIRA 2017)

O amor inevitavelmente estaacute presente seja consciente ou inconscien-

temente Hellinger descreve como trecircs as ordens do amor (1) ordem de per-

tencimento (2) ordem de hierarquia e (3) Ordem de equiliacutebrio (HELLINGER TE-

NHOumlVEL 2007)

Estas leis foram descobertas por meio da aplicaccedilatildeo das constelaccedilotildees

familiares que o proacuteprio Bert Hellinger desenvolveu ao longo de sua vida Em

cada constelaccedilatildeo ele foi deduzindo um conhecimento sobre as leis ocultas

da vida Observava o fenocircmeno e dali deduzia algo que demonstrava en-

quanto uma ordem baacutesica da vida Nenhum trabalho foi extraiacutedo da teoria

para a praacutetica mas o contraacuterio da praacutetica para a teoria

A primeira ordem de pertencimento diz respeito ao fato de que natildeo

importa o que uma pessoa faccedila ela continuaraacute tendo o direito de pertencer

ao sistema familiar Natildeo significa que esteja isenta de puniccedilotildees morais e legais

mas simplesmente ela continuaraacute com o mesmo direito de pertencer agrave famiacutelia

agrave sociedade ao mundo independente de estar livre ou recluso ou de estar

presente fisicamente na famiacutelia atual ou natildeo

A segunda ordem da hierarquia ou ordem de chegada diz respeito a

quem chegou primeiro no ordenamento familiar ou seja sempre os mais ve-

lhos merecem ser olhados com muito respeito e cuidado pois eacute por meio deles

que a famiacutelia estaacute assim instalada e existe efetivamente Mesmo quando os

que chegaram primeiro cometeram erros ao querer modifica-los toda a dinacirc-

mica familiar fica comprometida e se perdem as forccedilas da vida

A terceira lei do equiliacutebrio sempre existe nas accedilotildees de dar e receber e

segue o mesmo raciociacutenio da ordem da hierarquia ou seja os pais datildeo mais

carinho aos filhos pois apenas os filhos precisam dos pais os pais natildeo precisam

dos filhos Eacute assim que a humanidade deveria pensar segundo Bert Hellinger

Ao incorporar essas trecircs leis do amor a humanidade soacute tende a encon-

trar um equiliacutebrio e como consequecircncia a paz mediante soluccedilatildeo da maioria

dos conflitos que emergem basicamente do ambiente familiar

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

61

32 A TEORIA DA COMPLEXIDADE DE EDGAR MORIN

Edgar Morin (ainda vivo com 96 anos) eacute judeu nasceu na Franccedila em

1921 e eacute formado em direito histoacuteria e geografia com atuaccedilatildeo na antropolo-

gia sociologia e filosofia (MORIN MOIGNE 2000)

Ao contraacuterio do que uma grande maioria possa pensar o pensamento

complexo natildeo significa dificuldade mas apenas uma nova forma de enxergar

a realidade buscando justamente o simples ou seja complexidade nada mais

eacute do que aprender a pensar diferente e estar confortaacutevel e capaz para definir

o simples Eacute complexo tudo que natildeo pode se resumir numa palavra-chave o

que natildeo pode ser resumido a uma lei nem a uma ideia simples Trata-se de

uma palavra-problema e natildeo de uma palavra-soluccedilatildeo Eacute exercer um pensa-

mento capaz de lidar com o real de com ele dialogar e conversar A com-

plexidade surge onde o pensamento simplificador falha ela integra em si tudo

que potildee ordem clareza e precisatildeo no conhecimento (MORIN 2007)

A complexidade estaacute no centro da maioria de aparentes conhecimen-

tos dispersos e se desvinculou do sentido comum de complicado para trazer

em si a organizaccedilatildeo sistecircmica na qual o movimento de qualquer coisa ou

pessoa gera o movimento de tudo e de todos A complexidade estaacute no centro

da ldquoconstelaccedilatildeordquo e para que ela se revele faz-se necessaacuterio uma tomada de

consciecircncia para por ordem e clareza ao real revelar as leis que governam

o comportamento (MORIN 2011) Poreacutem essa consciecircncia pode gerar uma

nova ldquocegueirardquo ligada ao uso degradado da razatildeo e as ameaccedilas mais gra-

ves a que a humanidade estaacute sujeita estatildeo ligadas ao progresso cego e in-

controlado do conhecimento

Eacute preciso tomar consciecircncia das consequecircncias dos paradigmas que

mutilam o conhecimento e desfiguram o real Essa inteligecircncia cega destroacutei a

totalidade e isola as coisas e as pessoas do meio em que vivem ldquoOs proble-

mas humanos satildeo entregues natildeo soacute a este obscurantismo cientiacutefico que pro-

duz especialistas ignaros mas tambeacutem a doutrinas obtusas que pretendem

monopolizar sua cientificidaderdquo (MORIN 2006 p 13)

O pensamento complexo deve enfrentar o emaranhado a incerteza a

contradiccedilatildeo A ldquodoenccedilardquo da teoria estaacute no doutrinamento e no dogmatismo

que fecham a teoria nela mesma e a engessam Ao tomar consciecircncia dos

fatos chega-se agrave causa profunda de que o erro natildeo estaacute no erro de fato mas

no modo como se organiza o saber num sistema de ideias (MORIN 2013)

Ainda segundo Morin (2007) o ser humano deve ser prudente poreacutem

sem esterilizar sua vida e natildeo precisa renunciar aos laccedilos de amor Ainda se-

gundo o autor para sobreviver num mundo de aparecircncias como o mundo

atual eacute preciso resgatar a ldquoespumardquo de uma realidade mais profunda que

muitas vezes escapa ao tempo e ao espaccedilo e aos nossos proacuteprios sentidos e

entendimento O mundo de separaccedilatildeo e dispersatildeo eacute o mesmo mundo de

atraccedilatildeo reencontro e exaltaccedilatildeo Todos estatildeo imersos neste mundo de sofri-

mento e felicidade compondo o amor Amor este que eacute o aacutepice mais perfeito

da loucura e da sabedoria visto que amor sabedoria e loucura natildeo apenas

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

62

satildeo inseparaacuteveis mas se interpenetram mutuamente ldquoSe o amor expressa o

aacutepice supremo da sabedoria e da loucura eacute preciso assumir o amorrdquo (MORIN

2007 p 9) Ao fazer de tudo para desenvolver a racionalidade eacute em seu proacute-

prio desenvolvimento que esta racionalidade reconhece os limites da razatildeo e

efetua diaacutelogo com o irracionalizaacutevel

33 CONVERGEcircNCIAS E SIGNIFICAcircNCIAS PARA O DIREITO

SISTEcircMICO

Natildeo haacute registros de que Bert Hellinger e Edgar Morin tenham-se encon-

trado pessoalmente mesmo que ambos sejam ldquovizinhosrdquo europeus ainda vi-

vos hoje e com tantas similaridades em suas teorias No entanto curiosamente

os dois estiveram presentes em um workshop ocorrido em Satildeo Paulo em 2010

sobre a temaacutetica Ampliando olhares em sintonia com o todo a visatildeo sistecirc-

mica e as constelaccedilotildees organizacionais dando formas a novas realidadesrdquo

Ambos compotildeem o rol de teoacutericos mais polecircmicos do final do seacuteculo XX

e seacuteculo XXI juntamente com outras teorias que tambeacutem abordam questotildees

semelhantes como o Direito Quacircntico (citado previamente neste artigo) e a

antroposofia (pedagogia cada vez mais crescente e atuante em todo

mundo por meio das Escolas Waldorf)

Morin eacute o ldquogrande pensador amoroso da educaccedilatildeordquo e Hellinger eacute o

ldquogrande decifrador das ordens do amorrdquo Ambos com praticamente a mesma

idade com pensamentos tatildeo interpenetrantes e conectados com grandes

possibilidades de atuaccedilatildeo da ciecircncia do direito

Representaccedilotildees sistecircmicas como eacute o caso das constelaccedilotildees satildeo um

meacutetodo complexo e as duas teorias se complementam Poreacutem a complexi-

dade e a teoria sistecircmica trazem base cientiacutefica agrave praacutetica Segundo Luca

(2010) eacute preciso investir em outras tecnologias menos teoacutericasdoutrinaacuterias e

talvez ateacute menos ldquocientiacuteficasrdquo e mais fenomenoloacutegicas e transformadoras Eacute

preciso pensar diferente sair da ineacutercia partir dialeticamente da ldquociecircncia nor-

malrdquo rumo agrave ldquociecircncia extraordinaacuteriardquo visto que o conhecimento natildeo eacute estaacute-

tico estaacute em constante transformaccedilatildeo e natildeo eacute imune ao erro A inovaccedilatildeo eacute

necessaacuteria e mesmo incerta pretende explorar as possibilidades mais promis-

soras e menos previstas Eacute enxergar de outros acircngulos o paradigma da mani-

pulaccedilatildeo do Homem pelo proacuteprio Homem (MORIN 2005)

A complexidade estaacute no centro da constelaccedilatildeo a pessoa que estaacute

sendo constelada eacute o ser mais complexo naquele momento O direito sistecirc-

mico faz com que o profissional do direito tenha um olhar para aleacutem do que

aparece nos autos dos processos judiciais e compreenda esta complexidade

Qualquer conflito taacutecito por maior que seja eacute pontual ou seja apenas a

ponta do iceberg pois na maioria das vezes eacute provocado por causas mais

profundas

Entender a complexidade e a teoria sistecircmica sem o envolvimento de

questotildees espirituais eacute tarefa difiacutecil no entanto o caminho eacute pensar na espiritu-

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

63

alidade que difere de religiosidade Os proacuteprios teoacutericos aqui estudados con-

seguiram evoluir neste sentido visto que Morin eacute judeu e Hellinger formado em

teologia

Vale ressaltar que em geral haacute um fasciacutenio pelo papel de viacutetima e no

caso de conflito entre duas pessoas por exemplo as duas assumem o papel

de viacutetima e abandonar esse papel natildeo eacute tarefa nada faacutecil Por quecirc Jaacute que

toda viacutetima sofre Para muitos sofrer significa existir e ter atenccedilatildeo dos outros

O sofrimento recompensa e o sofredor toma uma melhor posiccedilatildeo uma posi-

ccedilatildeo de destaque de pertencimento especial agravequela situaccedilatildeo

O sofrimento leva agrave passividade fazendo com que cada um ldquoempurrerdquo

a responsabilidade de agir para o outro (KUTSCHERA SCHAumlFFLER 2017) Por

isso num processo de conciliaccedilatildeo ou mediaccedilatildeo cada uma das partes envol-

vidas vai agrave audiecircncia com expectativa de que o outro lhe ofereccedila uma solu-

ccedilatildeo nunca pensando em por si reformular uma soluccedilatildeo A constelaccedilatildeo fami-

liar na audiecircncia faz mudar esse estereoacutetipo e cada um assume suas respon-

sabilidades diante do conflito instalado

As trecircs principais convergecircncias entre as teorias estudas satildeo a tomada

de consciecircncia a teoria sistecircmica e o amor como fonte primordial para a re-

soluccedilatildeo de conflitos (com as ordens de pertencimento hierarquia e equiliacutebrio)

Todas essas abordagens se materializam durante a vivecircncia da constelaccedilatildeo

familiar

As constelaccedilotildees podem acontecer em qualquer lugar a qualquer

tempo No entanto um dos momentos mais oportunos para sua realizaccedilatildeo

dentro do acircmbito processual eacute antes da audiecircncia de conciliaccedilatildeo ou media-

ccedilatildeo por meio de vivecircncias coletivas As partes envolvidas satildeo convidadas

(nunca intimadas) a participar da constelaccedilatildeo e as questotildees ocultas vatildeo sur-

gindo haacute um processo progressivo de tomada de consciecircncia e cada um

passa a ver a situaccedilatildeo de maneira mais verdadeira ampliada e profunda Isso

porque neste momento natildeo apenas o conflito ou problema estaacute sendo enxer-

gado mas todo o sistema familiar de cada uma das partes envolvidas Cons-

telaccedilatildeo em salas separadas para cada parte ou junto com uma das partes

se voluntariando ou juntos com representantes para ambos apenas assistindo

Uma questatildeo chave no processo envolve a capacitaccedilatildeo adequada do

profissional do direito visto que todos inclusive ele deve entrar numa conste-

laccedilatildeo sem intenccedilatildeo sem medo sem pena sem julgamento e sem amor Para

um Juiz que tem o papel de julgar torna-se tarefa difiacutecil e praticamente im-

possiacutevel se natildeo houver uma formaccedilatildeo e preparaccedilatildeo competente Da mesma

maneira eacute preciso entrar numa constelaccedilatildeo sem amor para que ela o revele

durante o processo de maneira espontacircnea e natildeo preconcebida

Durante a audiecircncia o juiz conciliador ou mediador tambeacutem pode fa-

zer questionamentos aos envolvidos utilizando frases ou ldquopalavras-chaverdquo que

datildeo significado agravequela situaccedilatildeo de conflito propiciando tomada de consci-

ecircncia do emaranhamento envolvido na questatildeo permitindo que as partes

reconheccedilam sentimentos expostos visualizando a importacircncia de cada um e

possiacuteveis caminhos para que o conflito se desfaccedila ou se minimize (Figura 1)

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

64

Figura 1 - O direito sistecircmico e a resoluccedilatildeo de conflitos

Fonte elaborado pela proacutepria autora

Notas resoluccedilatildeo de conflitos mediante trecircs aspectos convergentes entre o Modelo de Cons-

telaccedilatildeo de Bert Hellinger e a Teoria da Complexidade de Edgar Morin - (1) a tomada de cons-

ciecircncia (2) a teoria sistecircmica ndash por meio da vivecircncia da constelaccedilatildeo familiar e (3) as ordens

do amor (pertencimento hierarquia e equiliacutebrio + ordenamento juriacutedico)

A constelaccedilatildeo mostra de maneira imparcial clara e inequiacutevoca o real

conflito o real problema ali posto independente do escrito nos autos do pro-

cesso Neste momento todos se envolvem para solucionar aquela demanda

facilitando a realizaccedilatildeo do firmamento de um real acordo durante a audiecircn-

cia que traga senatildeo a extinccedilatildeo do processo minimizantes aos agravos paz

equiliacutebrio e harmonia

A resoluccedilatildeo do conflito se daacute para aleacutem do olhar focado no ordena-

mento juriacutedico mas alia o ordenamento do amor conforme preveem tanto

Hellinger como Morin Eacute mediante as ordens do amor (de pertencimento de

hierarquia e equiliacutebrio) que se a resoluccedilatildeo de conflitos e problemas surge O

amor inevitavelmente estaacute presente seja consciente ou inconscientemente

Com o amor a soluccedilatildeo eacute alcanccedilada

O ordenamento juriacutedico impotildee agrave sociedade obrigaccedilotildees autorizaccedilotildees e proibi-ccedilotildees e isto implica necessariamente interaccedilotildees Obviamente tal ordenamento natildeo pode ser desconsiderado na resoluccedilatildeo dos conflitos Trata-se poreacutem apenas da fun-ccedilatildeo instrumental das sociedades humanas e deve estar aliado ao ordenamento do amor

As duas teorias aqui estudadas satildeo promissoras na ciecircncia do direito pois po-dem ser altamente eficazes na soluccedilatildeo de conflitos direcionando accedilotildees a fim de al-canccedilar uma inovaccedilatildeo de atuaccedilatildeo juriacutedica principalmente em sessotildees de conciliaccedilotildees e mediaccedilotildees

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

65

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Qualquer conflito taacutecito por maior que seja eacute pontual ou seja eacute ape-

nas a ponta do iceberg pois satildeo provocados por causas mais profundas que

os autos dos processos judiciais nem sempre satildeo capazes de refletir Assim

uma soluccedilatildeo simplista imposta por uma lei ou decisatildeo judicial pode trazer um

aliacutevio momentacircneo mas natildeo soluciona verdadeiramente o problema

Ainda que o sistema judiciaacuterio privilegie accedilotildees de conciliaccedilatildeo e media-

ccedilatildeo com o intuito de diminuir sua sobrecarga e morosidade se estas concilia-

ccedilotildees e mediaccedilotildees natildeo forem guiadas por meacutetodos modelos e abordagens

especiacuteficas e eficazes natildeo haveraacute uma efetiva resoluccedilatildeo da questatildeo ao con-

traacuterio seraacute uma inflaccedilatildeo maior ainda ao sistema

A eficaacutecia e continuaccedilatildeo do processo de soluccedilatildeo de conflitos na vida

cotidiana dependem da soma de conhecimentos e decisotildees natildeo soacute dos pro-

fissionais do Direito mas dos proacuteprios sujeitos da accedilatildeo judicial e seus familiares

inclusive pois mais do que um processo juriacutedico cuida-se de um fato social

Pode ser apreendida e aplicada por qualquer profissional do direito sejam

juiacutezes advogados promotores defensores desembargadores conciliadores

mediadores delegados

O conciliador e o mediador especificamente buscam nas teorias sub-

siacutedios para realizar esta tarefa da melhor maneira possiacutevel Observa-se que as

teorias aqui selecionadas se aplicam a esse processo em todas as suas etapas

Trata-se de uma soluccedilatildeo terapecircutica de real significacircncia para ambas

as partes que aleacutem de eliminarem a burocracia o desgaste e a onerosidade

judicial vislumbram alternativas para conviver em paz no ambiente familiar e

social O direito sistecircmico traz vantagens tanto para as partes envolvidas no

processo juriacutedico quanto para o profissional do direito que consegue trabalhar

sob menos pressatildeo estresse e com a consciecircncia natildeo apenas do ldquodever cum-

pridordquo da lei aplicada mas do sentido de pertencimento ao mundo juriacutedico

como transformador do sistema e da vida social Eacute a justiccedila restaurativa que

impulsiona mudanccedilas nos paradigmas atuais

Tecirc-las como base eacute essencial mas de maneira cautelosa natildeo como

doutrina pois estas cegam No direito haacute uma supervalorizaccedilatildeo das doutrinas

poreacutem perante a teoria sistecircmica e da complexidade muitas vezes a praacutetica

atrapalha a teoria Sim a praacutetica atrapalha a teoria e natildeo vice-versa pois

quando se aplica a constelaccedilatildeo ao direito o que se vecirc na praacutetica eacute uacutenico

impossiacutevel de reproduzir e dinacircmico portanto impossiacutevel de se doutrinar Ao

mesmo tempo a praacutetica pode contradizer a doutrina a cada constelaccedilatildeo o

que torna impossiacutevel a adoccedilatildeo de determinada doutrina pois esta eacute modifi-

cada a cada instante e natildeo haacute como por subsunccedilatildeo encaixar a realidade

na teoria e nem a teoria se adaptar a cada caso especiacutefico por mais seme-

lhantes que eles pareccedilam

Eacute preciso enxergar o ldquotodordquo poreacutem de maneira especiacutefica Mediante a

individualizaccedilatildeo consciente cada um entendendo seu papel no contexto fa-

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

66

miliar e social eacute que se efetivam dois dos princiacutepios mais importantes do Di-

reito o da socialidade e o da concretude Mediante uma visatildeo sistecircmica do

Direito encontra-se paz e equiliacutebrio para o sistema

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olhares para a contemporaneidade

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68

A INCLUSAtildeO SOCIAL E O PENSAMENTO

COMPLEXO DENTRO DA POLIacuteTICA

NACIONAL DOS RESIacuteDUOS SOacuteLIDOS

Laeacutelia Eugecircnia Correcirca Aragatildeo1

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 41 A inclusatildeo social e sua complexidade

42 O Pensamento Complexo e sua compreensatildeo dentro da Poliacutetica

Nacional de Resiacuteduos Soacutelidos 43 A complexidade na gestatildeo dos re-

siacuteduos soacutelidos Consideraccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

O aumento na produccedilatildeo dos resiacuteduos soacutelidos configura um problema

de grande complexidade na atualidade pois quando natildeo dispostos de forma

adequada geram impactos negativos na seara ambiental econocircmica e so-

cial Cita-se como exemplo a contaminaccedilatildeo dos recursos naturais o au-

mento na quantidade de materiais com valor econocircmico transformados em

lixo e a exclusatildeo social e profissional dosas catadoresas de materiais reciclaacute-

veis

Diante desse cenaacuterio surge em agosto de 2010 a Lei 12305 - Poliacutetica

Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos como uma proposta para resolver os problemas

advindos dos resiacuteduos soacutelidos com uma abordagem de consumo consciente

reciclagem produccedilatildeo sustentaacutevel bem como mudanccedilas de haacutebitos gerando

benefiacutecios social ambiental e econocircmico Em razatildeo dessa legislaccedilatildeo osas

catadoresas de materiais reciclaacuteveis tornaram-se mais visiacuteveis para a socie-

dade moderna diante do seu papel desempenhado frente ao processo de

coleta operacionalizaccedilatildeo e reciclagem do lixo

A mencionada lei preocupou-se em proporcionar para osas catado-

resas de materiais reciclaacuteveis a inclusatildeo social e a emancipaccedilatildeo econocircmica

ou seja buscou-se resolver um problema social marcado pela pobreza desi-

gualdade e exclusatildeo atraveacutes da geraccedilatildeo de renda e da oferta de poliacuteticas

sociais Aduz os direitos sociais como a habitaccedilatildeo educaccedilatildeo alimentaccedilatildeo

e sauacutede estariam garantidos passando a ideia de que as pessoas que labo-

ram manuseando o lixo passem da execuccedilatildeo de um trabalho sem visibilidade

para um trabalho digno e organizado

Nesse vieacutes a proposta de inclusatildeo social contida na Poliacutetica Nacional

dos Resiacuteduos Soacutelidos necessita de uma anaacutelise dentro do pensamento com-

plexo haja vista que a referida lei tem uma visatildeo socioambiental sustentaacutevel

1 Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Cearaacute (UFC

CE) Especialista em Direito Urbaniacutestico e Ambiental pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica

de Minas Gerais (PUCMG) Pesquisadora do Grupo Ecomplex Direito Complexidade e

Meio Ambiente da UNI7CE E-mail laeliaaragaohotmailcom

4

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

69

e complexa trazendo a participaccedilatildeo e destaque dosas catadoresas de ma-

teriais reciclaacuteveis como sujeitos principais para a efetivaccedilatildeo da proteccedilatildeo am-

biental

Destaca-se que a intenccedilatildeo do artigo eacute proporcionar uma reflexatildeo

acerca do processo de inclusatildeo social contido na Poliacutetica Nacional dos Resiacute-

duos Soacutelidos tendo como fio condutor o pensamento complexo Assim questi-

ona-se como ocorre o processo de inclusatildeo social contido na PNRS sob a

perspectiva do pensamento complexo

Como hipoacutetese o processo de inclusatildeo social de acordo com o pensa-

mento complexo propotildee que haja uma rede de interaccedilotildees para que ocorra

com eficiecircncia a inclusatildeo social pois essa inclusatildeo em si natildeo se trata apenas

de um aspecto social a ser observado e sim de vaacuterios outros fatores que me-

recem ser alinhados de forma clara e efetiva

O artigo teve como base o meacutetodo hipoteacutetico-dedutivo iniciando com

uma inquietaccedilatildeo por meio de um problema passando pela formulaccedilatildeo de

uma hipoacutetese e posteriormente por um processo de inferecircncia dedutiva tes-

tando a previsatildeo da ocorrecircncia da hipoacutetese levantada

Diante do exposto o trabalho organiza-se em trecircs toacutepicos o primeiro

refere-se a anaacutelise complexa da inclusatildeo social presente na PNRS No segundo

toacutepico aborda-se a PNRS utilizando como fio condutor o pensamento com-

plexo e finalizando a discussatildeo o terceiro toacutepico examina a gestatildeo dos resiacute-

duos soacutelidos trazendo a participaccedilatildeo dosas catadoresas de materiais reci-

claacuteveis

41 A INCLUSAtildeO SOCIAL E SUA COMPLEXIDADE

A Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos em seu artigo 6ordm inciso III utiliza

como abordagem uma visatildeo sistecircmica na gestatildeo dos resiacuteduos soacutelidos Nesse

vieacutes percebe-se que essa visatildeo traz em sua estrutura o alinhamento das vari-

aacuteveis ambiental social cultural econocircmica tecnoloacutegica e de sauacutede puacuteblica

Sendo por sua vez considerado um princiacutepio dentro da PNRS

Essa visatildeo sistecircmica permite apreender que a gestatildeo dos resiacuteduos soacutelidos

natildeo pode ser feita dentro de uma perspectiva isolada em face das variantes

mencionadas no artigo 6ordm da PNRS Logo a visatildeo sistecircmica como princiacutepio e

natildeo como instrumento enseja sua compreensatildeo distante do paradigma que

impera soberano o das ciecircncias em que prevalece a linearidade e a supres-

satildeo como loacutegica fundamental delas

O entendimento sistecircmico requer uma compreensatildeo dentro de um con-

texto de forma a estabelecer a natureza das relaccedilotildees A principal caracteriacutes-

tica da disposiccedilatildeo dos organismos vivos eacute a natureza hieraacuterquica ou seja a

tendecircncia para formar estruturas de vaacuterios niacuteveis dentro de sistemas Cada um

dos sistemas forma um todo com relaccedilatildeo as suas partes e tambeacutem eacute parte de

um todo A existecircncia de diferentes niacuteveis de complexidade com diferentes

tipos de leis operando em cada niacutevel forma a concepccedilatildeo de complexidade

organizada (VASCONCELLOS 2010)

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

70

Dessa forma quando esse paradigma prevalece estabelece a separa-

ccedilatildeo entre sujeito e objeto assim como filosofia (como investigaccedilatildeo reflexiva)

e ciecircncia (investigaccedilatildeo objetiva) A consequecircncia dessa separaccedilatildeo ou dis-

junccedilatildeo eacute o culto do individualismo assim como o materialismo da ciecircncia gui-

ada pela teacutecnica e por dados quantitativos que formam as especialidades

(MORIN 2011)

Por consequecircncia a visatildeo sistecircmica incentiva um novo paradigma es-

trutural da sociedade a partir da qual as vertentes ambiental social cultural

econocircmica tecnoloacutegica e de sauacutede puacuteblica de acordo com a PNRS passam

a ser exploradas conjuntamente o que evidencia uma nova forma de perce-

ber a gestatildeo dos resiacuteduos como tambeacutem o processo de inclusatildeo dosas ca-

tadoresas

Nessa perspectiva a inclusatildeo social natildeo pode ser compreendida de

forma isolada pois o termo compreende ldquoem fazer parterdquo assim esse fazer

parte natildeo ocorre atraveacutes de partes isoladas A compreensatildeo natildeo pode ser

dissociada do pensamento complexo pois a realidade eacute feita de interaccedilotildees

e o nosso conhecimento eacute incapaz de perceber a complexidade dessas inte-

raccedilotildees ou seja o tecido que junta tudo Portanto o conhecimento torna-se

cada vez mais pertinente quando eacute possiacutevel encaixaacute-lo em um contexto mais

global (MORIN 2006)

Essa mudanccedila de paradigma gera uma perspectiva holiacutestica no acircm-

bito da legislaccedilatildeo e proporciona um novo enfoque multidisciplinar na gestatildeo

dos resiacuteduos soacutelidos os quais devem tambeacutem alcanccedilar as medidas de geren-

ciamento e a accedilatildeo dos agentes sociais Parte-se de uma compreensatildeo trans-

disciplinar no que tange a sistematicidade que a PNRS aborda em toda sua

estrutura como tambeacutem o enfoque aos agentes sociais natildeo somente as em-

presas e o poder puacuteblico mas sim osas catadoresas de materiais reciclaacuteveis

que desempenham uma funccedilatildeo relevante em toda essa estrutura gerencial

dos resiacuteduos

Alinhando a visatildeo sistecircmica ao pensamento complexo podemos inferir

que o pensamento complexo natildeo eacute uma receita pronta mas sim um desafio

de forma que fomente o pensar natildeo significa completude mas sim busca

mostrar que haacute incompletude do pensamento por conta da fragmentaccedilatildeo e

o objetivo primordial eacute superar essa falsa ideia de fragmentaccedilatildeo (MORIN

2002)

O pensamento complexo compreende o reconhecimento do inaca-

bado do incompleto a partir da percepccedilatildeo da inexistecircncia de saberes ab-

solutos e da constataccedilatildeo dos limites da razatildeo Na teoria da complexidade

todo sistema vivo gera relaccedilotildees complexas complementares recorrentes e

antagocircnicas

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

71

Corroborando com este entendimento Boeira (2012 p 250) destaca

que

[] princiacutepio sistecircmico ou organizacional liga o conhecimento das

partes ao conhecimento do todo A ideia sistecircmica eacute oposta agrave redu-

cionista (lsquoo todo eacute mais do que a soma das partesrsquo) A organizaccedilatildeo

do todo produz qualidades novas em relaccedilatildeo agraves partes consideradas

isoladamente as emergecircncias Mas o todo eacute tambeacutem menos do que

a soma das partes cujas qualidades satildeo inibidas pela organizaccedilatildeo

do todo

Dessa forma a ideia do pensamento complexo e de um novo para-

digma natildeo significa ignorar ou derrubar o pensamento formal e quantificador

presente na ciecircncia moderna mas sim ultrapassar a crenccedila que tal pensa-

mento instituiu que aquilo que natildeo eacute quantificaacutevel ou formalizaacutevel faz parte

do irreal ou seja natildeo existe na realidade social econocircmica ou cultural (MO-

RIN 2002)

O fundamento consiste em conseguir reunir dualidades sem que as uni-

dades sejam perdidas ou seja loacutegicas e princiacutepios coexistem sem que haja

anulaccedilatildeo de um sobre o outro mas sim complementariedade Nesse vieacutes a

ideia na Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos eacute promover esse alinhamento

entre os diversos setores com o objetivo de favorecer uma gestatildeo eficiente e

adequada

Por conseguinte natildeo haacute como isolar a inclusatildeo social pois ela necessita

da articulaccedilatildeo de outros setores sociais poliacuteticos e econocircmicos para que sua

atuaccedilatildeo seja efetiva Alinhando-se com o pensamento complexo de Morin

observa-se que o propoacutesito do pensamento complexo eacute sensibilizar para as

carecircncias do modelo fragmentado e compreender que um pensamento mu-

tilador conduz necessariamente agrave accedilotildees mutilantes (MORIN 2011)

Essa dualidade com a separaccedilatildeo do sujeito e objeto satildeo questionaacuteveis

visto que tambeacutem a consciecircncia de uma maneira incerta reflete o mundo

como o sujeito o faz assim pode-se considerar que o mundo reflete o sujeito

sendo impossiacutevel concebecirc-los separadamente Assim permitir que a anaacutelise

natildeo seja isolada do sujeitoobjeto promove uma compreensatildeo mais alargada

das relaccedilotildees sociais principalmente no que tange indiviacuteduo e sociedade (MO-

RIN 2011)

Pensar a complexidade neste contexto eacute uma realidade necessaacuteria

uma vez que o mundo e tudo o que o compotildeem eacute formado por estruturas

complexas que se interligam e se ressignificam constantemente A complexi-

dade eacute uma realidade que nos coloca diante do paradoxo do uno e do muacutel-

tiplo e ao mesmo tempo como uma forma de organizaccedilatildeo do pensamento

que considera as diferentes influecircncias recebidas como um sistema interli-

gado (MORIN 2011)

Um pensamento natildeo simplificado sugere a construccedilatildeo de pontos de

vista abertos que natildeo procurem uniformizar os fenocircmenos da realidade nem

igualar as suas causas favorecendo as condiccedilotildees para que uma ciecircncia que

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

72

aceita as incertezas e um conhecimento transdisciplinar possam nascer Nessa

compreensatildeo a complexidade se mostra relevante na acepccedilatildeo de que a

Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos natildeo pode ser percebida segmentada

Conforme destaca Belchior em sua anaacutelise (2017 p 52)

A complexidade soacute surge onde o pensamento simplificador falha

mas ela integra em si tudo o que potildee ordem clareza distinccedilatildeo pre-

cisatildeo no conhecimento Enquanto o pensamento simplificador desin-

tegra a complexidade do real o pensamento integra o maacuteximo pos-

siacutevel os modos simplificadores de pensar mas recusa as consequecircn-

cias mutiladoras redutoras unidimensionais e finalmente ofuscantes

de uma simplificaccedilatildeo que considera reflexo do que haacute de real

Nesse contexto o pensamento complexo emerge para nos dizer que o

processo de inclusatildeo social contido na Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos

natildeo deve ser visto de forma fragmentada Pode todavia ser compreendido

como uma maneira de conhecer o mundo dos sujeitos envolvidos no processo

de gestatildeo dos resiacuteduos permitindo despertar mecanismos de enlaces de siacuten-

teses e articulaccedilatildeo de saberes para que realmente esse processo inclusivo

seja alcanccedilaacutevel

42 O PENSAMENTO COMPLEXO E SUA COMPREENSAtildeO DENTRO

DA POLIacuteTICA NACIONAL DE RESIacuteDUOS SOacuteLIDOS

Em face da necessidade de se compreender essa visatildeo complexa con-

veacutem analisar os princiacutepios mais utilizados para se compreender a teoria da

complexidade Satildeo eles princiacutepio sistecircmico princiacutepio hologramaacutetico princiacutepio

do ciacuterculo retroativo princiacutepio do ciacuterculo recursivo princiacutepio da autoeco-orga-

nizaccedilatildeo princiacutepio dialoacutegico e princiacutepio da reintroduccedilatildeo do conhecimento em

si mesmo (BELCHIOR 2017)

Em face da temaacutetica deste artigo somente alguns princiacutepios seratildeo ana-

lisados como o princiacutepio sistecircmico que preleciona que a parte isolada deve

ser agregada ao todo Logo depreende-se que o todo tem particularidades

que natildeo satildeo percebidas nas partes isoladas assim como o contraacuterio pode

ocorrer impedindo uma compreensatildeo coerente do que seja o todo (MORIN

2003)

Nesse silogismo as explanaccedilotildees reducionistas natildeo favorecem o enten-

dimento dessa dinacircmica Agrave medida que se vive um mundo que passa por in-

tensas transformaccedilotildees a ideia de saber se altera como tambeacutem se modifica

a forma de ver o todo Assim natildeo se pode perceber os fatos e contextos iso-

lados ou seja o elo transformador do conhecimento passa por modificaccedilotildees

o tempo todo o que leva a inferir que apreende-se de inuacutemeras maneiras e

com variados meios

Outro princiacutepio que vale destacar eacute o dialoacutegico que pode ser enten-

dido que haacute uma relaccedilatildeo congruente entre a ordem e a desordem A ordem

e a desordem ao mesmo tempo em que suprimem uma a outra em certos

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

73

casos colaboram e produzem organizaccedilatildeo e complexidade Nesse sentido

o princiacutepio dialoacutegico permite preservar a dualidade no seio da unidade asso-

ciando dois termos ao mesmo tempo complementares e antagocircnicos Sendo

assim o princiacutepio dialoacutegico enfatiza as divergecircncias mas natildeo apenas acentua

oposiccedilotildees entre essas acentua igualmente as possibilidades de conciliaccedilotildees

provisoacuterias (MORIN 2003)

Trazendo esse princiacutepio para a Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos

observa-se que haacute uma relaccedilatildeo dialoacutegica entre osas catadoresas de mate-

riais reciclaacuteveis e o poder puacuteblico haja vista que aquelesas natildeo satildeo valoriza-

dosas e reconhecidosas pelo trabalho que realizam para a sociedade Ade-

mais ao mesmo tempo que essa relaccedilatildeo eacute antagocircnica ela se mostra com-

plementar pelo papel que ambos desempenham para o coletivo

O princiacutepio hologramaacutetico considera que a parte estaacute no todo mas

tambeacutem o todo estaacute na parte Essa noccedilatildeo ultrapassa o reducionismo que soacute

vecirc as partes e o holismo que soacute vecirc o todo Nesse princiacutepio o conhecimento

pode ser visto em rede em que tudo estaacute interligado fazendo parte de uma

grande teia de ideias (BELCHIOR 2017)

A ideia do saber em teia eacute transcendente apontando o conhecimento

como um territoacuterio autocircnomo passiacutevel de acasos e incertezas sujeito a dialeacute-

tica autonomiadependecircncia inerente agrave sociedade agrave cultura e ao indiviacuteduo

respeitando a complexidade que a perpassa Essa concepccedilatildeo nos leva a

pensar que processos emancipatoacuterios podem ser esboccedilados a partir da com-

preensatildeo de um saber que religa e natildeo isola suas muacuteltiplas manifestaccedilotildees

Dessa maneira adicionar essa nova forma de pensar pode significar se

abrir para o diferente e natildeo transformar o saber erudito especializado aca-

decircmico num saber dependente do desejo de prestiacutegio e de poder corrom-

pido pela vaidade quando esses natildeo se fazem acompanhar de uma reflexatildeo

sobre a condiccedilatildeo humana e suas complexidades O saber supotildee uma rearti-

culaccedilatildeo aliada agrave reflexividade (MORIN 2002)

Assim no que tange ao processo de inclusatildeo social inserido na Poliacutetica

Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos aduz que a partir da norma essa ideia do saber

inclusivo eacute um caminho linear supondo preceitos apenas atrelados a fatores

externos O que se percebe eacute uma dicotomia reducionista inclusiva natildeo con-

siderando por sua vez as especificidades e as subjetividades inerentes ao ser

humano que constituem sua realidade social cultural e econocircmica

Essa perspectiva reducionista traz o conhecimento fechado comparti-

mentalizado o que contribui para uma construccedilatildeo baseada em certezas Es-

quecendo-se por sua vez que o conhecimento necessita ser realimentado

permanentemente a fim de produzir emancipaccedilatildeo e liberdade sem negar

os perigos que a sua construccedilatildeo envolve Portanto haacute um dinamismo perma-

nente exigindo que haja uma autoanaacutelise quando se trata das responsabili-

dades sociais

Logo esse dinamismo ligado a teia do saber promove uma pluralidade

dialogal abrindo-se a enxergar o outro e as diferenccedilas que surgem ao longo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

74

do processo emancipatoacuterio Ressaltando que o pensamento transformador

reconhece a incompletude desse conhecimento havendo por sua vez uma

relaccedilatildeo entre a realidade exterior a ser conhecida e o sujeito inclusivo do co-

nhecimento (MORIN 2002)

Segundo a visatildeo reducionista o conhecimento pode ser decomposto

porque as partes que lhes satildeo complementares natildeo satildeo percebidas na sua

amplitude como importantes Esse pensamento simplificador ao recortar os

fenocircmenos parece negar a dinacircmica complexa e natildeo linear do processo que

envolve o saber Ademais o complexo eacute observado apenas pela lente da

simplificaccedilatildeo que reduz e distorce a problemaacutetica observada

Outro princiacutepio de extrema relevacircncia agrave compreensatildeo do pensamento

complexo eacute a autoeco-organizaccedilatildeo sendo compreendido como um princiacute-

pio que busca a autonomia e dependecircncia entre os seres vivos Eles se auto-

organizam bem como se produzem em uma relaccedilatildeo autocircnoma poreacutem haacute

uma dependecircncia de outros seres vivos e do ambiente que os cercam (BEL-

CHIOR 2017)

A compreensatildeo da complexidade demonstra a necessidade de mu-

danccedilas na mentalidade e nas atitudes perante ao que seja entendido como

auto-organizaccedilatildeo bem como as relaccedilotildees de ordem e desordem que ocor-

rem nos processos interativos e as novas formas de ordem que surgem no con-

texto social Por isso o que vale ressaltar eacute a perspectiva de uma visatildeo inte-

gralizadora do ser e para o ser

O conceito de ordem ultrapassa o antigo conceito de lei Na noccedilatildeo de

ordem existe natildeo soacute a ideia do determinismo pautado na estabilidade cons-

tacircncia regularidade repeticcedilatildeo mas tambeacutem a noccedilatildeo de estrutura e ainda

de singularidade Natildeo obstante fenocircmenos desordenados satildeo necessaacuterios

em certas condiccedilotildees em certos casos para a produccedilatildeo de fenocircmenos orga-

nizados que contribuem para o aumento da ordem (MORIN 2003)

Essa relaccedilatildeo entre ordemdesordem estabelece um equiliacutebrio ao que

deve ser percebido entre os seres vivos pertencentes a um bioma complexo

e interativo Ademais considera-se que o ser humano que surge da realidade

complexa eacute um ser pertencente a uma espeacutecie que necessita da ligaccedilatildeo

com a natureza com os outros seres humanos e consigo mesmo para se auto-

conhecer e se transformar num movimento de auto-eco-conhecimento

numa concepccedilatildeo de indiviacuteduo e natureza

A proposta eacute se desvincular de um conceito defasado sobre a ideia da

integralidade do ser humano de que esse possui verdades absolutas e doutri-

nas inquestionaacuteveis Assim compreende-se que a complexidade propotildee ba-

lanccedilar estruturas obsoletas proporcionando uma anaacutelise criacutetica das verdades

auto impostas principalmente no que se refere a questionar paradigmas soci-

ais cientiacuteficos e culturais

Assim a Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos promove uma coopera-

ccedilatildeo sistecircmica entre os envolvidos nesse processo de gestatildeo dos resiacuteduos soacuteli-

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

75

dos coadunando-se por sua vez com a teoria da complexidade pois a legis-

laccedilatildeo busca uma visatildeo sistecircmica de gestatildeo e manutenccedilatildeo dos resiacuteduos Logo

o sucesso da poliacutetica depende da efetividade da teia organizacional de todos

os envolvidos

43 A COMPLEXIDADE NA GESTAtildeO DOS RESIacuteDUOS SOacuteLIDOS

A Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos traz a gestatildeo como accedilotildees que

visam soluccedilotildees para os problemas advindos do consumo considerando por

sua vez as dimensotildees poliacutetica econocircmica ambiental cultural e social sob

uma premissa de desenvolvimento sustentaacutevel

Todavia ela traz um conceito complexo de governanccedila moderna sig-

nificando uma forma mais cooperativa de governo diferente do modelo hie-

raacuterquico antigo em que as autoridades estatais exerciam o poder soberano

sobre os grupos e cidadatildeos que constituiacuteam a sociedade civil Na governanccedila

moderna instituiccedilotildees estatais e natildeo estatais agentes puacuteblicos e privados de-

vem participar e cooperar frequentemente na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo

de poliacuteticas puacuteblicas A estrutura da governanccedila moderna natildeo eacute caracteri-

zada pela hierarquia mas pelos agentes envolvidos em uma rede de coope-

raccedilotildees (MAYNTZ 2001)

Apoacutes essa proposta de uma nova governanccedila osas catadoresas de

materiais reciclaacuteveis satildeo colocadosas dentro de um novo paradigma de in-

clusatildeo social de uma noccedilatildeo socioambiental Assim osas catadoresas de

materiais reciclaacuteveis junto com outros segmentos de tradiccedilatildeo socioambiental

estatildeo na fronteira da defesa dos direitos baseados num modelo de desenvol-

vimento integral (ANANIAS 2008)

Para isso necessita-se criar uma nova forma que pense os sujeitos sociais

como seres de muacuteltiplas possibilidades de conhecimento seres organizadores

e reintegradores As referecircncias estruturais satildeo condiccedilotildees essenciais de um

todo dividido em partes logo as partes necessitam do todo e o todo das par-

tes ou seja desestruturando o todo esse se auto-organiza (MORIN 1997)

A complexidade inserida na Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos trans-

potildee os empecilhos sobrepostos pela dura realidade econocircmico-social dosas

catadoresas de materiais reciclaacuteveis Destarte as vivecircncias do cotidiano com

suas subjetividades promovem relaccedilotildees como um todo e natildeo somente com

os processos isolados da gestatildeo dos resiacuteduos soacutelidos Dessa maneira essa nova

concepccedilatildeo promove um saber que engloba e se reproduz a partir da desor-

dem existente no mundo gerando uma nova forma de gerenciar os resiacuteduos

Agrave vista disso o caminho dosas catadoresas de materiais reciclaacuteveis

perpassa um reconhecimento da diferenccedila que se constroacutei na democracia

E se antes o ideal democraacutetico lutava contra a desigualdade social afir-

mando que todos eram semelhantes hoje se reconhece o contraacuterio somos

todos diferentes mas cada um a sua maneira esforccedilando-se para combinar

as experiecircncias de vida atividades teacutecnicas e econocircmicas comuns a todos

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

76

com a particularidade da identidade pessoal e coletiva de cada um (TOU-

RAINE 1998)

A complexidade corrobora uma perspectiva de que o outro seja enten-

dido natildeo somente como similar mas tambeacutem diferente e detentor de um di-

reito igual de ser reconhecido na sua diferenccedila Esse processo traz uma eman-

cipaccedilatildeo enquanto cidadatildeosatildes autoresas da sua proacutepria histoacuteria possibili-

tando uma inclusatildeo natildeo somente social mas cognitiva dentro de uma espiral

de possibilidades

Assim a teoria da complexidade eacute um combustiacutevel para se buscar um

novo olhar do mundo abrir a janela e olhar aleacutem relacionar o homem com o

ambiente em que vive em todos os seus elementos possiacuteveis ou seja conhe-

cer os traccedilos singulares histoacutericos e originais dos fenocircmenos que desejasse co-

nhecer sem relacionaacute-los somente agraves normas gerais (MORIN 2011)

A proposta da complexidade eacute o rompimento com as determinaccedilotildees

de um conhecimento homogeneizante no sentido de ser possiacutevel produzir

uma interaccedilatildeo com os vaacuterios processos de conhecimento favorecendo a au-

tonomia dos sujeitos e reforccedilando sua identidade cultural Nesses termos os

contornos de uma inclusatildeo social dosas catadoresas de materiais reciclaacuteveis

podem ser mais facilmente percebidos para que ocorra uma relaccedilatildeo dialoacute-

gica entre osas catadoresas o processo de reciclagem e a inclusatildeo social

(MORIN 1999)

A atuaccedilatildeo dosas catadoresas de materiais reciclaacuteveis apresenta-se

hoje como uma alternativa para lidar com a questatildeo dos resiacuteduos soacutelidos que

associa teacutecnica economia e inclusatildeo social No entanto o desafio estaacute em

promover uma visatildeo interdisciplinar pois apesar de essencial para o processo

de gestatildeo e gerenciamento dos resiacuteduos soacutelidos gerados enxergar na recicla-

gem uma soluccedilatildeo aos problemas ambientais e sociais do Brasil aleacutem de be-

neficiar apenas ao modelo capitalista vigente por referendar os padrotildees de

consumo atual e a organizaccedilatildeo social natildeo conduz a uma necessaacuteria racio-

nalidade ambiental que parte de uma visatildeo interdisciplinar de todos os agen-

tes envolvidos assim como de seus reflexos ao longo do tempo (MAGERA

2013)

Contudo em um contexto real osas catadoresas natildeo conseguem se

incluir no processo de responsabilidade compartilhada na reciclagem natildeo

por uma escolha mas em face do sistema atual estabelecido na gestatildeo dos

resiacuteduos soacutelidos que natildeo tem interesse em colocar estes trabalhadores como

participantes desse processo a julgar pela atuaccedilatildeo dos ldquoatravessadoresrdquo que

adquirem os materiais reciclados dos catadoresas a valores iacutenfimos e vendem

com margem de lucro muito maior para as empresas de reciclagem (HOLS-

TON 2013)

Surge assim a necessidade de viabilizar uma educaccedilatildeo ambiental para

que todos compreendam o seu papel no processo de gestatildeo dos resiacuteduos soacute-

lidos Ela eacute tambeacutem um elemento decisivo na transiccedilatildeo para um novo con-

ceito ecoloacutegico permitindo ultrapassar a crise atual atraveacutes da qual seja

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

77

transmitido um novo estilo de vida e que haja uma mudanccedila profunda e pro-

gressiva com escalas de valores e atitudes dominantes na sociedade atual

(GUERRA 2012)

[] a Poliacutetica Nacional de Resiacuteduos Soacutelidos que por seus mecanismos

como a logiacutestica reversa entre tantos outros inaugura um novo mo-

delo de gestatildeo e gerenciamento dos resiacuteduos soacutelidos que mais que

solucionar o problema da disposiccedilatildeo final adequada intenta educar

para o consumo incentivando e ateacute instruindo os consumidores a res-

peito das caracteriacutesticas e peculiaridades dos produtos e serviccedilos

capacitando-os para uma postura proativa de exerciacutecio dessa fa-

ceta da cidadania tornando-os cada vez mais conscientes (EFING

KALIL 2016 p 35)

O entendimento de educaccedilatildeo ambiental coaduna-se com uma pro-

posta transdisciplinar de um conhecimento natildeo linear construindo um arca-

bouccedilo favoraacutevel ao pensamento complexo A percepccedilatildeo eacute considerar uma

amplitude de visotildees para partilhar conhecimentos ligados as dimensotildees hu-

manas e ambientais buscando por sua vez uma relaccedilatildeo dialoacutegica entre

aprender e reaprender

Analisando sobre outra perspectiva Leff (2003) traz um conceito de

complexidade que ele denomina de complexidade ambiental a qual visa re-

conhecer que o aprendizado do mundo parte de cada ser humano em uma

relaccedilatildeo do mundo de cada indiviacuteduo e a natureza que o rodeia Assim para

o autor essa compreensatildeo parte do saber e da identidade de cada indiviacuteduo

ou seja esse processo parte de uma aprendizagem em que o indiviacuteduo

emerge da relaccedilatildeo entre o real e o simboacutelico

A complexidade ambiental extrapola o campo das relaccedilotildees de in-

terdisciplinaridade entre paradigmas cientiacuteficos para um diaacutelogo de

saberes que implica um diaacutelogo entre seres diferentes A complexi-

dade ambiental configura uma globalidade alternativa uma con-

fluecircncia e convivecircncia de mundos de vida em permanente processo

de diversificaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo (LEFF 2003 p 22)

Para compreender a complexidade ambiental eacute necessaacuteria a descons-

truccedilatildeo e reconstruccedilatildeo do pensamento ocidental A desconstruccedilatildeo remete a

compreensatildeo de suas origens e de suas causas para analisar os erros come-

tidos na histoacuteria que se firmaram em falsas certezas sobre o mundo a descobrir

e despertar o ser complexo (LEFF 2003)

A teoria da complexidade propotildee uma interaccedilatildeo ligada na diversi-

dade ou seja os sistemas vivos satildeo complexos e muacuteltiplos Dessa forma de-

senvolve-se uma rede que se interliga por meio de uma interdependecircncia dos

traccedilos sociais culturais e histoacutericos que dependem de uma revalorizaccedilatildeo das

especificidades buscando superar a mentalidade simplista de que o ser hu-

mano eacute o detentor do saber mais real e concreto

ldquo

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

78

Conforme destaca Capra (2018 p 148)

Para expandir a compreensatildeo sistecircmica da vida ateacute a esfera social

e em particular ateacute as leis humanas podemos postular um modelo

teoacuterico segundo o qual a vida tem uma unidade fundamental e os

diferentes sistemas vivos exibem padrotildees semelhantes de organiza-

ccedilatildeo A evoluccedilatildeo avanccedilou ao longo de bilhotildees de anos e ao fazecirc-lo

nunca deixou de usar os mesmos padrotildees Agrave medida que a vida evo-

lui esses padrotildees tendem a se tornar cada vez mais complexos mas

nunca deixam de ser variaccedilotildees dos mesmos temas baacutesicos O padratildeo

em rede em particular eacute um dos padrotildees baacutesicos de organizaccedilatildeo

em todos os sistemas vivos Em todos os niacuteveis os componentes e pro-

cessos dos sistemas vivos satildeo interligados em rede Portanto expandir

a concepccedilatildeo sistecircmica da vida agrave esfera social significa aplicar agrave re-

alidade social nosso conhecimento dos padrotildees e princiacutepios de orga-

nizaccedilatildeo baacutesicos da vida e especificamente nossa compreensatildeo

das redes vivas

Essa visatildeo sistecircmica promove uma educaccedilatildeo ligada agrave questatildeo ambien-

tal como forma de promover uma conscientizaccedilatildeo de todos os seres envolvi-

dos nessa teia chamada vida merece ser compreendida atraveacutes de uma au-

tonomia dos sujeitos como seres livres e pensantes Conforme destaca Morin

Precisa-se de uma reconstruccedilatildeo precisa-se das noccedilotildees de autono-

mia dependecircncia da noccedilatildeo de individualidade da noccedilatildeo de au-

toproduccedilatildeo da concepccedilatildeo de um elo recorrente onde estejam ao

mesmo tempo o produto e o produtor [] Precisamos portanto de

uma concepccedilatildeo complexa de sujeito (MORIN 2003 p 128)

Assim se faz mister destacar a justiccedila ambiental como pressuposto da

responsabilidade sendo entendida como o dever de respeitar e cuidar do

outro bem como a humanidade como um todo e a natureza em sentido am-

plo Eacute praticamente impossiacutevel separar os dois planos sem desfigurar a imagem

do homem Os interesses da humanidade coincidem com o resto da vida

logo a ideia eacute um dever para com a humanidade sem incorrer em um redu-

cionismo antropocecircntrico (JONAS 2006)

A justiccedila ambiental promove um novo paradigma acerca das questotildees

ambientais como tambeacutem a perspectiva multidisciplinar de se solucionar os

problemas advindos da sociedade atual Esse novo modelo busca uma cone-

xatildeo pautada no pensamento complexo em que a relaccedilatildeo dialoacutegica entre

ordem e desordem satildeo as chaves para se perceber a ligaccedilatildeo entre os seres

vivos

O estado transitoacuterio do conhecimento revela o princiacutepio de incomple-

tude e da incerteza que perpassam os saberes Segundo esse raciociacutenio a

competecircncia para a complexidade natildeo pode ser completa Eacute tarefa sempre

inconclusa uma qualidade que permite o autoconhecimento numa primeira

instacircncia para num momento posterior compreender os conhecimentos

(MORIN 2003b)

ldquo

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

79

Para Morin o aprendizado eacute constante porque o ser humano eacute autocirc-

nomo em suas potencialidades cognitivas o meio social estaacute no seu interior

assim auto-organiza-se destacado pela sua autonomia e liga-se ao meio so-

cial pela abertura e pela troca que acompanham qualquer processo de com-

plexidade (MORIN 1990)

Ratifica-se portanto que a teoria da complexidade olha para muacuteltiplas

direccedilotildees capaz de gerar a transdisciplinaridade no sentido de permitir simul-

taneamente a unidade cientiacutefica e sua diferenciaccedilatildeo suas possibilidades

compreendendo as complexidades cognitivas que envolvem a organizaccedilatildeo

do saber (MORIN 1990)

O conhecimento enquanto atitude originaacuteria de sentido permite que

o ser humano aprimore as relaccedilotildees consigo mesmo situando-se no meio em

que vive Nesse processo complexo junto com o outro ser vivo ocorre um

compartilhamento ou oposiccedilatildeo a esse outro ser vivo que lhe eacute complementar

oa homemmulher se identifica compreendendo que sua parte completa o

todo

Morin (2000 p 79-80) por sua vez esclarece que

A histoacuteria humana foi e continua a ser uma aventura desconhecida

Grande conquista da inteligecircncia seria poder enfim se libertar da ilu-

satildeo de prever o destino humano O futuro permanece aberto [] O

progresso eacute certamente possiacutevel mas eacute incerto A isso acrescentam-

se todas as incertezas devido agrave velocidade e agrave aceleraccedilatildeo dos pro-

cessos complexos e aleatoacuterios de nossa era planetaacuteria

Por fim a anaacutelise do pensamento complexo inserido na Poliacutetica Nacional

dos Resiacuteduos Soacutelidos constitui uma interpretaccedilatildeo de alguns eixos dentre os

quais destacam-se o dinamismo na perspectiva de que o saber se encontra

em permanente evoluccedilatildeo sugestionando novas soluccedilotildees para os problemas

socioambientais a natildeo linearidade do conhecimento alinhada ao pensa-

mento reducionista a transdisciplinaridade do conhecimento que contempla

o significado das interdependecircncias e dos elos existentes entre os inuacutemeros

saberes que pontuam a nossa existecircncia enfocando a concepccedilatildeo de espe-

cializaccedilatildeo na oacuteptica do pensamento complexo

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Em termos de conclusatildeo tenta-se expor a realidade em sua forma con-

traditoacuteria pode-se dizer que problematizar a reciclagem contribuiu para

apontar alguns limites acerca da inclusatildeo social presente na PNRS Pois

mesmo conferindo reconhecimento juriacutedico na inclusatildeo social presente na

PNRS esta carrega em si uma visatildeo bem fora da realidade vivenciada pelosas

catadoresas de materiais reciclaacuteveis

Dessa forma o pensamento complexo pode ser o ponto de partida ca-

paz de favorecer o entendimento dos processos culturais sociais e ambientais

enquanto conceito interligado que promove um diaacutelogo amplo com a socie-

dade e o estado Reconhecendo assim que somos seres interdependentes e

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

80

que estamos conectados a uma rede universal e complexa Logo compreen-

der que a gestatildeo dos resiacuteduos natildeo ocorre de forma isolada mas sim de forma

conjunta e articulada eacute o ponto inicial para a compreensatildeo do papel dosas

catadoresas de materiais reciclaacuteveis em toda essa estrutura laboral e mais

precisamente das mulheres que atuam nesse processo da cataccedilatildeo

Desta forma torna-se inegaacutevel a contribuiccedilatildeo dos catadoresas para a

sociedade atraveacutes de accedilotildees que minimizem o problema dos resiacuteduos colabo-

rando para a preservaccedilatildeo do meio ambiente e conservaccedilatildeo dos recursos na-

turais Haja vista que a atividade dosas catadoresas de materiais reciclaacuteveis

se relaciona com a proteccedilatildeo da natureza limpeza da cidade reciclagem

aleacutem de um componente social que eacute a geraccedilatildeo de renda e o sustento da

famiacutelia dessesas profissionais

A Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos pode ser compreendida como

um meio colaborativo reconstrutor conectivo entre o meio ambiente socie-

dade e os gestores A efetividade legislativa soacute parece realizaacutevel com a visibi-

lidade de saberes partilhados Logo o entendimento construiacutedo pela comple-

xidade pode afastar a ideia simplista e redutora de que os fenocircmenos ldquosatildeo

como satildeordquo numa tentativa mascarada de escamotear nossa interferecircncia e

nossa responsabilidade nas circunstacircncias histoacuterico-soacutecio-culturais

REFEREcircNCIAS

ANANIAS Patrus Catadores na cena urbana construccedilatildeo de poliacuteticas socioambien-

tais In KEMP Valeacuteria Heloisa CRIVELLARI Helena Maria Tarchi (Org) Catadores na

cena urbana construccedilatildeo de poliacuteticas socioambientais Belo Horizonte Autecircntica

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BELCHIOR Germana P Neiva Fundamentos Epistemoloacutegicos do Direito Ambiental Rio

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plexa In PHILLIPPI JR Arlindo SAMPAIO Carlos Alberto Cioce FERNANDES Valdir

(Orgs) Gestatildeo de natureza puacuteblica e sustentabilidade Barueri Manole 2012

CAPRA Fritjof MATTEI Ugo A revoluccedilatildeo ecojuriacutedica o direito sistecircmico em sintonia

com a natureza e a comunidade Satildeo Paulo Editora Cultrix 2008

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verso subjacente da Poliacutetica Nacional dos Resiacuteduos Soacutelidos Revista Juriacutedica da FA7 v

13 n 2 p 25-37 Fortaleza RJUR7 2016

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rense 2012

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tecnoloacutegica Trad de Marijane Lisboa Luiz Barros Montez Rio de Janeiro Contra-

ponto Ed da PUC-Rio 2006

LEFF Enrique A Complexidade Ambiental Satildeo Paulo Cortez 2003

MAGERA Marcio Os caminhos do lixo da obsolescecircncia programada agrave logiacutestica re-

versa Campinas Aacutetomo 2013

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

81

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CLAD Reforma y Democracia v 21 oct 2001

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MORIN Edgar Complexidade e eacutetica da solidariedade In CASTRO G CARVALHO

E A ALMEIDA M C (Orgs) Ensaios de complexidade 4ordf ed Porto Alegre Sulina

2006

MORIN Edgar Introduccedilatildeo ao pensamento complexo Traduccedilatildeo de Elaine Lisboa 4ordf

ed Porto Alegre Sulina 2011

MORIN Edgar O meacutetodo 1 a natureza da natureza Lisboa Publicaccedilotildees Europa-

Ameacuterica 1990

MORIN Edgar Epistemologia da complexidade In SCHNITMAN Dora (org) Novos

paradigmas cultura e subjetividade Porto Alegre Artmed 2000

MORIN Edgar Cultura de Massas no Seacuteculo XX Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria

1997

MORIN Edgar Ciecircncia com consciecircncia Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2003a

MORIN Edgar O meacutetodo 3 o conhecimento do conhecimento Porto Alegre Sulina

2003b

MORIN Edgar O meacutetodo 4 as ideacuteias Porto Alegre Sulina 1999

82

AS FUNCcedilOtildeES DA CIDADE

transdisciplinaridade e complexidade

Liacutevia Brandatildeo Mota Cavalcanti1

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 51 A transdisciplinaridade das funccedilotildees da ci-

dade no ordenamento juriacutedico brasileiro 52 Delineando as funccedilotildees

da cidade 53 A complexidade das funccedilotildees da cidade Considera-

ccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

O presente artigo apresenta como objeto a anaacutelise das funccedilotildees da ci-

dade e sua inserccedilatildeo nos estudos da transdisciplinaridade e do pensamento

complexo segundo os trabalhos do educador Edgar Morin Reflete-se sobre

como a transdisciplinaridade deve ser observada nas funccedilotildees urbaniacutesticas

aleacutem de o que satildeo estas e onde se encontram Por fim pondera-se sobre os

pressupostos da Teoria da Complexidade e sua contribuiccedilatildeo para a operaci-

onalizaccedilatildeo de tais funccedilotildees

A definiccedilatildeo do tema surge pelo interesse em compreender alguns dos

mecanismos que devem ser utilizados no momento de planejar os investimen-

tos puacuteblicos e suas execuccedilotildees pela Administraccedilatildeo Puacuteblica municipal - sob as

perspectivas do Direito Urbaniacutestico Administrativo e Ambiental ndash posterior-

mente usufruiacutedos pela populaccedilatildeo

A pesquisa possui a seguinte pergunta de partida como e em que me-

dida o pensamento complexo - este novo pensar e suas perspectivas consci-

entes das multidimensotildees jaacute conhecidas da sustentabilidade - contribui para

a cumprimento dos direitos agrave moradia ao labor ao transporte e ao lazer con-

forme definido pela Carta Constitucional de 1988 e tambeacutem compreendidos

como funccedilotildees da cidade

O meacutetodo hipoteacutetico dedutivo foi empregado para a realizaccedilatildeo deste

trabalho cientiacutefico por meio de pesquisa exploratoacuteria e revisatildeo de literatura

com anaacutelise criacutetica de doutrinas artigos relatoacuterio e carta

Os toacutepicos foram desenvolvidos de maneira a compreender a transdis-

ciplinaridade e a complexidade presentes nos conteuacutedos das funccedilotildees da ci-

dade pontuando o seu encaixe no ordenamento juriacutedico brasileiro Aleacutem

disso intentou-se reconhecer quais pressupostos da Teoria da Complexidade

podem ser agregados ao estudo destas funccedilotildees e de que forma dar-se-ia tal

aproveitamento

1 Especialista em Direito e Processo Administrativos pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR

CE) Bacharela em Direito pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Advogada E-

mail liviabrandaomotahotmailcom

5

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

83

Por fim espera-se atraveacutes deste trabalho contribuir para a observaccedilatildeo

da importacircncia do atendimento das funccedilotildees da cidade como garantidor de

direitos sociais baacutesicos nos ambientes urbanos sustentaacuteveis atraveacutes de um olhar

complexo

51 A TRANSDISCIPLINARIDADE DAS FUNCcedilOtildeES DA CIDADE NO

ORDENAMENTO JURIacuteDICO BRASILEIRO

A discussatildeo sobre o instituto das funccedilotildees da cidade jaacute nasceu sobre uma

perspectiva de muacuteltiplas vertentes pois teacutecnicos do urbanismo definiram seus

conceitos os quais passiacuteveis de utilizaccedilatildeo em poliacuteticas puacuteblicas implementadas

nos espaccedilos urbanos pelas gestotildees municipais estas se baseando no Direito

Administrativo Entrelaccedilado a tudo isso o Direito Ambiental possibilitou aos im-

perativos de sustentabilidade sua aplicaccedilatildeo quando fatores de anaacutelise do

cumprimento das funccedilotildees da cidade

A compreensatildeo da sincronicidade entre as diversas ciecircncias e mais pro-

fundamente entre as searas juriacutedicas permite analisar as problemaacuteticas como

inseridas em um todo onde cada soluccedilatildeo apresentada gera consequecircncias

de outras ordens Cabe portanto prestigiar de igual forma os Direitos Urbaniacutes-

tico Administrativo e Ambiental ao tratar de funccedilotildees dos espaccedilos urbanos

atentando-se de maneira conjunta agraves poliacuteticas implantadas e visando o me-

nor comprometimento possiacutevel do ambiente Logo as questotildees devem ser

analisadas permeando os diversos acircmbitos envolvidos de maneira a encon-

trar soluccedilotildees viaacuteveis oriundas de um pensar local e global

A inadequaccedilatildeo com efeito tem crescido constantemente entre

nossos saberes parcelados compartimentados entre disciplinas e en-

tre os problemas multidimensionais transnacionais globais planetaacute-

rios A divisatildeo das disciplinas nos torna incapazes de apreender a

complexidade da palavra complexus ldquoo que eacute tecido juntordquo O de-

safio da globalidade eacute um desafio da complexidade Na histoacuteria pla-

netaacuteria as interaccedilotildees e retroaccedilotildees entre os processos econocircmicos

poliacuteticos religiosos demograacuteficos cientiacuteficos teacutecnicos jaacute incontaacuteveis

estatildeo constantemente aumentando Ora uma das trageacutedias do

pensamento atual eacute que nossas universidades e escolas superiores

produzem eminentes especialistas cujo pensamento eacute muito compar-

timentado O economista enxerga apenas a dimensatildeo econocircmica

das coisas assim como o religioso e o demoacutegrafo nas suas respectivas

aacutereas e todos encontram dificuldade para entender as relaccedilotildees en-

tre duas dimensotildees A inteligecircncia que sabe apenas separar quebra

a complexidade do mundo em fragmentos isolados diminuindo as

chances de compreensatildeo e reflexatildeo (MORIN VIVERET 2013 p 8)

Os entes municipais conforme a organizaccedilatildeo poliacutetico-administrativa da

federaccedilatildeo brasileira encontram-se responsaacuteveis por mateacuterias de interesse lo-

cal sejam elas competecircncias legislativas ou administrativas Prevalece a com-

petecircncia municipal se os assuntos repercutem fortemente na sua esfera e no

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

84

interesse da populaccedilatildeo local pois natildeo haacute hierarquia entre as leis dos diferen-

tes entes apenas melhor adequaccedilatildeo advinda da reparticcedilatildeo de competecircn-

cias constitucional (FIGUEIREDO 2005 p 58)

Tais incumbecircncias municipais orientadas pelo artigo 30 da Constituiccedilatildeo

Federal de 19882 submetem-se diretamente agrave poliacutetica de desenvolvimento ur-

bano (CARMONA MENDES 2016 p 30)

Natildeo haacute como se traccedilar um desenvolvimento urbano segundo o artigo

182 da Carta Constitucional3 de acordo com as funccedilotildees sociais da cidade

sem atentar para o direito fundamental encartado pelo artigo 225 CF19884

Este define ser direito-dever da sociedade e da Administraccedilatildeo Puacuteblica zelar

pelo meio ambiente saudaacutevel incluiacutedo o ambiente urbano

O artigo 182 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 embasa o ordenamento

juriacutedico no tocante agrave propriedade urbana e define claramente a imperiosi-

dade do atendimento das funccedilotildees sociais O caput deste artigo evidencia a

orientaccedilatildeo pelo bem-estar da populaccedilatildeo esta sendo compreendida pelos

habitantes de hoje e por aqueles que em um futuro faratildeo da cidade o es-

paccedilo que abrigaraacute suas relaccedilotildees interpessoais laborais e culturais

Inadmitir portanto uma poliacutetica urbana voltada agraves demandas de um

ambiente saudaacutevel e acessiacutevel a todos contraria a reparticcedilatildeo de competecircn-

cias instituiacuteda pelo constituinte haja vista que os conglomerados urbanos

apresentam papel primordial de ofertar aos seus citadinos atuais e futuros

condiccedilotildees sustentaacuteveis para habitar laborar circular e recrear

As zonas urbanas promovem tais objetivos compreendidos como as

funccedilotildees da cidade Inicialmente pelo seu caraacuteter pro moradia pois todos al-

mejam minimamente um espaccedilo para se fixar Apoacutes pelo fato de que os aglo-

merados urbanos concentram mais serviccedilos e demandas e em consequecircn-

cia ofertam mais oportunidades de labor Nesse jogo de necessidades e so-

nhos aumentam os fluxos e as concentraccedilotildees de habitantes aleacutem das possi-

bilidades de realizaccedilatildeo de inuacutemeras atividades recreativas ao redor das ci-

dades exigindo proteccedilatildeo legal para a sua organizaccedilatildeo

No plano federal a proteccedilatildeo infraconstitucional inicia-se pelo Estatuto

da Cidade Lei 10257 de 2001 cuja normatizaccedilatildeo do atendimento agraves funccedilotildees

sociais urbanas perpassa necessariamente pela garantia do direito a cidades

2 Art 30 Compete aos Municiacutepios

I - legislar sobre assuntos de interesse local []

VIII - promover no que couber adequado ordenamento territorial mediante planeja-

mento e controle do uso do parcelamento e da ocupaccedilatildeo do solo urbano

3 Art 182 A poliacutetica de desenvolvimento urbano executada pelo Poder Puacuteblico municipal

conforme diretrizes gerais fixadas em lei tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento

das funccedilotildees sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes

4 Art 225 Todos tecircm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso

comum do povo e essencial agrave sadia qualidade de vida impondo-se ao Poder Puacuteblico e agrave

coletividade o dever de defendecirc-lo e preservaacute-lo para as presentes e futuras geraccedilotildees

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

85

sustentaacuteveis conforme expressatildeo dos incisos I V VIII e X do artigo 2ordm 5 Nas

palavras de Juliana Cavalcante dos Santos (2014 p 568) ldquoassume o citado

Estatuto caracteriacutesticas de lei geral de direito urbaniacutestico disciplinando de

forma ateacute mesmo casuiacutestica a poliacutetica urbana trazendo luz aos ideais de ci-

dades democraacuteticas sustentaacuteveis e planejadasrdquo

Desse modo o Estatuto confere eficaacutecia plena agraves normas constitucio-

nais de desenvolvimento urbano sustentaacutevel e maior aplicabilidade para que

tais diretivas pertenccedilam agrave realidade dos cidadatildeos nas suas comunidades

contribuindo para a seguranccedila o bem-estar e o equiliacutebrio ambiental (CAR-

MONA MENDES 2016 p 30)

A visatildeo de um conglomerado urbaniacutestico sustentaacutevel possibilitando o

equiliacutebrio entre as funccedilotildees sociais da cidade deriva de uma ordenaccedilatildeo esti-

pulada pelo proacuteprio Estatuto Tal ordem urbaniacutestica direciona a praacutetica dos

diferentes agentes que permeiam as cidades os quais devem observar as di-

retrizes do seu artigo 2ordm Quando atendidas tem-se concretizado o direito co-

letivo a uma cidade sustentaacutevel (SUNDFELD 2014 p 56)

A relevacircncia da legislaccedilatildeo na esfera municipal encontra-se na persecu-

ccedilatildeo de melhoramentos bastante singulares para o ente em questatildeo po-

dendo-se estudar e detalhar particularidades da cidade e formas de executar

tais melhorias Visando ao atendimento do interesse puacuteblico as LOMs satildeo ex-

celentes instrumentos de regulaccedilatildeo em consonacircncia com as normas nacio-

nais e federais em prol da efetivaccedilatildeo das funccedilotildees urbanas

Eacute da mais urgente necessidade que cada cidade estabeleccedila seu

programa promulgando leis que permitam sua realizaccedilatildeo () A lei

fixaraacute o ldquoestatuto do solordquo dotando cada funccedilatildeo-chave dos meios

de melhor se exprimir de se instalar nos terrenos mais favoraacuteveis e as

distacircncias mais proveitosas Ela deve prever tambeacutem a proteccedilatildeo e a

guarda das extensotildees que seratildeo ocupadas um dia Ela teraacute o direito

de autorizar ndash ou de proibir ndash ela favoreceraacute todas as iniciativas ade-

quadamente planejadas mas velaraacute para que elas se insiram no

5 Art 2o A poliacutetica urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funccedilotildees

sociais da cidade e da propriedade urbana mediante as seguintes diretrizes gerais

I ndash garantia do direito a cidades sustentaacuteveis entendido como o direito agrave terra urbana agrave

moradia ao saneamento ambiental agrave infra-estrutura urbana ao transporte e aos serviccedilos

puacuteblicos ao trabalho e ao lazer para as presentes e futuras geraccedilotildees []

V ndash oferta de equipamentos urbanos e comunitaacuterios transporte e serviccedilos puacuteblicos ade-

quados aos interesses e necessidades da populaccedilatildeo e agraves caracteriacutesticas locais []

VIII ndash adoccedilatildeo de padrotildees de produccedilatildeo e consumo de bens e serviccedilos e de expansatildeo ur-

bana compatiacuteveis com os limites da sustentabilidade ambiental social e econocircmica do

Municiacutepio e do territoacuterio sob sua aacuterea de influecircncia []

X ndash adequaccedilatildeo dos instrumentos de poliacutetica econocircmica tributaacuteria e financeira e dos gastos

puacuteblicos aos objetivos do desenvolvimento urbano de modo a privilegiar os investimentos

geradores de bem-estar geral e a fruiccedilatildeo dos bens pelos diferentes segmentos sociais (gri-

fos nossos)

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

86

plano geral e sejam sempre subordinadas aos interesses coletivos que

constituem o bem puacuteblico (LE CORBUSIER 1993 p 69)

Aleacutem da especificidade que tais normas podem e devem abordar o

ordenamento local constitui-se poderoso no tocante agrave inclusatildeo de agentes

externos agrave maacutequina estatal facilitadores de poliacuteticas puacuteblicas que atendam

agraves funccedilotildees urbanas Assim sendo considera-se o terceiro setor ou mesmo o

setor privado como capazes de contribuir com o desenvolvimento sustentaacutevel

das cidades

Para aleacutem disso existem outros aspectos que reforccedilam a importacircncia

do niacutevel local Nas cidades satildeo identificadas natildeo somente as neces-

sidades urgentes e as lacunas de desenvolvimento como tambeacutem

os atores locais tanto do setor privado como da sociedade civil que

podem ser incorporados pelos governos em accedilotildees que contribuam

com o alcance da Agenda 2030 () Ao realizar o planejamento eacute

fundamental que os municiacutepios estabeleccedilam objetivos que estejam

dentro de seu escopo de atuaccedilatildeo e que correspondam ao mandato

do governo local Ou seja eacute necessaacuterio fazer propostas que conside-

rem as necessidades com base em dados mas tambeacutem a governa-

bilidade para adequar a proposta agraves caracteriacutesticas do contexto so-

cial poliacutetico e econocircmico do municiacutepio (ONU-Habitat e Colab 2019

p 92)

No contexto municipal a partir da Lei Orgacircnica de Fortaleza percebe-

se o entrelaccedilamento entre todo o ordenamento juriacutedico no tocante agraves poliacuteti-

cas urbanas quando esta reproduz em seu artigo 190 inciso I as normas con-

tidas no artigo 2ordm inciso I do Estatuto da Cidade referentes agraves funccedilotildees urba-

nas

Por oacutebvio que o Estatuto em si natildeo acarreta os resultados persegui-

dos O estabelecimento e regulamentaccedilatildeo da poliacutetica urbana insti-

tuiacuteda pela Constituiccedilatildeo Federal longe de alcanccedilar seus desiacutegnios

pretende com as figuras e institutos do Estatuto fornecer instrumental

em niacutevel municipal para ordenaccedilatildeo do espaccedilo urbano visando agraves

funccedilotildees sociais mencionadas iluminadas pela dignidade da pessoa

humana (SANTOS 2014 p 570)

Jaacute o Plano Diretor Participativo do municiacutepio de Fortaleza ndash CE corres-

pondente agrave Lei Complementar municipal 62 de 2009 normatiza funccedilotildees urba-

nas quando insere poliacuteticas de mobilidade e de moradia como objetivos do

dispositivo e consequentemente poliacuteticas puacuteblicas municipais

Conforme o seu artigo 4ordm inciso XVI 6 tem-se que natildeo se infere apenas

como meta para nortear os serviccedilos ofertados pelo Poder puacuteblico mas tam-

beacutem preocupaccedilatildeo merecedora de uma poliacutetica de mobilidade discriminada

6 Art 4ordm Satildeo objetivos deste Plano Diretor [] XVI ndash promover a acessibilidade e a mobilidade

universal garantindo o acesso de todos os cidadatildeos a qualquer ponto do territoacuterio atraveacutes

da rede viaacuteria e do sistema de transporte coletivo

ldquo

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

87

por todo um capiacutetulo da referida lei em conformidade com os artigos 35 e

seguintes

Por meio do estudo do instituto das funccedilotildees da cidade em ciecircncias e

esferas diferenciadas almeja-se a discussatildeo das problematizaccedilotildees comuns

aos espaccedilos urbanos sem intenccedilatildeo de esgotamento mas de ldquoabertura de

todas as disciplinas ao que as une e as ultrapassardquo (Carta da Transdisciplina-

ridade 1994 p 2)

Correlacionados os dispositivos supracitados surge a necessidade de

compreender as funccedilotildees da cidade de habitar trabalhar circular e recrear

as quais derivam tanto da preocupaccedilatildeo do legislador em oferecer uma poliacute-

tica urbana sustentaacutevel como da atenccedilatildeo agraves necessidades das pessoas que

vivem a cidade com as suas singularidades E neste contexto de aproveita-

mento e fusatildeo de conhecimentos de diferentes aacutereas cabe a reflexatildeo da

complexidade inerente as discussotildees das funccedilotildees da cidade

52 DELINEANDO AS FUNCcedilOtildeES DA CIDADE

A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 trouxe no artigo 182 as funccedilotildees sociais

da cidade muito embora natildeo tenha se debruccedilado na identificaccedilatildeo das mes-

mas (GARCIAS BERNARDI 2008) cabendo a doutrina elucidar o tema Joseacute

Afonso da Silva (2011 p 819) afirma que

Com as normas dos arts 182 e 183 a Constituiccedilatildeo fundamenta a dou-

trina segundo a qual a propriedade urbana eacute formada e condicio-

nada pelo direito urbaniacutestico a fim de cumprir sua funccedilatildeo social es-

peciacutefica realizar as chamadas funccedilotildees urbaniacutesticas de propiciar ha-

bitaccedilatildeo (moradia) condiccedilotildees adequadas de trabalho recreaccedilatildeo e

de circulaccedilatildeo humana

Muito embora tais funccedilotildees da cidade natildeo estejam expressas no art 182

o direito ao trabalho agrave moradia ao transporte e ao lazer encontram-se pre-

vistos no art 6ordm da CF19887 como direitos sociais e como a base para a pro-

teccedilatildeo das funccedilotildees urbanas nas diferentes espeacutecies normativas anteriormente

apontadas

Coube ao Direito Urbaniacutestico organizar a poliacutetica de desenvolvimento

urbano baseando-se nos supracitados artigos constitucionais e adicionando

o caraacuteter de ordenaccedilatildeo tatildeo proacuteprio dos demais instrumentos reguladores das

cidades Em atenccedilatildeo a este conjunto de elementos normativos que configu-

ram a base do Direito Urbaniacutestico cabe ao gestor puacuteblico a execuccedilatildeo destas

normas em prol do interesse puacuteblico isto eacute o pleno desenvolvimento das fun-

ccedilotildees socias da cidade aliado agrave garantia do bem-estar de seus habitantes

A ligaccedilatildeo constitucional entre as noccedilotildees de ldquodireito urbaniacutesticordquo e de

ldquopoliacutetica urbanardquo (poliacutetica puacuteblica) jaacute eacute capaz de nos dizer algo sobre

7 Art 6ordm Satildeo direitos sociais a educaccedilatildeo a sauacutede a alimentaccedilatildeo o trabalho a moradia o

transporte o lazer a seguranccedila a previdecircncia social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave in-

facircncia a assistecircncia aos desamparados na forma desta Constituiccedilatildeo

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

88

o conteuacutedo desse direito que surge como o direito de uma ldquofunccedilatildeo

puacuteblicardquo chamada urbanismo pressupondo finalidades coletivas e

atuaccedilatildeo positiva do Poder Puacuteblico a quem cabe fixar e executar a

citada poliacutetica Pode-se entatildeo afirmar o caraacuteter publiciacutestico do di-

reito urbaniacutestico pois este ramo do Direito nasce justamente para

construir no tocante agrave gestatildeo dos bens privados um sistema decisoacute-

rio complexo em que o Estado exerce papel preponderante []

(SUNDFELD 2014 p 50)

Segundo Hely Lopes Meirelles (2008 p 525) a ciecircncia do Urbanismo en-

contra-se com o Direito produzindo orientaccedilotildees normativas que buscam efe-

tivar as quatro funccedilotildees urbanas quais sejam habitar laborar circular e re-

crear por coexistirem nas mais baacutesicas relaccedilotildees humanas no contexto das ci-

dades

As exigecircncias urbaniacutesticas desenvolveram-se de tal modo nas naccedilotildees

civilizadas e passaram a pedir soluccedilotildees juriacutedicas que se criou em nos-

sos dias o direito urbaniacutestico ramo do direito puacuteblico destinado ao

estudo e formulaccedilatildeo dos princiacutepios e normas que devem reger os es-

paccedilos habitaacuteveis no seu conjunto cidade-campo Na amplitude

desse conceito incluem-se todas as aacutereas em que o homem exerce

coletivamente qualquer de suas quatro funccedilotildees essenciais na comu-

nidade ndash habitaccedilatildeo trabalho circulaccedilatildeo e recreaccedilatildeo ndash excluiacutedas

somente as terras de exploraccedilatildeo agriacutecola pecuaacuteria ou extrativa que

natildeo afetem a vida urbana (MEIRELLES 2008 p 525) (grifos no original)

De maneira mais explicativa constatam-se os vaacuterios setores que se be-

neficiam diretamente da efetivaccedilatildeo das funccedilotildees da cidade comprovando

serem de suma importacircncia para o desenvolvimento urbano sem as quais

nem se consegue discutir crescimento e vida urbana

Analisando-se o texto constitucional pode-se muito bem considerar

que a rigor o objetivo de garantir o bem-estar dos habitantes da ci-dade ja esta contido no de desenvolvimento das func oes sociais da

cidade Desenvolver as func oes sociais de uma cidade representa

implementar uma serie de acoes e programas que tenham por alvo

a evolucao dos varios setores de que se compo e uma comunidade

dentre eles os pertinentes ao come rcio a industria a prestac ao de

servicos a assistencia me dica a educacao ao ensino ao transporte

a habitacao ao lazer e enfim todos os subsistemas que sirvam para

satisfazer as demandas coletivas e individuais (CARVALHO FILHO

2013 p 19)

Originaacuterias da Carta de Atenas de 1933 e resultado do IV Congresso In-

ternacional de Arquitetura Moderna as funccedilotildees urbaniacutesticas servem como cri-

teacuterios norteadores para os agentes propulsores de poliacuteticas puacuteblicas haja vista

que permitem aos administrados executar funccedilotildees baacutesicas relativas ao labor

agrave moradia agrave circulaccedilatildeo e ao lazer

Inicialmente resultado das discussotildees de teacutecnicos do Urbanismo com o

advento da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e a preocupaccedilatildeo do legislador em

ldquo

ldquo

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

89

atentar para o pleno desenvolvimento das funccedilotildees sociais da cidade a dou-

trina do Direito Urbaniacutestico resgatou tais funccedilotildees da Carta Originaacuteria de Ate-

nas identificando sua eficaacutecia para o ordenamento juriacutedico

Este manifesto ldquodefinia como elementos do urbanismo o sol o verde e

o espaccedilo e que por meio da organizaccedilatildeo das funccedilotildees-chave minus trabalhar ha-

bitar circular e recrear que seriam autocircnomas entre si minus dar-se-ia a organiza-

ccedilatildeo da sociedade na cidade contemporacircneardquo (KANASHIRO M 2004 p 34)

Longe de tornar utoacutepica a sistematizaccedilatildeo da cidade tais funccedilotildees apenas re-

presentam o mais baacutesico que se entende e se espera de um centro urbano

sem o qual se complica sobremaneira os laccedilos afetivos e econocircmicos dos ci-

tadinos

Com o estabelecimento das quatro funccedilotildees reconheceram-se direitos

e deveres dos administrados e da Administraccedilatildeo Puacuteblica de maneira a favo-

recer as relaccedilotildees pessoas-espaccedilos conforme a ordenaccedilatildeo proposta pelo Di-

reito Urbaniacutestico e a Ciecircncia do Urbanismo Enquanto a populaccedilatildeo tem o di-

reito a espaccedilos para moradia trabalho locomoccedilatildeo e recreaccedilatildeo bem como

o dever de manter saudaacuteveis estes ambientes cabe ao Poder Puacuteblico ofertar

tais espaccedilos e regulamentaacute-los

Viver na cidade obriga a que todos se sintam subordinados agraves suas

funccedilotildees ou seja um lugar onde residir os locais de trabalho e de es-

tudo os lugares de circulaccedilatildeo e os espaccedilos especiacuteficos da recrea-

ccedilatildeo Assim deveriacuteamos entender uma cidade dentro do conceito de

urbanismo (STUCCHI 2001 p 101)

Para os estudiosos do urbanismo diz-se que a Carta representa o con-

teuacutedo do Urbanismo Funcionalista aleacutem de atentar para o desenvolvimento

da cidade dentro de um planejamento regional e de submeter os interesses

da propriedade privada aos interesses coletivos (LE CORBUSIER 1993)

O funcionalismo ou racionalismo do documento reside no fato que se

estabeleceram as funccedilotildees sociais da cidade observando noccedilotildees de necessi-

dade do homem meacutedio conforme suas atividades cotidianas de modo a es-

tabelecer o mais adequado arranjo urbano (HUMBERT 2015 p 84)

As quatro funccedilotildees elementares encontram-se interligadas apresen-

tando como veacutertebra a jornada diaacuteria do homem meacutedio e considerando a

demanda numerosa da populaccedilatildeo de uma aacuterea urbanizada

O trabalho o ambiente de trabalho a induacutestria o comeacutercio e os ser-

viccedilos satildeo atividades fundamentais para a sustentabilidade econocirc-

mica de uma cidade De fato o trabalho sempre seraacute uma funccedilatildeo

primordial da vida urbana A habitaccedilatildeo eacute o principal refuacutegio do nuacute-

cleo familiar A existecircncia de preacutedios para a habitaccedilatildeo eacute uma das

carateriacutesticas primordiais do ambiente urbano desde tempos imemo-

riais () Outra funccedilatildeo urbaniacutestica essencial da cidade eacute o lazer Os

espaccedilos de recreaccedilatildeo do encontro do contato social entre os mo-

radores do ambiente urbano satildeo importantes para a realizaccedilatildeo in-

tegral do ser humano Satildeo geralmente nesses contatos que nascem

ldquo

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

90

os relacionamentos humanos em todas as esferas de sorte a intensi-

ficar os laccedilos familiares de solidariedade e o sentimento de unidade

de grupo A mobilidade consiste natildeo apenas em alcanccedilar pontos

distantes mas sobretudo alcanccedilar lugares especiacuteficos e atraentes

para a populaccedilatildeo uma vez que a rede urbana precisa unir lugares

() (PERCHE 2016 p 378)

Na visatildeo do arquiteto Le Corbusier (1993) as quatro funccedilotildees-chave ldquoco-

brem um domiacutenio imenso sendo o Urbanismo a consequecircncia de uma ma-

neira de pensar levada agrave vida puacuteblica por uma teacutecnica de accedilatildeordquo Tais funccedilotildees

encontram-se como objetivo inicial de uma vida digna em sociedade urbana

no entanto natildeo encerram as possibilidades de accedilotildees provenientes do Poder

Puacuteblico ou de necessidades da proacutepria populaccedilatildeo

Exemplificando a funccedilatildeo de habitar que natildeo mais deve ser compreen-

dida apenas como o direito agrave moradia mas tambeacutem um local para residir que

encontre vias adequadas de mobilidade urbana ao seu redor ndash apropriadas

para pedestres ciclistas pessoas com mobilidade reduzida veiacuteculos automo-

tores entre outros ndash contribuindo para o deslocamento ao trabalho e agraves ativi-

dades de lazer de seus moradores aleacutem de contar com condiccedilotildees sauacutedaacuteveis

do ambiente em que estaacute inserido e da possibilidade de instalaccedilatildeo de tecno-

logias futuras de rede e de serviccedilos

Inseridas no contexto atual de intensas e raacutepidas modificaccedilotildees dos es-

paccedilos pois na era da informaccedilatildeo as funccedilotildees da cidade constituem-se por-

tanto como indicativos de boas e eficientes poliacuteticas puacuteblicas as quais se de-

senvolvem e se tornam mais complexas gradativamente Neste sentido im-

porta refletir sobre a vinculaccedilatildeo do pensamento complexo agrave ciecircncia juriacutedica

em especial ao diaacutelogo dos Direitos Ambiental Administrativo e Urbaniacutestico

53 A COMPLEXIDADE DAS FUNCcedilOtildeES DA CIDADE

Como a dinacircmica da vida em sociedade constantemente modifica os

interesses (i)mediatos dos administrados e acompanha as evoluccedilotildees da tec-

nologia da ciecircncia e da sauacutede por exemplo infere-se consequentemente

alteraccedilotildees nos conceitos das funccedilotildees urbaniacutesticas As demandas socioeconocirc-

micas e ambientais se intensificaram de tal maneira que o conteuacutedo estabe-

lecido pela primeira Carta de Atenas natildeo foi sufuciente para abarcar as rela-

ccedilotildees miacutenimas do contexto urbano

Isto porque as relaccedilotildees neste cenaacuterio encontram-se mais complexas

tanto pela multiplicidade de participantes quanto pelas diferentes noccedilotildees de

suas necessidades O miacutenimo existencial resulta de incontaacuteveis variaacuteveis distin-

tas e catalizadas pelo periacuteodo histoacuterico atual Assim sendo e nas palavras de

Morin (1994 p 146) ldquoA complexidade parece negativa ou regressiva visto

que eacute a reintroduccedilatildeo da incerteza num conhecimento que tinha partido em

triunfo agrave conquista da certeza absolutardquo contudo deve ser encarada como

uma nova perspectiva para refletir sobre os mecanismos ateacute entatildeo utilizados

e seus desenvolvimentos

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

91

Sendo assim estabeleceu-se em 2003 a Nova Carta de Atenas tra-

zendo consigo novas funccedilotildees dos espaccedilos urbanos com o objetivo de melho-

ria da qualidade de vida e do bem estar social na urbe Valores ambientais

culturais e histoacutericos aleacutem de uma sociedade informatizada foram temas ca-

ros ao novo documento (KANASHIRO M 2004 p 35) sem distanciaacute-los das

quatro funccedilotildees inicialmente pensadas

Com exemplo toma-se a funccedilatildeo de circular que hoje se distancia da

compreensatildeo limitada agrave oferta de uma malha viaacuteria e de transportes puacuteblicos

que unam pontos atraentes para a populaccedilatildeo e agrega ciclofaixas sinaliza-

das e percursos acessiacuteveis para pedestres com as devidas seguranccedila e lim-

peza urbanas Em consequecircncia cria-se condiccedilotildees para uma cidade susten-

taacutevel objetivo jaacute encartado no Estatuto da Cidade

Ainda outras das funccedilotildees da cidade satildeo os movimentos racionais e

a acessibilidade que vinculam o planejamento a estrateacutegia de trans-

porte de forma integrada Com isto melhorando as interconexotildees o

transporte puacuteblico ampliando as ruas livres de carros e promovendo

a caminhada e o uso da bicicleta A cidade ecoloacutegica conceito da

nova Carta de Atenas 2003 com a sustentabilidade constituindo num

processo de planejamento conectado ao processo de participaccedilatildeo

social constituindo-se em princiacutepios do desenvolvimento sustentaacutevel

(GARCIAS BERNARDI 2008) (grifos nossos)

Ademais as funccedilotildees da cidade relacionam-se fortemente com o direito

a cidades sustentaacuteveis Sustentabilidade natildeo eacute mais sinocircnimo de atenccedilatildeo

apenas a demandas ambientais Juarez Freitas (2012 p 56) de maneira muito

exitosa conseguiu concatenar as distintas poreacutem complementares dimen-

sotildees da sustentabilidade caracterizando sua multidimensionalidade para

aleacutem do consagrado tripeacute social ambiental e econocircmico Afirma portanto

serem cinco as dimensotildees quais sejam ambiental social econocircmica eacutetica e

juriacutedico-poliacutetica

A compreensatildeo das dimensotildees de um instituto ou fenocircmeno segundo

Morin (1994 p 138) insere-se como mais um pressuposto do pensamento com-

plexo o qual natildeo exige o esgotamento dos saberes relacionados e sim a con-

sideraccedilatildeo de seus muacuteltiplos aspectos para entatildeo pensar em soluccedilotildees cabiacuteveis

Percebe-se destarte a iacutentima relaccedilatildeo entre as funccedilotildees da cidade as

dimensotildees da sustentabilidade e a realizaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que aten-

dam ao interesse puacuteblico primaacuterio natildeo se limitando agrave proteccedilatildeo de aacutereas ver-

des ou a medidas em prol do ambiente natural Discutir cidades sustentaacuteveis

abrange questotildees interligadas de habitaccedilatildeo labor tracircnsito e lazer tomadas

por estes cinco vieses da sustentabilidade em toda a sua complexidade

Estas dimensotildees tangenciam demandas relacionadas com os diferentes

espaccedilos nas cidades (dimensatildeo ambiental) as poliacuteticas puacuteblicas e os serviccedilos

postos ao alcance dos seus habitantes (dimensatildeo social) o direcionamento

dos valores dos cofres puacuteblicos para ordenar a cidade e endossar atividades

de maneira a atender as necessidades de seus habitantes (dimensatildeo econocirc-

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

92

mica) o direito-dever de oferecer agraves presentes e futuras geraccedilotildees uma ci-

dade amparada por essas poliacuteticas puacuteblicas coerentes (dimensatildeo eacutetica) e os

instrumentos processuais e administrativos agrave disposiccedilatildeo da sociedade para a

proteccedilatildeo dos direitos que envolvem uma cidade sustentaacutevel (dimensatildeo juriacute-

dico-poliacutetica) Isto chama-se desenvolvimento sustentaacutevel de uma cidade

Nessa perspectiva pode-se dizer tambeacutem que deve haver um equiliacute-

brio entre o desenvolvimento econocircmico e a proteccedilatildeo ambiental de

modo que haja o compromisso dos Municiacutepios e da populaccedilatildeo com

um meio ambiente ecologicamente equilibrado e que a ideia de

progresso e desenvolvimento somente faccedila sentido se houver con-

juntamente uma concepccedilatildeo eacutetica de sustentabilidade (DANTAS

ALBUQUERQUE 2017 p 255)

No tocante agrave dimensatildeo juriacutedico-poliacutetica da sustentabilidade cabe o re-

forccedilo da relevacircncia de um ordanamento juriacutedico que acolha as novas de-

mandas da comunidade e inclua instrumentos normativos os quais atendam

as necessidades atuais da cidade como eacute o caso da revisatildeo decenal obriga-

toacuteria do Plano Diretor em conformidade com o sect3ordm do artigo 40 do Estatuto

da Cidade

Entatildeo cumpre repetir o caraacuteter sustentaacutevel da cidade a partir da aten-

ccedilatildeo a todas as funccedilotildees do espaccedilo urbano reconhecidas nas distintas aacutereas

teacutecnicas que contribuem com o diaacutelogo de saberes sobre o tema por ser a

alternativa que melhor aproxima as necessidades dos cidadatildeos do papel ge-

renciador do Estado em especial do Poder Executivo municipal

A partir do arcabouccedilo normativo do ordenamento desde as leis nacio-

nais ateacute as LOMs bem como dos processos de negociaccedilatildeo com foco no bem

estar dos habitantes deriva o direito a cidades que atentem para as funccedilotildees

urbanas jaacute que ldquoA complexidade ambiental reclama a participaccedilatildeo de es-

pecialistas que trazem pontos de vista diferentes e complementares sobre um

problema e uma realidade ()rdquo (LEFF 2011 p 322)

A dificuldade em analisar os conflitos urbanos de maneira sistecircmica con-

tribui para soluccedilotildees fragmentadas de curto prazo e potenciais causadoras de

novos conflitos com relaccedilatildeo direta ao inicial prejudicando o pensar global e

a multiplicaccedilatildeo de novas perspectivas vantajosas ao ambiente

Eacute sensibilizar para as enormes carecircncias de nosso pensamento e

compreender que um pensamento mutilador conduz necessaria-

mente a accedilotildees mutilantes Eacute tomar consciecircncia da patologia con-

temporacircnea do pensamento () A patologia moderna da mente

estaacute na hipersimplificaccedilatildeo que natildeo deixa ver a complexidade do

real (MORIN 2007 p 15)

Entatildeo tais pressupostos ndash a aparente reduccedilatildeo inicial dos saberes o novo

pensar a consideraccedilatildeo das dimensotildees jaacute conhecidas do fenocircmeno e o surgi-

mento de perspectivas ndash somados ao entendimento de que complexidade

natildeo eacute conclusatildeo (MORIN 1994 p 137) e sim meacutetodo e instrumentos para o

ldquo

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

93

diaacutelogo dos conhecimentos permitem compreender as funccedilotildees da cidade

como aliadas do desenvolvimento urbano

O pensamento complexo beneficia o estudo e a aplicaccedilatildeo das funccedilotildees

urbaniacutesticas nas relaccedilotildees que permeiam as cidades por entender a diversi-

dade de agentes direitos e interesses envolvidos e permitir que a construccedilatildeo

de novas perspectivas e costumes se consolide em prol de ambientes saudaacute-

veis e equilibrados

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A compreensatildeo do espaccedilo urbano sustentaacutevel perpassa necessaria-

mente pelo atendimento das funccedilotildees da cidade quando executados melho-

ramentos urbanos ou poliacuteticas puacuteblicas E dada a velocidade com que as mu-

danccedilas ocorrem na era da informaccedilatildeo as necessidades da populaccedilatildeo se

modificam e se tornam mais complexas gradualmente dificultando compre-

ensotildees simplistas das relaccedilotildees humanas que envolvem os espaccedilos urbanos

Contudo infere-se aacuterdua ndash e por vezes infrutiacutefera ndash separaccedilatildeo do que

seria da ordem dos Direitos Urbaniacutestico Administrativo ou Ambiental no to-

cante a este instituto Talvez por tais funccedilotildees terem nascido em um movimento

de uma ciecircncia paralela ao Direito ou mesmo pelo compartilhamento de con-

ceitos e pela sua aplicaccedilatildeo em um campo no qual o Urbanismo e o Direito

frequentemente dialogam Este eacute um dos propoacutesitos do pensamento com-

plexo (re)tomar agraves problematizaccedilotildees sob a perspectiva da diversidade exis-

tente nos dilemas sociais

Assim sendo a transdisciplinaridade se encarrega de unir os saberes e

permite que se apliquem em prol do cumprimento dos direitos sociais de ha-

bitaccedilatildeo labor circulaccedilatildeo e recreaccedilatildeo mais do que setorizando os trabalhos

agregando os esforccedilos de especialidades diferenciadas

No tocante agrave complexidade das funccedilotildees urbaniacutesticas intimamente re-

lacionada com o perfil multidisciplinar do tema percebe-se a necessidade de

olhares sistecircmicos diante das problematizaccedilotildees enfrentadas afastando a

conservadora visatildeo linear e voltada agrave especificidade dos temas juriacutedicos os

quais comprovam-se cada vez mais interligados

Os pressupostos da Teoria da Complexidade de Edgar Morin (1994) con-

tribuem sobremaneira para a anaacutelise e a aplicaccedilatildeo das funccedilotildees da cidade

na medida em que convidam a populaccedilatildeo interessada e a Administraccedilatildeo

Puacuteblica ao novo pensar pautado nas dimensotildees ateacute entatildeo conhecidas do

instituto e ao surgimento de novas formas de interpretar e se comportar nos

ambientes urbanos

Logo operar as funccedilotildees da cidade com conceitos capazes de valorizar

o ambiente urbano em prol da dignidade das pessoas que compotildeem esse

sistema adveacutem do pensar de maneira local e global importando solucionar

questotildees sem desatentar aos resultados porventura danosos em outras aacutereas

e favorecendo a construccedilatildeo de cidades sustentaacuteveis

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

94

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olhares para a contemporaneidade

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2001) 4 ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2014

96

JUSTICcedilA RESTAURATIVA

um novo paradigma na

soluccedilatildeo de conflitos

Raquel Lima Batista1

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 61 O que eacute a Justiccedila Restaurativa 62 Como

a Justiccedila Restaurativa pode facilitar o encontro de soluccedilotildees mais

saudaacuteveis para as partes 63 Desafios para a aplicaccedilatildeo da justiccedila

Restaurativa Consideraccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

Os acontecimentos e a vida cotidiana poliacutetica e econocircmica demons-

tram o papel relevante do Judiciaacuterio como uma espeacutecie de poder modera-

dor ajudando e colaborando com sua atividade para a consolidaccedilatildeo da paz

e manutenccedilatildeo das relaccedilotildees

A Justiccedila Restaurativa vem sendo disseminada estabelecendo-se e fir-

mando seu objetivo ao introduzir uma nova perspectiva para a soluccedilatildeo de

conflitos priorizando a inovaccedilatildeo e a sensibilidade

Sua forma de atuaccedilatildeo busca ouvir as viacutetimas e suas queixas escutar os

ofensores e suas motivaccedilotildees promovendo a aproximaccedilatildeo de ambos os lados

suas famiacutelias e a comunidade em que vivem

Neste pilar a Justiccedila Restaurativa surge demonstrando sua importacircncia

e necessidade quando busca encontrar uma soluccedilatildeo adequada e satisfatoacuteria

para os conflitos sociais Este tem sido um grande desafio e a principal busca

para os construtores do Direito

Diante disso a presente pesquisa pretende investigar como e em que

medida uma abordagem mais sistecircmica buscando soluccedilotildees mais profundas

e duradouras pode ajudar as partes na soluccedilatildeo de suas demandas evidenci-

ando uma justiccedila que busca restaurar Dividindo-se em trecircs seccedilotildees o artigo

abordaraacute o que eacute a Justiccedila Restaurativa sua origem e seus limites na se-

gunda seccedilatildeo como a justiccedila restaurativa pode facilitar o encontro de solu-

ccedilotildees mais saudaacuteveis para as partes e a terceira por fim desafios para sua

aplicaccedilatildeo avaliando as suas potencialidades A metodologia utilizada eacute qua-

litativa teoacuterica descritiva bibliograacutefica e indutiva

1 Graduada em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Especialista de

Gestatildeo de Pessoas pela Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas (FGV) Especialista em Gestatildeo de Ne-

goacutecios pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJRJ) Especialista em Consultoria

Organizacional pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Graduada em Administra-

ccedilatildeo de Empresas pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE)

E-mail quelzyhotmailcom

6

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

97

61 O QUE Eacute A JUSTICcedilA RESTAURATIVA

Conforme publicaccedilatildeo do Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) os recen-

tes acontecimentos e a vida cotidiana poliacutetica e econocircmica demonstram o

papel relevante do Judiciaacuterio como uma espeacutecie de poder moderador aju-

dando e colaborando com sua atividade para a consolidaccedilatildeo da paz social

(BRASIL 2016 p 11)

Afirma o CNJ que a partir da chamada Era dos Direitos anunciada pelo

pensador italiano Norberto Bobbio o Judiciaacuterio vem sendo demandado cada

vez mais por pessoas comuns que buscam a concretizaccedilatildeo das promessas

da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 (BRASIL 2016 p 11) Bobbio (2004 p 51) en-

sina que

[] os direitos do homem satildeo direitos histoacutericos que emergem gradu-

almente das lutas que o homem trava por sua proacutepria emancipaccedilatildeo

e das transformaccedilotildees das condiccedilotildees de vida que essas lutas produ-

zem [] os direitos ditos humanos satildeo o produto natildeo da natureza

mas da civilizaccedilatildeo humana enquanto direitos histoacutericos eles satildeo mu-

taacuteveis ou seja suscetiacuteveis de transformaccedilatildeo e de ampliaccedilatildeo

A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 previu os Direitos Fundamentais exer-

cendo funccedilotildees de defesa ou de liberdade funccedilatildeo de prestaccedilatildeo social fun-

ccedilatildeo de proteccedilatildeo perante terceiros e funccedilatildeo de natildeo discriminaccedilatildeo (CANOTI-

LHO 2003 p 407) Observados conforme arts 6ordm a 11 da CF88 se percebe a

existecircncia tanto de direitos a prestaccedilotildees quanto a concretizaccedilotildees dos direitos

de liberdade e igualdade segundo Silva (2016)

Segundo o CNJ a Justiccedila Restaurativa vem sendo disseminada estabe-

lecendo-se e firmando seu objetivo ao introduzir uma nova perspectiva para

a soluccedilatildeo de conflitos priorizando a inovaccedilatildeo e sensibilidade Sua forma de

atuaccedilatildeo busca ouvir as viacutetimas e suas queixas escutar os ofensores e suas mo-

tivaccedilotildees promovendo a aproximaccedilatildeo de ambos os lados suas famiacutelias e a

comunidade em que vivem Nessa esteira os juiacutezes brasileiros vecircm aprofun-

dando a relaccedilatildeo com a sociedade individualmente e por meio do CNJ (BRA-

SIL 2016 p 11)

O movimento que institucionaliza as teacutecnicas restaurativas teve origem

em 1974 no Canadaacute quando em uma experiecircncia um Juiz na proviacutencia de

Ontaacuterio determinou que dois jovens acusados de depredar vinte e duas pro-

priedades se encontrassem com suas viacutetimas resultando deste encontro um

acordo de reparaccedilatildeo dos danos causados segundo Oldoni Lippmann e Gi-

rardi (2018 p 25)

Apoacutes este acontecimento Oldoni Lippmann e Girardi (2018 p 25) citam

outros fatos relevantes Em 1994 na Aacutefrica do Sul foi utilizado o modelo deno-

minado Zwelethamba durante as eleiccedilotildees daquele ano e depois foi desen-

volvido e utilizado em outras ocasiotildees

Destacam ainda que a Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) passou

a aconselhar que os estados membros considerassem uma legislaccedilatildeo voltada

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

98

para os interesses das viacutetimas fato constatado em 1990 quando da realizaccedilatildeo

da Conferecircncia Internacional na Itaacutelia sopesando o crescente interesse mun-

dial no assunto (OLDONI LIPPMANN e GIRARDI 2018 p 25)

A origem da Justiccedila Restaurativa e seu contorno para a resoluccedilatildeo de

conflitos ainda eacute muito questionada Segundo Nader (1994) existe um relativo

consenso que as concepccedilotildees para sua implementaccedilatildeo no acircmbito judiciaacuterio

apareceram em paiacuteses como os Estados Unidos Canadaacute e Nova Zelacircndia

juntando-se ao crescimento nas deacutecadas de 1970-1980 do que se convenci-

onou chamar de resoluccedilotildees alternativas de disputas ou estilos conciliatoacuterios

de disputas

No Brasil um resultado do movimento pela Justiccedila Restaurativa pode ser

visto na Constituiccedilatildeo Federal de 1998 art 98 inciso I quando possibilita ldquoa

conciliaccedilatildeo e a transaccedilatildeo em casos de infraccedilatildeo penal de menor potencial

ofensivordquo flexibilizando segundo Oldoni Lippmann e Girardi (2018 p 27) o

princiacutepio da obrigatoriedade da accedilatildeo penal

Posteriormente surgem novas aplicaccedilotildees positivadas como no Estatuto

da Crianccedila e do Adolescente (Lei nordm 80691990) que em seu artigo 126 re-

cepciona a possibilidade de remissatildeo podendo o processo ser excluiacutedo sus-

penso ou extinto desde que a composiccedilatildeo do dano seja aperfeiccediloada entre

os envolvidos de forma livre e consensual A Justiccedila Restaurativa assim eacute no-

toriamente impulsionada segundo Oldoni Lippmann e Girardi (2018 p 27)

A ideia de reparar e restaurar as relaccedilotildees sempre foi um costume co-

mum em eacutepocas remotas previsto nas praacuteticas encontradas em muitos docu-

mentos legais da antiguidade para exemplificar cabem o Coacutedigo de Ur-

Nammu (2112 aC) lei antiga utilizada no Oriente Meacutedio o primeiro a abordar

o assunto o Coacutedigo de Hamurabi (1772 aC) onde podem ser observadas

muitas sanccedilotildees centradas na reparaccedilatildeo e Lei das Doze Taacutebuas (450 aC) que

previa como sanccedilatildeo para o delito de furto o pagamento em dobro do valor

da coisa subtraiacuteda e no Direito Romano onde os crimes privados permitiam o

pagamento de uma quantia em pecuacutenia conforme observado por Oldoni

Lippmann e Girardi (2018 p14)

Conforme o CNJ

A Justiccedila Restaurativa integra oficialmente a agenda do Judiciaacuterio

desde agosto de 2014 ocasiatildeo em que o Conselho assinou um termo

de cooperaccedilatildeo com a Associaccedilatildeo dos Magistrados do Brasil (AMB)

e outras instituiccedilotildees visando agrave difusatildeo dessa modalidade de soluccedilatildeo

de conflitos em todo o paiacutes A contribuiccedilatildeo com o desenvolvimento

da Justiccedila Restaurativa foi uma das prioridades da gestatildeo do CNJ

para o biecircnio 2015-2016 passando a integrar o planejamento de

longo prazo do oacutergatildeo e condicionando a formulaccedilatildeo das metas na-

cionais da Estrateacutegia Nacional do Poder Judiciaacuterio 2015-2020 (BRASIL

2016 p 12)

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

99

O resultado desse planejamento materializou-se na Resoluccedilatildeo n

2252016 aprovada pelo Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) na 232ordf Sessatildeo

Plenaacuteria

Seu texto foi elaborado considerando sugestotildees e recomendaccedilotildees da

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) e a experiecircncia acumulada por inuacute-

meros juiacutezes que jaacute abraccedilavam e adotavam essa praacutetica

Nos termos da referida Resoluccedilatildeo a Justiccedila Restaurativa constitui um

conjunto ordenado e sistemaacutetico de princiacutepios meacutetodos teacutecnicas e ativida-

des que objetivam colocar em destaque os fatores relacionais institucionais e

sociais motivadores de conflitos e violecircncias O texto estipula tambeacutem as atri-

buiccedilotildees de juiacutezes Tribunais e do proacuteprio Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ)

abrangendo a formaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo de especialistas bem assim o moni-

toramento e a avaliaccedilatildeo permanente dessa atividade conforme Oldoni

Lippmann e Girardi (2018 p 16)

O entendimento do que eacute a justiccedila restaurativa passa pela mudanccedila

do foco epistemoloacutegico ndash mudar as lentes Acompanhando esse entendi-

mento Pinto (2008 p 190) cita que o crime para a justiccedila restaurativa eacute uma

violaccedilatildeo nas relaccedilotildees entre o infrator a viacutetima e a comunidade cabendo agrave

esta identificar as necessidades e obrigaccedilotildees oriundas dessa violaccedilatildeo e do

trauma causado

Alude que cabe tambeacutem agrave Justiccedila Restaurativa oportunizar e encorajar

o diaacutelogo entre os envolvidos possibilitando um acordo como sujeitos centrais

do processo sendo a justiccedila avaliada segundo sua capacidade de fazer com

que as responsabilidades pelo cometimento do delito sejam assumidas as ne-

cessidades oriundas da ofensa sejam atendidas e um resultado individual e

socialmente terapecircutico seja alcanccedilado

O foco epistemoloacutegico da Justiccedila Restaurativa eacute voltar-se para a restau-

raccedilatildeo dos relacionamentos olhando para o futuro Rompe assim o paradigma

de simplesmente concentrar-se no passado no conflito e na culpa

Pinto (2008 p 190) continua esclarecendo que a justiccedila convencional

diz vocecirc fez isso e tem que ser castigado A justiccedila restaurativa rompe com

esse olhar e leva para o pensamento o que vocecirc pode fazer agora para res-

taurar isso

A Justiccedila Restaurativa eacute portanto um movimento que visa a institucio-

nalizar as teacutecnicas restaurativas pelo Poder Judiciaacuterio e segundo Santana

apresenta a ideia de uma reparaccedilatildeo individual e coletiva quando o trans-

gressor incorre na obrigaccedilatildeo de reparar a viacutetima e a comunidade fundamen-

tado ainda no reconhecimento do conflito objetivando a resoluccedilatildeo dele ou

a reconciliaccedilatildeo das partes (2010 p 10)

Segundo Bandeira (2019) cabe destacar que entre os princiacutepios que ori-

entam a Justiccedila Restaurativa estatildeo a reparaccedilatildeo dos danos atendimento agraves

necessidades de todos os envolvidos informalidade voluntariedade imparci-

alidade participaccedilatildeo confidencialidade celeridade e urbanidade

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

100

Compreendido o conceito que fundamenta o que eacute Justiccedila Restaura-

tiva e sua origem seraacute aprofundado no toacutepico seguinte como ela pode fa-

cilitar o entendimento entre as partes e o encontro de soluccedilotildees mais saudaacuteveis

e duradouras

62 COMO A JUSTICcedilA RESTAURATIVA PODE FACILITAR O

ENCONTRO DE SOLUCcedilOtildeES MAIS SAUDAacuteVEIS PARA AS PARTES

Nos tempos atuais encontrar uma soluccedilatildeo adequada e satisfatoacuteria

para os conflitos sociais tem sido o grande desafio e a busca principal do Di-

reito O Estado quando chamado a intervir finaliza a lide com o uso de uma

sentenccedila

Segundo Oldoni Lippmann e Girardi (2018 p 16) essa forma de atua-

ccedilatildeo utilizando uma sentenccedila apresenta duas inconsistecircncias a primeira que

o conflito pode ser solucionado e a segunda que essa soluccedilatildeo seja alcan-

ccedilada por um terceiro

Continuam os autores esclarecendo o porquecirc da inconsistecircncia

O motivo de pacificaccedilatildeo social deve ser acompanhado da transfor-

maccedilatildeo do conflito funccedilatildeo essa distribuiacuteda agraves partes envolvidas por

serem os uacutenicos capazes de saber o que motiva as diferenccedilas e qual

a melhor forma de compreendecirc-las e transformaacute-las em algo positivo

(OLDONI LIPPMANN GIRARDI 2018 p17)

Para Nietzsche o sentido da puniccedilatildeo eacute rebaixar algueacutem fazendo-o se

sentir socialmente inferior natildeo fazendo mais parte Ou seja a pena exerce

uma funccedilatildeo desagregadora quando natildeo traduz a vontade das partes natildeo

compreende a motivaccedilatildeo e aumenta a dor e sofrimento dos envolvidos (2009

p 74)

O conflito eacute algo normal nos relacionamentos humanos e funciona

como um atrator para a mudanccedila devendo ser visto como uma oportuni-

dade de crescimento bem como forma de aumentar a compreensatildeo da es-

trutura social de noacutes e dos outros

A correta compreensatildeo que fazemos parte de um todo eacute essencial para

o processo de transformaccedilatildeo das relaccedilotildees afetadas pelos conflitos Observar

o problema como uma oportunidade de abordar o mais amplo e compreen-

der os padrotildees que geraram a crise possibilita o entendimento daquele sis-

tema de relacionamentos gerando respeito Assim vem ganhando importacircn-

cia a Justiccedila Restaurativa conceituada como sendo a justiccedila que visa alcan-

ccedilar o equiliacutebrio bem como restaurar e pacificar as relaccedilotildees transformando-

as

Segundo o Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) por meio dessa meto-

dologia de escuta das partes suas queixas e motivaccedilotildees o magistrado antes

de solucionar unilateralmente um litiacutegio procura reconstruir as relaccedilotildees antes

estabelecidas alcanccedilar consensos entre as partes envolvidas e quando pos-

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

101

siacutevel recompor os danos emergentes As partes que aceitam participar do ex-

perimento com o uso da Justiccedila Restaurativa satildeo acompanhadas por profissi-

onais capacitados e especializados para tanto (2016 p 12)

Quanto agrave forma de proceder aberto o diaacutelogo entre as partes o ofen-

sor teraacute a oportunidade de falar sobre as razotildees que o levaram a praticar o

ato iliacutecito suas motivaccedilotildees e razotildees

Jaacute a viacutetima poderaacute revelar como foi afetada pela conduta da parte

contraacuteria suas afliccedilotildees e os prejuiacutezos que experimentou possibilitando a opor-

tunidade e esclarecendo os dois lados de forma aberta e clara os sentimen-

tos que nutrem um com relaccedilatildeo ao outro O procedimento busca que as par-

tes envolvidas em um conflito sempre que possiacutevel retomem a sua vida nor-

mal

Destaca-se a forma de atuaccedilatildeo da Justiccedila Restaurativa que supera a

ideia de puniccedilatildeo relacionando-se com o Direito Sistecircmico onde ambos utili-

zam a visatildeo sistecircmica para solucionar conflitos em que autor e viacutetima se apro-

ximam buscando restaurar as relaccedilotildees e os eventuais danos sofridos

As partes envolvidas no conflito necessitam da restauraccedilatildeo de suas re-

laccedilotildees e natildeo simplesmente de um acordo desta forma um meio seria alcan-

ccedilar um consenso sendo este o melhor caminho para que as partes possam

ressignificar o conflito e contribuir para a pacificaccedilatildeo social

Partindo de uma ldquoescuta ativardquo dos envolvidos busca-se fazer que estes

compreendam melhor as suas responsabilidades e contribuiccedilotildees apontando-

lhes caminhos para uma convivecircncia paciacutefica

Oportuno apresentar o triacircngulo dramaacutetico de Karpman citado por Ja-

lowitzki (2014) trazendo os trecircs papeacuteis especiacuteficos de comportamento que satildeo

algoz (acusador) viacutetima (agressor) e salvador (defensor) onde cada membro

da famiacutelia pode assumir um papel ou perpassar pelos demais em ciclos inter-

minaacuteveis reforccedilando os conflitos internos das famiacutelias

A Justiccedila Restaurativa que apresenta uma soluccedilatildeo sistecircmica para ser

adequada e amparar no atingimento de uma justiccedila que busca a cura pre-

cisaraacute necessariamente em casos de separaccedilatildeo conjugal para exemplificar

proteger os filhos de qualquer desordem existente entre os pais para que pos-

sam sentir a presenccedila harmocircnica do pai e da matildee em suas vidas

O juiz conforme o pensamento de Sami Storch (2011) por sua vez antes

de decidir deve sopesar essa realidade e ter em seu coraccedilatildeo as crianccedilas e

ambos os pais aleacutem de outras pessoas envolvidas sem julgamentos de qual-

quer tipo

Dr Sami Storch (2017) explana ainda que numa accedilatildeo de divoacutercio a

soluccedilatildeo juriacutedica concernente aos filhos menores pode ser meramente definir

qual dos pais permaneceraacute com a guarda como seraacute o regime de visitas e

qual seraacute o valor da pensatildeo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

102

Isto eacute o que habitualmente se define mas de nada adiantaraacute uma de-

cisatildeo judicial imposta se os pais permanecerem se agredindo Independente-

mente do valor da pensatildeo ou de quem seraacute o guardiatildeo os filhos cresceratildeo

como se eles mesmos fossem os alvos das agressotildees e ofensas de ambos os

pais (BATISTA 2019)

Uma ofensa e um insulto do pai contra a matildee ou da matildee contra o pai

satildeo sentidas pelos filhos como se estes fossem as viacutetimas dos ataques e dos

conflitos mesmo que natildeo se deem conta disso Isso porque sistemicamente

os filhos satildeo fortemente ligados e vinculados a ambos os pais por meio deles

receberam a vida

Por isso eacute que mesmo que o filho revele apresente uma rejeiccedilatildeo ao pai

toda essa rejeiccedilatildeo se volta contra ele mesmo inconscientemente Qualquer

insulto ofensa ou julgamento de um dos pais contra o outro alimenta essa di-

nacircmica no nuacutecleo familiar prejudicial sobretudo aos filhos O mesmo ocorre

quando o juiz toma para si a defesa de um dos pais contra o outro reforccedilando

o conflito interno na crianccedila

Assim adotando tal postura o julgador jaacute promoveraacute uma conciliaccedilatildeo

entre as partes (que constituem um soacute sistema) Caso se faccedila necessaacuteria uma

soluccedilatildeo imposta todos sentiratildeo que foram escutados compreendidos e con-

siderados no conflito

Vale destacar contudo que isso natildeo impede que o pai e a matildee deba-

tam as questotildees mandatoacuterias vinculadas agrave separaccedilatildeo judicialmente ou natildeo

desde que isso se decirc entre eles sem a implicaccedilatildeo dos filhos nem que o juiz

delibere as demandas que lhe forem postas

Essa forma de tratar simplesmente a questatildeo que as partes discutem

dentro do processo e entendendo demandas emocionais e demais conflitos

retira do processo essa carga extra que em grande parte dificulta o anda-

mento e o alcance de acordos deixando apenas o direito discutido

Nestes tempos de poacutes-modernidade cabe destacar tambeacutem sua apli-

caccedilatildeo no Direito Ambiental com a comunidade internacional lanccedilando um

novo olhar sobre as questotildees ambientais utilizando-se cada vez mais uma

construccedilatildeo consensuada entre as partes com a participaccedilatildeo de todos os

atores envolvidos de disposiccedilotildees e normas que dizem respeito a uma questatildeo

especiacutefica do meio ambiente de um pequeno vilarejo no interior do paiacutes ateacute

questotildees de interesse mundial conforme Rezende Neto (2014)

Compreendido como a Justiccedila Restaurativa pode facilitar o entendi-

mento entre as partes e o encontro de soluccedilotildees mais saudaacuteveis e duradouras

bem como sua origem seraacute aprofundado no proacuteximo toacutepico os desafios para

sua aplicaccedilatildeo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

103

63 DESAFIOS PARA A APLICACcedilAtildeO DA JUSTICcedilA RESTAURATIVA

A Justiccedila Restaurativa tem na forma de pensar sob uma loacutegica binaacuteria

simplista e reducionista da modernidade um grande desafio Esse modelo bi-

naacuterio tambeacutem privilegiou em nossa cultura o paradigma ganha-perde limi-

tando as opccedilotildees de soluccedilotildees admissiacuteveis para situaccedilotildees de conflito O litiacutegio

ou a competiccedilatildeo como maneiras de lidar com as diferenccedilas empobrece as

opccedilotildees impede a relaccedilatildeo entre os atores sociais e gera altos custos econocirc-

micos e relacionais (BATISTA 2019)

Necessaacuterio visualizar a crise na qual o ser humano estaacute inserido esten-

dendo-se por diversas aacutereas atuando de modo complexo e sistecircmico na rea-

lidade local regional nacional e global demonstrando a interdependecircncia

que existe entre os fatores e enfatizando essa crise de percepccedilatildeo vivida pela

civilizaccedilatildeo onde os problemas natildeo podem ser observados e entendidos de

modo isolado segundo um modelo cartesiano (CAPRA 2006 p 19)

Uma opccedilatildeo para essa crise vivenciada seria repensar a atuaccedilatildeo dos

construtores do Direito atuando com sensibilidade e afeto nos assuntos e nas

questotildees humanas tentando aproximar-se daquilo que estaacute oculto (poreacutem

operante) na alma das pessoas e por conseguinte no processo que se apre-

senta como demanda no Poder Judiciaacuterio (OLDONI LIPPMANN E GIRARDI

2018 p 66)

Um olhar para o sistema de origem das partes uma anaacutelise das suas

questotildees e a forma como seus membros foram e satildeo tratados deve ser consi-

derada na apreciaccedilatildeo dos conflitos atuais e comportamentos como meio de

buscar uma soluccedilatildeo mais pacifica melhorando a compreensatildeo do conflito e

a sua transformaccedilatildeo em algo positivo afirmam Oldoni Lippmann e Girardi

(2018 p 17)

Nesse contexto de diversidade surgem meacutetodos inovadores para a re-

soluccedilatildeo de conflitos que propiciam aos indiviacuteduos organizaccedilotildees e comunida-

des a administraccedilatildeo responsaacutevel de seus proacuteprios conflitos em busca de solu-

ccedilotildees

Os processos restaurativos podem incluir a mediaccedilatildeo a reuniatildeo familiar

ou comunitaacuteria e ciacuterculos decisoacuterios

Segundo Oldoni Lippmann e Girardi (2018 p 32)

Um acordo construiacutedo no processo restaurativo inclui respostas e pro-

gramas tais como reparaccedilatildeo objetivando atender as necessidades

individuais e coletivas e responsabilidades das partes bem como as-

sim promover a reintegraccedilatildeo da viacutetima e do ofensor

Segundo Pinto (2008 p 190) utilizando a mediaccedilatildeo se proporciona agraves

partes um ambiente mais adequado com a participaccedilatildeo de um mediador

para o diaacutelogo sobre as origens e consequecircncias do conflito e assim a cons-

truccedilatildeo de um acordo e um plano restaurativo

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

104

Vall e Belchior (2019 p 195) colocam que nas audiecircncias de mediaccedilatildeo

por meio de vivecircncias coletivas as partes satildeo convidadas a colocarem suas

questotildees individuais havendo um processo evolutivo e progressivo de tomada

de consciecircncia da questatildeo e do conflito entre e para as partes

Relatam que a praacutetica de um olhar sistecircmico mais amplo e inteiro pro-

porciona uma atuaccedilatildeo para aleacutem do que aparece relatado nos autos dos

processos judiciais possibilitando uma compreensatildeo do pensamento com-

plexo algo para aleacutem do ambiente Juriacutedico e da aderecircncia agraves leis simples-

mente (VALL BELCHIOR 2019 p 202)

Na forma de reuniatildeo comunitaacuteria e ciacuterculo decisoacuterio ocorreraacute um tra-

balho mais amplo reflexivo conversando sobre as origens e consequecircncias

do conflito construindo um acordo restaurativo coletivo e integrado com a

comunidade

Destaca-se que eacute dado agraves partes uma oportunidade de fala e de ex-

pressatildeo dos sentimentos e emoccedilotildees objetivando a restauraccedilatildeo das relaccedilotildees

sociais e dos danos causados

Tais procedimentos acarretam uma mudanccedila na lente e no olhar para

o conflito construindo acordos mais harmocircnicos alcanccedilando o resultado res-

taurativo suprindo as necessidades individuais e coletivas visando tambeacutem a

reintegraccedilatildeo social da viacutetima e do infrator

Contudo eacute importante observar como limite atual para a utilizaccedilatildeo da

Justiccedila Restaurativa o escasso oferecimento de formaccedilatildeo qualitativa aos

construtores do Direito responsaacuteveis por colocar em praacutetica esse novo formato

e seus procedimentos Oldoni Lippmann e Girardi (2018 p 37) colocam que

eacute necessaacuterio repensar o modelo que o Brasil quer adotar flexibilizando e am-

pliando o acesso agrave formaccedilatildeo

Na cartilha editada pelo Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) onde satildeo

destacados os dez passos importantes para a implantaccedilatildeo da Justiccedila Restau-

rativa eacute ressaltada a importacircncia da formaccedilatildeo do servidor supervisor do pro-

grama e de um grupo de facilitadores para a experiecircncia piloto de implanta-

ccedilatildeo entendendo-se que essa formaccedilatildeo facilita o sucesso da experiecircncia

(2020) Cabe neste momento a reflexatildeo da transdisciplinaridade de conhe-

cimentos que somados procuram estimular uma nova compreensatildeo da rea-

lidade e da complexidade envolvida no conflito

Esse conhecimento transdisciplinar e complexo encontra aderecircncia

com a praacutetica quando se aborda que a necessidade da aplicaccedilatildeo da Jus-

ticcedila Restaurativa natildeo visa extinguir ou excluir os procedimentos da Justiccedila tra-

dicional podendo ocorrer de forma concorrente ao procedimento convenci-

onal devendo ser analisado caso a caso e ser efetivamente utilizado o

acordo como reduccedilatildeo de pena ou com a aplicaccedilatildeo das circunstacircncias do

artigo 59 do Coacutedigo Penal aleacutem de outras alternativas conforme a reflexatildeo

pragmaacutetica de Lima (2019)

Para a praacutetica restaurativa faz-se necessaacuterio o preacutevio livre e espontacirc-

neo consentimento de todos os participantes que podem desistir a qualquer

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

105

momento ateacute a efetiva homologaccedilatildeo do acordo sendo resguardado o au-

xiacutelio de advogados ou defensores puacuteblicos quando aplicaacutevel continua Lima

(2019)

Para Winkelmann e Detoni (2012) na Justiccedila Restaurativa o crime natildeo

deve ser encarado como uma violaccedilatildeo da lei mas sim sobre um novo para-

digma como uma perturbaccedilatildeo das relaccedilotildees humanas entre pessoas que vi-

vem em conjunto numa sociedade implicando assim esta mudanccedila na re-

definiccedilatildeo do conceito de crime que deve ser visto como um ato de uma pes-

soa contra outra violador de uma relaccedilatildeo no seio de uma comunidade e

natildeo como um ato contra o Estado O foco eacute o comportamento anti-social e

o efeito nas relaccedilotildees comunitaacuterias

Cabe concluir este toacutepico com o que esclarece Belchior (2019) quanto

aborda que quanto mais integrador for o pensamento mais complexo e me-

lhor seraacute cuidando para natildeo se esbarrar na simplificaccedilatildeo pois a realidade

natildeo admite essas etapas Faz-se saudaacutevel o seu pensamento onde a mesma

cita que a completude jamais seraacute alcanccedilada a ideia dos diaacutelogos eacute abrir os

horizontes Assim eacute esse diaacutelogo da Justiccedila Restaurativa com o olhar tradicio-

nal e positivado do Direito com as vaacuterias fontes e os saberes inter e transdisci-

plinarmente sendo uma tentativa de aplicar a complexidade Justiccedila Restau-

rativa

Diante disso entendendo os desafios que precisam ser superados o

novo paradigma e a transdisciplinaridade da Justiccedila Restaurativa quando

aborda outros conceitos associados com a ciecircncia do Direito caminharemos

para a conclusatildeo deste trabalho

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A sociedade com sua dinacircmica atual e o modo como acontecem as

relaccedilotildees vem necessitando de uma resposta com um olhar mais humanizado

na atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio

Essa crise pautada no aumento da demanda em baixo niacutevel de res-

posta bem como um tempo longo necessaacuterio para que um processo alcance

sua conclusatildeo corroborou com a necessidade de repensar o Poder Judiciaacuterio

e de encontrar alternativas para a insuficiecircncia observada demonstrando

que onde os problemas natildeo podem ser observados e entendidos de modo

isolado

Assim com um foco epistemoloacutegico de reconstruccedilatildeo das relaccedilotildees e

olhando para o futuro das partes a Justiccedila Restaurativa se propotildee a descobrir

uma verdadeira soluccedilatildeo para o conflito compreender os elementos envolvi-

dos e as demandas das partes buscando descobrir essa soluccedilatildeo mais harmocirc-

nica considerando o todo envolvido

A justiccedila restaurativa tem essa incumbecircncia soluccedilotildees mais raacutepidas e

com maior congruecircncia com as expectativas das partes por soluccedilotildees mais

satisfatoacuterias

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

106

Por lidar com uma loacutegica diferente da binaacuteria ganha-perde trazendo

para o cenaacuterio analisado a complexidade onde a imprevisibilidade e a diver-

sidade de soluccedilotildees e acordos estatildeo presentes nos fenocircmenos sociais observa-

se nos formatos citados no artigo a possibilidade de solucionar questotildees con-

flituosas de uma forma diferente das regras fixas e previamente definidas

Esse olhar sistecircmico mais amplo e inteiro para o conflito pode proporci-

onar uma melhor compreensatildeo das demandas e uma atuaccedilatildeo mais assertiva

gerando um futuro diferente para as partes envolvidas algo para aleacutem da

aderecircncia agraves leis simplesmente

Nesse contexto de diversidade surgem meacutetodos inovadores para a re-

soluccedilatildeo de conflitos que propiciam aos indiviacuteduos organizaccedilotildees e comunida-

des a administraccedilatildeo responsaacutevel de seus proacuteprios conflitos em busca de solu-

ccedilotildees Uma possibilidade de olhar com um novo paradigma diante das de-

mandas de conflitos e soluccedilotildees almejadas

Assim este artigo trouxe sem a pretensatildeo de exaurir o conceito de Jus-

ticcedila Restaurativa a mudanccedila de paradigma que este representa a comple-

xidade dessa forma de pensar o conflito e seu desafio e o quanto o caminho

eacute feacutertil para o desenvolvimento do mesmo condiccedilatildeo inerente agrave essecircncia da

Justiccedila Restaurativa

REFEREcircNCIAS

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EIXO TEMAacuteTICO 2 Complexidade Epistemologia e Direito Ambiental

109

O IMPACTO AMBIENTAL DO BIG DATA

uma reflexatildeo criacutetica a partir de uma

abordagem ecossistecircmica

Alan Duarte1

Carla Mariana Aires Oliveira2

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 71 A atual Sociedade da Informaccedilatildeo a era

do Big Data e a economia de dados 72 O aspecto fiacutesico do Big

Data e seu impacto ambiental 73 O Big Data e a proteccedilatildeo ambi-

ental na perspectiva ecossistecircmica algumas reflexotildees Considera-

ccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

O desenvolvimento tecnoloacutegico redesenhou praticamente toda a ro-

tina da maioria das pessoas As tecnologias invadiram a vida cotidiana sem

todavia dar aos seus usuaacuterios tempo ou chances necessaacuterias para refletir

acerca do seu uso acerca das consequecircncias sistecircmicas individuais e coleti-

vas causadas por essa inovaccedilatildeo

O contexto de pandemia causado pela COVID-19 intensificou ainda

mais a incorporaccedilatildeo de inuacutemeras tecnologias no cotidiano Atividades antes

feitas presencialmente como aulas reuniotildees de negoacutecios e ateacute encontros in-

formais de amigos passaram a ser executadas remotamente mediante vide-

oconferecircncias em razatildeo da necessidade de isolamento social que a crise sa-

nitaacuteria causada pelo novo coronaviacuterus (SARS-Cov-2) exige

Nesse contexto ao contraacuterio do que o senso comum possa conceber

todas essas informaccedilotildees combustiacutevel dos serviccedilos digitais precisam ser man-

tidas e processadas por meios fiacutesicos concretos Ou seja os tais serviccedilos natildeo

satildeo providos por uma entidade abstrata e intangiacutevel fora do tempo e espaccedilo

mas por uma superestrutura de computadores mantidos em grandes salas e

ateacute em preacutedios inteiros chamados Centrais de Processamento de Dados (ou

Data Centers)

Contudo para que os data centers responsaacuteveis pelo armazenamento

de dados e pelo processamento de algoritmos inteligentes funcionem ade-

quadamente eacute necessaacuterio um gasto imenso de energia pois como maacutequinas

que satildeo precisam ser mantidas por fontes contiacutenuas de energia as quais satildeo

1 Graduando do Curso de Direito do Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Pesquisa-

dor do Grupo de Estudo e Pesquisa Ecomplex Direito Complexidade e Meio Ambiente da

UNI7CE E-mail duarttacademicgmailcom

2 Doutoranda em Direito e Mestra em Direito pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE)

Bolsista CAPESBRASIL Pesquisadora do Grupo de Estudo e Pesquisa Ecomplex Direito

Complexidade e Meio Ambiente da UNI7CE E-mail cmariaireshotmailcom

7

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

110

diretamente proporcionais ao poder de processamento e agrave capacidade de

armazenamento

Dessa forma haacute uma mitigaccedilatildeo da ideia perpetuada pelo senso co-

mum de que eacute preferiacutevel produzir e consumir informaccedilatildeo de forma digital pois

reduz o consumo de papel e por conseguinte o desmatamento com a con-

sequente reduccedilatildeo do prejuiacutezo ao meio ambiente

Entretanto a produccedilatildeo e o consumo de informaccedilatildeo por meio digital

impactam negativamente o meio ambiente seja pela liberaccedilatildeo de CO2 em

razatildeo do intenso gasto energeacutetico que demandam pelo uso de aacutegua para o

processo de resfriamento eou mesmo pela produccedilatildeo e pelo descarte dos

componentes eletrocircnicos Aleacutem disso como dito o armazenamento de dados

e o processamento de algoritmos requerem um consumo intenso de energia

Observa-se assim que a sucessiva utilizaccedilatildeo de tais ferramentas leva conse-

quentemente a um aumento da produccedilatildeo e da necessidade de energia as-

sim como uma maior demanda na exploraccedilatildeo dos recursos naturais

Se de um lado abandonou-se o consumo de produtos e serviccedilos com

impactos fiacutesicos concretos e proacuteximos agrave realidade dos consumidores de outro

a demanda cada vez mais crescente por serviccedilos digitais como os serviccedilos

de armazenamento em nuvem e as plataformas de streaming proporciona-

das pelas maiores empresas de tecnologia (Google Amazon Microsoft e Fa-

cebook para citar apenas algumas) geram imensos impactos principalmente

no meio ambiente mas que em razatildeo da distacircncia e da ausecircncia de meios

fiacutesicos proacuteximos aos consumidores satildeo negligenciados

De forma que em contraponto a todo esse progresso tecnoloacutegico vi-

vencia-se uma crise ecoloacutegica a partir do uso inconsequente dos recursos na-

turais assim como o risco de esgotamento Diante dessa situaccedilatildeo tem sur-

gido a niacutevel global diversas tentativas de mudar esta situaccedilatildeo tais como os

Objetivos do Desenvolvimento Sustentaacutevel (ODS) e o Pacto Ecoloacutegico Euro-

peu Por sua vez estes exemplos possuem uma estreita relaccedilatildeo da tecnologia

e o seu impacto no meio ambiente

Ante tais premissas o presente trabalho pretende-se a uma anaacutelise sob

uma oacuteptica ecossistecircmica dos impactos ambientais gerados pela economia

de dados por meio das estruturas fiacutesicas necessaacuterias para o adequado funci-

onamento desses serviccedilos digitais tendo como pergunta central como e em

que medida os serviccedilos digitais fomentados pela economia de dados amea-

ccedilam o meio ambiente ecologicamente equilibrado

Para tanto a metodologia utilizada seraacute de natureza qualitativa teoacute-

rica bibliograacutefica e explicativa Utilizar-se-aacute tambeacutem o meacutetodo sistecircmico e in-

dutivo na medida em que se adota uma oacuteptica ecossistecircmica e por analisar

o funcionamento das tecnologias associadas ao Big Data por meio de casos

especiacuteficos Seraacute ainda de natureza quantitativa em partes na medida em

que se analisa os dados referentes ao crescimento dos serviccedilos digitais no mer-

cado e o consumo energeacutetico dos data centers bem como as taxas de emis-

satildeo de calor e gases nocivos ao ambiente

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

111

O presente trabalho estaacute dividido em trecircs partes aleacutem da introduccedilatildeo e

conclusatildeo Em um primeiro momento seratildeo feitas algumas consideraccedilotildees

acerca do conceito de big data e algoritmos e como esses fatores desenca-

dearam uma mudanccedila significativa natildeo soacute no aspecto quantitativo mas

tambeacutem qualitativamente na economia e na sociedade

Em seguida analisar-se-aacute os aspectos fiacutesicos desses fenocircmenos pois

para operar eacute preciso que haja um suporte fiacutesico e concreto capaz de realizar

o processamento dos algoritmos e o armazenamento dos dados e qual a re-

percussatildeo ambiental desses suportes fiacutesicos

Por fim em um terceiro momento enfrenta-se a questatildeo central da pes-

quisa ao serem feitas algumas reflexotildees sob a perspectiva sistecircmica do de-

senvolvimento tecnoloacutegico associado ao conceito de Big Data sobretudo no

tocante ao aspecto fiacutesico e da proteccedilatildeo ambiental proporcionando uma

anaacutelise criacutetica desse desenvolvimento e como os Estados estatildeo agindo diante

de tal temaacutetica

71 A ATUAL SOCIEDADE DA INFORMACcedilAtildeO

a era do big data e a economia de dados

Big Data se tornou uma expressatildeo da moda A crescente produccedilatildeo de

dados eacute tida atualmente como o novo petroacuteleo isto eacute a nova fonte de ri-

queza (REGULATING 2017) Pessoas que trabalham com marketing se utili-

zam dos dados para alcanccedilarem os consumidores mais rentaacuteveis (DUHIGG

2012) os meacutedicos para realizarem diagnoacutesticos mais precisos e os farmacecircu-

ticos para desenvolverem novos medicamentos (MARTIN 2019) os agentes

financeiros se utilizam dessas tecnologias para operarem no Mercado Finan-

ceiro (AENLLE 2018) e em determinados casos juiacutezes se utilizam de algoritmos

para auxiliar na tomada de decisatildeo como do sistema VICTOR no Supremo

Tribunal Federal (MAIA FILHO JUNQUILHO 2018) e o COMPAS em grande parte

dos tribunais norte-americanos (MAYBIN 2016) Mas eacute preciso destacar desde

jaacute que o Big Data natildeo eacute a soluccedilatildeo de todos os males

Os dados por si soacute satildeo tatildeo inuacuteteis quanto o petroacuteleo em sua forma bruta

Eacute preciso que haja uma construccedilatildeo de informaccedilotildees e conhecimentos econo-

micamente valiosos a partir deles Eacute dizer haacute um processo para a construccedilatildeo

do conhecimento o qual se inicia com a coleta de dados brutos isto eacute siacutem-

bolos isolados que quando submetidos a um determinado processamento a

uma anaacutelise detalhada fornecem certas informaccedilotildees ou seja respostas para

certas questotildees Por fim a aplicaccedilatildeo desses dados e dessas informaccedilotildees em

alguns contextos resulta em um conhecimento (CHEN et al 2009) o qual por

sua vez eacute aplicado dentro de modelos de negoacutecios visando a obtenccedilatildeo de

lucros e uma melhor tomada de decisatildeo

Exemplificativamente a geraccedilatildeo de riqueza na atual sociedade da in-

formaccedilatildeo se daacute a partir de anaacutelises refinadas sobre a renda preferecircncias e

comportamentos de clientes (os dados) criando-se assim perfis pessoais (in-

formaccedilotildees) por meio dos quais as grandes empresas podem tomar decisotildees

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

112

mais acertadas relacionadas a estrateacutegias comerciais (conhecimentos) tais

como construccedilatildeo e lanccedilamento de produtos instalaccedilatildeo de pontos de atua-

ccedilatildeo ou investimentos (6 2005)

Dito isso eacute relevante dizer que a despeito de a informaccedilatildeo jaacute ser vista

como elemento extremamente valioso haacute pelo menos 60 anos algumas lacu-

nas dificultavam o processo de transformaccedilatildeo dos dados em conhecimento

uacutetil (MAYER-SCRHOumlNBERGER CUKIER 2013) tais como a obtenccedilatildeo e armaze-

namento dos dados (que em sua maioria eram analoacutegicos escassos e impre-

cisos) e o processamento desses dados em softwares Tais lacunas todavia

foram aos poucos preenchidas pelo desenvolvimento tecnoloacutegico

Assim graccedilas ao aumento do uso da Internet notadamente pelas redes

sociais os sistemas gerenciadores de banco de dados dispositivos de memoacute-

ria secundaacuteria com maior capacidade de armazenamento e menor custo

tem-se hoje uma quantidade imensa de dados disponiacuteveis (GOLDSCHMIDT

PASSOS 2005) Como destaca Marr (2018) satildeo gerados aproximadamente 25

quintilhotildees de bytes por dia e que essa quantidade tende a aumentar cada

vez mais ao longo dos anos

Nesse contexto de massiva produccedilatildeo de dados cunhou-se o termo Big

Data inicialmente concebido a partir de um vieacutes quantitativo sendo definido

em 3 Vs (Volume Variedade e Velocidade)3 (LANEY 2001) Como destacam

os autores Mayer-Schoumlnberger e Cukier (2013 p 4 traduccedilatildeo nossa) ldquomeio seacute-

culo depois de os computadores entrarem na sociedade os dados comeccedila-

ram a se acumular a ponto de algo novo e especial acontecerrdquo4

Todavia como dito anteriormente os dados per se natildeo satildeo valiosos Em

razatildeo disso a expressatildeo Big Data natildeo pode ser restringida apenas ao aspecto

quantitativo expresso pelos 3Vs antes deve ser compreendido como um

ecossistema possibilitado pelas novas tecnologias e inserido dentro de um

contexto social (LETOUZEacute 2015)

Sugere o cofundador da Data-Pop Alliance e pesquisador visitante no

MIT Emmanuel Letouzeacute (2015) uma conceituaccedilatildeo que abranja o vieacutes quanti-

tativo mas tambeacutem o aspecto qualitativo do Big Data qual seja 3 Cs (crumbs

capacities e communities) O primeiro ldquoCrdquo (crumbs) estaacute relacionado agraves ldquomi-

galhas de dadosrdquo deixadas pelos usuaacuterios em suas interaccedilotildees com o mundo

online e com os dispositivos conectados agrave rede O segundo ldquoCrdquo que se refere

agrave capacidade (capacities) e enfoca em questotildees para aleacutem dos dados pois

engloba teacutecnicas meacutetodos softwares e hardwares O terceiro ldquoCrdquo o qual ca-

racteriza o ecossistema do Big Data eacute de comunidades (communities) e diz

3 Um artigo publicado em 2001 por Doug Laney do Instituto Gartner estabelece os 3Vs do

Big Data O primeiro V relacionado ao Volume corresponde a imensidatildeo de dados pro-

duzidos e coletados O segundo que diz respeito agrave Variedade ou seja o meio pelo qual

tais dados satildeo coletados ocorre por variados meios e principalmente satildeo vaacuterios os forma-

tos desses dados Por fim o uacuteltimo V se relaciona com a Velocidade com que esses dados

satildeo transmitidos e coletados

4 Traduccedilatildeo livre de ldquoHalf a century after computers entered mainstream society the data

has begun to accumulate to the point where something new and special is taking placerdquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

113

respeito ao movimento de atores que vatildeo desde instituiccedilotildees compostas por

equipes multidisciplinares ateacute indiviacuteduos comuns

Dentro dessa definiccedilatildeo o aspecto relevante para este trabalho reside

no segundo C o qual se refere agraves capacidades Como dito anteriormente os

dados natildeo satildeo valiosos se natildeo for possiacutevel a construccedilatildeo de informaccedilatildeo e co-

nhecimento uacutetil a partir deles e tal conversatildeo soacute eacute possiacutevel mediante uma

anaacutelise detalhada e acurada desses dados Assim em razatildeo da capacidade

de processamento dos seres humanos ser limitada a imensa quantidade de

dados disponiacuteveis somada agrave raacutepida velocidade com que eles satildeo produzidos

demanda a utilizaccedilatildeo de ferramentas computacionais para que se torne pos-

siacutevel e viaacutevel a extraccedilatildeo de conhecimento uacutetil desses dados e assim a to-

mada de decisatildeo em tempo haacutebil

Nesse sentido o processo conhecido como Descoberta de Conheci-

mento em Banco de Dados (Knowledge Discovery in Databases - KDD) supre

essa lacuna causada pela limitaccedilatildeo humana (FAYYAD PIATETSKY-SHAPIRO

SMYTH 1996) KDD nessa perspectiva eacute definido por Fayyad Piatetsky-Shapiro

e Smyth (1996) como o processo natildeo trivial de identificar nos dados padrotildees

vaacutelidos novos potencialmente uacuteteis e finalmente compreensiacuteveis5

O poder do Big Data em gerar riqueza caracterizando assim o que se

convencionou chamar de Economia de Dados fica mais evidente com o

exemplo da empresa de varejo norte-americana Target Essa empresa conse-

guiu ldquodescobrirrdquo que uma garota do colegial em Minnesota (EUA) estava graacute-

vida antes mesmo de seu proacuteprio pai que soacute ficou sabendo em virtude de

uma conversa com a filha apoacutes receber da varejista alguns anuacutencios e cu-

pons de desconto de berccedilos e de roupas de bebecirc6 (DUHIGG 2012) A partir

de um banco de dados construiacutedo por meio da coleta e compra de dados

sobre os clientes que utilizam o cartatildeo de creacutedito da companhia (crumbs)7 e

por intermeacutedio da utilizaccedilatildeo de algoritmos de aprendizado de maacutequina os

quais operam em supercomputadores e grandes data centers (centrais de

dados) (capacities) a empresa consegue decifrar padrotildees de consumo e

para aleacutem disso identificar os haacutebitos de cada cliente sendo capaz de dire-

cionar com precisatildeo certos produtos para os consumidores mais rentaacuteveis

5 Traduccedilatildeo livre de ldquoKDD is the nontrivial process of identifying valid novel potentially useful

and ultimately understandable patterns in datardquo

6 Apoacutes receber os anuacutencios e cupons o pai entrou em contato com a empresa furioso ldquoMi-

nha filha recebeu este e-mailrdquo ele disse ldquoEla ainda estaacute no coleacutegio e vocecircs estatildeo envi-

ando para ela cupons para roupas de bebecircs e berccedilos Vocecircs estatildeo tentando encorajaacute-

la a engravidarrdquo Traduccedilatildeo livre de ldquoMy daughter got this in the mailrdquo he said ldquoShersquos still

in high school and yoursquore sending her coupons for baby clothes and cribs Are you trying

to encourage her to get pregnantrdquo (DUHIGG 2013)

7 Segundo Pentland (2012) essas migalhas de dados estatildeo mais associados agrave localizaccedilatildeo do

celular (lugares onde se gasta tempo) ou do cartatildeo de creacutedito (coisas que se compra) das

pessoas do que com o que se publica nas redes sociais ou se pesquisa no Google ou seja

essas migalhas dizem respeito ao real comportamento das pessoas em vez de reproduzir

suas crenccedilas ou informaccedilotildees que se quer que os outros saibam

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

114

Aleacutem da Target a Netflix grande empresa de streaming apresenta um

curioso exemplo de como o Big Data auxilia as empresas na tomada de deci-

sotildees mais lucrativas A plataforma coleta armazena e analisa dados dos mi-

lhotildees de usuaacuterios da plataforma os quais de acordo com um artigo publi-

cado no GigaOm vatildeo desde a seleccedilatildeo do filme ou seacuterie que se quer assistir e

em qual dia da semana e o horaacuterio ateacute os dados de localizaccedilatildeo geograacutefica

passando pelas interaccedilotildees do usuaacuterio com a reproduccedilatildeo todas as vezes que

se pausa retrocede ou avanccedila aquele filme ou seacuterie escolhida (HARRIS 2012)

Assim em 2013 a plataforma lanccedilou uma de suas primeiras produccedilotildees

originais um drama poliacutetico protagonizado por Kevin Spacey e Robin Wright

(ldquoFrankrdquo e Claire Underwood respectivamente) e dirigido por David Fincher

que se tornou um dos maiores sucessos em todo o mundo E todo esse sucesso

jaacute era sabido pois a criaccedilatildeo da seacuterie foi orientada pelas anaacutelises de gostos e

preferecircncias do puacuteblico-alvo A plataforma de streaming ldquosaberdquo o que as pes-

soas gostam de assistir quais atores mais cativam e qual o roteiro que mais

agrada (CARR 2013)

A atual era do Big Data portanto possibilita uma maior disponibilizaccedilatildeo

de serviccedilos digitais personalizados e especiacuteficos permitindo o surgimento de

novos serviccedilos As empresas portanto visando a atender agraves expectativas de

seus clientes e com o objetivo de reduzir o risco inerente agrave atividade empresa-

rial aleacutem de dar mais celeridade aos seus processos incorporam tais sistemas

relacionados ao conceito de Big Data de modo a alterar o modelo por meio

do qual trabalham

Com isso fica claro que os dados quando natildeo submetidos ao proces-

samento adequado satildeo essencialmente inuacuteteis Portanto enquanto o petroacute-

leo eacute direcionado para as refinarias onde passaraacute por vaacuterios processos ateacute se

extrair dele os elementos valiosos como combustiacutevel plaacutestico e outros os da-

dos precisam ser submetidos ao equivalente digital das refinarias supercom-

putadores e data centers (HAMILTON 2017) Gary King professor da Universi-

dade de Harvard diversamente do que destacaram Mayer-Schoumlnberger e

Cukier salienta portanto que ldquo[] a revoluccedilatildeo natildeo eacute a respeito dos dados Eacute

a respeito das anaacutelises que agora podemos fazer e que nos permitem enten-

der o que aqueles dados dizemrdquo8 (KING 2016)

Assim constata-se que os dados satildeo tatildeo valiosos quanto for a capaci-

dade de extraccedilatildeo de conhecimento deles a verdadeira revoluccedilatildeo estaacute cen-

trada no poder de processamento e anaacutelise desses dados os quais operam

mediante estruturas fiacutesicas Quais as estruturas fiacutesicas necessaacuterias para que a

Netflix por exemplo seja capaz de coletar armazenar e processar inuacutemeros

dados brutos para formar um conhecimento uacutetil para o seu modelo de negoacute-

cios O que eacute necessaacuterio para que elas funcionam Quais os riscos ambientais

que essas estruturas por serem fiacutesicas apresentam Essas satildeo questotildees que

seratildeo enfrentadas no proacuteximo toacutepico deste trabalho

8 Original ldquo[] the revolution is not about the data Itrsquos about the analytics that we can come

up with and that we now have to be able to understand what these data sayrdquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

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72 O ASPECTO FIacuteSICO DO BIG DATA (SUPERCOMPUTADORES E

DATA CENTERS) E SEU IMPACTO AMBIENTAL

O processo de transformaccedilatildeo dos dados em conhecimento economi-

camente valioso demanda a utilizaccedilatildeo de supercomputadores e data cen-

ters seja para realizar o processamento adequado dos dados seja para dis-

ponibilizar esses serviccedilos ao puacuteblico por meio de uma raacutepida conexatildeo em

rede Uma vez que como visto no atual contexto social a disponibilizaccedilatildeo de

serviccedilos digitais de streaming por meio de plataformas como a Netflix e Ama-

zon aleacutem de conteuacutedo (viacutedeos fotos conferecircncias e lives) disponibilizado gra-

tuitamente por meio das redes sociais como Instagram Facebook YouTube

e Twitter a produccedilatildeo de dados cresce exponencialmente9 (SADLER 2017) a

demanda por data centers eacute de igual modo ascendente

A massiva produccedilatildeo de dados cabe destacar teve um crescimento

exponencial natildeo previsto devido a situaccedilatildeo de isolamento social exigida pela

crise sanitaacuteria decorrente da pandemia da COVID-19 a qual levou milhotildees de

pessoas a mudarem seus haacutebitos e a aumentarem a demanda por serviccedilos

tecnoloacutegicos Eacute dizer se em condiccedilotildees normais as previsotildees acerca do au-

mento da produccedilatildeo e processamento de dados jaacute era assustadoramente

alta com a crise sanitaacuteria decorrente do novo coronaviacuterus (SARS-CoV-2) esse

aumento tornou-se bem maior

As pessoas encontraram novos meios de se conectarem e de se diverti-

rem aumentando a exigecircncia por serviccedilos online de bate-papo por viacutedeo e

sistemas de streaming Embora o uso de aplicativos de mensagens de texto

instantacircneas jaacute seja bastante disseminado no mundo inteiro as pessoas du-

rante o isolamento social queriam ver umas agraves outras isto eacute as mensagens de

texto jaacute natildeo eram suficientes para proporcionar a conexatildeo pessoal exigida

(KOEZE POPPER 2020) Ou seja diante das exigecircncias de isolamento social

aplicativos como a Netflix Amazon Prime e YouTube passaram a ser cada vez

mais utilizados como forma de entretenimento

Aleacutem disso a dependecircncia de transportes puacuteblicos e privados para ir ao

trabalho faculdade ou escola deu lugar a serviccedilos que permitem trabalhar e

estudar de casa como o Zoom Google Classroom Microsoft Teams e Han-

gouts Meets (KOEZE POPPER 2020) Segundo o presidente executivo da star-

tup Eric Yuan a plataforma saltou de 10 milhotildees de usuaacuterios em dezembro de

2019 para 200 milhotildees em marccedilo de 2020 ou seja a demanda aumentou 19

vezes em apenas trecircs meses (COMOhellip 2020) Com o aumento da demanda

as empresas precisaram aperfeiccediloar seus processos ampliando as capacida-

des dos seus supercomputadores e data centers para satisfazer as exigecircncias

dos consumidores

9 Estima-se que ateacute 2003 a populaccedilatildeo mundial havia acumulado cerca de 5 exabytes (o

que equivale a cinco bilhotildees de gigabytes) de conteuacutedo digital Enquanto que em 2015

essa quantidade de dados passou a ser produzida a cada dois dias (cerca de 870 exabytes

por ano) Segundo Bernard Marr (2018) em 2018 a produccedilatildeo de dados diaacuteria era de 25

quintilhotildees de bytes (25 exabytes)

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

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Esses data centers de acordo com Rong et al (2016) satildeo um conjunto

de computadores que armazenam grandes quantidades de dados que aten-

dem agraves necessidades diaacuterias de processamento de transaccedilotildees de diferentes

empresas Para atender a essas necessidades essa estrutura precisa ter todas

as instalaccedilotildees de suporte para fornecimento de energia e controle do meio

em que eacute instalada de modo que sejam mantidos os niacuteveis necessaacuterios de re-

siliecircncia e seguranccedila para fornecer os serviccedilos desejados (armazenamento

processamento e transporte de dados) (OROacute et al 2013) A partir disso per-

cebe-se que para aleacutem dos problemas mais oacutebvios suscitados por essas estru-

turas fiacutesicas como os descartes de resiacuteduos toacutexicos e ateacute radioativos (MARTIacute-

NEZ PORCELLI 2016) tem-se outros problemas decorrentes da alta demanda

por esses data centers

Tal estrutura computacional funciona ininterruptamente 24 horas por

dia durante 7 dias da semana ao longo de todo o ano consumindo uma

quantidade expressiva de energia (BEATY 2013) a qual pode ser atribuiacuteda

dentre outros agraves demandas de serviccedilos de Tecnologia da Informaccedilatildeo ilumi-

naccedilatildeo distribuiccedilatildeo de energia e principalmente aos equipamentos de refri-

geraccedilatildeo (AVGERINOU BERTOLDI CASTELLAZZI 2017)

Os sistemas de refrigeraccedilatildeo satildeo imprescindiacuteveis uma vez que a alta den-

sidade de calor gerada por esses equipamentos aliada a sua sensibilidade

teacutermica eacute uma combinaccedilatildeo volaacutetil e qualquer perda ou interrupccedilatildeo do con-

trole de temperatura e umidade ainda que por um curto periacuteodo de tempo

pode levar a danos no equipamento ou perda de dados o que por sua vez

implica em gastos substanciais mdash de milhares ou ateacute milhotildees de doacutelares por

cada minuto de inatividade (NI BAI 2017)

O setor de Tecnologia da Informaccedilatildeo (TI) no qual se inserem os data

centers segundo dados de 2017 consome aproximadamente 7 da eletrici-

dade global e agrave medida que o traacutefego anaacutelise e armazenamento de dados

aumenta o consumo de energia global demandado pelos data centers

pode chegar a 13 em 2030 (SADLER 2017) Estima-se que os data centers

em particular foram responsaacuteveis por em meacutedia 14 do consumo global de

eletricidade em 2011 o que equivale a meacutedia de consumo de 25000 casas

nos EUA (RONG et al 2016)

De toda a energia demandada em um data centers como apontam

Ni e Bai (2017) aproximadamente 40 eacute gasta no sistema de refrigeraccedilatildeo e

ainda conforme os autores mais da metade (60) desses sistemas de ar-con-

dicionado satildeo ineficientes ou seja demandam muita energia e resfriam

pouco o ambiente Aleacutem disso o fato de tais data centers funcionarem inces-

santemente independente da demanda mdash uma vez que os servidores preci-

sam estar prontos para qualquer eventual aumento na atividade que poderia

reduzir o desempenho ou travar suas operaccedilotildees mdash evidencia um preocu-

pante desperdiacutecio energeacutetico (GLANZ 2012)

Nesse sentido Glanz (2012) destaca que o uso ineficiente de energia eacute

cada vez mais fomentado por uma relaccedilatildeo simbioacutetica entre os usuaacuterios que

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

117

exigem uma resposta imediata aos clicks do mouse e as empresas que se natildeo

atenderem a essas expectativas colocam em risco todo o seu negoacutecio

Aleacutem disso estima-se que a pegada de carbono deixada pelo setor de

TI sobretudo em razatildeo dos data centers e da estrutura de rede utilizada eacute a

que mais cresce seja em decorrecircncia da queima de combustiacutevel foacutessil para

suprir as demandas energeacuteticas (WHITEHEAD et al 2014) seja pela utilizaccedilatildeo

de geradores que emitem escapes de diesel (GLANZ 2012)

Isso evidencia a crescente pegada de carbono que a utilizaccedilatildeo do Big

Data deixa a qual pode chegar a ser irreversiacutevel e gerar danos ambientais

profundos uma vez que o impacto ambiental nunca eacute toacutepico mas sistecircmico

haja vista a complexidade que o permeia Aleacutem disso tem-se a utilizaccedilatildeo de

tecnologias associadas ao Big Data como aspecto primordial do modelo de

desenvolvimento econocircmico atual Entretanto esse modelo tem desencade-

ado uma difusatildeo de riscos ambientais de modo que a crise ambiental eacute uma

caracteriacutestica central desse modelo (PERALTA 2019 p 151)

Sendo assim necessaacuterio se faz que as preocupaccedilotildees com o desenvolvi-

mento tecnoloacutegico sejam voltadas tambeacutem para os aspectos ambientais e

natildeo apenas uma anaacutelise do ponto de vista da vigilacircncia e proteccedilatildeo de dados

pessoais Nesse particular algumas reflexotildees sobre esse fenocircmeno precisam

ser feitas mas aleacutem disso precisam ser feitas a partir de uma perspectiva sis-

tecircmica Portanto o proacuteximo toacutepico aborda essa questatildeo especiacutefica e discute

como os Estados e atores privados estatildeo agindo em relaccedilatildeo a essa temaacutetica

73 A ERA DO BIG DATA E A PROTECcedilAtildeO AMBIENTAL NA

PERSPECTIVA ECOSSISTEcircMICA

algumas reflexotildees

As mudanccedilas climaacuteticas satildeo reconhecidas como um dos principais de-

safios que a humanidade enfrenta atualmente Assim na 21ordf Conferecircncia das

Partes (COP 21) adotou-se o Acordo de Paris com o fulcro de fortalecer a

resposta global agrave ameaccedila das mudanccedilas climaacuteticas cujo compromisso foi o

de limitar o aumento da temperatura a natildeo mais de 2ordm C em comparaccedilatildeo ao

periacuteodo anterior agrave revoluccedilatildeo industrial (MMA 2016)

Neste sentido a revoluccedilatildeo dos dados por meio do Big Data eacute defen-

dida como uma medida para que se alcance o desenvolvimento sustentaacutevel

Contudo este veiacuteculo atualmente eacute apoiado por tecnologias que colocam

em risco a sustentabilidade e o meio ambiente (LUCIVERO 2020 p 1013) tais

como a sua grande pegada de carbono contribuindo para a emergecircncia

ambiental que satildeo as mudanccedilas climaacuteticas As estimativas dos impactos am-

bientais10 atuais e futuros natildeo satildeo definitivas visto que ainda satildeo incertas e

10 Haacute impactos diretos e indiretos Os indiretos satildeo mais difiacuteceis de serem avaliados visto que

requerem aspectos comportamentais e sociais mais amplos a serem considerados na ava-

liaccedilatildeo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

118

incompletas (LUCIVERO 2020 p 1016) Nota-se assim um fenocircmeno com-

plexo no qual eacute preciso enfrentar as incertezas e as contradiccedilotildees

Assim a realidade dinacircmica e incerta da Sociedade Contemporacircnea

natildeo se coaduna com a insuficiecircncia dos padrotildees conservadores e simplistas

da sociedade na qual a visatildeo fragmentada prejudica a tentativa de com-

preensatildeo ampla para que seja possiacutevel o enfrentamento das complexidades

da Sociedade Contemporacircnea (WEYERMUumlLLER 2010 p 114) sendo a ligaccedilatildeo

dos Big data e das questotildees ambientais um exemplo disso Denota-se por-

tanto que a racionalidade desse modelo conservador que possui como pilar

do desenvolvimento o crescimento econocircmico natildeo integrou a vulnerabili-

dade e a capacidade de resiliecircncia da Natureza (PERALTA 2019 p150)

As questotildees ambientais tais como as mudanccedilas climaacuteticas satildeo essen-

cialmente transdisciplinares visto que se alastram a niacutevel global e necessitam

de um diaacutelogo de saberes entre as diversas aacutereas do conhecimento Ou seja

contrariamente a um pensamento fragmentado Contudo resta salientar que

a complexidade natildeo objetiva extinguir eou descartar o pensamento sim-

plista Ao contraacuterio a complexidade visa agregar assim como integrar onde

o pensamento simplista falha (BELCHIOR 2017 p 52)

Aleacutem disso no pensamento simplista a contradiccedilatildeo eou dualismo con-

figura a loacutegica do terceiro excluiacutedo Dessa forma configura-se a unificaccedilatildeo

do mundo e o pensamento unidimensional como uma forma de conheci-

mento domiacutenio e controle tendo por base as certezas de um determinado

mundo (LEFF 2010 p 21) Ou seja avanccedilo tecnoloacutegico ou meio ambiente (a

loacutegica do ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo)

Eacute criacutevel inferir que a sociedade contemporacircnea ou melhor o seacuteculo XXI

eacute amplamente influenciado pela crise ambiental que nada mais eacute do que a

crise do conhecimento visto que o ser humano passou a adotar um sistema

que utiliza os recursos naturais sem se preocupar com o seu esgotamento (BEL-

CHIOR 2017 p 66) Diante desse paradigma considera-se que o planeta natildeo

iria se modificar de forma substancial em que pese a exploraccedilatildeo predatoacuteria

da atividade teacutecnico-industrial e econocircmica do ser humano (PENA-VEGA

2003 p 23)

Outrossim se de um lado a revoluccedilatildeo dos dados possibilitada pelo Big

Data promove a coleta de dados que auxiliam no monitoramento e o al-

cance de poliacuteticas vinculadas ao Meio Ambiente tais como os ODS que fo-

ram anunciados na Agenda 2030 da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)

o rastreamento de queimadas desmatamento dentre outros

Diante disso verifica-se que o desenvolvimento tecnoloacutegico e a capa-

cidade de armazenamento de dados ampliam as ferramentas que contri-

buem para encontrar e alcanccedilar as soluccedilotildees de determinados problemas de

forma a contribuir nesse quesito a efetividade de um meio ambiente equili-

brado (MOLINARO LEAL 2018)

Por outro tem-se o impacto ambiental das infraestruturas do Big Data

Nesse prisma a realidade complexa e o contingente de risco e inseguranccedila

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

119

dentro de uma visatildeo complexa exigem que as implicaccedilotildees eacuteticas dos impac-

tos ambientais das revoluccedilotildees de dados sejam levadas em consideraccedilatildeo

Essa complexidade demonstra a necessidade de um diaacutelogo entre os

diversos atores visto que as questotildees ambientais tecircm a capacidade de im-

pactar todo o planeta Nesse sentido o princiacutepio dialoacutegico do pensamento

complexo ldquopermite manter a dualidade no seio da unidade Ele associa dois

termos ao mesmo tempo complementares e antagocircnicosrdquo (MORIN 2011 p

74) Na temaacutetica do impacto dos data centers no meio ambiente natildeo haacute ven-

cedor eou perdedor mas uma gama de atores buscando soluccedilotildees dentro

do acircmbito da incerteza para tal problemaacutetica

Nesse contexto entre as medidas estaacute a poliacutetica de uma eficiecircncia

energeacutetica relacionada aos data centers Assim a promoccedilatildeo de uma econo-

mia de dados sustentaacutevel requer natildeo apenas a reduccedilatildeo dos custos de ener-

gia dos data centers mas tambeacutem a produccedilatildeo de menos desperdiacutecio ou me-

nos dados que necessitam de recursos para serem processados eou armaze-

nados (LUCIVERO 2020 p 1025)

Aleacutem disso algumas soluccedilotildees dentro da problemaacutetica do impacto am-

biental dos data centers utilizam ferramentas tecnoloacutegicas associadas ao con-

ceito de Big Data em especial algoritmos de Inteligecircncia Artificial de modo a

aumentar o grau de eficiecircncia dos data centers Um exemplo de medidas

nesse sentido eacute uma iniciativa da Google a qual estaacute utilizando redes neurais

artificiais11 para analisar como os grandes centros de processamento de da-

dos operam e a partir disso aprimorar sua operaccedilatildeo (METZ 2014) Aleacutem disso

o Facebook e a Apple possuem sistemas de produccedilatildeo de energia solar para

alimentar seus data centers (ISBERTO 2018) contribuindo para reduzir a pe-

gada de carbono deixada pela tecnologia Percebe-se assim a associaccedilatildeo

de termos aparentemente antagocircnicos possibilitando melhores soluccedilotildees

Em acircmbito internacional haacute uma demanda para uma melhoria da efi-

ciecircncia energeacutetica o que inclui primeiramente o ODS 7 da Agenda 203012

que de uma forma geral contempla um pensamento complexo visto que

todos os objetivos se complementam Neste sentido a eficiecircncia energeacutetica

se correlaciona com as mudanccedilas climaacuteticas (ODS 13) justiccedila ambiental den-

tre outros por exemplo

No que diz respeito propriamente aos data centers surgiu em meados

de 2008 o ldquoEU Code of Conduct on Data Centre Energy Efficiencyrdquo em res-

posta ao aumento do consumo em data centers e a necessidade de reduzir

as consequecircncias ambientais econocircmicas dentre outras questotildees Ademais

por volta de 2019 publicou-se a revisatildeo 1010 do Coacutedigo de Conduta que

11 Em poucas palavras redes neurais artificiais constituem um tipo de sistema computacional

inspirado nas propriedades baacutesicas dos neurocircnios bioloacutegicos Essencialmente essas redes

neurais satildeo algoritmos de computadores capazes de reconhecer padrotildees e tomar deci-

sotildees com base nesses padrotildees utilizando uma forma de processamento inspirada mas

natildeo igual nos neurocircnios bioloacutegicos

12 O ODS 7 - Agenda 2030 - elenca a necessidade de dobrar a taxa global de melhoria da

eficiecircncia energeacutetica ateacute 2030

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

120

reuniu cerca de 150 recomendaccedilotildees de melhores praacuteticas que tecircm o condatildeo

de identificar e implementar medidas de melhoria de eficiecircncia energeacutetica

dos data centers (AQUIM 2019)

Nessa medida dentro do contexto das alteraccedilotildees climaacuteticas e da de-

gradaccedilatildeo do meio ambiente adveio no acircmbito da Uniatildeo Europeia o Pacto

Ecoloacutegico Europeu (The European Green Deal) que tem o fulcro de implemen-

tar a Agenda 2030 da ONU e os ODS Assim o cerne do Pacto eacute impulsionar a

utilizaccedilatildeo eficiente dos recursos por meio da transiccedilatildeo para uma economia

circular assim como estabelecer um caminho para a neutralidade climaacutetica

da regiatildeo ateacute 2050 (COMMISSION EUROPEacuteENNE 2019) Percebe-se que este

instrumento pode ser difundido em outros Estados observando-se as particu-

laridades de cada local

Neste vieacutes nota-se uma emergecircncia ambiental e diversas tratativas

para a busca de soluccedilotildees para tal problemaacutetica entre elas as mudanccedilas cli-

maacuteticas Averiacutegua-se portanto que uma mudanccedila na forma de pensar no

que diz respeito ao pensamento complexo e a interdependecircncia de todos os

seres vivos eacute um caminho a ser seguido tanto em acircmbito nacional e interna-

cional assim como o diaacutelogo entre os diversos atores e saberes

Por fim eacute um caminho salutar a busca de alternativas tecnoloacutegicas mais

ecoloacutegicas e sustentaacuteveis para os data centers visto que a coleta de dados eacute

uma ferramenta importante para a consecuccedilatildeo da sustentabilidade

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Observou-se no presente trabalho que a sociedade contemporacircnea eacute

caracterizada como uma sociedade de informaccedilotildees onde a atual era do Big

data ndash definida natildeo apenas sob o aspecto quantitativo (3 Vs ndash Volume Variety

e Velocity) mas tambeacutem pela sua caracteriacutestica qualitativa como um ecos-

sistema socialmente integrado (3 Cs ndash crumbs capacities e communities) ndash fo-

menta uma crescente economia de dados com suas infraestruturas e investi-

mentos relacionados As empresas se utilizam cada vez mais desses serviccedilos

associados ao conceito de Big Data para mudar seus modelos de negoacutecios e

disponibilizar serviccedilos digitais proporcionando para os consumidores maiores

comodidades ao mesmo tempo em que reduzem os riscos inerentes agrave ativi-

dade empresarial pois a anaacutelise dos dados coletados possibilita a aquisiccedilatildeo

de conhecimento uacutetil como suporte para melhores tomada de decisotildees

Viu-se tambeacutem que os serviccedilos digitais fomentados e emergentes dessa

economia de dados opera sob um conjunto de aspectos loacutegicos e fiacutesicos (ca-

pacities) dentre os quais as estruturas fiacutesicas como os data centers possuem

especial destaque para o funcionamento adequado desse novo ecossistema

pautado em dados Viu-se tambeacutem que tais estruturas e supercomputadores

necessitam de ambientes controlados para funcionarem adequadamente o

que por sua vez demanda significativa quantidade de energia e emitem ga-

ses nocivos ao ambiente

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

121

Nessa perspectiva a pesquisa evidenciou que a revoluccedilatildeo de dados ndash

caracterizada mais pelo poder de anaacutelise da imensa gama de dados produ-

zida do que pela proacutepria quantidade desses dados ndash acarreta em grandes

impactos positivos e negativos no que diz respeito ao planeta e ao seu ecos-

sistema (onde o ser humano estaacute incluso) Dentre os aspectos positivos tem-se

que com uma enorme quantidade e possibilidade de coleta e anaacutelise de da-

dos tal ferramenta eacute essencial para o desenvolvimento econocircmico e social

bem como a anaacutelise de problemas e proposituras de soluccedilotildees para as ques-

totildees ambientais seja a niacutevel nacional como internacional

Contudo paralelamente percebeu-se que haacute impactos negativos indi-

retos e diretos no que tange agrave tecnologia atualmente associada ao conceito

de Big Data Dentre os impactos tem-se a pegada de carbono gerada prin-

cipalmente pelos data centers que induz para a emergecircncia das mudanccedilas

climaacuteticas Aleacutem disso como visto os supercomputadores que possibilitam a

coleta armazenamento e anaacutelise da imensa gama de dados produzidas hoje

em dia necessitam que as salas em que satildeo mantidos possuam baixa tempe-

ratura e resfriem constantemente os equipamentos (pois geram muito calor)

em razatildeo da volatilidade e sensibilidade teacutermica que essas estruturas possuem

do contraacuterio haveraacute perda de dados e perda substancial de recursos financei-

ros

Dessa forma a pesquisa demonstrou tambeacutem que ainda que digitais ndash

isto eacute os consumidores natildeo veem todos os suportes fiacutesicos e os gastos que

demandam por meio do qual operam ndash os serviccedilos proporcionados pela

atual era do Big Data apresenta seacuterios riscos ao meio ambiente os quais de-

vem ser enfrentados a partir de uma perspectiva ecossistecircmica

Neste sentido notou-se uma questatildeo complexa que natildeo pode ser resol-

vida de forma simplista mas sim por meio de uma interconexatildeo de diversos

saberes e fatores assim como de opiniotildees divergentes dos diversos atores (acircm-

bito internacional nacional) para que seja possiacutevel encontrar alternativas tec-

noloacutegicas que consigam vincular a proteccedilatildeo e a conservaccedilatildeo do meio ambi-

ente com os avanccedilos tecnoloacutegicos

Assim descartar de plano o uso da tecnologia natildeo se apresenta como

uma saiacuteda viaacutevel embora seja ela uma das causadoras de problemas ambi-

entais Como visto o desenvolvimento tecnoloacutegico proporciona meios para

mitigar os proacuteprios impactos evidenciando assim a complexidade do tema

Por fim pesquisas futuras sobre a forma de lidar com esse problema e

encontrar soluccedilotildees viaacuteveis precisam levar em conta a necessaacuteria abordagem

complexa e ecossistecircmica por meio do desenvolvimento de tecnologias que

sejam capazes de aperfeiccediloar a eficiecircncia dos data centers (como o projeto

da Google) e reduzir os niacuteveis de calor por vias sustentaacuteveis como pelo uso de

energias limpas como a energia solar (tal qual utilizada pelo Facebook e Ap-

ple) A resposta natildeo estaacute na exclusatildeo de um em prol de outro (desenvolvi-

mento tecnoloacutegico em prol do meio ambiente ou vice-versa) mas em uma

convergecircncia de diferentes saberes e atores

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

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PARADIGMA DA COMPLEXIDADE

COMO METODOLOGIA DO

DIREITO AMBIENTAL

Alana Ramos Araujo1

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 81 O pensamento complexo 82 Princiacutepios do

pensamento complexo 83 A complexidade ambiental e sua apli-

caccedilatildeo no campo do direito Consideraccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

O pensamento cientiacutefico moderno particularmente o ocidental foi

construiacutedo agraves bases do pensamento cartesiano cujas caracteriacutesticas em siacuten-

tese satildeo anaacutelise reduccedilatildeo simplificaccedilatildeo e unidimensatildeo O esforccedilo da ciecircncia

positivista de matriz cartesiana se deu no sentido de separar as ciecircncias de

classificar o conhecimento em disciplinas autocircnomas de distanciar o sujeito

do objeto e de transportar os conceitos e instrumentos das ciecircncias naturais

para as ciecircncias sociais Muitas conquistas do seacuteculo XXI satildeo resultado da es-

pecializaccedilatildeo do conhecimento e do tratamento estatiacutestico e matemaacutetico dos

fenocircmenos existenciais Poreacutem ao lado destes ganhos a ciecircncia moderna

tambeacutem incorreu em erros que contribuiacuteram para o cenaacuterio de crise aos quais

variados aspectos da vida estatildeo imbricados

A ciecircncia vem percebendo isso desde o seacuteculo XX com Bertalanffy na

teoria dos sistemas na ciberneacutetica de segunda ordem de Heinz Von Foerster

no pensamento complexo de Edgar Morin na racionalidade ambiental de

Enrique Leff na criacutetica agrave racionalidade juriacutedica moderna com Adorno Mar-

cuse e Horkeimmer no reencontro do Direito com a moral de Dworkin com a

teoria sistecircmica de Luhmann para citar alguns que conduziram este itineraacuterio

de criacutetica agrave ciecircncia moderna e ao direito aos quais se somam como criacuteticos

da epistemologia e da ciecircncia moderna Popper Kuhn Lakatos Feyerabend

(MORIN 2005 p 175)

Estes novos rumos da ciecircncia apontados por tais estudiosos e criacuteticos o

cenaacuterio de crise ambiental a fragmentaccedilatildeo do conhecimento e o isolamento

cientiacutefico satildeo alguns dos fatores que demonstraram agrave sociedade a necessi-

dade de mudar as bases epistemoloacutegicas da ciecircncia da sociedade do di-

reito Este cenaacuterio cartesiano constitui o que se denomina de ldquointeligecircncia

cegardquo2 (MORIN 2005 traduccedilatildeo livre) a sociedade que mais avanccedilou no co-

nhecimento cientiacutefico eacute a que mais regrediu no intercacircmbio e nas interaccedilotildees

1 Doutora em Ciecircncias Juriacutedicas pela Universidade Federal da Paraiacuteba com doutorado san-

duiacuteche na Universiteacute de Limoges (UNILIM) Franccedila com bolsa CAPESPDSE Professora do

Magisteacuterio Superior E-mail araalanapbgmailcom

2 ldquointeligence aveuglerdquo

8

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

126

da complexidade do real eacute tambeacutem o que (LEFF 2006) denomina de desero-

tizaccedilatildeo do saber Para ele a sociedade do conhecimento se converteu na

sociedade do desconhecimento

Ante tal contexto problemaacutetico no campo do pensamento cientiacutefico e

da epistemologia ambiental este artigo trata de descrever brevemente o

pensamento complexo com base em Morin (2005) apontando a complexi-

dade ambiental como um instrumento metodoloacutegico de desconstruccedilatildeo do

modelo positivista e simplificador do direito para lidar com a crise ambiental e

com a tutela juriacutedica da natureza com base em Leff (2006) propondo uma

reconstruccedilatildeo do proacuteprio direito a partir do paradigma do pensamento com-

plexo e da complexidade ambiental como estrateacutegias de abordagem de

conflitos ambientais

81 O PENSAMENTO COMPLEXO

A elaboraccedilatildeo de um pensamento complexo de um lado cuida de des-

construir a racionalidade cientiacutefica simplificadora reducionista determinista

objetiva linear analiacutetica e disjuntiva de outro lado cuida de desconstruir a

racionalidade economicista baseada no crescimento econocircmico sem limites

na depleccedilatildeo dos recursos da natureza e no aniquilamento velado das culturas

locais por meio do discurso globalizante causando a morte entroacutepica do pla-

neta Desta forma complexo estaacute sendo adotado aqui como

Todo fenoacutemeno que potildee em jogo uma diferenccedila de niacuteveis e uma

circularidade entre esses diferentes niacuteveis Tomar em conta simulta-

nemante esses diferentes niacuteveis (por exemplo entre o objecto o am-

biente do objecto e o observador) e as relaccedilotildees de circularidade que

se estabelecem entre eles eacute proacuteprio da epistemologia da complexi-

dade da qual se pode dizer que se opotildee ponto por ponto ao mo-

delo cartesiano meacutetodo identitaacuterio e linear meacutetodo do laquosimplesraquo

(OST 1997 p 280-281)

Estes caminhos percorridos pela racionalidade moderna no modelo

acima citado se constituiacuteram atraveacutes de um pensamento uacutenico totalizador

hegemonizante que desconsiderou os contextos as relaccedilotildees as interaccedilotildees

entre situaccedilotildees pessoas e coisas nos vaacuterios campos do conhecimento dos

saberes e dos sentidos A criacutetica a este modelo iluminista foi o contexto em que

foi gestado o pensamento sistecircmico Das ciecircncias naturais agraves ciecircncias sociais

de Bertalanffy agrave Luhmann (FOLLONI 2016) o pensamento sistecircmico como

novo modo de observar e interagir no mundo fenomenal inaugurou um

marco no campo das ciecircncias construindo novas epistemes para as relaccedilotildees

no meio ambiente

Construiacuteda sobre bases cartesianas a racionalidade moderna edificou

seu pensamento de forma analiacutetica segundo a qual para se conhecer algo

um objeto eacute preciso reduzir esta coisa ou objeto agrave menor parte possiacutevel pois

o estudo desta parte por menor que seja eacute bastante e suficiente para com-

preender o comportamento desta e a partir disto eacute possiacutevel compreender o

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

127

comportamento do todo do qual a parte integra isto implica dizer que o pen-

samento analiacutetico cartesiano que fundou as bases do pensamento cientiacutefico

moderno significa isolar alguma coisa para poder entendecirc-la e entendendo-

a o todo poderaacute ser tambeacutem entendido (CAPRA 2007 p 41)

Ocorre que as insuficiecircncias deste pensamento ocasionaram significati-

vos impactos no mundo fenomenoloacutegico na relaccedilatildeo humanonatureza nos

sentidos existenciais nos vaacuterios campos da ciecircncia O direito por exemplo de

matriz positivista fortemente influenciada por este pensamento linear analiacute-

tico reducionista e simplificador se caracteriza por um esforccedilo de divisatildeo ateacute

partes que num futuro natildeo se pode imaginar como sucederaacute A estrutura mon-

tada por epistemologistas e metodologistas juriacutedicos tais como (KELSEN 2009)

revelam isso o direito positivo se divide em ramos em vaacuterias partes que cada

vez mais se compartimentalizam

O direito positivo eacute classicamente dividido em direito puacuteblico e direito

privado e estes satildeo subdivididos em outras disciplinas tais como direito consti-

tucional direito administrativo direito tributaacuterio direito penal direito empresa-

rial direito civil direito trabalhista e por aiacute vatildeo uma seacuterie de direitos que de-

monstram o esforccedilo da ciecircncia do direito para fracionar nas menores partes

quanto possiacutevel for o objeto de estudo do direito

O direito ambiental eacute um dos ramos do direito que sofre profunda in-

fluecircncia do pensamento cientiacutefico moderno reducionista simplificador e ana-

liacutetico pois a partir dele surgiram outras ldquoproviacutenciasrdquo (ANTUNES 2013 p 4) tais

como direito de aacuteguas direito do petroacuteleo direito da energia direito do mar

direito animal direito da biodiversidade e tantos outros fragmentos que foram

individualizados a partir do direito ambiental para estudo mais aprofundado e

setorializado de questotildees eminentemente ambientais Daqui a muito pouco

que sobraraacute para o direito ambiental

Esta forma de (cientificamente) conceber o mundo provocou reaccedilotildees

no sentido de novas teorias novas perspectivas e novas formas de enfrentar

estas questotildees tal como o pensamento sistecircmico Este eacute caracterizado pela

Percepccedilatildeo de que os sistemas natildeo podem ser entendidos pela anaacute-

lise Na abordagem sistecircmica as propriedades das partes podem ser

entendidas apenas a partir da organizaccedilatildeo do todo Em consequecircn-

cia disso o pensamento sistecircmico concentra-se natildeo em blocos de

construccedilatildeo baacutesicos mas em princiacutepios de organizaccedilatildeo baacutesicos O

pensamento sistecircmico eacute ldquocontextualrdquo o que eacute o oposto do pensa-

mento analiacutetico As caracteriacutesticas-chave do pensamento sistecircmico

[satildeo] () mudanccedila das partes para o todo () capacidade de des-

locar a proacutepria atenccedilatildeo de um lado para outro entre niacuteveis sistecircmicos

() parte eacute apenas um padratildeo numa teia inseparaacutevel de relaccedilotildees

() Na visatildeo sistecircmica compreendemos que os proacuteprios objetos satildeo

redes de relaccedilotildees embutidas em redes maiores Para o pensador sis-

tecircmico as relaccedilotildees satildeo fundamentais () Desse modo o pensa-

mento sistecircmico envolve uma mudanccedila da ciecircncia objetiva para a

ciecircncia ldquoepistecircmicardquo (CAPRA 2007 p 41-49) (grifos meus)

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

128

Esta forma sistecircmica de pensar concebe o todo como um conjunto es-

truturado e funcional ao qual as partes integrantes estatildeo interligadas for-

mando com o todo uma nova realidade diferente do que elas formam iso-

ladamente com funccedilotildees diferentes e com interaccedilotildees diferentes no meio em

que elas no todo estatildeo inseridas Eacute pensar o indiviacuteduo em relaccedilatildeo agrave socie-

dade O indiviacuteduo eacute ele mesmo um sistema que culturalmente considerado

junto com outros indiviacuteduos formam a sociedade que eacute o todo e cada indiviacute-

duo interage com esta sociedade e esta sociedade a seu turno provoca in-

teraccedilotildees com o indiviacuteduo que a compotildee Em termos juriacutedicos eacute pensar na

menor unidade do sistema na regra que por sua vez compotildee uma lei a qual

faz parte do proacuteprio sistema juriacutedico (FOLLONI 2016)

Este pensamento sistecircmico se compotildee de diferentes teorias de sistemas

que como dito vatildeo desde as ciecircncias naturais ateacute as ciecircncias sociais perpas-

sando por diferentes aacutereas da gnosiologia Dentro de tais teorias de sistemas

impende destacar o pensamento complexo que natildeo sendo parte do pensa-

mento sistecircmico claacutessico eacute uma teoria sistecircmica que avanccedila na questatildeo da

complexidade Eacute este pensamento complexo que importa para a racionali-

dade ambiental como um axioma que invoca uma mudanccedila paradigmaacutetica

na ciecircncia na economia no direito na poliacutetica na sociedade na cultura

para que se alcance a pretendida sustentabilidade Este pensamento com-

plexo tem bases na teoria da complexidade moriniana para quem

Numa primeira abordagem complexidade eacute um tecido de consti-

tuintes heterogecircneos inseparavelmente associados que se constroacutei

no paradoxo do uacutenico e do muacuteltiplo que vem do latim complexus

que significa aquilo que eacute tecido junto numa segunda abordagem

a complexidade significa efetivamente o tecido de eventos accedilotildees

interaccedilotildees retroaccedilotildees determinaccedilotildees e fortuitos que constituem o

mundo fenomenal3 (MORIN 2005 p 21 traduccedilatildeo livre)

Esta noccedilatildeo conceitual parte de um contexto em que ldquoa patologia mo-

derna do espiacuterito eacute a hiper-simplificaccedilatildeo que retira o sentido da complexidade

do realrdquo4 (MORIN 2005 p 23 traduccedilatildeo livre) cuja hiper-simplificaccedilatildeo eacute objeto

de uma das criacuteticas da RA agrave racionalidade moderna que vive uma perda de

sentidos

Este pensamento complexo se baseia nas categorias da ordem e da

desordem em dissonacircncia com a categoria de equiliacutebrio e ordem caracteriacutes-

ticos do pensamento linear Utilizando como metaacutefora para explicaccedilatildeo da

importacircncia da ordem e da desordem no pensamento complexo Morin trata

da explosatildeo que teria originado o planeta em que primeiro foi necessaacuterio ha-

ver uma situaccedilatildeo de completa desordem com calor intenso e explosatildeo de

3 ldquoAu premier abord la complexiteacute est un tissu (complexus ce qui est tisseacute ensemble) de

constituants heacuteteacuterogegravenes inseacuteparablement associeacutes elle pose le paradoxe de lrsquoun et de

multiple Au second abord la complexiteacute est effectivement le tissu drsquoeacuteveacutenements actions

interactions reacutetroactions deacuteterminations aeacuteas qui cinstituent notre monde pheacutenomeacutenalrdquo

4 ldquoLa pathologie moderne de lrsquoesprit est dans lrsquohyper-simplification que rend aveugle agrave la-

complexiteacute du reacuteelrdquo

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

129

gases para depois haver um resfriamento que possibilitou as primeiras formas

de vida ateacute chegar agrave organizaccedilatildeo ecossistecircmica que se configura hoje no

planeta (MORIN 2005 p 82-87)

82 PRINCIacutePIOS DO PENSAMENTO COMPLEXO

Para lidar com esta ordem e desordem o pensamento complexo conta

com trecircs princiacutepios orientadores de todo o processo sistecircmico complexo tais

como o princiacutepio dialoacutegico princiacutepio recursivo e princiacutepio hologramaacutetico

O princiacutepio dialoacutegico nos permite manter a dualidade contida numa

unidade Ele associa dois termos ao mesmo tempo complementares

e antagocircnicos [como eacute o caso da ordem e da desordem] () O se-

gundo princiacutepio eacute o da recursatildeo organizacional [segundo o qual] um

processo recursivo eacute um processo em que os produtos e os efeitos satildeo

ao mesmo tempo causas e produtores daquilo que lhes produz [por

exemplo] os indiviacuteduos produzem a sociedade que produz os indiviacute-

duos Noacutes somos ao mesmo tempo produtos e produtores A ideia

recursiva eacute portanto um ideia em ruptura com a ideia linear de

causaefeito de produtoprodutor de estruturasuperestrutura pois

tudo o que eacute produzido se torna aquilo que lhe produz num ciclo

auto-constitutivo auto-organizativo e auto-produtivo O terceiro prin-

ciacutepio eacute o princiacutepio hologramaacutetico [que diz que] natildeo somente a parte

estaacute contida no todo mas o todo estaacute contido na parte [tal como]

cada ceacutelula de nosso organismo conteacutem a totalidade da informaccedilatildeo

geneacutetica deste organismo5 (MORIN 2005 p 98-100 traduccedilatildeo livre)

Para aleacutem destes princiacutepios orientadores do pensamento complexo ou-

tros podem ser relacionados tais quais princiacutepio sistecircmico ou organizacional

princiacutepio do ciacuterculo retroativo princiacutepio da auto-eco-organizaccedilatildeo princiacutepio

da reintroduccedilatildeo do conhecimento em si mesmo O princiacutepio sistecircmico une o

conhecimento individualizado e o conhecimento complexo para que se co-

nheccedila o individual e o todo do ponto de vista do sistema da organizaccedilatildeo

pois a parte unida e interativa com o todo forma uma realidade nova e dife-

rente da realidade singular da parte e da realidade total do sistema enquanto

desvinculado da parte (BELCHIOR 2015 p 72)

Eacute o que acontece com a aacutegua que eacute formada pela junccedilatildeo de dois aacuteto-

mos de hidrogecircnio e um de oxigecircnio a realidade que se forma desta junccedilatildeo

5 ldquoLe principe dialogique nous permet de maintenir la dualiteacute au sein de lrsquouniteacute Il associe

deux termes agrave la fois compleacutementaires et antagonistes () Le deuxiegraveme principe ets celui

de reacutecursion organisationelle Un processus reacutecursif est un processus ougrave les produits et les

effets sont en mecircme temps causes et producteurs de ce qui les produit Autrement dit les

individus produisent la socieacuteteacute qui produit les individus Nous somme agrave la fois produit et pro-

ducteurs Lrsquoideacutee recursive est donc une ideacutee en rupture avec lrsquoideacutee lineacuteaire de causeeffet

de produitproducteur de esctructuresuperestructure pouisque tout ce qui est produit re-

vient sur ce qui le produit dans en cicle lui-mecircme auto-constitutif auto-organisateur et auto-

produrcteur Le troisiegraveme principe est le principe hologrammatique Non seulement la partie

est dans le tout mais le tout est dans la partie () chaque cellule de notre organisme con-

tient la totaliteacute de lrsquoinformation geacuteneacutetique de cet organismerdquo

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

130

forma uma realidade nova e diferente da que existia antes do encontro pois

os aacutetomos de hidrogecircnio e de oxigecircnio eram gases que juntos se transformam

em um liacutequido denominado de aacutegua (MORIN 2005 p 22) Aplicando este prin-

ciacutepio ao direito ambiental ldquopodemos dizer que a norma natildeo estaacute separada

do ordenamento e natildeo pode ser adequadamente compreendida sem a con-

sideraccedilatildeo desse niacutevel superior mas o proacuteprio ordenamento tambeacutem natildeo pode

ser compreendido em separado da realidade social na qual se integrardquo (FOL-

LONI 2016 cap 8)

O princiacutepio do ciacuterculo retroativo informa que ldquoas causas agem sobre os

efeitos e os efeitos agem sobre as causas em um equiliacutebrio dinacircmico que re-

gula o sistema e ao mesmo tempo organiza rupturas Esse equiliacutebrio ocorre a

partir de retroaccedilotildees (feedback) muacutetuosrdquo (BELCHIOR 2015 p 76) Eacute diferente

do princiacutepio recursivo pois neste os produtos de alguma coisa tambeacutem satildeo

produtores desta mesma coisa como eacute o caso do indiviacuteduo e da sociedade

no exemplo apontado por Morin acima citado No presente princiacutepio do ciacuter-

culo retroativo as causas geram efeitos que agem sobre as causas ainda que

natildeo haja relaccedilatildeo muacutetua e reciacuteproca de produtoprodutor crsquoest-agrave-dire ainda

que as causas natildeo produzam os efeitos e estes natildeo produzam as causas eles

interagem retroativamente em feedbacks muacutetuos

O princiacutepio da auto-eco-organizaccedilatildeo implica ldquoautonomia e dependecircn-

cia no qual os seres vivos satildeo auto-organizadores e se autoproduzem de

forma autocircnoma No entanto dependem de outros seres e do meio em que

vivemrdquo (BELCHIOR 2015 p 78) e tem valor hologramaacutetico no sentido de que

em tudo quanto o ser humano faz parte eacute parte integrante do seu proacuteprio

espiacuterito que eacute o que acontece com a sociedade e o indiviacuteduo pois desde a

infacircncia a sociedade se imprime no espiacuterito do indiviacuteduo por exemplo pela

educaccedilatildeo familiar pela educaccedilatildeo escolar e pela educaccedilatildeo universitaacuteria

(MORIN 2005 p 117) Eacute um princiacutepio que cuida de dar conta da influecircncia

que o meio exerce no proacuteprio espiacuterito do ser humano dando-lhe autonomia

em relaccedilatildeo ao meio mas constituindo relaccedilatildeo de interdependecircncia entre

ambos

O princiacutepio da reintroduccedilatildeo do conhecimento em si mesmo implica a

uma reestruturaccedilatildeo do ser humano ldquoquando busca renovar o sujeito e trazer

agrave tona a problemaacutetica cognitiva central Haacute um envolvimento da percepccedilatildeo

com a teoria cientiacutefica ocasiatildeo em que todo o conhecimento eacute uma tradu-

ccedilatildeo de um ceacuterebro inserido em uma cultura e em um determinado tempordquo

(BELCHIOR 2015 p 84)

Esta reintroduccedilatildeo do conhecimento em si mesmo lanccedila proposiccedilatildeo de

que o Si mesmo seja um campo de reflexatildeo de revisitaccedilatildeo de reconstruccedilatildeo

em busca de novos sentidos de novos significados de novos valores de nova

racionalidade de novos modos de fazer criar e viver em busca e em direccedilatildeo

do Outro particularmente do Outro Absoluto que eacute o proacuteprio meio em que

estaacute inserido Esta reintroduccedilatildeo do conhecimento em si mesmo problematiza

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

131

o lugar do conhecimento cientiacutefico e convida agrave articulaccedilatildeo deste conheci-

mento com os saberes que hoje estatildeo marginalizados na loacutegica da racionali-

dade formal-instrumental

O pensamento complexo assim conceituado como um tecido carac-

terizado como um sistema de ordem e desordem e orientado pelos princiacutepios

dialoacutegico recursivo hologramaacutetico retroativo sistecircmico auto-eco-organiza-

cional e da reintroduccedilatildeo do conhecimento em si mesmo debruccedilando-se so-

bre um objeto ndash os sistemas complexos tais como satildeo o meio ambiente e o

direito ndash se daacute em niacuteveis de complexidade e isto significa que

Frequentemente um sistema complexo eacute ele mesmo parte de um

sistema complexo maior e assim por diante Podemos entatildeo des-

crever o funcionamento de uma ceacutelula ou subir de niacutevel e tratar do

funcionamento de um tecido podemos atentar para uma pessoa

subir de niacutevel e estudar um grupo ou subir mais um niacutevel e estudar

uma organizaccedilatildeo social podemos nos preocupar com uma regra ju-

riacutedica subir de niacutevel para nos preocuparmos com toda a lei que a

conteacutem subir mais uma vez para nos voltarmos ao ordenamento

como um todo subir ainda mais para transcender o proacuteprio ordena-

mento e assim por diante () (FOLLONI 2016 cap 8)

Esta questatildeo dos niacuteveis de complexidade potildee acento na importacircncia

que cada parte tem para o todo sistecircmico e organizacional potildee relevo no

fato de que a proacutepria parte tambeacutem eacute um sistema permeado de complexi-

dade tal como eacute o meio ambiente como sendo o sistema maior da existecircncia

fenomenal que se interliga aos variados sistemas que o compotildee atraveacutes de

uma rede ou ldquoteiardquo (CAPRA 2007 p 33) cuja teia abriga o sistema juriacutedico6

o qual constitui um outro ou micro ou subsistema complexo Eacute na especifici-

dade do sistema ambiental cognominado de ldquocomplexidade ambientalrdquo em

termo leffiano e do sistema juriacutedico e da relaccedilatildeo entre estes que me ocupo

centralmente neste trabalho

Ante este aclaramento de como surge e de como se caracteriza o pen-

samento complexo fica mais cristalina a complexidade ambiental O pensa-

mento complexo eacute ponto de partida para se compreender que

A complexidade ambiental natildeo eacute a ecologizaccedilatildeo do mundo O pen-

samento complexo ultrapassa a visatildeo ciberneacutetica de uma realidade

que se estrutura e evolui atraveacutes de um conjunto de inter-relaccedilotildees e

retroalimentaccedilotildees como um processo de desenvolvimento que vai

da auto-organizaccedilatildeo da mateacuteria agrave ecologizaccedilatildeo do pensamento

(Morin 1977 1980 1986) A complexidade natildeo eacute soacute a incorporaccedilatildeo

da incerteza o caos e a possibilidade da natureza (Prigogine 1997)

[A complexidade ambiental em termos de saber ambiental] reco-

nhece as potencialidades do real incorpora valores e identidades no

6 Cujo termo em adotando um pensamento complexo eacute mais adequado do que ordena-

mento juriacutedico pois ordenamento traz ideia de ordem e eliminaccedilatildeo de desordem que

conforme visto satildeo categorias importantes do pensamento complexo

ldquo

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

132

saber e interioriza as condiccedilotildees da subjetividade e do ser na constru-

ccedilatildeo de uma racionalidade ambiental (LEFF 2006 p 293)

Fica assim claro que o pensamento complexo na compreensatildeo da

complexidade ambiental natildeo cuida exclusivamente de um tecido de intera-

ccedilotildees accedilotildees e eventos natildeo cinge sua construccedilatildeo na ideia da ordem e da

desordem como elementos constitutivos e organizativos do sistema complexo

natildeo se satisfaz com a principiologia da manutenccedilatildeo da dualidade na uni-

dade da recursividade entre produtoprodutorproduto na hologramatici-

dade entre partetodoparte como em um espelho na retroaccedilatildeo entre cau-

sas e efeitos na organizaccedilatildeo sistecircmica dos elementos que compotildee a com-

plexidade na reintroduccedilatildeo de conhecimentos em si por meio de novo modo

de pensar

A complexidade ambiental busca sair da ldquocomplexidade sistecircmica to-

talizante paralisante e autodestrutiva para reconstruir o mundo nas vias da

utopia da possibilidade da potencialidade do real das sinergias da natureza

da tecnologia e da cultura para restabelecer o viacutenculo entre o ser e o pensarrdquo

(LEFF 2010 p 18) A complexidade outrossim estaacute impelindo para o diaacutelogo

de saberes para a re-erotizaccedilatildeo da vida para a integraccedilatildeo das racionalida-

des para a poliacutetica da diferenccedila e da deferecircncia para a eacutetica da outridade

para o futuro que natildeo eacute preestabelecido mas que pode ser pensado da

abertura de Si mesmo para o Outro para a desobjetivaccedilatildeo do conhecimento

para a abertura intercultural para a ressignificaccedilatildeo da existecircncia para a re-

territorializaccedilatildeo e reapropriaccedilatildeo social da natureza

83 A COMPLEXIDADE AMBIENTAL E SUA APLICACcedilAtildeO NO CAMPO

DO DIREITO

A questatildeo ambiental eacute o sistema complexo por excelecircncia que soacute se

daraacute em pensamento complexo quando houver o diaacutelogo de saberes numa

dialeacutetica de pensamento utoacutepico que ldquoorienta uma revoluccedilatildeo permanente

no pensamento que mobiliza a sociedade para a construccedilatildeo de uma racio-

nalidade ambientalrdquo (LEFF 2010 p 33) Este eacute elemento de relevacircncia na

complexidade ambiental Mas que eacute afinal a complexidade ambiental Na

concepccedilatildeo de Leff eacute

Uma nova compreensatildeo do mundo incorporando o limite do conhe-

cimento e a incompletude do ser Implica saber que a incerteza o

caos e o risco satildeo ao mesmo tempo efeito da aplicaccedilatildeo do conhe-

cimento que pretendia anulaacute-los e condiccedilatildeo intriacutenseca do ser e do

saber A complexidade abre uma nova reflexatildeo sobre a natureza do

ser do saber e do conhecer sobre a hibridaccedilatildeo do conhecimento

na interdisciplinaridade e na transdisciplinaridade sobre o diaacutelogo de

saberes e a inserccedilatildeo da subjetividade dos valores e dos interesses na

tomada de decisotildees e nas estrateacutegias de apropriaccedilatildeo da natureza

Mas tambeacutem questiona as formas em que os valores permeiam o co-

nhecimento do mundo abrindo um espaccedilo para o encontro entre o

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

133

racional e o moral entre a racionalidade formal e a racionalidade

substantiva (LEFF 2010 p 22)

Esta noccedilatildeo conceitual de complexidade ambiental eacute um campo

aberto para refletir repensar a racionalidade do direito ambiental O projeto

juriacutedico moderno cunhou no direito uma racionalidade formal e instrumental

purificada de valores morais natildeo positivados (KELSEN 2009) A complexidade

ambiental como sendo um espaccedilo para o reencontro entre o racional e o

moral entre a racionalidade formal e a racionalidade substantiva eacute uma es-

trateacutegia do saber no poder que problematiza a separaccedilatildeo positivista que haacute

no direito das questotildees morais valorativas Eacute neste sentido que pugno por lan-

ccedilar novo olhar sobre o direito ambiental e sua conceituaccedilatildeo de meio ambi-

ente por meio das lentes da RA no ponto em que esta adotando uma episte-

mologia da complexidade ambiental entrecruza estas racionalidades ndash for-

mal e substantiva ndash na tentativa de alcanccedilar a sustentabilidade

A complexidade ambiental eacute um processo de diversas vias de comple-

xizaccedilatildeo do real e do conhecimento do ser e do saber do tempo e das iden-

tidades e das interpretaccedilotildees Estas vias de complexizaccedilatildeo seratildeo apresentadas

por meio da exposiccedilatildeo de trechos extraiacutedos de texto do proacuteprio autor para

em seguida fazer-se a reflexatildeo e os comentaacuterios pertinentes agrave colocaccedilatildeo des-

tas vias no contexto axiomaacutetico da elaboraccedilatildeo do pensamento complexo e

sua perspectiva em relaccedilatildeo ao direito

A primeira via de complexizaccedilatildeo eacute a complexidade do real que ldquoeacute o

entrelaccedilamento da ordem fiacutesica bioloacutegica e cultural a hibridaccedilatildeo entre a

economia a tecnologia a vida e o simboacutelicordquo (LEFF 2010 p 39) A segunda

via de complexizaccedilatildeo eacute a do conhecimento que implica a necessidade de

construir um pensamento holiacutestico que reintegre as ldquopartes fragmentadas do

conhecimento para a retotalizaccedilatildeo de um mundo globalizado os paradig-

mas interdisciplinares e a transdisciplinaridade do conhecimento surgem

como antiacutedoto para a divisatildeo do conhecimento gerado pela modernidaderdquo

(LEFF 2010 p 41)

A terceira via de complexizaccedilatildeo eacute a da produccedilatildeo a qual implica ldquointer-

nalizar suas lsquoexternalidadesrsquo natildeo econocircmicas () o reconhecimento do am-

biente como um potencial produtivo fundado na capacidade produtiva de

valores de uso naturais que geram os processos ecoloacutegicosrdquo (LEFF 2010 p 43

grifos do autor) A quarta via de complexizaccedilatildeo eacute a do tempo em que ldquoo

saber ambiental eacute entrecruzamento de tempos dos tempos coacutesmicos fiacutesicos

e bioloacutegicos mas tambeacutem dos tempos que configuram as concepccedilotildees e te-

orias sobre o mundo e as cosmovisotildees das diversas culturas atraveacutes da histoacute-

riardquo (LEFF 2010 p 46)

A quinta via de complexizaccedilatildeo eacute a das identidades que implica ldquodar

um salto fora da loacutegica formal para pensar um mundo conformado com uma

diversidade de identidades que constituem formas diferenciadas de ser e en-

tranham os sentidos coletivos dos povosrdquo (LEFF 2010 p 47) A sexta via de

complexizaccedilatildeo eacute a das interpretaccedilotildees na qual ldquoa hermenecircutica abre os ca-

minhos dos sentidos do discurso ambientalista O ambiente aparece assim

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

134

como um campo heterogecircneo e conflitivo no qual se confrontam saberes e

interesses diferenciados e se abrem as perspectivas do desenvolvimento sus-

tentaacutevel na diversidade culturalrdquo (LEFF 2010 p 51)

A seacutetima e uacuteltima via de complexizaccedilatildeo eacute a do ser que consiste na ldquocon-

fluecircncia de processos e de tempos que tem bloqueado a complexidade em

um pensamento uinidimensional (MARCUSE 1969) que rompeu a complexi-

dade ecossistecircmica e erodiu sua fertilidade que subjugou as identidades muacutel-

tiplas da raccedila humanardquo (LEFF 2010 p 54)

Estas vias de complexizaccedilatildeo constituem assim a construccedilatildeo conceitual

do proacuteprio pensamento complexo este natildeo se fixando numa teoria ou meto-

dologia compreensivas de sistemas complexos organizacionais recursivos re-

troativos auto-construtivos auto-eco-organizacionais e autodestrutivos cuida

de pensar o pensamento complexo como complexidade ambiental forjada

na ressignificaccedilatildeo do real do conhecimento da produccedilatildeo do tempo das

identidades das interpretaccedilotildees e do proacuteprio ser Eacute um pensamento de com-

plexidade ambiental em que por meio de novos significados os sistemas com-

plexos retornam agrave ordem simboacutelica aos sentidos aos valores e agrave uma princi-

piologia da sustentabilidade

Esta complexidade ambiental ndash ou este pensamento complexo ambi-

ental ndash se relaciona com o direito ambiental no tocante agrave racionalidade deste

que sendo marcadamente formal teacutecnica e instrumental ndash visto que produto

da racionalidade moderna iluminista ndash eacute provocado pela elaboraccedilatildeo do pen-

samento complexo para ressignificar a construccedilatildeo estruturaccedilatildeo e funciona-

mento das plataformas juriacutedicas que operacionalizam o sistema juriacutedico por

meio da consideraccedilatildeo de valores morais significaccedilotildees culturais identidades

eacutetica da outridade poliacutetica da diferenccedila diaacutelogo de saberes

Natildeo basta ao direito ambiental ser uma racionalidade que se daacute num

pensamento complexo cientiacutefico Ao direito ambiental insta reconstruir-se a si

mesmo entendendo que eacute parte de um sistema complexo maior que eacute o meio

ambiente que com ele interage dialeticamente no sentido de que as plata-

formas juriacutedicas superem as contradiccedilotildees desta dialeacutetica e integre justamente

as oposiccedilotildees aparentemente antagocircnicas mas possiacuteveis de gerenciar numa

poliacutetica (juriacutedica) da diferenccedila

Este pensamento complexo e esta complexidade ambiental problema-

tizam sobremaneira o fechamento operativo do direito colocando em evi-

decircncia inconsistecircncias como elaboraccedilatildeo normativa sem consideraccedilatildeo das

identidades locais das culturas dos interesses variados cujo resultado implica

uma norma geral e abstrata que padroniza e unifica comportamentos positi-

vos e negativos indo numa contramatildeo do caminho aberto pela complexi-

dade ambiental

Basta como exemplo observar as regras relativas agraves aacutereas de preserva-

ccedilatildeo permanente (APPs) ou unidades de conservaccedilatildeo (UC) que no direito am-

biental satildeo questotildees que suscitam em quantidade e qualidade conflitos dos

mais diversos pois a norma geral e abstrata in casu a Lei nordm 9985 de 18 de

julho de 2000 que regulamenta as UC e a Lei nordm 12651 de 25 de maio de 2012

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

135

que regulamenta as APPs natildeo conseguem de per si solucionar as contingecircn-

cias econocircmica social cultural eacutetica e ambiental que se fazem presentes nos

casos concretos O problema natildeo eacute soacute no campo da elaboraccedilatildeo legislativa

haacute tambeacutem as inconsistecircncias das interpretaccedilotildees jurisprudenciais que satildeo ou-

tro campo juriacutedico de enfrentamento das questotildees ambientais em casos con-

cretos

Estas consideraccedilotildees satildeo feitas aqui com o intuito de demonstrar desde

jaacute a problemaacutetica que a complexidade ambiental levanta em toda a racio-

nalidade moderna particularmente por causa dos fins do trabalho na racio-

nalidade juriacutedica deixando de logo claro o caminho que seraacute seguido para

refletir a aplicaccedilatildeo da racionalidade ambiental no direito ambiental por meio

do estudo de regras juriacutedicas e decisotildees judiciais

Esta eacute uma questatildeo que se potildee necessaacuteria tendo em vista que ldquoo con-

ceito de complexidade aparece estreitamente vinculado ao conceito de di-

reitordquo7 (CAacuteRCOVA 1998 p 75 traduccedilatildeo livre) eacute por isto que ldquoo direito mo-

derno requer identificaccedilatildeo do desafio de complexidade que se situa na ca-

pacidade do direito e de seus atores para fazer emergir a coerecircncia do sis-

tema juriacutedico a partir de elementos aparentemente diacutesparesrdquo8 (COLIN 2014

p 3 traduccedilatildeo livre) tais como satildeo os variados interesses sociais em jogo que

demandam do direito uma resposta

Ante esta exposiccedilatildeo do pensamento complexo da complexidade am-

biental e da complexidade e o direito estudar o direito por meio desta matriz

implica o estudo de regras estudo de leis estudo de decisotildees judiciais que

interpretam a lei e o estudo do sistema juriacutedico

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Trecircs construtos satildeo relevantes na mediaccedilatildeo para uma nova epistemo-

logia no direito ambiental complexidade interdisciplinaridade e saber ambi-

ental De tudo quanto disse ateacute aqui destaco a importacircncia de tratar as ques-

totildees ambientais a partir de uma perspectiva interdisciplinar tendo em vista a

complexidade que a temaacutetica ambiental encerra Para fazer face agrave crise de

civilizaccedilatildeo e agrave crise ambiental que tecircm bases no fracionamento do conheci-

mento e na degradaccedilatildeo ambiental desperta atenccedilatildeo o potencial contribu-

tivo dos povos tradicionais para remodelagem do conhecimento e da edu-

caccedilatildeo em busca da construccedilatildeo de uma educaccedilatildeo ambiental com visatildeo ho-

liacutestica capaz de reestabelecer a relaccedilatildeo humanonatureza atraveacutes da utiliza-

ccedilatildeo da interdisciplinaridade da transdisciplinaridade e do diaacutelogo de saberes

7 ldquoEl concepto de complejidad aparece estrechamente vinculado al concepto de dere-

chordquo

8 ldquoLe Droit moderne exige drsquoidentifier lrsquoenjeu de la complexiteacute qui reside dans la capacite

du Droit et de seacutes acteurs agrave faire eacutemerger la coheacuterence du systegraveme juridique agrave partir drsquoeacuteleacute-

ments apparemment disparatesrdquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

136

como caminhos para a incorporaccedilatildeo da dimensatildeo ambiental no sistema edu-

cativo para compreender a perspectiva de que o meio ambiente eacute o resul-

tado de interaccedilotildees entre natureza economia sociedade e cultura

Nesse sentido a interdisciplinaridade como articulaccedilatildeo das ciecircncias

naturais e sociais e o diaacutelogo de saberes no congraccedilamento do conheci-

mento cientiacutefico com o saber e praacuteticas natildeo cientiacuteficas gera uma nova rela-

ccedilatildeo entre as praacuteticas tradicionais os saberes ambientais e as disciplinaridades

Assim a complexidade ambiental a interdisciplinaridade e o diaacutelogo de

saberes se colocam como estrateacutegias epistemoloacutegicas para enfrentar ideolo-

gias teoacutericas que desconsideram o processo histoacuterico da construccedilatildeo do co-

nhecimento e dos saberes para que sejam levados em conta os aspectos

histoacutericos socioloacutegicos econocircmicos culturais e naturais do processo de cons-

truccedilatildeo dos saberes cientiacutefico e natildeo-cientiacutefico de modo que seja erigido um

saber ambiental abalizado em condiccedilotildees interdisciplinares que gere articula-

ccedilotildees entre ciecircncia e a forma de adquirir o saber tradicional popular e local

tendo-se em vista a sociedade como um elemento integrante de um ecossis-

tema global

Nesta estrateacutegia epistemoloacutegica a interdisciplinaridade a transdiscipli-

naridade e o diaacutelogo de saberes se colocam como canais de soluccedilatildeo para

limitaccedilotildees da disciplinaridade de modo a albergar a atividade de recompo-

siccedilatildeo dos saberes fracionados tendo em vista que a inter a transdisciplina e

o saber ambiental congregam a relaccedilatildeo entre o conhecimento disciplinar e

o diaacutelogo de saberes no acircmbito da questatildeo ambiental

Estas estrateacutegias espistemoloacutegicas mais do que funcionar como meacutetodo

que inter-relaciona disciplinas dialogam com saberes a fim de criar um novo

conhecimento um novo objeto de investigaccedilatildeo Dessa maneira a inter a

transdisciplinaridade e o diaacutelogo de saberes atuam como um elemento em

favor da colaboraccedilatildeo entre ciecircncias e saberes ambientais cuja cooperaccedilatildeo

conduz agrave elaboraccedilatildeo desse novo conhecimento que tem como objetivo a

sustentabilidade

REFEREcircNCIAS

ANTUNES Paulo de Bessa Direito ambiental 15 ed Satildeo Paulo Atlas 2013

BELCHIOR Germana Parente Neiva Fundamentos epistemoloacutegicos do direito ambi-

ental Tese (Doutorado em Direito) ndash Centro de Ciecircncias Juriacutedicas Universidade Fe-

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de Conservaccedilatildeo da Natureza e daacute outras providecircncias Disponiacutevel em https

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DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

137

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1 n 1 p 1-22 2014 Disponiacutevel em httpwwwrevistasuspbrrddaarticleview

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KELSEN Hans Teoria pura do direito 8 ed Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes

2009

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Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2006

LEFF Enrique _ Discursos sustentaacuteveis Satildeo Paulo Cortez 2010

MORIN Edgar Introduction agrave la penseacutee complexe Paris Eacuteditions Points 2005

OST Franccedilois A natureza agrave margem da lei Lisboa Instituto Piaget 1997

138

POR UM FUNDAMENTO ECOLOacuteGICO

PARA O FENOcircMENO JURIacuteDICO

Ana Stela Vieira Mendes Cacircmara1

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 91 As bases tradicionais da concepccedilatildeo do

direito jusnaturalismo e juspositivismo 92 Poacutes-positivismo e os funda-

mentos para uma concepccedilatildeo ecoloacutegica do fenocircmeno juriacutedico

Consideraccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

O presente trabalho tem por objetivo identificar as bases para uma fun-

damentaccedilatildeo ecoloacutegica do fenocircmeno juriacutedico Justifica-se esta preocupaccedilatildeo

diante do conhecido passivo ambiental sem precedentes da contemporanei-

dade e da insuficiecircncia das respostas legislativas juriacutedicas e poliacuteticas dadas

ateacute o momento para coibir o movimento crescente de degradaccedilatildeo da natu-

reza

Para tanto divide-se o trabalho em duas partes Na primeira identifi-

cam-se brevemente as abordagens tradicionais do Direito quais sejam o(s)

jusnaturalismo(s) e o(s) positivismo(s) juriacutedico(s) para apoacutes descrever como a

crise do positivismo abre uma janela de oportunidade para a reaproximaccedilatildeo

do direito da moral e da eacutetica e em especial de trazer uma perspectiva

cada vez mais ecologicamente inclusiva para o Direito e assim tornar sua

aplicaccedilatildeo mais adequada para assegurar os diversos niacuteveis de realidades exis-

tenciais que o cercam e que possibilitam em uacuteltima instacircncia a existecircncia da

proacutepria vida

Para tanto se utiliza de abordagem qualitativa meacutetodo sistecircmico pes-

quisa bibliograacutefica e documental de natureza transdisciplinar

91 AS BASES TRADICIONAIS DA CONCEPCcedilAtildeO DO DIREITO

jusnaturalismo e juspositivismo

Desde os tempos muito antigos que se tem notiacutecias da reflexatildeo de cada

sociedade sobre os fundamentos da noccedilatildeo de justiccedila acompanhadas da

elaboraccedilatildeo de legislaccedilotildees e codificaccedilotildees escritas originando grosso modo

duas concepccedilotildees distintas acerca do direito que a estes fatos se relacionam

o direito natural e o direito positivo2

1 Doutora em Direito pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Professora do Centro

Universitaacuterio Christus (UNICHRISTUSCE) E-mail emaildastelagmailcom

2 ldquoBaacutesica e genericamente a noccedilatildeo de direito natural se refere a uma ordem juriacutedica ideal

[] Com frequecircncia poreacutem a referecircncia a este ldquodireito idealrdquo aparece como uma forma

de oposiccedilatildeo ao direito vigente ou ainda como uma exigecircncia concernente aos conteuacute-

9

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

139

Durante mais de dezenove seacuteculos o jusnaturalismo teve uma expressi-

vidade teoacuterica preponderante As razotildees apontadas como primeiras e uacuteltimas

do direito foram neste iacutenterim as mais variadas

Identifica-se num primeiro momento na antiguidade claacutessica o que se

denominou jusnaturalismo cosmoloacutegico em que natildeo haacute uma ordem da parte

(poacutelis) separada de uma lei geral do cosmos (MONCADA 1995)

No medievo tem-se o surgimento do jusnaturalismo teoloacutegico para o

qual a vontade e a sabedoria divinas satildeo consideradas o criteacuterio absoluto da

justiccedila Esta concepccedilatildeo encontrou ressonacircncia no movimento reformista e

pode-se dizer que permanece viva ateacute a contemporaneidade sobretudo en-

tre os jesuiacutetas espanhoacuteis (SALDANHA 1974 p 48)3

A partir do humanismo e do iluminismo modernos desenvolve-se o ramo

do jusnaturalismo racional ou jusracionalismo que encontra na racionalidade

humana a resposta dos questionamentos sobre o fundamento do justo

Tal movimento foi tatildeo amplamente feacutertil e multifacetado que pode se

considerar que cada pensador inaugura uma vertente distinta de si ldquomar-

cando a temaacutetica juriacutedico-poliacutetica por um padratildeo expositivo tipicamente apri-

orista e dedutivistardquo (SALDANHA 1974 p 49)

O resultado da trajetoacuteria moderna de construccedilatildeo do direito natural per-

mite caracterizaacute-lo em linhas gerais como universal imutaacutevel racional e va-

loraacutevel aprioristicamente alcanccedilando uma grande influecircncia no espiacuterito euro-

peu De acordo com Nelson Saldanha (1974 p 49) ldquoo jusnaturalismo moderno

se generalizou assim como um ldquomomentordquo do proacuteprio espiacuterito europeu em

seu desenvolvimento como um elemento dentro do grande fenocircmeno da

ldquosecularizaccedilatildeordquo da mentalidade ocidental

O desenvolvimento desta teorizaccedilatildeo contudo natildeo estava isento de criacute-

ticas as quais foram se construindo a partir de diversas perspectivas e se con-

solidando mutuamente a ponto de se identificar a existecircncia de uma crise do

direito natural sobretudo por causa elementos seguintes

dos eacuteticos do direito vigente (positivo) Nas bases da questatildeo encontramos o tema das re-

laccedilotildees entre moral e direito a alusatildeo a um direito natural consiste geralmente em remeter

a algo amplamanete eacutetico (eou antropoloacutegico) os ldquofundamentosrdquo do direito Eacute tambeacutem

em relaccedilatildeo agraves estruturas do poder que se entendem as posiccedilotildees jusnaturalistas (sobretudo

no caso de se contraporem ao direito vigente) mesmo quando aparecem como exigecircn-

cias eacuteticas (SALDANHA 1998 p 170)

3 Quando adverte que o pensamento jusnaturalista de longe natildeo se resume ao de orienta-

ccedilatildeo teoloacutegica Arnaldo Vasconcelos chama a atenccedilatildeo para um aspecto importante rela-

tivamente agrave toleracircncia para com as ideias dessa natureza Pensamos que num cenaacuterio de

tantas manifestaccedilotildees recentes de intoleracircncia religiosa que se faz oportuno reproduzir as

palavras do autor nesse sentido ldquoDeve concluir-se que o pensamento teoloacutegico ndash a autecircn-

tica ciecircncia no Medievo e na Renascenccedila ndash tem tanto legitimidade teoacuterica para formular

suas versotildees do Direito Natural como qualquer outro de cunho filosoacutefico ou cientiacutefico

Mesmo porque tentar negar a dimensatildeo espiritual do homem na qual se insere sua religi-

osidade parece coisa tatildeo absurda como procurar fazecirc-lo relativamente a qualquer dos

outros elementos integrantes de sua naturezardquo (VASCONCELOS 2006 p 44)

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

140

Inicialmente haacute as questotildees levantadas pelo historicismo de Savigny

que o fizeram ser considerado um precursor do positivismo juriacutedico Embora se

reconheccedila que se trata de elaboraccedilotildees teoacutericas de resultados profunda-

mente distintos partem dos mesmos pressupostos as criacuteticas agrave imutabilidade

agrave racionalidade e agrave universalidade do direito sob a oacutetica naturalista a partir

da defesa de que a mola fundamental da histoacuteria seria a natildeo-razatildeo a paixatildeo

os impulsos que se manifestariam de maneira particular e portanto relativa

em cada sociedade (BOBBIO 2006)

Num segundo momento tem-se o fenocircmeno da codificaccedilatildeo do Direito

Civil Francecircs Embora este movimento tenha se iniciado sob a inspiraccedilatildeo do

iluminismo revolucionaacuterio que acreditava na atuaccedilatildeo plena e irretocaacutevel de

um legislador racional universal apto a clarificar o direito e solucionar os con-

flitos sociais a partir de uma codificaccedilatildeo simples breve e unitaacuteria o que ocor-

reu foi uma permanente tendecircncia de reaproximaccedilatildeo do direito tradicional

francecircs e da complexizaccedilatildeo das prescriccedilotildees normativas do Coacutedigo a ponto

de abandonar completamente a sua concepccedilatildeo inicial

Some-se isso agrave atuaccedilatildeo dos primeiros inteacuterpretes deste Coacutedigo que de-

terminaram equivocadamente o entendimento de que a alternativa para a

vedaccedilatildeo de abstenccedilatildeo de decisatildeo do juiz (non liquet) seria a adoccedilatildeo de dois

dogmas o da onipotecircncia do legislador e o da completitude do ordena-

mento juriacutedico Aiacute se originava a Escola da Exegese

Ademais a partir do contato com as criacuteticas do historicismo alematildeo ao

direito natural John Austin na esteia de outros pensadores que o precederam

como Hobbes e Bentham clama pela restriccedilatildeo do objeto da ciecircncia do di-

reito ao direito como ele eacute e natildeo como deveria ser identifica o direito como

sendo a norma de natureza imperativa posta pelo soberano e defende a pri-

mazia da lei (direito legislativo) sobre os costumes (BOBBIO 2006)

Erguem-se assim os principais pressupostos do positivismo juriacutedico que

segundo Bobbio (2006 p 26)

[] eacute uma concepccedilatildeo do direito que nasce quando ldquodireito positivordquo

e ldquodireito naturalrdquo natildeo satildeo mais considerados direito no mesmo sen-

tido mas o direito positivo passa a ser considerado como direito em

sentido proacuteprio Por obra do positivismo juriacutedico ocorre a reduccedilatildeo de

todo o direito a direito positivo e o direito natural eacute excluiacutedo da ca-

tegoria do direito [] A partir deste momento o acreacutescimo do adje-

tivo ldquopositivordquo ao termo ldquodireitordquo torna-se um pleonasmo mesmo por-

que se quisermos usar uma foacutermula sinteacutetica o positivismo juriacutedico eacute

aquela doutrina segundo a qual natildeo existe outro direito senatildeo o po-

sitivo

Aleacutem disso Bobbio (2006) esclarece que o positivismo juriacutedico desenvol-

veu-se ainda sob trecircs aspectos como um certo modo de abordar o direito ndash

em que se defende que a postura cientiacutefica deve emitir juiacutezos faacuteticos objeti-

vos e natildeo juiacutezos valorativos subjetivos sobre o direito como uma certa teoria

do direito ndash que busca sua definiccedilatildeo em torno do elemento coaccedilatildeo legiti-

mando a lei como fonte preeminente do direito elegendo a imperatividade

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

141

como caracteriacutestica de suas normas e a coerecircncia e a completude como

proacuteprias de seu ordenamento excluindo-se daiacute as lacunas aleacutem de adotar

uma interpretaccedilatildeo normativa mecanicista fazendo prevalecer o aspecto de-

clarativo sobre o produtivo ou criativo do direito e por fim como uma certa

ideologia do direito ndash em que se adota uma preferecircncia eacutetica a da obediecircn-

cia absoluta agraves leis natildeo segundo o seu criteacuterio de justiccedila mas sim de validade

Com o passar do tempo todas as expressotildees do positivismo descritas

acima admite o autor passam a ser alvos de diversas criacuteticas principalmente

em decorrecircncia da terceira abordagem Isso porque eacute dela que se evidencia

desde o princiacutepio um perigoso paradoxo embora se parta da premissa de

que a dimensatildeo de validade das leis eacute a que caracteriza o fenocircmeno juriacutedico

chega-se agrave constataccedilatildeo de que a opccedilatildeo em si por uma ordem juriacutedica em

vez da anarquia eacute fruto de uma escolha minimamente eacutetica e portanto de

uma irrenunciaacutevel preferecircncia valorativa ainda que ignorada ou proposital-

mente ocultada

Levando-se esta noccedilatildeo agraves uacuteltimas consequecircncias tem-se a acusaccedilatildeo

de que o positivismo enquanto ideologia produziu efeitos poliacuteticos e humani-

taacuterios desastrosos a partir do favorecimento ou da legitimaccedilatildeo de regimes

totalitaacuterios como o nazismo (BOBBIO 2006)

Eacute possiacutevel exemplificar do que se estaacute a falar com a narrativa de Hannah

Arendt sobre Otto Adolf Eichmann burocrata do terceiro Reich especialista

na logiacutestica de transporte de judeus para os campos de concentraccedilatildeo que

expressa na ocasiatildeo de seu julgamento em Jerusaleacutem a convicccedilatildeo de ter

realizado o que denominou naquela ocasiatildeo de ldquocrimes legalizados pelo Es-

tadordquo pelo simples dever de obediecircncia agraves ordens de seus superiores e agraves leis

de seu paiacutes surpreendentemente fundamentando-se na eacutetica kantiana do

dever pelo dever

Eacute o que daqui se desprende

As coisas eram como eram assim era a nova lei comum com base

nas ordens do Fuumlhrer qualquer coisa que Eichmann fazia era nessa

direccedilatildeo ou pelo menos assim acreditava na sua qualidade de fiel

cidadatildeo cumpridor da lei Tal como disse uma e outra vez para a

poliacutecia e para o tribunal ele fez o seu dever natildeo soacute obedeceu or-

dens mas tambeacutem obedeceu a lei [] Eichmann chegou a um ter-

riacutevel estado de confusatildeo mental e comeccedilou a exaltar as virtudes e a

denegrir os viacutecios alternativamente da obediecircncia cega da obe-

diecircncia cadaveacuterica Kadavergehorsam como ele mesmo denomi-

nava Durante o interrogatoacuterio policial quando Eichmann declarou

repentinamente e com grande ecircnfase que sempre havia vivido em

harmonia com os preceitos morais de Kant especialmente com a

definiccedilatildeo kantiana de dever deu um primeiro indiacutecio de que tinha

uma vaga noccedilatildeo de que naquele assunto havia algo mais do que a

simples questatildeo do soldado que segue as ordens claramente crimi-

nosas tanto em sua natureza quanto pela intenccedilatildeo com que satildeo da-

das Esta afirmaccedilatildeo foi simplesmente escandalosa e incompreensiacutevel

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

142

uma vez que a filosofia moral de Kant estaacute intimamente ligada agrave ca-

pacidade humana para julgar que elimina em absoluto a obediecircn-

cia cega [] o Juiz Raveh impulsionado por curiosidade ou indigna-

ccedilatildeo com o fato de que Eichmann se atrevera a invocar Kant para

justificar seus crimes decidiu interrogaacute-lo sobre este ponto Para geral

surpresa Eichmann deu uma definiccedilatildeo aproximadamente correta do

imperativo categoacuterico [] O que Eichmann natildeo explicou aos seus

juiacutezes foi que naquele periacuteodo de crimes legalizados pelo Estado

como ele mesmo o denominava ele natildeo tinha se limitado a prescin-

dir da foacutermula kantiana por ter deixado de ser aplicaacutevel mas porque

a havia modificado do modo que dissera comporta-te como se o

princiacutepio de teus atos fossem os mesmos que os atos do legislador ou

o da lei comum Ou segundo a foacutermula do imperativo categoacuterico

do Terceiro Reichrdquo (ARENDT 1999 p 83-84)

Natildeo eacute de se surpreender portanto que a crise e o decliacutenio do positi-

vismo juriacutedico estejam intrinsecamente associados agrave derrota do nazi-fascismo

no segundo poacutes-guerra

Seria preciso proporcionar a recomposiccedilatildeo dos elementos eacuteticos morais

e juriacutedicos cingidos pelo recorte metodoloacutegico e ideoloacutegico de um conjunto

de posiccedilotildees genericamente abrigadas da tradiccedilatildeo juspositivista que findou

por produzir consequecircncias esdruacutexulas que limitaram a compreensatildeo da proacute-

pria realidade do fenocircmeno juriacutedico descontextualizando-a

Nesse sentido seria necessaacuterio encampar o fortalecimento da filosofia

do direito que tinha visto seu objeto reduzir-se ao da teoria do direito com a

finalidade de resgatar as necessaacuterias imbricaccedilotildees entre justiccedila validade e efi-

caacutecia de uma dada ordem juriacutedica e tambeacutem no cenaacuterio internacional

Assim lanccedila-se um grande desafio ao conhecimento juriacutedico Afinal

embora tenha se tornado insustentaacutevel o legado cientiacutefico do positivismo juriacute-

dico quanto aos aspectos estruturais e normativos do direito natildeo poderia ser

simplesmente desprezado por outro lado ao tempo em que se torna indis-

pensaacutevel refletir sobre o contexto social e a dimensatildeo do justo tambeacutem natildeo

se poderia apregoar um retorno ao jusnaturalismo nos mesmos moldes de ou-

trora (BARROSO 2001 p 31)

92 POacuteS-POSITIVISMO E OS FUNDAMENTOS PARA UMA

CONCEPCcedilAtildeO ECOLOacuteGICA DO FENOcircMENO JURIacuteDICO

A busca por uma nova siacutentese portanto entre estes elementos tem sido

o alvo dos jusfiloacutesofos e constitucionalistas contemporacircneos os quais tem pro-

tagonizado um debate ao mesmo tempo ldquoespecializado fragmentado diver-

sificado e fluidordquo apresentando-se nas vertentes institucionalista funcionalista

sistecircmica neoconstitucionalista entre outras (FARALLI 2006 p 2)

Segundo Luiacutes Roberto Barroso (2001 p 32) este ideaacuterio difuso ldquonatildeo surge

com o iacutempeto da desconstruccedilatildeo mas como uma superaccedilatildeo do conheci-

mento convencionalrdquo (grifou-se) e tem sido provisoacuteria e genericamente deno-

minado de poacutes-positivismo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

143

Este cenaacuterio portanto de abertura do Direito aos valores eacute condiccedilatildeo

propiacutecia e indispensaacutevel para se pensar acerca de teorizaccedilatildeo de um Estado

Ecoloacutegico Bosselmann (1995 p 231) assim parte da impossibilidade de elimi-

nar ou ignorar a ideia do direito natural ndash seja ele embasado na ordem coacutes-

mica no universo em Deus nas leis da histoacuteria ou na razatildeo ndash a qual sempre

teve um lugar importante no direito e na histoacuteria das sociedades

Em verdade pensa-se que esta reflexatildeo acerca do valor ecoloacutegico

como base para o Estado se faz ainda mais oportuna em tempos de pluralismo

democraacutetico e de relativismo cultural diante do desafio de encontrar uma

ideologia ou uma grande narrativa capaz de unificar os mais diversos povos

sistemas de organizaccedilatildeo poliacutetica e social em busca de um objetivo comum4

qual seja o da sobrevivecircncia digna e sustentaacutevel das comunidades ao redor

do mundo

Para lidar com este desafio sem cair em anacronismos Bosselmann

busca um diaacutelogo com Ernst Bloch (1987) especialmente a partir da obra ldquoNa-

tural law and human dignityrdquo contribuiccedilatildeo natildeo convencional de um filoacutesofo

marxiano sobre o direito natural em que se elucidam alguns aspectos consi-

derados essenciais para uma rearticulaccedilatildeo do pensamento jusnaturalista

Primeiramente parte da percepccedilatildeo de que no decorrer da histoacuteria as

teorizaccedilotildees tradicionais do Direito Natural o conceberam como um conjunto

de princiacutepios invariaacuteveis universais e imutaacuteveis essencial agrave manutenccedilatildeo do

status quo por meio dos quais se invocaria uma noccedilatildeo de justiccedila

O proacuteprio lema da Revoluccedilatildeo Francesa constituiacutedo por valores conside-

rados nobres pelo autor foi alvo de distorccedilotildees que produziram o direito natural

burguecircs o qual legitimou uma seacuterie de injusticcedilas pelos termos de aceitaccedilatildeo

da propriedade5 em seu rol bem como pela reproduccedilatildeo de relaccedilotildees de

opressatildeo e exploraccedilatildeo de classes

4 Nesse sentido cf Leis (1998) e ldquoO meio ambiente por outro lado eacute global por natureza e

as funccedilotildees dos sistemas naturais da Terra satildeo sentidas em todos os lugares acima de qual-

quer identidade cultural O meio ambiente eacute o maior unificador da humanidade ao menos

no senso de uma preocupaccedilatildeo compartilhadardquo (BOSSELMANN 2015 p 21)

5 ldquoThings begin to change as soon as this sense of justice begins to reflect upon itself Soon it

becomes sufficiently penetrating to pose the problem of innate rights and to distinguish

these from an injustice that has been insituted by articles of law For example that a piece

of property is used and abandoned and one who is needy may take possession of it in this

matter the sense of justice does not go completely astray And it strays even less in the

judgement that a property owner who destroys coffee wheat or cotton in order to keep

prices high must himself be destroyed as a property ownerrdquo (BLOCH 1987 p 5) (ldquoAs coisas

comeccedilam a mudar assim que se passa a refletir sobre o senso de justiccedila Logo ele se torna

suficientemente penetrante para colocar o problema dos direitos inatos e distingui-lo das

injusticcedilas instituiacutedas por artigos de leis Por exemplo que um pedaccedilo de propriedade seja

usada e abandonada e algueacutem necessitado possa tomar posse dele neste caso o senso

de justiccedila natildeo estaacute completamente extraviado E se desvia ainda menos em um julga-

mento em que um proprietaacuterio que destruiu cafeacute trigo ou algodatildeo com a finalidade de

manter os preccedilos altos deve ele mesmo ser destruiacutedo enquanto proprietaacuterio Traduccedilatildeo li-

vre)

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

144

Em contrapartida Bloch defende que a justiccedila jamais poderaacute ser efeti-

vada enquanto houver a exploraccedilatildeo do trabalho e a divisatildeo de classes E

nesse sentido a dignidade humana que deve ser embasada na liberdade

na igualdade e na solidariedade eacute a utopia (ser-ainda-natildeo) do Direito (MAS-

CARO 2008)

Ademais eacute interessante ressaltar ainda que justamente em virtude

desse horizonte a se realizar Bloch compreende o ser humano como incom-

pleto assim como tambeacutem a proacutepria natureza a que ele pertence o eacute de

modo que a transformaccedilatildeo das relaccedilotildees humanas natildeo pode se dar sem que

as proacuteprias relaccedilotildees com a natureza tambeacutem sofram modificaccedilotildees qualitati-

vas ndash nesse sentido estaacute-se a tratar de um pensador considerado precursor no

tratamento da questatildeo ecoloacutegica por parte dos filoacutesofos marxistas (MAS-

CARO 2008)

Portanto a partir de um novo paradigma epistemoloacutegico defende-se

que a conciliaccedilatildeo entre direito e moral deve ocorrer sobretudo a partir da

adoccedilatildeo de uma filosofia dos valores que leve em conta uma eacutetica cada vez

mais inclusiva e altruiacutesta que deve estar em permanente observaccedilatildeo e rea-

valiaccedilatildeo

Afinal natildeo se pode deixar de considerar que ldquotodo ato eacutetico [] eacute na

realidade um ato de religaccedilatildeo com o outro com os seus com a comuni-

dade com a humanidade e em uacuteltima instacircncia inserccedilatildeo na religaccedilatildeo coacutes-

micardquo (MORIN 1991 passim)

Nesse seguimento emerge com forccedila e legitimidade a percepccedilatildeo sis-

tecircmica do mundo

Encontramos na natureza aglomerados agregados de sistemas flu-

xos inorganizados de objectos organizados Mas o que eacute digno de

nota eacute o caraacutecter polissisteacutemico do universo organizado Este eacute uma

espantosa arquitectura de sistemas que se edificam uns sobre os ou-

tros uns entre os outros uns contra os outros implicando-se e imbri-

cando-se uns nos outros com um grande jogo de aglomerados plas-

mas fluidos de microssistemas circulando flutuando []aquilo a que

noacutes chamamos natureza [] eacute precisamente esta extraordinaacuteria soli-

dariedade de sistemas encadeados edificando-se uns sobre os ou-

tros pelos outros com os outros contra os outros [] satildeo os sistemas

de sistemas em rosaacuterios em cachos em poacutelipos em arbustos em ar-

quipeacutelagos Assim a vida eacute um sistema de sistemas natildeo soacute porque o

organismo eacute um sistema de oacutergatildeos que satildeo sistemas de moleacuteculas

que satildeo sistemas de aacutetomos mas tambeacutem porque o ser vivo eacute um

sistema individual que participa dum sistema de reproduccedilatildeo porque

um e outro participam dum ecossistema o qual participa da biosfera

[] (MORIN 1991 p 97)

Estes sistemas naturais satildeo autopoieacuteticos isto eacute operacionalmente fe-

chados autocircnomos e autorreferenciais no sentido de que sua loacutegica de au-

toproduccedilatildeo e reproduccedilatildeo se daacute de modo circular e reiterativo independen-

temente dos elementos que lhe satildeo externos

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

145

Contudo como se percebe eles tambeacutem se relacionam inevitavel-

mente entre si e com o ambiente agrave sua volta isto eacute possiacutevel em virtude da

noccedilatildeo de acoplamento estrutural segundo a qual as interferecircncias externas

ocasionam uma mudanccedila estrutural no sistema mas natildeo tem o poder de de-

terminar a reaccedilatildeo do sistema vivo a qual eacute imprevisiacutevel e peculiar a cada

sistema o que faz com que possa se atribuir a perspectiva de historicidade e

natildeo determinabilidade a eles (MATURANA e VARELA 2001)

Diante da observaccedilatildeo de tamanha complexidade constitutiva nas mais

diversas formas de vida onde evidentemente se inclui o ser humano em seu

aspecto bioloacutegico alguns estudiosos comeccedilaram a investigar a viabilidade de

integraccedilatildeo de aspectos existenciais bioloacutegicos sociais e cognitivos esten-

dendo os princiacutepios da compreensatildeo sistecircmica agraves organizaccedilotildees sociais huma-

nas

Adverte-se que a extensatildeo destas teorias ao campo social natildeo ocorre

de maneira direta em virtude de que o comportamento humano em socie-

dade eacute permeado de suas particularidades oriundas do niacutevel de desenvolvi-

mento do pensamento da consciecircncia e da linguagem humanos Segundo

estes autores o ser humano possui duas dimensotildees de comportamento o fiacute-

sico governado pelas leis de causa e efeito e ainda o comportamento do

domiacutenio social que eacute ldquogovernado por regras geradas pelo sistema social que

satildeo muitas vezes codificadas em leirdquo (CAPRA e LUISI 2014 p 380)

Assim para validar a abordagem sistecircmica tradicional ndash integrada pela

triacuteade forma (organizaccedilatildeo) mateacuteria (estrutura) e processo (movimento) ndash pe-

rante os fenocircmenos sociais eacute necessaacuterio acrescentar um quarto elemento o

significado que ldquotorna evidente que o nosso mundo interior de conceitos e

ideias imagens e siacutembolos eacute uma dimensatildeo criacutetica da realidade socialrdquo (CA-

PRA e LUISI 2014 p 376)

Um dos autores que se dedicou a este desafio foi precisamente Niklas

Luhmann (2005) que identificou a comunicaccedilatildeo como caractere definidor

dos sistemas sociais De sua autorreprodutibilidade surgem os sistemas comuns

de significado crenccedilas explicaccedilotildees e valores a partir de que se estabelece

a fronteira do sistema e de onde se extrai um duplo efeito os contextos de

significados e as regras de comportamento (estruturas sociais)

A partir disso Luhmann (2005) identifica o Direito como um subsistema

social autopoieacutetico e portanto fechado autorreferencial e reflexivo o qual

ao tempo em que se ocupa da sua proacutepria autorreproduccedilatildeo e da sua adap-

taccedilatildeo ao meio tambeacutem o faz relativamente ao sistema social em geral par-

ticipando assim da construccedilatildeo daquela realidade

Diante deste raciociacutenio juntamente com Bosselmann (1995) entende-

se que as accedilotildees estatais no plano interno e internacional precisaratildeo mudar

radicalmente Trata-se assim de uma demanda indiscutiacutevel do direito positivo

Esta guinada de rumos em face tantas incertezas ecoloacutegicas que obs-

curecem a visatildeo do futuro torna pertinente uma analogia aos dizeres de Ed-

gar Morin sobre os desafios de se construir o meacutetodo do conhecimento ldquoaqui

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

146

temos que aceitar caminhar sem caminho Fazer o caminho no caminharrdquo

(MORIN 1991 p 23)

Todavia isso natildeo significa dizer que este percurso se faria por aventurei-

ros entregues agrave proacutepria sorte na verdade seria necessaacuterio estabelecer criteacute-

rios e objetivos a serem observados neste processo de ecologizaccedilatildeo do Es-

tado do direito e das poliacuteticas

Em primeiro lugar pensar em um Estado ecologicamente orientado im-

plica em uma necessaacuteria reflexatildeo sobre os valores fundamentais que devem

nortear a estruturaccedilatildeo da organizaccedilatildeo poliacutetico-social entre os quais a justiccedila

e a igualdade que satildeo sempre lembradas como seus vetores essenciais

Mas para aleacutem delas propotildee-se o resgate de outro importante ele-

mento de mesmo status dos anteriormente mencionados e sem o qual natildeo

seria possiacutevel pressupor a pretensatildeo de continuidade como decorrecircncia es-

perada da vontade de constituiccedilatildeo de uma sociedade poliacutetica trata-se da

defesa da sustentabilidade

Segundo documenta Bosselmann (2015) a noccedilatildeo de sustentabilidade

eacute bastante antiga e remonta agrave ideia de uma vida harmocircnica com o meio

preservando-se a dinamicidade dos ciclos naturais e em decorrecircncia disso

garantindo-se a sobrevivecircncia humana Em breves linhas pode-se dizer que

as discussotildees acerca do conteuacutedo da sustentabilidade baseiam-se no niacutevel

de seguranccedila que se atribui agrave necessidade de conservaccedilatildeo de recursos na-

turais

A sustentabilidade assumiria as vezes de um metaprinciacutepio que ldquofor-

nece orientaccedilotildees fundamentais para a interpretaccedilatildeo das normas juriacutedicas e

estabelece a referecircncia para a compreensatildeo da justiccedila dos direitos humanos

e da soberania do Estadordquo (BOSSELMANN 2015 p 64) o que demanda uma

ressignificaccedilatildeo da proacutepria ideia de justiccedila em direccedilatildeo a um novo patamar a

justiccedila ecoloacutegica a qual engloba os seguintes elementos erradicaccedilatildeo da po-

breza preocupaccedilatildeo com as geraccedilotildees futuras e reconhecimento do valor in-

triacutenseco dos natildeo humanos rumo agrave integridade ecoloacutegica a uma visatildeo natildeo

dicotocircmica e holiacutestica

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Eacute possiacutevel inferir de todo o exposto que para se chegar a uma concep-

ccedilatildeo ecoloacutegica do fenocircmeno juriacutedico eacute preciso ir aleacutem da ideia de que o Di-

reito se constitui em si mesmo como um sistema normativo ao qual cabe teacutec-

nica e exclusivamente a determinaccedilatildeo do que eacute legal e do que eacute ilegal

Eacute um imperativo racional inevitaacutevel para efeitos de uma necessaacuteria

adaptaccedilatildeo ao meio circundante a sua inserccedilatildeo em todo este arranjo orga-

nizacional e estrutural que vai do cosmo agraves micropartiacuteculas atocircmicas quando

da delimitaccedilatildeo e tratamento das condutas consideradas justas e adequadas

e tambeacutem aquilo que eacute inaceitaacutevel nas comunidades humanas por meio da

adoccedilatildeo da sustentabilidade como um metaprinciacutepio

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

147

Esta harmonizaccedilatildeo deve ser vislumbrada na relaccedilatildeo do Direito com os

outros subsistemas no acircmbito da escolha da poliacutetica legislativa mas tambeacutem

da unidade interna do ordenamento na aplicaccedilatildeo das normas postas para

que possa de fato fazer sentido

Caso isso natildeo ocorra o proacuteprio Direito poraacute em risco a sua capacidade

de operaccedilatildeo e de autorreproduccedilatildeo o que traraacute impactos para aleacutem das fron-

teiras do proacuteprio Direito

REFEREcircNCIAS

ARENDT Hannah Eichmann en Jerusaleacuten Um estuacutedio sobre la banalidad del mal Bar-

celona Lumen 1999

BARROSO Luiacutes Roberto Fundamentos teoacutericos e filosoacuteficos do novo Direito Constituci-

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BOSSELMANN Klaus O princiacutepio da sustentabilidade transformando direito e gover-

nanccedila Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2015

BOSSELMANN Klaus When two worlds collide Society and Ecology Auckland RSVP

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CAPRA Fritjof LUISI Pier Luigi A visatildeo sistecircmica da vida uma concepccedilatildeo unificada

e suas implicaccedilotildees filosoacuteficas poliacuteticas sociais e econocircmicas Satildeo Paulo Cultrix 2014

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LEIS Hector Ricardo Ambientalismo um projeto realista-utoacutepico para a poliacutetica mun-

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para as Ciecircncias Sociais 2 ed Florianoacutepolis EdUFSC 1998

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pia Satildeo Paulo Quartier Latin 2008

MATURANA Humberto R VARELA Francisco J A aacutervore do conhecimento as bases

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SALDANHA Neacutelson Nogueira Filosofia do Direito Rio de Janeiro Renovar 1998

SALDANHA Nelson Nogueira Velha e Nova Ciecircncia do Direito (e outros estudos de

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Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

148

VASCONCELOS Arnaldo Direito Humanismo e Democracia 2ed Satildeo Paulo Malhei-

ros 2006

149

SUSTENTABILIDADE NO ANTROPOCENO

o pensamento complexo e a

necessaacuteria reflexatildeo sobre o estado

ecoloacutegico de direito no contexto da

COVID-19

Carlos E Peralta1

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 101 A pandemia provocada pela COVID-19

como consequecircncia do Antropoceno 1011 Breves reflexotildees sobre

o Antropoceno 1012 A pandemia provocada pela COVID-19 Uma

crise sanitaacuteria dentro da crise civilizatoacuteria do Antropoceno 102 A

Metamorfose para o Estado Ecoloacutegico de Direito Um debate neces-

saacuterio 1021 Reflexotildees preliminares para pensar na ecologizaccedilatildeo do

Estado de Direito 1022 Paracircmetros indispensaacuteveis para a constru-

ccedilatildeo do Estado Ecoloacutegico de Direito 1023 Desafios para o Estado

Ecoloacutegico de Direito Consideraccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

O nosso planeta estaacute caracterizado por uma complexa rede de cone-

xotildees ocultas na Natureza A complexidade ecoloacutegica eacute uma marca do meta-

bolismo da Terra que como explica Edgar Morin (2002 p 47) desorganiza-se

e reorganiza-se constantemente Ao longo da sua pequena histoacuteria socio-cul-

tural no planeta o ser humano buscou formas de adaptar-se ao seu entorno

natural para sobreviver Se fosse possiacutevel contar a histoacuteria da Terra em vinte e

quatro horas caberia afirmar que o ser humano moderno surgiu no uacuteltimo se-

gundo do dia No entanto a pesar desse curto lapso sobre a Terra atualmente

as evidecircncias cientificas alertam que o alto impacto da pegada ecoloacutegica

do Homo Sapiens detonou uma nova era geoloacutegica O Antropoceno Trata-se

de um conceito complexo multifocal que muito aleacutem de uma perspectiva

geoloacutegica comporta tambeacutem uma perspectiva cultural que apresenta um

viacuteeis histoacuterico socioloacutegico econocircmico eacutetico e filosoacutefico O Antropoceno exige

pensar novos paradigmas que permitam entender e dar resposta a problemas

e riscos ecoloacutegicos globais que identificam esse novo marco soacutecio-natural que

condiciona natildeo apenas o desenvolvimento do ser humano mas a proacutepria

vida no planeta Independente do reconhecimento oficial do Antropoceno ndash

pela Uniatildeo Internacional de Ciecircncias Geoloacutegicas ndash como era geoloacutegica eacute

1 Professor da Universidad de Costa Rica (UCR) Coordenador do Grupo de Pesquisa Dere-

cho y Sustentabilidad (GPDS) da UCR Pesquisador do Instituto de Investigaciones Juriacutedicas

da UCR Poacutes-doutor em Direito pela UFSC (PDJCNPq) Poacutes-doutor em Direito pela UERJ (Precirc-

mio Capes de Tese 2012) Doutor em Direito Puacuteblico pela UERJ

E-mail carlosperalta07gmailcom

10

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

150

certo que a complexidade do conceito identifica e caracteriza a Sociedade

de Risco contemporacircnea eacute soacute poderaacute ser analisada a partir de uma perspec-

tiva sistecircmica

Nesse contexto a atual pandemia provocada pelo viacuterus SARS-CoV-2

deveraacute ser entendida como uma caracteriacutestica e ao mesmo tempo como

uma consequecircncia do Antropoceno a pandemia coloca em evidecircncia a ne-

cessidade de analisar a estreita relaccedilatildeo existente entre Natureza e sociedade

com o objetivo de identificar as causas mediatas e natildeo apenas imediatas da

COVID-19 com a finalidade de encontrar respostas efetivas para um contexto

de risco que vai agravar-se nos proacuteximos anos se natildeo forem adotadas medi-

das ecoloacutegicas globais de forma articulada

Partindo desse breve marco de referecircncia o artigo enquadra-se dentro

de um projeto de pesquisa que estaacute sendo realizado no Instituto de Investiga-

ciones Juriacutedicas e no Grupo de Pesquisa Derecho y Sustentabilidad (GPDS) da

Universidad de Costa Rica (UCR) A pesquisa de caraacuteter qualitativo adota

como contexto de estudo o Antropoceno e tem um marco teoacuterico que na

sua base parte da reflexatildeo do pensamento de trecircs autores Edgar Morin Bo-

aventura de Sousa Santos e Ulrich Beck A partir dessa base teoacuterica o projeto

objetiva propor uma epistemologia e uma hermenecircutica que permita analisar

as perspectivas e os desafios do Estado Ecoloacutegico de Direito (EED) e consi-

dera dentre outros importantes referentes teoacutericos de vaacuterias aacutereas do conhe-

cimento como P Crutzen E Leff J Rockstrom EGudynas J R Morato Leite

T Fenstenseifer I Sarlet G Parente Neiva Belchior J Martiacutenez Alier J Eli da

Veiga A Giddens Tyler Miller Jr Fritjof Capra G Wedy I Sachs J Sachs G

Daly H Reeves e F Lenoir P H May P Singer L Peacuterez Bustamante T Jackson

R Abramovay S Latouche2

Cabe destacar que a pandemia provocada pela COVID-19 decla-

rada pela OMS em 11 de marccedilo de 2020 pelos seus efeitos globais e a sua

iacutentima relaccedilatildeo com a complexidade ecoloacutegica constituiu-se como uma nova

variaacutevel de anaacutelise para o desenvolvimento do trabalho de pesquisa que estaacute

sendo realizando na UCR

Nessa linha de pensamento a proposta do artigo seraacute colocar algumas

breves reflexotildees ainda preliminares sobre estreita relaccedilatildeo existente entre a

pandemia da COVID-19 e o Antropoceno e como a atual situaccedilatildeo global

exige incentivar um forte debate sobre a necessidade de pensar numa meta-

morfose civilizatoacuteria que deveraacute partir do surgimento de um Estado Ecoloacutegico

de Direito capaz de entender e lidar com a crise ecoloacutegica que marca o nosso

tempo

2 Neste trabalho por motivos de extensatildeo seratildeo utilizadas algumas dessas referecircncias teoacuteri-

cas

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

151

101 A PANDEMIA PROVOCADA PELA COVID-19 COMO

CONSEQUEcircNCIA DO ANTROPOCENO

1011 Breves reflexotildees sobre o Antropoceno

Paul J Crutzen ndash precircmio Nobel de Quiacutemica ndash e Eugene F Stoermer aler-

taram no Boletim ldquoInternational GeospherendashBiosphere Programme (IGBP)rdquo so-

bre existecircncia de uma nova era geoloacutegica que substituiria o Holoceno e que

chamaram de Antropoceno (2000)

Posteriormente Paul J Crutzen (2002) em artigo publicado na Revista

Nature ndash intitulado Geology of mankind ndash reafirmou formalmente que o im-

pacto dos seres humanos sobre a Terra teria desencadeado uma nova era

geoloacutegica o Antropoceno Em termos resumidos eacute possiacutevel afirmar que esse

novo periacuteodo geoloacutegico estaria marcado por uma sobrecarga ecoloacutegica

causada pelo modelo de desenvolvimento econocircmico da segunda moderni-

dade deixando uma profunda pegada ecoloacutegica na geologia da Terra Essa

nova era geoloacutegica ainda natildeo foi oficializada pela Unioacuten Internacional de Ci-

encias Geoloacutegicas Foi conformado o denominado Grupo de Trabalho sobre

o Antropoceno (AWG pelas suas siglas em inglecircs)3 para analisar as evidencias

cientiacuteficas que permitam comprovar ou natildeo o surgimento do Antropoceno

desde o ponto de vista geoloacutegico

Atualmente podemos considerar que o Antropoceno eacute mais que um

conceito geoloacutegico ndash em sentido estrito ndash alcanccedilando uma dimensatildeo cultural

ndash em sentido amplo ndash que questiona o modelo de desenvolvimento humano

e a sua relaccedilatildeo com a Natureza Sobre essa concepccedilatildeo cultural H Trischler

(2017 p 54) explica que

El debate cultural sobre el Antropoceno se interesa nada menos que

en las cuestiones maacutes centrales de nuestra sociedad iquestcoacutemo seraacute el

futuro iquestCoacutemo debemos hacer negocios trabajar y vivir iquestQueacute pa-

pel tendraacute la tecnologiacutea en esto iquestQueacute formas de produccioacuten y co-

municacioacuten del conocimiento son adecuadas para el Antropoceno

Por uacuteltimo iquestqueacute narrativas necesitamos para comprender mejor el

papel planetario de los seres humanos como actores que afectan a

todo el sistema de la Tierra Esto es lo que hace que la discusioacuten sea

tan fascinante y tan relevante para hoy y mantildeana

De forma sinteacutetica eacute possiacutevel afirmar que o Antropoceno eacute a era da

grande aceleraccedilatildeo provocada pelo homo faber Trata-se de uma eacutepoca

marcada por uma sociedade de alta entropia pautada pela ideia de cresci-

mento econocircmico continuo que desconsidera que a biosfera eacute um sistema

fechado com fronteiras de risco ecoloacutegico que devem ser respeitadas para

manter as condiccedilotildees de vida consolidadas no Holoceno por um periacuteodo de

aproximadamente doze mil anos A irresponsabilidade organizada (BECK

3 Cf httpquaternarystratigraphyorgworking-groupsanthropocene Acesso em 27

ago2020

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

152

2002) do Antropoceno provocou que pela primeira vez na histoacuteria do planeta

uma espeacutecie tem o futuro da biosfera em suas matildeos sendo capaz de provo-

car uma extinccedilatildeo de espeacutecies em massa A (ir)racionalidade do modelo de

desenvolvimento herdado da revoluccedilatildeo industrial natildeo considerou nem con-

sidera a vulnerabilidade e a capacidade de resiliecircncia da Natureza a crise

ecoloacutegica do Antropoceno eacute uma caracteriacutestica e ao mesmo tempo uma

consequecircncia dessa visatildeo de mundo e coloca a humanidade numa encruzi-

lhada no que diz respeito ao caminho que deveraacute ser adotado pela socie-

dade da segunda modernidade (BECK 2002) este momento reflexivo se de-

para com uma crise civilizatoacuteria marcada por profundas fronteiras invisiacuteveis

(geograacuteficas eacutetnicas religiosas econocircmicas etc) que identifica uma socie-

dade altamente desigual de alta entropia individualista reducionista dis-

tante da Natureza e que estaacute muito longe de ser planetaacuteria Paradoxalmente

em pouco tempo na transiccedilatildeo para o Antropoceno a polis humana que ini-

cialmente estava na Natureza aumentou transformou-se de forma irreflexiva

numa aldeia global e hoje eacute a Natureza que estaacute inserida nesse ambiente

artificial criado pelo Homo Sapiens O contexto do Antropoceno tem impor-

tantes consequecircncias eacuteticas juriacutedicas e poliacuteticas exigindo uma decisatildeo cole-

tiva que deveraacute ser politicamente debatida adotada e aplicada (GUDYNAS

2019) Eacute nesse cenaacuterio que devem ser feitas as reflexotildees sobre o Estado Ecoloacute-

gico de Direito como ponto de partida para uma metamorfose civilizatoacuteria

1012 A pandemia provocada pela COVID-19

uma crise sanitaacuteria dentro da crise civilizatoacuteria do

Antropoceno

Na linha de pensamento de Edgar Morin (2009) podemos afirmar que

no Antropoceno existe uma fragmentaccedilatildeo do conhecimento que impede en-

tender as conexotildees dos problemas globais o que Morin chamaria de ceguei-

ras do conhecimento provocadas pela perspectiva reducionista cartesiana

que encaixa o saber na verdade parcial das disciplinas

Nesse sentido para entender o que provocou o viacuterus SARS-CoV-2 que

originou a pandemia em 2020 eacute necessaacuteria uma analise a partir de um pen-

samento complexo que permita ir aleacutem das causas imediatas da pandemia

e visualizar a real dimensatildeo do problema que a humanidade estaacute enfren-

tando Em outras palavras a COVID-19 deveraacute ser analisada natildeo apenas

como uma doenccedila zoonoacutetica causadora de uma crise sanitaacuteria mas como

um risco ecoloacutegico global proacuteprio do Antropoceno

A crise da Sociedade de Risco do Antropoceno deveraacute ser compreen-

dida a partir de um novo paradigma epistemoloacutegico que seja capaz de inte-

grar as muacuteltiplas cosmovisotildees de mundo exigindo novas epistemologias do sul

(SANTOS 2019) fundamentadas no diaacutelogo da ciecircncia com os saberes cultu-

rais e orientadas por um pensamento inclusivo e holiacutestico ancorado numa

eacutetica da outridade numa sustentabilidade forte capaz de respeitar os limites

biofiacutesicos

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

153

Da pandemia da COVID-19 poderemos extrair muacuteltiplas liccedilotildees que per-

mitiram entender os desafios do Antropoceno Do primeiro semestre de pan-

demia podemos formular de forma preliminar duas liccedilotildees

(1) Primeira Liccedilatildeo Na linha de pensamento do E Morin (2020) a pri-

meira liccedilatildeo seria que ldquoo festival de incertezasrdquo provocado pela pandemia su-

potildee um enorme desafio para a complexidade Um dos desafios da complexi-

dade no Antropoceno seraacute ldquocomo confrontar selecionar organizar os conhe-

cimentos de forma adequada ao mesmo tempo religando-os e integrando

as incertezasrdquo O modelo de conhecimento da segunda modernidade como

explica E Morin (2020) adota um pensamento redutor e disjuntor que separa

o inseparaacutevel e reduz ldquoa um uacutenico elemento aquilo que eacute ao mesmo tempo

uno e diversordquo De maneira que na sociedade de risco do Antropoceno de-

veraacute ser adoptado um paradigma da complexidade que a partir dos princiacute-

pios sisteacutemico e hologramaacutetico (MORIN 2009) permita entender as conexotildees

de causa-efeito dos riscos ecoloacutegicos globais

(2) Segunda Liccedilatildeo A accedilatildeo antropogecircnica exige uma resposta global

imediata ou no futuro pandemias e outros riscos ecoloacutegicos seratildeo mais co-

muns e colocaram em xeque a sociedade e o espaccedilo ecoloacutegico operacional

seguro do planeta (ROCKSTROM 2009) No atual cenaacuterio para superar a pan-

demia natildeo podemos atacar apenas os sintomas identificados inicialmente a

partir de dezembro de 2019 Com cautela deveratildeo ser analisadas entendidas

e combatidas as causas que provocaram esses sintomas De maneira que a

segunda liccedilatildeo exige uma reflexatildeo sobre o Estado Ecoloacutegico de Direito como

pressuposto para a metamorfose civilizatoacuteria que exige o Antropoceno

Queiramos ou natildeo mesmo com os grandes avanccedilos tecnoloacutegico-cien-

tiacuteficos e com a interconexatildeo global existente ndash das comunicaccedilotildees e da eco-

nomia ndash a sociedade da segunda modernidade estaacute profundamente intrin-

cada numa rede de conexotildees profundas com o entorno natural que pretende

invisibilizar Todo impacto do ser humano na Natureza tem uma consequecircncia

que mesmo inicialmente imperceptiacutevel terminaraacute afetando o estilo de vida

do Homo Faber O princiacutepio do bucle retroativo (MORIN 2009) da complexi-

dade permite identificar como a degradaccedilatildeo do ambiente natural de caraacute-

ter sinergeacutetico retorna sobre o ambiente artificial humano na forma de riscos

ecoloacutegicos Mesmo que esses riscos prejudiquem inicialmente os menos favo-

recidos ndash racismo ecoloacutegico ndash teratildeo um efeito boomerang recaindo demo-

craticamente sobre toda a sociedade

Boaventura de Sousa Santos (2020) explica que a ideia de crise em tese

refere-se a uma situaccedilatildeo excepcional passageira e nesse sentido constitui

uma oportunidade para melhorar Nessa linha de pensamento afirma que

ldquoquando a crise eacute passageira ela deve ser explicada pelos fatores que a pro-

vocam Mas quando se torna permanente a crise transforma-se na causa

que explica todo o restordquo A atual pandemia natildeo eacute apenas uma crise passa-

geira e sim um problema instalado caracteriacutestico do Antropoceno A pande-

mia eacute o exemplo mais claro do caraacuteter sinergeacutetico dos complexos riscos eco-

loacutegicos do Antropoceno O viacuterus do SARS-CoV-2 surge num mercado uacutemido

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

154

na cidade de Wuhan ndash polo tecnoloacutegico capital de Hubei localizada na

China Central O pequeno viacuterus que surgiu na cidade de Wuhan ateacute entatildeo

pouco conhecida por boa parte da populaccedilatildeo do mundo ocidental em

pouco tempo pela interconexatildeo global que caracteriza a nossa acelerada

eacutepoca provocou uma convulsatildeo global que fez surgir uma tiacutemida consciecircn-

cia planetaacuteria sobre a fragilidade humana Explica Boaventura de Sousa San-

tos (2020 p 7) que ldquoA trageacutedia eacute que neste caso a melhor maneira de sermos

solidaacuterios uns com os outros eacute isolarmo-nos uns dos outros e nem sequer tocar-

mos Eacute uma estranha comunhatildeo de destinosrdquo Pergunta o socioacutelogo-juriacutedico

portuguecircs se acaso natildeo haveraacute outras formas possiacuteveis para essa comunhatildeo

A pandemia na verdade eacute a chegada imprevista de um evento que

era previsiacutevel considerando a forma distante e agressiva que ldquoanthroposrdquo se

relaciona com a Natureza Nesse sentido a pandemia teve vaacuterios ldquospoliersrdquo

ao longo do tempo por exemplo com o viacuterus do Ebola em 2012 e quando a

Malaacuteria matou mais de 400000 mil pessoas em 2016 a maioria delas na Aacutefrica

De forma que a pandemia era de certo modo previsiacutevel se o ser humano leva-

se a seacuterio a mudanccedila climaacutetica a perda da biodiversidade a erosatildeo do solo

a deforestaccedilatildeo o traacutefego de espeacutecies silvestres a seguranccedila alimentar a aci-

dificaccedilatildeo dos oceanos o derretimento dos polos a degradaccedilatildeo dos recursos

hiacutedricos a incapacidade das cidades de lidar com fenocircmenos naturais etc

Em outras palavras a pandemia era previsiacutevel considerando a toacutexica relaccedilatildeo

do ser humano com o seu entorno natural Sobre a questatildeo Edgar Morin (2020)

explica que ldquoA experiecircncia das irrupccedilotildees do inesperado na histoacuteria natildeo pene-

trou nas consciecircncias A chegada do imprevisiacutevel era previsiacutevel mas natildeo sua

natureza Daiacute a maacutexima permanente ldquoespero pelo inesperadordquo rdquo

De 2002 a 2020 vaacuterias doenccedilas zoonoacuteticas ascenderam o sinal de alerta

laranja na humanidade ndash SARS (2002) Gripe Aviaacuteria ndashH5N1(2004) Gripe Por-

cina ndashH1N1 (2009-2010) ndash ateacute chegar 2020 e deparar-nos com o SARS-CoV-2

pequeno viacuterus que causou um estado de alerta vermelho de alcance global

De maneia que natildeo podemos afirmar que a atual pandemia da COVID-19 eacute

uma crise isolada ou sem causas conhecidas Pelo contraacuterio eacute uma crise numa

engrenagem maior de crises conectadas trata-se de uma consequecircncia si-

lenciosa que ainda que inesperada era previsiacutevel considerando a irresponsa-

bilidade organizada (BECK 2002) que orienta o Antropoceno

Como afirma Morin a pandemia eacute uma crise dentro das crises jaacute insta-

ladas no Antropoceno A COVID-19 colocou em evidecircncia e agravou essas

crises de certo modo invisiacuteveis ou ignoradas ateacute entatildeo Como explica Morin

(2020) a pandemia eacute uma crise sanitaacuteria que movimentou uma engrenagem

de crises conectadas que pelo predomiacutenio do conhecimento reducionista

que impera na sociedade de risco sempre tinha sido ignorada ou vista como

um problema passiacutevel de ser corrigido Para o renomado socioacutelogo francecircs

essa ldquopolicrise ou mega crise se estende do existencial ao poliacutetico passando

pela economia do indiviacuteduo ao planetaacuterio passando por famiacutelias regiotildees Es-

tadosrdquo Trata-se explica ele da evidecircncia de uma crise planetaacuteria que mostra

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

155

a ligaccedilatildeo inseparaacutevel do homo sapiens ldquocom o destino bio-ecoloacutegico do pla-

neta Terra intensifica simultaneamente a crise da humanidade que natildeo

chega a se constituir enquanto humanidaderdquo (MORIN 2020)

De maneira que a crise sanitaacuteria da COVID-19 destacou e agravou di-

versas crises estreitamente ligadas dentre elas (1) A crise social marcada por

um mundo polarizado de enormes desigualdades O crescimento econocircmico

como siacutembolo de desenvolvimento eacute uma panaceia um mito propriedade de

uma pequena parcela da populaccedilatildeo mundial Como ter um mundo mais

equitativo com menos concentraccedilatildeo de riqueza (2) A crise existencial que

questiona as verdadeiras necessidades de uma sociedade alienada bombar-

deada por mensagens subliminais de consumo Seraacute necessaacuterio pensar em um

decrescimento sereno como proposto por autores como Serge Latouche e Tim

Jackson (dentre outros) (3) As crises nacionais provocadas por questotildees so-

bre discriminaccedilatildeo racial diferenccedilas religiosas xenofobia homofobia e poliacuteti-

cas internas que priorizam o crescimento econocircmico sobre a sustentabilidade

e a gestatildeo de riscos O modelo de Estado da segunda modernidade seraacute ca-

paz de lidar com os riscos globais do Antropoceno Ou seraacute necessaacuterio um

pacto cosmopolita esverdeado como proposto por U Beck (2002) (4) A crise

econocircmica ficou ainda mais visiacutevel no contexto da COVID-19 A pandemia

colocou em confinamento os dogmas da economia dos materiais e denun-

ciou a falaacutecia do crescimento econocircmico como sinocircnimo de bem-estar so-

cial altos iacutendices de desemprego trabalho informal deacuteficit fiscal e a crise da

previdecircncia satildeo noticia diaacuteria nos jornais (5) A crise intelectual que evidencia

como a segunda modernidade mesmo com os grandes avanccedilos tecnoloacutegi-

cos desconsidera a complexidade e privilegia o dualismo e o conhecimento

disjuntor disciplinaacuterio A complexidade do real estaacute permanentemente confi-

nada sendo incapaz de entender o limites planetaacuterios

No fundo toda essa engrenagem de crises circula sobre uma grande

crise A crise civilizatoacuteria do Antropoceno pautada por um paradigma simplifi-

cador que desconsidera a Natureza (seus limites suas conexotildees seu valor natildeo

quantificaacutevel em termos monetaacuterios) nos processos decisoacuterios da sociedade e

invisibiliza as desigualdades as diferenccedilas e as cosmovisotildees existentes na hu-

manidade Essa crise civilizatoacuteria eacute resultado de uma linguagem mecacircnica

binaacuteria que natildeo eacute capaz de identificar entender analisar e responder a par-

tir de um paradigma de complexidade os desafios provocados pela socie-

dade de risco

De modo que os riscos sanitaacuterios da pandemia natildeo satildeo apenas produto

de uma doenccedila zoonotica que alcanccedilou uma dimensatildeo global trata-se do

resultado de um processo irreflexivo que detonou o Antropoceno e contem-

pla fatores como (1) A degradaccedilatildeo ambiental ndash realizada de forma consci-

ente pelo mito do crescimento econocircmico (2) O conforto intelectual que

desconsidera a complexidade (3) Um direito ambiental fragmentado lento

e ancorado em artigos paradigmas (4) Uma (natildeo) governanccedila ambiental

internacional desarticulada orientada por uma sustentabilidade fraca e sem

capacidade de enforcment e (4) Uma poliacutetica orientada por interesses

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

156

econocircmicos de curto prazo que desconsideram os limites biofiacutesicos do Pla-

neta Em siacutentese a crise civilizatoacuteria eacute o resultado esperado de uma sociedade

em permanente confinamento incapaz de ser prospectiva solidaacuteria e empaacute-

tica No Antropoceno convenientemente prevalece o pensamento redutor

disjuntor que condena a sociedade a erros contiacutenuos de diagnoacutestico e pre-

venccedilatildeo (MORIN 2020)

Explica Morin (2020) que ldquoa livre concorrecircncia e o crescimento econocirc-

mico satildeo panaceias sociais () A loucura eufoacuterica do transhumanismo leva

ao paroxismo o mito da necessidade histoacuterica do progresso e do controle hu-

mano natildeo somente na natureza mas tambeacutem de seu destino ()

Seguindo a linha de pensamento do Boaventura de Sousa Santos (2011)

a crise civilizatoacuteria do Antropoceno poderia ser analisada a partir de uma so-

ciologia das ausecircncias e uma sociologia das emergecircncias Nesse sentido

mesmo sendo uma eacutepoca de alto grau de desenvolvimento econocircmico e

tecnoloacutegico eacute possiacutevel constatar que boa parte da humanidade foi e conti-

nua sendo ignorada e colonizada por grupos de poder hegemoacutenicos existem

confinamentos sociais constantes Ao mesmo tempo trata-se de uma eacutepoca

com um presente incompleto identificada por uma sociedade de alta entro-

pia sem uma visatildeo prospectiva que seja capaz de entender e respeitar os

limites da biosfera e a diversidade cultural

A quarentena da pandemia da COVID-19 como qualquer outra qua-

rentena eacute discriminatoacuteria ldquomais difiacutecil para uns grupos sociais do que para

outros e impossiacutevel para um vasto grupo de cuidadores cuja missatildeo eacute tornar

possiacutevel a quarentena ao conjunto da populaccedilatildeordquo (SOUSA 2020) Essa qua-

rentena analisada a partir de uma sociologia das ausecircncias deixou mais evi-

dente a crise ecoloacutegica do Antropoceno e a existecircncia de confinamentos eacutet-

nicos de longa data (1) Das mulheres ainda viacutetimas de um sistema patriarcal

machista (2) Dos trabalhadores precaacuterios informais ou de rua sem garantias

sociais (3) Das pessoas sem teto carentes de condiccedilotildees miacutenimas de digni-

dade (4) Dos moradores das periferias e das comunidades carentes que vi-

vem em espaccedilos sem condiccedilotildees urbanas com pouco acesso a agua sem

saneamento baacutesico com restriccedilotildees educativas e expostos agrave violecircncia e a

discriminaccedilatildeo (5) Dos internados em campos para refugiados para imigran-

tes indocumentados ou para deslocados internos grupos que vivem em cons-

tante confinamento e inseguranccedila e (6) Dos idosos que vivem em lares de

repouso lugares que na quarentena se transformaram em zonas de alto risco

(SANTOS 2020) Ainda cabe indicar que muitos desses grupos do Sul metafoacute-

rico (SANTOS 2011) vivem em condiccedilotildees de racismo ecoloacutegico Esse Sul na

concepccedilatildeo de Boaventura de Sousa Santos (2020) natildeo eacute um espaccedilo geograacute-

fico ele ldquoDesigna um espaccedilo-tempo poliacutetico social e culturalrdquo

Nesse contexto a pandemia da COVID-19 constata que a quarentena

sanitaacuteria eacute apenas uma dentro de outras quarentenas que perpetuam confi-

namentos de forma normal na sociedade de risco Ainda a quarentena da

pandemia permite visualizar o darwinismo social existente desde longa data

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

157

atualmente maior e que natildeo mata indiscriminadamente O efeito boome-

rang confina a espeacutecie humana e nesse sentido podemos afirmar que o viacuterus

SARS-CoV-2 pode contagiar a qualquer um no entanto o risco de vida e os

confinamentos satildeo marcados pela profunda desigualdade invisibilizada que

caracteriza a sociedade de risco Na pandemia muitos dos grupos do Sul me-

tafoacuterico deveratildeo decidir entre se expor ao viacuterus ou natildeo ter comida na mesa

Explica Boaventura de Sousa Santos (2020) que a ldquoquarentena natildeo soacute torna

mais visiacuteveis como reforccedila a injusticcedila a discriminaccedilatildeo a exclusatildeo social e o

sofrimento imerecido que elas provocamrdquo Trata-se da exposiccedilatildeo da vulnera-

bilidade dos grupos do Sul

Diante desse cenaacuterio exposto pela pandemia da COVID-19 respostas

efetivas satildeo necessaacuterias diante dos problemas ecoloacutegicos que causaram e

materializaram o SARS-CoV-2 No entanto como explica Boaventura de Sousa

Santos (2011) mesmo diante de perguntas fortes a nossa eacutepoca estaacute mar-

cada por respostas muito fracas fruto da falta de uma reflexatildeo criacutetica e de

um conformismo que parece ter por objetivo natildeo se incomodar com modificar

as estruturas hegemoacutenicas que entendem desenvolvimento como sinocircnimo

de crescimento econocircmico A situaccedilatildeo torna-se mais criacutetica considerando

que existe um descompasso entre a urgecircncia das medidas necessaacuterias para

combater problemas ecoloacutegicos ndashcomo a mudanccedila climaacutetica ndash e o lento pro-

cesso necessaacuterio para consolidar uma nova racionalidade ecoloacutegica

102 A METAMORFOSE PARA O ESTADO ECOLOacuteGICO DE DIREITO

um debate necessaacuterio

1021 Reflexotildees preliminares para pensar na ecologizaccedilatildeo

do Estado de Direito

Morin (2020) afirma que o atual confinamento deve favorecer o natildeo-

confinamento mental com a finalidade de evitar retomar o ciclo cronome-

trado egoiacutesta e consumista que natildeo integra o reloacutegio da Natureza nas deci-

sotildees e atividades cotidianas Esse modelo de vida acelerado orientado pela

ideia de crescimento econocircmico constante como sinocircnimo supeacuterfluo de bem-

estar e prosperidade perde de vista que desrespeitar a resiliecircncia dos ecos-

sistemas significa sentenciar os limites do desenvolvimento humano e princi-

palmente a estabilidade da Terra Na sociedade de risco que caracteriza o

Antropoceno podemos afirmar que na esteira do pensamento de Boaven-

tura de Sousa Santos (2011) existe uma relaccedilatildeo fantasmal uma atitude de

negaccedilatildeo caraterizada por um alto grau de progresso tecnoloacutegico uma forte

conectividade global ndash tanto econocircmica como das comunicaccedilotildees ndash mas

paradoxalmente existe uma incapacidade de entender as diferenccedilas que

identificam a espeacutecie humana e a complexa teia de conexotildees ecoloacutegicas

existentes no planeta O mundo tecno-econocircmico da sociedade de risco

estaacute de forma irresponsaacutevel pautado sobre uma obsolescecircncia programada

desenhada pelo mito do crescimento econocircmico Assim temos um mundo

fora de controle lotado ndash que privilegia o capital artificial ndash desumanizado ndash

com enormes confinamentos sociais ndash e que no curto prazo se natildeo tomar

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

158

medidas seraacute colocado em xeque pelas consequecircncias de desconsiderar os

limites biofiacutesicos do planeta

No contexto reducionista e disjuntor do Antropoceno debater sobre

uma metamorfose capaz de analisar as perspectivas para um Estado Ecoloacute-

gico de Direito exige uma abordagem sisteacutemica que contemple uma nova

visatildeo eacutetica educativa econocircmica geopoliacutetica juriacutedica dentre outros Um

novo paradigma que permita uma relaccedilatildeo de respeito e responsabilidade

para com a Natureza parece ser o grande desafio do cidadatildeo do seacuteculo XXI

Eacute necessaacuterio entender que a autonomia da sociedade da segunda moderni-

dade soacute seraacute possiacutevel respeitando os limites biofiacutesicos e reconhecendo a rela-

ccedilatildeo de dependecircncia do ser humano para com a Natureza A sociedade natildeo

estaacute nem nunca poderaacute estar fora do seu entorno natural

A metamorfose para o Estado Ecoloacutegico de Direito exige adotar um pa-

radigma de complexidade que permita fundamentar uma sustentabilidade

forte que oriente a accedilatildeo humana no Antropoceno

Para Winter na sustentabilidade forte

[] a biosfera torna-se de ldquofundamentalrdquo importacircncia A economia e

a sociedade satildeo parceiros mais fracos pois a biosfera pode existir

sem os humanos mas os humanos certamente natildeo podem existir sem

a biosfera Portanto humanos enquanto exploram a natureza de-

vem respeitar suas limitaccedilotildees uma necessidade que eles satildeo capa-

zes de preencher uma vez que possuem o potencial da razatildeo e en-

tatildeo os padrotildees alternativos de ponderaccedilatildeo do comportamento

(2009 p 4)

O nuacutecleo dessa perspectiva ecologizada parte da complexidade que

exige que o ser humano se enxergue como parte indissociaacutevel da Natureza

de forma que o impacto antropogecircnico deveraacute considerar os limites biofiacutesicos

respeitando a resiliecircncia dos processos ecoloacutegicos essenciais como fonte in-

dispensaacutevel para a vida e paro o pleno desenvolvimento humano A accedilatildeo

humana deveraacute ser realizada dentro do espaccedilo operacional seguro -fronteiras

de risco ecoloacutegico ndash que garante a estabilidade do planeta (ROCKSTROM

2009)

Esse novo paradigma objetiva alcanccedilar um estado de prosperidade

equitativo que considere aspectos de justiccedila ecoloacutegica distributiva de forma

que a ideia de desenvolvimento natildeo seja vista apenas como sinocircnimo de cres-

cimento econocircmico Cloacutevis Cavalcanti (2003 p 161) explica que ldquoA busca

da sustentabilidade resume-se agrave questatildeo de se atingir harmonia entre seres

humanos e a natureza ou de se conseguir uma sintonia com o lsquoreloacutegio da

naturezarsquo ()rdquo De modo que a nova racionalidade ecoloacutegica natildeo poderaacute

reduzir os fenocircmenos naturais agrave loacutegica do mercado a economia eacute apenas um

subsistema humano dentro do sistema fechado da Terra e consequente-

mente para poder funcionar deveraacute respeitar os limites planetaacuterios

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

159

O paradigma da complexidade exige entender a dinacircmica da Natu-

reza ndash seu caos e a sua organizaccedilatildeo ndash para adaptar a accedilatildeo humana Da com-

plexidade da Natureza podem ser identificados paracircmetros para orientar a

transiccedilatildeo da sociedade da segunda modernidade degradadora fundamen-

tada numa economia marrom ndash lineal utilitarista e desigual para uma socie-

dade que poderiacuteamos chamar da ldquoterceira modernidaderdquo sustentaacutevel com

uma economia esverdeada ndash circular solidaacuteria equitativa Essa nova socie-

dade deveraacute ser capaz de reconhecer o valor intriacutenseco da Natureza Na es-

teira do pensamento de Tyller Miller Jr (2008) da Natureza podem ser obser-

vadas algumas liccedilotildees dentre outras para orientar uma sociedade sustentaacutevel

(1) A complexidade da Natureza estaacute caracterizada por fortes conexotildees

Tudo na Natureza eacute interdependente De modo que uma sociedade sus-

tentaacutevel deveraacute estar pautada pelos princiacutepios da precauccedilatildeo e da pre-

venccedilatildeo entendendo que toda intervenccedilatildeo antropogecircnica no ambiente

natural teraacute efeitos colaterais inesperados Licenciamentos avaliaccedilotildees de

risco estudos de impacto ambiental sanccedilotildees e instrumentos econocircmicos

de gestatildeo ambiental devem estar fundamentados em criteacuterios estrita-

mente teacutecnicos ndash natildeo poliacuteticos nem econocircmicos ndash Evidentemente esse

contexto exige independecircncia funcional e orccedilamentaacuteria das instituiccedilotildees

ambientais Nesse marco os princiacutepios procedimentais ambientais satildeo fun-

damentais para garantir um debate e controle ambiental democraacutetico

Nesse sentido eacute curioso como numa eacutepoca de seacuterios problemas ecoloacutegi-

cos em momentos de crise econocircmica e sanitaacuteria ndash como a provocada

pela pandemia da COVID-19 ndash retrocessos na normativa ambiental e en-

fraquecimentos das instituiccedilotildees de proteccedilatildeo ambiental satildeo uma praacutetica

comum

(2) A Natureza funciona essencialmente a base de energias renovaacuteveis O

passo da primeira para a segunda modernidade foi pautado pela depen-

decircncia do desenvolvimento humano de energias foacutesseis No processo de

transiccedilatildeo para uma sociedade da terceira modernidade de baixa entro-

pia seraacute necessaacuterio um marco de incentivos econocircmicos e fiscais para ori-

entar a introduccedilatildeo de energias e tecnologias limpas Paralelamente seratildeo

necessaacuterios desincentivos para energias de impacto ecoloacutegico negativo

e ainda eliminar todo subsiacutedio para atividades com alta pegada ecoloacute-

gica

(3) A Natureza recicla nutrientes e resiacuteduos No Antropoceno ao contraacuterio da

Natureza existe uma praacutetica de consumo orientada pela obsolescecircncia

programada que consequentemente a sociedade da segunda moder-

nidade eacute altamente produtora de resiacuteduos de impacto sobre a resiliecircncia

da Natureza O Antropoceno eacute uma eacutepoca que promove o consumismo

irreflexivo ainda que desigual O EED deveraacute promover o consumo ecoloacute-

gico consciente ndash rechaccedilo reaproveitamento e reciclagem ndash desestimu-

lando estrateacutegias de obsolescecircncia programada Em palavras de Daly

(2005 p 96) ldquoUma economia sustentaacutevel requer uma lsquotransiccedilatildeo demograacute-

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

160

ficarsquo natildeo apenas de pessoas mas tambeacutem de bens ndash as taxas de produ-

ccedilatildeo deveriam ser iguais agraves taxas de depreciaccedilatildeo em niacuteveis elevados ou

baixosrdquo

(4) A Natureza preserva a biodiversidade e os serviccedilos ecossistecircmicos Natildeo eacute

possiacutevel sustentar de forma indefinida o metabolismo de uma sociedade

que degrada o ambiente Deve repensar-se a forma de interagir com a

Natureza respeitando os limites biofiacutesicos aplicando criteacuterios de sustenta-

bilidade e de justiccedila distributiva Seraacute necessaacuteria a introduccedilatildeo de novos

paradigmas que permitam respeitar as diversas cosmovisotildees e adotar

uma perspectiva ecocecircntrica

(5) A Natureza controla o tamanho populacional e o uso dos recursos No An-

tropoceno a cidade virou o entorno ldquopoacutes-naturalrdquo por excelecircncia do ser

humano Esse ambiente artificial do anthropos foi construiacutedo sem respeitar

limites ou fronteiras biofiacutesicas e foi orientado por um crescimento desor-

ganizado uma cultura do desperdiccedilo a extraccedilatildeo de recursos naturais sem

criteacuterios de prevenccedilatildeo e uma distribuiccedilatildeo desigual do espaccedilo e da ri-

queza O metabolismo das polis a sua interaccedilatildeo e a sua estrutura deman-

dam muita energia recursos e ainda provoca racismos ecoloacutegicos O

EED exige repensar as cidades de forma que sejam transformadas em es-

paccedilos resilientes que respeitem a Natureza e que busquem uma equidade

social

Esses cinco paracircmetros natildeo satildeo taxativos apenas exemplos das liccedilotildees

que podemos extrair da Natureza para orientar uma sociedade mais susten-

taacutevel Junto com essas orientaccedilotildees o Antropoceno exige uma Ecoeacutetica capaz

de orientar uma cidadania ecoloacutegica solidaacuteria e responsaacutevel com um ldquooutrordquo

ndash soacutecio-diversidade biodiversidade ecossistemas Natureza Terra ndash que o du-

alismo redutor distanciou do nosso cotidiano estabelecendo uma diferenccedila

codificada Leite e Ayala explicam que essa cidadania deveraacute ser exercida

em termos planetaacuterios e transfronteiriccedilos Essa necessidade justifica-se natildeo

apenas pela integralidade do ambiente e dos interesses relacionados mas

tambeacutem pela globalidade da crise ecoloacutegica (LEITE AYALA 2004)

Nesse contexto a sustentabilidade ecoloacutegica a partir de um princiacutepio

sistecircmico aparece como um criteacuterio normativo para reconstruir a ordem eco-

nocircmica problematiza e questiona as formas de conhecimento os valores so-

ciais e as bases da produccedilatildeo Dentro dessa perspectiva os limites biofiacutesicos

que permitem o equiliacutebrio ecoloacutegico seratildeo pontos de partida para o desen-

volvimento humano (LEFF 2006 p 133-134)

O Professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Joseacute Ru-

bens Morato Leite (2008) explica que o Estado Ecoloacutegico eacute um conceito de

cunho teoacuterico abstrato que compreende elementos juriacutedicos sociais e poliacuteti-

cos que busca uma condiccedilatildeo ecoloacutegica capaz de favorecer a harmonia en-

tre ecossistemas e consequentemente garantir a plena satisfaccedilatildeo da digni-

dade em sentido amplo aleacutem da dimensatildeo humana

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

161

1022 Paracircmetros indispensaacuteveis para a construccedilatildeo do

Estado Ecoloacutegico de Direito

O debate sobre o Estado Ecoloacutegico de Direito vem crescendo desde

segunda deacutecada do seacuteculo XXI e deveraacute ganhar ainda mais forccedila no con-

texto Poacutes-COVID-19

Como antecedente relevante para as reflexotildees sobre o assunto eacute im-

portante destacar que em abril de 2016 no Rio de Janeiro foi organizado o

Primeiro Congresso Mundial de Direito Ambiental da UICN No evento foi ado-

tada a ldquoDeclaracioacuten Mundial acerca del Estado de Derecho en materia am-

bientalrdquo Nesse documento alertou-se que a inexistecircncia de um Estado Ecoloacute-

gico e a falta de efetividade dos direitos e obrigaccedilotildees legais ambientais po-

deria tornar arbitraacuterias subjetivas e imprevisiacuteveis a boa governanccedila a conser-

vaccedilatildeo e a proteccedilatildeo ambiental (UICN 2016)

A Declaraccedilatildeo da UICN (2016 p1) destaca que ldquola humanidad coexiste

con la naturaleza y que toda forma de vida depende de la integridad de la

biosfera y de la interdependencia de los sistemas ecoloacutegicosrdquo No apartado

segundo (II) satildeo reconhecidos treze princiacutepios ndash generais e emergentes ndash para

o EED Esses princiacutepios satildeo paracircmetros orientadores que em siacutentese determi-

nam

1 O reconhecimento intriacutenseco do valor da Natureza aleacutem de qualquer fi-

nalidade utilitarista Esse reconhecimento exige o dever de todos ndashEstado

entidades cidadatildeos ndash de proteger a Natureza respeitando os limites bi-

ofiacutesicos a sua capacidade de resiliecircncia e a evoluccedilatildeo dos processos eco-

loacutegicos

2 O direito humano a um ambiente ecologicamente equilibrado com uma

dimensatildeo intra e intergeracional

3 Consolidar o direito ambiental adotando uma responsabilidade pros-

pectiva capaz de estabelecer normas de proteccedilatildeo e restauraccedilatildeo que

permitam manter e melhorar a resiliecircncia dos ecossistemas Destaca-se a

funccedilatildeo ecoloacutegica da propriedade

4 Aplicar o Princiacutepio In Dubio Pro Natura nos diferentes processos de deci-

satildeo quando exista duvida sobre o risco ou perigo ambiental

5 O caraacuteter integrador pluralista multicultural e holiacutestico do EED promo-

vendo a igualdade de geacutenero a participaccedilatildeo de grupos minoritaacuterios e

vulneraacuteveis e o reconhecimento dos direitos dos povos indiacutegenas e tri-

bais

6 A importacircncia dos princiacutepios de proibiccedilatildeo de retrocesso e da progressivi-

dade para garantir e melhorar as normas juriacutedicas ambientais e o aceso

agrave justiccedila com apoio dos conhecimentos cientiacuteficos mais recentes

Da leitura dos princiacutepios dessa Declaraccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que o EED

deveraacute ter como fundamento a ideia de uma sustentabilidade forte que

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

162

tendo como base o equiliacutebrio ecoloacutegico seja capaz de criar normas com pa-

racircmetros claros fundamentadas no conhecimento cientiacutefico e orientadas

pelo uso equitativo e racional da Natureza respeitando o seu valor intriacutenseco

e os limites biofiacutesicos Uma nova racionalidade ambiental exige a legitimaccedilatildeo

de novos valores novos direitos e novos criteacuterios na tomada de decisotildees de-

mocraacuteticas que permitam novas poliacuteticas ambientais O desafio da sustenta-

bilidade ambiental forte eacute questionar a realidade hegemocircnica construiacuteda so-

bre uma racionalidade que desconsiderou os limites biofiacutesicos como pressu-

posto base do desenvolvimento humano

1023 Desafios para o Estado Ecoloacutegico de Direito

A complexidade ecoloacutegica exige uma poliacutetica no Antropoceno que es-

truture um EED fundamentado numa sustentabilidade forte Esse novo modelo

de Estado orientado por paracircmetros como os estabelecidos na Declaraccedilatildeo

da UICN2016 deveraacute superar uma seacuterie de desafios dentre eles

(1) A Alfabetizaccedilatildeo ecoloacutegica Uma nova racionalidade ecoloacutegica exige

como explica Edgar Morin que a humanidade seja vista de uma forma

mais holiacutestica O ser humano eacute indiviacuteduo espeacutecie coletivo e parte de uma

comunidade planetaacuteria A sustentabilidade como paradigma poacutes-mo-

derno deveraacute partir de um pensamento complexo construiacutedo a partir de

um processo comprometido de educaccedilatildeo ecoloacutegica Nesse contexto eacute

necessaacuteria a articulaccedilatildeo poliacutetica e juriacutedica para introduzir o componente

ecoloacutegico ao longo do processo educativo formando uma cidadania

ecoloacutegica na qual os indiviacuteduos enxerguem as suas accedilotildees privadas como

peccedilas que formam parte de um dominoacute maior e interdependente Assim

respeitar a Natureza deveraacute ter um incentivo eacutetico e natildeo apenas uma mo-

tivaccedilatildeo orientada por um sistema de mecanismos sancionatoacuterios ou de

caraacuteter econocircmico Essa cidadania deveraacute estar direcionada pela ideia

de responsabilidade natildeo reciacuteproca solidaacuteria com um outro normalmente

invisibilizado pelo atual modelo de desenvolvimento A alfabetizaccedilatildeo eco-

loacutegica permitiraacute o reconhecimento do valor intriacutenseco da Natureza e o re-

conhecimento de novos paradigmas Este primeiro desafio topa com a di-

ficuldade da urgecircncia de uma consciecircncia planetaacuteria ecoloacutegica diante

da crise civilizatoacuteria do Antropoceno e da lentidatildeo para consolidar esse

processo educativo

(2) O combate da corrupccedilatildeo e o fortalecimento da institucionalidade ambi-

ental Este segundo desafio se depara com o fenoacutemeno da irresponsabili-

dade organizada num sistema que adota discursos ambientais fracos e

que na praacutetica funciona amparado por uma hipertrofia normativa ambi-

ental pouco efetiva

(3) Incentivar novas tecnologias que permitam migrar de uma economia mar-

rom para uma economia verde (desmaterializada) Esse desafio exige por

exemplo refletir sobre os sistemas tributaacuterios que raras vezes satildeo orienta-

dos pelo princiacutepio do poluidor-pagador

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

163

(4) Reconhecimento e fortalecimento dos direitos da sustentabilidade direitos

da Natureza miacutenimo existencial ecoloacutegico direito de ter um clima estaacutevel

direito agrave agua e ao saneamento baacutesico direito agrave seguranccedila alimentar

direitos procedimentais ambientais ndash informaccedilatildeo participaccedilatildeo e acesso agrave

justiccedila ndash direito a cidades resilientes dentre outros Diante das possiacuteveis di-

ficuldades no legislativo para o reconhecimento expresso desses direitos

um dos possiacuteveis caminhos para superar esse desafio seraacute a litigacircncia eco-

loacutegica

(5) Considerando esses desafios o EED deveraacute ser projetado numa dimensatildeo

ecoloacutegica (FENSTEISEIFER 2008) capaz de permitir a efetividade dos direitos

da sustentabilidade incentivando o debate de novos paradigmas capa-

zes de garantir o respeito dos limites biofiacutesicos da Natureza e garantir a

sauacutede e a vida em sentido amplo Nesse sentido os direitos da sustentabi-

lidade satildeo paracircmetros requisitos sine qua non para a efetividade de todos

os direitos fundamentais A vida as liberdades a educaccedilatildeo a sauacutede o

trabalho o desenvolvimento e todos os outros direitos soacute satildeo possiacuteveis num

ambiente equilibrado

(6) Repensar os modelos de governanccedila para permitir a efetividade das nor-

mas ambientais O fortalecimento da Governanccedila Ecoloacutegica Global de-

veraacute estar acompanhado do protagonismo da sociedade civil na tomada

de decisotildees relevacircncia ecoloacutegica No acircmbito internacional os organismos

de governanccedila ambiental formam parte de estruturas do seacuteculo XX an-

coradas numa visatildeo herdada da primeira modernidade ndash simples lineal

industrial ndash fundamentada na sociedade dos Estados-Naccedilotildees Existem pro-

gramas e foros pouco articulados processos obsoletos para tomar deci-

sotildees e acordos globais sem financiamento e sem capacidade de enfor-

cement

A pandemia da COVID-19 deixou em evidecircncia a falta de articulaccedilatildeo

global e a incapacidade de adotar medidas de contingecircncia diante dos ris-

cos ecoloacutegicos do Antropoceno A complexidade ecoloacutegica os efeitos siner-

geacuteticos dos problemas ecoloacutegicos exigem repensar esse modelo de gover-

nanccedila com o objetivo de refletir sobre uma nova arquitetura institucional eco-

loacutegica global soacutelida e capaz de entender que o mundo atual do Antropo-

ceno eacute mais que a simples soma de paiacuteses O novo modelo de governanccedila

deveraacute contar com capacidade de articulaccedilatildeo recursos financeiros estaacuteveis

poder normativo e capacidade de enforcement

Dentro de essa linha de accedilotildees o Direito a partir de una perspectiva de

pensamento complexo deveraacute redefinir os seus esquemas tradicionais para

ser capaz de superar o oximoro do desenvolvimento sustentaacutevel que orienta

os seres humanos a degradar o ambiente para poder crescer economica-

mente A complexidade ecoloacutegica exige que o Direito permita e facilite o di-

aacutelogo transdisciplinar de forma que as orientaccedilotildees e decisotildees juriacutedicas te-

nham apoio de diversos saberes e adoptem uma visatildeo prospectiva pluralista

e com um caraacutecter mais preventivo que repressivo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

164

O Direito tem um papel fundamental na transiccedilatildeo para uma sociedade

sustentaacutevel por exemplo orientando uma mudanccedila radical nas poliacuteticas tri-

butarias adotando uma Reforma fiscal verde fundamentada na Teoria do

duplo dividendo que permita modificar a carga fiscal estruturada para favo-

recer uma economia marromndash que onera o trabalho e o capital ndash para una

tributaccedilatildeo extrafiscal que incentiva atividades ecologicamente corretas e au-

menta a carga tributaacuteria de bens e serviccedilos com maior impacto sobre a Na-

tureza (PERALTA 2014)

Sobre o tema Daly (2005 p 97) afirma que

Um governo preocupado com o uso mais eficiente de recursos natu-

rais mudaria o alvo de seus impostos Em vez de taxar a renda aufe-

rida por trabalhadores e empresas (o valor adicionado) tributaria o

fluxo produtivo (aquele ao qual eacute adicionado valor) de preferecircncia

no ponto em que os recursos satildeo apropriados da biosfera o ponto

de extraccedilatildeo da Natureza

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A pandemia da COVID-19 declarada pela OMS em marccedilo de 2020

mostra que no Antropoceno temos uma complexa engrenagem de crises que

exigem um olhar atento e sistecircmico A atual crise sanitaacuteria e econocircmica que

vive a sociedade de risco encontra sua causa imediata numa doenccedila zoonoacute-

tica originada na cidade de Wuhan na China No entanto o paradigma da

complexidade permite entender que essa crise tem causas mais profundas

originadas por um oximoro um modelo de desenvolvimento fundamentado

numa sustentabilidade fraca que entende crescimento econocircmico como si-

nocircnimo de bem-estar desconsiderando os limites biofiacutesicos

A visatildeo sistecircmica do problema exige atacar as causas da pandemia e

natildeo apenas os sintomas Uma possiacutevel vacina a ser aplicada em 2021 seraacute

uma resposta imediata para a crise global sanitaacuteria instalada pela COVID-19

mas apenas uma das medidas que deveratildeo ser adotadas A soluccedilatildeo seraacute mais

profunda e complexa e passa pelo compromisso do homo sapiens de adotar

um novo contrato social capaz de reestruturar o modelo de desenvolvimento

de forma que respeite os limites biofiacutesicos e permita adotar uma sustentabili-

dade ambiental forte equitativa e solidaacuteria Sem duacutevida esse novo compro-

misso exige adotar uma eacutetica ecoloacutegica que seja capaz de pensar em novos

paradigmas epistemoloacutegicos mais integradores

No contexto de confinamento como afirma Edgar Morin o desconfina-

mento mental eacute necessaacuterio e exige refletir sobre o processo de distanciamento

do ser humano com a Natureza e as consequecircncias da alienaccedilatildeo da socie-

dade do Antropoceno As liccedilotildees dos primeiros seis meses da pandemia satildeo um

convite para debater sobre a necessaacuteria metamorfose da sociedade Os pro-

blemas e riscos ecoloacutegicos que caracterizam o Antropoceno exigem um EED

que fundamentado em novos valores e orientado por um pensamento com-

plexo de sustentabilidade ecoloacutegica forte seja capaz de estabelecer uma

nova relaccedilatildeo do ser humano para com a Natureza relaccedilatildeo pautada pelo

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

165

respeito dos limites biofiacutesicos do planeta e orientada pelo pluralismo os direi-

tos da sustentabilidade a solidariedade e o respeito pela diferenccedila Conse-

quentemente esse modelo deveraacute objetivar uma sociedade de baixa entro-

pia mais equitativa responsavelmente organizada para superar a crise civili-

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A RELACcedilAtildeO JURIacuteDICA AMBIENTAL

CONTINUATIVA E A IMPRESCRITIBILIDADE

DA PRETENSAtildeO PELA REPARACcedilAtildeO CIVIL DE

DANO AMBIENTAL

anaacutelise do Recurso Extraordinaacuterio nordm

654833 do STF ndash interpretaccedilotildees

epistemoloacutegicas sob o vieacutes da

complexidade

Germana Parente Neiva Belchior1

Iasna Chaves Viana2

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 111 Do Estado de Direito Ambiental para o

Estado de Direito Ecoloacutegico rupturas necessaacuterias frente a crise eco-

loacutegica 112 O pensamento complexo como vieacutes epistemoloacutegico

para interpretaccedilatildeo dos danos ambientais pelo Direito 1121 Danos

ambientais e responsabilidade civil preventiva em mateacuteria ambien-

tal 1122 A relaccedilatildeo juriacutedica ambiental continuativa 113 A impres-

critibilidade da pretensatildeo civil de dano ambiental anaacutelise do RE nordm

654833 do STF Consideraccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

Eacute comum a grande quantidade de conceitos juriacutedicos indeterminados

na legislaccedilatildeo ambiental a iniciar pelo proacuteprio conceito de meio ambiente

sendo o inteacuterprete e o aplicador cada vez mais demandado Apesar de sua

indeterminaccedilatildeo haacute sempre uma zona de certeza negativa (o que natildeo eacute) e

positiva (o que eacute) em que eacute possiacutevel o controle para afastar as interpretaccedilotildees

1 Doutora em Direito Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSCSC)

Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Cearaacute (UFCCE) Professora

do Curso de Direito e do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Direito do Centro Universitaacuterio 7

de Setembro (UNI7CE) Liacuteder do Grupo de Pesquisa Ecomplex Direito Complexidade e

Meio Ambiente da UNI7CE cadastrado no CNPQ

E-mail germana_belchioryahoocombr

2 Mestre em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Especialista em Direito

Tributaacuterio pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributaacuterios (IBETSP) Vice-liacuteder do Grupo de Pes-

quisa Ecomplex Direito Complexidade e Meio Ambiente da UNI7CE e Membro do Grupo

de Pesquisa em Tributaccedilatildeo Ambiental (UFCCE) ambos cadastrados no CNPQ Professora

e Advogada E-mail iasnavianayahoocombr

11

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

168

e aplicaccedilotildees incorretas embora sempre permaneccedila uma zona de penumbra

de incerteza que eacute insindicaacutevel

O conhecimento cientiacutefico eacute progressivo mutante volaacutetil A racionali-

dade claacutessica eacute limitada agrave Ciecircncia do ldquohojerdquo Avanccedilos no entanto natildeo pa-

ram tendo em vista o desenvolvimento tecnoloacutegico e a ambiccedilatildeo humana

Notadamente o estudo da seguranccedila juriacutedica se faz alvo emergencial da

academia uma vez que se vincula diretamente agrave proacutepria razatildeo de ser do Di-

reito retratada como a busca do bem comum e da estabilidade das relaccedilotildees

sociais

Uma zona de incerteza e uma margem de indeterminaccedilatildeo no conte-

uacutedo das normas ambientais eacute algo natural e o cientista e aplicador do Direito

Ambiental devem estar conscientes disso a fim de refletir sobre mecanismos

de preenchimento destes conteuacutedos

Natildeo haacute como engessar o meio ambiente pois como sistema que o eacute

estaacute submetido aos princiacutepios da autoeco-organizaccedilatildeo e sistecircmico dando

azo agrave inseguranccedila Por outro lado a desordemordemorganizaccedilatildeo satildeo situ-

accedilotildees em que a proacutepria Fiacutesica e a Matemaacutetica explicam que decorrem simul-

taneamente Natildeo haacute seguranccedila sem inseguranccedila o proacuteprio sistema tem me-

canismos de se regular motivo pelo qual o estudo da relaccedilatildeo juriacutedica no Di-

reito Ambiental se mostra pertinente fortalecendo a ideia de sua continui-

dade

Considerando esse contexto reconhece-se que a jurisprudecircncia exerce

uma tarefa fundamental na solidificaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo de todas as peculiari-

dades que circundam o Direito Ambiental Nesse sentido o objetivo deste ar-

tigo eacute investigar a decisatildeo do STF no Recurso Extraordinaacuterio nordm 654833 do STF

avaliando como e que medida o entendimento da Corte se posiciona aberto

ao pensamento complexo e em especial agrave relaccedilatildeo juriacutedica ambiental con-

tinuativa

A pergunta que a pesquisa enfrenta eacute Como e em que medida a tese

da relaccedilatildeo juriacutedica ambiental continuativa pode ser utilizada como funda-

mento da decisatildeo do STF no RE nordm 654833 que reconheceu a imprescritibili-

dade da pretensatildeo civil de dano ambiental O trabalho utilizou pesquisa de

natureza qualitativa com fontes bibliograacuteficas e por meio do meacutetodo indutivo

e estudo de caso analisou caso do STF para analisar se a relaccedilatildeo juriacutedica con-

tinuativa como fundamento da imprescritibilidade do dano ambiental pode

ser extraiacuteda da argumentaccedilatildeo da decisatildeo da Corte

O trabalho estaacute dividido em trecircs partes aleacutem da introduccedilatildeo e das con-

sideraccedilotildees finais Em um primeiro momento seraacute analisada como se deu a

evoluccedilatildeo do Estado de Direito Ambiental para o Estado de Direito Ecoloacutegico

a partir de rupturas necessaacuterias frente a crise ecoloacutegica Em seguida apre-

senta-se o pensamento complexo como vieacutes epistemoloacutegico para interpreta-

ccedilatildeo dos danos ambientais pelo Direito evidenciando a questatildeo dos danos e

da responsabilidade civil preventiva bem como a relaccedilatildeo juriacutedica ambiental

continuativa Por fim o trabalho analisa o RE que tratou da imprescritibilidade

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

169

da pretensatildeo civil de dano ambiental sob o foco da relaccedilatildeo juriacutedica ambien-

tal continuativa

111 DO ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL PARA O ESTADO DE

DIREITO ECOLOacuteGICO

rupturas necessaacuterias frente a crise ecoloacutegica

Os recursos naturais foram utilizados pelo homem durante seacuteculos de

maneira ilimitada e utilitarista para fomentar o poder e a economia de na-

ccedilotildees notadamente focadas no pensamento desenvolvimentista de teor claacutes-

sico O homem explora a natureza sem se dar conta de que eacute parte dela

prejudicando o meio que o cerca e a si mesmo A concentraccedilatildeo da popula-

ccedilatildeo e a escalada de aglomeraccedilatildeo foram propiciando maior velocidade de

extraccedilatildeo dos recursos e fazendo com que o consumo dos insumos naturais

fosse cada vez mais acelerado A intervenccedilatildeo abusiva do homem desrespeita

os ciclos da natureza sem lhe dar tempo e condiccedilotildees para recomposiccedilatildeo

Nessa toada o crescimento das necessidades de mateacuterias-primas e de ener-

gia para atender agraves demandas de produccedilatildeo e de consumo crescentes com-

promete os limites fiacutesicos do Planeta pondo em risco o meio ambiente saudaacute-

vel e equilibrado

A crise ecoloacutegica deflagrada com o desenvolvimento da tecnociecircncia

do incremento industrial e das formas de organizaccedilatildeo e gestatildeo econocircmica

das sociedades gera conflitos com a qualidade de vida (LEITE AYALA 2020

p 9) e riscos Assim a sociedade atual caracterizada por Beck como socie-

dade de risco tem pilares trecircmulos devido aos perigos e riscos advindos do

desenvolvimento industrial e tecnoloacutegico (BECK 2011 p 13) Os riscos satildeo de

vaacuterias dimensotildees (sociais econocircmicos ambientais) satildeo transfronteiriccedilos e

marcados pela inseguranccedila e incerteza A pluralidade de riscos criada pela

sociedade eacute muitas vezes absorvida pela proacutepria natureza ou controlada por

alguns de seus mecanismos Para Beck eacute possiacutevel a identificaccedilatildeo do iniacutecio das

cataacutestrofes ambientais mas difiacutecil eacute determinar seu fim (BECK 1995 p 61)

As alteraccedilotildees fiacutesicas no entorno na natureza e no Planeta confirmam o

cenaacuterio apontado pela teoria da era do Antropoceno Referida teoria desen-

volvida pelo cientista Paul Crutzen afirma que o modo como o ser humano

passou a lidar com o meio ambiente ensejou alteraccedilotildees nos aspectos naturais

do Planeta inaugurando mais uma era geoloacutegica como resultado da interfe-

recircncia humana na dinacircmica da Terra a chamada Era do Homem ou Antro-

poceno um novo periacuteodo em que se evidencia a relaccedilatildeo de interdependecircn-

cia da natureza com a sociedade como geradora dos impactos ambientais

no clima na composiccedilatildeo atmosfeacuterica e no ritmo de extinccedilatildeo de espeacutecies

(CRUTZEN 2002 p 23)

Percebe-se que a crise ecoloacutegica atual eacute fruto de uma racionalidade

utilitarista da natureza e preocupada principalmente com o crescimento

econocircmico A ideia de que o meio ambiente eacute um instrumento agrave disposiccedilatildeo

do ser humano e dos interesses do mercado fundamenta um paradigma que

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

170

precisa ser reconstituiacutedo (LEFF 2006 p 129) Nesse tipo de concepccedilatildeo positi-

vista tecnicista estatildeo excluiacutedas as inquietaccedilotildees relacionadas ao sentido e ao

valor de tudo o que circunda a vida Os problemas como extinccedilatildeo de espeacute-

cies da flora e da fauna poluiccedilatildeo da aacutegua do solo e do ar e doenccedilas que

afetam a sauacutede satildeo consequecircncia de uma racionalidade claacutessica em que os

homens satildeo os senhores e possuidores da natureza A preservaccedilatildeo de um am-

biente sadio entretanto estaacute ligada agrave continuidade de vida na Terra vida em

todas as suas modalidades uma vez que os danos agrave natureza atingem a vida

humana da atual geraccedilatildeo e a de todos os seres vivos em caraacuteter intergeraci-

onal A natureza fala (AKATU on line) Um novo modelo de sociedade e de

Estado clama pela integraccedilatildeo das questotildees ecossistecircmicas em sua base

O Direito como instrumento indutor de mudanccedilas sociais por intermeacute-

dio de mecanismos proacuteprios tem criado em diversos paiacuteses normas de prote-

ccedilatildeo ambiental sob a influecircncia tambeacutem de muitos dos movimentos internaci-

onais ambientalistas e da doutrina ambiental estimulando a adoccedilatildeo de nor-

mas protetivas pelos Estados

Assim o direito constitucional brasileiro vigente foi constituiacutedo a partir de

um paradigma preponderantemente antropocecircntrico de proteccedilatildeo juriacutedica

do meio ambiente Essa perspectiva de anaacutelise das questotildees ambientais en-

tretanto tolera os danos Ela eacute operacionalizada atraveacutes do controle de litiacutegios

e de gestatildeo de juridicidade do dano consumado dentro de uma loacutegica de

apropriaccedilatildeo da natureza com uma base civilista e que natildeo respeita os valores

ecoloacutegicos Tem uma base legalista fortemente influenciada pelas forccedilas eco-

nocircmicas dominantes e uma base civilista que apesar de se fundamentar em

valores como o da dignidade da pessoa humana se volta a preceitos mera-

mente patrimonialistas Com tudo isso o Direito ambiental vigente natildeo tem

sido suficientemente apto para reverter o cenaacuterio de destruiccedilatildeo progressiva

da natureza Percebe-se a existecircncia de uma lacuna das normas ambientais

para a realidade refletindo verdadeira discrepacircncia entre o que estaacute posto e

o que tem sido efetivamente concretizado Eacute o estado teatral descrito por Ben-

jamin em que a lei por si soacute natildeo se resolve O Estado teatral apenas regulador

precisa ser um estado implementador (BENJAMIN 2010) O paradigma atual

eacute dicotocircmico e natildeo condiz com a concepccedilatildeo da ciecircncia contemporacircnea

que sobreleva os limites ecoloacutegicos em perspectiva global Natildeo haacute necessi-

dade de produccedilatildeo de mais normas mas sim de uma interpretaccedilatildeo mais inter-

conectada com as questotildees em prol do bem estar ambiental Haacute ainda ne-

cessidade de uma nova eacutetica global ecoloacutegica e que alcance outros seres

natildeo humanos (JONAS 2006)

De tal forma a ecologizaccedilatildeo do Direito se funda em uma preacute-compre-

ensatildeo da complexidade social e ecossistecircmica para a proteccedilatildeo da natureza

conhecendo os objetivos de uma sustentabilidade mais forte e proteccedilatildeo dos

serviccedilos ecoloacutegicos essenciais internalizando os custos das externalidades ne-

gativas em escala planetaacuteria O Direito Ecoloacutegico pressupotildee proteccedilatildeo dos va-

lores intriacutensecos da natureza respeitando o direito de todos os seres vivos fora

de uma abordagem do capital extremado e da loacutegica do hiperconsumo que

afeta vulneraacuteveis inclusive os proacuteprios seres humanos (LEITE AYALA 2020)

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

171

Patente a necessidade de construccedilatildeo de uma nova racionalidade tam-

beacutem juriacutedica que busque alinhar uma Epistemologia ambiental a partir da

complexidade ressalte-se sem a pretensatildeo de excluir o pensamento tradicio-

nal mas como forma de complementaacute-lo e contribuir de alguma forma para

o Direito Ecoloacutegico

112 O PENSAMENTO COMPLEXO COMO VIEacuteS EPISTEMOLOacuteGICO

PARA INTERPRETACcedilAtildeO DOS DANOS AMBIENTAIS PELO DIREITO

A crise ambiental revela a complexidade em seus limites pela sua ne-

gatividade pela alienaccedilatildeo e pela ldquoincerteza do mundo economizado que foi

arrastado por um processo incontrolaacutevel e insustentaacutevel de produccedilatildeordquo (LEFF

2010 p16)

Nessa ordem de ideias constata-se que os problemas do homem con-

temporacircneo necessitam de uma nova perspectiva harmonizadora com o

meio em que se vive Faz-se necessaacuterio repensar a realidade da crise ambien-

tal ante agraves incertezas da Poacutes-Modernidade e da Sociedade de Risco como

propotildee Edgar Morin por intermeacutedio dos princiacutepios por ele idealizados pela Te-

oria do Complexus Para o autor o Pensamento Complexo abrange princiacutepios

de disjunccedilatildeo de conjunccedilatildeo e de implicaccedilatildeo e dessa forma o conhecimento

passa a ser construiacutedo por intermeacutedio de loacutegicas de complementaccedilatildeo e ex-

clusatildeo gerando ordem e desordem reconhecendo ainda a relaccedilatildeo de in-

terdependecircncia entre causas e consequecircncias (PAacuteDUA MATALLO JR 2008

p 24)

A complexidade almeja o conhecimento multidimensional respeitando

as dimensotildees do objeto estudado articulando as informaccedilotildees com outras dis-

ciplinas com a consciecircncia de que nem tudo estaacute pronto e acabado Admi-

tindo a incerteza referida teoria se caracteriza por um processo de descons-

truccedilatildeo e reconstruccedilatildeo do pensamento como tentativa de compreensatildeo de

suas causas analisando os erros das certezas do mundo (LEFF 2010 p16) Pelo

fato de natildeo se propor agrave apresentaccedilatildeo de uma resposta absoluta propotildee a

articulaccedilatildeo o relacionamento e conexatildeo de fatores como um porvir

Vale registrar duas advertecircncias i) a ciecircncia por meio da complexidade

natildeo eacute substituiccedilatildeo da diferenccedila pelo holismo (FOLLONI 2013 p 335) nem cri-

accedilatildeo de um tipo de totalitarismo epistemoloacutegico (MORIN 2005 p 490) ii) o

pensamento complexo natildeo pretende eliminar o pensamento simplista (MO-

RIN 2011 p 6) este continuaraacute a existir e naquilo em que houver incomple-

tude a complexidade auxiliaraacute complementando

A complexidade aplicada agraves relaccedilotildees ecoloacutegicas permite uma anaacutelise

de que determinados fatos satildeo causa e consequecircncia de outros porque

existe uma cadeia infinita de relaccedilotildees envolvendo isso Assim a aplicaccedilatildeo da

complexidade para o estudo do Direito Ambiental pode contribuir para uma

nova racionalidade juriacutedica ambiental A discussatildeo em torno da ciecircncia da

poacutes-modernidade da Sociedade de Risco e da complexidade influenciam di-

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

172

retamente o Direito Ecoloacutegico e este sem duacutevida eacute ontologicamente com-

plexo (BELCHIOR 2017) O paradigma da complexidade eacute nesse sentido re-

levante por natildeo se contentar com a linearidade porque adota princiacutepios que

ligam o conhecimento das partes com o todo valorizam a retroalimentaccedilatildeo

entre causa e efeito e as relaccedilotildees das instituiccedilotildees com o ecossistema a que

pertencem3

O Direito ainda preso a determinados dogmas e instrumentos juriacutedicos

claacutessicos parece ficar a reboque dos riscos ambientais hodiernos natildeo conse-

guindo efetivamente equacionar o equiliacutebrio ambiental Uma nova forma de

encarar os riscos ambientais pode contribuir na construccedilatildeo de outras alterna-

tivas que diminuam as lacunas existentes

Muito pertinente o estudo do Direito Ecoloacutegico sob o vieacutes do Pensa-

mento Complexo significativamente concebido como alternativa de repen-

sar a realidade e rediscutir a ciecircncia e ainda rompendo com a dinacircmica

juriacutedica formal procurar ainda estabelecer um diaacutelogo de saberes entre o ins-

tituto da responsabilidade civil a relaccedilatildeo juriacutedica ambiental continuativa e a

questatildeo da imprescritibilidade da pretensatildeo civil dos danos ambientais

1121 Danos ambientais e responsabilidade civil preventiva

em mateacuteria ambiental

Institutos juriacutedicos inspirados em necessidades interindividuais satildeo aplica-

dos a questotildees ambientais que tecircm consequecircncias difusas Os danos ambien-

tais enfrentados na sociedade de risco do Antropoceno e o fenocircmeno da

ecologizaccedilatildeo do Direito justificam uma comunicaccedilatildeo ecoloacutegica juriacutedica mais

intensa agrave responsabilidade civil

A responsabilidade civil tradicional transportada do Direito claacutessico vis-

lumbra o dano concreto e natildeo considera os riscos e incertezas proacuteprios da

crise ecoloacutegica nem se preocupa com suas origens Benjamin levanta razotildees

para a reconfiguraccedilatildeo do instituto para a prevenccedilatildeo dos danos ambientais

i) o ambiente natildeo eacute mais um recurso inesgotaacutevel e infinito eacute agora conside-

rado criacutetico e escasso por isso valorizado ii) o Direito Puacuteblico apenas usando

3 Cabe registrar resumidamente os sete princiacutepiosdiretivas desenvolvidas por Edgar Morin

cuja leitura pode ser aprofundada em suas diversas obras i) princiacutepio sistecircmico ou organi-

zacional (eacute insuficiente conhecer o todo sem o conhecimento das partes e vice-versa) ii)

princiacutepio hologramaacutetico (cada parte conteacutem a totalidade da informaccedilatildeo do objeto que

representa) iii) princiacutepio do ciacuterculo retroativo (natildeo haacute causalidade linear entre as causas e

os efeitos as causas agem sobre os efeitos e estes naquelas) iv) princiacutepio do ciacuterculo recur-

sivo (o produto e o efeito satildeo os proacuteprios produtores e causadores daquilo que os produz)

v) princiacutepio da autonomiadependecircncia ou princiacutepio ecoorganizacional (cada organismo

organizaccedilatildeo possui dependecircncia com o meio do qual se alimenta e sua autonomia de-

pende disso) vi) princiacutepio dialoacutegico (ordem e desordem se complementam e se excluem

da mesma forma que a existecircncia dos opostos auxiliam na melhor compreensatildeo um do

outro Um precisa do outro para concorrerem e se complementarem) vii) princiacutepio da rein-

troduccedilatildeo do conhecimento (ao se deparar com a problemaacutetica de como conhecer o

homem deve se reestruturar renovando o sujeito que conhece)

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

173

dos mecanismos comando-controle natildeo consegue protegecirc-lo de forma sufi-

ciente iii) apesar dos instrumentais de prevenccedilatildeo e precauccedilatildeo danos sempre

ocorreram em razatildeo do exerciacutecio de atividades iv) natildeo aplicar o instituto tem

um caraacuteter contraditoacuterio porque exonera o poluidor v) a constitucionalizaccedilatildeo

do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o dever de pro-

teccedilatildeo imposto a todos (Puacuteblico e privado) vi) uma maior preocupaccedilatildeo com

a viacutetima nota caracteriacutestica do Estado do Bem-Estar Social (BENJAMIN 1998

p 8-9)

O Direito ecologizado possui uma dimensatildeo mais ecocecircntrica e sistecirc-

mica da proteccedilatildeo ambiental voltada agraves futuras geraccedilotildees Tem ainda uma vi-

satildeo da necessaacuteria interconectividade dos problemas ambientais trata da au-

torregulaccedilatildeo dos processos ecoloacutegicos essenciais que possui leis proacuteprias e in-

dependem da vontade humana Tais premissas fundamentam uma nova re-

formulaccedilatildeo da responsabilidade civil para danos ambientais Por tal motivo os

princiacutepios do Direito Ecoloacutegico propiciam fundamentaccedilatildeo robusta para a for-

maccedilatildeo de um novo paradigma de responsabilizaccedilatildeo civil Referidos princiacutepios

merecem maior aprofundamento e podem ser melhor desenvolvidos em pes-

quisa futura mas interessa no momento listaacute-los princiacutepio da solidariedade

princiacutepio da sustentabilidade princiacutepio da cooperaccedilatildeo internacional princiacute-

pio da prevenccedilatildeo princiacutepio da precauccedilatildeo princiacutepio in dubio pro natura prin-

ciacutepio da informaccedilatildeo princiacutepio da participaccedilatildeo princiacutepio da educaccedilatildeo ambi-

ental princiacutepio do poluidor-pagador e do usuaacuterio-pagador princiacutepio do pro-

tetor-recebedor princiacutepio da gestatildeo integrativa do risco ambiental princiacutepio

da funccedilatildeo socioambiental da propriedade princiacutepio do miacutenimo existencial

ecoloacutegico princiacutepio da proibiccedilatildeo do retrocesso ecoloacutegico

Vale ressaltar que o Programa das Naccedilotildees Unidas para o Meio Ambi-

ente ndash PNUMA ainda em seu primeiro relatoacuterio em 2019 ratificou a existecircncia

de uma gama de normas de proteccedilatildeo ambiental a niacutevel constitucional e in-

fraconstitucional entretanto fraca no que se refere a atitudes efetivas e posi-

tivas para a proteccedilatildeo ambiental em vaacuterios paiacuteses refletindo a ausecircncia de

mecanismos de interrelaccedilatildeo ausecircncia de uma visatildeo sistecircmica e de interco-

nexatildeo entre os setores afetados pelas questotildees ambientais falta de capaci-

dade institucional mais acesso agrave informaccedilatildeo e mais espaccedilo agrave participaccedilatildeo

para que estabeleccedilam mais engajamento dos cidadatildeos (UNEP 2019) Re-

forccedila-se a necessidade de estruturaccedilatildeo de um Estado de Direito com leis mais

adequadas e efetivas que sejam implementadas por instituiccedilotildees confiaacuteveis

mais bem informadas engajadas e interconectadas com uma cultura que pri-

orize o bem ecoloacutegico e valores sociais Tais instrumentos contribuem para a

nova estruturaccedilatildeo da responsabilizaccedilatildeo pelos danos causados ao meio am-

biente mais preventiva precaucional e ecologizada

A realidade da era geoloacutegica do Antropoceno os riscos e as incertezas

proacuteprios dos danos ecoloacutegicos e a necessidade de respeitar a integridade dos

sistemas terrestres confirmam um reinventar do sistema da responsabilizaccedilatildeo

civil Os danos ambientais da atualidade carecem de um sistema especial de

responsabilidade civil ambiental dispensando grau de certeza tatildeo elevado

quanto o exigiacutevel para os danos comuns (BAHIA 2012 p 273) Percebe-se a

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

174

necessidade de uma comunicaccedilatildeo do risco com o Direito a partir da inserccedilatildeo

do futuro na reflexibilidade dos processos de decisatildeo juriacutedica (CARVALHO

2017 p 130) porque a sistematizaccedilatildeo do Direito com foco no passado natildeo

tem sido suficiente para a efetiva defesa do meio ambiente

1122 A relaccedilatildeo juriacutedica ambiental continuativa

Eacute fato que alguns institutos juriacutedicos comportam uma zona cinzenta em

seus conceitos O Direito eacute uma ciecircncia presa agrave questatildeo da previsibilidade dos

fatos e de suas consequecircncias Entretanto quando a doutrina se depara

frente a definiccedilatildeo de meio ambiente se percebe de iniacutecio alguma inconsis-

tecircncia O bem ambiental eacute alvo de alguma indeterminaccedilatildeo e mutabilidade

proacuteprias que demandam do aplicador do Direito um maior esforccedilo herme-

necircutico para a efetivaccedilatildeo das exigecircncias da juridicidade ambiental

Uma interpretaccedilatildeo conjunta dos artigos 3ordm I da Lei nordm 693881 e do 225

da CF88 permitem a compreensatildeo de que o meio ambiente abrange a in-

teraccedilatildeo de tudo o que eacute essencial agrave vida sejam as combinaccedilotildees fiacutesica quiacute-

mica e bioloacutegica seja a relaccedilatildeo entre elementos bioacuteticos e abioacuteticos enfim

todos os fatores naturais ou artificiais mas que satildeo essenciais agrave vida em todas

as suas formas (VIANA 2019 p 104)

Constata-se que os textos legais visam agrave preservaccedilatildeo ao abrigo e agrave

conservaccedilatildeo de todas as modalidades de vida (aspecto teleoloacutegico) sendo

resguardado o equiliacutebrio ecossistecircmico (conjunto de condiccedilotildees leis influecircn-

cias e interaccedilotildees de ordem quiacutemica fiacutesica e bioloacutegica) (RODRIGUES 2016 p

60)

O caput do art 225 da CF88 garante a todos o direito ao meio ambi-

ente ecologicamente equilibrado sendo este um bem de uso comum do

povo Todos entretanto tambeacutem satildeo responsaacuteveis pela sua conservaccedilatildeo e

preservaccedilatildeo para as presentes e futuras geraccedilotildees Identifica-se um direito a

ser tutelado a seus titulares e de igual modo em dever a ser cumprido

O objeto do direito tutelado eacute o meio ambiente ecologicamente equili-

brado (macrobem) que se concretiza quando a funccedilatildeo ecoloacutegica de todos

os microbens (elementos bioacuteticos e abioacuteticos) estiver protegida (RODRIGUES

2016 p 60)

O direito ambiental se circunscreve agrave consciecircncia do risco de finitude e

ao comprometimento da heranccedila legada agraves futuras geraccedilotildees atrelados agrave

responsabilidade do homem atual que tem o dever de garantir a manuten-

ccedilatildeo do bem ambiental (MARIN LUNELLI 2019 p 117)

Os componentes ambientais entretanto natildeo existem apenas para ser-

vir ao homem As agressotildees ao equiliacutebrio ecoloacutegico tambeacutem o afetam pelo

que lhe incumbe o dever de preservar os elementos que compotildeem e intera-

gem para o equiliacutebrio do meio ambiente do qual se ressalte ele proacuteprio eacute

parte (VIANA 2019 p 105)

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

175

Sob tal perspectiva o meio ambiente ecologicamente equilibrado cuja

complexidade eacute um fator natural integra a vida em todas as suas modalida-

des sistemas fatores ligaccedilotildees e conexotildees O meio ambiente eacute um sistema e

deve ser visto como tal na medida em que a indeterminaccedilatildeo e a mutabili-

dade de suas influecircncias endoacutegenas e exoacutegenas fazem com que o meio am-

biente como objeto de uma relaccedilatildeo juriacutedica se vincule aos sujeitos continu-

amente (BELCHIOR 2019 p 199) A relaccedilatildeo juriacutedica ambiental eacute continuativa

porque ela se projeta no tempo sua atuaccedilatildeo se prolonga podendo ainda

se deparar frente a modificaccedilotildees em circunstacircncias de fato ou direito quando

de sua prolaccedilatildeo (BELCHIOR 2019 p 213)

O sistema juriacutedico brasileiro assegura a possibilidade de relaccedilotildees juriacutedi-

cas continuativas como eacute o caso das accedilotildees de alimentos e de relaccedilotildees juriacute-

dicas tributaacuterias e previdenciaacuterias que tecircm como objeto obrigaccedilotildees homogecirc-

neas de trato sucessivo Tais relaccedilotildees satildeo definidas como continuativas pois

se referem a situaccedilotildees que natildeo se resolvem de modo instantacircneo envolvendo

prestaccedilotildees perioacutedicas e que se perpetuam ao longo do tempo desde que as

circunstacircncias do momento permaneccedilam as mesmas e encontram-se previs-

tas no art 505 inciso I da Lei nordm 1310520154 que instituiu o atual Coacutedigo de

Processo Civil (VIANA 2019 p 105)

Entretanto a noccedilatildeo de que a relaccedilatildeo ambiental eacute continuativa impotildee

revisitaccedilatildeo da ideia claacutessica de coisa julgada Assim a decisatildeo proferida em

processo ambiental desde que enfrente o meacuterito (vale dizer o pedido dedu-

zido em juiacutezo) tem aptidatildeo para gerar coisa julgada natildeo apenas formal5 mas

tambeacutem material A coisa julgada material que aiacute se forma contudo estaacute su-

jeita agrave claacuteusula rebus sic stantibus ndash como ocorre por exemplo com as accedilotildees

de alimentos ou com aquelas que dispotildeem a respeito da guarda de crianccedilas

e adolescentes Importa dizer que a decisatildeo judicial eacute insusceptiacutevel de revisatildeo

enquanto permanecerem as circunstacircncias de fato que ensejaram a sua pro-

4 De acordo com o art 505 inciso I da Lei nordm 13105 ldquoArt 505 Nenhum juiz decidiraacute nova-

mente as questotildees jaacute decididas relativas agrave mesma lide salvo I ndash se tratando-se de relaccedilatildeo

juriacutedica continuativa sobreveio modificaccedilatildeo no estado de fato ou de direito caso em que

poderaacute a parte pedir a revisatildeo do que foi estatuiacutedo na sentenccedilardquo

5 Tem-se por coisa julgada formal a impossibilidade de revisatildeo nos mesmos autos da deci-

satildeo que colocou fim agrave relaccedilatildeo processual por jaacute natildeo haver a possibilidade da utilizaccedilatildeo

de qualquer recurso A noccedilatildeo eacute usualmente associada apenas agraves decisotildees que natildeo en-

frentam o meacuterito A visatildeo eacute parcialmente equivocada Toda decisatildeo que potildee fim agrave relaccedilatildeo

processual e que jaacute natildeo desafia recurso faz coisa julgada formal Aquelas nas quais natildeo

houve exame de meacuterito fazem coisa julgada apenas formal Jaacute nos casos de decisotildees de

meacuterito a coisa julgada produzida eacute tanto formal quanto material (vale dizer natildeo haacute possi-

bilidade de revisatildeo da decisatildeo proferida nem naqueles nem em outros autos ndash ressalvada

por evidente a hipoacutetese de accedilatildeo rescisoacuteria) A respeito dos conceitos referidos veja-se

DIDIER JUacuteNIOR Fredie BRAGA Paula Sarno OLIVEIRA Rafael Alexandria de Curso de Di-

reito Processual Civil teoria da prova direito probatoacuterio accedilotildees probatoacuterias decisatildeo pre-

cedente coisa julgada e antecipaccedilatildeo dos efeitos da tutela 10 ed Salvador Jus Podvm

2015 p 516-518

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

176

laccedilatildeo De outro giro havendo alteraccedilatildeo na situaccedilatildeo de fato eacute possiacutevel revi-

satildeo daquilo que se decidiu ainda que por accedilatildeo proacutepria assim como eacute o caso

de accedilotildees de revisatildeo de alimentos ou de guarda (VIANA 2019 p 106)

Nas demandas ambientais continuativas por sua natureza vale racio-

ciacutenio semelhante A alteraccedilatildeo da circunstacircncia de fato apta a ensejar revisi-

taccedilatildeo da decisatildeo materialmente transitada em julgado pode decorrer da

constataccedilatildeo de que consequecircncias da conduta ambientalmente indesejaacutevel

somente puderam ser detectadas muito depois do tracircnsito em julgado da

accedilatildeo que visou a coibi-las seja porque tais consequecircncias somente foram co-

nhecidas posteriormente seja porque somente evoluccedilotildees ulteriores de novos

aportes tecnoloacutegicos permitiram sua detecccedilatildeo Torna-se assim preponderante

o reexame da questatildeo jaacute decidida sob pena de frustrar a proteccedilatildeo ao meio

ambiente (VIANA 2019 p 107)

Vale frisar que natildeo se trata de falar em ldquorelativizaccedilatildeo da coisa julgadardquo

O desenvolvimento de tal raciociacutenio eacute de revisitaccedilatildeo da coisa julgada face a

instabilidade e a verossimilhanccedila proacuteprias do bem ambiental que natildeo permite

engessamento do feito em razatildeo de ponderaccedilotildees argumentativas (MARIN

LUNELLI 2019 p 117)

A noccedilatildeo de racionalismo estaacutetico empregado ao modo de produccedilatildeo

do Direito padronizado e repetidor com vistas agrave normatizaccedilatildeo das decisotildees e

diminuiccedilatildeo das demandas processuais natildeo se coaduna ao caraacuteter transtem-

poral transfronteiriccedilo transdisciplinar e imprevisiacutevel das funccedilotildees ecoloacutegicas

Fatos novos alteraccedilotildees das circunstacircncias constataccedilatildeo de consequecircncias

posteriores agrave prolaccedilatildeo da sentenccedila novos aportes tecnoloacutegicos para aferi-

ccedilatildeo de danos justificam a utilizaccedilatildeo da claacuteusula rebus sic stantibus para revisi-

taccedilatildeo da coisa julgada em processos que envolvam o meio ambiente

A relaccedilatildeo juriacutedica ambiental por seu caraacuteter continuativo natildeo se res-

tringe a um indiviacuteduo apenas mas sim a sociedade a coletividade como um

todo Ela tambeacutem natildeo se esvai a um territoacuterio ou a um lugar apenas mas a

regiotildees Ademais natildeo se pode restringi-la ao momento do dano suas conse-

quecircncias podem vir a ser prolatadas no tempo Justifica-se a discussatildeo sobre

importante assunto para a doutrina ambiental a imprescritibilidade da pre-

tensatildeo civil em mateacuteria de danos ao meio ambiente como foi o caso de re-

cente julgado da jurisprudecircncia brasileira

113 A IMPRESCRITIBILIDADE DA PRETENSAtildeO CIVIL DE DANO

AMBIENTAL

anaacutelise do RE nordm 654833 do STF

A jurisprudecircncia eacute fundamental na solidificaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo dos desa-

fios enfrentados pelo Direito ecologizado Diante da realidade das demandas

que lhes satildeo apresentadas eacute papel dos juiacutezes e dos tribunais nacionais realiza-

rem a praacutetica reconstrutiva de sentidos miacutenimos com o intuito de efetivaccedilatildeo

de estruturas juriacutedico-racionais de legitimaccedilatildeo de determinaccedilatildeo de argu-

mentaccedilatildeo e de fundamentaccedilatildeo De forma ousada e criativa juristas tecircm se

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

177

libertado das amarras cartesianas e tecircm passado a lidar com as demandas

ecoloacutegicas demonstrando certo aprofundamento na interpretaccedilatildeo pelo vieacutes

da complexidade

O caso especiacutefico do RE nordm 654833 trata de Accedilatildeo Civil Puacuteblica ajuizada

pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal (MPF) em face de pessoas fiacutesicas e juriacutedicas ob-

jetivando a reparaccedilatildeo de danos materiais morais e ambientais decorrentes

de invasotildees em aacuterea indiacutegena ocupada pela comunidade Ashaninka-Kampa

do Rio Amocircnia situada no Acre as quais ocorreram entre os anos de 1981 a

1987 com a finalidade de extrair ilegalmente madeira de elevado valor de

mercado (mogno cedro e cerejeira) A accedilatildeo contou com a participaccedilatildeo da

Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (Funai) no polo ativo da lide

Na sentenccedila de primeira instacircncia os reacuteus foram condenados ao paga-

mento de valores a tiacutetulo indenizatoacuterio em razatildeo de quatro motivos o prejuiacutezo

material causado pela ldquogarimpagemrdquo iliacutecita de madeira nas terras da referida

comunidade indiacutegena durante o periacuteodo de 1981 a 1982 no tocante agrave ma-

deira extraiacuteda entre 1985 e 1987 por conta de danos morais em favor da co-

munidade indiacutegena Ashaninka-Kampa os quais deveriam ser geridos pela Fu-

nai e sob a fiscalizaccedilatildeo do MPF e outro valor a ser repassado ao Fundo de

Defesa de Direitos Difusos para custear a recomposiccedilatildeo ambiental Niacutetida po-

reacutem a associaccedilatildeo linear do instituto da responsabilidade civil agrave indenizaccedilatildeo

em pecuacutenia Foram interpostos recursos de apelaccedilatildeo com alegaccedilatildeo de pres-

criccedilatildeo da reparaccedilatildeo civil pelos danos ambientais de fatos ocorridos haacute tanto

tempo (anos 80) mas que natildeo prosperaram face decisatildeo do Tribunal Regional

Federal

Em instacircncia seguinte apoacutes interposiccedilatildeo de REsp para o STJ foi reco-

nhecida a imprescritibilidade da reparaccedilatildeo civil do dano ambiental (REsp

1120117-AC Rel Min Eliana Calmon) Por conta desta decisatildeo eacute que foi in-

terposto o RE nordm 654833 onde se alega que os fatos ensejadores da ACP ajui-

zada pelo MPF satildeo anteriores agrave promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 de-

vendo ser desconsiderada a loacutegica da imprescritibilidade e aplicado o prazo

prescricional de cinco anos previsto na Lei da Accedilatildeo Popular Nesse sentido

requereu-se subsidiariamente o reconhecimento da imprescritibilidade ape-

nas da reparaccedilatildeo do dano ao meio ambiente por se tratar de direito funda-

mental indisponiacutevel afastando-se a tese quanto agraves verbas indenizatoacuterias de

natureza patrimonial e moral

O Ministro Alexandre de Moraes reconhecendo a repercussatildeo geral do

tema afirmou em seu voto que ldquoa repercussatildeo geral inserta na controveacutersia eacute

indiscutiacutevel seja sob o acircngulo juriacutedico econocircmico ou social devido ao seu

impacto na seara das relaccedilotildees juriacutedicas as quais tecircm por pano de fundo a

pretensatildeo agrave reparaccedilatildeo civil cuja causa de pedir derive de danos causados

ao meio ambienterdquo (STF on line)

O acoacuterdatildeo relativo ao julgamento em questatildeo eacute motivo de comemora-

ccedilatildeo para aqueles que lutam em prol do meio ambiente A alegaccedilatildeo de se-

guranccedila juriacutedica processual e constitucional fatos consumados que funda-

mentam o paradigma claacutessico de coisa julgada natildeo podem ser aplicados aos

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

178

casos de e responsabilizaccedilatildeo civil por danos ao meio ambiente Em face das

propriedades de irreversibilidade cumulatividade indivisibilidade ubiquidade

e reflexibilidade dos danos ambientais os criteacuterios de tempo e espaccedilo preci-

sam ser ponderados de forma diferenciada das demandas que envolvem os

danos tradicionais A tese discutida no julgado perpassa pela ponderaccedilatildeo en-

tre os princiacutepios da seguranccedila juriacutedica que beneficia o autor do dano ambi-

ental diante da ineacutercia do Poder Puacuteblico e os princiacutepios constitucionais de pro-

teccedilatildeo preservaccedilatildeo e reparaccedilatildeo do meio ambiente que beneficiam toda a

coletividade

As lesotildees tradicionais afetam as pessoas suas personalidades ou ainda

interesses e bens particulares Na anaacutelise dos danos ambientais as consequecircn-

cias recaem sobre interesses difusos ou bens da coletividade ou de uso co-

mum do povo As lesotildees tradicionais satildeo atuais e locais Jaacute as ambientais se

apresentam em outra perspectiva podem ser futuras eventuais ou ainda cu-

mulativas entre geraccedilotildees Podem vir a ser ainda geograficamente distintas

como tambeacutem transfronteiriccedilas

O meio ambiente caracteriza-se pela interdependecircncia de seus ele-

mentos Nessa senda a alteraccedilatildeo de um elemento pode comprometer todo

o equiliacutebrio do sistema e desencadear efeitos gradativos do todo

O meacutetodo epistemoloacutegico da complexidade como proposta para uma

nova racionalidade juriacutedica para o Direito Ambiental pretende estudar a rea-

lidade dos elementos do meio ambiente sem excluir as partes do todo e ana-

lisar o todo como um conjunto das partes considerando ainda suas interaccedilotildees

mediante causalidade muacuteltipla e interconectada

Os danos ambientais possuem caraacuteter fluido muitas de suas consequecircn-

cias iratildeo se refletir muito tempo depois ateacute porque o meio ambiente tem a

capacidade de saturar um pouco de seus efeitos nocivos Alegar que o

tempo passou e que o Direito natildeo alberga a responsabilizaccedilatildeo de determina-

das danosidades natildeo serve para a proteccedilatildeo ambiental e natildeo caracteriza

uma justificativa firme Ademais eventuais ganhos financeiros decorrentes da

atividade econocircmica por mais vultosos que sejam natildeo autorizam degrada-

ccedilatildeo ambiental A responsabilidade civil ambiental em face da complexidade

da vida moderna e da multiplicidade de fatos catastroacuteficos demanda que

aquele que danifica o meio ambiente assuma o dever juriacutedico de reparaacute-lo

integralmente com base em princiacutepios de justiccedila e de equidade pois o bem

ambiental eacute bem juriacutedico fundamental (PEREIRA SILVA 2020 p 78) Argumen-

tos desse jaez natildeo merecem guarida porque de fato os danos ambientais natildeo

satildeo facilmente mensurados como se faz com os objetos de mercado Analisaacute-

los sob o criteacuterio econocircmico generaliacutestico e comumente aplicado agraves outras

espeacutecies de danos eacute impossiacutevel

O RE nordm 654833 por tratar do tema 999 com repercussatildeo geral foi jul-

gado em seu meacuterito e firmou a seguinte tese Eacute imprescritiacutevel a pretensatildeo de

reparaccedilatildeo civil de dano ambiental

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

179

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

No acircmbito da Ciecircncia parece que a doutrina se mostra sensiacutevel aberta

e comprometida com a necessidade de um novo saber e com outra maneira

de pensar o Direito Ambiental A previsatildeo normativa e o embasamento dou-

trinaacuterio entretanto nem sempre satildeo suficientes pois a eficaacutecia social da

norma juriacutedica eacute condicionada muitas vezes aos aplicadores do Direito Am-

biental aqui incluindo os magistrados e os administradores puacuteblicos em geral

A atenccedilatildeo maior poreacutem eacute voltada para a jurisprudecircncia que pode (e deve)

exercer uma tarefa fundamental na solidificaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo de todas as

peculiaridades do Direito Ambiental

Eacute preciso estar aberto ao novo com responsabilidade do pesquisador

do Direito e em especial do Direito Ambiental cuja complexidade eacute um fator

natural jaacute impregnado ao seu objeto de estudo o meio ambiente equilibrado

o qual integra a vida em todas as suas maneiras sistemas fatores ligaccedilotildees e

conexotildees

O meio ambiente eacute um sistema eacute deve ser visto como tal A indetermi-

naccedilatildeo e mutabilidade de suas influecircncias endoacutegenas e exoacutegenas fazem com

que o meio ambiente como objeto da relaccedilatildeo juriacutedica se vincule aos sujeitos

continuadamente sendo portanto a relaccedilatildeo juriacutedica ambiental continua-

tiva

Percebe-se claramente que natildeo basta a mera importaccedilatildeo dos institutos

claacutessicos da responsabilidade civil ao Direito Ambiental Em virtude de todas

as caracteriacutesticas peculiares do dano ambiental desenvolvidas ao longo deste

trabalho admitir a sua prescritibilidade eacute ir agrave contramatildeo de toda a evoluccedilatildeo

teoacuterica e jurisprudencial do Direito Ambiental Eacute um retrocesso ao positivismo

juriacutedico duro e com miopia social Eacute tornar a responsabilidade civil por dano

ambiental um instrumento simboacutelico e inoacutecuo

Imprescritibilidade do direito agrave reparaccedilatildeo do dano ambiental todavia

estaacute diretamente relacionada agrave sua relaccedilatildeo juriacutedica Ao considerar que a re-

laccedilatildeo juriacutedica ambiental eacute continuativa eacute indiscutiacutevel que a ideia de prescri-

ccedilatildeo assume outra configuraccedilatildeo A norma juriacutedica processual traz uma hipoacute-

tese de incidecircncia com os conceitos orientadores para a relaccedilatildeo juriacutedica con-

tinuativa modificaccedilatildeo no estado de fato ou de direito Direito natildeo estaacute limi-

tado agrave norma norma tampouco estaacute limitada ao texto A dialoacutegica da com-

plexidade soacute veio a confirmar a elaboraccedilatildeo do sentido que a interpretaccedilatildeo

concede ao Direito

Modificando-se os fatos que datildeo ensejo agrave relaccedilatildeo continuativa abre-

se a possibilidade de propositura de outra accedilatildeo com elementos distintos

(nova causa de pedir e novo pedido) A coisa julgada natildeo pode impedir a

rediscussatildeo do tema por fatos supervenientes ao tracircnsito em julgado ateacute por-

que a eficaacutecia preclusiva soacute atinge aquilo que foi deduzido ou poderia ter sido

deduzido pela parte agrave eacutepoca

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

180

Como se vecirc o entendimento do STF estaacute em sintonia com o pensa-

mento complexo o que contribui para o amadurecimento da temaacutetica no

acircmbito da jurisprudecircncia brasileira

REFEREcircNCIAS

BAHIA Carolina de Medeiros Nexo de causalidade em face do risco e do dano ao

meio ambiente elementos para um novo tratamento da causalidade no sistema bra-

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182

AVALIACcedilAtildeO DE IMPACTO AMBIENTAL

NO BRASIL E NO AcircMBITO

INTERNACIONAL

similaridades e contribuiccedilotildees

Joana Cordeiro Brandatildeo1

Liliane de Freitas Leite2

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 121 Consideraccedilotildees gerais sobre avaliaccedilatildeo

de impacto ambiental (AIA) na legislaccedilatildeo brasileira 122 Avaliaccedilatildeo

de impacto ambiental no acircmbito internacional 123 A avaliaccedilatildeo de

impacto ambiental sob a oacuteptica da complexidade Consideraccedilotildees

finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

Este trabalho pretende desenvolver a temaacutetica a respeito da avaliaccedilatildeo

de impacto ambiental explanando seu conceito origem legislaccedilatildeo aleacutem de

analisar de modo mais abrangente a expansatildeo no acircmbito internacional do

referido instrumento Destaca-se o estudo da avaliaccedilatildeo de impacto ambien-

tal sob a oacuteptica da complexidade Partindo-se do seguinte questionamento

como e em que medida o estudo da avaliaccedilatildeo de impacto ambiental no

acircmbito internacional pode contribuir para a avaliaccedilatildeo de impacto ambiental

no Brasil com base no paradigma da complexidade

Justifica-se o desenvolvimento do tema em razatildeo da atual relevacircncia e

repercussatildeo dos impactos ambientais no mundo Observada a busca para

tentar proteger o meio ambiente da degradaccedilatildeo ambiental e a importacircncia

da avaliaccedilatildeo de impacto ambiental para tentar prevenir e minimizar os danos

que o ser humano causa ao meio ambiente quando deve entatildeo preservaacute-lo

Importa tambeacutem a anaacutelise de como o processamento das avaliaccedilotildees de im-

pacto ambiental de outros paiacuteses podem contribuir para a melhor efetivaccedilatildeo

desta no sistema brasileiro ressaltando-se as diferenccedilas e semelhanccedilas entre

os paiacuteses

Para tanto utilizou-se a metodologia hipoteacutetico-dedutivo bem como as

pesquisas bibliograacutefica e teoacuterica na qual o primeiro toacutepico trata das conside-

1 Graduanda em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Membro do

grupo de pesquisa Ecomplex direito complexidade e meio ambiente da UNI7CE

E-mail joanacbrandao16gmailcom

2 Mestre em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Membro do grupo de

pesquisa Ecomplex direito complexidade e meio ambiente da UNI7CE

E-mail lilianefladvgmailcom

12

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

183

raccedilotildees gerais sobre avaliaccedilatildeo de impacto ambiental (AIA) na legislaccedilatildeo bra-

sileira o segundo sobre Avaliaccedilatildeo de impacto ambiental no acircmbito interna-

cional e o terceiro como a avaliaccedilatildeo de impacto ambiental sob a oacuteptica da

complexidade

121 CONSIDERACcedilOtildeES GERAIS SOBRE AVALIACcedilAtildeO DE IMPACTO

AMBIENTAL (AIA) NA LEGISLACcedilAtildeO BRASILEIRA

Segundo Bim (2018) os estudos ambientais ou avaliaccedilotildees de impacto

ambiental satildeo importantes mecanismos capazes de mensurar o impacto am-

biental e orientar o processo decisoacuterio ambiental Ressaltando-se que a finali-

dade desses estudos eacute analisar a viabilidade ambiental e a maneira de mino-

rar esse impacto

Ainda sobre impacto ambiental Silva (2010) explica que a degradaccedilatildeo

do meio ambiente ocorre consciente ou inconscientemente seja destruindo

os elementos que o integram seja com a contaminaccedilatildeo por meio de subs-

tacircncias que modifiquem a sua qualidade Portanto denomina-se impacto

essa accedilatildeo humana sobre o meio ambiente que pode alterar a sua estrutura e

sua qualidade profundamente ou natildeo

Assim entende-se como impacto ambiental toda accedilatildeo predatoacuteria que

promova alteraccedilotildees no meio ambiente Silva (2010) acentua que esse con-

ceito se baseia na ideia de poluiccedilatildeo mas outras causas devem ser conside-

radas como o corte de aacutervores escavaccedilotildees extraccedilatildeo de mineacuterios aterros

dentre outros Contudo a definiccedilatildeo especiacutefica de impacto ambiental estaacute na

Resoluccedilatildeo nordm 0011986 do CONAMA art 1ordm3 Destaca-se portanto a utilidade

dos estudos de impacto ambiental os quais possuem o objetivo de identificar

e avaliar as alteraccedilotildees que possam ocorrer para a implementaccedilatildeo do empre-

endimento Entende-se como sendo um meio de atuaccedilatildeo estatal preventiva

com o intuito de evitar danos ao meio ambiente

A AIA eacute um instrumento de prevenccedilatildeo que atua como mecanismo de

controle preacutevio das atividades lesivas ao meio ambiente (ANTUNES 2014)

Com isso evidencia-se a sua importacircncia para o direito do ambiente pois

materializa o princiacutepio da prevenccedilatildeo em um procedimento de avaliaccedilatildeo no

qual se consubstancia o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) Sendo assim

serve para avaliar qual o grau de impacto e poluiccedilatildeo ao meio ambiente que

aquele empreendimento puacuteblico ou privado iraacute ou poderaacute causar ainda

3 Artigo 1ordm - Para efeito desta Resoluccedilatildeo considera-se impacto ambiental qualquer altera-

ccedilatildeo das propriedades fiacutesicas quiacutemicas e bioloacutegicas do meio ambiente causada por qual-

quer forma de mateacuteria ou energia resultante das atividades humanas que direta ou indi-

retamente afetam

I - a sauacutede a seguranccedila e o bem-estar da populaccedilatildeo

II - as atividades sociais e econocircmicas

III - a biota

IV - as condiccedilotildees esteacuteticas e sanitaacuterias do meio ambiente

V - a qualidade dos recursos ambientais

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

184

quando o empreendimento se encontra na fase de projeto A AIA eacute uma fase

do procedimento para chegar agrave Declaraccedilatildeo de Impacto Ambiental (DIA) e

posteriormente para a licenccedila ambiental Apesar de ser uma fase a AIA eacute

requerida e deve ser realizada a menos que esteja previsto em lei sua natildeo

realizaccedilatildeo em determinados casos

Cumpre destacar que a AIA eacute um dos instrumentos da Poliacutetica Nacional

do Meio Ambiente4 Lei nordm 69381981 A referida lei destina-se a promover a

compatibilizaccedilatildeo entre o desenvolvimento econocircmico e a preservaccedilatildeo do

meio ambiente almejando-se o equiliacutebrio ecoloacutegico sendo este tambeacutem um

dos seus principais objetivos5

4 Art 9ordm - Satildeo instrumentos da Poliacutetica Nacional do Meio Ambiente

I - o estabelecimento de padrotildees de qualidade ambiental

II - o zoneamento ambiental

III - a avaliaccedilatildeo de impactos ambientais

IV - o licenciamento e a revisatildeo de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras

V - os incentivos agrave produccedilatildeo e instalaccedilatildeo de equipamentos e a criaccedilatildeo ou absorccedilatildeo de

tecnologia voltados para a melhoria da qualidade ambiental

VI - a criaccedilatildeo de reservas e estaccedilotildees ecoloacutegicas aacutereas de proteccedilatildeo ambiental e as de

relevante interesse ecoloacutegico pelo Poder Puacuteblico Federal Estadual e Municipal

VI - a criaccedilatildeo de espaccedilos territoriais especialmente protegidos pelo Poder Puacuteblico federal

estadual e municipal tais como aacutereas de proteccedilatildeo ambiental de relevante interesse eco-

loacutegico e reservas extrativistas

VII - o sistema nacional de informaccedilotildees sobre o meio ambiente

VIII - o Cadastro Teacutecnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental

IX - as penalidades disciplinares ou compensatoacuterias ao natildeo cumprimento das medidas ne-

cessaacuterias agrave preservaccedilatildeo ou correccedilatildeo da degradaccedilatildeo ambiental

X - a instituiccedilatildeo do Relatoacuterio de Qualidade do Meio Ambiente a ser divulgado anualmente

pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovaacuteveis - IBAMA

XI - a garantia da prestaccedilatildeo de informaccedilotildees relativas ao Meio Ambiente obrigando-se o

Poder Puacuteblico a produziacute-las quando inexistentes

XII - o Cadastro Teacutecnico Federal de atividades potencialmente poluidoras eou utilizadoras

dos recursos ambientais

XIII - instrumentos econocircmicos como concessatildeo florestal servidatildeo ambiental seguro am-

biental e outros

5 Art 4ordm - A Poliacutetica Nacional do Meio Ambiente visaraacute

I - agrave compatibilizaccedilatildeo do desenvolvimento econocircmico-social com a preservaccedilatildeo da qua-

lidade do meio ambiente e do equiliacutebrio ecoloacutegico

II - agrave definiccedilatildeo de aacutereas prioritaacuterias de accedilatildeo governamental relativa agrave qualidade e ao equi-

liacutebrio ecoloacutegico atendendo aos interesses da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal dos

Territoacuterios e dos Municiacutepios

III - ao estabelecimento de criteacuterios e padrotildees de qualidade ambiental e de normas relati-

vas ao uso e manejo de recursos ambientais

IV - ao desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias nacionais orientadas para o uso

racional de recursos ambientais

V - agrave difusatildeo de tecnologias de manejo do meio ambiente agrave divulgaccedilatildeo de dados e in-

formaccedilotildees ambientais e agrave formaccedilatildeo de uma consciecircncia puacuteblica sobre a necessidade de

preservaccedilatildeo da qualidade ambiental e do equiliacutebrio ecoloacutegico

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

185

A AIA eacute gecircnero no qual existem demais tipos que podem ser exemplifi-

cados no ordenamento juriacutedico brasileiro como o Estudo de Impacto Ambi-

ental (EIA) O Relatoacuterio Ambiental Preliminar (RAP) o Plano de Recuperaccedilatildeo

de Aacutereas Degradadas (PRAD) e o Plano de Controle Ambiental (PCA) (CO-

DONHO VIEGAS 2015)

Eacute na Lei nordm 69831981 que se encontram as diretrizes o conteuacutedo geral

os objetivos os fins os mecanismos os sistemas e os instrumentos da Poliacutetica

Nacional do Meio Ambiente (PNMA) Segundo Silva (2010) a institucionaliza-

ccedilatildeo da PMNA contribuiu para a promoccedilatildeo de um tratamento global e unitaacuterio

agrave defesa do meio ambiente no Brasil Assim eacute importante considerar que a

PNMA natildeo basta em si mesma faz-se necessaacuteria sua adequaccedilatildeo agraves poliacuteticas

governamentais e ao desenvolvimento sustentaacutevel pois a defesa do meio am-

biente e do equiliacutebrio ecoloacutegico impotildee restriccedilotildees aos meios de produccedilatildeo

Deve-se evitar uma utilizaccedilatildeo acelerada e desmedida dos recursos naturais

observando-se que haacute uma tensatildeo constante entre a preservaccedilatildeo do meio

ambiente e o interesse econocircmico

Com a PMNA houve a sistematizaccedilatildeo de conceitos centrais estruturou-

se oacutergatildeos e entidades destinados agrave proteccedilatildeo ambiental bem como enume-

rou-se instrumentos voltados ao atendimento dos objetivos por ela estabeleci-

dos podendo-se dizer essa legislaccedilatildeo inovou em diversos aspectos (CODO-

NHO VIEGAS 2015)

Compreende-se a PNMA como um marco para a proteccedilatildeo do meio

ambiente e para a promoccedilatildeo da sadia qualidade de vida das presentes e

futuras geraccedilotildees Para isso a referida lei abordou em seu texto definiccedilotildees de

terminologias importantes como inicialmente o conceito de meio ambiente

como sendo ldquoo conjunto de condiccedilotildees leis influecircncias e interaccedilotildees de ordem

fiacutesica quiacutemica e bioloacutegica que permite abriga e rege a vida em todas as suas

formasrdquo (art 3ordm I) Estabeleceu ainda conceitos relevantes para o ordena-

mento juriacutedico contemporacircneo em mateacuteria ambiental como os termos de-

gradaccedilatildeo da qualidade ambiental poluiccedilatildeo poluidor e recursos ambientais

(art3ordm)

Em relaccedilatildeo agrave responsabilidade com as futuras geraccedilotildees Belchior (2017)

assevera o quanto eacute necessaacuterio agrave sociedade admitir e se colocar como sujeito

ativo e passivo do direito-dever de proteccedilatildeo do meio ambiente de modo que

todos tecircm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e por con-

sequecircncia o dever de preservaacute-lo ressaltando-se que a percepccedilatildeo por parte

da sociedade da importacircncia da natureza levaria a uma diminuiccedilatildeo da de-

gradaccedilatildeo ambiental

VI - agrave preservaccedilatildeo e restauraccedilatildeo dos recursos ambientais com vistas agrave sua utilizaccedilatildeo raci-

onal e disponibilidade permanente concorrendo para a manutenccedilatildeo do equiliacutebrio ecoloacute-

gico propiacutecio agrave vida

VII - agrave imposiccedilatildeo ao poluidor e ao predador da obrigaccedilatildeo de recuperar eou indenizar os

danos causados e ao usuaacuterio da contribuiccedilatildeo pela utilizaccedilatildeo de recursos ambientais com

fins econocircmicos

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

186

Diante desse entendimento eacute possiacutevel perceber a relevacircncia da avali-

accedilatildeo de impacto ambiental de caraacuteter teacutecnico devendo atuar de maneira

preventiva aos danos e aos riscos potenciais que determinado empreendi-

mento possa causar ao meio ambiente podendo inclusive observar no acircm-

bito internacional subsiacutedios para a evoluccedilatildeo desse procedimento com a fina-

lidade de atender o objetivo principal que eacute de minimizar os efeitos dos im-

pactos ao meio ambiente

122 AVALIACcedilAtildeO DE IMPACTO AMBIENTAL NO AcircMBITO

INTERNACIONAL

Originariamente falou-se em AIA na Poliacutetica Nacional do Meio Ambi-

ente nos Estados Unidos da Ameacuterica A partir de entatildeo a percepccedilatildeo pela

necessidade dos paiacuteses de cuidar do meio ambiente se disseminou por vaacuterios

paiacuteses inclusive Portugal e Brasil

A legislaccedilatildeo americana foi pioneira pois criou esse instrumento de pla-

nejamento ambiental com a National Environmental Policy Act (NEPA) legis-

laccedilatildeo aprovada pelo Congresso em 1969 entrou em vigor em 1ordm de janeiro

de 1970 e passou a influenciar a elaboraccedilatildeo de normas nesse sentido em todo

o mundo A referida lei exige um maior detalhamento sobre o impacto ambi-

ental de iniciativas do governo federal americano (SANCHEZ 2013)

A primeira vez que se falou do AIA no Brasil foi na Lei de Zoneamento

Industrial Lei nordm 6803 de 2 de julho de 1980 no seu artigo 10 sect 3deg e posterior-

mente com a Lei nordm 6938 de 31 de agosto de 1981 em seu artigo 9 inciso III

A resoluccedilatildeo nordm 11986 do Conselho Nacional do Meio Ambiente ndash CONAMA

define o que eacute e as diretrizes e bases para uso e aplicaccedilatildeo da AIA como

procedimento e ainda traz no caput da resoluccedilatildeo a determinaccedilatildeo da AIA

como um instrumento da Poliacutetica Nacional do Meio Ambiente poreacutem foi com

a Resoluccedilatildeo ndeg 2371997 do CONAMA que realmente se efetivou a AIA Essa

uacuteltima estabelece por exemplo quais satildeo os melhores paracircmetros para a li-

cenccedila ambiental que eacute concedida por ocasiatildeo do licenciamento ambiental

A AIA surgiu em Portugal em 1987 com a primeira Lei de Bases do Ambi-

ente na qual em seu artigo 30deg previu que planos e projetos ou qualquer accedilatildeo

que afetasse o meio ambiente o territoacuterio ou a sauacutede e qualidade de vida

dos cidadatildeos teriam que ser elaborados com preacutevios Estudos de Impacto Am-

biental (EIA) Poreacutem soacute em 1990 a referida lei foi devidamente regulamentada

e depois de muitas alteraccedilotildees em 2013 foi que se legislou concretamente no

Decreto-lei 151-B de 2013 que trata do regime da avaliaccedilatildeo de impacto am-

biental RJAIA Conveacutem ainda considerar a Diretiva ndash 201192EU da Uniatildeo

Europeia na qual Portugal integra como estado-membro tendo que respeitar

e que definir suas proacuteprias leis momento em que surge a Diretiva AIA e a nova

Lei de Bases do Ambiente de 2014

Nessa mesma perspectiva ainda em Portugal a avaliaccedilatildeo se concre-

tiza pelo princiacutepio da prevenccedilatildeo adotado no NEPA como tambeacutem pelo o

princiacutepio da precauccedilatildeo Segundo Daniel Ayres Pimenta (2012) o princiacutepio da

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

187

prevenccedilatildeo destina-se a cuidar do dano que jaacute eacute esperado em contra partida

o princiacutepio da precauccedilatildeo relaciona-se ainda aos danos ainda natildeo conheci-

dos e futuros que tem uma possibilidade miacutenima de ocorrerem com isso jaacute se

visualizando com tanta antecipaccedilatildeo desenvolve um lastro maior de tempo

para a populaccedilatildeo ou profissionais da aacuterea se prepararem com mais certeza

e ter uma porcentagem miacutenima de danos

Nesse sentido as leis que regulamentam a AIA tanto no Brasil como em

Portugal fazem a previsatildeo de quais projetos deve ser requerida a avaliaccedilatildeo

ao contraacuterio da NEPA em que natildeo faz o mesmo demonstrando assim uma

evoluccedilatildeo das leis (VEIGA 2012) Aleacutem disso os princiacutepios da prevenccedilatildeo e da

precauccedilatildeo para o referido autor devem ser considerados separadamente e

independentes um do outro para que o jurista do ambiente possa resolver o

problema da forma mais adequada (PEREIRA 2002) Dessa maneira caso

ocorram os danos estes seratildeo menores no futuro do que se natildeo houvesse pro-

teccedilatildeo alguma sendo estes princiacutepios de destacada importacircncia por servirem

de base para a avaliaccedilatildeo de impacto ambiental

Em outro panorama na legislaccedilatildeo portuguesa a sua Constituiccedilatildeo esta-

belece em termos bem definidos como o procedimento da avaliaccedilatildeo deve

ocorrer para garantir o direito fundamental ao ambiente buscando assim a

atuaccedilatildeo dos governos e dos cidadatildeos para a efetivaccedilatildeo e proteccedilatildeo tambeacutem

dos direitos individuais e gerais da sociedade Ressalta-se a previsatildeo do artigo

666 da Constituiccedilatildeo ndeg2 b) e f) de modo que satildeo garantidos dois deveres do

Estado os quais consistem em assegurar e incentivar a participaccedilatildeo demo-

craacutetica da sociedade para a resoluccedilatildeo de problemaacuteticas de cunho nacional

e a proteccedilatildeo do meio ambiente (PEREIRA2002)

Nos Estados Unidos da Ameacuterica foi analisado pelos tribunais que quando

foi implementado a NEPA natildeo havia uma efetivaccedilatildeo forte poreacutem quando os

tribunais analisaram o impacto positivo de se exigir a avaliaccedilatildeo perceberam

a importacircncia dela e segundo Caldwell era necessaacuterio um checklist de criteacute-

rios para o planejamento ambiental (SAacuteNCHEZ 2013) Assim criou-se a seccedilatildeo

102(c) da lei do NEPA

Os paiacuteses desenvolvidos foram se atentar e analisar com mais afinco a

questatildeo do impacto ambiental e a importacircncia de sua avaliaccedilatildeo de modo

relativamente tardio entre 1975 e 1990 Haacute um lapso temporal de quando fo-

ram produzidas as leis como a NEPA e sua real aplicaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo como

eacute o caso da Alemanha que soacute efetivou sua lei UVP em 1990 por receio da

pressatildeo popular (SANCHEZ 2013) Contudo fazendo uma alusatildeo ao Brasil haacute

necessidade de um maior engajamento popular para junto ao Estado ter uma

6 Art 66 2 Para assegurar o direito ao ambiente no quadro de um desenvolvimento susten-

taacutevel incumbe ao Estado por meio de organismos proacuteprios e com o envolvimento e a

participaccedilatildeo dos cidadatildeos b) Ordenar e promover o ordenamento do territoacuterio tendo em

vista uma correta localizaccedilatildeo das atividades um equilibrado desenvolvimento socioeco-

noacutemico e a valorizaccedilatildeo da paisagem f) Promover a integraccedilatildeo de objetivos ambientais

nas vaacuterias poliacuteticas de acircmbito sectorial

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

188

melhor aplicaccedilatildeo da AIA levando em consideraccedilatildeo as diferentes culturas e

o sistema juriacutedica brasileiro

Cumpre observar a evoluccedilatildeo e disseminaccedilatildeo da AIA em outros paiacutes de-

senvolvidos quando foram lanccedilados suas primeiras leis Canadaacute em 1973 por

decisatildeo do Conselho de Ministros de estabelecer o procedimento de avalia-

ccedilatildeo e exame ambiental Austraacutelia em 1974 com a Lei de Proteccedilatildeo Ambiental

Franccedila 1976 com a Lei nordm 629 de proteccedilatildeo da Natureza Uniatildeo Europeia em

1985 com a Diretiva 85337EEC entre outros (SANCHEZ 2013) Por meio destes

dados pode-se inferir que houve uma evoluccedilatildeo ao longo dos anos Em rela-

ccedilatildeo ao Brasil especificamente existe a possibilidade de modificar e melhorar

assim como estes paiacuteses mudaram e continuam mudando pois haacute uma cons-

tante renovaccedilatildeo de conceitos e pensamentos

123 A AVALIACcedilAtildeO DE IMPACTO AMBIENTAL SOB A OacutePTICA DA

COMPLEXIDADE

A AIA no Brasil eacute um gecircnero como mencionado anteriormente no qual

estaacute inserido o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) que eacute necessaacuterio para ana-

lisar se o meio ambiente e outros fatores ao redor como a sauacutede dos seres

humanos e sociais vai ser alterado ou natildeo com a instalaccedilatildeo de grandes em-

preendimentos Aleacutem do EIA tambeacutem haacute o RIMA (Relatoacuterio de Impacto Ambi-

ental) que tem o escopo de tornar mais acessiacutevel para a populaccedilatildeo o con-

teuacutedo do EIA (PACHECO FILHO 2013) Na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o EIA

passou a ter mais forccedila em virtude do artigo 225 sect1deg IV que o eleva a condi-

ccedilatildeo de norma constitucional Poreacutem por natildeo ter definiccedilatildeo das palavras no

dispositivo ficou aberta a diversas interpretaccedilotildees da norma fazendo com que

o EIARIMA natildeo seja exigido em casos que o projeto natildeo demonstrar impactos

significativos ao meio ambiente Com isso o procedimento do RIMA vem de-

pois do EIA

Desta forma alerta-se para a questatildeo de existir essa abertura na Carta

Magna conforme o artigo referido acima pode haver determinadas situaccedilotildees

em que o poder puacuteblico se utilize da sua discricionariedade no ato administra-

tivo fazendo com que natildeo seja necessaacuteria a produccedilatildeo do EIA por natildeo aplicar

o artigo 2deg da Resoluccedilatildeo nordm 11986 do CONAMA Fato este que daacute margem a

uma inseguranccedila juriacutedica e ambiental pois extinguem-se as garantias que

aquele empreendimento ou obra natildeo vai degradar o meio ambiente de

modo irreversiacutevel Haacute ainda uma imprevisibilidade na dimensatildeo que envolve

o meio ambiente diante de toda influecircncia exercida pelo homem individual-

mente ou coletivamente e da troca existente nessa complexa relaccedilatildeo

Nesse sentido o paradigma da complexidade pode contribuir para uma

melhor compreensatildeo do Direito Ambiental Ressalta-se a condiccedilatildeo de insegu-

ranccedila que o meio ambiente pode promover no sistema juriacutedico observadas

as interrelaccedilotildees de circunstacircncias multifatoriais complexas e todas as suas in-

teraccedilotildees A complexidade permite percepccedilotildees diferenciadas das dimensotildees

do ser em que se sobressaem a incompletude e a incerteza Assim tal pensa-

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

189

mento inclusive subsidia a ideia de que o desenvolvimento natildeo deve ser per-

cebido apenas pelo vieacutes econocircmico pois deve-se buscar a melhoria da qua-

lidade de vida do planeta e o respeito ao direito das futuras geraccedilotildees ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado (LEITE 2020)

Para Morin (2015) a complexidade eacute uma agregaccedilatildeo de acontecimen-

tos accedilotildees interaccedilotildees retroaccedilotildees determinaccedilotildees e acasos que constituem o

mundo fenomecircnico A complexidade demonstra a relaccedilatildeo com o acaso que

coincide com uma parte de incerteza seja proveniente do entendimento hu-

mano ou dos fenocircmenos e estaacute ainda ligada a uma fusatildeo entre ordem e

desordem

A complexidade inerente agraves relaccedilotildees ecoloacutegicas permite a verificaccedilatildeo

da infinidade de relaccedilotildees nas quais os fatos satildeo causa e consequecircncia um

dos outros Assim quando se tem como paradigma a complexidade para es-

tudo do Direito Ambiental desenvolve-se uma nova racionalidade juriacutedica

ambiental pois o pensamento complexo natildeo se fundamenta apenas na inal-

terabilidade dos fatos na medida em que valoriza as interrelaccedilotildees a causali-

dade muacutetua e os princiacutepios que ligam a parte com o todo De modo que a

complexidade de aplica de maneira coerente no acircmbito da pesquisa em te-

mas transversais em que se insere o Direito Ambiental seara do Direito que

estaacute sujeita agraves incertezas e que necessita promover constantemente com di-

aacutelogo com os mais diferentes saberes (VIANA 2019)

O pensamento complexo assevera a ideia de que tudo o que aprende-

mos estaacute interligado e que de certo modo tudo se complementa Segundo

Marcelo Gleiser (2014) conhecimento eacute como uma ilha e ao redor dela o mar

quanto mais aprendemos mais vemos que natildeo sabemos de nada e mais que-

remos aprender Com isso a complexidade auxilia na busca de um melhor en-

tendimento do mundo como sociedade ressaltando o ser e natildeo o que que-

riacuteamos que fosse ou o que deveria ser Por conseguinte tentando melhorar o

mundo sem tantas pretensotildees de estabelecer uma ordem ou ideal formal e

engessado mas ao mesmo tempo com o intuito de proteger preservar e

mantecirc-lo para noacutes e as futuras geraccedilotildees um planeta saudaacutevel Assim o pensa-

mento complexo acentua uma quebra de paradigmas que repercute na vi-

satildeo de futuro sem deixar de considerar a importacircncia do que jaacute se foi deba-

tido no passado pois tudo se renova constantemente

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Pode-se concluir com a presente pesquisa que apesar das AIAacuteS em di-

ferentes paiacuteses serem muito semelhantes sua aplicaccedilatildeo eacute relativamente di-

vergente pois varia conforme a cultura e costumes de cada paiacutes Contudo

por meio do pensamento complexo possibilita-se uma visatildeo sistecircmica que

contribui para a quebra de paradigma e que pode ajudar com os exemplos

de outros paiacuteses na efetivaccedilatildeo e melhor aplicaccedilatildeo da AIA no Brasil para pre-

servar e assegurar um meio ambiente ecologicamente equilibrado

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

190

Diante disso esta pesquisa se propotildee a apresentar sua relevacircncia para

a sociedade entendendo que o mundo se renova constantemente aconte-

cem transformaccedilotildees inclusive em relaccedilatildeo ao modo como fazemos as coisas

entre elas o pensamento o conhecimento e os procedimentos Assim a com-

plexidade e o pensamento complexo podem colaborar para a aplicaccedilatildeo e

a efetivaccedilatildeo do AIA no Brasil sob outras perspectivas para novas soluccedilotildees

para os problemas

Cumpre ressaltar que natildeo se pode deixar de considerar a dificuldade

de se mensurar o impacto ambiental pois muitas vezes natildeo ocorre de maneira

isolada Constata-se assim a necessidade de se mitigar riscos quando se estaacute

diante muitas vezes de danos muito extensos que venham causar uma de-

gradaccedilatildeo irreversiacutevel ao meio ambiente De modo que para minimizar esta

degradaccedilatildeo tem-se a AIA como uma das formas de prevenccedilatildeo e preserva-

ccedilatildeo do meio ambiente

Sabe-se sobre a abrangecircncia da legislaccedilatildeo brasileira em mateacuteria ambi-

ental consegue abordar as mais diversas questotildees poreacutem haacute ainda o que

melhorar e evoluir necessitando-se desenvolver indagaccedilotildees ou debates dou-

trinaacuterios em que natildeo haacute crescimento Aleacutem disso ainda tem como objetivo

sua efetivaccedilatildeo e com fulcro na preservaccedilatildeo do meio ambiente constante-

mente influenciado pela accedilatildeo do homem Desse modo a avaliaccedilatildeo de im-

pacto ambiental o meio ambiente e a legislaccedilatildeo formam um elo que deve

ser mantido a fim de contribuir para a preservaccedilatildeo e manutenccedilatildeo um do

outro buscando-se a sustentabilidade e possibilitando-se o meio ambiente

ecologicamente equilibrado

Conclui-se em relaccedilatildeo agrave PNMA haacute a necessidade de se dialogar e de

se estaacute presente nas poliacuteticas puacuteblicas em defesa do meio ambiente Sabe-se

que para haver uma melhor efetivaccedilatildeo das AIAs por completo ainda se exi-

giraacute um certo tempo pois existe a interferecircncia de inuacutemeros fatores como a

seguranccedila juriacutedica o ideal de defesa do meio ambiente e a forma como os

procedimentos se desenvolvem atualmente em face do comportamento da

populaccedilatildeo em geral

Por fim a pergunta de partida revela a possiacutevel contribuiccedilatildeo e influecircncia

do respectivo procedimento no acircmbito internacional em relaccedilatildeo ao que jaacute

existe no Brasil ressaltando-se um conjunto de fatores no qual se deve incluir

o engajamento da sociedade do Estado e dos profissionais da aacuterea Pois para

que haja uma devida efetivaccedilatildeo se faz necessaacuterio uma atuaccedilatildeo em con-

junto de modo transdisciplinar e multilateral por diferentes setores da socie-

dade visando modificar o padratildeo de resoluccedilatildeo destas questotildees no Paiacutes

REFEREcircNCIAS

ANTUNES Tiago Pelos caminhos juriacutedicos do ambiente verdes textos I Lisboa Aafdl

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BELTRAtildeO Antocircnio FG Manual de Direito do Ambiente Satildeo Paulo Meacutetodo 2008

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do procedimento de avaliaccedilatildeo de impacto ambiental adotado no Brasil Estados Uni-

dos da Ameacuterica e Portugal 2012 Disponiacutevel em httpswwwcidpptrevistasridb

2012032012_03_1667_1718pdf Acesso em 21 de maio de 2020

VIANA Iasna Chaves Riscos complexidade e responsabilidade civil ambiental Rio

de Janeiro Lumen Juris 2019

192

A INEFICIEcircNCIA DO DIREITO AMBIENTAL

VIGENTE E A NECESSAacuteRIA RUPTURA

RUMO AO DIREITO ECOLOacuteGICO A

PARTIR DA COMPLEXIDADE

Joseacute Rubens Morato Leite1

Elisa Fiorini Beckhauser2

Valeriana Augusta Broetto3

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 131 A ineficiecircncia do Direito Ambiental vi-

gente e a necessaacuteria ruptura rumo ao Direito Ecoloacutegico 132 O Di-

reito Ambiental da fragmentaccedilatildeo teoacuterica agrave ausecircncia de implemen-

taccedilatildeo 133 A ecologizaccedilatildeo do direito uma ruptura a partir da com-

plexidade 134 Litigacircncia climaacutetica uma orientaccedilatildeo ecologizada

do direito Consideraccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

O Direito Ambiental brasileiro vigente revela-se falho fragmentado e

ineficiente e tem dado espaccedilo a muitos retrocessos ecoloacutegicos apesar de

certos avanccedilos normativos nos uacuteltimos anos principalmente nas searas consti-

tucional e jurisprudencial Na realidade verifica-se um Direito pouco sistecircmico

muito ligado agrave influecircncia econocircmica baseada na ideia de crescimento sem

limites e dentro de uma abordagem antropocecircntrica respaldado em uma

estrutura primordialmente interindividual e com uma operacionalidade fraca

de implementaccedilatildeo

A crise ecoloacutegica que ora se desenha especialmente marcada pela

mudanccedila climaacutetica tem deixado a falha desse Direito vigente mais perceptiacute-

vel e preocupante Com isso faz-se necessaacuteria a reinterpretaccedilatildeo e reestrutu-

raccedilatildeo de seus dispositivos instrumentos princiacutepios e objetivos em prol da sal-

1 Professor Doutor Titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) membro da

Academia de Direito Ambiental da IUCN Coordenador do Grupo de Pesquisa Direito Am-

biental e Ecologia Poliacutetica na Sociedade de Risco Pesquisador de Bolsa de Produtividade

do CNPq 1 C e Capes E-mail moratoleiteyahoocombr

2 Acadecircmica de graduaccedilatildeo em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

bolsista de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica (PIBICCNPq) integrante do Grupo de Pesquisa em Direito

Ambiental e Ecologia Poliacutetica na Sociedade de Risco

E-mail elisafbeckhauserhotmailcom

3 Acadecircmica de graduaccedilatildeo em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

bolsista de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica (PIBICCNPq) e integrante do Grupo de Pesquisa em Direito

Ambiental e Ecologia Poliacutetica na Sociedade de Risco

E-mail valerianabrttgmailcom

13

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

193

vaguarda do bem ambiental per se isto eacute este Direito requer uma metamor-

fose que proteja a Natureza em uma perspectiva holiacutestica sensiacutevel complexa

e natildeo utilitarista Para este caminho aponta a ecologizaccedilatildeo do Direito

Assim este artigo objetiva traccedilar algumas consideraccedilotildees e observaccedilotildees

acerca de uma ruptura que se impotildee diante do paradigma do direito ambi-

ental tradicional ao passo que natildeo tem conseguido responder satisfatoria-

mente agrave tutela dos sistemas ecoloacutegicos Para tanto divide-se o trabalho em

duas partes essenciais

A primeira delas descreve em breves linhas a construccedilatildeo e atuaccedilatildeo do

Direito Ambiental demonstrando as bases arraigadas de ineficiecircncia e as

comprovaccedilotildees histoacutericas de que sua atuaccedilatildeo natildeo tem sido suficiente para

resguardar da forma devida os recursos naturais a partir de uma visatildeo com-

plexa e sistecircmica A segunda expotildee os paracircmetros teoacutericos sobre os quais se

alicerccedila o Direito Ecoloacutegico suas principais diferenciaccedilotildees em relaccedilatildeo ao Di-

reito Ambiental vigente e a necessaacuteria ruptura de paradigma para a prote-

ccedilatildeo ecoloacutegica suficiente em termos normativo-formais teoacutericos e praacuteticos

Tambeacutem nesta uacuteltima parte adentra-se brevemente a noccedilatildeo de litigacircncia cli-

maacutetica que guarda estreita relaccedilatildeo com a necessidade de uma perspectiva

ecologizada do Direito frente agrave crise ecoloacutegica e a mudanccedila climaacutetica

131 A INEFICIEcircNCIA DO DIREITO AMBIENTAL VIGENTE E A

NECESSAacuteRIA RUPTURA RUMO AO DIREITO ECOLOacuteGICO

O Direito Ambiental brasileiro para aleacutem dos instrumentos do Direito In-

ternacional que compreende os diversos tratados disposiccedilotildees e acordos que

preveem a proteccedilatildeo do meio ambiente tem suas bases ancoradas na Cons-

tituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 que foi a primeira carta

magna brasileira a dedicar um capiacutetulo para o tema que se encontra dis-

posto no Art 225 e seus paraacutegrafos e incisos Tambeacutem encontra fundamento

na legislaccedilatildeo ordinaacuteria a exemplo da Lei n 6938 de 1981 que institui a Poliacutetica

Nacional do Meio Ambiente importante marco para a proteccedilatildeo ambiental

no paiacutes Juntas a Constituiccedilatildeo e as leis representam um conjunto de princiacute-

pios regras e valores relacionados ao resguardo da Natureza na condiccedilatildeo de

bem de uso comum (WEDY 2019)

A preocupaccedilatildeo com essa proteccedilatildeo nem sempre presente na histoacuteria

da humanidade surge na agenda nacional e internacional a partir do seacuteculo

XX mas apenas a partir das deacutecadas de 70 e 80 que a importacircncia da preser-

vaccedilatildeo ambiental recebeu impulso sobretudo com a Declaraccedilatildeo de Esto-

colmo com o relatoacuterio The Limits of Growth com a criaccedilatildeo do Programa das

Naccedilotildees Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e com os documentos e rela-

toacuterios que os seguiram como o Nosso Futuro Comum o Relatoacuterio Brundtland

a Declaraccedilatildeo do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 e mais

recentemente a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentaacutevel e o

Acordo de Paris (WEDY 2019)

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

194

Em acircmbito nacional a legislaccedilatildeo ambiental tambeacutem apresentou evo-

luccedilotildees gradativas da tutela do meio ambiente e vem se adequando agrave neces-

sidade de proteccedilatildeo do bem ambiental para as presentes e futuras geraccedilotildees

(WEDY 2019)

Ana Maria Nusdeo expotildee que a poliacutetica ambiental brasileira se apre-

senta atraveacutes de um processo de evoluccedilatildeo que pode ser dividido em quatro

etapas administraccedilatildeo de recursos naturais controle da poluiccedilatildeo industrial

planejamento territorial e gestatildeo integrada dos recursos naturais As trecircs pri-

meiras fases natildeo se substituiriam mas se sobreporiam ateacute o surgimento da

quarta fase que eacute marcada pela adoccedilatildeo da Lei nordm 69381981 antes mencio-

nada Nessa fase os problemas ambientais que possibilitaram a existecircncia das

etapas anteriores satildeo tratados de forma interligada e interdependente atra-

veacutes de uma perspectiva ecoloacutegica (NUSDEO 2018 p 140)

Natildeo obstante se aceite que o Direito Ambiental brasileiro se encontre

atualmente na fase de lsquogestatildeo integrada dos recursos naturaisrsquo questiona-se

a maneira como essa gestatildeo eacute percebida e realizada Isso porque as bases

desatualizadas fragmentadas ou sobremaneira incipientes que solidificaram

o Direito Ambiental natildeo satildeo suficientes para enfrentar a atual crise ecoloacutegica

e responder aos desafios complexos transfronteiriccedilos e sistecircmicos que se lan-

ccedilam frente agrave humanidade em termos natildeo apenas ambientais mas tambeacutem

sociais Um claro exemplo desses desafios que emergem com a crise ecoloacute-

gica e com a loacutegica da modernidade eacute a Pandemia de COVID-19

Isso porque o relatoacuterio do United Nations Environmental Programme

(UNEP) intitulado Frontiers 2016 emerging issues of environmental concern de-

monstra que zoonoses como eacute o caso da COVID-19 decorrerm majoritaria-

mente da relaccedilatildeo exploratoacuteria que os seres humanos mantem com a Natu-

reza O documento aponta assim que zoonoses guardam estreita relaccedilatildeo

com a degradaccedilatildeo ambiental (UNEP 2016 p 22)

Esse avanccedilo predatoacuterio contra os sistemas naturais origina suas bases na

maneira como os sistemas econocircmicos lidam com os bens naturais partindo

de um paradigma de possibilidade de crescimento infinito que encontra cor-

respondecircncia normativa em um sistema juriacutedico fragmentado e falho Isso tem

levado os ecossistemas agrave exaustatildeo e gerado a crise ecoloacutegica

Nesse sentido eacute urgente a ruptura do Direito Ambiental vigente rumo agrave

sua ecologizaccedilatildeo de modo que tanto o campo juriacutedico dedicado ao meio

ambiente seja capaz de endereccedilar a complexidade que proveacutem da relaccedilatildeo

entre seres humanos e Natureza assim como a estrutura do Direito como um

todo As proacuteximas linhas por isso se destinam agrave anaacutelise dessa ruptura seu fun-

damento e suas possibilidades

132 O DIREITO AMBIENTAL

da fragmentaccedilatildeo teoacuterica agrave insuficiente implementaccedilatildeo

O Direito Ambiental atualmente em voga na perspectiva do conheci-

mento juriacutedico tradicional tem como caracteriacutesticas essenciais a formalidade

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

195

e o legalismo aleacutem da subserviecircncia agraves forccedilas econocircmicas dominantes Por

conta disso essa versatildeo do ramo do Direito ora em debate tem falhado no

despertar criacutetico e reflexivo para a transformaccedilatildeo da realidade posta (BEL-

CHIOR 2019 p 193)

Haacute que se frisar poreacutem que muito se avanccedilou nesta aacuterea com a cons-

titucionalizaccedilatildeo da proteccedilatildeo ambiental dada a partir do advento da Consti-

tuiccedilatildeo Federal de 1988 Nela o meio ambiente eacute elevado a bem de uso co-

mum do povo e a direito fundamental ligado agrave sadia qualidade de vida A

partir deste momento o tema ganha centralidade e se torna dever de todos

principalmente do Estado preservar os processos ecoloacutegicos essenciais com

foco nas presentes e futuras geraccedilotildees

Contudo o paradigma cartesiano do conhecimento interconectado agrave

modernidade e agraves sociedades industriais ainda impera na loacutegica desta aacuterea

juriacutedica Disso decorrem modos de operaccedilatildeo lineares fragmentadas e limita-

das que se mostram incompatiacuteveis com a necessidade de enfrentamento dos

problemas atuais que em contrapartida possuem natureza complexa multi-

dimensional e transfronteiriccedila

Deste modo o pensamento tradicional do Direito restringiu seu objeto

apenas agrave norma juriacutedica o que apartou o Direito em termos teoacutericos da reali-

dade posta Por meio do paradigma moderno reducionista e dualista sepa-

rou-se a norma da sua esfera de implementaccedilatildeo praacutetica reduzindo-a ao texto

normativo (MUumlLLER apud BELCHIOR 2019 p 194)

A consagraccedilatildeo desta loacutegica em mateacuteria ambiental deu causa a uma

tutela estatal para o meio ambiente limitada a legislar sobre ele com o obje-

tivo de protegecirc-lo encontrando na lei um subterfuacutegio para mascarar a omis-

satildeo secular em relaccedilatildeo agrave natureza Agrave vista disso o Direito Ambiental vigente eacute

um sistema teoacuterico-dogmaacutetico alicerccedilado na forccedila regulatoacuteria do Estado que

tem no nascimento formal da norma a resoluccedilatildeo dos problemas ignorando a

necessidade e o dispecircndio de esforccedilos para a efetiva implementaccedilatildeo das leis

(BENJAMIN 2010 p 338)

Herman Benjamin (2010 p 342) explica que da promulgaccedilatildeo legislativa

natildeo decorre automaticamente a retificaccedilatildeo do problema que ela intui solu-

cionar vez que ldquohaacute um oceano entre a legislaccedilatildeo ambiental e a realizaccedilatildeo

dos seus objetivos primordiaisrdquo

Essa tendecircncia se confirmou em muitos ordenamentos juriacutedicos do

mundo Christina Voigt (2013 p xiv) explica que nas uacuteltimas deacutecadas se ex-

pandiu substancialmente a gama de legislaccedilotildees ambientais adotadas em niacute-

veis domeacutesticos regionais e internacionais poreacutem ainda que prescrevam

qualidade e padrotildees ambientais aos territoacuterios de vigecircncia essas iniciativas

natildeo representam necessariamente sucesso para suas pautas As leis ambien-

tais conduziram a avanccedilos modestos enquanto tendecircncias de destruiccedilatildeo e

degradaccedilatildeo do meio ambiente se mantiveram quase inalteradas ao que o

mundo natildeo foi capaz de caminhar pela trilha da sustentabilidade

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

196

Essa eacute uma das falhas centrais do Direito Ambiental claacutessico vez que

procede agrave atuaccedilatildeo legislativa para amortecer insatisfaccedilotildees sociais relativas

agraves suas pautas mas sem resolvecirc-la de fato Nesta linha a normatizaccedilatildeo sobre

a proteccedilatildeo ambiental se encontra apartada da concretizaccedilatildeo isto eacute da re-

gulaccedilatildeo na praacutetica resultando em uma ordem puacuteblica ambiental incom-

pleta caracteriacutestica do Estado teatral que ldquomanteacutem uma situaccedilatildeo de vaacutecuo

entre a lei e a implementaccedilatildeordquo uma vez que se caracteriza por um Poder

Puacuteblico que na letra da lei vocifera ldquomas [] amansa diante das dificuldades

da realidade poliacutetico-administrativa e de poderosos interesses econocircmicos

exatamente os maiores responsaacuteveis pela degradaccedilatildeo ambientalrdquo (BENJA-

MIN 2010 p 345)

Neste contexto a legislaccedilatildeo ocupa um status simboacutelico e conta com

uma implementaccedilatildeo deficitaacuteria relegando a um lugar de omissatildeo nova-

mente a prestaccedilatildeo social da lei em mateacuteria ambiental Isso torna extrema-

mente desafiadoras mesmo apoacutes deacutecadas de positivaccedilatildeo das normas a ma-

terializaccedilatildeo dos valores e objetivos ambientais e a consolidaccedilatildeo da legitimi-

dade do repertoacuterio legislativo ambiental (BENJAMIN 2010 p 341)

A crise ecoloacutegica corrobora com a teoria de ineficiecircncia e falta de am-

biccedilatildeo do Direito Ambiental vigente que natildeo eacute capaz de delimitar com cla-

reza a atividade humana prejudicial ao meio ambiente Aleacutem disso esta es-

fera do Direito natildeo eacute aplicada de maneira ideal conforme demonstra o Envi-

ronmental Rule of Law First Global Report elaborado pelo United Nations Envi-

ronmental Programme (UNEP) que deixa claro que globalmente a imple-

mentaccedilatildeo e a efetivaccedilatildeo de leis de caraacuteter ambiental estatildeo aqueacutem do que

seria esperado para o correto endereccedilamento dos desafios ambientais do seacute-

culo (UNEP 2019)

De acordo com o documento agraves leis faltam padrotildees claros e manda-

mentos necessaacuterios faltam contextualizaccedilatildeo e adequaccedilatildeo aos diferentes niacute-

veis a que se destinam e isso natildeo acontece apenas em naccedilotildees subdesenvol-

vidas ou em desenvolvimento mas constituem um desafio para todos os paiacute-

ses (UNEP 2019)

A superaccedilatildeo dessa compreensatildeo tradicional representa portanto pos-

sibilidade de se avanccedilar para um futuro menos impactado artificialmente e

comprometido no enfrentamento agrave mudanccedila climaacutetica aos desastres agrave inse-

guranccedila alimentar e agraves zoonoses com potencial pandecircmico ndash cenaacuterio ende-

reccedilado pelo Direito Ecoloacutegico

Isso jaacute vem sendo reconhecido na agenda ambiental internacional e

percepccedilotildees nesse sentido podem ser encontradas na Agenda 2030 para o

desenvolvimento sustentaacutevel que parte da compreensatildeo mais integrada dos

diversos problemas ambientais e sociais Ainda que careccedila de um objetivo

mais amplo que unifique a agenda seus objetivos trazem visatildeo ambiciosa que

pode direcionar uma accedilatildeo mais efetiva e eficaz no acircmbito de cada Estado

(ver VEIGA 2015 p 119-155) sendo possiacutevel visualizar um caminho para a su-

peraccedilatildeo da atual visatildeo fragmentada desatualizada e incapaz de responder

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

197

a fenocircmenos sistecircmicos Essa ruptura contudo ainda carece de um empurratildeo

para acontecer

Gerd Winter (2017 p 136) atribui a incapacidade do Direito Ambiental

de conter a crise tambeacutem aos niacutetidos problemas de aplicaccedilatildeo da norma juriacute-

dica impasses que orbitam em torno do crescimento econocircmico como forccedila

motriz a repetidamente ultrapassar a cobertura regulatoacuteria do Direito

Em sua versatildeo tradicional o Direito Ambiental tenta compatibilizar os

interesses ecoloacutegicos agrave infraestrutura aos processos e aos produtos do sistema

de produccedilatildeo fixando limites agraves liberdades do corpo social e da proacutepria eco-

nomia Contudo a loacutegica crescimentista desse sistema impotildee quantidades

gradativamente mais altas de unidades pois que esse aumento eacute o elemento

central do crescimento econocircmico que burla o sistema de regulaccedilatildeo juriacutedica

e tambeacutem se impotildee internamente a ele

Assim o Direito Ambiental falha pela aceitaccedilatildeo de violaccedilotildees juriacutedicas

pelo deslocamento dos problemas oriundos da degradaccedilatildeo ambiental de um

local ou regiatildeo para outra aleacutem da resistecircncia poliacutetica e econocircmica a novas

regulaccedilotildees (WINTER 2017 p 139) ou agrave efetividade das legislaccedilotildees jaacute positiva-

das

Assim Fernanda Cavedon-Capdeville (2018 p 193) observa que ocor-

reu a tecnicizaccedilatildeo do discurso juriacutedico-ambiental que se afastou das raiacutezes

sociais que remetem agraves necessidades dos mais vulneraacuteveis Instrumentalizou-

se por meio de uma linguagem especializada e apartada da compreensatildeo

imprescindiacutevel para o engajamento social nas pautas ambientais (CAVEDON-

CAPDEVILLE 2018 p 193)

Em virtude disso o Direito passou a atuar na condiccedilatildeo de uma institui-

ccedilatildeo social reguladora que opera para manter o status quo e que fomenta a

crise ecoloacutegica em curso Como posto hoje portanto o Direito natildeo possui uma

racionalidade voltada agrave criaccedilatildeo de soluccedilotildees pautadas na sustentabilidade

ecoloacutegica qualificada para conter os problemas complexos da atualidade

Considerando que o aparato juriacutedico-ambiental atual natildeo conseguiu

superar o paradigma economicista e antropocecircntrico configurado pela ope-

racionalidade caoacutetica na relaccedilatildeo humano-natureza (CAVEDON-CAPDEVILLE

2018 p 193) primordial repensar as bases do Direito para responder agrave crise

ecoloacutegica e evitar problemas decorrentes do modo predatoacuterio de lidar com

a natureza

A garantia da manutenccedilatildeo e restauraccedilatildeo da integridade dos sistemas

naturais soacute pode ser alcanccedilada por meio de um quadro juriacutedico que disponha

princiacutepios e materiais do Estado de Direito tambeacutem para a natureza Trilhando

este caminho de horizontalidade e cooperaccedilatildeo o Direito Ecoloacutegico repre-

senta uma importante face desta mudanccedila estrutural pois entende que o va-

lor da vida e a manutenccedilatildeo de processos ecoloacutegicos devem se sobrepor aos

interesses econocircmicos imediatos Sobre esta nova vertente do Direito e suas

contribuiccedilotildees para o futuro compartilhado e co-criado da humanidade com

o planeta aborda o toacutepico seguinte

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

198

133 ECOLOGIZACcedilAtildeO DO DIREITO

uma ruptura a partir da complexidade

A loacutegica instrumental-mecanicista e as falhas do direito ambiental vi-

gente lanccedilam luz sobre a necessidade de ressignificaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre

humanidade e meio ambiente buscando o conviacutevio com a natureza com a

produccedilatildeo da base material e natural da vida das organizaccedilotildees coletivas e

sociais (HOUTART 2016 p 32) de forma harmocircnica e em bases solidaacuterias e natildeo

hieraacuterquicas

Assim busca-se um modelo juriacutedico que consiga tutelar de maneira ple-

namente satisfatoacuteria as funcionalidades sociais e naturais na dimensatildeo das

demandas ecoloacutegicas o que exige reconhecer a atrofia do paradigma mo-

derno dominante e o rompimento com ele que ateacute entatildeo deu conta de res-

guardar apenas direitos individuais (LEITE SILVEIRA 2018 p 112)

A fim de oferecer alternativas e soluccedilotildees essas problemaacuteticas da opera-

cionalidade e da loacutegica do direito ambiental eacute preciso que o ordenamento

juriacutedico-normativo observe a sensibilidade ecoloacutegica de maneira sistecircmica

natildeo fragmentada e agrave luz da complexidade para que com paracircmetros plurais

regulem-se as questotildees atinentes agrave natureza (CANOTILHO 2008)

Por suas caracteriacutesticas inerentes o direito ambiental eacute uma aacuterea que

recebe feixes de influecircncia de muitos temas transversais e vertentes do conhe-

cimento dialogando com diferentes saberes Em uma perspectiva complexa

observa-se que o dano ambiental por exemplo natildeo estaacute limitado a fronteiras

geograacuteficas e que natildeo eacute apenas a tutela do elemento natural em si que im-

porta mas toda a imbricada rede de relaccedilotildees dos ecossistemas e de influecircn-

cias muacutetuas em constante transformaccedilatildeo e movimento na natureza (CAR-

NEIRO 2013 apud BELCHIOR 2019 p 218) O Direito nesse contexto natildeo pode

se comportar de forma estanque e apartada da realidade mas se abrir agraves

possibilidades e aos ramos do conhecimento

A ecologizaccedilatildeo do Direito eacute uma proposta de ruptura trilhada neste ca-

minho Na condiccedilatildeo de transiccedilatildeo de paradigma para se evoluir em termos de

proteccedilatildeo da socioambiental a vertente do direito ecoloacutegico expande seus

destinataacuterios para englobar a Natureza e todas as formas de vida como dig-

nas de proteccedilatildeo Estatal o que se restringia agrave presenccedila humana Essa proposta

ecologizada exige reformular o pensamento juriacutedico para que esse parta de

bases biocecircntricas e reconheccedila titularidade de direitos agrave Natureza que deixa

de ser um objeto instrumentalizaacutevel atraveacutes da lei

O quadro abaixo [quadro 1] explica que a partir do Direito Ecoloacutegico

a Natureza deve ser protegida pelo seu valor intriacutenseco e por ser a base natural

sem a qual nenhum ser vivo tem possibilidade de se desenvolver Nesta senda

os problemas ambientais satildeo analisados de forma natildeo fragmentada ou seja

satildeo tratados a partir da perspectiva da complexidade que eacute inerente agraves soci-

edades modernas e de acordo com a noccedilatildeo de interdependecircncia entre os

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

199

diferentes fatores e elementos componentes do meio ambiente humano e na-

tural Aleacutem disso a Natureza e os animais natildeo-humanos passam a ser sujeitos

de direitos assim como os seres humanos dignos de proteccedilatildeo per se

A acepccedilatildeo ecologizada do Direito coloca limites mais ambiciosos ao

crescimento econocircmico infinito que eacute insustentaacutevel dos pontos de vista sociais

e ecoloacutegicos a fim de que a economia se entenda inserida no meio natural e

respeite de maneira primordial os limites biofiacutesicos do planeta evitando-se a

acentuaccedilatildeo da crise ecoloacutegica que opera em pleno curso

Em suma incorporar a sustentabilidade no Direito significa manter as

estruturas sociais normativas poliacuteticas e principalmente econocircmicas dentro

dos limites dos sistemas ecoloacutegicos preservando a substacircncia dos sistemas na-

turais (LEITE SILVEIRA 2018 p 114)

Quadro 1 ndash Diferenccedilas entre o Direito Ambiental e o Direito Ecoloacutegico

DIREITO AMBIENTAL DIREITO ECOLOacuteGICO

Proteccedilatildeo

humano

Natureza

Possui bases de vertente utilitaacuteria

protegendo a natureza apenas

quando seres humanos sofrem

ameaccedilas ou violaccedilotildees de direi-

tos

A natureza deve ser protegida per se

sendo a casa de todas as espeacutecies e

um dever humano respeitar os limites

por ela impostos sujeito que se pro-

tege eacute um ser ecoloacutegico

Paradigma

Paradigma antropocecircntrico e

base de atuaccedilatildeo legislativa frag-

mentada

Paradigma biocecircntrico e proteccedilatildeo

sistecircmica da natureza considerando

a complexidade dos ecossistemas

Status

juriacutedico

Natureza estaacute na condiccedilatildeo de

objeto eacute um recurso a ser explo-

rado pelos interesses humanos

Reconhecimento de direitos intriacutense-

cos agrave natureza e aos animais natildeo hu-

manos outros seres (natildeo humanos) se

tornam sujeitos de direitos

Relaccedilatildeo aos

valores

econocircmicos

Pouca ambiccedilatildeo para impor limi-

tes suficientes e capazes de con-

ter a crise com preponderacircncia

dos valores econocircmicos e natildeo

da sustentabilidade

Limitaccedilatildeo clara e forte agrave loacutegica eco-

nocircmica crescimentista tomando por

base a capacidade de manutenccedilatildeo

e resiliecircncia dos sistemas ecoloacutegicos e

a sustentabilidade do planeta Fonte elaborado pelos autores com base em LEITE 2018

No mesmo sentido Ulrich Beck explica que as sociedades industriais or-

ganizadas em termos nacionais estatildeo se metamorfoseando em sociedades

de risco mundiais ainda desconhecidas vez que lidam com riscos produzidos

pelas atividades humanas mas que natildeo satildeo por elas controlados Assim ocor-

rem momentos de convulsatildeo que levam agrave alteraccedilatildeo dos modos de pensar e

agir das ordens social e poliacutetica criando modos ineacuteditos de viver e se relacio-

nar com a Terra (BECK 2017 p 55)

Assim novos horizontes sociais sinalizam para um panorama de accedilotildees

que potildee fim agrave separaccedilatildeo entre natureza e sociedade vez que a destruiccedilatildeo

do meio ambiente se traduz em conflitos econocircmicos sociais e poliacuteticos que

na atualidade tecircm alcance global

Do cenaacuterio que conjuga incerteza e riscos mundiais podem derivar os

ldquoefeitos secundaacuterios positivosrdquo com reformas nos modelos de pensamento

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

200

estilos de vida e consumo Reflexionando sobre o uso insustentaacutevel de recursos

naturais e sobre a violaccedilatildeo potencial da proacutepria existecircncia humana o mo-

mento de catastrofismo emancipatoacuterio pode render agrave humanidade novos ho-

rizontes normativos pautados nos bens comuns passando a uma abordagem

integrada de temas que antes eram tratados separadamente (BECK 2017 p

60)

No momento catastroacutefico em que o passado se reflete e condiciona o

futuro o que antes parecera imutaacutevel passa obrigatoriamente a operar de

maneira nova e por isso o Direito requer ideias alternativas que comuniquem

as trageacutedias e os riscos em termos globais (BECK 2017 p 158) O Direito deve

buscar um horizonte normativo para um mundo de inclusatildeo abandonando a

ideologia neoliberal que tantas vezes condiciona a legislaccedilatildeo ambiental a

fim de praticar novas formas de responsabilidade transnacional com pautas

fortes de justiccedila na agenda internacional e de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses

Dessa forma a ecologizaccedilatildeo do Direito significa essa ruptura necessaacuteria

para um Estado de Direito Ecoloacutegico em que os limites possibilidades e opor-

tunidades sejam ditados pelo entendimento complexo holiacutestico e sistecircmico

da vida Atraveacutes dessa abertura a economia angaria a posiccedilatildeo de uma parte

do meio ambiente e portanto eacute por ele limitada

Portanto a ecologizaccedilatildeo do Direito oferece subsiacutedios teoacutericos para re-

pensar coletivamente as bases poliacutetico-juriacutedicas de uma nova relaccedilatildeo da hu-

manidade com o meio ambiente no qual habita e do qual eacute uma parte inte-

grante Assim enfrentar as lacunas deixadas pelo Direito Ambiental requer tra-

tar a escassez inerente aos recursos naturais que satildeo limitados ainda que re-

novaacuteveis em alguns casos (ARAGAtildeO 2020)

Neste sentido deve-se corrigir a trajetoacuteria ambiental traccedilada ateacute aqui

a partir de uma metamorfose que se paute em um novo pensar juriacutedico mais

ecoloacutegico e integrativo consciente de sua funccedilatildeo de proteccedilatildeo da vida em

todas as suas formas e sobretudo de seu papel de proporcionar um desen-

volvimento verdadeiramente sustentaacutevel

O suporte epistemoloacutegico que alicerccedila as vertentes do Direito ecologi-

zado perpassa o viacutenculo entre a ecologia e o proacuteprio conceito de justiccedila As-

sim para a efetivaccedilatildeo das mudanccedilas legislativas e juriacutedicas propostas pelo

direito ecoloacutegico jaacute pontuadas acima eacute imprescindiacutevel adotar uma aborda-

gem da justiccedila que busque garantir dignidade e integralidade de todas as

formas de vida

A justiccedila ecoloacutegica reconhece a necessidade de uma transformaccedilatildeo

fundamental da poliacutetica da economia e da sociedade o que envolve tam-

beacutem Direito Nesse contexto toma-se por premissa fundante que pautas soci-

ais e ecoloacutegicas soacute podem ser plenamente concretizadas se buscarem solu-

ccedilotildees comuns vez que ambas guardam implicaccedilotildees necessaacuterias entre si

(CONCA DABELKO 2015 apud DAROS 2018 p 91) e eacute nesta direccedilatildeo que o

direito deve atuar

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

201

Parte-se do pressuposto de que as liberdades individuais como accedilotildees

exercidas em um contexto ecoloacutegico e social ao mesmo tempo que natildeo

afeta apenas o titular do direito que o pratica Assim embora a formalidade

das relaccedilotildees ocorra apenas entre os seres humanos as accedilotildees delas decorren-

tes natildeo se restringem necessariamente a esses indiviacuteduos mas afetam na re-

alidade faacutetica um espectro amplo de existecircncias o que justifica tutelar as in-

teraccedilotildees humanas com animais natildeo humanos e com todos os ecossistemas

naturais como uma questatildeo de justiccedila

Neste sentido observa-se uma das alteraccedilotildees paradigmaacuteticas arraiga-

das agrave justiccedila ecoloacutegica a abertura de subjetividade juriacutedica agrave natureza e aos

animais natildeo humanos O reconhecimento de direitos intriacutensecos considera

que esses seres possuem assim como a espeacutecie humana interesses de bem-

estar tornando-os destinataacuterios da justiccedila ainda que natildeo figurem como seus

agentes propriamente (DAROS 2018 p 93)

Nisso reside uma observaccedilatildeo fundamental as semelhanccedilas comparti-

lhadas entre os seres humanos e natureza natildeo humana superam as diferenccedilas

inerentes agraves suas condiccedilotildees tomando-se como exemplo a integridade dos

ecossistemas que representa para a dimensatildeo natildeo humana a mesma ideia

que a dignidade tem para os seres humanos Desse modo abarcar a natureza

natildeo humana no arcabouccedilo da justiccedila se justifica pelo respeito ao seu funcio-

namento e florescimento que satildeo elementos natildeo exclusivos da humanidade

e que podem ser aplicados a outros seres observando-se as linhas de similari-

dade vez que a natureza assim como os seres humanos tambeacutem pode de-

senvolver sua proacutepria autonomia resiliecircncia e autodireccedilatildeo (SCHLOSBERG

2007 p 133 apud DAROS 2018 p 94)

Com respaldo em um discurso aberto e no prisma da similaridade entre

os seres solidifica-se a construccedilatildeo de uma teoria inclusiva de justiccedila que pre-

serve habilidades e necessidades essenciais dos seres natildeo humanos bus-

cando a confluecircncia harmocircnica entre as necessidades humanas e as possibi-

lidades do entorno ecoloacutegico

No intuito de corrigir as injusticcedilas derivadas da interaccedilatildeo humana com

a natureza em muito permitidas pela epistemologia ambiental vigente e con-

siderando a muacutetua dependecircncia entre o agente social humano e a unidade

ecoloacutegica o Direito ecologizado identifica os problemas oriundos dos impac-

tos ecoloacutegicos e os coloca em destaque questionando o papel dos institutos

e instrumentos juriacutedicos para que possam atuar na sua correccedilatildeo

Incorporando valores eacuteticos da ecologia Bosselmann (2010 p 2427) ex-

plica que o Direito cria uma dimensatildeo maior de direitos e obrigaccedilotildees juriacutedicas

capaz de abarcar um sujeito amplo (toda pessoa) um objetivo amplo (os co-

muns) e um espaccedilo (global) e tempo (curto e longo) tambeacutem amplos De ma-

neira fundamental isso implica o rompimento com o antropocentrismo claacutes-

sico e a atuaccedilatildeo segundo um paradigma biocecircntrico que guie a ordem juriacute-

dica consoante bases horizontais igualitaacuterias e sistecircmicas

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

202

134 LITIGAcircNCIA CLIMAacuteTICA

uma orientaccedilatildeo ecologizada do direito

A perspectiva ecoloacutegica do Direito nos uacuteltimos anos tambeacutem tem se

espraiado para a jurisprudecircncia Gradativamente percebe-se que a socie-

dade civil busca assegurar seus direitos baacutesicos ligados ao meio ambiente ndash e

ao clima ndash por meio de demandas judiciais que envolvam as obrigaccedilotildees e

deveres dos Estados e de entes privados

Em termos conceituais a litigacircncia climaacutetica consiste em accedilotildees judiciais

e administrativas atinentes a pautas como gases de efeito estufa vulnerabili-

dades aos efeitos da mudanccedila climaacutetica reparaccedilatildeo de danos e gestatildeo de

riscos climaacuteticos Observando-se o cenaacuterio mundial os tribunais tecircm desem-

penhado um papel cada vez mais protagonista e visiacutevel nos debates sobre a

alteraccedilatildeo do clima enquanto as accedilotildees judiciais e medidas administrativas

que abordam esse assunto tambeacutem tecircm sido mais notoacuterias (SETZER CUNHA

FABBRI 2019 p 63)

A litigacircncia climaacutetica tem sido uma ferramenta de colaboraccedilatildeo para

transforar estrateacutegias institucionais para a proteccedilatildeo dos recursos naturais Isso

ocorre em razatildeo de estruturas normativas regulatoacuterias ainda deficitaacuterias na ga-

rantia de compromissos realmente rigorosos de proteccedilatildeo dos processos eco-

loacutegicos o que tambeacutem demonstra uma necessidade de ruptura da loacutegica na

qual o direito ainda se encontra imerso

Alguns casos paradigmaacuteticos satildeo utilizados como referecircncia para de-

monstrar uma interpretaccedilatildeo mais ecologizada do direito O Caso Urgenda

localizado na Holanda teve iniacutecio quando uma organizaccedilatildeo da sociedade

civil ingressou com uma accedilatildeo judicial contra o governo e elaborou pedido

principal que o Estado assumisse o dever de reduzir as emissotildees de gases de

efeito estufa em seu territoacuterio nos niacuteveis de 25 e a 40 em 2020 tomando por

base as taxas registradas em 1990 O pedido se respaldou em dados cientiacuteficos

e em obrigaccedilotildees juriacutedico-poliacuteticas assumidas legalmente pela Holanda (HO-

LANDA 2020 p 2)

Em 2019 o caso recebeu decisatildeo procedente para o petitoacuterio confec-

cionado determinando-se a reduccedilatildeo das emissotildees em pelo menos 25 tor-

nando Urgenda exitosa em seu intuito inicial A fundamentaccedilatildeo se alicerccedilou

em pareceres cientiacuteficos sobre o clima e tomou como premissa que o fato de

o Estado holandecircs natildeo alcanccedilar essa reduccedilatildeo coloca em risco a vida e o bem

estar da populaccedilatildeo (HOLANDA 2020 p 5-6)

A litigacircncia climaacutetica tambeacutem possui espaccedilo no continente sul-ameri-

cano Um grupo de jovens colombianos devidamente representados ingres-

sou com uma accedilatildeo para deter o desmatamento na Amazocircnia argumen-

tando os fortes impactos dessa atividade nas emissotildees de gases de efeito es-

tufa e na mudanccedila do clima Em siacutentese o petitoacuterio circundava a criaccedilatildeo de

um pacto intergeracional para a vida da floresta aleacutem de um plano de accedilatildeo

que reduzisse gradativamente a taxa de desflorestamento

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

203

A Corte Suprema Colombiana na trilha do que defende o Direito eco-

loacutegico afirmou a conexatildeo entre a natureza e os direitos fundamentais huma-

nos entendendo que a vulneraccedilatildeo do direito a um ambiente equilibrado

acarreta transgressotildees sobre outros direitos humanos ndash como vida sauacutede li-

berdade e dignidade humana ndash que estatildeo imbricados substancialmente ao

estado saudaacutevel dos ecossistemas naturais (COLOcircMBIA 2018 p 13)

Levando em conta a irreversibilidade do dano e a certeza cientiacutefica que

subsidia a hipoacutetese de aumento de emissatildeo dos gases de efeito estufa no caso

de desflorestamento da cobertura vegetal e sua correlaccedilatildeo disso com a mu-

danccedila do clima o Tribunal avanccedilou sobre os direitos ambientais das futuras

geraccedilotildees sedimentando sua argumentaccedilatildeo no dever eacutetico de solidariedade

e no valor intriacutenseco da natureza (COLOcircMBIA 2018 p 23)

O expressivo avanccedilo da resposta a essa demanda judicial reside no re-

conhecimento do bioma amazocircnico colombiano como sujeito de direitos do-

tado de titularidade de proteccedilatildeo agrave conservaccedilatildeo manutenccedilatildeo e restaura-

ccedilatildeo Isso se tornou estrateacutegia para frear o desmatamento e emissotildees de gases

de efeito estufa emoldurando o pacto pelas garantias fundamentais da flo-

resta

Esses dois exemplos e sobretudo o segundo elucidam a ideia fundante

da ecologizaccedilatildeo do direito fazer com que o direito relacionado ao meio am-

biente atue em uma dimensatildeo equilibrada de interesses na estrutura dos direi-

tos e promova conjuntamente o desenvolvimento humano e ecoloacutegico

Assim cabe ao direito se moldar a partir de uma racionalidade que en-

tenda as liberdades individuais como accedilotildees exercidas em um contexto eco-

loacutegico e social ao mesmo tempo que natildeo afeta apenas o titular do direito

que o pratica

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este artigo reflexionou acerca das ineficiecircncias histoacutericas arraigadas ao

Direito Ambiental vigente demonstrando um cenaacuterio de incapacidade de

concretizar a salvaguarda satisfatoacuteria dos ecossistemas naturais e populaccedilotildees

vulneraacuteveis Isto porque em sua versatildeo atual o Direito Ambiental se limita agrave

ediccedilatildeo formal-legislativa para resolver os problemas factiacuteveis da realidade

enquanto na praacutetica se manteacutem permissivo e subserviente aos interesses do

sistema econocircmico predatoacuterio

Essa situaccedilatildeo endossou a crise ecoloacutegica em curso que tem como

exemplo mais atual a pandemia de COVID-19 e estampa a necessidade de

alterar as bases de relacionalidade entre a humanidade e o meio que devem

ser revisitadas a fim de que se protejam os indiviacuteduos como sujeitos ecoloacutegicos

isto eacute como partes indissociaacuteveis de um sistema natural sejam eles de natu-

reza humana ou natildeo-humana

Em razatildeo disso imperativa a ruptura de paradigma rumo ao Direito Eco-

loacutegico que tem fundamentos juriacutedicos e valorativos mais abrangentes reco-

nhecendo subjetividade aos seres natildeo-humanos e considerando o caraacuteter

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

204

sistecircmico e a complexidade inerentes agrave Natureza de modo a colocar limites

claros e precisos agrave loacutegica crescimentista para balizar as atividades de acordo

com a sustentabilidade ecoloacutegica

As bases fundantes do conceito de justiccedila ecoloacutegica se correspondem

com a noccedilatildeo deste novo direito metamorfoseado rumo agrave ecologizaccedilatildeo Isto

porque reconhece subjetividade juriacutedica agrave natureza e aos animais natildeo huma-

nos buscando alinhar harmonicamente as necessidades humanas e as possi-

bilidades fiacutesicas do entorno ecoloacutegico a partir do paradigma biocecircntrico do

sistema juriacutedico que tutela a interdependecircncia o agente social humano e a

unidade ecoloacutegica

Assim eacute preciso corrigir a trajetoacuteria humana no meio ambiente de modo

a desenvolver uma nova epistemologia que em termos juriacutedicos seja mais ali-

nhada agrave ecologia e propicie o desenvolvimento saudaacutevel de todas as formas

de vida em conjunto vez que apenas em bases cooperativas e horizontais eacute

possiacutevel perpetuar a vida no planeta

REFEREcircNCIAS

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DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

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206

O PRINCIacutePIO DA PRECAUCcedilAtildeO

AMBIENTAL COMO PARAcircMETRO AO

EXERCIacuteCIO DA ATIVIDADE ECONOcircMICA

Leon Simotildees de Mello1

Joatildeo Luis Nogueira Matias2

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 141 O princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental e

sua importacircncia no contexto internacional atual 1411 Surgimento

no acircmbito internacional 1412 Conceito e abrangecircncia do princiacutepio

da precauccedilatildeo ambiental 1413 Disciplina do princiacutepio da precau-

ccedilatildeo ambiental no Brasil 142 A atividade econocircmica e sua proteccedilatildeo

constitucional 1421 O livre exerciacutecio da atividade econocircmica na

ordem constitucional 1422 Os riscos da atividade econocircmica e sua

mitigaccedilatildeo 143 A atividade econocircmica sob o prisma do princiacutepio da

precauccedilatildeo 1431 A proteccedilatildeo ambiental como preocupaccedilatildeo basi-

lar da ordem juriacutedica 1432 A precauccedilatildeo e o controle dos riscos am-

bientais da atividade econocircmica 1433 Anaacutelise de julgados do Su-

premo Tribunal Federal acerca do princiacutepio da precauccedilatildeo Conside-

raccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

A partir da segunda metade do seacuteculo XX especialmente nas deacutecadas

de 1960 e 1970 o problema da proteccedilatildeo do meio ambiente e de seus recursos

naturais passou a ser pauta recorrente e importante nas reuniotildees e debates

de oacutergatildeos e entidades internacionais empreendendo-se desde entatildeo pro-

fundas discussotildees estudos e pesquisas multidisciplinares acerca do tema

A transiccedilatildeo para a conscientizaccedilatildeo acerca da necessidade de prote-

ccedilatildeo ao meio ambiente se deu no contexto das grandes mudanccedilas econocircmi-

cas e tecnoloacutegicos ocasionadas pela Revoluccedilatildeo Industrial ao longo dos uacutelti-

mos seacuteculos (TRENNEPOHL 2010 p 10) do que decorreu a atual era da pro-

duccedilatildeo e do consumo em massa em escala global Ademais as novas tecno-

logias e os novos processos produtivos propiciaram um maior controle do ser

humano sobre a mateacuteria inimaginaacutevel em outras eacutepocas fornecendo ao ho-

mem grandes meios de transformaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo do ambiente natural

Assim a referida preocupaccedilatildeo com proteccedilatildeo ambiental para as atuais

e futuras geraccedilotildees decorreu da compreensatildeo do homem de que os recursos

naturais natildeo satildeo inesgotaacuteveis bem como da percepccedilatildeo de que as atividades

1 Mestrando em Direito na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Cearaacute

E-mail leonmellobragalincolnadvbr

2 Professor Titular dos Programas de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC e da UNI7

E-mail joaomatiasuni7edubr

14

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

207

humanas poderiam trazer riscos agrave conservaccedilatildeo e agrave subsistecircncia do meio am-

biente em seus mais variados aspectos ndash como a fauna a flora e os biomas ndash

inclusive em relaccedilatildeo agrave proacutepria sobrevivecircncia do ser humano na Terra

Logo paralelamente ao surgimento de um imperativo global de pre-

venccedilatildeo aos danos ambientes derivados de atividades reconhecidamente no-

civas como confluecircncia da percepccedilatildeo acerca do grande e cada vez mais

vertiginoso desenvolvimento tecnoloacutegico e cientiacutefico da compreensatildeo da

existecircncia de graves riscos ao ambiente e aos seres humanos decorrentes das

atividades humanas e da assimilaccedilatildeo quanto agrave importacircncia da proteccedilatildeo ao

meio ambiente tem-se a formulaccedilatildeo do princiacutepio juriacutedico de precauccedilatildeo vol-

tado agrave necessidade de salvaguarda contra riscos graves e irreversiacuteveis decor-

rentes da atuaccedilatildeo humana como forma de proteccedilatildeo a situaccedilotildees em que a

incerteza cientiacutefica natildeo possibilita uma seguranccedila quanto aos potenciais da-

nos de um determinado curso de accedilatildeo

O decliacutenio da ideia de controle e de certeza da ciecircncia ocorrido nas

uacuteltimas deacutecadas em decorrecircncia da mudanccedila de paradigma da crenccedila ab-

soluta na ciecircncia para uma ldquociecircncia humanizadardquo (MORAES 2011 p 21) im-

pulsionou a relevacircncia e a necessidade de previsatildeo e aplicaccedilatildeo do princiacutepio

da precauccedilatildeo ambiental nos ordenamentos juriacutedicos das naccedilotildees assim como

no acircmbito dos tratados e convenccedilotildees internacionais considerando que os ris-

cos das atividades humanas atualmente satildeo de acircmbito global ultrapas-

sando quaisquer fronteiras poliacuteticas

Ao mesmo tempo as relaccedilotildees econocircmicas e sociais prevalentes no

mundo atual satildeo fundadas no modelo capitalista tendente agrave prevalecircncia de

interesses individuais e de curto prazo bem como tencionado a uma expan-

satildeo contiacutenua e ilimitada De outra sorte reconhece-se que o desenvolvimento

econocircmico eacute essencial para a maximizaccedilatildeo da riqueza e do bem-estar da

humanidade (PEIXOTO 2014 p 33)

A relevacircncia da anaacutelise do princiacutepio da precauccedilatildeo se mostra portanto

cada vez maior considerando o atual panorama de incertezas cientiacuteficas e o

aumento da percepccedilatildeo de risco da sociedade quanto a vaacuterios aspectos da

proteccedilatildeo da vida humana e do meio ambiente A importacircncia reside igual-

mente na necessidade de indagaccedilotildees quanto agrave conceituaccedilatildeo e agrave abran-

gecircncia do referido princiacutepio e a harmonia entre a precauccedilatildeo e o exerciacutecio da

atividade econocircmica pontos estes que seratildeo focados neste trabalho

Busca-se por via da anaacutelise bibliograacutefico de obras que enfoquem o prin-

ciacutepio da precauccedilatildeo ambiental eminentemente no acircmbito nacional respon-

der as principais perguntas acerca do tema qual o conteuacutedo de tal princiacutepio

e o que exatamente ele protege O princiacutepio foi previsto no ordenamento

juriacutedico brasileiro Este princiacutepio se coaduna com outro princiacutepio constitucional

paacutetrio o da livre iniciativa Qual a efetividade de tal princiacutepio no contexto do

Estado brasileiro

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

208

141 O PRINCIacutePIO DA PRECAUCcedilAtildeO AMBIENTAL E SUA

IMPORTAcircNCIA NO CONTEXTO INTERNACIONAL ATUAL

De forma a melhor analisar o princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental neces-

saacuterio se faz perquirir sobre o nuacutecleo do conceito de precauccedilatildeo e seu surgi-

mento no acircmbito da proteccedilatildeo ao meio ambiente bem como discutir sobre a

correta abrangecircncia do princiacutepio perquirindo sobre as concepccedilotildees de risco

ensejadoras da aplicaccedilatildeo da norma de precauccedilatildeo

Aleacutem disso a histoacuteria da internalizaccedilatildeo do princiacutepio no Brasil e o exame

dos dispositivos normativos que consubstanciam o princiacutepio da precauccedilatildeo na

legislaccedilatildeo paacutetria seratildeo importantes para se verificar o modo e a extensatildeo de

aplicaccedilatildeo no ordenamento nacional da referida norma principioloacutegica

1411 Surgimento no acircmbito internacional

O estudo do princiacutepio da precauccedilatildeo natildeo pode prescindir mesmo que

sumariamente de uma anaacutelise acerca da ideia de ldquoriscordquo que eacute base para a

incidecircncia da busca por precauccedilatildeo natildeo haacute o que se precaver sem a existecircn-

cia de um dado risco ou sem a sua percepccedilatildeo

A definiccedilatildeo etimoloacutegica de ldquoriscordquo perpasse pela origem italiana da pa-

lavra ldquo[] risicare ou rischiare que significa lsquoousarrsquo lsquoaventurar-sersquo []rdquo (MO-

RAES 2011 p 37) que remonta ao periacuteodo inicial das navegaccedilotildees mariacutetimas

na Renascenccedila sendo utilizada para designar um infortuacutenio advindo de ato

natural ou divino isto eacute independente da vontade humana (MORAES 2011

p 37) Uma situaccedilatildeo de risco ou a exposiccedilatildeo ao risco portanto exprime a

ideia de possibilidade ou probabilidade de desfecho desfavoraacutevel ao curso

de accedilatildeo ou omissatildeo tomado Em certa medida o conceito de ldquoriscordquo eacute iacutensito

agrave noccedilatildeo de tomada de decisatildeo jaacute que natildeo satildeo possiacuteveis a previsatildeo e o con-

trole pelo homem de todas as consequecircncias de suas accedilotildees

A percepccedilatildeo quanto aos riscos advindos do comportamento humano

natildeo eacute estanque modificando-se ao longo do tempo conforme a transforma-

ccedilatildeo da cosmovisatildeo do homem Desta forma para uma mesma situaccedilatildeo a

percepccedilatildeo de risco pode ser bastante distinta para pessoas de culturas ou

eacutepocas diferentes

Assim passou-se com o grande desenvolvimento tecnoloacutegico cientiacute-

fico e econocircmico dos uacuteltimos seacuteculos a uma percepccedilatildeo ldquohumanizadardquo e

ldquoglobalizadardquo dos riscos ndash em oposiccedilatildeo agrave anterior visatildeo ldquodivinizadardquo e ldquolocalrdquo

a compreensatildeo da potencialidade e da gravidade da accedilatildeo transformadora

do homem sobre a natureza e sobre as proacuteprias vidas humanas transforma na

modernidade a apreensatildeo dos riscos existente nas accedilotildees humanas

Estes novos riscos qualificados como modernos satildeo uma conse-

quumlecircncia da atividade tecnoloacutegica Beck menciona efeitos colate-

rais para referir-se aos efeitos secundaacuterios invisiacuteveis que vecircm com a

inovaccedilatildeo tecnoloacutegica aos quais eacute necessaacuterio adaptar-se O desen-

volvimento tecnoloacutegico principalmente aquele proporcionado pelo

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

209

modelo cientiacutefico ocidental estaacute na origem do desenvolvimento des-

ses novos riscos (BRUNET DELVENNE JORIS 2011 p 181)

Em sua obra Beck (2011 p 39) aduz que os ldquoriscosrdquo tecircm ldquo[] fundamen-

talmente que ver com antecipaccedilatildeo com destruiccedilotildees que ainda natildeo ocorre-

ram mas que satildeo iminentes e que justamente nesse sentido jaacute satildeo reais

hojerdquo Haacute entatildeo como produto da modernidade uma percepccedilatildeo de risco

da accedilatildeo humana inexistente nas eacutepocas anteriores do que decorre a origem

da construccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo

O embriatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental eacute identificado por

Sunstein (2005 p 16) na legislaccedilatildeo sueca de proteccedilatildeo ambiental de 1969 ao

passo que por volta do mesmo periacuteodo a Alemanha Ocidental sanciona

norma protetiva com base no mesmo princiacutepio

Apesar de sensata associaccedilatildeo da precauccedilatildeo com a prudecircncia aris-

toteacutelica entendemos ser o instituto na sua forma mais desenvolvida

criaccedilatildeo do direito ambiental alematildeo sendo trabalhada inicialmente

com ecircnfase na aacuterea da regulaccedilatildeo da emissatildeo de poluiccedilatildeo na Ale-

manha Ocidental sob a denominaccedilatildeo de Vorsorgeprinzip A medida

era empregada entatildeo visando coibir a accedilatildeo dos poluentes sobre a

cobertura arboacuterea do territoacuterio tedesco poreacutem tinha tambeacutem aplica-

ccedilatildeo em outras aacutereas do direito ambiental Sua positivaccedilatildeo naquele

paiacutes deu-se no iniacutecio dos anos oitenta do seacuteculo passado muito em-

bora o instituto jaacute houvesse sido gestado desde a deacutecada seguinte

(HARTMANN 2012 p 157)

Em decorrecircncia de sua importacircncia em face dos novos cenaacuterios de ris-

cos internacionais o princiacutepio da precauccedilatildeo passa a ser objeto de vaacuterios tra-

tados e convenccedilotildees internacionais a partir da deacutecada de 1980 Em 1982 a

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas emitiu a Carta Mundial da Natureza a qual

previu em seu item ldquoII10ardquo o princiacutepio da precauccedilatildeo (ORGANIZACcedilAtildeO DAS

NACcedilOtildeES UNIDAS 1982) Na Conferecircncia das Naccedilotildees Unidas sobre Meio Ambi-

ente e Desenvolvimento de 1992 foi aprovada a Declaraccedilatildeo do Rio de Ja-

neiro na qual em seu Princiacutepio 15 apresentou-se uma conceituaccedilatildeo do prin-

ciacutepio da precauccedilatildeo3

Apoacutes os referidos marcos histoacutericos dada a sua importacircncia o princiacutepio

da precauccedilatildeo foi previsto em diversos outros tratados e convenccedilotildees interna-

cionais sendo igualmente internalizado no ordenamento juriacutedico brasileiro

como seraacute visto em toacutepico pertinente abaixo

3 ldquoCom o fim de proteger o meio ambiente o princiacutepio da precauccedilatildeo deveraacute ser ampla-

mente observado pelos Estados de acordo com suas capacidades Quando houver ame-

accedila de danos graves ou irreversiacuteveis a ausecircncia de certeza cientiacutefica absoluta natildeo seraacute

utilizada como razatildeo para o adiamento de medidas economicamente viaacuteveis para pre-

venir a degradaccedilatildeo ambientalrdquo (MORAES 2011 p 91)

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

210

1412 Conceito e abrangecircncia do princiacutepio da precauccedilatildeo

ambiental

Em face das formulaccedilotildees do princiacutepio da precauccedilatildeo nos tratados e

convenccedilotildees internacionais realizadas no fim do uacuteltimo seacuteculo muitos estudio-

sos do tema se debruccedilaram sobre a verdadeira abrangecircncia de tal princiacutepio

investigando para tanto as noccedilotildees baacutesicas sobre as quais o princiacutepio de ba-

seia como quais os niacuteveis de risco incerteza cientiacutefica possibilidade e gravi-

dade de dano a ensejarem a aplicaccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo a uma

dada accedilatildeo

Haacute enorme relevacircncia neste ponto conceitual pois a depender da

compreensatildeo sobre a real dimensatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo concluir-se-

aacute por diferentes respostas normativas a diversas situaccedilotildees faacuteticas relevantes

Em introduccedilatildeo ao seu trabalho sobre o tema Sunstein (2005 p 14) com

base em sua anaacutelise das concepccedilotildees sobre o princiacutepio em tratados e prece-

dentes de cortes internacionais critica o que seria uma incoerecircncia na formu-

laccedilatildeo mais abrangente do princiacutepio da precauccedilatildeo (nomeada de ldquoconceito

forterdquo) que encerraria dentro da conceituaccedilatildeo principioloacutegica a impossibili-

dade de accedilatildeo em caso de simples probabilidade de dano ao meio ambiente

mesmo que diminuto ateacute que o agente comprove cientificamente a inexis-

tecircncia de qualquer risco em sua conduta

Desta forma impor a inaccedilatildeo sobre patamares em que inexiste a miacutenima

comprovaccedilatildeo de possibilidade de graves danos ao meio ambiente e que o

agente tenha que se desincumbir da carga probatoacuteria da certeza cientiacutefica

da inexistecircncia de riscos de sua accedilatildeo levaria a uma paralisaccedilatildeo de diversas

atividades humanas o que por sua vez traria vaacuterios outros riscos aos proacuteprios

bens juriacutedicos que o princiacutepio da precauccedilatildeo visa resguardar como a proteccedilatildeo

ao meio ambiente e ao ser humano (STEEL 2015 p 3) Visto por sua concep-

ccedilatildeo forte o princiacutepio natildeo seria um guia adequado para chegar ao objetivo

que ele se propotildee (SUNSTEIN 2005 p 14)

O ldquoconceito fracordquo eacute a proposiccedilatildeo de que o princiacutepio abrangeria o de-

ver de interferecircncia em situaccedilotildees em que existindo a possibilidade de graves

e irreparaacuteveis danos ao meio ambiente a ausecircncia de certeza cientiacutefica

quanto ao nexo entre os possiacuteveis danos e a accedilatildeo humana natildeo pode servir

de fundamento para a inaccedilatildeo quanto agrave proteccedilatildeo ambienta Desta forma

natildeo se exigiria a certeza cientiacutefica de inexistecircncia de risco para que o agente

pratique uma dada conduta considerando que o risco eacute inerente agrave accedilatildeo hu-

mana sendo utoacutepico se pensar em eliminaccedilatildeo total do risco da atividade

econocircmica (HAMMERSCHMIDT 2002 p 118)

A siacutentese que se faz das duas ideias acima eacute que o princiacutepio da precau-

ccedilatildeo deve ser concebido de forma a natildeo se modificarem os riscos a serem

precavidos com a aplicaccedilatildeo da referida norma por outros tipos de riscos de-

correntes de uma aplicaccedilatildeo estagnante do princiacutepio do que decorria graves

prejuiacutezos agrave sociedade sob a justificativa de mitigaccedilatildeo de virtuais danos que

poderiam natildeo se concretizar ou mesmo existir

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

211

Ao mesmo tempo o princiacutepio natildeo pode ser tomado de forma minora-

tiva pois como jaacute visto a capacidade danosa da atividade e dos produtos

desenvolvidos pelo homem torna imperativo o dever de salvaguardar o meio

ambiente e a coletividade contra riscos incertos sob pena de esvaziamento

do nuacutecleo do princiacutepio em detrimento da proteccedilatildeo objetivada Assim conclui

Moraes (2011 p 108) ldquo[] o princiacutepio da precauccedilatildeo teve origem e se desen-

volve em uma sociedade de risco que natildeo pode mais se utilizar de institutos e

pilares claacutessicos do direito tais como o da responsabilidade (a posteriori) do

danordquo

Sendo o princiacutepio abstrato por sua proacutepria natureza natildeo possuindo em

si resposta pronta para diversas situaccedilotildees praacuteticas importante seraacute o papel de

outro princiacutepio o da proporcionalidade para a satisfatoacuteria aplicaccedilatildeo da

norma de precauccedilatildeo perquirindo a correspondecircncia entre a intervenccedilatildeo na

atividade humana e a plausibilidade e gravidade do potencial dano (STEEL

2015 p 10)

1413 Disciplina do princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental no

Brasil

O princiacutepio da precauccedilatildeo eacute identificado pela primeira vez na legislaccedilatildeo

nacional na Lei nordm 6938 de 31 de agosto de 1981 que instituiu a Poliacutetica Naci-

onal do Meio Ambiente especificamente no artigo 9ordm inciso III em que se

prevecirc como instrumento de tal poliacutetica a avaliaccedilatildeo de impactos ambientais

Em decorrecircncia da referida lei foi publicada a Resoluccedilatildeo nordm 001 de 23 de

janeiro de 1986 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) regu-

lamentando a anaacutelise de impactos ambientais em seu artigo 6ordm inciso II sendo

este um importante instrumento na verificaccedilatildeo da potencialidade lesiva das

atividades econocircmicas (MALAQUIAS HALICKI VENERAL 2011 p 7)

A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 225 sect 1ordm inciso IV prevecirc

a necessidade de estudo preacutevio de impacto ambiental para a instalaccedilatildeo de

obra ou atividade potencialmente geradoras de significativa degradaccedilatildeo ao

meio ambiente a que se daraacute publicidade consagrando assim em caraacuteter

constitucional o instrumento de anaacutelise de impacto ambiental previsto na lei

acima citada

Este instrumento elevado ao texto constitucional eacute tomado como co-

rolaacuterio do princiacutepio da precauccedilatildeo do que resultaria no reconhecimento pelo

constituinte originaacuterio do caraacuteter constitucional do princiacutepio da precauccedilatildeo

ambiental mesmo que de forma impliacutecita (HARTMANN 2012 p 158)

O princiacutepio tambeacutem eacute reconhecido em outros textos legais paacutetrios

como na Lei de Crimes Ambientais (Lei nordm 9605 de 12 de fevereiro de 1998)

em seu artigo 54 sect 3ordm que estabelece puniccedilatildeo do agente poluidor quando

este natildeo adotar as medidas de precauccedilatildeo exigidas pela autoridade compe-

tente em caso de exerciacutecio de atividade potencialmente causadora de

dano ambiental grave e irreversiacutevel

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

212

A Lei da Biosseguranccedila (Lei nordm 11105 de 24 de marccedilo de 2005) consa-

grou expressamente no ordenamento paacutetrio o princiacutepio da precauccedilatildeo am-

biental sendo este um importante marco legislativo quanto agrave mateacuteria

Verifica-se entatildeo a importacircncia instrumental do Estudo de Impacto

Ambiental no nosso ordenamento juriacutedico como forma de concretizaccedilatildeo

pela administraccedilatildeo puacuteblica do princiacutepio da precauccedilatildeo especialmente no

que tange agrave atividade econocircmica que somente poderaacute ser desenvolvida

em caso de atividades potencialmente danosas ao meio ambiente ou agrave sa-

uacutede puacuteblica em consonacircncia com as determinaccedilotildees dos oacutergatildeos puacuteblicos am-

bientais

Percebe-se que o princiacutepio da precauccedilatildeo natildeo foi conceituado de

forma detalhada ao contraacuterio as previsotildees do princiacutepio satildeo quando natildeo im-

pliacutecitas apenas sumaacuterias Desta forma seraacute importante a anaacutelise da atividade

judicial acerca do tema o que seraacute feito em momento oportuno

142 A ATIVIDADE ECONOcircMICA E SUA PROTECcedilAtildeO

CONSTITUCIONAL

A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em diversos dispositivos dos quais o mais

eloquente eacute o artigo 170 disciplina a ordem econocircmica por meio da qual a

sociedade deve buscar os objetivos tambeacutem constitucionais de assegurar

uma existecircncia digna a todos conforme os ditames da justiccedila social

Para tanto a Constituiccedilatildeo estabelece proteccedilatildeo constitucional agraves liber-

dades que devem servir de base agrave tal ordem econocircmica como o direito agrave

propriedade privada a livre concorrecircncia e a liberdade de exerciacutecio de qual-

quer atividade econocircmica Por outro lado a proacutepria Constituiccedilatildeo estabelece

limites e condiccedilotildees para o exerciacutecio dos mencionados direitos ldquoeconocircmicosrdquo

sendo as normas de proteccedilatildeo ao meio ambiente um importante balizador de

tais atividades

1421 O livre exerciacutecio de atividade econocircmica na ordem

constitucional

A ordem econocircmica na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 como salientado

por Grau (2010 p 72-73) tem por base os primados do sistema capitalista ao

mesmo tempo que haacute o estabelecimento de mecanismos intervencionistas na

seara econocircmica As normas dos artigos 1ordm inciso IV e do 3ordm inciso II e III da

Constituiccedilatildeo afirmam os valores do trabalho e da livre iniciativa como funda-

mentos do Estado brasileiro bem como o desenvolvimento nacional e a erra-

dicaccedilatildeo da pobreza como objetivos fundamentais da Repuacuteblica

O artigo 170 da Constituiccedilatildeo com acima citado aduz que a ordem

econocircmica eacute fundada na valorizaccedilatildeo do trabalho e na livre iniciativa bus-

cando assegurar a todos uma existecircncia digna

Ademais deve-se delinear que a atividade econocircmica eacute definida de

forma indireta pelo artigo 173 sect 1ordm da Constituiccedilatildeo Federal que aduz ser esta

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

213

a atividade de produccedilatildeo ou comercializaccedilatildeo de bens e serviccedilos tal conceito

deve ser tomado de forma abrangente de forma a incidir aleacutem dos direitos

protetivos ao exerciacutecio de tais atividades os deveres juriacutedicos pertinentes a

estas

Verifica-se entatildeo uma clara proteccedilatildeo constitucional ao exerciacutecio da

atividade econocircmica como meio de consecuccedilatildeo de objetivos fundamentais

da Repuacuteblica estabelecidos pelo poder constituinte originaacuterio como o desen-

volvimento nacional e a digna existecircncia a todos com a erradicaccedilatildeo da po-

breza4

1422 Os riscos da atividade econocircmica e sua mitigaccedilatildeo

As liberdades econocircmicas sem limitaccedilotildees ou condicionantes para seu

exerciacutecio foram causas de diversos riscos sociais e ambientais concretizados

ou natildeo nos uacuteltimos seacuteculos especialmente durante o primado da ordem libe-

ral estabelecida como ordem predominante apoacutes revoluccedilotildees liberais do fim

do seacuteculo XVIII Diante das criacuteticas agrave ordem liberal e agraves suas consequecircncias

haacute a passagem ao paradigma do Estado Social havendo uma maior inter-

venccedilatildeo do Estado em diversos aspectos da sociedade (BONAVIDES 2004 p

35-37)

Dentro do desenvolvimento do paradigma do Estado Social eacute que se

verifica a nova funccedilatildeo interventiva do Estado na seara econocircmica ressal-

tando-se para os fins deste trabalho a proteccedilatildeo ambiental Portanto parale-

lamente agraves liberdades econocircmicas a Constituiccedilatildeo Federal condiciona o exer-

ciacutecio de tais atividades a objetivos e princiacutepios tambeacutem essenciais agrave socie-

dade como a proteccedilatildeo ao meio ambiente

Ao contraacuterio a Constituiccedilatildeo tambeacutem atribuiu agrave livre iniciativa o status

de fundamento constitucional garantindo a produccedilatildeo e circulaccedilatildeo

de riquezas O objetivo eacute um desenvolvimento sustentaacutevel limitando

o exerciacutecio da livre iniciativa para atingir o equiliacutebrio entre o desen-

volvimento e a sadia qualidade de vida

Sarlet e Fensterseifer (2013) esclarecem que os deveres fundamentais

implicam limites e restriccedilotildees sendo imprescindiacutevel a aplicaccedilatildeo do

princiacutepio da proporcionalidade Deve-se analisar os danos que a ati-

vidade iraacute causar em comparaccedilatildeo aos benefiacutecios agrave coletividade Re-

alizar uma ponderaccedilatildeo de princiacutepios

A livre iniciativa natildeo legitima o exerciacutecio da atividade econocircmica de

forma desenfreada sendo limitada pelo princiacutepio da preservaccedilatildeo do

meio ambiente Em contrapartida o dever de preservaccedilatildeo do meio

4 ldquoOs princiacutepios de estiacutemulo ao desenvolvimento econocircmico traduzidos pelo fortalecimento

e expansatildeo dos fatores da produccedilatildeo pelo aumento do niacutevel de emprego do desenvolvi-

mento da tecnologia e pelo aumento da quantidade e variedade de produtos no mer-

cado ndash com a elevaccedilatildeo do poder aquisitivo e do valor do investimento ndash estatildeo presentes

na Constituiccedilatildeo brasileira refletindo as bases normativas do desenvolvimento do Estado

brasileirordquo (DERANI 2008 p 224)

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

214

ambiente natildeo legitima uma preservaccedilatildeo radical cega (PEIXOTO

2014 p 29-30)

O princiacutepio da proteccedilatildeo ambiental em verdade

[] conforma a ordem econocircmica (mundo do ser) informando subs-

tancialmente os princiacutepios da garantia do desenvolvimento e do

pleno emprego Aleacutem de objetivo em si eacute instrumento necessaacuterio mdash

e indispensaacutevel mdash agrave realizaccedilatildeo do fim dessa ordem o de assegurar a

todos existecircncia digna Nutre tambeacutem ademais os ditames da jus-

ticcedila social Todos tecircm direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado bem de uso comum do povo mdash diz o art 225 caput

(GRAU 2010 p 256)

Assim o desenvolvimento econocircmico e a proteccedilatildeo ambiental satildeo am-

bos objetivos da sociedade nacional que natildeo devem se excluir mutuamente

mas devem conviver em harmonia no bojo de nosso ordenamento juriacutedico

sendo muitas vezes tarefa tormentosa a avaliccedilatildeo precisa dos limites do acircm-

bito de cada princiacutepio constitucional em dado caso concreto

De toda forma a proteccedilatildeo ambiental em decorrecircncia da contiacutenua de-

gradaccedilatildeo do meio ambiente e da potencialidade lesiva das atividades eco-

nocircmicas deve ser tomada como princiacutepio norteador da atividade humana

especialmente quanto ao desenvolvimento econocircmico jaacute que a danificaccedilatildeo

contiacutenua ou mesmo a supressatildeo dos bens ambientais impossibilitaraacute o cum-

primento dos objetivos econocircmicos e sociais da naccedilatildeo natildeo haacute como se ter

uma existecircncia digna sem um ambiente minimamente protegido

Essa ideia eacute especialmente presente no princiacutepio da precauccedilatildeo jaacute que

este lida com a proteccedilatildeo a situaccedilotildees de incerteza cientiacutefica da atividade hu-

mana e de potencialidade de riscos graves e irreversiacuteveis ao meio ambiente

devendo-se complementar ao imperativo do livre exerciacutecio da atividade eco-

nocircmica o dever de necessaacuteria precauccedilatildeo ambiental

O alcance deste princiacutepio depende substancialmente da forma e da

extensatildeo da cautela econocircmica correspondente a sua realizaccedilatildeo

Especificamente naquilo concernente agraves disposiccedilotildees relativas ao

grau de exigecircncia para implementaccedilatildeo de melhor tecnologia e ao

tratamento corretivo da atividade inicialmente poluidora (DERANI

2008 p 152)

Deve-se ter o cuidado por outro lado de natildeo subordinar o direito ao

exerciacutecio da atividade econocircmica como preceito meramente secundaacuterio em

relaccedilatildeo agrave proteccedilatildeo ambiental do que poderia decorre aleacutem de asfixiamento

dos princiacutepios protetivos agrave livre iniciativa riscos e problemas de ordem social

a descambar em um grau elevado em risco agrave proacutepria proteccedilatildeo ambiental

O direito fundamental de proteccedilatildeo ao meio ambiente constitui um

verdadeiro limitador do direito de propriedade e da livre iniciativa

condicionando os agentes econocircmicos a realizarem comportamen-

tos positivos e negativos para exercerem sua atividade

ldquo

ldquo

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

215

Essa limitaccedilatildeo todavia demanda cautela Natildeo se pode dar uma in-

terpretaccedilatildeo irrestrita a esse direito impedindo a realizaccedilatildeo de qual-

quer atividade sob alegaccedilatildeo de dano ao meio ambiente A ativi-

dade econocircmica por via de regra eacute degradadora Uma interpreta-

ccedilatildeo radical do dever de preservar o meio ambiente acarretaria a

estagnaccedilatildeo do desenvolvimento econocircmico o que certamente natildeo

eacute a intenccedilatildeo do constituinte O direito ambiental brasileiro jamais teraacute

como finalidade frear o desenvolvimento econocircmico pois isso so-

mente ocasionaria maiores danos agrave natureza e a sociedade com o

aumento da miseacuteria (PEIXOTO 2014 p 29)

Cumpre analisar portanto na ordem juriacutedica paacutetria a aplicaccedilatildeo do

princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental em relaccedilatildeo ao exerciacutecio da atividade eco-

nocircmica

143 A ATIVIDADE ECONOcircMICA SOB O PRISMA DO PRINCIacutePIO DA

PRECAUCcedilAtildeO

O nuacutecleo da investigaccedilatildeo deste trabalho se assenta na intersecccedilatildeo en-

tre as duas proteccedilotildees constitucionais jaacute expostas acima isto eacute na inter-relaccedilatildeo

das normas juriacutedicas de defesa do meio ambiente via princiacutepio da precau-

ccedilatildeo e de salvaguarda ao livre exerciacutecio da atividade econocircmica

Os principais aspectos que subjazem a presente anaacutelise satildeo aqueles re-

ferentes agrave dimensatildeo protetiva no ordenamento paacutetrio dada aos dois bens

envolvidos na questatildeo agrave liberdade de accedilatildeo para fins de desenvolvimento

econocircmico da sociedade e ao meio ambiente em todas as suas perspectivas

tema este jaacute visto em parte ao longo deste trabalho Aleacutem da anaacutelise aprio-

riacutestica de proteccedilatildeo juriacutedica dos referidos bens importa verificar no plano da

concretude dos precedentes da Suprema Corte o modo de entendimento e

aplicaccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo em casos envolvendo o exerciacutecio da

atividade econocircmica

1431 A proteccedilatildeo ambiental como preocupaccedilatildeo basilar da

ordem juriacutedica

Natildeo resta duacutevida que a proteccedilatildeo ao meio ambiente eacute princiacutepio caro ao

ordenamento juriacutedico paacutetrio elevado por via do artigo 225 e demais disposi-

tivos a princiacutepio e objetivo constitucional inclusive sendo reconhecido como

um ldquodireito-deverrdquo fundamental (SARLET FENSTERSEIFER 2012 p 144-145)

Diante da importacircncia e urgecircncia da proteccedilatildeo ao meio ambiente

mesmo sob o prisma essencialmente antropocecircntrico ndash voltado agrave preservaccedilatildeo

para as futuras geraccedilatildeo e para o natildeo esgotamento dos recursos naturais utili-

zados pelo homem5 ndash encampa-se na literatura juriacutedica atual tal proteccedilatildeo

5 Do ponto de vista juriacutedico a natureza tem sido considerada ora como objeto ora como

sujeito Nestes uacuteltimos anos afirma Antocircnio Herman V Benjamin lsquovem ganhando forccedila a

tese de que um dos objetivos do Direito Ambiental eacute a proteccedilatildeo da biodiversidade (fauna

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

216

como dever basilar da ordem juriacutedica6 Haveria assim uma novo paradigma

juriacutedico-poliacutetico em sequecircncia ao Estado Social afigurando-se o Estado Soci-

oambiental de Direito incluindo-se os deveres ecoloacutegicos como fundamento

e objetivo do Estado (SARLET FENSTERSEIFER 2012 p 46)

Assim balizando-se a liberdade de empreender pela norma fundamen-

tal de proteccedilatildeo ambiental haacute que se considerar liacutecita apenas as atividades

exercidas em conformidade com o ordenamento protetivo ambiental

Como perfeitamente assevera o professor Grau inexiste proteccedilatildeo

constitucional agrave ordem econocircmica que sacrifique o meio ambiente

Desenvolvimento econocircmico do Estado brasileiro subentende um

aquecimento da atividade econocircmica dentro de uma poliacutetica de

uso sustentaacutevel dos recursos naturais objetivando um aumento de

qualidade de vida que natildeo se reduz a um aumento do poder de

consumo

Desenvolvimento econocircmico eacute garantia de um melhor niacutevel de vida

coordenada com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo de renda e de condiccedilotildees

de vida mais saudaacuteveis A medida de renda per capita natildeo se mostra

como o mais apropriado indicador do desenvolvimento econocircmico

compreendido pela ordem econocircmica constitucional O grau de de-

senvolvimento eacute aferido sobretudo pelas condiccedilotildees materiais de que

dispotildee uma populaccedilatildeo para o seu bem-estar (DERANI 2008 p 226)

Desta forma ao direito de exerciacutecio da atividade econocircmica incide o

especial e importante dever de proteccedilatildeo ao meio ambiente sendo que no

que tange especificamente ao princiacutepio da precauccedilatildeo ambiente os riscos de

atividades potencialmente lesivas devem ser gerenciados por mecanismos le-

gais e sociais a resguardarem o meio ambiente da ocorrecircncia de danos vi-

sando a adequar os riscos agrave seguranccedila da populaccedilatildeo em geral e do meio

ambiente conforme analisado no toacutepico seguinte

1432 A precauccedilatildeo e o controle dos riscos ambientais da

atividade econocircmica

Verifica-se atualmente que haacute um aumento da percepccedilatildeo dos riscos

da atividade econocircmica pela sociedade como consequecircncia do acolhi-

mento social do imperativo de proteccedilatildeo ambiental ndash e do reconhecimento

flora e ecossistemas) sob uma diferente perspectiva a natureza como titular de valor juriacute-

dico per se ou proacuteprio vale dizer exigindo por forccedila de profundos argumentos eacuteticos e

ecoloacutegicos proteccedilatildeo independentemente de sua utilidade econocircmico-sanitaacuteria direta

para o homem (SIRVINSKAS 2018 p 80)

6 ldquoNatildeo se pode conceber a vida -- com dignidade e sauacutede -- sem um ambiente natural

saudaacutevel e equilibrado A vida e a sauacutede humanas (ou como refere o caput do art 225 da

CF88 conjugando tais valores a sadia qualidade de vida) soacute estatildeo asseguradas no acircmbito

de determinados padrotildees ecoloacutegicos O ambiente estaacute presente nas questotildees mais vitais

e elementares da condiccedilatildeo humana aleacutem de ser essencial agrave sobrevivecircncia do ser humano

como espeacutecie naturalrdquo (SARLET FENSTERSEIFER 2012 p 41)

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

217

do proacuteprio princiacutepio da precauccedilatildeo bem como pela maior sofisticaccedilatildeo e rapi-

dez dos meios de comunicaccedilatildeo (MALAQUIAS HALICKI VENERAL 2011 p 11-

12)

Antes de examinar os mecanismos de atuaccedilatildeo do Estado brasileiro na

aplicaccedilatildeo do referido princiacutepio importante frisar as repercussotildees da proteccedilatildeo

ambiental no cenaacuterio mercadoloacutegico atual Verifica-se cada vez mais a in-

troduccedilatildeo de praacuteticas visando a maior transparecircncia e a utilizaccedilatildeo indicadores

socioambientais na gestatildeo de empresas especialmente nos maiores empre-

endimentos cujo impacto ambiental satildeo tomados como consideraacuteveis pela

sociedade

Ademais diversas empresas procuram fomentar a responsabilidade so-

cioambiental dos empreendimentos como forma de crescimento estrateacute-

gico7 conformando a atividade exercida com as preocupaccedilotildees envolvendo

o desenvolvimento sustentaacutevel indo aleacutem das imposiccedilotildees normativas (MO-

RAES 2011 p 97)

A preocupaccedilatildeo com a responsabilidade socioambiental e a utilizaccedilatildeo

dos referidos indicadores socioambientais satildeo medidas vistas muitas vezes

apenas como meio de publicidade e de melhor posicionamento de marca

natildeo sendo tomadas como instrumentos de real mudanccedila na proteccedilatildeo ambi-

ental e na gestatildeo dos riscos da atividade econocircmica todavia estudos apon-

tam que a preocupaccedilatildeo com a sustentabilidade pode gerar ganhos conside-

raacuteveis ao empreendimento aleacutem da mera publicidade (MALAQUIAS HALICKI

VENERAL 2011 p 12 e CARP Mihai et al 2019 p 17)8

No que pese a importacircncia da gestatildeo dos riscos da atividade econocirc-

mica pelo setor produtivo com base na pressatildeo social a atuaccedilatildeo estatal se

mostra essencial agrave aplicaccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo no ordenamento ju-

riacutedico paacutetrio a impedir abusos e praacuteticas extremamente danosas ao meio am-

biente que sob a justificativa da necessidade de desenvolvimento econocirc-

mico nacional ainda subsistem (CAPOBIANCO 2020)

O Estado se incumbe de concretizar o princiacutepio constitucional da pre-

cauccedilatildeo ambiental por via dos seus trecircs poderes cumprindo analisar a com-

petecircncia e a importacircncia de cada um deles na aplicaccedilatildeo do citado princiacute-

pio9

7 ldquoRessalvando que funccedilatildeo social da empresa e responsabilidade social natildeo satildeo termos si-

nocircnimos e expressam realidades diversas ter maior lucratividade pode ser um estiacutemulo a

que as empresas pratiquem condutas socialmente responsaacuteveis bem como praticar con-

dutas socialmente responsaacuteveis pode conferir maior lucratividade agraves empresas depen-

dendo do mercado em que atuamrdquo (MATIAS 2009 p 96)

8 Conferir tambeacutem a performance do Iacutendice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) ferra-

menta de anaacutelise de sustentabilidade das empresas listadas na B3 frente ao Iacutendice BO-

VESPA (INFOMONEY 2020)

9 ldquoE nesta linha vale ressaltar o entendimento de Freitas (2005 p 146) ao invocar que o

Estado brasileiro lsquoprecisa deixar de ser omisso na concretizaccedilatildeo da eficaacutecia direta e ime-

diata dos direitos fundamentaisrsquo Pois considerando que o meio ambiente eacute consagrado

como um direito fundamental inquestionaacutevel que o Estado tem o dever constitucional de

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

218

Ao Poder Executivo compete papel essencial considerando que a fun-

ccedilatildeo fiscalizatoacuteria realizada pelos oacutergatildeos e entidades vinculados ao Sistema

Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) eacute de suma importacircncia na anaacutelise de

risco dos empreendimentos econocircmicos sendo o Estudo de Impacto Ambien-

tal (EIA) uma ferramenta fundamental de controle de riscos e de precauccedilatildeo

conforme jaacute relatado acima a Lei nordm 69381981 instituiu a avaliaccedilatildeo de im-

pactos ambientais como um dos instrumentos da Poliacutetica Nacional do Meio

Ambiente a que foi seguida previsatildeo constitucional no mesmo sentido10

Assim todas as atividades potencialmente lesivas ao meio ambiente de-

vem passar por um estudo de impacto ambiental no qual se verificaraacute de

forma anterior ao exerciacutecio do empreendimento os riscos potenciais po-

dendo ser exigido pelo Estado a mitigaccedilatildeo de tais riscos por via de uma gama

de medidas a serem tomadas ou mesmo a supressatildeo total da atividade

Como bem observado por Trouwborst as medidas de implementa-

ccedilatildeo do princiacutepio satildeo inuacutemeras as accedilotildees mais tiacutepicas satildeo impedir a

utilizaccedilatildeo de substacircnciasprodutosatividades propor margens de

seguranccedila (p ex impedir a pesca segundo um determinado limite)

fomentar pesquisa (p ex atraveacutes da elaboraccedilatildeo de estudo preacutevio

de impacto ambiental) impor meacutetodos de produccedilatildeo mais limpos

dentre outras (MORAES 2011 p 147)

O papel governamental tambeacutem eacute significativo na formulaccedilatildeo e imple-

mentaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblica voltadas agrave gestatildeo e controle dos riscos da ati-

vidade econocircmica dentre as quais a ldquo[] implementaccedilatildeo de pesquisas no

campo ambiental melhoramento e desenvolvimento de lsquotecnologia ambien-

talrsquo construccedilatildeo de um sistema para observaccedilatildeo de mudanccedilas ecoloacutegicas

imposiccedilatildeo de objetivos de poliacutetica ambiental []rdquo (DERANI 2008 p 151) den-

tre outras medidas

A incumbecircncia do legislador infraconstitucional precisa da mesma

forma ser salientada considerando que o risco da accedilatildeo humana eacute preocu-

paccedilatildeo de toda a sociedade jaacute que os danos podem atingir a todos igual-

mente necessitando-se portanto em vaacuterias ocasiotildees de uma discussatildeo de-

mocraacutetica acerca da seleccedilatildeo de certos riscos11

prevenir os acidentes ambientais ou no miacutenimo reduzir a sua gravidaderdquo (ROCHA ROCHA

LOPES 2018 p 358)

10 ldquoO Princiacutepio da Precauccedilatildeo estaacute ligado aos princiacutepios da publicidade e da participaccedilatildeo

puacuteblica pois a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 aleacutem de exigir estudos sobre o impacto am-

biental determina que os mesmos devam ser publicados a fim de a sociedade tenha

acesso a tais pesquisas e sobre os riscos os quais possam ser gerados com a atividade a ser

implementadardquo (MALAQUIAS HALICKI VENERAL 2011 p 8) O estudo de impacto tambeacutem

eacute previsto na Declaraccedilatildeo do Rio de Janeiro de 1992 em seu Princiacutepio 17 denotando a

importacircncia de tal ferramenta

11 ldquoConsiderar o niacutevel de aceitaccedilatildeo do risco e sua relativizaccedilatildeo por cada grupo social eacute ta-

refa aacuterdua para quem pretende criar uma legislaccedilatildeo internacional homogecircnea Se em

cada paiacutes o risco de acidente nuclear ou de seguranccedila alimentar relacionada a organis-

mos geneticamente modificados eacute visto de forma distinta como equilibrar todas essas per-

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

219

O acircmbito de discussatildeo legislativo eacute meio indispensaacutevel para a necessaacute-

ria gestatildeo de riscos na sociedade contemporacircnea por ser o meio legiacutetimo e

democraacutetico de debate dos diversos atores que direta ou indiretamente po-

dem estar sujeitos aos riscos que dada atividade ou produto podem ensejar

permitindo-se igualmente o confronto e a avaliaccedilatildeo das pesquisas cientiacuteficas

voltadas agrave elucidaccedilatildeo da questatildeo (COELHO 2013 p 9) o que pode ocorrer

por meio de audiecircncias puacuteblicas pareceres esclarecimentos de especialistas

dentre outros

Demonstrando a importacircncia da funccedilatildeo legislativa do Estado na apli-

caccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo Coelho (2013 p 10-11) aduz que

Nesse entendimento a tutela ambiental exige um engajamento de

toda a coletividade em que esta responsabilidade deve ser compar-

tilhada por todos Nesse sentido o Estado deve promover as condi-

ccedilotildees democraacuteticas de participaccedilatildeo popular adequadas Por exem-

plo no aspecto Parlamentar ldquodeve imperar um sistema legislativo

que viabilize a coletividade a participar das decisotildees e obter infor-

maccedilotildees ambientais indispensaacuteveis para a tomada de consciecircncia e

emitir opiniotildees sobre o temardquo (AYALA LEITE 2004 p 42)

Do mesmo modo o Estado deve ser capaz de garantir e permitir infor-

maccedilotildees adequadas sobre o meio ambiente agrave cidadania De outro modo o

Poder Puacuteblico estaria a comprometer a proacutepria ideia de democracia ambien-

tal (CANOTILHO 1995 p 32) O que se pretende reforccedilar eacute que ldquoo meio ambi-

ente natildeo eacute propriedade do Poder Puacuteblico e exige uma maacutexima discussatildeo puacute-

blica e a garantia de amplos direitos aos interessadosrdquo (AYALA LEITE 2004 p

42)

A sociedade portanto pelos mecanismos democraacutetico-participativos

deve dispor de meios de assumir diminuir ou rechaccedilar certos riscos (HAM-

MERSCHMIDT 2002 p 105) por via de limitaccedilotildees legais especiacuteficas agrave atividade

econocircmica que sejam condizentes com os demais princiacutepios constitucionais

Como exemplo no ordenamento paacutetrio pode ser indicada a Lei nordm 11934 5

de maio de 2009 que dispotildee sobre limites agrave exposiccedilatildeo humana a campos

eleacutetricos magneacuteticos e eletromagneacuteticos

Haacute por fim que inquirir acerca do papel do Poder Judiciaacuterio na aplica-

ccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo Com a compreensatildeo e aceitaccedilatildeo da forccedila

normativa dos princiacutepios elevou-se a importacircncia do Poder Judiciaacuterio na reso-

luccedilatildeo das controveacutersias sociais por via de aplicaccedilatildeo direta dos dispositivos

cepccedilotildees em um uacutenico instrumento juriacutedico Conforme observa Niklas Luhmann eacute impor-

tante analisar a questatildeo de ldquoquemrdquo decide quando o risco deve ser levado ou natildeo em

consideraccedilatildeo Beck responderia que a seleccedilatildeo dos riscos deve ser feita democratica-

menterdquo (MORAES 2011 p 39-40)

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

220

principioloacutegicos o que se tornou comum (inclusive com criacuteticas ao uso inde-

vido da fundamentaccedilatildeo principioloacutegica) especialmente apoacutes a promulgaccedilatildeo

da Constituiccedilatildeo Federa de 198812

O Judiciaacuterio tem a funccedilatildeo muitas vezes de dirimir conflitos decorrentes

dos riscos da atividade ambiental quando os outros poderes ainda natildeo se de-

bruccedilaram sobre a potencialidade lesiva de dada atividade ou produto o que

ocorre considerando o vertiginoso desenvolvimento dos meios tecnoloacutegicos e

cientiacuteficos utilizados pelos agentes econocircmicos para a produccedilatildeo ou presta-

ccedilatildeo de novos bens e serviccedilos

Ademais sujeitos ou grupos podem ser excluiacutedos do acircmbito de discus-

satildeo democraacutetico sendo sujeitos a imposiccedilotildees (ou omissotildees) legais que podem

afrontar o princiacutepio protetivo da precauccedilatildeo sendo importante a atribuiccedilatildeo

do Judiciaacuterio para garantir os direitos de todos13

Diante disso o Judiciaacuterio se confronta com a missatildeo de gerir nos casos

concretos os riscos de certas atividades econocircmicas verificando a aplicaccedilatildeo

dos mecanismos decorrentes do princiacutepio da precauccedilatildeo a que se devem ser-

vir o Poder Executivo e o Poder Legislativo por exemplo aferindo-se a existecircn-

cia de lei que disponha sobre a mateacuteria posta em juiacutezo ou analisando a ade-

quaccedilatildeo ou natildeo da atividade quanto aos procedimentos de licenciamento e

gestatildeo ambiental

Um dos princiacutepios norteadores da atividade do Judiciaacuterio na missatildeo

acima indicada eacute o princiacutepio da proporcionalidade (STEEL 2015 p 10) ferra-

menta necessaacuteria para a afericcedilatildeo no caso concreto de qual medida ade-

quada para atingir a finalidade juriacutedica pretendida do meio necessaacuterio para

cumprimento de tal fim ndash que propicie a natildeo supressatildeo de outro fim constitu-

cional vaacutelido ndash e do sopesamento final entre a medida a ser adotada e a

forma de cumprimento do fim proposto Em outras palavras ao Judiciaacuterio eacute

posta a anaacutelise de meios e fins no caso do princiacutepio da precauccedilatildeo deve ser

verificada a materialidade da potencialidade lesiva o grau de incerteza no

nexo existente entre a atividade e o potencial dano a efetividade de imposi-

ccedilotildees de medidas para contenccedilatildeo de risco e a possibilidade de realizaccedilatildeo de

outras atividades semelhantes que atinjam o fim econocircmico perquirido

Com base na importacircncia do bem juriacutedico protegido e da fundamen-

talidade da proteccedilatildeo ambiental a jurisprudecircncia paacutetria alberga a possibili-

12 Sarlet e Fensterseifer (2012 p 232) denotam o grande papel do Judiciaacuterio na proteccedilatildeo

ambiental pois ldquo[] o constante recurso ao Poder Judiciaacuterio a despeito da cada vez maior

difusatildeo de outras alternativas - com destaque para o Inqueacuterito Civil e o Termo de Ajusta-

mento de Conduta - tem atuado cada vez mais como um agente privilegiado na esfera

da proteccedilatildeo ambiental o que eacute bom ressalvar eacute legitimado constitucionalmente pela

garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional de qualquer lesatildeo ou ameaccedila de

lesatildeo a direitordquo

13 ldquoSe a cidadania deve estar comprometida com a discussatildeo ambiental e ao Judiciaacuterio eacute

assegurado o pleno acesso de todos os cidadatildeos invariavelmente uma seacuterie de questotildees

ambientais acabam se judicializandordquo (COELHO 2013 p 11)

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

221

dade de inversatildeo do ocircnus da prova em casos relacionados agrave proteccedilatildeo ambi-

ental inclusive na aplicaccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo reconhecendo a

adequaccedilatildeo do princiacutepio do in dubio pro natura impondo ldquo[] ao degradador

o encargo de provar sem sombra de duacutevida que a sua atividade questio-

nada natildeo eacute efetiva ou potencialmente degradadora da qualidade ambien-

tal uma vez que satildeo eles que pretendem alterar o status quo ambientalrdquo

(HAMMERSCHMIDT 2002 p 114)

Deve se ter em consideraccedilatildeo que as funccedilotildees do Estado satildeo comple-

mentares encarregadas de concretizar uma finalidade uacutenica isto eacute a da pro-

teccedilatildeo ambiental cada um dos Poderes possuindo a incumbecircncia de gerir de

acordo com seus mecanismos de atuaccedilatildeo os riscos da atividade econocircmica

ao meio ambiente buscando a harmonia na concretizaccedilatildeo dos objetivos da

Repuacuteblica qual seja uma existecircncia digna a todos o que passa pela neces-

sidade de um desenvolvimento sustentaacutevel

1433 Anaacutelise de julgados do Supremo Tribunal Federal

acerca do princiacutepio da precauccedilatildeo

O princiacutepio da precauccedilatildeo foi utilizado como fundamento de alguns pre-

cedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) ao longo dos uacuteltimos anos sendo

analisado dois deles que trataram do princiacutepio como razatildeo direta de decidir

Antes da anaacutelise de tais julgados eacute interessante verificar no precedente

ilustrativo abaixo indicado o posicionamento do STF quanto agrave concordacircncia

entre os princiacutepios de proteccedilatildeo ambiental e de livre iniciativa bem como do

papel da Corte Suprema em assegurar a concretizaccedilatildeo das normas principi-

oloacutegica14

Como se vecirc o STF ldquo[] sustentou que o princiacutepio da livre iniciativa natildeo

tem caraacuteter irrestrito imune agrave accedilatildeo fiscalizadora do Poder Puacuteblicordquo (PEIXOTO

2014 p 15) Desta forma evidencia-se a necessidade dos cumprimentos dos

pressupostos normativos de proteccedilatildeo ambiental pois condicionantes do re-

gular exerciacutecio da atividade econocircmica haacute a liberdade de iniciativa mas sob

14 ldquoA intervenccedilatildeo regulatoacuteria ou normativa do Estado encontra pleno suporte juriacutedico na proacute-

pria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica cujo art 174 autoriza o Poder Puacuteblico ndash enquanto agente

normativo e regulador da atividade empresarial ndash a exercer na forma da lei funccedilotildees de

controle na ordem econocircmica com o objetivo de reprimir o abuso do poder econocircmico

de cuja praacutetica sempre inaceitaacutevel resultem ou possam resultar a dominaccedilatildeo dos merca-

dos a eliminaccedilatildeo de concorrecircncia ou o aumento arbitraacuterio dos lucros (CF art 173 sect 4ordm) A

regulaccedilatildeo normativa pelo Estado das poliacuteticas de preccedilos traduz competecircncia constituci-

onalmente assegurada ao Poder Puacuteblico cuja atuaccedilatildeo regulatoacuteria eacute justificada e ditada

por evidentes razotildees de interesse puacuteblico especialmente por aquelas que visem a preser-

var os postulados da livre concorrecircncia a fomentar a justiccedila social e a promover a defesa

dos direitos e dos interesses do consumidor (CF art 170 caput e incisos IV e V) Esta Corte

no desempenho de suas altas funccedilotildees poliacutetico-juriacutedicas natildeo pode desconhecer e nem

permanecer insensiacutevel ante a exigecircncia de preservar a intangibilidade desses pressupostos

de ordem axioloacutegica que devem nortear e condicionar enquanto referenciais de com-

pulsoacuteria observacircncia a atividade estatal de regulamentaccedilatildeo e de controle das praacuteticas

econocircmicasrdquo (BRASIL STF ADI 319 1993 p 42 apud PEIXOTO 2014 p 15)

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

222

paracircmetros constitucionais e legais necessaacuterios agrave concretizaccedilatildeo de outros

bens juriacutedicos essenciais agrave sociedade

Em precedente de 2016 o STF analisou a constitucionalidade de dispo-

sitivos da Lei nordm 11934 de 5 de maio de 2009 jaacute citada em toacutepico acima que

estabeleceu paracircmetros miacutenimos de seguranccedila quanto agrave exposiccedilatildeo da po-

pulaccedilatildeo em geral a campos eleacutetricos magneacuteticos e eletromagneacuteticos gera-

dos por sistemas de energia eleacutetrica A Corte Suprema entendeu divergindo

e reformando a decisatildeo recorrida pela ausecircncia de fundamentos faacutetico-juriacute-

dicos que determinassem uma maior restriccedilatildeo quanto aos paracircmetros de se-

guranccedila jaacute estabelecidos pela referida lei15

Interessante notar que o julgado acima colacionado expotildee um con-

ceito de princiacutepio da precauccedilatildeo condizente com as ponderaccedilotildees feitas ao

longo desse trabalho inserindo em seu proacuteprio conceito os ditames do prin-

ciacutepio da proporcionalidade Ademais o STF prestigia igualmente a funccedilatildeo do

Poder Legislativo na gestatildeo dos riscos pela via democraacutetica ao mesmo tempo

em que reconhece que tal opccedilatildeo foi realizada dentro de criteacuterios cientiacuteficos

razoaacuteveis sendo a opccedilatildeo do legislador portanto constitucional

15 ldquoRecurso extraordinaacuterio Repercussatildeo geral reconhecida Direito Constitucional e Ambien-

tal Acoacuterdatildeo do tribunal de origem que aleacutem de impor normativa alieniacutegena desprezou

norma teacutecnica mundialmente aceita Conteuacutedo juriacutedico do princiacutepio da precauccedilatildeo Au-

secircncia por ora de fundamentos faacuteticos ou juriacutedicos a obrigar as concessionaacuterias de ener-

gia eleacutetrica a reduzir o campo eletromagneacutetico das linhas de transmissatildeo de energia eleacute-

trica abaixo do patamar legal Presunccedilatildeo de constitucionalidade natildeo elidida Recurso pro-

vido Accedilotildees civis puacuteblicas julgadas improcedentes 1 O assunto corresponde ao Tema nordm

479 da Gestatildeo por Temas da Repercussatildeo Geral do portal do STF na internet e trata agrave luz

dos arts 5ordm caput e inciso II e 225 da Constituiccedilatildeo Federal da possibilidade ou natildeo de

se impor a concessionaacuteria de serviccedilo puacuteblico de distribuiccedilatildeo de energia eleacutetrica por ob-

servacircncia ao princiacutepio da precauccedilatildeo a obrigaccedilatildeo de reduzir o campo eletromagneacutetico

de suas linhas de transmissatildeo de acordo com padrotildees internacionais de seguranccedila em

face de eventuais efeitos nocivos agrave sauacutede da populaccedilatildeo 2 O princiacutepio da precauccedilatildeo eacute

um criteacuterio de gestatildeo de risco a ser aplicado sempre que existirem incertezas cientiacuteficas

sobre a possibilidade de um produto evento ou serviccedilo desequilibrar o meio ambiente ou

atingir a sauacutede dos cidadatildeos o que exige que o estado analise os riscos avalie os custos

das medidas de prevenccedilatildeo e ao final execute as accedilotildees necessaacuterias as quais seratildeo de-

correntes de decisotildees universais natildeo discriminatoacuterias motivadas coerentes e proporcio-

nais 3 Natildeo haacute vedaccedilatildeo para o controle jurisdicional das poliacuteticas puacuteblicas sobre a aplica-

ccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo desde que a decisatildeo judicial natildeo se afaste da anaacutelise

formal dos limites desses paracircmetros e que privilegie a opccedilatildeo democraacutetica das escolhas

discricionaacuterias feitas pelo legislador e pela Administraccedilatildeo Puacuteblica 4 Por ora natildeo existem

fundamentos faacuteticos ou juriacutedicos a obrigar as concessionaacuterias de energia eleacutetrica a reduzir

o campo eletromagneacutetico das linhas de transmissatildeo de energia eleacutetrica abaixo do pata-

mar legal fixado 5 Por forccedila da repercussatildeo geral eacute fixada a seguinte tese no atual estaacute-

gio do conhecimento cientiacutefico que indica ser incerta a existecircncia de efeitos nocivos da

exposiccedilatildeo ocupacional e da populaccedilatildeo em geral a campos eleacutetricos magneacuteticos e ele-

tromagneacuteticos gerados por sistemas de energia eleacutetrica natildeo existem impedimentos por

ora a que sejam adotados os paracircmetros propostos pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede

conforme estabelece a Lei nordm 119342009 6 Recurso extraordinaacuterio provido para o fim de

julgar improcedentes ambas as accedilotildees civis puacuteblicas sem a fixaccedilatildeo de verbas de sucum-

becircnciardquo (BRASIL 2016)

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

223

O uacuteltimo precedente analisado que segue abaixo ementado traduz

importante concepccedilatildeo do STF acerca da importacircncia do princiacutepio da pre-

cauccedilatildeo ambiental16

A Corte Suprema impotildee aos dispositivos legais questionados em sua

constitucionalidade uma interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo conside-

rando que a medida prevista pelo legislador mesmo que para uma finalidade

vaacutelida (a contenccedilatildeo de viroses transmitidas por mosquitos) natildeo pode ser apli-

caccedilatildeo sem que antes se verifique ndash por via de aprovaccedilatildeo das autoridades

sanitaacuterias e ambientais mediante a anaacutelise cientiacutefica da medida ndash a sua segu-

ranccedila para a sauacutede da populaccedilatildeo e para o meio ambiente

A anaacutelise preacutevia de impacto ambiental como demonstrando neste tra-

balho eacute um dos mecanismos previstos na Constituiccedilatildeo para assegurar a pro-

teccedilatildeo ambiental desta forma o natildeo suprimento desta necessidade pelo le-

gislador ordinaacuterio foi usado como fundamento pelo STF para realizar a inter-

pretaccedilatildeo dos dispositivos legais conforme as normas constitucionais impondo

a aplicaccedilatildeo do referido mecanismo

16 ldquoAccedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade Administrativo e ambiental Medidas de contenccedilatildeo

das doenccedilas causadas pelo aedes aegypti Artigo 1ordm sect3ordm inciso iv da lei n 13301 de 27

de junho de 2016 Permissatildeo da incorporaccedilatildeo de mecanismos de controle vetorial por meio

de dispersatildeo por aeronaves mediante aprovaccedilatildeo das autoridades sanitaacuterias e da compro-

vaccedilatildeo cientiacutefica da eficaacutecia da medida Possibilidade de insuficiecircncia da proteccedilatildeo agrave sa-

uacutede e ao meio ambiente Voto meacutedio Interpretaccedilatildeo conforme agrave Constituiccedilatildeo Artigos 225

sect1ordm incisos V e VII 6ordm e 196 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Inafastabilidade da aprovaccedilatildeo

preacutevia da autoridade sanitaacuteria e da autoridade ambiental competente Atendimento agraves

previsotildees constitucionais do direito agrave sauacutede ao meio ambiente equilibrado e aos princiacutepios

da precauccedilatildeo e da prevenccedilatildeo Procedecircncia parcial da accedilatildeo 1 Apesar de submeter a

incorporaccedilatildeo do mecanismo de dispersatildeo de substacircncias quiacutemicas por aeronaves para

combate ao mosquito transmissor do viacuterus da dengue do viacuterus chikungunya e do viacuterus da

zika agrave autorizaccedilatildeo da autoridade sanitaacuteria e agrave comprovaccedilatildeo de eficaacutecia da praacutetica no

combate ao mosquito o legislador assumiu a positivaccedilatildeo do instrumento sem a realizaccedilatildeo

preacutevia de estudos em obediecircncia ao princiacutepio da precauccedilatildeo o que pode levar agrave violaccedilatildeo

agrave sistemaacutetica de proteccedilatildeo ambiental contida no artigo 225 da Constituiccedilatildeo Federal 2 A

previsatildeo legal de medida sem a demonstraccedilatildeo preacutevia de sua eficaacutecia e seguranccedila pode

violar os princiacutepios da precauccedilatildeo e da prevenccedilatildeo se se mostrar insuficiente o instrumento

para a integral proteccedilatildeo ao meio ambiente equilibrado e ao direito de todos agrave proteccedilatildeo

da sauacutede 3 O papel do Poder Judiciaacuterio em temas que envolvem a necessidade de con-

senso miacutenimo da comunidade cientiacutefica a revelar a necessidade de transferecircncia do loacutecus

da decisatildeo definitiva para o campo teacutecnico revela-se no reconhecimento de que a lei se

ausentes os estudos preacutevios que atestariam a seguranccedila ambiental e sanitaacuteria pode con-

trariar os dispositivos constitucionais apontados pela Autora em sua exordial necessitando

assim de uma hermenecircutica constitucionalmente adequada a assegurar a proteccedilatildeo da

vida da sauacutede e do meio ambiente 4 Em atendimento aos princiacutepios da precauccedilatildeo e da

prevenccedilatildeo bem como do direito agrave proteccedilatildeo da sauacutede portanto confere-se interpreta-

ccedilatildeo conforme agrave Constituiccedilatildeo sem reduccedilatildeo de texto ao disposto no inciso IV do sect3ordm do

artigo 1ordm da Lei nordm 133012016 para fixar o sentido segundo o qual a aprovaccedilatildeo das auto-

ridades sanitaacuterias e ambientais competentes e a comprovaccedilatildeo cientiacutefica da eficaacutecia da

medida satildeo condiccedilotildees preacutevias e inafastaacuteveis agrave incorporaccedilatildeo de mecanismos de controle

vetorial por meio de dispersatildeo por aeronaves em atendimento ao disposto nos artigos 225

sect1ordm incisos V e VII 6ordm e 196 da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica 5 Accedilatildeo direta de inconstitucio-

nalidade julgada parcialmente procedenterdquo (BRASIL 2019)

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

224

Por fim deve-se concluir que a jurisprudecircncia do STF especialmente nos

uacuteltimos anos vem reconhecendo a importacircncia e a necessidade de aplica-

ccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental para uma efetiva proteccedilatildeo ao

meio ambiente e para uma melhor gestatildeo dos riscos da atividade econocircmica

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A nova dinacircmica da sociedade atual oriunda do raacutepido e contiacutenuo de-

senvolvimento tecnoloacutegico poacutes-revoluccedilatildeo industrial fez surgir a percepccedilatildeo

dos graves e globais riscos decorrentes da atividade humana especialmente

no que tange agrave possibilidade de degradaccedilatildeo irreparaacutevel do meio ambiente

Esta preocupaccedilatildeo passou a ser pauta recorrente no acircmbito internacional a

partir da deacutecada de 1960 momento em que o direito ambiental ganhou

corpo e importacircncia e passou a ser tratado nos diversos ordenamentos juriacutedi-

cos nacionais

No Brasil a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 passou a prever diversas nor-

mas direcionadas agrave proteccedilatildeo ambiental bem como quanto ao regramento

da ordem econocircmica dispocircs a defesa do meio ambiente como paracircmetro a

ser seguido pela atividade econocircmica

Em torno da referida preocupaccedilatildeo foi formulado o princiacutepio da precau-

ccedilatildeo ambiental cujo conceito mais afinado com as normas internacionais o

ordenamento juriacutedico paacutetrio e a doutrina especializada pode ser resumido

como um paracircmetro de gestatildeo e controle de riscos aplicaacutevel sempre que

existirem ldquo[] incertezas cientiacuteficas sobre a possibilidade de um produto

evento ou serviccedilo desequilibrar o meio ambiente ou atingir a sauacutede dos cida-

datildeos []rdquo (BRASIL 2016) exigindo assim uma postura ativa dos poderes puacute-

blicos na avaliaccedilatildeo e supressatildeo de tais riscos

Os Poderes Executivo Legislativo e Judiciaacuterio mediante os seus meca-

nismos legais de atuaccedilatildeo passam a cumprir uma seacuterie de funccedilotildees para a con-

cretizaccedilatildeo do princiacutepio da precauccedilatildeo dentre eles a fiscalizaccedilatildeo preacutevia de

impacto ambiental das atividades econocircmicas potencialmente lesivas e a im-

posiccedilatildeo de paracircmetros legais ao exerciacutecio de certas atividades ou circulaccedilatildeo

de certos produtos aleacutem do papel ativo dos tribunais na dirimiccedilatildeo de tensotildees

envolvendo a aplicaccedilatildeo dos princiacutepios da precauccedilatildeo e da livre iniciativa to-

mando como criteacuterio o princiacutepio da proporcionalidade

O direito ao livre exerciacutecio da atividade econocircmica diante do princiacutepio

da precauccedilatildeo ambiental sofre limitaccedilotildees e condicionamentos impostos pela

ordem juriacutedica considerando a potencialidade de graves e irreparaacuteveis danos

agrave sauacutede geral e ao meio ambiente visando agrave proteccedilatildeo de um bem juriacutedico

fundamental a uma digna existecircncia o meio ambiente ecologicamente equi-

librado

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olhares para a contemporaneidade

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2010

228

REFLEXOtildeES SOBRE O GREENWASHING E

SUAS LIMITACcedilOtildeES NO ORDENAMENTO

JURIacuteDICO BRASILEIRO Agrave LUZ DA

COMPLEXIDADE

Manuella Campos Perdigatildeo e Andrade Atalanio1

Letiacutecia Queiroz Nascimento2

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 151 Consideraccedilotildees acerca do Direito Ambi-

ental brasileiro sob a oacuteptica da complexidade 152 A caracteriza-

ccedilatildeo do greenwashing e o papel das empresas 153 As limitaccedilotildees ao

greenwashing no ordenamento juriacutedico brasileiro Consideraccedilotildees fi-

nais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

A construccedilatildeo do pensamento cientiacutefico eacute um processo permanente ba-

seado no modo de pensar A maneira claacutessica eacute por meio do pensamento

cartesiano suscitado por Reneacute Descartes o qual segmenta o conhecimento

como meio de viabilizar a compreensatildeo do todo a partir do estudo de partes

menores Entretanto em que pese agrave relevacircncia da concepccedilatildeo claacutessica do

pensamento cartesiano a sociedade passa por uma transiccedilatildeo de paradigma

na qual o pensamento linear daacute lugar ao pensamento complexo cuja funda-

mentaccedilatildeo eacute pautada na anaacutelise do todo a partir da teoria de Edgar Morin

Nessa perspectiva eacute possiacutevel identificar que o Direito Ambiental eacute um

ramo do Direito brasileiro que dialoga com o pensamento complexo posto

que ao tratar de proteccedilatildeo ambiental se percebe que ele natildeo tem fim em si

mesmo sendo necessaacuteria uma harmonia entre este e os demais ramos do di-

reito como o Direito Civil o Direito Empresarial e o Direito do Consumidor que

permeiam os temas juriacutedico-ambientais assim como de conceitos alheios aos

conteuacutedos exclusivamente juriacutedicos

Nesse contexto diante da interdependecircncia entre a complexidade e o

Direito Ambiental eacute necessaacuterio destacar a relevacircncia do papel da eacutetica para

guiar as normas acerca do tema sobretudo no que se refere agrave regulaccedilatildeo de

atividades das organizaccedilotildees empresariais e a relaccedilotildees destas com o consumi-

dor e com o meio ambiente A eacutetica ambiental conduz os comportamentos

1 Mestranda em Direito Privado pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Poacutes- Gra-

duanda em Direito Internacional- CEDIN Advogada

E-mail manuellaperdigaogmailcom

2 Mestranda em Direito Privado pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Especia-

lista em Direito e Processo de Famiacutelia e Sucessotildees pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR

CE) Advogada E-mail leticiaqnascimentogmailcom

15

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

229

sociais sendo igualmente responsaacutevel por embasar as atividades empresariais

e a postura que se espera com que os negoacutecios sejam regidos aleacutem de guiar

a ediccedilatildeo de normas para a regulaccedilatildeo pertinente

No que se refere agrave questatildeo ambiental e agrave relaccedilatildeo entre empresas e

meio ambiente haacute uma significativa movimentaccedilatildeo de valorizaccedilatildeo da sus-

tentabilidade ecoloacutegica e de proteccedilatildeo do meio ambiente que influenciam a

vida em sociedade e consequentemente alteram o acircmago empresarial As-

sim as empresas passam a repensar os seus modos de produccedilatildeo para se ade-

quar aos anseios sociais e garantir uma boa imagem no mercado e a obten-

ccedilatildeo do lucro utilizando-se da relevacircncia das pautas ambientalistas Ocorre

que haacute empresas que o fazem de forma falaciosa tentando transmitir para o

consumidor um comprometimento empresarial ambiental que natildeo condiz

com a realidade valendo-se da praacutetica de greenwashing

O presente trabalho parte da premissa de que o fenocircmeno do

greenwshing e suas limitaccedilotildees devem ser observados pelo paradigma do pen-

samento complexo posto que eacute uma questatildeo transdisciplinar e que afeta o

meio ambiente a sociedade e o exerciacutecio da atividade empresarial sendo

inibido pelo ordenamento juriacutedico brasileiro na perspectiva de aacutereas distintas

do Direito

Desta maneira o objetivo geral deste artigo eacute investigar quais as limita-

ccedilotildees juriacutedicas impostas ao greenwashing no ordenamento juriacutedico brasileiro agrave

luz do pensamento complexo Como objetivos especiacuteficos se busca analisar

aspectos do Direito Ambiental sob a oacuteptica da complexidade discorrer sobre

a caracterizaccedilatildeo do greenwashing e o papel das empresas bem como ave-

riguar as limitaccedilotildees a essa conduta no ordenamento juriacutedico brasileiro A hipoacute-

tese eacute que haacute inibiccedilatildeo juriacutedica agrave referida praacutetica natildeo somente em normas de

proteccedilatildeo ao meio ambiente como tambeacutem na regulaccedilatildeo da atividade em-

presarial e proteccedilatildeo ao consumidor aleacutem de jurisprudecircncia de tribunal supe-

rior

Em termos metodoloacutegicos adota-se uma abordagem dedutiva e a pes-

quisa eacute de teor qualitativo referenciada procedimentalmente de forma bibli-

ograacutefica por meio de livros perioacutedicos e jurisprudecircncia que tratam sobre di-

reito ambiental e complexidade

O presente trabalho seraacute dividido em trecircs toacutepicos Inicialmente seratildeo

apresentadas breves consideraccedilotildees acerca do Direito Ambiental brasileiro

sob a oacuteptica da complexidade No segundo toacutepico seraacute analisada a praacutetica

do greenwashing e o papel das empresas no Brasil Para finalmente ser ana-

lisada as limitaccedilotildees ao greenwashing no ordenamento juriacutedico brasileiro

151 CONSIDERACcedilOtildeES ACERCA DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO

SOB A OacutePTICA DA COMPLEXIDADE

Como meio de facilitar a organizaccedilatildeo das aacutereas do conhecimento e

possibilitar a sua compreensatildeo eacute comum haver a compartimentalizaccedilatildeo de

ideias em aacutereas e mateacuterias distintas que teoricamente satildeo aprendidas de

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

230

maneira segmentada Tal modo de estruturaccedilatildeo do pensamento pertence agrave

um raciociacutenio eminentemente cartesiano o qual se opotildee agrave loacutegica da com-

plexidade e fundamentou uma subdivisatildeo dentro do Direito solidificando a

base dos estudos que deram origem ao Direito Ambiental de onde se extrai a

proteccedilatildeo juriacutedica ao meio ambiente

O paradigma cartesiano segundo Behrens e Oliari tem como legiacutetimos

os fatos perfeitamente conhecidos sobre os quais natildeo se tem duacutevida de

modo a dividir e estudar a menor parte partindo destas para o entendimento

do todo Essa ideia comeccedila a ser questionada no iniacutecio do seacuteculo XX com o

surgimento do paradigma da complexidade que tem como foco a visatildeo do

ser complexo e integral questionando o processo fragmentado do conheci-

mento (2007 p 58 e ss)

Questiona-se entatildeo em que consiste a complexidade Em resposta ini-

cial agrave esta pergunta Morin afirma que ldquoagrave primeira vista eacute um fenocircmeno quan-

titativo a extrema quantidade de interaccedilotildees e de interferecircncias entre um nuacute-

mero muito grande de unidadesrdquo (1991 p 42)

No que refere agrave proteccedilatildeo juriacutedica ao meio ambiente especialmente di-

ante da crise ecoloacutegica contemporacircnea infere-se que esta natildeo deve ser ob-

servada de maneira simplista mas sim a partir de uma perspectiva complexa

Desta maneira entende-se que o Direito Ambiental por si soacute natildeo eacute capaz de

compreender e solucionar as demandas ambientais sem que sejam conside-

rados os aspectos sociais poliacuteticos econocircmicos cientiacuteficos e outros que per-

meiam os temas juriacutedico-ambientais mesmo porque a questatildeo ecoloacutegica ul-

trapassa limites territoriais e sociais de modo que deve ser analisada como um

todo sob a oacuteptica da complexidade

Remonta-se agraves ideias de Morin que ao tratar da complexidade asseve-

rou ldquoo todo eacute mais do que a soma das partes que o constituem que o todo

eacute entatildeo menor que a soma das partes que o todo eacute simultaneamente mais e

menos que a soma das partesrdquo (1991 p104) Eacute justamente a partir da consci-

ecircncia de que o todo eacute maior que a soma de todas as partes eacute que se percebe

a importacircncia da perspectiva complexa agrave anaacutelise das normas ambientais que

eacute parte de todo o sistema de proteccedilatildeo juriacutedica ao meio ambiente na qual

estaacute inserido sendo ao mesmo tempo tal arcabouccedilo legal pertencente ao

Direito Ambiental

Mitchell afirma que em sistemas complexos muitas partes simples estatildeo

irredutivelmente entrelaccediladas e o campo da complexidade eacute em si um en-

trelaccedilamento de muitos campos distintos (2009 p4) De modo semelhante se

tem o sistema de proteccedilatildeo juriacutedico-ambiental cujas diretrizes pertencem em

uma perspectiva simplista ao Direito Ambiental poreacutem sob o prisma da com-

plexidade as normas juriacutedicas de proteccedilatildeo ao meio ambiente tambeacutem com-

potildeem outras aacutereas do Direito o que caracteriza segundo Belchior a transdis-

ciplinaridade aspecto adequado agrave complexidade (2017 p217)

A Constituiccedilatildeo Federal brasileira dispotildee em seu artigo 225 que todos

tecircm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso co-

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

231

mum do povo e essencial agrave sadia qualidade de vida e impotildee ao Poder Puacute-

blico e agrave coletividade o dever de defendecirc-lo e preservaacute-lo para as geraccedilotildees

atuais e futuras (BRASIL 1988) A elevaccedilatildeo do direito ao meio ambiente ao

status de direito fundamental segundo os ditames do texto constitucional

trouxe implicaccedilotildees para a ordem juriacutedica brasileira (BELCHIOR 2017 p 92)

dentre as quais se considera a relevacircncia do referido valor orientador agraves de-

mais normas do ordenamento

Urge por oportuno destacar que o exerciacutecio da atividade privada eacute

baseado no objetivo do desenvolvimento nacional razatildeo pela qual eacute neces-

saacuteria a observacircncia ao artigo 170 da Constituiccedilatildeo Federal que trata da ordem

econocircmica assegurando o exerciacutecio agrave livre iniciativa (BRASIL 1988) Esta por

sua vez deve ser regida em observacircncia a determinados princiacutepios ressal-

tando-se dentre estes a defesa do consumidor e a defesa do meio ambiente

inclusive mediante tratamento diferenciado conforme impacto ambiental dos

produtos e serviccedilos em seus processos de elaboraccedilatildeo e prestaccedilatildeo

Nessa perspectiva eacute necessaacuterio ressaltar que as questotildees juriacutedico-ambi-

entais transitam em outras aacutereas dentro do proacuteprio Direito destacando-se a

sua relevacircncia para o Direito Empresarial Direito Civil e Direito do Consumidor

Natildeo se pode portanto desvincular a atividade empresarial (e normas que a

regulam) dos fundamentos que regem o Direito Ambiental que per se deve

ser observado sob o prisma do pensamento complexo Eacute nesse sentido que se

identifica a necessidade da adoccedilatildeo de uma perspectiva juriacutedico-ambiental

complexa rompendo-se com a loacutegica simplista que pode natildeo contribuir para

a efetivaccedilatildeo de garantias intriacutensecas agrave problemaacutetica ambiental

O paradigma da complexidade e a perspectiva de ldquoconsciecircncia cole-

tivardquo nas palavras de Mitchell (2009 p 3) no que se refere agrave proteccedilatildeo juriacutedica

ao meio ambiente ecologicamente equilibrado constitui o alicerce necessaacuterio

ao entendimento de que organizaccedilotildees empresariais natildeo obstante sejam pau-

tadas na obtenccedilatildeo do lucro possuem determinadas regulaccedilotildees ligadas agraves

pautas ambientais agrave medida que pertencem a um ordenamento juriacutedico que

elevou agrave categoria de constitucional a defesa ao consumidor e ao meio am-

biente

A interdependecircncia entre as normas do ordenamento juriacutedico brasileiro

que regulam a atividade empresarial deve ser analisada a partir da eacutetica am-

biental Nesse sentido a eacutetica e a ecologia estatildeo alinhadas umbilicalmente

(BELCHIOR 2017 p 69) Portanto a proteccedilatildeo juriacutedica ao meio ambiente deve

sempre respeitar a eacutetica assim como todos os atos empresariais

Eacute nesse sentido que se torna pertinente a reflexatildeo acerca de praacuteticas

de mercado que fogem agrave loacutegica da eacutetica ambiental bem como sobre o pa-

pel das empresas que venham a desrespeitar os ditames legais de proteccedilatildeo

ambiental estendendo-se a outras aacutereas especialmente a proteccedilatildeo ao con-

sumidor conforme seraacute esclarecido no toacutepico a seguir

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

232

152 A CARACTERIZACcedilAtildeO DO GREENWASHING E O PAPEL DAS

EMPRESAS

Os princiacutepios eacuteticos conduzem os comportamentos sociais sendo igual-

mente responsaacuteveis por embasar as atividades empresariais e os processos de-

cisoacuterios destas organizaccedilotildees Do mesmo modo os aspectos eacuteticos represen-

tam os comportamentos pelos quais a sociedade espera com que os negoacute-

cios sejam regidos (CARROLL 1999) o que leva agraves empresas a ficarem atentas

natildeo apenas a questotildees associadas ao lucro mas tambeacutem responsabilidades

eacuteticas (ASHLEY 2005) Em outras palavras as expectativas sociais sobre a con-

duta de uma empresa para a consolidaccedilatildeo de uma imagem positiva perante

o puacuteblico estatildeo relacionadas com a eacutetica empresarial

Assim o desenvolvimento da atividade empresarial e o direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado se relacionam e a sociedade passa a

se preocupar mais com a sustentabilidade ambiental (AKATU 2009 p 15) os

movimentos de valorizaccedilatildeo da sustentabilidade ecoloacutegica e a proteccedilatildeo do

meio ambiente passam a influenciar a vida em sociedade e consequente-

mente alterar a essecircncia empresarial Assim surgem novos modelos de ges-

tatildeo que satildeo adotados pelas empresas que aderiram ao novo paradigma so-

cial de conexatildeo com a ideia de proteccedilatildeo ambiental

Nessa perspectiva a empresa se preocupa com todo o ciclo do pro-

duto do iniacutecio ateacute a sua finalizaccedilatildeo Esse estaacutegio eacute marcado por uma anteci-

paccedilatildeo de problemas ambientais posteriores (DUARTE et al 2013 p 3) Por-

tanto haacute intenccedilatildeo de dirimir danos ambientais a fim de se concretizar o direito

ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e gerar benefiacutecios para a so-

ciedade e para a empresa

Com o aumento da consciecircncia coletiva ambiental iniciou-se um pro-

cesso de consolidaccedilatildeo de uma nova espeacutecie de consumidores os quais satildeo

tidos como ecoloacutegicos e fazem com que a preocupaccedilatildeo com o meio ambi-

ente natildeo seja apenas um fato social mas a base para a consolidaccedilatildeo de um

marketing ecoloacutegico Eacute que o comportamento do consumidor ambiental-

mente consciente se torna gradativamente um novo paradigma de con-

sumo que exige das empresas uma nova postura de mercado preocupada

com questotildees ambientais que atenda aos anseios da sociedade composta

por esses consumidores (DIAS 2009 p 139)

As expectativas sociais ligadas a questotildees ambientais se transformaram

e a pauta de defesa ao meio ambiente cada vez mais eacute estimulada e ganha

adeptos que passam a ter uma reflexatildeo mais profunda sobre a questatildeo am-

biental alterando substancialmente o modo como as empresas se posicio-

nam no mercado Estas que enxergam na demanda ambiental uma oportu-

nidade de crescimento podem se utilizar de bandeiras relativas agrave proteccedilatildeo

dos direitos da natureza para vender seus produtos ou serviccedilos entretanto a

problemaacutetica se estabelece quando a questatildeo eacute tratada como um mero ar-

tifiacutecio de marketing ignorando-se as verdadeiras demandas ambientais

sendo a obtenccedilatildeo irrestrita do lucro o uacutenico objetivo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

233

As atenccedilotildees da sociedade e das empresas voltadas para aspectos sus-

tentabilidade ambiental estatildeo cada vez mais interligadas de modo que se

espera haver uma adequaccedilatildeo entre as expectativas da sociedade e as ne-

cessidades das empresas Ocorre que estas perceberam que ao investir em

uma atividade de acordo com a agenda ambiental ou seja baseada na

sustentabilidade poderia gerar lucro e sobretudo beneficiar a imagem das

empresas situaccedilatildeo que segundo Esty e Wiston eacute chamada de ldquoecovanta-

gemrdquo (ESTY WINSTON 2008 p 347)

Quando ocorre a inadequaccedilatildeo entre tais expectativas o que ocorre eacute

que enquanto a sociedade valoriza a defesa do meio ambiente conforme

previsto na Constituiccedilatildeo Federal as empresas investem no marketing de ldquoselo

verderdquo Essas circunstacircncias na praacutetica natildeo geram mudanccedilas significativas

nos processos internos das empresas limitando-se tal ldquopreocupaccedilatildeordquo com a

crise ambiental a embalagens ecologicamente corretas enquanto o conte-

uacutedo natildeo condiz efetivamente com as informaccedilotildees prestadas Essa praacutetica im-

plica em uma falsa propaganda ambiental caracterizada como uma detur-

paccedilatildeo eacutetica posto que induz os consumidores a acreditarem em um compro-

metimento ambiental que eacute irreal ferindo os princiacutepios constitucionais da livre

iniciativa situaccedilatildeo que pode ser caracterizada como greenwashing

O fenocircmeno do greenwashing envolve a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees

inveriacutedicas por meio de propagandas verdes e promessas de ecoeficiecircncia

afrontando diretamente o consumidor e o proacuteprio meio ambiente posto que

haacute a comercializaccedilatildeo de um produto ou serviccedilo que natildeo eacute ecologicamente

sustentaacutevel embora se diga ser A disseminaccedilatildeo de desinformaccedilatildeo e manipu-

laccedilatildeo prejudica o consumidor para manter um falso modelo de defesa ambi-

ental sem haver preocupaccedilatildeo alguma com o meio ambiente induzindo a

sociedade ao consumo de marcas que apenas se preocupam em se benefi-

ciar com os lucros advindos de poliacuteticas ambientalistas (PAGOTTO 2013)

Haacute empresas que usam o mecanismo de dissimulaccedilatildeo para se destacar

no mercado por meio de uma imagem ldquoesverdeadardquo (LOVATO 2013 p 1)

Haacute entatildeo a praacutetica do greenwashing na qual se declara um falso compro-

misso ambiental ao passo que empresas se utilizam de informaccedilotildees deturpa-

das para iludir o consumidor Normalmente eacute feito por meio de propagandas

e marketing utilizando slogans ou frases vagas para aparentar um compro-

metimento com o meio ambiente (LOVATO 2013 p 4) Portanto tem por ob-

jetivo obter uma vantagem ambiental que natildeo condiz com a realidade

O termo ldquogreenwashingrdquo que se popularizou no iniacutecio dos anos 1990

descreve de forma pejorativa a promoccedilatildeo da imagem ambiental positiva e

ecologicamente responsaacutevel poreacutem falaciosa (PAGOTTO 2017) Dessa

forma utiliza-se de uma praacutetica antieacutetica aleacutem de realizar uma propaganda

enganosa agrave populaccedilatildeo contribuindo com a crise ambiental (SANTOS 2002)

A temaacutetica ganhou destaque ainda maior em 1992 quando o greenpeace

publicou o livro ldquoThe greenpeace book of greenwashingrdquo que tinha como ob-

jetivo expor grandes marcas que partilhavam dessa estrateacutegia

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

234

A empresa que natildeo modifica o seu modo de produccedilatildeo a favor do meio

ambiente e mesmo assim se utiliza do marketing verde como se sua empresa

compactuasse com questotildees ecoloacutegicas pratica o greenwashing Nesse con-

texto o consumidor eacute induzido a adquirir um determinado produto ou serviccedilo

confiando que haacute uma preocupaccedilatildeo com a proteccedilatildeo ambiental contudo a

empresa apenas visa se beneficiar com os lucros advindos de poliacuteticas ambi-

entalistas (PAGOTTO 2013) Notadamente essa praacutetica se tornou um grande

problema no mercado na medida em que as empresas se utilizam de propa-

ganda enganosa para ter lucros maiores (RIMMER 2016)

Nesse sentido a utilizaccedilatildeo do artificio gera apenas a promoccedilatildeo da ima-

gem da empresa sem haver a responsabilidade ecoloacutegica de modo que os

consumidores satildeo atraiacutedos pela promessa de compras conscientes O certifi-

cado verde qualifica o produto ou serviccedilo como um aliado fundamental para

a escolha do consumidor (CAVANAGH 1998) Nesse sentido a cooperaccedilatildeo

ambiental e a sustentabilidade empresarial natildeo satildeo atingidas

Eacute fato que toda instituiccedilatildeo possui uma funccedilatildeo interna e externa No caso

das empresas sua funccedilatildeo interna eacute a produccedilatildeo de bens e serviccedilos a fim de

gerar lucros Contudo as atividades empresariais natildeo tecircm um fim em si

mesmo O caraacuteter patrimonial eacute posto em segundo plano em funccedilatildeo da soci-

edade isso quer dizer que a empresa deve ser pautada natildeo apenas no lucro

mas tambeacutem ser tutelada em accedilotildees que beneficiem a coletividade (GON-

CcedilALVES et al 2018 p 112)

O meio ambiente passou a ser reflexo da forma que eacute gerida a econo-

mia e o consumo As empresas passaram a se apropriar de estrateacutegias ligadas

agrave gestatildeo ambiental comprometidas com princiacutepios da preservaccedilatildeo prote-

ccedilatildeo ao meio ambiente conservaccedilatildeo e precauccedilatildeo De fato com essas novas

teacutecnicas as empresas natildeo apenas protegem o meio ambiente mas obteacutem

lucro por se tratarem de uma vantagem competitiva de mercado (ALMEIDA

2003 p124 e 125)

Portanto sob a eacutegide evolucionista do crescimento empresarial a pre-

servaccedilatildeo ambiental deve ser sempre levada em consideraccedilatildeo A atividade

empresarial causa impactos ao planeta e com isso prejudica as presentes e

futuras geraccedilotildees Assim as corporaccedilotildees natildeo devem se valer apenas do mar-

keting verde por meio do greenwashing para objetivar o lucro A mudanccedila

deve ser genuiacutena e a preservaccedilatildeo ambiental deve estar diretamente atrelada

ao crescimento econocircmico em respeito aos anseios sociais e ao ordena-

mento juriacutedico paacutetrio (GONCcedilALVES et al 2018 p 112)

Com o objetivo de inibir o comportamento da empresa e de reforccedilar o

paradigma de proteccedilatildeo ao meio ambiente e ao consumidor previsto na

Constituiccedilatildeo Federal tornou-se necessaacuteria agrave regulamentaccedilatildeo acerca da ma-

teacuteria com o fito de inibir praacuteticas de greenwashing no paiacutes Para tanto a re-

gulamentaccedilatildeo tem por base os preceitos do ordenamento juriacutedico brasileiro

marcados pela transdisciplinaridade que envolve aspectos dos Direitos Ambi-

ental Empresarial Ciacutevel e do Consumidor partes do todo entendido como o

sistema proteccedilatildeo juriacutedico-ambiental tratado no toacutepico a seguir

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

235

153 AS LIMITACcedilOtildeES AO GREENWASHING NO ORDENAMENTO

JURIacuteDICO BRASILEIRO

Conforme jaacute esclarecido o fenocircmeno do greenwashing eacute praticado por

meio da publicidade Esta por sua vez eacute tida como o modo pelo qual a co-

municaccedilatildeo eacute realizada para chamar atenccedilatildeo e despertar o interesse do puacute-

blico cuja consequecircncia eacute adquirir aquele determinado produto (DINIZ 1999

p 15) Dessa forma eacute a maneira de levar conhecimento do produto para o

consumidor

No caso de ldquoprodutos verdesrdquo a publicidade eacute transmitida em razatildeo de

garantias ecoloacutegicas e proteccedilatildeo ao meio ambiente Assim estes satildeo adquiri-

dos com intenccedilotildees ambientalistas e que estejam de acordo com a moral e os

valores de quem os compra O ato de comprar eacute baseado na forma que o

produto eacute produzido e vendido ateacute chegar ao destinataacuterio final Sabendo

disso algumas empresas se valendo de teacutecnicas de comunicaccedilatildeo em massa

incorporam o discurso ldquoverderdquo mas sem efetivamente preservar e proteger a

natureza

No tocante agrave tutela juriacutedica no Brasil o greenwashing eacute considerado

uma praacutetica de publicidade enganosa sendo assegurado na esfera do Coacute-

digo de Defesa do Consumidor (Lei 807890) Nesse mesmo contexto haacute a

atuaccedilatildeo do Conselho Nacional de Autorregulamentaccedilatildeo Publicitaacuteria cuja

missatildeo eacute impedir que a publicidade enganosa ou abusiva gere constrangi-

mento ao consumidor ou a empresas aleacutem de defender a liberdade de ex-

pressatildeo comercial (CONAR 2017) A publicidade ambiental enganosa eacute uma

das vertentes do referido conselho sendo considerada a forma mais atuante

em defesa dessa praacutetica no Brasil (OLIVEIRA 2018)

O crescimento do uso de greenwashing em campanhas publicitaacuterias

acarretou uma regularizaccedilatildeo da situaccedilatildeo pelo Conselho Nacional de Autor-

regularizaccedilatildeo (CONAR) instituiccedilatildeo criada em 1980 que passou a incluir regras

publicitaacuterias que contenham referecircncia agrave sustentabilidade (MEacuteO 2017) O oacuter-

gatildeo fiscaliza se as propagandas publicitarias dos produtos e serviccedilos estatildeo de

acordo com a agenda ecoloacutegica

O CONAR possui determinados princiacutepios que norteiam a sua atuaccedilatildeo

e que fazem referecircncia a uma atividade de publicidade prevista no Coacutedigo

Brasileiro de Autorregulaccedilatildeo Publicitaria Dentre eles ressaltam-se trecircs o prin-

ciacutepio da honestidade princiacutepio da apresentaccedilatildeo verdadeira e o princiacutepio da

poluiccedilatildeo e ecologia O princiacutepio da honestidade estaacute previsto no artigo 23 e

diz que a propaganda natildeo pode abusar da confianccedila do consumidor e da

sua credulidade Em relaccedilatildeo ao princiacutepio da apresentaccedilatildeo verdadeira visto

no artigo 27 defende a necessidade de uma apresentaccedilatildeo condizente com

o produto ou seja os fatos e dados alegados devem ser comprobatoacuterios

Por fim o princiacutepio da poluiccedilatildeo e ecologia estaacute previsto no artigo 36 do

mesmo coacutedigo segundo o qual os anuacutencios de publicidade devem refletir a

sua preocupaccedilatildeo com a humanidade e proteccedilatildeo ao meio ambiente sendo

vedada a publicidade que estimule agrave poluiccedilatildeo e a depredaccedilatildeo da fauna

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

236

flora e demais recursos naturais (CONAR) Os princiacutepios mencionados refor-

ccedilam o entendimento de que o greenwashing eacute uma praacutetica antieacutetica que

deve ser desencorajada

Ademais o paraacutegrafo uacutenico do artigo 36 do referido coacutedigo faz ressalvas

que se complementam com a praacutetica de greenwashing como questiona-

mentos quanto a veracidade das informaccedilotildees ambientais exatidatildeo das infor-

maccedilotildees a fim de evitar informaccedilotildees geneacutericas pertinecircncia em relaccedilatildeo ao

processo de produccedilatildeo e seus anuacutencios e por fim a relevacircncia dos produtos e

os benefiacutecios ambientais (CONAR) sendo vedadas agrave vista disso campanhas

publicitarias que utilizem mecanismos ambientalistas infundados

Nessa mesma perspectiva o coacutedigo de autorregulaccedilatildeo tambeacutem des-

creve em seu anexo II mais precisamente no ponto ldquourdquo questotildees de apelo

sustentaacuteveis Para o oacutergatildeo a publicidade tem o papel natildeo apenas de distinguir

o produto mas contribuir para a formaccedilatildeo de valores humanos eacuteticos sociais

e responsaacuteveis (CONAR) estando de acordo com o paradigma de proteccedilatildeo

ambiental e defesa do meio ambiente Portanto eacute atribuiacuteda a necessidade da

veracidade dos fatos na qual as informaccedilotildees veiculadas devem ser verda-

deiras Eacute perceptiacutevel a forma que o CONAR se dedica para atuar no mercado

e proteger os consumidores contudo pela proacutepria caracteriacutestica do oacutergatildeo de

autorregulaccedilatildeo ainda haacute dificuldade de fiscalizaccedilatildeo sendo necessaacuteria uma

atuaccedilatildeo em conjunto com a sociedade para atingir progressos consideraacuteveis

(LOVATO 2013)

No Brasil o greenwashing eacute considerado uma praacutetica de propaganda

enganosa sendo inibida pelo artigo 37 do Coacutedigo de Defesa do Consumidor

Esse fato foi confirmado por meio de jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Fede-

ral (STF) na qual foi proposto o Mandado de Injunccedilatildeo ndeg 4766DF no dia 24 de

maio de 2012 oportunidade em que foi discutida uma suposta omissatildeo legis-

lativa sobre propagandas ambientais cujo objetivo era regulamentar uma lei

especifica que tratasse exclusivamente sobre greenwashing O impetrante

alegava que a propaganda enganosa ambiental natildeo encontrava proteccedilatildeo

no ordenamento juriacutedico paacutetrio contudo o presente remeacutedio natildeo foi acolhido

pelo tribunal que entendeu de forma monocraacutetica segundo o voto proferido

pelo Ministro Gilmar Mendes jaacute existir norma federal que assegure os direitos

de proteccedilatildeo agrave propaganda enganosa (BRASIL 2013)

Nesse contexto nas palavras do Ministro ldquoJaacute haacute norma federal que via-

bilize o exerciacutecio dos direitos de proteccedilatildeo agrave propaganda comercial seja ela

ambiental ou de qualquer outra naturezardquo A partir da perspectiva do Su-

premo Tribunal Federal natildeo haacute omissatildeo legislativa a ser sanada visto que o

tribunal entendeu pela generalidade da lei acerca da publicidade enganosa

a qual contempla ainda que indiretamente o greenwashing (BRASIL 2013)

De toda forma apesar do remeacutedio constitucional natildeo ter sido desenvol-

vido fica claro o posicionamento da Suprema Corte brasileira Em contra-

ponto a esse posicionamento eacute possiacutevel prever a existecircncia de casos em que

o greenwashing seraacute utilizado sem haver uma sanccedilatildeo especiacutefica para o caso

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

237

e consequentemente sem alterar a conduta empresarial posto que natildeo haacute

fiscalizaccedilatildeo adequada que impeccedila a referida praacutetica

A partir da anaacutelise do referido julgado eacute possiacutevel identificar mais uma

vez a transdisciplinaridade da proteccedilatildeo juriacutedico-ambiental dado que o resul-

tado do referido julgado possui raiacutezes na esfera da proteccedilatildeo ao consumidor

Logo identifica-se a complexidade do sistema de proteccedilatildeo juriacutedico-ambien-

tal havendo limitaccedilotildees ao greenwashing identificadas na Constituiccedilatildeo Fede-

ral de 1988 de maneira indireta a partir da anaacutelise da proteccedilatildeo ao meio am-

biente e ao consumidor bem como nas normas expedidas pelo CONAR e no

Coacutedigo de Defesa do Consumidor segundo o entendimento do STF

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O presente trabalho buscou realizar reflexotildees sobre o fenocircmeno do

greenwashing e investigar as suas limitaccedilotildees no ordenamento juriacutedico brasi-

leiro em sua complexidade No primeiro momento a oacuteptica complexa esta-

belecida por Morin foi o ponto de partida para uma investigaccedilatildeo da proteccedilatildeo

juriacutedica do meio ambiente em meio agrave crise ambiental contemporacircnea Isso

porque o Direito Ambiental natildeo eacute capaz por si soacute de solucionar todas as de-

mandas havendo influecircncia e limitaccedilotildees de demais aacutereas que podem regu-

lar sob diferentes perspectivas o greenwashing

Nesse contexto o pensamento complexo estaacute relacionado agrave consciecircn-

cia de que o todo eacute maior que a soma de todas as partes O Direito Ambiental

pode ser analisado com base no pensamento complexo uma vez que os mi-

crossistemas de proteccedilatildeo juriacutedica ao meio ambiente transitam em outras aacutereas

dentro do proacuteprio Direito destacando-se a sua relevacircncia para o Direito Em-

presarial o Direito Civil e Direito do Consumidor

Diante disso a proteccedilatildeo do meio ambiente eacute baseada em uma inter-

dependecircncia entre o pensamento complexo e o Direito Ambiental havendo

uma anaacutelise a partir da eacutetica ambiental para averiguar se as condutas em-

presariais estatildeo alinhadas com a proteccedilatildeo juriacutedica ao meio ambiente A eacutetica

ambiental eacute conduzida por preceitos os quais guiam os comportamentos so-

ciais das atividades empresariais e seus processos de produccedilatildeo

A partir do momento em que a sociedade compreende a importacircncia

da necessidade de uma proteccedilatildeo ambiental as empresas se moldam a esse

novo paradigma podendo obter vantagens associadas a essa mudanccedila de

modo que os lucros das empresas que estatildeo alinhadas com a agenda ambi-

entalista crescem a cada dia Ocorre que de fato existem organizaccedilotildees que

alteram seu jeito de pensar e produzir fazem mudanccedilas no seu modo de ges-

tatildeo enquanto outras visando apenas o lucro utilizam a pauta ambiental em

seus mercados exclusivamente para lucrar sem levar em consideraccedilatildeo a mu-

danccedila de paradigma social

Dessa forma o ordenamento juriacutedico brasileiro garante a proteccedilatildeo do

consumidor e do meio ambiente diante da praacutetica do greenwashing con-

forme identificado na decisatildeo do Mandando de Injunccedilatildeo impetrado perante

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

238

o Supremo Tribunal Federal que reconheceu o fenocircmeno do greenwashing

no Brasil entendendo que o Coacutedigo de Defesa do Consumidor eacute a via correta

para inibir a praacutetica haja vista a perspectiva legal da propaganda enganosa

Entende-se haver a preponderacircncia da transdisciplinaridade da prote-

ccedilatildeo juriacutedico-ambiental de modo que eacute possiacutevel identificar normas de limita-

ccedilatildeo de condutas ambientalmente abusivas e antieacuteticas na Constituiccedilatildeo Fe-

deral como tambeacutem em aacutereas distintas do Direito Haacute inclusive como eacute o

caso da anaacutelise da norma do CONAR e do referido julgado a proteccedilatildeo a

bens juriacutedicos distintos atingindo natildeo somente os direitos relacionados agrave pro-

teccedilatildeo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado conforme previsto

constitucionalmente como tambeacutem os direitos do consumidor caracteri-

zando-se a complexidade da mateacuteria

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AS IMPLICACcedilOtildeES JURIacuteDICAS

ADVINDAS DA FORMACcedilAtildeO DA

FAMIacuteLIA MULTIESPEacuteCIE

Maria Ravelly Martins Soares Dias1

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 161 A natureza juriacutedica dos animais de esti-

maccedilatildeo segundo o Coacutedigo Civil de 2002 162 O instituto da persona-

lidade juriacutedica e os animais de estimaccedilatildeo 163 Os animais de esti-

maccedilatildeo como ldquoterceiro gecircnerordquo e o meio termo como soluccedilatildeo apa-

rente Consideraccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

Em decorrecircncia da claacuteusula aberta contida no art 226 da Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 onde estabelece que a famiacutelia eacute a base da sociedade vaacuterios

nuacutecleos familiares ganharam repercussatildeo Dentre muitos destaca-se a famiacutelia

multiespeacutecie agregando humanos e animais dentro de um mesmo agrupa-

mento familiar

Assim com a ideia de famiacutelias pluralizadas e inclusivas os animais de

estimaccedilatildeo ganharam importacircncia dentro dos nuacutecleos alcanccedilando a quali-

dade de membro da famiacutelia gerando por consequecircncia implicaccedilotildees no

mundo juriacutedico e no meio social fazendo surgir a necessidade de averiguar a

natureza juriacutedica do animal de estimaccedilatildeo dentro do ordenamento juriacutedico

brasileiro

Sob este aspecto o presente artigo tem como problema apurar os limi-

tes e possibilidades de modificaccedilatildeo do status juriacutedico do animal de estimaccedilatildeo

dentro do ordenamento juriacutedico brasileiro frente o atual enquadramento legal

que os classificam como bens moacuteveis na qualidade de semoventes

Mostra-se de extrema relevacircncia a temaacutetica diante da atual conjuntura

das famiacutelias que incluiacuteram os animais de estimaccedilatildeo como membros bem

como do nuacutemero de litiacutegios decorrentes das rupturas familiares que centrali-

zam a disputa do animal de estimaccedilatildeo como se filhos fossem

Desta forma tem-se como objetivo geral investigar a natureza juriacutedica

dos animais de estimaccedilatildeo traccedilando barreiras e possibilidades de modificaccedilatildeo

dentro do ordenamento juriacutedico brasileiro Como objetivos especiacuteficos frisa-se

em analisar a natureza juriacutedica dos animais de estimaccedilatildeo segundo o coacutedigo

civil de 2002 compreender o instituto da personalidade juriacutedica e aplicaccedilatildeo

1 Mestra em Relaccedilotildees Privadas e Desenvolvimento pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro

(UNI7CE) Professora Universitaacuteria na Faculdade Ieducare- FIED Professora Universitaacuteria na

Faculdade Alencarina- FAL Advogada E-mail ravellymartinsgmailcom

16

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

241

aos animais de estimaccedilatildeo e por fim examinar o animal de estimaccedilatildeo como

terceiro gecircnero

Para o alcance dos resultados pretendidos analisou-se natureza juriacutedica

dos animais de estimaccedilatildeo e as repercussotildees advindas de eventual modifica-

ccedilatildeo sendo utilizada a pesquisa bibliograacutefica qualitativa por intermeacutedio livros

artigos cientiacuteficos e documentos a partir da contribuiccedilatildeo de vaacuterios autores se-

lecionados bem como diante da singularidade e complexidade do objeto de

estudo permitindo assim anaacutelise e interpretaccedilatildeo ampla Em relaccedilatildeo ao meacute-

todo o que se encaixou foi o indutivo de modo que houve anaacutelise da situa-

ccedilatildeo individual para obtenccedilatildeo de conclusatildeo geneacuterica

Finalmente o trabalho foi desenvolvido por meio de trecircs toacutepicos onde

num primeiro momento foi estudada a natureza juriacutedica dos animais de esti-

maccedilatildeo e o coacutedigo civil de 2002 posteriormente o instituto da personalidade

juriacutedica e os animais de estimaccedilatildeo e por fim o animal como terceiro gecircnero

como soluccedilatildeo aparente

161 A NATUREZA JURIacuteDICA DOS ANIMAIS DE ESTIMACcedilAtildeO

SEGUNDO O COacuteDIGO CIVIL DE 2002

De maneira abrangente e universal pode-se asseverar que um bem re-

presenta tudo que proporcione contentamento ou prazer Pode-se ainda

afirmar que bem em outro sentido eacute o oposto de mal denota bondade ca-

ridade gentileza entre outros Fala-se ainda que o termo ldquobemrdquo indica posse

pertenccedila poderio e ateacute propriedade

Interessante lembrar a definiccedilatildeo de bem trazida por Caio Maacuterio da Silva

Pereira (2004) quando foca nas mais variadas acepccedilotildees que denotam o

termo ldquobemrdquo mas ressaltando que natildeo eacute todo bem que interessa agrave ordem

juriacutedica tomando por base o fato de a versatildeo do termo denotar as mais vari-

adas possibilidades

O Coacutedigo Civil de 2002 classificou os bens em trecircs categorias cada uma

com ramificaccedilotildees a fim de promover uma organizaccedilatildeo loacutegico-juriacutedica Satildeo

elas os bens considerados em si mesmos os bens reciprocamente considera-

dos e por fim os bens considerados em relaccedilatildeo ao sujeito ou seja se puacuteblico

ou privado Neste vieacutes tem-se por um criteacuterio loacutegico que o bem se diferenciaria

da qualidade de pessoa por em tese tratar de seres inanimados sem vida

ou seja objetos Muito embora seja sua maior caracteriacutestica nessa categoria

que os animais em geral foram inseridos inclusive os animais de estimaccedilatildeo

mesmo pertencentes a uma famiacutelia multiespeacutecie

Com origem no Direito Romano e difundida pelo ocidente os animais

foram inseridos num regime juriacutedico eminentemente privado onde foram po-

sicionalmente alocados no acircmbito das coisas (res) tendo como consequecircn-

cia juriacutedica o mesmo tratamento juriacutedico relativo aos objetos inanimados e agrave

propriedade privada (SILVESTRE LORENZONI HIBNER 2018)

Apesar de os animais possuiacuterem movimento proacuteprio e dentro de cada

espeacutecie tenha sua proacutepria organizaccedilatildeo a legislaccedilatildeo privada os encaixou

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

242

pura e simplesmente dentro da categoria de bens moacuteveis Assim segundo a

dicccedilatildeo do art 82 do Coacutedigo Civil de 2002 ldquosatildeo moacuteveis os bens suscetiacuteveis de

movimento proacuteprio ou de remoccedilatildeo por forccedila alheia sem alteraccedilatildeo da subs-

tacircncia ou da destinaccedilatildeo econocircmico-socialrdquo

Os animais em geral satildeo categorizados como bens semoventes sem

qualquer distinccedilatildeo ldquodizendo respeito aos bens que se deslocam de um lugar

para o outro sem perder sua substacircncia em razatildeo de sua proacutepria estruturardquo

(FARIAS ROSENVALD 2016 p 513)

Contemporaneamente em contrapartida os animais principalmente

os de estimaccedilatildeo ocupam um lugar significativo nos lares sendo distribuiacutedo

todo afeto possiacutevel na interaccedilatildeo humano-animal o que reflete na necessi-

dade de mudanccedila de paradigma Neste ponto interessante destacar que o

costume de ter em companhia os animais era privileacutegio somente das elites

aristocraacuteticas e clericais em meados do seacuteculo XVI Apontam alguns estudos

que o costume de levar o animal para dentro dos lares foi ocasionada pela

diminuiccedilatildeo do uso de animais como forccedila para o trabalho e despenderam

outras perspectivas que natildeo fosse somente a utilitaacuteria (THOMAS 2010)

Alguns ordenamentos juriacutedicos que inclusive influenciaram a codifica-

ccedilatildeo civilista do Brasil inovaram em sua legislaccedilatildeo a fim de alargar a natureza

juriacutedica dos animais e natildeo mais consideraacute-los como coisa Paiacuteses com Franccedila

Suiacuteccedila Alemanha Aacuteustria e Portugal atualmente consideram o animal de

companhia como seres sensiacuteveis ou seja perceptiacuteveis a sentimentos afas-

tando-os da categoria de bens ou objetos (COSTA FERREIRA 2018)

Portugal recentemente inovou quanto agrave mateacuteria quando trouxe em 3

(trecircs) de marccedilo de 2017 a Lei de nordm 8 (oito) com uma nova regulamentaccedilatildeo

Neste sentido por meio da citada Lei o ordenamento juriacutedico portuguecircs

trouxe um novo estatuto juriacutedico no que diz respeito aos animais reconhe-

cendo que tais seres satildeo dotados de sensibilidade afastando-os da categoria

das coisas enquanto objeto das relaccedilotildees juriacutedicas tanto que incluiacuteram tal mu-

danccedila na parte concernente agraves pessoas A revoluccedilatildeo do referido ordena-

mento foi grandiosa tanto que ateacute mesmo inseriu um subtiacutetulo denominado

Dos animais e sua localizaccedilatildeo vem logo apoacutes agrave parte referente agrave regulaccedilatildeo

das pessoas (DIAS 2018)

Interessante frisar a modificaccedilatildeo do Coacutedigo Civil austriacuteaco acerca da

natureza juriacutedica dos animais de companhia que ocorreu no ano de 1988

quando foi acrescentado o paraacutegrafo 285ordf dispondo expressamente que ldquoos

animais natildeo satildeo coisas eles satildeo protegidos por leis especiaisrdquo (SOUZA SOUZA

2018)

Por sua vez em 1990 o Coacutedigo Civil alematildeo procedeu agrave modificaccedilatildeo

onde na oportunidade incluiu o paraacutegrafo 90ordf Tal modificaccedilatildeo foi no sentido

de que aos animais de companhia deveriam ser aplicadas as normas vigentes

relativas agraves coisas no que for possiacutevel deixando a salvo qualquer disposiccedilatildeo

em contraacuterio (SOUZA SOUZA 2018)

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

243

Somente no ano de 2003 a Suiacuteccedila alterou sua legislaccedilatildeo no que pertine

ao assunto animais Ocorreu uma verdadeira ldquodescoisificaccedilatildeordquo dos animais

quando passou em seu art 641 inciso II a afirmar que os animais natildeo satildeo

coisas (SOUZA SOUZA 2018)

No mesmo seguimento veio a Franccedila por meio dos artigos 514 a 528 do

Coacutedigo Civil Na ocasiatildeo o coacutedigo francecircs afirmou serem os animais dotados

de sensibilidade mas ainda ponderou no sentido de reservaacute-los agrave legislaccedilatildeo

que os protege bem como que estatildeo submetidos ao regime de bens (SOUZA

SOUZA 2018)

O Brasil em sua codificaccedilatildeo privada continua por considerar os animais

de estimaccedilatildeo como coisas mais precisamente bens moacuteveis (art 82) sem nem

mesmo considerar uma possiacutevel senciecircncia conforme mencionado anterior-

mente Ao receberem tal tratamento submetem-se por exemplo a alguns

ditos juriacutedicos como por exemplo o princiacutepio da gravitaccedilatildeo juriacutedica ou seja

por serem mamiacuteferos passiacuteveis de reproduccedilatildeo produzem frutos seguindo a

maacutexima de que ldquoo acessoacuterio segue o principalrdquo (COSTA FERREIRA 2018)

Em contrapartida em sede constitucional haacute a observacircncia da prote-

ccedilatildeo animal quando da leitura do art 225 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 ao

afirmar o direito pertencente a todos de um meio ambiente ecologicamente

equilibrado sendo ainda um bem de uso comum do povo O artigo ainda

menciona o dever do poder puacuteblico e da coletividade de defender e preser-

var o meio ambiente para as presentes e futuras geraccedilotildees Na mesma linha

segue o paraacutegrafo 1ordm inciso VII do citado art 225 sobre a funccedilatildeo do Poder

Puacuteblico de proteger a fauna e a flora sendo vedadas praacuteticas que provo-

quem ou coloquem em risco sua funccedilatildeo ecoloacutegica bem como a extinccedilatildeo

das espeacutecies ou submetam os animais a crueldade

Tramita o Projeto de Lei nordm 67992013 de iniciativa do Deputado Federal

Ricardo Izar (PSDSP) no qual dispotildee que ldquoos animais natildeo humanos possuem

natureza juriacutedica sui generis e satildeo sujeitos de direitos despersonificados dos

quais devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violaccedilatildeo vedado

o seu tratamento como coisardquo

Segundo a justificativa apontada pelo autor do Projeto o interesse

maior eacute o de conferir um regime juriacutedico inovador de modo que afaste a per-

cepccedilatildeo utilitarista que sempre acompanhou os animais ou seja que o animal

sempre serviu para o homem e para seus interesses diferindo-os dos animais

humanos tatildeo somente no tocante agrave racionalidade e agrave comunicaccedilatildeo verbal

A proposta segue na tentativa de acrescentar dispositivo agrave Lei ndeg 9605

de 12 de fevereiro de 1998 A Lei em vigor trata em seu bojo sobre as sanccedilotildees

penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio

ambiente

Na mesma intenccedilatildeo segundo o proacuteprio texto do projeto (art4deg) deve-

se acrescentar o art 79-B agrave Lei ndeg 96051998 prevendo que o ldquodisposto no art

82 da Lei nordm 10406 de 10 de janeiro de 2002 (Coacutedigo Civil) natildeo se aplica aos

animais natildeo humanos que ficam sujeitos a direitos despersonificadosrdquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

244

No dia 7 de agosto de 2019 o Plenaacuterio do Senado aprovou o referido

Projeto de Lei considerando a senciecircncia dos animais natildeo humanos e sua na-

tureza sui generis como sujeitos de direitos natildeo personificados Por ter havido

modificaccedilatildeo ao texto o Senado remeteu a mateacuteria de volta agrave Cacircmara dos

Deputados para apreciaccedilatildeo estando atualmente na mesa do plenaacuterio com

requerimento de urgecircncia para apreciaccedilatildeo

Com a modificaccedilatildeo no texto original o projeto de Lei reconhece a na-

tureza juriacutedica sui generis tatildeo somente aos animais domeacutesticos e silvestres res-

saltando que deveraacute ser acrescentado um paraacutegrafo uacutenico ao art 82 do Coacute-

digo Civil dispondo que natildeo seratildeo portanto estes animais considerados

como objetos moacuteveis mais precisamente semoventes

Daniel Braga Lourenccedilo (2016) reconhece que de vaacuterios projetos este eacute

o que realmente assume um posicionamento claro em relaccedilatildeo aos animais

De forma expressa o projeto estabelece que os animais estariam numa posi-

ccedilatildeo sui generis afastando-os do acircmbito das coisas conferindo-lhes um novo

estatuto juriacutedico bem como seriam entes despersonificados ao mesmo

tempo que seriam sujeitos de direitos

No entanto afirma o referido autor que de nada serviraacute a redaccedilatildeo pro-

posta se natildeo forem claramente pontuados quais seriam os direitos subjetivos

os quais os animais poderiam titularizar O pesquisador ainda faz a seguinte

reflexatildeo ldquoa modificaccedilatildeo do estatuto dos animais nos paiacuteses europeus que jaacute

realizaram esta reforma significou efetivamente a atribuiccedilatildeo de novo sentido

para a animalidade ou estas sociedades continuam operando fundamental-

mente da mesma forma oprimindo os animaisrdquo (LOURENCcedilO 2016 p23)

Sob esta linha mesmo diante de um projeto de Lei inovador em relaccedilatildeo

agrave positivada legislaccedilatildeo privada haacute latente necessidade de se atribuir uma

nova categoria aos animais de estimaccedilatildeo Negar-lhes a condiccedilatildeo de seres

detentores de personalidade juriacutedica na medida em que passam a consi-

deraacute-los como sujeitos de direitos mas continuando como desprovidos de

qualquer personificaccedilatildeo natildeo mostra incidecircncia praacutetica relevante para a ne-

cessidade de desconsideraacute-los como coisas Portanto eacute essencial a anaacutelise do

instituto da personalidade juriacutedica e suas implicaccedilotildees frente aos animais de

estimaccedilatildeo o que seraacute visto a seguir

162 O INSTITUTO DA PERSONALIDADE JURIacuteDICA E OS ANIMAIS DE

ESTIMACcedilAtildeO

A legislaccedilatildeo paacutetria natildeo define o conceito de pessoa tatildeo somente

afirma que ldquotoda pessoa eacute capaz de direitos e obrigaccedilotildees na ordem civilrdquo

segundo dicccedilatildeo do art 1deg do Coacutedigo Civil de 2002 ou seja de pronto jaacute atribui

que para ter capacidade eacute necessaacuteria a condiccedilatildeo preacutevia de pessoa

Eacute assentado que os termos pessoa e sujeito de direito possuem acircnimos

equivalentes no sentido de afirmar que pessoa eacute todo aquele sujeito de di-

reitos (FARIAS ROSENVALD 2016 p169) Outrossim representa aquele que fi-

gura nas relaccedilotildees juriacutedicas seja no polo ativo seja no polo passivo bem como

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

245

eacute possuidor de uma gama de direitos protetivos Muito embora a ideia de que

pessoa venha a ser atrelada agrave figura humana este pensamento natildeo eacute abso-

luto visto que eacute atribuiacuteda a acepccedilatildeo de pessoa a entes morais ou seja natildeo

humanos a exemplo da pessoa juriacutedica Ser sujeito de direito (de direitos e

obrigaccedilotildees) eacute ser pessoa Pessoa e sujeito no plano juriacutedico satildeo conceitos

equivalentesrdquo (MORAES 2000 p 189)

A acepccedilatildeo do termo pessoa consegue abranger a um soacute tempo o que

eacute humano bem como alcanccedila o mundo juriacutedico quando cria uma figura fic-

tiacutecia natildeo humana em sua essecircncia natildeo obstante composta por figuras huma-

nas e ainda consegue por meio da Lei garantir-lhe personalidade juriacutedica

conforme apontam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2016)

Neste sentido segundo o conceito claacutessico da doutrina existem dois ti-

pos de pessoas a pessoa natural e a pessoa juriacutedica A primeira diz respeito agrave

pessoa fiacutesica o ser humano o homem A segunda toca um determinado agru-

pamento de pessoas naturais com objetivos em comum podendo ser tam-

beacutem denominada de pessoa moral ou pessoa coletiva Ressalte-se que am-

bas podem titularizar relaccedilotildees juriacutedicas e gozam de proteccedilatildeo sendo conside-

radas portanto como sujeitos de direito

Nessa linha a denominada capacidade vem sendo entendida como

extensatildeo da proacutepria personalidade juriacutedica esta atribuiacuteda a todo ser humano

(pessoa natural) nascida com vida tal qual dispotildee o art 2deg da Codificaccedilatildeo

privada quando aduz que a personalidade civil da pessoa comeccedila do nas-

cimento com vida Assim a capacidade juriacutedica eacute relacionada com a apti-

datildeo da pessoa natural (dotada de personalidade juriacutedica) em adquirir direitos

e assumir deveres pessoalmente ou natildeo Neste sentido na medida em que

surge a pessoa natural detentora da chamada personalidade juriacutedica surge

a capacidade juriacutedica para medir aquela tornando as pessoas plenamente

ou relativamente incapazes Desta forma a capacidade juriacutedica ou seja a

que mede a personalidade divide-se em duas capacidade de direito (gozo

ou aquisiccedilatildeo) e capacidade de fato (exerciacutecio)

A capacidade juriacutedica plena ou geral eacute atribuiacuteda a toda pessoa natural

que disponha a um soacute tempo da capacidade de direito e da capacidade

de fato condiccedilatildeo esta que favorece a possibilidade de ser titular de direitos

e assumir obrigaccedilotildees Importante pois ressaltar que a capacidade de direito

para alguns autores mistura-se com a ideia de personalidade sob a alega-

ccedilatildeo de que as duas satildeo conferidas a um soacute tempo agrave pessoa natural ou seja

aquele nascido com vida diante do fato da condiccedilatildeo de pessoa (FARIAS RO-

SENVALD 2016)

Segundo Gontijo e Fiuza (2014) a qualidade de pessoa eacute gecircnero po-

dendo se desdobrar em pessoa fiacutesica (natural) ou pessoa juriacutedica Cada tipo

de pessoa possui seus proacuteprios elementos e caracteriacutesticas coincidindo no

entanto em serem titulares de deveres e direitos e consequentemente pos-

suiacuterem a atribuiccedilatildeo de sujeitos de direito

A personalidade juriacutedica desdobra-se como valorativa enquanto a ca-

pacidade juriacutedica funciona como medida desse valor (personalidade) Assim

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

246

o indiviacuteduo pode ser sujeito de direito ter personalidade juriacutedica e esta por

sua vez seraacute regulada conforme a sua capacidade se plena ou limitada daiacute

portanto natildeo conferir similitude entre personalidade e capacidade (GON-

TIJO FIUZA 2014)

Ser sujeito de direito eacute dizer que determinada pessoa eacute capaz eacute ser titu-

lar de um direito O ente portanto figura na relaccedilatildeo juriacutedica seja por si soacute ou

por meio de representaccedilatildeo ou assistecircncia a depender do caso Ter como

atributo o ser sujeito de direito significa possuir a denominada capacidade de

gozo relacionada com a subjetividade que permeia a condiccedilatildeo de pessoa

bem como de outros entes sem personalidade que de igual forma gozam

de direitos (GONTIJO FIUZA 2014)

Segundo Joaquim Ramalho (2019) os sujeitos de direito satildeo os entes ap-

tos a serem titulares de direitos e obrigaccedilotildees ou seja da possibilidade de figu-

rarem num dos poacutelos da relaccedilatildeo juriacutedica Abrindo desta forma a possibilidade

dos sujeitos de direito serem pessoas singulares ou coletivas Neste sentido eacute

proacutepria da condiccedilatildeo existencial de um sujeito a concepccedilatildeo de um direito sub-

jetivo ou seja diante de um direito pessoal eacute de fundamental importacircncia

algueacutem que figure como seu titular

Muito embora exista a noccedilatildeo de que para a existecircncia de um direito

subjetivo haja necessariamente um titular para o exerciacutecio dessa faculdade

figuram situaccedilotildees peculiares as quais natildeo contam com a presenccedila da condi-

ccedilatildeo de pessoa e consequentemente ausecircncia de personalidade mas

mesmo assim haacute a qualificaccedilatildeo como sujeito de direito sem personalidade

como por exemplo o nascituro Portanto a condiccedilatildeo de ser sujeito de direito

precede a de pessoa tanto que o proacuteprio Coacutedigo Civil atribui ao nascituro ou

seja agravequele concebido mas natildeo nascido aquela condiccedilatildeo sem necessari-

amente ser atribuiacuteda personalidade juriacutedica natildeo podendo ser desta forma

confundidos ou ser considerados similares o ser titular de direitos e a imputa-

ccedilatildeo de personalidade juriacutedica

A figura do nascituro como sujeito de direito sem personalidade vem

claramente afirmada nas tenazes do art 2ordm da legislaccedilatildeo civil quando eacute adu-

zido o seguinte a personalidade civil da pessoa comeccedila do nascimento com

vida mas a lei potildee a salvo desde a concepccedilatildeo os direitos do nascituro

Neste raciociacutenio usando como exemplo a condiccedilatildeo do nascituro tem-se

neste ser um sujeito de direito sem personalidade pois a proacutepria lei admite isso

em seu artigo segundo quando afirma os seus direitos desde a concepccedilatildeo

Num primeiro momento haacute a niacutetida intenccedilatildeo do legislador em natildeo con-

siderar o nascituro como pessoa tendo em vista que a personalidade inicia-

se com o nascimento com vida mas em contrapartida haacute garantia de direi-

tos ao natildeo nascido A doutrina ao retratar o assunto acima tenta explicar a

situaccedilatildeo por meio das teorias natalista condicionalista e concepcionista

A teoria natalista aduz a ausecircncia de personalidade do nascituro e res-

salta a existecircncia de expectativas de direito tomando por base a ideia de

que a personalidade civil soacute teraacute iniacutecio a partir do nascimento com vida natildeo

devendo ser reconhecidos ao nascituro direitos Assim soacute se admite falar em

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

247

tratamento juriacutedico para aquele nascido com vida Para tal considera-se nas-

cido com vida aquele retirado do corpo materno e mediante presenccedila de ar

nos pulmotildees por meio de procedimento meacutedico chamado docimasia pulmo-

nar (MARCcedilAL AMARAL 2018)

A teoria da personalidade condicionada sustenta que os direitos do nas-

cituro enfrentam uma condiccedilatildeo suspensiva na medida em que soacute deveraacute ser

considerado ente com personalidade o nascituro que venha a nascer com

vida excluindo no entanto a possibilidade de atribuiccedilatildeo de personalidade

agraves situaccedilotildees em que este mesmo natildeo venha a vingar natildeo lhe sendo atribuiacutedo

qualquer direito Ainda quanto a este ponto destaca-se que o nascituro se

enquadraria com uma pessoa virtual ou condicional pois sua personalidade

encontra-se condicionada ao nascimento com vida (FARIAS ROSENVALD

2016) Estando portanto mediante uma condiccedilatildeo aplicar-se-ia de igual ma-

neira ao embriatildeo concebido mediante fertilizaccedilatildeo in vitro ou seja uma vida

extrauterina Sua personalidade e consequente aquisiccedilatildeo de ser sujeito de di-

reito ficariam condicionadas ao nascimento com vida alcanccedilando direitos

patrimoniais e obrigacionais (DINIZ 2017)

Por fim a teoria concepcionista que considera a similitude entre capa-

cidade de direito e personalidade desconsidera a leitura fria da lei e propotildee

uma interpretaccedilatildeo mais abrangente no sentido de afirmar ser o nascituro pes-

soa desde sua concepccedilatildeo Encontra seu fundamento ao propagar que seria

o nascituro possuidor de personalidade juriacutedica com inspiraccedilatildeo no Direito

Francecircs o qual afirma que a aquisiccedilatildeo de personalidade juriacutedica eacute a partir da

concepccedilatildeo e que consequentemente jaacute haacute titularizaccedilatildeo de direitos (FARIAS

ROSENVALD 2016)

Desta forma mostra-se como corrente majoritaacuteria bem como adotada

pelo Coacutedigo Civil de 2002 a teoria natalista na medida em que o que deter-

mina a atribuiccedilatildeo da personalidade eacute o nascimento da pessoa natural Res-

salte-se que mesmo adotando tal teoria a lei coloca a salvo a situaccedilatildeo do

nascituro afirmando natildeo ser pessoa mas detentor de expectativa de direitos

Assim diante da literalidade do mencionado art 2ordm da codificaccedilatildeo pri-

vada a proacutepria legislaccedilatildeo reconhece a atribuiccedilatildeo de condiccedilatildeo de sujeito de

direito em separado da personalidade a exemplo do nascituro Desta forma

se a proacutepria legislaccedilatildeo afirma a possibilidade acima mencionada ou seja de

em determinadas situaccedilotildees atribuir direitos a entes desprovidos de personali-

dade os conceitos de capacidade de direito sujeito de direito e personali-

dade mostram-se distintos

Outrossim ainda cumpre lembrar que a legislaccedilatildeo na tentativa de

compensar a ausecircncia de capacidade plena criou os institutos da represen-

taccedilatildeo e da assistecircncia a partir da chamada teoria das incapacidades justa-

mente para natildeo desamparar civilmente as pessoas ou ateacute mesmo os entes

sem personalidade mas considerados como sujeitos de direitos

A premissa geral eacute de que as pessoas possuam plena capacidade para

praticar os atos da vida civil sendo a incapacidade mecanismo de exceccedilatildeo

visto que traz no rol dos arts 3deg e 4ordm do Coacutedigo Civil as circunstacircncias em que

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

248

a incapacidade seraacute plena ou limitada Nesse raciociacutenio a codificaccedilatildeo civil

elenca o rol de absolutamente incapazes e relativamente incapazes nas pre-

missas de seus artigos 3ordm e 4ordm A primeira situaccedilatildeo refere-se agrave necessidade de

representaccedilatildeo e a segunda assistecircncia justamente por tal rol comportar a

incapacidade para praticar os atos da vida civil

Muito embora natildeo haja previsatildeo da situaccedilatildeo do nascituro nos artigos

acima mencionados ressalte-se existir a previsatildeo dos chamados alimentos

graviacutedicos (Lei nordm 11804 de 5 de novembro de 2008) justamente para prote-

ger o nascituro ente sem personalidade mas sujeito de direito A referida lei

de forma sinteacutetica cuida da possibilidade de pleitear alimentos em face do

suposto pai para cobrir as despesas proacuteprias da gravidez decorrentes da con-

cepccedilatildeo em benefiacutecio preciacutepuo do nascituro

A capacidade de direito revela-se como a possibilidade de ter direitos

Tome-se por base o fato de existirem sujeitos de direito que natildeo satildeo pessoas e

que possuem capacidade juriacutedica como espoacutelio massa falida condomiacutenio e

heranccedila jacente A capacidade portanto iraacute refletir de modo gradual uns

com maior e outros em menor necessidade na oacuterbita juriacutedica (GORDILHO

SILVA 2012)

Para os animais natildeo humanos deve ser atribuiacuteda uma espeacutecie de per-

sonalidade juriacutedica miacutenima como bem assevera Carla de Abreu Medeiros

(2017 p 121)

Para falar sobre o direito subjetivo dos animais deve-se pensar na

personalidade juriacutedica miacutenima a qual se assemelha ao que seria o

miacutenimo do direito natural ou seja agravequilo a que todos os seres (huma-

nos ou natildeo) tecircm interesse como o direito agrave vida e agrave integridade fiacutesica

por exemplo Por conseguinte sua tutela deve se dar da mesma

forma como ocorrecom os incapazes Ou seja deveraacute ser nomeado

um tutor ou representante legal para que esteem nome dos animais

defenda seus interesses como a uma vida digna sem sofrimento

Outrossim ainda aduz a referida autora sobre a consciecircncia de dife-

renccedila existente entre humanos e animais mas que tais distinccedilotildees devem im-

pulsionar outras diferenccedilas nos seus direitos na medida de suas desigualda-

des ressaltando ainda que de acordo com o princiacutepio da igualdade deve

haver consideraccedilatildeo de interesses entre todos os seres negros ou brancos ho-

mens ou mulheres humanos ou natildeo humanos (MEDEIROS 2017)

Haacute autores como Heron Santana e Tagore Trajano (2012) que afirmam

que a personalidade juriacutedica perfaz um atributo criado e imputado aos ho-

mens e a outras entidades somente para atender necessidades de traacutefego

social tendo em vista que a regra juriacutedica incide sobre fatos Noutras palavras

ser somente como uma criaccedilatildeo fictiacutecia a fim de promover maior mobilidade

frente as demandas da sociedades diante de fatos preexistentes

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

249

Importante apontar as palavras de Vitor Frederico Kumpel (2018 p757)

quando assim dispotildee

Com efeito da proteccedilatildeo juriacutedica jaacute conferida aos animais natildeo de-

corre que estes possam gozar na ordem juriacutedica brasileira de uma

tutela tatildeo alargada que os considere como membros efetivos da fa-

miacutelia para fins juriacutedicos Se se passar a admitir essa situaccedilatildeo a ponto

de o animal ser tido como equiparado agraves pessoas poder-se-ia ateacute

mesmo pensar no casamento entre pessoas e animais Isso por ab-

surdo que pareccedila estaacute de certo modo alinhado a um tempo no qual

se coisificam as pessoas e se personalizam coisas

Parece mais adequado o pensamento por meio do qual se atribui per-

sonalidade juriacutedica miacutenima aos animais natildeo humanos desta forma seria efe-

tivamente garantida uma proteccedilatildeo agrave vida e agrave integridade fiacutesica no sentido

de ser-lhes concedida tal condiccedilatildeo em razatildeo de sua clara sensibilidade aos

sentimentos e sensaccedilotildees bem como em virtude do novo sentido que ocupam

perante a sociedade pois enquanto o animal natildeo humano for percebido em

prol do animal humano sua qualificaccedilatildeo continuaraacute como de simples coisa

perante o direito

Permeia perante alguns posicionamentos doutrinaacuterios a possibilidade de

ser imposta aos animais a natureza sui generis ou seja nem ser coisa muito

menos pessoa Tal abordagem seraacute retratada no proacuteximo toacutepico

163 OS ANIMAIS DE ESTIMACcedilAtildeO COMO ldquoTERCEIRO GEcircNEROrdquo E O

MEIO TERMO COMO SOLUCcedilAtildeO APARENTE

Quando se fala em animais de estimaccedilatildeo e mais precisamente se deve

ou natildeo ser atribuiacuteda personalidade juriacutedica cria-se verdadeira batalha doutri-

naacuteria e jurisprudencial por extremistas de ambos os lados diante da diferenci-

accedilatildeo entre coisa e pessoa estabelecida pelo Coacutedigo Civil de 2002 Assim

abordar-se-aacute neste toacutepico a possibilidade de reconhecer os animais de esti-

maccedilatildeo como pertencentes a uma terceira categoria diferente de coisa e

pessoa

Sob este aspecto vecircm surgindo alguns questionamentos acerca de

qual posiccedilatildeo juriacutedica deveriam os animais ocupar Sobre o assunto alguns es-

tudiosos propotildeem como soluccedilatildeo a criaccedilatildeo de categoria intermediaacuteria natildeo

ficando os animais como coisas tendo em vista serem seres dotados de sensi-

bilidade e sentimentos mas tambeacutem natildeo ocupando a categoria de humanos

visto que o animal natildeo humano natildeo eacute composto pela pessoa natural ou fiacutesica

Seguindo a categoria intermediaacuteria ou terceiro gecircnero a proposta eacute

encabeccedilada por Eduardo Rabenhorst e Franccedilois Ost e segundo os referidos

autores natildeo haacute a necessidade de encaixar ou ampliar as categorias existen-

tes ou seja coisa ou pessoa mas sim normatizar um estatuto especial relativo

aos animais dentro do ordenamento juriacutedico (SILVA GORDILHO 2012) Desta

forma ao criar um estatuto juriacutedico proacuteprio e categorizar os animais como um

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

250

terceiro gecircnero aniquilaria a alternativa de atribuir direitos subjetivos afas-

tando portanto a possibilidade de os mesmos serem sujeitos de direito bem

como de possuiacuterem personalidade juriacutedica miacutenima

Daniel Lourenccedilo (2016) enfrenta os entendimentos de Eduardo Rabe-

nhorst e Franccedilois Ost ao afirmar que tal teoria implicaria num regresso pois se

baseia em mais uma imputaccedilatildeo de deveres aos animais humanos e a uma

natildeo concessatildeo de um valor intriacutenseco aos animais natildeo humanos sustentando

ainda que teorias como a de entes despersonalizados e da personalidade

dariam uma soluccedilatildeo mais adequada agrave situaccedilatildeo dos animais do que a pro-

posta de um terceiro gecircnero

A verdade eacute que os animais humanos tendem a praticar o especismo

ou seja consideram-se superiores em relaccedilatildeo aos outros seres vivos exer-

cendo domiacutenio sobre tudo aquilo que habita a terra principalmente os ani-

mais O texto constitucional promove proteccedilatildeo a todos sem distinccedilatildeo aqueles

que possuem vida especialmente quando se utiliza da expressatildeo ldquotodos tecircm

direitordquo (MORAIS COSTA 2018)

Neste sentido os animais em geral tendo em vista as vaacuterias formas de

vida possuem seus interesses e necessidades independentemente da espeacute-

cie mas diante de uma organizaccedilatildeo visivelmente antropocecircntrica haacute uma

distinccedilatildeo discrepante entre animais e humanos na medida em que aos pri-

meiros nada se tem ou a miacutenima proteccedilatildeo que haacute mostra-se simboacutelica e aos

segundos a concessatildeo de todos os direitos inclusive o de apropriar-se dos

primeiros A criaccedilatildeo de uma nova categoria assemelha-se agrave criaccedilatildeo de uma

nova espeacutecie na medida em que haacute concessatildeo de direitos a uns e a outros

natildeo recaindo novamente nas raiacutezes do especismo e natildeo protegendo efetiva-

mente os animais (SILVA GORDILHO 2012)

O grande ponto ao tratar sobre a condiccedilatildeo ou natildeo de sujeito de direito

eacute verificar que se deve falar em dignidade para com os seres vivos em geral

admitindo que aqueles que possuem vida bem como possuem sentimentos

satildeo titulares de direitos Criar uma nova categorizaccedilatildeo juriacutedica ainda poderia

influenciar de forma negativa o trabalho jurisdicional pois recairiam os juiacutezes

no fardo da estrita legalidade diante da ausecircncia de uma perspectiva moral

e de valor intriacutenseco existente em relaccedilatildeo aos animais

A perspectiva antropocecircntrica natildeo atribui valor agrave natureza em geral

muito menos aos animais A utilizaccedilatildeo dos recursos ambientais eacute visivelmente

voltada para a satisfaccedilatildeo e aparato humano por esta razatildeo toda tutela juriacute-

dica existente tem o objetivo claro e evidente de servir aos humanos con-

forme a utilidade que os animais tenham Assim havendo hierarquia entre os

seres haacute o fortalecimento do especismo (SILVESTRE LORENZONI HIBNER 2018)

Desta feita a opccedilatildeo pela criaccedilatildeo de status juriacutedico novo nomeado de

terceiro gecircnero natildeo se mostra como a melhor opccedilatildeo praacutetica e efetiva na in-

teraccedilatildeo humano-animal Haveria nesse vieacutes a criaccedilatildeo de uma espeacutecie de

personalidade especial ou tiacutepica estranha agrave proacutepria condiccedilatildeo do animal e

que natildeo agregaria valor intriacutenseco Consequentemente ter-se-ia a quebra do

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

251

binocircmio pessoacoisa existente e acarretaria numa extrema modificaccedilatildeo e

uma perda praacutetica tornando-se soacute mais um estatuto juriacutedico sem eficaacutecia

Por isto mostra-se como melhor soluccedilatildeo o reconhecimento dos animais

de estimaccedilatildeo como sujeitos de direitos e lhes ser atribuiacuteda uma personalidade

juriacutedica miacutenima tendo em vista a nova conjuntura social que os considera

como membros da famiacutelia e ateacute mesmo como filhos

A melhor maneira para chegar ateacute esta conclusatildeo eacute fazer a aplicaccedilatildeo

do pensamento complexo ao Direito de modo a aplicar agrave norma juriacutedica a

realidade afastando assim a loacutegica claacutessica

Neste vieacutes deve-se abrir espaccedilo para aplicaccedilatildeo da complexidade

como possibilidade de saberes inclusivos e iguais apartando ao mesmo

tempo ideias de categorizaccedilatildeo e fragmentaccedilatildeo das coisas Como tal a situ-

accedilatildeo de atribuir personalidade juriacutedica aos animais causa incertezas e desa-

cordos mas tais sentimentos satildeo proacuteprios da sociedade e de acontecimentos

que fogem ao tradicional ou ao jaacute preacute-estabelecido Promover a ligaccedilatildeo entre

todos os seres eacute o caminho para se buscar soluccedilotildees como a de deixar de

considerar aos animais como meros objetos

Pensar de maneira categoacuterica e hieraacuterquica dentro de fontes de sabe-

res tradicionais acaba por limitar o Direito gerando desta forma uma falsa

sensaccedilatildeo de racionalidade e exclusatildeo de fenocircmenos

Interessante neste ponto destacar que quando se fala em complexi-

dade vigoram a incompletude e a incerteza merecendo destaque as pala-

vras de Germana Belchior (2015 p 101) sobre o assunto quando aduz que ldquoO

pensamento complexo eacute tambeacutem animado por uma tensatildeo permanente en-

tre a aspiraccedilatildeo por um saber fragmentado natildeo compartimentado natildeo redu-

tor e o reconhecimento inacabado e da incompletude de qualquer conheci-

mentordquo

O reconhecimento de que os animais satildeo seres sencientes aliado ao

fato de abandonar o especismo agrega valor moral aos animais dentro de

suas necessidades e do anseio social afastando portanto qualquer hierar-

quia entre espeacutecies e adaptando a legislaccedilatildeo aos reais anseios de animais

humanos e natildeo humanos evitando ainda a criaccedilatildeo de normas pouco ou

ate mesmo inutilizaacuteveis dentro do ordenamento

A soluccedilatildeo mais adequada parece ser a do reconhecimento dos animais

de estimaccedilatildeo como sujeitos de direito na ordem juriacutedica Ao serem colocados

neste patamar abrir-se-ia desta forma a possibilidade de concessatildeo de per-

sonalidade juriacutedica miacutenima Sendo detentores de uma personalidade juriacutedica

estariam aptos a figurarem nas relaccedilotildees juriacutedicas no entanto seu exerciacutecio

seria fomentado pelo representante ou tutor do animal na medida em que

sanaria a ausecircncia da plena capacidade

Ao identificar os animais natildeo humanos como seres dotados de sensibili-

dade como sujeitos de uma vida e reconhecer sua dignidade os coloca num

mesmo patamar protecionista em relaccedilatildeo aos humanos podendo desta

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

252

forma consideraacute-los como membros de uma famiacutelia carecedores de prote-

ccedilatildeo estatal efetiva

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Eacute certo que a liberdade e autonomia reinam no acircmbito das relaccedilotildees

privadas principalmente no tocante a formaccedilatildeo das famiacutelias A Carta Magna

de 1988 reconhece a famiacutelia como ceacutelula matildee da sociedade devendo qual-

quer que seja sua composiccedilatildeo ser protegida pelo Estado Daiacute entatildeo falar em

proteccedilatildeo das famiacutelias multiespeacutecie e consequentemente dos animais de es-

timaccedilatildeo enquanto membros

Frente o atual coacutedigo civil de 2002 o animal de estimaccedilatildeo continua

sendo considerado como bem moacutevel ou seja semovente natildeo sendo consi-

derado como sujeito de direito e que mesmo existindo propostas de alteraccedilatildeo

legislativa no tocante a mateacuteria natildeo se mostraria suficiente para efetivar pro-

teccedilatildeo juriacutedica adequada aos animais de estimaccedilatildeo se natildeo forem exatamente

pontuados de quais direitos seriam detentores

Ao analisar o instituto da personalidade juriacutedica e sua aplicaccedilatildeo aos ani-

mais de estimaccedilatildeo vislumbra-se pela possibilidade Considerando o animal

de estimaccedilatildeo enquanto sujeito de direito e eventual atribuiccedilatildeo de personali-

dade juriacutedica miacutenima ter-se-ia de maneira mais eficiente a garantia de prote-

ccedilatildeo agrave vida e agrave integridade frente a clara sensibilidade de que satildeo dotados

Deve-se ter mente portanto que a proteccedilatildeo ao animal de estimaccedilatildeo deve

ser a mesma dedicada aos humanos pois ambos satildeo sujeitos de uma vida

A criaccedilatildeo de uma nova categoria como o terceiro gecircnero para en-

quadramento dos animais natildeo seria a via mais adequada para garantir a pro-

teccedilatildeo invocada pois claramente geraria mais uma classificaccedilatildeo que igual-

mente seria excludente e especista frente outras situaccedilotildees que podem ser so-

lucionadas a partir da igual consideraccedilatildeo de interesses entre espeacutecies

Por fim tem-se que a modificaccedilatildeo do status juriacutedico dos animais de es-

timaccedilatildeo mostra-se necessaacuteria enquanto sujeito de direito e detentores de per-

sonalidade juriacutedica miacutenima natildeo soacute para enquadraacute-los como membros de de-

terminada famiacutelia mas sim por serem seres sencientes e sujeitos de uma vida

e desta maneira natildeo podem ser inferiorizados unicamente por natildeo serem se-

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juriacutedica material e processual da senciecircncia animal no ordenamento juriacutedico brasi-

leiro anaacutelise da legislaccedilatildeo e de decisotildees judiciais Revista Brasileira de Direito Animal

SALVADOR V13 N 01 p 55-95 Jan-Abr 2018

SILVESTRE Gilberto Fachetti LORENZONI Isabela Lyrio HIBNER Davi Amaral A tutela

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Acesso em 01 ago 2019

THOMAS Keith O homem e o mundo natural mudanccedilas de atitude em relaccedilatildeo agraves

plantas e aos animais Satildeo Paulo Companhia das Letras 2010

255

O MEIO AMBIENTE COMO CONCEITO

JURIacuteDICO INDETERMINADO SOB A

OacutePTICA DO PENSAMENTO COMPLEXO

Victor Nunes Barroso1

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 171 Consideraccedilotildees sobre a complexidade

ambiental e a dificuldade de conceituaccedilatildeo do meio ambiente 172

Conceito legal de meio ambiente 173 O meio ambiente como con-

ceito juriacutedico indeterminado agrave luz do pensamento complexo Consi-

deraccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

A questatildeo ambiental mais do que nunca se mostra de urgente apreci-

accedilatildeo sob pena de cada vez mais e em um futuro mais proacuteximo tornar o pla-

neta Terra inoacutespito para que as geraccedilotildees vindouras possam nele dignamente

viverem A grave crise ambiental que de haacute muito se vecirc exige uma nova

abordagem na relaccedilatildeo do homem com o ambiente uma conduta responsaacute-

vel e respeitosa para com os recursos naturais nas suas mais variadas espeacutecies

e organismos

A perene busca na tentativa de bem se enfrentar a questatildeo ambiental

traz consigo necessariamente uma alteraccedilatildeo no comportamento do ser hu-

mano Uma consciecircncia ambiental uma nova cultura na relaccedilatildeo do homem

com meio ambiente eacute imprescindiacutevel para se viabilizar as condiccedilotildees de vida

para as geraccedilotildees vindouras

Natildeo basta a luta por uma melhor gestatildeo e por um uso racional dos re-

cursos naturais uma profunda mudanccedila nas mentalidades se impotildee com

consequentes comportamentos voluntaacuterios de preservaccedilatildeo A consciecircncia e

a accedilatildeo no sentido de que o meio ambiente deve ser tratado como algo cons-

tante Uma eacutetica ambiental entendida como a relaccedilatildeo dos seres humanos

com os demais seres vivos se mostra cada vez mais necessaacuteria Um trata-

mento e um respeito eacutetico conferido agrave natureza satildeo imprescindiacuteveis mudam-

se os conceitos os olhares alteram-se os comportamentos

O Direito pois natildeo poderia ficar distante de tatildeo relevante problema

que afeta a todos os seres vivos Todavia necessaacuterio se faz sempre na busca

de uma racional e efetiva proteccedilatildeo juriacutedica e sobretudo para natildeo se ficar a

mercecirc de modismos e ondas casuiacutesticas rigor epistemoloacutegico no objeto a ser

estudado na definiccedilatildeo do problema a ser enfrentado

1 Mestrando em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7CE) Juiz de Direito

E-mail vcnbarrosoyahoocombr

17

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

256

Contudo mesmo com o advento da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 que

ao dispensar um capiacutetulo para a proteccedilatildeo do meio ambiente o Capiacutetulo VI

do Tiacutetulo VIII com o artigo 225 seus paraacutegrafos e incisos que deu um passo

importantiacutessimo para a conscientizaccedilatildeo juriacutedica ambiental muita discussatildeo

ainda existe em torno do conceito juriacutedico de meio ambiente problema que

interessa natildeo somente agrave academia vez que as atitudes a serem tomadas em

todas esferas tecircm iacutentima relaccedilatildeo com o conceito adotado

O problema de partida a ensejar este artigo revela-se na seguinte in-

dagaccedilatildeo qual o conceito juriacutedico de meio ambiente que satisfaccedila as exigecircn-

cias da sociedade contemporacircnea tomando-se como paradigma o pensa-

mento complexo O objetivo geral da pesquisa eacute investigar a possibilidade de

um conceito juriacutedico indeterminado para o meio ambiente

A pesquisa eacute fundamentalmente bibliograacutefica teoacuterico descritiva dos

conceitos e qualitativa O meacutetodo adotado eacute o dedutivo A dialeacutetica se mos-

tra imprescindiacutevel afinal a realidade estaacute sempre em movimento

No presente estudo seraacute abordada no toacutepico primeiro a dificuldade de

se bem definir meio ambiente ante a sua multidimensionalidade e complexi-

dade aleacutem de sua classificaccedilatildeo como de uso comum do povo

No segundo toacutepico seraacute analisado o conceito legal de meio ambiente

tanto constitucional quanto na legislaccedilatildeo ordinaacuteria com os princiacutepios de Di-

reito Ambiental e a sua importacircncia para uma devida e efetiva proteccedilatildeo juriacute-

dica

No terceiro item seraacute feita uma tentativa de contribuir com o conceito

de meio ambiente abrangente integral totalizante O conceito juriacutedico inde-

terminado natildeo como lacuna ou incompletude do texto legal mas como insti-

tuto importante em uma sociedade complexa e em constante transforma-

ccedilatildeo

171 CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE A COMPLEXIDADE AMBIENTAL E A

DIFICULDADE DE CONCEITUACcedilAtildeO DO MEIO AMBIENTE

Em uma eacutepoca de profundas transformaccedilotildees a chamada sociedade

poacutes-moderna com as suas ambiguidades e crescimento desordenado onde

tudo se torna efecircmero e descartaacutevel a qual trouxe consigo grandes mudan-

ccedilas nas relaccedilotildees interpessoais sociais poliacuteticas e ambientais dentre outras

bem como riscos inimaginaacuteveis decorrentes de novas tecnologias do con-

sumo sem freios de uma exploraccedilatildeo que beira a insanidade por entender que

os recursos naturais utilizados satildeo infinitos uma grave crise ambiental inevita-

velmente se instalou e cada vez se torna mais visiacutevel a ensejar mudanccedilas de

comportamento Ost (1995 p 8 - 9) natildeo deixa duacutevida

Eis a crise ecoloacutegica a desflorestaccedilatildeo e destruiccedilatildeo sistemaacutetica das

espeacutecies animais sem duacutevida mas antes de mais e sobretudo a

crise da nossa representaccedilatildeo da natureza a crise da nossa relaccedilatildeo

com a natureza [] esta crise eacute simultaneamente a crise do viacutenculo e

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

257

a crise do limite uma crise de paradigma sem duacutevida Crise do viacuten-

culo jaacute natildeo conseguimos discernir o que nos liga ao animal ao que

tem vida agrave natureza crise do limite jaacute natildeo conseguimos discernir o

de que deles nos distingue

A crise ambiental que soacute natildeo eacute vista por quem natildeo quer ou pior ainda

por quem tem interesses natildeo explicitamente revelados se mostra mais a cada

dia com a maacute distribuiccedilatildeo dos recursos hiacutedricos e a contaminaccedilatildeo da jaacute es-

cassa aacutegua doce com a devastaccedilatildeo da flora e da fauna com a poluiccedilatildeo e

o aquecimento global enfim com todos esses males que levou o planeta agrave

beira de uma cataacutestrofe A presente eacutepoca por muitos designada de poacutesmo-

dernidade e a geraccedilatildeo que nela estaacute inserida eacute a responsaacutevel pela quali-

dade do meio ambiente das geraccedilotildees que viratildeo

A poacutes-modernidade de acordo com Bittar (2005 p 107-108) eacute um es-

tado reflexivo da sociedade ante suas proacuteprias mazelas especialmente con-

siderada a condiccedilatildeo de superaccedilatildeo do modelo moderno de organizaccedilatildeo da

vida e da sociedade Mais do que um estado de coisas ela eacute um condiccedilatildeo

de amadurecimento social poliacutetico econocircmico e cultural que haveraacute de

alargar-se durante muito tempo ateacute a sua consolidaccedilatildeo As pretensas certezas

que se tinha na modernidade datildeo vez a natildeo linearidade a exigir um novo

paradigma

As mudanccedilas e os riscos criaram um largo abismo entre os problemas

que efetivamente ocorrem por um lado e as instituiccedilotildees por outro vez que

criadas para funcionarem em ambiente diverso com expectativas que natildeo

mais se perfazem O mundo estaacute mudando e para muitas pessoas que insis-

tem em vecirc-lo com os olhos voltados para o que passou com as mesmas cer-

tezas e com o mesmo paradigma da simplicidade estaacute cada vez mais incom-

preensiacutevel

A poacutes-modernidade com suas rupturas na ciecircncia e a quebra de valo-

res influenciou todas as aacutereas do conhecimento da histoacuteria agrave astronomia a

inseguranccedila e a incerteza se espalharam por todos os ramos do conheci-

mento inclusive o Direito A chamada estrita racionalidade juriacutedica de causas

e consequecircncias de silogismos e mera aplicaccedilatildeo da lei jaacute natildeo satisfazem se

eacute que algum dia satisfizeram apesar de orgulhosos operadores do Direito

ainda se acharem possuidores de soluccedilotildees para diversos problemas que se

quer se datildeo ao esforccedilo de tentar compreendecirc-los na sua inteireza Belchior

(2017 p 48) atesta

Eacute preciso romper o imaginaacuterio juriacutedico formal e encaixotado da Epis-

temologia Juriacutedica sendo o diaacutelogo de saberes um caminho possiacutevel

(e nunca a soluccedilatildeo) para uma nova racionalidade juriacutedica que bus-

que alinhar uma epistemologia ambiental com suporte na complexi-

dade na esperanccedila de poder contribuir de alguma maneira como

Direito Ambiental Ateacute porque na haacute avanccedilos sem falhas []

A necessidade do Direito sair do interior do arcabouccedilo formal que o

manteacutem isolado ainda se revela mais evidente no Direito Ambiental com seus

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

258

problemas transdisciplinares conexos e globais e caso insista em permanecer

encaixotado se esvaziaraacute pela sua pouca utilidade Viana (2019 p 9-10) des-

taca a necessidade de se utilizar um meacutetodo amplo totalizante para propi-

ciar uma melhor compreensatildeo da profundidade do Direito Ambiental e su-

gere o pensamento complexo para repensar a realidade levando em consi-

deraccedilatildeo aspectos das incertezas cientiacuteficas da poacutes-modernidade e da proacute-

pria loacutegica ambiental

O Direito Ambiental e notadamente por ser objeto deste trabalho o

meio ambiente dever ser analisado e estudado pois em suas muacuteltiplas di-

mensotildees a exigir mais do que um pensamento linear de causa e efeito O

pensamento sistemaacutetico linear cartesiano se caracteriza por ser simplifica-

dor que compartimentaliza e reduz o problema o conhecimento eacute compre-

endido de forma mecacircnica disjuntiva e reducionista separando o que estaacute

ligado tornando unidimensional o que de fato eacute multidimensional

Com os questionamentos dos paradigmas tradicionais da ciecircncia o mo-

delo linear cartesiano eacute confrontado com o modelo sistecircmico natildeo linear A

simplicidade daacute lugar agrave complexidade que se revela por sistemas amplos re-

des ecossistemas a objetividade cede agrave instabilidade desordem evoluccedilatildeo

imprevisibilidade e a objetividade agrave intersubjetividade inclusatildeo do observa-

dor autorreferecircncia

A forma sistemaacutetica de pensar natildeo mais satisfazendo vai cedendo ao

pensamento sistecircmico complexo O paradigma simplificador privilegia a or-

dem no universo desconsiderando e afastando a desordem Tal ordem eacute pre-

tendida com a reduccedilatildeo da realidade a uma lei a um princiacutepio natildeo conside-

rando as vaacuterias dimensotildees dos sujeitos e dos objetos

Vasconcelos sintetiza (2018 p 147)

Porque pensar sistemicamente eacute pensar a complexidade a instabili-

dade e a intersubjetividade ou porque os pressupostos da complexi-

dade da instabilidade e da intersubjetividade constituem em con-

junto uma visatildeo de mundo sistecircmica De fato natildeo satildeo mais do que

duas formulaccedilotildees da mesma resposta

O paradigma do pensamento complexo que tem como um dos expo-

entes o francecircs Edgar Morin vem contribuindo para o desenvolvimento de um

arcabouccedilo teoacuterico arrimado em uma visatildeo planetaacuteria do mundo uma visatildeo

ecoloacutegica em que as accedilotildees e omissotildees humanas tecircm grande relevacircncia na

questatildeo ambiental quer seja local quer seja global

Morin (2005) afirma que pretende sensibilizar para as enormes carecircncias

do nosso pensamento e que um pensamento mutilador conduz necessaria-

mente a accedilotildees mutilantes Pretende nos alertar sobre a patologia contempo-

racircnea do pensamento uma cegueira que faz parte da nossa barbaacuterie desta-

cando que precisamos compreender que continuamos na era da barbaacuterie

das ideias e que estamos ainda na preacute-histoacuteria do espiacuterito humano

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

259

O grande desafio do pensamento complexo natildeo eacute como no pensa-

mento simples a busca pela completude mas o poder de estabelecer uma

articulaccedilatildeo entre os mais diversos campos de pesquisas e disciplinas Morin

(2011 p 17) faz uma interessante distinccedilatildeo entre cultura humaniacutestica e cultura

cientiacutefica

A cultura humaniacutestica eacute uma cultura geneacuterica que pela via da filo-

sofia do ensaio do romance alimenta a inteligecircncia geral enfrenta

as grandes interrogaccedilotildees humanas estimula a reflexatildeo sobre o saber

e favorece a integraccedilatildeo pessoal dos conhecimentos A cultura cien-

tiacutefica bem diferente por natureza separa as aacutereas do conhecimento

acarreta admiraacuteveis descobertas teorias gerais mas natildeo uma refle-

xatildeo sobre o destino humano e sobre o futuro da proacutepria ciecircncia

Para se atingir tal objetivo pode-se dizer que o pensamento complexo

possui sete princiacutepios principais o princiacutepio sistecircmico o hologramaacutetico o prin-

ciacutepio do ciacuterculo retroativo do ciacuterculo recursivo da autoeco-organizaccedilatildeo o

princiacutepio dialoacutegico e o da reintroduccedilatildeo do conhecimento em si mesmo

O princiacutepio sistecircmico ou organizacional une o conhecimento das partes

ao conhecimento do todo o individual ao complexo juntando-os A ideia do

pensamento sistecircmico em oposiccedilatildeo ao pensamento simplista eacute no sentido

de que o todo eacute mais que a soma das partes

O princiacutepio hologramaacutetico revelando aparente paradoxo salienta que

natildeo somente a parte estaacute no todo mas tambeacutem o todo se acha na parte

Existe uma complementaccedilatildeo entre eles natildeo sendo possiacutevel separaacute-los Eacute o

que ocorre com os indiviacuteduos que satildeo partes que compotildeem a sociedade

mas que teriam presente em si mesmos a proacutepria sociedade por meio da

linguagem das normas e da cultura

No princiacutepio do ciacuterculo (anel) retroativo a causa age sobre o efeito e o

mesmo efeito sobre a causa Haacute assim um rompimento tanto com a causali-

dade como com a loacutegica linear a exigir reforccedilando a ideia de probabilidade

uma nova noccedilatildeo de causalidade

O princiacutepio do ciacuterculo (anel) recursivo superando a noccedilatildeo de organiza-

ccedilatildeo com a de autoproduccedilatildeo e auto-organizaccedilatildeo segundo o qual os produ-

tos e seus efeitos satildeo os causadores e produtores daquilo que os produz que-

brando a noccedilatildeo de linearidade entre causas e efeitos produtos que satildeo ge-

rados por produtores tudo o que eacute produzido volta sobre o que o produziu

considerando-se que haacute ciacuterculo gerador de modo que os produtos e efeitos

de um sistema satildeo tambeacutem componentes do sistema que os produz assu-

mindo a posiccedilatildeo de produtores e causadores

Para o princiacutepio da autoeco-organizaccedilatildeo ou autonomia e dependecircn-

cia os seres vivos (princiacutepio sempre aplicaacutevel aos seres humanos) satildeo auto-

organizadores e se produzem incessantemente todavia dependem do meio

ambiente e de outros seres seja qual for a organizaccedilatildeo ela necessita se man-

ter aberta ao sistema em que se acha Essa dependecircncia revela-se na neces-

sidade de se extrair energia organizaccedilatildeo e informaccedilatildeo do proacuteprio meio A

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

260

autonomia eacute inseparaacutevel da dependecircncia vale dizer para se manterem au-

tocircnomos os seres vivos necessitam de elementos estranhos a eles tais como o

ar a aacutegua enfim natildeo haacute autonomia sem dependecircncia para com o meio

ambiente

O princiacutepio dialoacutegico pode ser entendido como uma proposta de inclu-

satildeo natildeo de exclusatildeo Faz um paralelo entre a ordem a desordem e a orga-

nizaccedilatildeo vez que satildeo interligados Preconiza a uniatildeo de noccedilotildees diversas no

momento de pensar os processos de organizaccedilatildeo produccedilatildeo e criaccedilatildeo em

meio agrave complexidade humana de tal forma que as loacutegicas envolvidas for-

mem uma unidade complexa ainda que antagocircnicas A dialoacutegica permite

assumir racionalmente a associaccedilatildeo de noccedilotildees contraditoacuterias para concebe

um mesmo fenocircmeno complexo Noacutes mesmos somos seres separados e autocirc-

nomos fazendo parte de duas continuidades inseparaacuteveis a espeacutecie e a so-

ciedade Quando se considera a espeacutecie ou a sociedade o indiviacuteduo desa-

parece quando se considera o indiviacuteduo a espeacutecie e a sociedade desapa-

recem O pensamento complexo assume dialogicamente os dois termos que

tendem a se excluir (MORIN 2005)

O princiacutepio da reintroduccedilatildeo do conhecimento em si mesmo produz a

restauraccedilatildeo do sujeito e coloca luzes sobre a problemaacutetica cognitiva central

O referido princiacutepio tem o seu fundamento no novo na inquietaccedilatildeo na ousa-

dia Eacute a constataccedilatildeo de que o pensamento complexo natildeo eacute uma foacutermula

maacutegica e natildeo iraacute resolver os problemas mas que na verdade eacute um ponto de

partida e nunca seraacute um meacutetodo pronto eacute um questionamento em si mesmo

(BELCHIOR 2017 p 65)

Longe de ser uma utopia o pensamento complexo eacute uma nova ma-

neira de se pensar problemas juntando coisas pessoas e situaccedilotildees para que

de sua interaccedilatildeo surjam novas ideias Apresenta-se pois com uma alterna-

tiva para a sociedade contemporacircnea inclusive para o Direito Ambiental

Natildeo se pode mais admitir reducionismos sob pena de consequecircncias

catastroacuteficas sobretudo para as futuras geraccedilotildees O pensamento complexo

apesar de natildeo ser totalizador e admitindo a incompletude e a incerteza as-

pira agrave transdisciplinaridade ao conhecimento multidimensional ao diaacutelogo

transversal entre as especialidades e eacute definido pelos relacionamentos e pelos

processos

Pode-se dizer que uma visatildeo planetaacuteria do mundo eacute um dos pilares do

pensamento complexo que natildeo mais dividindo as disciplinas busca relaci-

onaacute-las Uma visatildeo planetaacuteria passa necessariamente por uma visatildeo ecoloacute-

gica na qual as accedilotildees e omissotildees humanas interferem local e globalmente

nas condiccedilotildees ambientais O pensamento complexo mostra que os seres vivos

soacute podem ser entendidos dentro de um contexto maior em que o todo eacute mais

que a soma das partes

Um pensamento totalizante eacute imprescindiacutevel para se tentar definir meio

ambiente que ao contraacuterio do que parece natildeo eacute tarefa faacutecil As dificuldades

satildeo muitas e de logo vecirc-se que a referida expressatildeo eacute composta de dois ter-

mos que exigem adequada interpretaccedilatildeo para que se possa devidamente

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

261

compreendecirc-las De acordo com os ensinamentos de Silva (2004 p 20) o

conceito de meio ambiente deve ser globalizante e abranger toda a natu-

reza tanto artificial quanto natural bem como os bens culturais compreen-

dendo portanto o solo o ar a aacutegua a flora e o patrimocircnio artiacutestico turiacutestico

paisagiacutestico e arquitetocircnico

Tatildeo somente para fins didaacuteticos e organizacionais pode-se dividir o

meio ambiente em natural artificial cultural e do trabalho O meio ambiente

natural ou fiacutesico eacute onde se daacute a interelaccedilatildeo entre todas as espeacutecies e o es-

paccedilo que ocupam o meio ambiente artificial eacute o espaccedilo construiacutedo resul-

tado de transformaccedilotildees para adequaacute-lo agraves necessidades humanas sendo

constituiacutedo pelos edifiacutecios urbanos que satildeo os espaccedilos puacuteblicos fechados e

pelos equipamentos comunitaacuterios que satildeo os espaccedilos puacuteblicos abertos como

as ruas as praccedilas e as aacutereas verdes o meio ambiente cultural eacute integrado pelo

patrimocircnio artiacutestico histoacuterico arqueoloacutegico paisagiacutestico turiacutestico destaque-se

que mesmo artificial diferencia-se dele pelo fato de ter adquirido um valor

especial constitui-se tanto de bens de natureza material como os lugares

objetos e documentos de importacircncia para a cultura quanto imaterial a

exemplo dos idiomas das danccedilas dos cultos religiosos e dos costumes de uma

maneira geral O art 220 VIII da Constituiccedilatildeo Federal refere-se ao meio am-

biente do trabalho como um conjunto de fatores que estatildeo presentes no am-

biente de trabalho do indiviacuteduo Esses fatores podem ser de ordem fiacutesica ou

natildeo e natildeo se exige interligaccedilatildeo entre eles

A Constituiccedilatildeo Federal desta feita deveraacute sempre privilegiar uma efe-

tiva proteccedilatildeo ambiental vez que natildeo se limitou a cuidar do meio ambiente

natural (art 225 caput e sect 1ordm) fazendo expressas referecircncias ao meio ambi-

ente cultural (art 215 e 216) ao meio ambiente artificial (arts 21 XX 182) e ao

meio ambiente do trabalho (art 200 VIII)

A busca por um conceito juriacutedico de meio ambiente que englobe todos

os aspectos ateacute aqui exposto eacute tarefa aacuterdua e que de haacute muito vem sendo

perseguido como seraacute a seguir examinado

172 CONCEITO LEGAL DE MEIO AMBIENTE

A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 consagrou o meio ambiente como um

bem juridicamente tutelado ao dispor no seu art 225 ldquotodos tecircm direito ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e

essencial agrave sadia qualidade de vida impondo-se ao Poder Puacuteblico e agrave coleti-

vidade o dever de defendecirc-lo e preservaacute-lo para as presentes e futuras gera-

ccedilotildeesrdquo A Constituiccedilatildeo assim de acordo com Sampaio (2016 p 8485) estaria

inserida no chamado terceiro ciclo das Cartas ambientais

Um terceiro ciclo das Constituiccedilotildees ecoloacutegicas (ou ambientais) consagra-

dor de um ldquoconstitucionalismo verde profundordquo estaria a definir-se

com a proclamaccedilatildeo de ldquodireitos ambientais poacutes-humanosrdquo ou ldquodirei-

tos ambientais stricto sensordquo O prenuacutencio estaria nas referecircncias de

um ldquodireito da naturezardquo nas Constituiccedilotildees de alguns paiacuteses todavia

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

262

radicalizado por uma guinada ecocecircntrica no final da primeira deacute-

cada do seacuteculo atual Nessa nova fase haveria um vero ldquodireito da

naturezardquo superador do mero ldquodireito agrave naturezardquo atribuindo-se titu-

laridade ou mesmo subjetividade ora agrave ldquocomunidade da Terrardquo agrave

ldquoGaiardquo em sua inteireza ora a seres natildeo humanos animais especial-

mente

Antes de se chegar ao importantiacutessimo art 225 da CF outros textos le-

gislativos fizeram referecircncia ao meio ambiente na tentativa de adequada-

mente conceituaacute-lo Sirvinskas (2013 p 78-81) ao expor sobre a proteccedilatildeo juriacute-

dica do meio ambiente no Brasil em relaccedilatildeo agrave sua histoacuteria faz uma divisatildeo

em trecircs partes iniciando com o descobrimento do Brasil em 1500 ateacute a che-

gada da famiacutelia real em 1808 periacuteodo em que foram editadas normas isoladas

de proteccedilatildeo aos recursos naturais indicando como principais normas desse

periacuteodo o Regimento de 1605 que protegia o pau-brasil como propriedade

real o Alvaraacute de 1675 que proibia a sesmaria em terras litoracircneas onde hou-

vesse madeira a Carta Reacutegia de 1797 que protegia as florestas matas e aacutervo-

res localizadas nas proximidades dos rios nascentes e encostas declaradas

como de propriedades da coroa e o Regimento de Cortes de Madeiras de

1799 que estabelecia regras para a derrubada de aacutervores

O segundo periacuteodo tem iniacutecio logo apoacutes a chegada da famiacutelia real e se

estende ateacute a promulgaccedilatildeo da Lei da Poliacutetica Nacional do Meio Ambiente

(1981) esta fase caracteriza-se por uma grande e desenfreada exploraccedilatildeo

ambiental e eventuais questotildees juriacutedicas eram resolvidas com base nas regras

do Coacutedigo Civil vigente aacute eacutepoca As principais normas editadas nesse periacuteodo

foram Lei nordm 6011850 Lei de Terras do Brasil que disciplinava a ocupaccedilatildeo do

solo e previa sanccedilotildees para as atividades predatoacuterias Decreto nordm 88431911

que criou a primeira reserva florestal do Brasil no hoje Estado do Acre Lei nordm

30711916 Coacutedigo Civil que previa normas de natureza ecoloacutegica mas de

cunho eminentemente privadas

Decreto nordm 237931934 Coacutedigo Florestal que estabelecia limites ao di-

reito de propriedade Decreto nordm 246431934 Coacutedigo de Aacuteguas que regula-

mentava o uso e a captaccedilatildeo da aacutegua Decreto-lei nordm 7341938 que dispunha

sobre o Coacutedigo de pesca Decreto nordm 19851940 Coacutedigo de Minas Lei nordm

45041964 e o Estatuto da Terra Lei nordm 47711965 Pode-se dizer para fins

de marco histoacuterico que a Declaraccedilatildeo de Estocolmo sobre o meio ambiente

humano de 1972 eacute uma referecircncia para o estudo do Direito Ambiental ao

afirmar princiacutepios para a novel disciplina inaugurando uma agenda voltada

para o meio ambiente e fazendo com que bons olhos se voltassem para ques-

totildees ecoloacutegicas Apoacutes a referida Conferecircncia de Estocolmo o Brasil passa a

recepcionar normas de direito internacional sobre a mateacuteria

A terceira fase tem iniacutecio com a criaccedilatildeo da Lei da Poliacutetica Nacional do

Meio Ambiente Lei nordm 69381981 Destaque-se a importacircncia da referida lei

vez que daacute iniacutecio a um novo periacuteodo em que se busca a proteccedilatildeo total do

meio ambiente por intermeacutedio de um sistema ecoloacutegico integrado Aqui satildeo

editas a Lei nordm 73471985 que dispotildee sobre a Accedilatildeo Civil Puacuteblica a Lei nordm

96051998 que dispotildee sobre as sanccedilotildees penais e administrativas derivadas de

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

263

condutas e atividades lesivas ao meio ambiente a Lei nordm 102572001 Estatuto

da Cidade e sobretudo a Constituiccedilatildeo Federal de 1988

O conceito legal de meio ambiente estaacute previsto no art 3ordm I da Lei nordm

69381981 que dispotildee sobre a Poliacutetica Nacional do Meio Ambiente e diz que

meio ambiente ldquoeacute o conjunto de condiccedilotildees leis influecircncias e interaccedilotildees de

ordem fiacutesica quiacutemica e bioloacutegica que permite abriga e rege a vida em todas

as suas formasrdquo Sem esforccedilo se vecirc que o citado conceito cuida tatildeo somente

do chamado meio ambiente natural natildeo protegendo os demais bens juriacutedi-

cos que se acham sob a eacutegide da expressatildeo meio ambiente deixando de

fora assim aspectos culturais ecoloacutegicos poliacuteticos e econocircmicos Sirvinskas

(2013 p 125) estabelece

Para melhor compreender o significado de meio ambiente eacute neces-

saacuterio considerar os aspectos poliacuteticos eacuteticos econocircmicos sociais

ecoloacutegicos culturais etc Devemos assim avaliar todas as condutas

e atividades diaacuterias desenvolvidas pelo homem Ao tomarmos uma

decisatildeo devemos sempre analisar os impactos ambientais a curto

meacutedio e longo prazos bem como a sua relevacircncia econocircmica so-

cial e principalmente ecoloacutegica Haacute a necessidade de uma visatildeo

global da questatildeo ambiental e das suas alternativas e soluccedilotildees

O conceito legal de meio ambiente pois jaacute natildeo eacute satisfatoacuterio vez que

superado pela proacutepria norma constitucional A nossa atual Carta Constitucio-

nal foi a primeira a tratar do meio ambiente anteriormente a ela leis esparsas

cuidavam do tema sem a maior garantia e efetividade de norma constitucio-

nal A partir da Constituiccedilatildeo o meio ambiente passou a ser um bem juridica-

mente tutelado de uso comum do povo e essencial agrave sadia qualidade de

vida A dificuldade de precisamente se definir meio ambiente por ser objeto

de estudo de diversos ramos do conhecimento eacute muito grande como diz Pa-

dilha (2010 p 195)

O meio ambiente eacute por si soacute uma temaacutetica multidimensional que

apresenta inuacutemeras dimensotildees tais como a DIMENSAtildeO ECOLOacuteGICA

a DIMENSAtildeO HUMANA a DIMENSAtildeO ECONOcircMICA a DIMENSAtildeO

EacuteTICA fatores estes que do ponto de vista juriacutedico ocasionam pontos

de tensatildeo na aplicaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo das normas ambientais mas

que devem ser compreendidas harmonicamente para o alcance da

correta abrangecircncia e plena realizaccedilatildeo e eficaacutecia do objeto do Di-

reito Constitucional Ambiental

Eacute no art 225 que se encontra o cerne da proteccedilatildeo do meio ambiente

na Constituiccedilatildeo Federal Milareacute (2015 p 175-176) em arguta observaccedilatildeo ao

referido art 225 destaca que se criou um direito fundamental ao meio ambi-

ente ecologicamente equilibrado e como direito fundamental eacute indisponiacutevel

Ressalta que a indisponibilidade vem acentuada pelo fato de que a preser-

vaccedilatildeo do meio ambiente deve ser feita natildeo somente no interesse dos presen-

tes mas igualmente das geraccedilotildees futuras dever que natildeo eacute tatildeo somente mo-

ral mas tambeacutem juriacutedico e de natureza constitucional E que o meio ambiente

como entidade autocircnoma eacute considerado bem de uso comum do povo ou

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ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

264

seja natildeo pertence a indiviacuteduos isoladamente considerados mas a toda a so-

ciedade E mais eacute tambeacutem essencial agrave sadia qualidade de vida intrinseca-

mente ligado agrave dignidade da pessoa humana na medida em que uma vida

digna pressupotildee uma vida saudaacutevel oriunda de um meio ambiente equili-

brado Destaca ainda que se criou para o Poder Puacuteblico um dever constitu-

cional geral e positivo representados por verdadeiras obrigaccedilotildees de fazer O

Poder Puacuteblico natildeo atua porque quer mas porque assim lhe eacute determinado

pelo legislador maior saindo da sua esfera de conveniecircncia e oportunidade

para ingressar em um campo estritamente delimitado o da imposiccedilatildeo onde

soacute cabe um uacutenico comportamento defender e proteger o meio ambiente

Aleacutem do art 225 a Constituiccedilatildeo ainda traz explicitamente outras nor-

mas de garantia do meio ambiente que se acham nos arts 7ordm XXII 91 sect1ordm III

170 VI 186 II 200 VIII 216 V 220 sect3ordm II e 231 sect1ordm E de forma impliacutecita nos

arts 20 III IV V VI VII IX X 21 XIX XX XXIII XXIV XXV 22 IV XII XXVI 23 III IV

24 II VII 26 1 30 IX 196 e 200 Todas as normas quer sejam constitucionais ou

natildeo soacute podem ser devidamente interpretadas e aplicadas tendo como base

os princiacutepios inerentes ao Direito Ambiental que como leciona Belchior (2017

p 128) os princiacutepios estruturantes surgem da imperiosa necessidade de se

constituir o nuacutecleo essencial do Direito Ambiental que visa aleacutem da funda-

mentaccedilatildeo teoacuterica e a declaraccedilatildeo de valores a implementaccedilatildeo de seus pos-

tulados Os princiacutepios do Direito Ambiental podem ser classificados em princiacute-

pio da solidariedade da sustentabilidade da cooperaccedilatildeo internacional da

prevenccedilatildeo da precauccedilatildeo do in dubio pro natura da informaccedilatildeo e da parti-

cipaccedilatildeo da educaccedilatildeo ambiental da responsabilidade do poluidor-paga-

dor e do usuaacuterio-pagador do protetor-recebedor da gestatildeo integrativa do

risco ambiental da funccedilatildeo socioambiental da propriedade do miacutenimo exis-

tencial ecoloacutegico e da proibiccedilatildeo de retrocesso ecoloacutegico

O princiacutepio da solidariedade revela-se no dever da presente geraccedilatildeo

com as geraccedilotildees futuras em preservar o meio ambiente e adotar condutas

sustentaacuteveis O da sustentabilidade surge da ideia de um desenvolvimento

econocircmico sem esquecer a preservaccedilatildeo ambiental envolvendo discussotildees

sobre o direito o meio ambiente e a economia O da cooperaccedilatildeo internacio-

nal exige uma cooperaccedilatildeo entre os Estados para que ocorra a efetiva preser-

vaccedilatildeo do meio ambiente com coordenaccedilatildeo e integraccedilatildeo

Jaacute o princiacutepio da precauccedilatildeo um dos mais discutidos do Direito Ambien-

tal visa proteger os riscos em abstrato com uma gestatildeo racional do risco re-

metendo agrave incerteza e ao risco de uma atividade que por possuir grande pro-

babilidade de lesatildeo ambiental incentiva agrave efetivaccedilatildeo de uma conduta dili-

gente e cautelosa em benefiacutecio do meio ambiente (VIANA 2019 p 71-72) O

da prevenccedilatildeo eacute muito proacuteximo ao da precauccedilatildeo mas com ele natildeo se con-

funde vez que cuida dos impactos ambientais jaacute conhecidos com identifica-

ccedilatildeo dos impactos futuros provaacuteveis (ANTUNES 2015 p 48) O do In dubio pro

natura por muitos abordado de forma conjunta com o da precauccedilatildeo signi-

fica que tem que ser dada atenccedilatildeo especial ao meio ambiente sempre que

a informaccedilatildeo for insuficiente e na duacutevida mesmo sem a possibilidade de se

eliminar o risco pende-se para a proteccedilatildeo ambiental

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

265

Os princiacutepios da informaccedilatildeo e da participaccedilatildeo umbilicalmente ligados

o primeiro significa que a sociedade deve ter acesso agrave informaccedilatildeo ambiental

em todas as suas esferas enquanto o segundo como consequecircncia do pri-

meiro que soacute o cidadatildeo bem informado tem condiccedilatildeo de participar das de-

cisotildees ecoloacutegicas O da educaccedilatildeo ambiental como um meio de transformar

as condutas e as relaccedilotildees das pessoas como o meio ambiente Da responsa-

bilidade implica na sanccedilatildeo do responsaacutevel pelo descumprimento do ordena-

mento que pode ser penal civil e administrativo

A seu turno o do poluidor-pagador e o do usuaacuterio-pagador partem da

ideia de que os recursos satildeo escassos e que o ocircnus deve ser dirigido direta-

mente a quem utiliza os referidos recursos Agrave sua vez o do protetor-recebedor

no intuito de provocar mudanccedilas no comportamento dos agentes econocircmi-

cos reforccedila a ideia em torno de instrumentos que estimulam boas condutas

A gestatildeo integrativa do risco ambiental exprime-se na necessidade de

integraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas ante a complexidade da questatildeo ambien-

tal A funccedilatildeo socioambiental da propriedade natildeo eacute uma simples limitaccedilatildeo ao

direito de propriedade mas uma reconfiguraccedilatildeo do proacuteprio direito na medida

em que impotildee ao proprietaacuterio obrigaccedilotildees subordinando o exerciacutecio do direito

de propriedade a interesses outros que natildeo do chamado dono

O princiacutepio do miacutenimo existencial ecoloacutegico exige do Estado agrave imple-

mentaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para que garanta condiccedilotildees miacutenimas de so-

brevivecircncia para todos o miacutenino existencial para se viver dignidade E o da

proibiccedilatildeo de retrocesso ecoloacutegico busca proteger os titulares dos direitos da

atuaccedilatildeo do legislador principalmente deste natildeo poder elaborar normas que

venham a retroceder em mateacuteria ambiental O ordenamento juriacutedico brasi-

leiro para conferir efetividade e proteger a integridade do direito fundamen-

tal ao meio ambiente ecologicamente equilibrado visando com tais objeti-

vos neutralizar o surgimento de conflitos intergeracionais impotildee ao Poder Puacute-

blico dentre outras medidas essenciais a proibiccedilatildeo de retrocesso ambiental

vale dizer o Estado natildeo pode piorar as condiccedilotildees ambientais quer sejam nor-

mativas ou faacuteticas O Estado eacute obrigado a promover constantes melhoras na

tutela ambiental sendo-lhe vedado retroceder

Os princiacutepios estruturantes como muito rapidamente demonstrado ofe-

recem meios que datildeo suporte e base para a interpretaccedilatildeo de normas bem

como orientaccedilatildeo para os formuladores de poliacuteticas puacuteblicas Os princiacutepios do

Direito Ambiental infelizmente natildeo tecircm sido respeitados de forma satisfatoacuteria

tanto no Poder Executivo e Legislativo quanto no Poder Judiciaacuterio

O meio ambiente ecologicamente equilibrado se apresenta como um

direitodever fundamental Conforme ensina Belchior (2017 p 91-100) alguns

bens merecem ser tutelados pelo Direito cuja titularidade natildeo pertence a um

indiviacuteduo isoladamente ou a um grupo de pessoas determinado chamados

de transindividuais vinculados ao princiacutepio da solidariedade Os direitos de ti-

tularidade coletiva nomeados pela doutrina como direitos fundamentais de

terceira geraccedilatildeo consagram o princiacutepio da solidariedade englobando tam-

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

266

beacutem o meio ambiente ecologicamente equilibrado uma saudaacutevel quali-

dade de vida progresso autodeterminaccedilatildeo dos povos e outros direitos difu-

sos O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

bem como em relaccedilatildeo a todos os direitos fundamentais satildeo portadores de

um conteuacutedo essencial oriundo de sua natureza principioloacutegica que repre-

senta a proacutepria justiccedila essecircncia do Direito

No tocante aos deveres fundamentais estes satildeo referentes agrave defesa do

proacuteprio meio ambiente considerados autonomamente e desvinculados de

qualquer posiccedilatildeo juriacutedica subjetiva que necessite ser satisfeita vez que repre-

sentam deveres para com a proacutepria comunidade

Interessante inovaccedilatildeo trazida pela Constituiccedilatildeo em mateacuteria de bem puacute-

blico ao conceituar o meio ambiente como bem de uso comum do povo e

essencial agrave sadia qualidade de vida O meio ambiente assim como as praccedilas

os rios e os mares seria uma espeacutecie de bem puacuteblico Fiorillo (2001 p 52-53) diz

que a Constituiccedilatildeo ao reconhecer a existecircncia de um bem que se estrutura

como sendo de uso comum do povo e essencial agrave sadia qualidade de vida

configurou uma nova realidade juriacutedica disciplinando um bem que natildeo eacute puacute-

blico nem privado podendo ser desfrutado por qualquer pessoa dentro dos

limites constitucionais mas que importe assegurar agraves proacuteximas geraccedilotildees as

mesmas condiccedilotildees que as presentes desfrutam Dentro desse contexto

emerge com nitidez a ideia de que o meio ambiente constitui patrimocircnio puacute-

blico a ser necessariamente assegurado e protegido pelos organismos sociais

e pelas instituiccedilotildees estatais qualificando-se como encargo irrenunciaacutevel que

se impotildee sempre em benefiacutecio das presentes e das futuras geraccedilotildees

Ante os vaacuterios aspectos que compotildeem o conceito de meio ambiente

possuindo assim um caraacuteter globalizante complexo vez que engloba natildeo so-

mente todos os fatores isoladamente envolvidos mas o todo aleacutem da soma

das partes enorme a dificuldade de um conceito fechado que satisfaccedila as

inuacutemeras e crescentes questotildees ambientais mormente em uma sociedade na

qual danos imprevisiacuteveis no sistema ecoloacutegico levaraacute agrave escassez de recursos

devidos Impotildee-se dessa forma a adoccedilatildeo de normas de conteuacutedo aberto

173 O MEIO AMBIENTE COMO CONCEITO JURIacuteDICO

INDETERMINADO Agrave LUZ DO PENSAMENTO COMPLEXO

Eacute obrigaccedilatildeo de quem procura fazer ciecircncia a definiccedilatildeo precisa do ob-

jeto pesquisado notadamente no Direito em que as palavras satildeo as ferramen-

tas com as quais se revestem todos os atos que o revelam em suas mais varia-

das expressotildees Lopes (2004 p 30) bem salienta a necessidade de se definir o

que se pretende estudar sob pena de logo de iniacutecio tomar por base pressu-

postos insuficientes

Jaacute que uma definiccedilatildeo por ser uma maneira de usar certo termo e de

atribuir-lhe significado e como esta significaccedilatildeo eacute dada intersubjeti-

vamente pode-se dizer que a significaccedilatildeo eacute objetiva embora pro-

duzida por sujeitos Assim definiccedilotildees do direito criadas pelos juristas

aleacutem de natildeo serem simples lendas tecircm objetividade caracteriacutesticas

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DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

267

das instituiccedilotildees sociais Dizer que o discurso juriacutedico constitui a reali-

dade social e o proacuteprio direito natildeo eacute uma declaraccedilatildeo de fantasma-

goria ou irrealidade do juriacutedico Trata-se afirmar que o direito per-

tence agrave classe dos fatos institucionais Assim na esfera do direito natildeo

se trata de fatos brutos ndash como uma montanha ndash mas ainda assim de

fatos reais embora existam apenas na relaccedilatildeo dos sujeitos entre si e

dos sujeitos com as coisas pela mediaccedilatildeo da linguagem Trata-se

portanto de fatos que dependem de sentidos As normas e institui-

ccedilotildees juriacutedicas tampouco satildeo ideias como os objetos ideais da mate-

maacutetica e da loacutegica Seu modo de existecircncia natildeo eacute o dos triacircngulos e

das retas Elas existem na praacutetica ou seja nas accedilotildees dos sujeitos que

as tomam como sentidos para a sua accedilatildeo

As normas juriacutedicas satildeo compostas normalmente de duas partes a pri-

meira seria a hipoacutetese da norma o fato-tipo onde satildeo descritos os fatos que

devem ocorrer para que a Lei possa incidir e a segunda seria o seu manda-

mento no qual satildeo definidos as consequecircncias caso ocorra o natildeo cumpri-

mento do estatuiacutedo Todavia em muitos casos os fatos e mesmo as normas

supostamente aplicaacuteveis natildeo se apresentam de forma clara e de singela apli-

caccedilatildeo o que exige do inteacuterprete maior esforccedilo hermenecircutico bem como res-

ponsabilidade e comprometimento

A aplicaccedilatildeo das normas de Direito Ambiental estaacute atrelada como natildeo

poderia deixar de ser a compreensatildeo que se tem do que cuida o meio am-

biente qual o seu objeto Em uma concepccedilatildeo ampla diz-se que meio ambi-

ente engloba tanto os bens naturais quanto os culturais Uma acepccedilatildeo mais

restrita reduziria o meio ambiente aos recursos naturais renovaacuteveis e natildeo re-

novaacuteveis e conforme Gomes (2010 p 18-19)

Uma terceira opccedilatildeo eacute aquela que envereda por identificar o ambi-

ente como um conceito indeterminado do tipo descritivo em virtude

da heterogeneidade dos seus componentes e da intensa inter-rela-

ccedilatildeo que nele se gera entre factores em constante mudanccedila O am-

biente seria uma realidade aberta camaleocircnica cujos contornos se

afeririam de acordo com os dados ndash cientiacuteficos culturais econocircmicos

ndash de cada eacutepoca Abertura e relatividade caracterizariam assim o

objecto juriacutedico indeterminado ambiente

O surgimento quase que diaacuterio de novas relaccedilotildees de riscos e o evi-

dente descompasso entre a sociedade poacutes-moderna e o tempo do Direito e

da produccedilatildeo legislativa cada vez mais impotildee normas de conteuacutedo aberto

sobretudo em mateacuterias juriacutedicas nas quais o dano pode se tornar irreversiacutevel

De acordo com Krell (2013 p 87) os ordenamentos juriacutedicos dos paiacuteses oci-

dentais satildeo orientados por posiccedilotildees juriacutedicas individuais e tendo como base

uma visatildeo de mundo mecanicista e reducionista com pensamentos lineares

e com esperanccedila de clareza e previsibilidade dos acontecimentos referentes

agrave natureza Todavia destaca que nos tempos atuais os processos naturais

operam de forma complexa e dinacircmica Termos como irreversibilidade insta-

bilidade natildeo linearidade e causasefeitos sineacutergicos revelam o tamanho do

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Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

268

hiato que se abriu em relaccedilatildeo ao pensamento juriacutedico tradicional Novos insti-

tutos deveratildeo ser criados e mais os jaacute existentes vistos sob novo olhar tudo

sob pena de inadequaccedilatildeo para uma imprescindiacutevel proteccedilatildeo sobremaneira

quando se cuida de meio ambiente Krell (2013 p 87) expotildee

Uma das diversas mudanccedilas necessaacuterias para adequar os sistemas

juriacutedicos agraves exigecircncias de uma proteccedilatildeo ambiental mais eficiente eacute

a ediccedilatildeo de normas de conteuacutedo mais aberto fixando metas e ob-

jetivos o que torna as consequecircncias juriacutedicas menos inequiacutevocas e

mais flexiacuteveis em relaccedilatildeo agraves circunstacircncias da situaccedilatildeo concreta

O meio ambiente objeto maior de estudo do Direito Ambiental exige

conceituaccedilatildeo ampla a ser preenchida de acordo com o caso concreto e na

medida em que novas situaccedilotildees forem ocorrendo caso assim natildeo seja corre-

se grande e possiacutevel risco do direito se tornar ainda mais uma ciecircncia que gra-

dualmente perderaacute sua utilidade Pardo (2009) ensina

El derecho ha de ser consciente de sus cometidos y tambieacuten de los

medios procedimientos e meacutetodos que le son propios y que no son

los de la ciencia Ha de reamarse asiacute ajustando en lo posible su ins-

trumentario para afrontar ese reto de mantener su caracteriacutestica fun-

cioacuten decisoria en los escenarios y entornos marcados por la incerti-

dumbre cientiacutefica

Conceito juriacutedico indeterminado natildeo significa ainda afronta agrave segu-

ranccedila juriacutedica vez que esta deve ser analisada dentro do contexto no qual o

Direito e os fatos estatildeo inseridos aleacutem de eventualmente soacute se revelar como

resultado final das expectativas ante as complexidades existentes e a interpre-

taccedilatildeo realizada A sentenccedila judicial ganha nova configuraccedilatildeo natildeo eacute mais

um ato meramente silogiacutestico A norma eacute fruto do conhecimento proveniente

da atividade interpretativa do jurista Diante da hermenecircutica filosoacutefica a in-

terpretaccedilatildeo e a ciecircncia juriacutedica satildeo algo mais que a utilizaccedilatildeo de um meacutetodo

seguro preacutedefinido do mesmo modo que a aplicaccedilatildeo do direito eacute sempre

algo mais que a simples subsunccedilatildeo de um enunciado legislativo ao caso con-

creto (ABBOUD CARNIO OLIVEIRA 2019 p 458)

O Direito estaacute a sofrer profundas transformaccedilotildees sobretudo nas uacuteltimas

deacutecadas com a preponderacircncia dos princiacutepios com o reconhecimento de

novos direitos e a inserccedilatildeo de novos valores enfim vivenciam-se mudanccedilas

de paradigmas modernidade e poacutes-modernidade positivismo e poacutes-positi-

vismo pensamento simplista e Pensamento Complexo

Os princiacutepios do Pensamento Complexo apresentam estreita relaccedilatildeo

com os princiacutepios estruturantes do Direito Ambiental dentre eles pode-se citar

o princiacutepio da solidariedade que se irradia em um processo de dialoacutegica bem

como o princiacutepio da sustentabilidade que vincula os seres humanos com todos

os seres vivos da atual e futura geraccedilatildeo

O meio ambiente caso se pretenda defini-lo com conceitos exatos en-

gessados tornaraacute o Direito Ambiental jaacute que eacute o principal objeto de estudo

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DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

269

deste cada vez mais distante de contribuir para a preservaccedilatildeo de todos os

organismos vivos que habitam o planeta Terra

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Nesta breve pesquisa procurou-se investigar partindo-se da insuficiecircn-

cia de um pensamento linear e da consequente necessidade de um pensar

complexo o meio ambiente como conceito juriacutedico indeterminado

Preservar o meio ambiente eacute valor fundamental da sociedade contem-

poracircnea Eacute de suma importacircncia assim que se busque dentro da teacutecnica

juriacutedica os institutos que melhor ferramentas ofereccedilam para a efetiva preser-

vaccedilatildeo do meio ambiente A crise ecoloacutegica demanda atitudes que revelem

um novo papel do Estado e do Direito sempre na perseguiccedilatildeo de caminhos

e alternativas para superaacute-la

O Pensamento Complexo na sua visatildeo de um todo indissociaacutevel vai de

encontro agrave causalidade e pugna pela abordagem dos fenocircmenos como um

todo A irredutibilidade revelasse ainda mais urgente na questatildeo ambiental a

exigir do Direito uma maacutexima proteccedilatildeo arrimada natildeo em conceitos duros mas

sim que se amoldem agraves constantes e crescentes necessidades

O conceito juriacutedico indeterminado natildeo pode ser confundido com

norma em branco e nem com maacute teacutecnica legislativa mas sim como opccedilatildeo

do legislador para criar um espaccedilo positivo de incidecircncia da norma

Apesar dos inegaacuteveis avanccedilos trazidos pela Constituiccedilatildeo Federal de

1988 esta natildeo pode continuar a ser lida com os mesmos olhos de quando da

sua promulgaccedilatildeo deve-se por as lentes do pensamento complexo e da crise

ambiental Uma nova realidade se impotildee e ao pesquisador eacute dada a obriga-

ccedilatildeo de construir um arcabouccedilo teoacuterico para compreendecirc-la e enfrentaacute-la

REFEREcircNCIAS

ABBOUD Georges CARNIO Henrique Garbellini OLIVEIRA Rafael Tomaz de Introdu-

ccedilatildeo ao direito Teoria Filosofia e Sociologia do Direito Satildeo Paulo Revista dos Tribunais

2019

ANTUNES Paulo de Bessa Direito ambiental Satildeo Paulo Atlas 2015

BELCHIOR Germana Parente Neiva Fundamentos epistemoloacutegicos do direito ambi-

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Rio de Janeiro Lumen Juris 2017

BELCHIOR Germana Parente Neiva Hermenecircutica juriacutedica ambiental Satildeo Paulo Sa-

raiva 2011

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FIORILLO Celso Antonio Pacheco Curso de direito ambiental brasileiro Satildeo Paulo

Saraiva 2013

GOMES Carla Amado Direito ambiental o ambiente como objeto e os objetos do

direito do ambiente Curitiba Juruaacute 2010

KRELL Andreas J Discricionariedade administrativa e conceitos legais indetermina-

dos limites do controle judicial no acircmbito dos interesses difusos Porto Alegre Livraria

do advogado 2013

LOPES Joseacute Reinaldo de Lima As palavras e a lei direito ordem e justiccedila na histoacuteria

do pensamento juriacutedico moderno Satildeo Paulo Ed 34Edesp 2004

MILAREacute Eacutedis Direito do ambiente Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2015

MORIN Edgar Introduccedilatildeo ao pensamento complexo Porto Alegre Sulinas 2005 MO-

RIN Edgar A cabeccedila bem feita repensar a reforma reformar o pensamento Rio de

Janeiro Bertrand Brasil 2011

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PADILHA Norma Sueli Fundamentos constitucionais do direito ambiental brasileiro

Rio de Janeiro Elsevier 2010

PARDO Joseacute Esteve El desconcierto del Leviataacuten poliacutetica y derecho ante las incerti-

dumbres de la ciecircncia Madrid Marcial Pons 2009

SAMPAIO Joseacute Adeacutercio Leite Os ciclos do constitucionalismo ecoloacutegico Revista Juriacute-

dica da UNI7 Fortaleza v 13 n 2 p 83-101 dez 2016

SILVA Joseacute Afonso da Direito ambiental constitucional Satildeo Paulo Malheiros 2004

SIRVINSKAS Luiacutes Paulo Manual de direito ambiental Satildeo Paulo Saraiva 2013 VAS-

CONCELOS Maria Joseacute Esteves de Pensamento Sistecircmico O Novo Paradigma da

Ciecircncia Campinas SP Papirus 2018

VIANA Iasna Chaves Riscos complexidade e a responsabilidade civil ambiental Rio

de Janeiro Lumen Juris 2019

EIXO TEMAacuteTICO 3 Complexidade e Ensino Juriacutedico

272

ENSINO JURIacuteDICO NO BRASIL

reflexotildees histoacutericas e a complexidade

como possibilidade-necessidade de

superaccedilatildeo paradigmaacutetica

Antocircnio Joseacute Andrade da Silva Juacutenior1

Filipe Esmeraldo Cabral de Melo Almeida2

Raphael de Saacute Machado3

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 181 Paradigma simplificador 182 Meacutetodo

cartesiano educaccedilatildeo e pensamento moriniano 1821 A necessi-

dade de reparadigmatizaccedilatildeo do cartesianismo diante do pensa-

mento complexo 183 A complexidade e a superaccedilatildeo do princiacutepio

da disjunccedilatildeo 184 A complexidade e a sua (re)inserccedilatildeo no debate

cientiacutefico 1841 A (natildeo) incorporaccedilatildeo do pensamento complexo na

educaccedilatildeo 185 Ensino juriacutedico no Brasil 1851 Periacuteodo colonial

1852 Periacuteodo imperial e republicano 186 A ciecircncia do Direito di-

ante das transformaccedilotildees emergentes do seacuteculo XXI 1861 A com-

plexidade como possibilidade de reparadigmatizaccedilatildeo do ensino ju-

riacutedico Consideraccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

As limitaccedilotildees histoacutericas epistemoloacutegicas filosoacuteficas e cientificas que per-

meiam a educaccedilatildeo em especial a juriacutedica no Brasil provocam um ensino em

completo descompasso com as exigecircncias do mundo contemporacircneo Nesse

sentido a teoria da complexidade desenvolvida por Edgar Morin coloca-se

como possiacutevel e necessaacuteria para que haja a superaccedilatildeo dessa defasagem no

processo educacional

Dito isto eacute central constatar que tal insuficiecircncia natildeo se limita ao ensino

pelo contraacuterio eacute geral multifacetada Logo eacute urgente que ocorra uma repa-

radgmatizaccedilatildeo ou seja que a forma de pensar totalizante em conformidade

com Fritjof Capra seja substituiacuteda por um novo ainda em construccedilatildeo

Tal substituiccedilatildeo paradigmaacutetica dar-se-aacute pela possiacutevel recepccedilatildeo do pen-

samento complexo no debate cientiacutefico o qual estaacute assentado em princiacutepios

1 Graduando em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFORCE)

E-mail antoniojoseapjoutlookcom

2 Graduando em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFORCE)

E-mail filipe_cabral_almeidahotmailcom

3 Graduando em Psicologia pela Universidade de Fortaleza (UNIFORCE)

E-mail raphaelpsic08gmailcom

18

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

273

filosoacuteficos e epistemoloacutegicos do seacuteculo XVII (racionalismo cartesiano) tais

quais a disjunccedilatildeo a certeza e a natildeo contradiccedilatildeo O entendimento dos pro-

blemas resultantes dessa estrutura de meacutetodo cientiacutefico de ensino juriacutedico

perpassa tambeacutem pelas questotildees histoacutericas e poliacuteticas do paiacutes

Acerca dessas questotildees determinantes na educaccedilatildeo juriacutedica do Brasil

destaca-se o fato de que os cursos juriacutedicos sempre foram utilizados como

forma de manutenccedilatildeo da ordem social vigente ou seja eacute praacutetica recorrente

na estrutura organizacional brasileira o emparelhamento do ensino No atual

cenaacuterio diante das inovaccedilotildees proporcionadas pela inserccedilatildeo da tecnologia

a urgecircncia eacute por profissionais criacuteticos tolerantes para que saibam lidar com a

pluralidade de fatores presentes na sociedade contemporacircnea

O presente trabalho tem como objetivo geral elucidar as problemaacuteticas

do ensino juriacutedico brasileiro decorrentes do paradigma simplificador Como

objetivos especiacuteficos analisar as bases filosoacuteficas e cientiacuteficas que embasam

a ciecircncia positivista como tambeacutem apresentar o pensamento complexo

como uma necessidade-possibilidade em prol de transformaccedilotildees significati-

vas no ensino em especial do Direito

Por conseguinte a hipoacutetese trazida agrave luz fora a de que as ideias de Morin

podem ser beneacuteficas para o ambiente acadecircmico tanto na perspectiva da

aprendizagem quanto na compreensatildeo do estudante acerca da sua profis-

satildeo e suas aacutereas de atuaccedilatildeo Desse modo objetiva-se sintetizar o questiona-

mento central da proposta Como e em que medida a educaccedilatildeo juriacutedica

brasileira pode superar suas limitaccedilotildees histoacutericas sociais e epistemoloacutegicas a

partir do pensamento complexo

A metodologia utilizada dar-se-aacute por meio de pesquisa bibliograacutefica de

natureza teoacuterica e qualitativa direcionada agraves diversas e pertinentes produ-

ccedilotildees acadecircmicas relacionadas ao pensamento complexo e ao ensino juriacute-

dico no Brasil

Outrossim o artigo foi estruturado da seguinte forma no primeiro mo-

mento introduccedilatildeo de conceitos basilares para a compreensatildeo das premissas

cientiacuteficas modernas tal qual o racionalismo de Reneacute Descartes Em segundo

momento coloca-se em tela as criacuteticas de Edgar Morin agrave ciecircncia moderna

No mais eleva-se a proposta moriniana de superaccedilatildeo do paradigma mo-

derno e as consequecircncias da natildeo superaccedilatildeo na educaccedilatildeo Por fim fez-se

uma retrospectiva histoacuterica do ensino juriacutedico no Brasil desde a Colocircnia ateacute a

Repuacuteblica a fim de contextualizar o atual cenaacuterio da Ciecircncia do Direito no

paiacutes

181 PARADIGMA SIMPLIFICADOR

A partir de meados do seacuteculo XVII as hipoacuteteses ocidentais sobre como

a relaccedilatildeo homem-mundo eacute organizada fundamentada em leis que pressu-

potildeem o controle racional do homem sobre o Mundo e sobre si mesmo satildeo

permeadas pelo paradigma simplificador

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

274

Esse paradigma trabalha com a ideia de uma total coerecircncia concor-

dacircncia entre a capacidade humana da razatildeo e a realidade que o mesmo

habita desconsiderando o lado sensiacutevel e subjetivo da Humanidade Capra

(1996 p 17) afirma que um ldquoparadigma significa a totalidade de pensamen-

tos percepccedilotildees e valores que formam uma determinada visatildeo de realidade

uma visatildeo que eacute a base do modo como uma sociedade se organizardquo

Mais especificamente tal paradigma eacute fundamentado pelo raciona-

lismo corrente filosoacutefica que Descartes fundou e trouxe consigo um meacutetodo

o cartesiano no qual qualquer problema do homem poderia ser resolvido

atraveacutes da maior decomposiccedilatildeo possiacutevel do mesmo em distintas partes che-

gando a um grau de simplicidade que faria a soluccedilatildeo do problema o mais

evidente possiacutevel

Nesta perspectiva para que a verdade fosse alcanccedilada e que o todo

fosse inteligiacutevel seria necessaacuterio a especializaccedilatildeo a divisatildeo e distribuiccedilatildeo dos

afazeres com essa finalidade (DESCARTES 2017) Ademais este processo para

conceber a verdade eacute denominado ldquodeduccedilatildeordquo isto eacute a compreensatildeo de

uma questatildeo especiacutefica particular se daacute a partir de um ponto geral

182 MEacuteTODO CARTESIANO EDUCACcedilAtildeO E O PENSAMENTO

MORINIANO

O meacutetodo cartesiano proporcionou agrave Educaccedilatildeo e ao ensino contribui-

ccedilotildees mas tambeacutem trouxe obstaacuteculos que seriam debatidos mais agrave frente no-

tadamente no seacuteculo XX Questionava-se agrave eacutepoca se ainda era possiacutevel pen-

sar segundo esse paradigma Edgar Morin filoacutesofo antropoacutelogo e socioacutelogo

francecircs eacute um dos expoentes da criacutetica agrave superespecializaccedilatildeo do conheci-

mento e da burocratizaccedilatildeo excessiva no meio acadecircmico-cientiacutefico

O cerne do pensamento moriniano eacute pensar o conhecimento como

uma teia um tecido complexo Etimologicamente complexo deriva do termo

em latim complexus que significa compreender abarcar Logo natildeo se trata

do que eacute complicado hermeacutetico mas sim compreendido como um con-

junto

1821 A necessidade-possiblidade de reparadigmatizaccedilatildeo

do cartesianismo diante do pensamento complexo

Morin (1996) diz que para que haja uma reparadigmatizaccedilatildeo do co-

nhecimento eacute preciso levar em conta novas ideias condizentes com a poacutes-

modernidade Satildeo elas a incerteza ao inveacutes das concepccedilotildees cartesianas de

verdade e evidecircncia a multiplicidade em contraponto agrave linearidade consti-

tutiva da fragmentaccedilatildeo dos saberes e a dialogia natildeo mais a dualidade

O saber humano se ramifica em infinitas disciplinas que por meio da

institucionalizaccedilatildeo delas mesmas se fecham diante das outras aacutereas e de pos-

siacuteveis diaacutelogos para garantirem seu status quo A religiosidade o conheci-

mento sensiacutevel-artiacutestico e a tradiccedilatildeo popular mesmo que sejam experiecircncias

importantes para o entendimento da proacutepria humanidade satildeo postas como

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

275

impassiacuteveis de compreensatildeo visto que a mateacuteria do mundo e os seres vivos

que nele habitam existem enquanto maacutequinas governadas por leis matemaacute-

ticas exatas e indissoluacuteveis (CAPRA 1996)

Assim a ciecircncia moderna assegurando suas bases na heranccedila meto-

doloacutegica do racionalismo cartesiano continua a pensar a natureza como ob-

jeto-fonte de recursos na qual a relaccedilatildeo de apropriaccedilatildeo eacute necessaacuteria e fun-

damental para o fazer cientiacutefico Desse modo Morin eacute visto como pioneiro ao

incluir na sua teoria criacuteticas agraves novas condiccedilotildees fragilizadas do mundo natural

advindas das atividades industriais e capitalistas que negavam a importacircncia

do cuidado ao meio ambiente

Outro problema que Morin (2005 p17) apresenta eacute a confusatildeo entre o

fazer cientiacutefico do mundo natural e o fazer cientiacutefico do mundo dos homens

na sua organizaccedilatildeo ambiental social e psicoloacutegica O francecircs aduz que

[] eacute um movimento de duas frentes aparentemente divergentes

antagocircnicas mas a meu ver inseparaacuteveis trata-se eacute verdade de

reintegrar o homem entre os seres naturais para distingui-lo neste

meio mas natildeo para reduzi-lo a este meio

Enfim a complexidade eleva-se como uma proposta de superaccedilatildeo fi-

losoacutefica cientiacutefica e epistemoloacutegica do paradigma simplificador Nesse sen-

tido eacute central que a expliquemos minunciosamente isto eacute desde de sua con-

cepccedilatildeo ateacute sua proposta e necessidade-possibilidade de inserccedilatildeo no meio

cientiacutefico e educacional

183 A COMPLEXIDADE E A SUPERACcedilAtildeO DO PRINCIacutePIO DA

DISJUNCcedilAtildeO

No presente trabalho ldquocomplexidaderdquo eacute compreendida em conformi-

dade com Morin natildeo como um instrumento a ser colocado no lugar do pa-

radigma da simplificaccedilatildeo mas como algo por necessidade inacabado

Desse modo o pensamento complexo ldquodeve provar sua legitimidade porque

a palavra complexidade natildeo tem por traacutes de si uma nobre heranccedila filosoacutefica

cientiacutefica ou epistemoloacutegicardquo (MORIN 2005)

A referida legitimidade dar-se-aacute pela necessidade-possibilidade de su-

perar o ldquoprinciacutepio da disjunccedilatildeordquo o qual inviabiliza a comunicaccedilatildeo entre filo-

sofia (sujeito pensante) e ciecircncia (coisa) A necessidade de superaccedilatildeo revela-

se uma vez que segundo Morin (2005 p 5)

Tal disjunccedilatildeo rareando as comunicaccedilotildees entre o conhecimento ci-

entiacutefico e a reflexatildeo filosoacutefica devia finalmente privar a ciecircncia de

qualquer possibilidade de ela conhecer a si proacutepria de refletir sobre

si proacutepria e mesmo de se conceber cientificamente

Ademais a disjunccedilatildeo natildeo se limitou em separar ciecircncia e filosofia ndash o

que jaacute eacute bastante limitante ndash foi aleacutem ao separar os proacuteprios conhecimentos

cientiacuteficos em trecircs grandes aacutereas biologia fiacutesica e sociedade

ldquo

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

276

Nesse iacutenterim a complexidade apresenta-se como uma proposta que

aparenta ser paradoxal ou seja ao passo que almeja o conhecimento multi-

facetado reconhece que o conhecer total eacute impossiacutevel esta eacute a principal

diferenccedila entre o pensamento complexo e o cartesiano (MORIN 2005)

Com isso mediante a proposta de conceber o conhecimento multifa-

cetado ldquocomplexidaderdquo soacute pode ser compreendida como algo que reco-

nhece a convivecircncia entre opostos (uno e muacuteltiplo) e que estaacute no mundo fe-

nomecircnico no mundo dos acontecimentos da interaccedilatildeo Em contrapartida

o paradigma da simplificaccedilatildeo exclui a incerteza inerente aos acontecimentos

mundanais e natildeo concebe a convivecircncia entre os contraditoacuterios

184 A COMPLEXIDADE E A SUA (RE)INSERCcedilAtildeO NO DEBATE

CIENTIFIacuteCO

A complexidade ressurge na ciecircncia pelo mesmo caminho que a expul-

sou o desenvolvimento da ciecircncia fiacutesica a qual busca determinar a ordem

geral do mundo do cosmos e sua composiccedilatildeo atocircmica (MORIN 2005)

Mediante o desenvolvimento da fiacutesica verificou-se que o universo fiacutesico

eacute completamente ldquohemorraacutegicordquo em conformidade com o segundo princiacute-

pio da termodinacircmica - a entropia de um sistema isolado termodinamica-

mente tende a aumentar com o tempo ateacute que alcanccedila um valor maacuteximo

Em resumo um sistema tende com o passar do tempo agrave organizaccedilatildeo e agrave

destruiccedilatildeo simultaneamente

Aleacutem disso a partiacutecula considerada antes como sinocircnimo de simplici-

dade ganha uma complexidade ateacute entatildeo incogitaacutevel Assim Morin leci-

ona ldquoo cosmos natildeo eacute uma maacutequina perfeita mas um processo em vias de

desintegraccedilatildeo e de organizaccedilatildeo ao mesmo tempordquo (MORIN 2005 p14) Ou

seja a compreensatildeo cientiacutefica em especial a das ciecircncias do homem fun-

dada nos conhecimentos da fiacutesica deve estar em compasso com o desenvol-

vimento desta

1841 A (natildeo) incorporaccedilatildeo do pensamento complexo na

educaccedilatildeo

Outrossim os objetivos da recepccedilatildeo do pensamento complexo pela ci-

ecircncia satildeo dois 1) que a realidade antropossocial seja compreendida simulta-

neamente tanto na esfera individual quanto na social e 2) que os avanccedilos

cientiacuteficos natildeo nos levem agrave outra hecatombe planetaacuteria semelhante agrave do seacute-

culo XX (bomba atocircmica aquecimento global morte em massa de judeus)

Sobre isto Morin (2005 p 13) afirma que

A incapacidade de conceber a complexidade da realidade antro-

possocial em sua microdimensatildeo (o ser individual) e em sua macro-

dimensatildeo (o conjunto da humanidade planetaacuteria) conduz a infinitas

trageacutedias e nos conduz agrave trageacutedia suprema

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

277

Em face da educaccedilatildeo a ldquotrageacutedia supremardquo enunciada por Morin re-

vela-se naquilo que o proacuteprio conceitua por ldquointeligecircncia cegardquo Nesse sen-

tido inteligecircncia cega eacute a utilizaccedilatildeo descabida da razatildeo eacute o uso sem criteacuterio

da loacutegica cientiacutefica e aleacutem disso o completo desconhecimento do que eacute o

fazer cientiacutefico (MORIN 2005)

Tratando-se do elo entre o pensamento complexo e o ensino (em espe-

cial o juriacutedico) eacute fulcral elucidar que eacute errocircneo o pensamento de que a com-

plexidade seraacute recepcionada por um plano educacional Quer dizer o pen-

samento complexo pressupotildee-se incompleto Incompleto no sentido de que

eacute pretencioso criar um plano educacional em eterno compasso com a reali-

dade mundanal fenomecircnica

Para mais verifica-se historicamente que aleacutem das criacuteticas acerca do

paradigma cartesiano natildeo serem acolhidas por aqueles responsaacuteveis pela es-

truturaccedilatildeo do ensino brasileiro este fora constituiacutedo como instrumento para

manutenccedilatildeo de um determinado status quo

185 O ENSINO JURIacuteDICO NO BRASIL

Os problemas histoacutericos institucionais epistemoloacutegicos e pedagoacutegicos

existentes no atual cenaacuterio do ensino juriacutedico no Brasil satildeo sem duacutevidas reflexo

dos fatores socioculturais e histoacutericos que influenciaram esse ensino desde o

seu surgimento no paiacutes Aqui destacam-se o Brasil Colonial Impeacuterio e Repuacute-

blica onde a noccedilatildeo de ensino natildeo soacute juriacutedico varia de acordo com as insti-

tuiccedilotildees de controle social de cada periacuteodo

Nesse sentido afirmando a importacircncia desse processo histoacuterico Bastos

(1997 p 35) aduz que

Em outra dimensatildeo a histoacuteria dos cursos juriacutedicos traduz e retrata o

desenvolvimento e a consolidaccedilatildeo curricular dos direitos civis e de

cidadania no Brasil eacute a consciecircncia juriacutedico-curricular que consolida

e firma os propoacutesitos essenciais da cidadania brasileira Por isto estu-

dar a evoluccedilatildeo do ensino juriacutedico eacute estudar a histoacuteria da cidadania e

das instituiccedilotildees juriacutedico-poliacuteticas brasileiras instituiccedilotildees que os cursos

juriacutedicos conservam e consolidam e contribuem para a sua mudanccedila

que representa os nossos interesses as nossas ilusotildees e as nossas ex-

pectativas democraacuteticas

1851 Periacuteodo Colonial

No periacuteodo colonial natildeo se pode dizer que havia um ensino juriacutedico for-

malmente institucionalizado e materialmente empregado no meio social visto

que o direito exercido nesse lapso temporal adveio de escolas europeias En-

tretanto a educaccedilatildeo em geral foi peccedila fundamental no sistema poliacutetico que

fora implementado pela Coroa Portuguesa no Brasil isto eacute pelo Estado Colo-

nial o qual era totalmente submisso aos comandos dos portugueses emba-

sando ainda mais a inexistecircncia de um ensino juriacutedico propriamente dito

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

278

De acordo com Martins (2012 p 37)

A educaccedilatildeo colonial teve minimamente duas faces uma baseou-

se na educaccedilatildeo religiosa que visava agrave catequizaccedilatildeo dos povos ori-

ginaacuterios e africanos e a outra se voltou para a formaccedilatildeo profissional

dos filhos da elite europeia

Em relaccedilatildeo agrave Ameacuterica Espanhola situada nesse mesmo periacuteodo o Brasil

apresentava expressivo atraso no que tange agrave existecircncia de um ensino supe-

rior e para aleacutem disso de um ensino em niacutevel universitaacuterio Tal diferenccedila entre

os paiacuteses ibeacutericos deu-se em razatildeo de os espanhoacuteis visarem a uma europeiza-

ccedilatildeo da colocircnia por meio da estrutura organizacional que aleacutem de optar pela

dominaccedilatildeo das classes inferiores ali presentes ldquoacabou por implantar um

enorme instrumento assimilatoacuterio e repressivo que ia desde a catequese em

massa ateacute a criaccedilatildeo de universidadesrdquo (RIBEIRO 2016)

Destaca-se que no periacuteodo das grandes navegaccedilotildees ndash seacuteculo XV ndash a

Espanha jaacute contava com doze universidades enquanto Portugal detinha ape-

nas a Universidade de Coimbra Em meados do seacuteculo XVI respectivamente

a Espanha contabilizava trinta e duas universidades e Portugal apenas duas

(ROSSATO 1988)

1852 Periacuteodos Imperial e Republicano

Em meados do seacuteculo XIX em decorrecircncia da eclosatildeo do liberalismo

nos paiacuteses ocidentais mais precisamente com a independecircncia do Brasil em

1822 o sistema colonial foi substituiacutedo pelo Impeacuterio Muito embora a estrutura

poliacutetica tenha permanecido vinculada aos interesses de Portugal as influecircn-

cias da doutrina liberal foram determinantes nas transformaccedilotildees sociais e prin-

cipalmente nas educacionais no que tange ao ensino juriacutedico

Assim a independecircncia de um paiacutes de uma naccedilatildeo presume um Direito

constituiacutedo e institucionalizado baseado nas premissas liberais emancipatoacute-

rias A exemplo disso a Constituiccedilatildeo de 1824 urge em seu texto a necessidade

de implementaccedilatildeo do ensino superior universitaacuterio no paiacutes e com isso os pri-

meiros cursos juriacutedicos emergem no Brasil Poreacutem sabe-se que o acesso ao en-

sino era delimitado por uma seacuterie de restriccedilotildees assumindo vieacutes poliacutetico em prol

da manutenccedilatildeo do Impeacuterio como elucida Rodrigues (1993 p 13)

A criaccedilatildeo dos cursos juriacutedicos no Brasil foi uma opccedilatildeo poliacutetica e tinha

funccedilotildees baacutesicas a) sistematizar a ideologia poliacutetico-juriacutedica do libera-

lismo com a finalidade de promover a integraccedilatildeo ideoloacutegica do es-

tado nacional projetado pelas elites b) a formaccedilatildeo da burocracia

encarregada de operacionalizar esta ideologia para a gestatildeo do

estado nacional

Desse modo a perpetuaccedilatildeo do modelo de ensino juriacutedico tecnicista

formalista reducionista distante da realidade social eacute determinante para en-

tendermos os problemas e as perspectivas do direito atual Mesmo diante das

transformaccedilotildees sociopoliacuteticas resultantes do republicanismo ndash instaurado no

ldquo

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

279

Brasil desde 1889 ndash tais caracteriacutesticas persistem enraizadas na formaccedilatildeo do

jurista do seacuteculo XXI

Assim verifica-se historicamente que o ensino juriacutedico no Brasil serve

como instrumento de conservaccedilatildeo da estrutura econocircmica social e poliacutetica

do paiacutes No atual cenaacuterio diante da multiplicidade de fatores existentes

pode-se constatar a natildeo evoluccedilatildeo isto eacute a manutenccedilatildeo do conteuacutedo e da

forma do ensino juriacutedico e em decorrecircncia disso a natildeo adaptaccedilatildeo do direito

aos anseios da sociedade moderna

186 A CIEcircNCIA DO DIREITO DIANTE DAS TRANSFORMACcedilOtildeES

EMERGENTES DO SEacuteCULO XXI

Atualmente diante de uma sociedade em transformaccedilatildeo constante eacute

consenso formado o fato de que o Direito deve acompanhar os anseios soci-

ais econocircmicos e culturais Apesar das inovaccedilotildees tecnoloacutegicas teoacutericas e

praacuteticas do mundo moderno o ensino juriacutedico permaneceu estagnado leci-

onado de forma tecnicista dogmaacutetica e amplamente influenciada pela dou-

trina positivista

O positivismo emerge em meados do seacuteculo XVIII e mostra-se hegemocirc-

nico ateacute o seacuteculo XX deixando impactos severos na forma de fazer e produzir

o saber cientiacutefico e consequentemente juriacutedico Isto eacute o passado recente do

ensino juriacutedico eacute permeado pela prevalecircncia do tecnicismo da neutralidade

e hoje natildeo consegue abarcar a multiplicidade de fatores da sociedade atual

A teoria que em soma ao positivismo constitui a dicotomia central do

direito contemporacircneo eacute a naturalista Os paradigmas que se apresentam satildeo

limitados e natildeo elucidam os entraves histoacutericos pedagoacutegicos e estruturais exis-

tentes na ciecircncia juriacutedica Como assevera Rodrigues (2000 p 14-15)

O positivismo reduz a validade do Direito agrave sua positividade O jusna-

turalismo coloca a validade do Direito em paracircmetros transcenden-

tais Ambos dessa forma se preocupam com a validade seja formal

ou ideal desvinculando-se da sociedade e esquecendo-se da eficaacute-

cia Esse aspecto fundamental porque ligado agrave legitimidade e natildeo

agrave legalidade eacute deixado de lado [] O grande problema dessas te-

orias positivistas e jusnaturalistas em todos os seus matizes eacute que

atraveacutes de seus meacutetodos estaacuteticos tentam apreender um objeto di-

nacircmico A realidade social da qual o Direito faz parte eacute dinacircmica e

somente pode ser conhecida ndash se eacute que se pode conhececirc-la ndash atra-

veacutes de meacutetodos tambeacutem dinacircmicos que acompanhem as evolu-

ccedilotildees involuccedilotildees e contradiccedilotildees existentes na dialeacutetica social

Determinadas influecircncias histoacutericas como o conservadorismo exacer-

bado atrelado ao emparelhamento do Direito como instrumento essencial agrave

manutenccedilatildeo da ordem social e os problemas de metodologia de aprendi-

zagem e de ensino datildeo razotildees aos obstaacuteculos jaacute destacados Nesse sentido

Bittar (2006 p 31) aduz que ldquoas teacutecnicas pedagoacutegicas devem se orientar no

sentido de uma geral recuperaccedilatildeo da capacidade de sentir e de pensarrdquo

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

280

A forma reducionista de pensar o direito se mostra ultrapassada em face

das raacutepidas e constantes mudanccedilas observaacuteveis no meio social Isto eacute na vi-

satildeo de Morin (2005 p 20) a mudanccedila de perspectiva eacute essencial pois

Significa dizer que a perspectiva aqui eacute transdisciplinar Transdiscipli-

nar significa hoje indisciplinar Toda uma enorme instituiccedilatildeo burocraacute-

tica ndash a ciecircncia ndash todo um corpo de princiacutepios resiste ao miacutenimo

questionamento rejeita com violecircncia e desprezo como ldquonatildeo cientiacute-

ficordquo tudo o que natildeo corresponde ao modelo

Nesse sentido a desburocratizaccedilatildeo eacute crucial para o desenvolvimento

natildeo soacute do ensino juriacutedico mas do Direito como um todo o qual eacute ldquoamplo

aberto sempre emergente e baseado em matrizes basilares ligadas a direitos

fundamentais humanos e sociaisrdquo (MAROCCO 2011)

Em suma torna-se expliacutecita a necessidade de superaccedilatildeo do paradigma

simplificador o qual influencia as diretrizes do ensino juriacutedico desde o princiacutepio

Para Morin a complexidade eacute justamente uma possibilidade em face das pro-

blemaacuteticas destacadas acerca do cenaacuterio juriacutedico no Brasil e da notoacuteria insu-

ficiecircncia do cartesianismo

1861 A complexidade como possibilidade de

reparadigmatizaccedilatildeo do ensino juriacutedico

Evidencia-se no cenaacuterio juriacutedico a prevalecircncia do positivismo desde o

ensino da teoria ateacute a praacutetica Quer dizer o fenocircmeno juriacutedico eacute compreen-

dido enquanto norma positivada a qual deve ser aplicada de forma neutra

avalorativa Em contrapartida Rodriguez (2000 p 15) diz que

Eacute necessaacuterio mudar o paradigma dominante na ciecircncia do Direito

pois soacute assim poder-se-aacute alterar efetivamente o seu ensino que eacute ao

mesmo tempo reprodutor e realimentador dos saberes por ela pro-

duzidos Alterar a ciecircncia juriacutedica significa deixar de lado a atual es-

trutura de produccedilatildeo de saberes e substituiacute-la por outra Para isso eacute

necessaacuteria a mudanccedila do meacutetodo de abordagem utilizado no ato

cognoscente pois apenas dessa forma poder-se-aacute produzir um novo

objeto de conhecimento

Nesse sentido para que a superaccedilatildeo do positivismo seja possiacutevel torna-

se necessaacuterio reconfigurar o ensino juriacutedico e a proacutepria Ciecircncia do Direito O

ponto central da reforma no ensino dar-se-aacute pela modificaccedilatildeo do meacutetodo

incorporado ao processo de conhecimento Ou seja a superaccedilatildeo do positi-

vismo (enquanto paradigma da ciecircncia do Direito) e do ensino (enquanto

processo de conhecimento) ocorre por intermeacutedio da transformaccedilatildeo do que

o autor mencionado define por ldquomeacutetodo de abordagem utilizado no ato cog-

noscenterdquo

Como visto Morin (2005 p 49) natildeo incita uma transformaccedilatildeo do ensino

como pretexto para elencar a teoria da complexidade como uacutenica a ser uti-

lizada mas sim quer com ela transcender a ideia fixa imutaacutevel que ainda

ldquo

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

281

persiste apesar da muacuteltipla fluida e incerta contemporaneidade O francecircs

disserta que

Vamos tentar aqui um discurso multidimensional natildeo totalitaacuterio teoacute-

rico mas natildeo doutrinaacuterio (a doutrina eacute a teoria fechada autossufici-

ente portanto insuficiente) aberto para a incerteza e a superaccedilatildeo

natildeo idealidealista sabendo que a coisa jamais seraacute totalmente fe-

chada no conceito o mundo jamais aprisionado no discurso

Portanto a reparadigmatizaccedilatildeo do ensino juriacutedico se faz por meio da

abertura de novos caminhos na proacutepria ciecircncia possibilitando assim a (re)li-

gaccedilatildeo entre filosofia e ciecircncia e desta em suas mais variadas aacutereas Em re-

sumo reformular o ensino eacute um processo interdependente da reformulaccedilatildeo

da ciecircncia no caso ensino e ciecircncia juriacutedica

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A partir das reflexotildees feitas e da bibliografia analisada pode-se concluir

que o paradigma da simplificaccedilatildeo (cartesiano) concebido no seacuteculo XVII o

qual se apresenta como ponto de partida eleva-se como insuficiente Tal in-

suficiecircncia evidenciou-se em meados do seacuteculo XX mediante criacuteticas de natu-

reza filosoacutefica epistemoloacutegica e cientiacutefica feitas agravequele paradigma

Nesse sentido a visatildeo-de-mundo cartesiana concebe o homem como

detentor da razatildeo e que por este fator deve o homem mudar o ambiente

natural para adequaacute-lo agraves demandas humanas Assim todas as incompreen-

sotildees incertezas e contradiccedilotildees da realidade mundanal satildeo excluiacutedas do de-

bate cientiacutefico

Em contrapartida o pensamento complexo abarca as incertezas e as-

sume ser impossiacutevel o conhecer total Ou seja ao passo que assume a impos-

sibilidade do conhecimento total a complexidade almeja a compreensatildeo

multifacetada da realidade fenomecircnica Desta forma o pensar complexo eacute

entendido como possibilidade-necessidade para a superaccedilatildeo paradigmaacute-

tica

A necessaacuteria e possiacutevel superaccedilatildeo do pensamento simplificador dar-se

por dois principais fatores 1) que o princiacutepio da disjunccedilatildeo impossibilita em uacutel-

tima anaacutelise a ciecircncia conceber-se cientificamente e 2) o fato de que as

insuficiecircncias do cartesianismo se natildeo superadas conduzirem a humanidade

a uma trageacutedia planetaacuteria

Pelo exposto verifica-se que os descompassos do paradigma simplifica-

dor tambeacutem provocam consequecircncias no ensino em especial o juriacutedico Este

ensino no Brasil eacute envolvido por traccedilos que buscam historicamente a manu-

tenccedilatildeo de uma determinada ordem poliacutetica e para que isso seja possiacutevel o

ensino juriacutedico distancia-se da realidade antropossocial brasileira

Por fim eacute necessaacuterio reiterar que o presente trabalho possui insuficiecircn-

cias e carecircncias que poderatildeo ser supridas por novas investigaccedilotildees de cunho

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

282

cientiacutefico Isso posto as possibilidades de aplicaccedilatildeo da teoria da complexi-

dade ainda natildeo abrangeram a sua maacutexima potencialidade seja na ciecircncia

na filosofia ou na educaccedilatildeo Dessa maneira compreender as ressalvas por

parte do corpo pedagoacutegico e docente do pensamento moriniano eacute tambeacutem

compreender a proacutepria dificuldade de superaccedilatildeo paradigmaacutetica no ensino

juriacutedico brasileiro

REFEREcircNCIAS

BASTOS Aureacutelio Wander O Ensino Juriacutedico no Brasil e as suas personalidades histoacutericas

- Uma recuperaccedilatildeo de seu passado para reconhecer seu futuro In Ensino Juriacutedico

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gados do Brasil Brasiacutelia 1997

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Paulo Saraiva 2008

CAPRA Fritjof A teia da vida 11 ed Satildeo Paulo Cultrix 1996

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Janeiro Nova fronteira 2017

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Universidade Para Todos - PROUNI agrave luz do pensamento complexo 2012 256 f Tese

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Uninove Satildeo Paulo 2012

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Graduaccedilatildeo em Direito Centro de Ciecircncias Juriacutedicas Universidade Federal de Santa

Catarina Florianoacutepolis 2011

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1991

WOLKER A C Histoacuteria do direito no Brasil - Rio de Janeiro Forense 2003

283

ENSINO JURIacuteDICO E NEUROPSICOLOGIA

uma discussatildeo sob a perspectiva da

complexidade

Bruno Barros Carvalho1

Diogo Felipe Sousa Barreira2

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 191 A fragilidade da ciecircncia disciplinar

192 Consideraccedilotildees em torno do pensamento complexo 193 Ensino

juriacutedico da linearidade agrave complexidade 1931 Ensino juriacutedico no

mundo 1932 Ensino juriacutedico no Brasil 194 Ensino juriacutedico e Neuropsi-

cologia uma perspectiva complexa Consideraccedilotildees finais Referecircn-

cias

INTRODUCcedilAtildeO

A evoluccedilatildeo da espeacutecie humana atingiu no seacuteculo XXI niacuteveis inimaginaacute-

veis com um desenvolvimento bioloacutegico e social que o permitiu prosperar e

tornar-se o animal mais complexo do planeta Tal pensamento segundo

Yuval recebeu a influecircncia de trecircs fatores chamados de revoluccedilotildees Para ele

ldquoa Revoluccedilatildeo Cognitiva deu iniacutecio agrave histoacuteria haacute cerca de 70 mil anos A Revo-

luccedilatildeo Agriacutecola a acelerou por volta de 12 mil anos atraacutes A Revoluccedilatildeo Cientiacute-

fica que comeccedilou haacute apenas 500 anos pode muito bem colocar o fim agrave his-

toacuteria e dar iniacutecio a algo completamente diferenterdquo (HARARI 2017) o que pode

ser para os dias atuais uma nova Revoluccedilatildeo a Informacional

Para esse desenvolvimento da espeacutecie ocorrer foi primordial o agrupa-

mento dos seres e a formaccedilatildeo das sociedades O homem aprendeu a sobre-

viver na natureza aprendeu a modificaacute-la agora precisa aprender a conviver

em sociedade esse eacute talvez o maior desafio da humanidade hoje O filme

Os Deuses Devem Estar Loucos (1980) retrata de forma cocircmica essa situaccedilatildeo

ao ironizar que o homem modificou tanto a natureza que agora ele passa

anos em escolas e universidades para aprender a conviver em sociedade

Eacute justamente nessa necessidade que surgem as diversas ciecircncias sociais

como o Direito No entanto a legislaccedilatildeo reguladora de comportamentos jaacute

cometeu inuacutemeros erros por desconhecimentos tomando como verdades ab-

solutas ideias predominantes agrave eacutepoca

1 Graduado em Direito e poacutes-graduado em Neuropsicologia pelo Centro Universitaacuterio Chris-

tus (UNICHRISTUSCE) Advogado E-mail brunobbchotmailcom

2 Graduando em Direito pela Universidade Regional do Cariri (URCACE)

E-mail diogofelipesbgmailcom

19

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

284

A norma juriacutedica tende a se basear em fatos cientiacuteficos como na aacuterea

penal cujo pai da Criminologia Cesare Lombroso por exemplo provou cien-

tificamente que caracteriacutesticas fiacutesicas de uma pessoa seriam determinantes

no potencial criminoso (LOMBROSO 2013) O cientista imputava indiacutecios de

um potencial criminoso a partir de traccedilos faciais aspectos associados agrave raccedila

negra Obviamente seus estudos contribuiacuteram para a evoluccedilatildeo da ciecircncia

penal mas a ignoracircncia da eacutepoca o fez cometer aos olhos do seacuteculo XXI

erros grosseiros

Essa caracteriacutestica natildeo eacute exclusiva do Direito a proacutepria Neurociecircncia jaacute

sofreu horrores desse viacutecio O Precircmio Nobel em 1906 reverenciou Golgi e Cajal

por mostrarem agrave Medicina a estrutura dos neurocircnios (GRANT 1999) No en-

tanto apesar de dividirem o precircmio eles possuiacuteam teorias diferentes e consi-

deravam-se inimigos cientiacuteficos

As descobertas deles dividiram a comunidade cientiacutefica ao provar que

a estrutura neuronal natildeo era una mas sim que havia uma lacuna entre um e

outro O grande questionamento agrave eacutepoca foi como eacute feita a comunicaccedilatildeo

neuronal por via quiacutemica ou eleacutetrica Para surpresa atual a maioria defendia

o impulso eleacutetrico pois estavam cansados das novidades quiacutemicas e a energia

eleacutetrica era novidade agrave eacutepoca (KEAN 2014)

A capacidade de repassar conhecimento contribuiu para o desenvol-

vimento da intelectualidade humana as percepccedilotildees de aacutereas e naturezas

diferentes pode classificar o conhecimento em ciecircncias o que seraacute alvo deste

artigo em seu primeiro capiacutetulo

O presente trabalho tem por objetivo apresentar uma relaccedilatildeo da Neu-

ropsicologia com o Ensino Juriacutedico e como as novas descobertas da Neuroci-

ecircncia ligadas ao comportamento humano podem contribuir para que a re-

gulamentaccedilatildeo da sociedade seja de forma a acompanhar as novas deman-

das sociais

A Neuropsicologia eacute a ciecircncia que estuda o comportamento humano

e suas disfunccedilotildees por meio do desenvolvimento neuroloacutegico enquanto o Di-

reito eacute a ciecircncia que regula por meio de preceitos normativos a conduta

humana

Nessa perspectiva as duas aacutereas do conhecimento possuem pontos de

interseccedilatildeo jaacute que ambas tecircm sua origem no comportamento humano uma

compreende o como e o porquecirc da conduta e a outra regula Vale salientar

que a Neuropsicologia surgiu da necessidade de investigar disfunccedilotildees neuro-

loacutegicas cujas consequecircncias implicam em comportamentos disfuncionais Na

mesma proporccedilatildeo o Direito brotou da indigecircncia de normatizar o conviacutevio do

homem em sociedade para a manutenccedilatildeo da ordem ele se faz necessaacuterio

no controle de condutas inadequadas do ser humano

Dessa forma natildeo eacute percebido na aacuterea do Direito uma abordagem neu-

ropsicoloacutegica da conduta humana que precisa ser aprimorada fato esse mar-

cado pela ausecircncia de ligaccedilatildeo com a aacuterea seja na graduaccedilatildeo ou na forma-

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

285

ccedilatildeo juriacutedica dos profissionais devendo-se isto ao nuacutemero insatisfatoacuterio de pes-

quisas relacionadas ao tema Assim faz-se mister o debate sobre essa temaacute-

tica a fim de fomentar o diaacutelogo e a consequente geraccedilatildeo de novas interpre-

taccedilotildees acerca da norma juriacutedica pautada em uma nova percepccedilatildeo herme-

necircutica

Para isso a metodologia do trabalho trata-se de uma pesquisa biblio-

graacutefica realizada de julho de 2020 a setembro de 2020 Foram consultadas as

bases de dados eletrocircnicos Scielo Pubmed e Bireme utilizando-se na busca

os seguintes descritores neuropsicologia direito ensino juriacutedico complexi-

dade conduta humana norma lei comportamento Considerou-se como cri-

teacuterios de inclusatildeo serem artigos publicados nos idiomas portuguecircs inglecircs es-

panhol francecircs nos uacuteltimos dez anos e com texto completo disponiacutevel online

Tambeacutem foram utilizados como fonte de dados livros artigos e perioacutedicos re-

lacionados agrave temaacutetica

No primeiro capiacutetulo seraacute abordado a fragilidade da ciecircncia disciplinar

que evoluiu fragmentando o conhecimento e a natureza Jaacute no segundo se-

ratildeo feitas consideraccedilotildees em torno do pensamento complexo que serviratildeo de

base para um elo entre o Ensino Juriacutedico e a Neuropsicologia Logo apoacutes no

terceiro momento analisaraacute a historicidade do ensino juriacutedico no mundo e no

brasil com o intuito de buscar pontos de conexatildeo com a Neuropsicologia

para enfim no uacuteltimo capiacutetulo abordar a simbiose dessas duas ciecircncias

191 A FRAGILIDADE DA CIEcircNCIA DISCIPLINAR

A ciecircncia como conhecemos eacute uma ramificaccedilatildeo da Filosofia Esta eacute a

precursora do pensamento humano ganha destaque na Greacutecia Antiga prin-

cipalmente com Aristoacuteteles natildeo por ser o filoacutesofo de maior expressividade

mas sim por ter suas ideias difundidas em anotaccedilotildees por seus alunos

A Filosofia vem com o surgimento das cidades e a busca para explicar

a origem da vida e do universo Ela evoluiu e passou a analisar diversas aacutereas

a partir daiacute tem-se o aparecimento da Botacircnica da Meteorologia da Ciecircncia

Poliacutetica da Matemaacutetica entre outras Contudo a Greacutecia Antiga sofreu diver-

sas invasotildees e materiais que armazenavam fontes de conhecimento foram

perdidos Com as Cruzadas no seacuteculo XIV parte desse acervo foi recuperado

e difundido pela Europa

O Renascimento marca a criaccedilatildeo do meacutetodo cientiacutefico tendo Galileu

Newton Bacon e Descartes como referecircncia Esse periacuteodo cria um distancia-

mento entre Filosofia e Ciecircncia pois esta deixa de ter um meacutetodo de contem-

placcedilatildeo para um de comprovaccedilatildeo Jaacute aquela era baseada em teorias que eacute

ldquoconhecimento abstrato que se limita agrave exposiccedilatildeo de caraacuteter meramente es-

peculativo voltado para a contemplaccedilatildeo da realidade em oposiccedilatildeo agrave praacute-

tica e ao saber teacutecnicordquo (MICHAELIS 2020)

Em seu embrionaacuterio a Filosofia falava de todos os assuntos entretanto

Kant delimita as atuaccedilotildees dela ao abordar que deveria se ater a somente trecircs

deles o que eacute o belo (KANT 2012) o que conhecer significa (KANT 2001) e

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

286

como devemos agir (KANT 2008) pois as demais ciecircncias jaacute se apropriaram

dos outros conhecimentos

As ciecircncias tornaram-se especiacuteficas sendo agrupadas por categorias

semelhantes ao ser dividida em exatas bioloacutegicas e sociais Durkheim acredi-

tava que as ciecircncias sociais deveriam se basear nas exatas para serem com-

provadas o meacutetodo de avaliccedilatildeo deveria ser similar (DURKHEIM 2004) Para

atestar tal afirmaccedilatildeo produz obra com o intuito de provar uma relaccedilatildeo exata

para o suiciacutedio na qual apresenta variantes de idade localidade sexuali-

dade emprego clima diversos fatores transformados em dados estatiacutesticos

para prever um possiacutevel suicida Em sua anaacutelise por exemplo homem desem-

pregado solteiro sem filho jovem residente em regiatildeo de clima frio protes-

tante tem um potencial suicida (DURKHEIM 2000) Essa percepccedilatildeo leva em

consideraccedilatildeo dados sobre pessoas que cometeram o suiciacutedio natildeo analisa fa-

tores emocionais nem comportamentais

Nessa mesma perspectiva Comte categoriza uma hierarquia cientiacutefica

utiliza como criteacuterio as condiccedilotildees variaacuteveis e grau de complexidade da ciecircn-

cia Trata a exatas como inferior logo acima as bioloacutegicas e no topo as sociais

(COMTE 1978) Anos depois passa a classificar uma nova categoria a moral

Essa atualizaccedilatildeo dele mostra a percepccedilatildeo de que o estudo da mente hu-

mana tem um valor superior as demais aacutereas pelo seu grau de complexidade

Caso estivesse vivo certamente consideraria a Neuropsicologia uma aacuterea re-

levante para o Direito

De fato a ciecircncia ganhou forccedila com o surgimento de universidades e

mais pesquisadores pensadores escritores que difundiam a ideia de conhe-

cimentos especiacuteficos A Revoluccedilatildeo Industrial intensificou essa marca em que

modelos como o taylorismo e o fordismo o trabalhador sabe cada vez menos

sobre a faacutebrica e cada vez mais sobre sua funccedilatildeo teacutecnica

Isso cria a Escola Nova cuja metodologia possui um vieacutes positivista ao

afirmar que a pedagogia deve ensinar funccedilotildees teacutecnicas para o mercado de

trabalho portanto deve-se aprender somente o que iraacute utilizar no labor (DE-

WEY 2003)

A partir desse momento haacute um avanccedilo na evoluccedilatildeo disciplinar das ci-

ecircncias universidades e escolas modificam suas grades livros tornam-se mais

especiacuteficos e profissionais mais qualificados em uma uacutenica aacuterea As ciecircncias

deixam de interagir como se o conhecimento e a natureza fossem cataloga-

dos em categorias e classes

O conceito de gaiolas epistemoloacutegicas de DrsquoAmbrosio retrata bem os

prejuiacutezos em disciplinar as ciecircncias Para ele a disciplina eacute como uma gaiola

em que o paacutessaro conhece tudo sobre o interior de sua dela mas sequer tem

a capacidade de saber qual sua cor por fora Como proposta para sanar tal

limitaccedilatildeo cognitiva abre-se para o conceito de interdisciplinar coloca-se vaacute-

rios paacutessaros em um viveiro o espaccedilo eacute maior e haacute mais interaccedilatildeo contudo

ainda haacute o engaiolamento (DrsquoAMBROSIO 2007)

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

287

No Brasil por exemplo o aluno entra em uma gaiola de Matemaacutetica por

uma hora pula para outra de Quiacutemica para em seguida ir a uma de Geogra-

fia e assim passa toda sua vida escolar engaiolado em meacutetodos e padrotildees

ordenados por categorias gecircneros espeacutecies (DrsquoAMBROSIO 2007)

Como soluccedilatildeo surge o conceito de transdisciplinaridade que ldquoeacute meta-

foricamente o abandono das grades epistemoloacutegicas que limitam o

voarpensar O grande objetivo da transdisciplinaridade na escola eacute permitir

criatividade plenardquo (DrsquoAMBROSIO 2007p19)

A ciecircncia evoluiu construindo teorias a partir de convicccedilotildees possiacuteveis de

se provar de se constatar de se enumerar de apresentar fatos e dados a

convencer a comunidade Ela se tornou uma fonte de formaccedilatildeo de verdades

Eacute nesse ponto que se percebe a fragilidade dela para os dias atuais A forma-

ccedilatildeo de certezas por parte de experiecircncias individuais impostas a toda comu-

nidade eacute detentora de um risco imensuraacutevel

A teoria do Cisne Negro criada por Nassim Taleb retrata bem essa falha

cuja essecircncia eacute evidenciar fatos que mudaram o curso da ciecircncia por des-

considerar o desconhecido O autor cita o aparecimento de um cisne negro

haacute mais de 500 anos que ateacute entatildeo era uma espeacutecie desconhecida Na Eu-

ropa apenas se conheciam cisnes brancos e por nunca ter sido visto um de

coloraccedilatildeo diferente a ciecircncia deduziu que todo cisne era branco Essa cer-

teza soacute foi concretizada porque levou-se em consideraccedilatildeo apenas os fatos

conhecidos desprezando-se os possiacuteveis desconhecidos Para Taleb a ciecircncia

despreza o desconhecido e por isso comumente eacute surpreendida por um fato

novo Eis o porquecirc de sua fragilidade

Essa caracteriacutestica dogmaacutetica cartesiana da ciecircncia dificulta anaacutelises

mais complexas e tanto interdisciplinar quanto transdisciplinar baseia-se em

certezas e natildeo abre espaccedilo para imprevisibilidades por isso a teoria da com-

plexidade eacute tatildeo importante para a ciecircncia e o Ensino Juriacutedico

192 CONSIDERACcedilOtildeES EM TORNO DO PENSAMENTO COMPLEXO

Uma alternativa para suprir a fragilidade da ciecircncia disciplinar eacute a sua

superaccedilatildeo para uma transdisciplinar cujo intermeacutedio pode ser efetivado pelo

pensamento complexo Unir ciecircncias tatildeo independentes eacute um desfio para a

modernidade daiacute o porquecirc de se compreender mais a relaccedilatildeo entre Direito

e Neuropsicologia

A Neuropsicologia eacute uma temaacutetica complexa uma vez que aborda

questotildees crucias do comportamento humano a partir de fundamentos oriun-

dos das neurociecircncias tanto no acircmbito da sauacutede mental como das disfun-

ccedilotildees de ordem neuroloacutegica e suas consequentes implicaccedilotildees na conduta hu-

mana

Por ser uma aacuterea do conhecimento iminentemente interdisciplinar

conta-se com a contribuiccedilatildeo de diversos profissionais de aacutereas da sauacutede e

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

288

educaccedilatildeo como a Medicina Psicologia Farmacologia Terapia Ocupacio-

nal Fonoaudiologia Fisioterapia Pedagogia entre outras dando-se desta-

que neste artigo agrave inclusatildeo do Direito

Dentro desse contexto eacute necessaacuterio discutir a transformaccedilatildeo do pensa-

mento linear defendido no paradigma cartesiano e moderno para a com-

plexidade forma de pensar exigida no emergente paradigma da poacutes-moder-

nidade

A Revoluccedilatildeo Industrial do seacuteculo XVIII foi o embriatildeo do que se chama

hoje de sociedade de risco (BECK 1998)3 potencializada pelo desenvolvi-

mento tecno-cientiacutefico e caracterizada pelo incremento na incerteza quanto

agraves consequecircncias das atividades e tecnologias empregadas no processo eco-

nocircmico (ROCHA 2009)

A modernidade por assim dizer eacute mais uma das consequecircncias gera-

das pelo Iluminismo momento histoacuterico marcado pela Revoluccedilatildeo Francesa

acontecimento que causou transformaccedilotildees irreversiacuteveis agrave sociedade Pro-

clama-se a partir de entatildeo de forma mais incisiva o racionalismo o antropo-

centrismo claacutessico e o universalismo

Ilustra Touraine que esse periacuteodo remonta agrave concepccedilatildeo claacutessica da mo-

dernidade identificando-a com a racionalizaccedilatildeo O autor francecircs sugere

uma redefiniccedilatildeo da modernidade como a relaccedilatildeo entre a razatildeo e o sujeito

carregada de tensotildees assim como racionalizaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo ciecircncia e

liberdade (TOURAINE 1997)

A forma de pensar na modernidade eacute linear mediante antagonismos

como entre feio e o belo o falso e o verdadeiro o sim e o natildeo o simples e o

composto como ocorre no pensamento dialeacutetico (CIRNE-LIMA 2005)4 De

acordo com Hegel a afirmaccedilatildeo de algo da realidade se reveste como tese

No entanto haveraacute uma antiacutetese que mais do que negar enriquece a reali-

dade transformando-se em siacutentese (HEGEL 2001) Desta feita o pensamento

dialeacutetico e cartesiano proacuteprio do paradigma moderno acompanhou e influ-

enciou o ensino das Universidades

A primeira premissa do pensamento cartesiano eacute nunca aceitar algo

como verdadeiro ateacute analisar todas as possibilidades a fim de que natildeo exista

motivo para duvidar da alegaccedilatildeo O segundo passo eacute dividir os problemas e

analisaacute-los cuidadosamente com o intuito de melhor resolvecirc-los Em um ter-

ceiro momento devem-se reger os pensamentos comeccedilando do mais sim-

ples ou mais faacutecil de resolver para pouco a pouco chegar ao conhecimento

3 A teoria da sociedade de risco foi inicialmente fundamentada pelo socioacutelogo alematildeo Ul-

rick Beck com a publicaccedilatildeo da obra ldquoLa sociedad del riesgordquo em meados da deacutecada de

80 Segundo Beck a sociedade de risco ldquodesigna uma fase no desenvolvimento da socie-

dade moderna em que os riscos sociais poliacuteticos econocircmicos e individuais tendem cada

vez mais a escapar das instituiccedilotildees para o controle e a proteccedilatildeo da sociedade industrialrdquo

4 Sobre o tema eacute mister observar que ldquoAristoacuteteles dizia criticando Platatildeo que a Dialeacutetica

natildeo era o meacutetodo da Filosofia e sim tatildeo-somente um exerciacutecio intelectual para aguccedilar a

menterdquo A Dialeacutetica se mostra falha como filosofia por natildeo ter o caraacuteter cientiacutefico pois seus

pressupostos natildeo satildeo bem fundamentados apenas levados agrave ideia de um Absoluto

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

289

do mais difiacutecil Por uacuteltimo para garantir a veracidade do pesquisado criam-se

enumeraccedilotildees completas e revisotildees gerais para se ter a certeza de que nada

foi omitido (DESCARTES 2009)

Essas duas formas de pensar marcaram o pensamento moderno que

criou paradigmas cientiacuteficos ou seja modelos de pensamento que predomi-

naram durante um longo periacuteodo e serviram de norteadores para pesquisas

cuja soluccedilatildeo era limitada assim como o meacutetodo

Eacute exatamente desse fracasso que se considera ter nascido o atual mo-

mento da poacutes- -modernidade marcada por uma sociedade poacutes-industrial de

consumo assim como pelo risco e o excessivo individualismo do homem (GID-

DENS 1991)

Notadamente a sociedade poacutes-moderna produz riscos que podem ser

controlados e outros que escapam ou neutralizam os mecanismos de controle

tiacutepicos da sociedade industrial A sociedade de risco revela-se portanto

como um modelo teoacuterico que marca a crise da modernidade emergindo de

um periacuteodo poacutes-moderno na medida em que as ameaccedilas produzidas ao

longo da sociedade industrial comeccedilam a tomar forma (BELCHIOR 2011)

Caracteriza-se ademais a poacutes-modernidade pela liquidez dos concei-

tos Diz-se liacutequido aquilo que natildeo eacute soacutelido isto eacute o que natildeo se enquadra em

formas riacutegidas Ao contraacuterio trata-se de conceitos maleaacuteveis flexiacuteveis fluidos

Essa nova realidade reflete diretamente na vida do homem que sofre diante

da crise de valores da falta de referecircncia relatado por Bauman (1998)

Os pensadores da poacutes-modernidade como Popper que apresentam

teses para uma pesquisa entendem que ldquoo conhecimento natildeo comeccedila de

percepccedilotildees ou observaccedilotildees ou de coleccedilatildeo de fatos ou nuacutemeros poreacutem co-

meccedila mais propriamente de problemasrdquo (POPPER 2004)

Nesse sentido afirma que a ignoracircncia do homem eacute ilimitada e que o

conhecimento e a ignoracircncia natildeo satildeo contraacuterios como defendia Hegel

Ocorre que quanto mais se conhece mais caminhos surgem Ao se deparar

com um problema e achar uma soluccedilatildeo adequada natildeo significa o fim de um

ciclo pois a cada nova soluccedilatildeo haacute novos problemas surgindo a necessidade

de novas soluccedilotildees (POPPER 2004)

A complexidade tambeacutem se encontra no contexto poacutes-moderno cuja

origem deriva do latim complexus como uma ldquoaccedilatildeo de abraccedilar de rodar

abraccedilo aperto amplexo ligaccedilatildeo encadeamentordquo (CUNHA 2001) Eacute por-

tanto ldquogrupo ou conjunto de coisas fatos ou circunstacircncias que tecircm qualquer

ligaccedilatildeo ou nexo entre sirdquo (CUNHA 2001)

O pensar seraacute por intermeacutedio de uma complexidade na qual a percep-

ccedilatildeo e a descriccedilatildeo dos contextos em que o objeto de anaacutelise estaacute inserido

produziratildeo conhecimento que ajude a descrever muito mais que apenas pres-

crever Assim um comportamento mesmo ciente da interpretaccedilatildeo teleoloacute-

gica optaraacute pela racionalidade criacutetica pois ao utilizar um meio para alcan-

ccedilar um fim sabe que a finalidade pode ser transformada e sugere outro meio

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

290

Dessa maneira propotildee uma accedilatildeo humana ecoloacutegica em que eacute sabido

que todo ato encadearaacute em efeitos de consequecircncias natildeo previstas e algu-

mas vezes indesejados outras ateacute impiedosos Algumas dessas accedilotildees podem

ser revistas para mudar a finalidade do ato e evitar consequecircncias danosas

por um raciociacutenio criacutetico (MORIN 2000)

Falar em complexidade pode soar como um retrocesso ao pensa-

mento pois ela reintroduz a ideia da incerteza em um momento em que a

ciecircncia traz a loacutegica da certeza absoluta conquista realizada apoacutes grandes

revoluccedilotildees cientiacuteficas para abordar temas de forma cientiacutefica (MORIN 1986)

Contudo eacute preciso findar o absoluto pois o aspecto positivo e progressista da

complexidade eacute ter como ponto de partida um pensamento multidimensional

(MORIN 2000)

A forma de pensar complexo foi tolhida pelo sistema educativo ado-

tado que remota ao modelo do seacuteculo XIX Com o desenvolvimento da indus-

trializaccedilatildeo e a necessidade de se investir em conhecimentos especiacuteficos o

mundo passou a compreender que o homem deve capacitar-se em apenas

uma aacuterea O trabalhador deixou de conhecer todo o processo de produccedilatildeo

e se especializou em apenas uma parte

O sistema de ensino atendeu agrave demanda poliacutetico-econocircmica e profissi-

onalizou seus alunos em conhecedores de uma soacute aacuterea Houve a necessidade

de desaprender o sistema complexo para aprender os elementos que o cons-

tituem sem a percepccedilatildeo do todo

O fato eacute que a educaccedilatildeo do seacuteculo XXI natildeo acompanhou as mudan-

ccedilas e permanece no passado educa-se para uma simplificaccedilatildeo e comparti-

mentalizaccedilatildeo dos conhecimentos de forma individualizada

O erro e a ilusatildeo assombram o ser humano desde a origem do homem

racional seu passado eacute marcado por erros e ilusotildees Haacute um conflito do ser com

o dever ser do que se pode ser com o que se quer ser a busca por uma uto-

pia a realizaccedilatildeo de um sonho o imaginar o imaginaacuterio o visualizar o impossiacute-

vel e nessa tentativa incansaacutevel de elaboraccedilatildeo de falsas concepccedilotildees sobre

si eacute que o homem natildeo consegue fugir do erro

Pensar uma educaccedilatildeo baseada na complexidade eacute visualizar um co-

nhecimento ameaccedilado pelo erro e pela ilusatildeo Portanto deve-se pensar em

um novo sistema educacional uma nova ciecircncia desenvolver o conheci-

mento cientiacutefico pautado em uma ordem complexa Ainda sobre o tema ma-

nifesta-se Morin

O desenvolvimento do conhecimento cientiacutefico eacute poderoso meio de

detecccedilatildeo dos erros e de luta contra ilusotildees Entretanto os paradig-

mas que controlam a ciecircncia podem desenvolver ilusotildees e nenhuma

teoria cientiacutefica estaacute imune para sempre contra o erro Aleacutem disso o

conhecimento cientiacutefico natildeo pode tratar sozinho dos problemas epis-

temoloacutegicos filosoacuteficos e eacuteticos (MORIN 2003)

Trabalhar com a ideia de uma verdade absoluta ou pautada em para-

digmas com o objetivo de elaborar um conhecimento cientiacutefico eacute criar falsas

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

291

conclusotildees sobre a pesquisa pois o meio utilizado para o fim limita o senso

criacutetico e as possibilidades de conclusotildees do pesquisador Portanto ldquoa educa-

ccedilatildeo deve-se dedicar por conseguinte agrave identificaccedilatildeo da origem de erros

ilusotildees e cegueirasrdquo (MORIN 2003)

O pensamento complexo segundo Edgar Morin pode ser apresentado

por sete princiacutepios basilares agrave sua formaccedilatildeo (MORIN MOIGNE 2000)

O primeiro eacute o princiacutepio sistecircmico ou organizacional que une o conheci-

mento individualizado ao conhecimento complexo eacute a junccedilatildeo da parte ao

todo Sua fundamentaccedilatildeo maior eacute baseada na ideia de que eacute insuficiente

conhecer o todo sem conhecer a parte e que de nada vale conhecer a parte

sem conhecer o todo

Eacute nesse ponto que se percebe a importacircncia dentro do ensino juriacutedico

de se aprofundar nos conhecimentos da Neuropsicologia pois natildeo eacute possiacutevel

regular a conduta humana sem conhececirc-la

Como princiacutepio segundo tem-se o hologramaacutetico ao se defender que

assim como a parte estaacute no todo o todo se encontra na parte havendo uma

interdependecircncia de funcionalidade pois um locupleta o outro natildeo haacute como

dissociaacute-los

O corpo humano natildeo eacute soacute mateacuteria haacute mente e consciecircncia tambeacutem

o material e o imaterial dissociaacute-los eacute reduzir o ser e ao fazecirc-lo a chances de

erros aumentam O Direito eacute positivo uma ciecircncia social com caracteriacutesticas

de exata A Neuropsicologia eacute subjetiva flexiacutevel e mutaacutevel por isso natildeo pode

ser dissociada do ensino juriacutedico

O terceiro eacute o princiacutepio do ciacuterculo retroativo que rompe com o pensa-

mento da causalidade linear em que a causa age sobre o efeito e este sobre

aquele Eacute o conhecimento de um processo autorregulador ou seja um sis-

tema complexo e ciacuteclico em que haacute uma manutenccedilatildeo automaacutetica adapta-

tiva Nele agrave medida que o operador do direito conhece mais sobre o com-

portamento humano mais preparado estaacute para regulaacute-lo quanto mais efici-

ente sua regulamentaccedilatildeo menos equiacutevocos teremos por atraso normativo

O princiacutepio do ciacuterculo recursivo apresenta-se como o quarto sustentado

por Morin Afirma o socioacutelogo que por meio deste desprende-se da ideia de

regulagem para a de auto- -organizaccedilatildeo Aqui eacute um sistema em que o pro-

duto e o efeito satildeo os proacuteprios produtores e causadores daquilo que os produz

Percebe-se mais uma vez o quanto a regulamentaccedilatildeo da conduta humana

natildeo pode ser feita sem entendecirc-la antes

O quinto eacute o princiacutepio da autoeco-organizaccedilatildeo autonomia e depen-

decircncia os seres vivos satildeo auto-organizadores e se autoproduzem de forma

autocircnoma No entanto dependem de outros seres e do meio em que vivem

Segundo o autor a relaccedilatildeo com o meio ambiente eacute de autonomia e de de-

pendecircncia estando inserido na ideia de um direitodever ao meio ambiente

equilibrado pois ao mesmo tempo em que ele eacute de todos natildeo pertence a

ningueacutem Os seres vivos compotildeem-no mas precisam dele para existir

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

292

O sexto (e penuacuteltimo) eacute o princiacutepio dialoacutegico que realiza um paralelo

entre a ordem a desordem e a organizaccedilatildeo A ordem e a desordem (MORIN

KERN 1995)5 satildeo princiacutepios interligados desde a origem do universo Tudo

nasce de uma desordem para entatildeo ingressar em um processo de ordem

para finalmente organizar-se Haacute uma associaccedilatildeo das accedilotildees contraditoacuterias

na busca de um fenocircmeno complexo

A conduta humana eacute por vezes imprevisiacutevel outras totalmente previsiacute-

vel O Ensino Juriacutedico gosta de ordem a Neuropsicologia parte da desordem

Uma ciecircncia milenar ordenada e outra que natildeo possui um seacuteculo sequer or-

ganizando sua desordem Uma velha ciecircncia com uma nova Combinaccedilatildeo

perfeita de troca de experiecircncias sobre o conhecimento social e humano

Por fim o seacutetimo trata do princiacutepio da reintroduccedilatildeo do conhecimento

em si mesmo fazendo uma reestruturaccedilatildeo do homem quando busca renovar

o sujeito e trazer agrave tona a problemaacutetica cognitiva central Haacute um envolvimento

da percepccedilatildeo com a teoria cientiacutefica ocasiatildeo em que todo o conhecimento

eacute uma traduccedilatildeo de um ceacuterebro inserido em uma cultura e em um determi-

nado tempo

As ciecircncias tornaram-se disciplinares fragmentaram o conhecimento e

a natureza o encontro da Neuropsicologia com o Ensino Juriacutedico eacute uma opor-

tunidade de liberaacute-lo das gaiolas disciplinares de reconectaacute-lo com a essecircn-

cia humana para que se renove e una novamente o conhecimento

Como se vecirc os referidos princiacutepios regem segundo a liccedilatildeo de Morin a

loacutegica do pensamento complexo que transcende as variadas formas do pen-

sar e quebra paradigmas cientiacuteficos Elimina as certezas pelas incertezas ha-

vendo uma marcha entre esta e aquela Existe uma linha tecircnue entre o ele-

mentar e o global entre o separaacutevel e o inseparaacutevel

Portanto pensar complexo eacute abandonar o pensamento linear pautado

no paradigma moderno e nas certezas cientiacuteficas passando a entender o

mundo sob uma visatildeo global natildeo uniforme e liacutequido eacute perceber que natildeo se

pode afirmar nada com certeza e que o pensamento cientiacutefico deve estar

sempre acessiacutevel a novas perspectivas

Incluir os novos conhecimentos da Neuropsicologia ao ensino juriacutedico eacute

considerar o desconhecido questionar as verdades enraizadas nos dispositi-

vos normativos unificar o conhecimento e transcender a Ciecircncia do Direito

Por esse motivo compreender sua historicidade contribuiraacute para entender

quais pontos de conexatildeo com a Neuropsicologia

5 Para Morin ldquotoda transformaccedilatildeo eacute desorganizadorareorganizadora Ela decompotildee anti-

gas estruturas para constituir novasrdquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

293

193 ENSINO JURIacuteDICO

DA LINEARIDADE Agrave COMPLEXIDADE

Uma vez discutidas as caracteriacutesticas gerais acerca da complexidade

resta analisar como essa nova forma de pensar influenciou (e influecircncia) o en-

sino juriacutedico no mundo e particularmente no Brasil

1931 Ensino juriacutedico no mundo

A Universidade surge no seacuteculo XII no periacuteodo da Idade Meacutedia e cria

uma identificaccedilatildeo com a sociedade e a cultura da eacutepoca passando a repre-

sentar em pouco tempo o pensamento medieval aristoteacutelico-tomista Essa vi-

satildeo complementar entre o grego e o medieval aderiu a produccedilatildeo de certezas

para o mundo e que a partir o papel do cientista seria comtemplar a ordem

tanto coacutesmica quanto divina A partir disso questionamentos e duacutevidas pas-

saram a ser barradas e contornadas pelos pensadores da eacutepoca

Antes de terminada a Era Medieval essa instituiccedilatildeo passa por uma crise

e entra em decadecircncia por causa de um congelamento de pensamentos

valores e ideais tradicionais da eacutepoca que natildeo se adaptaram ao novo espiacuterito

trazido pelo Renascimento e pelo Humanismo nos seacuteculos XVI e XVII que trou-

xeram duacutevidas e incertezas para questionamentos gregos e medievais (SUCU-

PIRA 1972)

No seacuteculo XVIII o pensamento Iluminista prevalece e propotildee a extinccedilatildeo

das universidades com o argumento de que eram resquiacutecios de uma obsoleta

cultura medieval e sugere a criaccedilatildeo de escolas especializadas com capaci-

taccedilatildeo profissional e acadecircmica voltadas agrave pesquisa e ao desenvolvimento

de uma cultura elevada Essa ideia foi abraccedilada pela Revoluccedilatildeo Francesa e

pelas posteriores mudanccedilas no Ensino Superior realizadas por Napoleatildeo (SU-

CUPIRA 1972)

Hoje vaacuterios paiacuteses adotam o sistema educacional de ensino superior tra-

zido pelos iluministas mesmo reconhecendo o importante valor das Universi-

dades na formaccedilatildeo do saber

No seacuteculo XIX na Alemanha a universidade desperta para a realidade

intelectual e passa a ser o grande centro de pesquisa cientiacutefica Contudo

continua a ser seletiva social e intelectual uma vez que eacute endereccedilada ape-

nas a um grupo da elite

Pouco depois na Franccedila as universidades buscaram a formaccedilatildeo de

profissionais que formassem a elite da sociedade como meacutedicos juristas e pro-

fessores

Referido seacuteculo eacute marcado tambeacutem pela industrializaccedilatildeo nas palavras

de Sucupira

Em 1862 o Morril Act ao instituir os Land Grant Golleges lanccedila as ba-

ses da universidade moderna de massas destinada tambeacutem ao trei-

namento de agricultores mecacircnicos comerciantes que constituem ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

294

na linguagem da lei as classes industriais enfim toda uma gama va-

riada de teacutecnicos exigidos pelo raacutepido desenvolvimento industrial Era

a primeira tentativa de se dar formaccedilatildeo universitaacuteria aos mais diver-

sos tipos de profissotildees (SUCUPIRA 1972)

Desde entatildeo as Universidades agregam novos valores e buscam ade-

quar-se agrave realidade proposta pela sociedade Passam a dar formaccedilatildeo teacutec-

nica cientiacutefica e humana para que se possa atender a uma demanda de um

mundo globalizado e ateacute mesmo complexo

1932 Ensino juriacutedico no Brasil

Dentro do contexto brasileiro eacute importante destacar que a criaccedilatildeo de

uma universidade no Brasil natildeo seguiu os padrotildees da Ameacuterica Latina pois du-

rante o seacuteculo XVI os espanhoacuteis criaram as instituiccedilotildees em suas colocircnias na

Ameacuterica contudo eram de cunho religioso Soacute foi possiacutevel implementar uma

instituiccedilatildeo de Ensino Superior no Brasil no iniacutecio do seacuteculo XIX que era voltada

apenas para a elite portuguesa residente na colocircnia poder se graduar sem

ter que se deslocar a Portugal (SOARES 2002)

Na Colocircnia o ensino formal era feito pelos jesuiacutetas cuja dedicaccedilatildeo era

dada agrave cristianizaccedilatildeo dos iacutendios e dos escravos mas abraccedilava o clero para

que pudesse ter uma formaccedilatildeo baacutesica para enfrentar a seleccedilatildeo para a Uni-

versidade de Coimbra uma vez que no Brasil natildeo havia Universidade No en-

tanto era de suma importacircncia para a elite o tiacutetulo de doutor aleacutem do acesso

ao conhecimento para continuar no topo da piracircmide societaacuteria

Para Teixeira esta foi a primeira universidade brasileira haja vista que

nela eram ofertados os cursos de Teologia Direito Canocircnico Direito Civil Me-

dicina e Filosofia Os alunos brasileiros que estudavam em Portugal eram con-

siderados portugueses nascidos no Brasil e podiam ateacute se tornar professores da

Universidade (TEIXEIRA 1989)

O ano de 1808 marca a vinda da Famiacutelia Real ao Brasil A viagem se deu

por receio da realeza com as invasotildees napoleocircnicas a Portugal por isso ten-

taram se firmar em sua colocircnia O porto seguro firmou-se em Salvador que

sediou os cursos de Cirurgia Anatomia e Obstetriacutecia Contudo com a mu-

danccedila de sede da Coroa Portuguesa para o Rio de Janeiro formou-se a Es-

cola de Cirurgia Academias Militares e a Escola de Belas Artes

Desde a colonizaccedilatildeo do paiacutes a educaccedilatildeo religiosa foi largamente utili-

zada como difusora do ensino da religiatildeo e da cultura local por meio do

acordo de padroado feito com a metroacutepole portuguesa Com a queda da

Monarquia em 1889 e a mudanccedila da Constituiccedilatildeo Republicana uma parcela

da Igreja perde o seu poder com o final do acordo do padroado

No seacuteculo XX a fundaccedilatildeo do partido comunista brasileiro em 1922

marca um surgimento da ideologia de Karl Marx em terras brasileiras Mesmo

seguindo as diretrizes internacionais do partido os comunistas locais chega-

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

295

ram agrave conclusatildeo de que o Estado brasileiro natildeo precisaria ser superado na-

quele momento e que o governo deveria investir em educaccedilatildeo para diminuir

conflitos de classe e fortalecer as minorias

Aleacutem disso no mesmo seacuteculo adeptos da Pedagogia Normal de John

Dewey ganham adeptos no Brasil e passam a difundir as suas ideias Simpati-

zantes como Aniacutesio Teixeira acreditavam que a funccedilatildeo da educaccedilatildeo era ex-

clusivamente teacutecnica para preparar os jovens para o mercado de trabalho

Com representantes dessas trecircs ideologias pedagoacutegicas religiosa co-

munista e teacutecnica em 1930 eacute fundado o Ministeacuterio da Educaccedilatildeo com a pre-

missa de difundir o ensino e acabar com os grandes iacutendices de analfabetismo

nacional A educaccedilatildeo brasileira funda-se orientada por essas diretrizes edu-

cacionais que representavam o contexto social poliacutetico e econocircmico da

eacutepoca

Em 1822 o Brasil ganha sua independecircncia e em 1827 satildeo criados dois

cursos de Direito um em Olinda e outro em Satildeo Paulo Medicina Direito e Po-

liteacutecnica as primeiras faculdades brasileiras eram localizadas em cidades de

referecircncia e eram independentes umas das outras no entanto mantinham a

caracteriacutestica elitista (SOARES 2002)

O advento do Curso de Direito no Brasil possibilitou o surgimento de uma

elite pensante em um periacuteodo bacharelista pois o tiacutetulo de doutor impressio-

nava a populaccedilatildeo carente de educaccedilatildeo

O contexto era de exclusatildeo social de um pensamento conservador que

excluiacutea o exerciacutecio da cidadania do povo brasileiro sem que ele pudesse con-

tribuir para o desenvolvimento poliacutetico e juriacutedico do paiacutes Contudo nesse periacute-

odo foi desenvolvida a primeira Carta Poliacutetica a Constituiccedilatildeo do Impeacuterio tra-

balho realizado pelos bachareacuteis da eacutepoca

O Brasil teve grandes juristas que contribuiacuteram significativamente para o

desenvolvimento do pensamento juriacutedico Por influecircncia alematilde surge um pen-

samento evolucionista e histoacuterico-socioloacutegico (GONZAacuteLEZ et al 2011)6

Como se vecirc o ensino juriacutedico eacute uma arma transformadora que depende

do ideal que o norteia por isso eacute de fundamental importacircncia para a socie-

dade e para o desenvolvimento do Estado A forma de pensamento adotada

influencia o ensino juriacutedico

Se hoje haacute uma transformaccedilatildeo para a complexidade como discutido

anteriormente por conseguinte o ensino juriacutedico tambeacutem deve ser complexo

E quando se trata de conduta humana a complexidade se faz ainda mais

6 Nesse sentido afirma Gonzalez ldquoEsse movimento culturalista inaugurado por Tobias Bar-

reto e enriquecido pela contribuiccedilatildeo de toda uma geraccedilatildeo de juristas como Siacutelvio Romero

Vitoriano Palhares Martins Junior Artur Orlando e Clovis Bevilacqua entre outros represen-

tou um marco significativo para a histoacuteria do Direito brasileiro por constituir-se num primeiro

movimento genuinamente nacional de criaccedilatildeo de novas concepccedilotildees do pensamento

juriacutedico-filosoacutefico ao mesmo tempo em que combatia ideacuteias e instituiccedilotildees retroacutegradas e

conservadoras como a escravidatildeo e a monarquia desencadeando lutas em defesa de

direitos individuais de liberdades puacuteblicas e da causa abolicionista e republicanardquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

296

evidente e emergencial por isso torna-se tatildeo importante a contribuiccedilatildeo da

Neuropsicologia ao passo que mudanccedilas sociais satildeo cada vez mais constan-

tes e por gerarem tendecircncias influenciam na accedilatildeo humana eis um dos mo-

tivos basilares que conectam essas duas ciecircncias

194 ENSINO JURIacuteDICO E NEUROPSICOLOGIA

UMA PERSPECTIVA COMPLEXA

Eacute crescente no Brasil os estudos em Neuropsicologia com diversos pro-

fissionais buscando estabelecer novos conhecimentos teoacutericos e praacuteticos

quanto a sua abordagem no mercado nacional No entanto haacute uma intensa

discussatildeo a respeito dos profissionais que podem atuar na aacuterea e os meacutetodos

de avaliaccedilatildeo neuropsicoloacutegica que satildeo regidos pela Resoluccedilatildeo do Conselho

Federal de Psicologia - CFP Brasil 022003

A Neuropsicologia faz parte das Neurociecircncias e vem ganhando cada

vez mais destaque sendo uma aacuterea de atuaccedilatildeo no estudo e na compreen-

satildeo do ceacuterebro e das funccedilotildees cognitivas na perspectiva de caraacuteter bioloacutegico

(RODRIGUES 1993)

A partir dessa concepccedilatildeo pode ser entendida como uma ciecircncia que

analisa de forma neurocientiacutefica e psicoloacutegica a conduta humana com des-

taque aos processos mentais e o funcionamento cerebral no qual se repousa

em uma perspectiva interdisciplinar e por esse motivo necessita de uma

abordagem multiprofissional (SERON 1982)

A abordagem da Neuropsicologia vai aleacutem pela caracteriacutestica de sua

origem ao tomar como base para a anaacutelise neuropsicoloacutegica as expressotildees

comportamentais emocionais e sociais do ser humano quando haacute alguma

modificaccedilatildeo de ordem neuroloacutegica que altere essas funccedilotildees ou seja as dis-

funccedilotildees cerebrais (LEZAK 1995)

A origem da Neuropsicologia se deu com as pesquisas de trecircs profissio-

nais Andreacute Ombredane psicoacutelogo Theacuteophile Alajouanine neurologista e

Marguerite Duran uma linguista eles trouxeram o formato ao qual se utiliza

hoje que emana de 1932 No entanto o termo foi utilizado primariamente em

1913 por William Osler neurologista (HAASE et al 2012) Foi desenvolvida pelo

russo Alexander Luria psicoacutelogo com o livro ldquoA Construccedilatildeo da Menterdquo no

qual se dedicou aos aspectos neuropsicoloacutegicos do ser humano (LURIA 1992)

Nesse sentir a Neuropsicologia eacute uma aacuterea das neurociecircncias que re-

cebe a contribuiccedilatildeo de diversas aacutereas do conhecimento como a Psicologia

Neurologia Psiquiatria e outras aacutereas da Medicina Linguiacutestica Psicolinguiacutes-

tica Neurolinguiacutestica Fonoaudiologia Terapia Ocupacional Fisioterapia Far-

macologia Biologia Educaccedilatildeo entre outras

Sendo assim faz-se mister uma simbiose entre o Direito e a Neuropsico-

logia jaacute que ldquoo profissional em neuropsicologia portanto realiza uma revisatildeo

dos conhecimentos seleciona- -os e utiliza-os em funccedilatildeo de seu objetivo

compreender a relaccedilatildeo entre ceacuterebro e funccedilotildees mentaiscognitivasrdquo (HAASE

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

297

et al 2012) Nesse sentido uma parte da Neuropsicologia avalia de forma neu-

rocientiacutefica o comportamento humano enquanto o Direito regula a conduta

humana

Dessa forma ldquoa neuropsicologia eacute um campo do conhecimento inte-

ressado em estabelecer as relaccedilotildees existentes entre o funcionamento do sis-

tema nervoso central (SNC) por um lado e as funccedilotildees cognitivas e o compor-

tamento por outro tanto nas condiccedilotildees normais quanto patoloacutegicasrdquo (FUEN-

TES et al 2014) o que demonstra a relaccedilatildeo complexa entre as duas aacutereas do

conhecimento

A neuropsicologia supera conceitos antigos e passa a conceber a

mente humana como uma atividade complexa (DAMASCENO 2007) e por-

tanto compreende-se como um pensamento multidimensional Assim ldquoo co-

nhecimento dos distuacuterbios provocados por lesotildees do ceacuterebro possibilita o le-

vantamento de hipoacuteteses sobre o funcionamento do ceacuterebro normalrdquo (GIL

2014) o que concede ao profissional do Direito o acesso a um conhecimento

diferenciado sobre o comportamento humano

Como nos diz Serafim Saffi e Rigonatti (2010) a neuropsicologia pode

atraveacutes dos seus instrumentos de avaliaccedilatildeo colaborar no entendimento da

conduta humana seja delituosa ou natildeo considerando-se a participaccedilatildeo das

esferas bioloacutegica psiacutequica e sociocultural como moduladores do comporta-

mento A partir dessa diretriz podemos destacar a potencial contribuiccedilatildeo que

pode ser disponibilizada agrave aacuterea do Direito pela Neuropsicologia tanto no en-

tendimento dos processos cognitivos que subsidiam a conduta do indiviacuteduo

como na investigaccedilatildeo decorrente de processos judiciais

A compreensatildeo de que o comportamento humano eacute regido pelo ceacutere-

bro requer uma anaacutelise mais detalhada sobre o assunto ao criar editar ela-

borar e interpretar normas de controle da accedilatildeo humana Eacute interessante per-

ceber por exemplo que alteraccedilotildees no enceacutefalo principalmente na regiatildeo

do lobo frontal satildeo mais predominantes em criminosos do que em natildeo-crimi-

nosos e ainda mais elevado ao se comparar os criminosos violentos com os

natildeo- violentos (VOLAVKA 1998) Isso seria passiacutevel de questionar princiacutepios do

Coacutedigo Penal sobre a ressocializaccedilatildeo do apenado Apenas avaliaccedilotildees psico-

loacutegicas satildeo suficientes para a averiguaccedilatildeo da possibilidade de retorno agrave vida

em sociedade

Casos de repercussatildeo nacional no Brasil como Fernandinho Beira-mar

narco-traficante condenado por diversos crimes Champinha condenado

por sequestrar e torturar um casal crime marcado com requintes de cruel-

dade cometidos ainda enquanto menor de idade Alexandre Nardoni con-

denado por matar a proacutepria filha Suzane Von Richthofen condenada pelo

assassinato dos pais nos alerta sobre a eficiecircncia de ressocializaccedilatildeo

Casos envolvendo crimes hediondos possuem uma conexatildeo com a psi-

cologia pois eacute uma aacuterea que fascina muitas pessoas e eacute alvo de vaacuterias pro-

duccedilotildees cinematograacuteficas mas existem outras aacutereas que ainda satildeo pouco ex-

ploradas como o surgimento de novas ferramentas sociais

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

298

Novas plataformas geradoras de conteuacutedo como redes sociais e strea-

mings criam conteuacutedos cuja produccedilatildeo possui objetivo claro prender a aten-

ccedilatildeo do espectador Para isso grandes produtoras incorporam em seu quadro

de funcionaacuterios profissionais da aacuterea da sauacutede mental como Neurologistas e

Psicoacutelogos com o intuito de averiguar se o produto que seraacute lanccedilado iraacute atrair

o puacuteblico

Um exemplo disso estaacute nas produccedilotildees infantis os desenhos satildeo feitos

com caracteriacutesticas fiacutesicas audiovisuais linguiacutesticas de modo a encantar a cri-

anccedila para um comportamento mais consumista A induacutestria vale-se do conhe-

cimento da mente humana para lucrar (ABRIN 2020) mas pode deixar danos

na sociedade como crianccedilas com comportamentos compulsivos

Essa questatildeo natildeo eacute nenhuma novidade em nossa sociedade o ganha-

dor do Nobel de economia Herbert Simon alertou o mundo sobre os avanccedilos

informacionais ainda em 1977 que ldquoo que a informaccedilatildeo consome eacute a aten-

ccedilatildeo de quem a recebe Eis o porquecirc a riqueza de informaccedilotildees cria a pobreza

de atenccedilatildeordquo (GOLEMAN 2014 p17)

Percebe-se portanto que a induacutestria estaacute bem amparada pelos novos

conhecimentos da neurociecircncia sobre o comportamento humano e se bene-

ficia disso mas infelizmente a legislaccedilatildeo natildeo acompanha essa evoluccedilatildeo

econocircmica e social o que permite que se ganhe dinheiro ao custo da sauacutede

mental das crianccedilas A legislaccedilatildeo brasileira eacute bem protetora delas no entanto

natildeo consegue blindaacute-la dos viacutedeos do YouTube e do Instagram por exemplo

que criam conteuacutedos especiacuteficos para esse puacuteblico e faturam milhotildees

A Resoluccedilatildeo nordm 5 do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo instituiu diretrizes

para a graduaccedilatildeo em Direito no qual evidencia que o Ensino Juriacutedico deveraacute

estar atento agraves mudanccedilas socias econocircmicas e poliacuteticas para uma melhor

preparaccedilatildeo do operador do direito e deveraacute se utilizar da transdisciplinari-

dade para alcanccedilar tal objetivo

Evidencia-se dessa forma o quanto a Neuropsicologia tem a contribuir

com o Ensino Juriacutedico agrave medida que existem condutas danosas ao ser hu-

mano inclusive agravequeles mais protegidos pela legislaccedilatildeo a crianccedila cuja accedilatildeo

natildeo eacute estudada pesquisada na aacuterea juriacutedica quanto mais normatizada Exis-

tem vaacuterios tipos de dano o fiacutesico o moral e o psicoloacutegico este eacute mais perce-

bido em relacionamentos na Lei Maria da Penha ou em casos de Alienaccedilatildeo

Parental por exemplo mas onde se enquadram os danos causados por pla-

taformas de redes socias e streamings que criam conteuacutedos com objetivos

claros de lucro deixando danos comportamentais graves

No entanto esta eacute tatildeo somente uma das possibilidades de estudo e

aprofundamento da relaccedilatildeo entre a Neuropsicologia e o Ensino Juriacutedico po-

dendo-se estender a aplicaccedilatildeo da neuropsicologia muito aleacutem da vara crimi-

nal englobando igualmente a vara ciacutevel e a trabalhista

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

299

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O Direito remonta ao princiacutepio da uniatildeo humana ganha grande desta-

que na Greacutecia Antiga no entanto Universidades surgem no periacuteodo medieval

e evoluem de acordo com o pensamento de sua eacutepoca assim passa pelo

Renascimento Iluminismo ateacute que somente no seacuteculo XIX chega ao Brasil

como forma de elitizar uma parte dos portugueses vindos para colonizar

Eacute notoacuterio que o Brasil eacute atrasado educacionalmente como se percebe

pela idade de suas universidades comparada agraves da Europa por exemplo As-

sim a Neuropsicologia surge de um neurologista de um psicoacutelogo e de uma

linguista no entanto no Brasil eacute atividade exclusiva dos psicoacutelogos e recente-

mente dos fonoaudioacutelogos Contudo sua origem eacute interdisciplinar e multipro-

fissional

O Direito foi criado para regular a conduta do ser humano em socie-

dade para que houvesse respeito e harmonia mas a grande dificuldade da

ciecircncia eacute como regular comportamentos de pessoas diferentes com gostos

valores e culturas variadas Como criar regras gerais para pessoas diferentes

Dessa dificuldade nasce a necessidade de uma anaacutelise complexa sobre a cri-

accedilatildeo elaboraccedilatildeo positivaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo de normas

No mesmo sentido a Neuropsicologia tem vaacuterios objetivos mas o princi-

pal eacute analisar o comportamento humano nos seus fundamentos neuroloacutegicos

assim como estudar as disfunccedilotildees cerebrais contribuindo para esclarecer o

funcionamento normal do ceacuterebro Destarte faz-se necessaacuteria a contribuiccedilatildeo

de diversos profissionais para cooperar e compreender mais sobre a comple-

xidade do ceacuterebro humano e sua implicaccedilatildeo na accedilatildeo

A Teoria da Complexidade de Morin eacute fundamental para um olhar mais

amplo sobre o Ensino Juriacutedico e a Neuropsicologia bem como relevante para

a uniatildeo das duas ciecircncias

O Direito Penal jaacute se beneficiou muitas vezes dos conhecimentos da neu-

ropsicologia em anaacutelises de casos de repercussatildeo nacional e de visibilidade

midiaacutetica pois atrai a atenccedilatildeo do puacuteblico entatildeo a curiosidade sobre o perfil

dos assassinos trouxe interesse no estudo da mente humana Contudo essa eacute

apenas uma aacuterea do ensino juriacutedico existem carecircncias nas demais que natildeo

receacutem tal visibilidade ou atraccedilatildeo das pessoas

Exemplo disso eacute o crescimento de plataformas em redes sociais e strea-

mings que investem em pesquisas sobre o comportamento humano para criar

produtos mais vendaacuteveis mesmo que isso signifique trazer prejuiacutezos cognitivos

agrave populaccedilatildeo em especial agraves crianccedilas

Como o Ensino Juriacutedico natildeo estaacute abraccedilado com a Neuropsicologia mas

a induacutestria estaacute a batalha fica desigual Produtos satildeo criados comportamen-

tos satildeo moldados problemas cognitivos satildeo criados e natildeo haacute nenhum tipo de

regulamentaccedilatildeo para esse segmento Eacute importante um acompanhamento

desses casos pelos operadores do direito pois disfunccedilotildees neuroloacutegicas em ex-

cesso na populaccedilatildeo teratildeo efeitos sociais econocircmicos e poliacuteticos Dentre eles

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

300

eacute possiacutevel aumento no suiciacutedio em casos de depressatildeo e ansiedade o que

atrapalha nas funccedilotildees estudantis laborativas econocircmicas e sociais nos cus-

tos da sauacutede puacuteblica em divoacutercios e relaccedilotildees parentais mais conflituosas no

deacuteficit previdenciaacuterio entre outros fatores

A relaccedilatildeo do crescimento de disfunccedilotildees neuroloacutegicas em decorrecircncia

de influecircncia do mundo da induacutestria pode ser bem danosa agrave sociedade o

que requer mais atenccedilatildeo e mais investimento em pesquisas para por meio de

uma transdisciplinaridade e da complexidade interligar os conhecimentos da

Neuropsicologia com o Ensino Juriacutedico

Dessa forma torna-se evidente a necessidade de estudos e pesquisas

pelo profissional do Direito no campo da Neuropsicologia jaacute que ela pode

disponibilizar informaccedilotildees que esclarecem e auxiliam na compreensatildeo do

comportamento humano

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MORIN Edgar MOIGNE Jean-Louis Le A Inteligecircncia da Complexidade Satildeo Paulo

Peiroacutepolis 2000

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

302

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231 1998

303

EDUCACcedilAtildeO REMOTA EM TEMPOS DE

PANDEMIA E POacuteS-PANDEMIA

os desafios do ensino

juriacutedico brasileiro

Francisco Helio da Silva Loiola1

Letiacutecia de Faacutetima Libeacuterio da Silva2

Nayane Gonccedilalves dos Santos Duarte 3

SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 201 Os reflexos da pandemia do covid-19 na

educaccedilatildeo 202 Ensino juriacutedico remoto emergencial 203 Os desafios

do ensino juriacutedico na utilizaccedilatildeo da educaccedilatildeo remota Considera-

ccedilotildees finais Referecircncias

INTRODUCcedilAtildeO

O presente artigo versaraacute sobre a educaccedilatildeo remota em tempos de

pandemia como a doenccedila se alastrou na sociedade e como a populaccedilatildeo

se adaptou para essa nova realidade demonstrando assim de que forma

seraacute continuado em uma poacutes-pandemia de modo que seratildeo considerados os

possiacuteveis desafios enfrentados pelo ensino juriacutedico brasileiro

A pesquisa eacute importante para solucionar problemas advindos da inevi-

taacutevel propagaccedilatildeo do viacuterus no mundo sendo importante destacar que a hu-

manidade percorre uma das maiores crises da histoacuteria Ora trata-se de uma

doenccedila infecciosa tambeacutem chamada de SARS-CoV-2 causada pelo corona-

viacuterus que tem assolado aos seres humanos

1 Graduando em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7) Monitor de herme-

necircutica juriacutedica Integrante do grupo de pesquisa Ecomplex Direito Complexidade e Meio

Ambiente da UNI7 Graduado em eletroteacutecnica sendo operador de subestaccedilotildees em sis-

tema de redes energizadas com ecircnfase em sistemas eleacutetricos de potecircncia (Metrofor)

E-mail helio227hotmailcom

2 Graduanda em Direito pelo Centro Universitaacuterio 7 de Setembro (UNI7) Integrante do grupo

de pesquisa Ecomplex Direito Complexidade e Meio Ambiente da UNI7

E-mail leticialiberiohotmailcom

3 Mestranda em Direito Constitucional com ecircnfase nas relaccedilotildees privados pela UNI7 Especi-

alista em Direito Constitucional Especialista em Direito e Processo trabalhista Graduada

em Direito pela Universidade de Fortaleza (2012) Juiacuteza leiga de 2017 a 2019 - Tribunal de

Justiccedila do Estado do Cearaacute Conciliadora e mediadora judicial - CNJ Advogada Inte-

grante do Grupo de Pesquisa Ecomplex Direito Complexidade e Meio Ambiente da UNI7

E-mail advnayanehotmailcom

20

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

304

Assim o que se busca no presente artigo eacute indagar quais os desafios do

ensino remoto emergencial durante a pandemia do COVID-19 e seus reflexos

no campo da educaccedilatildeo

O trabalho estaacute dividido em trecircs partes aleacutem da introduccedilatildeo e conclu-

satildeo No primeiro toacutepico seratildeo pontuados os reflexos da pandemia do COVID-

19 na educaccedilatildeo brasileira seu contexto histoacuterico de surgimento principais ca-

racteriacutesticas da enfermidade como se alastrou e possiacuteveis prevenccedilotildees implan-

tadas pelo poder publicam para conter a doenccedila

Por segundo seratildeo abordadas as necessidades de aprofundamento ci-

entiacutefico sobre a moleacutestia os impactos desafios e perspectivas do ensino juriacute-

dico brasileiro diante a crise sanitaacuteria sendo necessaacuterio compreender as mu-

danccedilas nesta vertente de educaccedilatildeo bem como diferenciar o ensino remoto

emergencial (ERE) do ensino a distacircncia (EAD)

Em terceiro momento evidencia-se portanto que o ensino juriacutedico jaacute

caminhava com prazo para modificaccedilotildees de categorias presenciais para dis-

tacircncia com um novo sistema de ensino do seacuteculo tecnoloacutegico o Ministeacuterio da

Educaccedilatildeo (MEC) por Eg delimitou que 2020 seria o periacuteodo limite para ade-

quaccedilatildeo total das faculdades nos moldes estabelecidos pela norma Entre-

tanto em marccedilo do mesmo ano a pandemia do COVID-19 veio antecipar as

mudanccedilas

No tocante agrave metodologia a pesquisa foi realizada de natureza quali-

tativa teoacuterica bibliograacutefica descritiva e explicativa de material bibliograacutefico

e documental por meacutetodo indutivo permitindo que se analise o objeto para

tirar conclusotildees gerais ou universais bem como meacutetodo histoacuterico

201 OS REFLEXOS DA PANDEMIA DO COVID-19 NA EDUCACcedilAtildeO

Em meados de dezembro de 2019 precisamente na China foi consta-

tado o primeiro caso de COVID-19 Desde entatildeo o viacuterus tem se espalhado

pelo mundo alastrando-se ao patamar de uma pandemia mundial Segundo

Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) constatou que em 30 de janeiro de

2020 o surto da doenccedila causada pelo novo coronaviacuterus (COVID-19) constitui

uma Emergecircncia de Sauacutede Puacuteblica de Importacircncia (OPAS 2020) Confir-

mando-se assim a tese da existecircncia de uma pandemia global

Apoacutes a confirmaccedilatildeo do surgimento do novo COVID-19 na China vaacuterios

ataques xenofoacutebicos de diversos paiacuteses voltaram-se contra eles na justificativa

de que os chineses possuem mau haacutebito alimentar eg sopa de morcego

carne de cachorro insetos de todos os tipos entre outros

Infelizmente foi inevitaacutevel a propagaccedilatildeo do viacuterus no mundo globali-

zado A humanidade atravessa uma das maiores crises da histoacuteria Trata-se de

uma doenccedila infecciosa tambeacutem chamada de SARS-CoV-2 causada pelo co-

ronaviacuterus que tem assolado os seres humanos

Dentre os sintomas podem ser citados cansaccedilo dificuldade para respi-

rar perda de olfato alteraccedilatildeo de paladar naacuteusea vocircmitos (BRASIL 2020)

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

305

Dito isso seguindo a base da inexistecircncia de uma vacina contra a doenccedila e

o elevado nuacutemero de mortes no Brasil e no mundo a medida mais adequada

pelos cientistas pesquisadores e profissionais da sauacutede para conter a pande-

mia foi o isolamento social (OMS 2020)

O fato eacute que esta doenccedila infecciosa natildeo reconhece fronteiras e assola

viacutetimas em escala global ameaccedilando natildeo apenas grupos ou regiotildees isoladas

do planeta mas toda a humanidade As pessoas sobreviventes devem apren-

der a conviver com as adversidades que surgem em tempos de crise

Como bem aponta o socioacutelogo Edgar Morin (2020) ldquoA chegada do Co-

rona viacuterus nos lembra que a incerteza permanece um elemento inexpugnaacutevel

da condiccedilatildeo humana Todo o seguro social em que vocecirc pode se inscrever

nunca poderaacute garantir que vocecirc natildeo ficaraacute doente ou seraacute feliz em sua casardquo

Assim deve-se enfrentar vaacuterios desafios devido agraves incertezas que o COVID-19

evidenciou em relaccedilatildeo agrave sociedade e a todas as verdades dos seres huma-

nos

Pode-se assim dizer que a pandemia eacute uma divisora de aacuteguas nas ma-

neiras como as pessoas se relacionam trabalham e estudam A crise sanitaacuteria

interrompe a vida afeta o trabalho e a educaccedilatildeo (IPEA 2020)

Assim Jonathan Haidt (2020) cita a conexatildeo que as pessoas necessitam

ter em relaccedilatildeo ao amor

Assim como as plantas precisam de sol aacutegua e bom solo para pros-

perar as pessoas precisam de amor trabalho e conexatildeo com algo

maior Vale a pena se esforccedilar para obter as relaccedilotildees certas entre

vocecirc e os outros entre vocecirc e seu trabalho e entre vocecirc e algo maior

que vocecirc Se vocecirc acertar esses relacionamentos um senso de pro-

poacutesito e significado surgiraacute

O mundo encontra-se em revoluccedilatildeo tecnoloacutegica no seacuteculo XXI poreacutem

com o avanccedilo da pandemia esse desenvolvimento se alastrou de forma ines-

peraacutevel Deste modo os cenaacuterios dos mais diversos setores tiveram que se

adaptar agrave tecnologia

Dito isso surge entatildeo a necessidade de mudanccedilas no cotidiano da po-

pulaccedilatildeo mundial de se adaptarem a uma vida mais virtual jaacute que existe a

impossibilidade de rotinas presenciais Nesse sentido as aulas presenciais de

cursos de graduaccedilatildeo em Direito passaram a ser produzidas e efetivadas por

ensino remoto como bem demonstrado Eucidio Pimenta (2020 p 262)

As instituiccedilotildees privadas como os grupos Kroton Estaacutecio e Unip bem

como Universidades tradicionais representadas pelas Pontifiacutecias Uni-

versidades Catoacutelicas de todo o paiacutes definiram retorno agraves aulas medi-

ado por tecnologias desde o mecircs de marccedilo A maioria das institui-

ccedilotildees investigadas buscaram implementar educaccedilatildeo remota de ma-

neira a diferenciar-se da modalidade EaD

ldquo

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

306

A humanidade enfrenta com a pandemia uma crise mundial Diante da

instabilidade das instituiccedilotildees e governos recorreram a medidas de emergecircn-

cia com objetivo de minimizar os impactos ocasionados na sauacutede e renda das

pessoas As medidas como auxiacutelio emergencial contratos individuais de tra-

balho uso de equipamentos de proteccedilatildeo individuais (EPI) assim como uso de

maacutescaras aacutelcool e gel satildeo meios alternativos para enfrentamento desta crise

mundial Esta emergecircncia natildeo afeta apenas a sauacutede e o trabalho mas tam-

beacutem impossibilita agraves pessoas terem acesso agrave educaccedilatildeo na medida em que

natildeo podem ir agraves entidades de ensino em razatildeo de evitar contaminaccedilatildeo viral

Por esse motivo surge em cenaacuterio pandecircmico a substituiccedilatildeo das aulas

presenciais com a possibilidade de se ter acesso agrave educaccedilatildeo mesmo em

tempos difiacuteceis por meio do ensino remoto emergencial Esta modalidade de

aprendizagem brota como medida alternativa para dar continuidade a rotina

das pessoas estudarem viverem e aprenderem sofrendo o menos possiacutevel di-

ante desta realidade tatildeo desafiadora Tendo em vista a atual situaccedilatildeo per-

cebe-se que a educaccedilatildeo tambeacutem foi afetada natildeo podendo se excluir deste

cenaacuterio o ensino juriacutedico brasileiro que passa a ser adaptado em contexto

pandecircmico ou seja as aulas anteriormente presenciais passaram a ser em

ambientes online de aprendizagem o ensino remoto emergencial

202 ENSINO JURIacuteDICO REMOTO EMERGENCIAL

Apoacutes breves consideraccedilotildees em toacutepico anterior sobre o COVID-19 existe

a necessidade de entendimento sobre os impactos desafios e perspectivas

do ensino juriacutedico brasileiro diante a crise sanitaacuteria sendo necessaacuterio compre-

ender as mudanccedilas no ensino canarinho especialmente em tempos pandecirc-

micos

Neste sentido eacute de fundamental importacircncia perceber a natureza histoacute-

rica dessas mudanccedilas sua dinacircmica e como se reestrutura o ensino juriacutedico

brasileiro em tempos de crise

Deve-se recorrer agrave histoacuteria educacional brasileira para compreender as

transformaccedilotildees da sociedade especialmente no que se refere ao caraacuteter

evolutivo das modalidades educacionais Neste sentido haveraacute breve men-

ccedilatildeo aos acontecimentos histoacutericos com a finalidade de obter o fio condutor

deste processo transformador que vivecircncia o ensino no Brasil Natildeo tendo por-

tanto a intenccedilatildeo de fazer um apanhado descritivo profundo por natildeo ser ob-

jetivo o esgotamento da temaacutetica exposta

O ensino a distacircncia ficou registrado no Brasil em meados do seacuteculo XX

Tendo como seu primeiro marco histoacuterico o registro de oferta de profissionali-

zaccedilatildeo por correspondecircncia para datilografia no Jornal do Brasil no espaccedilo

do noticiaacuterio dedicado aos classificados (MAIA MATTAR 2007)

Com as mudanccedilas no cenaacuterio educacional brasileiro surge em 1947 a

nova Universidade do ar tendo como objetivo ofertar cursos radiofocircnicos vol-

tados para aacuterea comercial Jaacute na deacutecada de setenta cria-se o sistema nacio-

nal de tele educaccedilatildeo de forma bem instrutiva Em 1989 os cursos ofertados

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

307

pela Universidade de Brasiacutelia transformam-se no centro de educaccedilatildeo aberta

continuada a distacircncia (ALVES 2011)

No iniacutecio da deacutecada de oitenta o Senac participou de uma seacuterie de

programas radiofocircnicos que ficou denominada ldquoAbrindo caminhosrdquo com in-

tuito final de orientar os profissionais fundamentalmente os de serviccedilos e co-

meacutercios Nesse sentido histoacuterico natildeo pode deixar de ser citado que em 1992

foi criada a Universidade aberta de Brasiacutelia e em seguida surge o Centro Na-

cional de Educaccedilatildeo a Distacircncia (ALVES 2011)

Assim em 1995 aparece a TV escola programa televisivo fundado pelo

Ministeacuterio da Educaccedilatildeo por sua secretaacuteria educacional Com avanccedilo de par-

ceria nos anos 2000 passa a existir a rede de educaccedilatildeo a distacircncia (UniRede)

consoacutercio educacional de autuaccedilatildeo Em 2002 eacute fundado o CEDERJ (Centro

de Ciecircncias de Educaccedilatildeo Superior no Rio de Janeiro) seguindo para criaccedilatildeo

de diversos programas para formaccedilatildeo inicial e continuada de docentes da

rede puacuteblica de ensino em 2004 por intermeacutedio do ensino a distacircncia auxili-

ada pelo Ministeacuterio Educacional Brasileiro (ALVES 2011)

Deste modo a autora Lucineia Alves (2011) acrescenta que em meados

de 2008 a lei criada em Satildeo Paulo sobre a permissatildeo de o ensino meacutedio ser agrave

distacircncia citava a carga horaacuteria de 20 natildeo presencial

Eacute importante salientar que o Ministeacuterio Da Educaccedilatildeo neste processo de

crescente demanda em ensino a distacircncia promoveu e promove a pesquisa

de modo a incentivar praacuteticas pedagoacutegicas inovadoras possibilitadas por re-

cursos tecnoloacutegicos Por fim enfatiza-se o canal TV cultura e o telecurso 2000

como instrumentos inovadores nesta modalidade de ensino a distacircncia por

meio de recurso televisivo dando acesso ao saber e socializando de maneira

mais democraacutetica o ensino agrave sociedade (ALVES 2011)

Diante desta breve exposiccedilatildeo histoacuterica da modalidade de ensino a dis-

tacircncia no Brasil trata-se pois de compreender o significado do que vem a ser

o ensino a distacircncia Eacute preciso dizer que embora haja diversas conceituaccedilotildees

a depender da percepccedilatildeo de cada autor recorre-se ao conceito utilizado

pelo decreto ndeg 5622 de 19 de dezembro (BRASIL 2005)

Art 1deg para fins deste decreto caracteriza-se a educaccedilatildeo a distacircncia

como modalidade educacional na qual a mediaccedilatildeo didaacutetico-peda-

goacutegica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utili-

zaccedilatildeo de meios e tecnologias de informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com

estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em

lugares ou tempos diversos

Como se percebe a caracterizaccedilatildeo eacute de suma importacircncia de modo

que expotildee com clareza o uso de tecnologias nas relaccedilotildees ensino-aprendiza-

gem permitindo assim um entendimento histoacuterico de constante modificaccedilatildeo

no qual atravessa o ensino a distacircncia devendo-se adequar cada vez mais a

uma sociedade informacional e tecnoloacutegica

Portanto a educaccedilatildeo no Brasil eacute impactada por mudanccedilas que reper-

cutem na forma de ensinar e aprender em razatildeo de tecnologias inovadoras

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

308

frutos do desenvolvimento cientiacutefico que nos faz viver novas experiecircncias de

aprendizagem

Nesse sentido de evoluccedilatildeo tecnoloacutegica os autores Dirceu Siqueira e Da-

nilo Nunes (2018 p3) citam ldquoUma vez que haacute um crescimento em ritmo es-

trondoso acerca do uso da Internet e de outras tecnologias como os smar-

tphones e tablets surgiram uma seacuterie de novos conceitos o marketing digital

o ciberespaccedilo os crimes virtuais dentre outrosrdquo Observa-se o quadro atual

de estudantes e profissionais em inserirem-se mais nessa seara

Assim eacute de fundamental importacircncia o surgimento de novas modalida-

des educacionais tendo em vista as circunstacircncias excepcionais da crise sa-

nitaacuteria atual impulsionando e acelerando a aplicaccedilatildeo do ensino remoto

emergencial Torna-se interessante notar que em tempos criacuteticos esta maneira

de aprender isto eacute esta forma de saber feita a partir do uso de recursos tec-

noloacutegicos tem crescido cada vez mais

No dizer de Preti (1996 p 18)

A crescente demanda por educaccedilatildeo devida natildeo somente agrave expan-

satildeo populacional como sobretudo as lutas das classes trabalhadoras

por acesso agrave educaccedilatildeo ao saber socialmente produzido concomi-

tantemente com a evoluccedilatildeo dos conhecimentos cientiacuteficos e tecno-

loacutegicos estaacute exigindo mudanccedilas em niacutevel da funccedilatildeo e da estrutura

da escola da Universidade

Eacute faacutetico que a sociabilidade humana tem vivenciado profundas trans-

formaccedilotildees na maneira de viver e de relacionar-se tendo como fundamentos

o desenvolvimento tecnoloacutegico embasado pelo acuacutemulo do saber cientiacutefico

(CASTELLS 2003)

A implicaccedilatildeo praacutetica deste entendimento eacute uma reordenaccedilatildeo da or-

ganizaccedilatildeo social vigente em rede modificadora da maneira de viver e edu-

car as pessoas Nota-se que em ambientes de aprendizagem temos uma

aproximaccedilatildeo de linguagens de experiecircncia e saberes distintos isto eacute o que

precisamente gera uma profusatildeo riquiacutessima de cultura e saberes compartilha-

dos a partir da conectividade em redes virtuais de aprendizagem (FRANCO

1997)

O momento histoacuterico pressupotildee um caminhar de ressignificaccedilotildees cons-

truindo novas habilidades na forma de pensar educar e se relacionar a partir

de rupturas com as formas de aprendizagem anteriores eg maneiras meacuteto-

dos e teacutecnicas de ensino Isto significa uma revoluccedilatildeo do ensino e da apren-

dizagem embasadas pela experiecircncia vivenciadas por momentos histoacutericos

de crise

Dada a complexidade da temaacutetica e os desafios juriacutedicos impostos eacute

preciso que diferenciar o ensino remoto emergencial (ERE) do ensino a distacircn-

cia (EAD) Eacute indispensaacutevel perceber que a primeira modalidade estaacute sendo

aplicada em tempos difiacuteceis mediante mudanccedila temporaacuteria e eventual No

que tange a educaccedilatildeo os estudantes impedidos estatildeo de participarem das

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

309

aulas presenciais devido ao agravamento de contaminaccedilotildees que potildeem em

risco a sauacutede das pessoas

Como bem demonstrado as instituiccedilotildees e governos devem adotar me-

didas minimizadoras que auxiliem a populaccedilatildeo ao enfrentamento desta crise

Diante desta realidade desafiadora faz se necessaacuterio trilharmos caminhos que

nos permitam reduzir os impactos contornar as circunstacircncias criacuteticas e supe-

rar os desafios pandecircmicos propostos em tempos de crise

Eacute tempo de oportunizar estrateacutegias que impulsionam a aprendizagem e

potencialize o saber Eacute neste criacutetico momento notaacutevel que surge o ensino re-

moto emergencial como meio alternativo e instrumento educacional intera-

tivo que permite continuar a educaccedilatildeo

Essa modalidade de ensino remoto emergencial somente eacute possiacutevel em

razatildeo do desenvolvimento tecnoloacutegico educacional atraveacutes de ferramentas

de aprendizagem por meio de plataformas digitais via web que buscam inte-

raccedilatildeo em tempo real e faz com que natildeo seja uma mera transferecircncia de co-

nhecimento do professor para o aluno mas que seja uma construtiva apren-

dizagem dando ciecircncia especialmente ao aluno do seu papel enquanto su-

jeito na construccedilatildeo deste conhecimento

No dizer de Belloni (1999 p 102)

O processo educativo centrado no aluno significa natildeo apenas a in-

troduccedilatildeo de novas tecnologias na sala de aula mas principalmente

uma reorganizaccedilatildeo de todo o processo de ensino de modo a pro-

mover o desenvolvimento das capacidades de autoaprendizagem

Essa verdadeira revoluccedilatildeo implica um conhecimento seguro da cli-

entela suas caracteriacutesticas socioculturais suas necessidades e ex-

pectativas com relaccedilatildeo aquilo que a educaccedilatildeo pode lhe oferecer

Percebe-se entatildeo que a influecircncia muacutetua entre professor e aluno em

ambiente virtual de aprendizagem (AVA) eacute feita de modo indireto no espaccedilo

virtual a distacircncia e forma descontiacutenua de outro lado em relaccedilatildeo ao tempo

seria comunicaccedilatildeo diferida e natildeo simultacircnea (BELLONI 1999)

A construccedilatildeo destes novos espaccedilos de ensino exige novas maneiras de

diaacutelogo de forma que de modo que paulatinamente substituem-se textos im-

pressos por slides com mais dinamismo sendo fruto da inovaccedilatildeo em ambiente

novo de aprendizagem (LEVY 1998)

Observa-se que eacute perceptiacutevel e notoacuterio a educaccedilatildeo brasileira em rela-

ccedilatildeo agraves mudanccedilas natildeo soacute no ambiente de aprendizagem como tambeacutem no

papel que assumem os sujeitos durante o processo de construccedilatildeo do saber

Em suma eacute notoacuterio que a crise sanitaacuteria acelerou a aprendizagem em ambi-

entes online

Em ambiente virtual de aprendizagem (AVA) temos um professor tutor

que orientaraacute o aluno na busca do conhecimento Eacute inegaacutevel que exista uma

ldquo

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

310

inovaccedilatildeo nas ferramentas facilitadoras da aprendizagem uma vez que se uti-

liza de plataformas ou aplicativos educacionais que possibilitem a interaccedilatildeo

social entre os sujeitos do processo do ensino-aprendizagem

Nota-se que por se tratar de uma realidade nova e natildeo planejada en-

frentam-se desafios inovadores como acesso agrave internet para interagir em am-

biente de aprendizagem aleacutem da dificuldade de se manter estudando uma

vez que as aulas satildeo feitas em ambientes domiciliares ou seja em atmosferas

natildeo planejadas pois natildeo se consegue concentraccedilatildeo atenccedilatildeo e disciplina

Os reflexos destes impactos satildeo notoacuterios no campo do Direito e eviden-

ciados no trabalho do jurista que migra para o sistema laboral remoto Escritoacute-

rios de advocacia estagiaacuterios de direito e tribunais permitem a manutenccedilatildeo

do acesso agrave justiccedila quando asseguram suas atividades laborais em casa

Portanto os profissionais do direito oportunizam o acesso agrave justiccedila agrave po-

pulaccedilatildeo apesar de vivenciar momentos de incertezas e imprevisibilidades

cujo motivo eacute a crise na sauacutede Esta rede construiacuteda para manter o acesso agrave

justiccedila eacute possiacutevel em razatildeo da realizaccedilatildeo de audiecircncias feitas por videocon-

ferecircncias plataformas digitais interativas como hangout Google meets

Eacute preciso salientar ainda que esses instrumentos tecnoloacutegicos possibili-

tam a interaccedilatildeo social entre os construtores da conjuntura juriacutedica e a socie-

dade especialmente em tempos pandecircmicos da atualidade Natildeo se pode

pensar em aplicar o Direito sem um canal de diaacutelogo aberto entre os atores

do corpo social Assim com base nesse canal eacute possiacutevel em razatildeo dos avanccedilos

da tecnologia mas especificadamente na internet plataformas e aplicativos

digitais Nisso percebe-se que esses desafios que surgem mediante uma vi-

vecircncia de incertezas requerem novas habilidades e novos saberes A reali-

dade desafiadora produz uma capacidade de reaprender cuja finalidade eacute

de superar a crise nos tempos difiacuteceis

Assim nesse nuacutecleo de incertezas Carvalho e Arauacutejo (2020 p16) ponde-

ram

Natildeo podemos negar que este eacute tambeacutem um momento de desenvol-

vimento humano epistemoloacutegico que comeccedila com uma leitura bas-

tante simples da realidade perpassando para uma leitura de uma

atualidade complexa em que a accedilatildeo de um indiviacuteduo causa conse-

quecircncias no todo mudando profundamente uma realidade que im-

potildee fronteiras e que estaacute transformando a convivecircncia social mun-

dial a olhos vistos

O cenaacuterio de novas aprendizagens e duacutevidas impulsiona a capacidade

de se reinventar de maneira criativa e inovadora revolucionando a relaccedilatildeo

ensino aprendizagem e Direito tanto do aluno quanto do professor bem como

do jurista Nesse sentido o contexto de desafios na educaccedilatildeo juriacutedica seraacute

trabalhado no toacutepico seguinte

ldquo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

311

203 OS DESAFIOS DO ENSINO JURIacuteDICO NA UTILIZACcedilAtildeO DA

EDUCACcedilAtildeO REMOTA

As faculdades juriacutedicas e suas problemaacuteticas vecircm sendo objeto de es-

tudo de vaacuterios pesquisadores Acontece porque haacute fragmentos poliacuteticos

econocircmicos sociais culturais ao longo da conjuntura histoacuterica (MARROCCO

2011 p 17) Atenta-se a isso pois antes mesmo de um cenaacuterio de pandemia

as dificuldades do ensino juriacutedico jaacute existiam e eram preocupantes

Para mitigaccedilatildeo desses imbroacuteglios houve uma elaboraccedilatildeo de novas di-

retrizes pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo em um documento denominado Resolu-

ccedilatildeo ndeg 5 de 17 de dezembro de 2018 Sintetizando essa legislaccedilatildeo norteia e

nivela o ensino juriacutedico no paiacutes inserindo dentre vaacuterias inovaccedilotildees o incentivo

agrave pesquisa e adoccedilatildeo de metodologias ativas pelos professores em um prazo

de dois anos a partir da publicaccedilatildeo normativa

Observa-se portanto que 2020 seria o ano limite para adequaccedilatildeo total

das faculdades nos moldes estabelecidos pela norma Entretanto em marccedilo

do mesmo periacuteodo a pandemia do COVID-19 alcanccedilou terras tupiniquins e

provocou um colapso no sistema educacional dificultando a implementaccedilatildeo

e trazendo novas problemaacuteticas agrave educaccedilatildeo juriacutedica Para tanto o Ministeacuterio

da Educaccedilatildeo dispocircs na Portaria nordm 343 uma autorizaccedilatildeo para substituiccedilatildeo das

aulas presenciais por digitais enquanto durasse o estado pandecircmico

Contudo por ser uma situaccedilatildeo natildeo habitual a enumeraccedilatildeo de impas-

ses para completa efetivaccedilatildeo desse sistema deixou alunos docentes e as proacute-

prias instituiccedilotildees de ensino com um enorme aperto Por maior disposiccedilatildeo de

recursos financeiros e organizaccedilatildeo educacional alinhada as faculdades par-

ticulares foram as primeiras com um plano de contingecircncia no cenaacuterio de

surto viral Em uma pesquisa publicada pela Associaccedilatildeo Brasileira de Mante-

nedoras do Ensino Superior (ABMES 2018) revelou que apenas 22 das facul-

dades particulares natildeo continuaram suas atividades em plataformas que per-

mitem o ensino remoto

Dentro da perspectiva puacuteblica a situaccedilatildeo estaacute em um contexto total-

mente desproporcional visto que poucas universidades deram sequecircncia ao

ensino porque optar pela alternativa remota desconsidera fatores sociais e

econocircmicos No portal do MEC sobre a situaccedilatildeo das aulas nas universidades

federais ateacute o momento do acesso para esta pesquisa 45 das 69 faculdades

estavam com as aulas suspensas totalizando 682067 discentes sem continui-

dade semestral

Natildeo fazendo distinccedilatildeo das duas redes de ensino ofertadas no paiacutes con-

siderando que essas abraccedilam estudantes dos mais diversos niacuteveis socioeconocirc-

micos as dificuldades convergem em pontos comuns Um dos grandes pro-

blemas estaacute no acesso agrave internet pelos acadecircmicos

Na uacuteltima Pesquisa Nacional de Amostra de Domiciacutelio Contiacutenua (PNDA

Contiacutenua) realizada pelo IBGE no ano de 2018 revela que apesar do cresci-

mento em relaccedilatildeo ao ano anterior um a cada quatro brasileiros natildeo possuem

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

312

conexatildeo da rede universal de computadores totalizando 46 milhotildees de cida-

datildeos

Eacute faacutecil notar que essa questatildeo atinge os estudantes universitaacuterios os quais

natildeo tecircm conforto financeiro para desfrutar do privileacutegio virtual abundante

Natildeo haacute recepccedilatildeo de ensino quando a ferramenta principal eacute defeituosa To-

davia haacute outros impasses corolaacuterios desse Eacute necessaacuterio um computador ou

no miacutenimo um dispositivo similar para acessar as plataformas oferecidas pelas

instituiccedilotildees de ensino Muitos discentes natildeo encontram a disponibilidade desse

material e ao acontecer deparam-se dividindo o instrumento com outros

membros do nuacutecleo familiar Os programas de comunicaccedilatildeo para aconteci-

mento das preleccedilotildees remotas tambeacutem levam tempo para habituaccedilatildeo e cau-

sam confusatildeo no iniacutecio da adaptaccedilatildeo

Ademais o ambiente domeacutestico difere de maneira excessivamente dis-

crepante do escolar Apesar do aprendizado domiciliar permitir aperfeiccediloa-

mento e momentos mistos de sentimentos natildeo substitui o modo de aprender

dentro da conjuntura educacional profissional (BURGESS 2020) Lar remete agrave

sensaccedilatildeo de descanso e natildeo eacute preparado para contextos como este As dis-

traccedilotildees satildeo as mais atrativas e dispersivas durante as aulas online A falta de

uma mesa e cadeira apropriadas com o barulho excessivo atrapalham na

produtividade do aluno Outrossim interferecircncia constante dos familiares e da

rotina de casa natildeo regrada interferem no processo educacional Todavia

essa problemaacutetica natildeo eacute enfrentada apenas pelos docentes em isolamento

social o cenaacuterio educacional tem outros personagens

As instituiccedilotildees de ensino e os professores tambeacutem sofrem suas particula-

ridades atribulativas Aleacutem dos supracitados estorvos traduzir a pedagogia

presencial para a remota atendendo as diretrizes da Resoluccedilatildeo CNECES ndeg

5 natildeo eacute tarefa faacutecil Inovar em tatildeo pouco tempo metodologias ativas online

requer habilidade e criatividade Contudo as atuais ferramentas tecnoloacutegicas

disponiacuteveis no mercado dispotildeem de um acervo grande para ajudar nessa ta-

refa A Microsoft empresa que desenvolveu a plataforma Teams em seu proacute-

prio site explana um tutorial de como utilizaacute-la no ambiente escolar Existem

possibilidades de montar equipes de classes aulas ao vivo com gravaccedilatildeo

para assistir apoacutes atribuiccedilatildeo de notas e tarefas aleacutem da sala de conversaccedilatildeo

com o professor dando proximidade na relaccedilatildeo docente-discente

Confirma-se portanto a primeira dicotomia processual contraditoacuteria na

sociedade durante uma crise do filoacutesofo Edgar Morin a estimulaccedilatildeo da ima-

ginaccedilatildeo e criatividade em busca de novas soluccedilotildees (MORIN 2020 traduccedilatildeo

nossa) Os seres humanos satildeo desafiados de forma constante ao longo da his-

toacuteria mundial permitindo consequentemente a reinvenccedilatildeo no modo de vi-

vecircncia em sociedade Com isso novos horizontes satildeo abertos para um cenaacute-

rio poacutes-pandemia os benefiacutecios das plataformas remotas no Ensino online

Natildeo existem obstaacuteculos para promover um ensino qualificado mesmo de ma-

neira a distacircncia trazendo por fim uma dilataccedilatildeo na usabilidade desse mo-

delo

DIREITO COMPLEXIDADE E MEIO AMBIENTE

olhares para a contemporaneidade

313

A educaccedilatildeo brasileira dava sinais de uma bifurcaccedilatildeo para o presencial

e agrave distacircncia O MEC dilatou as horas possiacuteveis do EaD para ateacute 40 por meio

da Portaria nordm 2117 de 2019 possibilitando mais ainda a inserccedilatildeo dessa mo-

dalidade na grade curricular Ateacute um certo momento havia resistecircncia de to-

dos aqueles que formam a cultura educacional entretanto o modo emer-

gencial derrubou barreiras e constatou a possibilidade de ensino qualificado

inovaccedilatildeo e aproximaccedilatildeo dos laccedilos entre discentes docentes e IES provando

por fim uma tendecircncia de utilizaccedilatildeo larga desse novo modelo

Em um momento de incerteza foi possiacutevel sair do pensamento recluso

sobre utilizaccedilatildeo das ferramentas online para uma abertura do conceito de

manutenccedilatildeo dos laccedilos rotineiros de amor amizade comunhatildeo e solidarie-

dade Os dispositivos utilizados neste periacuteodo satildeo a prova de que o ensino car-

tesiano deve cada vez mais ser deixado de lado para dar espaccedilo agraves novas

ideias e metodologias Ao refletir sobre o pensamento de Morin no qual con-

testa que natildeo se pode reformar a instituiccedilatildeo se anteriormente as mentes natildeo

forem reformadas mas soacute se pode reformar as mentes se a instituiccedilatildeo for pre-

viamente reformada (MORIN 2000) nota-se que com todas as inseguranccedilas

a pandemia do COVID-19 trouxe inovaccedilotildees incontestaacuteveis para educaccedilatildeo

juriacutedica que seratildeo perpetuadas nos anos porvindouros como marca positiva

de um momento sombrio O corpo social educacional juriacutedico teraacute a mentali-

dade reestruturada em seu modo de transmitir e receber o ensino contribu-

indo para uma melhora significante no Direito e na formaccedilatildeo dos atuais e fu-

turos juristas

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Percebe-se diante deste cenaacuterio histoacuterico vivenciado no final do ano

ateacute o momento mudou a dinacircmica de vivecircncia dos seres humanos SARS-CoV-

2 deu seus primeiros indiacutecios na cidade de Wuhan na China e logo alastrou-se

para o mundo causando uma crise sanitaacuteria sem precedentes Como medida

efetiva para mitigar os impactos do viacuterus a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

(OMS) recomendou o isolamento social Assim os modos de trabalho e estu-

dos foram adaptados para a nova conjuntura

Portanto o ensino remoto foi a modalidade adotada pelas instituiccedilotildees

de educaccedilatildeo ao redor do globo terrestre como alternativa para suprimir e

continuar com as atividades educacionais sem prejuiacutezo para aqueles que as

compotildeem

Entretanto haacute necessidade de distinguir o modelo adotado pelas IES

durante o periacuteodo de calamidade e o ofertado como forma alternativa para

o modelo presencial Essa primeira estaacute interligada ao meacutetodo usado em tem-

pos difiacuteceis e feridas no mundo sendo eventual Por outro lado a uacuteltima cate-

goria eacute associada ao ambiente virtual projetado com plano didaacutetico para as

necessidades do programa de ensino podendo ser utilizado durante todo o

curso pelo indiviacuteduo que opta por essa pedagogia

Contudo ocorreram diversas dificuldades na implementaccedilatildeo do sis-

tema ERE Na busca de encontrar uma plataforma digital com fornecimento

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

314

de conteuacutedo online para comportar a quantidade significativa de alunos

adaptar o planejamento de aula no iniacutecio do ano letivo para uma nova vivecircn-

cia dar aos alunos que natildeo tecircm condiccedilotildees de manter suas atividades por

escassez de recursos foi necessaacuteria a criatividade inclusiva das redes que ofer-

tam ensino juriacutedico

Aleacutem disso inserir as exigecircncias da resoluccedilatildeo CNECES nordm 52018 com

intuito de implementar as mudanccedilas do protocolo requereu criatividade dis-

posiccedilatildeo e motivaccedilatildeo dos docentes e instituiccedilotildees de ensino

Agrave luz dessas consideraccedilotildees apesar das dificuldades e inseguranccedilas en-

frentadas pelos alunos professores e IES todos foram estimulados a buscarem

soluccedilotildees criativas para continuar a vida acadecircmica na maneira mais contun-

dente possiacutevel Assim as ferramentas tecnoloacutegicas foram essenciais nesse tra-

balho aacuterduo de manutenccedilatildeo das relaccedilotildees educacionais As premissas do

pensamento complexo propotildeem ainda uma alternativa para os desafios ad-

vindos das incertezas do momento pandecircmico adaptando o ensino cartesi-

ano aos poucos para dar espaccedilo a uma reforma nas instituiccedilotildees de educa-

ccedilatildeo juriacutedica

O grande saldo positivo destas circunstacircncias tatildeo desabituais e entriste-

cedoras satildeo os novos horizontes explanados pela possibilidade tecnoloacutegica

de reunir pessoas por mais diversas que sejam seus status A modalidade de

acompanhamento remoto seminaacuterios online reuniotildees virtuais e dentre outras

inuacutemeras perspectivas trazem acalento nos tempos sombrios e provam a ca-

pacidade do ser humano de adaptar-se agraves esferas com adversidades rein-

ventando-se e superando obstaacuteculos para dar continuidade ao que real-

mente importa vida A modalidade de ensino remota eacute aprendizagem inova-

dora pois permite com que haja uma sociabilidade interativa por meios digi-

tais suavizando os impactos atraveacutes da transferecircncia de saberes e experien-

cias vivenciadas em tempos em que subsistimos ao isolamento social tatildeo ne-

cessaacuterio para se evitar contaminaccedilatildeo em tempos sombrios

Por fim ressalta-se a importacircncia de se olhar com as lentes da comple-

xidade para que se possa perceber a dinacircmica nas mudanccedilas na maneira de

se relacionar e transferir saberes em tempos pandecircmicos pois a mudanccedila

natildeo eacute simplesmente na modalidade de se educar as famiacutelias brasileiras em

tempos de crise mas fundamentalmente a mudanccedila de mentalidade dos su-

jeitos envolvidos no processo educacional que requer mudanccedila de habilida-

des inovadoras melhor dizendo uma mudanccedila na maneira de transferir sabe-

res na sociabilidade humana poacutes pandemia

REFEREcircNCIAS

ABMES- Associaccedilatildeo Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior Resoluccedilatildeo RESO-

LUCcedilAtildeO Nordm 5 de 17 de dezembro de 2018 Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais

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PRETI O Educaccedilatildeo a distacircncia uma praacutetica educativa mediadora e mediatizada

Cuiabaacute NEADIEUFMT 1996

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Projeto Pedagoacutegico 2 ed Florianoacutepolis Habitus 2020

SIQUEIRA Dirceu Pereira NUNES Danilo Henrique Conflitos digitais cidadania e res-

ponsabilidade civil no acircmbito das lides ciberneacuteticas Revista Juriacutedica da FA7 v 15 n

2 p 127-138 18 nov 2018 Disponivel em httpsperiodicosuni7edubrindexphp

revistajuridicaarticleview810 Acesso em12 set2020

317

POSFAacuteCIO

Acreditava-se que no mundo soacute existiam cisnes brancos Ateacute que em

1967 avistaram pela primeira vez um cisne negro na Austraacutelia Partindo desse

fato Nassim Taleb divulga sua conhecida ldquoteoria do cisne negrordquo O autor se

pergunta por que natildeo conhecemos os fenocircmenos antes que eles ocorram

Assim apresenta a hipoacutetese de que noacutes evitamos o que eacute desconhecido e

limitamo-nos a aprender conteuacutedos especiacuteficos em vez de buscar a sapiecircncia

em diversas aacutereas do conhecimento O pensamento complexo reconhece o

mundo em muacuteltiplas camadas em que o todo eacute bem maior do que a soma

das partes

Acabamos de ler um livro lanccedilado no periacuteodo da pandemia de 2020

esse cisne negro que nos convida a buscar repertoacuterio para repensar estruturas

de vida e de mundo A pandemia parece um exemplo concreto e vivenci-

ado para a ldquoteoria do caosrdquo e suas provocaccedilotildees sobre as conexotildees e sensibi-

lidades dos sistemas Adaptando a proposta de Edward Lorenz era como se

o bater das asas de uma borboleta na China causasse tempos depois um

tornado no mundo e nas suas variaacuteveis de complexidade e incertezas Isso

reconhece que pequenas mudanccedilas inicialmente inofensivas e imprevisiacuteveis

podem causar rupturas de paradigmas

Natildeo eacute meu interesse concluir uma obra tatildeo vasta e plural Escrevo as

linhas finais desse livro instigado com as provocaccedilotildees que ele me trouxe

Quando vejo o resultado de um esforccedilo coletivo na busca de compreensatildeo

do mundo acredito ainda mais na potecircncia da Educaccedilatildeo Trabalhar com

Educaccedilatildeo eacute uma aposta no poder do conhecimento que eacute nas palavras de

Peter Burke a instacircncia de um organismo que estabeleccedila sua relaccedilatildeo com o

mundo O mundo eacute o ponto de partida e de chegada para todos aqueles

que trabalham com conhecimento Conhecer o mundo eacute acessar a sua com-

plexidade do mundo e de si Esse livro coordenado pelas competentes pro-

fessoras e pesquisadoras Germana Parente Neiva Belchior e Iasna Chaves Vi-

ana eacute um convite para um encontro com a complexidade do mundo atraveacutes

do conhecimento

A obra mergulhou no abismo do pensamento complexo buscando des-

vendaacute-lo em vaacuterios campos epistemoloacutegicos dos conhecimentos Da cidade

agraves redes da famiacutelia ao Estado do ambiente ao ensino as trajetoacuterias foram

muacuteltiplas Mas todos os textos convergem para o reconhecimento de que uma

leitura de mundo natildeo eacute feita apenas pelos recortes cientiacuteficos que o investi-

gam mas tambeacutem pela observaccedilatildeo atenta ao fluxo de interaccedilotildees dinacircmicas

das partes

O livro foi inspirado na busca da transdisciplinaridade como caminho

para alcanccedilar os melhores resultados sobre investigaccedilotildees cientiacuteficas Trata-se

de um meacutetodo que vai na contramatildeo da tradiccedilatildeo de uma praacutetica cientiacutefica

atomista fragmentada e identificada agrave divisatildeo teacutecnica de trabalho dos mo-

delos taylorista e fordista Os textos reconhecem as divisotildees e estratificaccedilotildees

Germana Parente Neiva Belchior

Iasna Chaves Viana

318

internas dos diversos objetos de anaacutelise mas apontam o caraacuteter transfronteiriccedilo

das suas investigaccedilotildees

O uso de vias transdisciplinares envolve um desafio metodoloacutegico per-

manente O que se pretende e esse livro traz vaacuterios exemplos disso eacute reco-

nhecer que os coacutedigos juriacutedicos natildeo decifram seus institutos por completo As-

sim verifica-se a riqueza de textos que apostam na hipoacutetese de que o saber

dogmaacutetico eacute oxigenado quando posto em contato com outros modos de

apreensatildeo de conhecimento Essa tendecircncia natildeo eacute proacutepria do Direito Os es-

tudos de biologia de Karl Ludwig von Bertalanffy por exemplo jaacute nos sinaliza-

vam que o organismo eacute um todo maior do que a parte Os estudos antropoloacute-

gicos da psicologia de Max Wertheimer jaacute questionavam a sobreterminaccedilatildeo

das partes pelo todo no nosso processo de autoconhecimento O pensa-

mento de Edgar Morin em criacutetica reconhecida ao modelo de educaccedilatildeo tra-

dicional sustenta a fuga agraves investigaccedilotildees fragmentadas da realidade De

todo modo essa visatildeo holiacutestica de compreensatildeo sobre o conhecimento eacute re-

forccedilada com os desafios impostos pela ciberneacutetica e pontos cegos de leituras

sobre a inteligecircncia artificial O terreno eacute feacutertil

Textos que reconhecem a importacircncia do pensamento complexo satildeo

bem-vindos a quem trabalha com Educaccedilatildeo em especial nesse tempo em

que a Educaccedilatildeo Juriacutedica sinaliza suas carecircncias para o Seacuteculo XXI Trabalhar

a percepccedilatildeo de um mundo complexo na sala de aula eacute tambeacutem dialogar

com os acervos particulares dos alunos O professor natildeo pode ser apresentado

como detentor de verdades absolutas e castrador das potencialidades criati-

vas dos estudantes Todo aluno possui seu horizonte empiacuterico de informaccedilotildees

e eacute sob esse horizonte que o professor deve atuar

Esse trabalho eacute resultado de uma valiosa proposta pedagoacutegica do pro-

jeto Ecomplex coordenado pela Profa Dra Germana Parente Neiva Belchior

no Curso de Direito do Centro Universitaacuterio 7 de Setembro em Fortaleza Um

dos grandes trunfos desse trabalho eacute o envolvimento dos alunos em atividade

de pesquisa e em projetos de conhecimento Trata-se de uma accedilatildeo estimu-

lante de transpor o mundo construiacutedo de ideias na sala de aula a um projeto

de pesquisa proacuteprio com objetivos e metodologia bem definidos mas sem

blindar os pesquisadores das sensibilidades provocadas pelo pensamento da

complexidade Assim os alunos colocam-se no poacutelo ativo da produccedilatildeo de

conhecimento responsabilizando-se pelos seus atos e alcanccedilando (ou natildeo)

os objetivos predefinidos pelos sistemas de organizaccedilatildeo e direccedilatildeo de situa-

ccedilotildees de aprendizagem Esse encontro de horizontes entre professores e alu-

nos concretizado nesta obra apresenta como resultado um dispositivo didaacute-

tico e natildeo um sistema arbitraacuterio (e por conseguinte falho) de Educaccedilatildeo

Os textos desse livro avistaram os cisnes dos caminhos E me convidaram

a ficar atento aos labirintos do mundo a partir das perguntas e pontos fora da

curva avistados durante a caminhada

Paulo Rogeacuterio Marques de Carvalho Doutor em Ciecircncias Juriacutedico-Poliacuteticas pela Universidade de Lisboa

Professor do Curso de Direito da UNI7

  • PREFAacuteCIO
    • Joatildeo Luis Nogueira Matias
      • APRESENTACcedilAtildeO
        • Germana Parente Neiva Belchior
        • Iasna Chaves Viana
          • HOMENAGEM A JANAINA VALL
          • EIXO TEMAacuteTICO 1 Pensamento Complexo Direito e Transdisciplinaridade
          • 1 ATIVISMO DIGITAL E LUTA AMBIENTAL a influecircncia dos movimentos socioambientais em rede
            • Dominik Garcia Araujo Fontes
            • Eulaacutelia Emilia Pinho Camurccedila
            • Germana Parente Neiva Belchior
              • INTRODUCcedilAtildeO
              • 11 CIBERESPACcedilO E AS NOVAS INTERACcedilOtildeES COMUNICATIVAS
              • 12 ATIVISMO DIGITAL formas de organizaccedilatildeo ferramentas e caracteriacutesticas
              • 13 ATIVISMO AMBIENTAL EM REDE atuaccedilatildeo dificuldades e desafios
              • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
              • REFEREcircNCIAS
                  • 2 AS CONTRATACcedilOtildeES PUacuteBLICAS DIRETAS E OS IMPACTOS Agrave ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA SARS-CoV-2 e as consequentes inovaccedilotildees legislativas federais no ordenamento juriacutedico brasileiro nas linhas do pensamento complexo
                    • Doacuteris Evany Abreu Carvalho
                    • Iasna Chaves Viana
                    • Rebeca Gadelha Ferreira
                      • INTRODUCcedilAtildeO
                      • 21 PANDEMIA DE INOVACcedilOtildeES LEGISLATIVAS FEDERAIS NO ORDENAMENTO JURIacuteDICO PAacuteTRIO E O PENSAMENTO COMPLEXO
                      • 22 DAS CONTRATACcedilOtildeES DIRETAS EM MOMENTO DE PANDEMIA COVID-19 ldquoCHEQUE EM BRANCOrdquo OU NOVA PERSPECTIVA PARA ATUACcedilAtildeO DA ADMINISTRACcedilAtildeO PUacuteBLICA
                      • 23 DOS IMPACTOS AO ERAacuteRIO EM RAZAtildeO DAS MEDIDAS DESBUROCRATIZADORAS EM TEMPOS DE PANDEMIA
                      • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                      • REFEREcircNCIAS
                          • 3 DIREITO SISTEcircMICO o modelo de constelaccedilatildeo de Bert Hellinger e a teoria da complexidade de Edgar Morin ndash convergecircncias e significacircncias
                            • Janaina Vall
                              • INTRODUCcedilAtildeO
                              • 31 O MODELO DE CONSTELACcedilAtildeO DE BERT HELLINGER
                              • 32 A TEORIA DA COMPLEXIDADE DE EDGAR MORIN
                              • 33 CONVERGEcircNCIAS E SIGNIFICAcircNCIAS PARA O DIREITO SISTEcircMICO
                              • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                              • REFEREcircNCIAS
                                  • 4 A INCLUSAtildeO SOCIAL E O PENSAMENTO COMPLEXO DENTRO DA POLIacuteTICA NACIONAL DOS RESIacuteDUOS SOacuteLIDOS
                                    • Laeacutelia Eugecircnia Correcirca Aragatildeo
                                      • INTRODUCcedilAtildeO
                                      • 41 A INCLUSAtildeO SOCIAL E SUA COMPLEXIDADE
                                      • 42 O PENSAMENTO COMPLEXO E SUA COMPREENSAtildeO DENTRO DA POLIacuteTICA NACIONAL DE RESIacuteDUOS SOacuteLIDOS
                                      • 43 A COMPLEXIDADE NA GESTAtildeO DOS RESIacuteDUOS SOacuteLIDOS
                                      • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                      • REFEREcircNCIAS
                                          • 5 AS FUNCcedilOtildeES DA CIDADE transdisciplinaridade e complexidade
                                            • Liacutevia Brandatildeo Mota Cavalcanti
                                              • INTRODUCcedilAtildeO
                                              • 51 A TRANSDISCIPLINARIDADE DAS FUNCcedilOtildeES DA CIDADE NO ORDENAMENTO JURIacuteDICO BRASILEIRO
                                              • 52 DELINEANDO AS FUNCcedilOtildeES DA CIDADE
                                              • 53 A COMPLEXIDADE DAS FUNCcedilOtildeES DA CIDADE
                                              • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                              • REFEREcircNCIAS
                                                  • 6 JUSTICcedilA RESTAURATIVA um novo paradigma na soluccedilatildeo de conflitos
                                                    • Raquel Lima Batista
                                                      • INTRODUCcedilAtildeO
                                                      • 61 O QUE Eacute A JUSTICcedilA RESTAURATIVA
                                                      • 62 COMO A JUSTICcedilA RESTAURATIVA PODE FACILITAR O ENCONTRO DE SOLUCcedilOtildeES MAIS SAUDAacuteVEIS PARA AS PARTES
                                                      • 63 DESAFIOS PARA A APLICACcedilAtildeO DA JUSTICcedilA RESTAURATIVA
                                                      • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                      • REFEREcircNCIAS
                                                          • EIXO TEMAacuteTICO 2 Complexidade Epistemologia e Direito Ambiental
                                                          • 7 O IMPACTO AMBIENTAL DO BIG DATA uma reflexatildeo criacutetica a partir de uma abordagem ecossistecircmica
                                                            • Alan Duarte
                                                            • Carla Mariana Aires Oliveira
                                                              • INTRODUCcedilAtildeO
                                                              • 71 A ATUAL SOCIEDADE DA INFORMACcedilAtildeO a era do big data e a economia de dados
                                                              • 72 O ASPECTO FIacuteSICO DO BIG DATA (SUPERCOMPUTADORES E DATA CENTERS) E SEU IMPACTO AMBIENTAL
                                                              • 73 A ERA DO BIG DATA E A PROTECcedilAtildeO AMBIENTAL NA PERSPECTIVA ECOSSISTEcircMICA algumas reflexotildees
                                                              • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                              • REFEREcircNCIAS
                                                                  • 8 PARADIGMA DA COMPLEXIDADE COMO METODOLOGIA DO DIREITO AMBIENTAL
                                                                    • Alana Ramos Araujo
                                                                      • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                      • 81 O PENSAMENTO COMPLEXO
                                                                      • 82 PRINCIacutePIOS DO PENSAMENTO COMPLEXO
                                                                      • 83 A COMPLEXIDADE AMBIENTAL E SUA APLICACcedilAtildeO NO CAMPO DO DIREITO
                                                                      • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                      • REFEREcircNCIAS
                                                                          • 9 POR UM FUNDAMENTO ECOLOacuteGICO PARA O FENOcircMENO JURIacuteDICO
                                                                            • Ana Stela Vieira Mendes Cacircmara
                                                                              • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                              • 91 AS BASES TRADICIONAIS DA CONCEPCcedilAtildeO DO DIREITO jusnaturalismo e juspositivismo
                                                                              • 92 POacuteS-POSITIVISMO E OS FUNDAMENTOS PARA UMA CONCEPCcedilAtildeO ECOLOacuteGICA DO FENOcircMENO JURIacuteDICO
                                                                              • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                              • REFEREcircNCIAS
                                                                                  • 10 SUSTENTABILIDADE NO ANTROPOCENO o pensamento complexo e a necessaacuteria reflexatildeo sobre o estado ecoloacutegico de direito no contexto da COVID-19
                                                                                    • Carlos E Peralta
                                                                                      • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                                      • 101 A PANDEMIA PROVOCADA PELA COVID-19 COMO CONSEQUEcircNCIA DO ANTROPOCENO
                                                                                        • 1011 Breves reflexotildees sobre o Antropoceno
                                                                                        • 1012 A pandemia provocada pela COVID-19 uma crise sanitaacuteria dentro da crise civilizatoacuteria do Antropoceno
                                                                                          • 102 A METAMORFOSE PARA O ESTADO ECOLOacuteGICO DE DIREITO um debate necessaacuterio
                                                                                            • 1021 Reflexotildees preliminares para pensar na ecologizaccedilatildeo do Estado de Direito
                                                                                            • 1022 Paracircmetros indispensaacuteveis para a construccedilatildeo do Estado Ecoloacutegico de Direito
                                                                                            • 1023 Desafios para o Estado Ecoloacutegico de Direito
                                                                                              • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                                              • REFEREcircNCIAS
                                                                                                  • 11 A RELACcedilAtildeO JURIacuteDICA AMBIENTAL CONTINUATIVA E A IMPRESCRITIBILIDADE DA PRETENSAtildeO PELA REPARACcedilAtildeO CIVIL DE DANO AMBIENTAL anaacutelise do Recurso Extraordinaacuterio nordm 654833 do STF ndash interpretaccedilotildees epistemoloacutegicas sob o vieacutes da complexidade
                                                                                                    • Germana Parente Neiva Belchior
                                                                                                    • Iasna Chaves Viana
                                                                                                      • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                                                      • 111 DO ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL PARA O ESTADO DE DIREITO ECOLOacuteGICO rupturas necessaacuterias frente a crise ecoloacutegica
                                                                                                      • 112 O PENSAMENTO COMPLEXO COMO VIEacuteS EPISTEMOLOacuteGICO PARA INTERPRETACcedilAtildeO DOS DANOS AMBIENTAIS PELO DIREITO
                                                                                                        • 1121 Danos ambientais e responsabilidade civil preventiva em mateacuteria ambiental
                                                                                                        • 1122 A relaccedilatildeo juriacutedica ambiental continuativa
                                                                                                          • 113 A IMPRESCRITIBILIDADE DA PRETENSAtildeO CIVIL DE DANO AMBIENTAL anaacutelise do RE nordm 654833 do STF
                                                                                                          • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                                                          • REFEREcircNCIAS
                                                                                                              • 12 AVALIACcedilAtildeO DE IMPACTO AMBIENTAL NO BRASIL E NO AcircMBITO INTERNACIONAL similaridades e contribuiccedilotildees
                                                                                                                • Joana Cordeiro Brandatildeo
                                                                                                                • Liliane de Freitas Leite
                                                                                                                  • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                                                                  • 121 CONSIDERACcedilOtildeES GERAIS SOBRE AVALIACcedilAtildeO DE IMPACTO AMBIENTAL (AIA) NA LEGISLACcedilAtildeO BRASILEIRA
                                                                                                                  • 122 AVALIACcedilAtildeO DE IMPACTO AMBIENTAL NO AcircMBITO INTERNACIONAL
                                                                                                                  • 123 A AVALIACcedilAtildeO DE IMPACTO AMBIENTAL SOB A OacutePTICA DA COMPLEXIDADE
                                                                                                                  • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                                                                  • REFEREcircNCIAS
                                                                                                                      • 13 A INEFICIEcircNCIA DO DIREITO AMBIENTAL VIGENTE E A NECESSAacuteRIA RUPTURA RUMO AO DIREITO ECOLOacuteGICO A PARTIR DA COMPLEXIDADE
                                                                                                                        • Joseacute Rubens Morato Leite
                                                                                                                        • Elisa Fiorini Beckhauser
                                                                                                                        • Valeriana Augusta Broetto
                                                                                                                          • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                                                                          • 131 A INEFICIEcircNCIA DO DIREITO AMBIENTAL VIGENTE E A NECESSAacuteRIA RUPTURA RUMO AO DIREITO ECOLOacuteGICO
                                                                                                                          • 132 O DIREITO AMBIENTAL da fragmentaccedilatildeo teoacuterica agrave insuficiente implementaccedilatildeo
                                                                                                                          • 133 ECOLOGIZACcedilAtildeO DO DIREITO uma ruptura a partir da complexidade
                                                                                                                          • 134 LITIGAcircNCIA CLIMAacuteTICA uma orientaccedilatildeo ecologizada do direito
                                                                                                                          • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                                                                          • REFEREcircNCIAS
                                                                                                                              • 14 O PRINCIacutePIO DA PRECAUCcedilAtildeO AMBIENTAL COMO PARAcircMETRO AO EXERCIacuteCIO DA ATIVIDADE ECONOcircMICA
                                                                                                                                • Leon Simotildees de Mello
                                                                                                                                • Joatildeo Luis Nogueira Matias
                                                                                                                                  • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                                                                                  • 141 O PRINCIacutePIO DA PRECAUCcedilAtildeO AMBIENTAL E SUA IMPORTAcircNCIA NO CONTEXTO INTERNACIONAL ATUAL
                                                                                                                                    • 1411 Surgimento no acircmbito internacional
                                                                                                                                    • 1412 Conceito e abrangecircncia do princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental
                                                                                                                                    • 1413 Disciplina do princiacutepio da precauccedilatildeo ambiental no Brasil
                                                                                                                                      • 142 A ATIVIDADE ECONOcircMICA E SUA PROTECcedilAtildeO CONSTITUCIONAL
                                                                                                                                        • 1421 O livre exerciacutecio de atividade econocircmica na ordem constitucional
                                                                                                                                        • 1422 Os riscos da atividade econocircmica e sua mitigaccedilatildeo
                                                                                                                                          • 143 A ATIVIDADE ECONOcircMICA SOB O PRISMA DO PRINCIacutePIO DA PRECAUCcedilAtildeO
                                                                                                                                            • 1431 A proteccedilatildeo ambiental como preocupaccedilatildeo basilar da ordem juriacutedica
                                                                                                                                            • 1432 A precauccedilatildeo e o controle dos riscos ambientais da atividade econocircmica
                                                                                                                                            • 1433 Anaacutelise de julgados do Supremo Tribunal Federal acerca do princiacutepio da precauccedilatildeo
                                                                                                                                              • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                                                                                              • REFEREcircNCIAS
                                                                                                                                                  • 15 REFLEXOtildeES SOBRE O GREENWASHING E SUAS LIMITACcedilOtildeES NO ORDENAMENTO JURIacuteDICO BRASILEIRO Agrave LUZ DA COMPLEXIDADE
                                                                                                                                                    • Manuella Campos Perdigatildeo e Andrade Atalanio
                                                                                                                                                    • Letiacutecia Queiroz Nascimento
                                                                                                                                                      • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                                                                                                      • 151 CONSIDERACcedilOtildeES ACERCA DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO SOB A OacutePTICA DA COMPLEXIDADE
                                                                                                                                                      • 152 A CARACTERIZACcedilAtildeO DO GREENWASHING E O PAPEL DAS EMPRESAS
                                                                                                                                                      • 153 AS LIMITACcedilOtildeES AO GREENWASHING NO ORDENAMENTO JURIacuteDICO BRASILEIRO
                                                                                                                                                      • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                                                                                                      • REFEREcircNCIAS
                                                                                                                                                          • 16 AS IMPLICACcedilOtildeES JURIacuteDICAS ADVINDAS DA FORMACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA MULTIESPEacuteCIE
                                                                                                                                                            • Maria Ravelly Martins Soares Dias
                                                                                                                                                              • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                                                                                                              • 161 A NATUREZA JURIacuteDICA DOS ANIMAIS DE ESTIMACcedilAtildeO SEGUNDO O COacuteDIGO CIVIL DE 2002
                                                                                                                                                              • 162 O INSTITUTO DA PERSONALIDADE JURIacuteDICA E OS ANIMAIS DE ESTIMACcedilAtildeO
                                                                                                                                                              • 163 OS ANIMAIS DE ESTIMACcedilAtildeO COMO ldquoTERCEIRO GEcircNEROrdquo E O MEIO TERMO COMO SOLUCcedilAtildeO APARENTE
                                                                                                                                                              • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                                                                                                              • REFEREcircNCIAS
                                                                                                                                                                  • 17 O MEIO AMBIENTE COMO CONCEITO JURIacuteDICO INDETERMINADO SOB A OacutePTICA DO PENSAMENTO COMPLEXO
                                                                                                                                                                    • Victor Nunes Barroso
                                                                                                                                                                      • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                                                                                                                      • 171 CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE A COMPLEXIDADE AMBIENTAL E A DIFICULDADE DE CONCEITUACcedilAtildeO DO MEIO AMBIENTE
                                                                                                                                                                      • 172 CONCEITO LEGAL DE MEIO AMBIENTE
                                                                                                                                                                      • 173 O MEIO AMBIENTE COMO CONCEITO JURIacuteDICO INDETERMINADO Agrave LUZ DO PENSAMENTO COMPLEXO
                                                                                                                                                                      • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                                                                                                                      • REFEREcircNCIAS
                                                                                                                                                                          • EIXO TEMAacuteTICO 3 Complexidade e Ensino Juriacutedico
                                                                                                                                                                          • 18 ENSINO JURIacuteDICO NO BRASIL reflexotildees histoacutericas e a complexidade como possibilidade-necessidade de superaccedilatildeo paradigmaacutetica
                                                                                                                                                                            • Antocircnio Joseacute Andrade da Silva Juacutenior
                                                                                                                                                                            • Filipe Esmeraldo Cabral de Melo Almeida
                                                                                                                                                                            • Raphael de Saacute Machado
                                                                                                                                                                              • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                                                                                                                              • 181 PARADIGMA SIMPLIFICADOR
                                                                                                                                                                              • 182 MEacuteTODO CARTESIANO EDUCACcedilAtildeO E O PENSAMENTO MORINIANO
                                                                                                                                                                                • 1821 A necessidade-possiblidade de reparadigmatizaccedilatildeo do cartesianismo diante do pensamento complexo
                                                                                                                                                                                  • 183 A COMPLEXIDADE E A SUPERACcedilAtildeO DO PRINCIacutePIO DA DISJUNCcedilAtildeO
                                                                                                                                                                                  • 184 A COMPLEXIDADE E A SUA (RE)INSERCcedilAtildeO NO DEBATE CIENTIFIacuteCO
                                                                                                                                                                                    • 1841 A (natildeo) incorporaccedilatildeo do pensamento complexo na educaccedilatildeo
                                                                                                                                                                                      • 185 O ENSINO JURIacuteDICO NO BRASIL
                                                                                                                                                                                        • 1851 Periacuteodo Colonial
                                                                                                                                                                                        • 1852 Periacuteodos Imperial e Republicano
                                                                                                                                                                                          • 186 A CIEcircNCIA DO DIREITO DIANTE DAS TRANSFORMACcedilOtildeES EMERGENTES DO SEacuteCULO XXI
                                                                                                                                                                                            • 1861 A complexidade como possibilidade de reparadigmatizaccedilatildeo do ensino juriacutedico
                                                                                                                                                                                              • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                                                                                                                                              • REFEREcircNCIAS
                                                                                                                                                                                                  • 19 ENSINO JURIacuteDICO E NEUROPSICOLOGIA uma discussatildeo sob a perspectiva da complexidade
                                                                                                                                                                                                    • Bruno Barros Carvalho
                                                                                                                                                                                                    • Diogo Felipe Sousa Barreira
                                                                                                                                                                                                      • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                                                                                                                                                      • 191 A FRAGILIDADE DA CIEcircNCIA DISCIPLINAR
                                                                                                                                                                                                      • 192 CONSIDERACcedilOtildeES EM TORNO DO PENSAMENTO COMPLEXO
                                                                                                                                                                                                      • 193 ENSINO JURIacuteDICO DA LINEARIDADE Agrave COMPLEXIDADE
                                                                                                                                                                                                        • 1931 Ensino juriacutedico no mundo
                                                                                                                                                                                                        • 1932 Ensino juriacutedico no Brasil
                                                                                                                                                                                                          • 194 ENSINO JURIacuteDICO E NEUROPSICOLOGIA UMA PERSPECTIVA COMPLEXA
                                                                                                                                                                                                          • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                                                                                                                                                          • REFEREcircNCIAS
                                                                                                                                                                                                              • 20 EDUCACcedilAtildeO REMOTA EM TEMPOS DE PANDEMIA E POacuteS-PANDEMIA os desafios do ensino juriacutedico brasileiro
                                                                                                                                                                                                                • Francisco Helio da Silva Loiola
                                                                                                                                                                                                                • Letiacutecia de Faacutetima Libeacuterio da Silva
                                                                                                                                                                                                                • Nayane Gonccedilalves dos Santos Duarte
                                                                                                                                                                                                                  • INTRODUCcedilAtildeO
                                                                                                                                                                                                                  • 201 OS REFLEXOS DA PANDEMIA DO COVID-19 NA EDUCACcedilAtildeO
                                                                                                                                                                                                                  • 202 ENSINO JURIacuteDICO REMOTO EMERGENCIAL
                                                                                                                                                                                                                  • 203 OS DESAFIOS DO ENSINO JURIacuteDICO NA UTILIZACcedilAtildeO DA EDUCACcedilAtildeO REMOTA
                                                                                                                                                                                                                  • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                                                                                                                                                                                  • REFEREcircNCIAS
                                                                                                                                                                                                                      • POSFAacuteCIO
                                                                                                                                                                                                                        • Paulo Rogeacuterio Marques de Carvalho
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