direito civil (cristiano). aula 01

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    DEFENSORIA PBLICA ESTADUAL Direito Civil

    Cristiano Sobral

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    TEORIA GERAL DOS CONTRATOS www.professorcristianosobral

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    FB: Professor Cristiano Sobral 1. DEFINIO

    Contrato o negcio jurdico bilateral formado pela convergncia de duas ou mais vontades, que cria, modifica ou extingue relaes jurdicas de natureza patrimonial.

    um negcio jurdico, pois uma atuao humana em que as partes escolhem os efeitos que sero produzidos ao praticarem o ato. bilateral, pois formado pelo acordo de vontades, ou melhor, so necessrias pelo menos dois desejos. O testamento um negcio jurdico, j que a atuao humana em que se escolhem os efeitos que dele sero produzidos, contudo no um contrato, pois um negcio jurdico unilateral. 2. CLASSIFICAES DOS CONTRATOS 2.1. Contrato Unilateral, Bilateral e Plurilateral

    Fala-se aqui em nmero de prestaes e no na quantidade de vontades envolvidas, pois no existe contrato com uma vontade apenas. a) Contrato unilateral: h prestao apenas para uma das partes. Doao contrato, pois existe duas vontades, em razo da necessidade do donatrio aceit-la. Porm, contrato unilateral, pois s tem prestao para o doador (entregar o bem). b) Contrato bilateral: alm de duas vontades, existe prestao para ambas as partes, por exemplo, contrato de compra e venda, pois o vendedor tem a prestao de entregar o bem e o comprador a de estabelecer o preo. c) Contrato plurilateral: h pelo menos trs vontades envolvidas. Exemplo: contrato de sociedade, em que so partes os scios e a prpria sociedade, como parte credora das prestaes

    dos scios (contribuio para o capital social). 2.2. Contrato oneroso e gratuito a) Contrato oneroso: as partes ganham algo equivalente sua prestao, quer dizer, h equilbrio econmico entre as partes porque ambos perdem e ganham na mesma proporo econmica, por exemplo, contrato de compra e venda. b) Contrato gratuito: a parte no ganha algo equivalente sua prestao, ou seja, h desequilbrio econmico, pois uma das partes s ganha e uma das partes s perde, por exemplo, contrato de doao. 2.3. Contrato Comutativo e Aleatrio a) Comutativo: as partes podem antever os seus efeitos, isto , ao celebrar o contrato, j sabem os efeitos que sero produzidos. Exemplo: contrato de compra e venda, pois j percebe-se que um entrega o bem e que outro entrega o preo. b) Aleatrio: as partes no podem antever os seus efeitos, ou melhor, ao celebrar o contrato no h como saber os efeitos que sero produzidos. A razo simples: contrato aleatrio o contrato de risco (lea significa risco). Exemplo: contrato de seguro, pois o segurado pode ou no receber a indenizao, a depender se ocorre ou no o sinistro, o que no se sabe quando o contrato celebrado.

    O contrato aleatrio pode ser naturalmente aleatrio (aleatrio tpico) ou acidentalmente aleatrio (aleatrio atpico). O contrato naturalmente aleatrio quando for da sua essncia ser aleatrio, por exemplo, contrato de seguro. O contrato acidentalmente aleatrio quando for da sua essncia ser comutativo, mas aleatrio em razo de uma circunstncia que lhe especfica. Exemplo: contrato de compra e venda comutativo, no entanto o contrato de compra e venda de uma safra que est sendo plantada aleatrio, pois no se sabe qual ser a quantidade da produo.

    Os artigos 458 a 461 do Cdigo Civil trazem duas categorias de contratos de compra

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    e venda atipicamente aleatrios: compra e venda de coisa futura e de coisa exposta a risco. a) Compra e venda de coisa futura: o contrato de compra e venda de coisa futura aleatrio, pois no se sabe se a coisa vir a existir e em que quantidade. Pode o contratante assumir o risco da coisa no vir a existir, pagando mesmo assim o preo (chamado de contrato de compra e venda emptio spei) ou assumir o risco de vir a existir em qualquer quantidade, pagando o preo se vier a existir em quantidade inferior esperada, todavia no pagando se nada do avenado vier a existir (chamado contrato de compra e venda emptio rei speratae). Em ambos os casos, no pagar o preo se menos do esperado vier a existir por culpa ou dolo do contratante. Como exemplo, pense na compra de peixes que ainda sero pescados, em que se paga o preo mesmo que nenhum peixe seja pescado (emptio spei) ou se vier em qualquer quantidade, s no pagando se nenhum vier (emptio rei speratae). Em nenhum dos dois casos pagar, se o insucesso total ou parcial decorreu de dolo ou culpa do pescador. b) Compra e venda de coisa exposta a risco: o contrato de compra e venda de coisa exposta a risco de coisa que j existe, entretanto atipicamente aleatrio, pois o comprador assume o risco exposto. Exemplo: compra de cermica a ser transportada em navio, cujo risco de vir a se quebrar o comprador assuma. Dever pagar todo o preo, mesmo que alguns venham quebrados, a menos que dolosamente o vendedor se aproveite, colocando alguns j quebrados. 2.4. Contrato Consensual e Real

    O contrato se forma, em regra, quando a uma proposta se seguir uma aceitao, quer dizer, com o acordo de vontade das partes. Essa regra quebrada em alguns casos, quando o acordo de vontades no suficiente para a formao do contrato, o que s ocorre com a prtica de um ato posterior: a entrega do bem objeto da prestao. a) Contrato consensual: se forma com o acordo de

    vontades das partes. a regra em matria de contratos, por exemplo, o contrato de compra e venda. b) Contrato real: se concebe pela tradio, ou seja, com a entrega do bem, que se segue ao acordo de vontade das partes. So trs os contratos reais: mtuo, comodato e depsito. 2.5. Contrato de Execuo Instantnea, Continuada e Diferida a) Contrato de execuo instantnea: que cumprido em uma s vez, no momento da celebrao do contrato (ex.: compra e venda com pagamento vista). b) Contrato de execuo continuada: em que a prestao efetuada em cotas peridicas (ex.: compra e venda com pagamento parcelado). c) Contrato de execuo diferida: na qual a prestao realizada em uma s vez, contudo no futuro (ex.: compra e venda com pagamento a prazo). 2.6. Contrato entre Presentes e entre Ausentes

    uma classificao que se refere formao do contrato. Pelos nomes, parece que depende se as partes esto ou no na presena fsica um do outro. No bem assim, pois h tecnologias que fazem com que uma conversa entre pessoas distantes seja como se estivessem fisicamente presentes, pois proposta e aceitao se do em tempo real. a) Contrato entre presentes: a proposta e a aceitao se do em tempo real, sendo firmado no s entre pessoas fisicamente presentes, mas tambm por telefone ou meio de comunicao semelhante (vdeo conferncia, chats, entre outros). b) Contrato entre ausentes: a proposta e a aceitao no se do em tempo real, cujos principais exemplos so aqueles formados por carta ou por e-mail. 3. PRINCPIOS CONTRATUAIS

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    3.1. Princpio da Autonomia da Vontade

    As partes so livres para contratar, isto , contratam se quiserem, com quem quiserem e sobre o que quiserem. Isso decorre de simples razo: contrato um acordo de vontades. O limite para suas atuaes a lei e, como veremos mais frente, o interesse social e a boa-f. 3.2. Princpio da Obrigatoriedade e a Teoria da Impreviso (pacta sunt servanda x clusula rebus sic stantibus)

    As partes contratam se quiserem, porm, se contratarem, so obrigadas a cumprir o contrato. O contrato faz lei entre as partes, o que traduz o conhecido pacta sunt servanda, ou melhor, os pactos devem ser cumpridos.

    Essa a noo bsica do princpio, no entanto o seu estudo pode e deve ser aprofundado. A atual Norma Civilista adotou o princpio do pacta sunt servanda, todavia no de forma absoluta, pois foi mitigado pela previso da chamada clusula rebus sic stantibus.

    Para entender essa clusula, necessria uma breve anlise histrica. Desde a origem dos contratos, vigora o princpio do pacta sunt servanda, quer dizer, o contrato sempre fez lei entre as partes. Entretanto, a Idade Mdia foi uma poca que ameaou a sobrevivncia desse princpio, pois foi um perodo marcado por constantes guerras e conflitos feudais, o que inviabilizava o cumprimento de um contrato. Por isso, naquela poca, tornou-se comum vir nos contratos com prestao que se prolongava no tempo uma clusula liberando o contratante em caso de ocorrer uma guerra ou conflito feudal, permitindo-lhe pedir o fim do contrato. Rebus sic stantibus significa coisa assim ficar, ou seja, o contratante obrigado a cumprir o contrato, contudo apenas se a coisa assim ficar.

    A inovao do Diploma Civil de 2002 foi tornar a clusula rebus sic stantibus implcita aos

    contratos, quando passou a prever a teoria da impreviso ou da onerosidade excessiva. Se um contrato for assinado e sobrevier fato imprevisvel que o desequilibre, tornando-o excessivamente oneroso para uma das partes e com extrema vantagem para a outra, poder aquela pedir a resoluo do contrato (art. 478 do CC). O exemplo tpico o contrato de leasing de um carro, com valor atrelado ao dlar (locao com opo de compra ao fim do contrato mediante pagamento de valor residual). O dlar vale um real e passa do dia para noite para dois reais, dobrando o valor a ser pago. Poder ser pedida a resoluo do contrato com base na teoria da impreviso ou da onerosidade excessiva.

    So os elementos necessrios para incidncia da teoria da impreviso ou da onerosidade excessiva: a) Contrato de execuo continuada ou diferida: a teoria da impreviso se aplica a contratos cuja execuo se prolongue no tempo, isto , quando a execuo continuada ou diferida no tempo. Como o contrato de execuo instantnea tem prestaes cumpridas quando da celebrao do contrato, estas no sero atingidas pelo fato imprevisvel superveniente. b) Prestao excessivamente onerosa para uma das partes: a ideia da teoria, a excessiva onerosidade para uma das partes, desequilibrando o contrato. c) Extrema vantagem para a outra parte: para a resoluo dos contratos, no basta este ter ficado muito oneroso para uma das partes. preciso que, concomitantemente, tenha havido extrema vantagem para a outra parte. Assim sendo, se o contratante perde seu emprego e consegue outro recebendo metade do salrio anterior, o contrato fica excessivamente oneroso para ele, porm no poder pedir a resoluo pela onerosidade excessiva porque no houve extrema vantagem para a outra parte. c) Fato superveniente e imprevisvel: a resoluo do contrato s ter lugar se o desequilbrio das prestaes decorrerem de um

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    fato superveniente que as partes no podiam prever quando da celebrao do contrato.

    Ateno! No confundir teoria da onerosidade excessiva com leso e estado de perigo. Nesses defeitos do negcio jurdico, o ato j nasce viciado, enquanto na aplicao da teoria ora em estudo, o contrato origina-se consoante a lei, no entanto se vicia por fato superveniente.

    A consequncia disso que na leso e

    no estado de perigo o contrato anulado, medida que na teoria da impreviso ele objeto de resoluo. Nos citados vcios da vontade, como o ato invalidado, a sentena anulatria retroage data da prtica do ato, desfazendo todos os efeitos produzidos, inclusive os anteriores anulao. Na resoluo do contrato pela onerosidade excessiva, a sentena no deveria retroagir, s aniquilando os efeitos a partir da resoluo. Contudo, por expressa previso legal, efeitos anteriores resoluo sero desfeitos, pois a lei determina que a sentena retroaja data da citao, ou melhor, s so preservados os efeitos anteriores citao.

    Importante frisar que o contrato atingido pela teoria da impreviso ou onerosidade excessiva pode se manter, sem ser objeto de resoluo, o que ocorrer se o contratante beneficiado concordar com a reduo do seu ganho, reequilibrando as prestaes. 3.3. Princpio da Relatividade dos Efeitos dos Contratos

    O contrato s produz efeitos em relao s partes. por isso que dizemos que o direito contratual inter parte (entre as partes), diferente dos direitos reais, que so direitos oponveis erga omnes (contra todos). Significa que o contratante s pode opor seu direito contratual ao outro contratante e no a pessoas estranhas relao contratual, pois s as partes podem ter direitos e deveres frutos do contrato que celebraram. 3.4. Princpio da Funo social do Contrato

    O contrato no interessa apenas s partes

    contratantes, mas tambm a toda sociedade, porque ele repercute no meio social. Essa a ideia do princpio da funo social do contrato, que reflete a atual tendncia de sociabilidade do direito, quer dizer, de subordinao da liberdade individual em funo do interesse social. Assim sendo, se o contrato repercute negativamente para a sociedade, o juiz pode nele intervir para preservao do interesse coletivo.

    Como exemplo, podemos pensar em um contrato com juros excessivamente elevados. No ruim apenas para a parte devedora, mas para toda a sociedade, pois aumenta o risco de inadimplemento, o que aumenta ainda mais os juros, o que dificulta a circulao do crdito, diminuindo os investimentos produtivos e fazendo com que o Estado no se desenvolva. O juiz, sob o fundamento da funo social do contrato, poder intervir nessa relao entre particulares, trazendo os juros para valor de mercado.

    A atual Legislao Civilista, em vrias oportunidades, tem regras que refletem essa tendncia da sociabilidade do direito. o caso, por exemplo, da teoria da impreviso, podendo o juiz pr fim ao contrato em razo do seu desequilbrio econmico pela supervenincia de um fato imprevisvel. O mesmo ocorre no caso de leso e estado de perigo, podendo o juiz invalidar o contrato, por uma das partes ter assumido obrigao excessivamente onerosa em razo de determinadas circunstncias que foram a contratao. Isso demonstra a preocupao socializante da Lei Civil em vigor, pois, mesmo preenchidos os requisitos formais de validade do negcio jurdico, a lei pretende amparar um dos contratantes da esperteza ou ganncia do outro ou do prejuzo econmico imprevisvel com extrema vantagem para o outro contratante. Qual a razo disso? O Poder Judicirio s pode chancelar contratos que respeitem no s regras formais de validade jurdica, todavia, sobretudo, normas superiores de cunho moral e social.

    Essa concepo social do contrato chega ao seu pice quando o Cdigo Civil, j em seu primeiro artigo sobre contratos, diz que a funo social do contrato representa uma limitao na liberdade de contratar (art. 421 do

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    CC). As partes so livres para, dentro dos limites legais, colocarem no contrato as clusulas que quiserem, entretanto a limitao autonomia da vontade no se d apenas pela lei, mas tambm pelo interesse social.

    Imagine um contrato para a construo de uma obra de vulto ou de uma indstria. No obstante estejam observados os requisitos legais de validade (agente capaz, objeto possvel, determinado ou determinado e forma prescrita ou no defesa em lei), alguns questionamentos podem ser feitos: e os reflexos ambientais? E os reflexos trabalhistas? E os reflexos sociais? E os reflexos morais, ou seja, no mbito dos direitos da personalidade? Por melhor que seja o contrato do ponto de vista econmico para os contratantes, no se pode chancelar como vlido um negcio negativo para a sociedade em razo do desrespeito de leis ambientais, que pretenda fraudar leis trabalhistas ou que viole a livre concorrncia, as leis do mercado ou postulados de defesa do consumidor, mesmo sob o pretexto da livre iniciativa.

    Analisando os exemplos supramencionados, podemos verificar que um contrato que no cumpre a sua funo social pode ser bom apenas para uma das partes, como ocorre com o contrato com juros excessivos. Neste caso, caber ao contratante prejudicado pedir a tutela jurisdicional com base na funo social do contrato. Contudo, at mesmo quando o contrato for bom do ponto de vista econmico para ambas as partes, poder ser alvo de interveno do juiz, caso contrarie o interesse social, como o caso de um contrato muito lucrativo, porm que gera danos ambientais ou que fraude leis trabalhistas. A questo : nesse caso de mtuo benefcio, a quem caber pedir a interveno judicial?

    O papel de guardio do princpio da funo social do contrato deve recair sobre os ombros do Ministrio Pblico. A princpio, o parquet no teria legitimidade ativa para pedir a interveno do juiz no contrato, por tratar-se de interesse privado. No entanto, como o contrato tem uma funo social, no podendo prejudicar a sociedade como um todo, o interesse passa a ser

    coletivo, legitimando a atuao ministerial.

    Com efeito, o princpio da funo social do contrato possibilita uma nova tendncia de controle dos contratos inaugurada pela atual Norma Civilista: o dirigismo judicial dos contratos. O que significa isso? O contrato sempre sofreu controle externo, limitando a atuao dos contratantes. At ento, prevalecia o controle feito pela lei, razo pela qual esse controle chamado de dirigismo legal dos contratos. Pense, como exemplo, no contrato de locao, onde a lei do inquilinato limita a atuao do locador. Hoje, com o Diploma Civil vigente, prevalece o dirigismo judicial dos contratos, isto , no a lei que controla o contrato, e sim o juiz, na anlise do caso concreto.

    O que torna isso possvel a utilizao das chamadas clusulas gerais ou conceitos jurdicos indeterminados, que tem como exemplo a funo social dos contratos. So expresses vagas em seu contedo, exigindo do aplicador do direito uma anlise do caso concreto para suprir a vacncia. A lei diz que o contrato deve atender a funo social, ou melhor, no pode ir contra o interesse social. O que atender ou ir contra o interesse social? A lei no enumera casos, preferindo usar uma expresso vaga, permitindo ao juiz dizer, analisando o contrato, se ele atende ou no o interesse social.

    Em concluso, no se pretende aniquilar o princpio da autonomia da vontade ou o pacta sunt servanda, todavia temper-lo, tornando-os mais vocacionados ao bem-estar comum, sem prejuzo do interesse econmico pretendido pelas partes contratantes. A lei relativiza o princpio do pacta sunt servanda com regras especficas, como a clusula rebus sic stantibus ou com a previso da leso ou do estado de perigo, entretanto tambm relativiza permitindo interveno judicial em uma relao que deveria interessar unicamente s partes do contrato, contudo que interessa a toda a sociedade, pois a lei diz que o contrato tem uma funo social. 3.5. Princpio da Boa-f Objetiva

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    Este princpio vem consagrado no artigo 422 da Legislao Civilista, que obriga as partes contratantes a agirem de boa-f quando da celebrao de um contrato. A palavra chave do princpio confiana, que significa parceria contratual. A ideia que os contratantes no so lutadores, um querendo prejudicar o seu adversrio, mas sim parceiros, porque um confia no outro, uma vez que so obrigados a agir em conformidade com os ditames da boa-f.

    Idealize um casal de noivos que compra suas alianas em uma joalheria, optando por um modelo que feito com ouro amarelo e ouro branco. Satisfeitos com a bela aliana, no dia da festa do noivado, um casal de amigos informa que toda aliana com ouro branco fica amarelada com o decorrer do tempo. Revoltados, reclamam junto joalheria, que diz nada poder fazer. Os noivos podero pedir a resoluo do contrato de compra e venda, devolvendo as alianas e recebendo seu dinheiro de volta, em funo da quebra da boa-f do vendedor, que no informou um relevante aspecto do contrato, que interferiria na escolha do modelo da aliana ou na prpria realizao do negcio.

    O princpio que rege os contratos o princpio da boa-f objetiva, porm, em realidade, existem dois tipos: a objetiva ou a subjetiva. A subjetiva, como o nome sinaliza, a boa-f interior, psicolgica, quer dizer, o que o contratante acredita ser correto. J a objetiva lhe exterior, ou seja, agir de forma correta, conforme um padro normal de conduta. A boa-f que rege os contratos a objetiva, pois mais segura, uma vez que no depende do que pensa o outro contratante, mas tambm em verificar se o contratante agiu seguindo um comportamento normal das pessoas.

    O que um comportamento normal? Como saber se o contratante agiu seguindo um padro normal de conduta? o juiz que dir na anlise do caso concreto. Com efeito, vimos que a tendncia atual em matria de controle contratual o chamado dirigismo judicial dos contratos, em substituio da antiga prevalncia do dirigismo legal. Cabe ao juiz controlar os contratos, o que lhe permitido a partir do uso

    de clusulas gerais ou de conceitos jurdicos indeterminados, que so expresses vagas, reclamando suprimento da vacncia pelo aplicador do direito na anlise do caso concreto. o caso no s da funo social dos contratos, e tambm da boa-f objetiva. A lei obriga as partes a agirem de boa-f, sem, no entanto, enumerar as condutas permitidas e proibidas sob esse aspecto. Esse papel caber ao juiz, que poder intervir em um contrato, podendo at resolv-lo, mesmo tendo sido observados os requisitos formais de validade em uma livre negociao entre particulares.

    Ateno! De acordo com o artigo 422 da Lei Civil, a boa-f deve nortear o comportamento dos contratantes no s no momento da concluso do contrato, mas tambm durante a sua execuo. o fundamento da chamada responsabilidade civil ps-contratual. s vezes, um contrato produz efeitos aps a sua celebrao, devendo a boa-f perdurar enquanto durarem esses efeitos. Suponha que uma pessoa compre um carro junto a uma concessionria. Este quebra, todavia no existe pea para reposio e o comprador no poder mais utiliz-lo. Ele poder pedir a resoluo do contrato alegando quebra da boa-f objetiva em razo de no ter informado o fato que poderia ocorrer aps a execuo do contrato.

    Ateno! Embora no mencionado expressamente no artigo 422 do Cdigo Civil, a boa-f deve conduzir o comportamento dos contratantes at mesmo antes da proposta. o fundamento da chamada responsabilidade civil pr-contratual, que ser analisada a seguir nas consideraes sobre a formao dos contratos. Exemplo tpico a proibio da propaganda enganosa. O contrato celebrado a partir de uma propaganda enganosa poder ser resolvido a requerimento da parte prejudicada, pois a boa-f j deve fazer-se presente mesmo durante as negociaes preliminares para uma futura contratao.

    4. PRELIMINARES (arts. 421 a 426, CC)

    A Norma Civilista trata da teoria geral dos contratos a partir do seu artigo 421, iniciando com questes preliminares. De todos

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    os princpios vistos, trata do princpio da funo social dos contratos e da boa-f objetiva. A seguir, trata de trs temas: contrato de adeso, contratos atpicos e pacto sucessrio. 4.1. Contratos de Adeso

    So aqueles elaborados unilateralmente por uma das partes contratantes, opondo-se ao contrato paritrio, em que elas elaboram conjuntamente as suas clusulas. No um negcio jurdico unilateral, pois o aderente, embora no tenha o poder de negociar as clusulas do contrato, tem de aceitar a proposta, no perdendo, portanto, sua natureza contratual de bilateralidade.

    O aderente parte mais fraca nessa relao contratual. Para garantir a isonomia material ou real, o Diploma Civil lhe confere duas protees: a) Art. 423: quando houver no contrato de adeso clusulas ambguas ou contraditrias, deve ser adotada uma interpretao mais favorvel ao aderente. b) Art. 424: so nulas as clusulas em um contrato de adeso que estipulem a renncia do aderente de um direito seu resultante da prpria natureza do negcio. Exemplo: contrato de depsito aquele em que o depositante entrega temporariamente ao depositrio a guarda e conservao de um bem, que tem o dever de devolver o bem tal como recebido. Note que um direito do depositrio receber o bem tal como entregou ao depositrio. Sendo o estacionamento em estabelecimentos comerciais um contrato de depsito e de adeso, nula a clusula que diz no haver responsabilidade pelos objetos deixados no interior do veculo. 4.2. Contratos Atpicos

    A Legislao Civilista, nos artigos 481 e 853, trata da regulamentao das vrias espcies de contrato. No h como a lei prever toda espcie de contrato, pois este resulta do acordo de vontade das partes, que so livres para negociar segundo suas necessidades. Ademais, as alteraes da lei no conseguem acompanhar

    o surgimento de novos contratos em razo da dinmica social.

    Contratos tpicos so aqueles previstos e regulamentados em lei, enquanto os contratos atpicos no os so. So lcitos os contratos atpicos em razo do princpio da autonomia da vontade. Que normas so aplicadas a eles, j que no h regulamentao especfica em lei? Nos termos do seu artigo 425, as normas gerais da Lei Civil, tanto da sua parte geral quanto da teoria geral dos contratos, ora em estudo. 4.3. Pacto Sucessrio

    Compreende o contrato que tem por objeto herana de pessoa viva, sendo tambm chamado de pacta corvina ou pacto de abutres. Nos termos do artigo 426 do Cdigo Civil, um contrato proibido por lei, sendo invlido se praticado. A questo : ser nulo ou anulvel? A lei no permite a prtica sem dizer, entretanto, se nulo ou anulvel, razo pela qual considerado nulo pela lei, segundo prev o artigo 166, VII, da Norma Civilista em vigor.

    Perceba que no podendo ser objeto de contrato herana de pessoa viva, isto , aps morte do de cujos, aps a abertura da sucesso, os herdeiros podem negociar seus quinhes hereditrios, mesmo antes da individualizao obtida ao fim do inventrio com o formal de partilha, sendo considerado por lei um contrato de bem imvel (art. 80, II, do CC). 5. FORMAO DOS CONTRATOS (arts. 427 a 435, CC)

    O contrato se forma, em regra, quando a uma proposta se seguir uma aceitao, seja com o acordo de vontades das partes. Como exceo, temos os contratos reais, em que este acordo no suficiente para a formao do contrato, o que s ocorre com um ato posterior: a tradio, ou melhor, a entrega do bem. o caso de trs classes contratuais: mtuo, comodato e depsito.

    No confunda a formao do contrato com a sua validade. O contrato se formar significa passar a existir no mundo jurdico,

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    obrigando as partes ao seu cumprimento, enquanto ser vlido estar consoante a lei e, portanto, apto a produzir seus regulares efeitos. O artigo 107 do Diploma Civil prev que a validade dos contratos no exige forma especial, seno quando a lei exigir, quer dizer, o contrato se forma com o simples acordo de vontades, contudo, em alguns casos, sua validade reclama uma forma especial para produzir efeitos. Assim, destacando que em alguns casos deve haver uma forma especial do contrato, o que tratamos aqui do momento da sua formao, pois passando a existir no mundo jurdico, obriga as partes ao seu cumprimento, sob pena de responsabilidade civil contratual, ou seja, indenizao de perdas e danos em razo da mora ou do inadimplemento (tema tratado em obrigaes, para onde remetemos sua leitura).

    A Legislao Civilista trata do tema formao dos contratos nos artigos 427 a 435, mencionando a proposta e a aceitao. Porm, a formao do contrato no composta apenas por esses dois atos. Normalmente existe uma fase prvia, de negociaes preliminares, chamada de fase de puntuao, que poder culminar na formulao de uma proposta, que, se aceita, formar o contrato. So as fases que passamos a estudar. 5.1. Fase de Puntuao e a Responsabilidade Pr-contratual

    Fase de puntuao a fase de negociaes preliminares que antecedem a proposta, marcada por conversaes prvias, ponderaes, reflexes, sondagens, clculos e estudos de viabilidade de negociao futura. Pode resultar, inclusive, em uma minuta contratual se alguns pontos acordados forem reduzidos a termo, isto , a escrito (difere da proposta, pois esta completa, uma vez bastar um sim para o contrato se formar).

    Sobrevindo uma proposta fase de puntuao, esta vincula o proponente, pois, se a outra parte a aceitar, o contrato estar formado e ambos estaro obrigados em seus termos. A questo : podemos falar em responsabilidade civil nesta fase de negociaes preliminares pela no concluso do

    contrato? Em regra no, pois no h qualquer problema em se iniciarem negociaes e se perceber a inviabilidade ou inconvenincia da contratao. Mas, em alguns casos, pode haver responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, pois no h ainda um contrato, sendo chamada de responsabilidade civil pr-contratual.

    Em que ocasio isso ocorre? Quando, nas negociaes preliminares, uma das partes cria na outra a justa expectativa de contratao e, sem qualquer justificativa, por mero capricho, no formaliza a proposta. O fundamento a quebra da boa-f objetiva na fase das negociaes preliminares. H um abuso de direito, que considerado pela lei ato ilcito a ensejar responsabilidade civil (art. 187 c/c art. 927, ambos do CC). Ora, ao criar a justa expectativa de contratao, legitima a outra parte a contrair gastos e at a recusar outras propostas, e no concluir o contrato sem qualquer justificativa causar o que chamamos de dano de confiana, em razo da quebra da boa-f objetiva, que deve nortear o comportamento dos contratantes at mesmo antes da proposta.

    Como exemplo, cito um caso cobrado em concurso. Imagine que durante anos um fabricante de extrato de tomate distribui gratuitamente sementes de tomate entre agricultores de uma regio, procurando-os na poca da colheita para celebrar com eles contrato de compra e venda de toda a produo de tomate. No dcimo ano distribuiu as sementes, no entanto no apareceu para compra da safra. Procurada pelos agricultores, recusou-se, sem qualquer justificativa, a celebrar o contrato. Nesse caso, h responsabilidade civil pr-contratual aquiliana do fabricante de extrato de tomate, tendo que indenizar os agricultores em razo dos prejuzos que resultaram da no contratao, como os custos da produo e eventual recusa de venda para outros compradores. O fundamento da responsabilidade pr-contratual a violao do princpio da boa-f objetiva nessa fase de negociaes preliminares anterior proposta, pois o fabricante criou nos agricultores a justa expectativa de contratao e, sem qualquer justificativa, por mero

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    capricho, no formalizou a proposta de compra e venda. 5.2. Pr-contrato ou Contrato Preliminar

    O pr-contrato, tambm chamado de contrato preliminar ou pacto de contrahendo, um contrato em que as partes assumem a obrigao de celebrar um contrato definitivo no futuro, por no ser possvel a contratao agora ou por no ser o melhor momento.

    Exemplo: Um time de futebol quer contratar um jogador. No pode celebrar um contrato definitivo agora, pois ele tem contrato em vigor com outro clube. Todavia, podero celebrar um pr-contrato, em que se obrigam a contratar ao trmino do contrato em vigor. Caso o jogador negocie seu passe com outro clube ou este no queira mais contrat-lo, haver descumprimento do contrato, devendo arcar com perdas e danos, que provavelmente vir pr-fixada em uma clusula penal.

    Ateno! O pr-contrato deve ter os mesmos elementos do contrato definitivo, exceo de um deles: a forma. As partes e o objeto so os mesmos, entretanto a forma no precisa ser a mesma. Se o contrato definitivo tem de ser por escritura pblica, nada impede que o pr-contrato ocorra por instrumento particular.

    Qual a importncia do pr-contrato? Em

    princpio, a responsabilidade civil na fase de negociaes preliminares extracontratual, pois ainda no h um contrato. Contudo, se celebrarem um pr-contrato, as partes transformaro essa responsabilidade pr-contratual em contratual antes mesmo da celebrao do contrato definitivo, pois o pr-contrato um contrato. Qual a vantagem? A parte prejudicada no precisar provar a culpa do inadimplente no descumprimento do contrato nem tampouco o dano, seja sua prpria existncia, seja a sua extenso. Voc recorda o que foi tratado a respeito do tema?

    Relembrando: tanto a responsabilidade civil extracontratual (em regra) como a contratual so

    subjetivas, porm esta tem culpa presumida. Assim, se o caso de responsabilidade contratual, basta ao contratante prejudicado provar o inadimplemento, sem precisar provar que o outro teve culpa no descumprimento do contrato (este poder elidir sua responsabilidade provando no ter tido culpa, pois a presuno de culpa relativa, admitindo prova em contrrio, o que representa inverso do nus da prova). Por outro lado, se caso de responsabilidade civil extracontratual subjetiva, a vtima do dano, ao cobrar perdas e danos, dever provar que o agressor teve culpa em caus-lo. Assim sendo, a responsabilidade civil contratual mais vantajosa para quem sofre o dano, pois no precisar provar o difcil elemento subjetivo da culpa. Alm disso, como h um contrato, podemos pr-fixar as perdas e danos em uma clusula penal, dispensando a parte prejudicada de provar no s o dano, no entanto, sobretudo, a sua extenso.

    No supramencionado exemplo da compra dos tomates, o fabricante, por ser fase anterior proposta, tem responsabilidade civil extracontratual, somente sendo responsabilizado civilmente se os agricultores provarem a justa expectativa de contratao e a recusa sem qualquer justificativa, mas tambm a sua culpa na no celebrao do contrato. Todavia, se na fase de negociaes preliminares, as partes reduzirem as bases do contrato a escrito em um pr-contrato, bastaro provar que o fabricante assinou um pr-contrato e que houve inadimplemento, alm de sequer precisar provar o dano e a sua extenso, pois podero executar direto a clusula penal.

    O mesmo ocorre no exemplo da contratao do jogador de futebol. Se o clube apenas conversa em negociaes preliminares, acertando as bases de um futuro contrato, pode ser que, ao final do contrato em vigor, o atleta quebre a confiana e resolva permanecer no clube que est ou contratar com outro. Para responsabiliz-lo civilmente, dever provar que o atleta no contratou culposamente, entretanto, se assinar um pr-contrato, bastar comprovar o inadimplemento, sem sequer precisar provar o dano e a sua extenso. 5.3. A Proposta

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    O contrato se forma quando a uma

    proposta se seguir uma aceitao. raro uma pessoa fazer uma proposta e a outra simplesmente a aceitar, pois normal se sucederem sucessivas contrapropostas at culminar em uma aceitao final. Essa fase de sucessivas contrapropostas a partir de uma proposta chamada de fase de policitao ou fase de oblao. Isso d nome aos atores envolvidos: quem faz a proposta chamado de proponente ou de policitante e quem a aceita chamado de aceitante ou de oblato.

    Na fase de policitao, no deixa de haver uma negociao entre as partes, o que j acontece na fase de puntuao. Ora, qual a diferena entre a fase de puntuao e a fase de policitao na formao dos contratos? a existncia de uma proposta. A fase de puntuao a fase de negociaes preliminares, ou melhor, anterior proposta. J a fase de policitao se d aps a proposta, sucedendo-se sucessivas contrapropostas. A pergunta se mantm: como saber se uma conversa entre as partes j configura uma proposta ou apenas negociaes preliminares, que at pode resultar em uma minuta, se reduzido a termo? a seriedade da proposta. Significa que a proposta pronta e acabada, abordando todos os elementos do contrato, pois basta um sim para a formao do contrato. Se isso j existe, fase de policitao; se ainda no existe, sendo conversados apenas alguns pontos do contrato, a fase de puntuao.

    O aspecto mais importante da proposta o seu aspecto vinculatrio, quer dizer, a proposta obriga o proponente. Se eu fao uma proposta, crio na outra parte a justa expectativa de contratao, que pode lev-la a contrair gastos e at a recusar outras propostas. Feita a proposta, o proponente a ela se obriga, ou seja, se houver aceitao, no poder alegar desistncia ou arrependimento, podendo o aceitante pedir em juzo a execuo forada do contrato ou indenizao por perdas e danos. J responsabilidade civil contratual, pois com a aceitao o contrato se formou, passando a existir no mundo jurdico. A proposta s obriga

    o proponente e a aceitao passa a obrigar ambas as partes.

    Nos termos do artigo 427 da Lei Civil, a proposta no obriga o proponente em trs casos: a) Se isso resultar dos termos da proposta: se no prprio corpo da proposta vier expressa a no obrigatoriedade, no cria justa expectativa de contratao na outra parte. b) A depender da natureza do negcio: h certos negcios jurdicos que, por sua natureza, no obrigam o proponente, como proposta de venda de produto com quantidade limitada em estoque, a partir do fim do estoque. c) Em decorrncia de determinadas circunstncias: existem certas circunstncias que fazem com que a proposta deixe de ser obrigatria, estando elas elencadas no artigo 428 do Cdigo Civil - a primeira delas para contrato entre presentes e as trs restantes para contrato entre ausentes, a saber: (i) se feita proposta sem prazo pessoa presente e esta no foi imediatamente aceita; (ii) se feita proposta sem prazo a pessoa ausente e tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente; (iii) se feita proposta com prazo pessoa ausente e esta no expedir a resposta no prazo; (iv) se feita uma proposta entre ausentes e antes dela ou simultaneamente chegar ao conhecimento da outra parte a sua retratao.

    A proposta fixa o local de formao do contrato (art. 435 do CC). A importncia em saber o local de sua formao determinar qual lei ser aplicada ao contrato. 5.4. A Aceitao

    Se a proposta obriga apenas o proponente, a aceitao vincula tambm o aceitante, pois ela faz o contrato se formar, passando a existir no mundo jurdico, estando

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    ambas as partes obrigadas ao seu cumprimento nos termos da responsabilidade civil contratual.

    A aceitao pode ser expressa ou tcita. Expressa a aceitao inequvoca, podendo ser escrita, verbal ou at gestual (ex.: leilo). Tcita a aceitao presumida pela prtica de um ato incompatvel com a no aceitao. Exemplo: doao de vaso no aceita de forma expressa, contudo o donatrio manda busc-lo na casa do doador e o coloca exposto em sua sala. por isso que o artigo 111 da Norma Civilista prev que o silncio, embora no seja a regra, at pode valer como aceitao, porm apenas quando as circunstncias indicarem que a pessoa aceitou tacitamente e, evidente, a lei no exija aceitao expressa.

    Em conformidade com o que foi visto, a proposta obriga o proponente. No entanto, essa obrigatoriedade no eterna, e sim pelo prazo dado. Se houver aceitao fora do prazo ou at mesmo com modificaes, o proponente no obrigado a concordar, todavia se quiser poder aceit-la. Por isso, dizemos que a aceitao fora do prazo ou com modificaes tem natureza de nova proposta.

    O contrato se forma quando a uma proposta se seguir uma aceitao. Se o contrato entre presentes, fcil ser determinar o momento, pois proposta e aceitao se do em tempo real. E se o contrato for entre ausentes, quando se d sua formao? Em regra, quando a aceitao expedida, pois quando o aceitante perde o controle de sua vontade. Como exceo, o contrato entre ausentes se forma quando a resposta chegar ao proponente, se assim convencionado entre as partes. 6. CONTRATOS QUE PRODUZEM EFEITOS A TERCEIROS (arts. 436 a 440, CC)

    Em razo do princpio da relatividade de seus efeitos, o contrato s atinge as partes, isto , s quem parte pode ter direito e deveres que dele decorrem. Entretanto, h trs contratos em que um terceiro por ele atingido, pois tero direitos e deveres decorrentes de um

    contrato em que no celebraram originariamente: 6.1. Estipulao em Favor de Terceiro o contrato em que um dos contratantes estipula um terceiro para quem o outro contratante dever cumprir a prestao. um terceiro ao contrato tendo um direito dele decorrente. Exemplo: contrato de compra e venda em que o estipulante determina a entrega do bem para um beneficirio. Se a prestao no for cumprida, o estipulante poder exigi-la em juzo. O beneficirio tambm tem esse poder, desde que no haja essa restrio no contrato. Caso tenha sido retirado do beneficirio esse poder, poder o estipulante exonerar o devedor de cumprir a prestao. E a substituio do beneficirio possvel? Sim, independente da anuncia dele e do outro contratante, se reservar esta faculdade no contrato. 6.2. Promessa de Fato de Terceiro o contrato em que um dos contratantes promete que um terceiro cumprir a prestao para o outro contratante. terceiro ao contrato com um dever dele decorrente. Exemplo: contrato por meio do qual uma das partes promete que seu irmo, um cantor famoso, conceder uma entrevista exclusiva a um programa de rdio. Se o terceiro no cumprir a prestao, o promitente responde por perdas e danos, mesmo que tenha feito todos os esforos para o cumprimento da prestao. O promitente no responder, mas sim o terceiro, se este aceitar a prestao e depois no cumpri-la. Ademais, o promitente no responde pelo descumprimento da prestao do terceiro se, pendendo sua aceitao, forem casados e, a depender do regime de bens do casamento, a cobrana sobre o promitente recair de alguma forma sobre o terceiro. 6.3. Contrato com Pessoa a Declarar aquele em que um dos contratantes pode indicar uma pessoa que ir assumir a sua posio no contrato. um terceiro ao contrato tendo direitos e deveres que dele decorrem. Exemplo: uma pessoa quer comprar uma casa, cujo dono jamais lhe vender por problemas

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    pessoais, podendo se valer de uma pessoa para contratar com o proprietrio, inserindo no contrato clusula que lhe permite indic-lo a assumir sua posio no contrato. Essa indicao deve ser feita em quinze dias, se outro prazo no for estipulado, contudo tem efeito retroativo data da celebrao do contrato, pois o indicado assume os direitos e deveres do contrato desde a sua celebrao e no apenas a partir da sua nomeao. Esse contrato exige muita confiana entre quem indicar e quem ser indicado, pois se no houver nomeao ou se esta no for aceita pelo indicado, o contrato produz efeitos entre os contratantes originrios. 7. GARANTIAS IMPLCITAS IMPOSTAS AO ALIENANTE (arts. 441 ao 471, CC)

    Quando uma pessoa aliena um bem, deve garantir ao adquirente, em nome da boa-f objetiva, o seu normal uso e fruio, bem como a garantia de que no o perder para terceiros por razes de direito. Assim sendo, o alienante responde perante o adquirente do bem tanto por defeitos materiais como por defeitos jurdicos.

    O alienante, responder por defeito material responder por vcio redibitrio, ou seja, o bem apresenta um defeito fsico que o torna intil ao seu uso ou que lhe diminui o valor. Por sua vez, responder por defeito jurdico responder pela evico, ou melhor, quem alienou o bem no poderia t-lo feito e o adquirente o perdeu para um terceiro, podendo buscar uma indenizao do alienante.

    Procederemos aqui ao estudo em separado do vcio redibitrio e da evico. No entanto, de plano, merecem destaque trs observaes comuns a ambos os institutos, pois so questes muito recorrentes em prova e que merecem sua especial ateno: a) O alienante responde por eles mesmo que no haja previso expressa em contrato, pois so garantias implcitas, que decorrem de lei e no da vontade das partes. b) O alienante responde por eles apenas diante de alienaes onerosas. A doao uma alienao

    gratuita, porm o alienante responder por eles quando a doao for com encargo, o que a lei chama de doao onerosa. c) O alienante responde por eles mesmo que a aquisio do bem tenha se dado em hasta pblica, quer dizer, atravs da venda pblica de bem penhorado em processo de execuo. 7.1. Vcios Redibitrios

    Aqui a responsabilidade diante da existncia de defeitos materiais, ou seja, o bem est quebrado. Importante voc no confundir a disciplina civil dos vcios redibitrios com a disciplina consumerista. Sendo o CDC uma lei especial em relao ao Diploma Civil, s aplicamos suas regras quando inaplicveis as regras do CDC. Quando, ento, aplicamos as regras dos vcios redibitrios previstas na Legislao Civilista? Quando no houver relao de consumo, o que ocorre em dois casos: (i) quando o alienante no fornecedor, como ocorre na venda ocasional de um bem usado, pois ser fornecedor exige habitualidade da negociao; e (ii) quando o adquirente no for consumidor, como ocorre no caso de algum adquirir um bem para renegociao, pois o CDC afirma que s consumidor quem adquire um bem como destinatrio final. Aqui nos concentraremos na disciplina civil do tema, deixando as regras da relao de consumo para um estudo especfico do tema.

    Por definio, vcios redibitrios so defeitos ocultos que tornam o bem imprprio para o uso a que se destina ou que lhe diminuem o valor. Repare que na disciplina civil, diferente da relao de consumo, o alienante s responde por defeitos ocultos, isto , que no poderia ter sido facilmente detectado pelos rgos dos sentidos, pois se o vcio era aparente, presume-se que o adquirente o admitiu, pois dele ciente.

    Comprove que o vcio redibitrio um defeito material que pode tornar o bem imprprio para o seu uso ou que pode apenas lhe diminuir o valor. Portanto, haver vcio redibitrio tanto no defeito oculto em um motor de um carro que o faz no mais funcionar, como tambm no defeito oculto de uma mquina que produz determinado produto,

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    diminuindo a sua produo, embora ela ainda funcione. Assim sendo, o adquirente pode reclamar do vcio redibitrio em juzo optando por uma de duas aes judiciais: a) Redibitria: ao judicial em que se pede para redibir o contrato, ou melhor, desfazer o negcio jurdico. Trata-se de anulao e no de declarao de nulidade, pois a lei impe prazo para reclam-lo, sob pena de convalescimento. b) Quanti Minoris ou Ao Estimatria: ao judicial em que se pede abatimento do preo, quer dizer, o adquirente quer permanecer com o bem, no entanto quer devoluo do valor da desvalorizao em razo do defeito oculto ou, se ainda no pagou, descont-lo quando do pagamento. Nessa ao se apura o valor a ser abatido do preo, o que justifica o seu nomem iuris: estimar quanto menos vale o bem.

    Ateno! O alienante responde por vcios redibitrios estando ele de m-f ou at mesmo de boa-f, ou seja, sabendo ou no do defeito oculto. A diferena que apenas diante da m-f ele ser obrigado a indenizar por perdas e danos. Nos termos do artigo 443 do CC, se o alienante agiu de boa-f, apenas ressarcir o adquirente dos gastos que teve com o negcio em si, isto , da devoluo do valor recebido e do ressarcimento das despesas do contrato. Contudo, se o alienante procedeu de m-f, no s devolver o valor recebido, mas tambm indenizar o adquirente por todas as perdas e danos decorrentes do vcio redibitrio.

    Qual o prazo que tem o adquirente para

    reclamar vcio redibitrio em juzo? Depende do bem adquirido: trinta dias para bem mvel e um ano para bem imvel. A princpio, o prazo se inicia quando da entrega efetiva do bem e no quando da alienao, pois s com o seu uso que ele consegue perceber o defeito oculto. Todavia, se o adquirente j tinha a posse do bem, o prazo se iniciar quando da prtica do ato, pois quando adquire legitimidade para reclamao em juzo, entretanto os prazos sero reduzidos metade, por j ter tido contato com o bem. Alm disso, se for um defeito oculto que por sua natureza seja de difcil percepo, o prazo s se inicia quando o adquirente dele tiver cincia.

    Contudo, a lei confere um prazo mximo para cincia do defeito a se somar ao prazo de reclamao: cento e oitenta dias para bem mvel e um ano para bem imvel. Por fim, no se esquea que eventual prazo de garantia convencional oferecida pelo alienante no substitui o prazo de garantia legal, mas tambm a ele se soma, pois, se houver garantia convencional, o prazo de garantia legal s se inicia quando este for encerrado. 7.2. Evico

    a perda ou desapossamento judicial, ou excepcionalmente administrativo, de um bem, em razo de um defeito jurdico anterior alienao. Quem alienou o bem no poderia t-lo feito, e o adquirente o perdeu, tendo ao de indenizao contra o alienante. O adquirente que perde o bem o evicto, e o terceiro que dele o toma o evictor.

    Exemplo: estelionatrio invade terreno e, falsificando a escritura pblica, vende-o. O verdadeiro dono ajuza ao reivindicatria reclamando seu terreno. Ao se constatar a falsidade da escritura pblica, o comprador perder judicialmente o imvel, o que chamamos de evico, tendo apenas direito indenizatrio contra o alienante.

    Constate que a evico pode se dar excepcionalmente atravs de uma perda administrativa do bem, pois, em alguns casos, a jurisprudncia do STJ tem admitido a evico independente de deciso judicial. Destaque para o caso em que h apreenso policial da coisa em razo de furto ou roubo anterior alienao, podendo o caso ser resolvido no prprio mbito da delegacia. Exemplo: ladro que vende carro roubado, sendo o evicto parado em uma blitz e o carro levado delegacia e devolvido ao seu real dono.

    Ateno! Nos termos do artigo 448 da Lei Civil, as partes podem por clusula expressa reforar, diminuir ou at mesmo excluir a responsabilidade do alienante pela evico. Cuidado, pois a excluso s valer se o evicto foi informado do risco da evico e o tenha assumido (art. 449 do CC).

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    Ao perder o bem, o evicto poder cobrar indenizao do alienante. A regra o ressarcimento da integralidade do dano do evicto, o que lhe permite cobrar do alienante no s a devoluo do que pagou pelo bem, como tambm as perdas e danos em razo da evico, os frutos que eventualmente tenha sido obrigado a restituir ao evictor e o que gastou com custas judiciais e honorrios advocatcios (art. 450 do CC).

    Ainda dentro da regra da indenizao da integralidade do dano, o alienante responder perante o evicto por eventual valorizao do bem entre a poca da alienao e da evico. Se o bem se desvalorizou, o evicto cobrar do alienante o preo que lhe pagou, porm se houver valorizao, cobrar o valor do bem da poca em que se evenceu, ou melhor, da poca em que perdeu o bem pela evico.

    Mais uma vez, ainda dentro da regra da indenizao da integralidade do dano, ainda que o bem esteja deteriorado, o evicto poder cobrar do alienante o valor total do bem, a menos que tenha sido causado dolosamente por ele, quando s poder cobrar do alienante o valor que passou a valer o bem. Note que, se a ttulo de culpa em sentido estrito a deteriorao, ainda assim o evicto cobrar do alienante o valor integral do bem.

    Conforme ser visto no estudo da posse no captulo de direitos reais deste livro, para onde remetemos a sua leitura, o possuidor que realiza benfeitorias no bem e vem a perd-lo, tem direito de ser indenizado quando as benfeitorias forem necessrias e teis. o caso que ocorre aqui, pois o evicto tem a posse do bem e a perde para o evictor.

    Assim, se ele realizou benfeitorias necessrias ou teis no bem antes da perda, poder reclamar indenizao do evictor. O artigo 453 do Cdigo Civil diz que o evicto pode cobrar do alienante o que gastou com benfeitorias necessrias e teis, se no foram abonadas, quer dizer, se no foram pagas pelo evictor. No entanto, completa o artigo 454 da atual Norma Civilista, se as benfeitorias foram feitas pelo alienante e abonadas, ou seja, pagas ao

    evicto pelo evictor, o valor ser deduzido quando o evicto cobrar a indenizao do alienante.

    Para cobrar o direito que da evico lhe resulta, o evicto poder denunciar ao alienante da lide, para, em caso de sentena decretando a perda do bem, j determine o juiz na sentena a indenizao por ele devida ao evicto. Em havendo sucessivas vendas antes de o dono reclamar o bem, poder o evicto cobrar indenizao no s do alienante imediato, e sim qualquer dos anteriores (art. 456 do CC).

    Por fim, fechando o tema evico, precisamos entender o que evico parcial, tema que tratado no artigo 455 do Diploma Civil. Haver evico parcial quando o evicto perder apenas parte do que adquiriu na alienao, por exemplo, quando compra cem cabeas de gado e perde vinte ou trinta delas pela evico. Qual a consequncia? Depende se a evico considervel ou irrisria, pois uma coisa perder uma ou duas cabeas de gado, outra perder noventa delas. Se a perda for considervel, o evicto pode pedir a resciso do contrato ou restituio da parte do preo correspondente ao desfalque sofrido, isto , devolver o que sobrou e cobrar devoluo do que pagou ou ficar com o que sobrou e cobrar apenas o equivalente sua perda. Se, todavia, a perda for irrisria, s poder o evicto cobrar a indenizao pela perda sofrida, permanecendo com o que sobrou. 8. EXTINO DO CONTRATO (arts. 472 a 480, CC)

    A extino do contrato o fim de sua existncia, a sua morte, o seu desaparecimento do mundo jurdico. Extino o gnero, que contempla vrias espcies, pois a expresso mais ampla para o fim do contrato, seja pela causa que for.

    Quando falamos em extino do contrato, esta pode se dar, em princpio, por duas formas diferentes: por causa anterior ou superveniente formao do contrato.

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    Se a causa de extino do contrato anterior ou at concomitante sua formao, temos um caso de imperfeio do contrato, pois ele j nasceu viciado. Nesse caso, o contrato invlido, podendo ele ser nulo ou anulvel, a depender do vcio. No tema para aqui ser visto, pois assunto da parte geral do direito civil, para onde remetemos sua leitura.

    Se a causa de extino do contrato superveniente sua formao, estamos tratando de um contrato perfeito, ou melhor, que se formou de forma vlida, no sendo caso de nulidade nem de anulabilidade. O contrato perfeito pode ser extinto de duas formas diferentes: por execuo ou por inexecuo do contrato.

    Execuo do contrato quando ele cumprido, o que pode ocorrer pelo pagamento ou at pelas formas anormais de extino das obrigaes, quais sejam: pagamento em consignao, pagamento com sub-rogao, novao, imputao ao pagamento, dao em pagamento, compensao, confuso ou remisso. Tambm no tema para aqui ser tratado, pois assunto de obrigaes, para onde remetemos a sua leitura.

    O caso de inexecuo quando no h cumprimento de um contrato perfeito, que o tema que aqui estudamos. Perceba a impropriedade da presente Legislao Civilista ao tratar do tema sob o ttulo da extino do contrato, quando, na verdade, deveria t-lo intitulado de inexecuo dos contratos ou at mesmo da extino dos contratos pela inexecuo.

    A inexecuo pode causar trs espcies de extino do contrato: resilio, resoluo e resciso. Vamos definir cada um dos institutos, para em seguida aprofundar o estudo. a) Resilio: extino do contrato por vontade de um ou de ambos os contratantes, quer dizer, quando eu termino o contrato porque quero ou quando terminamos porque queremos, sem ter qualquer razo jurdica para isso. Exemplo: celebrei contrato de aluguel pelo prazo de trs anos e decido resili-lo com dois anos por questo pessoal.

    b) Resoluo: extino do contrato em razo do inadimplemento da outra parte, ou seja, um dos contratantes no cumpre o contrato, legitimando a outra parte pedir sua resoluo. Exemplo: mesmo contrato de aluguel de trs anos, resolvido pelo locador em razo do inquilino no pagar o aluguel. c) Resciso: no h consenso na doutrina sobre o significado de resciso do contrato. Muitos usam o termo resciso como sinnimo de extino do contrato, at mesmo por causa antecedente, sendo, inclusive, o sentido que caiu no gosto popular, que s fala em resciso do contrato quando este chega ao fim. Autores clssicos, como Orlando Gomes e Caio Mrio, entretanto, com base na doutrina italiana, ensinam que resciso em sentido tcnico s ocorre quando um contrato extinto em caso de leso ou de estado de perigo. Modernamente, esse no o entendimento, at porque so defeitos do negcio jurdico, portanto, causas antecedentes ou concomitantes formao do contrato, caso de invalidade e no de inexecuo, quando pressupomos um contrato perfeito. Outros autores mencionam resciso como uma espcie de resoluo do contrato, significando a resoluo culposa ou voluntria, isto , quando o contrato extinto por inadimplemento culposo do outro contratante. O conselho evitar o uso do termo resciso, pois, como no h consenso, um risco desnecessrio em prova. 8.1. Resilio do Contrato

    De acordo com o que foi visto, a resilio do contrato ocorre quando h a sua extino unicamente em razo da vontade das partes. Ela pode ser unilateral ou bilateral, a depender se o desejo de apenas um dos contratantes ou de ambos. No se discute aqui culpa da parte fazendo surgir uma causa de extino do contrato, pois no h causa jurdica que motive o seu fim, simplesmente a pessoa no quer ou eles no desejam mais. a) Resilio unilateral: ocorre quando apenas uma das partes no quer mais manter o contrato, sem precisar externar qualquer razo para isso. O artigo 473 da Lei Civil diz que se

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    opera mediante denncia notificada outra parte, ou melhor, o contratante deve notific-la formalmente. A resilio unilateral do contrato pode se dar quando a lei permitir ou quando houver expressa previso no contrato. H casos em que a lei permite a resilio unilateral do contrato, razo pela qual no ser devedor em perdas e danos outra parte. Por exemplo: o direito de revogao de contrato de mandato. Pode a lei no permiti-la, contudo a vontade das partes sim, quando inserem no contrato clusula permissiva, podendo ou no ser fixada uma multa a ser paga ao outro contratante se esta ocorrer. Se no houver previso legal nem contratual, a parte no poder unilateralmente resilir o contrato, podendo ser o caso de reclamao judicial para sua execuo forada. Exemplo: contrato de locao em que h previso apenas para o locatrio o resilir, tendo o locador que esperar o fim do contrato pela total execuo. b) Resilio bilateral: ocorre quando a extino do contrato se d unicamente por vontade, porm de ambas as partes, sendo chamado de distrato. um acordo das partes, pondo vim avena contratual, sem se externar qualquer causa para isso, razo pela qual, em princpio, nenhuma das partes deve qualquer indenizao ao outro contratante. Importante sobre o tema o artigo 472 do Cdigo Civil, que diz que o distrato dever ser feito na mesma forma exigida para ser feito o contrato. Como exemplo, se o contrato de compra e venda de um imvel de valor superior a trinta salrios mnimos deve ser por escritura pblica, o distrato assim tambm deve ser. 8.2. Resoluo do Contrato

    Resoluo do contrato a sua extino em razo do inadimplemento ou da mora da outra parte. Aqui o contrato no termina apenas em razo da vontade das partes, pois h uma causa que autoriza uma delas a pedir sua extino: o no cumprimento do contrato.

    Esse descumprimento pode ser com culpa ou sem culpa do contratante inadimplente, o que faz com que existam duas categorias de resoluo do contrato: com culpa (voluntria) ou sem culpa (involuntria). A grande

    diferena que no caso de resoluo culposa, o inadimplente ser devedor de perdas e danos junto com a resoluo; o que no ser devido se a resoluo no for culposa. Perceba que aqui falamos de mora e de inadimplemento, tema que abordamos no estudo das obrigaes neste livro, valendo ressaltar que s h mora e inadimplemento indenizveis em perdas e danos quando com culpa do devedor, pois, se sem culpa, apenas haver resoluo do contrato.

    Clusula resolutria aquela que permite ao contratante resolver o contrato diante do inadimplemento da outra parte. O contrato pode trazer uma clusula resolutria expressa, mas esta tambm pode ser implcita aos contratos. Quando isso ocorre?

    Todo contrato bilateral tem implcita a clusula resolutria. A razo que todo contrato bilateral sinalagmtico, o que significa que a prestao de uma das partes causa da prestao da outra parte. Como uma das partes s cumpre a sua prestao porque a outra cumpre a sua, o descumprimento autoriza a outra parte pedir a resoluo do contrato, mesmo que no tenha nele clusula permissiva expressa. Sendo contrato unilateral ou plurilateral, necessria a clusula resolutiva expressa no contrato, para que uma das partes possa pedir a resoluo em razo do inadimplemento ou mora da outra parte.

    H vantagem da clusula resolutria expressa em relao implcita, o que justifica sua insero inclusive no contrato bilateral. Vindo expressa no contrato, haver extino automtica do contrato em caso de inadimplemento, enquanto, se implcita, depende de interpelao judicial (art. 474 do CC). Alm disso, vindo expressa no contrato, j se insere clusula penal prefixando o valor da indenizao por perdas e danos. 8.2.1. Exceo de contrato no cumprido (exceptio non adimplenti contractus)

    Se uma das partes inadimplente, legitima a outra a pedir a resoluo do contrato. Agora, idealize que antes disso o inadimplente ajuze uma ao cobrando o cumprimento da prestao da outra parte. O que ela poder

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    fazer? Sendo um contrato bilateral, poder alegar a exceo de contrato no cumprido, quer dizer, que no cumprir sua prestao em razo do autor da ao no ter cumprido a sua. A razo j foi exposta: como o contrato bilateral sinalagmtico, a prestao de uma das partes causa da prestao da outra parte, razo pela qual quem no cumpre a sua prestao no pode exigir o cumprimento da prestao da outra parte (art. 476 do CC). 8.2.2. Resoluo sem culpa ou involuntria

    A extino do contrato se d pelo inadimplemento da outra parte, sem ela ter tido culpa no descumprimento contratual. Aqui no h indenizao por perdas e danos, no entanto apenas resoluo do contrato, pois o contratante quer cumprir o contrato, mas no consegue. Isso ocorre em dois casos: caso fortuito ou motivo de fora maior e no caso de aplicao da teoria da impreviso ou da onerosidade excessiva. a) Caso fortuito ou motivo de fora maior: so situaes inevitveis, insuperveis, que impedem o contratante de cumprir sua prestao. Imagine contrato de compra e venda de produto agrcola, que no pde ser entregue em razo de violenta tempestade que destruiu toda a plantao. No h culpa no inadimplemento, havendo simples resoluo do contrato, retornando as partes ao estado em que se encontravam antes de sua celebrao, sem direito de indenizao da parte prejudicada.

    Ateno! H dois casos em que acontecer resoluo sem culpa do contratante inadimplente, por decorrer de caso fortuito ou motivo de fora maior, todavia haver dever de indenizar o outro contratante em perdas e danos:.:

    (i) quando houver previso expressa no

    contrato impondo o dever de indenizar perdas e danos pelo seu descumprimento, mesmo em razo de caso fortuito ou motivo de fora maior (art. 393 do CC); e

    (ii) sempre que a impossibilidade da prestao se d por caso fortuito ou motivo de fora

    maior que ocorre durante a mora do contratante (art. 399 do CC). b) Teoria da impreviso ou da onerosidade excessiva: o tema j foi visto neste livro, neste captulo dos contratos, quando do estudo do princpio da obrigatoriedade mitigado pela clusula rebus sic stantibus, para onde remetemos a sua leitura. resoluo do contrato sem culpa, pois acontece fato superveniente e imprevisvel que desequilibra economicamente o contrato, legitimando o pedido de resoluo do contrato pelo fato da lei no exigir mais o seu cumprimento. 8.2.3. Resoluo com culpa ou voluntria

    A extino do contrato se d pelo inadimplemento da outra parte, tendo ela culpa no seu descumprimento. Exemplo: contrato de aluguel resolvido em razo do no pagamento do inquilino porque no quis ou porque foi negligente. A diferena para a resoluo no culposa que aqui o inadimplente, alm de suportar a resoluo do contrato, deve pagar indenizao por perdas e danos ao outro contratante (embora isso possa ocorrer na resoluo sem culpa, entretanto por exceo nos casos supramencionados). Importa mencionar que para alguns autores o instituto sob comento considerado como resciso.

    A resoluo com culpa no pode ser bilateral, apenas podendo ser unilateral. Se ambas as partes tiverem culpa no inadimplemento, a culpa ser daquele que primeiro tinha a obrigao de cumprir sua prestao. A razo disso o princpio da exceo de contrato no cumprido, pois, se houver prestaes simultneas e um dos contratantes no cumpre sua prestao, o outro est legitimado a no cumprir a sua prestao. 8.3. Efeitos no Tempo da Resoluo e da Resilio dos Contratos

    Havendo resoluo do contrato, essa deciso tem efeito retroativo ou noretroativo? Depende se o contrato for de execuo instantnea, diferida ou continuada.

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    Cristiano Sobral

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    Se o contrato de execuo nica, ou seja, de execuo instantnea ou at diferida, a deciso produz efeitos retroativos ou ex tunc, desfazendo-se o que foi feito at ento, pois resolver o contrato fazer retornar ao estado em que as partes se encontravam antes da sua celebrao. Assim, se estamos diante da resoluo de um contrato de compra e venda, o comprador devolve o bem e o vendedor devolve o dinheiro recebido, buscando-se eventual indenizao diante da perda ou deteriorao do bem ou at em razo de algum melhoramento por que passou.

    Se, contudo, o contrato for de execuo prolongada no tempo, isto , de execuo continuada, os efeitos sero no retroativos ou ex nunc, mantendo-se os efeitos at ento produzidos. A razo disso evitar um enriquecimento sem causa de um dos contratantes. Suponha um contrato de locao: se a resoluo tivesse efeito retroativo, faria com que o locador devolvesse o valor recebido durante o contrato, no tendo como o inquilino devolver o tempo que usou o bem, o que lhe geraria um enriquecimento sem causa por ter alugado o imvel por um tempo sem por isso pagar.

    O efeito retroativo (ex tunc) da resoluo dos contratos de execuo instantnea ou diferida e o efeito no retroativo (ex nunc) da resoluo dos contratos de execuo continuada valem tanto para a resoluo com culpa quanto para a resoluo sem culpa. A nica diferena entre eles que na resoluo culposa o inadimplente ser devedor de indenizao por perdas e danos, o que no ocorre, em regra, na resoluo sem culpa.

    Ateno! No caso da resoluo sem culpa decorrente da aplicao da teoria da impreviso ou da onerosidade excessiva, para cuja abordagem remetemos sua leitura, seja contrato de execuo continuada ou diferida, o efeito ser, por expressa previso legal, retroativa, porm at data da citao do processo em que o contratante pede a sua resoluo (a teoria no se aplica aos contratos de execuo instantnea).

    E se o caso for de resilio do contrato, a deciso tem efeito retroativo ou no retroativo? Quando falamos em resilio, estamos falando de contrato de execuo continuada, pois na resilio o contratante quer interromper o cumprimento da sua prestao prolongada no tempo. Por isso, a resilio do contrato tem efeito no retroativo ou ex nunc, no se desfazendo os efeitos produzidos at ento, no entanto apenas afastando a produo de efeitos da para frente, at porque no h qualquer causa jurdica a gerar o seu trmino, apenas o acordo de vontades em acabar com um contrato que produziu efeitos normalmente at ento.